SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Jovens Brasileiros, Consciência Histórica e Vida Prática
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Jovens Brasileiros, Consciência Histórica e Vida Prática
SCHIMIDT, Maria Auxiliadora. Jovens Brasileiros, Consciência Histórica e Vida Prática
Resumo Abstract
O trabalho tem como objetivo analisar a The paper aims to examine the relation-
relação entre a formação da consciência ship between the formation of historical
histórica e a vida prática de jovens, a consciousness and practical life among
partir da interpretação dos significados young people, from the interpretation
que determinados acontecimentos, co- of the meanings of certain events, such
mo as manifestações de rua, têm nesse as street demonstrations, in this pro-
processo, particularmente quando estas cess, particularly when these manifesta-
manifestações têm como horizonte rei- tions show the claims for basic rights
vindicações de direitos básicos relacio- related to the practical life of the young
nados à vida prática dos sujeitos. Op- people. We opted for the qualitative
tou-se pela metodologia da pesquisa de methodology research from the study of
cunho qualitativo, recortada a partir do a specific case of a group of young stu-
estudo de um caso específico de um dents in Curitiba, Paraná. Results allow
grupo de jovens estudantes de Curitiba. to say that to know elements of the his-
Resultados permitem afirmar que co- torical consciousness of the young, as
nhecer elementos da consciência histó- well as to make a preliminary assess-
rica dos jovens, bem como fazer uma ment of performance of its historical
avaliação preliminar de formas de atua- consciousness in relation to the de-
ção de sua consciência histórica em re- mands of practical life, can be one of the
lação às demandas da vida prática, pode preconditions for History teaching.
ser um dos pressupostos metodológicos Keywords: historical consciousness; his-
para o ensino de história. torical education; young people and
Palavras-chave: consciência histórica; History teaching.
educação histórica; jovens e ensino de
história.
papel que tem a consciência histórica na vida de uma sociedade, ela aparece
como uma contribuição cultural fundamentalmente específica que afeta e in-
flui em quase todas as áreas da práxis da vida humana. Assim, a cultura histó-
rica pode ser definida como a articulação prática e operante da consciência
histórica na vida de uma sociedade. Como práxis da consciência tem a ver,
fundamentalmente, com a subjetividade humana, como uma atividade da
consciência pela qual a subjetividade humana se realizada na prática, cria-se,
por assim dizer (Rüsen, 2009,p.4).
Na perspectiva rüseniana, a relação intrínseca entre consciência histórica
e vida prática remete, necessariamente, à compreensão de como a ação huma-
na no presente está matizada pelas determinações das diferentes dimensões da
cultura histórica: a dimensão cognitiva, estética, política, ética e moral, depen-
dendo da abrangência dessas dimensões na formação da consciência histórica
dos agentes. Assim, uma análise da relação entre a formação da consciência
histórica e a vida prática de jovens pode levar em consideração o significado
que têm determinados acontecimentos, como as manifestações de rua, nesse
processo, particularmente quando estas manifestações têm como horizonte
reivindicações de direitos básicos relacionados à vida prática dos sujeitos.3
uma sincronia cosmopolita febril e viral com uma sequência de rebeliões quase
espontâneas surgidas na margem sul do Mediterrâneo e que logo se manifesta-
ram na Espanha, com os Indignados da Puerta del Sol, em Portugal, com a Gera-
ção à Rasca, e na Grécia, com a ocupação da praça Syntagma. Em todos os países
houve uma mesma forma de ação: ocupação de praças, uso de redes de comuni-
cação alternativas e articulações políticas que recusavam o espaço institucional
tradicional. (Carneiro, 2013, p.8)
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O filósofo Michael Löwy entende que a presença dos jovens nas diferentes
manifestações contemporâneas é fruto de um sentimento de injustiça e insa-
tisfação que existe na sociedade e os jovens são os primeiros a se organizar e
protestar porque eles são mais influenciados pela indignação com a ordem das
coisas no mundo,
mãos e de gritar para ser ouvido que levou a população às ruas” (Brant, 2014,
p.34). E os gritos foram representados em palavras contra a corrupção, em
defesa da saúde e da educação pública de qualidade, como no slogan “Quere-
mos educação e saúde padrão FIFA”, numa alusão às exigências que a Federa-
ção Internacional de Futebol (FIFA) estava fazendo com relação à qualidade
dos estádios de futebol brasileiros. Do dia 14 até 21 de junho, a esses temas se
somou um discurso cívico, representado pela afirmação dos símbolos nacio-
nais, particularmente a bandeira brasileira, utilizada como representação da
afirmação das diferentes identidades presentes nas manifestações, nas quais
uma das ausências mais expressiva foi a da representação dos grandes partidos
políticos, além das reinvindicações de cunho econômico. Como afirma Brant,
“é notável, por exemplo, que as questões econômicas que deflagraram mani-
festações em outros países tenham ficado de fora da pauta no Brasil. De ma-
neira geral, a situação econômica era boa, a democracia predominava, o que
torna ainda mais surpreendente o volume que as manifestações ganharam”
(Brant, 2014, p.35).
Segundo sociólogos brasileiros, a juventude que participou dessas mani-
festações pode ser considerada, em sua maioria, como “os filhos da geração
inserida”, os mais de 40 milhões de brasileiros que passaram a ter poder de
consumo e cobram mais direitos:
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Percurso metodológico
Caro jovem, estamos realizando uma pesquisa sobre como os jovens de vários
países estão compreendendo as manifestações e os conflitos que elas têm produ-
zido. A nossa parte é saber como os jovens brasileiros pensam isso. E escolhemos
você para dar sua opinião. Agradecemos muito a sua colaboração para a nossa
pesquisa.
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Resultados
O saldo das narrativas produzidas pelos jovens indica uma adesão às ma-
nifestações como um movimento legítimo e justo, e em nenhuma das narrati-
vas apareceu uma rejeição a esse tipo de participação política. A perspectiva
da relação presente/passado/futuro apareceu de forma relativamente expres-
siva, podendo ser exemplificada pela ideia contida nestes trechos:
• Muitos sofreram e muitos sofrerão mas o que importa é a luta que du-
ra dia a dia. O governo sobe a tarifa dos transportes mas nosso salário
não sobe. (sem identificação, 18 anos, 3º ano)
• As manifestações têm significado para o passado, o presente e o futuro
do meu país porque vamos saber nossos direitos e correr atrás do que
é nosso. O transporte coletivo, o valor da tarifa está muito caro e ainda
precisa ser reajustada para menor ainda. As manifestações vão conti-
nuar porque a população é maior que muitos políticos ... A presidente
Dilma contratou médicos de Cuba para trabalhar no Brasil, muitas coi-
sas têm que mudar no Brasil, tem muito roubo dos políticos. (André,
17, 3º ano)
Além de serem consideradas legítimas, as manifestações também foram
vistas como formas históricas de luta do povo brasileiro, cujo significado na
vida da nação é considerado maior do que o de muitos políticos. Ademais, elas
representariam uma forma de protagonismo dos jovens na realização das mu-
danças necessárias ao país:
• Foi uma coisa que mexeu com todo o país. Essas manifestações, na
minha opinião, mexeram tanto com o país de uma forma que mobilizou
o país todo. Ninguém imaginava que poderia ter a proporção que aca-
bou tendo. Essas manifestações cresceram de uma forma tão grande que
em cada estado do Brasil as pessoas reivindicaram uma coisa e mostrou
o tamanho do jovem no Brasil. Na minha humilde opinião isso irá ser
lembrado por muito tempo e nunca se esquecerão que o jovem tem voz.
(William, 16 anos, 3º ano)
A ênfase nas manifestações como forma de luta para mudança e reivindi-
cação dos direitos predominou em 34 das narrativas produzidas. Cabe ressaltar
que, quando os jovens falam em direitos, indicam determinadas carências da
vida prática, como transporte público de qualidade, educação, saúde pública
e combate à corrupção. Não há nenhuma referência a demandas relacionadas
com direito à democracia, liberdade ou participação política, o que leva a
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Considerações finais
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nos quais os seres humanos recebem seu cunho cultural ou – recorrendo a uma
das metáforas prediletas das atuais ciências culturais – nos quais ele é ‘cons-
truído’” (Rüsen, 2014, p.100). Ao narrarem um acontecimento que vivenciaram
num passado próximo, os jovens expressaram sua consciência histórica muito
mais a partir de experiências de vida do que a partir da sua articulação com as
ideias e métodos da ciência da história. Revelador disso é o fato de que apenas
nove jovens recorreram às fontes (imagens) para elaborar argumentações e
opiniões. Esses jovens interpelaram e problematizaram as fontes, o que pode
ser considerado um modo reflexivo de atuação da consciência histórica em que
há um “posicionar-se consciente em relação à experiência do passado” (Rüsen,
2014, p.101).
À guisa de consideração final, conclui-se que a investigação realizada nes-
te estudo exploratório, para além de afinar o instrumento de investigação para
futuras pesquisas, permitiu conhecer elementos da consciência histórica dos
jovens, bem como fazer uma avaliação preliminar de formas de atuação de sua
consciência histórica em relação às demandas da vida prática, o que corrobora
investigações como as realizadas por Alves (2011), Fronza (2012), Azambuja
(2013) e Souza (2014). Ademais, ao se ouvirem os jovens, é possível inferir que,
ao contrário das forças policiais, para quem as manifestações são uma forma
de guerra e, por isso, devem ser duramente reprimidas, para os jovens, as ma-
nifestações são uma forma de reinventar a política e recriar a sociedade, soli-
dária e libertariamente.
REFERÊNCIAS
ALVES, Ronaldo Cardoso. Aprender história com sentido para vida: consciência his-
tórica em estudantes brasileiros e portugueses. Tese (Doutorado em Educação) –
Universidade de São Paulo (USP). São Paulo, 2011.
AZAMBUJA, Luciano de. Jovens alunos e aprendizagem histórica: perspectivas e prin-
cípios metodológicos a partir do trabalho com a canção popular. Tese (Doutorado
em Educação) – Universidade Federal do Paraná (UFPR). Curitiba, 2013.
BARCA, Isabel. Educação Histórica: uma nova área de investigação? In: ARIAS NE-
TO, Miguel (Org.) Dez anos de pesquisa em ensino de história. Londrina, PR: Atri-
toArt, 2005. p.15-25.
BRANT, João. Um ano depois de junho. Le Monde Diplomatique (Brasil), ano 7, n.83,
p.34-35, 2014.
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NOTAS
1
O campo de estudos e pesquisas denominado Educação Histórica vem se desenvolvendo
no Brasil, principalmente, na esteira das investigações realizadas pelo grupo de Educação
Histórica anglo-saxão e pelo grupo português. Trajetórias destes grupos podem ser encon-
tradas em trabalhos como os de Isabel Barca (2005); Maria Auxiliadora Schmidt e Isabel
Barca (2014); Peter Lee (2015).
2
Uma das pesquisas recentes que contribuíram para elucidar relações entre o conceito de
“vida prática” desenvolvido por Jörn Rüsen e suas articulações com a aprendizagem histó-
rica de jovens é a tese de doutorado de Ronaldo Cardoso Alves (2011).
3
Os conceitos de “jovem”, “juventude” e “condição juvenil” foram abordados na perspec-
tiva de autores como François Dubet, Danilo Martucelli e Mario Margulis, entre outros.
Ver, principalmente: Dubet & Martucelli (1998) e Dossiê Juventude e Educação (2004),
organizado por Olga Celestina da Silva Durand e Maria Auxiliadora Schmidt.
4
O conceito de manifestações de rua foi apropriado de Henrique Soares Carneiro (2013).
5
Atualmente há uma interessante produção acadêmica acerca das relações entre imagens e
ensino de história. O objeto e o objetivo deste estudo exploratório não foi desenvolver esta
problemática. Ver, por exemplo, os trabalhos de Erica Ramos Moimaz (2009), Jucilmara
Luiza Loos Vieira (2015), Fernanda de Moura Leal (2013) e Adriano Cecatto (2013).