DPP-Indicios Noronha Silveira
DPP-Indicios Noronha Silveira
DPP-Indicios Noronha Silveira
1.
I.
O Cdigo de Processo Penal1 utiliza a expresso indcios suficientes para
definir um dos pressupostos essenciais para a deduo da acusao e para a prolao
do despacho de pronncia em processo penal.
Refere, com efeito, o n. 1 do seu artigo 283. que, se durante o inqurito
tiverem sido recolhidos indcios suficientes de se ter verificado crime e de quem foi o
seu agente, o Ministrio Pblico (...) deduz acusao contra aquele 2.
O n. 1 do artigo 308., por seu turno, estabelece que se, at ao encerramento
da instruo, tiverem sido recolhidos indcios suficientes de se terem verificado os
pressupostos de que depende a aplicao ao arguido de uma pena ou de uma medida
de segurana, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos.
No se logrando alcanar indcios suficientes, devem os mesmos sujeitos
proferir, respectivamente, despacho de arquivamento do inqurito ou despacho de no
pronncia.
Efectivamente, esclarece o n. 2 do artigo 277. que o inqurito igualmente
arquivado se no tiver sido possvel ao Ministrio Pblico obter indcios suficientes
da verificao do crime ou de quem foram os agentes. E orientao equivalente
resulta, para o juiz de instruo, da parte final do j citado n. 1 do artigo 308., na
parte em que o legislador acrescenta: caso contrrio, profere despacho de no
pronncia.
II.
O presente estudo visa esclarecer o significado do conceito de indcios
suficientes no processo penal portugus. Para alcanar esse objectivo, seguir-se- o
seguinte plano: comear-se- por salientar a importncia do mencionado conceito na
estrutura do processo penal; passar-se- depois exposio e anlise crtica das
principais interpretaes possveis para a expresso e defesa do significado
considerado mais correcto; na parte final, relacionar-se- o conceito com realidades
afins e com alguns princpios estruturais do processo penal que se prendem com a
problemtica em causa.
III.
O uso da expresso indcios suficientes no constitui novidade em Portugal.
Ela j aparecia, com significado semelhante, no CPP de 1929, quer referida
acusao, quer ao despacho de pronncia3.
Como sinnimo de indcios suficientes, a legislao anterior a 1987 usava por
vezes a expresso prova bastante4 ou prova indiciria5.
De salientar, no entanto, que o novo Cdigo inovador num aspecto: inclui
uma definio legal de indcios suficientes. Ela consta do n. 2 do art. 283., de acordo
com o qual consideram-se suficientes os indcios sempre que deles resultar uma
possibilidade razovel de ao arguido vir a ser aplicada, por fora deles, em
julgamento, uma pena ou uma medida de segurana. A legislao anterior no
continha tal definio, que era deixada ao intrprete.
A expresso indcios suficientes carece efectivamente de ser esclarecida. Ela
no elucidativa, pois est incompleta. Para a compreender, indispensvel
perguntar: suficientes para qu6?
A resposta encontrada atravs da anlise da funo que o conceito
desempenha na estrutura do processo penal.
IV.
Como sabido, possvel, na marcha do processo penal comum, operar uma
distino entre duas grandes fases: a fase preparatria ou preliminar e a fase de
julgamento7. Essa diferenciao, que est nomeadamente presente na sistematizao
do CPP ao autonomizar, na sua Parte II, os Livros VI e VII, s se compreende
recorrendo ao mencionado conceito.
Efectivamente, entende o legislador portugus, acompanhado alis pelo da
generalidade dos pases, que s legtimo ao Estado submeter uma pessoa a
julgamento pela prtica de um crime havendo comprovados motivos que o
justifiquem. O que impe que a primeira etapa da tramitao do processo penal
comporte uma fase, ou um conjunto de fases, que visa investigar cabalmente a
existncia de um crime de que houve notcia e determinar os seus agentes,
descobrindo e recolhendo as provas. Terminada essa primeira parte do processo,
apelidada de preparatria, e esgotadas as diligncias de investigao possveis,
importa responder seguinte questo: h, ou no, motivos que justifiquem a
submisso de algum a julgamento? S uma resposta afirmativa permite a progresso
do processo para a fase seguinte a de julgamento.
No , em regra, assim no processo civil. Na maioria dos casos, o autor no
necessita de produzir antes da audincia final a prova dos factos que alega. Basta-lhe
3
Vejam-se os artigos 349., 354., 1. e 2., e 368. (estes dois ltimos apenas antes da reforma
operada pelo Decreto-Lei n. 185/72, de 31 de Maio). Aps as alteraes introduzidas pelo Decreto-Lei
n. 377/77, de 6 de Setembro, o n. 2 do artigo 390. passou a incluir a expresso responsabilidade
suficientemente indiciada.
4
Vejam-se os artigos 148., nico, e 345., ambos do CPP de 1929, bem como o artigo 26. do
Decreto-Lei n. 35 007, de 13 de Outubro de 1945.
5
Esta expresso surgia tambm, por exemplo, no j citado artigo 26. do Decreto-Lei n. 35 007.
O mesmo se podia dizer da expresso prova bastante, usada pelo CPP de 1929; nada se esclarecia se
no se soubesse para que essa prova bastava.
Veja-se, por todos, MANUEL CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, III, reimpresso da
Universidade Catlica, Lisboa, 1981, pginas 101 a 103.
apresentar uma petio inicial sem erros formais graves para que o processo possa
avanar at fase de julgamento.
Esta especial estruturao do processo penal encontra a sua razo de ser na
particular gravidade das consequncias que podem advir da simples submisso de
uma pessoa a julgamento penal. Mesmo que essa pessoa no venha a ser condenada,
ela sofrer inevitavelmente fortes prejuzos para o seu nome e reputao pelo simples
facto de ter de se sentar no banco dos res. Na verdade, e para alm da
possibilidade de se lhe continuar a aplicar eventuais medidas de coaco e de garantia
patrimonial, que podem restringir de forma substancial os seus direitos fundamentais,
irrecusvel o efeito sociolgico estigmatizante resultante do conhecimento pblico
de que uma pessoa vai ser julgada em processo penal.
O acto processual que representa a transio da fase preparatria para a de
julgamento a acusao ou a pronncia. E o conceito que est pressuposto nesse salto
qualitativo o de indcios suficientes.
Nos crimes pblicos e semi-pblicos a acusao, a existir, sempre formulada
em primeiro lugar pelo Ministrio Pblico. Ela significa o momento crucial do
exerccio da aco penal, chamando determinada pessoa responsabilidade, para ser
julgada pela jurisdio penal. Face ao princpio da obrigatoriedade a que o Ministrio
Pblico est vinculado, a deduo de acusao e a avaliao da suficincia de indcios
que lhe est pressuposta traduz para este rgo do Estado um dever8. O assistente,
querendo, acompanhar a acusao pblica atravs de uma acusao subordinada
(artigo 284.).
Nos crimes particulares, a acusao, a existir, sempre formulada em primeiro
lugar pelo assistente. A sua deduo um direito, cabendo ao assistente avaliar com
plena liberdade da oportunidade do exerccio da aco penal. Mas, embora o CPP no
o afirme expressamente, deve entender-se que o exerccio desse direito pressupe
tambm uma avaliao afirmativa quanto existncia de indcios suficientes9.
Assim, a acusao o meio processual de promover o exerccio da aco
penal. Independentemente de se aceitar que ela traduza o exerccio de um direito de
aco judicial em sentido prprio, ela representa sem dvida o impulso exterior
necessrio para que a jurisdio penal actue.
No que toca ao despacho de pronncia, ele proferido pelo juiz que dirige a
instruo. Sendo esta uma fase facultativa, cuja abertura depende de requerimento do
arguido ou do assistente, a verificao judicial da suficincia dos indcios s tem
lugar, segundo o actual modelo processual penal portugus, havendo uma iniciativa
nesse sentido do arguido ou do assistente. E a avaliao feita pelo juiz de instruo a
comprovao judicial da avaliao anteriormente realizada pelo Ministrio Pblico e
pelo assistente (n. 1 do artigo 286.).
De salientar que o conceito de suficincia dos indcios utilizado, na acusao
e na pronncia, exactamente com o mesmo significado. Os indcios qualificam-se de
8
Mais discutvel determinar se o mesmo dever do Ministrio Pblico se deve considerar presente nos
crimes particulares, aps a deduo de acusao pelo assistente. A posio que nesse momento do
processo o Ministrio Pblico chamado a tomar, acusando ou abstendo-se de acusar, parece dever
pautar-se pelos mesmos critrios de obrigatoriedade. Em minha opinio, o uso do verbo pode, no n. 3
do artigo 285., no deve ser interpretado no sentido de traduzir um critrio de oportunidade.
9
O mesmo se diga da abertura da instruo requerida pelo assistente. Tal requerimento pressupe
tambm uma avaliao positiva do assistente quanto suficincia dos indcios.
2.
2.1.
Generalidades
I.
Explicitada a sua funo na marcha do processo penal, chegado o momento
de aprofundar o significado da expresso indcios suficientes.
A expresso composta por dois vocbulos: indcios e suficientes.
De salientar, desde j, que a definio constante do n. 2 do artigo 283. apenas
se reporta ao segundo vocbulo. A lei no nos diz o que so indcios, apenas explica
quando os considera suficientes.
Esta ausncia de definio ter certamente a ver com o facto de a palavra
indcios ser utilizada com um sentido prximo do comum, no necessitando de um
especial critrio normativo: indcio uma palavra de origem latina que significa sinal,
marca, indicao. Aplicado investigao criminal, o conceito reporta-se tarefa de
descoberta e recolha de provas.
A palavra indcios, que alis o CPP utiliza amide12, refere-se, assim, ao
conjunto das provas j recolhidas no processo13 14 .
10
Significativa neste sentido a forma como o artigo 298. define a finalidade do debate instrutrio:
permitir uma discusso (...) sobre se, do decurso do inqurito e da instruo, resultam indcios de facto
e elementos de direito suficientes para justificar a submisso do arguido a julgamento.
11
Curso de Processo Penal, Volume 2., Editora Danbio Ld., Lisboa, 1986, pgina 231.
12
A palavra surge por vezes usada no singular, nomeadamente na definio de suspeito que consta da
alnea e) do n. 1 do artigo 1.; a maioria das vezes, porm, utilizada no plural - vejam-se, por
exemplo, os artigos 171., 174. e 200. a 202..
13
DA
II.
Para o qualificativo suficientes existe, como j se referiu, a definio legal
constante do n. 2 do artigo 283., a qual relaciona a suficincia dos indcios com uma
possibilidade razovel de condenao em julgamento.
A avaliao da suficincia exige, assim, um juzo prognstico sobre a
possibilidade de condenao no final da fase do julgamento. O que pressupe um
raciocnio de conjugao entre todos os indcios, por forma a fundamentar esse juzo
de prognose.
Esta definio, porm, continua a no ser esclarecedora. O que significa uma
possibilidade razovel de condenao? Qual o grau de probabilidade que este
conceito comporta?
Na resposta que doutrina e jurisprudncia tm dado a estas questes podem
distinguir-se trs correntes fundamentais:
-
uma primeira soluo afirma que basta uma mera possibilidade, ainda que
mnima, de futura condenao em julgamento;
Vejamos mais de perto cada uma destas solues e faamos a anlise crtica
dos argumentos por elas invocados.
2.2.
O CPP de 1929 usava o termo indiciado como sinnimo de acusado (ver artigos 370. e 371., por
exemplo). Essa utilizao, porm, prestava-se a confuses terminolgicas, tendo sido abandonada no
actual CPP.
15
A favor desta equiparao veja-se, por exemplo, o Acrdo da Relao de Lisboa de 14 de Maro de
1990, sumariado no Boletim do Ministrio da Justia n. 395, pginas 656 e 657.
Finalmente, a terceira interpretao que tem vindo a ser defendida advoga que
os indcios s so suficientes quando deles resulte uma forte, alta ou sria
possibilidade de futura condenao em julgamento.
Convm desde j salientar que certos autores advogam esta resposta sem
verdadeiramente a autonomizar da anterior. A suficincia dos indcios pressuporia
uma forte possibilidade ou uma probabilidade predominante18.
16
A citao retirada de um despacho do Tribunal Judicial de Torres Vedras que segue esta orientao,
o qual foi apreciado pelo Acrdo do Tribunal Constitucional n. 439/2002, publicado no Dirio da
Repblica, II Srie, n. 276, de 29 de Novembro de 2002.
17
18
Nesta linha de pensamento, escreve JORGE DE FIGUEIREDO DIAS: os indcios s sero suficientes e a
prova bastante quando, j em face deles, seja de considerar altamente provvel a futura condenao do
Para outros autores, porm, a suficincia dos indcios exige uma possibilidade
particularmente qualificada, que no se basta com a simples probabilidade
predominante.
Nesta tese, a suficincia dos indcios acaba por pressupor a formao de uma
verdadeira convico de probabilidade: indcios suficientes so, citando um dos
acrdos que se insere nesta linha de raciocnio, os elementos que, relacionados e
conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convico de
que (o arguido) vir a ser condenado19. Eles constituem um todo persuasivo de
culpabilidade do arguido, impondo um juzo de probabilidade do que lhe
imputado20.
Esta opinio, que prevaleceu na jurisprudncia portuguesa durante a vigncia
do CPP de 1929, ainda hoje conta com forte adeso21.
2.5.
Anlise crtica
I.
Antes de mais, importa analisar o teor literal da definio legal, a qual usa,
como j se referiu, a expresso possibilidade razovel.
Numa primeira aproximao, dir-se- que o legislador consagra a tese
intermdia da probabilidade predominante. Efectivamente, a qualificao de razovel
parece implicar uma ideia de moderao, de mediania. A expresso possibilidade
razovel aparenta significar mais do que uma possibilidade mnima, mas porventura
no exigir uma possibilidade especialmente forte ou qualificada.
Nesta linha de pensamento, h quem defenda que o legislador portugus, ao
incluir no CPP esta definio, teve a inteno de consagrar a posio intermdia da
suficincia dos indcios como sinnimo de probabilidade predominante, prevendo um
grau de exigncia menor do que aquele que era advogado pela doutrina e
jurisprudncia dominantes na vigncia do CPP de 192922.
Apesar de reconhecer que a letra da lei se adapta melhor teoria da
probabilidade predominante, julgo que o argumento literal no decisivo. Parece ser
possvel admitir que o termo razovel tenha sido usado para salientar um outro
significado deste qualificativo, que se prende com a ideia de algo que conforme
acusado, ou quando esta seja mais provvel do que a absolvio (Direito Processual Penal, Primeiro
Volume, Coimbra Editora Ld., reimpresso de 1981, pgina 133; itlicos no original).
19
20
21
Para uma listagem da jurisprudncia portuguesa mais recente sobre a interpretao a dar expresso
indcios suficientes vejam-se o Acrdo do Tribunal Constitucional n. 609/99, de 10 de Novembro,
publicado no Dirio da Repblica, II Srie, n. 44, de 22 de Fevereiro de 2000, bem como o relatrio de
mestrado apresentado em Setembro de 2003 na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa com o
ttulo Que Indcios ? (Um Estudo sobre o Uso da Expresso, sua Correcta Interpretao e os
Corolrios desse Entendimento), da autoria de GRACINDA SALLES RODRIGUES, a quem agradeo
a forma pronta com que me facultou o acesso ao mesmo. O relatrio inclui, em anexo, uma extensa
lista de jurisprudncia que se debrua sobre o tema.
22
Neste sentido vejam-se FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Direito Processual Penal Curso
Semestral, fascculos publicados pela AAFDL, Lisboa, 1998, pgina 129 e o Acrdo da Relao de
Lisboa de 14 de Maro de 1990,citado na nota 15.
com esse sentido que o mesmo adjectivo usado, por exemplo, no n. 4 do artigo 487..
24
25
A mesma posio defendida pelo Tribunal Constitucional no seu Acrdo n. 439/2002, citado na
nota 16. Sobre este tema, veja-se tambm a declarao de voto de ANTERO ALVES MONTEIRO DINIS
junta ao Acrdo do Tribunal Constitucional n. 226/97, publicado no Dirio da Repblica, II Srie, n.
145, de 26 de Junho de 1997, bem como GERMANO MARQUES DA SILVA, Do Processo Penal
Preliminar citado na nota 13, pginas 359 e seguintes.
26
27
Deve, por isso, ser afastado o principal argumento que sustenta a primeira tese
h pouco exposta, segundo a qual os indcios s no seriam suficientes se a acusao
fosse manifestamente infundada.
III.
Para uma esclarecida tomada de posio nesta matria importa compreender o
alcance efectivo da distino entre juzo de probabilidade e juzo de certeza que, como
j se mencionou, est subjacente diviso entre a fase preparatria e a fase do
julgamento na marcha do processo penal comum.
O juzo de certeza, enquanto afirmao da verdade no processo, seguramente
um juzo subjectivo. Ele assenta em indcios e traduz-se numa convico, num estado
de esprito, num ntimo convencimento28.
O mesmo se passa com o juzo de probabilidade. Ele implica a mesma margem
inescapvel de subjectivismo29. tambm uma opinio que se forma com base em
indcios, apreciando a prova disponvel nos autos.
Como ensina Castro Mendes, toda a convico humana uma convico de
probabilidade30 31.
Estas consideraes mostram, desde logo, que a primeira posio exposta
tornaria muito raros os despachos de arquivamento do inqurito ou de no pronncia,
esvaziando de utilidade toda a fase preparatria do processo, o que mais um
argumento em seu desfavor. Na esmagadora maioria dos casos o processo teria de
seguir para julgamento, j que, sendo a avaliao dos indcios um juzo
necessariamente subjectivo, raramente seria de rejeitar uma possibilidade, ainda que
mnima, dos factos investigados se terem efectivamente passado. Citando uma vez
mais Castro Mendes, no h afirmao cuja contrria no tenha um grau, mnimo
que seja, de possibilidade32. Ou seja, s em casos extremos seria legtimo afirmar a
insuficincia dos indcios.
IV.
Entre os defensores da teoria da probabilidade predominante est fortemente
enraizada a ideia de que o juzo indicirio a formular no final do inqurito ou da
instruo mais fraco, menos exigente, que o formulado na deciso final tomada aps
o julgamento. O juzo indicirio, de mera probabilidade, no exigiria a fora nem a
solidez da valorao da prova em julgamento. Bastar-lhe-ia uma possibilidade
razovel. Para alcanar um juzo de certeza, o grau de convencimento subjectivo do
julgador seria mais exigente, at porque os elementos sua disposio para o atingir
seriam mais completos.
Est assim pressuposta no raciocnio anterior a convico de que o grau de
exigncia do juzo indicirio que est presente ao longo do processo penal vai, em
28
Veja-se, por todos, JOO DE CASTRO MENDES, Do Conceito de Prova em Processo Civil, tica
Limitada, Lisboa, 1961, pgina 293 e seguintes.
29
Neste sentido veja-se FIGUEIREDO DIAS, Direito Processual Penal citado na nota 18, pginas 132 e
133.
30
31
Como salientou JOS OSRIO, na apreciao do justo grau de probabilidade est o segredo do acerto
da deciso (Julgamento de Facto, publicado na Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano VII 1954, pgina 218).
32
regra, crescendo medida que este vai progredindo. Pode comear com uma mera
possibilidade, ainda que diminuta, na qual se enquadra o conceito de suspeito; vai
evoluindo ao longo do inqurito, medida que vo sendo recolhidas as provas; passa
pela constituio de arguido; no momento da acusao e da pronncia j deve traduzir
uma maior probabilidade de condenao do que de absolvio; e vai consolidando-se,
num crescendo de exigncia, at culminar com o juzo de certeza formulado na
sentena final33.
Neste sentido, a fase preparatria do processo penal funcionaria como uma
triagem de situaes que justificariam julgamento34. Assemelhar-se-ia, fazendo uma
comparao com o processo civil, a um juzo de verosimilhana, ou de prova sumria
ou simples justificao, o qual seria suficiente para decretar uma providncia cautelar,
por exemplo, mas j no para a deciso de mrito na aco principal respectiva35.
V.
Em minha opinio, equiparar o juzo de probabilidade a um juzo de mera
verosimilhana, menos exigente do que o de condenao, no justificvel face
realidade estrutural do processo penal.
Efectivamente, o critrio normativo afirmado no juzo de suficincia dos
indcios deve corresponder realidade estrutural do processo penal.
Ora, como sabido, a acusao s deduzida depois de encerrado o inqurito;
e este s encerrado depois de esgotadas as diligncias e recolhidas todas as provas
que possam fundamentar a acusao. Assim, no momento do encerramento do
inqurito j se encontram recolhidas todas as provas da acusao. O actual CPP no
prev, ao contrrio do anterior, a deduo de uma acusao provisria, que possa ser
completada atravs da instruo. Alis, o Ministrio Pblico nem pode requerer a
abertura da instruo, o que refora a natureza definitiva da sua acusao.
Isto significa que os meios de prova que fundamentam a acusao, e que nela
so obrigatoriamente discriminados, no sero, salvo casos excepcionais, reforados
at audincia de julgamento. A tendncia natural ser, pelo contrrio, no sentido do
enfraquecimento dessas provas, j que iro ser submetidas ao crivo do contraditrio e
atacadas com o efectivo exerccio do direito de defesa, at a substancialmente
afectado.
Assim, o momento do encerramento do inqurito o momento do processo em
que os indcios da prtica do crime se revelaro, em princpio, mais fortes. A partir
desse momento, e salvo casos excepcionais, eles no se fortalecero; a sua
intensidade, pelo contrrio, tender a enfraquecer.
33
Esta tese parece ter acolhimento no n. 3 do artigo 301., que aparentemente confere prova
indiciria uma natureza menos exigente que a atribuda prova em audincia de julgamento. Neste
sentido se pronuncia GERMANO MARQUES DA SILVA, Do Processo Penal Preliminar citado na nota 13,
pgina 348. Mas, como normalmente acontece com os argumentos meramente literais, pode fazer-se
outra leitura da norma em questo, conjugando-a com as finalidades da instruo definidas no artigo
286..
34
A expresso de GIL MOREIRA DOS SANTOS, O Direito Processual Penal, Edies Asa, 2003, pgina
328.
35
Sobre a distino entre prova e verosimilhana em processo civil, veja-se PIERO CALAMANDREI,
Verit e Verosimiglianza nel Processo Civile, publicado na Rivista di Diritto Processuale, Volume X
(1955), Parte I, pginas 164 e seguintes.
10
Este raciocnio mostra, a meu ver, que no faz sentido exigir para a
condenao aps a audincia de julgamento uma prova indiciria mais forte do que a
exigida no momento da acusao ou da pronncia. Se a prova indiciria no atinge, no
momento da acusao ou da pronncia, a fora necessria para formar uma convico
de condenao, no vale a pena o processo prosseguir, pois essa convico no vai
certamente ser alcanada. Mesmo olhando apenas para os interesses da eficcia da
represso da criminalidade, prefervel nesses casos o inqurito ser arquivado,
aguardando produo de melhor prova, e consequentemente reaberto se ela aparecer,
do que avanar para o julgamento, correndo srios riscos de ser proferida sentena
absolutria definitiva.
Esta linha de argumentao aponta, pois, para a terceira tese exposta. Faz
sentido, atendendo particular estrutura do processo penal, exigir para a suficincia
dos indcios uma forte possibilidade de condenao futura, exigir uma verdadeira
convico de probabilidade dessa condenao.
VI.
Finalmente, equiparar o juzo de probabilidade a um juzo de mera
verosimilhana, menos exigente do que o de condenao, significa admitir que o juzo
de suficincia dos indcios compatvel com uma certa margem de dvida quanto
responsabilidade do arguido, o que conduz inevitavelmente a reconhecer que o
princpio da presuno de inocncia no se aplica nessa avaliao.
efectivamente comum entender-se que a formulao do juzo indicirio
compatvel com uma natural margem de dvida razovel. Mesmo havendo essa
dvida, pode ser possvel concluir pela maior probabilidade de condenao do que de
absolvio, situao em que os indcios deveriam ser considerados suficientes. S na
condenao final qualquer dvida razovel teria de ser afastada, por fora do in dubio
pro reo.
A nossa jurisprudncia, principalmente ao nvel dos tribunais da Relao, tem
vindo a advogar esta soluo, afirmando seca e recorrentemente que o princpio in
dubio pro reo no tem aplicao na fase da pronncia36.
A origem desta posio reside, salvo melhor opinio, no preconceito, j acima
denunciado, de que o juzo de probabilidade se contenta com uma prova indiciria
mais fraca, menos exigente que a pressuposta no juzo de certeza37 .
J foi salientado que este preconceito no tem justificao face ao sistema
estrutural do processo penal. Estar mais de acordo com esse sistema que as certezas
no momento da acusao sejam postas em dvida no julgamento do que as anteriores
dvidas se convertam em certezas. Uma dvida razovel no final do inqurito
dificilmente se dissipar durante a audincia de julgamento; pelo contrrio, uma
convico que aponte para a condenao no final do inqurito pode facilmente, depois
de sujeita a uma apreciao oral e contraditria na audincia, converter-se em dvida
razovel.
36
11
Posio adoptada
38
Esta expresso foi recentemente utilizada por SALDANHA SANCHES num artigo de opinio publicado
na edio do semanrio Expresso de 11 de Outubro de 2003.
39
Neste sentido vejam-se RUI PATRCIO, O Princpio da Presuno de Inocncia do Arguido na Fase
do Julgamento no Actual Processo Penal Portugus, AAFDL, Lisboa, 2000, pginas 34 e seguintes, e
o Acrdo da Comisso Constitucional n. 168, de 24 de Julho de 1979, publicado no Boletim do
Ministrio da Justia n. 291, pgina 346.
40
Neste sentido se pronuncia GRACINDA RODRIGUES, Que Indcios citado na nota 21, pgina 16.
41
Dvidas razoveis que o despacho de pronncia deve demonstrar que ultrapassou, como salienta o
Tribunal Constitucional no Acrdo n. 439/2002, j citado na nota 16.
12
I.
Das reflexes levadas a cabo no ponto anterior pode concluir-se que da
distino entre juzo de probabilidade e juzo de certeza no resulta uma diferena
essencial quanto ao grau de exigncia de verdade que deve estar presente em ambas as
avaliaes.
Seguindo a lio de Castanheira Neves, deve defender-se para a acusao a
mesma exigncia de prova e de convico probatria, a mesma exigncia de verdade`
requerida pelo julgamento final42 . Dever sim exigir-se aquele to alto grau de
probabilidade prtica quanto possa oferecer a aplicao esgotante e exacta dos meios
utilizveis para o esclarecimento da situao um to alto grau de probabilidade que
faa desaparecer a dvida (ou logre impor uma convico)43 .
Assim, para a suficincia dos indcios no deve bastar uma maior possibilidade
de condenao do que de absolvio. S uma forte ou alta possibilidade pode
justificar a deduo da acusao ou a prolao do despacho de pronncia. No apenas
por ser esta a soluo que melhor se adapta particular estrutura do processo penal,
como tambm por ser a nica que consegue a imprescindvel harmonizao entre o
critrio normativo presente no juzo de afirmao da suficincia dos indcios e as
exigncias do princpio da presuno de inocncia do arguido44.
Por todas estas razes, afirmar a suficincia dos indcios deve pressupor a
formao de uma verdadeira convico de probabilidade de futura condenao. No
logrando atingir essa convico, o Ministrio Pblico deve arquivar o inqurito e o
juiz de instruo deve lavrar despacho de no pronncia . E julgo que uma eventual
reforma do processo penal deveria aproveitar para clarificar a definio legal
constante do n. 2 do artigo 283., substituindo a expresso possibilidade razovel por
uma outra que transmita sem equvocos a ideia de uma possibilidade particularmente
qualificada, que s se afirme depois de afastadas quaisquer dvidas razoveis.
II.
Em que se traduz ento a diferena essencial entre o juzo de probabilidade e o
juzo de certeza?
Esta dicotomia existe, e deve manter-se, porque o juzo formulado no
momento da acusao e da pronncia, independentemente do grau de exigncia que
encerra, no apto a decidir com justia a questo da responsabilidade penal.
Quando esse juzo formulado aps o encerramento do inqurito, a convico
que ento se forma pode ser afectada pelas caractersticas inquisitrias que at esse
momento prevalecem no processo: o secretismo, o carcter escrito, a ausncia de
contraditrio, de oralidade e de imediao, tudo isto pode inquinar a avaliao quanto
suficincia dos indcios e contribuem para que ela no possa servir para fundamentar
um juzo de certeza.
E mesmo quando formulada no final da instruo, aps a realizao do
debate instrutrio, alguns desses vcios se podem manter. Embora j se tenha dado ao
arguido a oportunidade de exercer um verdadeiro direito de defesa, embora j tenha
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43
44
O prprio conceito normativo da expresso indcios suficientes deve ser entendido como uma
manifestao do princpio da presuno de inocncia. Tem sido esse tambm o raciocnio do Tribunal
Constitucional, nomeadamente nos j mencionados Acrdos n.s 439/2002 e 226/97 (citados nas notas
16 e 25, respectivamente).
13
3.
I.
A avaliao sobre a suficincia dos indcios no o nico juzo indicirio
possvel no processo penal antes da deciso final. Em diversas outras ocasies h a
necessidade de avaliar do mrito das provas j recolhidas.
O problema pode colocar-se logo no momento da abertura do processo. De
facto, situaes h em que se pode questionar se no se deve exigir uma avaliao
indiciria prvia deciso de abertura de um processo penal45.
De grande interesse seria tambm averiguar se a constituio de uma pessoa
como arguido dever, ou no, pressupor sempre a formulao de um determinado
juzo indicirio mnimo46. Qual a intensidade dos indcios exigvel para se afirmar que
o inqurito est a correr contra pessoa determinada e aplicar consequentemente o
regime dos artigos 58., n. 1, alnea a), e 272., n. 1?
Uma anlise do significado de cada uma das possveis avaliaes indicirias
ao longo do processo penal, porm, extravasa o mbito do presente estudo47.
II.
Uma dessas situaes, contudo, merece uma referncia especial, ainda que
breve, dado que est muito prxima da que nos tem vindo a ocupar.
45
Sempre que o Ministrio Pblico receba uma denncia que respeite os requisitos previstos no artigo
246. e mencione factos que constituam um crime pblico, a obrigatoriedade de abrir de imediato um
inqurito decorre do n. 2 do artigo 262.. Mas o problema j se poder colocar quando a denncia no
cumpra os mencionados requisitos (uma carta annima, por exemplo) ou quando houver dvidas
quanto relevncia criminal dos factos nela relatados ou quanto legitimidade do Ministrio Pblico
no caso concreto.
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De salientar que o artigo 251. do CPP de 1929, aps a reforma de 1972, passou a definir arguido
como aquele sobre quem recaia forte suspeita de ter perpetrado uma infraco cuja existncia esteja
suficientemente comprovada. Tal definio foi omitida no actual CPP.
47
Exemplos de outras possveis avaliaes indicirias com particular relevo na fase preparatria do
processo penal: a pressuposta na deciso de proceder a revistas e buscas (artigo 174.); a de saber se o
crime est imputado ao agente, para efeitos de aplicao de determinadas medidas de coaco menos
gravosas (artigos 197. a 199.).
14
48
49
Assim o faz PEDRO TEIXEIRA DE S, Fortes Indcios citado na nota anterior, pginas 400 e seguintes;
no mesmo sentido se pronuncia GRACINDA RODRIGUES, Que Indcios? citado na nota 21, pgina 26.
50
Da que faa todo o sentido o reexame peridico obrigatrio dessa avaliao indiciria, pelo menos
enquanto no for deduzida acusao. Antes da acusao, o reexame obrigatrio, actualmente apenas
previsto para a priso preventiva, deveria ser alargado s restantes medidas de coaco que pressupem
a verificao de um juzo indicirio qualificado.
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Os indcios que fundamentam a acusao podem no estar ainda todos recolhidos. Mas os que j se
recolheram devem ser quantitativa e qualitativamente suficientes para formar uma convico de
probabilidade de futura condenao. Da que me paream exagerados os prazos que o CPP prev para a
durao mxima das medidas de coaco mais graves at ser deduzida acusao (6, 8 ou 12 meses,
consoante a gravidade do crime e a complexidade do processo artigos 215. e 218.).
15
4.
I.
A exacta compreenso da importncia da avaliao da suficincia dos indcios
para permitir a transio da fase preparatria para a fase de julgamento evidencia a
necessidade de evitar que tal avaliao seja feita pelo mesmo magistrado que vai
julgar a causa. Essa uma exigncia basilar do princpio do acusatrio, o qual,
visando a mxima garantia de imparcialidade, impede de intervir na formulao do
juzo de certeza o magistrado que tenha formulado o juzo de probabilidade.
Efectivamente, a necessidade de formular um autnomo juzo de certeza
depois de se concluir por um juzo de probabilidade no um mero preciosismo do
legislador processual penal. uma imposio para obter uma deciso justa e
imparcial, dado que a convico alcanada durante o processo preparatrio no rene
as condies necessrias para fazer justia num Estado de direito. Como j foi
salientado, ela uma convico baseada em boa medida em provas recolhidas
unilateralmente pelo Ministrio Pblico e rgos de polcia criminal, sem garantia de
total contraditrio, com segredo de justia, sem imediao nem oralidade e sem
publicidade.
Pelo contrrio, a convico de certeza h-de basear-se na produo
concentrada, pblica, com oralidade e imediao, de todas as provas, devidamente
contraditadas por todos os sujeitos processuais.
Permitir que pudesse julgar a causa um magistrado que j tivesse formulado
juzos de apreciao dos indcios existentes, considerando-os suficientes ou
insuficientes, seria fazer perigar a confiana geral na objectividade da justia, pois
seria legtimo duvidar que esse magistrado se iria abstrair das concluses j
formuladas para criar uma convico nova, apenas baseada nas provas produzidas na
audincia de julgamento.
Assim, estar impedido de julgar a causa o magistrado que, no final da fase
preparatria, j tiver avaliado a suficincia ou insuficincia dos indcios52 53.
II.
Merece, por isso, a minha concordncia, a forte limitao dos poderes de
apreciao liminar da causa pelo juiz de julgamento, que a reforma de 1998 veio
clarificar. Por fora do novo n. 3 que a Lei n. 59/98 aditou ao artigo 311., fica
esclarecido que o saneamento do processo versa questes meramente formais, no
podendo em caso algum a acusao ser rejeitada nessa fase processual por
insuficincia de indcios. E esta limitao impe-se quer a acusao tenha sido
formulada pelo Ministrio Pblico, quer o tenha sido pelo assistente. Outra
52
Esta soluo est implcita no artigo 40.. A referncia nele contida presidncia do debate
instrutrio, porm, deveria, no bom rigor dos princpios, reportar-se prolao da deciso instrutria.
No por presidir ao debate instrutrio que o juiz faz perigar a confiana pblica na sua
imparcialidade, mas sim por, depois de ter encerrado esse debate, proferir a deciso instrutria,
avaliando formalmente a suficincia dos indcios.
53
16
5.
I.
No sistema do actual CPP, o juiz de instruo s avalia a suficincia dos
indcios, proferindo despacho de pronncia ou de no pronncia, se tal lhe for
solicitado pelo arguido ou pelo assistente.
No foi assim durante a vigncia do CPP de 1929, pelo menos para a forma de
processo de querela: a submisso de uma pessoa a julgamento pressupunha sempre a
prolao de um despacho de pronncia e, portanto, uma avaliao judicial da
suficincia dos indcios.
A soluo do actual CPP manifestao de um princpio nele consagrado, que
tem repercusses relevantes em todas as fases do processo penal, e que podemos
designar por princpio da iniciativa processual das partes: jurisdio est, em regra,
vedada a iniciativa da sua prpria interveno. O juiz s exerce o seu poder soberano
de administrar a justia quando uma outra entidade exterior solicite formalmente a sua
interveno.
Assim, a avaliao da suficincia dos indcios pode no ser judicialmente
comprovada, nomeadamente quando o arguido no requeira a abertura da instruo.
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17
Num plano de direito a constituir, seria porventura prefervel prever a abertura obrigatria de
instruo nos crimes particulares, sempre que o Ministrio Pblico, na avaliao prevista no n. 3 do
art. 285., entendesse ser infundada a acusao particular.
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A defesa desta posio pode ver-se, por exemplo, no despacho de 1 de Julho de 2002 do Tribunal
Judicial de Cuba, que foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, o qual, pelo Acrdo n.
276/2003, publicado no Dirio da Repblica, II Srie, n. 229, de 3 de Outubro de 2003, concluiu pela
no inconstitucionalidade da norma constante da alnea a) do n. 2, conjugada com o n. 3, do artigo
311.. No mesmo sentido se havia j pronunciado o mesmo Tribunal pelo Acrdo n. 101/2001, de 14
de Maro, publicado no Dirio da Repblica, II Srie, n. 131, de 6 de Junho de 2001. Considerando a
no obrigatoriedade da fase instrutria como compatvel com a Constituio veja-se tambm o Acrdo
do Tribunal Constitucional n. 610/96, de 17 de Abril, publicado no Dirio da Repblica, II Srie, n.
155, de 6 de Julho de 1996.
57
E ser compatvel com a Constituio uma soluo que, tal como sucedia na vigncia do CPP de
1929, preveja a comprovao judicial dos indcios, mesmo quando o arguido a no tenha requerido? O
Ministrio Pblico chegou a defender que no, a propsito de um tema controverso o dos efeitos da
deciso instrutria sobre os co-arguidos no requerentes da instruo. O Tribunal Constitucional,
porm, no lhe deu razo (veja-se o Acrdo n. 226/97, citado na nota 25). E julgo que com razo. O
princpio da iniciativa processual das partes no uma exigncia constitucional. O que j no se revela
compatvel com a Constituio defender, para remediar a falta de controlo judicial sobre a avaliao
indiciria nos casos em que no seja requerida instruo, um reforo dos poderes do juiz de julgamento
no momento do saneamento do processo, atribuindo ao julgador um papel que apenas pode ser
desempenhado pelo juiz de instruo.
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6.
Concluses
Das reflexes levadas a cabo nas linhas anteriores podem tirar-se as seguintes
concluses fundamentais:
a) Constitui uma fundamental garantia de defesa do arguido o direito de no
ser submetido a julgamento penal seno havendo indcios suficientes de
que praticou um crime;
b) Esse direito deve ser entendido como uma importante manifestao do
princpio da presuno de inocncia do arguido, o qual est presente ao
longo de todo o processo penal;
c) A expresso indcios suficientes exige uma possibilidade particularmente
qualificada de futura condenao, pressupondo a formao de uma
verdadeira convico de probabilidade dessa condenao;
d) O princpio da presuno de inocncia deve estar tambm presente na
avaliao da suficincia dos indcios e ser compatvel com o contedo
normativo a atribuir a esse juzo indicirio;
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