Sociologia Da Acessibilidade
Sociologia Da Acessibilidade
Sociologia Da Acessibilidade
Acessibilidade
Sociologia da Acessibilidade
Sociologia da
Acessibilidade
Sociologia da Acessibilidade
Edio revisada
2008 IESDE Brasil S.A. proibida a reproduo, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorizao por escrito dos autores e
do detentor dos direitos autorais.
CIP-BRASIL. CATALOGAO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
__________________________________________________________________________________
G198s
Garcia, Carla Cristina
Sociologia da acessibilidade / Carla Cristina Garcia. - 1. ed., rev. - Curitiba, PR : IESDE
Brasil, 2012.
156p. : 28 cm
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3170-2
1. Deficientes - Poltica governamental. 2. Deficientes - Estatuto legal, leis, etc. 3.
Integrao social. I. Ttulo.
12-7137.
CDD: 362.4
CDU: 364.4-056.26
02.10.12 15.10.12
039480
__________________________________________________________________________________
Sumrio
Diversidade humana e deficincia: discriminao, excluso e preconceitos | 7
Diversidade humana: histrico dos conceitos gerais a partir das Cincias Sociais | 7
A noo de cultura e a diversidade | 9
Deficincia e excluso na mitologia grega | 11
O texto bblico e a deficincia | 12
Deficincia e incapacidade | 33
Deficincia e estigma | 33
Deficincia ou incapacidade? | 34
Pessoas portadoras de deficincia: definies | 35
O modelo mdico e o modelo social da deficincia fsica | 37
O Sistema de Classificao Internacional de Funcionalidade | 39
Pensando a acessibilidade | 59
Conceitos gerais | 59
Em busca de indicadores de acessibilidade | 60
Acessibilidade universal | 63
O desenho para todos | 64
Cidades e acessibilidade | 69
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Os idosos e a acessibilidade | 95
Acessibilidade e transportes para os idosos | 97
Arquitetura e acessibilidade para os idosos | 99
Apresentao
Na maior parte das sociedades ocidentais contemporneas, a questo da
acessibilidade tem sido tratada como um conceito moderno de abordar os
problemas que enfrentam as pessoas portadoras de deficincias (PPDs). De
uma forma mais ampla, o termo acessibilidade refere-se a tudo o que se possa
alcanar, conseguir ou possuir. De maneira mais especfica, pode-se definir
acessibilidade como o direito de ir e vir de todas as pessoas, com autonomia
e independncia, isto , o direito bsico garantido a todos os cidados, e que
atualmente tem ganhado a devida ateno em todo o mundo. Considerando
que o objetivo da acessibilidade universal e do desenho para todos (sua
ferramenta bsica) envolve e inclui todas as pessoas, reconhece-se que existe
um grupo social que, para poder desenvolver uma vida independente e
autnoma, requer necessariamente dos equipamentos urbanos, produtos
e servios acessveis. Nesse sentido, considera-se que o grupo com maiores
necessidades de acessibilidade o de pessoas portadoras de deficincia, tendo
em vista ser este o coletivo social que mais se v afetado pelas barreiras do
entorno, sejam as das edificaes, de comunicao ou informativas. O estudo
da acessibilidade permite apreender entre outras coisas a relao existente
entre as reais necessidades de acesso da populao e as aes realizadas pelos
governos para que essas demandas sejam atendidas em termos de oferta de
recursos. Esse enfoque permite identificar quais so os fatores que facilitam
ou dificultam a busca, a obteno e a utilizao dos equipamentos urbanos,
sejam eles quais forem.
Nos ltimos anos, essas discusses tm adquirido novas dimenses sociais e
polticas, e a Sociologia no se excluiu desse debate que at pouco tempo era
travado fundamentalmente no mbito da Assistncia Social, da Sade ou da
Diversidade humana
e deficincia: discriminao,
excluso e preconceitos
Carla Cristina Garcia*
Vale lembrar que a maior parte das explicaes sobre a diversidade humana enfatizava os
aspectos negativos dos outros, tendo como parmetro as caractersticas fsicas e culturais dos povos
sob cujo ponto de vista se pensava a diferena: a sociedade ocidental branca. Em muitos casos negouse a qualidade de humanos a algumas culturas.
A essa atitude as Cincias Sociais chamam etnocentrismo, ou seja:
A Interpretao das ideias ou das prticas de uma outra cultura em termos de sua prpria cultura. Os julgamentos
etnocntricos deixam de reconhecer as verdadeiras qualidades das outras culturas. Um indivduo etnocntrico
algum que no tem capacidade, ou vontade, de observar outras culturas nas prprias condies delas. (Giddens,
2005, p. 567)
Muitos dos exemplos que paream demonstrar atitudes mais positivas em relao alteridade
podem encobrir na verdade o etnocentrismo. Rousseau, por exemplo, um crtico da sociedade europeia,
cunhou a ideia do bom selvagem. As cortes europeias deleitavam-se com o exotismo meio animal
meio humano da populao das colnias.
No sculo XVI, com a expanso colonial europeia, caractersticas como a cor da pele e outros traos
fsicos dos povos encontrados por exploradores passaram a ser um aspecto privilegiado no imaginrio
europeu, como marcador das diferenas entre as culturas (Maggie, 1996, p. 226). A partir dessa poca, o
pensamento europeu desenvolveu uma forma especfica de classificar e pensar as coisas do mundo.
A busca pelo conhecimento, que separou a religio e a filosofia e criou o mtodo cientfico, passou
a desenvolver critrios de observao sistemtica e de classificao em hierarquias racionais que foram
aplicados s novas formas de vida (vegetal, animal e humanas) que passaram a ser estudadas.
Nesse sentido, os critrios de classificao das diversidades vegetais e animais foram tomados
como normas principais de demarcao das diferenas humanas.
Darwin com sua obra A Origem das Espcies foi um importante marco da revoluo metodolgica
que expressava uma sntese revolucionria na cincia classificatria naturalista das espcies. Sua teoria
da evoluo biolgica das espcies introduziu uma viso dinmica que se desvinculou das cincias
classificatrias naturais referentes s explicaes da origem inata das diferenas entre as espcies. No
obstante, desde meados do sculo XIX at meados do sculo XX, nos debates cientficos sobre raa, esse
pensamento dinmico no se havia consolidado. Segundo Ventura dos Santos (1996, p. 125-127), a obra
de Darwin e de outros com modelos evolucionistas levaram um longo tempo para se consolidarem nas
Cincias Sociais que se baseavam na construo de categorias como tipos raciais e raas.
O clima do ps-guerra europeu, nos fins da dcada de 1940 e dcada de 1950, trouxe reaes
radicalmente contrrias aos fundamentos da eugenia, levada ao extremo pela poltica nazista. Essa
transio foi significativamente marcada na Assembleia da Organizao na Naes Unidas para a Educao
a Cincia e a Cultura (Unesco) de 1949 (VENTURA DOS SANTOS, 1996, p.129-132). Nessa Assembleia,
alguns intelectuais, como Claude Lvi-Strauss, foram convidados a participar e exerceram influncia no
relatrio final, contrrio nfase na diversidade racial como explicao de fenmenos socioculturais e
ambientais. A negao da diversidade biolgica e sua influncia em certas caractersticas individuais dos
grupos humanos levaram a uma forte reao por parte de geneticistas, bilogos e antroplogos fsicos.
s classificaes da diversidade humana, baseadas na morfologia fsica e no conceito de raa,
sobrepunham-se igualmente aspectos do comportamento e formas de pensar e sentir (aspectos
socioculturais). O evolucionismo darwinista inspirara, inicialmente, uma hierarquizao da diversidade
humana e das raas em que a raa branca estaria no pice da escala de evoluo, devido sua
superioridade tecnolgica e, acreditava-se, moral.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Por influncia do darwinismo social, o projeto de dar conta da diversidade cultural levou
os primeiros cientistas sociais a debruarem-se sobre os relatos de viajantes de exploradores e
administradores coloniais que falavam sobre o exotismo das sociedades ditas inferiores, incivilizadas,
simples, em relao a uma viso industrial da tcnica, e, finalmente, primitivas por serem remanescentes
de formas antigas da evoluo das sociedades humanas. O relativo isolamento geogrfico dessas
sociedades e povos contribuiu para essa viso, mas a persistncia dessas sociedades em resistir ao longo
do tempo de forma bastante diferente da tradio europeia colocou um problema crucial para a viso
evolucionista e etnocntrica da diversidade humana, o que motivou importantes mudanas em alguns
conceitos a partir dos resultados das pesquisas com culturas diferenciadas no interior das sociedades
complexas, ou seja, da sociedade ocidental.
10
Para as Cincias Sociais, atualmente, a cultura pode ser entendida como um sistema simblico
(Geertz, 1973), caracterstica fundamental e comum da humanidade de atribuir, de forma sistemtica,
racional e estruturada, significados e sentidos s coisas do mundo. Observar, separar, pensar e
classificar atribuindo uma ordem totalizadora fundamental para se compreender o conceito de cultura,
atualmente definido como sistema simblico, e sua diversidade nas sociedades humanas.
Desse modo, os rumos conceituais e as construes tericas atuais das Cincias Sociais (o
individualismo, a fragmentao, a alta especializao tcnica e a dificuldade de se articularem nveis
distintos de relaes qualitativas e quantitativas entre os fenmenos no modo globalizado hegemnico
de pensar) so os problemas mais enfatizados (Dumont, 1985; Duarte, 1998). Estudos voltados
para grupos marginalizados nas regies urbanas, grupos pertencentes s classes populares e altas
da sociedade moderna, levaram a uma anlise crtica da viso de mundo ocidental moderna e da
globalizao, inclusive a da prpria cultura cientfica nas reas mdicas e deve-se ressaltar sobre a
viso social da deficincia fsica (Verani, 1994; Duarte, et al., 1998; Lupton, 1999; glat; PONTES;
petersen; button, 2002).
No que concerne discusso principal desta aula, ou seja, a discusso sobre diversidade humana
e deficincia, interessa aprofundar como essas questes so tratadas tanto no que se refere s explicaes de ordem biolgica quanto s culturais e ticas. Nesse sentido, importante analisar como a
deficincia tratada tanto no mbito da cultura quanto nas discusses sobre a Nova Gentica (GLAT;
PONTES; PERTESEN, BUNTON, 2002).
Comeando pelo debate travado nesse ltimo campo, a nova gentica na sociedade capitalista
global, ao produzir estudos visando melhoria da qualidade de vida humana no sentido de prevenir
doenas e evitar riscos de deficincia, poderia estar, numa viso crtica, criando uma reedio
individualista da eugenia, sob o argumento de uma aposta no futuro positivo para a preveno e
controle de doenas e deficincias fsicas herdadas, construindo, assim, novas identidades de sociedade
e eliminando grupos e indivduos inferiores de risco, baseados em diferenas biolgicas referentes
no cor da pele, mas herana gentica e possibilidade da deficincia fsica.
Ao tomar como objetos de estudo o Projeto Genoma e o Biosfera II1, Sfez afirmou que hoje o
inimigo no mais s o selvagem, que precisa ser civilizado, e o marginalizado. Disse: o inimigo est em
ns, no permetro da cidade poluda, do bairro desmembrado, nas famlias, em nossos corpos enfermos,
em nossos genes (SFEZ, 1996, p. 25).
Essa questo contrasta cotidianamente com a realidade da maioria das pessoas que vivem no
flagelo da fome e da doena, numa situao paradoxal, pois no momento em que toda humanidade
poderia estar usufruindo das promessas da modernidade e dos decantados avanos da cincia, a maior
parte dela no tem, nem mesmo, as condies bsicas para uma vida digna (SILVA,1999b, p. 52).
No mbito da cultura, importante analisar de que forma o imaginrio da sociedade ocidental,
por meio de seus mitos, foi construindo, ao longo dos sculos, a imagem do deficiente fsico.
A deficincia fsica foi histrica e simbolicamente considerada fator de excluso social, e as
narrativas mticas contam sobre a rejeio, a punio e a excluso dos deficientes em consequncia de
1 Projeto Genoma o nome de um trabalho conjunto realizado por diversos pases visando desvendar os mistrios do cdigo gentico de um
organismo (podendo ser animal, vegetal, de fungos, bactrias ou de um vrus) atravs do seu mapeamento. Seu marco inicial considerado o
Projeto Genoma Humano. O projeto Biosfera II consistiu na construo de uma redoma no deserto do Arizona (EUA), onde foram confinados
oito cientistas, entre 1991 e 1993, com mais 3 800 espcies. No seu interior reproduziam-se diversos ambientes naturais terrestres, como
florestas, pntanos e at um minioceano. Teve como objetivo a realizao de estudos de dinmica ecossistmica e o desenvolvimento de
tecnologia para aplicao em futuras bases e estaes espaciais, visando criar condies sustentveis de vida e produo de alimentos.
| 11
sua aparncia fsica. Considerando que o mito tem por finalidade interpretar e fornecer sentido a uma
realidade significativa na vida social do grupo ao compreender a sua funo simblica, pode-se revelar
o sentido profundo das realidades sociais que afetam o grupo em questo e desse modo empreender
uma anlise da deficincia fsica por meio da leitura de alguns mitos constitutivos do imaginrio
ocidental: a mitologia grega e a Bblia crist.
Nessas narrativas, a deformidade ou a deficincia denotam ausncia de integridade corporal e
assimetria, que simbolicamente remeteria a significados relacionados a valores morais desfavorveis. A
descrio do corpo na presena de uma deformidade fsica, como no mito de Hefestos e em algumas
histrias bblicas que descreveremos a seguir, evocam adjetivos como feio, manco e de pernas dbeis.
12
[...] s vezes, os ferreiros so monstros, ou identificam-se com os guardies dos tesouros ocultos. Possuem, portanto,
um aspecto temvel, propriamente infernal; sua atividade aparenta-se magia e feitiaria. E por essa razo que, muitas vezes, os ferreiros eram mais ou menos excludos da sociedade; e, na maioria dos casos, seu trabalho era rodeado
de ritos de purificao, de proibies sexuais e de exorcismos. [...] Hefestos apresentado como um demiurgo, criatura
intermediria entre a natureza divina e a humana, sendo descrito por Homero como disforme e claudicante, monstro
esbaforido e manco, cujas pernas dbeis vacilam sob o peso do corpo. (CHEVALIER; GUEERBRANT, 1991, p. 424; 485)
Segundo Chevalier e Gueerbrant (1991, p. 328), toda deformidade sinal de mistrio, seja malfico, seja benfico, e a deformidade de Hefestos inscreve-se na ausncia de integridade corporal, como
um elemento de desqualificao e de assimetria, o que elimina a paridade humana e remete ao uno,
esquerdo ou direito malditos.
Hefestos foi representado nas artes plsticas ao longo dos sculos muitas vezes de forma
ambgua: os artistas costumavam disfarar, dissimular ou suprimir sua deformidade numa tentativa
de neg-la. As representaes simblicas do corpo deficiente, presentes no mito de Hefestos, fazem
parte do imaginrio relacionado deficincia fsica, que pode ser constatado contemporaneamente
nos discursos do senso comum sobre a deficincia fsica.
| 13
Em Levtico 21: 16-24 (apud KILLP, 1990), nas leis para os sacerdotes, pode-se observar o impedimento de todos os doentes e deficientes para os rituais, por serem considerados impuros por Deus, quando
este pede a Moiss que anuncie a Aro, o sacerdote, e aos filhos de Israel que nenhum de seus descendentes que possuam qualquer defeito poder oferecer ofertas a Ele, pois profanariam Seus santurios:
Nenhum homem em quem houver defeito se chegar: como homem cego, ou coxo, ou de rosto mutilado, ou desproporcionado, ou homem que tiver o p quebrado ou mo quebrada, ou corcovado, ou
ano, ou que tiver belida no olho, ou sarna, ou impigens, ou que tiver testculo quebrado.
Nessa passagem esto impedidas para o ritual todas as pessoas consideradas deficientes,
tomando-se claramente sua aparncia fsica como referencial para a excluso. Mesmo a utilizao de
animais defeituosos para os rituais proibida, por tambm serem considerados impuros, portanto
indignos para o sacrifcio (Lv 22:19-23 apud KILLP, 1990): Quando algum oferecer sacrifcio pacfico
ao Senhor, quer em cumprimento de voto ou do rebanho, o animal deve ser sem defeito para ser
aceitvel; nele, no haver defeito nenhum. O cego ou aleijado, ou mutilado, ou ulceroso, ou sarnoso,
ou cheio de impigens, no os oferecereis ao Senhor [...].
No texto do Novo Testamento pode-se constatar que, na maior parte das curas realizadas por
Jesus, alm do servir a Deus como forma de se manter livre das doenas, est presente o estabelecimento
de relaes diretas entre a doena/deficincia e o pecado e entre a cura da doena e o perdo divino.
Como exemplo, h o relato da cura de um paraltico em Cafarnaum:
[...] Vendo-lhes a f, Jesus disse ao paraltico: homem, esto perdoados os teus pecados. [...] Qual mais fcil dizer: Esto perdoados os teus pecados, ou Levanta-te e anda? Mas, para que saibais que o Filho do Homem tem sobre a terra
autoridade para perdoar os pecados disse ao paraltico: Eu te ordeno: Levanta-te, toma o teu leito e vai para casa.
(Lc 5: 17-26; Mt 9: 2-8; Mc 2: 1-12)
A mesma relao entre doena e pecado e entre cura e perdo reafirmada em Joo 5: 14 (apud
KILLP, 1990), onde, aps haver ministrado a cura a um enfermo, Jesus adverte: Olha que j ests curado;
no peques mais, para que no te suceda coisa pior. Algo similar se verifica em Tiago 6: 14-16: Est
algum entre vs doente? [...] Confessai, pois, os vossos pecados uns aos outros e orai uns pelos outros,
para serdes curados.
Pode-se observar que a doena e a deficincia fsica so consideradas a materializao do castigo
divino, revelando aos olhos da sociedade o pecador, adquirindo, assim, um significado punitivo.
A questo do corpo perfeito e belo encontra-se simbolicamente representado no Um, que por
sua vez representado por um falo ereto, um basto ou um homem de p, ativo e associado obra
da criao sendo esse smbolo da totalidade representante tambm do Deus nico (Chevalier;
Gueerbrant, 1991).
A partir da anlise das origens simblicas e das relaes entre deficincia fsica e punio divina
dentro da cultura religiosa judaico-crist e da mitologia grega, evidencia-se o estigma em relao
deficincia fsica. O estigma, generalizado na pessoa com deficincia, aponta-a como pecadora ou
impura, portadora de um mal capaz de contaminar, devendo ser, portanto, punida e mantida afastada do
convvio social. Pode-se dizer que os mitos, por corresponderem a narrativas de questes significativas
para o ser humano, revelam contedos muitas vezes inconscientes, representando e, ao mesmo tempo,
interpretando as realidades sociais tambm como forma de penetrar nas origens dos temores que
habitam o ser humano.
Se o medo mtico do contato com o diferente/deficiente tem repercusses sociais excludentes, a
anlise dos mitos pode nos ajudar a decifrar e compreender certas atitudes discriminatrias que encontramos na sociedade ocidental contempornea.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
14
Terrin (1998) aponta a importncia da aparncia fsica, do corpo perfeito e dos esforos empreendidos atualmente pelas pessoas para a manuteno ou aquisio dos imperativos de sade e beleza
valorizados pela sociedade.
Observando o simtrico como parmetro de perfeio e beleza, o que teramos ento na assimetria da deformidade?
Os seres malficos ou sombrios [...] so sistematicamente descritos como disformes [...]. Toda deformidade sinal de
mistrio, seja malfico, seja benfico. [...] A anomalia exige, para ser compreendida, que se v alm das normas habituais
de julgamento e, desde logo, conduz a um conhecimento mais profundo dos mistrios do ser e da vida. (CHEVALIER;
GUEERBRANT, 1991, p. 328)
Texto complementar
Quinta-feira, 11 de outubro de 2007.
Filhos de Hefestos
(FERREIRA, 2007)
Hoje o Dia do Deficiente Fsico. Data em que todos aqueles que j sofreram preconceito por
sua condio deveriam se levantar e dizer: eu sou capaz. Como negar a capacidade da pessoa com
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 15
deficincia ao ver Daniel Dias? Um garoto de apenas 19 anos, com malformao congnita, que
aprendeu a nadar h apenas dois e hoje o lder do ranking do Circuito Paraolmpico. Como negar
a competncia de um deficiente em qualquer rea de atuao ao ver o segundo colocado deste
mesmo ranking, Andr Brasil, que conquistou tantos ttulos no Parapan? E pensar que foi reprovado
na classificao funcional. Pelos critrios, ele no poderia nem participar da categoria S 10 (menor
grau de comprometimento) por ter uma deficincia mnima na perna esquerda. O Comit Paraolmpico Brasileiro entrou com um protesto contra a deciso do Comit Internacional e, depois de uma
briga de sete meses, quando o atleta entrou em depresso e engordou, seu direito a participar de
competies como deficiente foi aceito. Que as conquistas de Andr Brasil, Daniel Dias, Ednia Garcia com uma doena degenerativa em seus membros, que no a impediu de bater recordes , de
Leandro Marinho (portador de paralisia cerebral e melhor do mundo no futebol de sete), da formidvel Rosenei (arremesso de peso), entre outros, mostrem aos homens a fora e a superao dessa
gente. Que estes vencedores faam a sociedade refletir sobre o direito ao emprego, acessibilidade,
sexualidade... enfim, o direito vida dessas pessoas, aos filhos de Hefestos, um competente ferreiro nas lendas da Grcia e portador de deficincia fsica.
Atividades
1.
16
2.
Por que se pode dizer que o Genoma um projeto prximo ao conceito positivista?
3.
| 17
Referncias
BULFINCH, T. O Livro de Ouro da Mitologia: histrias de deuses e heris. 14. ed. Rio de Janeiro: Ediouro
Publicaes, 2001.
CARNEIRO DA CUNHA, Manoela. Etnicidade: da cultura residual mais irredutvel. In: Antropologia do
Brasil. So Paulo: Brasiliense/Edusp, 1986.
CHEVALIER, J.; GUEERBRANT, A. Dicionrio de Smbolos. 5. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio Editora,
1991.
CROATTO, J. S. Mito e interpretao da realidade. In: As linguagens da experincia religiosa. So Paulo:
Paulinas, 2001.
DUARTE, C. R. S.; COHEN, R. O Ensino da Arquitetura Inclusiva como Ferramenta para a Melhoria da
Qualidade de Vida para Todos. In: PROJETAR 2003 (Org.). Projetar: desafios e conquistas da pesquisa e
do ensino de projeto. Rio de Janeiro: Virtual Cientfica, 2003, p. 159-173. Disponvel em: <www.proacesso.
fau.ufrj.br>. Acesso em: 20 ago. 2012.
DUARTE, L. F. D. Introduo. In: DUARTE, L. F. D.; LEAL, O. F. (Orgs.). Doena, Sofrimento, Perturbao:
perspectivas etnogrficas. Rio de Janeiro: Editora da Fiocruz, 1998.
DUMONT, L. O Individualismo: uma perspectiva antropolgica da ideologia moderna. Rio de Janeiro,
Rocco, 1985.
FERREIRA, J. R.; GLAT, R. Reformas Educacionais ps-LDB: a incluso do aluno com necessidades especiais no contexto da municipalizao. In: SOUZA, D. B.; FARIA, L. C. M. (Orgs.) Descentralizao, Municipalizao e Financiamento da Educao no Brasil ps-LDB. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 372-390.
FERREIRA, P. V. Filhos de Hefestos. Disponvel em: <http://einclusao.blogspot.com/2007/10/filhos-deHefestos.html>. Acesso em: 20 ago. 2012.
GEERTZ, C. A Interpretao das Culturas. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.
GIDDENS, A. Sociologia. Porto Alegre: Artmed, 2005.
GLAT, R. A Integrao Social do Portador de Deficincia: uma reflexo. 2. ed. Rio de Janeiro: Sete
Letras, 1998, v. 1. Coleo Questes Atuais em Educao Especial.
GLAT, R.; NOGUEIRA, M. L. de L. Polticas educacionais e a formao de professores para a educao
inclusiva no Brasil. Revista Integrao, v. 24, p. 22-27, 2002, ano 14, Braslia: MEC/SEESP.
______.Capacitao de Professores: pr-requisito para uma escola aberta diversidade. Revista Souza
Marques, v. I, p .16-23, 2000.
GLAT, R.; DUQUE, M. A. T. Convivendo com Filhos Especiais: o olhar paterno. Coleo Questes Atuais
em Educao Especial. Rio de Janeiro: Editora Sette Letras, 2003.
GLAT, R.; PONTES, M. L.; FERNANDES, E. M.; ORRICO, H. F. A Formao de Professores para a Educao
Inclusiva no Brasil. Revista Comunicaes, Piracicaba, 2003.
______. Ao Articulada entre Educao e Sade no Atendimento Integral e Promoo da Qualidade de
Vida de Pessoas com Deficincias Mltiplas e Surdo Cegueira. Programa de Sade Mental/SUS. Revista
Incluso, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 2005.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
18
GLAT, R.; PONTES, M. L.; FERNANDES, E. M.; ORRICO, H. F.; OLIVEIRA, E. da S. G. Adaptaes Curriculares.
Relatrio de Consultoria Tcnica, Projeto Educao Inclusiva no Brasil: desafios atuais e perspectivas para
o futuro. Banco Mundial, 2003. Disponvel em: <www.cnotinfor.pt/inclusiva>. Acesso em: 20 ago. 2012.
GLAT, R.; PONTES, M. L.; PETERSEN, A.; BUNTON, R. The New Genetics and the Publics Health. London:
Routledge, 2002.
KILPP, Nelson. Deficientes Fsicos no Antigo Testamento. Petrpolis: Estudos Bblicos, n. 27, p. 38-46,
1990.
LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropolgico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
LEFBVRE, H. A Reproduo das Relaes de Produo. Porto Alegre: Escorpio, 1973.
LUPTON, Deborah. Risk. Key Ideas. London: Routledge, 1999.
MAGGIE, Ivonne. Aqueles a quem foi Negada a Cor do Dia: as categorias cor e raa na cultura brasileira.
In: MAIO, M. C.; VENTURA DOS SANTOS, R. (Orgs.). Raa, Cincia e Sociedade. Rio de Janeiro: Centro
Cultural do Banco do Brasil/Editora da Fiocruz, 1996.
MAIR, Lucy. Introduo Antropologia Social. 6. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1984.
VENTURA DOS SANTOS, Ricardo. Da Morfologia s Molculas, de Raa a Populao: trajetrias conceituais
em Antropologia Fsica no sculo XX. In: MAIO, M. C.; VENTURA DOS SANTOS, R. (Orgs.). Raa, Cincia e
Sociedade. Rio de Janeiro: Centro Cultural do Banco do Brasil/Editora da Fiocruz, 1996.
LEVY, J. A. Doenas Musculares: estudo clnico e diagnstico. Rio de Janeiro: Atheneu, 2002.
LVI-STRAUSS, C. Raa e Histria. Lisboa: Editorial Presena, 2000.
SFEZ, Lucien. A Sade Perfeita: crtica de uma nova utopia. So Paulo: Loyola, 1996.
SILVA, A. M. Elementos para compreender a modernidade do corpo numa sociedade racional. In:
Caderno Cedes: Corpo e Educao, Campinas, n. 48, 7-29, set., 1999a.
_____. A razo e o corpo do mundo. Revista Brasileira de Cincias do Esporte, v. 21, n. 1, 52-57, set.,
1999b.
SILVA, O. M. A Epopeia Ignorada: a pessoa deficiente na histria do mundo de ontem e hoje. So Paulo:
Cedas, 1986.
SILVA, R. M. Proposio de Programa para Implantao de Acessibilidade ao Meio Fsico. Florianpolis. 2004. Dissertao (Mestrado em Engenharia de Produo) Centro Tecnolgico, Programa de
Ps-Graduao de Engenharia de Produo, Universidade Federal de Santa Catarina.
SOARES, C. L. Educao Fsica: razes europeias e Brasil. Campinas: Autores Associados, 1994.
TERRIN, Aldo Natale. O Sagrado off Limits: a experincia religiosa e suas expresses. So Paulo: Loyola,
1998.
VERANI. A construo social da doena e seus determinantes culturais: a Doena da Recluso do Alto
Xingu. In: SANTOS, Ricardo Ventura dos; COIMBRA JR, Carlos E. A. (Orgs.) Sade e Povos Indgenas. Rio
de Janeiro, Ed. da Fiocruz. 1994.
_____. Imagens do Corpo: estudo a partir da ginstica francesa no sculo XIX. Campinas: Autores associados, 1998.
_____. Cadernos Cedes 48. Corpo e Educao. Campinas: Cedes, 1999.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 19
Gabarito
1.
Hefestos, filho de Zeus e Hera, foi jogado pelo prprio pai para fora do Olimpo por sua deficincia
fsica, que o desqualificava como Deus, deixando-o na condio entre deus e humano. Sua deficincia
o tornava feio, incapaz e at temido. Porm, isso no o impediu de construir armas e ornamentos
belos, tornando-o um grande e competente ferreiro entre outros, e o mesmo acontece com as pessoas
citadas no texto complementar. A deficincia sempre vista como fator decisivo da incapacidade do
indivduo no impediu que esses atletas brilhassem e demonstrassem capacidade e competncia
tanta ou at maior de pessoas no portadoras de deficincia.
2.
O Genoma busca o homem ideal, sem defeitos fsicos, forte e saudvel. Sendo assim, busca os
mesmos ideais da eugenia, que teve seu embasamento no conceito positivista, que por sua vez
colocava o homem branco ocidental acima dos outros tipos na histria da evoluo. O Genoma,
por mais eficiente e produtor de melhorias para os homens, segrega mais ainda os deficientes
dos no deficientes, o que proporciona maior distanciamento e incompreenso da parte dos no
portadores para com os portadores de qualquer tipo de deficincia.
3.
Tanto nos mitos como na sociedade moderna presente a condio inferior dos portadores de
deficincia. Isso se d por conta do medo do diferente, pela ligao de deficincia com a morte
e doenas, e com a questo at mesmo esttica. Tanto no mito de Hefestos quanto no texto
complementar, pode-se ver que as deficincias no so o impedimento de que algum possa
ser to capaz ou mais do que pessoas no portadoras de deficincia. Porm, essa ideia de que
os deficientes so incapazes de muitas coisas ainda muito forte na sociedade moderna. Sendo
assim, no importa quanto tempo exista entre o mito e a histria desses atletas, o preconceito
para os portadores de deficincias ainda o mesmo.
20
A construo do conceito de
corpo na sociedade ocidental
Ao longo da histria da sociedade ocidental, o corpo tem sido frequentemente estudado e
descrito a partir de uma viso mecanicista que o analisa apenas em seu aspecto biolgico.1 Tal perspectiva tem como fundamento a ideia da separao corpo-mente, preconizada por Ren Descartes,
pai da Filosofia moderna.
[...] a histria do corpo tem sido, em geral, negligenciada, no sendo difcil se perceber por qu. Por um lado os componentes clssicos e, por outro, os judaico-cristos, de nossa herana cultural, avanaram ambos para uma viso dualista
do homem, entendida como uma aliana muitas vezes ansiosa da mente e do corpo, da psiqu e do soma; e ambas as
tradies, por seus caminhos diferentes e razes diferentes, elevaram a mente ou a alma e denegriram a imagem do
corpo. (PORTER 1992, p. 292 apud SOUZA, 2001, p. 9)
Souza (2001) lembra que antes de Descartes, a contradio entre corpo e alma foi descrita por
Plato (1996) que considerava o corpo como crcere da alma. Para Plato, deve-se discriminar em termos
hierrquicos o que deve ser considerado bom e mau, perfeito e torto, e o que deve ser considerado
corpo ideal, alm das consideraes a respeito do corpo social ideal, que coexiste com a beleza e a
perfeio do corpo individual para compor a cidade perfeita.
Para Souza (2001), em termos do contexto histrico no qual se insere Descartes suas ideias
podem ser consideradas inovadoras uma vez que o nico conhecimento considerado verdadeiro
era o que nascia da filosofia crist pois recolocava a razo humana como central da produo do
conhecimento.
Entretanto, para o pensamento cartesiano, as percepes fsicas eram fonte de enganos. Tal
concepo fez com que se desenvolvesse uma dicotomia entre conhecimento abstrato e o conhecimento
do concreto, ou seja, a partir dos sentidos humanos. Para Souza (2001, p. 50):
Afirmar que o corpo matria, validar sua oposio ao que h de mais subjetivo e inalcanvel, a alma. Entretanto,
se por um lado bvio afirmar que o corpo uma substncia fsica, por outro lado, desconsider-lo como tal neg-lo
em seu aspecto mais concreto.
1 importante lembrar que a produo de estudos que tratam do corpo como constructo histrico-cultural tem incio com os estudos de
Marcel Mauss, no texto clssico Noes de Tcnicas Corporais.
22
Entretanto, essa separao entre corpo e alma provocou a construo de formas de controle dos
sentidos humanos, bem como dos comportamentos sociais, e tinham como objetivo principal alm de
conter e moldar os corpos regular as condutas morais fundamentais formao do Estado Moderno
(Elias 1994a, 1994b apud Souza, 2001).
O autocontrole e o pudor corpreo, alm do medo, passaram a guiar a postura afetiva e psquica
dos homens. Tais alteraes nas condutas sociais e morais podem ser entendidas tambm a partir das
mudanas ocorridas nas relaes de trabalho com regras mais rgidas e disciplinadas (Elias, 1994a,
1994b, 1994c, apud Souza, 2001).
Para Elias, na sociedade ocidental moderna, o processo civilizatrio pde se desenvolver graas
inter-relao entre as funes sociais e psquicas do sujeito e estrutura interna dessas prprias funes:
As questes estruturais, como a estratificao social, as presses e as tenses de uma determinada sociedade penetram
na estrutura da personalidade do indivduo. Assim, os sentimentos e os significados sobre si expressos pelos sujeitos
so constitudos nas e pelas suas funes sociais. (Elias, 1994b, apud Souza, 2001, p. 65)
Segundo Elias, a noo de sujeito civilizado que se comporta de acordo com os manuais de
etiqueta e sade que tomaram o lugar dos manuais de civilidade do XVI est ligada s mudanas na
infraestrutura da sociedade e que constituem as novas formas de relacionamento social, acabam por
formar novas estruturas sociais especficas que so condicionadas e condicionam as formas de conduta
do indivduo.
Um bom exemplo disso a imposio por ditos manuais de uma postura correta para o corpo
direita, esguia, para frente e para o alto considerada mais elegante e que representava a ideia de
prosperidade econmica. Segundo Souza (2001, p. 63), o corpo ereto mais que uma questo de
esttica corporal, tambm uma questo de honestidade do sujeito (julgo moral do direito, franco,
ntegro, leal).
Para essa autora, tal imposio postura corprea est diretamente relacionada s enormes
transformaes sociais que estavam ocorrendo, tais como o desenvolvimento do capitalismo industrial,
que tinha no individualismo sua mxima expresso ideolgica uma vez que as necessidades sociais
tornaram-se questes individuais.
Todas essas mudanas nas regras de conduta tanto corpreas quanto sociais foram sendo
forjadas por duas razes principais. A primeira delas era a necessidade da produo capitalista. Ao longo
do sculo XIX, a nascente burguesia investiu na construo de um tipo de sujeito visando ao mundo
do trabalho. Para tanto, aspectos intelectuais, culturais e corporais precisavam sofrer modificaes: esse
homem deveria ser construdo para ser capaz de suportar uma nova ordem poltica, econmica e social
(Souza, 1994, p. 9).
A segunda foi o desenvolvimento do saber mdico higienista considerado a expresso do saber
cientfico da poca. Nessa concepo, relacionada diretamente sade pblica, o corpo deveria ser
saudvel e asseado.
Nesse sentido, o corpo passou a ser estudado apenas em seus aspectos fisiolgicos, fora de qualquer contexto histrico. Na viso de Souza essa era a expresso da concepo dominante da cincia no
perodo, o Positivismo:
O carter instrumental de adequao do homem a sistemas socioeconmicos perpassa vrias perspectivas que reforam a concepo biolgica do corpo e a manuteno da sade individual (Ghiraldelli Jnior, 1992, p. 17, apud
Souza, 2001, p. 51).
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 23
Para o Positivismo, a objetividade e a neutralidade dos cientistas era a nica maneira de se chegar
a verdadeiras descobertas cientficas e, nesse sentido, as investigaes sobre o corpo o excluem de
todas as representaes simblicas e o tomam apenas como matria inerte:
O Positivismo dessa poca disseminou a representao do que o certo e positivo da cincia, podendo demonstrar
sua exatido essencial, o que at hoje respalda as aes no mbito do corpo individual e social, principalmente se considerada a hegemonia das cincias mdicas que ganham respaldo das cincias biolgicas e das prticas sociais. (Silva,
1999a, p. 13, apud Souza, 2001, p. 64)
Foucault (1998) salienta que a medicina se desenvolveu como uma cincia do corpo morto, do
estudo anatmico de partes dos corpos. Como cincia emprica, valia-se dos sentidos dos mdicos para
detectar traos das doenas a partir de mudanas qualitativas do corpo.
Em suma, a medicina higienista, aliada aos interesses da nova ideologia burguesa, no apenas se
expandiu como se tornou a base intelectual das grandes revolues industriais e burguesas. A medicina
assumiu o papel da religio na cura da doena e se tornou assessora, conselheira e crtica do Estado:
Polticas pblicas de sade foram instauradas, pois eram necessrias urbanizao e s condies de vida das pessoas.
Mas no bastava s combater a doena, era preciso enaltecer a cincia, apresentando sociedade a complexidade dos
mecanismos que propiciaram o domnio dos fenmenos ou processos que antes somente na morte encontravam a
soluo. (Crespo, 1990, apud Souza, 2001, p. 78)
A autora tambm ressalta que a biometria e a cenestesia2, por respeitarem o funcionamento orgnico
com a natureza, legitimam uma representao do corpo s aparncias e formalizam [...] uma cincia que
investiga e socializa o funcionamento orgnico (Silva, 1999a, p. 20, apud Souza, 2001, p. 96).
Para Foucault (1998b), nesse contexto, que o autor designa como sociedade disciplinar, o corpo
se tornou objeto de ortopetizao3, que apesar de sutil, o atingiu de forma mais direta.
Tais processos, que antes eram explcitos, em relao aos corpos condenados por exemplo, em
que as formas de punio deixavam suas marcas no corpo exposto publicamente, desapareceram. A
dor e exposio do corpo mutilado no mais eram objetos da ao punitiva.
2
24
Outras formas de punio e represso foram desenvolvidas: a seleo entre homens normais
e anormais foi levada s ltimas consequncias e novas formas de controle como as vigilncias
constantes foram sendo institudas para tornar o corpo dcil, normatizado e disciplinado. Dessa forma
[...] a sentena que condena ou absolve no simplesmente um julgamento de culpa, uma deciso
legal que sanciona; ela implica uma apreciao de normalidade e uma prescrio tcnica para uma
normalizao possvel (Foucault, 1993, p. 24, apud Souza, 2001, p. 24).
A docilidade dos corpos e o engessamento moral se multiplicaram em variadas possibilidades
de controle, como o adestramento do corpo para o mundo do trabalho. Carrascos deixam de ser teis
na nova ordem social e moral. Em seu lugar esto os guardas, mdicos, psiclogos, responsveis pela
privao da liberdade mas sem o sofrimento da dor.
Foucault demonstra que desde o fim do sculo XVII, a disciplina uma forma de controle que visa
fazer do corpo uma mquina multissegmentar (Foucault, 1993, p. 148).
Por conta desse objetivo, o corpo do indivduo torna-se uma pea que pode ser articulada a outros
indivduos para extrair a mxima quantidade de fora. A ideia que essa articulao no necessite de
comandos longos, mas sim deve apenas provocar o comportamento que se quer. Exemplos desse
tipo de controle podem ser encontrados no controle dos horrios, nas formas de marchar; o controle
temporal dos movimentos do corpo.
O corpo dcil vai substituindo o corpo mecnico, um composto de slidos e comandado por movimentos, numa
imagem que apavora os sonhos daqueles que buscavam a perfeio disciplinar. Esse corpo corpo natural portador
de foras e sede de algo durvel; o corpo suscetvel de operaes especificadas, que tm sua ordem, seu tempo, suas
condies internas, seus elementos constituintes. O corpo torna-se alvo dos novos mecanismos de poder, oferece-se a
novas formas de saber. (FOUCAULT, 1993, p. 14, apud Souza, 2001, p. 62)
Diante desse quadro deixa de ser necessrio um tipo de controle to rgido como os produzidos
anteriormente, uma vez que por meio das tcnicas disciplinares os corpos se tornam dceis e teis.
Na sociedade moderna, o corpo do indivduo um corpo que deve ser contido no tempo, no
espao e nas prticas sociais tais como a obedincia no uso de espaos institucionais especialmente
construdos para a funo disciplinar.
importante lembrar que tal controle no se faz por meio da violncia. O poder que se exerce
construdo na relao entre a classe que domina e a classe dominada que o legitima. Desse modo,
pode-se dizer que tal contexto histrico produziu a ascenso da indstria da sade e da necessidade de
ser um sujeito perfeito, saudvel e com um corpo escultural.
Um tipo de beleza do corpo (aparentemente saudvel e forte) passou a ser um dos ideais da
sociedade contempornea.
A aparncia do corpo determina quem o indivduo e que tipo de relaes sociais ele estabelece,
alm de demonstrar que tipo de relao ele mantm consigo mesmo. Para manter esse ideal, qualquer
interveno justificada (Silva, 2001, p. 65). A mdia se encarrega de divulgar produtos e maneiras de
agir para que esse ideal seja alcanado. As necessidades so criadas a todo instante; fugazes e paliativos
so os produtos criados na tentativa de se resgatar o corpo que vem socialmente se fragmentando.
A proliferao de academias de ginstica, clinicas de esttica, cirurgias plsticas pode ser vista
como a culminncia do processo de separao do homem da natureza e a separao formal dos seres
humanos, que se tornaram indivduos.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 25
Nas sociedades contemporneas, a corpolatria (o culto alienado ao corpo) pode ser considerado
uma questo central, tendo em vista ser o corpo um dos principais investimentos da economia
de mercado (Codo; Senne, 1985; Silva, 1999b, apud Souza, 2001, p. 98). Para esses autores, esse
problema deve ser relacionado diretamente ao processo de alienao, j que este no se encontra
apenas no produto e no consumo, mas na prtica social como um todo.
O movimento humano, seja ele qual for, sempre tem um significado que vai alm dele prprio, se insere de imediato na
realidade que est alm de si mesmo, que est em e na relao, e uma representao. Na alienao os atos abandonam o autor quando automatizados, quando a execuo de uma simples tarefa motora. (Souza, 2001, p. 100)
Tais questes fazem ressaltar a contradio que constitui as relaes sociais entre o conceito de
beleza, sade, educao, civilidade e aquilo que considerado feio, doente, sem educao, atrofiado.
Mergulhados nas mesmas representaes simblicas e na mesma ideologia, tais concepes constituem o ideal do homem moderno no qual a deficincia fsica estigmatizada no apenas por estar
marcada no corpo (nos movimentos, na fala) mas tambm por estar marcada na conduta do sujeito, na
posio social, no como estar no mundo e em suas relaes sociais. Silva ressalta que possvel encontrar na histria da civilizao ocidental indicadores que vm constituindo essa trama, que d forma
sociedade e ao indivduo moderno:
Nessa civilizao material, na qual convm libertar o ser humano da tirania da natureza, o corpo entra em cena em
toda sua dualidade, com a fora da sua materialidade que respeitada como nova instncia de reconhecimento do
humano e com o obscurantismo de sua natureza que no se deixa apreender facilmente. (SILVA, 1999a, p. 17, apud
Souza, 2001, p. 95)
Nesse contexto, pode-se dizer que as concepes sobre a deficincia fsica foram construdas a
partir do entendimento do conceito de sade e de corpos eficientes para o mudo do trabalho e, nesse
sentido, foi historicamente vinculada a algum tipo de enfermidade. O doente reconhecido pela sua
incapacidade orgnica, que leva a uma incapacidade social e produtora. Desse modo, a ideia deficincia
ligada noo de doena incurvel, no deixa espao para que a realidade seja transformada.
26
pergunta como estabelecer critrios para definir os dois estados e, para sua resposta, utiliza a
oposio sade-doena. Os critrios habitualmente utilizados para a determinao da doena,
segundo o autor, so o sofrimento e a dor; no entanto, reconhece que estados de sofrimento, como
a fome, a fadiga e o parto so fenmenos normais que levam ao estado de sofrimento, mas no so
consideradas doenas.
De toda forma, a maior parte dos manuais geralmente definem a sade como ausncia de doena
e vice-versa.
Essa abordagem entendida por alguns autores como um conceito ideal negativo de sade pois
pressupe um paradigma de normalidade biolgica e psicolgica para apreciar a sade de uma populao concreta. A adoo de um critrio de normalidade confere o carter cientfico na determinao de
um estado timo de sade (estado ideal). Os desvios da norma so considerados morbidades. Assim,
mais sade significa menos morbidade. A caracterizao da sade se faz definindo o que ela no .
Esse tipo de compreenso vincula-se a um modelo funcionalista no qual a sociedade entendida
como um todo orgnico que funciona harmonicamente. A doena um desvio, um desequilbrio que
ameaa a organizao social, pois impossibilita o cumprimento dos papis e das obrigaes sociais.
Lefbvre (1991) afirma que o entendimento da sade enquanto no doena tende a expandir
e a associar o prprio sentido de doena a qualquer componente semntico negativo ou indesejvel,
como infelicidade, dor, homicdio, gula, entre outros. A sade passa a ser compreendida dentro de uma
tenso entre o bem e o mal: o bem o estado de satisfao da sade; o mal corresponde doena,
necessidade de sade.
Desse modo, a compreenso funcionalista de sade considera doente no apenas aqueles
acometidos por enfermidades infectocontagiosas ou degenerativas, mas tambm aqueles que fogem
das normas corporais padro.
Isso pode ser observado no caso das pessoas portadoras de deficincia fsica, considerados como
doentes pelo senso comum e por parte da medicina ocidental. No se pode dizer que algum que sofre
uma amputao estar doente por toda sua vida pois pode gozar de perfeita sade, a despeito de sua
deficincia fsica. Outro exemplo um beb que sofre na hora do parto algum tipo de leso cerebral.
Apesar das sequelas no deve ser considerado por toda a sua vida como doente, mas como algum com
sequelas da paralisia cerebral que pode ser participativa e estar integrada no meio em que vive: estudar,
trabalhar, praticar esportes, enfim, viver de forma independente e saudvel sem que haja nenhuma
alterao de suas funes orgnicas.
Um enfoque que progrediu na medicina contempornea como reao a esta aquele que pretende que o clnico contemple o homem e seu adoecer, no somente como agregado de patologia de
rgo e aparelhos, mas sim como resultado da relao entre o sujeito e seu ambiente sociocultural, ou
seja, a doena no deve ser compreendida como a fotografia de uma situao, mas como o filme de
um processo da interao entre o corpo doente e o meio.
Na Carta da Organizao Mundial de Sade (OMS), aprovada em 1948, est explicitada que: A
sade um estado de completo bem-estar fsico, mental e social e no apenas a ausncia de doena ou
enfermidade [...] (apud, Singer et al. ii, 1981, p. 67).
Este conceito tem como mrito definir a sade pelo que ela , apesar de continuar sustentando a
ideia de um estado ideal de sade como critrio de avaliao de sanidade.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 27
O avano dessa abordagem considerar a dimenso social da vida [...] (o) conceito de sade
adotado pela OMS, tem pelo menos o mrito de reconhecer que paradoxal ser considerado portador
de boa sade quando afetado por pobreza, discriminao ou represso (Singer et all 1981, p. 68).
Entretanto, esse conceito apresenta algumas limitaes. Sua ampliao torna-se muito subjetiva:
como medir e avaliar o estado de bem-estar social?
importante salientar que o ambiente social representa um fator de interao que contribui,
favorvel ou desfavoravelmente, para a sade dos indivduos e ao estado de sade. Nesse sentido, nem
sempre uma ausncia de completo bem-estar indica a existncia de um problema de sade.
Para Souza (2005), por conta de todas essas questes, existem inmeras dificuldades para a
elaborao de uma definio satisfatria de sade. Contudo, importante distinguir os significados
do termo sade, quando compreendido no sentido dinmico ou no sentido esttico. No primeiro
caso, a sade representa um processo favorvel de interao entre os fatores pessoais e ambientais,
e no segundo, a palavra sade expressa uma determinada situao de bem-estar em que se
encontra uma pessoa num dado momento. De acordo com essa concepo, a sade pode ser assim
compreendida como um processo de completa adaptao da pessoa ao meio ambiente, manifestado
pela preponderncia dos mecanismos de defesa do organismo (baseado no conceito dinmico). Ou
ento pode ser um estado de vida plena, manifestada pela supremacia dos mecanismos de defesa do
organismo (baseado no conceito esttico) (Vianna, 1989, apud Souza, 2005).
Os corpos deficientes
Diante do exposto, a questo que fica : quais as condies de constituio do corpo do deficiente,
de suas formas de expresso e produo?
Sujeitos, corpos, expresses, movimentos silenciados. Deficincia mascarada. De outra forma,
sujeitos, corpos, expresses, movimentos adestrados, disciplinados, controlados. Deficincia que
necessita ser normatizada. O corpo submetido s normas o corpo que significa o que aceito pela
sociedade. O corpo intil, incapaz, torto tem um significado de improdutividade, um formato que
foge aos padres estticos aceitos e, por isso, deve ser retificado, passar por processos educacionais
e teraputicos que o coloquem de forma o mais ereto possvel, o mais saudvel, mesmo que para ser
saudvel perca sua identidade.
Atualmente, um corpo deve significar o ser saudvel que se confunde com o belo, com o corpo
perfeito, atltico e magro.
Para Souza (2001) sob essas condies e preconceitos que o deficiente se insere na sociedade. O
corpo considerado deficiente traz consigo no somente a noo de incapacidade, mas tambm a noo
de imperfeito, do que foge ao belo. Formas idealizadas, contedos hierarquizados.
No entanto, o que antes constitua o mal da alma representado no corpo, hoje de alguma forma
humanizado. No se chicoteia mais o corpo aleijado, mas se aleija a alma do corpo marcado. sob
esses valores que o corpo deficiente vai sendo constitudo, nas suas relaes com o outro na sociedade
da qual ele faz parte. Sob a ideologia, corpos marcados pela deficincia e corpos no marcados vo se
conhecendo por meio de suas diferenas, daquilo que falta e daquilo que os aproxima.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
28
Texto complementar
As contradies do corpo
(Drummond de Andrade, 1999, p. 7-9)
| 29
30
Atividades
1.
2.
Segundo Foucault, quais as formas mais usadas para o controle das atividades na segunda
metade do sculo XVII?
3.
| 31
Referncias
CODO, W.; SENNE, W. O que Corpolatria? So Paulo: Ed. Brasiliense, 1985.
CRESPO, J. A Histria do Corpo. Rio de Janeiro: Difuso Editorial e Ed. Bertrand Brasil, 1990.
DESCARTES, Ren. Os Pensadores. So Paulo: Nova Cultural, 1999.
DRUMMOND DE ANDRADE, C. Novos Poemas. 13. ed. Rio de Janeiro: Record, 1999.
ELIAS, N. Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. v.1.
FOUCAULT, M. Os corpos dceis. In: Vigiar e Punir: histria da violncia nas prises. 6. ed. Petrpolis:
Vozes, 1987.
______. Vigiar e Punir: nascimento da priso. 10. ed. Petrpolis: Vozes, 1993.
______. Microfsica do Poder. 13. ed. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1998a.
______. O Nascimento da Clnica. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1998b.
GARCIA, R. M. C. A Educao de Sujeitos Considerados Portadores de Deficincias: contribuies
vygotskianas. Revista Ponto de Vista, jul./dez., 1999, p. 25-27.
GHIRALDELLI JNIOR, P. Educao Fsica Progressista: a pedagogia crtico-social dos contedos e a
educao fsica brasileira. So Paulo: Edies Loyola, 1992.
GIL, M. Levanta-te e Vem para o Meio. Disponvel em: <www.integrando.org.br/article.php3?id_
article=408>. Acesso em: 20 ago. 2012.
LEVY, J. A. Doenas Musculares: estudo clnico e diagnstico. Rio de Janeiro: Atheneu, 2002.
LVI-STRAUSS, C. Raa e Histria. Lisboa: Editorial Presena, 2000.
PLATO. A Repblica. 8. ed. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1996.
PORTER, R. Histria do corpo. In: BURKE, P. A Escrita da Histria: novas perspectivas. So Paulo: Editora
da Universidade Estadual Paulista, 1992.
SANVITO, W. L. Sndromes Neurolgicas. So Paulo: Atheneu, 1997.
SINGER, P. et al. Prevenir e Curar: o controle social atravs de servios de sade. Rio de Janeiro: Forense/
Universitria, 1981.
SILVA, A. M. Elementos para compreender a modernidade do corpo numa sociedade racional. In:
Caderno Cedes: Corpo e Educao, Campinas, n. 48, 7-29, set., 1999a.
______. A razo e o corpo do mundo. Revista Brasileira de Cincias do Esporte, v. 21, n. 1, 52-57, set.,
1999b.
SILVA, O. M. A Epopeia Ignorada: a pessoa deficiente na histria do mundo de ontem e hoje. So Paulo:
Cedas, 1986.
SILVA, R. M. Proposio de Programa para Implantao de Acessibilidade ao Meio Fsico.
Florianpolis. 2004. Dissertao (Mestrado em Engenharia de Produo) - Centro Tecnolgico, Programa
de Ps-Graduao de Engenharia de Produo, Universidade Federal de Santa Catarina.
SOURNIA, J. C. O homem e a doena. In: As Doenas Tm Histrias. 2. ed. Lisboa: Terramar, 1985.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
32
SOUZA, Cleide da Cmara. Concepo do Professor sobre o Aluno com Sequela de Paralisia Cerebral
e sua Incluso no Ensino Regular. Rio e Janeiro, 2005. Dissertao (Mestrado). UERJ.
SOUZA, P. A. de. A utilizao do esporte como meio de reabilitao e insero social. In: Simpsio
Nacional de Esporte para Portadores de Necessidades Especiais. Braslia, out. 1999.
Souza, Flavia Faissal. O Corpo Dana: con(tra)dies e possibilidades de sujeitos afticos. So Paulo,
2001. Dissertao (mestrado). Unicamp.
SUPERAO. De 45 aos Dias de Hoje: a histria do esporte para portadores de deficincia. Superao,
1, p. 5-9, 1988.
VIANNA, L. S. Medicina psicossomtica em odontologia. Revista de Odontologia. Belo Horizonte: O
Lutador, ano 2, n. 10, p. 25-27, 1989.
Gabarito
1.
Esse processo era constitudo da necessidade de normatizar, controlar, criar pudor, estabelecer
regras de conduta e polidez e o asseio do corpo.
2.
3.
Deficincia e incapacidade
Deficincia e estigma
Na sociedade ocidental, as pessoas com caractersticas diferentes, em relao s pessoas consideradas padro, foram e ainda so vistas com desconfiana ou preconceito e, de maneira geral, muitas
ainda so abandonadas ou escondidas por seus familiares ou responsveis.
Durante muito tempo se considerou que as pessoas portadoras de deficincia eram cidados de
segunda categoria, sem possibilidades de exercer seus direitos, como doentes que requerem um tratamento diferenciado e medidas paliativas para sua deficincia.
Pode-se mapear essa trajetria, em muitos momentos da histria. J em Plato encontram-se
referncias aplicao de medidas eugnicas, ao pensar uma sociedade ideal, justificando tal medida
como uma maneira de fortalecer a unidade do Estado. Para ele, os melhores homens deveriam unir-se s melhores mulheres, o mais frequente possvel; e os defeituosos com as defeituosas, o mais raro
possvel. Os filhos dos primeiros deveriam ser criados, os segundos, no, para o rebanho conservar-se
da mais alta qualidade. As crianas defeituosas deveriam ser abandonadas para morrer. Pela Lei de
Esparta, as crianas que nasciam mal constitudas eram eliminadas e, em Atenas, todas as pessoas
inteis deveriam ser mortas quando a cidade estivesse sitiada (Massari, 2007). Vale lembrar que
nos campos de concentrao da Segunda Guerra Mundial milhares de pessoas deficientes foram
eliminadas de imediato.
Segundo Souza (2005, p. 41) a deficincia fsica pode ser entendida como um conjunto de alteraes
sensoriais, motoras e cognitivas que podem estar presentes, de forma mais ou menos acentuada,
costumam ser consideradas pela maioria das pessoas como doena. Em outras palavras, essa diferena que
destaca o indivduo em relao s outras pessoas, seja pela aparncia fsica, pela forma de comunicao
ou pela utilizao de um suporte como bengala ou cadeira de rodas o classifica como
[...]aquele que no se encaixa nos padres gerais, pois sua forma de falar, andar, pensar desvia-se das normas: ele possui algo ou algo lhe falta e, em consequncia, ele diferente dos outros. Esse algo se transforma em uma palavra que
ir designar a pessoa, ou seja, num rtulo. (MANZINI; SIMO, 1993, p. 25, apud Souza, 2005, p. 42)
34
Deficincia e incapacidade
Devido a essa rotulao a pessoa acaba por perder sua identidade individual e inserida num
grupo considerado marginal em relao aos padres de normalidade valorizados. Para Goffman (1988,
p. 67 apud Souza, 2005,p. 42) esta a
[...] pressuposio de que a pessoa com deficincia pode ser diferente de todos os outros e que em torno desses meios
de diferenciao podem se apegar e entrelaar uma histria contnua e nica de fatos sociais que se torna, ento, a
substncia pegajosa a qual vem se agregar outros fatos biogrficos.
Para Omote (1994 apud Souza, 2005), certas diferenas corporais podem ser descritas pelo senso
comum por serem facilmente visualizadas a partir dos preconceitos, que podem tambm ser chamados
de estigmas. Esse aspecto ressaltado tambm por Goffman (1988, p. 58, apud Souza, 2005, p. 43),
para quem a visibilidade um fator crucial, j que por meio de nossa viso que o estigma dos outros
se torna mais evidente, com maior frequncia.
Souza (2005) ressalta que as concepes sobre a deficincia se formam a partir das representaes
sociais comuns a um determinado grupo social. Tais representaes so produto de informaes
acumuladas socialmente que possibilita ao grupo social explicar os fenmenos sociais e como estes so
determinados.
Pode-se dizer que nos ltimos anos houve mudanas nas concepes sobre a deficincia fsica
influenciadas pelos estudos que passaram a entend-la no mais como um atributo apenas individual,
mas tambm a partir de uma perspectiva sociocultural (Manzini et al., 1993, apud Souza 2005, p. 43).
Apesar dessa mudana de foco em boa parte dos estudos, muitos ainda consideram a pessoa
com deficincia como um algum que porta uma enfermidade grave.
[...] h uma ideia popular de que embora contatos impessoais entre estranhos estejam particularmente sujeitos a respostas estereotpicas, medida que as pessoas relacionam-se mais intimamente essa aproximao categrica cede,
pouco a pouco, simpatia, compreenso e avaliao realstica de qualidades pessoais. Embora um defeito como a
desfigurao facial possa repelir um estranho, as pessoas ntimas presumivelmente no seriam afastadas por tal motivo.
(GOFFMAN, 1988, p. 61, apud Souza, 2005, p. 44)
Deficincia ou incapacidade?
Ao se considerar os conceitos ainda utilizados em algumas leis1 para definir deficincia nota-se
que se designa como deficiente qualquer pessoa que apresente sinais de incapacidade para desenvolver
qualquer atividade.
Toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou funo psicolgica, fisiolgica ou anatmica que gere incapacidade
para o desempenho de atividade, dentro do padro considerado normal para o ser humano, e o conceito de incapacidade
como: uma reduo efetiva e acentuada da capacidade de integrao social, com necessidade de equipamentos, adaptaes, meios ou recursos especiais para que a pessoa portadora de deficincia possa receber ou transmitir informaes
necessrias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de funo ou atividade a ser exercida. (SOUZA, 2005, p. 45)
Souza (2005) ressalta que o problema desses conceitos que se a incapacidade pode ser
considerada como reduo ou diminuio da capacidade de realizar qualquer atividade como
algum considerada normal, j que tais atividades s podem ser executadas com o auxlio de
1 Decreto 3.298 que Regulamenta a Lei 7.853, de 24 de outubro de 1989, dispondo sobre a Poltica Nacional para a Integrao da Pessoa
Portadora de Deficincia, artigo 3., I e III.
Deficincia e incapacidade
| 35
aparelhos adaptados; no caso da execuo de tais tarefas com a utilizao de tais recursos, o conceito
de incapacidade deixa de fazer sentido pois o objetivo foi atingido.
Nota-se a partir desse argumento a incoerncia de tais conceitos pois, sob qualquer aspecto,
eles acentuam o estigma de anormalidade, e entendem deficincias e incapacidades como palavras
sinnimas.
A autora ressalta que mesmo quando se define incapacidade como ausncia de capacidade para
realizar uma ou mais funes sensrio-psico-motoras, no se pode considerar todas as pessoas com
deficincia como incapazes: uma pessoa com deficincia visual incapaz de enxergar, mas isto no a
torna incapaz de realizar outras funes que no exijam o uso da viso (Souza, 2005, p. 47).
Para Souza (2005), definir a pessoa portadora de deficincia como incapaz a torna socialmente invisvel. Adaptaes so fundamentais para que essas pessoas possam realizar qualquer
atividade que queiram de maneira independente. Para tanto, necessrio que os estigmas sociais
sejam eliminados, descaracterizando a incapacidade que a sociedade julga existir.
3 Essa classificao no pretende ser exaustiva, mas fundamentalmente servir para classificar as necessidades comuns de cada grupo.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
36
Deficincia e incapacidade
Deficincia e incapacidade
| 37
Frente a essa concepo da deficincia como uma doena crnica predominante at meados
da dcada de 90 surgiram modelos alternativos que consideram que o problema est na sociedade e
no no indivduo. Esse modelo chamado de social. a sociedade que cria barreiras discriminatrias e,
portanto, nela que as mudanas devem acontecer para incluir e acomodar as diferentes necessidades
das pessoas em sua diversidade. O eixo central da discusso deixa de ser a deficincia fsica individual
para a considerao de que o entorno que deficiente para acolher todo tipo de pessoas.
As diferenas fundamentais entre esses dois modelos so:
::: para o modelo mdico a deficincia define-se por um conjunto especfico de defeitos corporais; leso leva deficincia (MEDEIROS, 2005);
::: para o modelo social, sistemas sociais excludentes levam pessoas com leses experincia
da deficincia.
Em resumo: o modelo mdico identifica como pessoa com deficincia algum com algum
tipo de inadequao corporal que foge do padro de normalidade. O modelo social inverte esse
argumento e identifica a deficincia na inadequao da sociedade para a incluso de todos, sem
exceo.
38
Deficincia e incapacidade
Nesse sentido, o modelo social da deficincia considera essa questo como um problema social
que deve ser resolvido com a completa integrao das pessoas na sociedade. A deficincia no um
atributo da pessoa, mas sim um conjunto de condies, muitas das quais criadas pelo contexto social.
Pode-se dizer que esse modelo est na base de todas as polticas sociais para esse grupo e, portanto, o
manejo dessas situaes requer a atuao social e de responsabilidade tanto do Poder Pblico quanto
do setor privado, no sentido de fazer as modificaes ambientais necessrias para a participao plena
das pessoas com deficincias em todos os mbitos da vida social. Para esse modelo de pensamento, o
problema ideolgico e de mudana de atitude e requer a introduo de mudanas sociais, o que no
mbito da poltica constitui uma questo de direitos humanos.
Alm disso, considerar as pessoas portadoras de deficincia como doentes crnicos, ou que
precisam sempre se superar, mostrar-se mais preparadas, mais fortes, alm de recorrente na mdia,
pode ser considerada uma noo extremamente nociva. Na outra ponta do discurso da superao est
a imagem do deficiente como um contraexemplo, ou seja, como uma condio de que deve ser evitada
a todo custo. Um dos objetivos de alguns movimentos sociais de pessoas portadoras de deficincia
fazer a crtica a essa imagem da deficincia como algo ruim. Exemplo disso a utilizao inadequada
em campanhas publicitrias de artigos esportivos que alertavam para a possibilidade da deficincia que
poderia surgir da utilizao inadequada de determinado modelo de tnis. Em alguns pases campanhas
contra acidentes nas estradas transmitem claramente uma imagem negativa da deficincia. Um debate
bastante delicado sobre essa questo o que se trava nas discusses bioticas quando se discute se
devem nascer crianas em que j foram detectados problemas de deficincia.
J existem discusses no sentido de se criar um observatrio dos meios de comunicao que
trate da questo da deficincia. Esse observatrio se dedicar a denunciar toda discriminao contra as
pessoas portadoras de deficincia por parte da mdia.
Deve-se ressaltar que tal modelo enfatiza a importncia que as caractersticas corporais tm na
experincia da deficincia:
[...] a ideia de que a deficincia resultante da combinao de limitaes impostas pelo corpo a uma organizao social
pouco sensvel diversidade corporal. A deficincia no est localizada apenas nos indivduos, mas na incapacidade da
sociedade ajustar-se, aceitar, compreender [...] diversidade. (MEDEIROS, 2005, p. 14)
Deficincia e incapacidade
| 39
40
Deficincia e incapacidade
Texto complementar
Portadores de deficincia se preparam melhor para o mercado
No Brasil, os portadores de deficincias fsica, auditiva, mltipla e visual so mais preparados e
tm um salrio maior do que a mdia das pessoas no deficientes quando conseguem um emprego
na economia formal. O dado consta na pesquisa Retratos da Deficincia no Brasil, que foi divulgado
no 16/10/2003, pela Fundao Banco do Brasil (FBB). Para compensar as barreiras fsicas, essas
pessoas acabam estudando e se preparando de forma mais adequada para o mercado de trabalho,
disse a diretora da FBB nas reas de Sade e Assistncia Social, Dulce Jane de Souza Vasquez [...].
In: <www.cruzeironet.com.br> apud Teske, 2005.
Atividades
1.
Discuta com seus colegas, a partir dos pressupostos tericos discutidos, a definio revista pela
ONU em 2001 sobre a deficincia fsica.
Deficincia e incapacidade
| 41
2.
Discuta as diferenas existentes entre o modelo mdico e o modelo social da deficincia e qual a
importncia de fazer esse debate nas questes discutidas pela Sociologia.
3.
A partir da leitura do texto complementar, discuta quais outros grupos sociais tambm sofrem
o mesmo tipo de presso da sociedade.
42
Deficincia e incapacidade
Referncias
BERNDT, A. A Abordagem Sistmica na Concepo, na Construo e no Gerenciamento da Reabilitao Profissional de Pessoas Portadoras de Deficincia. Florianpolis, 2004. Tese (Doutorado em
Engenharia de Produo) Centro Tecnolgico, Programa de Ps-Graduao de Engenharia de Produo, Universidade Federal de Santa Catarina.
_____. (Org.). tica e Legislao: os direitos das pessoas portadoras de deficincia no Brasil. Rio de Janeiro: Rotary Club do Rio de Janeiro, Comisso de Assistncia ao Excepcional, 1990.
_____. Desenvolvimento Inclusivo: uma abordagem universal da deficincia. Disponvel em: <http://
pdi.cnotinfor.pt/recursos/Des%20Inclusivo_paper_PT.doc>. Acesso em: 20 ago. 2012.
DISCHINGER, M.; ELY, V. H. M. B. Desenho Universal nas Escolas: acessibilidade na rede municipal de
ensino de Florianpolis. Florianpolis: 2004.
_____. Promovendo Acessibilidade nos Edifcios Pblicos: guia de avaliao e implementao de
normas tcnicas. Florianpolis: Ministrio Pblico do Estado de Santa Catarina, 2006.
GOFFMAN, E. Estigma: notas sobre a manipulao da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC,
1988.
LIPPO, Humberto Pinheiro. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficincia. In: Relatrio
Azul, Assembleia Legislativa, Porto Alegre: 1997.
_____. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficincia. In: Relatrio Azul, Assembleia
Legislativa, 2004.
_____. Acessibilidade Universal. In: Sociologia, Textos e Contextos. Canoas: Ed. Ulbra, 2005.
_____. Trajetrias recentes das pessoas com deficincia. Legislao, movimento social e polticas pblicas. Relatrio Azul 2004: garantias e violaes dos direitos humanos, Porto Alegre: Assembleia Legislativa, 2004 p. 234-253.
MASSARI, S. A. A Igualdade Comea pelo Planejamento da Cidade. Disponvel em: <www.brasilacessivel.org.br/artigo2> Acesso em: 8 fev. 2008.
MANZINI, E. J.; SIMO, L. M. Concepo do professor especializado sobre a criana deficiente fsico: mudanas em alunos em formao profissional. In: DIAS, Trcia R.;
MEDEIROS, M.; DINIZ, D. A Nova Maneira de se Entender a Deficincia e o Envelhecimento. 2005.
Disponvel em: <www.saci.org.br/index>. Acesso em: 20 ago. 2012.
_____. Envelhecimento e Deficincia. Disponvel em: <www.ipea.gov.br/sites/000/2/livros/idososalem60/Arq_09_Cap_03.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2012.
OMOTE, S. Deficincia e no deficincia: recortes do mesmo tecido. Revista Brasileira de Educao
Especial, 1(2), p. 65-74, 1994.
SONTAG, S. A Doena como Metfora. 3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.
SOUZA, Cleide da Cmara. Concepo do Professor sobre o Aluno com Sequela de Paralisia Cerebral
e sua Incluso no Ensino Regular. Rio e Janeiro, 2005. Dissertao (Mestrado). UERJ.
SOUZA, P. A. de. A utilizao do esporte como meio de reabilitao e insero social. In: Simpsio
Nacional de Esporte para Portadores de Necessidades Especiais. Braslia, out. 1999.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Deficincia e incapacidade
| 43
Souza, Flavia Faissal. O Corpo Dana: Con(tra)dies e Possibilidades de Sujeitos Afticos. So Paulo,
2001. Dissertao (mestrado). Unicamp.
TESKE, Ottmar. As desigualdades invisveis: acessibilidade universal em debate. In: Sociologia. Textos e
Contextos. Canoas: Ulbra, 2005.
Gabarito
1.
A definio revista pela ONU em 2001 foi fundamental para uma compreenso maior das
deficincias e das pessoas portadoras, como indivduos e no grupos rotulados, separando
as individualidades e estudando junto as polticas sociais e mtodos mais eficazes de integrar
todos na sociedade. Sabe-se que muito do preconceito ocorre pela falta de contato de pessoas
consideradas normais com pessoas com deficincias, e essa definio da ONU proporciona no
s para os portadores de deficincia como para todos uma possibilidade maior de convivncia.
2.
O modelo mdico imputa a questo da deficincia ao portador e o modelo social a toda sociedade
que circunda o portador. necessrio um equilbrio entre as duas para que se possam criar formas
de estudos e poltica sociais coerentes com a realidade. Pois no se pode determinar um modelo
ou outro como fator principal da condio do portador de deficincia. Isso seria apenas mais um
rtulo para essa situao.
3.
Sofrem o mesmo tipo de presso da sociedade pessoas que por causa de diferenas culturais
acabam sendo excludas da sociedade por no se enquadrarem no modelo predeterminado.
Sendo assim, elas acabam focando nos estudos e outras atividades que no necessitem contatos
sociais.
44
Deficincia e incapacidade
Questes contemporneas
sobre diversidade humana,
discriminao e igualdade
de oportunidades
Nas discusses contemporneas, a ideia de diversidade humana, em um sentido positivo, faz
referncia s mltiplas diferenas que existem entre os seres humanos (seja por razes de gnero,
idade, origem, classe social), isto , entendendo e aceitando essas diferenas como caractersticas que
igualam a todos. Essas diferenas no conteriam em si mesmas uma valorao particular das pessoas,
mas descreveriam simplesmente as caractersticas pessoais de cada uma delas.
Entretanto, quando essas caractersticas (sejam fsicas, sociais ou culturais) implicam desvantagens
e tratamento diferenciado de maneira direta ou indireta menos favorvel que outra em uma
situao anloga ou comparvel em relao a outras pessoas ou grupo de pessoas, essas diferenas se
transformam em desigualdades e discriminao. O conceito de desigualdade carrega em si uma sub ou
sobrevalorao dessas diferenas e se manifesta de mltiplas maneiras: diferenas de tratamento, de
oportunidades no acesso a recursos ou bens sociais.
Entende-se por discriminao direta toda situao em que uma pessoa seja ou tenha sido
tratada de maneira menos favorvel que outra em situao anloga. E por discriminao indireta
quando uma disposio, critrio ou prtica aparentemente neutra possa ocasionar uma desvantagem particular.
Enquanto o conceito de diversidade se associa com a aceitao das diferenas e, portanto,
assume-se que essas diferenas no violam o direito de igualdade no trato, oportunidades e acesso
a bens e recursos, as desigualdades refletem as caractersticas que socialmente se transformam em
desvantagens para determinadas pessoas em relao a outras.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
46
Fvero (2004) acrescenta que, para garantir o direito incluso social irrestrita, preciso muita
cautela na aplicao do princpio de igualdade, quando se estiver tratando de diferenciao feita com
base em deficincia, para no se cair na ideia de igualdade vinculada ideia de justia, que nos faz
agir tratando de maneira igual os iguais e desigual os desiguais, seja por caridade, solidariedade ou
qualquer outro sentimento que parea promover justia.
Nessa conveno (da qual o Brasil signatrio) so apresentados trs requisitos para que no
se transforme diferenciao em discriminao, tendo em vista que em alguns casos a diferenciao
necessria, o que no significa que ela deve ser discriminatria. Fvero (2004, p. 46) resume esses trs
requisitos da seguinte forma:
::: 1. requisito preciso que a diferenciao seja adotada para promover a insero social ou o
desenvolvimento pessoal daquele que est sendo diferenciado. Ou seja, preciso que se trate
de uma medida positiva, um meio de acesso e no uma diferenciao para negao de acesso
da mesma forma que outros.
::: 2. requisito ainda que se trate de uma medida positiva, preciso que essa diferenciao
no limite, em si mesma, o direito igualdade dessas pessoas. Essa proibio tambm muito
importante, porque deixa claro que a diferenciao positiva ou permisso de acesso tem que
visar ao mesmo direito fundamental a ser exercido por qualquer pessoa (sade, educao,
trabalho, lazer).
::: 3. requisito para a pessoa portadora de deficincia, ainda que a diferenciao seja considerada positiva, que no fira em si mesma o direito de igualdade, de acordo com a conveno,
para no ser discriminatria, preciso que a pessoa no seja obrigada a aceitar a diferenciao, ou mesmo, a preferncia. A diferenciao, mesmo quando necessria e positiva, deve
proporcionar oportunidades de escolha em utiliz-la ou no.
Muitas pessoas portadoras de deficincia no tm acesso a determinados direitos que para outras
pessoas so considerados bsicos. Por isso cada vez mais frequente a utilizao do termo direitos
humanos quando se fala sobre deficincia:
As pessoas com deficincia so titulares de todo o conjunto de direitos civis, culturais, econmicos, polticos e sociais
consagrados na Declarao Universal dos Direitos Humanos, em igualdade com todas as demais pessoas. A proteo
igualitria de todos, incluindo os que tm uma deficincia, e a no discriminao so os fundamentos nos quais se
basearam os instrumentos internacionais de direitos humanos. (LIPPO, 2004)
| 47
Entretanto, em todas as sociedades do mundo, incluindo os pases ricos, cerca de 600 milhes de
crianas, mulheres e homens (80% no terceiro mundo, 50 milhes na Europa) continuam a enfrentar
obstculos discriminatrios, que os impedem de exercer os seus direitos e liberdades, dificultando sua
plena participao na vida das sociedades em que esto inseridos.
Vale lembrar que o acesso educao, cultura, aos meios de transporte, informao so
direitos que muitas pessoas portadoras de deficincia no podem aceder bem como outras pessoas de
outros grupos sociais excludos por sua classe social, por exemplo.
O reconhecimento efetivo das necessidades deve traduzir-se na implementao de sistemas de
ateno adequados diversidade humana, garantindo assim a igualdade de oportunidades para todos
os cidados, tanto no exerccio de seus direitos como no cumprimento de suas obrigaes.
importante ressaltar, como faz Lippo (2004), que as pessoas portadoras de deficincia continuam a sofrer, e sofrem de dupla excluso: restrio ou impossibilidade de acesso aos bens sociais,
incluindo-se aqueles relacionados com uma vida independente e autossustentada.
Para esse autor, a primeira e principal excluso advm dos prprios mecanismos constitutivos
da sociedade capitalista, em especial nos pases perifricos e subdesenvolvidos, ao relegar extensos
contingentes populacionais a uma condio de misria absoluta ou, no mximo, de subsistncia. Nesse
aspecto, como em muitos outros, a questo de classe social influencia fortemente a participao das
pessoas portadoras de deficincia (PPDs) na vida de sua comunidade. Nas classes sociais menos privilegiadas, continua sendo natural pessoas com deficincia viverem da mendicncia e mergulhadas no
analfabetismo. Nas classes sociais privilegiadas, muitas dessas pessoas desfrutam de certos privilgios,
sobretudo se comparadas com seus semelhantes mais afastados dos grandes centros urbanos.
A segunda excluso devido condio de portar uma diferena restritiva nas reas fsicas,
sensoriais, cognitivas ou, ainda, comportamentais, que se situam em desacordo com os padres estabelecidos como produtivos, eficientes, funcionais ou mesmo de beleza.
O autor salienta que o preconceito que advm da no conformidade com os padres no existe
apenas no caso das pessoas portadoras de deficincia, mas tambm existe em outros grupos sociais
entendidos como minorias: negros, mulheres, homossexuais, entre outros.
Entretanto, para esse autor, no caso dos outros grupos citados, j existe um nvel de discusso
mais maduro e articulado em diversos nveis que, se ainda no so suficientes para a superao das
respectivas excluses, j constituem um patamar de visibilidade social mnimo. Com as pessoas portadoras de deficincia isso ainda no ocorre na mesma proporo:
De fato, advindas das prprias limitaes das suas diferenas restritivas somadas inadaptao do meio social (espao
construdo, meios de transporte, acesso educao etc.) e agravadas, sobretudo, por uma viso e uma prtica social
assistencialista e paternalista com as quais suas questes so tradicionalmente entendidas e tratadas, as pessoas
portadoras de deficincia tm sido historicamente objetos da ao e da piedade social. A condio de no sujeito da
sua vontade comea pouco a pouco a ser superada atravs das lutas de seus diversos movimentos sociais organizados
e dirigidos pelas pessoas portadoras de deficincia. (LIPPO, 2004)
Como ressalta Lippo, ainda so raras as polticas sociais para esse grupo social que contam com a
participao ativa e propositiva dos interessados:
A sua histria a histria construda por seus porta-vozes, seus legtimos representantes que se apropriaram de um
discurso e de um espao mnimo de poder, encastelaram-se nele e tm sistematicamente se oposto participao
protagonista daqueles que, em ltima anlise, so a razo de existir das polticas. (LIPPO, 2004)
48
Pequeno histrico
do desenvolvimento do conceito de incluso
Pode-se encontrar a ideia de incluso, integrao e igualdade em muitos momentos na histria
da sociedade ocidental. O ideal democrtico a ser alcanado pelas lutas de classes que culminaram
com a Revoluo Francesa tinha como pressuposto oferecer a todos os grupos sociais condies de
vida satisfatrias e oportunidade de participao dentro da sociedade (Bueno, 2008). Entretanto,
os problemas, contradies e antagonismos que se colocavam como obstculos para a construo
desses ideais foram muitos.
A distribuio desigual da riqueza material e cultural parece ter sido o grande obstculo para que
os ideais de liberdade e de igualdade fossem realmente acessveis a todos (Bueno, 2008).
At os anos 1970, porm, considerava-se que tais ideais eram possveis de serem alcanados e
que se estava construindo por meio das lutas dos movimentos sociais (negros, mulheres, deficientes
fsicos etc.) dos final dos anos 1960, uma sociedade que haveria de superar esses obstculos. Nos anos
1980, com a queda do Muro de Berlim e fim do comunismo sovitico, aliado aos processos de globalizao da produo capitalista e a ofensiva neoliberal, parece que se entrou numa nova era que colocou
em cheque as possibilidades de construir uma sociedade mais justa e igualitria (BUENO, 2008).
Entretanto, novos movimentos sociais aliados a certos setores da mdia crtica, principalmente
entre os pases ricos, passam a tomar conhecimento das questes sobre desigualdade, que fizeram com
que tanto o setor pblico quanto o privado passassem a tomar iniciativas e desenvolverem projetos,
como o de responsabilidade social e desenvolvimento sustentvel, por exemplo, no sentido de enfrentarem os problemas em relao questo da desigualdade social.
Dentro desse contexto, uma srie de projetos foi iniciada e a discusso da incluso social toma
um novo flego tambm na academia.
Entretanto, esse deslocamento do eixo de discusso da sociedade democrtica para a sociedade
inclusiva pode significar, segundo Bueno (2008), uma tentativa de encobrir os processos de gerao
dessa massa de excludos, tpica da sociedade neoliberal. A incluso social no pode ser vista como
um processo em si mesmo, dissociado de outros. Devem-se considerar os mecanismos de excluso
adotados pela sociedade capitalista, como o modelo de desenvolvimento econmico, entre outros
fatores (Carvalho, 2001).
Nesse sentido, o conceito de incluso social deve ser discutido partindo das questes relativas
insero e deve aprofundar a anlise no sentido de relacion-la ao conceito de excluso e s maneiras
como esta vai sendo criada e recriada pela sociedade capitalista. fundamental no esquecer que
muitos dos efeitos da excluso so irrecuperveis. Em termos psicolgicos, a autoestima dos excludos
vai se desestruturando, calcada em autoimagens negativas. O sentimento de menos-valia que se
desenvolve em decorrncia dessa, intensifica comportamentos de apatia, de acomodao ou de
reaes violentas, talvez como mecanismos de defesa. Entretanto, a excluso produz, ainda, efeitos
nos aspectos econmicos, culturais, polticos etc. Do ponto de vista econmico, por exemplo, pessoas
excludas dificilmente saem da condio de dependncia ou de pobreza (Carvalho, 2001).
Frente a essa realidade, em que as condies materiais de existncia so muito adversas para se
alcanar um ideal democrtico, preciso, ento, redobrar esforos tericos e prticos para atingir um
ideal social inclusivo e criar espaos de resistncia a esse destino (Bueno, 2008).
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 49
Igualdade de oportunidades
Na agenda poltica de quase todos os pases, o princpio da igualdade de oportunidades representa um valor inalienvel e se considera como o ponto de partida obrigatrio ao qual devem remeter-se as estruturas econmicas e sociais, alm de ser o fundamento das demandas de todas as polticas
sociais implantadas a partir dos movimentos sociais das PPDs.
Tal princpio de igualdade efetiva de direitos ou igualdade de oportunidades , supe a necessidade de que todas e cada uma das pessoas tm a mesma importncia, que o respeito diversidade
humana deve inspirar a construo das sociedades e que devem ser empregados todos os recursos
disponveis para garantir a todos os cidados oportunidades iguais de participao na vida social.
O princpio de igualdade de tratamento parte de duas vertentes:
::: Igualdade formal concebida como direitos do cidado de obter tratamento igual por
qualquer dos motivos estabelecidos pelas normas jurdicas.
::: Igualdade como diferenciao igualdade substancial ou material que, partindo de diferenas reais existentes entre os grupos tratados desigualmente, legitima a introduo de desigualdades para restabelecer a igualdade socialmente ignorada.
Ambos os conceitos se relacionam de formas distintas. A primeira diferenciao para a igualdade
indica que para a sociedade tornar-se mais igualitria e justa requerem-se polticas sociais que tratem
desigualmente aqueles que so desiguais com o objetivo de reduzir a sua situao de desvantagem.
A segunda, igualdade como diferenciao, entende que em uma sociedade igualitria as relaes
sociais se caracterizam pela diferenciao ou diversidade entre os distintos grupos que no implica
dominao nem relaes injustas entre eles.
Pode-se observar que, na prtica, existem inumerveis polticas baseadas na acepo da
diferenciao para a igualdade, por exemplo: as cotas universitrias, doao de bolsas de estudos,
subveno para contratao no mundo do trabalho de grupos desfavorecidos ou de baixa
representatividade social.
De acordo com Devlieger (2003), o entendimento da questo da igualdade e da diferena tem sido
assunto de muitos debates sociolgicos que transcendem as questes sobre a deficincia fsica e tentam
ampliar o debate a todos os grupos com baixa representatividade social. Os conceitos mais recentes sobre
essa questo giram em torno da crena de que somos diferentes, mas iguais, enfocando a questo da
diferena. Em outras palavras, a concepo de que na realidade somos iguais, mas diferentes, modifica o
foco da questo para a igualdade. Igualdade de direitos e de deveres, inclusive o direito diferena, ou
seja: somos iguais, diferentes so as nossas necessidades. Enfatiza-se que a igualdade diz respeito aos
direitos humanos e no s caractersticas das pessoas ou igualdade como padro, como uniformidade.
Com a concretizao dessa mudana de perspectiva terica que se pode esperar uma evoluo
conceitual mais igualitria: somos iguais e diferentes, sem nfase em uma ou outra caracterstica. Tal
viso poder construir novos conceitos que ajudaro no processo de criao de uma sociedade mais
justa e igualitria.
Uma sociedade aberta a todos, que estimula a participao de cada um, aprecia as diferentes
experincias humanas e reconhece o potencial de todo cidado denominada sociedade inclusiva. A
sociedade inclusiva tem como objetivo principal oferecer oportunidades iguais para que cada pessoa
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
50
seja autnoma e autodeterminada. Dessa forma, a sociedade inclusiva democrtica, reconhece todos
os seres humanos como livres, iguais e com direito a exercer sua cidadania (Corra, 2005, p. 9).
um modelo de sociedade que parte do princpio de que todos os homens tm o direito de
contribuir com seus talentos para o bem comum. A sociedade inclusiva deve estar estruturada para
atender s necessidades de cada cidado, dos privilegiados aos marginalizados (Werneck, 2000). Ratza
(2001, p. 21), define a sociedade inclusiva da seguinte maneira:
uma sociedade para todos, independentemente de sexo, idade, religio, origem tnica, raa, orientao sexual ou
deficincia; uma sociedade no apenas aberta e acessvel a todos os grupos, mas que estimula a participao; uma
sociedade que acolhe e aprecia a diversidade da experincia humana; uma sociedade cuja meta principal oferecer
oportunidades iguais para todos realizarem seu potencial humano.
| 51
Incluso e deficincia
De acordo com Dischinger (2006, p. 16), por se tratar de um problema complexo que envolve
desde a capacitao do indivduo com deficincia at a garantia de seus direitos sociais, a incluso
depende de cinco elementos diretamente relacionados entre si:
::: as condies do meio ambiente sociocultural e econmico que determinam a atribuio legal
de direitos, a existncia de polticas de integrao, a existncia de recursos financeiros, a viso
e as aes de incluso ou discriminao;
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
52
::: as condies de atendimento mdico para a recuperao ou melhoria fisiolgica dos diferentes
tipos e nveis de deficincia;
::: as atividades de reabilitao, treinamento e educao que visam aumentar a competncia do
indivduo, melhorando a sua performance na realizao de atividades;
::: as condies do meio ambiente fsico que podem tanto impedir, dificultar, atenuar ou melhorar
a performance de atividades desejadas;
::: a utilizao de Tecnologias Assistivas (TA), as quais incluem equipamentos, produtos e servios
utilizados para manter ou melhorar as capacidades funcionais de indivduos com deficincias.
As aes e as justificativas da incluso, presentes na Declarao Internacional de Montreal sobre
Incluso, aprovada no Congresso Internacional Sociedade Inclusiva em 2001, apelam aos governos,
empregadores e trabalhadores, bem como sociedade civil para que se comprometam e desenvolvam
o desenho universal em todos os ambientes, produtos e servios (Sassaki, 2002). O autor acrescenta
que o objetivo maior dessa parceria o de identificar e implementar solues de estilo de vida que sejam
sustentveis, seguros, acessveis, adquirveis e teis. Tal ao demanda planejamento e estratgias de
desenho intersetoriais, interdisciplinares e interativos.
Para o autor, o desenho acessvel e inclusivo de ambientes, produtos e servios aumenta a
eficincia, reduz a sobreposio, resulta em economia financeira e contribui para o desenvolvimento do
capital cultural, econmico e social, o que de certa maneira faz com que todos os setores da sociedade
sejam beneficiados.
A declarao enfatiza ainda a importncia do papel dos governos em assegurar, facilitar e monitorar a transparncia do processo de implementao dessas polticas, programas e prticas para que os
princpios do desenho inclusivo sejam incorporados nos currculos de todos os programas de educao
e treinamento.
Texto complementar
Discriminar funcionrio no trabalho
(Notariano, 2008)
| 53
excluso ou preferncia fundada na raa, cor, sexo, religio, opinio poltica, ascendncia nacional ou
origem social que tenha por feito destruir ou alterar a igualdade de oportunidade ou de tratamento em
matria de emprego e profisso.
O mesmo artigo 1., no tpico 2, refere-se s qualificaes exigidas para uma determinada
funo que no so consideradas discriminao, pela incompatibilidade do trabalho. Por exemplo,
para ser locutor de uma rdio, professor ou qualquer trabalho assemelhado que dependa 100% da
oratria, no se contratar um deficiente de fala. Nem os prprios deficientes procurariam esse tipo
de trabalho. Mesmo sabendo que hoje tudo depende de comunicao verbal, existem muitas profisses e funes at verbais que essa deficincia no influenciaria em nada no desempenho.
Como forma de proteo aos discriminados, deparamo-nos com exigncias legais em ingressos
s diversas carreiras, quando a lei determina uma reserva percentual de vagas para deficientes
qualificados para a funo almejada. Isso significa proteo quando o candidato assume sob essas
condies, do contrrio, mediante uma contratao normal, ele se torna vulnervel tanto quanto
outros trabalhadores, isto , estar merc de preferncias [...]. Com bom senso o julgador analisa
quais as excees, disfarada ou no assumida.
So dois os tipos de discriminao: direta e indireta. A maneira indireta de discriminar a mais
difcil de se identificar porque ela se apresenta de forma disfarada, irrelevante, aparentemente
neutra e sensata, com uma roupagem de boa-f em relao ao funcionrio. A vtima se torna presa
fcil porque o algoz se apresenta travestido de cordeiro com alma de lobo e se tornam difcil a
acusao e defesa, pois o discriminado a parte fraca. Nesse ponto que entra a figura do juiz
para decidir qual parte est equivocada. O que se nota uma cultura desenfreada de preconceitos
e discriminao dirigidos a funcionrios que no atendam a exigncias e determinaes pessoais
de alguma liderana e, por consequncia, o descarte por meio do assdio moral, na tentativa de
destitu-lo do cargo ou funo e, muitas vezes, at deslig-lo da instituio. Consequncias drsticas
pesam sobre o funcionrio, a comear pelo isolamento imposto involuntariamente pelos prprios
colegas de trabalho, que em muitos casos no sabem a fiel realidade.
Coao e intimidao so as armas das lideranas, como eu j tive a oportunidade de presenciar.
O convvio profissional torna-se difcil, com reflexos na famlia que sofrem junto as consequncias
pela atitude fria, maldosa e desqualificada vinda de um lder notadamente desequilibrado, que
optou por discriminar um funcionrio com qualificaes tcnicas e condies de exercer a funo.
J foi comprovado, por tese, entre psiquiatras e psiclogos, o assediado moralmente nunca
afastado de suas funes por capacidade a menos, e sim por capacidade a mais, e as maiores vtimas
so os funcionrios discriminados por alguma razo oculta entre a liderana. Basta rever as aptides
desse funcionrio para chegar verdade dos fatos. A condio de deficiente no retira dele em
nenhum momento a aptido para desempenhar sua funo habitual por vrios anos consecutivos,
alm da experincia comprovada que o funcionrio adquiriu ao longo da carreira. Mais uma vez
o juiz dever julgar com sapincia onde est o equvoco a partir do momento da discriminao.
Comenta-se que julgar um caso de discriminao difcil para alguns juzes que no conseguem ver
argumentos legais capazes de identificar a discriminao.
Eu no acredito que, em pleno sculo XXI, com tantas fontes de conhecimento, fatos relevantes
na vida profissional do funcionrio merc de interesses pessoais e a maneira como ele diz ser
tratado na empresa, cause alguma dvida nos juzes. para isso que so juzes, para julgar e corrigir
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
54
as falhas da lei quando esta apresenta algum texto em dbio ou mesmo quando omite algum tpico
importante para o julgamento. Devem ser consideradas no julgamento as ausncias textuais e as
imperfeies a que esto sujeitas algumas leis. Diga-se de passagem, julgamentos tambm servem
para aprimorar as falhas legais quanto aos textos propostos. De outra ptica esto sendo julgados
seres humanos e no objetos com especificaes tcnicas dentro de um procedimento licitatrio.
Na Constituio de 1988 tambm no existe uma definio clara quanto discriminao, afinal no
h a necessidade de conceituar o que morrer quando um assassino comete um homicdio.
O efeito devastador do ataque discriminatrio dignidade de um homem muito penoso e o
rtulo, quando retirado, deixa marcas, sequelas memorveis, imensurveis e sem preo a se estimar.
Como seria a compensao para essas perdas? Dinheiro que o funcionrio deixou de ganhar? Quem
traria de volta um cnjuge que padeceu por essa atitude diablica de um lder macabro? Quem
traria de volta um filho que se perdeu por esses motivos? Quem traria de volta a felicidade que foi
extirpada daquele lar? Quem devolveria a sade fsica e mental do funcionrio em questo? Cabe
ao juiz julgar imparcialmente, e subsdios para isso hoje no faltam.
O que tenho lido sobre o tema causa a impresso que os responsveis por esse ato danoso
e penoso dignidade humana queiram justificar erros e apresentam tantos subterfgios quantos
forem necessrios, capazes de descaracterizar a discriminao e at jogar a culpa na vtima. Os
exemplos de dois textos que tive a oportunidade de apreciar sobre orientao de rotinas demonstram
notadamente clusulas discriminatrias e at humilhantes. No momento de exigir do participante
retrica expressiva, sem problema de comunicao para apresentar sugestes em nome do grupo
ou isoladamente, no percebem que a orientao vai para grupos de diferente formao e, mesmo
que no existam entre os grupos pessoas com deficincias, depara-se com pessoas humildes, sem
escolaridade, tmidas e que gostariam de participar. Seria ento uma clusula discriminatria, e
o julgador no teria dificuldades em identific-la. Parece at uma ordem mundial, excelncia nas
contrataes, querem todos perfeitos. A cheguei concluso que alguns tipos de deficincia esto
fadados ao descarte, no tero chances no mercado de trabalho.
Atividades
1.
| 55
2.
Faa uma crtica aos conceitos de incluso e integrao social a partir do tema da integrao dos
deficientes no mundo do trabalho.
3.
Faa uma anlise do conceito de igualdade como diferenciao e amplie o debate para outros
grupos de baixa representatividade social.
56
Referncias
BUENO, J. G. S. Crianas com necessidades educativas especiais, poltica educacional e a formao de
professores: generalistas ou especialistas. Revista Brasileira de Educao Especial, Marlia v. 3. n. 5, p.
7-25, 1999.
______. Refletindo sobre a Sociedade Inclusiva e a Surdez. Disponvel em: <www.saci.org.br>. Acesso em: 21 ago. 2012.
CARVALHO, R. E. Incluso Escolar: desafios. In: Seminrio Internacional Sociedade Inclusiva PUC-MG.
Anais. Belo Horizonte: PUC Minas, 2001.
CORRA, R. M. Cartilha da Incluso dos Direitos da Pessoa com Deficincia. Belo Horizonte: PUC
Minas, 2005. Disponvel em: <www.sociedadeinclusiva.pucminas.br/cartilha.php>. Acesso em: 29 jan.
2008.
CREA-SP. Casa para a Vida Toda. In: Revista CREA-SP, n. 11, set./out. 2003. Disponvel em: <www.saci.
org.br/index.php?modulo=akemi¶metro=9877>. Acesso em: 21 ago. 2012.
DEVLIEGER, P.; RUSCH, F.; PFEIFFER, D. Rethinking Disability as Same and Different! Towards a Cultural
Model of Disability. In: DEVLIEGER, P; RUSCH, F; PFEIFFER, D. Rethinking Disability: the emergence of
new definitions, concepts and communities. Antwerpen: Garant, 2003.
DISCHINGER, M.; ELY, V. H. M. B. Desenho Universal nas Escolas: acessibilidade na rede municipal de
ensino de Florianpolis. Florianpolis: 2004.
______. Promovendo Acessibilidade nos Edifcios Pblicos: guia de avaliao e implementao de
normas tcnicas. Florianpolis: Ministrio Pblico do Estado de Santa Catarina, 2006.
FVERO, E. A. G. Direito das Pessoas com Deficincia: garantia de igualdade na diversidade. Rio de
Janeiro: WVA, 2004.
______. O que Voc Precisa Saber sobre a Conveno da Guatemala. Disponvel em: <www.wvaeditora.com.br/>. Acesso em: 20 ago. 2012.
LIPPO, Humberto Pinheiro. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficincia. In: Relatrio
Azul, Assembleia Legislativa, Porto Alegre: 1997.
______. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficincia. In: Relatrio Azul, Assembleia
Legislativa, 2004.
______. Acessibilidade Universal. In: Sociologia, Textos e Contextos. Canoas: Ed. Ulbra, 2005.
______. LIPPO, Humberto. Trajetrias recentes das pessoas com deficincia. Legislao, movimento
social e polticas publicas. Relatrio Azul 2004: garantias e violaes dos direitos humanos, Porto
Alegre: Assembleia Legislativa, 2004 p. 234-253.
NOTORIANO, J. Discriminar Funcionrio. Revista Partes. Disponvel em: <www.partes.com.br>. Acesso
em: 20 ago. 2012.
RATZKA, A. D. A Histria da Sociedade Inclusiva na Europa. In: Seminrio Internacional Sociedade
Inclusiva de 199. Anais. Belo Horizonte: PUC Minas, 2001.
SASSAKI, R. K. Pressupostos da Educao Inclusiva. 2001. Disponvel em: <www.wvaeditora.com.br>.
Acesso em: 20 ago. 2012.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 57
______. Declarao Internacional de Montreal sobre Incluso. Aprovada pelo Congresso Internacional
Sociedade Inclusiva em 2001. Texto de 12 de Janeiro de 2002. Disponvel em: <www.saci.org.br>. Acesso
em: 20 ago. 2012.
______. Incluso: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 2003.
______. Paradigma da Incluso e suas Implicaes Educacionais. 2005. Disponvel em: <www.wvaeditora.com.br/>. Acesso em: 20 ago. 2012.
WERNECK, C. Como Agregar Valor ao Social? Como agregar valor social ao conceito de incluso? In:
QUEVEDO, A. A. F.; OLIVEIRA, J. R.; MANTOAN, M. T. E. Mobilidade, Comunicao e Educao. Rio de
Janeiro: WVA, 2000.
______. Manual sobre Desenvolvimento Inclusivo para a Mdia e Profissionais de Comunicao.
Realizao e organizao Escola de Gente Comunicao em incluso para o Banco Mundial. Rio de
Janeiro: WVA, 2004. p. 93. Disponvel em: <www.escoladegente.org.br>. Acesso em: 20 ago. 2012.
Gabarito
1.
Entre os tipos de discriminao sero levados em conta alguns, pois existem inmeros tipos. A
discriminao moral, citada no texto, provavelmente a que mais atinge pessoas. Esse tipo de
discriminao afeta a dignidade, coloca em questo a capacidade do indivduo e proporciona
danos no s profissionais como morais em uma pessoa.
Existe a discriminao por sexo, e as mulheres so as que mais sofrem com isso, porm no
so as nicas, mas sabe-se que at hoje mulheres com o mesmo cargo recebem um salrio
significativamente menor que os homens, e o assdio sexual encarado com naturalidade por
muitos. Isso implica a viso social da mulher colocada como minoria e prejudicada por no ser
levada a srio em um ambiente de trabalho, sendo tratada como menos capaz que homens.
H tambm a discriminao racial que ainda hoje muito forte, mas esta se esconde atrs de
protecionismo ou questes como status social. Negros so os mais prejudicados na questo da
discriminao racial, e como as mulheres, tambm recebem um salrio menor que os brancos
que ocupam o mesmo cargo.
Discriminao por idade, isso atinge desde jovens que ingressaram a pouco no mercado de
trabalho ou idosos que j esto h muito tempo nele. Ambos so vistos como incapazes de
realizar uma tarefa de forma bem-sucedida. O jovem considerado despreparado e muitas vezes
diminudo por no ter experincia necessria. J os idosos so considerados incapazes porque
so vistos como relapsos, com mentalidade fechada e incapazes de aprender novos conceitos e
formas exigidas pelo mercado de trabalho.
58
2.
necessrio que exista a incluso de deficientes no mercado de trabalho, pois todos, portadores
de deficincia ou no, possuem capacidade para participar do mercado de trabalho, mas isso deve
ser feito de forma que no seja mais excludente ainda. Existem hoje muitas formas de incluso
que geram ainda mais discriminao, criando vagas especficas para deficientes para garantir sua
participao em determinada funo. No entanto, essa forma de incluso se torna uma forma
de excluso quando acaba, de certa forma, afirmando uma incapacidade do deficiente que
no poderia teoricamente conseguir uma vaga ao competir com uma pessoa no portadora de
deficincia, e faz tambm com que os seus companheiros de trabalho o diminuam, pois acreditam
que sua presena naquele cargo se d somente devido sua deficincia e no sua capacidade
como trabalhador.
3.
O conceito de igualdade como diferenciao implica situaes desiguais que necessitam medidas
desiguais, as cotas universitrias, doao de bolsas de estudos, subveno para contratao no
mundo do trabalho de grupos desfavorecidos ou de baixa representatividade social. Tudo isso
, na verdade, mais uma forma de discriminao que acaba por proporcionar um protecionismo
que desqualifica a capacidade real dos indivduos. No entanto, esse um debate muito delicado,
pois sem as cotas as bolsas e a subveno muitas pessoas no teriam oportunidades. O problema,
na verdade, no a existncia dessas diferenciaes, mas sim a forma como so feitas, pois muitas
dessas diferenciaes acabam se tornando caridade, e subestimam a capacidade real do indivduo
privilegiado pela igualdade como diferenciao.
Pensando a acessibilidade
Conceitos gerais
No existe uma definio universalmente aceita que designe acessibilidade. Esse termo pode
ter mltiplas interpretaes dependendo de quando e onde seja aplicado. Aparentemente no existe
relao entre o acesso a uma edificao para uma pessoa com problemas de mobilidade, a possibilidade de interpretar um texto escrito por uma pessoa cega ou ter acesso a uma mensagem sonora
por parte de uma pessoa surda. No entanto, tudo isso acessibilidade, assim como tambm acessibilidade a possibilidade de uma pessoa estrangeira ou com deficincias intelectuais entender a
sinalizao dos aeroportos, ou de uma mulher entrar em um nibus aos nove meses de gravidez ou
com um carrinho de beb.
De modo geral, pode-se definir acessibilidade como o conjunto de caractersticas de que deve
dispor um entorno, produto e servio utilizveis em condies de conforto, segurana e igualdade
por todas as pessoas e, em particular, por aquelas portadoras de algum tipo de deficincia.
A acessibilidade , portanto, um termo que abrange diversas reas do conhecimento e as aplicaes
que afetam a todo tipo de pessoa. de fundamental importncia para o planejamento de polticas sociais,
entendida tambm em relao a algumas formas bsicas de atividade humana nas barreiras de acesso
(ou manipulao).
se mostram com maior frequncia: mobilidade, comunicao, compreenso e
A mobilidade toda ao que implica tanto deslocamento ou traslado da prpria pessoa de um
ponto a outro em todas as direes (vertical, horizontal etc.) como apreenso e alcance de objetos, seja
por meios prprios ou mediante alguma ajuda externa ou meio de transporte.
A comunicao o processo pelo qual se emitem, se recebem ou se trocam informaes entre
duas ou mais pessoas, de maneira direta ou indireta, por meio da linguagem falada, escrita, gesticulada
ou de smbolos.
A compreenso a capacidade de entender a informao que se recebe durante a comunicao,
seja interpessoal ou por meios fsicos, eletrnicos ou virtuais; trata-se do processo pelo qual a pessoa
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
60
Pensando a acessibilidade
que recebe a mensagem (o receptor) entende o significado daquilo que o emissor quis transmitir, qualquer que seja o cdigo no qual este se expresse. importante ter claro que comunicao no sinnimo
de compreenso. Quando a mensagem ou a informao que se emite no chega a ser compreendida, a
comunicao parcial: a informao circula, mas no pode ser utilizada.
O uso faz referncia a toda manipulao, utilizao e/ou interao entre uma pessoa e um
objeto, dispositivo, elemento, espao etc. para seu aproveitamento. Por uso entende-se a capacidade
de manipular e usar de forma eficiente um produto, servio ou entorno, tanto fsico quanto virtual.
O uso eficiente quer dizer que os equipamentos devem poder ser utilizados por todas as pessoas
independentemente de suas caractersticas fsicas ou sociais.
Essas quatro dimenses da acessibilidade se encontram intimamente relacionadas e se complementam. Por exemplo: s se pode falar de utilizao efetiva (uso) de um produto ou servio na medida
em que:
::: este esteja ao alcance da pessoa (mobilidade e apreenso);
::: entenda-se o funcionamento ou a maneira da utilizao (compreenso); e
::: seja simples, cmodo e de manipulao segura.
Nesse sentido, deve-se pensar na acessibilidade como um processo complexo que requer que
todas as partes se integrem, ou seja, no basta que funcione apenas uma das dimenses, mas sim,
quando for o caso, fazer com que todas as etapas sejam cumpridas de maneira que todo processo que
envolva a utilizao seja acessvel.
Ao analisar essas dimenses de onde deriva uma importante quantidade de atividades que vo
desde a higiene pessoal at o uso dos transportes pblicos pode-se reconhecer mais facilmente as
necessidades de acessibilidade.
Cabe ressaltar que as necessidades de acessibilidade que uma pessoa possa ter surgem em
relao a um determinado contexto: no h necessidade da acessibilidade por si s, mas ela aparece na
medida em que o entorno no qual se encontra o servio ou o produto que tenha que utilizar no esteja
adaptado ou no possa ser adaptado facilmente s suas caractersticas e capacidades.
Pensando a acessibilidade
| 61
Dimenses da acessibilidade
Como ressalta Fekete (1995), para a elaborao de uma tipologia de barreiras para a acessibilidade
podem ser utilizadas diferentes dimenses.
Para a autora, uma vez que a acessibilidade resultado de uma srie de combinaes e fatores
de distintas dimenses, pode-se classificar as principais, como as geogrficas, organizacionais, socioculturais e econmicas.
Acessibilidade geogrfica
Essa dimenso reflete a distncia mdia entre a populao e os recursos. No entanto, acessibilidade
geogrfica no se mede apenas pela distncia, j que uma determinada regio pode apresentar caractersticas fsicas que impeam ou dificultem o acesso da populao. o caso da existncia de rios, morros,
autoestradas e outros. Assim sendo, a acessibilidade geogrfica deve ser medida em funo do tempo
que, pelos meios habituais de transporte, consome-se para obter acesso a algum tipo de servio.
No possvel fixar uma nica medida ideal de acessibilidade geogrfica, pois o tempo
adequado para sua anlise depende do tipo de necessidade. Existem, portanto, distintos nveis de
acessibilidade para diferentes necessidades, as quais, por sua vez, devem estar cobertas por distintas
caractersticas do recurso.
Deve-se observar que a existncia da acessibilidade geogrfica no necessariamente garante a
possibilidade de utilizao dos recursos por parte da populao. Isso ocorre devido a interferncias de
outros elementos que fazem com que a populao no utilize os servios mais prximos de seu local
de moradia. Cada um desses elementos (credibilidade do servio, por exemplo) pode influir sobre a
acessibilidade geogrfica. Para avaliar a acessibilidade real, cabe a seguinte questo: que motivos levam
a populao a procurar servios mais distantes de seu domiclio?
Acessibilidade organizacional
Essa dimenso da acessibilidade est representada pelos obstculos que se originam nos modos
de organizao dos servios. Os obstculos podem estar na entrada ou no interior do equipamento ou
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
62
Pensando a acessibilidade
servio, ou seja, os aspectos que vo desde o contato inicial com o servio, tais como dificuldades em
obter informao, at o tipo de atendimento, como o treinamento do pessoal, os turnos de funcionamento etc.
Tambm devem ser considerados os obstculos na continuidade da assistncia, j que so ainda
incipientes os mecanismos de avaliao de acesso. Para Fekete (1995), os obstculos no se limitam
ao contato inicial com o servio, mas tambm aos que podem seguir-se dentro dele e nos demais
nveis do servio. Em geral, os indicadores que melhor expressam essa dimenso da acessibilidade
se relacionam com o tempo real de espera para conseguir o atendimento. Esse tempo real deve ser
calculado a partir do instante em que surge a deciso de procurar os servios. O detalhamento desse
indicador permite analisar o grau de ajuste relativo s seguintes questes: turnos de funcionamento;
carter complementar das atividades e aes; adequao do quadro de pessoal, das instalaes e dos
equipamentos e integrao dos servios.
Acessibilidade sociocultural
A acessibilidade sociocultural refere-se apreciao do entendimento e apreenso dos reais motivos
que determinam a busca por determinado tipo de servio. Um servio que tenha a acessibilidade como
filosofia de trabalho deve levar em conta a relao direta que se estabelece entre o pessoal de atendimento
e a populao a ser atendida. Muitos estudos ressaltam os problemas de relacionamento causados pelas
diferenas socioculturais entre profissionais de atendimento e usurios dos servios, que vo desde
o vocabulrio utilizado pelos profissionais, muitas vezes pertencentes a uma classe social distinta dos
usurios, at os valores que no contribuem para sua comunicao, com distintos grupos da populao.
Para Fekete (1995), os obstculos relativos acessibilidade sociocultural podem ser enfocados
sob as perspectivas da populao e dos servios a serem avaliados. Quanto populao, cabe destacar:
percepo que o indivduo tem sobre suas reais necessidades; nvel de conhecimento sobre as ofertas
existentes sobre o tipo de servio que necessita; dificuldades de comunicao com o pessoal de atendimento; muitas vezes, o sentimento de vergonha ou medo da discriminao social.
Quanto aos servios, deve-se considerar: formao de profissionais desvinculada da realidade das
condies de vida da populao; falta de preparo das equipes e das instituies frente diversidade das
pessoas com caractersticas socioculturais; e insipincia dos processos e participao dos usurios na
organizao do servio.
Acessibilidade econmica
Tendo em vista que o acesso igualitrio aos servios um princpio constitucional, no deveriam
existir barreiras de ordem econmica utilizao desses servios.
Observa-se, entretanto, que a oferta insuficiente faz com que o gasto em servios privados
de todos os tipos das famlias brasileiras seja muito elevado. Esse gasto inclui o consumo de tempo,
energia e recursos financeiros para a busca e obteno do servio, alm dos prejuzos por perda de
dias de trabalho etc.
O indicador mais utilizado para medir a acessibilidade econmica a taxa (nvel) de emprego. Isso
porque vrios estudos tm demonstrado que quanto maiores os nveis de emprego maior a utilizao
dos servios privados.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Pensando a acessibilidade
| 63
No caso dos servios pblicos de sade, Fekete (1995) ressalta serem estes um indicador relativo,
uma vez que, de maneira geral, so utilizados pela populao de mais baixa renda, exceo dos
servios de ateno hospitalar. A autora salienta que o estudo da acessibilidade econmica deve estar
estreitamente vinculado s outras dimenses da acessibilidade.
Desse modo, a construo de indicadores e a anlise dos obstculos que se interpem entre a
populao e os recursos no tarefa fcil, pois requerem a anlise de importantes aspectos sociais e
apolticos.
No que se refere ao estudo da acessibilidade em seu sentido mais restrito, visando determinar
o grau de ajuste entre as caractersticas de uma determinada populao, observa-se que o principal
entrave sua anlise encontra-se na forma de organizao dos servios pblicos. A insipincia dos
processos de acessibilidade aos servios pode ser considerada o principal limitante do processo de
avaliao e, por via de consequncia, do estudo de acessibilidade.
Apesar dessas dificuldades, entende-se que a definio de uma metodologia para medir indicadores de acessibilidade deve levar em considerao as dimenses descritas, a fim de que os avanos
tericos, relativos sua implantao efetiva, transformem-se em prticas no interior dos servios.
Acessibilidade universal
O termo acessibilidade geralmente acompanhado do adjetivo universal, aludindo a que a
condio de acessibilidade deve ser estendida a qualquer entorno, produto ou servio, sem exceo
e que todos os cidados, sejam quais forem suas condies, devem ser considerados nela. Entendese que a acessibilidade universal inclui a ideia de conceber sem barreiras tudo o que se cria ou se
desenha novo, mas tambm incorpora a adaptao progressiva daquilo que j est feito mas que
coloca barreiras para a utilizao de todos. De fato, a ideia da acessibilidade universal e seus conceitos
transversais passaram a fazer parte das agendas polticas nos ltimos anos e esto no topo da lista
das polticas sociais no futuro imediato.
importante ressaltar que mesmo com a tendncia de se sublinhar o carter universalista da
acessibilidade o uso desse adjetivo no pressupe uma concepo diferente ou mais geral. Ao falarmos
em acessibilidade, no estamos nos referindo apenas possibilidade de entrar em edificaes ou outros
equipamentos, mas tambm de sermos entendidos e atendidos adequadamente. A possibilidade de
utilizar todos os servios e dispositivos existentes e ter condies de segurana, tudo isso considerando
qualquer que seja a particularidade do indivduo (fsicas, sensoriais e mentais), deve dispor das mesmas
oportunidades de qualquer outro usurio.
Para Lippo (2005, p. 346), a acessibilidade deve ser considerada uma qualidade adicional do
entorno urbano, portanto, no deve ser vista de forma separada, mas na globalidade do meio e em suas
inter-relaes. Nesse sentido, o conceito de acessibilidade universal supera com acrscimos o conceito
de supresso de barreiras mobilidade em reas especficas nos momentos de planejar, projetar e
construir. Portanto, a acessibilidade, entendida no sentido de ao constitutiva do entorno urbano,
engloba todo o conjunto do espao construdo, incluindo os aspectos da edificao, do urbanismo e do
transporte em suas mltiplas interfaces.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
64
Pensando a acessibilidade
Pensando a acessibilidade
| 65
66
Pensando a acessibilidade
Texto complementar
Metodologia de atendimento e acesso de pessoas com
deficincia a telecentros
De acordo com os dados do Censo de 2000, existem no Brasil cerca de 24,5 milhes de pessoas
que apresentam algum tipo de incapacidade ou deficincia, o que corresponde a 14,5% da populao brasileira. Desses, 8,3% apresentam deficincia mental; 4,1% apresentam deficincia fsica;
22,9% apresentam deficincia motora; 48,1% apresentam deficincia visual e 16,7% apresentam
deficincia auditiva e surdez. A aplicao de tecnologias voltadas para a pessoa com deficincia
j parte da legislao brasileira. Decreto 5.296, de 2 de dezembro de 2004 consolidou as leis de
acessibilidade, os decretos 10.048 e 10.098 estabeleceram o prazo (2 de dezembro de 2005) para os
telecentros comunitrios instalados ou custeados pelos governos federal, estadual, municipal ou
do Distrito Federal possuam instalaes plenamente acessveis e, pelo menos, um computador com
sistema de som instalado, para uso preferencial por pessoas com deficincia visual.
Com as tecnologias, mtodos e programas disponibilizados e apoiados por marco legal, as
pessoas com comprometimentos temporrios ou permanentes podero participar mais ativamente
na construo de uma nova ordem social, na qual as pessoas com deficincia, com sua fora de
trabalho equiparada, tero um papel de destaque. Segundo a Organizao Mundial do Trabalho,
cerca de 70% da gerao de renda do planeta resulta do uso das novas tecnologias de informao
e comunicao. Propiciar acessibilidade nos telecentros o ponto alto do trabalho de incluso,
j que, na nossa sociedade, as pessoas com baixo poder aquisitivo, por exemplo, somente tm
acesso ao computador e s informaes nele contidas quando esto num contexto de necessidade
educacional ou profissional. As informaes sobre ajudas tcnicas associadas a uma metodologia
eficaz para o atendimento das pessoas com deficincia e pessoas com necessidades especiais, que
contemple o treinamento de monitores podero resultar na incluso digital, em harmonia com os
mesmos programas que esto sendo implantados para toda a sociedade.
(Disponvel em: <www.acessobrasil.org.br/index.PHP?itemid=873>. Acesso em: 10 fev. 2008.)
Pensando a acessibilidade
| 67
Atividades
1.
De que maneira a Sociologia pode contribuir para o debate nacional sobre a acessibilidade?
2.
Discuta com seus colegas os conceitos terico-metodolgicos fornecidos pela teoria sociolgica
que possibilitam a construo de indicadores qualitativos para a avaliao da acessibilidade.
3.
Por que a questo da acessibilidade no restrita somente aos portadores de deficincia fsica?
68
Pensando a acessibilidade
Referncias
DENARI, F. E.; KUBO, O. M. Temas em Educao Especial 2. (Orgs.). So Carlos: UFSCar, 1993, p. 25- 54.
FEKETE, M C. Estudo da Acessibilidade na Avaliao dos Servios de Sade. Texto elaborado para
bibliografia bsica do Projeto Gerus/Desenvolvimento Gerencial de Unidades Bsicas de Sade do
Distrito Sanitrio. Brasil, 1995, p. 177-184.
LIPPO, Humberto Pinheiro. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficincia. In: Relatrio
Azul, Assembleia Legislativa, Porto Alegre: 1997.
_____. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficincia. In: Relatrio Azul, Assembleia
Legislativa, 2004.
_____. Acessibilidade Universal. In: Sociologia, Textos e Contextos. Canoas: Ed. Ulbra, 2005.
_____. Trajetrias recentes das pessoas com deficincia. Legislao, movimento social e polticas publicas.
Relatrio Azul 2004: garantias e violaes dos direitos humanos, Porto Alegre: Assembleia Legislativa,
2004 p. 234-253.
MARTN, M. C.; JUREGUI, M. V. G.; Lpez, M. L. S. Incapacidade Motora: orientaes para adaptar a
escola. Porto Alegre: Artmed, 2004.
TESKE, Ottmar. As desigualdades invisveis: acessibilidade universal em debate. In: Sociologia. Textos e
Contextos. Canoas: Ulbra, 2005.
Gabarito
1.
2.
3.
Cidades e acessibilidade
Definir o conceito de cidade no fcil. Todas as cidades so constitutivamente distintas e
respondem a conceitos e desenvolvimento histricos diferentes. No se pode definir todas as cidades
contemporneas da mesma forma, muito menos conceitu-las como a plis grega de Aristteles ou as
cidades da Idade Mdia.
A cidade reflete especialmente as caractersticas sociais e econmicas de cada poca e as relaes
de poder, ao mesmo tempo que condiciona e determina o comportamento e a vida de cada um dos
indivduos que formam os distintos grupos sociais.
dada como o lugar da objetividade, um cenrio para a ao, indiferente ao sexo dos indivduos e
s capacidades fsicas dos que nele se movem. Entretanto, o cenrio que determina as aes possveis
e legtimas.
Pode-se dizer que a partir da Revoluo Industrial as cidades se desenvolveram cada vez mais
rapidamente. E nessa evoluo as necessidades de produo e consumo e as prioridades estabelecidas
pelas atividades econmicas adquiriram importncia muito maior que qualquer outro aspecto relacionado com a convivncia e a expresso dos valores culturais e sociais. No entanto, como toda construo
cultural, est definida e atravessada por linhas de poder que a criam e interpretam. Zonas abertas ou
proibidas, liberdade de movimentos ou confinamento.
Uma questo que marcou profundamente a constituio das cidades contemporneas se
expressou em uma dicotomia que dominou o mundo urbano a partir do triunfo da ordem burguesa.
Trata-se da dualidade pblico-privado. Ainda que esse seja um conceito em crise, permite situar a
questo da acessibilidade nas cidades.
Um dos principais significados da separao do mundo pblico e do privado e sua distribuio
desigual foi que do ponto de vista poltico a ruptura em duas esferas permitiu a autonomia individual
frente ideia de comunidade. O indivduo deixaria de estar unido por vnculos econmicos, familiares e
jurdicos comunidade em que nasceu e passaria a ter um status prprio para desenvolver suas possibilidades vitais. Tm obrigaes para com a sociedade reguladas por sua condio de cidado, ou seja,
pela relao com o Estado.
Essa mediao entre indivduo e sociedade por meio do Estado torna possvel sua participao
nas determinaes dessas obrigaes mediante o sufrgio, e que estas tenham um carter legal e no
natural. O cidado tem a obrigao de fazer a guerra e pagar seus impostos, mas o Estado no pode
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
70
Cidades e acessibilidade
obrig-lo a trabalhar gratuitamente, a entregar sua propriedade, a escolher esta ou aquela profisso ou
a se casar contra sua vontade.
Mas nesse contexto h uma questo importante, uma nova diviso entre o pblico e o privado
que tem um sentido muito diferente: o que separa o mercado, a famlia, a produo e a reproduo.
A existncia de um mercado que rege as relaes econmicas para na soleira da porta, onde as
normas que governam a existncia no so as legais, mas os vnculos morais. A famlia se constitui como
o ltimo reduto contra a invaso da racionalidade econmica e da igualdade poltica, um mundo que
deve ser preservado fora do contrato social.
A sociedade burguesa, desde o sculo XIX, diferencia o mundo profissional, exterior por meio do
qual o indivduo intervm no social (produzir e participar), e o mundo interior, o da reproduo no qual
se cumprem as obrigaes com os demais: ter filhos, mant-los, dar conta das necessidades biolgicas,
cuidar dos idosos, enterrar os mortos, ou seja, ocupar-se de tudo aquilo de que o mercado no se ocupa
por se tratar de atividades que no so divisveis, quantificveis, nem rentveis.
A cidade o espao em que possvel diferenciar essas esferas. um espao de produo que
responde s necessidades do capitalismo mercantil e industrial. , por definio, o espao da poltica: a
poltica como esfera autnoma. A cidade o lugar do pacto entre iguais, onde a autonomia individual,
tanto econmica quanto poltica, possvel.
As transformaes trazidas pelo sculo XX foram minando essas fronteiras rgidas entre o pblico
e o privado. No mais evidente que a rua e a casa sigam existindo como esferas opostas. Na verdade,
pode-se duvidar que a rua continue existindo em sua funo de sociabilidade clssica. Em todo caso,
como espao simblico as ruas perderam grande parte de sua fora. Ao mesmo tempo em que no
se pode continuar sustentando a ideia de que a casa reduto que est a salvo do mercado, tendo em
vista que de casa, por meio das tecnologias e por suas mltiplas funes, pode-se produzir, consumir,
participar.
Paralelamente, o espao pblico comum vai sendo privatizado. Um novo sentido da dicotomia
pblico-privado, exclusivamente econmico, impe-se sobre os outros significados. A diferena relevante parece ser a que separa aquilo que deveria ser gestionado pelo Estado e aquilo que deixado
para a iniciativa privada. Em outras palavras, o que se considera espao comum, prprio da coletividade
e o espao privado intercambivel segundo as regras do mercado.
A funo poltica da cidade decai e, em certa medida, sua funo econmica e a sociabilidade
tradicional, de vizinhana, cedem ante o avano do uso privado do espao pblico, uma tendncia que
vai aumentando nas moradias, no transporte, na segurana etc.
O espao abstrato do mercado uniformiza e iguala todas as diferenas, toda marca da histria e vai
construindo um espao sem histria, um eterno presente no qual a cidade desaparece, convertida em um
cenrio para diverso e consumo. Na sociedade do espetculo, na qual as pessoas esto perigosamente
juntas (Debord,1992), h a vontade de destruir a rua. Trata-se de ilhar as pessoas em uma cidade que
explode e invade todos os espaos que a circundam, de ilh-las juntas, ou seja, em edifcios e casas iguais,
repetidas, sem histria, sem relaes sociais diretas. Nas sociedades atuais, as diferenas de classe, as relaes sociais e as relaes de produo vo ficando cada vez mais abstratas, mais invisveis.
Para muitos autores, o urbanismo dos ltimos anos baseou-se em uma srie de erros de fundo
que, por no terem sido suficientemente reconhecidos pelos crculos tcnicos, deixaram de entrar na
pauta dos desenhos urbanos da atualidade por mera inrcia e porque no se adaptam muito bem s
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Cidades e acessibilidade
| 71
expectativas econmicas da mquina produtiva. O primeiro a diviso estrita das funes que se ope
complexidade e mescla de usos e pessoas, caracterstica das cidades tradicionais na inteno de
solucionar os problemas higienistas e da poluio industrial. Nesse sentido, a partir de 1928, na Sua
comearam a ser realizados os Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna (CIAM), organizao
liderada pelos principais nomes da arquitetura moderna europeia a fim de discutir os rumos da
arquitetura, do urbanismo e do design. Um dos seus principais idealizadores foi o franco-suo Le
Corbusier, considerado a figura mais importante da arquitetura moderna. Considera-se que uma de
suas principais contribuies foi o entendimento da casa como uma mquina de habitar (machine
habiter), em concordncia com os avanos industriais. Sua principal preocupao era a funcionalidade.
Os CIAM foram responsveis por discusses e pesquisas inditas at ento, como a busca da residncia mnima e o design para as massas, que revolucionaram o pensamento esttico, cultural e social do
perodo, alm disso, foram responsveis pela definio daquilo que costuma ser chamado de international
style: introduziram e ajudaram a difundir uma arquitetura considerada limpa, sinttica, funcional e racional.
Os CIAM consideravam a arquitetura e o urbanismo como um potencial instrumento poltico e econmico, o qual deveria ser usado pelo Poder Pblico como forma de promover o progresso social.
Talvez o produto mais influente dos CIAM tenha sido A Carta de Atenas, escrita por Le Corbusier
e baseada nas discusses ocorridas na quarta conferncia da organizao. A Carta praticamente
definiu o que o urbanismo moderno, traando diretrizes e frmulas que, segundo seus autores, so
aplicveis internacionalmente. A Carta considerava a cidade como um organismo a ser planejado de
modo funcional e centralmente planejada, na qual as necessidades do homem devem estar claramente
colocadas e resolvidas. Entre outras propostas da Carta est a de que toda propriedade de todo solo
urbano da cidade pertence municipalidade, sendo, portanto, pblico.
A Carta de Atenas de Le Corbusier prope uma cidade fragmentada em que cada funo seja
realizada em um lugar determinado. Nela, considerada um cone da arquitetura moderna, so contempladas quatro funes urbanas:
::: habitar (a funo residencial);
::: trabalhar (a funo produtiva);
::: a funo recreativa e de lazer;
::: a funo de circular.
As cidades contemporneas se caracterizam, portanto, pela separao entre as funes de habitar
e trabalhar, ficando a funo recreativa e de lazer ligada em grande medida funo comercial. Desse
modo, impera a funo de circular, ou seja, a que tem como finalidade conectar as outras trs funes e
o faz predominantemente mediante o uso do veculo pblico ou privado. Essa perspectiva, no momento
do planejamento, organizao e gesto da cidade, deixa de lado muitas outras atividades que se
desenvolvem nela, como passear, relacionar-se, divertir-se etc. e responde a um modelo excludente no
qual primam os valores da maioria ou dos coletivos representativos, ou seja, tende-se a homogeneizar
o perfil dos habitantes sob o padro do homem mdio: entre 25 e 55 anos, que trabalha, tem veculo
prprio, no portador de nenhuma deficincia funcional e cuja funo diria comparecer ao local de
trabalho, distante de sua residncia, o mais rpido possvel.
a cidade dos centros comerciais, residenciais, industriais e dos hipermercados. Essa diviso
das funes que cotidianamente os cidados fazem simultaneamente, implica um gasto enorme de
tempo e energia para se deslocar pela cidade. Essa cidade, portanto, mostra-se hostil a todas as pessoas
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
72
Cidades e acessibilidade
portadoras de alguma deficincia ou fragilidade. Esse modelo urbano est baseado necessariamente na
dependncia do automvel privado e em fortes investimentos em estradas e infraestrutura de transporte.
O espao pblico, que era base de valores como convivncia, foi invadido pelo automvel e suas
consequncias (barulho, poluio, ocupao do espao fsico etc.). H uma ideia generalizada de que
o automvel um meio universal de deslocamento, mas todos os dados demonstram que essa uma
falsa ideia. A maioria das pessoas portadoras de deficincia, idosos, mulheres grvidas, quer seja por
razes econmicas ou porque no desejam ter um automvel particular, tm uma grande dificuldade
de se deslocar nas grandes cidades.
A cidade est repleta de barreiras que dificultam a vida daqueles que se deslocam sem carro pela
cidade e resultado uma cidade em que as zonas para pedestres existem por excluso do espao que
no ocupado por automveis.
As propostas que desenham uma cidade que favorea o cotidiano, a proximidade, criticam o
desenho urbano que segmenta e alarga as distncias, destruindo a vida dos bairros e isolando aqueles
que tm pouca possibilidade de mobilidade, que cria espaos monofuncionais que enfatizam o
anonimato nas cidades globais, cuja nica aposta a competitividade.
As propostas aos conflitos de mobilidade, tendo como prioridade os deslocamentos sem automvel, que facilitaria o cotidiano das pessoas portadoras de deficincia, mulheres grvidas, crianas,
idosos etc., no podem estar desligadas de outras medidas centradas no fomento de transporte pblico
para deslocamentos maiores. Por isso necessrio que esses meios adaptem seus desenhos s necessidades de deslocamento de pessoas com cadeiras de rodas, muletas, andadores, carrinhos de beb etc.
Chama a ateno o fato de que as informaes dirias sobre a cidade sejam fundamentalmente
sobre os congestionamentos, o estado das estradas, mas quase nada dito sobre a situao das
caladas, seu tamanho, a intensidade mdia de pedestres, ou do nmero de pedestres que no podem
se locomover nas caladas esburacadas ou com automveis estacionados.
Alguns autores consideram que o fato de destinar basicamente o sistema de ruas circulao
motorizada foi um dos erros de fundo que deu lugar a atual decadncia da maior parte das cidades.
Nos ltimos anos, foi se desenvolvendo na arquitetura um pensamento crtico que visa criar um
corpo terico sobre o acesso universal nas cidades.
importante ressaltar que j nos anos 1960 essas questes entraram em discusso a partir dos
questionamentos feitos por Jacobs, em sua obra Muerte y Vida de las Grandes Ciudades, que criticava
veementemente a arquitetura e o urbanismo praticados at aquele momento, partindo de uma anlise
da vida cotidiana de pessoas reais, coisas reais e a vida real nas cidades. Essa pensadora recorre e critica
todo o corpo terico assumido pelo urbanismo da poca para introduzir conceitos que atualmente so
a base dos documentos mais avanados sobre o tema: a complexidade das cidades, as possibilidades
de comunicao entre os cidados, o controle social no policial da vida urbana. Incorpora tambm em
sua anlise aspectos econmicos, sociais e antropolgicos da diversidade humana. Ou seja, antecipa o
debate que agora travado sobre a acessibilidade e o desenho universal.
Muitos desses questionamentos do urbanismo e da arquitetura moderna tm por objetivo situar
os deficientes como sujeitos na cidade, uma vez que levam em conta que na dualidade pblico-privado
aos deficientes coube o espao privado ou do confinamento. De fato, o modelo mdico que predominou
como explicao para a deficincia transformou-os em doentes crnicos e os confinou basicamente aos
espaos privados das casas familiares, dos lares assistenciais ou dos hospitais.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Cidades e acessibilidade
| 73
Desse modo, considerando que o espao construdo no neutro, suas formas e dimenses refletem
os valores sociais dominantes. Esses valores estticos, econmicos, polticos e ideolgicos so os padres
estabelecidos como normais ou naturais e so estipulados e difundidos pela classe social hegemnica
que os cria e reproduz. O espao construdo pode contribuir, portanto, para segregar ou integrar as
pessoas. Toda e qualquer elaborao ou modificao do espao construdo tem de considerar os aspectos
de funcionalidade e conforto para utilizao humana. Portanto, faz-se necessria a adoo de padres
fsicos do ser humano, que invariavelmente recaem em um tipo mdio, abstrato e no relativizvel, o que
torna o padro vlido somente para os que se aproximam dele, segregando os demais.
Para Lippo (2004), essa questo no meramente tcnica, pois nela est implcito todo um
referencial de valores acerca do padro, que impe autoritariamente e a priori o conceito de normalidade
fsica. Para esse autor: a questo adquire ainda maior gravidade se considerarmos que o padro fsico,
alm de abstrato e artificial, elaborado fora da realidade brasileira, com parmetros baseados nos
bitipos europeus e norte-americanos (LIPPO, 2004).
Nesse sentido, moldar o ser humano a um ambiente artificial criado pelo planejador uma inverso totalmente sem sentido. O espao fsico deve ser pensado em funo do homem real, do homem
diverso, do homem indivduo, sempre limitado de uma ou outra forma, e no em funo de um tipo
padronizado, ideal e inexistente: Da poder-se afirmar que todas as articulaes sociais ligadas a ele
exprimem um contedo ideolgico, que pode ser explcito ou no, mas que lhe imprime seus valores.
Estes deixam de ser subjetivos e passam a ser coisa concreta, real e palpvel.
Para esse autor, a cidade planejada para o homem ideal (atleta) acarreta para o homem comum
toda sorte de barreiras e perigos. Os acidentes dirios, alguns dos quais com graves consequncias,
tornam-se rotineiros. Considerar as pessoas deficientes no planejamento urbano importante, mas ainda
pouco, pois a maioria das pessoas continua massificada, padronizada. E a primeira consequncia dessa
padronizao o acidente. Conforme estatstica da ONU/OMS (apud LIPPO, 2004), os acidentes da vida
diria, tanto quanto os acidentes de trnsito e do trabalho, so campees em criar deficincias ou em
transformar pequenas diferenas, muitas vezes imperceptveis em grandes diferenas. Um bom exemplo
so os idosos. Segundo o Sistema nico de Sade (SUS) (apud LIPPO,2004), um tero dos atendimentos
por leses traumticas nos hospitais do pas ocorre com pessoas com mais de 60 anos. E o mais espantoso
que cerca de 75% dessas leses acontecem dentro de casa, sendo que 34% das quedas provocam algum
tipo de fratura. A maior parte desses acidentes (46%) acontece no trajeto entre o banheiro e o quarto,
principalmente noite. H ainda a agravante de que a recuperao do idoso mais difcil, e durante a
convalescena ele fica sujeito a desenvolver doenas pulmonares e problemas nas articulaes.
nesse contexto que possvel falar em segregao urbana e barreira arquitetnica, mais precisamente sobre como o espao legitima o padro humano artificial adotado:
Caso ainda mais altamente significativo o da arquitetura que comporta uma prtica especfica, parcial e espacializada,
ligada ao cotidiano. O encargo/encomenda social impe ao arquiteto a realizao de espaos que convenham sociedade, quer dizer, que reflitam as suas relaes, dissimulando-as se possvel (se no for muito oneroso) na paisagem.
[...] Quando responde a um encargo/encomenda social (a dos promotores e dos poderes) o espao arquitetural e
urbanstico contribui, pois ativa e abertamente para a reproduo das relaes sociais. (LEFEBVRE, 1973, p. 80-122)
74
Cidades e acessibilidade
cotidiano, do urbano, da diferena no fazem parte do sistema do espao dominado pela estratgia,
do cotidiano programado, da homogeneizao (LEFEBVRE, 1973).
No interior desse pensamento que conceitua o padro fsico dos homens, h uma teoria geral
sobre o controle social, uma vez que ao no relativizar o padro fsico explicita a ideia de uma sociedade
conservadora, indiferenciada, sem espao para as diferenas e para a transformao.
Para Castells, trata-se de uma poltica de controle social exercido a partir da massificao das construes: [...] a arquitetura no pode determinar o comportamento humano, mas deve haver certa convergncia entre a organizao espacial e formas de liberar ou oprimir as pessoas. Para esse autor, o controle
do espao construdo reflete a ideia do poder exercido acima e fora das classes sociais, retirando a possibilidade da questo o conflito quanto diferena e, principalmente, reduz as possibilidades da mudana. Portanto, apoltica, humanitria, universalista e cientista, a ideologia do ambiente transforma a desigualdade
social em entraves fsicos e funde as classes sociais num exrcito nico de escoteiros. Ela , dessa forma, a
expresso mais acabada (dado que mais generalizada) da ideologia do urbano (Castells, 1983, p. 65).
Nesse sentido, a discusso que fazem relacionando a acessibilidade, as cidades modernas e o
exerccio das liberdades fundamentais tem como embasamento ideolgico o direito de todas as pessoas levarem uma vida autnoma, tendo em vista ser a cidade uma concentrao de populao diversa
de atividades: um produto fsico, poltico e cultural complexo no qual se mesclam todos os tipos de
identidades, diversidade de condies caractersticas fsicas, cognitivas e culturais diferentes.
Esses autores partem da ideia de que na vida cotidiana sobretudo nas grandes cidades
diariamente se apresentam uma srie de circunstncias que podem dificultar o desenvolvimento de
atividades comuns: caminhar pelas ruas, cruzar uma avenida, tomar um transporte pblico, pedir
uma informao etc. Em relao s pessoas portadoras de deficincia, a dificuldade de se locomover
em cadeira de rodas ou de muletas pelas caladas, carregar sacolas ou empurrar um carrinho de beb
por uma cidade pensada para automveis.
Essas dificuldades, tambm conhecidas como barreiras, produzem-se quando os espaos
pblicos, produtos e servios no esto desenhados ou adaptados s necessidades e capacidade
das pessoas. Se levarmos em conta a diversidade das pessoas, de suas caractersticas, capacidades
e necessidades, pode-se entender que todos podem deparar-se com produtos e servios que no
podem utilizar corretamente ou aceder com facilidade: idosos, crianas, obesos, altos, baixos, os
que sofreram algum tipo de leso, pessoas que levam carrinhos de beb, todos enfrentam algum
tipo de obstculo. Quando os espaos, produtos e servios so desenhados e estruturados sob o
conceito de normalidade antropomtrica, mental e funcional e no em funo das necessidades,
diferenas, capacidades e funes de todas as pessoas, surgem as barreiras, entendidas como qualquer
impedimento ou obstculo que limita ou impede o acesso, utilizao, interao e compreenso de
maneira normalizada, digna, cmoda e segura de qualquer espao, equipamento e/ou servio.
Algumas barreiras esto vinculadas diretamente ao espao fsico, outras interao do indivduo
com seu entorno social, outras ainda aludem dificuldade de captao das mensagens, sejam sonoras
ou visuais, ao uso de meios tcnicos, falta de conhecimento etc. Desse modo, pode-se dizer que
quando existem barreiras e estas causam limitaes se produz algum tipo de excluso.
Nesse sentido, muitas barreiras so geradas por atitudes despreocupadas ou falta de conhecimento,
como fica claro na ocupao de caladas por automveis ou a m colocao do mobilirio urbano,
rvores, lixeiras e outros.
Como consequncia de todas essas barreiras, seja no entorno urbano, nos servios ou nos equipamentos, muitas pessoas veem limitada sua autonomia e seu bem-estar. necessrio, portanto,
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Cidades e acessibilidade
| 75
elimin-las e planejar, organizar e gerir a cidade de forma que todas as pessoas possam desenvolver
sua condio de cidadania com comodidade, segurana, conforto e igualdade de condies.
Para se conseguir tal objetivo, e fazer da cidade um verdadeiro espao de convivncia humana
em todas as suas dimenses, necessria a incluso da perspectiva da acessibilidade universal e do
desenho universal em seu planejamento, organizao e gesto.
Empreender um caminho para um urbanismo de igualdade no significa que se queira um planejamento que cubra necessidades especiais, pois isso significaria que essas necessidades so desvios em
relao a normas que no as incluem: a cidade feita medida do homem-padro seria a cidade natural.
O enfoque no considerar os deficientes como um setor especial ou diferente da populao. Qualquer
cidado tem o mesmo direito cidade. E os grupos que no esto suficientemente representados no
desenho e na gesto urbana constituem a imensa maioria da populao.
Se o objetivo bsico do urbanismo moderno garantir a melhora da qualidade de vida a todos
os cidados, necessrio conhecer e analisar todos os problemas, necessidades e demandas concretas
de cada coletivo.
Por isso, o planejamento para a igualdade no um planejamento contra o homem-padro ou
que favorea apenas os grupos com baixa representatividade social. As vantagens de um planejamento
para a igualdade beneficiariam a todos os grupos sociais.
Ao considerar as diferentes situaes que cada pessoa enfrenta ao longo de todo seu ciclo vital, as
necessidades de gnero, as diferentes capacidades e as diversas funes que as pessoas desenvolvem
na sociedade, percebem-se as diferenas que distinguem umas das outras:
::: nem todas as pessoas trabalham e realizam algum trabalho fora de casa;
::: nem todas as pessoas possuem veculo prprio;
::: as pessoas se deslocam pela cidade de maneira diferente e com objetivos diversos;
::: existem formas diferentes de usar e perceber os espaos;
::: existem formas diferentes de usar e perceber os servios e os equipamentos pblicos.
Alm disso, a populao tende cada vez mais para a diversidade funcional, cultural, tnica e territorial, produzida, por exemplo, pelo envelhecimento da populao. Deve-se acrescentar que as funes
e papis que as pessoas desenvolvem no entorno urbano tm sofrido mudanas para as quais a maior
parte das cidades no est preparada.
Para alm de conceber as cidades como espaos fsicos, patrimnios histricos ou apenas entornos
construdos, a arquitetura e o urbanismo crticos entendem a cidade como um ente vivo e complexo
que tem uma identidade prpria em cada poca da histria, em cada lugar e em cada pas, um espao
onde se misturam identidades e diferenas, um espao coletivo no qual convivem individualidades e
por essa razo devem ser concebidas, estruturadas e gestionadas como espaos para a convivncia
humana em todas as suas dimenses.
Nela coexistem elementos integradores ou impedimentos que limitam a realizao das liberdades
fundamentais de alguns grupos sociais, impedem sua visibilidade e limitam sua autonomia. A cidade
produz e reproduz a excluso social, quando no facilita a mobilidade plena, impedindo o real sentido
do conceito de cidadania.
Em outras palavras, a cidade deve dar a seus habitantes a condio de cidados, deve convert-los em pessoas titulares de direitos civis, polticos e sociais. Esses direitos cidadania implicam sentirEste material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
76
Cidades e acessibilidade
se identificado com o lugar em que se vive, ser reconhecido pelos demais, ter visibilidade, identidade,
oportunidade de formao e ocupao, dispor de equipamentos e espaos pblicos, de mobilidade, de
informao, comunicao etc. O status de cidadania composto da capacidade de exercer as liberdades
fundamentais relativas vida e ao desenvolvimento integral das pessoas, da possibilidade de participao
da vida pblica e das aspiraes de uma vida digna e bem-estar A cidadania principalmente um status
conformado pelo acesso aos recursos bsicos para o exerccio de direitos e deveres.
A condio de cidadania o status conformado pelo acesso aos recursos bsicos para o exerccio
de direitos e deveres das pessoas. Quando nos referimos cidadania, no estamos apenas ressaltando o
carter jurdico de direitos e deveres, mas o possibilitar da reverso da lgica da relao populao e Estado,
que ainda se encontra impregnada de clientelismo e assistencialismo. A falta de acessibilidade a certos
espaos, equipamentos urbanos ou servios pode derivar na limitao de liberdades fundamentais, como
o direito educao, cultura, s atividades recreativas e esportivas etc. Lutar por uma cidade acessvel para
todos lutar por uma melhora na qualidade de vida na medida em que equipamentos, servios e espaos
mais cmodos, mais seguros e mais fceis de usar promovem mais autonomia a todas as pessoas.
Nesse sentido, a cidade sob a perspectiva da acessibilidade pode ser entendida como a soma de
todos os entornos ou espaos pblicos, todos os servios pblicos e todos os produtos ou equipamentos
disposio de seus habitantes e que possibilitem a participao de todos os cidados. Para tanto,
fundamental enxergar a cidade sob uma ptica diferente, analisando no cotidiano dos deficientes, em
especial no que diz respeito ao direito de participar ativamente na cidade.
E essa possibilidade de acesso aos recursos bsicos para o exerccio de direitos e deveres em
igualdade de condies para todos implica que os espaos, servios, produtos e equipamentos pblicos
ou de uso coletivo favoream a convivncia, promovendo a possibilidade de encontro e relao de
todos os habitantes da cidade em igualdade de condies. Alm disso, tais equipamentos devem estar
ao alcance de todas as pessoas, motivo pelo qual as estruturas e as condies administrativas e legais
devem se adequar e se adaptar s necessidades de toda a populao.
Uma perspectiva urbana de acessibilidade deve abordar elementos de mobilidade, comunicao,
compreenso e uso dos espaos pblicos, os servios e os equipamentos ou produtos disposio
do cidado. Isso significa levar em conta todos os elementos ou caractersticas do entorno urbano, e
todos os equipamentos e servios pblicos que permitam sua utilizao de forma independente e em
condies de conforto e segurana por todos os cidados.
Essa nova forma de pensar o urbanismo supe uma oxigenao criativa necessria devido crise
conceitual anteriormente comentada, uma oportunidade de renovao terica. Nesse sentido, o urbanismo e a poltica das cidades esto em pleno processo de mudana de valores e reconceituao.
Texto complementar
Futuro da arquitetura para todos
Quem sofre com caladas esburacadas e falta de transporte adequado pode no acreditar, mas
a situao tende a melhorar na questo da acessibilidade. O conceito que especialistas chamam
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Cidades e acessibilidade
| 77
de universal design ou projetar para todos est ganhando espao graas a dois fatores. Um o
aumento da populao com mais de 60 anos em pases em desenvolvimento, como o Brasil. O outro
o crescente nmero de vtimas da violncia que se tornam deficientes.
As normas no pas esto incorporando o universal design e sua proposta de criar servios, produtos e ambientes para serem usados pelo maior nmero possvel de pessoas. Na reviso da norma 9050, no ano passado, fizemos uma pesquisa da realidade brasileira, como a altura mdia da
populao, o tamanho mdio das mos, o nmero de idosos, diz a arquiteta Maria Beatriz Barbosa,
coordenadora da Comisso de Acessibilidade na Comunicao da Associao Brasileira de Normas
Tcnicas (ABNT).
As projees do IBGE justificam a preocupao dos especialistas. Estima-se que, em 2050, a
populao com mais de 60 anos ultrapasse 35 milhes de pessoas, num total de 249,2 milhes de
habitantes. Esse nmero ser quase igual ao de habitantes com menos de 15 anos. As pessoas
esto vivendo mais por conta da medicina melhor, da engenharia, da biotecnologia, diz Beatriz.
E a adequao, mesmo em coisas simples como o tempo dos semforos, essencial. A marcha
de um idoso trs vezes mais lenta que a de um jovem, diz a arquiteta Adriana de Almeida Prado,
coordenadora da Comisso de Acessibilidade de Edificaes e Meios da ABNT, que cita Itlia e
Estados Unidos da Amrica como exemplos de pases que j convivem bem com essa realidade.
Em So Paulo, no preciso ser idoso ou deficiente fsico para ter dificuldades de locomoo.
A enfermeira Maria Aparecida Ribeiro Silva reclama dos degraus, buracos e desnveis da Brigadeiro
Lus Antnio, uma das principais avenidas da cidade. Tenho problemas no joelho e deso com dificuldade. Pessoas idosas no andam muito por aqui. Considerado exemplo por idosos e deficientes
no quesito atendimento, o metr tem estaes sem escadas rolantes, como a Conceio. uma
pena, porque uma regio onde mora muita gente, reclama a aposentada Isilda Queirs.
Na Consolao, s h elevador numa das sadas. As demais tm escadas rolantes que s
funcionam para subir. O sentido pode ser invertido por um funcionrio. Mas como algum
com dificuldades para descer vai cham-lo? Especialistas chamam a ateno para outro fato, o
crescimento do nmero de paraplgicos vtimas de armas de fogo e acidentes de carro. Segundo o
ortopedista Antonio Carlos Fernandes, 45% dos casos de leso na medula atendidos na Associao
de Assistncia Criana Deficiente (AACD) so provocados por tiro. Apesar de o Brasil ser campeo
mundial em acidentes de trnsito, arma de fogo a principal causa de leso medular, diz. Estamos
varrendo areia da praia.
O desempregado Ronaldo Luiz Miranda entrou para as estatsticas h quatro anos, ao ser
baleado nas costas. Catlico, nunca entrou na Catedral da S, no centro, porque no conseguiria ir
sozinho igreja, apesar da rampa na lateral. Moro em Pirituba e dependo dos outros para sair de
casa, explica.
Especialistas esperam que as novas construes eliminem obstculos para pessoas como
Ronaldo. Adriana afirma, com base em estudos realizados na Sucia e nos Estados Unidos, que uma
obra nova feita dentro dos padres tcnicos fica entre 0,5% e 1% mais cara. Com certeza, tornar
uma construo acessvel depois de pronta aumenta muito mais os gastos.
(Disponvel em: <www2. uol.com.br/aprendiz/guiadeempregos/eficientes/noticias/ge130905.htm>.
Acesso em: 10 fev. 2008.)
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
78
Cidades e acessibilidade
Atividades
1.
2.
3.
Cidades e acessibilidade
| 79
Referncias
CASTELLS, M. A Questo Urbana. So Paulo: Paz e Terra, 1983.
DEBORD, G. La Societ du Spetacle. Paris: Gallimard, 1992.
JACOBS, J. Muerte y Vida de las Grandes Ciudades. Madrid: Peninsula, 1973.
LIPPO, Humberto Pinheiro. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficincia. In: Relatrio
Azul, Assembleia Legislativa, Porto Alegre: 1997.
_____. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficincia. In: Relatrio Azul, Assembleia
Legislativa, 2004.
_____. Acessibilidade Universal. In: Sociologia, Textos e Contextos. Canoas: Ed. Ulbra, 2005.
_____. Trajetrias recentes das pessoas com deficincia. Legislao, movimento social e polticas
publicas. Relatrio Azul 2004: garantias e violaes dos direitos humanos, Porto Alegre: Assembleia
Legislativa, 2004 p. 234-253.
Gabarito
1.
2.
Podem-se criar polticas sociais, movimentos, leis e etc., mas enquanto no houver uma mudana
nas cidades, ser invivel uma convivncia normal das pessoas portadoras de deficincia nos
centros urbanos. Na aula, foi apontado que por meio de mudanas sutis nas cidades possvel
proporcionar enormes mudanas na vida dessas pessoas. Portanto, importante que o desenho
universal seja aplicado para comear a tornar possvel o estabelecimento de uma sociedade
inclusiva.
3.
No, apesar de o Brasil participar e desenvolver muitos projetos e programas para a acessibilidade,
a questo urbana ainda um tema muito difcil no pas. Os metrs, como mostra o texto
complementar, que serviriam como uma grande ajuda do transporte pblico, na acessibilidade
no funcionam como deveriam, os nibus apresentam dificuldade para que seus passageiros
possam entrar, as ruas so esburacadas, caladas so estreitas, os prdios tm acesso restrito etc.
Todas essas coisas so apenas alguns dos pontos que apontam para o distanciamento do Brasil
do desenho universal.
80
Cidades e acessibilidade
Polticas sociais e
legislaes pelos direitos
cidadania plena das PPDs
As legislaes internacionais
para as pessoas portadoras de deficincias (PPDs)
Em 1948, a Organizao das Naes Unidas (ONU) decretou a Declarao Universal dos Direitos
Humanos a partir da qual todos os homens deveriam ser considerados iguais e receberem igual
atendimento em suas necessidades fundamentais e deveriam tambm servir para equilibrar os direitos
das pessoas portadoras de deficincia (Cohen, 1998).
A primeira legislao internacional de peso foi a dos Direitos das Pessoas Mentalmente Retardadas,
proclamada pela Assembleia Geral das Naes Unidas em 20 de dezembro de 1971 conseguida a partir
da organizao e presso tanto dos pais e responsveis por pessoas com deficincia quanto dos profissionais e tcnicos que com elas trabalhavam. Para Lippo (2004), porm, essa lei ainda mantinha a pessoa
com deficincia na condio de objeto da solidariedade alheia. Para esse autor, j no artigo 1. nota-se a
nfase na ideia de concesso, de tolerncia com restries sua condio de ser humano: O deficiente
mental deve gozar, no mximo grau possvel, dos mesmos direitos dos demais seres humanos (apud
LIPPO, 2004).
A Declarao dos Direitos das Pessoas Deficientes de 1975, aprovada pela Assembleia Geral da ONU,
apesar de avanar em relao anterior, ainda mantm o carter de concesso:
As pessoas deficientes tm o direito inerente de respeito por sua dignidade humana. As pessoas deficientes, qualquer
que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficincias, tm os mesmos direitos fundamentais que seus
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
82
concidados da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, to normal e
plena quanto possvel. (apud LIPPO, 2004, p. 239)
A partir das demandas sociais desse grupo em nvel mundial, que requeriam a equiparao de
direitos e um tratamento mais amplo e diferente do que o da reabilitao ou da tolerncia, a Assembleia
Geral da ONU decretou o ano de 1981 como o Ano Internacional das Pessoas Portadoras de Deficincia
e inaugurou a dcada das pessoas portadoras de deficincia. Como resultado mais importante tem-se,
em 1982, o Programa Mundial de Ao sobre Pessoas Portadoras de Deficincia, que destacou o direito das
pessoas portadoras de deficincia a terem as mesmas oportunidades que os demais cidados.
Para Lippo (2004), este pode ser considerado o primeiro texto que enfoca a questo dos direitos
humanos das pessoas com deficincia de uma perspectiva inclusiva e no concessiva, uma vez que
destaca a inteno de promover medidas eficazes para a preveno da deficincia e para a reabilitao
e a realizao dos objetivos de igualdade e de participao plena das pessoas portadoras de deficincia
na vida social e no desenvolvimento (apud Lippo, 2004, p. 241).
O Programa de Ao Mundial para as Pessoas com Deficincia define como igualdade de oportunidades quando a sociedade e todos os seus servios habitao, transporte, sade, educao, trabalho,
lazer, esporte estejam acessveis a todos. Nesse sentido, o programa sublinha que no so as medidas
de reabilitao que possibilitaro tal igualdade, tendo em vista que:
[...] o princpio de igualdade de direitos entre pessoas com ou sem deficincia significa que as necessidades de todo
indivduo so de igual importncia e que essas necessidades devem constituir a base do planejamento social e todos
os recursos devem ser empregados de forma a garantir uma oportunidade igual de participao a cada indivduo.
(apud Lippo, 2004, p. 242)
A mudana social necessria para envolver grupos que estariam excludos por falta de condies
est contida no texto da Resoluo 45/91, aprovada em 14 de dezembro de 1990, da ONU, segundo o
qual a Assembleia Geral solicita ao secretrio-geral uma mudana no foco do programa das Naes
Unidas sobre deficincia, passando da conscientizao para a ao, com o propsito de se concluir com
xito uma sociedade para todos por volta de 2010 (apud FVERO, 2004).
Em 1992, a ONU assina um documento bastante relevante que designa o dia 3 de dezembro
como Dia Internacional das Pessoas com Deficincia em comemorao ao trmino da dcada. Por meio
desse ato, a Assembleia considerava que ainda faltava muito para que fossem resolvidos os problemas
de incluso social das pessoas com deficincia em todo o mundo. A data escolhida coincide com o dia
da adoo do Programa de Ao Mundial para as Pessoas com Deficincia pela Assembleia Geral da
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 83
Para Lippo (2004), em que pese s disposies da Declarao de Viena, as pessoas com deficincia
continuam ausentes dos procedimentos dos rgos de Controle da Aplicao dos Tratados das Naes
Unidas. Em seus relatrios a questo da deficincia omissa, o que leva concluso de que os Estadosmembros no evidenciam a implementao de medidas de salvaguarda dos direitos humanos das
pessoas com deficincia. Nesse sentido, o movimento das pessoas com deficincia em nvel mundial
discute a pertinncia da implementao de uma conveno internacional que promova e proteja os
direitos e a dignidade das pessoas com deficincia. Em nvel internacional, em especial no mbito das
discusses dos movimentos sociais, tm crescido a ideia de considerar a deficincia sob o ponto de vista
dos direitos humanos. Uma das propostas atuais a promoo de uma Conveno das Naes Unidas
sobre os direitos das pessoas portadoras de deficincia.
Em 1994, em Salamanca, na Espanha, realizou-se a Conferncia Mundial, em que 92 pases e 25
organizaes internacionais assinaram a Declarao de Salamanca Sobre Princpios, Polticas e Prticas
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
84
na rea das Necessidades Educativas Especiais. Esse documento ressalta a importncia da educao
para todos, reconhecendo a necessidade e a urgncia de garantir a educao para as crianas, jovens e
adultos com necessidades educativas especiais no quadro do sistema regular de educao.
Documentos desse porte foram enfatizando os pontos fundamentais para a incluso integral das
pessoas portadoras de deficincia, dando assim incio conscientizao da sociedade sobre o outro
lado da insero, o lado da necessidade de modificarmos a sociedade para incluso de diversos grupos
de pessoas (SASSAKI, 2004).
Contudo, as leis e as aes governamentais no so o fator mais importante dentro do foco da
prtica inclusiva, elas apenas auxiliam pela necessidade de seu cumprimento, criando conscientizao
social em algumas parcelas especficas da sociedade e, dessa forma, facilita a mudana social, objetivo
mais trabalhado e necessrio dentro da realidade atual. No se espera que uma sociedade inclusiva
se estabelea rapidamente, ela aguarda por mudanas concretas que podem demorar a serem
efetivadas e talvez muitos de seus conceitos devero ser reestruturados. Essa uma realidade que
sempre acompanhou a temtica dos excludos. Tem-se, como exemplo, a dificuldade das pessoas com
deficincia quanto acessibilidade ao meio fsico.
A legislao no Brasil
No Brasil, a legislao que trata do tema da deficincia existe desde o perodo imperial. Lippo
destaca que a legislao ento existente no perodo espelhava a concepo paternalista e assistencialista
dominante acerca da pessoa com deficincia, e cuja temtica gravitava em torno da sade, educao e
da assistncia social.
, portanto, a partir da Constituio de 1988 que, recolhendo e contemplando o que havia de
mais avanado para o perodo, quer em termos de tratados internacionais ou mesmo de legislaes de
outros pases, que no Brasil o substrato legal comea a possibilitar que o pas possa ter hoje uma posio de destaque no cenrio internacional.
Entretanto, tais direitos ainda esto longe de serem reconhecidos de fato, como o direito
a ter um trabalho reconhecido, utilizar plenamente os transportes pblicos etc. tendo em vista que
no se considera que a satisfao desses direitos sejam motivos suficientes para modificar critrios
arquitetnicos, normas ou fazer maiores investimentos em infraestrutura.
A realidade brasileira tem mostrado que os direitos das pessoas portadoras de deficincia esto
muito alm de sua concretizao. O lado mais factvel e real da vida dessas pessoas ainda possui muitos
limites para ser realizado. Ainda existem inmeras barreiras fsicas, como caladas estreitas, com pavimento
deteriorado e com obstculos difceis de serem detectados por pessoas portadoras de deficincia visual;
portas demasiado estreitas para que se passe uma cadeira de rodas; escadas inacessveis em edifcios;
elevadores pequenos e sem sinalizao em braille; nibus, trens e avies inacessveis; telefones e
interruptores de luz colocados fora da rea de alcance ou inexistncia de banheiros adaptados. Essas
barreiras so o resultado da despreocupao e do despreparo dos tcnicos das diversas reas.
Com frequncia, preconceitos, estigmas e discriminaes, por parte da sociedade brasileira, tambm
levam a um alto grau de excluso das pessoas portadoras de deficincia da vida social e cultural.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 85
Muitas leis surgiram nas trs esferas da Administrao Pblica brasileira: a federal, a estadual e
a municipal para garantir os direitos das pessoas portadoras de deficincia educao, ao trabalho,
habitao e ao acesso aos servios e instalaes de sade e lazer, a eliminar barreiras fsicas e naturais e
a acabar com a discriminao contra essas pessoas.
As leis certamente representaram uma conquista das pessoas portadoras de deficincia pelo
fundamental direito humano de serem reconhecidas como diferentes, mas nem por isso desiguais. O
no reconhecimento do direito cidadania dessas pessoas ainda faz parte do seu cotidiano, apesar de
seus direitos serem plenamente assegurados.
De qualquer maneira, essas leis simbolizaram o comeo de um momento em que se tomou conscincia que era tempo de partir das ideias, das leis e das normas aos atos. De toda forma, h hoje no
Brasil uma legislao, resultante da conscientizao social e da mobilizao do movimento representativo das pessoas com deficincia, desde a muito preconizada por vrios organismos nacionais e internacionais. Esses direitos, na Constituio do Brasil, so expressos principalmente atravs e derivados dos
dispostos no Ttulo I Princpios Fundamentais e Ttulo II Dos Direitos e Garantias Fundamentais dos
quais deduzida uma importante legislao que regulamenta esses direitos.
Do grande nmero de leis, decretos, portarias e normas referentes s pessoas com deficincia em
nosso pas, quer seja em mbito federal, estadual ou municipal, pode-se sublinhar as que so consideradas mais importantes por sua abrangncia.
Entre as leis federais destaca-se a Lei 7.853, de 24 de outubro de 19891 que:
[...] dispe sobre o apoio s pessoas portadoras de deficincia, sua integrao social, sobre a Coordenadoria Nacional
para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia CORDE, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou
difusos dessas pessoas, disciplina a atuao do Ministrio Pblico, define crimes, e d outras providncias.
E a Lei 10.098, de 19 de dezembro 2000, conhecida como Lei da Acessibilidade que [...] estabelece normas gerais e critrios bsicos para a promoo da acessibilidade das pessoas portadoras
de deficincia ou com mobilidade reduzida, e d outras providncias. Atualmente encontra-se
tramitando no Congresso Nacional o projeto de lei que institui o Estatuto da Pessoa com Deficincia,
que visa consolidar em um nico texto legal todo o escopo de legislaes pertinentes temtica,
alm de ampliar alguns direitos e garantias. Para muitos autores esse estatuto poder fazer avanar
a tomada de conscincia do conjunto da sociedade, a exemplo do que ocorre com os estatutos da
criana e adolescente e do idoso, acerca da realidade de excluso a que est submetida a maioria da
populao portadora de deficincia.
Esse documento, chancelado pelo governo brasileiro, foi aprovado pelo Congresso Nacional por
meio do Decreto Legislativo 198, de 13 de junho de 2001, e promulgado pelo Decreto Legislativo 3.956,
de 8 de outubro de 2001, da Presidncia da Repblica. Portanto, no Brasil ele tem tanto valor quanto
uma norma constitucional, j que se refere a direitos e garantias fundamentais da pessoa humana,
estando acima de leis, resolues e decretos.
Sua importncia est no fato de que define como discriminao toda diferenciao, excluso ou
restrio baseada em deficincia, antecedente de deficincia, consequncia de deficincia anterior ou
percepo de deficincia presente ou passada, que tenha o efeito ou propsito de impedir ou anular
o reconhecimento, gozo ou exerccio por parte das pessoas portadoras de deficincia de seus direitos
humanos e suas liberdades fundamentais (art. I, 2, a), alm de esclarecer que no constitui discriminao
1 Disponvel em: <www.institutointegrar.org.br/DocumentosLegislacao.htm> Acesso em: 10 fev. 2008.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
86
| 87
Existe um conjunto de leis que fruto das reivindicaes das organizaes e movimentos sociais
dentro de um processo histrico de conquista de um espao de igualdade.
As PPDs tm seus direitos assegurados pela Constituio Brasileira que no artigo 227 dispe que:
Art. 227. [...]
2. A lei dispor sobre normas de construo dos logradouros e dos edifcios de uso pblico e de fabricao de veculos
de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado s pessoas portadoras de deficincia. [...]
Art. 244. A lei dispor sobre a adaptao dos logradouros, dos edifcios de uso pblico e dos veculos de transporte
coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado s pessoas portadoras de deficincia, conforme o
disposto no artigo 227, 2..
88
Desse modo a lei considera deficiente qualquer pessoa que apresente sinais de incapacidade
para desenvolver suas atividades. No entanto, no explica o que reconhecido pela lei como padro
de normalidade. Quanto incapacidade, definida como uma reduo ou diminuio da capacidade de
realizar uma atividade como uma pessoa normal, que s pode ser possvel com a utilizao de recursos
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 89
90
::: NBR 14.273 Acessibilidade a Pessoa Portadora de Deficincia no Transporte Areo Comercial; e
::: NBR 15.250 - Acessibilidade em Caixa de Autoatendimento Bancrio
importante ressaltar, como faz Lima (2006), que foi reconhecida pelo governo a necessidade
de publicidade e facilitao do acesso, via internet, das normas da ABNT por serem de interesse social,
em especial aquelas relacionadas direta ou indiretamente s pessoas com deficincia citadas pela
legislao nacional. Desse modo, as normas em referncia encontram-se disponveis na internet para
acesso amplo e irrestrito por qualquer cidado interessado.
Entretanto o autor ressalta que no h fiscalizao na aplicao das normas. Ele ressalta, por exemplo,
a ausncia quase completa do tema acessibilidade na jurisprudncia dos tribunais de contas do Brasil. Tal
constatao evidencia-se no fato de que o termo acessibilidade no consta do Manual FISCOBRAS 2006 do
Tribunal de Contas da Unio (TCU), que o principal documento orientador de centenas de aes de fiscalizao de obras pblicas realizadas anualmente; nem na Cartilha Obras Pblicas: recomendaes bsicas para
a contratao e fiscalizao de obras pblicas, editada pelo TCU em 2002. O termo acessibilidade tambm no
consta no Manual de Auditoria de Obras do TCM-RJ; nem na Cartilha de Obras do TCE-PE.
Na pesquisa de jurisprudncia em acrdos e decises efetuada nos portais na internet dos Tribunais de Contas dos
Estados da Bahia, Paran, Pernambuco e Rio Grande do Sul o termo acessibilidade aparece apenas relacionado
questo de concursos pblicos para admisso no servio pblico[...] - Na pesquisa efetuada no portal do TCE-SP, o
termo acessibilidade consta do objeto de diversos contratos examinados, em geral, obras de reformas nos acessos a
estaes ferrovirias e prdios escolares, de modo a garantir a acessibilidade de PPD. O exame realizado pela Corte de
Contas, contudo, limitou-se aos aspectos formais da legislao de licitao e contratos. (LIMA, 2006)
Texto complementar
Movimentos sociais das PPDs no Brasil
(LIPPO, 2004, p. 234-253)
A trajetria do movimento organizativo das pessoas com deficincia no Brasil, no que tange a
sua perspectiva organizacional e seu respectivo projeto poltico de incluso na sociedade brasileira,
acompanhou a transio ocorrida no mbito da legislao, isto , da passagem de uma concepo
assistencialista para a de autodeterminao.
Outro vis organizativo importante o movimento em torno do desporto adaptado, cuja
denominao atual desporto paraolmpico. Existe hoje no pas um expressivo nmero de entidades
que tm na prtica esportiva sua principal atividade, acompanhando o movimento internacional
que tem na paraolimpada o segundo maior evento desportivo do mundo, superado apenas pelos
jogos olmpicos.
Em encontro nacional de entidades de pessoas com deficincia, realizado em 1980, em Braslia/
DF, criada a Coalizo Nacional de Entidades de Pessoas Deficientes, reunindo os movimentos de
cegos, surdos e deficientes fsicos, significando um salto organizativo do movimento de ento.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 91
Essa Coalizo Nacional realizou, em 1981, sob os auspcios do Ano Internacional da Pessoa
Deficiente, o I Congresso Brasileiro das Pessoas Deficientes em Recife/PE.
A Coalizo Nacional continuou organizando o movimento at que, em novo encontro nacional,
realizado em 1983 em So Bernardo do Campo/SP, decidiu-se pela extino da Coalizo e pela
criao das entidades nacionais por rea de deficincia. Assim so criadas a Organizao Nacional
de Entidades de Deficientes Fsicos (Onedef), a Federao Brasileira de Entidades de Cegos (Febec)
e a Federao Nacional de Educao e Integrao dos Surdos (Feneis), que continuam a atuar com
essa formatao at a presente data.
Cada uma dessas organizaes nacionais congrega dezenas de entidades de todos os estados
da federao e, desde ento, tm realizado diversos encontros estaduais, regionais e nacionais,
alm das respectivas representaes junto aos conselhos e organismos pblicos e privados. A par
dessas organizaes coexiste hoje uma ampla rede de entidades, movimentos, fundaes, ONGs
etc. atuando nas mais diversas reas da sociedade brasileira.
Atividades
1.
92
2.
Qual a principal mudana das leis em torno da questo da acessibilidade nas ltimas dcadas?
3.
| 93
Referncias
ARAUJO, L. A. D. A Proteo Constitucional das Pessoas Portadoras de Deficincia. Braslia: Coordenadoria Nacional para Integrao da Pessoa Portadora de Deficincia, 1997.
ARAJO, P. F. Desporto Adaptado no Brasil: origem, institucionalizao e atualidade. Braslia: Ministrio
da Educao e do Desporto/INDESP, 1997.
COHEN, R. Estratgias para a Promoo dos Direitos das pessoas Portadoras de Deficincia. Disponvel em: <www.dhnet.org.br/direitos/sos/del/artigo37.htm>. Acesso em: 20 ago. 2012.
GOULD, S. J. A Falsa Medida do Homem. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1991.
FVERO, E. A. G. Direito das Pessoas com Deficincia: garantia de igualdade na diversidade. Rio de
Janeiro: WVA, 2004.
____. O que Voc Precisa Saber sobre a Conveno da Guatemala. Disponvel em: <www.wvaeditora.com.br/>. Acesso em: 20 ago. 2012.
FUSSESP. Fundo de Solidariedade do Estado de So Paulo. Setor de Documentao Tcnica. Direitos
das Pessoas Portadoras de Deficincia. So Paulo, 1992.
LIPPO, Humberto Pinheiro. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficincia. In: Relatrio
Azul, Assembleia Legislativa, Porto Alegre: 1997.
_____. Os Direitos Humanos e as Pessoas Portadoras de Deficincia. In: Relatrio Azul, Assembleia
Legislativa, 2004.
_____. Acessibilidade Universal. In: Sociologia, Textos e Contextos. Canoas: Ed. Ulbra, 2005.
_____. Trajetrias recentes das pessoas com deficincia. Legislao, movimento social e polticas
publicas. Relatrio Azul 2004: garantias e violaes dos direitos humanos, Porto Alegre: Assembleia
Legislativa, 2004 p. 234-253.
LIMA, L. H. Acessibilidade para Pessoas Portadoras de Deficincias: requisito da legalidade, legitimidade
e economicidade das edificaes pblicas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1233, 16 nov. 2006.
Disponvel em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9167>. Acesso em: 20 ago. 2012.
LUZ, M. T. Medicina e Ordem Poltica Brasileira: polticas e instituies de sade. Rio de Janeiro:
Edies Graal, 1982.
MACHADO, R. Introduo: por uma genealogia do poder. In: FOUCAULT, M. Microfsica do Poder. 13.
ed. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1998.
SASSAKI, R. K. Pressupostos da Educao Inclusiva. 2001. Disponvel em: <www.wvaeditora.com.br>.
Acesso em: 20 ago. 2012.
_____. Declarao Internacional de Montreal sobre Incluso. Aprovada pelo Congresso Internacional
Sociedade Inclusiva em 2001. Texto de 12 de Janeiro de 2002. Disponvel em: <www.saci.org.br>. Acesso
em: 20 ago. 2012.
_____. Incluso: construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 2003.
_____. Paradigma da Incluso e suas Implicaes Educacionais. 2005. Disponvel em: <www.wvaeditora.com.br/>. Acesso em: 20 ago. 2012.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
94
Gabarito
1.
O Brasil, por mais participativo e engajado no mbito legislativo, ainda desfruta de uma
sociedade discriminatria e de um despreparo no s urbano, como educacional, de
conscientizao etc. Para que se implante uma sociedade inclusiva, no necessrio
apenas o compromisso de uma das esferas, no caso, legislativa, mas necessria tambm a
conscientizao da sociedade em geral, na causa da acessibilidade.
2.
Mas a principal mudana dessas polticas ocorreu em torno da questo da solidariedade. Antes
de se estudar profundamente a questo, o assunto era abordado como uma causa que deveria
ser tratada pelo protecionismo, e essa viso mudou quando, atravs de um maior entendimento
sobre os portadores de deficincias, foi possvel compreender que eles so pessoas iguais com
necessidades diferenciadas. Isso proporcionou o fim da ideia de que portadores dependessem da
solidariedade alheia.
3.
O que define uma pessoa portadora de deficincia no a falta de um membro, a falta de viso e
de audio, e sim a sua dificuldade de se relacionar e interagir na sociedade. Portanto, o grau de
dificuldade de integrao social o que define quem ou no portador de deficincia.
Os idosos e a acessibilidade
No Brasil, cultuou-se, durante muito tempo, a ideia de que este era um pas de jovens, mas esse
panorama se alterou. A faixa etria acima de 60 anos a que mais cresce em termos proporcionais.
Dados da Organizao Mundial de Sade (OMS, 2002) indicam que, entre 1950 e 2025, a populao
de idosos no Brasil crescer 16 vezes contra 5 vezes o crescimento da populao total, o que colocar
nosso pas, em termos absolutos, como a sexta populao de idosos do mundo (32 milhes de pessoas,
em 2025). Entretanto, os recursos comunitrios e institucionais necessrios para responder s suas
demandas bsicas de sade, de segurana e de apoio so precrios.
O fenmeno mundial da transio demogrfica transforma o idoso em um novo ator social
que deveria ser capaz de interagir produtivamente com a sociedade, definindo um novo mercado
consumidor de produtos e servios. Cresce, portanto, a importncia e a necessidade de uma poltica
social adequada, com novas alternativas de atendimento e de estmulo aos idosos, a fim de no serem
excludos do convvio social. Formalmente excludos da fora de trabalho (aposentadoria), muitos
continuam ativos no mercado informal. Entretanto, esse grupo de pessoas um dos mais numerosos
dos grupos sociais afetados pela falta de acessibilidade em quase todo o mundo.
Segundo a Sntese dos Indicadores Sociais 2005, recentemente divulgada pelo IBGE com base
nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios de 2004, o Brasil est entre os primeiros do
mundo em populao com idade acima de 60 anos. So cerca de 17,6 milhes, que correspondem a
9,7% da populao total. Para cada 100 mulheres com mais de 65 anos, h 78,6 homens. Os Estados com
maior contingente nessa faixa so o Rio de Janeiro, com 2 milhes, e So Paulo, com 4 milhes.1
Tambm vale considerar que o ndice de envelhecimento da populao do pas (calculado na
razo entre as pessoas com 65 anos ou mais e os menores de 15), que era de 0,11 na dcada de 1980,
saltou para 0,25. Esses nmeros demonstram que h 25 idosos para cada 100 jovens e deixam claro que
apesar de ainda ser considerado jovem, o Brasil vai envelhecendo.
Um tero dos idosos em nosso pas continua no mercado de trabalho, sendo que pelo menos
27,4% de mulheres idosas fazem parte dos 29,4% das brasileiras que sustentam suas famlias. Tambm
h predominncia feminina entre 10% de idosos que moram sozinhos.
1 Embora a Organizao das Naes Unidas (ONU) e o Estatuto do Idoso do Brasil de 2003 utilizem um critrio diverso, pois consideram idosa
a pessoa a partir dos 60 anos, o ndice internacional de envelhecimento calculado tomando como base a faixa de 65 anos ou mais.
96
Os idosos e a acessibilidade
Com o ganho brasileiro de mais quatro anos de expectativa de vida, as mulheres podem chegar
aos 75,5 e os homens aos 67,9 anos. Com essa conquista, a estimativa do nmero de idosos no pas no
ano de 2050 de 34,3 milhes, 13,2% dos 259,8 de habitantes que ter o Brasil.2
Uma questo a se levar em conta nesse contexto que, no caso da Europa, boa parte dessas
pessoas vive s, tanto por razes de necessidade quanto por sua prpria vontade (em 2003, 7,5% da
populao europeia tinha 75 anos ou mais, e se calcula que para 2040 essa cifra se duplicar). Em termos
de acessibilidade, esse um dado importante, j que na vida cotidiana um nmero grande de barreiras
nas casas e nos arredores s podem ser vencidas com a ajuda de outras pessoas. No caso das pessoas
idosas portadoras de deficincia, a situao muda: a maior parte ou vive acompanhada ou em lares
assistenciais.
Diante desse quadro, de se esperar que um nmero importante de pessoas tenha algum tipo
de deficincia, quer seja fsica (motora, visual, auditiva), quer seja mental ou sensorial, j que o efeito
da idade sobre a prevalncia de deficincias se verifica de forma clara nesse grupo social: a capacidade
fsica e mental vai se deteriorando ou simplesmente a perda da fora e da flexibilidade corporal pode
dificultar a realizao de determinadas aes da vida diria, como tomar banho, cozinhar, andar pela
rua, utilizar o transporte pblico ou simplesmente realizar trmites administrativos, que so cada vez
mais mediados por tecnologias que a maior parte desse grupo desconhece.
Analisando os fatores biolgicos envolvidos no processo de envelhecimento humano, pode-se
destacar, como principais caractersticas, as perdas progressivas nas capacidades fisiolgicas dos rgos,
dos sistemas e de adaptao a certas situaes de estresse, com reduo da capacidade fsica e intelectual.
Esses dficits associados ao envelhecimento causam diferentes impactos no desempenho do idoso
como pedestre, mas principalmente na condio de motorista. As principais limitaes esto ligadas a:
condies visuais (glaucoma, catarata, acuidade visual), condies cardiovasculares, condio vascularcerebral, hipoglicemia (isulino-dependentes), habilidades e processos cognitivos, demncias do tipo
Alzheimer e Parkinson, rigidez muscular e esqueltica (incluindo artrite), diminuio da flexibilidade do
pescoo e da parte superior do corpo, desordens neurolgicas (incluindo epilepsia e esclerose mltipla).
Outros dficits importantes envolvem deficincias na ateno, aumento no tempo de reao, deficincia
em processar informaes associadas ao tempo e a manobras necessrias, como leitura de painis ou
placas (Cavalcanti, 1975; Joseph, 2000; Zhang et al, 2000; OECD, 2001; Pirito, 2001).
Entretanto, no se deve esquecer que o envelhecimento um conceito multidimensional que
no envolve apenas os aspectos biolgicos, mas tambm psicolgicos e sociolgicos. Alm disso, as
caractersticas do envelhecimento variam de indivduo para indivduo (dentro de determinado grupo
social), mesmo que expostos s mesmas variveis ambientais. A abordagem do envelhecimento, do
ponto de vista das capacidades funcionais, geralmente est associada a mitos baseados em concepes
ultrapassadas. Uma questo atual saber at que ponto o risco causado pela incapacidade funcional
do idoso (normal nessa faixa etria) deve ser considerado maior que o risco de reduo da mobilidade
coletiva ou individual dessa populao. A percepo que o idoso tem de seu potencial de integrao na
sociedade no pode ser balizada pelo paradigma eu j fiz a minha parte (relacionado com a incapacidade
funcional), mas sim pela crena no seu potencial como cidado produtivo e atuante. Por isso importante
promover a acessibilidade e a incluso social dessa populao. Segundo dados da OECD (2001), em 2030
existir um nmero substancial de pessoas idosas, com incapacidades funcionais inerentes idade,
necessitando, em larga escala, de produtos e servios que atendam s suas necessidades.
2 Disponvel em: <http://acessibilidade.sigaessaideia.org.br/?catid=25&blogid=1&itemid=32>. Acesso em: 20 fev. 2008.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Os idosos e a acessibilidade
| 97
Deve-se considerar tambm que os idosos representam os maiores usurios de servios sociais
e assistenciais de todo tipo, e por essa razo a melhora na acessibilidade em casas, entornos urbanos e
transportes acessveis potencializaria os benefcios sociais desses servios, e a longo prazo essas aes
a favor de uma maior acessibilidade tenderiam a minimizar os custos econmicos de ajuda a esse
setor. A Organizao Mundial da Sade (WHO, 2001a) sugere que s se poder arcar com o nus desse
envelhecimento se pases, regies e organizaes internacionais desenvolverem polticas e programas
voltados aos idosos, visando que esse processo de envelhecimento se d de forma mais ativa, a fim de
que essa populao se mantenha mais saudvel, independente e produtiva, ou seja, que a questo da
acessibilidade para esse grupo se d de forma plena.
Esse quadro ratifica a importncia da garantia da sociedade em geral aos direitos e necessidades
especficas do cidado idoso: melhores condies de acesso sade, segurana, ao lazer, comunicao, ao trabalho e habitao.
Entretanto, a acessibilidade, em todas as suas variveis, um fator de importncia social e econmica ainda insuficientemente valorizado e respeitado.
As necessidades de atendimento acessvel sade, segurana e ao lazer desse grupo social
merecem grande ateno das autoridades e da sociedade. No atendimento a qualquer dessas reas, as
condies de acessibilidade para o idoso no podem ser esquecidas, tanto em casa como nos edifcios,
locais de lazer, locais de trabalho, nas ruas e nos transportes pblicos.
98
Os idosos e a acessibilidade
causas externas especficas em idosos no Brasil (nas capitais de regies metropolitanas), os acidentes de
trnsito/transportes e as quedas (tambm associadas com o ambiente virio, por exemplo, as caladas
irregulares) ocupam os dois primeiros lugares.
O transporte permite o acesso famlia, aos amigos e comunidade em geral, fator fundamental
para manter independncia e uma boa sade. A reduo na mobilidade leva diminuio da interao
social e, consequentemente, compromete a qualidade de vida. Embora esse padro possa ser universal,
nos pases em desenvolvimento assume propores mais graves devido, principalmente, ao sistema de
transporte pblico pouco eficiente. A segurana no trfego ou a falta de segurana pode ento se tornar
uma barreira aos idosos e fazer com que eles viajem ainda menos do que gostariam ou at mesmo do que
necessitam. Deve-se ressaltar que acesso aos transportes ou a acessibilidade proporcionam:
::: benefcios psicolgicos da mobilidade, associada autonomia;
::: envolvimento com a comunidade. Possibilita o relacionamento social, associado ao sentimento
de cidadania. Estudos indicam que a mobilidade social diminui a mortalidade do idoso (Glass
et al. 1999, apud Metz, 2000);
::: viagem potencial. A possibilidade de viajar, independente de sua realizao, est associada ao
potencial de mobilidade.
No entanto, existem ainda inmeras barreiras de acessibilidade para os idosos pedestres, tendo
em vista que o ambiente virio apresenta diversas barreiras mobilidade e segurana da populao
idosa, tais como:
::: o tempo dos semforos no leva em considerao o desempenho dos idosos, nem de
pessoas que temporariamente apresentem algum problema fsico ou motor. No Brasil, onde
o trnsito hostil ao idoso, este tende a iniciar a travessia somente aps se certificar da parada
de todos os carros, mesmo que o semforo indique o tempo de vermelho para veculos. Esse
tempo adicional acaba por restringir ainda mais o perodo seguro de travessia;
::: como geralmente a prioridade dos veculos, para realizar a travessia o pedestre quem
circula acima ou abaixo do nvel da via. As passarelas e tneis, bem como seus acessos por
escadas e rampas, so dificuldades adicionais para o pedestre idoso;
::: os idosos so mais suscetveis de cair, seja pelas dificuldades motoras, seja por deficincia
de viso. As quedas causadas pelas dificuldades visuais e posturais representam, segundo
o Ministrio da Sade (2001), os principais acidentes entre os idosos. Nesse sentido,
caladas irregulares, com baixo nvel de servio, invaso da calada pelos carros, desnvel
(inclinaes), diferentes alturas do meio-fio oferecem riscos permanentes;
::: pistas de mo dupla com mais de uma faixa em cada sentido, sem canteiro central ou ilha
de refgio, expem os pedestres idosos a um risco mais elevado. A rigidez do pescoo
e a diminuio do tempo de reao, caractersticas comuns nos idosos, comprometem o
movimento de olhar para a esquerda e para a direita e tomar a deciso de cruzar a pista,
em tempo hbil;
::: por outro lado, existe uma cultura enraizada de primazia do carro no ambiente de trfego.
Embora o Cdigo de Trnsito Brasileiro (1997), no seu artigo 29, preconize que os veculos de
maior porte sero sempre responsveis pela segurana dos menores, os motorizados pelos
no motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres, persiste a cultura de desrespeito
ao pedestre atravs da prioridade histrica dada aos carros no ambiente virio.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Os idosos e a acessibilidade
| 99
O Brasil j implementou algumas medidas para amenizar algumas dessas barreiras. Alm do
passe livre no transporte convencional para idosos, existem tambm assentos demarcados para
idosos e portadores de deficincia nos veculos de transporte coletivo. A Companhia de Engenharia
de Trfego de So Paulo (CET/SP), promove tambm o Programa de Educao de Trnsito para a
terceira idade, cujo objetivo informar e sensibilizar o idoso para um comportamento preventivo
no trnsito, a partir da conscientizao de suas limitaes fsicas e sensoriais decorrentes da idade
(CET/SP, 2002).
100
Os idosos e a acessibilidade
Deve-se ressaltar que, alm do Estatuto do Idoso, as Normas de Acessibilidade foram criadas
garantindo o direito de ir e vir no s dos idosos, mas de todos aqueles portadores de algum tipo de
limitao motora, visual e auditiva (NBR 9.050, com sua edio inicial em 1983 NB 833 tendo sido
revisado em 1994 e 2004). Essa norma estabelece parmetros de acessibilidade em espaos pblicos, mas
pode servir de base para espaos residenciais. Existem muitas leis criadas, em mbito federal, estadual
e municipal, visando atender s demandas dos idosos, mas infelizmente poucos estados brasileiros tm
preocupao em atender de forma mais direta ao idoso.
Em So Paulo, polticas voltadas para o idoso tm sido implantadas e desenvolvidas. Recentemente foi inaugurada, por uma iniciativa municipal, a Vila dos Idosos, assim chamada por ter como
finalidade abrigar exclusivamente uma populao acima de 65 anos.
composta de 145 apartamentos distribudos em quatro pavimentos, com 88 quitinetes
de 29m e 57 apartamentos, com um dormitrio, de 43m, adaptados s necessidades fsicas dos
residentes (portas mais largas, reas com fcil acesso, ventilao cruzada, adequao dos pisos e
altura das janelas.). A incluso de todos esses itens visa permitir que o idoso tenha mais autonomia e
independncia. A disposio dos edifcios em forma de U, tendo em seu centro um espelho dgua,
visa facilitar a convivncia, criar um ambiente de confraternizao entre seus moradores. Entre as
unidades construdas, 16 quitinetes e 9 apartamentos, no trreo, foram projetados para pessoas com
dificuldade de locomoo, bem como espao para circulao de cadeiras de rodas. O empreendimento
est em um terreno com 7 361,75m e possui 8 193m de rea construda. composto, alm dos
apartamentos, de trs sales de festas, uma quadra de bocha, horta comunitria, trs halls de
elevadores, sala de administrao, portaria e uma biblioteca no meio dos edifcios. A seleo dos
moradores foi feita pela Sehab/Cohab seguindo os seguintes critrios: idade acima de 65 anos, renda
de at trs salrios mnimos e residncia h mais de quatro anos na cidade. Famlias pouco numerosas,
pessoas que vivem sozinhas, com deficincia fsica ou com mobilidade reduzida, tiveram prioridade
na seleo. O custo dessa moradia depender da renda do morador, mas a maioria deve pagar cerca
de 25% do salrio mnimo pelo aluguel, alm das contas de consumo e do condomnio que esto
estimadas em R$40,00.
Apesar desses movimentos, com o incremento da especulao imobiliria, as novas moradias
construdas principalmente em grandes centros, como Rio e So Paulo, tm espaos exguos, dificultando
a mobilidade dos idosos.
Como se ressaltou no caso dos acidentes virios, as alteraes nas funes do organismo humano
tendem a aumentar tambm o risco de acidentes no uso da moradia, principalmente no caso em que os
espaos residenciais no atendam s limitaes decorrentes do envelhecimento.
Embora muitos autores considerem o erro humano como a causa primria dos acidentes domsticos, no se pode esquecer que, seja esse erro fisiolgico ou emocional, est quase sempre associado a
uma falha no projeto do equipamento ou do ambiente. Dessa forma a relao ambiente-idoso tem sido
um grande desafio para a arquitetura que tem o desenho universal como projeto.
A Organizao Mundial de Sade estima que de 5 a 10% das pessoas acima de 60 anos sofrem
acidentes domsticos fatais e que, para cada ocorrncia desse tipo, ocorrem de 150 a 200 casos de ferimentos graves. No Brasil, por levantamentos efetuados pelo Sistema nico de Sade (SUS), 75% desses
acidentes ocorrem dentro de casa e quase que a metade dos casos de acidentes registrados acontecem
nos aposentos privados. Medidas preventivas na organizao da casa devem ser adotadas, como na
disposio dos mveis e utenslios.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Os idosos e a acessibilidade
| 101
102
Os idosos e a acessibilidade
A Ergonomia, cincia surgida em 1949, que estuda antropomorficamente o homem, suas relaes
com o ambiente, subsidiando os projetos de ferramentas, mquinas e dispositivos que possam ser
utilizados com o mximo de conforto, de segurana e de eficcia busca o conforto do adulto, o lazer
da criana, mas o idoso, com suas necessidades especficas, quase sempre esquecido. Os banheiros,
por exemplo, hoje em profuso nos imveis, so to pequenos que utiliz-los em uma situao onde
haja a necessidade de ajuda de uma outra pessoa fica praticamente invivel. A colocao de banheira
em banheiros diminutos faz com que o chuveiro tenha que ser colocado dentro dela, impossibilitando
o banho de pessoas com dificuldade de locomoo, mesmo que temporria (uma perna quebrada,
por exemplo). Deve-se ter em mente, ao projetar um imvel, que ele precisa atender a todas as etapas
da vida do morador, e no inviabilizar, com sistemas construtivos difceis de serem revertidos, uma
utilizao para toda a vida.
O homem no envelhece apenas cronologicamente, j que seu corpo comea a perder a vitalidade,
a ficar mais delicado, havendo uma perda crescente de mobilidade e das funes vitais. Portanto, o que
se deve ter como base que o ambiente deve ser adaptvel, isto , deve adequar-se s necessidades
individuais do usurio dirio, bastando para tanto que, em qualquer momento, um fcil rearranjo do
espao ou equipamento baste para adequar o ambiente s novas necessidades que se apresentem.
Ao considerar as necessidades do idoso, deve-se atentar para que o envelhecimento afeta a rea
sensorial e motora, limitando a capacidade de interagir com o ambiente.
Como em todas as situaes mais fcil projetar corretamente do que depois ter que adaptar.
Assim sendo, recomendaes simples como portas mais largas, corredores com pelo menos 1m de largura e pelo menos um banheiro que permita o uso por pessoas que necessitem de ajuda ou utilizem
cadeira de rodas j diminuiriam em muito as dificuldades de adaptao. Apesar de parecer distante de
ser problema dos outros, todos podem enfrentar: ou para atender pai e/ou me idosos, um filho de perna quebrada ou doente, ou a si mesmo em uma dessas situaes. Portanto, deve-se olhar com carinho
para os tempos que viro, com o olhar crtico que a situao exige.
A elaborao de projetos arquitetnicos que atendam a todas as idades o que arquitetura preocupada com a acessibilidade pretende. As incorporadoras imobilirias no veem no idoso o comprador
em potencial, porque no levam em conta que o jovem comprador deve ser lembrado das dificuldades
que um dia viro e lhe ser oferecido um espao projetado de forma a atender s necessidades da vida,
sendo ele criana, jovem ou velho, onde, se for necessria alguma adaptao, esta possa ser simples e
barata, para que esse lugar possa ser definitivamente seu espao de vida.
Os idosos e a acessibilidade
| 103
Texto complementar
Voc est preparado para a velhice?
Organizao Mundial de Sade (OMS) lana no Brasil o programa Towards an Ageing Friendly Society,
que vai orientar a populao a se conscientizar sobre a inevitvel maturidade do corpo e da mente
Em 2050, o nmero de idosos no mundo ser de 2 bilhes de pessoas. Coincidentemente, essa
tambm ser a quantidade de jovens no planeta. Esse panorama vai tornar mais ntida a guerra
entre geraes que ainda passa em branco aos olhos da sociedade: de um lado, os mais jovens
mostram-se sem pacincia para compreender todas as limitaes da velhice. De outro, esto os
idosos, que no percebem as mudanas comportamentais da nova gerao juvenil.
Esse fenmeno foi mote de um projeto mundial para proteger os idosos e lanar ferramentas educativas que criem um movimento para positivar o envelhecimento como um tempo produtivo da vida
emocional, intelectual e social. O desafio superar os estigmas da discriminao por meio do Towards
an Ageing Friendly Society, programa da Organizao Mundial de Sade (OMS) lanado durante o 18.
Congresso Mundial de Gerontologia, realizado no fim do ms passado, na capital carioca.
Encabeado no Brasil pelo mdico gerontlogo Alexandre Kalache, diretor do Programa de
Envelhecimento e Sade da OMS, o plano tem como desafio preparar a populao para lidar com o
envelhecimento. O futuro da humanidade depende do caminho traado para lidar com a velhice.
Independentemente da atividade que as pessoas exercem, todos tm que estar preparados para
tratar bem os velhos e enfrentar os impactos dessa fase da vida, afirma Alexandre Kalache.
Significa dizer que crianas, jovens, adultos e idosos precisam ter um qu de gerontlogos
(profissionais no mdicos especialistas em envelhecimento) para no se depararem com as
surpresas da longevidade, como a diminuio das capacidades, o preconceito social e o disparo do
custo da previdncia. preciso desenvolver uma educao gerontolgica, que deve comear desde
a pr-escola e continuar por toda a vida. S assim os padres sero alterados, avisa a psicloga
gerontloga Laura Machado, que esteve frente de um dos comits do congresso.
O comunicado serve para derrubar a ideia de que as pessoas s devem ficar antenadas com a
velhice quando estiverem perto de alcan-la. Os primeiros passos devem comear em casa: filhos
devem oferecer bom tratamento aos pais, netos, carinho aos avs. Nas ruas, no custa ceder uma
poltrona para os idosos sentarem, nem a vez na fila de espera.
Mas o governo tambm precisa agir com polticas de transporte pblico adequadas. um dos
artigos sobre os quais os idosos brasileiros mais tm queixas, continua Laura. Os meios de conduo
so mesmo um fator preocupante tanto que est na pauta do Towards an Ageing Friendly Society.
Ao lado das barreiras arquitetnicas e falta de oportunidades de trabalho (entre outros itens), ser
um dos dez tpicos a serem medidos para verificar se uma sociedade ou no amiga dos idosos.
104
Os idosos e a acessibilidade
E por que um programa mundial exclusivamente para os idosos? Simplesmente pelo fato de o
mundo ter entrado na rota do envelhecimento populacional. Quem cuida dos idosos de hoje mostra
que tambm deseja bons tratos em um futuro breve, alega o mdico geriatra Renato Guimares,
que presidiu o congresso.
Pois , o idoso de 2050 o jovem de hoje. Basta perceber que os babyboomers (nascidos entre
1946 e 1964) so atualmente o grupo que est para entrar na aposentadoria. Ou seja, a juventude atual
est sujeita a enfrentar todas as limitaes da idade caso no leve a srio a proposta de reciclagem
dos conceitos sobre a velhice, como bem fizeram os Estados Unidos, o Canad e a Inglaterra, entre
outros pases desenvolvidos, onde os idosos tm sido beneficiados com implantao de polticas
adequadas de assistncia social e de sade.
O entrave que nem mesmo esses pases pioneiros esto bem diante de todos as consequncias
da exploso do envelhecimento global, principalmente no que se refere ao financiamento da
multido de aposentados ou ao dficit da previdncia social. Daqui a alguns anos, imagine como
fica o Brasil, que ainda no implantou polticas necessrias de ateno ao idoso, nem aes para
equilibrar as contribuies?, indaga Guimares, que chama a ateno para a velocidade com a qual
o mundo atingiu o aumento da longevidade.
Os pases desenvolvidos tiveram 200 anos para envelhecer e mesmo assim apresentam
problemas diante dos sistemas previdencirios. O Brasil, cuja exploso demogrfica ocorreu em
apenas 50 anos, tem o desafio de instituir bons modelos rapidamente e de forma efetiva. Alm
da criao de oportunidades de trabalho e remodelao da instituio da aposentadoria, tpicos
como estmulo socializao, combate criminalidade e preveno de abuso tambm esto entre
as intervenes da pauta mundial de ateno aos idosos.
Jornal do Commercio
(Disponvel em: <www.portaldoenvelhecimento.net/artigos/artigo319.htm>. Acesso em: 25 fev. 2008.)
Atividades
1.
Por que se fala tanto dos desafios sociais enfrentados no futuro com relao velhice?
Os idosos e a acessibilidade
2.
3.
| 105
Referncias
CARLI, Sandra M. M. P. Habitao Adaptvel ao Idoso: um mtodo para projetos residenciais. So
Paulo, 2004. Tese (Doutorado em Arquitetura). FAUUSP.
CAVALCANTI, P. U. Aspectos Biolgicos do Envelhecimento: o fenmeno da senescncia. Jornal
Brasileiro de Medicina, Rio de Janeiro, v. 26, 1975.
FIOCRUZ. Anlise de Mortalidade por Causas Externas de Idosos em Capitais de Regies
Metropolitanas do Brasil. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Sade Pblica, Centro Latino-Americano
de Estudos sobre Violncia e Sade, 2002.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
106
Os idosos e a acessibilidade
JOSEPH, J. Vintage Models: older drivers a dilemma for traffic technology. Traffic Technology
International. p. 112-117, oct./nov. 2000.
METZ, D. H. Mobility of older people and their quality of life. Transport Policy, v. 7, p. 149-152, 2000.
OECD. Ageing and Transport: mobility needs and safety issues. Disponvel em: <www.seniordrivers.
org/clearinghouse/pdf/OECD2001.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2012.
PIRITO, M. A. Consideraes sobre o motorista idoso. Revista da Associao Brasileira de Acidentes e
Medicina de Trfego ABRAMET, n. 30, mai./jun., 1999.
VERAS, R.P. et al. Crescimento da Populao Idosa no Brasil: transformaes e consequncias na
sociedade. So Paulo: Rev. Sade Pblica, v. 21, n. 3, 1987.
WHO World Health Organization. ICIDH-2 (International Classifications of Impairments, Activities
and Participation) A Manual of Dimensions of Disablement and Functioning. Genebra: WHO, 1998.
_____. Health and Ageing: a discussion paper. Geneva: World Health Organisation (Department of
Health Promotion), 2001a.
_____. Spot Light on Mounting Traffic Deaths. Geneva: NMH News, WHO 54, mai., 2001b.
Gabarito
1.
Estima-se que at 2050 a populao de idosos mundial ser de dois bilhes, isso implica no que
seria hoje um tero da parcela mundial. Sendo assim, uma importante parcela da sociedade, que
necessitar de melhor qualidade de vida. Hoje, o idoso na maior parte das vezes considerado
um fardo, alvo de discriminaes, visto como incapaz de trabalhar, fazer as coisas sozinho etc.
Portanto, ser preciso muito empenho de toda a sociedade para reverter esse quadro diante do
crescimento populacional do idoso.
2.
O idoso hoje em dia no tem possibilidade de usufruir um bom sistema de transporte pblico,
implicando em grande perda da mobilidade. Pesquisas indicam que, quando envolvidos em
acidentes, os idosos apresentam maior ndice de ferimentos graves ou mortes. Mas esse apenas
um dos problemas. Outro problema a perda de interao social devido falta de transporte
pblico apropriado. Isso implica no aspecto da mobilidade, pois os idosos, no podendo utilizar
os meios de transporte, vo se tornando cada vez mais reclusos em seus lares e por consequncia
tm a qualidade de vida comprometida.
3.
em casa que acontece a maior parte dos acidentes, devido a quedas que ocorrem na maioria
das vezes durante a noite no trajeto quartobanheiro, e muitos desses acidentes domsticos
acabam levando morte. As casas no so projetadas para idosos, os obstculos encontrados so
muitos. Nesse caso, o desenho universal muito importante para que se possa habitar uma casa a
vida toda, sem ter que abandonar o seu lar, pois ele no corresponde s suas necessidades como
acontece com grande parte dos idosos, que acabam trocando sua casa por uma adaptada.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
A acessibilidade e a
Educao Inclusiva
O acesso educao dentro do mbito de discusses sobre acessibilidade pode ser resumida
como todas as possibilidades que permitam ao estudante portador de deficincia frequentar e se
relacionar com a comunidade acadmica.
No Brasil, foram criadas normas que tentam garantir condies especiais de acesso para os estudantes deficientes. Ainda que muitos desses aspectos possam ser melhorados, essa legislao tem sido
uma instncia compensatria de discriminao positiva para muitos desses estudantes. importante
lembrar dos progressos em termos de acessibilidade a estudantes portadores de deficincia em reas
importantes, como as iniciativas que estabelecem critrios para o acesso no discriminatrio s Tecnologias da Informao e Comunicao e as que desenvolvem sites de excelente qualidade que tornam
disponvel uma enorme quantidade de informaes essenciais sobre acessibilidade.
Entretanto, a questo do acesso educao ainda no est resolvida. H ainda muito por fazer
tanto em termos de condies de cidadania quanto em termos de barreiras arquitetnicas. Apenas
alguns exemplos: apesar das normas aprovadas sobre as barreiras arquitetnicas, a maior parte das
instituies de ensino continuam a ser verdadeiros quebra-cabeas que podem ser consideradas
como expresso fsica das barreiras sociais, culturais e de discriminao econmica. A acessibilidade
arquitetnica no pode ser vista apenas como um conjunto de rampas e medidas a serem respeitadas,
mas ser parte de uma filosofia geral de acolhimento, conforto e facilidade em todas as dependncias
dos edifcios. Nesse sentido, a acessibilidade fsica das instituies educacionais ainda representa um
problema a ser resolvido: a carga de esforo que solicitada a pessoas com mobilidade reduzida para
chegarem escola, percorrerem os longos corredores, mudarem de salas, deslocarem-se cantina,
entre outros problemas de acesso, muitas vezes tornam-se prticas impossveis dado que se exige da
pessoa com mobilidade reduzida um esforo muito maior do que se exige dos outros estudantes. Esse
fato no contribui para uma igualdade de oportunidades.
108
| 109
110
como objetivo principal, em suas atuaes, compensar ou recuperar as funes cognitivas deficitrias,
e de mobilidade do deficiente fsico (Glat et al., 2005).
Um marco importante nesse histrico foi a criao, em 1973, do (Centro Nacional de Educao
Especial (Cenesp) que institucionalizou a Educao Especial no planejamento de polticas sociais e deu
incio implantao da Educao Especial na rede pblica de ensino por meio da criao tanto de escolas quanto de classes especiais para portadores de deficincia em escolas regulares. Havia tambm
a preocupao em formular projetos de formao de recursos humanos especializados, inclusive no
exterior (Ferreira; Glat, 2003).
Na dcada de 1980, o Cenesp definiu a integrao como um dos princpios bsicos da Educao
Especial. Desse modo, os alunos com necessidades educacionais especiais eram submetidos a uma
avaliao diagnstica de suas condies fsicas, sensoriais e cognitivas, cujos resultados serviam para
indic-los para escolas especializadas ou classes especiais.
Os alunos eram selecionados de acordo com o grau de capacidade que possuam para aprender
e de crianas com deficincias diversas. A inteno era fazer com que deficincia deixasse de ser vista
como doena e passou-se a discutir como desenvolver um tipo de atendimento educacional por meio
da utilizao de novos recursos e mtodos de ensino direcionado para desenvolver e estimular a aprendizagem dessas pessoas.
Entretanto, para alguns autores, essa prtica acabou por se tornar segregadora e de alguma
forma cmplice do processo de medicalizao do fracasso escolar (Fonseca, 1995; Fernandes,
1999; Patto, 2000, apud Glat et al., 2005).
Collares e Moyss (1986, p.10 apud Nutti, 2000), denominam de medicalizao do fracasso escolar
a busca de causas e solues mdicas no nvel organicista e individual para problemas eminentemente
sociais.Entretanto, tal processo no tem se limitado apenas ao encaminhamento de alunos considerados
portadores de distrbios ou problemas de aprendizagem para avaliao mdica. H tambm aquilo
que os autores denominam como psicologizao do fracasso escolar o que, para Collares (1989, apud
Nutti, 2000), significa o excesso do nmero de alunos encaminhados aos servios de Psicologia das
instituies de Sade. Para Nutti (2000):
A medicalizao e a psicologizao so dois produtos de um processo mais amplo, a patologizao do processo de
ensino-aprendizagem, que se manifesta atravs da atribuio do fracasso escolar a fatores como desnutrio e disfunes fsicas e neurolgicas (hiperatividade, disfuno cerebral mnima, dislexia etc.) supostamente presentes no aluno.
Desse modo, a patologizao acaba por atribuir somente ao aluno a responsabilidade pelo seu desempenho insatisfatrio, no considerando que o sistema educacional pode ter deficincias no atendimento desses estudantes.
Mas importante lembrar que todos estes projetos permitiram alteraes significativas na
discusso sobre a educao para portadores de deficincia e proporcionou a alterao do modelo
mdico para modelo educacional (Glat, 1998). O que favoreceu a aprendizagem de crianas prejulgadas
como incapazes. Desse modo, pode-se dizer que os movimentos sociais das dcadas de 1970 e 1980
foram os precursores da conquista do direito educao dos portadores de deficincia.
Sob esse aspecto, a Constituio Federal de 1988, no artigo 208, prescreve a insero de todos
os alunos com deficincia na escola, preferencialmente no sistema da rede regular de ensino (Glat et
al., 2005). Nesse perodo, estimulados pelos movimentos sociais em prol dos direitos humanos, desenvolveu-se a discusso sobre as alternativas pedaggicas que permitissem a insero dos alunos com
necessidades educacionais especiais junto aos demais no ensino regular, fomentando o debate sobre a
Educao Inclusiva.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 111
112
| 113
114
representaes implcitas que os professores tm a respeito do campo profissional dos seus alunos. Por
exemplo, possvel que um professor de um curso de Engenharia Mecnica desenvolva uma atitude
pouco positiva em relao ao sucesso do seu estudante paraplgico porque a representao profissional
que ele tem de um engenheiro mecnico pressupe uma destreza fsica para acompanhar uma obra no
terreno e mesmo at exemplificar a execuo de tarefas especficas. Ora essa representao profissional
restrita do docente alm de no corresponder realidade (haver dezenas seno centenas de perfis
profissionais possveis de serem desempenhados por um engenheiro mecnico) pode influenciar a
receptividade que esse docente tem ao sucesso de um aluno portador de deficincia. Assim, uma das
contribuies que o estudante pode dar Universidade, convid-la a refletir sobre os diferentes perfis
profissionais das suas licenciaturas. A existncia de um leque de possibilidades de perfis profissionais
conseguida atravs do estudo do mercado de emprego e da colocao atual de antigos alunos um
fator de encaminhamento acadmico e pode mesmo alertar a universidade para reas de formao que
deveriam ser mais contempladas em nvel curricular.
Um segundo aspecto diz respeito ao alerta que o estudante portador de deficincia faz para a
necessidade de constituir redes de solidariedade dentro da escola. O estudante portador de deficincia
pode ser um catalisador de prticas e valores novos. A responsabilidade da incluso de um estudante
portador de deficincia de toda a comunidade escolar e representa uma oportunidade para a reflexo
sobre os contedos, as metodologias, o sucesso do ensino e da aprendizagem feitas na universidade.
O terceiro aspecto diz respeito a que a acessibilidade na universidade pode beneficiar muitas
pessoas: os docentes que podem diferenciar as suas prticas pedaggicas, os alunos com dificuldades
mesmo sem deficincias identificadas e os demais alunos que podero com metodologias adequadas
de individualizao progredir ao ritmo e dimenso das suas capacidades. A considerao das capacidades individuais dos alunos para o ensino possvel atravs de estratgias possveis de serem executadas de ensino personalizado etc. (Rodrigues, 1998).
A incluso dos estudantes portadores de deficincia na universidade uma oportunidade para
a reflexo e criao de novas metodologias e filosofia curricular e de preparao profissional das suas
prticas (Putman, 1998).
necessrio desafiar as vises comuns de excelncia e questionar porque que a excluso, a homogeneidade e
o individualismo ho de estar relacionados com a qualidade. Talvez a qualidade, numa sociedade cada vez mais
multicultural, e heterognea e em que as pessoas diferentes tm cada vez mais visibilidade e poder, a verdadeira
qualidade tenha que se equacionar em face de valores de cooperao, incluso, negociao e coletivo. (NUCAN;
GEORGE; MCCAUSLAND, 2000)
Texto complementar
Surdos: desafios para entrar na universidade
(CALDAS, 2006)
Se ingressar no Ensino Superior j no uma tarefa fcil para a maioria dos jovens, o desafio
ainda maior para os estudantes surdos. Alm de dominar o contedo da prova, esses alunos
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 115
Atividades
1.
116
2.
3.
| 117
Referncias
ARANHA, M. S. F. Incluso Social e Municipalizao. In: MANZINI, Eduardo. Educao Especial: temas
atuais. Marlia: UNESP, 2000. p. 1-11.
BUENO, J. G. S. Crianas com necessidades educativas especiais, poltica educacional e a formao de
professores: generalistas ou especialistas. Revista Brasileira de Educao Especial, Marlia v. 3. n. 5, p.
7-25, 1999.
_____. Refletindo sobre a Sociedade Inclusiva e a Surdez. Disponvel em: <www.saci.org.br>. Acesso
em: 20 ago. 2012.
CIDADE, R. E. A.; FREITAS, P. S. Introduo Educao Fsica e ao Desporto para Pessoas Portadoras
de Deficincia. Curitiba: Ed. UFPR, 2002.
CIDADE, R. E. A.; FREITAS, P. S. Introduo Educao Fsica e ao Desporto para Pessoas Portadoras
de Deficincia. Curitiba: Ed. UFPR, 2002.
CLARO, C. Recursos Educacionais: como estimular o processo de aprendizagem das pessoas com
deficincia. 2003. Disponvel em: <www.tele-centros.org/discapacitados/secao=103&idioma=br.html>.
Acesso em: 20 ago. 2012.
COLLARES, C. A. L.; MOYSS, M. A. A. Educao ou Sade? Educao X Sade? Educao e Sade! In:
Cadernos Cedes, n. 15, So Paulo, 1986, p. 7-16.
COLLARES, C. A. L. Ajudando a Desmistificar o Fracasso Escolar. Caderno Ideias, n. 6, So Paulo, p. 24-28,
1989.
DEPAUW, K.; GAVRON, S. J. Disability and Sport. Champaign: Human Kinetics, 1996.
FERNANDES, E. M.; ORRICO, H. F. Ao Articulada entre Educao e Sade no Atendimento Integral e
Promoo da Qualidade de Vida de Pessoas com Deficincias Mltiplas e Surdo Cegueira. Programa de
Sade Mental/SUS. Revista Incluso, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, 2005.
FERNANDES, E. M. Educao para Todos, Sade para Todos: a urgncia da adoo de um paradigma
multidisciplinar nas polticas pblicas de ateno a pessoas portadoras de deficincias. Revista do
Benjamim Constant, v. 5, n. 14, p. 3-19, 1999.
FERREIRA, J. R.; GLAT, R. Reformas Educacionais ps-LDB: a incluso do aluno com necessidades especiais
no contexto da municipalizao. In: SOUZA, D. B.; FARIA, L. C. M. (Orgs.) Descentralizao, Municipalizao e Financiamento da Educao no Brasil ps-LDB. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 372-390.
FERREIRA, P. V. Filhos de Hefestos. Disponvel em: <http://einclusao.blogspot.com/2007/10/filhos-deHefestos.html>. Acesso em: 20 ago. 2012.
FERNANDES, E. M. Educao para Todos, Sade para Todos: a urgncia da adoo de um paradigma
multidisciplinar nas polticas pblicas de ateno a pessoas portadoras de deficincias. Revista do
Benjamim Constant, v. 5, n. 14, p. 3-19, 1999.
FONSECA, V. Educao Especial. Porto Alegre: Artmed, 1995.
FREITAS, P. S.; CIDADE, R. E. A. Noes sobre Educao Fsica e Esporte para Pessoas Portadoras de
Deficincia: uma abordagem para professores de 1. e 2. graus. Uberlndia: Breda, 1997.
FUNDAO GETULIO VARGAS E FUNDAO BANCO DO BRASIL (CPS/FGV). Diversidade: retratos da
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
118
| 119
120
O Brasil um pas que ainda est pouco desenvolvido no mbito educacional, seja na educao
regular ou na Educao inclusiva. Nesse sentido, sabe-se que, para que haja professores
habilitados para poder realmente participar da Educao inclusiva, precisaria haver antes um
grande avano em toda a educao no Brasil.
2.
Dizer que algum no pode realizar uma funo por conta de uma deficincia discriminao
ou falta de informao. Sabe-se que um surdo ou outras pessoas portadoras de deficincia tm
capacidade de aprender com outra pessoa. O ritmo pode ser diferente e as necessidades outras, mas
as verdadeiras barreiras contra os estudantes portadores de deficincia so a social e a poltica.
3.
No, a maioria das escolas e universidades no permitem que exista uma mobilidade, o que
acaba dificultando a participao dos estudantes. Por mais que um portador de deficincia entre
em uma universidade e tenha tanta capacidade de aprender quanto os outros estudantes, as
dificuldades enfrentadas no momento de entrar em uma sala de aula, de atravessar um corredor,
de subir e descer uma rampa servem como impedimento suficiente para que esse estudante no
consiga concluir o curso.
Esporte e deficincia
Ao longo do sculo XX, a preocupao em encontrar solues para os problemas de acessibilidade
das pessoas portadoras de deficincia foi estimulada, fundamentalmente pelas duas grandes guerras
mundiais, alm de inmeras outras guerras de menor porte, mas com consequncias igualmente
devastadoras para a populao. Inmeras aes passaram a ser pensadas, visando reintegrao das
vtimas que resultaram no desenvolvimento de reas de conhecimento vinculadas a programas de
reabilitao para veteranos de guerra.
A maior parte das naes que se envolveram na Segunda Grande Guerra desenvolveu mtodos,
tcnicas e instrumentos especficos como as rteses e prteses na tentativa de tornar mais fcil a vida
das pessoas portadoras de deficincia, alm dos estudos sobre psicomotricidade voltados para a reabilitao neurocomportamental, tendo como objetivo principal tornar os corpos lesionados mais predispostos aos movimentos.
Nos Estados Unidos da Amrica, a nfase foi dada aos estudos sobre desenvolvimento e
aprendizagem motora, mtodos de avaliao motora; principalmente em relao aos portadores de
distrbios de aprendizagem e dos retardos motores.
Na Alemanha e Inglaterra, o enfoque esteve em pesquisas sobre problemas dos portadores de
deficincia mental e de leses fsicas, principalmente das amputaes e traumatismos raquimedulares,
provenientes da guerra que levaram a quadros severos de paraplegia e tetraplegias.
De toda forma, as razes do esporte para deficientes podem ser identificadas inicialmente por
meio de eventos isolados. Em 1918, na Alemanha, durante a Primeira Grande Guerra, um grupo de
lesionados reuniu-se para praticar esportes. H registros, ainda em 1932, do surgimento da Associao
do Golfista de um S Brao na Inglaterra.
Entretanto, o esporte como prtica de integrao para pessoas portadoras de deficincia foi
sistematizado por meio de duas linhas distintas de trabalho que se formam a partir da Segunda Grande
Guerra. Uma delas, com enfoque mdico, representada pelo Dr. Ludwig Guttmman na Inglaterra e a
outra, com enfoque esportivo, desenvolvida nos Estados Unidos da Amrica pelo Dr. Benjamin Linpton
(Strohkendl, 1996; Freitas, 1997).
Ludwig Guttmam, neurocirurgio e neurologista, introduziu as atividades esportivas como parte
essencial do tratamento mdico para recuperao das incapacidades geradas por leses medulares.
Depois de estudar exaustivamente o gesto esportivo, como forma teraputica e de integrao social,
iniciou o que se tornaria o desencadeador da prtica desportiva entre portadores de deficincia,
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
122
Esporte e deficincia
Esporte e deficincia
| 123
consideravelmente medida que o indivduo passe a se considerar saudvel e capaz apesar de portar
uma deficincia. Desse modo, pela prtica esportiva podem-se mudar os motivos que mobilizam ou
imobilizam as pessoas em suas diferentes situaes de vida.
Paralelamente ao desenvolvimento do esporte como forma de reabilitao no hospital da
Inglaterra pelo trabalho de Guttmann, nos Estados Unidos da Amrica, em 1946, veteranos de guerra
lesionados iniciaram a atividade de basquetebol. Esses veteranos criaram o primeiro time denominado
The Flying Wheels (rodas voadoras) em Van Nuys, na Califrnia (Strohkendl, 1996; Pool;
Tricot,1985). As apresentaes pblicas tinham como objetivo despertar o interesse da sociedade
para os problemas dos traumas fsicos dos deficientes e, tambm, estimular outros deficientes a
compreenderem a sua capacidade de realizar diversas atividades, entre elas o esporte.
Esse movimento levou o governo norte-americano a criar o Programa de Reabilitao Desportiva
que organizava, promovia e treinava equipes de basquetebol em cadeiras de rodas (Hedrick; Byrnes;
Shaver, 1989; Winnick, 1995).
Em 1949, fruto desse trabalho, foi organizado o primeiro campeonato de basquetebol sobre rodas
dos EUA, o que levou criao da Wheelchair Basketball Association (WBA Associao de Basquetebol
em Cadeiras de Rodas).
Mais tarde foi associada com a famosa National Wheelchair Athletic Association (NWAA Associao Nacional de Atletas em Cadeiras de Rodas) (Strohkendl, 1996).
As paraolimpadas
Em julho de 1948, Guttmann organizou os primeiros Jogos de Stoke Mandeville dos quais
participaram pacientes do hospital Star Garter Home for Disabled e os ex-servicemen de Richmond em
Londres (hospital para ex-combatentes da guerra) (GuttmanN, 1976).
Esses jogos contaram com a presena de 16 competidores com leso medular, disputando a modalidade de arco e flecha em cadeira de rodas. Essa competio tornou-se o smbolo do incio das disputas esportivas entre os portadores de deficincia.
Em 1949, ao organizar o segundo ano da competio, Guttmann props que os Jogos de Stoke
Mandeville devessem equivaler, para homens e mulheres portadores de deficincia, aos jogos olmpicos.
Tal proposta entusiasmou tanto os profissionais do hospital quanto os pacientes que logo comearam a
elaborar os primeiros regulamentos dos jogos. Tal iniciativa vista como o marco inicial do movimento
de esportes para pessoas portadoras de deficincia (Guttmann, 1976).
Nos anos seguintes, a participao de outras instituies aumentou consideravelmente (hospitais
e casas de ex-combatentes), e, a partir de 1952, os Jogos de Stoke Mandeville passaram a se chamar Jogos
Internacionais de Stoke Mandeville (GuttmanN 1976; Pool; Tricot, 1985). A partir desse ano, muitos
pases foram representados por competidores vindos de hospitais ou centros de reabilitao nos quais o
esporte era includo entre as atividades dos programas de recuperao, como em Stoke Mandeville.
Em 1954, j eram 14 os pases participantes que incluam em suas equipes pacientes com
sequelas divididos entre os times chamados Old Boys (garotos veteranos) e Old Girls (garotas veteranas)
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
124
Esporte e deficincia
(Hedrick et al,1989), e, medida que aumentava o interesse pelos jogos, muitas modalidades foram
sendo introduzidas na competio, tais como atletismo, esgrima, snooker, tnis de mesa, basquetebol
sobre rodas.
Em funo do aumento do nmero de pases participantes, Guttmann criou o British Paraplegic
Sport Endowment Fund (Fundao Inglesa de Esporte para Paraplgicos) com o propsito de tornar
os Jogos de Stoke Mandeville uma fundao, angariar recursos financeiros bsicos e garantir sua
continuidade bem como o progresso do movimento internacional de esporte para paralisados
(Strohkendl, 1996).
Em 1959, nos Jogos Internacionais de Stoke Mandeville, com o grande aumento do nmero de
participantes, os organizadores decidiram reorganizar os regulamentos e criar o Comit dos Jogos de
Stoke Mandeville, constitudo de cinco membros: Inglaterra, como membro permanente, Itlia, Blgica,
Frana, e Holanda. A deciso de Roma incluir, em 1960, os Jogos Internacionais de Stoke Mandeville
junto aos jogos olmpicos abriu espao para os atletas deficientes fortalecerem o movimento esportivo
para esse segmento da sociedade.
O termo paraolimpadas foi originalmente utilizado por uma paraplgica, Alice Hunter, paciente
do Hospital de Stoke Mandeville, que escreveu para a revista The Cord Journal of the Paraplegics o artigo
intitulado Alice at the Paralympiad (Alice nas Paraolimpadas), descrevendo sua histria sobre o esporte.
O termo para refere-se paraplegia. Em fevereiro de 1985, o Comit Coordenador Internacional (ICC)
aceitou os termos do Comit Olmpico Internacional (COI) e concordou em substituir o termo Olympics
Games for the Disabled (Jogos Olmpicos para Deficientes) por Paralympic Games(Jogos Paraolmpicos)
(Guttmann,1976).
Em princpio, Guttmann queria que os jogos se chamassem The Olympics of the Paralysed (As
Olimpadas dos Paralisados), porm j era esperada a participao de outros tipos de deficincia que
no s leso medular. Em 1976, no Canad, os jogos ficaram conhecidos como The Olympiad for the
Physical Disabled (A Olimpada dos Deficientes Fsicos). No entanto esse termo nunca foi aceito pelo
Comit Olmpico. Apenas em 1969 foram aceitos portadores de deficincia com sequelas de poliomielite
e amputaes nos jogos de Stoke Mandeville.
De acordo com DePauw e Gravon (1996), esse fato se deu pelo prprio desconhecimento do
potencial de movimentos das pessoas que estavam envolvidas, e por ter nascido em um hospital que
tratava unicamente de pacientes com leso medular. Os autores ainda colocam a pouca participao
dos tetraplgicos, que eram considerados pelos mdicos incapazes do ponto de vista fisiolgico. Mais
tarde, o presidente do COI concordou e aprovou a proposta do Dr. Robert Jackson, ento presidente do
International Stoke Mandeville Games (ISMG), para a denominao Paralympics (Paraolimpada) dos jogos
de 1984. Atualmente, o Comit Paraolmpico Internacional oferece vinte esportes de vero e seis de
inverno. A maioria das modalidades e eventos paraolmpicos so modificaes das modalidades e eventos
olmpicos, com normas de classificao que permitem o desenvolvimento das capacidades funcionais de
cada atleta.
Alguns esportes, como o jud, so oferecidos apenas para deficientes visuais. As paraolimpadas
so realizadas trinta dias aps as olimpadas, no mesmo local, e participam atletas portadores de deficincias visual, paralisados cerebrais, amputados, deficientes fsicos etc.
Esporte e deficincia
| 125
126
Esporte e deficincia
Esporte e deficincia
| 127
eram atendidas, no campo da educao fsica e do esporte); o Plano Nacional de Ao Conjunta para Integrao da
Pessoa Deficiente (1985-1990 no governo de Jos Sarney) e a criao da Coordenadoria para a Integrao da Pessoa
Deficiente (Corde): e o PIano Plurianual 1991-1996 (pIano geral de esporte do governo de Fernando Collor, para este
perodo).(ARAJO,1997, p. 25)
Arajo (1997) tambm destaca o surgimento de um movimento nacional no incio dos anos
1970, na rea de educao fsica, que tinha como finalidade propiciar populao atividades fsicas
em locais abertos nas cidades, tais como parques, praias, bosques, ruas, praas e reas livres em
geral, de modo que os Congressos de Esporte para Todos tornaram-se, naquele momento, frum
de discusso e apresentao de diversos trabalhos desenvolvidos em educao fsica com pessoas
portadoras de necessidades especiais.
A partir de 1984, por meio do Projeto Integrado Seed/Cenesp, teve incio um movimento nacional
objetivando detectar as necessidades de uma poltica social de desporto para as pessoas portadoras de
deficincia no Brasil.
Em maro de 1986, com a realizao de fruns e encontros nacionais com a mesma inteno, foi
constituda uma comisso de especialistas em educao fsica adaptada que deu incio a um processo
de transformao nessa rea.
A partir dessas aes, muitas transformaes puderam ser observadas, como o aumento de Instituies de Ensino Superior (IES) que incluram disciplinas voltadas para a educao fsica e a adaptao,
o aumento da procura por profissionais com experincia para ministrar tal contedo.
Tambm foram iniciados cursos emergenciais, com o objetivo de resolver problemas imediatos
com profissionais que j se encontravam em atuao e cursos especficos de ps-graduao.
Alm das iniciativas acadmicas, outras instituies passaram a preparar profissionais, como
o caso do Servio Social da Indstria (SESI), por meio de convnio com o Instituto Nacional do Desenvolvimento do Desporto (Indesp), que realizaram cursos especficos de atualizao em quase todos os
estados do Brasil.
importante tambm destacar o aumento no nmero de publicaes, monografias e teses que
tm como objeto de estudo a pessoa portadora de deficincia. Pode-se dizer que essa uma rea de
pesquisa em franco desenvolvimento, se considerados os poucos anos de existncia de disciplinas
especficas e estmulos no setor, um tempo ainda relativamente pequeno para expanso de uma rea
de conhecimentos muito complexa, que , para muitos, ainda desafiadora.
So realizados anualmente congressos e outros tipos de encontros especficos nos quais
estudantes e profissionais que desenvolvem pesquisas na rea trocam experincias, como o
caso dos congressos realizados pela Sociedade Brasileira de Atividade Motora Adaptada (Sobama),
fundada em 1994, que tem como objetivo o desenvolvimento de estudos da atividade motora
adaptada em todas as reas, e o Simpsio Paulista de Educao Fsica Adaptada, que desde 1986 tem
se realizado sistematicamente de dois em dois anos, no estado de So Paulo, promovido pela Escola
de Educao Fsica e o Centro de Prtica Esportiva da Universidade de So Paulo. Outros eventos
esportivos especficos, assimilando os diferentes nveis de seus participantes, so desenvolvidos
e patrocinados em diferentes pontos do Brasil, sejam especficos para portadores de deficincias
mental, fsica ou sensorial.
Uma questo a ser ressaltada o fato de que a cada dia maior o nmero de pessoas portadoras
de deficincia que frequentam tais eventos, isso sem contar com a ampla divulgao que os meios de
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
128
Esporte e deficincia
Texto complementar
Muito alm do esporte
(DAmaral, 2003)
Queremos ser potncia olmpica ou democratizar o esporte, us-lo como agente de incluso
e cidadania? Ainda vlido o exemplo do grande potencial olmpico demonstrado pelos pases da
ento Cortina de Ferro? A indstria do esporte agente de desenvolvimento social? Faz sentido os
atletas paraolmpicos trazerem mais medalhas que os olmpicos?
Minha experincia especfica, mas pode ajudar a pensar o Brasil decidindo qual das duas vias
priorizar no momento em que nossos recursos so escassos, e devem ser direcionados para construir
justia social e igualdade. Chefiei a delegao do Brasil nos Jogos Paraolmpicos de Atlanta. Criei e
1 Disponvel em: <www.planalto.gov.br/CCIVIL/decreto/1995/D1437.htm - 19k>. Acesso em: 28 fev. 2008.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Esporte e deficincia
| 129
dirijo o Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficincia, que busca um
novo enfoque na questo social das pessoas portadoras de deficincia.
Em Sydney, ganhamos trs medalhas de ouro e no ltimo ano recebemos quatro prmios
por nosso trabalho. Criamos o Centro de Esporte e Cidadania, ao lado do MAM, patrocinado pela
Petrobras, onde portadores de deficincia praticam esporte. Por isso mesmo adquiri o direito de no
ficar calada ao constatar que o esporte de portadores de deficincia vive uma completa excluso de
programas, patrocnios, divulgao, posturas, normas, regras, recursos etc. como se a excluso e o
preconceito que envolvem o portador de deficincia atingissem tambm tudo que lhe toca.
Me pergunto por que o esporte em geral tem tudo e o paraolmpico tem abandono e omisso.
Dou como exemplo Tenrio, que um atleta exemplar, ouro em Atlanta e Sydney em jud, a primeira
medalha de ouro do Brasil nos jogos de 2000. Ele promete trazer ouro do seu pan-americano, os
Jogos do Canad. Uma medalha sem anabolizantes, sem patrocnios milionrios. Tenrio cego.
Suas medalhas, seu treinamento, sua cidadania vivem da crena na nobreza de carter de um atleta.
So demonstraes indiscutveis da capacidade de resistir a uma poltica de excluso. A Lei Piva
patrocinou sua federao e sua viagem, mas no patrocina seu treinamento dirio, sua preparao
fsica, sua adequada nutrio, seu clube. Aurlio Miguel um dia me disse que Tenrio o melhor.
necessrio tornar conhecida de todos a realidade do que acontece no esporte paraolmpico
brasileiro, situao contra a qual o instituto luta faz alguns anos atravs de denncias ao TCU, ao
Ministrio Pblico Federal e ao Ministrio do Esporte. Venho agora tornar pblica parte dessas
preocupaes. A Lei Piva destina vultoso montante de recursos para o desenvolvimento do esporte,
determinando que sejam repassados 2% da arrecadao bruta dos concursos de prognsticos e
das loterias federais aos Comits Olmpico (85%) e Paraolmpico Brasileiros (15%).
O Comit Paraolmpico (Brasileiro) uma entidade de direito privado, no sem fins
lucrativos, no tem controle direto do Estado sobre seus atos, mas recebe garantidos R$800 mil
por ms desses repasses.
discutvel que para fomentar o esporte no pas seja necessrio enriquecer uma instituio
privada que no est submetida a regras explcitas de execuo oramentria. O TCU deve examinar
suas contas a posteriori, e desse modo no dirige nem acompanha sua execuo. O comit vive
no limbo da omisso: no est submetido a regras do uso de recursos pblicos nem como rgo
governamental nem como instituio filantrpica (ambos com cada vez mais rigorosas fiscalizaes).
A que regras de uso desses recursos essa rea do esporte se submete?
Certamente deveria haver algum rgo de controle direcionando e acompanhando o uso
dessas verbas pblicas. Quero acrescentar que a atual diretoria do comit foi eleita de forma irregular
em 2001 e que, em consequncia, todos os atos praticados por ela desde ento no tm validade.
No existe adequao desses gastos ao desenvolvimento do esporte paraolmpico. Vale perguntar:
que quantidade desses recursos chega na ponta, no clube que treina e no atleta que compete? Que
recursos chegam ao esporte de base, agente revelador de atletas e formador de cidadania? Sei que
os dois caminham juntos, em especial na rea de portadores de deficincia.
Uma adequada poltica para a rea incluiria as duas vertentes do trabalho, atravs do incentivo
ao esporte de base e do apoio ao esporte de ponta. Os portadores de deficincia que praticam
esporte no tm apoio, e os atletas paraolmpicos medalhados recebem apoio atravs de ajudas de
custo irregulares, que se tornam ridculas quando comparadas com os salrios e outros dispndios
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
130
Esporte e deficincia
dos funcionrios e dirigentes do comit. Na verdade, no h poltica de apoio aos atletas e clubes
que formam o esporte paraolmpico no Brasil. Exemplo concreto: no conseguimos viabilizar a ida
do Tenrio para participar de importantes lutas preparatrias na Europa em maio. Nem a federao
de esporte para cegos, ABDC, nem o comit, nem o ministrio, procurados, puderam assumir a
responsabilidade de arcar com as despesas de sua viagem. o IBDD, que no recebe recursos nem da
Lei Piva, nem do comit, nem do ministrio, quem apoia o Tenrio, da melhor forma que pode, desde
1998. O Comit Paraolmpico utiliza o que recebe da Lei Piva com imediatismo e falta de planejamento,
enfocando interesses pontuais e corporativos, sem priorizar aplicaes que desenvolvam o esporte
de base ou o esporte paraolmpico. Precisamos desses recursos para a realizao de um trabalho
que tenha responsabilidade social e pblica. Queremos um comit responsvel e democrtico, um
comit independente. Estou pensando em criar o Comit Paraolmpico do Brasil. O C. P. do B.
(DAmaral. T. C. Muito alm do esporte. O Globo, Rio de Janeiro. 7 ago. 2003.
Disponvel em: <www.ibdd.org.br/html/ibdd_cd_artigo_09.asp?nav=0>. Acesso em: 29 fev. 2008.)
Atividades
1.
2.
Por que a Segunda Guerra Mundial deu incio prtica de esporte por parte dos deficientes fsicos?
Esporte e deficincia
3.
| 131
Referncias
CARMO, A. A. do. Deficincia Fsica: a sociedade brasileira cria, recupera e discrimina. Braslia: Secretaria
dos Desportos, 1991.
DAmaral. T.C. Muito alm do esporte. O Globo, Rio de Janeiro. 7 de ago. de 2003.
Disponvel em: <www.ibdd.org.br/html/ibdd_cd_artigo_09.asp?nav=0>. Acesso em: 29 fev. 2008.
GUTTMAN,L. Textbook of Sport for the Disabled. Ayslesbury/England: HM & M Publisher, 1976.
CIDADE, R. E. A.; FREITAS, P. S. Introduo Educao Fsica e ao Desporto para Pessoas Portadoras
de Deficincia. Curitiba: Ed. UFPR, 2002.
HEDRICK B.; BYRNES D. & SHAVER L. Wheelchair Basketball. Washington: PVA, 1989.
POOL, G. M., TRICOT, A. Readness and International Medical Society of Paraplegia: the Sir Ludwing
Guttmman. Bethesda: Pubmed, 1985.
SOUZA, Cleide da Cmara. Concepo do Professor sobre o Aluno com Sequela de Paralisia Cerebral
e sua Incluso no Ensino Regular. Rio e Janeiro, 2005. Dissertao (Mestrado). UERJ.
SOUZA, P. A. de. A utilizao do esporte como meio de reabilitao e insero social. In: Simpsio
Nacional de Esporte para Portadores de Necessidades Especiais. Braslia, out. 1999.
SOUZA, Flavia Faissal. O Corpo Dana: con(tra)dies e possibilidades de sujeitos afticos. So Paulo,
2001. Dissertao (mestrado). Unicamp.
STROHKENDL, H. The 50th Anniversary of Wheelchair Basketball. New York: Munster, 1996.
VARELA, A. Desporto para as Pessoas com Deficincia. Expresso distinta do desporto. Educao
Especial e Reabilitao, 1, 5/6, 1991.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
132
Esporte e deficincia
Gabarito
1.
Atravs do esporte, o deficiente fsico pode atingir melhorias substanciais em sua sade fsica e
mental. Isso ocorre porque muito importante que o deficiente se sinta capaz de realizar tarefas
fsicas para que a sua reabilitao seja mais eficaz, pois, ao perceber que ainda capaz de praticar
exerccios, sua autoestima aumenta de forma tal que exerce uma enorme influncia nas condies
de sobrevida do indivduo.
2.
Apesar de j existirem registros anteriores Segunda Guerra sobre esportes entre deficientes
fsicos, vale lembrar que a guerra em questo deixou milhes de pessoas em todo o mundo com
diferentes tipos de leses permanentes, tornando-os, assim, deficiente fsicos. Com isso, alguns
mdicos como Ludwig Guttman e Benjamin Linpton comearam a estudar os efeitos do esporte
na reabilitao dos veteranos de guerra a fim de promover uma reintegrao social mais eficaz e
melhoria na qualidade de vida dessas pessoas.
3.
claro no texto complementar que, mesmo o Brasil sendo mais bem representado no quadro de
medalhas paraolmpico do que no olmpico, ainda existe muito preconceito com os deficientes
esportistas. O descaso da sociedade e dos comits ou Ministrio do Esporte s pode levar a uma
concluso: no importa o desempenho de um atleta deficiente, o preconceito que ainda circunda
essas pessoas no permite que elas sejam vistas como dignas de investimento e respeito no Brasil.
Acessibilidade digital
A noo de incluso pode ser entendida em sua relao com a qualidade de vida, com a autonomia
econmica e com oportunidades e direitos dos indivduos e grupos sociais.
Esses itens fazem parte de um processo que abrange todos os aspectos da vida social e uma
constante no percurso dos indivduos, pois cada pessoa, no transcurso de sua vida, ocupa diferentes
posies na sociedade. Por exemplo: uma pessoa pode estar includa em seu meio familiar, mas excluda
do mercado de trabalho; alguns anos depois pode estar fazendo uma carreira promissora e distante das
relaes familiares. Assim, em um sentido mais abrangente, incluso e excluso no esto em oposio,
mas so alternncias do mesmo processo.
De acordo com Dupas (apud Passerino; Montardo, 2000), a excluso social um fenmeno
multidimensional que extrapola a dimenso de pobreza (ainda que esta seja uma dimenso fundamental
na constituio do mesmo), e por esse motivo devem-se levar em conta tambm outras dimenses, como
educao, sade, lazer, religio, cultura, etnia, poltica, economia, entre outras. De qualquer modo, as
pessoas perseguem uma autonomia de renda que contemple suas necessidades vitais culturais e sociais
de modo a desenvolver plenamente seu potencial, perseguem a garantia de igualdades e direitos de
modo a atingir uma qualidade de vida que lhes parea satisfatria.
A noo de incluso digital, por sua vez, empregada em muitos contextos, porm raros autores
a mencionam em sua positividade. Em geral, fala-se sempre de excluso digital como falta de recursos
computacionais, de rede, da falta de acesso informao.
A incluso digital a possibilidade de acesso rede virtual por todas as pessoas, independente
de renda e incluso social, visando ao aprimoramento da educao, da aquisio de conhecimentos e
participao intelectual, tcnica e operacional no mundo contemporneo.
Mais do que simplesmente ter acesso a computadores em rede, preciso primeiro ter as informaes sobre esse novo meio e treinar a capacidade de oper-los com autonomia. Isso significa que
no basta ter acesso ao hardware, (computador) e ao software (programas) preciso participar de um
contexto social adequado, isto , deve-se manter uma ligao com os processos das comunidades que
empregam essa tecnologia. Num sentido mais amplo, promover a incluso implica focalizar as transformaes do grupo ou comunidade e no s a informao tecnolgica. Isso contradiz uma ideia de
senso comum segundo a qual a incluso ou a excluso digital significa simplesmente ter ou no ter
a informao digital e o acesso ao computador. Os projetos de incluso devem se voltar mais para as
possibilidades de interao social do que para a superao de excluso tcnica. Para Warschauer (2006)
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
134
Acessibilidade digital
(apud Passerino; Montardo, 2007), estar includo socialmente pressupe verificar o que significa
estar includo em cada poca, noo intrinsecamente ligada ao surgimento e alcance dos meios de
comunicao na sociedade: a capacidade de acessar, adaptar e criar novo conhecimento por meio do
uso das novas Tecnologias da Informao e Comunicao (TIC) decisiva para a incluso social na poca
atual (Warschauer, 2006, apud Passerino; Montardo, 2007).
Nesse sentido, apenas haver incluso se os recursos fsicos (computadores e conectividade); recursos digitais (material digital disponvel on-line em termos de contedo e linguagem); recursos humanos (letramento e educao para utilizao da informtica e da comunicao online); e recursos sociais
(estrutura comunitria, institucional e da sociedade que apoiam o acesso s TIC), forem igualmente
empregados para acessar, adaptar e criar conhecimento. Ento, poder haver a ampliao na utilizao
de recursos digitais. Desse modo, projetos de incluso que se valham das TIC devem estar abertos
inovao e flexibilidade para que sejam aplicados a realidades locais, satisfazendo assim necessidades
da economia, da sociedade, da informao em mudana acelerada.
A incluso via TIC est centrada em prticas sociais de grupos especficos e pode proporcionar no s
o uso da tecnologia, como tambm pode favorecer o aperfeioamento de outras tcnicas. Essa perspectiva
de incluso digital est relacionada com a noo de incluso social proposta anteriormente, pois prev ao
permanente e progressiva no interagir dos grupos ou comunidades, no se limitando instalao de mquinas ou programas. O que visa a renovao dos processos inclusivos a partir da autonomia dos usurios.
As TIC podem ajudar portadores de deficincia fsica a superarem problemas de mobilidade, limitaes fsicas ou discriminao social. Para Warschauer, o propsito real das TIC reestruturar as comunicaes e as
relaes humanas. (Warschauer, 2006, p. 279, apud Passerino; Montardo, 2007).
A TIC permite o desenvolvimento sociocognitivo das pessoas portadoras de deficincia e
esse item que a torna relevante. Se o uso do computador no ensino capaz de favorecer o processo
educacional, no caso dos portadores de deficincia, esse um recurso que favorece a sua vida, segundo
Schlunzen (2005, apud Pellanda et al., 2005), j que se trata de um meio de comunicao, de produo,
de construo, de diagnstico, entre outros, tambm para pessoas deficientes.
Alm disso, por meio da formalizao, da representao, da execuo de suas ideias, os alunos
podem encontrar e corrigir seus prprios erros com maior facilidade e, ao mesmo tempo, refletir
sobre o processo de construo do conhecimento. Com o computador, o aluno consegue realizar
tarefas de maneira independente, sem o auxlio de outras pessoas, superando ou minimizando as
barreiras com o mundo, sem que o seu comprometimento se evidencie (Schlunzen, 2005 apud
Pellanda et al., 2005).
As questes fsicas e arquitetnicas na construo das cidades, dos prdios, dos parques, dos
transportes, isto , barreiras arquitetnicas e de mobilidade especficas a cada local, tornam-se
preocupao primeira quando se pensa em incluso e excluso de deficientes. O mesmo se pode dizer
na questo da informtica e de acesso rede. Essa questo do acesso foi estudada a partir do final da
Segunda Guerra na Europa e nos Estados Unidos; entre as dcadas de 1940 e 1960, o termo acessibilidade
teve uma aplicao direta em questes fsicas e funcionais. No entanto, foi a partir dos anos 1980,
impulsionada pelo Ano Internacional das Pessoas Deficientes (1981), que a questo da acessibilidade e
eliminao de barreiras arquitetnicas ganhou destaque internacional e se transformou em meta para
todos os pases desenvolvidos e em vias de desenvolvimento (Passerino; Montardo, 2007).
Nesse mesmo perodo, surgiu o conceito de design universal com a concepo de um design
adaptvel s diversas necessidades da populao. Na dcada de 1990, com a popularizao da internet
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Acessibilidade digital
| 135
e de comunidades virtuais nos EUA, percebeu-se a necessidade de prover esse mesmo acesso universal
na web com a construo de ambientes virtuais acessveis. Consrcios mundiais surgiram e difundiram a
noo de acessibilidade digital no final dos anos 1990. A partir da a internet tornou-se mais expressiva
e estabeleceu padres e protocolos para os sistemas computacionais se tornarem acessveis.
A acessibilidade digital, portanto, resultou de dcadas de discusso dos ambientes fsicos e
funcionais das cidades e da popularizao desses ideais atravs de consrcios globais. Apesar de
todos esses debates e avanos, a acessibilidade fsica, funcional e digital ainda hoje difcil e existem
obstculos para portadores de deficincia, do mesmo modo que so obstculos educao, ao trabalho
e ao lazer. A preocupao atual dos defensores da acessibilidade universal garantir que os princpios
destacados sejam observados tambm no espao digital, isto , no da informtica e das comunicaes.
Uma rede virtual acessvel implica que ela esteja disponvel s pessoas, tanto no aspecto financeiro
quanto no formato, ou na mdia em que as informaes so divulgadas. A flexibilizao da apresentao
da informao em formas distintas, com correspondncias de contedos, deve ser considerada tanto
como uma questo de necessidade como de preferncia de alguns usurios.
Segundo Torres , Mazzoni e Alves (2002), informao divulgada de uma nica forma pode no
ser captada por todas as pessoas e essa forma pode se tornar inacessvel, seja devido s caractersticas
tcnicas dos equipamentos dos usurios (qualidade e custo das tecnologias utilizadas) ou s caractersticas
corporais das pessoas (por exemplo: deficincias sensoriais, problemas de coordenao motora etc.).
Para esses autores, a preferncia por uma ou outra forma se manifesta quando os usurios optam
por ter acesso informao atravs da mdia que mais lhes convm, ou mais lhes agrada, conforme seja
o seu estilo de aprendizagem.
Por exemplo, o virtual vision foi um programa criado com o intuito de ser utilizado por clientes
com deficincia visual, financiado por um banco. J em vrias verses, ele se espalhou entre as pessoas
cegas, pois atende s suas necessidades, permite o acesso internet, inclusive apresentaes de Power
point, porque faz a leitura em voz alta para o usurio. O programa no exige recursos de hardware muito
sofisticados para um sintetizador de voz amigvel, impressora e formatadora em braille, o que facilita o
compartilhamento de textos com terceiros.
Segundo Torres, Mazzoni e Alves (2002), no Brasil, assim como no mundo, no existem mecanismos
intergovernamentais que promovam a acessibilidade dos contedos disponibilizados via internet.
Alguns pases vm adotando polticas nesse sentido, particularmente no que diz respeito aos sites de
suas reparties pblicas. Foi assim que foram definidas algumas recomendaes para a construo
de pginas na web, aplicveis tambm a outros documentos disponibilizados no espao digital, que
podem ser resumidas por meio dos seguintes princpios:
::: assegurar uma transformao harmoniosa da informao que a apresente de vrias maneiras.
Por exemplo: o que for udio deve ter uma verso em texto; o que for imagem deve ser descrito.
Esse princpio se justifica tanto em funo de possveis limitaes dos usurios quanto da
existncia de tecnologias de qualidades distintas;
::: fazer o contedo compreensvel e navegvel em um estilo simples e que observe a estrutura
lgica do documento, em termos da compreenso dos seus diversos pontos de enlace. O
usurio pode ter dificuldades em compreender a informao, ou por causa do idioma ou por
causa da maneira como apresentada (Torres, Mazzoni; Alves, 2002).
Desse modo, segundo esses autores, importante lembrar que essas mesmas recomendaes
se aplicam aos textos e documentos de interesse pblico, que podem ser encontrados em bibliotecas
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
136
Acessibilidade digital
ou outros suportes digitais como CD-ROM, DVD etc. A no observncia dessas recomendaes pelos
autores dos materiais disponibilizados pode ser considerada discriminao. Os movimentos de pessoas
portadoras de deficincias nos pases em que o processo de informatizao est mais avanado lutam
pela acessibilidade digital do mesmo modo que lutam por igualdade de condies.
Segundo Passerino e Montardo (2007), a partir do final da dcada de 1990 comearam a surgir
no Brasil iniciativas de incluso digital, como o Programa Sociedade da Informao, por meio do
Decreto 3.298/99. Com o lanamento, por parte do governo, do Livro Verde, que contm alguns
resultados de pesquisas sobre o programa citado, foi possvel esboar um primeiro mapa de acesso
tanto aos computadores quanto internet no pas. Os autores tambm destacam a atuao do Comit
Gestor de Internet (CGI), que tem desenvolvido projetos de polticas sociais baseadas em pesquisas
feitas em parcerias com o IBGE e o Ibope, na tentativa de construir indicadores que possibilitem a
comparao entre o Brasil e outros pases quanto utilizao das TIC. No entanto, a simples quantificao
comparativa do nmero de computadores no significa acesso digital, porque no leva em conta os
programas disponveis no Brasil.
Ao apontar a pertinncia da utilizao de software livre nas polticas de incluso digital no Brasil,
Silveira (2002, apud Passerino; Montardo, 2007) refere-se incluso digital como a universalizao do acesso ao computador conectado Internet, bem como ao domnio da linguagem bsica para
manuse-lo com autonomia. O autor afirma ainda que a possibilidade de acesso e a abrangncia de um
projeto de incluso digital so determinadas por elementos e instrumentos disponibilizados, entre eles
os acessos: rede de computadores; aos contedos; caixa postal eletrnica e a modos de armazenamento de informaes; s linguagens bsicas e instrumentos para usar a rede; s tcnicas de produo
de contedo; construo de ferramentas e sistemas voltados s comunidades.
Esse autor identifica trs pontos distintos e complementares em relao s propostas de incluso
digital feitas no Brasil:
::: cidadania, baseada no direito de interagir e de se comunicar na web;
::: combate excluso digital, voltada profissionalizao e capacitao de camadas pauperizadas por meio de cursos que forneam noes bsicas de informtica;
::: educao, visando formao sociocultural dos jovens para uma insero autnoma na sociedade da informao (Silveira, 2002, apud Passerino; Montardo, 2007).
Os projetos que reivindicam a ampliao da cidadania vm ganhando fora nos ltimos anos e
trazem a novidade de no privilegiarem somente a profissionalizao como era feito anteriormente.
Como exposto acima, as TIC so tambm um importante fator de acesso informao e preparao
para o mercado de trabalho, favorecendo o dilogo no mbito da incluso digital.
Pode-se compreender a incluso digital, segundo Costa e Lemos (2005, apud Passerino;
Montardo, 2007), em quatro tipos de capital: o capital cultural ou a memria de uma sociedade; o
social, ou potncia poltica e identitria; o intelectual, ou competncia individual; e o tcnico, ou potncia
de ao e de comunicao, e categoriz-los em trs tipos de semnticas: tcnica, econmica e cognitiva.
Para esses autores, essa perspectiva parte do pressuposto de que o processo de incluso deve ser visto
sob os indicadores econmicos (ter condies financeiras de acesso s novas tecnologias), cognitivos
(estar dotado de uma viso crtica e de capacidade independente de uso e de apropriaes dos novos
meios digitais) e tcnicos (possuir conhecimentos operacionais de programas e de acesso internet)
(Costa, Lemos, 2005, apud Passerino; Montardo, 2007).
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Acessibilidade digital
| 137
Sob a ptica da incluso digital das pessoas portadoras de deficincia, percebe-se que os trs
indicadores apontados devem ser levados em conta. No entanto, as semnticas cognitivas e tcnicas so
as que merecem maior ateno na medida em que a ausncia de indicadores quanto acessibilidade
digital em plano nacional ou internacional pode ser o indicativo de um desconhecimento quanto
utilizao das TIC pelas pessoas portadoras de deficincia e dos benefcios advindos dessa prtica.
O espao digital compreende todo o espectro das comunicaes, via televiso digital, computadores
e redes telemticas, e nele o direito informao, de uma forma acessvel, deve ser reivindicado e
praticado por todos. Se, como vimos, a acessibilidade no espao digital consiste em tornar disponvel ao
usurio, de forma autnoma, toda a informao que lhe for franquevel, independentemente de suas
caractersticas corporais, sem prejuzos quanto ao contedo da informao, uma das maneiras de obt-la combinando a apresentao da informao de formas mltiplas, quer por meio de uma simples
redundncia, de um sistema automtico de transcrio de mdias, quer atravs de ajudas tcnicas (sistemas
de leitura de tela, sistemas de reconhecimento da fala, simuladores de teclado etc.) que maximizam as
habilidades dos usurios que possuem limitaes fsicas. Existem nveis distintos de obstculos para a
acessibilidade digital. Romaach (2002, apud Torres, Mazzoni, Alves, 2002) faz uma analogia com os
obstculos criados por escadas no espao fsico e considera a existncia de trs degraus. Para se alcanar
acessibilidade, necessrio superar os obstculos correspondentes aos trs degraus:
::: Degrau 1 poder acionar os terminais de acesso informao: telefones, computadores,
caixas de autoatendimento bancrio, quiosques virtuais etc.
::: Degrau 2 poder interagir com os elementos da interface humano-mquina, tais como os
menus de seleo, botes lgicos, sistemas de validao etc.
::: Degrau 3 poder aceder aos contedos que so disponibilizados nos terminais, sejam informao financeira, ldica, geral, vdeos, imagens, udio etc.
Para Torres, Mazzoni e Alves (2002), a preocupao com a acessibilidade digital est presente
nas polticas pblicas de informatizao, em muitos pases que refletem a respeito de sociedade de
informao para todos e na introduo de ajudas tcnicas que contribuem para o acesso informao
e construo do conhecimento. Considera-se ajuda tcnica qualquer produto, instrumento, equipamento ou sistema utilizado por uma pessoa com limitaes de deficincia, fabricado especificamente
ou disponvel no mercado, e que previne, compensa, mitiga ou neutraliza a deficincia, incapacidade
ou autoimagem negativa da pessoa. Essa definio foi adotada pela Organizao Internacional de
Normalizao, em sua ISO 99991. Uma tecnologia qualquer tem sempre em potencial possibilidades
de novas utilizaes.
Esses autores ressaltam que at bem pouco tempo seria impensvel para uma pessoa surda usar,
sem intermedirios, um aparelho de telefone. Hoje, essa facilidade j est disponvel para os usurios de
telefones celulares de mensagem. Uma outra tecnologia que atende a distintas categorias de usurios
so os programas de reconhecimento da fala. Embora essa tecnologia esteja sendo aperfeioada, vrios
produtos j esto sendo comercializados. Entre os seus possveis usurios, esto pessoas com deficincia
de coordenao motora para digitar, pessoas com deficincia visual e qualquer pessoa que prefira ditar
em vez de digitar.
1 A Norma Internacional ISO 9999 define Tecnologia Assistiva, tambm chamada de ajudas tcnicas, como:
[...] qualquer produto, instrumento, estratgia, servio e prtica utilizado por pessoas com deficincia e
138
Acessibilidade digital
No caso dos surdos que dominam a tcnica da oralidade, eles podem utilizar esse produto do mesmo
modo que as pessoas que acreditam ser mais prtico ditar do que digitar, e podem tambm encontrar
nesse produto outra finalidade: utiliz-lo para exercitar e aperfeioar a sua oralidade. Na prtica cotidiana, a
pessoa com comprometimento no desempenho de tarefas est em primeiro plano e motiva pesquisas por
ajudas tcnicas adequadas. No entanto, ao se apresentar as inovaes em categorias, conforme Sanchez
Montoya (1999, apud Torres, Mazzoni, Alves, 2002), fica mais claro fazer a descrio da contribuio
feita por determinada tecnologia. a partir da descrio das categorias que se pode analisar quem se
beneficiar de tal ferramenta, pessoas com deficincia visual, com deficincia auditiva, com deficincia de
motricidade, as com deficincia cognitiva ou, at mesmo, as pessoas sem deficincia.
A presena da informtica, em sistemas utilizados por pessoas portadoras de deficincia, pode
ser, para fins de anlise, estabelecida em algumas categorias. A seguir, apresentada uma categorizao
das ajudas tcnicas informticas, segundo Mazzoni e Torres (2001).
No mbito da educao, encontram-se sistemas de ajuda para:
::: Trabalhar com o computador como dar instrues, compreender as aes executadas pela
mquina, obter e analisar as sadas, acessar os perifricos etc.
::: Aprender a respeito de ajudas tcnicas especficas de interesse prprio (como o uso de um
sistema que faz a leitura de telas), desenvolver a fala, aprender e desenvolver a lngua de sinais,
conhecer a lngua de sinais de outros povos, aprender lnguas e culturas de outros pases,
conhecimentos sobre braille, fixar condutas esperadas, exercitar determinadas habilidades etc.
::: Comunicar-se por meio do computador utilizar o computador como intermedirio
na conversa com outra pessoa, com ou sem deficincia, utilizando linguagens verbais ou
linguagens no verbais, como os pictogramas.
No mbito mais geral, podem ser relacionados:
::: Sistemas para mobilidade auxiliam no deslocamento da pessoa, seja em casa ou na rua,
permitindo deslocamentos com algum grau de autonomia, como sistemas para reconhecimento eletrnico de referenciais espaciais, sistemas para acionamento de semforos, dispositivos para anotaes e veculos adaptados s caractersticas dos usurios, sistemas para identificao de condues (nibus e trens) conforme a linha desejada.
::: Sistemas para controle do entorno facilidades tais como acender ou apagar as luzes, abrir
portas, acionar os aparelhos domsticos, fazer ligaes telefnicas para nmeros selecionados
etc.
Deve-se destacar que, se para algumas pessoas as ajudas tcnicas atuam como complemento,
permitindo que melhorem a forma como desempenham as atividades, para outras elas so imprescindveis,
tendo em vista que por meio delas conseguem se expressar. Para esse segundo grupo de pessoas,
a tecnologia que faz a intermediao de sua comunicao com o mundo, tanto nas situaes de
educao como nas demais interaes sociais.
De acordo com o site Acessibilidade Brasil (2006, apud PASSERINO; MONTARDO, 2007), acessibilidade
[...] representa para o nosso usurio no s o direito de acessar a rede de informaes, mas tambm o direito de eliminao de barreiras arquitetnicas, de disponibilidade de comunicao, de acesso fsico, de equipamentos e programas
adequados, de contedo e apresentao da informao em formatos alternativos.
Em funo dessa especificidade, a acessibilidade digital pode ser vista como conceitualmente
diferente da acessibilidade arquitetnica e urbanstica e considera-se a acessibilidade universal o
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Acessibilidade digital
| 139
construto terico que engloba todas as concepes relacionadas com a acessibilidade, incluindo a a
questo do governo eletrnico que representa uma nova forma de acesso aos processos pblicos e
polticos da cidadania que ainda se encontra em consolidao. Conforto e Santarosa (2002, p. 92-94,
apud TORRES; MAZZONI; ALVES, 2002) consideram a acessibilidade (a web)
[...] como sinnimo de aproximao, um meio de disponibilizar a cada indivduo interfaces que respeitem suas necessidades e preferncias [...]. Muitas vezes as discusses sobre acessibilidade ficam reduzidas s limitaes fsicas ou sensoriais dos sujeitos com necessidade especiais, mas esses aspectos podem trazer benefcios a um nmero bem maior
de usurios, permitindo que os conhecimentos disponibilizados na web possam estar acessveis a uma audincia muito
maior, sem, com isso, prejudicar suas caractersticas grficas ou funcionais.
importante destacar que a acessibilidade digital s pode ser proporcionada atravs de uma
combinao entre hardware e software que oferea, respectivamente, mecanismos fsicos para superar
barreiras de percepo e acesso a funes e informaes.
Por vezes, as noes de acessibilidade e usabilidade se confundem. Enquanto a usabilidade se
refere s expectativas e capacidade do usurio para entender e perceber as estratgias de utilizao
do software, a acessibilidade est voltada para as condies de uso, para o modo como o usurio se
apresenta frente s interfaces interativas, como acontece essa troca e, principalmente, como se d o
acesso do usurio s informaes disponveis.
Estar visvel, ou perceptvel, no fornece necessariamente a uma interface a propriedade de ser
acessvel. Por isso preciso considerar as necessidades especiais de cada sujeito, embora atender a
esse requisito no fornea acessibilidade interface. De acordo com Dias (2003, apud Passerino,
Montardo, 2007), a acessibilidade mede-se em termos de flexibilidade do produto para atender s
necessidades e preferncias do maior nmero de pessoas. Mas isso no suficiente, ele tambm deve
ser compatvel com tecnologias assistivas ao viabilizar sua prpria adaptabilidade de acordo com as
necessidades e demandas dos usurios, independente do grau, nvel ou intensidade das necessidades
deles, destaca Dias (2003, apud Passerino; Montardo, 2007).
Pode-se dizer que a incluso digital de pessoas portadoras de deficincia torna-se possvel por
meio do desenvolvimento de trs grandes reas:
::: Tecnologias assistivas acesso ao computador atravs de dispositivos de hardware e software.
::: Acesso ao software por meio do desenho universal o software acessvel concebido e
desenvolvido para o maior nmero possvel de pessoas, incluindo as pessoas portadoras de
deficincia.
::: Acesso internet (contedos e software para web) caracteriza-se pela flexibilidade da
informao e interao relativamente ao respectivo suporte de apresentao. Essa flexibilidade
permite compreenso e utilizao por pessoas portadoras de deficincia, bem como a utilizao
em diferentes ambientes e situaes e atravs de diversos equipamentos e navegadores.
Entende-se que a acessibilidade e incluso digital no dizem respeito apenas ao acesso rede
de informaes, mas tambm eliminao de barreiras de comunicao, equipamentos e software
adequados s diferentes necessidades especiais, bem como contedo e apresentao da informao em
formatos alternativos e contextualizados que atendam s demandas da comunidade na qual o sujeito
est inserido, ou seja, garantam mobilidade e usabilidade de recursos computacionais para pessoas
portadoras de deficincia. Assim, a questo da acessibilidade est intimamente relacionada com a
incluso, pois somente a partir de espaos acessveis que poderemos realmente incluir os indivduos
(Pasqualotti; Passerino, 2006).
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
140
Acessibilidade digital
Ao considerar a incluso digital como um processo para a incluso social, no estamos nos referindo meramente utilizao e manuseio de computadores e da internet pelas pessoas. Considera-se
que tal uso, embora necessrio, esgota-se em si mesmo quando no voltado a apoiar o desenvolvimento sociocognitivo do sujeito (Passerino, 2002; Santarosa, 2003) de forma a garantir a acessibilidade universal.
Por esse motivo, faz-se necessrio trabalhar na busca de solues efetivas para que pessoas
portadoras de deficincia, ou no, tenham amplo acesso s TIC, j que estas atuam como ferramentas de
incluso ao permitir que programas e aparelhos materiais estabeleam comunicao entre um sistema
informtico e seus usurios humanos abranjam os equipamentos de entrada e sada de dados (sntese
de voz, software de reconhecimento de voz, braille), auxlios alternativos de acesso (ponteiras de cabea,
de luz), teclados adaptados ou alternativos, chaves, acionadores, sistemas de comunicao alternativa e
aumentativa etc., que permitem s pessoas com necessidades especiais usarem o computador.
Para tanto, necessrio ainda a formulao de polticas pblicas de orientao, educao formal e
no formal, proficincia tecnolgica, de uso das tecnologias da informao e comunicao e das tecnologias
assistivas, pois esses recursos podem servir de suporte a inmeras atividades para todas as pessoas.
A popularizao do uso e das ferramentas de socializao on-line pode ser uma frente de ao
nesse sentido. Na medida em que se constata que a socializao fundamental no desenvolvimento
cultural para as pessoas portadoras de deficincia, percebe-se que as tecnologias da informao podem
ser utilizadas para esse fim.
Texto complementar
Acessibilidade ainda um sonho distante
(Souza, 2008)
Estudo das Naes Unidas com sites no mundo inteiro e em vrias categorias reprova 97%
dos exemplos, que no cumprem sequer os requisitos mnimos para pessoas com algum tipo de
deficincia. A acessibilidade fundamental por uma srie de fatores. Alm de permitir o acesso de
pessoas com algum tipo de deficincia aos inmeros recursos da internet, permite que possamos
acessar os sites atravs de dispositivos e navegadores alternativos.
Recentemente, a ONU encomendou um estudo da acessibilidade em nvel mundial. Os resultados revelaram uma situao catastrfica: a grande maioria dos sites avaliados no cumpre sequer
os requisitos mnimos.
Foram escolhidos 20 pases com um nvel considervel de desenvolvimento na infraestrutura
relacionada internet. Buscou-se tambm escolher de quase todos os continentes.
A partir da Conveno dos Direitos das Pessoas com Deficincia, definida em dezembro de
2006, foram escolhidos sites de cinco setores, considerados reas importantes na interao de pesEste material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
Acessibilidade digital
| 141
soas com a internet: viagens (companhias areas), finanas (bancos), mdia (jornais), poltica (sites
governamentais) e vendas (e-commerce).
Em cada um dos pases foi escolhido um exemplo por setor, num universo total de 100 sites.
Foi assim realizada uma avaliao de conformidade das pginas em relao ao documento que a
referncia em termos de acessibilidade, o Web Content Accessibility Guidelines (WCAG), atualmente
na verso 1.0.
O documento consiste em 65 pontos de verificao que so divididos em trs nveis de prioridade. Cumprir apenas os requisitos de Prioridade 1 designa um site como Single-A. Satisfazer aos
pontos de Prioridade 1 e 2 define um site como Double-A. Atender a todos os requisitos, nos trs
nveis de prioridade, significa Triple-A.
No estudo, foram considerados todos os pontos de verificao e se utilizou uma combinao
de avaliao manual com o uso de ferramentas de validao automtica.
Os resultados so realmente alarmantes. Dentre os sites pesquisados, 97% no cumprem
sequer requisitos bsicos de acessibilidade segundo o W3C, os pontos de verificao de Prioridade
1 do WCAG.
Entre os erros mais corriqueiros encontrados esto a falta de textos alternativos adequados,
informaes s acessveis atravs de Javascript e contraste insuficiente entre texto e fundo, entre
outros. Os resultados podem ser verificados no Sumrio Executivo do estudo.
Percebe-se atravs do estudo que muito ainda h a ser feito para se tornar a web um espao
verdadeiramente inclusivo. Contudo, temos a nosso favor o fato de que a internet a mdia com
maior capacidade de transformao. Cabe a ns promovermos a mudana de perspectiva em
direo a uma sociedade de informao para todos.
(SOUZA, E. R. de. Acessibilidade ainda um sonho distante. Disponvel em: www.multirio.rj.gov.br/portal/riomidia/
rm_materia_conteudo.asp?idioma=1&idMenu=5&label=Artigos&v_nome_area=Artigos&v_id_conteudo=68357. Acesso
em: 5 mar. 2008.)
Atividades
1.
A incluso digital serve apenas para possibilitar a entrada de pessoas que no tm acesso rede
e aos computadores a entrarem no mercado de trabalho com mais facilidade?
142
Acessibilidade digital
2.
Por que to importante que junto ao processo de incluso digital esteja entrelaado o acesso
Tecnologia de Informao?
3.
Com que frequncia se encontram sites que cumpram os requisitos mnimos para pessoas com
algum tipo de deficincia?
Acessibilidade digital
| 143
Referncia
ACESSIBILIDADE BRASIL. O que Acessibilidade. Disponvel em: <www.acessobrasil.org.br>. Acesso
em: 2 de ago. 2012.
ALVES, R. O que Religio? 4. ed. So Paulo: Loyola, 2002.
DIAS, C. Usabilidade na Web: criando portais mais acessveis. Rio de Janeiro: Alta Books, 2003.
DUPAS, G. Economia e Excluso Social: pobreza, emprego, Estado e o futuro do capitalismo. So Paulo:
Paz e Terra, 2000. In: PASSERINO, L. M.; MONTARDO, S. P. Incluso Social Via Acessibilidade Digital:
proposta de incluso digital para pessoas com necessidades especiais. Disponvel em: <http://boston.
braslink.com/compos.org.br/ecompos/adm/documentos/ecompos08_abril2007_passerino_montardo.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2012.
ISO 9999, NORMA INTERNACIONAL, de 1998. Disponvel em: <www.siva.it/ftp/en_iso_9999.zip>. Acesso
em: 20 ago. 2012.
MAZZONI; ALVES. A acessibilidade informao no espao digital. Cincia da Informao. Braslia,
v. 31, n. 3, set./dez. 2002. Disponvel em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010019652002000300009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 20 ago. 2012.
PASSERINO L. M.; MONTARDO, S. P. Incluso Social Via Acessibilidade Digital: proposta de incluso
digital para pessoas com necessidades especiais. Disponvel em: <http://boston.braslink.com/compos.
org.br/e-compos/adm/documentos/ecompos08_abril2007_passerino_montardo.pdf>. Acesso em: 20
ago. 2012.
PASSERINO, L. Pessoas com Autismo em Ambientes Digitais de Aprendizagem: estudo dos processos
de interao social e mediao. Tese (Doutorado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Programa
de Ps-Graduao em Informtica na Educao.
PASSERINO, L.; SANTAROSA L. M C. REDESPECIAL-BRASIL e Universidade Luterana do Brasil, um relato
de experincia. Anais. III Congresso Ibero-Americano de Informtica na Educao Especial 2002 (CIEE),
Fortaleza, 2002.
MAZZONI, Alberto A; TORRES, Elisabeth F. Tecnologia para Apoio Diversidade. 2001. Disponvel em:
<http://iee.inf.ufsc.br>. Acesso em: 20 ago. 2012.
ROMAACH, Javier. Sociedad de la informacin para todos. Disponvel em: <www.sidar.org/docus/sit.
doc.>. Acesso em: 20 ago. 2012. In: TORRES;
SANCHEZ, M. R. Ordenador y discapacidad. Madrid: EPE, 1999. In: TORRES; COSTA, L.; LEMOS, A. Um
Modelo de Incluso Digital: o caso da cidade de Salvador. In: Revista de Economa Poltica de las
Tecnologas de la Informacin y Comunicacin. v. 8, n. 6, sep./dic. 2005. Disponvel em: <www.eptic.
com.br>. Acesso em: 20 ago. 2012.
SANTAROSA, L. M. C. Acessibilidade Web: internet para todos. Revista de Informtica na Educao:
Teoria, Prtica PGIE/UFRGS, v. 5, n. 2, 2002. In: PASSERINO, L. M.; MONTARDO, S. P. Incluso Social
Via Acessibilidade Digital: proposta de incluso digital para pessoas com necessidades especiais. Disponvel em: <http://boston.braslink.com/compos.org.br/e-compos/adm/documentos/ecompos08_
abril2007_passerino_montardo.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2012.
144
Acessibilidade digital
SANTAROSA, L. Incluso Digital: espao possvel para pessoas com necessidade educacionais especiais.
In: Cadernos de Educao Especial, Campinas, n. 20, 2002.
SILVEIRA, S. A. Incluso Digital, Sofware livre e Globalizao Contrahegemnica. Disponvel em:
<www.softwarelivre.gov.br/softwarelivre/artigos/artigo02>. Acesso em: 20 ago. 2012.
SCHLUNZEN, E. T. M. A tecnologia como Incluso de Pessoas com Necessidades Especiais (PNE). In:
PELLANDA, N. et al. Incluso Digital: tecendo redes afetivas/cognitivas. Rio de Janeiro: DP&A, 2005, p.
195-210.
TORRES; MAZZONI. Contedos Digitais Multimdia: o foco na usabilidade e acessibilidade. Disponvel
em: <http://www.ibict.br/cionline/viewarticle.php?id=320&layout=HTML>. Acesso em: 20 ago. 2012.
TORRES; MAZZONI; ALVES. A Acessibilidade Informao no Espao Digital. Cincia da Informao. Braslia, v. 31,n. 3,set./dez.,2002. Disponvel em: <www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010019652002000300009&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 20 ago. 2012.
WARSCHAUER, Mark. Tecnologia e Incluso Social. A excluso digital em debate. So Paulo: Senac, 2006.
In: PASSERINO L. M.; MONTARDO, S. P. Incluso Social Via Acessibilidade Digital: proposta de incluso
digital para pessoas com necessidades especiais. Disponvel em: <http://boston.braslink.com/compos.
org.br/e-compos/adm/documentos/ecompos08_abril2007_passerino_montardo.pdf>. Acesso em: 20
ago. 2012.
Gabarito
1.
No, a incluso digital no s permite que pessoas com renda baixa aprendam a mexer em
computadores e na rede a fim de conseguir algum tipo de trabalho que exija isso, mas tambm
ajuda no acesso informao, educao e outras. No caso dos portadores de deficincia, isso vai
ainda mais longe: a incluso digital d a essas pessoas a oportunidade de socializar, entre tantas
outras coisas; porm, a socializao o mais importante fator para que o portador de deficincia
tenha uma qualidade de vida maior.
2.
Pois no adianta apenas dar computadores ou fornecer software para as pessoas que esto
participando desse processo, tem-se que ensinar como os software e hardware funcionam, pois s
assim as pessoas poderiam operar com autonomia computadores e rede. Sem que os indivduos
tivessem acesso tecnologia da informao, a incluso digital no funcionaria de forma correta,
pois eles no entenderiam de forma completa do que se trata esse assunto.
3.
muito raro encontrar algum site que faa isso. No texto complementar est claro que so
pouqussimos sites, em todos os pases, que cumprem esses requisitos. Tal constatao s
aponta mais uma vez o descaso com os portadores de deficincia tambm nessa esfera da
acessibilidade.
Acessibilidade no
mundo do trabalho
Existem no mundo 600 milhes de pessoas com deficincia, das quais 400 milhes vivem em pases
em desenvolvimento. No Brasil, segundo o IBGE, 14,5% da populao apresenta alguma deficincia.
De acordo com o Censo de 2000, dos 24 650 000 brasileiros com deficincia, 53% so pobres. Outros
clculos indicam que uma em cada cinco pessoas pobres apresenta deficincia (Bieler, 2008).
A maior proporo se encontra no Nordeste (16,8%) e a menor no Sudeste (13,1%). Dos 9 milhes
de portadores de deficincia que trabalham, 5,6 milhes so homens e 3,5 milhes mulheres. Mais da
metade (4,9 milhes) ganha at dois salrios mnimos (Presidncia da Repblica, 2007).
Algumas estimativas sugerem que entre 15 e 20% das pessoas pobres nos pases em vias de
desenvolvimento vivem em situao de deficincia: alimentar, de higiene, econmica etc. Alm de
serem particularmente vulnerveis excluso social, as pessoas com deficincias fsicas so em sua
maioria pobres, o que quer dizer que entre as pessoas pobres a presena de deficincias extremamente
alta. Estudos recentes revelam que cerca de 80% das deficincias tm causas associadas pobreza e s
baixas condies de vida.
Estima-se que 100 milhes de pessoas no mundo adquiriram uma deficincia devido desnutrio
(Gil, 2007). Esse levantamento aponta tambm para o fato de o nvel de deficincia aumentar por grupo
de idade, tornando-se mais frequente em pessoas acima de 65 anos.
Ora, vivemos um momento na histria da humanidade em que ocorre uma tendncia de
envelhecimento das populaes com a concomitante diminuio de habilidades funcionais conforme
o indivduo envelhece. Esses dados demonstram claramente a importncia que o tema da deficincia e
da acessibilidade ao mundo do trabalho adquire atualmente para todos os grupos sociais e no s para
os excludos onde a situao se agrava. No entanto, importante salientar mais uma vez, o impacto da
pobreza e da falta de oportunidades no mundo do trabalho para pessoas afetadas por deficincias.
Em meados da dcada de 1990, o movimento feminista levantou um argumento com profundas
implicaes para as polticas pblicas de incluso no mercado de trabalho e para pessoas portadoras de
deficincia: a experincia da deficincia uma experincia familiar com recorte de gnero. Ao mostrar
que a deficincia acompanhada de arranjos familiares voltados para o cuidado da pessoa deficiente,
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
146
evidenciaram que no so apenas as pessoas com algum tipo de restrio corporal que necessitam da
ateno dessas polticas. Como, devido diviso sexual do trabalho, os cuidadores so predominantemente mulheres, a deficincia, quando entendida como um fenmeno familiar, possui um vis de
gnero. So as mulheres, por exemplo, que se afastam do mercado de trabalho para cuidar das pessoas
com deficincia, de crianas pequenas, ou idosos. Nos casos dos homens idosos, este recorte inclui
uma sobreposio de gnero idade. Dado o padro tpico de arranjo familiar, so as mulheres idosas
que cuidam desses homens. Esse afastamento tem uma srie de implicaes para as mulheres, como a
ausncia de recolhimentos para o sistema previdencirio entre as mulheres em idade economicamente
ativa, e isso no pode passar esquecido pelas polticas sociais (Barton; Oliver, apud Medeiros e
Diniz, 1997).
A ateno incluso das pessoas deficientes no mercado de trabalho brasileiro teve um grande
impulso em 1989 com a Lei 8.213/91, que exige cota de 2 a 5% de pessoas com deficincia nas empresas
com mais de 100 funcionrios. As aes do grupo de fiscalizao da Secretaria de Inspeo do Trabalho
tm por objetivo garantir o cumprimento dessa lei. As empresas que desrespeitam a lei de cotas so
multadas em valores que variam de R$1.195,13 a R$119.512, 33 (Presidncia da Repblica, 2007).
A fiscalizao realizada nas empresas com 100 ou mais empregados e pode ser oriunda de
denncia do trabalhador ou do sindicato, mediante solicitao do Ministrio Pblico do Trabalho ou da
execuo do planejamento da chefia.
A partir de ento e nas ltimas dcadas, as empresas passaram a contratar pessoas com deficincia,
embora no todo o nmero de contratados ainda seja muito pequeno.
Estudos a respeito dos nmeros de contratados sugerem que a legislao vigente no
suficientemente clara. Ela pode desorientar em vez de orientar o empregador. Alm disso ela pode ser
usada como coero, ao invs de servir como sugesto educacional para a adequao das empresas s
pessoas portadoras de deficincia a serem contratadas. A manuteno no emprego no significa um
progresso na carreira e ao mesmo tempo os empresrios no recebem nenhum incentivo governamental
para qualificar profissionalmente os deficientes contratados, o que cria um crculo vicioso.
Cumpre-se a porcentagem exigida pela legislao, contrata-se pessoas deficientes que no so
encorajadas e nem tm grandes possibilidades de crescimento profissional.
A pesquisa Retratos da Deficincia no Brasil, recentemente publicada pela Fundao Getulio Vargas
em parceria com a Fundao Banco do Brasil, mostra que, num universo de 26 milhes de trabalhadores
formais ativos, 537 mil so pessoas com deficincia, representando apenas 2% do total (apud Ribas,
2008). Ribas salienta o fato de que apesar de essa pesquisa ter sido realizada em 2000, o nmero de
pessoas com deficincia formalmente empregadas no Brasil no aumentou substancialmente.
Para esse autor, essas dificuldades se devem falta de responsabilidade social e cidadania
empresarial. Grande parte das empresas, alm de contratar apenas por causa da obrigao legal, no
formula critrios de contratao, no planeja e no tem um verdadeiro comprometimento com esses
empregados.
Deve-se ressaltar o fato de que o nvel de escolaridade da maioria das pessoas com deficincia
no Brasil baixo, assim como precrio o grau de preparao para o mundo do trabalho. sabido que
as pessoas que concluem o Ensino Mdio e, mais ainda, o ensino universitrio tm mais facilidade de
colocao no mercado de trabalho. Na populao brasileira, no entanto, essas pessoas no so maioria.
Ao contrrio: estatsticas mostram a interrupo dos estudos na infncia e adolescncia para a maioria
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 147
da populao, o que torna muito mais difcil a obteno de um emprego formal. Nesse sentido, a falta
de qualificao pode ser vista como uma das principais razes pelas quais a obteno de uma colocao
no mundo do trabalho se torne ainda mais difcil para as pessoas portadoras de deficincia. Muitas
das vagas oferecidas no so preenchidas justamente porque os profissionais no esto aptos para o
exerccio das funes.
Deve-se, entretanto, considerar que a incluso de portadores de deficincia no mercado de
trabalho mostrou um pequeno aumento em 2007, provavelmente fruto das aes de fiscalizao
para o cumprimento da lei de cotas: 22 314 trabalhadores portadores de algum tipo de deficincia
conseguiram um emprego em 2007, 12% mais que em 2006. O Sistema Nacional de Emprego (Sine)
ofereceu 36 837 vagas em todo o Brasil para esses trabalhadores, mas apenas 20% foram preenchidas
em 2007 (Presidncia da Repblica, 2007).
A legislao e a Constituio garantem o direito ao trabalho para todos. A acessibilidade ao mercado
de trabalho exige a adoo do desenho universal em todas as cidades, pois estabelece requisitos que
devem ser seguidos nas edificaes, espaos internos e externos, mobilirio, equipamentos e rotinas de
trabalho das empresas, para que os trabalhadores com deficincia possam ser incorporados fora de
trabalho.
Nesse sentido, e por influncia dos movimentos sociais dos portadores de deficincia que tm
trabalhado com princpios como diversidade, incluso, equiparao de oportunidades, autonomia
pessoal e desenho universal, os estudos sobre acessibilidade podem contribuir para a implementao
das medidas sugeridas pelos estudos em relao ao desenvolvimento inclusivo.
Os estudiosos entendem por desenvolvimento inclusivo:
[...] a concepo e implementao de aes e polticas para o desenvolvimento socioeconmico e humano, que
procuram a liberdade, a igualdade de oportunidades e direitos para todas as pessoas, independentemente do status
social, gnero, idade, condio fsica ou mental, etnia, religio, opo sexual etc., em equilbrio com o seu meio
ambiente. (BIELER, 2006)
148
Para Bieler (2006), essa reivindicao ultrapassa a questo da incluso e do acesso universal como
tema de direitos humanos e princpio de igualdade, pois trata-se fundamentalmente de consider-los
como condies necessrias para o desenvolvimento socioeconmico sustentvel.
Para garantir a incluso no mercado de trabalho de pessoas portadoras de deficincia, preciso
antes de tudo permitir que tenham acesso ao desenvolvimento socioeconmico da comunidade. No
entanto, a maior parte dos programas atualmente no interagem nem trocam informaes, o que faz
com que servios sejam duplicados e recursos sejam mal utilizados. Geralmente contemplam as pessoas
que vivem em centros urbanos, excluindo, portanto, o restante que vive em reas distantes ou rurais
do pas. certo que a maior parte da populao brasileira atualmente vive nas cidades, mas isso no
justifica o esquecimento das populaes rurais.
Alm de ser um tema de Direitos Humanos, a incluso, a cidadania, a participao ativa de todas as pessoas nos
programas de desenvolvimento no apenas consequente e responsvel, tambm a opo mais efetiva em termos de
custos e, portanto, mais sustentvel. As polticas e estratgias orientadas para o desenvolvimento procuram a reduo
do custo social e econmico da deficincia atravs do investimento em capital humano, do aumento da capacidade
funcional destas pessoas e da reduo das barreiras que impedem o seu acesso aos servios e s oportunidades em
geral. A esse processo se deveria associar o amplo conceito de acessibilidade o que leva a uma efetiva incluso social.
(BIELER, 2006)
| 149
Equidade
Empoderamento
Produtividade
Sustentabilidade
Segurana
Cooperao
Observa-se nesse quadro que a noo de desenvolvimento inclusivo resgata a ideia de diversidade como ponto forte de desenvolvimento. Fala-se de diversidade social, cultural, tnica, poltica
religiosa, educacional, sexual, ambiental etc. e, portanto, pressupe-se uma diversidade que ultrapassa
o plano individual e incentiva aes relacionadas incluso de pessoas deficientes.
As relaes entre desenvolvimento e deficincia so muito estreitas e mutuamente interferentes,
embora no possam ser apreendidas pelos indicadores quantitativos comuns. Quanto mais limitado
ao fator econmico for o conceito de desenvolvimento, mais difcil ser atuar a favor da incluso de
pessoas com deficincia na sociedade e de uma sociedade inclusiva global ( Werneck, 2006).
Um outro aspecto que deve ser levado em conta na incluso das pessoas deficientes no
mercado de trabalho a transformao da gesto empresarial, que precisa atender diversidade
de seus funcionrios.
A incorporao da diversidade passa pela adoo de medidas de curto, mdio e longo prazo para
incentivar a transformao cultural nas organizaes empresariais, uma vez que o respeito diversidade
ter consequncias positivas para as pessoas com deficincia e tambm para as corporaes.
3 O ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) uma medida comparativa de riqueza, alfabetizao, educao, esperana de vida, natalidade
e outros fatores para os diversos pases do mundo. uma maneira padronizada de avaliao e medida do bem-estar de uma populao,
especialmente bem-estar infantil. O ndice foi desenvolvido em 1990 pelo economista paquistans Mahbub ul Haq, e vem sendo usado
desde 1993 pelo Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento em seu relatrio anual. Disponvel em: <http://pt.wikipedia.org/
wiki/%C3%8Dndice_de_Desenvolvimento_Humano>. Acesso em: 26 mar. 2008.
150
| 151
Texto complementar
A pessoa portadora de deficincia e o mercado de trabalho
(Mazzilli, 2008)
Nas ltimas dcadas, houve sensvel evoluo do tratamento jurdico dado s pessoas
portadoras de deficincia. A Constituio de 1988 trouxe normas protetivas e garantias de sua
integrao, como na acessibilidade a edifcios e transportes. E a Lei 7.853/89 disciplinou sua
proteo e integrao social. Quanto ao acesso ao mercado de trabalho, a Constituio vetou
qualquer forma de discriminao nos salrios e critrios de admisso do trabalhador portador
de deficincia, bem como exigiu que lhes fosse reservado percentual dos cargos e empregos
pblicos (arts. 7., XXXI, e 37, VIII). O Estatuto dos Funcionrios Pblicos Civis da Unio asseguroulhes o percentual de at 20% (art. 5., 2.). No estado de So Paulo, a Lei Complementar 683/92,
em seu artigo 1., imps o percentual de at 5%. Assim, os editais de concurso devem consignar a
reserva de cargos; no requerimento de inscrio, os candidatos devem indicar a natureza e o grau
da incapacidade, bem como as condies especiais necessrias para que participem das provas.
Eles concorrero em igualdade de condies com os demais, no que diz respeito ao contedo e
avaliao das provas. Aps o julgamento das provas, haver duas listas: a geral, com a relao
de todos os candidatos aprovados, e a especial, com a relao dos portadores de deficincia
aprovados. Em outras palavras, a reserva de percentual no afasta a necessidade de aprovao no
concurso (ROMS 10.481-DF, STJ; ARMI 153-DF, STF), devendo ser compatveis com a deficincia as
atribuies a serem desempenhadas (ROMS 2.480-DF, STJ).
Mas ainda h indevidas resistncias. Um acrdo do STF afirmou inexistir discriminao
quando se eliminou do concurso um candidato com cegueira bilateral, porque isso geraria
impossibilidade de desempenho pleno da funo de juiz federal (RE 100.001-DF, j. 29/03/1984).
O acrdo por certo no seria proferido se os juzes tivessem considerado que muito diferente
a situao de quem conseguiu tornar-se habilitado para exercer os ofcios do direito j quando
portador da deficincia, e a daquele que, tendo viso normal, supervenientemente, se torna cego
152
bilateral. Enquanto este ltimo ser aposentado por invalidez, j o primeiro fez seu curso jurdico
iluminado apenas pela luz interna de sua fora e sua vontade, que, no raro, bastante para ver
muito alm dos limites estreitos de quem no lhe reconhece aptido para levar vida operosa e
produtiva na sociedade.
Conheo Promotor de Justia, no Estado de So Paulo, que, por falta de ambos os membros
superiores, longe de invlido, exerce com zelo as atribuies de seu cargo; conheo Procurador
do Trabalho com cegueira bilateral, que, apesar de discriminado em anterior concurso de
ingresso Magistratura, no s entrou no Ministrio Pblico sem dever favor algum aos demais
candidatos, como ainda, merc de sua maturidade e cultura jurdica invulgares, tornou-se lder
entre seus prprios colegas de viso normal Como ele exerce suas funes se no enxerga?
Da mesma maneira que um juiz, que tem dois olhos sadios, que, para ler e entender algo em
lngua estrangeira, deve valer-se de um intrprete, tradutor ou ledor ou seja, um intermedirio,
compromissado e autorizado a tanto.
J na iniciativa privada, coube Lei 8.213/91, que cuida do sistema da previdncia social,
assegurar em favor dos beneficirios reabilitados, ou das pessoas portadoras de deficincia, desde
que habilitadas, de 2 a 5% das vagas para trabalho em empresas com mais de 100 empregados.
O Decreto 3.298/99 estabelece as propores: a) 2%, para empresas de 100 a 200 empregados;
b) 3%, de 201 a 500; c) 4%, de 501 a 1 000; d) 5%, para as que excedam 1 000. Grandes empresas
alegam que, se tiverem que contratar 5% de trabalhadores deficientes, teriam de demitir igual
nmero de no deficientes Mas o argumento irreal, pois que, na rotatividade normal dos
empregos, basta ir cumprindo a lei gradualmente, que em pouco tempo o problema estar
resolvido, sem que se ponha algum na rua. Outros alegam que no h condies de transporte
ou acesso adaptado para receb-los Mas o que est tardando so essas adaptaes! De todos,
o mais indigno o argumento de que se deveria criar uma contribuio de cidadania, para as
empresas que, no querendo manter o percentual, pagassem um valor a um fundo, o que as
dispensaria de contratar pessoas portadoras de deficincia Ou seja, pagariam uma taxa para
poder discriminar!
preciso deixar claro que no se trata de um ato de caridade que o Estado ou as pessoas
devem em relao a alguns dos membros da sociedade. Ao contrrio. A pessoa portadora de
deficincia qualquer que seja ela: motora, sensorial, intelectual essa pessoa inteira, no que
diz respeito dignidade e direitos. No que diz respeito ao papel do Ministrio Pblico, tem ele
diversos instrumentos para assegurar o cumprimento das leis de proteo pessoa portadora de
deficincia: a) o inqurito civil, para investigar leso a direitos individuais ou coletivos relacionados
com a proteo da pessoa portadora de deficincia (Constituio, art. 129, III; Leis 7.347/85, 7.853/89
e 8.625/93; Lei Complementar 75/93); b) compromisso de ajustamento de conduta (Lei 7.347/85, art.
5., 6.); c) audincias pblicas e expedio de recomendaes aos Poderes Pblicos e aos servios
de relevncia pblica, para que observem os direitos constitucionais (Constituio, art. 129, II, e Lei
8.625/93); d) ao civil pblica, para defesa de interesses transindividuais (Constituio, art. 129, III, e
Leis 7.347/85, 7.853/89 e 8.625/93, e Lei Complementar 75/93); c) ao penal pblica (Constituio,
art. 129, I; Lei 7.853/89, art. 8.).
Atividades
1.
2.
| 153
154
3.
Referncias
MAZZILLI H. N. A Pessoa Portadora de Deficincia e o Mercado de Trabalho. Disponvel em: <www.
entreamigos.com.br/textos/direitos/apessoa.htm>. Acesso em 20 ago. 2012.
PRESIDNCIA DA REPBLICA, Ministrio do Trabalho e Emprego (MTE), Fome Zero, 2006. Disponvel
em: <www.fomezero.gov.br/noticias/portadores-de-deficiencia-tem-mais-vagas-no-mercado-de-trabalho>. Acesso em: 20 ago. 2012.
RIBAS, J . Incluso de Pessoas com Deficincia no Mundo do Trabalho: situao e perspectivas. O
acesso das pessoas com deficincia ao emprego formal. Disponvel em: <http://www.prattein.com.br/
prattein/texto.asp?id=141>. Acesso em: 20 ago. 2012.
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Capacitando Deficientes para o Mercado de
Trabalho no Brasil atravs da Integrao de Estratgias de Ensino e Ferramentas de Acessibilidade.
2003. Disponvel em: <www.niee.ufrgs.br/ciiee2003/COMUNICACIONES/BLOQUE%204/Capacitando%20
deficientes%20para%20o%20mercado%20de%20trabalho%20no%20Brasil.pdf>. Acesso em: 20 ago.
2012.
Este material parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informaes www.iesde.com.br
| 155
Gabarito
1.
2.
Alm de ser um tema de Direitos Humanos, a incluso, a cidadania, a participao ativa de todas as
pessoas nos programas de desenvolvimento no apenas consequente e responsvel, tambm
a opo mais efetiva em termos de custos e, portanto, mais sustentvel. As polticas e estratgias
orientadas para o desenvolvimento procuram a reduo do custo social e econmico da deficincia
atravs do investimento em capital humano, do aumento da capacidade funcional dessas pessoas
e da reduo das barreiras que impedem o seu acesso aos servios e s oportunidades em geral.
A esse processo deveria associar-se o amplo conceito de acessibilidade o que leva a uma efetiva
incluso social.
3.
Sociologia da
Acessibilidade
Sociologia da Acessibilidade
Sociologia da
Acessibilidade