Resumo de "Um Discurso Sobre As Ciências"

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O texto trata, primeiramente, do momento de transio das cincias no fim do

sculo XX, apontando que as grandes transformaes dos meados desse sculo
so drsticas de tal modo que atribuem ao progresso dos sculos XVI ao XIX um
carter de pr-histria cientfica.
Por outro meandro, possvel constatar que o mapeamento terico que
permitiu tal avano tem origem no sculo XVIII, envolvendo cientistas como Adam
Smith, David Ricardo, Karl Marx, Max Weber, Albert Einstein e Charles Darwin, de tal
modo que a vida cientfica do sculo XX no possui independncia e pode terminar
antes mesmo de comear, assim como o sculo XXI, em virtude de uma possvel
catstrofe ecolgica ou um desastre nuclear.
A instabilidade e a ambiguidade do tempo presente e de sua respectiva
representao visual faz com que o mnimo de transformao provoque uma ruptura
de proporo mais ampla, corroborando com a teoria sinergtica de Hermann
Haken. Tal efemeridade faz surgir novamente a necessidade de voltar aos
questionamentos mais bsicos, infantis, como Rousseau, ao questionar o efeito do
progresso das cincias e das artes em nossos costumes.
A inacessibilidade do conhecimento cientfico em relao sociedade faz com
que o ilustre pensador francs chegue concluso de que o efeito ser negativo ou
indiferente. Volta-se ento ao sculo XVIII, na efervescncia da aplicao da cincia
moderna que ainda, no fim do sculo XX, gera produtos a partir de suas
transformaes, mas, concomitantemente, h a sensao geral de desconfiana
epistemolgica, de temor em relao ao conhecimento pelo qual estamos
circundados.
Destarte, volta a urge de responder aos mais elementares questionamentos,
assim como Rousseau h dois sculos. Tais questionamentos envolvem o lugar do
conhecimento comum, a relao entre cincia e virtude, a contribuio prtica da
cincia para a nossa felicidade, entre outros, mas, embora as perguntas sejam as
mesmas, o contexto novo e o espao-tempo em que se questiona e que
questionado possui papel determinante na elaborao das respostas.
A incerteza sinal do iminente fim de um ciclo cientfico. Cria-se a
necessidade de analisar o paradigma atual, a sua crise e a nova ordem cientfica
emergente, balizando o estudo em algumas hipteses: a cada vez menor distino
entre cincias naturais e cincias sociais, o papel das cincias sociais como
catalisador dessa aproximao, a rejeio do positivismo e do mecanicismo nos

estudos humansticos, a ressalva de que a pretenso no unificar ou generalizar


as cincias e o fim da hierarquia entre conhecimento cientfico e conhecimento
comum.
O paradigma atual advindo da ideia de hegemonia das cincias naturais,
estendendo, atravs do sculo XIX, seu modelo racionalista s cincias sociais,
criando um modelo geral de racionalizao cientfica, mesmo com a intromisso do
senso comum e dos estudos humansticos envolvendo histria, literatura, filosofia,
etc.
Tal modelo global e totalitrio, segregando as reas que no se pautam
metodologicamente e epistemologicamente em seu sistema. Sua base substancial
pode ser encontrada nas leis de Kepler, Galileu e Newton; na teoria heliocntrica de
Coprnico e na concepo filosfica mecanicista de Descartes e Bacon, que criaram
o arcabouo terico de uma forma de conhecimento verdadeira e unvoca (para os
seus protagonistas).
Os traos do novo paradigma cientfico referido no apenas frutos de uma
observao melhor dos fatos e do mundo em relao ao medievo ou ao perodo
clssico, mas esto atrelados a outros dois aspectos fundamentais: a distino entre
conhecimento cientfico e senso comum e a diferenciao entre natureza e pessoa
humana.
A experincia imediata aristotlica posta em prova, o conhecimento vulgar
passa a ser considerado ilusrio e no mais evidncia de falseabilidade, a
exemplo da hiptese de movimento rotacional e translacional da Terra, apontada por
Galileu, que no pode ser refutada atravs da falta de observao dos efeitos
mecnicos destes movimentos.
viso da poca, a natureza passiva, eterna e reversvel, o Homem pode
desmont-la em partes para observar suas leis de funcionamento, poder que lhe
capacita a domin-la e controla-la. Porm, observaes feitas posteriormente
acabam por visualizar as contradies da prioridade da metafsica como estrutura
basilar da cincia para Descartes ou da impreciso da metodologia utilizada por
Galileu, em virtude da falta de recursos para clculos mais precisos.
O rigor cientfico possui ponto de partida na matemtica, que consistia no
instrumento de investigao mais preciso e rigoroso da cincia moderna, inclusive
balizando as vises de mundo atravs da quantificao, tornando cientfico o que
pode ser medido e segregando as qualidades intrnsecas dos objetos.

A anlise quantitativa tambm visava a uma simplificao de fenmenos


complexos e pouco inteligveis, dividindo, classificando e sistematizando o
conhecimento. A diviso primordial entre condies iniciais e leis da natureza,
descrita por Eugene Wigner como arbitrria e no natural.
Os pressupostos metodolgicos e epistemolgicos j descritos justificam o
teor terico do conhecimento cientfico, atravs da descoberta de leis que
descrevem o comportamento da natureza, leis que, por sua vez, so absolutas,
independendo das condies iniciais, ou seja, do tempo e da posio, princpio
este, que, segundo Wigner, concentra a importncia da inexorabilidade na fsica
clssica.
As leis so enquadradas ento em um dos quatro tipos de causa apontados
por Aristteles: causa material, causa formal, causa eficiente e causa final. Pela
prioridade em desvendar como funcionam as coisas, ao invs de qual o agente ou
qual o fim, as leis cientficas so um tipo de causa formal, rompendo, assim, com o
senso comum, que inter-relaciona causa e inteno.
A descrio do mundo atravs de leis condiz com o mecanicismo e o
racionalismo cartesianos e com a mecnica newtoniana, ao afirmar como
pressuposto a ordem e a estabilidade, a repetio do passado no futuro, ideias que
servem tambm de pilar para a construo da intelectualidade burguesa a partir do
sculo XVIII.
No determinismo mecanicista, a prioridade, como dito anteriormente, o
domnio e o controle, ou seja, a compreenso real e profunda perde relevncia,
horizonte cognitivo este que ganhou espao tambm nas cincias sociais, a exemplo
do estado positivo de Comte e da solidariedade orgnica de Durkheim.
Surge ento a esperana de, assim como Newton reduziu a complexidade da
ordem csmica em leis, aplicar tal modelo hegemnico para o estudo da sociedade,
tentativa feita por Montesquieu, Bacon e Vico. O primeiro estabelece relao entre
as leis do sistema jurdico e as leis da natureza, o segundo afirma a plasticidade da
natureza humana, enquanto o terceiro estudou a previsibilidade da ao coletiva
social.
A conscincia filosfica da cincia moderna ganha ainda mais consistncia a
partir dos estudos de Auguste Comte, que classifica as formas de conhecimento
cientfico em duas: as cincias que utilizariam a lgica e a matemtica e as cincias
empricas, que utilizam o sistema mecanicista.

O mecanicismo, por sua vez, dividiu-se em duas vertentes: a primeira seguia


ortodoxamente os princpios metodolgicos e epistemolgicos das cincias da
natureza do sculo XVI e a segunda reivindicava uma independncia de
pressupostos para as cincias sociais, com base na excentricidade de seu objeto de
estudo. A primeira est ligada diretamente ao positivismo, enquanto a segunda, que
se divide em um vis moderado (como na obra de Max Weber) e em outro
extremista (como na obra de Peter Winch), assume uma posio libertria.
Cabe fazer a ressalva que, embora a segunda vertente j represente um
indcio de falncia do modelo hegemnico da cincia moderna, os dois vieses so
insuficientes para um estudo profundo atravs das cincias sociais. Pode-se ento
apontar

algumas

caractersticas

da

crise

do

paradigma

dominante:

sua

irreversibilidade; seu comeo atravs de Einstein e a mecnica quntica, mas a


impossibilidade de apontar seu fim e a possibilidade de to-somente especular a
respeito do novo paradigma emergente.
Uma das principais condies tericas da crise do paradigma hegemnico a
identificao de limites do cognoscvel que a prpria cincia moderna nos permitiu
encontrar atravs de seus estudos, a comear por Einstein e seu trabalho a respeito
da

relatividade

da

simultaneidade,

que

distingue

simultaneidade

dos

acontecimentos presentes em um lugar e a dos acontecimentos presentes em outro


separado por distncias astronmicas.
Tal medio s seria posio atravs do conhecimento da velocidade da luz,
que por sua vez depende do conhecimento das simultaneidades, o que leva o
alemo a concluir que no possvel verificar tal simultaneidade, mas apenas definila, invalidando assim o tempo e o espao absolutos de Newton.
A caracterstica local das medies passa a ser o pressuposto da segunda
condio terica da quebra do paradigma hegemnico: a mecnica quntica, que
revoluciona a microfsica. Heisenberg e Bohr apontam a impossibilidade da medio
precisa de um objeto, representada, principalmente, pelo princpio da incerteza. O
conhecimento do real passaria a ser to-somente o que introduzimos nele.
O rigor da matemtica tambm atingido atravs dessas novas descobertas,
sendo o teorema da incompletude e o estudo da impossibilidade de encontrar a
origem formal de um sistema dentro dele mesmo, ambos capitaneados por Gdel, o
terceiro elemento das condies tericas apontadas anteriormente. A investigao
matemtica passa a carecer de fundamento inviolvel.

A quarta condio representada pelos avanos recentes da microfsica, da


biologia e da qumica, a exemplo das investigaes de Ilya Prigigone e a nova
concepo de matria e natureza, alm dos estudos da auto-organizao de
Jantsch, da sinergtica de Haken, na teoria da origem da vida de Eigen, no conceito
de autopoiesis de Maturana e Varela, entre outros.
Tais descobertas provocam reflexes no mbito cientfico, que passam a
problematizar a cincia atravs da filosofia, alm de abordarem questes de ordem
metodolgica e epistemolgica como os contextos social e cultural, que antes eram
deixadas aos socilogos.
Os conceitos de lei e causalidade passam a ser questionados. Karl Popper
divulga o princpio da falseabilidade, que apresenta o carter probabilstico das leis e
surge a concepo de que o modelo anterior estuda o universo atravs de mtodos
arbitrrios e simplistas, que impedem o conhecimento real e profundo dos
fenmenos.
David Hume e o positivismo lgico so as principais fontes de questionamento
da causalidade, iniciando a reflexo causal e metodolgica do tema. A utilizao da
causalidade se aplica apenas a uma cincia que tem preocupaes to-somente
pragmticas, que visa a interveno no real, sendo, destarte, fonte limitada de
conhecimento.
O carter minimalista do conhecimento cientfico em relao s outras formas
de conhecimento visto como uma forma de enrijecer as relaes com a natureza,
de exercer um domnio que degrada os fenmenos. O rigor inversamente
proporcional riqueza, a relao hierarquizada entre sujeito e objeto torna-os
incomunicveis.
O teorema de Brillouin postula a impossibilidade de efetuar um experimento
com rendimento unitrio, o que tambm afeta o carter positivo e inexorvel da
cincia moderna. A industrializao da cincia mitiga a sua capacidade de
autorregulao, os interesses econmicos passam a controlar a atividade cientfica,
a exemplo da aplicao das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki.
A partir de tais condies, um novo paradigma ganha a possibilidade de
emergir nesse momento de transio cientfica, com diversas tentativas de
caracteriz-lo, a exemplo das obras de Capra, Wigner, Prigogine, Habermas e
Daniel Bell.

possvel especular ento algumas caractersticas pujantes do novo


paradigma:

todo

conhecimento

cientfico-natural

cientfico-social,

todo

conhecimento local e total, todo o conhecimento autoconhecimento e todo


conhecimento cientfico visa constituir-se em senso comum.
A primeira caracterstica diz respeito impossibilidade de manter a
segregao entre as cincias sociais e as cincias naturais, a interpenetrao das
duas reas cada vez mais visvel, a exemplo das j citadas teoria das estruturas
dissipativas de Prigogine e teoria cinergtica de Haken.
necessrio transcender a dicotomia entre sujeito e objeto, entre vrias
outras, a exemplo da natureza/cultura, natural/artificial e observador/observado
reconhecendo a impossibilidade de previso e mecanizao de todo e qualquer
fenmeno da natureza, alguns autores chegam a falar em inconscincia coletiva e
conscincia na natureza ao tratar do tema.
O que advm dessa superao ainda alvo de discordncia. O parmetro de
ordem pode ser um novo naturalismo, a sociobiologia e, inclusive, uma separao
feita sob a gide das prprias cincias naturais. Por outro diapaso, teorias como o
telemorfismo, auto-organizao, autopoiesis e potencialidade organizada atribuem
natureza elementos do comportamento humano.
A concepo humanstica ressurge neste contexto, sendo tambm um dos
elementos da fuso entre cincias naturais e cincias humanas, a cincia psmoderna passa a ter um carter essencialmente analgico, textualmente,
dramaticamente, biograficamente etc. O mundo no seria natural ou social, mas
ambos.
A segunda caracterstica diz respeito ao rompimento com a especializao,
caracterstica inexorvel da cincia moderna. A setorizao da cincia atual
transforma o cientista em um ignorante especializado, o que prejudicial,
sobretudo, aplicao das cincias, seja no setor mdico, jurdico, de tecnologia,
entre outros.
Para afastar os males dessa parcelizao do conhecimento, preciso ir alm
do paradigma atual, que impossibilita outros meios. O paradigma emergente
transforma o conhecimento em total, adquirindo horizontalidade, alm de ser local,
ou seja, projeto em um contexto especfico, uma fragmentao temtica, no
disciplinar.

A cincia do paradigma emergente tambm tem um carter tradutor,


analgico, que v como saudvel o intercmbio informacional das diversas formas
de conhecimento, assumindo tambm sua posio como conhecimento sobre as
condies de possibilidade, o que, fatalmente, leva a uma pluralidade metodolgica,
ao contrrio do paradigma atual.
A terceira caracterstica diz respeito a um retorno da condio humana de
sujeito emprico, o que, com a dicotomia sujeito/objeto, era impraticvel. A excluso
propiciada na cincia moderna era moldada de maneiras diferentes para reas
diferentes, a exemplo da antropologia onde o sujeito observador europeu permitia a
sua aproximao do objeto para um melhor estudo, ao contrrio da sociologia, que
exigia um distanciamento axiolgico.
No contexto das cincias naturais, tal regresso vem acontecendo desde a
mecnica quntica e aprofundada pela microfsica, astrofsica e biologia. Outro
sujeito que pode estar ganhando relevncia novamente Deus, atravs de estudos
como o de Bateson, a respeito da mente imanente, da mente mais ampla e da
mente coletiva.
O objeto passa a ser visto como uma continuao do sujeito, portanto, todo
conhecimento auto-conhecimento, os pressupostos metafsicos e o senso comum
em geral so assumidos como parte integrante da cincia, a explicao do real, to
naturalizada pela cincia moderna, pode ganhar, destarte, novos contornos.
A quarta caracterstica da quebra do paradigma dominante trata do retorno ao
dilogo com o cidado comum, segregado da cincia moderna. O conhecimento
vulgar e prtico passa a ter relevncia novamente e, atravs de sua dimenso
libertadora, pode ser penetrado pelo conhecimento cientfico tambm.
O carter transparente, evidente, superficial, imetdico e indisciplinar do
senso comum fruto de seu pragmatismo, de sua falta de inteno de provocar
rupturas com o real e, apesar do seu carter conservador, possvel integr-lo
cincia ps-moderna, j que esta pretende tornar acessvel o seu conhecimento, ou
seja, traduzir-se em auto-conhecimento e sensocomunizar-se, assumindo a
insegurana, mas a mantendo sob controle.

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