Maria Jose Justino
Maria Jose Justino
Maria Jose Justino
Abstract
This article aims to analyze the sculptural work of Maria Martins, by condensing her poetic in
one particular work: The "Impossible". Permeable to the poetic of Breton, Marcel Duchamp
and Max Ernst as well as to the unwrought forms present in Brazilian mythology, and
accustomed to the philosophy of Nietzsche, we discover in Maria Martins the emergence of a
singular language. It is our intention to show how her diving in all these waters did not stop
her from becoming "matre" (master) of her intentions, and from the audacious adventure in
the experience of art and freedom through sculpture resulted her own poetic.
Key words: Maria Martins, Brazilian Sculpture, Surrealism.
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interessada na filosofia e nas artes. Cahiers DArt era a grande publicao de arte do
momento. Um artigo nele era uma consagrao. Lipchitz j havia recebido outros
ensaios nessa mesma revista (1926 e 1929). Creio que a empatia dela pelo escultor
foi bastante profunda, pois, mais tarde, quando o artista se refugia em Nova York,
Maria o procura para tomar aulas. Ela recebe do escultor francs o rigor do cubismo,
mas igualmente a tcnica libertria do surrealismo (automatismo psquico), entradas
que lhe permitem expandir seu imaginrio, liberar a imaginao, provando a artista
que pode haver compatibilidade entre o pensamento automtico e o pensamento
formal da escultura (REINEHR: 86), entre expresso e sntese.
Acredito que todos esses escultores deram a Maria a tcnica e a entrada na
modernidade, mas a alma da artista esteve permevel muito mais pelas poticas de
Breton, Duchamp e Max Ernst. E pela inquietao de Nietzsche. Mergulhar em todas
essas guas no a impediu de tornar-se matre de suas intenes, de fazer emergir
uma potica prpria.
A experincia do clima surrealista -lhe fatal, pois vem ao encontro de sua
viso libertria da arte e celebra o seu esprito aberto, mesmo porque o surrealismo
no uma escola, mas uma aventura audaciosa na experincia da arte e da
liberdade. Desse modo, no creio que o surrealismo de Maria seja circunstancial,
como disse certa vez Murilo Mendes. A artista encontra no surrealismo um mtodo
que lhe permite ir profundidade das coisas, alcanar a experincia do maravilhoso
na contradio do real e expressar-se numa linguagem sem amarras. O surrealismo
lhe proporciona as condies de afirmar as foras da vida, coincidindo com a
filosofia de vida nietzschiana, uma de suas paixes.
Por outro lado, o entusiasmo dos franceses com a arte primitiva,
especialmente a arte negra, tambm contamina Maria. O respeito das vanguardas
artsticas pelas artes primeiras faz a artista voltar-se, com orgulho, aos trpicos
brasileiros. uma dcada muito rica, em que se aproxima da Escola de Paris, das
experincias americanas e da alma de seu pas. Um imaginrio construdo por meio
de paradoxos. Mais tarde, Maria aporta em Washington, onde expe na Corcoran
Gallery (1941), e, no ano seguinte, na Valentine Gallery, em Nova York. Um ano
depois, nesta mesma galeria, expe junto com Mondrian, guardando cada um a sua
linguagem, bem distinta uma da outra. o momento em que consolida sua entrada
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H duas verses de Impossvel, que dialogam entre si. O Impossvel, 1944 (bronze, 79 x 80 x 47 cm, que faz
parte do acervo do MAM-RJ) e Impossvel, 1945 (em gesso e em bronze, 180 x 170 x 110 cm, da coleo
Joaquim Milan). Alm das dimenses, o que diferencia uma da outra so os braos na figura feminina. Existem
outras verses da obra, uma delas no Museo de Arte Latinoamericano de Buenos Aires (Malba) e outras cpias
pertencentes a colecionadores particulares. Nosso trabalho volta-se ao trabalho do MAM-RJ.
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Sem dar conta de todo o movimento da arte, sem esgotar suas leis internas,
sem decifrar o enigma, a psicanlise uma arma poderosa na apreenso da arte,
ela ilumina.
Trata-se de uma escultura em que nada sobra, nada falta; ela se basta a si
mesma. Diferentemente de boa parte das obras de Maria, nessa ela abdica da
narrativa ou os sentidos se revelam exatamente na tenso entre as duas formas.
Por isso mesmo, uma escultura que nos convida a viagens profundas. Uma verso
feminina do ertico. A aproximao a Duchamp, tanto da obra como do homem (o
artista dedicou-lhe a instalao tant Dons ou Ntre Dame du Dsir), empurrou
Maria ao erotismo. Eros cest la vie, disse certa vez Duchamp. Uma poesia escrita
em francs por Maria pode realmente, como alude Naumann, referir-se a Duchamp.
E certamente ela cai como luvas para a escultura Impossvel:
Longtemps mme aprs ma mort
Longtemps aprs ta mort
Je veux te torturer
Je veux que ma pense comme un serpent de feu
Senroule autour de ton corps sans te brler
2
() (In NAUMANN. tant: 37)
Creio que Impossvel traduz esse momento. Uma outra escultura de Maria,
Sem eco (1943), j contm uma sintaxe escultural moderna e madura. Ali est
presente a harmonia das figuras torturadas, cada elemento da composio
remetendo a outro, dialogando quase num bailado. O mesmo pode ser dito da Je
creus avoir longuement rv que jtais libre, obra que antecipa as aranhas de
Bourgeois. Como Moore, Maria sabe tirar partido dos vazios, do mesmo modo que
faz o silncio gritar. Impossvel a obra de uma escultora que desafia e domina a
matria. A escultura um trabalho rduo, requer fsico, mas tambm reclama
sensualidade. Impossvel permite leituras diversas, mas acredito que uma delas
bvia e inegvel: a impossibilidade. No pelo ttulo, que nos surrealistas faz parte da
obra, mesmo porque neles o ttulo nunca inocente. A obra em si exala a
impossibilidade, seja pela dureza do bronze, seja pelas garras que se atraem e se
Traduo livre:
Muito tempo mesmo aps a minha morte
Muito tempo aps a tua morte
Quero te torturar
Quero que meu pensamento como uma serpente de fogo
Enrole-se em volta do teu corpo sem te queimar ()
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uma
paixo
consumar-se?
Impossibilidade
da
realizao
do
desejo?
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Certamente, tudo indica que essas duas artistas se cruzaram nos Estados Unidos.
Je creus avoir antecipa, de fato as aranhas de Bourgeois, incluindo Mother (NY,
1999). Falta ao trabalho de Maria a monumentalidade dos contemporneos, o que
no significa afirmar que no tenha fora ou que seja um trabalho menor. Ao
contrrio, Maria condensa em pequenas esculturas um mundo imenso de
significados.
Mas Impossvel o reverso da Mother de Bourgeois. Se h uma
semelhana nas formas, ambas trabalham com tentculos, essa identidade
esfacela-se quando prestamos ateno obra em sua estrutura. Embora
monstruosa, a Mother de Bourgeois protetora, agarra, aconchega os filhotes ou
espectadores, Eu venho de uma famlia de reparadores, diz a artista, A aranha
uma reparadora. Se algum estraga sua teia, a aranha no se enerva. Ela a tece e a
repara (In BERNARDAC:47); em MM ocorre o contrrio, seus bichos se distanciam
da maternidade, so amantes devoradores, instintos eriados. Mas amantes
interditados, formas irreconciliveis. Por isso mesmo tece uma relao mais intensa,
que no se consuma. A impossibilidade seduz mais, a falta cria espao para o
desejo. Ao mesmo tempo em que o desejo ocenico (Nietzsche ou Bachelard?),
sem fronteiras, no h possibilidade de realizao, no h conexo, no h
comunicao; por isso mesmo sobra desejo em Impossvel. Nietzsche apontava o
amor sexual como realizao da unidade dos contraditrios: aniquilar-se para
ressurgir, destruir para criar.
Em Impossvel aflora o princpio do prazer, interditado pelo princpio da
realidade. Maria nunca assumiu a relao com Duchamp (ou seja, embora vivencie
o romance com Duchamp, manteve o casamento com Carlos Martins, seu segundo
marido). Exteriorizar a paixo em uma obra uma tcnica para afastar o sofrimento
(Freud), uma forma de proteger-se dos perigos da prpria paixo. Como conciliar a
comodidade da vida burguesa com uma paixo marginal? A artista realiza o ertico
no esttico: Esse mundo irradiante de metal e de pedra / me deixa em xtase
(Baudelaire : 353). O que no significa que Maria no tenha ido, na vida real, s
ltimas consequncias na relao com Duchamp. Para Jayme Maurcio, MM,
contrariando Freud, v o sexo tambm como cosa mentale. Quem disse que a
sexualidade reside apenas no fsico?
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