O Jogo Infinito - James Dashner
O Jogo Infinito - James Dashner
O Jogo Infinito - James Dashner
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Dashner, James
O jogo infinito : a doutrina da morte, v. 1 /James
Dashner; [traduo Alexandre Boide]. So Paulo:
V&R Editoras, 2014.
Ttulo original: The eye of minds.
eISBN 978-85-7683-701-5
1. Literatura juvenil I. Ttulo.
14-02470 CDD-028.5
I. O CAIXO
1
Michael
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pessoas
so
fracas
assim
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2
Nesse momento, os pontos e o jogo deixaram de ser importantes. A situao evoluiu
de um simples inconveniente para uma
questo de vida ou morte. Em todos os seus
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anos como jogador, nunca tinha visto ningum decodificar o prprio Ncleo, destruir
a barreira dentro do Caixo que separava o
mundo real do virtual.
Para com isso! ele gritou, j colocando
um dos ps sobre a grade. Para!
Quando saltou para o parapeito externo da
ponte, ficou paralisado. Ela estava quase ao
alcance de seu brao, e qualquer movimento
brusco poderia faz-la entrar em pnico.
Com as mos estendidas, deu um pequeno
passo na direo dela.
No faz isso Michael disse o mais
baixo que pde para ainda ser ouvido em
meio ao vento forte.
Tanya continuava escavando a tmpora
direita. Ela arrancou pedaos da prpria
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pele, e o sangue que jorrou da ferida em pouco tempo cobriu suas mos e a lateral do
rosto. Uma expresso terrivelmente serena
tomou conta de sua face, como se nem se
desse conta do que fazia a si mesma, mas Michael sabia muito bem que ela estava hackeando o cdigo.
Para de mexer no cdigo s por um segundo! gritou Michael. Que tal conversar um pouco antes de destruir o prprio
Ncleo? Voc sabe o quanto isso srio.
Que diferena faz pra voc? ela respondeu num tom de voz to baixo, que Michael precisou ler seus lbios para entender.
Mas pelo menos ela parou o que estava
fazendo.
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Michael observava tudo com grande horror. Ela tinha parado, sim, de escavar a prpria pele, mas apenas para enfiar o indicador
e o polegar no buraco que havia feito.
Voc s est interessado nos seus Pontos
de Experincia ela retrucou, enquanto,
lentamente, removia da cabea um pequeno
chip ensopado de sangue.
Eu abro mo dos meus pontos disse
Michael, tentando esconder o medo e o nojo.
Juro pra voc. J chega disso tudo, Tanya.
Volta a codificar essa coisa e vamos conversar. Ainda d tempo.
Ele contemplou a manifestao fsica de
seu Ncleo com um olhar de fascnio.
Voc no consegue enxergar a ironia
disso tudo? questionou ela. Se no
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capaz de filtrar de forma adequada o estmulo da VirtNet. Se o Ncleo fosse removido no Sono, a pessoa morreria na
Viglia. Ele no conhecia ningum que j
tivesse presenciado isso antes. Duas horas
antes, estava comendo batatinhas com gorgonzola roubadas da lanchonete do Dan com
seus melhores amigos. O que ele mais queria
naquele momento era voltar para l, comer
um sanduche de peru no po de centeio,
ouvir as piadas sem graa de Bryson sobre
calcinhas de velhotas e escutar as reclamaes de Sarah sobre o corte de cabelo
que Michael usava no Sono.
Se Kaine for atrs de voc disse Tanya
, diz a ele que no fim quem ganhou fui eu.
Fala sobre a minha coragem. Ele pode
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gritou,
momentaneamente
sem
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Apesar da intensidade, o momento de dor
foi breve. De maneira repentina, tudo dentro
de Michael pareceu romper e explodir. Ele
no teve tempo de emitir sequer um som
antes do fim nem Tanya, pois ele no
ouviu mais nada depois do terrvel choque
contra a superfcie da gua. Em seguida,
tudo se dissipou, e sua mente se apagou.
Michael estava vivo dentro da NerveBox,
que a maioria das pessoas chamava de
Caixo. Havia feito a Emerso do Sono.
O mesmo no podia ser dito no caso dela.
Uma onda de tristeza, e depois de descrena,
formou-se dentro dele. Com seus prprios
olhos, viu quando Tanya manipulou o
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cdigo, arrancou o Ncleo de seu corpo virtual e o jogou longe como se fosse uma migalha de po. Quando tudo acabou, foi um final verdadeiro, e, ao pensar que tinha feito
parte disso, Michael sentiu suas entranhas se
retorcerem. Jamais havia testemunhado
nada desse tipo.
Piscou algumas vezes, esperando para ser
desconectado por completo. Nunca em sua
vida tinha se sentido to aliviado ao deixar a
VirtNet, ao abandonar um jogo, ao sair da
caixa e respirar o ar poludo do mundo real.
Uma luz azul se acendeu, revelando a porta
do Caixo a poucos centmetros de seu rosto.
Os LiquiGels e os AirPuffs j tinham sido
drenados, o que levava parte que Michael
mais detestava, por mais que j houvesse
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onde
seriam
desinfetados
esse
estranhamento.
Aquilo
era
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outras.
Ela
havia
de
fato
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II. A PROPOSTA
1
Michael
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um
cartaz
enorme
anunciando
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profundezas do Sono sua procura, uma jornada que se revelava sempre malsucedida.
Pelo menos at o momento. O objetivo de
Michael era chegar a esse nvel, tornar-se o
novo Gunner Skale. Ele s precisava se antecipar ao novo sujeito que tinha aparecido em
cena. Esse tal de... Kaine.
Michael apertou seu EarCuff uma
pequena pea de metal acoplada ao lbulo da
orelha , e a NetScreen com teclado surgiu
diante dele, pairando em pleno ar. O Boletim
Eletrnico mostrou que Bryson j estava online, e Sarah deixara uma mensagem dizendo
que voltava logo.
Os dedos de Michael comearam a percorrer as teclas vermelhas cintilantes.
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Mikethespike:
Ei,
Bryson,
para
de
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Preciso
tomar
banho.
Estou
fedendo a sovaco.
Brystones: Ainda bem que o encontro
no vai ser na vida real, ento. No sou
muito f de CC.
Mikethespike: Por falar nisso... a gente
precisa se conhecer. Se conhecer de verdade. Voc nem mora TO longe assim.
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sovaco,
no
que...
Esquece. At mais.
Brystones: Fui.
Michael apertou o EarCuff e viu a
NetScreen e o teclado se dissolverem como
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A VirtNet era uma coisa engraada. Era to
real que s vezes Michael lamentava o fato de
ser um ambiente que envolvesse tecnologia
to avanada por exemplo, quando o
tempo estava quente e mido, ou quando
dava uma topada no dedo ou levava um
tapa na cara de uma garota. O Caixo
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recodificaes de Ncleo nas ltimas semanas. Uma histria de arrepiar. Dizem que esse
tal de Kaine est prendendo as pessoas no
Sono, impedindo que acordem. Ento algumas delas esto se matando. D pra acreditar? Um ciberterrorista.
Bryson balanou a cabea. Parecia um
jogador de futebol americano que dera errado na vida alto, largo e com um aspecto
um tanto desproporcional. Costumava dizer
que era to lindo no mundo real que precisava de um refresco do assdio feminino enquanto estava na VirtNet.
De arrepiar? ele repetiu. Nosso
amigo aqui acabou de contar que viu uma
menina abrir o prprio crnio, arrancar o
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Ncleo e pular de uma ponte. Acho que arrepio pouco nesse caso.
Verdade... Podia ter usado uma palavra
mais forte respondeu ela. Mas o que importa que tem alguma coisa acontecendo, e
um jogador que est levando a culpa. Algum j ouviu falar em gente hackeando o
prprio sistema para se matar? Esse um
problema que o servio de segurana da
VirtNet nunca enfrentou.
A no ser que o SSV esteja acobertando
tudo isso comentou Bryson.
Quem faria uma coisa dessas? murmurou Michael, mais para si mesmo do que
para os outros. Ele era bem informado e
sabia que suicdios no Sono eram raros. Os
suicdios de verdade, pelo menos. Tem
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fisicamente.
Michael
nunca
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Deitada em um Caixo. Agora, com tanto falatrio, vamos conseguir descobrir mais sobre
ele. A mdia deve estar atrs desse cara. Pelo
menos o SSV deve ter como rastrear onde ele
est.
Michael
sentiu
que
conversa
no
avanava.
Ei, o foco aqui sou eu, pessoal. Acabei de
passar por uma experincia traumtica, e vocs deviam tentar me consolar. At agora,
no me ajudaram em nada.
Uma expresso sincera de preocupao
surgiu no rosto de Bryson.
verdade, cara. Desculpa a, mas antes
com voc do que comigo. Sei que o lance da
negociao com os suicidas faz parte da experincia do Lifeblood e tal, mas uma morte
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de verdade? Eu ia ficar no mnimo uma semana sem dormir se visse uma coisa dessas.
Ainda no est ajudando Michael respondeu com uma risadinha amarela. Na
verdade, ele j se sentia melhor por estar
com os amigos, mas ainda havia algo dentro
dele que precisava ser expurgado, uma coisa
obscura
assustadora,
impossvel
de
ignorar.
Sarah se inclinou para a frente e apertou
seu brao.
Nenhum de ns pode imaginar como deve ter sido isso ela disse baixinho. E seria uma idiotice tentar fingir que sim. Mas
sinto muito pelo que aconteceu.
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Chega a ser
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Levantar da cama na manh seguinte foi
como sair de um casulo. Demorou uns vinte
minutos para que o lado inteligente de seu
crebro convencesse o lado mais burro de
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As ruas fervilhavam com saias, ternos e copos de caf preenchendo todos os espaos,
at onde a viso era capaz de alcanar. Era
tanta gente que Michael era capaz de jurar
que se duplicavam diante de seus olhos,
como as clulas de um corpo em formao.
Todos ostentavam no rosto a expresso vazia
e entediada que Michael conhecia to bem.
Como ele, as pessoas sentiam as horas se arrastar no trabalho ou na escola enquanto
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Ah, ? No tenho motivos pra me preocupar, ento? Era exatamente isso o que eu
estava pensando.
No seja engraadinho, garoto. Apenas
no podemos revelar nossa identidade para
ningum. Agora entra no carro.
O homem se levantou, puxando Michael
consigo.
Entra disse o estranho, fazendo uma
pausa dramtica neste carro.
Michael ainda fez uma ltima e pattica
tentativa de se libertar, mas no havia jeito.
A presso das mos do sujeito no seu corpo
era implacvel. Michael no teve escolha a
no ser obedecer. Ele deixou de resistir, permitindo que o homem o conduzisse at o
banco de trs do carro, onde se sentou ao
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Quando o carro deixou o beco e embicou
na rua, a cabea de Michael comeou a girar
a mil: quem eram aquelas pessoas, e para
onde o levavam? Uma nova onda de pnico
tomou conta de seu corpo, e ele resolveu
agir, dando uma cotovelada no meio das pernas do sujeito sua esquerda e tentando abrir a porta por cima do corpo contorcido em
agonia, dizendo palavres que fariam at
mesmo Bryson corar. Os dedos de Michael
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O restante do trajeto se deu em silncio absoluto. O corao de Michael, porm, continuava retumbando como um enorme tambor. Pensou que soubesse como era sentir
medo. J havia sido submetido a inmeras
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nvel
Deep
provavelmente
jamais
se
realizaria.
Por fim, chegaram periferia da cidade e
entraram no gigantesco estacionamento do
estdio dos Falcons. O local estava totalmente vazio, e o motorista parou na primeira
fileira de vagas, puxando o freio de mo bem
em frente da monstruosa construo. Havia
uma placa logo adiante com os dizeres:
VAG-
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O carro enfim se nivelou com um leve solavanco, e Michael pde olhar ao redor e constatar que estavam em uma garagem subterrnea com pelo menos uma dezena de carros
encostados junto a uma parede. O motorista
parou em uma vaga desocupada e desligou o
motor.
Chegamos anunciou o condutor, de
forma um tanto redundante, na opinio de
Michael.
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Michael tinha duas opes: podia ser arrastado com o rosto junto ao cho ou ir andando com as prprias pernas, sem resistir.
Ele
escolheu
segunda.
Enquanto
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De
agora
em
diante,
vou
me
comportar.
Assim melhor. Ela fez uma pausa
para descruzar e cruzar as pernas. Vou
dizer trs palavras para voc e, se repetir isso
para algum sem a nossa permisso, na melhor das hipteses vai ser condenado priso
perptua em um presdio que o pblico nem
sabe que existe.
A curiosidade tomou conta de Michael,
mas aquele discurso fez um sinal de alerta se
acender em sua mente.
Ento vocs no vo me matar?
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Existem coisas piores que a morte, Michael ela falou, franzindo a testa.
Ele a encarou, pensando seriamente em
implorar que o deixasse ir sem dizer mais
nada. No fim, porm, a curiosidade foi mais
forte.
Certo. No vou repetir o que ouvi... Pode
falar.
O lbio inferior dela tremeu ao proferir
aquelas palavras, como se algo dentro dela se
abalasse ao diz-las:
Doutrina da Morte.
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Conversem com as pessoas, saibam das fofocas. Preciso que encontrem o esconderijo
de Kaine. a nica maneira de descobrir a
verdade sobre a Doutrina da Morte e como
ele pretende us-la. Faam o que for preciso.
Vocs tm capacidade para isso, e vo ser
rastreados, para depois podermos ir at l,
quando o esconderijo for descoberto. Se
ajudarem a solucionar esse problema, esto
feitos: podem pedir o que quiserem. Existem
outras pessoas procurando tambm. Os
primeiros a chegar sero recompensados.
Ele abriu a boca para falar sem saber ao
certo o qu , mas ela se virou rapidamente
e saiu andando.
Vamos l disse um dos guardas.
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Saram
puxando
Michael
na
direo
oposta.
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No voltaram ao carro. Os guardas que
no disseram uma palavra sequer para Michael durante todo o tempo o conduziram
por incontveis corredores at um prdio
abandonado perto de uma estao de metr,
onde o deixaram. As pessoas circulavam com
tranquilidade, o sol brilhava por entre as
nuvens e um saco plstico flutuava pelo ar,
carregado pelo vento. O mundo continuava a
ser o mesmo de antes, mas sua vida havia
mudado para sempre.
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de
assdio
individual.
Desde
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um
minuto,
olhando
com
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esconderijo?
questionou
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O corpo de Michael j tinha sido submetido a todas as formas de movimentao
imaginveis dentro da VirtNet, e o Caixo
sempre dera um jeito de fazer tudo parecer o
mais real possvel. Montanhas-russas, saltos
de paraquedas, foguetes atravessando o universo na velocidade da luz, incontveis quedas. O que quer que estivesse acontecendo
naquele momento, porm, parecia prestes a
desfazer seu corpo em centenas de pedaos.
Seu estmago revirou, e o crebro foi bombardeado por diferentes tipos de dor. Enquanto isso, as estrelas ao redor no paravam de girar, e ele no conseguia sequer determinar se seus olhos estavam abertos ou
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ficando
cada
vez
maiores,
at
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Na manh seguinte, um domingo entediante e preguioso, para combinar com o mau
humor de Michael, Helga informou que ele
teria que comer cereais no caf da manh, alegando que estava com dor de cabea. Sua
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a limpo sentia-se um pouco receoso de entrar de novo no Sono, mas concluiu que
Kaine os deixaria em paz caso respeitassem
seu aviso.
Michael e os amigos terminaram a conversa dizendo que se encontrariam mais
tarde no Lifeblood, para jogar um pouco e
enterrar definitivamente aquele assunto.
No entanto, as coisas no saram como o
planejado. Quando foi conectar seu Caixo
naquela tarde, em vez de fazer a Submerso
na VirtNet, tudo o que encontrou foi um
aviso em letras garrafais:
ACESSO NEGADO PELO SSV
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Talvez
tivesse
desistido
depressa
demais.
Saiu da cama decidido a parar de ter pena
de si mesmo. O SSV certamente lhe daria
uma segunda chance afinal, tivera contato
direto com o perigo que os ameaava. O
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Michael adorava a sra. Perkins. De verdade. Era a velhinha mais legal do mundo, e
cheirava a talco de nen e gel mentolado.
Mas naquele momento o que ele mais queria
era que ela sasse da sua frente para poder
usar seu telefone.
Fazendo um esforo para se acalmar, ele
falou:
Desculpa. S fiz isso porque um assunto urgente.
Desculpas aceitas. Em que posso
ajudar?
Por alguma razo, ele abriu um sorriso.
Poderia ligar para o SSV? E dizer que
seu vizinho Michael mudou de ideia? Pode
falar que vou descobrir o que eles querem.
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Seu acesso foi imediatamente restabelecido.
Pelas
mensagens
que
recebeu,
descobriu que Bryson e Sarah tinham passado pela mesma coisa e tambm logo entenderam a seriedade da situao.
As aulas de segunda-feira foram uma experincia angustiante para Michael, mas no
fim da tarde ele se reconectou com os amigos
e, juntos, decidiram dar incio s investigaes no dia seguinte.
Sabiam que precisavam ser mais cautelosos desta vez, valendo-se como nunca da capacidade de hackear e manipular o cdigo.
Havia uma razo para o SSV ter escolhido
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V. O VELHO
1
Enquanto
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A Cidade Velha era o lugar mais movimentado da VirtNet, a Nova York do mundo
simulado, e o bairro comercial estava sempre
apinhado de gente. A princpio, Michael
ficou temeroso de fazer as coisas to s
claras, mas, quando chegou l, percebeu que
em um local como aquele seria mais fcil se
esconder dos olhares indiscretos. Principalmente com os programas de Invisibilidade
somando foras e operando a pleno vapor.
Havia dois shoppings com milhares de lojas, fliperamas, restaurantes, cabines de upload, bares e todo e qualquer estabelecimento imaginvel nos dois cantos de uma
praa que se estendia por quilmetros a fio,
com fontes incrveis, bonecos inflveis e at
montanhas-russas. Michael era um grande f
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Fazia mais de um ano que Michael no
procurava Cutter atrs de informaes por
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nariz catarrento de uma criancinha com sinusite. Ora, pois ento v falando,
mocinha.
Sarah olhou para Michael. Aquela era sua
deixa. Ele se inclinou para a frente e
murmurou:
Viemos atrs de informaes sobre um
jogador chamado Kaine. Dizem por a que
ele est aprontando poucas e boas. Ele fez
uma pausa e se perguntou se no deveria ter
sido mais respeitoso. H... por favor,
senhor.
No precisa vir com esse papinho educado pra cima de mim respondeu Cutter.
Michael sentiu seu hlito desta vez e teve que
recuar para no passar mal.
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Ele meio que esperava que Cutter continuasse falando, que contasse tudo o que sabia,
mas o velho se calou. O ritmo das tesouradas
no diminuiu nem um pouco, e o corte de
Bryson estava ficando muito bom.
Sarah resolveu entrar na conversa.
Qual ? A gente sabe que todo boato que
rola no Sono mais cedo ou mais tarde acaba
sendo comentado aqui. Conta pra gente o
que sabe sobre Kaine, e onde esto escondidos os segredos dele.
Ou ento diz onde a gente pode se informar melhor acrescentou Bryson.
Cutter soltou uma gargalhada.
Se so to espertos assim, devem saber
como conseguir as informaes por aqui. S
o que me ofereceram at agora foi uma dor
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mais velhos, e eles conseguiam fabricar identidades falsas com a mesma velocidade com
que Helga fazia seus waffles, mas ningum
era louco o bastante para tentar fazer isso no
Black and Blue. O pessoal do clube no era
do tipo que se deixava enganar.
Michael, Bryson e Sarah estavam do outro
lado da rua, observando as pessoas paradas
na fila. Michael reparou que as joias e as
roupas de marca de certas pessoas ali
custavam mais que um ano de salrio para
muita gente. O Lifeblood era o nico lugar na
VirtNet em que as pessoas no podiam se vestir como quisessem. Para ser chique por l,
assim como no mundo real, era preciso
poder pagar por isso, ou ento ter o domnio
de artimanhas como flertes, golpes e afins.
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Bryson e Sarah o encararam com uma expresso de interrogao, mas ele sabia que os
outros dois pensavam na mesma coisa. Esgotadas as alternativas, a nica opo era
partir para a ilegalidade.
Com um sorrisinho malicioso, ele falou:
Vamos ter que invadir.
2
Michael sempre considerou que usar seus
conhecimentos de hacker para entrar em um
local simulado na VirtNet era a mesma coisa
que arrombar uma porta ou janela na Viglia.
Era preciso agir com inteligncia e cautela.
E, assim como no mundo real, um passo em
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falso
significava
cadeia,
caso
movi-
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Demorou 43 minutos.
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Pararam a alguns metros dos lees de chcara. O da direita tambm os encarava com
persistncia.
Vamos ver se consigo adivinhar disse
o da esquerda. Michael notou que os dois homens pareciam ser gmeos idnticos. Vieram oferecer um pirulito pra poderem entrar e brincar? De repente, um chocolate?
O outro segurana soltou uma risada que
reverberou como um trovo.
No percam tempo, garotada. Melhor irem matar aliengenas no fliperama. Ou ento
vo pegar uma matin no clube ali da esquina, mas sumam da nossa frente.
Michael no conseguia acreditar no quanto
estava nervoso. J tinham aprontado poucas
e boas, mas naquele momento, com tanta
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O Black and Blue Club era mais ou menos
como Michael imaginava, apenas um pouco
mais barulhento, suarento e lotado de pessoas bonitas que de modo algum poderiam ter
aquela aparncia no mundo real. A msica
vibrava em uma altura de estourar os tmpanos nas caixas de som gigantescas instaladas no teto, e as luzes estroboscpicas piscavam em um ritmo estonteante. Um brilho
avermelhado se espalhava por todo o ambiente, envolvendo as pessoas que danavam,
giravam e pulavam na pista. O calor humano
tornava o lugar quente e mido. Para todo
lugar que olhava, Michael s via perfeio.
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No era um alapo. Nem um defeito no
piso. Apesar de tudo ao redor continuar
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Michael
conseguiu
pensar
para
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mesmo dizer se era bonita ou feia. No entanto, era inegvel que seu vestido preto elegante, os cabelos grisalhos e a expresso inteligente transmitiam autoridade.
Michael rezou para que Bryson no fizesse
nenhuma gracinha.
Sentem-se a mulher ordenou, indo na
direo dos trs. Sou obrigada a admitir
que fiquei impressionada com o truque que
fizeram l fora, mas os dois idiotas que
caram nele j foram demitidos. Ela se
sentou em uma poltrona de couro e cruzou
as pernas. Disse para vocs se sentarem.
Michael percebeu que os trs estavam imveis, olhando para ela um tanto boquiabertos. Envergonhado, rapidamente foi se
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and
Blue
no
conquistou
sua
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reputao na VirtNet por acaso. Muitas pessoas que tentaram fazer o que vocs fizeram
hoje
vivem
em
hospitais
psiquitricos.
Respondam ao que eu perguntar. Sejam sinceros, e vai dar tudo certo. Mas j vou avisando... detesto sarcasmo.
Michael e Sarah se entreolharam. A amiga
os havia colocado ali dentro; agora era a vez
dela tomar a frente da situao. J Bryson
era do tipo que sempre se dava bem sem precisar fazer nenhum esforo.
Por que vocs esto aqui? Ronika quis
saber.
Michael pigarreou, limpando a garganta, e
prometeu a si mesmo que no deixaria
Ronika notar o quanto o deixava intimidado.
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acabavam
passando
pela
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voz
de
Ronika
tirou
de
seus
pensamentos:
...no estaria por a h tanto tempo se eu
no tivesse refeito sua codificao e, na prtica, reprogramado o Tangente favorito de
Kaine. No uma coisa fcil de fazer sem
apagar a memria deles, sem contar que
ilegal. Ele diz que passou anos desenvolvendo aquele programa. Na poca eu no
sabia o que sei hoje sobre ele, mas posso
dizer que faria tudo de novo mesmo assim.
sempre bom ter amigos, e inimigos tambm,
nos devendo favores.
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Ele no parece ser do tipo que se importaria em trair uma velha amiga argumentou Michael. Alm disso, est aprisionando pessoas no Sono. Esse cara cruel,
e no acho uma boa ideia a gente ficar aqui
esperando para ver o que ele vai fazer.
Ronika encarou Michael com uma expresso de contrariedade.
Sendo assim, fiquem vontade para ir
embora.
Se eles so amigos, ela no vai querer
ajudar a gente disse Bryson.
Amigos? repetiu Ronika, com uma
entonao que dava a entender ser aquela a
mais absurda das concluses. Ele me
pagou uma quantia de dinheiro absurda. Eu
no sou amiga de nenhum jogador. S fao
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daquelas
informaes
de
178/728
Que
favor?
ele
perguntou,
desconfiado.
O sorriso ainda estava estampado no rosto
dela.
Ah, no posso falar agora. S vou dizer
na hora em que for cobrar o favor.
Michael no tinha ideia de como aquela
mulher conseguia dizer coisas to simples,
mas soar to ameaadora. Ao mesmo tempo,
porm, sentiu que comeava a gostar dela.
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balanaram
cabea
em
concordncia.
Mas precisa ser rpido alertou
Bryson. Meu Rastreador est apitando a
mil, e quero dar o fora daqui.
Isso s tornou ainda mais fcil a deciso de
Michael.
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2
Como tinha sido ele quem havia metido os
amigos naquela enrascada, Michael tomou a
iniciativa de fazer as perguntas, apesar de no
fundo estar morrendo de vontade de sumir
dali. Mas no podiam sair de mos vazias.
Por isso, decidiu ser breve e ir direto ao
ponto. E, ainda que seu interesse principal
fosse descobrir mais sobre o Caminho, aproveitaria aquela chance para tentar descobrir
tudo o mais que pudesse.
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escondida
nas
profundezas
da
esconder
seu
VirtNet?
Sim.
Michael
se
obrigou
contentamento.
E tem mais detalhes sobre isso?
A
expresso
de
Ronika
permaneceu
impassvel.
Na verdade, quase nada. Mas acho impossvel negar que tem alguma coisa grande
acontecendo. Sua tranquilidade era enlouquecedora para Michael, e gerava uma
desconfiana quase palpvel de que ela sabia
mais do que estava disposta a revelar.
Cutter mencionou um Caminho.
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3
Era algo inumano, parecido com um guincho ou uivo agudo. Um grito inacreditavelmente desagradvel e atordoante. Ele tapou
as orelhas com as mos e fechou os olhos
com fora. Seu nico desejo era que aquilo
parasse.
Por um tempo que pareceu chegar a um
minuto, o rudo reverberou pelo seu corpo.
Depois, cessou.
Michael abriu os olhos e baixou as mos,
ainda inseguro. Sarah e Bryson estavam
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plidos, como se tivessem acabado de vomitar. Nem mesmo Ronika mantinha a expresso serena de momentos antes.
O que foi isso? murmurou Bryson.
No foi Kaine que seu Rastreador detectou respondeu Ronika. Ele mandou...
outra coisa.
Em seguida se ouviu um rudo grave, que
parecia vir de todos os lugares ao mesmo
tempo, ecoando pela sala inteira e em
seguida dando lugar a um longo momento de
silncio. Nenhum dos quatro se mexeu. Michael no queria admitir, mas esperava que
Ronika lhes dissesse o que fazer.
O guincho voltou a explodir no ar, violento
e penetrante. Michael caiu sentado no sof,
protegendo os ouvidos com as mos. O rudo
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cessou logo depois, e ele se levantou, decidido a no confiar mais em sua anfitri.
Vamos ele disse, apontando para a
porta por onde Ronika tinha entrado.
Vamos sair logo da...
Mais uma vez o grito apavorante se fez
ouvir, interrompendo suas palavras, mas
Sarah
e Bryson
haviam
entendido.
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So
SimKillers.
encrencados.
ns
estamos
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na
VirtNet.
Acho
que
antipro-
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quando
estivermos
todos
em
segurana.
Essa
disposio
surpreendeu.
em
proteg-los
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Certo. Para a porta, ento disse Michael. E depois para a escada. Sem
problemas.
A verdade, no entanto, era que o pavor tomava conta de seu corpo, tornando difcil at
o ato de respirar.
Precisamos ficar sempre juntos acrescentou Sarah. Agir como um grupo.
Michael se apoiou sobre as mos e os joelhos, pronto para engatinhar l para fora.
Bryson, voc est mais perto da sada,
ento vai primeiro.
At parece respondeu ele.
Michael sabia que Bryson no falava srio,
mas ele tinha razo mesmo assim. No era
ele quem deveria ir frente. Michael passou
por Sarah e Bryson e chegou at a porta.
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5
Assim que todos se alinharam atrs de Michael, ele empurrou devagar o pequeno
painel de madeira. A sala parecia estar iluminada por uma espcie de luz de velas, o
que tornava tudo ainda mais perigoso e
etreo.
primeira
vista
estava
tudo
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cautelosamente
do
para
compartimento
frente,
secreto
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porta. O tapete sob a moblia deu lugar cermica, que fazia os joelhos de Michael doerem enquanto engatinhava. Ele viu os olhos
amarelados das criaturas do outro lado do
buraco aberto na parede, a poucos metros de
distncia, e se deteve.
Bryson deu um encontro nele por trs.
No para! cochichou to alto, que era
como se tivesse dito em tom normal.
Michael relanceou o olhar para o amigo.
Se a gente for rpido demais, eles podem atacar.
Se no formos logo, vamos acabar sendo
mortos!
A sala ficou em silncio por alguns instantes, mas o rosnado recomeou logo em
seguida. O rudo de esttica reverberou pelo
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6
Michael virou a cabea, e os olhos da criatura reapareceram. Ele se levantou do sof
com movimentos lentos e cuidadosos, rumo
parede logo atrs. Instintivamente, estendeu a mo para tranquilizar a fera, mas
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pela
abertura.
Gritos
terrveis
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Os
outros
SimKillers
tinham
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Michael no conseguia se mexer. Os msculos pareciam ter se transformado em gelatina, e a mente girava a mil enquanto tentava
se concentrar no cdigo, tentando contrabandear uma arma de algum outro jogo.
Naquele momento, porm, pensar parecia
impossvel. O SimKiller abriu mais e mais a
boca, e
Michael notou que ele no tinha dentes nem
lngua dentro dele no havia nada alm de
escurido. Era como um buraco negro que
ganhara vida, pronto para sugar Michael
para o cosmos. Logo atrs, ouviu Ronika
gritar, e Bryson e Sarah soltarem grunhidos
de esforo, o som de corpos se chocando contra o cho e as paredes. Michael tentou se
desvencilhar,
agitando
os
braos
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chegando
cada
vez
mais
perto,
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abertos ou fechados, no sentia mais a criatura imobilizar seus braos e pernas, as costas no pareciam mais tocar o cho. Ele flutuava em um vazio escuro, em que a nica
coisa existente alm do abismo do SimKiller
era uma dor profunda. O zumbido subiu de
volume, e no pde escutar mais nada.
Ronika gritou uma ltima vez, mas sua voz
parecia distante. Sarah berrava algo que os
ouvidos
de
Michael
no
conseguiam
registrar.
Seus pensamentos vagaram para longe.
Envolvido pela penumbra, fechou bem os olhos e fez um esforo supremo para concentrar todo o foco de sua conscincia em
um nico lugar. Bryson havia dito o que era
preciso fazer, e tinha a ver com os olhos da
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Foi como se dois ovos tivessem estourado
nas mos de Michael. Nesse instante, ele
sentiu
uma
carga
de
eletricidade
se
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inteira
fora
submetida
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pela expresso no rosto dele Michael percebeu que devia ter sido mesmo por pouco.
Michael preferiu no responder, voltando a
ateno para Ronika. Metade de seu corpo j
havia sido devorado, e as borboletas da
cabea comearam a voar, pairando no ar
por alguns segundos antes de se acenderem
intensamente e desaparecerem por completo, sem deixar nenhum vestgio. Em pouco tempo, o rosto dela foi apagado para
sempre.
Por mais hipnotizante que fosse aquela
cena, e por mais que sua cabea doesse, Michael enfim se deu conta de que no havia
tempo a perder. Olhou para os amigos e, sem
que fosse dita uma palavra sequer, eles se
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VIII. O HOMENZINHO
1
Arrasado,
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muitos jogos dos quais Michael j havia participado antes, era matar ou morrer.
A diferena era que desta vez era para
valer. E sua dor de cabea no deixaria que
se esquecesse disso.
S foi levantar da cama um dia e meio
depois.
2
Dois dias aps o encontro com Ronika, Michael j se sentia bem melhor. Tinha sado
da cama, tomado banho, e at conseguira encarar a claridade do dia sem se encolher todo
de
dor.
Energizado,
com
nimo
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Fiquei
morrendo
de
medo de que aquela coisa tivesse deixado sequelas em mim. Ainda no estou
totalmente
bom,
mas
pelo
menos
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3
A campainha do apartamento tocou no
meio da tarde, enquanto Michael fazia sua
pesquisa sobre o Devils of Destruction. Sabia
que aquele era um jogo de guerra baseado
em fatos histricos, um dos motivos pelos
quais atraa um pblico mais velho. Ningum da idade dele estava interessado em
coisas que haviam acontecido trocentos anos
atrs, mas, por fora da obrigao, Michael
precisava saber mais detalhes sobre a tal
guerra. Passou horas e horas lendo sobre a
Guerra da Groenlndia de 2022, na qual
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4
Ele obedeceu sem pensar duas vezes,
apesar de saber que poderia ser uma armadilha. As chances disso, porm, eram
poucas. Kaine no devia ser um sujeito perigoso no mundo real pelo menos era o que
Michael pensava, muito embora sem saber
ao certo por qu , e quem mais poderia
saber o local onde o SSV o havia apanhado?
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se
aproximou
da
primeira
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Um relatrio do seu progresso esclareceu o homem, evitando olhar diretamente para Michael. Ele virava a cabea o
tempo todo de um lado para o outro, como se
esperasse ser atacado a qualquer momento, o
que fez Michael se sentir um tanto inseguro.
O que aconteceu, o que vocs descobriram, quais so os planos, esse tipo de coisa.
Bom, ns...
O estranho o interrompeu outra vez:
E seja breve. No podemos ser vistos
conversando, e ainda tenho muita coisa para
fazer.
H... t bom respondeu Michael. Que
cara mais estranho, pensou. Acho que estamos no caminho certo, mas j fomos atacados por Kaine duas vezes.
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os
planos.
Entendeu
bem?
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vez
encontrado.
desde
que
haviam
se
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5
Michael ficou parado ao lado da caamba
de lixo at que o agente sumisse de seu
campo de viso, aps virar a esquina. Que
homenzinho mais estranho, pensou, e por
fim soltou a risadinha que vinha segurando,
talvez mais por estresse do que por qualquer
outro motivo. No conseguia se lembrar da
ltima vez que tinha dado uma risada sincera ou se divertido de verdade. Embora a
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Foi o que aconteceu alguns segundos depois. A dor de cabea simplesmente sumiu,
sem deixar nenhum vestgio, como se nunca
houvesse comeado.
Aliviado, mas tambm assustado, ele abriu
os olhos e viu que tudo j havia voltado ao
normal. Ainda abalado, levantou-se e olhou
para o final do beco. No havia nada fora do
normal.
Para Michael, s restava retomar o que
pretendia fazer antes de tudo aquilo. Mais
uma vez, pegou o caminho de casa, agora
com um nico e apavorante pensamento na
cabea: aquele SimKiller havia feito alguma
coisa com ele. Alguma coisa terrvel.
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que depois se desfizeram e deixaram de existir. Ela havia sido deletada por um
SimKiller. Em seguida, Michael refletiu
sobre o que tinha acontecido com o corpo
fsico dela.
Est em coma. Com sinais vitais nada animadores. No vai viver por muito tempo.
E esse mesmo processo havia sido iniciado
dentro de Michael. Ele poderia ter sido parcialmente afetado.
Quando se lembrou da dor de cabea que o
havia acometido no beco e das vises absurdas que o tinham aterrorizado naquele breve
instante, decidiu que era melhor no contar
nada aos amigos. O dia seguinte seria de vital
importncia, e eles tinham grandes planos.
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ingenuidade
estar
assim
to
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2
Michael fez a Submerso no Sono e se encontrou com Bryson e Sarah no Gaming Depot, um ponto de encontro bastante conhecido entre os jogadores onde havia lugares
para conversar, comer e gastar crditos em
qualquer tipo de mercadoria, desde armas
at espaonaves. Sobretudo, era um local
onde as pessoas trocavam informaes e segredos, alm de firmar alianas.
Os trs conheciam um monte de gente ali,
por isso combinaram o encontro em um
Portal um tanto escondido, que ficava atrs
de algumas rvores e fontes. Sarah criou um
programa de disfarce para sua incurso no
Devils of Destruction. No podiam permitir
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que ningum desconfiasse de suas atividades; seria muito estranho caso fossem vistos entrando em um jogo pelo qual ningum
da idade deles tinha interesse. Aquilo era
coisa para vovs.
Enquanto caminhavam por l, Michael enfim tomou coragem e falou sobre seu encontro com o ano de terno e a dor de cabea
que havia sentido logo em seguida. Ao narrar
sua histria, sentiu-se aliviado, pois quase
decidira guardar tudo para si mesmo ou
pelo menos a parte das vises bizarras. No
entanto, aqueles dois eram seus melhores
amigos e, considerando o que vinham
fazendo por ele, no parecia certo ficar
ocultando as coisas.
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3
Michael sempre gostou do fato de a
VirtNet ser uma espcie de mistureba visual
de imagens arcaicas com os dispositivos
tecnolgicos mais avanados j criados pela
raa humana. Aquela parte do Gaming Depot
parecia um velho calado beira-mar onde
fliperamas, restaurantes e clubes de lazer se
alinhavam um aps o outro. No entanto, a
maioria dos estabelecimentos comerciais ali
era um jogo portas de entrada para mundos totalmente diferentes.
O letreiro do Devils of Destruction era gigantesco, com lmpadas piscantes zunindo
em todo o seu contorno. As letras eram escritas em um tom de verde-escuro, com um
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abandonada,
tudo
parte
da
ambientao.
Bom, j examinamos os mapas e
traamos nosso plano. Agora s pr em
prtica.
Se a pessoa morre, precisa voltar para o
comeo disse Sarah. Se isso acontecer
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4
Era um saguo em estilo antiquado, com
tapete vermelho e psteres anunciando outros jogos em displays luminosos, cujas luzes
piscavam em sentido horrio. Havia um balco de comidas e bebidas logo frente, e o
cheiro de pipoca pairava no ar. Michael olhou para a atendente, uma menina com cabelos pretos e delineador vermelho que mascava seu chiclete como se quisesse destru-lo.
direita ficava a bilheteria, onde havia
uma mulher de braos cruzados sobre o peito
largo, olhando feio para os recm-chegados.
Tudo nela era largo, na verdade. Os ombros,
o pescoo, a cabea. No usava maquiagem,
e
os
cabelos
grisalhos
estavam
todos
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Os trs estavam parados porta do estabelecimento, um tanto chocados e bastante
confusos.
Como assim? perguntou Bryson, olhando para a porta descascada. Todo
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Duas horas depois, ainda no tinham conseguido nada.
Tentaram de tudo, usando toda a experincia acumulada em jogos, programao, hackeamento e outras prticas ilcitas, mas nada
funcionou. Os firewalls e demais mecanismos de defesa do Devils of Destruction no
eram exatamente impenetrveis, mas pareciam impossveis de localizar. E, se a pessoa
no soubesse onde ficava a cerca, no tinha
como pular. Depois de procurar e procurar
sem sucesso, concordaram que era intil
continuar tentando. Michael nunca havia
visto uma coisa como aquela na vida.
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arqueadas,
como
se
estivesse
surpresa.
Eu gosto desse seu lado impulsivo.
, eu sei. Vamos l.
Ele se virou e abriu a porta.
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Assim que entraram, Michael notou que a
grandalhona atrs do balco j sabia que eles
causariam problemas.
Ela apontou o dedo para eles e falou:
No, no, nada disso. D para ver na sua
cara o que est querendo, menino. Eu j
disse: vocs no vo entrar hoje. Podem dar
meia-volta e sumir daqui.
Michael no diminuiu o passo nem por um
instante. Continuou caminhando para o
fundo da sala, com Bryson e Sarah em seu
encalo. Quando chegou ao balco de comidas e bebidas, percebeu que a moreninha
tinha parado de mascar o chiclete. Ela ficou
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precisamos
fazer
umas
perguntinhas.
Eu disse devagar a!
Ela apontou as duas armas para o rosto
dele. Michael deveria se sentir aliviado por
Bryson e Sarah no estarem na zona de tiro,
mas s o que experimentava naquele momento era um desejo desesperado para que
ela apontasse aquelas coisas para o outro
lado.
Mais um passo. E mais outro. Mos para
cima, olhar determinado e sereno, passadas
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vantagem de ser maior e mais forte. Arrancou as armas das mos dela e apontou uma
para seu rosto.
O jogo... virou ele disse, ofegante. E
melhor voc no pagar pra ver.
Ryker se debatia sob ele, mas sem a
mesma fora de antes.
Que grosseria apontar essa coisa para a
cara de uma menina. O seu pai tambm bate
na sua me?
Ah, cala a boca. Era voc que estava
ameaando matar a gente.
Ele bateu de leve com o cano da arma no
nariz dela antes de se levantar.
Ai! ela gritou. Michael nunca tinha
visto uma expresso to furiosa no rosto de
uma garota antes.
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Ele se virou para fugir, mas os cabos estavam por toda parte. Um deles se enroscou
em seu tornozelo, apertando-o com fora,
como se fosse uma criatura viva.
Quando se agachou para arranc-lo, o cabo
puxou seu p e o suspendeu no ar.
9
Michael sentiu o estmago revirar e seu
corpo inteiro se retorcer enquanto o cabo o
arremessava de um lado para o outro como
um co que tenta abater sua presa. De algum
modo, porm, conseguiu manter a arma com
ele. Enquanto voava pelo saguo, concentrou
toda a energia na tarefa de engatilhar a escopeta, embora as luzes e as cores do ambiente
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nesse momento os cabos o atacaram por ambos os lados. Ele se atirou no cho e rolou,
conseguindo escapar ao espernear e agitar os
braos.
Uma terrvel sensao de desespero se
abateu sobre Michael. Como conseguiriam
sair dessa? S havia mais uma bala na escopeta. A arma que estava com Bryson tinha
sido arrastada pelo cho, para perto do balco da bilheteria, atrs do qual estava a
Jamanta, que permanecia parada como uma
esttua, observando tudo em silncio. Alguma coisa em sua atitude chamou a ateno
de Michael ela parecia ser feita de pedra;
encontrava-se estranhamente imvel. Os olhos estavam vidrados, focados em algum
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Michael sabia que s teria uma chance.
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A Jamanta estava a uns dez metros de distncia, atrs do balco da bilheteria. Logo
adiante estava a escopeta que havia entregado a Bryson, livre para quem quisesse
peg-la. Entre a arma e Michael, dezenas de
cabos pretos flutuavam no ar como cips
vivos, formando uma teia de armadilhas. Ele
saiu correndo.
Todos os cabos o atacaram de uma s vez,
vindo de todas as direes. Ele agitou os
braos de maneira frentica, saltou e se contorceu, exalando adrenalina at pelas orelhas. Um dos cabos o derrubou, mandando-o
de barriga para o cho. Outros dois imediatamente se enrolaram em seu tronco, mas ele
se desvencilhou a tempo, afastando-os com
as mos. Esperneou e se debateu, chutando e
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X. TRS DEMNIOS
1
Demorou alguns minutos, mas enfim a respirao de Michael voltou ao ritmo normal.
Inspirando e expirando com a maior tranquilidade possvel, ele foi caminhando at
Bryson e Sarah. No era preciso dizer nada,
eles sabiam o que fazer. O trio se virou e se
dirigiu ao corredor no fundo do saguo.
Uma voz conhecida se fez ouvir logo atrs,
e Michael se virou para ver Ryker outra vez
atrs do balco de comidas e bebidas.
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palavras
soaram
bastante
ameaadoras para
Michael. Ele sabia como as coisas funcionavam no Sono, e temeu que houvesse alguma coisa por trs daquela advertncia.
Estaria falando do Portal para o Caminho ou
de algo maior, como o prprio Kaine?
Ah, vai cuidar da sua me e no me enche o saco respondeu Bryson.
Antes que Ryker pudesse responder, os
trs saram correndo. Michael desejou nunca
mais precisar cruzar o caminho daquela garota de novo.
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2
O corredor foi ficando mais escuro, e depois mais gelado. Michael comeou a tremer.
No havia nenhuma fonte de luz, e s conseguiam ver o suficiente para dar o passo
seguinte o corredor parecia no ter fim.
Quando perceberam que no estavam sendo
seguidos, diminuram o passo e, medida
que avanavam, a temperatura s caa. Pouco depois, Michael percebeu que j soltava
vapor condensado pela boca.
Calculou que pelo menos um quilmetro
havia sido percorrido sem que ningum dissesse uma palavra.
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3
Enfim chegaram ao fim do tnel: uma
porta fechada por uma barra de metal encaixada em dois enormes suportes de ferro.
Havia vrios bancos de madeira encostados
nas paredes e um armrio gigantesco repleto
de armas e munies. Michael precisou parar
um pouco e recuperar o flego.
Acho que, quando a pessoa morre l
fora, volta pra c comentou Sarah.
Provavelmente respondeu Bryson, revirando o armrio. Mas j vou logo
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gritou
alguma
coisa
incom-
4
O cu era de um azul radiante, e Michael
reparou que na verdade no estava nevando
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vento
castigava
Michael
im-
dormentes.
No
durariam
dez
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melhor, mas no muito. Achou que a programao ali era um pouquinho mais difcil
de lidar que o normal em especial por se
tratar de uma coisa to simples , e se perguntou se os firewalls especiais de Kaine j
no estariam comeando a fazer efeito.
Michael ajeitou a mochila nos ombros e
empunhou a arma para se defender. Ficava
mais difcil acionar o gatilho com as luvas,
mas no era impossvel. Olhou ao redor e viu
a superfcie coberta de branco em todas as
direes e sem ningum por perto. distncia, porm, uma coluna de fumaa negra se
erguia no ar.
Sarah chegou mais perto e teve que elevar
a voz para ser ouvida.
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Faz sentido que a ao esteja acontecendo naquela direo ela falou, apontando para a fumaa. Os mapas diziam que
a gente precisaria seguir para o norte a partir
do ponto inicial. Com base na posio do
sol...
Isso mesmo! Michael gritou em resposta. Agora vamos andando.
Bryson ia alguns metros frente, olhando
para eles como se j soubesse o que fazer.
Michael apontou para o local indicado por
Sarah, e Bryson assentiu com um gesto de
cabea. Estavam a caminho do campo de
batalha.
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trincheiras,
barracas
haviam
sido
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que
esto
vestidos
da
mesma
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6
Com as armas em riste, comearam a descer rumo ao caos instalado mais abaixo. O
sangue vermelho sobre a neve branca s tornava a cena ainda mais horripilante para Michael. Os sons da batalha eram carregados
pelo vento, to terrveis quanto a viso que
proporcionavam. Grunhidos, gritos e rosnados furiosos. Por alguma razo, no entanto,
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Michael
no
ouviu
nenhum
tiro
ser
disparado.
Esperem a ele falou quando um
pensamento terrvel passou por sua cabea.
Essas coisas por acaso funcionam?
Apontando o cano para o alto, ele apertou
o gatilho de sua metralhadora e ouviu um
clique, e mais nada. Irritadssimo, atirou a
arma no cho.
Bryson experimentou a sua e soltou uma
risadinha ao constatar que no funcionava.
S pode ser brincadeira! Isso aqui pura
barbrie disfarada de jogo. Por que esse
pessoal no volta pra Idade Mdia?
Ser que preciso perder meu tempo
apertando o gatilho? perguntou Sarah.
Quando
fez
isso,
obviamente
nada
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7
Michael no ousou admitir na frente dos
amigos, mas estava morrendo de medo. Os
Caixes custavam uma fortuna, e com eles a
VirtNet ficava absurdamente realista o que
era timo para desfrutar os prazeres da vida,
mas no to divertido na hora de ser esfaqueado, espancado ou estrangulado. Michael j tinha feito muita coisa no Sono, mas
o que viria pela frente parecia ser a pior de
todas. Caminhava para a brutalidade pura e
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berros
enlouquecidos
risadas
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se estivesse feliz em receber seu ataque. Michael brandiu a lmina como se fosse
esfaque-la, mas em vez disso saltou e desferiu um chute com os dois ps no peito da
oponente. Ela tentou se esquivar, mas era
tarde demais: foi atingida em cheio. Soltando
um grito abafado, ela cambaleou para trs e
foi ao cho.
Michael tambm caiu, mas ficou em p de
novo em um instante e correu at a mulher,
que j apoiava as mos no cho para se levantar. Ele baixou os ombros e se lanou
sobre ela. Os dois rolaram pelo cho vrias
vezes antes de parar. Michael ficou por cima.
A mulher estava sem a faca, mas tinha conseguido manter o controle sobre o basto,
com o qual investiu contra Michael, que
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largou a lmina para se defender e tentou arrancar o porrete da mo dela, sem sucesso.
Ambos comearam a pux-lo para si, mas
nenhum dos dois foi bem-sucedido. Por fim,
ele conseguiu empurrar o basto para baixo,
acertando-a na boca.
O
som
repugnante
dos
dentes
se
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mulher que atacara Michael primeiro e segurava uma faca contra seu pescoo.
No importava o que Sarah havia dito; o
que Michael mais queria era poder codificar
uma arma de algum outro jogo. Fechou os
olhos e se perdeu em um mar de linhas de
programao,
procurando
freneticamente
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Desta vez, porm, enquanto esperava, Michael estava furioso. Mal haviam comeado e
ele j tinha sido morto, sem conseguir examinar nem uma nica trincheira! Como conseguiriam revistar todas? Impaciente, permaneceu deitado em silncio. Por fim, uma
luz apareceu e foi crescendo at apresentar
outra vez o vasto mundo da VirtNet.
Ele abriu os olhos e se viu diante da porta
que levava ao mundo coberto de neve onde
havia sido assassinado. A barra estava de
novo nos suportes, mantendo a entrada
fechada. Michael soltou um suspiro de alvio
por no ter sido mandado de volta ao saguo.
Duvidava de que ainda tivesse energia e disposio para passar de novo por Jamanta e
por Ryker, a caipira briguenta.
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Gemendo por causa das dores remanescentes dos dois confrontos anteriores se
fosse mesmo possvel definir o segundo
ataque que sofrera como um confronto ,
Michael se sentou. Estava sozinho no tnel, o
que significava que Bryson e Sarah continuavam vivos, ou ento que tinham morrido depois dele.
Estava novamente fardado, com a mochila
abarrotada de volta s costas. Depois de dar
uma rpida verificada nas armas do armrio
que no funcionavam e perder tempo
testando uma granada que tambm no
servia para nada , removeu a barra da
porta e saiu mais uma vez para o ar livre e
gelado, tentando pensar em algo que pudesse
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Michael viu duas pessoas distncia subindo uma grande elevao branca. Tinha
certeza de que eram seus amigos os cabelos castanhos de Sarah esvoaavam sob o
gorro, e a postura arrogante de Bryson era
reconhecvel a quilmetros. Ciente de que
no conseguiria alcan-los, decidiu fazer
uma rota alternativa. Em vez de caminhar
diretamente para o campo de batalha feito
um idiota como na primeira vez, quando
no sabiam o que esperar , pensou em contornar o morro pela direita e passar
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incgnito at encontrar um lugar mais favorvel para entrar no olho do furaco. Depois de andar mais alguns metros, percebeu
que Bryson e Sarah haviam adotado a
mesma estratgia, mas avanavam pela
esquerda.
Legal, pensou Michael. Talvez assim conseguissem inspecionar algumas trincheiras
antes de serem atacados por brutamontes ou
mulheres lunticas outra vez.
O vento fustigava as roupas de Michael, e o
gelo e a neve castigavam a pele exposta do
rosto. Seus lbios comeavam a ressecar, e
com certeza rachariam em breve. Quase
chegou a desejar entrar em um confronto, s
para acelerar os batimentos cardacos.
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pessoas
participando
daquela
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Esperou atrs de um monte de neve enquanto se preparava para avanar. A lembrana da lmina cortando sua garganta
ainda era recente demais; o local ainda estava dolorido.
Fechando os olhos, concentrou-se no
cdigo dos arredores por um instante. Estava
bem difcil de ler, como um mar de letras e
nmeros em meio a uma tempestade.
Demorou alguns minutos, mas por fim conseguiu capturar uma linha de um jogo chamado Dungeons of Delmar, que concedeu
poderes mgicos, como raios invisveis, a sua
lmina; com um pouco de sorte, aquilo passaria despercebido.
Era melhor que nada.
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um
pouco
consigo
mesmo,
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Alguns
soldados
notaram
sua
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menos,
ningum
corria
em
sua
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No havia ningum l dentro tambm.
Ele
desceu
comeou
sua
busca.
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Michael
saiu
correndo
para
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Por sorte, suas roupas j estavam todas sujas e manchadas de sangue. Ele no parecia
mais um intruso naquele lugar.
s um moleque idiota o homem
disse para a mulher. Voc acha que pode
hackear coisas de outros jogos pra c e sair
impune? Est na cara que um novato
mesmo.
Michael estreitou os olhos.
Como assim?
Voc ainda no saiu correndo. Deve estar achando que esta granada no funciona.
Ele abriu a boca para responder, mas,
antes que dissesse qualquer coisa, a mulher
arrancou o pino e arremessou a granada, que
pousou ruidosamente na lama sob os ps de
Michael. Ele lanou um olhar de desafio para
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Acordou no incio do jogo, no tnel congelado. Bryson estava l sentado tambm, e
no pareceu nem um pouco surpreso com a
apario de Michael.
Que droga morrer neste jogo
comentou Bryson. Estou com dor. No
corpo todo.
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Pois , eu tambm.
Michael se levantou para se esticar, e sentiu na carne os efeitos de suas duas mortes.
No eram como ferimentos verdadeiros o
Caixo se limitava a estimular os nervos para
obter reaes fsicas , mas tambm no desapareciam de uma hora para outra.
E Sarah, como est indo? ele
perguntou.
Bryson deu de ombros.
Sei l. A gente se perdeu.
Quantas trincheiras vocs revistaram?
Bryson mostrou cinco dedos com a mo
enluvada.
Mas ainda no encontramos nada.
Cara resmungou Michael , isso vai
levar anos.
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balanou
cabea
em
concordncia.
Vamos encontrar logo essa porcaria de
Portal.
Caminharam outra vez porta afora.
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Os dois dias seguintes foram uma experincia infernal para Michael.
Ele morreu 27 vezes naquela arena glida e
brutal, de todas as maneiras imaginveis. Algumas mortes foram piores que as outras,
mas por algum motivo continuou insistindo.
A faca reprogramada o ajudou algumas
vezes, e ele tentou outros truques, como uma
habilidade especial em saltos tirada do
Canyon Jumpers e velocidade aprimorada
com a ajuda de um acelerador de movimentos obtido no Running with Raggers. No foi
nada fcil programar aquilo, e no fim essas
coisas s serviram para adiar seu destino
sempre inevitvel.
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nunca
se
tornava
menos
traumtica.
Sarah estava sua espera no tnel, sentada
no cho e encostada parede. As pernas estavam cruzadas, e ela parecia exausta. Michael se sentou diante dela, e foi nesse momento que ficou sabendo da descoberta.
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ficaram
por
um
bom
tempo,
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compartilhando a experincia pela qual passavam. Foi quando sua dor de cabea atacou
de novo.
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Michael desabou no cho gelado e se encolheu todo, praticamente ignorando a
presena de Sarah a seu lado, que lhe perguntava aos gritos o que estava acontecendo.
Ele no conseguia falar. Agarrou a prpria
cabea e comeou a se contorcer todo, sentindo o crnio latejar. A lembrana do que
havia ocorrido no beco o impedia de abrir os
olhos.
As vises. Aquelas vises sinistras e assustadoras. Michael no sabia se na VirtNet
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sua
mente
se
comportaria
da
mesma
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apoiou parede e olhou para o teto. Sua semana no poderia estar sendo melhor.
T tudo bem? perguntou a amiga.
Michael se virou para ela.
T. Quando passa, de uma vez s.
Agora no est doendo nadinha de nada.
Mas ele estava exausto e morrendo de
medo. Depois de dias sem nenhuma crise,
Michael esperava que aquilo no fosse
acontecer mais.
Sarah passou os dedos pelos cabelos dele.
O que aquele monstro fez com voc?
ela murmurou.
Ele deu de ombros, presumindo que ela se
referisse ao SimKiller.
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Bryson descreveu a trincheira onde encontrara o Portal, e de fato era a mesma que
Sarah havia mencionado. Michael e os amigos se esforaram ao mximo para tentar
elaborar um plano. Precisariam chegar bem
perto do Portal, e com tempo suficiente para
hackear o cdigo. No entanto, saltar naquela
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Quando as mochilas estavam carregadas,
eles as puseram nas costas, vestiram as luvas
e os gorros, abriram a porta e saram.
Michael e Sarah foram caminhando atrs
de Bryson pelo lado esquerdo do vale, tomando o cuidado de se manter ocultos. Ao
chegarem
elevao,
deitaram-se
comearam a rastejar.
Foi quando Michael teve uma ideia:
E se a gente esperasse at amanh cedo
e chegasse antes de todo mundo?
O que ele realmente queria dizer era: Por
favor, no me faam passar por esse inferno de novo. No aguentava mais aquilo.
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S chegaram trincheira uma hora depois,
e precisaram enfrentar uma poro de gente
no caminho. s vezes era s um homem ou
uma mulher, e a questo se resolvia rapidamente. Outros casos, porm, eram mais
complicados grupos de dois, trs ou
quatro soldados atacando ao mesmo tempo.
O nico ponto positivo de ter morrido tantas
vezes era que Michael, Bryson e Sarah j tinham adquirido experincia suficiente alm
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Bryson
correu
at
extremidade
da
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baixo.
Michael percebeu que estava com o olhar
perdido na poa de sangue deixada pelo
sujeito que morrera pouco antes. O que estaria acontecendo? Aquela voz durante a
crise de dor de cabea dizendo que ele estava
indo bem, um estranho falando sobre
Kaine... O que aquilo tudo significava?
Michael temeu que Kaine soubesse exatamente onde estavam e o que faziam.
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Michael assentiu.
Falou, mas conto para vocs mais tarde.
Estamos prestes a receber visitantes indesejados. Parece que est rolando uma invaso
de zumbis l em cima, e somos o prato
principal.
por aqui disse Bryson, fazendo um
gesto para que o seguissem.
Caminharam
uns
cinco
metros
pela
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Os rudos da Guerra da Groenlndia rapidamente desapareceram o tnel era silencioso, como se fosse isolado por alguma
porta. Quando olhou para trs, Michael pde
ver o motivo. A trincheira da qual havia fugido no estava mais l, apenas o estranho
brilho arroxeado.
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Virou-se de novo para a frente e ficou aliviado ao ver que no tinha se perdido de
Bryson e Sarah. Eles ainda engatinhavam
pelo tnel, mas concentrados no cdigo, com
os olhos se movendo freneticamente atrs
das plpebras.
Consegui pegar uma espcie de mapa,
ou guia informou Sarah, sem abrir os olhos. Est vendo?
Bryson balanou a cabea em sinal afirmativo, embora Sarah no pudesse v-lo.
No muito detalhado. Vamos ter que
continuar acessando o cdigo para seguir
essa trilha.
O que est acontecendo? perguntou
Michael. O que eu preciso fazer?
Sarah se virou para ele.
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Bryson
comentou,
soltando
uma
risadinha.
Sarah se virou e se afastou de Michael.
Vamos l, ento. por aqui.
Ela saiu engatinhando de novo, seguida
por Bryson e depois por Michael, todos eles
se embrenhando cada vez mais no tnel.
Vrios minutos se passaram sem que nada
acontecesse. Michael sentiu uma presso
sufocante no peito, que se aliviava de imediato quando parava um pouco para respirar.
O silncio no ambiente tambm era dos mais
estranhos, quase como se na verdade no
fosse silncio, e sim um zumbido constante.
Presumiu que os outros estivessem quietos
por estarem concentrados no cdigo, mas
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em
frente,
engatinhando,
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O trio de amigos limitou-se a ficar encarando a velhinha, todos eles imveis. Ela
parou de se balanar e se inclinou para a
frente.
Pelo amor dos deuses, venham at aqui
agora mesmo ou vo se arrepender!
Assustado com a sbita mudana de tom,
Michael se levantou s pressas, assim como
Bryson e Sarah, e os trs se dirigiram ao
centro da plataforma, para junto da mulher.
Sentem-se ela ordenou. Seus lbios
enrugados eram murchos, como se ela no
tivesse dentes, e sua voz era bem rouca.
Eles obedeceram. Michael cruzou as pernas e esperou que ela falasse. Coisas assim
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eram
envelhecidas
bem
ralos.
encontravam-se
As
mos
pousadas
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Sim
Michael
respondeu.
Perfeitamente.
A mulher assentiu e se recostou na cadeira,
fazendo-a balanar outra vez.
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um
lugar
chamado
Ravina
Consagrada.
Ah, sei muito bem o que esto procurando. O Caminho s leva a um lugar, e a esse
lugar s se pode chegar de uma maneira.
Mas a Ravina Consagrada bem longe daqui,
isso eu posso afirmar.
Michael estava ficando impaciente.
E o que precisamos fazer pra chegar l?
Ela espichou o dedo outra vez, a unha amarelada apontada para ele.
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soltou
uma
risada
antes
de
responder:
S existem duas formas de sair deste
disco. A primeira pular e acordar na Viglia.
Sem chance, pensou Michael.
E a segunda? Bryson quis saber.
A mulher sorriu, movimentando as rugas
do rosto.
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Logo depois que ela disse essas palavras, a
estrutura em que se encontravam despencou
vrios metros. O estmago de Michael foi
parar na boca enquanto caam, e ele
procurou por algo em que se segurar.
As luzes piscavam no cu, e passagens
comearam a aparecer e desaparecer aleatoriamente ao redor, espaos escuros e
simtricos que flutuavam no ar a poucos
metros da extremidade da pedra.
O disco comeou a rodar em torno de si
mesmo, fazendo
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por
no
ter
sido
punido
pela
desobedincia.
O disco oscilou de novo, e os trs precisaram se esforar para se manter onde estavam. Michael olhou para a extremidade da
circunferncia de pedra e viu que os retngulos pretos continuavam a aparecer e desaparecer. Por toda parte, nuvens escuras se
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Michael concentrou toda a ateno em se
lembrar daquelas palavras enquanto ela falava, tanto que quase nem reparou em sua
desapario. Quando fechou os olhos e
tentou
se
recordar,
porm,
constatou
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Vocs
entenderam?
perguntou
Bryson.
Michael olhou para ele, aflito.
H... talvez. A maior parte. Quer dizer,
um pedao.
Sarah se virou, e os trs ficaram frente a
frente. Quando ela abriu a boca para falar, o
disco girou de novo, fazendo uma rotao de
noventa graus. Os retngulos escuros que
Michael presumiu serem Portais continuaram aparecendo e reaparecendo a intervalos regulares.
Bem, acho que me lembro anunciou
Sarah.
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mais prximo possvel do cho. Um dos Portais se abriu diante dele, revelando sua profundidade absurda. Era to escuro que parecia at ter vida.
Com movimentos cuidadosos, engatinhou
at poucos centmetros da extremidade. Em
seguida, deitou-se e rastejou pela distncia
restante. Enquanto fazia isso, o Portal logo
frente desapareceu e foi substitudo pelo movimento das nuvens no cu. Michael fechou
os olhos e espichou a cabea para fora;
quando os abriu, notou algo entalhado na
borda do disco. Eram numerais um e dois
, formando o nmero doze.
Ele se virou para os outros e gritou:
Encontrei a meia-noite!
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Volta aqui antes que voc seja lanado
para
fora!
Sarah
respondeu
imediatamente.
Michael foi rastejando para a esquerda at
chegar ao nmero onze. Logo em seguida, recuou e comeou a engatinhar outra vez. O
disco girou mais um pouco, e ele teve que
parar e tentar se manter no lugar at que a
rotao terminasse. Em seguida, voltou correndo at onde estavam os outros dois
amigos.
O disco numerado revelou Michael.
Como um relgio.
Sarah balanou afirmativamente a cabea.
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coisas
aconteceram
ao
mesmo
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Nesse momento o disco girou, e os trs
precisaram se agarrar uns aos outros. Fragmentos de pedra se soltavam da extremidade
do disco, perdendo-se na escurido. A teia de
rachaduras continuava a crescer, cobrindo
quase toda a superfcie. Tinham pouco
tempo.
Vamos l! gritou Michael, e saiu na
direo que parecia ser a certa, mas, sem as
pernas de Bryson apontando para a meianoite, no havia como ter certeza. Os Portais
escuros continuavam aparecendo e desaparecendo sem parar.
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J estavam perto o suficiente da extremidade para ver o nmero quatro. Bryson tinha
se enganado.
Foi mal! ele gritou.
O disco girou de novo, mandando os trs
para o cho, um caindo por cima do outro.
Michael tentou se apoiar para se levantar e
comeou a entrar em pnico quando suas
mos no encontraram nada alm de ar. A
borda spera de pedra partida arranhou seu
cotovelo, e ele encolheu o brao, enquanto
Bryson o puxava para que no casse no
vazio. Michael desabou de novo sobre Sarah,
que grunhiu e o empurrou, mas ele se
manteve onde estava. O disco inteiro tremia.
Era como se estivessem no epicentro de um
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Michael
continuou
correndo
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XIV. MEDO
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Ele desabou sobre um piso de madeira com
um baque surdo, e uma pontada de dor se
espalhou pelas costas inteiras. Um papel de
parede florido gasto e soltando nas pontas
revestia as paredes de um corredor largo,
que se estendia em ambas as direes. Mais
acima, uma nica lmpada proporcionava
uma luminosidade fraca. Bryson estava deitado a seu lado, a cabea apoiada nos braos.
Sarah estava de joelhos, apesar de ainda
parecer um pouco zonza.
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melhor
comear
explorao.
Ouviram um barulho.
Era um rudo grave e sofrido, que vinha do
fundo do corredor, do lado direito de onde
Michael se encontrava. Ele sentiu um arrepio
se espalhar pelo corpo todo e desencostou da
parede, assumindo uma postura mais defensiva. Parecia ser o som de um homem gemendo, e continuou por um bom tempo. Michael estava prestes a murmurar algo para os
amigos quando um grito apavorante reverberou naquela mesma direo, um lamento
desesperado de dor. Em seguida, o corredor
ficou em silncio. Bryson e Sarah se viraram
para Michael, os olhos arregalados.
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2
Caminharam na direo oposta aos rudos
assustadores. Michael continuou olhando
para trs a todo instante, convencido de que
a qualquer momento algum espectro terrvel
apareceria s suas costas, mas at aquele instante no ouvira mais nem um pio.
Para ajudar, o corredor no acabava. Caminharam por um tempo inacreditavelmente
longo, passando sob inmeras lmpadas
como a primeira que tinham visto. Com o
tempo, Michael foi notando um padro
quando
luz
ia
ficando
insuficiente,
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Michael
murmurou
uma
voz
inumana.
Michael se virou e se encostou na parede.
Olhou para um lado e para o outro, mas a
voz parecia vir de todos os lugares ao mesmo
tempo, como se houvesse alto-falantes instalados nas paredes, no teto e no piso.
Michael, voc est indo bem.
Uma brisa soprou pelo corredor, agitando
os cabelos de Michael e as roupas de Bryson
e Sarah. Era como se um animal gigantesco
tivesse soltado uma baforada l dentro.
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Duas horas depois, ainda no haviam encontrado porta nenhuma.
O vento fantasma tinha soprado mais trs
vezes, e em todas elas acompanhado do sussurro perturbador. Michael ficara arrepiado
ao ouvi-lo, mas tinha feito de tudo para no
demonstrar seu desconforto. Por que estava
recebendo elogios? Fosse o que fosse, porm,
a voz no fizera nada para tentar det-los ou
prejudic-los. medida que caminhavam
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Michael respirou fundo e comeou a procurar por algo que pudesse ser considerado
uma anomalia. Estava faminto, o que dificultava sua concentrao. Tinha de conseguir
comida em breve, caso contrrio seu nvel de
energia despencaria. No Caixo, seu corpo
fsico no sofreria nada com isso, mas na
VirtNet seria um problema. As foras de sua
Aura seriam drenadas at que mal conseguisse rastejar.
No conseguia acreditar no que estava
vendo na programao ao redor. Se o cdigo
do Devils of Destruction podia ser considerado uma tempestade de letras e nmeros,
ali o que se via era um tornado, girando com
tanta fora que mal era possvel discernir
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sobre esse tal de Kaine. Ele deve ser uma espcie de gnio.
Bryson deu de ombros.
Como eu ia dizendo, maluquice pura.
Nenhum de ns conseguiria fazer uma coisa
dessas. Disso eu tenho certeza.
Mas voc falou que tinha encontrado
uma coisa insistiu Michael, sentindo as esperanas se desfazerem.
E encontrei mesmo. Isso aqui pode at
envolver um nvel absurdamente alto de programao, mas no somos to burros assim.
D s uma olhada.
Ele se levantou, caminhou at a outra
parede, encostou a cabea nela como se escutasse alguma coisa e deslizou as mos pela
superfcie lisa.
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Bryson mostrou para eles o que havia localizado no complexo ciclone do cdigo e, de
fato, havia uma pista ali. Os trs concordaram que a nica maneira de prosseguir
no Caminho era atravessando a parede.
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Comearam
a caminhar
em
meio
escurido.
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Tudo ali era silencioso e assustador. Os
passos, a respirao e o farfalhar das roupas
eram os nicos sons possveis de discernir.
Michael olhou para trs e notou que o buraco
na parede havia se tornado apenas um
pontinho luminoso distncia. A programao por l devia ser bem slida, refletiu Michael, porque a perspectiva parecia
perfeita e consistente. Em locais no to bem
programados era possvel ver as falhas no
cdigo: o ambiente ao redor se alterava de
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Por um longo instante, o corao de Michael pareceu querer sair pela boca, e ele se
preparou
mentalmente
para
morrer,
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Durante as duas horas seguintes, nada
mudou, a no ser a areia que os acompanhou
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disse
nada
enquanto
se
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convivncia
com
eles
permanecia
inacessvel.
Era uma coisa estranhssima, que o deixou
aterrorizado. E o mais assustador de tudo era
que o motivo disso podia ser o SimKiller.
Sem dvida nenhuma aquela criatura havia
provocado algum dano em seu crebro.
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Bryson o acordou sacudindo seu ombro de
leve. Michael olhou para os dois amigos com
a viso ainda sem foco.
Que coisa, cara comentou Bryson.
A gente j acordou faz uma hora. E voc
ronca como um urso gordo.
Michael esticou as pernas, levantou-se e
soltou um bocejo, esfregando os olhos. O
ambiente escuro da escadaria oscilou um
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descoberta
perturbadora
voltou
assombr-lo de imediato. Por que no conseguia se lembrar da ltima vez que estivera
com os pais? Onde estariam? Por que Helga
no havia voltado para casa? Como tinha
conseguido ficar tanto tempo sem sequer
pensar no pai e na me? Michael no costumava falar com os dois durante as viagens,
mas
mesmo
assim
aquilo
era
muito
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Era impossvel determinar quanto tempo
havia se passado antes de as coisas comearem a mudar. Michael tentou contar os degraus por um tempo, depois os segundos e os
minutos, s para manter a mente ocupada
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Michael parou na soleira da porta. Sentiu a
presena dos amigos s suas costas, mas a
pressa deles para entrar naquele corredor
parecia ser idntica sua ou seja,
nenhuma.
Lmpadas como as de uma casa mal-assombrada iluminavam o corredor, fazendo
Michael sentir saudade da escurido que os
cercava at pouco tempo antes. Os ocupantes
do local estavam parados como esttuas, os
olhos voltados para os trs amigos.
Michael se concentrou nos rostos mais
prximos. sua direita havia uma mulher,
plida como o luar, usando um vestido
branco amarrotado, mas limpo. Seus olhos
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Michael rolou para ficar com as costas no
cho e levou os braos ao rosto para se defender. O que viu em seguida o deixou paralisado. Parecia uma cena de cartaz de filme de
terror. Vrias mos estavam estendidas em
sua direo, os rostos com expresses furiosas. No entanto, quando ficou imvel, todos
os demais tambm ficaram. Os olhos inflamados o encaravam sem desviar, mas ningum se mexia.
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Respirou
fundo
vrias
vezes
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6
Andar sem fazer barulho era difcil, e os
trs foram avanando no ritmo mais lento
em que Michael j havia se deslocado na
vida. Aquilo era um tanto irritante, mas pelo
menos mantinha aquelas pessoas em seus
lugares.
medida que avanavam, os rostos ao
redor se misturaram em uma massa compacta aos olhos de Michael. Ele parou de
fazer distines entre homem e mulher,
adulto e criana, gordo e magro. Tentando
no olhar para ningum, concentrou sua
viso no ponto mais distante possvel.
Depois do que pareceu ser uma eternidade,
o fim do corredor se tornou visvel. Em um
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Quando viu a sada, a tentao de correr
at l foi quase irresistvel, mas Michael
aguentou firme. Continuou se deslocando
com passos cautelosos.
medida que iam passando, os trs amigos atraam todos os olhares. Enquanto
tentava se concentrar apenas nos prprios
movimentos, Michael ouviu um rudo esquisito atrs de si, uma espcie de resmungo,
e sentiu o corao disparar ao notar que
vinha de Bryson. Michael viu as pessoas a
seu lado comearem a se mexer.
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joelhos,
horrorizado,
observando
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Michael sabia como as coisas funcionavam.
Quando se estava no Sono, havia sempre a
conscincia de aquilo no era real. Na pior
das hipteses, quando a pessoa morria
mesmo que de forma violenta , ela voltava
ao Caixo, de onde poderia sair, tomar um
banho, relaxar e se recuperar para voltar ao
jogo outro dia. Era uma certeza que se fazia
presente o tempo todo.
No Caminho, porm, essa noo parecia
mais distante. Naquele momento, Michael
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Grunhidos,
estalos
rasgos.
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fazer
nenhum
movimento
brusco.
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Ele se concentrou na nica coisa que estava a seu alcance: chegar at a porta. Vasculhou o cdigo procura de uma maneira
de abafar o rudo que produziam uma
coisa bem simples, mas difcil demais de
conseguir diante de um firewall de tamanha
complexidade. Demorou um bocado, mas no
fim deu certo. Sarah percebeu e lhe fez um
agradecimento silencioso.
Pouco a pouco, foram se aproximando do
objetivo, mas ainda havia um ltimo obstculo: a pilha de corpos que, unidos,
haviam tirado a vida de Bryson. Michael se
encostou contra a parede, estendendo braos
e pernas. Era uma tarefa complicada, mesmo
tendo seu silncio garantido pela manipulao do cdigo, e o suor comeou a brotar
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Era uma mata fechada, com rvores imensas e uma nvoa espessa instalada sobre os
galhos como se fosse musgo. Um caminho de
terra batida a atravessava, convidando Michael e Sarah a se embrenhar nele. Bem ao
lado da entrada da trilha, sob a folhagem de
um enorme carvalho, havia um homem
plido vestindo um manto vermelho, e um
capuz lhe cobria a cabea.
Puxa, um casalzinho comentou o
estranho.
2
Por alguma razo, a primeira reao de Michael ao ouvir aquelas palavras foi se virar
para ver se a porta ainda estava l. E estava,
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A lgica se fez valer sobre a fome, e Michael quase concordou com a amiga. Nesse
exato momento, porm, o desconhecido se
virou para falar com eles, e o que falou encerrou a conversa.
Vocs no conseguiro chegar ao prximo nvel do Caminho sem mim afirmou o
homem. Mesmo hackeando o cdigo, jamais
encontraro
sozinhos
Ravina
Consagrada.
Em seguida, recomeou a caminhada, desaparecendo na penumbra da floresta.
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Ele deve ser s um Tangente argumentou Michael, virando o pescoo para observar os arredores.
A nica fonte de luz por ali vinha das prprias rvores, que emitiam um brilho azulado dos troncos sulcados. Os galhos e as folhas se fechavam cada vez mais sobre as trilhas, como se quisesse expulsar os visitantes.
Ento por que voc falou que ia mandar
o cara de volta para a Viglia? questionou
Sarah.
Falei s por falar ele respondeu.
Michael no estava muito a fim de
conversa.
O homem manteve seu passo acelerado,
seguindo uns cinco metros na frente deles
com seu estranho animal de estimao
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A floresta se estendia indefinidamente em
todas as direes.
Michael viu mais trs pares de olhos amarelos que, assim como o primeiro, no esboaram nenhum movimento alm de acompanhar sua passagem. No entanto, a mesma
sensao de medo o invadiu todas as vezes,
obrigando-o a andar mais depressa.
Por que tanta pressa assim de repente?
perguntou Sarah quando ele avistou a
quarta criatura.
Estou vendo alguns olhos a na mata
ele respondeu, notando o medo na prpria
voz. Parecidos com os dos SimKillers, s
que menores, um pouco diferentes.
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SANTURIO MENDENSTONE
SUPERVISOR ENCARREGADO
MESTRE SLAKE
TODOS SO BEM-VINDOS
Mestre Slake? questionou Michael.
Voc mestre em qu?
O homem se virou e o encarou com
firmeza.
Estou aqui para ajudar, garoto. Tenha
um pouco de respeito pelo meu... Ele se
interrompeu e olhou para Sarah, depois de
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A floresta no terminava depois da arcada,
mas a clareira aberta no local continha
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Michael e Sarah hesitaram, esperando para
ver quem entraria primeiro. Por fim, Sarah
se inclinou na direo de Michael e o empurrou para dentro.
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Uma mesa grande e baixa ocupava o cmodo de ponta a ponta. Sobre ela, travessas
e pratos cheios de comidas que pareciam deliciosas o banquete mais convidativo que
j tinha visto. Sua ateno, porm, logo se
voltou para os vultos ao redor. Com exceo
de Mestre Slake, nenhum deles era humano.
Um co vira-lata de quase um metro de
comprimento apareceu correndo na direo
de Michael com um copo na boca. sua
direita, um enorme urso preto, com algumas
falhas na pelagem do peito, colocava uma
bandeja de cupcakes no balco que separava
a sala de jantar da cozinha. Um urso. Com
uma bandeja. E de cupcakes. Michael tentou
se convencer de que aquilo no era nada de
mais. Na VirtNet, tudo era possvel.
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Havia tambm um tigre apoiado nas pernas traseiras, segurando um jarro com bebida nas patas dianteiras. Um cisne agitava
as asas e usava o bico para arrumar os pratos
na mesa. Uma raposa arrastava uma bandeja
com um enorme peru de Natal. Um leo segurava uma cesta de pes entre seus
enormes dentes incisivos. Um gato estava
sobre a mesa, cortando um frango com uma
faca.
Estranhamente, a primeira coisa que passou pela cabea de Michael foi: por que esses
animais no se incomodavam de cozinhar
seus semelhantes? Talvez os frangos e os
perus no estivessem no mesmo nvel dos
demais na pirmide social dos bichos.
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escura.
Abenoem-nos,
caros
espritos. Abenoem-nos com sua fora e esperana. Que eles possam derrotar os
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demnios que os atacarem, que possam continuar sua jornada pelo Caminho. Amm.
Slake largou a mo dos dois, abriu os olhos
e comeou a comer, atacando uma coxa de
peru como um co faminto. A gordura passou a escorrer por seu queixo, e um pedao
de carne ficou pendurado na boca.
Michael foi obrigado a desviar o olhar.
Seus pensamentos ainda estavam voltados
para as palavras da orao, e ele no se furtou a perguntar:
Voc falou em demnios ele comeou,
revirando a comida no prato para no ter
que olhar para o anfitrio. Isso foi... s um
modo de dizer?
Slake deu risada.
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Sei
que
ambos
so
bastante
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acreditar. Acho que encontrei minha vocao. Eu sou humano, Michael, Sarah. Sou
um humano em um mundo no humano. A
programao fala por si s. Duas pessoas inteligentes como vocs j deviam ter percebido isso antes. O Caminho deveria ter
mostrado a vocs.
Ele fez uma pausa. A cabea de Michael
girava a mil.
J deveriam ter notado continuou
Skale. Afinal, j estiveram na presena de
Kaine. J estiveram na presena de muitos
Tangentes. E j estiveram entre outros
jogadores inmeras vezes. A diferena na
programao sutil, mas, quando voc sabe
o que procurar, sempre acaba encontrando.
Fez outra pausa. Acho que o seu amigo
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revirou
ao
pensar
nisso.
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pensava a mesma coisa. Michael ainda estava com fome, por isso deu uma mordida no
po e comeou a comer o frango. Mais uma
vez, perguntou-se por que aquele animal
havia sido morto enquanto os outros podiam
continuar vivendo livres, leves e soltos.
Skale o surpreendeu respondendo pergunta como se estivesse lendo sua mente:
Todos os meus amigos sabem que um
dia vo virar alimento. Eles costumam considerar isto uma honra: ter algum propsito
depois de viver uma vida plena.
Por alguma razo, aquilo deixou Michael
furioso.
Voc sabe que nada disso real, no
sabe?
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boca
na
roupa,
manchando
manto
vermelho.
Vocs j tm a informao de que precisam, se estiverem dispostos a procurar. Espero que sua memria seja boa, meu filho.
Meu filho?
Essa sua mania de ficar me contradizendo bem desagradvel, garoto. Sugiro
que pare com isso.
Pelo tom de voz do homem, Michael achou
melhor baixar a cabea e concordar. Aquele
velhinho tinha fogo nos olhos, isso era inegvel. Michael s no sabia o que ele seria
capaz de fazer para cumprir suas ameaas
veladas a no ser que aqueles animais estivessem
todos
sob
seu
comando.
Ser
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O que vocs sabem sobre as Profundezas? perguntou Skale depois que eles se
acomodaram nas poltronas gigantescas que
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ficavam
diante
da
lareira
de
tijolos
aparentes.
Michael se inclinou para a frente, curioso.
Est falando do Lifeblood Deep?
Lifeblood Deep repetiu o homem, bufando. Acha mesmo que esse o nico
programa que chegou a esse nvel?
Michael no sabia ao certo se tinha entendido o que aquilo significava.
O nvel Deep?
Skale confirmou com um gesto de cabea,
sem tirar o olhar da lareira. Michael viu a
dana das chamas refletida em seus olhos.
Sim, o que mais poderia ser? As Profundezas existem desde o comeo da VirtNet,
mas s alguns programas chegaram a esse
nvel. O Lifeblood o nico que tornou isso
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poderia ter sido criada? Uma coisa to grandiosa e to bem programada que o SSV precisaria de pessoas como vocs para poder
entrar?
Michael queria obter mais informaes,
mas no sabia nem por onde comear.
Por que est falando isso pra gente? Essas charadas e pistas no esto ajudando em
nada.
No estou dando pista nenhuma, garoto!
o homem rebateu, quase aos gritos. Ele
voltou a se sentar em sua poltrona. S estou conversando com vocs, para passar o
tempo enquanto os demnios no aparecem.
Mas talvez seja s o cansao falando por
mim. Todos ns precisamos dormir um pouco, alis.
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Apesar de Skale ter dito que teriam uma
cama disposio, Michael foi conduzido a
um sof velho, duro e desconfortvel que
rangia a cada movimento seu. Mesmo assim,
era melhor que dormir no cho. Puxou o
cobertor de l esburacado at o pescoo e
fechou os olhos. Havia uma vela acesa em
uma mesa ali perto, e ele conseguia ver sua
luz bruxuleante mesmo com os olhos
fechados.
A crise veio violenta.
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acompanhado
de
um
brilho
ofuscante, e ele gritou de dor. Nesse momento, Michael sentiu Sarah se ajoelhar a
seu lado, sacudi-lo pelo ombro e perguntar o
que estava acontecendo. Ele se debateu,
tentando afast-la, com medo de machuc-la
sem querer.
As imagens se sucediam no olho de sua
mente: sua me e seu pai perdendo a forma
at se esvarem como uma nuvem de fumaa.
Em seguida Helga, com o rosto contorcido de
terror. Ela desapareceu. E depois Bryson,
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massacrando
corpo
de
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Skale no acordou. Ou, se acordou, no
apareceu para verificar se estava tudo bem
com seus hspedes. Sarah ficou sentada no
sof junto com Michael, envolvendo-o nos
braos, em silncio. Michael se sentiu grato
por ela no fazer nenhuma pergunta naquele
primeiro momento. Tinha sorte por ter uma
amiga como ela.
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Gunner Skale os acordou com uma sacudidela. Vestido outra vez com seu manto
vermelho, curvara-se sobre Michael e Sarah,
o rosto escondido sob o capuz.
J amanheceu? perguntou Michael.
No Santurio Mendenstone nunca
amanhece respondeu Skale. Essa
nossa maldio e tambm nossa bno, mas
agora no d para explicar. Seus demnios
esto aqui.
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As palavras de Gunner Skale fizeram Michael e Sarah se levantar em um pulo.
Como assim? Michael perguntou para
o velho.
Onde esto esses demnios? acrescentou Sarah.
Seus demnios esto sempre com vocs
respondeu Skale. Sua voz parecia ainda
mais rouca que no dia anterior. Ainda no
entenderam isso? Esto sempre com vocs,
impossvel escapar. Por outro lado, impossvel saber como vo se manifestar. Tenham
cuidado, minhas crianas. Agora venham. E
depressa.
Aonde ns vamos? Sarah quis saber.
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sempre
presentes?
Sacudindo
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Gunner Skale tinha razo quando falou
que os demnios j estavam l. Eram os
animais.
O primeiro a chamar a ateno de Michael
foi o urso. Ele abriu sua boca enorme e
soltou um rugido retumbante para o alto. Em
seguida, seus pelos comearam a se arrepiar
e desaparecer, como as lascas de madeira em
uma lareira. Sob a pele que se retraa era
possvel ver um rosto horrendo, coberto de
cicatrizes, e os olhos assumiram um tom
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vibrante.
Encarar
os
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apertou
obrigando-o a se calar.
Quietinho a.
com
mais
fora,
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Pareciam
criaturas
sombrias
de
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Os demnios se reuniram na porta, os corpos sem pele e ensanguentados comprimidos
uns contra os outros, encarando os trs humanos. Os olhos amarelados brilhavam de
fria, mas Michael detectou tambm traos
de dvida em suas feies.
Responde!
gritou
Michael.
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Mas
Skale
no
disse
nada.
Michael
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A porta estava aberta.
Michael a fechou depois de entrar.
Procura alguma coisa para segurar a
porta!
Sarah j vinha arrastando uma mesa. Ele
correu para ajud-la, empurrando-a pelo
outro
lado.
Dois
segundos
depois,
os
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O vidro provocava cortes no corpo dos demnios medida que entravam pela janela,
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mas isso no os deteve. Michael se concentrou no altar, que estava a poucos metros
de distncia.
Mais rpido! gritou Sarah.
A capela estava mergulhada em um caos de
rudos e movimentos. Em questo de segundos, a horda de monstros os alcanaria.
Chegaram ao altar de mos dadas e imediatamente se ajoelharam. Michael sentiu que
a superfcie acolchoada do genuflexrio
cedeu um pouco sob seu peso.
No entanto, nada mais aconteceu.
J devia saber: apenas se ajoelhar no
bastava.
Precisariam manipular o cdigo para conseguir escapar.
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Uma criatura alada apareceu e derrubou
Michael e Sarah. O monstro assustador
bateu as asas, pairando acima dos dois, e Michael viu que aquele era o demnio-cisne,
uma combinao de palavras que jamais
pensou ser possvel usar algum dia na vida.
Seu bico ensanguentado se abriu, e um rudo
agudo e assustador ecoou pela capela, estilhaando os vidros ainda restantes das
janelas.
Michael arqueou as costas e desferiu um
chute que acertou o corpo do monstro,
lanando-o sobre um dos bancos e em
seguida ao cho, onde permaneceu imvel.
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tempestade
complexa
que
envolvia,
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contra a parede e se levantar em seguida. Michael deu uma olhada ao redor os demnios vinham de todas as direes.
Sabia que o altar devia ser um ponto fraco
na programao, e estava a poucos metros de
distncia. Uma rpida olhada para trs revelou que havia um pequeno demnio ali em
cima o esquilo, ou talvez o furo-doninha
que andava sobre o ombro de Gunner Skale.
A criaturinha sibilou para eles, mostrando os
dentinhos afiados.
Michael e Sarah estavam lado a lado, de
mos dadas, recuando lentamente na direo
do genuflexrio. O cerco dos demnios se
fechava.
Voc manipula o cdigo murmurou
Michael. Tenta achar o ponto fraco. Eu
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vou usando os Discos de Fogo neles completou, apesar de no saber quantos mais
ainda poderia lanar.
Certo respondeu Sarah. Vai me
guiando.
Ela fechou os olhos e apertou a mo dele
com mais fora do que nunca. Michael deu
um passo para trs. Em seguida, reuniu mais
alguns discos e os atirou aleatoriamente em
todas as direes.
Os demnios grunhiram de dor, e Michael
resolveu abandonar de vez toda e qualquer
precauo. Dando um puxo no brao de
Sarah, virou-se e mergulhou na direo do
altar. Eles ainda deslizaram mais meio metro
depois de parar, aterrissando bem perto da
superfcie acolchoada. Sarah, de algum
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se debateu para se desvencilhar, e assim perdeu seu frgil domnio sobre a programao
dos Discos de Fogo. Estavam cercados. Os
demnios os atacavam com garras e dentes.
Por um breve e assustador instante, ele
quase se entregou; quase decidiu deixar que
o matassem. Voltaria para a Viglia e enfrentaria as consequncias.
Nesse momento, porm, algo explodiu
dentro dele. Um rugido escapou de sua garganta e a adrenalina invadiu seus msculos.
Soltando gritos de fria, Michael comeou a
afastar as criaturas a socos e pontaps.
Chegou mesmo a ver o medo instalado nos
olhos amarelados que os cercavam, o que o
encorajou ainda mais.
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Ele nocauteou o monstro enorme que estava em cima de Sarah. Ela estava machucada, o rosto sujo de sangue. Ele a levantou e
a guiou enquanto passavam por cima do genuflexrio e subiam no altar com as esttuas
dos ancestrais.
No era preciso dizer nada. Michael fechou
os olhos e acessou o cdigo, identificando a
presena digital de Sarah. Ela fez tudo bem
diante dele. Em um mar furioso de nmeros,
letras e smbolos, surgiu uma mnima possibilidade de escape, qual ambos se agarraram sem pensar duas vezes.
Os demnios avanaram sobre eles, e suas
formas
digitais
eram
to
assustadoras
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XIX. CALOR
1
O mundo ao redor deles se desfez, e quando
se refez Michael e Sarah estavam em uma
caverna mal iluminada com paredes de rocha
negra.
Puxa vida disse Michael com um
grunhido. Ele se sentou e se encostou
parede mais prxima. Vou ficar bem feliz
se nunca mais precisar ver um bicho na
minha frente outra vez. Principalmente
desses que se transformam em demnios.
Eu que o diga complementou Sarah,
sentada do outro lado da formao rochosa.
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estado,
toda
plida
en-
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Soltando mais um grunhido de dor, Michael se levantou a contragosto e apontou
para o corredor no fundo da caverna, aparentemente a nica sada.
O que voc acha que tem l no final?
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Lava.
A resposta foi to imediata que Michael
ficou surpreso.
Srio?
Sim. Acho que estamos em um vulco.
Essa rocha negra magma resfriado.
Ento uma enxurrada de rocha derretida
pode
sair
por
este
tnel
qualquer
momento?
Eu diria que sim.
As coisas s melhoram por aqui, pensou
Michael.
Ah. Bom, podemos encarar essa. No
vamos nem pensar duas vezes; vamos cair
dentro feito dois idiotas.
Sarah abriu um sorrisinho amarelo.
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Quando chegaram ao fim do tnel, Michael
e Sarah se detiveram para examinar o local.
O que havia diante deles era uma caverna
imensa, repleta de poas de lava.
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Era como se seu corpo estivesse sendo assado em fogo brando em um enorme forno.
Foram seguindo pela trilha de rocha de um
metro de largura que atravessava a lava e
chegaram ao centro da caverna. At ali tinha
sido bem fcil, apesar de o calor emanado
pela lava e o medo de ser queimado pela
rocha borbulhante fazerem o corao de
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embora
caverna
fosse
bastante espaosa.
Passo a passo, seguiam pela plataforma
natural. O calor do ambiente fazia os olhos
de Michael arderem. Quando chegaram ao
outro lado, decidiram ir para a direita,
ziguezagueando por um labirinto de ilhas
rochosas interligadas entre as poas reluzentes de magma. Poderiam voltar atrs
pelo mesmo caminho caso fosse necessrio,
mas ele acreditava que seus instintos estavam certos, impresso que se reforava nas
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O terror que tomou conta de Michael foi
tamanho que ele nem se deu conta de que estava na VirtNet, deitado no Caixo dentro de
sua casa. Esqueceu que aquela morte significava apenas que Sarah acordaria s e salva
em um Caixo, no mximo um pouco assustada e abalada.
Tudo o que ele conseguia ver era o sofrimento da amiga. A lava queimou suas roupas
e sua pele em questo de segundos, revelando uma viso arrepiante de msculos e
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Michael
nas
profundezas
da
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Encontrou tneis ainda mais longos e cavernas ainda maiores. Havia lava por toda
parte. O calor chegou a temperaturas insuportveis, apenas para em seguida subir
um pouco mais. Michael pingava de suor.
Sua garganta estava mais seca do que nunca
como um deserto, uma paisagem lunar.
Beberia a gua do riacho mais sujo do
mundo, de um pntano, de uma estao de
tratamento de esgoto. Era o que ele mais
desejava, porm era impossvel de encontrar.
Aos poucos, suas foras foram se esvaindo, a
fome foi se tornando cada vez mais dolorosa.
Nem sabia como ainda continuava andando, avanando por onde o cdigo ou o
Caminho mandava.
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2
Passaram-se horas. Durante todo esse
tempo, Michael se agarrou a cada minuto
como se fosse o ltimo. Como se fosse entrar
em colapso a qualquer momento, cair e no
conseguir mais se levantar, voltar para a
Viglia, para seu Caixo.
Michael percorria outro tnel sem fim
quando de repente bateu a cabea em uma
rocha protuberante. Gritou de dor e se
agachou, virando-se para observar melhor os
arredores. A dor o despertou de seu torpor.
E, para sua surpresa, notou que a passagem
havia se estreitado. Na melhor das hipteses,
apenas duas pessoas conseguiriam passar ali
por vez. A luminosidade tambm estava bem
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precisaria
comear
engatinhar.
O pnico e uma sensao de claustrofobia
foram tomando conta de sua mente. Seu
crebro exaurido passou a ser bombardeado
por uma srie de perguntas: havia feito algo
de errado? Teria perdido alguma entrada?
Alguma passagem? Algum Portal? Michael
se encolheu, agarrando os prprios joelhos, e
comeou a se balanar, tentando se acalmar.
Aos poucos, a ansiedade foi diminuindo.
Esticou-se de novo e, apesar de a superfcie
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Quando acordou, sentindo o corpo todo rgido e dolorido, Michael olhou para o tnel
cada vez mais estreito e concluiu que era
naquela direo que precisava seguir. A cada
parte superada da jornada pela montanha
vulcnica, vasculhava o cdigo em busca de
outra direo a seguir, mas at ento s
havia encontrado uma. O Caminho era claramente um via de mo nica. E ele no estava
mais em condies de desistir.
A fome maltratava seu estmago, enfraquecendo seu corpo. Ainda assim, no era
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Se a claustrofobia o afligira algum tempo
antes, naquele momento era o medo puro e
simples que inflamava sua mente. Debateuse e gritou a plenos pulmes. No entanto, estava preso passagem de tal forma, que era
impossvel avanar ou recuar. A nica coisa
que ouvia era o eco de seus berros, e as
paredes de rocha negra pareciam se estreitar
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Michael desabou sobre um piso de metal e
ficou prostrado, o rosto recostado na superfcie dura e fria. Uma luz branca ofuscante
inundava o ambiente, envolvendo-o com seu
brilho. Soltando um resmungo bem alto, ele
rolou e se deitou de costas, espremendo os
olhos para tentar ver onde estava. S o que
havia ao redor era uma cegante alvura. Ou
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Michael estava quase morrendo de fome e
de sede tanto que nem deu muita bola
para a ameaa do rob. S conseguia pensar
na comida sua frente. Um fil com ervilha e
cenoura. Um bom pedao de po. Um copo
dgua.
Partiu para o ataque. A primeira coisa que
fez foi beber metade da gua em um gole,
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vrios
instrumentos
em
suas
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extremidades. Duas garras prateadas se esticaram em sua direo. Ele tentou fugir, mas
aquelas coisas eram rpidas demais. Duas
delas o seguraram pelo brao, elevando-o no
ar. Outras duas agarraram suas pernas e as
afastaram com toda a fora. Tentou resistir,
mas a presso mecnica era implacvel.
Mais braos apareceram. Um deles ps
uma cinta em torno do pescoo e da testa de
Michael, imobilizando sua cabea. Outra
cinta foi posicionada em seu peito, apertando com tanta fora que chegou a provocar
uma leve dor. Em questo de segundos, Michael estava pendurado no ar e imobilizado.
O que est fazendo comigo? ele gritou. O que est acontecendo?
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O rob no respondeu nem se moveu. Michael fechou os olhos e examinou a programao, mas o que viu parecia um texto
em lngua estrangeira em constante movimento, absolutamente inacessvel. Ouviu um
zumbido e um som como o de uma engrenagem funcionando sua direita, perto da
orelha, mas no conseguia virar a cabea
para ver o que estava acontecendo. Era possvel sentir a presena de algo a poucos
centmetros de distncia, embora no desse
para distinguir o objeto usando apenas a
viso perifrica. Foi quando o rudo mais assustador de todos comeou: o de uma broca
em movimento, emitindo um rudo cada vez
mais
agudo
velocidade.
medida
que
ganhava
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Era como se uma lmina afiada houvesse escavado o interior de seu corpo. O Ncleo
havia sido removido.
Como voc fez isso? ele perguntou ao
rob. Apenas o prprio Michael deveria ser
capaz de remover o prprio Ncleo. Era por
isso que existiam as senhas. Como sabia o
meu cdigo?
Agora voc s tem uma chance. A morte
est sua espera. A voz fria do rob fez a
pele de Michael se arrepiar inteira. Kaine
capaz de acessar seu cdigo como nenhum
outro.
Pode dizer pro Kaine que vou acabar
com a raa dele Michael respondeu, sentindo o dio invadir seu peito. Vou
encontr-lo e arrancar at o ltimo dgito do
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cdigo dele. Vou jogar cada bit da inteligncia fajuta dele na privada e depois dar
descarga pra ningum nunca mais encontrar.
Pode dizer que fui eu que falei isso.
No preciso dar recados informou o
carrasco prateado. Kaine escuta tudo.
2
Mal proferiu aquelas palavras, e a luz na
sala se intensificou, deixando tudo branco.
Michael fechou os olhos com fora e os
cobriu com os punhos fechados. O rudo constante se transformou em um zumbido, e em
seguida em uma campainha aguda.
O som reverberou dentro do crnio de Michael, e a ferida em sua tmpora comeou a
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removido e com uma codificao absolutamente ilegal era uma experincia muito
mais que apavorante.
No queria morrer. At encontrar o rob,
Michael estava com medo, mas pelo menos
sabia que sua morte significaria voltar ao
Caixo e se jogar na cama. As nicas marcas
duradouras seriam psicolgicas, algo que
qualquer bom terapeuta seria capaz de
tratar. Quanto ao SSV, ele saberia como lidar
com eles quando chegasse a hora.
A partir daquele momento, porm, tudo
passava a ser real. Sem o Ncleo sem a
barreira de proteo conectada ao Caixo ,
seu crebro pararia de funcionar em casa
quando ele morresse. O Ncleo era parte do
sistema, e uma das mais importantes. Se no
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cabea
comearia
se
lia
CONSAGRADA.
inscrio:
RAVINA
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Michael quase se levantou em um salto,
mas a cautela falou mais alto. Deitou-se de
lado, quase encolhido, mas aos poucos foi esticando as pernas e se posicionou de barriga
para cima. Vasculhou a rea procura de
qualquer coisa que pudesse feri-lo. Estava
tudo escuro, a no ser pelo letreiro de neon
pendurado em uma outra porta, diante da
primeira que ele tinha visto.
As letras nessa placa eram verdes e tambm brilhantes, e a mensagem que se lia era:
SADA DO CAMINHO.
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compromisso
de
deter
um
Tangente
descontrolado.
Estava diante de uma escolha definitiva,
mas na verdade s tinha uma opo.
Mais confiante que momentos antes,
dirigiu-se a passos determinados para a
porta sobre a qual se lia RAVINA CONSAGRADA.
Em seguida, abriu-a e entrou.
se
seus
sentidos
tivessem
sido
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O sol castigava Michael enquanto ele caminhava pela areia rumo construo de
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palavras
deixaram
Michael
todo
arrepiado:
Porque, se no entrar, suas dores de
cabea vo passar.
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Foi a vez de Michael ficar em silncio.
Paralisado, limitou-se a encarar o homem.
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O que a Doutrina da Morte? ele perguntou, e em seguida apontou para trs com
o polegar. E o que acontece se eu entrar?
Michael fez essas perguntas porque sentiu
uma vontade sbita e intensa de seguir o
conselho do sujeito. O Caminho havia drenado suas energias e abalado sua fora de
vontade. De alguma maneira, sabia que
aquelas promessas eram mesmo verdadeiras.
As coisas comeavam a escapar da esfera de
entendimento de Michael. Ele podia ir embora, jamais descobrir a verdade e viver uma
existncia feliz na ignorncia.
No entanto, havia uma sombra obscura
naquela histria toda, como uma mancha de
leo no meio de um lago cristalino. Era tudo
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Michael ouviu um rudo abafado quando
fechou a porta, e tudo ficou escuro. Sabia que
havia acabado de entrar em um Portal; que
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voz
outra
confirmao.
Aquele era Kaine.
vez,
Michael
teve
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absolutamente
abandonado,
aproximou-se do beiral da sacada para continuar espiando o que acontecia logo abaixo.
E, para seu pavor, a primeira coisa que viu
foi que o homem ou melhor, o Tangente
o encarava diretamente.
Michael fez meno de se virar e sair correndo, quando a voz trovejante de Kaine
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abortou
sua
fuga
antes
mesmo
que
comeasse.
Michael!
Obedecendo voz de comando, ele ficou
absolutamente paralisado.
J o esperava disse Kaine, apontando
para ele um de seus dedos tortos. Pacientemente. Preciso lhe dizer algumas
coisas, meu jovem. Meus amigos aqui so
testemunhas.
Onde est o SSV?, pensou Michael. Cad
aqueles caras?
Como no fazia a menor ideia do que dizer
para o Tangente, ele se manteve em silncio.
A Doutrina da Morte continuou
Kaine. Chegou a hora, Michael. Cada um
de ns escolheu um humano para usar. E em
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pouco tempo estaremos prontos para implementar a doutrina. bem simples, na verdade. Os Tangentes tambm merecem ter
uma vida. E assim que tudo comea. Preparamos os recipientes; os corpos esto
prontos e espera, e os crebros foram esvaziados e preparados para receber uma
nova vida. Uma vida melhor. Dessa forma,
transplantando a inteligncia dos Tangentes
para corpos humanos, daremos incio a um
novo estgio da evoluo.
Michael ficou enojado. A programao dos
Tangentes seria codificada em crebros humanos? Seu corao disparou.
E o seu papel nisto muito mais importante do que imagina disse Kaine com um
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sorriso,
revelando
os
dentes
tortos
amarelados.
Naquele exato momento, a dor comprimiu
o crnio de Michael.
Ele gritou e desabou sobre o cho. Nada
mais parecia existir alm da dor.
Em algum lugar no fundo de sua conscincia, ouviu a voz de Kaine se erguer
ameaadoramente.
Tragam-no at mim.
2
Michael se recusou a abrir os olhos at que
tudo terminasse, pois no queria testemunhar as terrveis vises que acompanhariam a
crise.
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com
todas
as
foras,
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mais um grupo de soldados em fuga e se encolheu junto parede para deix-los passar.
Eles
encararam,
mas
seguiram
seu
caminho.
Alguns metros depois, apareceram os
agentes do SSV. Um deles acenou para Michael. Ele no entendia por que estava sendo
ignorado. Havia motivos para o pessoal de
Kaine querer mat-lo, e o mnimo que o SSV
deveria fazer era tentar proteger quem os
havia guiado at l. No entanto, ningum
parecia
se
preocupar
muito
com
sua
presena.
Continuou correndo pelos corredores em
declive. Esquerda, direita, passagem aps
passagem. Exploses e gritos. Soldados e
agentes. Poeira e escombros. Tiros de laser e
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A lua brilhava no cu e se refletia nos capacetes dos incontveis agentes do SSV, alinhados como peas de xadrez, prontos para se
juntar ao ataque ao castelo. Os agentes abriram caminho para permitir a passagem de
Michael. Era uma situao um tanto estranha, que no fazia muito sentido. Tantos
agentes do lado de fora e a batalha
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Deteve-se
quando
se
aproximou
das
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Continuou sendo arrastado pelo que pareceram ser quase dois quilmetros. Seu corpo
todo doa, mas ele fechou os olhos e disse a si
mesmo que tudo acabaria em breve.
Por fim o captor o largou sem dar nenhum
aviso prvio. Michael se encolheu todo e
respirou fundo, tossindo ao expelir o ar.
Ouviu o som de uma porta se abrindo e de
passos sobre um piso de madeira, alm de
murmrios incompreensveis. Virando o
corpo, olhou para o local de onde vinham as
vozes e viu um pequeno chal de pedra com
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XXIV. MRITOS
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Michael no respondeu. Nem seria capaz de
fazer isso. Sua mente girava a mil, tentando
atribuir um significado a tudo o que havia
experimentado no Caminho, mas no conseguia. Seu corpo ainda doa por ter sido arrastado pela floresta, e o rpido cochilo que
tirara pouco antes no tinha sido suficiente
para aliviar seu cansao. Limitou-se a observar a frgil manifestao fsica de Kaine,
tentando compreender suas palavras, esperando uma explicao.
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Como , ajudar voc? perguntou Michael. Est falando srio?
Kaine balanou a cabea afirmativamente,
como se falasse a coisa mais natural do
mundo.
Claro. Voc j me ajudou chegando at
aqui. E na verdade no tem muita escolha.
Vim aqui para deter voc! Michael
gritou. Para trazer o SSV at aqui!
Kaine pareceu achar graa de sua reao,
mas no disse nada. Seu silncio era enlouquecedor. S o que Michael conseguia
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Michael sentiu as entranhas se contrarem
como se estivessem amarradas com um pedao de arame e apertadas a ponto de se
romperem. Ao ouvir as ltimas palavras de
Kaine, tudo dentro dele explodiu.
Levantou-se de um salto, agarrou o Tangente pelo colarinho, arrancou-o do assento
e o jogou no cho. A poltrona caiu perto da
lareira e agitou o fogo, lanando cinzas e brasas por toda a parte. Kaine estava cado de
costas, virado para Michael, com o mesmo
sorriso estampado no rosto. Em seguida, Michael notou que o corpo do Tangente
comeou a se sacudir. Kaine ria na cara dele.
A raiva de Michael transbordou do corpo.
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A primeira coisa que passou pela cabea de
Michael foi que era preciso encontrar um
agente do SSV e pedir ajuda para voltar
Viglia. Sair a esmo pela floresta em busca de
um Portal arriscando-se a topar com todo
tipo de perigo no parecia uma boa ideia.
Precisava voltar ao castelo e se certificar de
que os viles tinham sido derrotados.
A trilha que levava ao chal era fcil de
seguir mesmo na penumbra, pois era o nico
caminho acessvel na mata fechada. Durante
todo o tempo, ficou se perguntando se Kaine
iria segui-lo, ou se tentaria atrapalh-lo de
alguma forma.
O SSV. Era a nica salvao para Michael.
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Comeou a correr.
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Quando Michael se aproximou da extremidade da floresta, os sons da batalha voltaram, e a luz das chamas comeou a iluminar o caminho. Quanto mais se aproximava, porm, mais sinistros se tornavam seus
pensamentos. Esperava uma vitria fcil do
SSV era isso o que parecia estar acontecendo quando havia sado do castelo. No entanto, o rumo das coisas parecia ter mudado,
caso contrrio, j estaria tudo terminado.
Enfim chegou s ltimas fileiras de rvores
e se agachou atrs de um enorme carvalho
para examinar melhor a situao.
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Tangentes.
Michael
observou
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fugindo
do
castelo,
tentando
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desesperadamente
escapar
de...
alguma
coisa.
Em seguida, viu do que era. No era fcil
identific-los na escurido.
SimKillers. Dezenas deles. Saindo por todos os lados da fortaleza destruda e
atacando qualquer coisa que se movesse.
6
Michael ficou de p em um pulo quando se
deu conta do que acontecia. A agente largou
a arma e saiu correndo para a floresta.
Um milho de pensamentos passaram pela
cabea de Michael, e a concluso mais evidente foi a de que no havia como fugir
daquelas
criaturas
gigantescas,
que
se
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Mas havia
vrios
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Michael sentiu todo o ar escapar dos pulmes e tentou a qualquer custo manter a
mandbula das criaturas longe de seu rosto.
As patas gigantescas imobilizaram braos e
pernas, e o peso de dois deles comprimia seu
peito. Eles continuavam a emitir aquele grito
alucinado, torturando seus ouvidos. Michael
sabia que qualquer tentativa de resistncia
seria intil. Parou de se debater e observou
horrorizado quando o SimKiller mais prximo escancarou a boca. Era possvel ouvir o
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Michael
observou
tudo
com
olhos
maravilhados.
As coisas em seu entorno comearam a
mudar. A terra tremia, mas ele no sentia
nada. Corpos, plantas, armas a laser e espadas vibravam sobre o cho. Em seguida, tudo
comeou a ser dissolvido diante de seus olhos pelo redemoinho. Cada objeto at
mesmo o cho parecia estar se transformando em poeira e sendo levado pelo vento.
Michael se virou e viu que a mesma coisa estava acontecia com as rvores gigantescas da
floresta, com os troncos j pela metade, desaparecendo a cada segundo.
O mundo se desfez em pequenos fragmentos, que se juntaram em um ciclone de
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XXV. DESPERTO
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Michael ouviu os sons distantes e familiares
dos recipientes de LiquiGels e AirPuffs se retraindo e sentiu a picada e os puxes do
NerveWire sendo retirados de sua pele. Sua
respirao estava calma e controlada, e parte
nenhuma do corpo doa. Abriu os olhos e viu
a luz interna do Caixo.
Fim de jogo. Havia chegado vivo em casa.
Vivo, no morto. No se moveu; ficou deitado ali enquanto sua mente repassava tudo o
que vivera desde o dia em que aquela menina
chamada Tanya tinha pulado da ponte. O
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Caminho, a dor de cabea terrvel, o confronto com Kaine e as coisas tenebrosas que
ouvira dele, o modo bizarro como a batalha
na Ravina Consagrada havia terminado.
Nada parecia fazer sentido e, quanto
Doutrina da Morte, Michael continuava
sabendo apenas o que a agente Weber tinha
lhe dito. No entanto, ele tinha certeza de que
havia feito seu melhor, e que o SSV tinha
conseguido o que queria. Michael estava oficialmente livre.
Soltou um suspiro de alvio e abriu a
tampa
do
Caixo,
baixando-a
cuida-
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levantou, espreguiando-se, sem se incomodar com o fato de estar sem roupa. Apesar
de ser noite fechada, tudo ali parecia ter mais
luz, sua mente estava mais lmpida, os msculos, mais fortes. At mesmo o ar parecia
mais agradvel. Seu humor estava melhor do
que nunca.
Mas ento ele se lembrou dos pais. Sobre o
que Kaine havia falado a respeito de ter
posto um fim existncia deles. O pnico
comprimiu seu peito.
Quando correu at o interruptor para
acender a luz, esbarrou em algo, tropeou e
caiu sobre o piso de madeira. Soltando um
palavro, ps a mo sobre o joelho que havia
se chocado contra o assoalho o que alis
no fazia o menor sentido. Seu apartamento
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seu.
Sua
respirao
se
tornou
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entrecortada.
suor
brotou
da
pele,
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seus
pensamentos
como
uma
assombrao.
Foi quando se lembrou da voz que tinha
ouvido pouco antes de desmaiar na Ravina
Consagrada. E, de algum modo, naquele momento, Michael enfim entendeu o que a voz
havia falado.
Leia suas mensagens.
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cama
acionou
EarCuff.
Uma
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objetivo
encontrar
seguidores.
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E, em um piscar de olhos, tudo comeou a
fazer sentido.
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Michael percorreu o apartamento desconhecido com seu corpo desconhecido. Estava
tenso, o corao batendo a mil. No havia
como saber quem mais vivia ali, quem poderia aparecer, quem estaria espera do
outro lado da porta. Por outro lado, estava
convicto
de
campainha.
que
precisava
atender
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misso... tudo isso era real. Fomos todos enganados pelo Tangente. Por Kaine.
Mas voc sabia que eu era um Tangente,
no sabia?
Ela confirmou com um aceno de cabea.
Claro que sim. Sabamos que Kaine estava atraindo Tangentes para o covil dele, executando uma espcie de teste. Foi por isso
que usamos voc. Ns o conhecemos no
Lifeblood Deep e resolvemos us-lo. Sinto
muito, Michael, mas era o nico jeito.
Ele sentiu um n no estmago, mas era
obrigado a perguntar:
E Bryson e Sarah? Eles so...
Sim disse Weber. Eles so pessoas
reais, Michael. E no sabiam que voc no
era. Voc tem muito o que explicar.
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AGRADECIMENTOS
Devo muita coisa na vida ao pessoal da
Random House e da Delacorte Press. Durante os anos de publicao da srie Maze
Runner, no foram poucos os que colaboraram com sangue, suor e lgrimas para que
os livros se tornassem um sucesso. O setor
administrativo, os editores, os assessores de
imprensa, o pessoal de marketing, da
produo editorial, a equipe de design, os
vendedores... foi um longo trabalho, capitaneado por Beverly Horowitz e Krista
Marino. Quero que saibam que tm minha
profunda, eterna, monumental (podem inserir quantos adjetivos quiserem, j que
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por
terem
feito
parte
desse
processo.
E agora estou empolgadssimo com esta
nova histria, e com a perspectiva de trabalhar por mais alguns anos com todos vocs.
Obviamente, todo esse trabalho seria em
vo sem meus leitores fiis, apaixonados, impressionantes e s vezes malucos. Espero de
verdade que esta nova histria seja to emocionante e intrigante para vocs quanto
Maze Runner. Obrigado por gostarem dos
meus livros. No existe outra maneira de
dizer isso. Obrigado. Vocs tornaram minha
vida muito mais divertida.
Deixo tambm um agradecimento especial
para J. Scott Savage e Julie Wright. Eles
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CONHEA-NOS MELHOR EM
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