Está A Brincar, Sr. Feynman! - Richard P. Feynman
Está A Brincar, Sr. Feynman! - Richard P. Feynman
Está A Brincar, Sr. Feynman! - Richard P. Feynman
"
@ 1985 Richard P. Feynman e Ralph Leighton
Traduo: Isabel Neves
Reviso de texto: Manuel Joaquim Vieira
Capa: Armando Lopes
Fotocomposio, paginao e fotolitos: Textype -Artes
Grficas, L.da
Impresso e acabamento: Tipografia GuerralViseu
Direitos reservados para Portugal a:
Gradiva -PublicaES, L.da
Rua de Almeida e Sousa, 21, r/c-esq. -Telefs. 3 97 40 67 / 8
1300 Lisboa
3.' edio: Junho de 1998
Depsito legal n.' 124 507/98
+NDICE
Uma nota de introduo
Prefcio 13
Introduo
15
Dados biogrficos 17
84
Prefcio
As histrias deste livro foram recolhidas intermitente e
informalmente ao longo de sete anos de uma convivncia muito
agradvel com Richard Feynman. Achei cada histria por si s
divertida e, tomadas em conjunto, espantosas: custa por vezes
a acreditar que durante a vida de uma s pessoa tenham
acontecido tantas coisas maravilhosamente loucas. Que uma
nica pessoa tenha conseguido imaginar tantas travessuras
inocentes durante a vida certamente uma inspirao!
RALPH LEIGHTON
Introduo
Espero que estas no sejam as nicas memrias de Richard
Feynman. Com certeza que as presentes recordaES do uma
imagem verdadeira de grande parte da sua personalidade -a sua
necessidade quase compulsiva de resolver quebra-cabeas, a sua
traquinice provocadora, a sua impacincia indignada perante a
presuno e a hipocrisia e o seu talento para se sobrepor a
quem se lhe tenta impor! Este livro uma ptima leitura:
ofensivo, chocante e, ao mesmo tempo, terno e muito humano.
Apesar disso, apenas aflorou a pedra angular da sua vida: a
cincia. Vmo-la aqui e ali, como pano de fundo num ou noutro
episdio, mas nunca como o foco da sua existncia, que
geraES de alunos e colegas seus sabem que ela constitui.
Talvez no seja possvel outra coisa. Pode no haver nenhuma
maneira de construir outra srie de histrias deliciosas sobre
ele prprio e sobre o seu trabalho: o desafio e a frustrao,
a excitao que envolve a descoberta, o prazer profundo do
entendimento cientfico, que tem sido a fonte de felicidade da
sua vida.
Lembro-me como era entrar nas suas conferncias, quando era
seu aluno. Encontrava-se geralmente em frente da entrada,
sorrindo-nos medida que amos entrando, enquanto os seus
dedos batiam um ritmo complicado na superfcie negra da
bancada que atravessava a entrada da sala de conferncias.
Enquanto os ltimos a chegar se sentavam, pegava no giz e
comeava a rod-lo rapidamente entre os dedos, como um jogador
profissional a brincar com as cartas, continuando a sorrir
alegremente como se pensasse nalguma piada secreta. E depois
sempre sorrindo -falava-nos sobre a fsica, ajudando-nos, com
os seus diagramas e as suas equaES, a compartilhar os seus
conhecimentos.
15
16
No era nenhuma piada secreta que lhe provocava o sorriso e o
1 Parte
The Far Rockaway ao MIT
Ele conserta rdios pensando!
Quando tinha 11 ou 12 anos, instalei um laboratrio em minha
casa. Consistia num velho caixote de madeira em que coloquei
prateleiras. Tinha um fogareiro e passava o tempo a pr l
gordura e a fritar batatas. Tinha tambm uma bateria e uma
srie de lmpadas.
Para instalar as lmpadas fui ao armazm e arranjei uns
encaixes que se podiam aparafusar numa base de madeira e
liguei-os com bocados de fio elctrico. Sabia que podia
conseguir diferentes voltagens fazendo combinaES diferentes
Gritei da janela: "Eh, com esses tipos que eu devo estar! ",
e sa precipitadamente da fraternidade sem compreender que
eles estavam todos em competio, cada um a trabalhar para que
eu me tornasse membro da sua fraternidade. No tive nenhum
sentimento de gratido pela boleia, absolutamente nada.
A fraternidade Fi Beta Delta quase se tinha desmembrado no ano
anterior, porque duas facES diferentes a tinham dividido em
duas partes. Havia um grupo de personalidades sociveis, que
gostavam de ir a bailes e depois dar umas voltas nos seus
carros, etc., e havia um grupo de tipos que no faziam nada
alm de estudar e nunca iam a bailes.
Precisamente antes de eu entrar para a fraternidade, eles
haviam tido uma grande reunio e estabelecido um importante
compromisso. Iam juntar-se e ajudar-se mutuamente. Todos
deviam ter um determinado nvel final, no mnimo. Se
estivessem a atrasar-se, os tipos muito estudiosos
ensinavam-nos e ajudavam-nos no trabalho. Por outro lado,
tinham todos de ir a todos os bailes. Se um tipo no sabia
arranjar um par, os outros arranjavam-lhe um par. Se um tipo
no sabia danar, eles ensinavam-no a danar. Um dos grupos
ensinava o outro a pensar, enquanto os outros tipos os
ensinavam a ser sociveis.
Aquilo estava mesmo bem para mim, porque eu no era muito bom
em sociedade. Era to tmido que, quando tinha de ir buscar o
correio
35
e passar perto de alguns dos mais velhos, sentados nos degraus
com raparigas, ficava petrificado: no sabia como havia de
andar ao passar por elas! E no ajudava nada quando uma delas
dizia: "Oh, ele giro! "
Foi pouco tempo depois que os do segundo ano trouxeram as
namoradas e as amigas das namoradas para nos ensinarem a
danar. Muito mais tarde, um dos tipos ensinou-me a guiar o
seu carro. Eles trabalharam muito para que ns, os
intelectuais, nos tornssemos mais sociveis e descontrados e
vice-versa. Era um bom equilbrio.
Eu tinha uma certa dificuldade em compreender o que queria
exactamente dizer ser "socivel". Pouco tempo depois de estes
tipos sociveis me ensinarem a conhecer raparigas vi uma
criada simptica num restaurante onde me encontrava um dia a
comer sozinho. Com grande esforo consegui finalmente a
coragem necessria para lhe pedir que fosse o meu par no
prximo baile da fraternidade e ela disse que sim.
De volta fraternidade, quando estvamos a falar sobre os
pares para o prximo baile, eu disse aos tipos que desta vez
no precisava de um par -eu tinha arranjado um sozinho. Estava
muito orgulhoso de mim prprio.
36
Estvamos a ficar furiosos com o Maurice. Caminhava sempre um
50
que eu no compreendia.
Depois de alguma discusso sobre o significado de "objecto
essencial", o professor que dirigia o seminrio disse algo com
o intuito de clarificar as coisas e desenhou no quadro
qualquer coisa semelhante a raios. "Sr. Feynman", disse ele,
"diria que um electro um 'objecto essencial?"
Bem, agora que eu estava em apuros. Admiti que no tinha
lido o livro, pelo que no fazia ideia do que Whitehead queria
dizer com a frase; eu s ia para observar. "Mas", disse eu,
"vou tentar responder pergunta do professor se me
responderem primeiro a uma outra pergunta, para que eu possa
ter uma ideia melhor do que significa ,objecto essencial. Um
tijolo um objecto essencial?"
A minha inteno era descobrir se eles achavam que as
construES tericas eram objectos essenciais. O electro
uma teoria que utilizamos; to til para compreender o modo
como funciona a natureza que quase podemos dizer que real.
Queria tornar clara a ideia de teoria com uma analogia. No
caso do tijolo, a minha prxima pergunta ia ser: "E o interior
do tijolo?" -e ento salientaria que nunca ningum viu o
interior de um tijolo. Cada vez que partimos um tijolo vemos
apenas uma superfcie. O facto de o tijolo ter um interior
uma simples teoria que nos ajuda a compreender melhor as
coisas. A teoria dos electrSes anloga. Por isso comecei por
perguntar: "Um tijolo um objecto essencial?"
Ento vieram as respostas. Um indivduo levantou-se e disse:
"Um tijolo um tijolo especfico, individual. esse o
significado de objecto essencial para Whitehead.
Outro afirmou: "No, no o tijolo individual que um
objecto essencial; a caracterstica geral que todos os
tijolos tm em comum -a sua 'qualidade de serem tijolos'-,
isso que o objecto essencial "
Outro tipo levantou-se e disse: "No, no est nos prprios
tijolos. 'Objecto essencial significa a ideia que temos no
nosso esprito quando pensamos em tijolos."
Outro tipo levantou-se, e outro, e digo-vos que nunca ouvi
antes maneiras to diferentes e engenhosas de encarar um
tijolo. E, exacta
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mente como seria de esperar em todas as histrias sobre
filsofos, acabou num caos completo. Em todas as discussSes
anteriores, nem sequer se tinham interrogado se um objecto to
simples como um tijolo era um "objecto essencial", quanto mais
um electro.
Depois disso, hora de jantar dirigi-me para a mesa da
biologia. Tinha-me sempre interessado por biologia e os tipos
falavam de coisas muito interessantes. Alguns deles
convidaram-me para um curso que iam ter sobre a fisiologia das
clulas. Eu sabia umas coisas de biologia, mas este curso era
de licenciatura. "Acham que eu consigo? O professor
"No sei."
Tive de fazer relatrios escritos como todos os outros e o
primeiro que me foi atribudo era sobre o efeito da presso
sobre as clulasHarvey escolheu esse tpico para mim porque
estava relacionado com a fsica. Apesar de eu compreender o
que fazia, pronunciei tudo mal quando li o trabalho e a turma
desatava gargalhada quando eu falava de "blastosferas" em
vez de "blastmeros", ou qualquer outra coisa.
O prximo trabalho que me destinaram era de Adrian e Bronk.
Demonstravam eles que os impulsos nervosos eram fenmenos de
pulsar nico, pontual. Tinham feito experincias com gatos em
que mediram as voltagens dos nervos.
Comecei a ler o trabalho. Ia falando de extensores e de
flexores, do msculo gastrocnmio, e assin por diante.
78
MIT, tive a ideia sem reparar no problema, mas, quando cheguei
a Princeton, conhecia o problema.)
O que pensei foi: excito este electro. Ele far excitar
qualquer electro prximo, e o efeito a partir do electro
prximo originaria a fora de reaco da radiao. Por isso
fiz uns clculos e levei-os a Wheeler.
Wheeler disse imediatamente: "Bem, isto no est certo porque
varia inversamente com o quadrado da distncia dos outros
electrSes, ao passo que nunca devia depender de nenhuma dessas
variveis. Depende tambm do inverso da massa do outro
electro; ser proporcional carga do outro electro."
O que me aborreceu foi pensar que ele devia ter feito os
clculos.
S mais tarde compreendi que um homem como Wheeler pode ver
tudo' aquilo imediatamente quando lhe damos o problema. Eu
tinha de calcular, mas ele conseguia ver.
A seguir disse: "E vai sofrer uma demora -a onda volta
atrasada e, por isso, o que descreveu luz reflectida."
"Oh! Claro", disse eu.
"Mas espere", volveu ele. "Vamos supor que volta por ondas
adiantadas -reacES que retrocedem no tempo -, e assim volta
no tempo certo. Vimos que o efeito variava inversamente com o
quadrado da distncia, mas suponha que h uma data de
electrSes por todo o espao: o nmero proporcional ao
quadrado da distncia. Assim, talvez consigamos fazer com que
tudo se compense."
Descobrimos que podamos fazer isso e tudo correu muito bem.
Era uma teoria clssica que podia estar certa, embora
diferisse da teoria-padro de MaxwelI, ou da de Lorentz. No
tinha problemas com a infinidade de auto-aco e era
engenhosa. Tinha acES e atrasos, avanos e recuos no tempo chammos-lhe "potenciais semiadiantados e semiatrasados".
Wheeler e eu pensmos que o prximo problema era dedicarmo-nos
teoria quntica da electrodinmica, que tinha dificuldades
(pensava eu) com a auto-aco do electro. Achmos que, se
consegussemos primeiro livrar-nos da dificuldade na fsica
clssica e depois, a partir da, construir uma teoria dos
quanta, conseguiramos tambm endireitar a teoria dos quanta.
Quando acertmos a teoria clssica, Wheller disse: "Feynman,
voc novo, devia fazer um seminrio sobre este assunto.
Precisa de experincia a dar conferncias. Entretanto, resolvo
a parte da teoria dos quanta e mais tarde realizo um seminrio
sobre a matria."
79
acontecer.
Uma caixa de ferramentas diferente
No "colgio" de licenciatura em Princeton, os Departamentos de
Fsica e de Matemtica compartilhavam um salo comum e todos
os dias, s quatro horas, tomvamos ch. Era uma maneira de
nos descontrairmos a meio da tarde, para alm de imitar um
colgio ingls. As pessoas sentavam-se a jogar Go ou a
discutir teoremas. Nesses dias, a topologia era o grande
assunto.
Ainda me lembro de um tipo sentado num sof a pensar
intensamente e outro de p sua frente a dizer: "E portanto
isto assim-e-assim verdadeiro. "
"Por que razo?", pergunta o do sof.
" trivial! trivial!", diz o que est de p, que desbobina
rapidamente uma srie de passos lgicos: "Primeiro admitimos
isto-assim, depois temos o isto-e-aquilo de Kerchoff; a seguir
h o teorema de Waffestoffer e substitumos isto e construmos
aquilo. Agora pomos o vector que roda aqui e depois isto-assim
... " O tipo do sof luta para compreender tudo isto, que
continua a alta velocidade durante aproximadamente quinze
minutos.
Finalmente, o tipo de p chega ao fim e o do sof diz: "Sim,
sim. trivial."
84
Ns, os fsicos, rimos, tentando entend-los. Decidimos que
"trivial" quer dizer "provado". Por isso brincamos com os
matemticos: "Temos um novo teorema -que os matemticos s
conseguem provar teoremas triviais, porque todos os teoremas
provados so triviais."
Os matemticos no gostaram do teorema e eu arreliava-os com
ele. Dizia que nunca h surpresas, que os matemticos s
provam coisas bvias.
A topologia no era de modo nenhum bvia para os matemticos.
Havia toda a espcie de possibilidades esquisitas que eram
"contra-intuitivas". Ento tive uma ideia. Desafiei-os:
"Aposto que no h um nico teorema que me possam enunciar
-quais so as premissas e qual o teorema em termos que eu
possa entender -de que eu no vos possa dizer imediatamente
se verdadeiro ou falso."
Frequentemente era assim: eles explicavam-me: "Temos uma
laranja, est bem? Agora cortamos a laranja num nmero finito
de bocados, voltamos a junt-los e fica to grande como o Sol.
Verdadeiro ou falso?"
"Sem buracos?"
"Sem buracos."
"Impossvel! No existe tal coisa."
1
que ele conseguiu descobrir o dinheiro sem ningum lhe dizer
onde estava.
O leitor da mente explicou que seguramos as mos do parceiro,
sem apertar, e, ao andarmos, balanamos um bocado. Chegamos a
um cruzamento, onde podemos ir para a frente, para a esquerda,
ou para
direita. Balanamos um pouco para a esquerda e, se o movimento
for incorrecto, sentimos uma certa resistncia, porque eles
no esperam que nos movamos nessa direco. Mas, quando nos
movemos na direco certa, como eles pensam que o conseguimos
fazer, cedem mais facilmente e no h resistncia. Por isso
devemos sempre balanar um pouco, experimentando qual parece
ser a direco mais fcil.
O meu pai contou-me a histria e disse que pensava que alm
disso, era preciso ter muita prtica. Ele prprio nunca tinha
tentado.
Mais tarde, quando me estava a licenciar em Princeton, decidi
experimentar com um tipo chamado Bill Woodward. Subitamente
anunciei que era um leitor da mente e conseguia ler a mente
dele. Disse-lhe que entrasse no "laboratrio" -uma grande sala
com filas de mesas cobertas com equipamento de vrios tipos,
com circuitos elctricos, ferramentas e tralha por todo o lado
-, que escolhesse determinad objecto, em qualquer lado, e
sasse. Expliquei: "Agora vou ler a sua mente e lev-lo
direito
ao objecto."
Ele entrou no laboratrio, reparou num objecto particular e
sau.
de a
93
car no outro extremo da banheira e sentei-me ali durante toda
a tarde, at que finalmente uma formiga encontrou o acar.
s uma questo de pacincia.
No momento em que a formiga encontrou o acar peguei num
lpis de cor que tinha preparado (fizera anteriormente
experincias que indicavam que as formigas no ligam a marcas
de lpis -passam por cima delas a direito-, pelo que sabia
que no estava a perturbar nada) e tracei uma linha atrs da
formiga, de modo a saber onde estava o seu rasto. A formiga
vagueou um pouco at voltar para o buraco, razo por que a
linha era bastante hesitante, ao contrrio de um rasto de
formiga tpico.
Quando a prxima formiga a encontrar o acar comeou a
voltar atrs, marquei o seu rasto com outra cor. (A propsito,
seguiu o rasto de volta da primeira formiga, em vez do seu
prprio rasto de chegada. A minha teoria que, quando uma
formiga encontra comida, deixa um cheiro muito mais forte do
que quando anda apenas a vaguear.)
Esta segunda formiga estava com muita pressa e seguiu,
com bastante aproximao, o rasto original. Mas, como ia to
depressa, ia a direito, como se estivesse a costear, quando o
rasto era hesitante. Frequentemente, quando a formiga
"costeava", voltava a encontrar o rasto. Notava-se j que o
regresso da segunda formiga era ligeiramente mais a direito.
Com formigas sucessivas aconteceu o mesmo "melhoramento" do
rasto por o "seguirem" apressada e descuidadamente.
Segui oito ou dez formigas com o lpis at que os seus
rastos se tornaram uma linha ntida ao longo da banheira. um
pouco como fazer um esboo: desenhamos primeiro uma linha mal
feita; depois passamos sobre ela umas vezes e ao fim de um
bocado temos uma linha bem feita.
Lembro-me de, quando era mido, o meu pai me dizer como
as formigas eram maravilhosas, como cooperavam. Eu observava
cuidadosamente trs ou quatro formigas levando um bocado de
chocolate para o ninho. Ao primeiro relance parece uma
cooperao eficiente, maravilhosa, brilhante. Mas, se virmos
cuidadosamente, verificamos que no nada disso: comportam-se
todas como se o chocolate estivesse seguro por qualquer outra
coisa. Puxam-no de um lado ou do outro. Uma formiga capaz de
rastejar por cima dele enquanto as outras o puxam. Vacila,
hesita, as direcES esto todas baralhadas. O chocolate no
se move com regularidade para o ninho.
As formigas cortadoras de folhas brasileiras, que em
outros aspectos so to maravilhosas, tm uma estupidez muito
interessante asso94
ciada a elas, que me surpreende no ter sido eliminada pela
evoluo. D um trabalho considervel formiga cortar o arco
de crculo que lhe permite conseguir um bocado de folha.
Quando acaba de cortar, h cinquenta por cento de
probabilidades de a formiga puxar do lado errado, deixando
cair no cho o bocado que acabou de cortar. Durante metade do
tempo, a formiga abana e empurra, volta a abanar e a empurrar
a parte errada da folha, at que desiste e volta a cortar
102
"No tem nenhuma dificuldade", disse ele. "Olhe, vou
mostrar-lhe. H duas regras que precisa de saber para
projectar estas mquinas. Primeiro, a frico em cada ponto de
apoio de assim-e-assim e nas junES das engrenagens de
assim-e-assim. A partir da pode calcular a fora necessria
para impelir a coisa. Segundo, quando temos uma razo da
engrenagem, por exemplo de 2 para 1, e queremos saber se
devamos faz-la de 10 para 5, ou 24 para 12, ou 48 para 24,
aqui est o modo de decidir: procuramos no CatdIogo de
Engrenagens de Bston e escolhemos as engrenagens que esto no
meio da lista. As da parte mais elevada tm tantos dentes que
so difceis de fazer. Se conseguissem fazer engrenagens com
dentes ainda mais finos, faziam a lista ainda mais elevada. As
engrenagens da parte mais baixa tm to poucos dentes que se
partem com facilidade.
Por isso os melhores projectos so os que usam engrenagens do
meio da lista."
Diverti-me imenso a projectar aquela mquina. Seleccionando
simplesmente as engrenagens do meio da lista e adicionando os
momentos com os dois nmeros que ele me deu, podia ser
engenheiro mecnico!
O Exrcito no queria que eu voltasse para Princeton para
trabalhar no meu grau acadmico depois do Vero. Estavam
sempre com aquelas coisas patriticas e ofereceram-me um
projecto inteiro que eu podia dirigir, se ficasse.
O problema era desenhar uma mquina como a outra -o que eles
chamavam um director-, mas desta vez pensei que o problema era
mais fcil, porque o artilheiro seguia atrs, noutro avio
mesma altitude. O artilheiro introduzia na minha mquina a sua
altitude e uma estimativa da distncia a que seguia atrs do
outro'avio. A minha mquina elevaria automaticamente a arma
com o ngulo correcto e armaria o detonador.
Como director do projecto, ia fazer viagens a Aberdeen. para
arranjar as tabelas de disparo. Contudo, eles j tinham alguns
dados preliminares. Reparei que para a maior parte das
altitudes mais elevadas a que estes aviSes iriam voar no
havia dados. Por isso telefonei para saber porque no havia
dados e verificou-se que os detonadores que iam usar no eram
detonadores de relgio, mas de rastilho de plvora, que no
funcionavam a essas altitudes -no ar rarefeito apenas
assobiavam.
Pensei que tinha s de fazer correcES para a resistncia do
ar a vrias altitudes. Em vez disso, o meu trabalho era
inventar uma
seguinte recebo uma carta da minha mulher que diz: " muito
difcil escrever porque sinto que -est a olhar por cima do
meu ombro. " E onde estava a palavra havia uma mancha feita
com apagador de tinta.
Por isso fui at ao escritrio e disse: "Vocs no devem tocar
na correspondncia que chega se no vos agrada. Podem v-la,
mas no devem apagar nada."
Eles responderam: "No seja ridculo. Acha que assim que os
censores trabalham -com apagador de tinta? Eles cortam as
coisas com uma tesoura."
Concordei. Por isso escrevi uma carta minha mulher em que
disse: "Usaste apagador de tinta na tua carta?" Ela respondeu:
"No, no usei apagador de tinta na minha carta, deve ter sido
-", e tinham feito um buraco no papel.
Por isso tornei a ir ter com o major que devia dirigir todo
este servio e queixei-me. Sabem, levou algum tempo, mas
sentia-me como se fosse representante encarregado de
esclarecer as coisas. O major tentou explicar-me que as
pessoas que eram os censores tinham sido ensinadas a
desempenhar essas funES, mas no compreendiam esta nova
maneira de ser to delicados com tal matria.
Portanto, de qualquer modo, ele disse: "O que que se passa,
acha que no tenho boa vontade?"
Respondi: "Sim, tem muito boa vontade, mas acho que no tem
poder. " Porque, esto a ver, ele j estava naquele trabalho
h trs ou quatro dias.
Ele retorquiu: "Vamos ver isso!" Agarra no telefone e fica
tudo esclarecido. As cartas no voltaram a ser cortadas.
Contudo, houve mais umas quantas dificuldades. Por exemplo, um
dia recebi uma carta da minha mulher e uma nota do censor que
dizia: "Estava includo um cdigo sem a chave, por isso o
tirmos."
114
Por isso, nesse dia, quando fui ver minha mulher a
Albuquerque, ela perguntou: "Ento onde esto as coisas?"
"Que coisas?"
"Litargrio, glicerina, cachorros quentes, roupa lavada."
"Espera a-era uma lista?"
"Sim."
"Era um cdigo", disse eu. "Pensaram. que era um
cdigolitargrio, glicerina, etc." (Ela queria litargrio e
glicerina para fazer cimento para consertar uma caixa de
nix.)
Tudo isto se passou nas primeiras semanas antes de tudo
Por isso, da prxima vez que fui a Albuquerque falei com ela e
disse: "Olha, agora vamos deixar de mencionar a censura." Mas
tnhamos tido tantos problemas que, por fim, estabelecemos um
cdigo, uma coisa ilegal. Se eu pusesse um ponto no fim da
minha assinatura, isso queria dizer que eu tinha tido
problemas outra vez e ela seguiria para o movimento seguinte
que tinha preparado. Ela ficava ali sentada todo o dia, porque
estava doente, e pensava em coisas para fazer. A ltima coisa
que fez foi mandar-me um anncio que achou perfeitamente
legtimo. Dizia: "Mande ao seu namorado uma carta num puzzle.
Ns vendemos-lhe a carta em branco. Voc escreve-a, corta-a
aos bocados, mete-a num saquinho e pSe-na no correio." Recebi
a carta com uma nota que dizia: "no temos tempo para jogos.
Por favor d instruES sua mulher para se limitar s cartas
vulgares."
Bem, estvamos preparados com o tal ponto a mais, mas eles
emendaram-se mesmo a tempo e no tivemos de o usar. O que
tnhamos pronto para a prxima comeava: "Espero que te tenhas
lembrado de abrir esta carta com cuidado porque inclu o p
peptobismol para o teu estmago, como combinmos." Seria uma
carta cheia de p. Calculvamos que no gabinete a abririam
depressa, o p iria parar todo ao cho e eles ficariam
preocupados porque no deviam modificar nada. Tinham de
apanhar todo o pepto-bismol... Mas no tivemos de usar este
truque.
Como resultado de todas estas experincias com o censor, eu
sabia exactamente o que podia passar e o que no podia passar.
Mais ningum sabia to bem como eu. E assim consegui ganhar
algum dinheiro com isto fazendo apostas.
Um dia descobri que os trabalhadores que viviam mais longe, no
exterior, e queriam entrar tinham demasiada preguia para dar
a volta
116
e entrar pelo porto, pelo que haviam cortado um buraco na
vedao. por isso sa pelo porto, fui at ao buraco e entrei,
voltei a sair, etc., at o sargento que estava ao porto se
comear a interrogar sobre o que estava a acontecer. Como pode
este tipo estar sempre a sair sem nunca entrar? E, claro, a
sua reaco natural foi chamar o tenente e tentar meter-me na
priso por estar a fazer isto. Expliquei que havia um buraco.
Percebem, estava sempre a tentar emendar as pessoas. E assim
apostei com algum que conseguia falar do buraco da vedao
numa carta e p-la no correio. E, na verdade, consegui. E
consegui dizendo: "Devias ver o modo como administram este
lugar [era o que nos permitiam dizer]. H um buraco na vedao
a setenta e um ps do lugar tal, com estas e estas medidas e
que podemos atravessar.
Ora o que podem eles fazer? No me podem dizer que no existe
tal buraco. Quero dizer, o que vo eles fazer? O problema
deles se h esse buraco. Deviam consert-lo. Por isso consegui
passar essa.
Tambm consegui fazer passar uma carta que contava como um dos
rapazes que trabalhavam num dos meus grupos, John Kemeny, fora
acordado a meio da noite e atormentado com luzes em frente dos
olhos por uns idiotas do exrcito de l, porque tinham
descoberto qualquer coisa sobre o pai dele, que parecia que
era comunista, ou coisa assim semelhante. Kemeny agora um
homem famoso.
Houve outras coisas. Tal como o buraco na vedao, eu estava
sempre a tentar apontar estas coisas de modo indirecto. E uma
das coisas que queria apontar era isto: que mesmo no princpio
tnhamos segredos terrivelmente importantes; havamos
desenvolvido muito trabalho sobre as bombas e o urnio e sobre
como isto funcionava, etc.; e tudo isto constava em documentos
que estavam em ficheiros de madeira que tinham cadeados
comuns, pequenos e vulgares. Claro que havia vrias coisas
feitas pela loja, como uma vara que descia e depois um cadeado
para a segurar, mas era sempre s um cadeado. Para mais,
conseguamos tirar as coisas sem sequer abrir o cadeado.
Bastava inclinar o ficheiro para trs. A gaveta inferior tem
uma pequena vara que deve prender os papis e por baixo h uma
grande abertura na madeira por onde podemos puxar os papis.
Por isso passava o tempo a forar as fechaduras e a salientar
que aquilo era muito fcil de fazer. E, cada vez que nos
reunamos todos, levantava-me e dizia que tnhamos segredos
importantes e que no os devamos guardar naquelas coisas;
precisvamos de fechaduras melhores. Um dia, durante a
reunio, Teller levantou-se e disse-me: "Eu no
117
preocupados."
Acontece que o exrcito tinha compreendido que quantidade do
elemento precisvamos para fazer a bomba -vinte quilos ou l o
que era -e eles perceberam que nunca haveria nas instalaES
esta quantidade de material purificado, pelo que no havia
perigo. Mas eles no sabiam que os neutrSes eram muitssimo
mais eficazes quando se encontravam com a velocidade diminuda
pela gua. Na gua preciso menos de um dcimo -no, um
centsimo -da quantidade de material necessrio para provocar
uma reaco que produza radiactividade. Mata as pessoas em
redor, etc. Era muito perigoso e eles no tinham ligado
nenhuma segurana.
Por isso enviado um telegrama de Oppenheimer para Segr:
"Percorra as instalaES todas. Repare onde devem estar todas
as concentraES, com o processo como eles o projectaram.
Entretanto calcularemos que quantidade de material se pode
juntar antes que haja uma exploso."
Comearam a trabalhar nisso dois grupos. O grupo de Christy
estudou as soluES em gua e o meu grupo estudou o p seco em
caixas. Calculmos a quantidade de material que eles podiam
acumular com
119
1
i
. i
i
segurana. E Christy ia dizer a todos em Oak Ridge qual era a
situao, porque falhara tudo e agora tnhamos de l ir p-los
ao corrente. Por isso, dei com alegria todos os meus nmeros a
Christy e disse-lhe:, "Tem o material todo, por isso v."
Christy apanhou uma pneumonia; tive de ir eu.
Eu nunca viajara de avio. Amarraram os segredos numa coisinha
s minhas costas! 0 avio, nesses tempos, era como um
autocarro,' exceptuando o facto de as estaES serem mais
afastadas. Parava-se de vez em quando e esperva-se.
Havia um tipo sentado ao meu lado balanando uma corrente e
dizendo coisas como: "Deve ser terrivelmente difcil voar de
avio nestes dias sem uma prioridade."
No pude resistir e respondi: "Bern, no sei. Eu tenho uma
prioridade. "
Um pouco mais tarde tentou novamente: "Vm uns generais. Vo
tirar alguns de ns, os nmeros trs."
"No faz mal", disse eu, "eu sou um nmero dois."
Provavelmente ele escreveu ao seu membro do Congresso -se
se
a vlvula se encrava, ou qualquer coisa semelhante, acumula-se
demasiado material e ele explode. Por isso explicaram que
estas instalaES estavam projectadas de modo que nad
acontecesse se uma vlvula qualquer se encravasse. So
precisas, pelo menos, duas vlvulas em todos os stios.
A seguir explicam como a coisa funciona. o tetraclorido de
carbon entra por aqui, o nitrato de urnio daqui entra aqui,
sobe e desce, sobe
atravs do cho, sobe atravs dos tubos, que sobem do segundo
piso, bluuuuurp -percorrendo a pilha de planos, para cima e
para baixo, para cima e para baixo, falando muito depressa,
explicando as complicadssimas instalaES qumicas.
Estou completamente confundido. Pior, no sei o que significam
smbolos da planta! H uma coisa que eu a princpio penso que
uma janela. um quadrado com uma cruzinha no meio, e isto
por todo o lado. Penso que uma janela, mas no, no pode ser
uma janela, porque no est sempre na borda. Quero
perguntar-lhes o que .
122
J devem ter estado numa situao semelhante, em que a
pergunta no surge imediatamente. Imediatamente que deveria
ter sido. Mas agora j esto a falar h muito tempo. Hesitmos
demasiado. Se lhes perguntarmos agora, eles dizem: "Para que
que se demorou tanto a fazer-me perder tempo?"
O que vou fazer? Tenho uma ideia. Talvez seja uma vlvula.
Ponho o dedo numa das misteriosas cruzinhas no meio de uma das
plantas, na pgina trs, e digo: "O que acontece se esta
vlvula se encravar?", imaginando que eles vo dizer: "No
uma vlvula, uma janela."
Por isso um deles olha para o outro e diz: "Bem, se essa
vlvula se encravar ... ", e percorre a planta para cima e
para baixo, para cima e para baixo, o outro tipo percorre-a
para cima e para baixo, para trs e para a frente, para trs e
para a frente, e olham um para o outro. Voltam-se para mim e
abrem a boca como peixes espantados e dizem: "Tem toda a
razo."
Por isso enrolaram as plantas, foram-se embora e ns samos. E
o Sr. Zuniwalt, que me tinha seguido sempre, comentou: " um
gnio. Fiquei com a ideia de que voc era um gnio quando
percorreu as instalaES uma vez e na manh seguinte foi capaz
de lhes falar do evaporador C-21 no edifcio 90-207, mas o que
acabou de fazer to fantstico que eu quero saber como, como
faz isso?"
Disse-lhe que era tentando descobrir se era ou no uma
vlvula.
Outro tipo de problema em que trabalhei foi o que segue.
Tnhamos de fazer uma poro de clculos e para isso
utilizvamos mquinas de calcular Marchant. A propsito, s
para vos dar uma ideia de como era Los Alamos: tnhamos estes
126
cular a libertao partindo de vrios projectos, mas no
tnhamos feito os clculos para o projecto especfico que foi
finalmente utilizado. Por isso, Bob Christy apareceu e disse:
"Gostaramos de ter os resultados do modo como isto vai
funcionar dentro de um ms" -ou um perodo de tempo muito
curto, como trs semanas.
" impossvel", respondi.
Ele teimou: "Olhe, vocs esto a deitar c para fora quase
dois problemas por ms. S so precisas duas ou trs semanas
para cada problema."
Eu disse: "Eu sei. Na realidade, leva muito mais tempo a
resolver um problema, mas estamos a resolv-los em paralelo.
Ao passarem, levam muito tempo, e no h maneira de os fazer
circular mais depressa. "
Ele continuou e eu comecei a pensar: "Haver um modo de os
fazer circular mais depressa? E se no fizssemos mais nada na
mquina, para que mais nada interferisse?" Escrevi no quadro
um desafio aos rapazes -CONSEGUIREMOS? Comeam todos a gritar:
"Sim, trabalhamos em turnos duplos, fazemos horas
extraordinrias ", e mais coisas do gnero. "Vamos tentar.
Vamos tentar!"
E a regra foi: fora com todos os outros problemas. Apenas um
problema e concentremo-nos nele. E assim comearam a
trabalhar.
A minha mulher, Arlene, estava doente com tuberculose
-realmente muito doente. Parecia poder acontecer alguma coisa
a qualquer momento, pelo que combinei antecipadamente com um
amigo do dormitrio levar-lhe o carro emprestado numa
emergncia para poder chegar rapidamente a Albuquerque.
Chamava-se Maus Fuchs. Tratava-se do espio e usava o seu
automvel para levar segredos atmicos de Los Alamos para
Santa F. Mas ningum sabia.
A emergncia chegou. Pedi o carro de Fuchs e levei duas
pessoas que estavam a pedir boleia, para o caso de acontecer
alguma coisa ao carro no caminho para Albuquerque. De facto,
mesmo quando amos a entrar em Santa F, tivemos um furo. Os
dois tipos ajudaram-me a mudar o pneu e mesmo quando estvamos
a sair de Santa F tivemos outro furo. Empurrmos o carro at
uma bomba de gasolina perto.
O tipo da bomba de gasolina estava a arranjar o carro de outra
pessoa e ia levar um certo tempo at nos poder ajudar. Nem
pensei em dizer nada, mas os dois tipos foram ter com o homem
da bomba de gasolina e contaram-lhe a situao. Em breve
tnhamos um pneu novo (mas nenhum sobresselente -era difcil
conseguir pneus durante a guerra).
127
"O que quer dizer? Voc sabe abrir cofres nas calmas."
"No sei."
"Oua, eu ouvi falar do cofre do capito e tenho ttdoo
mmuuiittoo trabalho todo este tempo porque o queria conhecer.
E voc diz-me que no sabe abrir um cofre nas calmas."
" verdade."
"Bem, deve saber perfurar um cofre."
"Tambm no sei."
"O QU-?", exclamei. "O tipo da seco de propriedade ddisse
que voc pegou nas ferramentas e foi perfurar o cofre do
capito."
"Suponha que tem um emprego de serralheiro", disse ele, i vem
um tipo e pede-lhe que perfure um cofre. O que que voc
fazia?"
"Bem", repliquei, "reunia as minhas ferramentas, pegava nelas
levava-as para junto do cofre. Depois encostava a broca ao
cofre num stio ao acaso e fazia vvvvvvvvvvv para salvar o meu
emprego. "
"Era exactamente o que eu ia fazer."
"Mas abriu-o! Deve saber arrombar cofres."
"Ah, sim. Sabia que as fechaduras vm da fbrica reguladas
para
25-0-25 ou 50-25-50, pelo que pensei: 'Quem sabe; pode ser que
o tipo no se tenha dado ao trabalho de mudar a combinao', e
a segunda hiptese resultou. "
ali esto
maneira
digo: "E
Ele
"S alguns."
Trs perguntas -a mesma tcnica -e a seguinte completamente
diferente! "Disse que ouve vozes dentro da cabea. Descreva
isso, por favor. "
"Acontece muito raramente, quando antes estive a prestar
ateno a uma pessoa com pronncia estrangeira. Quando comeo
a
adorm cer, consigo ouvir a sua voz com muita nitidez. A
primeira vez que aconteceu foi quando estudava no MIT.
Consegui ouvir o velho professor Vallarta dizer: O campo
elctrico.' E a outra vez foi em Chicago durante a guerra,
quando o Prof. Teller me estava a explicar como fu cionava a
bomba. Como me interesso por todos os tipos de fenm nos,
perguntava a mim mesmo como podia ouvir estas vozes com
pronncias to correctas, quando no as conseguia imitar to
bem... acontece a toda a gente uma coisa assim de vez em
quando?"
O psiquiatra ps a mo na cara e consegui ver entre os seus
deddos um ligeiro sorriso (no respondeu pergunta).
A seguir o psiquiatra verificou mais uma coisa: "Disse que
fala com a sua falecida esposa. Que lhe diz?"
Zanguei-me. Acho que ele no tem nada a ver com isso e
respondo "Digo-lhe que a amo, se no se importa! "
Depois de mais umas trocas de palavras azedas ele continua:
"Acr dita no sobrenormal?"
"No sei o que o sobrenormal'", respondo eu.
"O qu? Voc, doutorado em Fsica, no sabe o que o sobre
normal?"
" verdade."
" aquilo em que Sir Oliver Lodge e a sua escola acreditam."
No era uma grande pista, mas eu sabia do que se tratava:
"Quer
dizer o sobrenaturaL"
156
"Sessenta e quatro."
"Porque que disse sessenta e quatro?"
"Como que se h-de medir o valor da vida?"
"No! Quero saber porque disse sessenta e quatro, em vez de
,setenta e trs', por exemplo?"
"Se eu tivesse dito setenta e trs, teria feito a mesma
pergunta!" O psiquiatra acabou com trs perguntas amigveis,
entregou-me os meus papis e eu fui at cabina seguinte.
Enquanto espero na bicha, olho para o papel que tem o resumo
de todos os testes que fiz at essa altura e s por piada
mostro o meu papel ao tipo que est ao meu lado e pergunto-lhe
com uma voz bastante estpida: "Eh! O que que teve em
'Psiquitrico'? Oli! Teve um W. Eu tive um W nos outros todos,
mas tive um 'D' em 'Psiquitrico'. O que que isso quer
dizer?" Eu sabia o que queria dizer: "n normal e "D"
deficiente.
O tipo d-me uma palmadinha no ombro e diz: "Est
perfeitamente bem, p. No quer dizer nada. No se preocupe
com isso! " Depois vai at ao outro canto da sala, assustado:
um maluco!
Comecei a olhar para os papis que os psiquiatras tinham
escrito e parecia tudo bastante srio! O primeiro tipo
escrevera:
Pensa que as pessoas falam dele.
Pensa que as pessoas olham para ele.
AlucinaES auditivas hipnoggicas.
Fala consigo mesmo.
Fala com a esposa falecida.
Tia materna em instituio para doentes mentais.
Olhar muito peculiar. (Sabia o que aquilo era -foi quando eu
perguntei: "E isto medicina?")
O segundo psiquiatra era evidentemente mais importante, porque
a sua escrita era mais difcil de ler. Os seus apontamentos
diziam coi
157
sas como "alucinaES auditivas hipneggicas confirmadas"
("hipnoggicas" significa que surgem ao adormecer).
Escreveu muitos outros apontamentos com aparncia tcnica e eu
dei-lhes uma olhadela: tinham muito mau aspecto. Achei que, de
qualquer modo, tinha de esclarecer tudo com o Exrcito.
No fim do exame mdico completo h um oficial do exrcito que
decide se entramos ou no. Por exemplo, se temos algum
problema de audio, ele que tem de decidir se
4. a PARTE
De Cornell a Caltech,
com um pouco de Brasil
160
O digno Professor
No acho que consiga realmente passar sem ensinar. A razo
que preciso de ter alguma coisa que me ocupe o tempo, de modo
que, quando me falham as ideias e no estou a tentar alcanar
qualquer objectivo, possa dizer a mim mesmo: "Pelo menos vivo;
pelo menos fao qualquer coisa; dou alguma contribuio" -
apenas psicolgico.
Quando estava em Princeton, nos anos 40, eu via o que
acontecia aos grandes crebros do Instituto de Estudo
Avanado, os quais haviam sido especialmente seleccionados
pela sua grande inteligncia e agora tinham a oportunidade de
viver numa linda casa perto dos bosques, sem aulas para dar,
sem qualquer obrigao. Os pobres diabos podiam agora
sentar-se sozinhos, a pensar claramente, no ? Mas no lhes
surge qualquer ideia durante um certo tempo: tm todas as
oportunidades de fazer qualquer coisa, mas no tm nenhuma
ideia. Acredito que numa situao dessas se infiltre em ns
uma espcie de sentimento de culpa ou uma depresso e nos
comecemos a preocupar por no ter ideias. E nada acontece.
Continuam a no aparecer ideias.
No acontece nada porque no h actividade autntica e desafio
suficientes: no estarnos em contacto com os tipos
experimentais. No temos de pensar como responder a perguntas
dos alunos. Nada!
Em qualquer processo de pensamento h momentos em que vai tudo
bem e temos ideias maravilhosas. Ensinar uma interrupo, e
por isso a maior chatice do mundo. E depois h os perodos
de tempo mais longos em que no nos aparece muita coisa. No
temos ideias e, se no fazemos absolutamente nada, damos em
doidos! Nem sequer podemos dizer: "Estou a dar as minhas
aulas."
Se estivermos a dar aulas, podemos pensar nas coisas
elementares que conhecemos muito bem. Essas coisas so como
que divertidas e
163
"Fsica Terica."
"Suponho que trabalhou na bomba atmica."
"Sim, estive em Los Alamos durante a guerra."
" um grandessssimo mentiroso!", disse ela, afastando-se.
Senti-me bastante aliviado, pois tudo se explicava. Tinha
estado a contar a todas as raparigas a verdade, simples e
estpida, e no sabia qual era o problema. Era perfeitamente
evidente que eu estava a ser evitado pelas raparigas, umas a
seguir s outras, quando fazia tudo de modo perfeitamente
agradvel e natural, era bem educado e respondia s perguntas.
Parecia tudo muito agradvel, e depois tuuop -no dava
resultado. No tinha compreendido at, por sorte, aquela
mulher me chamar um grandessssimo mentiroso.
Por isso, a seguir tentei evitar todas as perguntas, e isso
teve o efeito oposto: " um caloiro?"
"Bom, no."
"Est a doutorar-se?"
"No."
"Ento o que voc?"
"No quero dizer."
"Porque que no nos diz o que ?"
"No quero ... ", e elas continuavam a falar comigo!
Acabei com duas raparigas em minha casa e uma delas disse-me
que, na verdade, eu no me devia sentir pouco vontade por
ser um caloiro. Havia imensos tipos da minha idade que estavam
a comear a faculdade e realmente isso no tinha importncia.
Elas eram segundanistas e estavam as duas a ser bastante
maternais. Trabalharam bastante a minha psicologia, mas eu no
queria que a situao se tomasse to distorcida e mal
entendida, pelo que lhes disse que era professor. Ficaram
muito aborrecidas por as ter enganado. Tive uma quantidade de
problemas em ser um jovem professor em Cornell.
168
Seja como for, comecei a ensinar a cadeira de Mtodos
Matemticos em Fsica e acho que tambm ensinei outra cadeira,
talvez Electricidade e Magnetismo. Tambm tencionava fazer
pesquisa. Antes da guerra, quando me estava a doutorar, tinha
muitas ideias: inventara novos mtodos de fazer mecnica
quntica com integrais de percurso e havia uma poro de
coisas que queria fazer.
Em Cornell trabalhava na preparao das minhas cadeiras,
frequentava muito a biblioteca, onde lia Arabian Nights, e
deitava uma olhadela s raparigas que passavam. Mas, quando
chegava a altura de fazer qualquer pesquisa, no conseguia
comear a trabalhar. Sentia-me um pouco cansado e com falta de
interesse; no conseguia fazer pesquisa! Isto continuou
durante o que me pareceu serem alguns anos, mas, quando me
recordo e calculo o tempo, acho que no pode ter durado tanto.
Talvez actualmente eu no pensasse que era tanto tempo, mas
nessa altura era essa a convico que tinha. Eu simplesmente
i
demos que tem um interesse considervel em experincias e em
ensinar, razo por que fizemos preparativos para criar um tipo
especial de professorado, se desejar: metade professor na
Universidade de Princeton e metade no Instituto. "
Instituto de Estudo Avanado! Excepo especial! Uma posio
ainda melhor que a de Einstein! Era ideal; era perfeito; era
absurdo!
Era mesmo absurdo. As outras ofertas tinham-me feito sentir
pior, at certo ponto. Esperavam que eu realizasse qualquer
coisa. Mas esta oferta era to ridcula, era to difcil para
mim estar altura dela, estava to ridiculamente
desproporcionada! As outras eram apenas enganos; esta era um
absurdo! Ri-me, pensando nela enquanto me barbeava.
E depois pensei para comigo: "Sabes, o que eles pensam de ti
to fantstico que te impossvel corresponder e nem tens
disso obrigao! "
Era uma ideia brilhante: no temos obrigao de corresponder
ao que os outros esperam de ns. um erro deles, e no uma
falha nossa.
No era um fracasso da minha parte o Instituto de Estudo
Avanado esperar que eu fosse to bom; era impossvel. Era
claramente um erro -e no momento em que considerei a
possibilidade de eles estarem enganados compreendi que isso
tambm era verdadeiro acerca de todos os outros lugares,
incluindo a minha prpria Universidade. Sou o que sou, e se
eles esperavam que eu fosse bom e me oferecem dinheiro por
isso, pouca sorte deles.
Depois, nesse dia, por qualquer estranho milagre -talvez me
ouvisse falar do assunto, ou talvez apenas me compreendesse -,
Bob Wilson, que era o chefe do laboratrio em Cornell,
chamou-me para falar comigo. Disse, com um tom srio:
"Feynman, est a ensinar bem as suas aulas; est a fazer um
bom trabalho e estamos muito satisfeitos.
E quaisquer outras expectativas que possamos ter so uma
questo de sorte. Quando contratamos um professor, corremos
todos os riscos. Se se sai bem, ptimo. Se no, uma pena.
Mas voc no se devia preocupar com o que faz ou no faz." Ele
disse aquilo muito melhor do que eu o estou a dizer e isso
aliviou-me do sentimento de culpa.
Depois tive outro pensamento: "Agora a fsica desagrada-me um
pouco, mas dantes eu gostava de fazer fsica. Porque que eu
gostava? Costumava brincar com ela. Costumava fazer o que quer
que me apetecesse -no tinha nada que ver com o facto de ser
ou no importante para o desenvolvimento da fsica nuclear,
mas de ser ou no interessante e divertido para eu brincar.
Quando andava no liceu, via a
170
gua que corria da torneira estreitar-se e perguntava a mim
mesmo se seria capaz de descobrir o que provoca aquela curva.
Achava que era bastante fcil. No tinha de o fazer; no era
importante para o futuro da cincia; j fora feito por outra
pessoa qualquer. Isso no tinha importncia: eu inventava
coisas e brincava com as coisas para minha prpria distraco.
Assim, adquiri esta nova atitude. Agora, que estou acabado e
nunca realizarei coisa alguma, tenho esta bela situao na
Universidade a dar aulas que me agradam bastante e, do mesmo
modo que li Arabian Nights por prazer, vou brincar com a
fsica sempre que me apetecer, sem me preocupar com a
importncia que isso possa ou no possa ter.
Na mesma semana, um dia em que me encontrava na cantina, um
tipo, a brincar, atirou um prato ao ar. Enquanto o prato subia
no ar, vi-o oscilar e reparei que o medalho vermelho de
Cornell do prato rodava. Foi bastante evidente para mim que o
medalho rodava mais rpido do que a oscilao.
Como no tinha nada que fazer, comecei a determinar o
movimento do prato em rotao. Descobri que, quando o ngulo
muito pequeno, o medalho roda duas vezes mais depressa do que
a razo da oscilao -dois para um. Isso vinha de uma equao
complicada! Depois pensei: "Existir alguma maneira de eu
kbibl
Quando fui l pela primeira vez, a certa altura, estando a
dezasseis
rapariga
aquela massa.
embora mais
ele no sabia ler o que estava "a ler"! (Na noite seguinte vi
o que ele co, olhava p faziam. Quando ela trazia ou levava uma
pessoa do palco, olhava para o papel que ele tinha na mo e
segredava-lhe, ao passar, os nomes dos prximos artistas e o
ttulo do nmero.
comigo?
184
penso para comigo: "Podemos dizer que no e repeli-las, mas
no o podemos fazer permanentemente, ou no conseguimos nada.
Chega uma altura em que temos de alinhar." Por isso digo
friamente: "Eu dou um passeio consigo. " Samos. Descemos a
rua um bocado, vemos um caf e ela diz: "Tenho uma ideia:
vamos comprar caf e sanduches e vamos para minha casa
com-las."
A ideia parece bastante boa e, por isso, entramos no caf, ela
pede trs cafs e trs sanduches e eu pago-os.
Quando samos do caf, penso: "H qualquer coisa errada: so
sanduches a mais!"
A caminho do motel ela diz: "Sabe, no vou ter tempo de comer
as sanduches consigo, porque h um tenente que vem ... "
Penso para comigo: "Pronto, fiz asneira. O mestre ensinou-me o
que fazer e eu fiz asneira. Comprei-lhe 1 dlar e 10 cntimos
de sanduches, no lhe pedi nada e agora sei que no vou
apanhar nada! Tenho de recuperar, quanto mais no seja pelo
brio do meu professor."
Paro de repente e digo-lhe: "Voc... pior do que uma
PROSTITUTA!"
"O que que quer dizer com isso?"
" Voc fez-me comprar estas sanduches e o que que eu recebo
em troca? Nada!"
"Bem, seu sovina!", diz ela, "se assim que pensa, eu
pago-lhe as sanduches! "
Desafiei-a: "Ento, pague."
Ficou atnita. Pegou no porta-moedas, tirou o pouco dinheiro
que tinha e deu-mo. Peguei na minha sanduche e no meu caf e
fui-me embora.
Depois de ter acabado de comer voltei ao bar para contar ao
mestre. Expliquei-lhe tudo e disse-lhe que lamentava ter feito
asneira, mas tinha tentado recuperar.
Ele disse muito calmamente: "Est bem, Dick; est tudo bem.
Como acabou por no lhe pagar nada, ela vai dormir consigo
esta noite."
"O qu?"
" verdade", disse ele, confiante; "vai dormir consigo. Eu
sei."
"Mas ela nem sequer est aqui! Est em casa dela com o
tenente. ...
"
"Est bem."
Chegam as duas horas, o bar fecha e Ann no aparece. Pergunto
ao mestre e mulher se posso ir novamente a casa deles. Eles
dizem: "Com certeza."
185
l~ '
1
1
" fcil. 27,11 ", respondo eu.
Tukey sabe que no assim to fcil fazer todos estes
clculos de cabea. "Eh! Como que faz isso?"
Outro tipo diz: "Vocs conhecem Feynman, est s a fingir. No
est realmente certo."
Vo buscar uma tabela e entretanto acrescento mais uns
algarismos: "27,1126", digo eu.
Encontram o nmero na tabela. "Est certo! Mas como que faz
isso?"
"Foi s somar a srie."
"Ningum. pode somar a srie to depressa. Devia saber essa
por acaso. E se for e elevado a 3?"
"Olhem", digo eu, " muito complicado! S uma por dia!"
"Ah! aldrabice!", dizem eles, satisfeitos.
"Est bem", respondo eu, " 20,085."
Vem no livro enquanto eu acrescento mais alguns algarismos.
Agora esto todos entusiasmados, porque acertei outra.
Aqui esto todos estes grandes matemticos da altura
intrigados com o modo como consigo calcular e elevado a
qualquer expoente! Um deles diz: "Ele no pode estar a
substituir e a somar - demasiado difcil. H algum truque.
No conseguia fazer um nmero qualquer, como e elevado a 1,4."
Eu respondo: "D muito trabalho, mas, por ser para si, est
bem. 4,05."
Enquanto eles procuram, acrescento mais uns algarismos e digo:
"E a ltima por hoje!", e saio.
O que aconteceu foi isto: por acaso eu sabia trs nmeros -o
Iogaritmo de 10 na base e (necessrio para converter nmeros
da base 10 para a base e), que 2,3026 (por isso sabia que e
elevado a 2,3 muito prximo de 10), e, por causa da
radiactividade (vida mdia e semvida), sabia o lagaritmo de 2
na base e, que 0,69315 (por isso sabia tambm que e elevado
a 0,7 aproximadamente igual a 2). Tambm sabia o valor de e
(elevado a 1), que 2,718 28.
O primeiro nmero que me deram era e elevado a 3,3, que e
elevado a 2,3 -dez -vezes e, ou 27,18. Enquanto eles se
esforam por descobrir como eu tinha feito, eu fazia a
correco para o extra 0,0026 -2,3026 um pouco alto.
Sabia que no conseguiria fazer outra; fora pura sorte. Mas,
190
Paul passa pelo lugar do almoo e os tipos esto todos
entusiasmados. "Eh, Paul! ", chamam. "Feynman est formidvel!
Damos-lhe um problema que pode ser apresentado em dez segundos
e num minuto ele consegue a resposta a dez por cento. Porque
no lhe d um?"
Quase sem parar, ele diz: "A tangente de 10 com 100 casas
decimais."
Fui-me abaixo: era preciso dividir por pi com 100 casas
decimais! No havia esperana.
Uma vez gabei-me: "Posso resolver por outros mtodos uma
integral que qualquer outra pessoa s consiga resolver com
integrao de perfil."
Ento Paul apresenta a tremenda integral que obtivera
comeando com uma funo complexa de que ele conhecia a
resposta, tirando-lhe a parte real e deixando s a parte
complexa. Tinha-a desdobrado de modo que s era possvel por
integrao de perfil! Estava sempre a pr em causa as minhas
gabarolices. Era um tipo muito esperto.
A primeira vez que estive no Brasil, estava certa ocasio a
tomar uma refeio do meio-dia no sei a que horas encontrava-me sempre nos restaurantes na altura errada -e era
o nico cliente presente. Estava a comer arroz com bife (que
adorava) e havia uns quatro criados volta.
Entrou um japons no restaurante. Eu j o vira a deambular por
ali; tentava vender bacos. Comeou a falar com os criados e
desafiou-os: disse que conseguia somar nmeros mais depressa
do que qualquer deles.
Os criados no queriam ficar mal colocados, pelo que disseram:
"Est bem, est bem. Porque no vai ali desafiar aquele
cliente?"
o homem aproximou-se. Protestei: "Mas eu no falo bem
portugus! "
Os criados riram. "Os nmeros so fceis", disseram.
Trouxeram-me lpis e papel.
O homem pediu ao criado que dissesse alguns nmeros para
somarmos. Venceu-me completamente, porque, enquanto eu
escrevia os
nmeros, ele j os ia somando.
Sugeri que o criado escrevesse duas listas idnticas de
nmeros e as entregasse ao mesmo tempo a ambos. No fez grande
diferena. Mesmo assim venceu-me por um bocado.
Contudo, o homem ficou um pouco entusiasmado: queria exibir-se
mais. "Multiplicao!" 1, disse ele.
' Em portugus no original. (N. da T.)
192
por 4 (dividir por 3 e multiplicar por 12). Dessa maneira
consegui extrair uma quantidade de dgitos.
Umas semanas mais tarde, o homem entrou um dia na sala de
cocktails do botei em que eu estava. Reconheceu-me e
aproximou-se: "Diga-me", pediu ele, "como conseguiu resolver
to depressa aquele problema de raiz cbica?"
Comecei a explicar que era um mtodo aproximado e que tinha
que ver com a percentagem de erro. "Suponha que me tinha dado
28. OOrra a raiz cbica de 27 3 ... "
Ele pega no baco: zzzzzzzzzzzzzzz "Oh, sim", diz ele.
Compreendi uma coisa: ele no conhece os nmeros. Com o baco
no preciso decorar uma data de combinaES aritmticas;
basta aprender a empurrar as continhas para cima e para baixo.
No temos de decorar 9 + 7 = 16; sabemos apenas que, quando
somamos 9, empurramos uma conta de dez para cima e empurramos
uma conta de um para baixo. Portanto, ns somos mais lentos na
aritmtica bsica, mas conhecemos os nmeros.
Alm disso, a ideia de um mtodo aproximado ultrapassava-o,
apesar de, muitas vezes, a raiz cbica no poder ser calculada
exactamente,, por nenhum mtodo. Por isso nunca consegui
ensinar-lhe como calculava as razes cbicas nem explicar-lhe
a sorte que tivera por ele escolher 1729,03.
0 americano outra vez!'
Uma vez dei boleia a uma pessoa que me disse que a Amrica do
Sul era muito interessante e que eu devia l ir. Queixei-me de
a lngua ser diferente, mas ele respondeu que bastava
aprend-la -no assim to difcil. Por isso pensei: " boa
ideia, vou Amrica do Sul."
Em Cornell havia aulas de lnguas estrangeiras que seguiam um
mtodo usado durante a guerra, no qual pequenos grupos com uns
dez estudantes e um professor da nacionalidade fala
(1)Em portugus no original. (N. da T.)
vam apenas a lngua estrangeira -mais nada. Como em Cornell eu
era um professor com um aspecto bastante jovem, decidi
frequentar a aula como se fosse um aluno normal. E, como ainda
no sabia aonde iria parar na Amrica do Sul, decidi aprender
o espanhol, porque l a grande maioria dos pases falam esta
lngua.
Por isso, quando chegou a altura de me inscrever e nos
encontrvamos l fora, prontos para entrar na aula, aparece
uma loura cheia de curvas. Sabem aquela sensao que temos de
vez em quando, UAU? Tinha um aspecto fantstico. Disse para
comigo: "Talvez ela v para a aula de Espanhol -isso seria
ptimo!" Mas no, entrou na aula de Portugus. Por isso
pensei: "Que raio, tambm posso aprender portugus!"
Por isso nunca aceitei nenhuma das suas ofertas. Mas foi muito
divertido ver como ele actuava.
A outra coisa divertida em Las Vegas era conhecer as raparigas
dos espectculos. Creio que elas tinham de andar pelo bar
entre os espectculos para atrair os clientes. Conheci vrias
delas assim, falei com elas e achei-as simpticas. As pessoas
que dizem: "Raparigas de espectculo, eh?", j decidiram o que
elas so! Mas em qualquer grupo, se olharmos para ele, h
grande variedade. Por exemplo, havia a filha de um deo de uma
universidade do Leste. Tinha talento para a dana e gostava de
danar; tinha o Vero livre e era difcil arranjar trabalho de
dana, pelo que trabalhava como corista em Las Vegas. A maior
parte das raparigas do espectculo eram pessoas muito
simpticas e amigveis. Eram todas lindas e eu adoro raparigas
lindas. De facto, as raparigas do espectculo eram a minha
verdadeira razo para gostar tanto de Las Vegas.
Ao princpio tinha um certo medo: as raparigas eram to
bonitas, tinham uma fama to grande, etc. Tentava conhec-las
e engasgava-me um pouco quando falava. Ao princpio foi
difcil, mas foi-se tornando gradualmente mais fcil, e por
fim tinha a confiana suficiente para no ter medo de ningum.
A minha maneira de ento arranjar aventuras difcil de
explicar: era como pescar, em que atiramos a linha e depois
preciso pacincia. Quando contava a um tipo algo sobre as
minhas aventuras, ele poderia dizer: "Oh, vamos, vamos fazer
isso!" Assim, amos a um bar ver se acontecia alguma coisa e
ele perdia a pacincia aps uns vinte minutos. Normalmente
temos de gastar alguns dias at acontecer alguma coisa. Passei
muito tempo a falar com as raparigas do espectculo. Uma delas
apresentava-me a outra e ao fim de certo tempo acontecia
frequentemente alguma coisa interessante.
Lembro-me de uma rapariga que gostava de beber Gibsons.
Danava no Hotel Flamingo e conheci-a bastante bem. Quando eu
vinha cidade, mandava pr um Gibson na sua mesa antes de ela
se sentar, para anunciar a minha chegada.
Uma vez aproximei-me, sentei-me ao p dela e ela disse: "Esta
noite estou com um homem, um texano que joga forte." (J tinha
ouvido falar no tipo, Cada vez que ele jogava, toda a gente o
rodeava para
214
o ver.) Voltou para a mesa onde estvamos sentados e a
rapariga apresentounos.
A primeira coisa que ele me disse foi: "Sabe uma coisa? Perdi
aqui ,sessenta mil dlares a noite passada."
Eu sabia o que fazer: voltei-me para ele, absolutamente nada
impressionado, e disse: "Isso para ser tomado como
esperteza, ou como estupidez?"
Estvamos a tomar o pequeno-almoo na sala de jantar. Ele
disse: "Olhe, deixe-me assinar a sua conta. Eles no me cobram
229
O meu amigo Marshak perguntou: "O qu? O qu?"
"Eu falo japons", disse eu.
"Aldrabo! Anda sempre a brincar, Feynman."
"Do que que est a falar?", perguntei com ar srio.
"Est bem", disse ele. "O que pediu?"
"Pedi-lhe que nos trouxesse caf."
Marshak no me acreditou. "Fao uma aposta consigo", disse
ele. "Se ela nos trouxer caf ... "
A criada apareceu com o nosso caf e Marshak perdeu a aposta.
Afinal, eu era o nico que tinha aprendido um pouco de japons
-at Wheeler, que dissera a todos que deviam aprender
japons, no aprendera nada-e eu no aguentei mais. Tinha
lido alguma coisa sobre os hotis de estilo japons, que
deviam ser muito diferentes do hotel em que estvamos.
Na manh seguinte chamei ao meu quarto o japons que
organizava tudo. "Queria ficar num hotel de estilo japons."
"Receio que seja impossvel, Prof. Feynman."
Tinha lido que os Japoneses so muito delicados, mas muito
obstinados. preciso insistir para os convencer. Por isso
decidi ser to obstinado como eles e igualmente delicado. Era
uma batalha entre argumentos e que durou trinta minutos.
"Porque quer ir para um hotel de estilo japons?"
"Porque neste hotel no sinto que estou no Japo."
"Os hotis de estilo japons no prestam. As pessoas tm de
dormir no cho. "
" isso que eu quero; quero ver como ."
"E no h cadeiras mesa sentamo-nos no cho."
"No faz mal. Ser delicioso. isso que procuro."
Finalmente, ele admite o verdadeiro problema: "Se estiver
noutro hotel, o autocarro ter de fazer mais uma paragem no
caminho para o encontro. "
"No, no! ", digo eu. "De manh eu venho para este hotel e
entro no autocarro aqui."
"Bem -ento pode ser. Est bem." Foi s isto -excepto termos
levado meia hora para chegar ao verdadeiro problema.
Ele dirige-se ao telefone para fazer uma chamada para o outro
hotel, quando de repente pra; fica tudo bloqueado novamente.
Sr Pais."
"Oh, no! ", disse eu, sobressaltado. "No sou Pais; com
Pais que quer falar? Desculpe. Eu digo-lhe que quer falar com
ele quando ele voltar. "
Pais entrou umas horas depois: "Eh, Pais! Pais! ", disse eu
com voz excitada. "Falaram da revista Time! Querem que lhes
mande uma cpia do trabalho que est a apresentar. "
"Oh!", diz ele. "Porcaria de publicidade!"
Fiquei muitssimo surpreendido.
Desde ento descobri que Pais tinha razo, mas nesses dias
pensava que seria maravilhoso ter o meu nome na revista Time.
Aquela foi a minha primeira estada no Japo. Estava ansioso
por voltar e disse que iria para qualquer universidade onde me
quisessem. Por isso os Japoneses dispuseram as coisas de modo
que eu passasse alguns dias em cada um de uma srie de
lugares.
Nessa altura estava casado com Mary Lou e, onde quer que
fssemos, tnhamos recepES. Num stio organizaram uma
cerimnia completa com dana, que era normalmente executada
para um grande nmero de turistas, especialmente para ns.
Noutro lugar fomos recebidos logo no barco por todos os
alunos. Ainda noutro fomos recebidos pelo presidente da
cmara.
Um, em especial, dos lugares em que ficmos era um lugar
pequeno, modesto, cercado de bosques e onde o imperador ficava
quando visitava a regio. Era um lugar muito bonito, perto de
um ribeiro, cuidadosamente escolhido. Tinha uma certa
quietude, uma elegncia calma. O facto de o imperador
ficar
nesse lugar demonstrava, penso eu, uma sensibilidade
natureza maior do que aquela a que estvamos habituados no
Ocidente.
Em todos esses lugares, toda a gente que trabalhava em fsica
me dizia o que estava a fazer e discutamos o seu trabalho.
Eles descreviam-me o problema geral em que trabalhavam e
comeavam a escrever um monte de equaES.
"Espere um minuto", dizia eu. "Existe algum exemplo particular
para este problema geral?"
"Sim, claro."
"ptimo. D-me um exemplo. " Estava bem para mim: no consigo
compreender uma coisa na generalidade se no conhecer um
exemplo especfico que veja desenvolver-se. H pessoas que a
princpio pensam que sou um bocado lento e no compreendo o
problema, porque fao uma data destas perguntas "estpidas":
"O ctodo mais ou menos? 0 anio desta maneira, ou
daquela?"
Mas depois, quando o tipo est no meio de um monte de
conclusSes.
A certa altura houve um encontro em Rochester -a Conferncia
Anual de Rochester. Eu continuava sempre atrasado, e Lee ia
apresentar o seu trabalho sobre a infraco paridade. Ele e
Yang tinham chegado concluso de que a paridade era
infringida, e agora ele ia apresentar a teoria sobre isso.
Durante a conferncia eu ficava com a minha irm em Siracusa.
Trouxe o trabalho para casa e disse-lhe: "No consigo
compreender estas coisas que Lee e Yang dizem. tudo to
complicado."
"No", disse ela. "O que tu queres dizer no que no
compreendes, mas que no foste tu quem inventou. No
descobriste tua maneira, ouvindo uma sugesto. O que deves
fazer imaginar que s novamente um estudante, levar o
trabalho l para cima, l-lo linha a linha e verificar as
equaES. Ento conseguirs compreend-lo com toda a
facilidade."
Segui o seu conselho, verifiquei tudo e achei que era muito
evidente e simples. Tinha tido medo de o ler, pensando que era
difcil.
244
Sa e descobri o artigo original sobre a experincia que dizia
que a associao neutro-proto T e houve uma coisa que me
chocou. Lembrei-me de ter lido anteriormente aquele artigo
(naqueles dias em que lia todos os artigos da Physical Review
-era suficientemente pequena para isso). E, quando voltei a
ler o artigo, lembrei-me de olhar para a curva e pensar: "Isso
no prova nada!"
Esto a ver, dependia de um ou dois pontos mesmo na fronteira
da classe dos dados, e h um princpio que estabelece que um
ponto na fronteira da classe dos dados -o ltimo ponto -no
muito bom, porque, se fosse, teriam outro ponto mais
afastado. E eu no tinha percebido que toda a ideia de a
associao proto-neutro ser T se baseava no ltimo ponto,
que no era muito bom, e portanto no estava provada.
Lembrei-me de ter reparado nisso!
E, quando me interessei directamente pela degradao beta, h
todos aqueles relatrios feitos pelos "peritos em degradao
beta" que diziam que T. Nunca fui ver os dados originais;
apenas li esses relatrios, como um palerma. Se tivesse sido
um bom fsico, quando, na Conferncia de Rochester, pensei na
ideia original, teria imediatamente investigado "com que
segurana sabemos que T" -isso teria sido a coisa sensata a
fazer. Teria reconhecido imediatamente que j tinha reparado
que no estava provado de modo satisfatrio.
A partir dessa altura nunca mais prestei ateno a qualquer
coisa feita por "peritos". Fao eu prprio todos os clculos.
Quando as pessoas disseram que a teoria dos quarks era
bastante boa, fiz com que dois graduados, Finn Ravndal e Mark
Kislinger, percorressem todo o trabalho comigo, para que eu
pudesse verificar que aquilo estava realmente a dar resultados
que se ajustavam bastante bem e que era uma teoria
significativamente boa. Nunca mais volto a cometer o erro de
ler as opiniSes dos peritos. Claro que temos s uma vida, e
cometemos todos os nossos erros, e aprendemos o que no
devemos fazer, e depois o fim.
Treze vezes
Uma vez, um professor de Cincias do liceu oficial local veio
pedir-me que fizesse l uma conferncia. Ofereceu-me cinquenta
dlares, mas eu disse-lhe que no estava preocupado com o
dinheiro. " o liceu oficial, no ?"
245
"."
Pensei na quantidade de papelada com que normalmente tinha de
me haver quando lidava com o governo, pelo que me ri e disse:
"Tenho muito gosto em fazer a conferncia. Ponho apenas uma
condio" escolhi um nmero ao acaso e continuei -, "no ter
de assinar mais de treze vezes e isso inclui o cheque."
nica coisa que me disse foi que o meu desenho era demasiado
pequeno para a folha). Em vez disso, tentava levar-nos a
experimentar novas abordagens. Pensei no modo como ensinamos a
Fsica: temos tantas tcnicas -tantos mtodos matemticos que nunca paramos de dizer aos alunos como fazer as coisas.
Por outro lado, o professor de Desenho tem medo de dizer seja
o que for. Se as nossas linhas so demasiado pesadas, o
professor no pode dizer: "As suas linhas so demasiado
pesadas", porque algum artista pode ter descoberto o meio de
fazer grandes quadros usando linhas pesadas. O professor no
quer empurrar-nos numa direco determinada. Por isso, o
professor de Desenho tem o problema de comunicar como se
desenha por osmose, e no por instruo, enquanto o professor
de Fsica tem o problema de ensinar sempre tcnicas, de
preferncia ao esprito, de como resolver problemas de fsica.
251
1
Estavam sempre a dizer-me que me "soltasse", que me tornasse
mais descontrado em relao ao desenho. Achei que isso no
fazia mais sentido do que dizer a uma pessoa que est a
aprender a conduzir que se "solte" ao volante. No resulta. S
nos podemos comear a descontrair depois de o sabermos fazer
cuidadosamente. Por isso resisti a esta permanente coisa da
descontraco.
Um exerccio que tinham inventado para nos descontrair era
desenhar sem olhar para o papel. No tire os olhos do modelo;
olhe para ele e trace as linhas no papel sem olhar para o que
est a fazer.
Um dos tipos diz: "No posso evitar. Tenho de fazer batota.
Aposto que esto todos a fazer batota!"
"Eu no estou a fazer batota!", digo eu.
"Ah, conversa!", dizem eles.
Acabo o exerccio e eles vm ver o que eu tinha desenhado.
Descobrem que, de facto, eu NO estava a fazer batota; mesmo
no incio, a ponta do meu lpis tinha-se quebrado e no papel
apenas havia sulcos.
Quando, finalmente, pus o lpis em condiES de trabalhar,
tentei novamente. Descobri que o meu desenho tinha uma espcie
de fora -uma fora estranha, quase no estilo de Picasso -que
me atraa. A razo por que aquele desenho me agradava era que
eu sabia que era impossvel desenhar bem desse modo e,
portanto, o desenho no tinha de ser bom -e a descontraco
era isso mesmo. Tinha pensado que "soltarmonos" significava
"fazer desenhos desleixados", mas na realidade significava
descontrairmo-nos e no nos preocuparmos com
modo como o desenho vai sair.
Progredi muito na aula e estava a sentir-me muito bom. At
tralha."
Quando voltei ao meu hotel, procurei no guia. Na parte
referente Capela Sistina: "Por baixo das pinturas de Miguel
ngelo h catorze painis de Botticelli, Perugino" -ambos
grandes artistas -"e dois de Fulano, que no so
significativos. " Isto foi terrivelmente excitante: ser capaz
de distinguir uma maravilhosa obra de arte de uma que o no ,
e no saber defini-la. Como cientistas, pensamos sempre que
253
258
perfeitamente adequado a um salo de massagens, mas que, se um
cliente olhar para ele, lhe d ideias."
"Est bem", disse eu. Combinmo-lo por sessenta dlares e
comecei a trabalhar no desenho. Primeiro tinha de descobrir
como faz-lo. Fartei-me de pensar e vrias vezes senti que
mais valia desenhar a toureira nua!
Finalmente descobri como faz-lo: desenharia uma escrava numa
Roma imaginria, massajando qualquer romano importante -um
senador, talvez. Como uma escrava, tem na cara uma certa
expresso. Sabe o que vai acontecer a seguir, e est como que
resignada.
Trabalhei muito naquele quadro. Usei Kathy como modelo. Mais
tarde arranjei outro modelo para o homem. Fiz uma poro de
estudos e depressa o preo dos modelos ia em oitenta dlares.
No me importava com o dinheiro; agradava-me o desafio de ter
de satisfazer uma encomenda. Por fim acabei com um quadro de
um homem musculoso deitado numa mesa com a escrava a
massaj-lo: ela usa uma espcie de toga que cobre um seio -o
outro est nu -e apanhei mesmo bem a expresso de resignao
no seu rosto.
Estava quase pronto para entregar a minha
encomendada no salo de massagens, quando
que o tipo fora preso e estava na cadeia.
s raparigas do restaurante de topless se
salSes de massagens na regio de Pasadena
pendurar o meu desenho no trio.
obra-prima
Gianonni me disse
Por isso perguntei
sabiam de bons
que quisessem
no
as
e as
e
igualdade".
J tinha havido uma conferncia com pessoas mais velhas, em
qualquer parte de Long Island, e nesse ano decidiram convidar
algumas pessoas mais novas para discutir os relatrios da
conferncia anterior.
Antes de l chegar enviaram a todos uma lista de "livros que
poder achar de leitura interessante e, por favor, mande-nos
quaisquer livros que queira que os outros leiam, e
guard-los-emos na biblioteca para que os outros os possam
ler".
Comeo pela primeira pgina da lista: no lera nenhum dos
livros e sinto-me muito pouco vontade -dificilmente me
integro. Olho para a segunda pgina: no lera um nico. Depois
de ver toda a lista descobri que no tinha lido nenhum dos
livros. Devo ser um idiota, um iletrado! Havia l livros
maravilhosos, como On Freedom, de Thomas Jefferson, e coisas
do gnero, e havia alguns autores que eu j tinha lido. Havia
um livro de Heisenberg, um de SchrSdinger e um de Einstein,
mas eram coisas como My Later Years, de Einstein, e What Is
Life, de SchrSdinger -diferentes do que eu lera. Por isso
sentia que no estava no meu elemento e que no me devia ter
metido naquilo. Talvez pudesse sentar-me sossegado e escutar
apenas.
Vou ao primeiro grande encontro de apresentao e um tipo
levanta-se e explica que temos dois problemas a discutir. O
primeiro um pouco confuso -qualquer coisa sobre tica e
igualdade, mas no percebo qual exactamente o problema. E o
segundo : "Vamos demonstrar com os nossos esforos um modo
de podermos ter um dilogo entre pessoas de campos diferentes.
" Havia um advogado internacional, um historiador, um padre
jesuta, um rabi, um cientista (eu), etc.
Bem, o meu esprito lgico diz imediatamente: no tenho de me
preocupar com o segundo problema, porque, se resultar, resulta
e, se no
265
resultar, no resulta -no temos de provar que conseguimos
dialogar e de discutir a possibilidade de um dilogo se no
tivermos nenhum dilogo acerca de que falar! Por isso, o
problema primrio o primeiro, que no compreendi.
Estava preparado para levantar a mo e dizer: "Poder, por
favor, definir melhor o primeiro problema?", mas pensei: "No,
eu que sou o ignorante, melhor ouvir. No quero comear j
a arranjar sarilhos. "
O subgrupo de que eu fazia parte devia discutir a "tica, da
igualdade na educao". Nas reuniSes do nosso subgrupo, o
padre jesuta estava sempre a falar da "fragmentao do
conhecimento". Dizia: "O verdadeiro problema na tica da
igualdade em educao a fragmentao do conhecimento." Este
jesuta relembrava o sculo xiii, quando a igreja catlica
controlava toda a educao e o mundo inteiro era simples.
gunta e o que est a dizer-, pelo que pensei que no podia ser
professor! "
A certa altura houve um jantar especial e o director da seco
de Teologia, um homem muito simptico, acentuadamente judeu,
proferiu um discurso. Foi um bom discurso e ele era um orador
muito bom, pelo que, embora agora, que vos estou a contar,
parea loucura, nessa altura a sua ideia principal pareceu
absolutamente bvia e verdadeira. Falou das grandes diferenas
de qualidade de vida entre os vrios pases, diferenas que
causam invejas, conduzem a conflitos e, agora, que temos as
armas atmicas, a qualquer guerra e estaremos condenados;
portanto, a sada consiste em lutar pela paz, certificando-nos
de que no existem grandes diferenas entre as vrias regiSes,
e, como temos tanto nos Estados Unidos, deveramos dar o
suficiente aos outros pases para ficarmos equilibrados.
Ouvamos todos isto e estvamos todos prontos a sacrificar-nos
e a pensar que o deveramos fazer. Mas voltei a mim a caminho
de casa.
No dia seguinte, um dos tipos do nosso grupo disse: "Acho que
aquele discurso de ontem noite foi to bom que devamos
todos subscrevlo, e seria o resumo da nossa conferncia."
conhecer um general. Por isso acho que aquilo que eles tinham
dito tem alguma verdade.
Avaliando os livros pelas capas
Depois da guerra pediam muitas vezes aos fsicos que fossem a
Washington aconselhar vrias secES do Governo, especialmente
o Exrcito. Creio que o que aconteceu foi que, como ns, os
cientistas, fizemos aquelas bombas to importantes, os
militares acharam que tnhamos utilidade para alguma coisa.
Uma vez pediram-me que fizesse parte de uma junta que devia
avaliar vrias armas para o Exrcito e respondi com uma carta
em que explicava que era apenas um fsico terico e no sabia
nada sobre armas para o Exrcito.
272
Responderam-me que, na sua experincia, tinham descoberto que
os fsicos tericos lhes eram muito teis para tomarem
decisSes, pedindo-me, por isso, o favor de reconsiderar a
minha posio.
Voltei a escrever dizendo que no sabia realmente nada de
armas para o Exrcito e que duvidava que os pudesse ajudar.
Finalmente, recebi uma carta do secretrio do Exrcito a
propor um compromisso: eu iria ao primeiro encontro, onde
poderia ouvir e ver se podia ou no contribuir. Depois poderia
decidir se devia continuar.
Disse que ia, claro. Que mais podia fazer?
Parti para Washington e a primeira coisa a que compareci foi a
um cocktail para conhecer toda a gente. Havia generais e
outras personalidades importantes do Exrcito e todos
conversavam. Foi bastante agradvel.
Um tipo fardado veio ter comigo e disse-me que no Exrcito
estavam muito satisfeitos por os fsicos os aconselharem,
porque tinham muitos problemas. Um dos problemas era os
tanques gastarem muito depressa o combustvel e, portanto, no
poderem ir muito longe. Por isso a questo era como
reabastec-los enquanto avanavam. Ora este tipo tinha a ideia
de que, como os fsicos conseguem obter energia a partir do
urnio, talvez eu conseguisse desenvolver um meio de usar
dixido de silcio -areia, terra -como combustvel. Se isso
fosse possvel, bastaria que o tanque tivesse por baixo uma
pequena escavadora e, enquanto avanava, apanhava terra e
usava-a como combustvel! Ele achava que era uma ptima ideia
e que eu s tinha de estudar os detalhes. Era desse tipo de
problemas que eu pensava que iramos falar no encontro do dia
seguinte.
Fui ao encontro e reparei que um tipo que me tinha apresentado
a toda a gente no cocktail estava sentado ao meu lado. Segundo
parecia, era algum ajudante a quem incumbia andar sempre
comigo. Do meu outro lado estava um grande general de que j
tinha ouvido falar.
Na primeira sesso do encontro falaram sobre uns assuntos
Fiquei estarrecido.
"No se preocupe, Sr. Feynman; arranjamos algum para o ajudar
a l-los."
No conseguia perceber como se podia fazer isso: ou se lem ou
no se lem. Mandei pr uma estante especial l em baixo no
meu escritrio (os livros ocuparam dezassete ps) e comecei a
ler todos os livros que amos discutir no prximo encontro.
+amos comear com os livros para a escola elementar.
Era uma tarefa muito grande e passei o tempo todo ocupado nela
l em baixo no rs-do-cho. A minha mulher diz que durante
esse perodo era como viver por cima de um vulco. Estava
sossegado durante algum tempo, mas depois, de repente,
"BUUUUUUUMMMMMM!!!!", havia uma enorme exploso do "vulco"
l em baixo.
A razo era os livros serem to maus. Eram falsos. Eram
apressados. Tentavam ser rigorosos, mas usavam exemplos (como
automveis na rua para "conjuntos") que estavam quase bem, mas
havia sempre subtilezas. As definiES no eram precisas. Era
tudo um pouco ambguo -no tinham a esperteza suficiente para
compreender o que se entendia por "rigor". Fingiam-no. Estavam
a ensinar uma coisa que no compreendiam e que nessa altura
era de facto intil para a criana.
Compreendi o que eles estavam a tentar fazer. Muitas pessoas
pensavam que estvamos atrasados em relao aos Soviticos
depois do Sputnik e pediram a alguns matemticos que
aconselhassem o modo de ensinar Matemtica usando alguns dos
interessantes conceitos moder
276
nos dessa disciplina. O objectivo era tornar mais interessante
a Matemtica para as crianas, que a achavam enfadonha.
Eis um exemplo: falavam de diferentes bases numricas -cinco,
seis, etc. -para mostrar as suas possibilidades. Isso seria
interessante para um mido que conseguisse compreender a base
dez -uma coisa para lhe divertir o esprito. Mas o que eles
tinham feito, naqueles livros,
era que todas as crianas tivessem de aprender outra base! E
depois vinha o horror habitual: "Traduza estes nmeros, que
esto escritos
na base sete, para a base cinco." Traduzir de uma base para
outra uma coisa completamente intil. Se se consegue
faz-lo, talvez seja divertido; se no se consegue, melhor
esquecer. No tem nenhum interesse.
Seja como for, estou a ler todos aqueles livros e nenhum diz
seja o que for sobre a aplicao da matemtica cincia. Se
h alguns exemplos da aplicao da matemtica (a maior parte
das vezes
aquele disparate abstracto moderno), so sobre coisas como
comprar selos.
Finalmente, aparece um livro que diz: "A matemtica aplicada
na
cincia de vrias maneiras. Vamos dar um exemplo da
astronomia, que a cincia das estrelas. " Volto a pgina e
leio: "As estrelas vermelhas tm uma temperatura de cinco mil
graus ... " -at a tudo bem. Continua: "As estrelas verdes
tm uma temperatura de sete mil graus, as estrelas azuis tm
uma temperatura de dez mil graus e as estrelas
roxas tm uma temperatura de... [um nmero grande]. " No h
estrelas verdes nem roxas, mas os nmeros para as outras esto
aproximadamente correctos. Est vagamente certo -mas logo a
seguir sarilhos! E
isto era
geral: era tudo escrito por pessoas que no faziam ideia
daquilo de que
estavam a falar, pelo que havia sempre algo errado! E no
percebo
como havemos de ensinar bem usando livros escritos por pessoas
que
no entendem bem aquilo de que esto a falar. No sei porqu,
mas
os livros So pssimos, UNIVERSALMENTE PSSIMOS!
Seja como for, estou contente com este livro, porque o
primeiro
Mas sucedia assim com todos os livros: diziam coisas que eram
inteis, baralhadas, ambguas, confusas e parcialmente
incorrectas. No sei como que algum pode aprender cincia
naqueles livros, porque aquilo no cincia.
Por isso, quando vi todos aqueles livros horrorosos com o
mesmo tipo de erros que tinham os de matemtica, senti que o
meu processo
281
mais entregue pela Western Union com uma mensagem que dizia
"Da nossa famlia para a sua, Feliz Dia de Aco de Graas Os P milios."
Era de uma famlia de Long Beach, de que nunca ouvira falar,
certamente algum que queria mandar aquilo famlia de um seu
amigo e que se enganara no nome e na morada. Telefonei
Western
Union deram-me o nmero do telefone das pessoas que tinham
mandado coisas e telefonei-lhes.
"Est? Sou o Sr. Feynman. Recebi uma embalagem ... "
284
"Oh, ol, Sr. Feynman, daqui fala Pete Pamilio", e diz aquilo
de um modo to amigvel que eu penso que deveria saber quem
ele ! Sou habitualmente to distrado que nunca consigo
recordar quem so as pessoas.
Por isso disse: "Desculpe, Sr. Pamilio, mas no me lembro bem
quem o senhor ... "
Afinal era um representante de uma das editoras cujos livros
eu tinha de julgar na comisso curricular.
"Estou a ver. Mas isso pode ser mal interpretado."
" apenas de uma famlia para outra."
"Sim, mas estou a julgar um livro que vocs publicam e talvez
algum possa interpretar mal a sua amabilidade! " Eu sabia o
que se passava, mas agi de modo a parecer um idiota completo.
Aconteceu uma coisa semelhante quando um dos editores me
mandou uma pasta de couro com o meu nome gravado a ouro.
Disse-lhes o mesmo: "No posso aceitar; estou a avaliar alguns
dos livros que vocs publicam. Acho que no esto a perceber!
"
Um dos membros da Comisso, que era o que l estava h mais
tempo, disse: "Nunca aceito as coisas; aborrece-me muito. Mas
sempre, o mesmo. "
Mas perdi realmente uma oportunidade. Se tivesse pensado com a
rapidez suficiente, podia ter-me divertido muito naquela
Comisso. Cheguei noite ao hotel em So Francisco para
participar na reunio do dia seguinte e decidi sair para dar
um passeio pela cidade e comer qualquer coisa. Ao sair do
elevador vi dois tipos sentados num banco na sala de entrada
do hotel, os quais se levantaram de um salto e disseram: "Boa
noite, Sr. Feynman. Onde vai? H alguma coisa que lhe possamos
mostrar em So Francisco?" Eram de uma editora e eu no queria
nada com eles.
"Vou sair para comer."
"Podemos lev-lo a jantar."
"No, quero estar sozinho."
disse
ele, "queria dizer-lhe uma coisa sobre a diplomacia."
292
Comeou a contar uma longa histria sobre um rapaz no Japo
que vai para a universidade e estuda relaES internacionais
porque pensa que pode servir o seu pas. No segundo ano comea
a ter algumas dvidas sobre o que aprende. Depois da
universidade consegue a sua primeira colocao numa embaixada
e tem ainda mais dvidas sobre a sua compreenso da
diplomacia, at que, finalmente, se apercebe de que ningum
sabe nada sobre relaES internacionais. Nessa altura pode
tornar-se embaixador! "Por isso, professor Feynman", disse
ele, "na prxima vez que der exemplos de coisas de que toda a
gente fala e de que ningum percebe inclua, por favor, as
relaES internacionais!"
Era um homem muito interessante e comemos a conversar.
Sempre me interessara saber por que motivo os diferentes
pases e os diferentes povos se desenvolvem de forma
diferente. Disse ao embaixador que havia uma coisa que sempre
me parecera um fenmeno notvel: o facto de o Japo se ter
desenvolvido to depressa que se tornara um moderno e
importante pas. "Qual o aspecto e o carcter do povo
japons que lhe permitiram conseguir isso?", perguntei.
O embaixador respondeu de um modo que me agradou: "No sei",
disse ele. "Poderia fazer uma suposio, mas no sei se
verdadeira. As pessoas no Japo acreditaram que s tinham uma
maneira de progredir: fazer com que os seus filhos recebessem
mais educao do que eles; que era muito importante que se
afastassem do seu provincianismo para se educarem. Por isso
tem havido uma grande energia por parte das famlias no
sentido de encorajarem as crianas a terem sucesso na escola e
de as fazerem avanar. Devido a esta tendncia de estar sempre
a aprender, as novas ideias do mundo exterior espalham-se com
muita facilidade pelo sistema educativo. Talvez seja essa uma
das razSes por que o Japo avanou to rapidamente."
Levando tudo em linha de conta, devo dizer que acabei por
gostar da visita Sucia. Em vez de voltar imediatamente para
casa, fui ao CERN, o Centro Europeu de Pesquisa Nuclear, na
Sua, fazer uma conferncia. Apresentei-me aos meus colegas
com o fato que tinha usado no jantar do rei -nunca fizera uma
conferncia usando um fato -e comecei por dizer: " Sabem,
engraado; na Sucia estvamos todos a discutir se o facto de
termos ganho o Prmio Nobel iria produzir alteraES e, de
facto, parece-me que j vejo uma mudana: estou a gostar
bastante deste fato."
Todos dizem "BUUUUU!" e Weisskopf levanta-se de um salto,
arranca o casaco e diz: "No vamos usar fatos nas
conferncias!"
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bastante afastado
um pau e cantava.
rvore, olhando
era um ndio.
interessantes.
Ralph e o seu amigo Tom Rutishauser gostavam de tocar tambores
e comemos a encontrar-nos todas as semanas s para
improvisar, desenvolvendo ritmos e criando material. Estes
dois tipos eram msicos autnticos: Ralph tocava piano e Tom
violoncelo. Eu s tinha praticado ritmos e no sabia nada de
msica, que, tanto quanto sabia, era apenas percusso com
notas. Mas produzimos uma quantidade de bons ritmos e tocmos
vrias vezes em algumas escolas para divertir os garotos.
Tambm tocmos ritmos para uma aula de Dana de uma faculdade
local -uma coisa que eu tinha verificado ser divertida quando
estive a trabalhar durante algum tempo em Brookhaven-e cham
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"O QU-?"
Sim. Ia para So Francisco e estava a coreografar um bailado
para uma pequena escola de dana de l. Tinha a inteno de
criar um bailado em que a msica fosse apenas percusso.
Queria que Ralph e eu fssemos a sua casa antes de ela se ir
embora e tocssemos os diferentes ritmos que conhecamos, e a
partir da ela faria uma histria que se adaptasse aos ritmos.
Ralph tinha um certo receio, mas eu encorajei-o a participar
naquela aventura. Contudo, insisti em que ela no contasse a
ningum que eu era professor de Fsica e que tinha ganho o
Prmio Novel, ou qualquer coisa do gnero. No queria tocar
tambor se o fizesse, porque, como disse Samuel Jolinson, se
vemos um co a andar nas patas de trs, no o facto de ele o
fazer bem que conta, mas simplesmente o facto de o fazer. Eu
no quereria faz-lo se fosse simplesmente um professor de
Fsica; ramos apenas uns msicos que ela tinha descoberto em
Los Angeles e que iam l tocar aquela msica de tambor que
tinham composto.
Portanto, fomos a casa dela e tocmos vrios ritmos que
tnhamos criado. Ela tomou uns apontamentos e pouco tempo
depois, nessa mesma noite, inventou uma histria e disse:
"Muito bem. Quero cinquenta e duas repetiES disto; quarenta
compassos daquilo; no sei quantos disto, daquilo, disto,
daquilo..."
Fomos para casa e na noite seguinte gravmos uma fita em casa
de Ralph. Tocmos todos os ritmos durante uns minutos e depois
Ralph fez uns cortes e umas colagens com o seu gravador para
conseguir os vrios comprimentos. Ela levou uma cpia da nossa
fita quando se foi embora e comeou a ensaiar os bailarinos
com ela em So Francisco.
Entretanto tivemos de treinar o que estava na fita: cinquenta
e dois ciclos disto, quarenta ciclos daquilo, etc. O que antes
tnhamos feito (e colado) espontaneamente tnhamos agora de
aprender com exactido. Tnhamos de imitar o raio da nossa
prpria fita!
[ i
O bailado foi uma espcie de sucesso. Apesar de no haver
muitas pessoas a assistir, as que foram ver os espectculos
gostaram muito.
Antes de irmos para So Francisco para os ensaios e os
espectculos no estvamos muito seguros daquela ideia. Isto
, pensvamos que a coregrafa estava doida: primeiro, o
bailado s tinha percusso; segundo, era certamente um
disparate pensar que ramos suficientemente bons para fazer
msica para um bailado e receber dinheiro por isso! Para mim,
que nunca tivera "cultura" nenhuma, acabar como msico
profissional para um bailado era realmente o ponto mximo da
realizao.
No pensmos que ela conseguisse encontrar bailarinos que
estivessem dispostos a danar com a nossa msica de percusso.
(Na realidade, houve uma prima-dona do Brasil, a mulher do
cnsul portugus, que achou que danar aquilo no estaria
sua altura.) Mas os outros bailarinos pareciam gostar muito e
o meu corao alegrou-se quando tocmos para eles pela
primeira vez no ensaio. O prazer que sentiram quando ouviram
os nossos ritmos, como eles eram na realidade (at a tinham
usado a nossa fita tocada num gravador pequeno), era genuno,
e fiquei muito mais confiante quando vi como eles reagiram
quando tocmos realmente. E, pelos comentrios das pessoas que
foram aos espectculos, percebemos que ramos um xito.
A coregrafa queria fazer outro bailado com a nossa percusso
na Primavera seguinte, pelo que seguimos o mesmo processo.
Fizemos uma fita com mais uns ritmos e ela fez outra histria,
desta vez passada em frica. Falei com o Prof. Munger em
Caltech e arranjei umas frases africanas autnticas para
cantar no princpio (GAwa baNYuma GA wa Wo, ou qualquer coisa
parecida) e pratiquei-as at as saber na perfeio.
Mais tarde fomos a So Francisco para uns ensaios. Quando l
chegmos, descobrimos que eles tinham um problema. No
conseguiam descobrir a maneira de fazer presas de elefante que
ficassem bem no palco. As que tinham feito de papel prensado
eram to ms que alguns dos bailarinos tinham vergonha de
danar em frente delas.
No propusemos nenhuma soluo, preferimos esperar para ver o
que aconteceria quando chegassem os espectculos na semana
seguinte. Entretanto combinei visitar Werner Erhard, que
conhecera quando participei numas conferncias que ele tinha
organizado. Eu estava sentado na sua bonita casa, ouvindo
alguma filosofia ou qualquer ideia que ele me procurava
explicar, quando de repente fiquei hipnotizado.
"O que ?", perguntou ele.
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Os olhos esbugalharam-se-me, ao mesmo tempo que exclamei:
"Presas!" Atrs dele, no cho, estavam umas enormes, macias,
maravilhosas presas de marfim!
Ele emprestou-nos as presas. Ficaram muito bem no palco (com
grande alvio dos bailarinos); autnticas presas de elefante,
tamanho gigante, por gentileza de Werner Erhard.
A coregrafa mudou-se para a Costa Leste e apresentou l o seu
bailado das Carabas. Soubemos mais tarde que ela entrara com
esse bailado num concurso para coregrafos de todos os Estados
Unidos e que tinha ficado em primeiro ou segundo lugar.
Encorajada por este sucesso, entrou noutra competio, desta
vez em Paris, para coregrafos de todo o mundo. Levou uma fita
de alta qualidade que tnhamos gravado em So Francisco e
treinou alguns bailarinos para danarem uma pequena parte do
bailado l em Frana -e foi assim que entrou no concurso.
Saiu-se muito bem. Chegou final, em que j s havia dois um
grupo latino, que fazia um bailado normal, com os seus
bailarinos habituais, ao som de uma linda msica clssica, e
um tresmalhado da Amrica, apenas com dois bailarinos que ela
treinava em Frana, danando um bailado que no tinha mais
nada alm da nossa percusso.
Ela era a favorita da assistncia, mas no se tratava de um
concurso de popularidade, e os juizes decidiram dar a vitria
aos latinos. Mais tarde, ela foi ter com os juzes para
saber qual era o ponto fraco do seu bailado.
"Bem, Madame, a msica no era verdadeiramente satisfatria.
No era suficientemente subtil. Faltavam crescendos
controlados ... "
E assim fomos finalmente descobertos: quando tratmos com
pessoas verdadeiramente cultas em Paris, que conheciam msica
de percusso, espalhmo-nos.
Estados alterados
Costumava fazer uma conferncia todas as quartas-feiras na
Companhia de Aeronaves Hughes; um dia cheguei l um pouco
adiantado
e pus-me a namoriscar a recepcionista, como de costume, quando
entraram umas seis pessoas -um homem, uma mulher e mais
alguns. Nunca os tinha visto. O homem perguntou: " aqui que o
professor Feynman faz umas conferncias?"
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