Balaiada - A Guerrilha Sertaneja PDF
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Introduo
A Balaiada foi um movimento social ocorrido no Piau, Maranho e Cear, do
final de 1838 a fins de 1841. De um lado, grandes proprietrios de terra e de
escravos, autoridades provinciais e comerciantes; de outro, vaqueiros, artesos,
lavradores, escravos e pequenos fazendeiros (mestios, mulatos, sertanejos,
ndios e negros) sem direito cidadania e acesso propriedade da terra,
dominados e explorados por governos clientelistas e autoritrios formados
pelas oligarquias locais que ascenderam ao poder poltico com a proclamao
da independncia do pas.
A Balaiada ocorreu simultaneamente no Maranho e no Piau, mas este texto
concentra-se no movimento da Provncia do Piau, procurando desvendar at
que ponto ele teve autonomia, em oposio viso da historiografia dominante
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segundo a qual ele teria sido apenas uma repercusso dos acontecimentos do
Maranho.
O objetivo principal deste texto destacar a participao popular no movimento
balaio, atravs do exame da sua composio social, das formas de organizao,
mobilizao, tticas, reivindicaes, lideranas e das suas possveis causas.
Alm disto, pe-se em relevo a eficcia da represso liderada pelos governos
provincial e imperial e o uso de toda uma srie de mecanismos utilizados para
acabar com o movimento rebelde.
Segundo a maioria dos documentos e grande parte da historiografia, a Balaiada1
teve incio em dezembro de 1838 na Vila da Manga (MA), estendendo-se at
meados de 1841, pelo Piau e Cear. Em agosto de 1840 foi decretada anistia
assinada pelo Imperador D. Pedro II, mas as autoridades do Piau e do Maranho
declararam a pacificao das provncias apenas em janeiro de 1841.
O perodo que vai de 1831 a 1840-41, conhecido como Regencial, marcado
pela deposio de D.Pedro I e por forte instabilidade poltica nas Provncias.
Considerado pelo historiador Caio Prado Jr. como uma etapa da evoluo do
movimento pela Independncia, ele marca tambm a organizao do Estado
Nacional: a superestrutura poltica do Brasil Colnia j no correspondendo
ao estado das foras produtivas e infra-estrutura econmica do pas, se
rompe, para dar lugar a outras formas mais adequadas s novas condies
econmicas capazes de conter sua evoluo (Prado jr., 1979: 47). No GroPar, Piau, Maranho, Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, ocorreram
insurreies, rebelies e revoltas, algumas caracterizadas como revolues.
Todas violentamente reprimidas, passando para a histria como Cabanagem,
Balaiada, Cabanada, Sabinada e Farrapos. Embora com caractersticas e
objetivos at hoje pouco estudados, esses diferentes movimentos quase sempre
tiveram participao popular.
Uma das questes mais importantes para se estudar a Balaiada diz respeito
aos testemunhos existentes. Constituindo basicamente documentao
oficial - dos que compunham o poder e comandaram a represso - esses
testemunhos tratam os balaios como bandidos, assassinos e facinorosos. Na
necessidade de obter informaes sobre os balaios e encontrar algum contedo
1
Nome dado pela historiografia, devido ao apelido de Manoel Francisco dos Anjos
Ferreira, o Balaio, um dos lderes mais importantes do movimento, arteso da palha.
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desvinculado daquela viso oficial foram lidos mais de oito mil documentos ofcios, relatrios, ordens do dia, decretos, leis - de origem militar, policial
ou governamental, abundante nos arquivos onde foi realizada a pesquisa.2
Fontes como processos, sentenas, confisses, dirios, lendas, cancioneiro
e tradies orais; proclamaes, pasquins e at mesmo possveis planos de
atuao e reivindicao, apesar de citados na documentao oficial, quase
nada foi encontrado, tornando mais difcil, como observa Chau, a tarefa de
reconstruo do universo social das camadas populares, cuja memria muito
pouco documentada e s vezes apenas esboada em seus movimentos no nvel
da documentao (Apud De Decca, 1981: 14).
Entretanto,
se a falta de fonte torna freqentemente impossvel a reconstituio
de um movimento de massas dia-a-dia, e se o carter iletrado de
seus membros nos condena a conhec-los quase s por intermdio
de terceiros, h um fato essencial que dispomos: seus atos. E eles
so, no curso da histria, uma srie de exploses e violncia, na luta
quotidiana contra a opresso social. Embora muitas vezes seus chefes
lessem e escrevessem, quase todas as fontes provm invariavelmente
dos setores dominantes que comandaram a represso, isto , do
bando contrrio (Cardoso & Brignoli, 1979: 383).
Inexistindo fontes primrias produzidas pelas camadas populares, como
escrever a histria delas? Significa um desafio estudar as fontes oficiais no
sentido de reconstruir a histria da populao que se organizou contra as
autoridades que reprimiram os seus movimentos de rebeldia. Considerando
que os fatos no chegam puros at ns, que os documentos no so os donos
da verdade, e que eles tambm mentem, foi preciso for-los a falar mesmo
contra a vontade, interrogando, analisando e at questionando, seguindo
princpios defendidos pelos historiadores E. H. Carr e Marc Bloch, para que
fosse possvel elaborar a histria das camadas populares que participaram da
Balaiada.
Para E. H. Carr, a funo do historiador no amar ou emancipar-se do passado,
mas entend-lo como a chave para a compreenso do presente (Carr, 1978: 23).
2
Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, Biblioteca Nacional e Arquivo Nacional
do Rio de Janeiro, Gabinete Real Portugus e Casa Ansio Brito (Arquivo Pblico do
Piau).
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Contextualizao histrica
Para abordar a Balaiada preciso compreender o contexto histrico no qual
ela se insere: o processo de lutas pela emancipao poltica do pas, que vem
desde as conjuraes do final do sculo XVIII e se estende at meados do XIX,
quando se consolidou a monarquia constitucional. uma delimitao que
procura resgatar os diversos conflitos e mobilizaes populares verificados no
perodo, fugindo dos marcos da historiografia tradicional que aprisiona os
historiadores na constelao dos seus objetivos metodolgicos e que determina
a forma e o contedos das pesquisas (De Decca, 1981: 14). O processo da
Independncia foi longo, penoso e violento, permeado de manifestaes em
vrias provncias. O grito do Ipiranga constituiu-se em uma forma encontrada
pelas elites para frear as idias revolucionrias, manter a dinastia, os privilgios
do antigo sistema colonial e garantir os interesses econmicos. O movimento
de independncia foi um complexo processo no qual lanam suas razes todos
os desenvolvimentos decisivos ulteriores da sociedade brasileira (Fernandes,
1976: 71).
Para Caio Prado Jr. a Independncia teve a feio de um arranjo poltico
articulado revelia da sociedade brasileira. A grande propriedade no foi tocada;
permaneceu a mesma estrutura de produo escravista e foi a oportunidade para
a afirmao no poder local dos grupos proprietrios de terra e de escravos e dos
comerciantes, principalmente a partir da deposio de D. Pedro I em 1831. Esta
decorreu da teimosia do Imperador que no cedia aos interesses das oligarquias
brasileiras e insistia em governar com o apoio dos portugueses, inaugurando a
Regncia, uma das fases mais violentas do sculo XIX, e que d acabamento
ao processo de Independncia, definindo o campo e as formas polticas que
ocupam e do fisionomia ao Estado em nosso pas (Sodr, 1979: 249). Um
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rios (Parnaba, Poty, Canind, Gurgia) e interior das matas, ocupados pelos
rebeldes balaios, ou seja, os vaqueiros, artesos, lavradores, pequenos
fazendeiros, escravos, ndios, mestios e caboclos. Eles pegaram em armas
e conduziram a Balaiada contra as arbitrariedades do Baro da Parnaba que
governava o Piau desde 1823 de forma autoritria e clientelista. Este constitui
um dos principais motivos que levaram os setores populares a participarem da
Balaiada no Piau e se unirem aos balaios do Maranho.
O governo do Baro da Parnaba formou verdadeiras trincheiras s margens
do rio Parnaba para tentar impedir a influncia que os rebeldes do Maranho
exerciam sobre os do Piau, para bloquear as constantes passagens pelo
rio que une e separa o Piau e o Maranho. Com a intensificao do conflito
cresciam as dificuldades do governo para conseguir recrutas, sendo obrigado a
recorrer a reforos de fora da provncia. Os proprietrios de fazendas de gado
piauienses forneciam mantimentos como farinha e carne seca para as tropas. O
recrutamento militar utilizado em todo o pas foi uma das pistas para identificar
a participao popular na Balaiada. Objetivando formar contingentes armados
para combater as revoltas em todo o pas, atingia basicamente as camadas
pobres da populao, constituindo-se em um instrumento opressivo sobre o
caboclo, o mulato, o negro, a arraia mida ou a ral, segundo expresses
da documentao oficial. A situao de pobreza e explorao tornava-se mais
crtica, provocando resistncia e deseres das fileiras legais. O recrutamento
foi largamente utilizado desde o perodo colonial e poca da Balaiada foi
intensificado pelo governos provincial e imperial.4
Outra pista importante para caracterizar a composio social da Balaiada diz
respeito origem de seus lderes, homens das camadas populares, tanto no
Piau quanto no Maranho. Como o vaqueiro Raimundo Gomes que iniciou o
movimento na Vila da Manga e foi visto em quase toda a provncia organizando
grupos e mobilizando a populao; como Manoel dos Anjos Ferreira, o
Balaio, arteso da palha, cujo apelido deu nome ao movimento e, de todos
eles, o mais radical. Outros lideranas tambm se destacaram: como o Ruivo,
igualmente vaqueiro; os irmos Aguiar, pequenos fazendeiros no Sul do Piau
A correspondncia entre as autoridades do Piau com as de outras provncia e com
o governo no Rio de janeiro significativa. Ver o Livro de Registro de Ofcios para fora
da Provncia - 1836/1843. Arquivo Pblico do Piau, Teresina.
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apta para lutar e escolher os seus lderes mas no para governar, contradio
presente tambm em outros movimentos. As lideranas dos fazendeiros que
formavam uma parcela alfabetizada enfatizada pela historiografia resistente
em reconhecer a liderana originada dos grupos populares, citados na
documentao por apelidos, mas que no deixaram seus prprios documentos
por serem analfabetos. O ndios, os escravos, os sertanejos pobres, no
souberam formular suas idias mas, na prtica, agiram em sua defesa.
A represso armada
Para enfrentar e vencer os balaios rebeldes e garantir a manuteno da ordem
pblica, o governo do Piau se armou com foras internas e contingentes de
outras provncias, utilizando toda sorte de tticas e mtodos.
A organizao das foras legais espelha o nvel da represso. Observando-se o
tipo de armamento usado, os meios usados para formar as tropas (mercenrios,
aventureiros e jagunos), inclusive a ajuda recebida de outras provncias,
como Rio de Janeiro, Bahia e Cear, tem-se uma idia do nvel da represso
desencadeada contra os balaios.
Graas ao prestgio pessoal do Baro da Parnaba, o governo provincial recebeu
apoio dos fazendeiros piauienses para o abastecimento das tropas, alm de
dinheiro, armas e munio provenientes de outras provncias, o que explica
muito bem a derrota dos balaios. Embora estes fossem muito mais numerosos,
em geral saiam derrotados dos combates mais importantes (estrategicamente
planejados), inclusive nos conflitos prprios da guerra de guerrilha, que era
usada por ambos os lados.5
A quantificao dos efetivos dos balaios confusa e dificilmente pode ser
precisada devido grande mobilidade dos grupos que formavam a espinha
dorsal do movimento rebelde. Segundo a represso, no Maranho eles teriam
chegado cifra de 11.000 balaios e no Piau, entre 6 a 8.000. Esses dados so
imprecisos, mas calculando que foram mais de 6.000 os mortos e os prisioneiros
entre as dezenas de grupos de balaios espalhados pela provncia, pode-se ter
uma idia aproximada.
5
Esses aspectos esto relatadas em vrias correspondncias. Ver o Livro de Registro
de ofcios para fora da Provncia (1836/1843) - Livro 163. Casa Ansio Brito, TeresinaPI.
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A represso foi violenta, com ataques aos acampamentos dos balaios, combates
corpo a corpo, tpicos de uma verdadeira guerra civil. Nesses combates, as
foras da represso apreendiam a bagagem dos balaios, contendo panfletos,
proclamaes, planos, conforme consta nas correspondncias enviadas ao
presidente da provncia do Piau. Nada disso tem sido encontrado.
Para reforar a guerra contra os balaios, o governo regencial, em fins de 1839,
enviou para o Maranho o oficial do exrcito Luiz Alves de Lima, mas no Piau
o Baro da Parnaba, presidente e comandante das armas da provncia garantiu
a represso, dirigindo as operaes militares diretamente de Oeiras, ento a
capital do Piau. Ambos receberam ttulos de nobreza pela faanha de pacificar
as provncias. O primeiro, agraciado com o ttulo de Baro de Caxias e o segundo,
de Baro passou a Visconde.
O aparato repressor contou com um contingente superior a 6 mil praas e o
seu material blico era infinitamente maior que o dos balaios. O governo
compreendia que somente o poder das armas venceria um movimento das
dimenses da Balaiada cuja participao popular crescia e ameaava o governo
da provncia.
A eficcia da represso armada o fator primordial para a derrocada geral da
Balaiada e no a falta de uma organizao, de uma base ideolgica ou a formulao
de programa alternativo de governo. O governo foi mais eficaz: contou com
recursos suficientes e, com isso, conseguiu conter o movimento, coibir e
refrear o fluxo daqueles que se organizavam para expressar o descontentamento
popular.
Os balaios no estavam preparados para enfrentar um aparato militar de tamanha
envergadura, cujos oficiais comandantes conheciam a ttica da guerrilha,
adotada pelas duas partes, numa tradio de revoltas que vinha desde as lutas
pela independncia. Alm disso, empenhado em manter a ordem, o governo
soube aproveitar as dissenses internas do movimento, acenando com a anistia
concedida pelo imperador D. Pedro II em 1840 e fechando o cerco em torno
das maiores concentraes dos balaios, no interior das matas de Campo Maior,
Parnaba e Parnagu. O governo adotou tambm a ttica de fortalecer as fazendas,
para impedir que os balaios obtivessem recursos para seu sustento alimentar.
A represso armada significa violentar, conter, punir, castigar, ou seja, o
exerccio da ao pela fora. Mas a represso no apenas uma imposio exterior
que despenca sobre ns, mas tambm um fenmeno sutil de interiorizaro
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Concluso
Segundo a tradio dominante em nossa histria, as classes populares seriam
ignorantes e alienadas, incapazes de conduzirem os seus prprios interesses e
de realizarem mudanas. Aqueles que ousaram se levantar contra a ordem social
sempre foram vistos como bandidos, subversivos ou terroristas, argumento
que as classes dominantes utilizam para justificar a dominao e a represso,
quando o status quo ameaado.
Da os movimentos pela independncia serem fatos minimizados, justamente
por mobilizarem a populao em vrias partes do pas. Todos foram
violentamente reprimidos pelas foras dos governos regencial e imperial. A
memria histrica tem sido descaracterizada para dar lugar a uma viso de que
quem dispe de condies e de capacidade para dirigir e governar so sempre
minorias proprietrias e elites intelectualizadas - mentalidade que permanece
at os dias atuais e s contribui para manter a acomodao e o autoritarismo.
De fato, as lutas pela Independncia foram abafadas e em seu lugar forjou-se
a conscincia do brasileiro pacfico, avesso violncia e a histria dos mitos e
dos heris.
Que relevncia teria para a histria do Brasil um estudo que reala um movimento
popular ocorrido no sculo passado em um estado pobre e esquecido como o
Piau? Que relao teria esse movimento com as lutas de independncia e com
o processo de formao do Estado nacional?
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