+a Geografia e o Resgate Da Antigeopolitica
+a Geografia e o Resgate Da Antigeopolitica
+a Geografia e o Resgate Da Antigeopolitica
Introduo
As seguintes reflexes do gegrafo Bernat Llad, nos servem como ponto de partida
para escrever sobre geopoltica e, simultaneamente, reverenciar a intelectualidade da
professora de geografia poltica, nossa orientadora de mestrado e de doutorado e amiga
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pensamento, que hoje se amplia com novas tendncias (MOREIRA, 2006, p.9).A imaginao geogrfica, concebida como conscincia espacial, para empregar os dizeres de
David Harvey, experimenta bifurcaes, redirecionamentos, regeneraes, enfim, superaes criativas. De fato, esto sob avaliao rigorosa as ponderaes do renascimento da
geopoltica a partir de meados da dcada de 1970, no plano epistemolgico; e as do surgimento de uma nova era geopoltica global, a partir dos anos 1990, no plano prtico das
relaes intra e interestatais. Est em jogo uma espcie de descolonizao da imaginao
geogrfica forada por uma nova imaginao geopoltica que se empenha na reumanizao do mundo, situando outra vez as pessoas comuns no centro da geopoltica, em vez
das foras da natureza que afirmava a geopoltica tradicional (AGNEW, 2005, p.XVIII).
Nesse contexto, nos diz o gegrafo poltico:
A situao atual coloca a necessidade de abandonar o compromisso a priori
com as escalas global e nacional-estatal que em certo modo monopoliza todas as possveis influncias causais na poltica mundial. (...) O que se necessita uma imaginao geogrfica que leve a srio os lugares como cenrios
da vida humana e que trate de interpretar a poltica mundial desde o ponto
de vista da repercusso que tem no bem-estar material e na identidade dos
povos de distintos lugares. (AGNEW, 2005, p.153, grifo no original).
Esse renovado ambiente terico e emprico conduz autores como C. Raffestin, D.
Lopreno e Y. Pasteur ao reconhecimento de uma ps-geopoltica, admitindo que se
trata mais do que um simples remake de discursos geopolticos anteriores, antes, se trata
de vontades cientficas para melhor compreender um mundo em profunda transformao que justificariam o prefixo ps. (RAFFESTIN et al., 1995, p.304). Ainda que
esse renascimento ou ressurreio tanto da geografia poltica como da geopoltica seja
um momento epistemolgico coroado pelas obras de Yves Lacoste , A geografia serve
antes de mais nada para fazer a guerra, de 1976; Paul Claval, Espao e poder, de
1978; e Claude Raffestin, Por uma geografia do poder, de 1980, alertamos para o fato
de que, no bojo desse movimento, alguns mtodos e teorias geopolticas reapareceram,
configurando o reforo de geopolticas conservadoras, reafirmando-se geopolticas neoclssicas (MURPHY et al., 2004 apud DAHLMAN, 2012, p.92), ao mesmo tempo que
renovaes radicais da imaginao geogrfica ocorreram, pavimentando o terreno para
o resgate, o reconhecimento e a consolidao de geopolticas crticas.
No fundo, novos rtulos so propostos no af de que deem conta das tendncias que
se prenunciam no final do sculo XX e incio do XXI. Contudo e talvez, os rtulos mais
compreensivos, nesta empreitada terminolgica, sejam os de geopoltica e geografia poltica crticas. Decerto, o vocbulo crtica, quando adjunto ao termo geografia, indica
duas direes: uma epistemolgica, fazendo referncia s razes do pensamento geogrfico; e outra sociopoltica, implicando uma prtica cientfica orientada transformao
da realidade (VACRCEL, 2008, p.30). Assim, geografia crtica torna-se expresso familiar aos gegrafos contemporneos, preocupados com a ampliao dos horizontes da
prpria disciplina. Outras expresses, no to familiares, como metageografia clssica
e crtica, tambm ampliam esses horizontes, quando se entende a metageografia como
uma mediao entre uma geoestrutura e suas representaes, ou seja, quando a metageo152
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estruturas do familiar senso-comum, como o sistema de Estados, por exemplo, e as tornam no-familiares, analisando-as como processos histrico-espaciais contestados, contraditrios e complexos.
Registramos, todavia, que o autor da citao acima, mesmo reconhecendo a relevncia das geopolticas crticas, ainda as remete majoritariamente escala mundial,
acompanhando o raciocnio do mesmo John Agnew. Assim, encontramos o seguinte
apontamento: estudar geopoltica analisar os modos pelos quais atores polticos entendem e praticam poltica internacional em termos espaciais atravs de concepes
espaciais e geogrficas de poder, identidade e justia. (KUUS, 2011, p.523). Ou ainda,
as consideraes de Atkinson e Dodds (2000, p.11): no cerne das geopolticas crticas,
contudo, est a crena de que as representaes geopolticas da poltica global merecem
sria ateno. Por isso, seguem as preocupaes com anlises de discursos, no rastro
foucaultiano da tenso formada entre poder e saber (KUSS, 2014).
Ecoando essas ideias, Kelly (2011, p.512) adverte que as geopolticas crticas ps-modernas problematizam as generalizaes hegemnicas do Grande Poder, operacionalizadas
no discurso e na prtica, e questionam a geopoltica [clssica] como uma ferramenta a mais
no estabelecimento da dominao. J na opinio de Tuathail (1996a, p.8), a geopoltica
crtica no deve ser entendida como uma teoria geral de geopoltica nem uma negao intelectual autoritria dela. Segue o autor: Em contraste ambio estratgica da geopoltica
imperial (...), a geopoltica crtica uma forma ttica de conhecimento ( TUATHAIL, idem,
ibidem). Arrematamos e enfatizamos, ainda, que levar em conta as escalas geogrficas distintas da nacional e internacional fundamental para a compreenso das geopolticas crticas,
especialmente, no que tange s antigeopolticas, como se ver adiante.
Propomos o quadro abaixo, contrastando os traos marcantes da geopoltica tradicional com os da geopoltica crtica, inspirados no trabalho de Tuathail e Dalby (1998)
ao qual aditamos os quatro ltimos traos contrastantes.
Quadro I
Geopoltica Tradicional
Geopoltica Crtica
Soberania nacional
Territrios fixos
Globalizao
Fronteiras simblicas
Burocracia estatal
Redes/Interdependncia
Territrios inimigos
Perigos desterritorializados
Blocos geopolticos
Ambientes virtuais
Cartografia e mapas
Binarismos prevalentes
Ambivalncias reconhecidas
Masculinismos impostos
Feminismos propostos
Autarquia territorial
Lgica da dominao
Justia territorial
Lgica das identidades
A geopoltica crtica, no singular ou no plural, apresenta uma orientao ps-estruturalista, aporta um interesse especfico nas anlises e na desconstruo dos discursos
geopolticos, deslocando sua ateno prioritria desde os fatos para as suas representaes e para as narrativas que pretendem justificar as polticas de poder (MNDEZ,
2011, p.14). Para Painter (2008, p.65), as geopolticas crticas emergem durante os anos
1990 como um meio de repensar o conceito de geopoltica deslocando-o para alm das
teorias realistas tradicionais e da polarizada confrontao poltica Leste-Oeste da Guerra
Fria. No bojo das geopolticas crticas, encontraro acolhimento variados temas outrora
marginalizados, enfoques inditos e tratamentos metodolgicos sofisticados, abrindo-se,
desse modo, espao de debate e interao sobre geopolticas feministas (SHARP, 2003,
2005; KOFMAN, 2008), verdes (LUKE, 2000; AGNEW, 2002; DALBY, 2003), espirituais
( TUATHAIL, 2000), populares (SHARP, 2000, DODDS, 1998, 2005), das emoes
(MOSI, 2009), inter alia.
Na concepo de Atkinson e Dodds (2000, p.11), a geopoltica crtica deve, ento,
interrogar a visualizao do mundo pelos experts geopolticos, para assegurando que
suas pretenses de verdade e de ideias privilegiadas sejam expostas como parciais e
subjetivas. Nesse sentido, consoante Preciado e Uc (2012, p.79):
A geopoltica crtica contribui a pensar que todo processo social expressado
espacialmente supe levar em considerao o binmio linguagem-poder, e,
com ele, o reconhecimento das diversas representaes do mundo que se
encontram contidas cooptao ou omisso nos espaos que constroem as
geografias do poder dominante: principalmente os do Estado-nao.
Muito embora conscientes dessa variedade de geopolticas crticas e de seus alcances, cerraremos nosso foco nas denominadas antigeopolticas, recuperando, no escopo
deste trabalho, pr-ideias que lhe proporcionaram definies de prestgio acadmico,
bem como as trajetrias histricas e intelectuais que lhe correspondem, especialmente
com referncia aos movimentos sociais. Routledge (1998a, p.241) cristalino ao afirmar
que uma importante rea de investigao dentro das geopolticas crticas o papel dos
movimentos sociais em desafiar o poder do Estado e das instituies internacionais para
ativar programas polticos e econmicos particulares. Vejamos mais de perto as definies conceituais e os casos analisados.
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avaliam suas posies de classe, de gnero etc. na feitura de seu trabalho, bem como se
esses profissionais no estariam focalizando excessivamente suas anlises nos textos e
nos discursos, s expensas da materialidade espacial.
Ento, as antigeopolticas se inserem na perspectiva de uma geografia da ao, do
movimento, contextualizada historicamente, moda de Yves Lacoste. lcito reconhecer
a contribuio de Lacoste para o renascimento da geografia e da geopoltica e relembrar
a sua convico de que no podemos fazer uma anlise geogrfica e ainda menos uma
anlise geopoltica sem se referir histria (LACOSTE, Y. em entrevista a ZANOTELLI,
2005, p.97). O eminente gegrafo francs afirma que o termo geopoltica, utilizado
em nossos dias de mltiplas maneiras, designa na prtica tudo que relacionado s rivalidades pelo poder ou pela influncia sobre determinados territrios e suas populaes
(LACOSTE, 2009, p.8). Embora o neologismo antigeopoltica no conste do dicionrio
de geografia elaborado por Lacoste (2003), como tampouco do lxico de geopoltica
organizado por Sopplesa et al. (1988) ou das cem palavras geopolticas escolhidas por
Huissoud e Gauchon (2013), a preocupao com a insero da anlise geopoltica numa
dinmica histrica mais ampla, no descarta a plausibilidade do neologismo.
assim que chegamos histria do tempo presente repleta de prticas antigeopolticas ou contraespaciais; uma histria entremeada de contrageografias. Por conseguinte,
na concepo de Jaime Preciado e Pablo Uc (2012, p.77), analisar as geografias do poder
dos movimentos sociais implica tanto o estudo de seu potencial antigeopoltico, expressado em discursos e prticas contraespaciais, como de suas estratgias de vigilncia e
negociao com os poderes institudos. Para esses autores, pensar nas geografias do
poder dos movimentos sociais e dos Estados significa reconhecer a disputa fundamental
para controlar a produo de espaos (PRECIADO e UC, 2012, p.79).
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A autora dirige uma anlise crtica ao no reconhecimento estatal da autodeterminao dos povos indgenas equatorianos, de sua filosofia ancestral do Buen Vivir, base
para a instaurao de um novo modelo civilizatrio. Embora a autora reconhea que a
plurinacionalidade e as demais reivindicaes indgenas enfrentem muitos e fortes bices, elas devem permanecer como um horizonte a ser buscado, a servir de guia para as
aes. Destacamos que, como no caso da anlise de Prez-Gil, encerra-se aqui tambm
uma abordagem crtica das prticas antigeopolticas de amplos segmentos sociais subalternizados em sua busca por espaos legtimos.
Referncias bibliogrficas
ADDOR, F. Sensibilizando sem tomar o poder. Le Monde Diplomatique Brasil. Ano 7, n.
81, abr. 2014, p. 26
AGNEW, J. Making political geography. Londres: Arnold, 2002
__________Geopoltica: una re-visin de la poltica mundial. Madri: Trama, 2005
AGNEW, J.; DUNCAN, J. (Ed.) The Wiley-Blackwell companion to human geography.
Malden: Wiley-Blackwell, 2011
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Este artigo de Bertha K. Becker foi republicado, com concordncia do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica, na Revista Espao Aberto, volume 2, nmero 1 (Jan./Jun. 2012), p.117-150.
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