Retrato de Portugal

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RETRATO DE

PORTUGAL

Coordenao de Antnio Reis

RETRATO DE
PORTUGAL
Factos e acontecimentos

CAPA E DESIGN GRFICO:


Fernando Rochinha Diogo
CARTOGRAFIA:
Fernando Pardal
REVISO TIPOGRFICA:
Fotocompogrfica, Lda.
COMPOSIO:
Fotocompogrfica, Lda.
FOTOMECNICA:
Fotocompogrfica, Lda.
Instituto Cames, Crculo de Leitores, Temas & Debates
Primeira edio para a lngua portuguesa
Impresso e encadernado em Abril e Maio de 2007
por Printer Portuguesa, Ind. Grfica, Lda.
Casais de Mem Martins, Rio de Mouro
Edio n.o 7057
Depsito legal n.o 257 837/07

Sumrio

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Prefcio
7

Apresentao
10

Introduo
12

O Estado
21

Sociedade
A sociedade
43

O territrio
80

A lngua portuguesa
101

A comunicao social
114

A sociedade do conhecimento e da informao


131

O desporto
170

O ambiente
181

A economia
203

A educao
227

Cultura
O patrimnio cultural
249

A literatura
264

A arquitectura
275

As artes visuais
285

As artes do espectculo
297

O cinema
314

Design e moda
321

Bibliografias
337

Autores
345

Crditos fotogrficos
351
5
Sumrio

Prefcio

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Manuel Lobo Antunes


Secretrio de Estado Adjunto e dos Assuntos Europeus

terceira Presidncia portuguesa da Unio Europeia (UE), em 2007 (depois de 1992 e


2000), ser, assim o esperamos, mais um marco na nossa participao no projecto
de integrao europeia, assinalando o nosso empenho e a nossa convico no ideal
europeu, com ambio, maturidade e realismo.
Muito se alcanou ao longo destas duas dcadas de reencontro de Portugal com a Europa.
Consolidmos e aprofundmos a nossa democracia. Logrmos notveis progressos no tocante
ao desenvolvimento econmico e construo de uma sociedade mais justa e solidria.
Importa no esquecer donde partimos. Enquanto os nossos parceiros europeus construam
a paz europeia, na base da liberdade, da democracia e da prosperidade partilhada, Portugal
esteve margem, orgulhosamente s, pobre, iletrado, amordaado e obcecado pelo sonho
da manuteno, pela fora militar, de um imprio do Minho a Timor, num tempo em que era impossvel parar os ventos da autodeterminao (dos Portugueses e dos povos colonizados).
A revoluo do 25 de Abril de 1974 inaugurou uma nova vaga democrtica, no s na
Europa (Portugal e Espanha), mas tambm na Amrica Latina. Com a revoluo pudemos
voltar a olhar para a Europa, iniciando um caminho que deixou bem claro que no poderia
haver Europa sem Portugal e Espanha.
Apesar da enorme melhoria das condies econmicas e sociais em Portugal, no houve propriamente um milagre europeu. No Portugal de hoje persistem ndices e factores de
excluso e desigualdade que nos devem preocupar e mobilizar para a conquista de novas
metas, designadamente o reforo da sociedade civil, tendo em vista uma cidadania mais
activa e criativa, nos planos poltico, econmico e cultural. Portugal hoje um pas livre e
certamente mais prspero do que era, mas persistem alguns atavismos que no desaparecem no espao de uma gerao. A construo de uma sociedade livre, responsvel e empenhada uma tarefa diria. Porm, inegvel que temos hoje oportunidades que so incomparveis em relao ao Portugal de antanho.
Sinal evidente da mudana que Portugal se tornou tambm num pas de imigrao.
A maioria desses imigrantes tem dado um importante contributo para o desenvolvimento
econmico de Portugal, e nossa obrigao garantir que a sua integrao se faa nas condies que desejamos e defendemos igualmente para os emigrantes portugueses, nomeadamente na Europa.
H quem argumente que os fundos europeus so o equivalente moderno das especiarias da ndia ou do ouro do Brasil, que em Portugal a riqueza sempre passou, mas nunca se
fixou, e que no h razo para que a histria mude.
Ora eu creio que a histria j mudou. Da Europa no vieram s os fundos com que se
construram as auto-estradas e os carros de grande cilindrada. A participao na aventura
europeia trouxe-nos algo muito mais importante: um novo sentimento de pertena na edificao do mais ambicioso projecto de comunidade poltica e econmica escala mundial.
Confrontou-nos com uma nova exigncia colectiva, um novo desgnio, que a todos mobiliza
7
Prefcio

Estado, empresas e cidados. A Europa imps-nos uma emulao saudvel. Puxou por ns.
Obrigou-nos comparao e competio com sociedades abertas e dinmicas.
A nossa condio de pas perifrico, em relao ao centro poltico e econmico da UE
(que se deslocou para leste), obriga-nos, por outro lado, a estar presentes em todos os ncleos de vanguarda da integrao europeia. Trata-se de um imperativo estratgico: estar no
centro da deciso europeia, participar, mold-la na medida das nossas capacidades e
dos nossos interesses e beneficiar da mudana. Este objectivo tem sido plenamente alcanado.
Ao contrrio dos habituais profetas da desgraa nacional, orgulho-me dos resultados
que alcanmos em apenas duas dcadas.
A nossa identidade colectiva sai sempre reforada quando submetida ao confronto aberto. Encaro com confiana o futuro de um povo que singrou no mar vasto e desconhecido, e
que construiu a histria de uma nao que caminha para os seus nove sculos, e cuja lngua falada por 240 milhes de pessoas no mundo (a terceira da Europa ocidental, a seguir
ao ingls e ao espanhol, e bem frente do francs e do alemo).
O crescimento e a vitalidade da lngua portuguesa, nos seus vrios sotaques (aucarado, crioulo e continental), em termos de nmero de falantes, de obras publicadas, de contedos na Internet, de palavra musicada, etc., garantem a perenidade da nossa cultura e
identidade, j no exclusivamente portuguesa, mas como membro de uma famlia maior, resultado dos nossos laos miscigenados, que nos asseguram uma identidade prpria num
mundo cada vez mais padronizado e compressor das especificidades culturais. Que melhor
homenagem poderia ser feita a Cames, verdadeiro fundador da lngua e arauto da sua vocao universalista?
A Europa tambm ganhou com a adeso de Portugal: no apenas a mera extenso do
mercado interno, no apenas a adio de mais dez milhes de consumidores para os produtos dos outros pases da UE. A Europa reencontrou-se com um pas que apresentou a Europa a muitas partes do mundo e que, em virtude do peso da sua histria e da sua cultura,
, entre os pases de semelhante dimenso, um dos muito poucos que se podem afirmar como um actor global.
A integrao europeia teve um impacto muito significativo na nossa poltica externa.
Mudou, desde logo, os hbitos de uma diplomacia que era puramente defensiva e orientada para a preservao do regime de ento e do imprio colonial.
Alterou profundamente a nossa relao com Espanha. Ao tempo de Salazar e Franco,
entre Portugal e Espanha no havia praticamente nem estradas nem pontes. Os dois ditadores apoiaram-se mutuamente em momentos-chave (sobretudo quando os respectivos regimes estiveram em perigo, face ao desenrolar do conflito mundial), mas suspeitavam profundamente um do outro, mantendo-se fiis tradio de desconfiana secular. Hoje Portugal
e Espanha so parceiros incontornveis na UE. As nossas economias esto profundamente
interligadas e abriram-se novas perspectivas para o reforo da cooperao, no apenas no
plano bilateral mas tambm no plano externo (por exemplo na Amrica Latina e no Magrebe), com benefcios mtuos cada vez mais evidentes.
A Europa amplificou o nosso poder de influncia no mundo. Sem um Portugal plenamente integrado na Europa, muito provavelmente no teria havido autodeterminao do povo de
Timor Leste (nem tampouco a UE poderia ter tido uma palavra a dizer num processo que,
no obstante as dificuldades actuais, ficar registado como um caso de sucesso na histria
das Naes Unidas).
A nossa adeso ajudou-nos a restabelecer os laos com os parceiros africanos, depois
8
Prefcio

dos traumas da descolonizao. As nossas relaes com os pases africanos encontram-se


hoje num novo patamar, e a isso no certamente indiferente o facto de esses pases saberem que Portugal o seu advogado natural junto da UE.
As prprias relaes com o Brasil, sobretudo no plano econmico, beneficiaram de um
novo impulso aps a adeso de Portugal UE (em resposta ao apelo do ento primeiro-ministro, engenheiro Antnio Guterres, as empresas portuguesas investiram fortemente no
Brasil, de modo a ganhar a dimenso que lhes permitiria resistir melhor competio do
mercado interno europeu; por outro lado, os investidores brasileiros tm vindo progressivamente a tomar conscincia de que uma empresa brasileira criada em Portugal se torna uma
empresa europeia, da retirando todas as vantagens que o espao econmico europeu pode oferecer).
A integrao europeia abriu-nos tambm as portas ao aprofundamento das relaes
com novas reas prioritrias para a UE (como as relaes com a Rssia, o Mediterrneo e o
Mdio Oriente) e aos grandes temas da diplomacia multilateral, em que a UE tem um peso
nico (no qual podemos projectar os nossos interesses, beneficiando do efeito multiplicador
europeu).
A Presidncia portuguesa da UE em 2007 ter de se defrontar com uma fase de algum
desencanto europeu. A crise que existe se que de verdadeira crise podemos falar
antes uma crise de expectativas, porventura de falta de ambio e de dvidas quanto ao futuro do projecto europeu.
Vejo esta actual melancolia europeia como uma fase transitria, como uma oportunidade. O inconformismo esse trao fundamental do carcter dos povos europeus exigir
que a breve trecho os nossos responsveis polticos busquem novas respostas para os desafios do mundo de hoje, aos quais s poderemos fazer face atravs de solues colectivas, fiis aos princpios da solidariedade e da coeso europeia.
Esta fase de incerteza quanto ao futuro do projecto europeu ser ultrapassada, porque
as circunstncias histricas assim o exigiro. No possvel adiar indefinidamente o debate
e a definio de novas polticas e instrumentos no tocante a questes como o papel da Europa no mundo (e tambm os seus limites), o aprofundamento da coeso econmica e social, a coordenao econmica (no basta uma moeda comum), a fiscalidade, a energia, o
ambiente ou as migraes.
Por vezes ignoramos inclusivamente o que a Europa representa para tantos. Refastelados no nosso conforto, ciosos dos nossos privilgios, esquecemo-nos de que a Europa ,
cada vez mais, sinnimo de esperana, neste mundo injusto, inseguro e desregulado, em
que muitos so pura e simplesmente desorbitados do processo de globalizao econmica.
Como temos visto, aqui bem perto de ns, a Europa encarna um sonho pelo qual muitos esto dispostos a morrer.
com convico nesta ideia e cientes do que ela significa para tantos, europeus e
no europeus que abraaremos a tarefa de presidir, durante seis meses, UE. Esperamos poder contribuir para o seu aperfeioamento, que permanente e que se vai concretizando passo a passo. F-lo-emos concentrando-nos naquilo que nos pode unir e conduzir a
uma Unio mais forte, mais til e com vantagens palpveis para a vida dos cidados europeus e tambm para o resto do mundo. Parece-me que esta uma empresa digna, e que
merece o empenho de todos os portugueses que nela queiram colaborar.

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Prefcio

Apresentao

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Simonetta Luz Afonso


Presidente do Instituto Cames

Instituto Cames instituio tutelada pelo Ministrio dos Negcios Estrangeiros


tem por misso a promoo e a difuso da lngua e cultura portuguesas no mundo. No ano de 2007, em que Portugal presidir, no 2.o semestre e pela 3.a vez, ao
Conselho da Unio Europeia, o Instituto Cames ir desenvolver um programa especfico de
actividades, bem como colaborar com inmeras entidades nacionais e estrangeiras na realizao de aces especiais.
Neste contexto, pareceu-nos indispensvel criar algumas peas que funcionassem como segmentos dum fio condutor para a comunicao duma imagem qualificada do nosso
pas, construda a partir das suas grandes realidades, factos e instituies.

Dentro deste esprito, o enorme sucesso e interesse suscitados por uma obra lanada
aquando da Exposio Universal de Hannover Portugal 2000 levaram-nos agora sua
actualizao e reedio. O grande xito assentou na forma como apresentava a outros povos e naes e relembrava aos prprios portugueses as nossas especificidades histricas e culturais e as frmulas encontradas para se organizar e reger a vida em sociedade.
Tratou-se duma pea de referncia, ensastica, informativa e didctica, fruto dum repto
lanado a Antnio Reis, historiador e reconhecido especialista do sculo XX em Portugal, para coordenar uma obra voltada para o exterior, em que a anlise da evoluo da sociedade
portuguesa, da sua economia e das suas instituies seria complementada por uma panormica do renascimento cultural ocorrido desde 1974 at ento o retrato deste pas em mudana no ltimo quartel do sculo XX.
Como parmetros temporais para essa anlise, impunha-se proceder de forma adequada a uma sntese desse percurso. Aos autores de cada captulo, especialistas e investigadores universitrios de alto mrito, pediu-se a concentrao em dois momentos-chave desta
metamorfose: o 25 de Abril e o final do milnio, em que o pas investe decididamente na formao e na educao, no desenvolvimento de novas competncias e no crescente acesso
aos domnios mais elevados do conhecimento.
Durante este perodo verificaram-se em Portugal extraordinrias evolues e mudanas
de incontornveis efeitos, consequncia do reencontro nacional com a liberdade e a democracia, e duma nova atitude comunicante, participativa e empenhada no dilogo internacional, igualmente e naturalmente marcadas pela adeso Unio Europeia, em 1986. Numa
poca de grandes alteraes escala planetria, tratou-se de um ciclo de impetuosa transformao a nvel do territrio nacional, dos seus habitantes e todos os grandes sectores,
desde o econmico ao cultural, aqui com manifestas e inovadoras frmulas criativas da
arquitectura ao cinema, da literatura cincia, da msica s artes plsticas e performativas.
10
Apresentao

Retomado o projecto, apresenta-se agora uma viso das ltimas trs dcadas. Mais uma
vez, e tambm pela necessidade da actualizao da obra, se prova a permanente evoluo
do pas, as novas coordenadas, os novos dilogos, parceiros, inspiraes e esperanas.
O peso especfico da lngua portuguesa, expresso oficial de 200 milhes de habitantes
do planeta mas tambm lngua de trabalho e de cincia em fruns internacionais, o xito e
reconhecimento extramuros de autores e artistas de inspirao contempornea e as exposies em instituies de renome nas principais capitais mundiais so demonstraes do interesse e da importncia da defesa e promoo duma imagem de Portugal antigo e moderno, pioneiro duma globalizao que agora se implementa.
Esperamos, pois, que esta obra renovada contribua para um melhor conhecimento de
Portugal e dos seus valores e que, atravs dela, se demonstre com impacto e dignidade o
seu trajecto no rumo da expresso, da democratizao, da defesa dos direitos humanos,
das novas tecnologias e meios de comunicao, das energias renovveis e das preocupaes ambientais, indubitavelmente traados pelo sculo XX para um novo milnio e, esperamos, um Novo Mundo.
Ao Prof. Antnio Reis e a todos os que colaboraram neste trabalho o meu reconhecimento, bem como Misso para a Presidncia Portuguesa do Conselho da Unio Europeia, que
em boa hora o integrou nos seus projectos especiais.

11
Apresentao

Introduo

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Antnio Reis

rinta e trs anos depois do derrube da


mais longa ditadura europeia do sculo XX logo seguida do fim do
mais antigo imprio colonial europeu e da
implantao, num acidentado mas rpido
percurso de dois anos, de uma democracia
parlamentar , e vinte e um anos depois
da integrao europeia, Portugal hoje um
pas diferente. Um pas que viveu num prazo de tempo de uma gerao o que a generalidade dos seus parceiros da Unio
Europeia (a 15) viveu em mais de meio sculo, e que enfrenta hoje desafios semelhantes. E uma sociedade em acentuado
processo de mudana, em busca de ndices de desenvolvimento estrutural idnticos aos das sociedades mais avanadas
do seu espao geopoltico.
o retrato deste pas em mudana, em
meados da primeira dcada do sculo XXI,
que aqui, pois, pretendemos deixar esboado. Um retrato que no pode, porm, ignorar as condicionantes do passado mais
ou menos longnquo nem to-pouco deixar
de interrogar os desafios do futuro prximo. Um retrato sujeito, pois, s leis da
perspectiva na sua dimenso temporal.
Quem muda muda sempre de algo para
algo. Em suma, poderamos desde j formular uma dupla e ambiciosa interrogao: donde vem Portugal, para onde vai
Portugal?
No dispondo de uma clara individualidade natural no conjunto da Pennsula
Ibrica nem de uma homogeneidade geogrfica interna, sem sequer poder reivindicar uma base tnico-cultural prpria, Portugal foi uma construo dos homens, e

12
Introduo

no da Natureza, como bem demonstrou


Jos Mattoso (in A Identidade Nacional,
1998). Fruto da vontade dos bares do
Condado Portucalense no segundo quartel do sculo XII, o seu prprio nome remete para um centro administrativo na foz do
rio Douro e no para um povo, como acontece com a Alemanha, a Frana ou a Inglaterra. A sua identidade , pois, obra de um
Estado e de uma administrao centralizada no poder rgio, cujo territrio se constitui ao longo de sculo e meio, entre 1096 e
1249, numa dupla luta: contra o vizinho
reino cristo de Leo e Castela e contra o
Islo, cujo domnio se estendia inicialmente at ao rio Douro. Com a conquista do
Algarve naquela ltima data, as suas fronteiras no continente europeu manter-se-o
desde ento praticamente intactas, num
caso raro de estabilidade e continuidade
territorial, e antecipando-se, assim, em
mais de dois sculos unificao do Estado espanhol.
Como compreender que Portugal tenha escapado a esta lgica unificadora
do espao ibrico, que no poupou territrios to ou mais individualizados como a
Catalunha ou o Pas Basco? Fazendo valer, primeiro, o seu estatuto de reino cristo empenhado no combate presena
muulmana na Pennsula Ibrica, manobrando, depois, habilmente entre os conflitos dos diversos reinos peninsulares e
estabelecendo, em 1373, uma aliana
com a Inglaterra, que lhe foi preciosa quando a sua independncia se viu seriamente
ameaada, por razes dinsticas, pelo
poderoso vizinho castelhano em 1385,

Portugal lana-se, em seguida, na grande


aventura da expanso martima, a partir
de 1415, com a conquista de Ceuta no Norte de frica. E saindo da Pennsula e da
Europa e repartindo-se pelo mundo que,
afinal, garantir a prazo a sua individualidade poltica tanto na Pennsula como na Europa.
Tendo na sua origem um complexo
conjunto de motivaes econmicas, polticas e religiosas, cuja hierarquizao foi
motivo para acerbas polmicas entre os
historiadores, o certo que a construo
do imprio portugus, na sua primazia
cronolgica e na especificidade das suas
caractersticas, contribuir decisivamente
para uma singular relao dos Portugueses com eles prprios e com os restantes
povos. E constitui-se, por isso e a nosso
ver, em segundo e poderoso factor de
identidade e coeso, apesar de, ou talvez
mesmo porque, marcado pela mesma intrnseca fragilidade que estivera na origem
do prprio reino portugus. O grande poema pico de Lus de Cames, no por
acaso intitulado Os Lusadas, a est para
o confirmar e, simultaneamente, para acentuar esse lado de quase fico ou de irreal
com que os Portugueses viveram a sua
aventura martima e a sua grandeza imperial, como Eduardo Loureno to bem soube assinalar (O Labirinto da Saudade: Psicanlise Mtica do Destino Portugus, 1978,
pp. 22-23).
Fragilidade e fico que iro conhecer
a sua imediata confirmao no episdio da
transitria perda da independncia
em consequncia da morte em combate,
em 1578, do jovem rei D. Sebastio em
Marrocos e da imposio dos direitos dinsticos de Filipe II de Espanha , bem
como no subsequente fenmeno da messinica crena no regresso do rei desaparecido. A recuperao da independncia
em 1640 j no conseguir apagar uma tal
viso proftica e messinica da sua histria, que um padre Antnio Vieira, nessa se-

gunda metade do sculo XVII, ir traduzir na


sua concepo de Portugal como uma nao eleita e do seu imprio como o Quinto
Imprio, o de Cristo. Nem to-pouco permitir a superao do estatuto de nao subalterna, com a agravante de se acentuar o
processo de isolamento cultural em relao
Europa, que a instaurao da Inquisio
em 1536 viera iniciar e a fidelidade Contra-Reforma aprofundara.
Ao longo do sculo XVIII, Portugal viver
numa atitude complexa de repulsa e atraco simultnea em relao Europa das
Luzes, ao mesmo tempo que o eixo de gravidade do seu imprio se desloca do
Oriente para o Brasil, cujo ouro ir alimentar uma prosperidade ilusria. Fascinado
com D. Joo V pelas manifestaes artsticas da Europa e at pelas suas modas,
sensvel com o marqus de Pombal aos
progressos das cincias e necessidade
de um desenvolvimento econmico autnomo, dividido, depois, entre o prosseguimento de uma via reformadora e a reaco
conservadora de D. Maria I, Portugal navegar neste sculo entre os apelos, cuidadosamente filtrados, dos seus estrangeirados modernizao europeia e a
desconfiana e mesmo a hostilidade de um
conservadorismo catlico avesso inovao, numa subtil e delicada dialctica entre
as Luzes e as Trevas.
Com as invases napolenicas e a fuga
da corte para o Brasil, Portugal parece procurar a sobrevivncia fora de si, promovendo a principal colnia a sede do imprio
at 1821. At meados do sculo XIX, sujeito
primeiro tutela britnica, mergulhado depois na nica verdadeira guerra civil da
sua histria, entre liberais e absolutistas, e
nos posteriores conflitos entre as diferentes
faces liberais, Portugal experimenta a
fragilidade da sua independncia na balana da Europa, ao mesmo tempo que os
seus romnticos Garrett e Herculano
o procuram refundar nas suas razes culturais e histricas, pela poesia, pelo teatro,
13
Introduo

pelo romance e pela prpria histria como


cincia. Empenhado na segunda metade
deste sculo em no perder o comboio europeu do desenvolvimento industrial, , porm, com pessimismo que a sua elite intelectual de ento encara a distncia que o
separa da modernidade europeia, assim
prolongando em novo contexto a dialctica
entre as Luzes e as Trevas.
Entre a perda do Brasil em 1822
transformado, alis, em imprio entregue
ao filho do seu prprio rei, numa original
separao bem diferente da das colnias
espanholas da Amrica e o incio do sonho africano no final do sculo, Portugal
busca uma nova forma de existir, envolto
num inquieto clima de insegurana e auto-interrogao sobre o seu destino. Antero
de Quental e Oliveira Martins, cada um
sua maneira, procedem ento a uma espcie de ajuste de contas com a nossa histria, num processo sumrio de que saem
condenados o catolicismo jesutico e inquisitorial, o absolutismo rgio centralista e o
prprio imprio ultramarino. Mas divergiro
na alternativa, atrados pela utopia socialista o primeiro, pela utopia de um cesarismo rgio o segundo, ambos comungando,
assim, na desconfiana relativamente ao
republicanismo parlamentar que comeava ento a espreitar no horizonte. Ser este, todavia, que sair vencedor em 1910,
aproveitando o descrdito da Coroa e sabendo cavalgar na hora certa a onda nacionalista desencadeada pelo Ultimato
britnico de 1890, que intimara Portugal a
ceder os territrios situados entre Angola
e Moambique.
Entre o renascer da mstica nacionalista,
com o seu fruto imediato no sonho de um
imprio africano, e a necessidade de acelerar a modernizao europeia do pas, a
Repblica viver mergulhada numa contradio difcil de sanar. Em vo os seus
melhores intelectuais os seareiros
Antnio Srgio, Raul Proena, Jaime Corteso tentaro segurar as duas pontas
14
Introduo

da meada, combatendo sempre, certo,


as verses mais radicais desse nacionalismo, dessem elas pelo nome de saudosismo com Teixeira de Pascoais, ainda no
campo republicano, ou de integralismo
lusitano com Antnio Sardinha, j no
campo monrquico. E em vo tentaro salvar a repblica democrtico-parlamentar
da sua vertiginosa corrida de 16 anos para
o abismo ditatorial, propondo ingenuamente a subordinao dos partidos e dos
dirigentes polticos a uma elite de sbios
detentores do segredo das melhores reformas institucionais, econmicas e educativas para o pas.
A instabilidade governativa, os interesses da oligarquia financeira, a fragilidade
do tecido econmico e social na sequncia
da crise financeira do ps-Primeira Guerra
Mundial abrem caminho soluo ditatorial
pela mo do Exrcito, que acabar por entregar o poder a um acadmico conservador, de formao catlico-tradicionalista,
especialista em finanas e politicamente
ambicioso Oliveira Salazar. Com ele a
mstica nacionalista, desconfiada da Europa das democracias liberais e ferozmente
anticomunista, ser usada como instrumento ao servio de um Estado forte e de um
poder autoritrio e centralizado, que fez de
um corporativismo mitigado o sucedneo
do regime de partidos e encarou o desenvolvimento econmico com reserva mental.
E com ele o imprio ser usado no apenas como instrumento de sobrevivncia
poltica pessoal mas tambm como escudo
da civilizao crist e ocidental, numa viso que desafiava ostensivamente os
ventos da Histria e levava s ltimas
consequncias, incluindo as de ordem jurdico-constitucional, a mstica de um Portugal pluricontinental, estendendo-se do Minho a Timor. Na hora do Terceiro Mundo,
era fatal que um tal sonho, afinal um outro
modo de sentir o imprio como fico, se
volvesse em pesadelo e desse origem a
um despertar convulso e confuso.

Se a participao portuguesa na Primeira Guerra Mundial, pelos seus efeitos


perversos no domnio financeiro e institucional, foi em grande parte responsvel
pelo rpido declnio e queda do regime republicano, as guerras coloniais em Angola, Moambique e Guin, entre 1961 e
1974, foram por sua vez a causa determinante da queda do regime ditatorial do
chamado Estado Novo. Em 1974 como em
1926, as Foras Armadas intervinham
em nome das exigncias de uma difusa e
interiorizada opinio pblica que, num caso como no outro, exprimia mais uma recusa do status quo do que uma alternativa
poltico-ideolgica predefinida. E se, desta feita, assumem o compromisso da instaurao de um regime democrtico parlamentar e pluralista, nem por isso deixam
de se mostrar seduzidas num primeiro momento, graas ao activismo de uma minoria, por modelos revolucionrios terceiro-mundistas, que procuravam combinar a
sua reconverso em exrcito de libertao com o recalcado comunista de dcadas. Portugal correu o risco, nesse agitado perodo de 1974-1975, de sair de um
anacronismo histrico para tombar noutro.
O vanguardismo revolucionrio-militar esbarrou, porm, com profundas resistncias de mentalidade de largos estratos da
populao, eficazmente mobilizados pelos partidos democrticos, com os socialistas de Mrio Soares cabea, e pela
Igreja Catlica.
Consumada em curtssimo prazo de
tempo a descolonizao, com a independncia total para as antigas colnias
com excepo de Timor Leste, que se viu
anexado pela Indonsia at 1999, e de Macau, que se manteve sob administrao
portuguesa at 20 de Dezembro de 1999,
por acordo com a Repblica Popular da
China , nem por isso ela foi sentida como
um drama, se exceptuarmos o meio milho
de retornados, no entanto logo reintegrados com uma surpreendente rapidez na

sociedade portuguesa. O trauma das guerras coloniais fora, afinal, mais forte. E o potencial trauma do fim do ciclo de mais de
cinco sculos de imprio ver-se-ia, ento,
facilmente sublimado pelo empenhamento
na transio democrtica com todos os
seus conflitos ideolgicos, primeiro, na
construo de um destino europeu, com a
integrao na Comunidade Europeia, depois.
No ter sido esta a ltima e derradeira
confirmao do que houve de onrico e ficcional na aventura imperial dos Portugueses, como Eduardo Loureno tem vindo a
acentuar? Uma aventura imperial que, afinal de contas, raros e modestos sinais exteriores de poder produziu no seu territrio
europeu e na sua prpria capital. Onde
est a monumentalidade de Lisboa comparada com a das sedes de outros imprios europeus? A sua majestade reside
mais nesse seu magnfico esturio, como
que a impelir-nos para o mar Atlntico, do
que nos seus edifcios, de onde se destacam mais os mosteiros do que os palcios. Tal como no resto do pas, como
mostram os casos de Mafra e Tomar. Sintomaticamente, como se o imprio estivesse sempre fora de ns e fosse da ordem
do milagre...
Regressado a si prprio e reencontrado
com a liberdade, Portugal lanou-se nos
braos da Europa, com o entusiasmo e
o frenesi de quem procurava recuperar o
tempo perdido nessa espcie de fuga de si
prprio e dos tempos do isolamento salazarista e das guerras coloniais. Como que
dando razo, com um sculo de atraso, ao
programa das Conferncias do Casino dos
intelectuais da Gerao de 70 e, com meio
sculo de atraso, aos apelos dos intelectuais seareiros. Foi a sua reconciliao
com o esprito de abertura que, em Quatrocentos, o lanou na aventura das descobertas, mas que, em Novecentos, acabara
por fech-lo numa redoma de vidro imune
aos novos tempos, aps sculos de oscila15
Introduo

o entre uma atitude de isolamento e essa


atitude de abertura.
As exigncias da participao de corpo inteiro na construo da Unio Europeia comandam, desde ento, as mudanas em curso nos diferentes domnios da
sociedade portuguesa, como amplamente
se documenta ao longo dos sucessivos
captulos desta obra. Mudanas operadas, alis, em curtssimo tempo, levando
Portugal a fazer em 20 ou 30 anos o que
os outros pases europeus fizeram ao longo de 50 ou 60, apesar dos atrasos ainda
evidentes nos planos econmico e educativo. Sem que, como assinala Antnio Barreto (Portugal na periferia do centro: mudana social: 1960 a 1995, in Anlise
Social, n.o 134, 1995, 5.o), to numerosas e
bruscas viragens lhe tenham causado vertigem, graas a uma notvel capacidade
de adaptao e absoro de conflitos.
Mudanas que ainda no foram suficientes, porm, para anular a tenso latente
entre as expectativas e a vontade consumista dos Portugueses, ao nvel dos europeus dos pases mais desenvolvidos, e a
inferioridade do tecido econmico e produtivo, das competncias tecnolgicas e
da experincia competitiva, que torna Portugal no mais perifrico dos pases do
centro, com as aspiraes deste e as debilidades daquele, como sublinha o mesmo autor (Portugal: 1960/1995: Indicadores Sociais, 1996).
Pas de pobres com mentalidade de ricos, como desde as descobertas tantas
vezes nos descobrimos? Uma tal dicotomia
j no d conta da inegvel melhoria dos
ndices econmicos, sociais e culturais entretanto verificada, que vem relativizar a
alegada pobreza sem ignorar a subsistncia de ainda preocupantes ndices de excluso e iliteracia, a fragilidade do actual
Estado-providncia e a permanncia de
significativas assimetrias de desenvolvimento regional. De uma coisa esto, porm, hoje os Portugueses certos: de que
16
Introduo

s no mbito da Unio Europeia, e enquanto seus parceiros activos e intervenientes,


podero recuperar os atrasos que ainda
experimentam e enfrentar os desafios da
globalizao econmica e das novas tecnologias.
Seria, todavia, demasiado empobrecedor reduzir o destino de Portugal, ao cabo
de uma aventura histrica de quase nove
sculos, a uma simples nivelao pelos ndices de desenvolvimento estrutural europeus. Como sugere Augusto Santos Silva,
a dialctica do dfice e da dissidncia em
relao Europa, que, como vimos, tanto
marcou a nossa cultura, pode e deve ser
superada por uma atitude de diferena comunicante (in Parte Devida, 1999, pp. 213-214). Uma atitude que, em certa medida, a
ltima Exposio Universal de Lisboa em
1998 simbolizou, ao unir a capacidade de
realizao e o esprito de modernidade europeus abertura ao mundo, e ao ligar a
nossa memria dos oceanos ao desafio
universal da sua preservao ambiental.
Uma atitude que deve, porm, ultrapassar
a passividade acrtica e estimular sempre a
afirmao de uma identidade nacional prpria, atravs da valorizao do patrimnio
e da criatividade cultural e artstica, j que
no h identidade possvel sem memria e
sem imaginrio prprios. Uma atitude que
deve fazer da poltica lusfona, no plano
externo, e duma eficaz poltica de integrao dos imigrantes, no plano interno, a ponte entre a vocao universalista do passado
e a afirmao internacional do presente.
Para que o inevitvel enfraquecimento do
Estado nacional no arraste consigo a diluio dessa identidade de que ele foi o principal agente construtor. Para que a globalizao incontornvel e a sociedade de
informao necessria no nos transformem nos clones uns dos outros e, em ltima anlise, numa Amrica menor. E para
que a realista ocupao do nosso lugar
prprio na Europa no nos impea de saber quem somos, afinal, como destino.

As reflexes constantes desta introduo devem muito ao dilogo interior que


mantive com Eduardo Loureno (O Labirinto da Saudade: Psicanlise Mtica do Destino Portugus, 1978, e Portugal como Destino Seguido de Mitologia da Saudade,
1999) e Jos Mattoso (Identificao de Um
Pas, 1985, Portugal: O Sabor da Terra,
1998, e A Identidade Nacional, 1998). Como bvio, nenhum deles pode ser res-

ponsabilizado por todas as opinies e interpretaes que aqui deixei esboadas.


Tambm os colaboradores deste livro,
cuja disponibilidade e trabalho agradeo,
deram o seu contributo indirecto para esta
reflexo introdutria.
A Simonetta Luz Afonso devo a iniciativa
da obra, agora em 2.a edio revista e actualizada, bem como o estmulo e exemplar
apoio sua concepo e coordenao.

i identifica assunNota ao leitor: o smbolo 4


tos ilustrados nas pginas a cores.

17
Introduo

O Estado

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O Estado

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Antnio Reis

A Constituio da Repblica Portuguesa

a primeira dcada do sculo XXI, e


aps um sculo em que conheceu
quatro diferentes regimes polticos
(Monarquia Constitucional, I Repblica, Estado Novo e III Repblica), Portugal vive,
desde a aprovao da Constituio de
1976, a experincia democrtica mais
bem-sucedida da sua histria.
Nascida da revoluo de 25 de Abril de
1974 e do compromisso ento assumido
pelo Movimento das Foras Armadas de fazer eleger por sufrgio universal e directo
uma Assembleia Constituinte, a Constituio de 1976 foi concebida no calor de um
processo de transio atravessado por
mltiplas contradies, que deixaram a sua
marca no texto inicial.
A prtica constitucional determinou, porm, que a sua carga programtica de
pendor fortemente socializante acabasse

por ceder aplicao das regras de legitimao e funcionamento de uma democracia representativa, com a consequente introduo das modificaes adequadas ao
carcter o mais abrangente possvel prprio de uma Lei Fundamental.
Combinando a preocupao demoliberal na fundamentao da soberania e
na organizao do poder poltico com a
preocupao igualitria e solidarista na
definio das responsabilidades do Estado, a Constituio de 1976, com a ajuda
das sucessivas revises que a aliviaram
de uma retrica ideolgica demasiado datada, revelou-se apta a estabelecer o quadro institucional mais adequado para a
aplicao de um projecto democrtico de
vida colectiva, com a flexibilidade de meios
necessria para se adaptar evoluo histrica.

Cerimnia de promulgao da Constituio e encerramento da Assembleia Constituinte


(2 de Abril de 1976).

21
O Estado

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Retrato de Portugal

hoje pacfica na sociedade portuguesa e para todas as foras polticas representadas no Parlamento a definio de Portugal como uma Repblica soberana,
baseada na dignidade da pessoa humana
e na vontade popular e empenhada na
construo de uma sociedade livre, justa e
solidria (artigo 1.o), bem como a definio da Repblica Portuguesa como um
Estado de direito democrtico, baseado na
soberania popular, no pluralismo de expresso e organizao poltica democrticas, no respeito e na garantia de efectivao dos direitos e liberdades fundamentais
e na separao e interdependncia de poderes, visando a realizao da democracia
econmica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa (artigo 2.o). A articulao entre o estabelecimento das regras formais de organizao
do poder democrtico e a definio de objectivos programticos mnimos no exerccio desse mesmo poder uma imagem de
marca da Constituio Portuguesa, que faz
dela uma das mais longas do mundo (296
artigos).
Com efeito, num Portugal sado em
1974 de uma longa ditadura conservadora
e opressiva, a elaborao da Constituio
no podia ficar confinada consagrao
de uma carta de direitos, liberdades e garantias e redaco das linhas gerais de
um sistema de funcionamento democrtico
dos rgos de soberania. Teria tambm de
dar resposta s prementes expectativas e
anseios de mudana social, que esmagadoramente se fizeram sentir, numa dimenso popular que extravasava da redutora
expresso utpica com que eram encarnados em sectores minoritrios. Graas aos
sbios equilbrios que os deputados constituintes souberam gerar, tanto no respeitante
ao controlo recproco dos diferentes poderes, como no respeitante ao modelo econmico-social, foi possvel dar a resposta justa aos anseios da sociedade portuguesa,
prevenindo tentativas de involuo antide22
O Estado

mocrtica e criando um clima de progressiva paz social propcio resoluo negociada dos conflitos.
Consolidadas as instituies representativas, reorganizada a vida econmica e
garantidos os direitos fundamentais dos
trabalhadores, ficou aberto o caminho, na
dcada de 80, a duas revises constitucionais, as quais, sem empobrecerem ou
violarem os princpios fundamentais da
Constituio de 1976, mais no fizeram do
que dispensar algumas vlvulas de segurana do sistema ento montado, numa
salutar confirmao da maturidade democrtica do regime institudo por fora da
revoluo de 25 de Abril de 1974. Com
efeito, tanto a aceitao de um rgo de
soberania poltico-militar como o Conselho
da Revoluo, at 1982, como a aposta
num forte sector pblico da economia, at
1989, longe de se revelarem como resultantes de princpios imutveis da arquitectura institucional do Estado ou da organizao econmica da sociedade, funcionaram
antes como benficas e teis almofadas de
proteco de uma democracia cujo parto
no foi fcil.
Em termos jurdico-constitucionais, o
perodo que decorre entre a aprovao da
Constituio de 1976 e a reviso constitucional de 1982 deve, no entanto, ser considerado como um perodo de transio,
durante o qual vigorou o regime de dupla
legitimidade dos rgos do poder poltico
estabelecido na Plataforma de Acordo
Constitucional celebrada em 26 de Fevereiro de 1976 entre o Movimento das Foras Armadas e os principais partidos polticos. Um regime em que se combinava a
legitimidade democrtica dos rgos
emergentes do sufrgio popular (Assembleia da Repblica e presidente da Repblica) com a legitimidade revolucionria do
Conselho da Revoluo. Por seu lado,
com a reviso constitucional de 1989 eliminou-se o equvoco que subsistia entre o
que deveria ser entendido como baliza

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O Estado

programtica mnima de uma Constituio


largamente consensual e o que se afigurava ser antes uma imposio ideologicamente redutora de objectivos mais prprios de um programa partidrio e governamental.
Como natural, toda esta evoluo
constitucional no se fez sem tenses conflituais e sem posies de voto contrrias.
Assim, se em 1976 a Constituio foi aprovada com os votos favorveis dos partidos
de esquerda (Partido Socialista PS ,
Partido Comunista Portugus PCP ,
Movimento Democrtico Portugus/Comisses Democrticas Eleitorais MDP/CDE
e Unio Democrtica Popular UDP) e
do centro-direita (Partido Social-Democrata
PSD) e o voto contrrio do partido de direita (Centro Democrtico Social CDS),
j as revises de 1982 e 1989 tiveram a seu
favor este ltimo partido e contra o PCP.
Em 1980 saiu gorada uma tentativa liderada pelo antigo primeiro-ministro e lder do
PSD S Carneiro de levar a cabo uma reviso da Constituio pela via referendria
no prevista no seu texto, o qual impe a
aprovao de uma maioria qualificada de
dois teros dos deputados. Quanto s revises de 1992 e 1997, limitou-se a primeira
a adaptar a Constituio s exigncias do
Tratado da Unio Europeia ratificado no
ano seguinte, e a ltima a aprofundar os direitos, liberdades e garantias dos cidados, alm de introduzir algumas alteraes no sistema eleitoral, de forma a
reforar a democracia participativa. Ambas
tiveram o voto contrrio do PCP e do CDS.
As revises de 2001, 2004 e 2005 tambm
no foram unnimes, apesar de os seus
principais escopos serem mais limitados:
adaptao s exigncias de adeso ao Tribunal Penal Internacional (2001), alargamento das autonomias regionais (2004) e
possibilidade de referendo sobre tratado
europeu (2005). Tal no impediu, porm, e
respeitadas que foram sempre as regras
processuais da reviso, que Portugal tives-

se ultrapassado, a partir de 1989, a querela


constitucional, e se fosse solidificando, ao
longo da ltima dcada, o necessrio consenso em torno da Lei Fundamental.
Este consenso hoje particularmente
forte em tudo o que diz respeito aos princpios fundamentais da Constituio (artigos
1.o a 11.o), aos direitos e deveres fundamentais, incluindo os direitos, liberdades e
garantias pessoais, de participao poltica e dos trabalhadores e os direitos e
deveres econmicos, sociais e culturais
(artigos 12.o a 79.o), bem como organizao do poder poltico (artigos 108.o a
276.o). Mas mais frgil na parte respeitante organizao econmica (artigos 80.o a
107.o), onde se fazem sentir as reivindicaes favorveis ora a um maior peso do Estado na economia (PCP) ora a uma menor
interveno estatal (PSD e CDS).
De entre os princpios fundamentais,
para alm dos constantes nos j aqui referidos artigos 1.o e 2.o, cumpre salientar o
que estabelece o carcter unitrio do Estado (artigo 6.o), o que rege as relaes internacionais (artigo 7.o), o que exprime as tarefas fundamentais do Estado (artigo 9.o) e
o que consagra o papel primordial do sufrgio universal e dos partidos polticos na
organizao e expresso da vontade popular (artigo 10.o).
A homogeneidade tnica e lingustica
da sociedade portuguesa, a par da necessidade histrica de coeso face ao poderoso vizinho ibrico, explicam facilmente o
carcter unitrio do Estado. Foi preciso esperar pela Constituio de 1976 para que
fosse reconhecida aos arquiplagos atlnticos dos Aores e Madeira uma especial
autonomia poltico-administrativa com o
inerente direito a disporem de rgos de
governo prprio. Quanto regionalizao
puramente administrativa do continente,
embora constitucionalmente admitida, viu a
sua institucionalizao em concreto rejeitada no referendo de 1998 por cerca de dois
teros dos eleitores votantes, apesar de
23
O Estado

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Retrato de Portugal

uma absteno ligeiramente superior a 50


por cento. Em compensao tm funcionado rgos de coordenao do planeamento regional nas cinco regies-plano em que
se encontra dividido o continente: Norte,
Centro, Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e
Algarve. J no que respeita aos 308 municpios, a Constituio e a lei vieram consagrar
um vasto conjunto de atribuies prprias
com os respectivos meios de financiamento.
Apesar disso, o poder central continua a ser
responsvel pela gesto directa de mais de
trs quartos dos recursos do Estado.
No domnio das relaes internacionais,
pautadas pelos valores humanistas e pacifistas, assume particular relevo o reconhecimento do direito insurreio contra todas as formas de opresso, a manuteno
de laos privilegiados de amizade e cooperao com os pases de lngua portuguesa e o empenho no reforo da identidade
europeia.
De entre as tarefas fundamentais cometidas ao Estado, para alm das directamente decorrentes dos valores liberais e solidaristas do Estado de direito democrtico,
avultam a proteco e valorizao do patrimnio cultural, natural e ambiental, a defesa e difuso internacional da lngua portuguesa e a promoo da igualdade entre
homens e mulheres.
Por ltimo, impe-se assinalar que a estabilidade constitucional tem sido assegurada por um apertado regime de reviso,
quer quanto aos seus termos e prazos,
quer quanto aos seus limites materiais. Ao
evitar a frmula referendria, privilegiando
a aprovao por maioria de dois teros dos
deputados em efectividade de funes, e
sem que o presidente da Repblica possa
recusar a promulgao da respectiva lei de
reviso (artigo 286.o), a Constituio consagrou um mecanismo que aposta na criao
de consensos parlamentares interpartidrios e previne solues de ruptura poltica e
social. Ao estabelecer um vasto e significativo conjunto de limites materiais da revi24
O Estado

so (artigo 288.o), incluindo entre outros a


forma republicana de governo, a separao das igrejas do Estado, os direitos dos
cidados e dos trabalhadores, os princpios fundamentais de organizao do Estado de direito democrtico e a autonomia
poltico-administrativa dos arquiplagos dos
Aores e da Madeira, a Constituio procura, tambm, assegurar a perenidade das
principais conquistas histricas, ou mais recentes, do Estado democrtico moderno.
Tambm por estas razes a Constituio de 1976, apesar das controvrsias que
suscitou nos primeiros anos da sua vigncia, tem vindo a reforar o seu prestgio,
solidez e aceitao, contribuindo decisivamente para que Portugal viva a experincia
democrtica mais conseguida da sua histria.

A organizao
do poder poltico
e a forma de governo
Na organizao do poder poltico, submetida ao princpio da separao, equilbrio e
controlo recproco dos poderes, consagrou-se uma forma de governo semipresidencialista ou, mais rigorosamente e sobretudo a
partir da reviso de 1982, parlamentarista
com correctivo presidencial (cf. Vitorino,
1994).
O presidente da Repblica, eleito por
sufrgio universal e directo para um mandato de cinco anos, sem que seja admitida
a reeleio para um terceiro mandato consecutivo, tem o poder de dissoluo do
Parlamento unicameral (Assembleia da Repblica, composta por 230 deputados eleitos em 20 crculos eleitorais de acordo com
o sistema de representao proporcional e
o mtodo da mdia mais alta de Hondt na
converso dos votos em nmero de mandatos) e de demitir o governo, neste caso
apenas quando tal se torne necessrio
para assegurar o regular funcionamento
das instituies democrticas (artigo

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O Estado

O hemiciclo da Assembleia da Repblica.

195.o, n.o 2). Tem ainda o poder de submeter a referendo questes de relevante interesse nacional, mediante proposta da Assembleia da Repblica ou do governo em
matrias das respectivas competncias
(artigos 134.o e 115.o), bem como o direito
de veto sobre diplomas emanados da Assembleia da Repblica, ainda que esta
possa ultrapassar o veto presidencial confirmando o seu voto por maioria absoluta
ou de dois teros, conforme as matrias
em causa (artigo 136.o). Por seu lado, o governo, chefiado por um primeiro-ministro,
que nomeado pelo presidente da Repblica, ouvidos os partidos representados
na Assembleia e tendo em conta os resultados eleitorais, responsvel perante o
presidente da Repblica e a Assembleia
da Repblica (artigos 187.o e 190.o). A rejeio do programa do governo pela Assembleia da Repblica, a no aprovao
de uma moo de confiana ou a aprovao de uma moo de censura por maioria
absoluta dos deputados em efectividade

de funes determinam automaticamente a


demisso do governo (artigo 195.o).
Este sistema de governo permitiu superar com relativa facilidade as crises governamentais ocorridas at 1987 e assegurar
a estabilidade das instituies. Conduziu,
com efeito, quer neutralizao imediata
ou a curto prazo de governos de iniciativa
presidencial sem base parlamentar de
apoio, como aconteceu em 1978-1979 com
o III e IV governos constitucionais, quer ao
impedimento do prolongamento artificial de
governos de base parlamentar precria,
como aconteceu em 1978, 1983 e 1985
com o II, VIII e IX governos constitucionais,
quer ainda inviabilizao de alternativas
de governo no quadro parlamentar com
duvidoso apoio na opinio pblica, como
aconteceu nas dissolues parlamentares
de 1979 e 1987, da responsabilidade, respectivamente, dos presidentes Ramalho
Eanes e Mrio Soares.
Tendo a Constituio de 1976 estabelecido um sistema eleitoral proporcional, que di25
O Estado

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Retrato de Portugal

ficultava partida a formao de governos


monopartidrios com maioria parlamentar
absoluta, a estabilidade governativa ficou,
durante a primeira dcada de funcionamento do sistema, muito dependente do
maior ou menor sucesso de frmulas de
coligao interpartidria (PSD + CDS entre
1979 e 1983, PS + PSD entre 1983 e 1985)
ou da iniciativa presidencial na superao
de impasses parlamentares. A evoluo
poltica foi, por isso, neste perodo sempre
condicionada pela busca, por parte dos
partidos vencedores dos sucessivos actos
eleitorais, de frmulas mais ou menos estveis de governao, cujo xito, por sua
vez, dependeu, por um lado, do relacionamento institucional entre o primeiro-ministro
e o presidente da Repblica, e, por outro
lado, do maior ou menor sucesso dos governos no controlo das crises econmico-financeiras.
Entre 1976 e 1985 sucederam-se, assim, no poder um governo de maioria relativa do PS, um governo de base parlamentar
PS/CDS, trs governos de iniciativa presidencial (o ltimo dos quais apenas de
gesto com vista preparao de novas
eleies), trs governos de coligao PSD/
O general Ramalho Eanes na tomada
de posse como presidente da Repblica,
em 14 de Julho de 1976.

26
O Estado

/CDS (Aliana Democrtica AD) e um


governo de coligao PS/PSD (Bloco Central). Porm, entre 1985 e 2002, coincidindo
com a integrao de Portugal na Comunidade Europeia, foi a vez dos governos monopartidrios, primeiro do PSD, inicialmente minoritrio e depois com confortveis
maiorias absolutas em 1987 (50,2 % dos
votos) e 1991 (50,4 %), depois do PS em
1995 (43,8 %, a escassos quatro mandatos
da maioria absoluta) e 1999 (44 %, com
metade dos mandatos parlamentares). Entre 2002 e 2005, regressou-se frmula de
coligao interpartidria (PSD + CDS), a
que se sucedeu um novo governo monopartidrio do PS, o primeiro com maioria
parlamentar absoluta (45 % dos votos nas
eleies de 2005).
O presidente Ramalho Eanes (1976-1986) dissolveria a Assembleia da Repblica por trs vezes: em 1979, aps o fracasso de dois governos de sua iniciativa,
destinados a superar o impasse parlamentar gerado pelo derrube do primeiro governo minoritrio de Mrio Soares e pela ruptura do acordo entre o PS e o CDS para
viabilizar o segundo governo de Mrio Soares; em 1983, em consequncia da crise
que afectava a coligao AD; e em 1985,
aps a ruptura por parte do PSD do acordo
governamental com o PS. O presidente Mrio Soares (1986-1996), por sua vez, utilizaria o mecanismo da dissoluo apenas
uma vez, em 1987, depois de o Parlamento
derrubar o governo minoritrio do PSD de
Cavaco Silva, atravs de uma moo de
censura da iniciativa do Partido Renovador
Democrtico (PRD), liderado pelo ex-presidente Ramalho Eanes. O presidente
Jorge Sampaio, por fim, viu-se obrigado
em 2002 a dissolver o Parlamento em virtude da deciso do primeiro-ministro socialista Antnio Guterres de apresentar a sua
demisso na sequncia dos maus resultados do PS nas eleies municipais de Dezembro de 2001, e sem que o seu partido
tenha querido propor um novo primeiro-mi-

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O Estado

Mrio Soares, presidente da Repblica entre


1986 e 1996.

nistro, dado o impasse parlamentar criado


pelos partidos da oposio. As eleies de
2002 dariam ento lugar a um novo governo
de coligao PSD/CDS, cujo primeiro-ministro, Duro Barroso, se demitiria em Julho de
2004, em consequncia da sua aceitao
do lugar de presidente da Comisso Europeia. Substitudo pelo vice-presidente do
PSD, Santana Lopes, ao fim de quatro meses o presidente Sampaio decidiu dissolver
o Parlamento e convocar novas eleies,
por descrer da capacidade do novo primeiro-ministro de assegurar a estabilidade e a
eficcia da aco governativa.
Verifica-se, assim, que, ao longo dos
primeiros trinta anos de vigncia do actual
quadro constitucional, a alternncia democrtica no poder se traduziu na formao
de executivos chefiados ora pelo PS, ora
pelo PSD, com a curta excepo dos governos de iniciativa presidencial, que duraram dezasseis meses, e tendo aqueles
dois partidos estado coligados apenas
uma vez e pelo perodo de vinte e nove meses. Ou seja, o sentido de voto maioritrio
oscilou entre o centro-esquerda e o centro-direita, com predomnio para o primeiro
durante treze anos (e presumivelmente
mais dois at ao final da presente legislatura em 2009) e para o segundo durante cerca de dezassete. O PSD manteve-se como
partido do governo durante dezanove anos
(1979-1995 e 2002-2005) e o PS durante

treze anos (1976-1978, 1983-1985 e 1995-2002, 2005-2007), com trs interrupes


(1978-1983, 1985-1995 e 2002-2005), a penltima das quais de dez anos. A deslocao do voto de uma larga faixa de cerca de
20 % do eleitorado, ora no sentido do PS
ora no sentido do PSD, acabou por determinar a referida oscilao. Assistiu-se, por
outro lado, a uma significativa diminuio
da fora eleitoral dos dois partidos dos extremos do leque parlamentar: o CDS, agora
designado CDS-PP, de cerca de 16 % para
cerca de 7 %, e o PCP, de cerca de 14 %
para cerca de 8 por cento. A quebra deste
ltimo parcialmente compensada esquerda pela emergncia, desde as eleies de 1999, de um novo partido o Bloco de Esquerda (BE) que atingiu os
6,4 % dos votos nas eleies de 2005.
Por ltimo, note-se que nas onze eleies legislativas realizadas at agora, houve cinco maiorias absolutas obtidas por
trs foras polticas: a coligao pr-eleitoral AD, chefiada por S Carneiro, em 1979
e 1980, o PSD, chefiado por Cavaco Silva,
em 1987 e 1991, e o PS, chefiado por Jos
Scrates, em 2005. O desgaste governativo do PS em duas situaes de crise finanJorge Sampaio sada do Palcio de
So Bento, depois de empossado nas
funes de presidente da Repblica (1996).

27
O Estado

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Retrato de Portugal

ceira entre 1976 e 1978 e 1983 e 1985, o


sucesso da integrao europeia a partir de
1986 e o descrdito dos governos de coligao PSD/CDS entre 2002 e 2005 foram
factores que contriburam decisivamente
para estes resultados.
Finalmente, entre 1995 e 2002 e entre
2005 e 2006, o PS tornou-se o primeiro partido a colocar dirigentes seus ao mesmo
tempo na chefia do governo (Antnio Guterres e Jos Scrates) e na Presidncia da
Repblica (Jorge Sampaio), depois das experincias de coabitao institucional entre
um presidente militar e governos de diferentes bases partidrias e entre um presidente
socialista e governos do PSD. Actualmente
assiste-se experincia indita de coabitao entre um presidente eleito em Janeiro
de 2006 com o apoio do PSD e do CDS (Cavaco Silva) e um governo do PS.

O sistema partidrio,
as eleies
e a participao poltica
Para a consolidao e estabilizao do
sistema democrtico muito contribuiu a
continuidade quer do sistema de foras
partidrias, quer do sistema eleitoral, que
se revelou apto a garantir a alternncia no
poder e a formao de governos de legislatura.
Com efeito, apenas nas eleies de
1985 uma nova fora poltica conseguiu
pr em causa, por um curto perodo, a hierarquia habitual do xadrez partidrio: o Partido Renovador Democrtico (PRD), constitudo em torno da figura do presidente
Ramalho Eanes, que obteve ento 18 %
dos votos, custa fundamentalmente do
PS, tendo cado nas eleies seguintes, em
1987, para os 5 % e desaparecido depois
do mapa parlamentar. De resto, o sistema
eleitoral proporcional e a lei em vigor, que
no contm nenhuma clusula-barreira em
termos percentuais, tm permitido ocasionalmente a eleio de deputados em re28
O Estado

O presidente da Repblica, Anbal Cavaco


Silva, em cerimnia oficial.

presentao de pequenas foras polticas.


Assim aconteceu com a UDP, de extrema-esquerda, que elegeu um deputado Assembleia Constituinte em 1975 e nas eleies legislativas de 1976, 1979 e 1980, e
com o Partido da Solidariedade Nacional
(PSN), conhecido como o partido dos reformados, que elegeu um deputado para
a legislatura de 1991-1995, sempre, em
ambos os casos, com menos de 2 % dos
votos. Mais recentemente, o BE, uma coligao de trs partidos de extrema-esquerda (Partido Socialista Revolucionrio
PSR , UDP e Poltica XXI) e independentes, elegeu dois deputados em 1999, com
menos de 3 % dos votos, para em 2005 se
juntar ao grupo dos quatro principais partidos ao eleger oito deputados com 6,4 %
dos votos.
Com excepo do BE, qualquer dos cinco principais partidos polticos j experimentou a frmula da coligao pr-eleitoral.
O PCP com a Aliana Povo Unido (APU),
que integrou em 1979 o MDP-CDE e, a partir de 1983, o Partido Ecologista Os Verdes (PEV), e qual sucedeu, a partir de
1987, a Coligao Democrtica Unitria
(CDU), de que passou a fazer parte um pequeno grupo de ex-membros do MDP-CDE
a Interveno Democrtica (ID); o PSD
e o CDS, com a j referida AD, em 1979 e
1980; e o PS, com a Frente Republicana

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O Estado

e Socialista (FRS), uma coligao com


duas pequenas foras polticas a Aco
Social-Democrata Independente (ASDI) e a
Unio de Esquerda para a Democracia Socialista (UEDS), dissidentes, respectivamente, do PSD e do PS que se apresentou
apenas s eleies de 1980. Ao contrrio
da AD, que configurou uma coligao entre
dois dos quatro principais protagonistas do
sistema partidrio portugus, aos quais se
associaram na altura um pequeno partido
monrquico e o episdico Movimento Reformador, tanto a APU e a CDU como a
FRS se apresentaram como coligaes claramente hegemonizadas pelo PCP e pelo
PS, respectivamente.
Neste quadro, os dois maiores partidos,
o PS e o PSD, polarizam actualmente cerca

de trs quartos do eleitorado e de 85 %


dos mandatos parlamentares. Representam em Portugal as duas maiores famlias
polticas europeias: os socialistas do Partido Socialista Europeu (PSE) e os democratas-cristos do Partido Popular Europeu
(PPE). No caso do PSD, porm, esta filiao relativamente recente (1997), pois
anteriormente estivera ligado ao Partido
Europeu dos Liberais, Democratas e Reformistas. Quanto ao CDS, que representou
inicialmente a famlia democrata-crist europeia, viria a associar-se aos gaulistas
franceses em 1993 no Grupo da Aliana
dos Democratas Europeus (actual Unio
para a Europa das Naes), onde se tem
mantido apesar de ter entretanto recuperado a sua inspirao democrata-crist.

Composio da Assembleia da Repblica por grupos parlamentares


02-12-1979
(intercalar)

25-04-1976
PPD 73

PS 74
AD 121

PS 107

CDS 42

APU 47

PCP 40
UDP 1

PSD 7
UDP 1

05-10-1980

25-04-1983

06-10-1985

PPD-PSD 75

FRS 71
AD 126

PRD 45

PS 57

PS 101

APU 44

PPD-PSD
88

APU 38

APU 41
CDS 30

CDS 22

UDP 1
PPD/PSD
8

19-07-1987
PS 60

01-10-1995

06-10-1991

PPD-PSD 148

PPD-PSD 135

PS 72

PPD-PSD 88
PS 112

CDU 31
CDS-PP 15

PCP/PEV 17
PRD 7
CDS 4

17-03-2002

10-10-1999
PPD-PSD 81

PS 96
PS 115

PCP/PEV
17
CDS-PP
15
BE 2

PCP/
/PEV
15

CDS 5
PSN 1

20-02-2005

PPD-PSD 105

PPD-PSD 75
PS 121

CDS-PP 14
PCP/PEV
12
BE 3

PCP/PEV 14
CDS-PP
12
BE 8

Fonte: 30 Anos de Constituio, Lisboa, Assembleia da Repblica, 2006.

29
O Estado

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Retrato de Portugal

O seu posicionamento crtico relativamente


s teses federalistas do PPE estivera na origem do seu afastamento deste partido europeu. O PCP e o BE, por seu lado, tm vindo a integrar o Grupo Unitrio da Esquerda
Europeia. Actualmente, o PS dispe de 12
deputados no Parlamento Europeu, o PSD
de sete, o CDS-PP e o PCP de dois cada, e
o BE de um.
Do ponto de vista programtico, qualquer dos quatro partidos parlamentares
mais antigos tem conhecido a sua evoluo. O PS, fundado em 1973 na Alemanha
a partir da Aco Socialista Portuguesa
(ASP) de Mrio Soares, cedo abandonou a
componente marxista do seu iderio inicial
para se situar no campo social-democrata
reformista, tendo, alis, sido precursor das
viragens entretanto experimentadas no
mesmo sentido pelos partidos socialistas
da Europa Latina, a partir da dcada de 80.
O PSD, onde convergiram inicialmente as
linhas de orientao social-crist, liberal e
social-democrata, veio a subalternizar progressivamente esta ltima em favor das primeiras, no mbito de uma actuao governativa ou de uma estratgia oposicionista
ditadas por um evidente pragmatismo.
O CDS-PP, de matriz democrata-crist e
pretendendo inicialmente um posicionamento centrista, veio, no incio dos anos 90,
a adoptar uma orientao populista, conservadora e assumidamente de direita, para,
mais recentemente, lhe acoplar a sua inspirao original. O PCP, que na revoluo de
Abril de 1974 era conhecido como o partido
comunista mais ortodoxamente marxista-leninista da Europa Ocidental, tem vindo a
conhecer, aps a queda dos regimes comunistas na antiga Unio Sovitica e na Europa
do Leste, uma lenta mas progressiva evoluo, que o leva hoje a aceitar a democracia
poltica pluralista e representativa como
uma componente essencial do seu modelo
de sociedade. Quanto ao BE, fundado s
em 1999, cedo se libertou da matriz esquerdista tradicional dos partidos trotskista e
30
O Estado

maosta que estiveram na sua origem, para


adoptar o perfil ideolgico de uma esquerda moderna, sensvel a causas morais e culturais de natureza fracturante e empenhada
em lutas sociais no quadro da democracia
representativa e participativa.
Dos cinco partidos parlamentares,
aquele que sempre conheceu uma mais
equilibrada implantao no territrio nacional , sem dvida, o socialista, enquanto os
sociais-democratas e os populares tm os
seus basties no Norte e Centro, os comunistas na Grande Lisboa e no Alentejo e os
bloquistas nos principais centros urbanos.
Quanto aos arquiplagos atlnticos, a hegemonia dos sociais-democratas nas regies autnomas da Madeira e dos Aores
foi, em relao a esta ltima, quebrada, a
partir de 1996, pelos socialistas, que ganharam ento, pela primeira vez, as respectivas eleies regionais.
A principal fonte de financiamento dos
partidos polticos tem sido o oramento do
Estado, na base do nmero de votos obtido
por cada um nas eleies legislativas, desde que atinjam um mnimo de 50 000. A lei
estabelece tambm limites s despesas
das campanhas eleitorais.
Tambm no que toca ao estatuto dos titulares dos cargos polticos e ao respectivo
regime de incompatibilidades, impedimentos e responsabilidades, caminhou-se ao
longo da primeira metade da dcada de 90
para a definio de um quadro mais rigoroso das condies de exerccio dos cargos
e mandatos, hoje, todavia, acusado de
uma excessiva rigidez com prejuzo para o
recrutamento qualificado dos agentes polticos. A preocupao que esteve na base
da lei aprovada em 1995 reflectia, porm, o
crescente sentimento de distanciao e
desafeio do eleitorado em relao aos
seus representantes polticos, traduzido em
taxas de absteno cada vez mais altas.
Com efeito, entre 1975 e 2005, a absteno eleitoral cresceu de uns modestssimos e nunca mais igualados 8,3 % nas

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% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

50
40
30
20
10

PE'94
AR'95
PR'96
AL'97

60

AC - Assembleia Constituinte
AR - Assembleia da Repblica
PR - Presidncia da Repblica
AL - Autrquicas
R - Referendo
PE - Parlamento Europeu

PE'89
AL'89
PR'91
AR'91
AL'93

70

AC'75
AR'76
PR'76
AL'76
AR'79
AL'79
AR'80
PR'80
AL'82
AR'83
AR'85
AL'85
PR'86-1
PR'86-2
AR'87
PE'87

80

AR'99
PR'01
AL'01
AR'02
PE'04
AR'05
AL'05
PR'06
R. FEV'07

Nveis de absteno 1975-2007


%

R. JUN'98
R. NOV'98
PE'99

O Estado

Fonte: in http://eleicoes.cne.pt (2007).

eleies para a Assembleia Constituinte


para uns preocupantes 37,7 % nas ltimas
eleies para a Assembleia da Repblica,
embora com tendncia para estabilizar
nesta ordem de valores. Tambm as eleies autrquicas e presidenciais tm conhecido este fenmeno, ainda que em menor escala, com as primeiras a verem a
taxa de absteno crescer de 35,4 % para
39,1 %, e as segundas de 24,5 % para 37,4
por cento. A confirmar o progressivo desinteresse da populao portuguesa pela participao poltica estiveram os resultados
dos dois primeiros referendos nacionais,
ambos em 1998: o que incidiu sobre a despenalizao da interrupo voluntria da
gravidez e o que inquiria sobre a institucionalizao em concreto das regies administrativas no continente. Ambos deram a vitria aos partidrios do no, mas nenhum
dos dois obteve a participao da maioria
mnima de metade mais um dos eleitores,
necessria para que os seus resultados pudessem ser considerados vinculativos. No
primeiro caso, a taxa de participao quedou-se em 31,9 % e no segundo em 48,1 %.
Apesar disso, nenhum dos partidos parlamentares partidrios do sim exigiu a publicao das leis aprovadas na Assembleia
da Repblica, conscientes da inconvenincia poltica de tal acto. Em 2007 um novo referendo sobre a despenalizao da inter-

rupo voluntria da gravidez, quando feita


at s dez semanas, deu a vitria ao sim
por 59,2 % dos votos, com uma taxa de
absteno de 56 por cento.
O elevado abstencionismo numa forma
de participao poltica directa da populao em decises de alcance nacional sobre temas que inequivocamente as afectam susceptvel de leituras contraditrias.
Tanto pode querer significar uma manifestao de preferncia pelos mecanismos
de democracia representativa como forma
de resoluo dos problemas polticos como pode confirmar ao mais elevado grau a
tendncia para o indiferentismo, o desinteresse ou a desafeio pelas questes pblicas, que uma parte crescente do eleitorado tem vindo a revelar.
So, porm, mltiplas e variadas as
causas da absteno eleitoral. A chamada
absteno crnica, correspondente aos
eleitores que, por razes ideolgicas ou
por puro indiferentismo, se recusam sistematicamente a votar, no ultrapassar, segundo estudos recentes (Jorge de S e
Lus Reto, in Dirio de Notcias de 10 de
Outubro de 1999), os 15 % do total do eleitorado. J a absteno flutuante, resultante
quer de factores tcnico-administrativos,
como mudanas de residncia, quer de
factores aleatrios de ordem pessoal, atingir 32 %. Por ltimo, a absteno selecti31
O Estado

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Retrato de Portugal

va, motivada pela falta de informao, pela


ocasional ausncia de identificao com
um partido ou ainda pela insuficiente dramatizao do combate poltico como corolrio, alis, da crescente estabilidade do
sistema democrtico e da diminuio da
conflitualidade social situar-se- nos 24
por cento. A estes ltimos factores acresce
igualmente a sensao de impotncia de
muitos cidados em relao partidocracia dominante, bem como a chamada crise
das ideologias, com o consequente sentimento de diluio das fronteiras partidrias
e o correlativo fenmeno de mediatizao e
fulanizao da vida poltica (cf. Cruz, 1994).
Por ltimo, mas no menos importante, o
caldo individualista e hedonista da cultura
ps-moderna de molde a desincentivar
qualquer tipo de comportamento participativo, e faz-se sentir particularmente nas geraes mais jovens, que j no experimentaram a privao das liberdades imposta
pela ditadura.
Os inquritos disponveis para o incio
da dcada de 90 demonstram, no entanto,

que o desinteresse pela poltica notoriamente mais elevado em Portugal (entre


68 % e 82 %) do que na mdia de seis a
dez pases da Unio Europeia (entre 55 % e
58 %). Comparado com a Alemanha, onde
a taxa de desinteresse oscila entre os 30 %
e 45 %, o contraste ainda maior (cf. idem).
Em contrapartida, assiste-se proliferao de outras formas menos tradicionais
de interveno na vida da comunidade, como a assinatura de peties, a participao em manifestaes de protesto ou em
movimentos de defesa de causas concretas ou ainda o apoio a formas de presso
de cariz neocorporativo. O direito de petio para defesa dos direitos dos cidados,
da Constituio, das leis ou do interesse
geral, bem como o direito de aco popular para promover a preveno, a cessao
ou a perseguio judicial das infraces
contra a sade pblica, os direitos dos
consumidores, a qualidade de vida e a
preservao do ambiente e do patrimnio
cultural e assegurar a defesa dos bens pblicos esto, alis, consagrados na Consti-

Manifestao, em 1999, sob a forma de cordo humano, a favor da interveno das tropas
da ONU em Timor Leste, em resultado dos violentos confrontos que tiveram lugar na
sequncia do referendo acerca da independncia daquele territrio.

32
O Estado

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O Estado

tuio Portuguesa (artigo 52.o), ainda que o


ltimo seja raramente exercitado.
Com o objectivo de reforar as possibilidades de participao poltica dos cidados, a reviso constitucional de 1997 alargou o leque de matrias passveis de
referendo nacional e local, concedeu o direito de iniciativa da lei e do referendo a
grupos de cidados eleitores, e acabou
com o monoplio partidrio na apresentao das listas de candidatos aos rgos
concelhios do poder local, mantendo embora esse monoplio nas candidaturas
Assembleia da Repblica.
Est, entretanto, em aberto a possibilidade de rever a lei eleitoral para a Assembleia
da Repblica em moldes que proporcionem
uma maior aproximao entre os eleitores e
os seus representantes. A adopo de crculos uninominais, a par de crculos plurinominais, constitucionalmente permitida, com
salvaguarda da proporcionalidade do sistema, tem vindo a ser encarada pelos dois
maiores partidos como uma forma de contribuir para aquele objectivo.

O sistema judicial
Abolidos os tribunais especiais e garantida
a independncia dos juzes na sequncia
da implantao do regime democrtico, a
Constituio consagrou uma organizao
judicial, assente em vrios tipos de tribunais, e um estatuto prprio para os magistrados.
Assim, para alm do Tribunal Constitucional, criado com a reviso constitucional
de 1982 e que herdou as funes de fiscalizao da constitucionalidade das leis, at
ento atribudas ao Conselho da Revoluo, foram definidas trs categorias de tribunais: o Supremo Tribunal de Justia e os
tribunais judiciais de primeira e de segunda instncia; o Supremo Tribunal Administrativo e os demais tribunais administrativos
e fiscais; e o Tribunal de Contas. Os primeiros so os tribunais comuns em mat-

ria cvel e criminal, aos segundos compete


o julgamento das aces e recursos contenciosos que tenham por objecto dirimir
os litgios emergentes das relaes jurdicas
administrativas e fiscais, e ao terceiro incumbe a fiscalizao da legalidade das despesas pblicas e de julgamento das contas
que a lei mandar submeter-lhe, nomeadamente da Conta Geral do Estado, incluindo
a da Segurana Social, e das contas das
regies autnomas dos Aores e da Madeira. A reviso constitucional de 1997 aboliu
a existncia permanente dos tribunais militares, limitando a sua constituio, para o
julgamento de crimes de natureza estritamente militar, ao perodo de vigncia do
estado de guerra. ainda admitida a existncia de tribunais martimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.
A desgovernamentalizao das estruturas judicirias levou a um estatuto de
grande independncia dos juzes, que gozam de uma considervel margem de autogoverno, gerida, no que toca aos juzes
dos tribunais judiciais, pelo Conselho Superior da Magistratura. Este rgo presidido pelo presidente do Supremo Tribunal
de Justia e composto por dois vogais designados pelo presidente da Repblica,
sete eleitos pela Assembleia da Repblica
e sete juzes eleitos pelos seus pares. Por
sua vez, o Ministrio Pblico goza igualmente de autonomia e de estatuto prprio,
separado do da magistratura judicial. Tem
como rgo directivo a Procuradoria-Geral
da Repblica, presidida por um procurador-geral da Repblica (nomeado pelo
presidente da Repblica, sob proposta do
governo, para um mandato de seis anos) e
integrando o Conselho Superior do Ministrio Pblico, que inclui membros eleitos
pela Assembleia da Repblica e membros
eleitos pelos magistrados do Ministrio
Pblico. Tanto os magistrados judiciais
como os magistrados do Ministrio Pblico so formados, desde 1979, no Centro
de Estudos Judicirios, organismo respon33
O Estado

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Retrato de Portugal

svel pela sua qualificao tcnica e cientfica.


As garantias e a qualidade das solues consagradas constitucionalmente no
domnio da organizao judicial no foram,
porm, suficientes para dar resposta cabal
aos desafios colocados por uma crescente
procura da justia por parte de cidados
ciosos dos seus novos direitos e impulsionada pela dinmica econmica e social
dos ltimos vinte e cinco anos, apesar da
excessiva desigualdade social no acesso
ao direito que continua a caracterizar o sistema. Tanto os agentes do aparelho judicial
como os seus utentes convergem de h
muito no reconhecimento do estado de crise permanente da justia portuguesa.
A acumulao dos processos pendentes, a lentido das decises e o acentuado
risco das prescries so consequncias
inevitveis da carncia de meios humanos
e de instalaes condignas, do atraso na
informatizao do sistema, do burocratismo administrativo, dos hbitos de prolixidade e erudio na redaco das sentenas,
da falta de assessoria de apoio aos juzes,
da sobrecarga com contenciosos menores,
da ausncia de mecanismos alternativos
de resoluo dos conflitos, de formalismos
excessivos na interpretao da lei e do excesso de garantismo que estimula a litigncia interminvel para quem possui recursos
avultados e bons advogados. Para alm do
descrdito para a justia e do sentimento
de impunidade que resultam de tal estado
de coisas, com as consequncias perversas que se imaginam, no so tambm
despiciendos os custos brutais que daqui
decorrem para o funcionamento das empresas e da economia em geral.
O consenso sobre o diagnstico e a teraputica da crise da justia tem-se vindo a
impor ultimamente. Reflexo disso a recente assinatura, em Setembro de 2006, de
um pacto para a justia entre o partido
do governo e o principal partido da oposio, o qual parece conter as medidas de
34
O Estado

tratamento mais urgentes e, sobretudo, a


vontade de as aplicar, superando os factores de inrcia do sistema e os corporativismos instalados.

As Foras Armadas
Com a reviso constitucional de 1982, que
extinguiu o Conselho da Revoluo e ps
fim ao sistema de autogoverno em que se
encontravam desde a revoluo de 25 de
Abril de 1974, as Foras Armadas passaram a estar integralmente subordinadas ao
poder poltico democrtico. A eleio do
primeiro presidente da Repblica civil em
1986 veio, por seu turno, reforar no plano
simblico essa dependncia, aproximando-as ainda mais do estatuto que as caracteriza nas democracias ocidentais.
A lei e a prtica poltica dominante
preocuparam-se, entretanto, em salvaguardar a iseno e o apartidarismo da instituio militar, conferindo-lhe ainda um
aprecivel grau de autonomia no plano estritamente organizativo, no mbito de um
modelo constitucional e legal de controlo
poltico que corresponsabiliza equilibradamente o presidente da Repblica, o governo e a Assembleia da Repblica (cf. Vitorino, 1998).
Assim, o presidente da Repblica, que
exerce por inerncia o cargo de comandante supremo das Foras Armadas, nomeia e exonera os principais chefes militares (chefe do Estado-Maior-General das
Foras Armadas e chefes dos estados-maiores do Exrcito, da Armada e da Fora Area), sempre sob proposta do governo. A partir de 1995, a escolha dos nomes
propostos pelo governo deixou de estar
condicionada por uma lista prvia de trs
nomes seleccionados pela prpria instituio militar, que passou a desempenhar
um papel meramente consultivo. A Assembleia da Repblica detm, por sua vez,
vastas competncias legislativas no domnio
da defesa nacional, definio dos deveres

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O Estado

dela decorrentes e bases gerais da organizao, do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das Foras Armadas, para
alm de tudo o que diga respeito s restries ao exerccio de direitos por militares,
em nome do estrito apartidarismo dos seus
membros. Por via dos seus poderes oramentais e da competncia para aprovar as
chamadas leis de programao militar, que
fixam o montante e a distribuio dos investimentos em equipamento, exerce igualmente uma importante responsabilidade de controlo da instituio. Por ltimo, existe ainda,
com dignidade constitucional e funes
consultivas, o Conselho Superior de Defesa
Nacional, presidido pelo presidente da Repblica e integrando o primeiro-ministro, alguns ministros, dois deputados, os presidentes dos governos regionais dos Aores
e da Madeira e os chefes militares.
A reconverso de umas Foras Armadas
empenhadas ao longo de mais de uma dcada numa guerra colonial em trs frentes e
chamadas depois a desempenhar um delicado papel de conduo da transio para
um regime democrtico acabou por se processar num ambiente de tranquilidade e
sem sobressaltos. A plena integrao de
Portugal no concerto das democracias europeias, reforada pela adeso Comunidade Europeia, e a alterao do cenrio
geostratgico contriburam igualmente para
a progressiva diminuio do seu peso especfico interno. Mas se eliminaram quaisquer
tentaes de envolvimento das Foras Armadas em misses de segurana interna,
fora das situaes de excepo do estado
de guerra ou dos estados de stio e de
emergncia, reforaram, em compensao,
a sua importncia como instrumento da diplomacia e da poltica externa portuguesa
num mundo em que, aps a queda do imprio sovitico, as misses internacionais
de paz se tornam cada vez mais frequentes.
A reviso constitucional de 1997 reflectiu
esse facto ao incluir um novo nmero no actual artigo 275.o, que explicitamente lhes

atribui a incumbncia de satisfazer os compromissos internacionais do Estado portugus no mbito militar e participar em misses humanitrias e de paz assumidas
pelas organizaes internacionais de que
Portugal faa parte. As Foras Armadas portuguesas participaram ou participam, deste
modo, em misses da Organizao das Naes Unidas (ONU) em Angola, Moambique, Lbano, Timor Leste e Sara Ocidental, e
em misses da NATO (North Atlantic Treaty
Organization, Organizao do Tratado do
Atlntico Norte OTAN) ou da UE na Bsnia-Herzegovina, no Kosovo, no Afeganisto
e Repblica do Congo. Em finais de 1999 integraram tambm a Interfet fora internacional que, com mandato do Conselho de
Segurana da ONU, interveio em Timor Leste para pr termo violncia desencadeada
pelo Exrcito indonsio e as milcias locais
contra a populao, que em referendo se
Soldados portugueses integrados numa
fora da NATO em misso na
Bsnia-Herzegovina (1996).

35
O Estado

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Retrato de Portugal

pronunciara esmagadoramente pela independncia. E entre Janeiro de 2000 e 2002


participaram com um contingente de 800
homens na Untaet, a administrao transitria da ONU que preparou a transio
para a independncia do novo Estado de Timor Leste. Para alm disso, designam foras areas e navais para o Comando do
Atlntico da NATO e foras terrestres e areas para o Comando da Europa da NATO,
designadamente para o seu Corpo de
Reaco Rpida, assegurando assim os
compromissos do Estado portugus no mbito da Aliana Atlntica. Tm ainda foras
atribudas Unio da Europa Ocidental
(UEO). Tambm as aces de cooperao
tcnico-militar com os novos pases africanos de expresso portuguesa e as misses
de interesse pblico (fiscalizao da pesca
e da poluio ambiental na Zona Econmica
Exclusiva e nas guas territoriais, operaes
de busca e salvamento, obras de engenharia ao servio da qualidade de vida das populaes) se viram revalorizadas neste novo
contexto.
O Exrcito foi naturalmente o ramo que
sofreu a mais substancial reduo de efectivos, que passaram de cerca de 170 000, em
1973, para cerca de 23 000, em 2006. Na
Armada a reduo foi de 18 000 para 11 000
e na Fora Area de 16 000 para 8000.
A carreira militar foi aberta em 1993 s mulheres e o servio militar obrigatrio viu o
Primeiro-cabo dirigindo uma
autometralhadora.

36
O Estado

seu tempo drasticamente reduzido para oito meses no Exrcito, sendo quase integralmente substitudo pelo voluntariado nos
restantes ramos. A partir da reviso constitucional de 1997, deixou de ser uma obrigatoriedade constitucional, passando a lei
a regular as suas formas. Em 2003 foi integralmente substitudo pelo regime de voluntariado profissionalizado.

As relaes
com os estados lusfonos
No contexto da poltica externa e das relaes internacionais do Estado portugus
assumem particular relevo os laos privilegiados de amizade e cooperao com os
pases de lngua portuguesa, a que se refere o artigo 7.o da Constituio.
As feridas das guerras coloniais deram
rapidamente lugar a sentimentos de ligao afectiva e cultural e de respeito mtuo
com os povos das ex-colnias africanas,
traduzidos numa poltica de cooperao
e solidariedade a vrios ttulos exemplar e
que recolhe o apoio de todos os quadrantes partidrios portugueses. O regresso de
Portugal sua matriz europeia foi, assim,
acompanhado por uma redefinio da sua
vocao extra-europeia, no desempenho
de um papel de ajuda diplomtica, econmica e cultural que hoje reclamado de
Cabo Verde a Timor Leste.
A constituio em 1997 da Comunidade
dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP)
representou simultaneamente o coroamento
de um processo de normalizao e aprofundamento das relaes com os novos estados de lngua oficial portuguesa e o Brasil e
o ponto de partida para iniciativas conjuntas
no plano poltico, econmico e cultural, no
respeito pelas instituies democrticas e
pelos direitos humanos, que contribuam
igualmente para a afirmao desta comunidade no sistema internacional.
Neste contexto assume ainda particular
importncia o apoio que tem vindo a ser

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O Estado

Cimeira constitutiva da Comunidade dos Pases de Lngua Portuguesa (CPLP).

canalizado pelo Estado portugus para a


reconstruo e desenvolvimento de Timor
Leste, directamente e atravs da sensibilizao da comunidade internacional, bem
como a colaborao com a ONU em todo o
processo que conduziu independncia
daquela antiga colnia portuguesa do Extremo Oriente.

A relao com a Unio


Europeia
A participao activa de Portugal no processo de unificao poltica europeia e a
sua integrao no ncleo de pases fundadores do euro veio naturalmente redefinir
os limites da soberania do Estado, alienando em prol da Unio Europeia algumas das
suas funes tradicionais e limitando significativamente o alcance de outras. Tratou-se do preo a pagar para vencer o atraso
estrutural da sociedade portuguesa e conferir-lhe padres superiores de qualidade
de vida. No foram apenas as competncias do banco central portugus que se viram substancialmente reduzidas em funo da adopo do euro. Foram tambm
os rgos de soberania em geral presidente da Repblica, Assembleia da Repblica, governo e tribunais que, em consequncia da realizao do projecto de

unificao poltica, se tm visto progressivamente lateralizados pelas prprias caractersticas e exigncias do processo de
deciso comunitrio e pelo inevitvel alargamento do mbito de matrias objecto do
ordenamento jurdico comunitrio. Sem esquecer o crescente peso da tecnoburocracia administrativa nacional, que se reporta
muitas vezes directamente Comisso Europeia e sua estrutura administrativa, assim contribuindo tambm para a relativa
perda de poder dos rgos de soberania
enquanto tal (cf. Vitorino, 1994).
A conscincia das inevitveis limitaes
de soberania postuladas pela crescente integrao europeia no s no inibe como
estimula uma interveno mais activa do
Estado portugus nas instituies comunitrias, onde se vem batendo por solues
que, beneficiando a Unio Europeia no seu
conjunto, se repercutem igualmente de forma positiva no desenvolvimento da sociedade portuguesa e na salvaguarda dos interesses nacionais. Foi este o esprito que
presidiu negociao da Agenda 2000,
onde, apesar das dificuldades de uma conjuntura restritiva, foi possvel garantir a continuidade de importantes ajudas estruturais
at 2006, no mbito do III Quadro Comunitrio de Apoio. E foi este tambm o esprito
que conduziu aprovao de um novo arti37
O Estado

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Retrato de Portugal

go no Tratado da Unio sobre as regies


ultraperifricas, onde se incluem os Aores
e a Madeira, que assim passam a dispor
do direito a polticas especficas de apoio.
Do mesmo modo, tambm as preocupaes portuguesas com a luta contra o desemprego e a excluso social, com o reforo dos direitos de cidadania europeia e
com a cooperao no combate criminalidade organizada, droga e ao terrorismo
tm merecido o devido acolhimento nas instncias comunitrias e no Tratado da Unio.
Fiel sua vocao europesta, o Estado
portugus vem-se igualmente batendo pela
consolidao e operacionalidade dos mecanismos da Poltica Externa e de Segurana Comum (PESC), no mbito dos quais
assume particular relevo a instituio da
Identidade Europeia de Segurana e Defesa (IESD), futura herdeira da UEO, em articulao com a NATO. E mostrou-se, por
outro lado, empenhado no processo de
alargamento da Unio Europeia, como forma de consolidao das democracias
emergentes fora das suas actuais fronteiras e consequente diluio de focos de
tenso.
A Presidncia portuguesa da Unio Europeia no primeiro semestre do ano 2000, ao
fazer aprovar a chamada estratgia de Lisboa, deu um importante contributo para a
implementao de um modelo de desenvolvimento econmico, social e cultural capaz
de responder aos desafios da gobalizao.
Da Presidncia portuguesa no 2.o semestre
de 2007 espera-se um novo impulso para
esta estratgia, a par de novos contributos
para a superao da crise institucional vivida
pela Unio desde o fracasso do processo de
aprovao do seu tratado constitucional.

Os desafios do futuro
imediato
O Estado de direito democrtico possui hoje em Portugal uma solidez nunca antes
atingida no passado.
38
O Estado

No plano constitucional, mais do que


caminhar para novas revises, importa hoje
sobretudo potenciar as benfeitorias introduzidas na reviso de 1997 com vista ao
reforo dos mecanismos da democracia
participativa. Se o esquema de funcionamento dos rgos de soberania da democracia representativa, assente numa equilibrada repartio de competncias e num
eficaz controlo recproco de poderes, tem
provado globalmente bem, , de facto, na
esfera da utilizao dos instrumentos da
democracia participativa que se justifica
agora sobretudo apostar, at como forma
de revalorizar a democracia representativa
aos olhos do cidado comum.
O uso das novas tecnologias com vista
facilitao do exerccio do direito de voto
e ao reforo das relaes interactivas entre
os eleitos e os eleitores e entre os membros
do governo e os cidados, o estmulo ao
uso do referendo local e a recente adopo de medidas de discriminao positiva
para assegurar a igualdade dos sexos no
acesso a cargos polticos constituem-se
em outros tantos contributos para garantir a
democracia das cidads e dos cidados.
Sem esquecer, como bvio, a aposta permanente e com bons juros a prazo numa
educao para a cidadania e na extenso a
todos dos benefcios da sociedade de informao condies basilares de uma cidadania activa.
No plano da organizao administrativa
do Estado, urge combinar a reforma dos
servios perifricos da administrao central, visando uma melhor coordenao horizontal e territorial das polticas pblicas,
com o prosseguimento da descentralizao de competncias no apenas para os
municpios mas tambm para as reas
metropolitanas, no respeito do princpio
da subsidiariedade. A desburocratizao
da administrao pblica em geral e a sua
aproximao aos cidados, com a melhoria substancial dos servios prestados, so
ainda hoje imperativos urgentes e de in-

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O Estado

Uma das Lojas do Cidado, smbolo da desburocratizao da administrao pblica e da sua


aproximao aos cidados.

questionvel actualidade, apesar dos esforos que tm vindo a ser empregues e da


crescente utilizao dos recursos das tecnologias de informao, na sequncia do
recente programa Simplex.
Uma justia mais rpida e eficiente,
mais prxima e acessvel aos cidados e
com os meios adequados para combater a
corrupo e a criminalidade econmica
hoje uma exigncia generalizada da sociedade portuguesa. Mais do que dramatizar
a sua relao com os agentes polticos, importa rendibilizar ao mximo as virtualidades da orgnica instituda e conferir-lhe os
meios prticos de actuao.
No plano da defesa e da poltica externa, por ltimo, tudo indica que o Estado

portugus est no bom caminho, cada vez


mais empenhado em assumir por inteiro as
suas responsabilidades no mbito da
Unio Europeia e de outras organizaes e
alianas internacionais como o Conselho
da Europa, a Organizao para a Segurana e Cooperao Europeia (OSCE), a ONU
e a NATO. O reforo dos mecanismos democrticos de controlo dos poderes da
Unio Europeia deve, porm, merecer-lhe
uma ateno permanente. Tal como o reforo dos poderes ou mesmo a criao de
instncias internacionais de regulao da
globalizao econmica em curso. Continuar a apostar a fundo nas relaes com
os pases de lngua portuguesa tambm
um imperativo incontornvel.

39
O Estado

Sociedade

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A sociedade
O territrio
A lngua portuguesa
A comunicao social
A sociedade do conhecimento
e da informao
O desporto

A sociedade

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Joo Ferreira de Almeida


Lus Capucha
Antnio Firmino da Costa
Fernando Lus Machado
Anlia Torres

sociedade portuguesa tem sido, ao


longo das ltimas dcadas, cenrio
de intensas transformaes. Num
primeiro plano, importa destacar um conjunto de processos de fundo, de carcter
estrutural, que se manifestam em Portugal
com maior intensidade desde os anos 60.
Tais processos sociais comportando
vectores de permanncia e de mudana,
de continuidade ou de inflexo de tendncias, em combinaes por vezes surpreendentes influram de maneira decisiva, se
bem que mais subterrnea e gradual do
que imediatamente aparente, quer no
desencadeamento, em 1974, da ruptura
poltica com o longo perodo anterior de regime ditatorial, quer na subsequente modernizao das instituies e da economia,
dos valores culturais e dos estilos de vida.
Tudo aponta para que o futuro prximo
continue a ser fortemente marcado por esse conjunto de processos estruturais.
Em simultneo, noutro plano, sobressaem as mudanas mais directamente reportveis aco colectiva, as quais influenciaram, por sua vez, com impactes variveis,
aquelas transformaes estruturais, acentuando-as, esbatendo-as ou reorientando-as, numa sequncia que foi pontuando, de
forma saliente, a vida social do pas. So disso exemplos notveis as aces polticas e
os movimentos sociais que presidiram ao referido derrube da ditadura e, em seguida,
consolidao das instituies democrticas,
na segunda metade dos anos 70. So-no,
igualmente, as orientaes estratgicas que,
a nvel poltico, levaram integrao na Europa comunitria, desde meados dos anos

80, e s etapas sucessivas de participao


portuguesa no processo de construo da
Unio Europeia (UE).
Incluem-se aqui, tambm, polticas pblicas com incidncia econmica, social e
cultural extremamente significativa, mesmo
que de sentido varivel ao longo do perodo em anlise, como as nacionalizaes
das grandes empresas, na dcada de 70,
e a sua posterior privatizao, gradualmente em curso a partir da segunda metade
dos anos 80. Assinalem-se tambm as polticas de modernizao de infra-estruturas e
liberalizao gradual da economia, na primeira parte da dcada de 90, e as de integrao no espao da moeda europeia, desenvolvidas desde a segunda parte da
dcada de 90 e culminando com a entrada
em circulao do euro em 2002.
Noutros domnios, mas com idntica relevncia, pode destacar-se a crescente
prioridade poltica atribuda aos processos
de qualificao escolar, profissional e cientfica da populao; ou a promoo de
aces emblemticas de revalorizao da
visibilidade cultural do pas no palco internacional, como foi o caso da Exposio
Mundial de Lisboa (Expo 98); ou as polticas de solidariedade social como as que,
em particular na segunda metade dos anos
90, tomaram como objecto o combate s
formas tradicionais e novas de pobreza e
excluso social. So ainda de referir, a nvel da UE, a contribuio portuguesa para
o lanamento, na viragem do milnio, da
agenda de Lisboa, focada na procura de
maior competitividade europeia no quadro
do processo de globalizao, e, a nvel na43
Sociedade

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Retrato de Portugal

O Pavilho da Utopia, palco de inmeros espectculos e uma das principais atraces durante
a Expo 98, agora designado Pavilho Atlntico.

cional, as recentes polticas de equilbrio


das contas pblicas e de racionalizao do
Estado, bem como medidas no sentido da
mudana de paradigma tecnolgico na
economia polticas estas que assentam,
tanto as de mbito internacional como as
de mbito nacional, na prioridade ao conhecimento e inovao.
A respeito de todo este conjunto de aspectos, relativos sociedade portuguesa
tal como ela se tem vindo a configurar e
tende a projectar-se no futuro imediato, interessa relembrar um conjunto suficientemente elucidativo de elementos informativos e analticos, se bem que em registo
condensado.

Evolues demogrficas
e recomposies sociais
Os processos de recomposio social pelos
quais a populao portuguesa tem vindo a
passar desdobram-se em diversas dimen44
Sociedade

ses, nomeadamente demogrficas, geogrficas, educativas e socioprofissionais.


Em cada um desses aspectos podem observar-se dinmicas especficas; mas mais
importantes ainda so as convergncias e
as tenses que se estabelecem entre elas,
assim como as articulaes recprocas e os
efeitos que vo tendo umas nas outras, quer
nas vertentes que decorrem acentuadamente do contexto internacional (em particular, do espao europeu), quer nas vertentes em que prevalecem especificidades
nacionais (Almeida, Costa e Machado,
1994; Machado e Costa, 1998; Costa, Mauritti, Martins, Machado e Almeida, 2002).
Nos anos 60, a populao portuguesa
era ainda em grande medida rural e trabalhava em formas de agricultura tradicional,
quer de assalariamento precrio, muito em
especial nos latifndios do Sul, quer de pequeno campesinato proprietrio ou rendeiro, predominante nas regies do Centro e
do Norte. Verificavam-se ento altas taxas

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A sociedade

de natalidade e um perfil demogrfico caracterizado por uma pirmide etria de base larga e topo afilado. As condies de vida muito difceis, s quais na altura se
vinha ainda somar o recrutamento militar
em massa dos jovens do sexo masculino,
enviados pelo regime de ento para as foras armadas da Guerra Colonial, tudo foi
contribuindo para que essa populao se
envolvesse em intensos movimentos migratrios. Procurava, assim, vias de acesso a
vida melhor, quer na emigrao para a Europa mais desenvolvida sobretudo para
Frana e para a Alemanha , quer nas migraes internas para as principais cidades, muito em especial para as reas em
industrializao de Lisboa e do Porto.
A obteno de emprego na indstria ou
nos servios pessoais, por um lado, e o
acesso maior escolarizao dos filhos,
por outro, foram dois dos vectores dinamizadores, ou, pelo menos, duas das consequncias decisivas destes movimentos populacionais. Com elas veio a insero em
modos de vida urbanos e o comeo de outros processos fundamentais: uma significativa mudana dos valores sociais prevalecentes e dos comportamentos a eles
associados, bem como alteraes globais
de tendncias, envolvendo o decrscimo
da natalidade e a diminuio da dimenso
dos agregados domsticos, com as respectivas implicaes sociodemogrficas e
socioculturais, ou ainda a acelerao sem
precedentes da concentrao da populao numa estreita faixa urbanizada do litoral do pas, com a correspondente desertificao gradual do resto do territrio.
Alguns destes processos esto em curso at hoje. Outros sofreram inflexes.
Quanto evoluo da estrutura demogrfica, a tendncia de fundo para um
progressivo duplo envelhecimento da populao, na base e no topo, ou seja,
para a diminuio da proporo de jovens
e para o aumento da taxa de idosos (ver
quadro da p. 47).

As consequncias so multifacetadas
tal como j anteriormente tinha acontecido, ou est em plena manifestao, de um
modo mais geral, no conjunto dos pases
europeus , em aspectos como os das
mudanas nos padres de consumo, nos
sistemas de valores ou nas relaes intergeracionais, ou ainda como os das implicaes nas polticas de educao, de segurana e de assistncia social. Voltar-se-,
adiante, a algumas destas questes.
Pelo seu lado, a evoluo oscilante do
peso relativo da faixa intermdia dos adultos primeiro decrescente, depois em
crescimento acentuado e, mais recentemente, em quase estacionaridade s se
compreende tendo em conta a conjugao
das tendncias continuadas para a diminuio das taxas de natalidade e de mortalidade com os movimentos migratrios globais. Na dcada de 60 e na primeira
metade da dcada de 70, aos fluxos emigratrios de intensidade mxima sucede
um abrandamento a que se articula, na segunda metade da dcada de 70, o regresso de parte dos emigrantes europeus e, sobretudo, o retorno de muitos dos antigos
residentes nas ex-colnias, depois do derrube da ditadura e da sua institucionalizao como pases independentes.
A partir da dcada de 80 aumenta o volume
da recepo a imigrados, em particular provenientes desses novos pases africanos.
Progressivamente, vai-se-lhes juntando um
forte contingente de brasileiros e de imigrados vindos de pases do Leste europeu.
No plano geogrfico, a progressiva desertificao do interior rural continua a
acentuar-se, acompanhada da concentrao da populao na faixa litoral urbana,
muito em especial nas reas metropolitanas de Lisboa e do Porto, ou, mais recentemente, tambm em algumas cidades prximas daquelas (Setbal, Leiria, Aveiro,
Braga) e na regio turstica do Algarve. Estas assimetrias regionais so, alis, fonte
de importantes problemas de desenvolvi45
Sociedade

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Retrato de Portugal

mento e de qualidade de vida, se bem que,


em certo sentido, de ordem diametralmente oposta, consoante estejam em causa as
regies em abandono ou, pelo contrrio,
aquelas em que a populao se aglomerou
rapidamente, muitas vezes sem estruturas
urbanas adequadas e sem o planeamento
territorial necessrio.
A respeito dos perfis de qualificao escolar da populao, a sociedade portuguesa
apresenta tambm uma dupla face: melhorias rpidas, a partir de situaes muito atrasadas relativamente recentes, por um lado
(ver quadro da p. 47); mas tambm fortssimo dfice, comparativamente com as situaes correntes nos pases da UE, por outro.
A taxa de analfabetismo ainda hoje se
aproxima dos 10 %, colocando o pas, deste ponto de vista, em situao semelhante
quela em que se encontravam algumas
das regies mais avanadas da Europa h
um sculo atrs. A avaliao seria no entanto incompleta e unilateral se no se registassem, igualmente, numa perspectiva
histrica, as mudanas significativas que
se operaram neste domnio. Bastar recordar que, nos anos 60, a taxa de analfabetismo atingia valores de mais de 30 % e
60 % da populao no atingia sequer o
4.o ano de escolaridade. A diminuio do

analfabetismo faz parte, de resto, de um


movimento de escolarizao da populao
portuguesa que, vindo de trs, s depois
de 1974 se generalizou a todo o pas e a todas as camadas sociais. j com o regime
democrtico que a escolaridade obrigatria universal se fixa, primeiro, em seis anos,
e, mais recentemente, em nove anos.
Tambm quanto ao ensino secundrio e
ao ensino superior, ainda hoje a situao ,
comparativamente, muito atrasada. Na populao portuguesa dos 25 aos 64 anos,
perto de 75 % completou, no mximo, o ensino bsico (nove anos de escolaridade).
As fraces que possuem uma formao
de nvel secundrio e de nvel superior
pouco ultrapassam, para cada um desses
graus, os 12 por cento. Ora a mdia da Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE), para esses
dois nveis de escolaridade, j passava dos
40 % e 20 %, respectivamente, no incio
dos anos 2000. E bastantes pases da UE
ultrapassavam muito estes valores.
Mas tambm aqui a progresso foi significativa ao longo das dcadas anteriores
e, sobretudo, nos tempos mais recentes.
Em 1970 a percentagem dos portugueses
entre os 25 e os 64 anos com um diploma
do ensino superior no ultrapassava signifi-

Antigos terraos de cultivo abandonados, reflexo da desertificao das regies rurais.

46
Sociedade

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A sociedade

Evolues demogrficas e recomposies sociais


Indicadores (%)

1960

1970

1981

1991

2001

Populao de 0-14 anos


Populao de 15-64 anos
Populao de 65 e + anos

29,2
62,8
8,0

28,4
61,9
9,7

25,5
63,1
11,4

20,6
66,0
13,4

16,0
67,6
16,4

Taxa de analfabetismo

33,1

25,6

18,6

11,0

9,0

3,9
3,3
92,8

6,4
5,5
88,1

12,8
12,7
74,5

Estudantes na populao dos 20-24 anos


Estudantes do sexo feminino no ensino superior

1,7
29,5

3,5
43,6

5,8
45,0

11,8
55,0

23,9
55,2

Taxa de actividade global


Taxa de actividade masculina
Taxa de actividade feminina

37,5
63,8
13,0

39,4
62,1
19,0

42,5
53,3
29,0

44,6
54,3
35,5

48,2
54,8
42,0

Populao activa no sector primrio


Populao activa no sector secundrio
Populao activa no sector tercirio

43,6
28,9
27,5

31,7
32,3
36,0

19,7
38,7
41,6

11,2
37,4
51,4

5,0
35,1
59,9

Empresrios, dirigentes e profissionais liberais


Profissionais tcnicos e de enquadramento
Trabalhadores independentes
Agricultores independentes
Empregados executantes
Operrios industriais
Assalariados agrcolas

6,0
2,6
3,8
14,1
14,6
30,6
28,3

3,0
4,9
7,3
15,2
19,4
34,0
16,2

4,4
7,9
7,2
11,3
26,0
36,0
7,2

8,5
11,7
8,5
6,2
27,1
34,3
3,7

11,9
16,7
4,8
2,2
32,3
30,3
1,8

Populao de 25-64 anos com o ensino superior


Populao de 25-64 anos com o ensino secundrio
Populao de 25-64 anos com menos escolaridade

Fontes: INE, Censos; OCTES.

cativamente um ponto percentual, apesar


de ter aumentado bastante desde 1960.
A partir da, o crescimento tem sido bastante acentuado. No incio do sculo XXI, passou-se dos 10 %. O que vai a par do facto
de Portugal ser o pas da UE em que, ultimamente, o nmero de estudantes do ensino superior tem tido uma taxa de aumento
mais elevada. Se em 1960 a fraco de estudantes na populao entre 20 e 24 anos
era de 1,7 %, em 2001 atingia j 23,9 %,
menos do que um quarto da populao
dessa faixa etria, mas muito acima do que
acontecia poucos anos antes.
A diferena entre os actuais perfis de
escolaridade da populao e os dos respectivos pais , assim, muito grande. Os
efeitos de recomposio social implicados
neste processo so altamente significativos, quanto s distribuies de qualificaes escolares, em si mesmas, e quanto
s suas repercusses em planos como os
das ocupaes profissionais, dos estilos

de vida, dos status sociais e dos padres


culturais.
Em todo o caso, apesar do crescimento
dos nveis de escolarizao, a distncia
gritante e persistente em relao s mdias
dos pases da UE ou da OCDE, ou mesmo
um certo atraso a este respeito comparativamente com os pases europeus com nveis de desenvolvimento mais prximos
que tambm vo subindo, uns e outros, os
seus padres de formao escolar , coloca ao futuro de curto e, sobretudo, de
mdio prazo questes srias de qualificao, de empregabilidade e de competitividade, de modernizao e desenvolvimento, a solicitar investimentos profundos e
alargados neste domnio.
Um dado revelador de outra faceta destas dinmicas o da proporo crescente
de mulheres no ensino, e, o que particularmente significativo, no ensino superior.
Actualmente, a populao jovem a frequentar as universidades, e aquela que obtm
47
Sociedade

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Retrato de Portugal

diplomas universitrios, , em maioria muito


relevante, do sexo feminino. Esta preponderncia foi ganha em poucos anos. Coexistem, na populao portuguesa, escales
etrios mais novos em que as mulheres so
mais escolarizadas do que os homens e escales mais idosos em que o dfice de escolarizao superior nas mulheres. Por
exemplo, a grande maioria dos analfabetos
acima referidos so mulheres idosas.
Isto indicia que os processos de recomposio social tm sido ainda mais rpidos
na parte feminina da populao do que na
parte masculina. A par das mudanas no
domnio da fecundidade e na esfera conjugal, analisadas um pouco mais frente, o
estatuto social das mulheres tem sofrido
grandes alteraes, podendo mesmo dizer-se que este constitui um dos principais
vectores de transformao da sociedade
portuguesa contempornea. Para isso tm
contribudo, de maneira destacada, as referidas recomposies socioeducacionais,
assim como outras, no menos marcantes,
de ordem socioprofissional.
Neste ltimo plano das recomposies
sociais destacam-se trs linhas principais
de transformao estrutural, alis claramente interligadas entre si e com as dinmicas
acima identificadas (ver quadro da p. 47).
Uma dessas tendncias pesadas tem a
ver, precisamente, com a entrada em fora
das mulheres na esfera profissional e com
a feminizao da populao activa. Nas
dcadas consideradas, a taxa de actividade profissional feminina mais do que triplicou. Hoje em dia j se aproxima bastante
da taxa de actividade masculina, sobretudo nas faixas etrias mais jovens. Entre as
razes de tal evoluo contam-se os processos de emigrao e mobilizao militar
dos anos 60 e primeira metade de 70, protagonizados sobretudo pelo sexo masculino (pelo menos nas primeiras fases, quanto
emigrao), solicitando maior envolvimento feminino na esfera profissional. Contam-se, tambm, mais recentemente, quer
48
Sociedade

necessidades prementes de responder a


constrangimentos econmicos bsicos perante padres de consumo em mutao,
quer dinmicas socioculturais de procura
de autonomia e emancipao pessoais por
parte das mulheres. Tudo isso foi facilitado,
ainda, pelas tendncias positivas de escolarizao feminina j assinaladas.
No entanto, seja qual for a ponderao
das causas, o que parece indiscutvel o
alcance dos efeitos desta tendncia na reconfigurao do panorama social do pas
e na especificidade das respectivas dinmicas de modernizao. Importa referir,
alis, que a taxa de actividade feminina
em Portugal se aproxima muito mais das
que na UE atingem nveis elevados, em
pases como a Sucia, a Dinamarca, a Finlndia ou o Reino Unido, do que das muito
mais baixas prevalecentes em pases como a Espanha, a Itlia ou a Grcia, com
outras maiores proximidades em termos
socioeconmicos e socioculturais.
Outra tendncia de fundo, esta respeitante ao peso relativo dos sectores de actividade econmica, traduz-se principalmente no decrscimo acentuado da populao
activa no sector primrio e, ao inverso, na
terciarizao acentuada do emprego. Em
1960, quase metade da populao activa
trabalhava ainda no sector primrio. A quebra foi rpida a partir da, mantendo-se no
entanto um conjunto de populaes ligadas actividade agrcola, boa parte delas,
alis, em situao defensiva perante as dificuldades de emprego noutros sectores
ou, ainda, em muitos casos, recorrendo a
formas de pluriactividade, perante as necessidades de complementar remuneraes baixas ou penses de reforma ainda
mais escassas. O emprego no sector secundrio, aps um processo de crescimento considervel, acompanhando o processo de industrializao, nomeadamente da
industrializao intensiva em mo-de-obra,
nos anos 60 e 70, estagna nos anos 80 e
tem vindo a decair, embora em ritmo mais

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% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade

lento do que o da mdia da UE. O crescimento do tercirio intensifica-se dos anos


70 at actualidade. Para tal contriburam
a expanso dos servios do Estado-providncia, em desenvolvimento aps o 25 de
Abril de 1974 (nomeadamente os servios
de educao, de sade e de segurana
social), a modernizao de alguns sectores
empresariais e dos servios prestados s
empresas e, ainda, o alastramento de diversos tipos de servios pessoais, respondendo aos novos estilos de vida urbanos.
Uma terceira faceta destas transformaes claramente revelada pelas sucessivas fases de recomposio da estrutura de
classes sociais, tal como indiciada pelas
principais categorias socioprofissionais pelas quais se distribui a populao activa.
O declnio rpido das categorias ligadas agricultura manifesta-se de forma
muito mais acentuada nos assalariados
agrcolas do que nos pequenos agricultores independentes. Quanto aos trabalhadores independentes dos servios, comrcio,
oficinas e artesanato, depois de uma duplicao do seu peso relativo entre 60 e 70,
conheceram uma relativa estabilizao, e
depois uma descida significativa, acompanhadas de processos de recomposio interna. Coexistem neles dois segmentos
principais: um, correspondendo matriz
tradicional do trabalho independente, um
segmento pouco escolarizado e envelhecido; o outro, inversamente, mais jovem e
mais escolarizado, acompanha as tendncias de modernizao social, econmica e
tecnolgica, respondendo a novas oportunidades de mercado, nomeadamente no
campo cada vez mais diversificado da
prestao de servios.
Relativamente aos assalariados de base, observam-se dois processos distintos.
Os operrios industriais, depois de atingirem o mximo valor percentual no comeo
da dcada de 80, parecem ter entrado
num processo lento, mas provavelmente
irreversvel, atendendo s tendncias de

inovao tecnolgica e de relocalizao


industrial a nvel planetrio, de uma certa
retraco do seu peso relativo. Pelo contrrio, os empregados executantes dos escritrios, comrcio e servios tm agora
mais do dobro da expresso percentual
que tinham nos anos 60. O contraste tem
tambm outras manifestaes, muito em
especial o facto de o operariado ser maioritariamente masculino, enquanto os empregos executantes de base nos escritrios, comrcio e servios tendem a ser
cada vez mais preenchidos por mulheres,
j neles maioritrias pelo menos desde o
incio dos anos 80.
Por fim, no que respeita s duas categorias que ocupam lugares mais elevados
na estrutura de classes, registam-se acrscimos importantes de valor absoluto e peso
relativo. Do lado dos empresrios, dirigentes
e profissionais liberais, o maior acrscimo
vem, primeiro, da expanso das pequenas
e mdias empresas no tecido econmico
portugus e, mais recentemente, do acrscimo de dirigentes organizacionais e profissionais liberais. uma categoria social
com presena feminina fraca, sobretudo
nos empresrios e dirigentes. Quanto s
novas classes mdias assalariadas dos
profissionais tcnicos e de enquadramento, com insero predominantemente urbana e nveis mdios ou superiores de formao escolar, qualificao profissional e
posio organizacional, so a categoria
com taxas de crescimento mais elevadas
no perodo considerado, e uma das mais
feminizadas.
Pode falar-se, pois, de protagonismos
sociais contrastantes, indiciando a predominncia de lgicas distintas na constituio das duas categorias sociais que usufruem de maiores recursos e influncia na
sociedade portuguesa actual. A actividade
empresarial, por um lado, e a formao universitria, por outro, so as vias institucionais privilegiadas, mas em grande parte
dissociadas, que tm levado ao aumento
49
Sociedade

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Retrato de Portugal

do nmero e do peso relativo destas duas


categorias sociais. So, por isso, tambm,
as duas vias responsveis por grande parte dos fluxos de mobilidade social ascendente que ocorreram em Portugal nestas
ltimas dcadas.

Estruturas familiares
e situao das mulheres
Em Portugal, nos ltimos trinta a quarenta
anos, tal como aconteceu nos restantes pases da UE e na maioria dos pases ocidentais, verificaram-se mudanas significativas
nos indicadores demogrficos referentes
aos comportamentos familiares: desceram
as taxas de natalidade e da nupcialidade,
diminuiu a dimenso mdia dos grupos domsticos e a percentagem de famlias complexas; em contrapartida, aumentou a taxa
de divrcio, subiram os nascimentos fora do
casamento, aumentaram os agregados de
pessoas ss (ver quadro da p. 51). A par
destas transformaes, a subida da taxa de
actividade feminina e, sobretudo, a crescente participao de mes com filhos pequenos no mercado de trabalho, com bvios impactes directos na vida familiar, foi
tambm extremamente ntida.
A configurao resultante dos indicadores referidos permite reconhecer, em termos gerais, que Portugal acompanhou os
outros pases europeus no sentido global
das transformaes ocorridas, mas no
deixa de manter alguma especificidade dado que partiu para o mesmo movimento
de patamares diferentes e conheceu ritmos
de transformao eles prprios particulares. Antes ainda de situar comparativamente Portugal no contexto internacional, vale a
pena, de forma genrica, caracterizar as
mudanas referidas.
Porque descem a natalidade e a nupcialidade? Porque aumentam o divrcio e os
nascimentos fora do casamento? Porque
crescente o nmero de mulheres que trabalha fora de casa e se quer manter nessa si50
Sociedade

tuao? A resposta a estas perguntas, bem


como o alcance e o sentido das transformaes ocorridas, mais claramente perceptvel quando se procura interpretar de forma
conjugada as oscilaes dos referidos indicadores com valores e opinies a respeito
da famlia. O que resulta desta anlise cruzada que se est em presena de uma
valorizao especfica da vida familiar.
Na verdade, sempre que em inquritos
sobre valores se confrontaram os Portugueses e, de resto, os Europeus, com
questes relativas importncia da vida familiar ou do casamento, as respostas foram
inequvocas. A vida afectiva e familiar
sempre considerada da mxima importncia para a felicidade pessoal (Almeida e
Guerreiro, 1993; Torres, Mendes e Lapa,
2006). Abordagens mais qualitativas permitiram ainda salientar que se sobrevalorizam
os aspectos de maior flexibilidade e plasticidade das formas familiares, se d mais
ateno ao contedo relacional do que aos
aspectos formais e institucionais, o que poder contribuir para explicar quer a descida da nupcialidade, quer os nascimentos
fora do casamento e o aumento do divrcio
(Torres, 1996; 2002). Insiste-se numa viso
mais igualitria da relao entre cnjuges e
nessa lgica a actividade feminina no exterior vista tambm como propiciadora de
maior autonomia das mulheres. Reduz-se o
nmero de filhos esperando-se da relao
fortes gratificaes emocionais, valorizando-se ainda o respeito pela vontade prpria dos descendentes, com esbatimento
dos procedimentos e das lgicas autoritrias. Nas relaes de interajuda entre geraes, tende a sublinhar-se idealmente a dimenso afectiva em detrimento da lgica
da prestao de servios. A viso laica e
secular do casamento sobrepe-se perspectiva sacramental na generalidade dos
pases europeus (Ester, Halman e De Moor,
1994) e, embora o casamento catlico tenha descido, mais significativa do que essa
descida parece ser a tendncia para o en-

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A sociedade

carar numa perspectiva ritualista e pragmtica (Almeida et al., 1998; Torres, 2002).
Numa palavra, e ao contrrio do que numa
primeira fase de surgimento destas mudanas se pretendeu fazer crer com a ideia de
crise da famlia, o que declinou foram apenas as configuraes familiares e os valores de carcter mais tradicionalista.
So estas tendncias gerais no plano
dos valores que contribuem para explicar a
transformao dos indicadores demogrficos que se verificou em toda a Europa. Mas
se o movimento foi na mesma direco, os
pases partiram de diferentes patamares.
O indicador demogrfico em maior convergncia em toda a UE provavelmente o ndice sinttico de fecundidade, ou a descendncia mdia, j que se situa sempre abaixo
da reposio das geraes. Contudo, mesmo aqui se verificam variaes sensveis, registando os pases nrdicos valores para os
ndices sintticos de fecundidade acima dos
pases da Europa do Sul.
Que especificidades apresenta Portugal, nos aspectos focados, em relao aos
outros pases europeus? Como nos distinguimos? Em que nos aproximamos? Em
Portugal, tal como no resto da Europa do

Sul, a entrada na vida conjugal faz-se pelo


casamento e no pela coabitao, sendo
por isso a nupcialidade mais alta e menores os valores dos que vivem em unio de
facto, por referncia aos pases da Europa
do Centro e do Norte. No Sul, temos maior
nmero de famlias complexas e menos
pessoas a viver ss.
Distinguimo-nos, porm, dos outros pases do Sul em diversos indicadores. Os valores do divrcio e os dos nascimentos fora
do casamento, apesar de serem mais baixos do que na Europa do Centro e do Norte,
so mais elevados do que na Itlia, na Espanha e na Grcia. Quanto taxa de actividade feminina, tal como em relao a outro
conjunto de indicadores referentes situao das mulheres, que referiremos adiante,
estamos mais prximos dos pases nrdicos
do que dos da Europa do Centro e muito
mais distantes da Europa do Sul.
Diversos factores podem explicar estas
especificidades. Portugal tinha ainda no
incio dos anos 60, como se viu, uma estrutura social marcadamente tradicional,
com fortes assimetrias sociais, grande peso da agricultura, indstria pouco modernizada, servios incipientes ligados a lgi-

Evoluo dos indicadores demogrficos relativos famlia (1960-2004)


1960

1970

1981

1991

1999

2004

ndice sinttico de fecundidade1

3,2

3,0

2,1

1,6

1,5

1,4

Taxa bruta de nupcialidade2

7,8

9,4

7,8

7,3

6,9

4,7

0,1

0,1

0,7

1,1

1,8

2,2

Taxa de

divrcio3

Casamentos catlicos

90,7

86,6

74,6

72,0

66,4

57,1

Nascimentos fora do casamento4

9,5

7,3

9,5

15,6

20,8

29,1

Dimenso mdia dos grupos familiares

3,8

3,7

3,4

3,1

2,8*

Agregados domsticos de pessoas ss

11,5

12,9

15,5

15,4

13,9

10,4

Agregados domsticos de famlias

complexas5

2,8**

Nmero de filhos por mulher em idade fecunda 15/49 anos; 2 Casamentos 1000/pop. mdia; 3 Divrcios 1000/
/pop. mdia; 4 Total de nados-vivos nascidos fora do casamento por 100 nados-vivos; 5 Os critrios para a definio deste tipo de famlias pode ser encontrado em Almeida, Guerreiro, Lobo, Torres e Wall (1998: 49).
* Recenseamento de 1991.
**Recenseamento de 2001.
Fontes: INE, Estatsticas Demogrficas, 2004; recenseamentos da populao de 1981, 1991 e 2001; Almeida,
Costa e Machado, 1994; Torres, 1996; Almeida, Guerreiro, Lobo, Torres e Wall, 1998; Aboim, 2003.

51
Sociedade

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Retrato de Portugal

que a que mais se casa, menos se coabita, menos filhos h fora do casamento,
mais se pratica o casamento catlico e menores so os valores do divrcio. Em Lisboa e Vale do Tejo, bem como no Algarve e
um pouco menos no Alentejo, so sempre
mais elevados do que no Norte e Centro os
valores que apontam para perspectivas
menos tradicionalistas.
Apesar de estas serem diferenas que
permanecem ao longo das ltimas dcadas, a verdade que o sentido global das
transformaes o mesmo. Isto , tambm
no Norte e no Centro tendem a descer indicadores como o casamento catlico, a
nupcialidade e a natalidade, e a subir os
nascimentos fora do casamento e o divrcio. Os valores so porm consistentemente inferiores aos das regies do Sul, com
excepo, para alguns deles, da regio do
Grande Porto.
Estas diferenas no impedem a notvel convergncia de opinies que se verifica a nvel nacional quando analisamos as
respostas a inquritos sobre a famlia, a
conjugalidade, o divrcio e outros aspec-

cas tradicionais, uma populao com


baixos nveis de formao escolar. So lgicas sociais que tendem a valorizar uma
perspectiva mais tradicionalista da famlia.
As mudanas entretanto ocorridas no plano econmico e social, o crescimento das
chamadas classes mdias e, mais tarde, a
abertura no plano das liberdades e das
ideias permitida pelo 25 de Abril de 1974
tiveram impacte nas prticas e nos valores
referentes famlia. Podemos falar assim
de uma convergncia, ainda que tardia e
relativa, com os restantes pases europeus. Mantm-se algumas especificidades, num processo a que se chamou de
modernidade inacabada (Machado e
Costa, 1998).
No prprio cenrio nacional podemos
encontrar diferenas significativas nos indicadores demogrficos que temos vindo a
referir. As regies do Norte e do Centro
apresentam, de forma consistente, diferenas em relao s de Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve (ver quadro abaixo).
Tudo indica que no Norte e no Centro
se tende a valorizar mais as instituies, j

Indicadores demogrficos por regies (2004)


Taxa bruta
de divrcio

Taxa bruta
de
natalidade

29,1

4,7

2,2

10,4

3,7

4,6

2,2

10,3

2,1

19,5

5,2

1,9

10,2

60,7

2,8

24,2

4,6

2,0

9,2

Lisboa e Vale
do Tejo

47,2

6,1

41,4

4,3

2,7

11,5

Alentejo

49,4

4,7

34,7

3,8

1,8

9,2

Algarve

37,6

7,3

45,8

3,9

2,4

11,7

R. A. Aores

23,7

1,9

20,4

6,2

2,6

12,5

R. A. Madeira

38,6

2,3

25,2

6,0

2,5

12,2

NUTS II

Nados-vivos Taxa bruta


de
fora do
casamento nupcialidade

Casamentos
catlicos

Em unio
de facto*

Portugal

57,1

3,7

Continente

58,8

Norte

68,0

Centro

* Proporo de indivduos que declararam viver em unio de facto no recenseamento de 2001.


Fontes: Estatsticas Demogrficas, 2004; recenseamento da populao de 2001; Carrilho, 2004.

52
Sociedade

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A sociedade

tos relacionados como, por exemplo, a simetria entre homens e mulheres na famlia
e no trabalho. possvel que mais do que
serem modernos, muitos portugueses gostem da ideia da modernidade, deixando
claramente para trs as prticas correspondentes. Por exemplo, em relao diviso das tarefas domsticas e dos cuidados
com os filhos, os homens portugueses esto entre aqueles que menos nelas participam com as mulheres mas so, simultaneamente, dos que mais consideram que
estas podem e devem trabalhar fora de casa em paridade com os homens.
E quanto situao das mulheres? Como se viu atrs, a evoluo da participao
das mulheres no mercado de emprego
muito significativa em Portugal (ver quadro
da p. 47). Comparando os dados do recenseamento de 1981 com os de 2001 conclui-se pela existncia de mais 900 000
mulheres com actividade econmica em
2001 havendo, em contrapartida, apenas
mais 90 000 homens do que h vinte anos
atrs (Torres, 2004). Esta espectacular progresso feminina no mercado de trabalho
traduz-se na presena muito significativa
de mulheres em vrias categorias socioprofissionais, das menos qualificadas s
mais qualificadas1. Quanto s ltimas, de
resto, verifica-se que h mesmo hoje mais
mulheres quadros mdios e superiores do
que homens2. No pode no entanto deixar
de se sublinhar, em simultneo, a forte concentrao de mulheres em sectores de menor qualificao.
Esta grande proximidade entre os sexos
quanto presena no mercado de trabalho
1 Os nmeros absolutos so concludentes: em 1981
havia 2 649 000 homens activos passando em 2001
para 2 742 000, enquanto as mulheres activas eram
1 377 000 em 1981 e passam para 2 248 000 em 2001.
2 Quanto aos quadros mdios e superiores em 2001
as mulheres constituam um contingente de 456 140,
enquanto os homens atingiam os 450 180. Desagregando as categorias chega-se concluso de que
esta diferena no se alimenta fundamentalmente
dos quadros mdios mas, sobretudo, dos quadros
superiores e dos grupos profissionais mais qualificados (Torres, 2004).

traduz-se no facto de a diferena entre homens e mulheres perante a actividade econmica, o que habitualmente se designa
por segregao ocupacional, ser das menores da Europa a 15 e a 25. Portugal aproxima-se aqui, novamente, dos pases nrdicos e agora tambm de alguns dos
parceiros europeus mais recentes da Europa a 25. Em 2004, a diferena quanto
participao directa na actividade econmica entre homens e mulheres na Sucia,
na Finlndia e na Dinamarca situava-se
sempre abaixo ou na zona dos 10 %
(7,7 %, 9 % e 10 %, respectivamente) e em
Portugal subia para 15 %, tal como na Hungria, e para um pouco menos (14 %) na Estnia. Mas tais diferenas em pases como
a Espanha, Itlia ou Grcia atingiam nos
trs pases do Sul os 23 %.
claro que as distines entre homens
e mulheres perante o mercado de trabalho
no se resumem proporo quantitativa
das respectivas participaes. A discriminao feminina no emprego est relacionada com a insero das mulheres em certas
actividades e ocupaes, em geral menos
qualificadas, e em sectores de actividade
globalmente mais mal remunerados. Mesmo
quando ocupam lugares mais qualificados
tendem a no ocupar os lugares de topo
dessas carreiras, pelo efeito que se tem
chamado de tecto de vidro. A esta discriminao esto associados factores ideolgicos, como aqueles que contribuem para
que se atribua s mulheres, mesmo quando
trabalham fora de casa, situao da grande
maioria, o essencial das responsabilidades
familiares. Assim, as diferenas de remunerao entre os sexos, embora se tenham esbatido sobretudo a partir dos anos 80, so
ainda significativas. No caso portugus as
mulheres, em 1994, ganhavam apenas cerca de 72,6 % do salrio dos homens em
profisses manuais e 70,1 % em profisses
no manuais. Em 2000, as mulheres tinham
remuneraes base que eram apenas
77,6 % das masculinas, assinalando assim
53
Sociedade

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Retrato de Portugal

uma fraca progresso3. Dados de inquritos nacionais revelam tambm que mesmo
para nveis de escolaridade semelhantes
(ensino bsico e secundrio) os homens,
em termos de remunerao mdia lquida
mensal, situam-se no escalo de rendimento imediatamente acima do das mulheres,
auferindo entre 375 e 750 euros, enquanto
a maioria destas se concentra no grupo de
rendimentos at aos 375 euros4 (Torres et
al., 2004). Comparando a nossa realidade
com a de outros pases da Europa quanto
s diferenas salariais entre homens e mulheres verificamos que em 2000 a nossa diferena se situava, como j se referiu, nos
22,4 % mas esse valor era inferior na Hungria (19,5 %), na Espanha (18,5 %), na Finlndia (17,8 %), na Frana (16,4 %) e na
Noruega (14,5 %)5.
A particularidade mais relevante da fora de trabalho feminina portuguesa em relao s congneres europeias, em todo o
caso, o facto de o trabalho ser basicamente a tempo completo e o facto de as
mes com filhos pequenos no abandonarem a actividade laboral. Portugal era assim o pas da UE a 15 em que as mes de
filhos pequenos e as mulheres de forma
global trabalhavam mais horas. Trata-se de
uma situao que, como existem fracos
apoios em termos de equipamentos pblicos e cada vez menos se pode contar com
o recurso aos familiares para tomar em permanncia conta das crianas, se traduz em
sobrecarga financeira para as famlias ou
em ms solues socioeducativas, como
se conclui em estudos recentes (Torres e
3

Cf. INE, Perfil Gnero, www.ine.pt.


O inqurito a que estes dados se referem foi realizado em 1999 e aplicado a uma amostra representativa de homens e mulheres entre os 20 e os 50 anos
ao nvel nacional (continente). Trata-se, por isso, de
uma amostra da populao jovem com uma mdia
de idades de 37 anos (Torres et al., 2004). O que,
associado ao facto j conhecido da nossa baixssima escolaridade mdia, contribui de certo para explicar que estes valores quanto ao rendimento lquido mensal sejam to baixos.
5 Cf. United Nations Economic Commission for Europe, www.unece.org.
4

54
Sociedade

Silva, 1998; Torres et al., 2004). Os grupos


domsticos com menos recursos econmicos so tambm aqueles que com menos
ajudas podem contar, o que, evidentemente, agrava os respectivos problemas.
Outros resultados de pesquisa tm
mostrado que, parecendo indispensvel a
participao das mulheres na actividade
econmica para o equilbrio mnimo dos oramentos familiares, devido tambm aos
baixos salrios dos homens em Portugal,
no so apenas razes de natureza financeira que explicam a nossa taxa de actividade feminina elevada. O trabalho profissional constitui igualmente um elemento
muito importante no plano da identidade
social das mulheres, as quais afirmam que
ele lhes confere mais autonomia e auto-estima (Torres, 2004; Torres, Mendes e Lapa, 2006). No entanto, as horas ocupadas
no trabalho pago associadas a uma diviso
muito desigual do trabalho no pago as
tarefas domsticas e os cuidados com os
filhos , num quadro de escassos apoios
institucionais, significam inevitavelmente
sobrecarga de trabalho para as mulheres
(Torres et al., 2004).
Caracterstica tambm relevante da
participao feminina na actividade econmica, quer das portuguesas, quer das outras europeias, o facto de se verificar uma
correlao positiva entre os maiores nveis
de escolaridade obtidos e a participao
no mercado de trabalho. Como se pode ver
no grfico ao lado, que mostra a elevadssima mdia de participao na actividade
das mulheres da Europa a 15 com ensino
superior (85 %), as mulheres portuguesas
com este nvel de ensino so as que mais
participam no mercado de trabalho (91 %).
Estes resultados confirmam, por outro lado,
que no so s razes de natureza financeira que explicam o crescimento da taxa
de actividade feminina. Trata-se de uma
tendncia estrutural das sociedades contemporneas, bem marcada na sociedade
portuguesa.

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A sociedade

Mulheres activas segundo o nvel de instruo atingido, 2002


(25-64 anos) (%)
Dinamarca
Sucia
Finlndia
Frana
Blgica
Portugal
Espanha
Itlia
Grcia
Alemanha
ustria
Holanda
Luxemburgo
Reino Unido
Irlanda
UE 15
0

10

20

Ensino bsico

30

40

50

Ensino secundrio

60

70

80

90

100

Ensino mdio e superior

Fonte: TORRES, Anlia, Vida Conjugal e Trabalho, Oeiras, Celta Editora, 2004.

Quando se analisam os dados sobre a


frequncia universitria, verifica-se que
em toda a UE h mais mulheres do que homens a frequentar as universidades. Em
Portugal assume valores acima da mdia:
em 2001, 55,2 % dos estudantes portugueses que frequentavam a universidade
eram mulheres (ver quadro da p. 47). Se a
frequncia assume estes valores, a finalizao dos diplomas ainda mais favorvel s mulheres em Portugal: no ano lectivo de 2004-2005 65 % dos diplomados
eram mulheres6. Ainda quanto participao na vida universitria, vale a pena salientar que as mulheres portuguesas tm
sido das mais representadas em cursos
ditos tradicionalmente masculinos. No ano
lectivo de 1992-1993 em Engenharia e Arquitectura as mulheres constituam 28 %
dos estudantes (mdia europeia: 18 %),
em Cincias Naturais eram 61 % (mdia
europeia: 44 %) e em Matemticas 45 %
(mdia europeia: 28 %). A percentagem de
mulheres com grau de doutoramento exis6 Fonte: Observatrio da Cincia e Ensino Superior
(OCES/MCTES).

tente em 2001 parece confirmar esta tendncia que se esboava no incio dos anos
90. Em primeiro lugar, Portugal (51,7 %)
surge logo a seguir Itlia (51,8 %) sendo
estes os nicos pases da Europa a 15 em
que se verifica ligeira supremacia das mulheres doutoradas relativamente aos homens, embora na Europa a 25 a Litunia
(52,5 %) e a Estnia (51,7 %) ultrapassem
ligeiramente estes valores. Em segundo
lugar, interessante verificar a distribuio das doutoradas por reas cientficas.
Aqui Portugal destaca-se claramente de
todos os outros pases da Europa a 25
quase sempre por ser o pas em que as
mulheres tm uma participao mais elevada em reas de formao habitualmente
mais masculinizadas. Assim, para valores
registados em 2001, em cincia, matemticas e computao Portugal tem uma
percentagem de mulheres doutoradas de
49,8, quando a mdia da Europa dos 15
de 35,7 %, em engenharia e construo, 39,1 %, quando a mdia de
20,6 %, e em cincias sociais, gesto e
direito, 46,1 %, quando a mdia 39,3 %
(European Comission, 2003).
55
Sociedade

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Retrato de Portugal

Esta tendncia vinha j, de resto, a esboar-se tambm nos anos 80, e explica-se tambm pela falta enorme de quadros
na cincia que o crescimento universitrio
e a mudana poltica em 1974 vieram revelar (Amncio, 2003). Embora tambm se
verifique que h predominncia de mulheres nos recursos humanos em cincia e
tecnologia (mais de 70 %) e mesmo no nmero de investigadores, a verdade que
quando se trata de lugares de senioridade
acadmica, eles so basicamente ocupados pelos homens. Em Portugal a percentagem de mulheres que ocupa este tipo de
lugares atinge apenas os 23,9 %, sendo,
ainda assim, a mais elevada da Europa dos
15, onde a mdia de 15,2 % (European
Comission, 2003).
Como explicao para a existncia em
Portugal de mais mulheres em lugares habitualmente mais ocupados por homens
tm sido apontados factores da histria recente. Entre eles, como se referiu, a Guerra
Colonial (1961-1974), que, mobilizando os
jovens do sexo masculino, abriu para as
Jornada no Parlamento sobre participao
feminina na poltica.

56
Sociedade

mulheres com maiores nveis de instruo


oportunidades de emprego (professorado,
funo pblica, empresas). Uma vez no
mercado de trabalho, outras condies favorveis, como a obteno de apoios domsticos pagos a baixo preo, permitiram-lhes a conservao do emprego mesmo
depois de terem filhos. As jovens desse
tempo sero hoje as mes das que frequentam os cursos superiores, dispostas,
tambm elas, a conciliar o trabalho com a
vida familiar. Com efeito, vrios resultados
de pesquisa convergem no sentido de
mostrar a influncia do modelo materno na
disposio para a actividade econmica
exterior das jovens mulheres.
Tambm estas especificidades no impedem, contudo, a discriminao feminina.
Persistem na sociedade portuguesa fortes
assimetrias entre homens e mulheres que ficam bem patentes na distncia em relao
participao nos rgos do poder poltico.
A representao das mulheres no parlamento nacional ficava-se at passada legislatura pelos 13 %, situando-se Portugal
no conjunto dos pases da UE que menos
favorecem a respectiva participao poltica
(Viegas e Faria, 1999). Assinale-se que na
legislatura iniciada em 1999 essa representao subiu para os 19 %, atingindo os
21,3 %, em Fevereiro de 2005, aquando das
ltimas eleies legislativas.
No que se refere violncia sobre as
mulheres, por outro lado, os ltimos anos
tm sido de tentativa clara de denncia pblica destas situaes. Mudou a lei, que
considera agora a violncia domstica
como crime semipblico. Vrias organizaes no governamentais tm tido papel relevante no processo de denncia deste
atentado aos direitos humanos e foi criado
recentemente um grupo de misso a nvel
governamental contra a violncia domstica. Os nmeros da violncia so difceis de
detectar mas cruzando vrias fontes tem sido avanado que Portugal , no contexto
Europeu, um dos pases com maior incidn-

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A sociedade

Em Portugal elevado o nmero de mulheres que desempenham funes em contexto


cientfico e tecnolgico. Laboratrio de lasers intensos do Instituto Superior Tcnico.

cia de violncia domstica, havendo uma


mulher em cada trs vtima desse tipo de
crime, enquanto a mdia Europeia seria de
uma em cinco mulheres. Estudos mais aprofundados tm apontado para uma situao
gravosa, encarada ainda por parte de muitas mulheres com resignao e passividade
(Loureno, Lisboa e Pais, 1997).

Migraes e minorias
Portugal tem sido, do ponto de vista migratrio, um pas de todos os fluxos. Para alm
das migraes internas, de fixao virtualmente definitiva, que, sobretudo nos anos
60 e 70, levaram extrema litoralizao do
pas, h a registar, no plano externo, quatro
importantes movimentos de populao: emigrao, retorno das ex-colnias, regresso
de emigrantes e imigrao. excepo do
segundo, todos eles so fluxos em aberto.
A emigrao acompanha a histria portuguesa como um dos seus factores estruturais. Ela foi contnua e numericamente
significativa at meados da dcada de 50,
em que se procurava principalmente destinos no europeus Brasil, Estados Unidos da Amrica (EUA), Venezuela , e co-

nhece uma viragem a partir dessa data. Os


novos destinos preferenciais passam a ser
os pases desenvolvidos da Europa, com
grande destaque para Frana, e verifica-se
um enorme incremento das sadas. Entre
1955 e 1974, com o pico mximo na segunda metade dos anos 60, o total de sadas,
legais e clandestinas, estimado em 1,6
milhes, um nmero pesadssimo face dimenso do pas (Peixoto, 1999).
Se, em termos de demografia geral, a
emigrao foi responsvel por uma perda
sensvel de populao, muito maior do que
aquela que autoridades e nmeros oficiais
reconheceram na altura, por outro lado,
juntamente com as migraes internas, ela
afectou de modo particularmente grave as
regies interiores do pas, sob a forma de
abandono dos campos, e tambm de muitas zonas menos desenvolvidas da faixa litoral. Os efeitos negativos foram multiplicados pelas dinmicas de desenvolvimento
desigual da prpria sociedade portuguesa
e levaram progressiva desvitalizao demogrfica, econmica e social de muitas
dessas reas, processo cujas marcas so
ainda hoje visveis e que de difcil recuperao.
57
Sociedade

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Retrato de Portugal

hemorragia dos anos 60 do sculo XX


seguiu-se um abrandamento das sadas,
embora nada que se parea com uma paragem. Depois de um perodo de estagnao,
entre 1975 e princpio dos anos 80, a emigrao voltou a crescer a partir de meados
dessa dcada. H novos protagonistas e
modalidades migratrias e novos e velhos
pontos de chegada, dentro e fora do espao
europeu. Voltam a registar-se sadas para os
EUA, mas agora tambm para o Canad e a
Austrlia, ao passo que na Europa pases
como a Sua e a Inglaterra passam a integrar as rotas da emigrao portuguesa, ao
mesmo tempo que se assiste a nova procura
de destinos tradicionais, como a Alemanha,
esta j nos anos 90 (Peixoto, op. cit.).
Os nmeros conhecidos das sadas consideradas permanentes so relativamente
baixos e dizem respeito, principalmente, a
movimentos para fora do continente europeu. J as sadas ditas temporrias, e predominantemente intra-europeias, so considerveis e acabam, muitas vezes, por se
tornar permanentes, ou de ciclo no determinvel, dadas as crescentes facilidades
de mobilidade no espao europeu. Embora
o registo oficial das sadas no o deixe antever, a contabilizao dos residentes portugueses nos pases de chegada no engana. O caso da Sua , a este respeito,
revelador: entre 1981 e 1991, os portugueses ali recenseados passam de 13 000 para
100 000, a quarta comunidade de residentes estrangeiros naquele pas (Baganha e
Peixoto, 1996).
Se a imigrao hoje, no plano dos movimentos populacionais, a maior novidade,
contribuindo para equilibrar uma balana
migratria durante muito tempo deficitria,
pode falar-se tambm de uma nova emigrao portuguesa, de contornos ainda
pouco conhecidos.
Mas o movimento populacional mais espectacular do ps-Abril de 1974 foi, sem
dvida, a chegada, entre 1974 e 1975, de
mais de meio milho de portugueses prove58
Sociedade

niente das ex-colnias africanas 61 % de


Angola, 33 % de Moambique e 6 % de Cabo Verde, Guin-Bissau e So Tom e Prncipe (Pires et al., 1984). Apesar do carcter
sbito e de massa desse movimento, ele foi
em poucos anos plenamente absorvido pela sociedade portuguesa, no que se pode
considerar como um dos mais notveis e
bem-sucedidos processos de adaptao
estrutural do Portugal contemporneo.
As redes familiares e de amizade, em
primeiro lugar, e, depois, os apoios estatais
reinsero econmica foram decisivos
para que o acolhimento desse vasto contingente tivesse sido, apesar de tudo, fcil.
A prpria composio da populao retornada, mais jovem e escolarizada e com
maior proporo de activos do que a mdia nacional, contribuiu para a sua rpida
integrao, de que resultaram impactes
positivos no plano do rejuvenescimento demogrfico, da qualificao profissional e
da iniciativa econmica, com o surgimento
de pequenas empresas um pouco por todo
o pas. De referir, igualmente, a difuso de
novos valores e estilos de vida, reforando
as dinmicas de mudana cultural que o
25 de Abril de 1974 tinha j desbloqueado.
O regresso de emigrantes, por seu lado, comea a tomar dimenso ainda antes
de 1974, e intensifica-se depois daquela
data. Entre 1973 e 1981 calcula-se que voltaram a Portugal perto de 200 000 emigrantes, metade dos quais a partir de Frana.
Depois disso, verifica-se uma reduo,
mas sem soluo de continuidade. Num
perodo mais recente, 1986-1993, por
exemplo, h elementos que apontam para
um fluxo de regresso da ordem dos 21 000
a 34 000 indivduos por ano, sendo previsvel que essas entradas continuem a ocorrer a ritmo significativo (Peixoto, op. cit.).
Sem os impactes concentrados do retorno de frica, pode dizer-se que o regresso
de emigrantes representa j um peso importante na balana migratria portuguesa e
que tem efeitos no desprezveis, mas ain-

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A sociedade

da pouco estudados, em termos econmicos, sociais e culturais. Dois aspectos merecem ser destacados, desse ponto de vista.
Um o facto de, tanto quanto se sabe,
os pontos a que se regressa serem frequentemente aqueles de onde se partiu. Se
esse movimento est longe de ser suficiente para inverter o processo de desertificao e desvitalizao que afectou as zonas
interiores do pas, ele concorre, tal como j
acontecera com o retorno das ex-colnias,
para lhe atenuar os efeitos.
O segundo tem a ver com as idades
dos emigrantes que regressam e com o
modo como se d a sua reinsero na sociedade e na economia. A par daqueles
que s voltam depois de reformados, outros regressam ainda em idade activa, e
trazem descendentes menores de idade,
minorando, portanto, o envelhecimento populacional das respectivas reas de residncia, e trazendo efeitos locais positivos
em termos econmicos e de recomposio
socioprofissional (Amaro, 1985).

A imigrao econmica, finalmente,


um processo que, embora com antecedentes que remontam j a meados da dcada
de 60, s se torna notrio a partir dos anos
80 (Esteves, 1991; Machado, 1997; Pires,
1999). Nessa fase, Portugal, bem como os
restantes pases do Sul da Europa, passa a
integrar os percursos do amplo e continuado movimento migratrio sul-norte, do qual
se tinha mantido margem, j que at a tinha sido, tal como Espanha, Itlia ou Grcia, exportador e no importador de mo-de-obra. Alguma dessa migrao procura
Portugal apenas como ponto de passagem, mas muita visa fixar-se, especialmente na regio de Lisboa e Vale do Tejo e
noutras zonas mais desenvolvidas do litoral
do pas.
At ao final da dcada de 90 tratava-se,
essencialmente, de migrantes procedentes
das antigas colnias africanas e secundariamente do Brasil. Eles comeam a chegar
aos milhares em evidente sincronia com a
poltica de generalizao de obras pbli-

Contentores com pertences de populao portuguesa regressada das ex-colnias africanas,


em Setembro de 1975.

59
Sociedade

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Retrato de Portugal

cas e a expanso da construo civil, sectores que depressa ficaram estruturalmente


dependentes do trabalho imigrante.
Dadas, tambm, a ausncia de um
efectivo controlo de entradas ao mesmo
tempo que os pases europeus centrais o
aumentavam , e a rpida formao de redes migratrias, facilitando a vinda e insero de novos interessados, a migrao
africana multiplicou-se praticamente por
trs num perodo de dez anos, passando
de 38 000 pessoas, em 1986, para cerca
de 110 000, em 1996. Os cabo-verdianos
representam aproximadamente metade
deste contingente, seguindo-se angolanos
e guineenses. Moambicanos e so-tomenses constituem populaes de pequena dimenso.
Quanto aos brasileiros, o seu nmero
cresceu de forma igualmente rpida nesse
perodo de dez anos: de 7500 para mais de
20 000. A composio socioprofissional
dessa primeira vaga brasileira , contudo,
bastante diferente da africana. Se esta se
destinava, basicamente, construo civil,
do lado masculino, e aos servios pessoais
e domsticos, do lado feminino, no caso
brasileiro um segmento desqualificado
coexistia, em partes iguais, com muitos
profissionais cientficos e tcnicos integrados nos sectores da sade, media, publicidade, entre outros.
A transio do milnio coincidiu com uma
alterao substancial do quadro da imigrao. Quando muitos pensavam que Portugal
j tinha absorvido a imigrao que podia
absorver, foram legalizados, entre 2001 e
2002, atravs das chamadas autorizaes
de permanncia, mais de 170 000 novos
imigrantes laborais (Pires, 2002).
Surpresa tambm foi a origem de muitos desses imigrantes. Mais de 100 000
eram oriundos de pases da Europa de
Leste, com destaque para a Ucrnia (mais
de 60 000), Moldvia e Romnia. Menos
surpreendentemente, um segundo conjunto numeroso veio do Brasil e mais imigran60
Sociedade

tes chegaram dos vrios pases africanos


de lngua oficial portuguesa (PALOP). Com
poucas excepes, independentemente
da sua origem nacional e do seu nvel de
qualificaes particularmente elevado
no caso dos provenientes de pases do
Leste estes imigrantes chegaram para
integrar os segmentos secundrios e mais
desqualificados do mercado de trabalho.
A nica diferena que, dentro desses sectores de trabalho manual e executante, se
assistiu diversificao de localizaes,
com os imigrantes de pases de Leste, em
particular, a entrarem na agricultura e na indstria transformadora, o que tambm mudou parcialmente a geografia nacional da
imigrao (Baganha, Marques e Gis, 2004).
Alm da componente lusfona e da de
Leste, um terceiro segmento da imigrao
econmica o constitudo por asiticos
chineses, indianos, paquistaneses, bangladeshianos. A imigrao a partir desses pases tem crescido pouco a pouco desde
meados dos anos 90, mas no tem peso
quantitativo comparvel com as anteriores.
Em 2006, os asiticos de nacionalidade estrangeira eram cerca de 25 000, o correspondente a 5 % do total de estrangeiros.
Como constante que do sistema migratrio internacional, h ainda a somar
aos nmeros oficiais da imigrao econmica uma proporo no facilmente determinvel de imigrantes ilegais. Basta dizer
que as autoridades portuguesas, na linha
do que tem sido feito noutros pases europeus, realizaram j trs operaes extraordinrias de regularizao dos migrantes
nessas circunstncias, em 1993, 1996 e
2001, que, em conjunto, legalizaram mais
de 230 000 pessoas (Pires, 2003). Apesar
de o controlo de entradas ter passado a ser
mais rigoroso, provvel que a proporo
de ilegais, mesmo no atingindo aqueles
valores, seja hoje outra vez significativa.
Sendo largamente maioritrios, os estrangeiros residentes em Portugal no se
cingem, contudo, aos que integram os seg-

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A sociedade

Imigrantes no Servio de Estrangeiros e Fronteiras regularizando as suas situaes.

mentos menos desejveis do mercado de


trabalho. Para alm dessa imigrao econmica, ou laboral, h outra, que pode designar-se por profissional, oriunda de pases da UE (Pires, 1999). So quadros
superiores, profissionais cientficos e tcnicos, empresrios, que formam uma fileira
migratria j com alguma tradio, mas
que s em tempos recentes, especialmente depois da adeso portuguesa, se torna
numericamente expressiva. H, por outro
lado, tambm oriunda da UE, uma pequena migrao do sol e do Sul que traz reformados dos pases do Norte para amenas paragens portuguesas, especialmente
no Algarve. Assim, o efectivo de estrangeiros da UE passa de 24 000 em 1986 para
43 000 em 1996 e 77 000 em 2006, destacando-se ingleses e espanhis.
Tudo somado, e sem contar com imigrantes ilegais, podemos falar, ento, de
perto de 500 000 estrangeiros em Portugal,
cerca de 5 % do total da populao residente, valor que j no dos mais baixos
no espao europeu.
Apesar da recomposio verificada nas
origens nacionais dos imigrantes, a parte
lusfona da imigrao mantm-se dominante. Perto de metade dos estrangeiros
oriunda dos PALOP e do Brasil e quatro

das cinco populaes mais numerosas so


lusfonas: por ordem, brasileiros, ucranianos, cabo-verdianos, angolanos e guineenses. Os brasileiros, se contabilizarmos os
imigrantes em curso de legalizao ao
abrigo de um acordo recente entre os governos dos dois pases, so j cerca de
100 000. Se, do lado dos originrios dos
PALOP, contssemos os que entretanto
adquiriram nacionalidade portuguesa, teramos tambm um nmero global significativamente maior.
A constituio, em Portugal, de minorias
etnicamente diferenciadas decorre em larga medida, como se v, da imigrao laboral, segundo uma lgica que comum a
muitos outros pases europeus. Falar de etnicidade, ou, mais recentemente, de multiculturalismo, falar, em suma, da imigrao
sedentarizada. Ainda que vista inicialmente
como provisria, tanto pelas sociedades
receptoras, como pelos prprios migrantes, sabido que muita da migrao laboral que se dirigiu Europa do segundo
ps-guerra acabou por se fixar definitivamente. O caso portugus, ainda em incio
de ciclo, no se afastar provavelmente
desse padro.
O espao da etnicidade em Portugal no
, no entanto, constitudo s por minorias es61
Sociedade

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Retrato de Portugal

trangeiras. H tambm minorias etnicamente


diferenciadas cujos membros so cidados
portugueses: o caso dos ciganos, estimados em 25 000 a 30 000, cuja presena no
pas , como se sabe, muito antiga; dos indianos, em nmero superior a 30 000 e subdivididos em comunidades distintas; e dos
30 000 ou 40 000 luso-africanos, ou seja,
portugueses de origem africana que, alm
da nacionalidade, tm um perfil sociocultural
que os diferencia dos migrantes laborais
com a mesma procedncia.
Do ponto de vista da composio social e da identidade cultural h diferenas
acentuadas entre as vrias minorias, o que
significa que cada uma delas se encontra
em posio diferente quando comparada
com o perfil mdio da populao portuguesa. Algumas tm uma condio social
globalmente desfavorecida, outras no, algumas utilizam lnguas prprias na comunicao quotidiana, outras expressam-se
exclusivamente em portugus, enquanto
do ponto de vista religioso se encontram filiaes variadas.
Para visualizarmos melhor a diversidade das minorias podemos distribu-las ao
longo de dois eixos cruzados, um que vai
dos contrastes s continuidades sociais e
outro dos contrastes s continuidades culturais. No primeiro eixo consideram-se como dimenses pertinentes a composio
socioprofissional e de classe, a composio sociodemogrfica ou a localizao espacial; no segundo eixo retm-se a orientao da sociabilidade, a filiao religiosa e
a lngua. Num sistema de eixos assim definido, as vrias minorias presentes na sociedade portuguesa distribuem-se por um
conjunto muito diversificado de posies
(Machado, 1992; 2002).
Cabo-verdianos (Saint-Maurice, 1997),
guineenses e santomenses distinguem-se
da populao portuguesa mais por contrastes sociais do que por contrastes culturais. A predomina a insero quase sempre precria no sector da construo civil
62
Sociedade

e obras pblicas e nos servios pessoais e


domsticos e condies de existncia globalmente desfavorecidas, acompanhadas
por concentrao residencial. Em contrapartida, muitos tm sociabilidades intertnicas alargadas; s um sector pequeno dos
guineenses contrasta com os portugueses
em termos religiosos; e, no plano lingustico, a existncia de crioulos prprios, em todos os trs casos, no impede, regra geral,
o uso corrente do portugus. J angolanos
e moambicanos, sendo tambm contrastantes socialmente, mais os primeiros do
que os segundos, so culturalmente mais
contnuos, dada a inexistncia de contrastes significativos seja em termos lingusticos, religiosos ou de sociabilidades.
Em posio inversa esto as comunidades de indianos portugueses (Malheiros,
1996). No plano socioprofissional os contrastes mdios com a populao portuguesa so reduzidos, j que a localizao mais
comum a das actividades comerciais por
conta prpria, ou mesmo, no caso particular
dos ismaelitas, empresas de alguma dimenso. No plano cultural, porm, os contrastes
so acentuados. Alm de sociabilidades
fortemente autocentradas e de alguma
concentrao residencial, h demarcao
em termos religiosos e, em alguns sectores, tambm em termos lingusticos.
Ciganos e luso-africanos, por sua vez,
ocupam ainda outras posies no espao
da etnicidade, diferentes entre si e de qualquer das anteriores. Os primeiros acumulam
contrastes do lado social e cultural desfavorecimento socioeconmico, precariedade
profissional, fechamento relacional , ao
passo que os segundos acumulam continuidades localizaes maioritariamente de
classe mdia, mltiplas sociabilidades cruzadas com portugueses, auto-identificao
catlica largamente maioritria e uso corrente do portugus, mesmo no intragrupo.
Quanto aos brasileiros, as continuidades lingusticas, religiosas e de sociabilidade so evidentes, embora do lado social

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A sociedade

encontremos uma larga maioria em situao de contraste, em virtude, sobretudo,


do tipo de insero socioprofissional dominante. No podemos esquecer, contudo,
que a imigrao brasileira tem uma composio dual, e que h outro sector, constitudo por profissionais altamente qualificados,
cujos contrastes sociais, a existirem, so
para cima.
Finalmente, no que se refere s populaes provenientes do Leste europeu,
apesar de os estudos at agora feitos no
serem suficientes para avaliar o seu posicionamento nas vrias dimenses do espao da etnicidade, dir-se- que a situao global mais de contraste do que de
continuidade. H contrastes de composio socioprofissional, embora no de perfil educacional nem de localizao residencial, e h contrastes lingusticos e
religiosos. Do ponto de vista das sociabilidades, dimenso de integrao fundamental, parece haver mais fechamento do
que abertura.
Definido deste modo, o espao da etnicidade , tendencialmente, um espao em
movimento. Ele pode transformar-se por via
de mudanas eventuais no perfil sociocul-

tural de novos migrantes que cheguem,


mas, sobretudo, pela dinmica dos contrastes e das continuidades, medida que
se prolonga o tempo de residncia dos j
fixados. Tanto no plano social como no cultural, os contrastes e as continuidades podero, assim, reproduzir-se ou reconverter-se nos seus opostos.
Porque permite antever, mesmo que
parcialmente, algumas linhas de evoluo
futura desse espao, vale a pena referir o
que se sabe hoje acerca dos jovens oriundos das diferentes minorias. Por razes
que tm a ver com o calendrio migratrio
e os tempos de residncia de cada populao migrante, s existem segundas geraes de jovens no caso dos imigrantes
africanos e dos indianos portugueses. Nos
restantes casos, os descendentes de imigrantes so, por enquanto, sobretudo
crianas.
O que se vai sabendo sobre os descendentes de imigrantes africanos mostra que
os contrastes sociais se reduzem face
gerao anterior, seja por via da escolaridade, bastante mais alta do que a dos seus
pais e mes, seja porque conseguem alguma mobilidade profissional (Machado, Ma-

As diversas filiaes religiosas das comunidades imigrantes em Portugal reflectem a sua


heterogeneidade. Templo hindu.

63
Sociedade

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Retrato de Portugal

tias e Leal, 2005; Machado, no prelo). Embora muitos desses jovens conheam
insucesso e abandono escolar, a sua situao no substancialmente diferente da
dos jovens autctones de idntica condio social.
Claramente pior, em termos escolares e
profissionais, esto os jovens ciganos. Por
sua vez, os filhos dos indianos portugueses
tm, maioritariamente, desempenhos escolares acima da mdia nacional e parecem
conseguir encontrar nas pequenas e mdias actividades empresariais das suas famlias uma insero profissional relativamente desafogada.
J do lado cultural, enquanto os jovens
indianos e ciganos, por razes diferentes,
no parecem afastar-se muito dos seus pais,
no que toca ao fechamento das sociabilidades, os das minorias africanas tm sociabilidades intertnicas fortes, que fazem mesmo
com que a auto-designao por origens nacionais, muito importante na gerao dos
seus ascendentes, v perdendo sentido.
O futuro das minorias imigrantes joga-se tambm, finalmente, no plano poltico.
A situao de desfavorecimento de muitos
dos seus membros significa, actualmente,
vulnerabilidade excluso social e dfice
de cidadania. H, no entanto, processos
de sinal contrrio, que no deixaro de
contribuir para alterar tal situao. Deles
so exemplo os efeitos correctores das polticas sociais, a extenso a muitos imigrantes do direito de votar e ser eleitos localmente, o acesso hoje menos difcil
nacionalidade portuguesa por parte dos
seus filhos ou ainda a crescente interveno pblica do associativismo imigrante.

Polticas, instituies
e parceiros sociais
Um dos aspectos mais salientes dos processos de transformao da sociedade
portuguesa nas ltimas dcadas prende-se
com a criao e desenvolvimento de um
64
Sociedade

sistema de polticas pblicas de proteco


social, solidariedade e de prestao de
cuidados de sade que mudaram profundamente o quadro institucional do pas,
tanto no plano da organizao estatal como
no plano do papel desempenhado pelos
parceiros sociais. Tal sistema no poderia
deixar de produzir impactes profundos nas
estruturas sociais e na qualidade de vida
das populaes.
Em 25 de Abril de 1974 no existia um
sistema pblico de segurana social e de
acesso a cuidados de sade de carcter
universal. S h poucos anos se tinha iniciado a criao de esquemas de previdncia para certos segmentos dos trabalhadores da indstria, do comrcio e dos
servios, geridos essencialmente segundo a lgica dos seguros sociais, com o Estado a reservar para si uma mera funo de
coordenador. Ainda no incio dos anos
70, apenas 17 % dos membros de famlias
de assalariados rurais e 70 % dos trabalhadores do comrcio, indstria e servios
eram abrangidos por esses esquemas. De
fora ficava a maior parte da populao, nomeadamente o campesinato, a classe mais
numerosa de ento.
Como o tecido produtivo se apresentava marcado por uma ruralidade muito deprimida e tradicionalista e pela incipincia
relativa da indstria e dos servios, com
baixssima produtividade e geradores de
muito escassos rendimentos, a pobreza
atingia valores da ordem dos 40 % da populao total. Embora atenuada, ainda hoje
essa marca permanece. Portugal mantm-se como um dos pases europeus com
mais pobres entre a sua populao.
O problema da pobreza e da desigualdade social persiste, ento, como um dos
principais problemas da sociedade portuguesa, que, porm, tem vindo a registar
progressos significativos. Por exemplo, os
relatrios do Programa das Naes Unidas
para o Desenvolvimento (PNUD,1997,
2006) mostram como o ndice de desen-

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A sociedade

volvimento humano duplicou em menos


de quatro dcadas, passando de 0,460 em
1960 para 0,904 em 2004, com registos intermdios de 0,588 em 1970, 0,807 em
1980 e 0,883 em 1995. A taxa de mortalidade infantil, a qual reflecte de algum modo o
nvel do conforto e o funcionamento dos
sistemas de sade e de proteco, foi diminuindo de modo muito significativo, de
77,5 crianas que morreram antes de completarem um ano de idade por cada mil nados-vivos em 1960, para 55,5 em 1970,
24,3 em 1980, 11,0 em 1990, 6,4 em 1997
e 4 em 2004, segundo a mesma fonte. Portugal alcanou a taxa da UE, quando 40
anos antes o conjunto desses pases tinha
atingido j um valor inferior a metade do de
Portugal.
A esperana de vida nascena, outro
indicador de qualidade de vida de uma populao, tem vindo igualmente a crescer.
Para os homens, passou de 61,2 anos em
1960 para 64,2 em 1970, 67,7 em 1980,
70,4 em 1990, 71,4 em 1996/1997 e 74,9
em 2004/2005, aproximando-se da mdia
na UE, que era superior 6,2 anos a Portugal
em 1960. Para as mulheres, os mesmos valores mdios europeus so de 72,9 anos
em 1960 e 80,5 em 1996, enquanto em Portugal eram de 66,8 em 1960, 70,8 em 1970,
75,2 em 1980, 77,4 em 1990, 78,7 em
1996/1997 e 81,4 em 2004/2005, o que significa que as mulheres portuguesas praticamente tenham atingido a mdia europeia. No total, a esperana mdia de vida
dos Portugueses era em 2004/2005 de 78,2
anos.
Inserido num contexto relativamente ao
qual apresenta ainda hoje algumas desvantagens importantes, Portugal tem vindo, de facto, a conhecer, no plano da qualidade da sociedade, um percurso de
melhoria acentuada, quando olhamos um
arco temporal alargado, apesar da irregularidade no ritmo dessa melhoria resultante de diferentes conjunturas econmicas e
polticas.

Para esse percurso contribuiu um melhor desempenho global da economia,


apesar da estagnao verificada em anos
como 1983 e 1993 e, de forma mais duradoura, desde 2002. Importa porm realar
o papel decisivo desempenhado pelo estabelecimento de um sistema de polticas sociais do tipo das que caracterizam os pases mais desenvolvidos da Europa e que,
embora com as marcas histricas de menor desenvolvimento tpicas da Europa do
Sul, instituram um Estado-providncia em
Portugal. De modo lento mas contnuo, essas polticas tm vindo a substituir as formas privadas nomeadamente familiares
em que anteriormente assentava a proteco, naturalmente muito modesta e totalmente insatisfatria, da maioria da populao.
Um exemplo claro o que se passa na
sade. At 1979, excepo de pequenos
grupos de trabalhadores dos sectores mais
organizados da economia ou da administrao pblica que beneficiavam das Caixas de Previdncia corporativas e de regimes especiais, o pagamento dos cuidados
de sade era atribudo aos pacientes e s
suas famlias. A assistncia aos pobres era
prestada pelas Misericrdias. O governo tinha tambm a responsabilidade dos cuidados preventivos embora a sade preventiva nunca tenha sido, at hoje, uma
rea de investimento efectivo, apesar da
instituio dos mdicos de famlia, que viriam, porm, a funcionar num registo algo
distante dessa abordagem , cuidados
maternais, sade das crianas e certas
doenas infecciosas e mentais. Alguns
sectores possuam igualmente sistemas
de seguros que cobriam alguns dos riscos
de sade.
Aps o 25 de Abril de 1974 produziram-se grandes reformas institucionais. Em primeiro lugar, os hospitais centrais e os das
Misericrdias passaram para a tutela do
Estado em 1975. Os hospitais locais foram
integrados nos centros de sade, criados
65
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

por todo o pas, numa escala no mnimo


concelhia. Cerca de 2000 unidades mdicas e postos de sade, que operavam no
quadro do sistema de proteco social,
passaram tambm para o sistema estatal
de sade. Em 1979 a reforma atingiu o
ponto mximo com a criao do Servio
Nacional de Sade (SNS), visando a criao de um sistema universal e completo de
cuidados de sade gratuitos.
O sistema nacional de sade engloba
trs subsistemas:
o SNS, com cobertura universal e
gratuita, gerido pelo sector pblico e financiado quase exclusivamente pelos impostos, apesar da existncia de taxas moderadoras;
regimes especiais de certas categorias profissionais, cobrindo um quarto da
populao, que so financiados pelo Estado (no caso do regime dos funcionrios pblicos), pelos trabalhadores e pelos empregadores;
sector privado, financiado pelos
clientes e por organismos terceiros (companhias de seguros, mutualidades).
O SNS integra uma rede de unidades
de cuidados especializadas e de hospitais
de diversos nveis territoriais, alguns dos
quais tambm especializados. Integra ainda uma rede de malha fina de centros de
sade, no quadro dos quais funcionam os
mdicos de famlia, servios de medicina
Centro de Sade de Tarouca.

66
Sociedade

comunitria e sade pblica e tambm


servios de urgncia. Para alm dos organismos centrais de administrao, a gesto assegurada a nvel regional pelas
administraes regionais de sade ou pelos governos regionais da Madeira e dos
Aores.
O esforo com a sade tem vindo a
crescer de modo muito acentuado (ver
quadro da p. 67), sendo que Portugal se
encontra entre os pases da OCDE que
apresentam melhores indicadores em matrias como a parte do produto interno bruto (PIB) gasta no sector, a despesa com
produtos farmacuticos no total das despesas de sade ou o nmero de mdicos por
mil habitantes. Apesar de partir de um nvel
de 2,8 % do PIB em 1970, contra cerca de
6,2 % na OCDE, Portugal cresceu para
5,8 % em 1980 (6,7 para a OCDE), 6,5 %
em 1990 (7,3 na OCDE) e 9,6 % em 2003
(pouco acima de 8,2 % no espao econmico que nos tem servido de referncia).
Os indicadores so, porm, relativamente
piores quando olhamos para o volume de
despesas por cada habitante, ao nmero de
camas em hospital, ao rcio de enfermeiros/
/cama e ao nmero mdio de consultas mdicas por pessoa/ano.
O pior comportamento destes indicadores revela lacunas existentes no sistema.
Criado num contexto em que os recursos
no abundavam, fortemente atravessado

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade

Hospital distrital de Viana do Castelo.

Indicadores de sade em Portugal e nalguns pases da OCDE


Despesas de sade
Despesas com
cuidados de sade, por habitante (USS)
em % do PIB
2003

1993

Blgica

9,6

8,1

2827

Repblica Checa

7,5

6,7

Dinamarca

8,8

Finlndia

7,4

8,3

1993

2003

1601

16,6

1298

760

2763

1763

2118

1430

2003

1993

17,4

3,9

3,4

21,9

19,4

3,5

9,8

8,5

2,9

16

12,3

2,6

2,1

2,9
a

2,6

10,1

9,4

2903

1878

20,9

17,5

3,4

3,2

Alemanha

11,1

9,9

2996

1988

14,6

13,2

3,4

2,9

Grcia

9,9

8,8

2011

1077

16

16,6

4,4

Hungria

7,8

7,7

1115

638

27,6

28,4

3,2

2,9

Irlanda

7,3

2386

1039

11

10,7

2,6

2,0

Itlia

8,4

2258

1529

22,1

20,2

4,1

3,8

Luxemburgo

6,1

6,2

3190

1891

11,6

2,7

2,1

Holanda

9,8

8,6

2976

1701

11,4

11

3,1

2,6

Polnia

6,0

5,9

677

378

2,5

2,2

Portugal

9,6

7,3

1797

881

23,4

25,6

3,3

2,9

Eslovquia

5,9

777

38,5

Espanha

7,7

7,5

1835

1089

21,8

19,2

Sucia

9,2

7,7

EUA

15

8,6

1993

Mdicos/1000
habitantes

Frana

Reino Unido

2003

Despesas
farmacuticas
(% do total das
despesas de sade)

2594

1644

6,9

2231

13,2

5635

12,2

3,8

3,1

3,2

2,5

13,1

10,9

3,3

1232

15,8

14,8

2,2

3357

12,9

8,6

2,3

2,7
1,7

1,9

Fonte: OCDE, OECD Health Data 2005.


(:) no disponvel; (I) quebra nas sries; (a) 2002; (b) estimado; (e) 2001; (f) 1997; (g) 1998; (h) 1995; (i) 1994.

67
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

por interesses corporativos cuja influncia


nas polticas pblicas um trao comum
aos pases do Sul europeu, obrigado a dar
respostas mnimas a exigncias e reivindicaes de direitos cada vez maiores da
populao, forado a fazer em muito pouco
tempo todo o investimento necessrio, tanto em termos de infra-estruturas como de
Taxa de pobreza (2003)
1

UE25

25 (s)

15 (s)

UE15

25 (s)

15 (s)

Blgica

29 (b)

15 (b)

Repblica Checa

21

Dinamarca

32 (b)

12 (b)

Alemanha

23

15

Estnia

25

18

Grcia

24 (b)

21 (b)

Espanha

22

19

Frana

24

12

Irlanda

36 (b)

21 (b)

Itlia

Chipre

20

15

Letnia

24

16

Litunia

23

15

23 (b)

10 (b)

17

12

Holanda

23 (p)

12 (p)

ustria

24 (b)

13 (b)

Polnia

31

17

Portugal

26 (p)

19 (p)

Eslovnia

16

10

Eslovquia

28

21

Finlndia

28

11

Luxemburgo
Hungria
Malta

Sucia
Reino Unido

29

18

Fonte: Eurostat.
1. Taxa de pobreza antes das transferncias sociais,
calculada como 60 % do rendimento mediano.
2. Taxa de pobreza depois das transferncias sociais, calculada como 60 % do rendimento mediano.
(:) no disponvel; (s) estimativas do Eurostat; (b) quebra nas sries; (p) valor provisrio.

68
Sociedade

pessoal qualificado, com o resultado de


carncias notrias num e noutro domnio, o
sistema de sade tornou-se simultaneamente um bem indispensvel para a populao e um dos principais campos requerendo uma interveno reformadora.
Outro conjunto decisivo de polticas sociais inaugurado com a revoluo de Abril
o de proteco social. Foi tambm lanado num perodo desfavorvel do ponto de
vista econmico para assegurar a sua sustentao. O facto de no existir tradio
contributiva, o baixo nvel dos salrios (e,
logo, das contribuies), uma atitude nem
sempre responsvel por parte dos contribuintes nomeadamente de um sector
conservador dos empregadores , que fogem s obrigaes definidas na lei, o processo de envelhecimento da populao, o
desemprego e as despesas de proteco
que ele acarreta e a presso com vista ao
aumento das prestaes colocam actualmente o sistema de segurana social portugus perante um quadro complexo de
opes estratgicas.
Por um lado, pede-se-lhe que se desenvolva, que melhore os seus nveis de cobertura e de desempenho, de modo a atingir os padres normais dos pases mais
desenvolvidos da Europa, que, alis, contam com as transferncias sociais como
um mecanismo poderoso na preveno da
pobreza (ver quadro ao lado). Na verdade,
Portugal ainda , na UE, e apesar de uma
evoluo positiva, dos pases que menos
gasta com as despesas sociais. No nosso
pas a despesa com a proteco social no
chegava a 2,8 % do PIB em 1960 e cresceu para 7,5 % em 1975. Um novo impulso
foi dado a partir de meados dos anos 80,
quando o valor atingiu 11,0 % (sendo a mdia europeia de 22,2 %). Em 1990 o valor
era j de 16,3 % e no cessou de se aproximar do esforo social praticado na Europa desde essa data, tendo as despesas
com a proteco social em Portugal atingindo a proporo de 24,3 % do PIB, con-

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade

tra 28,3 % na Europa dos 15 e 28,0 % na


dos 25 (ver quadro abaixo).
O sistema, criado em 1994 no quadro
da preparao da adeso de Portugal
ento Comunidade Econmica Europeia
(CEE), compreende hoje uma organizao
centralizada no Instituto de Segurana Social, que coordena a aco de cinco cen-

tros regionais de segurana social (as secretarias nos governos regionais da


Madeira e dos Aores so autnomas). Do
ponto de vista substantivo, o sistema divide-se em duas componentes bsicas. Por
um lado, o sistema misto de repartio e
capitalizao com contribuies obrigatrias por parte de trabalhadores e em-

Despesas com a proteco social, em % do PIB na UE


1994

1996

1998

2000

2001

2002

2003

UE25

26,9

27,1

27,4

28,0

UE15

28,4

28,4

27,5

27,2

27,5

27,7

28,3

Blgica

28,7

28,6

27,6

26,8

27,7

28,8

29,7

Repblica Checa

17,6

18,6

19,6

19,5

20,2

20,1

Dinamarca

32,5

31,2

30,0

28,9

29,2

29,9

30,9

Alemanha

27,7

29,4

28,9

29,3

29,3

29,9

30,2

Estnia

14,4

13,6

13,2

13,4

Grcia

22,1

22,9

24,2

26,3

27,0

26,4

26,3

Espanha

22,8

21,9

20,6

19,6

19,4

19,6

19,7

Frana

30,2

30,6

30,0

29,3

29,5

30,2

30,9

Irlanda

19,7

17,6

15,2

14,1

15,0

15,9

16,5

Itlia

26,0

24,8

25,0

25,2

25,6

26,1

26,4

Chipre

15,2

16,4

Letnia

15,3

14,3

13,8

13,4

Litunia
Luxemburgo

15,8

14,7

14,1

13,6

22,9

24,1

21,7

20,3

21,3

22,6

23,8

Hungria

19,8

19,8

20,7

21,4

Malta

18,8

18,9

16,9

17,7

18,0

18,5

Holanda

31,7

30,1

28,4

27,4

26,5

27,6

28,1

ustria

28,9

28,8

28,4

28,3

28,6

29,2

29,5

Polnia

20,1

21,5

21,9

21,6

Portugal

21,3

20,4

21,2

21,7

22,8

23,7

24,3

Eslovnia

24,0

24,8

24,9

25,3

25,2

24,6

Eslovquia

19,8

20,2

19,5

19,1

19,2

18,4

33,8

31,4

26,9

25,3

25,5

26,2

26,9

Finlndia
Sucia

36,8

33,8

32,2

31,0

31,5

32,5

33,5

Reino Unido

28,6

28,0

26,9

27,0

27,5

26,4

26,7

Fonte: Eurostat, Statistics in Focus, Population and Social Conditions, 14/2006, ESSPROS.
(:) no disponvel.

69
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

pregadores, o qual tem vindo a integrar diversos subsistemas especiais que foram
sobrevivendo, e que assegura aos beneficirios (trabalhadores por conta de outrem
e trabalhadores independentes) e aos seus
familiares a cobertura dos riscos tpicos
dos modelos de proteco europeus: velhice, sobrevivncia, apoio famlia, doena,
desemprego, invalidez, morte, entre outros.
Por outro lado, subsidiado atravs do Oramento de Estado, o sistema de solidariedade assegura um conjunto de direitos quer a
pessoas que no contriburam, na maior
parte dos casos dada a inexistncia de esquemas de proteco a elas dirigidos enquanto foram activas ( o caso das penses sociais criadas a seguir revoluo
de 1974), quer a pessoas e famlias de baixos rendimentos ( o caso do Rendimento
Social de Insero, que veio substituir as
prestaes casusticas e dependentes da
disponibilidade oramental que caracterizava a assistncia social antes de 1996).
O sistema de solidariedade nacional
envolve ainda a aco social, nomeadamente o enquadramento de servios prestados em equipamentos sociais, incluindo
o apoio econmico queles que funcionam
numa lgica no lucrativa de solidariedade, com base em associaes como as Misericrdias ou outras instituies particulares de solidariedade social, as quais gerem
cerca de 90 % da oferta pblica de equipa-

mentos de apoio infncia e velhice. So


apoiados um pouco mais de 9000 equipamentos sociais que, por sua vez, abrangem
cerca de 350 000 pessoas.
O principal contingente dos beneficirios da proteco social so pensionistas,
que perfaziam 2 593 381 pessoas em
1998, distribudas pelo regime geral, pelo
regime especial de segurana social das
actividades agrcolas (RESSAA), pelo regime no contributivo de proteco social e
equiparado (RNCE), penso social e regime transitrio dos rurais. Em Dezembro de
2004 o seu nmero era de 2 647 110,
82,0 % dos quais do regime geral, 13,4 %
do RESSAA e 4,6 % do regime no contributivo (ver quadro abaixo). O pas tinha de
facto conhecido uma enorme evoluo se
compararmos estes dados com os 187 300
pensionistas em 1970 e com os 861 700
que resultaram do salto dado aps 1974.
O Rendimento Social de Insero a
actual designao para a poltica que, em
1996, foi lanada com o ttulo de Rendimento Mnimo Garantido. Importa fazer referncia especfica a essa medida por ser
geralmente considerada a sua instituio
como um passo dado em Portugal (e ainda
por dar nos restantes pases do Sul europeu) no sentido de completar o modelo
de Estado social. Depois de um perodo de
crescimento de beneficirios entre 1997 e
1999, quando eram, respectivamente,

Pensionistas por regime e por eventualidade


Invalidez

Velhice

Sobrevivncia

Total

Dezembro Dezembro Taxa Dezembro Dezembro Taxa Dezembro Dezembro Taxa Dezembro Dezembro Mdia
2001
2004
1/
2001
2004
1/
2001
2004
1/
2001
2004
Mdia
Mdia
Mdia
Regime geral

291 271

277 120

-1,6

RESSAA

19 296

13 161

-12,0

318 679

R. no cont.

46 777

48 434

1,2

54 750

357 344

338 715

-1,8

Total

1 183 335 1 351 665

4,5

519 164

542 387

1,5

1 993 770 2 171 172

2,9

259 036

-6,7

92 334

81 666

-4,0

430 309

353 863

-6,3

71 584

9,3

3 320

2 057

-14,7

104 847

122 075

5,2

1 556 764 1 682 285

2,6

614 818

626 110

0,6

2 528 926 2 647 110

1,5

Fonte: Relatrio Nacional de Estratgia (Centro Nacional de Penses). 1/ Taxa anual mdia entre Dezembro de
2001 e Dezembro de 2004.

70
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade

116 835 e 431 903, correspondendo a


1,2 % e 4,3 % do total da populao portuguesa, o nmero de beneficirios desceu
para 320 155 em 2002 (3,1 % da populao), sendo que 62 % do abandono resultou de aumento dos rendimentos como
consequncia dos 173 257 indivduos envolvidos em planos de insero (dos quais
estavam dispensados os 25 % de beneficirios que eram trabalhadores e outros
25 % de pessoas incapacitadas para o trabalho). Depois de 2002, devido aos efeitos
da crise econmica e ao impacto das restries oramentais na dotao dos servios com o pessoal necessrio ao acompanhamento das famlias e dos contratos de
insero, tem-se verificado de novo um aumento do nmero de beneficirios e um
abaixamento da qualidade e do nmero de
programas de insero oferecidos.
Na sequncia de uma tradio muito
antiga, o sistema conta tambm com as associaes mutualistas, que foram florescentes no sculo XIX e nas primeiras dcadas do sculo XX, quando eram a nica
alternativa para sectores que se organizaram para garantir a sua prpria providncia. Elas conheceram uma crise no perodo
da ditadura, cuja ideologia relegava para
as famlias a principal responsabilidade da
proteco, no apostando no seu desenvolvimento no quadro da universalizao
de direitos e deveres. Aps o 25 de Abril a
situao alterou-se, e as associaes de
socorros mtuos aprestam-se para assumir
o papel que faz com que, na reforma em
curso, se tornem no segundo pilar do sistema de proteco, embora o peso relativo
seja bastante diminuto.
O terceiro pilar do sistema constitudo
pelos seguros privados, cuja regulao est concebida de modo a no inviabilizar a
sustentabilidade do primeiro pilar, o do sistema pblico.
O sistema de proteco social em Portugal no se pode limitar a recuperar o
atraso que ainda apresenta, dado que se

v confrontado com novas necessidades


emergentes de processos demogrficos,
econmicos e familiares que requerem
a sua reforma, por um lado para responder
a um novo tipo de excluso social resultante dos prprios processos de mudana,
sem deixar de atender as expectativas de
outros sectores dos contribuintes, e, por
outro lado, para assegurar a solidariedade
com as geraes futuras.
A resposta a estes desafios tem vindo a
ser procurada numa nova gerao de polticas sociais. Trs traos as caracterizam:
o alargamento do conceito de solidariedade, dirigida no apenas s geraes
futuras, mas tambm aos mais desfavorecidos actualmente, num quadro de diversificao dos esquemas e das suas lgicas,
assegurando o Estado a oferta de servios
pblicos e a proteco bsica do conjunto
dos cidados, com base na contribuio
de todos para o sistema, independentemente da escolha por esquemas alternativos, nomeadamente o mutualista e os seguros privados;
a adopo de uma estratgia de
combate pobreza, atravs da discriminao positiva, beneficiando mais os sectores em piores condies e, principalmente,
atravs do desenvolvimento de um conjunto de polticas activas de reinsero;
comea a discutir-se, por ltimo, a
adopo de polticas de emprego assentes
no conceito de flexissegurana, visando
qualificar a populao, apoiar a modernizao do tecido econmico, contribuir para o
aumento da produtividade e prevenir o desemprego, oferecer proteco a todos os
que fiquem desempregados e oportunidades para um rpido retorno ao trabalho e,
ainda, a reinsero de desempregados de
longa durao que perderam os laos com
o mercado.
Para alm da diversificao dos esquemas implcita na ideia dos trs pilares, o
novo conceito de solidariedade que atravessa a reforma da proteco social tra71
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

duz-se noutras medidas, como o recurso


capitalizao dos excedentes do sistema
pblico de modo a garantir a sua sustentao futura (num contexto de previsvel
crescimento da taxa de dependncia dos
pensionistas), da opo, para quem o quiser fazer, da capitalizao privada (seguros
que, porm, no dispensam a contribuio
solidria para o sistema), a discriminao
positiva dos beneficirios de mais baixos
recursos, atravs de aumentos superiores
mdia das penses de baixo valor e a valorizao das carreiras contributivas, principalmente as mais longas, com vista ao
aumento da idade real de reforma.
O aumento das penses mais baixas, o
Rendimento Social de Insero, o mercado
social de emprego, novas medidas de
apoio s famlias com crianas pobres e a
concentrao de recursos em projectos de
desenvolvimento comunitrio nos bairros
crticos das grandes cidades constituem
o elemento essencial de medidas especficas de combate pobreza. Ela , em Portugal, uma das mais elevadas da Europa,
retomando o crescimento de 19 % em 2000
para 21 % em 2003, depois de uma queda
entre 1995 e 2000, e atinge no apenas populaes tipicamente vulnerveis, mas
tambm e em larga escala pensionistas de
todos os regimes e muitos trabalhadores
empregados.
Esta ltima realidade associa-se ao facto de Portugal ter um mercado de emprego
caracterizado, de modo geral, por elevados nveis de emprego incluindo o das
mulheres, em crescimento e nveis de
desemprego que foram sendo baixos at
que, aps 2002, o crescimento econmico
baseado num modelo intensivo em mo-de-obra pouco qualificada comea a dar
mostras de estar em crise, com repercusses imediatas no crescimento do desemprego, sem que por isso se verificasse
pelo contrrio um aumento da produtividade do trabalho (ver quadros das pp. 73 e
74). Todos os indicadores, como o das re72
Sociedade

muneraes dos salrios mais baixos, da


estabilidade dos vnculos laborais, da qualificao dos empregados e dos nveis de
qualificao dos jovens que se apresentam
no mercado, melhoraram entre 1995 e 2001,
aps a recuperao da crise de 1993. Para
isso contriburam os programas de reconverso das empresas, modernizao do tecido produtivo, criao de infra-estruturas
de formao e lanamento de vastos programas de formao profissional e emprego
co-financiados pelos Fundos Estruturais.
Tal no impede que se possam detectar
problemas e debilidades estruturais de
grande relevo.
Um deles tem a ver com a fraca qualificao da mo-de-obra empregada, incluindo uma boa parte dos jovens que encontram mais facilmente emprego com baixas
qualificaes escolares do que quando as
tm mdias. Os baixos nveis de qualificao traduzem-se em menor produtividade,
enorme dificuldade de adaptao e nveis
de empregabilidade que no facilitam a reconverso em caso de crise nos sectores
ou nas empresas menos modernizados,
que elegem, alis, os baixos nveis salariais
e outros aspectos geradores de menor qualidade do emprego como principal factor de
competitividade. Por outro lado, o desemprego de longa durao atinge uma proporo muito forte entre o conjunto dos desempregados, que cresceu fortemente desde
2001 e s agora parece estar a dar mostras
de poder estabilizar entre os 7 e os 8 por
cento. Por fim, uma parte importante da populao encontra-se em situao de excluso do mercado, muitas vezes reproduzida
de gerao em gerao.
Por esta razo, o Plano Nacional de Emprego coloca as suas prioridades nas polticas de educao e de formao da populao jovem e activa e, por outro lado, na
modernizao tecnolgica, de modo a aumentar a empregabilidade dos trabalhadores e a adaptabilidade das empresas. Outra
prioridade a preveno do desemprego

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade

de longa durao, atravs da formao e da


activao dos desempregados, aos quais os
servios, entre outras coisas, devem oferecer um Plano Individual de Emprego com
vista ao regresso sustentado ao mercado.
Os servios de emprego e formao,
nomeadamente o Instituto de Emprego e
Formao Profissional, colaboram no terre-

no com os servios de educao, das finanas para desenvolver o que as polticas fiscais podem ter de estmulo ao
emprego , da sade, da promoo da
igualdade de oportunidades entre homens
e mulheres, da economia, entre outros, para mudar em profundidade a face do pas.
Este programa implica, naturalmente,

Taxa de emprego na UE (15-64 anos)


1995a00

1999a00

2000

2001a00

2002a00

2003a00

UE25

61,9

62,4

62,8

62,8

62,9

UE15

60,1

62,5

63,4

64,0

64,2

64,3

Blgica

56,1

59,3

60,5

59,9

59,9

59,6

65,6

65,0

65,0

65,4

64,7

Dinamarca

73,4

76,0

76,3

76,2

75,9

75,1

Alemanha

Repblica Checa

64,6

65,2

65,6

65,8

65,4

65,0

Estnia

61,5

60,4

61,0

62,0

62,9

Grcia

54,7

55,9

56,5

56,3

57,5

58,7

Espanha

46,9

53,8

56,3

57,8

58,5

59,8

Frana

59,5

60,9

62,1

62,8

63,0

63,3

Irlanda

54,4

63,3

65,2

65,8

65,5

65,5

Itlia

51,0

52,7

53,7

54,8

55,5

56,1

Chipre

65,7

67,8

68,6

69,2

Letnia

58,8

57,5

58,6

60,4

61,8

Litunia

61,7

59,1

57,5

59,9

61,1

Luxemburgo

58,7

61,7

62,7

63,1

63,4

62,2

Hungria

55,6

56,3

56,2

56,2

57,0

Malta

54,2

54,3

54,4

54,2

Holanda

64,7

71,7

72,9

74,1

74,4

73,6

ustria

68,8

68,6

68,5

68,5

68,7

68,9

Polnia

57,6

55,0

53,4

51,5

51,2

Portugal

63,7

67,4

68,4

69,0

68,8

68,1

Eslovnia

62,2

62,8

63,8

63,4

62,6

Eslovquia

58,1

56,8

56,8

56,8

57,7

61,6

66,4

67,2

68,1

68,1

67,7

Finlndia
Sucia

70,9

71,7

73,0

74,0

73,6

72,9

Reino Unido

68,5

71,0

71,2

71,4

71,3

71,5

(:) no disponvel.

73
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

uma participao activa dos parceiros sociais, actores centrais neste campo. Existem em Portugal cerca de 331 sindicatos,
26 federaes sindicais, 39 unies sindicais e cinco confederaes sindicais, das
quais duas (a Confederao Geral dos Trabalhadores Portugueses-Intersindical Na-

cional CGTP-IN e a Unio Geral dos


Trabalhadores UGT) so maioritrias,
bem como 450 associaes, 21 federaes, nove unies e seis confederaes
patronais. -lhes pedido que acordem polticas macroeconmicas capazes de sanear
as contas pblicas, de tornar mais transpa-

Taxa de desemprego na UE
1995

2000

2001

2002

2003

2004

UE25

8,6

8,4

8,8

9,0

9,1

UE15

10,1

7,7

7,3

7,6

8,0

8,1

9,7

6,9

6,6

7,5

8,2

8,4

8,7

8,0

7,3

7,8

8,3

Dinamarca

6,7

4,3

4,5

4,6

5,4

5,5

Alemanha

8,0

7,2

7,4

8,2

9,0

9,5

12,8

12,4

10,3

10,0

9,7

Blgica
Repblica Checa

Estnia
Grcia

9,2

11,3

10,8

10,3

9,7

10,5

Espanha

18,4

11,1

10,3

11,1

11,1

10,6

Frana

11,1

9,1

8,4

8,9

9,5

9,6

Irlanda

12,3

4,3

4,0

4,5

4,7

4,5

Itlia

11,2

10,1

9,1

8,6

8,4

8,0

Chipre

4,9

3,8

3,6

4,1

4,6

Letnia

13,7

12,9

12,2

10,5

10,4

Litunia
Luxemburgo
Hungria
Malta

16,4

16,5

13,5

12,4

11,4

2,9

2,3

2,1

2,8

3,7

5,1

6,4

5,7

5,8

5,9

6,1

6,7

7,6

7,5

7,6

7,4

Holanda

6,6

2,8

2,2

2,8

3,7

4,6

ustria

3,9

3,6

3,6

4,2

4,3

4,8

Polnia

16,1

18,2

19,9

19,6

19,0

Portugal

7,3

4,0

4,0

5,0

6,3

6,7

Eslovnia

6,7

6,2

6,3

6,7

6,3

Eslovquia

18,8

19,3

18,7

17,6

18,2

Finlndia

15,4

9,8

9,1

9,1

9,0

8,8

Sucia

8,8

5,6

4,9

4,9

5,6

6,3

Reino Unido

8,5

5,4

5,0

5,1

4,9

4,7

Fonte: Eurostat, extraction, EU Labour Force Survey (EU-LFS).


(:) no disponvel.

74
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade

rentes e funcionais os mercados, de participar no esforo de qualificao dos jovens


e dos activos, de modernizao das empresas e de contribuio para a qualidade
da sociedade, a coeso social e a conciliao do trabalho com a vida familiar por via
de prticas socialmente responsveis.

Jovens e valores sociais


A evoluo demogrfica em Portugal desde os anos 50, mas particularmente a partir
dos anos 80, tem vindo a provocar importantes efeitos em vrias dimenses da vida
social, alguns dos quais inevitavelmente se
prolongaro e se aprofundaro no futuro.
Recorde-se que, num quadro de estabilidade tendencial do conjunto da populao
e independentemente dos saldos lquidos
migratrios, o que vai sendo mais significativo nas tendncias globais verificveis
nesse plano o duplo envelhecimento no
topo e na base da distribuio etria. O primeiro deve-se ao alargamento da esperana de vida. O envelhecimento na base, por
seu turno, tem a ver com o forte declnio da
natalidade, que em 1997 apresentava j
uma taxa bruta de 11,4, quando em 1960 tinha ainda um valor de 24,1, bem como da
quebra da fecundidade, que estava em
2004 nos 1,4 filhos por mulher em idade frtil, a comparar com os 3,2 no incio dos anos
60 (ver quadro da p. 51). To profundas
transformaes, tempos atrs provavelmente no esperveis, com esta dimenso, em
pases da Europa do Sul, relacionam-se
com um conjunto complexo de factores.
Portugal desruralizou-se aceleradamente desde o segundo ps-guerra (ver quadro da p. 47), alterando por a muitos dos
valores tradicionais, dos comportamentos e
dos modos de vida da sua populao. Essa
populao modificou tambm significativamente a sua composio, urbanizando-se,
fixando-se nas regies litorais, transferindo
a sua actividade econmica, em muitos casos, para o sector dos servios. Fortes mo-

bilidades sociais ascendentes somam-se,


tambm, a essas evolues.
Se os nveis de literacia dos Portugueses, as suas competncias efectivas em termos de leitura, escrita e clculo, esto ainda
bem longe de atingir patamares satisfatrios, a verdade que o acesso e frequncia
dos diversos graus de ensino so hoje tambm marcadamente superiores aos atingidos nos anos 60. E recorde-se tambm que
as mulheres esto a aproveitar as oportunidades oferecidas pelo sistema, sendo j
maioritrias, como se viu, no ensino superior, quer em termos de frequncia, quer em
termos de graduao (ver quadro da p. 47).
O crescimento recente da actividade
exterior feminina, com uma clarssima dominante de trabalho em tempo integral, fez
que se atingissem, por seu turno, valores
extremamente elevados. A diferena percentual de actividade econmica entre homens e mulheres est hoje entre as menores da UE.
No plano dos movimentos espaciais,
prolonga-se a cultura secular de emigrao dos Portugueses, embora o volume
dos emigrantes seja muito menor do que o
verdadeiro xodo dos anos 60 e tenda a ter
tambm uma forte componente sazonal.
Do lugar da imigrao foram j enunciadas
as mais recentes tendncias, sendo de sublinhar a sua indita dimenso recente,
bem como a diversidade, igualmente recente, da respectiva composio.
A revoluo de Abril de 1974, finalmente, ao repor um sistema democrtico longamente afastado, gerou ela prpria um vasto
conjunto de oportunidades e de consequncias na vida social, econmica e poltica do
pas. Se aqui se retomam, sinteticamente,
estes factores principais de mudana,
porque alm de eles se ligarem entre si,
tambm necessariamente se articulam com
as dimenses demogrficas antes enunciadas. Desde logo, a habitual classificao
das geraes, utilizada quer em termos administrativos quer com objectivos analti75
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

cos, parece cada vez mais problemtica


luz dos desenvolvimentos recentes, que ao
mudarem os contextos sociais pem em
crise as fronteiras intergeracionais. para
tentar superar a incomodidade dessa inadequao que comeam a surgir propostas de classificaes hbridas, como, por
exemplo, a de novos velhos, ou a de jovens adultos.
Como sabido, o progressivo envelhecimento no topo, em Portugal e no contexto
europeu, pe problemas cada vez mais prementes aos modelos de organizao social,
que estavam genericamente impreparados
para uma tal transformao. E quanto aos
jovens?
No se pode evidentemente esquecer
que falar de juventude implica um duplo arbitrrio: por um lado definir operacionalmente as tais fronteiras indecisas do ciclo
de vida, por outro homogeneizar de forma
implcita algo que , na sociedade, extremamente diversificado. Se quisermos, em
todo o caso, resumir alguns aspectos bsicos da evoluo estrutural recente dos
sectores jovens em Portugal, poderemos
dizer que eles tm vindo a diminuir o seu
peso relativo no conjunto da populao,
que aumentaram a escolaridade, que vivem mais nas cidades e no litoral, que casam menos, mais tarde e mais civilmente,
que vem adiada a entrada no mercado de
trabalho e adiam tambm o nascimento do
primeiro filho, que reduzem a sua descendncia global e a aumentam fora do casamento (Figueiredo, Silva e Ferreira, 1999).
O fenmeno que mais transversalmente
parece ento afectar esses sectores de jovens portugueses , porventura, o que respeita mudana radical nos modelos de
acolhimento e integrao de que a sociedade tradicionalmente dispunha.
Com efeito, os percursos que costumavam conduzir passagem idade adulta,
se bem que se diferenciassem entre si conforme as classes sociais, eram razoavelmente rgidos, normalizados e, por isso
76
Sociedade

mesmo, previsveis. Progressivamente, em


particular por influncia do aumento do desemprego e da precarizao do trabalho
de que os jovens esto entre as vtimas preferenciais , essas transies no apenas
tendem a prolongar-se no tempo, como assumem um carcter de imprevisibilidade e
de risco, imprevisibilidade e risco que, embora sob diferentes formas, passaram a
afectar mesmo alguns sectores provenientes de famlias com maiores recursos.
Toda essa incapacidade de integrao
normalizada vai gerando, por parte dos jovens, diferentes estratgias adaptativas,
originando, do mesmo passo, transies
pautadas por culturas performativas que se
alimentam do risco, da incerteza e da
aventura (Pais, 1998a) e (AAVV, 1999).
O que se passa, ento, que os jovens
no vo tendo outro remdio seno o de se
transformarem em especialistas prticos
em lidar com a incerteza.
Os rituais emancipatrios prprios da
afirmao identitria das geraes jovens
tendem a intensificar-se nos seus modelos
e contedos, investindo fortemente os
comportamentos quotidianos.
Isso mesmo se revela numa certa cultura e numa certa prtica do excesso, do desafio e da transgresso, com variadssimas
manifestaes. Elas vo dos desportos radicais ao piercing, do consumo de droga a
certas formas de criminalidade, da sinistralidade rodoviria msica e ao vesturio.
Ou seja, essas culturas performativas
que obviamente no se configuram necessariamente como prticas desviantes
atravessam as diversas dimenses de vida
das camadas juvenis, incluindo, em particular, as dimenses ldicas, conviviais
e de lazer. Por a se afirmam identidades e
diferenas.
A incerteza e, frequentemente, a fragilidade dos modelos de incluso social fazem
com que a transio para a idade e para a
sociedade adultas no s se prolongue no
tempo como possa ter retrocessos.

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade

A designao gerao y-y (Pais,


1996; Walter et al., 1999) pretende justamente mostrar como, em muitos casos, as
transies que parecem consumadas atravs dos seus indicadores habituais o
trabalho, o casamento, a nova casa so
afinal reversveis, podem voltar atrs, porque sobreveio o desemprego, porque houve divrcio, porque se voltou casa paterna, porque se tornou condio estudantil.
Tudo recomear mais tarde, numa nova
entrada convencional na vida adulta.
O sistema de ensino, instituio socializadora por excelncia, constitui bom exemplo das dificuldades crescentes na integrao dos jovens, como mostra o preocupante
volume de abandonos do sistema, bem como os nveis altos de iliteracia de muitos dos
que o frequentam ou frequentaram.
Mesmo a universidade, onde j s chegam os que passaram um complexo sistema de filtros sociais, parece continuar a revelar distncia e por vezes choque entre
os seus prprios modelos organizativos, os
seus procedimentos, as suas pedagogias
prevalecentes e alguns dos valores exteriores da juventude.
Como se vo traduzindo os novos processos sociais no conjunto desses valores
dos jovens, se entendermos valores como
sistemas de preferncias, relativamente
duradouras, que constituem referncias
para os respectivos comportamentos?
Estudos recentes mostram que os jovens portugueses tm posies menos
conservadoras do que as geraes mais
velhas, o que evidentemente no surpreende. Eles tendem, com efeito, a valorizar a liberdade de expresso e a tolerncia, valorizando tambm claramente as relaes
afectivas. Os mais instrudos, em particular,
defendem a liberdade pessoal, apostam na
auto-realizao e na igualdade de oportunidades, consideram de forma positiva os
esforos em prol da democracia, da ecologia e da convivncia multicultural (Pais,
1998b).

Manifestao anti-racista.

Os estudantes do ensino superior confirmam, por seu turno, a centralidade que


para eles tm certas esferas da vida social,
em particular as que se referem famlia e
aos amigos, ao mesmo tempo que atribuem pouca importncia ao poder e se
distanciam das organizaes polticas e religiosas. Mas expressam confiana, em
contrapartida, no futuro cientfico, tecnolgico, econmico e poltico do pas (Almeida, 1990; Almeida, Costa e Machado,
1988; Costa, Machado e Almeida, 1990;
Machado, Costa e Almeida, 1989).
Se os valores dos jovens parecem indiciar um caminho global de modernidade,
ter isso algum valor preditivo para o futuro
da sociedade portuguesa? Estaremos perante um mero efeito de ciclo de vida, que
a chegada idade adulta se encarregar
de reabsorver e normalizar em posturas
mais conformistas? Ou haver aqui, pelo
contrrio, um efeito geracional que tender
a prolongar-se na cultura e nos valores futuros? O cenrio mais provvel ir no sentido da ltima hiptese colocada.
As jovens geraes viveram, com efeito, condies sociais muito significativamente diferentes das dos seus pais, a benefcio de um conjunto de transformaes
rpidas a que atrs se aludiu, e que no
ps-guerra, em particular a partir dos anos
60, modificaram significativamente o pas.
77
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

Trata-se de processos que nada leva a crer


que se interrompam ou que invertam o seu
percurso. A ser assim, ento, a continuidade e o aprofundamento de tais processos
tendero a reactualizar os efeitos, no mesmo sentido, que vm exercendo sobre as
dimenses simblicas da sociedade portuguesa.
Diversos estudos parecem confirmar,
desde j, a prevalncia de certas configuraes de valores com mbito mais global
e mais intergeracional.
Como sempre acontece, s se pode falar aqui de tendncias, que no so nem
partilhadas por todos os grupos sociais,
nem isentas de manifestaes de sinal
contrrio. Elas tm sido, por outro lado,
marcadas por uma sucesso de conjunturas de ciclo alto atravessadas pelo pas,
que vo da instaurao democrtica aos
primeiros efeitos positivos, nos planos poltico, econmico e social, da integrao europeia. Eventuais alteraes de conjuntura
afectaro necessariamente, de forma mais
ou menos acentuada, algumas dimenses
de tais tendncias. A comear, por exemplo, pelo continuado optimismo pr-europeu dos Portugueses, que se manifesta
tambm, com clareza, nas camadas jovens
(Pais, 1999) mas que recentemente se tem
justamente vindo a atenuar, seno mesmo
a inverter.
Enunciem-se, ento, algumas dessas
tendncias de valores de alcance muito
geral. Elas tm por principais protagonistas, alm de muitos dos sectores mais jovens, a populao activa urbana e, em particular, a que detm maiores recursos em
capital escolar e cultural.
Cada vez com intensidade e transversalidade mais significativas tem-se afirmado o que, falta de melhor designao, se
pode chamar o valor da realizao pessoal. Estratgias e projectos autocentrados
vo ganhando prioridade, de forma consciente, caracterizando formas de individualismo em geral moderadas. Nas socieda78
Sociedade

des camponesas, o colectivo, aldeo e


familiar, constitua o princpio e o fim de todas as dimenses relevantes da vida. Ele
justificava sacrifcios, adiamento ou renncia a prazeres, preparao laboriosa e defensiva de um futuro incerto e geralmente
ameaador. Esse mundo que ns perdemos, com a rpida desruralizao, deu lugar a novas lgicas e constrangimentos.
verdade que os sectores urbanos continuam, como no passado, a atribuir importncia primordial afectividade e famlia,
o que justamente contribuir para lhes temperar o individualismo. Mas j preferem o
modelo simtrico e autnomo de organizao familiar, com mais igualdade e menos
sacrifcios individuais. E valorizam, por outro lado, o contedo intrnseco do trabalho,
o prazer que dele retiram. Eles esto menos dispostos a adiamentos daquilo que
consideram poder ser a sua felicidade.
Uma segunda tendncia de valores,
que se liga de resto a essa recusa de adiamentos, diz respeito generalizao do
cepticismo em relao a objectivos sistmicos, a modelos de sociedade globais e fechados, projectados no futuro.
Vai-se afirmando, pelo contrrio, um
pragmatismo que prefere as regulaes
processuais, deixando entre parnteses
objectivos globais e hericos a favor de
uma manipulao mais directa, quotidiana
e exequvel daquilo que pode, de facto, influenciar o futuro. A desconfiana revelada
em relao a instituies polticas, a partidos, no se comunica assim a outras formas de participao social e a outros objectivos de natureza colectiva. No se trata
portanto, ao afirmar-se essa tendncia, de
um refgio sistemtico na esfera privada
da vida, como mostra tambm a importncia e o investimento atribudos s dimenses profissionais.
Uma terceira tendncia tem a ver com a
convivncia mais fcil de valores distintos,
com a interiorizao da tolerncia e a habituao alteridade.

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade

A consolidao da democracia constitui


certamente e simultaneamente factor e
efeito dessa maior tolerncia, que se prolonga mesmo ao convvio dos valores geralmente mais rgidos, que costumam ser
os de natureza moral, religiosa e poltica.
A abertura da sociedade portuguesa,
facilitando contgios de provenincia exterior directamente no plano simblico, a
complexificao e diversificao dos processos sociais, tudo tem contribudo para
julgamentos menos crispados sobre os
modelos e as referncias diferentes dos
outros.
Um ltimo valor que vale a pena referir
diz respeito ao que se pode chamar o artesanato das ideias. As ideologias, como sistemas organizados de compreenso do
mundo que so tambm instrumentais para
os comportamentos, esto longe de mor-

rer, ao contrrio do que alguns profetas recorrentemente afirmam. O que vai estando
claramente mudado o modo como a elas
se recorre.
Tais ideologias costumavam, alm de
serem tomadas por reciprocamente exclusivas, ser adoptadas ou rejeitadas em bloco. Era-se catlico ou no. Era-se marxista
ou no. Hoje a tendncia vai no sentido de
cada cidado, cada grupo, reivindicar autonomia na escolha, na combinao e na
gesto de elementos do campo simblico,
independentemente da respectiva origem
e em funo do que cada um julga til e
adequado.
Esta prevalncia do por medida, esta rejeio do pronto-a-pensar, constitui
assim mais um dos valores que parecem
afirmar-se e difundir-se entre os Portugueses.

79
Sociedade

O territrio

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Vtor Matias Ferreira


Alexandra Castro

Apresentao

texto aqui apresentado1 procura


abordar, de modo necessariamente sucinto, o territrio portugus, em torno das suas assimetrias, polarizaes e reordenamentos. Para tal, trs
reas temticas permitem desenvolver essa abordagem, no s numa perspectiva
diacrnica, mas tambm privilegiando a
actual configurao territorial, bem como
os respectivos sinais de mudana socioespacial. Num primeiro momento, articulam-se os processos migratrios com as respectivas formas de povoamento, havendo
lugar, ento, para constatar determinadas
situaes de polarizao territorial. Ainda
em relao a esta primeira rea analtica,
houve a preocupao de assinalar aqueles
processos em trs momentos muito particulares: desde os anos 60; depois de 25
de Abril de 1974; finalmente, a partir de
1985, altura em que Portugal passou a integrar a ento designada Comunidade Europeia.
Num segundo ponto, de mais amplo desenvolvimento analtico, as referidas assimetrias so abordadas em torno do perfil da
organizao territorial do pas. Assim, interioridade e litoralizao constituem as duas
faces daquele mesmo processo de territorializao, em funo do qual procurmos
averiguar as condies para o surgimento
de uma nova ordem territorial. Sublinha1

A verso original deste texto, tal como referido na


apresentao deste livro, foi publicada na obra colectiva coordenada por Antnio Reis, Portugal: Anos
2000, Crculo de Leitores, 2000. A presente verso, a
convite e de acordo com os termos desse mesmo
convite da Presidncia do Instituto Cames, correspondeu, assim, a uma reviso/actualizao do
texto original e da respectiva bibliografia.

80
Sociedade

mos, assim, as formas de uma ocupao


territorial litoralmente atlntica, bem como o
papel das infra-estruturas no (re)ordenamento do territrio, o que nos permitiu detectar alguns elementos de mudana do
pas, quer ao nvel socioeconmico, quer,
obviamente, no respectivo quadro territorial.
Finalmente, num ltimo ponto, questionamos a passagem de um posicionamento
apoiado, fundamentalmente, numa estrutura
de rede urbana, para uma abordagem
centrada em torno da problemtica das redes de cidades, o que nos permitiu destacar o papel de determinados aglomerados
urbanos, particularmente de natureza metropolitana, no actual contexto globalizado e
transnacional. E se, nesse mesmo contexto,
Lisboa e Porto se confrontam com a necessidade de uma profunda reestruturao metropolitana, o territrio nacional, no seu conjunto, dever atravessar uma alargada
reorganizao socioespacial, potenciando,
ento, uma malha urbana em rede, sobretudo no interior, mas tambm no respectivo litoral. Haver lugar, assim, para destacar a importncia destas centralidades
urbanas, no quadro de um necessrio
reordenamento territorial do pas.

Migraes e povoamento:
a polarizao territorial
Da emigrao s migraes internas:
a dupla dispora dos Portugueses
Portugal sempre foi um pas de migrantes,
tomando este sempre num ciclo significativamente amplo, nomeadamente, desde
o incio da poca moderna. Realmente,

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O territrio

Portugal continental em foto de satlite.

81
Sociedade

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Retrato de Portugal

desde Quinhentos que temos relatos circunstanciados dessa dispora lusitana,


como se o pas fosse sempre demasiado
pequeno face imaginria dimenso de
outros mundos. E sem dvida que essa
permanente disponibilidade para partir
mas, muitas vezes, com a esperana do
regresso... haveria de determinar a condio migrante dos Portugueses.
Naturalmente, essa condio haveria
de se manter, em moldes no menos dramticos, na poca contempornea. Mas,
agora, com um duplo direccionamento.
Com efeito, se se mantm a tendncia ancestral para a efectiva e literal emigrao
de populaes, para fora do pas, contudo,
um outro movimento, no necessariamente
independente do anterior, ir atingir propores determinantes no actual povoamento do territrio nacional: o movimento
das migraes internas, na generalidade
direccionado do interior para o litoral do
pas, com duas grandes reas de polarizao demogrfica, Lisboa e Porto.
Esse duplo direccionamento migratrio
ir ser fortemente empolado a partir dos
anos 60. Era um perodo de intenso crescimento econmico, sobretudo na Europa,
contemporneo de um renovado optimismo
capitalista. Nessa medida, tambm em
Portugal, o condicionamento industrial
no conseguia impedir alguma intensificao capitalista, nomeadamente atravs de
uma progressiva implantao de sectores
de capital intensivo, mas tambm custa
de baixos custos comparativos da fora de
trabalho, como foi o caso da instalao, em
diversas reas estratgicas, de diversas
empresas multinacionais.
Assim, a emigrao do continente ir
orientar-se, fundamentalmente, para a Europa, em especial para Frana e, mais tarde, tambm para a Alemanha, enquanto,
em relao s regies autnomas, aqueles
fluxos emigratrios iro projectar-se, no caso dos Aores, sobretudo para os Estados
Unidos da Amrica e para o Canad, e, no
82
Sociedade

caso da Madeira, fundamentalmente para


a frica do Sul. Se tivermos presente anteriores movimentos da populao portuguesa, com outros destinos, nomeadamente
para o Brasil, para alm da longa colonizao africana, constatamos que, efectivamente, a emigrao portuguesa parece
no ter limites, nem histricos, nem muito
menos geogrficos!
Por outro lado, em relao aos fluxos
imigratrios, isto , das migraes internas, particularmente no continente, eles
iro determinar uma ocupao sucessiva
do litoral, como dissemos, mas num processo que, alegoricamente, poderamos
titular de algum cinismo urbano, na
medida em que as populaes so, efectivamente, atradas pelas cidades, mas
inexoravelmente empurradas para as
diversas periferias daqueles aglomerados
urbanos.
Ainda em relao quele processo migratrio alm-fronteiras, que referimos
atrs, sabemos que se intensificou, em
grande medida, at crise econmica,
escala mundial, dos anos 70. Em Portugal,
a revoluo de 1974 acabou por potenciar,
a este nvel, aquela mesma inverso dos
movimentos migratrios anteriores: com
efeito, a partir daquela crise internacional,
regista-se um progressivo regresso de emigrantes, sobretudo da Europa, a que se ir
juntar, no quadro do processo de descolonizao africana, um forte contingente de
populaes oriundas daqueles territrios
(cerca de meio milho de pessoas).
Deste modo, os anos sucessivos quela
crise iro registar alguma recomposio
social e territorial, sendo certo, porm, que
aquela tendncia para a litoralizao nos
processos de ocupao do territrio se ir
acentuar ao longo dos anos 80. E se, no final dessa dcada, as duas regies metropolitanas (Lisboa e Porto) tendem a estabilizar os respectivos fluxos migratrios e
demogrficos, sero sobretudo as diversas
conurbaes urbanas (manchas de ocu-

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O territrio

Emigrantes de partida para a Alemanha Ocidental (1964).

pao territorialmente contgua, ainda que


apresentando algumas descontinuidades
espaciais), em especial no continente portugus, que iro polarizar a concentrao
maioritria da populao portuguesa.
A ruptura poltica
e as experincias territoriais
Como vimos no ponto anterior, a ruptura
poltica de 1974, ao mesmo tempo que
coincidiu com um certo refluxo migratrio, acabou por determinar um excedente demogrfico, oriundo quer do regresso
significativo de emigrantes, quer do retorno
das antigas colnias portuguesas. De registar, desde j, que desse retorno populacional, sobretudo de frica (cerca de
meio milho de pessoas, como dissemos
atrs), quase metade acabou por se fixar
no espao metropolitano de Lisboa, o que
permitiu contrariar, de algum modo, uma
tendncia para uma relativa regresso demogrfica daquele territrio, de resto semelhana do que estava acontecendo noutros espaos urbano-metropolitanos da
Europa.
E se, aparentemente, foi possvel constatar um processo de relativa integrao so-

cial daquelas populaes, sobretudo as regressadas de frica o que no significa,


necessariamente, que se possa falar de integrao cultural! certamente que so
j visveis significativos efeitos ao nvel socioprodutivo e territorial, resultantes daquele
retorno demogrfico. E no s no caso da
regio de Lisboa, mas, fundamentalmente,
nas zonas centro e norte do continente, num
movimento populacional a que seria necessrio articular um significativo incremento de
pequenas e mdias empresas, num processo que se desencadear ao longo dos anos
80, mas que acabar por ter um enorme impacto na dcada seguinte.
Em todo o caso, so de registar algumas experincias territoriais, no seguimento da revoluo de Abril de 74, sendo
certo que, como parece evidente, no foi
tanto a esse nvel que se registaram as mudanas mais significativas. Com efeito, outras reas crticas, ainda que directa ou indirectamente articuladas com a questo
territorial, estiveram no centro dos debates
e, sobretudo, no centro das reivindicaes
sociais e dos confrontos polticos.
Uma dessas reas tem a ver com o secular problema da habitao, em torno
83
Sociedade

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Retrato de Portugal

do qual se centrou uma aposta poltica


muito forte, lanada ainda naquele ano de
1974: tratou-se do Servio de Apoio Ambulatrio Local (SAAL) (directamente dependente do governo, atravs da ento
Secretaria de Estado da Habitao e do
Urbanismo) e claramente direccionado para os bairros degradados de vrias cidades do pas, com particular destaque para
os casos de Lisboa (barracas) e do Porto (ilhas). Esse programa tinha como
ambio reconverter e qualificar aqueles
bairros, mantendo os residentes nos respectivos locais. A intensa mobilizao social da poca, associada a uma confrontao poltica permanente, extremou os
objectivos daquele programa habitacional. Com a mudana radical daquela conjuntura poltica (a partir do 25 de Novembro
de 1975), a erradicao deu-se, no com
as barracas, nem com as ilhas, mas,
precisamente, com aquele programa poltico e urbanstico!
Ainda no quadro habitacional, de registar uma outra situao, de evidentes
impactos territoriais, que se generaliza
desde o incio dos anos 70 e que, significativamente, se ir intensificar no ps-25
de Abril: tratou-se da construo ilegal,
associada a um processo sistemtico de
Bairro clandestino da Serra da Luz, Odivelas.

84
Sociedade

loteamentos de amplas zonas rurais, que,


deste modo, se iam urbanizando! Um tal
incremento de habitao clandestina,
muito acentuado em diversas zonas perifricas das cidades, teve uma expresso
muito significativa nas zonas norte e sul da
regio de Lisboa, desencadeando, ento,
uma generalizada ocupao difusa desse
mesmo territrio. Com a institucionalizao
(legal, mas sobretudo financeira) das autarquias locais (em 1979, com a primeira
Lei das Finanas Locais) inicia-se, ento,
um lento (ainda que, por vezes, desequilibrado) processo de ordenamento territorial
(sobretudo em termos de saneamento bsico, estruturas virias, etc.), a par da edificao de diversos equipamentos de natureza colectiva.
Esboam-se, ento, no quadro democrtico entretanto institucionalizado, os primeiros instrumentos de interveno territorial, como foi o caso do que, mais tarde,
veio a ser designado de plano director municipal. E no deixa de ser significativo assinalar que os primeiros enquadramentos
urbansticos desses planos, desde os incios dos anos 80, tivessem consignado,
aos respectivos municpios, competncias
na esfera econmica e social, para alm,
naturalmente, das decorrentes directamen-

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O territrio

te da respectiva administrao local do


respectivo territrio. A presuno de uma
suposta exorbitncia de funes municipais, aliada a uma eventual conflitualidade
de atribuies, nos diversos escales de
planeamento em relao aos quais, desde os anos 70, se reabriam, periodicamente, o debate e as propostas , implicou
que a actual figura daqueles planos (de
1990) acabasse por ser bastante mais especfica e restritiva.
Em todo o caso, at meados dos anos
80, o trao territorial mais significativo decorre, sobretudo, da progressiva institucionalizao e da correspondente interveno, do que ento se designava de poder
local, isto , a capacidade institucional e o
exerccio poltico da administrao do territrio, confinante com as respectivas autarquias locais. Essa mesma actuao poltico-institucional em muitos casos, com
impacto notavelmente positivo, quer ao nvel da estruturao e do equipamento do
respectivo territrio, quer enquanto redescoberta de processos e de identidades de
natureza local, num conjunto articulado
de dimenses nem sempre pacficas face
ao prprio poder central contribuiu, contudo, mas de modo decisivo, para a incluso da dimenso territorial nos projectos
polticos de desenvolvimento econmico e
social do pas. Registe-se, no entanto, um
dos aspectos mais crticos do referido poder local, enquanto responsvel por processos extensivos e intensivos de ocupao do territrio, na base de mltiplos
licenciamentos de urbanizao.
A integrao comunitria
e o regresso territorial Europa
A partir de 1985, com a integrao de Portugal na ento designada Comunidade Europeia, aquela dimenso territorial comea
a ser, ento, progressivamente assumida,
tanto no discurso tcnico e analtico, como
na prtica poltica e, a este nvel, em termos da gesto local, mas tambm ao nvel

Planos directores municipais de Matosinhos


e do Seixal.

do governo central. Deste modo, aquela dimenso passa a integrar, pelo menos enquanto inteno poltica, os projectos, os
programas e as propostas, independentemente dos respectivos domnios sectoriais
ou temticos. A par desta progressiva assuno territorial, uma outra componente
ir determinar a presente conjuntura comunitria, de modo indelvel reportamo-nos ao domnio disciplinar e tcnico-poltico do ambiente.
Realmente, de modo progressivo e atravs de um processo moroso, muitas vezes
conflitual, mas apontando para uma necessria compatibilidade entre aquelas duas
componentes, desde finais dos anos 80,
mas sobretudo ao longo da dcada seguinte, o ordenamento do territrio tem vindo a
confrontar-se com o necessrio e correspondente equilbrio ambiental. A sucessiva integrao, no quadro institucional portugus,
das directivas comunitrias consagrando
aquela inelutvel compatibilidade acabou
por ter, mau grado as presumidas contradies econmicas, um claro efeito pedaggico e, nessa medida, acabou por determinar uma postura politicamente irrecusvel!
No quadro estrito do ordenamento do
territrio, o referido perodo correspondeu
a uma conjuntura de afirmao de diversas
figuras de planeamento territorial, de acordo com a escala de referncia, mas tambm em funo de objectivos mais especficos. De resto, a experincia dos planos
directores municipais, ainda que na sua
85
Sociedade

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Retrato de Portugal

modalidade mais restrita de sistematizao


de funes e de regulamentao de usos
dos respectivos espaos concelhios, aconselhava, se no mesmo exigia, outras escalas de ordenamento territorial.
Tal foi o caso dos planos regionais de
ordenamento do territrio (cuja figura legal
inicial de 1983), que suportaram vrias
vicissitudes, quase sempre no quadro das
necessrias compatibilidades de nveis de
planeamento territorial, para alm do permanente debate sobre atribuies e competncias em relao a cada uma das respectivas escalas de interveno territorial.
A tendncia actual para entender aqueles planos regionais sobretudo como instrumentos de enquadramento estratgico
de organizao territorial. A este nvel,
de referir, ainda, outras figuras de planeamento (nomeadamente, os planos de ordenamento da orla costeira), para alm
da progressiva institucionalizao e regulamentao ainda que num contexto de
frequentes focos de tenso e de conflitualidade das reservas agrcola e ecolgica, escala nacional, de resto em paralelo
com a progressiva consolidao dos parques e reservas naturais. j dos finais
dos anos 90 a publicao da Lei de Bases
de Poltica de Ordenamento do Territrio e
do Urbanismo, estando no momento presente em discusso pblica o que se prev vir a constituir o Programa Nacional de
Poltica do Ordenamento do Territrio
Constata-se, assim, um progressivo,
ainda que contraditrio, processo de planear, a diversas escalas, a organizao territorial e o ordenamento urbano do pas, ao
mesmo tempo que, nem sempre de modo
compatvel, se vo sedimentando determinadas lgicas de ocupao desse mesmo
territrio. Ou seja, se a referida conjuntura
beneficiou, amplamente, dos famigerados
fundos estruturais da actual Unio Europeia nomeadamente, na estruturao viria, no saneamento, etc., aos quais regressaremos adiante , as dinmicas territoriais
86
Sociedade

decorrentes desses volumosos investimentos no tero alterado, significativamente,


algumas das lgicas mais pesadas de conjunturas anteriores.
Deste modo, parece persistir a lgica
da litoralizao, a que se vem associar
uma incessante urbanizao difusa, mas
mantendo, em grandes manchas territoriais, uma acentuada desertificao econmica e social. Ou seja, no dealbar de uma
nova dcada e de um novo milnio, o pas
procura, ainda, formas mais equilibradas
de ocupao do respectivo territrio ao
mesmo tempo que, de modo indelvel, se
orienta para um necessrio, ainda que no
exclusivo, regresso territorial Europa.
Mas, antes de procurar dar conta de alguns elementos de mudana, precisamos,
por isso, de sintetizar o respectivo diagnstico territorial.

Interioridade e
litoralizao: uma nova
ordem territorial?
Uma ocupao litoralmente atlntica
possvel partir de uma constatao, relativamente consensual em relao a vrios
autores, que poderamos sintetizar dando
conta de um pas litoralmente ocupado,
com uma condio territorial assimtrica,
desequilibrada e invertebrada! Constata-se, portanto, que Portugal um pas litoralmente (e literalmente) encostado ao
Atlntico. Tendo atingido os dez milhes de
habitantes, apresenta, contudo, uma ocupao demogrfica profundamente assimtrica. Com efeito, grande parte da populao do continente distribui-se ao longo
da costa atlntica (ocidente e sul do pas),
na qual os dois nicos espaos metropolitanos (Lisboa e Porto) concentram mais de
40 % daqueles residentes. Por outro lado, a
ocupao territorial dos Aores e da Madeira segue, igualmente, aquela lgica de
litoralizao atlntica, em que as principais cidades e vilas urbanas, quase to-

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O territrio

das de implantao ocenica, concentram,


praticamente, a totalidade da populao
insular.
Em todo o caso, aquela distribuio assimtrica da populao no se realiza de
uma forma homognea ao longo daquela
litoralizao, apresentando alguma disperso, a par de zonas com densidade demogrfica elevada. Assim, nos incios da
dcada de 90, era possvel constatar a
configurao, no continente portugus, de
uma extensa conurbao urbana ligando
a Pennsula de Setbal (zona sul da regio
metropolitana de Lisboa) at regio de
Braga (a norte do territrio metropolitano
do Porto). Deste modo, no quadro regional
e excluindo o caso do Algarve, que
apresentou, na penltima dcada de recenseamento (1981-1991), um crescimento
realmente empolado por uma induzida procura turstica a regio do Alentejo, de
modo dramtico, e a do Centro, em moldes

menos acentuados, so as regies que


perderam para as restantes, particularmente a do Norte e a de Lisboa e Vale do Tejo,
significativamente as regies em que se situam os referidos espaos metropolitanos
do pas!
Os dados estatsticos mais recentes
(2001) no vieram alterar significativamente aquela lgica de ocupao do territrio, ainda que introduzindo pequenos
reequilbrios demogrficos em determinadas zonas do pas continental. Com efeito,
se ao longo da ltima dcada a quase totalidade das regies (estatsticas) do continente registou alteraes positivas na
respectiva ocupao populacional com
excepo do Alentejo tais alteraes tiveram uma distribuio regional bastante
assimtrica. Assim, se no caso do Alentejo aquela diminuio foi praticamente residual (inferior a 1 %), no Algarve, em grande medida pelas razes j anteriormente

A regio metropolitana do Porto, evidenciando a conurbao urbana que liga a pennsula de


Setbal regio de Braga.

87
Sociedade

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Retrato de Portugal

referidas, a respectiva alterao demogrfica (de cerca de 16 %) ter sido, de


longe, a mais elevada no contexto regional do pas. E se a regio Centro v crescer (de 4 %) a respectiva populao, tanto a regio Norte, como a de Lisboa,
acabaram por intensificar (em cerca de
6 %) a sua j anterior macrocefalia demogrfica (ainda que relativamente bicfala) no contexto da ocupao territorial do
continente.
Como vimos atrs, regista-se, assim,
uma bipolarizao na ocupao territorial
do pas, em que a par daquela urbanizao, simultaneamente concentrada e difusa, mas, ao fim e ao cabo, atlntica, se
confronta com uma acentuada desertificao do interior, tanto continental ainda
que apresentando algumas bolsas urbanas como insular. Uma tal situao resultou, fundamentalmente, como ento dissemos, de um profundo processo de xodo
rural e de atraco urbana que, desde os
anos 60, se acentuou fortemente, no s
para os principais centros urbanos do pas,
mas tambm para o estrangeiro. Tratou-se,
pois, de um crculo territorialmente pouco
virtuoso, da emigrao-desertificao-emigrao! E muito embora, nos ltimos
anos, se tenha vindo a registar, como observmos, alguma sedimentao demogrfica e urbana em certos centros urbanos
inclusive no prprio interior do pas, como
veremos melhor adiante aqueles movimentos de atraco e de repulso atingiram uma inrcia muito forte, acentuando,
assim, aquela bipolarizao territorial e demogrfica.
Foi um tal retrato territorial, uma tal
imagem a voo de pssaro, realista na
sua viso macro, que nos levou, emblematicamente, ao encontro da metfora de Jos Saramago, a partir da qual o pas, em
especial o continente, estaria, ento, vogando numa jangada assente na sua
frente de gua, rumo ao Atlntico profundo,
deixando para trs um territrio desertifica88
Sociedade

do e, por isso, ingratamente abandonado!


E conquanto a metfora tenda a realizar-se
cumprindo, assim, o destino de Portugal? , necessrio aprofundar aquela
imagem global.
J vimos que aquela dita conurbao, ao longo do litoral do continente, no
corresponde a uma ocupao homognea,
em termos de nveis de densificao demogrfica do respectivo territrio. Aparecem,
assim, cachos de reas, ditas urbanas,
mas ainda ao longo de uma faixa costeira
cuja largura no supera os 40 km (Baptista,
1995: 23). Mas uma constatao importante a reter daquela no homogeneidade territorial que os ndices de crescimento de
ocupao fsica daquelas reas apresentam valores mais acelerados do que o respectivo crescimento demogrfico (MPAT,
1993), isto , o ritmo de ocupao territorial
superior s respectivas necessidades
demogrficas! Por outro lado, a concretizarem-se as mltiplas reas a urbanizar,
previstas na maior parte dos planos directores municipais, aquela oferta poderia
chegar ao triplo da actual populao do
pas!
Estamos, assim, perante um processo
de conquista e de ocupao de solo no-urbano (e, significativamente, assim restar, em muitos casos, aguardando uma infra-estruturao espacial e uma integrao
territorial), configurando, deste modo, situaes perifricas de espaos, eles prprios
suburbanos de determinados aglomerados. Mas regressando aos cachos urbanos, anteriormente assinalados ao longo
da orla costeira do continente, importante
sublinhar que neles se localiza boa parte da
actividade produtiva e desta, a que mais
significativamente atravessou processos de
modernizao tecnolgica a par de uma
especializao dos servios (que grosseiramente poderamos designar de tercirio
avanado), com particular destaque para
as mencionadas regies metropolitanas (em
especial a de Lisboa).

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O territrio

Como ento dissemos, aquela configurao territorial decorreu, em grande parte,


de um importante processo de recomposio socioprodutiva, nas duas ltimas dcadas. Um tal processo implicou uma relativa
desindustrializao (a uma escala muito
menor do que a atingida nos restantes pases da comunidade europeia), um significativo crescimento do tercirio, sobretudo
dos sectores centrados no trabalho independente, a par de uma intensificao dos
grupos sociais tcnicos, cientficos e empresariais. Efectivamente, num arco temporal de mais de trinta anos, o perfil socioprofissional da populao activa portuguesa
mudou profundamente (cf. Almeida, Costa
e Machado, 1994).
Mais especificamente, aquele perfil aparece determinado por um importante crescimento de empresrios e dirigentes (recuperando, desse modo, um peso relativo
perdido nas duas dcadas anteriores), ao
mesmo tempo que se verifica um significativo crescimento, quer dos profissionais
tcnicos e de enquadramento (que duplica
a respectiva importncia relativa, entre 1981
e 1992), quer dos trabalhadores independentes. O nico grupo socioprofissional
que, para alm dos anteriores, v aumentar
(mas muito ligeiramente) o seu peso relativo, naquela ltima dcada, o correspondente aos empregados executantes. Todos os restantes grupos tm quebras
significativas e, nalguns casos, aparentemente de modo irreversvel (como a situao dos produtivos do sector agrcola)2.
Um tal perfil acentua o surgimento de
uma nova classe mdia, cuja composio social aparece muito determinada por
aqueles profissionais tcnicos e de enquadramento, para alm do peso, no despiciendo, dos ditos empresrios e dirigentes
2 de admitir, nesta mesma publicao, precisamente no captulo dedicado sociedade (p. 43),
uma actualizao do perfil indicado, que, no entanto,
no dever ter alterado significativamente as propores relativas entre aquelas diferentes categorias
socioprofissionais.

efectivamente, boa parte dos quais ligada ao incremento, sobretudo nas duas ltimas dcadas, de pequenas e mdias empresas, Em todo o caso, aquele perfil
contribui decisivamente para que o peso
global das classes mdias, de insero
predominantemente urbana, seja hoje um
dos traos mais marcantes da estrutura de
classes em Portugal (Machado e Costa,
1998: 36). Isto , a sociedade portuguesa
no s reforou a sua implantao territorial em determinadas zonas da sua orla
costeira, como se transformou, maioritariamente (65 % da populao activa) em populao terciria, de colarinhos brancos, sendo que um quarto do total da
populao activa tem funes de direco
e de enquadramento! Curiosamente, a um
perfil de uma populao activa precocemente terciarizada parece corresponder
um outro perfil de um territrio supostamente urbanizado!
Trata-se, portanto, de um territrio bastante contrastado. E, no entanto, como dissemos atrs, o pas teve mudanas significativas sobretudo a partir dos anos 80.
Observemos, ento, a diferenciao regional que ao longo desse perodo se foi cristalizando, nomeadamente a partir de um
estudo governamental (cf. MPAT, 1993),
que embora j um pouco longnquo no
deixou de ilustrar uma imagem assimtrica
e polarizada do continente portugus e
que, deixando marcas profundas no respectivo territrio, tarda a ser superada.
A partir de um conjunto de indicadores,
tanto de desempenho econmico (rendimento per capita, emprego, produtividade
industrial e consumo privado), como ao nvel dos factores estruturais (stock de infra-estruturas, recursos humanos, estrutura
produtiva e condies de vida), para os
anos 1981, 1986 e 1991, aquele estudo
construiu um ndice sinttico, a partir do
qual possvel retirar concluses sobre o
desenvolvimento das disparidades regionais (op. cit., 165-172).
89
Sociedade

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Retrato de Portugal

O Teatro Viriato, em Viseu, um dos plos de dinamizao cultural da cidade.

Com efeito, um tal ndice sinttico


condensa uma avaliao inter-regional,
que nos permite quantificar, num quadro
comparativo, algumas das observaes
que temos vindo a desenvolver. Desde logo, o destaque das regies metropolitanas,
particularmente a de Lisboa, que apresenta, face mdia nacional, os valores mais
elevados nos trs momentos de aferio
significativamente, ao nvel regional, mesmo a nica que apresenta um ndice positivo (na medida em que todas as restantes esto abaixo da mdia). certo que a
regio do Porto apresenta o segundo valor
mais elevado. No entanto, em termos comparativos, mas no quadro dos espaos inter-regionais, a regio do Algarve e
no, curiosamente, a regio do Norte
que se situa naquela segunda posio.
E se a concluso daquele estudo relativamente optimista na avaliao final, afirmando que se verificou uma indubitvel
diminuio das disparidades regionais,
o prprio estudo que sublinha que aquelas
melhorias ocorreram em situaes de
grande carncia, isto , em algumas das
reas mais deprimidas do pas. Ou seja,
as disparidades regionais diminuram, mas
num confronto com as situaes mais dramaticamente carenciadas! E no deixaria
de ser significativo reorganizar o anterior
ndice sinttico em funo de outras
90
Sociedade

componentes e, nesse caso, talvez fosse possvel concluir, por exemplo, at que
ponto o referido stock de infra-estruturas, nomeadamente as estruturas virias
(vd. ponto seguinte), no acabou por constituir, ao fim e ao cabo, o indicador discriminante daquela diminuio das disparidades regionais!
Como noutro momento dissemos, parece inegvel que Portugal atravessou, desde os anos 80, um importante processo de
mudana, sendo, contudo, muito desiguais
os sectores, as dimenses e o alcance
desse mesmo processo. Em todo o caso,
uma tal mudana tendeu a acentuar-se,
precisamente, nos lugares onde uma importante dinmica de desenvolvimento
econmico, social e cultural j se encontrava em curso e da que a litoralizao do
pas se tenha vindo a acentuar, mau grado
alguns (bons) exemplos em certas zonas
do interior.
Um indicador mais recente, agora de
natureza dominantemente qualitativa, decorrente da avaliao da qualidade de vida nos municpios do Continente [cf. Ferro (coord.), 2004], permite uma leitura
territorial mais desagregada e mais especfica, mas que no parece contrariar as observaes anteriores. Uma tal avaliao, tipificada entre as posies extremas de
maioritariamente favorvel e maiorita-

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O territrio

riamente desfavorvel, mostra como, tambm a este nvel, a maior parte dos municpios situados no litoral do continente se
posiciona naquele tipo de melhor qualidade de vida. Com uma posio anloga,
so referenciados, igualmente, conjuntos
de municpios dispersos pelo interior do
pas, na generalidade em espaos polarizados pelos centros urbanos que, nas
duas ltimas dcadas, tm vindo a ter um
protagonismo social e cultural significativo
(como a situao de vora e, em parte, o
caso de Viseu). No extremo oposto, maioritariamente desfavorvel, situa-se a generalidade dos municpios raianos e do interior mais profundo, mas tambm de
modo muito acentuado em largas manchas
no Centro e no Sul do territrio continental.
Em todo o caso, o estudo que estamos seguindo sublinha que perfis de qualidade
de vida idnticos podem associar-se a
contextos socioeconmicos e territoriais
distintos e que, sob muitos aspectos,
aqueles perfis reflectem, sobretudo, processos de natureza estrutural e de escala
supralocal (dinmicas demogrficas, perfis
de especializao econmica, etc.) (op.
cit.: 56). Mas sobre estes tpicos, caracterizando a situao actual do pas, no quadro das suas assimetrias territoriais e dos
respectivos processos de diferenciao
econmica e social, haveremos de regressar adiante, precisamente no ponto que encerra a abordagem deste texto.
Das (infra-)estruturas ao
(re)ordenamento do territrio?
possvel constatar uma estreita articulao entre, por um lado, o sistema de transportes, entendido como as infra-estruturas,
os modos de transportes, os operadores e
os utentes e, por outro, a organizao do
territrio, no s na localizao das cidades, sua forma e distribuio espacial, mas
tambm nas relaes que se estabelecem
entre aqueles aglomerados urbanos. E se
at h pouco tempo a implantao das in-

fra-estruturas de transportes jogava, sobretudo, com as distncias geogrficas e as


relaes de proximidade, hoje colocam-se
como factores fundamentais, que determinam as condies de acessibilidade e as
condies competitivas entre territrios,
novas dimenses econmicas e sociais
(custo, tempo, fiabilidade, equidade, etc.),
bem como os respectivos impactes ambientais e territoriais.
Os transportes terrestres no pas so
aqueles que mais tm determinado as relaes que se estabelecem no territrio continental e insular, j que o transporte areo
tem um carcter fundamentalmente internacional e o transporte martimo no tem
desempenhado um papel preponderante,
ainda que o territrio nacional apresente
um litoral atlntico de dimenses muito significativas. De registar, no entanto, nos ltimos anos, uma distribuio mais equilibrada dos investimentos pelos vrios modos
de transporte. A ttulo ilustrativo refira-se a
ampliao e melhoria das condies de
servios dos aeroportos; a renovao e
modernizao da rede ferroviria e a ampliao e ligao rodoferroviria dos cinco
principais portos do pas (MEPAT, 1999).
A rede ferroviria modernizou-se, mas
no avanou na construo de novos eixos
alternativos no sentido de ligar os territrios
mais desprovidos de acessibilidade
efectivamente, as zonas mais desprovidas
nesse domnio so as que registam fenmenos marcantes de excluso social! Desta
forma, foi na rede rodoviria que se colocou
o desafio da ligao, emergindo no territrio
nacional um eixo muito dinmico, em termos
de volume de trfego, de infra-estruturas de
transporte de grande capacidade e de proximidade relativa entre as cidades. Este eixo
estende-se desde o Alto Minho, pelo litoral,
at regio metropolitana de Lisboa e
complementado com o litoral algarvio, ainda
que no seja seguro que as cidades abrangidas por este eixo consigam todas promover a sua integrao com os territrios en91
Sociedade

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Retrato de Portugal

volventes. De facto, algumas cidades,


embora fazendo parte desta rea, no parecem vir a beneficiar dos investimentos nos
sectores rodovirio e ferrovirio. Outros territrios parecem mesmo ficar excludos dos
sistemas nacionais de acessibilidades rodoferrovirias, como por exemplo o Alto Douro,
o Centro Interior e o Sul do Alentejo (DGOTDU, 1997).
As intervenes mais recentes ao nvel
das acessibilidades no permitem, pois,
afirmar que se est perante um modelo territorial mais equilibrado. Ao fim e ao cabo,
o estabelecimento de ligaes rodovirias
e/ou ferrovirias no territrio portugus nem
A rede ferroviria portuguesa

Bragana

Viana do
Castelo
Braga

Vila Real
Porto
Vila Nova
de Foz Ca

Viseu
Aveiro

Guarda

Covilh

Castelo Branco

Leiria

Santarm

Portalegre

Ponte de Sor

Lisboa
Setbal

Sines

vora

Beja

Vila Real
de Santo Antnio

Portimo
Faro

Fonte: CP.

92
Sociedade

sempre foi acompanhado de um planeamento prospectivo eficaz e com equidade,


a nvel territorial e do sistema de mobilidade, em paralelo com a situao de o transporte ferrovirio estar a ser desactivado em
muitas zonas do pas. Por outro lado, regista-se tambm, aps a concluso de determinados eixos de acessibilidades, um
incremento de ocupao das reas circundantes, geralmente em mancha de leo,
com inevitveis problemas de congestionamento que acabam por pr em causa a estrutura criada. Um dos grandes factores
que determinaram e continuam ainda a determinar este congestionamento diz respeito intensificao da mobilidade individual
diria, sobretudo feita com recurso ao
transporte privado.
De facto, a mobilidade individual um
processo em crescimento contnuo, independentemente das condies sociais e
territoriais. Embora se registem diferenas
de mobilidade entre os vrios grupos socioeconmicos, um dado de uma grande
regularidade diz respeito s deslocaes
individuais nas reas urbanas, entre a residncia e as reas de concentrao de comrcio e servios. Fenmeno que se agrava
pela existncia de um sistema de transportes pblicos insuficientemente coordenado,
em termos de percursos, horrios, tarifas e
comodidade, convidando (!) inevitavelmente utilizao do transporte individual, com
a consequente paralisia dos centros urbanos. Efectivamente, o parque automvel individual tem crescido e sido renovado
constantemente e as previses no apontam para qualquer abrandamento a curto
prazo em 1987 havia no continente um
veculo automvel para cada 3,8 habitantes
e passados dez anos existe um veculo por
2,4 habitantes. Certamente que a dcada
seguinte no estar invertendo uma tal tendncia!
Os movimentos pendulares, enquanto
indicadores de nveis de mobilidade intra-urbana e metropolitana, revelam, igual-

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O territrio

Apesar da modernizao da rede ferroviria portuguesa h zonas do pas que no beneficiam


dos seus servios.

mente, especificidades quanto ao modelo


territorial das suas dinmicas. Uma breve
anlise destes movimentos nas duas regies metropolitanas do pas, ou seja,
aquelas que concentram a maior intensidade de movimentos pendulares, revela que
a modernizao das infra-estruturas virias
e de comunicaes ou de apoio s actividades econmicas no tem sido totalmente
acompanhada de infra-estruturas de suporte vida urbana. Estes movimentos pendulares apresentam, no entanto, para as duas
regies metropolitanas, caractersticas
bastante diversas.
Na regio metropolitana de Lisboa, a cidade central desempenha uma atraco
muito forte sobre os concelhos vizinhos, fazendo aumentar a intensidade dos movimentos dirios e, consequentemente, o
congestionamento de trfego ao longo dos
dias teis. Esta situao ocorre com a cristalizao de um modelo radioconcntrico
que vigorou durante dcadas, com o aumento da populao residente nas diversas periferias e com uma concentrao do
emprego maioritariamente na cidade de
Lisboa. Em todo o caso, nos ltimos anos
registaram-se algumas mudanas significativas, no s devido a uma estrutura territorial mais polinucleada, inclusive com
uma progressiva oferta de emprego em
muitos desses ncleos urbanos, mas tambm na existncia de ligaes transversais

quela lgica dominante. Na regio metropolitana do Porto, para alm de as deslocaes dirias serem de natureza mais extensiva, elas repercutem-se, assim, num
territrio mais vasto. De registar que esta
regio teve um processo de crescimento
Congestionamento de trfego no acesso
a Lisboa.

93
Sociedade

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Retrato de Portugal

Mapa da rede rodoviria portuguesa

Itinerrio Principal
Itinerrio Complementar
Estrada Nacional
Estrada Regional
Estrada Municipal

Fonte: Instituto de Estradas de Portugal.

94
Sociedade

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O territrio

metropolitano de caractersticas relativamente distintas das de Lisboa, revelando,


hoje, uma configurao com algumas especificidades, que, nomeadamente, se traduz pela capacidade de atraco elevada,
em termos de fixao de emprego, por parte dos concelhos sob a influncia directa
ou indirecta da cidade do Porto.
Importa, pois, referir que se os recentes
investimentos no permitiram consolidar
um modelo territorial mais equilibrado, os
ltimos e importantes progressos, ao nvel
dos transportes e das comunicaes, tendem a implicar alteraes profundas nas
formas de entendimento do espao e do
tempo pelos agentes socioeconmicos.
Com as novas tecnologias de transportes e
comunicaes, a distncia passa a ser
mais facilmente vencida, ao mesmo tempo
que os territrios podem ganhar maiores
dimenses territoriais independentemente
da contiguidade fsica. E no entanto, no
que se refere s acessibilidades inter-urbanas e apesar dos ganhos muito significativos de mobilidade alcanados nos ltimos
quinze anos, persistem disparidades evidentes. Ao implicar custos acrescidos, sobretudo em reas onde a densidade demogrfica
e institucional particularmente baixa, a inacessibilidade pode alimentar crculos viciosos de subdesenvolvimento incompatveis
com as metas de convergncia real europeia e nacional a que todos aspiram (Ferro e Marques, 2002: 24-26).
Os sinais de mudana territorial
Como reafirmmos atrs, consensual admitir que se registaram importantes mudanas no quadro territorial portugus, sobretudo desde meados da dcada de 80.
Destacmos, assim, algumas dessas mudanas, boa parte das quais visveis a uma
escala local da organizao territorial, para
alm do impacto significativo das intervenes mais estruturantes, ao nvel socioespacial, em grande medida decorrentes dos
investimentos no sistema virio, em infra-

-estruturas de transporte e de comunicaes e num conjunto de equipamentos e


de intervenes territoriais, de natureza regional ou nacional. Simultaneamente, registmos, tambm, alguma inrcia em lgicas
anteriores de intensa sedimentao territorial, que tendem a minimizar, se no mesmo a contrariar, aquele voluntarismo poltico de um novo ordenamento territorial do
pas.
Poderamos, assim, sintetizar a actual
situao do territrio portugus, entre uma
inrcia muito forte de polarizao assimtrica nas formas de ocupao territorial e, por
outro lado, alguns sinais de mudana daquele quadro socioespacial. Por outro lado,
vimos que uma das mudanas mais significativas desse quadro tem a ver com a forma como o pas se tem vindo a urbanizar
expresso altamente dplice, uma vez
que no tem sido sinnimo de incremento
da urbanidade (entendida como qualidade do urbano), mas como mero processo
extensivo de ocupao do territrio. Nessa
medida, um maior reequilbrio no ordenamento territorial no poder ignorar as determinantes e os condicionamentos, decorrentes daqueles mesmos processos de
urbanizao.
Entre os diversos autores que comungam o diagnstico anterior, independentemente da avaliao crtica daqueles processos de urbanizao, registemos as
observaes de um estudo de J. Flix Ribeiro (1998) que, efectivamente, sistematizam aquele quadro dilemtico da condio
do territrio portugus. Depois de dar conta da caracterizao bsica do sistema urbano nacional, o autor enumera um certo
nmero de factores (op. cit.: 38), dos quais
nos permitimos destacar alguns dos que
apontam para tendncias pesadas, mas
tambm para elementos de mudana, daquele mesmo sistema urbano.
Registando, semelhana da maior
parte dos autores, um abrandamento do ritmo de crescimento da populao nas re95
Sociedade

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Retrato de Portugal

gies metropolitanas de Lisboa e do Porto,


sublinha-se, no entanto, que aquele abrandamento acompanhado por intensos
movimentos de reorganizao interna.
Contudo, em relao a esses territrios metropolitanos, no incio da dcada de 90, o
mesmo autor (op. cit.: 37) coloca a contradio entre um ndice de primazia (relao
entre a populao das duas principais cidades), considerado o mais baixo de entre os
quinze pases europeus e o ndice de macrocefalia (diferena populacional daquelas duas cidades em relao s restantes),
que, naquela altura, era dos mais elevados
entre aqueles mesmos pases.
Dos restantes factores e face situao, j anteriormente avanada, da litoralizao territorial, o autor destaca o aprofundamento das assimetrias na estrutura
de povoamento entre o litoral e o interior,
com as situaes de declnio demogrfico
a atingirem, principalmente, algumas reas
urbanas do interior. Sublinhando que o
crescimento de alguns aglomerados urbanos tem implicado, por sua vez, o esvaziamento das zonas rurais envolventes, o
autor alerta para a possibilidade de se
estar perante um importante factor de estrangulamento, a prazo, dos processos de
crescimento daqueles centros urbanos.
Um outro factor que merece destaque
tem a ver com a forte associao entre
crescimento urbano e processos de extensificao produtiva. Uma tal tendncia pesada em determinadas regies do pas
que nos levou a sublinhar, anteriormente, o
paradoxo de uma ocupao territorial muito superior s respectivas necessidades
demogrficas corresponde, para o autor
que vimos citando, menos a uma reestruturao efectiva do territrio, do que a um
lento processo de concentrao dos impactes da industrializao e urbanizao
difusas, com base em iniciativas empresariais endgenas.
Eis o quadro territorial, bastante contraditrio, em que, por vezes, os prprios si96
Sociedade

nais de mudana apresentam, paradoxalmente, uma inrcia pesada, contrariando


aquela mesma mudana! Razo para que
se coloque aquele quadro territorial, como
diversos autores defendem, numa dinmica diferente, potenciando sinergias entre
redes de cidades e desenvolvendo essa
dinmica num outro enquadramento (nomeadamente, ao nvel do territrio ibrico).
Uma tal mudana dever implicar, certamente, a necessidade de intervenes estratgicas, em determinadas reas, procurando criar massa crtica territorial de um
novo ordenamento socioespacial. Eis o que
nos falta ainda averiguar.

Da rede urbana s redes


de cidades
O papel das cidades no actual contexto
transnacional
Sabemos a importncia decisiva que as cidades tm vindo a assumir no actual contexto de acentuada globalizao do capitalismo. Entre outras razes, que razes de
espao nos impedem de desenvolver, parece importante destacar que aquele mesmo processo de globalizao, exactamente
porque se projecta numa direco transnacional questionando, profundamente, os
limites nacionais da economia e da sociedade , acaba por colocar os espaos
regionais, com forte componente urbana e
metropolitana, como os lugares estratgicos de afirmao, de competitividade,
mas tambm de cooperao, no referido
contexto global.
Essa mesma premissa foi de algum modo desenvolvida em estudo entretanto publicado (cf. Ferreira, 2004), o que nos permite avanar, sem mais delongas, para o
remate deste texto. Dito isto, parece importante destacar, desde j, o papel que
podero vir a representar os dois espaos
urbano-metropolitanos do pas, nomeadamente porque eles se situam, tambm, como centros privilegiados de duas regies

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O territrio

estratgicas do continente: referimo-nos,


como bvio, s regies metropolitanas de
Lisboa e do Porto. E para ilustrar esse papel,
poderamos regressar ao estudo anteriormente citado de J. Flix Ribeiro (1998), cujas
observaes prospectivas sobre os grandes desafios de mdio/longo prazo do sistema urbano nacional aparecem retomadas,
quase literalmente, no Plano Nacional de
Desenvolvimento Econmico e Social, 2000-2006 (PNDES). Centremo-nos, pois, neste
mesmo plano (MEPAT, 1999: 54).
Desde logo, duas proposies importantes: antes de mais, a necessidade do
reforo das reas (ou futuras regies) metropolitanas de Lisboa e Porto, uma vez
que constituem as aglomeraes melhor
colocadas para protagonizar papis de intermediao do pas com o exterior e assegurar a sua insero nas dinmicas da
economia europeia e mundial. Com efeito,
segundo aquele plano, so estes os centros nacionais com maior capacidade de

atraco e de fixao de fluxos, de iniciativas e de recursos indispensveis ao desenvolvimento.


Em complemento com a proposio
anterior, reconhece-se a urgncia em
reorganizar aquelas regies metropolitanas, de forma a reduzir a expresso dos
fenmenos de suburbanizao, com particular destaque na rea metropolitana de
Lisboa, procurando caminhar para a consolidao de estruturas multipolares. Curiosamente, no texto de origem de Flix Ribeiro (op. cit.: 41), este autor acrescenta
um comentrio proposta anterior, que
nos parece de extrema importncia. Admite, assim, que em relao reorganizao
daqueles espaos metropolitanos, seria
de ponderar a vantagem de operacionalizar as entidades Grande Lisboa e Grande Porto, reconfigurando-as por forma a
envolver concelhos das duas margens
dos rios Tejo e Douro, permitindo, com essa recentragem sobre os rios, deixar es-

Vista area de Lisboa/Almada.

97
Sociedade

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Retrato de Portugal

pao de afirmao a cidades mdias mais


distantes, mas localizadas nas respectivas
reas metropolitanas.
Esta ltima proposta, determinante, como dissemos, do ponto de vista territorial,
abriria, assim, a possibilidade de constituio efectiva de duas metrpoles, Lisboa e
Porto e j no essa entidade, territorialmente hbrida e politicamente amorfa, que
d pelo nome de rea metropolitana! ,
que, deste modo, se assumiriam com
massa crtica territorial capaz de se projectarem como cidades metropolitanas
face ao exterior do pas. Assim, um novo
modelo territorial para os espaos metropolitanos de Lisboa e do Porto no deixaria
de colocar, frontalmente, a necessidade de
um novo reordenamento do territrio do
pas, considerando, assim, as cidades e as
vilas urbanas eufemismo que pretende sublinhar que o que est em causa no
so meras designaes administrativas,
mas, ainda, a questo da massa crtica,
Foto area de Porto/Gaia.

98
Sociedade

neste caso avaliada em funo da respectiva condio urbana como componentes


fundamentais de projeco e estruturao
do respectivo territrio nacional.
Portugal no mapa territorial da Europa
Parece incontornvel admitir, hoje, o papel
decisivo da dimenso territorial nos projectos e nas polticas de desenvolvimento econmico e social do pas, tal como fomos sublinhando em pginas anteriores. essa
mesma incluso territorial na economia e
na sociedade que pode vir a comportar
propostas de reordenamento socioespacial, nomeadamente no quadro de uma
progressiva adequao e integrao do
pas no mapa territorial da Europa. E se j
vimos a necessidade de um novo estatuto
metropolitano para as duas principais cidades do pas, aquele reordenamento obriga
a questionar a organizao do restante territrio. Desde logo e voltando a citar o
PNDES (op. cit.: 41), a necessidade de

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O territrio

qualificao e estruturao dos contnuos


urbanos (ou conurbaes urbanas) existentes nas faixas litorais ocidental e meridional, de forma a controlar e resolver os
problemas associados ao seu crescimento
rpido e desordenado e a conter efeitos de
polarizao excessiva das aglomeraes
metropolitanas de Lisboa e Porto.
Complementarmente, de acordo, ainda,
com o referido plano, aquele reordenamento implicar a dinamizao dos centros urbanos localizados em reas de perda, enquanto ltima oportunidade para manter
social e economicamente activas as regies
mais desfavorecidas do pas e a criao e
consolidao de eixos de cidades no interior, explorando a maior conectividade tornada possvel pela melhoria da rede de
transportes. Ainda numa mesma abordagem de potenciao de redes de cidades
e j no, como se defendia nos anos 70,
enquanto rede urbana hierarquizada e
monoltica ao nvel nacional e numa postura contrariando as profundas assimetrias
territoriais do pas, aquele plano prope,
ainda, o avano de redes de concertao
e de cooperao transfronteiria, aproveitando as novas condies de acessibilidade do territrio continental com o exterior.
Curiosamente, num estudo coordenado
por Nuno Portas, partindo embora de uma
formulao e de um enquadramento diferentes dos que temos vindo a seguir, invocada a necessidade de articulao do que
os autores consideram como as duas cidades, a cidade herdada e a emergente, numa postura analtica que, em termos
prospectivos, procura um desgnio desejvel, mas de longa durao (Portas et al.,
2002: 9). Em termos alegricos, aquelas
duas cidades, a herdada e a emergente numa distino que, ao fim e ao
cabo, de todos os tempos, na medida em
que a cidade emergente de hoje ser a
herdada de amanh! encontram, no
entanto, uma correspondncia significativa
num eixo problemtico que, em ltima ins-

tncia, remete para uma discusso mais


ampla sobre memria e projecto da urbanidade3. Mas com uma ressalva fundamental, poltica e sociologicamente decisiva:
nem aquela memria se cristaliza, inexoravelmente, num passado, eventualmente
prximo; nem, por outro, aquele projecto
se reporta, exclusivamente, a um futuro,
sempre incerto, como sabemos. Por isso,
aquela dicotomia urbana das duas cidades, sendo descritivamente aliciante, em
termos analticos comporta elevados riscos
interpretativos e, portanto, tambm propositivos, fazendo-nos recordar o dualismo
social e urbano dos anos 60 do sculo passado. Em termos um tanto esquemticos,
poderamos considerar, ento, que o desafio de um diferente ordenamento urbano do
pas no teria de se centrar, propriamente,
na diversidade daquelas duas cidades,
mas na respectiva articulao sistmica e
urbana, que, entre outros desgnios, deveria tender, assim, para criar cidade onde
ela (ainda) no existe.
Trata-se, portanto, de introduzir uma nova dinmica territorial, potenciando, simultaneamente, sinergias e complementaridades
(cf. Ferro, 1997) entre redes de cidades e
de vilas urbanas, no s no interior do
pas, mas tambm nos espaos aparentemente descontnuos do litoral, num quadro
de assumida projeco para a sua envolvente europeia e configurando, desse
modo, um novo ordenamento do territrio
nacional. E isso tanto no continente, como
nos espaos insulares, particularmente no
caso dos Aores, em que a efectiva descontinuidade territorial pode vir a ser parcialmente contrariada com propostas consistentes de articulao urbana, agora no
quadro dos diversos aglomerados daquele
arquiplago.
de uma nova dinmica territorial que
se trata, efectivamente, polarizada em torno
3 Subttulo da obra de Ferreira, 2004, j anteriormente referida.

99
Sociedade

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Retrato de Portugal

das cidades e dos centros urbanos, muito


embora se constate, ainda, um Portugal
continental interior funcionalmente organizado em torno de um nmero reduzido de
centros urbanos e um litoral funcionalmente
mais complexo e organizado em torno de
vrios centros urbanos (INE, 2004: 2).
Mas para alm dessa assimetria, bastante
persistente, como temos vindo a registar,
o final do sculo XX parece confirmar que,
justapondo-se s dicotomias norte/sul do
Portugal tradicional e litoral/interior do Portugal moderno, se afirma crescentemente
um Portugal urbano organizado em rede,
um arquiplago urbano constitudo pelas
grandes regies metropolitanas de Lisboa
e Porto, o cordo urbano do litoral algarvio
e ainda vrias aglomeraes urbanas de
mdia e at, nalguns casos, de pequena
dimenso, tanto no litoral como no interior
(Ferro, s. d.: 7-8). Esta mesma constatao leva o autor a concluir que se o pas se

100
Sociedade

encontra, no final da dcada de 90, espacialmente mais desequilibrado, a geografia das dinmicas territoriais observadas
registam, igualmente, um pas socialmente menos heterogneo (Ferro, op. cit.).
Como parece evidente, a presente proposta de redes de cidades no constitui,
s por si, uma panaceia para resolver as
assimetrias e os desequilbrios territoriais.
Realmente, o que aquela proposta pressupe uma lgica diferente de ordenar o
territrio, procurando contrariar algumas
das inrcias pesadas nas formas de ocupao desse mesmo territrio. Em ltima
instncia, as questes em debate jogam,
sobretudo, com a criao ou reconverso
de diversas polaridades urbanas e metropolitanas num sistema em rede, de modo
que, em simultneo, possam vir a assumir
uma centralidade territorial e uma condio
urbana, isto , um estatuto pleno de cidade
e uma qualidade efectiva de urbanidade.

A lngua portuguesa
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Ivo Castro

m Portugal, poucas instituies se


identificam mais claramente com a
unidade da nao e do territrio do
que a lngua.
O pas gaba-se de possuir uma das
fronteiras mais antigas da Europa, acabada de desenhar no sculo XIII e depois disso conservada praticamente com o mesmo
traado at aos dias de hoje, com muito ligeiras alteraes. Dizer que a fronteira terrestre, separadora em relao a Espanha,
se tem revelado ao longo de todo este tempo mais estvel que a outra fronteira, a linha de costa atlntica que corre desde a
foz luso-galega do rio Minho at foz de
guas mediterrnicas do Guadiana, um
dito de esprito que merece ser examinado
a srio. De facto, a fronteira slida, aps

uma passageira indefinio inicial na regio de Ribacoa, resistiu inalterada a oito


sculos de temperamental poltica externa
luso-espanhola, se exceptuarmos mnimas
rectificaes de traado e a perda da vila
alentejana de Olivena, cuja anexao h
dois sculos no para muitos portugueses um assunto encerrado. Enquanto isso,
a fronteira lquida tem passado por considerveis redesenhos, que vm at aos dias
de hoje e prometem continuar: alm do cclico vaivm do perfil das praias, registou-se o avano da extensa frente martima da
ria de Aveiro, pequenas ilhas foram integradas no continente (Peniche, Baleal, Vimeiro) e portos de mar ficaram sem mar (Atouguia da Baleia), tudo isto afectando a parte
ocidental do territrio portugus, onde a

As pennsulas do Baleal e de Peniche, duas ilhas assimiladas pelo continente.

101
Sociedade

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Retrato de Portugal

populao mais se tem concentrado e onde a circulao intensa e constante.


Mesmo com estas pequenas mudanas,
o mapa do territrio portugus continua a
ser o mesmo que os homens e a histria
traaram inicialmente. Um pas estreito e
longo, com maior distncia entre pontos
situados no Norte e no Sul que entre nascente e poente. Por isso, um pas onde podemos esperar que sejam particularmente
sensveis as diferenas entre os homens do
Norte e os do Sul, j que vivem em ambientes fsicos e humanos muito contrastados.
Os primeiros, descendentes dos originrios
habitantes do Noroeste da Pennsula Ibrica, distribuem-se por plancies costeiras
estreitas e muito povoadas, por vales abrigados e com grandes desnveis de altitude, e ainda por planaltos que prolongam a
meseta ibrica, tudo isto recortado e condicionado por numerosas linhas de montanha, que so responsveis por uma cadeia
de consequncias: muita chuva para a
agricultura, alimento para populaes densas, exportao de gente para outras terras. Daqui saiu o grosso da emigrao portuguesa, mas antes, e principalmente, j
havia sado o complemento populacional
de que as terras do Sul de Portugal, romanizadas e depois islamizadas, careciam
para se integrarem no novo Estado que os
cristos do Norte criaram durante o processo da Reconquista (sculos XI-XIII). O Sul tUma tpica paisagem do Norte Interior portugus.

102
Sociedade

pico, por seu lado, formado por uma vastido de terras planas e secas, pouco
habitadas fora de cidades dispersas, onde
a influncia do ar ameno do Mediterrneo
cortada por ameaas de um deserto que
no anda longe. A ocupao deste espao
por colonos vindos do Norte, no dia seguinte conquista militar crist, constituiu um
mecanismo essencial para a construo
do Estado. Sem esses colonos, que se
aculturaram rapidamente em zonas de interesse estratgico, no teria sido possvel
assegurar com eficcia a manuteno da
linha de cidades, vilas e castelos que serviram de guarda fronteira e a mantiveram em bom estado de conservao. No
de esquecer que a fronteira que separa
Portugal de Espanha poderia ter tido um
percurso muito diverso, se os planos de
Afonso Henriques, o rei fundador, tivessem sido coroados de xito pela conquista de Sevilha e das terras andaluzas que
se lhe seguem para sudeste; ou, inversamente, se Afonso X de Castela e Leo tivesse podido dar alguma substncia ao ttulo de rei dos Algarves, que sempre
usou com orgulho.
O facto de o Sul do pas ter sido repovoado a partir do Norte e basicamente por
portugueses, embora com uma quota de
colonos estrangeiros, grandemente responsvel pela coeso interna da nao.
Mas tambm est na origem do conflito

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A lngua portuguesa

A sul, a caracterstica lhanura das plancies alentejanas.

cultural que tradicionalmente ope a parte


fundadora de Portugal (as provncias do
Norte e do vale do Douro, polarizadas modernamente na cidade do Porto) parte
que se tornou portuguesa em consequncia da Reconquista crist (as Beiras, que
tm muitas caractersticas de transio, o
vale do Tejo e o Sul alentejano e algarvio).
Foi aqui, no eixo de cidades formado por
Coimbra, Lisboa e vora, que, ainda na
Idade Mdia, se instalou o centro do poder,
com todas as suas manifestaes e decorrncias: residncia da corte, centro poltico, econmico e cultural, porta aberta
expanso ultramarina, fonte difusora de
inovaes. Este ltimo aspecto especialmente importante, porque a partir do sculo XV assiste-se a uma espcie de devoluo de influncias, passando o Norte
fundador ao estatuto de regio perifrica e
assumindo o Sul recm-povoado o papel
de distribuidor do jogo. A rivalidade entre
norte e sul, que continua a fazer parte do
quotidiano nacional, tanto na poltica, como
na actividade econmica e mesmo desportiva, no , pois, uma criao recente, mas
um dado da estrutura que, ao longo dos
tempos, se tem manifestado por muitas formas e smbolos, por vezes com pitoresco:
os antroplogos, por exemplo, discutem a
que latitude a comida deixa de ser temperada com salsa e passa a s-lo com coentro. Um homem do Sul associa aos Galegos o homem do Norte, que em troca o
apelida de mouro.

Quer isto dizer que, no pequeno rectngulo portugus, habita uma sociedade que
facilmente se distingue dentro do mosaico
ibrico, mas que, no seu interior, no absolutamente homognea, antes retira a sua
coeso e a sua personalidade das energias desenvolvidas por tenses tectnicas
que o confronto norte-sul desprende. Na
segunda metade do sculo XX, o gegrafo
Orlando Ribeiro desenvolveu a teoria dos
dois Portugais um dominado pelo Mediterrneo e outro, a norte, subdividido entre
a influncia do Atlntico e a influncia da
meseta ibrica. Num pas que despertou
tarde para a modernidade, no surpreender que esta repartio seja to vlida para os tempos da fundao da nao e do
Estado, como para a poca em que se lanaram os Descobrimentos, como ainda
para os anos finais do governo de Oliveira
Salazar. E est longe de ter perdido a validade nos dias de hoje em muitos dos seus
aspectos; mas no d conta do movimento
migratrio de abandono do campo, que se
tem generalizado no Norte: as populaes
rurais concentram-se nas cidades interiores ou, mais ainda, deslocam-se para o litoral, onde comeam a surgir megalpoles,
ainda que reduzida escala do pas. Assim, afirma-se um novo tipo de contraste,
entre interior e beira-mar, materializado numa larga frente costeira, fortemente urbanizada, onde se concentra a populao e a
vida activa, frente essa que comea no litoral minhoto e segue para sul marcada por
103
Sociedade

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Retrato de Portugal

A Reconquista portuguesa

Bragana
Braga

Porto
Lamego

Viseu
Seia
Coimbra

Idanha
Leiria
Tomar

Santarm

Lisboa

Badajoz
vora
Olivena
Alccer

Beja

Serpa

Aroche
Aracena

Mrtola

Silves

Territrios conquistados at 1185


Territrios conquistados entre 1185 e 1249
Territrios conquistados em 1249
Comarca de Ribacoa, incorporada em 1295
Conquistas episdicas na segunda metade do sculo XIII
rea de Olivena, portuguesa de 1297 a 1657 e de 1668 a 1801
Armadas de cruzados
Fronteira de Portugal

Fonte: adaptado de Ribeiro, 1955.

104
Sociedade

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A lngua portuguesa

As divises geogrficas de Portugal (segundo Orlando Ribeiro)

Limite entre o Norte e o Sul


Limite entre as reas atlntica e transmontana
Outros limites importantes determinados pelo relevo
ou pela natureza das rochas
Limite entre reas pertencentes ao mesmo conjunto de paisagens

Fonte: adaptado de Ribeiro, 1974, 189.

105
Sociedade

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Retrato de Portugal

uma rede de grandes cidades polarizadoras: Viana do Castelo, Braga-Guimares,


Grande Porto, Aveiro, Coimbra, Leiria, Santarm, Grande Lisboa, Setbal e, aps um
hiato na costa alentejana, toda a frente algarvia. As afinidades comuns a todos os
pontos desta frente costeira residncia
urbana e suburbana, tipos de actividade,
acesso a bens e servios, gostos e comportamentos escapam em larga medida
ao tradicional contraste norte-sul, que podero vir a neutralizar.
E a lngua? A lngua tem estado presente a tudo isto, em todos os terrenos, momentos e episdios, como testemunha, como interveniente e como registo.
No canto noroeste da Pennsula Ibrica (Galiza, ocidente de Astrias e norte
de Portugal, at ao paralelo de Aveiro),
uma variedade de latim falado tinha ficado isolada a partir dos sculos V-VI, sofrendo evoluo prpria que conduziria
primitiva lngua galego-portuguesa, caracterizada por algumas mudanas fonolgicas originais no quadro romnico:
queda das consoantes l e n em posio
intervoclica (palatianu > paao), fuso
dos grupos pl, fl, cl numa consoante africada palatal tch (plorare > tchorar, flamma > tchama, clamare > tchamar). Com a
Reconquista e a constituio do reino de
Portugal, essa lngua setentrional deslocou-se para sul e para leste, ocupando
quase exactamente o territrio recentemente definido pelas armas. A leste, a nova fronteira com os reinos de Leo e Castela torna-se tambm uma fronteira lingustica: do lado leons e castelhano faz-se a ditongao > i e > u (lat. terra >
tierra, lat. cova > cueva), enquanto no espao galego-portugus essas mesmas
vogais latinas so mantidas (terra, cova).
A nitidez da fronteira absoluta: onde a
lngua muda, o pas passa a ser outro.
A sul, o processo diverso: nas terras
reconquistadas, os colonos misturam-se
entre si e com a populao existente. En106
Sociedade

quanto esta aprende a falar galego-portugus, os colonos reaprendem-no, pois


acham-se misturados diversos dialectos,
que se fundem, homogeneizam e mudam
de caractersticas: numa espcie de banalizao generalizada, apagam-se os traos
muito tpicos e privativos de um dialecto,
prevalecem os traos comuns maioria.
Isto no aparente imediatamente, pois
sero precisos sculos para se constatar
que certos traos lingusticos no se aclimataram bem a sul, dando lugar a substituies e perdas que surgem como inovaes dialectais das provncias meridionais
e progressivamente se expandem em direco a norte, num lento movimento de refluxo que, no terreno, no terminou ainda.
A deslocao do poder poltico para
Lisboa conferiu preeminncia a estes dialectos do centro e sul, que serviram de pedestal elaborao, a partir do sc. XV, de
uma norma culta (e uma lngua literria)
afastada dos dialectos setentrionais e do
galego, que tinham servido de base lngua dos cancioneiros trovadorescos. Assim, desaparece a maior parte dos hiatos
que caracterizavam o portugus antigo
(paao > pao, maestre > meestre > mestre), fundem-se em o vrias terminaes
nasais (pan > po, non > no, sunt > s >
so, etc.), mantm-se intacto o sistema de
sete vogais tnicas que vinha do latim vulgar mas inicia-se uma caracterstica reduo do vocalismo tono, regularizam-se
muitas irregularidades morfolgicas de gnero e nmero, os verbos haver e ser perdem para ter o papel de auxiliares que
mantm em francs e italiano, desenvolve-se uma verdadeira originalidade do portugus (o infinitivo pessoal ou flexionado); o
lxico moderniza-se sob a influncia do latim. O mapa dialectal portugus da poca
clssica pouco difere do actual, como foi
descrito por Lindley Cintra: a norte, na rea
inicial da lngua, mantm-se ainda traos
antigos como os ditongos ou e i, a africada tch, a distino entre sibilantes apicais,

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A lngua portuguesa

Os dialectos portugueses
(Lus Filipe Lindley Cintra)

Viana
do
Castelo
Vila Real

Braga

Bragana

Porto

Viseu
Aveiro

Guarda

Coimbra

Castelo Branco
Leiria

Santarm

Portalegre

Lisboa

vora

Setbal

Beja

Faro

Dialectos portugueses setentrionais


Dialectos transmontanos e alto-minhotos
Dialectos baixo-minhotos-durienses-beires
Dialectos portugueses centro-meridionais
Dialectos do centro litoral
Dialectos do centro interior e do Sul
Limite de regio subdialectal com caractersticas
peculiares bem diferenciadas

Fonte: adaptado de Cintra, 1971, por Segura e Saramago, 2001.

107
Sociedade

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Retrato de Portugal

grafadas s, e sibilantes predorsais grafadas c, ou z (servo/cervo, passo/pao, coser/cozer); nos dialectos do centro e sul,
aqueles traos foram abandonados: ou
monotonga para e i para (ou mantm-se como i, na regio de Lisboa), tch funde-se com x (pelo que chvena e xcara
comeam pelo mesmo som x), as apicais
so substitudas pelas predorsais (passo=pao), em final de slaba o s torna-se
palatal (pastos soa paxtux). Estas mudanas comeam a manifestar-se no Sul do
pas pelo sculo XVI e avanam progressivamente para norte, mas ainda hoje no
eliminaram as formas antigas, que subsistem em Trs-os-Montes, Alto Minho e Beira
Alta, ou seja, nas terras interiores (mas o
Norte atlntico j acolheu a maior parte
das inovaes). O portugus moderno, na
sua face falada, o resultado da generalizao das mudanas ocorridas no Sul,
que, depois de assumidas pela norma-padro, aproximadamente definida como
as variedades oral e escrita usadas pelos
portugueses educados e pelos meios de
comunicao, facilmente penetram nos
ambientes urbanos do litoral, mesmo os
setentrionais.
Graficamente, temos uma lngua nascida no Norte, que avana para sul medida
que o territrio cresce e os povos se deslocam; que se adapta e transforma nos novos territrios; que reflui para a sua origem
e a moderniza. quase perfeita esta adequao entre lngua, sociedade e territrio,

que no ter equivalncia fcil no resto da


Europa. Os resultados mais salientes desta
adequao so o monolinguismo e o dbil
dialectalismo.
De facto, Portugal um pas quase monolingue: alm do portugus, apenas existe no seu territrio uma outra lngua, o mirands, que tem estatuto oficial de lngua
minoritria e sobrevive numa estreita regio
da fronteira nordeste, com poucos milhares
de falantes, nenhum deles privativo. O muito recente fenmeno do acolhimento de
imigrantes estrangeiros no alterou totalmente este quadro de monolinguismo, pois
a maior parte dos chegados (brasileiros e
africanos) j tm o portugus como lngua
materna, enquanto os oriundos da Europa
de leste no revelam dificuldades de aculturao lingustica. Mesmo assim, esto a
formar-se bolsas de predomnio de lnguas
estrangeiras, sobretudo crioulos, restando
saber como evoluem. O sistema oficial de
ensino tem apontado, mesmo nas escolas
de forte populao crioula, para uma formao em portugus; do mesmo modo,
tem submetido os alunos de origem brasileira e africana norma lingustica portuguesa, no que ajudado pelo contacto situacional a que se acham diariamente
expostos. Se esta orientao, que politicamente condicionada, se mantiver, provvel que prevalea a integrao lingustica dos descendentes de imigrantes e no
surja um quadro de multilinguismo.
Por outro lado, a diferenciao dialectal

O mais antigo documento datado (1175) em portugus a Carta de Fiadores


de Paio Soares Romeu.

108
Sociedade

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A lngua portuguesa

Rosto da primeira gramtica portuguesa,


de Ferno de Oliveira (1536).

portuguesa bastante tnue: a manuteno


de traos antigos no Norte e a sua ausncia
nos dialectos do Sul e ainda nos arquiplagos dos Aores e da Madeira (que eram desertos antes da colonizao portuguesa)
no suficiente para criar barreiras de
compreenso interdialectal. As marcas dialectais no travam a comunicao, apenas
servindo para identificar a provenincia regional de cada falante, se este, ao mudar-se
para um ambiente urbano, no se desembaraar delas. Por vezes, observa-se em
alguns indivduos (p. ex., polticos de actuao regional) o fenmeno inverso de exacerbamento de traos dialectais de pronncia e lxico, com fins prticos evidentes.
Mas a concentrao da populao em cidades da frente costeira, a submisso de
toda a populao nacional a um sistema
bastante unificado de comunicao audiovisual (com destaque para apenas quatro
canais generalistas de televiso) que difunde uma mesma variedade sociolectal
que serve de norma-padro, e ainda o sistema de ensino, que no privilegia a colocao de professores na sua regio de
origem, actuam conjuntamente como poderosos elementos unificadores de um pa-

norama lingustico que j no se mostrava


predisposto diferena.
Este panorama lingustico portugus seria ainda menos variado, e mesmo um pouco banal, se a relao entre lngua, territrio e sociedade se tivesse restringido aos
limites europeus que at agora estiveram
sob considerao. Mas a partir do sculo XV
Portugal deu incio sua expanso para fora da Europa, ocupando ilhas desertas do
Atlntico e pontos de escala ao longo da
costa africana, antes de se atrever a uma
ambiciosa lanada em direco ao Oriente, caracterizada pelo domnio de rotas martimas no ndico e no Pacfico, com apoio
em pontos estratgicos distribudos pelo litoral circundante. Mantiveram-se sob domnio portugus at segunda metade do
sculo XX alguns desses pontos: Goa, Timor Leste, Macau. Outros, como Malaca e
Ceilo (Sri Lanka), foram cedo transferidos
para outras potncias coloniais, mas conservaram a memria da efmera ocupao
portuguesa na arquitectura, em traos culturais e na lngua. Do sculo XVII em diante,
Portugal empenhou-se noutros continentes:
garantiu a posse de extensas zonas do litoral africano, a partir das quais viria a formar
Angola e Moambique, mas principalmente
dedicou-se construo do Brasil.
Esta expanso transportou a lngua portuguesa para novos territrios, onde se
associou s lnguas locais para produzir
terceiras lnguas (os crioulos do litoral africano e asitico) ou onde criou razes para
os dialectos transplantados da Europa.
Pensou-se durante algum tempo que apenas algarvios e alentejanos teriam povoado
o Brasil, por no serem a evidentes os traos tpicos dos dialectos setentrionais, mas
o povoamento foi feito com imigrantes oriundos de todas as provncias de Portugal,
cujos dialectos sofreram, na colnia, as mesmas mudanas simplificadoras que aps a
Reconquista tinham sofrido no Sul do pas.
Assim, provvel que no sculo XVI e ainda
no XVIII a lngua falada no Brasil fosse muito
109
Sociedade

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Retrato de Portugal

semelhante de Portugal (quanto escrita,


isso indiscutvel). Ainda hoje, nos confins
de Mato Grosso, sobrevivem relquias como a pronncia tchorar, que tambm se
encontra em Trs-os-Montes, na outra extremidade do espao lusofalante: isso prova que traos caractersticos dos dialectos
setentrionais estiveram presentes na colonizao do Brasil. Mas no tiveram vida
longa: do sculo XVII para o XVIII, a evoluo
da lngua em Portugal e na colnia brasileira deixou de seguir caminhos paralelos,
no sendo transmitidas colnia algumas
inovaes ocorridas na Europa, e vice-versa. Um exemplo paradigmtico: at ao
sculo XVI, a posio mais frequente do
pronome pessoal tono era a prclise, an-

tes do verbo (lhe disse), posio que depois foi substituda pela posposta, ou nclise ( disse-lhe ). Esta mudana afectou
apenas o portugus europeu (PE), enquanto o portugus brasileiro (PB) conservou a
prclise tradicional. Surgiu assim um dos
grandes traos distintivos entre as duas variantes da lngua.
Outros traos de gramtica, facilmente
sentidos por quem faa um pouco de
comparatismo, so: a) quando o objecto
directo um pronome da 3.a p., o PB usa a
sua forma tnica (Vi ele ontem na rua), enquanto o PE usa a forma tona (Vi-o ontem
na rua); b) embora a frase de sujeito no
expresso Iremos todos ao cinema amanh
seja possvel tanto no PE como no PB, este
Crioulos de base portuguesa: frica

Crioulos de base portuguesa ou com forte


influncia lexical portuguesa: Amrica
Crioulos do Brasil
1 Crioulo de Helvcia
Crioulos com forte influncia
lexical portuguesa
2 Saramacano (base inglesa)
3 Aruba
4 Curaau Papiamento
5 Bonaire (base ibrica)

3 4 5

2
1
3

4
5
6

Crioulos da Alta Guin


1 Cabo Verde
2 Casamansa (Senegal)
3 Guin-Bissau
Crioulos do golfo da Guin
4 Prncipe
5 So Tom (Santomense e Angolar)
6 Ano Bom

Fonte: http://www.instituto-camoes.pt/cvc/hlp/geografia, mapas V (Amrica), III (frica) e IV (sia).

110
Sociedade

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A lngua portuguesa

> ) ou desapareceram ( necessriu >


nsriu, cmudu > cmedu > cmdu).
O comportamento destas vogais tem
duas utilidades gerais: mostra que o PE pode ser mais inovador e instvel que o PB,
contrariamente a uma ideia muito comum,
e mostra que a evoluo previsvel do portugus em frica no seguir o caminho do
PB, como defende outra ideia comum. Com
efeito, quando a vogal tona seguida de
l, o PE excepcionalmente no efectua a sua
elevao, mantendo a vogal tal como o PB
(lmeid, e no lmeid; vltr, e no vultr), mas o portugus africano segue nestes casos a regra geral da elevao (lmeid, vultr ), sendo neste aspecto mais
inovador que as outras variantes. natural
que em frica o portugus venha a adquirir

usa com maior frequncia a frase com


pronome sujeito: Ns iremos todos ao cinema amanh. Em compensao, h casos de sujeito nulo que s podem ocorrer
no PB: a frase No usa mais freio supe no
PB um sujeito no expresso com valor genrico-indefinido, o que no PE requer o
pronome cltico se: No se usa mais freio;
c) o PB pode construir frases na voz activa
com um sujeito que o PE no admite: A
balana est consertando ou O relgio
quebrou o ponteiro (PE: A balana est a
ser consertada ou O ponteiro do relgio
quebrou-se); d) no caso do vocalismo tono, o PB caracteriza-se pela conservao
do sistema do portugus clssico (ncssri, cmd), enquanto no PE as vogais
tonas sofreram elevao ( > e, > u,
Crioulos de base portuguesa: sia

2
3
11
4 5
6
7
10
8
9
12

Crioulos indo-portugueses
1 Diu*
2 Damo
3 Bombaim*
4 Chaul* e Kortal
5 Goa*
6 Mangalor*
7 Cananor*, Tellicherry e Mah*
8 Cochim* e Vaipim*
9 Quilom*
10 Costa do Coromandel*
11 Costa de Bengala*
12 Sri-Lanka (Ceilo)
Crioulos malaio-portugueses
13 Kuala Lumpur*
14 Malaca
Papi Kristang
15 Singapura*
16 Java* (Batvia e Tugu)
17 Flores* (Larantuka)
18 Timor Leste* (Bildau)
19 Ternate*, Ambom* e Macassar*

20
21

13
14
15

Crioulos sino-portugueses
20 Hong Kong*
Macasta
21 Macau*
19

16

17

18

*Extinto ou em extino.

111
Sociedade

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Retrato de Portugal

variantes nacionais, como as que tem em


Portugal e no Brasil: por variante nacional
deve entender-se um conjunto de normas
cultas, escritas e faladas, e de normas dialectais e sociolectais prprias do territrio,
da sociedade e da cultura de cada um dos
estados. Para isso apontam os comportamentos regionais da lngua, alm de um
facto de ordem demogrfica apercebido
recentemente: tanto em Angola como em
Moambique, acha-se concentrada em torno das capitais uma parte considervel da
populao, misturando-se, convivendo e
mesmo constituindo famlia pessoas que,
por serem de etnias e lnguas nacionais diferentes, apenas podem comunicar entre si
em portugus. Enquanto para estas pessoas o portugus uma lngua segunda,
dominada com maior ou menor apuro, para
a gerao dos seus filhos o portugus j
a lngua materna. E as geraes seguintes
seguiro, provavelmente, o mesmo caminho.
O que contribuir para reforar um facto
actual: a lngua portuguesa , a nvel mundial, uma das mais faladas como lngua
materna. sua frente apenas esto o mandarim, o espanhol, o ingls, o bengali e o
hindi. Destas, apenas o espanhol e o ingls
partilham com o portugus a caracterstica
de serem lnguas multinacionais, faladas
desde a nascena por cidados de diferentes naes. Enquanto o mandarim falado apenas por chineses (e no todos), o
portugus a lngua materna de todos os
portugueses, de quase todos os brasileiros
(menos os amerndios), de uma parte crescente dos angolanos, moambicanos, cabo-verdianos, so-tomenses, guineenses
(embora em Cabo Verde, Guin-Bissau e
So Tom e Prncipe tenham grande peso
os respectivos crioulos) e, finalmente, de
segmentos da populao em Timor, Goa e
Macau. No ano 2000, o portugus era a lngua materna de, pelo menos, 180 milhes
de pessoas distribudas por todos os continentes e era lngua oficial de sete estados,
112
Sociedade

aos quais se agregou pouco depois Timor.


Por estes motivos, o portugus uma lngua multinacional, veculo de comunicao
entre os cidados dos estados que a tm
como oficial, e tambm uma lngua internacional, servindo de porta de entrada, como lngua segunda, para os falantes originrios de outras lnguas.
Esta condio multinacional, associada
disperso geogrfica, tem reflexos sobre
a unidade da lngua. certamente prematuro afirmar que o portugus constitui uma
famlia de lnguas, semelhana do que
se defende para o ingls, ou aconteceu h
milnio e meio com o latim, mas as condies de geografia, sociedade e comunicao permitem admitir que a fragmentao
do seu sistema lingustico venha a ocorrer
no futuro. A construo e a consolidao
das diversas variantes nacionais podero
ser os primeiros passos nessa direco.
Ou melhor, podero ser longas marchas
constitudas por inmeros pequenos passos que no tm conscincia da direco a
que apontam.
A nvel das atitudes conscientes, o tema
da unidade da lngua motivou, durante o
sculo XX, o aparecimento de dois modos
tpicos e claramente distanciados de reaco: uma pulso unificadora e uma pulso
separativa. A pulso unificadora atingiu o
znite com o acordo ortogrfico luso-brasileiro de 1945, que aspirava a reunificar atravs de uma ortografia comum as variantes
nacionais em todas as suas manifestaes,
mesmo lexicais, sintcticas e fonolgicas.
E prosseguiu com novos tentames ortogrficos nos anos 80, manifestando-se hoje como substrato do conceito de lusofonia e como justificativo de organizaes polticas
como a Comunidade dos Pases de Lngua
Portuguesa e o Instituto Internacional da Lngua Portuguesa, cujas modestas realizaes alguns consideram sintomticas para
o devir da pulso unificadora.
Poderia dizer-se que o znite da pulso separativa se situou na recusa brasi-

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A lngua portuguesa

leira de aderir ao acordo de 1945, efectivamente dividindo o campo entre dois


cdigos ortogrficos: um privativo do
Brasil, outro comum a Portugal e s suas
antigas colnias. Mas importantes manifestaes separatistas tinham ocorrido anteriormente, com origem no Brasil, em
sectores da cultura. Hoje, destaca-se a
pulso separativa nas preocupaes de
muitos linguistas, no s brasileiros, mas
tambm portugueses e africanos, os quais
argumentam que a separao de placas
tectnicas em marcha no espao do portugus ter ultrapassado a variao entre
normas da mesma lngua (fase das variantes nacionais) e j se configura como a
criao de gramticas distintas, o que

equivalente, em linguagem tcnica, a falar


de novas lnguas (fase da famlia de lnguas).
O conflito de pulses e a sugesto de
vias de sada encontram-se formulados
de modo quase emblemtico em Eduardo
Loureno, que, no mesmo livro (A Nau de
caro) em que afirma que portugueses e
brasileiros nunca formar[o] um conjunto,
no sentido de comunidade lingustico-cultural, lucidamente reconhece que
para uns e outros (e tambm para os africanos) a lngua constitui o nico elo incontornvel. O que talvez equivalha a dizer que, mesmo nos momentos de crise, a
discusso se far com palavras e frases,
e silncios, da lngua portuguesa.

113
Sociedade

A comunicao
social

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Rui Assis Ferreira

A imprensa

voluo histrica
e estrutura do mercado
Apesar do desenvolvimento cultural
e cientfico registado nos sculos XV e XVI e
da rpida introduo da imprensa no pas
(1487), as primeiras publicaes peridicas editadas em Portugal, ainda no sculo XVII (Gazeta, Mercrio Portugus), tiveram existncia limitada, por se destinarem,
sobretudo, a apoiar o esforo de guerra
inerente restaurao da independncia
nacional e aos confrontos militares com a
vizinha Espanha (1640-1668).
Seria preciso esperar at 1809 para se
assistir ao aparecimento do primeiro jornal
dirio, publicado em Lisboa. Nesta cidade
chegariam a editar-se, em 1820, cinco quoA Gazeta, uma das primeiras publicaes
peridicas portuguesas, que dava conta
dos sucessos das lutas da Restaurao,
em 1641.

114
Sociedade

tidianos, a que acresciam os dois publicados no Porto.


, porm, a partir de 1834 que a imprensa portuguesa comea a aproximar-se da
vitalidade prpria do jornalismo moderno,
por fora da sua crescente profissionalizao humana e tecnolgica. Inicialmente
concebida como simples tribuna individual,
a imprensa peridica passa a assumir-se
como verdadeiro frum de debate dos
grandes temas nacionais e internacionais,
num movimento a que esteve ligado, nos
Aores, aquele que ainda hoje o mais antigo jornal portugus O Aoreano Oriental (1835).
Na segunda metade do sculo XIX surgem os principais dirios do pas O Comrcio do Porto, Dirio de Notcias, Jornal
de Notcias, Primeiro de Janeiro, O Sculo,
Dirio Popular, Repblica, Dirio de Lisboa , alguns dos quais (Dirio de Notcias,
Jornal de Notcias) com publicao que chegou aos nossos dias. Pelo caminho ficaram
ttulos histricos de grande notoriedade
(O Sculo, Dirio Popular, Repblica e Dirio
de Lisboa), que no conseguiram resistir,
em anos recentes, s transformaes ocorridas no sector.
J nos anos 70 do sculo XX, observa-se
um assinalvel desenvolvimento da imprensa semanal, em torno de projectos jornalsticos inovadores e claramente desalinhados do poder poltico dominante, quer
nos ltimos anos do marcelismo (caso do
Expresso), quer na fase mais radical da revoluo de 1974 (caso de O Jornal).
poca da revoluo de 1974, um significativo nmero dos quotidianos portu-

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A comunicao social

Alguns exemplos da imprensa portuguesa.

gueses encontrava-se na posse de grandes grupos econmicos, em especial dos


ligados banca e aos seguros. No surpreende, por isso, que a nacionalizao
destes sectores, em Maro de 1975, tenha
transferido para o Estado a grande maioria
dos dirios ento publicados.
Tal circunstncia, indita na Europa
Ocidental, revelou-se potenciadora de intervenes manipuladoras da informao,
ao servio das foras poltico-partidrias
dominantes ou mais activas. Isto mesmo foi
particularmente visvel entre os movimentos
militares de 11 de Maro e 25 de Novembro de 1975, perodo durante o qual os
movimentos mais radicais da esquerda
procuraram hegemonizar os rgos de comunicao social do sector pblico.
Com a progressiva consolidao dos
mecanismos prprios da democracia representativa, a imprensa estatizada foi perdendo a sua razo de ser, ao ponto de cessar a publicao ou regressar posse do
sector privado da economia.
As dcadas de 80 e 90 so marcadas
por diversas modificaes na estrutura do
mercado da imprensa diria, com o aparecimento de novos peridicos (Correio da

Manh, Pblico, Dirio Econmico, 24 Horas) e a extino de outros (Jornal Novo,


A Tarde, A Tribuna, O Dirio, Portugal Hoje,
A Capital).
Tambm na imprensa no diria se registaram desenvolvimentos significativos,
prolongados, alis, j neste sculo. O universo dos semanrios de informao geral,
continuando embora a contar com os j
clssicos Expresso e Viso, viu nascer as
news magazines Focus e Sbado, assim
como, mais recentemente, o semanrio
Sol; mas assistiu, em contrapartida, ao desaparecimento de alguns semanrios que
chegaram a atingir certa expresso (O Jornal, Tempo, O Pas, O Independente).
Paralelamente, verifica-se um crescimento do nmero de publicaes especializadas. O fenmeno mais notrio no
domnio das revistas femininas, ou da imprensa chamada rosa (de caractersticas
marcadamente mundanas), e no dos peridicos desportivos, tendo at a expanso
destes ltimos determinado a converso
em quotidianos dos trissemanrios histricos (A Bola e Record), que exibem, hoje,
conjuntamente com o Jogo, tiragens entre
as mais elevadas da imprensa diria.
115
Sociedade

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Retrato de Portugal

lao: ela representa apenas 1/4 dos jornais e revistas distribudos em Portugal.
Cabe aqui assinalar que o Estado mantm, desde fins dos anos 70, um sistema
de apoios imprensa regional, assente,
fundamentalmente, na comparticipao do
pagamento da sua expedio postal e na
atribuio de incentivos iniciativa empresarial e ao desenvolvimento multimdia, assim como qualificao dos recursos humanos e investigao (estendendo-se,
nalguns casos, s rdios locais).

Fachada do edifcio da Lusa Agncia de


Notcias de Portugal, em Lisboa.

Se facto que os ttulos generalistas


apresentam sinais de quebra da circulao
paga, nos dois ltimos anos, certo tambm
que o advento dos jornais gratuitos (Jornal
da Regio, Metro, Destak) trouxe mais leitores, bem como novos pblicos, ao sector, a
ponto de o somatrio das suas tiragens corresponder, hoje, s vendas conjuntas dos
cinco principais quotidianos portugueses.
Particularmente atomizado o subsector
dos jornais regionais, que exibe um nmero
de ttulos (superior a 700) deveras contrastante com a sua real dimenso jornalstica e
empresarial. Na verdade, o conjunto das tiragens mdias declaradas situa-se perto
dos 4500 exemplares, muito embora 300
das publicaes recenseadas no logrem
atingir, por nmero, as 2500 cpias.
Sobra, pois, imprensa regional portuguesa, em ttulos, aquilo que lhe falta em
estruturas empresariais e valores de circu116
Sociedade

Agncia noticiosa
Remonta a meados dos anos 40 do sculo
transacto a criao, em Portugal, das primeiras agncias de notcias.
Existe, a partir de Fevereiro de 1987,
uma nica empresa de vocao nacional e
internacional a Lusa , com importante
presena editorial e fotogrfica nos contedos das publicaes de informao geral.
Nela se renem, sob a forma de sociedade
comercial, capitais pblicos (dominantes) e
privados (oriundos dos rgos de comunicao social, que so, naturalmente, os
principais clientes da agncia).
Um contrato de prestao do servio
pblico disciplina as relaes entre o Estado e a agncia noticiosa, tanto no que respeita delimitao das obrigaes por
esta assumidas, em termos de cobertura
noticiosa, quer no que se refere s contrapartidas financeiras que, a esse ttulo, lhe
so devidas (17 665 935 euros, em 2005).
A Lusa dispe de uma rede de delegaes e correspondentes que cobre todo o
mundo da lusofonia, por forma a favorecer
os fluxos informativos entre os pases e comunidades de lngua portuguesa.
Est sujeita ao regime jurdico aplicvel
s empresas jornalsticas, tal como estabelecido pela Lei de Imprensa.
Consumo
Portugal apresenta reduzido ndice de leitura dos jornais dirios, espelhado nos ele-

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A comunicao social

mentos divulgados pelo Anurio Estatstico


da UNESCO (41 exemplares vendidos por
cada 1000 habitantes).
Os trabalhos de campo realizados junto
da populao, para levantamento dos nveis de iliteracia, confirmam este cenrio:
somente um em cada cinco dos portugueses consome quotidianamente publicaes
peridicas, sendo ainda de assinalar que
os tempos de leitura registados no pas, em
1995, se alimentavam essencialmente das
legendas televisivas (85 %).
Sendo certo que os hbitos de leitura variam consideravelmente entre os pases do
Norte e do Sul da Europa, com manifesta
ascendncia dos primeiros, a situao portuguesa tributria, em especial, dos nveis
de analfabetismo aqui existentes (9 % da
populao, em 2004), assim como da hegemonia do consumo televisivo, ele prprio
constitudo em autntico colete de foras
imposto progresso dos outros media.
De resto, a tendncia detectvel no plano mundial traduz um progressivo recuo
dos jornais dirios, superados pelo crescimento do audiovisual e dos novos servios
da sociedade de informao.
Em Portugal, o controlo das tiragens da
imprensa peridica (jornais e revistas) feito
atravs dos mecanismos da auto-regulao.
Dos ltimos dados fornecidos pela associao competente, a Associao Portuguesa
para o Controlo de Tiragem e Circulao
(APCT), relativos ao ano de 2005, decorre o
seguinte alinhamento, em nmero de exemplares de tiragem mdia, por edio:

Quadro legal
Ao longo da sua histria, os peridicos portugueses conheceram diversos momentos
de fortes restries liberdade de informao. Embora os perodos mais gravosos
tenham coincidido com a longa noite da
Inquisio e do Estado Novo (o regime autoritrio de Salazar e Caetano), o prprio
liberalismo e a I Repblica no foram capazes de erguer edifcios jurdicos aptos
sustentao de uma imprensa livre e independente.
Deve-se ao 25 de Abril de 1974 o estabelecimento de um modelo consolidado de
respeito pelas liberdades de expresso e
informao, ambas com vigoroso assento
na Constituio de 1976 (ainda hoje vigente, embora com diversos ajustamentos).
O actual regime jurdico do sector jornalstico alicera-se no Estatuto do Jornalista (Lei
n.o 1/99) e na Lei de Imprensa (Lei n.o 2/99),
ambos de 13 de Janeiro de 1999.
O primeiro destes diplomas define o
enquadramento normativo da profisso,
assegurando-lhe nveis de proteco dos
mais elevados na Europa ilustrados por
um amplo direito de acesso s fontes de informao, pelo respeito da clusula de
conscincia e do sigilo profissional, pela
proteco da liberdade de expresso dos
jornalistas e pela sua participao na orientao editorial dos respectivos rgos de
comunicao social.
O acesso actividade jornalstica est
condicionado emisso de ttulo profissional prprio, da competncia de uma comis-

Maria (revista feminina): 315 600;


Nova Gente (revista social): 159 400;
Expresso (semanrio generalista): 128 168;
TV Guia (revista televisiva): 139 700;
Correio da Manh (matutino generalista): 118 254;
Viso (revista semanria generalista): 99 683;
Jornal de Notcias (matutino generalista, Porto): 98 637;
Record (matutino desportivo, Lisboa): 86 964;
Activa (revista feminina): 85 400;
Sbado (revista semanria generalista): 50 918;
Pblico (matutino generalista, Lisboa/Porto): 50 701;
Dirio de Notcias (matutino generalista, Lisboa): 37 909.
117
Sociedade

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Retrato de Portugal

so presidida por um magistrado e integrada tambm por representantes dos rgos


de comunicao social e dos jornalistas.
A Lei de Imprensa postula, por seu turno, a clara rejeio dos mecanismos censrios, que haviam marcado uma presena
asfixiante, em Portugal, entre 1926 e 1974.
Dela constam preceitos que visam, entre
outros objectivos, garantir a transparncia
da propriedade das publicaes, definir a
competncia dos directores e dos rgos
colegiais representativos dos jornalistas (os
conselhos de redaco), assegurar o exerccio dos direitos de resposta e de rectificao e determinar a responsabilidade civil e penal emergente dos actos ilcitos
cometidos atravs da imprensa.

A rdio
Evoluo do sector
Data dos anos 30 o incio da actividade das
principais estaes radiofnicas portuguesas: o Rdio Clube Portugus (RCP) (1931),
privado, a Emissora Nacional (EN) (1935),
pblica, e a Rdio Renascena (RR) (1936),
ligada Igreja Catlica.
J antes, porm, tinham sido instaladas,
sobretudo em Lisboa, diversas outras rdios, de pequena dimenso, recenseadas
em nmero de 28 entre 1914 e 1939. Projectos eminentemente pessoais, dependendo do voluntarismo dos seus fundadores, mais do que de verdadeiras estruturas
profissionalizadas, parte destas estaes
acabou por ficar pelo caminho que outras
percorreram at hoje.
Desde cedo o Estado chamou a si o
controlo primeiro directo, depois por
desconcentrao de poderes de um
operador radiofnico (a EN), incumbido,
ainda em 1931, de explorar as virtualidades do novo medium, tanto nas suas vertentes informativas e recreativas como no
seu potencial propagandstico.
Em 1974, aquando do Movimento dos
Capites, o sector apresentava-se oligopo118
Sociedade

lizado por trs grandes redes de cobertura


nacional RCP, EN e RR , mais ou menos sujeitas ao controlo do regime, incorporando, alm disso, uma dezena de pequenos postos emissores, de mbito local.
Apesar da restaurao da democracia
em Portugal e das novas oportunidades
que ela trouxe expresso radiofnica, a
configurao do mercado nacional manteve-se inalterada at dcada de 80, altura
em que o pas assistiu multiplicao de
estaes locais piratas, constitudas
margem das leis ento vigentes e fruto de
iniciativas tipicamente voluntaristas.
Os poderes pblicos acabaram por ser
sensveis presso das circunstncias
at porque o fenmeno recolhia apoios evidentes na populao e nos prprios rgos
da administrao local , revendo, no sentido da abertura, toda a disciplina jurdica
da radiodifuso sonora e promovendo o
subsequente licenciamento de cerca de
trs centenas de emissoras locais.
Aps este esforo regularizador, a paisagem radiofnica portuguesa assumiu
aquele que o seu figurino actual, com
uma grande diversidade de operadores de
mbito concelhio (355 recenseados em fins
de 2005) e a manuteno de um ncleo
restrito de emissores nacionais (aos quais
se vai progressivamente reunindo a TSF,
estao originariamente local, pertencente
ao grupo Controlinveste).
Observa-se, no entanto, uma clara tendncia para a constituio de cadeias radiofnicas, entre os operadores locais, com
o duplo propsito de alargamento das correlativas reas de cobertura (associado ao
crescimento das receitas publicitrias) e de
obteno de economias de escala. Trata-se
de um fenmeno controverso, manifestamente influenciado pela concentrao dos
meios e estruturas empresariais, mas susceptvel de desfigurar os padres de diversidade que presidiram abertura do sector.
O servio pblico de radiodifuso sonora
continua a ser assegurado, em regime de

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A comunicao social

Moderno estdio radiofnico da TSF.

concesso, por uma empresa de capitais do


Estado. Inicialmente constituda como empresa pblica (1975), a Radiodifuso Portuguesa, SA (RDP), est hoje formalmente organizada como sociedade annima, por
influncia da tendncia flexibilizadora que
tem caracterizado, nos ltimos anos, a gesto do sector pblico da economia. Para
alm de trs canais de cobertura nacional,
dois dos quais dirigidos a audincias especficas, de dois servios de programas regionais (cobrindo, respectivamente, os arquiplagos da Madeira e dos Aores) e de
diversos centros de programao local, a
RDP dispe ainda de dois servios internacionais, por onda curta e satlite, atingindo
um deles todos os continentes e sendo o outro especialmente dirigido para as comunidades africanas de expresso portuguesa.
Consta de um contrato de concesso o
conjunto de misses atribudas RDP, enquanto titular do servio pblico de radiodifuso sonora. O respectivo custo suportado, essencialmente, pela afectao de uma
parte da contribuio para o audiovisual
taxa criada pela Lei n.o 30/2003, de 22 de
Agosto, para financiamento dos servios pblicos de rdio e televiso , j que a empresa no difunde mensagens publicitrias.

Deve assinalar-se como excepo


que , a nvel europeu o facto de a utilizao da onda curta, para a realizao de
emisses internacionais, no ser exclusiva
do servio pblico, uma vez que tambm a
privada RR, pertencente Igreja Catlica,
dispe de idntica facilidade.
Desde 1996 que as rdios locais tm
acesso, a par da imprensa sobretudo regional, a apoios financeiros do Estado, visando a actualizao tecnolgica dos seus
equipamentos, incluindo o software utilizado, e a emisso online dos respectivos servios de programas.
Dada a quase saturao do espectro
analgico, de esperar que qualquer evoluo sectorial fique dependente da passagem transmisso digital, nomeadamente
ao sistema DAB. Para tanto, foi j atribuda
RDP, por concurso pblico, a instalao e
explorao da rede de suporte das futuras
emisses, mas a rea de cobertura destas,
tal como o parque de aparelhos receptores
existentes no pas, so ainda limitados.
Entretanto, a Internet no deixa de se
revelar como estrutura alternativa de distribuio dos servios de programas, em
concorrncia com as ondas hertzianas.
A partir da segunda metade dos anos 90
119
Sociedade

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Retrato de Portugal

A rdio adapta-se s preferncias dos ouvintes: algumas estaes oferecem j servios de


podcast, que permitem escutar os programas que quiser, quando quiser, atravs do computador.

torna-se patente uma progressiva presena das rdios no ciberespao, quer na produo de sites de natureza informativa ou
recreativa, quer na simples difuso online,
com a possibilidade de download para disco e pesquisa por assunto.
Consumo e audincias
Apesar do rpido crescimento inicial
seis vezes, entre 1933 e 1940 do parque
de receptores, em Portugal, e da inegvel
popularidade granjeada por algumas das
estaes, certo que o consumo da rdio
nunca conseguiu opor-se eficazmente ao
advento do seu concorrente televisivo.
Mesmo assim, o tempo mdio dirio de

escuta, por adulto, manteve-se relativamente estabilizado entre 1994 (195 minutos) e
2002 (191 minutos), sem revelar excessivo
desgaste perante a multiplicao da oferta
de programas de televiso no s dos
canais hertzianos terrestres, mas tambm
dos recebidos por satlite ou por cabo.
Em termos gerais, pode dizer-se que a
RR ocupa o primeiro lugar na hierarquia das
audincias, com valores que superam o
consumo conjunto de todas as rdios locais.
Em moldes mais segmentados, a Marktest (empresa de estudos de audincia) refere os seguintes valores de share, para o
primeiro trimestre de 2006, no tocante s
estaes de maior audio:

RFM (Grupo Rdio Renascena): 21 %;


Rdio Comercial (privada, grupo Media Capital): 13,5 %;
Rdio Renascena (Igreja Catlica): 13,1 %;
Antena 1 (servio pblico): 6,5 %.

120
Sociedade

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A comunicao social

Quadro legal
Adoptado, na sua verso inicial, em 1988
(Lei n.o 87/88, de 30 de Julho), e revisto em
1997 (Lei n.o 2/97, de 18 de Janeiro) e 2001
(Lei n.o 4/2001, de 23 de Fevereiro), o regime jurdico da radiodifuso sonora submete o acesso actividade a uma licena atribuda, mediante concurso pblico, pela
Entidade Reguladora para a Comunicao
Social (ERC), a principal instncia reguladora do sector.
No enunciado dos fins da radiodifuso
sonora, a lei confere particular ateno aos
casos do servio pblico especialmente
sujeito observncia do pluralismo interno
e difuso de programas formativos ou
destinados a pblicos minoritrios e das
estaes de cobertura local ou regional,
concebidas como instrumento de afirmao e preservao das diferentes identidades que compem o todo nacional.
Ocupa-se, ainda, da salvaguarda das liberdades de expresso e informao, das
exigncias mnimas de programao prpria e da defesa da cultura nacional de
que a utilizao da lngua portuguesa instrumento determinante.
A publicidade difundida atravs da rdio (nos seus aspectos qualitativos e quan-

titativos), o direito de antena dos partidos


polticos e das organizaes sindicais, profissionais e patronais, os direitos de resposta e rectificao e o estatuto sancionatrio
dos operadores preenchem as restantes
reas de regulao da Lei da Rdio, em
moldes idnticos aos adoptados na generalidade dos estados comunitrios.
O essencial do regime vigente completa-se com o diploma regulador do processo de licenciamento das estaes radiofnicas a Portaria n.o 121/99, de 15 de
Fevereiro.

A televiso
Evoluo histrica
Tal como ocorreu noutros pases, a investigao e a experimentao televisiva tiveram diversos cultores em Portugal, ainda
antes do incio das emisses regulares. Entre os seus pioneiros contam-se nomes como os de Adriano de Paiva (em finais do
sculo XIX), Ablio Nunes dos Santos e lvaro de Oliveira (estes nos anos 30-40).
a partir de 1955, com a criao da
Rdio Televiso Portuguesa, SARL (RTP),
que se acelera o processo de lanamento
da televiso portuguesa, que haveria de

A regie do novo Centro de Produo da RTP, inaugurado em Maro de 2007.

121
Sociedade

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Retrato de Portugal

concretizar-se, atravs de uma primeira fase de transmisses experimentais, em Setembro de 1956.


No ms de Maro do ano seguinte deu-se o incio das emisses regulares, que
passaram a dispor de um segundo canal a
partir de Dezembro de 1968. A transmisso
a cores, de forma contnua, teve lugar em
Maro de 1980, com base no sistema PAL.
A percentagem de lares portugueses
equipados com receptores de TV era, em
2003, de 99 por cento. Por outro lado, o
Observatrio Europeu do Audiovisual
(OEA) assinalava, j em 1996, existir mais
do que um aparelho em 57,3 % dos lares.
Esta taxa de penetrao dos segundos televisores era das mais elevadas da Europa,
apenas suplantada pelos 57,5 % registados em Espanha.
Desde o comeo da sua actividade, a
RTP assumiu o papel de elemento integrante do aparelho ideolgico do regime, situao que, conjugada com o impacte inerente radioteleviso, enquanto medium, deu
particular relevo estratgico ocupao
dos estdios e emissores da estao, na
revoluo de 25 de Abril de 1974.

Porm, a salvaguarda institucional dos


direitos fundamentais, operada com a
Constituio de 1976, no assegurou, por
si s, a completa autonomizao da RTP
dos desgnios dos poderes dominantes, e
muito menos a exigvel imunizao da empresa s frequentes oscilaes do xadrez
poltico-partidrio.
Da que para ela tenham sido nomeados (ainda pelo governo) cerca de 20 diferentes presidentes, entre 1975 e 1996.
A esta instabilidade gestionria haver
que fazer acrescer, em 1991, a desanexao da rede de emissores da RTP (que viria a ser integrada no operador pblico de
telecomunicaes), bem como a abolio
da taxa de televiso (que concorria com a
publicidade, enquanto fontes de financiamento da estao), factores que os analistas associam recorrentemente progressiva degradao econmico-financeira da
concessionria do servio pblico, que
atingiu o seu auge em 2001.
Para tanto contribuiu igualmente a multiplicao de exigncias dirigidas RTP,
tanto no nmero de canais produzidos e difundidos os dois nacionais, as emisses

O teletexto, oferecido por todos os canais portugueses, constitui um servio acrescentado


utilizao habitual da televiso.

122
Sociedade

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A comunicao social

Os logtipos dos quatro canais televisivos portugueses: RTP 1, canal 2, SIC e TVI.

internacionais (RTP-Internacional, lanada


em 1992), a RTP-frica (1997), a programao prpria dos centros regionais das
ilhas atlnticas (Madeira e Aores), as
emisses regionais de informao (Lisboa,
Porto, Bragana, Coimbra, vora e Faro) e
a difuso do teletexto como na contribuio para a produo cinematogrfica nacional e para as aces de cooperao
com as antigas colnias africanas.
semelhana de algumas das suas
congneres europeias, a RTP viveu, ento,
momentos de particular dificuldade, agravados pela inpcia do prprio Estado, que
lhe entregava, poca, apenas parte das
indemnizaes compensatrias a que se
encontrava contratualmente obrigado.
A esta eroso das receitas provenientes do
oramento do Estado veio, entretanto, somar-se o declnio dos proveitos comerciais,
ditado pela expanso dos canais privados
e consequente reduo da audincia do
servio pblico.
De facto, a reviso constitucional de
1989, ao eliminar o monoplio pblico da
actividade televisiva, abriu a porta instalao de canais privados em Portugal. Isso
veio a acontecer logo aps a adopo da
Lei da Televiso de 1990, ao abrigo da qual
comearam a emitir a Sociedade Independente de Comunicao (SIC) (Outubro de
1992) e a Televiso Independente (TVI)
(Fevereiro de 1993), os primeiros operadores sem qualquer ligao ao Estado.
J em 1998-1999 o pas assistiu ao nascimento, nas redes de cabo, de dois novos
canais, ambos temticos: a Sport TV e o Canal de Notcias de Lisboa (CNL), que acabou por se converter na SIC Notcias (com
programao informativa 24h por dia).
Os anos que se seguiram ficaram ligados, alis, expanso do universo de ca-

nais explorados pela SIC (grupo Impresa)


atravs da TV Cabo (operadora controlada
pela Portugal Telecom PT), em moldes
que lhe asseguraram a explorao de um
conjunto de seis servios de programas,
um dos quais transmitido por satlite e com
cobertura internacional.
A principal operadora portuguesa de telecomunicaes, a mesma PT, desenvolveu igualmente uma estratgia de forte presena no mercado dos canais televisivos,
nomeadamente em regime de pay tv, sendo detentora, ainda que indirectamente, de
diversos servios de programas especializados em contedos cinematogrficos.
O satlite e o cabo
At dinamizao da oferta de servios de
programas nacionais, Portugal mostrou-se
sintomaticamente exposto ao consumo de
canais estrangeiros.
O principal instrumento utilizado pelos
portugueses para acederem a programao alternativa comeou por ser a recepo
directa por satlite, que levou constituio
de um parque receptor servindo cerca de
280 000 pessoas, j em 1998. A popularidade destes canais levou, inclusivamente, a
que algumas autarquias chamassem a si a
iniciativa de instalar dispositivos de retransmisso, por via hertziana, das emisses
captadas do espao, para melhor corresponderem ao interesse dos muncipes.
O recurso via satelitria tem igualmente lugar para a transmisso de programas
sujeitos jurisdio do Estado portugus.
o caso de dois dos canais nacionais antes referidos a Sport TV e o CNL , assim como das emisses internacionais da
RTP e, mais presentemente, da SIC.
A partir de 1994 teve lugar a cablagem
do pas, essencialmente a cargo da TV Ca123
Sociedade

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Retrato de Portugal

bo-Portugal, que dispe de uma quota de


mercado prxima dos 90 por cento.
Dados recolhidos pela Anacom Autoridade Nacional de Comunicaes revelam
a rpida penetrao do cabo em Portugal,
que alcanou, no primeiro trimestre de
2006, um total de 3 914 000 lares, com
1 400 000 subscritores.
A oferta actual das redes existentes
abrange perto de seis dezenas de canais,
incluindo os distribudos por assinatura (a
pagamento). Por fora das caractersticas
geogrficas do pas, a infra-estrutura do
cabo carece de complemento, para cobertura das zonas menos acessveis, atravs
da emisso por satlite.
Consumo e audincias
Em mdia, os Portugueses gastam a ver televiso, por dia, 212 minutos (dados de
2005, recolhidos pela Marktest/Mediamonitor). Trata-se de um nvel de consumo intermdio aos mnimos (152 para a Sucia,
153 para a Sua) e mximos (252 para a
Turquia, 240 para a Hungria) europeus.
Em matria de audincias, verifica-se
uma acesa disputa da liderana entre os
canais SIC e TVI, muito embora a RTP 1 venha evidenciando, nos ltimos anos, alguns sinais de recuperao. Os nmeros
revelados pela Marktest/Mediamonitor, para Setembro de 2006, atribuem a primazia
do share TVI (28,6 %), seguida da SIC
(26,5 %), da RTP 1 (24,7 %) e do segundo
canal de servio pblico (6,1 %).
Pela anlise dos programas mais vistos
na televiso hertziana, podem surpreender-se as preferncias dos consumidores: as
transmisses de futebol e os programas de
fico ligeira, em especial telenovelas, ou os
reality-shows, todos falados em portugus.
Por seu turno, a programao prpria
do cabo comea a marcar presena mais
forte junto dos telespectadores portugueses, fenmeno este verificvel pela duplicao do seu share, s entre Janeiro e Junho de 1999 (de 1,5 para 3,4 %, segundo
124
Sociedade

dados da Marktest). De acordo com a mesma empresa de estudos de mercado e audincia, o share conjunto do vdeo e dos
canais prprios do cabo atingia j, em Setembro de 2006, os 14,2 por cento.
Os canais mais populares so, aqui, os
consagrados ao desporto, cinema ou documentrio.
Quadro legal
semelhana das transformaes democrticas ocorridas na disciplina jurdica dos
restantes media, tambm a televiso ficou a
dever revoluo de 25 de Abril de 1974
a garantia das liberdades fundamentais.
Contudo, a RTP, no plano factual e tambm
normativo, foi alvo de acusaes vrias, atinentes sua alegada dependncia do poder poltico, questo esta que no est ainda
completamente resolvida.
At 1990, prevaleceu, em Portugal, um
modelo monopolista, em que o Estado,
atravs da RTP, detinha o exclusivo da
actividade televisiva. Nesse mesmo ano,
porm, a lei ordinria veio consagrar a passagem a um regime dualista, no qual coexistem operadores privados/comerciais e a
concessionria do servio pblico.
evoluo registada no pas no foi estranha, por certo, a adeso portuguesa
ento Comunidade Econmica Europeia
(CEE), em 1986, como j no o havia sido,
antes disso, a admisso no Conselho da
Europa (CE).
De facto, toda a regulao portuguesa
da televiso largamente tributria dos
princpios e regras dimanados daquelas organizaes internacionais, por muito que
Portugal se tenha antecipado, nalguns domnios (por exemplo, a disciplina da publicidade ou do exerccio dos chamados direitos exclusivos), normalizao europeia,
ou mantenha nveis de proteco jurdica do
jornalismo superiores aos da generalidade
dos estados-membros do CE.
A conhecida directiva Televiso sem
Fronteiras (directiva 89/552/CEE, de 3 de

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A comunicao social

Outubro de 1989) foi transposta para o direito interno portugus logo em 1990, tal
como a sua reviso de 1997 (directiva 97/
/36/CE, de 30 de Junho) teve pronto acolhimento nas Leis da Televiso de 1998
(Lei n.o 31-A/98, de 14 de Julho) e 2003
(Lei n.o 32/2003, de 22 de Agosto, actualmente em vigor), assim como no Cdigo da
Publicidade (Decreto-Lei n.o 330/90, de
23 de Outubro, na verso do Decreto-Lei
n.o 275/98, de 9 de Setembro).
So estes, pois, os diplomas moduladores do direito portugus da televiso, que se
caracteriza, na sua formulao legal, por elevados graus de tutela da liberdade de programao e dos direitos dos consumidores.
O acesso actividade faz-se mediante licena, precedida de concurso pblico,
quando o operador se sirva da transmisso
hertziana terrestre, ou atravs de simples licena, no caso da televiso por satlite ou
por cabo. Como corolrio da desgovernamentalizao do sector, incumbe ERC a
autoridade administrativa independente para
os media a atribuio destes ttulos, vlidos por perodos de 15 anos. Os candidatos devem possuir um capital mnimo de
1 000 000 euros, para os canais temticos,
ou 5 000 000 euros, para os generalistas.
No existem, hoje, quaisquer restries
ao investimento na televiso, em funo da
nacionalidade dos capitais envolvidos (ainda que no comunitrios), o que no pode
deixar de ser entendido como reflexo da integrao europeia em que Portugal est
envolvido. Tambm no existem regras
especficas antitrust aplicando-se actividade o regime geral de defesa da concorrncia , muito embora o legislador
portugus se tenha preocupado em assegurar a transparncia da propriedade dos
operadores.
No presente estdio legislativo, apenas
os canais de cobertura nacional se encontram regulados; as condies de exerccio
da televiso de mbito local ou regional foram remetidas, pela lei, para diploma pr-

prio (ainda por adoptar), com inteno claramente dilatria da explorao desses
novos mercados.
Nos termos da lei, a liberdade de expresso do pensamento atravs da televiso integra o direito fundamental dos cidados a uma informao livre e pluralista,
no podendo os poderes pblicos, salvo
os tribunais, impedir, condicionar ou impor a difuso de quaisquer programas.
A soberania assim reconhecida aos canais
televisivos est somente condicionada pelos limites usuais nos estados democrticos, nomeadamente a proteco da dignidade da pessoa humana e a preveno do
crime. Tal como a normao europeia
tanto da Unio Europeia (UE) como do
CE , a lei portuguesa exige uma rigorosa
identificao dos programas susceptveis
de afectar os pblicos mais vulnerveis, remetendo para horrio nocturno, posterior
s 23h, a sua difuso.
Ainda antes da introduo, no espao
comunitrio, de normas reguladoras do
exerccio de direitos exclusivos, j Portugal
procurara acautelar, na legislao de 1990,
o direito do pblico informao. A actual
Lei da Televiso retoma esse mesmo objectivo, desenvolvendo-o agora a partir
dos princpios introduzidos, em 1997, na
directiva TSF. Dada a popularidade usufruda pelo desporto, entre os telespectadores portugueses como, alis, nos
demais estados-membros , a lista de
eventos que no podem ser transmitidos
exclusivamente em canais de acesso condicionado essencialmente composta de
acontecimentos inseridos nas grandes
competies desportivas, nacionais e estrangeiras.
Em matria de difuso de obras audiovisuais, as regras vigentes procuram assegurar a defesa da programao criativa
originariamente produzida em lngua portuguesa (que deve ocupar um mnimo de
15 % do tempo de emisso de cada operador), tal como a transmisso maioritria, em
125
Sociedade

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Retrato de Portugal

sintonia com o regime estabelecido pela


UE, de obras audiovisuais de origem europeia, com especial relevo para as oriundas
de produtores independentes.
Os direitos de resposta (perante referncias ofensivas) e de rectificao (face a informaes apenas errneas) so de consagrao clssica, na lei portuguesa, mesmo
se pouco utilizados pelos consumidores televisivos. A sua tutela cabe ERC (cuja interveno graciosa) e, alternativamente,
aos tribunais. Os partidos da oposio parlamentar beneficiam, no servio pblico (e
s neste), de um direito especial de rplica
s declaraes polticas do governo, a produzidas, que directamente os atinjam.
Para preservao do patrimnio arquivstico da televiso, os registos de emisses qualificveis como de interesse pblico, em funo da sua relevncia histrica
ou cultural, esto sujeitos a um regime de
depsito legal e acessveis, nessa medida,
aos investigadores.
Da Lei da Televiso consta igualmente
o modelo do servio pblico que o Estado
deve assegurar, por expressa cominao
constitucional. Entre ele e a concessionria
uma empresa de capitais exclusiva ou
maioritariamente pblicos , estabelece-se um contrato que disciplina as obrigaes de programao, de prestao de
servios especficos, de produo original,
de inovao e desenvolvimento tecnolgico, de cooperao com os pases lusfonos e de manuteno de canais internacionais, a par da fiscalizao do cumprimento
dessas misses e das medidas sancionatrias correspondentes.
Entre as obrigaes caractersticas do
servio pblico conta-se a cedncia de
tempos de antena aos partidos polticos e
ao governo, assim como s organizaes
sindicais, patronais, profissionais e de defesa do ambiente e do consumidor.
Por determinao da lei, o financiamento do servio pblico assegurado atravs
de verbas consignadas, para o efeito, no
126
Sociedade

Oramento do Estado (as chamadas indemnizaes compensatrias), com um


horizonte plurianual (quatro anos). Os montantes consignados ao perodo de 2004 a
2007 situam-se em 492 350 euros.
Com a reorganizao imprimida ao sector empresarial do Estado pela Lei n.o 30/
/2003, de 22 de Agosto, a primitiva taxa da
rdio deu lugar contribuio para o audiovisual, passando a ser partilhada pelas
empresas concessionrias dos servios
pblicos radiofnico e televisivo. Este ltimo passou, assim, a contar com proveitos
mais consistentes, aos quais acrescem
como, de resto, j acontecia os decorrentes da explorao da publicidade.
Note-se, todavia, que a RTP viu ser simultaneamente reduzida a durao das
suas emisses publicitrias, agora limitadas a seis minutos por hora, o que corresponde a 50 % do tecto legal aplicvel aos
servios de programas no codificados.
Apesar disso, o conjunto das medidas
tomadas a partir de 2003 (que incluiu a
efectiva consolidao do passivo da empresa e a reduo da sua carga estrutural)
assegurou concessionria do servio
pblico uma base de receitas suficiente e
estvel, que lhe permitiu superar a grave
crise financeira por que passou em 2001-2002.

Os novos media
Embora a televiso por cabo e por satlite
seja uma relativa novidade tecnolgica para
os Portugueses, nos servios audiovisuais
da anunciada sociedade de informao que
se podem descortinar, tambm em Portugal,
os grandes suportes mediticos do futuro.
Entre eles, a comunicao online assenta sobretudo na Internet, apesar de alguns progressos feitos pelo cabo, no domnio do video-on-demand.
De acordo com elementos divulgados pelo Instituto Nacional de Estatstica (INE), relativos ao primeiro trimestre de 2005, 42,5 % dos

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A comunicao social

agregados domsticos dispunham de computador pessoal, e 19 % de acesso Internet; a percentagem de ligaes em banda
larga representa 63 % do total nacional.
O acesso assegurado por um conjunto de 15 fornecedores, devidamente habilitados.
entre os homens com menos de 24
anos que se encontram os principais consumidores. Vinte e cinco por cento dos
utentes da Internet usa-a quase diariamente, com uma mdia de consumo dirio entre 30 a 60 minutos.
Os mais importantes jornais portugueses esto disponveis na Internet, em edio electrnica, no que so seguidos por
um j significativo nmero de outros rgos
de comunicao social (incluindo ttulos da
imprensa regional). Comearam, entretanto, a surgir alguns exemplos de publicaes apenas editadas na Internet, viradas
para segmentos particulares do pblico,
com apetncia de informao especializada (como a econmica).
O alargamento Internet dos servios
disponveis, em pleno processo de convergncia da comunicao de massas, da informtica e das telecomunicaes, criou
novas dinmicas no sector audiovisual,
particularmente complexas do ponto de
vista da regulao e do dimensionamento
dos grupos econmicos.
Entre elas, conta-se o advento de vrios
canais televisivos tambm disponveis
atravs do acesso por ADSL de mbito
autrquico, que se vo posicionando como
verdadeiros precursores da televiso local,
num cenrio legislativo que vem pecando
pelo conservadorismo.
Expoentes deste mesmo fenmeno so,
ainda, os servios online surgidos, nos ltimos anos, em redes electrnicas instaladas, em espaos circunscritos, pelas grandes empresas de transportes (em especial
o metropolitano), ou de natureza primordialmente empresarial/institucional (farmcias, hospitais, gasolineiras...).

No existe em Portugal, neste momento, qualquer normao especfica para a


comunicao pblica na Internet, facto que
ter decerto a ver com a convico ainda maioritria, no quadro da UE da possibilidade de extenso Internet da disciplina normativa dos media convencionais,
assim como das normas de tutela dos direitos da personalidade e de valores jurdico-penais relevantes.

A publicidade
A distribuio do investimento publicitrio
pelos diferentes media revela, em Portugal,
um manifesto ascendente da televiso, cuja quota de mercado subiu 10 % entre 1992
e 1995, como resposta ao aparecimento
dos novos canais SIC e TVI.
Decorridos onze anos, a significativa multiplicao dos servios de programas disponveis em Portugal, por via dos diferentes suportes de distribuio, tinha elevado a quota
da televiso para 70,8 % (um valor particularmente elevado no contexto comunitrio),
deixando a larga distncia os demais meios
a imprensa com 17,8 %, o outdoor com
6,7 %, a rdio com 4,4 % e o cinema
com 0,4 % (dados da Marktest, reportados
aos meses de Janeiro a Agosto de 2006).
Os nmeros revelam a elasticidade do
mercado e a sua margem de progresso:
em 1997 ano a que se reportam os ltimos elementos publicados pelo OEA , o
total de investimento em publicidade atingiu 698 milhes de euros, sugerindo um
crescimento de 70 % para os valores previsivelmente atingidos no final de 1999.
Quando referido ao produto interno bruto (PIB) portugus, aquele montante corresponde a 0,83 %, valor que ocupa o segundo lugar no ranking comunitrio, logo a
seguir aos 0,93 % do Reino Unido.
O regime legal da comunicao publicitria est inserido no chamado Cdigo da
Publicidade, aprovado pelo Decreto-Lei
n.o 330/90, de 23 de Outubro, com as altera127
Sociedade

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Retrato de Portugal

es subsequentes. Nele se transpem os


normativos comunitrios relevantes na matria designadamente a directiva sobre publicidade enganosa e a directiva TSF , a
par das regras vazadas na Conveno Europeia sobre Televiso Transfronteiras, do CE.
A lei portuguesa consagra, assim, os
princpios fundamentais da licitude, veracidade, identificabilidade e separabilidade
das mensagens publicitrias, enquanto valores que percorrem transversalmente todo
o direito da publicidade. Por outro lado,
contm preceitos especificamente dirigidos
proteco dos menores e regulao de
certos produtos mais sensveis, como as
bebidas alcolicas, medicamentos, jogos
de fortuna ou azar e veculos automveis.
O patrocnio rege-se por padres idnticos aos europeus, com a particularidade
de se admitirem referncias ao sponsor, no
interior dos programas, nas mesmas condies previstas para a insero de mensagens publicitrias isto , em conformidade com o detalhado leque de exigncias
fixadas pela directiva TSF.
Em sede de Lei da Televiso estabelecem-se os limites quantitativos publicidade por ela difundida. s percentagens mximas consentidas pela UE 20 % por
hora de emisso, com um tecto dirio tendencialmente fixado em 15 % , aplicveis
generalidade dos canais portugueses,
somam-se os contingentes especificamente impostos aos de acesso condicionado
ou de televenda e autopromoo (10 %),
bem como as restries previstas, para o
servio pblico, pelo respectivo contrato
de concesso (eliminao da publicidade
comercial do seu segundo canal e fixao
de um plafond de seis minutos por hora
nas emisses do primeiro canal).
Incumbe a uma autoridade independente a Comisso de Aplicao de Coimas em Matria de Publicidade (CACMP)
a punio das infraces detectadas
pelos rgos fiscalizadores, em especial o
Instituto do Consumidor (IC).
128
Sociedade

Por seu turno, e a montante da interveno do Estado, os diversos participantes


no processo publicitrio agruparam-se em
torno de uma entidade comum o Instituto Civil de Autodisciplina da Publicidade
(ICAP) , para preservao dos princpios
ticos aplicveis ao sector.

Os grupos econmicos
Com a devoluo iniciativa privada da
maior parte dos rgos de comunicao
absorvidos pelo Estado em 1975, o tecido
empresarial dos media portugueses ganhou uma plasticidade renovada.
Apesar da estreiteza do mercado, os
grupos econmicos nele constitudos apresentam j uma dinmica aprecivel, at
porque aberta a sinergias de mbito internacional.
So quatro os grupos dominantes: Controlinveste, Impresa, Media Capital e Cofina, ainda que controlando segmentos distintos da comunicao social.
O primeiro, criado por Joaquim Oliveira,
detm uma quota maioritria dos jornais
dirios, para alm de uma estao radiofnica de referncia (a TSF).
O grupo Impresa, do antigo primeiro-ministro Pinto Balsemo, tem forte presena
no mercado dos semanrios e da imprensa
especializada, sendo tambm titular de vrios canais televisivos, entre os quais um
de grande audincia (a SIC).
O grupo Media Capital, maioritariamente detido pelos espanhis da Prisa, controla um leque diversificado de rgos de
comunicao, da imprensa rdio e televiso (a TVI), com boas performances sobretudo nos dois ltimos sectores.
O grupo Cofina, liderado pelo empresrio Paulo Fernandes, revela maior implantao na rea da grande imprensa, generalista e temtica.
A presena de investimentos estrangeiros na comunicao social portuguesa vem-se tornando, alis, uma tendncia relativa-

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A comunicao social

mente estabilizada: para alm da ligao da


Prisa Media Capital, um outro grupo espanhol o Recoletos igualmente proprietrio de dois peridicos portugueses (um
dirio e um semanrio) especializados em
economia, tal como, antes, a brasileira Abril,
proprietria da TV Globo, havia investido na
SIC. Notcias recentes deram tambm conta
do aumento da participao detida pelo
grupo alemo RTL na Media Capital.
Estamos, pois, perante um mercado
que se refora como verdadeira rea de
negcio, mais do que como cenrio de influncia poltica de interesses a ele estranhos. A ausncia, em Portugal, de regras
restritivas da concentrao multimdia facilita a criao das sinergias e economias de
escala inerentes constituio de agrupamentos econmicos mais competitivos, sem
que o legislador tenha descortinado neste
fenmeno, at ao momento, uma ameaa
ponderosa aos valores do pluralismo.
Em qualquer caso, o governo em fun-

es acaba de tornar pblica uma proposta de lei sobre a concentrao dos media,
com o intuito primacial de prevenir a constituio de situaes de posio dominante,
susceptveis de proporcionarem a emergncia de prticas violadoras da diversidade e da concorrncia.

Os rgos reguladores
O regime autoritrio e censrio vigente no
pas at 1974 inibiu a emergncia de estruturas geis de aplicao da deontologia
profissional, susceptveis de oporem interveno compulsiva do Estado os valores
da auto-regulao.
Com o restabelecimento da democracia,
a tica jornalstica cuja observncia assegurada pelo Conselho Deontolgico do
sindicato passou a assumir o seu prprio
papel na disciplina normativa do sector,
precedendo outras esferas de aco em
particular a administrativa e a judicial.

Pgina online da Entidade Reguladora para a Comunicao Social.

129
Sociedade

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Retrato de Portugal

No sistema legal portugus, a ERC


rgo independente que funciona junto do
Parlamento exerce as funes de instncia reguladora por excelncia.
Ao abrigo da prpria Constituio e da
Lei n.o 53/2005, de 8 de Novembro, cabe-lhe salvaguardar o direito informao e a
liberdade de imprensa, garantir o pluralismo, a diversidade e a independncia da
comunicao social, com especial incidncia sobre os rgos de comunicao do
Estado, atribuir as licenas ou autorizaes
dos operadores de rdio e televiso, zelar
pela iseno e o rigor informativos, fazer
respeitar os direitos de antena, resposta e
rectificao e assegurar a proteco dos
pblicos sensveis.
Dos cinco membros que compem o
Conselho Regulador da ERC, quatro so
eleitos pelo Parlamento, por maioria qualificada de dois teros, e o quinto cooptado
pelos demais.
Todos eles exercem um nico mandato
de cinco anos, durante o qual tm garantias de independncia e inamovibilidade.
Com a ERC coexistem dois rgos reguladores independentes de mbito mais circunscrito, em termos temticos: a Comisso
Nacional de Eleies, que vela pelo respeito
dos princpios que vinculam os rgos de
informao, durante as campanhas eleitorais ou referendrias, e a CACMP, que se
ocupa da punio dos ilcitos dessa rea.
A RTP e a RDP, concessionrias, res-

130
Sociedade

pectivamente, dos servios pblicos de televiso e rdio embora agrupadas numa


holding, denominada Rdio e Televiso
de Portugal, SGPS esto sujeitas interveno de um Conselho de Opinio, rgo colegial de composio sociocultural
diversificada com poderes essencialmente
opinativos. A excepo a esta natureza
consultiva foi aberta com a criao, em ambas as concessionrias (RDP e RTP), do
cargo de provedor, cujo titular carece de
voto favorvel do Conselho de Opinio.
Tanto o provedor do ouvinte como o
provedor do telespectador dispem de
mandatos bienais, renovveis uma nica
vez, durante os quais desempenham o papel de mediadores entre os destinatrios
de ambos os servios pblicos e as empresas deles concessionrias, em moldes que
integram a anlise das queixas e sugestes recebidas, a par da emisso de pareceres dirigidos aos rgos de administrao e aos responsveis pela programao.
Dentro do campo audiovisual encontram-se ainda outras duas instncias reguladoras com relevo, muito embora situadas
na esfera da administrao clssica: o ICP-ANACOM, rgo de tutela do sector das
telecomunicaes e responsvel por toda
a gesto do espectro radioelctrico, e o
Instituto do Cinema, Audiovisual e Multimdia, entidade que promove a indstria de
programas e a exibio dos contedos por
ela gerados.

A sociedade
do conhecimento
e da informao
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Lus Magalhes
Maria de Lurdes Rodrigues

Papel estruturante do sistema de cincia


e tecnologia

capacidade de criar, difundir e usar conhecimento e


informao cada vez mais
o principal factor para o crescimento econmico e a melhoria da qualidade de vida
(OCDE, 1999). Por esta razo, o sistema de
cincia e tecnologia (C&T) assume um papel estruturante de importncia fundamental para o progresso econmico e social,
afirmando-se em cada pas como uma infra-estrutura bsica para a economia e a
sociedade baseadas no conhecimento. Por
outro lado, os pases esto crescentemente integrados numa economia global,
atravs de fluxos internacionais de bens,
servios, investimento, pessoas e ideias,
reforando uma tendncia que se tinha
afirmado na cincia de forma precursora
(op. cit.).
Como a economia baseada no conhecimento requer novas habilitaes e competncias, a qualidade dos recursos humanos o factor principal subjacente
inveno e difuso da tecnologia.
A qualificao dos recursos humanos
apoia-se necessariamente no sistema
cientfico, mesmo nos aspectos de formao tcnica. De facto a dimenso e a qualidade do sistema de C&T, em estreita ligao com as instituies do ensino
superior, um elemento essencial para a
actualidade e permanente actualizao do
ensino e da formao. Na verdade, o sistema de C&T desempenha um papel fun-

damental no estmulo criatividade, ao


uso do conhecimento, inovao, modernizao, actualizao contnua, ao
desenvolvimento de atitudes empreendedoras, internacionalizao, adopo
de procedimentos sistemticos de avaliao, ao reforo da cultura cientfica e tecnolgica.
semelhana de grande parte dos indicadores sociais e econmicos do pas, os
indicadores do sistema cientfico e tecnolgico portugus apresentavam no incio
da dcada de 80 um acentuado atraso face aos outros pases da Unio Europeia
(UE).
Nos ltimos vinte anos, aps a entrada
na UE, este atraso tem vindo a ser recuperado, com o sistema cientfico a revelar um
enorme dinamismo e vitalidade. Embora
ainda muito aqum dos nveis que se observam noutros pases, encontramo-nos
numa janela de oportunidade associada a
uma fora de trabalho cientfico jovem, altamente qualificada, muito internacionalizada e em rpido crescimento, o que pode permitir atingir, na prxima dcada,
dimenses prximas da mdia europeia.
A janela de oportunidade , portanto, muito estreita. Para a aproveitar essencial
uma permanente ateno s oportunidades, s necessidades e aos recursos no
preciso momento em que vo surgindo, e
uma grande flexibilidade para enfrentar as
mudanas nas mais variadas facetas: pol131
Sociedade

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Retrato de Portugal

Anlise de sequncias e evoluo molecular.

tica, legislativa, institucional e de lideranas cientficas.


Falaremos neste texto do passado recente e das perspectivas futuras para a
C&T em Portugal, no novo quadro definido
pelas exigncias da sociedade do conhecimento e da informao.
Num primeiro momento identificam-se
os factores decisivos para o arranque do
desenvolvimento cientfico do pas, a partir
de meados da dcada de 60 at entrada
na UE. Na segunda parte descreve-se, em
nmeros, a evoluo do sistema cientfico
e tecnolgico caracterizada, nos ltimos
vinte anos, pela abertura ao exterior e a
aproximao aos padres da Europa. Seguidamente analisam-se os principais eixos orientadores da poltica cientfica e
tecnolgica e as medidas de aco nas
quais se baseia o desenvolvimento e crescimento assinalados. Na quarta parte
apresentam-se os dois instrumentos de interveno poltica para o perodo 2000-2006 relativos cincia, tecnologia e inovao e ao desenvolvimento da sociedade
da informao. Depois descrevem-se os
132
Sociedade

aspectos principais do perodo 2002-2005


nas duas reas. Segue-se uma apresentao da iniciativa Ligar Portugal, aprovada
em Julho de 2005 para a rea da sociedade da informao e da iniciativa Compromisso com a Cincia para o Futuro de Portugal lanada em Maro de 2006, ambas
no mbito do Plano Tecnolgico iniciado
em 2005.
Finalmente, para concluir, apresenta-se
uma reflexo em torno dos principais desafios e obstculos a ultrapassar para a construo da sociedade do conhecimento e da
informao no nosso pas.

Uma descolagem difcil


Em Portugal, a partir do final da Segunda
Guerra Mundial fizeram-se mltiplos esforos e lanaram-se vrias iniciativas no sentido de fomentar a investigao.
Todavia, como nos mostram vrios estudos, at ao incio da dcada de 70 no se
pode falar em sistema cientfico nacional,
nem em poltica cientfica (Gago, 1990; Ruivo, 1998). Falta ao sistema dimenso e

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A sociedade do conhecimento e da informao

massa crtica, e os esforos surgem marcados pela escassez de recursos humanos e


financeiros. A ausncia de polticas de formao de recursos humanos consequentes, as hesitaes e a falta de convico
nas medidas e iniciativas tomadas no que
respeita criao e apoio das instituies,
a falta de continuidade de polticas, so o
principal obstculo ao arranque e sustentabilidade do crescimento.
S com a integrao na UE se d um
verdadeiro impulso e ocorre a descolagem do desenvolvimento cientfico em
Portugal. A integrao de Portugal na UE,
em 1986, foi percebida como uma oportunidade decisiva para o desenvolvimento
cientfico, desta vez alicerado na internacionalizao e na abertura ao exterior, como eixo de enraizamento e garante de qualidade.
Em matria de C&T viveu-se, portanto,
um longo perodo marcado pela disperso
das medidas, a falta de coerncia e de viso estratgica, a escassez de recursos financeiros efectivamente mobilizados, da
resultando um fraqussimo impacte.
O voluntarismo e a aco de alguns
cientistas e polticos apostados no desenvolvimento da cincia em Portugal foram
dificilmente integrados no quadro do regime totalitrio. Durante o perodo do Estado
Novo, o diminuto desenvolvimento do sector da exclusiva responsabilidade do Estado, cuja aco revela uma viso imediatista, centralizadora e uniformizadora das
actividades de investigao e desenvolvimento (I&D), e tem como principais efeitos
o isolamento e fecho do pas em si mesmo
e uma excessiva concentrao em Lisboa.
Assim, as actividades de investigao
desenvolvem-se quase exclusivamente em
laboratrios do Estado, institutos e juntas
de investigao, de mbito sectorial, criados
ao longo da vigncia do Estado Novo (entre
1945 e 1960), concentrados em Lisboa e
dispondo de reduzidos recursos financeiros.
A principal misso destas instituies era

desenvolver investigao aplicada para a


resoluo dos problemas sectoriais, sem
estratgias de internacionalizao e ligao ao exterior, seja entre si ou com universidades e empresas.
Deste longo perodo destaca-se como
relevante para o desenvolvimento do sistema cientfico nacional o papel das organizaes internacionais. Em 1964 e nos
anos subsequentes foi decisivo o relacionamento com a Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico
(OCDE), designadamente na elaborao
de anlises e diagnsticos da situao da
cincia em Portugal e no apoio definio
de estratgias de aco poltica. Mas decisivo foi tambm o quadro de relaes
com o Comit Cientfico da NATO (North
Atlantic Treaty Organization, Organizao
do Tratado do Atlntico Norte OTAN),
cujo programa de bolsas de estudo permitiu iniciar uma poltica de formao avanada de cientistas portugueses no exterior
do pas.
Em 1974 a instaurao do regime democrtico e, posteriormente, a poltica de
crescimento e expanso regional e a abertura do sistema de ensino superior constituram importantes factores de contexto,
indispensveis ao processo de desenvolvimento do sistema cientfico.
De facto, o regime que resultou do 25 de
Abril de 1974, para alm de um contexto
poltico aberto e democrtico no qual emergiram novos e mais diversificados actores,
vem proporcionar a definio de novas regras e, no que respeita especificamente
cincia, vem introduzir um factor potenciador do desenvolvimento cientfico que se
revelou decisivo.
Trata-se do crescimento do ensino superior, da sua expanso e diversificao
regional: ao mesmo tempo que so absorvidos os recursos humanos doutorados
formados no estrangeiro nas dcadas de
60 e 70, criam-se as condies e instituem-se os mecanismos para a realizao
133
Sociedade

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Retrato de Portugal

de doutoramentos no pas. A disponibilidade de recursos humanos, ainda que em


nmero limitado, gerou uma dinmica potenciadora de novas necessidades e novas oportunidades para o desenvolvimento de actividades de investigao nas
universidades, tendente a melhorar o nvel
do ensino e tambm o das actividades de
investigao. Esta dinmica manteve-se
at hoje.
Nos quinze anos mais recentes na rbita das universidades e respectivas faculdades e departamentos criaram-se
centros de investigao, instituies de
interface, instituies privadas sem fins
lucrativos, constituindo-se um ambiente
de funcionamento mais flexvel e adoptando-se modalidades operativas de transferncia e de valorizao de conhecimento
cientfico.
Neste processo as instituies de investigao ligadas ao sector do ensino superior
afirmaram a sua capacidade de investigao. Abriram-se novas necessidades de
recursos humanos com formao avanada. Colocaram-se ao pas novos padres
de qualidade.
Vrias geraes de portugueses contriburam, em vrias pocas, para o desenvolvimento cientfico e lutaram pela afirmao
da cincia como motor de desenvolvimento
do pas. Mas s nos anos mais recentes este sonho antigo se tornou realidade, tendo
para tal contribudo a vontade poltica, o
apoio da comunidade europeia e o consenso nacional estabelecido em torno da
questo cientfica.
Na verdade, a descolagem do nosso
sistema cientfico d-se apenas a partir de
1986, com a entrada de Portugal na UE,
com a definio de um programa poltico
de aco e a mobilizao da comunidade
cientfica do pas, e com o estabelecimento
de um consenso nacional em torno da importncia do desenvolvimento do sistema
cientfico.
Nessa altura, o Programa Mobilizador de
134
Sociedade

Cincia e Tecnologia (1987-1990) desempenhou um papel determinante, tendo marcado uma nova atitude em relao s oportunidades de constituio de novas equipas de
projecto submetidas a concurso nacional,
bem como a adopo de um sistema de
avaliao aberta e transparente. tambm
desta altura o incio programado do desenvolvimento de reas cientficas como a astronomia e astrofsica, a biologia molecular,
a biotecnologia, as tecnologias de informao e comunicao, a cincia e engenharia
de materiais.
Desde ento os principais instrumentos
de aco estratgica tm sido os programas operacionais inseridos no I, II e III
Quadro Comunitrio de Apoio: Programa
CIENCIA (1990-1993), Programa PRAXIS XXI
(1994-1999), Programa Operacional Cincia, Tecnologia e Inovao / Cincia e Inovao (2000-2006) e Programa Operacional Sociedade da Informao / Sociedade
do Conhecimento (2000-2006). Estes dois
ltimos programas previram praticamente a
duplicao de recursos financeiros para
a C&T em relao ao perodo anterior do
Quadro Comunitrio de Apoio.
de notar, contudo, que o processo de
desenvolvimento e crescimento que se observa principalmente ao longo dos ltimos
vinte anos no foi sempre regular, revelando o sistema alguma permeabilidade a oscilaes de conjuntura e a hesitaes polticas.
Para os prximos anos, a iniciativa Compromisso com a Cincia para o Futuro de
Portugal lanada em Maro de 2006 prev,
entre outros aspectos, o reforo do oramento pblico de C&T para 2007 com 250
milhes de euros mais do que em 2006
(aumento de 77 % do financiamento competitivo do sistema de C&T pela Fundao
para a Cincia e a Tecnologia FCT), a
contratao de pelo menos 1000 novos
doutorados at 2009, o aumento em 60 %
do nmero de novas bolsas de doutoramento e ps-doutoramento.

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade do conhecimento e da informao

Portugal na Europa
e aberto ao mundo:
1995 a 2002

to e da recuperao do atraso cientfico e


tecnolgico.
Em 1988, existiam em Portugal 6600 investigadores ou 10 800 pessoas, isto ,
1,4 da populao activa; em 1997,
13 500 investigadores ou 22 000 pessoas,
representando 2,9 da populao activa;
em 2003, 20 200 investigadores ou 35 900
pessoas, correspondendo a 3,7 da populao activa.
Na verdade, no perodo 1997-2003 Portugal foi um dos pases da UE com maior
crescimento anual mdio de investigadores
(4,5 %), quando na UE25 foi 2,8 %, embora
tenham tido crescimentos anuais mdios
superiores a Sucia (4,6 %), a ustria
(5,7 %) e a Finlndia (7,0 %).
Apesar do crescimento verificado, em
2003 o nmero de investigadores em Portugal em relao populao activa era ainda apenas cerca de dois teros da UE25,
menos de metade de Blgica, Dinamarca e
Luxemburgo, cerca de um tero da Sucia
e menos de um quarto da Finlndia (Eurostat, 2006).
O nmero anual de doutoramentos reali-

O principal trao da C&T em Portugal no


perodo 1995-2002 a aproximao aos
padres da Europa e a abertura ao exterior. O enorme crescimento do sistema
cientfico pode ser observado nos indicadores de dimenso, isto , nos recursos
humanos e financeiros afectos a actividades de investigao. Mas outros indicadores de resultado e desempenho, como
sejam a produo cientfica e internacionalizao, revelam que este crescimento tem
sido acompanhado da melhoria dos nveis
de qualidade.
Recursos humanos de cincia
e tecnologia
Os recursos humanos especializados em
I&D em Portugal cresceram regularmente,
bem como o nmero de doutoramentos
realizados ou reconhecidos por universidades portuguesas. Pode dizer-se que a formao avanada de recursos humanos
tem constitudo o motor do desenvolvimen-

Evoluo dos recursos humanos com doutoramento


15 000
Doutoramentos e equivalncias por universidades portuguesas
Doutoramentos realizados no estrangeiro
12 000

9 000

6 000

3 000

2005

2004

2003

2002

2001

2000

1999

1998

1997

1996

1995

1994

1993

1992

1991

1990

1989

Fonte: OCT/OCES, Doutoramentos Realizados ou Reconhecidos por Universidades Portuguesas, 1970-2005.

135
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

zados ou reconhecidos por universidades


portuguesas passou de cerca de 100 em
1980 para 590 em 1997 e 1030 em 2003.
Estima-se que o nmero de doutorados a
trabalhar no pas tenha passado de 1700
em 1985 para 11 800 em 2003.
O crescimento anual do nmero de doutorados portugueses prximo de 9 %, um
valor muito elevado que se manteve nesta
ordem de grandeza ao longo do perodo
1995-2002. Em alguns domnios cientficos
o crescimento anual mdio de doutorados
foi muito superior mdia, como por exemplo em Engenharia Bioqumica (24 %),
Gesto (21 %), Filosofia (19 %), Estudos Literrios (18 %), Psicologia (14 %), Lingustica (14 %), Geografia (14 %), Biologia
(13 %) e Cincias da Terra e do Espao
(12 %).
Os programas de formao tm procurado garantir a qualidade da formao e a diversificao de oportunidades, atravs de
incentivos realizao de doutoramentos
no estrangeiro: as bolsas atribudas para
realizao de doutoramento no estrangeiro
representaram no perodo considerado
46 % do total (OCES, 2006a; 2006c).
Com incio em 1997, a atribuio de bolsas no mbito de unidades e projectos de
investigao financiada pela FCT foi descentralizada para as instituies cientficas.
Foi um processo exemplar em que simulta-

neamente se promoveu maior descentralizao, responsabilizao, transparncia,


rigor de avaliao, eficincia e anncio pblico das oportunidades, a nvel nacional,
num ponto unificado de acesso nas pginas da FCT na Internet.
Introduziram-se esquemas de apoio
contratao de recursos humanos, em especial de doutorados, no mbito dos programas de apoio s instituies de investigao: unidades de I&D, laboratrios do
Estado e laboratrios associados.
De 1996 para 2001, o investimento da
FCT destinado a bolsas e contratao de
recursos humanos aumentou 80 por cento.
Ao mesmo tempo descentralizou-se progressivamente parte deste investimento
para aplicao pelas instituies de investigao. Em 2001, 30 % do total foi aplicado descentralizadamente pelas instituies
de investigao, no mbito dos programas
de apoio s instituies cientficas e de
projectos de I&D (OCT, 2002).
Recursos financeiros para cincia
e tecnologia
A despesa em I&D, a preos constantes de
1995, era em 1988 de cerca de 273 milhes de euros, isto , 0,41 % do produto
interno bruto (PIB); em 1995 era 460 milhes de euros, 0,57 % do PIB; em 2001
era 838 milhes de euros, 0,85 % do PIB.

Evoluo da despesa em actividades de I&D por sector de execuo


(milhares de euros, preos constantes de 1995)
1988

1990
%

1992
%

1995
%

1997
%

1999
%

2001
%

Empresas

67 016 25

99 051 26 103 713 22

Estado

90 214 33

96 533 25 105 714 22 124 313 27 130 682 24 198 846 28 173 954 21

Ens. superior

92 608 34 136 690 36 205 542 43 170 429 37 216 070 40 274 562 38 307 238 36

IPSFL

22 846

TOTAL

47 088 13

62 811 13

96 227 21 121 198 23 161 400 23 266 608 32

69 068 15

71 676 13

76 783 11

90 363 11

272 684 100 379 362 100 477 780 100 460 037 100 539 626 100 711 591 100 838 163 100

Fonte: OCT, Principais Indicadores de Cincia e Tecnologia em Portugal, 1988-1995; Sumrios Estatsticos,
IPCTN, 1997, 2001.

136
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade do conhecimento e da informao

Evoluo do potencial cientfico e tecnolgico:


nmero de investigadores em permilagem da populao activa
e despesa em I&D em percentagem do PIB
Investigadores/populao activa ()

Despesa I&D/PIB (%)

1988

1,4

0,41

1990

1,6

0,51

1992

2,0

0,61

1995

2,4

0,57

1997

2,8

0,62

1999

3,1

0,76

2001

3,4

0,85

2003

3,7

0,78

Fonte: OCES, Potencial Cientfico e Tecnolgico Nacional: 1982-2001: Duas Dcadas de Evoluo do Esforo
em I&D em Portugal, 2003; OCES, Sumrios Estatsticos: IPCTN 03, 2006.

Assim, a despesa em I&D em Portugal


cresceu entre 1995 (0,57 % do PIB) e
2001 (0,85 % do PIB) a uma taxa mdia
anual de 9,5 % (a preos constantes),
contrastando com o decrscimo ocorrido
entre 1992 (0,61 %) e 1995 (0,57 %), depois de uma dcada de crescimento continuado. A quebra no crescimento do financiamento das actividades de I&D em
Portugal entre 1992 e 1995, depois de
uma dcada de crescimento continuado e
apesar do aumento dos recursos humanos e do esforo de formao ps-graduada, foi particularmente negativa para a
recuperao do atraso cientfico e tecnolgico de Portugal.
Por outro lado, apesar do elevado crescimento verificado, a despesa em I&D em
Portugal ficou ainda num valor muito baixo.
Na verdade, na globalidade da UE25 a
despesa em I&D em 2001 era 1,9 % do
PIB. Assim, a despesa de I&D em relao
ao PIB em 2001 foi em Portugal 40 % da
UE25 e inferior a um quarto da Sucia e da
Finlndia. O principal factor que contribui
para as diferenas a dimenso dos recur-

sos humanos afectos a actividades de investigao, tanto investigadores como tcnicos (Eurostat, 2006).
O esforo realizado para a recuperao
deste atraso visvel em primeiro lugar no
acentuado crescimento das dotaes pblicas para C&T no perodo 1995-2001,
em particular o crescimento do oramento
da principal agncia financiadora do sistema, que passa, a preos constantes de
2003, de 100 milhes de euros em 1995
(Junta Nacional de Investigao Cientfica
e Tecnolgica JNICT), para 300 milhes
de euros em 2002 (FCT). Uma parte substancial destas verbas canalizada para o
financiamento directo das instituies e
unidades de I&D, para programas de formao avanada em C&T e para o apoio
de programas, projectos e outras actividades de I&D (OCT, 1998).
A distribuio de recursos financeiros
por sector de execuo mostra que em
1997 a despesa de I&D nas empresas era
apenas de 22 % do total, contra cerca de
50 % na UE e 60 % na OCDE. Contudo, a
despesa de I&D nas empresas, entre
137
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

Evoluo das dotaes pblicas para I&D


(em milhes de escudos)
140 000
Oramento MCT*

Total das dotaes pblicas

120 000

100 000

80 000

60 000

40 000

20 000

0
1988

1990

1992

1994

1996

1998

(*) Secretaria de Estado da Cincia e Tecnologia at 1995, Ministrio da Cincia e da Tecnologia de 1995 a
2000.
Fonte: OCT, Dotaes Oramentais, 1986-1999.

Evoluo das dotaes pblicas para I&D


(Percentagem do Oramento do Estado)
2,60 %

2,20 %

1,80 %

1,40 %

1,00 %
1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002

Fonte: OCT, Dotaes Oramentais, 1986-2002.

138
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade do conhecimento e da informao

1995 e 2001, apresentou um crescimento


anual mdio da ordem de 20 %, invertendo uma tendncia de decrscimo verificada desde 1990. O crescimento anual
mdio da despesa em I&D nas empresas
entre 1995 e 2001 foi significativamente
mais elevado do que o crescimento anual
mdio da despesa global em I&D, o qual
foi, como se viu acima, 9,5 por cento. Assim, em 2001, a despesa em I&D nas empresas era 32 % da despesa total em I&D.
Em relao ao PIB, a despesa em I&D nas
empresas decresceu de 0,14 % em 1990
para 0,11 % em 1995 e cresceu deste ano
para 2001, quando foi 0,27 % do PIB (Eurostat, 2006).
Sendo certo que a menor incidncia de
I&D empresarial em Portugal, quando confrontada com a dos pases mais desenvolvidos, se deve em primeiro lugar a uma
estrutura industrial com pouco peso de
sectores intensivos em I&D, devem encarar-se estes sinais de dinamismo como
uma tendncia positiva mas de alcance ne-

cessariamente limitado se no se verificarem alteraes significativas na estrutura


da especializao (Fernandes, 1998).
A melhoria da formao dos recursos
humanos nas empresas portuguesas
certamente outro dos factores que mais
contribuir para o desenvolvimento tecnolgico e a inovao no tecido econmico
nacional.
Tradicionalmente as empresas nacionais tinham uma pequena fraco de quadros com formao superior, em consonncia com o baixo grau de formao da
populao portuguesa: actualmente os diplomados do ensino superior so apenas
cerca de 8 % do total da populao activa, enquanto a mdia nos pases europeus de 14 por cento. Quando nestes
clculos se recorta apenas o sector empresarial em Portugal (excluindo portanto
a administrao pblica e o trabalho independente) a proporo referida desce para cerca de metade. O dfice de qualificaes no tecido econmico e social ainda

Evoluo do oramento da JNICT/FCT+ICCTI


(milhes de euros, preos correntes)
350
Sociedade da informao
Cultura cientfica e tecnolgica
Cooperao internacional em C&T
Projectos de C&T
Apoio s instituies de C&T
Formao avanada de recursos humanos

280

210

140

70

0
1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

* Grfico construdo com base nos oramentos da principal agncia financiadora do sistema de C&T: JNICT at
1997, FCT de 1997 a 2002, a que foi acrescido o oramento do Instituto de Cooperao Cientfica e Tecnolgica
Internacional (ICCTI).
Fonte: Grandes Opes do Plano, 1995-2002.

139
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

tude das novas geraes de empreendedores em relao aos factores intangveis


de competitividade.
Tendo como pano de fundo esta mudana e considerando o aumento continuado,
na ltima dcada, do nmero de diplomados do ensino superior, bem como de
recursos humanos com formao ps-graduada, pode dizer-se que esto finalmente
criadas condies reais que possibilitam a
colocao no tecido empresarial de quadros altamente qualificados de forma mais
significativa.
Por outro lado, interessante observar
que o aumento na despesa de I&D nas empresas entre 1995 e 2002 se deve fundamentalmente a novas empresas que no
existiam ou no declaravam actividades de
I&D em 1995, as quais iniciaram activida-

penalizador de qualquer poltica tecnolgica, mas a situao est no entanto a


mudar rapidamente, por fora do crescimento e abertura do sistema de ensino
superior.
De facto, para os anos mais recentes, o
nmero de diplomados do ensino superior
no total dos trabalhadores nas empresas
com pelo menos um diplomado aumenta
sempre nas empresas de criao mais recente, em todos os ramos de actividade e
escales de dimenso das empresas.
Esta tendncia decisiva, no s porque
os recursos humanos com formao superior so agentes imprescindveis para o
processo de inovao tecnolgica dentro
das empresas e na relao destas com as
universidades e as instituies cientficas,
como pelo que indicia de mudana de ati-

Produo cientfica portuguesa:


nmero de publicaes* por ano, por rea e por tipo de documento
1990

1991

1992

1993

1994

1995

1996

1997

1998

1999

2000

2001

Physical, Chemical and Earth Sciences

329

392

436

509

541

573

668

788

879

1071

1123

1382

Life Sciences

230

242

298

353

426

511

513

628

699

854

835

894

Clinical Medicine

75

104

125

135

168

207

181

271

274

352

351

356

Agriculture, Biology, and Environmental Sci.

98

103

168

156

209

258

272

317

388

424

468

550

160

152

184

180

218

271

340

349

416

510

549

555

Social and Behavioral Sciences

26

24

50

47

50

61

92

52

72

85

163

110

Arts & Humanities

24

19

19

34

18

28

22

22

37

44

32

925

1040

1279

1398

1645

1899

2093

2427

2749

3333

3533

3878

48

55

70

145

238

316

310

391

445

490

576

508

Total de Publicaes [1] + [2]

973

1095

1349

1543

1883

2215

2403

2818

3194

3823

4109

4386

Artigo

735

844

945

1088

1333

1555

1906

2164

2293

2709

3047

3214

Artigo em actas

97

107

140

205

213

257

229

300

434

548

473

601

Nota

62

45

82

125

103

Recenso

16

17

27

23

40

32

38

54

79

79

Outras

74

92

167

167

183

276

227

321

430

511

510

488

Publicaes em revistas classificadas

Engineering, Computing & Technology

[1] Subtotal
[2] Publicaes no classificadas

68

(*) Mtodo de contagem fraccionada.


Fonte: Institute for Scientific Information, National Citation Report for Portugal, 1981-2001.

140
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A sociedade do conhecimento e da informao

des com recursos humanos mais qualificados e em sectores de actividade tecnologicamente avanados.
Produo cientfica
A produo cientfica referenciada internacionalmente, ou seja, os trabalhos de
investigadores de instituies cientficas
portuguesas publicados em revistas de reconhecido mrito internacional, um importante indicador do desempenho dos
sistemas cientficos.
A produtividade cientfica nacional tem
crescido significativamente. No perodo
1990-1995, Portugal foi o primeiro pas da
UE em crescimento do nmero de publicaes cientficas referenciadas no Science
Citation Index ( SCI ) um crescimento
anual mdio de 12 %, triplo da OCDE e
mais que duplo da UE (OCDE, 1999). Enquanto o nmero de investigadores em
Portugal duplicou de 1988 para 1997, o
nmero de publicaes referenciadas no
SCI mais que triplicou, na verdade foi 3,5
vezes superior (OCT, 1999b). No perodo
1995-1999, Portugal voltou a ser o primeiro pas da UE em crescimento do nmero
de publicaes cientficas referenciadas
ao SCI, com um crescimento anual mdio
de 16 %, mais de cinco vezes e meia superior mdia da UE15 e mais do dobro
do pas com o segundo maior valor. Neste

perodo, o crescimento em publicaes foi


o dobro do crescimento em investigadores
(EC, 2001).
Por outro lado, a produo cientfica em
co-autoria um bom indicador de cooperao internacional. Em 1997, 41 % dos artigos com participao portuguesa referenciados internacionalmente foram trabalhos
de cooperao internacional, o que traduz
um aumento significativo face aos 28 % registados em 1980/1981. No perodo 1995-1999, os artigos em co-autoria de investigadores em Portugal com investigadores
no estrangeiro foram 51 % do total de artigos publicados, destacadamente o maior
valor observado na UE15 (EC, 2003). um
evidente sintoma de uma crescente abertura cientfica e tecnolgica do pas e de uma
posio favorvel em termos de cooperao cientfica internacional num contexto
de globalizao.
As parcerias cientficas do pas alargaram-se aps a adeso UE: cresce significativamente a colaborao com a Alemanha, Espanha e Itlia. As colaboraes
com o Reino Unido, os Estados Unidos da
Amrica (EUA) e a Frana continuam, contudo, a ser as mais frequentes.
Por domnios cientficos a cooperao
cientfica de equipas portuguesas com
equipas de instituies do Reino Unido
particularmente importante nas Cincias

Produo cientfica portuguesa: cooperao internacional


4500
Publicaes em co-autoria com instituies estrangeiras
Publicaes exclusivamente de instituies portuguesas

4000
3500
3000
2500
2000
1500
1000
500
0
1990

1991

1992

1993

1994

1995 1996

1997

1998

1999

2000

2001

Fonte: Institute for Scientific Information, National Citation Report for Portugal, 1990-2002.

141
Sociedade

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

da Terra, Cincias Mdicas, Cincias Qumicas, Biomdicas e Biologia. Os EUA tm


um lugar importante na cooperao em
Cincias Biomdicas, Cincias Qumicas
e Fsica. A Frana est presente sobretudo na cooperao cientfica em Cincias
do Universo e tem um lugar significativo
em Fsica, Cincias Mdicas e Cincias
Qumicas.
O alargamento da cooperao internacional evidente tambm na participao de
equipas de investigao portuguesas em
projectos internacionais como o EUREKA.
No 4.o Programa-Quadro de Investigao da UE (1994-1998), o nmero de participaes de instituies portuguesas foi de
1551 em 1117 projectos, 158 dos quais como instituies-lderes, quando o nmero
total de projectos aprovados no mbito
desse programa-quadro foi 13 738 (OCT,
1999c). No 5.o Programa-Quadro de Investigao da UE (1999-2002), o nmero de
projectos com participao de instituies
portuguesas foi 1442 em 1071 projectos,
158 dos quais como instituies-lderes,
num total de 11 327 projectos.
O crescimento e a abertura cientfica e
tecnolgica do pas colaborao internacional so os dois traos distintivos da
Incluso de embries em meio.

142
Sociedade

evoluo da C&T em Portugal, que entra


agora, talvez, numa nova etapa da sua
histria.
Garantir a qualidade e o crescimento
sustentado
Se indiscutvel o crescimento e a abertura do sistema cientfico nacional nos ltimos quinze anos, o crescimento sustentado no est ainda garantido e no se
alcana automaticamente.
Os principais indicadores estatsticos
revelam que o sistema cientfico est ainda longe da robustez necessria sobrevivncia e auto-reproduo independentes, dadas a sua actual dimenso, o
acelerado crescimento e a fragilidade e juventude de grande parte das instituies
que o constituem.
A quebra no crescimento da despesa
de I&D, entre 1992 e 1995, no traduz
apenas hesitaes da aco poltica, mas
tambm revela as dificuldades do sistema
cientfico, ainda frgil, para se afirmar e
defender dessas mesmas hesitaes.
O programa poltico para a C&T seguido
de 1995 a 2002 props, justamente, uma
estratgia para superar definitivamente o
atraso, reforar as instituies e garantir a
qualidade.
Vejamos as suas principais linhas de
orientao:
aumento e qualificao dos recursos
humanos afectos a actividades de I&D,
como base e garantia de um crescimento
sustentado;
desenvolvimento e consolidao de
uma cultura de avaliao externa e independente e institucionalizao de mecanismos de auto-avaliao e de acompanhamento externo;
reforo e qualificao das instituies
cientficas e tecnolgicas, da sua organizao, liderana e capacidade de programao estratgica;
reforo da internacionalizao e da
participao de Portugal nos grandes or-

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A sociedade do conhecimento e da informao

Preparao de embries de codorniz para


injeco de DNA.

ganismos internacionais de I&D, com vista


a assegurar nveis de qualidade segundo
padres internacionais;
promoo de projectos de investigao cientfica e tecnolgica de elevada qualidade internacional, num quadro de estabilidade e rigor de avaliao, contemplando
projectos orientados para temas de interesse pblico e associados ao reforo da capacidade de participao nos grandes organismos cientficos internacionais;
estmulo investigao tecnolgica
aplicada e inovao, em particular atravs de projectos de investigao em consrcio entre instituies cientficas e empresas, liderados e comparticipados pelas
empresas;
promoo da cultura cientfica junto
das populaes mais jovens atravs do desenvolvimento do ensino experimental das
cincias e outras iniciativas, em articulao
com as instituies cientficas;
reforma legislativa do sistema cientfico e tecnolgico, contemplando a criao
de instituies de administrao da poltica
cientfica e tecnolgica adaptadas nova
realidade nacional, a definio do regime
jurdico das instituies de investigao, a
reviso do estatuto da carreira de investigao e a reviso do estatuto do bolseiro
de investigao;
institucionalizao de mecanismos regulares de observao e anlise do sistema cientfico e tecnolgico para divulgao

de informao sobre o seu estado e tendncias e para apoio definio da poltica cientfica e tecnolgica;
recuperao do atraso no lanamento
das fundaes para a sociedade da informao, atravs da generalizao das
acessibilidades e competncias bsicas
na populao, do desenvolvimento das
cincias e tecnologias da informao e da
comunicao, do estmulo disponibilizao de contedos na Internet.
A observao dos volumes financeiros
investidos no perodo referido nos programas de formao avanada, no reforo das
instituies cientficas, no apoio a projectos
de investigao cientfica e desenvolvimento tecnolgico, no alargamento da participao portuguesa em organizaes cientficas intergovernamentais, na promoo da
cultura e da educao cientfica so talvez
a expresso mais evidente da importncia
que se atribui a estas componentes do desenvolvimento cientfico e da vontade poltica de centrar nelas o esforo para vencer o
atraso cientfico.
Aumento dos recursos humanos com
elevadas qualificaes cientficas
Entre 1994 e 2002 foram financiadas 11 950
bolsas de formao avanada, das quais
2670 de mestrado e 5900 de doutoramento.
Do total das bolsas de doutoramento concedidas, 46 % foram para doutoramentos
no estrangeiro, correspondendo ao objectivo de continuar a estimular uma contribuio significativa de doutoramentos nas melhores universidades estrangeiras, como
factor de internacionalizao, relacionamento directo com as redes cientficas internacionais e de importao de prticas
diferentes na nossa sociedade.
Avaliao, qualidade, rigor e
transparncia
Os sistemas de avaliao so de importncia central para a qualidade, internacionalizao e funcionamento geral dos sistemas
143
Sociedade

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Retrato de Portugal

cientficos. Visam sempre a tomada de decises relativamente optimizao dos recursos financeiros, racionalizao ou
reforma das instituies, ao aumento da
produtividade e qualidade da produo e
da actividade cientfica.
Como vimos, a partir de 1964 os programas de avaliao do sistema cientfico nacional e das polticas governamentais, monitorizados pela OCDE, foram decisivos
para o arranque do desenvolvimento cientfico do pas.
De novo, a partir de 1996 foi desencadeada uma profunda mudana do sistema
de avaliao, considerando que esta um
elemento essencial para o desenvolvimento do sistema cientfico e tecnolgico
nacional e uma garantia da sua qualidade. Tal mudana, desencadeada pela
FCT, consistiu basicamente na reviso,
clarificao e divulgao dos procedimentos de avaliao de instituies cientficas, de projectos de investigao e
de candidaturas a bolsas. A avaliao de
projectos e instituies apoia-se essencialmente em painis de avaliadores
maioritariamente compostos por cientistas
de instituies estrangeiras; e envolvem a
interaco directa entre proponentes e
avaliadores em sesses de apresentao
pblica das candidaturas de projectos ou
unidades de investigao. Outro aspecto
importante foi a incluso nos critrios de
avaliao da qualidade dos resultados
de projectos financiados anteriormente
em que a equipa participou e da contribuio dos projectos para a integrao de
novos investigadores.
Assim, foi concretizado um processo de
avaliao coerente e transparente, cuja
qualidade reconhecida pela comunidade
cientfica nacional e sublinhada internacionalmente, o que permitiu encetar um modelo regular e responsvel de financiamento
de I&D, conferindo condies de estabilidade e responsabilizao s instituies
de investigao.
144
Sociedade

A avaliao das instituies cientficas


que envolveu todos os laboratrios do Estado e mais de 350 unidades de investigao, de todas as reas do conhecimento,
financiadas pela FCT, seguiu os princpios
enunciados.
Do processo de avaliao dos laboratrios do Estado resultaram algumas medidas que integraram a primeira fase de um
programa de apoio sua reforma, iniciado
em 1998 com constituio de equipas de
projecto orientadas para temas especficos
de interesse pblico: preveno e reduo
de riscos (ssmico, radiolgico e nuclear,
de degradao das construes), cincias
e tecnologias do mar, investigao cientfica tropical. O estmulo ao rejuvenescimento dos investigadores e modernizao e
flexibilizao da gesto de projectos de investigao nos laboratrios do Estado
concretizado pela disponibilizao de financiamentos, em parte condicionados ao
recrutamento de novos investigadores e
adopo de regras de autonomia de gesto pelos investigadores responsveis pelos projectos. Por outro lado, tambm as
promulgaes do Regime Jurdico das Instituies de Investigao e da reviso do
Estatuto da Carreira de Investigao determinaram a reformulao da orgnica interna dos laboratrios e da sua gesto e funcionamento.
Da avaliao das unidades de investigao resultou um conhecimento mais pormenorizado do estado do sistema cientfico
e tecnolgico nacional, no s a nvel de
cada unidade, mas tambm de cada domnio cientfico e do conjunto do sistema.
O processo de avaliao estimulou, tambm, a mudana de lideranas cientficas,
a definio de orientaes estratgicas, a
internacionalizao das actividades, a qualificao das actividades cientficas, a
organizao e o alargamento de oportunidades de formao de doutoramento e
ps-doutoramento e a participao na promoo da cultura cientfica.

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A sociedade do conhecimento e da informao

Foi constatado um elevado potencial para uma actividade cientfica de grande qualidade internacional, ainda que entravado
por alguns factores. Em primeiro lugar, deficincias estruturais na organizao e
constituio das unidades, atribuveis a polticas anteriores de financiamento que privilegiavam a dimenso e a insero em
certas reas prioritrias, em detrimento da
qualidade e dos resultados da investigao. Em segundo lugar, dificuldades de
compatibilizao da actividade cientfica
com a actual organizao do ensino universitrio, nomeadamente a exgua disponibilidade de tempo dos docentes para a investigao resultante de cargas lectivas
excessivas, a falta de apoio administrativo
e tcnico e a rigidez nas contrataes de
recursos humanos.
Reforo e qualificao das instituies
cientficas
O Programa de Financiamento Plurianual
de Unidades de I&D, talvez o mais importante programa de reforo das instituies
cientficas, passou a disponibilizar financiamentos de base e programtico definidos
na sequncia de avaliao internacional
peridica. Integram o programa cerca de
335 unidades de todas as reas do conhecimento. O montante global de financiamento do programa aumentou significativamente no perodo 1995-2002: passou
de 7,5 milhes de euros em 1995 e 1996
para 20 milhes de euros em 1997, 28 milhes de euros em 1999, 30 milhes de euros em 2000 e 35 milhes de euros em
2001 (OCT, 2002).
Alm de dotar as unidades de recursos
financeiros para o seu funcionamento, este
programa tem servido de estmulo para a
reorganizao interna e orientao programtica das instituies, o reforo da sua
autonomia e capacidade de captao de
fundos no exterior do sistema, e das condies para gerao de emprego cientfico,
na sequncia das recomendaes resul-

tantes das avaliaes peridicas internacionais.


Toda a informao relativa ao processo
de avaliao tem sido publicada e amplamente divulgada. Tanto os resultados das
avaliaes como a informao geral sobre
as unidades de investigao so tambm
disponibilizados na Internet. A informao
sobre as unidades, incluindo listas exaustivas das suas equipas de investigao, respectivas reas de interesse e endereos
de correio electrnico actualizada anualmente pelas prprias unidades atravs da
Internet e depois tornada pblica. Constituiu-se, assim, um eficaz instrumento de interligao e comunicao entre os investigadores e entre as instituies.
Reforo da internacionalizao
cientfica e tecnolgica
O reconhecimento da importncia da cooperao internacional como instrumento
essencial no desenvolvimento e na melhoria da qualidade do sistema cientfico e tecnolgico no quadro da crescente globalizao social e econmica conduziu
promoo de uma poltica de cooperao
internacional.
Um conjunto de grandes laboratrios internacionais desempenha um papel destacado na abertura de novas perspectivas
cientficas, no acesso a instrumentao
avanada e no reforo e qualificao de
competncias das comunidades cientficas participantes. Por estas razes, desde
1995 foi desenvolvida uma poltica de
adeso e participao de Portugal nas
grandes instalaes cientficas internacionais:
renovao do mandato do Comit
Misto Portugal-CERN at 2007, assegurando a continuao do aconselhamento no financiamento das actividades cientficas
nos domnios do CERN e o prosseguimento
do acordo sobre o treino de jovens engenheiros portugueses no CERN, instituio a
que Portugal aderiu em 1985;
145
Sociedade

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Retrato de Portugal

Medio simultnea de velocidade e concentraes pontuais num jacto de CO2.

iniciativa para a criao de uma Agncia Europeia dos Oceanos;


acordo entre Portugal e a Agncia Espacial Europeia (ESA) em 1996, abrindo a
possibilidade de participao de empresas
e instituies de investigao em programas opcionais, nomeadamente no programa ARTES, e subsequente negociao
e concretizao da adeso plena de Portugal ESA em 1999;
adeso de Portugal ao Laboratrio
Europeu de Biologia Molecular, ao Laboratrio Europeu de Radiao Sincrotro,
Ensaios de combusto e desenvolvimento
de queimadores.

ao Ocean Drilling Programme atravs do


consrcio europeu formado na Fundao
Europeia da Cincia e ao Grupo Consultivo para a Investigao Agrria Internacional;
abertura das negociaes para a adeso plena de Portugal ao Observatrio Europeu do Sul (ESO);
participao nas redes fundamentais
de cooperao cientfica multilateral como
a iniciativa EUREKA, COST (nomeadamente nos domnios de telecomunicaes,
transportes, produtos florestais, biotecnologia e agricultura) e CYTED-IBEROEKA.
Promoo de projectos de investigao
de elevada qualidade
O financiamento de projectos de I&D cresceu substancialmente em todas as reas
cientficas e tecnolgicas, acompanhado
da clarificao dos processos de concurso
e avaliao, bem como da adopo de regras mais adequadas de disponibilizao
de financiamentos.
Para alm dos concursos de projectos
abertos a todas as reas cientficas, foram
promovidos concursos orientados para domnios especficos de interesse pblico,
em parceria e comparticipao com outras

146
Sociedade

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A sociedade do conhecimento e da informao

entidades. Salientam-se deste conjunto os


seguintes programas: Investigao Cientfica Aplicada a Incndios Florestais, Investigao sobre a Comunidade Cigana, Investigao Cientfica no Domnio das Relaes
Sociais de Gnero e das Polticas para a
Igualdade entre Homens e Mulheres, Investigao no Domnio da Segurana
Social e das Polticas Sociais, Programa
Integrado para as Cincias Sociais e Humanas, Investigao Cientfica e Desenvolvimento Tecnolgico no Domnio da
Conservao da Natureza, Investigao
Cientfica e Tecnolgica em Temas Relacionados com a Promoo da Lngua e da
Cultura Portuguesa no Estrangeiro (Programa Lusitnia).
So, tambm, de natureza especfica os
concursos abertos anualmente para projectos no quadro de programas de cooperao internacional, nomeadamente: Investigao Cientfica e Tecnolgica no mbito
do Acordo de Cooperao com o European
Laboratory for Particle Physics (CERN),
Aces de Cincia e Tecnologia em Astronomia no mbito do Acordo de Cooperao com o European Southern Observatory
(ESO).
Foram, ainda, preparados novos programas orientados para algumas reas de
importncia significativa: Cincias e Tecnologias do Mar, Processamento Computacional da Lngua Portuguesa, Cincias e
Tecnologias Aeroespaciais. No mbito dos
dois primeiros programas foram j abertos
concursos especficos para projectos de
investigao.
Adicionando a tudo isto os projectos de
investigao com participao empresarial, apoiados atravs da Agncia de Inovao, encontravam-se em curso no ano
2001 cerca de 2326 projectos de investigao (a maioria de dois ou trs anos de durao), totalizando um financiamento total
da ordem dos 200 milhes de euros distribudos por todas as reas cientficas numa
base concorrencial e competitiva.

Insero das cincias sociais e


humanas na poltica cientfica
As Cincias Sociais e Humanas foram ao
longo da histria de desenvolvimento cientfico do pas objecto de secundarizao ou
mesmo marginalizao sistemtica. Particularmente negativa foi a definio de prioridades do Programa Cincia, que excluiu
as Cincias Sociais e Humanas de todos
os programas-financiamento para a criao de infraestruturas, para apoio a projectos de investigao e programas de formao avanada.
No perodo 1995-2002 foram lanadas
vrias iniciativas tendentes a colocar estes
domnios do conhecimento em plano de
igualdade de oportunidades no que respeita poltica cientfica. Em particular, foram
tomadas medidas visando o reforo das
unidades de investigao, o aumento do
nmero de doutorados e investigadores, o
apoio a projectos de investigao e estmulo internacionalizao. Destacam-se o
lanamento em 1996 do Programa Integrado
para as Cincias Sociais e Humanas e o levantamento da produo cientfica nacional
em publicaes nacionais e estrangeiras.
Todos os programas para apoio a projectos, formao avanada e apoio ao funcionamento das unidades de investigao
passaram a abranger todas as reas do
saber, sendo esta considerada uma condio essencial para o desenvolvimento
equilibrado do sistema cientfico.
Estmulo investigao tecnolgica
aplicada e inovao
Como vimos, as questes relacionadas
com a capacidade tecnolgica e a inovao empresarial no nosso pas esto estreitamente associadas histria da nossa indstria, inscrevem-se na prpria estrutura
industrial e no tradicional dfice de recursos humanos nos diferentes nveis de qualificaes.
A modernizao e abertura da sociedade portuguesa em geral e as transforma147
Sociedade

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Retrato de Portugal

es de natureza estrutural que ocorrem


lenta mas solidamente permitem algum
optimismo nesta matria. Estas transformaes so visveis em alguns indicadores gerais. Por exemplo, Portugal foi em
1985-1996 o pas da UE com mais elevado crescimento anual de valor acrescentado em indstrias baseadas em conhecimento ( knowledge-based industries ): o
dobro do global da OCDE e mais do dobro da UE.
Neste processo de modernizao foi certamente decisiva a democratizao e o
alargamento do sistema de ensino superior, mas foi tambm determinante o benefcio da aco de muitos outros agentes e
sectores.
Atravs da Agncia de Inovao foi desenvolvido um vasto conjunto de iniciativas, visando reforar a capacidade tecnolgica e a inovao empresarial. Foram
desenvolvidos mecanismos de apoio s
empresas na identificao de problemas e
necessidades atravs da realizao de auditorias tecnolgicas; a identificao de resultados de investigao e de tecnologias
com interesse para o tecido empresarial; o
apoio circulao dessa informao e ao
encontro entre a oferta e a procura de tecnologias, nomeadamente pela organizao
de bolsas de contacto.
O emprego cientfico nas empresas foi
promovido atravs de incentivos mobilidade dos recursos humanos entre as universidades e as empresas, de apoios
contratao de doutores e mestres pelas
empresas, formao avanada (em particular em mestrados e cursos de especializao na indstria com a colaborao das
universidades) e a estgios de engenheiros em instituies cientficas estrangeiras
com tecnologias de ponta, como o caso
do CERN, ESO e NASA.
A investigao tecnolgica aplicada
tem sido directamente apoiada, sobretudo os projectos realizados em consrcio,
criando laos e hbitos de cooperao
148
Sociedade

entre o mundo empresarial e a investigao e estimulando as relaes e a transferncia de conhecimentos, competncias


e tecnologias. Estes aspectos tm a maior
importncia quando se reconhece claramente que a inovao j no depende
apenas do desempenho independente
das empresas, universidades e institutos
de investigao, mas, crescentemente,
de como estas instituies cooperam
(OCDE, 1999).
A Agncia de Inovao assegurou, com
grande sucesso, a promoo da indstria
portuguesa no CERN, promovendo um aumento acentuado da venda de bens e servios portugueses quela prestigiada e
exigente organizao cientfica. Depois de
ter permanecido em valores muito baixos
durante um longo perodo desde a adeso
de Portugal ao CERN em 1985, o valor dos
contratos aumentou 10 vezes de 1996 para
2001, altura em que atingiu 6,8 milhes de
euros (OCT, 2002).
Por outro lado, foi aplicado em 1997 um
sistema de benefcios fiscais s actividades de I&D de empresas, o qual veio a ser
fortemente responsvel por Portugal ter sido o pas da OCDE onde, entre 1990 e
1998, se verificou um maior crescimento
dos incentivos fiscais desta natureza, o que
o colocou como terceiro pas da OCDE nos
incentivos fiscais s actividades de I&D, a
seguir Espanha e ao Canad (OCDE,
1999).
Promoo da cultura cientfica e
tecnolgica: o Programa Cincia Viva
Ao longo dos anos 90 foram realizados vrios inquritos cultura cientfica dos Europeus, aplicados tambm em Portugal, incidindo sobre os conhecimentos cientficos,
mas tambm sobre atitudes e representaes perante a cincia (OCT, 1998). Os
resultados relativos a Portugal, no quadro
da comparao internacional, confirmam
a necessidade de um programa especial
de reforo da cultura cientfica e tecnol-

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A sociedade do conhecimento e da informao

Robtica submarina: catamar Delfim.

gica e de enraizamento da cincia na sociedade em geral. Arrisca-se pouco ao


afirmar que este talvez o campo onde os
objectivos e a aco poltica, nos ltimos
anos, tm sido mais inovadores a nvel internacional e reveladores de uma larga viso estratgica.
Em termos evolutivos, a situao da populao portuguesa tinha melhorado no
que respeita aos indicadores de conhecimento e de compreenso dos mtodos
cientficos, bem como no que respeita
confiana na cincia, mas tinha-se agravado no que respeita insegurana cognitiva
e a um conjunto de indicadores de atitudes, relativos ao interesse e curiosidade
pelos temas cientficos.
O estado da cultura cientfica dos Portugueses era em primeiro lugar explicado pelas condies da sua aprendizagem, bem
como pela escassez das oportunidades de
contacto com o mundo da cincia e da tecnologia: os resultados dos inquritos mostraram que o nvel de escolaridade, pelas

oportunidades de aprendizagem e socializao que a escola proporciona, era a varivel que mais explicava os diferentes nveis de conhecimento cientfico, bem como
as representaes e atitudes perante a
cincia; o conhecimento, em particular,
distinguia-se por um dfice quase total de
ensino experimental das cincias e por
uma reduzida afirmao do ensino tecnolgico.
Segundo os resultados do inqurito internacional de caracterizao dos nveis
de desempenho dos alunos (de 9 e 13
anos), os desempenhos mdios das crianas portuguesas, tanto em matemtica
como em cincias, eram particularmente
fracos, embora tivessem apresentado melhores resultados os alunos que afirmavam
realizar ou assistir a experincias na sala
de aula.
No que respeita a outras oportunidades
de contacto com o mundo da cincia e da
tecnologia, registava-se a escassez de museus, revistas de divulgao, programas
149
Sociedade

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Retrato de Portugal

de televiso e rdio, etc., sejam eles destinados populao adulta ou mais jovem.
Foi lanado em Junho de 1996 o Programa Cincia Viva, que elegeu como princpios orientadores a importncia da escola
e do ensino experimental das cincias na
formao da cultura cientfica e tecnolgica.
A poltica de difuso da cultura cientfica
e tecnolgica em Portugal envolveu duas
dimenses: os jovens como alvo e o envolvimento de instituies cientficas como estratgia para a promoo da qualidade. Isto , o envolvimento dos cientistas e das
instituies cientficas nas vrias iniciativas,
e a importao, para esta linha de interveno, dos mecanismos de concurso, avaliao independente, acompanhamento e
apresentao pblica de resultados, prticas que so h longa data seguidas pelas
instituies cientficas.
Foram quatro os instrumentos fundamentais de aco do Programa Cincia Viva:
um programa Cincia Viva na Escola de apoio e financiamento de projectos para o desenvolvimento do ensino
experimental das cincias, com o envolvimento da comunidade cientfica e educativa. Entre 1996 e 2001 foram realizados cinco concursos anuais, de que resultaram
cerca de 3120 projectos, abrangendo mais
de 2000 escolas, 5000 professores e meio
milho de jovens (cerca de 40 % de toda a
populao escolar correspondente), o que
representou um investimento de 24 milhes
de euros (OCT, 2002);
o programa de Geminao Escolas-Instituies Cientficas, para realizao de
actividades conjuntas e disponibilizao
de apoio tcnico e cientfico, que consagra
uma perspectiva de colaborao regular e
partilha de recursos e conhecimentos entre
escolas e instituies cientficas;
uma rede nacional de centros Cincia
Viva, concebidos como espaos interactivos de divulgao cientfica para a populao em geral, mas tambm como platafor150
Sociedade

mas de desenvolvimento regional cientfico,


cultural e econmico, atravs do envolvimento dos actores regionais mais activos
nestas reas, sendo objectivo deste instrumento criar nos prximos anos uma rede
de centros com ns em todos os distritos.
O primeiro centro foi inaugurado em 1997
no Algarve, ao qual se seguiram o Planetrio do Porto, o Exploratrio Infante D. Henrique de Coimbra, o Centro de Cincia do
Europarque da Feira. No Parque das Naes, em Lisboa, foi criado o Pavilho do
Conhecimento Cincia Viva, como centro nacional de recursos para toda a rede
de centros Cincia Viva, o qual abriu ao
pblico com um conjunto de exposies
apresentadas pelos melhores centros de
cincia de todo o mundo. Em 2002 foi
aberto o Centro Cincia Viva de Vila do
Conde;
a organizao de campanhas nacionais de divulgao cientfica, estimulando
o associativismo cientfico e proporcionando populao oportunidades de observao e de contacto directo e pessoal com
cientistas e instituies cientficas de diferentes reas do saber. Estas campanhas
de mbito nacional e de acesso livre e gratuito decorrem sob o signo da experimentao, entendida como verificao emprica
do saber, confrontao da teoria com a
prtica e observao activa em interaco
com especialistas das reas do saber
abrangidas.
Recuperao do atraso no lanamento
das fundaes para a sociedade da
informao
A emergncia da sociedade da informao
resulta da crescente importncia, centralidade, transversalidade e presena da informao nos mais variados domnios da
aco social, marcando a configurao assumida pelas modernas sociedades contemporneas.
Neste contexto, a capacidade de produo, acumulao, processamento e tro-

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A sociedade do conhecimento e da informao

ca da informao tem vindo gradualmente


a constituir-se como factor determinante
da produtividade e competitividade das
economias numa rede integrada, geometricamente varivel e global. claro que a
capacidade de produo, gesto e disseminao da informao depende, em
grande medida, da capacidade tecnolgica evidenciada pelas unidades econmico-sociais, condicionando-se fortemente,
por essa via, o grau de desenvolvimento e
implantao da sociedade da informao.
A capacidade tecnolgica no se circunscreve ao grau de desenvolvimento da
dimenso infra-estrutural da sociedade da
informao, ou seja, ao investimento na
criao e permanente expanso de redes
de comunicao e informao. A potenciao destas infra-estruturas por uma articulao com o sistema de I&D condio essencial para a permanente criao de
conhecimento, processos e produtos e
para a formao dos recursos humanos
necessrios inovao tecnolgica e
consolidao do processo produtivo baseado no conhecimento cientfico. Por outro lado, a capacidade tecnolgica ainda subsidiria do grau de disseminao
das tecnologias e do grau de utilizao ou
apropriao social das mesmas, sendo,
neste captulo, decisivo o papel do sistema de ensino na formao qualificada dos
recursos humanos e a acessibilidade generalizada e simples dos sistemas de informao e comunicao populao
geral.
A articulao virtuosa destes sistemas requer uma particular ateno dos decisores
pblicos e privados. No cerne desta articulao esto as condies de distribuio e
de acesso dos utilizadores a equipamentos,
servios e contedos; o desenvolvimento,
interconectividade e disponibilidade das
redes; os custos e outras condies gerais
de utilizao e acesso.
Assim, para alm do esforo de investimento em capital fixo e em infra-estruturas,

Gel de agarose com DNA digerido com


enzimas de restrio.

decisivo o investimento em saber e conhecimento, nomeadamente em investigao, no desenvolvimento de aplicaes, de


software e de contedos informacionais, a
par da formao dos recursos humanos e
criao de competncias em todos os nveis de ensino e qualificao.
Em Portugal, como em outros pases, os
desafios de um programa poltico para desenvolvimento da sociedade da informao
so inmeros.
A partir de 1995, o reconhecimento poltico da centralidade da informao e do conhecimento nas sociedades contemporneas, fora motriz do desenvolvimento,
conduziu definio da sociedade da informao como novo sector pblico de interveno, transversal e prioritrio, que
passou a figurar nos instrumentos de planeamento da aco governativa e nos instrumentos de concertao social.
As medidas de interveno centraram-se
numa primeira fase em:
criao da Misso para a Sociedade
da Informao e elaborao do Livro Verde
da Sociedade da Informao, aprovado
pelo governo em 1997 e subsequentemente apresentado Assembleia da Repblica, no qual se combinaram grandes opes estratgicas e um corpo articulado de
medidas concretas de aco;
melhoria da rede de computao
cientfica e seu alargamento a laboratrios
151
Sociedade

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Retrato de Portugal

Carro ecolgico construdo no mbito de um projecto de ensino experimental das cincias.

do Estado, institutos politcnicos, museus


e centros de cincia, associaes cientficas, educativas e culturais, escolas do 1.o
ao 12.o anos e bibliotecas pblicas, constituindo-se na infra-estrutura de comunicao para uma verdadeira rede nacional de
conhecimento;
dinamizao de iniciativas para as escolas, a administrao pblica, as instituies produtoras ou utilizadoras de informao e as empresas.
Dum conjunto vasto de iniciativas destacam-se seguidamente aquelas que vieram
a revelar-se decisivas para o processo de
desenvolvimento.

A Rede Cincia, Tecnologia e Sociedade


A criao da Rede Cincia, Tecnologia e
Sociedade (RCTS) suportou-se num significativo alargamento de larguras de banda e
acessibilidades ao estrangeiro e no reforo
decisivo da rede cientfica nacional, que,
para alm das universidades, institutos e
centros de I&D a elas associados, passou
tambm a incluir laboratrios do Estado,
institutos politcnicos, escolas do 1.o ao
12.o ano, associaes cientficas, educativas e culturais, bibliotecas pblicas e museus, medida que estas entidades eram
ligadas Internet.
A rede permite o crescente desenvolvimento das comunicaes entre as comuni152
Sociedade

dades cientfica, tecnolgica, escolar e sociocultural: docentes e alunos das vrias


escolas, assim como utilizadores das bibliotecas municipais, tm hoje possibilidade de acesso Internet, reduzindo-se, por
essa via, as desigualdades resultantes dos
diferentes graus de acesso informao.

O Programa Internet na Escola


Em 1997, foi criado no seio do Ministrio da
Cincia e da Tecnologia a Unidade de
Apoio Rede Telemtica Educativa (UARTE), com o objectivo de desenvolver o Programa Internet na Escola em colaborao
com a Fundao para a Computao Cientfica Nacional (FCCN), entidade responsvel pela gesto da RCTS e pelo registo dos
domnios .pt de Internet. Este programa
visou a ligao das escolas Internet, atravs da instalao de computadores multimdia nas bibliotecas/mediatecas das escolas e da manuteno funcional deste
sistema. Desta forma, todos os jovens, ao
longo do seu percurso escolar, passaram a
ter no s acesso a obras em CD-ROM como tambm possibilidade de recorrer ao
uso da Internet como espao privilegiado
de recursos de informao e expresso.
Em Setembro de 1999 estava j assegurada a ligao Internet de todas as cerca
de 1700 escolas do 5.o ao 12.o anos, pblicas e privadas, 220 escolas do 1.o ciclo, 80

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A sociedade do conhecimento e da informao

entidades de natureza associativa cultural,


cientfica e educativa, cerca de 250 bibliotecas pblicas e 15 museus.
A partir de 1998 foram lanadas as bases
de expanso faseada a todas as escolas
primrias, que se realizar em colaborao
com as entidades promotoras, designadamente as autarquias, e incluir os centros de Formao de Professores.
Milhares de alunos e professores foram
sensibilizados, de forma sistemtica e prtica, para as potencialidades pedaggicas
da Internet: maior amplitude e rapidez nos
processos de pesquisa e recolha da informao, maior autonomizao e democraticidade no acesso informao e na comunicao entre escolas e com a sociedade,
familiarizao da populao discente com
as tecnologias e processos tecnolgicos
que encontraro numa futura insero profissional.
Portugal juntou-se, assim, aos pases na
vanguarda da ligao das escolas Inter-

net, ao mesmo tempo que introduziu novas


formas de apropriao e generalizao
das tecnologias de informao e comunicao (TIC) e o conceito inovador de uma
rede computacional que junta instituies
do ensino superior, outras instituies cientficas, escolas, bibliotecas pblicas, museus e associaes cientficas, educativas
e culturais uma verdadeira Rede Nacional do Conhecimento.
Em 2001 foi concluda a ligao Internet de todas as escolas do 1.o ciclo do ensino bsico, tambm atravs da RCTS, fazendo com que Portugal fosse um dos
primeiros pases do mundo a assegurar a
ligao Internet de todas as escolas do
1.o ao 12.o ano.

A Iniciativa Nacional para os Cidados


com Necessidades Especiais
O programa Iniciativa Nacional para os Cidados com Necessidades Especiais teve
como objectivo contribuir para que esses

Percentagem de escolas ligadas Internet no ensino secundrio


Coreia

22

1997

1998

12

Japo

23
63

Frana
Holanda

72

Blgica

72
75

ustria

87

Reino Unido
Itlia

84

Sucia

91

Nova Zelndia

94
89

Estados Unidos

94
95

Finlndia
90

Noruega

98

30

Portugal

100
69

Irlanda

100
100
100

Dinamarca
0

20

40

60

80

100

Fonte: Secretariado da OCDE, de acordo com dados nacionais.

153
Sociedade

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Retrato de Portugal

cidados pudessem usufruir dos benefcios das novas TIC, como factor de integrao social e de melhoria da respectiva
qualidade de vida. Alm de outras medidas
foi determinado que as direces-gerais,
servios equiparados e os institutos pblicos disponibilizem a sua informao na Internet de forma a que a mesma possa ser
acedida, efectivamente, pelos cidados
com necessidades especiais.
Assim, Portugal colocou-se na vanguarda
das preocupaes com a acessibilidade
de cidados com necessidades especiais
s modernas TIC, liderando a nvel europeu
as iniciativas nesta matria.

O Programa Cidades Digitais


O Programa Cidades Digitais, lanado em
1998, um conjunto articulado de projectos centrados, numa primeira fase-piloto,
em cidades pr-seleccionadas e hoje j
aberto a outras cidades do pas. Trata-se
de projectos demonstrativos cujas aplicaes vo desde a melhoria da vida urbana
ao combate excluso social, passando
pelo combate interioridade e pela melhoria da competitividade de sectores econmicos integrados na economia digital.
Na primeira fase do programa foram
aprovados os seguintes projectos:
Aveiro; integrao de servios pblicos por redes telemticas para melhorar a
vida urbana nas suas diversas vertentes,
envolvendo um vasto nmero de agentes
locais;
Marinha Grande; destinado indstria
dos moldes, visa, em parceria com as associaes representativas do sector, reforar a competitividade econmica atravs
de processos avanados de telecomunicaes e de novos servios digitais e de comunicao que permitam trabalho simultneo de concepo e anlise entre clientes
e fornecedores situados em pontos diversos do globo;
Bragana; a colaborao entre vrios
agentes locais visa especialmente a cons154
Sociedade

truo de um modelo de acompanhamento


e estmulo ao uso generalizado de meios
telemticos, especialmente da Internet, em
todo o tipo de instituies, do ensino vida
empresarial, com o objectivo de combater
a interioridade;
Guarda; tem tambm como principal
objectivo o combate interioridade;
Grande Lisboa e Setbal; procura contribuir para a integrao de minorias tnicas, em colaborao com o Alto Comissariado para a Imigrao e Minorias tnicas.
O projecto Com as Minorias foi desenvolvido por sete associaes de imigrantes na
rea Metropolitana de Lisboa que funcionam como plos difusores.

A Iniciativa Nacional para o Comrcio


Electrnico
No plano da promoo da Economia Digital, destaca-se a Iniciativa Nacional para o
Comrcio Electrnico.
O regime jurdico dos documentos electrnicos e da assinatura digital veio a ser
aprovado em decreto-lei a 2 de Agosto de
1999. Portugal colocou-se, assim, entre os
trs primeiros pases europeus a definirem
legislao explcita e inovadora sobre a
matria, significativamente antes das primeiras iniciativas reguladoras da Comisso
Europeia.
Foi, tambm, aprovada a equiparao
da factura electrnica emitida e transmitida
por via electrnica, factura em papel, regulando igualmente a sua forma de conservao.
A par da generalizao das prticas de
comrcio electrnico no tecido empresarial
portugus, o Estado tambm foi envolvido
nesta dinmica modernizadora, ao estimular-se a utilizao do comrcio electrnico
por parte da administrao pblica.
A promoo do crescimento de contedos
portugueses na Internet
Considerando essencial que Portugal tenha
na Internet a mxima visibilidade e projec-

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A sociedade do conhecimento e da informao

o possveis, foi definido como objectivo


estratgico multiplicar por mil os contedos
portugueses no ciberespao, num prazo
curto.
Trata-se de um objectivo cuja concretizao exige a mobilizao nacional de recursos e esforos. Considerando, porm,
a utilidade de que se reveste a informao
detida por entidades pblicas, o governo
consagrou em Agosto de 1999 a obrigatoriedade de as direces-gerais e servios
equiparados, bem como os institutos pblicos, disponibilizarem em formato digital na
Internet as respectivas publicaes, os formulrios que utilizam e ainda toda a informao que produzam e seja objecto de
publicao.

O Programa de I&D em Processamento


Computacional da Lngua Portuguesa
Considerando que o desenvolvimento e a
disponibilidade de instrumentos computacionais de tratamento da lngua portuguesa
escrita e falada, e a sua disponibilizao
no mercado mundial, uma questo estratgica para o prprio futuro da lngua portuguesa e, simultaneamente, para o desenvolvimento econmico e social em Portugal, foi
iniciado um programa de investigao e desenvolvimento em processamento computacional da lngua portuguesa. O programa a
desenvolver em parceria com entidades
nacionais e estrangeiras visa a criao de
produtos de software, de tratamento da escrita e da voz em portugus e a sua difuso
e utilizao mundiais. Foram j abertos
concursos para projectos de I&D.
O programa tem como objectivos principais desenvolver sistemas computacionais
que conheam e reconheam a lngua portuguesa, permitindo compreender melhor a
estrutura da lngua portuguesa, a sua evoluo e relaes com outras lnguas, e
desenvolver instrumentos de melhoria da
comunicao homem-mquina e da comunicao humana com o auxlio do computador, e instrumentos de procura e acesso

Projecto de ensino experimental de


estatstica.

em lngua portuguesa da informao disponvel em formato electrnico noutras lnguas.


Constituiu-se, tambm, um centro de recursos para o processamento computacional da lngua portuguesa que mantm permanentemente acessveis na Internet um
catlogo de corpora, lxicos, dicionrios e
ferramentas computacionais, um catlogo
de instituies, projectos e investigadores,
uma lista de publicaes, um servio de
acesso remoto a corpora de portugus, um
repositrio de teses e outros trabalhos,
um sistema de procura e um forum sobre
assuntos relacionados com o processamento computacional da lngua.
Trata-se de um acervo sistemtico e muito completo de recursos que, embora traduzindo uma situao modesta relativamente disponibilidade de materiais na
rea e dimenso da comunidade que nela trabalha, situa Portugal entre os poucos
pases que dispem de to exaustiva informao aberta, na Internet, sobre o processamento computacional da sua lngua. Os
recursos existentes so claramente muito
insuficientes, mas a sua inventariao, disponibilizao aberta e manuteno de servios de pesquisa e interligao fcil com
os vrios actores constitui um ponto de
partida imprescindvel para desenvolvimentos futuros.
155
Sociedade

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Retrato de Portugal

Planeamento do desenvolvimento
cientfico e tecnolgico para 2000-2006
A preparao do Livro Branco do Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico Portugus
(2000-2006), em particular os documentos
e anlises elaborados na sequncia das
avaliaes de instituies cientficas e
tecnolgicas, as discusses e debates em
variadas sesses organizadas em vrios
pontos do pas e o debate suscitado no
Forum Permanente da Poltica Cientfica e
Tecnolgica, desde Julho de 1998, permitiram uma participao alargada da comunidade cientfica e tecnolgica e de outros
agentes sociais e econmicos na identificao das necessidades e oportunidades
de desenvolvimento cientfico e tecnolgico no futuro prximo. Os resultados deste processo de planeamento e consulta
vieram a integrar o Plano de Desenvolvimento Regional para 2000-2006 e propostas para o novo Quadro Comunitrio de
Apoio.
O Programa Cincia, Tecnologia e Inovao e o Programa Sociedade da Informao visaram responder aos pontos levantados no processo descrito definindo
os instrumentos de aco para desenvolver as condies do florescimento da sociedade do conhecimento e da informao.
De um ponto de vista financeiro, corresponderam a mais do que duplicar para o
perodo 2000-2006 as dotaes que estiveram disponveis em 1994-1999.
O Programa Operacional Cincia, Tecnologia e Inovao (em 2004 designado Programa Operacional Cincia e Inovao) teve como orientao estratgica de mdio
prazo vencer o atraso cientfico do pas,
aproximando-o da mdia dos pases da
UE. Para alm do aprofundamento das linhas de aco desenvolvidas e aplicadas
de 1995 a 1999 e descritas na seco anterior, foram previstos novos aspectos que
se indicam a seguir.
formar, qualificar e criar emprego
cientfico, promovendo uma slida base de
156
Sociedade

qualificao, a criao de emprego cientfico, a insero de doutorados nas empresas e nas instituies cientficas e tecnolgicas e o reforo das lideranas cientficas.
Pretendem-se atingir os nveis mdios europeus de qualificao cientfica ampliando
e consolidando a dinmica de crescimento
dos ltimos anos;
criar uma rede moderna e coerente de
instituies cientficas, atravs do desenvolvimento de uma rede coerente de instituies de C&T, devidamente articuladas
entre si e com o tecido social e econmico,
e embebidas nas redes europeias de C&T.
Destaca-se neste contexto a criao da rede de laboratrios associados, o lanamento da Biblioteca Nacional de C&T em
Rede [em 2003 designada Biblioteca do
Conhecimento Online (b-on)] e a previso
de redes de Observao e Monitorizao,
suportadas por laboratrios de referncia,
especialmente no domnio do controlo ambiental e da sade pblica;
estimular a cooperao entre instituies de I&D e empresas e criar uma rede de centros de valorizao dos resultados da investigao cientfica, reforando
o impacte da investigao em consrcio
entre empresas e instituies cientficas
com a abertura de concursos orientados,
nomeadamente com o lanamento de programas intersectoriais de carcter estruturante e maior alcance estratgico. Criar
uma rede de centros de valorizao, junto
s instituies cientficas ligadas ao ensino
superior, com uma forma organizativa ligeira e permitindo uma melhor cobertura do
espao nacional. Apoiar a integrao das
oportunidades de I&D nos grandes programas de investimento pblico;
pr a tecnologia no mapa da cultura:
Como Se Fazem as Coisas? Promover a
cincia para todos, no mbito do Programa
Cincia Viva, a iniciativa Como Se Fazem
as Coisas? estimular, de forma organizada escala nacional, visitas guiadas s
empresas e outras instituies tecnolgi-

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A sociedade do conhecimento e da informao

Projecto de ensino experimental distncia.

cas, produo de materiais de apoio e divulgao e disponibilizao telemtica de


contedos formativos relativos s tecnologias e aos processos de produo. Importante ainda o estmulo ao desenvolvimento
de contedos de divulgao cientfica e tecnolgica, designadamente para as redes telemticas e os media, com o objectivo de
promover o acesso da divulgao da cincia a todos os cidados.
O Programa Sociedade da Informao
(em 2004 designado Programa Operacional Sociedade do Conhecimento) foi orientado para estimular a acessibilidade e a
participao, assim como o desenvolvimento e a experimentao, estimulando
ainda a coordenao estratgica das intervenes sectoriais e regionais de promoo
do uso social das tecnologias da informao. Este programa-base pressups a complementaridade com outros instrumentos e
programas sectoriais (na economia, educao e formao, sade, cultura, transportes, administrao pblica, justia, ambiente, etc.). As principais linhas de aco
foram as seguintes:
desenvolver competncias, atravs
do lanamento de um processo nacional
de formao e certificao de competn-

cias bsicas em tecnologias da informao


e associar um diploma de competncias
bsicas em tecnologias da informao
concluso da escolaridade obrigatria, de
modo a que nenhum aluno a termine sem
certificao de competncias nessas tecnologias;
aumentar a acessibilidade e os contedos em formato digital, criando condies para a generalizao do uso de computadores e da Internet, a multiplicao
dos contedos portugueses na Internet, a
oferta macia de produtos adaptados ao
mercado familiar, a instalao de espaos
pblicos de acesso Internet em todas as
freguesias do pas e a disponibilizao livre
de informao pblica em formato digital,
para uso de cidadania assim como para a
produo de contedos de valor acrescentado;
promover a utilizao e interconexo
de redes de alto dbito, atravs do lanamento e execuo do primeiro Plano Nacional das Auto-Estradas da Informao e
do estmulo oferta, interconexo, ao uso
e regulao das redes de banda larga.
importante ainda o programa de disponibilizao de uma rede de alto dbito para
fins cientficos e educativos assim como
157
Sociedade

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Retrato de Portugal

para demonstrao de servios novos de


grande utilidade social (RCTS-2) e sua articulao com os programas internacionais
(Programa Internet 2, etc.);
estender o Programa Cidades Digitais
a todo o pas, privilegiando os eixos da Iniciativa Nacional para a Sociedade da Informao.

A sociedade
da informao
e a cincia e a
tecnologia no perodo
2002-2005
No mbito do Programa Operacional Sociedade da Informao (POSI) foi lanado
em 2001 o concurso pblico para a generalizao do Programa Cidades Digitais, e
criados os primeiros espaos Internet pblicos, que ainda hoje so um dos mais importantes meios de acesso Internet em
Portugal. Tambm em 2001 foi aprovado o
decreto-lei que criou o Diploma de Competncias Bsicas em Tecnologias de Informao, e a Comisso Interministerial para
a Sociedade de Informao lanou um
concurso para avaliao dos stios na Internet de organismos integrados na administrao directa e indirecta do Estado. Muito
em especial, todas as escolas do pas estavam ligadas Internet no final de 2001.
Em Novembro de 2002 foi estabelecida a
Unidade de Misso Inovao Conhecimento (UMIC) para definir e orientar as polticas
da Sociedade de Informao e Governo
Electrnico em Portugal. O seu plano de
aco, aprovado em Junho de 2003, estava assente em sete pilares de actuao: i)
uma sociedade da informao para todos;
ii) novas capacidades; iii) qualidade e eficincia dos servios pblicos; iv) melhor cidadania; v) sade ao alcance de todos; vi)
novas formas de criar valor econmico; e
vii) contedos atractivos.
A UMIC apresentou a Iniciativa Nacional
para a Banda Larga em Agosto de 2003.
158
Sociedade

Esta iniciativa foi aprovada pelo governo


com o objectivo de massificar o acesso e a
utilizao da banda larga em Portugal, contribuindo, por um lado, para o aumento
dos nveis de produtividade e a competitividade da economia nacional e, por outro,
para uma maior coeso social.
As orientaes referidas foram adoptadas para a reprogramao do POSI, que
recebeu um aprecivel reforo financeiro
em 2004, com base na reserva de programao aprovada nas negociaes com a
Comisso Europeia em 2000, e passou
a designar-se Programa Operacional Sociedade do Conhecimento (POSC).
As actividades da UMIC organizaram-se
em torno de iniciativas de carcter legislativo e em projectos especficos para atingir
os objectivos enunciados na Iniciativa Nacional para a Banda Larga. As medidas legislativas cobriram reas como o governo
electrnico, cidados com necessidades
especiais, assinatura e factura electrnicas, direitos de autor, dados pessoais e
privacidade, comrcio electrnico, compras pblicas electrnicas, acesso ao Dirio da Repblica, reutilizao de informao pblica e direitos para passagem de
infra-estruturas de banda larga. Outras das
medidas de natureza programtica incluram a redefinio da linha de aco Cidades Digitais, que passou a designar-se Regies Digitais, o lanamento do Campus
Virtual do ensino superior (e-U) e da b-on,
concretizando a Biblioteca Nacional de
C&T em Rede prevista em 1999 nos programas operacionais preparados para o
Quadro Comunitrio de Apoio III e preparada de 2000 a 2003 pelo Observatrio das
Cincias e Tecnologias/da Cincia e do Ensino Superior, e vrios programas no mbito da administrao pblica (nomeadamente atravs do portal do cidado e da
dinamizao do sistema de compras pblicas electrnicas).
Na rea da cincia, o perodo 2002-2005
correspondeu a uma retraco do desen-

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A sociedade do conhecimento e da informao

volvimento que se vinha sentindo desde


1995. A despesa em I&D, que em 2001 tinha chegado a 0,85 % do PIB, desceu para
0,78 % do PIB em 2003. O oramento da
FCT, a preos constantes de 2003, decaiu
de 2002 at 2004, descendo para 220 milhes de euros, valor da ordem de grandeza do oramento dessa agncia quatro
anos antes, no ano 2000. Mas mais grave
ainda, a execuo financeira efectiva da
FCT, a preos constantes, decresceu em
2002 e 2003 a ponto de neste ltimo ano
ter sido inferior ao que tinha sido cinco
anos antes, em 1998. As dotaes oramentais pblicas para actividades de I&D
relativamente ao PIB indicam que em 2005
Portugal (0,73 %) se situava um pouco
abaixo da mdia da UE25 (0,74 %) e da
UE15 (0,76 %), mas muito abaixo de pases
como a Frana (0,94 %) e a Finlndia
(1,04 %) (Eurostat, 2006).
A despesa em I&D nas empresas decresceu de 0,27 % do PIB em 2001 para
0,26 % do PIB em 2003. O sistema de incentivos fiscais I&D empresarial foi descontinuado em 2003.
O nmero de bolsas atribudas para doutoramento e ps-doutoramento diminuiu
significativamente, assim como as bolsas
de investigao atribudas no mbito de
projectos e unidades de I&D. Foi interrompido o estmulo insero de doutorados
nas instituies de I&D e foi abrandada a
insero de doutorados nas empresas.
A contratao de investigadores no mbito
dos programas de apoio s instituies de
I&D (unidades de I&D, laboratrios do Estado e laboratrios associados) foi fragilizada por atrasos e redues de financiamento.
Foram interrompidos os Projectos de
Apoio Reforma dos Laboratrios do Estado previstos no Quadro Comunitrio de
Apoio III, inactivada a Comisso Internacional de Aconselhamento e Avaliao,
suspensa a concretizao das suas recomendaes e retirada autonomia financei-

ra aos laboratrios do Estado quando a


Comisso Internacional recomendava mais
autonomia.
O concurso anual para projectos Cincia
Viva na Escola no deixou de ser aberto
depois de 2002. O Oramento do Estado
para o Programa Cincia Viva teve um corte de 60 % de 2002 para 2003. Foi posta
em causa a possibilidade de manter o principal Centro Cincia Viva o Pavilho do
Conhecimento, no Parque das Naes, em
Lisboa.

Cincia, tecnologia,
sociedade da informao
e qualificao de
recursos humanos no
centro da estratgia
poltica
No mbito das eleies legislativas de
2005 foi proposto um ambicioso Plano Tecnolgico com as seguintes linhas de orientao: convocar Portugal para a sociedade
da informao, imprimir um novo impulso
inovao empresarial, vencer o atraso
cientfico e tecnolgico e qualificar os recursos humanos.
No final de Julho de 2005 foi lanada a
iniciativa Ligar Portugal, que estabelece as
orientaes gerais para as polticas de promoo da sociedade da informao em
Portugal com o horizonte de 2010, e responde aos desafios colocados pela iniciativa da Comisso Europeia i2010 Sociedade de Informao Europeia para o
Crescimento e Emprego. Os seus objectivos gerais incluem: promover uma cidadania moderna, garantir a competitividade
do mercado nacional de telecomunicaes, assegurar a transparncia da administrao pblica, promover a utilizao
crescente das TIC pelo tecido empresarial, assegurar o desenvolvimento de
novas empresas de base tecnolgica, estimular o desenvolvimento cientfico e tecnolgico.
159
Sociedade

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Retrato de Portugal

Entre as mltiplas reas a explorar como


particularmente apropriadas a beneficiar
de um aproveitamento intenso das TIC salientam-se: a modernizao e abertura do
ambiente escolar; a modernizao da administrao pblica; a distribuio de informao de interesse pblico, designadamente sobre riscos pblicos, ambiente,
segurana alimentar, sade, ou segurana interna; a sistematizao de rotinas de
monitorizao e acompanhamento para
correco de polticas e actualizao de
aces.
No programa Ligar Portugal sublinhado
que as oportunidades proporcionadas pelas TIC devem contribuir para qualificar as
organizaes portuguesas elevando-as
aos nveis de exigncia, eficincia, competncia e produtividade dos pases mais desenvolvidos, posicionando-nos colectivamente como uma sociedade onde:
o conhecimento e a informao so
valores culturais, sociais e econmicos fundamentais;
se promove a incluso social de todos
os cidados, a colaborao entre pessoas
e instituies, o trabalho cooperativo em
rede;
o desenvolvimento tecnolgico se torna um poderoso instrumento de criao de
riqueza, crescimento econmico e emprego, e elemento crucial da competitividade do sector empresarial nacional;
a apropriao social das TIC associada a uma cultura de verdade e transparncia, de avaliao lcida e objectiva, de
liberdade de expresso e acesso informao, de eficincia organizativa e de
abertura internacional.
Mencionam-se algumas concretizaes
das orientaes da iniciativa Ligar Portugal
(UMIC, 2006):
em Janeiro de 2006 ficaram ligadas
em banda larga todas as escolas pblicas
do 1.o ao 12.o ano, com excepo de um
pequeno nmero das que iam deixar de
funcionar no Vero de 2006;
160
Sociedade

em Novembro de 2005 foi aprovado


um sistema de dedues fiscais para facilitar a compra de computadores por famlias
com estudantes, por deduo fiscal at
250 euros e metade do custo de computador e ligao de terminal, numa aquisio
realizada num perodo de trs anos a partir
de 1 de Dezembro de 2005;
em 2005/2006, no mbito da Equipa
de Misso Computadores, Redes e Internet
na Escola (CRIE) houve mais de 11 000
actividades dirigidas construo de porteflios electrnicos, 11 600 construo
de pginas da escola na Internet, 5400 a
projectos em colaborao, com o envolvimento de 18 instituies do ensino superior, 18 centros de recursos virtuais, 6583
escolas (89 % de todas as escolas do
1.o ciclo), 17 417 professores, 967 monitores, 175 111 alunos, 27 517 visitas a escolas com uma durao conjunta de cerca de
137 000 horas, tendo sido atribudos no
seu mbito mais de 71 274 diplomas de
competncias bsicas em TIC, dos quais
mais de a alunos do 4.o ano de escolaridade, mas tambm a 2207 professores;
tambm em 2005/2006, a CRIE promoveu a formao de formadores de professores em TIC, envolvendo 573 participantes, 228 entidades formadoras, 34
aces de formao, 18 centros de Competncia em TIC com plataforma colaborativa Moodle, e tambm promoveu a formao de 15 109 professores, em 175
projectos, e a disseminao da utilizao
de plataformas colaborativas Moodle a
2940 professores. Tambm foram apetrechadas 1309 salas de TIC com 19 635
computadores, em 1159 escolas;
em 2006, a iniciativa Escolas, Professores e Computadores Portteis do Ministrio da Educao reforou 1100 escolas com
26 000 computadores portteis para cerca
de 11 600 professores e para actividades
prticas com cerca de 200 000 alunos;
em 2005/2006 foram criados 32 cursos de especializao tecnolgica (CET)

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A sociedade do conhecimento e da informao

em TIC, envolvendo 16 escolas do ensino


superior, em 11 localidades;
em 2005, o nmero de instituies do
ensino superior com redes sem fios no mbito da iniciativa e-U passou de 8 para 57,
chegando a uma cobertura de 85 % de todo o ensino superior, um conjunto de escolas com mais de 300 000 estudantes que
inclui todas as instituies pblicas de ensino superior. Dado que esta rede tem roaming interinstitucional, ficou assegurada a
integrao de todas as universidades e politcnicos num campus virtual nico;
organizou-se a Rede de Espaos Internet, que tem por objectivo integrar numa
comunidade organizada o actual conjunto
de 840 espaos Internet em efectivo funcionamento em vrios pontos no pas com
vrios tipos de origem que constituem a
mais ampla rede de locais de acesso pblico gratuito na Europa onde se disponibiliza
regularmente a utilizao de computadores
e da Internet, com apoio por pessoal prprio (monitores);
em 2005 foi mais que duplicada a largura de banda das ligaes internacionais
RCTS, atingindo 2,5 Gbps, e a largura
de banda entre Lisboa e Braga passou de
1 Gbps para 10 Gbps, em consequncia
da instalao e aquisio pela FCCN de
uma ligao em fibra ptica entre as duas
cidades, o que permitiu assegurar ligaes
a 10 Gbps s sete maiores universidades
de Lisboa, Tcnica de Lisboa, Nova de
Lisboa, de Coimbra, de Aveiro, do Porto e
do Minho e, portanto, a 60 % do sistema
do ensino superior e a 78 % das universidades com unidades de investigao aprovadas pela FCT, e ainda alargar a banda
das ligaes aos institutos politcnicos do
Porto e Coimbra;
na Cimeira Portugal-Espanha de Novembro de 2005 ficou acordado que os
dois pases completariam as suas redes de
educao e investigao em fibra ptica
at s respectivas fronteiras Alentejo-Extremadura e Minho-Galiza, de forma a asse-

gurar um anel redundante de ligao em


fibra, com vantagens mtuas em termos de
aumento da ligao internacional em banda larga e de segurana de persistncia
de ligaes se houver um corte na linha.
Os concursos para aquisio destas instalaes j foram abertos. Estas ligaes vo
finalmente permitir ligar a RCTS rede
GANT2 da Unio Europeia a 10 Gbps, resolvendo o problema que se arrastava h
vrios anos de Portugal ser o nico pas da
UE15, com a excepo da Grcia, que no
tinha acesso a esta largura de banda para
ligao s redes de investigao e educao dos outros pases. Tambm est em
preparao a extenso da fibra ptica da
RCTS a todas as capitais de distrito, permitindo assegurar este tipo de ligao a todas as instituies do ensino superior pblico;
o nmero de registos de domnios na
Internet em .pt cresceu 36 % do incio ao
fim de 2005, tendo atingido cerca de
80 000 domnios. Em Maro de 2006 entraram em vigor novas regras com o objectivo
de facilitar o registo de domnios e permitir
reduzir em 40 % os custos de registo ao
passar-se para um sistema de registo totalmente online. Estas alteraes permitiram
em Agosto de 2006 ultrapassar 100 000
domnios registados, antecipando a meta
estipulada para o final de 2006. Foi, tambm, assegurado o registo automtico de
domnios .pt para empresas constitudas
pelo sistema Empresa na Hora e Empresa
Online;
a b-on disponibiliza o acesso ilimitado
e permanente nas instituies de investigao e do ensino superior aos textos integrais de mais de 16 750 publicaes cientficas internacionais de 16 editoras, atravs
de assinaturas negociadas a nvel nacional
com essas editoras. Em 2005, o nmero de
artigos descarregados por utilizadores
desta biblioteca foi de 3,4 milhes, quando
em 2004 tinha sido 2,1 milhes, nmeros
que ilustram uma utilizao muito elevada;
161
Sociedade

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Retrato de Portugal

em Abril de 2006 foi lanada a Iniciativa Nacional GRID. Presentemente esto ligados em GRID mais de 2000 computadores, estando previsto o seu alargamento
para 5000 a breve trecho. A FCT abriu um
concurso pblico para projectos no mbito
desta iniciativa;
foi assegurada a adaptao para Portugal das Licenas Creative Commons que
permitem a partilha aberta de conhecimento e obras pelos seus autores de uma forma simples, eficaz e muito flexvel, disponibilizando um conjunto de licenas-padro
que garantem proteco e liberdade, com
alguns direitos reservados. A verso portuguesa destas licenas foi lanada a 13 de
Novembro de 2006;
foi iniciado em meados de 2005 o projecto de desenvolvimento do carto do cidado com o objectivo de comear a ser
disponibilizado em 2007, permitindo a Portugal integrar o grupo dos primeiros pases
da UE a disponibilizarem um carto de
identificao electrnico e ser um dos pases com mais servios desmaterializados
que utilizam este tipo de cartes;
o passaporte electrnico portugus foi
disponibilizado em 28 de Agosto de 2006,
depois de o respectivo projecto ter sido iniciado apenas no 2.o trimestre de 2005, permitindo a Portugal recuperar o atraso a
ponto de ser o 11.o pas da UE a emitir passaportes electrnicos;
o Sistema de Certificao Electrnica
do Estado foi criado em Junho de 2006, na
sequncia de um processo iniciado em Novembro de 2005, com o objectivo de assegurar a emisso e gesto de assinaturas
electrnicas na administrao pblica, assegurando o funcionamento de uma infra-estrutura de chaves pblicas (PKI Public
Key Infrastructure) prpria, o que, alm de
outras aplicaes, vai permitir a desmaterializao completa do processo legislativo;
em Junho de 2006 foi substituda a
publicao do Dirio da Repblica em papel pela sua publicao electrnica, facili162
Sociedade

tando o acesso gratuito ao Dirio da Repblica integral na Internet e permitindo


poupar 27 toneladas de papel por dia;
em 2006, alm de uma reorganizao
destinada a facilitar a utilizao pelos cidados, o Portal do Cidado passou a integrar uma Plataforma de Pagamentos Electrnicos que, entre outras possibilidades,
permite emitir referncias para pagamentos pelo Multibanco e, portanto, tambm a
partir de casa ou do trabalho atravs de
homebanking. A utilizao do Portal do Cidado cresceu significativamente do princpio ao fim de 2005, nomeadamente 46 %
em trfego, 32 % em sesses e 29 % em visitantes nicos;
o Portal da Empresa foi disponibilizado publicamente no final de Junho de
2006. Entre outros servios, ficaram disponveis a criao completa de uma empresa
pela Internet Empresa Online , um
consultrio electrnico para assuntos relacionados de actividade empresarial em
que as respostas a solicitaes so asseguradas pelo Instituto de Apoio s Pequenas e Mdias Empresas e ao Investimento
e o Dossier Electrnico da Empresa, onde
os vrios processos de cada empresa
com a AP so reunidos e disponibilizados
de forma fcil e segura aos scios da empresa;
do incio ao fim de 2005 verificou-se o
alargamento significativo do Programa Nacional de Compras Electrnicas (PNCE): o
nmero de processos de agregao e negociao realizados passou de 27 para 52,
o nmero de organismos envolvidos passou de 19 para 370 e o nmero de categorias de produtos consideradas passou de
quatro para 12. Em 2006, o PNCE foi estendido a todos os ministrios e generalizado
no seio de cada ministrio, contando j
com o envolvimento de cerca de 800 organismos e com a realizao de mais de 94
processos de agregao e negociao.
Tm sido constitudas unidades ministeriais
de compras que centralizam os processos

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A sociedade do conhecimento e da informao

de compra ao nvel dos correspondentes


ministrios e foi constituda a Agncia Nacional de Compras Pblicas, que ir iniciar
funes em 2007;
o valor total negociado no PNCE desde
o incio do programa j atingiu 40 milhes
de euros, com cerca de 20 % de poupana.
Do incio ao fim de 2005 verificou-se um
crescimento de 33 % no valor total negociado no programa em relao soma dos
dois anos anteriores, e s no 1.o semestre
de 2006 o valor das compras pblicas electrnicas foi cerca do dobro da soma dos
trs anos anteriores, o que ilustra a recente
acelerao da evoluo do programa;
o governo determinou em Agosto de
2005 que a administrao pblica deve
adoptar a emisso e o recebimento preferencial de facturas electrnicas a partir do
incio de 2007. Foi preparada por um grupo
de trabalho, com a participao de entidades da administrao pblica e individualidades da sociedade civil, a reviso de projectos de legislao relativos factura
electrnica e a elaborao de um Guia da
Factura Electrnica. Entre Julho e Novembro, decorreram projectos-piloto com o envolvimento de dezenas de entidades pblicas de quase todos os ministrios, vrias
entidades prestadoras de servios de facturao electrnica e vrios fornecedores.
Com estes projectos-piloto demonstrou-se
concretamente o funcionamento de vrios
sistemas de recepo e emisso de facturas electrnicas pela administrao pblica
e uma filosofia de partilha de servios com
sede nas secretarias-gerais dos vrios ministrios que permite formas prticas de
generalizao de facturas electrnicas em
toda a administrao pblica, sendo que
as entidades envolvidas nos projectos-piloto j permitem a adopo de facturas
electrnicas para os organismos de todos
os ministrios envolvidos.
Relativamente observao e benchmarking da sociedade da informao, destacamos:

a utilizao de computadores pela populao com nvel educacional secundrio


e superior das mais elevadas da UE25,
respectivamente 87 % e 91 %;
a utilizao de Internet pela populao com nvel educacional secundrio e
superior das mais elevadas da UE25, respectivamente 80 % e 87 %;
verificou-se de 2005 para 2006 um
crescimento de 32 % nos organismos da
administrao pblica central com ligaes
em banda larga superiores a 2 Mbps;
verificou-se de 2005 para 2006 um
crescimento de 68 % das cmaras municipais com ligaes em banda larga superiores a 2 Mbps;
verificou-se no ltimo ano um crescimento de 40 % nas cmaras municipais
com fruns de discusso entre o executivo
camarrio e os cidados na Internet;
verificou-se um crescimento anual
mdio de 2004 para 2006 de 118 % nos
hospitais com ligaes em banda larga superiores a 2 Mbps;
os stios de hospitais na Internet com
informao sobre preveno e cuidados
de sade duplicaram de 2004 para 2006
(agora em 50 % dos stios);
os stios de hospitais na Internet com
indicaes sobre procedimentos em caso
de emergncia mdica quadruplicaram de
2004 para 2006 (agora 30 % dos stios);
um tero dos hospitais fez encomendas online em 2005, dos quais um tero
tambm efectuou pagamentos online;
96 % das grandes empresas, 83 %
das mdias empresas e 59 % das pequenas empresas esto ligadas Internet por
banda larga; no ranking da UE25 para as
grandes empresas Portugal est no 2.o lugar (com outros dois pases);
48 % das grandes empresas, 31 %
das mdias empresas e 25 % das pequenas empresas utilizam a Internet ou outras
redes electrnicas para efectuar e/ou receber encomendas de bens e/ou servios;
163
Sociedade

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Retrato de Portugal

Portugal subiu muito no Ranking de


Disponibilizao Completa Online de Servios Pblicos Bsicos, de Outubro de 2004
para Abril de 2006: i) de 15.o para 11.o nos
28 pases da UE25 + Noruega, Islndia e
Sua; ii) de 13.o para 10.o na UE25; iii) de
11.o para 7.o na UE15. Estes dados da ltima avaliao da disponibilizao online
dos servios pblicos bsicos, relativos a
Abril de 2006, foram disponibilizados pela
Comisso Europeia a 29 de Junho de 2006.
De Outubro de 2004 a Abril de 2005, Portugal ultrapassou no indicador de disponibilizao completa a Alemanha, a Espanha, a
Irlanda, a Islndia e a Itlia, e no indicador
de sofisticao a Espanha, a Holanda, a Islndia e a Itlia. Os valores de Portugal nos
dois indicadores so agora superiores
mdia dos pases em todos os grupos considerados. A subida de Portugal foi a 5.a
maior dos 28 pases nos dois indicadores;
de acordo com o Eurostat, no envio de
formulrios electrnicos a organismos pblicos em pases da UE15, Portugal encontra-se entre os cinco primeiros na percentagem de indivduos e entre os trs primeiros
na percentagem de empresas;
a entrega de declaraes de IRS pela
Internet em 2006 ultrapassou 2,2 milhes,
um valor muito elevado em mbito internacional, dado que corresponde a mais de
40 % da populao activa; todo o IVA tratado exclusivamente pela Internet.
Em Maro de 2006 foi lanada a iniciativa Compromisso com a Cincia para o Futuro de Portugal. Com metas ambiciosas j
para 2009, esta iniciativa adopta as seguintes cinco grandes orientaes:
apostar no conhecimento cientfico e
na competncia cientfica e tcnica, medidos ao mais alto nvel internacional;
apostar nos recursos humanos e na
cultura cientfica e tecnolgica;
apostar nas instituies de I&D, pblicas e privadas, no seu reforo, responsabilidade, organizao e infra-estruturao em
rede;
164
Sociedade

apostar na internacionalizao, na exigncia e na avaliao;


apostar na valorizao econmica da
investigao;
A concretizao desta iniciativa envolve
reforar j o oramento pblico de C&T para 2007, com 250 milhes de euros mais do
que em 2006 (aumento de 77 % do financiamento competitivo do sistema de C&T
pela FCT).
Entre as medidas da iniciativa Compromisso com a Cincia para o Futuro de Portugal, referem-se algumas das suas primeiras concretizaes:
lanamento em Abril de 2006 dos primeiros concursos para contratos-programa
com instituies cientficas, pblicas ou privadas, visando o financiamento de contratos individuais de trabalho de investigao
para doutorados atravs de competio
aberta e avaliao internacional de mrito.
Os contratos-programa permitiro a contratao nova de pelo menos 1000 doutorados at 2009 e sero orientados com vista
ao reforo de massas crticas ou criao
de novas equipas, assim como mobilidade dos investigadores;
aumento em 60 % do nmero de novas bolsas de doutoramento e ps-doutoramento e antecipao de cinco meses do
incio das bolsas do concurso aberto em
2006;
criao em 2006/2007 de um programa de doutoramento em investigao clnica associado aos estgios da carreira mdica, com o objectivo de envolver 300
doutorandos at 2009 e criar bolsas de integrao na investigao (em centros de
I&D reconhecidos) de estudantes de mestrado e licenciatura;
criao do Laboratrio Internacional
Ibrico de Nanotecnologia, sediado em
Braga, como organizao internacional de
excelncia promovida por Espanha e Portugal, mas aberta adeso ulterior de outros pases, prevista para 200 investigadores a serem recrutados internacionalmente;

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A sociedade do conhecimento e da informao

criao de quatro novos laboratrios


associados nas reas de nanotecnologia e
energia e transportes;
criao da rede de parcerias internacionais de C&T de grande dimenso,
compreendendo instituies de ensino superior e de investigao, assim como empresas, em associao com organizaes
cientficas internacionais, universidades
estrangeiras e outras entidades cientficas
e tecnolgicas de excelncia mundial.
A primeira destas parcerias foi o Programa MIT-Portugal, a que se seguiram acordos de parceria com a Carnegie Mellon
University e a Universidade do Texas em
Austin;
reforma dos laboratrios do Estado
com base nas recomendaes de um grupo internacional de trabalho: cinco laboratrios do Estado foram extintos ou integrados noutras instituies; dois foram criados
(Laboratrio Nacional de Energia e Geologia, Laboratrio de Recursos Biolgicos
Nacionais); foi concedido o estatuto de laboratrio do Estado ao Instituto de Medicina Legal; foi decidida a instituio do modelo inovador de consrcio de I&D, com a
natureza de entidade privada sem fins lucrativos, articulando laboratrios do Estado, laboratrios associados, empresas e
outras entidades nacionais ou estrangeiras,
comeando com a constituio de quatro
consrcios (BIOPLIS para biologia e biotecnologia, Fsica-N para fsica nuclear e
de altas energias e computao distribuda, RISCOS para preveno e mitigao
de riscos naturais e ambientais, OCEANO
para oceanografia); foi criado o Centro Internacional de Vulcanologia nos Aores; foi
criado na FCT um Programa Mobilizador
dos Laboratrios do Estado, centrado no
apoio ao desenvolvimento de ncleos e redes de I&D, no seu envolvimento em parcerias nacionais e internacionais e na mobilizao competitiva das capacidades de
I&D mais relevantes em cada instituio; foi
decidida a criao de um comit cientfico

e tcnico internacional para acompanhamento da reforma;


apoio criao de 75 novas empresas de base tecnolgica, spin offs de universidades, desde meados de 2005;
criao de 22 centros de valorizao
de resultados de investigao e transferncia de ideias e conceitos inovadores para o
tecido empresarial que integram uma rede
que opera em instituies do ensino superior, incluindo todas as 14 universidades
pblicas;
criao de nove redes de colaborao
com objectivos de excelncia e o desenvolvimento de clusters de inovao e conhecimento que integram empresas, centros e
institutos de investigao, universidades,
politcnicos, centros tecnolgicos, organismos pblicos e associaes empresariais,
as quais envolvem 158 entidades, incluindo 87 empresas;
retomou-se a realizao de concursos
para projectos Cincia Viva nas escolas,
com a aprovao em 2006 de cerca de 900
projectos. Realizaram-se cerca de 700 estgios de estudantes em laboratrios de investigao durante os meses de Vero de
2006. A Cincia Viva no Vero mobilizou
milhares de portugueses, nos meses de
Agosto e Setembro, nomeadamente em actividades de astronomia, biologia, geologia,
visitas a faris e engenharia. Procedeu-se
actualizao e expanso da Rede de Centros Cincia Viva, que agora tem 13 centros
em vrios pontos do pas, estando prevista
a abertura de mais cinco at final de 2008.
O sistema de incentivos fiscais I&D empresarial, descontinuado em 2003, foi retomado e reforado em 2005, colocando novamente Portugal entre os pases da OCDE
com sistemas mais significativos de incentivos fiscais s actividades de I&D em empresas.
Sabe-se que o aumento significativo do
oramento pblico para C&T de 2005 para
2006 (11 %) e o aumento ainda maior de
2006 para 2007 (22 %) iniciaram a retoma
165
Sociedade

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Retrato de Portugal

do crescimento do financiamento das actividades de I&D.


Depois de um decrscimo entre 2002 e
2003, as dotaes pblicas para C&T voltaram a crescer mas s em 2005 chegaram
ao valor que tinham tido trs anos antes, a
preos constantes, tendo depois crescido
acentuadamente para 2006 e para 2007.
A partir de 2004, o oramento da FCT teve
aumentos significativos, embora s em
2006 tenha ultrapassado o valor que tinha
tido em 2002. No mbito da iniciativa Compromisso com a Cincia para o Futuro de
Portugal, a FCT teve um crescimento oramental para 2007 muito elevado, com o seu
oramento a atingir 543 milhes de euros,
a preos correntes.

O desafio de ultrapassar
os obstculos no caminho
da sociedade do
conhecimento
Portugal poder dispor em 2010 de um sistema cientfico de dimenso equivalente
mdia dos pases da UE em recursos hu-

manos e em investimento pblico em C&T.


, ainda, necessrio ajustar os valores da
despesa em I&D por investigador e assegurar o crescimento da despesa de I&D
nas empresas, mas no essencial pode dizer-se que o dinamismo e o ritmo de crescimento mantidos no perodo 1995-2001 e
retomados desde 2005 constituram um
motor que nos poder colocar em 2010
muito prximo dos restantes pases da Europa.
Fragilidades crnicas das instituies
cientficas, escassez e instabilidade nas
dotaes pblicas para C&T, concentrao
geogrfica e fraca participao das empresas nas actividades de investigao comeam tambm a ser ultrapassadas.
Mas o crescimento sustentado no se alcana automaticamente. Aos progressos
registados necessrio adicionar um esforo continuado, sem abrandamentos.
A falta de persistncia pode fazer correr
riscos graves, como aconteceu com a interrupo do crescimento do investimento
em C&T em 1992-1995 e, depois, em 2002-2005.

Dotaes oramentais da JNICT/FCT+ICTT/GRICES


(milhes de euros, preos constantes de 2007)
550
500
450
400
350
300
250
200
150
100
50
0
1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Fonte: OCT/OCES. Dotaes oramentais da JNICT at 1997, da FCT de 1998 a 2007, a que foram acrescidas
as dotaes oramentais do ICCTI de 1998 a 2002 e do GRICES de 2003 a 2006 (as funes de cooperao internacional em C&T passaram da JNICT para o ICCTI em 1997, transitaram deste para o GRICES em 2003 e para a FCT em 2007).

166
Sociedade

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A sociedade do conhecimento e da informao

Na verdade, so vrios e difceis os obstculos que necessrio vencer no futuro


imediato em Portugal para se atingir o desenvolvimento cientfico e tecnolgico
avanado necessrio para obter os elevados benefcios da sociedade do conhecimento e da informao:
disponibilidade apropriada de tempo
de docentes universitrios para a investigao. Alguns dos principais obstculos que
necessrio ultrapassar, sublinhados nas
avaliaes internacionais dos institutos e
centros de investigao associados s universidades, situam-se ao nvel da gesto
universitria. Em particular, necessrio
que, ao contrrio do que se verifica presentemente, a excelncia cientfica dentro das
universidades tenha representao e determine de forma decisiva a gesto das
universidades, ou seja, que a cincia assuma um lugar na orientao das universidades. essencial uma gesto moderna e
eficiente dos recursos humanos docentes
e discentes, em termos do impacte final
dos resultados das actividades universitrias nas componentes de ensino/aprendizagem, investigao e prestao de servios sociedade. Elevadas cargas lectivas
e prolongados perodos escolares de aulas
e exames constituem srias limitaes a
uma disponibilidade apropriada para actividades de investigao, num contexto
competitivo global, sem que se revelem
funcionais em termos de oportunidades de
aprendizagem acrescidas. Este ponto assume maior relevo quando se tem em conta o muito elevado peso dos doutorados a
trabalhar nas universidades ou em instituies privadas sem fins lucrativos a elas
associadas em relao ao total do pas,
pois fica ento claro que a eficincia do
sistema cientfico e tecnolgico nacional
depende de forma crtica da disponibilidade de tempo de docentes universitrios para actividades cientficas e tecnolgicas e
da eficincia da investigao universitria;
formas flexveis de enquadramento e

contratao de investigadores e de tcnicos de apoio investigao. necessrio


ultrapassar as dificuldades que se observam na contratao de investigadores,
abrindo oportunidades para jovens cientistas e a possibilidade de rejuvenescimento
das equipas de investigadores com estabilidade contratual. O baixo nmero de tcnicos envolvidos no apoio s actividades de
investigao em Portugal constitui outro
obstculo cuja ultrapassagem no se situa
apenas ao nvel dos recursos financeiros e
das oportunidades de formao, parecendo requerer formas flexveis de enquadramento e contratao;
insero rpida e flexvel de jovens
doutorados. A insero rpida e flexvel de
jovens doutorados nas vrias entidades
com actividades de I&D, pblicas e privadas, crtica para a evoluo do sistema
cientfico e tecnolgico. O sistema universitrio encontra-se, em algumas instituies,
ainda fortemente carente deste tipo de recursos, comparativamente ao que se verifica em muitos dos pases da OCDE, mas as
carncias so mais evidentes nos institutos
politcnicos, nas empresas e nos laboratrios do Estado. Enfrentam-se obstculos de
natureza institucional e estrutural que necessrio remover. de salientar que no
se trata apenas de oportunidades de contratao, mas tambm de efectivas oportunidades para trabalho de investigao com
tempo apropriado e de alta produtividade,
para a afirmao de percursos cientficos e
tecnolgicos prprios e para a liderana de
actividades de I&D ao alcance dos doutorados mais novos. No se devem subestimar as dificuldades de equilbrio institucional associadas ao influxo acentuado de
novos investigadores e substituio de lideranas. Estas dificuldades tero de ser
resolvidas nos prximos anos para que as
oportunidades que resultam da jovem e dinmica fora de trabalho cientfico que se
tem constitudo sejam adequadamente
aproveitadas;
167
Sociedade

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Retrato de Portugal

mobilidade institucional dos investigadores. Um outro obstculo de monta o


que se depara mobilidade de investigadores entre diferentes instituies e sectores. Sabendo-se a importncia da diversidade de experincias e da expanso de
redes de relaes pessoais numa sociedade do conhecimento e da informao, esta
questo assume uma importncia crucial.
No entanto, a mobilidade em Portugal diminuta. , portanto, essencial remover os
obstculos mobilidade de docentes e investigadores entre universidades dos vrios pontos do pas, e entre universidades,
empresas, laboratrios do Estado e institutos politcnicos;
reforo do investimento privado em
C&T. No que respeita ao investimento privado em cincia e tecnologia, as expectativas devem ter em conta que Portugal no
dispe de uma indstria dependente da investigao cientfica, e que no previsvel
que venha a dispor a curto prazo, seja por
deslocao das indstrias actualmente
noutras localizaes geogrficas seja por
alterao profunda da actual estrutura industrial. Apesar de a evoluo mais recente no sector empresarial relacionado com
altas tecnologias e com a constituio de
novas empresas inovadoras ser muito animadora, o baixo peso relativo do sector privado nas despesas de I&D traduz, sem dvida, um obstculo de monta que necessita
de ser progressivamente ultrapassado. Dado que o investimento em I&D depende essencialmente dos recursos humanos de
I&D, um aumento significativo do investimento privado em C&T est essencialmente ligado capacidade e ao interesse de
aumentar significativamente os recursos
humanos de I&D em empresas;
formao superior de elevada qualidade para uma fraco maior da populao. A um nvel mais geral encontramos o
obstculo, j sublinhado anteriormente, da
baixa qualificao geral da populao portuguesa, onde a formao superior apre168
Sociedade

senta valores muito baixos relativamente


maioria dos pases da UE e da OCDE. Este
um obstculo que no pode ser ultrapassado num perodo curto, mas que est subjacente baixa qualificao mdia dos recursos humanos em todos os sectores da
actividade econmica, em particular nas
empresas. A inovao e a incorporao de
conhecimento nas vrias actividades econmicas e sociais ficam claramente limitadas por esta situao. Ultrapassar este
obstculo, com nveis de qualidade de formao superior elevados, constitui um
enorme desafio;
enraizamento social e robustez do desenvolvimento cientfico e tecnolgico. Aos
aspectos referidos, necessrio acrescentar o factor anteriormente identificado como
de fragilidade do desenvolvimento cientfico
e tecnolgico. Efectivamente, a vulnerabilidade deste desenvolvimento a alteraes
polticas, revelada h bem pouco tempo e
j ilustrada neste texto, mostra que o desenvolvimento presente se encontra dependente de orientaes polticas, da militncia de vrios actores e de um ambiente
geral de reconhecimento da importncia
do investimento no desenvolvimento cientfico que foi possvel constituir, e que, em
conjunto, formam uma conjuntura favorvel.
Numa fase em que no est assegurada
a estabilidade e o enraizamento social
profundo do sistema de C&T, no claro
que este sistema, deixado a si prprio em
condies mais habituais, no regrida
mesmo no que respeita aos seus presentes pontos de apoio fundamentais: avaliao independente por pares qualificados,
rigor e estabilidade de procedimentos,
transparncia dos processos de deciso,
ampla e aberta informao pblica, reforo da internacionalizao, convergncia
dos nveis de financiamento para os valores observados nos pases mais avanados, ligao do sistema cientfico inovao empresarial, ao desenvolvimento da

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A sociedade do conhecimento e da informao

sociedade da informao, educao


cientfica e difuso da cultura cientfica e
tecnolgica, aprofundamento das parcerias com outros actores sociais (escolas,
empresas, autarquias, outras entidades
da administrao pblica, etc.). Esta referncia, mantida na ntegra a partir da
edio deste texto em 2000, no s se revelou premonitora como, infelizmente, parece manter a actualidade.
Em suma, como se referiu no incio, encontramo-nos perante uma janela estreita
que d acesso s oportunidades da sociedade e economia do conhecimento. Para
as aproveitar necessria a contribuio
empenhada de todos os actores e instituies do sistema cientfico e tecnolgico

e grandes e rpidas mudanas institucionais.


Os problemas que se enfrentam so ainda grandes e de resoluo complexa.
A novidade, porm, que h bem poucos
anos o atraso era enorme e no se adivinhava sequer que a cincia, a tecnologia, a
sociedade da informao e a qualificao
de recursos humanos assumissem o papel
central na estratgia poltica nacional e que
fosse possvel ambicionar num prazo relativamente curto o desenvolvimento cientfico
e tecnolgico que se encontra agora ao alcance, se soubermos ultrapassar os obstculos que ainda se encontram no nosso caminho para a sociedade e a economia do
conhecimento.

169
Sociedade

O desporto

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Ildio Trindade

A leste algo de novo

motorista do autocarro baixou o


som do rdio, falou com o intrprete e deu a novidade: H uma
revoluo em Portugal!
A equipa de futebol do Sporting deixava
a cidade de Madeburgo, onde, na noite anterior, fora afastada da final da Taa dos
Vencedores das Taas.
A presena do Sporting numa estrada
da ento Alemanha de Leste acabou por
ser a notcia que marcou desportivamente
o 25 de Abril de 1974. A comitiva queria
regressar ao pas, mas havia as dificulda-

Portugal foi campeo mundial de hquei em


patins em 1947.

170
Sociedade

des resultantes de uma revoluo: as fronteiras estavam fechadas e a tropa nas


ruas.
As dvidas que, naqueles momentos,
tero percorrido os sportinguistas eram
semelhantes s que se sentiam em Lisboa, s primeiras horas dessa manh.
Muito rapidamente, porm, deram lugar a
uma esmagadora onda de adeso popular
ao movimento militar, pondo termo a um
regime marcado pela Guerra Colonial, pela censura e pelo controlo da sociedade
pelo Estado, a que naturalmente no fugia
o desporto.
A actividade do desporto escolar at
ento tinha sido praticamente controlada
pela organizao de juventude criada pelo
regime de Salazar, a Mocidade Portuguesa, mas o seu raio de aco era curto, pois
a escolaridade era baixa.
O desporto assentava nos clubes, nas
associaes e federaes. A prtica desportiva resumia-se s competies federadas e em todo o pas no havia mais de
130 000 praticantes distribudos por 39 federaes. Trs jornais desportivos saam
trs vezes por semana e o canal da televiso estatal dedicava meia hora ao desporto, segunda-feira, e dois blocos informativos ao domingo, de 10 minutos, tarde, e
de meia hora, noite, quase inteiramente
preenchidos com futebol.
O hquei em patins era a modalidade
nacional por excelncia, somando vitrias
em mundiais e europeus e alimentando
grande rivalidade com a Espanha.
O ciclismo tivera os seus tempos hericos com os despiques entre Jos Maria

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O desporto

Nicolau (Benfica) e Alfredo Trindade


(Sporting), que foram decisivos para a implantao nacional dos dois clubes de Lisboa. Seguiu-se Alves Barbosa, com um
dcimo lugar na Volta a Frana. O ltimo
rei das estradas foi Joaquim Agostinho,
que j tinha ganho trs Voltas a Portugal
quando se deu o 25 de Abril e iria depois
afirmar-se como grande trepador na Vuelta e no Tour
Nos Jogos Olmpicos, Portugal conquistara sete medalhas, em desportos considerados elitistas: trs em hipismo, trs em vela e uma em esgrima.
O futebol dominava. Primeiro com as
equipas do Sporting, nos anos 40 e 50.
Dessa poca recorda-se um quinteto atacante conhecido pelos cinco violinos,
onde pontificava Jos Travassos, o primeiro portugus a entrar numa seleco
da Europa. Seguiu-se o Benfica: uma vitria na Taa Latina (1950), duas vitrias na
Taa dos Campees Europeus (1961 e
1962) e mais trs presenas em finais europeias. O Sporting tambm entrou na histria com a vitria na Taa dos Vencedores das Taas (1964). Mas foi no Mundial
de Inglaterra que o futebol ps o pas a
seus ps. Uma recuperao sensacional
frente Coreia do Sul (de 0-3 para 5-3), o
terceiro lugar no campeonato e as exibies de Eusbio, eleito como melhor jogador do torneio, foram arrasadores. Portugal, cercado e criticado praticamente pelo
resto do mundo, devido Guerra Colonial,
empolgava-se com a magia do seu futebol. E assistia com deleite afirmao internacional que lhe era negada noutros
campos.
Os clubes viviam a sua poca de ouro.
Eram dos poucos espaos onde havia alguma liberdade: os cidados elegiam
directamente dirigentes e lutavam por
causas comuns, ao contrrio do que acontecia na restante sociedade. Debaixo do
guarda-chuva dos clubes e do futebol desenvolviam-se as outras modalidades,

Eusbio, o Pantera Negra, cone do futebol


portugus.

criavam-se laos de solidariedade e muitos jovens tinham a rara oportunidade de


uma vivncia cvica. O controlo da actividade associativa do desporto escapava
um pouco ao governo apesar de todos
os dirigentes terem de ser aprovados pela
Direco-Geral dos Desportos, as paixes
da defesa dos emblemas tinham mais fora que as desgastadas convices do Estado Novo.

Contra os desportistas
de bancada
Quando se d o 25 de Abril faltam trs jornadas para o final do campeonato, o Sporting tem mais um ponto que o Benfica, mais
dois que o Setbal e mais trs que o Futebol Clube do Porto. E mantm o avano at
final. So muitos os milhares de apoiantes
sportinguistas que festejam no seu estdio
o ttulo de campeo nacional, mas muitos
outros milhares tero estado na mesma altura em manifestaes, comcios, reunies
de esclarecimento, plenrios sindicais, a
viver os primeiros dias de liberdade.
Aqueles tempos so de mobilizao poltica, que afasta gente dos clubes e das
bancadas.
171
Sociedade

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Retrato de Portugal

A revoluo tambm destri importantes apoios do futebol. As nacionalizaes


que se seguem pem em causa muito do
seu suporte econmico. A descolonizao
seca os viveiros africanos de grandes futebolistas, bem como de outros atletas que
rumavam das colnias para a metrpole.
O pas defronta-se com srios problemas e
aplica energias e dinheiro no saneamento
bsico, estradas, reformas, penses e aumentos salariais.
Mas h a outra face. Os cidados tomam conscincia dos benefcios que podem retirar do desporto. So lanadas
campanhas de promoo desportiva.
O atletismo, o futebol, o ciclismo e o badminton so as modalidades mais divulgadas. Os jornais escrevem contra os desportistas de bancada, apelando prtica
desportiva.
Sem dinheiro e sem recurso s colnias, o futebol portugus comea a importar maciamente jogadores brasileiros, a
maioria sem qualidade tcnica. O prprio
Benfica, que se gabava de s ter jogadores portugueses, acaba com essa tradio.
Os primeiros indcios de que a travessia do
deserto estava a chegar ao fim s surgem
com o apuramento do Benfica para a final
da Taa UEFA (1983) e do Futebol Clube
do Porto para a final da Taa das Taas
(1984). Finalmente, no Europeu de 1984 a
seleco nacional recupera prestgio, sendo afastada da final pela Frana, que viria
a ser campe.
Os ventos sopram de feio para o
aumento de praticantes. O nmero de
federados duplica de 1974 para 1985
(260 000). As federaes passam de 38
para 46 e os clubes com actividade federada de 2400 para 4000. O investimento dos
dinheiros pblicos no desporto aumenta
e a partir de 1978 h um novo objectivo: a
formao.
Surgem tambm os primeiros programas de apoio alta competio, que se reflectem particularmente no atletismo. Car172
Sociedade

los Lopes ganha uma medalha de prata


nos 10 000 metros dos Jogos de Montreal
(1976) e d o tiro de partida para as grandes vitrias internacionais do meio-fundo
portugus. Seguem-se o triunfo de Rosa
Mota, em Atenas, na primeira maratona dos
Campeonatos da Europa (1982) e, depois,
trs medalhas nos Jogos Olmpicos de
Los Angeles: o ouro de Lopes, na maratona, e o bronze de Rosa Mota e Antnio
Leito, respectivamente na maratona e
nos 5000 metros.
Chega a altura de olhar para as carncias do parque desportivo. A medida mais
visvel a obrigatoriedade do arrelvamento
dos campos de futebol. Mas os grandes investimentos s iro ser feitos com a entrada de Portugal na Comunidade Europeia
(1986) e com os fundos europeus.

Portugal, destino
desportivo
No final de Dezembro de 1985, quando os
contabilistas se desdobravam na assistncia a seminrios para dominarem as regras da aplicao de um novo imposto, o
IVA, que passaria a vigorar no dia 1 de Janeiro seguinte, com a entrada de Portugal
na Comunidade Econmica Europeia
(CEE) , renem-se em Coimbra os presidentes dos 16 clubes da primeira diviso
do Campeonato Nacional de Futebol. Objectivo: criar uma associao dos clubes
profissionais portugueses.
A associao l se formou. E no essencial serviu de alavanca Liga, que hoje
responsvel pela organizao dos campeonatos profissionais. As grandes mudanas no futebol internacional estavam a
chegar.
As transmisses televisivas trazem dinheiro ao futebol na mesma proporo que
afastam espectadores das bancadas.
O acrdo Bosman, do Tribunal Europeu,
consagra a liberdade contratual dos profissionais do desporto e cria a influente clas-

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O desporto

se dos empresrios. As grandes equipas


so vistas como grandes companhias produtoras de espectculos. Acaba aquilo
que se designava por amor camisola.
As novas orientaes polticas e os
apoios comunitrios canalizam avultados
meios para as regies e autarquias. A criao de riqueza passa a ser mais desconcentrada. A hegemonia dos dois grandes
clubes de Lisboa sucessivamente enfraquecida. Surge um grande poder desportivo, o Futebol Clube do Porto, que conquista um ttulo europeu de futebol (1987) e
cinco ttulos de campeo nacional consecutivos, entre 1995 e 1999.
Com a liberdade contratual, os melhores futebolistas portugueses passam a jogar no estrangeiro. Portugal cada vez
mais um pas com uma boa escola de formao de jogadores e uma seleco nacional bem cotada. A equipa principal chega s meias-finais do Europeu de 2000 e
entre 1989 e 2000 so ganhos dois ttulos
mundiais de sub-20 e cinco ttulos europeus de juniores.
A melhoria das condies de vida e o
aumento dos tempos livres levam mais pessoas prtica desportiva. Surgem novos
desportos ligados aventura, ao mar e
natureza e em muitos casos apoiados por
sectores empresariais. As empresas de produtos e servios desportivos tambm emergem. A procura desportiva diversificada e
a estrutura tradicional do desporto federado
deixa de ser dominante. Um estudo oficial
divulgado no final da dcada de 90 mostra
que, da faixa etria dos 15 aos 74 anos, em
cada 100 portugueses 27 procuram a prtica desportiva e 23 so praticantes regulares. Mas destes 23 apenas quatro esto integrados no desporto federado.
O apoio directo do Estado ao desporto
federado eleva-se a sete milhes de contos
(35 milhes de euros) em 1989. A maior
parte desse montante destina-se actividade administrativa e competitiva das federaes, que so agora 68. Uma outra

parte desse apoio encaminhada para a


preparao dos atletas integrados na alta
competio.
A participao portuguesa nos Jogos
Olmpicos de Atlanta bem o espelho da
evoluo do desporto portugus, que deixou de estar assente no futebol e no meio-fundo do atletismo. Alm de uma medalha
de ouro no atletismo (Fernanda Ribeiro, nos
10 000 metros) e de uma medalha de bronze na vela, os Portugueses obtm dois
quartos lugares (futebol e voleibol de
praia), um sexto lugar (disco feminino) e
mais quatro stimos lugares (atletismo, fosso olmpico e duas disciplinas de vela).
A mesma diversidade surge a nvel associativo. H clubes que se dedicam apenas a
uma modalidade, e com grande sucesso,
como o ABC de Braga (j chegou final da
Taa dos Campees Europeus de andebol)
ou o Maratona de Portugal (vrias vezes
campeo europeu de corta-mato). Clubes
dos Aores e Madeira ascendem aos escales principais do futebol e conquistam ttulos nacionais em vrias modalidades.
Os grandes clubes fazem curas de
emagrecimento e optam por especializar-se em duas ou trs modalidades. Outros
constituram sociedades desportivas para
as reas profissionais. Enfim, deixaram de
ser clubes guarda-chuva.
A Carta das Instalaes Desportivas Artificiais de 1998, elaborada pelo Instituto
Nacional do Desporto, mostra o crescimento exponencial de equipamentos que tm
entrado ao servio das populaes. Em pavilhes e salas de desporto, os metros quadrados construdos por habitante ultrapassam o ndice de referncia europeu aconselhado. Curiosamente, nas regies do
litoral, em particular Lisboa e Setbal, onde
h mais praticantes desportivos, encontram-se os mais baixos ndices de construo desportiva por habitante. Em contrapartida, as regies do interior ou mais
deprimidas, como os distritos da Guarda,
Beja, Vila Real, vora e Castelo Branco,
173
Sociedade

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Retrato de Portugal

A euforia do Euro 2004: milhares de apoiantes sadam a seleco nacional por onde quer que
ela passe.

apresentam os maiores ndices de construo desportiva.


A Expo 98 acaba por ter tambm um
papel decisivo para o desporto portugus.
Dando como exemplo o xito da Exposio
Mundial de Lisboa, governo e dirigentes
desportivos entram na corrida organizao das grandes competies desportivas.
Alm de dezenas de bons campos de golfe, Portugal tem agora modernas instalaes em diversas reas.
neste contexto que Portugal ganha a

corrida organizao do Campeonato da


Europa de Futebol de 2004 em competio
com a Espanha e com a candidatura conjunta da ustria e da Hungria. No mesmo
contexto se pode ver a realizao em Portugal do Mundial de Crosse e do Master de
Tnis (2000), do Mundial de Pista Coberta
e do Mundial de Ciclismo (2001), da Gymnaestrada e do Mundial de Andebol (2003)
e do Europeu de Judo (2004).
Portugal, depois de ser um destino turstico, tambm um destino desportivo.

A euforia do Europeu
Poucos acontecimentos tero mobilizado
tanto a ateno dos Portugueses como o
i.
Campeonato Europeu de Futebol de 2004 4
Oito estdios novos e dois recuperados
serviram de palco a uma competio que
recebeu elogios organizativos de todos os
quadrantes e propiciou momentos de
exemplar convvio entre os adeptos dos 16
pases finalistas.
Lus Figo, antigo capito e nmero 7 da
seleco nacional.

174
Sociedade

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O desporto

Com o treinador Jos Mourinho, o F.C. Porto


venceu a Taa UEFA (2003) e a Liga dos
Campees (2004).

Portugal e a Grcia chegaram final,


acabando o triunfo (1-0) por pertencer ao
onze helnico. O estdio novo do Benfica
(duas vezes campeo europeu de clubes e
cinco vice-campeo) recebeu em clima de
festa o encontro, depois de, ao longo de todo o campeonato, as ruas das cidades
portuguesas terem ostentado muitos milhares de bandeiras nacionais, num ambiente
inabitual em Portugal.
O Campeonato Mundial de Futebol da
Alemanha (2006) provocou idntica euforia. A equipa portuguesa fez uma campanha exemplar, tendo chegado s meias-finais. A gerao de Lus Figo e Rui Costa

despedia-se das grandes competies


com um segundo lugar no Europeu e um
quarto no Mundial.

Cristiano Ronaldo disputa a posse da bola com Georgios Seitaridis durante a final
Portugal-Grcia do Euro 2004.

175
Sociedade

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Retrato de Portugal

Srgio Paulinho ( esquerda), vencedor da


medalha de prata da prova de estrada nos
Jogos Olmpicos de Atenas 2004.

No que respeita a clubes continuou a


afirmao internacional do Futebol Clube
do Porto: orientado por Jos Mourinho,

triunfou na Taa UEFA (2003) e na Liga


dos Campees (2004). O Sporting, no seu
novo estdio, foi finalista vencido na Taa
UEFA (2005).
A realizao de grandes acontecimentos continuou a diversificar-se. Em 2006 e
2007, Lisboa foi o ponto de partida do hisi . O Tall
trico rali que termina em Dakar 4
Ships Race, a regata dos grandes veleiros,
passou por Lisboa no Vero de 2006.
Nos Jogos Olmpicos, a participao em
Sydney foi modesta, com duas medalhas de
bronze, apesar de uma delas ter sido pela
primeira vez no judo (Nuno Delgado). J em
Atenas ocorreu uma das melhores presenas olmpicas de sempre. Francis Obikwelu,
nos 100 metros, e Srgio Paulinho, na prova
de estrada do ciclismo, ganharam medalhas de prata, e Rui Silva, nos 1500 metros,
a medalha de bronze. Desta participao
destaca-se tambm o alargamento das modalidades que obtiveram classificaes entre o quarto e o oitavo lugares: atletismo

Chegada de veleiros ao porto de Lisboa para participar na apresentao da Tall Ships Race 2006.

176
Sociedade

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O desporto

Vanessa Fernandes celebra a vitria no


Campeonato Europeu de Triatlo Feminino
(2006).

(duas vezes), canoagem, judo (duas vezes),


trampolins, vela (trs vezes) e triatlo. Os resultados traduzem a continuada afirmao
internacional do judo e da vela e o apareci-

mento da jovem atleta do triatlo, Vanessa


Fernandes, que apenas com 21 anos tricampe europeia e vice-campe mundial.
Em termos quantitativos, o desporto federado tambm cresce. Dados divulgados
pelo Instituto do Desporto de Portugal mostram que, no final de 2004, h quase
402 000 praticantes federados. Em relao
a 1986 regista-se um aumento de 50 por
cento. Nestes oito anos, o futebol (28,4 %),
o voleibol (15,7 %) e o andebol (10,2 %) foram as modalidades que mais progrediram.
Fora da rea federada, os desportos individuais e de contacto com a natureza
( surf ou caminhada) ganham cada vez
mais praticantes informais. Nos centros urbanos assiste-se ao aparecimento explosivo de ginsios e de clubes de bem-estar.
A Associao de Ginsios e Academias de
Portugal estima que, em 2006, haja mais
de mil desses espaos, com 500 000 associados, o que representa uma facturao
anual de 300 milhes de euros. Um bom
negcio.

177
Sociedade

O ambiente

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O ambiente

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Viriato Soromenho-Marques

Esboo geogrfico de Portugal

obre Portugal escreveu o filsofo


Hegel nas suas Lies sobre Filosofia da Histria Universal (Vorlesungen ber die Philosophie der Weltgeschichte): em Portugal que os rios de
Espanha encontram a sua sada para o
mar. Dever-se-ia crer que, tendo a Espanha rios, deveria ter tambm uma relao
com o mar; mas essa relao foi especialmente desenvolvida por Portugal (Hegel,
1968: 197).
Na verdade, se Portugal, para alm de
ser um dos mais antigos estados-nao
do mundo, desempenhou na histria da
humanidade um papel de significado universal, capaz de transcender a sua pequena dimenso territorial e demogrfica,
tal facto ficou a dever-se, entre outras causas, como argutamente sublinha Hegel,
relao especial com o mar, que atingiu o
seu auge no longo perodo dos Descobrimentos, iniciado no primeiro quartel do s-

culo XV, e que se prolongaria nos feitos de


Bartolomeu Dias, Vasco da Gama, lvares
Cabral, e muitos outros navegadores e
guerreiros.
A geografia de Portugal mesmo depois de o ciclo imperial se ter cumprido entre o reconhecimento da independncia da
Guin-Bissau, em 10 de Setembro de 1974,
e a devoluo da administrao de Macau

181
O ambiente

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Retrato de Portugal

Repblica Popular da China, em 20 de


Dezembro de 1999 continua a ser marcada por uma (des)continuidade onde o
Atlntico assume a nota dominante.
O tronco essencial do territrio portugus situa-se no extremo ocidental da Pennsula Ibrica, com uma latitude definida
pelos paralelos 37o N e 42o N e uma longitude que varia entre os 6o W e 9o 30 W.
Contudo, 1240 km para oeste da massa
continental estende-se o arquiplago dos
Aores, com as suas nove ilhas organizadas em trs grupos (Oriental, Central e Ocidental). Mais a sul, distando 900 km de
Portugal Continental, e a 600 km do litoral
marroquino, localiza-se o arquiplago da
Madeira, constitudo pelas ilhas habitadas
da Madeira e Porto Santo, e pelos ilhus
desabitados das Desertas e Selvagens. No
total, o territrio portugus estende-se por
91 905,955 km2, com uma populao que,
devido a um recente fluxo de imigrao, j
ultrapassa os 10 milhes de habitantes.
A sua disseminao pelo Atlntico (s no
territrio continental a linha costeira estenInverno no Nordeste Trasmontano.

182
O ambiente

de-se por 832 km) faz de Portugal o pas


da Unio Europeia (UE) com a mais extensa Zona Econmica Exclusiva (ZEE).
A viso mais compreensiva da geografia portuguesa, entendida na sua multiplicidade de aspectos, do revelo biogeografia, passando pela caracterizao cultural
das suas populaes, est hoje acessvel
nas obras de grandes mestres como Orlando Ribeiro, Hermann Lautensach (que iniciou a sua carreira cientfica, como professor de Geografia, em Hannover, antes da
Primeira Guerra Mundial), Suzanne Daveau
e Manuel Viegas Guerreiro, entre outros.
Orlando Ribeiro oferece-nos uma impressionante representao geogrfica
quando nos prope ver a terra e a cultura
portuguesas marcadas por uma dialctica
entre as caractersticas predominantemente atlnticas do Norte litoral e as componentes mediterrnicas, dominantes na parte mais extensa do territrio. A Cordilheira
Central, que o fenmeno marcante do relevo continental portugus, no seria, assim, um factor de abrupta separao entre
um Norte mais montanhoso e um Sul de relevos mais suaves, mas antes um elemento
de mediao para o factor mais actuante
na paisagem portuguesa: o trabalho humano que se perde na bruma de muitos milnios de ocupao humana.
A dialctica atlntico-mediterrnica seria a base para uma identificao das trs
divises regionais fundamentais do territrio continental portugus: o Norte Atlntico,
o Norte Transmontano e o Sul. Contudo,
numa anlise mais fina, Orlando Ribeiro
identifica um total de 23 sub-regies (ver
mapa da p. 184), o que nos d uma imagem da grande diversidade do territrio
portugus. Outras linhas de contraste podem ser identificadas em Portugal Continental: a) o contraste entre um Norte, com
grande disponibilidade hdrica e maior
densidade demogrfica, e um Sul mais seco e mais escasso do ponto de vista populacional; b) o contraste entre o Litoral e o

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O ambiente

A serra da Arrbida: paisagem mediterrnica portuguesa.

Interior, que explica, por um lado, o modo


como a ocupao humana se debrua numa linha litoral que vai de Braga a Setbal,
complementada por uma mais recente que
coincide com o litoral algarvio, e por outro,
certos aspectos da continuidade do revestimento arbreo desde Trs-os-Montes ao
Alentejo e Algarve, onde se observam, entre outras espcies, carvalhos, castanheiros, sobreiros, azinheiras, oliveiras, figueiras e amendoeiras; c) o contraste entre as
Terras Altas e as Terras Baixas, onde se
destacam os arcaicos contornos da vida
agropastoril, das plantaes de vinha e de
rvores de fruto (Ribeiro, 1991: 131 ss.).
De excepcional interesse e beleza so
os dois arquiplagos atlnticos portugueses. Ambos se situam na regio biogeogrfica da Macaronsia (arquiplagos dos
Aores, Madeira, Canrias, Cabo Verde e
algumas zonas do litoral norte-africano). Os
Aores, fruto de um vulcanismo mais recente, surpreendem pela diversidade das
paisagens. A Madeira destaca-se pela sua

floresta de laurissilva, que a UNESCO (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization, Organizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e
Cultura) classificou em Dezembro de 1999
como de interesse mundial. A laurissilva
madeirense, composta por espcies como
o til, vinhtico, loureiros e os raros cedros,
uma relquia viva de uma floresta outrora
dominante numa vasta zona que se estendia a grande parte da Europa meridional.
Com as alteraes climticas, nomeadamente, a sucesso de perodos glaciares,
esta flora resistiu apenas na regio macaronsia (Quintal, 1999: 16).
No que concerne ao povo, talvez se
possa afirmar que a mais marcante caracterstica da identidade cultural portuguesa
reside, por um lado, na antiguidade do povoamento do seu territrio continental matricial, e no profundo cruzamento de povos
e etnias, desde os Celtas e os Iberos, aos
Romanos, Germanos (em particular, os
Suevos), rabes, e todos os outros povos
183
O ambiente

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Retrato de Portugal

da modernidade, com o seu cortejo de revolues industriais, que marcaram a ascenso da vaga de destruio e alterao
dos ecossistemas planetrios que caracteriza a histria dos ltimos dois sculos.
Em relao poltica de conservao
da natureza, salienta-se o trabalho pioneiro
das personalidades, quase todas provenientes do meio acadmico e cientfico,

que a Reconquista e a era dos Descobrimentos e do imprio fizeram convergir com


o destino portugus.

Conscincia ambiental
e sociedade em Portugal
Portugal no foi pioneiro da conscincia
ambiental, porque tambm no foi pioneiro

As regies de Portugal

1 Entre Douro e Minho


2 Montanhas do Minho
3 Montanhas do Norte da Beira
e do Douro
4 Terras de mdia altitude
da Beira Litoral
5 Planaltos da Beira Alta
6 Beira Litoral
7 Cordilheira Central
8 Planaltos e montanhas
de Trs-os-Montes
9 Planaltos e montanhas
da Beira transmontana
10 Alto Douro e depresses anexas
11 Baixo Mondego
12 Estremadura setentrional,
geralmente baixa
13 Macios calcrios da Estremadura
e Arrbida
14 Depresses e colinas entre 7 e 13
15 Estremadura meridional
geralmente acidentada
16 Beira Baixa
17 Ribatejo
18 Alentejo de plancie com raras
elevaes isoladas
19 Alto Alentejo
20 Alentejo litoral com elevaes
21 Depresso do Sado
22 Serra algarvia
23 Algarve litoral
15
ou Baixo Algarve

segundo Orlando Ribeiro

2
8

1
10

3
4
9

3
6
11

12
13

16

14

17
19

15
13

21

18

20

22
23
Limite entre o Norte e o Sul
Limite entre as reas atlntica e transmontana
Outros limites importantes determinados pelo relevo ou pela natureza das rochas
Limite entre reas pertencentes ao mesmo conjunto de paisagens

Fonte: adaptado de Ribeiro, 1991, 173.

184
O ambiente

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O ambiente

Ilha da Madeira: paisagem laurissilva na ribeira da Janela.

que em 1948 fundaram a Liga para a Proteco da Natureza (LPN). Um pouco antes, destaque-se o excelente estudo de
Francisco Flores, que, num ensaio publicado em 1939 pela Revista Agronmica, faz o
balano, possvel na altura, das doutrinas e
polticas de conservao da natureza escala internacional (Flores, 1939).

Na literatura encontramos, entre outras,


duas obras pioneiras da conscincia ambiental: Os Pescadores de Raul Brando
(1923), uma verdadeira e premonitria denncia do que a destruio dos recursos
pisccolas por uma pesca industrial sem
escrpulos, e a grande obra de Aquilino Ribeiro Quando os Lobos Uivam (1958), que

Aores: lagoa do Fogo, em So Miguel. Um ecossistema belo e frgil.

185
O ambiente

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Retrato de Portugal

mostra a forma como as polticas florestais


intensivas, ligadas em especial expanso
da indstria das celuloses, so tambm
ameaas para as formas culturais ligadas
vida serrana e ao mundo rural (Queirs,
1997: 175-180).
Os principais obstculos ao desenvolvimento precoce tanto de uma conscincia como de uma poltica ambientais em
Portugal explicam-se pela longa persistncia de caractersticas pr-modernas na
sociedade portuguesa: desde o forte
acento rural, at baixa competitividade
do frgil tecido industrial, no esquecendo a incapacidade do Estado em matria
de educao pblica. A existncia de
quase meio sculo de ditadura (1926-1974) veio ainda agravar mais o dfice
de participao cvica, que um dos factores capitais para a formao das polticas ambientais.

A primeira fase da poltica


pblica de ambiente em
Portugal
Em 19 de Junho de 1971 foi criada a Comisso Nacional do Ambiente presidida
antes e aps o 25 de Abril de 1974, por Jos Correia da Cunha que pode ser considerada como a primeira instituio portuguesa responsvel pela orientao de uma
poltica pblica de ambiente.
Embarcaes pesqueiras em Sesimbra:
a pesca, um desafio ecolgico e social.

186
O ambiente

O governo de Marcelo Caetano, isolado na cena internacional devido sua poltica colonial, levou a srio o convite. Portugal far-se-ia representar por amplas e
qualificadas delegaes, tanto na Conferncia de Estocolmo, como nas diversas
reunies preparatrias entretanto realizadas. No mbito da preparao da referida
conferncia foi, igualmente, redigido o primeiro relatrio sobre o estado do ambiente, que seria publicado tambm no ano de
1971.
H um quarto de sculo, Portugal seguia a tendncia mundial para a criao de
estruturas que progressivamente tornariam
o ambiente num horizonte integrador de
polticas pblicas, anteriormente omissas
ou fragmentadas por outros organismos
executivos. No entanto, a semelhana da
realidade portuguesa com a de outros pases da Organizao para a Cooperao e
Desenvolvimento Econmico (OCDE) no
era isenta de limites claros e fundamentais.
Enquanto a criao de estruturas polticas
na rea do ambiente por parte de governos
como o dos EUA, da Sucia, da Alemanha,
etc., era o resultado de uma dcada de
movimentaes cvicas e democrticas intensas, realizadas ao longo dos anos 60, a
criao da Comisso Nacional do Ambiente, em Portugal, resultava dominantemente
no de uma presso endgena irreprimvel
da sociedade civil cuja capacidade de
expresso democrtica estava bloqueada
pela longa letargia de uma ditadura policial
repressiva , mas era o efeito, inversamente, de uma reaco a um impulso externo.
Outro momento capital da presena
do impulso externo, com tudo o que
tem de implicaes positivas e negativas,
ocorre no estudo da integrao portuguesa na ento Comunidade Europeia. Algumas das condies polticas fundamentais para se poder falar de uma poltica de
ambiente j existiam nos anos 70, logo
aps a revoluo de Abril, nomeadamen-

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O ambiente

te o pioneiro reconhecimento de direitos


do ambiente na sua Constituio, em
1976. Por outro lado, e trata-se de mais
um trao positivo, Portugal dispe desde
1983 de um importante e original instrumento de ordenamento do territrio: a Reserva Ecolgica Nacional. Contudo, s a
partir de 1986, na sequncia da adeso
Comunidade Europeia, que assistimos
a uma acelerao dos dispositivos tendentes a permitir uma mais gil poltica de
ambiente.

O estado do ambiente
em Portugal: breve viso
de conjunto
Apesar do declnio de alguns indicadores
econmicos nos ltimos anos, Portugal tem
conhecido taxas de crescimento muito elevadas, no apenas desde a entrada na Comunidade Europeia, mas no decurso de
um longo perodo iniciado uma dcada antes da revoluo de 1974: os indicadores
econmicos e sociais provam-no amplamente (Barreto, 1996). O impacte ambiental desse crescimento deve ser meditado
com prudncia.
Esse crescimento tem sido conseguido
custa de uma alta intensidade energtica, com um excessivo consumo de matrias-primas no processo de transformao
industrial, custa tambm da produo
de elevadas quantidades de resduos,
mesmo de resduos perigosos, para no
falarmos do crescimento exponencial de
resduos slidos urbanos, onde Portugal
apresenta uma das situaes mais crticas
no quadro da OCDE. Isso significa que o
aumento do produto interno bruto portugus est a ser conseguido, comparativamente com a mdia dos outros pases da
UE ou da OCDE, custa de um maior desperdcio de energia, tanto na produo
como, e sobretudo, nos transportes, e
atravs de uma mais acentuada presso
sobre os recursos e matrias-primas, com

todos os problemas que lhe esto associados em termos de resduos urbanos e


industriais.
Importa averiguar as grandes linhas de
fora que caracterizam o estado do ambiente em Portugal.
Alteraes climticas
Em termos comparativos o contributo de
Portugal para as alteraes climticas
sensivelmente inferior ao do dos seus congneres europeus. Por essa razo, Portugal conseguiu obter, no Acordo de Partilha
de Responsabilidades (2002), assinado entre os pases da UE no mbito do cumprimento conjunto do Protocolo de Quioto
(1997), autorizao para aumentar em
27 % a sua emisso dos seis gases de estufa objecto de acordo, entre 1990 e 2012.
Estudos recentes, contudo, revelam que as
tendncias apontam para um resvalar muito significativo nestas metas podendo atingir 53 % a mais em relao aos dados-base de emisso em 1990 (mais 26 % que
o nvel autorizado). O governo assumiu j
uma ultrapassagem de aproximadamente
10 % (5,8 milhes de toneladas/ano de dixido de carbono equivalente), que ser coberta atravs dos mecanismos previstos no
Protocolo de Quioto. Em 2004, de acordo
com o Instituto do Ambiente, o aumento nacional das emisses de gases com efeito
de estufa (GEE) j tinha ultrapassado os 41
por cento.
Apesar da existncia e actualizao de
instrumentos de poltica pblica que visam
o combate s alteraes climticas no
nosso pas, como sejam o Programa Nacional para as Alteraes Climticas
(PNAC) (com duas verses publicadas em
2004 e 2006) e o Plano Nacional de Alocao de Licenas de Emisso (PNALE), cuja segunda verso, para o perodo 2008-2012, foi produzida em 2006, a verdade
que as razes para o desvio ascendente
nas emisses de GEE continuam a manter-se. As causas situam-se, essencial187
O ambiente

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Retrato de Portugal

Petroqumica em Sines: dificuldades em cumprir as metas do Protocolo de Quioto.

mente, nos sectores da produo de energia elctrica (a queima de combustveis


fsseis nas centrais termoelctricas) e dos
transportes, em particular a combinao
das emisses crescentes dos automveis
particulares e do transporte rodovirio de
mercadorias. Para corrigir estas tendncias negativas tero de ser tomadas medidas rigorosas e radicais na alterao da
poltica de transportes, principalmente nas
reas metropolitanas de Lisboa e Porto,
apostando na melhoria dos meios colectivos e no incremento da circulao de mercadorias por caminho-de-ferro e por via
martima.
Energia
O sistema energtico nacional caracterizado por uma forte dependncia externa e
consequente crescimento da factura energtica. Em 2001, 84 % da energia consumida no nosso pas foi importada. Na UE,
apenas o Luxemburgo ultrapassa Portugal
na dependncia do petrleo: cerca de
70 % do total da energia primria, contra
40 % da mdia da Unio.
188
O ambiente

Entre 1990 e 2004 Portugal aumentou


os seus consumos primrios de energia em
50 por cento. Tal crescimento traduz-se,
igualmente, no aumento excessivo da intensidade energtica da nossa economia,
apesar de alguns factos positivos ocorridos
nos ltimos anos: entraram em funcionamento duas centrais termoelctricas de ciclo combinado a gs natural (Tapada do
Outeiro e Carregado); verifica-se desde ento um maior recurso co-gerao (com
gases quentes aumenta-se a produo de
electricidade) para a produo de energia.
Ainda que Portugal no seja rico em
combustveis fsseis, o mesmo no se pode dizer das energias renovveis, cuja utilizao no s recente como est ainda
longe do seu grande potencial, com excepo da hidroelctrica. As medidas at aqui
tomadas tm-se cingido, essencialmente,
ao sector da produo elctrica. Tal o caso do Programa E4, Eficincia Energtica,
Energias Endgenas, que visa atingir em
2010, o valor de 39 % de toda a electricidade produzida a partir de origem renovvel.
Mais recentemente, novas iniciativas foram

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O ambiente

tomadas, prevendo-se um forte incremento


na energia elica e solar fotovoltaica.
Transportes
As emisses de poluentes associadas aos
transportes tm vindo a aumentar. Como
j vimos, em conjunto com o sector da
produo energtica, so os responsveis
pelas emisses de GEE. Para alm do dixido de carbono, os transportes so ainda
responsveis por emisses de monxido
de carbono, xidos de azoto e partculas,
poluentes igualmente precursores do ozono de superfcie. Estudos recentes confirmam o forte impacto negativo da poluio
rodoviria sobre a sade pblica, em particular nos centros urbanos.
No que toca sinistralidade rodoviria,
tem-se registado uma tendncia positiva
que importa acentuar. Portugal passou de
2262 mortos em 1980 para 1316 em 2001.
Em 2006 esta tendncia aprofundou-se
ainda mais no sentido positivo.
No domnio do transporte ferrovirio, ao
longo da ltima dcada o total da extenso
das linhas ferrovirias em operao tem
vindo a diminuir (menos 302,8 km entre
1991 e 2001). Mas o investimento aumentou na modernizao: a extenso de linhas
electrificadas cresceu significativamente
(mais 443,7 km entre 1991 e 2001), sobretudo em reas de grande densidade populacional.
No que respeita actividade porturia e
transporte martimo importa referir que,
apesar da publicao do livro branco do
sector em 1997, tm continuado a existir
muitas hesitaes quanto ao verdadeiro
potencial deste modo, nomeadamente
quanto ao transporte martimo de curta distncia: os nossos portos perderam competitividade no que concerne ao comprimento
e profundidade dos cais e na estrutura do
parque de mquinas de manobra e transporte que os servem.
No domnio dos transportes areos, a
evoluo do nmero de passageiros trans-

portados registou um acrscimo claro entre


o ano de 1991 e o ano de 2001. A componente domstica teve contudo uma reduo, a que no ser estranho o desenvolvimento de auto-estradas. A opo pela
construo de um novo Aeroporto Internacional de Lisboa, na Ota, continua a causar
acesas discusses e est longe de reunir o
consenso nacional desejvel.
Conservao da natureza
Portugal apresenta, em comparao com
outros parceiros da UE, um patrimnio natural relativamente rico e diversificado, o
que confere ao pas uma particular responsabilidade na proteco de uma riqueza
que deve ser considerada patrimnio comum dos Europeus.
A conservao da natureza em Portugal
resulta da conjugao de uma variada legislao nacional e internacional, onde se
incluem as directivas sobre habitats e aves
(de cuja conjugao resulta a Rede Natura
2000), a Conveno de Ramsar, assim como diversos programas e iniciativas do
Conselho da Europa e da UNESCO. A Lei-Quadro das reas Protegidas (1993) consagra uma tipologia com quatro categorias
principais de reas, da qual sobressai a
Rede Nacional de reas Protegidas, que
integra um parque nacional, 13 parques
naturais, nove reservas naturais, seis paisagens protegidas e cinco monumentos
naturais. A estas reas juntam-se, ainda,
vrios stios classificados. Se contarmos todos os modelos de proteco, incluindo a
Rede Natura 2000, Portugal tem mais de
20 % do seu territrio abrangido por algum
estatuto de proteco.
Apesar da entrada em vigor, em 2001,
da Estratgia Nacional de Conservao da
Natureza e da Biodiversidade (ENCNB), a
poltica pblica neste domnio continua
a apresentar dificuldades cuja superao
tarda a ocorrer. Entre elas devem destacar-se: contraste significativo entre as competncias e os meios materiais e humanos
189
O ambiente

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Retrato de Portugal

Cegonhas-brancas em Alccer do Sal: a


diversidade biolgica que preciso
defender.

colocados disposio do Instituto de


Conservao da Natureza (ICN) para o desempenho da sua ampla misso (alargada,
h j alguns anos, gesto do litoral);
atraso crnico na entrada em vigor de instrumentos reguladores essenciais para a
conservao da natureza; insuficiente capacidade de implementao e fiscalizao
dos planos j existentes; dificuldades
endmicas na coordenao com as actividades agrcola, florestal, cinegtica, extractiva, turstica e energtica (incluindo as
energias renovveis). Na gesto das reas
protegidas ocorre, regra geral, um baixo nvel de adeso aos objectivos de conservao por parte das autarquias e populaes
residentes nas respectivas reas.
Solos, florestas e agricultura
O uso do solo em Portugal est condicionado por limitaes naturais significativas.
Sessenta por cento originado a partir de
xistos, grauvaques e granitos, so solos
delgados, de baixa fertilidade e facilmente
vtimas de eroso. Quinze por cento da
rea total dos solos proveniente de areias
e arenitos, dificilmente retendo gua e nutrientes. Cerca de 10 % derivam de calcrios, sendo delgados e pedregosos.
190
O ambiente

Tradicionalmente, a rea de explorao


agrcola tem sido muito superior aos 10 %
de solo considerados com aptido agrcola. Com a entrada na Comunidade Europeia temos assistido a uma diminuio da
rea cultivada e a um aumento da rea florestada.
As espcies arbreas dominantes em
Portugal Continental so o pinheiro-bravo,
o sobreiro, o eucalipto (cujo crescimento
exponencial tem revelado impactes ambientais muito negativos), a azinheira e o
pinheiro-manso. Apesar de Portugal participar nas iniciativas internacionais que visam
promover a floresta de uso mltiplo, e o
respeito pela floresta como habitat e ecossistema, a verdade que as grandes extenses de monocultura de pinheiro-bravo
e eucalipto esto na origem de grandes incndios estivais, que, nos ltimos anos,
tm diminudo, em virtude de uma estratgia mais organizada de combate.
Grandes mudanas sociais e demogrficas levaram a grandes alteraes neste
domnio. A superfcie agrcola e florestal
corresponde a cerca de 71 % do territrio
continental, nas regies de Entre Douro e
Minho, na Beira Litoral e no Algarve. Entre
1989 e 1999 registou-se um decrscimo de
31 % no nmero de exploraes agrcolas
e de 3,6 % no total da superfcie agrcola
utilizada (SAU).
Um dos maiores riscos para os solos
agrcolas reside no facto de uma grande
parte das reas de maior produtividade,
como o caso do Ribatejo Oeste e da Orla
Costeira Algarvia, se encontrarem em zonas de forte presso para a mudana de
uso de solo, nomeadamente a expanso
urbana e industrial, empreendimentos tursticos, procura de segunda habitao, entre
outros fins.
Um tero do territrio nacional est exposto a um grave processo de desertificao, que acaba por interagir negativamente
com a forte tendncia para o despovoamento do interior e do mundo rural em geral.

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O ambiente

A rea florestal abrange cerca de 38 %


do territrio continental, correspondendo
a 12 400 empresas, responsveis por 3 %
do emprego e 11 % das exportaes.
A fragilidade do sector florestal, em particular face aos incndios estivais, est fortemente relacionada com o elevado grau
de desordenamento do sector, que se traduz em vastas reas de plantio monoespecfico (sobretudo de pinheiro-bravo e
eucalipto), com escassa ou nula manuteno. Uma das razes fundamentais
deste desordenamento reside na pulverizao da propriedade. Apesar da produo de numerosos diplomas, a capacidade de dar uma resposta degradao do
sector florestal continua marcada pelo insucesso, como as calamitosas reas ridas em 2003 e 2005, infelizmente, o demonstram.
Recursos hdricos
As deficincias estruturais na poltica da
gua foram o objectivo estratgico principal dos investimentos efectuados no mbito dos Quadros Comunitrios de Apoio II
e III (1994-2006). Apesar dos progressos

realizados (ver caixa na p. 192), a verdade


que Portugal continua a enfrentar uma
srie de desafios significativos neste domnio:
a enorme dependncia portuguesa
face a Espanha (o pas da UE com maior
capacidade de armazenamento hdrico)
quanto aos caudais dos rios internacionais.
Foi assinada em 1998 uma nova conveno para a gesto das bacias luso-espanholas, cujo alcance tem sido encarado
com algum cepticismo por muitos especialistas (ver mapa na p. 193);
o atraso crnico na elaborao de
instrumentos estratgicos de planeamento,
como ocorreu com o Plano Nacional da
gua (2001) e os Planos de Bacia Hidrogrfica;
a insuficiente monitorizao da qualidade das guas subterrneas, apesar de
muitos municpios continuarem a depender
de aquferos para assegurar o abastecimento para consumo humano;
a dificuldade em garantir um abastecimento de gua populao em perfeitas
condies de qualidade. Calcula-se que
existam 200 000 pessoas servidas por

Paisagem agrcola no Alentejo: o futuro do ambiente passa por um melhor ordenamento do


territrio.

191
O ambiente

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Retrato de Portugal

Viso geral sobre a situao da poltica hdrica


portuguesa em 1995-2004
5 Um valor muito aprecivel na disponibilidade hdrica (6200 m3/per capita/ano);
5 um contraste profundo entre as reas
do Norte e Sul do pas (nas regies meridionais ocorrem secas cclicas e registam-se perodos de intensa escassez hdrica);
5 Portugal um pas de jusante, que partilha com a Espanha as bacias hidrogrficas de cinco importantes rios internacionais: Minho, Lima, Douro, Tejo e
Guadiana. Aproximadamente 56 % dos
recursos hdricos anualmente disponveis em Portugal so gerados a montante, em Espanha (ver mapa na pg. 193);
5 em 1995, apenas 79,6 % da populao
portuguesa se encontrava ligada a sistemas de abastecimento de gua para
consumo humano. Em 1984 esse valor
era bastante menor: 52 %. A mdia na
UE de 91,5 por cento. Em 1998 este va-

lor subia para prximo de 90 por cento;


5 apenas 55 % da populao era servida
em 1995 por sistema de drenagem de
guas residuais. Em 1998 este valor subiu para cerca de 65 por cento;
5 apenas 21 % da populao se encontrava servida em 1995 por um adequado sistema de tratamento de guas residuais. Em 1998 este valor subiu para
cerca de 40 por cento;
5 em 2003, no mbito do Plano Estratgico
de Abastecimento de gua e de Saneamento de guas Residuais (2000-2006),
atingiram-se os seguintes valores: 92 %
da populao servida com gua potvel
no domiclio; 74 % da populao servida por sistemas de drenagem de guas
residuais; 60 % da populao servida
por sistemas de drenagem de guas
residuais ligadas a sistemas de tratamento.

Fontes: MARN, Instituto da gua, Recursos Hdricos de Portugal Continental e Sua Utilizao, vol. 1, Lisboa,
1995; Direco-Geral do Ambiente, Relatrio sobre o Estado do Ambiente, 1998; Instituto do Ambiente, Relatrio
do Estado do Ambiente, 2004.

gua de qualidade deficiente, sobretudo


em concelhos do interior;
uma viso restritiva do planeamento
hdrico, tendendo a concentrar-se nos usos
agrcola, industrial e para consumo humano, subestimando-se a importncia da dimenso ecolgica. Essa tem sido a razo
principal de uma polmica persistente em
torno dos limites do regadio, no mbito da
futura e gigantesca barragem do Alqueva
(rio Guadiana);
fortes desperdcios de gua, tanto
nos usos agrcolas, como nas perdas nos
sistemas de distribuio de gua para consumo humano. Por negligncia continuamos a perder cerca de 40 % da gua para
consumo humano na rede de distribuio,
assim como na actividade agrcola;
lentido na transposio do exigente
enquadramento jurdico europeu da gua,
bem como dificuldades na adopo da viso integrada que este promove. Continua
por preencher a necessidade de uma extensa e coerente adopo dos princpios do
poluidor-pagador e do utilizador-pagador.
192
O ambiente

Litoral e oceanos
Com a maior ZEE da Europa, pela conjugao entre a sua vasta linha de costa continental e a extensa rea ocenica correspondente aos arquiplagos dos Aores e
Madeira, Portugal tem todas as condies
fsicas e naturais para ser o pas europeu
onde uma viso integrada da gesto do litoral e dos oceanos mais se justificaria inteiramente.
Passemos em revista algumas das principais caractersticas do estado do ambiente neste domnio:
Portugal tem no seu litoral zonas particularmente sensveis, protegidas por convenes internacionais, como a de Ramsar
para a salvaguarda das zonas hmidas.
Destacam-se, de norte para sul, a ria de
Aveiro, os esturios do Tejo e do Sado e a
ria Formosa;
o litoral portugus particularmente
vulnervel poluio por hidrocarbonetos,
devido travessia diria de centenas de
petroleiros. Um dos doze maiores derrames da histria ocorreu na costa portu-

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O ambiente

guesa, em Janeiro de 1975, com o petroleiro Jacob Maesk , responsvel pela


descarga de 84 000 toneladas de crude.
Tambm em 2002, o pas esteve muito
perto de sofrer graves danos na sequncia do naufrgio do Prestige na costa da
Galiza;
o nosso litoral regista elevados nveis
de eroso (como o caso do troo abrangendo Espinho, Cortegaa e Furadouro):
registam-se presses dos sectores do turismo e da construo; tem ocorrido uma
forte diminuio da deposio de sedimentos em virtude da alterao do caudal de
rios fortemente intervencionados por obras
hidrulicas (< 85 % da rea drenada) e,
eventualmente, no mbito de mudanas
globais profundas, associadas s alteraes climticas;
do ponto de vista econmico, Portugal particularmente sensvel evoluo
dos stocks das espcies pisccolas com

Fontes: adaptado de VEIGA

DA

maior interesse comercial. Por outro lado,


as situaes de deficiente qualidade das
guas balneares tm um reflexo negativo
na importante actividade turstica. Outro
aspecto, que tem sido relevante para a diminuio dos impactes ambientais nas zonas costeiras, o processo de profunda
reestruturao da poltica porturia nacional, onde a proteco ambiental e uma
maior racionalizao dos recursos tm sido
duas prioridades estratgicas;
as presses tursticas so tambm
responsveis por alguns conflitos significativos no que concerne ao ordenamento
do litoral. Os planos de ordenamento da orla costeira (POOC) tm enfrentado resistncias fortes por parte de governos municipais e de alguns grupos econmicos;
Portugal tem lutado para manter a
proteco dos oceanos como um tpico
em aberto na agenda ambiental internacional. Nesse sentido, podemos registar como

CUNHA et al., 1980, e de CORREIA; SILVA, 1996.

193
O ambiente

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Retrato de Portugal

A costa algarvia: exemplo da presso turstica sobre o litoral.

positivo o facto de ter sido atribuda a Portugal, no mbito da UE, a Agncia Europeia para a Segurana Martima, que, infelizmente, continua sem ter instalaes
adequadas ao seu pleno funcionamento.
O ar
Apesar da exposio das reas mais densamente povoadas de Portugal aos ventos
ocenicos, o pas apresenta algumas reas
crticas em matria de poluio atmosfrica. O aumento da urbanizao e o grande
incremento do transporte rodovirio esto
entre as causas principais para a degradao da qualidade do ar na Europa e em
Portugal.
As reas mais sensveis, s quais correspondem as estaes de uma rede de
medio da qualidade de ar, que se deve
considerar insuficiente, so as reas urbanas, em particular Lisboa e Porto, e algumas zonas industriais, como o caso de
Barreiro-Seixal, Estarreja e Sines. A rede
de medio da qualidade do ar est a cargo
das comisses de coordenao e desenvolvimento regional (CCDR), e o resultado
do tratamento da informao traduz-se na
produo do ndice da qualidade do ar
194
O ambiente

(IQar). Os poluentes abrangidos nesse ndice so os seguintes: o dixido de azoto,


o dixido de enxofre, o ozono, o monxido
de carbono e partculas inalveis. Apesar
das insuficincias de cobertura, tem-se registado uma melhoria no funcionamento
dos mecanismos de informao populao em caso de ultrapassagem dos valores-limite, efectuando-se j diariamente
uma previso da qualidade do ar para o
dia seguinte. No que respeita qualidade
do ar, Portugal tem um contencioso com a
Comisso Europeia dados os elevados nveis de partculas inalveis nalgumas estaes de monitorizao: tem de diminuir
imenso as emisses de partculas inalveis, em particular com origem no trfego
(em Lisboa e Porto).
Entre 1990 e 2003 houve uma reduo
significativa da emisso de substncias
acidificantes (da ordem dos 15 %), nomeadamente pelo significativo decrscimo nas
emisses de dixido de enxofre, que tem
sido objecto de redues nos combustveis
usados nas centrais trmicas e na gasolina
e gasleo. Registou-se, igualmente, um ligeiro aumento nos ltimos anos na emisso
das substncias precursoras do ozono tro-

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O ambiente

posfrico, a saber, xidos de azoto, compostos orgnicos volteis no metlicos, o


monxido de carbono e o metano, o que
compromete o cumprimento por Portugal
tanto das metas do Protocolo de Gotemburgo para 2010 como dos objectivos da
directiva da UE sobre tectos de emisso
nacionais para o mesmo ano.
No que ao ozono estratosfrico diz respeito, as avaliaes efectuadas pelo Instituto de Meteorologia (IM) indicam que
Portugal tem sofrido perdas de 3 % por
dcada, ao longo dos ltimos trinta anos,
valores semelhantes aos obtidos em outras
regies do hemisfrio norte, situadas
mesma latitude. Por outro lado, o estudo do
processo de implementao do Protocolo
de Montreal (1987) mostra que o combate
s substncias responsveis pela depleo da camada de ozono se tem limitado
adopo das directivas europeias nesse
domnio.
Resduos
Os maiores sucessos tm ocorrido na rea
dos resduos slidos urbanos (RSU). A partir de 1996 foi lanado um Plano Estratgico de Resduos Slidos Urbanos (PERSU).
Em Janeiro de 2002, a ltima de 328 lixeiras municipais, no continente portugus,
deixou de receber resduos. Repare-se que
em 1997 apenas 48 % dos RSU tinham um
destino final considerado aceitvel. Encontra-se, actualmente, em preparao a segunda verso desta estratgia (PERSU II).
Os aspectos negativos no que concerne aos RSU situam-se no enorme incremento da sua capitao ao longo da ltima
dcada, em paralelo com o aumento da
capacidade aquisitiva da populao portuguesa. As medidas tomadas no sentido de
uma estratgia preventiva fundada na trilogia da reduo-reutilizao-reciclagem
tm-se revelado insuficientes. As metas de
reutilizao esto longe do estabelecido
pelo governo e a criao da Sociedade
Ponto Verde (voltada para a reciclagem de

resduos de embalagem) ter ainda de se


esforar muito de modo a poder contribuir
para uma efectiva mudana de curso num
sentido mais favorvel, permitindo ao pas
o atingir das metas de reciclagem fixadas
no quadro europeu.
Alguns progressos tm, igualmente,
ocorrido nos resduos hospitalares, com o
encerramento de obsoletos sistemas de incinerao localizados em numerosas unidades hospitalares. Contudo, a situao j
no to favorvel no que respeita aos resduos industriais perigosos. Por duas vezes, em finais da dcada de 80 e em 1994-1995, foi tentada a construo de um
sistema de incinerao dedicada para este
tipo de resduos. Entre 1998 e 2002 foi tentada uma soluo na base da co-incinerao em duas unidades cimenteiras. As
solues alternativas para os diferentes
segmentos de resduos, como os solventes
ou os leos usados, tm suscitado debate
e iniciativas. O XV Governo Constitucional,
por seu turno, pretendeu implementar uma
opo distinta baseada em Centros Integrados de Recuperao, Valorizao e Eliminao de Resduos Perigosos. Em 2006,
o governo voltou opo da co-incinerao, sem que os protestos de autarcas e
associaes cvicas tivessem conhecido
abrandamento.
Preveno e mitigao de riscos
naturais e ambientais
Entre os principais riscos naturais e ambientais identificveis no nosso pas devem
destacar-se:
o risco ssmico. Em Portugal uma
ameaa latente, imprevisvel no tempo,
com repercusses potencialmente catastrficas na parte sudoeste do territrio, particularmente em Lisboa e Vale do Tejo e no
Algarve. Na faixa litoral algarvia e no litoral
ocidental a sul de Peniche acrescenta-se o
perigo de maremoto;
os incndios florestais, que constituem o maior risco das florestas portugue195
O ambiente

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Retrato de Portugal

Os incndios florestais: gravssimos prejuzos ambientais, econmicos e sociais.

sas. Deles tm resultado um nmero elevado de acidentes pessoais (mais de 50


mortos nas ltimas dcadas) e prejuzos
econmicos de centenas de milhes de euros. Em trs anos (2003 a 2005) arderam
aproximadamente 8 % de todo o territrio
nacional (no s florestas, mas sim toda a
rea, incluindo Aores e Madeira): cerca
de 880 000 hectares!;
as cheias e inundaes, que no territrio de Portugal Continental se verificam sobretudo nas reas urbanizadas das plancies aluviais dos principais rios do pas (ex:
Tejo, Douro, Mondego, Sado e Guadiana),
mas tambm em pequenas bacias hidrogrficas sujeitas a cheias rpidas ou repentinas;
os fenmenos de eroso no litoral,
que no ltimo sculo tm uma etiologia
complexa: i) a diminuio do afluxo de sedimentos, sobretudo a partir dos anos
1950, na sequncia da construo de barragens; ii) a ocupao desregrada da faixa
litoral, com construo de habitaes e infra-estruturas; iii) a subida eusttica do nvel do mar em consequncia da expanso
trmica ocenica;
a eroso hdrica do solo, que se caracteriza pela remoo do material superficial do solo, conduzindo degradao dos
seus potenciais agrcola e ecolgico;
196
O ambiente

a desertificao : trata-se de um processo complexo que abrange cerca de um


tero da rea continental do pas. As situaes de risco mais grave situam-se no
Alentejo, particularmente na bacia do Guadiana, no litoral algarvio, vale do Douro, em
Trs-os-Montes e zona da raia na Beira
Baixa;
as alteraes climticas : para alm
dos impactes econmicos negativos, consCheias na bacia do Tejo.

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O ambiente

A desertificao dos solos: uma das consequncias das alteraes climticas.

tituem um factor transversal e catalisador


no incremento de mltiplos riscos. No longo prazo, e de acordo com os resultados
do Projecto SIAM Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation
Measures (publicados em dois relatrios,
em 2002 e 2006), as consequncias projectadas para o nosso pas, incluindo as
regies autnomas da Madeira e Aores,
como resultado do incremento das altera-

es climticas, seriam muito graves, contando-se entre elas: a) mais desertificao; b) mais incndios; c) mais fenmenos
extremos (tal foi o caso da onda de calor
de Julho-Agosto de 2003, que ter causado, s em Portugal, um excesso de cerca
de 2000 mortes; d) propagao de vectores de doenas hoje consideradas extintas ou controladas (como o caso da malria).

Concluses
e perspectivas
Em sntese, apesar dos passos institucionais positivos j levados a cabo nas polticas pblicas de ambiente, Portugal continua a manifestar grandes dificuldades em
enfrentar as maiores ameaas ambientais,
em particular as que se prendem com cinco domnios fundamentais: a) contribuio
para as alteraes climticas; b) eroso
costeira e desertificao; c) perda de biodiversidade; d) expanso descontrolada
da rea construda; e) excessivo desperdcio de gua nos usos urbano e agrcola.
Para se poder inverter esta situao,
poderemos reduzir a cinco as grandes
prioridades de longo prazo da poltica ambiental portuguesa:
197
O ambiente

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Retrato de Portugal

Almada: um pormenor da desarmonia urbana.

mais e melhor informao : Portugal


tem de se apetrechar com os meios cientficos e tcnicos para ser capaz de ter uma
imagem permanentemente actualizada do
estado do ambiente, nas suas diversas
frentes. Sem uma base de dados ambiental permanentemente actualizada no ser
possvel abandonar o campo inseguro das
decises polticas tomadas sem uma fundamentao objectiva suficiente;
mais e melhor planificao : Portugal
precisa de planos para serem efectivamente executados. Planos nas reas do desenvolvimento sustentvel, de modo a introduzir a fiscalidade verde como meio de
concretizar os princpios consagrados do
poluidor-pagador e do utilizador-pagador;
na rea dos resduos de todos os tipos; nas
esferas da educao ambiental e da conservao da natureza; nos domnios da segurana no trabalho, sade pblica (atravs de programas de aco nas reas do
ambiente e sade), agricultura; padres de
consumo; no mbito da conservao, eficincia e substituio energticas; no do198
O ambiente

mnio do urbanismo, transportes e infra-estruturas; no horizonte fundamental da


poltica hdrica, envolvendo as guas interiores, mas tambm a orla costeira e os
oceanos. Para dar coerncia e cimentar todos esses planos Portugal necessita de
uma verdadeira e operacional Estratgia
Nacional de Desenvolvimento Sustentvel;
mais e melhor coordenao : a poltica de ambiente no da exclusiva competncia do Ministrio do Ambiente. Ela
deve ser pensada e executada como poltica do conjunto do governo e baseada em
largos consensos polticos e sociais. Todos os segmentos da administrao pblica, nomeadamente as autarquias, devem
estabelecer objectivos ambientais e formas de coordenao para o seu cumprimento. Sem essa coordenao, a produo de planos, programas e estratgias
no se traduzir na modelagem positiva e
transformadora da realidade, mas antes
numa ruidosa ineficcia burocrtica;
melhor participao : a poltica de
ambiente visa atingir a sustentabilidade,

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O ambiente

isto , contrariar a presente rota de coliso


entre a nossa civilizao tecnocientfica e
os ecossistemas naturais de que dependemos. A sociedade civil tem de ter, quer
atravs de cada cidado, quer por via dos
diversos tipos de associativismo, uma palavra a dizer tanto na formulao como na
implementao das polticas sectoriais e
globais do ambiente. A participao das
organizaes no governamentais de ambiente (ONGA) deve ser ampliada e a sua
voz escutada, em particular a daquelas
cujo contributo para a agenda ambiental
portuguesa tem sido mais relevante, como
o caso da Quercus-Associao Nacional
de Conservao da natureza, da Liga para
a Proteco da natureza (LPN) e do Grupo

de Estudos do Ordenamento do Territrio


e Ambiente (GEOTA);
maior responsabilizao : preciso
que os responsveis e agentes polticos e
econmicos sejam responsabilizados pelos seus actos. As polticas tm de ser monitorizadas e avaliadas. Isso implica, entre
outras coisas, uma maior celeridade nos
mecanismos da justia, sem o que o Estado de direito no passar de pura retrica.
Um mais rigoroso acompanhamento da
execuo das polticas permitir verificar
qual o grau de fiabilidade da informao
usada, qual o xito dos planos e da sua implementao, e quais os resultados permitidos por modalidades crescentemente
complexas de coordenao e participao.

199
O ambiente

A economia

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A economia

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Joo Ferreira do Amaral

descrio da evoluo da economia portuguesa nos ltimos trinta


anos pode ser facilitada pela partio deste perodo em quatro subperodos.
Consideraremos, em primeiro lugar, o perodo dos quase doze anos que vo da revoluo de 25 de Abril de 1974 adeso ento Comunidade Econmica Europeia (CEE)
(1986), em que o pas, ao mesmo tempo que
institua o poder democrtico, teve de enfrentar dois choques petrolferos e as consequncias imediatas da descolonizao.
No segundo perodo 1986-1990 a
economia portuguesa beneficiou de um
conjunto extremamente favorvel de condies, que resultaram da melhoria do funcionamento da economia mundial e dos impactes positivos imediatos da adeso
CEE.
O terceiro perodo, que vai de 1991 a
1998, foi o da poltica de convergncia
destinada a permitir a adeso do pas zona do euro, o que efectivamente veio a suceder.
Finalmente, o ltimo perodo, de 1999
actualidade, o da insero da economia
europeia na moeda nica.

A evoluo econmica
do 25 de Abril adeso
CEE
Quando se d a revoluo de Abril de 1974
a economia portuguesa encontra-se em
profundo desequilbrio (Amaral, 1999).
O crescimento econmico das duas dcadas anteriores tinha sido, certo, muito rpido, tendo o produto interno bruto (PIB)

aumentado a uma taxa mdia anual de 6 %


anuais, o que permitiu que o rendimento
per capita tivesse triplicado nesses vinte
anos. No entanto, este forte crescimento foi
acompanhado por desequilbrios crescentes em diversos domnios. A agricultura
quase estagnou e viu o seu peso no PIB diminuir de 26 % em 1953 para 11 % vinte
anos depois, sendo o crescimento induzido
fundamentalmente pela indstria transformadora e pela construo, a que se juntou
o turismo j na dcada de 60. Foi um perodo de intensa industrializao, acompanhada pelo correspondente urbanismo,
bem expresso no crescimento do peso na
economia do investimento em habitao.
Foram-se assim desenvolvendo as
reas metropolitanas de Lisboa e Porto,
constituindo este desenvolvimento um dos
factores do rpido crescimento do sector
da construo civil, sendo, ao mesmo tempo, causa de significativa concentrao de
meios financeiros na actividade especulativa sobre preos de terrenos.
A industrializao trouxe consigo um
forte acrscimo da produtividade e de
bem-estar.
No entanto, s foi possvel financiar esta
industrializao de forma relativamente
suave devido emigrao, no s por esta
resolver eventuais problemas de desemprego, como tambm pelas remessas que
os emigrantes continuavam a enviar para
Portugal a partir dos pases onde trabalhavam. A emigrao tinha aumentado principalmente a partir da dcada de 60, tendo
desde essa altura e at 1973 sado para a
Europa, em particular Frana, cerca de um
203
A economia

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Retrato de Portugal

quarto da populao activa portuguesa.


A necessidade de importar matrias-primas
e equipamentos decorrente da industrializao e a relativa estagnao da agricultura agravaram significativamente o dfice
comercial com o exterior. No entanto, este
dfice, na dcada de 60, era mais que
compensado pelas remessas dos emigrantes, cujo saldo chegou a atingir 8 % do PIB
em 1973. Nestas condies, encontrava-se
escondida uma situao de grande vulnerabilidade, pois a economia estava cada
vez mais dependente da importao de
produtos essenciais sem que as receitas
das exportaes permitissem uma cobertura adequada.
Um outro desequilbrio estrutural era o
relativo ao capital humano. A Guerra Colonial, desencadeada a partir de 1961, ia exigindo um esforo financeiro crescente do
Estado, deixando para plano secundrio o
investimento pblico em infra-estruturas e
em educao. Mas mesmo antes da guerra
a educao estivera longe de constituir uma
prioridade do regime ditatorial. Isso levou a
que no incio dos anos 70 a populao portuguesa apresentasse um baixssimo nvel
de escolaridade por comparao com os
restantes pases europeus.
Este perodo assistiu tambm a uma
abertura significativa da economia portuguesa em relao ao exterior, atravs da
participao na Associao Europeia de
Comrcio Livre (EFTA) desde o incio, em
1960, o que proporcionou um crescimento
muito rpido das exportaes de mercadorias.
Mas o crescimento mais rpido veio no
das exportaes de mercadorias mas sim
dos servios, em particular do turismo. As
exportaes de servios passaram de
3,2 % do PIB em 1953 para 5,4 % em 1973.
No entanto, e como se referiu acima, apesar de rpido, o crescimento das exportaes de mercadorias e de servios no foi
suficiente para compensar o maior aumento das importaes.
204
A economia

Com uma agricultura estagnada e uma


mo-de-obra rural que emigrava para o exterior ou para as reas metropolitanas, o
crescimento tornou-se tambm muito desequilibrado em termos espaciais, tendo largas zonas do interior sofrido um forte despovoamento, enquanto as actividades
industriais se concentravam no litoral. Era,
pois, um crescimento rpido mas que estava minado por desequilbrios profundos
que tornavam a economia muito vulnervel
a qualquer crise conjuntural que entretanto
surgisse. E isso sucedeu, de facto, em
1973, com a primeira crise do petrleo.
O aumento do preo internacional do
petrleo registado naquele ano levou ao
acelerar de tenses inflacionistas j existentes, tendo o crescimento dos preos
atingido mais de 25 % nos finais de 1973,
incios de 1974. Ao mesmo tempo, a balana comercial desequilibrava-se ainda mais
em virtude da quadruplicao da factura
petrolfera, tudo isto num clima de especulao financeira proporcionado pelos movimentos de fuso no sector bancrio, que
acima referimos.
D-se ento neste contexto a revoluo
de 25 de Abril de 1974.
Aos governos sados da revoluo deparava-se, assim, uma economia em crise,
a que se juntaram novos problemas que
surgiram na sequncia da mudana de regime. Destes, o mais grave foi porventura o
do retorno, durante 1974 e 1975, de mais
de 500 000 retornados das ex-colnias
(mais de 5 % da populao portuguesa;
ver Pires et al., 1984) fugindo das dificuldades decorrentes da descolonizao.
A partir de certa fase da revoluo, as
autoridades consideraram que para consolidar o novo regime era necessrio destruir a base econmica de apoio ao anterior, que se considerava residir no poder
dos grandes grupos econmico-financeiros e dos grandes proprietrios rurais. Da
que, no seguimento do golpe militar abortado de 11 de Maro de 1975, as autorida-

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A economia

A reduo da emigrao em meados dos anos 70 mostrou at que ponto esse factor social era
fundamental para a economia portuguesa.

des tivessem decidido nacionalizar todas


as instituies bancrias portuguesas e a
maior parte da indstria de base e dos
grandes servios pblicos. O sector nacionalizado, ou sector empresarial do Estado, como veio a ser chamado, passou a
representar 8 % do PIB e 18 % do investimento do pas.
Por outro lado, tentou-se resolver o
problema do sector agrcola atravs de
uma reforma agrria, que se entendeu
principalmente como a expropriao de
latifndios na zona sul do pas. Assim, cerca de um milho de hectares passaram
para propriedade do Estado (embora temporariamente, como se verificaria mais tarde), tendo a explorao dessas terras
passado a ser realizada por unidades colectivas de produo.
Entretanto, a inflao que vinha da crise
do petrleo provocou um surto de reivindicaes salariais que, conjuntamente com a
fixao de um salrio mnimo logo em
1974, levou, no perodo de 1974-1976, a
um aumento de 51 % nas remuneraes
pagas, fazendo crescer muito o peso das
remuneraes no rendimento nacional,
mas pondo em risco a competitividade das
indstrias de exportao.

Quando, em 1976, se instituiu o regime


constitucional com a entrada em funes
do I Governo Constitucional, presidido por
Mrio Soares, a situao econmica portuguesa apresentava-se muito difcil. As naturais perturbaes da revoluo e a crise
internacional decorrente do choque petrolfero tinham feito baixar o PIB em 1975 quase
5 por cento. A inflao continuava elevada,
embora tivesse sofrido uma desacelerao
em 1975 em relao a 1974. O problema do
desemprego apresentava-se muito complexo, com os retornos das ex-colnias e com
a reduo drstica da emigrao imposta
pelas autoridades dos pases de destino
normal da emigrao portuguesa para a
Europa, pases que estavam, eles prprios,
a braos com aumentos significativos do
desemprego. A reduo do fluxo de emigrao, s por si, punha em causa o precrio equilbrio do modelo de crescimento
prosseguido antes do 25 de Abril, em que,
como se viu, a emigrao tinha um papel
amortecedor fundamental.
Dadas estas dificuldades, no de admirar que entre 1974 e 1976 o nvel de vida
tenha descido, uma vez que a populao
cresceu cerca de 7,7 % nesse perodo e o
consumo privado apenas 4,4 por cento.
205
A economia

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Retrato de Portugal

Vista em perspectiva, no entanto, a queda foi inferior ao que as dificuldades poderiam fazer prever. Isso s foi possvel devido a um aumento grande do dfice com o
exterior, tendo a taxa de cobertura das importaes pelas exportaes, agravada
pela perda das exportaes para as antigas colnias, descido de 60 % em 1973
para 41 % em 1976. Foi no entanto possvel, durante algum tempo, sustentar este
desequilbrio com o exterior utilizando as
reservas de ouro e divisas acumuladas
desde a dcada de 60 e recorrendo ao endividamento no exterior.
No entanto, rapidamente se estava chegando aos limites das possibilidades de financiar os dfices crescentes da balana
de transaces correntes (8,2 % do PIB em
1976 e 9,2 % em 1977). Alguma coisa teria
de ser feita para reduzir decisivamente o
dfice.
Assim, logo em Fevereiro de 1977 o governo decidiu desvalorizar 15 % o escudo
(Lopes, 1996) para tentar incentivar as exportaes, ao mesmo tempo que reforava
algumas restries s importaes e impunha um tecto salarial tambm de 15 por
cento. Simultaneamente, para evitar consequncias sociais demasiado negativas, institua-se um cabaz de compras de produtos
essenciais a preos subsidiados.
Entretanto, o crescimento econmico
tinha voltado a ser positivo em 1976 e em
1977, muito sustentado pelo aumento da
despesa pblica. Este crescimento no
induzido pelas exportaes acabava, porm, por agravar o dfice externo em virtude do aumento que provocava nas importaes de matrias-primas e de bens
de consumo.
Confrontadas com o nvel excessivo de
dfice externo, que a desvalorizao do
escudo em Fevereiro de 1977 no conseguira inflectir, as autoridades intensificaram
negociaes com o Fundo Monetrio Internacional (FMI) com vista obteno de um
acordo para um programa de estabilizao
206
A economia

da balana de pagamentos. Esse acordo


foi assinado em Maio de 1978 j pelo governo seguinte (II Governo Constitucional,
de novo presidido por Mrio Soares), e veio
a revelar-se um instrumento eficaz para reduzir o desequilbrio externo. Na realidade,
no ano seguinte, 1979, em resultado da
aplicao do programa resultante do acordo, a balana de transaces correntes estava de novo equilibrada. Para isso, tinha
sido necessrio desvalorizar mais o escudo e impor limites rigorosos ao crdito bancrio.
Quanto ao dfice pblico em 1978, em
vez de diminuir aumentou e manteve-se
elevado em 1979, no contribuindo assim
para o equilbrio externo.
O problema que se tinha agravado em
1977-1979 era a inflao, devido necessidade de desvalorizar mais o escudo, pelo
que o novo governo que entretanto tomara
posse deu, em 1980, prioridade reduo
da inflao. Este objectivo foi, na verdade,
conseguido atravs de uma valorizao
pontual do escudo. No entanto, por esse
ano de 1980, comeavam-se a sentir as
consequncias do segundo choque petrolfero. De novo, o aumento geral de preos
do petrleo e o crescimento da respectiva
factura vieram perturbar intensamente o
funcionamento da economia portuguesa,
num momento em que mal estava refeita
ainda dos efeitos do programa de 1978.
Mas a situao internacional piorou ainda
de outra forma.
Registavam-se ento uma apreciao
do dlar e um aumento significativo das taxas de juro internacionais, o que constitua
um peso adicional sobre os encargos que
a economia portuguesa tinha de pagar pelo seu endividamento no exterior. A juntar
ao dfice acrescido da balana comercial,
tudo isto se traduziu, assim, num agravamento do desequilbrio da balana de transaces correntes com o exterior. Desta
forma, a partir de 1980 a economia portuguesa comeou a acumular dfices exter-

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A economia

nos que, numa primeira fase, foram sendo


cobertos atravs do recurso dvida externa, que duplicou em pouco mais de quatro
anos. Em 1982 o dfice da balana de transaces correntes representava 13,8 % do
PIB e comeava a ser difcil encontrar financiadores externos que no exigissem
garantias excessivas para realizarem os
emprstimos.
Em meados de 1983, o novo governo
sado das eleies entretanto realizadas,
dirigido de novo por Mrio Soares, considerou o reequilbrio externo a prioridade
absoluta da poltica econmica e acordou
novo programa de estabilizao com o FMI
(Lopes, 1996), o qual deveria abranger o
restante do ano de 1983 e a totalidade de
1984. O programa impunha uma forte desvalorizao do escudo, um aumento da taxa de juro, limites mais estritos ao crdito
bancrio e uma significativa reduo da
despesa pblica, em particular do investimento e dos subsdios aos preos de certos bens. Impunha tambm um imposto
extraordinrio sobre o rendimento e, ao
mesmo tempo, as negociaes salariais
para 1984 fizeram-se com base em valores
muito inferiores inflao esperada. O programa teve um enorme sucesso do ponto
de vista do reequilbrio externo, pois o dfice da balana de transaces correntes
desceu drasticamente em 1984 e registou-se em 1985 um pequeno saldo positivo.
No entanto, os custos sociais e econmicos resultantes do programa foram tambm muito elevados.
Devido ao acelerar da desvalorizao
do escudo, a inflao cresceu at cerca de
30 %, o que levou os salrios reais a descerem em 1984 cerca de 8 %, valor que dificilmente encontra paralelo na Europa em
situaes de paz. A reduo da procura interna devido ao aumento da taxa de juro,
limitao do crdito e reduo do dfice
pblico (desta vez efectivamente conseguida, ao contrrio de 1978) levou a que o valor do PIB em 1984 descesse quase 2 %, o

que no se verificava desde 1975, o perodo mais instvel da revoluo. A formao


bruta de capital fixo desceu 25 % em 1983-1984, atrasando a modernizao da economia e prejudicando o crescimento futuro.
A queda do PIB levou a um aumento do desemprego para quase 9 % da populao
activa, ao mesmo tempo que muitos trabalhadores preferiam trabalhar sem receberem temporariamente o seu salrio, para
manterem os seus postos de trabalho. O nvel de vida desceu significativamente, tendo
o consumo privado registado uma quebra
de quase 3 por cento. Surgiram situaes
sociais muito difceis, tendo-se detectado
numerosos casos de subnutrio nalgumas
zonas do pas, em particular na pennsula
de Setbal.
Enquanto se realizava esta difcil poltica de reequilbrio externo, com as consequncias sociais que descrevemos, prosseguiam a bom ritmo as negociaes finais
para a entrada na CEE, a qual Portugal tinha solicitado desde 1977. As negociaes foram terminadas a tempo de o tratado de adeso vir a ser assinado em 1985,
sendo Portugal um dos membros da CEE,
em adeso simultnea com a Espanha, a
partir de 1986.
possvel, em perspectiva, ter uma viso geral do perodo de 1974 a 1985.
A economia portuguesa demonstrou
uma notvel flexibilidade, conseguindo com
xito absorver choques de grande dimenso: os dois choques petrolferos e as principais consequncias da descolonizao.
O choque petrolfero de 1973-1974 teve
como consequncia acabar com os equilbrios precrios das dcadas anteriores,
criando uma situao de aberto desequilbrio que obrigou a um ajustamento de
grande dimenso, agravado pelo segundo
choque, cujos efeitos se fizeram sentir a
partir de 1980. Com respeito descolonizao, a economia conseguiu integrar no
mercado de trabalho grande parte dos retornados e ultrapassar a perda dos merca207
A economia

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Retrato de Portugal

dos privilegiados das ex-colnias, de uma


forma que se revelou muito mais eficaz do
que noutros pases europeus que sofreram
situaes semelhantes. Tudo isto enquanto
se instalavam as novas instituies democrticas e se tentava democratizar o poder
econmico.
Nestas condies e dadas as circunstncias adversas, o crescimento global pode ser considerado muito satisfatrio, com
uma taxa mdia anual de crescimento do
PIB de 2,2 % entre 1974 e 1985, da mesma
ordem de grandeza da mdia comunitria.
Os sectores sociais, educao, sade e,
especialmente, segurana social desenvolveram-se em grande ritmo e o sector pblico empresarial manteve um alto nvel de investimento, embora nem sempre bem
orientado.
Mas os aspectos negativos so tambm
patentes. As dificuldades polticas tornaram impossvel a existncia de governos
estveis que executassem uma poltica de
mdio prazo que permitisse desfazer bloqueios tradicionais, em particular o da quase estagnao da agricultura, que se manManifestao pela reforma agrria.

208
A economia

teve, sendo o sector perturbado pela


instabilidade resultante da polmica sobre
a reforma agrria.
Por outro lado, a necessidade de absorver as consequncias da descolonizao,
apoiando os retornados e integrando os
funcionrios pblicos das ex-colnias, a
subida das despesas sociais e o saldo negativo de algumas empresas pblicas fizeram elevar o dfice do sector pblico administrativo.
Finalmente, mas no em ltimo lugar, os
custos dos ajustamentos conjunturais incidiram principalmente sobre os salrios. Em
parte este ajustamento justificava-se, uma
vez que os aumentos salariais de 1974 foram claramente excessivos. Porm, a verdade que, na globalidade, os salrios
acabaram por sofrer mais que o previsvel,
o que ter provavelmente a ver com o facto
de os trabalhadores privilegiarem mais o
emprego que os aumentos salariais.
Na realidade, embora a taxa de desemprego tivesse subido, principalmente em
1984, o certo que no atingiu nveis incomportveis e nem sequer os valores de

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A economia

Cerimnia de assinatura da adeso de Portugal Comunidade Econmica Europeia.

outros pases europeus que enfrentaram


neste perodo condies muito menos adversas.
Com a adeso CEE uma nova era vai
comear.

Da adeso CEE
poltica de convergncia
(1986-1990)
A adeso de Portugal CEE coincide com
a adeso da Espanha e praticamente simultnea tambm da entrada em vigor do
Acto nico Europeu. Ambas estas coincidncias vo ter grandes consequncias
sobre a evoluo da economia portuguesa,
embora a segunda, na sua maior parte, se
faa sentir apenas depois de 1990.
Quando da adeso, Portugal tinha j
uma larga experincia de condies de livre comrcio na Europa. Membro fundador
da EFTA em 1960 (onde, contudo, gozava
de um regime especial), tinha assinado em
1972 um acordo comercial com a CEE.
E embora durante o perodo mais aflitivo de
desequilbrio externo tivesse aumentado algumas das suas barreiras ao comrcio, introduzindo uma sobretaxa importao e
restries quantitativas, pode dizer-se que

em relao aos pases comunitrios Portugal era uma economia relativamente aberta
(Mateus, 1998). A CEE era, alis, j na altura, o principal destino das exportaes portuguesas. A adeso implicou o abatimento
das restries ainda existentes e a adopo da pauta exterior comum, o que se realizou dentro do calendrio previsto sem
consequncias de maior.
J no que respeita s relaes com Espanha se verificou um impacte muito significativo. Embora vizinhos, os pases ibricos
constituam duas economias praticamente
de costas voltadas. Assim, ainda em 1985
as exportaes portuguesas para Espanha
no ultrapassavam 4 % do total. Com a
adeso simultnea dos dois pases tudo se
modificou. Abateram-se as barreiras comerciais e rapidamente a Espanha passou
a ser o principal fornecedor de Portugal e o
seu segundo maior cliente, a seguir Alemanha (na actualidade, j a Espanha o
pas nosso maior cliente). A adeso trouxe,
assim, um impacte imediato positivo na
criao de comrcio entre os dois pases.
O segundo impacte imediato de grande
importncia foi o dos fundos estruturais.
A entrada de fundos estruturais desde
1986, a que se seguiu a respectiva dupli209
A economia

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Retrato de Portugal

cao em 1989 e de novo uma duplicao


em 1994 (invocando o princpio do reforo
da coeso econmica e social constante
do Acto nico Europeu), teve um duplo
efeito positivo: permitiu, em primeiro lugar,
um crescimento muito rpido do investimento em infra-estruturas pblicas, que tinha sido reduzido, principalmente em 1983
e 1984 devido s restries oramentais
derivadas do programa de reequilbrio externo, assim como a realizao de um
grande nmero de aces de formao
profissional, domnio que at a era quase
inexistente.
O segundo aspecto positivo foi o de os
fundos comunitrios terem permitido um financiamento externo sem custo na altura
em que as remessas dos emigrantes perdiam peso relativo no PIB (de 9 % em 1985
para 6,7 % em 1990), acompanhando a
progressiva sada da vida activa no estrangeiro dos emigrantes que tinham abandonado o pas na dcada de 60.
Estes estmulos prprios da economia
portuguesa, acompanhados pelo bom momento da economia internacional (em particular da europeia), pelas quedas do preo
do petrleo e do dlar (que provocaram um
enorme ganho de razes de troca com o
exterior) e ainda pela descida das taxas de
juro internacionais, permitiram que a economia portuguesa crescesse muito rapidamente sem problemas externos pela primeira vez desde o 25 de Abril. Foi um
perodo de grande optimismo, que ficou
conhecido pelo perodo ureo do cavaquismo, do nome do ento primeiro-ministro Cavaco Silva, que, permanecendo
dez anos seguidos frente do governo, reflectiu uma estabilidade poltica desconhecida desde 1974. Entre 1986 e 1990 o PIB
cresceu ao ritmo de 5,5 % ao ano, o que o
aproximou do crescimento que se registara
durante o arranque da economia portuguesa nos anos 50 e 60. Este crescimento
foi induzido fundamentalmente pelo investimento e pelas exportaes (em particular
210
A economia

para Espanha), ambos com taxas de crescimento anual prximas dos 10 por cento.
A inflao anual, embora ainda elevada
(11 % na mdia dos cinco anos) foi muito
inferior mdia do perodo anterior (superior a 20 %), e o dfice do sector pblico
no excedeu em nenhum ano os 8 % do
PIB contra uma mdia superior a 10 % nos
cinco anos anteriores. As taxas de escolarizao a partir do 8.o ano de escolaridade
aumentaram muito significativamente,
com especial relevncia para o ensino superior, que registou um aumento de 40 %
no nmero de alunos entre 1986 e 1990.
O investimento pblico em vias de comunicao teve um grande impulso e os
indicadores sociais melhoraram substancialmente, registando, por exemplo, a
mortalidade infantil uma diminuio de
17,8 por mil em 1985 para 10,9 por mil em
1990 (INE, 1992).
O crescimento continuava assente basicamente na indstria (esta apoiada por um
programa especial financiado pela Comunidade Europeia, o Programa Estratgico
de Dinamizao e Modernizao da Indstria Portuguesa PEDIP), na construo
civil (em resposta ao investimento pblico)
e no turismo, enquanto a agricultura revelava dificuldades de adaptao poltica
agrcola comum, apesar de tambm
apoiada num programa especial comunitrio para Portugal, o PEDAP, para alm
de receber os apoios gerais do Fundo Europeu de Orientao e Garantia Agrcola
(FEOGA).
Novos grupos econmicos se foram sedimentando em torno da grande distribuio, da construo civil e de alguns sectores industriais. No entanto, e apesar da
instalao de novos bancos privados, o
sector financeiro continuava a ser maioritariamente pblico, uma vez que as privatizaes s se realizariam nos anos 90.
O impacte dos fundos estruturais comunitrios tornou-se sensvel no s nos respectivos sectores como tambm a nvel

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A economia

macroeconmico, passando a soma do


Fundo Especial para o Desenvolvimento
Regional (FEDER), FEOGA-orientao e
PEDIP de 2,4 % da formao bruta de capital fixo em 1986 para 6 % em 1990.
Neste perodo, os salrios reais cresceram cerca de 4 % ao ano, o que permitiu que o consumo privado aumentasse
5 % ao ano, reflectindo um aumento de
bem-estar tambm traduzido por outros indicadores, como o aumento de 15 % na
proporo de famlias possuidoras de automvel ou o de 42 % das que dispunham
de telefone.
Graas ao crescimento econmico elevado, o desemprego baixou, passando de
quase 9 % da populao activa em 1985
para 4,6 % em 1990.
Foi possvel introduzir uma maior disciplina oramental, embora o dfice continuasse elevado, e duas reformas fiscais de
tomo foram introduzidas: a aplicao do
imposto sobre o valor acrescentado (IVA)
desde 1986 e a aplicao dos impostos sobre o rendimento das pessoas singulares
(IRS) e colectivas (IRC) a partir de 1989.
Beneficiando de um crescimento econmico rpido, auferindo um ganho de 15
pontos percentuais nas suas razes de troca com o exterior e um montante significativo de fundos estruturais, o pas vivia o
seu melhor momento de prosperidade desde o 25 de Abril, a que se vinha juntar uma
estabilidade governamental por que muitos
ansiavam.
No entanto, apesar desta prosperidade
global, persistiam ou agravavam-se alguns
problemas estruturais: a agricultura no
conseguiu sair da sua crise estrutural, agora agravada pela perda de razes de troca
nos preos dos produtos agrcolas, e continuou o despovoamento demogrfico e
econmico do interior.
Em 1990, cerca de trs quartos da populao concentrava-se em zonas do litoral
correspondentes a 30 % da rea do continente. S a regio de Lisboa e Vale do Tejo

produzia nesse ano 48 % do valor acrescentado nacional.


Esta distribuio desequilibrada da populao e das actividades econmicas
agravou o congestionamento das reas
metropolitanas de Lisboa e Porto, sem que
fosse possvel s autoridades responder
com a criao de uma dotao conveniente de infra-estruturas. Alargou-se assim a
cintura de pobreza e de inferior qualidade
de vida nas zonas da Grande Lisboa e do
Grande Porto. No entanto, estes anos de
aumento rpido da prosperidade iriam brevemente chegar ao fim devido mudana
do enquadramento comunitrio.
Em 1988, a actual Unio Europeia (UE)
decidiu avanar para a realizao da moeda nica. As autoridades portuguesas decidiram que Portugal devia aderir rapidamente, o que levou a que a poltica econmica
portuguesa passasse a ser fortemente condicionada por este objectivo a partir dessa
altura e, em particular, a partir da aprovao do Acordo de Maastricht nos finais de
1991.

Da poltica de
convergncia moeda
nica (1991-1998)
No foi a adeso moeda nica o nico
factor condicionante da poltica macroeconmica neste perodo. Em consequncia
da realizao do mercado interno estabelecido pelo Acto nico Europeu de 1987,
Portugal, tal como todos os restantes pases da ento CEE, tinha-se comprometido
a liberalizar os movimentos de pessoas,
bens, servios e capitais. A liberalizao
de mercadorias no foi especialmente importante dada a longa tradio de comrcio
livre a que j fizemos referncia, embora tenham sido eliminadas algumas barreiras
que ainda persistiam.
Como se disse, o impacte mais importante em termos de comrcio externo tinha
sido o resultante das relaes com a Espa211
A economia

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Retrato de Portugal

nha, e derivou mais da adeso CEE dos


dois pases que da realizao do mercado
interno.
A liberalizao de servios no foi tambm muito actuante neste perodo, com excepo da que se refere aos servios financeiros.
A liberalizao da circulao de pessoas podia ter tido um efeito pronunciado
face tradio da emigrao portuguesa
para pases europeus, em particular Frana e Alemanha. Tanto assim era que no tratado de adeso foi estabelecido um perodo de transio para a liberalizao do
movimento de trabalhadores de Portugal
para os pases da CEE.
A verdade que a realizao do mercado interno veio a acabar com essas restries mas nem por isso se notou um efeito
muito significativo de recrudescimento da
emigrao, embora alguns indicadores
apontem para a sua manuteno em nveis
significativos, em particular no que respeita
emigrao sazonal.
A difcil situao de emprego nas economias europeias e o crescimento rpido
do salrio real em Portugal na segunda
metade da dcada de 80 podero explicar
esta relativa conteno da emigrao, embora esta no deixe de constituir uma possibilidade sempre presente na sociedade
portuguesa.
O impacte mais significativo da realizao do mercado interno foi indubitavelmente
a liberalizao do movimento de capitais.
Portugal tinha adoptado tradicionalmente
um regime muito restritivo nesta matria.
A exportao e importao de capitais era
sujeita a autorizao por parte do Banco
de Portugal, a taxa de cmbio e alguns valores das taxas de juro eram tambm fixados pelo Banco de Portugal. A liberalizao do movimento de capitais foi gradual a
partir de 1990, estando concluda em Dezembro de 1992. Implicou, evidentemente,
que o valor do escudo deixasse de ser fixado administrativamente e as taxas de juro
212
A economia

passassem a ser determinadas no mercado monetrio. As consequncias foram


muito profundas, em particular na forma de
actuao da poltica econmica.
As intervenes do Banco de Portugal
na poltica monetria passaram a ser indirectas, abandonando-se desde 1991 os limites ao crdito bancrio (que, como se
viu, tinham sido um eficaz instrumento de
poltica nas situaes de dificuldade da balana de pagamentos, e o valor da taxa de
cmbio do escudo passou a estar dependente da poltica monetria e, em particular, do valor que esta conseguisse para a
taxa de juro. Para alm disso, o carcter
especulativo dos mercados cambiais em
todo o mundo tornava o valor da taxa de
cmbio do escudo muito incerto, mesmo
apesar das intervenes do Banco de Portugal no mercado monetrio ou nos mercados cambiais.
No incio dos anos 90 estava, assim,
posta em causa a utilizao da taxa de
cmbio para melhorar rapidamente a competitividade externa da economia portuguesa, instrumento que tinha sido muito eficaz em 1977-1978 e 1983-1984 para repr
o equilbrio da balana de transaces correntes. Esta perda do instrumento cambial
tornou-se definitiva a partir de 1999 com a
adeso moeda nica.
Foi, no entanto, a adeso moeda nica que atraiu a maior parte das atenes
da poltica econmica portuguesa a partir
do incio da dcada.
Embora as condies de adeso
moeda nica s se tornassem plenamente
definidas com a aprovao do Tratado de
Maastricht, j se sabia, em 1990, que para
Portugal poder entrar teria de reduzir o seu
ritmo de inflao pois o diferencial de crescimento de preos ento existente entre
Portugal e a mdia comunitria era demasiado elevado para permitir uma insero
suave na moeda nica, qualquer que fosse
o seu processo de criao.
Acresce que a liberalizao do movi-

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A economia

Edifcio do Banco de Portugal.

mento de capitais exigia, tambm, alguma


estabilizao do valor externo do escudo
para fazer ganhar credibilidade s autoridades monetrias portuguesas e tornar o
escudo menos vulnervel a especulaes
nos mercados cambiais. Essa estabilizao implicava tambm, necessariamente,
uma reduo do ritmo da inflao. O combate anti-inflacionista passou, pois, a constituir um objectivo da poltica macroeconmica com uma prioridade que nunca tinha
tido desde o 25 de Abril, embora, como se
viu acima, j tivesse condicionado de alguma forma a poltica econmica em 1980.
A estratgia seguida para a reduo da
inflao foi a estabilizao da taxa de cmbio nominal do escudo. O fundamento desta estratgia era facilmente compreensvel.
Sendo Portugal uma economia aberta, se
fosse possvel estabilizar o escudo, isso
permitiria ento que os preos das importaes crescessem menos, apenas ao ritmo
de crescimento dos preos internacionais,
muito inferior ao da inflao portuguesa.
Esse menor crescimento de preos das im-

portaes permitiria s empresas portuguesas alguma descompresso dos custos


e portanto um menor crescimento de preos, o que, por sua vez, levaria a um menor
crescimento de salrios e assim sucessivamente. Para estabilizar o escudo era necessrio seguir uma poltica monetria restritiva, fazendo aumentar a taxa de juro o
suficiente para incentivar a procura de activos em escudos e fazer subir o valor destes. Mas este aumento inicial da taxa de juro, que certamente iria ter efeitos negativos
sobre o crescimento e o investimento, poderia mais tarde ser eliminado desde que o
escudo estabilizasse, a inflao descesse
e a poltica econmica das autoridades
portuguesas ganhasse credibilidade. A poltica oramental e a poltica de rendimentos, por seu turno, deveriam complementar
a poltica monetria fazendo, respectivamente, reduzir o dfice oramental e moderar a evoluo dos salrios.
Esta poltica anti-inflacionista veio a
ser reforada aps serem conhecidas as
condies que o Tratado de Maastricht im213
A economia

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Retrato de Portugal

ps para a adeso dos estados moeda


nica.
Recordemos essas condies:
ingresso no mecanismo das taxas de
cmbio no Sistema Monetrio Europeu
(SME) e estabilidade cambial, ou seja, no
desvalorizao das respectivas paridades
desde pelo menos dois anos antes da data
de realizao da moeda nica;
inflao no superior ao valor, acrescido de 1,5 pontos percentuais e taxa
de juro no superior ao valor, acrescido de
dois pontos percentuais de, respectivamente, a mdia dos ritmos inflacionistas e a
taxa de juro dos trs pases com menor inflao;
dvida pblica no superior a 60 %
do PIB;
dfice oramental no superior a 3 %
do PIB.
Estes critrios deveriam verificar-se no
perodo de referncia, que, tirando a estabilidade cambial, era o ano anterior deciso sobre quem entraria na moeda nica,
podendo ser este 1996 ou 1998 (como
acabou por ser na realidade). Assim, a
prioridade anti-inflacionista veio a ser reforada, pois Portugal tinha na altura um diferencial superior a oito pontos percentuais
relativamente mdia dos trs pases de
menor inflao, muito acima, portanto, dos
1,5 pontos percentuais admissveis.
Mas, ao mesmo tempo, tornava-se imperiosa a adeso ao SME para cumprir o
critrio da estabilidade cambial.
Para alm disso era necessrio, tambm, conseguir uma reduo do dfice oramental, embora esta fosse, partida,
mais fcil de obter, uma vez que o dfice
em 1991 era de 6,7 % do PIB, no parecendo demasiado afastado do mximo admissvel de 3 % do PIB (o critrio da dvida pblica, cuja incluso no tratado na forma em
que o foi dificilmente compreensvel, veio
a ser gradualmente posto para segundo
plano como condio de acesso moeda
nica).
214
A economia

A partir do conhecimento destas condies, a poltica monetria, no seguimento


do que j vinha fazendo desde 1990, manteve um valor elevado da taxa de juro e isso permitiu uma grande entrada de capitais
que levou estabilizao da taxa de cmbio nominal do escudo em 1991.
Esta estabilizao permitiu, em Abril de
1992, a entrada do escudo na banda larga
do mecanismo das taxas de cmbio do
SME. O escudo sofreu as vicissitudes deste sistema entre 1992 e 1994, o que levou,
por duas vezes, desvalorizao da sua
paridade de entrada no SME (Novembro
de 1992 e Maio de 1993), mas, a partir de
1994, a taxa de cmbio do escudo estabilizou definitivamente.
Os resultados desta poltica sobre a inflao foram os previstos. O ndice de preos no consumidor desacelerou gradualmente de cerca de 11 % em 1991 para
pouco mais de 4 % em 1995 e menos de
3 % em 1997 e 1998, o que permitiu cumprir os critrios de Maastricht relativos inflao e taxa de juro.
Estrutura da despesa interna (%)
1973

2005

Consumo privado

65,0

65,2

Consumo pblico

10,9

21,1

Investimento

33,0

22,3

Exportaes

18,7

28,6

Importaes (-)

27,6

37,3

PIB

100

100

Fontes: Banco de Portugal, Sries Longas, 1973;


Banco de Portugal, Relatrio de 2005, 2005.

J quanto reduo do dfice do sector pblico, ela revelou-se ao princpio surpreendentemente difcil. Ainda em 1993 o
dfice rondava os 7 % do PIB e s em
1997 se cumpriu o critrio dos 3 por cento.
A reduo ficou a dever-se, em grande
parte, diminuio dos encargos da dvida pblica, reduo derivada directamen-

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A economia

te da reduo da taxa de juro proporcionada pela reduo da inflao e indirectamente pela reduo do stock de dvida
pblica em resultado das receitas das privatizaes, comeadas em 1989 mas aceleradas desde 1995, que foram na sua
maior parte aplicadas na reduo da dvida pblica.
Outro factor de reduo do dfice foi o
aumento de cobrana de impostos, sensvel principalmente a partir de 1996 e resultado da melhoria da situao econmica e
das medidas tomadas de combate evaso fiscal.
Em 1998 constatava-se que, indubitavelmente, a poltica de convergncia,
prosseguida desde 1990 por dois governos sucessivos de base partidria diferente
(dirigidos por Cavaco Silva, primeiro, e Antnio Guterres, depois), tinha sido um xito
face finalidade pretendida. E, por isso, a
economia portuguesa, contrariando o que,
no incio, tinha sido a previso de muitos,
foi admitida em 1998 na moeda nica sem
que fossem levantados obstculos a essa
admisso.
No entanto, os custos associados poltica de convergncia foram tambm muito
elevados.
A estabilizao da taxa de cmbio do
escudo quando a inflao interna era muito
superior dos pases nossos parceiros ou
concorrentes comerciais levou a uma perda de competitividade das empresas portuguesas face ao exterior. Isso traduziu-se
numa desacelerao pronunciada do crescimento das exportaes e tambm na penetrao facilitada no mercado portugus
de produtos estrangeiros, principalmente
oriundos de Espanha, eliminando alguma
produo interna.
Verificou-se, assim, imediatamente,
uma desacelerao ou mesmo quebra da
produo de bens transaccionveis com o
exterior, em particular da indstria e agricultura.
Por outro lado, devido estabilizao

da taxa de cmbio numa situao de inflao interna, os preos dos bens transaccionveis cresceram muito menos que os
preos dos bens protegidos da concorrncia externa, incentivando assim as actividades no afectadas por esta, ligadas ao
mercado interno, em prejuzo das outras,
com consequncias importantes, no imediato e a prazo, sobre o agravamento do
dfice da balana comercial.
Sem surpresa, face ao grau de abertura
da economia portuguesa, o crescimento
global desacelerou fortemente em 1991-1998 relativamente ao perodo de 1986-1990. A taxa mdia de crescimento anual
do PIB entre 1991 e 1998 foi apenas de
2,6 %, pouco superior mdia comunitria
(2 %) e pouco superior tambm taxa do
perodo entre 1974 e 1985 (2,2 %), em que
o pas tinha enfrentado dificuldades de toda a ordem.
Taxas de crescimento
mdio anual (%)
PIB Emprego Produtividade
(vol.)
(vol.)
1974-1985

2,2

-0,4

2,6

1986-1990

5,5

1,1

4,4

1991-1998

2,6

0,3

2,3

1999-2005

1,5

0,8

0,7

Fonte: Economie Europenne, n.o 65 e suplemento


A, Outono/1999; Banco de Portugal, Relatrio de
2005 [para 1999-2005].

O crescimento no foi mais baixo ainda


devido entrada reforada de fundos comunitrios no mbito dos I e II Quadros Comunitrios de Apoio (1989-1993 e 1994-1999, respectivamente) que permitiram
um crescimento importante de sectores de
bens no transaccionveis com o exterior
como a construo civil e certos servios
e devido tambm exploso, a partir de
1996, do crdito ao consumo e habitao
em resultado da reduo das taxas de juro
ento verificada.
215
A economia

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Retrato de Portugal

No incio da poltica de convergncia e


face s dificuldades dos sectores produtores de bens transaccionveis, o desemprego aumentou gradualmente, chegando a
7,3 % da populao activa em 1996. A partir desse ano e devido reanimao econmica resultante da expanso do consumo e do investimento em habitao o
desemprego baixou e rapidamente, no ultrapassando em 1999 4,6 % dos activos.
No entanto, a relativa penalizao dos
sectores de bens transaccionveis fez
agravar o dfice comercial e de forma mais
pronunciada assim que a procura interna
acelerou a partir de 1996. Este dfice foi
em parte coberto pelo aumento de fundos
estruturais comunitrios, mas isso no foi
suficiente para evitar a ocorrncia desde
essa altura de dfices crescentes na balana de transaces correntes.
Um outro motivo de preocupao neste
perodo foi o relativamente baixo crescimento da produtividade global (2,3 % em
mdia anual), no muito superior ao da mdia comunitria (1,7 %) e certamente insuficiente para reduzir significativamente o
desnvel de produtividade mdia que existe entre a economia portuguesa e a mdia
comunitria.
Este baixo crescimento da produtividade ter ficado a dever-se em parte ao reduzido crescimento, entre 1991 e 1995, da
formao de capital fixo em equipamento
(1,9 % em mdia anual), fruto do baixo
crescimento global desse perodo e das
elevadas taxas de juro prprias da poltica
de convergncia.
A partir de 1996, porm, o investimento
em equipamento apresentou um crescimento muito rpido, cerca de 10 % ao ano,
o que abre boas perspectivas para o crescimento futuro da produtividade.
Ao mesmo tempo, os investimentos em
capital humano continuaram, em todo este
perodo, a um ritmo muito intenso, aumentando de novo as taxas de escolarizao e
o volume das aces de formao profis216
A economia

Ponte Vasco da Gama.

sional, tambm aqui constituindo um factor


muito favorvel para o desenvolvimento futuro da economia portuguesa.
Foi neste perodo que se aceleraram as
privatizaes. Iniciadas em 1989, elas permitiram ao Estado portugus arrecadar, at
1998, cerca de 3500 milhes de contos
(Ministrio das Finanas, 1999), o equivalente a cerca de 18 % do PIB deste ltimo
ano), sendo um factor importante na reduo da dvida pblica, uma vez que, como
se disse, as respectivas receitas foram
maioritariamente aplicadas nessa reduo.
Desta forma foi possvel, no perodo, reduzir por esta via a dvida pblica em cerca
de 1800 milhes de contos (quase 10 % do
PIB de 1998).
A privatizao dos bancos permitiu, por
outro lado, a criao ou o desenvolvimento
de grupos financeiros, algumas vezes associados a outras actividades, em particular aquelas que mais tinham proporcionado
o desenvolvimento de grupos no perodo
anterior.
O poder das instituies financeiras foi
reforado no incio da dcada de 90 pela
enorme transferncia de dinheiro da economia para o sistema bancrio, que ocorreu devido ao grande diferencial entre taxas de juro activas e passivas, que foi
ento tolerado pelas autoridades monetrias e que resultava da deficiente concorrncia do sector. Embora isso tivesse tornado mais slido o sistema financeiro, nas

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A economia

fases iniciais do processo de privatizaes,


a verdade que prejudicou a actividade
econmica empresarial, que teve de suportar taxas de juro, sobre o crdito que contraa, muito superiores s que os depositantes obtinham pela remunerao dos
seus depsitos.
medida que esta concorrncia se desenvolveu, o diferencial foi-se reduzindo,
estando de novo, no final do perodo, dentro de nveis normais.
Para alm do sector financeiro, extremamente dinmico neste perodo, com o
desenvolvimento do mercado de capitais
(em parte ligado s privatizaes), de
fundos de investimento e do crdito ao
consumo, tambm o sector das telecomunicaes, objecto de privatizao e de liberalizao no mbito comunitrio, tem revelado um grande dinamismo, sendo no final

da dcada um dos sectores de maior rendibilidade e expanso.


A privatizao dirigiu-se tambm noutro
sentido, ou seja, para a atribuio a entidades privadas da construo e explorao
de infra-estruturas, nomeadamente pontes
(como a de Vasco da Gama, sobre o Tejo)
e auto-estradas.
As privatizaes e a poltica seguida
para algumas das empresas que ainda se
mantinham com forte participao pblica
levaram, na segunda metade da dcada,
a um aumento muito grande do investimento de empresas portuguesas no estrangeiro, em particular em pases como o
Brasil, Moambique e alguns pases do
Leste europeu.
A dimenso que o fenmeno tomou
constituiu uma novidade na economia portuguesa, tradicionalmente avessa ao investimento no estrangeiro. Ao mesmo tempo,
constituiu um sinal positivo das novas capacidades empresariais portuguesas no sentido de uma internacionalizao que ultrapassa a tradicional abertura comercial.
No entanto, j o investimento estrangeiro
no revelou a dimenso que se esperaria e
que as boas condies do pas justificariam.
Depois de um crescimento muito acentuado na primeira metade da dcada, de
que o exemplo mais evidente o da instalao, em 1995, pela Ford e pela Volkswa-

A Autoeuropa, fbrica de veculos automveis instalada em Portugal pela Ford e pela Volkswagen.

217
A economia

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% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

gen, da Autoeuropa, empresa exportadora


de veculos automveis, que representou o
maior investimento estrangeiro em Portugal
(395 milhes de contos, 2,5 % do PIB) com
grande impacte na balana comercial portuguesa (10 % das exportaes de mercadorias), a verdade que o investimento estrangeiro em Portugal se reduziu, sendo at,
em 1998, inferior ao investimento portugus
no estrangeiro.
Para l de todas estas transformaes,
algumas delas traduzindo uma profunda
modificao de comportamentos anteriores,
mantinham-se dificuldades no sector agrcola, em crise persistente, e o prprio sector
industrial, muito afectado pela apreciao
real do escudo causada pela poltica de
convergncia, viu a sua produo reduzir-se nos anos de 1992 a 1994.
Em compensao, a construo, o turismo, os servios financeiros, a grande distribuio, as telecomunicaes e os servios
prestados s empresas, muitas vezes em
resultado de outsourcing, tiveram um desenvolvimento muito rpido e, em geral,
criador de emprego, nalguns casos de elevado nvel de qualificao.
A reduo da inflao permitiu que, ao
longo da dcada, os salrios reais crescessem com a produtividade, no se podendo
dizer, portanto, que tenham sido os salrios
a suportar o essencial do custo do ajustamento, ao contrrio do que tinha sucedido
at 1985.
No entanto, a poltica de convergncia,
como se disse, penalizou significativamente
o emprego e essa foi a principal causa do
agravamento das desigualdades registado
na primeira metade da dcada. Porm, a
subsequente melhoria do emprego e a criao do Rendimento Mnimo Garantido em
1996 tiveram um efeito redutor das desigualdades.
Outra fonte de desigualdades no registou, contudo, melhorias assinalveis.
Referimo-nos resultante das assimetrias
litoral-interior, que no registaram qual218
A economia

quer reduo aprecivel, pese embora o


novo dinamismo de algumas reas at a
consideradas do interior como Viseu,
fruto em grande parte da melhoria das
vias de comunicao, especialmente sensvel nesta fase.
Avaliado em conjunto, este perodo pode caracterizar-se como da convergncia
nominal, do crescimento e modernizao
do sector financeiro, das privatizaes, do
desenvolvimento de grupos econmico-financeiros, do investimento portugus no
estrangeiro e da crise dos sectores tradicionais produtores de bens transaccionveis.
Em 1999 realiza-se a moeda nica.
um novo perodo que comea, e em que
novos desafios se desenham no horizonte.

Balano e perspectivas
Ao entrar na moeda nica, a economia portuguesa enfrentou uma situao indita,
tanto ao nvel interno como internacional.
A nvel internacional, a globalizao da
economia, assente na globalizao financeira, no poder crescente das empresas
transnacionais e em novos impulsos liberalizao do comrcio mundial, com a entrada em fora da China e tambm da ndia
nesse comrcio, criou um ambiente competitivo mais difcil mas, ao mesmo tempo,
gerador de novas oportunidades. Neste tipo de ambiente, a reduzida dimenso econmica torna-se muitas vezes uma condio adversa, principalmente quando se
verifica um movimento geral de fuses e
aquisies de alguns gigantes empresariais.
Mas tambm verdade que alguns dos
grupos econmicos portugueses se tm
mostrado, nos ltimos tempos, bastante dinmicos a nvel internacional, chegando
por vezes a atingir um peso significativo
em alguns produtos dos respectivos sectores de actividade.

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A economia

O sector das telecomunicaes um dos que mais se modernizou nos ltimos anos.
Edifcio PT-TMN.

A nvel interno a principal novidade resulta da unio monetria. Portugal deixou


de ter uma poltica monetria e cambial autnoma e a poltica oramental tem a sua
margem de manobra muito reduzida devido ao Pacto de Estabilidade e Crescimento
(que impe um limite mximo ao dfice das
contas pblicas) e tambm inevitvel harmonizao fiscal. Isso significa que o pas
deixou de ter autonomia no essencial da
poltica econmica e que so as polticas
de mbito microeconmico as que tero
possibilidade de ter efeitos sobre as melhorias de competitividade da economia portuguesa.
Neste nvel, as melhorias dos ltimos
anos tm sido patentes, ainda que insuficientes.
As atitudes empresariais tm-se modernizado de forma muito sensvel, a mo-de-obra hoje muito mais qualificada do que
antes da adeso CEE, as novas geraes
beneficiam de elevadas taxas de escolarizao.
O sector financeiro e as telecomunicaes so dois dos sectores onde a modernizao foi mais profunda, possibi-

litando assim um bom apoio actividade


produtiva.
Outro trunfo importante so os elevados
financiamentos de fundos comunitrios que
continuaram e continuaro a beneficiar a
economia portuguesa, permitindo prosseguir os esforos de modernizao de infra-estruturas e de desenvolvimento da sociedade de informao, o que no deixar
de ter, directa ou indirectamente, um impacte significativo na competitividade empresarial.
Um domnio que do ponto de vista microeconmico pode assumir muita importncia o das relaes das empresas com
o Estado. E, nesse aspecto, geralmente
reconhecida a necessidade de profundas
transformaes na forma de funcionamento
da administrao pblica e na justia de
forma a poderem acompanhar a modernizao que ocorre na actividade privada.
O recente aligeiramento dos processos burocrticos que permitem, desde agora, a
criao de uma empresa em uma hora
apenas so um bom exemplo de medidas
desburocratizadoras com real impacte positivo na vida empresarial.
219
A economia

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

No entanto, todas estas melhorias no


tm sido suficientes para permitir um crescimento satisfatrio da economia portuguesa.
Com efeito, desde 2002 que a nossa
economia diverge da mdia comunitria.
As razes desta divergncia devem ser
procuradas no impacte negativo das transformaes que entretanto ocorreram no
contexto mundial e europeu. A concorrncia dos novos pases emergentes no comrcio mundial como a China, e o alargamento da UE aos pases do Leste da
Europa vieram criar uma situao difcil ao
nosso sector exportador, que tem sofrido
quebras importantes nas suas quotas de
mercado. Por outro lado, a poltica de convergncia para a moeda nica e a ausncia do instrumento cambial tm impedido
que se restabelea de novo o equilbrio
entre a produo de bens transaccionveis e no transaccionveis, rompido a favor destes desde o incio da dcada
de 90.
O resultado tem sido o acumular de dfices da balana corrente externa e um
consequente aumento rpido do endividamento da economia portuguesa em relao
ao exterior, que tem como contrapartida interna um aumento do endividamento dos
agentes econmicos, em particular das famlias. O endividamento das famlias hoje
equivalente a 117 % do rendimento disponvel, o que torna a economia familiar muito
vulnervel a aumentos da taxa de juro e a
aumentos do desemprego, cuja taxa, entretanto, em resultado do fraco crescimento
econmico, registou um incremento rpido
de 3,9 % da populao activa em 2000 para 7,6 % em 2005.
O dfice do sector pblico manteve-se
em nvel elevado (em alguns anos bastante superior a 3 % do PIB) at 2005, em
parte devido prpria desacelerao da
economia. Desde aquele ano, no entanto,
o governo de Jos Scrates tem dado
prioridade reduo do dfice pblico,
220
A economia

Estrutura sectorial do PIB (%)


1973

2003

Agricultura e pesca

12

Indstria e energia

29

20

Construo

11

Servios

49

69

Fontes: Banco de Portugal, Sries Longas, 1973;


Banco de Portugal, Relatrio de 2004.

com resultados positivos j significativos,


estimando-se que o dfice possa alcanar
um valor inferior a 3 % do PIB j em 2008.
Parece evidente que a economia portuguesa no est a adaptar-se bem ao novo enquadramento resultante da globalizao e
da moeda nica, o que leva muitos a interrogar-se se ser possvel, sem poltica macroeconmica prpria, garantir condies
de crescimento estvel a uma economia
sujeita a choques frequentes e intensos decorrentes da globalizao.
Vista em perspectiva, a evoluo econmica desde o 25 de Abril , no entanto,
francamente positiva, pesem embora as difceis condies que a sociedade portuguesa enfrentou em boa parte desse perodo e que enfrenta actualmente.
A primeira constatao que se pode assinalar que a economia e a sociedade
portuguesas se modernizaram aceleradamente. O nvel de vida, medido pelo rendimento per capita , aumentou a 2 % ao
ano e convergiu para a mdia comunitria
(UE15), representando agora 65 % desta
mdia (mais 5 pontos que em 1973).
A proteco social alargou-se extraordinariamente, o horrio de trabalho diminuiu,
os indicadores sociais melhoraram em bom
ritmo e as taxas de escolarizao tiveram
um aumento impressionante, colocando-se
ao nvel europeu. O nmero de doutorados
quintuplicou.
A economia abriu-se mais ao exterior, o
Estado aumentou a sua despesa em educao e sade, o que fez aumentar o peso

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A economia

A criao de parques de escritrios de servios denota o crescimento do sector tercirio.


Arquiparque, Oeiras.

do consumo pblico na despesa interna.


Continuou a investir-se uma parcela importante do PIB.
Taxa de desemprego (%)
1974-1985

6,9

1986-1990

6,1

1991-1998

5,9

1999-2005

5,4

Fontes: European Economy, suplemento A, Outono/1999; Banco de Portugal, Relatrio de 2005 [para
1999-2005].

Novos comportamentos foram, entretanto, surgindo mais prximos de pases de


mais alto nvel de vida. Os valores prprios
do mundo rural perderam peso, a taxa da
poupana das famlias desceu de 24 % para
cerca de 9 % do rendimento disponvel, o
respectivo endividamento aumentou muito
nos ltimos trs anos e os empresrios portugueses comearam a investir no estrangeiro.
A economia terciarizou-se. A estrutura
produtiva alterou-se, reforando o peso
dos servios (49 % do PIB em 1973 e 69 %
em 2003), reduzindo-se significativamente
o da indstria e energia (29 % em 1973,
20 % em 2003) e diminuindo o da construo (11 % em 1973, 7 % em 2003) e da
agricultura e pesca (12 % em 1973, 4 % em

2003). Tambm em termos de emprego o


sector tercirio ganhou peso (actualmente
57 % do total), por compensao da perda
do primrio e do secundrio.
No sector industrial, perderam peso as
indstrias tradicionais e ganharam importncia sectores de mais elevado nvel tecnolgico, em particular o sector das mquinas e do material de transporte, que hoje
o de maior peso na indstria.
Inflao (deflacionador do
consumo privado) taxa de
variao mdia anual (%)
1974-1985 1986-1990 1991-1998 1999-2005
22,2

12,2

5,8

3,0

Fontes: European Economy, suplemento A, Outono/1999; Banco de Portugal Relatrio de 2005 [para
1999-2005].

Emprego por grandes sectores.


Estrutura (%)
1973

2004

Primrio

24,2

12,0

Secundrio

35,8

31,1

Tercirio

40,0

56,8

Total

100

100

Fontes: Banco de Portugal, Sries Longas, 1973;


DPP, Informao Econmica, 2004.

221
A economia

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

A economia soube adaptar-se a impactes exgenos negativos como os dos choques petrolferos e dos efeitos da descolonizao, sem quedas insuportveis do
nvel de vida nem aumentos incomportveis do desemprego, embora tenham sido
os salrios reais a suportar o essencial dos
ajustamentos. Tem tido, contudo, muito
mais dificuldade em adaptar-se ao choque
global actual.
O processo de reduo da inflao, necessrio para aderir moeda nica, conseguiu plenamente os seus objectivos.
A adeso CEE foi um sucesso e o pas
soube aproveitar bem os fundos comunitrios que foram postos sua disposio,
em particular no que respeita s infra-estruturas. Em especial a construo de
estradas permitiu uma grande reduo do
tempo dos transportes terrestres, contribuindo para a maior comunicao entre regies e para menores custos de transporte.
No entanto, neste incio de sculo so
tambm visveis desequilbrios importantes:
A sociedade portuguesa aprofundou o
seu dualismo entre as novas geraes,
com alto nvel de escolaridade e com fcil
acesso informtica, e os mais idosos, de
relativamente fraco nvel de instruo, com
uma taxa de analfabetismo ainda elevada.
Outro dualismo, que se foi aprofundando ao longo do tempo, o relativo ao agravamento da desertificao econmica e
demogrfica do interior face ao litoral
e principalmente s reas metropolitanas.
Nem a actuao geralmente dinmica do
poder local democrtico criado depois
do 25 de Abril nem as novas vias de comunicao tm sido suficientes para contrariar este processo.
Em particular o sector agrcola continua
a evidenciar baixos nveis de produtividade/homem e a empregar uma proporo
ainda elevada (11,6 %) do total do emprego. Esta mo-de-obra relativamente idosa e apresenta um nvel de instruo inferior mdia nacional, sendo dificilmente
222
A economia

transfervel para outros sectores de actividade.


Continua a verificar-se um grande desnvel entre a produtividade mdia portuguesa e a comunitria. O crescimento da
produtividade em Portugal tem sido insuficiente, em particular nos ltimos seis anos,
pesem embora os grandes investimentos
em capital fsico e humano, o que tem como consequncia uma menor competitividade externa.
Finalmente, o tradicional dfice comercial da economia portuguesa tem-se agravado, e as exportaes, que em cerca de
80 % se dirigem para pases da Unio Europeia, apesar da muito significativa mudana nos ltimos anos (com o aumento de
peso das mquinas e dos veculos e a reduo dos sectores mais tradicionais, como por exemplo o vesturio e calado, que
reduziu o seu peso de 30 % para 13 % do
total das exportaes nos ltimos quinze
anos), continuam ainda muito dependentes
de produtos tradicionais ou utilizadores de
recursos naturais que esto a sofrer uma
concorrncia acrescida de pases com
custo de mo-de-obra muito baixos com a
liberalizao do comrcio mundial (fileira
txtil e calado, 18 % das exportaes, fileira florestal, 9 %).
Em relao aos servios, o turismo, que
corresponde a cerca de 3 % do PIB, continua a afirmar-se como uma actividade dinmica de exportao, sendo responsvel
(com as viagens) por um saldo lquido positivo na balana corrente de cerca de
2,7 % do PIB.
Por outro lado, as formas de financiamento, sem encargos, dos dfices da balana corrente com o exterior actuantes
neste perodo (remessas de emigrantes e
depois fundos comunitrios) perdem peso
em relao dimenso da economia.
A sociedade portuguesa regista tambm, semelhana de muitas outras, um
processo acelerado de envelhecimento (o
peso da populao de 65 e mais anos no

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A economia

Estrutura do comrcio externo em 2005 (%)


Exportaes

Importaes

Agrcolas e alimentares

8,8

12,0

Energia

4,3

14,7

10,5

13,6

Qumicos
Txteis, peles e couro

5,4

4,2

Madeira, cortia, pasta e papel

9,1

4,2

12,6

3,4

Vesturio e calado
Minrios e metais

9,0

9,2

Mquinas e aparelhos

18,7

19,9

Veculos e outros materiais de transporte.

14,0

12,5

Outros
Total

7,8

6,2

100

100

Fonte: Ministrio da Economia, GEE.

total quase duplicou nos ltimos trinta


anos), o que origina uma presso intensa
sobre o sistema de segurana social. Medidas recentemente tomadas permitem
garantir a sustentao do sistema por algumas dcadas, mas a questo do envelhecimento continua a constituir um desafio difcil para a economia portuguesa,
principalmente porque coincide com as
dificuldades competitivas acima referenciadas.
Neste contexto, a liberalizao do comrcio mundial, a ausncia de poltica macroeconmica prpria, a reduo do peso

de formas utilizadas no passado para o financiamento do dfice comercial, como


sejam as remessas de emigrantes e os fundos estruturais, e os efeitos polarizadores
da prpria integrao europeia, reforando
o centro face s periferias, so os principais
factores condicionantes a ter em conta.
No entanto, a impressionante capacidade que a economia portuguesa tem mostrado de vencer os difceis desafios que
nos ltimos trinta anos se lhe tm posto fornece um bom apoio aos muitos que pensam que saber corresponder da melhor
forma a estes novos desafios.

223
A economia

A educao

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A educao

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Guilherme dOliveira Martins

A educao como prioridade1

educao constitui a primeira prioridade das polticas pblicas. Tal exigncia resulta da conscincia de
que o atraso acumulado ao longo de dcadas s poder ser superado com um esforo redobrado do Estado e da sociedade na
qualificao das pessoas como factor de
dignificao, de eficincia e de equidade.
O desenvolvimento da educao e da
formao das pessoas, o progresso nas
qualificaes dos cidados e a aposta nas
pessoas exigem um forte compromisso da
sociedade. Trata-se de compreender, antes do mais, que a educao e a formao
das pessoas constituem os modos de
transformar as atitudes e os comportamentos sociais e humanos no sentido de estabelecer uma relao fecunda e criadora na
sociedade e com a natureza, colocando os
escassos recursos disponveis e os frutos
do progresso ao servio da sociedade e
das pessoas.
A sociedade do conhecimento e da
aprendizagem est a constituir-se num processo que obriga: melhoria de qualidade
da educao bsica, na lgica da criao
de uma cultura de iniciativa, de responsabilidade e de cidadania activa; expanso e
diversificao da formao inicial dos jovens com a criao de um ensino secundrio que prepare melhor para a vida activa,
apostando na qualificao, na relevncia
das formaes, na produtividade e elevada
empregabilidade das novas geraes;
promoo de uma autntica aprendizagem
ao longo da vida, na lgica da educao
permanente e do reconhecimento das
aprendizagens adquiridas, bem como

criao de condies para o desenvolvimento da sociedade da informao.


Entenda-se, desta forma, que lgica
do sistema abstracto se contrape hoje a
perspectiva da escola como espao de relao, de aquisio de conhecimentos e
transmisso de saberes, de compreenso,
tolerncia e respeito mtuo. E se, muitas
vezes, se refere o atraso educativo portugus, a verdade que este resulta de factores acumulados e de uma desvalorizao
durante muitas dcadas da funo formativa, a que hoje se somam a abertura de
fronteiras, a comparao com os melhores
sistemas e a competio internacional, que
exigem esforos ainda mais intensos nas
aprendizagens, para que o atraso no se
agrave, j que os pases mais desenvolvidos no param nem esperam por ns...
Vislumbram-se, assim, novos horizontes
inerentes afirmao e consolidao de
uma sociedade aberta, na qual a igualdade de oportunidades se deve abrir liberdade de iniciativa e a regulao de polticas pblicas completa a concorrncia e a
competitividade.
neste sentido que a educao, como
primeira prioridade, se adequa s exigncias do desenvolvimento humano num
mundo e numa Europa em que a mobilidade e a complexidade caracterizam as relaes sociais e em que a inovao e o conhecimento so factores essenciais do

1 A actualizao bibliogrfica deste texto, baseou-se


em elementos estatsticos das seguintes entidades:
Instituto Nacional de Estatstica; Ministrio da Cincia, Tecnologia e Ensino Superior; Ministrio da Educao; OCDE (Education at a Glance);

227
A educao

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

progresso. Educao para todos, construo de uma sociedade educativa ou de


aprendizagem, valorizao da formao ao
longo da vida e da relevncia dos conhecimentos e aprendizagens, educao bsica
de qualidade e ensino secundrio com
maior ligao vida activa, ensino superior
para o maior nmero nas melhores condies, forte aposta no rigor cientfico, nas
tecnologias e nas artes eis alguns dos
pontos fundamentais dos quais temos de
partir.
A noo moderna de desenvolvimento
sustentvel e a exigncia da mobilizao
de recursos disponveis em torno do capital social obrigam a dar educao e
formao maior importncia. A coeso social, a qualidade das instituies, o desenvolvimento de uma cidadania activa, o rigor
econmico, a empregabilidade, a conscincia da necessidade de dar combate a
todas as formas de excluso exigem que
as polticas pblicas de educao e formao se constituam em instrumentos fundamentais de desenvolvimento.
Educao pr-escolar1
(crianas inscritas)
300 000

250 000

200 000

150 000

100 000

50 000

2006-07

2000-01

1994-95

1986-87

1977-78

1 2005-06 e 2006-07: dados preliminares.


Fonte: GIASE Gabinete de Informao e Avaliao do Sistema Educativo.

228
A educao

Taxa de analfabetismo
(10 e mais anos)
Ano

Taxa

1991

11,0

2001

9,0

Fonte: INE (Recensamento da populao).

Partindo de nveis baixos de qualificao, a sociedade portuguesa est hoje


confrontada com a exigncia de dar continuidade ao esforo muito significativo que
foi levado a cabo com resultados prticos
positivos na ltima dcada quer no lanamento da rede nacional de educao
pr-escolar, que permitiu um efectivo aumento na pr-escolarizao (58 % em
1995, 77 % em 2003) entre os trs e os cinco anos de idade em jardins-de-infncia,
quer na forte valorizao operada nos ensinos bsico e secundrio e na expanso e
consolidao do ensino superior, na valorizao das carreiras docentes, na formao
contnua de professores e na concretizao de uma cultura de avaliao quer
institucional, quer relativamente docncia, aos conhecimentos e aprendizagens.
Os estudos realizados sobre a histria
da educao revelam, ao longo do tempo,
uma persistente ineficcia das polticas postas em prtica, designadamente no sculo XX, quando at havia uma forte conscincia sobre a importncia da instruo
pblica. Infelizmente, apesar de todos os
esforos e da intencionalidade reformadora,
mantiveram-se os nveis elevados de analfabetismo (75 % em 1900, 25 % em 1972) e
os baixos nveis de escolarizao a que
houve que responder com muita persistncia e determinao. No incio dos anos 70, a
escolaridade obrigatria passou de quatro
para seis anos, e com a Lei de Bases do
Sistema Educativo (LBSE) de 1986 viria a
ser alargada para nove anos. A abertura rpida do sistema gerou naturais dificuldades,
antes do mais pelas carncias em infra-estruturas e em pessoal docente, verifican-

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

A educao

do-se, a partir de meados dos anos 90, uma


estabilizao geral quer pelo aumento das
taxas de escolarizao, a atingirem praticamente os 100 % nos 15 anos de idade, quer
pela ligao positiva entre medidas sociais
(rendimento mnimo) e preveno do abandono escolar precoce, quer ainda pela melhoria dos nveis de formao inicial de educadores e professores. Apesar de haver
ainda um esforo intenso a levar a efeito
com vista a garantir a consagrao de instrumentos de avaliao da qualidade e a assuno de uma cultura de responsabilidade, de eficincia e de justia, o certo que
a situao alcanada permite um balano
positivo dos resultados obtidos.

Escolarizao e
qualificao
Verifiquemos, atravs de alguns indicadores, a evoluo ocorrida nos anos 90 no sistema educativo portugus, que justificou um
forte investimento traduzido no crescimento
de 1 % do peso das despesas da educao

no produto interno bruto (PIB). Com mais


alunos, mais escolas e exigncias de melhor formao de educadores e professores,
tornou-se indispensvel dar um salto na
qualificao da rede educativa. Assim, a taxa de escolarizao aos 18 anos passou de
45 % em 1991 para 62 % em 2001 e a percentagem da populao com nvel de instruo mdio e superior evoluiu no mesmo
perodo de 6,3 % para 10 por cento. Por outro lado, a populao entre os 18 e os 24
anos que no se encontra a frequentar qualquer grau de ensino, segundo o nvel de
instruo, registou uma evoluo de 1991
para 2001 de 64 % com formao inferior ao
secundrio, para 45 % o que constitui,
apesar do grande avano, um valor muito
alto se comparado com os outros pases da
Organizao para a Cooperao e Desenvolvimento Econmico (OCDE).
Este esforo levou, alis, a que os ndices mais elevados de insucesso escolar se
tenham deslocado do 1.o e 3.o ciclos do ensino bsico para o ensino secundrio e que
o mximo de abandono escolar tenha deixa-

Taxa real de escolarizao


(%)
100
90

Pr-escolar
1. ciclo
2. ciclo
3. ciclo
Secundrio
Superior

80
70
60
50
40
30
20

2003-04
2004-05

2001-02
2002-03

1998-99
1999-00
2000-01

1994-95
1995-96
1996-97
1997-98

1992-93
1993-94

1990-91
1991-92

1989-90

1988-89

1986-87
1987-88

1982-83
1983-84
1984-85
1985-86

1981-82

1978-79
1979-80
1980-81

1977-78

10

Para os anos lectivos de 1977-78 a 1987-88 incluiu-se os alunos do Ensino Mdio.


Fonte: GIASE Gabinete de Informao e Avaliao do Sistema Educativo.

229
A educao

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

% % % % % % % % % % % % % % % % % % % % % %

Retrato de Portugal

do de se situar no ensino bsico para se situar no ensino secundrio. O facto de os ndices de insucesso escolar e do abandono
se terem reduzido significativamente no ensino bsico (as taxas de reteno e de desistncia registaram em 1996-1997 o valor
de 15,2 %, contra 13 % em 2002-2003) e de
o ensino secundrio registar agora as maiores taxas relativas de insucesso e abandono
(35,7 % em 1996-1997 contra 33,7 % em
2002-2003) determina que este nvel de ensino e a faixa etria 15-18 anos sejam hoje
considerados estratgicos e prioritrios.
Para esta evoluo positiva contriburam a consolidao da escolaridade obrigatria de nove anos, as concepes e
aplicaes de programas interministeriais
contra o insucesso e o crescente peso dos
servios na economia portuguesa, correspondendo ao incremento de 12 % do peso
relativo do sector tercirio de 1985 e 1997
(42,4 % para 54,9 %) e reduo do sector
primrio de 10 % (de 23,8 % para 13,5 %,
nos mesmos perodos), que determinou
uma maior importncia da questo das
competncias e capacidades da populao activa e das responsabilidades do sistema educativo, em especial do ensino secundrio.
Actualmente, continuam a ser reas de
particular vulnerabilidade da situao educativa portuguesa: a sada de jovens do
sistema sem preparao ou qualificao
profissional; a estrutura de habilitaes da
populao caracterizada pela existncia
de 80 % dos activos com formao at aos
nove anos de escolaridade, com inexpressiva representao das formaes secundrias ou de qualificao profissional de
nvel III; a produtividade dos activos portugueses ser de apenas 66 % do valor mdio
da produtividade do espao da Unio Europeia (UE); uma convergncia menos acelerada em Portugal do que nos restantes
pases da coeso, no que respeita proporo de empregados com formaes superiores, apesar da evoluo muito rpida
230
A educao

registada em Portugal na frequncia do ensino superior.


Estes dados levam-nos a pr a nfase
na necessidade de continuidade na aposta estratgica na prioridade educao/formao com especial ateno existncia de ofertas formativas diversificadas no
ensino secundrio. Do mesmo modo, impe-se uma forte aposta na relevncia das
formaes secundrias e superiores e na
valorizao do binmio avaliao/empregabilidade, desde que ligado s prioridades estratgicas de desenvolvimento do
pas. Da a necessidade de promoo da
qualidade e de contrariar activamente os
elevados nveis de insucesso e de abandono nas formaes ps-secundrias
articulando mais intensamente polticas
de educao/formao profissional e
de prosseguir com a criao de instrumentos de observao de entradas na vida activa e de orientao vocacional e
profissional. Com efeito, a existncia de
desempregados com formaes superiores no se deve ao excesso global de diplomados, mas a uma irregular distribuio dos mesmos.
Importa agora tirar consequncias
adequadas, designadamente quanto
evoluo demogrfica. A quebra na taxa
de natalidade, a reduo da taxa de crescimento migratrio e uma evoluo que
acentua a reduo da importncia relativa
dos jovens entre os 0 e os 14 anos e a elevao da proporo de indivduos com 65
e mais anos conduz-nos, ainda, valorizao da educao de adultos e criao
de instrumentos de certificao de adquiridos.
Por outro lado, a irregular distribuio
da populao nas diferentes regies, a falta de mobilidade e a forte tendncia para a
concentrao urbana determinam a necessidade de dar resposta atravs da adequao do parque escolar s novas necessidades educativas e de formao e da
criao de escolas completas, nas reas

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A educao

Aula de educao para adultos.

metropolitanas de Lisboa e Porto e nas


principais cidades do litoral. Enquanto at
ao final dos anos 90 houve que dar resposta ao crescimento da populao escolar,
depois dessa altura do que se trata de
reorganizar a rede existente. Tambm a reduo da populao em reas rurais, designadamente do interior, e a pulverizao
da rede escolar do 1.o ciclo (com 60 % das
escolas com um ou dois lugares docentes
e cerca de metade das escolas com menos de 16 alunos) conduziu ao processo
de encerramento das escolas de menor dimenso e de agrupamento horizontal e vertical de estabelecimentos de ensino, potenciado pelo regime de autonomia escolar e
pela criao de centros de recursos e de
uma gesto integrada, de modo a garantir
uma maior ligao da escola ao meio, uma
melhor utilizao das instalaes e do pessoal docente, em ligao estreita com as
orientaes no domnio do ordenamento do
territrio.
Importa ainda referir a necessidade de
uma ligao cada vez mais estreita entre a
evoluo do sistema educativo e as opes
nos campos social e econmico. A vida comunitria, a articulao com as decises
das empresas e dos agentes econmicos,

a tomada de conscincia da necessidade


de coordenao entre as polticas de educao, formao e emprego, o equilbrio
entre o progresso cientfico e a compreenso da importncia das tecnologias, entre
a teoria e a prtica tudo isso nos conduz
atribuio de crescente importncia no
investimento no factor humano como recurso insubstituvel, para o qual indispensvel haver referenciais de qualidade.
Revela-se, pois, indispensvel: a estreita articulao dos sistemas educativo e formativo, mobilizao de recursos e a procura conjunta de respostas diversificadas
que visem a melhoria generalizada das
qualificaes dos jovens e dos activos portugueses; a reorientao da oferta do sistema educativo nas formaes recorrentes,
visando a construo de respostas diversificadas destinadas a apoiar a reinsero
no mercado de trabalho dos activos que,
ao longo da vida, mudam de emprego ou
mesmo de profisso; a valorizao da pertinncia e da qualidade das formaes em
funo do dinamismo desejado para a actividade econmica e a preocupao de
apoiar os jovens na transio para a vida
activa, bem como a renovao dos processos e tempos escolares, pela integrao e
231
A educao

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Retrato de Portugal

utilizao no processo de aprendizagem


dos alunos e formandos de todas as potencialidades das tecnologias, em especial as
da informao e comunicao, e de uma
concepo dos perfis de docncia adequados s novas exigncias.
Olhando o futuro considerando os
factores mobilizadores das energias disponveis, no sentido de uma mudana orientada para a qualidade, para a exigncia e
para o rigor , constituem objectivos fundamentais de aco: no s prosseguir na
melhoria da qualidade da educao bsica
e secundria, contribuindo para uma cultura
de iniciativa, de responsabilidade e de cidadania activa; mas tambm guiar e promover
o desenvolvimento da sociedade da informao e do conhecimento em Portugal.
No fundo, a escola o centro da vida
educativa; o aluno o objectivo fundamental de todas as aces da educao; o conhecimento e a compreenso do mundo
que nos rodeia visam incentivar a cidadania livre e responsvel, o esprito autnomo
e crtico, o rigor cientfico e a sensibilidade
artstica aqui est a fora essencial de
uma aposta sria no factor humano e no
dilogo entre saberes e culturas.

O sistema educativo
Em Portugal, o sistema educativo compreende a educao pr-escolar, a educao escolar e a educao extra-escolar.
A educao pr-escolar
A educao pr-escolar a primeira etapa
da educao bsica, complementar da aco educativa da famlia, e destina-se s
crianas com idades compreendidas entre
os trs anos e a idade de ingresso no ensino bsico. Segundo a LBSE (Lei n.o 46/86,
de 14 de Outubro, alterada pela Lei n.o 115/
/1997, de 19 de Setembro, e pela Lei n.o 49/
/2005, de 30 de Agosto), a rede da educao pr-escolar constituda por instituies prprias, de iniciativa do poder
232
A educao

central, regional ou local e de outras entidades, colectivas ou individuais, designadamente associaes de pais e moradores, organizaes cvicas e confessionais,
organizaes sindicais e de empresa e de
instituies de solidariedade social
(art.o 5.o, n.o 5). A frequncia deste nvel
de educao facultativa, no reconhecimento de que famlia cabe um papel essencial no processo da educao pr-escolar (art.o 5.o, n.o 8) ainda que o
Estado apoie as instituies integradas na
rede pblica.
A Lei-Quadro da Educao Pr-Escolar
(Lei n.o 5/97, de 10 de Fevereiro) estipula a
complementaridade com a aco educativa da famlia e o favorecimento da formao e do desenvolvimento equilibrado da
criana, tendo em vista a plena insero
na sociedade como ser autnomo, livre e
solidrio. Compete ao Estado contribuir
activamente para a universalizao da
oferta da educao pr-escolar.
Por estabelecimento de educao pr-escolar entende-se a instituio que presta servios vocacionados para o desenvolvimento da criana, proporcionando
actividades educativas e actividades de
apoio famlia. Cabe aos pais e encarregados de educao participar na direco
dos estabelecimentos, desenvolver uma relao de cooperao com agentes educativos numa perspectiva formativa, dar parecer sobre o horrio de funcionamento e
participar, em regime de voluntariado e sob
a orientao da direco pedaggica da
instituio, em actividades educativas de
animao e atendimento. Por seu turno, cabe ao Estado criar uma rede pblica de
educao pr-escolar, generalizando a
oferta dos respectivos servios de acordo
com as necessidades, apoiar a criao de
estabelecimentos de educao pr-escolar
por outras entidades da sociedade civil,
definir as normas gerais a que obedece o
subsistema e prestar apoio s zonas carenciadas. A participao das autarquias e a

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A educao

iniciativa das instituies da sociedade civil


no desenvolvimento da educao pr-escolar expressamente referenciada como muito relevante (art.os 7.o e 8.o).
Consagra-se uma tutela pedaggica
nica do Ministrio da Educao, o que
no se verificava antes da lei de 1997,
sendo as redes da educao pr-escolar
constitudas por uma rede pblica e uma
rede privada, complementares entre si, visando a oferta universal e a boa gesto
dos recursos pblicos. Havendo uma
complementaridade entre as funes educativa e social, consagrou-se tambm
uma cooperao entre os ministrios da
Educao e do Trabalho e da Solidariedade Social, de modo a assegurar a qualidade pedaggica e o apoio aos pais e famlias na componente socioeducativa, de
acordo com o princpio da diferenciao
positiva. Assim, a componente educativa
da educao pr-escolar gratuita e as
restantes componentes so comparticipadas pelo Estado, de acordo com as condies socioeconmicas das famlias, com o
objectivo de promover a igualdade de
oportunidades.
A educao escolar
A educao escolar compreende o ensino
bsico, secundrio e superior. O ensino bsico universal, obrigatrio e gratuito
tem a durao de nove anos. Ingressam
no ensino bsico as crianas que comple-

tem seis anos at 15 de Setembro do ano


de inscrio, podendo, a requerimento dos
pais, inscrever-se as crianas que perfaam seis anos entre 16 de Setembro e 31
de Dezembro. A frequncia do ensino bsico obrigatria at aos 15 anos de idade.
A gratuitidade abrange propinas, taxas e
emolumentos relacionados com a matrcula, frequncia e certificao, podendo ainda os alunos dispor gratuitamente do uso
de livros e material escolar, bem como de
transporte, alimentao e alojamento, se
necessrios.
O ensino bsico
O ensino bsico compreende trs ciclos: o
1.o ciclo, de quatro anos, da responsabilidade de um professor nico, que pode ser
auxiliado por outros professores em reas
especializadas; o 2.o ciclo, de dois anos,
organiza-se por reas interdisciplinares
de formao bsica, havendo, predominantemente, um professor por rea; o 3.o
ciclo, de trs anos, organizado segundo
um plano curricular unificado, integrando
reas vocacionais diversificadas, com um
professor por disciplina ou grupo de disciplinas. No 1.o ciclo, pretende-se assegurar
o desenvolvimento da linguagem oral e a
iniciao e progressivo domnio da leitura e
da escrita, das noes essenciais da aritmtica e do clculo, do meio fsico e social,
das expresses plstica, dramtica, musical e motora tendo, a partir de 2005, si-

Estabelecimento escolar integrado. Jardim-de-Infncia/Escola Bsica do 1.o Ciclo Prof. Joo


Dias Agudo, Mafra.

233
A educao

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Retrato de Portugal

do introduzido o ensino do ingls para os


alunos do ciclo inicial, considerando a necessidade de responder aos desejos da
mundializao. No 2.o ciclo, aponta-se para
a formao humanstica e artstica, fsica e
desportiva, cientfica e tecnolgica e a educao moral e cvica, visando habilitar os
alunos a assimilar e interpretar crtica e
criativamente a informao, de modo a
possibilitar a aquisio de mtodos e instrumentos de trabalho e de conhecimento
que permitam o prosseguimento da sua
formao numa perspectiva do desenvolvimento de atitudes positivas e conscientes,
perante a comunidade e os seus problemas reais importantes. Por fim, o 3.o ciclo
visa a aquisio sistemtica e diferenciada da cultura moderna, nas suas dimenses humanstica, literria, artstica, fsica e
desportiva, cientfica e tecnolgica, indispensvel ao ingresso na vida activa e ao
prosseguimento de estudos, bem como a
orientao escolar e profissional que faculte a opo de formao subsequente ou
de inscrio na vida activa, com respeito
pela realizao autnoma de pessoa humana (cf. art.o 8.o da LBSE). No ensino
Escola Secundria Jos Gomes Ferreira, Lisboa.

234
A educao

bsico, ainda que em escolas especializadas, podem ser reforadas diversas


componentes como o ensino artstico ou
a educao fsica e desportiva.
O ensino secundrio
O ensino secundrio, com a durao de
trs anos, organiza-se segundo formas diferenciadas. A identidade prpria deste nvel de ensino levou a que seja caracterizado no apenas por constituir uma via para
prosseguimento de estudos, mas tambm
por representar o termo de estudos formais
em vias predominantemente orientadas para a vida activa em especial profissionais,
tecnolgicas e artsticas. Nesse sentido, h
um especial incentivo s componentes de
formao de sentido tcnico, tecnolgico e
profissionalizantes e de lngua e cultura
portuguesas adequadas natureza dos diversos cursos. H, assim, permeabilidade
e intercomunicabilidade entre os diversos
cursos quer orientados para a vida activa, quer para o prosseguimento de estudos. No ensino secundrio, cada professor
responsvel por uma s disciplina e podem ser criados estabelecimentos espe-

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A educao

cializados, destinados ao ensino e prtica de cursos de natureza tcnica ou de


ndole artstica.
Visa-se, deste modo, valorizar a formao bsica, em condies de igualdade de
oportunidades e complement-la com uma
formao secundria orientada para a insero na vida activa ou para o prosseguimento de estudos. Neste sentido, a educao para todos, como objectivo geral,
orientada por uma forte preocupao de
relevncia de formao no processo de desenvolvimento na sociedade. Compreende-se, assim, que, teoricamente, se d
realce autonomia individual do aluno e ao
respeito da autonomia dos outros, a um
perfil activo e empreendedor e a uma preocupao de qualidade e rigor, do mesmo
modo que se valoriza a cultura humanstica
e cientfica, o esprito crtico, a boa utilizao das lnguas e das linguagens, a ligao entre teoria e a prtica e a percepo
da complexidade, do pluralismo e do dilogo entre saberes e culturas.
Hoje, a experincia positiva das escolas
profissionais, que atribuem simultaneamente
o diploma do ensino secundrio e uma certificao profissional de nvel III, determinou a
definio de um objectivo de alargamento
desse ensino rede pblica de modo a obter uma maior relevncia nas formaes e
uma mais fcil entrada na vida activa a
partir de uma coordenao das polticas
educativas e de formao profissional.
A educao especial, o ensino de adultos, o ensino distncia, o ensino portugus no estrangeiro, bem como a formao
profissional constituem modalidades especiais de educao escolar. H, portanto, um tratamento especfico de determinadas categorias de alunos atendendo, no
caso da educao especial, s necessidades educativas especiais devidas a deficincias fsicas e mentais ou a meras dificuldades de aprendizagem. Assim, no s
a educao especial se processa em instituies especficas quando comprovada-

Jovens surdos-mudos obtendo formao


profissional como encadernadores no
Centro de Formao de Beja.

mente o exijam o tipo e grau de deficincia


do educando, mas tambm se prev a organizao de formas de educao especial que visem a integrao do deficiente,
numa perspectiva de educao inclusiva.
H ainda os cursos de educao e formao e o ensino recorrente, para pessoas que j no se encontram na idade de
frequncia dos ensinos bsico e secundrio a que tm acesso, no nvel bsico, os
alunos a partir dos 15 anos, e, no nvel secundrio, a partir dos 18 anos.
Pretende-se garantir que este ensino
no seja apenas de segunda oportunidade
nem constitua um factor de excluso, havendo que distinguir a resposta para os jovens com insucesso escolar, para quem
importa encontrar solues motivadoras de
uma melhoria das aprendizagens relevantes e orientadas para uma rpida insero
na vida activa, da resposta para os adultos
que regressam vida escolar, para quem
tem de haver o reconhecimento e a certificao de formaes adquiridas informalmente e o apoio a iniciativas descentralizadas de educao e formao.
Nesta linha de preocupaes, a iniciativa
Novas Oportunidades, lanada em Dezembro de 2005, visa reforar o ensino profissionalizante de nvel secundrio. O objectivo
definido o de envolver mais de 650 000 jovens em cursos tcnicos e profissionais,
235
A educao

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Retrato de Portugal

pretendendo-se que em 2010 metade do


total das vagas de nvel secundrio corresponda a este segmento. Por outro lado, h
tambm o objectivo de formar os activos
que entraram na vida profissional com baixos nveis de escolaridade, pretendendo-se qualificar um milho de activos at
2010 o que obriga a incrementar a oferta
de cursos de Educao e Formao de
Adultos (EFA) e a alargar a rede de centros
de reconhecimento, validao e certificao de competncias.
A preparao para a vida activa exige,
assim, que a formao profissional seja
considerada tambm uma modalidade especial de aco educativa. Trata-se de
abranger no s quem no concluiu ainda
a escolaridade obrigatria, mas tambm
os que j a concluram sendo neste ltimo caso especialmente importantes os aspectos relativos ao aperfeioamento e
reconverso profissionais. O sistema portugus prev expressamente a incluso
da formao profissional na lgica educativa com base na articulao entre as
polticas da educao e a aco dos organismos especificamente encarregados
das questes do emprego e da formao
profissional.
Por outro lado, prev-se o ensino distncia, mediante o recurso aos multimdia
e s novas tecnologias da informao
em termos de complementaridade no ensino regular ou em alternativa educao
escolar. O ensino distncia privilegia a
educao de adultos e a formao contnua de professores.
Considerando a expanso da lngua
portuguesa no mundo e a proliferao de
comunidades de emigrantes portugueses,
o Estado incentiva a criao de escolas
portuguesas nos pases de lngua oficial
portuguesa e junto das comunidades de
emigrantes portugueses (art.o 25.o, n.o 2,
da LBSE). O ensino da lngua e da cultura
portuguesas aos trabalhadores emigrantes
e seus filhos dever corresponder a cur236
A educao

sos e actividades promovidas nos pases


de emigrao em regime de integrao
ou de complementaridade relativamente
aos respectivos sistemas educativos
(n.o 3). Acresce que o Estado promove
ainda a divulgao e o estudo da lngua e
da cultura portuguesas no estrangeiro
mediante aces e meios diversificados
que visem, nomeadamente, a sua incluso
nos planos curriculares de outros pases e
a criao e manuteno de leitorados de
portugus, sob a orientao de professores portugueses em universidades estrangeiras.
Importa ainda referir a educao extra-escolar abrangendo esta a luta contra o
analfabetismo literal e funcional, a promoo da literacia, a necessidade de corrigir
desigualdades de oportunidades educativas e profissionais, o favorecimento de atitudes de solidariedade social e da participao na vida comunitria, a preparao
profissional e tcnica e a ocupao dos
tempos livres. Estamos perante a educao e formao ao longo da vida ou a educao permanente que visa uma continuidade da aco educativa, o aumento
dos conhecimentos, o desenvolvimento
das potencialidades dos indivduos e a superao de carncias educacionais.
Os planos curriculares dos ensinos bsicos e secundrio, apesar de estabelecidos escala nacional, comportam a existncia de contedos flexveis, susceptveis
de integrar componentes de ndole regional e local. Inclui-se em todos os ciclos
uma rea de formao pessoal e social
que pode ter componentes ecolgicas, de
defesa do consumidor, de educao familiar e sexual, a preveno de acidentes, a
educao para a sade ou a educao cvica para a participao nas instituies
democrticas. O ensino da moral e da religio das diversas confisses religiosas integra-se nos currculos mas facultativo
com base no reconhecimento constitucional da liberdade religiosa.

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A educao

A administrao e a gesto dos estabelecimentos de ensino orienta-se por princpios de democraticidade e de participao
de todos os implicados no processo educativo. A direco de cada estabelecimento ou agrupamento de estabelecimentos
dos ensinos bsico e secundrio assegurada por rgos prprios com representantes eleitos de professores, alunos e pessoal no docente. Segundo a lei em vigor,
a participao dos alunos circunscreve-se
ao ensino secundrio.
Em lugar de um modelo nico de gesto, adoptou-se uma matriz flexvel, a partir
da ideia de que a escola, enquanto centro
das polticas educativas, tem [...] de construir a sua autonomia a partir da comunidade em que se insere, dos seus problemas e
potencialidades, contando com uma nova
atitude de administrao central, regional e
local, que possibilite uma melhor resposta
aos desafios da mudana (Decreto-Lei
n.o 115-A, de 4 de Maio) prevendo-se
designadamente a celebrao de contratos de autonomia, que visam reforar o
autogoverno e a responsabilizao nos estabelecimentos educativos.
A LBSE instituiu ainda o Conselho Nacional de Educao, com funes consultivas
relativamente poltica de ensino, estando
nele representadas, alm da Assembleia da
Repblica, foras sociais, culturais e econmicas na procura de consensos alargados na rea da educao.
O Estado reconhece ainda um estatuto
especial ao ensino particular e cooperativo como uma expresso concreta da
liberdade de aprender e ensinar e do direito da famlia a orientar a educao dos
filhos (art.o 57.o, n.o 1, da LBSE). Quando
os estabelecimentos de ensino particular
e cooperativo adoptem planos e programas prprios, o seu reconhecimento carece de anlise, caso a caso, considerando
a qualidade dos respectivos currculos e
as condies pedaggicas da sua aplicao. O Estado fiscaliza e apoia, dentro

destes parmetros, quer pedaggica quer


tecnicamente, o ensino particular e cooperativo.
Saliente-se ainda que, na perspectiva
de rede integrada, so celebrados com estabelecimentos do ensino particular e cooperativo contratos de associao, que permitem a satisfao das necessidades do
servio pblico com financiamento do Oramento de Estado.
O ensino superior
O ensino superior compreende o ensino
universitrio e o ensino politcnico, correspondendo desde 2002 ao Ministrio da
Cincia, Tecnologia e Ensino Superior.
Segundo a LBSE, o primeiro visa assegurar uma slida preparao cientfica e
cultural e proporcionar uma formao tcnica que habilite para o exerccio de actividades profissionais e culturais e fomente o
desenvolvimento das capacidades de concepo, de inovao e de anlise crtica e
o segundo visa proporcionar uma slida
formao cultural e tcnica de nvel superior (art.o 11.o, n.os 3 e 4).
O acesso ao ensino superior est aberto a todos os que estejam habilitados com
um curso secundrio ou equivalente e que,
cumulativamente, faam prova de capacidade para a sua frequncia. O regime de
acesso dever obedecer aos princpios de:
democraticidade, equidade e igualdade de
oportunidades; objectividade dos critrios
utilizados para a seleco e seriao dos
candidatos; universalidade de regras para
cada um dos subsistemas de ensino superior; valorizao do percurso educativo do
candidato do ensino secundrio, nas suas
componentes de avaliao contnua e provas nacionais, traduzindo-se a relevncia
para o acesso ao ensino superior do sistema de certificao nacional do ensino secundrio no processo de seriao; coordenao dos estabelecimentos de ensino
superior para a realizao da avaliao;
seleco e seriao, de forma a evitar a
237
A educao

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Retrato de Portugal

proliferao de provas a que os candidatos venham a submeter-se; carcter nacional do processo de candidatura matrcula e inscrio nos estabelecimentos de
ensino superior pblico, sem prejuzo da
realizao, em casos devidamente fundamentados, de concursos de natureza local; e a realizao das operaes da candidatura pelos servios da administrao
central e regional da educao (art.o 12.o
da LBSE).
Dentro do respeito dos princpios indicados, o processo de avaliao da capacidade para a frequncia, bem como o de
seleco e seriao dos candidatos ao ingresso em cada curso e estabelecimento
de ensino superior da competncia desses mesmos estabelecimentos.
Cabe ao Estado, alm da criao de
condies de igualdade de oportunidades, assegurar progressivamente a eliminao de restries quantitativas de carcter global no acesso ao ensino superior
(numerus clausus) e estabelecer as condies para que os cursos existentes e a
criar correspondam globalmente s necessidades sociais de formao e qualificao, s aspiraes individuais e ele-

vao do nvel educativo, cultural e cientfico do pas.


Tm ainda acesso ao ensino superior os
indivduos maiores de 23 anos que, no estando habilitados com um curso do ensino
secundrio ou equivalente e no sendo titulares de um curso do ensino superior, faam prova da capacidade para a sua frequncia.
No ensino superior so conferidos os
graus acadmicos de licenciado, mestre
e doutor. Na sequncia da Declarao de
Bolonha para o ensino superior e respectiva alterao da LBSE, foi suprimido o
grau acadmico de bacharel, no ensino
superior, quer universitrio, quer politcnico (Decreto-Lei n.o 74/2006, de 24 de
Maro).
O grau de licenciado, conferido no ensino universitrio e politcnico, corresponde
agora a um perodo de estudos compreendido entre seis e oito semestres curriculares. O grau de mestre adquirido atravs
do ensino universitrio e politcnico, e
conferido (concluda a licenciatura) aps
um novo ciclo de estudos com uma durao compreendida entre trs e quatro semestres. J o grau de doutor s pode ser

Edifcio do Departamento de Engenharia Electrnica da Universidade de Coimbra, Plo II.

238
A educao

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A educao

Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto.

conferido pelo ensino superior universitrio


(LBSE, art.os 14.o e 15.o).
Os estabelecimentos de ensino superior
podem realizar cursos no conferentes de
grau acadmico cuja concluso com aproveitamento conduza atribuio de diploma. Prev-se ainda o princpio do reconhecimento mtuo do valor de formao e
competncias adquiridas entre os ensinos
universitrio e politcnico.
Ainda de acordo com a redaco do
art.o 34.o da LBSE, os educadores de infncia e os professores dos ensinos bsico e
secundrio adquirem a qualificao profissional atravs de cursos superiores organizados de acordo com as necessidades do
desempenho profissional no respectivo nvel de educao e ensino.
A formao dos educadores de infncia
e professores dos 1.o, 2.o e 3.o ciclos do ensino bsico realiza-se em escolas superiores de educao e em estabelecimentos
de ensino universitrio (art.o 34.o, n.os 3 e 5,
da LBSE).
O ensino universitrio ministrado em
universidades e em escolas universitrias
no integradas e o ensino politcnico em

escolas superiores especializadas nos domnios da tecnologia, das artes e da educao, entre outros. As universidades podem ser constitudas por escolas, institutos
ou faculdades diferenciados por departamentos e por outras unidades, podendo integrar escolas superiores do ensino politcnico. As escolas do ensino politcnico
podem ser associadas em unidades mais
amplas, segundo critrios de interesse regional e/ou da natureza das escolas.
A articulao entre o ensino superior e a
investigao cientfica especialmente
posta em destaque no sistema portugus.
Assim, a LBSE prev que nas instituies
de ensino superior sero criadas as condies para a formao de investigao
cientfica e para a realizao de actividades de investigao e desenvolvimento
(art.o 18.o, n.o 2). Deste modo, atribuda
ao Estado a competncia para incentivar
a colaborao entre as entidades pblicas,
privadas e cooperativas, no sentido de fomentar o desenvolvimento da cincia, da
tecnologia e da cultura tendo particularmente em vista os interesses da colectividade (art.o 18.o, n.o 5).
239
A educao

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Retrato de Portugal

As universidades pblicas portuguesas


beneficiam de um regime constitucional de
autonomia so pessoas colectivas de
direito pblico e gozam de autonomia estatutria, cientfica, pedaggica, administrativa, financeira e disciplinar (art.o 3.o, n.o 1,
Lei n.o 108/88, de 24 de Setembro).
Esta autonomia assenta na tradio histrica da universidade portuguesa, que
tem a sua origem na fundao, pelo rei
D. Dinis, do Estudo Geral, em data prxima
de 1290, o qual se situou primeiro em Lisboa, vindo a ser transferido para Coimbra
(1308). At ao sculo XVI, a universidade
seria sediada ora em Lisboa ora em Coimbra, onde D. Joo III a viria fixar definitivamente no ano de 1537. Em 1598 a instituio seria dotada de novos estatutos, que
vigorariam com pequenas alteraes at
1772, altura em que se operou a chamada
reforma pombalina conduzida por Se-

bastio Jos de Carvalho e Melo, de cariz


iluminista e centralizador influenciando
decisivamente a vida das instituies universitrias, a partir de ento. Refira-se, ainda, a criao em 1558 dos Estudos de vora, cuja responsabilidade foi entregue aos
padres jesutas.
No sculo XX, a moderna Universidade
de Lisboa e a Universidade do Porto foram
constitudas, respectivamente, pelos decretos de 22 de Maro e 19 de Abril de
1911, e a Universidade Tcnica de Lisboa
pelo de 2 de Dezembro de 1930.
Nos ltimos anos assistiu-se ao surgimento de novas universidades pblicas e
privadas, designadamente nos grandes
centros. Merecem destaque, no incio dos
anos 70, a entrada em funcionamento da
Universidade Catlica Portuguesa, ao
abrigo do art.o XX da Concordata entre Portugal e a Santa S, e a criao da Univer-

Aspecto do edifcio principal da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade


Nova de Lisboa.

240
A educao

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A educao

Universidade de Aveiro.

sidade Nova de Lisboa, bem como das


universidades de Aveiro e do Minho e ainda do Instituto Universitrio de vora (hoje
universidade).
Tambm nos anos 70, verificou-se o
surgimento, no sector pblico, dos institutos universitrios de Trs-os-Montes e Alto
Douro, Beira Interior, Aores e Madeira
(que passaro, posteriormente, a universidades) e da Universidade do Algarve.
Aps a publicao da Lei n.o 108/88, de
24 de Setembro, as universidades pblicas
tm o direito de elaborar os seus estatutos,
sujeitos a homologao do ministro da
Educao, que apenas pode ser recusada
por desrespeito Constituio e s leis
aplicveis.
O Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas (CRUP) assegura globalmente a coordenao e a representao
das universidades. Estas colaboram na formulao de polticas nacionais de educao, cincia e cultura e so ouvidas no processo de criao pelo Estado de novas
universidades.
A autonomia universitria abrange os
seguintes aspectos:
a capacidade de livre definio, programao e execuo da investigao e

demais actividades cientficas e culturais


(autonomia cientfica);
a faculdade de criao, suspenso e
extino de cursos bem como a competncia para a elaborao de planos de estudo
e programas das disciplinas e definio
dos mtodos de ensino, estando o ensino
mdico submetido a legislao especial
(autonomia pedaggica);
o poder de dispor de patrimnio prprio, de gerir verbas anuais atribudas pelo
Oramento do Estado, de obter receitas
prprias e de as gerir anualmente atravs
de oramentos privativos num contexto
de autonomia administrativa e financeira;
o poder de punir, nos termos da lei,
as infraces disciplinares praticadas por
docentes, investigadores e demais funcionrios e agentes (autonomia disciplinar).
O Estado assume a responsabilidade
de garantir s universidades as verbas necessrias ao seu funcionamento nos limites das disponibilidades oramentais.
So rgos do governo das universidades: a Assembleia da Universidade, o reitor, o Senado Universitrio e o Conselho
Administrativo. A Assembleia da Universidade assegura a representao por eleio dos diferentes corpos da instituio
241
A educao

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Retrato de Portugal

(professores, restantes docentes, investigadores, estudantes e funcionrios), existindo paridade entre docentes e estudantes eleitos e equilbrio na representao
das unidades orgnicas independentemente da sua dimenso; a estes acrescem
os membros por inerncia (p. ex., reitor, vice-reitores, presidentes dos rgos de
gesto das unidades orgnicas e os rgos de governo dos estabelecimentos integrados, presidentes das associaes de
estudantes). A Assembleia da Universidade discute e apura os estatutos da universidade e suas alteraes, elege o reitor e decide sobre a sua substituio. O reitor
eleito para um mandato de quatro anos pela Assembleia da Universidade, por escrutnio secreto, de entre os professores catedrticos de nomeao definitiva, nos
termos estabelecidos pelos estatutos de
cada universidade. O ministro s pode recusar a nomeao do reitor com base em
vcio de forma do processo eleitoral. Os vice-reitores so nomeados pelo reitor. Este
representa e dirige a universidade, propondo, designadamente, velando pela observncia das leis e dos regulamentos e
superintendendo na gesto acadmica,
administrativa e financeira.
O Senado Universitrio aprova, entre
outras medidas, as linhas gerais de orientao da universidade, os projectos oramentais, os relatrios e as contas bem como a criao, suspenso e extino de
cursos, estabelecimentos e estruturas da
universidade; exerce ainda o poder disciplinar e fixa o valor das propinas a pagar
pelos alunos. A composio do Senado
Universitrio definida pelos estatutos de
cada universidade, devendo a representao dos diversos corpos respeitar regras
aplicveis Assembleia da Universidade.
O Conselho Administrativo tem a seu
cargo a gesto administrativa, patrimonial
e financeira e composto pelo reitor, por
um vice-reitor, pelo administrador ou pelo
funcionrio administrativo de categoria
242
A educao

mais elevada, e ainda por um representante dos estudantes.


Em cada faculdade ou unidade orgnica
da Universidade devero existir obrigatoriamente os seguintes rgos: assembleia de
representantes, conselho directivo, conselho pedaggico e conselho cientfico ou
conselho pedaggico-cientfico.
O ensino superior politcnico foi criado
em 1979 e 1980 com o objectivo de apetrechar o pas com cursos de formao mais
curta e profissionalizantes, concebidos
como instrumentos de desenvolvimento
regional. Por outro lado, o ensino politcnico dever construir um elo privilegiado nas
relaes entre o sistema educativo e o tecido econmico e empresarial. A sua criao
envolveu 13 institutos, integrando escolas
de nvel mdio j existentes constituindo-se, deste modo, um sistema binrio de
ensino superior que a LBSE consagrou.
A lei de gesto e autonomia dos institutos
politcnicos mantm orientaes existentes para as universidades, como o da criao de cursos, que permaneam sujeitos a
aprovao pelo Ministrio da Educao.
O Estatuto do Ensino Superior Particular
e Cooperativo (Decreto-Lei n.o 16/94, alterado pela Lei n.o 37/94 e pelo Decreto-Lei
n.o 94/99) consagra que as instituies de
ensino no estatal (onde no se inclui a
Universidade Catlica Portuguesa, por ser
concordatria) so de iniciativa de empresas, cooperativas ou fundaes criadas especialmente para o desenvolvimento do
ensino superior, exigindo-se o reconhecimento oficial de interesse pblico para poderem atribuir graus acadmicos. O processo de reconhecimento da instituio
apreciado pela Direco-Geral do Ensino
Superior, estando sujeito a uma apreciao
final de uma comisso de especialistas.
O reconhecimento dos cursos segue um
processo semelhante, envolvendo a apreciao dos requisitos legais aplicveis.
A organizao das instituies do sector
particular e cooperativo mais flexvel do

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A educao

que as da rede pblica, assentando, porm,


na separao entre os rgos de natureza
cientfica ou pedaggica e rgos de natureza administrativa e financeira. Dispem
obrigatoriamente de reitor ou presidente,
director, conselho cientfico e conselho pedaggico. A autonomia do ensino superior
completada pela existncia de um sistema nacional de avaliao que abrange todas as instituies de ensino superior, incidindo sobre a qualidade do respectivo
desempenho pedaggico e cientfico. Este
sistema (criado pela Lei n.o 38/94) assenta
num processo de auto-avaliao, avaliao
externa e meta-avaliao, cabendo ao
Conselho Nacional de Avaliao do Ensino
Superior o acompanhamento e harmonizao do processo. O sistema baseia-se na
participao das instituies avaliadas, na
autonomia e imparcialidade da entidade
avaliadora, na audio de docentes, bem
como na divulgao dos relatrios de avaliao correspondentes a cada instituio.
As actividades de avaliao iniciaram-se
nas universidades pblicas e foram generalizadas s restantes instituies de ensino superior.

O financiamento do ensino superior baseia-se numa relao triangular Estado-instituio-alunos e no pagamento de uma
propina de valor moderado anual, o que
define o Estado como o principal financiador da componente educativa. Os fundos
canalizados pelo Oramento de Estado so
orientados para as actividades educativas e
de investigao. As instituies dispem
ainda de receitas prprias que decorrem
de contratos de prestao de servios que
celebrem.
Desde 1994 existe uma frmula acordada com as instituies para determinar o
oramento de funcionamento, que trouxe
maior transparncia e equidade na distribuio do financiamento pelas instituies.
A legislao sobre financiamento introduziu
a possibilidade da celebrao de contratos-programa e de desenvolvimento entre o
Estado e as instituies de ensino, dando
um passo importante no sentido da programao plurianual das escolas bem como
medidas significativas no sentido de consagrar a flexibilizao da gesto financeira
e administrativa, o que permitiu a consolidao da autonomia universitria.

Instituto Politcnico da Guarda.

243
A educao

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Retrato de Portugal

A aco social escolar no ensino superior registou um incremento muito significativo nos ltimos anos. A partir de 1999
foi introduzido um sistema de emprstimos
aos estudantes, com o objectivo de possibilitar a sua autonomizao financeira. Este instrumento, aplicvel aos estudantes
carenciados e com aproveitamento escolar, destina-se, numa primeira fase, aos
alunos dos ltimos anos dos cursos de licenciatura, prevendo-se um posterior alargamento.
A evoluo do ensino superior foi dominada no final dos anos 80 pela forte expanso da iniciativa particular e cooperativa. Entre 1987 e 1992, o nmero de vagas
do ensino superior pblico aumentou cerca de 40 % enquanto as vagas do privado
aumentaram 250 por cento. Em 1995 a introduo de exames obrigatrios para
concluso do ensino secundrio fez diminuir os candidatos nos anos seguintes.
A partir de 1996 a procura do ensino superior passou a ser menor do que as vagas
oferecidas conjuntamente pelos ensinos
pblico e privado.
A reduo do nmero de candidatos
conjugada com o crescimento das vagas
do ensino superior pblico introduziu uma
reduo da importncia relativa do sector
privado, que representa actualmente cerca
de um tero do total de alunos.
Em suma, o sistema pblico de ensino
superior, compreendendo as instituies
sob tutela exclusiva do Ministrio da Cincia, Tecnologia e Ensino Superior, bem como outras tuteladas conjuntamente com
outros ministrios, constitudo por 49 instituies: 14 universidades, cinco instituies universitrias no integradas, 15
institutos politcnicos e 15 escolas politcnicas no integradas. O sistema privado,
por seu lado, compreende 103 instituies:
14 universidades (onde se inclui a Universidade Catlica Portuguesa), 33 escolas universitrias no integradas em universidades, dois institutos politcnicos e 54 escolas
244
A educao

politcnicas no integradas em institutos


politcnicos ou universidades.

Educao para todos e


escola democrtica
A educao para todos e a escola democrtica so peas fundamentais para a
consolidao do nosso processo de desenvolvimento e para a resposta ao desgnio nacional de vencer o atraso estrutural
que nos separa dos pases europeus mais
desenvolvidos, no prazo de uma gerao.
A qualidade, o combate ignorncia, a luta
uniformidade, indiferena e excluso,
a valorizao da liberdade, da autonomia
individual, da solidariedade e de um sentido aberto de comunidade eis o que tem
de constituir prioridade absoluta de uma
sociedade desenvolvida. Da a necessidade de, cada vez melhor, assegurar a ligao entre educao e formao, o apoio s
vias tecnolgicas, profissionalizantes e artsticas no ensino secundrio e a concretizao de uma ideia mobilizadora de educao permanente.
Educar suscitar a autonomia e a responsabilidade mas tambm dar resposta activa s necessidades de criatividade social. Em Portugal, no fim do sculo XX
e no limiar de um novo tempo, precisamos
de qualificaes relevantes para os nossos
jovens. A competitividade, a mobilidade e a
concorrncia exigem-no.
A qualidade das aprendizagens, a exigncia na avaliao, a internacionalizao,
a capacidade de competir, a empregabilidade constituem desafios a que no poderemos deixar de corresponder. S poderemos superar o atraso, bem evidente nos
elevados nveis de abandono escolar, de
sadas antecipadas e precoces e do insucesso educativo, atravs de mais trabalho,
melhor organizao e de objectivos mais
ambiciosos.
Hoje, na Europa, o fundamental do que
est a ocorrer j no tem s a ver com a

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A educao

criao de instrumentos econmicos e monetrios, mas com a sua consolidao atravs de mais e melhor formao das pessoas
que livremente circulam e que do o melhor
de si ao projecto comum que estamos a
construir. E preocupante verificar que na
UE se acumulam atrasos que importa ultrapassar. A livre circulao das pessoas obriga a uma maior qualidade dos sistemas de
ensino, ao incentivo convergncia entre
eles e ao reconhecimento mtuo de diplomas e formaes. Eis porque a dimenso
europeia na educao ter uma importncia

crescente como oportunidade, estmulo e


desafio a todos os pases europeus, uma
vez que a inovao e conhecimento, o rigor
e a equidade so a chave do desenvolvimento e da modernizao nos dias de hoje.
Ns somos, em ltima anlise, o mtodo, o processo, a forma e o modo dizia-nos Rmulo de Carvalho, educador e
cientista. A educao tem esse acicate
o de partir das pessoas concretas, do professor, do aluno, do educador, da escola.
Razes e horizontes, presente e futuro encontram-se permanentemente...

245
A educao

Cultura

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O patrimnio cultural
A literatura
A arquitectura
As artes visuais
As artes do espectculo
O cinema
Design e moda

O patrimnio cultural
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Fernando Pereira Marques

m Portugal, o processo de construo da ideia de patrimnio, enquanto legado das geraes passadas indispensvel para preservar a
memria e cimentar a identidade nacional,
no foi muito diferente do observvel um
pouco por toda a Europa, sobretudo a partir do Renascimento. Andr de Resende
(1500?-1573), erasmista e esprito cosmopolita perseguido pela Inquisio, foi um
precursor dos estudos arqueolgicos (De
antiquitatibus Lusitaniae). Quase dois sculos mais tarde, no reinado de D. Joo V,
sob o impulso da ento recm-criada Academia Real de Histria Portuguesa Eclesistica e Secular, o decreto rgio de 13
de Agosto de 1721 prefiguraria a primeira
legislao portuguesa de proteco do
patrimnio cultural, essencialmente na sua
componente arqueolgica. Ainda no sculo XVIII constituram-se coleces particulares na Universidade de Coimbra, na Academia das Cincias, no Pao da Ajuda e,

na centria seguinte, outras ganhariam um


carcter pblico.
Homens de letras e de aco, como os
romnticos Almeida Garrett e Alexandre
Herculano, contribuiriam para a formao
de uma conscincia patrimonial nesse sculo XIX em que as guerras civis, mas sobretudo a incria e a ignorncia, provocaram inmeras delapidaes e destruies
de bens arquitectnicos e artsticos. Em
1836, o esplio proveniente das ordens religiosas extintas foi guardado na Academia
de Belas-Artes de Lisboa, entretanto surgida. Mostrado, a partir de 1869, na chamada Galeria Nacional de Pintura, situada nas
instalaes dessa academia (antigo Convento de So Francisco), viria a constituir o
essencial do recheio do Museu de Belas-Artes e Arqueologia inaugurado, com
pompa e circunstncia, em 1884, num edifcio conhecido por Palcio das Janelas
Verdes que fora dos condes de Alvor,
antes de nele se instalar o marqus de

O Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa.

249
Cultura

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Retrato de Portugal

Pombal. hoje o Museu Nacional de Arte


Antiga.
Anos mais tarde (1893) foi criado o Museu Etnogrfico Portugus, que teria sucessivas designaes at adoptar a actual
de Museu Nacional de Arqueologia. Est
instalado desde 1903 no Mosteiro dos Jernimos.
Nesta segunda metade de Oitocentos,
estabilizadas as instituies monrquicas
constitucionais, o pas envereda por um
perodo de relativo desenvolvimento e modernizao, mesmo se a uma escala e a
um ritmo distintos do que se passava no
resto da Europa, tornada mais prxima pelo telgrafo e os caminhos-de-ferro. Comear-se- a proceder ao levantamento e
classificao dos monumentos, e criao
de instrumentos legislativos e funcionais
capazes de permitir a sua salvaguarda. Tarefas que prosseguiro com a I Repblica
(1910-1926), durante a qual se empreender mesmo um inventrio geral e sistemtico dos bens mveis e imveis existentes a
nvel nacional.
No discurso da tomada de posse do
primeiro governo que Portugal teve aps a
revoluo democrtica de 25 de Abril de
1974, o general Antnio de Spnola, presidente da Repblica, disse a dado passo:
Tero de facultar-se a todos idnticas
oportunidades de acesso aos bens da cultura e da educao, estimulando paralelamente o florescimento do nosso patrimnio
cultural. Neste domnio, h que consolidar
a fora vinculadora da lngua portuguesa
como afirmao de uma Histria de que
nos honramos e trao da unio das comunidades lusadas ou lusfilas que por essa
via se mantero unidas independentemente dos estatutos polticos.
Era significativa esta referncia importncia do patrimnio cultural nesse acto oficial, realizado num momento ainda
de grande agitao e quando prioridades
de gesto poltica imediata se impunham.
Isto apesar de, nos termos utilizados, se
250
Cultura

reflectirem laivos de uma viso da cultura


e da lngua predominante e at instrumentalmente nacionalista, o que no
era de estranhar naquele contexto de transio.
Com efeito, em coerncia com a natureza autoritria do regime derrubado em
1974, fora uma concepo de poltica cultural enquanto propaganda que prevalecera durante toda a sua vigncia. Nesta
perspectiva, o Estado tinha em relao ao
patrimnio responsabilidades de preservao e at de restauro, na medida em
que Os monumentos que o Passado nos
legou constituem, como se sabe, um dos
mais preciosos quinhes da nossa herana de povo civilizador, de povo-guia; so,
por assim dizer, pginas vivas da histria
da nacionalidade, ao que o autor deste
texto, que durante muito tempo funcionou
como base programtica da poltica do
Estado Novo no domnio do patrimnio arquitectnico, acrescentava referindo-se
ao trabalho efectuado pela Direco-Geral
dos Edifcios e Monumentos Nacionais
(DGEMN): Uma nova actividade se desenvolveu ento, sombra do Estado,
guiada pelo dever, engrandecida pelo culto da Arte e da Tradio, aquecida pela
mais viva f nacionalista ( Boletim dos
Monumentos Nacionais, n.o 1, Setembro
de 1935: 5-7).
Os primeiros anos de institucionalizao e de estabilizao da democracia foram difceis e complexos. No obstante,
comearia a ganhar consistncia, ao nvel
do poder, mesmo se de forma no linear,
uma poltica cultural norteada por outros
valores e objectivos, assentando em estruturas e normas adequadas s novas realidades democrticas. Neste quadro, a prpria ideia de patrimnio cultural evoluiu,
deixou de estar sujeita ao espartilho predominantemente monumental em que estivera
durante o Estado Novo, alargando-se para
outros horizontes e linguagens, expresses
artsticas e saberes que, quando muito, a

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O patrimnio cultural

ditadura confinara ao papel de decorao


folclrica com fins tursticos. Recorde-se,
a talhe de foice, o contributo que deu para
a dignificao, a divulgao e o estudo da
cultura popular portuguesa, nomeadamente no que concerne msica, a vasta e paciente recolha iniciada nos anos 60, em todo o pas, margem dos organismos
oficiais, pelo etnlogo de origem corsa Michel Giacometti.
Estes factos viro a reflectir-se na forma como a Constituio de 1976 reconhece a importncia do patrimnio que, desde logo, considerado matria na esfera
de reserva relativa de competncia legislativa da Assembleia da Repblica. O artigo 78.o (Fruio e criao cultural), no
seu n.o 1, enuncia o direito fruio e
criao cultural dos cidados, ao mesmo
tempo que prescreve o dever de preservar, defender e valorizar o patrimnio cultural. No n.o 2, alnea c), entre vrias incumbncias do Estado, consigna-se a de
Promover a salvaguarda e a valorizao
do patrimnio cultural, tornando-o elemento vivificador da identidade cultural comum. De notar, ainda, que no artigo 52.o,
n.o 3, alnea a), explicitado o direito de
aco popular, pessoalmente ou atravs
de associaes, visando a defesa do patrimnio.
Preconiza-se, deste modo, no texto
constitucional, a participao dos cidados, suportada por direitos e por deveres
indissociveis de um feixe de responsabilidades que cabe ao Estado e aos poderes
pblicos assumir. Por outro lado, adoptam-se noes mais amplas e ideologicamente
neutrais, como a de identidade cultural
comum, bem distinta da f nacionalista
constante na doutrina do regime anterior.
Mas uma vez enunciados estes princpios
enformadores do que se poder considerar
uma poltica cultural democrtica, faltava
agora transcrev-los para a lei ordinria e,
sobretudo, para a prtica governativa quotidiana.

Imediatamente aps o derrube da ditadura viveu-se uma fase de radicalizao e


de profunda ideologizao dos conflitos,
de ecloso de lutas sociais e de inevitvel
instabilidade governativa. No obstante, logo em Novembro de 1974 foi nomeada
uma comisso interministerial de conservao do patrimnio. Esta comisso, como
muitas outras ento constitudas, teria poucas hipteses de desenvolver uma aco
minimamente eficaz na situao existente.
No plano da orgnica do Estado era necessrio romper com o passado e criar instituies renovadas. Mas a efervescncia de
tipo revolucionrio em que o pas vivia impunha outras prioridades a nvel do poder
ou que, pelo menos, assim eram consideradas por quem o exercia.
Apesar disto foi ganhando forma e consistncia a actuao da administrao em
relao ao patrimnio nas suas diversas
componentes. Tanto mais que surgia uma
nova gerao de tcnicos e de especialistas, com competncia e vontade para inovar e renovar. No que se refere aos arquivos, por exemplo, no incio da dcada de
80 deram-se os primeiros passos para a
construo de instalaes condignas destinadas ao Arquivo Nacional da Torre do
Tombo, o arquivo central nacional. Na sua
gnese este estava instalado numa das torres do castelo de Lisboa destruda pelo terramoto de 1755 (tombo significava um
cadastro de propriedades e direitos). Na
sequncia deste evento, os documentos
da Coroa e da administrao rgia que se
conseguiram salvar foram transferidos para
o Mosteiro de So Bento, onde tambm
veio a funcionar o Parlamento com o advento do liberalismo no sculo XIX. Actualmente, nas novas instalaes situadas na
Cidade Universitria de Lisboa, inauguradas em 1990, ao arquivo rgio dos primrdios juntaram-se o fundo da Inquisio, documentos medievais de mosteiros e ordens
religiosas extintas, da polcia poltica do Estado Novo, de ministrios e organismos ofi251
Cultura

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Retrato de Portugal

O Arquivo Nacional da Torre do Tombo, que alberga toda a documentao histrica oficial
portuguesa.

ciais, de personalidades pblicas, como


Salazar, e vrios acervos relativos a frica,
ao Brasil e ao Oriente.
Os problemas neste sector dos arquivos
no se resumiam s s instalaes, uma
vez que se herdara do passado recente
enormes fragilidades no que se refere a mtodos, a tcnicas, ao enquadramento normativo e definio de critrios de preservao dos documentos. O que principiou a
ser suprido atravs de vria legislao que
foi elaborada, nomeadamente a que estabelece o regime geral dos arquivos e patrimnio arquivstico nacionais (Decreto-Lei
n.o 16/93, de 23 de Janeiro), assim como de
um maior investimento dos governos, inclusive nos arquivos distritais. De registar tambm um maior interesse e empenhamento
por parte dos municpios e entidades privadas (empresas, universidades, fundaes),
o que explica que se registe um significativo
aumento do nmero de arquivos existentes
em todo o pas: 88 em 1988, quase trs
centenas na dcada seguinte, segundo o
Instituto Nacional de Estatstica (INE).
A situao dos museus, incluindo os nacionais, tornara-se muito crtica nos anos
aps a revoluo e vrios encontravam-se
mesmo encerrados por falta de meios, de
pessoal ou por causa de outras insuficin252
Cultura

cias tcnicas e cientficas. No incio da dcada de 80 foram tomadas medidas para


alterar tal estado de coisas.
Em Junho de 1980 foi reaberto ao pblico (estava encerrado desde 1973), com
duas exposies temporrias (uma sobre
Columbano e outra subordinada ao tema
Meio Sculo de Arte Portuguesa 1900-1950), o Museu Nacional de Arte ContemPainis de So Vicente, atribudos a Nuno
Gonalves. Museu Nacional de Arte Antiga,
Lisboa.

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O patrimnio cultural

pornea. Este foi fundado em 1911 para


reunir as obras pinturas, esculturas e desenhos que, sendo posteriores a 1850,
se encontravam no ento Museu de Belas-Artes (das Janelas Verdes), cobrindo o perodo que vai do romantismo actualidade.
Hoje em dia, na sequncia de uma interveno projectada pelo arquitecto francs Jean
Wilmotte, as suas instalaes foram profundamente remodeladas e melhoradas.
O Museu Nacional de Arqueologia e Etnologia tambm passaria por uma importante fase de reestruturao. Fundado por
Jos Leite de Vasconcelos, insigne etnlogo e autor de obras de referncia como
As Religies da Lusitnia , possui um
vasto e diversificado acervo que vai desde
os mais antigos vestgios da ocupao humana do territrio portugus at ao final da
poca romana. Urgia reorganiz-lo, assim
como repensar os seus espaos e servios. Neste momento esse museu evidencia
um grande dinamismo, patente nas exposies e nas actividades que promove. Est
planeada a sua ampliao.
Igualmente por esta altura entraria em
execuo a primeira fase das obras de beneficiao e de ampliao das instalaes
do Museu Nacional de Arte Antiga. Reabriu

em 1994 muito transformado, melhorando-se, significativamente, o aproveitamento


do antigo palcio onde se mantm instalado e a qualidade da exposio das suas
coleces. A de pintura rene obras que
vo do sculo XIV ao XIX, oriundas das diversas escolas europeias. Entre as portuguesas, de origem marcadamente conventual,
destacam-se os famosos Painis de So Vicente de Fora do nome do convento de
Lisboa onde no sculo passado foram descobertos , cuja autoria atribuda a Nuno
Gonalves (sculo XV). Muitas mais obras-primas nele existem, como as Tentaes
de Santo Anto, de Jernimo Bosch
bastante forte a presena flamenga do sculo XVI , o So Jernimo, de Albrecht Drer, a Fonte da Vida, de Hans Holbein, e
so mltiplos os autores de primeira plana,
como, percorrendo os sculos, Quentin
Metsys, Hans Memling, Lucas Cranach,
Francisco Zurbaran, Pieter de Hooch, Fragonard, Tiepolo ou Gustave Courbet.
No menos relevantes so as demais
coleces: a de desenhos e de estampas;
a de escultura, que rene milhares de peas, na sua maioria de carcter religioso e
que cobre o perodo que vai de finais do
sculo XII ao incio do sculo XIX; a de ouri-

253
Cultura

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Retrato de Portugal

vesaria, que abrange os mesmos oitocentos anos, cujas peas so essencialmente


de feitura nacional, apesar de reunir tambm valiosos trabalhos devidos a artfices
estrangeiros; a de cermica, formada por
cerca de 7500 peas portuguesas e estrangeiras, incluindo muitas oriundas do
Extremo Oriente; a de txteis, composta
por peas muito diferenciadas pela tcnica
e funo, que vo do sculo XIV at ao XIX; a
de mobilirio portugus de vrias pocas;
as designadas por orientais, que renem
peas marcadas pelo relacionamento estabelecido, aquando dos Descobrimentos,
entre os Portugueses e os povos do Oriente, onde se podem realar os biombos japoneses de arte namban (sculos XVI-XVII).
Nos ltimos tempos, uma nova e empreendedora direco tem procurado inserir este
museu nos circuitos internacionais, possibilitando que nele fosse exposta, em 2006,
a rica coleco de pintura doada pelo
Dr. Gustav Rau UNICEF (United Nations
International Childrens Emergency Fund,
Fundo Internacional de Emergncia para a
Infncia das Naes Unidas) e estabelecendo um protocolo de cooperao com o
Museu do Ermitage, de Sampetersburgo,
para periodicamente serem promovidas,
em Lisboa, mostras de algumas das suas
imensas riquezas patrimoniais.
Ainda nos anos 80, no sentido de reunir,
salvaguardar e permitir o acesso do pblico a alguns acervos artsticos e histricos
dispersos, foram criados a Casa-Museu de
Anastcio Gonalves (em Lisboa, cujo recheio composto por uma coleco de
pintura portuguesa, porcelana chinesa dos
sculos XIII a XVIII, mobilirio nacional e estrangeiro dos sculos XVII e XVIII, alm de
ourivesaria, txteis, relojoaria, vidros e medalhstica), o Museu D. Diogo de Sousa
(em Braga, que rene coleces de arqueologia do Norte do pas e peas de
arte sacra medieval, tendo-lhe ainda sido
atribuda a tutela das runas de Bracara
Augusta) e o Museu do Mosteiro de Santa
254
Cultura

Maria da Vitria (na Batalha). Por outro lado, o Museu do Azulejo foi autonomizado
em relao ao Museu de Arte Antiga, de
forma a potenciar condignamente a crescente importncia do seu recheio. Este
museu, instalado no quinhentista Convento
da Madre de Deus (Lisboa), contm um
dos mais valiosos e originais acervos do
patrimnio artstico portugus, que permite
seguir a histria do azulejo at aos nossos
dias, ilustrada por muitos espcimes de diversos padres e tcnicas, assim como admirar magnficos painis recuperados de
igrejas desaparecidas ou de outras origens. Alis, o prprio convento e a sua
igreja so repositrios de azulejaria dos sculos XVII, XVIII e XIX.
Oportunas foram tambm as medidas tomadas, ou pelo menos iniciadas, na rea
fundamental da conservao e restauro, como a reformulao do quadro de pessoal e
a redefinio da orgnica do Instituto de Jos de Figueiredo, a elaborao de protocolos com outros servios para formar tcnicos, e outras concernentes carreira dos
profissionais dessa rea. Este instituto, fundado em 1936 pelo crtico de arte e antigo
director do Museu de Arte Antiga que lhe
deu o nome, a mais qualificada instituio
nacional nos domnios da conservao e
restauro, da investigao e da formao, o
interlocutor credenciado dos seus congneres a nvel internacional e de instituies como a UNESCO (United Nations Educational,
Scientific and Cultural Organization, Organizao das Naes Unidas para a Educao,
Cincia e Cultura) e o Conselho da Europa.
Passou a designar-se Instituto Portugus de
Conservao e Restauro at ser integrado
num novo organismo em 2006.
De referir que, neste mesmo contexto, o
Estado interveio de forma a que a Fundao Ricardo Esprito Santo, instituio criada em 1953 e dedicada especialmente ao
estudo e defesa das artes decorativas, pudesse superar a grave crise financeira com
que se deparava. O que aconteceu man-

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O patrimnio cultural

tendo-se ela em actividade, assim como o


seu Museu-Escola de Artes Decorativas
Portuguesas (Lisboa).
Com a extino da Junta Nacional de
Educao vinda da orgnica da ditadura
, em 1977, e a dissoluo das comisses
municipais de arte e arqueologia, abrira-se
um vazio no que se refere tutela poltico-administrativa das actividades arqueolgicas. No ano seguinte foi criada uma comisso ad hoc que elaborou um Regulamento
de Trabalhos Arqueolgicos, publicado logo
de seguida. Entretanto, autarquias mais sensibilizadas para estas questes voltaram a
constituir, sobre bases diferentes, comisses municipais com objectivos idnticos
aos das que tinham sido dissolvidas. Mas foi
com a formao, em 1980, do Instituto Portugus do Patrimnio Cultural (IPPC), depois
Instituto Portugus do Patrimnio Arquitectnico (IPPAR), e no quadro do seu Departamento de Arqueologia, que se avanou na
descentralizao das tarefas de defesa e
conservao do patrimnio arqueolgico,
criando-se servios regionais em trs zonas
do pas: Norte, Centro e Sul. Por esta altura
foi finalmente elaborado um Plano Nacional
de Escavaes, j previsto numa lei datada
de... 1965 (Decreto n.o 46 349, de 22 de
Maio). Em 1997 a arqueologia viria a autonomizar-se com um organismo prprio, o Instituto Portugus de Arqueologia (IPA).
Em 2006 a orgnica do Ministrio da
Cultura e dos seus servios sofreu uma
profunda alterao. No que concerne
rea que aqui nos ocupa, o IPPAR deu origem ao Instituto de Gesto do Patrimnio
Arquitectnico e Arqueolgico (IGPAA),
que absorveu o IPA e a pioneira Direco-Geral dos Edifcios e Monumentos Nacionais. Por sua vez, o Instituto Portugus de
Museus (IPM) fundiu-se com o Instituto Portugus de Conservao e Restauro, transformando-se no Instituto dos Museus e da
Conservao (IMC).
Poder-se- dizer que, no obstante a
lentido crnica do Estado na concretiza-

o de muitas das metas traadas pelos


governos que se iam sucedendo, as dificuldades em superar ancilosamentos estruturais e os meios escassos disponibilizados
para a rea da cultura, observou-se, a partir
dos anos 80, como que a assuno de uma
nova vontade poltica. Mudana tambm
observvel no que concerne sensibilidade
da sociedade global, como era provado pelo aparecimento de mltiplas associaes
locais ou regionais dedicadas defesa dos
respectivos legados patrimoniais, facto este
incentivado por campanhas animadas pela
administrao central e at pelo maior interesse que o ainda emergente poder autrquico democrtico comeava a manifestar
em relao a tais assuntos.
Em 1985 deu-se mais um passo importante na construo do enquadramento administrativo e legislativo para a proteco
do patrimnio cultural, capaz de corresponder s exigncias dos novos tempos.
Com efeito, em 8 de Julho seria promulgada a Lei do Patrimnio Cultural (Lei n.o 13/
/85), emanada da Assembleia da Repblica e votada favoravelmente por todos os
grupos parlamentares. Tratava-se de um
esforo srio de actualizao e sistematizao jurdica, dada a disperso e, em
muitos casos, a desactualizao das leis
existentes herdadas da I Repblica ou do
Estado Novo.
Nessa lei adoptava-se uma definio de
patrimnio que inclua a noo de bens
imateriais; introduziam-se novos critrios e
uma nova tipologia de classificao (monumentos, conjuntos e stios), assim como de
processamento da mesma; enunciavam-se, em coerncia com a Constituio, os
direitos e os deveres dos cidados na proteco do patrimnio, quer recorrendo a
institutos como a aco popular, quer organizando-se em associaes; definiam-se
regimes fiscais que propiciassem as tarefas de defesa do patrimnio; estabeleciam-se as formas e o regime de proteco e as
responsabilidades de autarquias, de pro255
Cultura

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Retrato de Portugal

prietrios ou de detentores de bens. Um


captulo definia o regime especfico para o
patrimnio arqueolgico, contendo disposies como a da figura de reserva arqueolgica de proteco ou a da obrigao
em formular, anualmente, um plano de trabalhos arqueolgicos, entre muitos outros
aspectos.
Algumas vozes se elevaram contra esta
lei considerando-a excessivamente estatizante e interventiva, nomeadamente no
que se refere Igreja. A verdade, porm,
que no obstante a sua eficcia ter sofrido
pelo facto de nunca haver sido regulamentada, ela desempenhou um decisivo papel
fundador. Diversas circunstncias no permitiram a recriao de um clima favorvel e
consensual semelhante ao que esteve na
gnese dessa lei, pelo que foi entre acesas
controvrsias tcnicas e poltico-partidrias
que, em 2001, foi promulgada uma nova lei
de Proteco e Valorizao do Patrimnio
Cultural. Trata-se de um texto, neste momento ainda por regulamentar, que vem
suprir algumas carncias da legislao an-

terior e proceder a actualizaes necessrias no que concerne ao conceito e mbito


do patrimnio cultural, s garantias, direitos e deveres dos cidados nesta matria,
s formas e regimes de proteco, valorizao, s atribuies do Estado, regies e
autarquias, aos benefcios e incentivos fiscais e, finalmente, tutela penal e contra-ordenacional.
Diga-se, a este propsito, que a assinatura de uma nova Concordata com a Santa
S, em 2003, transferiu para a responsabilidade directa do Estado a gesto do valioso
patrimnio da Igreja Catlica. Realce-se,
tambm, a entrada em vigor, em 2004, de
uma lei-quadro que, entre outros aspectos,
institucionaliza a rede portuguesa de museus nacionais (120 na actualidade) e prev um conselho, na dependncia directa
do(a) ministro(a) da Cultura, pelo qual, entre outras atribuies, dever passar a credenciao dos mesmos.
Em 1976 Portugal foi admitido no Conselho da Europa, o que lhe permitiria vincular-se s principais convenes e acordos

As runas romanas de Conmbriga, um dos mais belos testemunhos da presena romana no


territrio portugus.

256
Cultura

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O patrimnio cultural

Museu de Tavares Proena, em Castelo Branco.

emanados dessa organizao, associando-se aos esforos desenvolvidos por ela


em prol da salvaguarda e valorizao do
patrimnio cultural dos estados-membros,
no mbito mais geral da defesa da herana
civilizacional do esprito europeu. Dez anos
mais tarde, num acto decisivo para passar
a ocupar o lugar que lhe cabe no concerto
das naes que compem o Velho Continente, Portugal integrava, oficialmente e
como membro de pleno direito, a Comunidade Europeia. Punha-se fim ao isolamento
a que o pas fora condenado por quase
meio sculo de ditadura, criavam-se as
condies para se abrir Europa e ao
mundo, para projectar internacionalmente
a sua identidade cultural.
Em 1982 realizou-se em Portugal a XVII
Exposio Europeia de Arte, centrada no
tema dos Descobrimentos e do Renascimento na Europa, permitindo mostrar e valorizar a cultura nacional, nas suas vrias
expresses, incluindo a do patrimnio histrico. Nove anos depois Portugal foi o pas
convidado do festival Europlia, que se
realizou na Blgica. Graas a isto exibiram-se, no corao da Europa em construo,
os mais relevantes aspectos da cultura nacional, desde a Idade Mdia at aos nossos dias, atravs de dezoito exposies: a

arte portuguesa nos sculos XII a XV, a arte


indo-portuguesa, a arte na vida quotidiana
no Brasil, a arte no apogeu do barroco, a
sociedade e a arte no tempo das feitorias
dos sculos XV e XVI, entre outros temas.
No faltaram iniciativas sobre criadores
contemporneos, como os pintores Amadeu de Sousa Cardoso, Eduardo Viana ou
Vieira da Silva; entre muitas outras nos domnios da msica, do teatro, da dana e da
literatura.
Neste contexto da internacionalizao
da cultura portuguesa, devem-se ainda referir a presena imaginosa e criativa na Expo 92 de Sevilha e na 2000 em Hannover, a
realizao de Lisboa Capital Europeia da
Cultura, em 1994, as actividades desenvolvidas no quadro das comemoraes dos
Descobrimentos, assim como, na sua diversidade de linguagens e particular dimenso, o grande evento que foi a Exposio Universal de 1998.
O impacte de algumas destas realizaes, reforado pelo afluxo de fundos comunitrios, no mbito de programas como
o Prodiatec e o Programa Operacional da
Cultura (POC) (351 milhes de euros de
2000 a 2006), ajudou a uma continuada
mobilizao de esforos e a que se procedesse a importantes intervenes em mo257
Cultura

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Retrato de Portugal

numentos, conjuntos e stios. Prosseguiria


a aco de requalificao de vrios museus nacionais, como o Museu de Etnologia (Lisboa), que entre as suas vrias coleces possui uma de arte africana muito
valiosa, composta por milhares de peas; o
Museu Monogrfico de Conmbriga, cujo
esplio provm, na sua maior parte, das
escavaes efectuadas nas runas de um
dos mais valiosos stios arqueolgicos existentes em territrio portugus, a cidade romana desse nome situada perto da actual
Coimbra; o Museu de Soares dos Reis (no
Porto, cujo acervo composto por pintura
do sculo XVI actualidade, por escultura
dos sculos XIII, XIV e XIX onde se destacam obras do artista que deu o nome ao
museu , mas tambm por peas de artes
decorativas, joalharia, ourivesaria, cermica e mobilirio); o Museu de Tavares
Proena (Castelo Branco, em cujo acervo
se destacam peas de arqueologia de vrias pocas, coleces de pintura, escultura, tecidos, bordados, mobilirio, cermica,
numismtica, utenslios e trajes regionais);
o Museu do Abade Baal (Bragana, que
possui coleces de arqueologia, arte sacra, epigrafia, numismtica, etnografia do
O Cromeleque de Almendres, perto de vora.

258
Cultura

sculo XVIII at ao XX e pintura dos sculos XVIII e XIX); o Museu Machado de Castro
(Coimbra, assente sobre um dos mais monumentais criptoprticos conhecidos do
mundo romano, destacando-se, das suas
valiosas coleces, a de escultura, com
peas que vo da Idade Mdia ao Renascimento). Entre outros museus e monumentos nacionais onde h intervenes em curso, esto tambm o Museu dos Coches
(instalado, desde a sua fundao, em
1905, no antigo picadeiro do Palcio de
Belm), que rene uma rara e preciosa coleco de carruagens e outras viaturas dos
sculos XVII ao XX (existe uma extenso deste museu no Palcio Ducal de Vila Viosa),
e o magnfico Convento de Cristo, em Tomar, cuja irradiao internacional aumentaria ao tornar-se cenrio de grande parte do
romance de Umberto Eco O Pndulo de
Foucault.
Refira-se, tambm, a abertura de novos
museus nacionais, como o Museu do Traje
(inaugurado em 1977 e premiado pelo Conselho da Europa no ano seguinte) e o Museu do Teatro (1985), ambos em Lisboa.
Mais recentemente (1999), num outro quadro institucional, fruto da colaborao entre

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O patrimnio cultural

Fachada principal do Convento de Mafra, cuja construo inspirou Memorial do Convento de


Jos Saramago.

o Ministrio da Cultura e a Fundao de


Serralves, realce-se a criao do Museu
de Arte Contempornea do Porto, instalado
num edifcio construdo de raiz segundo
projecto do arquitecto lvaro Siza Vieira, e,
ainda nesses anos 90, do museu da Fundao Arpad Szenes-Vieira da Silva, em Lisboa, dedicado obra desses dois pintores.
Vestgios das populaes mais remotas, como dlmenes ou antas neolticas,
restos de povoados (castros ou citnias);
runas deixadas pelas civilizaes que precederam a nacionalidade portuguesa
romanos, visigodos, rabes ; arquitectura religiosa: conventos e mosteiros de Cister e dos Templrios, templos romnicos
dos paroquiais e conventuais s ss catedrais de Braga, Lamego, Porto, Coimbra,
Lisboa; obras-primas do gtico, de Alcobaa Batalha ou S da Guarda, e do manuelino (transio nacional do gtico para
o Renascimento), do barroco do sculo XVII,
do rocaille no sculo seguinte (do clebre
Convento de Mafra que inspirou Saramago Torre e Igreja dos Clrigos no
Porto); arquitectura militar, de que esto inventariados mais de 150 castelos e fortalezas, dos quais 85 monumentos nacionais;

mais de 4000 imveis classificados a nvel


nacional... Tudo isto corresponde a uma riqueza patrimonial difcil de sintetizar nestas
pginas e que obriga o Estado a manter
um empenhamento financeiro que tem aumentado nos ltimos anos: entre 1995 e
A Igreja dos Clrigos e a sua emblemtica
torre, no centro do Porto.

259
Cultura

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Retrato de Portugal

1999 correspondeu, s no oramento do


Ministrio da Cultura, a cerca de 67,7 milhes de contos (sem arquivos). O IPM, para os equipamentos museolgicos que tutela (29), disps, entre 2000 e 2006, alm
das dotaes do Oramento de Estado, de
cerca de 26 milhes de contos do III Quadro Comunitrio de Apoio. No entanto, a
actual situao de crise e de conteno oramental conduziu a uma retraco nesse
empenhamento: em 2006 o oramento do
IPPAR sofreu um decrscimo, somando
cerca de 42,6 milhes de euros (3,5 milhes para os servios dependentes); o do
IPM registou um aumento (26,7 milhes de
euros e 11,9 para os servios dependentes); o do Instituto dos Arquivos Nacionais/
/Torre do Tombo (IAN/TT) tinha atribudos
8,7 milhes de euros (2,9 para os servios
dependentes); o IPA contava com uns 5,3
milhes para despesas correntes e investimento.
Meios sempre escassos face ao muito
que h para fazer, como a constituio de
reservas nacionais, a reestruturao das
actividades de conservao e restauro
As runas romanas de Tria.

260
Cultura

inclusive no que se refere formao de


tcnicos , sem esquecer o prosseguimento da inventariao de bens mveis e
imveis, para o que importa estreitar a colaborao entre organismos do Estado,
particulares e a Igreja Catlica. Ainda hoje,
e por exemplo no mbito da arqueologia,
stios pr-histricos em vrias regies do
pas, ou romanos, como na pennsula de
Tria ou na ria Formosa (perto de Tavira,
runas da cidade de Balsa, do sculo I
a. C.), s para citar estes casos, no esto,
infelizmente, devidamente protegidos nem
valorizados.
Neste sentido da valorizao e da proteco, aps o roubo de algumas jias da
Coroa aquando de uma exposio na Holanda, avanou-se, finalmente, com a elaborao de uma Lista de Tesouros Nacionais.
Ou seja, de bens que pela sua exemplaridade nica, raridade, valor testemunhal de
cultura ou civilizao, relevncia patrimonial e qualidade artstica exigem especiais condies de conservao. Esta lista
foi adoptada e publicada em 2006, compreendendo 1696 peas organizadas em

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O patrimnio cultural

Edifcio do Museu de Arte Contempornea da Fundao de Serralves.

414 conjuntos e estando, uma parte substancial delas, nas coleces dos museus
Nacional de Arqueologia, de Arte Antiga e
Machado de Castro.
Um acontecimento como a descoberta
das gravuras pr-histricas no vale do Ca,
que deu origem a vivas polmicas que ultrapassaram fronteiras, obrigou o poder
poltico a opes de grande significado
cultural, a uma actuao mais expedita e
sensibilizou a sociedade civil em geral para
a importncia da cultura enquanto factor
de desenvolvimento. Em Foz Ca foi criado
um parque abrangendo a rea onde se
concentram ncleos diversificados de arte
rupestre, h visitas guiadas e est prevista
a criao de um museu, apesar de no se
terem concretizado algumas expectativas
mais ambiciosas quanto ao afluxo de visitantes e ao impacte dessa descoberta na
regio.
Diversos aspectos ilustram uma evoluo positiva na relao do pas e dos poderes com o patrimnio, como o ter-se
consolidado, nos ltimos anos, o acompanhamento arqueolgico na elaborao
dos planos directores municipais, e o observar-se um crescente investimento na
renovao dos museus das autarquias,
fundaes, associaes, universidades,
ou at a criao de outros novos. Actualmente j ultrapassam as duas centenas os

museus existentes no pas recenseados


pelo INE (258, 120 integrando a rede nacional), o que permite, paulatinamente,
acabar com o desequilbrio entre a concentrao de equipamentos culturais em
Lisboa e Vale do Tejo e a escassez registada no resto do territrio.
De entre os museus privados impossvel no citar o Museu Calouste Gulbenkian
(Lisboa), que rene excepcionais coleces de pintura e escultura, tapearias,
porcelanas de vrias pocas e origens. Alguns dos mais recentes equipamentos municipais ou particulares tornam-se verdadeiros plos de dinamizao cultural, em
zonas durante muito tempo carenciadas
neste domnio, e no s. o caso do Museu e Campo Arqueolgico de Mrtola
para citar um exemplo , ou de outros vocacionados para a etnologia, o artesanato,
os saberes e as tradies locais, como, a
ttulo de ilustrao, o Ecomuseu Municipal
do Seixal (1982) ou o Museu do Trabalho
Michel Giacometti (1995), em Setbal, instalado numa antiga fbrica de conservas e
que j foi premiado pelo Conselho da Europa (1998).
O Museu de Arte Contempornea da
Fundao de Serralves, no Porto, tornou-se
um fenmeno de impacte cultural, se se tiver em conta que, em 2005, ultrapassou a
maior parte dos museus a nvel nacional,
261
Cultura

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Retrato de Portugal

Algumas exposies do Centro de Exposies do Centro Cultural de Belm tm registado


grandes xitos no domnio da afluncia de visitantes.

com 362 904 visitantes. Mas positiva, em


geral, a evoluo dos indicadores referentes a outros, como o Museu Nacional dos
Coches (356 322), os museus da Fundao
Calouste Gulbenkian (201 655), o Museu
Nacional de Arte Antiga (143 784) e o Centro de Exposies e Museu do Design do
Centro Cultural de Belm (144 638).
Graas ao incremento da cooperao
entre o Estado, municpios e privados atravs do mecenato, vrios projectos tm sido
viabilizados ou se anunciam cheios de potencialidades. o caso da instalao no
Centro Cultural de Belm da valiosa coleco do empresrio Joe Berardo (j parcialmente exposta no Museu de Arte Contempornea de Sintra), sobre a qual assentar,
a partir de 2007, o Museu-Coleco Berardo de Arte Moderna e Contempornea.
Neste mesmo mbito, assinale-se que vai
ser construda em Cascais, com traa do
arquitecto Eduardo Souto de Moura, uma
Casa das Histrias e Desenhos de Paula
Rego, que contar, partida, com cento e
vinte obras cedidas pela pintora.
As escolas comeam a desempenhar,
de forma sempre mais efectiva, o papel
262
Cultura

que lhes cabe na sensibilizao e consciencializao das novas geraes em relao riqueza patrimonial do seu pas.
Facto que contribui, certamente, para que
cresa de ano para ano o nmero de visitantes dos museus (3,8 milhes em 1984,
8,97 milhes em 2004, segundo o INE) assim como de monumentos e stios (1,8 milhes em 1995, 2,7 milhes em 1998, segundo o ltimo apuramento do INE).
Nesta linha se situa a evoluo do associativismo dedicado temtica do patrimnio, em sentido lato, sustentado no sentido
cvico de cidados organizados, infelizmente nem sempre devidamente incentivados e apoiados. possvel estimar em
cerca de centena e meia as associaes
existentes a nvel nacional, havendo algumas a destacar pelo seu pioneirismo, como
a Comisso de Vigilncia do Castelo de
Santa Maria da Feira, activa desde 1909
(se bem que s com estatutos publicados
em 1982), cujos membros, residentes na
localidade, zelam por esse monumento
que a embeleza. Releve-se, ainda, o significado do aparecimento em vrios museus
de grupos de amigos, por vezes bastante

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O patrimnio cultural

activos, como o do Museu Nacional de


Arqueologia.
Entre as vrias convenes subscritas e
ratificadas (1979) pelo Estado democrtico
nesta rea, encontra-se a Conveno para
a Proteco do Patrimnio Mundial, Cultural e Natural, da UNESCO. Desde ento foi
atribuda dimenso mundial e a qualidade
de patrimnio da humanidade a vrios moi . Monumentos todos
numentos e stios 4
classificados em 1983 so o Convento
de Cristo, em Tomar (comeado a construir
no sculo XII pelos Templrios, nele se encontram plasmados estilos de vrios perodos, nomeadamente o manuelino), o Mosteiro de Santa Maria da Vitria, na Batalha
(complexo monacal dos mais ricos do ponto
de vista arquitectnico, comeou a ser construdo em finais do sculo XIV e considerado o bero do manuelino), o Mosteiro dos
Jernimos (que, mandado construir por
D. Manuel I para os monges hieronimitas,
no primeiro quartel do sculo XVI, apesar
das destruies sofridas, uma obra-prima
do manuelino no seu apogeu) e a Torre de
Belm (verdadeiro ex libris de Lisboa, fortaleza construda entre 1515 e 1521, com objectivos de defesa do porto, considerada
um dos exemplares mais tpicos da arte
manuelina). Quanto aos stios, mereceram

essa distino o centro histrico de Angra


do Herosmo (em 1983), o centro histrico
de vora (1986), o Mosteiro de Alcobaa
(1989), a paisagem cultural de Sintra e o
centro histrico do Porto (1996). Mais recentemente foram distinguidos as gravuras
de arte rupestre do vale do Ca (1998) a
floresta laurissilva da Madeira (1999), a Regio Vincola do Alto Douro (2001), o Centro Histrico de Guimares (2001) e a paisagem dos vinhedos do Pico (2004).
Territrio situado no extremo ocidental
da Europa, cruzamento de povos e culturas, pas cioso da sua independncia e
identidade cujas fronteiras se mantm praticamente inamovveis desde o sculo XIII,
Portugal possui, de norte a sul, do Minho ao
Algarve e s ilhas atlnticas, um rico patrimnio cultural acumulado no decurso dos
tempos que sofreu os efeitos de guerras, invases, catstrofes naturais, mas tambm,
por vezes sobretudo, as consequncias da
ignorncia e da incria dos seus prprios
habitantes e governantes. Agora, consolidados os valores da democracia e da cidadania, tem-se recuperado muito do tempo
perdido, preservando, salvaguardando e
valorizando tudo o que de material e imaterial so bens de histria, de memria e de
cultura. Para melhor construir o futuro.

263
Cultura

A literatura

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Fernando Pinto do Amaral

alvez o aspecto mais importante das


transformaes sofridas pela literatura portuguesa nos ltimos trinta anos
consista na perda de importncia da ideia
de vanguarda e no progressivo desaparecimento dos movimentos literrios que marcaram o sculo XX at aos anos 1960/1970
(modernismo, neo-realismo, surrealismo,
experimentalismo, etc.). De facto, cada escritor no se apresenta hoje como o porta-voz de uma mensagem colectiva, mas
simplesmente como o detentor de um olhar
pessoal, que procura exprimir o seu universo, numa atmosfera plural e marcada por
algum decrscimo de confiana na leitura
da histria e na ideia de futuro um futuro
que nos reserva uma incgnita e que se
mostra aberto a certas pulses irracionais
que voltam superfcie e se condensam,
ao nvel poltico, em conflitos nacionalistas
ou religiosos que o incio do sculo XXI veio
infelizmente agravar.
Agora que se encontra j integrada (ou
exorcizada) a sombra tutelar de Fernando
Pessoa que hoje considerado um dos
maiores poetas europeus do sculo XX , a

Fernando Pessoa

264
Cultura

paisagem potica est disseminada por um


mosaico em que se destacam, por exemplo, dois autores recentemente falecidos
Sophia de Mello Breyner Andresen e Eugnio de Andrade. Este ltimo cultivou uma
depurao que o levou expresso lrica
de um erotismo que traduz um conhecimento potico da existncia e tem descido
cada vez mais simplicidade do real, auscultando os elementos terrestres. Tambm
muito depurada se apresenta a obra de
Sophia, cujo rigor clssico confere limpidez
e autonomia s suas palavras, fazendo-as
penetrar na substncia de cada sensao
ou de cada objecto, numa respirao que
eleva a sua linguagem acima das flutuaes afectivas do eu.
Outros nomes fundamentais da nossa
poesia neste incio de milnio so alguns
dos sobreviventes da dcada de 50, que
podero dividir-se em vrios sectores: por
um lado, os que pretenderam revalorizar a
linguagem potica, como Pedro Tamen
(que joga, de forma inventiva, ldica e lcida, com as palavras, adivinhando-lhes um
sentido e transmitindo-o de modo irnico

Sophia de Mello Breyner

Eugnio de Andrade

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A literatura

David Mouro-Ferreira

Natlia Correia

ou oblquo), Fernando Guimares (cuja


poesia se abre a uma dimenso esttica,
auto-reflexiva e simblica) ou Fernando
Echevarra, permevel a um apelo metafsico no rendilhado neo-barroco dos seus
versos; noutros poetas agudizou-se uma
conscincia trgica da existncia, carregada de memrias (Antnio M. Couto Viana,
Raul de Carvalho, Jos Bento), enquanto
um lirismo ertico surgia, por exemplo, em
Alberto de Lacerda ou no malogrado David
Mouro-Ferreira, autor cuja oficina potica
se sustenta numa fora emocional que ultrapassa em muito a faceta amorosa que
em geral lhe associada.
Quanto s heranas do surrealismo,
alm de Natlia Correia e Alexandre
ONeill (que ocupou um lugar nico pelo
modo como soube retratar com ironia corrosiva mas enternecida as peculiaridades
portuguesas), deve sublinhar-se o nome
de Mrio Cesariny de Vasconcelos, recentemente falecido, cuja escrita oscila entre
um registo sarcstico ou de pardia face
s convenes sociais e um lirismo amoroso de recorte bretoniano, embora de
perfil homossexual. J sem qualquer ligao a este movimento se situa a magnificente obra de Herberto Helder, neste momento reconhecido como um dos nossos
maiores poetas vivos, cujos textos cortam
o flego ao leitor graas energia das
imagens e das metforas, deixando-o
merc de uma linguagem simultaneamente alqumica e vulcnica.

Alexandre ONeill

E assim chegamos aos anos 60, perodo em que possvel identificar trs grandes linhas na poesia portuguesa: uma delas configura-se na luta poltica (sobretudo
estudantil) contra o regime de Salazar.
Nesta tendncia (muitas vezes musicada
atravs de canes de protesto) salientam-se as obras de Manuel Alegre e Fernando
Assis Pacheco o primeiro mais clssico
e o segundo mais auto-irnico; a segunda
corrente (poesia experimental) proclamava a necessidade de uma pesquisa lingustica a nvel fontico, morfo-sintctico
ou mesmo grfico, na linha da poesia concreta brasileira (casos de Ana Hatherly,
E. M. Melo e Castro ou Alberto Pimenta); finalmente, avultaram as propostas agrupadas sob o conjunto de plaquettes Poesia-61, influenciadas pelas obras de Sophia,
Eugnio de Andrade e por outro autor ainda muito prolfico nos nossos dias, Antnio
Ramos Rosa, cuja poesia corresponde a
uma potica e se define por uma constante
interrogao das relaes entre o real e a
linguagem. Deste modo, a atitude dos poetas de 61 (Gasto Cruz, Fiama Hasse Pais
Brando, a j malograda Luiza Neto Jorge,
alm de Casimiro de Brito e Maria Teresa
Horta) atribua grande nfase linguagem
e caracterizava-se por uma desconfiana
perante as convenes de um subjectivismo na altura sentido como demasiado sentimental.
Este pendor para a rarefaco do sentido no subsistiu na escrita dos poetas de
265
Cultura

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Retrato de Portugal

Fernando Assis Pacheco

Ruy Belo

61 ou dos seus prximos (p. ex. Armando


Silva Carvalho), vindo a desembocar em
estilos mais fluentes, como veio a acontecer com Fiama ou Gasto Cruz Fiama
apostando numa metafsica humilde e
Gasto mais disfrico, com uma atitude
por vezes melanclica e ultimamente seduzida pela revisitao da infncia. De
qualquer modo, comeou a gerar-se a
partir da dcada de 70 uma certa renovao, talvez mais sensvel aps a revoluo
de 25 de Abril de 1974, mas no apenas
derivada da mudana poltica. Tal viragem
pode ser parcialmente compreendida em
funo de uma certa asfixia do lirismo ou
do recalcamento da subjectividade, fenmeno que chegara a provocar um complexo de inferioridade do corao em face do
intelecto. As causas tm razes amplas,
mas o facto que alguns autores regressaram a uma efuso lrica mais prxima de
uma experincia partilhvel com o leitor.
Tal regresso vinha j sendo antecipado
por Ruy Belo (morto em 1978), a cujos textos foram alguns jovens poetas colher, por
um lado, um flego discursivo capaz de lidar com os grandes temas do amor, do
tempo ou da morte e, por outro lado, um
-vontade coloquial ligado s emoes do
quotidiano.
Perante a multiplicidade de valores desde ento divulgados, parece tarefa inglria
qualquer esquematizao de temas ou motivos atribuveis em conjunto aos poetas.
Em todo o caso, comearia por citar a reve266
Cultura

Al Berto

lao tardia e discreta de Antnio Osrio:


cultor de um estilo humilde e rente s coisas naturais e humanas, tambm ele veio a
ser relevante na renovao ocorrida nos ltimos trinta anos, protagonizada por vozes
hoje em dia j consagradas, como as de
Nuno Jdice (talvez o mais prolfico e traduzido poeta desta gerao, cujos textos
reintegram de modo muito criativo numerosas tradies literrias, num processo por
vezes contaminado por uma ironia que
vampiricamente se alimenta desses cdigos e produz belssimos resultados), Joo
Miguel Fernandes Jorge (que vagueia ao
sabor de uma memria circunstancial e se
dispersa pelos mil fragmentos de um quotidiano sobre o qual vai reflectindo), Vasco
Graa Moura (encarando a realidade sob
um permanente vu de ironia, melancolicamente apta a recuperar uma atitude maneirista e carregada de referncias culturais),
Joaquim Manuel Magalhes (que, alm de
um intenso poeta lrico, tem representado
uma das vozes crticas de maior relevo) ou
ainda o j desaparecido Al Berto, cujo narcsico pathos homossexual se alarga numa
fecunda imaginao onrica e em reminiscncias erticas em que o sentido do excesso alterna com a mais profunda melancolia.
Apesar desta recuperao da experincia humana, a poesia actual mantm-se
ciente das questes da (in)comunicabilidade da escrita e da sua (in)adequao ao
real. Basta ver um caso to notvel como o

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A literatura

de Antnio Franco Alexandre, portador da


inquietao de uma fala por vezes suspensa num quase-silncio em que o que fica
dito se subentende de modo subtil.
Seja como for, diversas linhas de rumo
se poderiam ainda traar na poesia mais
recente, alguma j revelada nas dcadas
de 80 e 90: uma delas assume contornos
neo-expressionistas em que o essencial
tem a ver com a intensificao do sentido
no texto. A se situam os dilacerantes percursos erticos de Isabel de S, Ftima
Maldonado, Eduardo Pitta, Helga Moreira,
Fernando Lus Sampaio ou, last but not the
least, Lus Miguel Nava (assassinado em
Bruxelas em 1995), que em poucos anos
construiu uma obra escassa mas plena de
coerncia e densidade, veiculando um
imaginrio pessoal fortemente ertico. Uma
tendncia mais suave tende a evocar memrias de um passado afectivo algo tranquilo ou cicatrizado, exprimindo-se por
exemplo nas obras de Hlder Moura Pereira, Joo Camilo dos Santos ou Miguel Serras Pereira, mas tambm no alcance elegaco que atravessa a poesia de Paulo
Teixeira, ocupada num exaustivo inventrio da herana cultural do Ocidente.
Um regresso brilhantemente conseguido a formas legadas pela tradio lrica
portuguesa o que se verifica na linguagem sbria mas intensa de Lus Filipe Castro Mendes, enquanto Manuel Antnio Pina
realiza, por sua vez, a reactualizao de
um labirinto reflexivo de recorte ps-pessoano. Jos Agostinho Baptista faz ecoar
a sua voz mgica e deambulatria por um
universo de recorte mexicano ou madeirense e Ana Lusa Amaral (uma das melhores vozes femininas mais recentes)
mostra-nos o seu olhar terno, mas impiedosamente lcido, sobre um quotidiano propositadamente banal ou familiar. Outra mulher, Maria do Rosrio Pedreira, tem vindo
a destacar-se por um lirismo prximo da
experincia do sofrimento, da solido e do
abandono amoroso. Uma sensibilidade di-

ferente a que encara a poesia como reaco satrica sociedade, utilizando um humor e uma ironia por vezes prximos do
nonsense vejam-se os casos de Jorge
de Sousa Braga, em que essa vertente humorstica se alia a uma certa dose de ternura, ou de Adlia Lopes, cuja poesia joga
com a sabotagem de alguns valores tradicionais, desconstruindo-os de um modo
perversamente infantil.
A diversidade destes nomes no esgota, no entanto, um panorama potico onde
ressaltam autores to diferentes como Manuel Gusmo (com o seu discurso tenso e
por vezes quase orquestral), Carlos Poas
Falco, Jorge Fazenda Loureno, Antnio
Manuel Pires Cabral, Eduardo Guerra Carneiro, Gil de Carvalho, Teresa Rita Lopes,
Ins Loureno, Rosa Alice Branco, Laureano Silveira, Antnio Cabrita, Antnio Mega
Ferreira, Francisco Jos Viegas, Jaime Rocha ou as recentes revelaes de uma novssima gerao que surgiu em fora j no
dealbar do sculo XXI. Um fenmeno recente e interessante talvez consequncia da
mudana de milnio consistiu na publicao de diversas antologias, de que saliento apenas duas, alis motivando alguma polmica: Anos 90 e agora, vinda a
lume em 2001 pela mo de Jorge Reis-S,
e Poetas sem Qualidades, editada pelo
poeta Manuel de Freitas em 2002. Uma
tentativa de sistematizao foi, enfim, levada a cabo em 2002 por Jos Ricardo
Nunes tambm ele um autor da mesma
gerao no ensaio 9 Poetas para o Sculo XXI, em que dedica captulos individualizados a Lus Quintais, Paulo Jos
Miranda, Pedro Mexia, Joo Lus Barreto
Guimares, Carlos Bessa, Rui Pires Cabral,
Jorge Gomes Miranda, Daniel Faria e Jos
Tolentino Mendona.
No domnio da prosa narrativa, um dos
dados curiosos da situao portuguesa
corresponde ao nmero de poetas que se
deixam seduzir pela fico, alcanando
por vezes excelentes resultados. Desde os
267
Cultura

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Retrato de Portugal

Vitorino Nemsio

Jorge de Sena

j clssicos Mau Tempo no Canal (1942),


de Vitorino Nemsio, Finisterra (1978), de
Carlos de Oliveira, e Sinais de Fogo (1979,
pstumo), de Jorge de Sena, at ao relativamente recente Um Amor Feliz (1986),
de David Mouro-Ferreira, muitos so os
casos em que o gnero lrico se prolonga
no narrativo: foi o que sucedeu com Yvette
K. Centeno, Ana Hatherly, com os magnficos contos de Sophia de Mello Breyner ou
com as obsessivas prosas de Herberto
Helder. Outros poetas tambm enveredaram num ou noutro momento pela narrativa
Nuno Jdice, Vasco Graa Moura, Armando Silva Carvalho, Joo Miguel Fernandes Jorge, Al Berto, Lus Filipe Castro
Mendes ou Fernando Assis Pacheco ,
mas o problema da separao entre os
gneros literrios continua a colocar-se
em alguns textos contemporneos difceis
de classificar segundo os modelos tradicionais. Se nos lembrarmos de um escritor
algo hermtico como Rui Nunes ou da
obra de Maria Gabriela Llansol, verificamos que fazem estilhaar quaisquer fronteiras entre o que designamos por fico,
ensaio, dirio, poesia, memrias, etc. No
que toca a esta autora, estamos perante
um magma de vozes que dialogam umas
com as outras, convergindo para um caudal cuja beleza progride atravs de cenas-fulgor que irradiam uma energia prpria e que se repercutem por tempos,
lugares e figuras capazes de gerarem
uma harmonia para l do humano.
268
Cultura

Agustina Bessa-Lus

Talvez menos inovadores quanto estrutura, mas sem dvida fascinantes e detentores de grande lucidez quanto natureza humana e s foras que a movem,
so os romances de uma figura central
dos nossos dias, Agustina Bessa Lus.
Atrada por atmosferas e personagens magistralmente recriadas por uma escrita
aberta ao segredo que parece mov-las
entre os fios das enigmticas histrias em
que se enredam, os livros de Agustina so
portadores de um sopro irracional, expresso numa linguagem que tece sabiamente
a sua teia sem fim, ao sabor de fulguraes da memria e da imaginao, que se
desdobram em luminosos aforismos,
cheios de um Witz muito especial, um esprito que observa o lado trgico mas tambm irrisrio das relaes afectivas e das
paixes que comandam os actos decisivos das personagens.
Num plano diferente se colocaram os livros de Verglio Ferreira, que, partindo das
preocupaes existencialistas dos anos
50, encontrou o seu caminho graas a uma
escrita por onde perpassa a angstia universal e metafsica de que falava Hermann Broch. A situao-limite das suas
obras coloca-nos perante a vida e a morte,
perante o monlogo de um homem no limiar dessa evidncia, face a face consigo
mesmo. Num mundo desertado por Deus
(que faz sentir a sua ausncia), o refgio
dos protagonistas de Verglio Ferreira reside na fora de um amor capaz de resistir a

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A literatura

Verglio Ferreira

Jos Cardoso Pires

tudo, fora do tempo e do espao, na eternidade de uma memria onde surgem idealizadas as imagens de mulheres sempre um
tanto irreais ou inacessveis, mas por isso
mesmo projectadas num horizonte que resgata o conjunto da existncia.
Tambm oriundo dos anos 50, Urbano
Tavares Rodrigues encontra-se no cruzamento das influncias da filosofia existencialista e da orientao marxista que moldou a sua viso do mundo, mesclando na
sua obra pulses erticas e polticas, enquanto Augusto Abelaira explorou as circunstncias da vida quotidiana graas a
um subtil humor e a um sentido reflexivo
muito ldico e acutilante, problematizando
algumas grandes questes contemporneas. Ainda no mbito desta gerao, devem apontar-se duas autoras importantes
a partir dos anos 50: Maria Judite de Carvalho, com a sua arte pessoalssima para
dar conta de um universo feminino em que
melancolicamente se saboreia um sofrimento ntimo, discreto, quase silencioso; e
Fernanda Botelho, mais voltada para o exterior e para uma anlise por vezes implacvel de certas mscaras ou hipocrisias
sociais.
Um dos maiores escritores da segunda
metade do sculo XX foi Jos Cardoso Pires. Detentor de uma escrita contida e cirrgica, avessa ao derrame sentimental e
profuso de adjectivos, Cardoso Pires foi
influenciado pelo dinamismo de alguma
narrativa norte-americana e soube aliar, de

Antnio Lobo Antunes

modo indito entre ns, uma tcnica desenvolta da montagem e da elaborao romanesca com uma boa noo dos dilogos a uma fulgurante capacidade para
retratar com fino sentido de humor certos
comportamentos ou mudanas sociais das
ltimas dcadas, com destaque para uma
acerba crtica do marialvismo portugus.
Num terreno no muito afastado se situou a obra prematuramente interrompida
de Nuno Bragana: dando-nos um roteiro
das expectativas, medos, entusiasmos ou
conflitos de uma gerao marcada pelo
questionar do catolicismo, o romance A Noite e o Riso (1969) subsistiu como um sinal
da poca atravessada pelo pas pouco antes do 25 de Abril.
Tendo-se revelado h vrias dcadas
como poeta, dramaturgo e ficcionista, Jos
Saramago constitui um caso parte na novelstica contempornea, culminado com o
Prmio Nobel da Literatura em 1998. Foi
sobretudo a partir de 1982, com Memorial
do Convento, que a sua escrita ganhou um
impulso decisivo, espraiando-se segundo
uma linha de subverso dos dados histricos, num processo em que personagens
aparentemente comuns adquirem papis
ou poderes relevantes e em que os pontos
de vista do narrador se fundem com os
dessas personagens, por vezes carregadas de um estranho magnetismo. Os romances de Saramago partem geralmente
de ideias originais e muito imaginativas em
que a verosimilhana realista flutua at
269
Cultura

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Retrato de Portugal

Jos Saramago, galardoado com o Prmio Nobel da Literatura de 1998.

mergulhar no fantstico, num ritmo que


mistura elementos coloquiais e quase barrocos, muito peculiares ao seu estilo.
Outro autor que tem obtido xito junto
de um largo pblico internacional Antnio
Lobo Antunes, cujos textos espelham uma
variada gama de experincias sexuais, polticas ou simplesmente humanas, colhidas
na memria da guerra colonial africana, na
prtica clnica psiquitrica ou numa imaginao que se afirma com exuberncia metafrica, numa tendncia para o excesso
que tanto cai em efeitos de caricatura como alcana uma brilhante penetrao psicolgica das personagens, geralmente
pertencentes a mundos de recorte cliniano, por vezes degradados ou viciosos, mas
reflectindo um universo tipicamente portugus. Nos ltimos anos adensou-se a penetrao no interior das personagens, graas plasticidade de uma escrita herdeira
de Faulkner e prxima de fluxos inconscientes.
Tambm subvertendo os modelos narrativos tradicionais escreveram Ruben A.,
Joo Palma-Ferreira, lvaro Guerra ou Dinis Machado, enquanto, pelo contrrio, outros autores permaneceram fiis a um neo-realismo que assim evoluiu e aproveitou
certas aquisies estilsticas mais recentes
por exemplo, Orlando Costa, Mrio Ven270
Cultura

tura, Alexandre Pinheiro Torres, Manuel


Tiago (pseudnimo do dirigente comunista
lvaro Cunhal), A. Rebordo Navarro ou, j
noutro plano, Armando Baptista-Bastos,
que tem explorado um universo basicamente lisboeta, recortado num fundo colectivo por onde passa a evoluo social do
pas. Noutro plo poltico se situaram as experincias ficcionais de Antnio Alada
Baptista, cuja escrita ilumina uma aprendizagem interior cuja componente religiosa
manifesta vestgios autobiogrficos.
Dois casos notveis de prosadores surgidos nos anos 60 e aplaudidos pelas inovaes da sua escrita so Almeida Faria e
Maria Velho da Costa: enquanto no primeiro deparamos com a explorao de densos
monlogos interiores e de diferentes ngulos de viso das personagens, tentando repensar as bases de alguns mitos portugueses como o sebastianismo, em Maria Velho
da Costa ocorre uma complexa elaborao
textual intensificada graas ao cruzamento
de diferentes registos de linguagem, arrastando a escrita por zonas cegas e alucinadas onde a loucura acaba por conseguir
uma cirrgica clarividncia na percepo
do universo e do seu aparente absurdo. Foi
talvez esta autora a que mais longe levou
os processos de desconstruo da escrita
tpicos dos anos 60 e 70, num discurso ren-

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A literatura

te ao fluxo do pensamento e s suas pulses mais inconscientes.


Tem sido Maria Velho da Costa a mais
poderosa vocao narrativa de entre as
trs Marias, um grupo tambm integrado
por Maria Teresa Horta e Maria Isabel Barreno, que deu estampa em 1972 as clebres Novas Cartas Portuguesas, livro que
constituiu a afirmao de uma atitude feminista nessa poca causadora de escndalo pela sua carga ertica, mas depois aceite e incorporada nas posies de autoras
mais novas. Enquanto Teresa Horta tem
publicado textos marcados pelo erotismo,
Isabel Barreno move-se num territrio de
observao sociolgica com ocasionais intromisses no fantstico.
Talvez na sequncia desse livro e de algumas ficcionistas mais antigas que funcionaram como precursoras (Graa Pina
de Morais, Isabel da Nbrega, Lusa Dacosta, Maria Ondina Braga ou Natlia Nunes), importante sublinhar o aparecimento de diversas escritoras a partir dos anos
80: a ressalta a intensidade do discurso de
Ldia Jorge, indo beber parte da sua fora
a mitos populares. Saudada desde 1980
como uma das grandes vocaes literrias
das ltimas dcadas, Ldia Jorge evoluiu
desde essa fase inicial, prxima de um realismo mgico em ambientes rurais algarvios, para histrias ligadas aos problemas
da sociedade actual, passando por um romance que descreve a Guerra Colonial
atravs do olhar das mulheres dos oficiais
portugueses. Importante tambm a riqueza simblica inerente ao ngulo de viso
feminino de Teolinda Gerso, ao explorar,
por exemplo, o universo das relaes
humanas e da tenso entre os dois sexos.
Numa escrita feita de reminiscncias lacunares sobrepostas na memria, as suas
narrativas compem um quadro por vezes
melanclico dos afectos humanos, numa escrita fiel respirao do seu tempo subjectivo. Quanto a Hlia Correia, tem conseguido
recriar um mundo mgico e ritualizado, on-

de as personagens parecem recuperar as


vivncias de uma ruralidade misteriosa e
carregada de uma simbologia sexual, que
a tm aproximado quer da poesia, quer da
literatura fantstica, numa atmosfera por
vezes prxima da loucura.
Duas autoras consideravelmente prolficas tm sido Clara Pinto Correia e Lusa
Costa Gomes: a primeira mantm um assduo ritmo de publicao, entremeando
obras cientficas (biologia, embriologia), livros infantis, crnicas, etc., num caudal
discursivo que toma o pulso a um certo
Portugal posterior s mudanas de 1974.
Lusa Costa Gomes individualiza-se pelo
tom cptico com que descreve pensamentos e emoes, vividos quase como jogos
de linguagem, sob uma inteligente ironia
reflexiva, numa atitude que parece filosoficamente prxima de Wittgenstein. Nunca
nada de ningum (1991) o ttulo de uma
sua pea de teatro e pode apontar-se como paradigma da posio de quem j no
se ilude com quaisquer solues para os
problemas contemporneos.
No diversificado panorama actual avulta
o denso e obsessivo trabalho literrio de
Mrio Cludio, apostado em conciliar o virtuosismo da escrita e a rigorosa fidelidade
aos dados biogrficos de que se serve.
Tambm poeta e dramaturgo, Mrio Cludio tem publicado sobretudo fico narrativa, construindo uma obra notvel que, sem
perder de vista um apurado sentido esttico, se tem deixado regularmente seduzir
pelo romance histrico.
Outro percurso extremamente singular
o de Mrio de Carvalho, num domnio
pessoal onde mistura a reflexo filosfica, a
abertura ao fantstico, a pardia e uma eficaz dimenso satrica face s contradies
do nosso tempo. Revelado em 1981 como
um exmio contista, este autor destaca-se
como uma das nossas vozes mais estimulantes, explorando uma frtil imaginao,
sempre aliada ironia. Cultivando o romance histrico ou a desconstruo dos rituais
271
Cultura

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Retrato de Portugal

quotidianos, Mrio de Carvalho analisa


com um humor subtil e queirosiano algumas realidades da sociedade portuguesa
contempornea.
Dois autores entretanto despertados
para a narrativa foram Hlder Macedo e
Paulo Castilho: no primeiro caso, estamos
perante algum j antes consagrado no ensaio e na poesia, mas que nos anos 90 nos
deu narrativas que interpelam os dilemas
de personagens da histria portuguesa recente. Quanto escrita de Paulo Castilho,
rejeitou um peso retrico tradicional e
adoptou um estilo mais linear, contando
histrias por vezes ligadas sua experincia de diplomata e ao seu conhecimento
do mundo.
Noutro registo se situa a prosa de Joo
de Melo, que se tem distinguido pela evocao das memrias da guerra nas ex-colnias africanas, mas tambm pela emocionada recuperao da realidade aoriana.
Poderiam ainda citar-se o impulso contestatrio geracional de Eduarda Dionsio,
a interrogao da identidade nacional e da
saudade portuguesa levada a cabo por
Fernando Dacosta, o universo regionalista
de A. M. Pires Cabral ou Bento da Cruz, os
imaginativos romances histricos de Fernando Campos ou Joo Aguiar precursores da actual voga deste gnero ficcional , a elegncia cosmopolita e blase
de Amadeu Lopes Sabino ou Antnio Mega
Ferreira, a escrita sbria e discreta de Teresa Veiga, a sensibilidade assumidamente
homossexual de Guilherme de Melo, o
olhar feminino de Olga Gonalves ou de
Wanda Ramos, ou ainda vozes to singulares como as de Jlio Moreira, J. Viale Moutinho, Amrico Guerreiro de Sousa ou Jos
Manuel Mendes. Finalmente, lembraria alguns textos inclassificveis, por vezes situados perto do inconsciente, como os de
Jos Amaro Dionsio, Silvina Rodrigues Lopes ou Jaime Rocha, que perturbam os cdigos narrativos e mantm viva uma atitude
de vanguarda.
272
Cultura

E eis-nos chegados etapa final desta


viagem, com obras ainda em formao,
que marcam o incio do sculo XXI. Mais
cosmopolitas e menos presos aos grandes
temas da identidade nacional que preocuparam geraes antecedentes, estes novos escritores situam-se numa perspectiva
histrica em que as mudanas polticas de
1974 foram absorvidas e integradas no
quotidiano de um pas democrtico europeu, como Portugal nos nossos dias, escrevendo j descomplexados e em p de
igualdade com os seus congneres de outros pases europeus.
Estamos, portanto, em face de autores
que reflectem as influncias de um ambiente cultural aberto ao exterior, dialogando
com as literaturas estrangeiras mais conhecidas sobretudo as anglo-saxnicas hoje dominantes, mas tambm a espanhola
ou hispano-americanas, a francesa, a brasileira, a alem, a italiana, as africanas, etc.
e integrando tudo isso numa viso do
mundo que, sem deixar de ser portuguesa,
se inscreve no quadro de uma vocao
universal, de resto acentuada pelo irreversvel processo da globalizao. Tal dilogo
estabelece-se igualmente com outras artes
e formas estticas s quais a literatura se
mostra hoje permevel o cinema, a televiso, a banda desenhada, o vdeo, o jornalismo, a publicidade, etc.
nesta atmosfera j claramente ps-moderna ou de realismo urbano que tm
florescido algumas das propostas novelsticas dos ltimos tempos, podendo citar-se
os casos de Pedro Paixo cujos textos
se apoiam num estilo fragmentrio, com
histrias quase sempre amorosas, emocionalmente intensas , Ins Pedrosa que
tem traado um mapa dos afectos contemporneos, revelando uma sabedoria intuitiva e por vezes aforstica das relaes humanas, sobretudo quanto ao tema da
intimidade entre os dois sexos , Rui Zink
cujo discurso reflecte com humor e desenvoltura algumas idiossincrasias do Por-

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A literatura

tugal contemporneo , Jacinto Lucas


Pires perseguindo fragmentos do quotidiano e mostrando uma boa tcnica descritiva, quase cinematogrfica , Possidnio
Cachapa que surpreendeu o pblico e a
crtica pela densidade de algumas personagens ou Julieta Monginho, construindo uma notvel obra narrativa, por vezes ligada aos meios judiciais.
Num plo quase oposto se tem desenvolvido o itinerrio ficcional de Jos Rio
Direitinho, que tem reactualizado de um
modo pessoal as experincias de uma ruralidade perdida, recuperando saberes ancestrais e transmitidos de gerao em gerao. Sem essa marca rural, mas dentro
de um universo algo mgico, podem situar-se as obras narrativas de Abel Neves ou o
romance de estreia de Henrique Monteiro
revisitao pessoal da Beira Alta, onde o
protagonista reconstitui a histria da sua vida , assim como a fulgurante revelao
de Jos Lus Peixoto, que rapidamente se
notabilizou como detentor de uma escrita
cuja intensidade atinge por vezes um plano
quase alucinatrio.
Igualmente perturbadores so os romances da autora madeirense Ana Teresa
Pereira, de Dulce Maria Cardoso ou de Mafalda Ivo Cruz: enquanto a primeira, na linha da britnica Iris Murdoch, delimita um
microcosmo carregado de pressgios e
segredos que ficam por desvendar, em
Mafalda Ivo Cruz o movimento da escrita
a desencadear um lastro de memrias cujo
caleidoscpio interior se concentra em certos momentos-chave de narrativas que fogem a um encadeamento linear.
No campo do romance histrico ou similar hoje muito procurado pelo pblico
podem referir-se Francisco Duarte Mangas, Pedro Almeida Vieira, Miguel Real,
Cristina Norton, Pedro Canais, Paulo Jos
Miranda, Jos Manuel Saraiva ou Jos Rodrigues dos Santos, enquanto o gnero policial surge recuperado por Miguel Miranda
e sobretudo por Francisco Jos Viegas, ao

longo de romances que extravasam essa


faceta e observam com ironia todo o panorama da sociedade portuguesa. Convir
ainda no esquecer o impacto que tiveram
duas revelaes vindas da rea do jornalismo as de Filipa Melo, com uma escrita
segura, e de Pedro Rosa Mendes, que no
romance A Baa dos Tigres (1999) transfigura literariamente uma viagem capaz de
nos fornecer o retrato de uma certa frica
contempornea.
Destaque-se ainda o recente surgimento de um outro jornalista, Miguel Sousa Tavares, no domnio do romance oferecendo-nos em Equador (2003) o relato de uma
histria bem alicerada no ambiente dos
finais da monarquia , bem como de Frederico Loureno, que nos deu uma notvel
trilogia de romances em que retrata o ambiente acadmico com lucidez e desenvoltura narrativa, abordando-o luz da homossexualidade de algumas personagens.
Finalmente, tem sobressado j neste sculo a forte presena de Gonalo M. Tavares,
que em poucos anos se afirmou decisivamente nos domnios da fico, da poesia e
de outros gneros literrios.
Um fenmeno mais sociolgico do que
estritamente literrio da viragem do milnio
consistiu no aparecimento de uma tendncia
conhecida por literatura light ou pop: trata-se
de romances concebidos para um consumo
rpido, cujas histrias captam um pblico
que nelas procura algum entretenimento.
A pioneira a afirmar-se nesse campo foi Rita
Ferro, autora de obra j vasta, tendo-se-lhe
seguido Margarida Rebelo Pinto e Maria
Joo Lopo de Carvalho, entre outras.
Refira-se ainda a escrita bem arquitectada de certas vozes femininas recentemente surgidas na nossa literatura, contando-nos por vezes apaixonantes sagas
familiares casos de Rosa Lobato de Faria, Helena Marques ou Lusa Beltro , o
humor corrosivo daquele que foi um lcido
cronista da sociedade portuguesa dos
anos 80 e 90, Miguel Esteves Cardoso, a
273
Cultura

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Retrato de Portugal

Jacinto Lucas Pires

Jos Lus Peixoto

inspirao subtilmente queirosiana de Fernando Venncio, a frtil imaginao romanesca de Catarina Fonseca ou ainda muitos outros nomes que tm contribudo para
alargar a riqueza e a diversidade da actual
literatura portuguesa, por vezes no apenas no domnio da fico narrativa, como
Maria de Ftima Borges, Antnio Cabrita, F.
Cabral Martins, Lus Carmelo, Ernesto Rodrigues, Jos Dinis Fidalgo, Laura Gil, Ana
Nobre de Gusmo, Alberto Oliveira Pinto,
Jos Antnio Saraiva, Miguel Viqueira, Antnio Vieira, Leonel Brim, Leonor Xavier,
Fernando Fonseca Santos, Isabel Cristina
Pires, Antnio Manuel Venda, Miguel Ramalho Santos, Maria Joo Lehning, Rui Miguel Saramago, Jos Pinto Carneiro, Dris
Graa Dias, Manuel Jorge Marmelo, Rodrigo Guedes de Carvalho, Domingos Amaral,
Joo Rosas, Patrcia Reis, etc.
No havendo espao para abordar o
ensasmo literrio no qual destacaria,
apesar de tudo, nomes como os de Eduar-

274
Cultura

Gonalo M. Tavares

do Loureno, Jos Gil ou Eduardo Prado


Coelho, entre muitos outros , gostaria de
concluir sublinhando a actual vitalidade da
literatura portuguesa: na multiplicidade das
suas vozes, ela continua a exprimir os desafios, as sedues ou os problemas de
uma sociedade que mudou muito nas ltimas dcadas, embora ainda mostre ndices de leitura comparativamente baixos no
contexto europeu. Seja como for, plenamente integrada nesse contexto que ela se
abre ao terceiro milnio, com essa espcie
de verdade incerta que de vez em quando
sabe transmitir aos que a lem, com uma
fora que vive de tudo o que nas suas palavras somos capazes de projectar, com os
nossos desejos, os nossos medos, os nossos sonhos mais recnditos ou as nossas
angstias mais inconfessveis enfim, todas as emoes que alimentam o mistrio
de cada leitura e prolongam o texto nesse
territrio desconhecido e sempre novo que
o olhar de cada leitor.

A arquitectura

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Jos Manuel Fernandes

Transformaes com o 25 de Abril de 1974

partir do processo de transio democrtica de 1974-1976, pode dizer-se que a arquitectura portuguesa foi dos campos da actividade nacional
que soube traduzir ou reflectir de modo
claro e intenso a nova abertura de Portugal
ao exterior num contraste, esse sim, culturalmente revolucionrio, com a situao do meio sculo anterior.
De facto, nesta rea com vastas implicaes polticas e sociais, foram inmeras as
novas tendncias e as transformaes profundas que se operaram e acentuaram j
na dcada de 80 com o percorrer de renovados caminhos e plurais reas (e geografias) de actuao, com a crescente diversidade de linguagens plsticas, com o gradual
internacionalismo dos autores e suas obras,
e ainda com as inovadoras e criativas atitudes perante o espao, a cidade e o territrio.

Falar do ps-25 de Abril de 1974 implica referir em primeiro lugar o original processo de autoconstruo de habitao colectiva para os grupos mais pobres da
sociedade, apoiado pelos novos governos
desejadamente socialistas, e conhecido
em Portugal como Operaes das Brigadas SAAL.
Seguindo as tendncias arquitectnicas
contemporneas, sejam as de cariz neo-racionalista/rossiano (Porto: So Vtor, por
Siza Vieira; Lisboa: Quinta do Bacalhau,
por Manuel Vicente; Quinta das Fonsecas,
por Hestnes Ferreira) ou as de expresso
neovernacular (Alto do Moinho, Alfragide,
por Silva Dias; Antas, no Porto, por Pedro
Ramalho), ou mesmo de procura mais contextualista/territorial (em Setbal, por Gonalo Byrne), todas estas aces de fundo
social-colectivista, mtodos poltico-socio-

Malagueira, bairro de habitao cooperativa em vora, projecto de Siza Vieira, 1978-1998.

275
Cultura

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Retrato de Portugal

logistas e preocupao antropolgico-culturalista marcaram, ao menos simbolicamente, um tempo de mudana, entre 1974
e 1976. Abortado em 1976-1977 pela nova
directriz poltica anticomunista, a experincia SAAL compensou em parte a classe
dos arquitectos pela crise profunda de falta
de trabalho e desemprego que se seguiu a
1974, e foi uma experincia nica no renovar da relao com a construo, o cliente
e a cidade.
No final da dcada de 70 e incios da
de 80, depois do regresso macio de muitos profissionais de arquitectura das ex-colnias africanas, uma nova frente de
actividade arquitectnica despontou no Extremo Oriente, com a retoma da actividade
econmica e desenvolvimentista da China,
sediada no territrio sob a secular administrao portuguesa de Macau.
E, do lado de c dos oceanos, em escala mais reduzida, uma crescente actividade edificatria, sobretudo dos equipamenEdifcio dos correios em Santa Marta de
Penaguio, Vila Real de Trs-os-Montes.
Projecto do grupo Pioledo, 1984-1985.

276
Cultura

tos e espaos pblicos, despontou nas ilhas


atlnticas da Madeira e Aores, sob a gide
dos novos governos regionais, dotados de
autonomia alargada e ansiosos por recuperar o enorme atraso civilizacional (sobretudo
depois da importante aco de reconstruo da cidade de Angra do Herosmo, na
sequncia do terramoto de 1980). Nestes
arquiplagos foram assim surgindo, ao longo da dcada de 80, os primeiros autores
de gerao insular, como Joo Francisco
Caires (Madeira), ou Joo Maia Macedo e
Paulo Gouveia, nos mticos Aores.
Tambm foi crescendo, no Portugal ibrico, adentro da provncia profunda do
interior, nas cidades do Nordeste s Beiras
e ao Alentejo, uma nova actividade edificatria, merc de uma recente gerao de arquitectos a nascidos e depois profissionalmente a sediados ( exemplar o caso de
Trs-os-Montes, com o novo grupo de arquitectos sediados em Vila Real, formando
na dcada de 80 o ateli Pioledo, liderado
por Antnio Belm Lima). Este fenmeno,
apoiado em novo investimento privado local mas sobretudo dinamizado depois da
integrao portuguesa na Unio Europeia
(UE), levou a transmigraes de muitos arquitectos e empresas ligadas construo. Assim, pouco a pouco, as pequenas
cidades lusitanas foram ganhando os seus
arquitectos, vivendo e habitando na comunidade urbana local.
Uma verdadeira comunidade autnoma
de autores residentes (vindos da ex-frica
portuguesa, de Angola e Moambique, ou
do Portugal em plena crise de desemprego
nos incios dos anos 80) foi surgindo em
Macau, e perdurou at 1999, quando o territrio foi finalmente devolvido China. Esta
comunidade profissional, com resultados
de desigual qualidade e esforo, foi mesmo assim produzindo ao longo de um quarto de sculo um conjunto significativo de
obras naquela cidade e ilhas vizinhas. Refiram-se, desenhando e construindo em Macau a ttulo meramente exemplificativo

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A arquitectura

autores como Irene e Bruno Soares,


ou como Carlos Marreiros (macaenses ou
com eles trabalhando); e ainda Adalberto
Tenreiro (natural de So Tom e com um
percurso que passa por Hong Kong), Francisco Figueira (trabalhando na rea do patrimnio) e sobretudo Manuel Vicente (de
Lisboa), o mais polmico mas tambm o
mais interessante e internacionalizado autor (conjunto de habitao social Fai-Chi-Kei, Macau, 1978-1982).

A fase de ingresso
na Unio Europeia,
depois de 1985-1986
A arquitectura portuguesa desta fase, descobrindo novos caminhos com sentido
aberto, operando em reas e geografias
to diversas, e possuindo um potencial criativo multifacetado e dinmico, foi singrando
ao longo dos anos 80, mas com especial ritmo depois dos meados da dcada. Os
anos de 1985-1986 (o tempo da integrao
europeia, com Espanha) marcam de facto
um relanamento da actividade urbana e
construtiva, e um paralelo caminho para o
reincio da liderana cultural e profissional
das cidades maiores de Lisboa e Porto, no
campo da arquitectura e do urbanismo. Por
um lado, as correntes estticas do ps-modernismo tinham ento plena aceitao,
sobretudo nos autores da capital; e, por outro, a maturidade da escola de arquitectura
moderna no Porto foi ganhando um estatuto
internacional de nvel europeu.
Em Lisboa, 1985 foi o ano das Amoreiras, primeiro centro comercial de iconografia arrojadamente ps-moderna, cujo
sucesso financeiro e popular ajudou a veicular aquela nova linguagem arquitectnica
(por Toms Taveira, 1980-1985). Com Lus
Cunha floresceu um gosto ps-moderno de
cunho original e pessoal, que atingiu o melhor resultado na nova Igreja da Portela
(1982-1992). Refira-se tambm a nova Mesquita de Lisboa, de seguro desenho neover-

Conjunto comercial e residencial das


Amoreiras, Lisboa. Da autoria de Toms
Taveira, 1980-1985.

nacular e concepo moderna (por Joo


Paulo Conceio e Antnio Braga, 1980-1985). Estas obras exemplificam do mais
interessante que se edificou em Lisboa
neste tempo de mudana a que se juntam os Arquivos Nacionais/Torre do Tombo
(por Arsnio Cordeiro e Nunes de Almeida,
1982-1985).
Mas 1985-1986 marcam igualmente um
tempo de crise urbanstica, com uma gesto tardo-desenvolvimentista do municpio
de Lisboa (que no soube preparar a cidade para as transformaes que se avizinhavam, de sentido mais cultural e patrimonial). Esta gesto, se produziu equvocos
como as esplanadas da Rua do Carmo
(kitsch e fora de poca), teve resultados
claramente negativos, como foi o acentuar
da renovao selvagem, urbana e arquitectnica, das belssimas avenidas de fim
do sculo XIX, pontuada pela traumtica de277
Cultura

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Retrato de Portugal

molio do cinema/teatro Monumental, em


1984, e pela emergncia de uma arquitectura desqualificadora. Um caminho que, de
modo quase brutal e simblico, terminou
com o grande incndio do Chiado (1988),
prova irreversvel de que algo estava definitivamente errado no uso e funcionamento
do extenso centro histrico da cidade.
Com a nova gesto socialista municipal de 1990, uma correco gradual foi
imposta situao, quer com o incentivo
do planeamento estratgico da cidade,
quer com o apoio reabilitao dos vrios
ncleos histricos da urbe (Alfama, Mouraria, Bairro Alto, Castelo, Madragoa, Olivais), quer ainda com a preparao de
eventos culturais e de lazer, motivadores
de uma nova atitude face cidade (reutilizao da rea porturia de Lisboa, programa da Stima Colina).
Na cidade do Porto e rea nortenha, a
situao de produo arquitectnica, mais
perifrica, teve novas marcas qualificadoras: o completamento da Estalagem de
Santa Marinha da Costa (por Fernando Tvora, 1972-1985), obra notvel de recuperao-inovao, como que anunciava o
progressivo predomnio, cultural/conceptual, da escola do Porto nos planos nacional e internacional. Igualmente a obra da
nova Cmara Municipal de Matosinhos, articulando recuperao do existente e nova
arquitectura moderna, foi um trabalho contemporneo e significante (por Alcino Soutinho, 1981-1987).
Foi tambm por esta poca que as primeiras obras europeias de Siza, em Berlim
e na Holanda, lhe deram um sinal de internacionalizao, depois confirmado na
prpria capital lusa (com o seu plano de
recuperao do Chiado, 1988-1989), e
consagrado no plano europeu com a concesso do Prmio Pritzker ao autor nortenho. Depressa j na dcada seguinte
outros autores ganhariam reputao ou encomendas internacionais, quer na ligao
directa mtica escola do Porto (como
278
Cultura

Pavilho de Portugal na Expo 98, Lisboa.


Projecto de Siza Vieira, 1996-1998.

Eduardo Souto de Moura), quer pela sua


articulao com uma escola de regionalismo crtico mais genericamente portuguesa (Gonalo Byrne, Joo Lus Carrilho da
Graa), quer merc da qualificada actuao pessoal de autores estrangeiradamente cultos (Jos Paulo dos Santos).
Na transio dos anos 80-90, o panorama cultural interno foi tentando acompanhar este progressivo afirmar, qualificado,
da nova arquitectura portuguesa: de cariz
universal, viajada e culta sem deixar de
se ater a uma enraizada expresso delicada, e de estar atenta s realidades do
necessrio desenvolvimento nacional.
O reavivar de aces nacionais, como os
prmios AICA Secretaria de Estado da
Cultura (SEC) , ou da Associao de Arquitectos Portugueses, ou de galardes locais, como o Prmio Valmor e Municipal de
Lisboa, deram uma nova ateno ao papel
da arquitectura e do urbanismo no pas.
Estes aspectos foram complementados pela criao de mais escolas de arquitectura
por todo o territrio (pblicas e privadas),
com a diversificao de revistas e de publicaes sobre cidade e arquitectura, e ain-

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A arquitectura

da com as vrias exposies e eventos dedicados ao tema da arquitectura, no pas e


alm-fronteiras.

Os anos 90: significao


internacional da
arquitectura portuguesa
A dcada de 90 pode considerar-se marcada pelo relativo apogeu do papel cultural, poltico, social e at comunicacional
desempenhado pela arquitectura portuguesa moderna, quer no plano nacional
quer no internacional. Curiosa e at contraditoriamente, uma arquitectura e um urbanismo em geral com graves deficincias
mdias, praticado em todo o pas (com muitas obras por no arquitectos), no tem impedido a existncia de obras isoladas de
grande qualidade, e a prtica de experincias arquitectnicas e urbansticas excepcionais e notveis (pavilho da Expo 92, Lisboa Capital da Cultura 1994, Expo 98, Porto
Capital da Cultura 2001).
A consagrao de lvaro Siza Vieira como um dos grandes autores mundiais decorre com a execuo de sucessivas obras
de sentido experimental e profunda qualidade (Escola de Educao de Setbal,

1986-1995; Igreja de Marco de Canaveses,


1990-1996; Pavilho de Portugal na Expo 98,
em Lisboa, 1996-1998; Museu de Serralves,
Porto, 1999).
Eduardo Souto de Moura, discpulo de
Siza (consagrado com o Prmio Pessoa
1998, galardo mximo da cultura portuguesa atribudo pela primeira vez a um arquitecto), tem obra muito prpria e inovadora (Edifcio de Geocincias de Aveiro,
cerca de 1993; prdio na Rua do Teatro, na
Foz, Porto, cerca de 1994; Pousada de
Santa Maria do Bouro, 1989-1997).
Joo Lus Carrilho da Graa v uma
carreira de valor crescente premiada com
o Prmio FAD da Catalunha, em 1999, na
sequncia de obras marcantes (Pousada
da Flor da Rosa, 1990-1995; Escola de Turismo/Hotelaria, Faro, 1993-1995; Pavilho
do Conhecimento, Lisboa, 1994-1998).
Estes trs autores receberam na mesma
dcada um significativo prmio da arquitectura nacional: o Prmio SECIL, atribudo
em 1992 a Souto de Moura (pela Casa das
Artes da SEC no Porto, 1981-1991), em
1994 a Carrilho da Graa (pela Escola de
Comunicao Social de Benfica, 1988-1993)
Edifcio na Rua do Teatro, Porto, por
Eduardo Souto de Moura, 1994-1995.

279
Cultura

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Retrato de Portugal

Pousada da Flor da Rosa, Crato. por Joo Lus Carrilho da Graa, 1990.

e a Siza Vieira (pelo edifcio no Chiado,


1996). Em 1998 o mesmo prmio foi para
Vtor Figueiredo, um experimentado autor,
pela sua Escola de Arte e Design, Caldas
da Rainha, 1993-1997).
Escola de Artes nas Caldas da Rainha.
Projecto de Vtor Figueiredo, 1993-1997.

280
Cultura

Outro galardo importante, o Prmio


AICA-MC (Associao Internacional de
Crticos de Arte/Seco Portuguesa, com
o Ministrio da Cultura), foi premiando nomes incontornveis, em funo da obra
extensa realizada, como Manuel Tainha,
Frederico George, Amncio Guedes e
Raul Choro Ramalho, para alm de outras atribuies.
No tema dos equipamentos colectivos,
ressalte-se a importncia das novas arquitecturas universitrias, com sucessivas realizaes de diversificados programas nas
principais cidades portuguesas. So exemplos: Faculdade de Psicologia de Lisboa
(1987-1991, Manuel Tainha); plo da Mitra
da Universidade de vora (1990-1996, Vtor
Figueiredo); Instituto Superior de Economia
de Lisboa e departamentos de Engenharia
e Informtica de Coimbra (1989-1992, Gonalo Byrne/Manuel Mateus); Departamento
de Engenharia Mecnica e residncia de
estudantes da Universidade de Aveiro
(1988-1991, Adalberto Dias).
Algumas grandes obras institucionais/
/pblicas constituram marcos nos anos 90
por vezes com polmicas nos media,
dado o seu evidente significado poltico-social e a dimenso material: refiram-se a

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A arquitectura

nova sede da Caixa Geral de Depsitos


(Arsnio Cordeiro com Nunes de Almeida
e Barreiros Ferreira, cerca de 1985-1992),
o Centro Cultural de Belm (Vittorio Gregotti com Manuel Salgado, 1988-1992) e a
nova Feira Internacional de Lisboa, 1996-1998 (Barreiros Ferreira com Frana Dria).
Em Lisboa e no Porto prosseguiram as
obras de base municipal para a recuperao arquitectnica/social nos principais
bairros histricos, mas o tema da recuperao generalizou-se s cidades de dimenso mdia, sendo de destacar a obra realizada em Guimares, cujo centro histrico
foi por isso premiado (reabilitao do centro histrico, 1987-1992, por Fernando Tvora/GTL, com Alexandra Gesta, Bernardo
Tvora, Fernando Barroso, Carlos Martins e
Giovanni Muzio).
Participaes em obras internacionais
permitiram destacar um dos mais inventivos e heterodoxos atelis de arquitectura,
o de Manuel Graa Dias e Egas Jos Vieira (Pavilho de Portugal na Expo 92, Sevilha, 1989-1992; sede da Ordem dos Arqui-

tectos Portugueses, Lisboa, 1991-1994;


proposta Urbanizao da Lisnave, Almada, 1999).
Nas reas atlnticas e transatlnticas,
das ilhas e de Macau, haveria que referir
muitos nomes recentes; fiquemos pelo
apontar de dois autores exemplares: Paulo
Gouveia, nos Aores, com dois museus delicadamente neovernaculares (Museu dos
Baleeiros, 1986-1989, e Museu do Vinho,
Pico, 1991-1999), e Manuel Vicente, em
Macau (Quartel dos Bombeiros da Areia
Preta, cerca de 1991-1996; World Trade
Center, cerca de 1994-1995, e o inovador
Plano da Baa da Praia Grande, 1990-1995). Neste territrio, e assinalando a
passagem administrao chinesa, h
que ressaltar simbolicamente o elegante
Centro Cultural de Macau (INTERGAUP/
/Bruno Soares e Irene , 1996-1999).
O futuro um dos temas mais fortes
numa avaliao finimilenar da nossa arquitectura recente, com os mais novos e
promissores autores. A ttulo de exemplo,
refiram-se: Manuel Mateus e Francisco
Mateus (ampliao da sede da Ordem dos

Edifcio do World Trade Center, em Macau, por Manuel Vicente, 1994-1995.

281
Cultura

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Retrato de Portugal

Engenheiros, Lisboa, 1994-1998; Museu


do Brinquedo, Sintra, 1995-1997), Joo
Santa Rita (recuperao do Museu do Fado e da Guitarra, Alfama, 1995-1998), o
ateli ARX Portugal, Nuno Mateus e Jos
Mateus (exposio do Pavilho do Conhecimento dos Mares da Expo 98, 1997-1998), Joo Paulo Providncia e Jos Fernando Gonalves (convento dominicano
em Lisboa, 1989-1995), Fernando Salvador e Margarida Nunes (Bar Lux em Lisboa, cerca de 1998; lar em Tomar, 1998) e
Jos Paulo dos Santos (pousada no convento dos Lios em Arraiolos, cerca de
1995). Este ltimo autor recebeu em 1998
o importante prmio de arquitectura da
Ordem dos Arquitectos em Berlim (com a
creche em Karow, Alemanha).
Inquieta e multifacetada, como sempre,
a arquitectura portuguesa aprofunda os
seus caminhos.

Os primeiros anos
do sculo XXI
Nesta perspectiva, e em relao aos temas
provindos do final do sculo XX, constata-se, olhando para os anos de 2001-2006, a

dinmica de algumas linhas de fora bem


caractersticas da arquitectura portuguesa.
Em primeiro lugar, a continuidade da consolidao dos talentos de autores fortes,
como Siza Vieira (conjunto habitacional dos
Terraos de Bragana, Lisboa; Museu da
Fundao Camargo, Porto Alegre, Brasil),
Souto de Moura (Estdio de Braga para o
Euro 2004, Prmio Secil), Carrilho da Graa
(Centro de Documentao da Presidncia
da Repblica, Belm, Lisboa; Teatro e Auditrio para Poitiers, Frana), Graa Dias e
Egas Vieira (Teatro de Almada), Gonalo
Byrne (Torre de Controlo Martimo, Algs),
Antnio Lima (Conservatrio de Vila Real) e
Hestnes Ferreira (edifcios do ISCTE, Cidade Universitria de Lisboa).
Tambm constatamos a consagrao
de autores um pouco mais recentes, como
Francisco e Manuel Aires Mateus (reitoria
da Universidade Nova de Lisboa, Centro
Cultural de Sines) e Nuno e Jos Mateus
(Museu do Mar em lhavo), premiados muito recentemente com o Prmio Valmor e
Municipal de Lisboa e/ou com o Prmio AICA /Ministrio da Cultura. Exposies individuais de retrospectiva marcaram presena nestes anos, nomeadamente dedicadas

Estdio de Braga, da autoria de Eduardo Souto de Moura.

282
Cultura

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A arquitectura

Torre de Controlo do Porto de Lisboa, projecto de Gonalo Byrne.

a Hestnes Ferreira, Aires Mateus e Siza


Vieira, Gonalo Byrne e Silva Dias.
Numa outra linha, tm-se afirmado uma
srie de autores de formao mais jovem,
que Portugal tem amplamente apresentado internacionalmente, nas bienais de arquitectura em Veneza e So Paulo. Neste
conjunto de criadores, ressalte-se a inovadora revelao de arquitectas, a importncia que assumem as ilhas atlnticas
(Madeira e Aores), bem como as reas
regionais do continente, entre autores e
obras, e a originalidade de programa
e sentido imaginativo de muitas solues
espaciais. Exemplifiquemos, entre vrios,

com: Ins Lobo (auditrios da Universidade dos Aores), Joo Mendes Ribeiro
(Centro de Artes Visuais de Coimbra), Pedro Costa e Clia Gomes (Biblioteca da
Universidade dos Aores), Promontrio
Arquitectos (conjuntos habitacionais no
Parque das Naes, Lisboa), Paulo David
(Casa das Mudas/Centro de Artes na Calheta, Madeira), Bernardo Rodrigues (casa
em So Miguel, Aores) e Ins Vieira da
Silva e Miguel Vieira (Gruta das Torres, Pico, Aores).
Termine-se esta resenha apenas indicativa mesmo assim significativa de um
processo de produo arquitectnica reno-

Reitoria da Universidade Nova de Lisboa, de Francisco e Manuel Aires Mateus.

283
Cultura

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Retrato de Portugal

Casa das Mudas na Calheta, Madeira, projecto de Paulo David.

vado, amplo, aberto e internacionalizado


com a referncia obra de autores paisagistas (Gomes da Silva, Joo Nunes, em
Portugal e Itlia, etc.) e emergncia de
uma primeira arquitectura lusfona ps-colonial qualificada, em Timor Leste (como o projecto da igreja de Quelicai, por
Pedro Reis) e em Macau (Praa Nam Van,

284
Cultura

por Manuel Vicente, Rui Leo e Francesca


Bruni).
A arquitectura do Portugal europeu expande-se e reafirma-se hoje na Europa,
mas tambm, naturalmente, no quadro da
sua longa e ampla tradio geo-histrica,
do Atlntico e da Amrica ao Extremo
Oriente.

As artes visuais

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Joo Lima Pinharanda

Anos 70

m termos artsticos, 1974, marcado


pela revoluo que derrubou o Estado Novo, no alterou estruturalmente
nada. As transformaes imediatas foram
polticas e econmico-sociais. No momento
da revoluo a classe artstica podia dividir-se entre os que geriam a carreira na continuidade das rupturas neofigurativas dos
anos 60 cruzando a pop anglo-americana com as linhas europeias do nouveau ralisme (Lourdes Castro, Ren Bertholo, Joo
Vieira, Joo Cutileiro, Joaquim Rodrigo,
Nikias Skapinakis ou Paula Rego) e a inquietao dos que recebiam e trabalhavam as
escassas informaes relativas nova conjuntura internacional ps-minimalista e ps-conceptual. Jovens como Fernando Calhau, Julio Sarmento, Vtor Pomar, Leonel
Moura, Cerveira Pinto ou Jos Barrias, no

encontrando imediato eco crtico exterior a


si mesmos, serviram-se de um veterano, Jos Ernesto de Sousa, como enquadramento
das suas aces. Antnio Palolo, ngelo de
Sousa ou Alberto Carneiro cavalgaram as
duas situaes.
vertigem revolucionria, a globalidade dos artistas deu respostas raramente interessantes e muitas vezes ilustrativas.
O painel que meia centena deles pintou (10
de Junho de 1974) em Lisboa exemplar
do desfasamento entre generosidade e eficcia esttica. Revoluo poltica e crise
dos meios de subsistncia (desabamento
do mercado) aguaram a conscincia crtica da classe.
O vasto, abrangente e difuso grupo de
criadores que estrutural ou conjunturalmente enveredou por linhas de experimentao

Aspecto da exposio Alternativa Zero, Galeria Nacional de Arte Moderna. Lisboa, 1977. Em
primeiro plano Uma Floresta para os Teus Sonhos, de Alberto Carneiro.

285
Cultura

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Retrato de Portugal

no-mercantil (radicalizao dos meios e


linguagens) ou insistiu na coincidncia da
arte com a revoluo foi reunido por Ernesto de Sousa na exposio Alternativa Zero
(Lisboa, Galeria Nacional de Arte Moderna,
1977). Trs anos depois de 1974, temos finalmente o marco da revoluo possvel
(como todas, no consensual) dos criadores visuais. Comissariada por um crtico
vindo do neo-realismo e que, depois de conhecer a arte underground inglesa e os
projectos Fluxus, se deixou fascinar pela
fuso entre arte e vida, foi um balano plural de atitudes inconformistas. O tempo revelaria que a reunio se revelou sem
que isso diminua a sua importncia mais
um fecho de contas. A revoluo terminara
em conformismo democrtico (1976) e no
se poderia generalizar nem gerir a sua utopia em acomodao institucional.
Alguns dos jovens expositores (Sarmento, Moura, Cerveira) sero, alis, primeiros protagonistas da nova conjuntura
dos anos 80. Nela se revelaro os efeitos
da integrao europeia e do perodo de estratgias internacionais de expanso capitalista e liberal (governos do Bloco Central
e Cavaco Silva) e a cada vez maior velocidade de circulao da informao artstica.
O ps-conceptual deu lugar discusso
do ps-modernismo.

Anos 80
A segunda data desta histria 1983/1984.
Coincide com as ondas de choque da exposio Depois do Modernismo (Lisboa, Sociedade Nacional de Belas-Artes), onde,
sem clara conscincia geracional (so mais
os nomes do passado que os do futuro), mas pela primeira vez, artes visuais e
arquitectura, moda e msica, dana e teatro
ou design se reuniam numa iniciativa global
mobilizadora de pblicos vastos num contexto cultural e socialmente activo. O meio
lisboeta tambm o do Porto adoptam
um modelo prximo da movida madrilena,
286
Cultura

onde o final do franquismo provocara generalizado frenesi criativo: um discurso eufrico, superficial e veloz mas tambm angustiado, intenso e marcante. Os modos de
expresso exacerbaram-se, seguindo sensibilidades internacionais (transvanguardia
italiana ou novos expressionismos alemo e
americano) e buscando um genius locci
(por exemplo, Graa Morais) que, afinal, se
revelou intil perante a afirmao do poder
criativo das autorias individuais.
Alguns artistas vindos dos anos 40 (Jlio Pomar e Antnio Dacosta) ou dos 60
coincidem com o esprito dos tempos ou
mantm a independncia que lhes confere
mais-valias ticas e perenidade esttica.
Pomar renovou, em figurao luxuriante, alguns mitos culturais nacionais; Dacosta (falecido em 1990) renovou o seu surrealismo
em temticas mticas e narrativas. Um mesmo papel desempenhou Joaquim Rodrigo
(falecido em 1997), que, desde 60, desenvolvia mitografias pessoais segundo um
primitivismo formal que a nova dcada
recuperou. Confirmou-se a visibilidade (finali , em
mente internacional) de Paula Rego 4
Londres desde os anos 50, em delirantes figuraes narrativas cobrindo inquietantes
universos pessoais e femininos. Tambm
importa considerar Alberto Carneiro, que,
da relao estreita com a land art, regressa
ao trabalho directo sobre a madeira nunca se afastando de uma viso ecolgica,
poltica e potica de espiritualidade zen; a
continuidade conceptual da pintura monocromtica de ngelo de Sousa (com
obra s revista em profundidade em retrospectivas dos anos 2000); as pesquisas lumnicas de Jorge Martins, entre Paris e Nova Iorque (revisto em exposies dos anos
90 e 2000); a profunda pesquisa de Antnio Sena, autonomizando a escrita como
pintura (em dimenso diversa da determinante poesia visual de Ana Hatherly); a radicalizao neofigurativa de Antnio Areal
(falecido em 1978); a assumpo dos auto-retratos fotogrficos, pintados e desenha-

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As artes visuais

Vista parcial da exposio Depois do Modernismo, Sociedade Nacional de Belas-Artes, 1983.


i ; a deriva absdos, de Helena Almeida 4
tracta e lucidamente irnica de Eduardo
Batarda. Ou, finalmente, Joo Cutileiro, em
relao frontal com o corpo ertico e a produo massiva e mecanizada da pedra, e
mestre de alguns dos mais interessantes
escultores dos anos 80.
Sensualidade, violncia e luxo (Sarmento, Gerardo Burmester ou Cabrita Reis),
nostalgia (Dacosta, Albuquerque Mendes,
Manuel Rosa ou Ilda David), diferentes nveis de construo e desconstruo de linguagens e modos de representao do corpo, do espao e da arquitectura (Cabrita
Reis, Calapez, Jos Pedro Croft, Rui Sanches, Pedro Tudela ou Sebastio Resende),
humor e ironia (Albuquerque, Pedro Casqueiro e Ana Vidigal, Pedro Proena, Pedro
Portugal, Antnio Olaio, Manuel Joo Vieira
e Xana) definem, em complexa rede, linhas
das novas autorias da conjuntura. Calhau e
Vtor Pomar prosseguem trabalhos singulares (de rigor conceptual ou excesso gestual) e sem eco interno imediato.
i
Nos decnios seguintes, Sarmento 4
trabalha em torno do corpo e em constante
evocao de imagens da cultura flmica e
fotogrfica (notoriamente no seu perodo

conceptual dos anos 70), da fico policial


ou ertica, numa atitude de permanente
voyeurismo sobre o feminino, o sexo, a vioi , numa pinlncia e o prazer; Cabrita Reis 4
tura metafrica e escultura depurada e monumental, cruzando figurao e abstraco, usando materiais pobres (materiais de
construo civil e lixo urbano), recriando
memrias da urbanidade contempornea;
Calapez constri espaos arquitectnicos
ou paisagsticos pela citao truncada de
obras pr-renascentistas ou maneiristas, em
pinturas desabitadas, intensamente cromticas. Proena recupera valores da cultura
clssica ocidental e oriental, estabelecendo
dinmicas de desconstruo satrica ou ldica dessas referncias. Finalmente, Casqueiro cria uma pintura de sentidos compositivos, texturais, cromticos, espaciais e
decorativos, alheios discursividade literria onde a velocidade e inesperado das situaes plsticas abstractas dominam.
i parte de figuraNa escultura, Croft 4
es primordiais (totmicas) para formas
matriciais (bacias, cadeiras, bancos, mesas), aprofundando o (des)equilbrio das
formas atravs do uso de frgeis estruturas
metlicas e espelhos (anos 90 e 2000); Rui
287
Cultura

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Retrato de Portugal

Visita do antigo primeiro-ministro Antnio Guterres Feira ARCO, em Madrid, em 1998, ano em
que Portugal foi pas convidado. patente o papel da feira madrilena para as galerias nacionais.

Sanches, atravs de materiais pobres


(aglomerados de madeira), glosa e fragiliza
os referentes temticos e formais do neoi acentua, em
classicismo; e Rui Chafes 4
esculturas de ferro negro (objectos e ambientes de clausura, mscaras ou prteses
impossveis), o seu neo-romantismo de referncia germnica.
O mercado reanimou-se com clientes
gerados pelos lucros do rpido crescimento
econmico e, com ele, novo espectro de especulao. As galerias multiplicaram-se
com apostas internacionais garantidas pela
presena macia em Madrid (Feira ARCO)
e outras, eventuais, em redes internacionais. Para alm da Galeria 111 (nica que
resistiu com xito crise dos anos 70) e das
pioneiras Quadrum e Mdulo, surgem, aps
1984, a Cmicos (hoje Lus Serpa), logo depois a EMI-Valentim de Carvalho, em Lisboa, e a Nasoni, no Porto e Lisboa.
Algumas carreiras internacionais (Julio
Sarmento e Jos de Guimares, cultivando
um cruzamento de primitivismo e erudio)
comearam a estruturar-se a partir das participaes das galerias mas baseando-se
principalmente em esforos individuais,
superando o facto de Portugal no ter desenvolvido polticas oficiais de afirmao
internacional. Internamente, a imprensa generalista, com novos crticos e observadores culturais, passou a dedicar espaos
288
Cultura

inabituais s actividades e protagonismos


das artes, acompanhando um fenmeno
socialmente relevante e contribuindo para
a sua socializao. A consagrao definitiva das carreiras histricas citadas e a recuperao de outras quase desconhecidas
(Joaquim Bravo, lvaro Lapa), sadas de
recente crise conjuntural (Palolo) ou o incessante fluxo de novos autores, so dados de euforia.
Nova mudana de paradigma
Portugal encontra estabilidade governativa
e econmica prolongando no poder (1985-1995) o Partido Social-Democrata (PSD) e
Cavaco Silva. Mas este perodo foi cortado
a meio pela crise da primeira Guerra do
Golfo, travando a euforia inicial. Em meados da segunda metade de 80 possvel
detectar j indcios de mudana de paradigma. Uma srie de artistas, em sintonia
com movimentaes crticas internacionais
mais precoces (especialmente americanas), iniciou, a partir de 1986/1987, uma alterao expressiva.
Leonel Moura, neoconceptualista nos
anos 70 e regressado pintura nos anos
80, passou a apropriar-se de imagens fotogrficas de valor icnico nacional (Amlia
Rodrigues ou Fernando Pessoa) e internacional (Kant ou arranha-cus americanos)
sobrepondo-lhes palavras-chave (SIM ou

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As artes visuais

North Territory); Pedro Portugal canalizou a


sua veia irnica para a citao formalista
dos grandes mestres da modernidade,
com comentrios circunstanciais realidade nacional e, nos anos 90, usou de modo
pioneiro a Internet criando pinturas medida do cliente. Dois emigrados, nunca regressados (Jlia Ventura na Holanda, e
Joo Penalva em Londres) integram as
suas fotos (auto-representaes) e vdeo-instalaes narrativas no contexto nacional. Finalmente, Tudela, Olaio ou Joo Paulo Feliciano, mantendo ligaes pintura
mas aprofundando experincias de instalao, som e vdeo, glosam temas orientados em redor do corpo doente ou de jogos
duchampianos de linguagem, explorando
em paralelo artes plsticas e recursos musicais (pop, folk e electrnica).
Neste contexto, alguns artistas de longo
curriculum readquirem produtividade imediata: Helena Almeida, com a sua investigao em torno das (im)possibilidades da
(auto-)representao e do cruzamento de
disciplinas (fotografia, desenho, pintura,
colagem), definindo um dos mais slidos
discursos do feminino na arte portuguesa;
lvaro Lapa (falecido em 2006), usando as
imagens como signos, criando uma pintura

onde o pensamento sobre o mundo e a arte


se faz a partir do corpo e da palavra; Joaquim Bravo (falecido em 1990), cuja pintura
solar, quase s desenho, atravessada
por intensos jogos de linguagem; ou Jorge
Pinheiro, que transpe numa figurao
anacrnica profundos valores da sua reflexo abstracta.

Anos 90
A esperana poltica inicial dos anos 90
(desabamento do Leste e fim da Guerra
Fria) desagua numa instabilidade a que a
sida (consciencializada em meados de 80)
acrescentou um medo universal. Os artistas voltam a pr em causa as linguagens
tradicionais (reavaliando Duchamp e os
anos 70), os fundamentos do mercado e da
sociedade capitalista (revivalismo do situacionismo de Guy Dbord), substituindo os
valores subjectivos dominantes por atitudes
de anlise sociolgica e poltica. A data
inaugural simblica da dcada o ano de
1993, quando se realizou em Serralves (sob
comissariado de Fernando Pernes, director,
e Miguel von Haffe Perez) a exposio Imagens para os Anos 90, que, apesar da indefinio de poticos, apresentava alguns dos

Museu da Casa de Serralves, Porto.

289
Cultura

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Retrato de Portugal

Aspecto do Centro de Arte Moderna Jos de Azeredo Perdigo, da Fundao Calouste


Gulbenkian.

principais artistas que protagonizaram a


ruptura violenta com o subjectivismo dos
anos 80 (por exemplo, Paulo Mendes, Joo
Louro, Joo Tabarra ou Carlos Vidal). Mesmo em artistas que rejeitaram os fundamentos programticos deste corte se verifica um esfriamento expressivo.
A conjuntura porm diversa da crise
de 1974-1977. Apesar de o Estado no ter
Centro Cultural de Belm.

290
Cultura

ainda fundado um Museu de Arte Contempornea havia j um projecto em funcionamento (Casa de Serralves, Porto, s concretizado em 1999) e a Fundao Calouste
Gulbenkian (FCG) tinha criado j (1984) o
seu Centro de Arte Moderna (CAM, dirigido
por Sommer Ribeiro). Apesar de a direco
governamental da cultura (Santana Lopes)
ter malbaratado nos ltimos anos do cava-

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As artes visuais

quismo o capital acumulado anteriormente


(Teresa Patrcio Gouveia), criara-se um espao com potencial, o Centro Cultural de
Belm (CCB, Lisboa, dir. Monterroso Teixeira), integrara-se coerentemente uma srie
de iniciativas internacionais (Europlia 91,
Blgica e Expo 92, Sevilha), lanara-se a
aco de reabilitao urbana e artstica de
que resultou a Expo 98 (Lisboa) e regressara-se mesmo Bienal de Veneza (1995).
Apesar da fragilidade das coleces
pblicas e privadas constituiu-se uma coleco (Fundao Luso-Americana para o
Desenvolvimento FLAD) (dir. Manuel
Castro Caldas) com viso coerente dos
anos 70/80 portugueses e reabilitando o
desenho; e surgiram novos coleccionismos: de empresa, como a Coleco da
Caixa Geral de Depsitos (prosseguida at
actualidade, embora com diferentes critrios, por Calhau, Antnio Pinto Ribeiro e
Miguel Wandschneider), a da Portugal Telecom (final de 90, dir. Pedro Portugal e
Marina Bairro Ruivo) ou a da EDP (desde
2000, dir. Joo Pinharanda); e privados,
atravs da internacionalizada Coleco Berardo (dir. inicial Francisco Capelo), instalada no Sintra Museu de Arte Moderna e, de-

pois (2007), no CCB, como veremos, ou da


nacional aposta de Antnio Cachola (org.
inicial Joo Pinharanda).
Apesar do centralismo (Lisboa e Porto),
foi possvel potenciar iniciativas surgidas
desde a Bienal de Vila Nova de Cerveira
(1978 e seg.), multiplicando, por vezes efemeramente, galerias, centros de arte municipais e museus (Beja, Coimbra, Faro, Funchal, Lagos, So Joo da Madeira, Sines,
Tavira...), bienais regionais (Caldas da Rainha, Lagos, Maia, bidos, Marinha Grande, Famalico ou Vila Franca de Xira) ou
galerias (Braga, Funchal, Guimares, Torres Novas). Mas a permanncia de muitas
delas enganadora, minadas por falta de
verbas, desnorte de programao, fragilidade de pblicos e mercado.
O ensino manteve dificuldades mas foi
possvel generalizar bolsas artsticas (s
da FCG, acrescentam-se as da FLAD,
Fundao Carmona e Costa ou Bolsa Ernesto de Sousa), reorientar os seus destinos (EUA, Reino Unido e Alemanha), recrutar novos professores e criar alternativas s
escolas tradicionais: Ar.Co (Lisboa, dir.
Manuel Costa Cabral, anos 70, e Castro
Caldas, desde os anos 90) ou ESTGAD

Museu de Arte Moderna de Sintra, que at 2007 albergou a Coleco Berardo.

291
Cultura

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Retrato de Portugal

(Caldas da Rainha), desde o final dessa


dcada.
A fotografia, apesar das ambiguidades
de estatuto, da diviso da crtica especializada e da interrupo de uma coleco
nacional iniciada no final dos anos 80 (dir.
Jorge Calado), alcanou estatuto de paridade artstica. Essa mudana justifica a
criao, aps 1995, de um Centro Portugus de Fotografia (CPF, com sede no edifcio da Cadeia da Relao, Porto, dir. Teresa Siza).
Finalmente, as falncias comerciais provocadas ou precipitadas pela crise, embora significativas (galerias Alda Cortez,
Graa Fonseca ou Valentim de Carvalho,
Lisboa, e Nasoni, Porto e Lisboa), so menos numerosas e catastrficas que as dos
anos 70 e, a partir de meados de 90, surge
um nmero igualmente significativo de novos espaos comerciais, embora de futuro
desigual (Pedro Cera e Joo Graa, Lisboa, ou Presena, Canvas, Fernando Santos e Andr Viana, Porto, por exemplo), e
expande-se a aco de outros (Quadrado
Azul, Porto).
A partir de 1995 verifica-se a reavaliao da poltica cultural pelos governos socialistas: criao do Ministrio da Cultura
(dir. inicial Manuel Maria Carrilho); criao
do Instituto de Arte Contempornea (IAC,
dir. Fernando Calhau), que, mais tarde, sob
governo PSD (Duro Barroso), foi fundido
com o organismo tutelar das artes do espectculo (Instituto das Artes IA); reforo do prestgio do Instituto Portugus dos
Museus (IPM, sob a direco de Raquel
Henriques da Silva). H um aprofundamento do apoio aos museus nacionais, onde se
destaca o do Chiado, Lisboa (dir. Pedro
Lapa, que o reorienta para um modelo
Kunsthalle), inaugurao do edifcio do Museu de Arte Contempornea de Serralves,
Porto (projecto Siza Vieira, dir. internacional
Vicente Todol) com coleco euro-americana fundada nos anos 60/70; reincio da
coleco de arte contempornea do Esta292
Cultura

do (IAC, dir. Isabel Carlos); reorientao


programtica do CCB. Temos ainda a criao de museus particulares (o citado Sintra
Museu e o Museu do Design, alojado no
CCB, com coleco de Francisco Capelo
(e deslocado para edifcio prprio, em Lisboa, a inaugurar em 2009 juntamente com
uma coleco de moda do mesmo coleccionador) e uma reorientao do CAM (dir.
Jorge Molder), que estabelecer uma coerente e esclarecida programao. Atravs
dos seus servios educativos todos estes
espaos reforam novos pblicos numa
profundidade que necessita de ser sociologicamente considerada.
Afinal, os anos 90 permitem-nos certificar a existncia, pela primeira vez no meio
nacional, de continuidades criativas: percursos individuais produtivos dos anos 40,
coleccionadores que alargam os seus gostos e interveno para alm dos limites da
sua prpria gerao ou pblicos que se fidelizam a instituies (tomemos o exemplo
das enchentes mediticas do CCB ou de
Serralves). Rompe-se, finalmente, a falta
de dure cultural com que o crtico Jos-Augusto Frana caracterizou a cultura artstica nacional? Uma incoerncia porm se
instala: a comunicao social, desinvestindo nas reas da crtica, passou a interessar-se mais pelos efeitos mediticos que
pela leitura crtica dos factos.
Outro dado a retoma de protagonismo
do Porto, favorecido pelas sinergias de
Serralves e um mercado sustentado por
uma burguesia habituada ao valor social
da arte. A reunio, numa mesma rua (Rua
Miguel Bombarda), a partir de 1997/1998,
da maioria das galerias, a proliferao de
iniciativas culturais mistas (moda, msica,
teatro, arquitectura) e o acolhimento de novos artistas tem expresso numa mirade
de locais alternativos (Arte em Partes,
Maus Hbitos, Salo Olmpico, Pssegos
para a Semana, etc.) que se prolongam no
novo sculo e que podem encontrar ponto
simblico de convergncia nas mltiplas

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As artes visuais

As sucessivas expanses do Metropolitano de Lisboa tm contado com trabalhos de diversos


artistas portugueses. No caso, instalao da autoria de Jorge Martins na estao Chelas.

iniciativas que comemoraram os 25 anos


do 25 de Abril (1999, Quartel, org. scar
Faria) ou numa iniciativa institucional (Serralves) de ocupao internacional da cidade (Squaters, 2001, Porto, Capital Cultural).
Estas realidades sustentam a multiplicao de iniciativas alternativas, que os anos
90 generalizam como seu trao mais criativo. Referimo-nos a exposies temticas
em lugares no convencionais (Convento
de So Francisco ou Metalrgica Alentejana, Beja, Estufa Fria, Lisboa, Fundio de
Oeiras, Oeiras, Moagens Harmonia e Edifcio da Alfndega, Porto, Sala do Veado,
Lisboa, associao Art Attack, Caldas da
Rainha), a galeria Z dos Bois, Lisboa, ou a
reactivao do Centro de Artes Plsticas
de Coimbra (CAPC). O fenmeno articulou-se com a figura do artista-comissrio, empenhado ideologicamente no seu trabalho,
ao contrrio do que sucedera na dcada
anterior, sendo Paulo Mendes o mais destacado de todos, principalmente em iniciativas temticas que vem desenvolvendo na
antiga Fundio de Oeiras.
A generalizao social do objecto artstico prova-se ainda pelo que se passou a
designar pelo equvoco conceito de arte
pblica: a obra de arte, como instrumento
de prestgio, leva multiplicao de encomendas municipais, particulares e estatais
que enchem espaos pblicos em festivais

efmeros ou realizaes permanentes:


Festas de Lisboa (1991-1994), Jornadas de
Arte Contempornea, Porto (1993 e seg.,
dir. Joo Fernandes), Lisboa, Capital Cultural (1994), Expo 98, Metro de Lisboa, etc.
A ambiguidade de estatuto (entre a consagrao do poder e a ruptura esttica) no
cria um balano favorvel maioria das
obras. parte iniciativas de dimenso local
presas ao trabalho de materiais locais (a
pedra) e ocupao de rotundas concelhias h uma iniciativa nacional coerente
(Prmio Tabaqueira), mesmo assim sujeita
s vicissitudes de obras no construdas e
degradao de outras, por desajustes entre as entidades envolvidas.
A fotografia conquistara nos anos 80
autonomia de mercado (galeria Mdulo,
dir. Teixeira da Silva, fundamental) e crtica (pela aco pioneira da galeria Ether,
dir. Antnio Sena). E, nos anos 90 defendida com numerosas iniciativas, encontros,
festivais e bienais , posiciona-se em definitivo como arte maior.
Mas o carcter minoritrio do mercado
e da crtica especializada (Sena, Calado,
Alexandre Pomar, o precocemente falecido
Pedro Miguel Frade, Margarida Medeiros e,
mais recentemente, Srgio Mah, que dirigiu
a ltima edio do Festival Lisboafoto, em
2005 prejudica a integrao, de protagonistas to decisivos como Jorge Molder e
293
Cultura

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Retrato de Portugal

Paulo Nozolino (vindos dos anos 70 e 80),


Augusto Alves da Silva e Daniel Blaufuks,
Antnio Jlio Duarte e Daniel Malho, Jos
Lus Neto e Duarte Amaral, Netto e outros.
Apesar das iniciativas em Braga e Vila
Franca de Xira, o protagonismo quase exclusivo dos Encontros de Fotografia de
Coimbra (que deram origem a um Centro
de Artes Visuais (CAV) sob dir. de Albano
da Silva Pereira), neste momento suspensos, e a incapacidade oramental do CPF
e de outras iniciativas regionais e centrais
(fim anunciado da Lisboafoto em 2007)
colocam problemas graves fotografia.
i tem sries de narrativas aberMolder 4
tas, de cenrio policial, onde as personagens questionam o estatuto do auto-retrato
usando a morte como tema central. Nozolino, viajante por cenrios nocturnos e de crise, cria um nomadismo que radicaliza a relao do fotgrafo com o mundo at um
negrume onde as imagens da sua vida e a
vida dos outros se cruzam. Mais recente,
Augusto Alves da Silva assume a fotografia
como proposta documental e sociolgica
embora encene as suas obras e os seus temas (a cidade annima, a suburbanidade
depressiva, a natureza ameaada, o vigor
construtivo das cidades) no cruzamento
mais vasto das artes visuais. J Blaufuks
articula imagens fotogrficas e de outras
origens (fotocpias, radiografias, vdeos)
com som (gravaes) em instalaes visuais: o seu registo de viagem e memria
pessoal, resolvendo-se em paralelo em intensos dirios poticos editados em forma
de livro.
Neste contexto Grard Castello-Lopes
ou Jos Manuel Rodrigues protagonizam
um entendimento da imagem fotogrfica,
numa linha esttica que se encontra com a
da sua histria tradicional. E Lus Palma,
Lus Campos, Valente Alves, Andr Gomes,
Joo Tabarra ou Joo Paulo Serafim enveredam por modalidades de utilizao do
medium fotogrfico conferindo-lhe uma dimenso plstica e/ou documental e socio294
Cultura

lgica conforme ao esprito da dcada e


muitas vezes articulada com o vdeo.

Anos 2000
O pendor sociolgico da maioria dos jovens
surgidos nos primeiros anos da dcada de
90 originou obras onde predominam as instalaes mixed media, utilizao preferencial da fotografia, do vdeo e das tecnologias
electrnicas com mais raro recurso Internet e performance. Destacaram-se Miguel
Palma, Paulo Mendes, Joo Tabarra, Maas
de Carvalho, Miguel Leal, Andr Sousa, Cristina Mateus, Fernando Jos Pereira (revelados em redor da referida exposio de
1993), ou mais novos, Nuno Ramalho, Santos Maia ou Susana Mendes da Silva, cuja
obra tem vindo a complexificar as relaes
com o corpo feminino e o espao habitacional. Joo Louro avanou para uma complexa reflexo em torno da linguagem articulando pensamento verbal erudito com solues
grficas e visuais de cultura de massas.
Muitos outros desenvolvem reas autnomas relativamente a essas preocupaes: conceitos musicais derivados, em simultneo, de John Cage e do rock n roll,
assumem a instalao multimdia e a performance (Joo Paulo Feliciano, Olaio ou
Tudela, j referidos). Outros, mais jovens
(Rui Toscano, Rui Valrio, Carlos Roque ou
Ricardo Jacinto), exploram de modo igualmente complexo relaes entre som, linguagem e espao arquitectnico, podendo
usar o desenho nos seus temas urbanos
ou mantm-se mais performativos e puramente musicais (Rui Toral ou Adriana S).
Por outro lado, h percursos profundamente reflexivos, gerados num vazio de representao e/ou de pura validao da aco performativa, como o de Francisco
i , cuja obra firma uma densidade
Tropa 4
plstica e filosfica, raras na arte portuguesa. O tema das instalaes deve ser seguido em Suzanne Themlitz, suas personagens,
jardins e narrativas fericas e perturbado-

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As artes visuais

ras; Joo Pedro Vale, seus cenrios e figuras de onrica e desconcertante ironia
kitsch; ou Carlos Bunga, capaz de convocar (desde um zero absoluto) todas as referncias que a arquitectura pode conter.
Outros percursos independentes alguns vindos de 80 seguram pontas
soltas da dcada ou referidas a outras
tradies. Temos um notvel grupo de
escultoras: Gabriela Albergaria trabalha a
escultura como paisagem ficcionada; Fernanda Fragateiro intervm na arquitectura
como meio de integrao arte-vida; Leonor
Antunes desenvolve meios de reflexo da
arquitectura sobre si mesma; ngela Ferreira concentra-se no estudo formal e ideolgico de espaos reais (histrica, esttica
e socialmente significativos); Patrcia Garrido gere a escultura como corpo do seu
prprio corpo fsico e social; ou Joana Vasconcelos, num equilbrio tenso entre ludicidade kitsch e crtica do gosto. Miguel ngelo Rocha, finalmente, faz uma escultura
(e um desenho) onde corpo, arquitectura/
/construo e paisagem no so separveis. Mais novos, Hugo Canoilas, Sancho
Silva, Andr Guedes, Vasco Costa, Gonalo Barreiros ou, ainda mais recentemente,
Ins Botelho exploram tambm temas de
arquitectura e espao. Xana, surgido como
contraponto anti-intelectual nos anos 80,
opta em definitivo pela coincidncia matissiana cor-forma, cruzando a pintura com a
escultura-instalao.
i e Jos Jacinto, com a
J Jos Loureiro 4
profunda explorao de todas as possibilidades da abstraco, da forma, do gesto e
da cor, Manuel Botelho, Gil Heitor Corteso,
Joo Jacinto, Manuel Gantes, Ftima Mendona, Sofia Areal e Ana Vidigal, explorando
novas possibilidades da figurao e/ou da
narratividade, ou Jos Loureno e Manuel
Caeiro continuam, renovam ou revelam o
seu trabalho reenviando-nos para uma provada continuidade da produo pictrica.
O desenho, revelao subterrnea da
dcada anterior, surgira historicamente sus-

tentado em Sena ou ngelo e, em muitos casos recentes, centrado no ensino do Ar.Co:


Alexandre Conefrey, Pedro Gomes, Adriana
Molder, Jorge Queiroz, Pedro Barateiro, Daniel Barroca ou Diogo Pimento, cultivando
diferentes nveis discursivos, exploram valores intrnsecos do desenho ou adaptam s
suas investigaes temas tradicionais (paisagem), literrios, narrativos, ilustrativos, irnicos. Joo Queiroz parte deste medium para
a pintura aprofundando de modo intenso (intelectual e fisicamente) o tema paisagstico.
O vdeo e a vdeo-instalao, por vezes
articulado com a fotografia, revela-se no universo de fico cientfica e poltica de Miguel
Soares, no experimentalismo reflexivo (universos da prpria linguagem e media utilizados) de Alexandre Estrela, ou na metaforizao da luz e das trevas (fotos e vdeos de
Nuno Cera), nas narratividades exemplares
de Joo Onofre, Rui Calada Bastos, Catarina Campino ou Pedro Diniz Reis, que exploram lgicas abstractas e frias, absolutamente pessoalizadas e romnticas ou em
desagregao emotiva, ou nas obras de
Vasco Arajo, Filipa Csar ou Maria Lusitano, capazes de combinar as dimenses narrativas de forma controlada e espectacular:
entre a encenao opertica, a estranheza
do banal urbano ou a simulao documental. Finalmente, temos Joo Maria Gusmo e
i , recm-revelados, ou No
Pedro Paiva 4
Sendas, j consolidado. Os primeiros partem
de uma cincia de fico e ironia e expem
torses e ilusionismos pticos e de sentido
que questionam os fundamentos da normalidade. O segundo constri um universo atento linguagem, excluso e ao sonho, encenando situaes onde solido e liberdade
individual definem os campos da reflexo.

Concluso provisria
(2006)
Sem rupturas de conjunto ainda perceptveis e reduzida a dominante poltica e sociolgica dos anos 90, a produo portu295
Cultura

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Retrato de Portugal

A exposio Dilogos de Vanguarda, do Centro de Arte Moderna Jos de Azeredo Perdigo, foi
um marco no panorama cultural de 2006.

guesa mantm, por conservadorismo


intrnseco, uma discreta presena (implcita, assimilvel e no provocatria) do feminismo ou da militncia gay e uma dominante dimenso metafrica e potica, expressiva e lrica, erudita ou cromtica.
Continua a no se alargar o campo de
reflexo terica, crtica e mesmo historiogrfica. Mas coleces e museus parecem agitar-se: Serralves (dir. Joo Fernandes) alarga a sua implantao e espalha delegaes
pelo pas (de Bragana a Lisboa); o CAM
produziu a mais significativa proposta do
cinquentenrio da FCG (Dilogos de Vanguarda, sob comissariado de Helena de
Freitas), onde Amadeo de Souza-Cardoso ,
pela primeira vez, confrontado com a sua
contemporaneidade internacional, e prepara-se para um ano de workshops que interrompem a normal programao e reflectem
a ambio de nos dar o Estado do Mundo
(dir. Antnio Pinto Ribeiro). A Ellypse Foundation (que partiu de um projecto de investimento do banqueiro Joo Rendeiro) abre
portas (Cascais) com uma coleco internacional de absoluta actualidade meditica
(dir. Alexandre Melo e Pedro Lapa) que
completa o sentido mais histrico da Colec296
Cultura

o Berardo, por sua vez instalada (por um


contestado acordo com o Estado) no Mdulo de Exposies do CCB. Antnio Prates
(galerista com fundao a inaugurar em
Ponte de Sor) e Antnio Cachola, que ocupar um novo museu municipal, em Elvas,
apresentam as suas coleces em 2007 e
em circuitos de interioridade.
A Feira de Lisboa expe anualmente as
fraquezas do mercado, ao mesmo tempo
que algumas galerias vo feira de Miami
(Cristina Guerra) e que a poltica oficial de
internacionalizao, merc redues financeiras extremas (mantendo-se, porm, as
bienais, Veneza e So Paulo, produzidas pelo IA ou iniciativas do Instituto Cames), se
encontra em expectativa. Os museus estatais esto oramentalmente estrangulados, e
o ensino sem inovaes excepto na multiplicao de cursos de curadoria; mas as bolsas oficiais e de fundaes particulares continuam a distribuir, de modo vasto, artistas
pela Europa e EUA. Tambm as carreiras de
veteranos ou jovens parecem fluir bem na
complexidade dos circuitos globalizados
e, desde Amadeo, sabemos que sempre se
ficou a dever ao protagonismo individual a
razo ltima dos xitos nacionais...

As artes
do espectculo

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Rui Vieira Nery

As transformaes do processo revolucionrio

s artes do espectculo participam


activamente no fenmeno geral de
ruptura das rotinas institucionais e
das dinmicas socioculturais estabelecidas que desencadeado pelo 25 de Abril
de 1974. Tambm neste sector, depois de
dcadas de silncio imposto e de restries de toda a ordem liberdade de expresso e ao direito de reunio, se d por
todo o pas, tanto no sector pblico como
no privado, uma exploso de assembleias
gerais, de conselhos de gesto eleitos, de
comisses consultivas, de novas associaes socioprofissionais, de manifestos poltico-culturais e de mltiplas e variadas plataformas de debate esttico, ideolgico e
poltico apaixonado. Deste processo vai
emergindo, por sua vez, uma nova realidade artstica e cultural que se manifesta tanto ao nvel da criao e produo artsticas
no terreno quer no plano do aparelho institucional pblico para a cultura.
Os protagonistas desta transformao
so sobretudo os artistas e intelectuais de
uma gerao muito ligada aos movimentos
associativos estudantis desde as greves
acadmicas de 1962, e muito marcada, de
um modo geral, por um empenhamento poltico activo forjado na luta pelas liberdades
democrticas, pela mudana social progressista e pela resistncia Guerra Colonial. Essa dimenso militante herdada da
oposio antifascista converte-se agora
tambm no campo das artes do espectculo numa regra que ento considerada inerente ao prprio princpio da construo de uma nova sociedade democrtica.
Dela deriva igualmente uma rejeio activa

de todos os gneros da cultura popular urbana tradicionalmente mais prximos de


uma vertente de mero entretenimento, como o fado de Lisboa e de Coimbra, a cano ligeira (ou, como se designa ento, o
nacional-canonetismo), as marchas populares ou o teatro de revista.
Nos primeiros meses do processo democrtico verifica-se neste campo uma relativa unidade informal de propsitos renovadores, at porque a queda do regime
parece ter deixado sem voz os sectores artsticos mais afectos direita ou ao prprio
centro. Contudo, a rpida radicalizao do
processo revolucionrio e a consequente
transferncia crescente para a esquerda
da dinmica poltica vm abrir no seio dessa mesma esquerda uma oposio cada
vez mais acesa entre os sectores de orientaes ideolgicas afectas a uma gama de
referncias mais radicais (desde os movimentos autogestionrios ao trotskismo e ao
maosmo) e os ligados ao projecto de poder do Partido Comunista, que entretanto
adquirira um forte peso em todas as instituies culturais do Estado.
A ala mais radical dos oficiais do Movimento das Foras Armadas promove por
todo o pas campanhas de dinamizao
cultural que mobilizam grande nmero
de msicos, actores e bailarinos, e os prprios partidos polticos com frequncia envolvem artistas nas suas aces de campanha. Em ambos os casos se do fenmenos
de clara rejeio, por parte das populaes
das zonas rurais, de muitas das tentativas
de penetrao de manifestaes artsticas
vindas dos grandes centros urbanos que
297
Cultura

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Retrato de Portugal

violentam desajeitadamente o habitus cultural local, e mesmo nas grandes cidades a


generalizao de um conceito de interveno artstica obsessivamente militante desperta resistncias. Tendo comeado num
ambiente generalizado de generosidade e
de empenhamento genuno no progresso
cultural do pas, o saldo do processo revolucionrio no sector das artes performativas, data da vitria das foras militares
afectas aos sectores democrticos moderados, em Novembro de 1975, traduz-se
em cises graves e em alguns casos irrecuperveis , tanto num bloco intelectual
que conseguira manter uma forte unidade
ao longo do perodo da luta antifascista
como no seio de uma populao que recebera com manifesto entusiasmo coeso a
transio para a democracia mas que logo
em seguida se viria a fracturar de novo ao
longo da velha cesura entre esquerda e direita herdada j da ruptura liberal nos alvores do sculo XIX.
Neste contexto de agitao revolucionria so naturalmente o teatro e cano
de interveno os gneros mais intervenientes e de maior visibilidade. A msica e
a dana eruditas no tm um papel de particular relevo, limitando-se a administrar como vo podendo as suas prprias rotinas
anteriores ao sabor da agitao permanente das novas prticas de autogesto. Com
o estabelecimento da Secretaria de Estado
da Cultura (SEC), por sua vez, o Estado comea a definir as bases de uma poltica de
interveno no tecido artstico nacional,
atravs de programas de apoio financeiro
sustentado a grupos de teatro independente e a diversos tipos de associaes culturais privadas.

Uma ilha de estabilidade:


o fenmeno Gulbenkian
A primeira grande instituio artstica a
reencontrar uma linha de estabilidade de
actuao no quadro do enraizamento da
298
Cultura

ordem democrtica constitucional ps-revolucionria a Fundao Calouste Gulbenkian (FCG), cujo peso no panorama
portugus das artes performativas e cujas
caractersticas institucionais nicas justificam uma abordagem separada. A nomeao de Lus Pereira Leal para a direco
do Servio de Msica, em 1976, traduzir-se- gradualmente numa concentrao
crescente de meios no reforo da temporada de concertos da FCG, convertida cada vez mais na espinha dorsal da prpria
internacionalizao da vida musical portuguesa. A solidez financeira da instituio e
a credibilidade da sua programao artstica convertem-na no elo portugus por
excelncia da rede europeia de circulao
de msica erudita, capaz de atrair e fixar a
colaborao regular dos maiores nomes
do panorama musical internacional, de
Pierre Boulez a Maurizio Pollini, de Alfred
Brendel a Gustav Leonhardt e de Mstislav
Rostropovitch a Anne-Sophie von Otter, ao
mesmo tempo que constitui a plataforma
de apresentao constante dos principais
intrpretes portugueses de projeco internacional, como os pianistas Sequeira
Costa e Maria Joo Pires ou o violinista
Gerardo Ribeiro.
A programao geral da temporada de
msica da FCG manter-se- relativamente
estvel no seu padro essencial, apesar
de alteraes ocasionais nos formatos das
sries e ciclos apresentados. Assim, a
partir de 1977 o repertrio posterior Segunda Guerra Mundial ser concentrado
num ciclo anual, os Encontros Gulbenkian
de Msica Contempornea, e a partir de
1980 o mesmo suceder com o repertrio
pr-romntico, apresentado nas Jornadas
Gulbenkian de Msica Antiga. Em 2004
ambos os ciclos so integrados na programao regular da temporada, ao longo do
ano. No que respeita msica contempornea, para l da vinda regular a Portugal
de intrpretes e compositores (Boulez,
Stockhausen, Xenakis, Cage) de primeiro

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As artes do espectculo

Edifcio-sede da Fundao Calouste Gulbenkian, Lisboa.

plano internacional, deve sublinhar-se a


importncia da presena dos criadores
portugueses de sucessivas geraes,
abrangidos por frequentes encomendas e
estreias absolutas das suas obras (Lus Filipe Pires, Jorge Peixinho, Constana Capdeville, Emmanuel Nunes, lvaro Salazar,
Clotilde Rosa, e as geraes mais recentes de Antnio Pinho Vargas, Joo Pedro
Oliveira, Antnio Chagas Rosa, Joo Rafael, Miguel Azguime ou Pedro Amaral, entre muitos outros). A estas iniciativas se
deve juntar, desde 1990, o ciclo Grandes
Orquestras Mundiais, promovido conjuntamente pela FCG e por diversos parceiros
mecenticos empresariais, que tem trazido regularmente a Lisboa os maiores
agrupamentos sinfnicos (entre eles as filarmnicas de Viena, Munique e Nova Iorque, o Concertgebouw de Amesterdo, as
sinfnicas de Chicago e da Rdio da Baviera, ou a Philharmonia Orchestra) e os
maiores maestros (Sergiu Celibidache,
Claudio Abbado, Carlo Maria Giulini, Daniel Baremboim, Riccardo Chailly ou Kurt
Masur) do nosso tempo.
Mas a actividade musical da FCG centra-se sobretudo, neste perodo, na activi-

dade contnua dos seus agrupamentos artsticos permanentes, a Orquestra, o Coro e


o Ballet Gulbenkian. A Orquestra Gulbenkian (cujos mais recentes maestros titulares
foram, sucessivamente, Claudio Scimone,
Muhai Tang e Lawrence Foster) ainda dirigida regularmente por um conjunto distinto de directores convidados e tem feito
mltiplas digresses pela Europa, Estados
Unidos, Amrica Latina e Extremo Oriente,
sendo nos ltimos anos convidada frequente de salas como a Philarmonie de
Berlim ou o Concertgebouw de Amesterdo. Gravou uma extensa discografia para
algumas das principais editoras fonogrficas, nomeadamente com repertrio internacional do sculo XX e obras de autores
portugueses. Por sua vez, o Coro Gulbenkian (dirigido h mais de duas dcadas pelo suo Michel Corboz), tem-se afirmado
como um agrupamento internacionalmente
reconhecido na execuo de msica antiga e contempornea. Para l da sua associao tradicional Orquestra Gulbenkian,
tem realizado tambm ele inmeras apresentaes no pas e digresses internacionais como parceiro regular de muitas das
principais orquestras da actualidade, da
299
Cultura

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Retrato de Portugal

Orquestra do Sculo XVIII Filarmnica de


Berlim.
O Ballet Gulbenkian, depois de um perodo de indefinio gerado pela sada do
seu director, Milko Sparemblek, em 1975,
passa em 1977 a ser dirigido por Jorge
Salavisa, a que sucedem em 1996 a bailarina brasileira Iracity Cardoso e em 2003 o
coregrafo Paulo Ribeiro. Caracterizando-se durante anos por uma associao preferencial linha de evoluo da Modern
Dance (Jiri Kilian, Hans von Manen, Lars
Lubovitch, Nacho Duato), abre-se tambm na ltima dcada a coregrafos da
chamada Nova Dana (William Forsyth,
Marie Chouinard), e ao mesmo tempo vai
desenvolvendo uma poltica de formao
e apresentao de novos coregrafos,
comeando, logo nos anos 70, com Vasco Wellemkamp ou Olga Roriz e prosseguindo esse percurso com muitos dos nomes mais representativos da Nova Dana
portuguesa. Em 2005, contudo, o Conselho de Administrao da FCG toma a deciso polmica de extinguir a companhia,
medida geralmente entendida como de

conteno de encargos fixos da instituio.


Fora do mbito do seu Servio de Msica, a FCG assegura ainda, a partir de
meados da dcada de 1980, um outro papel tambm ele decisivo no enraizamento
da Nova Dana. Este fenmeno assenta,
por um lado, numa vertente internacional,
trazida para Portugal a partir de 1983 pela
programao do ACARTE, o servio de
animao artstica estabelecido nesse ano
pela FCG em ligao ao seu novo Centro
de Arte Moderna e confiado primeiro a
Madalena de Azeredo Perdigo e em seguida, aps a morte desta, em 1989, a Jos Sasportes. As companhias de Anne
Thrse de Keersmaeker, Karine Saporta,
Trisha Brown, Giorgio Corsetti, Wim Vanderkeybus, Susanne Linke, Christine Brunel e Pina Baush (1989), trazidas todas
elas pelo ACARTE, abrem o gosto do pblico portugus para um novo conceito de
dana eminentemente interdisciplinar, nos
antpodas da tcnica e da esttica balticas acadmicas e assumindo antes, pelo
contrrio, uma forte componente teatral.

Coro e orquestra da Fundao Calouste Gulbenkian.

300
Cultura

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As artes do espectculo

Elementos do Ballet Gulbenkian em actuao em 1978, na altura sob direco de Jorge


Salavisa.

E esta nova dinmica, fora j do mbito


esttico tradicional de um pblico habituado aos cnones do Ballet Gulbenkian,
abre igualmente as portas a toda uma gerao de novos criadores coreogrficos
portugueses inseridos precisamente neste
universo artstico renovador.

O sector pblico das artes


do espectculo
Em termos da massa crtica da actividade
promovida, o leque dos organismos pblicos de produo artstica no sofre nas
trs dcadas do regime democrtico alteraes de monta, com excepo da criao de trs novas instituies a Companhia Nacional de Bailado (CNB), em
Lisboa, e o Teatro Nacional de So Joo e
a Casa da Msica, ambos no Porto e do
desaparecimento de um dos dois agrupamentos sinfnicos estatais anteriormente
existentes na capital a Orquestra Sinfnica da Radiodifuso Portuguesa. Nos
demais casos, tm-se verificado apenas
sucessivas reestruturaes orgnicas e
reorientaes da poltica artstica do corpus de instituies herdado nesta rea do
regime anterior.
O primeiro dos organismos citados, a
CNB, criado em 1977 por iniciativa do en-

to secretrio de Estado da Cultura, o poeta David Mouro-Ferreira, para substituir o


que ainda restava do velho grupo Verde
Gaio, dando corpo ambio antiga de se
constituir finalmente em Portugal uma companhia estvel de ballet clssico. O seu figurino institucional evoluir de forma descontnua ao longo dos anos: em regime de
instalao at sua institucionalizo, em
1982, integrada em 1985 na empresa pblica do Teatro Nacional de So Carlos
(TNSC), regressa ao estatuto anterior em
1992, confiada tutela de um organismo
de direito privado (o Instituto Portugus do
Bailado e da Dana) em 1994, e s em
1998 termina o seu processo de converso
em instituto pblico, anunciando-se agora
a inteno de a fundir uma vez mais com o
TNSC. Inicialmente dirigida por uma comisso artstica, a sua direco artstica vir
logo em seguida a recair no bailarino e coregrafo Armando Jorge, a quem sucedero Isabel Santa Rosa, Jorge Salavisa, Lusa Taveira, Marc Jonkers e Mehmet Balkan.
Assentando desde o incio o essencial da
sua programao na tradio do ballet romntico, o que lhe vale desde logo uma
forte adeso do pblico mas tambm algumas reservas da crtica especializada, que
sublinha ser esse precisamente o repertrio onde os termos de comparao interna301
Cultura

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Retrato de Portugal

cionais de alto nvel mais evidenciam algumas das suas limitaes tcnicas, a CNB
aborda ocasionalmente um repertrio de
vertente esttica mais contempornea (William Forsyth, Anne Thrse de Keersmaeker), sobretudo sob a direco de Salavisa.
O apoio mecentico da EDP ao longo da
ltima dcada tem-se revelado fundamental para a sua subsistncia e para a sua importante actividade de digresso por todo
o pas.
Igualmente acidentado tem sido o percurso orgnico do TNSC. Repartio pblica tutelada pelos ministrios da Educao
e das Finanas, desde a sua reabertura na
dcada de 40, esse ainda o seu estatuto
em 1974, quando se d a sada de Joo de
Freitas Branco do cargo de director, para
ocupar funes governativas, deixando
nessas funes o crtico musical Joo
Paes. Este prosseguir e expandir as principais linhas de orientao lanadas pelo
seu antecessor, em particular a diversificao e actualizao do repertrio (em 1979,
por exemplo, o TNSC ser um dos primeiros teatros mundiais a apresentar a verso
integral da Lulu de Alban Berg, completada
por Friedrich Cehra, logo aps a estreia parisiense regida por Pierre Boulez) e a procura de uma maior coerncia na respectiva
concepo msico-teatral. O novo director
investe igualmente de forma decisiva em
dotar o TNSC de uma estrutura residente
de produo, atravs da aquisio de uma
orquestra prpria (pela integrao da Orquestra Filarmnica de Lisboa), da profissionalizao e qualificao graduais do
seu coro, e da constituio de um ncleo
residente de cantores solistas. Esta poltica
permite que, a par da temporada internacional tradicional, o TNSC passe a ter uma
componente significativa de produo prpria e uma actividade relevante de descentralizao at ento nunca realizada. Em
1980, por fim, o teatro adoptar o novo perfil jurdico de empresa pblica, tornando
mais fcil a maleabilidade indispensvel
302
Cultura

gesto de uma entidade de produo artstica.


Por uma cruel ironia, Joo Paes ser a
primeira vtima desta renovao intensa do
TNSC, sendo logo em 1981 substitudo na
presidncia do conselho de administrao
da nova empresa pblica pelo jurista Serra
Formigal, que fora at 1974 o responsvel
pela Companhia Portuguesa de pera
(CPO), estabelecida pela Fundao Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) no
Teatro da Trindade e extinta pouco depois
do 25 de Abril. A extino da CPO fora indiscutivelmente um erro grave do regime
democrtico, porque deixava por ocupar a
funo de um teatro de pera vocacionado
para a revelao e profissionalizao dos
cantores lricos portugueses e criava necessariamente, a partir da, uma forte presso sobre o TNSC para ser este teatro a
assumir aquela responsabilidade. Ser
precisamente esta a tese que passar
a presidir nova orientao artstica do
TNSC, com considervel sacrifcio da histrica vocao internacional da instituio,
agravando-se esta tendncia ainda mais
pelas severas limitaes oramentais que
a situao de grave crise financeira do pas
no incio da dcada de 80 projecta sobre
as instituies culturais do Estado.
S em 1988, sob uma nova administrao em que director artstico o crtico musical Jos Ribeiro da Fonte, o teatro retoma
activamente o seu lugar na rede de produo opertica europeia. Em 1993 o modelo
da empresa pblica substitudo por um
organismo de direito privado, a Fundao
de So Carlos, sob cuja administrao se
sucedem como directores artsticos Paulo
Ferreira de Castro (1993-1995 e 1996-1998) e Joo Pereira Bastos (1995-1996).
Ferreira de Castro transita para o novo estatuto de instituto pblico do teatro, promulgado em 1998, e mantm-se como director
artstico at 2000, sucedendo-lhe transitoriamente Jorge Matta (2001) at nomeao para este cargo de Paolo Pinamonti

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As artes do espectculo

Bailado Pedro e Ins, pela Companhia Nacional de Bailado.

(2001-2007). Debatendo-se com problemas oramentais crescentes, que incidem


sobretudo nas dotaes destinadas produo, o TNSC tem procurado, com Ribeiro da Fonte, Ferreira de Castro e Pinamonti,
manter o seu lugar no circuito opertico
europeu, com uma programao de qualidade assinalvel mas cada vez mais ameaada pela dificuldade de assuno atempada de compromissos financeiros e pelos
frequentes cortes inesperados nas suas
verbas.
A situao das duas velhas orquestras
estatais, as sinfnicas de Lisboa e Porto da
Radiodifuso Portuguesa (nova designao ps-25 de Abril da antiga Emissora
Nacional) agrava-se a partir de meados da
dcada de 1970. A degradao comparativa dos seus nveis salariais, escala europeia, e o no preenchimento das vagas
dos seus quadros comprometem gravemente o nvel artstico do conjunto e a qualidade dos seus solistas e maestros convidados, conduzindo os dois agrupamentos
a um clima de verdadeira desmoralizao.
Em 1989, por fim, a secretria de Estado
da Cultura, Teresa Gouveia, toma a iniciativa da substituio das duas orquestras

moribundas por um novo quadro institucional, a chamada Rgie Cooperativa Sinfonia, participada pelo Estado central, pela
televiso e rdio pblicas e pelas autarquias de Lisboa, Porto e Braga, qual
cometida a misso de constituir dois novos
agrupamentos sinfnicos, um na capital e o
outro no Porto. por este ltimo que se inicia a tarefa da Rgie, com o estabelecimento da Orquestra do Porto, sob a direco do maestro ingls Jan Latham-Koenig,
a partir de um processo de seleco rigorosa dos instrumentistas participantes e da
aplicao de uma tabela salarial muito
mais favorvel, conduzindo a uma formao de qualidade artstica incontestada.
Chega a projectar-se para um futuro prximo a sua expanso a uma formao plenamente sinfnica e a constituio de um coro profissional que com ela colabore, ao
mesmo tempo que se anuncia a inteno
de avanar em breve com idntico projecto
em Lisboa.
Em 1993, no entanto, depois de cortes
oramentais significativos desde 1990, o
novo secretrio de Estado, Pedro Santana
Lopes, decidir liquidar a Rgie, e converter a Orquestra do Porto num projecto de
303
Cultura

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Retrato de Portugal

contornos institucionais indefinidos (Orquestra Clssica do Porto), com instrumentistas contratados em moldes precrios e mediante salrios muito mais baixos
do que os iniciais. Latham-Koenig afastado e o nvel geral das contrataes de
maestros e solistas convidados baixa
igualmente de forma acelerada. S em
1997 o agrupamento se converter em instituto pblico, sob a designao de Orquestra Nacional do Porto (ONP), dotado
de estabilidade institucional e financeira,
vindo depois em 2001, no quadro dos projectos artsticos do Porto 2001 Capital
Europeia da Cultura, a ser expandido a
uma dimenso sinfnica. A crise financeira dos ltimos anos tem impedido, porm,
uma verdadeira programao plurianual
altura do potencial artstico desta formao. Est prevista para breve a integrao
da ONP na estrutura da nova Casa da Msica, como orquestra residente e pilar da
programao desta sala.
A antiga Orquestra Sinfnica da Radiodifuso Portuguesa, extinta em simultneo
com a sua congnere do Porto, no chegar
a ser substituda por um novo agrupamento. Em 1993, ao estabelecer a Fundao de
So Carlos, a SEC prefere reestruturar a
antiga orquestra do teatro, sob a designao de Orquestra Sinfnica Portuguesa
(OSP) e atribuir-lhe a funo cumulativa de
suporte da temporada de pera e de protagonista de uma temporada sinfnica. Apesar do bom nvel artstico do agrupamento
esta acumulao revela-se excessiva para
garantir uma oferta sinfnica de suficiente
regularidade, j que a actividade extra-opertica da OSP se tem de subordinar
aos intervalos da preparao das produes do TNSC.
O Estado lana ainda, em 1992, um
programa de constituio de orquestras regionais mediante concurso pblico dos
projectos interessados e a celebrao de
acordos entre o Estado central e as autarquias proponentes. A inteno anunciada
304
Cultura

a de que o financiamento governamental


inicial v progressivamente diminuindo at
desaparecer no final de trs anos. Um primeiro agrupamento, a Orquestra do Norte,
constitudo nesta base, acabando por se
lhe seguir anos mais tarde a Filarmonia das
Beiras (1997) e a Orquestra do Algarve
(2002). Mas o suporte oramental mnimo
destes agrupamentos limita-os a formaes instrumentais de cmara e d-lhes
uma capacidade muito reduzida de contratao de maestros e solistas, alm de as
forar a um nmero exagerado de apresentaes pblicas em condies logsticas
muitas vezes inadequadas, de forma a garantir uma soma de pequenos apoios autrquicos indispensveis sua sobrevivncia.
Permanentemente ameaados de insolvncia financeira, os trs conjuntos prestam,
em qualquer caso, um assinalvel servio
pblico de divulgao musical longe dos
grandes centros urbanos.
Com base num protocolo entre os ministrios da Educao, Cultura, Trabalho,
Segurana Social e Cincia, da Secretaria
de Estado da Juventude e da Cmara Municipal de Lisboa, a que se viro a associar
diversos outros municpios e algumas instituies bancrias e financeiras, cria-se em
1992, por iniciativa do maestro Miguel Graa Moura, a Associao Msica-Educao
e Cultura, responsvel pela gesto de uma
Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML) e
de uma rede de escolas de msica que vai
da iniciao infantil ao ensino superior.
Apesar de vicissitudes financeiras e de crises internas que levaro inclusive demisso do seu fundador, a OML assegura uma
importante temporada de concertos sinfnicos e recitais de msica de cmara em
toda a regio da Grande Lisboa.
A ltima das grandes instituies musicais pblicas criadas aps 1974 a Casa
da Msica (CM), projecto concebido pela
equipa de programao musical do Porto
2001 Capital Europeia da Cultura, coordenada por Pedro Burmester. O atraso no

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As artes do espectculo

A Casa da Msica, no Porto.

seu processo atribulado de construo,


segundo um projecto arquitectnico arrojado do holands Rem Koolhaas, leva logo
nesse ano ao arranque das suas actividades musicais ainda antes da concluso
definitiva do edifcio (2005), sob a forma
de uma temporada de concertos multifacetada que abrange tanto a msica erudita como as msicas populares urbanas, o
jazz e a world music, e das apresentaes
regulares de um notvel agrupamento residente especializado em msica contempornea, o Remix Ensemble, e de um estdio de pera destinado formao de
jovens cantores. Apesar de o seu financiamento advir maioritariamente das instituies pblicas, a CM gerida por uma
fundao que agrupa o Estado, atravs do
Ministrio da Cultura, a cmara municipal
e a Junta Metropolitana do Porto, e um
conjunto de grandes grupos empresariais
do Norte.
O Teatro Nacional de D. Maria II (TNDM)
s reabre em 1978, uma vez terminadas as
obras de recuperao do impacte do incndio de 1964. Mantm-se como organismo autnomo at 1993, quando subordinado a um organismo de cpula, o Instituto
das Artes Cnicas (IAC), encarregue tambm de distribuir os apoios pblicos ao
teatro independente e de gerir o novo Teatro Nacional de So Joo (TNSJ). Autono-

mizado como instituto pblico em 1998,


transformado em 2004 numa instituio de
direito privado. Na direco do TNDM comeam por se suceder Francisco Ribeiro
(Ribeirinho) e Afonso Botelho, verificando-se uma importante renovao esttica do
repertrio e da programao com Ricardo
Pais, e um perodo de intensa programao em salas mltiplas na gesto de Carlos
Avilez, aos quais por sua vez se sucedero
Joo Grosso, Antnio Lagarto e o recmPormenor da fachada do Teatro D. Maria II,
em Lisboa.

305
Cultura

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Retrato de Portugal

Teatro de So Joo, no Porto.

-nomeado Carlos Fragateiro. Dotado inicialmente de uma vasta companhia residente


(Eunice Muoz, Rui de Carvalho, Catarina
Avelar, Fernanda Borsatti, etc.), o TNDM
dispe hoje apenas do remanescente dessa estrutura, aps um processo de resciso negociada dos contratos com a maioria dos actores.
Quanto ao TNSJ, adquirido em 1992
pela SEC e inaugurado simbolicamente
ainda nesse ano, entrando depois em
obras para reabrir definitivamente em 1995,
ainda no mbito do IAC, antes de se converter tambm ele em instituto pblico autnomo em 1998. A sua histria recente
particularmente marcada pela aco de Ricardo Pais, seu director em 1996-2000 e
desde 2002 (com um breve interregno em
que a direco assegurada por Jos
Wallenstein, em 2000-2002), o qual imprime sua programao uma linha coerente
de criao artstica pessoal mas consegue
articular-se, ao mesmo tempo, com o tecido teatral do Porto, para alm de promover
bianualmente com particular sucesso o festival internacional PoNTI (Porto. Natal. Teatro. Internacional). Dede 2002 o TNSJ administra igualmente uma segunda sala, o
Teatro Carlos Alberto (antigo Auditrio Na306
Cultura

cional Carlos Alberto), que funcionara sobretudo durante duas dcadas como sala
de concertos.
Por outro lado, o projecto de alojar a
Presidncia portuguesa da Unio Europeia em 1992 num novo edifcio especialmente concebido para esse fim conduz
em 1988 ideia, na vigncia de Teresa
Gouveia como secretria de Estado da
Cultura, da respectiva converso posterior
num espao cultural de usos mltiplos
o Centro Cultural de Belm (CCB) dotado de um centro de espectculos com
uma sala de 1500 lugares e de uma sala-estdio polivalente, ambas destinadas s
artes performativas. O complexo gerido
por uma fundao de direito privado maioritariamente financiada pelo Estado, cuja
estrutura interna foi sendo alterada ao longo dos anos. Na gesto cultural do CCB
sucedem-se Maria Jos Stock, Miguel Lobo Antunes, Francisco Motta Veiga e Antnio Mega Ferreira. A ocupao intensiva
do auditrio principal pelas actividades
econmicas igualmente acolhidas pelo
CCB e o seu aluguer frequente a produtores de espectculos privados tornam, contudo, difcil a afirmao de uma linha de
programao identitria da prpria insti-

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As artes do espectculo

tuio, apesar do importante impulso lanado nesse sentido por Lobo Antunes.
Particular impacte tem entre 2000 e 2006 a
promoo da Festa da Msica, rplica lisboeta das Folles Journes organizadas
em Nantes pelo programador Ren Martin,
que concentram em trs dias intensos
de programao de msica erudita mais
de 40 000 espectadores. Mas de igual
destaque se reveste o programa educativo para as reas do espectculo, da responsabilidade de Madalena Vitorino.

A expanso
da vida artstica
O sector do teatro d no perodo revolucionrio de 1974-1975 um considervel salto
em frente na sua dinmica e na sua prpria
dimenso, com a institucionalizao de alguns dos grupos independentes fundados
anteriormente o Teatro Estdio de Lisboa, de Luzia Maria Martins (1964), o Teatro Experimental de Cascais, de Carlos
Avilez (1965), o Grupo Quatro, de Joo

Loureno e outros (1967), a Comuna, de


Joo Mota (1973), e a Cornucpia, de Lus
Miguel Cintra e Jorge Silva Melo (1973)
e a criao de novas companhias, logo em
1974 (o Bando, de Joo Brites, e a Casa da
Comdia, de Norberto Barroca) e em 1975
(a Barraca, de Hlder Costa e Maria do
Cu Guerra, os Cmicos, de Ricardo Pais,
o Grupo de Teatro Hoje, de Gasto Cruz e
Carlos Fernando, ou os casos peculiares
do Centro Cultural de vora, de Mrio Barradas, a primeira companhia profissional
de descentralizao teatral, ou do Adque,
de Francisco Nicholson, que procura uma
proposta de teatro de revista de iderio
progressista).
Este primeiro tecido continua a expandir-se a partir da e ao longo da dcada de
80, quer por cises nos grupos existentes
que conduzem constituio de novas
companhias quer pela simples consequncia natural da formao de novos actores no Conservatrio, na escola do Centro Cultural de vora ou nas iniciativas de
formao levadas a cabo por Joo Mota

Concerto de violino tocado por crianas, no Centro Cultural de Belm durante a Festa da
Msica de 2006.

307
Cultura

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Retrato de Portugal

na Comuna ou por Adolfo Gutkin no Instituto de Formao, Investigao e Criao


Teatral (IFICT). Em Lisboa Jorge Silva
Melo deixa o Teatro da Cornucpia (que
passar a assentar na dupla Lus Miguel
Cintra/Cristina Reis) e acabar por estabelecer na dcada de 90 os Artistas Unidos;
o antigo Grupo Quatro d lugar ao Novo
Grupo (Joo Loureno, Irene Cruz) e surgem sucessivamente o Teatro do Sculo
(Ins Cmara Pestana), o Teatro Maizum
(Silvina Pereira), o Teatro Meridional (Miguel Seabra), o Teatro da Garagem (Carlos Pessoa), o grupo Meia Preta (Filipe
Crawford), a Companhia Teatral do Chiado (Mrio Viegas) ou a Escola de Mulheres
(Fernanda Lapa).
O Grupo de Campolide (Joaquim Benite) e a Centelha saem de Lisboa, o primeiro para se estabelecer na Margem Sul como Companhia de Teatro de Almada, a
segunda rumo a Viseu (at 1992). No Porto, a acrescentarem-se ao velho Teatro Experimental do Porto, nascem os grupos
Seiva Trupe e P de Vento. Em Braga surge a Companhia de Teatro de Braga; em
Viana do Castelo o Teatro do Noroeste;
em Aveiro o Teatro Efmero; em Coimbra a
Escola da Noite; em Tondela o Acert-Trigo
Limpo; nas Caldas o Teatro da Rainha,

que em 1990 se fundir com o Centro Cultural de vora para formar o Centro Dramtico de vora (CENDREV); em Setbal
o Teatro de Animao de Setbal. Na Malaposta uma associao de municpios da
periferia de Lisboa, a Amascultura, estabelece um centro de produo teatral permanente. Por ltimo, multiplicam-se os
projectos pontuais de produo teatral e
desenha-se um novo perfil de carreira para criadores no associados a uma estrutura de produo fixa, como o caso de
Ricardo Pais at sua nomeao para o
TNDM e TNSJ.
Por ltimo, na dcada de 90 emergem
os projectos de uma nova gerao de artistas e criadores formados pelas vrias escolas profissionais e/ou superiores de Lisboa,
Porto, Cascais e vora: o caso do Olho,
em Lisboa, ou do Teatro Bruto e de As
Boas Raparigas Vo para o Cu, no Porto,
entre muitos outros. E multiplicam-se tambm os produtores e actores free lancers
interessados numa maior viabilizao de
projectos teatrais espordicos, margem
da organizao tradicional em companhias
permanentes (alguns deles, como Miguel
Guilherme, Jos Pedro Gomes, Antnio
Feio, Ricardo Carrio ou Francisco Lus,
celebrizados entretanto junto do pblico

A participao de actores de teatro em sries televisivas pode gerar novos pblicos para o
teatro. Miguel Guilherme em Conta-me Como Foi (2007).

308
Cultura

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As artes do espectculo

atravs de aparies frequentes em programas televisivos e capazes, por isso


mesmo, de mobilizar novos espectadores
para o teatro).
A partir dos anos 80 o teatro de revista
entra igualmente numa situao de crise
de sobrevivncia aguda, que se agrava na
dcada seguinte. J desde finais da dcada de 70 as novas produes tendem cada vez mais a passar da graa brejeira
tradicional do gnero explorao de situaes de uma quase pornografia gratuita e a adoptar uma postura poltica profundamente reaccionria, que aliena uma
grande parte do seu pblico. A revista ressente-se igualmente da subida em flecha
dos custos de produo, que a condenam
a um aparato cenogrfico cada vez mais
pobre, e muito em especial do aparecimento de novos fenmenos de entretenimento popular que disputam decisivamente o pblico s salas de espectculos:
as telenovelas brasileiras da Rede Globo
na RTP e a expanso dos videoclubes. Em
1982, com a dissoluo da cooperativa
Adque, a revista reduz-se aos palcos dos
teatros Maria Vitria e ABC, com oramentos de produo e elencos crescentemente desfalcados e incapazes de chamarem
de novo os espectadores. O enorme sucesso de pblico de uma antologia revivalista do gnero produzida com grande
aparato cnico e elenco de luxo, graas
aos recursos oramentais do TNDM (Passa por Mim no Rossio, de Filipe la Fria)
apenas condena ainda mais as rplicas
pobres que o sector capaz de oferecer
nos seus espaos prprios. O prprio La
Fria, ao procurar transpor para o Teatro
Politeama uma operao similar que fora
viabilizada pelo oramento do TNDM depressa se v a braos com custos de explorao incomportveis, mesmo com fortes apoios da SEC, e s com uma reduo
considervel da escala de produo conseguir manter com altos e baixos um projecto de teatro ligeiro.

Cartaz de Passa por Mim no Rossio.

Um crescimento surpreendente o da
Nova Dana portuguesa a partir do incio
dos anos 80, desde uma Olga Roriz, consagrada pela sua passagem pelo Ballet
Gulbenkian, a um Rui Horta, que, aps criar
em 1979 o Grupo Experimental de Dana
Jazz, lana em 1984 o projecto mais ambicioso da Companhia de Dana de Lisboa,
ou ainda Companhia de Dana Contempornea de Setbal com que Graa Bessa
e Antnio Rodrigues criam simultaneamente a primeira companhia de dana da descentralizao e uma das mais competentes
escolas de formao de bailarinos do pas.
O fenmeno expande-se com os projectos
de Paula Massano, Joo Fiadeiro, Clara
Andermatt, Margarida Bettencourt, Vera
Mantero, Paulo Ribeiro, Joana Providncia,
Madalena Vitorino, ou, j na gerao seguinte, Francisco Camacho ou Aldara Bizarro, que conquistam uma aceitao nacional e internacional generalizada.
Para esta afirmao decisiva em termos institucionais, depois do papel fundador do ACARTE, a programao da Culturgest, empresa de produo e gesto
cultural criada em 1993 por Rui Vilar na
nova sede de Lisboa da Caixa Geral de
309
Cultura

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Retrato de Portugal

Depsitos e dirigida por um dos anteriores


colaboradores directos de Madalena Perdigo, Antnio Pinto Ribeiro, a que se vem
somar igualmente, sob a direco de Miguel Lobo Antunes, a aco no mesmo
sentido do CCB. Os pequenos projectos individuais depressa vo dando lugar a estratgias de criao mais estruturadas e
mais contnuas, mas sem perderem nunca
a maleabilidade orgnica, nem se cristalizarem em modelos organizativos pesados
e financeiramente insustentveis. O sector
encontra modalidades de organizao e financiamento particularmente flexveis e eficazes, cruzando recursos comunitrios, estatais, autrquicos e mecenticos de uma
forma criativa e altamente eficiente, e conseguindo pouco a pouco estabelecer no
terreno iniciativas estveis e estruturantes:
o caso da aco de investigao e criao da RE.AL (Joo Fiadeiro), da estrutura
de acolhimento e produo do Espao do
Tempo (Rui Horta), em Montemor-o-Novo,
da casa-me de formao do Frum-Dana, da iniciativa de articulao entre
os vrios organismos consubstanciada na
associao Rede, ou do festival internacional Danas na Cidade, hoje designado por
Alkantara Festival.
No campo da msica a principal alterao qualitativa das ltimas dcadas tem sido a do alargamento e consolidao da rede de estabelecimentos de ensino musical
de todos os nveis, com destaque para as
escolas profissionais criadas na dcada de
80 e para o ensino superior assegurado
pelos institutos politcnicos de Lisboa, Porto e Castelo Branco e pelas universidades
Nova de Lisboa, de vora, de Aveiro e do
Minho. Como consequncia deste processo tem-se vindo a elevar significativamente
a capacidade de recrutamento e o nvel de
formao de jovens msicos portugueses,
que por sua vez se reinveste na capacitao da rede de ensino. Desde a gerao
dos pianistas Pedro Burmester e Antnio
Rosado ou do clarinetista Antnio Saiote s
310
Cultura

do pianista Artur Pizarro, do percussionista


Pedro Carneiro, da maestrina Joana Carneiro ou de outros ainda mais novos em
processo de afirmao nacional e internacional, surgem constantemente jovens valores cheios de talento, num nmero e com
uma mdia qualitativa impensveis nas dcadas de 60 e 70.
O circuito profissional tem demonstrado, no entanto, dificuldade em acolher e integrar devidamente esta produo crescente de jovens msicos. escassez de
orquestras profissionais e debilidade das
poucas existentes soma-se o reduzido nmero de plos de programao musical regular, apesar da rede de pequenos festivais que se vai espalhando pelo pas, em
especial ao longo do litoral (aos festivais
tradicionais de Sintra e do Estoril juntaram-se entretanto os do Algarve, de Coimbra,
dos Capuchos, da Figueira da Foz, de Guimares, de Leiria, de Mateus, da Pvoa de
Varzim ou do Baixo Alentejo, entre outros).
Comeam a surgir, no entanto, algumas iniciativas relevantes de auto-organizao,
como sejam, no campo da msica contempornea, a Orquestra Utpica ou as vrias
iniciativas do Miso Ensemble, entidade responsvel, designadamente, pelo lanamento do Centro de Informao da Msica
Portuguesa, a que acresce um nmero
crescente de agrupamentos de cmara cobrindo as formaes vocal-instrumentais e
os repertrios mais diversificados.

As polticas culturais do
Estado e as artes
performativas
O apoio do Estado aos criadores independentes no sector das artes performativas
confiado primordialmente, no perodo de
1974-1975, s vrias divises disciplinares
(msica, teatro, dana) da Direco-Geral
da Aco Cultural, na SEC, e nessa ou noutras direces-gerais equivalentes no seio
da mesma SEC se mantm de forma quase

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As artes do espectculo

inalterada at s reformas de Santana Lopes, nos incios da dcada de 1990. Opta-se ento por confiar a gesto desses
apoios aos organismos centrais aos quais
entregue agora a administrao da produo artstica do sector pblico nas mesmas disciplinas artsticas (o teatro no IAC,
que administra os teatros nacionais, a dana no Instituto Portugus do Bailado e da
Dana, responsvel pela CNB, e a msica
na Fundao de So Carlos, que tutela o
teatro nacional de pera). Em 1995 o governo socialista de Antnio Guterres, ao recriar o Ministrio da Cultura, prev partida a criao de um Instituto Portugus das
Artes do Espectculo (IPAE), para cuja comisso instaladora transita desde logo a
gesto dos apoios nestes domnios, e essa
responsabilidade passar em 2003 para o
respectivo sucessor orgnico, o actual Instituto das Artes, resultante da fuso do IPAE
com o Instituto de Arte Contempornea.
De 1974 a 1990 as polticas de apoio
governamentais para este sector mantm-se no essencial inalteradas em relao s
linhas de fundo definidas ainda no perodo
de constituio da SEC, apesar das flutuaes ideolgicas dos sucessivos governos provisrios e constitucionais (designadamente na inflexo patrimonialista
predominante das opes de investimento
cultural dos governos mais conservadores, em desfavor do apoio criao artstica actual favorecida pela esquerda). A par
com algumas linhas estruturantes no plano
da encomenda aos autores e da edio,
h uma verba reduzida para apoios aos
agentes culturais no terreno, que distribuda segundo critrios que esses sim
vo variando, ora procurando fixar
metas no plano dos contedos e da intensidade da programao ora insistindo antes no factor da capacidade de gerar
audincias.
Na viragem para os anos 90, no entanto, torna-se evidente que o prprio crescimento da massa crtica da produo arts-

tica j no compatvel com os nveis de


financiamento estatal disponveis. Por outro lado, torna-se igualmente clara a visibilidade poltica e meditica cada vez maior
da tutela do sector, o que explica que uma
figura poltico-partidria ascendente como
Pedro Santana Lopes tenha aceite esta
pasta at ento de reduzido peso no contexto governamental. Tanto Santana Lopes como o seu sucessor no Ministrio da
Cultura socialista entre 1995 e 2000, Manuel Maria Carrilho, procuraro por todos
os meios atrair investimentos reforados
na cultura, ainda que por vias opostas:
Santana pela tentativa de privatizao de
responsabilidades tradicionais do Estado
no sector e pela procura de mecenatos
privados canalizveis para os objectivos
do governo neste sector, Carrilho pela
consolidao da dotao para o seu ministrio no Oramento de Estado e pelo
recurso a novas linhas de finaciamento
comunitrio (Plano Operacional da Cultura).
A dcada de 90, sob ambos os governos, marcada por grandes acontecimentos culturais isolados de forte impacte
meditico que mobilizam recursos e projectos de grande dimenso. o caso da
Europlia 91, que leva Blgica um programa intenso de acontecimentos artsticos performativos; do Festival Internacional de Teatro, organizado a partir de 1991;
das capitais europeias da Cultura de Lisi , ou ainda da Exboa 94 e do Porto 2001 4
po 98, tambm em Lisboa, em todos os
casos com uma programao artstica brilhante na esfera da msica, do teatro e da
dana. Os sectores artsticos profissionais
criticam, contudo, a estratgia descontnua de stop and go destas grandes iniciativas e a desproporo entre o gigantismo
dos meios despendidos em acontecimentos de natureza efmera e os montantes
reduzidos investidos nas estruturas permanentes de produo do tecido artstico
portugus.
311
Cultura

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Retrato de Portugal

tambm um perodo de grandes investimentos em infra-estruturas logsticas,


em particular na construo de auditrios e
teatros em vrias cidades do pas, que entretanto vo sendo inaugurados por quem
desempenhe, no final da obra, as funes
governamentais adequadas. Mas so raros
os novos espaos que dispem de uma
equipa tcnica permanente, de programadores competentes e sobretudo de oramentos estveis que permitam uma concepo de projectos de actividade artstica
plurianuais e atempadamente definidos,
negociados com os respectivos participantes e anunciados ao pblico.
Com a viragem para os anos 2000 e o
agravamento da crise financeira do Estado-providncia as iluses da dcada anterior desfazem-se face s necessidades de
uma poltica de conteno oramental que
encontra na cultura uma aplicao tanto
O grupo O Bando em espectculo
de rua durante a iniciativa Lisboa Capital
Europeia da Cultura 94.

312
Cultura

mais draconiana quanto as economias


efectivas assim realizadas pelas finanas
pblicas so, por ironia, de um montante
em ltima anlise irrelevante em termos
dos objectivos macro-oramentais pretendidos para o conjunto da administrao pblica. A suboramentao crescente do
sector tem vindo a provocar uma diminuio acentuada da capacidade de produo dos organismos artsticos estatais, aumentando a desproporo entre os custos
fixos, muitas vezes elevadssimos, e os oramentos de produo, e tornando assim,
por curiosa contradio, os espectculos
produzidos em objectos de um custo proporcional muito mais elevado do que em
qualquer instituio congnere no plano internacional.
Por sua vez, os montantes disponveis
para apoio a produtores e criadores artsticos do sector privado tm vindo tambm
eles a diminuir em cada novo oramento
anual, num contraste irresolvel com o
crescimento natural do sector das artes
performativas em todos os domnios. Torna-se impossvel institucionalizar devidamente
os projectos mais antigos com provas dadas de qualidade artstica continuada, e
ainda mais abrir espao de enraizamento
para novos projectos de carcter estruturante ou criar oportunidades pontuais eficazes para a revelao e encorajamento
de novos valores. Num quadro de estrangulamento oramental cada vez mais agravado procura-se iludir a questo com sucessivas alteraes dos regulamentos de
concurso ou com tentativas pouco hbeis
de fazer transitar as responsabiliades do
Estado central neste domnio para as autarquias.
Tampouco se tem conseguido definir
modalidades eficazes de atraco de mecenatos privados para o sector das artes
do espectculo, excepto quando estes so
desviados para complementar os oramentos correntes dos organismos pblicos
desta rea. E por ltimo, no que respeita ao

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As artes do espectculo

O Teatro Municipal de Bragana, um exemplo da criao de novas infra-estruturas culturais no


interior do pas.

perfil orgnico das instituies que integram o sector pblico de produo artstica continua a oscilar-se pendularmente
entre solues estatizantes fortemente burocratizadas e alternativas utpicas do foro
privado, em ambos os casos geralmente
improvisadas, como se estas mudanas ingnuas e improvisadas de estatuto trouxessem consigo, por si s, o remdio para
os problemas de um subfinanciamento galopante e desestruturador de qualquer poltica cultural sria.
A soluo do problema no pode deixar
de vir a passar pela verdadeira assuno da
desejada e tantas vezes apregoada
centralidade programtica da cultura, no

quadro de um desenvolvimento socioeconmico equilibrado e sustentvel para o pas,


mobilizando meios oramentais que permitam neste sector uma interveno efectiva,
atempada e programada a mdio e longo
prazo. E depender, sobretudo, ao mesmo
tempo, de uma nova capacidade de articulao das polticas da cultura com as da
educao, visando a formao simultnea
da generalidade dos cidados no sentido
da sensibilizao para a prtica e a fruio
artsticas, e de um maior nmero de profissionais competentes, informados, crticos,
criativos e conscientes do papel e do percurso das artes do espectculo na sociedade portuguesa e europeia contempornea.

313
Cultura

O cinema

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Jorge Leito Ramos

Oliveira, Csar, Rocha, Teresa e os outros

uando, em 25 de Abril de 1974, o


Movimento das Foras Armadas
derrubou o caduco regime autoritrio e antidemocrtico que vigorava em
Portugal desde 1926, o cinema portugus
encontrava-se num momento de mudana
que vinha j de anos anteriores. Depois de
muita indeciso, o governo de Marcelo
Caetano fizera aprovar uma Lei de Cinema
(datada de 1971, mas cujos efeitos prticos s comearam a tomar corpo no incio
de 1974) que criara um organismo pblico
o Instituto Portugus de Cinema a
que era atribuda, entre outras funes,
a misso de conceder subsdios produo de filmes. Era, no fundo, o reconhecimento oficial da impossibilidade da existncia de cinema em Portugal sem uma
interveno financiadora do Estado. Com
efeito, com um mercado interno muito estreito (383 salas, em 1973) e uma empresa
de televiso completamente arredada da
produo de cinema, a rentabilizao do
cinema portugus estava fora de questo.
Era um problema que se arrastava h longos anos e que acarretara um outro: fora de qualquer lgica de mercado, o mais
interessante cinema portugus (praticado
por uma gerao de realizadores que despontara como uma nouvelle vague portuguesa, ao longo dos anos 60) desistira
de intentar filmes que tivessem o pblico
como fonte de legitimao, procurando
um cinema que a encontrasse nos meios
da intelligentsia, da crtica, dos festivais.
O ano de 1973 no fora um ano bom: estreara-se uma nica longa-metragem (Perdido por Cem..., de Antnio Pedro Vascon-

314
Cultura

celos), fruto de interveno mecentica da


Fundao Calouste Gulbenkian. Acrescendo ao cerco financeiro, a censura zelava para que Portugal no sasse de baias
estritas, condicionando, mutilando, proibindo.
A queda do Estado Novo, ocorrida em
Abril de 1974, veio abrir as portas da liberdade para o pas e tambm para os
cineastas. O primeiro resultado foi a libertao de alguns filmes. Mas tambm,
aproveitando as estruturas administrativas
e os mecanismos de financiamento criados
nos ltimos tempos do regime, se verificou
um incremento forte da produo. O que
permaneceu sem visvel alterao foram as
condies de mercado e ainda um assinalvel divrcio entre o pblico e os filmes
muito singulares que se foram fazendo
(Autos da Alma lhes chamou Paulo Filipe
Monteiro em ttulo de tese de doutoramento, muitos anos depois). Singularidade que
despertou a ateno dos meios culturais
europeus e que deu ao cinema portugus
uma aura muito particular e a alguns dos
seus criadores uma assinalvel e justa
proeminncia.
Quando em 1982 o ministro da Cultura
portugus autorizou um subsdio excepcional para que Manoel de Oliveira filmasse
Visita ou Memrias e Confisses (um filme
to ntimo e autobiogrfico que se destinava a s ser publicamente mostrado aps a
morte do cineasta inteno que permanece, apesar de, a 15 de Outubro de 1993,
o filme ter tido uma antestreia restrita, com
acesso apenas por convite do prprio realizador, na Cinemateca Portuguesa), o

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O cinema

gesto excepcional afirmava implicitamente


a presuno de se estar perante o fecho
da obra de um cineasta respeitado unanimemente como a grande figura da cinematografia portuguesa. Oliveira comeara
a filmar quando o cinema em Portugal
era ainda silencioso (Douro, Faina Fluvial comeou a ser rodado em 1929). Tivera longos hiatos na carreira, motivados
tambm por uma singularidade de postura
que no se enquadrava por inteiro nos critrios dos funcionrios do regime salazarista, apesar do apreo do mentor cultural do
regime (Ferro, 1950: 65). Mas acabara de
conhecer, com Francisca (1981), o estimvel reconhecimento do pblico portugus
(80 000 espectadores), que sempre dele se
arredara, ultrapassara o cabo dos 70 anos
de idade, parecia lgica uma retirada de
cena em grande prestgio. Redondssimo
engano: Oliveira no estava sequer a meio
da sua obra e a partir da que, num ritmo
absolutamente sem precedentes, nem pares, ele vai engrenar filme atrs de filme, recolher preitos, prmios (em stios to diversos quanto os festivais de Cannes, Veneza,
Locarno ou Salnica), condecoraes de
governos e divulgao e renome interna-

cional. Desde o incio dos anos 90 conseguir a proeza de dirigir pelo menos uma
longa-metragem em cada ano, com acesso
a elencos com vedetas internacionais (Catherine Deneuve, John Malkovich, Irene Papas, Marcello Mastroianni, Marisa Paredes,
Michel Piccoli, Lima Duarte...). No momento em que escrevo, prestes a completar 98
anos de idade, acaba de estrear, no Festival de Veneza e logo a seguir nas salas por
toda a Itlia, Belle Toujours. A sua filmografia tem uma estatura que largamente sobreleva a de qualquer outro cineasta portugus, seja pela quantidade de obras, seja
pela fulgurncia com que continua a surpreender-nos, a apostar numa modernidade que no conhece regras seno as que
ele prprio assume. Aps 1982 tentar o
impossvel (pr em filme a integralidade do
texto de Claudel, quase sete horas de durao para Le Soulier de Satin, 1985) e o
inslito (uma pera expressamente escrita
para cinema Os Canibais, 1988), o intimismo teatral (Mon Cas, 1986) e a grande
saga histrica (Non ou a V Glria de Mandar , 1990), o romanesco ( Vale Abrao ,
1993), o pcaro (A Caixa, 1994) e o confessional ( Porto da Minha Infncia , 2001),

Manoel de Oliveira durante as filmagens de Espelho Mgico, em Veneza (2005).

315
Cultura

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Retrato de Portugal

tocar infinitas variaes da paleta dos


sentimentos e das ideias com resultados
desiguais, todavia sempre de forma a desconcertar admiradores e adversrios. Ter,
ainda, disponibilidade e engenho para experimentar o teatro (em Itlia, encena a sua
pea De Profundis no Festival de Teatro de
Santarcangelo di Romagna, em 1987, e
Mrio ou Eu-Prprio o Outro de Jos Rgio,
apresentado em Pontedera e Roma, em
2003).
Joo Csar Monteiro outra das figuras
maiores do cinema portugus a firmar-se
nos anos 80/90. Pertencente gerao do
cinema novo que tem o seu alvor durante os anos 60, s consegue aceder longa-metragem em 1972, mas em condies
financeiras e tcnicas que impedem o filme
de estrear (por isso ele mesmo lhe chamar Fragmentos de Um Filme-Esmola). Cineasta culto, tradio literria, flmica e
musical arrancar um conjunto de filmes
notveis Que Farei com Esta Espada?
(1975), Veredas (1977), Silvestre (1981),
flor do Mar (1986) mas cuja repercusso (nacional e internacional) ficar limitada (Silvestre esteve, contudo, presente no
Festival de Veneza de 1982). A sua obra
conhece assinalado revigoramento a partir
de 1989, quando cria uma espcie de alter-ego (Joo de Deus), lhe empresta o
prprio corpo como actor e inflecte o tom
do seu cinema para um registo de tragicomdia que ele esticar at aos limites do
sublime, da provocao e do pattico numa srie de filmes iconoclastas, extremados, convulsivamente belos que estaro
presentes nos principais festivais de cinema, alguns deles premiados (Recordaes
da Casa Amarela, 1989, Leo de Prata no
Festival de Veneza; O ltimo Mergulho,
1992, prmio da crtica italiana no Festival
de Veneza; A Comdia de Deus, 1995, Prmio Especial do Jri no Festival de Veneza;
Le Bassin de J. W., 1997, estreia mundial
no Festival de Toronto; As Bodas de
i , 1998, estreia mundial no Festival
Deus 4
316
Cultura

de Cannes de 1999, seco Un Certain Regard). Mas esse alter-ego empurrou-o para
um territrio de crise. Depois de desistir de
pr em cinema um texto de Sade e do momento de pnico criativo materializado em
Branca de Neve (2000), a partir do texto de
Robert Walser, volta a filmar-se a si prprio
nesse filme testamental e agnico que se
chamou Vai-e-Vem, rodado quando Csar
Monteiro se sabia condenado por doena
do foro oncolgico. Quando o filme estreou
na Seleco Oficial do Festival de Cannes, em Maio de 2003 j o realizador havia falecido, provocando um vazio no cinema portugus impossvel de preencher.
Como todos os gnios, Joo Csar Monteiro no deixou descendncia, apenas uma
obra impressionantemente singular e apaixonante.
Tambm da gerao do cinema novo, Paulo Rocha teve, aps 1974, carreira
assaz agitada. Demorou oito anos a erguer
A Ilha dos Amores (1982), largo e ambicioso fresco sobre um escritor portugus em
voluntrio exlio nipnico Wenceslau de
Moraes (1854-1929) , a que se seguiu
uma parbola de cariz poltico (O Desejado
Joo Csar Monteiro.

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O cinema

ou As Montanhas da Lua, 1987), filmes


que, apesar de terem estado presentes em
festivais e terem conhecido estreia internacional, permaneceram longamente arredados das salas portuguesas. A Ilha dos
Amores foi apresentado em Cannes (1982)
e teve estreia comercial no Japo em 1982
e em Frana em 1986; O Desejado ou As
Montanhas da Lua esteve presente no Festival de Veneza de 1987 e estreou em Frana em 1988; ambos s teriam estreia comercial em Portugal em 1991. Depois,
Paulo Rocha virou-se para o documentrio,
experimentou o vdeo, deixou-se fascinar
pelas tecnologias e, no final dos anos 90,
regressou longa-metragem com os coni,
vulsos e visionrios O Rio do Ouro (1998) 4
A Raiz do Corao (2000) e Vanitas ou
O Outro Mundo (2004).
Outra figura que importa relevar no cinema portugus dos ltimos anos Teresa
Villaverde. Tendo-se iniciado no cinema
como episdica actriz de Csar Monteiro
( flor do Mar), Teresa Villaverde aceder
realizao em 1990 (A Idade Maior) e edificar uma obra em crescendo (Trs Irmos,
i ), num estilo de
1994; Os Mutantes, 1998 4
narrao que encontra mistrios no real e
os sussurra mais que desvenda, com uma
ateno particular ao mundo obscuro e doloroso da infncia e adolescncia, que lavra com mincia e sensibilidade. As suas
produes, filhas j dos regimes integradores da Europa comunitria, sero desde o
incio internacionais (A Idade Maior ter, de
resto, a sua estreia mundial, a 12 de Fevereiro de 1991, no canal de televiso ZDF,
Alemanha), o que no tem impedido que
os seus filmes se afigurem, sem excepo,
filhos legtimos da realidade (social e cinematogrfica) portuguesa. O seu mais recente trabalho Transe (2006) j
francamente transnacional (falado sobretudo em russo e filmado em vrios pases),
uma dimenso anmica que torna Teresa
Villaverde um caso sem paralelo no cinema
portugus.

A estes nomes h
que juntar um conjunto aprecivel de realizadores com obra
feita e reconhecida,
como Joo Botelho,
Joo Mrio Grilo, Jos
lvaro Morais (1943-2004), Alberto Seixas
Santos, Fernando Lopes, Jos Fonseca e
Costa, Antnio Pedro
Vasconcelos, Pedro
Paulo Rocha.
Costa, Lus Filipe
Rocha ou Joo Canijo, alguns deles alvo
tambm de reconhecimento internacional
(citemos apenas, a ttulo de exemplo, a retrospectiva dedicada a Joo Botelho em
Bergamo, em 1996).
Um dos elementos que permaneceu na
ordem do dia nos ltimos 25 anos foi a
questo da legitimao. A maior parte dos
cineastas continuou a praticar o cinema como uma produo artstica, sem preocupaes de carcter comercial, alicerada nas
boas razes da impossibilidade de um cinema que se rentabilizasse nas salas. Mas
sempre houve um outro grupo de realizadores que insistiu que o ganho de audincia era a melhor forma de legitimar uma
produo de cinema fundada sobre financiamentos pblicos. E, episodicamente,
conseguiram-se alguns xitos: Kilas, o Mau
da Fita de Jos Fonseca e Costa (1980),
com 121 269 espectadores, inaugurou o
que parecia ser uma viragem; A Vida Bela!? de Lus Galvo Teles (1981), Os Abismos da Meia-Noite de Antnio de Macedo
(1983) ou O Querido Lils de Artur Semedo
(1987) ultrapassaram tambm a marca dos
100 000 espectadores; a euforia chegaria
com O Lugar do Morto de A. P. Vasconcelos (1984), que obteve mais de 300 000 bilhetes vendidos e constituiu, data, o
maior xito de sempre do cinema portugus. Mas esse perodo foi sol de pouca
dura. No princpio dos anos 90, era o desa317
Cultura

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Retrato de Portugal

lento nas bilheteiras; mesmo realizadores


considerados de xito viram chegar o
amargo sabor do mais fundo fracasso
(Fonseca e Costa com Os Cornos de Cronos, Artur Semedo com Um Crime de Luxo,
e Antnio de Macedo com Ch Forte com
Limo no atingiram sequer os 5000 espectadores na estreia). Nada que espantasse, porque as mudanas ocorridas
durante o ltimo quarto de sculo nas condies de mercado no foram de molde a
favorecer o cinema portugus. Depois de
um perodo de desinvestimento, os anos 90
viram crescer o parque exibicional (em
1998, segundo dados do Instituto de Cinema, Audiovisual e Multimdia, ICAM, existiam em Portugal 419 salas a que correspondem 562 ecrs); mas as estruturas da
distribuio/exibio sofreram ao longo
deste perodo um fortssimo fenmeno de
concentrao e um incremento da dominao do cinema americano. Muitos filmes
portugueses dos anos 70/80 no conseguiram sequer exibio comercial o que
aconteceu a cerca de um tero da produo portuguesa entre 1974 e 1989 (Costa,
1991: 166). Foi neste contexto que, no final
da dcada de 80, o mais importante produtor portugus (Paulo Branco) encetou a
verticalizao empresarial, tornando-se, simultaneamente, distribuidor e exibidor (o
que vai ser fundamental para a oferta de filmes em Portugal, que conhecer saudvel
diversificao: ser graas a Paulo Branco
que chegaro ao mercado obras de Kiarostami, Yimou, Imamura, Kitano, Rohmer,
Moretti, Godard...). Num reforo de implantao ao longo de toda a dcada de 90,
Paulo Branco tornou-se, no fim do sculo, o
segundo mais importante exibidor do pas,
antes de conhecer dificuldades financeiras
graves, em 2006, que viriam alterar profundamente a sua dimenso empresarial. Mas
a dinmica introduzida por Branco trouxe
uma assinalvel modificao da realidade
do mercado, permitindo uma situao de
relativa normalidade na divulgao dos fil318
Cultura

mes portugueses. Um outro elemento de


peso faria, entretanto, a sua apario: a televiso privada.
Na Primavera de 1994 aceitei integrar
um debate entre criadores e crticos de vrias especialidades artsticas, no Canal 2
da empresa de televiso pblica portuguesa. No campo do cinema encontrei-me
frente a frente com Joaquim Leito, que h
pouco estreara a sua terceira longa-metragem, Uma Vida Normal, com resultados
desastrosos (menos de 8000 espectadores). Lembro-me que nos envolvemos numa discusso acesa e que uma das questes que o meu interlocutor levantava era
no apenas o espao, mas o tipo de pgina (par ou mpar) onde o jornal onde escrevo (Expresso, o mais importante semanrio
portugus) tinha colocado o texto sobre esse seu filme... Era o tempo em que crtica
se pedia que fizesse tambm uma tarefa
de promoo. Meia dzia de anos volvidos
tal discusso seria impensvel. A principal
razo no ancora no cinema, mas na televiso. Aberto o espao televisivo iniciativa
privada, em 1992, um dos canais emergentes (a Sociedade Independente de Comunicao SIC) muito rapidamente se tornou um fenmeno de popularidade a
meio da dcada tinha 50 % de audincia,
caso nico no panorama audiovisual europeu. Precisamente em 1995, a SIC decide
virar os olhos para o cinema e entrar na co-produo de alguns filmes. Mas, mais importante que o pequeno contributo financeiro, relevou sobretudo o eficaz esforo
promocional que ps em marcha para
apoiar a estreia em sala desses filmes.
Com resultados espectaculares: Ado e
Eva, de Joaquim Leito (1995): 254 925 esi , de Joaquim Leipectadores; Tentao 4
to (1997): 361 312; Sweet Nightmare, de
Fernando Fragata (1998): 185 472; Jaime,
de Antnio Pedro Vasconcelos (1999):
200 605. (A propsito destes nmeros e da
sua fiabilidade lembre-se que em Portugal
no existia, poca, um mecanismo de

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O cinema

Cartaz do filme Tentao, de Joaquim Leito,


xito de bilheteira do moderno cinema
portugus.

controlo rigoroso da afluncia s salas de


cinema. Os nmeros referidos so de origem oficial, do ICAM, mas foram-lhe fornecidos pelos distribuidores, sem que o
ICAM possusse qualquer forma de aferir
a sua exactido. Esta situao modificou-se, entretanto, existindo hoje uma estrutura fivel de verificao das bilheteiras.)
Apoiado pelo mais poderoso dos veculos
promocionais e tendo-se tornado, comercialmente, o cineasta portugus mais bem-sucedido intramuros (mas, estreado em
Espanha, Ado e Eva ainda l obteve
89 589 espectadores), a Joaquim Leito
importa hoje muito pouco onde, quanto e o
que se escreve nos jornais a respeito dos
seus filmes.
Em concomitncia com estas mudanas, tambm o poder poltico resolveu
olhar o cinema com outra ateno: aumentou-se o financiamento dedicado produo de longas-metragens, instalou-se uma
linha de financiamento para curtas-metragens, documentrios e animao, reforaram-se as ajudas referentes promoo e
presena em festivais. Os resultados comearam a ver-se. Em 1999 estrearam 13

filmes em sala, nmero extraordinrio nos


mais de 100 anos do cinema portugus.
Tambm pela primeira vez, Portugal teve
filmes em competio nos trs principais
festivais europeus (Glria, de Manuela Viei , de Oliveira,
gas, em Berlim, La Lettre 4
em Cannes, e Mal, de Alberto Seixas Santos, em Veneza). Houve prmios de relevo
(com destaque para o de Cannes para La
Lettre e o de San Sebastian para Jaime,
de Antnio Pedro Vasconcelos (que, antes, fora um xito de pblico). Mesmo no
fim do ano, uma grande homenagem a toda a cinematografia portuguesa decorreu
no Festival de Turim. Ainda nesse ano, a
SIC entrou na produo directa de telefilmes, com exibio ao ritmo de um por
ms e assombroso sucesso de audincias: o primeiro a ser emitido, em Janeiro
de 2000, Amo-te, Teresa, realizado por
Cristina Boavida e Ricardo Esprito Santo,
foi visto por quase dois milhes e meio de
telespectadores, conseguindo 70,9 de
share de audincia. Os ttulos seguintes
continuariam a ser um sucesso, mas a
produo de telefilmes havia de se ver
metida no colapso de audincia que a SIC
sofreu no Outono desse ano (com o xito
do reality show Big Brother na Televiso
Independente TVI) e terminar, em 2001,
sem glria. Mas a fora empenhada da
promoo da SIC voltaria a ser demonstrada, em 2005, quando a estao produziu o seu primeiro filme para exibio em
sala O Crime do Padre Amaro, realizado
por Carlos Coelho da Silva e conseguiu
a proeza de o tornar o maior sucesso de
sempre do cinema portugus: 380 652 espectadores.
Os mais de cinco anos decorridos deste terceiro milnio foram, todavia, anos conturbados, em parte explicveis pela crise
econmica e financeira que Portugal vem
atravessando, com as inevitveis contraces de verbas canalizadas para o cinema.
Uma mera observao do nmero de filmes estreados deixa perceber esse facto.
319
Cultura

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Retrato de Portugal

Ano

Longas-metragens
de fico
estreadas em sala

Telefilmes
estreados
(RTP e SIC)

2000

11

11

2001

11

2002

13

2003

15

2004

15

2005

11

O futuro prximo pode esperar-se positivo. H uma nova leva de realizadores a fazer caminho. Elenquemos os nomes de
Sandro Aguilar, Miguel Gomes, Raquel
Freire, Marco Martins, Teresa Prata, Tiago
Guedes, Frederico Serra, Ftima Ribeiro,
Lus Fonseca e, sobretudo, Edgar Pra,
i , JoaCatarina Ruivo, Margarida Cardoso 4
quim Sapinho, Jeanne Waltz, Maria de Medeiros, Antnio Ferreira, Srgio Trfaut,

320
Cultura

Joo Pedro Rodrigues ou Ins de Medeiros. Assim haja condies de produo para tanta e to florescente gente. E h uma
diversidade de modos de praticar cinema
que se augura capaz de resistir s foras
homogeneizantes que, um pouco por todo
o mundo, tendem a fazer do audiovisual,
em geral, e do cinema, em particular, uma
espcie de fast food narrativo.
A grande questo que permanece em
aberto a do financiamento, agora que
uma nova Lei de Arte Cinematogrfica e do
Audiovisual (de 2004) se arrasta h mais
de dois anos sem regulamentao, mostrando que esta no uma prioridade poltica. Essa lei prev que o actual modelo dominante de financiamento estatal se altere,
merc da entrada dos operadores de televiso (hertziana e por cabo) num fundo de
que se espera uma abertura de portas. Essa a grande interrogao do presente
e dela depende grande parte do futuro do
cinema portugus.

Design e moda

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Rui Afonso Santos

A primeira gerao de designers portugueses

m processo industrial incipiente, o


atraso tecnolgico, a desactualizao do ensino artstico e a existncia de uma longa ditadura de direita (1926-1974), fortemente isolacionista, colonial,
repressiva e economicamente proteccionista marcaram decisivamente a ecloso
tardia do design em Portugal. Remonta, porm, aos anos 50-60 a implementao daquela disciplina, mediante o notvel esforo pioneiro do arquitecto Conceio Silva
(Exposio de Decorao Moderna, Casa
Jalco, 1951; Loja Rampa, 1956) e, sobretudo, de uma efectiva 1.a gerao de designers portugueses, entre os quais se citam
os nomes incontornveis de Daciano da
Costa (1930-2005), Maria Helena Matos
(n. 1924), Antnio Garcia (n. 1925), Sena

da Silva (1926-2004), Cruz de Carvalho


(n. 1930), Carmo Valente (n. 1930), Miria
Toivola (n. 1933) ou Eduardo Afonso Dias
(n. 1938).
Com actividade repartida pelo design
de interiores, equipamentos, mobilirio e
iluminao (para hotelaria, habitao e servios), bem como de vidros e cristais, cermicas, txteis ou cutelaria, estes designers
contaram com uma secular tradio de artes decorativas e, sobretudo, com a proverbial qualidade das manufacturas portuguesas (mobilirio, marcenaria, metais, vidro e
cristal, faiana e porcelana, txteis), que
renovaram formalmente e impulsionaram
pela criao de novos produtos especificamente desenhados, destinados produo
industrial.

Aspecto da Loja Rampa (1956).

321
Cultura

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Retrato de Portugal

Daciano da Costa foi a figura preponderante da 1.a gerao de designers portugueses: criou interiores de espaos pblicos (Reitoria da Universidade de Lisboa,
1960-1961; Teatro Villaret, 1964-1965; Biblioteca Nacional de Lisboa, 1965-1968;
etc.) e privados (Vestbulo, Grande Auditrio, Biblioteca, Refeitrio e Bar da Fundao
Calouste Gulbenkian, 1966-1969; Hotel Madeira Hilton, 1970-1971; hotis Altis e Penta,
1971-1975) derrogando a habitual colagem decorativa a favor do entendimento do
design como prolongamento da prpria arquitectura e, sobretudo, as primeiras linhas seriadas de mobilirio de trabalho e de
escritrio (Linha Cortez, 1962; Linha Prestgio, 1962; Linha Dfi, 1971; Linha LNEC/CB,
1971, produo Longra). O seu trabalho foi
marcado por uma pesquisa formal racionalista, de herana bauhausiana mas receptiva s propostas da Escola de Ulm e, particularmente, de Toms Maldonado e Max
Bill, atenta s insuficincias do panorama industrial coevo e ao desafio criativo e social
da sua ultrapassagem aliada, desde os
anos 80, a uma redescoberta (ps-moderna) do humor, do inesperado e de algumas
tradies ancestrais das artes decorativas
Cadeira empilhvel da autoria
de Sena da Silva.

322
Cultura

(J. P. Martins). O processo desenvolveu-se


no mobilirio desenhado para integrar os interiores do Centro Cultural de Belm (projecto de arquitectura vencido em 1989 pelos arquitectos Vittorio Gregotti e Manuel
Salgado, em cuja equipa Daciano da Costa
se integrou), das reas pblicas, do mdulo
de reunies, do Grande Auditrio e da Sala
de Jantar da Presidncia e culminou em
modelos de mobilirio urbano (Banco Urbis,
1994, produo Julcar), domstico (Cadeira
da Srie Sancho, 1995, produo ngelo de
Sousa Braga) e destinado a espaos pblicos (Cadeira Coliseu//Caf, 1994, produo
Julcar; Cadeira Coliseu/Camarote, 1994,
produo Olaio).
A revoluo de Abril de 1974 assinalou
o fim da ditadura do Estado Novo, pondo
igualmente termo Guerra Colonial (1961-1974) e marcando o processo de transio
para uma futura III Repblica democrtica.
Se os factores de ordem externa tinham sido preponderantes no progresso da economia portuguesa durante os anos 60, os choques petrolferos de 1973-1974 e de 1979
afrouxaram esse crescimento e agravaram
a instabilidade econmica (que se prolongaria at aos meados da dcada de 80), j
de si reforada, ao nvel interno, pelas consequncias da descolonizao, das perturbaes revolucionrias que se seguiram
(1974-1975) mudana de regime poltico,
bem como pela adopo de uma Constituio (1976) de modelo socialista e por uma
ruinosa poltica de nacionalizaes.
Como resposta ao consequente panorama econmico fortemente crtico, em
1982 a Associao Portuguesa de Designers (fundada em 1976), sob direco de
Sena da Silva, promoveu na Sociedade Nacional de Belas-Artes a exposio Design
& Circunstncia. O certame props-se
glosar alguns motes sugeridos pelo Ncleo de Design do Instituto Nacional de
Investigao Industrial e homenagear simultaneamente a importante aco da designer Maria Helena Matos, que, na direc-

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Design e moda

Linha de mobilirio Cortez, de Daciano da Costa (1962).

o daquele organismo entre 1969 e 1976,


foi a grande empreendedora da consciencializao e promoo empresarial do design em Portugal.
Num quadro de crise econmica generalizada (fruto do 2.o choque petrolfero e
da m poltica econmica prosseguida, em
1980, pelo governo portugus), a exposio apresentou 38 designers (entre os
quais Antnio Garcia, Daciano da Costa,
Eduardo Afonso Dias, Jorge Pacheco no
design industrial e de equipamento, bem
como Sebastio Rodrigues, Joo Machado, Jos Brando, Lus Carrolo, Assuno
Cordovil no design grfico ou Cristina Reis
na cenografia), numa ntida unidade em
termos de produo, atitude, prtica e dignificao profissional (e at geracional),
reunidos perante um panorama onde, contudo, emergiam j outras posturas e entendimentos do design, anunciando a abertura de um novo ciclo, doravante marcado
por designers especificamente formados
pelas escolas de belas-artes.

Os arquitectos
e o design: dos anos 80
ao fim do sculo
Desde os anos 50, alis, o arquitecto Siza
Vieira (n. 1933) praticou exemplarmente a

potica racionalista, tanto na arquitectura


como no design, atravs da revisitao das
origens do movimento moderno (Casa de
Ch da Boa Nova, 1958-1963, com mobilirio e candeeiros expressamente desenhados), num percurso cuja produo assume
assinalveis implicaes ticas. A notoriedade que conheceu entre ns nos anos 80,
fruto do reconhecimento internacional, levou reedio de objectos que Siza Vieira
desenhara anteriormente, como o candeeiro Flamingo (1972, edio De Facto, 1985),
despojada obra de grande unidade formal,
caractersticas que se estendem tambm
ao candeeiro de mesa Fil (1990, edio
M114).
Este rigor projectual e asctico, de vertente neomoderna, assinalvel nas depuradas Cadeiras C1 (1986); no conjunto
de Estirador e Banco (1988, edio Carvalho Arajo) que o arquitecto desenhou para a Faculdade de Arquitectura do Porto,
tambm por ele riscada; na depurada Cadeira Empilhvel (1994); na Cadeira Marco
(1996), verstil pea que serve em simultneo de genuflexrio, destinada Igreja
de Marco de Canaveses, integralmente
desenhada tambm; no conjunto de Sof
e Mesa editados (1994) pela Altamira; tudo desenhado com um rigor constante,
numa verdadeira potica neomoderna
323
Cultura

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Retrato de Portugal

e que Siza Vieira prosseguiu noutros objectos, de candeeiros a fechos e puxadores de porta, cinzeiros, jarras, solitrios,
fruteiras, acessrios de banho, espelhos,
faqueiros, clices de porto, servios de
ch o que no impediu que nas clebres Cmoda 1 (1985) e Cmoda 2 (1990),
editadas pela Fago, o arquitecto revisitasse, depurando-a, a memria dos antigos
contadores. Frequente nos arquitectos e
designers formados na Escola do Porto,
encontramos a esttica neomoderna do
despojamento e do rigor racionalista em figuras tambm nossas conhecidas como
Fernando Tvora (1923-2005), j de uma
gerao anterior, tanto na sua arquitectura
como no design (Mesa de Abas, edio
Fago), onde procedeu a novos entendimentos das tcnicas e materiais tradicionais, seno mesmo das formas antigas,
em depurada revisitao do passado
(cadeiras desenhadas para a Casa Primo
Madeira, 1980-1987); em Eduardo Souto
de Moura (n. 1952), que a estendeu ao design de equipamentos (Candeeiro de Mesa, 1988), com risco de sbrios objectos
de magnficas propores (Mesas Srie 3,
edio Jos Filipe & Filho, 1993; Mesa Mesotta 1, 1997, edio DDI) e tambm de interiores (Companhia de Seguros Real,
vora, 1992-1993), com pontual irrupo
de humor (Candeeiro de Mesa Piu-Piu, c.
1997, edio Loja da Atalaia e DDI); em
Adalberto Dias (n. 1953), que tambm explora a diversidade dos materiais (Maple,
edio Fago; candeeiro de secretria Cartola, 1991, edio Carvalho Baptista), enveredando por uma linha asctica (Cadeira (e Mesa) para Computador Ria, 1995,
edio Mobapec) que origina singulares
solues funcionais (Cadeira de Auditrio
Vai e Vem, 1996, edio Mobapec); e, sobretudo, em Jos Manuel Carvalho Arajo
(n. 1961), arquitecto portuense e tambm
designer da empresa familiar (linha Arpa,
1989-1993, edio Carvalho Arajo), interessado na depurao racional (Cadeira
324
Cultura

Escolar, 1988, Produo Iduna), sintetizando pesquisas do passado sem deixar


de inovar (Cadeira Tronco, 1990, produo Iduna), explorando contrastes formais
e de materiais (Cadeira T, 1993, srie limitada), em crescente depurao (Cadeiras Lambrikas, 1994; sistema modular Arco, 1996, ambos Produo Iduna) que
culminou numa dimenso quase minimal
(candeeiro Pilo, 1994; Cinzeiro Portacenere, 1995).
Na obra de Alcino Soutinho (n. 1930),
arquitecto pela Escola Superior de Belas-Artes de Lisboa, encontra-se outro esclarecedor exemplo do racionalismo funcionalista (Mesa de Apoio, edio Fago;
Cinzeiro, 1994), aliado porm a um notrio
sentido de elegncia e conscincia das
funes prticas e sociais dos mveis de
assento (Cadeira Empilhvel e Poltrona
para a Cmara Municipal de Matosinhos,
edio de 1987). O arquitecto Miguel Arruda, por seu turno, manteve a sua linha
de discreta e eficaz conteno, em funcionais mveis articulados (Banco e Cadeira Linha Golf, 1983, edio Planiforma)
ou desmontveis (Linha Vila Nova, 1985),
realando a importncia das madeiras
tradicionais.
J Toms Taveira (n. 1938), cujo protagonismo no ateli Conceio Silva/Maurcio de Vasconcelos foi marcado por excelentes projectos, desde logo a obra-prima
que foi a Loja Valentim de Carvalho em
Cascais (1969), incontornvel obra pop,
na qual o risco arquitectural e a importncia pioneira dedicada ao design, de exteriores e interiores, grfico e de equipamentos, culminaram numa unidade inteiramente nova, conceptualmente revolucionria,
minando os valores da racionalidade e universalidade que haviam moldado o movimento moderno, praticado pela 1.a gerao de designers portugueses, na busca
de uma aproximao expressiva capaz de
conciliar a aspirao dos novos tempos
aos valores democrticos particularmen-

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Design e moda

te relevante quando inserida num meio que


vivia o drama agravado da Guerra Colonial
e de um sistema e regime poltico conservador, autoritrio e moribundo, gorada que
foi (e como cedo logo se revelou) a promessa ilusria da chamada Primavera
marcelista.
Posteriormente, no seu prprio ateli, T.
Taveira desenvolveu uma linguagem arquitectural progressivamente exuberante, receptiva a diversas influncias em diluio
actualizada das fronteiras estilsticas tradicionais, como no Complexo de Edifcios
Comerciais, de Escritrios e de Habitao
das Amoreiras (1980), com equipamentos
especialmente desenhados, assinalando o
acerto da arquitectura portuguesa com a
prtica ps-moderna internacional. Pioneiro do novo design , caracterizadamente
plstico, Toms Taveira concebeu, em
1985, as Cadeiras Marcelo I, Marcelo II, III
e Frum, em madeira policromada a esmalte, numa ateno dada relao sensorial
entre o objecto e o seu utilizador como antdoto eficaz contra o funcionalismo e em
1985, o galerista Lus Serpa promoveu na
sua Galeria Cmicos a exposio New
Transfigurations, onde T. Taveira desconstruiu objectos supostamente identitrios como o galo de Barcelos. Estas caractersticas
foram depois demonstradas nas cadeiras
que T. Taveira concebeu em 1989: a icnica Cadeira Rick, e, ainda, a espectacular
Cadeira Sandman, na qual a nfase multidisciplinar recorreu ao design grfico. Nos
anos 90, Toms Taveira desenvolveu estas
caractersticas como metfora cenogrfica
da efemeridade (Cadeira Slvia, 1990), como revisitao estilizada e actualizada do
passado (Cadeira Mackintosh I, 1993), como transfigurao das memrias e dos cones historicistas (Srie de Cadeiras D. Dinis, D. Joo I, D. Pedro I e D. Maria I,
edio Dimenso, 1992-1993), seno do
prprio modernismo (verses da Cadeira
Laura, 1993, edio Caligaris) e como demostrao do californiano free-style, que

estendeu a cenografias de programas televisivos.

Manuel Reis
e o novo design
Este perodo conheceu, contudo, a suplantao da simples dicotomia modernismo/ps-modernismo atravs de um considervel
nmero de factores. Ainda na dcada de
80 assinalou-se, alis, uma nova fase da
economia portuguesa (desde 1985), marcada pela adeso do pas CEE (1986),
pela estabilidade poltica assegurada por
um governo de maiorias parlamentares absolutas e pela importante melhoria no nvel
de vida (desde 1986), assinalando um perodo de evidente prosperidade entre 1985
e o comeo dos anos 90.
A reduo do intervencionismo do Estado, o reforo da actuao das foras de
mercado, o optimismo e as melhorias no
consumo privado estiveram, naturalmente,
ligadas expanso da produo e ao interesse renascido pelo design em Portugal
embora o design portugus continuasse
a assinalar uma especificidade notria, fruto dos difceis condicionalismos anteriores
e da persistncia das rotinas industriais e
tecnolgicas associados, paradoxal e singularmente, ao desejo contnuo de acerto
com o panorama internacional. Na verdade, como falar de sociedade de consumo
num pas onde tanto tardou o modelo capitalista e onde a abundncia foi recente e
relativa, de ps-modernismo numa sociedade onde o prprio modernismo teve uma
expresso limitada, ou de era ps-industrial num meio onde a indstria jamais atingiu a expresso de grandes corporaes?
Verdadeiro desafio para os designers portugueses, tais condicionantes foram, porm, por eles suplantadas, em virtude do
seu talento criativo, da postura profissional
adoptada e da inerente qualidade do seu
trabalho, de relevncia internacionalmente
reconhecida. Ao longo deste perodo, mo325
Cultura

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Retrato de Portugal

delos tradicionalmente associados pintura, escultura, ourivesaria, fotografia e s


prprias artes da decorao intervieram no
mbito do design; fenmenos como o styling foram reavaliados, muitas vezes atravs
da revisitao do passado ou da emergncia de poticas que retomaram o streamlining; a moda emergiu como um fenmeno
marcante, associado a novos hbitos de representao, utncia e consumo; o design
adquiriu um forte estatuto de distino e
promoo social; a crnica insuficincia industrial do pas obrigou ao recurso a matrias e processos artesanais; e, frequentemente, o debate terico fundador foi preterido. Tudo isto reflexo de uma era cujo
individualismo fomentou a diversidade, ultrapassando a universalidade e ortodoxia
modernista e promovendo o novo design,
praticado por uma nova gerao, a segunda, de designers portugueses, criadores
de verdadeiros objectos icnicos.
No lanamento e promoo do novo design, caracterizadamente plstico e multidisciplinar, foi fundamental a aco empreendedora de Manuel Reis na sua Loja
da Atalaia (fundada em 1981), na homnima rua lisboeta. Em 1988, Manuel Reis lanou naquele espao-laboratrio uma revolucionria coleco-revelao de design,
de edio limitada, da autoria de designers, arquitectos e artistas plsticos, muitos dos quais se contam entre os maiores
designers portugueses da segunda gerao: Pedro Silva Dias, Filipe Alarco, Fernando Sanchez Salvador, Margarida Grcio
Nunes, Eduardo Souto de Moura, Francisco Rocha, Leonaldo de Almeida (mesas,
cadeiras, sofs, aparadores, secretrias,
consolas, estantes, biombos, mveis de
gavetas, candeeiros de p e de parede,
jarras) e Jwow Basto (tapetes).
A aco concertada desenvolvida por
Manuel Reis na Loja da Atalaia em simultneo com o Restaurante PapAorda (1985),
dos food-designers Fernando Fernandes
(n. 1957) e Jos Miranda (n. 1943) e, so326
Cultura

bretudo, com a abertura, em 1982, do icnico Bar Frgil, com as suas decoraes-instalaes de grande impacto plstico
periodicamente renovadas, na criao de
ambientes inovadores por artistas visuais
(Pedro Cabrita Reis, Francisco Rocha) permitiu reunir e concentrar uma elite de, entre
outros, criadores, arquitectos, artistas visuais, msicos, designers grficos, de
equipamento e moda, professores universitrios, joalheiros, jornalistas, cineastas, DJ,
manequins e fotgrafos e, entre 1985 e
1995, Manuel Reis promoveu um movimento cultural sem paralelo no pas, determinou
um impacto considervel na renovao
cosmopolita do gosto e dos hbitos e promoveu, ainda, a recuperao e vivncia de
uma zona urbana (o Bairro Alto), de outro
modo irremediavelmente degradada.
Na 2.a gerao, destaca-se a personalidade de Pedro Silva Dias (n. 1963), com
trabalho desenvolvido nas reas da arquitectura de interiores, grafismo, design industrial, sinaltica e cenografia. A quase
totalidade das peas que desenhou, de
acerto internacional, constituem j verdadeiros cones (Cadeira Mitsuhirato, 1987;
Mvel Igor, 1991, ed. Loja da Atalaia).
O seu trabalho caracteriza-se pela extrema
sofisticao de formas (Cadeira Mitsuhirato, 1987; Mvel Igor, 1991, ed. Loja da Atalaia), a par de uma vertente sempre funcional, em solues de grande simplicidade
formal (Nichos e Cabines para instalao
de telefones pblicos da Portugal Telecom,
1997-1998; Bloco sanitrio integrado IESSE, 2003, produo M.A.), que chega a
uma leveza desmaterializada (Cadeira Baccarat, edio Loja da Atalaia, 1996) ou de
escultrica vocao minimal (Cadeira Alcatifa, edio Altamira, 2001; Cadeira DeLux,
Loja da Atalaia/M.U., 2004; Cadeira Laminar, 2004, ed./prod. M.U.).
A qualidade artesanal tambm se
encontra no trabalho de Filipe Alarco
(n. 1963), que desenvolve projectos de design industrial, design de mobilirio, design

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Design e moda

urbano, design de produto, iluminao, cermica, vidro e cristal, bem como interiores
de apuro minimal (Loja ModaLisboaDesign,
2000; Mercearia DeliDeLux, 2004), tambm
desmaterializado em luz e transparncias
(Loja/Galeria Atlantis Crystal, 2000). O seu
design de cermicas (Prmio Nacional de
Design do Centro Portugus de Design,
1992) apresenta grande apuro formal e funcional, de pontual vertente reciclada (Prato
Domin, edio Hand Matters, 1999) e
sempre de grande delicadeza, evidente
tambm no domnio dos metais (Peas de
Secretria Bend, edio Hand Matters,
1995). O arquitecto Fernando Sanchez Salvador (n. 1953) revisitou o passado em certas obras (Cadeira Atalaia, edio Loja da
Atalaia, 1988) e explorou a tradio artesanal (Mvel TR, edio do designer), revelando a preferncia por formas amplas e
espacialmente impositivas, lineares e simultaneamente escultricas (aparador Entremuros, 1988; poltrona Onda, 1990, ambos
editados por Loja da Atalaia), de acentuado
rigor, cuja linguagem estendeu a outras peas (Candeeiro Candlesemtom, prottipo,
1999). J a obra da arquitecta Margarida
Grcio Nunes (n. 1953) alia a qualidade artesanal ao contraste de materiais, numa
pesquisa rigorosa que se assume como
metfora da era industrial. De formas estruturadas (Estante PapAorda, pea nica,
1992), os seus mveis e objectos associam
diferentes materiais (Jarras Maria Pia e Maria da Fonte, edio Loja da Atalaia, 1988),
num conjunto de acentuada unidade formal
e cromtica (Candeeiro Fresta de Luz), demonstrando requintado acerto na prossecuo de uma obra global caracteristicamente contempornea. Noutra vertente
formal encontra-se o trabalho dos designers Lusa Coder e Jos Russel (n. 1953),
criadores, em 1987, do Grupo Infraces,
que desenvolve projectos no campo do
mobilirio, objectos e joalharia, bem como
de reciclagem de mveis perdidos. O fabrico das suas peas semi-artesanal e

Mvel Igor, de Pedro Silva Dias (1991).

comercializado em pequenas sries, numa


linha receptiva aos estmulos da cultura visual contempornea e dotada de uma vertente ldica de redesign (Sofs Rmulo e
Remo, 1994; Mesa de Apoio Madonna,
1994) que assume uma notvel condio
francamente escultrica associada a propostas provocadoras de uso e fruio (Corvo, Cadeira de piscina para tomar duche
sentado, 1999). Assinalou-se ainda a ecloso do Movimento de Criadores de Moda:
Ana Salazar (n. 1941) foi, desde os anos
70, pioneira do movimento em Portugal, libertando-a dos tradicionais constrangimentos do plagiato da haute couture, pelo
que o movimento adquiriu um estatuto at
ento indito. Iniciando o processo com a
327
Cultura

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Retrato de Portugal

Ana Salazar, coleco 1987.

abertura da loja A Ma (1972), e lanando


posteriormente as coleces Harlow (1978)
e Ana Salazar (1979), desenvolveria a sua
actividade na edio de roupas de casa,
perfumes e cermicas, numa eficaz conteno de vocao minimal, pontuada por
sbitas irrupes neo-romnticas.
Neste domnio formal destacar-se-iam,
desde os anos 80, Manuela Gonalves
(n. 1945), com as suas peas fortemente
estruturadas e de cariz nipnico, as duplas
Manuel Alves (n. 1952)/Jos Manuel Gonalves (n. 1961), atentos a sugestes internacionais, Eduarda Abbondanza (n. 1959)/
/Mrio Matos Ribeiro (n. 1959) e Jos Antnio Tenente (n. 1966), de um minimalismo
pontualmente festivo e neo-romntico, entre outros, cuja interligao a joalheiros,
fotgrafos de moda e designers grficos
criou uma dinmica fortemente meditica.
Indstria artstica tradicional e correlativa, a
328
Cultura

joalharia foi tambm renovada, num processo que se iniciou em 1963 com Alberto
Gordillo (n. 1943) e Kukas (n. 1928), pioneiros da joalharia moderna que repudiaram o historicismo e o folclorismo dominantes, desenvolvendo, respectivamente,
uma pesquisa formal neobarroca, ou um
rigor formal crescentemente depurado.
Igualmente importante foi o contributo pioneiro do escultor Jos Aurlio (n. 1938),
que, entre as dcadas de 60 e 70, criou
jias onde aliou metais preciosos e gemas
a materiais no-convencionais. Novo impulso nasceu em 1977 com a vinda para Portugal das joalheiras Tereza Seabra (n. 1944) e
Alexandra Serpa Pimentel (n. 1954), respectivamente dos EUA e Inglaterra, onde
receberam formao no mbito do Movimento Internacional da Nova Joalharia.
A sua prtica profissional, reforada pela
docncia de Tereza Seabra no AR.CO
(desde 1978), revelou a proposta de uma
produo marcada pela quebra de entendimentos e prticas tradicionais e pelo repdio da vertente comercial, aliada
receptividade a processos especficos de
outras reas (pintura, escultura, cermica,
txteis) e explorao de novas tcnicas,
materiais e formas. A criao da galeria de
jias Artefacto 3 (1984) pelas joalheiras referidas e pelo discpulo Pedro Cruz (n. 1960)
iniciou o processo de divulgao da nova
joalharia.
No AR.CO ensinou tambm (1982-1988)
Filomeno Pereira de Sousa, autor de escultricas jias de materiais no-tradicionais
que, em 1988-1989, inaugurou a galeria-escola de formao de joalheiros Contacto
Directo. Desde ento, de ambas as escolas
saram novas geraes de joalheiros, no
contexto de um verdadeiro movimento da
moderna joalharia portuguesa, como Paula
Crespo (n. 1947), Marlia Maria Mira
(n. 1962), Lus Moreira (n. 1964) e Cristina
Filipe (n. 1965). A actividade das escultoras/joalheiras Ana Silva e Sousa (n. 1953)
e da portuense Ana Fernandes (n. 1945)

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Design e moda

enriqueceu este panorama, contribuindo


tambm para o esbatimento das fronteiras
entre a joalharia, a ourivesaria e a escultura, e conferindo ainda uma inusitada efemeridade jia, entendida ainda como
parte integrante da moda e suas coleces anuais e a estas autoras se deveram ainda, j nos anos 90, os contributos
mais interessantes na renovao da ourivesaria.
Na arquitectura, o novo design reflectiu-se no trabalho de Miguel Arruda (loja Valentim de Carvalho, 1990) e, sobretudo, no
trabalho dos arquitectos Manuel Graa
Dias (n. 1953) que, logo em 1984, apresentou com Jos Caldeira a exposio Mveis & Mveis na Galeria Cmicos e
Egas Jos Vieira (n. 1962), autores de cenogrficas obras (Pavilho de Portugal na
Expo de Sevilha, 1992) e tambm de equipamentos de notria eficcia comunicacional, cujos interiores, por vezes integralmente desenhados, assumem pontualmente a
dimenso de um work in progress em
constante transformao (restaurante Casanostra, 1985, ampliado em 1993-1994;
loja Ana Salazar, desde 1988).

guesa Contempornea (Bruxelas, Festival


Europlia 1991), onde se apresentou o
marcante grupo Ex-Machina (1989-1992),
reunindo os jovens designers Jos Viana
(n. 1960), Paulo Parra (n. 1961), Marco de
Sousa Santos (n. 1962) e Raul Cunca (n.
1963) autores de singulares obras de
design biomrfico (Servio de ch Nave,
1991, edio Secretaria de Estado da Cultura) ou de acento vincadamente tecnolgico (Telefone N, 1990, Sony Design Vision
90) , Diseo Portugus (Madrid, 1992), El
Diseo Portugues en Movimiento (Barcelona, 1995) e Design aus Portugal (Frankfurt,
1997). Entre a multiplicidade de propostas
e discursos que caracterizaram o design
em Portugal nos anos 90, e na esteira das
sugestes internacionais da alternativa de
um design mais pragmtico e responsvel,
assumiram particular importncia as preocupaes de ndole ecolgica atravs do
reaproveitamento criativo de objectos. Significativa deste facto foi a inaugurao,
logo em 1994, na Loja da Atalaia, da exposio Qualquer Semelhana Inevitvel
(comissrio: Filipe Alarco): 40 personalidades vindas do design, da arquitectura,
Candeeiro Cartucho, de Filipe Alarco.

Do ateli Protodesign
ao sculo XXI
Factores positivos foram ainda a afirmao
do Centro Portugus de Design (1990), na
ligao e estmulo, sempre insuficientes,
entre o design e a indstria portuguesa,
bem como a divulgao regular do design
portugus em exposies internacionais
promovidas pelo ICEP/Investimentos, Comrcio e Turismo de Portugal.
Do lado das exposies, se a exposio Design Lisboa 94 se assemelhou a
uma mostra comercial na sua procura exacerbada de estabelecimento dos necessrios vnculos com a indstria e pugnou pela
ausncia de esprito crtico e de reflexo
terica, devem assinalar-se as exposies
internacionais Manufacturas-Criao Portu329
Cultura

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Retrato de Portugal

da escultura, da pintura, da joalharia e da


moda apresentaram uma produo onde o
ready-made, a arte povera, o conceptualismo, a instalao, o artesanato, a pintura, a
escultura, o design, a decorao, a joalharia e a moda proporcionaram uma construo e desconstruo do prprio design
e como objectos icnicos, editados pela
Loja da Atalaia, podemos eleger os candeeiros Pego de Pedro Silva Dias e Cartucho de Filipe Alarco. Entretanto, Marco
Sousa Santos fundou o ateli Protodesign
(1992-2002), onde trabalhou como designer, coordenador de projectos especiais e
director. A Protodesign desenvolveu importantes projectos internacionais multi-autor,
de aspirao democrtica e difuso alm-fronteiras, como o Ultra-Luz (1996), programa coordenado por M. Sousa Santos,
juntamente com Jos Viana, que se destinou criao de candeeiros inovadores
em polipropileno (design de M. Sousa Santos, J. Viana, Raul Cunca, Miguel Vieira
Baptista, P. Silva Dias, F. Alarco, Ricardo
Custdio e Alexandre Cardoso); o programa Terra (1997), conjunto de candeeiros
de cermica entregues a 12 designers diferentes (P. Silva Dias, F. Alarco, Jos Viana, M. Vieira Baptista, Raul Cunca, Uwe
Fischer, Konstantin Grcic, Mats Theselius,
Fernando Brzio, Sebastian Bergne, Arik
Levy e o prprio M. Sousa Santos); ou, ainda, o programa Sweet Revolution (1999),
de objectos em tradicional vidro soprado
mas de forma revolucionria (com autorias
de Elder Monteiro, F. Brzio, F. Alarco,
Paulo Parra, Raul Cunca, Joo Felix, Eliane
Marques, Lus Pessanha, M. Vieira Baptista, Francisco Providncia, Rita Filipe, J. Viana e novamente M. Sousa Santos). Uma
qualidade formal revolucionria, conceptualmente rica e de apuro minimal, caracterizou esta produo do ateli Protodesign,
com colaborao de alguns dos mais destacados designers da actualidade, cujo sucesso em exposies e feiras internacionais proporcionou uma rede de contactos e
330
Cultura

visibilidade inditas, reflectindo-se na posterior renovao do vidro, da cristalaria e


da cermica em Portugal.
Marco Sousa Santos (n. 1962), professor na Fbaul, Ecal de Lausanne e Esads de
Estrasburgo, desenvolve no seu trabalho
(equipamento, exposies, mobilirio, iluminao, cermica, vidro e cristal) um conceito de criatividade sistemtica, com
grande apuro e racionalidade de formas
numa vertente minimal (Mesa Metamax,
edio Protodesign, 1999), caractersticas
que se apuraram na icnica Cadeira Alma
(edio Alma Home, 2003), conceptualmente inovadora sem esquecer uma dimenso experimental e de sofisticao de
formas (candelabro Incomplete, edio Stira, 2005). Jos Viana (n. 1960), designer
de singular rigor e experimentalismo, foi
autor da humanizante Cadeira Complanar
Facie (Protodesign, 1991), redutvel a uma
simples folha de matria-prima em economia de matria-prima e reduo volumtrica, obedecendo ao critrio de sustentabilidade e ao conceito de complanaridade
(accionamento por uma s mo) que tm
orientado o seu trabalho sem excluir
pontual vertente irnica, visvel no seu Candeeiro de Mesa (edio Protodesign,
1999).
Paulo Parra (n. 1961), com trabalho desenvolvido nas reas de iluminao, mobilirio, produto e sistemas de comunicao,
assume uma atitude especulativa com correspondncia formal na reduo expressiva e na preferncia por materiais simples,
aliados a uma atitude ecolgica. Tais caractersticas so evidentes nas cadeiras
Perfil (1991) e Mnima (1996), ambas de
edio do autor, num minimalismo formal
revisto na icnica Cadeira gua (edio Infuso, 1998), em chapa de vidro termomoldada, segundo uma sofisticao formal e
produtiva que resulta de um programa conceptual onde so renovadas e estreitadas
as relaes entre o homem e os objectos,
sendo o corpo entendido como prolonga-

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Design e moda

mento daqueles (Programa O Homem Simbitico, desde 2002) tendo o designer


reunido uma rara coleco de design tcnico de nvel internacional que, exposta em
2003 na Casa da Cerca, aguarda a merecida musealizao.
Miguel Vieira Baptista (n. 1968) integrou
a equipa do ateli Protodesign e desenvolveu trabalho de comissariado (com Matthias Dietz e Mats Theselius, Low Budget
Objectos do Quotidiano, 1997; a icnica
Dieter Rams Haus, 2001, ambas no Centro
Cultural de Belm; Montra, Helsnquia,
2003), desenho de exposies (Project 01,
para a Atlantis; exposio/instalao Voyager, para ExperimentaDesign 2001) e projectos de interiores e ambientes (18.a edio e seguintes da ModaLisboa, 2002-2004). A conteno expressiva, a par de
uma inequvoca sofisticao formal (Tapete
Handle-It, edio Asplund, 2001), caracteriza a sua produo, geralmente numa vertente de eficcia minimal (Tabuleiro Pile,
edio Authentics, 2001) que, por vezes,
assume um pontual acento irnico mas funcional na reutilizao e reinterpretao de

objectos do quotidiano (Copo Duplo, prottipo, 1999; Bloco de Notas Furo, edio
ModaLisboa Design, 2001).
Francisco Providncia (n. 1961) autor
de projectos de design de comunicao,
muitos deles dotados de fina ironia e sentido de humor (Cartaz Cigadania, proposta
recusada pelo Governo Civil de Braga) ou
de grande eficcia comunicacional (Imagem Corporativa da Cmara Municipal de
Guimares, 1999; Tapumes Porto 2001) ,
bem como de equipamento para instituies, empresas comerciais e industriais.
Entre este, avultam as cadeiras Delicatessen (edio Julcar/Stira, 1997) e Natura
(edio In-teis, 1998), a mesa Natura
(edio Julcar, 1998) e o mobilirio infantil
para biblioteca Liber (edio Julcar, 2001),
cuja simplicidade formal ilustra uma potica minimalista na medida em que a forma
se reduz sua menor expresso, de acordo com um programa pessoal de eco-design que evidencia uma aproximao
economia da natureza.
No domnio do design grfico, a 2.a gerao marcada pela figura tutelar de

Cadeira Alma, de Marco Sousa Santos (2003).

331
Cultura

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Retrato de Portugal

Henrique Cayatte (n. 1953), que, vindo da


ilustrao, desenvolve igualmente projectos de comissariado e desenho de exposies, bem como de sinaltica (co-autor
com Pierluigi Cerri da sinaltica da Expo
98), sendo o actual presidente do Centro
Portugus de Design. Autor do icnico grafismo do jornal Pblico (1989), conheceu
desde a uma carreira ascendente da qual
se destacam o design da revista Ler (at
2001), dos catlogos publicados por ocasio da Lisboa, Capital Europeia da Cultura
(1994) ou, mais recentemente, do grafismo
sofisticado da revista Egosta (2000).
Destacado cineasta, Joo Botelho
(n. 1949) concebeu o marcante design da
revista K (1989), bem como a imagem grfica dos romances da editorial Cotovia
(desde 1992). Jorge Silva (n. 1958), director artstico de publicaes como os jornais
O Independente e Pblico (suplementos
Mil Folhas e Y e revista Pblica), criou em
2001 o ateli Silva!designers, responsvel
por publicaes peridicas como Ler, Jornal Arquitectos, Serralves, Agenda Lx, recebendo numerosos prmios. Lus Miguel
Castro (n. 1956) destacou-se, desde 1983,
como designer de numerosos catlogos
referenciais editados pela Cinemateca Portuguesa, tendo sido igualmente director
grfico e artstico da revista K (1989) e designer, entre outros, do livro Fotobiografia
(2005) de Agustina Bessa Lus. Manuel Rosa (n. 1953), escultor de formao, produtor editorial da Assrio & Alvim desde 1975,
concebeu, nomeadamente, o grafismo do
livro Alguns Motetos (1999) de Jos Bento
ou o lbum de fotografias de Jorge Molder
Luxury Bound . Lus Moreira (n. 1965),
director criativo da TVM Designers, destacou-se como autor do grafismo das revistas Oceanos e Cames (1998). Mrio
Feliciano (n. 1969) iniciou o seu trabalho na
revista Surf Portugal (1993), fundou (1994)
o estdio grfico Secretonix para depois
criar (2002) a sua editora de tipos, a Feliciano Type Foundry, com trabalho marcan332
Cultura

te (sistema tipogrfico Projecto Morgan,


2001). Ricardo Mealha (n. 1968) criou com
Ana Cunha (n. 1971) a empresa RMAC,
tendo desenvolvido projectos de design
grfico, industrial e de interiores, e tendo
como trabalho referencial o grafismo e imagem da Discoteca Lux (desde 1998).
O crescente interesse pelo design culminou na abertura (1999) do Museu do
Design no Centro Cultural de Belm (museologia de Rui Afonso Santos; museografia arq. Paul van Derbotemet), que, reunindo a coleco de Francisco Capelo, permitiu a apresentao pblica de um acervo
de design internacional de grande relevncia, de 1937 at hoje e nele, a par dos
objectos icnicos universalmente reconhecidos dos maiores designers mundiais,
entre mobilirio, equipamento, vidros, cermicas e metais, contaram-se algumas
qualificadas marcaes portuguesas. At
ao seu encerramento (2006) o museu foi
importante sucesso junto do pblico (mdia de 200 visitantes por dia), embora a
ausncia de direco e programao especficas cerceassem a sua vocao museolgica.
Igualmente a nvel institucional, e no seguimento das aces da Protodesign, extremamente importante foi a realizao, em
Setembro de 1999, da primeira edio da
bienal sobre cultura material, de mbito internacional, ExperimentaDesign 99, dirigida pelos designers Marco Sousa Santos e
Guta Moura Guedes, sob o tema genrico
Interseces do Design, num entendimento
alargado do processo. A aposta expositiva
no design feito em Portugal foi a largamente celebrada, em exposies de design industrial e de produto, demonstrando-se
igualmente a interpenetrao entre os universos do design, da arquitectura e das artes visuais, enquanto numerosos eventos
especiais e paralelos, entre exposies,
instalaes, workshops, ciclos de cinema,
conferncias e debates, sedimentaram Lisboa como um lugar privilegiado de experi-

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Design e moda

mentao, reflexo e divulgao sobre o


design.
A segunda edio da bienal (2001),
concebida por Guta Moura Guedes, pelo
artista visual Joo Paulo Feliciano e pelo arquitecto Pedro Gadanho, alargou ainda
mais as reas disciplinares envolvidas e reflectiu sobre o tema Modus Operandi.
O projecto foi coroado de sucesso, pela
qualidade dos eventos, e apresentou a icnica embaixada cultural autotransportvel
Voyager, veculo desenhado por Miguel
Vieira Baptista.
Ressurgida em 2003 como Bienal de
Lisboa, e desde ento dirigida por Guta
Moura Guedes e J. Paulo Feliciano, a ExperimentaDesign obliterou contudo a sua vocao pblica de promoo e internacionalizao de uma cultura do design num
meio proverbialmente adverso, atravs do
envolvimento activo das escolas, das empresas e das instituies culturais, a favor
da vertente didctica desenvolvida em
conferncias e workshops e da promoo
internacional mas em 2003 a Experimenta apresentou, no Hangar K7 da Fundio
de Oeiras, a excelente exposio Linha de
gua Perspectivas sobre a Requalificao da Orla Costeira de Oeiras, comissariada por Henrique Ralheta e Jos Viana,
reunindo as propostas de destacados designers de produto, grfico, arquitectos, artistas visuais, fotgrafos e cengrafos
(P. Silva Dias, Fernando Brzio/ateli NPK;
Elder Monteiro/Joo Pedro Vale; Lus Pessanha/Flor; Sara Nobre/Carlos Guerreiro;
Alexandra Cruz/Victor Diniz; Cristvo Pereira/Srgio Vicente; ateli BRDG/Slvia
Barradas; Ateliersdesantacatarina/Nuno
Horta Santos/ateli LSD), tal como depois o
voltaria a fazer, de parceria com o Centro
Portugus de Design, na exposio Transit
Contributos para Um Universo TAP,
apresentada (2005) por ocasio da exposio Voa Portugal no Museu da Cidade.
Diversa foi a feira de mbito internacional INNova, ocorrida na FIL, programada

por Marco Sousa Santos, que, ao longo de


duas edies (2003-2004), apresentou o
melhor do design portugus nos produtos
da fileira casa, atravs da colaborao activa entre empresas e designers. A InNova
promoveu o desenvolvimento de 150 novos
produtos, apresentou prottipos de jovens
designers portugueses passveis de produo imediata, promoveu consultadoria de
imagem corporativa junto de empresas,
projectos experimentais com atelis internacionais (Vogt & Weizenegger, Radi Designers, Atelier Dallas, etc.) e exposies
icnicas (exposio-instalao de Fernando Brzio), entre outras actividades, num
estreitamento efectivo dos laos entre produtores, industriais, designers e consumidores. Apesar destes indispensveis esforos,
e da reconhecida qualidade dos designers
portugueses, persistem em Portugal as rotinas industriais e continua a no existir uma
poltica empresarial consciente do valor do
design e do marketing como instrumentos
fundamentais de desenvolvimento, constituindo excepes as empresas Cutipol
(com design de Jos Joaquim Ribeiro),
Vista Alegre/Atlantis, Molde Cermicas,
Cermicas So Bernardo, Designwise
(marca da Experimenta), Pal (design de
Paulo Vale), Silampos, Stira (criada pelo
designer Pedro Sottomayor, n. 1973) e Sanindusa.
Entretanto, surgiram igualmente designers que, pela sua idade e qualidade de
trabalho desenvolvido, sero j inserveis
numa 3.a gerao de designers portugueses. O mais paradigmtico destes ser Fernando Brzio (n. 1968), que, desde 1997,
desenvolve actividade marcante na rea
de design de produto, mobilirio e desenho
de espaos para exposio. O seu trabalho profundamente original e comunicativo, recorrendo a processos vindos do universo das artes visuais e a estratgias
singulares como a fuso ou incorporao
de partes de um objecto noutro que lhe
estranho (Prateleira com Nvel, Designwise,
333
Cultura

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Retrato de Portugal

1999; Garrafa com Copo, Protodesign,


1999), inverses de gnero de finssima ironia (Bancos com Dedeira Masculino e Feminino, 1999; Toalha de mesa Tableshirt,
edio Details, 2000), princpios de fsica
como equilbrio e desequilbrio (Bowl with
Pin, prottipo, 2000) ou impresso de aces directamente no objecto (Quadro Hidrossensvel Paisagem Invisvel, Designwise, 2000), caractersticas prosseguidas
com uma funcionalidade notria que torna
estas criaes perfeitamente industrializveis e nos antpodas do formalismo, segundo um mtodo de trabalho que procura estabelecer uma estratgia de produo de
meios e icnica foi a exposio-instalao Sound System (2003), traduo tridimensional das ondas sonoras envolvidas
na nomeao de objectos.
Elder Monteiro (n. 1973) desenvolve um
trabalho revolucionrio na forma e nos contedos, sendo tambm capaz de gerar novos programas (Limpo, DieImaginreManufaktur, 2000) e hbitos de sociabilidade e
consumo (Cesto de po, WickerGames,
2002). Internacionalmente confirmado por
ocasio da ExperimentaDesign 2003 (Stand
Renault) e pela feira InNova (2003-2004),
Elder Monteiro apresentou neste ltimo certame um projecto experimental de vidro, de
tcnicas de fusing (Guelas, Sopro, 2004).
Recentemente, associou-se ao designer
Toni Grilo (n. 1979), formando o projecto
Objection, propondo o desenho de objectos, interiores e espaos efmeros para
empresas nacionais e internacionais, sob
critrios de grande qualidade. A preparao do lanamento de duas marcas de mobilirio urbano nacionais, ou a prototipagem
do primeiro computador desenhado em
Portugal, so actividades actuais desta parceria.
Lus Pessanha (n. 1974) prossegue a
simplicidade processual em objectos inovadores (Banco, prottipo, 1999) que podem, igualmente, assumir uma vertente
conceptual e crtica materializada em no334
Cultura

vas utilizaes (Estante de Livros, prottipo, 2001), enquanto Henrique Ralheta


(n. 1975) alia a vertente sociolgica e discursiva do design a real sofisticao de formas (Mesas Oreo, prottipo, 2001), desenvolvendo igualmente projectos de espaos
para exposio.
Fundada em 2001, a empresa CalDesign constituda por Srgio Gonalves
(n. 1975), Eduardo Sousa (n. 1973), Raquel
Abreu (n. 1975) e Nuno Fernandes (n. 1976).
O seu trabalho desenvolve-se em duas vertentes: o desenvolvimento e edio de projectos prprios (o que permite um trabalho
especulativo, de investigao de conceitos,
materiais e tcnicas) e a colaborao com
as empresas (com abertura ao reencontro
com a indstria, assimilando linguagens e
processos industriais) materializando-se
nos domnios da cermica, alumnio, vidro,
plstico e mobilirio. Um lado de alegoria,
humor e de inslito caracteriza certos objectos (Copos, Marinha Grande MGlass,
2004), alguns de uma sofisticada funcionalidade, atenta cultura urbana contempornea (Mobilirio de casa-escritrio Mobilsystem, edio Hydro Alumnios Portalex,
2004), ou de hiperversatilidade (Mobilirio
para quartos de crianas 4 Ever, Exag,
2005).
No domnio do design grfico e de comunicao destacam-se na 3.a gerao,
entre outros, os atelis Barbara Says (Antnio Silveira Gomes, Mafalda Anjos, Francisca Mendona), Flor Design (Pedro Santos, Filipe Lizardo e outros) e R Dois Design
(Artur Rebelo e Liz Ramalho).
Quanto moda, os anos 90 sedimentaram um evento regular como a ModaLisboa, dirigido pela dupla Abbondanza/Matos Ribeiro, como o palco privilegiado de
consagrao e revelao de novos talentos
(enquanto um certame como o PortugalFashion procurou o estreitamento de laos
com a indstria numa perspectiva mais comercial), e assinalaram a ecloso de uma
2.a gerao de designers , como Maria

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Design e moda

Gambina (n. 1968), Miguel Flor (n. 1972),


Dino Alves (n. 1967) ou Lus Buchinho
(n. 1968), cujo trabalho se caracteriza, respectivamente, pelo eclectismo da subverso entre a haute couture e o sporstswear,
ou da estrutura do clssico masculino, pelo
cruzamento entre a roupa, o styling e a atitude luz de uma tnica performativa ou,
ainda, pela aliana entre o rigor, o desenho
e a feminilidade.
Posteriormente, do fim de sculo aos
anos 2000, notabilizaram-se Lidija Kolovrat
(n. 1962), que aliou o design de moda ao
universo das artes visuais contemporneas,
com predomnio da instalao conceptualmente rica; Osvaldo Martins (n. 1972), com
comentrios crticos realidade da globalizao contempornea e conceptualizao
de modas e costumes urbanos, trazendo ritualmente o privado para a esfera do domnio pblico; Alexandra Moura (n. 1973), autora de um mix formal e conceptual das
diferentes culturas, com grande sofisticao, qualidade de detalhe e recorte profundamente urbano e, mais recentemente, o jovem Ricardo Dourado.
Manuel Reis, por seu turno, concebeu
e impulsionou uma srie de espaos de
grande qualidade e de cariz cosmopolita,
de sabor nova-iorquino, revitalizando a zona do Cais da Pedra, a Santa Apolnia: a
excelente megadiscoteca Lux (1998), com
cuidada programao musical, de eventos e espectculos, onde o reforo do audiovisual e a renovao regular dos espaos-ambientes por artistas visuais (Joana
Vasconcelos, Joo Pedro Vale, Paulo Seabra) se aliou a criteriosa seleco de
peas vintage tambm presentes no re-

Pea da autoria de Dino Alves


(ModaLisboa 2004).

quintado Restaurante Bica do Sapato


(1999, ambos com risco de F. Sanchez
Salvador/M. Grcio Nunes) , e disponveis, juntamente com cones do design internacional, na nova e depurada Loja da
Atalaia (arq. Alberto Caetano, 2000-2001).
Em 2004, Manuel Reis regressou edio
com o lanamento da coleco Absolux,
linha de mobilirio e objectos de diversas
tipologias, como mesas e cadeiras de sala,
caf e reunies, bandejas e cinzeiros com
autorias de P. Silva Dias, Filipe Alarco,
Fernando Brzio, Miguel Vieira Baptista e
Henrique Ralheta.

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Cultura

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AAVV Actualidade e internacionalizao do design em Portugal (2004) Portugal,
1990-2004 Trienale di Milano. Milo: Trienale di Milano, Palazzo dellArte.
AAVV Vidro e cristal portugueses contemporneos. ArteTeoria, n.o 5 (2004) Lisboa:
Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa.
A Altamira nos Percursos do Design em Portugal. Altamira/50 Anos/10 Olhares
(2001) Lisboa: Estar Editora.
A Cadeira Contempornea em Portugal. Cadeiras Portuguesas Contemporneas
(2003) Porto: Edies ASA.
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343
Bibliografias

Autores

Alexandra Castro. Investigadora e membro da direco do Centro de Estudos Territoriais, centro de investigao associado ao ISCTE. Tem desenvolvido vrias investigaes sobre a comunidade cigana, os imigrantes de Leste, os espaos pblicos e o
ambiente urbano. Actualmente doutoranda do Programa Internacional de Doutoramento em Antropologia Urbana entre o ISCTE e a Universidade Rovira i Virgili, desenvolvendo um projecto centrado na relao dos ciganos com o territrio e o espao de
habitat. Em 1999, concluiu o mestrado em Sociologia do Territrio. Foi assistente convidada do curso de Sociologia da Universidade Lusfona, do mestrado Cidade, Territrio
e Requalificao e tcnica superior do Instituto da Segurana Social.
Anlia Maria Cardoso Torres (n. 1954). Doutorada em Sociologia. Professora no
Departamento de Sociologia do ISCTE. Investigadora no CIES, centro associado do
ISCTE. Ex-presidente da Associao Portuguesa de Sociologia (2002-2006). Membro
do Executive Commitee e do Publications Commitee da ESA, European Sociological
Association e do Editorial Board da revista European Societies. Investiga, dirigindo e
participando em equipas nacionais e internacionais, em reas como famlia, casamento, divrcio, gnero, crianas, excluso social, jovens e consumos de drogas. autora
de diversos livros e artigos cientficos publicados em Portugal e no estrangeiro.
Antnio Firmino da Costa (n. 1950). Doutorado em Sociologia. Professor do Departamento de Sociologia do ISCTE. Investigador e presidente do Conselho Cientfico
do CIES-ISCTE. Coordenador do Programa de Doutoramento em Sociologia do ISCTE.
Membro fundador da Associao Portuguesa de Sociologia. reas de investigao:
classes sociais e desigualdades; identidades culturais e estilos de vida urbanos; literacia e competncias; cincia e sociedade; educao e ensino superior. Autor de diversos livros e artigos de revistas cientficas, publicados em Portugal e no estrangeiro.
Antnio Reis (n. 1948). Professor de Histria Contempornea, presidente do Departamento de Histria e vice-presidente do Instituto de Histria Contempornea da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Foi secretrio
de Estado da Cultura em 1978 e director-adjunto da revista Finisterra desde 1988.
Principais obras publicadas: Portugal Contemporneo (1820-1995), 6 vols. (direco e
co-autoria), 1990-1993; Portugal: 20 Anos de Democracia (coordenao e co-autoria),
1994; Portugal Ano(s) 2000 (coordenao e co-autoria), 2000; Raul Proena: Biografia
de Um Intelectual Poltico Republicano, 2 vols., 2003.
Fernando Lus Machado (n. 1959). Doutorado em Sociologia. Professor auxiliar do
Departamento de Sociologia do ISCTE. Presidente e investigador do CIES, centro associado do ISCTE. Trabalhos de investigao nas seguintes reas: classes sociais e estratificao; migraes e etnicidade; excluso social; educao; cincia. Autor e co-autor de livros e artigos, nacionais e estrangeiros.
Fernando (Alberto) Pereira Marques (n. 1948). Doutor de Estado em Sociologia
pela Universidade de Amiens (Frana), professor catedrtico convidado na Universidade Lusfona de Humanidades e Tecnologias (Lisboa) e investigador no Instituto de
Histria Contempornea da Universidade Nova de Lisboa. Deputado Assembleia da
Repblica, durante as VI e VII Legislaturas, foi presidente da Subcomisso de Cultura e
345
Autores

membro da Comisso de Cultura e de Educao da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. Tem vrias obras publicadas e director-adjunto das revistas Finisterra e Res Publica.

Fernando Pinto do Amaral (n. Lisboa, 1960). Escritor e professor universitrio, frequentou a Faculdade de Medicina, mas licenciou-se e concluiu o mestrado e o doutoramento na rea das literaturas romnicas, sendo professor da Faculdade de Letras de
Lisboa. Publicou cinco livros de poesia (Acdia, 1990; A Escada de Jacob, 1993; s
Cegas, 1997; Poesia Reunida, 2000, Pena Suspensa, 2004), dois de ensaio (O Mosaico
Fluido, 1991; Na rbita de Saturno, 1992) e traduziu As Flores do Mal de Baudelaire,
os Poemas Saturnianos de Verlaine e toda a poesia de Jorge Luis Borges. Publicou o
lbum 100 Livros Portugueses do Sculo XX (Instituto Cames, 2002) e o livro de contos rea de Servio e Outras Histrias de Amor (2006). Foi comissrio da exposio
100 Livros do Sculo (CCB, 1998), bem como das participaes de Portugal na Feira
do Livro de Frankfurt (1998 e 1999), no Salo do Livro de Genebra (2001) e na Liber de
Barcelona (2002). Recebeu diversos prmios literrios e colabora regularmente como
crtico em diversas publicaes.
Guilherme dOliveira Martins (n. 1952). Licenciado e mestre em Direito. Foi secretrio de Estado da Administrao Educativa (1995-1999), ministro da Educao
(1999-2000), ministro da Presidncia (2000-2002) e ministro das Finanas (2001-2002).
Foi presidente da SEDES. presidente do Tribunal de Contas e presidente do Centro
Nacional de Cultura. Professor universitrio. Autor de diversas obras, entre as quais:
Oliveira Martins: Uma Biografia (1986); Ministrio das Finanas: Subsdios para a Sua
Histria no Bicentenrio da Secretaria de Estado dos Negcios da Fazenda (1988); Escola de Cidados (1992); O Enigma Europeu (1994); Educao ou Barbrie? (1999);
O Novo Tratado Constitucional Europeu (2004).
Ildio Trindade (n. 1953). jornalista dos quadros da RDP desde Junho de 1985,
acompanhando para esta rdio temas relacionados com a Defesa, tendo feito o Curso
de Segurana e Defesa para Jornalistas do Instituto da Defesa Nacional. Frequenta actualmente o Curso de Auditores de Defesa Nacional do citado instituto. Comeou a sua
carreira como jornalista desportivo no dirio A Luta, tendo passado pelos jornais Mundo Desportivo, O Golo e Off-Side, de que foi um dos fundadores. Foi assessor do secretrio de Estado do Desporto do governo do Bloco Central, adjunto do secretrio de
Estado do Desporto do XIII Governo Constitucional e adjunto do secretrio de Estado
da Defesa Nacional do XIV Governo Constitucional. Foi director para as actividades
amadoras (1988-1989) e vice-presidente administrativo (1990-1993) do Sport Lisboa e
Benfica e membro da Comisso Executiva da Candidatura de Portugal Organizao
do Campeonato da Europa de Futebol de 2004, o Euro 2004. Recebeu o Prmio Olmpico de Jornalismo (1977) atribudo pelo Comit Olmpico de Portugal pela reportagem
dos Jogos de Montral e foi eleito O Dirigente do Ano (1992) do S. L. Benfica pelo
jornal do clube.
Ivo Castro (n. 1945). Professor catedrtico da Faculdade de Letras da Universidade
de Lisboa, onde ensina Histria da Lngua Portuguesa e Crtica Textual. Dirige desde
1988 a Equipa Pessoa, constituda pelo Ministrio da Cultura para publicar a edio
crtica de Fernando Pessoa (15 vols. publicados at 2006 pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda). Livros publicados: A Demanda da Ortografia Portuguesa, com
I. Duarte e I. Leiria (1987); Editar Pessoa (1990); Curso de Histria da Lngua Portuguesa, com R. Marquilhas e L. Acosta, (1991); Introduo Histria do Portugus (2004,
2.a ed. 2006). Edies: O Manuscrito de O Guardador de Rebanhos de Alberto Caeiro, (1986); Poemas de Fernando Pessoa: 1921-1930 (2001); Poemas de Fernando Pessoa: 1931-1933 (2004); Camilo Castelo Branco, Amor de Perdio (2006).
346
Autores

Joo Ferreira de Almeida (n. 1941). Doutorado e agregado em Sociologia. Professor catedrtico. Membro fundador e primeiro presidente da Associao Portuguesa de
Sociologia. Editor da revista Portuguese Journal of Social Science. Investigao em
reas como: valores e representaes sociais; classes sociais e mobilidade; espaos
rurais e ambiente; excluso social; juventude e universidade. Autor de diversas publicaes (livros e artigos) em Portugal e no estrangeiro.
Joo Lima Pinharanda (n. Moambique, 1957). Mestrado em Histria da Arte
(1985). Director de programao do Museu de Arte Contempornea de Elvas-Coleco
Antnio Cachola (desde 2006). Presidente da seco portuguesa da AICA (Associao
Internacional de Crticos de Arte) (trinio 2004-2007). Professor auxiliar do Departamento de Arquitectura da Universidade Autnoma de Lisboa (desde 1998). Colaborador
permanente do JL: Jornal de Letras, Artes e Ideias (1984-1990). Responsvel pela seco de artes, no jornal Pblico (1990-1998), onde se mantm como colaborador. Paralelamente, numerosas colaboraes em jornais de mbito generalista e revistas especializadas nacionais e internacionais. Responsvel por numerosas exposies em
Portugal e no estrangeiro. Autor de numerosos textos historiogrficos sobre arte e artistas portugueses.
Jorge Leito Ramos (n. 1952). Licenciado em Engenharia Electrotcnica pelo Instituto Superior Tcnico (Lisboa) em 1975. Professor efectivo do ensino secundrio (Escola Secundria Marqus de Pombal, em Lisboa), na rea da Electrotecnia e Electrnica. Iniciou a actividade profissional, como crtico de cinema, em 1975 no Expresso,
tendo-a exercido, com continuidade, na imprensa (Jornal Novo, 1975-1976, Dirio de
Lisboa, 1976-1988), para alm de colaboraes na RTP e RDP. Em 1980 estende o
seu campo de anlise crtica de televiso (Expresso, 1980-1983 e 1987-1999, Se7e,
1983-1986, TSF, 1993). colaborador permanente, desde 1988, na rea da crtica de
cinema do Expresso. Especialista em cinema portugus, fez parte da equipa responsvel pelas fichas dos cineastas portugueses na edio portuguesa do Dicionrio dos Cineastas de Georges Sadoul (ed. Livros Horizonte, Lisboa, 1980), foi responsvel pela
entrada referente ao cinema militante portugus em Cinemas dAvant-Garde (ed. Papyrus, Paris, 1980), colaborou em Portogallo: Cinema Novo e Oltre... a cura de Augusto
M. Seabra (Marsilio Editori, Venezia, 1988), em Lisboa a 24 Imagens, org. Manuel Costa e Silva (Caminho, Lisboa, 1994), escreveu o artigo O cinema salazarista para a
Histria de Portugal, direco de Joo Medina (ed. Ediclube, 1993), elaborou uma histria breve do cinema portugus para a obra colectiva Os Anos do Cinema (publicada
em fascculos pelo Expresso, em 1995), escreveu o artigo referente a esse tema na
obra colectiva Portugal: Anos 2000 (Crculo de Leitores, 2000), a convite do Comissariado de Portugal para a Expo 2000 Hannover e no Dicionrio Temtico da Lusofonia
(Texto Editores, 2005), e publicou Dicionrio do Cinema Portugus: 1962-1988 (Caminho, 1989) e Dicionrio do Cinema Portugus: 1989-2003 (Caminho, 2005).
Jos Manuel Fernandes (n. Lisboa, 1953). Arquitecto pela Escola de Belas-Artes
de Lisboa, 1977. Doutorado em Histria de Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa, 1993, e seu professor agregado em 1999. Director do Departamento de
Arquitectura da Universidade Autnoma de Lisboa, em 1998-2000. Director do Instituto
de Arte Contempornea do Ministrio da Cultura em 2001-2003. Investiga, escreve e
publica regularmente sobre temas de arquitectura e urbanismo. Das obras mais recentes destaca-se Arquitectos do Sculo XX, Lisboa, 2006.
Lus Manuel Antunes Capucha (n. 1957). Doutorado em Sociologia. Professor do
Departamento de Sociologia do ISCTE (Lisboa). Investigador do Centro de Investigao e Estudos de Sociologia (CIES/ISCTE). Director-geral da Inovao e Desenvolvimento Curricular no Ministrio da Educao. Entre 1998 e 2001 foi director-geral do
347
Autores

Departamento de Estudos, Prospectiva e Planeamento do Ministrio do Trabalho e da


Solidariedade, do Comit de Emprego da Unio Europeia e do Conselho Econmico e
Social. Pesquisa cientfica em reas como emprego e mercado de trabalho; pobreza
e excluso social; educao; qualificao e educao de activos; polticas sociais comparadas; reabilitao de pessoas com deficincia; culturas populares e desenvolvimento comunitrio; metodologias de avaliao e de planeamento. Conferencista e autor de diversas publicaes cientficas (livros e revistas) em Portugal, Espanha, Frana,
Reino Unido, Alemanha, Grcia, ustria, Itlia e Brasil.

Lus T. Magalhes , desde Julho de 2005, presidente da UMIC Agncia para a


Sociedade do Conhecimento. membro da Rede de Coordenao da Estratgia de
Lisboa e do Plano Tecnolgico, membro do National IST RTD Directors Forum e do
i2010 High Level Group da Unio Europeia, membro do Conselho Consultivo da Fundao Luso-Americana para o Desenvolvimento (1997-), membro correspondente da
Academia das Cincias de Lisboa (1995-) e professor catedrtico de Matemtica do
Instituto Superior Tcnico (IST) (1993-). Foi presidente da Fundao para a Cincia e a
Tecnologia (1997-2002) e membro do Governing Council da European Science Foundation (2000-2002). Obteve os graus acadmicos de licenciado em Engenharia Electrotcnica Telecomunicaes e Electrnica pelo IST (1975), Master of Science
(1980) e Doctor of Philosophy (1982) em Matemtica Aplicada pela Brown University,
EUA. Exerceu actividades cientficas no IST (1972-); Centro de Biologia do Instituto
Gulbenkian de Cincia (1972-1978), Division of Applied Mathematics, Brown University
(1978-1983); Institute for Mathematics and Its Applications, University of Minnesota
(1982-1983 e 1985).
Maria de Lurdes Rodrigues , desde Maro de 2005, ministra da Educao. Foi
presidente do Observatrio das Cincias e das Tecnologias do Ministrio da Cincia e
da Tecnologia (1997-2003). Obteve os graus acadmicos de licenciatura em Sociologia (1984) e doutoramento em Sociologia das Profisses (1996) pelo Instituto Superior
de Cincias do Trabalho e da Empresa. Professora associada com agregao do Departamento de Sociologia, no ISCTE (1986-1997). Investigadora do CIES (1986-1996) e
do CISEP (1986-1996). Autora de diversas publicaes: Os Engenheiros em Portugal,
1999, e A Sociologia das Profisses, 1997.
Rui Afonso Martins dos Santos (n. 1963). Mestre em Histria da Arte Contempornea (1994) pela Faculdade de Cincias Sociais e Humanas da Universidade Nova de
Lisboa, onde lecciona Histria do Design em Portugal (de que considerado o fundador). Tcnico superior principal do Instituto Portugus de Museus, comissariou, entre
outras, as exposies Veloso Salgado: 1864-1945, Museu do Chiado/Faculdade de
Cincias Mdicas da Universidade de Lisboa (1999) e Universo Visual e Artstico, Coleco Berardo de Arte Publicitria, CAE, Figueira da Foz (2006). Historiador de arte e
do design, possui cerca de 80 ttulos publicados em volumes e dezenas de artigos em
peridicos. Autor (1999) do programa museolgico do Museu do Design Coleco
de Francisco Capelo. Articulista da revista L+ Arte, consultor e apresentador do programa Cmara Clara (RTP2).
Rui Assis Ferreira (n. Lisboa, 1952). Licenciou-se em Direito (1975) pela Universidade de Lisboa. Iniciou o exerccio de funes pblicas, em 1976, no departamento
governamental responsvel pela rea da comunicao social, a cujo quadro pertence.
Neste contexto, participou em diversas actividades da Unio Europeia e do Conselho
da Europa, tendo presidido a comits de peritos desta ltima organizao incumbidos
do estudo das polticas da comunicao social e da concentrao no sector dos media. Foi membro da Comisso Nacional de Eleies, em dois dos seus mandatos (1979
e 1984), e vogal do Conselho de Administrao da RTP (2001). No domnio da regula348
Autores

o dos mass media, foi presidente do Instituto da Comunicao Social (1997-1999) e,


sucessivamente, membro (1994-1997) e vice-presidente (1999-2001) da Alta Autoridade para a Comunicao Social. Desempenha, presentemente, o cargo de membro do
Conselho Regulador da ERC Entidade Reguladora para a Comunicao Social, para
que foi eleito pela Assembleia da Repblica. Exerceu ainda funes docentes no Instituto Jurdico da Comunicao, da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

Rui Vieira Nery (n. Lisboa, 1957). Licenciado em Histria pela Faculdade de Letras
de Lisboa e doutorado em Musicologia pela Universidade do Texas em Austin, actualmente professor associado do Departamento de Artes da Universidade de vora e
director-adjunto do Servio de Msica da Fundao Calouste Gulbenkian, desenvolvendo ainda uma actividade intensa como investigador e conferencista, tanto em Portugal como em diversos pases europeus, nos EUA e no Brasil. Desempenhou entre
1995 e 1997 o cargo de secretrio de Estado da Cultura, com a tutela do sector das
Artes do Espectculo. Em 2003 foi condecorado com a Comenda da Ordem do Infante
D. Henrique por servios prestados ao estudo da cultura portuguesa.
Viriato Soromenho-Marques (n. Setbal, 1957). Professor catedrtico da Universidade de Lisboa. Activista ambiental desde 1978. Foi presidente nacional da Quercus
de 1992 a 1995. Foi membro do Conselho de Imprensa (1985-1987) e do Conselho
Econmico e Social (1992-1996). actualmente membro do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel e foi vice-presidente da Rede Europeia de Conselhos do Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel (EEAC), entre 2001 e 2006. Orientou dezenas de cursos breves e proferiu centenas de conferncias em Portugal e
dezanove outros pases. Publicou cerca de trs centenas de estudos, abordando temas filosficos, poltico-estratgicos e ambientais. grande oficial da Ordem do Infante D. Henrique.
Vtor Matias Ferreira. Professor catedrtico de Sociologia (aposentado) do ISCTE.
Foi coordenador e docente do mestrado Cidade, Territrio e Requalificao do Departamento de Sociologia do ISCTE. Coordenou um programa Erasmus/Scrates (mobilidade europeia de docentes e de estudantes), no campo disciplinar da sociologia (urbana e rural, do trabalho e da poltica). actualmente coordenador de investigao no
Centro de Estudos Territoriais do ISCTE, de que foi co-fundador, e cuja revista Cidades: Comunidades e Territrios dirigiu durante alguns anos. De uma vasta produo
editorial destacam-se os trabalhos mais recentes: Lisboa: De Capital do Imprio a Centro da Metrpole (1986); Lisboa: A Metrpole e o Rio (coord.) (1997); A Cidade da Expo 98 (em colaborao com Francesco Indovina) (1999), Fascnio da Cidade: Memria
e Projecto da Urbanidade (2004). Refira-se, entre outras, a sua participao com artigos nas obras Portugal na Transio do Milnio, Urban Landscape Dynamics, Do Mundo
da Imaginao Imaginao do Mundo, Atlas Histrico de Ciudades Europeas (co-autoria), Urbanidade e Patrimnio, Un Futuro Amico: Sostenibilit ed Equit, Lisboa/Lisbonne, Novas Formas de Mobilizao Popular, Em Trnsito, Nuovo Lessico Urbano.
Tem artigos publicados, entre outras referncias, em diversas revistas da sua especialidade.

349
Autores

Crditos fotogrficos

A. Brito: 299; Alceu Bett/Agncia Espetaculum: 303; A. Ramos Pereira: 196;


A. Sequeira: 213, 274 (ao centro e direita); Arquivo Fotogrfico de Lisboa/Centro
Portugus de Fotografia/Ministrio da Cultura: 21, 208; Antnio Pedro Ferreira/Arquivo
Jornal Expresso: 77; Arquivo Crculo de Leitores: 209, 290 (em cima); Arquivo Dirio de
Notcias: 59, 83, 205, 246-247; Arquivo RTP: 27; Autoeuropa: 217; Biblioteca Nacional,
Lisboa: 309; C.M. do Seixal e de Matosinhos: 85; Srgio Guerra: 284; Coleco
Particular: 109, 114, 170, 171, 264 (esquerda e direita), 265, 266, 268, 269, 319;
Direco-Geral de Recursos Florestais: 196; Entidade Reguladora da Comnunicao
Social: 129; Filipe Mendes: 18-19, 39, 56, 115, 119, 197, 249, 259 (em cima), 282, 283;
Fundao Calouste Gulbenkian: 300; Gattel/Gabinete de Travessia do Tejo: 216-217;
Helena Cruz: 289; Ildio Teixeira: 35; Instituto Politcnico da Guarda: 243; Ernesto de
Sousa (Esplio): 285; J. M. Simes: 40-41, 66, 67, 84, 103, 234, 239, 241, 252, 257, 261,
290 (em baixo), 305 (em cima), 308, 313; Livros Cotovia: 274 ( esquerda); Joo Lus
Dria: 221, 233; Jorge Barros: sobrecapa, 102; Jorge Gaspar: 46; Jos Alfredo/Teatro
Viriato: 90; Jos Antnio Silva/Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo: 108;
Jos Manuel Fernandes: 275, 276, 277, 278-279, 279, 280, 281; Jos Manuel
Oliveira/Arquivo Crculo de Leitores: 219, 238, 240, 259 (em baixo), 306; Jos
Pessoa/Diviso de Documentao Fotogrfica/Instituto Portugus de Museus: 252-253;
Lus Ramos: 269 ( direita); Lus Ramos/Arquivo Jornal Expresso : 231; Lus
Ramos/Arquivo Jornal Pblico: 56; Lus Silva/Ministrio da Defesa: 36; Lusa Ferreira:
132, 142, 143, 146, 149, 151, 152, 155, 157; Lusa: 26, 37, 270; Lusa/Alberto Frias: 312;
Lusa/Andr Kosters: 174 (em baixo), 288, 316; Lusa/AFP Photo/Javier Soriano: 175 (em
cima); Lusa/Antnio Cotrim: 262, 264 (ao centro), 317; Lusa/EPA/Andrea Merola: 315;
Lusa/EPA/Antnio Simes: 175 (em baixo); Lusa/EPA/DPA/Tim de Waele: 176 (em cima);
Lusa/EPA/Manuel de Almeida: 176 (em baixo), 291; Lusa/EPA/Thierry Deketelaere: 177;
Lusa/Incio Rosa: 25, 307; Lusa/Joo Relvas: 93 (em baixo), 116, 174 (em cima);
Lusa/Manuel Moura: 61, 301, 305 (em baixo); Lusa/Nuno Veiga: 235; Lusa/Tiago Petinga:
28, 32, 296; Manuel Ribeiro: 258; Mrio Cabrita Gil (1983): 287; Maurcio Abreu: 182, 183,
185, 186, 188, 190, 191, 194, 198, 256; MESATIS, ESA: 81; Metropolitano de Lisboa,
EP/Jos Carlos Nascimento: 293; Nuno Marques da Costa: 93 (em cima); Paulo Pereira:
260; Pedro Letria: 63; Penaguio & Burnay: 87, 97, 98, 101; RTP: 27 (em cima), 121, 123
(logo), 308; Rui Coutinho: 27; SIC: 123 (logo); Tiago Venncio/Arquivo Parque Expo: 44;
TSF: 120; TVI: 122, 123 (logo).

351
Crditos fotogrficos

Breve Retrato de Portugal

Nome oficial: Repblica Portuguesa.


Lngua oficial: portugus.
Smbolos nacionais: bandeira nacional
(v. mapa ao lado) e hino A Portuguesa.
Localizao e coordenadas geogrficas:
Sudoeste da Europa, banhado pelo oceano
Atlntico; 39o30 N, 8o00 O.
Clima: temperado mediterrnico; temperaturas mdias: costa e arquiplagos Inverno:
12 oC; Vero: 21 oC; interior e zonas montanhosas: Inverno: 5 oC; Vero: 25 oC.
Fronteiras: a N e a E com a Espanha
(c. 1214 km); banhado a Oeste e a Sul pelo
oceano Atlntico (c. 1793 km).
Diviso territorial: 18 distritos no continente e
duas regies autnomas (Aores e Madeira).
Superfcie: 92 117,5 km2.
Capital: Lisboa.
Cidades com mais de 20 000 hab. (em
2001): Lisboa, Porto, Vila Nova de Gaia, Amadora, Braga, Almada, Coimbra, Funchal, Setbal, Agualva-Cacm, Queluz, Aveiro, Guimares, Odivelas, Rio Tinto, Viseu, Ponta
Delgada, Matosinhos, Amora, Leiria, Faro,
vora, Barreiro, Pvoa do Varzim, Ermesinde,
Viana do Castelo, Maia, Covilh, Portimo,
Castelo Branco, Santarm, Alverca do Ribatejo, Vila Nova de Famalico, Figueira da Foz,
Guarda, Vila do Conde, Montijo, Gondomar,
Seixal, Caldas da Rainha, Olho, Santo Tirso,
Vila Real, Pvoa de Santa Iria, So Mamede
de Infesta, Beja, Espinho, So Joo da Madeira, Barcelos, Bragana.
Regime poltico: repblica democrtica
parlamentar.
Sistema constitucional: Presidente da Repblica (eleito por sufrgio universal cada
cinco anos), Assembleia da Repblica (eleita por sufrgio universal cada quatro anos),
Governo (constitudo com base na eleio
para a Assembleia da Repblica), Tribunais
(Tribunal Constitucional, Supremo Tribunal
de Justia, tribunais superiores especializados [Administrativo e de Contas], tribunais

352
Breve Retrato de Portugal

de segunda instncia e tribunais de primeira


instncia).
Servio militar: De acordo com a Lei
n.o 174/99 de 21 de Setembro, em tempo de
paz, o servio militar baseia-se no voluntariado. Contudo, obrigatrio o recenseamento militar masculino aos 18 anos.
Fundao da Nacionalidade: 1143.
Instaurao da Repblica: 1910.
Moeda: euro.
Populao: 10 569 592 (estim. 2005).
Homens: 5 115 742 (estim. 2005).
Mulheres: 5 453 850 (estim. 2005).
Densidade populacional: 114 por km2
(2004).
Taxa bruta de natalidade: 10,4 (estim.
2005).
Taxa bruta de mortalidade infantil: 3,5
(estim. 2005).
Esperana de vida nascena: 78,2 (estim. 2005).
Homens: 74,9; Mulheres: 81,4.
Populao activa: 5581,1 milhares (mdia
2005).
Homens: 2963,5 milhares; Mulheres:
2581,3 milhares (mdia 2005).
Taxa de desemprego: 7,6 % (mdia 2005).
PIB/capita (x 1000): 13,6 (2004).
Inflao: 3,1 % (2006).
IDH (ndice de desenvolvimento humano):
0,904, elevado desenvolvimento humano
(2004). Fonte: Human Development Report,
2006.
Utilizadores de computadores (16-74
anos): 42 %.
Utilizadores de Internet (16-74 anos): 36 %.
Assinantes de telemveis (2004): 93/100
hab.
Nmero telefnico nacional: + 351.
Cdigo de Internet: .pt
Fuso horrio: UTC/GMT +1 hora.
Fontes: www.portugal.gov.pt; INE, excepto onde indicada outra fonte.

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