Cangaceiros e Fanaticos Rui Faco
Cangaceiros e Fanaticos Rui Faco
Cangaceiros e Fanaticos Rui Faco
R u i
F a c
C a n g a c e i r o s
e
F a n t i c o s
gnese e lutas
SEMPRE-LENDO O MELHOR GRUPO DE TROCA DE LIVROS DA INTERNET
Sumrio
Prlogo 9
I PARTE
O DESPERTAR DOS POBRES DO CAMPO
1
2
3
4
5
6
15
54
II PARTE
CANUDOS E O CONSELHEIRO
1
2
3
III PARTE
JUAZEIRO E O PADRE CCERO
Antecedentes
O Padre Ccero e seus "milagres"
Sementeiras de capangas
4
Floro Bartolomeu e sua influncia 153
5
O Padre na penumbra
163
6
Apogeu do cangaceiro e do jaguno 172
7
Modifica-se o Cariri
180
8
ltima fase da guerra civil nordestina
188
9
1930, o mais forte golpe no poder dos coronis
10
Um saldo positivo: Caldeiro
204
11 Um quarto de sculo depois 215
198
Prlogo
nar os participantes daqueles ncleos de insubmissos do campo, generalizando-se nacionalmente. com estas restries que
o empregamos aqui.
2. A segunda parte deste livro, dedicada a Canudos, inicialmente elaborada em 1950, foi publicada pela primeira vez
em dois nmeros sucessivos da Revista Brasiliense, So Paulo,
n.20 e 21, correspondentes a dezembro de 1958 e janeiro de
1959 e na revista sovitica Nvaia i Novichaia Histria, Moscou, n. 1, 1959. Sofre agora este trabalho algumas modificaes e acrscimos.
Da terceira parte, referente a Juazeiro, foram publicados
trechos na Revista Brasiliense, So Paulo, n. 38. Alguns desses
trechos so modificados ou aproveitados em outros captulos
do mesmo estudo, na medida em que o trabalho, ento em fase
de elaborao, foi sendo ampliado na base de novas pesquisas.
3. A publicao deste livro coincide com o aparecimento
de uma srie de obras em que tanto o cangaceirismo como o
fanatismo sertanejo so ainda objeto de ateno em relatos
que vm enriquecer a bibliografia j existente com novos depoimentos e documentao. So temas apaixonantes, no passado como hoje, que explicam as edies sucessivas de Os
Sertes de Euclides da Cunha, e que esto chegando ao domnio da arte, servindo de motivo a filmes e peas de teatro.
como que uma tomada de conscincia em relao ao passado,
um passado clamoroso, do qual ainda existe grande cpia de
remanescentes em nosso presente, e um desejo que se torna
generalizado de por fim para sempre a esses vergonhosos remanescentes. tambm o reconhecimento de que aqueles homens que empunhavam armas e se tornavam cangaceiros, ou
que se reuniam em torno de um monge ou conselheiro e eram
chamados de fanticos, no passavam na realidade de vtimas
de uma monstruosa organizao social que se est modificando hoje ao sopro das vertiginosas transformaes por que
passa o mundo contemporneo e que nos envolvem, sacudindo
a letargia em que vivia o nosso interior. Mais do que isso, foram aqueles miserveis sertanejos os precursores do surgimento de um esprito inconformado que haveria de criar mais
tarde uma situao revolucionria para a destruio completa
daquele estado de coisas anti-humano.
Empreendemos aqui uma tentativa de compreenso daqueles fenmenos. Relatos existem, numerosos. Interpretao,
nenhuma. Quando muito, este ou aquele autor se anima a emitir uma considerao a vo de pssaro sobre as origens do
cangaceiro ou do fantico. A prpria aceitao da ordem de
coisas vigente e a crena na sua imutabilidade determinavam
os preconceitos e os erros para compreender os fenmenos
patolgicos resultantes.
Foi nosso empenho dar resposta principalmente a estas
indagaes: Por que surgiu o cangaceiro? Por que surgiu o
fantico? Que gerou o capanga? Que os faz desaparecer? Este livro uma busca a respostas s inquietantes perguntas,
que se impuseram certamente ao autor como parte do processo mesmo de tomada de conscincia nacional que alcanamos cada vez mais plenamente na medida em que crescemos
no domnio econmico, modifica-se toda a nossa sociedade e
nos integramos no conjunto universal dos povos com a nossa
prpria voz, as nossas caractersticas, e afirmamos a nossa
individualidade.
I PARTE
Males do
Monoplio da Terra
bouas seriam vozes isoladas em relao mudana da estrutura agrria do Pas para completar-se a obra da abolio do
trabalho servil. Mas, no. Havia toda uma corrente de pensamento favorvel a uma reviravolta nas relaes de produo
no campo. Essa corrente comeara a expor seus pontos de vista ainda nos meados do sculo XIX, certamente impulsionada
pelas audazes iniciativas industriais de Mau.
Na dcada de 60 do sculo passado, sem adotar uma posio extremada, Tavares Bastos sugere medidas em favor da
pequena propriedade, achando mesmo que "h casos em que
mais convenha ao Estado ceder gratuitamente a terra para
quem se proponha a cultiv-la" . Em todos os seus trabalhos
est sempre presente, embora da maneira mais cautelosa, a
questo agrria. Mas o simples fato de, j naquela poca, debater o problema, indica que ela inquietava uma parcela das
classes possuidoras. Tavares Bastos apontava o exemplo de
pases capitalistas mais adiantados, que deveramos seguir: Estados Unidos, Inglaterra e Frana.
E o assunto continuaria na ordem do dia.
Na dcada de 70, antes, portanto, da grande expanso territorial das usinas de acar, o presidente da provncia de Pernambuco, Domingos Velho Cavalcanti de Albuquerque, constatava o quanto era nefasto o domnio do latifndio e algumas
de suas conseqncias sociais. Dizia ele: "Realmente, h uma
parte de nossa populao profundamente desmoralizada, perdida at: mas resta uma grande massa de onde podem sair braos teis. Que garantia, porm, acha esta para seus direitos,
que segurana para os servios que presta, que incentivo para
preservar nas boas prticas? A constituio de nossa propriedade territorial, enfeudando vastas fazendas nas mos dos privilegiados da fortuna, s por exceo permite ao pobre a posse
e domnio de alguns palmos de terra. Em regra ele rendeiro,
agregado, camarada ou que quer que seja; e ento sua sorte
quase a do antigo servo da gleba" .
E j Rebouas apoiava-se em predecessores seus para reforar a tese em favor da mudana da estrutura agrria, da liquidao do monoplio da terra. Em carta a Joaquim Nabuco,
de maro de 1897, cita palavras do senador Nabuco de Arajo
que constituem uma condenao categrica do latifndio: "A
dizia Nabuco de Arajo est to connossa propriedade
centrada, to mal dividida, to mal distribuda, que neste vasto
imprio, afora os sertes e os lugares incomunicveis, no h
terras para serem cultivadas pelos brasileiros e estrangeiros,
que no tm outra esperana seno nas subdivises tardias que
a morte e as sucesses podem operar." Comentava Rebouas:
"Na verdade, so estas palavras admirveis sntese que resume
todos os males produzidos pelo monoplio territorial no Brasil. Quanta satisfao em reconhecer que exmios estadistas do
Imprio precederam-nos na campanha contra o latifndio e na
propaganda para a subdiviso da terra, para a pequena propriedade e a Democracia Rural" .
Na mesma carta, em ps-escrito, refere-se Andr Rebouas amargurado, a "essa brbara insurreio de fanticos do
serto da Bahia", sem perceber, longe, na Europa, que Canudos se originava precisamente dos males do monoplio da
terra, do regime latifundirio que ele condenava com tanta veemncia...
Tambm no fim do sculo XIX e nos ltimos dias do Imprio, um homem que no era entusiasta de mudanas radicais
e revolucionrias na economia e na sociedade, Slvio Romero,
dava o seguinte quadro, condenatrio, por si mesmo, da situao em nosso meio rural: "Lanando as vistas sobre o Brasil
por este lado, vejo que possumos hoje uma lavoura arruinada,
um comrcio quase todo estrangeiro, uma pequena indstria
nos centros mais populosos, de que nem se deve falar, e em
duas ou trs provncias a criao de gados. Quanto primeira,
fundada em grandes propriedades, que tm os nomes extravagantes de fazendas e de engenhos, retalhou o Pas em vastos
lotes, verdadeiros restos das antigas capitanias, onde algumas
dzias de enfatuados baxs moviam ainda h pouco o azorrague nos agregados. Estes so uma espcie de bomios sem
domiclio certo, pois que ao menor capricho do senhor das terras, tm de por os trastes s costas e mudar-se; uma grande cota de seus produtos para os fazendeiros e senhores de engenho [... ] Assim, pois, no temos a pequena lavoura organizada. A grande, rotineira e pervertida, uma extorso cruel feita
aos proletrios rurais. Latifundia perdidere Italiam, disse Plnio; as fazendas e os engenhos esto perdendo o Brasil, o
brado que sai, com razo, de todos os lados" .
Atente-se bem para as ltimas palavras de Slvjo Romero,
que datam de 1888: reconhecimento generalizado, poca, de
que a grande propriedade semifeudal estava arruinando o Pas.
Ento, no estranhvel que, conforme relata Andr Rebouas, em seu Dirio, seis meses antes da queda do Imprio,
convidado para ocupar uma pasta ministerial, o Visconde de
Taunay impusesse, entre outras condies, ao Imperador, a
decretao do "imposto territorial, parcelamento das terras,
pequena propriedade" .
claro que no iria para o Ministrio...
O problema continuou a existir, insolvel.
O Imprio cairia meio ano depois e a Repblica no se atreveria a reformar o status da propriedade territorial. Ao contrrio, quando se impe a mobilizao da maior parte do Exrcito brasileiro para esmagar um foco insurrecional de pobres
do campo, em Canudos, os chefes republicanos no vacilam
um s instante. So implacveis: mandam varr-lo da face da
terra.
Mas, pergunta-se, por que havendo uma to forte corrente
de opinio em favor da renovao da estrutura agrria, esta
no se efetuou?
Entre outros motivos, porque aquele setor da intelectualidade que se batia por uma medida que considerava complementar da Abolio da Escravatura traduzia interesses apenas
da parcela mais radical da burguesia brasileira da poca. E estes interesses ainda estavam longe de identificar-se com os interesses mais gerais do povo. Quem tinha em suas mos a mola mestra da economia nacional eram os latifundirios, pois
ramos sobretudo um Pas exportador de alguns produtos agropecurios, uma grande fazenda. A burguesia tentava ganhar
terreno, mas ainda era reduzida em nmero e em fora econmica. A burguesia comercial das grandes cidades, em parte
constituda de elementos estrangeiros, no se encontrava identificada com os interesses nacionais. A burguesia industrial,
bastante dbil, baseada quase exclusivamente nas indstrias
txtil e alimentares. Teria interesse em ver ampliar-se o mercado interno para a sua produo, o que s seria possvel em
larga escala e de maneira mais rpida mediante a reforma da
estrutura agrria; mas no tinha foras suficientes para impla.
Havia, ainda, outro motivo pondervel, e que no estava
em plano secundrio: latifndio e burguesia se ligavam intimamente atravs de seus domnios territoriais. As iniciativas
de carter industrial partiam, quase sempre, dos grandes latifundirios do caf, cultura que oferecia os capitais excedentes
para tais empreendimentos .
Alm disso, a opinio pblica formada no Pas, a mais
sensvel s idias daqueles intelectuais que se constituam em
idelogos dos anseios mais avanados da parte radical da burguesia, era a pequena burguesia das principais cidades: Rio,
So Paulo, Recife. Ela poderia ter sido fora motriz daquelas
exigncias. Mas no chegava sequer a ser comovida por elas.
O problema discutia-se em livros, em poucos peridicos, em
conversas particulares com o Imperador... O povo alheou-se
dele. Quando veio a Campanha de Canudos, em 1896, esta
mesma opinio pblica foi confundida e mistifiada por uma
propaganda solerte que apresentava a luta como destinada a
salvar a Repblica...
Eliminado o principal foco insurrecional de pobres do
campo at hoje surgido no Nordeste, o latifndio foi mantido
intato, com todo o seu atraso e suas ignomnias.
Nas zonas rurais do Sul, o capital ia penetrando de qualquer forma na agricultura: atravs do trabalho assalariado (fator reforado desde a dcada de 60 do sculo XIX com a importao de colonos europeus) nas grandes fazendas, ou com o
emprego de implementos agrcolas. Toma impulso, por isso
mesmo, a economia mercantil.
No acontece o mesmo no Nordeste. As "solues" a so
diferentes. Quando a crise chega ao auge num setor vital da
economia nordestina, aquele ligado ao mercado externo e sem
o qual ela no poderia sobreviver dentro da sua estrutura, renova-se tecnicamente esse setor, mas de forma que sua base
essencial se mantm e o homem continua um semi-servo. As
relaes de produo pr-capitalistas so zelosamente conservadas nas usinas de acar, que as herdaram dos decadentes
engenhos. A renovao tcnica resolve temporariamente a situao da cpula do latifndio semifeudal nordestino, quer dizer, preserva-a, mas, nas condies dadas, agrava a situao
das massas sem terra .
A Emigrao em Massa
QUE MODIFICA, ENTO, ESTE PANOrama, que se particularizava pela imobilidade, uma vez que esta foi finalmente quebrada e as populaes interioranas se movimentaram, entrando em choque aberto com o latifndio?
Embora parea paradoxal, a ruptura da estagnao se inicia com o xodo em massa de emigrantes nordestinos, inicialmente para a Amaznia, mais tarde para So Paulo. o fenmeno mais progressista que ocorre nos sertes do Nordeste
nesse perodo.
A emigrao em larga escala se inicia com a grande seca
de 1877 a 1879, a qual deixou memria em toda a regio, at
os dias de hoje. Trs anos seguidos sem chuvas, sem semeaduras, sem colheitas, os rebanhos morrendo, os homens fugindo
para no morrer. verdade que em secas anteriores haviam-se
registrado j emigraes alm das fronteiras da provncia que
era a principal vtima das faltas de chuvas, o Cear. Joo Brgido afirma que, na seca de 1792, emigraes houve das fronteiras do Cear para as terras midas do Piau, e que o xodo
dos sertanejos adquiriu maiores propores em 1825, estendendo-se at o Par. Reconhece, porm, que s se torna intensa
"intensssima"
depois de 1877 .
Agora, atraa o emigrante o surto da borracha na Ama
znia. E, aberto o caminho, a emigrao no cessa mais at o
fim dessa aventura econmica. Estima-se que, num s ano, em
1878, a populao deslocada do interior do Cear totalizou
120 000 pessoas, quando a populao total da provncia era de
pouco mais de 800 000 habitantes. Os deslocados
em geral,
vaqueiros, moradores, pequenos proprietrios em parte
conseguem embarcar para fora do Estado (cerca de 55 000
pessoas), em parte morrem de fome e enfermidades nos subrbios de Fortaleza ou nos caminhos dos sertes (somente
nos subrbios de Fortaleza cerca de 57 000 pessoas). Os escravos so vendidos em grande nmero pelos seus senhores
para os mercados do Sul. Dez anos depois repete-se a tragdia.
No mesmo ano da Abolio da Escravatura em escala nacional
(1888), embora ela j houvesse ocorrido no Cear quatro anos
antes, em grande parte devido runa dos proprietrios, Rodolfo Tefilo, testemunha presencial do acontecimento, registra indignado: "O mercado de gado humano esteve aberto enquanto durou a fome, pois compradores nunca faltaram. Raro
era o vapor que no conduzia grande nmero de cearenses" .
Os homens livres tinham virado escravos.
Fazendo um clculo global dos emigrados cearenses nos
anos de estiagens (sem contar os de outros Estados nordestinos, embora o maior volume, inclusive de flagelados daqueles
Estados, sasse do Cear) R. Tefilo calcula que mais de 300
mil foram povoar a Amaznia at o ano de 1900. Tudo indica
que esta cifra foi bem maior, aproximando-se talvez do meio
milho, seno mais. Um contemporneo autorizado, Toms
Pompeu de Sousa Brasil, cita dados no s dos anos de seca
mas tambm daqueles de invernos normais, em que a emigrao de nordestinos para a Amaznia prosseguia intensa. Em
1899, por exemplo, no primeiro semestre, isto , na poca
mesmo das chuvas e quando elas caam abundantes, mais de
17 000 cearenses embarcaram para o Extremo Norte. O mesmo autor refere-se a sadas de emigrantes no somente pelo
porto de Fortaleza e por conta da Unio, mas tambm pelo
porto de Camocim e por conta prpria ou dos contratantes de
trabalhadores que eram mandados ao Nordeste pelos donos de
seringais. Saam tambm, em nmero avultado, pela fronteira
do Piau .
Mas essa transferncia macia de mo-de-obra
numa
populao extremamente rala, que orava por 1 milho de habitantes, no cessa no fim do sculo. O chamado "ciclo da borracha" duraria ainda mais de uma dcada em plena florescncia, contribuindo com cerca de 30% do valor da exportao
nacional ao atingir o seu apogeu.
A Amaznia continuava a atrair como miragem os pobres
sertanejos nordestinos, que iam morrer de febre em suas florestas exuberantes, nos seringais que alimentavam nababos a
estadear riquezas em Manaus, Belm, nas capitais da Europa...
Em 1900, abandonam o Cear 40 000 vtimas da seca. Ainda
em 1915, de cerca de 40 mil emigrantes que saem pelo porto
de Fortaleza, enquanto 8 500 tomam o destino do Sul, 30 mil
se dirigem pelo caminho habitual, o do Norte...
Essa emigrao em massa representa na prtica uma ruptura com o latifndio, um srio desfalque para ele. Para sobreviver como latifndio semifeudal, ele deveria dispor de mode-obra semi-servil. E esta lhe fugia agora. A sua salvao
que as malhas do sistema latifundirio semi-servil se estendiam a todo o Pas,, com alguns claros apenas na pequena propriedade da extremidade meridional, no Rio Grande do Sul, e
que no pesava no conjunto.
O latifndio fora violado irremediavelmente. Se jamais
houvera feudo clssico, inteiramente fechado, nos limites do
Brasil, uma vez que o nosso latifndio possua apenas certas
caractersticas, no todas, do feudo clssico europeu, a emigrao derrubara-lhe a cerca, deixara-o devassado ao mundo
exterior, mais exposto em sua vulnerabilidade, passvel de ser
destrudo pela desagregao interna, com a adoo de novas
relaes de produo, quando no atravs de lutas dos que lhe
sofriam o domnio. As lutas poderiam advir precisamente daquela ruptura.
Das grandes migraes provocadas pelas secas peridicas
do Nordeste, nos fins do sculo XIX (depois de determinado
estgio do desenvolvimento demogrfico da regio, ao influxo
dos surtos econmicos efmeros ocorridos em outras regies,
num nvel j extremo da runa do latifndio semifeudal) advm resultados diversos, uns favorveis, outros contrrios
conservao do latifndio. Alguns desses resultados:
a)
a sada das levas de emigrantes para fora do meio
rural nordestino subtrai ao latifndio pr-capitalista, a, um
precioso excedente de mo-de-obra que lhe assegura a quase
gratuidade da mesma e a possibilidade de impor-lhe condies
de trabalho semi-servis;
b)
ao mesmo tempo, alivia a presso que uma numerosa
populao inteiramente desprovida de recursos vitais poderia
vir a exercer sobre o latifndio para impor-lhe modificaes e
at mesmo a sua destruio como tal;
c)
a emigrao em massa de trabalhadores rurais do
Nordeste, para os emigrantes, tinha o valor de uma tomada de
conscincia de sua situao anterior. Viam que podiam livrarse do punho de ferro do latifundirio, do ignominioso regime
servil que lhes era imposto.
Porque essa emigrao possua um carter geral progressista. O progresso que era possvel em semelhante sociedade,
dirigida e dominada por um punhado de escravistas. Pois tinha
seus aspectos monstruosos. Os nordestinos emigravam seminus, descalos, famintos. Famlias inteiras se desgarravam, separavam-se impiedosamente pais e filhos, marido e mulher.
gcios, num aodamento de admirar... Assim que se v a todo o momento os seringueiros entrando nas 'casas aviadoras',
levando os saques que trouxeram dos seringais onde trabalham. Porque o seringueiro no recebe o valor da borracha que
'fez' no seringal. No. Ele vem receb-lo na 'casa aviadora' do
seringal, numa das praas de Belm ou Manaus". Acrescenta
Guedes: "Cada ano entram no Cear centenas de contos [de
ris]. H um sem-nmero de famlias que vivem do que lhes
mandam os seus da Amaznia; estudantes que fazem os seus
cursos, nos diversos institutos do Pas, com recursos de igual
procedncia" .
E a concluso lgica: "... h na Amaznia mais liberdade... " Era a economia mercantil que proporcionava essa "liberdade" ao antigo servo da gleba nordestino, que continuava
preso ao seringalista, mas com uma diferena essencial para
ele: ganhava dinheiro; comprava no barraco, mas tambm na
cidade, no grande comrcio; mantinha seus negcios com o
regato que subia e descia o rio; adquiria visos de independncia.
Aquele quadro de prosperidade da Amaznia refletia-se
no Nordeste. Um escritor cearense indica esse reflexo quando
informa: "O Cear progredia [...] devido a alguns anos de estaes regulares e sobretudo grande alta da borracha no Amazonas, que derramou rios de dinheiro no Estado. Em 1910,
quando a borracha chegou a dar 16 mil-ris por quilo, entraram para aqui cerca de 30 mil contos!... Em Fortaleza tudo se
valorizou. As casas subiram de preo e o comercio teve grandes lucros. Os paroaras tudo compravam sem regatear preo" .
Um grande nmero voltava ao Cear, sobretudo nas pocas de queda do preo da borracha. Os latifundirios nordestinos, nos anos de chuvas normais, facilitavam esse regresso,
que foi sempre cantado em prosa e verso por literatos da regio. Era o que precisamente queriam os latifundirios cearenses: que em condies "normais" lhes sobrasse a mo-de-obra
dos que no tinham terra, dos que eram obrigados a vender pela comida de um dia o fruto do trabalho de 12 horas no cabo
da enxada. O prprio Governo do Cear, nos comeos do sculo, mandava fornecer passagens para a volta dos emigrantes .
Mas o homem que voltava no era o mesmo. Ao contato
com outras gentes, com outras formas de vida social, a concorrncia desenfreada entre os donos de seringais, uma luta
pela existncia muito mais afanosa do que na pasmaceira do
Nordeste, sua mentalidade se modificara. Um dos governadores do Cear nos comeos do sculo XX, Benjamim Barroso,
reconhecia, em mensagem "Assemblia Legislativa estadual,
este fato, que devia corresponder inteiramente realidade:
"Depois que se estabeleceu a corrente emigratria para a Amaznia [isto , depois de 1877], que os hbitos e costumes
cearenses se modificaram" . O governador lamentava isso,
pois essa modificao se manifestava principalmente num
maior grau de inconformismo das populaes sertanejas com a
vida de misria e fome e, portanto, em sua luta por uma existncia melhor.
A luta s podia corresponder ao nvel em que se encontravam econmica e socialmente colocados os que constituam
a parcela mais explorada e oprimida da populao, aqueles que
nada possuam e tinham algo a reivindicar, ainda que no soubessem formular claramente essa reivindicao. Faltava-lhes
Os Cangaceiros
NUM MEIO EM QUE TUDO LHE adverso, podia o homem do campo permanecer inerte, passivo,
cruzar os braos diante de uma ordem de coisas que se esboroa
sobre ele?
Euclides da Cunha j compreendera que o homem do serto [...] est em funo direta da terra" . Se a terra para ele
inacessvel, ou quando possui uma nesga de cho v-se atenazado pelo domnio do latifndio ocenico, devorador de todas
as suas energias, monopolizador de todos os privilgios, ditador das piores torpezas, que fazer, seno revoltar-se? Pega em
armas, sem objetivos claros, sem rumos certos, apenas para
sobreviver no meio que o seu.
Ento, espantados, os homens das classes dominantes no
sabem explicar por que ele se revoltou. Ele, sempre to cordato e humilde mesmo, que no falava ao senhor sem tirar da cabea o largo chapu de palha ou de couro, toma de uma arma,
torna-se cangaceiro, arregimenta companheiros de infortnio e
forma um grupo
um bando. Por que?
As tentativas de explicao dos fatores do cangao datam, talvez, do incio mesmo do fenmeno. Mas vejamos opinies de alguns autores que estudaram o processo em sua plena florescncia. Euclides da Cunha, sabe-se, atribui-o ao fator
racial, atavismos tnicos, "o meio fsico dos sertes em todo o
vasto territrio que se alonga do Vasa-Barris ao Parnaba, no
ocidente", e ao que chama de "estigmas degenerativos de trs
raas" . Euclides da Cunha baseia-se, entre outros autores, em
Nina Rodrigues. As teses deste cientista baiano parecem ter
sido a fonte de inmeras opinies errneas sobre as causas do
cangaceirismo e do misticismo sertanejos. Nina Rodrigues afirmava que "a criminalidade do mestio brasileiro [est] ligada s ms condies antropolgicas da mestiagem no Brasil" . Vrios autores nordestinos, sem dar ateno s causas
econmicas e sociais, recorrem explicao, para eles a mais
fcil, adotada por um cientista: a mestiagem. Era uma atitude
fatalista. Como a mestiagem constitua um fato irremovvel,
seus resultados no Nordeste
o cangao e fenmenos correlatos jamais teriam remdio...
Esse ponto de vista ainda iria influenciar, muitos anos
mais tarde, o autor de um dos livros de maior repercusso sobre o Juazeiro e o Padre Ccero, Loureno Filho. Considera ele, depois da visita que fez ao Cariri, na dcada de 20, que
"certas condies biolgicas levam ao banditismo" . E para
anomalias como o Juazeiro, aconselhava (em 1926): "Os remdios esto aos olhos de todos, e eles se resumem, numa palavra, em maior liberdade poltica aos escravizados Estados do
Norte, em distribuio de justia e educao".
interessante observar como at mesmo conhecedores da
situao local, homens nascidos e criados ali, narram fatos e
episdios diante dos quais se supe que tiraro as concluses
lgicas e no entanto a concluso contrria prpria realidade descrita. o caso, entre outros, de Xavier de Oliveira, filho do Cariri. Reconhece ele textualmente: "o homem honesto
e trabalhador de outrora um bandido agora, por causa de uma
questo de terra" . Acrescentava quanto s condies de trabalho: "No Cariri, em certa cidade, h o que se chama feira de
trabalhadores. Centenas de homens, reunidos em praa pblica, enxada ao ombro, prontos para o trabalho. Chega o fazendeiro, escolhe os mais robustos ( como se escolhesse bois pa-
Os Cangaceiros
das vistas das autoridades, multides embrutecidas e fanatiz-las com milagres de salvao e coisas da vida eterna..." .
O perigo consistia, pois, em junt-las, excitar-lhes o nimo sob qualquer pretexto, quebrando assim a "ordem natural"
gerada pelo latifndio semifeudalista. Ademais, as promessas
de salvao extraterrena poderiam muito bem lev-las a lutar
pela salvao aqui mesmo. Canudos ainda estava na lembrana
de todos...
Por isso, toda tentativa de arregimentao das populaes rurais sempre foi brutalmente combatida, a ferro e fogo,
pelos dominadores, fosse na Colnia, no Imprio ou na Repblica. Os escravos fugidos que formavam quilombos, os
msticos dos sacrifcios sangrentos de Pedra Bonita, os muckers da colnia alem do Sul, os adeptos do Conselheiro, os
homens do Contestado e do Caldeiro, sem contar os ajuntamentos menores, mltiplos, por todo o Brasil, foram atacados
impiedosamente e destroados at as razes. Bastava que revelassem o menor indcio de tentativa de romper o estado de
coisas reinante no campo: o monoplio da terra, as relaes
semifeudais de produo, o domnio absoluto do grande proprietrio rural.
depois
Quando as classes dirigentes se convenceram
de um estremecimento de pavor de que em Juazeiro seria
possvel desviar, no interesse dos coronis do Cariri e de objetivos polticos imediatistas, as nascentes e impetuosas aspiraes de libertao das massas rurais exploradas, deixaram Juazeiro em paz: entregue aos cuidados do Padre Ccero e de Floro Bartolomeu da Costa. Cada um no seu papel: o lder espiritual completava o lder poltico. Juazeiro podia ser um foco de
heresia; mas o perigo no estava nisso e sim na possibilidade
de vir a ser uma ameaa ordem estabelecida no terreno poltico, econmico, e social.
O "Fanatismo",
Elemento de Luta
Colocado parte, funciona como catalisador ou plo de atrao no meio ambiente. Em geral, desde seu aparecimento
ostensivo, esse grupo passa a ser
hostilizado pela religio dominante, a religio catlica.
No caso de Antnio Conselheiro, em Canudos, partiu da
Igreja o primeiro brado de alerta contra o "chefe fantico" que
percorria, desde a dcada de 70 do sculo XIX, os sertes. do
Nordeste,v na sua "romaria ininterrupta de vinte anos". Quatorze anos antes de deflagar a Campanha de Canudos, j em
1882, o arcebispo da Bahia expedira circular aos vigrios do
interior, alertando-os contra as atividades do Conselheiro, que
estaria "perturbando as conscincias e enfraquecendo, no
pouco, a autoridade dos procos destes lugares", e proibindo
terminantemente que os paroquianos se reunissem para ouvir
suas prdicas . No ano que antecede a luta armada contra Canudos, enviada ao lugarejo uma misso religiosa para tentar
dissolver o ajuntamento, que j era bem numeroso.
No caso do Contestado, o chefe espiritual tambm entra
em choque com as autoridades da Igreja Catlica e se recusa a
cumprir seus ritos, enquanto "os ministros da Igreja [...], frontalmente e em seu prprio meio faziam desassombrado combate a certas idias propagadas pelos taumaturgos" .
Em Juazeiro, o Padre Ccero suspenso de ordens pela
Igreja e durante toda a sua longa vida jamais se reconciliou
inteiramente com ela, pregando a seu modo a doutrina catlica.
O Beato Loureno, do Caldeiro, antes de ser atacado pelas foras repressivas, era objeto de denncia por parte do clero do Cariri junto s autoridades civis e militares.
A Igreja Catlica desempenha, assim, o papel de polcia
ideolgica no meio rural, antecipando-se s foras repressivas.
Prepara-lhes o caminho. Percebe, instintivamente, que a "heresia", o desvio das normas de conduta estabelecida pela relipoder
gio dominante a religio das classes dominantes
evoluir at a rebeldia contra a ordem constituda. Uma vez repelida pelos "crentes" ou "fanticos" sua ao pacificadora, d
o brado de alarma.
Deve ser este o primeiro abalo que sofrem os crentes ou
fanticos, depois de adotarem sua atitude de protesto inconsciente, e at ento passivo, contra a ordem de coisas existente.
E deve ser tambm o ponto de partida, a fase de transio, da
atitude passiva para a atitude ativa. O momento da conscincia
de uma posio de revolta.
A transio no se opera rpida e imediatamente. O
ajuntamento de insubmissos vacila, a princpio, admite a interveno das autoridades eclesisticas, mas at certo limite,
pois o rompimento j houve com a prpria formao do ajuntamento de msticos. Refeito do primeiro choque, reage.
Foi o que aconteceu em Canudos. A misso religiosa encabeada por Frei Monte Marciano suspensa, no pela interveno do chefe espiritual local, Antnio Conselheiro, que de
incio tenta conciliar seus prprios seguidores. Quem intervm
ante a crise surgida pela reao negativa dos fanticos a um
sermo do sacerdote catlico um chefe "leigo", Joo Abade.
este quem arregimenta os conselheiristas e os conduz casa
em que se abrigam os clrigos, reclamando sua sada do povoado. A misso suspensa e os sacerdotes catlicos expulsos.
Em Juazeiro no foi diferente, no essencial. O heresiarca
era um padre, um sacerdote catlico. interpelado, pressionado de todos os modos por seus superiores hierrquicos para
Distino Necessria
NECESSRIO FAZER-SE AQUI DISTINo entre fenmenos que algumas vezes se confundem: o
cangaceiro, o capanga (jaguno ou cabra) e o "fantico".
Nem sempre fcil semelhante distino e nem sempre tem
sido feita. Em Os Sertes, por exemplo, Euclides da Cunha,
no estabelece diferena entre jagunos e cangaceiros, e entre estes e o "fantico". Talvez porque a campanha de Canudos englobasse-os a todos. O mesmo se pode dizer em relao a Juazeiro, ao tempo do Padre Ccero. "Os jagunos do
Conselheiro", "os jagunos do Padre Ccero"
como so
conhecidos popularmente todos aqueles que pegavam em armas para a defesa de Canudos e de Juazeiro. No importava
que fossem antigos cangaceiros, antigos capangas, ou cangaceiros e capangas atuantes ou ainda simplesmente msticos
que jamais tivessem participado de um bando de cangaceiros
ou fossem capangas de qualquer senhor. O termo jaguno,
embora sinnimo de capanga, tem assim um sentido mais genrico, enquanto o de capanga mais restrito.
O capanga pode ter sido cangaceiro, vice-versa, como
qualquer deles pode tornar-se adepto de um conselheiro ou
monge, e ento o "fantico". Mas, do ponto de vista social,
h uma diferena flagrante sobretudo entre capanga e cangaceiro, identificando-se muito mais o cangaceiro com o "fantico".
Tudo indica que o capanga entre os trs elementos, foi o
primeiro a surgir em nossa histria. Nos comeos das colonizao, os donos de sesmarias e, depois, os latifundirios, na
medida em que devassavam o interior e tratavam de estabelecer o seu domnio econmico, tiveram que armar suas fazendas para afugentar os ndios que as assediavam. O conceito
de propriedade, entre estes, era o comunitrio primitivo, que
os levava a abater os gados dos colonizadores e dos sertanistas, ou a pilhar os frutos de suas plantaes. Em represlia aos
ataques dos indgenas, os fazendeiros armavam homens, s
dezenas, para defender suas propriedades, cujos limites se estendiam por lguas e lguas, em plenos sertes quase virgens.
Surgiram tambm algumas questes de divisas entre as sesmarias ou as fazendas. E, ento, os encarregados da sua guarda,
que tinham antes um papel puramente defensivo, passam a desempenhar muitas vezes funes ofensivas, atacando as propriedades vizinhas. esta a mais comum das origens das conhecidas lutas entre famlias, que se prolongam at o nosso sculo.
Quando a indiada expulsa para regies mais distantes e
j existe alguma segurana na penetrao dos sertes, aparece
outro elemento conflitante com os grandes proprietrios: o
posseiro. Este invade as terras das sesmarias, j que no tem
terra, para cultiv-las, e surgem litgios que chegam a choques
de relativa seriedade.
Assim, o latifndio gera lutas desde suas origens. Isolados, num mundo parte dos povoados litorneos, sem poder
contar com a ajuda do Estado, os grandes fazendeiros so a
classe dominante naqueles sertes no s representativa mas
fcil.
O exemplar mais famoso entre os cangaceiros Virgulino Ferreira da Silva, Lampio, descendente de uma morigerada famlia de pequenos criadores e cultivadores do municpio
de Serra Talhada, Estado de Pernambuco. A exemplo do que
aconteceu com o Conselheiro, com Antnio Silvino e tantos
outros, famlias poderosas locais, os Nogueiras e Saturninos,
perseguem a sua famlia. Um dia, matam-lhe uma cabra. Os
irmos Ferreira vingam-se, assassinando um desafeto. Para escapar s malhas de uma justia que ser contra eles, fogem para o Estado vizinho de Alagoas. A mesmo, em 1918 ou 1919
o velho Ferreira assassinado a mando das mesmas famlias
que j o haviam perseguido em Pernambuco. Os filhos, Virgulino, Antnio, Ezequiel e Livino,
que morreriam todos em
combate com a polcia ingressaram no cangao, juntandose Virgulino ao bando de Sebastio Pereira, Sinh, ento, dos
cangaceiros mais famosos do Nordeste. Seu objetivo confesso
vingar a morte do pai. Este motivo aparente, no entanto, tem
a funo de gota de gua que faz transbordar o copo.
A comea a peregrinao de vinte anos daquele que seria
depois conhecido como o Rei do Cangao e Governador do
Serto. Vinte anos de assassnios, de assaltos a propriedades
de grandes fazendeiros, de ataques a povoados, vilas e at cidades, inclusive a audaciosa e malograda tentativa de dominar
a segunda cidade do Rio Grande do Norte, Moor, bem prxima ao literal e junto via frrea, no ano de 1927, e a tomada
das cidades de Sousa, na Paraba, e Limoeiro, no Cear.
Que espcie de homens compunham o bando? So todos,
invariavelmente, gente da mais pobre do interior do Brasil,
homens do campo que no tm terra, no podem ter gado, no
tm sequer trabalho garantido, Xavier de Oliveira diz que faziam parte do grupo de Lampio "antigos trabalhadores de obras federais que haviam sido suspensas" . Quer dizer, haviam-se engajado nas chamadas obras contra as secas durante
uma das calamidades peridicas. Chegadas as chuvas, no ano
seguinte, em geral as obras no prosseguiam, pois tinham mais
por finalidade reter ali mo-de-obra excedente para o latifndio. Uma vez que este no podia absorver toda a mo-de-obra
disponvel, os desocupados procuravam outro meio de vida,
nem que fossem os assaltos armados, entrando para um grupo
de cangaceiros. Um dos perseguidores de Lampio, e que certamente possua boas informaes sobre a origem de seus homens, informa que "os celerados tinham os claros preenchidos
pelos cangaceiros mansos, que eram considerados vaqueiros
ou moradores" dos fazendeiros . So, portanto, os jagunos ou
capangas. E conta que tendo perguntado certa vez a Lampio
por que no dera combate Coluna Prestes, conforme se havia
comprometido com os chefes de Juazeiro, embora a visse passar perto de uma serra onde se ocultava o bando, o famoso
cangaceiro respondeu: "Ah! menino. Isto aqui meio de vida.
Se eu fosse atirar em todos os macacos que eu vejo, j teria
desaparecido" .
Nem mais nem menos: para os componentes do bando, o
cangao modalidade de ganhar a vida, como possvel ganh-la num ambiente onde impera a ferocidade do coronel,
com toda a sua aparente mansido, o seu falso humanismo, o
seu apregoado paternalismo cristo. Pois, "quando s vezes
comunicavam ao coronel Manuel Incio, de Pernambuco, que
seus cabras estavam se matando uns aos outros, como aconteceu no stio Serec [. . .] ele dizia a gaguejar: "No tem
foi o de Massilon, que, segundo todos os depoimentos, exerceu influncia decisiva sobre o Rei do Cangao para o assalto
a Moor. Outro grupo entrosado com o de Lampio era o de
Corisco (o Diabo Louro) que, parece, o integrava, mas atuava
separadamente, por ttica. O grupo de Corisco no seria surpreendido no esconderijo da fazenda Angicos (Sergipe), quando Lampio e mais uma dezena de cangaceiros foram mortos
pela polcia militar de Alagoas (28-7-1938). No entanto, poucos dias depois, ao ter conhecimento da tragdia que acabara
com o "governador do Serto", Corisco no vacila um instante: vai com seu bando ao lugar fatdico e, exceo de um velho, que deixa "para contar a histria", mata toda a famlia do
vaqueiro que tomava conta da fazenda. Inclusive duas mulheres
"para vingar a morte de Maria Bonita e Enedina"
teria dito, pois haviam denunciado polcia o esconderijo de
Lampio.
Vale salientar aqui este fato de real importncia: o cangaceirismo se tornara um fenmeno to significativamente
social que no foi pequeno o nmero de mulheres que participaram de suas aes na fase do apogeu. Das mulheres, a
mais famosa Maria Bonita, mas se contam, entre outras,
Enedina, abatida juntamente com ela, Inacinha, mulher de
Gato, Sebastiana, mulher de Moita Brava e Dada, mulher de
Corisco. Em 1935, quando Lampio penetra na localidade de
Forquilha, vem "acompanhado de oito cangaceiros e trs mulheres" .
Algumas caractersticas de Lampio so mais ou menos
comuns a outros cangaceiros e chefes de bando. Desde o incio
de suas atividades, o grupo ataca de preferncia grandes propriedades, aquelas onde sabe que poder obter melhores proventos. Quando o coronel no mora na fazenda e , por exemplo, um comerciante na cidade guarnecida onde Lampio no
pode penetrar, reclama este sua presena, para conversarem
sobre dinheiro. Exige-lhe ento o cangaceiro determinada
quantia, mediante a condio, muitas vezes expressa em cartas, das quais se conhecem vrios exemplares, de que sua propriedade ser poupada e nada sofrer, mesmo por parte de "outros cangaceiros". A carta, um simples bilhete, uma espcie
de salvo-conduto para o fazendeiro. Em geral, o coronel atendia-o, pois sabia antecipadamente que, do contrrio, sua propriedade ficaria visada pelos cangaceiros e poderia ser depredada. Outras vezes, Lampio exigia abrigo inviolvel em fazendas estrategicamente situadas. Estas se tornavam ento seu
pouso habitual, lugar onde se ocultava e onde descansava semanas ou meses, para refazer as foras das longas caminhadas
pelos sertes, desde o Cear at a Bahia. A fazenda-coito
tambm, algumas vezes, o quartel-general do bando, o lugar
onde ele se reabastece de armas e munies compradas por intermdio do fazendeiro coiteiro
ou de seus empregados.
sabido que Lampio foi sempre otimamente provido de material blico, inclusive fuzis, privativos das foras armadas.
sabido tambm que em Juazeiro, em 1926, os chefes locais lhe
forneceram abundante armamento para combater a Coluna
Prestes. Mas no era s esta a origem das armas modernas
conseguidas pelos cangaceiros. Eles as compravam normalmente no s atravs dos fazendeiros amigos, dos coiteiros,
como de alguns de seus perseguidores. Numa entrevista que
manteve Lampio com um dos grandes fazendeiros de Alagoas, coronel Joaquim Resende, de Po de Acar, disse-lhe o
chefe cangaceiro que, quanto s foras estaduais que o perse-
II PARTE
Canudos e o Conselheiro
Brasil,
Fim do Sculo XIX
judicada pela crescente entrada de trabalhadores livres procedentes da Europa. O afluxo de imigrantes estrangeiros, quase nulo na dcada de 70 do sculo XIX (menos de 50 mil imigrantes numa dcada inteira), elevava-se a mais de 260 mil no
decnio seguinte e atinge 650 mil na dcada de 90. Constitui,
por si s, um peso considervel na vida econmica do Pas cuja populao no passava ento de 15 milhes de habitantes.
Este notvel reforo de braos livres refletia-se profundamente na economia nacional, como j influra na prpria
Abolio da Escravatura em 1888. Vinha ameaar agora a corrente migratria do Nordeste para o Sul. No ltimo decnio do
sculo XIX, quando ocorre a crise do caf, os trabalhadores
que abandonavam as fazendas arruinadas do Nordeste j no
podiam mais to livremente demandar os cafezais de So Paulo e Estado do Rio.
E em 1896, ano em que se inicia a luta. armada nos sertes da Bahia, o Jornal do Comrcio do Rio traduzia a incerteza das classes dominantes diante do futuro e em face da prpria realidade presente. Falava em "calamidade pblica", no
podendo ocultar que a situao se agravava constantemente.
Escrevia: "E este Pas sem produo suficiente de gneros de
primeira necessidade para a alimentao pblica, precisando
import-los do estrangeiro, com direitos quase proibitivos, o
mesmo que dizer fome! fome! E quando a fome for tocando a
teremos o horror e as tragtodos, tarde sero os clamores
dias de todas as espcies". Conclua pattico: " preciso que o
governo se lembre de que a fome cega e suas terrveis conseqncias podero ir at o desconhecido".
Situao particularmente grave, atingindo o setor mais
numeroso da populao, as massas campesinas pobres eram
ignoradas e silenciadas. O trabalhador do campo no Brasil fora
sempre considerado pelos grandes fazendeiros e seus portavozes como simples escravo ou servo, geralmente equiparado
aos animais de carga, como o fazia ainda em 1887 um agrnomo baiano defendendo tese em Salvador. Opinava ele que
"a molstia dos operrios [trabalhadores rurais] e dos animais,
etc, so obstculo de pouca importncia para uma propriedade
bem dirigida" .
E no s as molstias, tambm a fome e a penria de tudo
na vida do trabalhador do campo eram em geral consideradas
coisa normal, tanto pelos grandes fazendeiros como por seus
representantes no Governo, no Parlamento, na imprensa, nas
escolas. Discutia-se tudo a respeito da terra: questes ligadas
aos mtodos de cultivo, se os melhores animais de trao eram
os bois ou os cavalos, a convenincia da pequena ou da grande
propriedade territorial, adubos. S no se via a mola mestra de
toda a vida econmica do Pas ento: o trabalhador rural, o
campons sem terra. Era como se se tratasse de um elemento
to "natural" como a prpria terra, fazendo parte dela como o
humo.
O que interessava era manter o latifndio, os privilgios
odiosos do latifundirio.
J em 1861, no Congresso, Jos Bonifcio condenava acerbamente a pequena propriedade territorial e no ocultava os
verdadeiros motivos por que o fazia. "A agricultura em nosso
Pas dizia
tem direito sua ateno: no com pequenos
proprietrios que Sua Excelncia [o ministro da Agricultura]
h de dar trabalhadores aos fazendeiros do Brasil. E uma das
grandes garantias da ordem nesta terra a propriedade territorial" .
A Repblica
e os Impostos
Canudos, em 1876, em plena monarquia, a 13 anos da Proclamao da Repblica, o Conselheiro j era preso e mandado de volta do Cear, sua terra de origem, sob a imputao de
crimes dos quais as autoridades de Fortaleza no encontraram provas. Posto em liberdade, o Conselheiro regressa
Bahia, onde j fizera seu ambiente e onde "j tinha grande
renome" .
Euclides da Cunha cita a to conhecida Folhinha Laemmert, calendrio anual popular, de 1877, em que se registra,
referente, na pior das hipteses, ao ano anterior, a seguinte informao: "Apareceu no serto do Norte um indivduo, que se
diz chamar Antnio Conselheiro, e que exerce grande influncia no esprito das classes populares" .
"De 1877 a 1887, erra por aqueles sertes, em todos os
sentidos, chegando mesmo at o litoral, em Vila do Conde acompanhado da farndola de fiis" .
Em 1882, sete anos portanto antes da queda da monarquia, j o denunciava o Arcebispo da Bahia, em circular dirigida a todos os procos da Provncia, alertando-os para no
permitirem as pregaes do Conselheiro em sua freguesia e
proibindo os catlicos de ouvirem suas prdicas.
Ainda antes da Repblica nada menos de trs anos, em
1886, o chefe da polcia da Bahia recebe ofcio do delegado
de polcia da vila de Itapicuru de Cima sobre a constante presena do Conselheiro e seus adeptos em seu municpio e com
esta advertncia que revela j assumir ento o seu grupo atitudes inquietantes para as autoridades: "... pelo modo porque
esto os nimos mais que justo e fundado o receio de grandes desgraas" . Acrescentava o delegado de Itapicuru: "...
acompanham-no [ao Conselheiro] centenas e centenas de
pessoas, que ouvem-no e seguem sua ordem de preferncia s
do vigrio da parquia", e que "havendo desinteligncia entre
o grupo do Conselheiro e o vigrio de Inhambupe, est aquele municpio como se tivesse de ferir uma batalha campal...
" .
V-se, portanto, que os conselheiristas j estavam bem
armados antes da queda da monarquia.
Contra o que se armavam em 1886?
A realidade que se pretendia negar era esta: os conselheiristas, desde que se sentiram perseguidos, tendo contra eles
a animosidade dos clrigos e das autoridades civis, trataram de
precaver-se. Afirmavam assim sua disposio de resistir a possveis ataques. Manifestavam, conseqentemente, um esprito
de rebeldia muito antes da Proclamao da Repblica. O choque se criara principalmente entre a Igreja Catlica e os conselheiristas. Tanto assim que mais uma vez, em 1887, a Diocese
da Bahia intervm, oficiando ao presidente da Provncia, a reclamar medidas que contivessem "o indivduo Antnio Vicente Mendes Maciel que, pregando doutrinas subversivas, fazia
grande mal religio e ao Estado" .
Sem perda de tempo, o presidente da Provncia dirige-se
ao ministro do Imprio, pedindo um lugar para o Conselheiro
no hospcio dos alienados, no Rio. No havia vagas...
Esta a Cronologia precisa do Conselheiro nos anos que
antecedem Proclamao da Repblica. Um longo perodo de
13 anos, sem se levar em conta que ele j era conhecido em
outros lugares do Nordeste pelo menos desde 1874, quando
apareceu em Pernambuco, vindo do Cear.
Portanto, muito antes do advento da Repblica o Conselheiro j pregava "doutrinas subversivas", na opinio da vi-
Leve-se em conta que duas centenas seriam ento os seguidores permanentes do Conselheiro, aqueles que o acompanhavam nessa peregrinao sem fim pelos sertes. No tinham ainda um pouso certo. Muitos milhares seriam os seus
adeptos espalhados pelo interior nordestino. naquele ano de
93, depois do choque de Massete, que o Conselheiro procura
fortificar-se em Canudos, receando, com razo, uma investida
mais violenta.
Com o estado de nimo de revolta j reconhecidamente
existente entre os conselheiristas, em plena monarquia, esse
choque de foras ter-se-ia dado da mesma forma, caso tivesse
surgido um motivo to flagrantemente hostil aos interesses das
camadas pobres do campo, como era essa ostensiva cobrana
de impostos. E foi precisamente isto que fez com que se considerasse o Conselheiro um homem contra a Repblica, porque contra uma lei da Repblica...
Pode se argumentar que, posteriormente, se encontrariam
evidncias de que o Conselheiro aspirava restaurao da
monarquia e considerava a Repblica "a lei do co".
bem provvel que assim fosse. Desde que as autoridades da Repblica o perseguiam, no vendo ele motivos para
tal, proclamava-se, como rplica, partidrio daquela fora que
a que a Repblica
considerava a nica oposta Repblica
derrubara. Se durante a monarquia perambulava pelos sertes
em paz e no mandavam atac-lo a mo armada... Se durante a
monarquia no era to evidente a espoliao dos pobres pelos
cobradores de impostos... A Repblica s podia ser confundida, em seu esprito primrio, com a lei do Diabo... Contra ela,
portanto, a sua religiosidade se levantava, de armas nas mos,
uma vez que com armas era agredido.
Iria esperar os antagonistas, que j o eram a partir de agora, em lugar mais seguro, por ele reconhecido nas longas caminhadas. Chamou os seus adeptos e rumou para Canudos, a
velha fazenda em runas, que batizou de Belo Monte e cuja resistncia impressionante abalaria o Pas inteiro.
A Ebulio no Campo
dbitos que a produo insuficiente acumulava e agravava cada ano. A instituio servil, em 1879, tinha j entrado no seu
perodo agudo nos sertes do norte do Brasil. O xodo da escravaria para as fazendas de caf no Sul fazia-se j em grandes
levas, quer pelas estradas do interior atravs, das provncias
limtrofes, como pelos portos do litoral onde por longo perodo se mantinha um trfico vergonhoso e ativo. Privados de recursos, os lavradores do serto no tinham outro remdio seno venderem o escravo, deixando-se na desgraada contingncia de no contarem com o trabalho livre" .
E as fazendas caam em runas.
Nesse ambiente, atuavam os grupos de cangaceiros, e
chefetes polticos locais, um deles, Neco, mobilizava quatrocentos jagunos, em tropelias contra vilas e pequenas cidades,
dominando-as com uma facilidade que horrorizou Teodoro
Sampaio, levando-o a exclamar: "Quanta desgraa e quanta
barbrie naqueles sertes, santo Deus!" . E acrescenta: "Estvamos de fato num mundo estranho. Como estavas longe, oh
civilizao!" .
Nesse mesmo ambiente o Conselheiro encontrou o material humano com que iria por em rebulio os sertes e estremecer o Pas. Para aqueles desesperados ele era a voz da esperana, acenando, na sua linguagem mstica, inspirada nos
evangelhos, um igualamento em que haveria "um s pastor e
um s rebanho".
Perseguido, rumou para Canudos, onde anunciava o dia
em que a abundncia seria tamanha que as guas do VasaBarris se transformariam em leite e suas barrancas em po de
milho...
Era o sonho dos miserveis e famintos.
A misria e a fome davam ao chefe de jagunos Neco,
que espantara Teodoro Sampaio, quatro centenas de homens
para as suas tropelias, e a Antnio Conselheiro milhares de seguidores, aparentemente pacficos, devotos, repetindo trechos
deturpados da Bblia, mas armando-se de cacetes, facas, faces, espingardas, que no seriam apenas para caar passarinhos.
Canudos no era um fenmeno isolado. Numerosos ncleos de levantes de oprimidos do campo surgiram esparsos
pelos sertes. Eram, na sua maioria, revoltas primrias contra
a brutal explorao, as quais se traduziam em formas as mais
diversas, algumas vezes com carter externo religioso, mas
que iam at a luta armada. O isolamento dos diversos ncleos
insurgentes e, em conseqncia, sua fragilidade e vulnerabilidade, determinavam quase sempre sua disperso e a formao
os cangaceiros
de grupos volantes pelos sertes afora
com sua degenerescncia, muitos condio de simples capangas a servio dos prprios latifundirios.
Numa mensagem do governador do Estado da Bahia ao
Governo central, no ano de 1897. encontramos autorizado testemunho da agitao generalizada no campo.
"Foi desde logo patente diz o governador, referindo-se
ao incio Ha luta armada, em Canudos minha inteno de
no tolerar na permanncia e incremento de to perniciosos elementos, chamando-os obedincia s leis e s autoridades
constitudas; fui porm desviado deste propsito para acudir
regio da comarca de Lavras Diamantinas, cuja sede, a importante cidade de Lenis, poucos dias antes de minha posse,
um grupo de desordeiros e malfeitores tomaria de surpresa
[...], enquanto outro, de igual jaez, fazia o mesmo na flo-
um, mas vrios curandeiros, sabendo-se do estado sanitrio razovel que sempre existiu em Canudos mesmo sob o cerco
completo do inimigo e canhoneios dirios.
Diante de to minuciosa distribuio de responsabilidade,
evidente que devia existir um comando militar centralizado.
Do contrrio, no seria possvel uma to perfeita coordenao
e disposio de foras nos pontos decisivos e nos momentos
decisivos da luta.
A quem estaria confiado esse comando-em-chefe das operaes?
Em Canudos, os recm-chegados eram recebidos por Joo Abade, conhecido pela denominao de "comandante de
rua". Joo Abade exercia "absoluto domnio, que estendia pela
redondeza, num raio de cinco lguas em volta, percorrida continuamente pelas rondas velozes dos piquetes. Obedeciam-no
incondicionalmente"18. Ningum entrava em Canudos sem conhecimento de Abade, mesmo nos perodos de calma que medeavam entre uma e outra expedio governista. O tenente
Macedo Soares confirma Euclides da Cunha quando escreve
que Joo Abade era "o general das coortes fanticas" .
Mas a chefia das operaes militares em campo, tudo indica, estava a cargo durante o perodo decisivo da luta, desse
belo tipo de guerrilheiro que Paje.
A figura de Paje se destaca desde os primeiros choques
armados. ele o homem que empreende a perseguio audaciosa derrotada 2.a expedio do major Febrnio de Brito.
Batida s portas de Canudos, junto serra do Cambaio mas
sem conseguir atingir a cidadela sertaneja, a tropa de Febrnio, num total de 550 homens bem armados e municionados,
se v flanqueada pelos guerrilheiros de Paje. Investem contra
ela no s com o objetivo de eliminar soldados, mas tambm
arrebatar-lhe armas e munies, como de fato aconteceu. Em
Bendeng de Baixo, seis lguas de Canudos, Paje ordena a
contra os canhes. O derrotado major seria
investida final
obrigado mais tarde a dar seu testemunho de bravura e coragem desses homens, dizendo: "Nunca vimos, eu e meus camaradas, tanta ferocidade! Vinham morrer como panteras, dilacerando entranhas, agarrados s bocas das peas... Todos eles
traziam armas de fogo, bons e afiados faces, cacetes pendentes dos pulsos" .
Quando mais tarde as tropas governistas da poderosa 3.a
expedio marchavam sobre Canudos, conta-se que Paje se
comprometeu junto a seus companheiros a eliminar o to afamado general-comandante Moreira Csar. Conta-se tambm
que foi ele quem feriu de morte o chefe expedicionrio.
Ao se aproximarem de Canudos as tropas da 4.a expedio, em junho de 1897, mais uma vez Paje aparece em posio que confirma sua qualidade de comandante-de-campo.
Euclides da Cunha focaliza-o na fazenda Rosrio, ao sul de
Canudos, chefiando um grupo de guerrilheiros que tm como
objetivo claro atrair a fora governista para um local onde a
luta seria mais favorvel aos camponeses. E assim descreve o
ardil do valente guerrilheiro:
"O inimigo [os conselheiristas] aparece outra vez. Mas
clere, fugitivo. Algum piquete que bombeava a tropa. Dirigia-o Paje. O guerrilheiro famoso visava, primeira vista,
um reconhecimento. Mas, de fato, como o denunciaram sucessos, trazia objetivo mais inteligente: renovam o delrio das
descargas e um marche-marche doudo, que tanto haviam prejudicado a expedio anterior. Aferrou a tropa num tiroteio r-
bravo guerrilheiro. Em 24 de julho Paje empreende um assalto audaciosamente arquitetado contra o ponto mais frgil da
linha adversria que se fechava sotre Canudos e ameaava estrangular num crculo de fogo a resistncia camponesa. Depois
de um cerrado canhoneio da artilharia governista, iniciava-se
outra ao militar, mas esta de iniciativa dos camponeses. A
linha das tropas expedicionrias era atacada de surpresa por
numeroso contingente de combatentes de Canudos, ao mesmo
tempo pelo flanco e pela retaguarda. O objetivo era colocar a
tropa entre dois fogos. No flanco direito foram assaltados mais
uma vez os canhes, contra os quais os habitantes de Canudos
votavam dio de morte.
O golpe dirigido por Paje era de tal magnitude que os
trs generais mandaram formar toda a tropa e se empenharam
a fundo na defesa de suas posies. A situao, em determinado momento, tornou-se realmente perigosa para a 4.
expedio, que s a custo conseguiu conter a investida fulminante do adversrio.
Este ato de audcia de fins de julho custaria a vida do
grande chefe campons.
diante da figura de Paje na luta ativa que se reduz s
suas verdadeiras propores aquele que fora inicialmente o
Antnio Conselheiro. Percechefe supremo dos insurretos
be-se que ele realmente congregou os camponeses pobres, em
certo momento deu expresso ao seu descontentamento e sua
revolta. Mas, durante a luta armada foi completamente suplantado pelos verdadeiros lderes da sublevao de pobres do
campo: aqueles homens rudes que no se contentavam com
promessas de salvao e felicidade do reino dos cus, e combatiam de armas nas mos, com o mximo de firmeza e heroicidade, contra seus piores inimigos, os defensores dos grandes
fazendeiros, os soldados do Governo e do latifndio.
A segunda expedio regular contra Canudos foi enviada
no j pelo Governo do Estado da Bahia, mas pelo Governo
federal, um ms depois de derrotada a primeira, em dezembro
de 1896. Compunha-se de 557 soldados e oficiais, dispondo de
metralhadoras Nordenfeld e dois canhes Krupp. Comandavao o major Febrnio de Brito. Sua sorte foi decidida rapidamente. Apenas conseguiu atravessar a serra do Cambaio, em cujas
encostas os guerrilheiros sertanejos lhe infligiram srias baixas. Logo adiante, no Tabuleirinho, seis quilmetros antes de
Canudos, a expedio foi parcialmente envolvida e s com
grande dificuldade conseguiu retroceder, assim mesmo em desordem, abandonando armas e munies em poder dos camponeses, que a perseguiam nos calcanhares.
Mas a grande e espetacular vitria dos combatentes de
Canudos foi o desbaratamento da 3. expedio, comandada
pelo coronel Moreira Csar. Constituiu-se de 1.300 homens,
uma bateria de artilharia e um esquadro de cavalaria. A tropa
estava fartamente municionada com 16 milhes de tiros. Dispunha de fuzis Mannlicher e Comblain.
Nessa poca, a tentativa de esmagar Canudos ainda era
classificada de "ao de polcia". Mas a verdade que os profundos sertes do Brasil jamais tinham visto semelhante aparato militar para uma simples "ao de polcia".
O homem escolhido para comandar a 3.a expedio carregava fama de heri de vrias lutas armadas, inclusive contra
os "federalistas" do Rio Grande do Sul, por ele implacavelmente esmagados. A imprensa das classes dominantes criara
em torno de seus feitos militares verdadeira legenda.
Tudo isto se esboroou da noite para o dia. O coronel Moreira Csar embarcou no Rio em 3 de fevereiro de 1897, rumo
Cidade do Salvador, e seguiu imediatamente para Canudos.
Precisamente um ms depois, em 3 de maro, tombava morto
pelos guerrilheiros junto cidadela sertaneja. Seu substituto
imediato no comando da tropa, o coronel Tamarindo, teve a
mesma sorte algumas horas mais tarde, bem como o comandante da artilharia, capito Salomo da Rocha, cujos canhes
foram arrebatados pelos camponeses e ele prprio retalhado a
golpes de foice.
A 3.a expedio contra Canudos seguia assim o destino
das duas anteriores e da fora de polcia que as precedera. Os
soldados do coronel Moreira Csar recuavam espavoridos depois da morte de seus principais comandantes. E os camponeses ainda os perseguiam, tomando-lhes armas e munies,
recolhendo os abundantes despojos abandonados na fuga pelos
ridos caminhos do serto.
E se vingaram terrivelmente dos assaltantes. Decapitaram
oficiais e soldados mortos, queimaram-lhes os corpos, alinharam em seguida, margem da estrada, as cabeas sangrentas.
Era a resposta s atrocidades inominveis contra eles praticadas.
Era um aviso ao adversrio para que no voltasse.
Era a convico de que defendiam o que lhes pertencia, e
que deviam faz-lo a todo custo.
O aniquilamento completo de fora militar to numerosa
para a poca e para as circunstncias, a perda de todas as armas e munies, agora em poder dos sublevados, criou uma situao de pnico entre as classes dominantes do Brasil inteiro.
O ministro da Guerra comunicava solene Nao:
"As nossas armas esto cobertas de crepe".
E O Pas, o principal rgo de imprensa do Rio de ento,
passava a noticiar diariamente os acontecimentos sangrentos
dos sertes da Bahia sob um ttulo geral bastante expressivo
"A Catstrofe".
O herosmo individual de um Paje era a expresso do herosmo coletivo dos combatentes de Canudos. Herosmo que os
levava a enfrentar impvidas foras muitos superiores, magnificamente armadas, e inclusive duas dezenas de canhes, que jamais tinham sido vistos em to profundos sertes do Brasil.
Os generais do governo estavam certos, ao iniciar-se a luta, de que o simples ribombar da artilharia determinaria a fuga
em massa dos insurgentes. Deu-se justamente o contrrio. Diante da impossibilidade de enfrentar com vantagem os canhes, como podiam enfrentar a infantaria, arrebatando armas
aos soldados, os canudenses, desde o incio da luta, insistiram
em destruir as peas. No podendo faz-lo com armas, procuravam consegui-lo em choques corpo-a-corpo.
A segunda expedio contra Canudos j levava dois canhes alemes
Krupp 7,5. Na travessia da serra do Cambaio, os guerrilheiros fizeram a primeira tentativa de acometida contra a artilharia. Seus atacantes foram fulminados. Outro arremesso ocorreu quando a tropa do governo se aproximava da cidadela sertaneja. Utilizamos mais uma vez a viva
descrio de Euclides da Cunha.
"Tomara-lhe a frente um mameluco possante
rosto de
bronze afeado pela patina das sardas de envergadura de
gladiador sobressaindo no tumulto. Este campeador terrvel ficou desconhecido histria. Perdeu-se-lhe o nome. Mas no a
imprecao altiva que arrojou sobre a vozeria e sobre os es-
Havia entre os insurgentes a resoluo inabalvel de resistirem at o ltimo homem. "E todos entre eles que podiam
empunhar uma arma combatiam. At os meninos auxiliavamnos ... " . "Tambm mulheres e meninos, vendo seus companheiros ou pais caindo, tomavam das armas e cegamente investiam sobre os pelotes. As mulheres uivavam de clera, animando os maridos e irmos, limpando as armas e preparando-lhes a parca refeio" .
A vida dura de antes e as barbaridades contra eles perpetradas, agora tinham forjado, em homens, mulheres e crianas, uma tmpera de ao.
Entre a derrota da 3.a e a chegada da 4.a expedio a
Canudos decorreram quase quatro meses. Esse espao de
tempo no foi perdido pelos sublevados. Foram meses de intensos preparativos para a resistncia nova investida das
tropas do governo, sobre a qual no alimentavam nenhuma
dvida.
Dotados de novas e timas armas arrebatadas 3.a expedio, fartamente municionados, os sertanejos se aprestavam
para enfrentar o que previam deveria ser um assalto ainda
mais furioso a seu reduto. Era de esperar que assim acontecesse. Primeiro, haviam derrotado uma fora policial de 30
homens. Em seguida, sucessivamente, foras regulares de
uma centena, 550, 1 500 homens. Depois de simples carabinas, haviam conhecido o fogo de fuzis modernos, metralhadoras, canhes. Tinham destroados tropas comandadas a
princpio por um tenente, depois por um major, a seguir por
um coronel afamado.
Era de esperar que tivessem de enfrentar agora generais.
Realizavam, por isso, exerccios dirios de tiro, a fim de
que todos os homens vlidos pudessem manejar com percia as
novas armas: as Mannlicher e as Comblain, arrebatadas ao adversrio.
Essa preparao intensa se justificava tambm por indcios cada vez mais evidentes de que uma nova fase da luta se
aproximava. Depois da fuga da 3.8 expedio destroada, exploradores argutos dos sertanejos tinham sido enviados a todos
os pontos da periferia de Canudos onde pudessem obter informaes sobre o movimento das tropas inimigas.
Paje foi destacado para Monte Santo, embora j no devesse permanecer por ser muito conhecido. Em Monte Santo
deixou ele um homem de sua confiana, Tiago, que se transformaria em vendedor ambulante e, como tal, conseguiria introduzir-se no acampamento das tropas expedicionrias, e enviar a Canudos informaes preciosas sobre seus efetivos, armamentos, movimentao. Macambira seguiu para Jeremoabo.
Nicolau Mangaba, para a serra do Cambaio. Andr Jibia para
Patumat.
Estavam, assim, vigiados por guerrilheiros experimentados todos os acessos de Canudos.
De Monte Santo, Paje regressava com a notcia de que o
governo organizava uma nova e mais numerosa fora expedicionria, comandada por um general que diziam temvel.
Estava realmente sendo mobilizada em todo o Pas a 4.a expedio contra Canudos. Bahia chegavam tropas de
quase todos os Estados do Brasil, de um extremo a outro, tanto
unidades do Exrcito como da polcia, infantaria, cavalaria, artilharia. Navios de guerra fundearam em Salvador.
Era o Pas em armas!
As primeiras unidades que formaram a 4.a expedio tota-
muito tempo, observaram o trnsito das tropas atravs da carcaa de uma vaca, na qual se ocultava um combatente. Julgando tratar-se realmente de uma rs no pasto, os soldados passavam despercebidos, enquanto seguiam informaes para o
grupo de guerrilha mais prximo ou para Canudos, empreendendo-se ento emboscadas contra a fora governista. "As
conseqncias dessa espionagem foram nefastas s tropas em
marcha, que eram assaltadas de chofre em diversos pontos pelo mesmo magote de conselheiristas" .
A imaginao do habitante do campo frtil. As ciladas
contra o agressor deviam renovar-se sempre durante a campanha. Eram a grande arma dos guerrilheiros. Procuravam utilizar todos os meios para retirar ao inimigo sua principal superioridade
a potncia de fogo. No bastava impedir que chegassem os comboios de munies, ou causar-lhes danos.
noite, meia dzia de canudenses se aproximavam das linhas inimigas disparando suas armas. Era o suficiente para todo o
acampamento desmandar-se em tiros contra as trevas, contra o
vcuo...
Dentro em pouco as munies da fora governista escasseavam de maneira alarmante. E os vveres, j racionados durante os ltimos dias da marcha sobre Canudos, chegaram a
faltar quase completamente. Somente os feridos (em nmero
superior a 1 200 nos primeiros dias de contato da 4.a expedio com os homens de Canudos) conseguiram alguma alimentao. Soldados famintos buscavam ento romper o cerco
estabelecido sobre a tropa governista para procurar alimentos.
O comandante-chefe proibia estas fugas. Mas havia um imperativo superior
a fome.
Os soldados passaram a abater vacas e cabras dos camponeses de Canudos, procuravam razes e espigas de milho nas
roas circunvizinhas.
Imediatamente os locais onde podiam ser encontrados alimentos se transformaram em matadouros de soldados. Os
camponeses tratavam de aproveitar o estado de fome em que
se encontravam os adversrios para atra-los a emboscadas
mortais. Reuniam num lugar adequado algumas reses, que os
soldados famintos procuravam tanger para o acampamento. E
quando os soldados campeavam os animais para o Alto da Favela, pagavam quase sempre com a vida a tentativa de escapar
fome inexorvel.
O mesmo passou a ocorrer com a falta de gua determinada pelo cerco. O terreno rido no oferecia facilidade para
escavaes profundas. Era necessrio procurar as margens do
Vasa-Barris, onde havia fontes conhecidas. Em suas proximidades os sertanejos passaram a armar tocaias. E as guas barrentas dentro em pouco estavam poludas de cadveres.
Por tais exemplos se v que outra lei de guerra dos habitantes de Canudos era esta no poupar meios para exterminar o inimigo.
E assim conseguiram prolongar a luta at o limite extremo da desistncia, at a morte do ltimo defensor de Canudos.
Ainda na investida final sobre Canudos, quando cargas e cargas de dinamite eram arrojadas sobre as choupanas de palha e
barro, quando o fogo lavrava devorando as ltimas choas dos
camponeses, estes ainda se empenhavam na luta herica, de
casa em casa. Os casebres restantes haviam sido transformados em trincheiras. O cho tinha sido escavado para melhor
abrigar seus defensores. Estes se comunicavam uns com os outros por meio de passagens subterrneas, de forma que a cap-
de putrefao.
Canudos era um exemplo perigoso de que no deveria ficar memria. Exterminados seus habitantes, at o ltimo, deveria ser reduzido a cinzas. Os derradeiros dias de permanncia das tropas no longnquo serto baiano foram dedicados
destruio implacvel de casa por casa, desde os alicerces das
duas igrejas, j transformadas em escombros pelo canhoneio
incessante de meses a fio, at o hospital de sangue dos camponeses. Tudo o que havia resistido ao canhoneio seria arrasado
com dinamite e devorado pelo fogo ateado aos casebres devidamente regados de querosene. A ordem terminante do comando das tropas do Governo foi esta: "no deixar nem um
pau" que indicasse ter havido ali uma concentrao de camponeses em revolta contra a opresso e a misria. Nada que lembrasse uma insurreio de pobres do campo. O castigo deveria
ser exemplar para que no se reeditasse rebelio semelhante
contra os grandes fazendeiros, ameaando o monoplio da terra e a ordem constituda sobre ele.
As classes dominantes ficariam insensveis aos protestos
que se levantariam. Durante a luta, os alunos da Escola Militar
do Rio recusavam-se a entregar as munies requisitadas pelo
Ministrio da Guerra para a 4. expedio contra Canudos.
Dois navios de guerra e numerosa tropa so mandados contra
os jovens sublevados. A mocidade da Faculdade de Direito da
Bahia lanaria um Manifesto contra as comemoraes oficiais
da vitria, contra o "cruel massacre", exigindo que "uma geral
reprovao caia como um raio sobre aquele morticnio". No
Senado, Rui Barbosa pronunciava palavras de fogo, condenando o Governo pelos atos de vandalismo em Canudos. E
Euclides da Cunha faria ouvir sua voz potente perante a histria, enaltecendo o herosmo dos sertanejos, verberando o crime
hediondo contra Canudos.
Tais so os fatos, geralmente dissimulados por interesse
de classe, mostrando que Canudos foi, sob a capa de misticismo religioso em torno do Conselheiro, fundamentalmente
uma luta aguerrida contra o latifndio,
uma luta de classes
contra a misria e a explorao terrveis que o monoplio da
terra engendra e mantm secularmente no Brasil.
As condies especficas da regio agreste onde se desenrolaram estes acontecimentos, sobretudo sua localizao numa
zona das mais pobres da Bahia e nas vizinhanas de outros
cinco Estados que concentram a populao mais pobre do Brasil Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Cear e Piau
possibilitaram o desenvolvimento de uma das lutas mais hericas
do campesinato brasileiro, na qual a bravura, a inteligncia e a
vivacidade do sertanejo brotam a cada lance da resistncia indomvel diante de foras militares organizadas, poderosamente armadas e numericamente muitas vezes superiores.
Cinco ou seis mil famlias, deslocadas da terra por fatores
diversos, mas fundamentalmente pela opresso dos grandes
fazendeiros semifeudais, procuravam viver, e para isso lutavam de armas nas mos. Lutavam contra uma ordem de coisas injusta, brutalmente opressiva, que esmagava qualquer anseio de vida, para no falar em liberdade. E nas condies da
poca, isoladas, sem rumos definidos, dentro de sua compreenso rudimentar, quebravam a seu modo a servido da
gleba, emigravam e, concentradas numa posio privilegiada,
longe dos principais centros de represso governamental, ocupavam terras, invadiam fazendas, arrebatavam cidades.
Havia simultaneamente um surto de misticismo religioso
III PARTE
Antecedentes
O povo insurgia-se algumas
vezes e era terrvel em sua clera.
JOO BRGIDO
Naturalmente, a vida econmica do Cariri girava em torno da terra e da criao de gado. "O solo era vasto e frtil", acrescenta Brgido. Mas, j em meados do sculo XVIII, "no
havia mais um pedao de terra devoluta naquelas paragens". E
se lembrarmos que at um patrimnio de terras destinado ao
Senado da Cmara da Vila do Crato havia sido dado em "arrendamentos perptuos", no podemos ter dvida quanto
fome de terra de uma populao que crescia acima da mdia
regional.
Os dados estatsticos so praticamente inexistentes para
aquelas pocas, mas a concluso lgica, conhecendo-se a poltica de doao de sesmarias seguida pela metrpole
reas
de trs lguas e mais
alm de alguns fatos particulares,
que dominava absoluto o latifndio. Assim, refere Brgido que
"nos comeos do sculo XVIII (1719) j havia fazendeiros,
nas imediaes de Ic, que possuam 4 000 reses" , o que
pressupe enorme propriedade, uma vez que semelhante rebanho vivia em pastos naturais e aguadas prprias.
O latifndio se manteve intato atravs da Monarquia c
no se modificou com o advento da Repblica, que no tocou
num fio de cabelo da grande propriedade territorial. Assim,
"constituram as comunas caririenses, nos primeiros anos da
Repblica, verdadeiros feudos dos chefes polticos, uns autnticos senhores de barao e cutelo. Nos municpios criavam-se:
guardas locais, que os policiavam, compostas de cabras bons,
na gria da poca, prontos para cumprir as ordens dos chefes.
estritamente" .
Essas guardas locais, autorizadas pela prpria cmara
municipal, onde dominavam soberanos os grandes proprietrios rurais e criadores de gado, so uma expresso do poderia
destes. Eram a reproduo oficializada de suas guardas particulares, formadas pelos capangas. Serviam tanto para reprimir
revoltas populares como para disputas entre os mesmos latifundirios.
Nos comeos do sculo XX, coincidindo precisamente
com a concentrao de sertanejos pobres em torno do Padre
Ccero, assiste-se a uma verdadeira guerra civil localizada,
que se propaga a todo o Cariri. "De 1901 a 1909, foram depostos, a bala, no sul do Cear, os coronis [. . .] chefes polticos [. . . ] de Misso Velha, Crato, Barbalha, Lavras, Campos Sales, Aurora e Araripe" . Juntem-se a isto os conflitos
permanentes por demarcao de terras, a tenebrosa explorao do trabalhador no eito, as incurses de grupos de cangaceiros contra propriedades, vilas e mesmo cidades, e teremos as linhas gerais de um panorama do Cariri entre a ltima
dcada do sculo XIX e as trs primeiras dcadas do sculo
XX.
Agravando a situao social, em cujos plos encontramos
o latifundirio e o semi-servo, as secas peridicas precipitam
novas crises, agravando a crise crnica provocada pela decadncia do regime latifundirio semifeudal. O Cariri ento o
refgio de levas e levas de miserveis sem terra e sem trabalho, que ali encontravam pelo menos gua, multiplicando-se
os bandos de cangaceiros ou os redutos de fanticos.
Esses fenmenos, provocados pela doena de uma estrutura econmica decadente, so agravados, a partir dos meados
do sculo XIX pelos motins populares que eclodiram no litoral
do Nordeste e que exerceram, sem nenhuma dvida, poderosa
influncia sobre as populaes empobrecidas do interior.
Grande parte da primeira metade do sculo XIX fora sacudida
por movimentos de carter revolucionrio, autenticamente populares, cuja irradiao, naturalmente, se estendeu aos sertes.
Sabe-se, por exemplo, que ao serem dispersos os balaios, grupos numerosos desses rebeldes, entre os quais se encontravam
escravos, em grande proporo, procuravam os Estados vizinhos, atravessando o Piau e atingindo o Cear. O Governo de
Fortaleza chegou a mandar foras para combat-los. Num desses recontros de fronteiras, os balaios perderiam mais de 200
homens, em maio de 1840, o que indica serem avultados ainda
os seus contingentes. Registra Brgido, em suas Datas Histricas do Cear: "As injustias e perseguies extremas faziam a
gente do campo armar-se e tomar parte na rebelio, muitos eram esmagados sob o especioso de tomarem parte nessa guerra
social" .
Havia portanto perseguies gratuitas, que atingiam as
populaes sertanejas, j ao tempo dos balaios.
Mais tarde, quando da Revoluo Praieira, em Pernambuco (1848), novamente os insurgentes, para se livrar das torturas ou morte certa, fugiam para o interior, buscando asilo
nos sertes dificilmente devassveis.
Fruto dessa influncia rebelde do litoral, onde as populaes tinham mais clara conscincia da opresso e de seus
direitos, inclusive do direito de lutar contra ela, foi a rebelio
dos quebra-quilos, em 1874, que irrompe no municpio de
Campina Grande, na Paraba, espalhando-se vasta rea do
Nordeste. "Novos impostos haviam excitado os elementos
pobres. Estes, que lavravam a terra alheia, deixando metade
do produto aos senhores. Os que compravam e vendiam de
uma feira para outra, caando lucros de vintm por unidade.
Os que negociavam em pequenos postos e bodegas de estrada", diz um historiador paraibano. "A rebelio explodiu
acrescenta com a execuo do sistema mtrico institudo
pela Lei 1157 de 1872, mas s mandado executar naquele
ano. Novidade em que o povo lobrigou intuito de maior tosquia. [...] Nasce do mal-estar das nossas populaes do interior, prende-se crise por que est passando a nossa agricultura" .
O movimento desses pobres do campo
incontestavelmente levantados contra a explorao desenfreada que aumentava com os novos impostos propagou-se aos Estados vizinhos de Pernambuco e Alagoas, e, temendo-o, o Governo do
Cear envia destacamentos de tropas para a fronteira.
Os quebra-quilos distribuam-se em grupos de 100 a 200
homens armados e chegaram a ocupar at cidades, pois era nas
feiras urbanas onde quebravam os pesos e medidas institudos
pelo novo sistema e onde recrutavam de preferncia os seus
adeptos.
A rebelio atingiu tais propores que foi o prprio Governo central que teve de enviar tropas para esmag-la. E as
foras repressivas prenderam, torturaram, assassinaram muitos, indiscriminadamente, tanto participantes do movimento
como simpatizantes seus, simples suspeitos e at inocentes.
Jos Amrico de Almeida cita palavras de protesto de um deputado paraibano, em 1879, relembrando as atrocidades contra
os quebra-quilos. Narrava o parlamentar Joo Florentino:
"Quando chegou esta fora [federal] provncia estava quase
extinto o movimento popular, no obstante, os soldados foram
espalhados por diversas localidades com carta para perseguir a
populao inofensiva! Horrores foram praticados, o asilo do
cidado era violado em qualquer hora, a honra da esposa, da
o de Joo Calangro. Compunha-se de trinta homens, acompanhados por trs chefes e irmos, o mais velho dos quais
chamava-se Quirino" .
Acrescenta Tefilo que "Joo Calangro fazia guerra de
extermnio aos grupos que se formavam sem seu consentimento... O seu grupo era perfeitamente disciplinado, montado,
bem armado e uniformizado" .
Era naturalssimo que assim acontecesse. Em fins de
1879, a populao indigente, no Cear, ultrapassava a casa dos
300 000 homens, mulheres e crianas. Outras 300 mil pessoas
haviam morrido ou emigrado .
Mas enquanto o obiturio cresce em Fortaleza e em outras zonas do Cear, assim como em outras provncias sacrificadas pela seca, como a Paraba e o Rio Grande do Norte,
enquanto a emigrao aumenta com destino Amaznia, os
que se recusam a emigrar e tentam salvar a vida correm para o
Cariri. Ao vale mido afluam levas e levas de infelizes que
procuravam a todo custo sobreviver fome e que no queriam
aventurar-se aos seringais do Norte.
E as calamidades no cessaram depois do flagelo de
1877-1879. Parcial embora, a seca de 1888 provoca xodo
numeroso, que se agrava com a do ano seguinte. Dez anos depois, repete-se o fenmeno, em 1898, e a um ano de chuvas
normais, segue-se outro de seca: 1900.
As conseqncias so as mesmas de sempre: xodo em
massa, mortantade em larga escala, dizimam-se os rebanhos.
Esta srie de calamidades climticas, que influram poderosamente sobre a economia do Nordeste, baseada na pecuria
e na agricultura, destroando-a em grande parte, teve um papel
de maior importncia para a proliferao dos bandos de cangaceiros, como para o surgimento dos fanticos e dos "milagres" do Padre Ccero.
sintomtico que o principal milagre atribudo ao sacerdote
de Juazeiro, a transformao da hstia em sangue na boca de uma
"beata", Maria de Arajo, tenha ocorrido num desses anos de
desgraas generalizadas entre o povo pobre. Como que havia o
empenho de reduzir a clera dos desesperados acenando-lhes
com sucessos extraterrenos que os viriam salvar a todos. Havia a
experincia dos anos de 1877 a 1879, quando se assistira a um
impetuoso desencadeamento do cangaceirismo em toda a zona rida, com a depredao de propriedades, o assassnio de fazendeiros, o assalto a cidades e vilas sertanejas. O milagre do Padre Ccero, atraindo levas de retirantes para a sua parquia, fomentando
a caridade dos que ainda tinham alguns bens e no queriam perd-los de todo, restringia o campo de ao dos cangaceiros. Era
como se lhes dissessem: "No desesperem. Do cu vir o socorro".
O atraso intelectual extremo em que viviam as populaes sertanejas, decorrente da estagnao econmica e cultural
em geral, oferecia campo favorvel ao misticismo, ao mais
grosseiro fanatismo religioso. No possvel negar o fato de
que as crenas de carter primitivo, as nicas compatveis com
o meio social e grau de cultura em que proliferou o fanatismo
em nossos sertes, guiam esses movimentos de massas dos
pobres do campo. E os impulsiona mesmo, de maneira incontestvel. Mas tem havido uma evidente superestimao de sua
influncia, como se fosse o fanatismo a origem e o fim de tudo, esquecendo-se os fatores materiais que geraram o prprio
fanatismo.
No caso do Padre Ccero, surge ele como um contrapeso
para a crise de autoridade que sucedera derrubada da mo-
narquia e Abolio da Escravatura. Esta ltima, sem representar qualquer mudana fundamental na economia do Nordeste, onde a escravaria era pouca, significava que os senhores
de escravos, isto , os latifundirios, j no tinham direito de
vida e morte sobre os que os serviam. A extino do regime
escravista em todo o Pas rompera um dos mais fortes laos
que uniam as classes dominantes de um extremo a outro do
territrio nacional, enfraquecendo-as, portanto. Havia assim
um debilitamento do Poder local, embora subsistissem,-como
potncia econmica nica nos sertes, os grandes latifundirios .
Deve datar dessa poca, a partir da Abolio, uma vulnerabilidade mais acentuada da autoridade do senhor de terras, o
que, naturalmente, no significava, longe disso, que outro poder local ombreasse com ele. Ao contrrio, os latifundirios
ainda manteriam por muito tempo sua supremacia econmica
e poltica.
Momentaneamente, houve como que um afrouxamento
da velha submisso dos sem-terra aos latifundirios. Aqueles,
desde a grande seca de 1877-1879, emigravam em escala crescente para a Amaznia. Isto significava que o grande proprietrio territorial nordestino comeava a ver desfalcadas suas
disponibilidades de mo-de-obra semi-servil, com que sempre
contara, de velhos tempos. Mais para o fim do sculo inicia-se
a emigrao para o Sul.
Em resumo, os despossudos do campo j podiam livrarse da opresso dos senhores locais, embora fossem cair em situao sob certos aspectos idntica, nos seringais da Amaznia.
Mas, como vimos, havia outra alternativa submisso ao
grande proprietrio territorial: engajar-se no cangao. Os grupos de cangaceiros formavam-se entre as vtimas do latifndio
semifeudal, entre os mais insubmissos explorao brutal a
que eram submetidos os que pertenciam s camadas pobres da
populao.
Temos, assim, uma srie de fatores conjugados no surgimento de fenmenos como Juazeiro. O bsico, naturalmente,
o regime de propriedade da terra, numa economia quase totalmente agropecuria. o regime latifundirio com suas relaes de produo pr-capitalistas. Mas ele s no basta para
explicar o aparecimento em massa dos bandos de cangaceiros
ou dos redutos de fanticos. Se assim fosse, num determinado
perodo de nossa histria, tais bandos e tais redutos ter-se-iam
espalhado pelo Brasil inteiro. A enfermidade se encontrava,
decerto, disseminada pelo organismo todo do imenso Pas.
Mas seus pontos de manifestaes constituem aquelas zonas
onde se renem ou coincidem outros fatores coadjuvantes,
como o isolamento da regio dada em relao s cidades, o atraso cultural maior, maior influncia do clero na exacerbao
das tendncias msticas, fato j observado por Euclides da Cunha quando condenava os padres missionrios como um "agente prejudicialssimo" ao contato com as massas ingnuas
dos sertes. Porque "alucina o sertanejo crdulo; alucina-o,
deprime-o, perverte-o" .
No caso do Padre Ccero, no podemos esquecer algumas
causas "positivas" na sua formidvel projeo em todo o Nordeste. Seu apostolado se inicia de maneira diversa dos demais
sacerdotes catlicos: no cobra em dinheiro os servios religiosos. o ponto de partida da sua popularidade, ao lado,
claro, de certas manifestaes msticas coincidentes com as
das camadas mais atrasadas da populao sertaneja local. A cidade de Crato era o centro do vale, mas quem no podia pagar
casamento, batizado, missas votivas dirigia-se a Juazeiro, que
apenas surgia, em busca do jovem padre que no recebia dinheiro por coisas sagradas... Depois, na medida em que cresceu o ajuntamento em torno da capela do "santo", aquela populao miservel e enferma, que no conhecia mdico nem
jamais havia procurado uma farmcia, encontrava nos conselhos do Padre Ccero os ensinamentos para curas que realmente se efetivavam. Muitas vezes, simples conselhos higinicos
elementares que a populao pobre desconhecia totalmente. E
vieram as lendas dos "milagres"...
Aspiraes a mudanas? Sim, no fundo estavam latentes
estas aspiraes. Eram elas que motivavam basicamente tudo
aquilo. Pode-se perguntar ento: por que no havia um levante
direto por elas?
Seria exigir-se muito de populaes mergulhadas secularmente num to grande atraso, num isolamento no menor, numa situao de misria tal que no tinham sequer a conscincia dos direitos mais elementares ao ser humano. Sabe-se
que toda manifestao coletiva traz consigo uma justificativa
terica, por mais primria que seja, baseada numa ideologia,
uma forma qualquer de conscincia do mundo e de expresso
de interesses materiais. A nica "ideologia" possvel entre aquelas camadas da populao sertaneja era a religio. Uma religio que elas adaptaram s suas prprias concepes da vida
as
e das coisas, s suas necessidades materiais imediatas
manifestaes de fanatismo.
O Padre Ccero em parte adaptou-se tambm a esta exigncia das massas pobres do campo que o cercavam e que, depois, passaram a endeus-lo. Eles as moldava, mas lhes sofria
a influncia. Elas o seguiram mais firmemente, dispostas a tudo, quando ele revelou uma qualidade que elas exigiam: a
insubmisso. Insubmisso religiosa, desobedincia s ordens
da cpula da Igreja Catlica, mas insubmisso pblica e que
correspondia ao esprito insubmisso daquela pobreza desvalida. Esta uma das principais qualidades do sacerdote para que
ele mantenha o seu prestgio, a sua popularidade, o seu conceito de "santo" entre os que estavam dispostos a segui-lo em
qualquer emergncia. Assim, o movimento religioso, "fantico", era o mais elementar e a mais admissvel das formas de
luta pelas aspiraes elementares, as vezes inconscientes, e
que s iriam tornar-se conscincia no processo mesmo das lutas.
O Padre Ccero
e Seus "Milagres"
O povo havia de rebelar-se, e,
ento, viria a alegao: " o banditismo!" Iriam as foras e acabava-se com
a populao. Sabemos o que foi Canudos, o que foi Contestado...
FLORO BARTOLOMEU
para Juazeiro com a famlia. "Mas apenas trs dias eram pasmados, comunicou discretamente esposa: 'Vamos embora. Aqui no h nada do outro mundo. Padre Ccero est enganado" . Padre Gomes defende a tese de que o prprio Padre
Ccero teria sido vtima de um embuste. O sangue da hstia
no passaria de um processo qumico, arquitetado revelia do
sacerdote.
No dera, naturalmente, nenhum resultado favorvel Igreja Catlica local a viagem do Padre Ccero a Roma. Diziam
ter sido ele recebido pelo Papa, ao tempo Leo XIII. Mas, se
tal encontro houve, deve ter sido puramente formal. Compareceu o sacerdote acusado de heresia perante o Sacro Colgio, e
este confirmou a penalidade imposta pelas autoridades eclesisticas do Cear: manteve a suspenso das ordens sacerdotais.
Ccero Romo Batista regressou a seu Estado de origem
no mesmo ano de 1898, voltando a Juazeiro, contra a vontade
expressa de seus superiores hierrquicos. Estes, evidentemente, haviam praticado um grave erro ttico, ao permitirem sua
ida a Roma. Sua situao perante a Igreja no se alterava. Mas
o que repercutia entre a gente simples que o cercava e venerava, era o fato de ter ido Santa S, falado pessoalmente com o
Papa, e voltar carregado de imagens sagradas benzidas pelo
Sumo Pontfice e um projeto de construo, numa eminncia
junto a Juazeiro, de um templo catlico imitando a igreja do
Horto, em Jerusalm. O mais era secundrio... O sacerdote regressava a Juazeiro num ano propcio a que em torno dele se
adensasse a aglomerao de crentes: 1898, um ano de seca. Se
a grande maioria dos trabalhadores agrcolas do Nordeste era
temporria nas pocas normais, ocupando-se apenas durante o
plantio e a colheita, registrando-se assim um perene nomadismo regional, a situao se agravava num ano de falta de chuvas ou em que elas eram escassas. Morriam as sementeiras, estiolavam-se as plantaes, dizimavam-se os rebanhos. O fenmeno climtico, aumentando a misria, estimulava os pendores crendice. Juazeiro continuaria a crescer com a afluncia desses infelizes despossudos, que passavam a depositar
suas esperanas em milagres...
3
Sementeiras de Capangas
Cada parte cuidou de aumentar o
seu bando de capangas. . . O monsenhor Afonso Pequeno guiou pessoalmente, at Crato, o numeroso grupo de
homens armados.
JOS DE FIGUEIREDO BRITO
do Padre Ccero sobre essas populaes deslocadas do seu lugar de origem, provvel e quase certo que as pessoas vlidas
que mais facilmente encontravam ocupao fossem as da chamada categoria dos "desordeiros", isto , os capangas profissionais ou aqueles dispostos a tornar-se capangas. Tudo os
favorecia. O clima local era de lutas permanentes entre grandes proprietrios, alguns dos quais eram tambm chefes polticos.
O sculo XX iniciava-se com renhidas lutas entre faces
diversas. Porfiavam em derrubar-se uns aos outros do
comando da politicagem dos respectivos municpios. Nestas
lutas influa decisivamente o prestgio sobre a massa de eleitores, a mais flutuante que se possa imaginar, sem habitao fixa, sem partidos polticos estruturados, seguindo este ou aquele mando local mais poderoso, transferindo-se de um a outro
municpio, s vezes de um a outro Estado vizinho. J vimos,
pelo depoimento de Irineu Pinheiro, que, de 1901 a 1909, foram depostos mo armada, sucessivamente, os chefetes polticos de sete dos principais municpios do Cariri.
A mais sria dessas lutas foi travada entre dois coronis
do Crato: Jos Belm de Figueiredo e Antnio Lus Alves Pequeno. Vinha o conflito de vrios anos antes e ia decidir-se pelas armas em 1904.
Como a cidade mais adiantada, do ponto de vista comercial, de todo o Cariri, o Crato era a encruzilhada onde se encontravam e se digladiavam os interesses opostos dos latifundirios e dos comerciantes. Orgulhava-se de ser a capital do
sul do Cear. E, de fato, nenhuma outra cidade do vale disputava-lhe a primazia nas transaes comerciais. Mas os capitais
comerciais cratenses estavam, naturalmente, estreitamente ligados ao latifndio semifeudal. O prprio coronel Belm de
Figueiredo, chefe poltico do municpio nos primeiros anos do
sculo XX, fora inicialmente comerciante. Mais tarde, deixa o
comrcio para dedicar-se agricultura e pecuria. Os capitais de que dispunha lhe facilitaram as transaes com terras e
gados. S uma de suas fazendas, Serra Verde, tinha de frente
mais de duas lguas. Com semelhantes posses, controlava numeroso contingente eleitoral, contribuindo decisivamente para
a eleio do presidente do Estado, dos candidatos oficiais ao
Parlamento federal e ele prprio a uma das vice-presidncias
do Estado, como ocorreu em 1900. Belm contava com os capangas pagos pelos cofres municipais, os componentes da
chamada guarda local, alm do seus prprios.
Seu principal antagonista era um grande comerciante cratense, de uma famlia de antigos "donos" do lugar. "Ao chegar
narra um cronista
cada parte
o ms de junho [de 1904]
cuidou de aumentar seu bando de capangas, estendendo ao Estado de Pernambuco o aliciamento de cabras valentes e treinados em brigas... De Flores, recebeu o coronel Belm, enviados
pelo coronel Antnio Pereira da Silva, uns cem cangaceiros,
perfazendo com os que j tinha cerca de trezentos homens armados e bem municionados. De Vila Bela, atual Serra Talhada, recebeu o coronel Antnio Lus, por intermdio de seu
primo, monsenhor Afonso Pequeno, vigrio daquela parquia,
e enviados pelo coronel Antnio Pereira de Carvalho (Antnio
Quel) igual nmero de capangas, somando com os que j
mantinha nos seus muros e no stio Lameiro, um contingente
idntico ao do coronel Belm. O monsenhor Afonso Pequeno
guiou pessoalmente, at Crato, o numeroso grupo de homens
armados" .
4
Floro Bartolomeu
e Sua Influncia
Ademais, no serto, raro um
homem de posio ser assassinado,
mesmo de emboscada, nas estradas
desertas; sempre esses fatos ocorrem
entre cabras, cangaceiros ou no,
gente que no faz falta.
FLORO BARTOLOMEU
tido contrrio s aspiraes e aos empenhados esforos dos latifundirios do Cariri. Menos de quatro meses depois de assinado
o pacto dos coronis, era derrubada por movimento popular em
Fortaleza a oligarquia Acili (janeiro de 1912). Constituiu este
acontecimento um duro golpe para os grandes proprietrios rurais do Cariri. Seu desarvoramento foi completo. Mas era de tal
forma slida ainda sua base econmica, que eles no tardaram
em rearticular-se para o revide imediato.
O substituto de Acili no Governo do Estado era um oficial do Exrcito, Franco Rabelo, homem que desfrutava de
ampla popularidade tanto entre a burguesia comercial como
entre a pequena burguesia de Fortaleza e das principais cidades do Estado. Contaria tambm com o apoio declarado e ativo dos porturios de Fortaleza, que foram ao palcio do governo hipotecar solidariedade ao recm-eleito, logo que este se
viu ameaado; dos ferrovirios, que organizaram turmas para
guardar o palcio. Carroceiros, trabalhadores de rua, bem como funcionrios pblicos, comerciados, estudantes, revezavam-se na guarda do palcio, quando mais tarde bandos
de capangas comandados por Floro Bartolomeu chegaram s
portas da Capital.
Derrubada a oligarquia impopular dos Acilis, os latifundirios do Cariri no vacilaram um s instante: enviaram imediatamente um emissrio ao Rio de Janeiro, para entender-se
diretamente com o Governo central.
O emissrio escolhido era Floro Bartolomeu.
No Rio, sua misso seria fcil, embora demorada. A representao parlamentar do Cear no Parlamento federal contava com sua principal base de eleitores no interior do Estado,
particularmente entre os coronis do Cariri. No se tratava de
eleitores de cabresto. As atas eleitorais eram simplesmente
forjadas: eleies a bico de pena, como se chamavam. Era do
interesse dos senadores e deputados reacionrios, como Francisco S e outros, restaurar a antiga situao em sua provncia,
restabelecer os privilgios locais de suas famlias e seus grupos. Do contrrio, eles prprios correriam perigo num futuro
pleito, com o desmonte de sua mquina eleitoral. Empenharam-se, assim, por todos os meios, para substituir Franco
Rabelo no Governo do Estado.
No constitua problema srio encaminhar as coisas com
esse objetivo. Apenas demandava tempo, uma vez que casos
anlogos ocorriam em vrios Estados, onde velhas oligarquias
locais vinham sendo postas abaixo, muitas vezes substitudas
apenas por novas oligarquias. O poder central era exercido de
fato pelo chamado "homem forte'' do regime, Pinheiro Machado, presidente do Senado; o presidente da Repblica, homem medocre e fraco, lhe era submisso. E Pinheiro Machado
tratava de criar condies para, a menos de dois anos da sucesso presidencial suprema, substitu-lo na chefia do Estado.
As eleies eram decididas pelas camarilhas dos chefetes
estaduais, apoiados nos coronis do interior. No era
desprezvel o contingente eleitoral do Cear, e nele avultava o
do Cariri. Era natural, portanto, que tudo se resolvesse de
acordo com a vontade dos coronis do Cariri.
Floro Bartolomeu regressa ao Cear, em outubro de
1913, com as credenciais de futuro Governador do Estado. Os
representantes do Cear no Congresso lhe haviam dado cartabranca para agir de acordo com os interesses dos latifundirios
caririenses, criando condies para derrubar Franco Rabelo e
para uma interveno federal no Estado, a qual lhes seria favo-
rvel.
Cartas divulgadas mais tarde revelam toda a trama. Um
senador da Repblica, Francisco S, escrevia ao Padre Ccero
indicando-lhe que em Juazeiro se reuniria uma "assemblia estadual" insubmissa, sob a presidncia de Floro Bartolomeu.
Declarar-se-ia assim uma dualidade de poderes legislativos no
Estado, e o Governo federal teria razes suficientes para decretar a interveno, isto , para afastar Rabelo do Governo estadual. Quanto aos "detalhes"
acrescentava o senador
"h um, entretanto, que me parece conveniente deixar claro
desde j. Esse o que se refere eleio do presidente da assemblia legal a reunir-se em Juazeiro... Esse deve ser o prprio Floro, cujo nome encontrar o mais decidido apoio da poltica federal" . O mais, Floro Bartolomeu diria por sua prpria
voz.
Do plano sua execuo foi um passe de mgica. Homens e armas suficientes estavam disposio de Floro Bartolomeu. O Governo federal lhe dera o resto
e o essencial,
que era dinheiro.
Floro chega a Juazeiro, procedente do Rio, em 22 de novembro de 1913, e em 9 de dezembro rebenta em Juazeiro o
movimento armado contra o Governo do Estado. Floro Bartolomeu, pessoalmente, com seus jagunos, assalta o quartel
da Fora Pblica local, cuja guarda se rende sem oferecer a
menor resistncia.
Trs dias depois, como ficara assentado no Rio, rene-se
em Juazeiro a assemblia "legal", sob a presidncia de Floro
Bartolomeu, que era deputado estadual ento. A seguir, a assemblia juazeirense proclama Floro presidente temporrio do
sul do Estado.
Seu objetivo imediato granjear popularidade: no vacila
em tomar uma medida que satisfaz ao maior nmero a suspenso do pagamento dos impostos at 30 de maro do ano
seguinte.
Se praticamente no houve resistncia interna em Juazeiro, os rebeldes contavam como certa, porm, uma ofensiva
das foras do governo de Franco Rabelo. Realmente, na segunda quinzena de janeiro de 1914, tropas enviadas de Fortaleza atacam Juazeiro.
Os jagunos de Floro esperavam o ataque. chegada das
tropas adversrias, estava Juazeiro circundada por um enorme
valado e uma barreira de terra, numa extenso, dizem, de nove
quilmetros. As energias fabulosas de milhares de pessoas,
homens, mulheres e crianas, munidos de instrumentos rudimentares, haviam levantado aquela trincheira no curso de uma
semana, trabalhando dia e noite. "Comboios interminveis de
rifles, e museres, chegavam cada noite, via Paraba, ou via
Recife... L estavam [em Juazeiro] homens que haviam guerreado em Canudos, na defesa de Antnio Conselheiro" . "O
grande corpo de combatentes era de fanticos. Rodeavam-nos,
mais intrpidos, todos os cangaceiros dos vastos sertes limtrofes" .
Como era de esperar, as foras atacantes foram logo repelidas e postas em fuga. Os sediciosos de Floro Bartolomeu
marcharam-lhes ao encalo e no deixaram pedra sobre pedra.
Invadiram e saquearam sucessivamente o Crato, Barbalha,
Quixad, rumaram para Fortaleza, nos comboios da estrada de
ferro, cujas pontas de linha ainda se encontravam em Iguatu.
Nesse meio tempo, o Governo central havia desempenha-
do sua parte no drama tragicmico: decreta a interveno federal no Cear em 14 de maro de 1914. Os jagunos de Floro
Bartolomeu estavam s portas da capital, "a cidade"
Fortaleza.
Franco Rabelo embarca de volta ao Rio. Assume o Governo do Estado um homem de confiana imediata de Pinheiro
Machado, o oficial do Exrcito Setembrino de Carvalho .
Triunfara a sedio de Juazeiro, concertada entre Floro
Bartolomeu, capito de jagunos, deputado estadual, e o Poder
supremo da Repblica.
O latifndio o coronelismo, sua expresso local
mostrava que ainda era uma fora, em plena segunda dcada
do sculo XX, depois de desbancar do poder poltico na provncia, pelo menos temporariamente, a burguesia comercial e a
pequena burguesia urbana do Cear, e impor sua vontade.
O nome de Floro Bartolomeu adquiriu ressonncia nacional. E ainda no terminara ele sua carreira poltica vertiginosa. Novos sucessos lhe estavam reservados .
5
O Padre na Penumbra
... No fiz a revoluo, nela no
tomei parte nem para ela concorri,
nem tive a menor parcela de responsabilidade direta ou indiretamente nos fatos ocorridos.
PADRE CCERO ROMO BATISTA
vir aos objetivos polticos (e econmicos, como veremos depois) dos coronis do Cariri. Diz a carta de Floro ao Padre: "...
Aceite a minha opinio e faa como eu acho melhor... Enviolhe hoje mesmo uma cpia do telegrama para V. Revma. dirigir ao general Pinheiro [Pinheiro Machado] expondo a situao e dando os meios de uma acomodao sria [... ] Peo no
apartar-se de minha orientao" .
No conhecida a resposta do Padre Ccero s atrevidas
instrues de Floro Bartolomeu, mas pelos acontecimentos ulteriores deve ter seguido risca as ordens terminantes do caudilho. Tanto que sendo contrrio a um movimento armado para depor o Governo do Estado, no se atreveu a desautoriz-lo
de pblico. Durante o ataque a Juazeiro pelas tropas governistas, na execuo das obras de entrincheiramento da vila e no
curso da prpria luta, o Padre Ccero fazia prelees dirias
multido de romeiros aglomerados em frente sua casa, incutindo-lhes nimo, dando-lhes esperanas na vitria final.
Floro Bartolomeu, tampouco, seria algo sem o Padre. A
diferena que, em poltica, era Floro o elemento atuante.
Neste ponto, mais uma vez o prprio sacerdote depe decisivamente. No sendo atendido pelo presidente do Estado, Franco Rabelo, para uma soluo conciliatria do conflito criado
antes da luta armada, mas quando esta j se tornara inevitvel,
o Padre Ccero confessa: "... Considerei finda a minha rdua
tarefa, afastando-me do campo da ao poltica, deixando ao
mesmo tempo que o Dr. Floro agisse segundo as ordens recebidas..."
A marcha das operaes militares, o acordo com as autoridades federais para que os grupos aguerridos de jagunos
no entrassem em Fortaleza, a volta imediata dos mesmos jatudo isto foi decidido por Floro
gunos ao Cariri
Bartolomeu.
A esta altura dos acontecimentos o prprio caudilho sertanejo deve ter receado a propagao das hostilidades alm
dos limites por ele previstos e desejados, de acordo com os
chefes polticos do Rio. Basta pensar no estado de esprito da
jagunada vitoriosa, que invadira sucessivamente vrias cidades, incendiara fazendas de adversrios polticos de Floro, havia colocado sua merc os comboios ferrovirios que demandavam Fortaleza quando a imensa maioria deles via pela primeira vez um trem e nele viajava. Ante o alarma da burguesia comercial de Fortaleza, considerando-se ameaada de
saque pelos grupos armados de Floro Bartolomeu, este no vacila, transaciona e manda recuar os jagunos. Era um indcio
de quanto a burguesia comercial tinha influncia, ainda que
restrita, de quanto Floro era sensvel a seus interesses, que em
parte tambm eram os dele.
Pode-se avaliar o quanto estes acontecimentos, precipitados em poucos meses, contriburam decisivamente para uma
profunda modificao na psicologia do sertanejo envolvido na
luta armada.
Obedecendo as ordens de Floro Bartolomeu, os grupos de
jagunos regressam ao Cariri e vo concentrar-se novamente
em Juazeiro.
A situao do Estado modificara-se do ponto de vista poltico. Os coronis do Cariri consideravam-se agora seguros
em suas posies, vitoriosos num conflito armado contra o
Governo do Estado, que haviam conseguido substituir. Podiam, portanto, dispensar uma grande parte dos capangas que
tinham sido arregimentados para um empreendimento de
do, no s em Juazeiro como em toda a zona do Cariri, a agricultura foi sendo pouco a pouco desenvolvida. A medida posta
em prtica para esse fim patritico foi de colocar-se nos stios
dos amigos as pessoas pobres que iam chegando, resolvidas a
fixar residncia [... ] De forma que os proprietrios foram auferindo melhores lucros pela maior produo" . Acrescenta o
caudilho que o sacerdote, "para estimular os romeiros, tambm
fazia grandes plantios por sua conta". E esclarece em nota de
p de pgina: "Deve-se exclusivamente ao Padre Ccero o
plantio da manioba na serra do Araripe em uma rea de cerca
de dez lguas" . E ainda em referncia ao sacerdote milagreiro: "... ele o maior agricultor do Cariri..."
A essa poca, o Padre Ccero organizara, ele mesmo, uma
relao de suas propriedades, pela ordem alfabtica de suas
denominaes. Tantas eram! E naquele mesmo ano em que
Floro Bartolomeu lhe fazia o elogio na Cmara Federal, redigia o Padre seu testamento, que uma espcie de sntese de
sua vida at ento. A so enumeradas 5 fazendas, 30 stios,
alm de vrios terrenos, ou lotes de terra, prdios urbanos, cujo total, pelo testamento, impossvel avaliar. Menciona, por
exemplo, 15 "prdios" (casas trreas) e sobrados (casas de dois
pavimentos) em Juazeiro, faz referncia a "um quarteiro de
prdios", sem dizer quantos, na Rua So Pedro, na mesma cidade; cita, de maneira imprecisa, como propriedade sua, o
prdio onde funciona a cadeia pblica, "bem como os demais
que se seguem contiguamente mesma rua e na Rua Padre Ccero", de forma que, pelo documento em apreo, no se sabe
exatamente quantos imveis urbanos possua o sacerdote. Alm disso, tinha criao de gado, no se conhecendo porm o
nmero de reses.
Era uma fortuna regular para a poca e para o meio. Havia ultrapassado, em posses, antigas e tradicionais famlias de
grandes fazendeiros do vale, sendo sua origem a de uma modesta famlia pobre.
Nascido a, vivendo a, desfrutando a de enorme popularidade, dispondo de tudo quanto fazia de algum um coronel, por que no seria ele um coronel? Apenas por que vestia
batina, ordenara-se padre, fazia "milagres"? Na verdade, nada
diferenciava o Padre Ccero Romo Batista de qualquer dos latifundirios da zona. Utilizava, e em enorme escala, os mesmos mtodos familiares queles, como dar abrigo a capangas e
cangaceiros e aproveit-los ou permitir que outrem os aproveitassem para a consecuo de objetivos polticos que tambm eram os seus.
Pode-se argumentar: o Padre no tinha ambies polticas, tanto que eleito vice-presidente do Estado, por mais de
uma vez, no foi nunca a Fortaleza tomar posse de seu cargo,
nem tampouco exerceu o alto mandato de deputado federal
que lhe haviam confiado seus romeiros. Sim, sua ambio poltica era limitada ao meio em que vivia. Mas, de onde lhe vinha o prestgio entre aquela massa que o cercava, seno da
convivncia diria com ela, do sermo cotidiano multido
aglomerada em frente a sua casa, da esperana dos romeiros
em seus "milagres"? Porque o sacerdote nem uma s vez desautorizou os consabidos embustes apresentados como milagres seus, preferindo, pelo silncio, alimentar a crena de que
era capaz de faz-los. Com sua cultura restrita, sua mentalidade provinciana, seus parcos dons tribuncios, ele devia ter
suficiente bom-senso para reconhecer que fora de Juazeiro,
mesmo em Fortaleza, muito menos no Rio, teria um papel
Apogeu do Cangaceiro
e do Jaguno
DUROU MENOS DE TRS MESES A INterveno federal no Cear. Em junho de 1914, o interventor
era substitudo por um presidente eleito para completar o perodo do governo derrubado pelos coronis do Cariri.
Em setembro de 1915, um acontecimento fortuito vem
abalar a faco dos grandes proprietrios de terra: o assassnio,
no Rio, do caudilho nacional Pinheiro Machado. Com sua
morte, cai por terra todo um esquema j montado e antecipadamente considerado vitorioso para a sucesso Presidncia da Repblica, no qual era ele o candidato indiscutido.
J antes, a vitria fcil restaurara o anterior status quo no
Cariri: os chefes polticos locais tinham voltado a suas rixas e
conflitos armados. Em meados de 1915, alguns chefetes investem, com 300 homens, contra a vila de Porteiras, defendida
por uma guarnio da Polcia Militar do Estado. Esta desbaratada e posta em fuga. A situao atinge tal gravidade que
sugerido o estabelecimento de unidades do Exrcito nos sertes do Nordeste. Faz-se, durante anos, uma verdadeira campanha neste sentido. Isto, naturalmente, correspondia aos desejos de setores da burguesia, objetivando contrapor-se prepotncia do latifndio, enfrentando e destruindo suas hordas de
jagunos. Mas, ainda era cedo. E enquanto o Exrcito permareservando-se apenas
nece margem dos acontecimentos
para casos extremos e na defesa da prpria ordem semifeudal,
como em Canudos
o presidente do Estado do Cear, Benjamin Barroso, envia uma numerosa fora de polcia militar
para o Cariri, com a recomendao expressa a seu comandante: "No poupe bandido. Execute-os sumariamente" . No se
sabe ao certo quantos foram executados, embora se conheam
os nomes de vrios chefes de bandos que foram abatidos, mas
se mencionam mais de duas centenas de aprisionados, naturalmente os menos periculosos, alm dos muitos que foram
desbaratados.
Logo depois dos acontecimentos que culminaram com a
derrubada do Governo do Estado, e nos quais os grupos armados por Floro Bartolomeu, Jos de Borba Vasconcelos, Pedro
Silvino e outros correligionrios do Padre Ccero desempenharam o papel decisivo, os coronis do Cariri
e com eles os
de todo o Nordeste haviam obtido como que o reconhecimento formal de sua soberania local e, inclusive, de seus exrcitos particulares de jagunos. E utilizavam-nos a seu belprazer.
Por isso mesmo, o ambiente era extraordinariamente propcio continuao dos antigos conflitos pelo aumento de sua
influncia poltica e de seus domnios territoriais. Assim, fora
rasgado para sempre o "pacto de harmonia" assinado sob a gide do Padre Ccero.
J vimos que o Cariri sofria permanente escassez de mode-obra. No entanto, dada a existncia de fortes elementos de
economia natural na zona, no lhe era possvel absorver um
anormal excesso de braos num perodo de estiagem. E 1915
era um ano de seca a dizimar tudo. Nos comeos do sculo, a
falta completa de chuvas na regio nordestina reduzida fome
ou subnutrio extrema, aproximadamente metade da populao do Estado, avaliada ento em 1 milho e 200 mil habitantes. Deslocava de seus mseros lares cerca de 100 000 pessoas . Isto sem contar os elevados contingentes de flagelados
de outros Estados que demandavam o Cear procura de meios mais fceis de transporte para a Amaznia.
Desses 100 000 deslocados, a maior parte ficava perambulando sem rumo certo, vivendo de esmolas, de roubos, de
assaltos a mo armada. Esto na histria do Nordeste os grupos aguerridos de salteadores, cujas aes se multiplicam nos
anos de seca: os Brilhantes, os Serenos, os Viriatos, os Simplcios, os Meireles, os Calangros, os Quirinos, que em geral tomavam o nome ou apelido de seu chefe. Se o latifndio os gerava, as grandes estiagens, matando as lavouras, dizimando os
gados, exterminando a gente, exacerbava-lhes o desespero,
no lhes deixando outra alternativa a no ser o banditismo sem
quartel. Na grande seca de 1877-1879, quando comearam a
intensificar-se as aes dos grupos de bandoleiros, uma correspondncia da cidade caririense de Barbalha para Fortaleza
comentava este fato, que devia traduzir mais ou menos uma
realidade: "Hoje, perigoso ser rico, pois o povo pobre [os
bandidos] lhes ho declarado guerra de extermnio"
Trecho de um relatrio do Governo da Provncia referente ao ano de 1878 indica a gravidade do problema. Diz o presidente: "Chegando ao meu conhecimento que hordas de salteadores conhecidos pelos nomes e antonomsia dos chefes,
Viriato, Quirino e Calandro, que h alguns anos cometem toda
sorte de violncia nos confins desta provncia com as de Pernambuco, Paraba e Rio Grande do Norte, recomeavam suas
excurses no Cariri, dirigi-me aos presidentes daquelas provncias requisitando a sua cooperao para perseguirmos eficazmente os malfeitores, que com facilidade escapam fugindo
de uma para outra jurisdio". "Foras combinadas desta Provncia e da Paraba conseguiram sitiar o grupo dos Viriatos,
por ventura o mais audaz e poderoso daqueles bandidos, na
povoao de Boa Esperana, do termo de Milagres, da qual se
tinha assenhoreado; e a travou-se o combate, em que morreram doze salteadores e um soldado, tendo-se dado de parte a
parte muitos ferimentos. Vigorosamente atacado e batido, o
grosso da quadrilha pde todavia evadir-se; mas ficaram treze
prisioneiros, mais de cem cavalgaduras, e valores de subida
importncia, fruto de suas depredaes". Prossegue o relatrio
oficial: "Assim creio poder afirmar que o Cariri est libertado
desses facnoras que, originados em grande parte das provncias vizinhas, haviam demandado em razo da seca mais frtil regio do Cear, e inspiravam tal horror que, depois dos
morticnios e roubos praticados de julho do ano passado a abril deste ano, entravam de pblico nas vilas e povoados, soltavam os presos, tributavam a populao e declaravam-se seus
protetores contra os outros bandos" .
Por esse trecho do relatrio do presidente da Provncia,
percebe-se o quanto era grave o problema, quando um nico
bando, que consegue parcialmente escapar da captura, deixa
nas mos de seus perseguidores mais de cem animais de mon-
tnio Conselheiro reagia a mo armada, enquanto o Padre Ccero pregava a obedincia e a humildade" .
Esta diferena essencial para a compreenso dos dois
fenmenos.
O mesmo autor, citando Pedro Vergara, refora com um
novo testemunho o carter oposto dos dois acontecimentos.
"Aquele sacerdote [refere-se ao Padre Ccero], que morreu com odor de santidade, desempenhou talvez papel decisivo
naquela regio [o Cariri], no s por atenuar os horrores do
cangao, como, sobretudo, por disciplinar, na medida do possvel, os excessos da f".
A temos o Padre Ccero enaltecido como elemento moderador de "excessos" dos miserveis que se arregimentavam
em torno dele, acreditando-o seu salvador.
Era assim perfeitamente natural a disperso dos elementos mais aguerridos de Juazeiro por todo o Nordeste, depois de
se terem desiludido de melhor sorte na meca sertaneja. Dezenas de bandos atuavam no cangao, alguns ligados entre si,
outros adversrios que se exterminavam mutuamente. O apogeu do cangaceirismo verifica-se aproximadamente do ano de
1914 (depois de terminada a luta principal dos coronis do Cariri por uma maior influncia do Governo do Estado) at 1922
(quando os governos dos Estados do Nordeste concertam planos comuns de extermnio dos grupos volantes de bandoleiros). nessa poca que aparecem diversos grupos, atuando
no Cear, Paraba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Alagoas. Entre eles destaca-se o de Sebastio Pereira, no qual entraria em 1917 Virgulino Ferreira, o mais tarde famoso Lampio. Este, com seu bando independente, torna-se o mais clebre cangaceiro de todo o Nordeste, que devassa de um extremo a outro, durante vinte anos, despertando admirao e horror.
7
Modifica-se o Cariri
At o ano de 1915, semelhana
do que ocorria em todo o Cariri, eram pobres, no Crato, regra geral, os donos de
engenhos, presos aos cofres dos capitalistas locais. [...] Da seca de 15 para
c, melhoraram financeiramente os nossos
lavradores de cana-de-acar. ..
Dentro
de meio sculo, mudou, radicalmente,
a
situao financeira dos nossos donos
de stios, que de pobres e endividados passaram a ser ricos e prsperos.
IRINEU PINHEIRO
ENTRE OS FINS DO SCULO XIX E a segunda dcada do
sculo XX, o Cariri sofreu transformaes de relativa importncia. Embora escassos, os capitais penetravam na economia
agrcola, alterando-lhe a fisionomia, acentuando-lhe o carter
Guerra Mundial, as agitaes operrias que se seguiram imediatamente revoluo socialista na Rssia, determinando
uma formidvel onda de greves e agitaes operrias e populares no Rio, em So Paulo, no Recife, o crescimento da pequena burguesia urbana e suas aspiraes de um lugar ao sol,
deram como conseqncia a fundao do Partido Comunista
Brasileiro, em 1922, e uma espetacular tentativa de rebelio
armada, resumida ao levante do Forte de Copacabana e seguida, em 1924, de uma mais sria sublevao de tropas em
So Paulo e no Rio Grande do Sul. Desta ltima saiu a Coluna
Prestes, como um rastilho de plvora a arder pelos sertes do
Brasil. Na sua longa marcha de sacrifcios e herosmo, durante
dois anos, a Coluna, no obstante a ausncia de objetivos concretos, de longo alcance, de seus chefes, foi um elo de ligao
entre a cidade e o campo, uma aragem dos novos ventos que
sacudiam a vida urbana, despertando a conscincia revolucionria entre as massas oprimidas das populaes rurais.
Os "revoltosos", como eram chamados no Nordeste os
homens da Coluna Prestes, se mobilizavam contra si o dio
dos chefetes locais e dos grandes latifundirios
e sintomtico como, por instinto, se lanaram sua perseguio os
coronis da mais elevada categoria, aqueles que contavam
com os maiores exrcitos de jagunos tinham os "revoltosos" a seu favor a admirao sem limites da pequena burguesia
e dos trabalhadores das cidades e do campo. Os pobres e humildes lhes votavam grande simpatia, reforavam-lhe os contingentes, davam-lhe toda a ajuda possvel.
A passagem da Coluna Prestes pelo Cear deu azo ao primeiro teste negativo do prestgio do Padre Ccero e de Floro
Bartolomeu.
Em 1926, Lampio chamado a Juazeiro, com o objetivo
predeterminado e a aquiescncia das prprias autoridades federais, de arm-lo para dar combate Coluna. Floro Bartolomeu recebe dinheiro do Governo central com esta finalidade
expressa: armar capangas contra os "revoltosos". No foi Floro, dizem, mas um seu lugar-tenente, Pedro Silvino, quem teve
a idia de mobilizar precisamente o chamado Rei do Cangao
para lan-lo contra a Coluna . O certo que Lampio entra
em Juazeiro, acompanhado de um contingente de uns 40 capangas, conversa com o Padre Ccero, recebe uma falsa patente de capito do exrcito e avultada quantidade de armas e
munies. Obtm a beno do Padre Ccero, a quem promete
regenerar-se, e segue seu destino. Mas se escolhe um caminho,
qualquer outro que o distancie da Coluna. Jamais procurou
entrar em contato com ela , dela deve ter sempre fugido, tal a
fama de valor de seus componentes. Mas no h dvida de que
o principal motivo por que Lampio no tratou jamais de cumprir seu trato com os chefes de Juazeiro foi precisamente a
popularidade que desfrutava a Coluna, a glria de seu comandante, a repercusso de seus feitos entre as populaes rurais.
Lampio sara daquela mesma gente simples, cujos filhos ingressavam voluntariamente nas fileiras da Coluna, e via quem
a perseguia como ces de fila: os coronis, os grandes fazendeiros. Isto, muito embora Floro Bartolomeu lanasse mo de
sua capangada para tentar impedir a passagem da Coluna pelo
sul do Cear.
Em maro de 1926, morre o caudilho Floro Bartolomeu
da Costa. Seu desaparecimento coincide com a curva acentuada da decadncia da influncia do Padre Ccero e da sua
prpria como chefe poltico. Nem um nem outro era mais rbi-
tro dos destinos do Estado ou mesmo do Cariri. Contam pessoas que o conheceram que nos ltimos anos de vida, j enfermo, era-lhe indiferente viver. Talvez sentisse que sua poca
havia passado, que estava prximo o fim dos coronis. Que
mais ambicionava na vida? De mdico sem clientela e aventureiro dos sertes subira a prefeito de Juazeiro, chefe de um
movimento sedicioso que derrubara o Governo do Estado, deputado estadual, presidente da Assemblia e do "Governo provisrio" do sul do Cear entre o comeo da sedio e a queda
de Franco Rabelo, deputado federal, comissionado pelo Governo da Repblica para dar combate Coluna Prestes no Cariri... Esta a sua extraordinria carreira
de chefe de capangas a membro preeminente do mais alto parlamento da Repblica. Dentro dos conceitos da moral vigente entre as classes
dominantes, era uma carreira lgica e natural, de autntico patriota.
Floro Bartolomeu da Costa teve, em seus funerais, a coroao da trajetria que havia seguido, recebeu as honras oficiais de general do Exrcito Brasileiro. Troaram em sua memria as salvas dos canhes...
Era o comeo dos funerais dos coronis.
8
ltima Fase da
Guerra Civil Nordestina
Toquem para Penedo. O mundo
no tem mais lugar para mim.
(Palavras do coronel Jos Ablio
ao fugir, em 1927, de Pernambuco para
Alagoas.)
por tantos decnios encontramo-la na prpria decadncia irremedivel e definitiva daquele mesmo regime..
O latifndio, j nos comeos do sculo XX, tinha dado o
que pudera dar, desde os tempos da colonizao, passando pelo primeiro Reinado, a Regncia, o Imprio, entrando pela Repblica, intocvel e sagrado em seus privilgios. Com o choque produzido pela Abolio da Escravatura, comea a desmoronar-se a velha ordem no campo, alicerada na grande propriedade semifeudal e no escravo. No seu seio gastaram-se as
foras antagnicas que lutariam pela sua liquidao.
Da a revolta, embora primria, desorganizada, anrquica,
sem objetivos claros e definidos em escalas social, revolta que
se propaga de um a outro extremo do Pas. Ou os baluartes fixos, ou os grupos de cangaceiros, ou os ajuntamentos de fanticos em torno de beatos e monges
as mais diversas nuanas da inconformao com a ordem dominante. Eram anseios
de libertao mal definidos e mal traduzidos em lutas. Mas s
libertara o escravo juridicamente; no seu lugar ficara o escravo
social, o semi-servo.
As classes dominantes, tanto os latifundirios como a
burguesia, compreenderam o perigo. E no vacilaram em lanar mo de todos os meios para enfrent-lo. Esmagaram-no em
baluartes fixos como em Canudos, perseguiram-no impiedosamente visando extino dos grupos de cangaceiros e eliminando milhares de seus componentes, desviaram-lhe o curso,
potencialmente revolucionrio, pregando a submisso, como
aconteceu em Juazeiro. O Padre Ccero exortava em seu testamento dirigindo-se a seus "afilhados": "Insisto, peo, como
sempre aconselhei, que sejam [... ] respeitadores s leis e s
autoridades civis e da Santa Madre Igreja Catlica Apostlica
Romana, no seio da qual to-somente pode haver salvao" .
No h dvida de que as classes dominantes conseguiram
alcanar parcialmente seu objetivo: atravs do extermnio de
milhares de revoltados do campo eliminaram os elementos
mais combativos de uma possvel insurreio de pobres do
meio rural. E por intermdio do Padre Ccero possibilitaram a
o
transferncia social de outros pequena burguesia urbana
numeroso artesanato juazeirense e abaterem o nimo de luta de muitos mais. Outros tantos foram transformados em usufruturios de pequenos lotes de terra na chapada do Araripe,
ou lhes deram uma nesga de cho, iludindo-os com uma aparncia de propriedade onde sua misria continuava, irremediavelmente presos aos grandes proprietrios vizinhos, enquanto
outros eram dispersados pelos stios e engenhos do Cariri, sem
quaisquer direitos ou garantias. Enquanto isso, continuava o
xodo para fora dos limites do Nordeste incandescente.
Dessa forma foi mantida a velha ordem, atravs da aliana entre o latifndio e a burguesia. Esta ajudou aquele a livrarse de uma crescente presso que ameaava liquid-lo. Ao
mesmo tempo, tratava de restringir a ilimitada autoridade dos
grandes proprietrios de terra. Seus domnios eram conservados, mas seu poder poltico tenderia a reduzir-se gradativamente.
voltavam os olhos para os cus, confiantes em supostas profecias do sacerdote nonagenrio, e diziam convictos: Ressuscitar um dia... Ainda acreditavam em seus milagres. Durante
meio, sculo haviam esperado inutilmente por eles. Muitos, no
mesmo obscurantismo a que os haviam relegado, continuavam
a esperar...
10
Um Saldo Positivo:
Caldeiro
Sob a influncia direta do beato
havia cerca de duas mil pessoas de
ambos os sexos e de todas as idades.
Reinava ali uma disciplina absoluta e
uma ordem rgida.
Ten. J. G. DE CAMPOS BAHROS
400 casas, cavalos, porcos, bois, uma bela criao de aves raras, todas as benfeitorias do stio, resultado de trabalho de anos seguidos, com os maiores sacrifcios de todos e de cada
um.
"A capito Cordeiro impunha-se uma nica soluo: destruir as casas e entregar os bens ao municpio; competia ao
poder judicirio resolver o assunto, com relao segunda
parte" . Acrescenta Campos Barros: "Regressamos capital e,
para a perfeita execuo das ordens combinadas, ficou uma
frao de tropas, com o tenente Alfredo Dias e o capito Bezerra, o qual devia incendiar as choupanas, medida que fossem sendo desocupadas por seus miserveis habitantes" .
No esperaram que as desocupassem. O fogo irrompeu
logo, devorando os casebres e os prprios depsitos de algodo e vveres. Tentaram atribuir aos habitantes de Caldeiro o
crime, to tenebroso ele parecia aos prprios criminosos. "Na
calada da noite, incndios misteriosos devoraram os depsitos
de algodo e vveres, ardente protesto que obrigou o comandante da tropa a se precaver contra futuras acusaes de vandalismo" .
Mas se j havia sido dada ordem para atear fogo s casas,
como presumir que o fizessem os habitantes do Caldeiro?
Ainda ali se encontravam eles, ainda lhes restava a esperana
de salvar seu aldeamento e os bens que lhes eram comuns.
soldadesca, ao contrrio, interessava acabar imediatamente
com o povoado, que as autoridades tinham mandado atacar,
sem que houvesse de parte de seus habitantes qualquer ato de
hostilidade. Sem que ao menos pudesse haver revide agresso brutal, pois o relatrio Campos Barros no menciona sequer uma arma apreendida entre os 2 000 povoadores de Caldeiro. Encontram apenas seus instrumentos de trabalho: enxadas, machados, foices, e a maquinaria de sua indstria primitiva.
Os habitantes do Caldeiro, trabalhadores honrados, gente pacfica, no podiam seno indagar, sem conseguir compreender jamais: por que lhes invadiam o stio? Por que dispersavam seus habitantes? Por que destruam suas casas? Por que
entregavam seus bens, produto de seu trabalho, ao Municpio?
Nada se explicava, nada se justificava. Simplesmente arrasava-se um ncleo de trabalhadores rurais, cujo crime era terem rompido suas relaes com o regime latifundirio, no
mais se submeterem a ele como semi-servos. Havia outro crime: tudo ali lhes era comum, todos os bens que produziam.
Como violar impunemente as leis da propriedade privada burgus-feudal?
E aqui vemos, uma vez mais, o quanto o Padre Ccero
havia servido, em toda a sua existncia, de frenador das lutas
das massas campesinas concentradas em Juazeiro e vizinhanas. Inadvertidamente, as autoridades cearenses confessavam
isto quando constatavam: "O caso se tornara tanto mais grave
quanto as romarias a Juazeiro se estavam canalizando para
Caldeiro" .
Quer dizer: enquanto se dirigiam a Juazeiro, no havia
nenhum perigo. Agora, que essa pobreza desvalida enveredava
por um caminho contrrio aos interesses dos latifundirios,
passavam a constituir uma ameaa que encontrava pela frente
o ferro e o fogo.
Naturalmente, aqueles homens que j haviam experimentado a liberdade no podiam conformar-se em voltar vida errante de outrora, para aguardar indefinidamente os milagres de
Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, autoriza o auxlio necessrio pelas tropas regulares sediadas em Fortaleza. At avies,
ento escassos, recebem ordem de levantar vo para bombardear o nucleamento de Loureno e Severino Tavares.
Veio o assalto das tropas, o bombardeio areo do local no
alto da serra e seguiu-se a disperso dos remanescentes, parte,
em companhia de Loureno, rumo a Pernambuco, enquanto a
faco de Severino Tavares vai radicar-se em Pau de Colher,
no interior da Bahia.
Loureno ter-se-ia acomodado, juntamente com umas
trinta famlias que o acompanharam.
Severino Tavares formaria um novo aldeamento,
com centenas de famlias.
As autoridades baianas no permitem que se consolidem
suas posies. Dois batalhes do Exrcito e uma companhia da
Polcia Militar so enviados para expulsar ou exterminar os ltimos "fanticos". Tropas da Polcia pernambucana seguem
como reforo.
O desfecho era previsto. Em janeiro de 1938, Severino e
os seus eram atacados por todos os lados, resistiam, lutavam
de armas nas mos, convidados a render-se, preferiam sucumbir no combate desigual. Resultado: "Contamos 117 cadveres
de homens combatentes, somente na rea do reduto principal.
Os campos ao redor estavam juncados de cadveres, espalhados por toda parte. O proprietrio da fazenda Ouricuri,
que muito nos ajudou em vveres e na conduo dos feridos,
deu-se ao trabalho de contar os mortos, que foram em nmero
superior a 400" .
Terminava ali outro episdio da guerra civil do Nordeste,
que tivera sua grande ecloso, nos mesmos sertes adustos da
Bahia, em 1896. Estava-se em 1938.
11
Um Quarto de
Sculo Depois
Tocou a pintar-me em cores sombrias a vida do agricultor de cana em
terras do Cariri. A sua luta para reter
braos vlidos que fogem para So
Paulo, Paran e Maranho.
J. DE FIGUEIREDO FILHO
Do Nordeste para fora de seus limites funcionam verdadeiros drenos de mo-de-obra barata. O Censo de 1950 revelaria que viviam fora dos Estados daquela regio cerca de 2
milhes de nordestinos. Tinham emigrado, aproximadamente,
10 por cento da populao do Cear, mais de 13% da populao do Piau, mais de 15% da populao da Bahia, cerca de
17% da populao de Alagoas .
A populao urbana do Nordeste, em todas as suas cidades, que, em 1940, totaliza, em nmeros redondos, 1 milho e
260 mil pessoas atinge mais de 2 milhes e 100 mil, dez anos
depois. Portanto, mais de 850 mil habitantes das zonas rurais
tinham-se tornado citadinos, somente na regio.
Outro fato denunciador da mudana no Nordeste: num
perodo de 60 anos, entre 1890 e 1950, enquanto a regio Sul
do Brasil teve um aumento relativo de populao da ordem de
504%, este aumento no Nordeste correspondeu a menos da
metade, apenas 231%. Sabendo-se que a populao nordestina
tem um crescimento vegetativo superior do Sul, evidente
que o Sul crescia demograficamente em parte considervel
custa do Nordeste. Ento vemos, um perodo menor, a populao relativa do Nordeste no total, da populao do Pas cair
de 26,31%, em 1890, para 24,18%, em 1940.
Os dados referentes a apenas trs das capitais nordestinas
so um ndice eloqente da despopulao rural. Num decnio,
entre 1940 e 1950, as populaes de Recife, Salvador e Fortaleza aumentaram, por efeito imigratrio de correntes do interior, nas seguintes propores: Recife 75,86%, Salvador,...
70,72%, Fortaleza, 63,24%.
Assim, no somente o Sul mas os prprios centros urbanos do Nordeste que funcionam como bombas de suco das
populaes rurais, aliviando seus problemas, transferindo-os
para o mbito urbano. A, o Estado conta com melhor aparelhamento para resolv-los, inclusive a disponibilidade de foras repressivas, quando esses problemas de econmicos se
transformam em sociais, ou quando se confundem os dois aspectos, o econmico e o social. A burguesia brasileira, na medida em que se desenvolve, avoca a si problemas que se achavam afetos aos latifundirios.
A prpria guerra vinha favorecer a burguesia em sua
disputa secular com o latifndio semifeudal. Este era conservado, mas, em certas zonas, para subsistir, obrigado a renovarse, ao menos parcialmente, com maior aplicao de capitais,
de tcnica e de trabalho assalariado. O mesmo Nordeste beneficia-se, ainda que em proporo mnima, com a industrializao do Sul, na medida em que as estradas varam o interior, devassam-no por todos os recantos, incentivam-lhe o comrcio, fomentam a emigrao da superpopulao rural e chegam mesmo a estimular alguma renovao nos mtodos agrcolas: novas mquinas para a extrao da cera de carnaba,
para a obteno do leo de oiticica em maior escala, a usina
substitui o engenho na agro-indstria do acar, ou o engenho
puxado a bois, no Cariri, por exemplo, d lugar ao engenho a
motor.
O Cariri voltava a sofrer escassez de mo-de-obra, que
fora suprida durante o longo perodo da vida do Padre Ccero e
que lhe fomentara o relativo progresso econmico registrado a
partir de 1915. Na dcada de 50, um dono de stio caririense,
diz um cronista local, "tocou a pintar-me em cores sombrias a
vida do agricultor de cana em terras do Cariri. A sua luta para
reter braos vlidos que fogem para So Paulo, Paran e Ma-
ranho" .
O caminho, as fceis comunicaes com Pernambuco,
as terras molhadas e devolutas do Maranho e mesmo do longnquo Brasil Central, a auto-estrada Rio-Bahia esto libertando o meeiro, o agregado, o morador, o semi-assalariado dos
engenhos do Cariri que resistem unificao. "Ultimamente
[...] com a escassez de braos, j labutam no engenho e no stio trabalhadores de fora, que mudam de lugar como quem
muda de roupa". "Os laos que ligavam os patres aos moradores, cada vez mais se vo rompendo, no por esprito de revolta. A causa principal est na falta de braos em conseqncia de emigrao para o Sul". "O trabalhador j resmunga com o patro e, desde h muito, deixou de ser capanga
para o que desse e viesse. Reclama salrio e por qualquer coisa arruma os possudos e muda-se para outro lugar. O patro
queixa-se da negligncia do morador e chega at a desejar uma
secota para melhor disciplin-lo" .
A concluso essencial esta: rompem-se irremediavelmente os antigos laos de dependncia semifeudal. Havia o
capanga "para o que desse e viesse" quando era abundante a
oferta de braos, quando era difcil a emigrao, quando mais
nada havia a fazer seno cuidar da terra e do gado do senhor.
Hoje, o morador, o agregado, no se sujeita mais a morrer
pelo patro. Ser jaguno era meio de vida, como ser cangana expresso sincera de Virgulino Ferreira da Silva
ceiro
Lampio... Quanto secota, desejada hoje pelo dono de terra
do Cariri, est neste desejo um sinal de seu desespero sem
remdio, nostalgia dos velhos tempos, quando a seca era o
aoite sagrado que empurrava o despossudo para o engenho,
para o stio, para a fazenda, obrigando-o a submeter-se a todas as condies de trabalho, ainda as mais ignominiosas,
que lhe eram impostas pelo senhor de engenho, pelo sitiante,
pelo fazendeiro.
Em Juazeiro, como o artesanato local vai entrando em
decadncia e sendo gradativamente suplantado pela produo
industrial similar do sul do Pas, verificamos a seguinte transferncia de mo-de-obra: a) o trabalhador rural, dada a misria
extrema em que vive e a brutal explorao do seu trabalho,
cumprindo jornadas de at 16 horas por dia, procura a indstria artes urbana, e esta absorve parte da mo-de-obra disponvel em prejuzo da agricultura; b) essa mo-de-obra especializa-se a e, ante as limitaes da pequena indstria local
e do comrcio que lhe corresponde, emigra para Pernambuco,
para o Maranho (em busca de terra) ou para o Sul, destinando-se em parte indstria urbana e em parte cultura do caf.
Mas no unicamente esta fuga de mo-de-obra que cria
dificuldades crescentes agricultura do Cariri. Esta, depois de
relativo progresso, estagnou e passa atualmente por um processo de decomposio interna, devido a seu atraso tecnolgico e s sobrevivncias de relaes semifeudais, entrando em
choque flagrantemente com o desenvolvimento capitalista do
Sul e com setores do capitalismo da prpria regio.
O que ocorre com o trabalhador do engenho de acar, se
passa tambm na cultura do algodo, do sisal, da carnaba.
Cada um destes cultivos industriais ocupa um reduzidssimo
nmero de trabalhadores, a no ser nas pocas da colheita do
algodo, do corte da carnaba e do sisal. As principais fontes
de renda do agro nordestino so culturas monopolizadas por
uma minoria de grandes proprietrios, com exceo relativa do
algodo, e que s requerem mo-de-obra abundante num breve
deste" .
H evidente exagero em Joaquim Alves ao considerar que
aquelas obras e suas conseqncias modificaram "radicalmente" a sociedade sertaneja. No houve mudana radical,
mas houve mudana sensvel. No foi imediata, mas se processou num longo perodo e continua a processar-se ainda hoje, lenta e gradativamente.
Pode-se imaginar que as classes dominantes do Brasil
vislumbraram um caminho novo para resolver sem choques o
velho problema da terra, desde que venceram aquela fase de
guerra civil encoberta dos cangaceiros e dos fanticos. No se
pode negar que elas ainda tm panos para as mangas, um vasto
campo de manobras para fugir soluo necessria e efetiva
atravs da reforma agrria que liquide com o latifndio semifeudal.
Mas, enquanto elas manobram, acumulam-se novos e novos problemas, cada vez mais complexos. Poder o Sul absorver indefinidamente o excesso demogrfico do Nordeste? Sujeitar-se- o Nordeste condio de semicolnia do Sul industrial a que ficou reduzido nos ltimos decnios? Tudo indica que esta mesma condio, tanto por fatores objetivos como subjetivos, acelerar a desagregao da retardatria economia agrcola nordestina do latifndio semifeudal, obrigando-o a transformar-se revolucionariamente.
verdade que no Nordeste cerca de 70% da populao
ainda so rurais. Mas esta populao, em suas camadas profundas, comea a agitar-se. Naturalmente, no se reeditaro os
fatos rocambolescos dos bandos de cangaceiros, com seus heris de lenda como Silvino e Lampio. Os tempos so outros,
houve mudanas de carter econmico que, se bem no tenham sido profundas, minam dia a dia a economia de subsistncia, estendem o mbito do trabalho assalariado, fomentam relaes mercantis, ampliam o mercado interno, tanto de
bens de consumo como de meios de produo. A aproximao
dos mais distantes rinces do Nordeste aos grandes centros urbanos, o devassamento do interior pelas auto-estradas, as linhas de aviao comercial que ligam o litoral ao serto em
poucas horas, tudo isto, fruto de mudanas de carter econmico em primeiro lugar, impossibilita o ressurgimento dos
Lampies, dos Silvinos, dos Brilhantes do passado.
Mas no esqueamos que a mentalidade do sertanejo no
se limitou s mudanas operadas com as obras contra as secas
e as vias frreas. Novas mudanas, em novos sentidos, continuam a verificar-se, reclamando outra mais importante, da
prpria estrutura agrria. A esto as ligas camponesas e as associaes de lavradores e trabalhadores agrcolas nascendo e
se multiplicando desde Pernambuco e Alagoas at o Cear e o
Maranho, estendendo-se por Minas, propagando-se ao Rio
Grande do Sul, a So Paulo, ao Paran, j encabeando lutas
diretas pela terra no Estado de Gois. Ainda mal estruturadas,
com objetivos no definidos para todos, mas dando sinal de
uma efervescncia indita entre as massas rurais pobres. Um
sinal alarmante para o latifndio.
No se pense que por no serem mais possveis os grupos
de cangaceiros ou os redutos fixos dos conselheiros e dos beatos, essa massa enorme de miserveis v cruzar os braos espera de planejadas transferncias macias para o Maranho ou
onde sua vida pouco se modificaria, poro Brasil Central
que o latifndio subsiste com todas as suas taras semi-feudais,
opondo todos os obstculos ao desenvolvimento da proprieda-
de individual prspera ou de cooperativas agrcolas de produo, que tenham melhor sorte do que as inmeras fundadas por
todo o Brasil e asfixiadas sistematicamente pelo latifndio.
impossvel prognosticar o desenvolvimento de to
complexa situao no meio rural do Nordeste e do Brasil inteiro. Mas uma previso possvel e at bvia: da mesma forma
como se ps termo ao regime escravista, no obstante as inmeras manobras, resistncias e obstculos opostos pelos senhores de escravos e ao apoio dado a estes pelo Estado, a marcha dos acontecimentos no Brasil e no mundo no mais se
compadece com a estrutura agrria apodrecida que subsiste no
Pas E que s ainda se mantm graas s muletas do Estado.
No se exclui hoje sequer a possibilidade de que o prprio Estado atual seja arrastado na queda que irremediavelmente liquidar com semelhante estrutura agrria, caso persista em
sustent-la. Porque os pobres do campo dispem hoje da mais
poderosa das armas, uma que no possuam antes: vo ganhando conscincia de sua situao de mseros explorados e
oprimidos e organizam-se como jamais se organizaram os trabalhadores do campo no Brasil. Esta conscincia e organizao lhes valem como um penhor de vitria.
Roteiro Cronolgico
1872
O Padre Ccero Romo Batista chega a Juazeiro, distrito do
municpio do Crato, o qual contava ento 32 casas de pobres habitantes
do campo.
1877-79
Uma estiagem de trs anos seguidos assola todo o Nordeste,
reduzindo grande parte de sua populao fome. Calcula-se que um tero da populao do Cear morreu ou emigrou: 300 000 pessoas.
1877 . Inicia-se a emigrao em larga escala de nordestinos para a indstria extrativa da borracha na Amaznia.
1877
Multiplicam-se os grupos de cangaceiros no Nordeste. Surgem
os Brilhantes, os Viriatos e outros, que assaltam propriedades e atacam
depsitos e comboios de mercadorias, que algumas vezes so distribudas entre os pobres.
1878
Comeam os trabalhos da 2." fase da Estrada de Ferro de
Baturit (Cear), ligando o serto ao litoral e empregando milhares de
"flagelados" da seca.
1884 Libertao oficial dos escravos no Cear. Restavam pouco mais
de 30 mil em toda a provncia, a maioria em trabalhos domsticos.
1888
Emancipao dos escravos em escala nacional.
1889
Proclamao da Repblica.
1889 O "milagre" do Padre Ccero em Juazeiro: a hstia transformar-se-ia em sangue na boca de uma "beata". 1890-95
Fundamse no Brasil 452 empresas industriais. 1896-97 Campanha de Canudos.
1896
Surge Antnio Silvino como chefe de cangao no Nordeste.
1897
O Padre Ccero suspenso de ordens eclesisticas pela Igreja.
Recolhe-se vila de Salgueiro, em Pernambuco. No mesmo ano segue
para Roma.
1898
O Padre Ccero regressa de Roma, sendo recebido festivamente em Juazeiro.
1898 Seca parcial no Nordeste.
1900 Seca no Nordeste.
1902 Greve dos operrios de EF de Baturit.
1908 Chegada de Floro Bartolomeu ao Juazeiro, vindo da Bahia.
1911 Juazeiro elevada categoria de vila, sede de municpio.
1911
assinado em Juazeiro (4 de outubro) o Pacto dos Coronis
1912
Nova greve dos operrios da EF de Baturit (6-20 de maro).
1912 (22 de outubro)
Primeiro choque armado dos camponeses do
Contestado, no Irani, com tropas enviadas pelo governo para disperslos.
1912 (22-24 de janeiro) Uma sublevao popular em Fortaleza derruba a oligarquia Acili.
1912
(14 de julho)
Posse de Franco Rabelo no Governo do
Estado.
1913
Procedente do Rio, retorna a Juazeiro Floro Bartolomeu, com planos aprovados pelas autoridades federais para a derrubada
do governo Franco Rabelo.
1913
(9 de dezembro)
Rebenta em Juazeiro um movimento armado contra o governo de Franco Rabelo. Comanda-o Floro Bartolomeu.
12 de dezembro Rene-se em Juazeiro a Assemblia Legislativa do Estado, presidida por Floro.
15 de dezembro Floro declara a dualidade de Poder no Estado, assumindo o "governo provisrio" do sul do Cear.
30 de dezembro Floro declara suspensa a cobrana de impostos at maro de 1914.
1914
(21 de janeiro)
Cerco de Juazeiro pelas foras do governo
de Franco Rabelo. Contra-ataque dos jagunos de Floro. Derrota das
tropas governistas, que se retiram para a vizinha cidade de Barbalha.
27 de janeiro Os homens de Floro tomam Barbalha e perseguem seus adversrios. Ocupam sucessivamente, em alguns dias,
as cidades de Crato, Miguel Cajmon, Senador Pompeu, Quixeramobim, Quixad e marcham sobre Fortaleza.
14 de maro
O Governo federal decreta a interveno no
Cear, nomeando interventor o coronel Setembrino de Carvalho.
15 de maro Franco Rabelo abandona o governo do Estado.
21 de abril
Floro Bartolomeu chega vitorioso a Fortaleza.
23 de julho
Juazeiro elevada categoria de cidade.
1914
Priso do chefe bandoleiro Antnio Silvino.
1915
Nova e terrvel seca devasta o Nordeste.
1918
Ingressa no cangao Virgulino Ferreira da Silva, que seria depois o famoso Lampio.
1919
Outra seca assola os Estados nordestinos, reduzindo as populaes interioranas misria.
1922 maro
Fundao do Partido Comunista Brasileiro.
1922 Levante do Forte de Copacabana, no Rio, em julho.
1924 Sublevao das tropas em So Paulo e no Rio Grande do
Sul. Surge a Coluna Prestes.
1924 Lampio, com 150 cangaceiros, ocupa a cidade de Sousa, na Paraba.
1926 Lampio contratado pelos chefes polticos de Juazeiro para,
juntamente com os capangas dos coronis nordestinos, dar combate
Coluna Prestes. Recebe para isso abundante armamento e munies.
1926
8 de maro
Morre Floro Bartolomeu, deputado federal pelo Cear.
1927
Lampio ataca a cidade de Moor, no Rio Grande do Norte,
prximo ao litoral, sendo repelido pela populao armada.
1927 Lampio ocupa a cidade de Limoeiro, no Cear.
1930
outubro
Movimento armado, com apoio popular, derruba o Governo de Washington Lus. Sobe ao Poder Getlio Vargas. Os
chefes do movimento de 30 mandam desarmar os coronis do Nordeste.
Alguns so presos.
1934 20 de julho
Morte do Padre Ccero Romo Batista.
1937
Golpe de Estado dissolve o Parlamento e derroga a Constituio. Uma nova Carta Constitucional outorgada pelo Executivo.
Implanta-se a ditadura no Pas. Novas restries aos chefetes polticos sertanejos.
1938
destroado o ncleo central do grupo de cangaceiros de
Lampio.
Bibliografia
164.
Ibidem, ibidem.
Idem, pg. 176.
O pas, Rio, fevereiro de 1897.
Aristides Milton, Memria apresentada ao Instituto Histrico e Geogrfico, Rio, 1902.
Os sertes.
O Rio So Francisco e a Chapada Diamantina, Bahia, 1938, Pag.
34.
Idem, pg. 43.
Idem, pg. 106.
Idem, pg. 122.
Idem, pg. 127.
O pais, Rio, 30-1-1897.
Os sertes, pg. 194.
O pas. Rio janeiro de 1897.
Idem.
Idem, 30-1-1897
O pais, Rio, 6-6-1897.
Aristides Milton, ob. cit., pg. 36.
Os sertes, pg. 239.
Os sertes, pg. 191
Macedo Soares, A guerra de Canudos, Rio, 1903, pg. 36.
Os Sertes, pg. 202
Idem, pg. 310.
Macedo Soares, ob. cit., pg. 38.
O pas, Rio, 1-1-1897.
Os sertes, pgs. 396-397.
Os sertes, pg. 276.
Macedo Soares, ob. cit., pg. 101.
Macedo Soares, ob. cit., pg. 201. 112
Macedo Soares, ob. cit., pg. 353.
Idem, ibidem.
O pas. Rio, 30-6-1887.
Os sertes, pg. 441.
Idem, pg. 414.
Aristides Milton, ob. cit., pg. 110.
Manuel Bencio. O rei dos Jagunos, Rio, 1899. pg. 322.
Os sertes, pg. 611.
Aristides Milton, ob. cit., pg. 28.
R. Giro e A. Martins Filho, O Cear, Fortaleza, 1939, pg. 170.
Apontamentos para a histria do Cariri, Fortaleza, 1888, pg. 42.
Joo Brgido, O Cear, homens e fatos, |Rio, 1919, pg. 129.
Irineu Pinheiro, O Cariri, Fortaleza, 1950, pg. 187.
Idem, ibidem.
Em Cear, homens e jatos, pg. 479.
Celso Mariz, Ibiapina, um apstolo do Nordeste, Joo Pessoa,
1942, pgs. 141-147.
A Paraba e seus problemas, Porto Alegre, 1937, pgs. 162-163.
Celso Mariz, ob. cit., pg. 145.
R. Tefilo, Histria da seca no Cear (1877-80), Rio, 1922,
pgs. 104-105.
Idem, pg. 203.
R. Tefilo, ob. cit., pg. 203.
Toms Pompeu de Sousa Brasil, O Cear no centenrio da Independncia, Fortaleza, 1922, vol. I, pg. 231.
Os sertes, pgs. 147-148, 13. ed.
Irineu Pinheiro, O Juazeiro do padre Ccero e a revoluo de 1914, Rio,
1938, pg. 14.
Floro Bartolomeu, Juazeiro e o padre Cicero (Depoimento para
a Histria), Rio, 1923, pg. 109.
pg. 248.
Optato Gueiros, Lampio, 2. ed., So Paulo, 1953, pg. 32 ss.
Ver o romance de Jos Amrico de Almeida, Coiteiros.
Ob. cit. Nota na pg. 78
A. Montenegro, Histria de Fanatismo, pg. 52
Jos Figueiredo Filho e Irineu Pinheiro, Cidade do Crato, Ministrio de
Educao e Cultura, Rio, 19SS, pg. 32.
Irineu Pinheiro, O Cariri, pg. 120.
Informao prestada ao Autor.
Floro Bartolomeu, ob. Cit. pg. 170
R. Giro e A. Martins Filho, O Cear, Fortaleza, 1939, pg. 160
J. F. Normano, Evoluo econmica do Brasil, 2. ed., So Paulo, 1945,
pg. 139.
Informao prestada ao Autor pelo Eng. Pedro Coutinho.
Informao de Lus Carlos Prestes ao Autor.
Jlio Belo, Memrias de um Senhor de engenho, Rio, 1938, pg.
183
Pedro da Costa Rego, Mensagem, Macei, 1925, pg. 22.
Idem, pg. 24.
A. Montenegro, Histria do cangaceinsmo, pag. 85.
Idem, pg. 101.
Costa Rego, Mensagem, pg. 21.
Amrico Werneck, in Correio da Manh, 10-11-1921.
A. Montenegro, Histria do cangaceirismo, pg. 102.
na Assemblia Legislativa do
Godofredo de Castro, Juazeiro
Cear, discursos, Fortaleza, 1925, pg. 11.
Optato Gueiros, Lampio, pg. 11.
Xavier de Oliveira, O Exrcito e o serto, Rio, 1932, pg. 45.
Loureno Filho, ob. cit, 3.' ed., pg. 197.
Informao do general Joo Fac ao Autor.
A Tarde, 14-10-1930.
Idem, 13-12-30.
Idem, 11-2-1931.
Otaclio Anselmo, O Cear na revoluo de 30, 2. ed., Crato,
1957, pg. 38.
A Tarde, Salvador. 5-11-1930.
Jlio Belo, ob. cit., pgs. 186-187.
Edmar Morel, Padre Ccero, o santo de Juazeiro, Rio, 1946,
pg. 194.
Ob. cit., pg. 33.
Joauim Alves, "Juazeiro, Cidade Mstica", In Revista do Instituto do Cear, Fortaleza, t. 62, 1948, pg. 99.
Informao de Otaclio Anselmo ao Autor.
Ob. cit., pg. 98.
Idem, pgs. 97-98.
Idem, pg. 99.
Idem, pg. 99.
Idem, pgs. 99-100.
Idem, pg. 100.
J. C. de Campos Barros, Ordem dos penitentes, exposio, Fortaleza,
1937, pg. 27.
J. G. de Campos Barros, Ordem dos penitentes, pgs. 30-33.
A. Monteiro, Histria do fanatismo, pg. 61.
Campos Barros, ob. cit., pg. 19.
Idem, pgs. 24-25.
Idem, pg. 25.
Idem. pg. 26.
Idem. pg. 26.
Idem, pg. 26.
Idem, pg. 18.