O TEATRO COMO FORMA DE INTERVENÇÃO SOCIAL: A SAGA DE ENTRA E SAÍ NO REINO DOS SOBRADOS E O "BOM HUMOR POLÍTICO-SOCIAL" - Edilberto Florêncio
O TEATRO COMO FORMA DE INTERVENÇÃO SOCIAL: A SAGA DE ENTRA E SAÍ NO REINO DOS SOBRADOS E O "BOM HUMOR POLÍTICO-SOCIAL" - Edilberto Florêncio
O TEATRO COMO FORMA DE INTERVENÇÃO SOCIAL: A SAGA DE ENTRA E SAÍ NO REINO DOS SOBRADOS E O "BOM HUMOR POLÍTICO-SOCIAL" - Edilberto Florêncio
SOBRAL-CE
2013
SOBRAL-CE
2013
FICHA CATALOGRFICA
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Prof. Dr. Francisco Dnis Melo
(Orientador)
____________________________________________
Prof. Dra. Edvanir Maia da Silveira
(Convidada)
___________________________________________
Prof. Msc. Igor Alves Moreira
(Convidado)
Resumo: O presente trabalho tem como intento a apropriao do fazer teatro enquanto
fonte para a discusso e compreenso das questes de seu tempo, por meio do
movimento de teatro amador desenvolvido na cidade de Sobral nas ltimas dcadas do
sculo XX, tomando como ponto central desta discusso o espetculo A Saga de Entre e
Sai no Reino dos Sobrados, montagem realizada pelo Grupo de Teatro da UVA no ano
1995, que ao levar aos palcos a situao poltica da cidade de Sobral no perodo, pode
ser entendido enquanto uma interveno social no fazer-se da histria de seu lugar.
Palavras-chaves: Fazer Teatral. Cultura. Interveno Social. Sobral-CE.
1 - Introduo
Quando no conseguimos entender um provrbio, uma piada, um
ritual ou um poema, temos a certeza que encontramos algo.
Analisando o documento onde ele mais opaco, talvez se consiga
descobrir um sistema de significados estranho. O fio pode at
conduzir a uma pitoresca e maravilhosa viso de mundo. 4
Assim sendo, cabe pensar de que forma nos possvel a partir de nosso presente
ir ao encontro de questes de outros tempos, alguns desses visivelmente ausentes na
historiografia, onde, conforme afirma Darnton talvez se possa descobrir um sistema de
significados estranho, que parece nos encarar tal a esfinge da antiguidade a nos
desafiar: decifra-me ou te devoro.
A historiografia do sculo XIX, em seu mpeto de afirmar a histria enquanto
cincia creditou somente ao documento em seu carter oficial, o postulado de nica
forma de acessar o passado, que por sua vez j se encontrava disposto nas fontes,
cabendo ao pesquisador apenas traz-lo ao presente. Somente com o alargamento dos
horizontes da produo do saber histrico e da compreenso da histria enquanto
elemento intrnseco aos processos sociais, expresso na pluralidade das prticas culturais
humanas; desencadeado com as proposies tericas e metodolgicas das Escolas dos
Annales no Sculo XX, que ocorreu um movimento em direo a novas fontes que
pudessem dar conta do no documentado oficialmente e da pluralidade de vozes que
se estendiam para alm do poltico e do econmico, temas j consagrados pela
historiografia, trazendo o universo da arte e da cultura para o debate.
Esse processo ganha novas perspectivas e contornos mais bem definidos a partir
da estruturao da Histria Cultural, e o direcionamento a temas, objetos e abordagens
que privilegiando os aspectos do denso universo cultural em suas diversas formas de
expresso, permitiam a discusso e problematizao da historicidade de outros aspectos
da vida e das sociabilidades humanas.
Assim, a arte em suas formas de produo e expresso paulatinamente foi se
adensando dentro da produo historiogrfica, embasada na crescente compreenso do
fazer artstico e dos objetos culturais enquanto obras humanas no tempo, que agregam
em si os sentidos e sentimentos de seu tempo medida que tambm geradora de
sentidos, que extravasam a seara do artstico, entranhando-se no social, pois em grande
parte provem dele e a ele se destina.
inerente aos homens a necessidade de elaborar representaes a respeito da
realidade que o cerca, imprimindo e deixando como legado suas impresses e
interpretaes sobre os fatos e o meio em que desenvolve sua existncia, atravs da
elaborao de objetos culturais, que podem ser desde obras artsticas ou como nos
lembra Darnton, citado na epgrafe deste texto, um provrbio, uma piada, um ritual ou
um poema.
O trato com estes objetos culturais tem exigido dos historiadores um constante
repensar de seus paradigmas e metodologias de trabalho, visando buscar nessas
expresses, elementos suscetveis discusso e problematizao no campo da histria.
Ou seja, o trabalho de historicizar as fontes culturais, traando um dilogo entre histria
e arte, se insere em um campo de pesquisa que requer certa ateno s nuanas e
modelos particulares relativos a cada linguagem, assim como as quebras desses
paradigmas, as tintas da subjetividade e teor criativo que fomentam tais produes.
Deste modo, poderamos entender a tentativa de se apropriar das fontes e objetos
artstico-culturais, buscando historicizar seus processos de produes e sua insero e
repercusso na realidade social de um dado perodo, com um dilogo de subjetividades.
Travado entre a subjetividade do pesquisador que recorta um tema e se lana a ele
imbudo das questes do presente, que pessoalmente e academicamente o inquietam, e a
subjetividade e o senso artstico que moveu determinados sujeitos a se expressarem por
meio da produo de objetos culturais.
Da mesma maneira que a realidade social no pode ser compreendida como um
dado pronto e acabado, as representaes sobre ela tambm deve ser entendida como
fruto de um processo de construo, que mistura individualidade e coletividade, imersas
nas tramas da subjetividade dos sujeitos, mas ligadas a leituras de mundo e de presente,
que permitem ao historiador, em alguns casos, adentrar certos aspectos do passado, que
no seriam possveis no campo da oficialidade dos documentos consagrados pela
historiografia do sculo XIX.
De todo modo, o trabalho com tais fontes demanda um olhar de certo modo
acurado, para apreender os elementos em jogo durante a tessitura de determinado objeto
artstico, compreendido enquanto ponto de interseco entre realidade e as
possibilidades de leitura e interpretao desta por meio de signos e convenes
artsticas. Pois, conforme afirma Giselle Venncio (2006, p. 12):
... as percepes do social no so discursos neutros, mas, ao contrrio,
espaos de lutas de representao. (...) As estruturas do mundo social no so
assim, um dado objetivo previamente estabelecido, mas sim, historicamente
construdas num espao de lutas de representao entre os grupos sociais.
O teatro ao longo de sua histria tem sido empregado por seus artfices como
instrumento e linguagem para as discusses e reflexes sobre os problemas e questes
sociais de seu tempo, buscando levar aos palcos, arenas, ruas e praas, e ao pblico a
oportunidade de pensar a prpria condio humana e suas demandas polticas, sociais e
culturais, por meio dos enredos e personagens que tomam vida na cena, mas tem seu
substrato na realidade vivida e compartilhada por artistas e plateia, em um jogo de
alteridade.
No Brasil, as pesquisas sobre a Histria do Teatro tem-se estruturado na busca
por entender o dilogo entre as obras artsticas e suas interseces e inseres na
realidade social, seja por meio da histria dos artistas e companhias, pela linguagem
cnica adotada ou pelo contedo poltico e social dos textos e montagens realizadas.
Desta maneira, segundo Rosngela Patriota essa historiografia do teatro brasileiro est
marcada por uma concepo de arte capaz de intervir no processo histrico. (2005,
p.81)
Nesse sentido se tornaram referncias as experincias teatrais desenvolvidas
durante as dcadas de 1960 e 1970, como expresses de um perodo em que se forjou
um teatro com ideais polticos, atravs de uma cena militante, de forte engajamento com
a realidade daquele momento. Marcado pela instaurao e consolidao de um regime
ditatorial civil-militar no Brasil, e que, se por um lado restringia as liberdades, vigiando
e censurando as manifestaes artsticas, por outro fez brotar uma atividade cnica
insurgente, que ansiavam por mudanas e tinha na expresso artstica uma forma de
levar esse discurso a pblico, discutindo a realidade, muitas vezes atravs de metforas
e jogos de linguagem resignificados, com o intuito de burlar os censores, sem, no
entanto, perder a comunicao com suas plateias.5
Contudo, de que forma pensar o dilogo entre a abordagem dada a estas
montagens teatrais consagradas pela historiografia do teatro brasileiro e a produo do
espetculo A Saga de Entra e Sai no Reino dos Sobrados, montada pelo Grupo de
Teatro da UVA no ano de 1995 na cidade de Sobral; compreendendo que a experincia
cnica abordada neste trabalho foi perpetrada fora do eixo temporal, dcadas de 1960 e
1970, e geogrfico, marcado por companhias de So Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais; por um grupo de artistas amadores, ausentes na memria social da cidade?
Entendemos que discutir o teatro sobralense, e mais especificamente o
espetculo A Saga de Entra e Sai no Reino dos Sobrados, pensar a pluralizao da
escrita sobre a histria do Teatro no Brasil, evidenciando a importncia desse tipo de
5
Ver: PARANHOS, Ktia Rodrigues. Arte e engajamento no Brasil ps-1964: dramaturgos e grupos de
teatro trafegando na contramo. Anais do XX Encontro Regional de Histria. ANPUH/SP, 2010.
SOUSA, Dolores Puga A. de. O Brasil do Teatro Engajado: a Trajetria de Vianinha, Paulo Pontes e
Chico Buarque. Fnix Revista de Histria e Estudos Culturais. Janeiro/ Fevereiro/ Maro de 2007 Vol.
4. Ano IV n 1.
Esta proposio foi desenvolvida por ns no trabalho de concluso de curso. Ver: SANTOS, Edilberto
Florncio dos. Existir - fazendo, atuando: o movimento teatral na cena sobralense (1983- 1996). 2012.
Monografia. (Licenciatura em Histria). Universidade Estadual Vale do Acara, Sobral, 2012.
7
Aps a ltima reinaugurao do Theatro So Joo, no ano de 2004, buscou-se oficializar a grafia do seu
nome com th (Theatro), como costumam manter as casas de espetculos mais antigas. Neste trabalho, a
grafia do termo teatro com th, serve tambm para diferenciar o fazer artstico (teatro) e o edifcio teatral
(Theatro).
8
O So Joo cronologicamente o segundo teatro mais antigo do estado, inaugurado em 1880. Fazendo
parte da trade dos teatros antigos cearenses, antecedido pelo Teatro da Ribeira dos Ics, na cidade de Ic,
datado de 1860, e seguido pelo Theatro Jos de Alencar na capital, de 1910.
Igreja Catlica, por meio das propostas de atuao social experienciadas na conjuntura
das dcadas de 1960 e 1970. Associada a relao da juventude com o engajamento
poltico-militante nos partidos de esquerda, no presente caso, relacionados aos quadros
do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) na cidade
de Sobral, que recm-sados da clandestinidade, ganhavam a adeso da juventude local,
ora disputando ora misturando-se aos quadros da Igreja, contribuindo para o processo de
politizao desta gerao.
nesta conjuntura que se do as primeiras experincias com teatro de muitos
dos sujeitos que iro atuar na produo teatral dos anos seguintes. E a tambm onde
ocorre a criao do Grupo Teatral Reluz no ano de 1983, fundado pela unio entre
alguns seminaristas diocesanos, entre eles Carlos Rodrigues e Rognio Martins, que
contriburam intensamente nessa gerao de artistas; e alguns membros do grupo de
jovens chamado Shalom, buscando levar a pblico as crticas s desigualdades e
injustias sociais discutidas nas reunies e leituras do movimento pastoral por meio do
fazer teatral.
Aps a montagem de diversas esquetes e pequenos espetculos, no ano de 1986
um novo momento se inicia na histria do teatro na cidade, neste ano o movimento
teatral de Sobral se filia a Federao Estadual de Teatro Amador do Cear (FESTA),
pondo o teatro sobralense em relao direta com os diversos grupos e artistas de todo o
estado, atravs da participao em oficinas, intercmbio artsticos e das mostras de
teatro amador, levando o Grupo Reluz a participar da IX Mostra de Teatro Amador, na
cidade de Fortaleza.
No ano seguinte Sobral se torna uma das cidades cearenses a receber um dos
ncleos do Centro de Ativao Cultura (CAC's), projeto do governo do estado que
objetivava mobilizar as expresses culturais locais, englobando diversas reas do fazer
artstico, com acentuado destaque s manifestaes da cultura regional. Tendo como
sede as dependncias do Theatro So Joo, o CAC inaugura um novo momento de
fomento s expresses artsticas na cidade, de ocupao do centenrio prdio, e de
efervescncia cultural no campo das artes.
Fruto dos intercmbios e da relao do movimento teatral sobralense com a
Federao Estadual de Teatro Amador do Cear, Sobral sedia no ano de 1987, a X
Mostra de Teatro de Amador, compreendido pelos artistas como um momento
primordial para o estabelecimento de uma nova postura diante da produo cnica local,
tanto por parte dos artistas como da sociedade sobralense, ao menos no perodo
10
11
de Teatro da UVA, com a contratao da atriz e diretora fortalezense Aida Marsipe para
assumir a direo da companhia, ministrando oficinas e produzindo algumas montagens
com os alunos da universidade, aos quais se somaram os artistas j em atividade na
cidade, alguns deles na condio de discentes da universidade.
Inicialmente vinculada ao SESC Sobral, depois indo assumir o ncleo de teatro
da UVA a convite do Projeto de Extenso Cultural, a atuao de Aida Marsipe enquanto
diretora do grupo e articuladora cultural na cidade fomentou, com o apoio da
Universidade, uma leva de intercmbio e de produo teatral bastante fecunda para a
cena teatral sobralense, a exemplo do que ocorria na dcada anterior pela presena do
CAC na cidade, possibilitando um grande nmero de oficinas com artistas do estado,
bem como a circulao dos espetculos produzidos pela companhia da UVA em
diversas cidades da regio.
Sobre a proposta que fundamentava a atuao do Grupo de Teatro da UVA,
podemos ver no folder de divulgao das apresentaes natalinas do ano de 1994, a
diretora da companhia, apresentando uma reflexo sobre a realidade enfrentada no
cotidiano dos que insistiram e persistiram no sonho de fazer teatro a partir da realidade
social, cultural, poltica e econmica de Sobral e regio:
Desde outubro de 1992 estamos uma p de gente e eu nesta empreitada de
formar o Grupo de Teatro da UVA. Formar no sentido de existir-fazendo,
participando, atuando. O nosso objetivo, ainda, est distante, embora, j
vislumbremos a linha do horizonte. [...] Os que sabem o preo de se fazer
teatro no Brasil, no Nordeste, no Cear, em Sobral e na UVA percebem o
feito. Os demais, oxal, cheguem a esse conhecimento e sobretudo a
conscincia necessria sobre o sentido do fazer artstico.11
11
Folder de apresentao dos Espetculos Natalinos do Grupo de Teatro da UVA, Sobral-CE, 1994.
Arquivo Rognio Martins.
12
13
A discusso sobre as prticas culturais como intervenes sociais foi inspirada no trabalho: COSTA,
Rodrigo de Freitas. Apropriaes e Historicidade de Tambores Na Noite no Brasil de 1972. Fnix
Revista de Histria e Estudos Culturais Janeiro/ Fevereiro/ Maro de 2005 Vol. 2. Ano II n 1
13
Fragmento retirado do folder de apresentao do espetculo A Saga de Entra e Sai no Reino dos
Sobrados, Grupo de Teatro da UVA. Sobral, 1995.
14
por meio dos olhos clnicos, e da conscincia de que todos so agentes de sua
realidade histrica cotidiana, que o espetculo se inseriu sobre a realidade de uma
cidade em crise, perfazendo-se em um espantalho com o intuito de gerar espanto no
Reino dos Sobrados, para que deste espanto sejam fecundadas as aes que vo se
insurgir sobre a vida cotidiana, modificando-a.
Mas que realidade era essa que Sobral vivenciava e que a tornava uma cidade
em crise aos olhos clnicos do Grupo de Teatro da UVA? Quem eram as personas, as
facetas e mscaras que inquietavam a populao sobralense? Como essas questes
repercutiram no Reino dos Sobrados at ganhar corpo e expresso no palco atravs do
espetculo?
A historiadora Edvanir Maia da Silveira, em seu trabalho sobre a poltica
municipal em Sobral no perodo entre o Regime Militar e a Nova Repblica, define a
situao poltica sobralense no incio da dcada de 1990, como um momento de
transio e de busca por mudanas, em decorrncia ao que j se desencadeava a nvel
estadual e nacional, e que desestruturava os alicerces e as alianas da poltica local.
14
Folder de apresentao do espetculo A Saga de Entra e Sai no Reino dos Sobrados Grupo de Teatro
da UVA, Sobral-CE, 1996. Arquivo Rognio Martins.
15
Quase dez anos aps o fim do regime militar e do poder dos coronis no
Cear, a sobrevivncia dessas, que foram as principais agremiaes polticas
sobralenses por trs dcadas, parecia j ter ido longe demais. A dcada de
noventa consumava a crise dos velhos chefes e afirmava a ascenso dos
novos. (SILVEIRA, 2013. p. 183)
16
caixo de anjo, por que o Teatro ali passou a ser um caixo de anjo, por conta
da cor. Mas foi uma manifestao que se deu. 15
Francisco Rognio Martins do Nascimento. Entrevista realizada no dia 11 de fevereiro de 2011. SobralCE. Arquivo do autor.
17
18
incio dos trabalhos do vice-prefeito em exerccio Aldenor Faanha Jnior, que sob o
slogan Resgate Cidadania pretendia junto com seu novo secretariado realizar em
90 dias, tudo o que o prefeito Ricardo Barreto no foi capaz de fazer em um ano de
administrao. 19
No incio do ms de julho de 1994, o peridico noticia o retorno de Ricardo
Barreto ao cargo, depois do arquivamento do processo junto Presidncia do Tribunal
de Justia do Estado, e o indicativo de sua inocncia pela Cmara. No entanto, a matria
j alertava para a atmosfera de incertezas reinante na poltica local:
Pronto, estava posto o cenrio de entra e sai, que iria inspirar uns dos mais
importantes espetculos do Grupo de Teatro da UVA ao longo de seus anos de atuao
no teatro sobralense. O espetculo leva a cena o questionamento e a crtica sobre a
conjuntura poltica vivenciada durante este momento da dcada de 1990 no Reino dos
Sobrados, na alternncia no pao municipal entre Ricardo Barreto e Aldenor Jnior.
5- A Saga de Entra e Sa e o bom humor poltico-social.
Jornal Correio da Semana. Sobral, 07 de maio de 1994. N 57. Ano 76. Aldenor Faanha inicia
trabalhos na cidade de Sobral. p. 01.
20
Jornal Correio da Semana. Sobral, 09 de julho de 1994. Ano 76. Ricardo Barreto reassume,
prometendo no mudar secretariado. p. 08.
19
Fig. 02 - Foto de A Saga de Entra e Sai no Reino dos Sobrados - Grupo de Teatro da UVA.
Fonte: Arquivo Rognio Martins
por meio das muitas sucesses entre Entra e Sai que o espetculo vai, de
forma bem humorada, descortinando a realidade poltica vigente no perodo, levando o
pblico a uma postura crtica diante da realidade vexatria por que passava a cidade de
Sobral. No enredo, cada troca de monarca acompanhada pelo estampido de fogos de
artifcio anunciando e festejando a chegada ao poder de um dos herdeiros, na medida
em que ocorre a queima das contas pblicas do reino por parte do prncipe deposto. A
cena seguida pelo encontro entre os cortejos dos dois prncipes e seus respectivos
squitos cruzando o palco, de um lado o monarca que deixa o poder e do outro o que
assume o trono; e assim, sucedem-se os cortejos, os fogos e as fogueiras das contas do
reino.
21
Jornal Correio da Semana. Sobral, 30 de maro de 1996. Cultura Recebe Homenagens. p. 05.
20
22
ter sido uma forma de amenizar os efeitos de transio junto populao e aos
22
Jornal Correio da Semana. Sobral, 09 de julho de 1994. Ano 76. Ricardo Barreto reassume,
prometendo no mudar secretariado. p. 08.
21
22
23
Logo de incio a historiadora coagida a renunciar sua verso dos fatos vigentes no
Reino, para escrever, segundo a orientao do Prncipe Entra, no a verdade
verdadeira, e sim a nossa verdade. Para isso caberia historiadora somente utilizar
de um estratagema: trocar o nome monarca pelo nome povo, bastando, conforme
complementa o Bobo, escrever como se o povo fosse o monarca e no como se o
monarca fosse o povo. Portanto, se ao monarca no falta nada no presente, por sua
escrita a historiadora deixaria registrado para as geraes futuras, que no passado no
faltava nada tambm ao povo.
A personagem leva ao palco as reflexes e a crticas relativas tanto ao objetivo
da histria e seu mtodo de construo, como a funo social do historiador e a insero
de seu trabalho dentro da vida da sociedade, em uma espcie de autocrtica realizada
pelo dramaturgo, e que se estende a ns que nos debruamos hoje sobre sua obra levada
a cena. Pois, se o fazer teatral estava posto na Saga de Entra e Sai como instrumento
para produzir estranhamentos, aliando realidade e arte com o intuito de intervir na
sociedade, a Histria estava presente para alertar da necessidade de um posicionamento,
enquanto sujeitos histricos perante a situao, entendendo como bem afirma um dos
Bobos, que a realidade como uma boca desdentada: quando se mantm fechada
ningum adivinha o que tem dentro.
Com A Saga de Entra e Sa no Reino dos Sobrados o teatro estava posto como
um espantalho diante do pblico e da sociedade sobralense, que compartilhou essa
experincia cnica com os atores e atrizes do Grupo de Teatro da UVA, sendo a Histria
a ferramenta usada para descerrar essa boca desdentada que a realidade,
evidenciando alm da falta a podrido de alguns dentes; produzindo os estranhamentos
e espantos necessrios a um posicionamento crtico e atuante no tempo presente.
Dentro do painel social composto pelos personagens da encenao, os que
melhor condensam o esprito crtico do espetculo, atravs de uma relao com a
realidade da prpria classe artstica de Sobral, so os membros da Comisso Artstica
do Reino, que aparecem prximos ao fim do espetculo, requerendo uma audincia
com o monarca, na qual somente os palhaos so convidados presena real.
Atravs de Maria Vai Com as Outras temos a representao da figura do
historiador, e do prprio dramaturgo responsvel pelo texto, com os palhaos da
Comisso Artstica, encontramos as representaes de toda a classe artstica local, mais
especificamente dos atores e atrizes que levavam A Saga de Entra e Sai cena.
24
25
dos interesses polticos da gesto no poder, sendo usados muitas vezes, para fins sem
relao com o fazer artstico e cultural.
Outra questo bastante relevante sobre as possveis relaes entre o espetculo e
as questes do seu tempo procurar perceber sua reverberao no tecido social, de
modo a compreender como se deu sua aceitao por parte do seu pblico. Portanto, na
ausncia de uma crtica teatral consolidada, como nas cidades e capitais firmadas
enquanto centros de produo artstica a nvel nacional, que infiram sobre a esttica dos
espetculos e sua recepo junto ao pblico, bem como a dificuldade durante a pesquisa
de entrevistar indivduos que a poca presenciaram as apresentaes da montagem,
nosso olhar se direcionou na busca de possveis leituras sobre o espetculo nas pginas
dos peridicos locais.
Assim, dentro da pesquisa com aos arquivos jornalsticos, esse espetculo lana
um dado bastante significativo na compreenso da histria do movimento teatral
sobralense das ltimas dcadas, pois, foi somente com A Saga de Entra e Sai no Reino
dos Sobrados, e mais precisamente em um espao para alm do Jornal Correio da
Semana, que podemos encontrar uma espcie de crtica que tratasse sobre a produo
teatral sobralense vinculada na mdia local, apresentando as caractersticas da pea e
relacionando o teor do espetculo a discusso em torno da vida cultura da cidade.
Tais referncias sobre a produo teatral foram encontradas no Jornal Nova
Meta,24 onde podemos perceber com mais intensidade a insero de referncias
produo cultural e teatral dos grupos e companhias locais. Como exemplo, podemos
citar o ms de abril do ano de 1996, no qual possvel perceber diversas notas a respeito
da movimentao cultural sobralense, e nesse bojo as menes as apresentaes da Saga
de Entra e Sai pelo Grupo de Teatro da UVA.
Em uma dessas notas de autoria de Odsio Cunha Filho, intitulada Nossa
Fnix, o colunista noticia a entrega do prmio Domingos Olmpio, sendo na ocasio
apresentado o espetculo A Saga de Entra e Sa no Reino dos Sobrados, sobre o qual ele
comenta:
Apesar das deficincias fsicas e estruturais do teatro, da simplicidade do
cenrio, da falta de boa acstica, de ar condicionado ou ventiladores, assim,
com originalidade, criatividade e bom humor poltico-social sobre a situao
24
O peridico surge no ano 1996, sob a direo do jornalista Antnio Silveira Rocha, com uma linha
editorial caracterizada por uma linguagem mais simples e direta, com humor e crtica social. Os
exemplares acessados durante a pesquisa esto disponveis a pesquisa no Ncleo de Estudos e
Documentao Histrica (NEDHIS) da Universidade Estadual Vale do Acara, e se estendem at meados
do ano de 1997.
26
Constru-se no campo da arte uma mxima que diz que uma obra de arte, seja ela
uma pintura, obra literria, filme, msica, pea teatral e etc., pode ser mensurada por sua
25
Jornal Nova Meta. Sobral, 12 de abril de 1996. Nossa Fnix, Odsio Cunha Filho. N 22. pg. 05
Francisco Rognio Martins do Nascimento. Entrevista realizada no ano de 2009. Sobral-CE. Arquivo
Projeto Poro da Memria Secretaria de Cultura e Turismo de Sobral.
26
27
28
7- Referncias Bibliogrficas
ARAUJO, Francisco Sadoc de. Cronologia Sobralense Vol. III. Sobral: Imprensa
universitria UVA, 1983.
______. O Teatro So Joo. In: Origem da Cultura Sobralense. Sobral: Edies UVA,
2005.
BENJAMIN, Walter. O que teatro pico? Um estudo sobre Brecht. In: Magia e
tcnica, arte e poltica: ensaios sobre literatura e histria da cultura. Vol.1. 7 ed. So
Paulo: Brasiliense, 1994.
BARTHES, Roland. A aventura semiolgica. So Paulo, Martins Fontes, 2001.
BLOCH, Marc. Apologia da Histria ou o Ofcio do Historiador. Trad. Andr Telles.
Jorge Zahar Editor: Rio de Janeiro, 2002.
CHARTIER, Roger. A Histria ou a leitura do tempo. Trad. ANTUNES, Cristina.
Belo Horizonte: Autntica Editora, 2009.
______. Por uma sociologia histrica das prticas culturais. In: CHARTIER, Roger.
Histria Cultural: entre prticas e representaes. Lisboa: Difel, 1990.
COSTA, Marcelo Farias (org.). Teatro na terra da luz. Fortaleza: Edies UFC, 1985.
______. Teatro em primeiro plano. Fortaleza: Grupo Balaio, Casa da Memria
Equatorial, 2007.
COSTA, Rodrigo de Freitas. Apropriaes e historicidade de Tambores na Noite no
Brasil de 1972. In: Fnix Revista de Histria e Estudos Culturais. Jan/ Fev/ Mar
2005. Vol. 2. Ano II. N 1.
DARNTON, Robert. Apresentao. In: O grande massacre dos gatos. Rio de Janeiro:
Graal, 1986. pp. 14-15.
FERREIRA, Tas. Estudos Culturais, Recepo e Teatro: uma articulao possvel? In:
Fnix Revista de Histria e Estudos Culturais. Out/ Nov/ Dez 2006. Vol. 3. Ano
III. N 4
GEERTZ, Clifford. A arte como um sistema cultural. In: O saber local. Petrpolis:
Vozes, 1998.
LOWY, Michael. As esquerdas na ditadura militar: o cristianismo da libertao. In:
REIS, Daniel Aaro; FERREIRA, Jorge (orgs.). Revoluo e democracia: 1964... As
esquerdas no Brasil. Vol. III. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2007.
29