LIVRO - HENRIQUE BELTRÃO - 6 JUNHO 2013.indd
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UM POETA
Presidente da Repblica
Dilma Vana Rousse
Ministro da Educao
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Universidade Federal do Cear
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Henrique Beltro
NO AR,
UM POETA
Fortaleza
2014
No Ar, um Poeta
2014 Henrique Srgio Beltro de Castro
Impresso no Brasil / Printed in Brazil
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Normalizao Bibliogrfica
Perptua Socorro Tavares Guimares
Projeto Grfico e Capa
Carlos Alberto A. Dantas ([email protected])
Reviso de Texto
Francisca de S Benevides
SOBRE O AUTOR
Henrique Beltro (HENRIQUE SRGIO BELTRO DE CASTRO)
Poeta, radialista, pesquisador e professor universitrio.
POESIA E MSICA
Autor de Vermelho (2006; 2007) e Simples (2009), livros de poemas
e canes. Parcerias com Rogrio Franco, Jord Guedes, Vlademir
Rocha, Marcelo Kaczan, Fernando Rosa, Alex Costa, Dumar, Wilton Matos, Pedro Rogrio, Rodrigo BZ, Rafael Lima, Marcos Paulo
Leo, Isaac Cndido, Paulo Branco, Pingo de Fortaleza, Lu e Mrcio
Resende, e algumas dessas canes gravadas por Pingo de Fortaleza,
Joana Anglica, Marcelo Kaczan, Aparecida Silvino, Lorena Nunes,
Wilton Matos e Lia Veras, Cal Alencar, Jord Guedes, Edmar Gonalves, Simone Guimares e Fagner.
RADIOFONIA
Produtor e apresentador dos programas Sem Fronteiras: Plural
pela Paz (desde 1998) e Todos os Sentidos (desde 2003) da Rdio
Universitria FM 107,9 projetos de extenso da UFC.
www.radiouniversitariafm.com.br
DOCNCIA
Professor do curso de Letras: Portugus-Francs da Universidade
Federal do Cear (UFC) desde 1994. Formador nas reas de rdio e
de ensino de francs.
FORMAO
Graduado em Letras: Portugus-Francs pela UFC (1988). Mestre
em Lingustica Aplicada: Ensino/Aprendizagem de Lnguas Estrangeiras pela Universidade Estadual do Cear (2002). Doutor em
Educao Brasileira pela Faculdade de Educao da UFC (8/2008
12/2011), com doutorado sanduche na Universit de Nantes,
Frana. Tese: No ar, um poeta: do singular ao plural experincias
afetivas (trans)formadoras em um percurso autobiogrfico potico-radiofnico (2011).
CONTATOS PESSOAIS
E-mail: [email protected]
www.henriquebeltrao.blogspot.com
(85) 9101.1820 (Tim)
(85) 8527.5708 (Oi)
Contatos dos programas radiofnicos
TODOS OS SENTIDOS
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Facebook: www.facebook.com/sentidostodos
Blogue: http://todosossentidosuniversitariafm.wordpress.com/
SEM FRONTEIRAS: PLURAL PELA PAZ
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Blogue: http://semfronteirasplural.wordpress.com/
APRESENTAO
Nesta altura da vida posso dizer que os livros e a msica
foram minhas paixes mais constantes. Os livros esto em minha vida desde sempre e, no que depender de mim, jamais nos
separaremos. Por onde andei vi com prazer bibliotecas e livrarias.
De livros me agradam o perfume, a textura, o peso, o manuseio e
muitas vezes at o contedo. a partir dessa posio de amante
e leitor voraz que contemplo o trabalho de Henrique Beltro que
ora se publica.
Todo livro tem uma histria. Apresent-lo tambm refletir sobre o processo de criao (incluindo aquelas flutuaes de
contexto) do qual ele resultou.
Dentre os mltiplos aspectos que podem ser arrolados nesta gnese, quero destacar que, em primeiro lugar, este livro fruto de um curso de doutorado realizado parte no Brasil e parte na
Frana; em segundo lugar, resultado de ponderaes muito pertinentes a respeito da experincia do autor enquanto profissional
do rdio, educador e militante da poesia; e em terceiro mas no
em ltimo lugar, emerge do florescimento de toda uma vida,
que tem razes remotas na vida familiar do menino que se via escritor e que se completa no Henrique hoje adulto, pai, escritor,
artista e operador da palavra.
Este livro , assim, o reflexo de uma histria de vida e formao, que tem como eixo uma relao privilegiada com a palavra poeticamente situada, e iluminada com uma relao muito
especial com o outro, na qual o rdio oferece o suporte que generaliza, abre, amplifica as fronteiras da amorosidade.
Organizando suas 360 pginas em 7 captulos, opera com
rara felicidade a integrao da teoria ao relato especfico, o que
resulta em ganhos significativos de poder explicativo, e permite
VII
VIII
Graas a DEUS,
aos parceiros de rdio, msica e poesia,
aos mestres e estudantes,
leitores e ouvintes,
amigas e amigos meus.
Graas
a Luiz Botelho Albuquerque e Martine Lani-Bayle,
orientadores e amigos meus, pesquisadores e artistas de luz,
a Ana Irio, Elvis Matos, Elzanir dos Santos, Gisneide Ervedosa e Sofia Lerche, que compuseram a
banca da defesa potico-musical da tese,
mestra da palavra, que me sagrou poeta, Maria da
Graa de Andrade Teixeira,
mestra da msica, que me chamou a viver o sagrado palco, Maria Izara Silvino Moraes,
queles que compartilharam comigo os caminhos
para a publicao deste livro: Francisco de Assis
Melo Lima, Gerardo Vasconcelos, Carlos A. Dantas,
Mauro Gurgel, Nonato Lima e Francisca Benevides
e a todos que fazem a nossa RDIO UNIVERSITRIA FM.
NADA
Nada lamento.
Leve, passo como o vento.
Planto e rego e espero,
aguardo colher o que bem quero.
Nada desprezo.
Medito sobre o pequeno. Rezo.
Considero as coisas mais midas:
a folha seca ao p da planta desnuda.
Nada, quase nada sei.
Por isso os meus versos simples.
Nada de todo bvio e garantido.
Nada j est decidido.
Nada lamento, nada desprezo, quase nada sei.
Caminhando ao teu lado, sou reluzente rei.
ANEXOS
ANEXO A ..................................................................................................................................................... 339
Charte de lAssociation internationale des histoires de vie en
formation et de recherche biographique en ducation (ASIHVIF)
ANEXO B ..................................................................................................................................................... 343
The slow science manifesto
ANEXO C ..................................................................................................................................................... 344
Capas dos livros Simples e Vermelho
ANEXO D ..................................................................................................................................................... 344
Logomarcas dos programas de rdio
ANEXO E ..................................................................................................................................................... 345
Fotograas
A poesia anima meus dias e minhas noites. Semeio versos no ar, colho encontros com meus pares: os leitores, os estudantes, os artistas, os professores e os ouvintes com os
que amam ler e escrever, com os que escutam (n)o silncio
e falam desde si, com os que buscam em plena sinceridade
e com os que verdadeiramente se encontram. Formando e
me (trans)formando, duvidando e procurando, eu me junto a
quem me l aqui e agora, ao fio destas pginas cujas entrelinhas se regozijam por estarem grvidas de eloquncia.
Porque este percurso de (trans)formao como poeta
me inquieta e entusiasma, me desafia e seduz, bem como porque espero contribuir, embora modestamente nas reas envolvidas, precisei me encorajar a fazer esta busca autobiogrfica
sobre este caminho de potica (trans)formao, considerando
o papel que nele tem a afetividade, ou seja, senti necessidade
de ousar fazer esta pesquisa autobiogrfica sobre as experincias afetivas (trans)formadoras que fizeram e fazem de mim
poeta, radialista e professor, contemplando minha histria de
outrora, de agora e o porvir, ao longo desta aprendizagem que
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A ela cabe animar cada verso que eu desenho, cada palavra que canto, cada gesto que fao como radialista, pesquisador, professor, formador de professores de francs e de jornalistas e publicitrios encantados com o rdio.
As emisses radiofnicas que fao na Universitria FM
constituem parte essencial do estudo a que ora me consagro:
No ar, um poeta. No toa que o ncleo do ttulo poeta e
que a circunstncia, ou melhor, o lugar deste poeta no ar.
A poesia me anima e conduz e abriga e orienta e apazigua. A
poesia me inspira. na qualidade de poeta que atuo no rdio,
no palco, na sala de aula. E se destaco a radiofonia que no ar
tenho vivido parte fundamental da minha contnua formao
e constante atuao social, inclusive como educador.
Espero sempre caminhar rumo ao autoconhecimento e
ao aperfeioamento do poeta, educador e comunicador que
sou para melhor colaborar com as pessoas com quem convivo.
1 Aluso a meus dois primeiros livros de poemas e canes: Vermelho (2006;
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nosso jardim, os familiares e os antepassados nossos, os amigos de sempre e os amores bem vividos, meus mestres e professores, os estudantes e ouvintes meus, os artistas que admiro, aqueles com quem convivi ou convivo, todos eles cantam
no coral da formao ainda compartilhada medida que eu
vivo com eles ou quando recordo os belos dias colhidos juntos
antes de sua partida.
Quando a criana que foi meu pai girava a manivela do
gramofone para que meu av estudasse francs no princpio
do sculo XX numa cidadezinha cearense chamada Cascavel,
ele no imaginava que esta se tornaria minha lngua paterna, graas a seu acompanhamento de meus estudos francfonos desde a idade de 10 anos. Quando minha me passava
horas a ensaiar no piano msicas de Bach, Mozart, Chopin,
Villa-Lobos, Chiquinha Gonzaga e a interpretar na sanfona
as de Ary Barroso, Assis Valente, Jackson do Pandeiro, Luiz
Gonzaga, ela no supunha que um dia eu subiria ao palco para
cantar meus poemas musicados em sua maioria por amigos
compositores e alguns por mim. As emoes e os sentimentos
desde sempre to intensos em mim encontraram na poesia e
mais tarde no rdio e no palco as vias que lhes deram voz
para se manifestar, me aliviar, me formar e me transformar.
A expresso da afetividade essencial na emancipao
do sujeito encontra na poesia e no rdio campos frteis em
que pode se espraiar. Em versos, o sujeito toca uma dimenso que a prosa no atinge; no ar, o sujeito toma a palavra
sem intermedirios entre ele e aquele que escuta sua voz na
audincia, compondo essa multido dispersa (TARDIEU,
1969), cada ouvinte capta as ondas ao seu gosto e sua maneira, rimando-as com sua leitura do mundo, pronunciando
a palavramundo (FREIRE, 2008).
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Desde a poca em que minha formao radiofnica comeava no Brasil, sem que eu estivesse dela consciente, quando era um dos jovens ouvintes de uma nova rdio pblica!
que plantava sua antena no Benfica, bairro universitrio de
Fortaleza, capital do Cear, na regio Nordeste, o outro que
eu escutava me convidava ao encontro. Hoje em dia, do lado
dos microfones, o outro continua a ser o porto na direo do
qual partem o que sinto e o que penso. Pensar no plural e sentir no coletivo so a bssola e a ampulheta que orientam minha prxis na arte radiofnica e em tudo que fao.
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Leitura, audio, compreenso e criao de poemas e outros textos; audio e interpretao de msicas e de emisses radiofnicas; encenao
de dilogos criados pelos estudantes, simulando situaes reais; exibio e
discusso de filmes; apreciao de fotografias; uso de desenho para ilustrar
explicaes ou narrativas...
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na interao humana, no processo de desenvolvimento e aprendizagem, tudo se passa como se nada sentssemos enquanto
pensamos, estudamos, descobrimos, conhecemos mudamos.
So negados ou desprezados os fatos gritantes de que a gente
sente medo de errar ou de no saber responder s perguntas
dos alunos, de que a gente se depara com a vergonha e com a
alegria de se expressar, com os afetos que se manifestam entre
as pessoas que se encontram em sala de aula.
Se atuar em rdio requer a arte radiofnica (TARDIEU,
1969), a meu ver o exerccio da docncia exige a arte de aprender juntos: a poesia de compartilhar dialogicamente os saberes
e os afetos. Eu busco fazer cada aula, cada programa e cada
espetculo potico-musical como se crissemos um poema coletivo os estudantes e eu ou os ouvintes, os convidados e a
equipe ou o pblico e os artistas. Essa atitude de cultivar os
vnculos entre as palavras, as relaes entre as pessoas em sala
de aula, no estdio e em meio ao pblico, as descobertas dos
mistrios sedutores de minha lngua materna e de minha lngua paterna me faz questionar cotidianamente minha prxis.
Procuro fazer com que as entrevistas sejam descontradas, que se assemelhem a uma conversa (quase) informal, em que os afetos e o percurso biogrfico do convidado so geralmente valorizados. Tento estabelecer um clima de
intimidade com convidados e ouvintes atravs de uma atitude sincera e de
escuta do outro, pontuada por convites para interao com a audincia por
telefone ou Internet. Diversas tipologias de entrevista foram propostas, entre
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Entre outros grandes nomes que se interessaram pela afetividade e destacaram sua relevncia, sugiro a leitura de Carl Gustav Jung, Jacob Levy
Moreno e Henri Paul Wallon.
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Versos Avulsos
Sempre tive o gosto de escrever versos avulsos
em guardanapos, papis de cigarro, extratos bancrios...
Quase sempre eles se do por felizes com seu improviso,
desafiando a desordem e o esquecimento de to perecveis.
So to passveis de se perderem, de to improvvel
[publicao
que lhes caem bem guardanapos, letras escritas a giz,
poemas na areia beira-mar.
Estes meus versos tm o gosto de ser toa,
sem cuidado com o tempo, com glria, com traas.
(BELTRO, 2009, p.66, com msica de Rodrigo Bezerra)
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Vermelho (BELTRO, 2006) somente aos 39 anos, e, esgotada a primeira edio, uma segunda, com os crditos dos parceiros que musicaram poemas, em 2007. Dois anos depois,
vim a lanar o Simples (BELTRO, 2009). At ento, somente
vira de meu em letra impressa um conto em prosa potica:
Os cisnes15. Cada qual com seu ritmo...
A vida do poeta tem um ritmo diferente.
um contnuo de dor angustiante.
O poeta o destinado do sofrimento
Do sofrimento que lhe clareia a viso de beleza
E a sua alma uma parcela do infinito distante
O infinito que ningum sonda e ningum compreende.
[...]
O poeta tem o corao claro das aves
E a sensibilidade das crianas.
[...]
A sua poesia a razo da sua existncia
Ela o faz puro e grande e nobre
E o consola da dor e o consola da angstia.
A vida do poeta tem um ritmo diferente
Ela o conduz errante pelos caminhos, pisando a terra e
[olhando o cu
Preso, eternamente preso pelos extremos intangveis.
(MORAES, O Poeta, 1980, p.73)16
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Aps comentar o fato de uma poetisa, Marguerite Grpon, agradecer a outro poeta, Jean Follain, o prefcio por ele
feito para sua obra, mas pedir que suprimisse a palavra autobiogrfico com a qual caracterizara um aspecto de seu trabalho (o que ele no fez), o autor cita a crtica a ele feita no
colquio Autobiografia e Poesia, realizado em 17 e 18 de novembro de 2000, em Marselha, por Dominique Rabat, que
principiou o debate sobre O autobiogrfico na poesia contempornea com a seguinte colocao: Curiosamente excluda da definio proposta por Philippe Lejeune em Le pacte
autobiographique (1975), a poesia de nosso sculo obriga, entretanto, a pensar nos laos que unem o sujeito da escrita e o
sujeito real. Em seguida, Lejeune (2008, p.88) se interroga:
Eis que de repente a poesia bate porta da autobiografia e
parece se queixar da sua excluso... O que aconteceu? Ser
que essa palavra feia [refere-se a autobiografia] tornou-se
uma senha?. Ele prprio responde que no, uma vez que os
escritores franceses, mesmo os que contam suas vidas, refutam o termo autobiografia. E cita autobiografias feitas em
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versos, entre elas, Autobiographie, de William Cli, publicada em 1993, e Une vie ordinaire (Uma vida comum), de 1967,
da autoria de Georges Perros.
Penso que nosso sculo convida a repensar, no somente os laos entre o sujeito da escrita e o sujeito real, mas entre sua cognio e afetividade, a meu ver amalgamadas, entre
prosa e poesia, entre autobiografia e pesquisa, entre arte e
cincia. Na leitura que fao e nesta escrita que gero, transito entre esses territrios que ora tm ntidas fronteiras, ora
dialogam intimamente, ou seja, interagem, ou melhor, agem
conjuntamente. De acordo com o que disse desde as palavras
introdutrias, esta narrativa autobiogrfica potica se faz em
uma prosa potica, em alguns momentos mais prosaica, em
outros literalmente em versos. Alis, muitas vezes me perguntaram se faria tudo em versos. A liberdade de ir e vir uma
das ddivas maiores da ptria da linguagem. Preciso do que
aprendi com o movimento das ondas do mar e com a luminosidade esplndida de minha terra que me inspiram na procura da cadncia e das luzes para fazer este estudo. E admito
honestamente que muito nos escapa em meio ao que se narra, ou porque a memria negou, ou as palavras no bastaram
para dizer, ou porque no mesmo passvel de ser captado
ou dito 18. Incorporo a poesia em toda a minha formao e ela
no afeita a se explicitar. Qualquer descuido, ela escapole
de fininho...
Lejeune (2008) censura nos seguintes termos os prprios crticos de literatura ao proporem entrevistas aos criadores e os que fazem a crtica gentica, ou seja, a anlise de
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Antes que elas poesia e autobiografia me escorreguem entre as linhas, uma vez tendo entremeado essa reflexo
terica, retornemos ao fio da narrativa... Como disse antes,
sempre fiz versos avulsos, em qualquer papel ao alcance da
mo. Volto a folhear relembranas. Nos papis ao lu e nos
cadernos em que os passava a limpo, alm dos ttulos (se havia), ao p dos poemas anotava a quem o dedicara, a cidade e
a data, s vezes algum comentrio citando o que se passava (a
lua cheia, o sol poente, um aniversrio, um feriado, uma tragdia noticiada, um fato inusitado...) e, em alguns casos, o(s)
nome(s) de quem mais estava por ali. No sei para que tanto detalhe no reino da poesia, mas bem me teriam sido teis
neste percurso autobiogrfico de formao e busca de autoconhecimento. Pela terceira vez tendo lamentado pelos textos
perdidos, reaprumo meu leme e velame recordando Martine
Lani-Bayle (1997, p.16, grifos da autora, traduo minha):
Eu lembro e nunca o farei o suficiente rechacem
suas estreis nostalgias: trata-se de remontar o (e ao)
passado, certamente, mas como uma mola, para melhor
se impulsionar para adiante.19
19
Acrescentei na traduo uma dupla regncia ao verbo remontar na tentativa de resgatar dois dos sentidos possveis em remonter: retornar a
(em especial algo acima) e montar de novo (o que estava desmontado).
Je rappelle et ne le ferai jamais assez chassez vos striles nostalgies: il
sagit de remonter le pass, certes, mais comme un ressort, pour mieux se
propulser vers lavant.
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Aquele que nada sabe, mas sabe que nada sabe simples ensina-lhe.
Aquele que sabe e no sabe que sabe dorme desperta-o.
Aquele que sabe e sabe que sabe sbio segue-o.
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ano a menos, enganando os nmeros com minhas letras). Seria Amlia o nome da professora? No estou seguro, mas at
hoje posso sentir a emoo de encontrar, afixado no flanelgrafo da entrada do colgio, meu texto. Professora, agradeo
senhora, seja quem for, esteja onde esteja, pelo deleite de ter
me deparado com o meu poema exposto e pelo prazeroso desafio de eu ter naquele dia lido aquelas palavras diante de todos.
O tmido descobria o outro lado, o do contato com o pblico.
Pauta-se na repetio de Criana no comeo de cada
trecho. A letra bem desenhada, embora ainda de menino
isso graas cuidadosa orientao de minha me e aos exerccios de caligrafia acompanhados por ela, que tinha uma letra
belssima. Reconheo especialmente nas maisculas, sobretudo no H, no F e no I, o esmero com que ela me motivou
a me dedicar literalmente s letras.
importante destacar que eu no havia ainda encontrado este e outros textos meus quando comecei esta pesquisa autobiogrfica. Deparar-me com esta folhinha amarelada,
perfurada para encaixar em um colecionador, perceber os detalhes do cabealho e a letra que tinha foi uma emoo que me
tomou por inteiro, uma outra espcie de transe potico, que
no me levou escrita, mas leitura de mim. Lejeune (2008,
p.101) diz que, segundo Michel Leiris, a nfase a ser dada na
narrativa de si cabe no s prprias lembranas, mas sua
busca. O que deve ficar em primeiro plano no a emoo antiga que busco reconstituir, mas a emoo presente que sinto
ao empreender esta busca. Embora concorde com a prioridade para o que agora sinto, permito-me considerar que em um
estudo sobre as experincias afetivas formadoras a relevncia
do que senti avizinha-se muitssimo da que atribuo ao que ora
me emociona.
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Note-se o valor documental desse texto em que constam a cidade, a data, meu nome, o ano que cursava. Para uma
pesquisa autobiogrfica, essas precises so, por razes bvias, proeminentes. A primeira informao o nome da escola. Estudava em um colgio catlico, cujo proselitismo me
afastou dos rituais dessa igreja. Impor que algum se confesse
ou assista missa so atitudes absurdas. Mas pior talvez seja
condenar algum por atos, pensamentos, palavras e omisses.
Ou seja, no h como no pecar. Ora, deviam acrescentar logo
em seu Mea culpa os sentimentos, que alis so tambm mais
que policiados no contexto eclesistico.
Os outros detalhes, que merecem mais destaque, so o
lugar, a data e o ano que fazia, uma vez que isso situa o texto,
contextualizando a ele e a mim em minha busca. O nome tambm me desperta a ateno. Adotava Henrique Srgio, a maneira como minha me me chamava em geral na hora de dar
um caro ou em ocasies solenes, para me apresentar s amigas, com todo orgulho, me pedindo para tirar os culos a fim
de mostrar os olhos expressivos e os longos clios. Eu ficava to
encabulado! Atendia para agrad-la. Hoje, seria um prazer lhe
dar esse gosto. Mais tarde, ao entrar na Escola Tcnica, adotei Henrique Beltro. Identifico-me ao ser chamado somente
por esse nome ou somente pelo sobrenome, mas preferi no
usar Srgio porque algum o poderia empregar isoladamente,
o que me soa estranho. Na Frana, invariavelmente, exceo
dos amigos, me chamam de Monsieur Castro (pronuncia-se
Castr por l), o que me recorda os relatos de meu pai sobre
sua vivncia naquele pas. Essa escolha se consolidou quando cheguei Rdio Universitria, em 1996, e ao publicar o
Vermelho, assumindo uma atuao pblica como poeta, um
poeta que canta. Tanto na radiofonia quanto na literatura, no
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mais das vezes, usam-se dois nomes. Estava descartado escolher o nome completo: Henrique Srgio Beltro de Castro.
Cada pargrafo principia, como comentei, com Criana. No primeiro movimento, uma rima entre beleza e tristezas, dois substantivos, eu sequer sabia ainda que rimas
ricas se do entre palavras de classes gramaticais distintas.
Mas a presena dela ali anuncia a inteno do ritmo e da harmonia entre os sons. No segundo, uma repetio, a da palavra
beleza justamente, me aponta a fluidez descuidada do dizer
o que vinha baila, sem muita reviso. Os diminutivos dialogam no terceiro movimento, entre boquinha e olhozinhos
(mais alongado, em vez de olhinhos). A beleza volta ainda
no final, desde ento a esttica me ocupava linhas, olhares e
ouvires, corao. O esquecimento de um acento, em v, me
revela naquele momento to longe do perfeccionismo de depois. A forma, neste caso, no o que mais me interessa, mas
a temtica, a idealizao, o desejo de passar uma bela mensagem, a perspectiva de mudana e crescimento nas perguntas
sempre prontas a acontecer.
E todo esse esforo de anlise me traz outras memrias, outras emoes de antes que reconstituo quase com a
mesma relevncia da emoo que nesta busca sinto: isso me
faz lembrar o avesso do marco! Se aquele momento me dizia
da poesia que em mim havia, dois anos depois, na 6a srie,
vencida a descoberta do 1o grau maior (a virada da 5a srie,
que me levava para o outro lado do colgio, o lado dos grandes), eu tive uma vez mais, devido tradio dos professores
na proposio de temas, de escrever sobre o dia da criana.
Catei na memria aquele texto e arremedei-o ali. E minhas
palavrinhas fizeram de novo sucesso aos olhos do professor
ou seria professora? Desta feita, contudo, um desafio abissal,
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O prmio: uma mquina de escrever (Remington, conforme anotao detalhista ao p do poema) com a qual viria
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Outras tecnologias, com o vertiginoso avano dos anos mais recentes, ganharam o cotidiano de muita gente, o ambiente educacional escolar e diversos contextos formativos, ampliando inclusive o leque de possibilidades de
aprendizagem e interao distncia ou de formao autodidtica. Confesso
que saber digitar com os dez dedos para mim at hoje habilidade que me d
prazer e noto que as novas geraes usam os indicadores somente.
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na Aliana, Joo Sales, com quem conviveria depois como colega na Escola Tcnica Federal do Cear (hoje, Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia do Cear IFCE).
Era usado na poca o manual La France en direct, mais
conhecido pelo nome do autor, Capelle, bem estruturalista.
Mas eu sequer sabia o que era estruturalismo23, naquela idade
pouco me importava suas contribuies e limitaes, eu mergulhava fundo. Ouvia e lia tudo. E sobretudo os corredores, o
ptio, a biblioteca, os encontros com aquela gente esquisita,
que me acolhia bem melhor que os meus perversos coleguinhas da escola. O quase ex-tmido comeava a descobrir o
prazer de ser o centro das atenes. Espcime raro, entendi
rapidinho que conseguia compreender as gravaes e incorporar no somente estruturas, mas tambm vocabulrio e
pronncia coloquiais, gestos, expresses faciais, tudo que via
e ouvia dos francfonos, com deleite e sem grande esforo,
bem mais rpido que a maioria. Algumas regras me escapavam nas explicaes, a que assistia atento, mas bem funcionavam nas aplicaes. Guiava-me pelo meu ouvido. Muito se
fala de ouvido musical, o meu lingustico. Ou diria melhor,
tenho ouvido potico: guiava-me e ainda hoje me guio pelo
meu potico ouvir.
Fiz ao todo sete anos de formao na Aliana Francesa.
No terceiro ano, conheci Ticiana Telles Melo, que se tornaria minha amiga-irm e que, com sua escolha por Letras, influenciaria a minha, sem o saber. Compartilhvamos dvidas
e descobertas, medos e alegrias, assim como vrios commentaires composs (exerccio muito adotado, boa lio de escrita
23 Estudos lingusticos do incio do sculo XX que se pautavam no pressupos-
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Eu tive a vantagem de nascer numa poca em que s se podia poetar dentro dos moldes clssicos. Era preciso ajustar as palavras naqueles moldes,
obedecer quelas rimas. Uma bela ginstica, meu poeta, que muitos de hoje
acham ingenuamente desnecessria. Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra prpria, espelho grafolgico da sua individualidade, eu na verdade te digo que s tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem
for capaz de escrever um soneto clssico (QUINTANA, 1983, p.138-139).
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Os desenhos e as palavras ali tambm me acompanhavam to bem, nas salas e no ptio da Aliana e do curso de ingls. As moas ficaram mais lindas, maiores que as que eu via no
colgio, menos distantes, achando-me uma gracinha, eu achando engraado o jeito maroto de a vida mudar, ora pra pior, ora
pra melhorar. No tardou o corao a me armar seu alapo:
eu descobri que, se as meninas da escola no queriam aquele
encabulado de culos, as mulheres mais velhas dos cursos de
lnguas achavam to simplesmente engraado que me apaixonasse por elas. E de tudo isso versos se faziam, enfeitando meus
dias, servindo de boia e at ilha em meio aos meus naufrgios
e buscas de tesouros palpveis e impalpveis. De uma delas,
levei um fora potico, que nunca esqueci, o nico, por sua inslita e potica natureza, que foi belo. Ela que tanto me ouvia,
com tanto carinho, fizera inocentemente que eu confundisse
aquela atitude acolhedora com uma recproca minha paixo.
Daquela convivncia guardei a lembrana da sua beleza, da sua
ternura, e do texto com que de mim se despedira, Ausncia, de
Vinicius de Moraes (1980, p.99). A aprendizagem do amor
essencial para o corao do poeta, que bem queria traduzir em
palavras o que a essncia do amor nos faz, ns todos, aprender.
E nesta aprendizagem, a ruptura virada em versos me ensinava
preciosa lio: tudo pode se tornar poesia. So muitos os afetos
que cantam no corao de um s peito.
Ausncia
Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus
[olhos que so doces
Porque nada te poderei dar seno a mgoa de me veres
[eternamente exausto.
No entanto a tua presena qualquer coisa como a luz
[e a vida
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violo, persegui a tonalidade correta com o diapaso da escuta acolhedora e respeitosa delas, ainda que eu atravessasse
o tempo ou desafinasse. Lembro da Giselle rindo, uma festa!
E cantando...
Sua voz quando ela canta
me lembra um pssaro mas
no um pssaro cantando:
lembra um pssaro voando
(GULLAR, 1980, p.179)
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(2001) estivessem todas presentes, partindo do clssico esquema: ordem estabelecida, perturbao da ordem, restabelecimento da ordem por um heri. Para fecho, sugeriu: E desde
esse dia ento, um altivo cisne negro desliza solitrio pela superfcie do lago. Passei anos querendo saber de onde colhera
esta frase, recentemente me revelou que fora ela mesma que
a criara. Quanto ao heri, no, no resgatei nenhum em mim,
de antigamente, daqueles das historinhas que eu criava ou lia
(e ainda leio) o heri seriam as entranhas da serra que os
ambiciosos capitalistas tinham ousado violar. E um operrio
da palavra contava sua histria a seu amor de outrora, como
enfrentara viver naquele lugar, depois dos dias de ntima poesia compartilhada, antes de sua partida.
O cenrio imaginrio era filho das muitas vezes em que
estive na serra de Guaramiranga, desde a barriga de minha
me, em stios, pousadas, hotis, casas de amigos. Mas uma
memria em especial, plena de afetos, me invadiu ao ler a
proposta da questo. Depois de ingressar na universidade, eu
voltara quela serra aonde no ia havia algum tempo. Chegara
noite, ao descer do nibus, o breu sereno era tenuemente
iluminado por uma lanterna artesanal: uma vela dentro de
uma lata. No stio em que fiquei, nada de luz eltrica. noite,
tremulavam as chamas das lamparinas enquanto aguardvamos a janta se fazer no fogo lenha. Na manh seguinte, sa
da rede sonolento e, ao chegar ao terreiro, eu me vi imerso
no verde que circundava aquela casa mergulhada no ventre
da mata. Um alumbramento! Foi a emoo desse xtase que
voltou a mim no instante mesmo em que comeou a brotar o
conto.
d) ftica (contato), e) metalingustica (cdigo) e f) potica (a prpria mensagem).
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cena, olhei pra trs e... revi o dia do abrao da Graa. Subira
ao territrio sagrado do palco pela primeira vez o poeta para
cantar. Recordo a passagem em que Freire fala do expressivo
olhar de reconhecimento de um professor seu, sem palavras,
que o reconhecia como algum de valor. E, sem dizer nada,
aquele educador teve o papel marcante na formao do Paulo
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LAlbatros
Souvent, pour samuser, les hommes dquipage
Prennent des albatros, vastes oiseaux des mers,
Qui suivent, indolents compagnons de voyage,
Le navire glissant sur les goures amers.
peine les ont-ils dposs sur les planches,
Que ces rois de lazur, maladroits et honteux,
Laissent piteusement leurs grandes ailes blanches
Comme des avirons traner ct deux.
Ce voyageur ail, comme il est gauche et veule !
Lui, nagure si beau, quil est comique et laid !
Lun agace son bec avec un brle-gueule,
Lautre mime, en boitant, linfirme qui volait !
Le Pote est semblable au prince des nues
Qui hante la tempte et se rit de larcher ;
Exil sur le sol au milieu des hues,
Ses ailes de gant lempchent de marcher.
(BAUDELAIRE, Les Fleurs du Mal)
O Albatroz
s vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatroz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.
Mal o pem no convs por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.
Que sem graa o viajor alado sem seu nimbo!
Ave to bela, como est cmica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico um cachimbo,
Outro pe-se a imitar o enfermo que coxeia!
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Voltando sozinho.
L estava eu.
Sem rosto.
E fui tocado. (NERUDA, no filme de RADFORD, 1996)
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aberta a janela do verso vertido para a incerteza: casa ou torre ou templo, ele nos convida a entrar; em nada lembrando
casa de ermito, torre de marfim ou templo de impenetrveis
dogmas, mas j tangenciando concretude e transcendncia, j
transmutando em potica alquimia o prprio espao e o prprio tempo.
Potica (II)
Com as lgrimas do tempo
E a cal do meu dia
Eu fiz o cimento
Da minha poesia.
E na perspectiva
Da vida futura
Ergui em carne viva
Sua arquitetura.
No sei bem se casa
Se torre ou se templo:
(Um templo sem Deus.)
Mas grande e clara
Pertence ao seu tempo
Entrai, irmos meus!
(MORAES, 1980, p.351)
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Sobre a dimenso espiritual da poesia, muito mais a dizer e de indizvel. Por ora, me contento em amealhar os trechos que espero melhor coser para a tessitura final deste livro.
Por ora, me limito a citar meu ntimo apelo e orao, em parte
traduzidos em Poesia nossa de cada dia (BELTRO, 2009,
p.37, aqui revisto, com o acrscimo do verbo haver em vez
do artigo os no oitavo verso).
Poesia nossa, que estais em ns,
pronunciado seja o vosso nome,
venha a ns o vosso reino,
sejam feitos vossos versos,
amanh e agora qual outrora.
A inspirao nossa de cada dia nos dai hoje.
Perdoai a nossa parca potica
assim como ns perdoamos haver poucos leitores.
No nos deixeis sem o vosso sopro,
mas guiai-nos no entusiasmo de criar.
(BELTRO, 2009, p.37)
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Parece o poeta conciliar contradies e opostos, ou conviver bem (ou mal?) com no haver como conciliar o que a se
contradizer e se opor persiste.
O mestre de Alegrete, alm de apontar a contradio
inerente ao fazer potico, canta o carter intrinsecamente autobiogrfico dos poemas, as duas facetas reunindo.
O poeta canta a si mesmo
porque nele que os olhos das amadas
tm esse brilho a um tempo inocente e perverso...
O poeta canta a si mesmo
porque num seu nico verso
pende lcida, amarga
uma gota fugida a esse mar incessante do tempo...
Porque o seu corao uma porta batendo
a todos os ventos do universo.
Porque alm de si mesmo ele no sabe nada
ou que Deus por nascer est tentando agora ansiosamente
[respirar
neste seu pobre ritmo disperso!
O poeta canta a si mesmo
porque de si mesmo diverso.
(QUINTANA, 2005, p.488-489)
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Eis um pouco como me sinto no momento de irradiao de cada programa diante da multido de sujeitos dispersos e no prprio momento em que fio e desfio estas linhas
em desalinho que encontraro abrigo nos olhos de alguns
solitrios que me leem, no labirinto dos ouvidos solidrios
que escutam minha voz plasmada na pele desta pgina. Vejo
cada questo que toco ao longo deste texto como uma porta aberta na direo de outras portas abertas... ou a serem
abertas...
Horcio Ddimo diz que o poeta o afinador de palavras... Afinar as palavras para que cantem, como desde muitos
sculos, desde quando poesia e msica vivem em conjuno,
digo, em comunho, digo, em par. A poesia a arte de comunicar a emoo humana pelo verbo musical (REN WALTZ
apud MOISS, 1977, p.72). Evito voltar a detalhes bem sabidos da convivncia ntima entre as artes em diversas culturas,
como a grega e a chinesa.
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como as dos campos de saber, a da subjetividade-objetividade, a do cognitivo-afetivo (ANTNIO, 2009, p.18) e traz
tambm o engendramento de novos modos de raciocinar, de
interpretar e de exprimir o mundo e a ns mesmos (ANTNIO, 2009, p.18). O autor adota o poema como a metfora
para expressar o novo modo de sentir, de pensar, de conhecer,
de educar (ANTNIO, 2009, p.128).
Essa potica revela-se reconhecimento da interdependncia e da irmandade de todas as coisas e, assim, em
muitos aspectos, constitui-se inseparvel de uma nova
tica, de reverncia pela vida, de renovado amor pela
tessitura de vozes que constituem o real. Representa,
ainda, uma reeducao da sensibilidade e da inteligncia e, reciprocamente, para que floresa, precisa
ser alimentada por novos modos de sentir e de pensar
(ANTNIO, 2009, p.14).
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um poeta! o que quer dizer quem fala isso de algum? Se o leitor ouvisse de passagem essa frase em um trecho de conversa, o que suporia que o emissor quis dizer? Mais
adiante comento que, empiricamente, posso afirmar que as
imagens acerca do poeta em minha terra variam entre o ta-
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Vindo de um mergulho, durante o trecho anterior deste livro, na polidimensionalidade da viso do poeta acerca de
tempo e espao (ou melhor, alm de tempo e espao), cabe
retomar neste percurso o dizer de Quintana:
O poeta belo como o Taj-Mahal
feito de renda e mrmore e serenidade
O poeta belo como o imprevisto perfil de uma rvore
ao primeiro relmpago da tempestade
O poeta belo porque os seus farrapos
so do tecido da eternidade
(QUINTANA, 2005, p.259)
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Sacha e o Poeta
Quando o poeta aparece,
Sacha levanta os olhos claros,
Onde a surpresa o sol que vai nascer.
O poeta a seguir diz coisas incrveis,
Desce ao fogo central da Terra,
Sobe na ponta mais alta das nuvens,
Faz gurugutu pif paf,
Dana de velho,
Vira Exu.
Sacha sorri como o primeiro arco-ris.
O poeta estende os braos, Sacha vem com ele.
A serenidade voltou de muito longe.
Que se passou do outro lado?
Sacha mediunizada
Ah p papap pap
Transmite em Morse ao poeta
A ltima mensagem dos Anjos.
(BANDEIRA, 1977, p.234-235)
Ah, Manuel, ento assim que fazem? Comeo a compreender um milsimo de vossa galxia de mistrios, poetas.
Tambm em meu telhado, Anjos tocam sem fim.
Em cima do meu telhado,
Pirulin, lulin, lulin,
Um anjo, todo molhado,
Solua no seu flautim.
(QUINTANA, 2005, p.134)
Seria ele, Mario, ou um outro Anjo parecido que te segredou na lngua que somente os bardos e os meninos e os
Anjos e os loucos compreendem a perene existncia de Lili?
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Lili
Teu riso de vidro
desce as escadas s cambalhotas
e nem se quebra,
Lili
meu fantasminha predileto!
No que tenhas morrido...
Quem entra num poema no morre nunca
(e tu entraste em muitos...)
Muita gente at me pergunta
quem s... De to querida
s talvez a minha irm mais velha
nos tempos em que eu nem havia nascido.
s a Gabriela, a Liane, a Angelina... sei l!
s a Bruna em pequenina
que eu desejaria acabar de criar.
Talvez sejas apenas a minha infncia!
E que importa, enfim, se no existes...
Tu vives tanto, Lili! E obrigado, menina,
pelos nossos encontros, por esse carinho
de filha que eu no tive.
(QUINTANA, 2005, p.490-491)
Lili acompanha o poeta de Alegrete em muitas aventuras vestidas de versos. Na epgrafe do livro Lili inventa o
mundo, Mario Quintana faz a potica advertncia (cuja frase
final me acompanha neste percurso de formao, ela adorna
o vermelho travesseiro que ganhei de um casal de amigos ao
embarcar para o doutorado sanduche em Nantes):
As pessoas sem imaginao podem ter tido as mais imprevistas aventuras, podem ter visitado as terras mais
estranhas. Nada lhes ficou. Nada lhes sobrou. Uma vida
no basta ser vivida: tambm precisa ser sonhada
(QUINTANA, 2005, p.937, grifo meu).
Por que razo, interroga-se quem cria, seria menos verdadeiro o que invento do que a efmera e enganosa realidade?
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Mario, Manuel, Sacha, Lili, Petit Prince, Saint-Exupry, vivem em mim um menino, um anjo, um louco, todinhos
dentro de um poeta aprendiz que bem quer ouvir estrelas... E
tudo isso de ir em busca de mim, com as plumas (e as asas)
dos poetas, meus irmos maiores, mexe no mago do ser, nos
vos recnditos de mim, que eu nem sequer suspeitava haver.
O tempo passa como o vento, invisveis e marcantes.
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Sopro
O vento passa, no volta jamais.
Uns, ele leva. Outros, ele traz.
(BELTRO, 2009, p.86)
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Ronsard fez diversos poemas com esse esprito epicurista. Ao fio do tempo, de gerao em gerao, de sculo em sculo, os poetas conversam entre si, a poesia lhes passa a palavra.
(Isso rima com a perspectiva intergeracional por Martine Lani-Bayle proposta, em Histrias de Vida e Formao.) O princpio simples: aproxima-te daqueles a quem queres te assemelhar e inversamente distancia-te daqueles com quem
te desagradaria parecer. (Veremos que assim fazem os professores em formao.) Escrevi poemas maneira dos grandes
poetas depois de perceber que eles prprios o faziam e fazem.
Notei que conversavam entre si no somente os que de fato e
em vida conviviam (como em exemplos que viro mais adiante, entre Bandeira, Quintana e Ceclia Meireles), mas tambm
a despeito de distncias temporais e espaciais. Tambm passei
a me aventurar nesses dilogos com os mestres. E, escrevendo,
descobri que as palavras por si e entre si encontram-se: no ato
da escrita se inscrevem e se manifestam as relaes entre elas.
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Parfrase de Ronsard
Foi para vs que ontem colhi, senhora,
Este ramo de flores que ora envio.
No no houvesse colhido e o vento e o frio
T-las-iam crestado antes da aurora.
Meditai nesse exemplo, que se agora
No sei mais do que o vosso outro macio
Rosto nem boca de melhor feitio,
A tudo a idade altera sem demora.
Senhora, o tempo foge... e o tempo foge...
Com pouco morreremos e amanh
J no seremos o que somos hoje...
Por que que o vosso corao hesita?
O tempo foge... A vida breve e v...
Por isso, amai-me... enquanto sois bonita.
(BANDEIRA, 1977, p.137)
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A vida tantas vezes me desafia, a morte me deseja bom-dia. A morte grita: Viva! Viva bem (BELTRO, 2007, p.90).
Venho aprendendo a bem viver, sim, com poesia. Eu tenho
sentimentos e emoes muito intensos, muito fortes; a sensibilidade flor da pele. No convvio com o outro, pulsa a
descoberta de si: a amada me mostrou algo que de mim nem
percebia: afetos so afeitos a ser de versos feitos em mim
frequentemente, quando tenho uma alegria, fao um poema;
quando vem a raiva, fao um poema; quando me entristeo,
fao um poema; quando chega a saudade, fao um poema;
quando sinto amor, fao um poema... Vive em mim o menino
de outrora; Saint-Exupry, eu no me esqueci de mim...
As palavras so meus brinquedos.
A linguagem meu jardim.
A janela da imaginao d pro quintal.
(BELTRO, 2007, p.23)
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Mais tout ce qui est trs prcieux est aussi dicile que rare.
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Sinto que no rumo dos encontros, se tecem achados entre os poetas. Uns viajam pelos versos e entrelinhas no avesso
do que escrevem graas ao que escrevem os outros. Sempre
tive o gosto de imaginar os aedos no ar reunidos, os bardos em
sua baguna ntima, os vates em seus embates sem vencedor ou vencido. Decerto muitos se encontraram e conviveram,
bem ou mal, de amigos como Thiago de Mello e Pablo Neruda a
amantes como Verlaine e Rimbaud. Sempre sonhei com a fotografia feita no ano de meu nascimento, 1966, na casa de Rubem
Braga, casa-poema, stio suspenso na urbes, sempre de porta
aberta ali estavam, com o anfitrio e um outro cronista, Paulo
Mendes Campos, os poetas Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes e Mario Quintana! At hoje
e agora mesmo, imagino o que teriam conversado, que versos
teriam mostrado mo escritos42, ou haveriam citado meia-voz, sem pretenso nem v anlise, por gosto to somente.
Quisera eu ser ali a formiguinha que atravessa a folha
em branco, consigo carregando todo o frmito da vida, Mario43; uma pedra qualquer, Carlos, no meio do caminho do
meio; um outro rio a refletir os cus, com uns sapos beira
dele, Manuel; uma efmera pedra de gelo no usque que flui,
folhas levando, Vina... E assim fluir e viver... poeticamente.
42 A escrita feita mo tem um valor difcil de analisar, mas eloquente. Sempre gostei de ver os originais de um poeta maior com sua letra. Martine Lani-Bayle (notas de aula), em diversos momentos, nos chamou a ateno sobre
a relao ntima entre o corpo e a produo escrita quando se a faz mo,
em uma conexo visceral e direta. Rilke (1996, p.55) copia um soneto do jovem poeta Kappus e envia com o comentrio: Venho agora oferecer-lhe esta
cpia, porque sei como importante e cheio de novas experincias rever um
trabalho prprio copiado pela mo de outrem. Leia os versos como se fossem
de outra pessoa e no fundo da alma h de sentir como so seus.
43 Refiro-me ao texto intitulado O poema: Uma formiguinha atravessa,
em diagonal, a pgina ainda em branco. Mas ele, aquela noite, no escreveu nada. Para qu? Se por ali j haviam passado o frmito e o mistrio da
vida... (QUINTANA, 2005, p.968).
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O Rio
Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
No temer as trevas da noite.
Se h estrelas nos cus, refleti-las.
Mas se os cus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens so gua,
Refleti-las tambm sem mgoa
Nas profundidades tranquilas.
(BANDEIRA, 1977, p.285)
Carlos Drummond de Andrade, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Mario Quitana e Paulo Mendes Campos, 1966, em casa de Rubem Braga.
Nota: Fotografia publicada em Quintana, 2005, p.42.
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ses cantares, cabe mais do que eu aqui digo ou do que alcanares. Manuel44 desfralda sua bandeira de versos pelos ares.
A Mario Quintana
Meu Quintana, os teus cantares
no so, Quintana, cantares:
so, Quintana, quintanares.
Quinta-essncia de cantares...
Inslitos, singulares...
Cantares? No! Quintanares!
Quer livres, quer regulares,
abrem sempre os teus cantares
como flor de quintanares.
So cantigas sem esgares,
onde as lgrimas so mares
de amor, os teus quintanares.
So feitos esses cantares
de um tudo-nada: ao falares,
luzem estrelas e luares.
So para dizer em bares
como em manses seculares,
Quintana, os teus quintanares.
Sim, em bares, onde os pares
se beijam sem que repares
que so casais exemplares.
E quer no pudor dos lares,
quer no horror dos lupanares,
cheiram sempre os teus cantares
44 Poema com que Mario Quintana foi por Manuel Bandeira saudado em ses-
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O mesmo Mario ento homenageado se enche de perplexidade mais tarde pelo fato de os editores lhe pedirem uma
suma de sua poesia. Pode um poeta sumariar sua obra?
Saber mesmo um poeta em que consiste essa espcie
de fora oculta que o faz poetar? Ele no tem culpa de
ser poeta; portanto, no tem do que se desculpar ou
explicar.
Se eu conheo algum segredo o da sinceridade, no
escrevo uma vrgula que no seja confessional. Esse desejo insopitvel de expressar o que tem dentro de si o
mesmo que leva o crente ao confessionrio e o incru ao
div do analista. O poeta prescinde de ambas as coisas, e
os que no so poetas, mas gostam de poesia, desafogam
a si mesmos atravs dos poemas que leem: porque na
verdade vos digo que no o leitor que descobre o seu
poeta, mas o poeta que descobre o seu leitor.
(QUINTANA, 2005, p.779)
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Os versos, grvidos de mistrios, a cada vez que so lidos ou ditos, novamente surpreendem. Somos convidados
interminvel viagem de quem faz e de quem gosta de poesia. E
os viajores se irmanam entre si durante o percurso e se identificam com o prprio caminho para si, como bem aponta outra
artista, tambm cientista, referncia essencial em Histrias
de Vida e Formao, Marie-Christine Josso (2004): ir ao encontro de si mesmo faz descobrir e compreender que a viagem
do viajante e ele mesmo so um s. Embarquemos, pois, nos
trilhos dos quintanares com drummoniano maquinista.
III
O melhor de tudo embarcarmos num poema...
Carlos Drummond, um dia, me ps de passageiro num
[poema seu.
Ah, seu Carlos maquinista, at hoje ainda no encontrei
[palavras para agradecer-lhe...
Mas que longa, longa viagem ser!
IV
E das janelas do trenzinho-poema
abanaremos para os brotinhos do futuro.
Ui, como sero os brotinhos do sculo XXIII, meu Deus
[do Cu?
Pergunta boba! Em todas as pocas da Histria
um brotinho um brotinho um brotinho...
(QUINTANA, 2005, p.417)
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poeta um poeta um poeta... Mas as rosas que cada um deles semeia so mais que rosas, Gertrude. Esses jardineiros do
impalpvel, esses oradores do indizvel, esses escritores do
inapreensvel bem sabem que cultivar outros e novos jardins
necessrio, embora impreciso. Eu disse jardineiros? Se assim forem, o jardim universal! Ou seriam fazendeiros dos
ares? Bandeira assim louva Drummond no poema cujo ttulo
o nome completo do vate de Itabira e no qual brinca com
outros ttulos de obras deste.
Como fazendeiro do ar,
O obscuro enigma dos astros
Intui, capta em claro enigma.
Claro, alto e raro. De resto
Ponteia em viola de bolso
Inteiramente vontade
O poeta diverso e mltiplo
Que Carlos Drummond de Andrade.
(BANDEIRA, 1977, p.344)
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O corao guia leme e velame do barco da potica criao. O corao canta. A melodia da letra fonema vira, vibra no
ar a musicalidade da poesia de cada instante fugidio e nico.
Nas msicas brasileiras, muitos trechos se afinam com as reflexes que neste texto fao. Temos letras de canes que so
verdadeiros poemas, tm literariedade. Outras, no. Destas,
passo ao largo. Algumas delas tm a complexidade de um Chico Buarque, outras so belas porque simples. O poeta persa
Khalil Gibran diz algo de essencial para mim, epgrafe do meu
segundo livro, Simples (2009), aqui com o termo derradeiro
em vez de ltimo: A simplicidade o derradeiro degrau da
sabedoria.
de maneira simples que Eudes Fraga e Eliakin Rufino
cantam os bardos na composio Poeta, interpretada por
Marcus Ca (2008). Nela aprecio e portanto destaco o fato
de que parte de uma imagem do poeta como aquele que canta
ou escreve uma cano (portanto no se restringe ao escritor
dos livros), aquele que se atreve a convidar o outro a pensar,
e chega a uma definio mais ampla, que envolve quem com
poesia vive, por exemplo, amando: Sempre em estado de
graa, / Poeta quem vive amando. / Poeta aquele que ri
/ Depois de chorar baixinho. Veremos logo mais que outros
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maneira da poesia, que tudo no diz, Martine Lani-Bayle aponta que existe nas narrativas (auto)biogrficas o
que ela chama de antiracontage (antinarrativa, LANI-BAYLE, notas de aula) e de insu (insciente, LANI-BAYLE, 2008),
uma dimenso que ningum alcana dizer: ou porque no
quer, ou porque no consegue, ou porque simplesmente no
h palavras para isso.
E hora crepuscular de cada movimento em que cantar
a poesia e o poeta eu tento, prosaica hora em que os limites destas pginas ou do tempo exigem de mim parar, peo
arrego s palavras de Vinicius e rogo-lhes socorro porque de
amor pelo meu semelhante transbordo enquanto contemplo
o horizonte difuso da potica criao; quero o amparo seu
para dizer do convite que a todos se estende, mas que to
poucos alcana, deixando no vento o chamado da poesia; e de
Mensagem poesia ento lembro, quando em versos o Poetinha pede perdo poesia por no poder ir ao seu encontro.
Com sua licena, Vinicius, com licena, potica, e com vosso
perdo...
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Falar de poesia me impe silncios que compem pausas musicais. Eu esboo linhas e entrelinhas pensando, claro, nos leitores de poesia, sobretudo e sentindo, uma vez
mais, o que esta palavra guarda em si de infinito e inefvel.
Se desabrocharem semntica e etimologia, o sentido de criao estar nela sempre presente. O poeta cria o que pode
se tornar real ou recria sua maneira o que a realidade (ou
o sonho) lhe revela. Por um lado outro, somente ele pode
apreender uma dimenso desta distinta, mais sutil, estranha
maioria dos homens e mulheres que no amam a poesia,
sob pretexto de no a compreender, de a considerar intil ou
de a considerar inferior prosa. Prosaicas, essas pessoas
mas a gente bem precisa de ambas, lembremos uma vez mais
que, segundo Edgar Morin (1997, p.41, traduo minha), o
homem habita a Terra potica e prosaicamente ao mesmo
tempo.
Poesia, pra que serve? Pra emocionar e a voz inspirar, pra
inquietar e inquietude expressar. Pra despertar a beleza e emba-
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Na verso original deste texto (BELTRO, 2011), traduzi em francs os versos do poeta cearense: elle sen est alle / mais les mots quelle a dits sont rests
/ et ils ont convers trs longtemps encore. Quando preparava o ensaio que
deu origem a este tpico (ver nota anterior), recebi em Nantes o potico correio
de Horcio Ddimo, que me enviara O pequeno leitor (DDIMO, 2010), onde
eu reencontrei esses versos que eu trazia de cor, desde a leitura primeira, no
Folhetim Literrio Acau (1985, o mesmo em que publiquei Os cisnes) e em
Amor, palavra que muda de cor (A palavra e a Palavra) (DDIMO, 2002). As
palavras do mestre da simplicidade conversaro muito tempo ainda...
49 No ensaio original, traduzi o clebre pioneiro poeta: Dans chaque coin
un trs grand conseiller / Veut nous gouverner la maison, et vigne, / Ils ne
savent pas gouverner leur cuisine, / Et ils peuvent gouverner le monde entier.
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e Gonzaguinha, denunciavam frequentemente em uma linguagem velada, para escapar censura a tortura, o exlio, a
perseguio e a opresso que ns sofremos.
Em meu pas, o poeta oscila qual equilibrista entre as
imagens que dele fazem: o talentoso, o porta-voz, o sonhador, o ingnuo, o romntico, o sensvel, o louco... Em Citao,
poema que uma das epgrafes deste livro, Quintana (2005)
escreve:
E melhor se poderia dizer dos poetas o que disse dos ventos
Machado de Assis:
A disperso no lhes tira a unidade, nem a inquietude a
constncia.51
(QUINTANA, 2005, p.293)
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Para mim, o ideal seria escrever da maneira mais simples, com palavras que tenham o sabor do quotidiano, sem
malabarismos lingusticos, como algum que fala com algum, como aquele que conta seu dia, pela beleza seduzido.
Simples
Meu ideal seria escrever de maneira bem simples.
Com palavras que tm aquele gostinho de habituais.
Sem sustos gramaticais,
como quem conversa.
Meu ideal seria escrever o gostoso-de-dizer.
Imagens simples: bem-ditas.
Meu ideal seria escrever poesia
como quem conta seu dia
ou declara seu amor.
(BELTRO, 2009, p.43)
No Cear, minha terra, eu digo poesia no ar, nos programas Sem Fronteiras: Plural pela Paz e Todos os Sentidos,
em uma rdio pblica, e nos palcos locais, em apresentaes
potico-musicais que fao com outros artistas. alis quase
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frequncia escolhida. Um radinho a pilha est tambm ao alcance da maioria, por seu baixo custo. Atualmente, com a tecnologia, as possibilidades se ampliam, uma vez que qualquer
telefone celular ou outro desses eletrnicos ultramodernos
e portteis dispem do acesso s emissoras. E, alm de nos
acompanhar mundo afora, sendo escutado nos lugares mais
remotos, mesmo onde no h rede eltrica, pode estar com o
ouvinte durante outras ocupaes, enquanto cozinha, dirige
um carro, lava a loua... Esse pessoal do rdio pode dizer: A
gente de casa.
A Casa
Para Zulmira Bomfim e Karla Martins
Com msicas de Rogrio Franco, Paulo Branco
e Isaac Cndido
As palavras so meus brinquedos.
A linguagem meu jardim.
A janela da imaginao d pro quintal.
A porta da rua vive escancarada.
O muro baixo deixa ver quem passa.
Tem gente que vem pra ficar.
O lugar da panela no fogo
e o do fogo, no centro da casa,
como o do carinho na pele nua.
Aqui em casa tem menino em rvore,
casal na cama, amiga na rede.
Tem loua lavada ao som do rdio,
tem silncio contrito de gratido.
A casa nossa de cada dia tem corao.
(BELTRO, 2007, p.23)52
52 A msica feita por Isaac Cndido sobre esse poema foi gravada por Simone
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O tempo e a radiofonia tm estreita intimidade: diz-se que o rdio veloz e efmero. Velocidade fala-se muito
disso no mundo contemporneo. A vida moderna se acelerou
tanto que agora precisamos ir rallentando...
Precioso o tempo para nada.
Tempo para andar por andar, sem destino...
Tempo para flautear, gosto de todo menino.
[...]
preciso tempo para brincar com os filhos
e conversar com os amigos
e esquecer o tempo.
[...]
preciso tempo para tudo.
precioso o tempo para nada.
(BELTRO, 2007, p.50)
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E por qu?
Porque em trs minutos eu tenho a impresso que o
mundo gira em torno de mim e que o mundo me traz notcias do universo. perfeito. No posso passar sem ele.
No so necessariamente eventos importantes.
Ah sim, mas so eventos no momento em que eles
se produzem. E sem muitos comentrios. Quando eu
escuto s vezes os comentrios, eles frequentemente
me decepcionam. Os fatos me bastam. E depois, eu fao
meus pobres comentrios minha maneira 53 (BACHELARD, www.ina.fr).
Quand nous sommes arrivs tout lheure, vous coutiez la radio. Estce que lactualit vous proccupe beaucoup? Elle [la radio] me semble
indispensable. Ma fille ma achet un transistor et jcoute tous les flashes
depuis sept heures et demie jusqu neuf heures du soir. Et pourquoi?
Parce quen trois minutes jai limpression que le monde tourne autour
de moi et que le monde mapporte des nouvelles de lunivers. Cest parfait.
Je ne peux pas men passer. Cest pas forcment des vnements
importants Eh ben oui, mais cest des vnements au moment o ils se
produisent. Et sans beaucoup de commentaires. Quand jcoute quelquefois
des commentaires, ils me doivent souvent. Les faits me susent. Et puis
moi, je fais mes pauvres commentaires ma faon.
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Nasci entre a tardinha e a boca da noite, em Fortaleza, no dia 18 de novembro de 1966. Desde eu menino, um
radinho toca dentro de mim. Graas dona Lcia, lavadeira
querida que trabalhava em nossa casa, graas a seu Chico, o
vigia do terreno (supostamente) baldio ao lado de nossa morada, graas a meus pais que cedo captaram e acolheram meu
entusiasmo pelos sons no ar: desde que manifestei fascnio
por rdio e, mais tarde, por violo, por um toca-discos, tive
a alegre honraria de os receber deles de presente. Ao longo
destas prximas pginas, refao em memria e palavras o percurso que me conduziu de um radinho vermelho da infncia
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Lema da emissora.
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expresses como as citadas antes, que indicam qual passo fazer). Minha me ainda recitava ou at fazia poesia matuta. E
estimulava a crianada a aprender.
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simples se assim fosse, estariam no topo da tal pirmide social os professores de portugus. Bagno (1999) me apontou
ainda quando estudante de Letras (e continua a denunciar) os
mecanismos de uma das mais poderosas e dissimuladas entre
as discriminaes: o preconceito lingustico. Pela sua perversa
fora, calam-se as pessoas de meu povo que ainda acreditam
que no sabem falar direito, correto, e que saber se expressar bem reservado ao dot. Valei-me, Patativa do Assar!
Viva a poesia popular, os repentistas, os emboladores, os ambulantes do centro da cidade com seus hipnticos e persuasivos discursos, os hbeis feirantes que animam o ambiente ao
ar livre com seus preges: Eu sou fartoso!; Olha o feijo
veeerde! A cada lata, leva uma mozada!. Salve, salve, os derradeiros barbeiros, Milton Dias (1982, p.27), que ainda julgam
da sua obrigao entreter o fregus com a conversa, enquanto o
atendem, ou durante a espera. Minha reverncia a toda a boa
gente simples que considera a boa prosa parte do seu ofcio.
Agradeo a vocs, dou graas a cada Chico e a cada Lcia que me aproximaram do tesouro da oralidade, onde viveria uma vez tendo aportado minha nau no cais com antena da
Rdio Universitria FM, em Fortaleza. No ar, ao vivo, no h
edio: a voz diz do que se , em plena autenticidade. Assim
quando vm os artistas, os cientistas, mas tambm os lderes
comunitrios, os agricultores e os pedreiros que cultivam e
erguem nossos dias compartilhados. Assim a cada vez que,
no Todos os Sentidos, a gente busca a equipe e eu dar voz
s pessoas com deficincia, mote do programa.
O rdio, em especial feito ao vivo, tem isto de nico entre
os meios de comunicao: a palavra de quem a pronuncia.
No h edio no ar, em contato direto com o ouvinte, que colhe o que cada convidado diz no estdio. No h mediao en-
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tre o que ele fala e o que o outro ouve. O que vai chegar ao destinatrio da mensagem no passa pela interpretao ou pela
escolha de um trecho por parte do comunicador responsvel
pela produo radiofnica (repito, quando ao vivo), como no
caso do que impresso ou passa na televiso. A equipe e eu
preparamos cada encontro, claro, desde a discusso da pauta.
Em seguida, a gente estuda o tema a ser abordado e o que relacionado ao assunto faz(em) a(s) pessoa(s) que convidamos.
Um roteiro criado pelos(as) estudantes e revisado por mim
d as diretrizes das questes e reflexes a serem irradiadas,
assim como traz os poemas, msicas, citao, divulgaes e
notcias a irem ao ar. Mas, uma vez os microfones abertos, a
inesperada seara da improvisao se abre em gros inusitados; o dilogo entre os participantes da emisso faz surgirem
novas ideias animadas pelos sentimentos e emoes que com
elas respiram; a contribuio de cada ouvinte influi nos rumos
do que falamos. Quando chega um comentrio ou pergunta da
audincia, por telefone, correio eletrnico ou mensagem por
uma das redes sociais (Twitter, Facebook), a prioridade lhe
concedida. A colaborao do ouvinte precede o que adio dizer.
Quando volto no tempo nas asas da memria, recordo
minha musical e potica formao. Com o radinho vermelho
no jardim ou ao p do aparelho de som em meu quarto, passava horas. No raro as canes me inspiravam poemas. A
efervescncia da adolescncia exigia concentrao. Meus sentimentos e emoes intensos como o temperamento de minha me geravam conflitos entre ns que ela resolvia desde eu
menino tocando piano... Criana, eu descia de uma rvore em
que me refugiara e ia me chegando sala em que ela estava,
devagarinho, at fazermos as pazes. s vezes, minha bandeira
branca era um poema. Foi no incio do ensino secundrio
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Com o tempo, a partir de 2005, outros assuntos relativos sade e ao bem-estar passaram a ser tambm enfocados. Obesos, idosos, hipertensos, todos ns estamos sujeitos a desenvolver uma deficincia definitiva ou temporria.
Alm disso, temas outros como acupuntura, meditao, espiritualidade, literatura, msica sempre com as pessoas com
deficincia relacionados passaram a ser foco do Todos os
Sentidos, tendo em vista que a arte, a cincia, o lazer, os caminhos de autoconhecimento e dos cuidados consigo a todos
interessam e envolvem.
Passaram a participar artistas, como Thiago Sandes,
msico que autista, e Levi Pimenta, pessoa com sndrome
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de Down que poeta e brincante de maracatu. Outra colaboradora e ouvinte constante Mariana Cavalcante, tambm
pessoa com Down, que marcou minha reflexo sobre a educao quando, em resposta a uma pergunta minha no ar sobre a
aprendizagem e interao sua na escola, me respondeu: A escola, Henrique, a vida. A gente comea a aprender em casa,
com a me da gente. Os professores tambm so importantes,
mas a gente aprende na vida.
Sentidos
Para as pessoas com deficincia.
Com msica de Rodrigo Bezerra.
I
Eu componho gestos que tu no escutas.
Eu escrevo letras que tu no sentes.
Eu digo palavras que tu no degustas.
Eu cultivo sonhos que tu no entendes.
Eu desenho melodias que tu no desfrutas.
Eu colho o fruto filho das tuas sementes.
II
Eu caminho no cho do improvvel.
Eu tanjo as cordas do intocvel.
Eu bailo nas curvas do invisvel.
Eu seduzo, de corpalma sensvel.
Eu acolho o carinho do esquecido.
Eu colho o afeto do enlouquecido.
Eu busco os sons silenciados.
Eu reno os dons do fragmentado.
Eu vejo os segredos do escondido.
Eu cativo as graas da preferida.
Eu sinto as intenes impronunciadas.
Eu pressinto a hora da mudana chegada.
Eu leio mistrios em todos os timbres.
Eu te desafio a tentar ser simples.
(BELTRO, 2009, p.21)
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A cada emisso, eu saio transformado. Os afetos, o tempo, os encontros, a poesia, as vozes no ar quase as posso ver,
sinto-as quase a me tocar. Do rdio que ouvia antes de ser
comunicador ao rdio que fao, muita coisa mudou no mundo
e em mim. Se no Todos os Sentidos, as pessoas com deficincia me surpreendem e ensinam detalhes e profundidades
inesperadas, no Sem Fronteiras: Plural pela Paz, o leque da
radiofonia se espalha poeticamente, levando-me da arte cincia, da poltica tecnologia, de uma lngua a outra, em meio
a diversas culturas, em meio a muitas idades. Se em sala de
aula e no palco, o comunicador me acompanha, no ar vibra
um professor. Em ambos os programas, se o poeta me inspira,
se o comunicador me conduz, o educador no me abandona.
Comecei a carreira docente em 1987, antes de chegar ao rdio, em 1996. Tudo est visceralmente relacionado em mim.
Alm disso, a Rdio Universitria FM uma emissora educativa, incrustada na UFC. E ali atuo como formador de outros
comunicadores, os estudantes de Jornalismo e de Publicidade
e Propaganda. Com essas pessoas que atuam como assistentes de produo, muito tenho aprendido. Diversos trabalhos
apresentados nos Encontros de Extenso da UFC foram premiados na categoria Comunicao. Muitas novidades entram
pela janela aberta para o verde onde viceja a juventude. Viva
os que viro! Mas sobretudo viva o encontro entre as geraes!
Da emoo de ouvir emoo de fazer. Sempre ao encontro com o outro vinculado. Para mim, os ouvintes fazem o
rdio ter sentidos. Todos.
Rdio Experincia
Carssimos ouvintes, obrigado
Pela ateno a mim to dispensada
Nossa programao se encerra agora
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[...] faire de la Radio non pas une sur infirme des muses mais une muse
de plus. Une muse tout court.
60 Para mim, a inutilidade da poesia aparente, como outros poetas j
diziam (MORAES, 1980, p.538). Bachelard, em resposta sobre a ideia do
senso comum de que a Filosofia intil, dizia em entrevista TV francesa
(www.ina.fr), que ela serve para pensar e de fato intil para quem no faz
questo de pensar de modo original. A poesia tambm sem serventia para
quem o prosaico basta, para quem no necessrio sentir a sutileza das
entrelinhas, nem ler o vulto do inefvel, nem conhecer outras manifestaes
da linguagem humana.
61 Naturellement, par exemple, que la posie est inutile. Mais elle nest pas
belle parce quelle est inutile. Elle est belle parce que cest une langue part.
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No ar, eu vivo a aventura deleite e desafio de reverenciar a diversidade da vida e de compartilhar a palavra
com as pessoas com deficincia (PcD). A arte radiofnica enche de cores e sons e outras sensaes exuberantes a paisagem dos afetos que inspira minhas quotidianas experincias
de formao no ar. O trac e a alegria reagem entre si, a raiva
contra quem silencia a maioria e o amor ao que fao do asas
ao que digo e ampliam o que escuto. As duas emisses Sem
Fronteiras: Plural pela Paz e Todos os Sentidos so aes
de extenso universitria. Sempre destaco isso durante a irradiao e algumas vezes digo que a extenso o abrao que a
universidade d na sociedade.
Encontro nas palavras de Boaventura de Sousa Santos
(2004) o eco de atividades ou propostas s minhas semelhantes. Nas linhas desse autor encontro a aluso diversidade
64 Le trac, ou lmotion, [...] dclenche, en eet, ltincelle qui anime le micro.
Sans cet moi, le micro transmettrait gnralement une expression trop
sre delle-mme et impavide. Noublions pas que le machinisme, grande
conqute moderne, est en mme temps le pire ennemi de lhomme dans son
expression inidividuelle et sensible. Il sagit dy pallier.
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cultural e s pessoas discriminadas, entre as quais se encontram as pessoas com deficincia. Quando ele discute a universidade do sculo XXI, comenta as crises institucional, de legitimidade e de hegemonia que ela atravessa. No trecho sobre
a extenso universitria, o autor afirma que ela ter em breve um valor muito especial. Ao passo que o capitalismo quer
tornar a universidade pblica uma coisa funcional, rentvel,
mercantil, a servio do setor privado ou privatizada ela prpria, transformando-a em agncia de extenso sob seu controle; segundo Boaventura,
a reforma da universidade deve conferir uma nova centralidade s actividades de extenso (com implicaes
no curriculum e nas carreiras docentes) e conceb-las
de modo alternativo ao capitalismo global, atribuindo
s universidades uma participao activa na construo
da coeso social, no aprofundamento da democracia, na
luta contra a excluso social e a degradao ambiental,
na defesa da diversidade cultural (SANTOS, 2004, p. 73).
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isso, as actividades de extenso devem ter como objectivo prioritrio, sufragado democraticamente no
interior da universidade, o apoio solidrio na resoluo
dos problemas da excluso e da discriminao sociais
e de tal modo que nele se d voz aos grupos excludos e
discriminados (SANTOS, 2004, p.74).
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Cartaz publicado
no InformANDES
(setembro de 2011).
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France Internationale, entre tantas outras? Quem no se deixou encantar e transportar pelas emisses musicais to ricas,
pelos programas temticos to diversificados quanto ticos
ou pelo jornalismo independente e crtico da cearense Rdio
Universitria FM 107,9?
Duas consideraes devem ser feitas a respeito dos detalhes caprichosos e sedutores do rdio: seu pblico e o papel
e poder do comunicador, seja ele radialista ou jornalista ou
publicitrio ou artista.
Todos juntos e cada um por si eis como Jean Tardieu (1969, p.63) caracteriza o pblico radiofnico, um pblico cuja particularidade [...] de formar uma multido, mas
uma multido composta de unidades dispersas67 (TARDIEU,
1969, p.63, traduo minha). Cocteau aborda com outras palavras esse mesmo aspecto do rdio quando diz: O interesse prodigioso deste estranho veculo que ele no se dirige
s massas, como se pensa, mas a cada pessoa em particular.
Nada de mais confidencial que esta mquina, que, de resto,
intimida mais que um anfiteatro repleto (COCTEAU, 2010,
p.26, traduo minha)68. A arte radiofnica, segundo Tardieu
(1969), sobretudo a arte do comunicador (produtor-apresentador) , por si, um jogo entre presena e ausncia. Como
escutar esse pblico? Como lhe passar a palavra? Ler o correio dos leitores, convid-los a intervir por telefone, apresentar testemunhos diante do microfone visam persuadir os que
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esto escuta que cada um em particular constitui um interlocutor vlido, potencialmente permanente e real69 (TARDIEU, 1969, p.130, traduo minha).
As consequncias desse carter to particular da interao no campo radiofnico tm evidentemente muita relevncia para uma reflexo sobre a formao minha como poeta que
atua na qualidade de homem de rdio. Nos momentos primeiros de escrita ou fala, nem o poeta nem o radialista veem seu
leitor ou ouvinte, mas ele est presente, ele se pressente. Falar
requer escuta de si. No estdio, atua-se com um alto-falante
de retorno. Alm dessa audio ao vivo, no calor da hora em
que cada slaba se pronuncia, inmeras vezes ouvi a gravao
dos programas na busca de melhor conhecer e fazer o meu
prprio trabalho. Falar requer tambm a escuta do outro, em
dois sentidos: ser escutado por ele e saber escut-lo. O que
digo chega a cada um do pblico invisvel, mas em parte perceptvel em seu retorno, que me chega por outros caminhos:
pelo telefone, pelo correio eletrnico, nas visitas dos ouvintes
aos estdios ou em eventos pblicos em que nos conhecemos
ou reencontramos. A arte radiofnica me faz questionar minha prxis entre deleites e inquietaes.
Necessrio se faz esclarecer o papel e o poder do comunicador. No meu caso, na Rdio Universitria FM de Fortaleza, eu trabalho com um tcnico de udio, Antnio Carlos
Lima, Assis Lima ou Jos Raimundo Lustosa, e conto com
estudantes de Comunicao Social da UFC como assistentes
de produo. Estes recebem bolsas da Pr-Reitoria de Extenso e temos o compromisso de conjugar ensino, pesquisa e
extenso: fazem ali parte essencial de sua formao acadmi69 [...] persuader ceux qui sont lcoute que chacun en particulier constitue
un interlocuteur valable, potentiellement permanent et rel.
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Sempre digo que os programas so um caminho potico-radiofnico atravs do qual e no qual busco contribuir com
a construo de um mundo mais belo e justo, mais sensvel
beleza. Note-se que o termo justo aponta para a inteno
assumida de fazer essas aes extensionistas na perspectiva
apontada por Santos (2005), isto , contra os preconceitos,
a excluso e a discriminao seja das pessoas com deficincia, seja devido a diferenas lingusticas, culturais ou etrias
(a diversidade de lnguas, povos, culturas e idades so as mais
citadas desde a estreia at hoje). Note-se igualmente que o
termo belo aponta para a dimenso esttica e a expresso
mais sensvel beleza, para a busca de uma formao da
sensibilidade. O poeta, o radialista e o professor constituem
meu ser. Se a poesia quem me inspira, conduz e ampara, minha atuao sempre envolve o comunicador e o educador que
sou. A radiofonia nasceu no Brasil com a proposta de educar e
tem at hoje um carter educativo em algumas emissoras pblicas, alm do jornalstico e do artstico (em particular musical), como o caso no contexto da Rdio Universitria FM, de
Fortaleza. Acredito que as palavras de Izara Silvino Moraes a
respeito do papel da arte no mbito educacional poderiam se
aplicar ao papel da arte penso na poesia e na msica no
mbito radiofnico:
Creio que a arte tem funo clara na escola e atravs
dela a escola assumir a responsabilidade prioritria
e nica de superao do cognitivo pela formao da
sensibilidade (MORAES, 1993, p. 34).
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Plural pela Paz, Paulo Freire (1983) traz seu contributo, colhido de seu livro Extenso ou comunicao?, originalmente
publicado em espanhol em 1968, durante seu exlio no Chile. importante deixar claro que o pensador enfoca particularmente a extenso agrcola, em um contexto em que os
agrnomos educadores querem literalmente: persuadir as
populaes rurais a aceitar nossa propaganda e aplicar estas
possibilidades [tcnicas e econmicas] (FREIRE, 1983, citando fragmento do texto de Willy Timmer Planejamento do
trabalho de extenso agrcola, publicado em 1954 pelo Ministrio da Agricultura).
Freire (1983) faz uma anlise lingustica do termo extenso, apontando relevantes reflexes. Em sua relao com
a forma verbal correspondente, fica claro que quem estende
estende algo at algum, at aquele que recebe o contedo
pelo outro proposto. Ora, bem sabemos a crtica, essencial no
pensamento freiriano, feita mera transmisso de contedos. Para esse autor, nas aes extensionistas, nas atividades
extramuros em geral (a meu ver inclusive as que envolvem
pesquisa e ensino), um sujeito que vive atrs dos muros (da
universidade) supe-se incumbido da misso de levar seus saberes a um outro sujeito, que vive fora dos muros.
Parece-nos, entretanto, que a ao extensionista envolve, qualquer que seja o setor em que se realize, a
necessidade que sentem aqueles que a fazem, de ir at
a outra parte do mundo, considerada inferior, para,
sua maneira, normaliz-la. Para faz-la mais ou menos
semelhante ao seu mundo (FREIRE, 1983, p.13).
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INTERVALO
Quando a chegada se completa,
a partida se prepara
porque tudo passagem.
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Karla Martins, a musa, minha me, eu e a leitura... dos quadrinhos de Maurcio de Souza.
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Um Formador em (Trans)Formao
Educar educar-se na prtica da liberdade,
tarefa daqueles que sabem que pouco sabem
por isso sabem algo e podem assim chegar a saber mais
em dilogo com aqueles que, quase sempre, pensam que nada sabem,
para estes, transformando seu pensar que nada sabem em saber que
pouco sabem, possam igualmente saber mais.
PAULO FREIRE (1996)
Na jornada em palavras feita neste trecho autobiogrfico dedicado ao caminho meu de (trans)formao como educador e pesquisador, desde a criana afeita aos versos at o narrador de versos feito, contemplo entre linhas detalhes de mim:
o menino poeta, o jovem no Bosque de Letras, a descoberta da
sala de aula da perspectiva do educador; a trajetria docente
de formao de mim e do outro (na Aliana Francesa, na Escola Tcnica, na UFC...); a histria de um poeta devorado pelo
mestrando (em) que ele (se re)virou; o casamento com uma
musa pesquisadora; o doutorado e o convvio com o professor
Botelho na UFC, o doutorado sanduche e o convvio com a
professora Martine Lani-Bayle e a equipe do Transform, na
Universit de Nantes, as notas de aula em forma de poema,
que Martine descobriu e me encorajou a ler em pblico. Sou o
vermelho em busca do simples no efmero essencial...
Quisera ouvir-te, leitor, mestre das palavras que ls.
Monsieur Michel de Montaigne, o criador do ensaio, em sua filosofia da educao nos encorajava a fazer o que desejamos em
busca de nos formarmos: Eu coloquei todos os meus esforos
em formar minha vida, eis meu ofcio e minha obra (PRUVOST, 2008, p.548, traduo minha)74. Tenho escrito ensaios,
74 Jai mis tous mes eorts former ma vie, voil mon mtier et mon ouvrage.
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Os mestres
Minha formao docente principia na admirao e no
afeto que em mim despertaram algumas professoras e alguns professores meus. Meus mestres primeiros: meus pais.
Ambos educadores de ordem maior: ele em sua serenidade,
ela em sua vibrao. Embora minha me tenha feito o curso
pedaggico da Escola Normal de Fortaleza e meu pai tenha
dado aulas de taquigrafia, nenhum dos dois quis se dedicar
ao magistrio. Falo dos educadores que me deram amor e me
legaram valores e princpios que so faris em meu trajeto.
E falo das diversas vezes em que orientaram meus estudos,
tiraram minhas dvidas, acompanharam minhas hesitaes,
encorajaram minhas descobertas, acolheram meus erros com
sbia reorientao, me convidaram a ir at os livros, discos e
pessoas que me enriqueceriam.
A gente se faz educador antes de mais nada no convvio com os que nos educam e conosco se (re)educam. E a
gente busca se assemelhar queles que nos encantam, assim
como evita repetir as atitudes daqueles que nos despertam
medo, raiva ou outro afeto desagradvel. Diversas pesquisas
apontam essa tendncia entre os educadores, de se formarem
essencialmente no convvio com seus prprios professores,
entre elas, a de Maria Isabel da Cunha (1999), que aponta
justamente que nos espelhamos nos mestres admirados e nos
distanciamos do que faziam os que nos desgostavam, e a que
fiz durante o mestrado (CASTRO, 2002).
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A relao com os alunos e o gosto de ensinar se encontram entre as caractersticas de bons professores, bem
como a ideia de bom professor envolve a capacidade
de este se mostrar prximo, do ponto de vista afetivo
(CASTRO, 2002, p.121).
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qual comenta alguns detalhes de seu Mtodo de Improvisao, que no prescindia do planejamento, mas criava espao
de constante criao no convvio verdadeiro e sincero entre
todos os que com ela estudavam:
Nunca iniciei um curso, uma atividade pedaggica, com
qualquer classe, qualquer que fosse o nmero de alunos, sem, antes, saber algo sobre a vida de cada aluno.
Os anseios, os sonhos, as alegrias, as angstias que os
levaram a estar naquela classe, naquele tempo espao
preciso. E nunca iniciei qualquer atividade pedaggica
sem antes saber chamar cada aluno pelo nome que o
afirmava como uma pessoa nica, ali presente, naquele
agora (SILVINO, 2007, p.263).
Com Izara, encontrara nova fundamentao: nela encontrava o respaldo para a importncia que eu atribua pr-
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E eram, Izara, nicas: singulares e plurais a um s tempo. Porque voc bem sabe que cada pessoa e cada instante
de vida de cada criatura ddiva divina, indita e irrepetvel. Tenho eu, amiga e mestra minha, procurado dar o melhor
de mim a cada encontro como os estudantes, como cantei no
poema A ltima aula (que citarei na ntegra mais adiante):
Fazer toda aula como se fosse a ltima...
Fazer tudo assim, como a ltima vez,
com o Amor de quem se sabe passageiro.
(BELTRO, 2007, p.88)
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tambm como revisor, tradutor, intrprete e mestre de cerimnias. Dei aulas particulares a indivduos e pequenos grupos,
atuei em diversas instituies como docente, ministrei cursos
em vrias circunstncias, mas os ambientes mais relevantes
para mim como educador foram a Aliana Francesa de Fortaleza, a Escola Tcnica (hoje IFCE), a UFC e o INSA de Lyon.
Em agosto de 1987, iniciava-se oficialmente minha carreira docente, com carteira assinada. Com 20 anos, um ano
antes de me formar, comecei a dar aulas na Aliana Francesa de Fortaleza, onde estudara e onde muito aprendi como
educador, a despeito dos salrios sempre e at hoje aviltantes, o que, alis no era nem exclusividade dessa instituio,
no caso da carreira docente. Na Aliana, me apresentei junto
com minha amiga Ticiana Telles Melo, para dar aulas onde
havamos irmanamente compartilhado cinco anos de estudo.
Atuamos ali com a amiga Jacqueline Freitas Bezerra; juntos,
sonhamos em chegar universidade, em voltar ao Bosque de
Letras da UFC; os trs at hoje trabalhamos em unio, formando professores de francs no curso em que estudamos.
A Aliana Francesa de Fortaleza tambm me trouxe um
amigo-irmo: Enrique Sanchez-Albarracin. Com este xar, tenho muito em comum alm do nome: somos ambos poetas,
tocamos violo, temos a mesma idade, o mesmo signo chins,
a mesma postura poltica, de esquerda, somos professores universitrios, ensinamos lngua estrangeira, ele, o espanhol na
Frana; eu, o francs no Brasil... Compartilhamos o mesmo sonho de um mundo mais belo e justo, mais sensvel beleza, e
cultivamos o jardim de nossos dias com nossas musas, colhendo cada instante de vida e de encontro com potica inspirao.
A amizade entre duas pessoas , a meu ver e sentir,
uma das experincias afetivas (trans)formadoras mais belas e
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continuo aprendendo muito. A sensibilidade, o carinho, a viso ampla de mundo de Carole so ddivas no convvio. E sua
voz tambm. Cantar. Cantar juntos. Eis um dos prazeres cultivados em famlia, sempre com a participao alegre, sincera,
entusiasta e acolhedora de Albert, pai de Carole, outro amigo
querido. Boa parte do que somos, o princpio mas tambm o
aprofundamento de nossa (trans)formao ao longo da vida
se d no mbito familiar; este um dos motivos pelos quais
ter vnculos de amizade que chegam a ser como familiares me
parece to importante. No seio desse encontro com eles, mais
profundo, mais ntimo, pude alcanar mais de sua cultura,
mas tambm mais de mim mesmo. Olhar para o outro nos
chama a ateno sobre miudezas da gente. Conviver com o
outro, afeioar-se ao outro, querer bem e dar de si e (a)colher
o outro levam bem mais longe o conhecimento de si mesmo.
Com outra famlia vivi e vivo isto de ser de casa, de ser
acolhido como se ali em meio a ela tivesse nascido. Desde que
minha me comeou a desenvolver problemas de sade, a
partir de 1985, Tti me recebeu como um dos seus. Para mim,
ela meio amiga, meio me. A ela, como a meus pais, peo
a bno gesto espiritual que muito prezo. Com seu filho,
Pedro, como disse, eu me irmanei. Com ele aprendi muito de
msica e rdio, assim como compartilhei o pouco que sei de
lngua e literatura.
Ser cuidado na doena, amparado na tristeza, orientado na msica, acolhido nas comemoraes mais ntimas, tudo
isso deu novo alento ao meu viver, em momentos em que o
lume tremulava em meio ao vendaval. Tti, grande dama da
cano cearense, trabalhou como produtora na Rdio Universitria. Daniela e Flvia, minhas irms, ambas cantam.
Jlia, minha sobrinha, tambm j revela seu talento como
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percussionista e cantora. A casa da gente sempre foi frequentada por grandes nomes do cenrio musical cearense: de
Petrcio Maia a Nilton Fiore. Era e a tpica casa de artistas.
E se comento com to vivos sons e cores que aquele ambiente era e inspirador e formador para mim. Diversas experincias afetivas (trans)formadoras tive ali, tanto em momentos
de beleza quanto em tempos de desafio. A escuta atenta, carinhosamente crtica e acolhedora da Tti, do Rodger Rogrio e
de outros era formadora e consagradora para mim.
Retornemos aos lugares de minha atuao docente
institucional, propriamente dita, alm da Aliana Francesa,
passei por outros estabelecimentos de ensino privados, lecionando francs, ingls e portugus, sempre espantado com as
pssimas condies oferecidas aos professores, mas sempre
entusiasmado pela relao vivenciada com os estudantes.
Somente conheci um ambiente mais salutar do ponto de vista formador, poltico, salarial e infraestrutural quando fiz o
concurso para a ento Escola Tcnica Federal do Cear (hoje
IFCE), em 1990, mesmo ano em que nasceu Ravi, meu filho:
dois presentes da generosidade da vida, duas experincias
afetivamente marcantes e (trans)formadoras. Ali e com ele,
muito aprendi.
Desde miudinho, o Ravi sempre me surpreendeu. Desde cedo muito me ensinou com seus comentrios inteligentes,
sua fina sensibilidade e seu carinho. Com ele, venho cultivando a amizade que o poliglota silencioso me ensinou ser o caminho mais belo para a compartilhada aprendizagem entre
pai e filho. Recordo que algumas vezes Ravi chegou a ir comigo para a sala de aula, o laboratrio76 de francs do curso de
Turismo, ainda to pequeno que passava entre minhas pernas
76 Na verdade, no era um laboratrio no sentido clssico, com cabines de
udio individuais. Sobre esse lugar, comentarei logo mais.
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esta expresso tem desde sempre para mim, amante das palavras, claro significado: o de ser algum que tem a profisso e
o compromisso de servir o povo, a minha gente, o povo brasileiro. Nesse contexto, formar jovens que utilizariam a lngua
francesa no seu trabalho conferia outro significado minha
atuao o papel social era bem mais relevante e perceptvel
do que na poca em que, para me manter, lecionava em escolas privadas e dava aulas particulares para gente abonada que
queria passear em Paris.
O ambiente da Escola Tcnica era fascinante. A comear pelo ptio: ali sempre havia gente indo ou vindo da biblioteca, nadando, tocando violo, namorando... Eu me sentia em
casa, em meio s artes e aos espetculos de teatro e dana, aos
esportes, aos encontros. Participei dos movimentos polticos.
Fiz um semestre de teatro na Casa de Artes, para tentar aprimorar o uso da linguagem teatral nas encenaes feitas pelos
estudantes e, acho eu, para descobrir que ator eu no seria.
Outro lugar de sonho (realizado) era o laboratrio de
francs como disse, no havia ali cabines de udio. Era uma
sala climatizada, muito ampla, com biblioteca e discoteca
dentro dela, colunas pelo meio, inusitadas, um sonho para
quem ensina lngua estrangeira: podia abrir a estante e o material ali estava. Havia uma boa mesa de som, com toca-discos
em vinil, com gravadores tanto de fita de rolo quanto de fita
cassete. As dimenses do lugar permitiam trabalhos em equipe e apresentaes dos dilogos que os estudantes criavam e
encenavam. Permitiam que eu tocasse violo com eles. E que
convivssemos vontade. Por prazer. Prazer em conhecer.
Os lugares plenos de beleza e ricos de encontros se multiplicavam. O curso de Turismo propunha viagens como estgios de formao, das quais cedo quis participar. Os estudan-
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E me aconteceu tambm com elas comemorar conquistas minhas ou nossas e celebrar a vida, compartilhando o tesouro
de convivermos.
Nada se faz sozinho. A bem da verdade, versos, canes,
aulas, cursos, palestras, pesquisas, espetculos, ensaios, livros, programas de rdio, extenso universitria e tudo o mais
que tenho feito deram-me sempre a potica oportunidade de
experimentar a beleza que pulsa em cada ser humano quando
com o outro se sente em sintonia, s vezes irmanado.
Sinto vontade de, neste trecho em que logo mais falarei
de experincias afetivas to formadoras quanto desafiantes, citar fatos e pessoas com quem compartilhei bonitezas e decncias, como diria o mestre Paulo Freire mas como so muitas!
Em verdade, em meus gestos vivem outros gestos que os meus
abraam; na minha voz em sala de aula, no palco, no ar
ecoa um coral imenso de gente que gosta de gente; nos versos
escritos s vezes sozinho vibra a presena dos seres que iluminam meus caminhos. A cada uma dessas pessoas com quem
tenho partejado bons afetos e experincias afetivas (trans)
formadoras na UFC, em outras universidades e em diversos
lugares, agradeo agora e sempre. A cada confrade da comunidade universitria, deixo aqui expresso e impresso meu
fraternal carinho. Abraos e aplausos! Vocs com quem sinto
alegria, prazer, entusiasmo, inspirao, vontade de aprender,
vocs so muitos e me fazem acreditar na humanidade.
Passar a formar professores, atuar com aqueles que no
futuro viriam a ser justamente outros colegas, me deu a mais
gostosa das oportunidades de refletir, viver e sentir a prxis
docente. Se aprendera com meus mestres, todo o tempo e cuidado tenho dedicado a fazer o melhor possvel pelos futuros
educadores no presente. O significado de minha atuao ga-
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nha a partir de ento muito mais espao em meu peito: sempre me senti trabalhando junto aos meus pares, em caminho
de mtua (trans)formao. Nos dias de hoje, muitas dessas
pessoas j se tornaram companheiros de profisso e eu nunca deixei de me espantar com a atitude de alguns colegas da
universidade que parecem nem sequer suspeitar que aqueles
estudantes sero em breve tambm professores e pesquisadores. E o que me causa esse espanto no seno a arrogncia
de alguns, sua pretenso de neutralidade, sua estpida impresso de serem superiores, uma elite intelectual besta o
suficiente para se superestimar.
O jud me ensinara que, uma vez no doj, no podia subestimar nem superestimar o adversrio. Nem a mim. Cairia
sete vezes, diante do autoritarismo de um, diante do meu desconhecimento das regras acadmicas, diante da burocracia de
outro, diante da rubra gana e do vermelho arroubo meu em
busca de fazer a meu modo, diante da maledicncia e inveja
de uns, diante da passividade ignorante de outros, diante do
poderio dos cargos exercidos por outrem a me atravancar o
caminho com leis fabricadas ao bel prazer daqueles a quem
elas interessavam. Mas me levantei oito vezes. Qual o poeta
passarinho...
Poeminho do contra
Todos esses que a esto
Atravancando o meu caminho,
Eles passaro...
Eu passarinho!
(QUINTANA, 1983, p.28)
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Unidade
Nada existe isolado; tudo se relaciona com tudo.
Anaxgoras
Destinados a vivermos juntos, nenhum de ns pode exigir
de algum que o ame, mas deve exigir que o respeite.
A convivncia uma arte e a linguagem, seara de Letras,
uma fonte de mal-entendidos. Para o que a palavra planta
torto, ao silncio e ao Tempo cabe o trabalho de preparar a
prpria palavra para ceifar e tornar a plantar.
Todos erramos. E erraremos ainda. Juntos nos aprimoramos... para no errarmos demais. Assim, mesmo quando
falhar um de ns, precisamos nos entender. Para isso, faz-se
necessrio saber calar e escutar e de novo falar.
preciso tato (e viso e olfato e os outros sentidos mais o
sexto) para palmilhar o terreno da mtua compreenso.
preciso fazer a travessia do mundo impreciso da humanidade.
No mais, a universidade, como o universo, de todos ns.
Cada canto e cada desencanto so nossos. Toda a paz e o
inevitvel conflito so nossos. Coisas de gente! Somos,
por ora, seres humanos simplesmente. Ao mesmo tempo belo mistrio! somos mais, bem mais... porque
somos Um.
Tudo vibra e tudo pulsa nesta esferinha dialtica. Estamos
todos conectados pela mesma teia quntica. Irmanemo-nos, pois, e se amar no pudermos, respeitemos a diferena... Mais: reverenciemos a diversidade que tece a delicada
unidade do todo de que somos parte (BELTRO).
Em outros muitos momentos, a palavra, a escrita, a poesia vieram em meu socorro. O simples fato de ser afetuoso com
os estudantes conturba(va) alguns de meus colegas. A atitude
de adotar atividades artsticas ou incorporar a linguagem artstica em algumas prticas pedaggicas era (e por vezes ainda
) mal vista. O gesto de ir para a sala de aula com o violo gerava crticas, questionamentos, comparaes com colegas que
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Em muitas das situaes por mim vivenciadas, respondi intimamente, sem alarde, mas com arte. Foi o caso na poca em que um lugar onde atuava sofria o jugo militaresco de
uma pessoa desptica. Fiz um texto que viria depois a publicar
no Vermelho.
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(trans)formao. Claro que os bons afetos e as boas lembranas de aprendizagem bem vividas so mais belos e agradveis.
Porm so inevitveis os conflitos, as decepes, os deslizes,
os desgostos h que viver com eles, ou melhor, h que apreender o que a sombra nos traz para aprender, mas sobretudo
incorporar o que a luz nos d a sentir e saber.
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Francesa de Fortaleza, no centro da cidade, desenvolvi vnculos de afeio e muitas vezes de amizade com os estudantes.
Em meio a eles, algum sempre se aproxima mais. E encontra
o corao feito jardim aberto s presenas benfazejas.
Cabe destacar o delicado aprendizado com as crianas.
Criei um curso de francs para elas. Sentava-me no cho e
recriava minha pedaggica realidade a partir do inesperado
que cada criaturinha daquelas me trazia. O ldico e a arte no
encontravam resistncia, por motivos bvios. Acho que era
Chaplin quem dizia que no h melhor pblico nem crtico
mais sincero que um menino. A avaliao que faziam do que
iam aprendendo, espontnea como as crticas a algumas atividades propostas ou posturas minhas, foi valiosa para mim.
E ainda o .
Na Aliana, mas tambm na Escola Tcnica e na UFC,
a adoo de atividades artsticas com o intuito de nos motivar, de dar vazo expresso dos afetos, de acessar outras
dimenses lingusticas a mim parece ter sempre favorecido
nossas interaes, tanto sua fluidez quanto a boa qualidade
delas. Diria Elvis Matos (2002, p.59): as atividades artsticas podem desencadear um processo de auto-conhecimento:
auto-minerao do precioso ouro dos sentimentos: diamantes
emotivos.
Maria Isabel da Cunha (1999) j dizia que os estudantes
gostam dos professores que se mostram prximos, do ponto
de vista afetivo.
[...] quando os alunos verbalizam o porqu da escolha
do professor [que consideram bom], enfatizam os aspectos afetivos.
Entre as expresses usadas esto amigo, compreensivo, gente como a gente, se preocupa comigo,
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os contedos e buscar novos caminhos, mais belos, para chegar aos objetivos. O desenho ento , por exemplo, como citei,
usado para explicar alguns termos, para criar historietas na
lousa, para trazer personagens que invento e com os quais literalmente ilustro o que digo. O violo anima as aulas em que
estudamos e cantamos canes. O rdio marca presena com
trechos de programas culturais ou de entrevistas ou noticirios ou spots publicitrios que revelam aspectos culturais e
lingusticos a que nos dedicamos. A fotografia, as artes plsticas, as histrias em quadrinhos, os jogos... de cada fonte, tanta riqueza, tanta aprendizagem compartilhada. Dilogos so
criados e encenados pelos estudantes. Eles so convidados a
propor textos e atividades dessas naturezas. Procuro ouvir,
incentivar, orientar, me aquietar, deixar acontecer... Sempre
convido os estudantes a refletir sobre as aulas, a ver como (futuros) professores cada instante nosso.
Destaquei h pouco que no estudo de lnguas estrangeiras (LE) (CASTRO, 2002), a gente levado a falar de si, de seu
dia, de lembranas, de projetos pro futuro, de opinies sobre
vrios assuntos talvez seja mesmo a disciplina em que mais
as pessoas tm de conversar sobre si mesmas. Ora, fazer isso
com arte em todo contexto motivador. No mbito da formao de professores de LE, estar consciente disso essencial,
mesmo que seja pra aprender tambm os limites para essas
conversas sobre si. A mim interessa mais como encorajar para
que acontea.
No contexto do livro, esse aspecto importante em minha atuao como professor-poeta-comunicador que usa arte
para construir experincias afetivas (trans)formadoras. E levar esta reflexo para a sala de aula tambm essencial, ou
seja, o caminho da partilha: passar a levar para os estudan-
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tes esse conjunto: que em LE se fala de si, que a arte pode contribuir, que as experincias afetivas (trans)formadoras devem
ser discutidas na formao de professores de LE e isso passa
pelo desafio de conseguir falar delas, traz-las conscincia e
ao debate, dizer delas em LE, tanto que s vezes os estudantes
recorrem s vezes lngua materna. Em LE, se fala de si mas
isso no discutido na formao, a no ser no sentido de fornecer os elementos lingusticos e limitar a invaso da privacidade; ora, de freios, estamos bem servidos.
Em meio s memrias de tanto vivido que no alcano
aqui relatar ou que as palavras mesmas se negam a expressar,
recordo um poema que muito diz de tudo, entre mim e os estudantes. Este nasceu de um dia em que me imaginei, me vi e
senti no futuro, bem velhinho, pronto a me aposentar, prestes
a sair de cena. Fui at o dia em que daria a aula derradeira nos
versos de um poema escrito em 1999 e dedicado aos meus
alunos de hoje e outrora, em verdade os de sempre.
A ltima Aula
A minha vida toda pautada
na palavra e na interao com o outro.
Quantos cursos, quantas aulas
assim comearam ou se encerraram!
Tantas citaes e provrbios e poemas copiei na lousa,
coloquei nas provas e exerccios! Tantas lies!
O tempo todo eu quis aprender o que estive ensinando...
O Tempo, alis, mesmo o maior mestre:
o eterno habita o instante.
vital colher cada instante.
Fazer toda aula como se fosse a ltima...
Fazer tudo assim, como a ltima vez,
com o Amor de quem se sabe passageiro.
Muitos mestres e mensagens voltam baila
em meu peito de poeta e professor.
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Borboletra
Para Sofia Lerche. Com msica de Alex Costa.
A letra uma lagarta suspensa no papel.
Secreta slabas e tece um fio guisa de linha.
Brota a crislida de palavras em espera.
O poema se faz de borboleta.
(BELTRO, 2009, p.72)
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Casamos no dia 13 de maio de 2006, em um ritual espiritual por ns concebido, em um fim de tarde, a cu aberto, em
que danamos a vida, com os amigos e amigas, com o pessoal
das artes e da Biodana, com os familiares e os Anjos. Compartilhar o caminho com ela inefvel e ao mesmo tempo em
boas horas polvilhado de versos.
A propsito das experincias afetivas (trans)formadoras, preciso ainda mais dizer sobre a convivncia com os
orientadores, Luiz Botelho e Martine Lani-Bayle, e sobre os
vvidos dias vividos em Nantes, na Frana, durante o estgio doutoral, mais deliciosamente batizado pela Capes como
doutorado sanduche. Este doutoramento evidentemente
caminho de formao, o que talvez no seja evidente que os
afetos envolvidos pulsam em cada letra de toda linha que escrevo e em cada silncio de toda entrelinha que no diviso. A
ventura de haver cruzado os caminhos de dois pesquisadores
que so tambm artistas decerto influiu enormemente para
que viessem tona tantos saberes e sentires. Precisava disso,
o poeta que precede, anima, inspira e entusiasma o educador
e o comunicador que sou.
Desde a orientao primeira, o professor Botelho, em
sua serenidade, apontou-me o rumo de alm-mar. Suas palavras iniciais ou melhor, para mim primordiais foram
para me dizer que ia estudar fora. E cedo vi que encontrara
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o orientador que esperava. No tardou para que ele me indagasse sobre o rdio; o que fizera dele que no se encontrava
em minha busca de meu percurso formativo. Eu achava tantos caminhos, tentara abraar tantas dimenses quando ainda olhava para o papel da arte e da afetividade na formao
docente, na relao entre estudantes e professores, como objeto de estudo, que julgara perigoso acrescentar a radiofonia.
E assim outros muitos momentos se sucederam, em que sua
viso ampla e simples do mundo, que alcana lonjuras, me fez
ler o que eu antes sequer via e antecipar ou resgatar prolas
de minha caminhada.
O mestre mostrou que me afastar seria uma maneira de
me ver, a mim e ao que vivo e vivi, de outra perspectiva e com
outro olhar. De fato, o estranhamento e o deleite de conviver
com outra gente e degustar outro quotidiano foram preciosos
portais para mim mesmo. Morar um ano na Frana ou na Sua ou no Qubec era sonho antigo. Ao longo de toda a minha
formao, aprendera a falar francs no Brasil, fora poucas vezes e ficara por pouco tempo em solos francfonos, se considerarmos a relevncia do idioma em minha vida e h quantos
anos minha segunda lngua. A primeira vez, em 1989, como
bolsista do governo francs, para um estgio de aperfeioamento, na qualidade de jovem professor da lngua de Molire;
fiquei por dois meses, em Paris, Vichy (onde estudei, no Cavilam78), e viajando por algumas cidades francesas e europeias:
Lyon, Caen, Nice, Amsterdam, Gnve (Genebra), Barcelona...
A segunda, em 1997, para fazer um curso de produo de vdeos pedaggicos na Universit de Poitiers com o cabo-verdiano
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Cavilam: Hoje a sigla designa o Centre dApproches Vivantes des Langues et des Mdias, no perodo do estgio chamava-se Centre Audio-Visuel
de Langues Modernes, ligado s Universits de Clermont-Ferrand, Frana
(www.cavilam.com/fr).
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passarem as quatro estaes, conviver com as pessoas, incorporar o trivial; ir padaria, feira, aos piqueniques, s casas
das pessoas, aos espetculos, ao dia a dia... Nantes! Queria
esfregar as costas dos dias na barriga das horas; degustar
detalhes nas ruas do Bouay, bairro medieval; contemplar a
paisagem da janela do tramway, beira dos rios. Morvamos
ao lado de La Svre, afluente de La Loire, que corria tambm
nas redondezas, pertinho de casa. Nantes fica no oeste da
Frana, na regio Loire-Atlantique, mas a maioria se sente da
Bretagne: nas entradas da cidade, a placa bilngue, em francs e breto (hoje pouco falado) Nantes/Naoned.
Fizemos, Karla Martins e eu, um dilogo entre suas fotografias e palavras minhas que publicamos na Para mamferos em 2011 e assim principia: Nantes em seu aconchego me
diz: pouco conhece a Frana quem s conhece Paris. Os amigos andam desconfiados de que eu estou apaixonado por ela
(BELTRO e MARTINS, 2011, p.11). E mais adiante: Nantes
nossa de cada dia! Quem diria, quem diria que eu viria a me
sentir em casa em outro lugar, alm de minha Fortaleza, alm
do nosso Cear (BELTRO e MARTINS, 2011, p.12).
Inmeras folhas em branco nunca diriam do colorido
intraduzvel da mudana das estaes, dos amigos que fizemos, das caminhadas ao longo do rio Svre, das bicicletas
contentes com as ciclovias, do verde que ganha a cidade, dos
sabores compartilhados em clima de descoberta, dos aromas,
tudo to arredio a ser dito em palavras... Je ne saurai pas
traduire tout ce que jai vcu chez moi, comme francophone. Je vous parle damour. Daimer une langue, voici de quoi
je vous parle (Eu no saberei traduzir tudo o que eu vivi em
casa, como francfono. Eu vos falo de amor. De amar uma
lngua, eis de que eu vos falo).
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Aprendi de mim que sinto de maneira sutilmente diferente as coisas, as pessoas, os outros seres, o tempo, conforme
fale ou leia ou escreva ou escute a lngua portuguesa ou a francesa. Eis a algo difcil de esmiuar em palavras. Seja metade
silncio ento. Mas viver e pensar e interagir e sonhar e sentir
em minha outra lngua e em outro pas mgico. formador e
transformador, inelutavelmente. Essa experincia ganhou em
sentidos na medida em que a compartilhei com minha amada,
a cada instante, e com meu filho, Ravi, durante trs meses.
Falvamos e falamos ainda francs entre ns. No Brasil, de
vez em quando, mas todos os dias. Na Frana, todo o tempo,
seguindo risca o conselho certeiro e sereno de meu pai: que
no falasse portugus com eles, para que ficssemos completamente imersos no idioma do lugar, na cultura do lugar, dos
comportamentos sociais aos trejeitos dos corpos, das palavras
coloquiais s entonaes mais sutis.
Na nossa chegada, fomos acolhidos por Jean-Franois
Quimerch com um abrao brasileira e dois cachecis para
enfrentar o fim do inverno francs. Foi um abrir de portas e
janelas ser recebido por algum que conhece bem nossa cultura, entendeu boa parte de nossas idiossincrasias, nos apresentou a outras pessoas que tambm nos acolheram, brasileiras e
francesas, de alguma maneira ligadas AFBN81 Association
des Amitis Franco-Brsiliennes de Nantes/Associao das
Amizades Franco-Brasileiras de Nantes, por ele presidida.
Alm dos dias compartilhados, dos inmeros momentos que
este livro no comportaria, esse doce convvio culminaria com
um show potico-musical que fiz com participao de Joana
Anglica, grande amiga nossa, e de Carina Furusho, que conhecera na nossa nova cidade.
81
http://afbn.free.fr/afbnbresilnantes.fr_/
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HENRIQUE BELTRO
Houve ento, comme dhabitude, em meus shows potico-musicais, outros artistas no palco, mas esta apresentao
disse muitas coisas novas ao meu corao: pela primeira vez
fazia um espetculo inteiro sem nenhum msico me acompanhando, somente voz e violo. Como no sou um instrumentista profissional, sempre conto com um violonista, um
percussionista, outros msicos. Sustentar nas cordas do meu
pinho o fio de todas as msicas foi um desafio prazeroso de
superar. Tambm pela primeira vez me apresentava no exterior, um pblico diferente da minha gente. Se por um lado
no estava em uma seara conhecida como a do Cear, por
outro me regalei com a acolhida atenta dos franceses e dos
brasileiros que ali encontrei, bem como com a dos amigos de
diversas nacionalidades que Nantes, cosmopolita, nos trouxera. Somente depois do retorno ao Brasil, ao me apresentar de
novo sozinho com meu violo, percebi o quanto mudara. Estava tocando um pouco melhor, certo, mas sobretudo estava
em paz com o tanto que toco.
Na Frana, passei a escrever sempre em lngua francesa, salvo no caso de cartes postais e mensagens eletrnicas
para amigos brasileiros. E isso tomou desde a lista da feira at
as anotaes feitas s pressas, desde os poemas at os ensaios
cientficos, desde as notas de aula at os versos em que elas se
tornavam! A orientadora, Martine Lani-Bayle, descobriu e me
encorajou a ler em pblico o que escrevia em sala de aula. A
princpio, temi que os demais estudantes me julgassem louco ou
extravagante, nem sei como dizer. Mas a acolhida me estimulou
a assumir novos riscos. Captava palavras no ar, ideias que borboleteavam, nas aulas de mestrado e doutorado, nas palestras
da professora, nos seminrios do grupo de pesquisa, nas oficinas de escrita, nos encontros com outros professores a quem
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HENRIQUE BELTRO
Dali nasceram amizades e correspondncias que continuam seu curso de encantos e encontros graas s palavras
que atravessam tempo e espao sem cerimnia. Os colegas
do grupo de pesquisa, o Transform, e os autores admirados
a quem Martine nos apresentou, a mim e a Karla, foram inspiradores e transformadores em nossa aprendizagem plena
de bons afetos. Tivemos a bela oportunidade de encontrar
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Hollanda. E de outro conterrneo amigo meu, de poesia feito, f de Quintana e Manoel de Barros, Lucio Flvio Chaves
Holanda. E de mais um amigo muito estimado, Joo Paulo
Gsson, este um companheiro da Rdio Universitria, apaixonado por roque e reggae, sobre os quais apresentava programas da emissora, por ele criados. Para todos fiz poemas. Ao
Joo Paulo, bem antes de ele desencarnar, dediquei o poema
Voo livre (BELTRO, 2009, p.65), musicado por Paulo Branco e agora sendo gravado por Marcelo Kaczan com o ttulo
Caminho livre. Todos esses habitantes eternos do continente
da sensibilidade que nos une me ensinaram uma infinidade
de coisas enquanto convivemos e com sua partida.
Conviver com a morte, longe de casa, durante um dos
tempos de maior beleza, de mais aprendizagem, dos mais sonhados e esperados, me fez sentir mais cada instante, valorizar mais cada nfimo detalhe. A morte me levou a recordar
passadas estaes. A morte me lembrou de mim mesmo a dizer que a morte diz pra bem viver a vida (BELTRO, 2007).
Dos poetas a me dizerem do inefvel. De vrias aprendizagens
espirituais. De Epicuro a dizer que nada h a temer na morte.
De Espinosa a dizer que com um afeto somente outro afeto
mais forte pode: um sentimento no pode ser contrariado ou
suprimido exceto por um sentimento contrrio e mais forte do
que o sentimento que necessita ser contrariado82 (SPINOZA,
1954, p.275; parte IV, proposio 7, traduo minha).
Poemas escrevi em resposta. Pelo telefone e via Internet
disse meus versos para minha me. Pedi a amigos mdicos
que viessem cuidar dela, como Luiz Teixeira, que me comunicava os detalhes todos os dias por Skype. Pedi a amigos ar82 Un sentiment ne peut tre contrari ou supprim que par un sentiment
contraire et plus fort que le sentiment contrarier.
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HENRIQUE BELTRO
tistas que viessem cantar e tocar pra ela, ou melhor, com ela,
pois claro que ela se animava toda e entrava na dana. Assim
fizeram Joana Anglica, Pingo de Fortaleza, Adelson Viana. A
beleza de transcender o singular poder se sentir no plural.
Eu desfaz seus ns para o lao verdadeiro da unidade entre
todos ns.
Do que aprendi e vivi com meus pais feita a semente da
poesia em mim. O amor deles me fez assim. Ao deixar o Brasil,
sabia da gravidade do caso de minha me. Estava na Frana,
fazendo doutorado sanduche, quando sonhei pressentindo a
partida de minha me, abraado a ela acompanhando-a em
uma travessia. A distncia fsica era desafio que somente era
possvel de enfrentar porque a conscincia estava serena com
a memria da vida inteira de amoroso convvio e a vvida sensao de presena constante, via versos enviados e ditos ao
vivo, pelo telefone e pelo computador. Naqueles dias, me dei
conta da imensido do tesouro que deles herdara desde quando comigo sonhavam, antes de eu aqui ser.
O Tesouro
H uma herana em mim, que Deus me disse.
Silenciosa, eu nem sabia.
Sentia, talvez, mas sentir incerto.
So valores inolvidveis.
So riquezas indelveis.
So segredos inefveis.
Eu os ganhei faz tempo
me foi dado cultiv-los.
um tesouro to raro!
Depois da partida de meus pais
ser como antes da minha chegada.
H uma herana em mim, que Deus me disse.
Musical, eu nem ouvia.
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A arte caminho de transcendncia. A arte transformadora. A arte rene razo e afetividade, corpo e esprito,
indivduo e coletividade, tempo e espao. A arte a nau de
minha viagem.
E a viagem de que falava, ou melhor, o tempo vivido
noutro lugar me levou a ver meu lugar com outro tempo. A
me re-conhecer. Do quotidiano em Nantes s incertezas dos
deslocamentos para outros pases. Do arraigar-se ainda que
transitoriamente ao trnsito por diferentes cidades com suas
gentes e sua originalidade. As viagens compartilhadas com
Karla foram ora somente nossas, ora com meu filho Ravi, ora
feitas com outras pessoas amigas, queridas a cada uma tanta emoo e sentimento, tanta mudana de si mais que de am-
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HENRIQUE BELTRO
Je redoutais mon retour autant que javais redout mon dpart ; tous deux
appartenaient linconnu et limprvu. Ce qui mavait t familier mtait
prsent inconnu ; la seule chose qui avait chang, ctait moi... Je rentrai
avec rien transmettre de mon exprience. Grce la comprhension de
mon voyage, je trouvais en moi la confiance susante pour accomplir les
ncessaires et diciles sparations davec mes anciennes structures de vie,
prsent dpourvues de sens... Je rentrai du voyage pour en entreprendre un
autre.
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La connaissance est une navigation dans un ocan dincertitudes travers des archipels de certitudes.
85 Les dieux nous crent bien des surprises : lattendu ne saccomplit pas, et
linattendu un dieu ouvre la voie.
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antigos hbitos e atividades. No podia retomar os espetculos potico-musicais que fao. Tinha de continuar meus estudos. Na verdade, no podia sequer frequentar os espetculos,
ainda que dos amigos. A propsito, dos amigos continuaria a
sentir saudades, apesar da proximidade fsica. No podia retornar ao seu aconchegante convvio.
Voltei a dar aula, uma vez que, no caso de quem faz sua
pesquisa de doutorado no Cear, o afastamento (ou flexibilizao de carga horria) concedido pela UFC na verdade
uma mera reduo de carga horria, embora os gestores da
instituio saibam que se precisa de dedicao exclusiva para
fazer um doutoramento. Por outro lado, na mesma situao,
ou seja, a de um docente que decide fazer a ps-graduao em
sua terra, o financiamento negado por todas as agncias de
fomento pesquisa: CNPq, Capes e Funcap. Duplamente prejudicado, como no incio dos meus estudos, eu precisava me
concentrar na concepo e escrita deste texto. Voltei tambm
a fazer os programas de rdio, estes j haviam permanecido
no ar graas a reprises que com um ano de antecedncia, preparando o estgio doutoral no exterior, eu comeara a fazer.
Precisava voltar ao ar. Uma vez mais a fora veio do que sinto:
no fora encontrar tanto prazer no convvio com os estudantes
e ouvintes, seria inconcilivel o esgarar do tempo entre esta
escrita e as outras atividades como educador e comunicador.
Retomar o dia a dia em Fortaleza foi igualmente escarpado porque agora via de maneira diferente a mim, meu lugar, minha gente. Tinha sede de ir ao encontro das pessoas,
de palmilhar cada recanto da minha cidade, de subir de novo
a serra de Guaramiranga, de me banhar outra vez nos verdes
mares bravios... Mas no somente eu no podia mergulhar na
quotidianidade das coisas por ter de me dedicar aos estudos,
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A novidade vivia em mim. Eu mudara. Cada experincia afetiva (trans)formadora ao longo do meu caminho alterara
meu jeito mesmo de caminhar. Depois de meu retorno ao Brasil, eu descobrira, ou melhor, eu uma vez mais recordara que a
gente pouco domina o desenrolar dos acontecimentos, a interao entre as pessoas, o fluxo das coisas. preciso aprender
consigo e com o outro e com o mundo a fluir, a deixar fluir e
a receber tudo como se fosse um presente. preciso aprender a
caminhar sempre com todos e em paz consigo. A avanar dois
passos e a recuar um passo, como na Procisso do cotidiano,
marcha de um povo andino que inspirou Caminhando sempre,
bela cano de Arlindo Arajo e Mrio Mesquita, interpretada
pelo Quinteto Agreste (2004), lio para mim essencial neste
me redescobrir, tanto na partida, nas idas e vindas quanto neste
retorno ao lar, caminhando sempre, mas avanando devagar.
Caminhando sempre
Nessa vida vou
Caminhando os passos
Desse meu caminho
No estou sozinho
E vou construindo
Um rastro de esperana
Avistando no horizonte
O que o corao deseja
O que a mo silenciosa
Ainda no alcana
Nesse meu caminho
Dou dois passos, vou em frente
Volto um passo para trs
Avanando dois, recuando um
Avanando dois, recuando um
Avanando dois, recuando um
Mas seguindo sempre
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No caminhar cotidiano
No se fica no mesmo lugar
Quem no anda estaciona
No avana, quem no sabe recuar
Por isso mesmo
que vou no passo
Dessa marcha lenta
Sempre a avanar
Caminhando sempre
Mas avanando devagar
(ARAJO e MESQUITA in QUINTETO AGRESTE, 2004)
Jorge Larrosa (1998), com as danas, piruetas e mascaradas de sua pedagogia profana86, me traz mais inquietaes que certezas, uma mirade de perguntas alvissareiras
que me instigam, diante de uma imensidade sem respostas.
Nada mais essencial para quem caminha sobre a corda bamba sem rede de segurana do que oscilar, oscilar com o
longo basto a dar equilbrio nas mos, nica maneira de no
se atirar no precipcio do picadeiro pleno de riscos do circo da cincia. Larrosa (1998, p.9), filsofo da educao, me
recorda uma citao antiga, do prncipe dos poetas gregos,
Pndaro, por mim conhecida em francs: Homme, deviens
ce que tu es Homem, torna-te o que tu s (ele traduz
desta maneira: Chega a ser o que s). Para o pensador espanhol (LARROSA, 1998, p.10), o eu que importa aquele que
existe sempre mais alm daquele que se toma habitualmente
86 Referncia obra citada: Pedagogia profana danas, piruetas e masca-
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pelo prprio eu: no est para ser descoberto, mas para ser
inventado; no est para ser realizado, mas para ser conquistado; no est para ser explorado, mas para ser criado. Com
a palavra, a poesia, atravs da simplicidade desconcertante
de Ceclia Meireles.
Reinveno
A vida s possvel
reinventada.
Anda o sol pelas campinas
e passeia a mo dourada
pelas guas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vm de fundas piscinas
de ilusionismo... mais nada.
Mas a vida, a vida, a vida,
a vida s possvel
reinventada.
Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braos.
Projeto-me por espaos
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.
No te encontro, no te alcano...
S no tempo equilibrada,
desprendo-me do balano
que alm do tempo me leva.
S na treva,
fico: recebida e dada.
Porque a vida, a vida, a vida,
a vida s possvel
reinventada.
(MEIRELES, 1987, p.195)
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O direito de no ler.
O direito de pular pginas.
O direito de no terminar um livro.
O direito de reler.
O direito de ler o que quer que seja.
O direito ao bovarysmo (doena textualmente
transmissvel).
7) O direito de ler onde for.
8) O direito de colher trechos aqui e acol, folheando.
9) O direito de ler em voz alta.
10) O direito de nos calarmos.90
(PENNAC, 1992, p.162, traduo minha)
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droit de se taire). Com este detalhe lingustico, a subjetividade se explicita; do ponto de vista do contedo, o prprio
silncio ento proposto marca o exerccio dessa subjetividade
na plenitude da liberdade interior. Em segundo lugar, o que
mais relevante, esse escritor destaca (ao desenvolver em captulos esses direitos) que os raros adultos que lhe deram livros
a ler sempre se apagaram diante desses livros e sempre evitaram lhe perguntar o que ele havia compreendido deles (PENNAC, 1992, p.197-198, traduo minha), como Jorge Larrosa
evita indagar sobre a experincia da viagem de cada um. O
tempo de ler, como o tempo de amar, dilata o tempo de viver
(PENNAC, 1992, p.137)91 e ntimo e inefvel, muito embora
nos esforcemos no contexto escolar para interpretar canonicamente os textos e dar a resposta esperada pelo professor.
Sem dvida, na poesia isso se evidencia. A relao entre o leitor e o poema da ordem do intraduzvel e das profundezas
da (inter)subjetividade.
Entre os adultos que lhe deram livros a ler, Pennac
(1992) refere-se a pessoas prximas, bem como professores
que lhe ofertavam esses textos sem propor questionamentos,
sem supor que os estudantes os conheciam, ou melhor, os
entendiam ou seja, deles tinham uma leitura prvia em
conformidade com a interpretao, digamos, oficial. Quando algum de que a gente gosta nos oferece uma leitura, diz
ele, a gente busca inicialmente a pessoa querida nas linhas
at que o ato de ler nos envolve e nos leva. Com o passar dos
anos, a simples evocao do que foi lido pode trazer de volta
a lembrana daquela pessoa, ento alguns ttulos tornam-se
novamente rostos (PENNAC, 1992, p.35). Entre eles, Daniel
Pennac cita Pierre Dumayet, jornalista francs que atuou em
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O convvio quotidiano com a poesia uma contemplao ativa do belo. Contemplao porque o esprito mesmo do
poeta se espanta e se encanta com o belo, alcana um xtase
ou transe contemplativo; ativa porque esse xtase o leva, ou
melhor, exige dele a criao; belo como tudo aquilo que desperta a fruio esttica. Como diria Rilke (1993, p.27), o poeta
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Educao
O mais difcil, mesmo, a arte de desler.
(QUINTANA, 1983, p.59)
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bailarino, mas no para ser poeta. Eu fiz Letras: Portugus-Francs e suas respectivas literaturas. E escolhi esse caminho
porque sabia que poderia passar a vida estudando lnguas e
literatura, disso no me cansaria. Sabia e sentia meu amor ao
reino da palavra. Mas, embora haja vrios escritores em Letras, no propsito curricular form-los. Faz-se ali formao
de professores de lngua materna, de lnguas estrangeiras e
de literatura. No caso de um bacharelado, podem ser formados intrpretes, tradutores, revisores, mas no escritores. De
ambos saem linguistas, mas no existe a pretenso deliberada
e declarada de formar poetas (nem contistas, nem romancistas...). Mesmo nas disciplinas de compreenso e produo de
textos, priorizam-se artigos cientficos (quase nunca ensaios),
trabalha-se a leitura de diversos gneros textuais, leem-se
e analisam-se poemas, mas o que se requer dos estudantes
quanto escrita a realizao de trabalhos monogrficos, dissertativos, algumas vezes narrativas, mas certamente no
usual que um professor pea que faam poemas. E se o tentar
estou seguro de que muita gente dir: no sou poeta, no sei
fazer poemas e voltar aos braos mais seguros e familiares
da prosa. Empiricamente pude confirmar.
Outro motivo me levou a escolher Letras. Queria encontrar uma profisso que tivesse relao com a poesia, com a
leitura e a escrita de textos, com as lnguas (a vernacular e as
estrangeiras), com reflexes lingusticas e literrias, que me
desse prazer e em que convivesse com outras pessoas. Ora,
um ator, um msico ou um bailarino podem viver da arte, embora seja muito desafiante. Mas um poeta... Um poeta dificilmente pode ganhar a vida com seus versos. Sim, me ocorre
o caso dos cantadores que vivem de cantar seus repentes, de
alguns deles alis, posto que o grande Patativa do Assar, por
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Nous sommes des ouvriers de luxe. Or, personne nest assez riche pour
nous payer. Quand on veut gagner de largent avec sa plume, il faut faire
du journalisme, du feuilleton ou du thtre. La Bovary ma rapport... 300
francs, que jAI PAYS, et je nen toucherai jamais un centime. Jarrive
actuellement pouvoir payer mon papier, mais non les courses, les voyages
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Se, por um lado, a afetividade no devidamente considerada na formao humana, por outro, preciso ser cauteloso e assumir uma atitude crtica para realizar um estudo sobre
o assunto. Sawaia (2000) adverte claramente sobre os riscos
de estudar os temas que esto na moda. A autora critica a explorao das emoes e dos sentimentos, ou seja, a utilizao
distorcida dos afetos e dos estudos a respeito deles:
O que est ocorrendo no o interesse por uma dimenso humana, at ento abafada pelo triunfo da razo
iluminista, mas a explorao da emoo e sua subordinao aos interesses, exclusivamente, econmicos. O
que no novidade (SAWAIA, 2000, p.8).
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A mim apraz relacionar o que dizem artistas e cientistas. No cancioneiro cearense, uma msica de Ednardo (1977)
faz a mesma denncia e cita, alm da manipulao dos afetos, o tempo, que interessa na abordagem intergeracional de
Histrias de Vida (LANI-BAYLE, 1997, 2008).
Receita da Felicidade
Ultimamente ando s vezes preocupado
Vendo a cara to risonha das crianas
Nas fotos dos anncios
Nos cartazes das paredes
Dando ideia que algo vai acontecer
receita certa pra sensibilizar
Pra esconder, pra mentir ou pra vender
Veja as caras to risonhas
To lindinhas, to risonhas
Nos jornais, nas paredes, nas tevs
Eu no gosto destes dedos que me apontam
Eu no gosto destas frases que me dizem:
O futuro deles est nas suas mos...
Pois , seu Z, sei no!
No me esqueo que algum dia fui risonho
Coa carinha bonitinha pra valer
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O fato que o sistema excludente da sociedade capitalista, de maneira perversamente inteligente, absorve os
conceitos e as propostas revolucionrios para os digerir e
transformar, a fim de os devolver para o consumo geral de tal
maneira que uma vez mais o legitimem. A explorao da afetividade com fins econmicos, denunciada anteriormente, se
estende a outros mbitos, como nos discursos e estudos sobre
a paz, o meio ambiente e o que me interessa mais vivamente
as pessoas com deficincia. Est igualmente na moda tudo
isso, o que faz opressores acusarem lideranas polticas e categorias profissionais de perturbarem a paz ao exercerem seu
direito de greve, o que faz empresas e governos criminosos
apresentarem como grandes avanos ambientais iniciativas
em verdade prejudiciais para o meio ambiente, o que faz diversas instituies e vrios dirigentes ostentarem uma suposta incluso das pessoas com deficincia enquanto constroem
rampas inadequadas, de fachada, ou as contratam para cargos
inexpressivos, to somente para atender exigncia legal102,
como no caso dos surdos que atuam como empacotadores em
supermercados.
102 O artigo 93 da Lei de Cotas (Lei no 8.213/91) determina que as empresas
que tm de 100 a 200 funcionrios devem reservar 2% de suas vagas para
pessoas com deficincia; de 201 a 500, 3%; entre 501 e mil empregados, 4%;
com 1.001 ou mais, devem manter 5%.
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A voz da poesia responde, com a simplicidade de Ceclia, cujo nome quer dizer simples.
Liberdade essa palavra
que o sonho humano alimenta:
que no h ningum que explique,
e ningum que no entenda!
(MEIRELES, 1987, p.452)
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O medo e a tristeza marcam o caminho de vrios familiares meus. O medo e a raiva marcam meu prprio percurso
nesta vida. Aprendi com o tempo o valor de os sentir e o papel que tm. Em seu retorno a taca, Ulisses ensina ao filho a
importncia de saber ter raiva onde, quando, contra quem.
Damsio (2004, p.47-48) lembra que, ao longo da evoluo, o
medo e a raiva salvaram numerosas vidas e conosco continuam
porque desempenham papel valioso em certas circunstncias.
O amor e a amizade tambm marcam o potico caminho meu. Enquanto escrevo pairam em mim recordaes,
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104 Lhomme est aect du mme sentiment de joie et de tristesse par limage
dune chose passe ou future et par limage dune chose presente.
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107 Le Tao quon tente de saisir nest pas le Tao lui-mme ; le nom quon veut
lui donner nest pas son nom adquat.
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Penso que o ato de escrever e ainda mais em uma narrativa autobiogrfica (potica) revelador e criador, ou seja,
nos mostra parte do que podemos alcanar no conhecimento
de si e das experincias de formao, ao mesmo tempo nos
forma e transforma medida que nos conduz criao de um
novo caminho a partir desse autoconhecimento: a escrita
formadora (LANI-BAYLE, 2006b, p.27). A fala tambm reveladora e, a meu ver, formadora. Em outro momento, citei:
Aquele que fala [no rdio] revela intencionalmente ou no
seu esforo, todo o seu trabalho e, por isso mesmo, uma parte no negligencivel de sua personalidade (TARDIEU, 1969,
p.129). Lani-Bayle (1997, p.66, traduo minha) afirma algo
que com essa colocao se afina:
Quando falo e quando escrevo (querendo-o ou no,
sentindo-o ou no), quando eu me transmuto em autor das frases que articulo, que componho, a minha
108 Aucun texte ne se prte tre lu sil est ressenti comme dsaect, cest--dire non investi par son auteur. Dans toute forme dcriture, laectivit
est tout autant ncessaire et agissante que les fonctions intellectuelles (qui
dailleurs ne se dploient jamais isolment) et ceci tant pour celui qui crit
que pour celui qui lit.
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A autora destaca a experincia no formal e emocional e a possibilidade gerada por essa abordagem de reinterpretar continuamente o que se faz da prpria vida.
O lugar preponderante destinado ao no formal mostra
que so as pessoas que oferecem umas s outras seu
prprio ensinamento atravs da cotidianidade de sua
existncia. ento a experincia que a fonte dessas
situaes de formao e que contribui para mud-las,
e mesmo torn-las melhores. E, nesse contexto, a
experincia emocional que provoca mais mudanas
na personalidade, permitindo adotar atitudes cada
vez mais independentes (LANI-BAYLE, 2006, p.62,
traduo minha)110.
A autora destaca a compreenso sartriana do que fazemos do que os outros fazem de ns (LANI-BAYLE, 2006,
p.36, traduo minha). Existem em sua concepo da abordagem trs etapas que esto entrelaadas, mas no so cronolgicas ou hierarquizadas (LANI-BAYLE, 2006 e 2008):
os fatos: eu relato o que aconteceu, o que captado do
mundo, em um movimento que viria do exterior para
o interior do sujeito;
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So diretrizes valiosas que nos trazem a Carta da Associao Internacional de Histrias de Vida em Formao e
Pesquisa Biogrfica em Educao (ASIHVIF) e a obra de Lani-Bayle, a me orientarem. Mas no h mapa preciso do percurso
a seguir na busca de si. Nem no relato de si. Poderia talvez aplicar s narrativas em pesquisa (auto)biogrfica o que bem-humoradamente dizia o romancista ingls Somerset Maugham:
Existem trs regras para escrever uma histria. Infelizmente
ningum sabe quais so. Ao que eu responderia, com poesia.
Preciso do impreciso:
desdizer o indizvel,
colher um favo do inefvel,
semear o impensvel,
sensvel,
provvel.
(BELTRO)
Josso, artista plstica e cientista, afirma que a abordagem de HIVIF visa desencadear um processo de reflexo sobre a formao de cada um e a formao (JOSSO, 2004,
p.119), indo do singular ao plural. Segundo a autora:
Na nossa perspectiva de formao, no poderia haver
um cdigo construdo a priori que servisse para interpretar as biografias educativas: necessrio clarificar
o questionamento que cada narrativa tenta responder.
Cada narrativa traz um esclarecimento particular ao
conceito de processo de formao (JOSSO, 2004, p.120).
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derar as emoes e os sentimentos vividos durante a formao conduzem a uma conscincia mais despertada sobre seu
percurso. Para mim, algo essencial diz Josso (2004, p.58-59,
grifo da autora): transformar a vida socioculturalmente
programada numa obra indita a construir, guiada por
um aumento de lucidez, tal o objetivo central que oferece a
transformao da abordagem Histrias de Vida.
Enfim, para Josso (2004, p.88), as buscas que orientam nossos itinerrios e nossas escolhas ao longo da vida so
as buscas de si e de ns, de felicidade, de conhecimento e de
sentido. A busca de si ento o convite intrnseco do caminho
de quem aprende a aprender consigo. A abordagem Histrias
de Vida a ocasio de se fazer conhecer um sujeito empenhado com lucidez na procura de uma arte de viver, a que ns
chamamos busca de sabedoria de vida (JOSSO, 2004, p.103,
grifo da autora). (Recordo, en passant, que anteriormente comentei sobre a busca de felicidade luz de Espinosa e sobre a
busca de sentido luz de Larrosa.)
Nesta jornada autobiogrfica, recordo mais outros versos, que me acompanham desde o princpio do caminho de
formao doutoral, colhidos do meu livro primeiro.
Queria mudar o mundo.
Quero mudar a mim.
E ecoar.
(BELTRO, 2007, p.52)
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HENRIQUE BELTRO
a histria de vida definida aqui como busca e construo de sentido a partir de fatos temporais pessoais,
ela engaja um processo de expresso da experincia.
Essa definio bem especfica estende triplamente o
territrio das escritas do eu. Primeiramente, ela o
alarga fora do espao da grafia, no se detendo nos
meios escritos (biografia, autobiografia, dirio, memorial) mas a ele integrando a fala, quer dizer, a dimenso
da comunicao oral da vida. Ela o abre igualmente a
outras mdias fotografia, teatro, rdio, vdeo, cinema,
televiso, internet cuja utilizao atual multiplica as
possibilidades naturais da expresso. Enfim, ela o faz
sair do espao de conotao interior do eu, ela engaja
um ser-juntos. [...] Mais alm das definies literrias
e disciplinares, a histria de vida assim abordada como
prtica autopoitica, isto , que trabalha a produzir ela
mesma sua prpria identidade em movimento e a agir
em consequncia111 (PINEAU e LE GRAND, 1993, p.3-4,
traduo e grifos meus).
Pineau e Le Grand (1993) comentam que, sendo a histria de vida uma prtica autopoitica, era de se supor que os viventes no esperariam a apario do termo para exerc-la. Antes dos gregos, j teria sido experimentada. Com os socrticos,
a experincia biogrfica se tornaria uma prtica pedaggico-fi111 Lhistoire de vie est dfinie ici comme recherche et construction de sens
partir de faits temporels personnels, elle engage un processus dexpression
de lexprience. Cette dfinition bien spcifique tend triplement le territoire
des critures du moi. Elle llargit dabord, hors de lespace de la graphie,
en ne sarrtant pas aux moyens crits (biographie, autobiographie,
journal, mmoire) mais y intgrant la parole, cest--dire la dimension de
la communication orale de la vie. Elle louvre galement dautres mdias
photo, thtre, radio, vdeo, cine, tl, internet dont lutilisation actuelle
dmultiplie les possibilits naturelles dexpression. Enfin, elle le fait sortir
de lespace connotation intrieure du moi, elle engage un tre-ensemble.
[...] Au-del des dfinitions littraires ou disciplinaires, lhistoire de vie est
ainsi aborde comme pratique autopotique, cest--dire qui travaille
produire elle-mme sa propre identit en mouvement et agir en
consquence.
NO AR, UM POETA
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296
HENRIQUE BELTRO
sibilitado sua legitimao nas cincias humanas, mas a fronteira com as tcnicas teraputicas deve ser demarcada.
Como modalidade de expresso, as histrias de vida
no so recentes. [...] a abordagem assim nomeada,
apesar de sua designao simples e facilmente compreensvel, evoca uma prtica particular que foi introduzida
tardiamente e de contrabando, como sempre afirma
Gaston Pineau, no seio das cincias sociais. Mesmo
no sendo facilmente reconhecidas por sua validade
cientfica enquanto pesquisa, elas foram propostas na
formao de adultos em virtude de seu efeito formativo
abertamente teraputico (LANI-BAYLE, 2008, p.298).
NO AR, UM POETA
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Considerando uma distncia padro de trinta anos entre as geraes, essa fala to simples faz existir no menino e
tornar familiar a presena de uma pessoa nascida um sculo
e meio antes dela.
Recolhendo seixos e cinzas, deixadas pelos antepassados face aparente da transmisso , e duplicando esse
trabalho por um efeito de eco, que por si s pode dar
300
NO AR, UM POETA
301
automvel, em nossa conversa, pouco perceptvel em seus detalhes por ela, que dirigia, amplitude do para-brisa frontal
aberto para o que havia de vir, e diminuta dimenso dos
espelhos retrovisores, se aos dois outros comparados. Grande
mesmo o futuro. Rememoro que, alm do espao, Martine
comentava o tempo que a cada um se dedicava, enquanto conduzia o veculo pelas curvas repletas de flores que ela colhia
no incio da primavera. O que vem pela frente mais ocupava a
motorista, que tinha de consultar brevemente os espelhos. E
ao presente permanecia conectada. Os dias com ela compartilhados me ensinaram muito mais do que tudo que li.
Aprendi, gamine113, pardon, Martine, o que bem dizes:
o amanh ainda no est escrito, se ele mantm ligao com
o ontem, no se trata de um inelutvel condicionamento, ainda menos de uma fatalidade (LANI-BAYLE, 2008, p.310). A
mim volta uma citao de Chico Xavier: Embora ningum
possa voltar atrs e fazer um novo comeo, qualquer um pode
recomear agora e fazer um novo fim.
Sim, Martine, como voc diz, se muitos passados so dolorosos, tentar se ver livre deles no muda o que passou. E as
palavras no podem fazer isso, embora poderosas. Mas podem
com seu poder e repito o termo de propsito mudar a relao com o que passou, agora e doravante. Tu me disseste que
somos feitos do que fazemos, somos os frutos de nossa obra e
no mais, ou no somente, ou no principalmente do que nos
fez. Somos o que de ns fazemos e refazemos, ou indiferentes ao
que ocorre, ou cientes do que nos acontece para que ns aconteamos do fim ao princpio do saber de si, em si sentindo-se.
113 Um dos primeiros poemas que fiz durante as aulas da professora Martine
Lani-Bayle falava dela e tinha como ttulo Gamine (Menina). Como digo nos
agradecimentos, seu sincero entusiasmo em acolher o outro revela a gamine
que nela vive. A palavra rima com seu nome. Em outros poemas e em nossa
correspondncia, assim que de vez em quando a chamo.
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HENRIQUE BELTRO
Estas linhas compem gestos de algum que recomea mais uma vez sua busca de poesia na aventura humana de
construir conhecimentos. Estas derradeiras pginas so filhas
das reflexes elaboradas e dos sentimentos e das emoes vividos durante a escrita feita a partir desta viagem ao mesmo
tempo apaziguadora e inquietante da busca de si a pesquisa-formao autobiogrfica.
Estou atracado no porto da tese,
as velas recolhidas,
a ncora firme, a corda fluida,
a pluma virada em teclado
sempre singrando as linhas.
Prestes a partir.
O fim sabe a recomeo, a chegada tem gosto pela partida. Contemplo as folhas que se foram, com palavras encarrilhadas em espiral, sedentas de dizerem o que alcanam, cientes do tanto que lhes escapa, ciosas de serem sinceras.
com minhas mais caras impresses estticas que eu
quis lutar aqui, esforando-me para levar aos ltimos
303
Cest avec mes plus chres impressions esthtiques que jai voulu lutter
ici, tchant de pousser jusqu ses dernires et plus cruelles limites la
sincrit intellectuelle.
304
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Nesta narrativa autobiogrfica potica, prestes concluso deste texto, cheguei ao presente. Eu disse presente?
No tempo do leitor, este instante meu j ser passado. A poesia transcende tempo e espao. Aprendi com ela a ficar e passar... A abordagem Histrias de Vida vai alm do carpe diem
to essencial para mim ela faz curvas na lineariedade do
tempo e nos contornos dos lugares, indo alm do aqui e agora
que nos escapa a cada segundo...
Passado: imperfeito ou mais-que-perfeito!
Presente: futuro passado...
Futuro: antigo presente do passado.
(BELTRO)
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Josso (2004, p.58-59) muito bem resume o que se almeja na perspectiva aqui adotada quando diz que o objetivo
primordial da abordagem Histrias de Vida transformar em
uma obra indita, lucidamente construda, a vida que foi programada pela sociedade e pela cultura. E nos adverte que, na
busca de si, viagem e viajante so um s. Recordemos que esta
abordagem tem a experincia como um princpio formador.
Pineau e Le Grand (1993, p.3-4, traduo minha) definem
Histria de Vida como busca e construo de sentido a partir de fatos temporais pessoais, ela engaja um processo de expresso da experincia. Desde ento, esses autores apontam
que isso alcana no somente os meios escritos, mas tambm
a oralidade; estende-se a outras mdias, como o rdio; transcende a conotao de um eu interior por requerer um ser-juntos. A palavra metade de quem a pronuncia, metade de
quem a escuta; metade de quem a escreve, metade de quem a
l em pesquisa autobiogrfica, no ar, no palco, em sala de
aula, alhures... Lani-Bayle (2006) frisa o valor da experincia,
sobretudo emocional, conforme esta citao que ora retomo.
O lugar preponderante destinado ao no-formal mostra
que so as pessoas que oferecem umas s outras seu
prprio ensinamento atravs da cotidianidade de sua
existncia. ento a experincia que a fonte dessas
situaes de formao e que contribui para mud-las,
e mesmo torn-las melhores. E, nesse contexto, a
experincia emocional que provoca mais mudanas
na personalidade, permitindo adotar atitudes cada
vez mais independentes (LANI-BAYLE, 2006, p.62,
traduo minha).
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HENRIQUE BELTRO
inocncia da experincia, entendendo-a como uma expedio no rumo de escutar o inaudito, ler o no lido, rompendo
com os sistemas de educao que do o mundo j interpretado, j configurado de uma determinada maneira, j lido e,
portanto, ilegvel.
Lani-Bayle (2006b, p.48, traduo minha) afirma que
nenhum texto se presta a ser lido se ele percebido como
desafetado e destaca que, tanto para quem l como para
quem escreve, a afetividade to necessria quanto o intelecto e no se manifestam isoladamente. Reafirmo o que disse:
penso que o ato de escrever e ainda mais em uma narrativa
autobiogrfica (potica) revelador e criador, ou seja, nos
mostra parte do que podemos alcanar no conhecimento de si
e das experincias de formao, ao mesmo tempo nos forma
e transforma medida que nos conduz criao de um novo
caminho a partir desse autoconhecimento. Em consonncia
com Lani-Bayle (1997, p.66) e Tardieu (1969, p.129), alm da
escrita, digo que a fala especialmente no rdio, no palco e
em sala de aula formadora e reveladora da histria e da
personalidade de quem se expressa.
Realo que, nos programas de rdio que fao, o Sem
Fronteiras: Plural pela Paz e o Todos os Sentidos, o relato
biogrfico sobre a formao dos convidados adotado especialmente como ponto de partida da conversa-entrevista, o
que requer uma postura tica bem definida. Essencial uma
discusso prvia com o(s) participante(s) que esclarea para a
equipe e para o(s) convidado(s) o intuito de falar sobre a experincia vivida por cada um e os limites para isso. Tambm para
o ouvinte deve ficar ntido que os fatos relatados visam ao aprofundamento da reflexo e no elevar os nveis de audincia com
o que mais bem faz perpetuando-se como algo de foro ntimo.
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coro com Sawaia (2000), que nos adverte que est acontecendo atualmente em diversos contextos no um interesse por
uma dimenso humana, antes negada pela preponderncia da
razo iluminista, mas a muito vil explorao dos sentimentos e das emoes, subordinando-os a interesses meramente
econmicos. Diversas propagandas de escolas privadas que
cobram valores exorbitantes dos pais dos alunos e pagam salrios vergonhosos aos educadores apresentam estes estabelecimentos como lugares onde o importante ser feliz e onde
a prioridade fazer amigos (se fosse verdade, daria apoio).
Sawaia (2000) critica tambm outras questes que merecem ser retomadas. Gestores manipulam os afetos simulando
atribuir-lhes importncia. Certos especialistas em afetividade
criam receitas e treinamentos para controlar o que se
sente. So propostos cursos que sugerem que as empresas e
sobretudo as pessoas que exercem cargos que envolvem chefiar, coordenar, supervisionar outras devem procurar dar a
impresso, ou melhor, a iluso de que estas so amadas (que
heresia!) embora mal pagas, sem perspectivas de melhoras,
sem horizontes de prazer e beleza. Com fins capitalistas, so
criadas frmulas de sucesso a serem adotadas nos setores
de recursos humanos, para fazer crer que as instituies se
voltam para o bem-estar de quem nelas atua, para que se sintam queridos e contentes, para tentar convencer os assalariados que tm de trabalhar com amor, ter sensibilidade com
os clientes, acreditar no que fazem, em suma, permitir que
seus afetos sirvam gerao de lucros e miragens.
Espero que os pesquisadores que se interessam pela
afetividade e pelas histrias de vida consigam paulatinamente
evidenciar que a busca da cincia de engrandecimento da
humanidade. Procurar superar a dicotomia razo/afetividade
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aponta para uma concepo do ser humano em sua totalidade, contextualizado scio-historicamente. necessrio dar o
devido valor ao que sentimos enquanto pensamos, posto que
um no ocorre sem o outro. E basta de fingir que nada nos
emociona ou sentimos enquanto aprendemos ou nos comunicamos no quotidiano ou atravs das mdias.
O sbio busca conviver com seus afetos, no viver sem
eles, diria Espinosa. Considerar a afetividade na formao humana a mim parece essencial, seja na formao de professores
ou de comunicadores, seja me arrisco a dizer em outras
reas. Trazer tona o que se sente. Interrogar-se como lidar
com o que emociona. Ser sincero consigo e com o outro. Admitir que pensar e sentir esto juntos. No caso dos comunicadores, por exemplo, imprescindvel que se discuta e se busque formas de conviver com o trac, aquela expectativa ansiosa
que precede o contato com o pblico. No caso dos professores
de lnguas estrangeiras, um exemplo fundamental seria os docentes em formao ou em sua prtica atentarem para a vergonha de tentar e a alegria de conseguir se expressar.
Entre as experincias afetivas (trans)formadoras, sobressaem-se a amizade e o amor ao que fao. Na minha trajetria, essas experincias as primordiais se deram com as
pessoas que amo, meus pais, meus filhos, minha amada, minhas amigas e meus amigos, com os professores e estudantes,
com colegas e ouvintes de rdio, com os poetas, compositores
e intrpretes diletos, com parceiros de composio e de palco,
da pesquisa e da educao. Os afetos meus mais marcantes
tm sido o amor, a alegria, o medo e a raiva. Entre o carpe
diem de Epicuro e Horcio e o trajeto intergeracional em Histrias de Vida proposto por Martine Lani-Bayle (1997, 2006,
2008), posto que hoje, o sentido pensado residir em cada
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HENRIQUE BELTRO
um (LANI-BAYLE, 1997, p.13), este texto tece potica e cientfica resposta busca nesta escrita de mim em sintonia com o
outro. E o passado abre o presente pro futuro...
Em meu caminhar, encontrei como lugares de formao de si: a casa de meus pais, a minha e as de amigos; a cidade, com suas ruas, praas, praias, bares, espaos culturais; a
escola e as universidades. Como lugares de formao do outro
(e de si): a sala de aula, o palco, o estdio de rdio. As expresses de si deram asas ao que penso e sinto em vivas cores e
sons nos poemas e canes, nos livros Vermelho e Simples,
nos programas radiofnicos Todos os Sentidos e Sem Fronteiras: Plural pela Paz, bem como neste livro-poema.
No ar, no palco ou em sala de aula, os afetos sempre
falaram alto. Poemas e canes permeiam os programas, as
aulas e as apresentaes em cena, dando vozes e asas ao que
no corao e no corpalma trago pulsante. No ensino de francs, na formao de professores, o prprio contexto que, pelos
contedos envolvidos, leva a falar de si (apresentar-se, narrar,
dar opinio, recordar, planejar...) e as atividades artsticas115
tm favorecido a expresso da afetividade e o compartilhamento do que sentimos ao nos envolvermos uns com os outros e com o que juntos aprendemos. E os passos vo abrindo
inditos caminhos.
Penso nos dias que viro... De volta ao ar, ao palco,
sala de aula, novos momentos, outros encontros. Bem quero
que ganhe a estrada o que ora escrevo. E que esta aprendizagem (que continua) possa ser compartilhada. Aquele radialis115 Leitura, audio, compreenso e criao de poemas e outros textos; audio e interpretao de msicas e de emisses radiofnicas; encenao de
dilogos criados pelos estudantes, simulando situaes reais; exibio e discusso de filmes; apreciao de fotografias; uso de desenho para ilustrar explicaes ou narrativas...
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ta que fui tem agora outros ares. Aquele poeta que flui quer
agora outros mares. Aquele professor quer voltar ao Bosque
de Letras para falar da abordagem biogrfica, dos frutos filhos
da busca, de rdio, de formao. A pesquisa conjugou com beleza tudo que fao e vivo no encontro com o outro neste mundo que muda um pouco a cada gesto da gente.
Em meus mestres e nos estudantes, encontrei e encontro a inspirao para ser educador. O gosto de aprender
que nunca acaba... Quanto mais a gente estuda, mais longe
v, melhor percebe a imensido por descobrir. Quero aprimorar a arte de compartilhar saberes e sentires, de aprendermos
juntos. Dar aulas d asas a si e a quem se encontra. Dar
aulas no lugar em que me formei uma alegre honraria. E
isso se faz com os afetos todos que me habitam e animam a
cada instante de interao. No ambiente de formao de outros professores de (francs) lngua estrangeira, os contedos
(como destaquei h pouco) levam a falar de si, despertam sentimentos e emoes, o que bem desejo levar os estudantes e os
colegas a considerarem. Almejo continuar a adotar as artes e
as mdias para favorecer a interao e a aprendizagem, bem
como para criar um contexto acolhedor para manifestarmos
e vivermos conscientemente o que sentimos enquanto aprendemos. Novas experincias afetivas (trans)formadoras ho de
pulsar, agora com a incorporao do que este estudo me deu
descobrir. Espero que os gros de formao que debulho com
futuros professores e comunicadores possam nos levar a ser
quem somos, a perceber que sentimos e pensamos com o corpo inteiro, que trazemos em ns a histria de nossa vida que
vamos escrevendo.
A escrita forma. Escrever se transformar. A realizao deste percurso de pesquisa culmina com esta escrita que
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HENRIQUE BELTRO
Um poeta um ser feito de palavras e afeito aos segredos e silncios que nelas habitam. Ainda que no alcanasse
tudo dizer, com poesia tinha de tentar pronunciar minha contribuio, por mnima que fosse, seara das narrativas biogrficas, ao campo das pesquisas sobre afetividade, ao mar
das ondas do rdio, ao plantio e colheita da educao.
Algumas sementes colhi com os bons ventos que levaram a jangada deste livro ao alto-mar da poesia. Perguntava-me pra que serve ela. Pra emocionar e a voz inspirar, pra
expressar desassossegos e sussurrar segredos, inquietar e inquietude expressar. Pra aninhar os sonhos e espalhar a beleza Para o prosaico converter-se em sensibilidade.
Dizia-me do que no alforje da memria e do corao
pode caber da lira dos grandes: quando se l um poema, ele fica
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313
conversando na gente. Quando se compartilha poesia, ela se renova na gente. Quando se aprendem versos de cor, boa fortuna!
E me alegrava com o contraponto do que pode provocar
lamento: haver poucos que leem poesia. Ora, so os bons leitores que carregam a obra ao longo do tempo seno, como
teriam chegado aos nossos dias os versos escritos ao longo
da histria da humanidade ou do povo brasileiro, quando a
maioria no era letrada?
E admitia sinceramente que dizer o que um poeta talvez seja mais complexo que conceituar o que a prpria poesia. Os que fazem poesia so dela feitos. So tantos! Quando
muito, posso dizer de mim. Ser poeta um quotidiano convvio com a poesia o que leva a uma contemplao ativa do
belo: o belo aqui entendido como tudo aquilo que desperta
a fruio esttica; contemplao porque o bardo se espanta
e se encanta com a beleza e chega a um transe ou xtase contemplativo; ativa porque esse xtase exige dele a criao. A
meu ver, aquilo que a outros parece inatingveis quotidiano
para o poeta, em contrapartida o quotidiano, o banal, o bvio, o que se veste de lgico podem parecer inatingveis para
ele que vive no eixo dos contrrios, que parece conciliar
contradies, transitar entre opostos ou pelo menos conviver
ontologicamente, seja bem ou mal, com aquilo que persiste a
se contradizer na humana condio. Para mim, chegar a ser
poeta um constante devir criativo e (trans)formador, singular e plural ao mesmo tempo, em que leitura e escrita so uma
mesma aventura rumo a uma infinidade de sentidos.
So horas que se encadeiam, fiando os dias, que fazem
cirandas tocando as estaes, compondo anos, enquanto a
gente faz uma pesquisa desta natureza. O texto s vezes silencia, s vezes se derrama. Ora necessrio ter pacincia
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consigo e se afastar, retornar s leituras, em alguns momentos esquecer tudo e fazer nada nada! Ora preciso levantar
no meio da noite para esboar uma ideia que borboleteia na
mente, alegremente fugidia, antes que se v. uma solido
acompanhada por uma vida inteirinha, a escrita de uma autobiografia. A saudade dos amigos, dos hbitos quotidianos,
os mais mundanos, os mais simples, tudo mexe com a gente
quando se remexe dentro de si. Voltam boas e ms recordaes. Vm bons e maus sonhos. E no presente ecoa sempre:
preciso escrever.
Aprendi com os mais vividos que uma pesquisa sempre um trabalho coletivo: alguns vm para iluminar, amparar,
inspirar, orientar; outros, sem fazer nada, s em no atrapalhar, j do grande ajuda; e h aqueles que, sem o saber, pelos problemas que causam, acabam por nos desafiar a seguir
adiante, dando pelo avesso sua contribuio. A vida no faz
uma pausa enquanto algum faz uma tese (ou outro trabalho
que envolva tudo de si). A morte tambm no. Despedi-me
de minha me, Dirlene Marly, e de diversos amigos enquanto
estudava em Nantes um da poesia, um da msica, um do rdio, um da Frana: Lucio Flvio Chaves, Alex Hollanda, Joo
Paulo Gsson, Jean-Michel Bonnet. Vocs todos esto aqui
comigo. E a saudade virou verbo.
A saudade uma esperana pelo avesso.
(BELTRO, 2009, p.34)
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Rdio Experincia
Carssimos ouvintes, obrigado
Pela ateno a mim to dispensada
Nossa programao se encerra agora
Mas de teimosa, volta amanh
Plateia de meus sonhos, to amada
O canto o chamado pra viver
Quando o show terminar, levem pra casa
No deixem que ele morra por aqui
Eu quero alegria em cada voz
Que a antiga espera tenha a sua vez
E o sonho que carrego em minhas costas
o lao de unio entre vocs, ns
(TUNAI e Milton NASCIMENTO)
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Quinho
Se estamos aqui reunidos, estou contente. Penso com alegria que
tudo quanto escrevi e vivi serviu para nos aproximar. o primeiro
dever do humanista e a fundamental tarefa da inteligncia assegurar
o conhecimento e o entendimento entre os homens. Bem vale haver
lutado e cantado, bem vale haver vivido se o amor me acompanha.
PABLO NERUDA
NO AR, UM POETA
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www.asihvif.com/Charte.pdf
www.cavilam.com/fr
www.ina.fr/art-et-culture/litterature/video/CAF89004641/
portrait-d-un-philosophe.fr.html
www.insa-france.fr
www.insa-lyon.fr
www.mte.gov.br/fisca_trab/inclusao/lei_cotas_2.asp
www.radiouniversitariafm.com.br
www.slow-science.org
www.univ-nantes.fr/
www.univ-poitiers.fr
NO AR, UM POETA
335
ANEXOS
ANEXO A
Charte de lASIHVIF (Carta tica da ASIHVIF)
ANEXO B
The slow science manifesto (texto original)
ANEXO C
Capas do Simples e do Vermelho
ANEXO D
Logomarcas dos programas de rdio Todos os Sentidos
e Sem Fronteiras: Plural pela Paz
ANEXO E
Fotograas
ANEXO A
Charte de lAssociation internationale des histoires de vie
en formation et de recherche biographique en ducation
(ASIHVIF)
1
1.1
1.2
1.3
2
2.1
339
2.2
2.3
2.4
2.5
340
3.1
3.2
3.3
3.4
341
4.1
4.2
4.3
342
ANEXO B
The slow science manifesto
We are scientists. We dont blog. We dont twitter. We take our time.
Dont get us wrong we do say yes to the accelerated science of the
early 21st century. We say yes to the constant flow of peer-review
journal publications and their impact; we say yes to science blogs
and media & PR necessities; we say yes to increasing specialization
and diversification in all disciplines. We also say yes to research feeding back into health care and future prosperity. All of us are in this
game, too.
However, we maintain that this cannot be all. Science needs time to
think. Science needs time to read, and time to fail. Science does not
always know what it might be at right now. Science develops unsteadily, with jerky moves and unpredictable leaps forward at the same
time, however, it creeps about on a very slow time scale, for which
there must be room and to which justice must be done.
Slow science was pretty much the only science conceivable for hundreds of years; today, we argue, it deserves revival and needs protection. Society should give scientists the time they need, but more
importantly, scientists must take their time.
We do need time to think. We do need time to digest. We do need
time to misunderstand each other, especially when fostering lost
dialogue between humanities and natural sciences. We cannot continuously tell you what our science means; what it will be good for;
because we simply dont know yet. Science needs time.
Bear with us, while we think. (http://www.slow-science.org)
343
ANEXO C
Capas dos livros Simples e Vermelho
ANEXO D
Logomarcas dos programas de rdio
344
ANEXO E
Fotograas
OS ORIENTADORES
345
Seminrio do Transform em maro de 2010; Karla Martins em frente Martine Lani-Bayle; ao lado desta, de terno, Jean-Franois Gomez.
346
347
NA RDIO UNIVERSITRIA FM
348
349
350
Comemorando com meu filho Ravi, meu pai Francio, minha dileta tia
Esmeralda e minha amada esposa Karla.
351
1.
353
354
45. Outras histrias do Piau. Roberto Kennedy Gomes Franco e Jos Gerardo
Vasconcelos. 2007. 197p. ISBN: 978-85-7282-263-3.
46. Estgio supervisionado: questes da prtica profissional. Gregrio Maranguape
da Cunha, Patrcia Helena Carvalho Holanda e Cristiano Lins de Vasconcelos (Orgs.).
2007. 163p. ISBN: 978-85-7282-265-7.
47. Alienao, trabalho e emancipao humana em Marx. Jorge Lus de Oliveira. 2007. 291p. ISBN: 978-85-7282-264-0.
48. Modo de brincar, lembrar e dizer: discursividade e subjetivao. Maria de
Ftima Vasconcelos da Costa, Veriana de Ftima Rodrigues Colao e Nelson Barros
da Costa (Orgs.). 2007. 347p. ISBN: 978.85-7282-267-1.
49. De novo ensino mdio aos problemas de sempre: entre marasmos, apropriaes e resistncias escolares. Jean Mac Cole Tavares Santos. 2007. 270p. ISBN:
978.85-7282-278-7.
50. Nietzscheanismos. Jos Gerardo Vasconcelos, Cellina Muniz e Roberto Kennedy
Gomes Franco (Orgs.). 2008. 150p. ISBN: 978.85-7282-277-0.
51. Artes do existir: trajetrias de vida e formao. Erclia Maria Braga de Olinda e
Francisco Silva Cavalcante Jnior (Orgs.). 2008. 353p. ISBN: 978-85-7282-269-5.
52. Em cada sala um altar, em cada quintal uma oficina: o tradicional e o
novo na histria da educao tecnolgica no Cariri cearense. Zuleide Fernandes
de Queiroz (Org.). 2008. 403p. ISBN: 978-85-7282-280-0.
53. Instituies, campanhas e lutas: histria da educao especial no Cear. Vanda
Magalhes Leito. 2008. 169p. ISBN: 978-85-7282-281-7.
54. A pedagogia feminina das casas de caridade do padre Ibiapina. Maria
das Graas de Loiola Madeira. 2008. 391p. ISBN: 978-85-7282-282-4.
55. Histria da educao vitrais da memria: lugares, imagens e prticas
culturais. Maria Juraci Maia Cavalcante, Zuleide Fernandes de Queiroz, Raimundo
Elmo de Paula Vasconcelos Jnior e Jos Edvar Costa de Araujo (Orgs.). 2008.
560p. ISBN: 978-85-7282-284-8.
56. Histria educacional de Portugal: discurso, cronologia e comparao. Maria
Juraci Maia Cavalcante. 2008. 342p. ISBN: 978-85-7282-283-1.
57. Juventudes e formao de professores: o ProJovem em Fortaleza. Kelma
Socorro Alves Lopes de Matos e Paulo Roberto de Sousa Silva (Orgs.). 2008. 198p.
ISBN: 978-85-7282-295-4.
58. Histria da educao: arquivos, documentos, historiografia, narrativas orais e
outros rastros. Jos Arimatea Barros Bezerra (Org.). 2008. 276p. ISBN: 978-857282-285-5.
59. Educao: utopia e emancipao. Casemiro de Medeiros Campos. 2008. 104p.
ISBN: 978-85-7282-305-0.
60. Entre lnguas: movimentos e mistura de saberes. Shara Jane Holanda Costa Adad,
Ana Cristina Meneses de Sousa Brandim e Maria do Socorro Rangel (Orgs.). 2008.
202p. ISBN: 978-85-7282-306-7.
61. Reinventar o presente: . . . pois o amanh se faz com a transformao do hoje.
Reinaldo Matias Fleuri. 2008. 76p. ISBN: 978-85-7282-307-4.
62. Cultura de paz: do Conhecimento Sabedoria. Kelma Socorro Lopes de Matos,
Vernica Salgueiro do Nascimento e Raimundo Nonato Jnior (Orgs.) 2008. 260p.
ISBN: 978-85-7282-311-1.
63. Educao e afrodescendncia no Brasil. Ana Beatriz Sousa Gomes e Henrique
Cunha Jnior (Orgs.). 2008. 291p. ISBN: 978-85-7282-310-4.
64. Reflexes sobre a fenomenologia do esprito de Hegel. Eduardo Ferreira
Chagas, Marcos Fbio Alexandre Nicolau e Renato Almeida de Oliveira (Orgs.).
2008. 285p. ISBN: 978-85-7282-313-5.
355
65. Gesto escolar: saber fazer. Casemiro de Medeiros Campos e Milena Marcintha
Alves Braz (Orgs.). 2009. 166p. ISBN: 978-85-7282-316-6.
66. Psicologia da educao: teorias do desenvolvimento e da aprendizagem em
discusso. Maria Vilani Cosme de Carvalho e Kelma Socorro Alves Lopes de Matos
(Orgs.). 2008. 241p. ISBN: 978-85-7282-322-7.
67. Educao ambiental e sustentabilidade. Kelma Socorro Alves Lopes de Matos
(Org.). 2008. 210p. ISBN: 978-85-7282-323-4.
68. Projovem: experincias com formao de professores em Fortaleza. Kelma Socorro
Alves Lopes de Matos (Org.). 2008. 214p. ISBN: 978-85-7282-324-1.
69. A filosofia moderna. Antonio Paulino de Sousa e Jos Gerardo Vasconcelos
(Orgs.). 2008. 212p. ISBN: 978-85-7282-314-2.
70. Formao humana e dialogicidade em Paulo Freire II: reflexes e possibilidades em movimento. Joo B. A. Figueiredo e Maria Eleni Henrique da Silva
(Orgs.). 2009. 189p. ISBN: 978-85-7282-312-8.
71. Letramentos na Web: Gneros, Interao e Ensino. Jlio Csar Arajo e Messias
Dieb (Orgs.). 2009. 286p. ISBN: 978-85-7282-328-9.
72. Marabaixo, dana afrodescendente: Significando a Identidade tnica do
Negro Amapaense. Piedade Lino Videira. 2009. 274p. ISBN: 978-85-7282-325-8.
73. Escolas e culturas: polticas, tempos e territrios de aes educacionais. Maria
Juraci Maia Cavalcante, Raimundo Elmo de Paula Vasconcelos Jnior, Jos Edvar
Costa de Araujo e Zuleide Fernandes de Queiroz (Orgs.). 2009. 445p. ISBN: 97885-7282-333-3.
74. Educao, saberes e prticas no Oeste Potiguar. Jean Mac Cole Tavares
Santos e Zacarias Marinho. (Orgs.). 2009. 225p. ISBN: 978-85-7282-342-5.
75. Labirintos de clio: prticas de pesquisa em Histria. Jos Gerardo Vasconcelos,
Samara Mendes Arajo Silva e Raimundo Nonato Lima dos Santos. (Orgs.). 2009.
171p. ISNB: 978-85-7282-354-8.
76. Fanzines: autoria, subjetividade e inveno de si. Cellina Rodrigues Muniz. (Org.).
2009. 139p. ISBN: 978-85-7282-366-1.
77. Besouro cordo de ouro: o capoeira justiceiro. Jos Gerardo Vasconcelos. 2009.
109p. ISBN: 978-85-7282-362-3.
78. Da teoria prtica: a escola dos sonhos possvel. Adelar Hengemuhle, Dbora
Lcia Lima Leite Mendes, Casemiro de Medeiros Campos (Orgs.). 2010. 167p. ISBN:
978-85-7282-363-0.
79. tica e cidadania: educao para a formao de pessoas ticas. Mrie dos Santos
Ferreira e Raphaela Cndido (Orgs.). 2010. 115p. ISBN: 978-85-7282-373-9.
80. Qualidade de vida na infncia: viso de alunos da rede pblica e privada de
ensino. Lia Machado Fiuza Fialho e Maria Teresa Moreno Valds. 2009. 113p.
ISBN: 978-85-7282-369-2.
81. Federalismo cultural e sistema nacional de cultura: contribuio ao debate.
Francisco Humberto Cunha Filho. 2010. 155p. ISBN: 978-85-7282-378-4.
82. Experincias e dilogos em educao do campo. Kelma Socorro Alves Lopes
de Matos, Carmen Rejane Flores Wizniewsky, Ane Carine Meurer e Cesar De David
(Orgs.) 2010. 129p. ISBN: 978-85-7282-377-7.
83. Tempo, espao e memria da educao: pressupostos tericos, metodolgicos e seus objetos de estudo. Jos Gerardo Vasconcelos, Raimundo Elmo de Paula
Vasconcelos Jnior, Jos Edvar Costa de Arajo, Jos Rogrio Santana, Zuleide
Fernandes de Queiroz e Ivna de Holanda Pereira (Orgs.). 2010. 718p. ISBN: 97885-7282-385-2.82.
84. Os Diferentes olhares do cotidiano profissional. Cassandra Maria Bastos
Franco, Jos Gerardo Vasconcelos e Patrcia Maria Bastos Franco. 2010. 275p.
ISBN: 978-85-7282-381-4.
356
357
358
124. lceras por presso: uma Abordagem Multidisciplinar. Miriam Viviane Baron,
Jos Rogrio Santana, Cristine Brandenburg, Lia Machado Fiuza Fialho e Marcelo
Carneiro (Orgs.). 2012 315p. ISBN: 978-85-7282-489-7.
125. Somos todos seres muito especiais: uma anlise psico-pedaggica da poltica
de educao inclusiva. Ada Augusta Celestino Bezerra e Maria Auxiliadora Arago
de Souza. 2012. 183p. ISBN: 978-85-7282-517-7.
126. Memrias de Baob. Sandra Hayde Petit e Geranilde Costa e Silva (Orgs.).
2012. 281p. ISBN: 978-85-7282-501-6.
127. Caldeiro: saberes e prticas educativas. Clia Camelo de Sousa e Lda Vasconcelos Carvalho. 2012. 135p. ISBN: 978-85-7282-521-4.
128. As Redes sociais e seu impacto na cultura e na educao do sculo XXI.
Ronaldo Nunes Linhares, Simone Lucena, e Andrea Versuti (Orgs.). 2012. 369p.
ISBN: 978-85-7282-522-1.
129. Corpografia: multiplicidades em fuso. Shara Jane Holanda Costa Adad e Francisco de Oliveira Barros Jnior (Orgs.). 2012. 417p. ISBN: 978-85-7282-527-6.
130. Infncia e instituies educativas em Sergipe. Miguel Andr Berger (Org.).
2012. 203p. ISBN: 978-85-7282-519-1.
131. Cultura de paz, tica e espiritualidade III. Kelma Socorro Alves Lopes de
Matos (Org.). 2012. 441p. ISBN: 978-85-7282-530-6.
132. Imprensa, impressos e prticas educativas: estudos em histria da educao. Miguel Andr Berger e Ester Fraga Vilas-Bas Carvalho do Nascimento
(Orgs.). 2012. 333p. ISBN: 978-85-7282-531-3.
133. Proteo do patrimnio cultural brasileiro por meio do tombamento:
estudo crtico e comparado das legislaes estaduais Organizadas por Regies.
Francisco Humberto Cunha Filho (Org.). 2012. 183p. ISBN: 978-85-7282-535-1.
134. Afro arte memrias e mscaras. Henrique Cunha Junior e Maria Ceclia Felix
Calaa (Orgs.). 2012. 91p. ISBN: 978-85-7282-439-2.
135. Educao musical em todos os sentidos. Luiz Botelho Albuquerque e Pedro
Rogrio (Orgs.). 2013. 300p. ISBN: 978-85-7282-559-7.
136. Africanidades Caucaienses: saberes, conceitos e sentimentos. Sandra Hayde
Petit e Geranilde Costa e Silva (Orgs.). 2012. 206p. ISBN: 978-85-7282-590-0.
137. Batuques, folias e ladainhas [manuscrito]: a cultura do quilombo do Cria-
em Macap e sua educao. Videira, Piedade Lino. 2012. 399p. ISBN: 978-857282-536-8.
138. Conselho escolar: processos, mobilizao, formao e tecnologia. Francisco
Herbert Lima Vasconcelos, Swamy de Paula Lima Soares, Cibelle Amorim Martins,
Cefisa Maria Sabino Aguiar (Orgs.). 2013. 370p. ISBN: 978-85-7282-563-4.
139. Sindicalismo sem Marx: a CUT como espelho. Jorge Lus de Oliveira. 2013.
570p. ISBN: 978-85-7282-572-6.
140. Catharina Moura e o Feminismo na Parahyba do Norte: processos,
mobilizao, formao e tecnologia. Charliton Jos dos Santos Machado, Maria
Lcia da Silva Nunes e Mrcia Cristiane Ferreira Mendes (Autores). 2013. 131p.
ISBN: 978-85-7282-574-0.
141. Sequncia Fedathi: uma proposta pedaggica para o ensino de matemtica e cincias. Francisco Edisom Eugenio de Sousa, Francisco Herbert Lima
Vasconcelos, Hermnio Borges Neto, et al. (organizadores). 2013. 184p. ISBN:
978-85-7282-573-3.
142. Transdisciplinaridade na educao de jovens e adultos: colcha de retalhos
conhecimento, emancipao e autoria. Ada Augusta Celestino Bezerra e Paula
Tauana Santos. 2013. 109p. ISBN: 978-85-7282-476-7.
359
Lia Machado Fiuza Fialho, Jos Rogrio Santana, Lourdes Rafaella Santos
Florncio, Rui Martinho Rodrigues, Dijane Maria Rocha Vctor e Stanley
Braz de Oliveira (Orgs.). 2013. 218p. ISBN: 978-85-7282-591-7.
151. Pesquisas Biogrficas na Educao. Jos Gerardo Vasconcelos, Jos
Rogrio Santana, Lia Machado Fiuza Fialho, Dijane Maria Rocha Victor, Antonio
Roberto Xavier e Roberta Lcia Santos de Oliveira (Orgs.). 2013. 299p. ISBN:
978-85-7282-578-8.
152. Vejo um museu de grandes novidades, o tempo no para... Sociopoetizando o museu e musealizando a vida. Elane Carneiro de Albuquerque. 2013.
233p. ISBN: 978-85-7282-587-0.
153. A construo da tradio no Jongo da Serrinha: uma etnografia visual
do seu processo de espetacularizao. Pedro Somonard. 2013. 225p. ISBN:
978-85-7282-588-7.
360
361
362
363
364