Geraldo de Majella - Jayme Miranda Um Revolucionário Brasileiro

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Jayme Miranda, um revolucionrio brasileiro

Geraldo de Majella1
Jayme Amorim de Miranda (1926-1975), jornalista, advogado e dirigente
comunista, nasceu em Macei, no bairro do Poo, no dia 18 de julho de 1926, filho do
casal Manoel Simplcio de Miranda e Herm Amorim de Miranda, o segundo de uma
famlia de dez filhos. So eles: Haroldo (1925-1988), Jayme (1926-1975), Valter,
Edvar, Zenaide, Wilton (1931-2006), Nilson (1933), Neiza, Hlio, Manoel Manelito
Amorim de Miranda.
Casa-se com Elza Rocha de Miranda e constituem uma famlia de quatro filhos.
Dois nasceram em Macei e dois no Rio de Janeiro: Olga Tatiana (1960) e Yuri Patrice
(1961), so alagoanos; os outros dois, Jaime (1965) e Andr Rocha de Miranda (1970),
so cariocas.
Teve origem numa famlia de classe mdia baixa: o pai era proprietrio de um
bar e lanchonete na regio central de Macei, onde os filhos mais velhos o ajudavam no
balco. A famlia morou por muitos anos num bairro tambm de classe mdia, o Poo.
Iniciou os estudos, o antigo curso primrio, em escolas pblicas. Em 1937 foi
matriculado no colgio Diocesano (Marista), onde cursou o ginasial, sendo em 1941
transferido para o Liceu Alagoano e a concluindo o curso colegial em 1944.
No final de 1944, presta vestibular para Qumica em Recife numa
manifestao de um desejo acalentado desde a adolescncia pelas cincias exatas , mas
no foi aprovado. No ano seguinte, em Macei, presta novamente vestibular desta vez
para o curso de Direito e aprovado para a Faculdade de Direito de Alagoas, onde se
bacharelou.
Entre 1941 e 1945 tem dupla jornada de trabalho como revisor dos jornais:
Jornal de Alagoas, rgo dos Dirios Associados, e A Notcia, vespertino, alis o nico
no gnero em Alagoas. Nesse perodo o mundo vivia os horrores da II Guerra (19391945). Nas redaes dos jornais em Macei trabalhavam alguns jornalistas
simpatizantes e outros militantes do Partido Comunista Brasileiro (PCB). nesse
ambiente de ebulio poltica que Jayme Miranda aprende o ofcio de jornalista e
intensifica as suas relaes com a militncia clandestina do PCB.
Estudante de Direito e revisor, inicia a militncia poltica na Unio da Juventude
Comunista (UJC), participando das manifestaes de ruas contra o nazi-fascismo,
mobilizando a populao para pressionar o governo Vargas a romper com o Eixo
(Alemanha, Itlia e Japo).
Os vnculos polticos e ideolgicos com o PCB tiveram laos familiares
evidentes, pois dois dos seus tios paternos, Ezequiel2 e Isaias Simplcio de Miranda, e
Geraldo de Majella, historiador, escreveu Caderno da Militncia histria vivida nos
bastidores da poltica (Edufal, 2006), Execues Sumrias e Grupos de Extermnios em
Alagoas (1975-1998, Edufal, 2006), Rubens Colao: Paixo e vida A trajetria de um lder
sindical (Edies Bagao, 2010), O PCB em Alagoas: Documentos 1982-1990 (Cepal, 2011) e
Mozart Damasceno, o bom burgus (Edies Bagao, 2011).
1

uma tia, Tabita Miranda, haviam se ligado ao partido na dcada de 1930. Ezequiel
Miranda se filia Aliana Nacional Libertadora (ANL), entidade legal e de massas.
Aps a proibio de funcionamento da ANL, mantm a militncia comunista e participa
do processo de organizao da Insurreio Comunista, movimento que ficou conhecido
como Intentona Comunista de 1935. preso em Macei, processado pelo Tribunal de
Segurana Nacional (TSN) e condenado a cinco anos de priso, pena cumprida no
presdio da Ilha de Fernando de Noronha.
Escola de Sargento das Armas
No ano de 1946 ocorre uma mudana radical na vida do jovem acadmico de
Direito. Ao se inscrever e prestar concurso para a Escola de Sargento das Armas (ESA),
foi aprovado e segue para Realengo no Rio de Janeiro, onde inicia a carreira militar. No
ano seguinte promovido a terceiro-sargento, indo servir em Pindamonhangaba (SP). O
curso de sargento tinha durao obrigatria de cinco anos, perodo no cumprido
integralmente.
A vida na caserna no lhe fez bem; a rigidez e outras formas de controles,
incluindo a formao militarista, causaram-lhe srios transtornos disciplinares. Tomou
conhecimento, por colegas de fardas, de que seria transferido para o estado do Mato
Grosso, como punio. Antes que isso se efetivasse, rescindiu o contrato e regressou a
Macei, na condio de terceiro-sargento.
O amigo de infncia, Rubens Jambo (1926-2010), que tambm havia sido
aprovado no concurso da ESA e com quem Jayme mantinha contatos frequentes, se
ligou ao PCB no meio militar. Naquela poca O PCB tinha um ncleo de militares de
vrias patentes e possivelmente foram esses companheiros que o informaram, levando-o
a tomar a deciso de rescindir o contrato.
Em Macei e com 22 anos, no dia 15 de setembro de 1948 contratado e tem a
carteira assinada como escriturrio da Cooperativa dos Plantadores de Cana de Alagoas.
O emprego contou com a influncia do ento deputado udenista Rui Palmeira, naquela
poca aliado dos comunistas.
O contrato de trabalho assinado pela Cooperativa dos Plantadores de Cana de
Alagoas foi o primeiro e nico vnculo empregatcio na vida do jornalista e dirigente
comunista. As anotaes encontradas na carteira profissional n 34.659 indicam que
teve durao de apenas um ano. A vida dupla, de trabalhador na principal organizao
da elite rural, as atividades como estudante de Direito e as tarefas, cada vez maiores,
como membro da Unio da Juventude Comunista (UJC) do PCB, tornou-se
impraticvel. A opo entre o trabalho com carteira assinada e a atuao exclusivamente
no movimento estudantil e na organizao do PCB deu-se pela segunda das alternativas
2

Ezequiel Simplcio de Miranda, poltico, tornou-se militante do PCB na primeira metade da


dcada de 1930. Pertenceu Aliana Nacional Libertadora (ANL). Em 1947 candidata-se a
deputado estadual pelo PCB, para contribuir com a chapa de candidatos. Obtm 42 votos.

e foi definitiva at o desaparecimento em 1975. Jayme Miranda no mais trabalhou


para qualquer patro.
A reabertura de A Voz do Povo
A primeira edio de A Voz do Povo saiu no dia 1 de maio de 1946. Fundado
por Andr Papini Ges (1908-1966), diretor, e outros jornalistas como Floriano Ivo
Jnior, Arnoldo Jambo, George Cabral, a redao contava com a colaborao tambm
de dirigentes do PCB. O jornal foi diversas vezes invadido, depredado e empastelado
pela polcia, que obedecia s ordens do governador Silvestre Pricles de Gis Monteiro.
A polcia em 1947 menos de dois anos aps a sua fundao empastelou A Voz do
Povo e no mais permitiu que o jornal voltasse a funcionar legalmente. Os comunistas,
na clandestinidade, resistiram e colocaram o jornal para circular de maneira precria.
Em 1950, pouco dias antes da posse do governador Arnon de Mello (19111983), A Voz do Povo reaberto, agora sob a direo de Osvaldo Nogueira, com uma
redao formada essencialmente pelos jovens estudantes: Jayme Amorim de Miranda,
Rubens Figueiredo ngelo (1929), Murilo Gameleira Vaz (1930-2012), e trabalhadores
como Renalvo Siqueira e Benedito Silva, que aprenderam o ofcio de reprter numa
redao improvisada.
No dia 31 de janeiro de 1950, dia em que o governador de Alagoas, Arnon de
Mello, foi empossado, o jornalista Jayme Miranda foi preso quando protestava nas ruas
do centro de Macei. Os soldados do exrcito o levaram para o Quartel do 20 Batalho
de Caadores (20 BC) e o entregaram ao coronel Mrio de Carvalho Lima (19081983), comandante da guarnio federal, que viria a ser padrinho de batismo do
jornalista preso. Muitos anos depois do incidente o militar reformado na patente de
general publicaria, no livro Sururu Apimentado, o seguinte depoimento:
S ligeiro incidente veio ensombrar a completa normalidade
da ordem pblica. Um grupo de obstinados comunistas,
chefiado pelo nosso talentoso, mas fantico afilhado, Jayme
Miranda, tentou realizar um comcio, na praa Rosa da
Fonseca, na mesma hora da posse do governador. O saudoso
e ento tenente Alfredo Camaro, que chefiava o controle do
policiamento do centro da cidade, conseguiu det-los no
tempo exato. Transportou-os, em uma das nossas viaturas,
para o quartel do Farol onde, para maior tranquilidade,
determinamos que ali pernoitassem.3
No dia seguinte posse do governador, A Voz do Povo invadido pela polcia,
que destri a oficina, sendo quebrada a mquina impressora. O jornal mais uma vez fica
sem condies tcnicas para circular. A denncia de que houve violncia nas prises
dos comunistas foi depois noticiada pelo semanrio, que voltou a circular
3

Lima, Mrio de Carvalho. Sururu Apimentado, Macei, Edufal, 2008, p. 275.

clandestinamente. Os grficos tambm foram barbaramente espancados pela polcia


militar. A nica denncia possvel na poca partiu naturalmente do semanrio
comunista. Na edio que restou depois de tantas invases policiais encontra-se esta
nota:
Continua em Alagoas o imprio da violncia. O demagogo
Arnon de Mello, cujo servilismo ao imperialismo americano
posto em evidncia por ele prprio com apenas um ms de
governo, no suporta as crticas do povo e, enfurecido como
um louco, manda intimidar primeiro e depois prender os
trabalhadores de A Voz do Povo, chegando ao cinismo de
mandar a sua polcia invadir as nossas oficinas e roubar 700
exemplares do nosso jornal. a sequncia do crime
ocorrido no dia da investidura do mesmo Sr. Arnon de
Mello no poder, quando foi a nossa redao assaltada e
presas 56 pessoas. Apesar das numerosas prises realizadas
na semana passada e do verdadeiro bloqueio em que se
encontra a cidade, com beleguins e soldados da polcia
militar localizados nos principais pontos, o jornal foi
impresso e levado populao, principalmente aos
trabalhadores.4
O jornal continuou a ser publicado em Macei e vendido atravs de comandos
organizados pelos militantes nas portas das fbricas txteis. A fbrica Alexandria,
localizada no bairro da Cambona, era um dos locais onde os operrios sistematicamente
eram desrespeitados. Mesmo em condies desfavorveis, as denuncias saam do
interior da fbrica e encontravam a nica maneira de ecoar na sociedade alagoana
atravs das pginas do jornal A Voz do Povo. O jornal entrava nas fbricas pelas mos
dos operrios, que organizavam a patrulha de vigilncia a fim de evitar os efeitos do
terror policial. Centenas de exemplares foram vendidos nessa concentrao.5
Curso Stlin
Em 1951 o Partido Comunista Brasileiro organiza nos estados um curso
paramilitar, inspirado no Manifesto de Agosto de 1950. O curso era dividido em trs
fases: o bsico ou elementar, o intermedirio e o superior, este ministrado em dois

A Voz do Povo, 1951, p. 3. A coleo do jornal foi salva pelo historiador Moacir Medeiros de
SantAna, aps o golpe militar de 1964, quando trabalhava na assessoria do general Bittencourt,
na secretaria de segurana pblica de Alagoas. Em depoimento ao autor no dia 19/8/2005, o
historiador disse que: Trabalhamos muito tempo depois de 64. Ento, resolvi carregar. No
pedi, no. E se eu pedisse, no daria e terminaria dando fim quilo ali. A, tranquilamente,
amaciei o Rivoredo e, realmente, tirei de l e fui para casa. Morava bem pertinho. Alis,
mandavam me levar para casa de carro.
5
Idem.

momentos: o primeiro realizado no Brasil, com durao entre 40 e 50 dias, e o segundo,


na Escola internacional de quadros, em Moscou.
O Comit Central, em fevereiro de 1951, decidiu criar uma escola nacional de
formao de quadros, e a comisso de educao, rgo auxiliar, teve a incumbncia de
coordenar os trabalhos. Tambm foram criadas escolas em dezenas de cidades e em
diversos estados. A escola de que os militantes de Alagoas participaram ficava em
Recife. Um professor, membro da comisso e que j havia estudado em Moscou, foi
quem ministrou as aulas dessas fases do Curso Stlin.
O dirigente comunista Rubens Colao participou da organizao do curso Stlin
em Alagoas, onde 28 militantes e dirigentes intermedirios de Alagoas e Pernambuco
fizeram o curso, realizado numa fazenda no municpio de Murici (AL), em absoluta
clandestinidade.6
Para o primeiro curso realizado em Recife, de Alagoas foi designado pelo
Partido o operrio txtil Slvio da Rocha Lira. A comisso de educao do Comit
Central havia planejado trs cursos para atender aos estados de Pernambuco, Alagoas e
Paraba. O encarregado pelos cursos foi o jornalista mineiro Marco Antonio Tavares
Coelho, que naquela poca passou a residir em Pernambuco. Os principais dirigentes
desses estados participaram do curso Stlin: Hiran de Lima Pereira, Jayme Amorim de
Miranda, Ivo Valena, Paulo Cavalcanti, Jos Raimundo da Silva, Djaci Magalhes,
Claudio Tavares, Clodomir Morais, entre outros.7
O trabalho de educao implantado pelo PCB naquele momento, incio da
dcada de 1950, tinha a perspectiva de formar quadros terico e ideologicamente
comprometidos com a linha poltica definida no Manifesto de Agosto de 1950, na
perspectiva da luta armada. Nessa conjuntura, a preparao de quadros dirigentes em
todos os nveis era essencial.
Apelo de Estocolmo
O comit permanente do Congresso Mundial dos Partidrios da Paz, reunido em
Estocolmo, em maro de 1950, lanou um apelo pela proibio da bomba atmica
atravs de uma campanha de assinaturas. Os comunistas brasileiros, a exemplo dos
comunistas de todo o mundo, deram incio campanha pela paz, contra o envio de
tropas Coreia e a utilizao de armas atmicas. A coleta de 4,2 milhes de assinaturas
realizada pelos comunistas brasileiros causou certa surpresa em nvel mundial.
O coordenador do trabalho de coleta de assinaturas em Alagoas foi Jayme
Miranda, mas este trabalho foi dividido com outros militantes. O foco principal do PCB
eram os operrios fabris, os trabalhadores porturios, os ferrovirios e os estudantes.
Numa das atividades de coleta de assinaturas no distrito de Ferno Velho em Macei, a
Majella, Geraldo de. Rubens Colao: Paixo e Vida A trajetria de um lder sindical,
Recife, Edies Bagao, 2010, p. 36,37.
7
Coelho, Marco Antonio Tavares. Herana de um sonho, as memrias de um comunista. Rio de
Janeiro, Record, 2000, p. 150, 151, 154.
6

polcia militar, a servio da fbrica Carmem, empresa do grupo Othon Bezerra de


Mello, proibiu a coleta e exigiu que fossem entregues as listas com as assinaturas dos
operrios. Nesse momento estavam presentes Renalvo Siqueira, Jos Benedito, Antonio
Carlindo, Slvio Lira e Jos Gomes, os dois ltimos, operrios da fbrica Carmem.
O resultado desse conflito por pouco no foi trgico. O jornalista Jayme Miranda
foi atingido com a baioneta de um dos militares; esvaindo-se em sangue, levado ao
hospital de Pronto-Socorro, enquanto os outros comunistas foram dominados e levados
para uma delegacia de polcia em Macei, onde passaram a ser espancados.
A represso aos comunistas e ao movimento social era articulada entre patronato
e governo, e muito pouco se divulgava na imprensa, a no ser quando a matria,
acrescida de sutilezas, dava como uma fonte qualquer, mas tratava de prises, como
ocorreu em 1952: a principal manchete da Gazeta de Alagoas anuncia como manchete
principal de primeira pgina: Desmorona-se o Comit Estadual do P.C. em Alagoas.8
Os processos contra os militantes comunistas foram seletivamente abertos. Os
principais e mais conhecidos foram atingidos: Jaime Barbosa, Jos Gomes, Silvio
Macrio, Tibrcio Tenrio das Neves, Jos Rosa de Oliveira, Jlio de Almeida Braga,
Pricles de Arajo Neves, Manoel Barnab de Lima, os irmos Joaquim e Jos Costa,
Jos Cavalcante, Osvaldo Nogueira. Alguns foram condenados, a saber: Benedito da
Silva, Renalvo Siqueira dos Santos, Carlindo Silva e Jayme Amorim de Miranda. As
penas variaram entre um e cinco anos de priso.
Os comunistas organizaram uma campanha pela liberdade de Tibrcio Tenrio
das Neves. O jornal A Voz do Povo denuncia que:
Decorridos trs meses e meio da ao popular que
impediu (sic) o aumento das passagens dos transportes,
continua encarcerado na masmorra da praa da
Independncia o bravo patriota alagoano Tibrcio Tenrio
das Neves. Sequestrado na praa dos Martrios, quando se
colocava frente de centenas de alagoanos, solidarizandose com o vitorioso movimento do nosso povo que no
permitiu mais este assalto a sua minguada bolsa. Tibrcio
juntamente com seu companheiro Renalvo Siqueira foram
submetidos a brbaros espancamentos pelos sicrios da
polcia poltica do Sr. Arnon de Mello. Em seguida, graas
ao enrgico movimento de solidariedade e protesto de
todas as camadas sociais de Alagoas, Renalvo Siqueira foi
arrancado do crcere, mas Tibrcio permanece submetido
a um processo de farsa, tendo os doutos juzes
desembargadores lhe negado os recursos de habeas-corpus

Gazeta de Alagoas, 3/5/1952. p.1.

e fiana, legalizando desta maneira as arbitrariedades


policiais.9
As dificuldades enfrentadas pelo PCB para atuar em Alagoas nesse perodo
foram to grandes que alguns dos seus quadros, os mais conhecidos, tiveram de viver
totalmente clandestinos. Outros foram obrigados a deixar o estado de Alagoas, a
exemplo dos irmos Jayme e Nilson Miranda, que foram atuar em Pernambuco.
Clandestinidade e priso em Pernambuco
A perseguio poltica sistemtica tem como alvo o PCB, clandestino.
Sobrevivendo com dificuldades, a direo estadual decide que Jayme Miranda deixe o
estado de Alagoas, em 1951, para atuar em Pernambuco. Nessa poca j o dirigente
com maiores responsabilidades, ocupando o cargo de secretrio-poltico. Em Recife,
onde se fixa, atua no trabalho de organizao. Mas em meados de 1953 preso pelo
Dops, sendo torturado e em seguida transferido para Macei, onde fica preso na antiga
Penitenciria por mais de um ano. O que motivou a priso e condenao revelia foi
um editorial publicado no semanrio A Voz do Povo, ainda em 1951, criticando o ento
governador Arnon de Mello.
A imprensa local silenciou quanto ao fato de que um jornalista no exerccio da
sua profisso fora perseguido, preso e torturado por expressar a sua opinio atravs de
um editorial. Mesmo os jornais onde havia trabalhado como revisor, o Jornal de
Alagoas e A Notcia, no deram uma linha sequer sobre o fato de o jornalista ter sido
preso e o que motivou a priso: o exerccio da profisso. A imprensa local estava
totalmente subjugada ao governo.
Ao sair da priso em 1954 deixa novamente Macei, indo para Recife cuidar da
sade debilitada em decorrncia das torturas na priso. Com a sade recuperada,
enviado para o estado do Par. Nessa poca j um quadro profissionalizado pelo
partido. Permanece no Par at 1957, regressando a Alagoas aps as eleies e a posse
de Sebastio Marinho Muniz Falco no governo de Alagoas, reassumindo a direo do
jornal A Voz do Povo e o cargo de secretrio-poltico.
A vitria de Muniz Falco
O PCB participou do processo eleitoral apoiando as candidaturas presidenciais
de Juscelino Kubistchek (1902-1976) e Joo Goulart (1919-1976), e de Sebastio
Marinho Muniz Falco [1915-1966]10para governador de Alagoas. Muniz Faco venceu
as eleies derrotando o advogado Afrnio Salgado Lages (1911-1990), candidato
9

A Voz do Povo, Ano VIII, n 3, 7/11/ 1954, p. 2 Suplemento.

10

Nas eleies de 1955 votaram 106.984 eleitores. Muniz Falco (PSP) obteve 53.085 votos;
Afrnio Salgado Lages, 49.669 votos; 1.927 votos brancos e 2.303 votos nulos. Jnior, Heider
Lisboa de S, A Justia Eleitoral em Alagoas, Macei, 2008, p. 195

apoiado pelo governador Arnon de Mello. A disputa pela prefeitura de Macei se deu
entre Abelardo Pontes Lima (PTB), Osas Cardoso (UDN e Sebastio da Hora (PSP),
antigo militante do PCB.11
O empenho do PCB na campanha de Muniz Falco passou a ser uma questo de
sobrevivncia, j que os comunistas vinham de uma longa jornada de represso nos dois
perodos governamentais, o de Silvestre Pricles e o de Arnon de Mello. A aliana
poltica estabelecida entre o PCB e Muniz Falco tinha origem nas boas relaes
polticas travadas desde o perodo em que o lder petebista havia exercido a funo de
delegado do Ministrio do Trabalho em Alagoas.
A vitria de Muniz Falco descortinou um novo cenrio para os comunistas em
Alagoas. Os movimentos sociais, o PCB e o PSB passaram a ser tratados com respeito
e o aparelho policial cessou a represso aos comunistas e ao movimento sindical. Jayme
Miranda no participou dessa jornada de lutas, pois se encontrava trabalhando na
organizao do PCB no estado do Par. A conquista da liberdade em Alagoas um
caminho para os comunistas rapidamente se reorganizarem em Macei e em muitas
cidades do interior.
A edio de A Voz do Povo, n 38, de 29 de setembro de 1957, traz no
expediente Jayme Miranda como diretor e Nelito Nunes de Carvalho como secretrio. O
jornal abriu a sede na rua do Comrcio, 606, e realizou uma vigorosa campanha de
finanas para modernizar o semanrio com a aquisio de novas mquinas. Os
anunciantes durante o governo de Muniz Falco no foram importunados por quaisquer
perseguies policiais ou pelo Fisco estadual. Atuando com liberdade o PCB encontrou
as condies essenciais para ampliar as relaes do jornal com o empresariado,
conquistando anunciantes.
Renalvo Siqueira e Mironildes Peixoto, vereadores comunistas
O sapateiro Renalvo Siqueira e o funcionrio pblico Mironildes Vieira Peixoto
foram eleitos vereadores em Macei nas eleies de 1958. Ambos eram militantes do
PCB. Renalvo, nessa poca, j no trabalhava como sapateiro; era dirigente estadual do
PCB. No jargo comunista, era um revolucionrio profissionalizado, mas em face da
precariedade da redao do jornal A Voz do Povo, vinha trabalhando como reprter,
responsvel pela cobertura das atividades parlamentares na Cmara Municipal de
Macei.
Esse tipo de trabalho era comum naquela poca, e a direo do jornal estimulava
os militantes a serem correspondentes em seus locais de trabalho, moradia, estudo, no
movimento sindical e tambm nas casas legislativas, na assembleia e nas cmaras
municipais.
A Voz do Povo, sem que tivesse essa preocupao histrica, serviu de escola
para vrias geraes de operrios, estudantes, profissionais liberais e jovens intelectuais,
no exerccio dirio de jornalistas formados na prtica cotidiana.
Tenrio, Douglas Apratto. A Tragdia do Populismo O impeachment de Muniz Faco,
Macei, Edufal, 2 edio, 2007, p.167.
11

Os mandatos parlamentares de Renalvo Siqueira e Mironildes Vieira Peixoto


sinalizavam mudanas de aes do PCB em Alagoas. Ambos com atuao parlamentar
dedicada s causas populares, defesa da poltica do PCB e do aliado Muniz Falco.
Foi, pois, numa conjuntura poltica favorvel, para os comunistas, trabalhistas e
socialistas que esses mandatos fizeram crescer a influncia do partido aliado ao
movimento sindical em ascenso durante o governo de Muniz Falco.
O reforo no trabalho de direo do PCB foi potencializado com o retorno de
Jayme Miranda, que havia passado os ltimos trs anos na regio Norte do pas. Somese a isso a vinda para Alagoas de Nelito Nunes de Carvalho, jornalista baiano e quadro
com experincia na organizao partidria em vrios estados, imediatamente levado
para a redao do A Voz do Povo como chefe de redao.
O crescimento do PCB luz da liberdade conquistada durante o governo Muniz
Falco gerou tambm alguns problemas internos, e nas eleies seguintes o nome do
radialista e jornalista Nilson Miranda foi apresentado como candidato a vereador, sendo
eleito com expressiva votao. Renalvo Siqueira e Mironildes Peixoto se afastam da
militncia comunista. O radialista Nilson Miranda passou a ser o terceiro vereador
comunista na histria do partido em Macei.
Eleio para o Comit Central
Em 1960, o PCB realizou pela primeira vez em sua histria um congresso, numa
situao de semilegalidade. Os delegados ao congresso representavam um contingente
de aproximadamente 15 mil militantes, distribudos pelos estados da federao. O V
Congresso ocorreu na sede da Associao Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio de
Janeiro, no ms de setembro. O clima poltico vivido no pas garantia a liberdade de
expresso. Aproveitando-se dessa conquista durante o governo Juscelino Kubistchek, o
PCB se preparou para solicitar ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o registro para
atuar legalmente e inclusive participar do processo eleitoral.
A direo nacional que emergiu do V Congresso rompia com a antiga poltica do
culto personalidade e principalmente apontava para a
existncia de duas contradies fundamentais que exigem
soluo radical na atual etapa histrica do
desenvolvimento da sociedade brasileira, quais sejam: a
contradio entre a Nao e o imperialismo e seus agentes
internos, e aquela entre as foras produtivas em
crescimento e o monoplio da terra, que se expressa,
essencialmente, como contradio entre latifundirios e
massa camponesa.12

Vinhas, Moiss. O Partido a Luta por um partido de massas 1922-1974, So Paulo,


Editora Hucitec, 1982, p. 183.
12

A Resoluo Poltica aprovada pelo V Congresso dizia que as transformaes


em direo a uma sociedade socialista no ocorreriam de imediato, mas mediante etapas
histricas, fruto essencialmente das lutas das foras sociais.
O comit central eleito pelos delegados inclua pela primeira vez o dirigente
alagoano Jayme Amorim de Miranda como membro efetivo. Outros trs nomes
identificados com o estado de Alagoas tambm foram eleitos: Jos Maria Cavalcante,
martimo que em 1947 havia sido deputado estadual pelo PCB e que em 1960 militava
em Niteri (RJ); Jos Francisco, ex-operrio com longa trajetria de atividades
partidrias, que deixou o estado de Alagoas na dcada de trinta e havia sido candidato a
suplente de senador na chapa com Luis Carlos Prestes em 1946; e o coronel do exrcito
Henrique Cordeiro Oest, comandante da guarnio federal em Alagoas, secretrio de
segurana pblica do governo Muniz Falco, eleito para o comit central. Oest era
carioca e tinha tambm uma longa militncia no PCB, tendo sido at mesmo candidato a
deputado federal pelo estado do Rio de Janeiro em 1946.
O VI Congresso foi realizado em dezembro de 1967 em So Paulo, e em
condies adversas, clandestinamente, com um nmero menor de delegados. Jayme
Miranda j no morava nem atuava em Alagoas, e havia ficado meses na priso durante
o golpe militar de 1964. Ao ser solto, passou a viver na clandestinidade no Rio de
Janeiro.
Foi reeleito para o comit central e em seguida foi escolhido para a comisso
executiva do CC. A comisso executiva escolhida era composta por Luis Carlos Prestes,
Giocondo Dias, Orlando Bonfim Jnior, Zuleika Alambert, Dinarco Reis, Geraldo
Rodrigues dos Santos e Jayme Miranda, membros efetivos; Ramiro Luchesi, Walter
Ribeiro e Marco Antonio Tavares Coelho como suplentes13.
Jayme trabalhou na organizao do PCB em vrios estados das regies Sudeste e
Sul, mas fixou-se no Rio de Janeiro; como membro da comisso executiva fez parte do
grupo dirigente que cuidava da organizao partidria na clandestinidade. Esse tipo de
atividade o obrigava a se deslocar por vrios estados e cidades, mantendo contatos com
dirigentes locais do partido.
Em razo do tipo de trabalho que desenvolvia era obrigado a mudar
constantemente de endereo, por questo de segurana pessoal e partidria. Morou em
diversos bairros do subrbio da cidade do Rio de Janeiro.
Viagens ao Exterior
Em 1949, aos 23 anos de idade, foi eleito delegado pelo estado de Alagoas, para
representar os estudantes no Congresso pela Paz, na cidade do Mxico. Esta a primeira
viagem internacional.
Em companhia de Napoleo Moreira, Edler Lins e Mozart Verosa Damasceno,
Jayme Miranda participou do Festival Mundial da Juventude Democrtica, realizado em
Viena em 1959. O grupo esteve no festival e tambm foi a Moscou, capital da ento

13

Idem, p. 243.

Unio Sovitica, a Paris, Lisboa e outras cidades europeias. Foi a primeira vez que
Jayme esteve na antiga URSS.
A primeira viagem como membro do comit central ao exterior aconteceu em
1961, como membro de uma delegao composta de jornalistas, advogados, polticos,
sindicalistas de Alagoas e de outros estados do Brasil, organizada pelo ento deputado
federal Francisco Julio (PTB-PE), fundador e coordenador nacional das Ligas
Camponesas. Fizeram parte da delegao os jornalistas alagoanos Alberto Jambo e
Nilson Miranda, o advogado Ciro Casado Rocha e o deputado estadual Mendes de
Barros (PSP) este no concluiu a viagem, pois quando estava pronto para embarcar
pelo aeroporto do Recife, recebeu a notcia de que Robson Mendes, seu primo e prefeito
de Palmeira dos ndios, havia sofrido um atentado a bala, o que o fez retornar a
Alagoas.
O jornalista, e deputado estadual do Rio Grande do Norte, Luiz Incio Maranho
Filho tambm fez parte da delegao. Os membros da delegao participaram de vrias
sesses pblicas com os principais dirigentes da revoluo cubana, entre eles Fidel
Castro e Ernesto Che Guevara, e tambm vrios dirigentes do Partido Comunista
Cubano, sob a direo do secretrio-geral Francisco Caldero Blas Roca.
Jayme Miranda, secretrio poltico do PCB em Alagoas e outros dirigentes
nacionais do PCB se encontraram reservadamente com Fidel Castro e Che Guevara e se
reuniram num outro momento com o secretrio-geral do Partido Comunista Cubano,
Blas Roca.
A segunda viagem internacional na condio de membro da direo nacional foi
para a China, em companhia do tambm dirigente comunista gacho Jover Teles.
Ambos participaram da primeira delegao oficial do PCB quele pas e se reuniram
com vrios dirigentes do Partido Comunista Chins (PCCh). Os dirigentes brasileiros
tiveram um encontro reservado com o lder da Revoluo chinesa, Mao Ts Tung. Para
chegar a Pequim, passaram alguns dias em Moscou, cidade a que Jayme, durante os
prximos anos, voltaria algumas vezes.
Em 1974 e 1975 Jayme Miranda foi novamente a Moscou. A rota pela Europa,
passando pelo aeroporto de Orly em Paris, onde vigiado pelo servio secreto francs,
como consta do seu pronturio. Essa foi, sem que ele pudesse supor, a sua ltima
viagem internacional. No dia 4 de fevereiro de 1975, no Rio de Janeiro, sequestrado
pelo Doi-Codi. At hoje no apareceu, nem as foras armadas entregaram seus restos
mortais. Jayme Amorim de Miranda um dos desaparecidos polticos brasileiros.

Bibliografia
Lima, Mrio de Carvalho. Sururu Apimentado Apontamentos para a histria
poltica de Alagoas, Macei, Editora Imprensa Oficial Graciliano Ramos, 2008, p. 275,
276.
Miranda, Nilson. http://www.jaymemiranda.org/
A Voz do Povo, edio de 1951. H poucos exemplares do jornal no Arquivo Pblico
de Alagoas; este no tem outras informaes que no sejam apenas as do ano da edio.
Direito Memria e Verdade: Comisso Especial sobre Mortos e Desaparecidos
Polticos/Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidncia da Repblica,
Braslia, 2007, p. 397.
Jnior, Heider Lisboa de S. A Justia Eleitoral em Alagoas, Macei, 2008, p. 195.
Majella, Geraldo de. Rubens Colao: Paixo e Vida A trajetria de um lder sindical,
Recife, Edies Bagao, 2010, p. 36, 37.
Coelho, Marco Antonio Tavares. Herana de um sonho, as memrias de um comunista.
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Vinhas, Moiss. O Partido a Luta por um partido de massas 1922-1974, So
Paulo, Editora Hucitec, 1982, p. 183, 243.

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