Dissertação O Cenário Educativo em Mato Grosso Do Sul: As Cores e o Tom Da Alfabetização Com Os Programas Alfa e Beto e PNAIC
Dissertação O Cenário Educativo em Mato Grosso Do Sul: As Cores e o Tom Da Alfabetização Com Os Programas Alfa e Beto e PNAIC
Dissertação O Cenário Educativo em Mato Grosso Do Sul: As Cores e o Tom Da Alfabetização Com Os Programas Alfa e Beto e PNAIC
Campo Grande/MS
2014
Campo Grande/MS
2014
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Prof. Dr. Eliane Greice Davano Nogueira (UEMS/orientadora)
_________________________________________________
Prof. Dr. Artur Gomes de Morais (UFPE)
_________________________________________________
Prof. Dr. Vilma Miranda de Brito (UEMS)
AGRADECIMENTOS
minha orientadora, Prof. Dr. Eliane Greice Davano Nogueira, que me permitiu caminhar
com minhas prprias pernas, sem deixar, contudo, de oferecer sua mo amiga e apoiadora em
todos os momentos em que necessitei. Obrigada por me aceitar como sua orientanda,
condio permanente que no se encerrar com este trabalho.
Ao Prof. Dr. Artur Gomes de Morais, pelas consideraes precisas minha pesquisa,
impulsionadoras de um desejo de estudar mais profundamente e corresponder ao seu grau de
exigncia. Sua leitura e seu olhar experiente sobre meus escritos foram essenciais para meu
amadurecimento terico.
Prof. Dr. Vilma Miranda de Brito, que alm de acompanhar meu trajeto acadmico desde
o incio, ofereceu uma viso diferenciada, vinda de outra perspectiva terica, sobre as
polticas pblicas e me ajudou a ver a necessidade de embasar mais substancialmente minhas
escolhas metodolgicas.
Aos meus pais, Seu Jos e Dona Jandira, a quem devo a formao do meu carter e a
determinao de fazer sempre o melhor possvel, sem postergar responsabilidades nem
desistir diante de dificuldades.
E, por fim, no menos importante, a Fernando Fidelis, companheiro na vida e no estudo,
incentivador e colaborador. Essa trajetria foi gratificante e prazerosa porque voc estava
caminhando ao meu lado.
Os fundamentalismos psicolingusticos e
pedaggicos cegam e no ajudam a
negociar mudanas viveis em nossas
escolas concretas.
(Artur Gomes de Morais, 2012)
SOUSA, Sandra Novais. O cenrio educativo em Mato Grosso do Sul: as cores e o tom da
alfabetizao com os Programas Alfa e Beto e PNAIC. 2014. 199f. Dissertao (Mestrado
Profissional em Educao) - Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Unidade
Universitria de Campo Grande, Campo Grande/MS.
RESUMO
A Secretaria de Estado de Educao de Mato Grosso do Sul adotou, em 2008, como parte das
medidas para melhorar os ndices de aproveitamento dos alunos nas avaliaes externas, o
Programa Alm das Palavras. No que se refere alfabetizao em lngua portuguesa, o
programa baseia-se na utilizao do mtodo fnico e de cartilhas e manuais didticos
fornecidos pelo Instituto Alfa e Beto, que tambm realiza a capacitao da equipe da
Secretaria de Educao, responsvel pela formao em servio dos professores. Entrementes,
em 2012, o Estado tambm adere ao Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade Certa, o
PNAIC, e os alfabetizadores comeam a participar de dois modelos de formao: um ligado
ao Alfa e Beto e outro ligado ao Pacto. Diante deste contexto, este estudo busca compreender
e analisar tanto a matriz terica dos Programas, quanto o contexto de suas implantaes e os
impactos dessas aes da Secretaria na prtica dos professores alfabetizadores, percebidos e
mensurados por estes. A metodologia adotada valeu-se de pesquisa documental e bibliogrfica
e tambm da aplicao de questionrios fechados a professores alfabetizadores de 13 das 46
escolas estaduais do municpio que oferecem classes do 1 ao 3 do Ensino Fundamental.
Paralelamente a essa pesquisa mais ampla e geral, foi realizada, com um grupo focal de 12
professores de uma escola estadual de Campo Grande/MS, uma investigao mais
aprofundada, utilizando-se como metodologia a realizao de Atelis Biogrficos e a recolha
de narrativas de si, com o objetivo de compreender as repercusses das aes da SED/MS
pela voz dos sujeitos por elas impactados. Os resultados das pesquisas demonstraram, no
campo terico, a divergncia das matrizes tericas dos programas quanto aos conceitos de
alfabetizao, letramento, avaliao da aprendizagem e formao de professores. Na pesquisa
de campo, por meio da anlise dos questionrios constatou-se que a maioria dos professores
no percebe essa divergncia, no tendo clareza sobre o referencial terico que fundamenta as
prticas alfabetizadoras determinadas pela Secretaria. Com o grupo focal, percebeu-se, na
anlise das narrativas, um professor que pensa ativamente sobre sua prtica, que percebe as
mudanas pelas quais escola e sociedade vm sofrendo e que, principalmente, tem o desejo de
desempenhar sua funo educativa o melhor possvel. No entanto, esse mesmo professor
revela, em seus escritos, a falta de investimento do poder pblico numa formao mais
aprofundada no campo terico, que permita aos professores maior autonomia e participao
nas decises institucionais. Como sugesto de interveno para melhoria desse cenrio,
apresentamos cinco dimenses que merecem reflexo por parte das Secretarias de Educao e
do Ministrio da Educao, quais sejam: a) uma proposta de estgio supervisionado, na
formao inicial, que alie teoria e prtica de ensino; b) programas de insero de professores
iniciantes, a fim de diminuir os impactos do incio de carreira; c) melhor aproveitamento dos
tempos de planejamento nas escolas, com propostas de estudos coletivos, a partir das
necessidades de cada unidade escolar; d) maior investimento pblico nos programas de psgraduao em Educao, em especial, os que oferecem o mestrado profissional, por seu
vnculo com a Educao Bsica; e, por fim, uma crescente busca por mais autonomia
profissional.
Palavras-chave: Alfabetizao. Polticas pblicas de formao de professores. Atelis
Biogrficos. Narrativas de si.
SOUSA, Sandra Novais. The educational setting of Mato Grosso do Sul: the colors and the
tone with alphabetization programs "Alfa e Beto" and PNAIC. 2014. 199f. Dissertation
(Master in Professional Education) - State University of Mato Grosso do Sul, Campo Grande
University Drive, Campo Grande/MS.
ABSTRACT
The State Department of Education of Mato Grosso do Sul adopted, in 2008, as part of
measures to improve the levels of student achievement in external evaluations, a Program
Beyond Words. In relation to literacy in Portuguese language, the program is based on the use
of phonic method and primers and textbooks provided by Alfa and Beto Institute, which
conducts the training of staff of the Department of Education, responsible for service training
of teachers. Meanwhile, in 2012 the state also adheres to the National Pact for Literacy in Age
One, the PNAIC, and literacy educators begin to participate in two training models: one
linked to Alfa and Beto and another linked to the Pact. Face of this context, this study intends
to understand and analyze the theoretical matrix of programs and as the context of their
implementation and impact of these actions of the Department in the practice of literacy
teachers, perceived and measured by these. The methodology used was the documental and
bibliographic research, questionnaires closed the literacy teachers from 13 of the 46 state
schools in the municipality that offer classes from 1st to 3rd of elementary school research.
Parallel to this wider and more general research was conducted with a focus group of 12
teachers from an urban state school in the municipality of Campo Grande / MS, a more
thorough investigation, using as a methodology to conduct Biographic Ateliers collecting
narratives of self, in order to understand the repercussions of the actions of the SED / MS by
the voice of individuals impacted by them. Research results have shown, in theory, the
divergence of the theoretical matrices of programs about the concepts of alphabetization,
literacy, learning evaluation and teacher training. In field research, with questionnaires, it was
found that most teachers do not realize these differences, not having clarity about the
theoretical reference that supports the literacy practices determined by the Secretary. With the
focus group, it was noted in the analysis of narratives, a teacher who actively think about their
practice, which realizes the changes that schools and society are suffering and that mainly has
the desire to play their educational function as well as possible . However, this same teacher
reveals in his writings, the absence of government investment in further training in theory,
allowing teachers greater autonomy and participation in institutional decisions. As a
suggestion for intervention to improvement this situation, we present five dimensions that
deserve consideration by the departments and the Ministry of Education: A proposal for
supervised period of training, in initial formation, which combines theory and practice of
teaching; Insertion of beginning teachers programs in order to reduce the impacts of early
career; Better use of time planning in schools, with proposals for collective studies, based on
the needs of each school; greater public investment in Graduate Programs, especially the
Professional Masters in Education, by a bond with basic education; and finally an increasing
search for more professional autonomy.
Keywords: Literacy. Public policies for teacher training. Biographical Ateliers. Narratives of
self.
LISTA DE ILUSTRAES
LISTA DE QUADROS
LISTA DE GRFICOS
LISTA DE SIGLAS
ACP
CAPES
CELL
IAB
IDEB
INEP
GEPENAF
LDBEN
MEC
PIBID
PNAIC
SEA
SAEB
SAEMS
SED/MS
SUMRIO
INTRODUO ...........................................................................................................
...........13
REFERNCIAS ..........................................................................................................
...........176
REFERNCIAS
ICONOGRFICAS ...................................................................................194
APNDICES ..............................................................................................................
............196
APNDICE
A ........................................................................................................................196
APNDICE B ........................................................................................................................198
13
INTRODUO
A formao dos professores, inicial ou continuada, tem sido apontada como um fator de
essencial importncia na melhoria da qualidade da educao. Nvoa (1992, p.25) entende a
formao de professores como [...] um processo de maturao conceitual que o professor
constri ao longo da vida, como aluno-professor e como profissional. Essa maturao
conceitual permite que o professor tome decises cada vez mais acertadas em seu fazer
cotidiano por muni-lo de um arcabouo de conhecimentos que iro diferenci-lo como um
autntico profissional, ou seja, algum que possui um conhecimento especfico para exercer
determinada funo social.
Demo, por sua vez, afirma que
[...] os professores necessitam de preparo especfico, aprofundado e
continuado para saberem ultrapassar o instrucionismo, tornarem-se autores,
exercitarem pesquisa e elaborao com o objetivo de fazer de cada aluno
autor. (DEMO, 2010, p.12).
Essa fragmentao apontada pelo autor pode tambm ser observada nos modelos de
formao continuada oferecidos usualmente. Algumas so estritamente voltadas para o
contedo ensinado (as disciplinas curriculares); outras, estritamente voltadas para a didtica,
ou o como se ensina.
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Partindo-se do pressuposto que nenhuma prtica politicamente neutra, dar vez e voz
ao professor alfabetizador para que este repense as suas prticas pedaggicas, envolve munilo de aportes tericos variados, de autonomia intelectual para manifestar suas interpretaes
de mundo e de educao. Um processo formativo no pode desprezar os saberes e
experincias adquiridos pelos professores ao longo de sua vida profissional. Assim, conforme
atesta Morais (2010, p.32), urge a necessidade de [...] encararmos com mais rigor e cuidado a
formao continuada de nossos alfabetizadores (e professores em geral), alm de [...] lutar
para consolidar o direito formao continuada como fato contnuo e sistemtico." Espera-se,
porm, que isto ocorra no tanto nos velhos moldes, nas conhecidas reunies para treinamento
de uma tcnica, uma quase receita de bolo, mas sim, de uma forma [...] que permita a
profissionalizao, e que trate os docentes como [...] personagens principais daquela
formao.
A proposta deste estudo est, portanto, centrada nas aes de formao continuada e
em como essas aes so percebidas pelos professores alfabetizadores vinculados Secretaria
de Estado de Educao em Mato Grosso do Sul (SED/MS). Para tanto, a presente pesquisa foi
dividida em duas etapas que se complementam.
Em um primeiro momento, por meio da anlise bibliogrfica e documental, foram
analisadas as concepes de alfabetizao, letramento e formao continuada presentes nos
documentos legais da Secretaria, e se essas concepes adotadas no plano terico se
encontravam contempladas tambm no Programa Alm das Palavras e no Pacto Nacional pela
Alfabetizao na Idade Certa (PNAIC), polticas atualmente em vigor no Estado. Munidos
desse aporte terico, realizamos uma investigao para verificar como, ou se, os professores
alfabetizadores da rede estadual de Mato Grosso do Sul percebiam ou identificavam esses
conceitos tericos em suas prticas pedaggicas dirias, alm de analisar as mudanas reais
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provocados, refletiram-se nas pesquisas publicadas nos anos posteriores; e, ainda, examinar se
outras redes de ensino adotaram medidas semelhantes s de Mato Grosso do Sul e com quais
resultados.
Na segunda parte desse captulo, analisamos artigos cientficos publicados em revistas
e peridicos classificados como A1 pela Coordenao de Aperfeioamento do Pessoal do
Ensino Superior (Capes), considerando-se o mesmo recorte de tempo. Intentamos verificar, no
campo terico, em que medida os conceitos de alfabetizao, letramento e formao de
professores defendidos pela SED/MS convergem para o que vem sendo defendido pelos
estudiosos do tema. A opo pela delimitao desse mapeamento de artigos apenas nos
peridicos A1 deve-se ao entendimento de que os critrios para publicao, nesses peridicos,
so mais rigorosos, fornecendo assim uma boa panormica do que tem estudado e publicado
os especialistas em educao. No ltimo captulo, alguns desses autores sero retomados, a
fim de situar teoricamente qual o conceito de alfabetizao e formao de alfabetizadores
que temos defendido.
No terceiro captulo, abordamos diferentes aspectos da matriz terica do Programa
Alm das Palavras/Alfa e Beto e do Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade Certa
(PNAIC). Procuramos desvelar qual a concepo de alfabetizao, letramento, avaliao e
formao de professores que subsidia as aes desses dois programas. Apresentamos tambm,
nesse captulo, as contradies entre o discurso oficial da Secretaria de Estado de Educao e
o que acontece na prtica formativa da rede estadual de ensino e tambm como so percebidas
pela SED/MS as diferenas conceituais entre os dois programas adotados simultaneamente em
nosso Estado. Com o objetivo de fornecer evidncias que ajudem a situar os dois programas
aqui abordados em determinada matriz ou referencial terico, esse captulo faz um elo entre
os resultados de pesquisas anteriores ou contemporneas a essa, debatidas no captulo 2, e o
entendimento dos professores, aparente nas respostas ao questionrio de pesquisa e nas
narrativas de si e materializados em suas prticas dirias, os quais analisaremos no captulo 4.
No quarto captulo, apresentamos a metodologia e os resultados da pesquisa emprica
realizada com os professores de 1 ao 3 anos do Ensino Fundamental da rede estadual de
ensino de Campo Grande, por meio do tratamento das informaes obtidas com as respostas
dos questionrios. So demonstrados, ainda, o processo de elaborao e os desdobramentos
dos Atelis Biogrficos realizados com o grupo focal, assim como a anlise das narrativas de
si recolhidas nesse processo e o que elas revelam sobre os conceitos de alfabetizao,
letramento, avaliao e formao implcitos na fala dos professores. A escolha dos Atelis
Biogrficos como metodologia de pesquisa centra-se na necessidade de ir alm da pesquisa
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intencional nos serve a um objetivo: reconstruindo uma histria projetiva dos sujeitos estamos
buscando extrair, a partir dela, projetos que possam ser submetidos ao critrio da
exequibilidade.
Iniciei minha carreira como professora em 1995, com 21 anos, na minha cidade natal,
Mineiros, no interior de Gois, enquanto cursava o 1 ano do curso de Administrao de
Empresas em uma faculdade particular. Como estudava no perodo matutino e conseguir
emprego era um problema srio na cidade, ainda mais em meio perodo, acabei me
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interessando por um boato que estavam aceitando acadmicos para trabalhar como
professores em escolas pblicas, mesmo sem habilitao ou formao acadmica na rea.
Compareci a uma escola e consegui um bico como professora substituta de Lngua
Portuguesa no perodo noturno. Trabalhava trs noites por semana (15h/aula) e ganhava o
equivalente a meio salrio mnimo, na poca um salrio e tanto para os padres da cidade,
quando a maioria dos meus amigos e conhecidos trabalhava 40 horas por semana no comrcio
local em troca de um salrio mnimo. Desta forma, considerei ter sido uma grande sorte
conseguir aquele trabalho fcil e ser bem paga por ele.
No tive nenhum tipo de treinamento ou formao para desempenhar a funo,
ento me servia apenas dos modelos de docncia a que eu havia tido acesso em minha vida
escolar, como aluna: passava matria no quadro, seguindo os livros de portugus que eu
possua em casa (da minha poca de escola, pois os alunos do noturno no recebiam livro
didtico), explicava o contedo e dava testes como forma de avaliao. Ficava muito
preocupada quando havia um percentual muito alto de notas boas, pois no discurso dos
professores experientes, ouvidos na hora do recreio na sala dos professores, professor bom era
o que reprovava mais, e uma boa prova era a aquela que os alunos tinham dificuldade para
fazer. Inclusive, uma reclamao da professora titular quando reassumiu as aulas foi de que a
professora substituta quase passou todos os seus alunos no terceiro bimestre. Como
professora iniciante, o que eu sentia era uma grande insegurana quanto ao que fazer e como
fazer, mas, ao mesmo tempo, um imenso prazer em estar naquela funo, um sentimento de
orgulho em me apresentar como professora, uma profisso que na minha concepo detinha
um alto status social. Com efeito, cada vez mais eu me identificava como profissional e
buscava formas de fazer com que minhas aulas ficassem melhores, alm de estudar novas
maneiras de avaliar a aprendizagem e a descoberta solitria de que o planejamento era
importante para a conduo de uma aula mais motivadora. Ainda nesse momento, mesmo sem
ter formao especfica na rea, comecei a valorizar, nessa profisso, as possibilidades de um
agir autnomo, a sensao de liberdade para se expressar e a caracterstica quase autoral do
planejamento didtico. Essa autonomia profissional no implicava, de forma alguma, em
um [...] isolamento do restante dos colegas, nem tampouco oposio interveno social na
educao ou ao princpio de responsabilidade pblica (CONTRERAS, 2002, p.200),
conforme afirma de Jos Contreras:
Pelo contrrio, a ideia de autonomia, entendida como exerccio, como
construo, deve se desenvolver em relao ao encargo prtico de uma
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Logo cedo, portanto, dois aspectos da profisso docente me eram claramente visveis:
a) desfrutar de autonomia no exerccio do meu trabalho era extremamente gratificante; b) essa
autonomia s seria possvel se eu me cercasse de um bom arcabouo terico, que me
permitisse ter segurana nas minhas escolhas e decises.
Assim, percebi que a falta de fornecimento de modelos ou direcionamento por ocasio
da minha insero como professora poderia levar, conforme eu me posicionasse quanto a isso,
a uma insegurana e um baixo rendimento no desempenho profissional; ou, na direo
contrria, busca de solues prprias e criativas por meio de estudo e aprofundamento
terico.
Escolhi o segundo caminho, ento, como era de se esperar, desisti do curso de
Administrao de Empresas, e aps alguns percalos como casamento, gravidez e separao,
acabei entrando, aos 25 anos, no curso de Pedagogia, onde finalmente me reconheci e
vislumbrei a docncia como minha profisso. Tive uma tima formao, bons professores,
que passavam uma grande paixo pela docncia e me faziam vislumbrar um novo paradigma
para a educao escolar. claro que tambm tive professores que reproduziam o modelo a
que eu tive acesso na minha infncia: davam aulas expositivas, cobravam a memorizao dos
contedos e agiam como se daquela sala no fosse sair cerca de trinta novos professores para
compor o cenrio educativo do municpio.
No segundo ano do curso de Pedagogia, consegui trabalho em duas escolas
particulares, mas, dessa vez, com mais segurana devido ao embasamento terico adquirido
nos primeiros anos da academia. Uma das escolas em que eu trabalhava (Escola Evoluo)
havia iniciado suas atividades naquele ano, sendo de propriedade de uma colega de classe do
curso de Pedagogia. Ali, as ideias novas eram muito bem vindas, e eu sentia total liberdade
para trabalhar com a alfabetizao na perspectiva que estava aprendendo na faculdade. A
teoria e a prtica, portanto, casavam-se bem. A outra escola em que eu trabalhava era um
colgio confessional com 50 anos de tradio, de propriedade da Igreja Presbiteriana, com um
ensino bastante tradicional. Ali, por vrias vezes, fui chamada diretoria para explicar a pais
insatisfeitos os mtodos que eu estava utilizando. At que eu me afirmasse e comeasse a
mostrar resultados, essas chamadas foram constantes.
Deixei a minha cidade e me aventurei a morar novamente em Campo Grande/MS
devido grande dificuldade que havia no interior para continuar os estudos acadmicos.
Cheguei aqui em 2005, passei nos concursos para a rede municipal e estadual, onde estou h
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oito anos como professora do Ensino Fundamental, especialmente nas sries iniciais. Um
curso de ps-graduao lato sensu em alfabetizao me conferiu mais segurana, ou um
sentimento de competncia pedaggica crescente, confiana e conforto. (HUBERMAN,
1989, p.40). Percebi que quanto mais eu estudava, conhecia e pesquisava, menos insegurana
eu sentia para resolver conflitos ou especificidades encontradas em minhas classes de alunos.
1.1 A entrada do Programa Alm das Palavras: havia um desenho na tela, e eu j no
podia escolher as cores...
Quando a Secretaria de Estado de Educao adotou o Programa Alm das Palavras,
por meio da Resoluo/SED n 2.147, de 15 de janeiro de 2008, eu atuava como professora no
1 ano do Ensino Fundamental, em uma escola da rede estadual e em uma escola da rede
municipal. Desenvolvia um trabalho coeso, com bom xito na alfabetizao dos meus alunos,
os quais saam, em sua grande maioria, lendo e produzindo textos com autonomia, no nvel de
escrita alfabtico, sendo que alguns chegavam at mesmo no nvel alfabtico ortogrfico.
Quando tive o primeiro contato com o Programa, minha primeira reao foi de
estranhamento em relao aos seus materiais didticos. O Instituto Alfa e Beto 2 fornece, alm
de consultoria para a Secretaria de Educao, os materiais a serem utilizados na formao dos
professores e coordenadores de rea, os livros e cartilhas para os alunos e o suporte para
avaliao do Programa (testes de leitura e programas de avaliao dos resultados). Nesse caso,
entender qual o conceito de alfabetizao e de formao de professores que norteia as aes
desse instituto fundamental para compreender as razes do meu estranhamento. Essa
concepo pode ser entendida na declarao presente na introduo de um dos livros
utilizados na formao dos professores:
A maioria dos leitores vai se surpreender com os conceitos, informaes e
implicaes apresentados neste livro. Eles se contrapem, quase que
frontalmente, ao que veiculado em documentos oficiais como os PCNs de
Alfabetizao [...], em livros e publicaes disponveis nas bibliotecas
universitrias e usadas em cursos de formao e de capacitao de
alfabetizadores. (OLIVEIRA, 2004, p.13).
2O Instituto Alfa e Beto (IAB) uma organizao no-governamental. Criado em novembro de 2006,
tem como diretor-presidente, o professor Joo Batista Arajo e Oliveira, e como diretoraadministrativa, a professora Mariza Rocha e Oliveira, conforme informaes do site oficial da
instituio, disponvel em<http://www.alfaebeto.org.br>. Acesso em 25/03/2013.
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A surpresa vem dos conceitos defendidos pelo autor dos livros utilizados no
Programa. Argumentando que os mtodos fnicos so usados em praticamente todos os
pases de lngua alfabtica da Europa e em todos os pases de lngua inglesa ao redor do
mundo (OLIVEIRA, 2004, p.59), o presidente do Instituto Alfa e Beto e consultor da
SED/MS advoga o uso de manuais destinados a decodificao, as chamadas cartilhas, que a
seu ver so superiores aos livros com [...] textos escolhidos por outros critrios (como o
tema, a motivao dos alunos, o gnero, etc.), afirmando ainda que, na Inglaterra e nos
Estados Unidos, o mtodo fnico incorporado [...] aos programa (sic) de ensino da maioria
dos estados [...] sendo que em alguns, como a Frana, o professor no pode escolher outros
mtodos, como o Global por exemplo, sem justificar com argumentos convincentes sua
escolha (OLIVEIRA, 2004, p.60).
A soluo para os problemas do ensino da lngua escrita viria com a aquisio, por
parte das escolas e secretarias de educao, de manuais que direcionassem corretamente o
professor. Assumindo uma postura que [...] a maioria dos professores existentes no possui
formao adequada, far-se-ia necessrio [...] explicitar os limites da autonomia do professor
e proporcionar instrumentos pedaggicos adequados e de efetividade comprovada,
enfatizando ainda que [...] isso nada tem a ver com projetos mirabolantes de computadores
ou sofisticados laboratrios. Nem com capacitaes ad hoc. Mas, da reorientao da [...]
funo das Secretarias de Educao, que deve ser a de criar condies e regras adequadas para
fazer a escola operar, alm de profissionalizar a gesto escolar. (OLIVEIRA, 2010b, n.p.).
Assim, quando o Programa Alm das Palavras foi adotado pela SED/MS, os limites
da autonomia dos professores, incluindo a minha, foram bem delimitados. O programa de
alfabetizao era detalhado e organizado em forma de roteiro, a formao era um treinamento
para a utilizao do material didtico e do mtodo fnico e a coordenao de rea
desempenhava um papel mais fiscalizador do que formador.
Lembro-me que a primeira notcia que eu tive de que a escola estadual em que eu
trabalho havia aderido ao Programa foi no primeiro dia do ano letivo de 2008. Ao entrar na
sala dos professores com 30 cadernos preparados por mim nas frias, com atividades
diagnsticas de nvel de escrita, a coordenadora de rea em Lngua Portuguesa anunciou-me
que, daquele momento em diante, eu no precisaria mais ter todo aquele trabalho em preparar
atividades e cadernos, pois passaria a receber tudo pronto do projeto, inclusive os
planejamentos. Minha reao imediata foi de rejeio ideia, pois estava acostumada a (e
gostava de) produzir atividades para minhas aulas e no me sentia confortvel em receber
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tudo pronto. Eu acreditava que o correto era, a partir de uma avaliao diagnstica inicial,
planejar aulas e atividades que atendessem s necessidades dos meus alunos. Eu nem ao
mesmo gostava de repetir, na escola municipal, o planejamento que eu fazia para a escola
estadual, pois eram alunos que pertenciam a realidades diferentes, apesar de serem todos do
primeiro ano.
No obstante, mesmo tendo acontecido na semana anterior a Jornada Pedaggica, que
consistia em reunies com a equipe tcnico-pedaggica para orientar o planejamento do ano
letivo, nenhum tipo de formao especfica para utilizar a metodologia do Alm das Palavras
foi feita. Apenas aps o segundo ms de aulas foram entregues os manuais didticos e foi
preciso reorganizar completamente o trabalho didtico para me adaptar ao novo programa de
ensino. Ainda assim, no houve formao continuada; recebi os manuais para o aluno e para o
professor, incluindo um DVD intitulado Manual da Conscincia Fonmica, que eu deveria
assistir em casa e, segundo a coordenadora de rea, ele me ensinaria a alfabetizar. Assisti ao
DVD com curiosidade e expectativa, imaginando o que traria de novidade para acrescentar
aos meus conhecimentos, porm logo nas primeiras aulas, minha sensao de estranhamento
aumentou. As aulas consistiam em um treino para pronunciar, um a um, os fonemas da lngua
portuguesa, alm de uma simulao teatral de como o professor deveria proceder nas aulas
para repassar esse conhecimento aos alunos. Nessa simulao, um professor fictcio,
trabalhando numa sala com oito alunos, utilizava-se da metodologia proposta pelo projeto.
Chamou-me a ateno o nmero reduzido de alunos (em minha sala havia 30) e o fato das
crianas responderem corretamente aos comandos do professor. Era inevitvel pensar que
aquilo no correspondia ao real, o que gerou uma grande angstia e ansiedade quanto aos
rumos do meu trabalho na turma de alfabetizao.
Assim, encerrei aquele ano letivo bastante esgotada e frustrada, pois no consegui nem
desenvolver ao p da letra o que se pedia no Programa e tampouco fazer o trabalho da forma
como eu sabia, haja vista as exigncias do Programa e do material didtico com o qual eu
deveria trabalhar e que era objeto de fiscalizao por parte dos coordenadores de rea. Esse
controle dos coordenadores era feito por meio de um cronograma que definia quais os
captulos que deveriam ser trabalhados mensalmente, ou melhor, qual a sequncia de ensino
dos fonemas. Ao final de cada bimestre, os coordenadores realizavam um teste com os alunos,
cobrando os fonemas que estes j deveriam dominar. Se houvesse muitos alunos saindo-se
mal nos testes, o problema seria de ensino, ento a deficincia era do professor. Se alguns
alunos no fossem bem, o problema era de aprendizagem e a deficincia era, portanto,
25
deles. O interessante que, nesta perspectiva, o problema nunca chegava a ser do programa,
ou do mtodo.
No ano seguinte, desisti de trabalhar com o primeiro ano na escola estadual, que era a
que adotava o Alm das Palavras, por no ter realmente me adaptado metodologia de
alfabetizao do Programa. E h dois anos, por conta de um problema de sade, fui
readaptada e estou, atualmente, na coordenao pedaggica na rede estadual, sendo a
responsvel pelas turmas de alfabetizao, e na biblioteca escolar na rede municipal,
atendendo a alunos com dificuldades na aprendizagem.
A motivao para estudar a matriz terica que orienta e d sustentabilidade ao
Programa Alm das Palavras foi, portanto, inicialmente a necessidade de entender qual a
concepo de formao de professores estava implcita nele, pelo fato de ser diretamente
afetada por essa concepo como professora alfabetizadora. Posteriormente, como
coordenadora pedaggica, tornou-se ainda mais relevante descobrir quais as possveis
contribuies, ou limitaes, dessa poltica de interveno adotada pela Secretaria de Estado
de Educao na prtica do professor alfabetizador.
1.2 Alfa e Beto e PNAIC: uma mistura heterognea?
A princpio, nosso objeto de estudo limitar-se-ia ao Programa Alm das Palavras/Alfa
e Beto. Em 2012, porm, o Estado de Mato Grosso do Sul tambm aderiu ao Pacto Nacional
pela Alfabetizao na Idade Certa (PNAIC), institudo pelo Governo Federal por meio da
Portaria n 867, de 4 de julho de 2012, que assegura, entre as aes previstas, a integrao e
estruturao, "[...] a partir do eixo Formao Continuada de Professores Alfabetizadores, de
aes, materiais e referenciais curriculares e pedaggicas do MEC que contribuam para a
alfabetizao e o letramento. (BRASIL, 2012a, p.23).
Desta forma, em 2013, ano em que se iniciou efetivamente nossa pesquisa, os
professores da esfera estadual comearam a frequentar as reunies de formao continuada do
PNAIC. Ao ter contato com o material utilizado nessas formaes, fornecido pelo MEC, foi
impossvel no perceber os aspectos divergentes entre as concepes tericas sobre
alfabetizao, letramento e formao de professores nele presentes, em comparao com o
Alm das Palavras.
Assim, como passaram a coexistir, em Mato Grosso do Sul, dois programas de
formao continuada, um ligado ao Programa Alm das Palavras e o outro, ao PNAIC, fez-se
necessrio ampliar o alcance desta investigao a fim de abordar de forma mais coerente o
26
Na verdade, eles terminam sua formao sem terem sido abalados em suas
crenas, e so essas crenas que vo se reatualizar no momento de
aprenderem a profisso na prtica, crenas essas que sero habitualmente
reforadas pela socializao na funo de professor e pelo grupo de trabalho
nas escolas, a comear pelos pares, os professores experientes. (TARDIF,
2000, p.20).
27
Assim, acreditando que no interior das salas de aula que os professores pem prova
os saberes profissionais, quando necessitam tomar decises rpidas em meio aos diversos
problemas e situaes ocorridas no cotidiano escolar, entendemos que as aes das polticas
pblicas de formao de professores, conforme argumenta Garcia (2010), devem caminhar no
sentido de disponibilizar espaos onde os professores possam questionar coletivamente as
rotinas de ensino, examinar novas concepes de ensino e de aprendizagem e, finalmente,
encontrar formas de responder s diferenas e aos conflitos.
em busca dessas respostas, portanto, que desenvolvemos nossa pesquisa, no intuito de
descobrir maneiras que permitam aos professores se envolver ativamente em seu prprio
desenvolvimento profissional, assim como expor caminhos j apontados por pesquisadores
reconhecidos que possam contribuir para a melhoria do ensino (com a oferta de condies
menos estressantes e invasivas do trabalho docente) e da aprendizagem (com a garantia do
direito da criana de ser alfabetizada com tranquilidade e em situaes em que possa
desenvolver todo o seu potencial criativo).
28
da Capes teses e dissertaes que tiveram a alfabetizao como seu objeto de estudo. Soares e
Maciel informam a finalidade desse tipo de pesquisa, qual seja:
[...] para que se revele o processo de construo do conhecimento sobre
determinado tema, para que se possa tentar a integrao de resultados e,
tambm, identificar duplicaes, contradies e, sobretudo, lacunas, isto ,
aspectos no estudados ou ainda precariamente estudados, metodologias de
pesquisa pouco exploradas. (SOARES; MACIEL, 2000, p.6).
Assim, tendo em vista o desejo de que esta dissertao no se tornasse uma mera
duplicao de um tema exaustivamente estudado e, sobretudo, para nos certificarmos se
nosso objeto estudo poderia trazer alguma contribuio para o campo da alfabetizao,
partimos da palavra-chave alfabetizao, obtendo assim uma viso geral das pesquisas
nessa rea no Brasil. A opo de realizar essa busca apenas no Banco de Dados da Capes,
justifica-se pelo fato de que:
[...] essas pesquisas constituem, em sua maioria, a produo acadmica e
cientfica e que esses produtos expressam um conhecimento em construo.
A partir desse critrio, excluram-se livros e captulos de livros,
considerando que estes expressariam o conhecimento j construdo.
(SOARES; MACIEL, 2000, p.9).
29
Mato Grosso do Sul, as redes de ensino necessitaram considerar com mais cuidado os
procedimentos e as prticas dos professores das sries iniciais, bem como investir em
formao especfica para que os professores soubessem como lidar com esse novo pblico,
antes atendido pela Educao Infantil.
2.1 Os estilos e a variedade de tons das pesquisas empricas
Iniciada a pesquisa no banco de teses e dissertaes da Capes, utilizando-se como
palavras-chave alfabetizao inicial, formao de professores, polticas de interveno
pedaggica, avaliao da alfabetizao, Instituto Alfa e Beto, PNAIC, identidade
profissional, narrativas de professores e Ensino Fundamental de nove anos, procedeu-se
leitura e anlise dos resumos fornecidos pelos autores, optando-se por agrupar as dissertaes
e teses em categorias que, de alguma forma, abordassem os aspectos da alfabetizao inicial
de crianas em consonncia com os objetivos que pretendemos alcanar com a presente
pesquisa. Foram excludas as pesquisas de outras reas do conhecimento, como
fonoaudiologia, psicologia, alfabetizao de jovens e adultos, educao rural ou do campo,
alfabetizao indgena ou em outro idioma.
As categorias eleitas foram:
A anlise desse conjunto de pesquisas realizadas nos/pelos programas de psgraduao oferece um panorama geral dos rumos que tm tomado, no s as investigaes
cientficas sobre o ensino da lngua escrita, como tambm os direcionamentos (e posteriores
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31
OBJETO DE PESQUISA
Formao inicial
QUANTIDADE
7
AUTORES
Formao continuada
Ensino Fundamental de
nove anos
2011).
(PEREIRA, 2011); (BRANDO, 2012); (COLOMBI,
Mtodos
docentes
11
2012).
(ARAUJO, 2011); (GLRIA, 2011); (GUILHERME,
prticas
Programas
formao
professores
de
de
2012).
(FIGUEIREDO,
2007);
(MACHADO,
2007);
Polticas de interveno
pedaggica
Total analisado
43
32
33
tericos do PNAIC e do Alm das Palavras sero analisados, poderemos observar uma das
muitas contradies entre as duas polticas, pois enquanto para o PNAIC a alfabetizao e o
letramento so dois tons utilizados conjuntamente, na mesma tela, para o programa elaborado
pelo Instituto Alfa e Beto (IAB) estes so processos no simultneos. Poderemos observar
tambm o posicionamento ambguo da SED/MS, ao afirmar que as duas polticas de
alfabetizao por ela adotadas so compatveis nesse fundamento.
2.1.3 So necessrias mais cores? O Ensino Fundamental de nove anos e a
reestruturao curricular dos anos iniciais
A ampliao do Ensino Fundamental de oito para nove anos, com matrcula
obrigatria aos 6 anos, conforme dispe a Lei n 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, obrigou as
redes de ensino a realizar mudanas em suas matrizes curriculares de forma a atender essa
faixa etria que anteriormente era atendida pela Educao Infantil. Essas mudanas
ampliaram a discusso sobre o processo de alfabetizao inicial, tanto no mbito das
secretarias de educao como entre os pesquisadores do tema. Em Mato Grosso do Sul, a
nova durao do Ensino Fundamental foi introduzida em 2007, conforme orientao da
Deliberao CEE/MS n 8.144, de 9 de outubro de 2006, que, entre outras consideraes,
estabelecia:
Art. 8 Para a adequada organizao de que trata a presente Deliberao, as
instituies de ensino devero assegurar:
I organizao de turmas observando a idade e nvel de desenvolvimento
dos alunos;
II previso e proviso de recursos didtico-metodolgicos, bem como dos
mobilirios e equipamentos que resguardem a integridade fsica dos alunos,
apropriados a cada faixa etria;
III formao continuada equipe pedaggica, administrativa e docente.
(MATO GROSSO DO SUL, 2006, p.2).
Atendendo ao disposto na referida Resoluo, como parte das aes para adequao
nova durao do Ensino Fundamental, a SED/MS implementou, no ano seguinte, o Projeto
Alm das Palavras que, por meio do Instituto Alfa e Beto, no s fornecia os recursos
didtico-metodolgicos, como tambm a formao continuada equipe pedaggica,
administrativa e docente. Com o lanamento do PNAIC em esfera federal e o convite a
todos os Estados para aderir a este, Mato Grosso do Sul adota tambm essa poltica (mesmo
sendo o ltimo Estado da federao a faz-lo) e a formao de professores alfabetizadores no
Estado passa a ser direcionada para esses dois diferentes, e como veremos mais adiante,
antagnicos, programas.
34
35
pressupostos tericos do Alfa e Beto. E, a partir de 2013, com a entrada do PNAIC nesse
cenrio, novos conceitos foram agregados.
Percebemos, portanto, que a exemplo do que as pesquisas empricas aqui apresentadas
apontaram, houve mudanas significativas nas redes de ensino com a ampliao do Ensino
Fundamental de oito para nove anos e a consequente entrada mais precoce das crianas nas
classes de alfabetizao.
2.1.4 Aprendendo a criar: formao inicial e continuada
O tema formao, que tambm faz parte dos objetivos de estudo desta dissertao,
esteve presente, em maior ou menor proporo, em praticamente todos os trabalhos analisados
para esta pesquisa. Em 9 dissertaes, porm, o estudo foi voltado especificamente para os
processos formativos do professor alfabetizador ou do formador do professor alfabetizador.
Millani (2012), Helen Souza (2011), Lofti (2011), Fagundes (2011) e Suba (2012)
pesquisaram instituies de ensino superior, por meio da anlise do quadro de disciplinas,
ementas e estruturas curriculares, utilizando a entrevista semiestruturada como principal fonte
de coleta de dados dos sujeitos envolvidos na pesquisa. O principal objetivo em comum
dessas pesquisas foi a apreciao de como o curso presencial de Pedagogia tem preparado
seus futuros professores para atuar nos anos iniciais do Ensino Fundamental, considerando-se
os conhecimentos necessrios para a formao de um professor que trabalhe a alfabetizao
inicial na perspectiva do letramento e da pesquisa.
Como resultados finais, Millani (2012) indica trs categorias representativas dos
movimentos formativos das professoras, quais sejam: a) a aprendizagem docente reflexiva; b)
a atividade docente de estudo; c) a autonomia pedaggica. Para a autora, esses movimentos
so impulsionados pelos processos de autoformao e interformao e repercutem de forma
positiva na aprendizagem da docncia alfabetizadora.
Fernanda Souza (2011) relata que a Instituio de Ensino Superior pesquisada
apresentava relevante destaque na formao inicial do pedagogo como agente de letramento,
pois havia uma boa articulao entre teoria e prtica, garantida pela organizao da estrutura
curricular.
Em anlise divergente, Suba (2012) apontou insuficincia na formao dos pedagogos
como futuros formadores de leitores-escritores, em Londrina/PR. A anlise do programa de
disciplinas revelou, de acordo com a pesquisadora, a escassez do tempo de preparo do
36
professor alfabetizador, que relataram, nas entrevistas, sentir-se despreparados para esse
ensino.
Fagundes (2011) e Lofti (2011) no demonstraram, em seus resumos, o resultado da
pesquisa, e o texto completo de suas dissertaes no foi disponibilizado para a consulta no
Banco de Dados da Capes ou da biblioteca depositria.
Analisando essas pesquisas e procurando fazer um paralelo entre seus resultados e a
presente pesquisa, observamos mais uma vez que h a necessidade de oferecer estudos
especficos sobre aquisio da leitura e da escrita para o profissional que v atuar em classes
de alfabetizao. Esses estudos, na formao do pedagogo, devem incluir os conceitos de
alfabetizao, letramento e a utilizao de diferentes gneros e suportes textuais, alm da
necessidade de uma boa articulao entre a teoria e a prtica de ensino. No captulo 5,
retornaremos a esse assunto, apresentando as propostas dos especialistas para a efetivao de
uma formao inicial que contemple esses importantes aspectos de forma coerente e
sistemtica.
2.1.4.1 Como se tem dado continuidade formao dos artistas?
A formao continuada ou em servio garantida pela Lei n 9.394/96, tambm
conhecida como Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDBEN), conforme texto
do art. 62, pargrafo nico, includo pela Lei n 12.796:
Garantir-se- formao continuada para os profissionais a que se refere o
caput, no local de trabalho ou em instituies de educao bsica e superior,
incluindo cursos de educao profissional, cursos superiores de graduao
plena ou tecnolgicos e de ps-graduao. (BRASIL, 2013, n.p.)
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40
41
42
43
44
45
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QUANTIDAD
PESQUISA
Avaliao
AUTORES
17
em
24
Ensino
Fundamental de
nove anos
Mtodos
prticas
docentes/
identidade
profissional
Formao
servio
Polticas
pblicas
Total analisado
65
47
PERODICO
Cadernos de Pesquisa
Educao e Pesquisa
Educao e Sociedade
Pr-posies
Psicologia Reflexo e Crtica
Revista Brasileira de Educao
Revista Brasileira de Cincias Sociais
Alfa: Revista de Lingustica
Avaliao
Bordon: Revista de Pedagogia
Caderno de Estudos Lingusticos
Cincia e Educao
Dados
Educar em Revista
Educao e Realidade
Ensaio: Avaliao e Polticas Pblicas em Educao
Histria, Cincia, Sade
Machado de Assis em Linha
Paidia
Revista Brasileira de Histria
Revista de Estudos da Linguagem
Revista de Histria
Revista do Instituto de Estudos Brasileiros
Revista Lusfona de Educao
Tempo
Teresa
Varia Histria
Via Atlntica
TOTAL
QUANTIDADE
0
13
1
1
0
10
0
1
4
0
0
0
0
6
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0
0
0
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52
Dessa forma, tanto os impactos das avaliaes sistmicas (SILVA; CAFIEIRO, 2011)
como as mudanas nos livros didticos e na formao de professores (FONTAINE, 2010;
SILVA; BUS, 2013) foram objeto de estudo dos pesquisadores, e revelaram a necessidade de
maior investimento do Estado no preparo dos profissionais da Educao, incluindo aqui
professores, diretores, coordenadores pedaggicos, funcionrios administrativos (das
secretarias escolares e das Secretarias de Educao), enfim, todos aqueles que direta ou
indiretamente precisam saber lidar com o aluno do Ensino Fundamental ou prestar
informaes aos que so responsveis por eles.
2.2.4 As polticas pblicas: um novo desenho dos cenrios?
Tanto o Programa Alm das Palavras/Alfa e Beto quanto o Pacto Nacional pela
Alfabetizao na Idade Certa so, ou provm, de polticas pblicas adotadas como medidas de
melhoria da educao escolar. So muitos os autores/pesquisadores que vm, ao longo dos
anos, tratando desse tema complexo, portanto seria difcil ou invivel citar todos neste
trabalho. Assim, nos limitamos a analisar apenas os autores que publicaram artigos, a partir de
2007, em peridicos classificados como A1 pela Capes, a exemplo do que vem sendo feito
desde o incio desta sesso.
De acordo com Mortatti, a expresso polticas pblicas remete ao "conjunto de
aes coletivas voltadas para a garantia dos direitos sociais, configurando um compromisso
pblico que visa dar conta de determinada demanda, em diversas reas. (MORTATTI, 2010,
p. 329.).
As polticas aplicadas rea educativa tm sido analisadas de acordo com sua relao
com os modos de gerir os processos formativos dos professores, revelando muitas vezes a
fragilizao das instituies e os desafios propostos gesto escolar (SILVA; BUSNELLO;
PEZENATTO, 2013), alm de expor questes externas, como a regulao e a avaliao pelo
Estado, e a viso da formao como reciclagem ou treinamento, inspirada no tecnicismo
(BRZEZINSKI, 2008).
Os autores expem que apesar do discurso oficial defender uma educao integral, na
prtica o que tem sido percebido a valorizao de uma espcie de reforo escolar, usado
como medida paliativa que impede o aprofundamento dos debates acerca das melhorias
pedaggicas (PENTEADO, 2014). Assim, ao adotar um programa de interveno pedaggica,
como o caso de Mato Grosso do Sul, busca-se resolver pontualmente e de forma aligeirada
problemas que possuem razes mais profundas, transferindo para o professor, muitas vezes, a
responsabilidade pelo fracasso do sistema escolar pblico (BRZEZINSKI, 2008).
53
Um ponto de debate pode ser, por exemplo, o fato de que apesar de constar no art. 67
da LDB o direito licena para estudo, o Estado no vem cumprindo sua parte no [...]
atendimento ao direito de licena remunerada quele que ingressa em uma formao
continuada [...], principalmente em nvel de ps-graduao, de forma a garantir que a
formao faa parte de [...] um processo coletivo, integrado aos projetos institucionais.
(BRZEZINSKI, 2008, p. 1148).
Cria-se, assim, quase que um crculo vicioso: o Estado no investe na qualidade
profissional, seja na adequao dos currculos das universidades que cuidam da formao
inicial desse professor, seja na oferta de oportunidades de qualificao profissional e, em
contrapartida, promove uma imagem social que atribui ao professor a falncia da educao.
Uma das consequncias desse paradigma a difuso de um discurso que indica como
a sada melhor e mais eficiente para a resoluo dos problemas educacionais e para a melhoria
da qualidade na educao a formao de parcerias entre rgos pblicos e entidades nogovernamentais, como se os problemas e as prioridades educacionais fossem passveis de
serem submetidos lgica econmica, ou de mercado (MARIN; PENNA, 2012). Esse foi o
discurso utilizado em Mato Grosso do Sul ao impor, como soluo para as deficincias
evidenciadas pelas avaliaes externas, um modelo de gesto e interveno pedaggica
pensada a partir do que Marin e Penna (2012) classificam como lgica neoliberal. Os
autores alertam ainda que necessrio [...] ir s escolas para compreender os efeitos
produzidos por essas aes na dinmica escolar e no trabalho do professor, denunciando o
que chamam de [...] incapacidade das redes de ensino para o exerccio de certas funes.
(MARIN; PENNA, 2012, p. 115).
Ao exercer o controle da suposta qualidade em educao, por meio da adoo de
propostas curriculares que normatizam as prticas em sala de aula, impondo modelos de
atuao, o Estado refora a [...] separao entre execuo e concepo e a imagem do
professor como cumpridor de tarefas, formado para [...] saber acompanhar um guia
didtico, diminuindo assim [...] a condio de deciso e opo dos professores. (MARIN;
PENNA, 2012, p. 126).
Marli Andr (2013), escrevendo sobre um estudo em que ela e outros autores
realizaram um mapeamento das polticas voltadas aos docentes no Brasil (GATTI;
BARRETO; ANDR, 2011), por iniciativa da Unesco e do MEC, apresenta em sua pesquisa a
anlise de especialistas de grande renome, como Imbernn (2006) por exemplo, sobre as
polticas voltadas aos docentes no contexto europeu. Em seus estudos, tais especialistas
apontam concluses muito semelhantes ao que observado no Brasil, quais sejam: a) uma
54
55
Andr (2013, p.48) ressalta ainda que na maioria dos Estados e municpios as polticas
de formao so colocadas em prtica na forma de [...] oficinas, palestras, cursos de curta e
longa durao, presenciais e a distncia, voltados, em geral, para um professor genrico, sem
um acompanhamento dos efeitos dessas aes na escola e na sala de aula. Desta forma, a fim
de evitar equvocos flagrantes como os que observamos em nosso Estado, h um consenso
entre as pesquisas sobre polticas pblicas voltadas para a educao, qual seja: para conseguir
o engajamento dos professores, faz-se necessrio que estes atribuam sentido e significado s
formaes, cabendo [...] aos rgos gestores fazer com que essas proposies se
transformem em medidas efetivas. (ANDR, 2013, p. 48).
2.2.5 As prticas, os mtodos e a identidade docente
As questes levantadas no fim da subseo anterior evidenciam um dos aspectos
importantes que devem ser levados em considerao nas pesquisas sobre a alfabetizao, a
saber: a questo das prticas docentes e dos mtodos de alfabetizao.
56
57
apenas como reproduo de modelos ou propostas, antes, pauta-se pela originalidade. Dessa
forma, torna-se necessrio realizar mais pesquisas que contemplem as prticas docentes, no
para simplesmente avali-las ou formar juzos de valor, mas a fim de entender e compreender
quais processos ou conhecimentos tornou possvel a manifestao desses aspectos originais
(SOUZA; ZIBETTE, 2010).
Quando se trata de prticas alfabetizadoras, alguns conceitos podem se revelar mais
importantes que outros, a depender da matriz terica que se adote. Oliveira (2010a), o j
mencionado diretor do Instituto Alfa e Beto, no artigo "Cartilhas de alfabetizao: a
redescoberta do Cdigo Alfabtico", em um estudo analtico das cartilhas brasileiras usadas
na atualidade, privilegia a busca por atividades que estabeleam relaes entre fonemas e
grafemas e que desenvolvam o que chama de fluncia em leitura. Tece, ento, vrias crticas
aos materiais didticos que no esto em consonncia com os conceitos defendidos pela
Cincia Cognitiva da Leitura.
Sabe-se que, na realidade educativa do Brasil, o livro didtico apresenta uma
associao direta com a formao e a atuao dos professores (HORIKAWA; JADILIN,
2010), chegando at ao que Silva (2012) chama de fetichizao do livro didtico, alertando,
dessa forma, que a nfase desmedida no livro, que deveria ser um apoio, ou uma ferramenta
pedaggica, pode ofuscar outras discusses sobre condies de trabalho, formao e
aprendizado de professores e alunos.
Em Mato Grosso do Sul, a questo do livro didtico gera ainda outras preocupaes e
controvrsias, uma vez que recebemos os livros didticos do PNLD e os livros/cartilhas do
Alfa e Beto e, no que se refere lngua portuguesa principalmente, os livros escolhidos pelos
professores e os recebidos pelo Programa guardam diferenas importantes em sua abordagem
terica. Alm disso, cria-se certo embate entre pais e professores. Alguns pais cobram a
utilizao de todos os livros recebidos por seus filhos, sendo que so dois livros texto de
portugus, dois livros de caligrafia, dois livros texto de matemtica, um livro de histria, um
de geografia e um de cincias. Outros pais reclamam da quantidade de livros, que se
transformam em um grande peso na mochila dos seus filhos. Os professores, por sua vez, se
desdobram para conseguir dar ateno a todo esse material, e ainda ter tempo suficiente para
trabalhar outros aspectos, no tratados nos livros didticos, que considerem importantes e que
aparecem em seus planejamentos.
58
59
60
61
62
Comigo, Agenda do Professor3, alm dos livros para o professor ABC do Alfabetizador,
Alfabetizao de Crianas e Adultos: novos parmetros e Aprender e Ensinar, todos de
autoria de Joo Batista Arajo e Oliveira (diretor-presidente do Instituto Alfa e Beto), com ou
sem parceria com outros autores.
Declara o documento elaborado pela SED/MS:
O Programa Alm das Palavras fundamenta o componente curricular da
Lngua Portuguesa para a Alfabetizao, 1 e 2 anos do ensino fundamental,
no material didtico da Alfa Educativa, ALFA E BETO, Alfabetizao
pelo Mtodo Metafnico e do 3 ao 5 ano na Coleo ABCD da mesma
editora. (MATO GROSSO DO SUL, 2012a, p.20).
63
64
65
Ou ainda:
Para aprender a ler, ou seja, para identificar automaticamente uma palavra,
preciso primeiro aprender a decodificar, ou seja, estabelecer as relaes entre
as letras e os fonemas (ou sons) que elas representam. somente atravs da
decodificao que o leitor adquire competncias que lhe permitem ler
qualquer palavra sem ajuda. (OLIVEIRA; CHADWICK, 2008, p.162).
66
67
68
Essa tarefa complexa, tratada como pr-requisito pelo Programa Alfa e Beto, produz
algumas situaes constrangedoras, quando nem as crianas, e nem mesmo a professora,
conseguem repetir o tal barulho da consoante. Constatei essa realidade na escola em que
69
atuo, tanto em alunos como em professores, semelhante ao relatado por Carvalho e Santos em
pesquisa realizada em Itabaiana/SE:
Como o programa trabalha a conscincia fonmica, pudemos observar um
menino com problema de dico que sentia muita dificuldade em pronunciar
o som das letras, afetando, at mesmo, na escrita das palavras. Numa
atividade de ditado observou-se que a palavra piada foi grafada como piaca.
Pedimos que ele falasse as palavras girafa, casa, fada e macaco, ele
pronunciou da seguinte forma respectivamente: girata, tasa, tada e matato.
A educadora sente dificuldade para alfabetizar esse aluno diante do contexto
do mtodo fnico. Como o aluno tem problemas na articulao dos sons e
no consegue transferir esses conhecimentos para o domnio do cdigo
escrito, como propor atividades desarticuladas dos sons que o aluno no
consegue produzir? (CARVALHO; SANTOS, 2009, p.9, grifo dos
autores).
70
A recomendao de que, pelo menos uma vez por ms, o professor dever tomar a
leitura, usando para isto um minilivro que o aluno nunca leu expressa bem o que
Mizukami (1986) define como didtica tradicional. Segundo a autora, [...] a didtica
tradicional quase que poderia ser resumida, pois, em 'dar a lio' e em 'tomar a lio'.
(MIZUKAMI, 1986, p.15).
71
72
mostram que necessrio identificar uma palavra pelo menos quatro ou cinco vezes para que
ela fique registrada na memria de curto prazo, alm de desenvolver a fluncia oral na
lngua padro. (OLIVEIRA, 2004, p.74).
Observamos uma perspectiva diferente no tratamento da memria em Smith (1999).
Para esse autor, a memria apresenta possibilidades e problemas. O problema seria a
sobrecarga que a memria de curto prazo sofre quando o leitor empreende uma tentativa de
identificao das letras individualmente ou mesmo de palavras descontextualizadas. Mas, se
as palavras formarem uma frase com significado, no mnimo uma dzia poder ser lembrada
sem erro algum. (SMITH, 1999, p.43).
Em outros termos, para o autor do Programa Alfa e Beto de alfabetizao, o
conhecimento vindo das descobertas da neurocincia, de que a capacidade da nossa memria
de curto prazo de seis ou sete itens, implica em deixar de lado a leitura com compreenso
em favor da decodificao. Para Smith, esse conhecimento implica em oferecer s crianas
oportunidades de leitura significativa, para que no se fixem em seis ou sete letras, o que
favoreceria o que o autor chama de viso tnel, quando, ao se concentrar em poucos itens
sem significao, como na tentativa de decodificar, o aluno deixa de ver, por assim dizer, o
que est ao redor, o contexto de informaes que auxiliam a compreenso. Smith assim
argumenta:
Frequentemente espera-se que as crianas aprendam a ler com um material
que no faz sentido para elas. Alguns produtores de matrias de ensino ainda
se vangloriam do fato de que seus produtos so sem sentido, j que isso inibe
as crianas de cometer a suposta ofensa de adivinhar. Mas tudo o que a
falta de sentido faz e pode causar viso tnel e um impasse na memria de
curto prazo. (SMITH, 1999, p.43).
Para Oliveira (2004, p.29), o aluno que [...] passa a tentar adivinhar as palavras perde
a oportunidade ou retarda a aprendizagem das tcnicas de decodificao essenciais para
promover a autonomia na leitura. Ao passo que Smith (1999, p. 130) argumenta a favor da
previso, palavra que o autor prefere a adivinhao, por esta ter [...] uma conotao negativa
para muitos professores e pais e estar [...] associada ao comportamento aleatrio e
impensado ou [...] s tentativas de alcanar algo sem o devido esforo. Para Smith, a
previso uma atividade hbil, que permite ao leitor se utilizar do conhecimento prvio para
antecipar a identificao de palavras desconhecidas, num contexto significativo. Interessante
o exemplo dado pelo autor para comprovar essa situao:
73
Muitos dos erros aparentes cometidos pelas crianas durante a leitura em voz
alta no so erros de sentido. Ao contrrio, eles refletem uma incapacidade
de realizar uma tarefa adicional ao mesmo tempo em que lem procura de
sentido [...] no incomum que um leitor iniciante ou experiente leia em
voz alta uma frase como Ela volta j como Ela j volta, ou Ele no tem
dinheiro algum como Ele no tem nenhum dinheiro. O leitor est
entendendo o significado do texto e colocando-o em uma linguagem familiar
[...]. (SMITH, 1999, p.130).
Citamos os estudos de Smith (1999) no para defender um modelo descendente (topdown) de compreenso leitora, mas para demonstrar como o mesmo conhecimento, ou seja, as
descobertas da neurocincia sobre a memria de curto prazo, pode significar abordagens
pedaggicas diferentes, dependendo da concepo terica por trs das aes. No ensino
tradicional, preserva-se a memorizao como instrumento de aprendizagem, uma vez que, ao
decorar algumas palavras, o aluno treinaria a decodificao sem se apoiar no contexto. Essa
prtica se justificaria, para o Programa, porque um bom leitor aquele que depende menos de
elementos do contexto para realizar a leitura.
Os estudos de Charles Perfetti (1999), por outro lado, demonstraram que so os alunos
com mais dificuldade em processar as palavras que recorrem com maior frequncia ao
contexto para compreender o que leem, utilizando os conhecimentos prvios de diferentes
gneros textuais e formas de produo de texto escrito com os quais teve contato. Negar que
as crianas, mesmo antes de serem alfabetizadas, podem desenvolver esses conhecimentos,
limitando-se a oferecer textos decodificveis em cartilhas, demonstra [...] uma imagem
empobrecida da criana que aprende: a reduzimos a um par de olhos, um par de ouvidos, uma
mo que pega um instrumento para marcar e uma aparelho fonador que emite sons,
desconsiderando que [...] atrs disso h um sujeito cognoscente, algum que pensa, que
constri interpretaes, que age no real para faz-lo seu." (FERREIRO, 1985, p.97).
Dessa forma, para entender como se d a compreenso leitora por parte das crianas,
importante considerar "[] duas perspectivas: do ponto de vista do sistema de escrita que
fornece as unidades de leitura e do ponto de vista dos processos cognitivos que resultam em
leitura4 (PERFETTI, 1999, p. 168, traduo nossa). Seja leitor iniciante ou leitor proficiente,
ambos se beneficiaro de um ensino que no se baseie em textos produzidos artificialmente
com o nico objetivo de ensinar as relaes entre fonemas e grafemas, antes, que oferea
diferentes oportunidades de colocar em funcionamento todo o seu potencial cognitivo lendo
4 No original, em ingls: [...] two perspectives - from the view of the writing system that provides the
units of reading and from the view of the cognitive processes that result in reading.
74
(ou ouvindo) bons textos e produzindo escritas (com ou sem ajuda de um escriba) que sejam
significativas, que faam sentido. Destarte:
A leitura de histrias , com efeito, uma ocasio potencialmente rica para o
desenvolvimento do vocabulrio, em virtude do fato de as histrias conterem
pistas contextuais que ajudam a decifrar o sentido de palavras desconhecidas
(Ex.: Nagy & Herman, 1988). Somadas s ilustraes dos livros e s pistas
no lingusticas e para-lingusticas usadas pelo leitor, por exemplo, gestos e
expresses faciais, entonao e ritmo as pistas contextuais constituem uma
fonte poderosa de informaes sobre o significado de palavras
desconhecidas. Embora essas pistas paream ser eficientes em si mesmas, h
evidncia (Whitehurst & cols., 1988) de que a participao ativa da criana
na construo do significado um aspecto importante dos programas de
leitura de histrias. (FONTES; CARDOSO-MATINS, 2004, p. 83).
Nota-se a semelhana do argumento utilizado por Oliveira (2004) com o descrito por
Loureno Filho, justificando a utilizao dos Testes ABC:
Maturao para qu? [...]
a) para a coordenao de movimentos em geral e, particularmente, da
coordenao visual-motriz e auditivo-motriz, que condiciona a conduta da
cpia de figuras e a capacidade de prolao;
b) da que condicione a resistncia tendncia de inverso na cpia dessas
figuras, e resistncia ecolalia na linguagem oral;
c) da que permita resistncia fadiga e, assim, um mnimo de ateno
dirigida;
d) da que facilite a memorizao visual e auditiva, para figuras, palavras ou
frases, ponto inicial de todos os processos didticos correntes na
aprendizagem das tcnicas consideradas. (LOURENO FILHO, 1952, p.
48).
75
Sob a gide de treinar o traado da letra para deix-la legvel, so propostos exerccios
que trabalham, na realidade, a coordenao motora e visual-motora, por meio de atividades
nas quais o aluno deve seguir uma linha tracejada ou copiar modelos. A lgica desse tipo de
treinamento a de que necessrio normalizar a escrita. Se, poca dos testes ABC, o
objetivo era dar um aval de cientificidade educao, apoiada pelos estudos da psicologia,
hoje, baseado em descobertas da Cincia Cognitiva, retoma-se conceitos arcaicos revestidos
por um discurso de modernidade.
A concepo de alfabetizao que norteia as aes pedaggicas o que realmente deve
ser considerado ao analisar a adequao ou no de um modelo de atividade. Priorizar o
treinamento da caligrafia, por meio da cpia de modelos ou do traado de linhas e curvas sem
significado, reflete o carter tcnico dado escrita pelo IAB. Em anlise divergente, Ferreiro
e Teberosky (1985) afirmam:
Da mesma maneira, pensamos que a evoluo da escrita que ns
evidenciamos no depende da maior ou menor destreza grfica da criana,
de sua maior ou menor possibilidade de desenhar letras como as nossas, mas
sim do que chamamos seu nvel de conceitualizao sobre a escrita, quer
dizer, o conjunto de hipteses exploradas para compreender este objeto. [...]
ainda que a caligrafia tenha deixado de ser uma disciplina escolar, o esprito
que preside a escrita o mesmo: cpia fiel de um modelo imutvel,
simplesmente com uma maior margem de para aceitar a fidelidade da cpia.
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p.275).
76
Voltando lista dos proscritos reabilitados pelo IAB Alm das Palavras, temos o
ditado e a cpia como atividades pedaggicas consideradas chaves para o ensino da escrita.
Oliveira (2004, p.77) define o ditado como um [...] exerccio de heurstica, de soluo de
problemas, de metacognio e como uma transcrio fonografmica, da palavra letra.
Sabemos, no entanto, que o ditado faz parte de um arcabouo de procedimentos
tradicionalmente utilizados pelos professores com o objetivo de avaliar erros de ortografia. Se
essa avaliao pode ser considerada vlida quando o aluno encontra-se na fase alfabtica, ou
77
seja, quando j entendeu a notao do sistema de escrita e est apto a progredir para uma
escrita ortogrfica, torna-se completamente desprovida de sentido quando o aluno est em
fase de aprendizagem da lngua escrita, formulando suas hipteses. Cagliari argumenta que:
A escrita uma atividade nova para a criana, e por isso mesmo requer um
tratamento especial na alfabetizao. Espera-se que a criana, no final de um
ano de alfabetizao, saiba escrever e no que saiba escrever tudo e com
correo absoluta. Esse um ponto importante e que relega a um plano
secundrio a preocupao com a ortografia durante o primeiro ano escolar .
(CAGLIARI, 2009, p.82).
78
79
Essa opo do Instituto Alfa e Beto (IAB) por utilizar textos artificiais e at mesmo
palavras ainda no inventadas, como possvel observar no exemplo acima (CHIFO, IXO,
CHUMA, LOXE, AIXU, CHAXILA, CHIA, CHIA, XULIMA e LEXIMA) e em todas as
lies da cartilha, consequncia da concepo de alfabetizao que perpassa as aes do
IAB, o qual concebe uma separao entre a alfabetizao e o letramento, processos que, nesta
perspectiva, no deveriam ser trabalhados ao mesmo tempo, sob pena de atrapalhar o ensino
da leitura e escrita, ou melhor, da decodificao e codificao.
Para Oliveira (2004, p.70), [...] afirmar que s se pode alfabetizar usando os
chamados textos autnticos ou reais uma mera opinio, que contraria slidos fundamentos
cientficos.
interessante o fato de que, em seus documentos oficiais, a prpria SED/MS discorda
dessa anlise. Por exemplo, os Referenciais Curriculares para alfabetizao afirmam que:
Alfabetizar letrando um desafio permanente; implica refletir sobre as
prticas e as concepes adotadas ao iniciar os alunos no universo da escrita
e da leitura. Alfabetizar e letrar so duas aes distintas, mas no so
80
Oliveira (2004, p.33-34) assegura: [...] aviso aos navegantes: somente no Brasil
algumas pessoas ainda confundem os conceitos de alfabetizao e letramento, afirmando
ainda que a confuso se instalou particularmente a partir dos PCNs e documentos dele
81
82
Fonte:
Oliveira
(2009)
Em sua pesquisa sobre como a criana aprende a ler, Ferreiro e Teberosky (1985)
identificaram algumas caractersticas formais que, na perspectiva da criana, um texto deve
possuir para permitir um ato de leitura, relacionadas variedade e quantidade suficiente de
caracteres.
Que uma criana no saiba ainda ler, no obstculo para que tenha ideias
bem precisas sobre as caractersticas que deve possuir um texto escrito para
que permita um ato de leitura. [...] a presena das letras por si s no
condio suficiente para algo ser lido; se h muito poucas letras, ou se h um
nmero suficiente porm da mesma letra repetida, tampouco se pode ler .
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1985, p.39).
Assim, livros com textos escritos com frases decodificveis, como as dos minilivros
(OLIVEIRA, 2009) e a grande maioria dos textos da cartilha Aprender a Ler (OLIVEIRA;
CASTRO, 2011) se forem analisados com base nos critrios descobertos por Ferreiro e
Teberosky oferecem mais dificuldades do que facilidades para um leitor iniciante. Alis, os
textos no oferecem facilidade de leitura nem para leitores experientes, pois as construes de
frases se assemelham muito aos trava-lnguas, como pode ser observado:
83
3.4 Como a tcnica ensinada: a formao continuada nos moldes do Programa Alm
das Palavras
84
Um dos objetivos do Programa Alm das Palavras elencados pela SED/MS [...]
subsidiar a prtica docente, por meio de capacitao e assessoramento aos professores.
(MATO GROSSO DO SUL, 2012a, p.15). O mesmo documento expe os pressupostos
orientadores do Programa em relao formao continuada, quais sejam:
-nfase no resgate da autoestima e identidade profissional;
-Materiais de ensino e de aprendizagem que no pretendem esgotar
contedos e sim abrir discusses;
-Convico de que as informaes devem ser analisadas e discutidas;
-Leituras diversificadas que se ampliam para mltiplas possibilidades de
interpretao e reflexo;
-Comunicao didtica bi ou multidirecional;
-Recusa de respostas nicas para situaes de ensino e aprendizagem;
-Busca de produes prprias desenvolvidas pelos cursistas;
-Materiais de formao didtica, metodolgica e estudos diversificados sobre
aprendizagem estudantil. (MATO GROSSO DO SUL, 2012a, p.18).
85
Sabendo que nenhuma prtica politicamente neutra, dar vez e voz ao professor
alfabetizador para que este repense as suas prticas pedaggicas envolve muni-lo de aportes
tericos variados, de autonomia intelectual para manifestar suas interpretaes de mundo e de
educao.
O que se percebe na realidade do dia-a-dia escolar que o professor carece de
autonomia. Vejamos: Ele possui um cronograma a ser seguido, que inclui o tempo destinado a
cada lio, as letras ou fonemas que devem ser ensinados em cada perodo e a quantidade de
pginas dos livros didticos a serem utilizadas quinzenal ou semanalmente. Tudo isso
controlado por planilhas preenchidas e enviadas Secretaria de Estado de Educao, antes
pelos coordenadores de rea e at o presente momento sem nenhum outro substituto para
alimentar os dados exigidos pela Secretaria. Neste ano letivo, juntamente com o material
didtico, as escolas receberam os testes padronizados do programa, e no foi revogada a
Resoluo SED/MS n 2.597, de 14 de dezembro de 2012, que discorre sobre o Sistema de
Gesto Integrada:
5Um exemplo, retirado do Manual de Conscincia Fonmica, ilustra esse fato. Embora se refira ao captulo 4,
fonema - /m/, poderia ter-se retirado qualquer parte do livro como exemplo, uma vez que a estrutura do manual
fixa e segue sempre os mesmos contornos:IDENTIFICANDO O SOM: - Mostre a cartela com a figura do
MACACO e diga: PROFESSOR: MACACO. A palavra MACACO comea com o som /m/.
Mostrando a cartela com a letra M diga: /m/. A letra M representa o som /m/, /m/acaco.-Agora, vamos aprender
outra frase para lembrar do som /m/.Mame mima muito os meninos mas mima muito mais as meninas.
Repita a frase, exagere no som do /m/ inicial. - Deixe os alunos irem repetindo com voc.
Pergunte aos alunos em que palavra eles ouvem o som /m/ no incio. Fale uma palavra de cada vez para eles
poderem responder. (OLIVEIRA, 2010b, p.55, grifo nosso).
86
[...]
II. inserir dados e atualizar o Sistema de Gesto de Segurana Integrada GSI, visando ao desenvolvimento e funcionalidade do 1 ao 5 ano do
Programa Alm das Palavras, do 6 ao 9 ano do ensino fundamental e do
ensino mdio ofertados na escola, sob acompanhamento da coordenao
pedaggica e direo;
[...]
X. coletar dados e informaes sobre as aes desenvolvidas na escola, no
que tange aos componentes curriculares/disciplinas de Lngua Portuguesa e
de Matemtica e encaminh-los SED, quando solicitado, respeitando os
prazos estabelecidos; [...] (MATO GROSSO DO SUL, 2012e, p.3).
87
88
significativa,
pois
gera
[...]
outra
perspectiva
na
relao
89
90
indica que tenha entendido o que escreveu ao fazer as substituies. Somente demonstram que
compreendeu um cdigo e fez as trocas corretamente.
Figura 12 - Atividade utilizando cdigos
91
92
de subnveis e explicaes complexas sobre estes, assim como de comparativos entre crianas
de classes sociais diferentes, crianas escolarizadas e pr-escolares, como pode ser observado
nas figuras 13, 14 e 15.
93
A reduo da teoria difundida a partir dos estudos de Ferreiro e Teberosky (1985) aos
quatro famosos nveis de escrita pode ser explicada pela [...] relativamente baixa tiragem
total do livro e pelo [...] fato de que, para a divulgao do pensamento construtivista de
Emlia Ferreiro sobre alfabetizao, por parte dos rgos oficiais, circulam textos contendo
apropriaes que se fazem das ideias da pesquisadora ou mesmo snteses de textos seus.
(MELLO, 2007, p. 60). A figura 16 demonstra o que Mrcia Cristina de Oliveira Mello chama
de baixa tiragem da obra de Emlia Ferreiro e Ana Teberosky:
94
10Romance do escritor russo Vladimir Nabokov. Tiragem do exemplar no Brasil, para distribuio
gratuita para assinantes e leitores da Folha e do jornal "O Globo". Notcia disponvel em:
<http://biblioteca.folha.com.br/1/imprensa.> Acesso em: 6 set. 2014.
95
bem poderia servir para refletirmos sobre as mudanas conceituais pelas quais as professoras
precisam passar, a fim de mudarem suas prticas:
Precisamos ter conscincia de que uma criana pr-silbica no pode se
tornar alfabtica porque lhe damos uma aulinha, explicando que as letras
notam os fonemas ou sonzinhos das palavras. No porque os adultos criam
explicaes sobre abraos de letras amiguinhas que a criana vai,
magicamente, da noite para o dia, mudar sua maneira de pensar. Para isso,
ela precisa ser desafiada, ser convidada a refletir sobre as palavras,
observando no interior das mesmas, as partes orais e escritas. (BRASIL,
2012e, p.17).
96
esse conhecimento pode ajudar aos professores e professoras a diminuir os ndices de fracasso
no ensino escolar da leitura e da escrita.
Encarar a aprendizagem da lngua escrita como um direito, a ser a assegurado durante o
chamado ciclo de alfabetizao, impe-nos uma prtica pedaggica que envolva mais do que
classificar os aprendizes segundo seus nveis de escrita. Estabelece, inclusive, que
[...] ter alcanado uma hiptese alfabtica no sinnimo de estar
alfabetizado. Se j compreendeu como o SEA funciona, a criana tem agora
que dominar as convenes som-grafia de nossa lngua. Esse um
aprendizado no conceitual, que vai requerer um ensino sistemtico e
repetio, de modo a produzir automatismos. (BRASIL, 2012e, p. 16)
Dessa forma, torna-se totalmente sem sentido associar uma prtica docente pautada
numa matriz terica que considere descobertas como as da psicogentica da lngua escrita a
uma consequente e inevitvel falta de sistematizao no ensino. Segundo Morais (2012a, p.
76-78), embora o Brasil tenha assistido a uma m apropriao da teoria de Ferreiro e
Teberosky (1985) que provocou alguns problemas adicionais como [...] o abandono do
ensino sistemtico das correspondncias grafema-fonema, o descaso com a caligrafia e o no
ensino de ortografia, felizmente, segundo o autor, [...] esse tipo de distoro vem sendo
superado e nossos alunos j alfabetizados tm podido viver, agora de forma mais reflexiva e
com menos 'decoreba', um aprendizado sistemtico (MORAIS, 2012a, p. 79) da lngua
escrita em sua forma convencional.
possvel, de acordo com os autores/colaboradores do Pacto, conciliar o respeito ao
direito em ser alfabetizado, com prticas de ensino coerentes e sistematizadas. Basta ter claro
a diferenciao entre a fase inicial de apropriao do SEA, a qual ocorre em etapas sucessivas
de conceitualizao, onde no faz sentido a preocupao em evitar o erro, a nfase na cpia,
no ditado, na memorizao e na caligrafia; e a fase de consolidao da alfabetizao, que
carece exatamente de um tratamento sistemtico, repetitivo, das convenes som-grafia, que
pode incluir (por que no?) o ditado, a cpia, atividades de memorizao e caligrafia, desde
que contextualizadas e coerentes com prticas de letramento11.
3.5.1.1 A conscincia fonolgica entra nessa mistura?
A nfase do Alm das Palavras/Alfa e Beto no mtodo fnico, chamado em seus
manuais de conscincia fonmica, como se fossem sinnimos, pode dar a entender que uma
11Na prxima subseo definiremos o termo letramento e como este conceituado no PNAIC.
97
abordagem baseada em outra matriz terica iria prescindir de atividades que trabalhassem as
habilidades fonolgicas. Isso no acontece nos cadernos de formao do Pacto, que trata da
importncia do desenvolvimento da conscincia fonolgica, sem, porm [...] reduzir
conscincia fonolgica conscincia sobre os fonemas das palavras. (BRASIL, 2012e, p.22).
Dessa forma, o posicionamento do PNAIC sobre esse tema bem claro:
O fato de reconhecermos que algumas habilidades de conscincia fonolgica
so importantes para uma criana se alfabetizar no nos deve levar a adotar
uma viso simplista, segundo a qual a escrita seria um cdigo e a chave para
domin-la seria apenas o desenvolvimento da conscincia fonmica.
(BRASIL, 2012e, p. 23).
98
Alm do trabalho sistemtico com textos da tradio oral (parlendas, cantigas de roda,
quadrinhas, por exemplo) produtivo e recompensador trabalhar com jogos que desenvolvam
a conscincia fonolgica. Morais (2012a) cita como exemplo de jogos de alfabetizao o
conjunto elaborado pelo CEEL-UFPE e distribudo pelo MEC a todas as escolas pblicas do
Brasil. Quando trabalhvamos com classes de 1 ano, fizemos uso dessa caixa diversas vezes
e pudemos comprovar, na prtica, como as crianas conseguem refletir sobre a pauta sonora
das palavras quando nos utilizamos de situaes ldicas contextualizadas e bem planejadas,
como as representadas nas figuras 17, 18 e 19:
Figuras 17, 18 e 19 - Exemplos dos jogos produzidos pelo CELL-UFPE e distribudos pelo
MEC
99
100
Para que o aluno possa fazer tais indagaes sobre o texto lido ou ouvido por ele, fazse necessrio que esse texto oferea respostas a essas reflexes. Textos, como os j
101
demonstrados nesta pesquisa, utilizados no Programa Alm das Palavras, carecem de sentido
no sendo passveis, portanto, de serem compreendidos dentro das representaes sociais.
Talvez, por esse motivo, muitas vezes o sentido de letramento nos manuais do Alfa e Beto
misture-se com compreenso, causando a confuso conceitual de que o aluno s precisaria
compreender ou interpretar criticamente o que l ou o que lido para ele depois de
consolidado o processo de alfabetizao.
Para o MEC, o letramento e a alfabetizao revelam-se como demandas nucleares
dos anos iniciais. Assim, mesmo antes da implementao do PNAIC, as escolas vm
recebendo acervos complementares por meio do Programa Nacional do Livro Didtico
(PNLD), sendo esse acervo formado por livros de literatura infantil [...] destinados a articular
o letramento e a alfabetizao iniciais. (BRASIL, 2012c, p.13).
O compromisso maior desses Acervos com a curiosidade natural da
criana, assim como com o seu desejo de ler por conta prpria. [...]. Na
verdade, foram escritos para estimular e ajudar a formar os jovens leitores; e
a essas crianas de at oito anos que eles pretendem seduzir, informar,
divertir, convencer etc. Pensados para um convvio ntimo e cotidiano com
os alunos em sua prpria sala de aula, os acervos devem funcionar como
janelas, de onde o aluno da escola pblica poder ter uma viso
representativa do que a cultura da escrita lhe reserva de interessante.
(BRASIL, 2012c, p.23).
102
Estrelas12, no qual h uma tima coletnea de textos literrios, a maior parte do contato que os
alunos do Programa tm com textos so os livros produzidos para a aprendizagem de
determinado fonema, como os minilivros j citados nesta pesquisa. Os livros recebidos por
meio do Programa Acervos Complementares do MEC, no entanto, referem-se aos mesmos
exemplares encontrados pelos alunos nas livrarias, ou seja, so livros reais, aqueles a que as
crianas que possuem uma famlia com condies financeiras para compr-los tm acesso.
Assim, oferecida a oportunidade de os alunos das escolas pblicas conhecerem e adentrarem
o privilegiado mundo da cultura do escrito.
No restringir a leitura feita em sala de aula, assim como as produes escritas, a
textos artificiais e descontextualizados, faz parte do que se chama alfabetizar letrando, e que
sistematicamente recomendado nos cadernos de formao do Pacto, e antes dele, nas
formaes de professores promovidas pelo MEC.
3.5.2 Como ficou a tela? Avaliao da aprendizagem
Na concepo do PNAIC, a avaliao no se restringe verificao se o aluno se apropriou ou
no dos contedos ensinados na sala de aula, numa inteno classificatria. Antes, [...]
preciso avaliar o sistema de ensino, o currculo, a escola, o professor e os prprios processos
de avaliao. (BRASIL, 2012i, p.10). Isso implica admitir que possa haver falhas no
Programa que demandariam mudanas de rumo, seja na formao dos professores, na
implantao ou na forma de avaliao. Contrariamente, nos documentos do Programa Alfa e
Beto, a avaliao aplicada somente aos alunos, e com base em seus resultados se infere se a
deficincia se encontra no aluno (quando poucos se saem mal nos testes) ou do professor
(quando muitos alunos se saem mal). Quando se acredita que o problema est no aluno,
sugere-se que este seja encaminhado a profissionais como psiclogos, fonoaudilogos,
psiquiatras ou neurologistas. Se o problema est no professor, sugere-se que a coordenao
verifique se este est seguindo o mtodo e as instrues dos manuais fielmente. O Programa e
o seu mtodo, entretanto, no questionado ou avaliado pelo sistema.
Nos cadernos do Pacto, incentiva-se a realizar atividades diagnsticas para que se
consolide uma ao didtica consistente. Esse diagnstico, feito no incio do ano letivo,
serviria [...] para que o professor possa conhecer melhor os estudantes e reorganizar seu
12O livro possui 20 textos que incluem msicas, poemas, parlendas, entre outros. Consiste em um
exemplar, em tamanho gigante, que deve ser utilizado pelo professor em rodas de leitura. No
entanto, o planejamento dessa atividade tambm direcionado aprendizagem de determinado
fonema, sendo que no guia para o professor vem a indicao de qual dos textos do livro gigante Cho
de Estrelas deve ser lido em conjunto com as lies dos outros manuais didticos do Programa.
103
104
no entendimento do Pacto [...] necessrio adquirir autonomia, a criana deve ter condies
de ler e compreender textos de gneros diversos para atender a diferentes finalidades.
(BRASIL, 2012i, p.14). Assim,
[...] faz muita diferena se o professor acredita que a capacidade de ler se
adquire simplesmente memorizando as correspondncias entre grafemas e
fonemas e sendo capaz de oralizar textos ou se ele desenvolve uma prtica
pedaggica voltada para que a criana possa identificar marcadores de
diferentes gneros textuais (p.ex. o que compe uma receita de bolo),
associar o texto novo com outros j conhecidos, localizar informaes
presentes no texto, fazer inferncias a partir de indcios no explicitados, se
posicionar diante do que est escrito e associar o texto ao contexto
sociocomunicativo. (BRASIL, 2012g, p.14).
105
106
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Desta forma, nos moldes do Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade Certa, as
situaes formativas devem desafiar os professores a pensar suas prticas, buscar alternativas,
como sujeito inventivo e produtivo, construtor e reconstrutor de suas prticas e no mero [...]
reprodutor de orientaes oficiais (BRASIL, 2012d, p.20), de maneira que os professores
no sejam [...] repetidores em suas salas de aula daquilo que lhes foi aplicado na formao
para orientar a sua nova prtica (BRASIL, 2012d, p.27, grifo do autor), mas instigados a
refletir sobre inovaes que podero aprimorar o seu fazer pedaggico cotidiano.
Sabemos, entretanto, que ainda que partindo da mesma proposta do MEC, no h um
carter uniforme nas formaes do PNAIC realizadas em diferentes lugares, com diferentes
formadores, pois estes iro imprimir sua marca pessoal nas abordagens feitas durante o curso.
Assim, em Mato Grosso do Sul, h diferenas significativas na dinmica da formao feita
pela rede municipal (que no adota o Alm das Palavras) e na rede estadual (que convive com
os dois programas). Em uma das narrativas produzidas pelos professores nos Atelis
Biogrficos13, uma professora relata que nas formaes do Pacto das quais ela participou, pela
rede estadual de ensino, os formadores [...] repetiam o tempo todo: para continuar com o
Alm das Palavras. No para ficar vendo nveis de escrita, isso no existe. O mtodo do
Programa o que continua valendo. No para parar o Programa. (Prof. DI
CAVALCANTI14). Comparativamente, observamos uma abordagem menos prescritiva no
relato de outra professora, que por trabalhar tambm na rede municipal, havia iniciado sua
formao no PNAIC por essa rede:
Temos que ler muito. Eu achei que iam me dar tipo uma receitinha: Quando
o aluno est pr-silbico, aplique esta e esta atividade. Mas no foi assim.
13O prximo captulo apresentar os atelis biogrficos e o uso das narrativas de si, utilizadas nesta
dissertao como metodologia de pesquisa e de (auto)formao.
14Para preservar a identidade dos participantes do grupo focal, os professores escolheram como
pseudnimos nomes de artistas plsticos. No captulo 4, sero mais bem detalhados os procedimentos
dessas escolhas.
108
Percebemos que, apesar do material utilizado ser o mesmo, ou seja, os cadernos de formao
do PNAIC, disponibilizados pelo MEC, mudam-se os direcionamentos quando as concepes
de alfabetizao, letramento e formao de professores so diferentes. Os formadores, assim
como os professores, possuem saberes e conhecimentos que provocam reaes quanto ao
contedo abordado nas apostilas. Como bem aponta Artur Gomes de Morais:
Desta forma, entender a formao de professores numa perspectiva que exceda [...] a
delimitao oficial de objetivos que evidenciaram a qualidade da educao, definidos pelas
instituies formadoras, significa ultrapassar o [...] modelo de expert tcnico, considerando
que o professor deveria ter condies de se situar [...] diante de conflitos e responsabilidades
morais, diante da necessidade de encontrar uma resposta entre as exigncias administrativas,
os interesses da comunidade e as necessidades dos alunos. (CONTRERAS, 2002, p. 104).
Diante disso, encontramos nos cadernos de formao do Pacto, o alerta de que:
[...] a formao continuada necessita de uma ateno diferenciada por
envolver sentimentos e comportamentos profissionais e pessoais, como o
prazer e o desprazer em ser e estar docente. Desse modo, no considerar
alguns aspectos essenciais envolvidos nesse processo pode direcionar os
esforos destinados formao, justamente para o sentido contrrio, pois
trabalhar com os profissionais em servio , sobretudo, administrar
diferentes saberes e procedimentos que os levem a um novo pensar e fazer a
partir de diferentes processos, considerando os percursos individuais e
sociais. (BRASIL, 2012d, p. 12).
109
110
111
com uma boa fluncia16 o aluno estar apto a ler para aprender e poder ser oferecidos textos
com outras caractersticas, ou textos autnticos. (MATO GROSSO DO SUL, 2013, p.3).
A escrita trabalhada como uma habilidade mecnica, sendo desenvolvida por meio
de estratgias que valorizem [...] a postura ao se sentar, a posio do papel, formas corretas
de se pegar no lpis, ensinando os movimentos grosseiros mais amplos, movimentos mais
finos, o ensino das letras cursivas minsculas e maisculas. (MATO GROSSO DO SUL,
2013, p.3).
Tambm se ressalta a importncia de trabalhar [...] a fluncia no domnio ortogrfico
(transformar sons ou palavras orais em palavras escritas). Escrever palavras simples de forma
legvel e ortograficamente correta. E por fim, recomenda que [...] o Programa Alfa e Beto,
se aplicado e utilizado de forma adequada, ao final de um ano os estudantes sero capazes de
ler com fluncia e compreenso pelo menos 60 palavras por minuto. (MATO GROSSO DO
SUL, 2013, p.7).
A seguir, o documento da SED/MS elenca [...] pontos do PNAIC que corroboram
para importantes questes de ordem geral, envolvendo os Direitos de Aprendizagem, e
questes que necessitam de adaptaes relacionadas ao Programa Alm das Palavras. Esses
pontos so apresentados em forma de quadros comparativos (figuras 20 e 21) que
descreveriam as afinidades entre o PNAIC e o Alm das Palavras, no entanto j na primeira
linha de cada quadro comparativo, percebemos a principal diferena entre os dois conceitos.
Enquanto para o PNAIC [...] as letras notam a pauta sonora e no as caractersticas fsicas
ou funcionais dos referentes que substituem, para o Alfa e Beto/Alm das Palavras [...] o
aluno precisa traduzir em letras o que ele ouviu ou pensou. por isso que o alfabeto se chama
um cdigo: ele a transcrio de um sistema (sonoro) em outro (grfico). (MATO
GROSSO DO SUL, 2013, p.14, grifo nosso).
Colocando esses quadros lado a lado, para comprovar uma similaridade terica ou
conceitual entre os dois programas, a SED/MS acaba por evidenciar ainda mais as diferenas
entre eles.
112
113
Como pode ser observado, a nica adaptao feita foi o desmembramento das
correspondncias regulares diretas entre letras e fonemas, as quais na Ficha Avaliativa do
PNAIC aparecem todas juntas (P, B, T, D, F e V), e na Ficha Avaliativa do Programa Alm
das Palavras, separadas. fcil entender os motivos desse desmembramento, quando nos
lembramos que no Programa h o tempo certo e a ordem correta de apresentao do
alfabeto (ou dos fonemas), seguidos na Cartilha Aprender a Ler (OLIVEIRA, 2011), no
Manual da Conscincia Fonmica (OLIVEIRA, 2010c) e nos minilivros (OLIVEIRA, 2009).
Dessa forma, percebemos o esforo da SED/MS em homogeneizar a mistura PNAIC
e Alfa e Beto, embora sejam flagrantes as diferenas tericas entre os dois Programas, tanto
com relao aos conceitos de alfabetizao, letramento e avaliao da aprendizagem como
nos encaminhamentos e formas de realizar a formao de professores.
4 O CENRIO NA PERSPECTIVA DOS ATORES: COMO OS PROFESSORES
PERCEBEM ESSA COMPOSIO?
114
115
(inicial ou continuada) que lhe forneceu suporte suficiente para tanto; 2) se esse suporte no
foi fornecido, o professor se encontrar numa posio ainda mais fragilizada, pois no ter
condies de oferecer resistncia s imposies institucionais, mesmo que contraditrias.
Dessa forma, procuramos realizar uma pesquisa que procurasse os saberes docentes
sobre alfabetizao e suas opinies sobre as polticas pblicas adotadas, no com a finalidade
de julgar o que sabe e o que no sabe o professor, mas com o intuito de oferecer escuta voz
desse professor, muitas vezes expropriado das informaes e conhecimentos a que tem direito.
Para tanto, escolhemos para a coleta dos dados da pesquisa dois instrumentos
diferentes aplicados a grupos distintos, quais sejam: um questionrio composto por perguntas
fechadas; e as narrativas de si, colhidas durante os atelis biogrficos. A coleta dos dados se
deu ento em dois momentos distintos.
No primeiro momento, para uma pesquisa mais generalizada, recorremos a um
questionrio fechado, aplicado em 13 das 46 escolas estaduais que oferecem as sries iniciais
do Ensino Fundamental em Campo Grande/MS. Ressaltamos que essas foram as escolas que
retornaram os questionrios enviados e que ainda mantm classes de alfabetizao, devido ao
fato de que muitas escolas estaduais esto acabando gradativamente com essas turmas,
dedicando-se mais oferta do Ensino Mdio e das sries finais do Ensino Fundamental. Ao
todo, foram analisados 34 questionrios, respondidos pelos professores regentes do 1, 2 ou
3 anos. Em algumas escolas, houve a recusa de professores em participar da pesquisa, o que
foi respeitado. Na maioria, os coordenadores disseram no ter condies de responder s
perguntas, por no haver participado nem da formao do Alm das Palavras nem da
formao do Pacto. Como apenas dois coordenadores responderam ao questionrio, no foi
criada uma categoria especfica para suas respostas, sendo, portanto, computadas em conjunto
com as dos professores.
Um segundo momento da pesquisa foi realizado com um grupo de 12 professores de
uma escola estadual, a qual denominaremos Escola X, utilizando como instrumento de
pesquisa, e tambm de (auto)formao, os atelis biogrficos. Com base nas ideias propostas
por Delory-Momberger, antes de explanar melhor o que so e como se constituram esses
atelis, convm distinguir claramente o que eles no so:
[...]nem um dispositivo de desenvolvimento pessoal nem, muito menos,
uma ao com fins teraputicos. Os procedimentos de objetivao das
produes individuais (narrativas orais ou escritas) e o carter coletivo do
trabalho so garantias da distncia crtica e da dimenso de socializao
inerentes a um procedimento de formao. (DELORY-MOMBERGER,
2008, p.102).
116
117
fora, unindo-se as trs dimenses da temporalidade (passado, presente e futuro) seja possvel
emergir um projeto pessoal.
Nesta pesquisa, entretanto, optou-se por no tomar as etapas propostas por DeloryMomberger como um roteiro ou receita a ser aplicada fielmente, mas realizar as adaptaes
necessrias tendo mais em vista o conceito presente na abordagem dos atelis. Assim, em vez
de realizarmos seis encontros, seguindo a sequncia de atividades ou de passos propostos pela
autora, realizamos trs encontros, pensados a partir de uma dinmica que ligasse as trs
dimenses da temporalidade (passado, presente e futuro).
O objetivo final foi o de ir alm da coleta de dados para a pesquisa, permitindo que
houvesse espao para uma reflexo dos professores sobre as suas aes e escolhas
metodolgicas, e sobre as aes e escolhas metodolgicas das polticas de formao de
professores adotadas pela Secretaria de Educao. Esse posicionamento implica renunciar ao
que Chaves (2006) chama de viso epistemolgica realista, de modo que:
Lidar com memrias, narrativas implicou admitir que a realidade tem
muitas verses e que no existe um local definido onde os dados, as
informaes estaro parados espera de serem coletados. Desta forma, os
dados nunca nos so dados por um mtodo infalvel de apreenso do real,
mas so construdos no interior de sistemas interpretativos que tem estreito
vnculo com as trajetrias de vida e filiaes tericas dos sujeitos narradores.
(CHAVES, 2006, p.163, grifo da autora).
118
poderoso instrumento de formao popular da imagem que se tem dos professores, em geral.
Assim, [...] ao longo de sua histria, a profisso docente foi arrastando um dficit de
considerao social por se considerar que ser professor ou professora [...] se parea mais
com ocupaes do que com 'verdadeiras' profisses, como certamente o so a Medicina ou o
Direito." (GARCIA, 2010, p.20). Relacionando a imagem cultural do professor de Ensino
Mdio ou de nvel superior, em comparao com a do professor do Ensino Fundamental principalmente os da primeira fase - e os professores da Educao Infantil, percebemos nestes
ltimos uma forma quase cruel de encar-los: so tidos como despreparados, incapazes, mal
formados, suscetveis de direcionamento. At mesmo a Pedagogia (tomando-se aqui o termo
como a formao inicial dos pedagogos) tem sido alvo de questionamentos se teria ou no o
status de Cincia. O nico consenso, aparentemente, que de uma forma ou de outra os
professores sempre estiveram, em maior ou menor proporo, no centro das preocupaes e
das polticas voltadas para a educao. E a educao sempre esteve, por seu lado, no centro
das preocupaes sociais.
Garcia (2010) afirma:
No princpio do sculo XX, pertencer ao sistema educativo ser mestre ou
professor era um verdadeiro privilgio, que permitia a incorporao a um
mbito respeitvel e prestigioso, com possibilidades de autorrealizao e um
sentido de pertencimento significativo. Hoje em dia, pelo contrrio, o
trabalho docente tem sido qualificado como um trabalho de risco,
participando de quase todos os fatores considerados habitualmente como
fonte de fadiga nervosa: sobrecarga de tarefas, baixo reconhecimento,
ateno a outras pessoas, papel ambguo, incerteza em relao funo, falta
de participao nas decises que lhe so concernentes, individualismo e
impotncia. (GARCIA, 2010, p.23).
Essa crise da profisso docente causa, tambm nos professores, uma crise identitria,
pois, conforme explica Garcia pelo fato de a mdia transmitir uma imagem negativa da
realidade do ensino e da atuao dos professores [...] os prprios docentes parecem estar
convencidos de que efetivamente assim. (GARCIA, 2010, p.21).
O constante descrdito que a profisso docente vem sofrendo, por sua vez, abre
brechas para que outros profissionais mais habilitados intervenham nos rumos da profisso,
a fim de ajust-la sua dita finalidade social. Nessa perspectiva, considera-se que as
mudanas na educao so processos lineares que se implantam de forma simples, contanto
que saibamos 'explicar' bem aos docentes em que consistem. (GARCIA, 2010, p.25).
119
120
Como contraponto a essa viso tradicional de formao, tem ganhado cada vez mais
espao a utilizao do mtodo (auto)biogrfico na formao de professores. Souza, Portugal e
Silva explicam que a pesquisa (auto)biogrfica em questes de ensino e de formao, no
contexto das pesquisas qualitativas em educao, [...] se consolidam a partir da dcada de
1980 [...] embora de uma forma muito discreta e lenta em contraposio tradio da
pesquisa quantitativa, com anlises estatsticas de variveis, voltadas para a preciso da
objetividade. A opo metodolgica por essa linha de pesquisa envolve a adoo de um novo
modo de encarar a docncia, a formao inicial e continuada. No possvel empreender esse
tipo de pesquisa estando-se ainda arraigado em antigos conceitos ou [...] numa viso
mecanicista e positivista da modernidade. (SOUZA; PORTUGAL; SILVA, 2013, p.49)
Embora no seja ainda um total consenso entre os pesquisadores [...] considerar
memrias, lembranas, relatos de vida, biografias, histrias de vida, narrativas
memorialsticas como fontes de pesquisa foi acontecendo muito lentamente, ganhando maior
visibilidade a partir da dcada de 1990. (SOUZA; PORTUGAL; SILVA, 2013, p.50).
Dessa forma, [...] o processo de formao pelas histrias de vida apresenta-se
enquanto movimento de reivindicao, que reconhece os saberes subjetivos e adquiridos nas
experincias e nas relaes sociais, sendo ela a prpria histria de formao do sujeito.
(ROCHA; SOUZA, 2013, p.179).
Ainda, segundo Antonio Bolvar Bota:
La narrativa no es solo uma metodologia; [...] La subjetividad es, ms bien,
uma condicin necesaria del conocimiento social. La narrativa no solo
expressa importantes dimensiones de la experiencia vivida, sino que, ms
radicalmente, media la propia experiencia y configura la construccin social
de la realidad. Adems, um enfoque narrativo prioriza um yo dialgico, su
naturaleza relacional y comunitaria, donde la subjetividad es uma
construccin social, intersubjetivamente conformada por el discurso
comunicativo. El juego de subjetividades, em um processo dialgico, se
convierte en um modo privilegiado de construir conocimiento. (BOTA,
2002, p.43).
121
Trata-se, portanto, de [...] uma busca de alternativas que, longe de utpicas, mas
prximas das possibilidades, recolocam o professor no centro dos debates e de nossas
investigaes. (ROCHA; SOUZA, 2013, p.178).
Ressaltamos que o uso dos atelis biogrficos, no contexto desta pesquisa, destinou-se
a buscar com maior profundidade quais os saberes trazidos pelos professores e como estes
percebiam as aes de formao continuada da SED/MS, assim como as diferenas tericas
entre os dois programas adotados no estado. Seu carter (auto) formativo deve-se ao
entendimento de que, ao produzir e socializar as narrativas de si, os professores fazem mais
do que simplesmente expor suas emoes ao rememorar situaes vividas como aluno ou
como professor. A escrita dessas experincias e sua socializao em ambientes como os dos
atelis proporciona um excelente canal de reflexo sobre a ao (sofrida ou realizada), e essa
situao de reflexo, por sua vez, configura-se como um potente instrumento a favor de uma
(auto) formao, ou ainda, como prope Dominic (2010, p.147), de uma avaliao
formadora ou um suporte de autoformao, o qual ocorre quando a ao educativa provoca
regulaes, que [...] para se tornar realmente formadora, devem resultar em autorregulaes.
Segundo Josso (2004, p.16), [...] no passado no h somente as coisas que ocorreram,
h tambm todo o potencial que cada indivduo tem para prosseguir a sua existncia de
futuro sendo que [...] a experincia formadora implica uma articulao consciente entre
atividade, sensibilidade, afetividade e ideao. (JOSSO, 2004, p.48).
nesta perspectiva que optamos por no encerrar nossa pesquisa apenas com a anlise
do que dito ou pensado pelos pesquisadores e tericos nos trabalhos acadmicos sobre a
formao de professores, ou com a anlise dos conceitos presentes no PNAIC e no Alm das
Palavras/Alfa e Beto. Faltava ainda, em nossa concepo, incluir os professores nessa anlise,
considerando suas ideias e percepes sobre essa mistura toda, alm de fazer uma tentativa
de, minimamente, oferecer alguma contribuio para ajud-los a realizar essa articulao
122
consciente entre suas construes conceituais pessoais e uma viso dotada de maior
criticidade sobre os referenciais tericos dos programas em vigncia no Estado de Mato
Grosso do Sul.
4.2 Os artistas da pesquisa: perfil dos professores participantes
A coleta dos dados de pesquisa, como dissemos, ocorreu em dois momentos
diferentes. O primeiro desses momentos consistiu na aplicao de questionrios fechados a
professores regentes (pedagogos) de 13 escolas estaduais localizadas na zona urbana de
Campo Grande/MS. A opo apenas pelos pedagogos deve-se ao fato de que apenas os
professores regentes participam das formaes do Alm das Palavras e do PNAIC. A proposta
era, inicialmente, incluir tambm os coordenadores de rea e os coordenadores pedaggicos,
porm, conforme j mencionado, no ano de 2014, os coordenadores de rea no foram
recontratados, enquanto que os coordenadores pedaggicos de 11 das treze escolas estaduais,
recusaram-se a responder pesquisa, alegando no ter participado de nenhuma das duas
formaes.
Houve tambm certa resistncia por parte de alguns professores em participar da
pesquisa, sendo que cerca de 20 questionrios retornaram em branco. Entendemos que isto
pode ser explicado pela carga excessiva de servios considerados burocrticos a que o
professor tem sido exposto. Mudanas, por exemplo, na forma de apresentao coordenao
pedaggica dos planejamentos, os quais agora so lanados num sistema on line, num modelo
pr formatado a que muitos professores, principalmente aqueles com maior idade, tiveram
alguma dificuldade em se adaptar, segundo seus relatos, presenciados em reunies
pedaggicas e do Sindicato dos Professores de Campo Grande (ACP), documentadas,
inclusive, em atas; mudanas no preenchimento do dirio de classe, tambm on line;
preenchimento das fichas avaliativas do Programa Alm das Palavras e do PNAIC, alm das
cobranas relativas aos resultados nas avaliaes externas; enfim, um extenso trabalho que
no se esgota, em absoluto, no que realizado no interior das salas de aula.
Desta forma, conseguimos aplicar o questionrio, composto por 10 questes fechadas,
a 32 professores regentes e dois coordenadores pedaggicos. Para essa etapa da pesquisa, no
foram considerados tempo de regncia, idade ou tipo de formao (nvel superior, psgraduao, etc), pois o objetivo era obter uma viso geral da compreenso desses sujeitos
sobre os conceitos dos programas, alm da opinio deles sobre a compatibilidade entre Alfa e
Beto e PNAIC na mesma rede.
123
124
Desejando um diferencial que pudesse reduzir, pelo menos em parte, essa relao no
democrtica, at mesmo exploratria, entre pesquisador e pesquisados, nesse ltimo encontro
houve tambm a escolha de um codinome ou pseudnimo, escolhido pelos professores
dentre vrios nomes de artistas plsticos, apresentados a eles juntamente com uma de suas
telas mais conhecidas e uma caracterstica marcante que representasse sua personalidade. Por
exemplo: o realismo na tela Guernica, de Pablo Picasso; a delicadeza na tela Irs, de Claude
Monet, e assim por diante. A inteno foi de oferecer uma forma que permitisse aos
professores, minimamente, serem identificados por um nome que fosse significativo para eles,
que represente um pouco da sua personalidade, mesmo sendo resguardados pelo anonimato.
Assim, feito esse pequeno aparte, apresentamos no quadro 4 um resumo do perfil dos
participantes do grupo focal:
125
MICHELNGELO
ADEMIR MARTINS
O perfeccionismo
PABLO PICASSO
F
44
Ped
F
26
Ped.
No
Sim
Sim
O realismo
FRIDA KAHLO
A militncia
CNDIDO PORTINARI
TOMIE OTHAKE
F
24
Ped.
Voc possui
especializao?
Sim
Sim
No
Sim
No
Sim
Sim
Sim
F
41
Ci
n.Bi
ol.
No
Pretende
cursar?
Voc possui
mestrado?
Pretende
cursar?
Tempo
magistrio
No
No
Sim
Sim
No
No
No
No
No
No
No
No
No
No
No
No
Sim
No
Sim
(curs.)
No -
No
No
No
No
No
No
Sim
de
16a
7a
20a
5a
14a
28a
14
14a
10a
20a
5a
6a
2a
6a
1a
4a
28a
3a
4a
20a
Voc se considera
alfabetizador?
No
Sim
Sim
Sim
No
Sim
Sim
No
Sim
No
Sim
4a
ano
s
Sim
Prefere
trabalhar
em
qual srie?
Alfabetizao no
prximo ano?
3
ano
1
ano
1
ano
5
ano
5 ano
2
ano
E.I
2
ano
Sim
Sim
Sim
6
ao
9
No
1 e
5
Sim
6 ao
9 e
E.M
No
sabe
No
sabe
No
Sim
No
Sim
F
34
Ped
F
46
Ped.
M
26
Mat.
F
43
Ci
n.
F
56
Cin.
Cont.
A docilidade
F
42
Ped.
Sexo
Idade
Graduao
O inconformismo
O futurismo
EDVARD MUNCH
ROMERO BRITO
A brasilidade
F
48
Ped.
TARSILA DO AMARAL
DI CAVALCANTI
F
28
Ped.
A alegria
CLAUDE MONET
A originalidade VOLPI
Codinome
escolhido/
caracterstica
mais marcante
A delicadeza
E.I
1
ano
Sim
126
formao inicial e docncia, sendo que a maioria atua h pouco tempo em classes de
alfabetizao.
Quanto formao, 67% dos professores possuem especializao em alguma rea,
sendo 3 em alfabetizao. Dos 4 professores que no possuem especializao, apenas um
manifestou desejo de faz-la. Da mesma forma, dos 12 professores somente um estava
estudando em nvel de mestrado, e 75% respondeu negativamente a ter planos de ingressar em
algum programa de ps-graduao stricto sensu. No foi investigado se isso se deve ao fato
de no considerarem que essa formao seria relevante para seu trabalho como professor, ou
se simplesmente no chegaram a ter acesso ela. Quando penso em minha prpria trajetria, h
no muito tempo o mestrado parecia uma meta um tanto inatingvel, bem longe das minhas
possibilidades concretas, por vrios fatores (financeiros e familiares). No caso dos professores
do grupo focal, no possvel saber se essa formao no est em seus planos pelos mesmos
motivos, ou por outros. O fato que 91% desse grupo esto includos entre os professores da
Educao Bsica que no possuem uma formao em nvel de mestrado, corroborando com as
pesquisas feitas pelo MEC/INEP, por meio do Censo Escolar da Educao Bsica. Segundo
dados do Censo17, apenas 2% dos docentes que atuam na Educao Bsica possuem tal
formao. Certamente, um avano nestes ndices deve ser uma meta a ser perseguida pelo
poder pblico, como forma de investimento na melhoria da educao no Brasil.
Dos docentes do grupo focal, 67% se consideram professores alfabetizadores, sendo
que 60% deles pretendem continuar com classes de alfabetizao nos prximos anos.
Interessante que um nmero menor (50%) afirmou ter preferncia por trabalhar com 1, 2 ou
3 anos e a outra metade escolheria ou Educao Infantil ou alunos maiores. Devido
importncia de um bom ensino, desde as sries iniciais, e dos investimentos pblicos na
formao de alfabetizadores, importante que se criem, alm disso, atrativos para que esse
professor no migre para outras sries ou segmentos.
4.3. A pesquisa geral feita entre os professores da Rede Estadual de Ensino em Campo
Grande: o cenrio interpretado pelos artistas
A pesquisa realizada de forma mais abrangente entre professores regentes de classes de
alfabetizao de escolas estaduais localizadas no permetro urbano de Campo Grande teve
como principal objetivo verificar qual a percepo dos professores quanto s diferenas
17
Dados
disponveis
em:
<http://www.qedu.org.br/ajuda/artigo/422663>
<http://www.observatoriodopne.org.br/busca/noticias?search=mestrado>. Acesso em: 17 out. 2014.
127
conceituais, tratadas no captulo anterior, entre o Programa Alm das Palavras / Alfa e Beto e
o Pacto Nacional pela Alfabetizao na Idade Certa; como estes perceberam a formao
continuada nos dois programas e, ainda, uma pequena sondagem sobre a metodologia
utilizada pelos professores antes dos programas serem implantados.
Os questionrios18 foram entregues aos coordenadores pedaggicos das escolas, que
indicavam um prazo para que se consultassem os professores sobre seu desejo ou no em
participar da pesquisa e, caso respondessem afirmativamente, novo prazo era marcado para a
recolha dos questionrios. Seguimos esse modelo em todas as escolas visitadas, sendo que,
em oito escolas, os professores no quiseram ou no puderam participar, o que, obviamente,
foi respeitado.
A partir deste momento, analisaremos as 10 questes apresentadas no questionrio, algumas
isoladamente, outras em grupos por afinidades.
4.3.1 As formaes e o impacto destas sobre a prtica, na viso dos professores
A questo 1 (cf. quadro 5) discorria sobre a formao continuada do Programa Alm
das Palavras. Como havia a possibilidade de se marcar mais de uma alternativa (assim como
na questo 6, mais adiante), o somatrio das respostas a esse item no totaliza 34, que o
nmero de sujeitos.
Ao primeiro olhar, causou-nos certa inquietao o resultado dessa parte da pesquisa.
Em nosso imaginrio, os professores/coordenadores iriam exprimir em suas respostas as
constataes a que chegamos no campo terico. Ficamos nos perguntando se o questionrio
havia sido mal elaborado, se no tinha sido claro, enfim, se alguma coisa justificava o
resultado to desencontrado com os estudos tericos. Numa segunda leitura, porm, pudemos
perceber que havia coerncia nos resultados, devido s caractersticas mais acentuadas das
aes da Secretaria. Apresentamos, a seguir, os quadros com as perguntas dos questionrios e
as respostas obtidas:
128
129
130
questo 1 (cf. quadro 6), ter recebido todas as informaes de que necessitava, provavelmente
deve estar se referindo ao modo de utilizao do mtodo e no s concepes tericas
subjacentes a ele.
Quadro 6 - Respostas Questo 2
Questo 2: Com relao ao seu conhecimento sobre o mtodo fnico do Programa Alm das
Palavras, marque a frase que melhor o define:
Op
o
Enunciado da opo
B
C
Quantidad
e
4
17
13
Isso pode ser notado, inclusive, ao analisar as respostas questo 3 (cf. quadro 7).
Apenas 21% dos professores assinalaram uma prtica alfabetizadora mais prxima da que
utilizada fazendo-se uso da cartilha e do mtodo do Programa, contra 79% que indicaram uma
prtica mais coerente com uma alfabetizao voltada para o letramento.
Quadro 7 - Respostas Questo 3
Questo 3: Em relao sua prtica como alfabetizador(a) ANTES do Programa Alm das
Palavras, marque o que mais se aproxima:
Op
o
Enunciado da opo
Quantidad
e
27
131
Na questo 6 (cf. quadro 8), que discorria sobre a formao recebida em 2013 pelo
Pacto, as assertivas a serem marcadas foram mantidas idnticas s da Questo 1, com a
finalidade de oferecer um mesmo parmetro para a anlise das respostas.
Mais uma vez, ao primeiro olhar, pareceu-nos incoerente que o padro das respostas
tenha se mantido quase idntico ao utilizado para responder sobre o Alm das Palavras, pela
total diferena de abordagem das duas propostas, j analisadas no captulo anterior. Como,
com dois modelos de formao continuada baseados em pressupostos divergentes os
professores tiveram praticamente a mesma percepo da formao? O quadro 8 apresenta a
quantidade de respostas:
Quadro 8 - Respostas Questo 6
Questo 6: Com relao formao do PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetizao na
Idade Certa), marque todas as afirmaes que expressem melhor sua opinio:
Opo
Enunciado da opo
Quantidade
19
10
C
D
E
F
G
H
11
7
12
2
8
11
A resposta nos parece muito clara, e foi inclusive assinalada no captulo anterior
quando colocamos o excerto da professora Pablo Picasso, em que esta dizia que na formao
do Pacto, realizada pela SED/MS, os formadores [...] repetiam o tempo todo: para
continuar com o Alm das Palavras. No para ficar vendo nveis de escrita, isso no existe.
O mtodo do Programa o que continua valendo. No para parar o Programa.
132
Quantidade
13 respostas
(38%)
23 respostas
(68%)
133
Quantidade
23 respostas
(68%)
11 respostas
(32%)
Talvez esse tenha sido o item em que as respostas realmente no causaram muita
estranheza, ao serem analisadas. Por conversas informais com colegas de servio, com os
coordenadores de rea (nos anos anteriores), at mesmo com diretores escolares, j havamos
constatado que pouca ateno era dada ao conceito de alfabetizao e falta de situaes de
letramento do Programa Alm das Palavras. E pelo fato de que os formadores do Pacto
tambm eram da SED e defendiam a manuteno do Alfa e Beto, era de se esperar que as
diferenas
conceituais
no
fossem
trazidas
evidncia,
pois
legitimando
um,
18%
134
Percebemos, analisando esses dados, que para a grande maioria dos professores
alfabetizadores, no h diferenas tericas entre os dois programas. Essa situao se repete
com respeito concepo de avaliao de aprendizagem, conforme demonstrado pelos
quadros 11 e 12:
Quadro 11 - Respostas Questo 5
Questo 5: Qual das afirmaes define melhor a concepo de avaliao defendida
pelo Programa Alm das Palavras?
Afirmaes
preciso avaliar a prontido do aluno (coordenao motora,
discriminao auditiva e visual, etc.). A avaliao serve para medir e
classificar a aprendizagem dos alunos para determinar seu
prosseguimento nos estudos. preciso garantir que os alunos deem
respostas corretas, pois o erro indicador de no aprendizagem.
A avaliao uma forma de acompanhamento da aprendizagem,
servindo como ferramenta a favor da identificao dos conhecimentos
que a criana adquiriu. O erro um indicador da forma como os alunos
pensam determinado conhecimento.
Quantidade
8 respostas
(24%)
26 respostas
(76%)
Quantidade
21 respostas
(62%)
135
13 respostas
(38%)
Como j afirmado anteriormente, ter participado das duas formaes sem serem
convidados a aprofundar seus conhecimentos sobre a matriz terica dos dois Programas acaba
por expor e fragilizar mais o professor em suas relaes institucionais, pois lhes negado o
direito a obteno de um saber importante, para um bom desempenho de suas funes e para
sua autonomia profissional.
Como afirmava Soares (2003, p. 19), [...] os alunos, os pais desses alunos e a
sociedade esto sendo desrespeitados. Estamos iludindo-os ao dizer que essas crianas e esses
jovens esto aprendendo a ler e a escrever, quando na verdade no esto. Sendo assim, diante
dessa realidade percebida pela autora h mais de dez anos e que, arriscamos em dizer, no est
muito diferente hoje, proposto: Se antigamente havia mtodo sem teoria, hoje temos uma
teoria sem mtodo. E preciso ter as duas coisas: um mtodo fundamentado numa teoria e
uma teoria que produza um mtodo. (SOARES, 2003, p.17). E como complemento, adverte:
Entretanto, voltar para o que j foi superado no significa que estamos
avanando. Avanamos quando acumulamos o que aprendemos com o
passado, juntando a ele as novidades que o presente traz. Estamos no
momento crtico desse avano. [...] Estamos na fase da reinveno da
alfabetizao. (SOARES, 2003, p.20).
136
Parcialmente compatveis.
15%
50%
35%
137
movida por ela contra o Programa Alm das Palavras. A professora, inclusive, colocou um
bilhete para a pesquisadora dizendo que gostaria muito de saber o resultado da pesquisa e que
esperava que esta movesse a SED a tomar alguma atitude. Sabendo das limitaes do alcance
de um trabalho como este, receamos que as expectativas dessa professora estejam
demasiadamente altas...
Por fim, na 10 questo, foi perguntado aos professores que, se tivessem a opo de
escolher apenas um dos dois programas, qual seria sua escolha. As respostas indicaram,
conforme demonstra o grfico abaixo, que o modelo do PNAIC foi o que mais se aproximou
do que os professores desejavam, embora saibamos que este no tenha sido apresentado aos
professores da rede estadual conforme foi idealizado por seus organizadores. Talvez pelos
livros literrios recebidos, talvez pela bolsa-auxlio (quem sabe?), talvez por outros motivos
no alcanados pela nossa leitura dos dados, quase a metade dos participantes assinalou Pacto,
como representa o grfico 3:
30%
48%
A outra metade dos entrevistados se dividiu entre o Alm das Palavras e nenhum. O
que isto quer dizer? A ns, nos parece que significa, mais do que tudo, que no houve
convencimento, ainda, dos professores, quanto validade de um ou outro programa. E,
principalmente, que ainda h um longo caminho a percorrer para se alcanar a autonomia
profissional docente.
138
Seja no Programa Alm das Palavras/Alfa e Beto, seja no Pacto Nacional pela
Alfabetizao na Idade Certa, no sero percebveis esses processos de racionalizao do
trabalho do professor? Ser que as pretenses educativas no esto sendo coisificadas nos
dois casos? Os resultados previstos e esperados, nos dois programas, medidos pelas
avaliaes externas (em um o teste de leitura e fluncia, em outro Provinha Brasil e ANA) no
acabam sendo critrios de controle se estas prescries esto sendo cumpridas? H muito que
refletir sobre essas questes, e nos perguntamos: justo que o professor no participe
ativamente destas reflexes?
4.4 Voltando ao grupo focal: atelis biogrficos, ressignificando as prticas
alfabetizadoras
Temos muito claro o entendimento de que a pesquisa realizada at agora no esgota, e
no pretendeu esgotar, qual a percepo dos professores sobre os dois programas adotados em
Mato Grosso do Sul. Perguntamo-nos se a forma como as perguntas foram elaboradas, o fato
de o questionrio ser fechado, o tamanho das assertivas, a ordem em que foram colocadas,
enfim, n fatores, no podem ter influenciado de alguma forma os resultados encontrados.
Ser que se em vez de perguntas de mltipla escolha, os professores pudessem
discorrer narrativamente sobre as suas apreciaes, mais ainda, sobre os seus sentimentos, sua
histria de vida que tambm est entranhada em suas opinies, obteramos resultados
parecidos?
139
Assim, ao optarmos em, paralelamente a esta pesquisa, trabalhar com um grupo focal,
pretendemos olhar de uma forma mais cuidadosa, por meio das narrativas de si, para as
especificidades e subjetividades que podem ajudar a entender com maior profundidade os
porqus e o como esse quadro maior, o qual acabamos de apresentar, foi composto.
Cada um dos atelis foi pensado de uma forma a, emprestando os versos de Manoel de
Barros (2003)20 cavar vestgios, como uma caadora de achadouros, procura justamente de
indcios que nos faam entender como o professor chegou a pensar da forma que pensa e,
mais importante ainda, provoc-los a refletir sobre isso, para que nesse processo reflexivo
haja tomada de conscincia de quanto h de autoral em suas escolhas metodolgicas e quanto
h de impositivo, seja pelos costumes histricos e culturais ou mesmo por controles
institucionais.
4.4.1 O primeiro ateli: em busca de memrias de alfabetizao
Para o primeiro ateli, foram planejadas situaes que avivassem as lembranas dos
professores acerca de sua entrada no mundo do escrito e da escola. Para tanto, foi solicitado,
por meio de um convite elaborado para essa ocasio, que os professores trouxessem objetos,
fotos, atividades, cadernos, cartes, enfim, qualquer coisa que tivessem em seus guardados
dos primeiros anos escolares.
No dia marcado, foram recolhidas com antecedncia as lembranas trazidas pelos
professores, assim como as minhas prprias e da minha orientadora - que gentilmente
emprestou fotos, um carto de Dia das Mes e um caderno de seus tempos escolares e
organizados na sala onde seria realizada a reunio, em forma de exposio, com uma
etiqueta que identificava o dono. Ento, quando os participantes entraram na sala, puderam
passear livremente pelos objetos, e entre risos e surpresas, comearam imediatamente a se
identificar com um ou outro item, de forma que, antes mesmo de comear formalmente a
reunio, as lembranas comearam a ser ativadas.
Inicialmente, foram apresentados os objetivos das reunies, quais seriam suas
dinmicas e os pressupostos que as guiavam. Esse um procedimento importante, uma vez
que, de acordo com Delory-Momberger:
140
Desta forma, cada participante teve oportunidade de expor oralmente o que cada
objeto ali os fazia recordar, e esse momento foi muito rico em relatos de experincias
marcantes, carregados de sentimentos, alguns de tristeza outros de nostalgia.
A proposta inicial, que direcionou os depoimentos, foi: Quais as lembranas mais
marcantes que voc tem da sua fase de alfabetizao? Quais as atividades que voc fazia?
Como sua professora direcionava essas atividades?
Era importante que os professores conseguissem refletir sobre quais posicionamentos
tericos estavam imbricados nas prticas dos seus professores, ento, a cada depoimento,
amos provocando os professores sobre essas questes, sobre os mtodos subjacentes s
prticas tradicionalmente executadas em determinado perodo histrico. No se tratava apenas
de doces lembranas e nostalgia, mas de uma reflexo crtica sobre a ao. As cartilhas, as
atividades, os cartes, as fotos, todos estavam estranhados de significados e intencionalidades.
O carto do Dia das Mes em que a aluna teve apenas o trabalho de escrever seu nome: todo o
resto feito caprichosamente pela professora demonstrava um iderio vigente na poca. A
tradicionalssima foto com a bandeira do Brasil ao fundo, a criana sentada empertigada no
cadeiro, mostram uma viso de educao, infncia, escola, nacionalismo e patriotismo
prprios de um momento histrico e de uma ideologia vigentes. Enfim, todos esses fatores
foram trazidos baila, para instigar a reflexo que gostaramos, antes da escrita das narrativas.
A partir dessa provocao inicial, os professores, a comear por mim, comearam a
desfilar suas memrias. O mais interessante que tais memrias no seguiam uma ordem
linear, cronolgica: antes, ao narrar certas situaes, estas aparentemente desencadeavam
outras lembranas, como num efeito domin. De acordo com Delory-Momberger:
Nenhuma prtica de formao pode pretender reconstituir por si s o que
seria o curso factual e objetivo do vivido; o objeto sobre o qual trabalham
as linhas de formao pelas histrias de vida no , portanto, a vida, mas as
construes narrativas que os participantes do grupo de formao elaboram,
pela fala ou pela escrita, quando so convidados a contar suas vidas.
(DELORY-MOMBERGER, 2006, p.361).
Desta forma, ao serem convidados a contar suas vidas, a cada depoimento construase uma rede de solidariedade, como se cada participante legitimasse o vivido pelo outro,
141
dizendo a este que no est sozinho, que as angstias eram compartilhadas, assim como as
boas lembranas. E a cada novo narrar, o outro era encorajado a se mostrar mais, a no deixar
ocultas suas emoes. E, a partir da, havia campo frtil para a escrita das narrativas. claro
que, ao se trabalhar nesta perspectiva de pesquisa, no h como se objetivar e controlar o
que ser lembrado e dito pelos sujeitos, e nem ao menos h essa inteno. O que se busca
exatamente o contrrio: a subjetividade, a identidade, o que faz de cada indivduo um ser
nico.
4.4.1.1 Narrativas de si singularidades e generalidades encontradas nos primeiros
escritos
A expresso no consigo lembrar, referindo-se ao processo ou metodologia
utilizada pelas professoras, apareceu em exatamente metade das narrativas. Os professores
Volpi, Claude Monet, Di Cavalcanti, Romero Brito e Tarsila do Amaral relataram isto. Alguns
se lembram do nome e da fisionomia das professoras, mas no das atividades realizadas na
escola, como pode ser notado nos recortes: Entre as poucas lembranas posso citar o nome
da professora: Nancy, que era brava, mas no era agressiva (Prof. CLAUDE MONET). A
minha primeira professora se chamava Santa, era de cabelos bem branquinhos, magrinha e era
muito calma, tranquila (Prof. TOMIE OTAKE). E ainda:
Tenho poucas lembranas da minha vida escolar, lembro somente do nome
da professora, que lecionou na terceira ou quarta srie, chamava-se Dalva,
era uma professora muito amorosa, conversava muito com os alunos, sempre
preocupada com a aprendizagem (Prof. VOLPI).
No tenho muitas recordaes no momento sobre meus primeiros momentos
na escola. Me recordo apenas de estar brincando, correndo na sala e minha
professora chamada Marly me pegar no colo e me sentar de castigo em um
canto da sala (Prof. DI CAVALCANTI).
H 42 anos, difcil lembrar totalmente do processo de como eu fui
alfabetizada, embora eu gostaria tanto de lembrar[...]guardo na lembrana o
nome da 1 escola, o momento do lanche e da rigidez da professora, mas no
do seu nome (Prof. ROMERO BRITO).
Quando me deparo questionando sobre minha alfabetizao, vejo que
embora recorde com saudade da poca, nem consigo lembrar do processo
como um todo, lembro das professoras num todo, dos nomes e da
fisionomia, porm quando o assunto metodologia de ensino, me vejo em
dificultado de lembrar. (Prof. TARSILA DO AMARAL)
142
Em alguns casos, percebemos que at mesmo outras pessoas, sem o devido conhecimento
pedaggico, ou seja, pessoas que no tinham nvel superior ou formao como professor
conseguiam apresentar as primeiras noes de escrita, antes mesmo do ingresso formal na
escolarizao, como pode ser percebido no excerto: Fui alfabetizada em casa, pelos meus
irmos, fui para a escola e j sabia as vogais, escrevia algumas palavras (Prof. CNDIDO
PORTINARI).
Esses depoimentos corroboram a ideia defendida por Ferreiro e Teberosky (1985,
p.27) quando, ao discorrer sobre a questo dos mtodos de ensino, afirmam que na teoria
piagetiana quem est no centro do processo o sujeito da aprendizagem e no aquele que
[...] supostamente, conduz essa aprendizagem (o mtodo, na ocasio, ou quem o veicula).
Segundo as autoras, isto nos leva reflexo de que preciso distinguir [...] os passos que o
mtodo prope, e o que efetivamente ocorre 'na cabea' do sujeito. E, ainda, que a confuso
entre mtodos e processos leva, necessariamente, a uma concluso que nos parece inaceitvel:
os xitos na aprendizagem so atribudos ao mtodo e no ao sujeito que aprende.
(FERREIRO E TEBEROSKY, 1985, p.27).
Os professores certamente tiveram xito na sua aprendizagem, antes ou durante o
processo de escolarizao. E, apesar de terem sido provocados a isso, os professores no
conseguiram indicar qual o mtodo utilizado por seus alfabetizadores, para que o
conseguissem. Alguns se lembram das cartilhas, da repetio, mas no parecem atribuir a
estas o seu sucesso (ou insucesso) na aprendizagem, como pode ser observado nos trechos:
No me lembro de como aconteceu o processo de alfabetizao, mas me lembro do lanche e
de alguns coleguinhas, dos apelidos maldosos que os mesmos colocavam. (Prof. VOLPI).
Tenho poucas lembranas do meu processo de alfabetizao, contudo lembro de ter sido
retida no primeiro ano. (Prof. CLAUDE MONET). Do processo pedaggico no tenho
recordaes. (Prof. DI CAVALCANTI). Me recordo de ter minha alfabetizao pautada na
repetio silbica com as cartilhas. (Prof. TARSILA DO AMARAL). Lembro que estudei o
livro Caminho Suave e acompanhava todas as lies. (Prof. CNDIDO PORTINARI). O
mtodo de alfabetizao foi atravs da Cartilha da Mimi. (Prof. FRIDA KAHLO).
Ou seja, apesar de poder at mesmo dizer o nome da cartilha, nenhum dos
professores atribuiu ao mtodo o mrito por sua aprendizagem. Nem mesmo metodologia ou
sistematizao de certas aes ou atitudes de seus primeiros professores. Esse fato nos leva
a refletir que:
A concepo de aprendizagem (entendida como um processo de obteno de
conhecimento) inerente psicologia gentica supe, necessariamente, que
143
144
Hoje como alfabetizadora (buscando a cada dia ser), gostaria de fazer parte
da vida, das lembranas dos meus alunos [...] acho muito interessante este
processo da descoberta da leitura, aprender a ler, ler a vida, as coisas... por
isso que busco ser uma professora, para fazer a diferena na vida dos meus
alunos. De ser lembrada... de ser querida...
Deste primeiro ateli, pudemos observar que a busca pelas memrias dos primeiros
tempos escolares ou do processo de alfabetizao, que em alguns casos se deu fora do
ambiente escolar, propiciou um incio de reflexo sobre como as aes do meio e as prticas
pedaggicas podem produzir marcas nos alfabetizandos. Iniciamos tambm um bom
entrosamento entre os membros do grupo focal que, apesar de trabalharem na mesma escola,
dividindo muitas vezes a mesma sala de aula (como no caso dos professores de apoio da
educao especial) no haviam tido ainda a oportunidade de dialogar entre eles sobre o
assunto que mais tinham em comum: a alfabetizao dos alunos. Ainda que neste incio de
pesquisa no tenhamos tratado formalmente de mtodos, Programas X ou Y ou concepes
tericas, o objetivo foi atingido, qual seja, provocar reflexes conscientes sobre o processo
alfabetizador.
4.4.2 O segundo ateli: A contribuio das metforas num processo (auto) formativo
Para o segundo ateli, escolhemos nos utilizar das metforas, a fim de conseguir uma
ao reflexiva mais efetiva dos participantes. A tcnica consistiu em apresentar aos
participantes dezenove imagens de telas que retratavam diferentes janelas, cada uma com uma
caracterstica mais marcante. Umas forneciam uma imagem buclica, campestre, evocando
sentimentos de liberdade, paz e harmonia. Outras causavam sensaes de angstia ou de
cerceamento. Ainda outras, pensamentos de alegria ou cumplicidade, inquietao ou revolta.
Enfim, o objetivo foi mesmo o de provocar, suscitar sentimentos e evocar memrias. Os
participantes foram convidados a escolher duas janelas: uma que retratasse o seu prprio
processo de alfabetizao, ou seja, sua trajetria escolar inicial. E outra que simbolizasse o
processo de alfabetizao que desejava proporcionar aos seus alunos. Assim, cada um foi
provocado a refletir no s sobre os sentimentos que as memrias de sua trajetria
alfabetizadora traziam, como tambm em quais seriam as memrias e sentimentos que
gostaria de proporcionar aos seus alunos, quando estes se recordassem de seus processos de
aprendizagem escolar.
Mas, por que a escolha da utilizao das metforas nessa pesquisa/formao?
145
Desta forma, ao olhar para as telas/janelas, que neste contexto serviram como uma
obra literria, os participantes foram provocados a buscar o sentido implcito na informao
que tm diante dos olhos. No bastava entender o sentido literal, a janela/tela em si, mas, num
processo reflexivo, buscar pontos de contato entre o sentido figurativo da imagem e as
recordaes e desejos que pretendiam projetar. Dessa forma, se abstrairmos agora do mundo
da obra revelado pela interaco dos sentidos, poderemos concentrar a nossa anlise no
desgnio verbal. (RICOEUR, 1976, p.59).
Nossa inteno, portanto, foi utilizar essa mediao entre o implcito e o explcito
feito pela metfora, de modo a suscitar uma maior entrega dos participantes na busca por suas
lembranas e na projeo de seus planos pedaggicos. Caso fosse solicitado, simplesmente,
que escrevessem sobre seu processo de alfabetizao e sobre o que desejavam para seus
alunos, sem a utilizao das metforas, o nvel de envolvimento e resposta reflexiva seria
infinitamente menor.
O uso das metforas ocasiona um grau de interpretao dos fatos maior e mais
detalhado, na medida em que [...] uma metfora no existe em si mesma, mas numa e por
uma interpretao. A metfora tira proveito do choque que o sentido literal da palavra (ou da
obra) teria, [...] graas qual podemos descortinar um sentido onde uma interpretao literal
seria literalmente absurda. Assim, a metfora serve no como um elemento decorativo,
mas como um elemento de tenso entre a interpretao literal e a metafrica, tenso esta que
gera uma informao ou percepo nova acerca da realidade (RICOEUR, 1976, p.63).
Ao fazer a mediao entre o pensamento formal e o pensamento metafrico, busca-se
o que Ricoeur chama de excesso de sentidos. Busca-se uma reflexo e uma relao de
sentido mais aprofundada nos fatos rememorados. Conforme explicita o autor:
O funcionamento de uma metfora aproxima-se aqui do que Gilbert Ryle
chamou de um erro de categoria. , com efeito, um erro calculado, que
146
Enfim, a opo, nesse ateli, de se utilizar das metforas, que aqui se configuram como
as telas/janelas, foi a possibilidade que estas proporcionam de buscar, nas memrias e na
reflexo do seu ato pedaggico, essa nova relao de sentido, at ento despercebida, uma
exegese que outra categorizao dificilmente poderia abarcar. Apresentamos, em tamanho
reduzido, as imagens passadas aos participantes:
Figura 22 - Janelas 1 a 621
147
Figura 23 - Janelas 7 a 12
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Figura 24 - Janelas 13 a 17
Figura 25 - Janelas 18 e 19
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maravilhada por conhecer novos horizontes. A falta de [...] livros extracurriculares, jornais,
revistas, gibis fez com os livros didticos que eram comprados pelos pais acabassem sendo
[...] o nico recurso para ver o mundo com outros olhos e, portanto, me fez aprender com
mais afinco mesmo atravs da soletrao e decorando as famlias silbicas. (Prof. TOMIE
OTHAKE).
Esse depoimento faz lembrar o que diz Smith (1999) sobre o histrico da
aprendizagem da leitura em ambiente escolar:
As crianas tm aprendido a ler, durante sculos, sem o auxlio da
tecnologia. [...] Alguns [...] podem ter aprendido a ler em salas de aula
superpopulosas, abafadas, mal iluminadas, com classes presas ao piso
formando fileiras, usando material mal impresso e antigos dentro de um
ambiente autoritrio que dificilmente seria suportado hoje em dia. (SMITH,
1999, p.12).
153
aspecto, que tem uma importncia maior para o tema de que nos ocupamos:
o efeito que a dita experincia venha a ter em experincias posteriores, ou
seja, a transferncia para aprendizagens posteriores. (GARCIA, 2010, p.15).
De tal modo, solicitamos primeiramente aos professores que refletissem sobre suas
experincias como alfabetizando, para que essa reflexo os seguisse na elaborao de uma
projeo das experincias que gostariam de proporcionar aos seus alunos.
Desta forma, ao narrar sobre qual das telas/janelas inspirava sua prtica pedaggica,
a Prof. Pablo Picasso assim justificou sua escolha pela imagem 12:
Representa um olhar de medo, insegurana, como se fosse um pssaro preso
na gaiola. E ao mesmo tempo com muita vontade de sair e descobrir o que
tem do outro lado. [...] com muito esforo e incentivo do professor regente,
esses alunos, ao seu tempo, com maturidade escolar, eles vo aprender a ler e
escrever e voar. (Prof. PABLO PICASSO).
E ainda Smith argumenta que dizer que se est aprendendo a ler pode dar a entender
que haveria um momento mgico em que a criana passaria de no-leitor a leitor, e antes do
qual no teriam capacidade para ler nada. O certo, porm, que [...] iniciamos a
aprendizagem da leitura na primeira vez que temos qualquer ideia da escrita, e aprendemos
algo sobre a leitura cada vez que lemos. (SMITH, 1999, p.113)
Assim, a concepo de que o processo de alfabetizao dos alunos gera
inevitavelmente medo e insegurana (Prof. PABLO PICASSO) e que apenas depois de
vencida a etapa de alfabetizao consegue-se o prmio da liberdade, est vinculada viso
154
Nas imagens projetadas pela professora, tanto a janela como o pssaro se transfiguram
em conhecimento, saber. O conhecimento que est aberto a disposio de quem quer ser
transformado e que igualmente liberta, como um pssaro livre para voar, sem limites. Surge
ento a questo do querer ser transformado, ou seja, o desejo de aprender, que assim
condiciona o resultado do trabalho do professor vontade e responsabilidade do aluno. A
professora, neste caso, no limita a aprendizagem a uma maturao, ou ao tipo de mediao
que a mo do professor suscita, colocando em evidncia que h um sujeito ativo na relao
ensino-aprendizagem, um sujeito cognicente que vai aprender de acordo com a capacidade
que ele tem de aprendizagem muito mais do que pela capacidade que o professor tem de
ensinar. A professora, assim, se identifica como [...] uma educadora, capaz de lidar com vidas
que tanto necessitam desse olhar, potencializando os aspectos sociais do indivduo e mudando
histrias de vida e fazendo histria no dia a dia. (Prof. EDVARD MUNCH). Neste caso,
acreditar na potencialidade de cada criana como sujeito capaz de aprender essencial [...]
porque os aspectos mais importantes da leitura no podem ser ensinados e o papel de mo
mediadora do professor deve ser [...] facilitar e promover a admisso de cada criana no
clube da alfabetizao [...] garantindo que a leitura e sua aprendizagem faa sentido.
(SMITH, 1999, p.127).
A preocupao em tornar essa fase de alfabetizao o mais tranquila possvel e no
traumtica para as crianas, aparece na maioria das narrativas, demonstrando que a reflexo
sobre sua prpria trajetria fez com que os professores desejassem oferecer aos seus alunos
uma prtica pedaggica diferente da que recebeu.
Figura 16: A imagem da natureza transmite paz, aconchego e descanso.
Desejo que os meus alunos sintam acolhidos por mim, que passem por esse
155
156
Por meio da reflexo e (auto) formao, os professores precisam cada vez mais ocupar
espaos, ter lugar e vez nos debates sobre a educao, para terem condies de questionar
discursos hegemnicos, do quais eles no fizeram parte e nem foram consultados. E, nesse
sentido, a abordagem biogrfica como dispositivo de pesquisa e de formao se instaura como
um movimento capaz de enfocar [...] o processo de conhecimento e de formao que se
vincula ao exerccio de tomada de conscincia, por parte do sujeito. (PERES, 2010, p.86).
4.4.3 O terceiro ateli: Alm dos mtodos A teoria por trs da prtica
Para o terceiro ateli de formao, entendemos que seria importante fazer uma concisa
retrospectiva histrica dos mtodos de alfabetizao e das teorias de ensino e aprendizagem
existentes, a fim de poder provocar uma reflexo sobre os mtodos ou prticas pedaggicas
157
escolhidas pelos professores ou mesmo impostas pela Secretaria de Educao. Foi pedido com
antecedncia que as professoras levassem atividades que costumam utilizar em suas aulas,
assim como foram disponibilizadas aos professores diversas atividades emblemticas dos
diferentes mtodos de alfabetizao utilizados ao longo da histria.
No incio da reunio, apresentamos aos participantes os escritos feitos com as
narrativas recolhidas nos encontros anteriores e conversamos sobre a pertinncia (ou no) das
interpretaes dadas pela pesquisadora aos seus registros. Muitos foram os participantes que
ficaram surpresos com quanta informao (ou dados de pesquisa?) poderiam fornecer nos
escritos narrativos.
Iniciando propriamente o terceiro ateli, apresentamos aos professores alguns slides
que traziam uma sucinta cronologia dos mtodos e das principais teorias de aprendizagem,
utilizando como material de referncia o peridico Letra A: O jornal do alfabetizador,
produzido pelo grupo CEALE/UFMG.22 A reportagem de capa desse jornal trazia a manchete:
Mtodos de alfabetizao: professores alfabetizam com sucesso, mas no conseguem
explicitar teorias e, a partir da leitura dessa matria, obtivemos um territrio frtil para
problematizar a questo ali levantada, sobre a importncia de um forte alicerce terico por trs
da prtica (ou mtodo) escolhido pelo professor.
Fizemos ento uma retrospectiva da alfabetizao no Brasil, enfocando principalmente
na ligao entre mtodo e teoria ou concepo de ensino-aprendizagem, predominantes em
determinados momentos histricos.
Em seguida, foi solicitado que os professores, em duplas ou trios, selecionassem as
atividades que mais se identificavam com os diferentes mtodos ou concepes tericas
apresentadas, agrupando-os num quadro de pregas confeccionado anteriormente. O trabalho
em grupo teve a inteno de permitir maior reflexo, pois a escolha de um professor deveria
ser reiterada pelo outro por meio do dilogo, analisando as escolhas utilizando-se critrios
tericos, e no meramente formais, como usualmente observamos nas prticas rotineiras da
escola. No incomum presenciarmos professores trocando atividades na sala dos professores
por estas serem fofinhas, lindas, fceis ou difceis, adequadas ao tamanho do
caderno, ou prprias para uma emergncia, como a falta de um professor ou a ocasional
falta de planejamento. Neste trabalho de agrupamento por critrios de linhas de pensamento,
os professores foram impelidos a olhar alm do superficial, a procurar um sentido
22PELINSON, Jlia. Mtodos de alfabetizao: professores alfabetizam com sucesso, mas no conseguem
explicitar teorias. Letra A: o jornal do alfabetizador. Belo Horizonte: CEALE/UFMG, ano 9, n. 33, mar./abr.
2013.
Bimestral.Disponvel
em:<
http://www.ceale.fae.ufmg.br/app/webroot/files/uploads/JLA/2013_JLA33.pdf>. Acesso em: 20 abr. 2014.
158
epistemolgico no material a seu dispor e convencer seus pares dos motivos das suas
escolhas.
Aps o trmino dessa etapa, refletimos juntos sobre a facilidade ou dificuldade dos
ajuntamentos de atividades, se todos estavam de acordo com os agrupamentos feitos e qual a
contribuio dessa reunio formativa para suas futuras escolhas pedaggicas.
Por fim, foi solicitada aos participantes uma narrativa em que se posicionasse teoricamente,
bem como posicionasse teoricamente os materiais disponibilizados pelo Instituto Alfa e Beto
por meio da Secretaria de Educao, bem como os materiais disponibilizados pelo PNAIC por
meio das formaes continuadas, com a inteno de realizar uma reflexo sobre a viabilidade
ou a coerncia dos dois modelos de formao e alfabetizao em vigor no Estado de Mato
Grosso do Sul.
4.4.3.1 As concluses dos professores alfabetizadores: PNAIC e ALFA e BETO, uma
mistura possvel?
Diferentemente dos outros dois atelis, quando os professores produziram as
narrativas durante a reunio, nesse terceiro no houve tempo hbil, sendo que a produo da
narrativa ficou para ser feita em casa. Percebemos, no entanto, que esse fato alterou
significativamente os escritos dos professores. As narrativas recebidas continham uma
linguagem mais formal e uma preocupao em fundamentar teoricamente o que escreviam. Se
isto se deu pelo fato de no ltimo ateli termos trabalhado com teorias de aprendizagem ou
simplesmente pelo fato de que em casa os professores puderam pesquisar em livros, internet
ou outras fontes, no possvel saber. Porm, estamos propensos a considerar a segunda
opo mais vivel.
Uma das professoras assim descreve sua metodologia:
Fao uso de uma metodologia onde no h espao para o tradicionalismo,
seja ele em seus mais diferentes formatos que possui. Um ensino
considerado interacionista consegue perpassar em variados conceitos que
podem ser assimilados como construtivistas, porm interagem com os
fatores biolgicos e sociais do aluno. O ensino pode ser reformulado e o ser
tem a oportunidade de pensar e repensar a todo momento. (Prof. ADEMIR
MARTINS).
159
Outra professora demonstra esse dualismo explicando por que, ao trabalhar com os
contedos de raciocnio lgico, escolhe a forma tecnicista:
Avaliando a atividade proposta, eu me avaliei trabalhando no mtodo
construtivista, pois as atividades propem que o aluno participe
ativamente do prprio aprendizado mediante experimentao, pesquisa
em grupo, o estmulo dvida e o desenvolvimento do raciocnio lgico
entre outros procedimentos. Este mtodo construtivista enfatiza a
importncia do erro no como um tropeo, mas como um trampolim para
a aprendizagem. Utilizo um pouco do tecnicismo, pois as atividades
exigem tcnicas e formas utilizadas na educao para dinamiz-las e a
pedagogia tecnicista reflete sobre as aulas de raciocnio lgico e seu
conceito fundamental na aprendizagem do aluno. (Prof. CNDIDO
PORTINARI).
160
tradicional funciona no campo terico, mas na prtica o tradicional o mais vivel, como
pode ser visto no depoimento abaixo:
Enquanto professor sei e acredito que o conhecimento no deve ser imposto
ou passado como se fosse uma frmula mgica a ser seguida, afinal cada
aluno um ser humano distinto do outro, e o que surtiu efeito para um pode
no surtir para outro, assim o conhecimento deve ser construdo, o professor
deve mediar para que o aluno v formando sua ideia e por fim construindo
seu conhecimento. Confesso que no sei definir e dizer com clareza e
fundamentao terica o mtodo que utilizo em minhas aulas. [...] no dia-adia esbarro na questo do tempo e ementa a cumprir, pois para construir o
conhecimento exige mais tempo e disposio de professor e principalmente
de aluno, enquanto ao lanar Mao de ensinar regras, ou melhor dizendo,
frmulas, o aluno acaba por decorar o processo de resoluo e ento dando
um resultado mais rpido. (Prof. TARSILA DO AMARAL).
A reflexo feita pelo professor de que o conhecimento deve ser construdo, mas as
exigncias do sistema muitas vezes no permitem que o professores espere essa construo se
efetivar e de que difcil definir ou enquadrar num nico modelo todas as prticas que os
professores realizam numa sala de aula.
Outra professora relata ter esbarrado nessa dificuldade, como comenta:
Quando nos deparamos com a necessidade de definirmos a nossa prtica
pedaggica especificamente nos mtodos que utilizamos para que a
criana aprenda, inesperadamente surgem interrogaes em nossa mente.
Quando nos colocamos abertos a ouvir as explicaes da mestranda sobre
tal e nos desafiam a analisar e definir as atividades que circulam no meio
escolar, muitas vezes sem saber quais objetivos o educador quer alcanar,
percebemos quantas falhas cometemos; falhas estas que ao invs de
contribuir para o aprendizado simplesmente dificulta o pensar, o agir e
para avanar os conhecimentos das nossas crianas. (Prof. TOMIE
OTAKE).
161
162
ensino de Artes, escreve que [...] diante de uma realidade em que no se tem livros para o
ensino de artes, sempre necessrio fazer pesquisas e buscar em diversas fontes para trazer
para a escola um ensino de qualidade.
A necessidade de buscar esse conhecimento adicional tambm exemplificado
nestes dois excertos:
Com o PROFA feito pela SEMED acabei abraando a minha linha
pedaggica: sociointeracionista. Antes de conhecer o material da GEEMPA
achava um absurdo alfabetizar as crianas atravs de textos e ainda dizia:
Como alfabetizar, se as crianas no conhecem nem as letras? Ledo
engano! Nesse momento at eu, enquanto professora, no conhecia as
tipologias textuais. Imagino como eram deprimentes as minhas aulas.
Somente de alfabetizar e no letrar. Com muita avidez busquei me informar
sobre Emlia Ferreiro, nveis de escrita, e tudo o mais para enriquecer minha
prtica pedaggica. (Prof. TOMIE OTAKE).
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166
DEZ em estgio e foi uma tima experincia, mas logicamente insuficiente para me preparar
para atuar em escolas como professora regente, ministrando aulas dos diferentes contedos
curriculares e acrianas.
De acordo com Gatti (2014), no existe nos cursos de licenciatura no Brasil uma
entendimento nico quanto a como articular os contedos curriculares e a didtica de ensino,
sendo que a legislao sobre o assunto, como exemplo as Diretrizes Curriculares Nacionais,
so frgeis ou ambguas ou complexas em excesso, o que acaba por gerar [...] impasses
em sua concretizao nas estruturas curriculares de licenciatura. (GATTI, 2014, p.36).
Assim, a autora complementa:
Os estgios curriculares, que seriam espaos onde teorias e prticas em
interconexo com os contextos de escolas propiciariam a construo de
aprendizagens sobre a educao escolar e docncia, com a contribuio da
experincia de docentes das IES, mostram-se, em sua maioria, sem um
planejamento que diga de seus propsitos e aes. (GATTI, 2014, p.40).
Tomando emprestado o mote de Antnio Nvoa, que vez ou outra em suas palestras ou
textos compara nossa profisso a de outros campos como, por exemplo, a de mdicos,
engenheiros, arquitetos, penso em como o professor lanado como responsvel pelo
aprendizado de alunos, sem ter tido oportunidade de ter uma preparao slida para tanto. Nos
meus primeiros anos como professora, agia mais pela intuio do que com base em
fundamentos tericos. No possvel imaginar profissionais da medicina fazendo o mesmo.
Ao contrrio, antes de poderem exercer sua profisso estes acompanham, como residentes, a
rotina de um hospital ou posto de sade, onde podem observar os mdicos experientes
atuando em situaes reais. Quando comeam a pr em prtica seus estudos, no o fazem
sozinhos, mas com o acompanhamento e auxlio de seus professores.
Essa comparao foi feita para incitar reflexo sobre a necessidade de melhor
preparao, pelo estgio supervisionado, dos profissionais que iro ingressar na carreira
docente. Desta forma,
[...] o estgio deve ser caracterizado por uma relao ensino-aprendizagem
mediada pela ao do professor/formador, entre o aluno estagirio e um
profissional reconhecido, em unidades escolares dos sistemas de ensino. Visa
no somente a regncia em sala de aula, mas tambm a reflexo tericoprtica sobre a docncia e demais aspectos integrantes do cotidiano escolar, a
exemplo da elaborao de projetos pedaggicos, matrcula, organizao das
turmas, organizao de tempos e espaos escolares. (BARRETO, 2007,
p.274).
167
168
Neste sentido, nas primeiras experincias com a docncia, o professor acaba por
assumir papis avessos: o de ensinar e o de aprender a ensinar; o de avaliar a aprendizagem e
o de aprendiz em avaliao. Aparentemente, cria-se a cultura de que, ao passar pelo estgio
probatrio, o professor deixaria de ser iniciante e no necessitaria mais de acompanhamento
por parte dos rgos gestores das secretarias de educao, mesmo que, nos primeiros trs
anos, esse acompanhamento se resuma ao preenchimento semestral ou anual pelo diretor
escolar do relatrio de estgio. Nesse relatrio, com carter avaliativo, so vistos apenas os
resultados do processo, que serviriam para aprovar ou reprovar o iniciante. Porm, a
busca por novos conhecimentos, o incentivo pesquisa como forma de conhecer e atuar na
realidade escolar, o aperfeioamento profissional, a troca entre os pares numa atitude
colaborativa, no se configuram como uma meta institucional a ser perseguida.
169
Entendemos que
Reconhecer que a formao para a docncia no se encerra na concluso dos
cursos de licenciatura, mas deve prosseguir ao longo da carreira, um passo
importante para que o iniciante no desanime diante das dificuldades e possa
buscar os instrumentos e apoios necessrios, sejam eles colegas mais
experientes, ex-professores da universidade, aes oferecidas na escola ou
em outros espaos formativos. Mas essas iniciativas no podem depender de
vontade pessoal nem se limitar ao mbito individual [...] Cabe ainda aos
rgos gestores da educao inserir os programas de insero docncia
num plano mais amplo de desenvolvimento profissional para que as aes
formativas tenham continuidade aps o perodo probatrio. (ANDR, 2012,
p. 166).
Destarte, o estgio deveria ser mais do que passar trs anos na corda bamba,
temendo fazer ou deixar de fazer algo que possa resultar em uma nota baixa e na perda do
emprego, exatamente nos anos em que, com menor prtica e experincia, esse professor
deveria receber maior apoio real, que o fizesse se sentir como membro de uma rede
colaborativa de profissionais. O estgio probatrio deveria ser um dos componentes de uma
poltica de insero desses novos profissionais na carreira docente, que inclua [...] estratgias
de apoio, acompanhamento e capacitao, de modo que os iniciantes se convenam de quo
importante a adeso a um processo contnuo de desenvolvimento profissional. (ANDR,
2012, p.166).
Porm, no apenas no Brasil que h essa falta de programas com essa configurao.
Segundo Marli Andr,
O relatrio da OCDE (2006) reitera esse quadro e explica que, no
levantamento feito em 25 pases, apenas 10 indicaram ter programas
obrigatrios de iniciao docncia: Austrlia (alguns estados), Coreia do
Sul, Frana, Grcia, Inglaterra, Pas de Gales, Irlanda do Norte, Japo e
Sua. Na Esccia, a participao fica a critrio do professor e a grande
maioria participa. Em 6 pases a iniciao fica a critrio das escolas e em 8
pases no h programas formais. Na Amrica Latina, a situao ainda pior
pois, de acordo com Vacilante (2009), a insero na docncia no objeto de
uma poltica, havendo rarssimos programas institucionalizados. (ANDRE,
2012, p.116).
Neste sentido, entendemos que uma sada possvel seria o investimento do sistema
pblico na ampliao ou desenvolvimento de programas com caractersticas semelhantes ao
do PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciao Docncia), financiado pelo
Ministrio da Educao (MEC), por meio da Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de
Nvel Superior (Capes).
170
171
Nos ltimos anos em que atuei em sala de aula, percebi como eram poucas as ofertas
de formao em servio pela Rede Estadual de Ensino. A especializao em alfabetizao foi
feita por intermdio de incentivos da Rede Municipal e o nico curso realizado
especificamente como professora da SED/MS foi o Pr-letramento, iniciativa do Governo
Federal.
Nos poucos encontros pedaggicos realizados pela secretaria estadual, denominados
oficinas, dois fatores marcantes foram observados: Primeiro, o longo tempo de servio das
professoras efetivas (concursadas) do 1 ao 5 ano. O Estado no faz concurso para pedagogos
desde 2005, concurso o qual entrei na rede. Segundo, as aes eram voltadas mais para o
como fazer e no para o por que fazer, ou seja, trocvamos ideias sobre montagem de
cartazes, formas de organizao da sala, estratgias para manter a disciplina, etc, mas eram
poucos estudos no campo conceitual. No que esses conhecimentos prticos no sejam teis, e
so. Entretanto, quando se pensa que temos professores com um longo tempo de servio e,
portanto, com uma passagem de tempo significativa desde sua formao inicial, nos
perguntamos se estes tiveram oportunidades de acompanhar as mudanas no cenrio
educativo nos ltimos anos e os estudos e pesquisas realizadas desde ento. Pode-se achar
suficiente apenas os conhecimentos adquiridos na formao inicial, que no meu caso
especfico, se deu h 10 anos?
Para mim, esta possibilidade impensvel. Acredito que se deva tentar acompanhar
minimamente as evolues do campo de estudo de sua profisso, seja ela qual for. O caminho
que percorri para tanto foi o da leitura e dos estudos acadmicos. Li os clssicos na
Pedagogia, continuei os buscando depois de formada, alm de acompanhar, por meio dos
peridicos especficos e livros lanados na minha rea, as discusses entre diversas linhas
tericas.
Muito desse material de estudo a que me referi no pargrafo anterior encontrei na
prpria escola, enviados pelo MEC. Um detalhe importante, no entanto, merece ser
mencionado: depois que assumi a coordenao pedaggica, numa visita biblioteca da escola,
encontrei dezenas e dezenas de exemplares de revistas destinadas leitura do professor
estocadas em uma caixa, no alto de uma prateleira, muitas delas, seno a maioria, ainda
embaladas da mesma forma que chegaram. Levamos as revistas para a sala dos professores, e
na hora do intervalo oferecemos a eles. Em poucos minutos o monte foi abaixando, no
restando uma revista sem adoo. Da mesma forma, ao recebermos este ano vrios
exemplares de livros destinados ao estudo do professor, fizemos uma exposio na sala dos
172
professores, anotando e emprestando os livros a quem estivesse interessado. Neste dia, foram
34 emprstimos!
Esses fatos cotidianos aqui narrados demonstram que quando se d a oportunidade e se
facilita de alguma forma o encontro do professor com textos de suas reas de interesse, h sim
boa vontade dos docentes em estudar, aprimorar seus conhecimentos. A escola, notadamente a
coordenao pedaggica, deve fazer essa mediao. Porm, para isso necessrio que
coordenador tambm esteja se atualizando, lendo, pesquisando e criando situaes para que
esse conhecimento seja socializado.
Assim como afirma Imbernn (2000, p. 69) no podemos [...] entender a formao
permanente apenas como atualizao cientfica, pedaggica e cultural do professor, e sim,
sobretudo como a descoberta da teoria para organiz-la, fundament-la, revis-la e combatla, se preciso. Para revisar, organizar e at mesmo combater teorias, preciso ter acesso
informao e conhecimento do que vem sendo pesquisado, ou seja, ter acesso aos meios nos
quais so publicadas as inovaes e discusses em sua rea de atuao. Caso contrrio, a
situao do professor frente imposio de teorias questionveis, ou incompatveis, fica
fragilizada, como pudemos observar nos resultados da pesquisa aqui apresentada. Concluindo
esse pensamento, ressaltamos que
[...] os professores no podem ser formados (passivamente). Eles formam-se
(activamente). , portanto, vital que participem activamente da tomada de
decises sobre o sentido e os processos da sua prpria aprendizagem. (DAY,
2001, p.17).
Criar, portanto, situaes em que o professor tenha oportunidade para ler, estudar,
debater com seus pares, manter-se informado e atualizado, em espaos de planejamento
coletivo, poderiam ter um efeito positivo na melhoria das aulas e desse isolamento a que os
docentes acostumaram-se a ficar. Esses espaos de planejamento coletivo poderiam ser
institudos pela prpria unidade escolar, por meio da gesto e coordenao pedaggica,
ajustando-se os horrios de planejamento, que em nosso Estado perfazem 1/3 da jornada de
20h, para que os professores de classes/aulas afins pudessem se reunir e planejar em conjunto,
sendo auxiliados pela coordenao sempre que necessrio.
E dentro desse horrio, que houvesse espao tambm para o estudo, podendo at
mesmo ser temtico, definido de antemo por uma necessidade percebida pelo grupo. Ou seja,
se o grupo sentiu a necessidade de aprofundar mais os conhecimentos sobre avaliao, por
exemplo, poderia ser previamente combinado que no horrio seguinte de planejamento
173
haveria um momento reservado para leitura e discusso de textos sobre avaliao, e que, a
partir desses estudos, o grupo criaria sua identidade neste quesito.
O que defendemos aqui, portanto, a formao em servio na prpria unidade escolar,
solidria e no solitria, feita a partir das necessidades daquela comunidade, a partir da
organizao dos horrios de planejamento dos professores, acrescido de outros momentos de
estudo coletivos, sempre que houver demanda para tal. E que o prprio professor fosse
responsvel por essa formao, tanto pela delimitao do que estudar como pela conduo dos
estudos.
Uma ltima considerao, sobre formao em servio, se faz necessria: no estamos
aqui propagando que os professores so os nicos responsveis pela qualidade da educao.
Essa seria uma maneira simplista, limitada e baseada no senso comum. Para que o professor
possa desfrutar desses momentos de estudo e planejamento, a escola, por meio do poder
pblico, deve oferecer condies para que isso possa ser feito, o que inclui espao adequado,
confortvel e reservado; acesso internet e literatura cientfica da rea; tempo de qualidade
para executar as outras atividades inerentes ao horrio de planejamento, como preencher
dirios de classe, fazer o plano de aulas, elaborar e corrigir avaliaes, etc. Encerramos esta
seo com as consideraes de Marli Andr, que resumem bem a que nos referimos:
[...] h outros fatores que concorrem para uma educao de qualidade, tais
como os recursos disponveis nas escolas, uma organizao escolar que
propicie suporte fsico, pedaggico e emocional aos docentes; salrios
dignos, condies de trabalho adequadas; e carreira atrativa, um conjunto de
condies que devem fazer parte de uma poltica geral de apoio aos
docentes. So mltiplos os fatores que no podem ser esquecidos nem
desconsiderados no delineamento de polticas para os docentes. (ANDR,
2012, p.36).
174
Acreditamos, portanto, que o Mestrado Profissional possa ser uma dessas maneiras de
trazer o saber acadmico da universidade para o professor da Educao Bsica. E que o poder
pblico poderia investir mais e de forma mais sistemtica nessa modalidade, ampliando o seu
alcance, para que mais professores possam ter acesso a ela de uma forma menos desgastante,
concedendo uma licena parcial (ou diminuio da carga horria) remunerada, entre outros
benefcios possveis, aos docentes que por ela se interessem, como forma de incentivo
formao profissional de qualidade.
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176
Segundo o autor, [...] os administradores e alguns setores sociais pensam tambm que
os docentes so incapazes de executar corretamente, por si mesmos, a complexidade de seu
trabalho. (CONTRERAS, 2002, p. 153). Para superar essa viso, defende a autonomia como
uma reivindicao trabalhista e uma exigncia educativa; como uma qualidade da relao
profissional; e como uma atitude de distanciamento crtico (CONTRERAS, 2002, p. 193211).
Concluindo,
Na medida em que a autonomia implica em reconhecer a diferena de
perspectivas, posies, interesses e prticas, a responsabilidade e o
compromisso profissional se apoiam, como parte da competncia
profissional, no dilogo, na orientao para o entendimento, na negociao e
na justificao pblica de posies. Contudo, na medida em que tambm
significa o distanciamento crtico e a criao de tenso na busca e realizao
de valores e prticas educativas, necessrio que os professores possam
encontrar e defender formas por meio das quais suas posies educativas
sejam publicamente expostas e debatidas. (CONTRERAS, 2002, p.224).
177
da legitimidade dessas propostas sendo tratados como pessoas que podem, sim, ser capazes de
executar a complexidade de seu trabalho.
Ao terminar as consideraes finais, ou contribuies futuras, deste trabalho, gostaria
de reivindicar, como Contreras, ao citar Stenhouse (1987, p. 52-54), uma nova viso dos
nossos artistas, nesse cenrio educativo. Que no sejam tratados, ou que no ajam, como um
agricultor, que aplica um tratamento homogneo a todo um terreno. Mas como um
jardineiro, que presta uma ateno singular a cada planta de seu jardim (CONTRERAS,
2002, p.117).
Ou ainda, trazendo o exemplo para as metforas utilizadas ao longo da escrita deste
trabalho, que nossos artistas no sejam reduzidos a meros transmissores de informaes e
contedos de maneira tcnica e mecnica, como na impresso de cpias de gravuras que,
embora se paream com telas, so todas idnticas umas s outras, no havendo nelas uma
identidade que as diferencie. Antes, que sintam que podem criar suas obras, utilizando seus
conhecimentos e vivncias, sua intuio e criatividade, em ambientes propcios para a
efetivao dessa criao artstica, o que faz da docncia uma profisso to singular.
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Janela 10. Reproduo da tela The window, de Ren Magritte(1925). Disponvel em:
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http://ochendaje.livejournal.com/151755.html?thread=2973387. Acesso em 16/02/2014
Janela 12: Fotografia de uma vidraa em que aparece refletida a imagem de uma adolescente
com uma expresso de abandono e desesperana. Autor desconhecido. Disponvel em:
http://www.gettyimages.pt/editorialimages/archival. Acesso em 08/02/2014.
Janela 13: Uma vidraa comum, com um globo terrestre em seu beiral. Autor desconhecido.
Disponvel em Getty imagens - http://www.gettyimages.pt/editorialimages/archival. Acesso
em 08/02/2014
Janela 14: Uma janela rstica, de madeira, representada num ngulo que permite ver outras
janelas menores atravs dela. Autor desconhecido. Imagem disponvel em Getty imagens http://www.gettyimages.pt/editorialimages/archival. Acesso em 08/02/2014.
Janela 15. Inmeras janelas em uma parede de edifcio. Autor desconhecido. Disponvel em
http://www.gettyimages.ca/detail/photo/office-building-windows-reflected-off-the-high-resstock-photography/130902663. Acesso em 16/02/2014
Janela 16: Uma janela, mais parecida com uma moldura, por onde se v uma cena campestre.
Autor desconhecido. Disponvel em Getty imagens
http://www.gettyimages.pt/editorialimages/archival. Acesso em 08/02/2014
Janela 17: Uma janela com ar moderno e tropical, por onde se v vrios bambus. Autor
desconhecido. Disponvel em http://www.thinkstockphotos.fr/royalty-free/bamboo-pictures .
Acesso em 16/02/2014.
Janela 18: Uma janela aberta, com uma cortina esvoaando. Autor desconhecido. Disponvel
em: http://prestigecontractors.net/blog/. Acesso em 16/02/2014.
197
Janela 19: Cinco janelas em um prdio simples, estilo cortio, com um varal de roupas em
primeiro plano e flores nos beirais. Autor desconhecido. Disponvel em:
http://www.fotosearch.com/photos-images/old-clothes.html. Acesso em 16/02/2014.
198
APNDICES
1)
2)
3)
4)
199
9) Com qual etapa do ensino/ sries voc mais se identifica como professor?
__________________________________________________________________
Se desejar, justifique: _________________________________________________
10) Pretende continuar com classes de alfabetizao em seus prximos anos de profisso?
Sim ( )
No ( )
Se desejar, justifique: ________________________________________________
APNDICE B -Questionrio/pesquisa
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MATO GROSSO DO SUL UEMS
UNIDADE UNIVERSITRIA DE CAMPO GRANDE - MS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO STRICTU SENSU MESTRADO PROFISSIONAL EM
EDUCAO
COORDENADOR(A) PEDAGGICO(A)
200
201
(
) preciso avaliar a prontido do aluno (coordenao motora,
discriminao auditiva e visual, etc). A avaliao serve para medir e
classificar
a aprendizagem
dos
alunos
para
determinar
seu
prosseguimento nos estudos. preciso garantir que os alunos deem
respostas corretas, pois o erro indicador de no aprendizagem.
( ) A avaliao uma forma de acompanhamento da aprendizagem,
servindo como ferramenta a favor da identificao dos conhecimentos que
a criana adquiriu. O erro um indicador da forma como os alunos pensam
determinado conhecimento.
202