Direito Eleitoral Do Inimigo

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Volume 5 Nmero 1 jan./abr.

2010

I SSN 1414 - 5146


V.5
N.1
2010

9 771414 514001

Estudos eleitorais

Volume 5, Nmero 1
jan./abr. 2010

2010 Tribunal Superior Eleitoral


Escola Judiciria Eleitoral
SGON Quadra 5 Lote 795 Bl. B Ed. Anexo III do TSE
70610-650 Braslia/DF
Telefone: (61) 3316-4641
Fax: (61) 3316-4642
Coordenao: Andr Ramos Tavares Diretor da EJE
Editorao: Coordenadoria de Editorao e Publicaes (Cedip/SGI)
Projeto grfico: Clinton Anderson

As ideias e opinies expostas nos artigos so de responsabilidade exclusiva dos autores


e podem no refletir a opinio do Tribunal Superior Eleitoral.

ISSN: 14145146
Estudos eleitorais / Tribunal Superior Eleitoral. v. 1. n. 1
(1997) . Braslia : TSE, 1997- v. ; 24 cm.
Quadrimestral.
Revista interrompida no perodo de: maio 1998 a dez.
2005, e de set. 2006 a dez. 2007.
1. Direito eleitoral Peridico. I. Brasil. Tribunal Superior
Eleitoral.
CDD 341.2805

Tribunal Superior Eleitoral

Presidente
Ministro Ricardo Lewandowski
Vice-Presidente
Ministra Crmen Lcia
Ministros
Ministro Marco Aurlio Mello
Ministro Aldir Passarinho Jnior
Ministro Hamilton Carvalhido
Ministro Marcelo Ribeiro
Ministro Arnaldo Versiani
Procurador-Geral Eleitoral
Roberto Monteiro Gurgel Santos

Coordenao da Revista Estudos Eleitorais


Andr Ramos Tavares

Conselho Cientfico
Ministro Ricardo Lewandowski
Ministro Aldir Guimares Passarinho Junior
Ministro Hamilton Carvalhido
Andr Ramos Tavares
Antonio Carlos Marcato
Lus Virglio Afonso da Silva
Marcelo de Oliveira Fausto Figueiredo Santos
Marco Antnio Marques da Silva
Paulo Bonavides
Paulo Gustavo Gonet Branco
Paulo Hamilton Siqueira Junior
Walber de Moura Agra

Composio da EJE
Diretor:
Andr Ramos Tavares
Vice-diretor:
Thales Tcito Pontes Luz de Pdua Cerqueira
Assessora-chefe:
Juliana Delo Rodrigues Diniz
Servidores:
Ana Karina de Souza Castro
Camila Milhomem Fernandes
Geraldo Campetti Sobrinho
Jorge Marley de Andrade
Julio Csar Sousa Gomes
Quren Marques de Freitas da Silva
Colaboradores:
Andrey do Amaral dos Santos
Liliane Cervo de Moraes
Sueli Rodrigues da Costa

apresentao
Dando continuidade a sua programao editorial, a Escola Judiciria
Eleitoral (EJE) apresenta o primeiro nmero da revista Estudos Eleitorais de 2010.
Trata-se do volume cinco, que ser completado no decorrer do corrente ano com
mais dois fascculos, retomando, nessa oportunidade, a periodicidade quadrimestral
em suas publicaes aliada ao ineditismo dos estudos apresentados.
Ao cumprir seu papel no desenvolvimento do marco terico, das avaliaes
prticas e das abordagens histricas sobre democracia, cidadania e eleies, a Escola
apresenta cinco artigos de estudiosos da matria eleitoral.
No primeiro artigo, o Ministro Presidente do TSE, Ricardo Lewandowski,
estabelece a relao entre segurana jurdica e proteo da confiana com o tema da
perda de mandato por infidelidade, na matria: Infidelidade partidria e proteo
da confiana.
Na sequncia, Andr Ramos Tavares avalia em que medida os resultados
da democracia atualmente praticada correspondem aos anseios da sociedade,
especialmente quanto legitimidade posterior desses resultados eleitorais, no
artigo: H uma crise de legitimao eleitoral no mundo?
Carlos Mrio Velloso e Walber de Moura Agra discorrem sobre a aplicao
da legislao na propaganda eleitoral na imprensa escrita, no rdio, na televiso e
na internet por meio do texto: Propaganda eleitoral e sua incidncia.
Thales Tcito Pontes Luz de Pdua Cerqueira analisa dvidas de
constitucionalidade provenientes da publicao da Lei Complementar no 135/2010,
paraincluir hipteses de inelegibilidade visando proteger a probidade administrativa
e a moralidade no exerccio do mandato, escrevendo sobre: Fichalimpa& questes
constitucionais: direito eleitoral do inimigo (retroagir?).
Em seu estudo na Seo Memria, Jos Carlos Francisco associa a histria
dos partidos polticos afirmao do regime democrtico, destacando o papel que
desempenham como agentes das principais mudanas na idade moderna. A matria
intitula-se: Traos histricos dos partidos polticos: do surgimento at a segunda era
da modernidade.
A EJE pretende continuar valorizando os estudos eleitorais, de cunho
cientfico e pragmtico, fazendo divulgar artigos e textos de excelncia na rea.
Outra das finalidades destacadas desta Revista est em divulgar amplamente a
matria eleitoral a todos que por ela se interessem, esperando, com isso, provocar
vvidos estmulos para novas empreitadas nessa seara.

Sumrio
Infidelidade partidria e proteo da confiana
Enrique Ricardo Lewandowski.............................................................................................9
H uma crise de legitimao eleitoral no mundo?
Andr Ramos Tavares.......................................................................................................21
Propaganda eleitoral e sua incidncia
Walber de Moura Agra e Carlos Mario da Silva Velloso. .................................................37
Fichalimpa& questes constitucionais: direito eleitoral do inimigo (retroagir?)
Thales Tcito Pontes Luz de Pdua Cerqueira.....................................................................65
Memria
Traos histricos dos partidos polticos: do surgimento at a segunda era da
modernidade
Jos Carlos Francisco.......................................................................................................79

INFIDELIDADE PARTIDRIA
E PROTEO DA CONFIANA
Enrique Ricardo Lewandowski
Ministro Presidente do Tribunal Superior Eleitoral.
Professor titular da Universidade de So Paulo.
Afirma que os partidos polticos compem um corpo indispensvel ao atual processo
democrtico participativo, no apenas porque expressam a multiplicidade de interesses e
aspiraes dos distintos grupos sociais, mas, sobretudo, porque concorrem para a formao
da opinio pblica, para o recrutamento de lderes, com a seleo de candidatos aos cargos
eletivos, bem como para a mediao entre o governo e o povo. A fidelidade partidria
ressaltada por representar passo importante para o fortalecimento do sistema partidrio
brasileiro. Demonstra a relao entre segurana jurdica e proteo da confiana com o tema
da perda de mandato por infidelidade, defendendo o respeito s situaes consolidadas,
sob pena de solapamento da confiana dos cidados nas instituies, com as consequncias
nefastas que isso pode acarretar para o convvio social.

Palavras-chave: Partido poltico; fidelidade partidria; perda de mandato eletivo;


segurana jurdica; proteo da confiana.

1 PRIMEIRAS REFLEXES: OS PARTIDOS POLTICOS


Principio consignando que me associo queles que entendem que, numa
democracia representativa como a nossa, os partidos polticos desempenham
um papel fundamental, porquanto, no dizer de Canotilho (1998, p. 308), so
organizaes aglutinadoras dos interesses e mundividncia de certas classes e
grupos sociais impulsionadores da formao da vontade popular.
Com efeito, a partir do advento do Estado Social, no final da Primeira Grande
Guerra, a lei deixou de ser a expresso de uma annima vontade geral, no sentido
rousseauneano da expresso, conforme queriam os idelogos do Estado Liberal
de Direito dos sculos XVIII e XIX, passando a representar o resultado da vontade
poltica de uma maioria parlamentar, formada a partir de vontades fragmentrias
preexistentes no seio de sociedade (SILVA, 2005, p. 62).
No Brasil, como se sabe, os partidos polticos sofreram as vicissitudes da
alternncia cclica entre regimes democrticos e ditatoriais, que impediu, com raras
excees, que desenvolvessem uma base ideolgica consistente (FLEISCHER, 2004,
p. 249), capaz de libert-los do fenmeno que Maurice Duverger, trilhando a senda
aberta por Robert Michels, identificou como o domnio oligrquico dos dirigentes
partidrios, cujo apangio o apego a velhas fisionomias e o conservadorismo
(DUVERGER, 1970, p. 197).

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

Os partidos de quadros e de massas, vinculados s camadas populares, com


matizes ideolgicos mais pronunciados, surgiram apenas numa fase mais recente
da Histria do pas, como consequncia do processo de industrializao, que se
acelerou a partir do trmino da Segunda Guerra Mundial.
Em que pesem, porm, as imperfeies que ainda caracterizam o
sistema partidrio brasileiro, no h dvida de que, hoje, os partidos polticos
so indispensveis ao processo democrtico, no apenas porque expressam a
multiplicidade de interesses e aspiraes dos distintos grupos sociais, mas, sobretudo,
porque concorrem para a formao da opinio pblica, o recrutamento de lderes,
a seleo de candidatos aos cargos eletivos e a mediao entre o governo e o povo
(SILVA, 2005, p. 62).

2 O ADVENTO DA DEMOCRACIA PARTICIPATIVA


bem verdade, como assentei em sede doutrinria (LEWANDOWSKI, 2005,
p. 381), que a participao do povo no poder, atualmente, no ocorre mais apenas
a partir do indivduo, do cidado isolado, ente privilegiado e at endeusado pelas
instituies poltico-jurdicas do liberalismo, dentre as quais se destacam os partidos
polticos.
O final do sculo XX e o incio do sculo XXI certamente entraro para
a Histria como pocas em que o indivduo se eclipsa, surgindo em seu lugar as
associaes, protegidas constitucionalmente, que se multiplicam nas chamadas
organizaes no governamentais, voltadas para a promoo de interesses
especficos, tais como a proteo do meio ambiente, a defesa do consumidor ou o
desenvolvimento da reforma agrria.
Esse fato, aliado s deficincias da representao poltica tradicional, deu
origem a alguns institutos, que diminuem a distncia entre os cidados e o poder,
com destaque para o plebiscito, o referendo, a iniciativa legislativa, o veto popular e
o recall, dos quais os trs primeiros foram incorporados nossa Constituio (artigo
14, I, II e III, da CF).

3 A IMPORTNCIA DA FIDELIDADE PARTIDRIA


No h como negar que a democracia representativa, exercida por meio
de mandatrios recrutados pelos partidos polticos, por indispensvel1, subsiste
integralmente em nosso ordenamento poltico-jurdico, embora complementada
____________________
MILL, John Stuart. Consideraes sobre o governo representativo. So Paulo: IBRASA, 1958, p. 49,
observa o seguinte: desde que impossvel a todos, em uma comunidade que exceda a uma
nica cidade pequena, participarem pessoalmente to s de algumas pores muito pequenas dos
negcios pblicos, segue-se que o tipo ideal de governo perfeito tem de ser o representativo.
1

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Infidelidade partidria e proteo da confiana

pelo instrumental prprio da democracia participativa (art. 1o, pargrafo nico,


da CF).2
Com efeito, segundo a nossa Carta Magna, a soberania popular (art. 1o, I,
da CF) exercida fundamentalmente por meio do sufrgio universal (art. 14, caput,
da CF), constituindo a filiao partidria conditio sine qua non para a investidura
em cargo eletivo (art. 14, 3o, IV, da CF).
Mas para que a representao popular tenha um mnimo de autenticidade,
ou seja, para que reflita um iderio comum aos eleitores e candidatos, de tal modo
que entre eles se estabelea um liame0 em torno de valores que transcendam
os aspectos meramente contingentes do cotidiano da poltica, preciso que os
mandatrios se mantenham fiis s diretrizes programticas e ideolgicas dos
partidos pelos quais foram eleitos.
Sem fidelidade dos parlamentares aos iderios de interesse coletivo
ensina Goffredo Telles Jnior , definidos nos respectivos programas registrados,
os partidos se reduzem a estratagemas indignos, a servio de egosmos disfarados;
e os polticos se desmoralizam (TELLES JNIOR, 2005, p. 117).
A fidelidade partidria, porm, conquanto represente um passo importante
para o fortalecimento do sistema partidrio brasileiro, no constitui, ao contrrio do que
imaginam alguns, uma panaceia universal, cumprindo ter presente a lcida advertncia
feita pelo Ministro Nelson Jobim, em conferncia que proferiu sobre o assunto:
Falar-se em fidelidade partidria, sem ter a conscincia real do que se
passa no processo de escolha dos candidatos um equvoco. Precisamos
ter noo do que se passa, para colocar sobre a mesa a discusso de temas
como distrito eleitoral, sistema de eleies mistas etc.; debater claramente
esse tipo de situao para entendermos o que se passa em termos poltico
eleitorais no pas (JOBIM, 2004, p. 195).

O debate poltico e judicial sobre a fidelidade partidria ganhou relevo


quando o Partido da Frente Liberal (PFL), hoje Democratas (DEM), formulou ao
Tribunal Superior Eleitoral a Consulta no 1.389/DF, tendo sido relator o Ministro
Csar Asfor Rocha. Essa consulta pode ser sintetizada na seguinte indagao: Os
partidos e as coligaes tm o direito de preservar a vaga obtida pelo sistema
eleitoral proporcional, quando houver pedido de cancelamento de filiao ou de
transferncia do candidato eleito por um partido para outra legenda?
O Tribunal Superior Eleitoral, na sesso de 27.3.2007, respondeu positivamente
supracitada consulta, em pronunciamento assim ementado: Consulta. Eleies
____________________
Todo poder emana do povo que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente,
nos termos desta Constituio.

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Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

proporcionais. Candidato eleito. Cancelamento de filiao. Transferncia de partido.


Vaga. Agremiao. Resposta afirmativa (Resoluo no 22.526/2007).

4 O PRINCPIO DA SEGURANA JURDICA


Retomo aqui as consideraes que expendi quando da apreciao, pelo
Supremo Tribunal Federal, de mandados de segurana nos quais se questionou se a
inegavelmente bem inspirada Resoluo do TSE no 22.526/2007, de 27.3.2007 poderia
aplicar-se aos parlamentares que trocaram de partido antes da interpretao dada
por aquela Corte aos princpios constitucionais que entendeu aplicveis espcie.
Em primeiro lugar, cumpre assentar que no pice da hierarquia
axiolgica de todas as constituies figuram alguns princpios, explcitos ou
implcitos, identificados pelo festejado jurista alemo Bachoff (1977, p. 62-64)
como preceitos de carter pr-estatal, supralegal ou prepositivo, que servem de
paradigmas s demais normas constitucionais, que no podem afront-los sob
pena de nulidade.
Dentre tais princpios sobressai o valor segurana, que alicera a gnese
da prpria sociedade. Com efeito, pelo menos desde meados do sculo XVII, a partir
da edio do Leviat de Thomas Hobbes, incorporou-se Teoria Poltica a ideia de
que, sem segurana, no pode existir vida social organizada, passando a constituir
um dos pilares sobre os quais se assenta o pacto fundante do Estado, inclusive para
legitimar o exerccio da autoridade.
Em nosso texto constitucional, esse valor encontra abrigo em locus
privilegiado. De fato, dentre as clusulas ptreas listadas no artigo 60, 4o, da
Carta Magna sobressai a especial proteo que o constituinte originrio conferiu
aos direitos e garantias individuais, em cujo cerne se encontram o direito vida e
segurana, expressamente mencionados no caput do art. 5o, sem os quais sequer se
pode cogitar do exerccio dos demais.
E por segurana, evidncia, deve-se compreender no apenas a segurana
fsica do cidado, mas tambm a segurana jurdica, com destaque para a segurana
poltico-institucional.
Ainda que a segurana jurdica no encontre meno expressa na
Constituio Federal, trata-se de um valor indissocivel da concepo de Estado
de Direito, j que do contrrio como adverte Sarlet (2005, p. 90) tambm
o governo de leis (at pelo fato de serem expresso da vontade poltica de um
grupo) poder resultar em despotismo e toda a sorte de iniquidades.
Na mesma linha, Carvalho (1994, p. 55) ensina o seguinte:

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Infidelidade partidria e proteo da confiana


A segurana jurdica , por excelncia, um sobreprincpio. No temos
notcia de que algum ordenamento a contenha como regra explcita.
Efetiva-se pela atuao de princpio, tais como o da legalidade, da
anterioridade, da igualdade, da irretroatividade, da universalidade da
jurisdio e outros mais. Isso contudo em termos de concepo esttica, de
anlise das normas enquanto tais, de avaliao de um sistema normativo
sem considerarmos sua projeo sobre o meio social. Se nos detivermos
num direito positivo, historicamente dado, e isolarmos o conjunto de
suas normas (tanto as somente vlidas como as vigentes), indagando dos
teores de sua racionalidade; do nvel de congruncia e harmonia que as
proposies apresentam; dos vnculos de coordenao e de subordinao
que armam os vrios patamares da ordem posta; da rede de relaes
sintticas e semnticas que respondem pela tecitura do todo; ento ser
possvel emitirmos um juzo de realidade que conclua pela existncia do
primado da segurana, justamente porque neste ordenamento emprico
esto cravados aqueles valores que operam para realiz-lo.

A segurana jurdica, pois, insere-se no rol de direitos e garantias individuais,


que integram o ncleo imodificvel do Texto Magno, dela podendo deduzir-se o
subprincpio da proteo na confiana nas leis, o qual, segundo Canotilho (1995,
p. 372-373), consubstancia-se [...] na exigncia de leis tendencialmente estveis,
ou, pelo menos, no lesiva da previsibilidade e calculabilidade dos cidados
relativamente aos seus efeitos jurdicos.
Para o constitucionalista portugus, os princpios da segurana jurdica e da
proteo da confiana significam que
[...] o cidado deve poder confiar em que aos seus actos ou s decises
pblicas incidentes sobre os seus direitos, posies jurdicas e relaes,
praticadas ou tomadas de acordo com as normas jurdicas vigentes, se
ligam os efeitos jurdicos duradouros, previstos ou calculados com base
nas mesmas normas (CANOTILHO, 1995, p. 372-373).

BREVE HISTRICO DA FIDELIDADE


ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO

PARTIDRIA

NO

A sano de perda de mandato por infidelidade partidria foi introduzida


no Brasil, pela Emenda Constitucional no 1, editada pela Junta Militar, em 17.10.69,
que alterou a redao do art. 152 da Constituio de 1967.3
____________________
Perder o mandato no Senado Federal, na Cmara dos Deputados, nas Assembleias Legislativas
e nas Cmaras Municipais quem por atitudes ou pelo voto, se opuser s diretrizes legitimamente
estabelecidas pelos rgos de direo partidria ou deixar o partido sob cuja legenda foi eleito.
A perda do mandato ser decretada pela Justia Eleitoral, mediante representao do partido,
assegurado o direito de ampla defesa.

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Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

Mas recordamos tambm que, em 1985, de forma consentnea com o


clima de redemocratizao que imperava no Pas, a Emenda Constitucional no
24 conferiu nova redao ao mencionado dispositivo constitucional, suprimindo
as hipteses de perda de mandato por infidelidade partidria, assegurando,
ademais, a mais ampla liberdade de criao de partidos polticos, respeitados o
regime democrtico, o pluralismo partidrio e os direitos fundamentais, dentre
outros valores.4
A Assembleia Constituinte de 1988 no se afastou do esprito que presidiu
a elaborao da EC no 24/85, adotada no ambiente de redemocratizao, deixando
de incluir no rol do art. 55 da Carta Magna, que trata da perda de mandado de
deputado e senador, qualquer sano por infidelidade partidria.5
Isso levou Silva (1995, p. 386-387) a concluir que a Constituio de 1988
[...] no permite a perda do mandato por infidelidade partidria. Ao
contrrio, at o veda, quando no art. 15, declara vedada a cassao dos
direitos polticos, s admitidas a perda e a suspenso deles nos estritos
casos indicados no mesmo artigo.

Entendia-se, ento, que o dispositivo em comento proibia, de forma


expressa, a cassao de direitos polticos, estabelecendo, taxativamente, as
hipteses de sua perda ou suspenso, sem qualquer meno hiptese de
infidelidade partidria.6
____________________
Art. 152. livre a criao de partidos polticos. Sua organizao e funcionamento resguardaro
a soberania nacional, o regime democrtico, o pluralismo partidrio e os direitos fundamentais
da pessoa humana [...].
5
Art. 55. Perder o mandato o deputado ou senador: I que infringir qualquer das proibies
estabelecidas no artigo anterior; II cujo procedimento for declarado incompatvel com o decoro
parlamentar; III que deixar de comparecer, em cada sesso legislativa, tera parte das sesses
ordinrias da Casa a que pertencer, salvo licena ou misso por esta autorizada; IV que perder ou
tiver suspensos os direitos polticos; V quando o decretar a Justia Eleitoral, nos casos previstos
nesta Constituio; VI que sofrer condenao criminal em sentena transitada em julgado. 1o
incompatvel com o decoro parlamentar, alm dos casos definidos no regimento interno, o abuso
das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepo de vantagens
indevidas. 2o Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato ser decidida pela Cmara dos
Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocao
da respectiva Mesa ou de partido poltico representado no Congresso Nacional, assegurada
ampla defesa. 3o Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda ser declarada pela Mesa da Casa
respectiva, de ofcio ou mediante provocao de qualquer de seus membros, ou de partido poltico
representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa. 4o A renncia de parlamentar
submetido a processo que vise ou possa levar perda do mandato, nos termos deste artigo, ter
seus efeitos suspensos at as deliberaes finais de que tratam os 2o e 3o.
6
I cancelamento da naturalizao por sentena transitada em julgado; II incapacidade civil
absoluta; III condenao criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV
recusa de cumprir obrigao a todos imposta ou prestao alternativa, nos termos do art. 5o,
VIII.
4

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Infidelidade partidria e proteo da confiana

Na mesma linha de entendimento, Clmerson Merlin Clve afirmou que, no


sistema constitucional brasileiro, a circunstncia de o parlamentar
no perder o mandato em virtude de filiao a outro partido ou em
decorrncia do cancelamento da filiao por ato de infidelidade
eloquente. Ainda que doutrinariamente o regime do mandato possa
sofrer crtica, induvidoso que, luz do sistema constitucional em vigor,
o mandato no pertence ao partido.

O tema tambm j havia sido apreciado pelo Supremo Tribunal Federal.


Com efeito, quando do julgamento do MS no 20.927, da relatoria do Ministro
Moreira Alves, o Plenrio posicionou-se no sentido apontado:
Mandado de segurana. Fidelidade partidria. Suplente de deputado
federal. Em que pese o princpio da representao proporcional e
a representao parlamentar federal por intermdio dos partidos
polticos, no perde a condio de suplente o candidato diplomado
pela justia eleitoral que, posteriormente, se desvincula do partido ou
aliana partidria pelo qual se elegeu. a inaplicabilidade do princpio
da fidelidade partidria aos parlamentares empossados se estende, no
silncio da constituio e da lei, aos respectivos suplentes. mandado de
segurana indeferido.

Nos autos do MS no 23.405, o Plenrio do STF manifestou-se sobre o tema


em acrdo assim ementado:
Mandado de segurana. 2. Eleitoral. Possibilidade de perda de mandato
parlamentar. 3. Princpio da fidelidade partidria. Inaplicabilidade.
Hiptese no colocada entre as causas de perda de mandado a que alude
o art. 55 da Constituio. 4. Controvrsia que se refere a Legislatura
encerrada. Perda de objeto. 5. Mandado de segurana julgado prejudicado.

Assim, prevalecia o entendimento de que a prtica de infidelidade partidria


no consubstanciava atitude capaz de ensejar a sano da perda do mandato ou da
condio de suplente.

6 A MUDANA DE PARTIDO EM FACE DA JUSTIA ELEITORAL


imperioso reconhecer, pelo exposto, que preliminarmente resposta
conferida Consulta no 1.398/DF, pelo Tribunal Superior Eleitoral, na Sesso
realizada em 27.3.2007 (deciso que deu origem Resoluo no 22.526/2007), a troca
de partido pelos parlamentares era seguramente admitida sem a consequncia de
perda do mandato eletivo.
Com efeito, na segunda semana dos meses de abril e outubro de cada ano,
a Justia Eleitoral informada, pelos rgos de direo partidrios, da relao dos
15

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

nomes de todos os seus filiados, da qual dever constar a data de filiao, o nmero
dos ttulos eleitorais e das sees em que esto inscritos para efeito de candidatura
a cargos eletivos (art. 19, da Lei no 9.096/95).
Isso porque, para concorrer a cargo eletivo, o eleitor dever estar filiado
ao respectivo partido, pelo menos um ano antes da data fixada para as eleies
(art. 18, da Lei no 9.096/95).
Ademais, para desligar-se do partido poltico a que pertena, o filiado deve
apresentar, obrigatoriamente, comunicao escrita ao rgo de direo partidria
e ao juiz de sua respectiva Zona Eleitoral (art. 21 e 22, pargrafo nico, da Lei
no 9.096/95).
Ressalte-se que, pela legislao eleitoral brasileira, o filiado no precisa
informar, Justia Eleitoral, o motivo pelo qual se desligou do partido, mas to
somente comunicar o seu desligamento da agremiao.
Tanto assim que o Sistema de Filiao Partidria Informatizado da
Justia Eleitoral, denominado FILEX no possui um mdulo de desfiliao. Para
tal procedimento, basta que o usurio digite a opo excluso do filiado sem
qualquer justificativa.
Foroso convir, pois, que a mudana de partido por candidatos eleitos foi
regulamentada pela Justia Eleitoral, no tendo ela feito, ao que se saiba, qualquer
objeo referida prtica desde a Emenda Constitucional no 24/85, a qual, como
visto, suprimiu a sano de perda de mandato por infidelidade partidria prevista
na Carta de 1967, entendimento ratificado pelos constituintes de 1988.
Essa prtica, ademais, importa repisar, encontrava-se solidamente amparada
no s na doutrina dominante, como tambm em pacfica jurisprudncia desta
Suprema Corte.

7 CONSIDERAES FINAIS: A MIGRAO PARTIDRIA E A


PROTEO DA CONFIANA
Um estudo feito pelo cientista poltico Carlos Ranulfo Melo sobre a questo
da fidelidade partidria revela nmeros, no mnimo, impressionantes:
Entre 1985 e 6 de outubro de 2001, quando foi encerrado o prazo de
filiao partidria tendo em vista as eleies de 2002, nada menos do que
846 parlamentares, entre titulares e suplentes, mudaram de partido na
Cmara dos Deputados. A movimentao pode ser percebida em todas as
legislaturas. Em mdia, 28,8% dos que assumiram uma cadeira na Cmara
dos Deputados trocaram de legenda durante o mandato.
16

Infidelidade partidria e proteo da confiana


[...]
Um total de 138 congressistas (16,3% entre os migrantes) trocou de
partido pelo menos duas vezes em uma mesma legislatura, outros 3,5%
(30 deputados) pelo menos trs vezes, enquanto dez congressistas
migraram quatro vezes. Uma vez computadas todas as mudanas
realizadas pelos deputados, chega-se a um total de 1035 migraes
(MELO, 2003, p. 322).

Embora restrito a um marco temporal determinado, a pesquisa revela uma


tendncia de migrao partidria que, em termos percentuais, provavelmente se
manteve inalterada nas legislaturas subsequentes.
De fato, a confirmar essa hiptese, o Relator da Consulta do PFL formulada
ao TSE, o Ministro Csar Asfor Rocha, registra que
Um levantamento preliminar dos Deputados Federais eleitos em
outubro de 2006, mostra que nada menos de trinta e seis parlamentares
abandonaram as siglas partidrias sob as quais se elegeram; desses trinta
e seis, apenas dois no se filiaram a outros grmios partidrios e somente
seis se filiaram a Partidos Polticos que integraram as coligaes partidrias
que os elegeram.

Os parlamentares que trocaram de partido o fizeram no apenas confiando


no ordenamento legal vigente, como tambm na interpretao que a mais alta
Corte de Justia do Pas lhe conferia, bem assim no entendimento dos maiores
expoentes da doutrina constitucional ptria.
Durante mais de 20 anos, pelo menos, candidatos eleitos por determinada
agremiao poltica tm migrado para outras siglas, sem qualquer restrio, seja
por parte dos partidos polticos, incumbidos de regular a matria em seus estatutos,
por fora de previso constitucional (art. 17, 1o, da CF), seja por parte da Justia
Eleitoral, que sempre se amoldou ao entendimento doutrinrio e jurisprudencial
prevalente.7
No por outra razo que Larenz (1983, p. 521-522) enfatiza a importncia
dos precedentes pretorianos, nos quais identifica um verdadeiro Direito Judicial, ao
afirmar que
[...] existe uma grande possibilidade no plano dos factos de que os
tribunais inferiores sigam os precedentes dos tribunais superiores e estes
geralmente se atenham sua jurisprudncia, os consultores jurdicos das
partes litigantes, das firmas e das associaes contam com isto e nisto
confiam. A consequncia que os precedentes, sobretudo os dos tribunais

____________________

MS no 20.916, rel. Min. Carlos Madeira; MS no 20.927, rel. Min. Moreira Alves; MS no 23.405, rel.
Min. Gilmar Mendes.

17

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010


superiores, pelo menos quando no deparam com uma contradio
demasiado grande, sero considerados, decorrido largo tempo, Direito
vigente. Disto se forma em crescente medida, como complemento e
desenvolvimento do Direito legal, um Direito judicial [...].

Por tal motivo, e considerando que no houve modificao no contexto


ftico e nem mudana legislativa, mas sobreveio uma alterao substancial
no entendimento do TSE sobre a matria, possivelmente em face de sua nova
composio, no seria admissvel que um cmbio abrupto de rumos acarretasse
prejuzos aos parlamentares que pautaram suas aes pelo entendimento acadmico
e pretoriano at ento dominante.
No se propugna com isso, evidente, a cristalizao da jurisprudncia ou
a paralisia da atividade legislativa, pois as decises judiciais e as leis no podem
ficar alheias evoluo social e ao devir histrico. Mas preciso que respeitem as
situaes consolidadas, sob pena de grave solapamento da confiana dos cidados
nas instituies, com todas as consequncias nefastas que isso pode acarretar para
o convvio social.

18

Infidelidade partidria e proteo da confiana

REFERNCIAS
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20

H UMA Crise dE Legitimao Eleitoral


NO MUNDO?
Andr Ramos Tavares
Professor dos Programas de Doutorado e Mestrado em Direito da Pontifcia
Universidade Catlica de So Paulo. Professor do Programa de Doutorado em
Direito da Universidade de Bari Itlia. Diretor da Escola Judiciria Eleitoral do
TSE.
Pretende avaliar em que medida a democracia atual corresponde aos anseios da sociedade,
especialmente quanto legitimidade de resultados eleitorais. A proposta busca responder
o que ocorre, em termos do binmio democracia-eleies, quando o processo de eleio
consegue ser instrumentalizado como forma de manter uma ditadura ou o grupo j
dominante no poder. Identifica a possibilidade de crise da legitimao eleitoral quando o
maquinrio democrtico empregado para legitimar um lder j previamente escolhido, por
meio de eleio aparente, o que caracterizaria fraude eleitoral, que resvala para a fraude
Constituio. So utilizados recentes exemplos eleitorais: Afeganisto, Ir, Equador, Mxico,
Venezuela, Ucrnia, Itlia e EUA. Nesses pases o processo eleitoral ocupou o centro das
atenes por ocasio de acusaes da ocorrncia de fraude. Uma das principais propostas
encontra-se no modelo de votao eletrnica, como frmula de integrao tecnolgica e
social que pode evitar a crise de deslegitimao eleitoral ps-eleio. Conclui que no se pode
afirmar sobre a existncia de uma crise mundial da democracia eleitoral; no h instrumental
suficiente para discernir entre fraude eleitoral como causa ou como consequncia, uma vez
que as dificuldades ps-eleitorais podem provocar instabilidade social ou podem surgir em
circunstncias j instveis, de fragmentao do poder.

Palavras-chave: Eleies; processo eleitoral; legitimao eleitoral; fraude eleitoral;


crise.

1 APRESENTAO DO PROBLEMA
Embora a Democracia componha, em sua estrutura e funcionamento, os
Estados ocidentais, sua recorrncia e popularidade no so suficientes para eximi-la
de insatisfaes e questionamentos, muitos dos quais alcanam a centralidade de
sua concepo e objetivos.
Alis, o prprio sentido de democracia j suscita dvidas, independentemente
de outras dificuldades de ordem prtica. Se perguntarmos a Schumpeter, Freeman
e Gutmann, para utilizarmos, aqui, autores que se tm, fortemente, dedicado ao
tema, qual o conceito de democracia, teremos trs respostas distintas (problema
este que ser ainda mais acentuado se aumentarmos o nmero de entrevistados).
Para Schumpeter, por exemplo, democracia pressupe ou apresenta como elemento

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

primordial o processo de seleo dos representantes (2006, p. 269)1. uma viso


procedimental (ou minimamente procedimental, cf. GUTMANN, 1993, p. 129) de
democracia, na qual prevalece a forma para a eleio de um dado lder. Gutmann,
por sua vez, destacaria que democracia pressupe participao popular efetiva, de
forma que o eleitorado no seja apenas um eleitor, mas um indivduo autnomo
(1993, p. 144 e 151). J Freeman condicionaria a democracia forma de governo
que possibilite a efetivao de certos direitos (1994, p. 186), aproximando-se, nesse
sentido, daquilo que Schumpeter classifica como teoria clssica da democracia, pela
qual o bem comum realizado (2006, p. 250).
A esta polissemia inata assimilao da democracia podem ser, ainda,
adicionados inmeros paradoxos, tal como a incapacidade tcnica de o povo se
autogovernar e a possibilidade de a democracia enveredar por caminhos totalitrios
(cf. TAVARES, 2004, p. 365 e ss). Alis, neste ltimo sentido vale recordar a instigante
obra de Paulo Otero, A democracia totalitria, na qual so abordados os resqucios
totalitrios nas democracias.
Dentre esses paradoxos, por exemplo, podemos apontar, ainda, a
contribuio que instituies no democrticas prestam consolidao da
democracia. Bruce Rutheford, de maneira didtica, menciona o auxlio da Igreja
catlica, uma instituio altamente hierarquizada2, consolidao da democracia
em pases tais como a Polnia, Espanha e Filipinas, perante os governos totalitrios
ento instaurados (1993, p. 313-314). Ou seja, mesmo instituies teocrticas, que,
internamente, rejeitam um mtodo democrtico de governana e gesto (aqui, no
estou me valendo de nenhuma concepo especfica dentre as acima apresentadas),
podem assumir um papel essencial na consolidao efetiva da democracia.3
Porm, preciso questionar a hiptese inversa, ou seja, a democracia
auxiliando a manuteno de regimes ditos ditatoriais. Qual o resultado desta
relao para a democracia?
Invariavelmente, a utilizao de um suposto mtodo democrtico de
ascenso ao poder, tal como a ocorrncia de eleies em um pas dito ditatorial,
vista por observadores como um marco democrtico. Nesse sentido, utilizando
o rol apresentado por Rutheford em artigo voltado a um caso especfico por ele
analisado (a relao entre uma organizao supostamente autocrtica Irmandade
____________________
Defender o autor que o mtodo democrtico aquele arranjo institucional estabelecido para
se produzir decises polticas, por meio do qual o indivduo adquire o poder atravs de uma
competio pelo voto popular (2006, p. 269).
2
Instituio indiferente s vises ou possibilidade de divergncia de seus membros, como ocorre
nas instituies altamente hierarquizadas.
3
No caso da Igreja catlica, tanto da democracia como dos direitos humanos, especialmente dos
direitos sociais.
1

22

H uma crise de legitimao eleitoral no mundo?

Muulmana e a consolidao da democracia no Egito), caracterizaramos a


existncia de eleies, a abertura do Parlamento e do sistema jurdico como casos de
rodovias democrticas em pases do Oriente Mdio (RUTHERFORD, 1993, p. 330).
Efetivamente so indcios de um processo ao menos terico de
implantao ou de consolidao da Democracia. H que se ressaltar que, embora
Democracia seja um termo polissmico, a realizao de eleies, aquilo que
Schumpeter denomina como maquinrio democrtico, elemento caracterstico da
Democracia, independentemente da corrente que se venha a seguir (procedimental,
populista, liberal, substancialista, deliberativa, participativa4). Variar, apenas, a
sua importncia para a configurao do escopo desta. Em concluso, o processo de
escolha dos representantes ser o elemento central da democracia ou um dos seus
principais elementos (ainda que secundrio ou tercirio).
Aperfeioando, portanto, a questo acima: o que acontece quando o
processo de eleio utilizado como forma de manter uma ditadura ou o grupo j
dominante no poder?
Um antigo ditador (que chegou ao poder por meio de um golpe militar), em
razo da eficincia de seu governo ou carisma pessoal, poder obter a aquiescncia
popular e, assim, se manter no poder, quando da aplicao do maquinrio
democrtico. Isso significa que no possvel falar em um DNA democrtico ou
totalitrio, mas sim em condies e circunstncias democrticas ou totalitrias do
governo. Nesse sentido, um governo ou governante totalitrio pode simplesmente
tornar-se democrtico se a sua escolha passar pelo processo ou procedimento que a
caracteriza com tal.
No Brasil, h o exemplo de Getlio Vargas. Seu primeiro mandato presidencial
que compreende o perodo entre 3 de novembro de 1930 e 29 de outubro de
1945 foi obtido por meio de uma revoluo, que resultou na deposio do ento
presidente eleito, Washington Lus. Embora Getlio houvesse participado da eleio
promovida em 1o de maro de 1930, que definiria o substituto de Washington Lus,
quem logrou a vitria nas urnas foi seu concorrente, Jlio Prestes. Posteriormente,
um segundo mandato, porm, foi obtido por Getlio Vargas por meio das urnas,
tendo sido eleito em 3 de outubro de 1950.
Nelson Mandela, por exemplo, lanou mo da luta armada, na dcada de
19605, para fazer oposio ao Governo ento vigente. E em 1994 foi eleito presidente.
____________________
Muitas destas variaes partem de premissas iguais; quero, aqui, apenas destacar a variedade
classificatria existente.
5
Como consequncia, certo, proibio, pelo ento Governo ber, do Congresso Nacional
Africano.
4

23

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

No caso citado por Rutherford, a irmandade muulmana, nada obstante o


seu incio violento, chegou ao Parlamento por meio de um processo democrtico
(1993, p. 321-324).
Ou seja, se, ao fim do processo eleitoral, houver a manuteno de um
Estado ou governante cuja ascenso inicial, pr-eleitoral, havia ocorrido pela fora,
este fato no ser suficiente, por si s, para afastar a legitimidade democrtica do
novo Governo ou o prprio valor da Democracia realizada por meio das eleies.
O mesmo, contudo, no ocorre quando o processo eleitoral passa a ser
apenas um jogo de cena, de forma que no haja uma efetiva competio entre os
aspirantes ao poder, mas apenas um teatro, uma mera representao de uma pea
cujo enredo j est previamente escrito, em que se sabe, de antemo, o destino
de cada um dos atores, e cujo propsito apenas satisfazer uma plateia (interna
ou internacional), mais preocupada com a cenografia do que com aquilo que
efetivamente ocorre no palco.
Est a se falar, aqui, de um processo eleitoral fraudulento e injusto, momento
em que o maquinrio democrtico empregado no para proporcionar a escolha
legtima do lder, mas sim para legitimar um lder j escolhido. No h, nesses casos,
eleio, mas sim uma fraude, por meio de uma eleio aparente.
A existncia de ocorrncias espordicas deste processo eleitoral fraudulento,
certo, representa apenas um desvio de percurso. E exigir um processo puro, sem
tais defeitos, seria, nas palavras de Schumpeter, almejar um ideal inexistente (2006,
p. 271). O problema, porm, passa a merecer maior ateno quando a exceo se
torna, na prtica de muitos estados, a regra, levando a uma inafastvel crise da
legitimao eleitoral.
A seguir, h um mapeamento de pases que viram seus ltimos processos
eleitorais questionados por ocorrncia de fraude eleitoral. Os questionamentos, a
seguir relatados, apresentaram dimenses muito dspares, mas tiveram o processo
eleitoral sempre como o centro das acusaes.

2 ELEIES E FRAUDE
No final de agosto de 2009, o Afeganisto passou por eleies presidenciais,
marcadas por ameaas de grupos extremistas, como o Talib6, os quais denominavam
o processo eleitoral como um ato de propaganda americano.7 No se trata,
____________________
Cf. Attacks, fear weaken Afghan voter turnout. Disponvel em: <http://www.msnbc.msn.com/
id/32470364/ns/world_news-south_and_central_asia/>.Acesso em: 20.09.2009.
7
Cf. Comeam eleies no Afeganisto, publicado em 20.09.2009 em G1. Disponvel em: < http://
g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1273696-5602,00.html>.Acesso em: 20.10.2009.
6

24

H uma crise de legitimao eleitoral no mundo?

certo, das primeiras eleies presidenciais ocorridas nesse pas. Em 9 de outubro


de 2004, Hamid Karza, lder do maior grupo tnico do pas (pashtuns), foi eleito
pela Loya Jirga, assembleia da qual participam chefes tribais, de cls e delegados
representantes das diversas etnias que compem o pas. Assim como ocorrera em
2004, as eleies de 2009 foram marcadas por denncias de fraude8. Tais denncias
foram suscitadas, principalmente, por observadores externos9, como, por exemplo,
pelo ento chefe adjunto das Naes Unidas, Peter Galbraith. Kai Eide, chefe da
misso da ONU no Afeganisto, naquele momento, em virtude das acusaes de
Gabraith no sentido de que estaria acobertando as irregularidades, admitiu a
ocorrncia de fraude generalizada na eleio presidencial de agosto de 2009.10
Segundo estimativas, 1,5 milho de cdulas teriam sido fraudadas, sendo que
80% destas beneficiavam o presidente eleito, Hamid Karza11. No final de outubro,
a Comisso Eleitoral Independente do Afeganisto anunciou o resultado definitivo
da eleio presidencial. Imps-se a ocorrncia de um segundo turno, porquanto,
uma vez desconsiderados os votos fraudados, Hamid Karza no alcanou os 50%
dos votos necessrios a uma vitria em primeiro turno12. Nas palavras de Karza,
[o]correram irregularidades e tambm deve ter ocorrido fraude. Mas a eleio foi
boa e justa e digna de elogio, no do desdm que a eleio recebeu da imprensa
internacional, que me deixou infeliz e com raiva.13
Em 12 de junho de 2009, houve eleies presidenciais tambm no Ir.
O pas rabe, nada obstante o fato de ter sido o pas que mais realizou eleies
presidenciais nos ltimos trinta anos 10 eleies, com seis presidentes eleitos, um
pas no qual se apontam deficincias democrticas, supostamente em razo de ser
o Estado guiado pela Religio.
____________________
Em 2004, 14 dos 18 candidatos solicitaram o cancelamento do pleito, em razo de uma suposta
fraude eleitoral.
9
Cf. Comisso aponta fraude eleitoral. Disponvel em: <http://veja.abril.com.br/noticia/
internacional/comissao-aponta-fraude-eleitoral-506632.shtml>. Acesso em: 21.10.2009.
10
Cf. Diplomata da ONU v fraude generalizada nas eleies afegs. Folha de So Paulo, 12
out. 2009, p. A4.
11
Cf. Afeganisto anuncia nesta tera resultado final da eleio. Disponvel em: <http://www.estadao.
com.br/noticias/internacional, afeganistao-anuncia-nesta-terca-resultado-final-da-eleicao,453425,0.
html>.Acesso em: 20.10.2009. A diferena de Karzai seria de 15% em relao ao seu candidato mais
prximo (47,3% e 32,6%), cf. Afghan election fraud row mounts. Disponvel em: <http://news.bbc.
co.uk/2/hi/south_asia/8236450.stm>. Acesso em: 20.10.2009.
12
Cf. Presidente afego questiona rgo que investiga fraude eleitoral. Disponvel em:
<http:www.estadao.com.br/noticias/geral,presidente-afegao-questiona-orgao-que-investigafraude-eleitoral,449961,0.html>. Acesso em: 20.10.2009.
13
Dentre os indcios que ensejaram a suspeita de fraude estavam a velocidade da apurao dos
votos e o fato de a regio de Mousavi ter dado vitria ao seu opositor, cf. Sem provas de fraude,
especialistas apontam indcios de manipulao no Ir. Disponvel em: <http://www1.folha.uol.
com.br/folha/mundo/ult94u581869.shtml>. Acesso em: 20.10.2009.
8

25

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

O resultado do pleito atribuiu a vitria ao j presidente, Mahmoud


Ahmadinejad, por 63% dos votos contra 34% de seu principal opositor, Mir
Hossein Mousavi. Cioso quanto legitimidade da contagem de votos, Mousavi e
os demais candidatos derrotados apresentaram queixas ao Conselho de Guardies,
instituio responsvel por supervisionar e ratificar o processo eleitoral14. Embora
esta instituio, em recontagem de votos, tenha identificado fraude em cerca de
trs milhes de votos (dentre as 39,2 milhes de cdulas eleitorais), confirmou o
resultado, destacando que o nmero de votos fraudados no seria suficiente para
alterar o resultado obtido nas urnas15, em razo da diferena de 11 milhes de votos
entre Ahmadinejad e Mousavi. Como resultado ao processo eleitoral questionado,
houve manifestaes e represses violentas.
Para alm do Oriente Mdio, o maquinrio democrtico, dizer, o
processo eleitoral e seu resultado, enfrenta as mesmas contestaes e problemas,
demonstrando a sua fragilidade global e no tpica.
Na Amrica Latina, mais precisamente no Equador, as eleies de 2006
foram marcadas, igualmente, por denncias de fraude. A rpida ascenso do
candidato conservador, lvaro Noboa, bem como a demora de mais de dois dias para
se computar os votos suscitaram dvidas, principalmente no ento candidato de
esquerda, Rafael Correa, quanto ocorrncia de fraude eleitoral16. Nas eleies de
2009, foi a vez deste ltimo ser acusado por seu principal opositor, Lucio Gutierrez,
de ter cometido fraude eleitoral no processo que resultou em sua reeleio17.
Ainda em 2006, mas na Amrica do Norte, as eleies presidenciais do Mxico,
realizadas em 2 de julho, e vencidas pelo candidato conservador Felipe Calderon,
foram objeto de contestaes pelo candidato de esquerda, Andres Manuel Lopez
Obrador, que restou vencido pela diferena de 0,57 pontos percentuais (35.88%
v. 35.31%), menos de 244 mil votos. Dentre as diversas acusaes levantadas, que
envolviam inclusive o patrocnio governamental a Calderon18, estava a de que
alguns distritos eleitorais haviam recebido um nmero maior de votos do que o
registrado. Inobstante as suspeitas levantadas pelo candidato derrotado, a Unio
Europeia destacou que seus observadores no encontraram nenhum indcio de
____________________
Cf. Ahmadinejad pede unidade depois de distrbios que dividiram o Ir. Disponvel: <em http://
www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u605243.sthml>. Acesso em: 20.10.2009.
15
Cf.<http://edition.cnn.com/2009/WORLD/meast/06/19/iran.timeline/index.html>. Acesso em:
20.10.2009.
16
Cf. Eleies no equador vo para o segundo turno. Disponvel em:
<http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2006/10/061016_equador_chirinos_crg.
sthml>. Acesso em: 20.10.2009.
17
Cf. Ecuadors Correa claims re-election win. Disponvel em: <http://edition.cnn.com/2009/
WORLD/americas/04/26/ecuador.election>. Acesso em: 20.09.2009.
18
Cf. Fraud Video Claim in Mexico Poll. Disponvel em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/
americas/5167420.stm>. Acesso em: 20.09.2009.
14

26

H uma crise de legitimao eleitoral no mundo?

irregularidade19. Posteriormente, o Tribunal Eleitoral Federal rejeitou a acusao


de fraude20. O processo de confirmao, contudo, foi turbulento, com intensas
manifestaes21, e o resultado final, na sociedade, foi o de um pas politicamente
dividido.
Ressalte-se que problemas eleitorais tampouco se restringiram a pases com
prvia tradio ditatorial ou caudilhista, como os pases chamados perifricos na
Amrica latina.
Os prprios Estados Unidos da Amrica enfrentaram srias acusaes de
fraude eleitoral nas eleies de 2000, das quais resultou a vitria, amplamente
questionada, de George W. Bush perante o seu opositor, Al Gore. Embora Al Gore
tivesse obtido uma quantidade superior de votos populares (50.999.897 em face dos
50.456.002 votos de Bush), Bush obteve a maioria dos colgios eleitorais (271 contra
266 de Al Gore). Ressalte-se que, inobstante o carter peculiar do sistema eleitoral
presidencial norte-americano, no qual so os votos amealhados nos colgios
eleitorais que importam para a eleio do Presidente e no o da populao em si, a
legitimidade da eleio de Bush no foi questionada em razo do nmero inferior
de votos populares, mas em razo das dvidas que cercaram a contagem de votos
na Flrida, naquela poca governada pelo seu irmo, Jeb Bush (1999-2007).
Em virtude da autonomia (aos estados-membros) concedida (rectius:
reconhecida desde a origem federativa) pela Constituio dos EUA (art. II, 1, clusula
2), o Estado da Flrida adota o sistema winner-take-all, sendo que neste modelo
o candidato mais votado obtm a totalidade dos votos daquele colgio eleitoral
(25 votos). Embora Bush tivesse obtido a maioria de votos (48,8%), a margem de
diferena em face de Gore era de apenas 1.784 votos, que representavam menos
de 0,5% do nmero total de votos. A legislao da Flrida, neste caso, impe uma
recontagem automtica, que foi realizada. Ao fim da recontagem, a diferena de
votos caiu para 327. Em pedido formulado por Gore, legalmente admitido, exigiu-se
a recontagem manual de votos em quatro distritos, Volusia, Palm Beach, Broward
e Miami-Dade, os quais, por determinao legal, teriam que entregar os resultados
at 7 dias aps a eleio (14 de novembro). Palm Beach, Broward e Miami-Dade
no conseguiram cumprir com o prazo e a justificativa pelo atraso no foi aceita
pela Secretria de Estado da Flrida. A Suprema Corte da Flrida determinou,
primeiramente, a extenso do prazo, para 26 de novembro, e, posteriormente a
____________________
Cf. Fraud Video Claim in Mexico Poll. Disponvel em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/
americas/5167420.stm>. Acesso em: 20.09.2009.
20
Cf. Mexico court rejects fraud claim. Disponvel em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/5293796.stm>.
Acesso em: 21.09.2009.
21
Cf. Mexico candidate claiming fraud. Disponvel em: <http://www.washingtonpost.com/wpdyn/content/article/2006/07/09/AR2006070900217_pf.html>. Acesso em: 21.09.2009.
19

27

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

recontagem dos votos, com base no argumento de que os possveis votos vlidos
existentes dentre os 9.000 votos no computados pelas mquinas poderiam
alterar o resultado da eleio naquele estado. Ambas as decises foram suspensas
pela Suprema Corte dos EUA (Bush v. Palm Beach e Bush v. Gore), destacando a
inconstitucionalidade do processo de recontagem de votos. No houve qualquer
deciso final dos tribunais a respeito da existncia ou no de fraude eleitoral.
Diversos acadmicos questionaram a legitimidade da deciso da Suprema
Corte, dentre os quais Alan Dershowitz, o qual afirmou que a deciso proferida no
caso sobre a eleio da Flrida pode ser elencada como a mais corrupta deciso na
histria da Suprema Corte, porque a nica que eu tenho conhecimento em que a
maioria dos juzes decidiu da forma como decidiram por conta de suas identidades
pessoais e afiliaes polticas quanto aos litigantes (2001, p. 174), ou at mesmo
doutrinadores estrangeiros, como Carlos Blanco de Morais (2002, p. 319), que reputa
a deciso no caso Bush v. Gore, como um paradigma to patolgico como at
humilhante. Rotunda, por outra banda, afirmou que a deciso em apreo no foi,
em certo sentido, surpreendente, porquanto acompanhou uma srie de precedentes
quanto manipulao de resultados eleitorais (2003, p. 1).

3 CRISE DA LEGITIMAO ELEITORAL E CONTROLE DO PROCESSO


ELEITORAL
No se pode, peremptoriamente, afirmar que o processo eleitoral se
encontra em crise apenas em razo das fraudes que o acometem. Em todos os casos
analisados, houve liberdade na formao de candidaturas e grupos discordantes
foram tratados como opositores polticos e no como inimigos de Estado. sociedade
foi atribuda a responsabilidade e o poder de escolher seus representantes.
Mas h outras variveis, conforme visto, que podem infirmar a legitimidade
eleitoral (como a atribuio de maior importncia a outra dimenso da democracia
ou as crticas prpria capacidade do eleitor, apenas para citar algumas hipteses).
Contudo, no h como negar que a existncia recorrente de fraudes eleitorais
desempenha um efetivo papel no processo de deslegitimao do processo eleitoral
e de seu resultado, bem como de seu modelo democrtico geral. Haveria, porm,
formas de se combater este mal e, assim, reinserir dignidade ao maquinrio
democrtico?
Nos pases acima citados, as acusaes de fraude foram apreciadas por
rgos de controle. No Afeganisto, a Comisso Eleitoral Independente do
Afeganisto, composta por representantes internos e externos, ficou responsvel
por promover apreciar as denncias de fraude. No Ir, houve a atuao do Conselho
dos Guardies. O resultado eleitoral no Mxico foi chancelado pelo Tribunal Eleitoral
28

H uma crise de legitimao eleitoral no mundo?

(tal como ocorre no Brasil, por meio da Justia Eleitoral, rgo especializado do
Poder Judicirio). Nos Estados Unidos, houve a atuao do Judicirio.
Contudo, invariavelmente, os resultados que estes rgos alcanam no so
suficientes para dissipar a nvoa de dvidas que cerca a legitimidade do candidato
eleito. Pelo contrrio. Argumenta-se que, uma vez compostas por pessoas vinculadas
ao regime vencedor ou ao oposicionista vencido, o mesmo processo de verificao,
levado a efeito pelos entes de fiscalizao, poder resultar maculado (vide o caso
Bush vs. Gore). Mas no s. H um ntido choque entre aspectos de relevo poltico
e social com elementos tcnicos do processo judicial, elementos estes muitas vezes
insuficientes para pacificar a sociedade. preciso, nesses casos, que as instituies
responsveis pela certificao e controle eleitoral sejam reconhecidas, em suas
decises, pela sociedade, independentemente do resultado. Ainda assim possvel
que a tcnica utilizada seja constantemente questionada politicamente, ou utilizada
para fins polticos, ou, ainda, deturpada politicamente.
Como consequncia, outros mecanismos foram idealizados e aplicados.
o caso, por exemplo, da votao de sada, traduo literal do mecanismo exit
poll, simulao eleitoral realizada por entidades independentes que abordam os
eleitores, individualmente, aps terem proferido os seus votos, com o propsito de
verificar a semelhana entre o resultado oficial anunciado com aquele amealhado
pela entidade. Verificaes como esta foram realizadas nas eleies do Mxico, em
1994 e 2000, Rssia e Srvia.
No referendo realizado na Venezuela, em 2004, acerca do processo de recall
do Presidente Hugo Chavez, uma exit poll foi realizada pela empresa Penn, Schoen
& Berland, com o seguinte resultado: 59% dos eleitores seriam favorveis ao recall,
enquanto 41% seriam contrrios. O resultado oficial foi o oposto: 58% dos votos pr
Chavez e 42 contra Chavez. Em face desta discrepncia, sugeriu-se a ocorrncia de
fraude eleitoral, por meio da manipulao das urnas eletrnicas22, no confirmada
por observadores internacionais23 e cuja contestao no foi levada adiante.
No mesmo ano, em eleies promovidas na Ucrnia, o resultado do pleito
eleitoral, em segundo turno, sinalizou a vitria de Viktor Yanukovych, ento
Primeiro-Ministro e apoiado pelo governo, como vencedor do pleito Presidncia,
contra Viktor Yushchenko. Assim como ocorrido na Venezuela, o resultado oficial
____________________
Cf. Exit Polls in Venezuela. Disponvel em:
<http://www.usnews.com/usnews/opinion/baroneweb/mb_040820.htm>. Acesso em: 20.10.2009.
23
Vide, como exemplo, o relatrio da NORDEM - Norwegian Resource Bank for Democracy and
Human Rights. Disponvel em: <http://docs.google.com/gview?a=v&q=cache:rVP3-2SO4xIJ:www.
humanrights.uio.no/forskning/publikasjoner/nordem-rapport/2004/13.pdf+Venezuelan+electi
on+fraud+2004+and+judicial+decision&hl=pt-BR&gl=br&sig=AFQjCNHJCh-lEPC0LtnDL3g9fRP_
uLfemQ>. Acesso em: 21.09.2009.
22

29

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

divergia fortemente do resultado apurado pelo exit poll. Este apontava a vitria de
Viktor Yushchenko por uma diferena de 11%. O resultado oficial atribuiu a vitria
a Yanukovych por uma diferena de 3%24. Como no poderia deixar de ocorrer,
levantaram-se suspeitas de fraude eleitoral, seguida de intensa manifestao popular
contra e a favor do presidente eleito. Embora a Comisso Eleitoral Central tenha
confirmado a legitimidade do resultado, sob a suspeita de ter atuado ativamente
no processo de fraude, a Suprema Corte da Ucrnia suspendeu o resultado25 e,
posteriormente, determinou novas eleies. Nestas, Yushchenko obteve 51.99%
dos votos, e Yanukovych 44.20%. Neste caso, percebe-se que o exit poll serviu
como importante instrumento de comparao/parmetro para a verificao da
legitimidade do resultado oficial. certo, porm, que a atuao da Suprema Corte,
ao contrrio do que ocorreu na Venezuela, teve um papel essencial na reverso do
resultado. Ressalte-se, porm, que a posse de Yushchenko no pacificou o pas. Em
2006, aps Yushchenko dissolver o parlamento, Yanukovych foi nomeado PrimeiroMinistro pelo prprio Yushchenko, em razo da dificuldade deste em obter maioria
no Parlamento26, em uma clara tentativa de formar um gabinete de coalizao,
tendo sido premi por um breve perodo de 2006. Contudo, nas eleies presidenciais
de 7 de fevereiro de 2010, concorreu novamente Yanukovych, agora tendo como
principal opositora Yulia Tymoschenko, que era premi desde 2007 e que aps ter
apoiado Yanukovych na Revoluo Laranja, no pleito de 2004, havia rompido
politicamente com este, para ser premi na Presidncia de Yushchenko. Yushchenko
foi derrotado nessas eleies e Yanukovych finalmente assumia o poder, em um
pleito que foi considerado regular, e cuja vitria j havia sido preanunciada pelas
pesquisas de boca-de-urna. Tymoschenko, contudo, durante o processo eleitoral,
acusou Yanukovych de preparar novas fraudes. A Comisso Central de Eleies da
Ucrnia no considerou a acusao da candidata derrotada em segundo turno,
Yulia Tymoschenko, que, apesar da recomendao do Presidente eleito, recusava-se
a deixar o cargo de Primeira-Ministra.
Pavol Demes, diretor do German Maschall Fund em Bratislava e supervisor
do Programa do instituto para a Europa Central e do Leste, em entrevista concedida
nas ltimas eleies considerou que Yushchenko fracassou como presidente, mas
eu acho que a culpa tambm do sistema poltico da Ucrnia. Todo mundo concorda
que eles precisam de uma reforma constitucional. A diviso de poderes no clara.
E a relao entre poderes econmicos e polticos tambm confusa.27
____________________
Cf. The orange revolution. Disponvel em: <http://www.time.com/time/europe/html/041206/
story.html>. Acesso em: 21.10.2009.
25
Cf. Disponvel em: < http://news.bbc.co.uk/2/hi/4042979.stm>. Acesso em: 21.10.2009.
26
Cf. New bloc backs Ukraine president. Disponvel em: <http://news.bbc.co.uk/2/hi/
europe/6929336.stm>. Acesso em: 21.10.2009.
27
Folha de S.Paulo, 7 fev. 2010, Mundo, p. A20.
24

30

H uma crise de legitimao eleitoral no mundo?

Em 2006, na Itlia, a exit poll contribui para atribuir legitimidade s eleies


presidenciais ento ocorridas. A mesma instituio que atuou nas eleies de 2004,
na Venezuela, PSB, foi contratada pelo ento Primeiro-Ministro, Silvio Berlusconi,
sob o argumento de que as pesquisas apresentadas favoreciam o grupo oposicionista
de esquerda, encabeado por Romano Prodi. Em pesquisas de exit poll, os resultados
sinalizaram a vitria, apertada, de Prodi, confirmada pelo anncio oficial (49,8%
contra 49,7% de Berlusconi uma diferena de apenas 25.000 votos dentre um total
de 38 milhes)28.
Nada obstante este fato, Berlusconi levantou dvidas quanto
legitimidade do resultado obtido nas urnas29. A questo chegou Suprema
Corte italiana, que reconheceu o resultado das eleies. Posteriormente, em
documentrio produzido por um jornalista investigativo e pelo editor do Dirio,
peridico de influncia esquerdista, sugeria-se a realizao de fraudes eleitorais
pelo prprio derrotado30.
Esse mtodo de apreciao, porm, no imune s mesmas crticas e
aos mesmos vcios que podem ocorrer na prpria votao. Questiona-se, assim, a
imparcialidade dos auditores internacionais, como ocorreu, para se valer de um caso
recente j referido anteriormente, no Afeganisto. Em 20.10.2009, cumpre tambm
registrar, um dos membros internos do Comit Eleitoral Independente renunciou,
sob o argumento de que o organismo estava sob controle dos membros estrangeiros
nomeados pela ONU31.
Um modelo de votao eletrnica, com um avanado sistema antifraude
e um acompanhamento rigoroso dos prprios partidos polticos envolvidos,
como ocorre no Brasil, constitui uma frmula que procura, em especial, evitar
a crise de deslegitimao eleitoral ps-eleies, decorrente de possibilidades
de acusaes de fraude por candidatos derrotados. A prpria celeridade que
esse modelo atinge na proclamao do resultado final um fator relevante no
contexto democrtico.

____________________
Cf. Italian election too close to call. Disponvel em: <http://www.guardian.co.uk/world/2006/
apr/10/italy>. Acesso em: 21.10.2009.
29
Cf. Berlusconi disputes Prodi election victory. Disponvel em: <http://www.dailymail.co.uk/news/
article-382615/Berlusconi-disputes-Prodi-election-victory.html>. Acesso em: 21.10.2009. Vide,
tambm, Claims of fraud in italian election. Disponvel em: <http://www.theaustralian.news.com.
au/story/0,20867,20824976-2703,00.html>. Acesso em: 21.10.2009.
30
Cf. Claims of fraud in italian election. Disponvel em: <http://www.theaustralian.news.com.au/
story/0,20867,20824976-2703,00.html>. Acesso em: 21.10.2009.
31
Cf. Juiz da comisso de investigao afeg sobre fraude eleitoral renuncia, disponvel em: <http://
veja.abril.com.br/agencias/afp/veja-afp/detail/2009-10-12-560940.shtml>. Acesso em: 20.10.2009.
28

31

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

4 SEMELHANAS E DISTINES ENTRE OS CASOS APONTADOS:


ALGUMAS CONCLUSES
Invariavelmente, a mera acusao de fraude eleitoral suficiente para
colocar em xeque a legitimidade dos eleitos, produzindo um cenrio de ruptura
institucional e, em casos extremos, como no Ir, de verdadeira insegurana.
Em meu mapeamento, mesmo pases com forte tradio democrtica,
como Estados Unidos da Amrica e Itlia, estiveram envolvidos em firmes acusaes
de fraude. Isso revela que a suposta crise, se houver, no tpica das jovens
democracias, no decorrendo de sua inexperincia no manuseio dos institutos e
instrumentos de carter democrtico. Mas o mesmo problema ocorreu em pases
com um recente histrico democrtico, como Mxico (dominado pelo PRI). Assim
tambm Equador, Venezuela e Ucrnia e Afeganisto, bem como naqueles em que
a Religio desempenha papel essencial na gesto do poder, como o caso do Ir.
Os motivos da recorrncia dessa fraude eleitoral so incertos.
Em alguns pases aqui citados, em especial Equador e Itlia e, nas ltimas
eleies, na Ucrnia, as suspeitas de fraude foram levantadas sem que houvesse
indcios claros de fraude. Talvez aqui se revele a faceta de tentativas desesperadas
de alcanar o poder, com acusaes vazias que no merecem ser respeitadas. Mas
como distingui-las das acusaes de contedo? No Equador, a demora no processo
de contagem de votos e a ascenso inesperada do candidato opositor ensejaram
as suspeitas levantadas pelo posteriormente eleito Rafael Correa, mas no houve
qualquer procedimento posterior visando a confirmar a ocorrncia da fraude.
Na Itlia, mesmo com o reconhecimento das diversas projees apontando
uma vitria apertada do candidato de oposio, o partido no poder questionou a
legitimidade do pleito, acusao esta afastada posteriormente pelo Judicirio.
Em sntese, a alegao de fraude, por vezes, parece fazer parte da retrica
democrtica de alguns partidos ou polticos, como uma nova e recorrente
ferramenta de ataque ao opositor e ao resultado no desejado pelo seu acusador.
Trata-se mais propriamente de um tema a ser contextualizado na liberdade de opinio
e informao, e seus limites democrticos. Contudo, preciso ponderar que tambm
surge como o incio de um processo de deslegitimao do partido vencedor, com vistas
ao sucesso no pleito seguinte. Seu propsito pode ser sistematizado, em linhas gerais,
como pretendendo: (i) deslegitimar o meu opositor; (ii) reconfortar o meu eleitor; (iii)
suscitar dvida no eleitor inseguro e incerto quanto ao seu posterior voto.
H dvidas igualmente presentes no processo de apurao e confirmao
das fraudes. Em alguns pases, alguns instrumentos serviram para despertar o
32

H uma crise de legitimao eleitoral no mundo?

alerta quanto ocorrncia de fraudes ou equvocos no processo de contagem


de votos. Na Venezuela, na Ucrnia (eleies de 2004) e nos Estados Unidos, por
exemplo, os indcios surgiram aps: (i) a constatao de uma ampla divergncia
entre os resultados obtidos por observadores externos (Venezuela e Ucrnia) e os
resultados oficiais divulgados (no caso dos dois primeiros pases) e; (ii) um processo
de recontagem estabelecido por lei, em casos de pequena diferena de votos
(Estados Unidos da Amrica do Norte).
Semelhantemente aos casos acima, no Afeganisto, o questionamento
legitimidade do resultado eleitoral foi levantado principalmente por observadores
estrangeiros, enviados para analisar e fiscalizar o processo eleitoral.
J em outros pases analisados, a suspeita foi engatilhada no por um
instrumento formal de apurao, mas sim, em grande parte, pela desconfiana
mtua que os competidores nutriam entre si (no que este elemento no estivesse
presente nos demais casos). No Ir, por exemplo, o fato de o resultado das urnas da
regio da qual era proveniente o opositor, Mir Hossein Mousavi, no ter produzido
um resultado naturalmente favorvel, alimentou as incertezas quanto
legitimidade da eleio.
Em sntese, as expectativas quanto ao nmero de votos que cada candidato
espera receber servem como um parmetro precrio, certo de controle da
legitimidade das eleies.
Outros elementos podem ser agregados a esta expectativa, auxiliando na
formao do juzo de uma suposta fraude. Tem-se, por exemplo, a posio do eleito.
ele o candidato do Governo ou da Oposio?
Esta varivel estava presente na denncia de fraude apresentada por
Obrador no Mxico. Caldern era candidato do ento Presidente Fox, que j havia
sido acusado de manipular a mquina estatal em favor de seu candidato.
Por fim, interessante notar que na maioria dos casos houve a atuao de
um suposto rgo de controle e que o Judicirio deve ser o receptculo natural
desse tipo de anlise nas sociedades ocidentais.
Com vistas a sistematizar alguns pontos comuns e divergentes entre os casos
mencionados, segue, abaixo, uma tabela comparativa.
Pas

Indcios de
Fraude/Origem

Beneficiado

Controle/Como

Confirmao da Fraude/
Resultado

Afeganisto

Sim/ Observadores
internacionais.

Candidato do Governo.

Sim. Comisso
Eleitoral
Independente do
Afeganisto.

1,3 milho de votos fraudados/


Ocorrncia de segundo turno.

Ir

Sim/Oposio.

Candidato do Governo.

Sim. Conselho dos


Guardies.

3 milhes de votos fraudados/


Manuteno do resultado.

33

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

Pas

Indcios de
Fraude/Origem

Beneficiado

Controle/Como

Confirmao da Fraude/
Resultado

Equador

Sim/Oposio.

Governo deposto.

____

Sem processo de verificao/


Acusador ganhou a eleio em
segundo turno.

Mxico

Sim/Oposio.

Candidato do Governo.

Sim. Poder
Judicirio.

Sem confirmao/ recontagem


parcial dos votos e manuteno
do resultado.

Venezuela

Sim/Observadores
externos (exit poll)
+ oposio.

Candidato do Governo.

_____

No houve processo formal/


Manuteno do Resultado.

Ucrnia (2004)

Sim/Observadores
externos (exit poll)
+ oposio.

Candidato do Governo.

Sim. Comisso
Eleitoral Central +
Poder Judicirio.

Reconhecimento da fraude pelo


Poder Judicirio/Ocorrncia de
2o turno.

Itlia

Sim/Vencido.

Candidato da oposio.

Sim. Poder
Judicirio.

No se reconheceu existncia
de fraude/ Manuteno do
resultado.

EUA

Sim (erros na
contagem de voto)/
Vencido.

Candidato da Oposio
(Porm, o Estado da Flrida
era governado pelo irmo
e membro do Partido do
beneficiado.

Embora a Justia Estadual


tenha determinado a
Sim. Poder Judicirio recontagem dos votos, a
(Estadual e Federal). Justia Federal determinou
sua inconstitucionalidade/
Manuteno do Resultado.

Para encerrar, cumpre registrar que a higidez do processo eleitoral


essencial para a manuteno da legitimidade do Governo eleito. Os mtodos ou
ferramentas necessrios para assegurar a perfeio deste processo, contudo, no
deixam de enfrentar suas prprias crticas e esto a merecer uma maior ateno e
cuidado.
Nada impede que o controlador esteja sujeito mesma parcialidade que
acometeu o processo eleitoral questionado. O Conselho dos Guardies, a Comisso
Eleitoral Independente do Afeganisto e a Suprema Corte dos EUA, por exemplo,
foram alvos de fortes crticas e questionamentos quanto sua imparcialidade na
apurao da fraude.
Mas talvez seja impossvel e irreal almejar um processo perfeito,
hermeticamente fechado e imune a contestaes. Primeiro, porquanto um processo
que envolve milhes de pessoas, regies inacessveis e inspitas, dificilmente estar
imune a equvocos e erros que no necessariamente podem ser fruto de dolo de
uma parte em prejudicar a outra. Como, ento, diferenciar o erro da fraude?
Em segundo, o prprio processo eleitoral controverso pode ser fruto da
dinmica social de um pas. Nenhum dos pases aqui agrupados apresenta plena
coeso social e dificilmente um pas democrtico pode ser considerado socialmente
uniforme, principalmente quando passa por um processo eleitoral. Nas sociedades
hipercomplexas da atualidade, a disparidade entre posies ideologicamente
aceitveis e compostas politicamente tende, ao final das eleies, no a regredir,
mas a se acentuar. A polarizao entre Democratas e Republicanos e a divergncia
de manifestaes acima apresentada bem demonstra o maremoto poltico que
acomete os Estados Unidos da Amrica e que certamente influencia a maneira como
34

H uma crise de legitimao eleitoral no mundo?

o seu processo eleitoral perseguido e como o seu resultado final absorvido (ou
no) pela mesma sociedade.
Na Ucrnia, por exemplo, superado o problema da fraude de 2004 e
empossado o Governo de Direito, por assim dizer, houve, num curto espao de
dois anos, duas novas eleies no Parlamento, sendo que em uma delas, o prprio
fraudador foi nomeado Primeiro-Ministro pelo ento prejudicado Yushchenko,
embora por um curto perodo, para em seguida retornar como Presidente eleito.
Se correto assumir que a fraude no processo eleitoral produz instabilidade
social e uma insegurana j no ponto inicial de construo do Governo a ser
respeitado, no menos acertada a concluso de que a fraude eleitoral surge em
circunstncias j instveis, de fragmentao do poder, sendo difcil diferenciar a
causa da consequncia.
Talvez no seja o caso de concluir por uma crise da legitimao eleitoral, mas
sim de aceitar tais solavancos como variveis normais da Democracia nas sociedades
atuais. Afinal, no a maneira de administrar o Poder que polmica, mas sim o
seu prprio objeto, o poder.

35

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

REFERNCIAS
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36

PROPAGANDA ELEITORAL e sua incidncia


Walber de Moura Agra1
Carlos Mario Da Silva Velloso2
Discorre sobre a aplicao da legislao na propaganda eleitoral na imprensa escrita, no rdio,
na televiso e na internet. Apresenta a classificao da propaganda poltica nas modalidades
de propaganda eleitoral, partidria e institucional, estabelecendo as diferenas conceituais
e prticas das propagandas eleitoral e partidria. Informa que a primeira se realiza em
momentos pr-eleitorais, com inteno da conquista de votos nos pleitos, e a segunda
permanente e busca continuamente divulgar ideias da agremiao para cooptar militantes
e simpatizantes. A propaganda institucional a publicidade de atos, obras, campanhas,
servios de rgos pblicos, com finalidade educativa, informativa ou de orientao social.
Ressalta que a legislao eleitoral regulamenta detalhadamente a propaganda eleitoral
para que seja realizada de maneira paritria pelos candidatos, na tentativa de evitar o abuso
do poder econmico.

Palavras-chave: Propaganda eleitoral; imprensa escrita; rdio; televiso; internet.

1 Propaganda poltica e sua classificao


Utilizando-se de metfora usada por Terence Shimp, pode-se dizer que a
propaganda um conjunto de atividades com o objetivo de transferncia de valores
entre um partido poltico ou candidato e seus eleitores. A propaganda poltica
difere dos demais tipos de propaganda, como, por exemplo, da mercadolgica
voltada para o consumo porque tem finalidade diversa, consistente no objetivo
de interferir nas decises tomadas pela organizao poltica institucionalizada,
atinge todas as classes sociais, independentemente de nvel cultural ou econmico,
encontra-se minudentemente regulamentada por legislao especfica e veiculada
com gratuidade pelo rdio e pela televiso. Ela se subdivide em propaganda
eleitoral, partidria e institucional.
A propaganda eleitoral difere da propaganda partidria, que possui o
objetivo de explicar as ideias das agremiaes e procurar adeses a seus pontos
de vista ideolgicos. Ambas so espcies do gnero propaganda poltica, a qual
____________________
Mestre pela UFPE. Doutor pela UFPE/Universit degli Studi di Firenze. Ps-Doutor pela
Universit Montesquieu Bordeaux IV. Diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Constitucionais
(IBEC). Professor universitrio da Universidade Catlica de Pernambuco. Procurador do Estado de
Pernambuco.
2
Ministro aposentado. Foi presidente do Supremo Tribunal Federal (1999-2001) e do Tribunal
Superior Eleitoral (1994-1996 e 2005-2006). Professor emrito da UnB e da PUC Minas. Advogado.
1

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

abrange perodos eleitorais e perodos no eleitorais, consistindo em todas as


manifestaes em que os cidados expem seus pontos de vista acerca do manuseio
da coisa pblica.
Enquanto a primeira se realiza em momentos pr-eleitorais, com vistas a
conquistar o maior nmero possvel de votos nos pleitos, a segunda tem constncia
permanente, buscando de forma contnua divulgar as ideias da agremiao
para cooptar mais militantes e simpatizantes. So regulamentadas tambm por
instrumentos normativos diversos: a primeira encontra disposio na Lei no 9.504/97
(Lei Eleitoral) e a segunda se alicera na Lei no 9.096/95 (Lei dos Partidos Polticos).
Alm dessas duas espcies mencionadas, existe a propaganda institucional,
tambm pertencente ao gnero propaganda poltica, que a publicidade de atos,
obras, campanhas, servios de rgos pblicos, cuja finalidade deve ter carter
educativo, informativo ou de orientao social.3
A propaganda eleitoral a realizada pelos candidatos para que possam
ganhar as eleies. De acordo com as lies do Professor Pinto Ferreira, ela se
configura como uma tcnica de argumentao e apresentao ao pblico, organizada
e estruturada de tal forma a induzir concluses ou pontos de vista favorveis a
seus anunciantes. Defluindo de uma liberdade fundamental, livre expresso de
pensamento, ultrapassa o sentido exclusivo de mecanismo de captao de votos pelo
candidato, constituindo-se componente de grande utilidade no processo eleitoral
para propiciar a dialtica no pleito disputado, o que permite aos eleitores, diante
do antagonismo de propostas, verificar qual a mais factvel com seus interesses.
Como representa uma ferramenta poderosssima para garantir a adeso
dos cidados, podendo mesmo fazer com que acontecimentos falsos assumam a
veste de verdadeiros, a legislao eleitoral optou por regul-la em suas minudncias,
de modo que possa ser realizada de maneira paritria a todos os candidatos, na
tentativa de evitar o abuso do poder econmico.
Essa tarefa configura-se um tanto complexa pela dificuldade de se definir
precisamente o conceito de propaganda eleitoral. Djalma Pinto afirma que seu
conceito deve compreender todo o mecanismo de divulgao de um candidato
destinado a convencer o eleitor a sufragar seu nome no dia da votao, podendo
ser feita pelo candidato ou pelo partido. Ajuda a delimitar seu conceito o critrio
____________________
Agravo regimental. Recurso especial eleitoral. Propaganda institucional. Chefe do Poder
Executivo. Conduta vedada. Caracterizao. 1. Deve ser comprovada a autorizao ou prvio
conhecimento da veiculao de propaganda institucional, no podendo ser presumida a
responsabilidade do agente pblico (AI no 10.280/SP, rel. Min. Marcelo Ribeiro, DJE de 14.9.2009,
e REspe no 25.614/SP, rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 12.9.2006). Contudo, no h se falar em
presuno no caso em debate. TSE, AgR-REspe no 36.251, rel. Min. Flix Fischer, DJE 10.3. 2010.

38

Propaganda eleitoral e sua incidncia

temporal, j que antecede a perodos no eleitorais, e o critrio teleolgico, pois


ambiciona conquistar o voto dos eleitores para o candidato que a veicula. Por meio
do contedo da propaganda eleitoral, os participantes do pleito buscam conquistar
o apoio dos cidados, tentando convenc-los de que as propostas defendidas so
as melhores para a sociedade, utilizando-se muitas vezes de argumentos capciosos.
Ela pode ser direta, quando expressamente menciona a finalidade eleitoral,
inclusive designando o cargo pleiteado; ou dissimulada, quando no h meno
clara disputa eleitoral, mas faz-se apologia s qualidades do pretenso candidato.
Ressalve-se que a jurisprudncia dominante entende que a mera divulgao do
nome do cidado com o trabalho por ele realizado em prol de determinado setor da
sociedade, sem nenhum tipo de referncia a candidatura ou eleies, no caracteriza
propaganda eleitoral antecipada nem torna passvel a aplicao de multa.

2 Propaganda eleitoral
A permisso para sua realizao comea a partir do dia 6 de julho do ano
da eleio, cinco dias depois da data-limite para a realizao das convenes, que
o dia 30 de junho. Qualquer tipo de propaganda eleitoral realizada antes ilcita,
exceo daquela denominada intrapartidria.
Conveno o procedimento regido pelo estatuto de cada agremiao para
decidir quais candidatos disputaro o pleito eleitoral. Depois de serem ungidos por
essa deciso, providencia-se a solicitao do registro eleitoral. Quando o nome no
consensual, a escolha decidida pelo voto dos convencionais, razo pela qual permitiu
a legislao a realizao de propaganda intrapartidria. A Justia Eleitoral entende
que ela permitida para cooptar apoio dos convencionais a determinados candidatos,
restringindo-se sua abrangncia pela especificao do eleitorado almejado.
Dessa forma, a Lei Eleitoral permite ao postulante a candidato, na
quinzena anterior escolha partidria, a utilizao de propaganda interna a seus
correligionrios com a finalidade da indicao de seu nome na conveno (art.
36, 1o, da Lei no 9.504/97). Entretanto, veda-se a utilizao de rdio, televiso ou
outdoor porque sua abrangncia se limita aos convencionais, cidados que votam
nos pleitos partidrios, e tambm porque a utilizao de rdio, televiso e outdoor
desequilibra o resultado da escolha partidria em prol daqueles que tm maior
poder econmico.
Propaganda intrapartidria uma espcie de propaganda eleitoral,
diferenciando-se em virtude de seu alcance reduzido. Ela se destina apenas aos
cidados que vo participar da conveno, os convencionais, na tentativa de cooptar
votos para os candidatos que desejam ser aclamados pela escolha partidria.
Permite-se o envio de mensagens aos convencionais e a fixao de cartazes e faixas
39

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

perto do local de votao; por outro lado, impede-se a utilizao de rdio, televiso
e outdoors (art. 1o, 1o, da Resoluo no 22.261/2006).
Devido propaganda eleitoral, no segundo semestre do ano do pleito
no se veicula propaganda partidria gratuita, nem se permite qualquer tipo de
propaganda poltica paga no rdio e na televiso. Caso haja descumprimento dessas
proibies, o responsvel pela divulgao e seu beneficirio, quando comprovado
seu prvio conhecimento, sujeitar-se- pesada multa ou ao equivalente ao custo
da propaganda, se for maior (art. 36 da LE). Frise-se que o beneficirio tem que ter
conhecimento da publicidade, sendo requisito inafastvel sua comprovao, sob
pena de no se configurar qualquer tipo de ilcito.
Toda publicidade poltica realizada aps o dia 5 de julho do ano da eleio
considerada como legal, devendo, entretanto, atender aos requisitos expostos
normativamente. No caso de propaganda de candidatos a cargos majoritrios,
devero constar, tambm, o nome dos candidatos a vice ou a suplentes de senador,
de modo claro e legvel, em tamanho no inferior a 10% do nome do candidato
a titular (art. 36, 4o, da Lei no 9.504/97). O no cumprimento dessa obrigao,
tambm sujeita os responsveis ou seu beneficirio, quando comprovado seu
conhecimento, a multa no valor de R$5.000,00 a R$25.000,00, ou ao equivalente ao
custo da propaganda, se este for maior.
Como no se dava nfase nas propagandas eleitorais exposio dos nomes
dos vices e suplentes de senador, emergiu essa nova regra, visando a possibilitar
ao eleitor saber em quem est votando para, eventualmente, ocupar o mandato
poltico. A principal razo para essa disposio reside nos cargos de suplentes de
Senador, que assumem frequentemente o mandato, sem que o eleitor saiba, na
hora da eleio, quem so esses cidados, ensejando que pessoas sem nenhuma
densidade intelectual e moral possam concorrer a esses cargos.
Em bens particulares, independentemente de obteno de licena municipal
e de autorizao da Justia Eleitoral, autorizada a veiculao de propaganda
eleitoral por meio da fixao de faixas, placas, cartazes, pinturas ou inscries,
conquanto no excedam ao tamanho de 4m e que no contrariem a legislao
eleitoral, sujeitando-se o infrator s penalidades previstas de multa e de restaurao
do bem (art. 37, 2o, da Lei no 9.504/97).4
____________________
Localizao. Via pblica. No caracterizao. Propaganda em bem pblico. Ausncia de
prequestionamento do art. 37, 1o, da Lei no 9.504/97. Dissdio jurisprudencial no configurado.
Reiterao de argumentos j apresentados. Agravo desprovido. I Os agravantes no aportaram
aos autos qualquer fato capaz de afastar os fundamentos da deciso agravada. II O fato de o
aparato do outdoor estar localizado em via pblica no o caracteriza como bem pblico, por se
tratar essencialmente de bem de natureza particular. TSE, AgR-REspe no 35.414, rel. Min. Ricardo
Lewandowski, DJe 16.3.2010.
4

40

Propaganda eleitoral e sua incidncia

Mantendo a desnecessidade de licena municipal e de autorizao da


Justia Eleitoral, a inovao trazida pelo regramento eleitoral foi a de determinar,
legalmente, uma medida mxima especfica que dever ser respeitada pelas
propagandas em bens particulares: 4m2. A mens legis dessa limitao foi evitar
a poluio visual, fenmeno mais acentuado em anos eleitorais, que maculam a
beleza esttica das cidades, alm de tirar a ateno dos motoristas. de se salientar
que, caso haja a realizao de propaganda irregular em bens particulares, por
exceder ao limite mximo permitido, a mera retirada delas no tem o condo de
alijar a aplicao da sano de multa.
Para a averiguao da obedincia ao limite de 4m2, a propaganda deve ser
considerada como um todo, e no isoladamente. Assim, mesmo sendo formada por
uma concatenao de diversas propagandas menores, a propaganda total no pode
exceder ao limite legal. o caso, por exemplo, de outdoors, formado pela juno de
vrias publicidades menores. Nesse caso, o que deve ser considerado o tamanho
total daquele, em virtude de seu efeito visual nico. Atente-se que essa mensurao
da propaganda eleitoral deve ser feita exclusivamente na primeira instncia, pois
sua comprovao em segunda instncia se mostra impossvel, em razo da Smula
no 279 do Supremo Tribunal Federal.
Ainda com relao propaganda em bens particulares, restou estabelecido
que ela deve ser espontnea e gratuita, sendo vedado qualquer tipo de pagamento
e troca de espao para essa finalidade (art. 37, 8o, da Lei no 9.504/97). A teleologia
desta norma a de se evitar o comrcio de propagandas em bens particulares,
propiciando aos candidatos com menor poder econmico igual possibilidade de
veiculao de publicidade, bem como o fortalecimento do exerccio substancial da
cidadania e, por conseguinte, da prpria democracia.
No caso de propaganda eleitoral em imvel particular locado, surgindo
conflito entre opes polticas do locador e do locatrio, dever ser garantida
a preferncia deste ltimo, por estar ele na posse do bem. A legislao veda
a possibilidade de qualquer tipo de publicidade em bens de uso comum e
naqueles a que a populao em geral tem acesso, tais como cinemas, clubes,
lojas, centros comerciais, templos, ginsios, estdios, ainda que de propriedade
privada (art. 37, 4o, da Lei no 9.504/97). Qualquer tipo de propaganda eleitoral,
no importando a forma ou intensidade como ela veiculada, nesses bens,
expressamente proibida.
Os bens pblicos so divididos em trs espcies: bens de uso comum,
destinados populao em geral, como rios e mares; bens de uso especial, aqueles
que possuem uma finalidade especfica, como os hospitais; e os bens dominicais,
de propriedade das pessoas de direito pblico interno (art. 99 do Cdigo Civil de
2002).
41

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

A redao posta atualmente, afastando-se da sistemtica civilstica, descurouse, assim, de abranger os bens de uso especial e os dominicais, que, juntamente com
os comuns, so tambm classificados de bens pblicos. Desse modo, para que no
se chegue a consequncias prticas esdrxulas de, por exemplo, no se autorizar
publicidade poltica em uma praa, mas a permitir em um hospital, deve-se dar
expresso bens de uso comum o significado de bens de uso pblico, abrangendo
todos os imveis e mveis utilizados pelo poder pblico.
Faz-se necessrio ressaltar que essa vedao tambm se aplica aos bens
particulares, cujo uso ou explorao dependa de cesso ou permisso do Poder
Pblico. Ento, todas as empresas concessionrias ou permissionrias, como empresas
de nibus ou faculdades privadas, esto impedidas de veicular propaganda eleitoral.
At mesmo em estabelecimentos comerciais, incluindo seus estacionamentos, ainda
que pagos, que so propriedades privadas de acesso pblico, vedado promover
qualquer tipo de propaganda eleitoral.
Consubstanciando essa extenso, registre-se o entendimento do Tribunal
Superior Eleitoral no sentido de que tambm se considera vedada a veiculao de
propaganda eleitoral em txis, que, mesmo sendo bens particulares, prestam servio
pblico por meio de concesso do poder pblico.
Inovao importante foi a extenso dessa vedao aos locais onde a
populao tem acesso de forma coletiva, como cinemas, estdios, clubes, hospitais
particulares, igrejas, dentre vrios outros exemplos.5 Nesse sentido, o TSE fixou
entendimento de que bem de uso comum, para fins eleitorais, compreende tambm
os privados abertos ao pblico. Alberto Rollo fala que a finalidade da extenso do
conceito de bens pblicos para os privados, cujo acesso seja destinado populao
em geral, evitar que o eleitor seja surpreendido por propagandas em locais nos
quais no est acostumando a receb-las: estudando, divertindo-se, buscando
atendimento mdico etc.
____________________
Cuida-se de recurso especial interposto pela Coligao Melhor para So Bernardo contra o
v. acrdo proferido pelo Tribunal Regional Eleitoral de So Paulo, assim ementado: Recurso
eleitoral. Propaganda eleitoral em bem de uso comum - Mantida a deciso de ilegitimidade
passiva de um dos representados porquanto no se tratava de candidato a cargo poltico ou
responsvel pela organizao do evento. Manifestao poltico-partidria em auditrio de
universidade. Local fechado, de acesso restrito aos convidados para o evento. No caracterizada
a utilizao de bem de uso comum para fins de propaganda eleitoral - Inteligncia do art. 13
da Resoluo-TSE no 22.718/2008. [...] considero que o art. 37, caput, da Lei no 9.504/97 no foi
violado pois, conforme se extrai do acrdo recorrido, o evento o qual, registre-se, sequer foi
descrito na base ftica do acrdo, no foi realizado em bem de uso comum, a que a populao
em geral tem acesso (fl. 180). Conforme se extrai do v. acrdo: o evento foi realizado nas
dependncias de uma universidade, porm, em um auditrio especfico, previamente alugado
pelo partido poltico (fls. 45-46), local cujo acesso era restrito a convidados (fl. 47). TSE, REspe
no 35.551/SP, rel. Min. Flix Fischer, DJE 26.2.2010.
5

42

Propaganda eleitoral e sua incidncia

Nas rvores e nos jardins localizados em reas pblicas, bem como em


muros, cercas e tapumes divisrios, no permitida a colocao de propaganda
eleitoral de qualquer natureza, mesmo que no lhes cause dano (art. 37, 5o, da Lei
no 9.504/97). Esta regra vem a explicitar mais ainda a vedao sobre a publicidade
em locais pblicos, especificamente em rvores e jardins.
permitida a colocao de cavaletes, bonecos, cartazes, mesas para
distribuio de material de campanha e bandeiras ao longo das vias pblicas, desde
que mveis e que no dificultem o bom andamento do trnsito de pessoas e veculos
(art. 37, 6o, da Lei no 9.504/97). A colocao desses objetos s possvel de ser
realizada se eles forem mveis e, ainda, no obstarem o trnsito normal de veculos
e pessoas.
Para que no surja dvida sobre a utilizao desses objetos, a prpria
legislao eleitoral determina o que se entende por mvel: objetos cuja colocao e
retirada se d entre as seis e as vinte e duas horas (art. 37, 7o, da Lei no 9.504/97).
Assim, no basta a simples aplicao do conceito de bem mvel para que a
propaganda seja considerada mvel. necessrio que a propaganda seja removvel
dentro do interregno das seis s vinte e duas horas.
pena de multa inerente propaganda eleitoral irregular, quando essa
A
tiver mais de um responsvel, deve ser aplicada de forma solidria, abrangendo
seus autores ou beneficirios, e no de forma individual, j que dessa forma poderia
ser criada um bis in idem, possibilitando uma dupla punio pelo mesmo fato.
Considerar a multa publicidade extempornea atravs da incidncia individual
exacerbaria a sano imposta, sem se ater aos parmetros de justia, relegando sua
funo educativa.
de se salientar que, nessa hiptese, deve restar demonstrado o prvio

conhecimento do beneficirio da propaganda, para que ele no seja atacado


atravs de meras presunes. Assim era a inteligncia da Smula no 17 do
TSE, j revogada: No admissvel a presuno de que o candidato, por ser
beneficirio da propaganda eleitoral irregular, tenha prvio conhecimento de
sua veiculao.
A propaganda eleitoral extempornea, realizada fora de seu prazo
especfico, ou seja, antes do dia 5 de julho, sujeita quem a realizar e o seu beneficirio,
quando comprovado seu prvio conhecimento, multa no valor de R$5.000,00 a
R$25.000,00, ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior (art.
36, 3o, da Lei no 9.504/97). Com a nova legislao eleitoral, o valor da multa
deixou de ser aferido em UFIR para uma quantia ajustada diretamente moeda
corrente, varivel de R$5.000,00 a R$25.000,00, se o valor da prpria propaganda
extempornea no for maior que ela.
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Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

No se deve confundir propaganda extempornea com propagada


intrapartidria. Esta ltima realizada dentro do mbito partidrio por seus filiados
com o intento de convencer os demais correligionrios a escolher determinados
pr-candidatos para a disputa dos cargos eletivos. A propaganda intrapartidria
no poder ser dirigida para o pblico em geral, deve ser restrita aos integrantes
dos partidos. Caso ocorra esta exteriorizao, estar-se- caracterizada a propaganda
extempornea. Muito embora, o TSE tolera a propaganda realizada fora dos limites
do local da realizao da conveno partidria.
A propaganda eleitoral antecipada, alm de criar desigualdades entre os
candidatos, viola regras de arrecadao e aplicao de recursos nas campanhas
eleitorais e pode camuflar o abuso do poder econmico e poltico.6
O Tribunal Superior Eleitoral entende que ocorre propaganda antecipada
quando ela levar ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a
candidatura, a ao poltica ou as razes que levem a inferir que o beneficirio
seja o mais apto para a funo pblica. Mas, antes das convenes, principalmente
quando houver disputa, configura-se necessrio permitir a captao lcita dos votos
dos filiados. Assim, dirimindo eventuais dvidas sobre quais condutas poderiam
ser consideradas propaganda eleitoral antecipada, determinou-se aquelas que no
teriam essa caracterizao, adotando um critrio de excluso. Desse modo, no ser
considerada propaganda eleitoral antecipada:
a) a participao de filiados a partidos polticos ou de pr-candidatos em
entrevistas, programas, encontros ou debates no rdio, na televiso e na internet,
inclusive com a exposio de plataformas e projetos polticos, conquanto no haja
pedido de votos, observado pelas emissoras de rdio e de televiso o dever de
conferir tratamento isonmico aos pr-candidatos. Nesta situao a tipificao da
propaganda antecipada consiste na caracterizao de seu elemento ftico: o pedido
de voto por parte do pr-candidato. O legislador no objetivou impedir o acesso aos
meios de comunicao por parte dos filiados ou dos pr-candidatos e, sim, que eles
utilizem tais aes com o escopo de angariar, expressamente, votos;
____________________
Agravo regimental. Recurso especial. Propaganda eleitoral antecipada. No configurao.
Desprovimento. 1. A referncia reduo da jornada de trabalho sem reduo do salrio como
instrumento gerador de emprego e de qualidade de vida, longe de se referir ao poltica
de determinado candidato, revela verdadeiro posicionamento do partido em relao a temas
poltico-comunitrios, conduta legtima nos termos da jurisprudncia do e. TSE (RP no 869/DF,
rel. Min. Cesar Asfor Rocha, DJ de 11.4.2007; ARP no 917, rel. Min. Ari Pargendler, publicado
em sesso de 6.9.2006). 2. Ao contrrio do que afirma o agravante, no houve meno a pleito
futuro, cargo eletivo pretendido, ao poltica a se desenvolver ou exposio de motivos pelos
quais os beneficirios da propaganda sejam considerados os mais aptos ao exerccio de funo
pblica, logo, descabe sustentar a ocorrncia de propaganda eleitoral dissimulada. TSE, AgRREspe no 35.025, rel. Min. Flix Fischer, DJE 24.3.2010.
6

44

Propaganda eleitoral e sua incidncia

b) a realizao de encontros, seminrios ou congressos, em ambiente


fechado, a expensas dos partidos polticos, para tratar da organizao dos processos
eleitorais, planos de governos ou alianas partidrias visando s eleies. No se
caracteriza como propaganda extratempornea as reunies partidrias que tenham
como objetivo o desenvolvimento de programas eleitorais. Esses encontros no
tm como fim, de forma imediata, o pedido explcito de votos, sua finalidade o
desenvolvimento de projetos polticos que sero realizados posteriormente, com a
ascenso ao poder. Caso ocorra a exteriorizao explcita do pedido de votos, estarse- caracterizada a propaganda ilcita;
c) a realizao de prvias partidrias e sua divulgao pelos instrumentos
de comunicao intrapartidria;
d) a divulgao de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que
no se mencione a possvel candidatura, ou se faa pedido de votos ou de apoio
eleitoral (art. 36-A, I, II, III, e IV, da Lei no 9.504/97).
Nesta hiptese, o que se probe o pedido expresso de votos e no a
divulgao das atividades parlamentares. Proibir essa divulgao seria impedir a
comunicao entre os parlamentares e seus eleitores e, consequentemente, coibir o
julgamento de suas atuaes. Fora dessas modalidades, a publicidade que atingir o
eleitorado, levando-o a crer na existncia de um efetivo pedido de voto, configura-se
como propaganda antecipada, devendo sofrer as sanes legais.
Considera-se tambm propaganda ilcita a propaganda antecipada que visa
macular a imagem poltica de outro pretenso candidato reeleio, divulgando
atos pejorativos quanto a sua imagem; da mesma forma, irregular a propaganda
eleitoral intempestiva, que visa buscar apoio e sentimento de compaixo junto ao
eleitorado, atravs de meios de comunicao.
De toda sorte, a propaganda eleitoral antecipada no s ocorre de modo
direto, no qual h uma clarividente veiculao de publicidade voltada a obter votos
para candidatos ou apoio para partidos polticos. Esse tipo de propaganda tambm
pode acontecer atravs de mensagens subliminares, mediante um pedido implcito de
voto, camuflado em outra roupagem propagandstica. Para se aferir se uma publicidade
realmente encerra caractersticas de propaganda eleitoral indireta, no se deve reduzir
anlise apenas de seu texto ou de suas imagens. preciso que se atente para o
contexto em que est inserida, bem como os demais elementos por ela aventados.
A utilizao de pgina pessoal dos candidatos na Internet no caracteriza
propaganda extempornea, quando eles a utilizam para mostrar suas atividades e
sua biografia. caracterizada como propaganda irregular quando, veiculada antes
do perodo eleitoral, contenha pedido de votos e indicao do cargo almejado. A
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Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

divulgao de atividade parlamentar em stio da Internet, nos trs meses anteriores


ao pleito, no caracteriza, por si s, propaganda irregular.
De maneira semelhante propaganda direta, a indireta que seja realizada
antes do prazo legal ser considerada ilcita, sujeitando, portanto, os seus
responsveis s mesmas sanes aplicadas quela.7
Na prtica, abriu-se, ento, amplo espao para que os candidatos a
candidatos realizassem movimentaes polticas a fim de atrair adeso a suas
eventuais candidaturas, bem como levar ao conhecimento do eleitorado o nome
daqueles que pretendem disputar a eleio. Muitas tm sido as decises, em todo
o Brasil, que definem como propaganda extempornea a utilizao de outdoors,
antes do dia 5 de julho, com o nome de futuros candidatos saliente-se que na
poca eleitoral proibida a propaganda poltica em outdoors. Resta cada vez mais
ultrapassada a jurisprudncia que considerava essa veiculao como promoo
pessoal, principalmente quando elas aparecem em anos eleitorais.
De outra banda, a propaganda exercida nos termos da legislao eleitoral
no poder ser objeto de multa nem cerceada, sob alegao do exerccio do poder
de polcia ou de violao de norma municipal (art. 41, caput, da Lei no 9.504/97).
Atente-se que a garantia serve somente propaganda poltica realizada dentro dos
marcos legais, no protegendo aquela que afronta o arcabouo normativo. Caso
haja qualquer tipo de cerceamento ao direito de publicidade, o ofendido, valendose da prerrogativa constitucional da universalidade de jurisdio, poder peticionar
ao Poder Judicirio para que o seu direito seja garantido.
O TSE, por meio da Instruo no 131, da Resoluo no 23.191, de 11.1.2010,
estabeleceu parmetro geral para veiculao de propaganda poltica: qualquer que
seja a sua forma ou modalidade, ela dever mencionar sempre a legenda partidria
e s poder ser feita em lngua nacional, no devendo empregar meios publicitrios
destinados a criar, artificialmente, na opinio pblica, estados mentais, emocionais
____________________
Segundo se extrai dos autos, o requerido foi entrevistado, ao vivo, por telefone, em programa
jornalstico (Jornal da Record ) transmitido por emissora de televiso do municpio de Pontes e
Lacerda (MT), no dia 10.8.2006, por volta das 12h, com imagem esttica em destaque, e, ao fundo,
com mapa do estado de Mato Grosso. O tema era a provvel instalao de agncia da Caixa
Econmica Federal no municpio. Antes da entrevista, que durou cerca de cinco minutos, foram
feitas chamadas das reportagens mais relevantes do programa jornalstico, entre elas a referida
matria. Segundo o recorrente, os fatos narrados consubstanciariam prtica de propaganda
eleitoral ilcita, de forma subliminar, com uso indevido do meio de comunicao, pois teria
ele, requerido, enaltecido seu trabalho como parlamentar durante o colquio. [...] Assim, no
vislumbro que nica entrevista, de cinco minutos, por telefone, em uma emissora do interior,
sobre provvel inaugurao de agncia bancria, sem nenhuma meno a pedido de voto,
candidatura ou s eleies, tenha tido potencialidade de desequilibrar a disputa eleitoral para
deputado federal no estado de Mato Grosso. TSE, RCED no 668/MT, rel. Min. Joaquim Barbosa,
DJE 26.6.2009.
7

46

Propaganda eleitoral e sua incidncia

ou passionais (art. 5o). Este dispositivo uma mera reproduo literal do art. 242,
caput, do Cdigo Eleitoral.
Do mesmo modo, no ser tolerada propaganda:
a) de guerra, de processos violentos para subverter o regime, a ordem
poltica e social, ou de preconceitos de raa ou de classes;
b) que provoque animosidade entre as Foras Armadas ou contra elas, ou
delas contra as classes e as instituies civis;
c) de incitamento de atentado contra pessoa ou bens;
d) de instigao desobedincia coletiva ao cumprimento da lei de ordem
pblica;
e) que implique oferecimento, promessa ou solicitao de dinheiro, ddiva,
rifa, sorteio ou vantagem de qualquer natureza;
f) que perturbe o sossego pblico, com algazarra ou abuso de instrumentos
sonoros ou sinais acsticos;
g) por meio de impressos ou de objeto que pessoa inexperiente ou rstica
possa confundir com moeda;
h) que prejudique a higiene e a esttica urbana;
i) que caluniar, difamar ou injuriar qualquer pessoa, bem como atingir
rgos ou entidades que exeram autoridade pblica;
j) que desrespeite os smbolos nacionais (art. 14, incisos I a X, da Instruo
n 131, Resoluo do TSE no 23.191, de 11.1.2010).
o

Nas dependncias do Poder Legislativo, a veiculao de propaganda


eleitoral fica a critrio da Mesa Diretora, que em sua regulamentao no pode
privilegiar determinados candidatos em detrimento de outros (art. 37, 2 o e 3o,
da LE).
Independe da obteno de licena municipal ou de autorizao de qualquer
rgo da Justia Eleitoral, a veiculao de propaganda eleitoral consistente na
distribuio de folhetos, volantes e outros impressos.
Todo material impresso de campanha eleitoral dever conter o nmero de
inscrio no Cadastro Nacional da Pessoa Jurdica (CNPJ), do nmero de inscrio no
Cadastro de Pessoas Fsicas (CPF), do responsvel pela confeco, bem como de quem
a contratou, e a respectiva tiragem (art. 38, 1o da Lei no 9.504/97). Com a nova Lei
Eleitoral, os folhetos, os volantes e outros impressos, de modo geral todo material
47

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

de publicidade, devem constar o nmero do CPF ou do CNPJ do responsvel pela


sua confeco e daquele que o contratou, bem como a quantidade de sua tiragem.
Assim, facilitado o controle sobre sua utilizao, podendo ser responsabilizado
aquele que a realizou ilicitamente.
uando a propaganda de diversos candidatos for conjunta, por meio de
Q
material impresso, os gastos relativos a cada um deles devero constar na respectiva
prestao de contas, ou apenas naquela relativa ao que houver arcado com os custos
(art. 38, 2o, da Lei no 9.504/97). Desse modo, para que no se omitam informaes
sobre os gastos com propagandas polticas, o que facilitaria a prtica de fraudes,
a prestao de contas de cada candidato deve conter informaes sobre a quantia
empregada para a realizao das propagandas, ou, ento, s a prestao daquele
que sozinho arcou com as despesas.
Toda propaganda realizada de responsabilidade dos partidos e por eles
paga, imputando-lhes solidariedade nos excessos praticados por seus candidatos e
adeptos (art. 241 do CE). Planteia a Smula no 18 do Tribunal Superior Eleitoral que
a Justia Eleitoral no pode instaurar de ofcio procedimento para apurar ilcito em
propaganda eleitoral nem aplicar a multa correspondente. Todavia, o princpio da
inrcia judicial no pode ser tomado de forma absoluta, em face da supremacia
do interesse pblico evidenciado pelo processo eleitoral. Sustenta o Professor
Fvila Ribeiro que no desempenho de suas atividades no podem os rgos da
Justia Eleitoral depender da provocao dos interessados, cabendo-lhes tomar as
providncias compatveis com as exigncias do momento para a manuteno do
respeito e do clima de tranquilidade que o pleito eleitoral exige.
Desse modo, a Justia Eleitoral no tem o escopo de censurar previamente
propaganda poltica veiculada, mas atuar para impedir que as regras eleitorais sejam
flagrantemente desrespeitadas. Decidindo a Justia pela ilegalidade da propaganda
eleitoral, e sendo esta repetida, consumar o ilcito de recusa ou embarao a
cumprimento de diligncias, ordens ou instrues da Justia Eleitoral (art. 347 do CE).
A propaganda lcita corrobora com o pluralismo poltico e a democracia
porque enseja que tanto populao possa conhecer as propostas dos aspirantes a
mandatrios polticos, como possibilita a estes a oportunidade de conseguir a adeso
de um maior nmero de cidados a suas ideias. Ela ainda fomenta o debate poltico,
fazendo com que diante do choque de programas, a populao possa escolher as
melhores propostas para solucionar os problemas que lhe afligem.8 Assim, devido a
essas razes, tendo a propaganda eleitoral obedecido aos parmetros previstos na
____________________
1. No caracterizam desvio de finalidade da propaganda partidria crticas feitas administrao
atual, as quais tm pertinncia com o iderio poltico do partido. TSE, AgR-AI no 10.948/PR, rel.
Min. Arnaldo Soares, DJE 13.3.2010.

48

Propaganda eleitoral e sua incidncia

legislao, no subsistem motivos para cerce-la. Desde que seja lcita a propaganda,
sob qualquer de suas modalidades, a ningum dado impedi-la, inutiliz-la, alterla ou perturb-la, por qualquer argumento. Considera-se crime eleitoral a conduta
que assim se configurar.
O acrscimo da nova Lei Eleitoral foi a determinao, de forma explcita,
de que a propaganda lcita no pode tambm ser mitigada por alegao de
violao de postura municipal. A houve o estabelecimento de certa hierarquizao
normativa, dando prioridade s normas eleitorais, em virtude do mbito especfico
de sua proteo, para que essa prerrogativa no seja mitigada por mandamentos
municipais, muitos dos quais, desarrazoados e autoritrios.
O poder de polcia compreende as providncias necessrias para inibir
prticas ilegais, sendo vedada a cesura prvia sobre o teor dos programas a serem
exibidos na televiso, no rdio ou na internet. Este poder de polcia ser exercido
pelos juzes eleitorais e pelos juzes designados pelos tribunais regionais eleitorais
(art. 41, 1o e 2o, da Lei no 9.504/97).
A propsito, o poder de polcia pode ser entendido como a faculdade de
que dispe a Administrao Pblica para regulamentar, impondo condies para o
uso de bens, atividades e direitos, em benefcio da coletividade ou na consecuo dos
interesses estatais. Outrossim, o Cdigo Tributrio Nacional apresenta uma definio
mais completa a respeito do assunto, afirmando ser o poder de polcia a atividade
da administrao pblica que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou
liberdade, regula a prtica de ato ou absteno de fato, em razo de interesse pblico
concernente segurana, higiene, ordem, aos costumes, disciplina da produo
e do mercado, ao exerccio de atividades econmicas dependentes de concesso ou
autorizao do Poder Pblico, tranquilidade pblica ou ao respeito propriedade e
aos direitos individuais ou coletivos (art. 78, do Cdigo Tributrio Nacional).
Para evitar a prtica de condutas desarrazoadas e ilegtimas por parte dos
agentes pblicos, com relao ao controle sobre a publicidade eleitoral, a legislao
atual veda expressamente a censura prvia sobre as mesmas, que um instrumento
tpico das ditaduras para se perpetuarem no poder. O artifcio da censura prprio
de regimes totalitrios, no se compatibilizando com o Estado Democrtico de
Direito. Tendo em vista as nefastas consequncias que ela pode produzir, pois
inibe a liberdade de expresso, a liberdade de informao, o pluralismo poltico e,
sobretudo, a democracia em si mesma, deixou-se clara a vedao a sua utilizao.
Ainda, para extirpar as dvidas sobre quem poder exercer o poder de
polcia, imps-se que esta funo caberia exclusivamente aos juzes eleitorais e
aos juzes indicados pelos Tribunais Regionais Eleitorais. Por outras palavras, o que
a legislao eleitoral afirma que a polcia ou a autoridade do poder municipal
49

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

no decide; quem decide sobre a legalidade da propaganda e a necessidade ou


convenincia de limit-la ou proibi-la so os juzes e tribunais eleitorais. Pelo
sentido empregado pela legislao, ficam terminantemente interditadas restries
que partam de rgos administrativos.
No dia das eleies, permite-se a manifestao individual e silenciosa da
preferncia do eleitor por partido poltico, coligao ou candidato, revelada
exclusivamente pelo uso de bandeiras, broches, dsticos e adesivo (art. 39-A, caput, da Lei
no 9.504/97). Para que no se obstacule o dia em que os cidados exercero seu direito
ao sufrgio, autorizou-se a manifestao individual e silenciosa do eleitor sobre sua
preferncia em relao a candidato, partido poltico ou coligao, sendo vedada, assim,
qualquer forma de manifestao coletiva, como passeatas, arrastes, carreatas, etc.
Essa manifestao individual e poltica s pode ser realizada atravs dos
meios taxativamente estipulados: bandeiras, broches, dsticos e adesivos, sob
pena de essa regra perder sua utilidade prtica e, de uma simples manifestao
individual, transplantar-se para uma atuao coletiva, que, de certo, comprometeria
o escorreito processo de votao. Note-se que no houve a liberao de camisas
com estampas do candidato.
Ainda nessa linha, considera-se vedada, no dia do pleito, at o trmino do
horrio de votao, a aglomerao de pessoas portando vesturio padronizado, bem
como os instrumentos de propaganda referidos acima, de tal modo a caracterizar
manifestao coletiva, com ou sem utilizao de veculos (art. 39-A, 1o, da Lei
no 9.504/97). Esta nova vedao deveu-se porque, caso houvesse uma padronizao
do vesturio de vrias pessoas, fazendo aluso a determinado candidato, partido
poltico ou coligao, restaria constatada verdadeira manifestao coletiva, uma
ostensiva manifestao de apoio, o que seria um artifcio contrrio determinao
dessa regra.
Do mesmo modo, no recinto das sees eleitorais e juntas apuradoras,
proibido aos servidores da Justia Eleitoral, aos mesrios e aos escrutinadores o uso
de vesturio ou objeto que contenha qualquer propaganda de partido poltico, de
coligao ou de candidato (art. 39-A, 2o, da Lei no 9.504/97). Tal restrio visa a
impedir que aqueles que estejam servindo Justia Eleitoral possam ter influncia
sobre o eleitor, em desprestgio ao tratamento isonmico aos candidatos; alm de que
a prpria Justia Eleitoral deve ser neutra, no optando por um ou outro candidato.
Especificamente em relao aos fiscais partidrios, nos trabalhos de
votao, s permitido que, de seu crach, conste o nome e a sigla do partido
poltico ou coligao a que sirvam, vedada a padronizao do vesturio (art. 39-A,
3o, da Lei no 9.504/97). Com esta disposio, tencionou-se coibir uma verdadeira
manifestao coletiva, de forma indireta, porquanto veda a padronizao dos fiscais
50

Propaganda eleitoral e sua incidncia

partidrios, determinando que seus crachs, e s os crachs, contenham somente a


sigla do partido poltico ou coligao a que servirem. Com o impedimento que eles
ostentem camisas padronizadas, obstaculou-se que os fiscais sejam utilizados em
manifestaes coletivas.
At com mais sentido, essa regra tambm veda a prtica da chamada boca
de urna, que Pedro Roberto Decomain define como atividade de propaganda
eleitoral de ltima hora, atravs da qual, mormente nas disputas mais acirradas, os
candidatos e cabos eleitorais abordam os eleitores, quando se encaminham para os
locais de votao, para fazer-lhes o ltimo pedido de voto. Ainda, no dia do pleito,
sero afixadas cpias desse artigo em lugares visveis nas partes interna e externa
das sees eleitorais (art. 39-A, 4o, da Lei no 9.504/97). Destarte, para facilitar
a aplicao dessas regras, bem como dar cincia ao eleitorado sobre as mesmas,
devem ser fixadas cpias do artigo da Lei das Eleies que as contempla, em lugares
visveis, interna e externamente, em todas as sees judicirias.
A realizao de qualquer ato de propaganda partidria ou eleitoral, em
recinto aberto ou fechado, no depende de licena da polcia. O responsvel pela
promoo desse ato far a devida comunicao autoridade policial com, no mnimo,
24 horas de antecedncia, para que seja garantido, segundo a prioridade do aviso,
o direito contra quem pretenda usar o local no mesmo dia e horrio (art. 39, caput
e 1o, da Lei no 9.504/97, que reproduziu ipsi litteris o art. 9o e seu 1o, Instruo
no 131, da Resoluo do TSE, no 23.191, de 11.1.2010). Se a propaganda regular,
no h motivos para cerce-la.
Este comando no significa que a autoridade policial pode exercer algum
de tipo de censura prvia sobre a realizao de propaganda poltica, mas apenas
que sua anterior comunicao se presta para garantir, justamente, a realizao desse
ato, evitando que haja outra manifestao no mesmo local, no mesmo momento.
Constitui crime, a divulgao, no dia da eleio, de qualquer espcie de
propaganda de partidos polticos ou de seus candidatos (art. 39, 5o, III, da Lei
no 9.504/97). Este dispositivo, em sua redao anterior, tipificava como crime, no
dia da eleio, a divulgao de toda e qualquer espcie de propaganda de partido
poltico ou de seu candidato, mediante publicaes, cartazes, camisas, bons,
broches ou dsticos de vestirios.
A nova lei eleitoral reduziu sua redao, contudo deu-lhe uma interpretao
principiolgica. A razo de ser dessa modificao elastecer a esfera dessa
tipificao, para abranger condutas que no se amoldavam no antigo tipo, mas,
de qualquer forma, configuram condutas que tentam aliciar a vontade do eleitor
no dia da votao. Do contrrio, o princpio da tipicidade afastaria a incidncia de
qualquer conduta destoante da moldura descrita no tipo estabelecido.
51

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

Como adverte Joel Cndido, assim porque a lei intenciona proteger


o ato de votar. Aquilo que essa norma busca assegurar tranquilidade Justia
Eleitoral, propiciando o exerccio de voto a todos os eleitores, bem como a escorreita
totalizao e escriturao dos votos.
At as vinte e duas horas do dia que antecede a eleio, sero permitidos
distribuio de material grfico, caminhada, carreata, passeata ou carro de som que
transite pela cidade divulgando jingles ou mensagens de candidatos (art. 39, 9o,
da Lei no 9.504/97). Com a estipulao deste termo final, vinte duas horas da vspera
da eleio, a nova Lei Eleitoral trouxe regra profcua para o controle da publicidade
poltica. de se felicitar esta inovao, porquanto inexistia dispositivo semelhante
na redao anterior da legislao eleitoral.
Trios eltricos s podero ser utilizados para a sonorizao de comcios,
sendo vedado seu emprego em qualquer outra hiptese (art. 39, 10, da Lei
no 9.504/97). A prtica da utilizao de trios eltricos, que era anteriormente
permitida, atestava a fora do poder econmico e contribua para desnivelar o
potencial de publicidade dos candidatos, principalmente quando servia de palco
para apresentao de grandes artistas. Sua proibio, atualmente, reside apenas
quando ele utilizado para shows, no sendo vedada sua utilizao para transmisso
dos discursos proferidos no evento eleitoral.
Urge destacar que, no caso de propagandas impugnadas que contiverem,
simultaneamente, candidatos a cargos de eleies em mbito diferentes, como,
por exemplo, candidato a Presidente da Repblica, juntamente com o candidato a
Governador de Estado, a definio de qual rgo da Justia Eleitoral ser competente
levar em considerao a esfera partidria responsvel pela publicidade. No exemplo
em tela, poder ser o TSE ou o TRE do respectivo Estado-membro. Se a propaganda
tiver advindo de diretrio partidrio regional, competente ser o respectivo TRE.
Advindo a responsabilidade das duas esferas partidrias, de forma solidria, a
competncia jurisdicional ser da instncia judiciria superior.

3 Propaganda eleitoral na imprensa escrita


At a antevspera das eleies, so permitidas a divulgao paga, na
imprensa escrita, e a reproduo na internet do jornal impresso, de at 10 anncios
de propaganda eleitoral, por veculo, em datas diversas, para cada candidato, no
espao mximo, por edio, de 1/8 de pgina de jornal padro e de 1/4 de pgina
de revista ou tabloide (art. 43, caput, da Lei no 9.504/97).
A inovao foi restringir a divulgao paga em at 10 anncios de
propaganda eleitoral, para cada candidato, em cada veculo de imprensa escrita ou
internet. Assim, tencionou-se evitar que os candidatos mais aquinhoados pudessem
52

Propaganda eleitoral e sua incidncia

inundar esses veculos de publicidade em detrimento daqueles que tm uma menor


disponibilidade financeira. Segunda alterao foi a permisso de propaganda
eleitoral na internet, na forma de jornal impresso. Manteve-se o prazo final de at
a antevspera das eleies, bem como as medidas das publicidades por pgina de
jornal, 1/8; ou de revista, 1/4.9
eve constar do anncio de propaganda, de forma visvel, o valor pago
D
pela insero (art. 43, 1o, da Lei no 9.504/97). Essa mais uma tentativa de dar
publicidade aos gastos de campanha.
inobservncia dessas regras sujeitam os responsveis pelos veculos de
A
divulgao e os partidos, coligaes ou candidatos beneficiados multa no valor
de R$1.000,00 a R$10.000,00, ou ao equivalente ao da divulgao da propaganda
paga, se este for maior (art. 43, 2o, da Lei no 9.504/97).

4 Propaganda eleitoral no rdio e na televiso


A propaganda eleitoral no rdio e na televiso se restringe ao horrio
gratuito, vedando-se de forma expressa qualquer tipo de publicidade paga (art. 44
da LE). A inteno foi impedir que veculos de rdio e televiso possam desequilibrar
o jogo eleitoral, privilegiando certos candidatos em detrimento de outros, pois esses
meios de comunicao exercem forte influncia na formao da opinio pblica.
A propaganda eleitoral gratuita na televiso dever utilizar a Linguagem
Brasileira de Sinais (Libras) ou o recurso de legenda, que devem constar obrigatoriamente
do material entregue s emissoras (art. 44, 1o, da Lei no 9.504/97). Esta uma importante
regra consagrada pela nova disciplina eleitoral, porque facilita a insero de portadores
de necessidades especiais na discusso do processo poltico, medida esta que intenciona
a concretizao de uma verdadeira democracia substancial.
Na prtica, de um modo geral, a utilizao de Libras ou de legendas nas
propagandas polticas j vinha sendo adotada, contudo, de forma voluntria. Agora,
sua utilizao passa a ser obrigatria para publicidade poltica.
____________________
Investigao judicial. Abuso de poder e uso indevido de meio de comunicao social. A averiguao
de uma nica conduta consistente na veiculao de pesquisa de opinio em imprensa escrita com
tamanho em desacordo com as normas eleitorais no enseja a configurao de abuso do poder
econmico ou uso indevido de meio de comunicao, porquanto no se vislumbra reiterao da
publicao apta a indicar a potencialidade no caso concreto, o que ponderado nas hipteses
de mdia impressa, cujo acesso depende necessariamente do interesse do eleitor, diferentemente
do que acontece com o rdio e a televiso. Tal conduta, em tese, pode configurar infringncia
norma do pargrafo nico do art. 43 da Lei das Eleies, o que, na hiptese, se confirmou, visto
que os recorrentes tiveram contra si julgada procedente representao, a fim de conden-los ao
pagamento de multa em razo do descumprimento do tamanho permitido para a publicao da
pesquisa no jornal. TSE, AgR-REspe no 35.938, rel. Min. Arnaldo Soares, DJE 10.3.2010.

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Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

No horrio reservado propaganda eleitoral, no se permitir utilizao


de comercial ou propaganda, realizada com a inteno, ainda que disfarada ou
subliminar, de promover marca ou produto (art. 44, 2o, da Lei no 9.504/97). Como
sua prpria denominao sugere, a propaganda eleitoral destinada ao fenmeno
poltico, pela qual h uma interao entre candidato e eleitor, e no para fins
comerciais. Destarte, ficou estabelecida a plena vedao utilizao de marcas e
produtos, bem como aluses a estas nas propagandas eleitorais. Pensar de modo
diferente seria fazer com que a lex mercatoria, que perfila tantos seguidores na
seara econmica, seja transplantada tambm para o debate poltico e contribua
para uma alienao total de um processo j bastante narcotizado. Tal obstculo
tem ainda a inteno de impedir a venda de espao nas propagandas polticas,
desvirtuando por completo sua finalidade.
Ser punida com multa varivel de R$2.000,00 a R$8.000,00, nos termos
do pargrafo primeiro do art. 37, a emissora que, no autorizada a funcionar
pelo poder competente, veicular propaganda eleitoral (art. 44, 3o, da Lei no
9.504/97).
Essa nova regra visa a impedir a criao de emissoras irregulares com a
finalidade especfica de realizar publicidade eleitoral. Aquelas que assim o fizerem
esto sujeitas multa referida. Entretanto, de se salientar ainda que essa regra
silencia no que concerne ao beneficirio da propaganda veiculada pela emissora
irregular, no fazendo meno sobre sua responsabilizao. A imputao de sano,
do modo como est legalmente disposta, recair somente sobre a emissora que
divulgar irregularmente a propaganda.
No sentido de impedir abusos por parte da programao normal e noticirio
de rdio e televiso, a Lei Eleitoral, a partir de 1o de julho do ano da eleio,
estabeleceu as seguintes restries:
a) transmitir, ainda que sob a forma de entrevista jornalstica, imagens de
realizao de pesquisa ou qualquer outro tipo de consulta popular de natureza
eleitoral em que seja possvel identificar o entrevistado ou em que haja manipulao
de dados;
b) usar trucagem, montagem ou outro recurso de udio ou vdeo que, de
qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligao, ou
produzir ou veicular programa com esse efeito;
c) veicular propaganda poltica ou difundir opinio favorvel ou contrria
a candidato, partido, coligao, a seus rgos ou representantes;
d) dar tratamento privilegiado a candidato, partido ou coligao;

54

Propaganda eleitoral e sua incidncia

e) veicular ou divulgar filmes, novelas, minissries ou qualquer outro


programa com aluso ou crtica a candidato ou partido poltico, mesmo que
dissimuladamente, exceto programas jornalsticos ou debates polticos;
f) divulgar nome de programa que se refira a candidato escolhido em
conveno, ainda quando preexistente, inclusive se coincidente com o nome do
candidato ou com a variao nominal por ele adotada. Sendo o nome do programa o
mesmo que o do candidato fica proibida sua divulgao, sob pena de cancelamento
do respectivo registro (art. 45).
Trucagem todo e qualquer efeito realizado em udio ou vdeo que
degradar ou ridicularizar candidato, partido poltico ou coligao, ou que desvirtuar
a realidade, beneficiando ou prejudicando qualquer candidato, partido poltico
ou coligao (art. 45, 4o, da Lei no 9.504/97). Assim, com o acrscimo deste novo
dispositivo, fica estabelecido o que se deve compreender por trucagem, pondo fim
s controvrsias sobre seu conceito; especialmente se se levar em considerao a
gama de possibilidades que a tecnologia moderna oferece para prticas que levem
candidatos, partidos polticos ou coligaes ao escrnio pblico.
Entende-se por montagem toda e qualquer juno de registros de udio ou
vdeo que degradar ou ridicularizar candidato, partido poltico ou coligao, ou que
desvirtuar a realidade e beneficiar ou prejudicar qualquer candidato, partido poltico
ou coligao (art. 45, 5o, da Lei no 9.504/97). Com a mesma finalidade da disposio
anterior, esta inovao traz o conceito de montagem, tambm referida na mesma lei.
Assim, como bem se extrai das definies trazidas acima, a trucagem ou
a montagem s estaro configuradas quando a propaganda for realizada com o
emprego de efeitos de udio ou vdeo, ou seus registros, respectivamente, e desde
que estes efeitos levem o possvel ofendido difamao pblica. Em uma dinmica
de causa-consequncia, para que a propaganda impugnada seja considerada
irregular por trucagem ou montagem, faz-se necessrio a ocorrncia desses dois
elementos: a utilizao dos recursos de udio e vdeo e a consequente marginalizao
sociopoltica do ofendido.
permitido ao partido poltico utilizar na propaganda eleitoral de seus
candidatos, em mbito regional, inclusive no horrio eleitoral gratuito, a imagem e
a voz de candidato ou militante de partido poltico que integre a sua coligao em
mbito nacional (art. 45, 6o, da Lei no 9.504/97). Este novo preceito vem consagrar
prtica que j era bastante utilizada pelos partidos polticos: a associao, nas
propagandas, dos candidatos aos seus chamados padrinhos polticos, por gozarem
de influncia sobre o eleitorado, o que possibilita, em tese, a angariao de maior
apoio dos cidados.

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Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

Essa enumerao de impedimentos relacionados no pode constituir-se


entrave liberdade de expresso; por outro lado, no podem os candidatos ser
prejudicados por predilees de proprietrios de veculos de comunicao, como j
ocorreu em passado no muito distante. O objetivo da Lei Eleitoral no impedir a
liberdade de expresso, mas proibir partidarismo dos meios de comunicao. Assim,
as restries devem ser sabiamente sopesadas para impedir abusos.
No h impedimento algum de que rdio ou canal televisivo divulguem
informaes sobre irregularidades cometidas pelos candidatos ou aes penais que
estejam sendo processadas, desde que lhes faculte direito de se pronunciar sobre
elas.
As emissoras que descumprirem essa limitao podem ter sua programao
suspensa e ser condenadas a pagamento de multa, no valor de 20 mil a cem mil
UFIRs, duplicada em caso de reincidncia (art. 45, 2o da Lei no 9.504/97).
O direito compensao fiscal das emissoras de rdio e televiso, previsto
no pargrafo nico do art. 52 da Lei no 9.096 , de 19 de setembro de 1995, e neste
artigo, pela cedncia do horrio gratuito destinado divulgao das propagandas
partidrias e eleitoral, estende-se veiculao de propaganda gratuita de plebiscitos
e referendos de que dispe o art. 8o da Lei no 9.709, de 18 de novembro de 1998,
mantido tambm, a esse efeito, o entendimento de que o valor apurado pode ser
deduzido do lucro lquido para efeito de determinao do lucro real, na apurao
do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurdica (IRPJ), inclusive da base de clculo dos
recolhimentos mensais previstos na legislao fiscal (art. 2o da Lei no 9.430, de 27 de
dezembro de 1996), bem como da base de clculo do lucro presumido (art. 99, 1o,
II, Lei no 9.504/97).
Com essa disposio, esse pargrafo foi introduzido com o objetivo
de propiciar compensaes tributrias s emissoras de rdio e de televiso que
possibilitam a veiculao de propaganda gratuita de plebiscitos e referendos em
seus canais de comunicao, j que os efeitos so os mesmos: propiciam aos partidos
polticos angariar a aderncia dos cidados s posies que assumem em torno da
matria referente.
No caso de microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo
Regime Especial Unificado de Arrecadao de Tributos e Contribuies (Simples
Nacional), o valor integral da compensao fiscal apurado na forma do inciso I do
1o ser deduzido da base de clculo de imposto e contribuies federais devidos pela
emissora, seguindo os critrios definidos pelo Comit Gestor do Simples Nacional
(CGSN) (art. 99, 3o, Lei no 9.504/97). Neste ponto, a inovao constante da nova lei
eleitoral, ao introduzir este pargrafo, teve o objetivo de facilitar essa compensao
tributria, aplicando-a de acordo com as regras do Simples Nacional, para aquelas
56

Propaganda eleitoral e sua incidncia

emissoras de rdio e de televiso que so enquadradas como microempresas (ME)


ou empresas de pequeno porte (EPP), e dele so aderentes.
Desse modo, necessrio que se atente para a denominao propaganda
gratuita, que, na verdade, no se trata de ato gratuito assim. Como destaca
Joel J. Cndido, a propaganda eleitoral gratuita s no nome, porque, de modo
indireto da iseno ou reduo de impostos, ela termina sendo paga por todos
os contribuintes. Vale salientar que as emissoras de rdio e de televiso exploram
atividade por concesso do poder pblico, mas, mesmo assim, so beneficiadas em
sede tributria pela cedncia de horrio para propaganda partidria e eleitoral em
seus canais de comunicao.

5 Propaganda eleitoral na Internet


Apangio das sociedades ps-modernas a influncia do inevitvel processo
de globalizao, pelo qual as diversas comunidades politicamente organizadas se
encontram em constante interligao social, econmica, poltica, cultural etc., o que
enseja uma maior integrao entre elas. Um dos principais veculos que viabiliza
a realizao desse processo , de fato, a internet. Sua utilizao se presta s mais
diversas finalidades, dentre elas, a propaganda poltica. E o Direito Eleitoral, como
elemento que integra o corpo social, no poderia ficar refratrio no que tange a
essa influncia.
Antes desta Lei Eleitoral, parte da doutrina j sustentava que as regras
previstas para o rdio e a TV aplicavam-se s empresas de comunicao social na
internet, no obstante sofrer grande discordncia no meio jurdico. Entretanto, nas
eleies de 2008, a despeito do Tribunal Superior Eleitoral ter editado a Resoluo
no 22.718/2008, a qual conferiu internet o mesmo tratamento dispensado na
Lei no 9.504/97 e no Cdigo Eleitoral ao rdio e a televiso, criou-se uma nica
possibilidade de propaganda eleitoral na internet: a utilizao do uso de pgina
pessoal para campanha poltica, at a antevspera da eleio.
Tal entendimento, diga-se, restritivo, limitou a veiculao de propaganda
poltica no nico meio de comunicao totalmente aberto ao eleitorado, o que
impediu uma maior isonomia de publicidade entre os candidatos.
Porm, com a regulamentao atual, a propaganda eleitoral veiculada
gratuitamente na internet passou a ser permitida, inclusive no interstcio que vai das
48 horas antes at 24 horas depois da eleio, o que, por bvio, lhe confere o status
de exceo regra prevista no pargrafo nico do art. 240 do Cdigo Eleitoral.
Com a liberao da propaganda na internet, discutiu-se muito com
relao ao seu incio, surgindo a posio dominante de seguir a data permitida
57

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

para veiculao da propaganda eleitoral. Todavia, muitos entendiam que, pela sua
prpria natureza, o acesso propaganda exposta na internet dependia de vontade
do eleitor, ou seja, somente teria acesso quem a procurasse, razo pela qual no
haveria a possibilidade de prticas propagandsticas irregulares, ou, no mnimo, seu
acesso seria diminuto.
Para evitar abusos diante da expanso da internet, buscou-se uma
harmonizao dos institutos da legislao eleitoral, estabelecendo que a
propaganda eleitoral na internet permitida aps o dia 5 de julho do ano da
eleio, unificando-se o lapso temporal que toda publicidade pode ser veiculada
(art. 57-A, da Lei no 9.504/97). Se a propaganda nos outros meios de comunicao
permitida tambm a partir dessa data, no haveria motivao alguma para que o
legislador impusesse outro momento.
De bom alvitre ressaltar, que, em regra, a propaganda eleitoral realizada
antes da data legalmente fixada, 5 de julho do ano da eleio, ser considerada
propaganda antecipada, extempornea, portanto, ilcita.
Nesse sentido, caso a propaganda na internet se inicie antes do marco legal
fixado, caracterizar-se- a extemporaneidade da publicidade eleitoral veiculada,
sobrevindo, desse modo, a sua ilicitude. Outrossim, ainda que o acesso a site de
candidato na internet dependa unicamente da vontade do internauta, no ser
afastada a hiptese de responsabilizao do criador daquele domnio, em caso de
eventual caracterizao de propaganda eleitoral antecipada.
Devido diversidade de possibilidades de realizao de propaganda
eleitoral na internet, a nova legislao cuidou de estipular os modos pelos quais
ela poder ser desenvolvida. Assim, a propaganda eleitoral na internet poder ser
utilizada atravs das seguintes formas:
a) Em stio do candidato, com endereo eletrnico comunicado Justia
Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de servio de internet
estabelecido no pas;
b) Em stio do partido ou da coligao, com endereo eletrnico comunicado
Justia Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor de servio de
internet estabelecido no pas;
c) Por meio de mensagem eletrnica para endereos cadastrados
gratuitamente pelo candidato, partido ou coligao;
d) Por meio de blogs, redes sociais, stios de mensagens instantneas e
assemelhados, cujo contedo seja gerado ou editado por candidatos, partidos ou
coligaes ou de iniciativa de qualquer pessoa natural (art. 57-B, I, II, III e IV da Lei
no 9.504/97).
58

Propaganda eleitoral e sua incidncia

A finalidade desse dispositivo, en passant, pende para a assertiva de que


essas formas de realizao de propaganda na internet so hipteses taxativas
numerus clausus. No entanto, considerando a celeridade das inovaes
tecnolgicas, configura-se de melhor exegese considerar esse elenco como hipteses
exemplificativas, podendo novas formas ser acrescentadas pela jurisprudncia.
Na internet, vedada a veiculao de qualquer tipo de propaganda eleitoral
paga (art. 57-C, caput, da Lei no 9.504/97). Esta regra visa a impedir a instalao
de um verdadeiro ciber-comrcio de propaganda eleitoral, em que se criariam
infinitos stios eletrnicos, voltados apenas a interesses econmicos, desvirtuados,
destarte, da finalidade da propaganda poltica, que, como j dito, a aproximao
do eleitorado ao candidato.
No mesmo diapaso, vedada, ainda que gratuitamente, a veiculao
de propaganda eleitoral na internet, em stios de pessoas jurdicas, com ou sem
fins lucrativos; bem como nos oficiais ou hospedados por rgos ou entidades da
administrao pblica direta ou indireta da Unio, dos estados, do Distrito Federal
e dos Municpios (art. 57-C, 1o, I e II, da Lei no 9.504/97).
J em relao aos sites de rgos ou entidades do Estado, ou por eles
mantidos, a proibio de propaganda poltica corrobora a vedao propaganda
em bens pblicos, j que esta prtica no se harmoniza aos princpios constitucionais
da administrao pblica.
A violao do disposto nessas regras sujeita o responsvel pela divulgao
da propaganda e, quando comprovado seu prvio conhecimento, o beneficirio
multa no valor de R$5.000,00 a R$30.000,00 (art. 57-C, 2o, da Lei no 9.504/97).
Igualmente como exigido para os outros meios de veiculao de publicidade
eleitoral, a responsabilizao dos autores pela propaganda irregular via internet
no pode ser realizada sem um conjunto probatrio mnimo, que demonstre a
certeza sobre sua autoria.
Essa exigncia mostra-se mais relevante ainda para o eventual beneficirio,
que s deve ser atingido pela sano de multa caso reste exposta sua cincia prvia,
no podendo ser atacado apenas por meras ilaes infundadas, porquanto o
exerccio da democracia no se coaduna com o exame desses casos sob o simples
plio de ilaes, mesmo que sejam buscados ideais de justia.
Seguindo os eflvios dos mandamentos constitucionais, configura-se livre a
manifestao do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral,
por meio da rede mundial de computadores internet, assegurado o direito de
resposta, de acordo com as suas normas especficas previstas nos arts. 58, 3o, IV,
a, b, c, e 58-A, bem como por outros meios de comunicao interpessoal mediante
mensagem eletrnica (art. 57-D, caput, da Lei no 9.504/97).
59

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

A liberdade de manifestao de pensamento, como garantia constitucional


que , apresenta-se como um instrumento para o funcionamento e aperfeioamento
do sistema democrtico, sendo o pluralismo de opinies vital para a formao da
vontade livre.
Todavia, como todo princpio, mormente de ampla esfera de incidncia,
ele no deve ser considerado em tons absolutos, impassvel de restrio. A primeira
relativizao que a ele se estabelece a vedao ao anonimato: a liberdade de
expresso assegurada, conquanto seja possvel conhecer quem a manifestou, para
que, se houver abusos, possam ser ressarcidos.
Essa restrio mostra-se de ampla utilidade prtica no campo da internet,
por ser um espao de rpida e descomplicada veiculao de informaes, lanadas
de forma ilimitada, muitas vezes, sem nada se saber sobre sua autoria. Por sua
vez, o direito de resposta apenas poder ser efetivamente utilizado caso se tenha
cincia da identidade da pessoa de quem partiram informaes supostamente
inverdicas, que levem o ofendido ao degredo social, comprometendo sua
reputao poltica.
Mesmo sendo as acusaes realizadas por terceiros, o rgo propagandstico
que as veiculou dever arcar com o nus da veiculao da resposta do ofendido,
haja vista ter este rgo participao nos ataques pessoa a que era dirigida a
propaganda poltica.
Nessa mesma senda, aquele que, em suas propagandas polticas, veicular
informaes ardilosas que foram realizadas originalmente por terceiro, como,
por exemplo, revista ou jornal, contra candidato, partido poltico ou coligao,
imputando-lhes fatos inverdicos, arcar com os nus do direito de resposta.
Sob a atual legislao, deve-se destacar que os legitimados para exercerem
o direito de resposta so apenas o candidato, partido poltico ou coligao que
foram ofendidos. Pessoas outras que no sejam candidatos, nem faam parte
do processo eleitoral, no podem exercer o direito de resposta. o caso de, por
exemplo, funcionrio de um partido poltico que no seja candidato a algum cargo
eletivo. Mesmo integrando o quadro dessa pessoa jurdica, no pode ele pleitear o
exerccio do direito de resposta.
Exceo aventada a essa restrio ao direito de resposta, com o telos
de proteger a honra de possveis ofendidos, acarretando uma extenso a essa
prerrogativa, acontece quando terceiro que no seja candidato a algum cargo
poltico, mas, mesmo assim, for atingido por acusaes inverdicas e humilhantes
em propaganda poltica. Nessa hiptese, no h razoabilidade alguma em se deixar
o ultrajado sem direito de resposta. A situao em comento se d, por exemplo,
60

Propaganda eleitoral e sua incidncia

com um Governador de Estado que no esteja concorrendo mais a algum mandato


poltico, sendo, todavia, atacado em propaganda eleitoral, de tal modo que se sinta
ofendido, por ter sua honra maculada.
Se a possibilidade de se exercitar o direito de resposta contra acusaes
veiculadas em publicidades polticas for apenas dos candidatos, partidos polticos,
ou representantes de coligaes, haver verdadeira permisso legal para acusaes
infundadas contra todos aqueles que no forem um desses trs sujeitos.
Antes do julgamento da ADPF no 130, que declarou a no recepo da
Lei de Imprensa (Lei no 5.250/67) pela Constituio Federal de 1988, prevalecia
soluo no sentido de que o direito de resposta a ser exercido por terceiros que
no fossem candidatos, contudo ofendidos por propaganda poltica, deveria seguir
os parmetros que a referida Lei dispunha sobre a matria. Assim era a Resoluo
no 22.142/2006 do TSE.
Atento s repercusses, prticas de difcil soluo que a ausncia de preceito
especfico sobre o tema poderia gerar, o Tribunal Superior Eleitoral se posicionou no
sentido de que os pedidos de resposta formulados por terceiro, em relao ao que
foi veiculado no horrio eleitoral gratuito, sero examinados pela Justia Eleitoral e
devero observar os procedimentos previstos na Lei no 9.504/97, naquilo que couber
(art. 16 da Resoluo no 23.193 do TSE de 24.12.2009).
Deve-se atentar mais ainda no que tange s crticas que apontem erros da
Administrao Pblica. No toda prtica que poder ser considerada caluniosa e
indevida, a ensejar direito de resposta. um nus imposto aos mandatrios pblicos
a exposio ao eleitorado, constituindo-se em uma prerrogativa da populao a
possibilidade de apontar falhas no atual modelo poltico adotado pelo poder
pblico, sem que isto configure qualquer conduta passvel de punio.
Assim, as propagandas veiculadas notadamente pelos candidatos da
oposio ao governo merecem especial ateno, para se auferir se elas ultrajam
a honra dos mandatrios ou se eles esto simplesmente exercendo o direito
constitucional de realizar oposio poltica.
No se quer dizer com isso que as afirmaes realizadas pelos candidatos da
oposio ao governo no acarretam direito de resposta. O que se busca expor que
no toda e qualquer assertiva que deles parta, explicitando falhas na utilizao da
res pblica, que acarretar direito de resposta, mas apenas aquelas que transcendam
para o estgio de ofensas aos administradores pblicos.
Dependendo de tipo de propaganda em que foi transmitida a ofensa
geradora do direito de resposta, h uma variao do prazo para o pedido de seu
exerccio.
61

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

Se a propaganda ofensiva tiver sido realizada em rgos de imprensa escrita,


o prazo para a solicitao para exercer o direito de revide de setenta e duas horas,
contados das dezenove horas da data constante da edio do meio propagandstico,
salvo prova documental de que a circulao, no domiclio do ofendido, se deu aps
esse horrio (art. 15, I, a da Resoluo no 23.193 do TSE de 24.12.2009).
Se feita em programao normal das emissoras de rdio e de televiso, o
pedido, com a transcrio do trecho considerado ofensivo ou inverdico, dever ser
feito no prazo de 48 horas, contado a partir da veiculao da ofensa (art. 15, II, a,
da Resoluo no 23.193 do TSE de 24.12.2009).
Caso se der no horrio eleitoral gratuito, o pedido dever ser feito no prazo
de 24 horas, contado a partir da veiculao do programa (art. 15, III, a, da Resoluo
no 23.193 do TSE de 24.12.2009).
No h prazo certo estipulado para ofensas divulgadas na internet,
devendo considerar-se que o pedido para o exerccio do direito de resposta neste
meio de informao poder ser realizado a qualquer momento. Todavia, uma vez
deferido o pedido, a divulgao da resposta dar-se- no mesmo veculo, espao,
local, horrio, pgina eletrnica, tamanho, caracteres e outros elementos de realce
usados na ofensa, em at 48 horas aps a entrega da mdia fsica com a resposta
do ofendido (art. 15, IV, a, da Resoluo no 23.193 do TSE de 24.12.2009).
Explicitando ainda mais a finalidade de proteger os ofendidos por
publicaes inverdicas de propagandas eleitorais, caso haja a desobedincia, por
partes dos rgos da Justia Eleitoral, dos prazos referentes ao exerccio do direito
de resposta, ser-lhe-o aplicadas as sanes do art. 345 do Cdigo Eleitoral (art. 18
da Resoluo no 23.193 do TSE de 24.12.2009).
O art. 345 do Cdigo Eleitoral aduz que o no cumprimento, pela autoridade
judiciria, ou por qualquer funcionrio dos rgos da Justia Eleitoral, nos prazos
legais, dos deveres por ele impostos, sujeita os responsveis ao pagamento de trinta
a noventa dias-multa, se a infrao no estiver sujeita a outra penalidade.
Ainda na busca de se alcanar essa finalidade, o no cumprimento integral,
ou em parte, da deciso que reconhecer o direito de resposta, sujeitar o infrator
ao pagamento de multa no valor de R$5.320,50 (cinco mil trezentos e vinte reais e
cinquenta centavos) a R$15.961,50 (quinze mil novecentos e sessenta e um reais e
cinquenta centavos), que poder ser duplicada, em caso de reiterao de conduta,
sem prejuzo da aplicao do art. 347 do Cdigo Eleitoral (art. 19 da Resoluo
no 23.193 do TSE de 24.12.2009).
Por sua vez, o art. 347 do Cdigo Eleitoral afirma que, se algum recusar o
cumprimento ou a obedincia a diligncias, ordens ou instrues da Justia Eleitoral
62

Propaganda eleitoral e sua incidncia

ou opor embaraos sua execuo, a ele ser aplicada a sano de deteno, de trs
meses a um ano, com o pagamento de dez a vinte dias-multa.
Alm das outras sanes impostas, a violao das regras de veiculao
de propaganda irregular sujeitar seu responsvel e, quando comprovado seu
prvio conhecimento, o beneficirio multa no valor de R$5.000,00 a R$30.000,00
(art. 57-D, 2o, da Lei no 9.504/97).
A multa aplicada, como sano extrapolao da liberdade de pensamento
na propaganda eleitoral, tem os mesmos valores econmicos daquela aplicada aos
casos de veiculao de propaganda eleitoral paga na internet, prevista no art. 57-C,
2o, da mesma Lei.
Aplicam-se ao provedor de contedo e de servios multimdia que hospeda
a divulgao da propaganda eleitoral de candidato, de partido ou de coligao
as penalidades previstas nesta Lei, se, no prazo determinado pela Justia Eleitoral,
contado a partir da notificao de deciso sobre a existncia de propaganda
irregular, no tomar providncias para a cessao dessa divulgao (art. 57-F, caput,
da Lei no 9.504/97).
Desde que intimado da deciso que considerar determinada propaganda
eleitoral irregular e, mesmo assim, nada fazendo para sobrest-la, o provedor que
a hospeda est, efetivamente, contribuindo para a circulao da propaganda ilcita.
Deste modo, a ele sero aplicadas as sanes previstas para tanto, como multa de
R$5.000,00 a R$30.000,00.
De toda sorte, o provedor de contedo ou de servios multimdia s ser
considerado responsvel pela divulgao da propaganda se a publicao do material
for comprovadamente de seu prvio conhecimento (art. 57-F, pargrafo nico, da
Lei no 9.504/97).
Considerao que deve ser feita em relao diferena do texto
normativo desse dispositivo, aplicado na situao em que o provedor previamente
consciente da veiculao da propaganda irregular, sendo, portanto, o responsvel;
com o da redao anterior, aplicado quando o provedor no faz algo para cessar a
propaganda.
As mensagens eletrnicas enviadas por candidato, partido ou coligao, por
qualquer meio, devero dispor de mecanismo que permita seu descadastramento
pelo destinatrio, obrigado o remetente a providenci-lo no prazo de quarenta e
oito horas (art. 57-G, caput, da Lei no 9.504/97). A propaganda eleitoral desempenhada
por meio de mensagens eletrnicas, como e-mail, no podem ser autovinculativas,
de tal modo que seu destinatrio fique impossibilitado de no receb-las,
contrariamente sua vontade. Para isso, delas devem constar mecanismos que
63

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

possam viabilizar seu descadastramento, que dever ser realizado pelo emissor no
prazo mximo de 48h, de forma obrigatria.
Destarte, as mensagens eletrnicas enviadas aps o trmino do prazo
de 48h, contados do pedido de descadastramento, sujeitam os responsveis ao
pagamento de multa no valor de R$100,00 por mensagem (art. 57-G, pargrafo
nico, da Lei no 9.504/97).
Sem prejuzo das demais sanes legais cabveis, ser punido, com multa
de R$5.000,00 a R$30.000,00 quem realizar propaganda eleitoral na internet,
atribuindo indevidamente sua autoria a terceiro, inclusive a candidato, partido ou
coligao (art. 57-H da Lei no 9.504/97).
Como exposto acima, devido a internet propiciar ampla celeridade e, como
regra geral, sem maiores formalidades para a divulgao de suas informaes, a nova
lei eleitoral se preocupou em aplicar sano ao agente que veicular propaganda
eleitoral, atribuindo sua autoria a terceiro, ou mesmo a candidato, partido poltico
ou coligao. Assim, o agente que impor a autoria de propaganda eleitoral via
internet pessoa que no a tenha realizado, sofrer aplicao da pena de multa no
valor de R$ 5.000,00 a R$ 30.000,00, alm das demais sanes aplicveis.
Por fim, no se aplica a vedao constante do pargrafo nico do art. 240 do
Cdigo Eleitoral propaganda eleitoral veiculada gratuitamente na Internet, no stio
eleitoral, blog, stio interativo ou social, ou outros meios eletrnicos de comunicao
do candidato, ou no stio do partido ou coligao (art. 7o da Lei no 12.034/2009).
O art. 240, pargrafo nico, do Cdigo Eleitoral, aduz que, desde 48 horas
antes at 24 horas depois da eleio, vedada qualquer propaganda poltica,
realizada atravs de radiodifuso, televiso. Deste modo, no h limite temporal
para a veiculao de propaganda poltica atravs da internet, como ocorre, por
exemplo, para a publicidade realizada atravs de televiso e rdio.
Deste modo, no h limite temporal para a veiculao de propaganda
poltica atravs da internet, como ocorre, por exemplo, para a publicidade realizada
atravs de distribuio de material grfico, caminhada, carreata, passeata, que
podero ser realizadas at as vinte e duas horas do dia que antecede a eleio,
conforme disposio do art. 39, 9o, da Lei no 9.504/97.
Questo interessante o confronto do art. 7o da Lei no 12.034/2009 com
o art. 39, 5o, III, da Lei no 9.504/97, que afirma ser crime a divulgao, no dia
da eleio, de qualquer espcie de propaganda de partidos polticos ou de seus
candidatos. Como soluo hermenutica, deve-se entender, ento, que s no crime
a divulgao de propaganda eleitoral realizada na internet, sendo considerados
crimes eleitorais todas as outras.
64

FICHALIMPA& QUESTES CONSTITUCIONAIS


Direito Eleitoral do Inimigo (retroagir?)
Thales Tcito Pontes Luz de Pdua Cerqueira
Promotor eleitoral em Minas Gerais. Autor da obra Tratado de Direito
Eleitoral. Colaborador da Rdio Justia em matria de Direito Eleitoral. ViceDiretor da Escola Judiciria Eleitoral do TSE.
Analisa dvidas de constitucionalidade provenientes da publicao da Lei Complementar
no 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), alteradora da LC no 64/90, para incluir hipteses de
inelegibilidade visando proteger a probidade administrativa e a moralidade no exerccio
do mandato. Apresenta a viso constitucional e as implicaes da retroatividade da lei,
argumentando que esta no dever ocorrer sob pena deviolao coisa julgada. A Lei da
Ficha Limpa no inconstitucional: por vcio formal, ou seja, no viola o processo legislativo;
e por vcio material consistente na violao do princpio da inocncia, pois este se aplica
apenas na esfera criminal e no cvel eleitoral; mas, h inconstitucionalidade da lei por
vcio material que viola o princpio da segurana jurdica, alm da ofensa a coisa julgada e
ao devido processo legal, caso retroaja. Isso caracterizaria o denominado Direito Eleitoral
do Inimigo. Destaca a finalidade principal dessa nova lei, de iniciativa popular, no sentido de
moralizar o processo eleitoral para o futuro, e no para o passado, pois ofenderia diversos
comandos constitucionais vigentes.

Palavras-chave: Ficha limpa; inconstitucionalidade; vcio formal; vcio material;


direito eleitoral do inimigo.

1 VISO CONSTITUCIONAL
A LC no135/2010, quealtera a Lei Complementar no 64, de 18 de maio de
1990, para incluir hipteses de inelegibilidade que visam proteger a probidade
administrativa e a moralidade no exerccio do mandato, caracterizou-se pela
ambiguidade jurdica.
De um lado, uma lei com enorme repercusso social, de contedo
moralizador e profiltico. De outro, a quebra de diversos princpios constitucionais
ao buscar sua retroatividade para alcanar fatos pretritos ou em curso.
Por fora disso, algumas dvidas de constitucionalidade surgiram com a
publicao da LC no135/2010:
1. inconstitucionalidade por vcio formal as emendas do Senado das
expresses os que tenham sido para os que forem, segundo parte doutrinria,
no configuram mera emenda de redao e sim alterao de contedo, razo pela
qual deveriam retornar para Cmara dos Deputados e no sano do Presidente

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

da Repblica, violando, assim, o processo legislativo. Todavia, tal alegao restou


ser a mais frgil, pois a emenda foi mesmo de redao e a interpretao a ser
dada expresso os que forem deve ser a chamada interpretao conforme a
Constituio, pelo STF, no havendo, assim, vcio formal;
2. inconstitucionalidade por vcio material I violao do princpio da
inocncia (clusula ptrea do art. 5o, LVII CF/88 c/c art. 60, 4o, IV da Carta Magna)
e do efeito vinculante da ADPF 144/2008 do STF, que julgou matria idntica
no livro Reformas eleitorais comentadas (Lei 12.034/2009 e LC 135/2010), Editora
Saraiva, 2010, Thales Tcito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira, no
estudo das alneas d e e do inciso I do art. 1o da LC no 64/90 (alteradas pela
LC no 135/2010), no Captulo 3, item 3.2, da Parte II da mencionada obra,
destacamos, com profundidade, a questo constitucional, em sntese, levantando
questionamento no tocante a impossibilidade do TSE, data venia, em Consulta
(TSE CTA no 1.120/2010 e Processo no 114.709), de decidir matria constitucional
enquanto o efeito vinculante da ADPF no 144/2008 produzir efeito, uma vez
que esta foi taxativa ao impor que vida pregressa somente pode ser levada a
instrumento jurdico de lei complementar e desde que respeitado o princpio da
inocncia (leia-se, trnsito em julgado e no deciso por rgo colegiado).
Como o efeito vinculante de uma ADPF vincula todo o Poder Judicirio, exceto o
prprio STF que pode rever sua posio e exceto o Poder Legislativo (princpio da
no fossilizao da Constituio), a matria ainda continua sub judice, cabendo
reclamao ou controle concentrado pelos legitimados do artigo 103 da CF/88,
todos no STF.
3. inconstitucionalidade por vcio material II violao do princpio da
anualidade e um dia (art. 16 da CF/88), uma vez que inelegibilidade se insere no
contexto de processo eleitoral neste aspecto, se verdade que inelegibilidade
no pena, logo, no incide o Direito Penal (art. 5o, XL da CF/88, tambm verdade
que a lei no pode retroagir, sendo cvel-eleitoral, se ofender a coisa julgada
(art. 5o, XXXVI da CF/88), o princpio da segurana jurdica (artigo 16 da CF/88), o da
certeza jurdica (artigo 5o, caput da CF/88) e o princpio do devido processo legal.
Sobre este ltimo, a Constituio Federal de 1988 consagrou o princpio do devido
processo legal no seu art. 5o, inciso LIV. Este princpio, originado da clusula do
due process of law do Direito anglo-americano, deve ser associado aos princpios
constitucionais do controle judicirio que no permite lei excluir da apreciao
do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito e das garantias do contraditrio e
da ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, segundo o disposto nos
incisos XXXV e LV do mesmo artigo da Constituio.
Assim, quando a expresso devido processo legal destina a processo e no
a procedimento, refere-se ao processo judicial pelo Estado, segundo os comandos
66

Ficha limpa & questes constitucionais: direito eleitoral do inimigo (retroagir?)

da ordem jurdica, com as garantias de isonomia processual, bilateralidade dos atos


procedimentais, do contraditrio e da ampla defesa.
Segundo ADI no 3.685 do STF, o artigo 16 da CF/88 tambm clusula ptrea,
por fora do art. 5o, caput (segurana jurdica) c/c art. 60, 4o, IV da Carta Magna.
A premissa de que a LC no 64/90 foi aplicada a menos de um ano e um dia
da eleio e que por isto qualquer lei complementar que regule inelegibilidade
no precisa respeitar o artigo 16 da CF/88 falsa, pois a LC no 64/90 veio apenas
materializar/regulamentar o artigo 14, 9o da CF/88, razo pela qual foi aceita a
menos de um ano e um dia do pleito:
Rejeio pela maioria vencidos o Relator e outros Ministros da arguio
de inconstitucionalidade do art. 27 da Lei Complementar no 64/90 (Lei
de Inelegibilidades) em face do art. 16 da CF: prevalncia da tese, j
vitoriosa no Tribunal Superior Eleitoral, de que, cuidando-se de diploma
exigido pelo art. 14, 9o, da Carta Magna, para complementar o regime
constitucional de inelegibilidades, sua vigncia imediata no se pode
opor o art. 16 da mesma Constituio. (RE no 129.392, rel. Min. Seplveda
Pertence, julgamento em 17.6.92, Plenrio, DJ de 16.4.93.)

Isto no significa que doravante toda mudana em inelegibilidades poder


ofender a clusula ptrea do princpio da segurana jurdica insculpido no artigo
16 da CF/88, da coisa julgada ou do ato jurdico perfeito (o STF entende que o ato
jurdico perfeito aplica-se s leis de ordem pblica cf. Rec. Extr. no 198.993-9).
Portanto, a liberdade de o legislador dispor da sorte dos destinos eleitorais,
neles intervindo s portas do pleito, com modificaes decorrentes de disposies
legais novas, no pode prosperar se afetar o processo eleitoral (artigo 16 da CF/88)
ou mesmo quando o sistema jurdico prev, em norma de hierarquia constitucional,
limite ao do legislador na coisa julgada e no ato jurdico perfeito (artigo 5o,
XXXV da CF/88), tambm expresses do princpio da segurana jurdica.
Para melhor compreenso da polmica em torno da lei, nos aspectos
constitucionais alhures mencionados, faz-se necessrio um relato histrico dos fatos.
Na poca da Lei Complementar no 5 (de 29.4.70 Ditadura), existia previso
que tornava inelegveis candidatos que tivessem denncia recebida por crime
contra a lei de segurana nacional, contra a administrao pblica etc. (Art. 1o, I
So inelegveis, para qualquer cargo eletivo: n) os que tenham sido condenados
ou respondam a processo judicial, instaurado por denncia do Ministrio Pblico
recebida pela autoridade judiciria competente, por crime contra a segurana
nacional e a ordem poltica e social, a economia popular, a f pblica e a
administrao pblica, o patrimnio ou pelo direito previsto no art. 22 desta lei
complementar, enquanto no absolvidos ou penalmente reabilitados). Na poca
67

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

da ditadura, surgiram inmeros processos cveis e criminais visando exclusivamente


tornar inelegveis alguns candidatos. Nesta poca, em 23 de setembro de 1976,
o TSE, por voto de desempate (4 votos a 3), declarou a inconstitucionalidade da
alnea n desta lei complementar, por ferir o princpio da inocncia. O STF, contudo,
por escassa maioria, derrubou o entendimento do TSE, alegando, em suma, que o
princpio da inocncia aplicado apenas na esfera penal.
Posteriormente, a inelegibilidade fundada na Lei Complementar no 5/70
(artigo 1o, I, n), que tornava inelegvel qualquer ru contra quem fosse recebida
denncia por suposta prtica de determinados ilcitos penais foi derrogada pelo
prprio regime militar (Lei Complementar no 42/82 Governo do General Figueiredo),
que passou a exigir para fins de inelegibilidade do candidato, a existncia, contra
ele, de condenao penal por determinados delitos. Revendo sua posio, o STF,
analisando o alcance da LC no 42/82, entendeu pela necessidade de que se achasse
configura o trnsito em julgado da condenao (cf. RE no 99.069/BA, rel. Min.
Oscar Corra). A ratificao desse entendimento, como ressaltou o Ministro Celso
de Mello na ADPF no 144, proclama que a presuno de inocncia um princpio
inquestionvel. Direitos polticos no podem ser suspensos salvo com condenao
transitada em julgado. Pelo entendimento, quem tem o monoplio da escolha das
candidaturas so os partidos. Cabe s agremiaes polticas o papel de selecionar
melhor os seus candidatos e sociedade a eleio de seus representantes.
Hodiernamente, por fora do primeiro precedente de condio de
elegibilidade implcita no Tribunal Superior Eleitoral (RO no 1.069/2004) e da
Consulta no 1.607/TSE (Procedimento Administrativo no 19.919/2008), os Ministros
Eros Grau, Ari Pargendler, Caputo Bastos e Marcelo Ribeiro entenderam que a
matria vida pregressa somentepoderia ser disciplinada por lei complementar,
consoante o art. 14, 9o, da Constituio de 1988, no vingando, assim, a robusta
tese do Ministro Ayres Britto de que o tema poderia ser apreciado sob o prisma da
condio de elegibilidade implcita1.
Em que pese o brilhantismo da tese e da diferenciao histrica entre
inelegibilidade e condio de elegibilidade, o TSE no adotou o voto
revolucionrio do Ministro Ayres Britto. Debalde a Associao de Magistrados
Brasileiros ingressou com a ADPFno144/DF,j queaSupremaCorte, por maioria,
manteve o entendimento de que a matria vida pregressa somente pode ser
regulamentada por lei complementar e desde que respeitado o princpio da
inocncia.
____________________
Segundo o Ministro Carlos Ayres Britto, vida pregressa, como espcie do gnero moralidade
eleitoral, seria denominada condio de elegibilidade implcita (TSE RO n 1.069/04, Caso
Eurico Miranda), porquanto no prevista no rol do art. 14, 3, da Constituio de 1988, e sim
no art. 37, por interpretao sistemtica.

68

Ficha limpa & questes constitucionais: direito eleitoral do inimigo (retroagir?)

Corolrio disso foi a apresentao de projeto de iniciativa popular pelo


Movimento de Combate Corrupo Eleitoral (MCCE), que se constitui uma
redecomposta de 44organizaesda sociedade civil e que deu incio Campanha
Ficha Limpa, que recolheu mais de 4 milhes de assinaturas em todo o pas
(bastariam um milho e trezentas mil assinaturas), visando a to sonhadalei que
impede candidatos fichas sujas de exercerem a chamada capacidade eleitoral
passiva.
A proposta original (PLP no 518/2009) previa a condenao em primeira
instncia ou, conforme o crime, a denncia recebida por rgo colegiado como
suficientes para impedir a candidatura a cargos eleitorais.
Como defendemos poca, a vita anteacta, como impeditivo de uma
candidatura, por decorrer do princpio da moralidade, deve ter um critrio
objetivo, jamais subjetivo (sujeito aohumor de promotoresejuzes), em face
dogarantismo eleitoralque deve nortear as relaes jurdicas eleitorais,de que
exemplo-mor o art. 16 da Constituio.
O critrio objetivo, a nosso sentir, deveria ser,
no mnimo,
uma condenao em segundo grau de jurisdio, jamais em primeira instncia
(como era na Lei Complementarno5, de 29.4.70),pois desta caberiarecursoao STJ
e STF (ou TSE, sematria eleitoral),nos quais, alm de inexistir efeito suspensivo,
nocabe rediscutiramatria ftica, apenasdedireito.E, sendo certo quemais de
90% das condenaes em segundo grau so confirmadas pelosTribunais Superiores,
ter-se- como consagrada a segurana jurdicano caso. A LC no 135/2010 consagrou
isto, alm da possibilidade de suspenso da inelegibilidade (artigo 26-C) no rgo
judicirio que competir o recurso, desde que seja por rgo colegiado (e nisto
a dvida se pode ou no relator dar a suspenso da inelegibilidade com eficcia
ad referendum do Plenrio2). Com isto, o artigo 26-C da LC no 64/90 obtemperou o
princpio da certeza jurdica.
Ademais, o princpio da inocncia (art. 5o, LVII, CF) somente se aplica ao
Direito(Eleitoralou Comum)Criminalenoao Cvel-Eleitoral(cf. STFRE no86.297
e TSE RO no 1.069/2004). Assim, se o candidato for impugnado numa AIRC por
faltar-lhe moralidade (vida pregressa ou vita anteacta duvidosadevido condenao
____________________
Sobre a suspenso de inelegibilidade do casal Garotinho no TSE (AC no 142.085/2010) e a forma
que foi concedida, conferir na obra Reformas eleitorais comentadas: Saraiva, 2010, desse autor. No
RE no 281.012, por meio da Petio no 37.159/2010 o Ministro Gilmar Mendes, monocraticamente,
proferiu a primeira suspenso de inelegibilidade do STF, para o senador Herclito Fortes, ad
referendum ao Pleno do STF. Outro caso no STF: Ministro Dias Toffoli converteu a petio avulsa
em medida cautelar incidental (caso Isaura Lemos) ao recurso extraordinrio, cuja admissibilidade
foi objeto de deciso no AgRg no 709.634/GO. Conferir o estudo completo desses casos na obra
Reformas eleitorais comentadas: Saraiva, 2010, Thales Tcito Cerqueira e Camila Albuquerque
Cerqueira.
2

69

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

criminal por improbidade),estecontinuar inocente at prova em contrrio.Mas,na


linha doDireito Eleitoral Cvel, no poderelese candidatara cargo eletivopela falta
de requisitos que validem sua candidatura (alada categoria de inelegibilidade
preexistente). Poressa razo,o critrio objetivo da moralidade (na espcie devita
anteacta) deveestar previstoemlei complementar, j quegarantidor dos postulados
da dignidade de pessoa humana e da cidadania.
Com a aprovao do Substitutivo apresentado pelo DeputadoJos Eduardo Cardozo, prevaleceu a melhor tcnica jurdica, consubstanciada na condenao por rgo colegiado, para fins de ser declarada a inelegibilidade. Contudo,
a previso do cabimento de recurso dessa deciso (suspenso da inelegibilidade
artigo 26-C) foi criticada pelos defensoresdaFicha Limpa, em razo dademora
paraa concluso do processo. A soluo encontrada pelo parlamentar foi ento
estabelecer prioridade parao julgamento.
Assim, a principal novidade em relao ao texto elaborado pelo grupo de
trabalho que analisou o tema apossibilidade de o candidato apresentar recurso com
efeito suspensivona Justia em que possui processo pendente, o quelhepermitir
a candidaturana esfera eleitoral, mas, por outro lado, exigir que seja conferida
prioridade ao julgamento do processo pelo colegiado. A negativa ao pedido
resultar no cancelamento doregistro da candidatura oudo diploma do eleito.
De acordo com o Deputado Jos Eduardo Cardozo, a finalidade do efeito suspensivo conciliar o desejo da sociedade de evitar que pessoas sem ficha
limpa disputem cargos eletivos com o direito ao contraditrio e ampla defesa. Assim, de se concluir que o candidato condenado em segunda instncia
poder concorrer, por fora do disposto no art. 16-A da Lei no 9.504/97, com a
redaodada pelaLeino12.034/2009,mas desde que requeira prioridade no julgamento do recurso interposto contra tal deciso.Em outras palavras, ter a opo de
ficar inelegvel enquantoaguarda o julgamento do recurso ou requerera concesso deefeito suspensivo,para permitir-lhe concorrera cargo eletivo(o que implica
acreditar no xito da ao; aquele que tiver interesse apenas em adiar a prpria
condenao noir concorrer).Istoimpedirque o candidato ardilosose beneficie
da demora daJustia para concorrerno pleito eleitoral de outubro, eis que antes
havia a necessidade de trnsito em julgado paraa suspenso dos direitos polticos e
tambm para configurar-se ainelegibilidade prevista no art.1o, I, e,da LCno64/90.
Apartir de agora,a inelegibilidade decorrer davida pregressa, leia-se, condenao por rgo colegiado, por 8(oito)anos, no cabendo falar em ofensa aoprincpio da inocncia,que se aplica somente na esfera penal e nonacvel-eleitoral. Ou
seja:inelegibilidade no se confunde com crime.
Assim, teramos os seguintes nveis:

70

Ficha limpa & questes constitucionais: direito eleitoral do inimigo (retroagir?)

Nvel 1. Candidato com condenao a partir de segunda instncia por


crime ou improbidade administrativa ou outra alnea nova (abuso de poder
econmico, compra de voto, captao ilcita de recurso, conduta vedada etc).Sano:
inelegibilidadepor oitoanos. Na obra Reformas Eleitorais Comentadas, Saraiva, 2010,
Thales Tcito Cerqueira e Camila Albuquerque Cerqueira, comentamos cada uma das
novas alneas3 do artigo 1o, I, da LC no 64/90, alterados ou criados pela LC no 135/2010.
Nvel 2. Candidato com condenao com trnsito em julgado. Sano:
suspenso dos direitos polticos (art. 15, III, CF) enquanto durarem os efeitos da
condenao;
Nvel3.Candidato que cumpriu toda a pena (ou a teve extinta pela prescrio
ou outra causa prevista em lei) e tambm o perodo de suspenso dos direitos polticos
ou inelegibilidade prevista na LC no64/90poder concorrer novamente, uma vez
que a Constituio probe pena de carter perptuo. Ser uma oportunidade
para o candidato analisar se o eleitor o perdoou (ou no) dos desvios cometidos
nopretrito(redeno).

2 RETROATIVIDADE DA NOVA LEI


Entendemos que a lei no retroagir sob pena de violao coisa
julgada (art. 5o, XXXVI, CF). Por outro lado, no h que se falar em aplicao
imediata da lei aosprocessosanteriores sua entrada em vigorpor configurar-se
ofensa ao princpio da segurana jurdica (art.5o, caput c/c arts.16e60, 4o, IV, todos
daConstituio cf. ADI no 3.685/DF,sobre o princpio da segurana jurdicae sua
incluso como clusula ptrea).Ora, no se afigurandopossvelrestrio de direitos
polticos nosprocessos em curso,a nova leisomente ter aplicaoaosfeitosque
se iniciarem a partir de sua publicao noDirio Oficial da Unio.
Outro ponto controvertido foi saber se acaso a lei fosse sancionada pelo
Presidente da Repblica at junho de 2010 valeria nas eleies de outubro,em
face do art. 16 da Constituio Federal (princpio eleitoral da anualidade e um
dia). O TSE, vencido apenas o Ministro Marco Aurlio, entendeu que sim (CTA no
1.120/2010 e Processo no 114.709/2010).
Segundo o MCCE, se a lei fosse aprovada at o ms de junho, leia-se
antes das convenes partidrias, aplicar-se-ia s eleies de 2010, haja vista
____________________
A redao aprovada pelo Plenrio da Cmara dos Deputados estabelece como causas de
inelegibilidade a condenao pela prtica de crimes dolosos e aqueles de maior potencial
ofensivo, isto , com pena de dois anos ou mais; improbidade administrativa (face reflexo penal);
abuso de autoridade cuja punio seja a perda do cargo; crimes eleitorais punveis com cassao
do diploma ou do registro da candidatura; doaes ilegais e o afastamento por sano disciplinar,
no caso de advogados, magistrados e integrantes do Ministrio Pblico

71

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

que a LC no 64/90, que materializou as regras para o retorno do voto direto no


Brasil, culminando com a eleio de Collor de Mello, foi declarada constitucional
tanto pelo TSE (Consulta no11.173/90), quanto pela maioria dos Ministros
do STF (ADI no 354/90), oportunidade em que ficou assentado que o art. 14,
9o, da Constituio no remete ao seu art. 16. No existindo hierarquia entre
normas constitucionais, o primeiro dispositivo citado seria to somente uma
exceo ao art. 16 da Carta Republicana. A premissa, data venia, falsa, como
vimos, pois a LC no 64/90 veio apenas regulamentar o art. 14, 9o, da CF, razo
pela qual foi aceita a menos de um ano e um dia do pleito. Isto no significa
que doravante toda mudana em inelegibilidades poder ofender o princpio da
segurana (clusula ptrea), insculpido no art. 16 da Constituio. Alis, sustentar
que mudana em inelegibilidade no ofende o processo eleitoral do artigo 16
da CF/88 preocupante, pois imaginemos a cada eleio o legislador alterando a
lei de inelegibilidade sob este argumento, usando do Direito Eleitoral do Inimigo
para afastar oponentes. Seria o libi usado se o STF permitir que tal faanha seja
consagrada (retroatividade da LC 135/2010 nas eleies de 2010 em ofensa ao artigo
16 da CF/88).
O julgamento daADIno354, DJ 22.6.2001, foi uma espcie de fundao para
a Casa da Democracia, mas no a pedra angular.Isto porque a maioria dos Ministros da
Corteentendeuoprocesso eleitoralde formarestrita(o art. 16daCFproibiria mudana
adjetiva/processual, mas no substantiva/material, diferenciandodireito eleitoral
[art. 22, I] deprocesso eleitoral[art. 16]),enquanto os demaismanifestaramuma
compreenso ampla do processo eleitoral, envolvendo alistamento de eleitores
(e habilitao dos partidos na escolha de candidatos), registro dos candidatos
propaganda, votaoeapurao,proclamaoediplomao dos eleitos,e legislao
partidria.
Como evoluo desse pensamento, o STF, no julgamento da ADI no 3.685DF, proposta pela OAB, firmou entendimento de que o art. 16 da Constituio se
configura CLUSULA PTREA e, portanto, impossvel de ser violado por emenda
constitucional (EC no 52/2006). Imagine-se, ento, por umalei complementar...
Sobre o art. 16 da Constituio Federal, veja-se ainda:
ADI no 4.307-REF-MC, rel. Min. Crmen Lcia, j. 11.11.2009,
DJe 5.3.2010 ADI no 4.298-MC, voto do rel. Min. Cezar Peluso, j. 7.10.2009,
DJe 27.11.2009 ADI no 3.741, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 6.9.2006, DJ
23.2.2007ADIno 3.685, rel. Min. Ellen Gracie, j.22.3.2006, DJ 10.8.2006 ADInos3.345
e 3.365, rel.Min. Celso de Mello, j.25.8.2005, Informativono398ADIno718, rel.
Min. Seplveda Pertence, j. 5.11.98, DJ 18.12.98. No mesmo sentido: ADI no 733,
rel. Min. Seplveda Pertence, j. 17.6.92, DJ 16.6.95 ADIno 354, rel. Min. Octavio
Gallotti, j.24.9.90, DJ 22.6.2001.
72

Ficha limpa & questes constitucionais: direito eleitoral do inimigo (retroagir?)

Importante destacar aqui a manifestao do Ministro Ricardo


Lewandowski(ADI no 3.741, DJ 23.2.2007)sobreprocesso eleitoral (art. 16 da CF):
Naquele julgamento[ADI no 3.345/DF, rel. Min. Celso de Mello],ademais,
o Supremo Tribunal Federal estabeleceu que s se pode cogitar de
comprometimento do princpio da anterioridade, quando ocorrer: 1) o
rompimento da igualdade de participao dos partidos polticos e dos
respectivos candidatos no processo eleitoral; 2) a criao de deformao que
afete a normalidade das eleies; 3) a introduo de fator de perturbao
do pleito; ou 4) a promoo de alterao motivada por propsito casustico.

Entendemos, assim, que a disciplina da vida pregressa deve respeitar


o art.16 daConstituio, at porque mudanas no processo eleitoral s portas da
eleio, ainda que diante de um forte apelo popular (o que afasta o propsito
casustico da nova lei,mas no o rompimento da igualdade de participao de
partidos e candidatos no pleito eleitoral), viola os fundamentos republicanos
pela adoo da teoria maquiavlica de que os fins justificam os meios. No
podemos criar o que denominei de Direito Eleitoral do Inimigo (retroagir uma
lei complementar, rasgando a CF/88, artigo 16, para alcanar os condenados
doravante inimigos de uma lei anterior alcanada pela coisa julgada ou pelo
princpio da segurana jurdica).
Direito penal do inimigo4 uma teoria(Feindstrafrech) enunciada pelo
doutrinador alemo Gnther Jakobs, desde 1985, com base nas polticas pblicas de
combate criminalidade nacional e/ou internacional.
A tese de Jakobs est fundada sob trs pilares, a saber:
(a) antecipao da punio do inimigo;
(b) desproporcionalidade das penas e relativizao e/ou supresso de
certas garantias processuais;
(c) criao de leis severas direcionadas clientela (terroristas, delinquentes
organizados, traficantes, criminosos econmicos, dentre outros) do Direito
Penal (inimigos do Direito Penal).

Jakobs refere-se ao inimigo como algum que no admite ingressar no


Estado e assim no pode ter o tratamento destinado ao cidado, no podendo
beneficiar-se dos conceitos de pessoa. A distino, portanto, entre o cidado (o
qual, quando infringe a Lei Penal, torna-se alvo do Direito Penal) e oinimigo (nessa
acepo como inimigo do Estado, da sociedade) fundamental para entender as
ideias de Jakobs.
____________________
GOMES, Luiz Flvio. Direito penal do inimigo (ou inimigos do direito penal). Revista Jurdica
Unicoc, Ano 2, n. 2, 2005. ISSN 1807-023X

73

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

Assim, ao retroagirmos a LC no 135/2010, estamos criando, no Direito


Eleitoral, o Direito do Inimigo, no permitindo a cidadania de polticos, porquanto
retirando-se-lhes vrias garantias constitucionais.

3 CONCLUSO
a) A lei da Ficha Limpa LC no 135/2010 no inconstitucional por vcio
formal (violao do processo legislativo), porquanto as emendas de redao do
Senado apenas indicaram interpretao constitucional, a ser feita pelo STF, no
sentido da impossibilidade de retroatividade;
b) A lei da Ficha Limpa LC no 135/2010 no inconstitucional por vcio
material consistente na violao do princpio da inocncia, pois este se aplica apenas
na esfera criminal e no cvel eleitoral. Ademais, tal princpio foi atenuado pela
consagrao da certeza jurdica, uma vez que o artigo 26-C da LC no 64/90 (com
redao dada pela Lei da Ficha Limpa) permite a suspenso da inelegibilidade,
logo, em casos onde poderia haver injustia, como recentemente o TSE5 o STF6
concederam.
c) Porm, a lei da Ficha Limpa LC no 135/2010 inconstitucional por vcio
material consistente na violao do princpio da segurana jurdica (artigo 16 da
CF/88), alm da ofensa a coisa julgada e ao devido processo legal (contraditrio e
ampla defesa), caso retroaja a nova lei Direito Eleitoral do Inimigo.
Portanto, na tarefa sublime em que me encontro como doutrinador, sou
obrigado a examinar se o bem no oculta o mal que tanto condenamos, qual seja,
o casusmo, ainda que do bem, a violao do artigo 16 da CF/88. Nisto reside a nossa
divergncia com quem tanto deseja aplicar a lei nova a menos de um ano e um dia
do pleito, reconhecendo, nestes juristas, o melhor dos propsitos. Basta imaginar os
seguintes exemplos:
Hiptese 1 - o cidado condenado, por exemplo, por 30-A, 41-A e 73/77
antes da publicao da LC no 135/2010. Antes, no gerava inelegibilidade. Com a
nova LC no 135/2010, passa a ficar inelegvel por 8 anos. Se a lei retroagir, alm
de ferir a coisa julgada, ir aplicar-lhe uma inelegibilidade (alis, totalmente
____________________
Sobre a suspenso de inelegibilidade do casal Garotinho no TSE (AC no 142.085/2010) e a forma
que foi concedida, conferir na obra Reformas eleitorais comentadas, Saraiva, 2010, desse autor.
6
No RE no 281.012, por meio da Petio no 37.159/2010 o Ministro Gilmar Mendes,
monocraticamente, proferiu a primeira suspenso de inelegibilidade do STF, para o senador
Herclito Fortes, mas na verdade como forma de efeito suspensivo ao recurso extraordinrio,
porm, ad referendum ao Pleno do STF. Outro caso no STF: Ministro Dias Toffoli converteu a
petio avulsa em medida cautelar incidental (caso Isaura Lemos) ao recurso extraordinrio, cuja
admissibilidade foi objeto de deciso no AgRg no 709.634/GO. Conferir o estudo completo desses
casos na obra Reformas Eleitorais Comentadas, Saraiva, 2010, desse autor.
5

74

Ficha limpa & questes constitucionais: direito eleitoral do inimigo (retroagir?)

questionvel conferir nossa obra Reformas eleitorais comentadas, Saraiva, 2010)


de 8 anos, sem permitir que tenha contraditrio e ampla defesa, ferindo assim o
devido processo legal tambm, pois como pode uma correspondncia da Justia
Eleitoral inform-lo que agora inelegvel, sem que tenha se defendido disto?
De cidado passa a ser inimigo do Estado, porquanto no lhe permite garantias
processuais constitucionais elementares;
Hiptese 2 o cidado condenado por abuso de poder (artigo 1o, I, da LC
n 64/90), antes da LC no135/2010, quando a sano era de 3 anos. Depois, receber
uma carta da Justia Eleitoral informando-o que doravante sua reprimenda eleitoral
passou para 8 anos? Sem defesa no tocante ao princpio da proporcionalidade da
reprimenda?
o

Onde fica a segurana jurdica nestas duas hipteses? E a coisa julgada e o


devido processo legal (com contraditrio e ampla defesa)?
Por isto que sustentamos que violar o artigo 16 da CF/88 violar a identidade
constitucional, causando terrveis maldies jurdicas dos atos subsequentes, ficando
difcil restaurar a verdade e a cincia jurdica eleitoral.
Portanto, preciso obtemperar a discusso. No podemos nos perverter
pelo intelectualismo de superfcie, colocando acima da Carta Republicana o
rigorismo aparente ou adotar a mxima de que os fins justificam os meios. No
podemos tratar os membros doParlamento como verdugos, porque a evoluo de
uma sociedade no se faz s pressas ou por cima de valores, mas sim cultivando nos
coraes humanos a necessidade de mudana. O tempo golpear as tradies, o
alvio do progresso modificar a paisagem e as transformaes polticas gradativas
e serenas renovaroa vida intelectual do eleitor.
No hdvida de que aceitar a luta necessrio,mas sem olvidarqueconstruiro
dilogo da harmonia e do equilbrio sempre melhor. Agradar a todos marchar por
um caminho largo, onde se esconde a mentira das convenes.
Do contrrio, no que nos diferenciaramos daqueles que criticamos com
veemncia?Por istoa necessidade do respeito ao primado da lei e da ordem(art.16
da CF),guiando-nospor caminhos objetivos e perenes.
Por derradeiro, cabe indagar: a que serviriam longas discusses pblicas
inadas de discrdias e aflies? A toda evidncia, separatividade, com
prejuzosextremospara asociedade, j que uma importante lei de iniciativa popular
pode perder-se em odiosas discusses no STF e qui ser julgada inconstitucional
por fora de um detalhe: retroagir para alcanar inimigos, a saber, desviando de sua
finalidade principal que seria moralizar o processo eleitoral para o futuro (e no
pretrito que ofende diversos comandos constitucionais estudados).
75

MEMRIA

TRAOS HISTRICOS DOS PARTIDOS POLTICOS:


DO SURGIMENTO AT A SEGUNDA ERA
DA MODERNIDADE
Jos Carlos Francisco
Professor na Universidade Mackenzie/SP. Diretor do Instituto Brasileiro de
Estudos Constitucionais IBEC. Juiz Federal na 3a Regio.
Associa a histria dos partidos polticos afirmao do regime democrtico, destacando
o papel que desempenham como agentes das principais mudanas na idade moderna.
Relaciona desafios a serem enfrentados pelos partidos na atualidade: um deles a vinculao
da vontade do povo ao comportamento e s decises dos representantes eleitos; outros
desafios so o dinamismo e a fragmentao da sociedade em razo da crise de instituies e
valores atuais. Conclui que a internet importante instrumento no processo de integrao
e de modernizao da vida democrtica e partidria, por representar campo propcio para
a liberdade de comunicao.

Palavras-chave: Partido poltico; histria; democracia; desafio; ps-modernidade.

Os partidos polticos so instituies de extraordinria importncia na


concepo do Estado de Direito, protagonizando as principais mudanas na idade
moderna, de seu incio at a atualidade. Por isso, tambm os partidos polticos sofrem
transformaes no s de ideologias ou de outros fundamentos que justificam sua
formao, mas tambm no que concerne estrutura de funcionamento e mbito
de atuao.
At o incio do sculo XIX, as casas parlamentares com funcionamento
permanente no conheciam propriamente partidos polticos na concepo moderna
do termo, pois nelas havia pessoas reunidas por tendncias de opinies, clubes
populares, associaes de pensamento, e grupos parlamentares, configurando
apenas faces que atuavam independentemente de estruturas ordenadas e de
programas de governo. Embora devam ser considerados como embries dos atuais
partidos polticos, esses grupos se firmavam em razo de diversos fatores, tais como
afinidade por origem ou por ideologia.1
____________________
Alguns grupos parlamentares tiveram mculas srias, merecendo registro a experincia inglesa
do incio do sculo XVIII, uma vez que em 1714 foi criado o patronage secretary, com atribuies
para nomear pessoas para empregos do governo e realizar operaes financeiras junto a
parlamentares que davam sustentao ao Governo, havendo na prpria Cmara um guich no
qual os parlamentares cobravam por seu voto.

Estudos Eleitorais, Volume 5, Nmero 1, jan./abr. 2010

Segundo Maurice Duverger, em 1850 nenhum pas do mundo (com exceo


dos Estados Unidos) conhecia partidos polticos no sentido moderno da palavra, pois
esses comearam a se estruturar to somente em 1831 com o Reform Bill do Reino
Unido, mas, aps 1950, os partidos funcionam na maioria das naes civilizadas,
configurando-se atualmente como protagonistas do jogo democrtico.2
igualmente importante destacar que os grupos parlamentares at o
sculo XIX no estavam necessariamente ligados representao da vontade
popular. No modelo de Estado Liberal da poca, predominava o voto censitrio,
havendo diversas construes tericas que justificavam a restrio do direito
de participao na vida poltica apenas aqueles que dispunham de um mnimo
de renda ou de propriedade.3 Segundo Paulo Ferreira da Cunha, em Aristteles,
democracia a sociedade poltica que corresponde corrupo da politeia, mas no
sculo XX houve uma mutao semntica que permitiu que todos se pronunciem a
favor da democracia, que passou a significar bom governo para os revolucionrios
franceses e para os foundig fathers, do que decorre a universalizao do voto e o
fortalecimento dos partidos polticos.4 Assim, dentre as causas de formao e de
desenvolvimento dos partidos polticos, a partir do sculo XIX, esto a paulatina
afirmao da democracia como regime de governo a ser alcanado, a extenso do
sufrgio popular e a afirmao de prerrogativas parlamentares. Embora os partidos
polticos modernos estejam conceitualmente vinculados vontade popular, eles
tambm so responsveis pela contenso de movimentos insanos do povo, aspecto
que reala seu papel de proteo a direitos fundamentais.5
____________________
DUVERGER, Maurice. Os partidos polticos. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1970.
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do esprito das leis. Trad. Jean Melville. So Paulo: Martin
Claret, 2002. p. 121, p. ex., afirmou que todos os cidados deviam ter direito a dar seu voto
para escolher o representante, exceto os que estivessem em estado de baixeza (considerados
sem vontade prpria). SIYS, Emmanuel, A Constituinte burguesa, Quest-ce que le Tiers tat?,
3. ed., organizao e introduo de Aurlio Wander Bastos, Rio de Janeiro, Ed. Lumen Juris,
1997, temia o sufrgio universal pois conduziria oclocracia (governo da plebe, pobre, faminta
e sedenta de sangue), da porque props sufrgio restrito (sob a capa da soberania da nao).
MILL, John Stuart. Consideraes sobre o governo representativo. Braslia: UnB, 1980, pregava
que nem todas as ideias polticas tm o mesmo valor, motivo pelo qual propunha sistema de
voto plural com peso maior para eleitores com estudos acadmicos, decrescendo para operrios
especializados e supervisores e ainda mais para operrios sem especializao.
4
CUNHA, Paulo Ferreira da. Da Constituio antiga Constituio moderna: Repblica e virtude.
Revista Brasileira de Estudos Constitucionais RBEC. Belo Horizonte: Ed. Frum Instituto
Brasileiro de Estudos Constitucionais IBEC , n. 5, jan./mar. 2008.
5
John Adams (In CASALINI; Brunella. Soberania popular, governo da lei e governo dos juzes nos
Estados Unidos da Amrica. In: COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (Org.) Estado de direito: histria,
teoria, crtica. Trad. Carlo Alberto Dastoli. So Paulo: Martins Fontes, 2006 via indivduos como
seres corruptveis, de modo que a seleo de representantes filtraria as opinies e evitaria o
clamor da multido. ELSTER, Jon. Ulisses and Sirens. Cambridge: Cambridge University Press,
1979, afirma que, nos processos polticos, a vontade majoritria pode ser irracional, de tal modo
que o povo pode ser vtima de suas fraquezas ou paixes momentneas.
2
3

80

Memria

Tomando como referncia a histria dos Estados Unidos, para verificar a


aliana entre democracia e partidos polticos, a partir da fase republicana iniciada
com a Declarao de Independncia deu-se uma revoluo democrtica nos
pensamentos, na prtica e nas estruturas das instituies, enquanto a marcha para o
oeste e a ampliao do nmero de proprietrios de terras fez com que aumentassem o
nmero de eleitores em vrias regies. Duas vises de repblica aps a independncia
americana geraram o Republicanismo Populista (atualmente Partido Democrtica,
que contava com uma concepo positiva do povo) e o Republicanismo Clssico (da
parte dos federalistas, atualmente Partido Republicano, que sublinhava o elemento
da representao poltica, acreditando na confiana entre povo e representantes
eleitos e no fato de os representantes filtrarem as opinies do povo).6
Tambm o histrico dos partidos polticos brasileiros est associado
afirmao do regime democrtico, desde a independncia at a reabertura poltica
no final do sculo XX.7 Embora no Imprio tenham existido faces pr-partidrias
(como os corcundas ou Partido Portugus e o Partido da Independncia ou Partido
Brasileiro), o Perodo Regencial (com a abdicao de D. Pedro I) d incio vida
partidria brasileira com o Partido Liberal (exaltados, farroupilhas, jurujubas ou
radicais), o Partido Conservador (moderados ou chimangos) e o Partido Caramuru
(restauradores ou monarquistas). O movimento republicano gera o Partido
Republicano (unindo, em 1870, liberais histricos, radicais e republicanos), com
derivaes no Partido Republicano Paulista, no Partido Republicano Carioca e no
Partido Republicano Mineiro, uma vez que a Repblica Velha ou Primeira Repblica
(1889-1930) refletia o forte movimento de fragmentao ou de federalizao da
poca. A crise de 1926 fez com que cafeicultores paulistas, em maro de 1926,
lanassem o Partido Democrtico, incluindo as principais reivindicaes tenentistas,
entre elas a do voto direto.
A Revoluo de 1930 e a Segunda Repblica (1930-1945) e, especialmente,
o Decreto no 21.076/32 regularam eleies e dispuseram sobre a existncia jurdica
dos partidos e sobre seus funcionamentos, prevendo partidos permanentes
____________________
Sobre o tema, ACKERMAN, Bruce. Ns, o povo soberano: fundamentos do direito constitucional.
Trad. Mauro Raposo de Mello. Belo Horizonte: Del Rey, 2006; ACKERMAN, Bruce, Transformao
do direito constitucional: ns, o provo soberano. Trad. Julia Sichieri Moura e Mauro Raposo de
Mello, do 2o volume da edio americana de We, the people, vol. 2: Transformation: president
and fellows of Harvard College (1998). Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2009; CASALINI, Brunella.
Soberania popular, governo da lei e governo dos juzes nos Estados Unidos da Amrica. In:
COSTA, Pietro; ZOLO, Danilo (orgs.) Estado de direito: histria, teoria, crtica. Trad. Carlo Alberto
Dastoli. So Paulo: Martins Fontes, 2006; e PETIT, Philip. Republicanism: a theory of freedom and
government. Oxford: Oxford University Press, 1997.
7
Sobre o tema, FRANCO, Afonso Arinos de Melo. Histria e teoria dos partidos polticos no
Brasil. 2 ed. So Paulo: Alfa-mega, 1974; e CHACON, Vamireh. Histria dos partidos brasileiros:
discurso e praxis dos seus programas. Braslia: Ed. Universidade de Braslia, 1981.
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(com personalidade jurdica nos termos do artigo 18 do Cdigo Civil da poca) e


partidos provisrios (formados transitoriamente vspera dos pleitos, apenas para
disput-los). A curta experincia da Constituinte de 1934 foi maculada pelo sistema
de representao profissional dentro das assembleias eleitas por sufrgio universal,
que coexistiam com partidos e eram instrumento dos governos contra a livre ao
dos partidos, mas o Decreto-Lei no 37, de 2.12.37 agravou a situao com a extino
dos partidos polticos.
Com a redemocratizao a partir de 1945 ou Terceira Repblica (19541964), os partidos polticos foram obrigados a se organizar em mbito nacional, e,
ainda assim, ento surgiram diversos partidos, com destaque para o Partido Social
Democrtico (PSD), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e a Unio Democrtica
Nacional (UDN), cujos estatutos marcam os movimentos ideolgicos e polticos
dominantes poca (cabendo destacar a perseguio aos partidos socialistas e
comunistas). O Golpe de 1964 e a Quarta Repblica (1964-1985) foi marcada por
modificaes no sistema partidrio promovidas pelo AI no 2, de outubro de 1965
(p. ex., adotando a fidelidade partidria, sob pena de perda de mandato) e pela
atuao da Arena (Aliana Renovadora Nacional) e do MDB (Movimento Democrtico
Brasileiro), que seguiram na vida poltica at a Lei no 6.767/79, que reformulou vrios
dispositivos da Lei Orgnica dos Partidos Polticos para dar liberdade na criao de
partidos, o que se refletiu no atual sistema constitucional e legal, marcada pela
pluralidade e ampla existncia de partidos constitudos como instituies privadas e
registradas na Justia Eleitoral.
Na atualidade, h vrios e importantes desafios a serem enfrentados
pelos partidos polticos. Um desses desafios , na verdade, um antigo problema,
relacionado com a vinculao da vontade do povo ao comportamento e s decises
dos representantes eleitos pelo povo.8 Hans Kelsen desenhou a democracia
representativa pelos partidos, tendo como premissa a ideia de que a democracia
s poder existir caso os indivduos se agrupem segundo suas afinidades polticas,
de modo que os partidos se inserem entre as pessoas e o Estado.9 Para que a
democracia poltica no seja resumida apenas ao momento do voto nas eleies
e para que a vontade popular possa alongar-se por toda a durao dos mandatos
representativos, ordenamentos jurdicos (como a Constituio de 1988) afirmamse na concepo de que o povo se governa escolhendo programas de governo
oferecidos pelos partidos em eleies e que, por isso, devem ser executados fielmente
por representantes eleitos (da a exigncia de candidaturas vinculadas a partidos e
____________________
8
BURKE, Edmund. Discursos aos eleitores de Bristol. In: WEFFORT, Francisco (Org.). Os clssicos
da poltica. So Paulo: tica, 1996, v. 2, em Carta aos Eleitores de Bristol em 1774, afirmava que
a opinio dos eleitores merecia elevado respeito, mas como deputado, ele no devia sacrificar a
esses sua opinio imparcial, seu juzo amadurecido, sua conscincia refletida.
9
KELSEN, Hans. A democracia. 2. ed. So Paulo: Martins Fontes, 2000.

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Memria

a imposio de programas de governo e de fidelidade partidria). Todavia, visvel


a irresponsabilidade de muitos partidos na confeco de programas de governo,
no s estabelecendo metas irrealizveis ou desprovidas de dados materiais que
as viabilizem, como tambm h promessas feitas em alguns programas que sequer
se inserem na rea de atuao constitucional ou legal para o qual o programa
elaborado, alm de diversos outros problemas como a despersonificao do partido
(a legenda perde espao em favor do nome de um poltico que a domina).
utro desafio a ser enfrentado pelos partidos na atualidade o dinamismo
O
e a fragmentao da sociedade, na qual o Estado no mais considerado como
fenmeno isolado em razo da crise de instituies e valores atuais, o individualismo
conduz a perda de sentidos, a revoluo tecnolgica emprega um outro dinamismo
na sociedade (h uma instantaneidade), surge a sociedade de risco (Ulrick Beck),
caracterizando a sociedade contempornea como complexa, desordenada,
indeterminada e incerta, um verdadeiro labirinto. Jacques Chevallier destaca que na
segunda era da modernidade (ou ps-modernidade), marcada por complexidades,
pontos de vista diversos e contraditrios, pela indeterminao, com elementos que
exacerbam aspectos que estavam na modernidade (hipermodernidade) e esquemas
que se libertam da modernidade (anti-modernidade), a concepo da democracia
representativa (na qual partidos polticos assumiam o papel de atender os interesses
da sociedade) herana do passado e precisa ser revista, sendo clara a crise no
sistema de representao em razo da desconfiana de parte dos representados
em face da atuao dos representantes, que seriam incapazes de responder s
expectativas dos cidados (indiferena, insegurana, incapacidade para influenciar o
curso dos fatos). Corrupo em todos os nveis e a todo momento (com informaes
muitas vezes manipuladas), desinteresse pelo povo na participao nas eleies
(especialmente em pases com voto livre) e enfraquecimento dos partidos polticos
pelas crises de corrupo e outros motivos impem a adaptao para uma mediao
entre sociedade civil e sociedade poltica, o que levaria substituio da democracia
mediada por democracia de opinio (p. ex., com a promoo da opinio pblica
e novas estratgias de comunicao, de tal modo que programas polticos devem
surgir no no seio das organizaes partidrias mas a partir do instante em que os
pontos de vista dos prprios cidados so expressados).10
Parece evidente que a ps-modernidade impe mudanas profundas
nos princpios de organizao das sociedades ocidentais no incio do sculo XXI,
que afetam todos os nveis do edifcio social e suas instituies (a despeito de
particularidades locais), de maneira que mudanas globais impem alteraes
nos esquemas tradicionais de organizao, incluindo os partidos polticos como
____________________
Sobre o assunto, CHEVALLIER, Jacques, Ltat post-moderne. 3. d. Paris: Librarie Gnrale de
Droit et de Jurisprudence, 2008. Srie Politique.

10

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protagonistas do processo poltico. Um instrumento de extraordinria importncia


nesse processo de integrao e de modernizao da vida democrtica e partidria
a internet, campo propcio para a liberdade de comunicao que escapa ao poder
e dominao, partindo do pluralismo que, se levado a srio pelas autoridades
partidrias, tem potencial para alavancar a participao popular e a atuao
democrtica dos partidos.11

___________________
Sobre a matria, LVY, Pierre. As tecnologias da inteligncia. So Paulo: Editora 34, 1995; e
numa viso crtica, BRETON, Philippe. Lutopie de la communication. Paris: La Dcouverte, 1995.
11

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Memria

Referncias
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BRETON, Philippe. Lutopie de la communication. Paris: La Dcouverte, 1995.
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85

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SIYS, Emmanuel. A Constituinte burguesa: quest-ce que le tiers tat? 3. ed. Org.
e introd.: Aurlio Wander Bastos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1997.

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Esta obra foi composta na fonte Frutiger LT Std,


corpo 11, entrelinhas de 14,5 pontos, em papel AP 75 g/m (miolo)
e papel AP 180 g/m (capa).

Impressa em julho de 2010

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