CIAMPA, Antonio Da Costa - Políticas de Identidade e Identidades Políticas
CIAMPA, Antonio Da Costa - Políticas de Identidade e Identidades Políticas
CIAMPA, Antonio Da Costa - Políticas de Identidade e Identidades Políticas
3. os
aparece na orientao feita ao estigmatizado no sentido de que se ele adotar uma linha
correta (linha essa que depende da pessoa que fala) ele ter boas relaes consigo e ser
um homem completo, um adulto com dignidade e auto-respeito. Na seqncia,
Goffman esclarece: E, na verdade, ele ter aceito um eu para si mesmo; esse eu ,
como deve necessariamente ser, um habitante estranho, uma voz do grupo que fala por e
atravs dele (p. 134).
Tais observaes mostram como essa questo de polticas de identidade desde
o incio envolve um conflito entre autonomia e heteronomia, em pelo menos dois
pontos. Em um, entre a suposta autonomia do discurso do intragrupo (com fraseologia
predominantemente poltica) e a heteronomia do discurso do exogrupo (com fraseologia
que Goffman chama de psiquitrica, mas que poderamos tambm chamar de
paternalista ou assistencialista, quando no colonizadora). Em outro ponto, no conflito
entre a voz do grupo que fala por e atravs dele e a voz do prprio indivduo. Esse
conflito, que muitas vezes gera ambivalncias, exemplificado por Goffman ao citar
Lewin discutindo o que este chama de dio por si mesmo, no como auto-dio, mas
como dio do indivduo pelo grupo ao qual o estigma o consigna; h ainda referncias a
judeus (Sartre), bem como a japoneses nos EUA (un-americans), a negros (o negro
inautntico) etc.
Com isso, a questo da autonomia pode se confundir com a questo da
autenticidade: como definir quando se trata de uma escolha original e autntica do
prprio indivduo?
Gostaria de trazer para esta reflexo a conhecida afirmao de Freud, quando
discute a psicologia das massas, de que cada indivduo est libidinalmente ligado, por
um lado, ao lder e, por outro, aos demais indivduos da massa. Estabelecida a
identificao, ele esforar-se- por ajustar o prprio ego imagem e semelhana do
outro que serve de modelo. Horkheimer M. & Adorno T. (1978) afirmam que para
Freud o mecanismo da identificao tem um lugar decisivo no processo de formao
social, na cultura e na civilizao, pois com esse processo tem incio a sublimao dos
impulsos sexuais, de modo a permitir o aparecimento do sentimento social. Nesse
sentido a afirmao ainda de Horkheimer & Adorno massa tem para Freud uma
conotao positiva. Este a descreveu como a transio do egosmo para o altrusmo; a
linguagem e os costumes seriam seus produtos e s por intermdio destes so possveis
as criaes do esprito. Vale a pena transcrever a citao que Horkheimer & Adorno
trazem de Freud:
Cada indivduo uma parte de muitas massas, mergulhado na multiplicidade de
identificaes, e constituiu o seu prprio Ego-Ideal segundo modelos extremamente
variados. Assim, cada indivduo participa de muitas psiques de massa, como a de sua raa,
de seu status social, de sua comunidade religiosa, de sua cidadania etc. e, alm disso,
pode elevar-se a uma certa parcela de autonomia e originalidade (pg. 84 o negrito
meu, ACC).
Com isso, a advertncia que Horkheimer & Adorno fazem que a psicologia
das massas, ao postular a priori a malignidade da massa e proclamar a necessidade de
um poder que a mantenha sob controle, torna-se instrumento da corrupo totalitria.
Esclarecem eles, assim, que os horrores que hoje ameaam o nosso mundo no so
produzidos pelas massas mas por tudo aquilo e por todos aqueles que se servem das
massas, depois de terem-nas engendrado. Estes que se servem das massas seriam como
engenheiros de almas. Ao discutirem sobre a tcnica de domnio de massa, deixam
claro que esta um produto social e que as condies que permitem sua manipulao
esto socialmente condicionadas, pois pressupem a atomizao, a alienao e a
impotncia individual.
Estas anotaes podem acrescentar importantes aspectos do complexo pano de
fundo para discutir a questo das polticas de identidade. Assim, postular a priori a
malignidade da massa retirar a legitimidade de qualquer ao ou discurso autnomo
do intragrupo; ao mesmo tempo, proclamar a necessidade sempre de um controle
externo s admitir como legtima a heteronomia decorrente da ao e do discurso do
exogrupo. Talvez o segredo dos engenheiros de almas nada mais seja que construir a
iluso de que um discurso do exogrupo expresso autnoma do intragrupo.
Polticas de Quem? Para Quem?
No incio falou-se de uma tenso entre progresso e desenvolvimento, de um
lado, e opresso e explorao, de outro. Parece-me que esta afirmao j traz embutida
uma diferenciao e interpretao do que, esquematicamente, vou chamar de poder e
contra-poder.
Gostaria de mencionar o excelente trabalho sobre polticas de identidade, de
Neuza Guareschi (2000), publicado na revista da ABRAPSO, quando esclarece que
Referncias bibliogrficas
Goffman, E. (1975) Estigma: Notas sobre a Manipulao da Identidade Deteriorada. R.
Janeiro: Zahar.
Guareschi, N. (2000) Polticas de identidade: novos enfoques e novos desafios para a
psicologia social in Psicologia & Sociedade, 12 (1/2): 110/124; jan/dez.2000
Habermas, J. (1997) Direito e Democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro.
Horkheimer, M. & Adorno, T. W. (1978) Temas Bsicos da Sociologia. So Paulo:
Cultrix.
Munanga, K. (2002) Prefcio in Carone, I. & outros Psicologia Social do Racismo.
Petrpolis: Vozes.
Prado, M. A. M. (2001) Psicologia Poltica e Ao Coletiva - in Psicologia Poltica, vol.
I - jan/jun.
(*)