Guilherme de Carvalho - Introdução À Filosofia Reformacional PDF
Guilherme de Carvalho - Introdução À Filosofia Reformacional PDF
Guilherme de Carvalho - Introdução À Filosofia Reformacional PDF
FILOSOFIA
CRIST
Uma Introduo Filosofia na Tradio Reformacional
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NDICE
p. 120
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I.
p. 152
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Kuyperianismo e Filosofia
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barco furado, muito melhor traz-lo para o nosso barco, do que entrar no barco dele para
ajud-lo a tirar a gua! Essa nova perspectiva geralmente denominada
pressuposicionalismo.
A proposta filosfica dos gregos, tanto em seu estgio mais primitivo,
cosmolgico, como em sua forma socrtica, no est errada do ponto de vista formal.
Sua falha est no dogma da autonomia religiosa da razo. Esse dogma foi adotado no
pensamento humanista moderno e contemporneo, sendo pressuposto acriticamente pela
maior parte dos pensadores seculares e at pelos cristos! Kuyper e Dooyeweerd
desafiaram esse dogma ao sustentar que a filosofia pode e deve ser conduzida pelos cristos
trocando a centralidade da razo pela centralidade da religio.
Nosso Caminho
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II.
PARTE 1:
A CRTICA TRANSCENDENTAL DO
PENSAMENTO TERICO
1!
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E para isso precisamos examinar as condies bsicas que tornam qualquer pensamento
filosfico possvel. Conhecendo essas condies bsicas, poderamos identificar e
descrever diferentes filosofias a partir de seu ponto de partida, e assim teramos uma base
para discusso frutfera entre as vrias escolas de pensamento.2
VINCENT BRMMER observou que esse mesmo problema foi encarado por KANT.
Este tambm buscou uma crtica da faculdade da razo com tal, para lidar em definitivo
com as contradies da metafsica. DOOYEWEERD tem um projeto semelhante, mas tambm
essencialmente diverso. Para Dooyeweerd Kant caiu num dogmatismo terico, falhando em
fazer da prpria atitude terica do pensamento um problema terico, e simplesmente
pressupondo a autonomia do pensamento. Esse dogmatismo mascara o verdadeiro ponto de
partida do pensamento e ao mesmo tempo controla seu modo de lidar com os problemas
tericos.3
Assim sendo Dooyeweerd defende que uma crtica realmente radical do pensamento
deve no somente abandonar o dogma de que o pensamento terico autnomo, mas
tambm deve demonstrar que este dogma contradiz o verdadeiro carter do pensamento
terico em si mesmo. Seria intrnseca estrutura do pensamento terico a dependncia de
pressuposies supra-tericas. Alm disso, era a inteno de Dooyeweerd demonstrar que
essas pressuposies seriam de um carter religioso, introduzindo assim a discusso a
respeito da relao entre a religio e a filosofia, bem como lanando as bases para uma
filosofia crist.4
Orientao importante: a prxima seo do texto (p. 7 a 21) uma reviso de Kant um
tanto complexa. Aqueles interessados em um conhecimento mais preciso da origem da crtica
transcendental de Dooyeweerd podem continuar a leitura do captulo. Se voc deseja conhecer mais
rapidamente a crtica de Dooyeweerd, pode passar pgina 22. Finalmente, se voc sentir
dificuldades para ler as parte I (Crtica Transcendental) comece diretamente da parte II (Filosofia
Sistemtica, p. 53) voltando mais tarde parte I.
1.
2!
3!
Ibid, p. 14.
4!
Ibid, p. 15.
5! Toda
6!
Ibid, p. 15.
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a.As Categorias. Desde Aristteles, as formas da lgica geral, sob as quais os conceitos
so combinados para formar julgamentos, tem sido conhecidas e distinguidas. Todos os
julgamentos podem ser arranjados de quatro diferentes pontos de vista, e para cada um
deles Kant posteriormente distingue trs diferentes tipos de julgamentos:
1.
2.
3.
4.
Sob essas doze formas, assim, os conceitos so sintetizados para obter julgamentos.
Desde que Kant argumentou que a mesma atividade sinttica da funo lgica da
compreenso forma tanto os conceitos como os julgamentos, ele concluiu que as
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Cada categoria tem uma relao especfica com o tempo. Essa relao o seu
esquema. Assim o esquema da substncia a permanncia, o da causalidade a
sucesso temporal, etc. Conseqentemente uma categoria em sua relao com o tempo
(uma categoria esquematizada) pode ser aplicada a cada sensao em sua relao com
o tempo isto , em uma representao.
De acordo com Kant, a sensao e a compreenso so as nicas fontes do nosso
conhecimento. Se este o caso, ento o problema epistemolgico refere-se forma
com que ns sintetizamos esses elementos em um sistema unificado que o objetivo
final de todo o nosso conhecimento. Com isso ns apresentamos a resposta de Kant a
essa questo e apontado como, de acordo com ele, o mundo fenomenal da experincia
constitudo na atividade sinttica da unidade transcendental da apercepo.
parte das categorias como elementos constitutivos na estrutura sinttica, a
estrutura da razo em si mesma implica idias por meio das quais o processo inteiro da
sntese do conhecimento regulado e recebe direcionamento. Essas so denominadas
idias da razo pura.
c.As Idias da Razo Pura. A compreenso a faculdade de formar conceitos e
combin-los em julgamentos. A faculdade de combinar julgamentos para obter
concluses chamada de razo por Kant. Todos os julgamentos podem ser premissas
das quais a razo pode tirar concluses e essas concluses so ento condicionadas
pelas premissas. Algum pode perguntar se este processo da razo no poderia ser
revertido, desde que cada premissa pode tambm ser vista como uma concluso tirada
de outras premissas e assim tambm condicionadas por elas. Se assim for, no poderia
esse processo reverso eventualmente levar a um julgamento incondicionado? Kant
nega isso, desde que o processo seria de um regresso infinito. Isto dificilmente
surpreendente, porque todo o nosso conhecimento limitado a fenmenos que so
necessariamente condicionados pelas categorias. O infinito incondicionado apenas
possvel como uma idia um ideal infinito implicado na razo mas nunca alcanado,
desde que transcende a esfera dos fenmenos.
A tarefa dessa parte da Crtica da Razo Pura demonstrar que tais idias
transcendem os limites do pensamento terico e assim no constituem conhecimento,
mas so meros ideais de acordo com os quais os processos do conhecimento so
regulados. Porque essas idias esto implicadas na prpria estrutura da razo, surge a
iluso de que ns podemos trat-las como objetivamente reais e fazer julgamentos
empricos a respeito delas. Tais julgamentos que transcendem a esfera dos fenmenos
devem necessariamente acabar em contradies. Kant chama esses julgamentos de
iluses transcendentais.
Em sua totalidade, nossas idias se referem ao sujeito, ou ao objeto, ou unidade de
sujeito e objeto. Assim Kant distingue entre trs classes de idias: a unidade
incondicionada do sujeito pensante (a idia da alma); a unidade incondicionada das
condies dos fenmenos (a idia de totalidade csmica); e a unidade incondicionada
das condies de todos os objetos do pensamento (a idia do absoluto, isto , Deus).
Seguindo-se a iluso transcendental, essas idias so feitas os objetos de trs cincias
metafsicas: a psicologia racional, a cosmologia metafsica e a teologia natural.
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2.
Isso no implica que a razo terica est aqui aplicando suas categorias esfera
supra-sensria. Essas concluses so tomadas puramente na base da razo prtica como
postulados necessrios da moralidade. Isso posteriormente substanciado na crtica
Kantiana da teologia natural, onde ele demonstra que as vrias provas para a existncia
de Deus so todas baseadas em iluses dialticas. Que um ser supremo existe no
negado por Kant; o que ele nega que a existncia de tal ser possa ser teoricametne
deduzida da idia transcendental de Ser Supremo.
Ns podemos concluir que embora Kant no atribua s idias transcendentais uma
significncia mais que regulativa com respeito ao conhecimento, ele aceita sua
realidade na esfera noumenal como postulados da moralidade e da religio.
A Crtica Dooyeweerdiana a Kant
De acordo com Dooyeweerd, Kant foi o primeiro filsofo a distinguir entre a atitude
crtica e a atitude dogmtica de pensamento, e a ver que a filosofia crtica precisa examinar
as condies transcendentais que tornam a filosofia possvel e determinam seus limites.
Entretanto, diz Dooyeweerd, tal investigao transcendental deve ser completa para ser
crtica. Ela no deve deixar nenhuma de suas pressuposies intocadas, ou elas podero
dominar a investigao e roubar-lhe o carter crtico. E justamente nesse ponto a crtica de
Kant falha. Ele no examina at o fim as condies que tornam o pensamento filosfico
possvel, e dogmaticamente assume certas posies bsicas que determinam toda a sua
filosofia.
Kant foi o primeiro a ver o problema epistemolgico como um problema de sntese
terica. Entretanto ele assumiu que essa sntese era meramente uma sntese lgica, e assim
firmou a questo epistemolgica sobre uma base muito estreita. Isso teria ocorrido porque
ele tentou resolver o problema epistemolgico antes de fundar sua epistemologia sobre
uma teoria de coerncia csmica a partir da qual a relao gnoseolgica teria seu lugar
definido. Em sua teoria das idias transcendentais, Kant de novo abre a porta para
transcender a estreita base lgica em que ele formulou o problema, mas o motivo filosfico
bsico que dominava seu pensamento impediu que ele aprofundasse essa linha de
pensamento. Assim Dooyeweerd conclui que a crtica Kantiana no foi crtica o suficiente.
O mtodo crtico teria de ser mais crtico, se ele quisesse manter sua reivindicao
honra auto-assumida de pensamento crtico.
A crtica de Dooyeweerd a Kant pode ser apresentada em quatro pontos bsicos: (1)
sua epistemologia no tinha uma base cosmolgica; (2) ele consequentemente falhou em
prover um tratamento satisfatrio do problema da sntese epistemolgica; (3) as fraquezas
de sua teoria das idias e (4) o motivo bsico que domina sua filosofia.
7!
KANT, Immanuel, Crtica da Razo Pura. Os Pensadores. So Paulo, Nova Cultural, 1996, p. 72.
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Com essas palavras Kant abre a primeira parte de sua crtica isolando o material
sensrio da experi6encia em sua recepo mais primitiva nas formas transcendentais
do espao e do tempo. Este isolamento levou Kant a distinguir entre a
percepo (Anschauung) e a compreenso (Verstand) como as duas nicas fontes
de todo o conhecimento, e a manter assim que a realidade experimentada consiste de
um aspecto sensrio recebido atravs da percepo e um aspecto lgico produzido pela
compreenso. Isso determina a diviso principal de sua crtica em esttica
transcendental e lgica transcendental.
Dooyeweerd mostra que essa diviso uma evidente abstrao que falha em fazer
justia complexa estrutura de sentido csmico que ns conhecemos atravs da
experincia. Na experincia ordinria a realidade se revela como uma unidade coerente
composta de coisas individuais e eventos. Este o datum primrio de todo o nosso
conhecimento. Na reflexo terica vrios aspectos ou modalidades estruturais podem
ser distinguidos no cosmos; mas desde que eles foram teoricamente abstrados da
estrutura csmica de sentido, eles podem apenas ter significado quando vistos luz
dessa coerncia. Isto implica que cada aspecto deve ter uma estrutura que expresse essa
conexo interna entre ele e todos os outros aspectos.
Ignorando essa coerncia intermodal, Kant comea com uma tentativa de
isolamento do aspecto sensrio da experincia, e ento procede a uma posterior
abstrao dentro desse aspecto. Espao e tempo so isolados como formas de percepo
das impresses sensrias caticas que so seu contedo. Como Hume, Kant toma essas
impresses como sendo os dados primrios de todo conhecimento, ignorando a
abstrao envolvida para recuper-los. Isso implica seguinte contradio: o resultado
da abstrao interpretado como o datum primrio de todo o nosso conhecimento.
Essas impresses, diz Dooyeweerd, nada mais so que abstraes tericas dos dados
primrios que so a coerncia de sentido systtica da realidade como ns
conhecimentos em nossa experincia ordinria ou ingnua.
Esta a primeira abstrao feita por Kant. Nossa experincia mal interpretada e
restrita funo sensria teoreticamente abstrada, e o dado primrio do conhecimento
reduzido s impresses caticas dos sentidos. Sendo caticas, essas impresses no
tem nenhuma estrutura de sentido fixa, e no constituem conhecimento. Da a
necessidade da compreenso de sintetizar essas impresses tornando-as estruturas fixas.
Depois dessas impresses terem sido sintetizadas sob as formas do espao e do tempo
para formar representaes, as representaes so sintetizadas sob as categorias para
formar objetos de conhecimento. Essas formas sob as quais as snteses so realizadas
so fornecidas pela compreenso. Assim Kant v a estrutura da realidade como sendo
dada em nossa experincia como uma estrutura meramente lgica, produzida pela
compreenso.
Esta a segunda abstrao manifesta sobre a qual Kant baseia sua filosofia. O
aspecto lgico da realidade abstrado de sua coerncia com outros aspectos e feito
absoluto. A totalidade da estrutura de sentido da realidade reduzida estrutura de um
dos aspectos do sentido csmico, enquanto a sntese lgica da compreenso substitui a
systasis de sentido csmico e a compreenso se torna a fonte da lei para o cosmos. Kant
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ignora o fato de que essa absolutizao da sntese lgica apenas possvel porque o
aspecto lgico da realidade foi previamente abstrado da corncia de sentido csmico.
A sntese lgica absolutizada que o resultado da anlise lgica vista por Kant
como o pr-requisito para toda anlise lgica! O que a compreenso no combinou
anteriormente, diz ele, ela no pode dissolver ou analisar.
A crtica de Dooyeweerd a Kant quanto a esse primeiro ponto pode ser sumarizada
como se segue: Kant falha em dar conta da estrutura cosmolgica que pressuposta em
todo pensamento filosfico. Por isso ele baseia sua epistemologia sobre uma abstrao
cosmolgica que ele acrticamente aceita como dado, isto , os aspectos sensrio e
lgico da experincia, abstrados da totalidade do sentido csmico. Com respeito ao
aspecto sensrio, isso resulta na contradio de considerar as impresses sensrias
abstradas como o dado primrio do conhecimento. O aspecto lgico, por outro lado,
feito absoluto e, como resultado, a estrutura csmica de sentido reduzida a uma
estrutura lgica e a compreenso feita a fonte da lei e da ordem do cosmo. Algum
poderia perguntar se possvel formular e resolver o problema da sntese
epistemolgica sobre tal base cosmolgica insuficiente. Isso nos leva prxima parte
da crtica de Dooyeweerd.
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que elas so formas que implicam uma sntese a prior entre as formas lgicas de
pensamento e o material sensrio. Se no for possvel demonstrar que as categorias so
mais do que meras formas lgicas, diz Dooyeweerd, ento a distino entre lgica
formal e transcendental seria sem sentido.
Entretanto, um exame cuidadoso mostra que nenhuma sntese intermodal est
implicada nas categorias, desde que Kant ressalta que a mesma funo lgica que
est ativa na analtica formal e no pensamento sinttico transcendental. Alm disso
Kant orienta as categorias dentro de uma tbua de julgamentos lgicos formais, porque
eles so realmente de uma natureza lgica. Ele os distingue como conceitos sintticos
porque eles so aplicados a experincias possveis. Entretanto ele no considera a
sntese em que eles so fundados como intermodal, mas como uma sntese puramente
lgica. Da se segue que as categorias so formas meramente lgicas e que no
implicam qualquer sntese intermodal. Dooyeweerd aponta que se elas fossem
realmente formas transcendentais de conhecimento objetivo, e no meramente formas
de pensamento, ento elas no deveriam ter sido discutidas em epistemologia, mas na
anlise dos vrios aspectos modais da experincia que deveria preceder qualquer
discusso de epistemologia e que determina as condies cosmolgicas do
conhecimento. Nesse ponto Kant no atinge nem uma sntese intermodal, nem um
ponto de referncia que transcenda a diversidade modal.
b.A Imaginao Transcendental. Na primeira edio de sua Crtica da Razo Pura,
aparentemente Kant interpreta a imaginao como uma terceira funo ao lado da
compreenso e da percepo. Essa terceira funo deve ento ser o fator de sntese
atrs dos outros dois. Entretanto, a idia de uma terceira funo contradiz a viso
apresentada na Introduo de que haveria apenas duas fontes de conhecimento;
assim, na Segunda edio, Kant removeu a contradio declarando enfaticamente que a
imaginao uma funo da compreenso e que a sntese figurativa seria um ato da
compreenso. Assim ns conclumos que a imaginao no fornece um ponto fixo
alm da funo lgica. Nem a sntese figurativa uma sntese intermodal.
c.A Doutrina do Esquematismo. O problema de uma sntese intermodal entre o material
sensrio e as categorias no realmente tratado por Kant antes de sua discusso da
doutrina dos esquematismos. Para demonstrar como as categorias podem ser aplicadas
aos fenmenos sensrios, Kant formulou sua doutrina na qual o tempo visto como
uma terceira coisa de natureza similar s categorias, por um lado, e aos fenmenos,
por outro, que media a sntese entre os dois. Por um lado, o tempo a forma universal
da sensao, e por outro lado o meio pelo qual as categorias so esquematizadas com
a ajuda da imaginao transcendental.
Como Dooyeweerd mostrou, isso no uma soluo para o problema, mas uma
petitio principii. Afirma-se que o problema da sntese entre as categorias e os
fenmenos sensrios resolvido pelo esquematismo das categorias. Mas isso apenas
uma reafirmao do mesmo problema de uma outra forma: como podem as categorias
e a forma sensria do tempo serem sintetizadas? Desde que as categorias so formas
puras de pensamento, elas so atemporais e assim esto em oposio irreconcilivel
tanto ao material sensrio como forma sensria do tempo. Segue-se que a doutrina
!20
dos esquematismos contradiz as prprias vises de Kant sobre o carter lgico das
categorias e o carter do tempo como uma forma de percepo. Consequentemente
Dooyeweerd conclui que do captulo sobre os esquematismos temos a impresso de
que Kant deve ter visto a insuficincia de sua concepo da unidade da auto
conscincia para explicar relao entre as categorias de pensamento e os fenmenos
sensrios.
A crtica de Dooyeweerd a Kant sob este segundo ponto pode ser sumarizada como
se segue: (1) Devido insuficiente base cosmolgica de sua epistemologia, Kant reduz
a sntese intermodal do conhecimento a uma sntese meramente lgica. (2) Embora a
crtica de Kant deixe espao para ao menos uma sntese intermodal aquela entre os
aspectos lgico e sensrio ele no d uma soluo para o problema nem em sua
doutrina das categorias como formas de lgica transcendental, nem na doutrina da
imaginao transcendental, nem na dos esquematismos. (3) Desde que Kant absolutiza
a funo lgica, ele reduz o ego pensante, como ponto transcendental de referncia
para todas as snteses, a uma unidade meramente lgica de conscincia. Ele falha em
transcender a diversidade modal do sentido no ponto de referncia que ele escolheu
para a sntese terica; como resultado, a direo transcendental do pensamento terico
para o ego pensante desviada e limitada funo lgica. Teria Kant buscado
transcender funo lgica em sua doutrina das idias transcendentais? Isso nos leva
prxima parte da crtica de Dooyeweerd.
3. A Doutrina Kantiana das Idias. A atividade sinttica do conhecimento, portanto,
implica um ponto de referncia que transcende os diferentes aspectos do sentido
csmico. Nosso ego pensante deve ser capaz de participar desse ponto, desde que o
ego pensante que realiza a sntese. Entretanto, o pensamento terico no pode
transcender a diversidade dos aspectos de sentido do cosmo, desde que justamente
essa diversidade que torna o pensamento terico possvel. Assim o pensamento terico
no pode fazer mais do que desenvolver idias regulativas que no uso terico
permaneceriam presas aos limites imanentes do conhecimento terico, mas seriam
capazes de se referir totalidade absoluta do sentido, proporcionando um ponto de
referncia transcendente para a sntese terica do conhecimento.
Dooyeweerd chama a tentativa de encontrar tal ponto de referncia transcendente
por meio de idias transcendentais de a direo transcendental do pensamento
terico. Essa direo transcendental no aparece na obra de Kant antes de sua
discusso das idias transcendentais na dialtica transcendental. Essas idias
apresentam as caractersticas bsicas do que seria o ponto de referncia necessrio a
uma sntese intermodal. Primeiro de tudo, elas apontam para uma totalidade absoluta
que de acordo com Kant transcende os limites imanentes da experincia objetiva.
Esta ltima sempre limitada aos dados dos sentidos que so condicionados pelas
categorias, de modo que o absoluto, como o incondicionado, deve transcender esses
fatores condicionantes. Em segundo lugar, em seu uso terico, essas idias
permanecem presas aos limites imanentes do conhecimento e no podem receber um
contedo positivo pelo pensamento terico. Seu contedo pode apenas ser encontrado
na esfera transcendente qual elas se referem.
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!22
8!
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!24
III.
1.
Como vimos no captulo anterior, Dooyeweerd apontou como uma das falhas
principais da crtica Kantiana a ausncia de uma base cosmolgica adequada para a
epistemologia. Kant partiu da pressuposio de que as fontes do conhecimento se reduzem
aos dados dos sentidos e as categorias da compreenso, e esse erro bsico comprometeu
todo o restante do edifcio. Desse modo, a Nova Crtica de Dooyeweerd comea com o
estabelecimento de uma base cosmolgica mais ampla e de uma concepo de pensamento
terico coerente com essa base cosmolgica.
9!
!
10
!
11
holandesa de 1935 continha apenas a primeira via da crtica transcendental. J a edio inglesa
de 1953 trouxe na introduo a primeira via e no captulo 1 a Segunda via contendo seu argumento mais
elaborado. Devido a essa e a vrias outras modificaes, a edio inglesa foi considerada por muitos como
uma obra praticamente nova e original.
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13
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14
Ibid, p. 39.
!
15
Ibid, p. 40.
16
!
Ibid, p. 40.
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!
17
18
!
Ibid, p. 42.
As funes objetivas pertencem s coisas em si mesmas na relao com possveis funes subjetivas que
as coisas no possuem nos aspectos da realidade envolvidos. Ibid, p. 42.
!27
Concluso
!
19
Assim, em aliana com a moderna cincia natural e a teoria fisiolgica das energias especficas dos
sentidos a moderna epistemologia assume a tarefa de refutar esse realismo ingnuo! Ibid, p. 43.
!
20
21
!
!28
A Necessidade da Unidade Radical entre o Lgico e o No-Lgico para a Sntese Terica
!
22
23
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Ibid, p. 45.
Pois uma coisa certa: a relao antittica, com a qual a atitude terica de pensamento fica de p ou cai,
no oferece em si mesma nenhuma ponte entre o aspecto do pensamento lgico e seu Gegenstand no
lgico. Ibid, p. 45.
!29
24
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!30
O Problema do Ponto de Partida e o Caminho da Auto-Reflexo no Pensamento Terico
!
25
!
26
Ibid, p. 45.
!
27
28
!
Ibid, p. 49.
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29
!
Ibid, p. 51.
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4.
!
30
Ibid, p. 52.
!
31
Ibid, p. 52.
32
!
Ibid, p. 53.
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sntese permaneceu oculto em sua teoria. Assim podemos dizer que o terceiro problema
transcendental ignorado por Kant.
!
33
Ibid, p. 55.
34
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Ibid, p. 56.
!34
35
!
Ibid, p. 57.
!35
qualquer tipo sempre pressupe um ponto de partida central para o pensamento, que nada
mais alm de uma autocompreenso especfica baseada num determinado Arch.36
!
36
Ibid, p. 59.
!
37
Ibid, p. 59.
38
!
Ibid, p. 60.
!36
IV.
As Duas Cidades
Assim como AGOSTINHO prope em sua obra A Cidade de Deus (Civitas Dei),
Dooyeweerd afirma que existem duas orientaes religiosas fundamentais, correspondendo
a dois poderes espirituais centrais que esto operando no corao do homem. A primeira a
39
!
Ibid, p. 61.
!37
dinmica do Esprito Santo, que direciona o homem e com ele toda a criao para a
reconciliao com Deus. Por meio dessa dinmica o corao do homem levado Origem
transcendente de todo sentido. A segunda o esprito da apostasia, que distancia o homem
de Deus e direciona seu corao para o horizonte temporal da experincia, para que ele
adore a um dolo.
Esses dois poderes caracterizam as duas cidades que coexistem em luta at
consumao dos sculos: a cidade de Deus, que a comunidade espiritual dos regenerados,
sob o poder do Esprito Santo, e a cidade do homem, ou a comunidade espiritual apstata,
sob o poder do esprito de apostasia. Os dois poderes se revelam em motivos religiosos
fundamentais, que so os motivos-base da cultura ocidental.
Provavelmente com base no trabalho de DIRK T. H. VOLLENHOVEN, Dooyeweerd
descreveu o desenvolvimento histrico da cultura ocidental como sendo governado por
quatro grandes motivos-base, que adquiriram poder scio-cultural e assim dominaram a
evoluo da cultura ocidental40. Esses motivos-base no devem ser confundidos com temas
filosficos ou motifs, como se eles fosse de um carter terico; meros conceitos ou idias
inspirativas. Para Dooyeweerd eles seriam realmente motivos, no sentido de princpios
dinmicos, poderes capazes de controlar a cultura por meio do centro religioso do
homem.41
O motivo-base bblico criao-queda-redeno o motivo que caracteriza a cidade
de Deus. Os outros trs so motivos-base apstatas, de carter dualista, que caracterizam a
cidade do homem. So eles: (1) o motivo-base forma/matria, da filosofia grega antiga, (2)
o motivo-base natureza/graa, da sntese escolstica medieval, e (3) o motivo-base
natureza/liberdade, da cultura moderna e contempornea.
!
40
!
41
!38
csmico encontrar firme resistncia dos outros. Assim, todo dolo que foi criado pela
absolutizao de um aspecto modal evoca seu contra-dolo43, isto , uma oposio polar
permanente e insolvel. O segundo tipo de dialtica no exatamente fruto da
absolutizao de um aspecto da experincia, mas da tentativa de fundir uma concepo
desse tipo com o motivo-base bblico integral. Nesse caso a tenso tambm insolvel,
pois o motivo bblico, sendo integral, resiste a ser interpretado a partir de um motivo
idlatra e reducionista.
importante destacar que a dialtica religiosa que caracteriza os motivos-base
diferente da dialtica terica. Na atitude terica do pensamento, h uma anttese intermodal
que fruto da abstrao, mas essa anttese superada quando o ego transcendental usa o
ponto de partida religioso como referncia para a sntese intermodal. Mas pontos de partida
religiosos opostos, dividindo o prprio ego central, no podem ser sintetizados.
Conseqentemente, o dualismo que eles produzem no interior do pensamento terico no
pode ser superado teoreticamente; pois no resta um ponto de concentrao nico do
sentido csmico para que o ego realize a sntese terica! A primazia alternada dos motivosbase opostos gera uma competio permanente entre sucessivas escolas de pensamento sem
que haja soluo, pois a anttese religiosa insolvel.
O Motivo-Base Matria/Forma
A filosofia grega foi dominada pelo motivo-base da dialtica matria X forma. Essa
oposio polar, presente desde o incio da filosofia grega, era fruto do encontro, ocorrido
por volta do sculo X A.C. da religio pr-homrica da vida/morte com a jovem religio
cultural dos deuses olmpicos.
A religio pr-homrica era uma forma primitiva de culto natureza, ou me
terra. Essa religio cultuava o fluxo orgnico da vida e da morte deificando a dimenso
biolgica/sexual da experincia. O motivo central dessa religio era ... a fonte informe da
vida fluindo eternamente atravs do processo de nascimento e declnio de tudo o que existe
em uma forma corprea.44 Assim as formas definidas de criaturas individuais so
realidades secundrias, temporrias, sendo o fluxo da vida orgnica a realidade ltima.
Dooyeweerd ilustra essa viso de mundo com as palavras de ANAXIMANDRO:
A Origem (divina) de todas as coisas o apeiron (isto , aquilo que no tem uma
forma limitante, definitiva). As coisas retornam quilo que as originou conforme o seu
destino. Pois elas pagam uma outra a penalidade e a retribuio de sua injustia na
ordem do tempo.45
!
43
Ibid, p. 36.
44
!
Ibid, p. 39.
45
!
Ibid, p. 39.
!39
A existncia individual numa forma limitada uma injustia, desde que essa
existncia sustentada ao custo de outra; desse modo a vida de um a morte do outro.
Temos assim a religio da matria, ou hyle, da qual nascem todos os elementos da
diversidade csmica, todos eles secundrios e temporrios, sujeitos s foras cegas de
Anangke, o destino, que as submergir finalmente na hyle, de onde vieram.46
O motivo da forma (morph) o centro da religio Olmpica. Segundo HESODO em
sua Teogonia, o motivo-base da forma nasceu da dialtica anterior do caos e do cosmos. A
religio Olmpica era centrada na harmonia, na beleza e na permanncia eterna. Essa a
situao dos deuses, que tem uma forma eterna idealizada. Essa viso dos deuses teria se
originado na deificao do aspecto cultural da vida grega da o fato de a religio Olmpica
ser a religio oficial do Estado, como forma de sustentar a vida poltica.
O motivo base da forma tentou absorver o antigo motivo da matria, mas essa
assimilao no foi bem sucedida, porque a partir da religio olmpica no era possvel
tratar adequadamente vrios problemas da vida que transcendiam razo e ao poder
cultural (como a morte, a vida e a moral). Assim surgiu uma tenso dialtica insolvel
dentro da cultura grega.47
Os pensadores gregos revezavam-se dando primazia ora ao motivo da forma, ora
ao motivo da matria. Os filsofos Jnios anteriores (TALES, ANAXIMANDRO e
ANAXMENES) buscavam encontrar na matria informe o arch de todas as coisas. Assim
identificaram a hyle como physis (natureza), a totalidade de todas as coisas. A escola
pitagrica favoreceu a forma, identificando o nmero com a essncia da realidade.
Demcrito, criador da teria atmica, favoreceu a matria. Os eleticos (XENFANES,
PARMNIDES) favoreceram a forma, e HERCLITO tentou sintetizar o motivo da matria
com o conceito de logos. PARMNIDES desenvolveu uma metafsica da forma na qual h
uma oposio entre o ser e o devir, sendo a theoria o elemento fluido do ser que est no
devir e leva ao conhecimento da realidade ltima do ser. Os sofistas introduziram o
conceito de nomos em oposio ao de physis, enfatizando com isso a ordem em oposio
ao caos. E assim, sucessivamente, fizeram-se tentativas de explicar a realidade que no
puderam escapar da dialtica religiosa fundamental que dominou a cultura grega.
Somente em PLATO e ARISTTELES a polaridade entre os motivos da matria e
da forma chega a uma estabilidade com a assimilao do motivo da matria no da
forma. A matria deixa assim de ser considerada divina, e a forma passa a ser considerada
a realidade ltima e divina. Naturalmente nesse momento a filosofia grega abandonou
!
46
RICARDO GOUVEIA observa aqui a existncia de uma outra dialtica religiosa anterior matria-forma,
detectada, segundo ele, por VOLLENHOVEN: Esta outra dialtica, anterior prpria filosofia grega, a
dialtica entre o poder divino estvel representado pelo fluxo de energia da Me-terra e o poder instvel e
incontrolvel de Anangke, o fado, a fatalidade que nos carrega pela vida. Estabilidade e instabilidade,
equilbrio e desequilbrio, aqui se contrape. A filosofia Jnia da physis j surgiu sob o estigma da
necessidade de uma sntese satisfatria para esta dialtica. Gouveia, Fundamentos de Filosofia
Reformacional, p. 4.
47
!
por isso que a jovem religio Olmpica era apenas aceita como a religio pblica da polis grega, a
cidade-estado. Mas em sua vida privada os gregos continuavam a sustentar os velhos deuses terrenos da vida
e da morte. Dooyeweerd, Twilight, p. 40.
!40
!41
Cristo, realizar o plano criacional de Deus numa Nova Criao, e esse propsito deve se
manifestar desde j na cooperao da igreja com Cristo para o desvelamento das riquezas
que ele ps na criao, por meio da atividade cultural em todos os nveis da vida, a partir da
f no evangelho.
Graa
Natureza
Esfera sobrenatural
Revelao, f, teologia
Esfera natural
48
!
!42
!
49
Certamente, a Igreja Catlica Romana no podia incorporar o motivo base grego em sua prpria viso da
natureza sem reviso. Desde que a igreja no poderia aceitar uma origem dual para o cosmos, ela tentou
harmonizar o motivo grego com o motivo escriturstico da criao. Uma das primeiras consequncias dessa
acomodao foi que o motivo forma-matria perdeu seu sentido religioso original. Mas devido tentativa de
reconciliao com o motivo grego da natureza, o catolicismo Romano roubou do motivo bblico da criao o
seu escopo original.
Para a mente grega nem a matria do mundo nem a forma pura invisvel poderiam ter sido criados.
No mximo algum poderia admitir que a unio de forma e matria foi possibilitada pela razo divina, o
arquiteto divino que formou o material disponvel. De acordo com Toms de Aquino, o doutor medieval da
igreja, a matria concreta dos seres perecveis foi criada simultaneamente com sua forma concreta. Entretanto,
nem o princpio da matria (o princpio do eterno nascimento e decadncia) nem o princpio puro da forma (o
princpio da perfeio) foram criados. Eles seriam dois princpios metafsicos de toda existncia perecvel,
mas com respeito sua origem Toms ficou em silncio. Dooyeweerd, Roots of Western Culture, p. 118.
!43
nica fora capaz de manter esse sntese aparente foi a autoridade doutrinal da Igreja, sendo
que constantemente a sntese foi negada por heresias.50
A Grande Sntese medieval comeou a se desintegrar no sculo XIV, ao final da
idade mdia, quando se iniciou um movimento liderado pelo franciscano ingls WILLIAM
DE OCKHAM (1280-1349). O movimento geralmente chamado de nominalismo, e
marcou o princpio do perodo moderno da cultura ocidental. Ockham negou a existncia de
qualquer ponto de contato entre a natureza e a graa. Ele estava consciente de que a viso
grega da natureza estava em contradio com a Bblia. Enquanto Toms acreditava que
Deus ordenou o mundo a partir de formas eternas que estavam em sua mente, Ockham
enfatizava que tudo foi criado pela soberania de Deus, que ele entendia como uma
arbitrariedade desptica: a potestas absoluta. Por exemplo: enquanto que Toms via o
declogo como uma verdade ideal, que podemos descobrir pela luz natural da razo, e que
estaria na mente eterna de Deus, Ockham acreditava que os dez mandamentos no tinham
qualquer base racional; eles teriam sido simplesmente estabelecidos pela vontade de Deus.
O que se v que Ockham negou a existncia de qualquer ponto de contato entre a
natureza e a graa. No se pode partir da luz natural da razo e explicar a graa. Assim ele
rejeitou totalmente o projeto de uma teologia natural, caro a Toms. Rejeitou tambm que
a sociedade humana devesse ser organizada conforme o ensino sobrenatural da igreja
catlica. A posio de Ockham foi muito combatida pelo papa Joo XXII, mas ele j estava
muito enfraquecido pelo exlio em Avignon e por sua dependncia do rei da Frana. Assim
muitos pensaram que a sntese catlico-romana tinha sido destruda para sempre. Isso criou
um novo momento para a cultura ocidental:
A Reforma Protestante
FRANCIS SCHAEFFER observa que o rei que levou Leonardo (da Vinci) para a
Frana no final da sua vida foi Francis I, o mesmo rei a quem Calvino endereou suas
Institutas. assim que chegamos a um cruzamento entre o Renascimento e a Reforma.52 A
reforma nasce dentro do renascimento, mas tem um ethos bastante diferente.
Em primeiro lugar, os reformadores repudiavam a noo catlica e humanista de
uma queda incompleta. Para os reformadores, a queda havia sido total. No havia assim
qualquer possibilidade de autonomia para o ser humano. No havia autonomia na questo
!
50
Ibid, p. 137.
!
51
Ibid, p. 139.
52
!
!44
da autoridade final para a f; eles negavam que a Palavra de Deus devesse estar sujeita
razo ou ao magistrio da igreja catlica. A salvao tambm dependia totalmente de Deus,
para que ele recebesse toda a glria.
Mas isso no significou de modo algum que a dignidade da criao e do prprio
homem foi negada. Para os reformadores tudo o que Deus criou bom, de tal modo que o
cristianismo no poderia ser isolado da vida comum. Tanto Lutero como Calvino afirmaram
que a vida crist no poderia mais ser vivida dentro de mosteiros. O cristianismo monstico
no poderia ser superior ao cristianismo do sapateiro, porque no havia uma esfera ideal
superior esfera natural. O cristianismo no um dom sobrenatural, mas a renovao
da prpria natureza.
Podemos dizer com isso que a reforma significa tanto uma ruptura com o dualismo
escolstico natureza/graa, para uma viso integral da criao e da salvao, como um
viso bblica do homem, como um ser digno, criado imagem de Deus, mas tambm cado,
incapaz de existir em autonomia. O humanismo foi muito alm, afirmando a singularidade
humana, mas secularizando essa noo e separando-a das idias de imago Dei e de queda.
A natureza radicalmente bblica do pensamento reformado revelada na atitude dos
reformadores para com a filosofia grega. Sabe-se que todos manifestavam certa reserva
contra a filosofia, principalmente pelo reconhecimento de que a fuso escolstica da
teologia com a filosofia foi prejudicial igreja. Um exemplo dessa atitude o prprio
Lutero:
um erro dizer que um homem no pode tornar-se telogo sem Aristteles. A verdade
que no pode tornar-se telogo sem se livrar de Aristteles. Em resumo, comparado com o
estudo da teologia, o todo de Aristteles como a escurido para a luz.53
!
53
George, Timothy, A Teologia dos Reformadores, p. 59. Os eptetos dados por Lutero razo eram to
severos a Meretriz do Diabo, a besta, a inimiga de Deus, Frau Hulda que seus crticos muitas vezes o
rotularam de irracionalista. Isso no exato, no entanto. O que Lutero negava era o uso da filosofia para
resolver os problemas teolgicos.
54
!
Lutero deu os primeiros passos teolgicos com os escritos do telogo nominalista Gabriel Biel, de cujos
discpulos havia aprendido em Erfurt. Biel encontrava-se numa tradio bem estabelecida, que inclua
Guilherme de Occam e Duns Scotus. Ibid, p. 67.
!45
Pois Deus estabeleceu dois tipos de governo entre os homens. Um espiritual; no tem
espada, mas tem a palavra, por meio da qual os homens devem tornar-se bons e justos, para
que, mediante essa retido, possam alcanar a vida eterna. Ele administra essa retido
mediante a palavra, que confiou aos pregadores. O outro tipo o governo mundano, que
opera por meio da espada, a firme de que os que no desejam tornar-se bons e justos para a
vida eterna sejam forados a tornar-se bons e justos aos olhos do mundo. Ele administra
essa retido mediante espada.57
Embora haja uma ntida e adequada distino entre o poder da igreja e o poder do
Estado, no h em Lutero qualquer reconhecimento de uma estrutura criacional sob ou no
Estado, de tal modo que a atividade poltica seja vista como uma das dimenses da prtica
evanglica. Antes, o Estado uma realidade paralela, a mo esquerda de Deus, com a
qual Ele trata o mundo. Assim, se o mundo inteiro fosse composto de cristos, no haveria
necessidade de prncipes, reis, espadas ou leis.58 Os cristos deveriam aceitar
responsabilidades cvicas pelo bem do prximo, mas essas atividades no seriam reguladas
diretamente pelo evangelho, consistindo numa responsabilidade paralela. Observou-se
posteriormente que na tradio luterana a influncia da f crist sobre a atividade poltica
declinou progressivamente, emudecendo sua voz proftica.59
Essa averso atividade poltica vista, tambm na eclesiologia luterana. Para
Lutero coisas como uma lei eclesistica e disciplina eclesistica pareciam mundanas.
Afinal, o assunto do evangelho a graa, a f, e o amor, realidades difceis de reconciliar
!
55
Na teologia luterana a vida sob a graa considerada como independente da lei, no sentido de que a lei
deixa de ser o princpio orientador da vida. Se o cristo ainda pratica a lei, para expressar o amor ao
prximo, mas no porque a lei seja fundamental existncia sob a graa. Sob a influncia de Occam, Lutero
roubou da lei como a ordenana criacional o seu valor ... Dooyeweerd, Roots, p. 140.
!
56
Se os catlicos confundiam os dois reinos na direo de uma teocracia papal, os anabatistas separavam
muito precisamente os reinos em nome do separatismo religioso. Considerando literalmente a injuno de
Cristo no-resistncia (Mt 5.39), os anabatistas recusavam-se a participar dos poderes coercitivos do Estado.
Em oposio aos reformadores pacifistas, Lutero insistia na origem divina do Estado, nos limites de seu poder
e na base para a participao do cristo em sua atividade coercitiva. Timothy, Reformadores, p. 100.
!
57
!
58
Ibid, p. 100.
59
!
Ibid, p. 101.
!46
com a Lei. Assim Lutero definia a igreja verdadeira a partir da presena da Palavra de
Deus e dos Sacramentos, deixando a organizao estrutura da igreja e as questes
disciplinares para o Estado.
A perspectiva Calvinista sobre o assunto era nitidamente diferente. TIMOTHY
GEORGE, apoiando-se em Heiko Oberman, afirma que o elemento relativamente mais
progressista no conceito reformado de Estado podia ser remontado viso de Calvino
acerca de Deus como Legislador e Rei; disse ainda que a lei de Deus no estava limitada
congregao apenas, mas estendia-se tambm etiam extra ecclesiam: mesmo alm da
igreja.60 De fato, como um elemento fundamental do pensamento calvinstico, est a noo
da reforma do Estado, a partir das Escrituras, praticada pelos calvinistas holandeses e
principalmente pelos puritanos ingleses. Essa perspectiva diferente refletiu-se tambm
diversamente na teologia de Calvino. Assim, ao contrrio de Lutero, ele considerava a Lei
um aspecto fundamental da vida sob a graa, e a disciplina eclesistica uma das marcas
indispensveis da verdadeira igreja.
O que exatamente diferenciava esses dois Reformadores? certo que ambos
rejeitaram a filosofia escolstica e procuraram construir a doutrina crist partindo
unicamente da Bblia. Entretanto, Lutero no foi totalmente consistente com o motivo-base
bblico, permitindo que o dualismo escolstico natureza/graa condicionasse a sua teologia.
Assim ele deixava os aspectos mundanos da vida para serem guiados pela luz natural da
razo. J Calvino, livre do background ocamista, aplicou consistentemente o motivo-base
bblico, exigindo que as Escrituras guiassem todas as dimenses da vida, incluindo a vida
poltica. Desse modo, em Calvino, a graa no fica separada da natureza, negando-se
qualquer base para a autonomia humana.
A fraqueza bsica do pensamento Luterano vista nos acontecimentos que se
sucederam reforma. FELIPE MELANCHTON (1497-1560), discpulo de Lutero, foi um dos
principais sistematizadores da teologia luterana. Melanchton era um pensador humanista,
amante da cultura clssica e, em especial, de Aristteles. Insatisfeito com o dualismo
ocamista entre a natureza e a graa, ele props uma nova sntese, utilizando as categorias
aristotlicas para elaborar a teologia de lutero. Sua obra deu incio a uma nova fase da
reforma denominada escolasticismo protestante, paralelamente ao escolasticismo
medieval. Perpetuando dentro do protestantismo o motivo-base catlico natureza/graa, o
escolasticismo logo se veria em crise com o surgimento de diversas teorias diferentes a
respeito do que seria a natureza. O progressivo abandono do aristotelismo na filosofia
europia, e a universalizao do novo motivo-base natureza/liberdade finalmente
conduziram a uma nova sntese no pensamento cristo, quando, semelhana de Toms de
Aquino, telogos protestantes procuraram sintetizar o motivo-base humanista com a
teologia evanglica. Dessa sntese surgir a teologia liberal europia, a partir do final do
sculo XVIII. Podemos dizer assim que a aceitao, dentro do protestantismo, do dualismo
escolstico, foi a principal responsvel pela secularizao da cultura europia.
No calvinismo o motivo-base bblico existiu por muito tempo numa tenso mortal
com o dualismo escolstico catlico e com o dualismo humanista, assumindo uma funo
60
!
Ibid, p. 242.
!47
!
61
Ibid, p. 149. A raiz religiosa mais profunda do movimento da Renascena era a religio humanstica da
personalidade humana em sua liberdade (de cada f que reivindica compromisso) e em sua autonomia (isto ,
a pretenso de que a personalidade humana uma lei para si mesma). Dooyeweeerd, Roots, p. 149.
62
!
Ibid, p. 150.
!48
63
!
Quando se tornou aparente que a cincia determinou toda a realidade como uma
cadeia contnua de causa e efeito, ficou claro que nada na realidade oferecia um lugar
para a liberdade humana. O querer, pensar e agir humanos requeriam as mesmas
explicaes mcnicas que as exigidas para explicar os movimentos de uma mquina.
Pois se o prprio homem pertence natureza, ento ele no pode plausivelmente ser
livre e autnomo. A natureza e a liberdade, o ideal de cincia e o ideal de personalidade
O impulso para dominar a natureza por um pensamento cientfico autnomo requereu uma imagem
determinstica do mundo, construdo como uma cadeia ininterrupta de relaes funcionais causais, a serem
formuladas em equaes matemticas. Dooyeweerd, Twilight, p. 49.
!49
se tornaram inimigos. Uma genuna reconciliao interna entre esses dois motivos
antagnicos seria impossvel, desde que ambos so religiosos e assim absolutos.64
!
64
!
65
Dooyeweerd destaca que o materialismo Hobbesiano no deve ser confundido com outras expresses
materialistas como a do antigo materialismo grego. Na filosofia grega da natureza, matria significa o rio
informe e eternamente fluido da vida. Dando nascimento a tudo o que possua forma e padro individual, esse
rio da vida era compreendido como a origem divina das coisas. O conceito moderno de uma lei mecnica da
natureza era inteiramente desconhecido para os gregos. Enquanto o moderno conceito de lei natural se
originou do motivo humanista natureza/liberdade, o conceito Grego era governado inteiramente pelo motivo
da forma originado da religio da cultura. Antes que o conceito humanista de leis naturais pudesse se
levantar era necessrio que a viso moderna da natureza fosse descoberta; a natureza deveria ser libertada
tanto da idia grega de destino como da idia crist da queda no pecado. A natureza deveria ser separada de
sua alma antes de ser sujeitada ao controle humano. Ibid, p. 155.
!50
dilema que poderia ser formulado da seguinte maneira: como deve ser vista a relao entre
a personalidade livre e autnoma do homem e a natureza, de tal modo que o homem
permanea livre e ao mesmo tempo possa controlar a natureza?
As respostas ao dilema humanista se seguiram numa nfase materialista at o sculo
XVIII, quando a primazia transferida para o motivo da liberdade. Assim, em ROUSSEAU, a
fonte da liberdade localizada no sentimento. Essa importante transformao, que
antecipou o movimento romntico, revela a insatisfao com o fato de que a razo
cientfica estava corroendo a liberdade humana..
Com IMMANUEL KANT (1724-1804) essa insatisfao culmina com uma sntese
terica que procura resolver de vez o problema. Kant fez uma aguda separao entre as
esferas da natureza e da liberdade. O ideal matemtico e mecnico de cincia foi restringido
ao mundo emprico dos fenmenos sensrios, estes organizados pelas categorias lgicas
transcendentais da compreenso. Quanto liberdade humana, Kant removeu-a da esfera
sensria da natureza; o eu emprico, que aquele perceptvel e sujeito a descrio
psicolgica foi desligado do eu transcendental, supra-sensrio. Esse eu profundo seria
livre, pertencendo a uma esfera supra-sensria da tica, governada no por leis naturais,
mas por normas racionais. A religio foi localizada nessa esfera superior, da liberdade e
dos valores morais. Aparentemente Kant procurou por um fim ao processo de autodestruio que o humanismo instaurou.
A afirmao de que a razo autnoma estaria alm do alcance da cincia emprica
foi considerada uma expresso filosfica idealista. No idealismo ps-kantiano a nfase na
autonomia da razo continuou a ser mantida. Mas em HEGEL ela levada ao extremo,
quando ele sustenta que o esprito (Geist), o princpio racional do qual a mente humana
uma expresso, uma fora divina que controla toda a histria humana e progride em
direo ao absoluto. A histria seria, assim, a histria do esprito; e no haveria verdade
absoluta atemporal, pois toda verdade seria nada mais que um estgio da evoluo do
Geist. Como se pode ver, essa variedade de idealismo tambm historicista, porque nega a
presena de uma verdade absoluta acessvel por meio de uma cincia naturalista. O
historicismo seria ... uma guinada irracionalista e universalista dentro do motivo
humanista da liberdade66, o qual estava ganhando espao desde Kant. Outra expresso da
nova nfase no ideal de personalidade livre foi o movimento romntico, que se opunha
interpretao racionalista da liberdade apresentada no iluminismo e em Kant. Nesse ltimo,
por exemplo, a liberdade deveria estar sujeita lei moral descoberta racionalmente. Os
romnticos interpretavam a autonomia da pessoa de tal modo que o nomos seria encontrado
no prprio autos, ou seja, que a prpria personalidade deveria seguir a lei do seu corao,
buscando na inclinao de sua personalidade a orientao para suas decises. Essa nova
atitude gerou, entre outras coisas, uma glorificao do amor sexual livre, guiado
unicamente pela harmonia das inclinaes sensuais e espirituais do homem e da mulher
individual.67
!
66
67
!
!51
!52
V.
A Idia-Base Transcendental
1.
2.
3.
!
68
69
!
Ibid, p. 76.
!53
!
70
Pois a questo de como algum compreende a relao mtua e a coerncia de sentido dos aspectos modais
como separados teoreticamente e opostos um ao outro, dependente da questo de se algum aceita ou no a
unidade religiosa integral e radical desses aspectos, que leva sua totalidade de sentido a uma expresso
concntrica. Finalmente, essa ltima questo dependente do seguinte: como a idia de Origem de todo o
sentido concebida, se essa idia tem um carter integral ou antes um carter dialeticamente quebrado, i.., se
apenas um Arch aceito, ou se dois princpios de origem so opostos um ao outro. Dooyeweerd, NCTT, vol
1, p. 69.
!
71
72
!
Ibid, p. 102.
!54
!
73
Desde o incio, eu introduzi o termo holands wetsidee (idea legis) para a idiabase transcendental ou idia bsica da filosofia. O melhor termo ingls correspondente me
parece ser Idia cosmonmica, desde que a palavra lei usada sem qualificao poderia
evocar um sentido jurdico especial que, obviamente, no est em vista aqui.
Este termo foi cunhado por mim, quando eu estava particularmente preocupado
com o fato de que diferentes sistemas de filosofia antiga, medieval e tambm moderna
(como o de Leibiniz) orientavam expressamente o pensamento filosfico para a Idia de
uma ordem-csmica divina, que era qualificada como lex naturalis, lex aeterna, harmonia
praestabilita, etc.
Nessa Idia cosmonmica, que implicava uma Idia transcendental de
subjetividade, uma posio apriorstica era escolhida com respeito aos problemas
transcendentais bsicos do pensamento filosfico.
Nos sistemas que ns temos em mente essa Idia cosmonmica era geralmente
concebida em larga medida de um modo racionalista e metafsico. Assim veio a se tornar
uma tarefa bastante atrativa para mim mostrar que cada sistema autntico de filosofia est
realmente baseado em uma Idia cosmonmica deste ou daquele tipo, mesmo quando seu
Fica claro assim que os motivos religiosos so para Dooyeweerd as pressuposies religiosas
fundamentais que subjazem cada filosofia. Eles determinam o contedo das idias transcendentais que so as
hipteses fundamentais do pensamento filosfico. Dessa forma as idias transcendentais podem tambm ser
chamadas de expresses teorticas dos motivos religiosos aos quais elas se referem por seu contedo e s
quais elas do expresso significativa. Ibid, p. 103.
!55
autor no est consciente disso; e a execuo dessa tarefa estaria destinada ao sucesso. Pois
no possvel que o pensamento filosfico, que intrinsecamente sujeito ordem csmica
temporal, no receba a carga de uma viso apriori sobre a origem e totalidade do sentido
dessa ordem csmica e seu sujeito correlato. E a filosofia deve ter uma viso apriori com
respeito relao mtua e coerncia dos diferentes aspectos do sentido em que a ordem
divina e seu sujeito se revelam.74
Qual seria a idia cosmonmica crist, a partir do motivo-base bblico criaoqueda-redeno? Ou seja, qual o princpio de coerncia csmica de sentido, o ponto
arquimediano do pensamento, e o Arch de todo o sentido para a filosofia crist?
Seguindo o motivo-base bblico, Dooyeweerd identifica o Arch como a vontade
santa e soberana de Deus Criador, que se auto-revelou em Jesus Cristo.75 Como a Origem
absoluta de todo o significado, o prprio Criador no em si mesmo sgnificado, mas o Ser
auto suficiente. S Deus Ser nesse sentido absoluto. Todas as criaturas so derivadas e
estruturalmente dependentes de Deus.
O limite entre o ser de Deus e suas criaturas dado na lei de Deus, que tem um
carter universal. A distino essencial entre Deus e as criaturas fica evidente em sua
relao com a vontade divina, ou Lex:
Como a Origem soberana, Deus no est sujeito lei. Pelo contrrio, a sujectibilidade
(subjectedness) a verdadeira caracterstica de tudo o que foi criado, cuja existncia
limitada e determinada pela lei [...] Calvino expressou a mesma concepo sobre o
relacionamento de Deus com a lei em sua declarao citada anteriormente: Deus legibus
solutus est, sed non exlex; no qual ele procurou ao mesmo tempo refutar qualquer noo de
que a soberania de Deus seja o mesmo que arbitrariedade desptica.76
Toda absolutizao das realidades criaturais, que por natureza so relativas, ignora
este limite e eleva aquilo que est sujeito lei ao status de Origem absoluta, como algo que
est acima da lei. Isso leva a um dualismo dentro da idia de Arch, pois a absolutizao de
uma dimenso do sentido encontra resistncia de outras dimenses. Assim, eventualmente,
surgem dois ou mais princpios relativos e opostos simultaneamente elevados ao absoluto,
tornando-se impossvel manter uma idia integral de Origem. J na idia cosmonmica
crist no h lugar para duas Origens absolutas; Deus a nica e integral origem de todo o
sentido, da lei divina bem como de tudo o que est sujeito a ela.
A segunda idia transcendental a da totalidade do sentido, na qual se encontra o
ponto arquimediano do pensamento. O conhecimento do ponto arquimediano pressupe
auto-conhecimento, que por seu turno dependente do conhecimento de Deus. Isso se deve
ao fato de que o homem foi criado imagem de Deus. Assim como Deus a Origem de
!
74
75
!
76
!
!56
toda a realidade criada, assim o ego a unidade radical e integral de todas as suas
funes temporais.77 No prprio homem, em seu mago, a totalidade do sentido csmico
est concentrada, numa relao similar de Deus com a criao, que est ontologicamente
dirigida concentricamente para Deus.
Essa concentrao do sentido csmico no se dirige meramente ao homem
individual, mas ao homem como um ser coletivo. Assim, Ado, como o primeiro homem
coletivo, concentra em si a totalidade do sentido csmico. Isso implica que a criao no
tem sentido independentemente do homem; a raiz religiosa de todas as criaturas se encontra
no homem, e s nele a criao completa. De fato, as dimenses ps-psquicas da natureza
s tem sentido quando relacionadas a um sujeito humano.78
As trs idias transcendentais se expressam portanto como (1) na idia de coernciana-diversidade do sentido csmico, garantida pelo tempo csmico, (2) na viso do homem
como o centro religioso do cosmo e do seu corao como o ponto arquimediano do
pensamento terico, e (3) na viso de Deus como Arch do cosmo criado. Essas trs idias
se fundem como uma explanao total da noo de que o sentido csmico vem de Deus,
pelo homem, numa ordem temporal divinamente estabelecida.
!
77
!
78
As funes subjetivas dessa experincia no podem ser atribudas a Deus, mas so focalizadas no ego
humano como seu centro religioso. Em outras palavras, a Idia transcendental de Origem implica uma Idia
transcendental do ego humano como o centro religioso do mundo emprico. Dooyeweerd, NCTT, vol 2, p.
53.
!57
PARTE 2:
FILOSOFIA SISTEMTICA
!58
VI.
TEORIA GERAL DAS ESFERAS MODAIS
1. O Fundamento de uma Ontologia Crist
Tendo como motivo religioso fundamental o esquema tridico criao-quedaredeno, o pensamento filosfico cristo precisa ter a sua prpria agenda, tratando os
problemas filosficos na ordem e sentido que lhe so dados pela cosmoviso crist. Assim,
sendo, no podemos falar de problemas como a teoria da ao, a epistemologia, a
hermenutica ou a cincia sem comear com a viso escriturstica da realidade. Antes de
falar sobre as coisas, incluindo ns mesmos, os sujeitos, precisamos considerar a
indispensabilidade de uma pr-compreenso das coisas.
Tendo isso em mente, reconhecemos que a primeira e mais bsica distino
ontolgica que o pensamento terico pode atingir a distino entre Deus e a criatura. A
Bblia comea declarando No princpio criou Deus os cus e a terra. Deus eterno, autosuficiente, auto-existente. O cosmo temporal, dependente do criador, existindo apenas
dele e para ele. Essa distino ontolgica fundamental foi classicamente denominada
diferena qualitativa infinita criador-criatura.
!59
Nenhuma criatura pode ultrapassar esse limite. Mesmo na teologia crist, a reflexo
se processa dentro dos limites da revelao bblica, e no se supe que a natureza divina
possa ser capturada teoricamente. Esse limite de que falamos no deve ser interpretado
como uma espcie de impedimento arbitrrio que Deus estabeleceu. Trata-se antes de um
limite necessrio, ligado prpria ordem das coisas. O ponto que uma criatura jamais
poder exceder sua criaturidade. Negar isso pr em dvida a prpria doutrina bblica da
criao.
D.T.H. VOLLENHOVEN examinou as diversas cosmovises e teorias filosficas do
ponto de vista de sua interpretao da relao entre a divindade, no sentido de princpio
originante ou Arch, e o cosmo, e desenvolveu uma forma de classificar essas concepes.
Segundo ele, as duas opes bsicas so o reconhecimento da distino criador-criatura e a
negao dessa distino. Vollenhoven chamou os primeiros de dualistas e os segundos de
monistas. Haveriam quatro tipos de monismo: (1) o atesmo nega a existncia de Deus; (2)
o acosmismo nega a existncia do cosmo; (3) o pancosmismo subordina Deus ao cosmo e
(4) o pantesmo identifica Deus com o cosmo.79
Entre os dualistas haveriam o cosmismo parcial, que identifica parte do ser divino
com a criaturidade, o tesmo parcial, que identifica parte da criaturidade com Deus. O ponto
aqui que a diferena criador-criatura reconhecida de modo inconsistente. Surge assim a
tendncia de distinguir uma esfera inferior e uma esfera superior dentro da prpria criao.
Exemplos desse tipo de inconsistncia se encontram na adorao a Maria dentro do
Catolicismo Romano, na doutrina Luterana da deificao da natureza humana de Cristo na
ascenso, e na teoria da kenosis, segundo a qual o verbo teria abandonado a natureza divina
ao se tornar homem. A idia de que a imagem de Deus no homem a racionalidade, porque
Deus seria um ser racional tambm transgride os limites da diferena criador-criatura.
Uma cosmoviso plenamente testa precisa reconhecer a diferena qualitativa infinta
criador-criatura.
O segundo princpio ontolgico fundamental o da coerncia ltima da
diversidade e da unidade csmica. Conforme as Escrituras, Deus criou o mundo de tal
modo que sua glria revelada na criao, e tanto no ato de criao como no de redeno
as trs pessoas da trindade participaram ativamente, com diferentes funes. Conforme a
doutrina crist da trindade, Deus trs unidos em um nico Deus. Essa unidade-nadiversidade refletida na prpria estrutura da criao (cf. 1Corntios 12), havendo uma
coerncia de ambas em Deus, que igualmente e ultimamente um e muitos. Isso significa
que no podemos tratar o cosmo como se fosse inteiramente composto de uma substncia
especfica, ou como se a diversidade csmica fosse insupervel e impossvel de ser
elaborada, cientificamente, como pensavam os chineses na antiguidade. No podemos
negar a unidade em favor da diversidade, e vice versa.
O terceiro princpio ontolgico fundamental o carter significante de toda a
realidade criada. Tem sido uma tendncia do pensamento ocidental tratar a realidade como
sendo composta de uma substncia bsica, uma espcie de material metafsico. Esse
o caso da metafsica aristotlico-tomista, que descreve Deus como o ser-em-si, que se faz
79
!
!60
2.
Cosmonomia
Deus o legislador soberano diante da sua criao. Tudo est sob a sua vontade.
No so apenas os dez mandamentos que expressam o governo de Deus, mas toda a ordem
csmica. Isso facilmente perceptvel em Gnesis 1 e 2: Deus ordena todo o cosmo por sua
vontade, estabelecendo os espaos e os limites de suas criaturas, diferenciando-as de dandolhes mandamentos.
Calvino empregou a expresso Deus legibus solutus est, sed non ex-lex como
forma de enfatizar que Deus livre da lei, no sujeito a ela. Isso no signifique que Deus
no respeite a lei que ele mesmo estabeleceu; o ponto que, embora ele certamente esteja
ligado ao cosmo por meio dela e zele por sua aplicao, ele mesmo no est contido em
suas leis. Deus sustenta as leis que governam a criao. Dooyeweerd descreveu essa relao
dizendo que a lei o limite (boundary) entre Deus e o cosmo.
Dooyeweerd cunhou o termo cosmonomia, e a expresso cosmic law-order para
expressar o fato de que toda a criao est sujeita vontade soberana de Deus, que se
expressa numa multiplicidade de ordenamentos ou leis divinas. Essa multiplicidade a
cosmonomia, o limite entre Deus e a criao.
Nem toda a lei da mesma natureza. Para diferenciar as mltiplas formas do
governo de Deus sobre a criao, os pensadores reformados criaram a expresso esferas de
soberania, que discutiremos mais frente. Dooyeweerd as chamou de law-spheres, ou
esferas de leis. Para a esfera analtica, temos as leis lgicas; para a esfera material/
energtica temos as leis fsicas, e assim por diante. As esferas de soberania so aprioris
ontolgicos, ou aspectos irredutveis do sentido csmico, elementos fundamentais da
estrutura da realidade emprica. Sobre este fundamento ocorrem todos os fenmenos
concretos.
!61
3.
Vamos voltar nossa reflexo sobre a relao entre experincia ingnua e cincia: a
realidade se nos apresenta na percepo ingnua como uma totalidade. Na maior parte do
80
!
Ibid, p. 39.
!62
tempo experimentamos por nossos sentidos que tudo est interconectado, e no damos
ateno s dimenses da realidade. Assim, nossa ateno se volta principalmente para as
entidades da realidade. Percebemos uma criana, uma bicicleta, o cu, os sons, e tudo o
mais como objetos concretos e inteiros.
Na observao cientfica o tratamento da realidade muito diferente. Ao invs de
apreender a realidade como uma totalidade, buscamos deliberadamente examinar aspectos
especficos da realidade. Por exemplo: o bilogo focaliza a vida biolgica, sua origem,
dinmica, etc. O matemtico examina o aspecto numrico da realidade. Obviamente a
vida no existe sozinha, voando por a. O que existe so organismos vivos. Mas
organismos vivos so mais do que a vida; eles tem aspectos fsicos, espaciais, psquicos,
etc. Os nmeros tambm no existem soltos. O que h so coisas que existem
numericamente. Existem os cinco dedos em cada mo humana, mas no existe o nmero
cinco por si mesmo, como um objeto invisvel.
Isso indica ento que na observao cientfica ns quebramos a realidade em
componentes, ou abstramos certos aspectos ou modos da realidade para examin-los
melhor. Esses aspectos abstrados s existem assim em nossa mente, dentro da nossa
reflexo. O nmero um, por exemplo, no existe como realidade independente. O que
existe so coisas em nmero de um. Igualmente no existe a vida, mas seres vivos. Por
outro lado, no seria possvel que fizssemos a abstrao, por exemplo, do aspecto
numrico da realidade, tratando-o matematicamente, se esse aspecto no existisse. Assim,
ele existe, mas inseparavelmente conectado a todos os outros aspectos da experincia. A
realidade pode ser vista, do ponto de vista ontolgico, como um espectro de esferas ou
modos que se relacionam para compr as entidades da realidade. Essa forma de descrever a
realidade geralmente chamada de ontologia de campos, ou de esferas modais. Muitos
filsofos, como NICOLAI HARTMANN, HUSSERL em sua fenomenologia, o filsofo da
cincia MICHAEL POLANYI e o filsofo reformacional HERMAN DOOYEWEERD, cuja
ontologia seguimos nesse texto, buscaram elaborar ontologias de campos. Cada esfera se
refere a um campo ou um modo da realidade, que no entanto s existe conectado aos
outros.
Como que descobrimos quais so, e qual a ordem correta das esferas modais?
Naturalmente, para isso precisaremos usar a nossa funo analtica, que nos capacita a
diferenciar as coisas. Abstraindo o que nos parecem ser propriedades universais dos
objetos, e colocando essas propriedades em oposio nossa funo analtica, podemos
confirmar se tais propriedades so de fato universais e procurar conceptualizar essas
propriedades, de modo a isolar filosoficamente sua natureza. Chamamos essa atividade de
epoch.
Realizando a epoch, como recurso de isolamento das modalidades, e procurando o
padro de inter-relacionamento entre essas modalidades, torna-se visvel que elas se
estruturam numa escala de complexidade crescente, observando-se a existncia de relaes
definidas entre elas. A esfera numrica a mais simples, consistindo na quantidade ou
!63
Esfera Modal
Ncleo de Sentido
Exemplos de Cincias
Relacionadas
15. Fiduciria
Teologia Fundamental,
Teologia Sistemtica
14. tica
Amor
13. Jurdica
Julgamento/harmonizao
jurdica
12. Esttica
Harmonia, Alusividade
11. Econmica
Conservao de valor/
Mordomia
10. Sociolgica
Intercurso social
Sociologia, Urbanismo,
Cincias Gerenciais
9. Lingustica/semitica
Significado simblico
Semitica, Filologia
8. Histrica/Formativa
Realizao cultural
Histria, Antropologia
Cultural
7. Lgica
Diferenciao racional
Lgica
6. Psquica/Sensria
Sensao
Psicologia da Educao
5. Bitica
Vida
Biologia, Ecologia,
Bioqumica
4. Fsica
Matria\Energia
Fsica, Qumica
3. Cinemtica
Movimento
Cinemtica
2. Espacial
Extenso
Geometria Espacial
1. Numrica
Quantidade discreta
Matemtica
!64
Todas as criaturas fsicas participam como sujeitos nas esferas 1 a 4. Os seres vivos
participam tambm da esfera 5, e os animais, da esfera 6 (alguns animais experimentam
antecipaes de esferas posteriores, como alguns smios). Mas apenas os seres humanos
participam como sujeitos nas esferas 7 a 15. Nos homens encontramos o raciocnio lgico,
a ao histrica, a linguagem verbal, a sociedade organizada, as relaes econmicas, a
arte, a moral, o direito e a f religiosa.
Cada esfera modal se distingue das outras por seu ncleo de sentido, ou momento
nuclear, que garante a soberania interna daquela esfera em relao s outras. Nessa
perspectiva a realidade irredutivelmente complexa, e no podemos explicar as
propriedades de uma esfera a partir das leis de outra esfera da realidade. O pensamento
lgico, por exemplo, no pode ser explicado como um mero produto psquico; ele no se
fundamenta nos sentimentos, mas nas leis da esfera lgica. A partir dessa ontologia se
estabelece o que denominamos princpio da irredutibilidade modal. Esse princpio um
instrumento terico para detectar o reducionismo e proteger nossa percepo do real da
invaso e distoro terica que as cincias promovem quando se tornam imperialistas. O
princpio da irredutibilidade uma forma de garantir a soberania das esferas modais.
O princpio das esferas de soberania foi desenvolvido inicialmente pelo telogo e
estadista holands ABRAHAM KUYPER. Kuyper acreditava que a soberania de cada esfera da
vida um princpio estrutural normativo que Deus estabeleceu para conduzir os homens na
construo de seus relacionamentos sociais e tarefas. Ele encontrou a base nas Escrituras
para isso, no tanto em textos explcitos, mas no fato de que, em diversas situaes
diferentes, os personagens bblicos reconheciam limites divinamente ordenados entre
funes e esferas de vida, como nos ofcios de apstolo, profeta e rei, no Antigo
Testamento, ou a concentrao de Jesus e dos apstolos nas atividades eclesiais, evitando
envolvimento direto com questes polticas a partir de sua posio religiosa, ou na
afirmao de Paulo em Romanos 13 de que toda autoridade vem de Deus. Como base nessa
viso de que a autoridade de Deus se expressa de forma diversificada, em esferas
diferentes de soberania, Kuyper se ops queles que perdiam de vista a diferena e
independncia essencial entre a igreja, a cincia, o estado, a escola e a indstria, afirmando
que cada esfera possui suas prprias leis, estabelecidas por Deus. Assim, as capacidades de
uma esfera no poderiam ser transferidas ou apropriadas por outra esfera. A igreja, por
exemplo, no deveria tentar realizar o trabalho do estado, ou estabelecer por meio da
confisso de f a administrao da justia pblica. Igualmente, uma empresa no deveria
funcionar como uma famlia, negando-se a admitir a livre concorrncia de preos. Quando
uma esfera de soberania se sobrepe s outras, somos lanados numa situao de tirania,
como aconteceu por exemplo nos pases socialistas nos quais o estado dominava as igrejas,
o sistema educacional, a mdia, as pesquisas cientficas, obrigando-as a se conformarem
com a ideologia do partido comunista.
Herman Dooyeweerd deu um passo alm de Kuyper e tornou o princpio das esferas
de soberania em uma lei cosmolgica, distinguindo filosoficamente uma diversidade
!65
A cada esfera modal corresponde uma cincia fundamental, que define a qualidade e
os limites daquela esfera, e um espectro de disciplinas bastante amplo. Para a esfera
numrica, por exemplo, temos a filosofia da matemtica, e as diversas disciplinas como a
estatstica, a lgebra, o clculo integral. Geralmente as cincias abrangem mais de uma
esfera modal. Por exemplo: a bioqumica no focaliza apenas a esfera bitica, pois procura
compreender o lugar dos processos qumicos na dinmica da vida. Podemos dizer, assim, o
foco da bioqumica um tipo especfico de processo presente em um conjunto especfico de
entidades: os processos qumicos que sustentam a vida biolgica nos seres vivos. Nesse
caso, trata-se ainda de biologia, pois a qumica estudada para se compreender a vida
biolgica. Esse seria tambm o caso da fsica matemtica, que examina a dimenso
numrica dos fatos fsicos. H tambm cincias que focalizam entidades concretas em sua
totalidade ao invs de processos parciais, como a espeleologia (estudo das cavernas), ou a
musicologia, ou a botnica. Nesse caso muitos conhecimentos de diversas cincias so
utilizados para compreender a entidade caverna, ou a msica, ou o vegetal.
Ao eleger uma entidade real para examinar, a atividade cientfica sempre traz uma
pr-compreenso a respeito da natureza daquela entidade. E as pressuposies a respeito de
nossos objetos de estudo esto interligadas com a nossa viso total da realidade. A tarefa de
examinar criticamente uma cosmoviso em sua totalidade, bem como as definies,
procedimentos e resultados de cada cincia pertence filosofia. Assim, alm do tradicional
tratamento sobre a natureza do conhecimento, cabe como introduo a toda atividade
cientfica 1) uma reflexo sobre a natureza da realidade como um todo; 2) uma reflexo
sobre as esferas modais que sero focalizadas, e, particularmente, 3) a anlise modal dos
objetos daquela cincia especfica.
Essa anlise dos conceitos cientficos torna-se preemente quando nos tornamos
conscientes do problema do reducionismo. Cada esfera modal traz tanto o seu ncleo de
sentido como os momentos analgicos das outras esferas. como se a totalidade do sentido
csmico estivesse presente de forma analgica dentro de cada esfera. Esse fato foi
denominado princpio da universalidade modal.
!66
4.
O Tempo Csmico
!67
morte. A durao da vida vai variar para diferentes indivduos, mas sempre existe como
uma distenso da existncia daquele indivduo.
Um dos aspectos centrais da ontologia de Dooyeweerd a idia de que o cosmo
uma realidade significante. A plenitude do sentido csmico est na vontade de Deus, o
criador de todas as coisas. O tempo csmico a ao divina de distender e diversificar esse
sentido em uma estrutura ordenada de dimenses e entidades individuais. Essa
organizao da criao invisvel a ns, em sua totalidade. Ns percebemos que h uma
ordem csmica que diferencia e coordena as criaturas, mas no percebemos a totalidade do
sentido csmico que est expressa nesse ordenamento. Somente a passagem do tempo
revela a ns a direo e o significado das coisas.
Dooyeweerd comparou o tempo a um prisma. Quando a luz passa pelo prisma sofre
uma decomposio e aparece como um espectro de raios coloridos. Assim a criao, como
totalidade de sentido, decomposta numa diversidade de sentidos que so profundamente
coerentes. Essa diversidade do sentido vista por ns como uma diversidade coerente de
esferas modais e de estruturas individuais. A cosmonomia , assim, uma
cosmocronologia.
A forma como o tempo se manifesta em cada modalidade varia com a estrutura
significante daquela modalidade. Assim o tempo se desdobra em uma diversidade de
sentidos modais. (1) Na esfera numrica, o tempo se expressa na ordem seqencial
numrica: 1, 2, 3. Magnitudes se diferenciam numa ordem fixa. (2) Na esfera espacial o
tempo se revela como uma ordem de simultaneidade no espao. Dois crculos que se
tocam so simultneos. (3) Na esfera cintica o tempo a ordem de sucesso dos
movimentos. (4) Na esfera fsica o tempo revelado na irreversibilidade dos processos
qumicos e fsicos de transformao. Temos assim uma ordem de variao. Das esferas
cintica e fsica surge nossa conscincia de presente temporal e de fluxo temporal linear,
com assimetria de passado e futuro.82 (5) Na esfera bitica temos uma ordem de geraes,
ou ordem gentica, conectando seres vivos pela descendncia, na qual se transmite a carga
gentica.83 Temos tambm a ordem do desenvolvimento biolgico de organismos
individuais. (6) Na esfera psquica o tempo se expressa no sentimento de durao que
existe em conexo com a tenso psquica, como quando aguardamos alguma coisa.
(7) Na esfera analtica o tempo experimentado na noo de simultaneidade e
ordem lgica. Num raciocnio qualquer, por exemplo, percebemos que as pressuposies
so anteriores concluso. Num silogismo, as premissas necessariamente antecedem as
conclues. H, portanto, no s uma durao, mas tambm uma ordem necessria no
pensamento. (8) Na esfera histrica o tempo se revela no sentido do desenvolvimento
cultural e nas mudanas que introduzem perodos diferentes nesse desenvolvimento.
Quando encontramos uma sociedade que mantm as mesmas estruturas sem modificao h
sculos, dizemos que ela parou no tempo no no tempo num sentido total, mas no
82
!
!
83
Stafleu afirma que os bilogos identificam corretamente uma conexo gentica entre todos os seres vivos.
De fato, mesmo que se admita a criao especial do ser humano enquanto organismo vivo, notrio o
parentesco gentico entre o homem e os outros seres vivos. Ibid, p. 96.
!68
tempo histrico! Falamos assim numa ordem de evoluo cultural. (9) O tempo na esfera
lingstica no s na durao do discurso, mas tambm na estrutura ordenada da
linguagem. O significado no transmitido pontualmente e isoladamente, mas numa
estrutura simblica de sinais lingsticos sobre os quais ele distendido. Temos assim uma
estrutura gramatical e sinttica, e uma rede de vocbulos que comunicam sentido claro
quando so ordenados dentro de um padro descritivo-expressivo com sujeito, predicado,
verbos com diferentes tempos, adjetivos, preposies, relaes subordinativas e
coordenativas, etc. (10) Na esfera social temos uma ordem relacional, estabelecendo-se
compromissos diferenciados e escalonados entre os indivduos e as comunidades. Aqui se
inclui, por exemplo, a ordem hierrquica. por isso que, dependendo da situao social na
qual estamos, e com quem estamos, temos ou no temos tempo. (11) Na esfera econmica o
tempo se expressa na ordem de valores. Noes como, por exemplo, de conservao de
valor e de rentabilidade expressam temporalidade: tempo dinheiro. O valor existe com
durao e com ordem dentro de uma escala de valores econmicos que pode ser mais ou
menos complexa, mas sempre necessria para a existncia de processos econmicos. (12)
Na esfera esttica o tempo se revela na ordem harmnica. Uma expresso esttica pode
ser mais ou menos harmnica, e o grau de beleza sempre obedece a essa ordem. (13) Na
esfera jurdica temos a ordem do juzo, que obedece necessariamente hierarquia das leis
no julgamento de uma situao. Essa hierarquia afeta as prioridades jurdicas de um
tribunal, por exemplo. Se ele julga uma situao sem ter base jurdica adequada, h uma
desobedincia ao tempo jurdico. (14) Na esfera moral temos a experincia da hierarquia
moral, quando percebemos que uma determinada atitude tem precedncia sobre a outra,
escalonamos as prioridades ticas. Temos muitas vezes a experincia de ter a conscincia
do dever moral num determinado momento, que precisa ser cumprido naquele momento,
antes de outras coisas, isto , a experincia da prioridade moral. H assim uma ordem
moral. (15) Na esfera fiduciria o tempo se expressa na vida de f, nos tempos prprios em
que ela se desenvolve. Certas crenas so mais fundamentais do que outras, de modo que
diferentes aspectos da vida de f tem diferentes valores e ocupam tempos diferentes. Temos
assim uma ordem de crenas.
Dooyeweerd considerava o corao, como raiz religiosa da existncia humana, uma
realidade transcendente em relao ao tempo. Para ele o tempo no abrange o corao, pois
este funciona em todos os aspectos mas no exaurido por nenhum eles. Alm disso, ele se
relaciona com Deus, como a origem do sentido csmico. No que o corao seja eterno;
para Dooyeweerd o eterno Deus, aquele que auto-existente. O corao seria
supratemporal no sentido de, como ncleo do homem, ser capaz de transcender os limites
da ordem csmica em direo a Deus. Sem essa abertura transcendental, o homem no
poderia atingir a origem da totalidade do sentido, porque esta extra-temporal. Essa
extratemporalidade confere tambm ao homem a sua liberdade em relao criao.
Para descrever esse ncleo supratemporal do homem, Dooyeweerd usou o termo
aevum. O termo indicaria um estado intermedirio entre o tempo e a eternidade. Como um
estado real, o aevum a concentrao das funes criaturais num ponto no qual o temporal
!69
5.
Transcendente e Transcendental
6.
Sujeito e Objeto
!70
7.
Os Conceitos Analgicos
A Idia de Analogia
!71
!72
Antinomias Intermodais
86
!
!73
8.
A.
Ibid, p. 118.
!74
B.
A Esfera Espacial
C. A Esfera Cinemtica
!75
ao de foras. A viso aristotlica clssica foi desafiada por GALILEU e NEWTON, que
mostraram que o efeito real de uma fora no retirar do estado de repouso, mas alterar a
velocidade de um corpo. Na verdade, todo corpo est em movimento, e a impresso do
repouso est relacionada velocidade do observador.
Essa percepo perfeitamente coerente com o pensamento reformacional, segundo
o qual o movimento seria uma dimenso irredutvel da realidade. O ponto que ... a
mudana de movimento e no o movimento em si mesmo que precisa de uma causa.88 A
existncia de uma ordem cinemtica indicado pela constncia da velocidade da luz. Isso
levou DANIEL STRAUSS a postular que a forma mais apropriada de falar sobre a ordem
temporal, ou ordem cosmocronolgica dessa esfera seria a noo de constncia. A
mudana, envolvida em toda alterao de movimento, s faz sentido na base de algo
constante.
O aspecto cinemtico nos d um sistema de referncia para compreender qualquer
tipo de movimento. O movimento s pode ser concebido se aquilo que se move permanece
idntico a si mesmo durante o movimento. Isso introduz a noo de presente temporal,
como aquela identidade que atravessa o tempo. Conforme destaca STAFLEU, a teoria da
relatividade mostrou que o presente no universal, dependendo da velocidade do sistema
de referncia; o presente s pode ser concebido em relao a uma determinada
individualidade, consistindo num ponto de referncia no qual alguma coisa permanece ela
mesma. Assim, o presente determinado pelo ponto de vista de algum, e o mesmo
apenas para sistemas que no se movem com uma diferena de velocidade muito grande
entre si. De modo que, o agora temporal, que o agora de um ponto de referncia
individual, baseado no aspecto cinemtico. Esse agora divide a experincia em
passado e futuro, separados pelo ponto de referncia individual.89 Portanto, partir do
aspecto cinemtico que a noo ordinria de tempo constituda.
As trs primeiras esferas, como observamos antes, so fundamentais para todas as
outras, embora no exista nenhum objeto real que seja sujeito apenas nessas trs esferas. As
trs, juntas, constituem a idia bsica de tempo que ns utilizamos:
A associao do tempo com o lado de ordem dos trs primeiros aspectos modais no nova.
Os trs universais que Descartes chamou duratio, ordo e numerus, reapareceu de uma forma
revisada no reconhecimento por Kant dos trs modos do tempo: sucesso, co-existncia e
durao. Desde os tempos antigos a medio do tempo esteve intimamente relacionada aos trs
modos do tempo distinguidos por Kant, desde que a sucesso (antes e depois), simultaneidade
(co-existncia) e durao (fluxo de tempo) so todos geralmente relaes aceitas do tempo.90
D. A Esfera Fsica/Energtica
!
88
Esse o significado da lei da inrcia. Strauss, Daniel F.M., The Significance of Dooyeweerds
Philosophy for the Modern Natural Sciences., p. 132.
89
!
Stafleu, Marinus Dirk, The Cosmochronological Idea in Natural Science., p. 95, 96.
90
!
!76
E.
A Esfera Bitica
A irreversibilidade altamente relevante para a idia de individualidade, coisas e eventos como sendo
sujeitos s leis da probabilidade. A atualizao das possibilidades que constituem o presente irreversvel.
Assim o passado determinado, deixa traos, e pode ser relembrado, e o futuro est aberto e pode ser
influenciado. Portanto a assimetria do passado e do futuro baseada no aspecto fsico. Stafleu,
Cosmochronological Idea, p. 96.
!
92
Talvez a mais bvia conseqncia da coerncia fundacional entre o aspecto fsico e o aspecto cinemtico
seja vista quando procuramos pela retrocipao do primeiro no segundo: constncia energtica (energyconstancy). Mas a expresso constncia energtica pode apenas ser uma retrocipao cinemtica dentro da
estrutura modal do aspecto fsico. A formulao tradicional usada para explicar a primeira lei da
termodinmica conhecida como a lei da conservao da energia. A noo de conservao , entretanto,
mal entendida. Conservar alguma coisa requer uma entra de energia (energy-input), contrariamente inteno
do enunciado da lei. Para capturar a verdadeira inteno da primeira lei, a expresso constncia energtica
deve ser usada vista como uma analogia cinemtica no lado normativo do aspecto fsico. Strauss,
Significance of Dooyeweerd, p. 133, 134.
!77
cuja ltima funo subjetiva a fsica. Entre os seres vivos, vrios funcionam
subjetivamente em outras funes, como a psquica. J os vegetais e bactrias, por
exemplo, tem na esfera bitica a ltima funo subjetiva, sendo assim qualificados
bioticamente.
Segundo SPIER, essa modalidade freqentemente denominada como orgnica
devido sua forma singular de organizao fsica, diferenciando-se dos objetos fsicos.
Estes ltimos so compostos de partes intrinsecamente homogneas, no havendo sistemas
heterogneos interdependentes. No organismo, as partes so insubstituveis, contribuindo
conjuntamente para a totalidade viva com funes diferentes e organicamente
significativas. No , entretanto, inteiramente correto identificar a vida bitica com a
organicidade, uma vez que possvel encontrar padres orgnicos de organizao em
outras esferas modais posteriores. Isso traz o perigo de reduzir modalidades ps-biticas
esfera bitica, como se fossem formas mais complexas de vida.93
reconhecidamente difcil definir a vida. Definies como movimento, ou
processo, ou padres de informao, alm de serem evidentemente insuficientes, so na
verdade analogias de outras esferas (cintica, histrica, analtica, por exemplo). A origem
da dificuldade o fato de que qualquer definio precisa colocar o objeto definido dentro
de uma categoria mais ampla e ento diferenci-lo de outros objetos dentro dessa categoria.
E aqui est o problema: o que distingue a vida justamente o que a tira de outras
categorias, como matria, movimento, informao, etc! Assim, a vida no algo que possa
ser captado num conceito terico.
A origem da dificuldade, segundo Dooyeweerd, que a vida no , em si mesma,
um fenmeno derivado de outra realidade, que possa ser adequadamente explicado como,
por exemplo, um padro de organizao da matria. Igualmente, no uma essncia
independente, como acreditaram os vitalistas. Isso evidenciado por dois fatos bvios: (1)
jamais algum observou a vida biolgica meramente emergindo da matria e, (2) jamais
algum pde detectar a vida como uma substncia ou energia independente. Tudo isso
favorece a interpretao reformacional da vida: ela seria um dos modi da realidade, um
aspecto da experincia. MAGNUS VERBRUGGE94 defende habilmente essa posio:
Uma longa batalha a respeito da origem da vida foi iniciada h muito tempo por
cientistas que rejeitam o criador. Sendo limitados pela terra, eles buscam encontrar a
origem da primeira coisa viva na terra, isto , dentro da criao, com a ajuda da teoria da
abiognese. Devido importncia fundamental desse tema para qualquer trabalho cientfico
posterior a respeito das origens, o autor devotou um estudo mais longo s teorias propostas
para explicar a natureza e origem da vida em seu livro Alive, an enquiry into the origin and
meaning of life (Vivo: uma investigao sobre a origem e significado da vida).95
Muitos cientistas modernos aceitam a teoria de que todas as entidades atmicas e
moleculares sempre se movem e interagem umas com as outras ao acaso. Se por exemplo,
!
93
! Verbrugge,
94
95
!
Cf. M. Verbrugge: Alive, an enquiry into the origin and meaning of life. Valecito Calif.: Ross House Books,
1984.
!78
molculas em uma soluo se alinham entre si para formar um cristal, isso ocorre de um
modo fortuito, segundo sua crena.
Eles concordam que todos os seres vivos apresentam funes no encontradas em
matria inanimada. Eles tambm reconhecem como uma das principais caractersticas dos
seres vivos que todos os seus componentes materiais, tomos e molculas, no se movem ao
acaso, mas esto sob a direo do ser vivo como um todo.
Concordam tambm que uma clula viva move seus componentes materiais de
modo coordenado, regulado e temporizado de tal forma que a integridade da clula
permanea intacta; ela os direciona num modelo absolutamente no-casual. Entretanto eles
concluem, conforme as teorias geralmente aceitas, que as partculas fsicas sempre
interagem ao acaso, exceto quando elas no o fazem. Ns temos assim a situao de que
todas as molculas so iguais, mas algumas so mais iguais que as outras, para parafrasear
George Orwell. Este um exemplo tpico do que Dooyeweerd denominou como a
inevitvel antinomia (afirmao auto-contraditria) na qual algum fica enredado quando
tenta reduzir um aspecto da realidade a outro.
Os bilogos moleculares, que investigam as interaes fsicas e qumicas que
ocorrem numa clula, no podem compreender por qu as coisas acontecem dessa forma, e
como uma entidade viva pode causar processos materiais. No h explicao de como uma
coisa viva pode ultrapassar a barreira entre o que vive e o que est morto e fazer com que
coisas mortas se tornem componentes do que vive afinal, a matria morta nunca vista
fazendo isso. Este enigma no apenas solucionado mas facilmente abolido quando algum
aceita o fato, como o fez Dooyeweerd, de que aspectos ou esferas modais como a fsica e a
bitica no so coisas que fazem algo, mas estruturas normativas abstratas, como a cor e
a gravidade, que no fazem nada. o portador desses aspectos, como a molcula morta
ou a clula viva, que faz alguma coisa.
A objeo tem sido feita de que ningum pode provar que a abiognese no pode
acontecer, o que verdadeiro. Ningum pode provar que alguma coisa que nunca aconteceu
possa acontecer no futuro. Mas uma coisa no pode ser verdadeira e no ser verdadeira ao
mesmo tempo e no mesmo sentido. Isso seria irracional.
O principal argumento contra a teoria da abiognese que ela afirma que, em algum
tempo no passado molculas no se moveram ao acaso (com o propsito de dar origem
primeira coisa viva), enquanto ao mesmo tempo sustenta a teoria de que as molculas
sempre se movem ao acaso. Isso obviamente irracional. Assim a teoria da abiognese deve
ser descartada.
Ningum sabe o que a vida , mais do que sabe o que o nmero , ou o que o
espao , ou o que o movimento , ou o que a energia . Um dos mais proeminentes
advogados do materialismo e da abiognese nesse sculo foi o qumico russo A. I. Oparin.
Ele admitiu enfaticamente que ningum sabe o que a vida . Mas, ele adicionou com
injustificvel otimismo: ns vamos descobrir o que ela quando fabricarmos a primeira
coisa viva em nosso laboratrio.
Sendo um aspecto, a vida no uma coisa, mas uma forma das coisas
funcionarem; ela indica um tipo particular de propriedade que as coisas vivas apresentam e
que as coisas no-vivas no tem. No uma coisa que ns possamos manufaturar,
colocando sobre uma mesa, adicionando partculas de matria, e ento declarando que elas
esto vivas. A vida no uma coisa real com uma entidade individual, mas um modo de
existncia que algumas entidades possuem. Assim ns podemos concluir que no podemos
reduzir a vida a nenhuma outra realidade.
!79
WIT, o ideal humanista de cincia exigia uma explicao do universo ... em termos de uma
cadeia de relaes causais funcionais.96 A presso do ideal de cincia leva a um esforo
por estabelecer uma continuidade csmica na qual a vida emerge da matria e as formas
mais complexas de vida emergem das mais simples, num fluxo nico de evoluo, de modo
a preservar uma cadeia de causalidade imanente. Essa idia de continuidade uma noo
puramente especulativa, mas poderosa, ao ponto de levar os bilogos a ignorarem os sinais
de diversidade e complexidade irredutvel que so encontrados na natureza. Assim ignoram
a inexistncia de evidncia a favor da abiognese; ignoram tambm a existncia de saltos
evolutivos, ou intervalos no registro fssil (elos perdidos) que contradizem a noo
clssica da evoluo, a dificuldade de explicar como mutaes genticas causais
(randmicas) podem de fato ter beneficiado as espcies ao invs de destru-las, a
existncia de sistemas biolgicos irredutveis, especialmente em nvel molecular que a
bioqumica mais recente tem destacado. Segundo KNUDSEN e DE WIT, a pesquisa emprica
dos seres vivos no conduz diretamente teoria da evoluo; antes, a tendncia dogmtica
dentro da estrutura do ideal de cincia criou uma tenso entre a verdadeira arquitetura da
natureza, como tem sido descrita pela pesquisa cientfica, e a imagem terica da natureza
que construda de acordo com o ideal de cincia.97
Contrariamente posio transformista, na posio crist a descontinuidade na
estrutura da natureza aceita como uma realidade bsica. Uma vez que o cosmo, em todas
as suas dimenses, depende da vontade de Deus para seu funcionamento, no necessrio
nem prprio explicar todas as coisas a partir de alguns princpios elementares e
independentes. Isso no significaria, necessariamente, a negao de qualquer tipo de
hiptese evolucionista; mas certamente implica a negao do neodarwinismo, da
abiognese, e da noo de que todas as formas de vida procedem de um nico organismo
unicelular original; alm disso, no faz sentido dizer que a vida se originou e evoluiu,
pois o que nasce, vive, se transforma e morre o indivduo real, no a vida, que em si ela
no uma coisa mas um dos modi da realidade. Outro ponto da posio crist a busca de
evidncia de desgnio inteligente, nas estruturas biolgicas irredutveis que so
indispensveis vida.
O bilogo no estuda, assim, a vida como uma espcie de entidade independente,
mas os seres vivos: estruturas de individualidade que funcionam subjetivamente na esfera
bitica. Estuda fenmenos qualificados bioticamente, classificando as coisas vivas e
analisando sua estrutura. Em si mesma, a vida no pode ser capturada num conceito, e
muito menos analisada pelos instrumentos dos bilogos. A idia de vida tem um carter
transcendental, fornecendo uma estrutura ontolgica para guiar a teorizao cientfica
definindo o significado adequado dos termos. a filosofia a disciplina que examina
cientificamente a idia de vida e os termos a ela relacionados
A vida bitica envolve uma dimenso quantitativa. Temos assim a relao entre o
todo e as partes como uma analogia numrica. O conceito de espao vital uma analogia
!
96
Knudsen, Robert, Biology: The Encounter of Christianity with Secular Science., p. 21.
97
!
Ibid, p. 22.
!80
F.
A Esfera Psquica
!81
diferenciar essa psicologia pura da psicologia como estudo do ser humano de forma
total, como s vezes se v, no qual o estudioso na verdade no focaliza apenas o
sentimento, mas toda a relao entre o bitico, o psquico propriamente, e outras dimenses
da pessoa: a social, a tica, a lgica. Essa psicologia ampla talvez devesse ter outro nome,
para se evitar o reducionismo psquico.98
G. A Esfera Analtica
Seguindo-se esfera psquica temos a esfera analtica. Assim temos muitas criaturas
que possuem sentimento mas no raciocinam; por outro lado, no h seres que raciocinam
mas tm sentimentos! Isso que a esfera analtica est apoiada sobre a psquica. O momento
nuclear da esfera analtica a anlise racional, ou, a observao da diversidade.99
H um nvel ordinrio de atividade analtica no qual a pessoa no se concentra na
abstrao terica de esferas da experincia, mas nas entidades concretas da experincia (os
objetos reais), distinguindo-as e estabelecendo relaes conceptuais entre elas. Atravs da
anlise e sntese so formados conceitos, julgamentos e argumentos a respeito das coisas, e
de sua relao mtua. Naturalmente, dentro da experincia ordinria h nveis variados de
profundidade, e usa-se conceitos originados no pensamento cientfico, mas no se pratica
aquele tipo de abstrao mais sofisticado que prprio da cincia.
O que distingue o modo cientfico de pensar do modo ordinrio ou comum, a
presena da abstrao modal: a entidade concreta passa a ser percebida no em sua
totalidade, como um sistema unificado, mas como uma composio de vrias dimenses
que so estudadas separadamente, para se produzir uma imagem terica de uma ou mais de
suas dimenses.
A esfera analtica apresenta tambm suas analogias. A noo de sentido lgico, ou
percepo lgica uma analogia psquica retrocipativa na esfera lgica. As idias de vida
intelectual ou de organicidade num sistema conceptual so analogias biticas. A noo
de progresso de uma idia a outra, ou seja, de movimento de pensamento, uma analogia
cintica na esfera analtica, e a idia de sntese e interao conceptual uma analogia
fsico/energtica. O espao intelectual uma analogia espacial, a multiplicidade de
conceitos uma analogia numrica. Quanto s analogias antecipatrias, temos a
formao de conceitos antecipando a esfera histrica, a economia de pensamento
antecipando a esfera econmica, a harmonia no pensamento antecipando a esfera esttica,
as noes de juzo lgico, evidncia suficiente e a justificao epistmica
antecipando a jurdica, o conceito deontolgico de dever de ser racional antecipando a
esfera tica e a certeza lgica antecipando a esfera fiduciria.
!
98
Se nossa viso correta, a tendncia de identificar psicologia com antropologia, a cincia que estuda a
estrutura da individualidade humana, deve ser enfaticamente rejeitada. Tal identificao necessariamente leva
ao psicologismo, que por absolutizar o aspecto psquico da realidade incapaz de manter o carter
transcendente do corao humano e incapaz de reconhecer que o ltimo foi criado imagem de Deus. Ibid,
p. 71.
99
!
!82
!
100
Ibid, p. 73.
!83
102
!
Ibid, p. 75.
103
!
Ibid.
!84
H. A Esfera Histrica
Sobre a esfera analtica temos a esfera histrica. A histria realizada por pessoas
capazes de pensar logicamente, no existindo histria entre animais e vegetais. Isso indica
que a ela uma esfera ps-analtica. Alm disso, a histria feita por pessoas capazes de
realizar aes resultantes de julgamento racional e livre escolha. As aves constroem ninhos
desde antes do seres humanos, mas sua ao se baseia no instinto animal, no envolvendo
planejamento racional nem intencionalidade. Por isso as aes de animais se do dentro de
uma estrutura bastante esttica, sem produo de cultura ou desenvolvimento de cultura. J
as aes humanas refletem um poder criativo, de transcender as estruturas presentes de vida
e constituir novas estruturas de modo intencional, gerando um processo dinmico de
desenvolvimento cultural.
O momento nuclear da esfera histrica no , como muitas vezes se pensa, a
transformao ou mudana. Como observa SPIER, a mudana se origina na esfera fsicoenergtica, como produto da interao entre entidades. Considerar a histria como sendo
meramente a mudana dentro do tempo colocaria eventos como a histria da floresta
Amaznica, ou do sistema solar, ou da formao dos continentes no mesmo nvel da
histria humana, o que percebemos intuitivamente ser improdutivo. Histria humana e
histria natural so realidades distintas.
Mas o que seria exatamente a histria? Fica mais fcil responder quando
percebemos que nem todo acontecimento ou ato humano histrico. Todos os dias o
brasileiro almoa por volta das 12 horas. Isso no um acontecimento histrico. Mas
quando a nao se uniu pelo Impeachment do presidente Fernando Collor, tivemos um
acontecimento histrico, por que esse acontecimento influenciou decisivamente a vida e a
cultura da nao brasileira. Desse modo, o histrico aquilo que molda ou constitui uma
cultura alterando-a estruturalmente. O momento nuclear da modalidade histrica seria
assim o poder formativo, ou a formao cultural. Justamente esse ncleo distingue a
histria natural da histria humana. Na definio de Dooyeweerd: A formao
controlada de uma certa aptido, estrutura ou situao tornando-a algo que no poderia
ter vindo a existir de outra forma. a realizao livre e normativa de uma coisa dentro do
processo da cultura.104
104
!
Ibid, p. 80.
!85
Ibid, p. 79.
106
!
!86
sentido de que tudo tem uma dimenso histrica, algo bem diferente de dizer que a
histria tudo, como se tudo fosse meramente construdo pelo homem. O erro dessa
concepo visvel, em primeiro lugar, (1) quando nos lembramos que toda absolutizao
de uma esfera da experincia ocorre quando elevamos uma sntese do aspecto lgico com
um no-lgico (no caso, o histrico) condio de arch, isto , de princpio originante e
normativo de todo o cosmo. O historicismo desconsidera que o prprio conceito de
histria, sendo um conceito terico, fruto de abstrao, no correspondendo
ontologicamente, portanto, realidade concreta. O conceito de histria um produto
intelectual, devendo sempre manter o carter relativo de todos esses produtos. Forar uma
sujeio da prpria realidade concreta a uma teoria limitada da realidade contraditrio. (2)
Uma vez que toda absolutizao do relativo envolve uma contradio interna, devemos
destacar que o prprio conceito historicista de cultura fruto de um determinado processo
histrico, vindo luz com a crise do iluminismo e o impacto do movimento romntico. Se
o historicismo verdadeiro para toda a histria, ento toda concepo terica e relativa ao
momento histrico. Mas o prprio historicismo uma concepo terica relativa, pois
surgiu dentro da histria; nesse caso, ele no pode ser verdadeiro para toda a histria.
Vemos assim, que o historicismo uma teoria auto-referencialmente incoerente, isto ,
implica em sua prpria negao. (3) O historicismo gera tambm antinomias intermodais.
Ele implica, por exemplo, que no podemos usar as leis da lgica para explicar fatos
passados, pois as leis da lgica so relativas histria. Isso tornaria impossvel a
conceptualizao da experincia histrica e a constituio de qualquer cincia histrica
verdadeira. (4) Mais bvio ao senso comum o fato de que h estruturas na experincia
humana que so universais. Assim, o sentimento do numinoso, a moralidade (no importa
de qual tipo), a linguagem e a famlia biolgica aparecem de modos diferentes em
diferentes contextos, mas sempre aparecem, como dimenses fundamentais da existncia
humana. Se tudo fosse meramente construdo, no haveria qualquer semelhana entre
diferentes culturas. (5) Finalmente, a anlise modal das aes humanas revela que elas so
multidimensionais. No existe ao que seja puramente histrica. Alm da base formativa,
as aes humanas mostram-se nas outras modalidades, tendo carter jurdico, esttico,
econmico, fiducirio, etc.
Do fato de que a histria realizada por meio do poder formativo do homem, seguese que nem todo indivduo tem o mesmo poder de mold-la. A histria feita
primariamente por aqueles indivduos que possuem poder histrico. Lderes da vida
nacional, educadores, lderes eclesisticos, economistas e cientistas que lideram o
desenvolvimento cultural e alteram as estruturas da vida humana podem ser chamados de
personagens histricos nesse sentido. Isso, naturalmente, no significa que as pessoas
comuns esto fora do processo histrico; os lderes culturais s tem impacto porque outras
pessoas se sujeitam a esse impacto. Alm disso, um lder numa esfera da cultura pode ser
um seguidor em outra. Portanto, de um modo ou de outro, todo indivduo participa da
histria exercitando poder formativo.
O chamado para formar a histria um chamado divino, dado a toda a raa humana
e tambm ao indivduo, onde quer que ele esteja. Esse chamado repousa sobre o fato de
sermos portadores da imagem de Deus, sendo assim capacitados a atuar de forma criativa,
!87
expressando por meio do trabalho a natureza criativa de Deus. Mas sua declarao explcita
se encontra em Gnesis 1.28, quando Deus ordena ao homem que encha a terra e a
domine, atuando no ofcio de rei da terra. O chamado divino formao da histria pelo
trabalho geralmente denominado mandato cultural.
Devido queda, foi introduzida no mundo uma anttese entre o homem natural, por
um lado, e Deus, juntamente com os regenerados, por outro lado. A anttese se manifesta
dentro da histria na constituio de diferentes padres e eventos culturais que refletem ou
o esprito do mundo, ou o esprito de Deus. A atuao do esprito do mundo no homem
natural produziu a cidade do mundo, ou civitas mundi, e a atuao divina gerou a civitas
Dei. Essas duas comunidades humanas se misturam na terra mas cada uma exercita o poder
cultural conforme o esprito que a anima. Assim os cristos so chamados a seguir o
Esprito de Deus e aplicar os princpios cristos no exerccio do poder cultural, para
expressar na histria a presena do Reino de Deus. O poder histrico, que muitos cristos
chegam a alcanar, deve ser considerado um poder vocacional, que implica uma tarefa
para a pessoa que detm o poder.107 E o impacto do Reino de Deus no mundo depende da
existncia de indivduos com poder cultural que moldam a histria sob o poder do Reino.
Se passarmos a discutir o law-side da esfera histrica a primeira coisa a fazer
tentar identificar os princpios normativos aos quais os formadores histricos esto sujeitos,
e que eles positivizam em sua ao formativa. (1) O primeiro princpio o princpio do
trabalho cultural, o chamado para dominar e formar os objetos naturais da criao, por
meio da atividade tcnica. Quanto a isso, Marx corretamente descreveu o ser humano como
homo faber. (2) Outro princpio o princpio da continuidade, o progresso ininterrupto
do desenvolvimento cultural. O formador da histria no pode ignorar o passado e buscar
fazer algo completamente novo. Ningum cria algo completamente novo, exceto Deus. No
h, portanto, ao histrica que no esteja inserida no fluxo linear da histria humana. (3)
Uma terceira norma o princpio da integrao, que se expressa na atualizao e
expresso daqueles recursos que Deus colocou no mundo como potenciais de produo. A
progressiva recuperao desses potenciais e agregao ao capital cultural do homem torna
possvel uma cultura cada vez mais rica. (4) Ao lado do princpio de integrao esto os
princpios de diferenciao e individualizao. Essas normas estimulam o desvelamento
da tendncia individual de pessoas, grupos humanos e naes inteiras, na constituio de
estruturas culturais mais ou menos complexas.
Sendo a esfera histrica uma esfera normativa, os princpios histricos precisam ser
positivizados, isto , aplicados concretamente em todos os relacionamento humanos que
tem um aspecto histrico. Isso significa que esses princpios tanto podem ser corretamente
aplicados, como podem ser desobedecidos. A atitude reacionria, por exemplo, que
valoriza o passado e se ope a todo e qualquer progresso cultural, impede o enriquecimento
da cultura, a reforma social e o cumprimento do mandato cultural. A atitude revolucionria,
que nega totalmente o passado e busca um novo comeo tambm anti-normativa,
quando leva o homem a romper totalmente com o passado e rejeitar conquistas culturais
valiosas em nome de um ideal utpico.
107
!
!88
I.
A Esfera Lingustica
Por linguagem, no nos referimos aqui somente fala e escrita, mas tambm a
todo tipo de inteno expressa simbolicamente, incluindo gestos, nmeros, notas musicais
(partituras), bandeiras, esttuas, sons, etc. O ncleo de sentido da esfera lingstica o
significado simblico. Por isso, talvez, a expresso esfera semiolgica tambm seja
adequado. O lingista reformacional P. A. VERBURG, de Groningen, desenvolveu o
pensamento cosmonmico teoria lingstica. Ele prope que denominemos os atos
lingsticos, isto , aqueles atos que envolvem significao lingstica, como atos delticos
(gr. Delun), atos originados do desejo humano de clarificao.108 A funo delticolingustica seria uma dimenso inata ao homem, e uma faculdade especfica, diferente da
faculdade analtica, ou da sensria, ou da faculdade notica. Essa faculdade uma das que
diferencia o homem de outros seres, ao lado da racionalidade e de outras funes.
A esfera lingstica, que tambm j foi denominada esfera semitica, ou
semiolgica, ou deltica, ou comunicacional, se segue esfera histrica. Estando baseada
nessa esfera, a linguagem contm um momento formativo, o que pode ser observado
diretamente no processo de formao de lnguas primitivas feito por lingistas, e tambm
na capacidade formativa que o homem tem sobre a lngua, especialmente os escritores e,
atualmente, a mdia. Alm disso, muitos pensadores perceberam a existncia de uma ntima
conexo entre linguagem e pensamento. Isso se mostra no fato de que o pensamento se
desenvolve por meio de proposies, que invariavelmente aparecem com forma lingstica,
mesmo dentro da mente, e tambm no fato de que os significantes sempre trazem dentro de
!
108
O termo grego delosis, que est sendo usado aqui como um termo para abranger e caracterizar a
atividade lingustica em sua autenticidade e inteireza, foi sugerido pela seguinte sentena no Kratylos, de
Plato: Suponha que ns no tenhamos voz ou lngua, e que ns, entretanto, busquemos clarificar (dloun)
coisas (ta pragmata) um ao outro; no deveramos ns, como surdos mudos, tentar fazer sinais (smainein)
com as mos e a cabea e o resto do corpo? Linguagens orais e gestuais, audveis e visuais podem ser
consideradas atos delticos, como atos originados do desejo humano por clarificao (ou revelao no caso de
auto-clarificao). VERBURG, P.A., Delosis and Clarity. Em: Philosophy and Christianity, p. 78.
!89
!
109
Ibid, p. 95.
!
110
Ibid, p. 81.
!
111
Kevin Vanhoozer chama de letrismo a idia de que o significado esteja presente nas palavras como tais.
O significado uma propriedade emergente que aparece encarnada na letra do texto, mas que transcende a
essa letra.
!
112
natural equacionar o significado literal de uma palavra com sua definio no dicionrio. O problema
com essa posio duplo. Primeiro, um dicionrio simplesmente um compndio de como as pessoas usam
palavras ordinariamente; definies no so, entretanto, imutveis e absolutas. Segundo, e mais importante, a
unidade bsica do significado o ato de fala (speech-act), no as palavras individuais. O sentido literal da
declarao de Jesus Eu sou a Porta uma funo de seu speech-act (uma assero metafrica), no o das
palavras tomadas individualmente (e, assim, fora de contexto). Onde, ento, est o sentido literal: na langue
ou na parole? Antes de serem usadas em atos comunicativos particulares, palavras tem apenas um potencial
(i.., um nmero limitado de possibilidades) de significado. Assim, apenas no nvel do ato-sentena que ns
podemos falar de sentido literal. O sentido literal sempre um produto composto: de semntica e pragmtica,
de langue e parole, de conveno e inteno. Vanhoozer, Is There a Meaning in This Text?, p. 311.
!90
estruturas gramaticais e sintticas. A gramtica constitui assim uma subdisciplina que lida
com uma das dimenses do fenmeno lingstico.113 Sob o nvel formativo estaria o nvel
semntico-analtico (n-2), no qual se encontram os elementos bsicos utilizados pela
tcnica gramatical, as palavras ou lexemas. A discriminao ou diferenciao analtica ,
como vimos, o ncleo de sentido da esfera analtica. Assim os lexemas, que encontramos
em nossos dicionrios, so identificadores cognitivos, discriminadores intelectivos,
envolvendo tanto palavras auxiliares, passando por termos com referente definido at
denotadores metafricos. Esses identificadores se diferenciam entre si dentro da langue
assumindo significados potenciais diferenciados que podem ser usados no nvel gramatical.
Abaixo desses nveis temos o nvel da percepo ou fonmico (n-3), que fornece as
memrias, associaes, imagens, afetos e sensaes que tornam possvel a diferenciao
dos identificadores cognitivos. Para explicar melhor esses quatro delemas, Verburg
apresenta uma interessante matriz:114
Delemas
Lexema 1
Lexema 2
Lexema 3
(n)
Vai!
Joo!
Ai!
(n-1)
(n-2)
(n-3)
Como se pode ver nessa matriz, a decomposio funcional revela que o discurso
sempre se d dentro da estrutura normativa das esferas modais, como qualquer entidade
concreta.
Seguindo o mesmo procedimento, Verburg identifica ainda o nvel da fontica
orgnica (n-4), que abrange a dimenso bitica-fisiolgica e a base biolgica da linguagem
humana; o nvel da fontica fsica (n-5), que descreve o desempenho fsico-mecnico do
organismo no evento discursivo, o nvel fontico-quantitativo (n-6) que examina o discurso
enquanto evento acstico no espao, e a numeralidade e distribuio (n-7), que observa
construes lingsticas do ponto de vista da quantidade de elementos significantes,
individualmente ou em conjuntos. Teramos assim, no total, sete subnveis funcionais
!
113
Verburg,
114
!
Delosis, p. 85.
Ibid, p. 87.
!91
(2) A pessoa que discursa outro ponto importante para Verburg. Um ato de fala se
origina de um agente, emergindo de uma pessoa que se responsabiliza por suas aes.
Desse modo, o fator pessoal deve ser considerado um postulado necessrio no modelo
deltico. Essa posio tomada por ele de grande significado no momento atual, em que o
pensamento filosfico tende a dissolver a pessoa humana e os atos lingsticos numa base
naturalista. KEVIN VANHOOZER, trabalhando a partir da teoria dos speech-acts de J. AUSTIN
e JOHN SEARLE, observou que a teoria hermenutica ps-moderna tende a eliminar o papel
do sujeito na constituio do significado, negando que textos e discursos tenham sentido
fixo baseado na inteno autorial. VANHOOZER chama essa abordagem de materialismo
semitico, que desvincula totalmente a significao do significador:
Esse exatamente o ponto de Verburg. Para ele a teoria lingstica precisa de uma
re-humanizao, deixando de tratar o fenmeno deltico meramente como uma questo de
estmulos nervosos ou de aes de um rob, mas como algo ligado intencionalidade,
criatividade humana, a propsitos, iniciativa. justamente essa ao criativa do sujeito
que o transfere para dentro de seu discurso ou produto deltico, tornando sua estrutura
!
115
Na linguagem que procura cumprir propsitos esttico-artsticos ns encontramos outro exemplo de uma
funcionalidade adicional. Essas atitudes e propsitos esto intrinsecamente alm da linguagem, i.., alm da
delosis porque, em princpio, eles so indiferentes ao fim prprio que a clareza tima. Eles parecem como
aderncia contingentes, podendo inclusive surgir algum tipo de antinomia entre a norma autntica (da
linguagem, n.d.t.) e a norma adicional. Ibid, p. 83.
116
!
Vanhoozer, Is There a Meaning in This Text?, p. 204. Mais frente, Vanhoozer afirma que A
desconstruo, ao recusar tomar a sentena e o agente discursivo como pontos de partida irredutveis, trai uma
tendncia materialista de reduzir a mente matria. Ibid, p. 213.
!92
!
117
O que fala decide livremente a respeito e inicia livremente os tipos de sentena que alcanaro seu telos,
objetivo, inteno, propsito, fim; i.., o que ele quer deixar claro, o que tem para dizer ... Verburg,
Delosis, p. 95.
118
!
Ibid, p. 82.
119
!
Ibid, p. 95.
!93
J.
A Esfera Social
!
120
!
121
Ibid, p. 99.
Stafleu discorda de Dooyeweerd e Spier na tese de que os animais no funcionam de nenhum modo nas
esferas ps-psquicas. Os animais superiores muitas vezes desenvolvem raciocnio, capacidade de
comunicao e nveis elevados de organizao social. Segundo ele, seria melhor dizer que animais funcionam
como sujeitos de modo retrocipatrio, referindo-se sempre a suas necessidades biticas e psquicas. O
comportamento animal nunca antecipatrio como o do homem, que sempre se refere ao transcendente.
Stafleu, Cosmochronological Idea, p. 106.
!94
122
!
!95
123
!
Ibid, p. 237.
!96
quais os seres humanos comungam. Esse princpio, formulado inicialmente pelo estadista
reformado ABRAHAM KUYPER, pode ser melhor definido como
K. A Esfera Econmica
!
125
Ibid, p. 249.
A doutrina das esferas de soberania levanta a questo a respeito das culturas que no desenvolveram
formas complexas e diferenciadas de vida social. Em sociedades tribais, por exemplo, h freqentemente uma
mistura de relaes familiares, religio e governo. Se olharmos para as Escrituras, encontraremos essa
situao, por exemplo, na sociedade patriarcal (Abrao, Isaque e Jac). Segundo Dooyeweerd, uma das leis
do desenvolvimento histrico a diferenciao. A inexistncia de estruturas sociais diferenciadas em culturas
tribais fruto da paralizao do processo histrico, havendo algum tipo de impedimento atividade cultural
formativa. Mas discutir melhor o assunto ao falar do conceito de ABERTURA MODAL.
!97
... a sociedade de consumo ... busca derrotar o Marxismo no nvel do materialismo puro
mostrando como uma sociedade de livre mercado pode obter uma maior satisfao de
necessidades humanas materiais do que o comunismo, enquanto exclui igualmente os
valores espirituais. Na realidade, enquanto por um lado verdade que este modelo social
mostra a falha do Marxismo em contribuir para uma sociedade melhor e mais humana, por
outro lado ele nega a existncia e o valor autnomo da moralidade, da lei, da cultura e da
religio, concordando assim com o Marxismo, no sentido de que reduz totalmente o homem
esfera econmica e satisfao das necessidades materiais.126
!98
estou dizendo que questes ticas devem ser consideradas ao lado das questes
econmicas. Eu estou dizendo que custos e benefcios so em si mesmos questes
econmicas reais, atuais, concretas e intrnsecas. Eu estou dizendo que praticar qualquer
outra coisa diferente de mordomia anti-econmico, oneroso e ineficiente. Ns no
devemos adicionar tica crist economia. Ao invs disso ns devemos lutar por uma
economia em si mesma inspirada no cristianismo; uma economia enraizada na viso bblica
de mordomia.127
127
!
Dado que nossa atividade econmica deve ser a mordomia amorosa da terra e de
tudo o que h nela, ns devemos ter uma idia clara do que requerido por essa mordomia.
Primeiro, deve ser dito que ns no somos mordomos apenas de coisas naturais como a
terra, o solos, as rvores, os oceanos e os minerais. Ns somos os mordomos de todas as
coisas incluindo o tempo, a energia, a sade, a organizao, a vida familiar, tipos de
trabalho, edifcios tudo o que existe na vida humana. Em segundo lugar, administrar todas
7.
!99
L.
essas coisas trat-las da forma que Deus nos chamou para trat-las, sendo cuidadosos para
considerar todas as formas em que ns podemos expressar amor atravs da justia, da
beleza, da preservao, do uso, da fidelidade. Ser mordomo de alguma coisa antes de tudo
estar consciente do lugar que isso ocupa na criao de Deus, ser sensvel a todas as formas
em que isso pode ser corrompido e todas as formas em que isso pode trazer benefcio a
outras coisas criadas, e ento preservar e tornar isso frutfero cuidar de tal forma que haja
preservao e uso buscando abenoar os outros elementos da criao. Isto o que a
mordomia significa, e, assim, o que a economia propriamente significa.128
A Esfera Esttica
!
128
129
!
!100
M. A Esfera Jurdica
Seerveld, Calvin, Dooyeweerds Legacy for Aesthetics, p. 67. Em: Mcintyre, editor, The legacy of
Herman Dooyeweerd, p. 67.
!
131
Ibid, p. 66.
132
!
Ibid, p. 68.
!101
!
133
134
!
!102
seria muito mais bsico que os direitos do homem individual, como expresso nos ideais da
revoluo francesa, pois este s surge mais tarde no processo de abertura modal, no
devendo ser compreendido isoladamente.
O estado teria a funo de positivizar a norma jurdica em leis as relaes jurdicas
entre diferentes entidades sociais, sendo que essas relaes obedecem estrutura sujeitoobjeto do lado entitrio da realidade. Essas relaes sujeito-objeto so exatamente os
direitos, sendo que o sujeito tem um direito subjetivo em relao ao objeto. O que um
sujeito jurdico? Qualquer entidade social, tanto o indivduo como as comunidades. Essa
concepo de direitos rompe com o individualismo radical que tem controlado as
concepes de direitos humanos na cultura ocidental, estabelecendo uma igualdade entre
direitos de pessoas e de comunidades, associaes e instituies, bem como as teorias
coletivistas e estatistas como o socialismo e o fascismo. Famlias e igrejas, por exemplo,
tambm tem direitos.
Outro mrito apontado por Marshall o fato de que a especificao dos direitos em
leis positivas considerada um resultado da atividade jurdica, obedecendo-se norma da
justia e ao princpio das esferas de soberania. Assim sendo, os direitos de pessoas e
instituies no so propriamente reconhecidos pelo estado, mas adquiridos pela atividade
jurdica, exigindo-se assim o exerccio do julgamento. Eles tem significado poltico. Nas
teorias de direito natural, uma vez que o estado meramente reconhece o direito, a atividade
jurdica no passa de um exerccio de geometria, e o juiz no precisa considerar de fato a
situao para determinar o que justo e o que no . O direito passa ento a ser mais
importante do que a prpria justia. Na viso reformacional, a justia no pode se
subordinar aos direitos.
N. A Esfera tica
!103
Uma das grandes preocupaes dos telogos tem sido a relao entre a f e a vida.
Duas solues tem sido muito populares: a compartimentalizao e a absolutizao. Na
primeira, considera-se que a religio e a f constituem uma esfera distinta do restante da
vida. H assim um espao secular e um espao religioso, sendo que um luta contra o
outro. Na segunda, considera-se que a religio e a f no tem uma esfera prpria, mas so
toda a vida: nesse caso as prticas e instituies de f passam a restringir as outras reas da
vida. Na perspectiva reformacional, f e religio no so a mesma coisa. A religio ou
espiritualidade to ampla quanto a vida; mais do que uma atividade que se desenrola em
alguns momentos e contextos especficos, a religio o sistema total de vida de algum. J
a f uma dentre as formas bsicas da existncia religiosa.136 Essa distino tem o valor
fundamental de considerar todas as esferas da vida como sendo modos de viver a religio
preservando ao mesmo tempo um espao da vida para a as crenas, prticas e instituies
de f.
A f no algo peculiar aos cristos; antes uma dimenso essencial da vida
humana, sendo comum a todos os homens. O que muda o contedo e a direo da f, que
!
135
136
!
OLTHUIS, James H., Dooyeweerd on Religion and Faith. Em: McINTIRE, C. T., editor, The Legacy of
Herman Dooyeweerd: Reflections on Critical Philosophy in the Christian Tradition. Lanham: University
Press of America, 1985, p. 21.
!104
pode ser orientada para Deus ou para um dolo.137 Essa viso se distingue da viso catlicoromana da f como um dom especial da graa, bem como da posio de Karl Barth, da f
como dom da nova criao, totalmente ausente nos no-cristos. Essas concepes
distinguem uma esfera da natureza e uma esfera da graa, considerando essa ltima como
um donum supperaditum, uma espcie de acrscimo, que acaba por atribuir autonomia
natureza. Na viso reformacional a redeno restaura a prpria natureza; assim a f deve ser
parte da criao original, tendo seu lugar como uma das esferas da vida que todos os
homens partilham; a queda teria tornado essa f obscurecida e apstata, e a redeno
incluiria a purificao e redirecionamento dessa f para Deus.138 Entretanto, a esfera da f
tem uma posio especial entre todas as outras. Sendo a ltima esfera da escala modal, ela
aponta para alm do horizonte temporal, em direo a Deus. Essa orientao para alm do
tempo, d f um foco transcendental.139
Todo ser humano tem uma orientao fundamental em seu corao em direo
origem isso a religio. A orientao religiosa fundamental de cada indivduo tem um
modo distinto de expresso em cada esfera da existncia.140 Na esfera da f essa orientao
expressa como uma confiana ou certeza sobre o que Deus e o que ele significa para
mim. Desse modo, na esfera pstica ou fiduciria a orientao religiosa fundamental de uma
pessoa encontra expresso em termos de f em Deus, ou o que popularmente e
imprecisamente chamado de religio. A concepo reformacional de religio e f nos leva
a algumas concluses interessantes. Embora o natural seja que a religio da pessoa encontre
expresso em sua f, possvel que algum pratique um culto ou confesse uma f de
forma exterior, mas sua verdadeira religio seja algo diferente. Por outro lado, mesmo um
ateu professo, que no cr em Deus, na verdade expressa em sua f invertida uma
orientao religiosa fundamental em direo a algum dolo.
Nesse ponto precisamos de uma definio filosfica de f. Seguindo Dooyeweerd,
podemos dizer que em si mesma, a f do cristo a certeza transcendental a respeito do
fundamento da sua existncia, originada da revelao de Deus como o fundamento de
todas as coisas quando esta atinge o corao da sua existncia.141 Isso significa que a f
!
137
!
138
Assim, para Dooyeweerd, a f teria o papel fundamental de guiar o desenvolvimento de todas as esferas
modais na existncia humana, possibilitando sua operao plena e harmoniosa. O processo de desvelamento
e evoluo guiado pela f recebeu o nome de abertura modal.
!
140
!
141
OLTHUIS, p. 26.
A definio de Dooyeweerd a seguinte: uma certeza original transcendental, dentro dos limites do
tempo, relacionada a uma revelao do Arch que captura o corao da existncia
humana. (DOOYEWEERD, H., A New Critique of Theoretical Thought, vol II: The General Theory of the
Modal Spheres. Philadelphia/Amsterdam: Uitgeverij H. J. Paris/Presbiterian and Reformed, 1955, p. 304).
!105
uma segurana ou certeza que vai alm de todas as esferas (inclusive a analtica),
apontando para alm do tempo, em direo origem de todas as coisas; essa certeza tema
ver com aquilo que d sentido minha existncia como um todo, isto , aquilo que para
mim a fonte da vida, do significado, do existir. Finalmente, essa certeza sobre mim
mesmo est ligada viso interior, no corao, desse fundamento de todas as coisas. Se eu
sou um incrdulo, vejo um dolo como esse fundamento, e assim minha confiana sobre a
fonte da minha vida se dirige a esse dolo. Se eu recebi em meu corao a revelao de
Deus em Jesus Cristo, tenho a certeza de que o Deus de Jesus o fundamento de todas as
coisas, e tenho a certeza de que ele o fundamento da minha vida.
Como todas as outras, a esfera da f no existe sozinha, em estado puro, mas
conectada s outras esferas. Assim, a confiana em Deus como salvador sempre vem
acompanhada de um substrato modal: na esfera tica, a adorao amorosa ao objeto da f;
na esfera jurdica, o reconhecimento da culpa e a aceitao da justia de Deus; na esfera
esttica, a harmonizao e equilbrio da existncia de f; na esfera econmica, o sacrifcio
ou comprometimento dos recursos, incluindo a prpria vida, pela f; na esfera semitica, a
linguagem religiosa; na esfera social, a identificao e integrao com Deus e com outros
crentes numa experincia comunitria, bem como o eventual rompimento de outras relaes
sociais; na esfera histrica-formativa, a expresso da f numa determinada situao
cultural; na esfera lgica, a aceitao de um sistema proposicional de crenas que descreve
o contedo da crena; na esfera psquica, o sentimento religioso, como a alegria da f, a
sede de justia e o dio ao pecado. Esses elementos presentes na f so denominados
analogias modais da f. O reconhecimento da complexidade da f importante para nos
guardar de concepes demasiadamente estreitas da natureza da f. No se pode por
exemplo identificar a f com o momento psquico do sentimento da certeza ou segurana,
ou com o momento analtico da crena intelectual. A f um estado da pessoa que se
manifesta em todas as esferas do ser de forma coerente.
Toda a realidade, como vimos, apresenta um lado normativo e um lado de entidade.
Podemos pensar que em cada esfera h o sujeito e o objeto no lado de entidade, e a norma
no lado normativo. Por exemplo; na esfera psquica ou sensria, o sujeito aquele que
sente alguma coisa. O objeto o foco do sentimento, que pode ser qualquer coisa: uma
experincia, uma idia, um ser vivo, etc. Finalmente, temos as leis que governam a vida
psquica. Na esfera fiduciria temos o mesmo esquema: O sujeito da f o que exercita a
f, o que cr. Temos tambm o objeto da f, que pode ser qualquer coisa. Se a f se dirige a
um ser criado, uma f idlatra. Mas se a f dirigida a Deus, ela tem uma orientao
verdadeiramente transcendental, apontando em direo origem de todas as coisas.
bvio, no entanto, que Deus no um objeto no sentido comum, pois no est sujeito s
leis modais que governam a criao. A f se dirige a Deus por meio da Palavra escrita de
Deus, que a revelao de Deus dentro do horizonte da experincia humana, sujeita s leis
modais. O paradigma dessa revelao o prprio Jesus Cristo: Deus, sim, mas encarnado
no homem e assim sujeito s leis que governam o homem enquanto criatura.
O que seria, ento, a norma da esfera da f? Que leis governam a f? Vamos nos
voltar para o ncleo de sentido da f. Em si mesma, ela no uma coisa, ou uma
substncia que exista por si mesma. Ela uma funo do sujeito sob uma lei modal.
!106
Podemos nos lembrar aqui da vida biolgica, por exemplo. A vida no uma espcie de
fluido, mas um modo de funcionamento de alguns seres. Assim, a f um modo de ser do
sujeito. O sentido nuclear da f pode ser descrito como a confiana ou certeza quanto ao
fundamento ltimo da existncia.
Como se pode ver nessa definio, a f um movimento do sujeito para fora de si
mesmo, em direo sua origem. Esse direcionamento ou rendio origem pode ser
considerado a norma do aspecto pstico. Em outras palavras, podemos dizer que na f o
sujeito se dirige sua origem e se identifica com ela numa relao de confiana absoluta e
incondicional.
Um resultado interessante dessa soluo que a norma da f implica num outro tipo
de norma que no est implicada nas outras esferas modais. que a norma da f uma
rendio e uma identificao com a origem que implica numa dependncia total da origem;
na f o sujeito se rende a uma realidade transcendental.142 Ora, confiana do sujeito em
direo origem depende da Revelao da origem. Assim, a revelao da origem torna-se
necessariamente a norma que governa a f do sujeito.143 Se a f colocada sobre um dolo,
como o mercado, por exemplo, toda a existncia passa a ser governada pela esfera
econmica, e as outras esferas da vida so foradas a se submeter s leis do mercado,
distorcendo toda a existncia. Mas se a f dirigida Deus, temos uma situao muito
diferente. No h uma lei modal que governe a Deus; ele no est em uma esfera modal.
Embora a Revelao de Deus tenha se dado dentro do horizonte da experincia humana, ela
transcende esse horizonte. Assim, a norma da f em Deus se torna a prpria Palavra de
Deus. Nenhuma outra lei modal pode governar a f; a nica lei da f a sua prpria
sujeio norma transcendente da Palavra de Deus.
Por isso mesmo Dooyeweerd destaca a dificuldade de se definir o ncleo de sentido da f. A orientao
transcendental da f implica em que seu sentido no pode ser desconectado do prprio objeto transcendente
da f, que em si mesmo est alm da compreenso.
!
143
Se a pstis, como a funo transcendental terminal do cosmos, tem uma esfera modal prpria, ela deve
ter um lado normativo e um lado subjetivo (ou de entidade). E o lado normativo pode apenas ser a norma
prescrevendo a sujeio da nossa crena Revelao Divina, como a garantia ltima de certeza ... Essa
revelao da Palavra dentro do aspecto da f garante a norma e contm o principium da f Crist.
DOOYEWEERD, ibid, p. 305.
!107
expresso da sua f em Deus. Da um autor ter proposto que a teologia deveria se chamar
pistologia, ou pisteologia, isto , o estudo da pstis, da crena religiosa.144 Essa
percepo nos ajuda a compreender a natureza e o lugar da teologia no espectro das
cincias.
O campo ou modo da realidade que a teologia contempla a crena religiosa,
especificamente. A f religiosa existe como parte da realidade, conectada a todas as outras
esferas. Como introduo ao que poderamos chamar de cincias da f precisaramos
examinar a funo fiduciria de uma forma completa. Isso exigiria uma espcie de
fenomenologia da f na qual cada momento analgico da f descrito de forma precisa.
Isso abriria a porta para diferentes campos de estudos. Algumas cincias se desenvolveram
em torno de momentos analgicos especficos da f. Por exemplo: a Histria Eclesistica
trata especificamente das expresses histricas da f crist; a sociologia da religio, da
dinmica social que rege as igrejas e sua interao com a sociedade;145 alguns estudiosos da
religio a estudaram do ponto de vista da percepo religiosa, como RUDOLF OTTO em O
Sagrado; e recentemente filsofos analticos como WILLIAM ALSTON e ALVIN PLANTINGA
tem examinado a crena religiosa do ponto de vista de sua formao e justificao racional.
Uma srie de cincias da f pode ser constituda em torno desses momentos analgicos.
Na teologia dogmtica o foco do estudo o momento analtico da f; buscamos
refletir cientificamente sobre o contedo credal da f religiosa, que a doutrina, ou o
dogma. Buscamos compreender sua natureza bsica e sua relao com os outros aspectos
da realidade. Isso funda um espectro das cincias propriamente teolgicas:146 na teologia
bblica, que serve sistemtica, buscamos compreender o fundamento bblico da crena; na
teologia histrica, procuramos compreender o progresso histrico da crena; na teologia da
cultura, buscamos refletir sobre a relao entre a crena e a cultura; na teologia filosfica
examina-se o processo de formao, a coerncia, a justificao, e a insero da crena no
sistema geral de crenas.
Em todo o processo de reflexo teolgica, a sujeio da crena Palavra de Deus
a norma. claro que a nossa compreenso a respeito da Palavra de Deus ter grande
influncia sobre todo o processo de reflexo teolgica, no s no nvel mais terico, mas
tambm na teologia prtica: Como observou GERALD HAWKES: A forma como
compreendemos a auto-revelao de Deus a ns afetar o papel que damos teologia em
nosso ministrio, e no estudo do ministrio, que o campo da teologia prtica.147
!
144
John C. Vander Stelt, citado por SPYKMAN, p. 104. Stelt argumenta que a teologia uma cincia por seu
prprio mrito, ao examinar uma dimenso concreta da vida humana, que a f religiosa. Realidades como
Deus e a revelao no so restritas teologia, mas afetam toda a existncia.
!
145
HAWKES, Gerald, The Role of Theology in Practical Theology. Journal of Theology for Southern Africa,
vol 49/01, p. 38, 39.
!108
Fica claro ento que a teologia cientfica algo bastante diferente da cincia da
religio no atual establishment acadmico. Nessa ltima busca-se compreender o fenmeno
religioso de forma cientfica, em suas diversas expresses, mas geralmente no se toma a f
como ponto de partida e realidade fundante da pesquisa. A teologia cientfica, mesmo ao
praticar a crtica doutrinal, ainda pressupe a f e aceita a doutrina como expresso vlida,
ainda que imperfeita, dessa f. Ela surge justamente como movimento da f para dentro de
si mesma, com o auxlio da lgica, na busca de uma compreenso cientfica de sua natureza
e de seus prprios fundamentos. a f buscando a compreenso da prpria f. Num certo
sentido, a cincia da religio tambm examina a f; mas no a sua prpria; trata-se de uma
tentativa de compreender cientficamente o fenmeno religioso num sentido geral, sem
assumir a crena estudada como ponto de partida, e geralmente pressupondo a neutralidade
religiosa do pensamento terico. Isso no significa que o cientista da religio no tenha
religio e f; na verdade, o cientista da religio tambm tem uma orientao religiosa
fundamental em direo a um Arch, e seu instrumental cientfico pressupe uma
determinada forma de crer que pode ela mesma se tornar objeto teolgico, isto , de um
exame interno em busca de autocompreenso, e pouco importa se tal forma de crer envolve
ou no um tesmo as crenas mais fundamentais de um ser humano esto sempre alm da
justificao terica expressando a orientao fundamental de sua vida; e isso o que h de
mais essencial na religio.
Desse modo, na teologia todo cientista da religio um dogmtico, queira ou no;
pois suas crenas mais fundamentais, que constituem suas razes mais fundamentais, tem
suas fontes alm da razo cientfica na existncia concreta, no ser, e o prprio cientista
poder dobrar-se sobre essas crenas, para explicitar seu sentido. Mas algumas vezes,
devido aceitao acrtica do dogma da autonomia religiosa do pensamento terico, os
cientistas da religio no tem conscincia de sua espiritualidade intrnseca e no tem
conscincia do aspecto fiducirio ou pstico de sua vida. Por isso mesmo, as cincias da
religio tem sido principalmente uma tentativa acrtica do humanismo racionalista ocidental
de compreender as outras fs religiosas a partir de sua prpria f antropocntrica, como se
essa no fosse tambm uma expresso religiosa.148
9.
Abertura Modal
Empregamos o termo religio aqui no sentido reformacional como a vida humana em sua expresso
total a partir de um Arch.
!109
Por outro lado, pode haver um fechamento desse sentido. Assim os momentos
antecipatrios podem estar num estado esttico e restritivo, ou num estado dinmico e
expansivo. Por exemplo: um animal s pode sentir dor de uma forma limitada s suas
funes subjetivas. Mas um homem pode sentir dor e associar a ela um sentido social,
econmico, ou jurdico, sentindo a dor como uma injustia, e pode inclusive procurar ver a
dor dentro de sua f. Assim, o homem no tem simplesmente dor como um fenmeno
psquico. Isso significa que sua funo psquica est operando de uma forma expansiva.
Uma modalidade aberta ou expandida quando um momento antecipatrio de uma
esfera inferior aponta para uma funo que se torna a funo guia ou diretiva. Em
sociedades mais primitivas e socialmente indiferenciadas, como algumas sociedades tribais,
algumas esferas podem estar totalmente fechadas do ponto de vista modal, ignorando, por
exemplo, a norma da justia e no tendo em sua estrutura uma adequada tentativa de
positivizao da norma jurdica.
A base para a abertura modal numa sociedade a modalidade histrica. Somente
quando as normas histricas so positivizadas de tal modo que surjam movimentos
criativos dentro da cultura que se torna possvel a diferenciao modal e a individuao
entitria. A esfera que guia o processo de abertura modal, fornecendo a orientao
transcendental do processo e definindo a inter-relao de modalidades e entidades a esfera
da f, que fornece uma viso de totalidade e um ideal de cultura. A f bblica produziu um
processo de abertura modal que possibilitou o nascimento da cultura ocidental moderna.
Mas uma f apstata pode bloquear o processo de abertura e at mesmo faze-lo regredir.
!110
VII.
Tanto a teoria das esferas modais como a teoria das entidades temporais investigam
a realidade temporal como criao de Deus, a partir de suas leis. Mas no primeiro caso, a
abordagem por segmentos, transversal. J no segundo caso, procuramos examinar as
coisas como totalidades, estudando sua coerncia funcional. Na teoria das entidades
temporais nos concentramos no fato de que Deus criou individualidades, ou estruturas
individuais: uma pedra, um vegetal, um fenmeno fsico ou cultural. Cada uma dessas
estruturas possui uma unidade tpica, prpria, que as distingue de outras coisas. No so
meramente fenmenos da conscincia, como em Kant, mas objetos reais.
As estruturas de individualidade pertencem ao que chamado de horizonte plstico
da experincia. Nesse horizonte conhecemos a diversidade e a unidade de um modo
diferente da anlise modal: temos diversidades tpica, e totalidades estruturais. Podemos
distinguir ainda a anlise modal e a anlise entitria descrevendo-as como vises funcionais
e individuais da realidade.
1.O Conceito de Substncia
!111
149
!
!112
Anlise Modal
!113
!
150
claro, entretanto, que uma pedra preciosa ou uma ave rara, por exemplo, podem ser examinadas do
ponto de vista esttico, ou econmico; nesse caso elas tem essas funes de forma passiva. A mais alta funo
ativa que qualifica essas entidades ontologicamente. Assim, a pedra fisicamente qualificada, e a ave
bioticamente qualificada.
!114
envolve pelo menos trs elementos: em primeiro lugar, h a mais alta funo ativa da rocha
a partir da qual a escultura feita, que a funo fsica. Em segundo lugar, h o processo
de controle humano formativo, produzindo um objeto cultural. Finalmente, h o plano do
artista que conduziu o processo com interesse esttico. Assim, para artefatos humanos,
podemos dizer que sua mais alta funo ativa (o fsico) a funo base primria, a funo
do processo formativo a funo base secundria, e o aspecto cujas leis governaram o
processo de sua formao151 sua funo guia.
Este modelo foi aplicado por Dooyeweerd para analisar as instituies sociais. A
funo base primria dessas instituies obviamente a funo social. Os tipos de
instituies sociais variam ainda na funo base secundria, isto , conforme o processo
formativo que lhes d origem. Assim, a famlia surge como um produto biolgico, e o
estado como um produto histrico. Finalmente, a funo guia seria a ltima na qual a
instituio opera ativamente, indicando o propsito principal daquela instituio. No caso
da igreja, temos uma instituio cuja funo base primria social, a funo base
secundria histrica, e a funo guia fiduciria.
Individualidade Prpria
Uma entidade real , no entanto, mais que a soma de suas funes modais. A anlise
funcional no nos fornece uma explicao adequada da unidade de uma coisa, que a
filosofia precisa esclarecer. Precisamos assim de mais recursos para descrever uma
entidade.
Para avanar na descrio, precisamos perceber antes de tudo que a funo
qualificante de uma entidade como uma rvore, por exemplo, ao mesmo tempo a funo
guia de seu processo de desenvolvimento interno.152 O processo interno de
desenvolvimento a coerncia e cooperao interna que existe dentro da rvore e que
direciona suas funes subjetivas nas quatro primeiras esferas modais. Assim a funo
bitica guia a combinao das outras esferas de tal modo que sua evoluo espacial,
cintica e fsico-qumica serve funo bitica. E desde que esse direcionamento coloca as
esferas inferiores na direo da finalidade bitica, podemos dizer que A funo bitica
guia o processo de desenvolvimento, resultando em que os momentos antecipatrios do
aspecto biolgico nas esferas anteriores trabalham de certo modo e direo.153 Esse
processo d entidade uma coerncia estrutural. A funo qualificante que denominamos
end-function ou funo terminal, a ltima funo subjetiva da entidade, distingue essa
entidade de todas as outras coisas que tem uma funo terminal diferente.
!
151
CLOUSER, Roy, The Myth of Religious Neutrality: An Essay on the Role of Religious Belief in Theories.
Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1994, p. 222.
!
152
SPIER, J.M., An Introduction to Christian Philosophy. Philadelphia: Presbiterian & Reformed, 1954, p.
169.
153
!
!115
A unidade de uma coisa no pode ser encontrada em seu carter modal, pois a
anlise modal nos d uma descrio diesttica das entidades temporais. o tempo csmico
que garante a coerncia intermodal entre as funes diversas da realidade temporal. Assim
o princpio estrutural de uma entidade advm do tempo csmico, que funciona como um
princpio tpico de totalidade. A unidade de uma coisa no modal em carter, mas deve
ser encontrada na continuidade do tempo csmico.154 O tempo csmico, como princpio de
ordem e durao que constitui a forma estruturada de qualquer entidade, que combina
as esferas da realidade numa totalidade. O tempo csmico que garante que uma rvore
permanece a mesma entidade mesmo quando transplantada. Uma implicao do fato de
que o tempo csmico confere identidade a entidades individuais, que ns no podemos
sintetizar conceptualmente essa unidade entitria sisttica que foi rompida no pensamento
terico:
O pensamento terico no pode penetrar a estrutura das coisas temporais. Essa limitao
da cincia revela o fato de que ela no auto-suficiente. A cincia deve apelar experincia
ingnua para captar a unidade de uma coisa que est na diversidade modal. A experincia
ingnua o fundamento da cincia e a cincia no pode e no deve desconsider-la
impunemente. Mesmo a filosofia jamais poder substituir a experincia ingnua.155
3.Tipos Estruturais
154
!
Ibid, p. 170.
155
!
Ibid, p. 171.
!116
Outro tipo de estrutura so aquelas entidades qualificadas por uma funo objetiva
normativa. Um exemplo disso a obra de arte. As obras de arte, objetos radicalmente e
tipicamente qualificados pela esfera esttica, compe um reino. Este reino pode ser
subdividido em grupos: arquitetura, msica, literatura, pintura, escultura, etc. Cada um
!117
desses grupos pode ser dividido em tipos variveis. Assim, para as esculturas, podemos
distingui-las pelo material: mrmore, plstico, pedra sabo. A ltima funo subjetiva da
esttua fsica, mas o material natural sofreu transformao pela ao formativa do
homem, adquirindo funes objetivas histricas, sociais, etc. e, finalmente, uma funo
objetiva normativa na esfera esttica. Assim, como obra de arte, a escultura qualificada
esteticamente. O mesmo ocorre com todo tipo de produto cultural humano, seja material ou
no: ele sempre recebe pela ao humana uma nova estrutura cuja funo guia uma
funo objetiva escolhida pelo homem.
No caso da obra de arte, precisamos destacar ainda que, como entidade, uma
representao do objeto intencional esttico que criado pelo artista em sua fantasia
criativa. A imagem objetiva esttica do artista produzida internamente, e projetada sobre o
material, de tal modo que se torna objetificada. Por isso, em certo sentido, a obra de arte
uma extenso do esprito do artista. E justamente por essa razo a funo guia da obra de
arte deixa de ser sua funo terminal subjetiva e se torna uma funo objetiva; que
durante o seu processo de formao, o material esteve unido ao artista e sob sua funo
subjetiva esttica.
VIII.
!118
exemplo, no pode existir sem a terra, a gua, os ventos, o sol, outros seres vivos como as
bactrias, etc.
156
!
!119
158
!
Ibid, p. 240.
Segundo Kalsbeek, Dooyeweerd teria aproveitado o termo cunhado pelo bilogo suo M. Heidenhain;
mas a noo da diferena entre relao parte-todo e relao encptica no se encontrava ainda em Heidenhain,
sendo uma proposta original de Dooyeweerd. Cf. ibid, p. 271, 272.
!120
encapticamente apoiada sobre a base das estruturas fsicas; o vivo e o no vivo se unem de
tal modo que as microestruturas fsico-quimicamente qualificadas formam o fundamento
do entrelaamento encptico com as partes vivas da clula.159 Por outro lado, a relao
entre uma nica clula e outras clulas num organismo pluricelular no uma relao
encptica, mas uma relao parte-todo, pois as clulas no tem diferentes qualificaes
modais.
Outro tipo de encapse a (2) encapse simbitica, na qual observamos a
combinao de entidades de diversos subtipos diferentes, envolvendo plantas e animais. o
caso por exemplo das bactrias que habitam nosso intestino alimentando-se e protegendo-se
dentro desse ambiente e tornando possvel em troca a digesto de certos alimentos. (3) A
encapse sujeito-objeto ocorre entre certos animais e suas formaes objetivas. o caso,
por exemplo, do pssaro e o seu ninho. A ave sensoriamente qualificada, e o ninho
fisicamente qualificado; mas em sua constituio o ninho recebeu uma funo objetiva
normativa na esfera sensria, e se tornou um objeto sensrio necessrio ave. Nesse caso, a
ave e o ninho se tornam um sistema encptico. Isso vale tambm para abelhas e a colmia,
aranhas e teias, por exemplo.
Um quinto tipo de encapse a (5) encapse correlativa. Animais, vegetais e suas
relaes encpticas no podem sustentar a vida sem um ambiente adequado. O ambiente
fornece condies necessrias vida, como o alimento, o ar, a gua, a temperatura,
luminosidade, etc. Assim a vida animal e vegetal entrelaada com o ambiente, ou habitat.
E desde que o prprio habitat se mantm graas atividade animal e vegetal, havendo uma
verdadeira interdependncia, podemos dizer que essa relao de encapse correlativa. Esse
tipo de encapse se diferencia da encapse sujeito-objeto pelo fato de, nesse caso, sujeito e
objeto terem sua prpria estrutura de individualidade, e no caso da encapse correlativa, o
habitat no ser uma entidade distinta com sua prpria estrutura.
Encapse Territorial
!121
que haja contato imediato. Por exemplo, o fato de nossos impostos serem utilizados para
financiar a educao pblica resulta de nossa presena dentro de um territrio nacional e
sob uma autoridade que estabelece a relao.
A encapse territorial direta a que envolve o contato imediato. Um exemplo a
relao entre o estado e as estruturas que se desenvolvem dentro do seu territrio. Essa
relao freqentemente confundida com uma relao parte-todo. Com essa concepo,
muitos pensadores sociais interpretaram o estado como a soma das instituies sociais
dentro de seu mbito de ao, de tal modo que s instituies inferiores, ou subordinadas
foi negada a independncia e soberania. Esse tipo de reducionismo entitrio chamado de
estatismo; ele suprime a soberania das outras esferas sociais ao trata-las como partes de si,
como subsistemas polticos. Bem ao contrrio, o estado uma estrutura social que traz em
si diversas estruturas sociais interdependentes mas soberanas. Nessa concepo, no se
pode buscar a razo da existncia de uma estrutura social no estado, como se ela devesse se
desenvolver de modo subordinado ao estado tendo como finalidade o bem do estado, pois
cada instituio tem sua prpria lei interna e finalidade, no precisando ser legitimada ou
estabelecida pelo estado. Assim, a relao entre o estado, em um territrio, e as outras
estruturas sociais dentro desse territrio uma relao encptica.
Totalidades Encpticas
160
!
!122
fsico-qumicas e das estruturas biticas da clula. Mas alm disso, a clula pode ser uma
totalidade encptica, exatamente como no caso da molcula de gua. No correto tratar a
clula como uma mera soma aritmtica de todas as suas estruturas biticas e materiais; a
combinao dessas estruturas nos d uma realidade superior e unificada que a clula.
Usando uma analogia: um edifcio, enquanto todo arqutetnico, no pode ser considerado
meramente uma pilha de concreto, pedras, etc. Teramos assim, num ser vivo, uma encapse
tripla, na qual o desenvolvimento das estruturas materiais e biticas do organismo guiada
por um princpio interno inerente, biticamente qualificado mas distinto das leis da esfera
bitica, um princpio interno de individuao e de desenvolvimento; uma espcie de
desenho. Na totalidade encptica, esse princpio interno, que tambm modalmente
qualificado, governa o padro de desenvolvimento das estruturas individuais e subencpticas, como uma indionomia ou princpio idionmico.
!123
IX.
TEORIA DO CONHECIMENTO
A filosofia imanentista sofreu duas grandes viradas nos ltimos duzentos anos. A
primeira foi a revoluo copernicana de Kant, que colocou o sujeito no centro da filosofia
rejeitando a possibilidade de uma metafsica fundamental, e assim lanou a epistemologia
para o centro da atividade filosfica. A outra revoluo foi a guinada hermenutica ligada
ao pensamento de HEIDEGGER e H. G. GADAMER. Enfatizando a finitude e a natureza
interpretada de toda a experincia humana, a filosofia hermenutica mantm a centralidade
do sujeito, mas substitui a epistemologia pela linguagem, e renuncia tentativa de
encontrar um ponto arquimediano verdadeiro para o conhecimento.
A filosofia cosmonmica reconhece a importncia dos insights desses e de outros
pensadores modernos e ps-modernos, mas no pode aceitar a noo de centralidade do
sujeito, tpica do pensamento moderno, e o perspectivalismo radical de boa parte da teoria
hermenutica porque essas vises nascem de concepes cosmolgicas defeituosas. A mera
focalizao do sujeito no livra ningum das pressuposies cosmolgicas, como vimos ao
examinar o pensamento de Kant.
Por outro lado, isso no nos exime de refletir a respeito do conhecimento e da
interpretao, como atividades essenciais ao ser humano. Devemos portanto perguntar
sobre as implicaes da ontologia crist para nossa teoria do conhecimento, ou
epistemologia.
1.O que Conhecimento?
!124
!
161
Essa seo reproduz com modificaes uma parte do meu artigo Scriptura Scripturae Interpres: Uma
defesa do Princpio Hermenutico Reformado, publicado na revista Teologia Prtica 2/2003, p. 44-47.
!125
PLANTINGA, Alvin, WOLTERSTORFF, Nicholas, Faith and Rationality: Reason and Belief in God.
Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1983, p. 48.
!
163
Ibid, p. 59.
!
164
165
!
Para uma exposio mais detalhada a respeito do colapso do fundacionalismo clssico Cf. GOMES, Davi
Charles, A Suposta Morte da Epistemologia e o Colapso do Fundacionalismo Clssico. Fides Reformata, V:2
(jul-dez 2000), p. 115-142.
!126
uma crtica do conhecimento, como quis Kant e seus discpulos, para ser uma crtica das
narrativas e de seu sentido poltico. Assim, a epistemologia est morta ou pelo menos, era
o que se pensava.
Ironicamente, ao lado das filosofias da interpretao que anunciam com prazer o fim
da teoria da representao, a epistemologia tem experimentado um reavivamento em muitos
lugares, incluindo a terra de Rorty. O que os novos epistemlogos tm afirmado que o que
entrou em colapso no sculo XX no foi a epistemologia, mas um tipo especfico de
epistemologia, uma teoria do conhecimento antiga e dominante, ligada ao ideal humanista
de racionalidade, que marginalizou por sculos outras teorias: o fundacionalismo clssico.
Como brinca DAVI GOMES, foi um erro de identificao de cadver!166
notvel que, muito antes da crise da razo moderna, Calvino e os reformadores
em geral tenham sustentado que a crena em Deus no deve depender de provas ou de
justificao filosfica, contrariando o fundacionalismo de TOMS DE AQUINO, dominante
no pensamento catlico.167 Depois deles, uma ala importante da tradio reformada sempre
afirmou, contra o fundacionalismo Catlico-Tomista, contra a apologtica evanglica
evidencialista, e contra o fundacionalismo protestante liberal, que o conhecimento de Deus
e a autoridade das Escrituras eram crenas justificadas e racionais, dispensando a
necessidade de prova filosfica ou evidencial.168
O colapso do fundacionalismo clssico deu impulso dentro da tradio reformada ao
desenvolvimento de novas propostas epistemolgicas que incluem a f em Deus como um
apriori, um pressuposto, ou uma crena bsica. Uma delas a epistemologia reformada
de A LVIN P LANTINGA , N ICHOLAS W OLTERSTORFF , ex-presidentes da American
Philosophical Association, e WILLIAM ALSTON. A epistemologia reformada um tipo de
fundacionalismo fraco, no qual o critrio de crenas bsicas no formulado de um
modo dedutivo, de cima para baixo, a partir do dogma da autonomia da razo, mas de
uma forma indutiva, a partir de um exame das condies gerais da formao das crenas.
Na epistemologia reformada, as crenas bsicas devem ter bases (grounds), e as crenas
no-bsicas devem ter evidncias. Evidncias so outras crenas j aceitas. E as bases? So
condies que explicam o surgimento das crenas bsicas. Por exemplo: a crena de que
existem outras mentes. Olho para minha esposa e creio que ela tem uma mente racional
consciente. No tenho evidncias irrefutveis disso; no posso perceber diretamente a sua
mente. Mas minha mente, de um modo muito natural, formula essa crena com base em
166
!
Ibid., p. 115-117.
167
!
A tradio reformada sofreu de fato em diversas ocasies a acusao de fidesmo. Isso apenas revela que a
teologia reformada no estruturalmente dependente da modernidade, representando uma estrutura de
compreenso da realidade estranha mente moderna.
168
!
Assim,
por exemplo, o neocalvinismo holands. Esse movimento se notabilizou por iniciar um rompimento
consciente com concepo moderna de racionalidade sem meramente retornar pr-modernidade, comeando
por Abraham Kuyper e seguindo com Herman Dooyeweerd, Cornelius Van Til, e mais recentemente, com os
articuladores da epistemologia reformada.
!127
!
169
!
170
A idia de que a justificao das crenas bsicas no interna estrutura notica, dependendo da
conscincia do indivduo e, assim, de sua razo autnoma, mas externa, existindo mesmo que ele no tenha
absolutamente nenhuma conscincia dessa justificao. Essa posio denominada externalismo
epistemolgico, e teve grande popularidade na histria do pensamento at modernidade, quando o
fundacionalismo clssico, que um tipo de internalismo epistemolgico, tornou-se a opo dominante.
171
!
Isso no significa que seja impossvel construir argumentos para defender a existncia de Deus, mas
apenas que tais argumentos no so necessrios para fundamentar a crena em Deus.
172
!
A objeo de que tal critrio de basicalidade arbitrrio no procede, pois (1) essa objeo meramente
pressupe a possibilidade de criar um critrio de basicalidade derivado da razo de forma dedutiva, o que
provavelmente impossvel, e (2) o critrio exposto claramente exclui crenas que no tm relao
demonstrvel com condies reais da vida humana. Cf. Hoitenga, op.cit., p. 184, 185.
!128
sangue, e os olhos para ver, sob condies normais, assim tambm a mente foi desenhada
para produzir crenas bsicas verdadeiras sob certas condies, e essas crenas so
recebidas pelo indivduo sem a necessidade de julgamento intencional, ou seja, de
argumentos e provas. Essa teoria do conhecimento pressupe a idia bblica de criao.
Tipos de Conhecimento
174
!
Ou melhor, seguindo a sugesto de Plantinga, talvez possamos dizer que esses conhecimentos so
justificados como crenas bsicas. Hart, Hendrik, Dooyeweerds Gegenstand Theory of Theory, p. 153,
154.
!129
2.
!130
3.O Processo de Formao de Crenas Bsicas
!
176
Podemos dizer que no pensamento ordinrio e cientfico a direo exterior. Hendrik Hart observa que a
teoria de Dooyeweerd uma verso da teoria clssica de substncias particulares e propriedades ou
atributos. s substncias correspondem as entidades, e s propriedades, as modalidades do sentido. Hart,
Gegenstand, p. 148.
177
!
!131
por sua intuio moral sobre crenas no-bsicas, ou (b) poder rejeitar as crenas
induzidas pela intuio moral. Em qualquer caso, isso afetar a estrutura de crenas bsicas
do seu edifcio epistmico.
H portanto trs falhas (segundo percebemos at aqui) possveis no processo de
epistemizao: (1) falha por uma distoro na intuio emprica, como uma cegueira; (2)
falha por uma idia cosmonmica distorcida, que afetar a atitude do indivduo para com
certa intuio e assim a constituio da crena bsica; (3) falha no julgamento racional, que
afetar a forma como outras crenas no-bsicas so epistemizadas. O julgamento racional
tanto pode falhar por uma influncia deletria da falha (2) como por uma desobedincia s
leis do juzo, isto , as leis da esfera lgica.
!132
X.
1.
TEORIA DA AO
A Anlise Modal dos Atos Humanos
178
!
Ibid, p. 256.
!
179
!133
2.A Anlise Modal dos Atos Fiducirios
Ibid.
!134
Atos
Funo Base
Primria
Funo Base
Auxiliar (possvel)
Funo Guia
Converso Emocionada
Fiduciria
Psquica
Fiduciria
Ao Social Eclesial
tica
Econmica
Fiduciria
Ecumenismo Evanglico
Social
tica
Fiduciria
Jurdica
tica, social
Fiduciria
Cntico de adorao
Esttica
Lingstica
Fiduciria
Econmica
tica
Fiduciria
Encontro de casais
Social
Social
Fiduciria
Pregao apologtica
Lingustica
Lgica
Fiduciria
Formativa
Social
Fiduciria
Plantao de igreja
Formativa
Social, Jurdica
Fiduciria
Catequese
Lgica
Lingstica
Fiduciria
Aconselhamento Bblico
Psquica
Lgica
Fiduciria
A partir da tabela podemos observar que diferentes atos humanos que tem como
propsito principal a expresso da f diferenciam-se em sua funo base. Por um lado, a
funo guia (a f) determina a forma e os limites em que aquele ato deve operar; as leis da
esfera fiduciria governam a realizao daqueles atos. Por outro lado, a funo base
tambm determina os limites que diferenciam entre diferentes tipos de atos. A oferta, por
exemplo, sendo apresentada como expresso de f, deve ser dada conforme as normas da
f. No pode haver, por exemplo, a incoerncia de se ofertar buscando reconhecimento, o
que seria uma contradio com a f. Mas alm disso, a oferta tem natureza econmica,
quando uma soma ou bem conferido. As leis da esfera econmica que definem o
significado econmico da oferta, no a f em si. Entretanto, se a soma tem origem ilegal ou
imoral, no ter tambm valor fiducirio.
3.Construindo Modelos de Ao
!135
Vamos usar como exemplo a Teologia Prtica. Como cincia teolgica aplicada, ela
dever se concentrar na construo de modelos de atos fiducirios que aumentem sua
eficincia. A anlise que fizemos acima nos ajudar a estabelecer um mtodo para a
construo desses modelos.
Toda ao humana, como entidade real, envolve a intencionalidade do sujeito, o
objeto da ao e as normas da escala modal, especialmente as normas que qualificam
aquela ao:
SUJEITO
NORMAS
OBJETO
Podemos dizer assim que uma ao bem planejada ocorre no cruzamento desses trs
elementos: a situao-objeto, a inteno do sujeito, e sujeio s leis modais.
!136
!
181
Sendo a f a esfera guia nos atos de f, a teologia dogmtica dever ter funo normativa na teologia
prtica. Isso a garantia principal contra a secularizao da teologia prtica. Curiosamente, Gerald Hawkes
nega essa prioridade da teologia na teologia prtica. Pergunta-se ento porque falar em teologia prtica, ou
no de outra coisa qualquer. Cf. HAWKES, op.cit., p. 48.
!
182
preciso destacar que as Escrituras so a norma da f no somente quanto sua essncia, mas tambm
quanto sua forma de expresso. Por exemplo; as Escrituras estabelecem a pregao como meio normativo de
comunicao do evangelho. Isso no significa que no possamos usar outros meios; mas que a reflexo sobre
a comunicao do evangelho deve em algum momento tratar a ao inteira a pregao do evangelho como
objeto de uma reflexo teolgica.
!137
O Princpio de Direo
Interdisciplinaridade e Prxis
Como deve ter ficado claro acima, a Teologia Prtica exige uma grande cooperao
com outras cincias. Essa conexo to importante que levou Hoch seguinte afirmao:
A Teologia Prtica adquire, portanto, o seu perfil prprio como disciplina teolgica na
medida em que se entende como o ponto de interseco entre a teologia e as cincias
!
183
WOLTERSTORFF, Nicholas, Until Justice and Peace Embrace. The Kuyper Lectures for 1981, delivered
at the Free University of Amsterdam. Grand Rapids: Eerdmans, 1983, p. 170.
184
!
HOCH, Lothar Carlos, Reflexes em Torno do Mtodo da Teologia Prtica, em: SCHNEIDERHARPPRECHT, op.cit., p. 66.
!138
empricas que lhe so afins.184 Ou seja, a Teologia Prtica at se define como disciplina a
partir da interseco. O mesmo ocorre com outras cincias aplicadas.
Na utilizao de outras cincias para criar seus modelos de ao de f, a Teologia
Prtica dever estar atenta ao problema j mencionado do comprometimento religioso de
todo pensamento terico. Por exemplo; se vamos refletir a respeito do governo da igreja de
um modo cientfico, precisamos recorrer ao direito e teoria poltica. Obviamente, no se
trata aqui de copiar estruturas de poder do estado para a igreja, mas de chegar a uma
compreenso cientfica a respeito da natureza da lei no sentido jurdico, e de compreender
analogicamente a dimenso poltica do governo eclesistico. A verdade que a influncia
das concepes seculares sobre a igreja ocorrem sem qualquer reflexo. Por exemplo:
comum encontrar entre os cristos a noo de que o governo da igreja deveria ser
democrtico. Mas ser que a democracia realmente um sistema coerente com a f crist?
Alm disso, esse sistema vale tambm para outras instituies como a famlia e a igreja?
Assim, a utilizao do instrumental de outras cincias para refletir a respeito da
prtica da f exige simultaneamente uma reflexo crtica sobre essas cincias, de um ponto
de vista cristo, buscando identificar seu ponto de partida apstata, e suas
incompatibilidades estruturais para com a f crist. Essa reflexo reformacional sobre as
cincias o pressuposto da interdisciplinaridade na Teologia Prtica.
Mas como exatamente se d essa comunicao entre a teologia e a cincia auxiliar?
Christian Schwarz criou um modelo interessante para correlacionar o uso de
mtodos cientficos e de recursos humanos na edificao da igreja com a ao divina. Para
ele a edificao da igreja no pode nem precisa ser tratada como uma realidade mecnica,
pois o prprio Deus coloca em suas obras uma lei de auto-organizao, que ele denomina
theopoiesis. Na verdade, o ponto principal que a edificao da igreja uma obra do
prprio Deus (cf. 1Co 3.5-9). Desse modo, A nossa tarefa no produzir crescimento da
igreja, mas liberar o potencial natural que Deus j colocou na igreja. Cabe a ns, portanto,
manter a resistncia do ambiente to baixa quanto possvel, ou seja, limitar os fatores de
influncia tanto internos quanto externos.185
Nosso problema , ento, como construir modelos de ao que promovam a f sem
substituir mecanicamente a ao divina pela obra humana. Aparentemente isso s pode ser
feito de forma negativa, isto , planejando as aes de tal modo que os obstculos
expresso da f sejam reduzidos ao mximo. Isso significa que as cincias auxiliares devem
ser utilizadas para otimizar nossas aes em suas funes secundrias, de tal modo que a
dimenso pstica dessas aes seja evidenciada da forma mais intensa possvel. Mas nesse
processo, a soberania das diferentes cincias mantida, no havendo qualquer confuso de
categorias. Ao propr um modelo de ao social, por exemplo, no podemos confundir a
promoo humana com a salvao do pecado e da morte; so realidades interrelacionadas
mas distintas.
185
!
SCHWARZ, Christian A., O Desenvolvimento Natural da Igreja. Curitiba: Editora Evanglica Esperana,
1996, p. 10.
!139
O Critrio da Funcionalidade
!
186
A reflexo de Chris Schwarz, por exemplo, a respeito da funcionalidade pneumtica, segundo sua
definio, acaba por absolutizar totalmente a funcionalidade como critrio para a prpria crena, numa
espcie de radicalizao do pragmatismo. Cf. SCHWARZ, Christian A., Mudana de Paradigma na Igreja.
Curitiba: Editora Evanglica Esperana, 2001, especialmente p. 64-73.
!
187
!140
APNDICE 1
EXCERTOS DE DOOYEWEERD
!
188
Ibid, p. 172.
189
!
!141
Herman Dooyeweerd: De Wijsbegeerte der Wetsidee
The Philosophy of the Law-Idea
(Amsterdam: H.J. Paris, 1935-36)
Translation [Excerpts] and Meditational Study Guide
by Dr. J. Glenn Friesen
!142
Temporal reality cannot itself be regarded as neutral with respect to its religious root. In other
words, the whole thought of a fixed temporal reality an sich [in itself and unrelated to our human
subjectivity] rests on a fundamental misconception. If temporal reality is not neutral, how can we
continue to seriously believe in the religious neutrality of theoretical thought?
The development and carrying out of the cosmological Ground-Principle of sphere sovereignty,
which plays such a fundamental role in the Law-Idea of this new philosophy, was totally dependent
on this newly won Christian-religious Ground-Attitude in philosophy. This Ground-Principle is
intrinsically foreign to immanence-philosophy, and was first formulated by Kuyper.
On this foundation rests the general theory of the law-spheres, developed in Volume II. The first
conception of this theory was obtained after the discovery of the inner structure of the temporal
meaning-modalities. I could already explain this in my inaugural address [The Significance of the
Cosmonomic Idea for Jurisprudence and Philosophy of Law (1926)].
Unforeseen difficulties arose in the working out of this theory. This was not only due to the fact that
nowhere was there a point of contact in the prevailing philosophy, but also because it could not
become fruitful without a close contact with the particular theory of the law-spheres, which
investigates the fundamental problems of the various special sciences in the light of the Christian
Law-Idea.
This is also the reason why in my earlier publications I connected the theory of the law-spheres to
the particular fundamental problems of my own special field of science, i.e. jurisprudence. I wanted
to first assure myself that this philosophical theory has a value in principle for the special sciences,
before I drew any provisional systematic conclusions. I admit at once that it was just this omission
of a systematic-philosophic development that made it difficult for observers to appreciate the true
reach and extent of these publications.
I have also had many difficulties in working out the theory of the individuality-structures of reality,
which is found in Volume III. In The Crisis in the Humanistic Theory of the State (1932), I had
already given account of the new view that this theory offers of the structure of nave experience,
and especially its groundbreaking significance for so-called sociology and jurisprudence. But this
theory, too lacks its own further working out in a systematic-philosophical way. Its significance is
not limited to special sciences, since it touches the fundamental structure of reality itself.
In all of this I had the strong feeling that it is impossible to give a truly fruitful working out of the
Philosophy of the Law-Idea for todays level of scientific thinking without a staff of colleagues who
are at home in special scientific disciplines. It is vital for this young philosophy for it to find
acceptance by Christian scientific workers, and for a circle of adherents to be formed that is able to
independently think through its Ground-Motives in relation to the special sciences, and to develop
them further.
I am very grateful that from the beginning my colleague Dr. Vollenhoven has been at my side.
Vollenhoven taught general philosophy at the Free University, and his name has become
indissolubly connected with mine. It was also for us a great joy to find an enthusiastic independent
colleague in Prof. Dr. H.G. Stoker, who in various publications has made known the Philosophy of
the Law-Idea, and whose very keen, constructive criticism has called attention to various points that
require a more precise working out.
Although I can not yet follow the full reach of Stokers own expansive ideas, and although I
initially have certain reservations against them, this does not prevent me from rejoicing over the fact
that he wants to offer the services of his philosophic talents, which he already showed in Schelers
circle, in the further independent extension of this new philosophy. I regard his assistance of great
value, especially in the field of psychology, his own specialty.
And finally there is the happy circumstance that among the younger scientists, a circle of adherents
is gradually, although modestly, beginning to form. Each of these scientists is trying to make this
new philosophy fruitful in his or her own specialty. This first circle of scientific workers has formed
!143
around the Philosophy of the Law-Idea. They are connected by the same Christian belief, and they
all similarly experience the electrifying effect that flows out from the Christian vital root to the
practice of science.
God grant that this modest circle may grow to become a large group and that many who should be
our adherents, but who still out of an inner opposition resist the idea of a Christian science, will
become convinced that it is not just a question of a system (subject to all the faults and mistakes
of human thought) but much rather the foundation and the root of scientific thought as such.
In conclusion let me make two further remarks. First a remark that I intend in good will towards my
main opponents. I am fully aware that a method of criticism that tries to follow a certain philosophic
train of thought to its deepest religious foundations is something that must stir up the most extreme
emotional reactions in an individual. I have repeatedly observed that an opponent feels personally
attacked by this, or that the impression is formed that a judgment is being made by me in an excathedra style by someone who wants to elevate himself above his opponents and continually exalts
himself.
No one can be unhappier about such misunderstandings than myself. A judgment about the personal
religious situation of an opponent would be human arrogance, an attempt to exalt oneself to the
judgment seat of God. I have continually emphasized in this work that the Philosophy of the LawIdea always remains within the objective framework of principles, even when it delivers sharp
penetrating criticism on immanence-philosophy.
A self-satisfied scientific attitude in relation to immanence-philosophy hardly goes together with a
Christian view of science and a Christian attitude towards knowledge. Whoever does not understand
that the extensive criticism of the humanistic immanence-philosophy, which is given in Part Two of
Volume I, is essentially intended as self-criticism, does not understand the intentions of the
Philosophy of the Law-Idea. It is like a legal case that the Christian thinker pleads with himself. I
would not be able to make such sharp judgments about immanence-philosophy were it not for the
fact that I have myself gone through it. I have personally experienced its problematics. And I would
not have made such a sharp judgment over the attempts to accommodate immanence-philosophy
and Christian beliefs had I not myself lived through the inner tension between both of them, and had
I not myself wrestled with such attempts of synthesis.
My second remark is of a more formal nature. I have frequently noticed that many of those who
study this new philosophy are scared off by its supposed obscurity and complicated nature. The new
terminology also scares of many of those who are interested. They want a popular form that speaks
to them immediately without much effort.
To this I can give only one answer: the Philosophy of the Law-Idea is in fact difficult and
complicated, just because it breaks with all traditional philosophic views. Whoever wants to really
make this philosophy his or her own must try to follow its turns of thought step by step and
penetrate behind the theoretical structure to the religious Ground-Attitude of this whole way of
philosophizing.
This philosophy will not open its meaning if people are not prepared to read it in a way that frees
themselves from traditional ontological and epistemological views, or if they only read isolated
parts of its system.
But no one can ignore this philosophy. Just as Christian thought cannot close itself off from
immanence philosophy in an attitude of negation, immanence philosophy cannot close itself off in
such an attitude with respect to the Philosophy of the Law-Idea.
It has always been a law of human knowledge, that truth is won only in the conflict of opinions.
May then the conflict regarding the Philosophy of the Law-Idea be fought only for the sake of truth
and thus in a chivalrous manner.
!144
I do not consider it a disadvantage if this philosophy is not granted a quick and easy success. No
one less than Kant explained in the Foreword to his Prolegomena zu einer jeden knftigen
Metaphysik:
I flatter myself that I could have given popularity to my discourses if all I had had
to do was to develop a plan and to then commend its completion to others, and if
the welfare of science, which has occupied me for so long had not been so dear to
my heart; for otherwise much perseverance and self-denial is required in order to
disregard the temptation of an early favourable reception for instead the prospect of
an admittedly later, but permanent approval.[1]
If Kant deemed his transcendental philosophy worthy of this self-denial, then it is also proper for
those who do not just merely want to set up a new system, but rather are concerned with the
Christian foundations of theoretical thought. A quickly obtained but purely personal and therefore
worthless success should not be preferred to what is requireda lengthy difficult work in silence,
carried out in the belief that thereby something permanent can be obtained in the realization of the
Christian idea of theory. For in fact, no precarious and changing valuation by our fellow humans
can count in the slightest as against the inner joy and happiness that is given by the practice of a
science that seeks its standpoint in Christ, who is the Way, the Truth and the Life!
!145
between Creator and creation, a boundary that cannot be overcome. And without falling into an
absolutizing of the law, Calvinisms central-religious view of the Sovereignty of God over all of
creation has been concisely carried out in its view of the law.
[WdW I, 58] Study Notes
Objections against the term law-idea and
why I maintain this term
Yet it is not to be denied that the choice of the term law-Idea as the Ground-Idea for philosophy
has the possibility of being misunderstood as being only an apriori conception of the meaning of
law. That was the opinion of Prof. Dr. H.G. Stoker in his noteworthy work The New Philosophy at
the Free University (1933) and The Philosophy of the Idea of Creation (1933). Stoker thought that
law-Idea was a narrower Ground-Idea than the Idea of creation (which he saw as all-embracing).
But I have my particular reasons for maintaining the term law-Idea. First, in pointing to the
preliminary questions of philosophic thought, the Ground-Idea of philosophy must be framed in
such a way that it in fact catches the eye as the necessary condition for each philosophic system. To
define this Ground-Idea in terms of the Christian-religious choice of position respecting our
cosmos, or in other words, to determine the content of the Ground-idea, is a later step.
A law-Idea does in fact lie at the foundation of each philosophic system. An Idea of creation on the
other hand would be rejected as the Ground-Idea of philosophy by each thinker that denies creation
or who otherwise supposes that the creation must not be brought into play in philosophic thought.
Second, the term law-Idea has the advantage that at the outset it gives expression to the limiting
character of the philosophic Ground-Idea, in its focus on the origin and the meaning of the law and
its relation to subjectivity.
For the law is ex origine the limit-ation of a subject.
Reflection on the law-Idea means reflection on the limits of philosophy, regardless of whether a
self-limitation of philosophic thought is intended or whether one acknowledges the God of
revelation as the origin of all limitation in accordance with law.
Seen in this way, the law-Idea, by its critical focus on the preliminary questions concerning
meaning (including origin, totality and particularity in the diversity) in the relation of law and
subject, is in fact the central criterion for the distinguishing in principle of the various standpoints
and currents in philosophy. The law-Idea gives a boundary between immanence philosophy in all its
variations, and the Christian standpoint of transcendence in philosophy. Here is the criterion to
distinguish the truly transcendental philosophy (which acknowledges its immanent limitations of
law), and speculative metaphysics ( which supposes that it can exceed these limits). Here is the
criterion to distinguish within immanence philosophy between rationalism (which absolutizes the
law at the cost of individual subjectivity) and irrationalist (that conversely tries to derive the law as
a non-self-sufficient function of the individual creative subjectivity.
Third, there is no dimension of philosophic thought in which the law-Idea does not make valid its
central apriori influence: By its focus on the universal-scientific task of philosophy, it keeps
philosophy from gliding off in the path of a special science stuck within particularized meaning,
even the particularized meaning of theological thought. It guards philosophy from falling back into
the mere pre-scientific thought of nave experience. Stoker may be correct that philosophy also has
the task to take into account the intrinsic unity of things that do not dissolve into their meaning sides
into law-side and subject-side. But as I have already argued, philosophy cannot fall back into the
attitude of nave experience which accepts things as given in their indivisible unity of creation
without an explicated distinguishing of their aspects.
There is also no [other] philosophic system that in fact does this. But metaphysics, which supposes
that within its philosophic limiting concepts that it is able to conceive of the supratemporal essence
of things, again and again tries to find a remaining substance behind things, just as they are
experienced as indivisible individuality unities within the nave attitude in temporal reality. By the
!146
test of the law-Idea, it appears that the metaphysical idea of substance rests on an absolutizing of
abstracted meaning, and that metaphysics does not do justice to the experience of unity of the
nave, pre-theoretical attitude.
For philosophic thought, the temporal unity of things is the given of nave experience, which must
become a philosophical task in the direction determined by the law-Idea. Only then do we see the
transcendental limit of philosophy as over against nave experience, and at the same time we see the
irreplaceable value of nave experience. The value of nave experience is that all scientific thought
in the last instance must again appeal to nave experience. Only then can we see, as shall later be
demonstrated in more detail, that theoretical, and philosophic thought finally has its proper ground
only in an unfolding of meaning, a deepening of meaning of the pre-theoretical, nave thought and
its enstasis [instelling] within full temporal reality. Any philosophy that cannot give an account of
nave experience, and thinks that it can shove it aside with a haughty gesture, pronounces judgment
against itself.
And finally I want to cut off the misunderstanding over the meaning of law-Idea by giving it more
precision. Although the word law-Idea appears to refer only to the basic relation between totality
of meaning, diversity of meaning and coherence of meaning in the law-side of reality, in fact it also
does so with respect to the subject-side of reality in all its individuality. For the law only has
meaning in its unbreakable correlation to the subject. The law-Idea implies the subject-Idea, which
refers to the Ground-relation between totality of meaning, diversity of meaning, and coherence of
meaning of the subject-side.
There is no objection to choosing another term for the Ground-Idea of philosophy which would
include the law-and subject-sides of reality. The terms meaning-Idea, cosmos-Idea, or worldIdea might perhaps deserve attention here. But on the other hand, these terms miss the critical
sharpness that forces the thinker in philosophic thought to self-reflection about his enstasis
[instelling] in relation to the totality of meaning and the diversity of meaning of our world
according to its law-and subject-sides. And these other words also miss the incisive focus on the
limits of philosophic thought.
For all these reasons, I give the preference to my first term, which also has the advantage that it has
gradually become in common use in referring to this philosophy.
But there remains the question posed by Stoker (who has in other respects and to my joy accepted
the philosophy of the law-Idea) whether reality is not more than meaning.
[WdW I, 62]
Misunderstanding of the philosophy of
the Law-Idea as meaning idealism.
Here there is the threat of misunderstanding the the Philosophy of the law-Idea, insofar as it is
focused wholly on the problem of meaning, has not drifted into the waters of a meaning-ism, an
idealism (Stoker). I am not yet able to cut off this serious misunderstanding by the roots. It is first
necessary to confront our understanding of meaning with that of immanence philosophy.
[WdW I, 62b] Study Notes
Meaning is the mode of creaturely being under the law
At the outset, our inquiries should make clear the finite character of meaning as the mode of being
reality under the law in which reality finds no rest in itself. Meaning idealism, as we have been able
to note it in Husserl and Rickert, starts from a distinction between meaning that is ascribed to
reality and a reality that is in itself meaningless. On this view, meaning is only ascribed subjectively
to reality by the absolutized transcendental consciousness. In fact, these thinkers of reality refer
only to the abstracted meaning of the psychical-physical natural sides of reality. In contrast to their
views, our view is that meaning is universal to all created reality as its restless mode of being,
because all meaning refers reality to its Origin, the Creator, without Whom the creature sinks back
into nothingness.
!147
Now it may be objected that meaning itself cannot live, act, or move. But does not this life, this
action, and this movement refer above themselves, in the sense of not coming to rest in themselves,
all in accordance with the mode of being of creaturely reality? Only Gods mode of being is not
meaning, because only He exists by Himself and through Himself. Meaning is the mode of being of
all creaturely being!
From this it is also clear that philosophic thought also has its correlate in the transcendent totality of
meaning in the Being of the Arch, and that each Law-Idea takes a position with respect to this
Arch.
In fact, no one who speaks of number, spatial figures, movement, etc., or who speaks about concrete
things, can do so except in their meaning, that is in their relative mode of being with respect of
pointing to each other pointing towards the origin of all. If the natural [pre-logical] sides of
temporal reality in their mode of being were not sides of meaning, which stand in a relation of
meaning to the mode of being of thought [the logical aspect], then thought would not be able to
form any concept of these natural sides of reality.
That is my preliminary justification of my terminology.
[WdW I, 63] Study Notes
Law-Idea, subject-Idea, law-concept
and subject-concept
The concepts of law and subject depend on the law-Idea in its wide meaning, including the idea of
subjectivity. Unlike the law-Idea, the concepts of law and subject do not in themselves point above
the diversity of meaning to the transcendent fullness of meaning (the totality of meaning). Rather
they are limited in nature to particularized meaning and to the diversity of meaning.
Whichever particular meaning the concept of law and subject may possess, depending on the aspect
of reality that is comprehended by theoretical thought, it is always dependent on an apriori lawIdea.
[WdW I, 63b] Study Notes
The dependence of concepts of law and
subject on the law-Idea
Whenever rationalistic thought identifies nature with a system of natural laws formed by a
transcendental consciousness, of which individual events are only an exemplary instance, or
whenever the ideal subject, the homo noumenon (the absolutized ethical function of human
personality) is put forward as being itself the moral lawgiverin those cases the moral law is
dissolved, and the subject loses its own function as against or rather under the law. Kelsens view
reine Rechtslehre [pure theory of law] reveals a rationalistic-idealistic concept of law. But
behind this concept there is a law-Idea of a specific humanistic type. He dissolves the subject of the
juridical aspect into a function of the juridical norm in a normative-logical way. And that is why
Kelsens concept of law is completely objectionable by anyone who rejects the law-Idea that lies
behind it.
!148
!149
[ingevoegd] into the cosmic systasis of meaning as a necessary meaning-side of temporal reality in
which all post-logical aspects are founded.
In nave experience, the analytical function of thought is in this way enstatically fitted within
[ingesteld] temporal reality; it is en-statically active in the cosmic coherence of meaning. For this
reason, nave experience knows of no epistemological problem. Nave experience has no resistance
and it is not active in synthesis of meaning, but in the en-stasis of full temporal reality. In nave
experience the analytical function of thought is merely inner thought [indenken]. Nave experience
is the concrete experience of things in their relations in the full individual temporal reality that has
not been subjected to dis-stasis. Also in nave experience, the analytical subject-object relation has
only a mere en-static character. Whoever sees this relation in nave experience as a Gegenstand (as
Kant does) has cut off at the outset of a way of giving an account of nave experience.
[WdW II, 401b] Study Notes
There is only a Gegenstand of the
analytical aspect in theoretic knowledge
Only in the deepened theoretic thought does the mere en-static attitude of thought give place to the
over-against and dis-static attitude. The deepened analysis executes [voltrekt zich] an inter-modal
synthesis of meaning, in which the non-analytic meaning is made into a Gegenstand of the
analytic aspect. A Gegenstand arises only in theoretic knowledge, in the synthesis of meaning and
over against the deepened analytical aspect. With this it is established that the Gegenstand in
theoretical knowledge, as Gegenstand of the theoretic analytical aspect, can never be the full
temporal reality itself, nor can it be the thing in its cosmic systasis of meaning in reality. As long
as we merely systatically grasp the thing of nave experience, we have no resistance of analysis.
As soon as the resistance appears, we have given up the nave attitude of pre-theoretical thought,
which is only en-static [instellende].
[WdW II, 402] Study Notes
The problem of synthesis of meaning is rooted in the
problem of cosmic time, in the problem of the epoch [1],
and of the continuity of the temporal, cosmic coherence
of meaning.
The epistemological Gegenstand can therefore not be cosmic reality itself, since the analytical
function, even in its theoretical deepening of meaning, cannot break the bonds of its immanence
within temporal reality. The analytical function can not transcend cosmic time in order to set itself
over against the cosmos. As we know from the Prolegomena, only in the religious, transcendent
root of his personality does man go beyond the temporal diversity of meaning and only there is he
able choose a position over against the cosmos. But this religious over-against may never be
confused with the Gegenstand in the theoretical synthesis of meaning, which is a product of
theoretical abstraction.
The Gegenstand, which is set over against the analytical function of meaning in the stillproblematic synthesis of meaning, is the product of a willed refraining [aftrekking] from out of the
full temporal reality.
We have repeatedly noted that this over-against attitude of theoretical thought must first abstract
from nothing other than the continuity of cosmic time. Therefore it appears that the basic problem of
the epistemological synthesis of meaning is essentially rooted in the problem of cosmic timethat is,
in the possibility of a theoretical epoch [refraining from] the temporal continuity of the cosmic
coherence of meaning.
[WdW II, 403] Study Notes
Varieties of Gegenstnde
In this primary analytical epoch, the Gegenstand may be conceived in a larger or lesser degree of
abstraction.
!150
The absolute boundary of gegenstndliche abstraction lies in the apriori basic structure of the
temporal aspects. An entire law sphere with its internal modality of meaning can function as a
Gegenstand. But within such an abstracted law sphere a whole field of mutually cohering
particular Gegenstnde reveal themselves.
Finally, a structural Gegenstand can be abstracted from the things of nave experience, and out of
the real human social structures. This abstracted structure is then not merely modal or functional,
but in the analytical epoch it shows the typical structural coherences of an inter-modal character.
This last sort of Gegenstnde forms the field of investigation in Volume III.
Footnotes for these excerpts
[1] This term, which has such a central function in Husserl's phenomenology, in fact does not derive
from Husserl, but from Greek philosophy. It therefore does not make sense to seek for Husserlian
motives behind my understanding of the epoch. I use the term exclusively in the sense of an
abstraction from the temporal continuity of the cosmic coherence of meaning.
2 The Relation Between Synthesis of Meaning and Deepened Analysis. The Objective-Analytical
Dis-Stasis and the Analytical Character of the Epoch
[WdW II, 404] Study Notes Why the nave concept of a thing cannot be based on a synthesis of
meaning.
The fact that nave analysis distinguishes things on the basis of sensory characteristics does not
mean that the nave concept of a thing is based on a synthesis of meaning of the analytical and
psychical aspects. That would imply that nave, pre-theoretical thought could be in a position to
analyze the psychical modal function of meaning by taking it from out of full temporal reality and
making it its Gegenstand!
The truth is that the nave concept of a thing remains inert [traag], [enstatically] fitted within the full
temporal systasis of meaning of nave experience, of which it makes an inseparable subjective
component. Because of this, pre-theoretical thought is not in a position to make an analysis of the
modal aspects of the reality of a thing.
!151
Nave analysis does not penetrate behind the objective perceptual appearance [oogenschijn] and can
therefore not comprehend in a synthetic [inter-modal] sense the functional laws of the law spheres.
It makes do with pre-theoretical, practically oriented distinctions, which find their touchstone in the
sensory aspect of experience and are not ordered from out of a systematic-methodical viewpoint.
But it is just the analytical meaning that now requires the Idea of its completion of meaning in the
analytical comprehension of the totality of the modal functions of meaning themselves with their
[modal] conformity to law.
In this Idea of analysis, the cosmic given is not left in rest. Rather the functions of its own
substratum [the pre-logical], and the modal analytical aspect itself, which is abstracted in the
synthesis of meaning is split apart in dis-stasis.
This deepened analytical aspect may make the pre-logical law spheres into its Gegenstand.
Thereby the concentration on a particular Gegenstand (e.g. the numerical, kinetic, biotic or
psychical law spheres) always proceeds from an actual directing of theoretical attention that cannot
be explained from the analytical aspect alone. The pre-logical spheres that are made into a
Gegenstand then unfold their meaning under the functional leading of their anticipatory logical
sphere. This is a state of affairs that we have already given our attention to in the General Theory of
the law spheres [Part I of Volume II].
The numerical, spatial, kinetic aspects, etc., sovereign in their own sphere with their own lawconformities, follow the leading of the systematic analysis, and reveal their coherence of meaning
with the logical aspect.
In the pre-logical aspects, abstracted into a Gegenstand by the theoretical analysis, the law spheres
unveil themselves as having the predisposition towards the systematic tendency of theoretic
thought. There is an anticipatory call for systematic analysis.
At the same time, the logical object-side of reality is deepened in the subject-object relation. It
changes from merely being fitted into temporal reality as an objective-logical systasis to an
objective-logical setting apart, to an objective dis-stasis of a functional multiplcity in the analytical
aspect.
In theoretic scientific thought the logical object-side is opened in the concept of function.
!152
No longer is analysis content with the sensorily founded distinction of things whose aspects have
not been analysized. Rather, analysis penetrates to the setting apart of the aspects themselves. Only
now are the pre-logical aspects analytically [distinctly] articulated and objectified. But this
objective-analystical dis-stasis is no more a subjective creation of theoretic thought than is the
objective-analystical systasis a creation of pre-theoretical thought. Rather, it belongs to the
deepened objective-logical aspect of the full temporal reality, and it is only unveiled by theoretical
analysis.
In being directed to the pre-logical law-spheres, theoeretical analysis is bound to the objectiveanalytical dis-stasis of temporal reality. It is just in this inner being bound to reality that the
analytical aspect finds the full weight of its non-analytical "Gegenstand."
The epoch, which is characteristic of theoretic thought, therefore completes itself in the deepened
analysis itself. It functions within the logical law-sphere, but it is the theoretical synthesis of
meaning that relates the analytical aspect to its "Gegenstand."
Now that the modal meaning of the theoretcial epoch has been cleared up, the question of the
possibility of the synthesis of meaning demands our attention.
From the already theoretically abstracted analytical aspect this possibility can never be explained.
Much rather, this theoeretical abstraction itself presupposes , as we have seen, the synthesis of
meaning.
APNDICE 2
GLOSSRIO DE FILOSOFIA REFORMACIONAL
!153
ABERTURA MODAL O processo pelo qual antecipaes modais latentes so abertas ou
atualizadas. Tambm denominado OPENING PROCESS (processo de abertura). O
significado modal ento aprofundado. esse processo que torna possvel o
desenvolvimento cultural da sociedade de um estgio primitivo (fechado,
indiferenciado) para um estgio civilizado (aberto, diferenciado). Por exemplo,
atravs do processo de abertura ou DESVELAMENTO da antecipao tica na jurdica, o
significado modal da justia aprofundado e a sociedade pode se mover de um princpio de
olho por olho para a considerao de circunstncias atenuantes na administrao da
justia.
ANTINOMIA Literalmente conflito de leis (do grego anti, contra, e nomos lei). Uma
contradio lgica que surge de uma falha em distinguir os diferentes tipos de leis vlidas
em diferentes modalidades. Desde que leis nticas no conflitam (ver PRINCPIO DA
ANTINOMIA EXCLUIDA), uma antinomia sempre um sinal lgico de um
REDUCIONISMO ontolgico. Exemplo: os paradoxos de Zeno, devidos a uma confuso
entre o aspecto numrico e o espacial.
A PRIORI Expresso de origem latina, significando antes de. O termo se tornou proeminente
na filosofia desde Kant para descrever aquilo que pode ser conhecido antes da
experincia, isto , independentemente dos dados emprico, e que est enraizado na
estrutura da subjetividade humana. Antnimo de A Posteriori. Ver TRANSCENDENTAL.
!154
cincia. Em primeiro lugar, como uma traduo do termo holands Wetenschap (anlogo ao
termo alemo Wissenschaft), ele abrange no apenas as cincias naturais mas tambm as
cincias sociais e as humanidades, incluindo a teologia e a filosofia. Em segundo lugar, a
cincia sempre, estritamente falando, um assunto de abstrao modal, isto , de destacar
um aspecto especfico da coerncia temporal em que ele encontrado, e examin-lo na
RELAO GEGENSTAND. Como tal, ela deve ser distinguida da EXPERINCIA
INGNUA. Desse modo, cincia um termo com aplicao mais ampla em Dooyeweerd
que no sentido usual do portugus, que freqentemente se refere apenas s cincias
naturais, mas tambm pode ocorrer com sentido mais tcnico. Ver tambm TEORIA.
CINEMTICA O nome do terceiro aspecto modal, derivando seu nome de uma palavra grega
para movimento (kinema), que o seu momento nuclear.
CONCEPTUALIZAR
Procurar reconstruir um objeto ou dimenso da experincia do sujeito
atravs de formas lgicas; dar um formato racional para uma experincia que transcende a
esfera lgica. Uma forma de compreender isso pensar num auto-retrato pintado por um
artista. O auto-retrato uma representao artstica de um ser humano. O retrato, em si, no
uma pessoa, nem mesmo uma representao fisicamente exata da pessoa; antes uma
concepo artstica. Igualmente, se algum tenta formular um conceito terico sobre certa
pessoa, esse conceito no pode ser igualado pessoa; trata-se antes de uma IMAGEM
CONCEPTUAL, que procura expressar com conceitos lgicos coisas que transcendem
lgica. Dooyeweerd acreditava que os limites da conceptualizao estavam nos A PRIORIS
TRANSCENDENTAIS do conhecimento.
funes temporais, a raiz religiosa unificada do homem. Dooyeweerd diz que foi a sua
redescoberta do conceito bblico de corao como a dimenso de profundidade religiosa da
vida humana, subjacente a suas funes temporais (bitica, social, econmica, etc), que o
capacitou a se libertar do neokantianismo e da fenomenologia. No corao, essas funes
estariam concentradas numa unidade que transcende o tempo em direo a Deus, a origem
de tudo. Essa unidade transcendental que capacitaria ao homem, na atitude terica de
pensamento, a sntese entre os aspectos lgico e no-lgico da experincia. As escrituras
falam desse ponto focal usando termos como alma, esprito, e homem interior.
Termos filosficos equivalentes seriam EGO, eu, I-ness, e Selfhood. o corao nesse
!155
COSMOS Toda a realidade criada; criao. Dooyeweerd s vezes usa csmico no sentido de
algo que estrutura a criao, algo cosmolgico; por exemplo: uma esfera modal
cosmicamente anterior, ou tempo csmico, ou sentido csmico.
DATUM No Plural Data; o termo latino, que significa dado, tem um uso tcnico em teoria do
conhecimento para designar aqueles conhecimentos bsicos sobre o real que o ego intui na
experincia ingnua ou ordinria. Esses conhecimentos elementares, basais, no so fruto
de comprovao ou justificao racional, tendo carter imediato e intuitivo. No se
restringem a categorias racionais e dados sensoriais, como props Kant, envolvendo antes
todo tipo de percepo do real que compe a estrutura da experincia ordinria: as diversas
modalidades, o horizonte plstico da experincia, e o conhecimento de Deus.
DIFERENA
DING AN SICH coisa-em-si. Expresso de origem alem usada por Kant para se referir s
coisas reais, como existem fora da nossa conscincia. Kant pensava que no podemos
conhecer a coisa-em-si, isto, , a prpria realidade, mas apenas a sua aparncia para
ns. Seu pensamento chamado, nesse ponto, de fenomenalismo. Dooyeweerd rejeitou o
fenomenalismo evitando separar a coisa-em-si da nossa experincia dela.
DISTSIS O oposto de SISTASIS. A distsis ocorre quando isolamos uma propriedade ou uma
dimenso de certo objeto e o analisamos por esse ngulo. O conhecimento ordinrio tem
carter sisttico, e o pensamento terico tem carter diesttico.
ENTIDADE Qualquer ser que exista dentro do horizonte temporal da experincia. Aqui se
incluem seres humanos, rvores, pedras, livros, conceitos tericos, sentimentos, imagens,
animais, cidades, etc. O LADO SUBJETIVO da realidade tambm chamado de lado
ENTITRIO porque onde se encontram todas as entidades reais.
!156
PHERE
caractersica de cada coisa concreta, na forma como elas so dadas na criao. Tambm
chamada de IDIONOMIA. H uma estrutura de individualidade para o estado, para o
casamento, para as obras de arte, para mosquitos, para o cloreto de sdio, etc. A estrutura de
individualidade, embora sendo uma estrutura fundada nas leis csmicas, no deve ser
confundida com a ESTRUTURA MODAL. Uma anlise terica das modalidades uma
pr-condio indispensvel para a anlise de qualquer estrutura de individualidade.
TICA Nome para a dcima quarta e penltima modalidade, caracterizada de acordo com
Dooyeweerd pelo amor nos relacionamentos temporais. Este senso tcnico restrito da
palavra deve ser cuidadosamente distinto do sentido mais comum, segundo o qual o tico
equivalente ao NORMATIVO. Um sinnimo seria moral.
EXPERINCIA A totalidade do funcionamento do ser humano. Como tal, o termo tem uma
FILOSOFIA Na terminologia sistemtica de Dooyeweerd, o sentido preciso de filosofia o de
CINCIA ENCICLOPDICA, isto , sua tarefa bsica a investigao terica da integrao
geral das vrias disciplinas cientficas e seus campos de inquirio. Dooyeweerd tambm
!157
usa o termo em um sentido mais inclusivo, especialmente quando ele aponta que toda
filosofia enraizada em um compromisso religioso pr-teortico, e que algumas
concepes filosficas, por seu turno, se encontram na raiz de toda erudio cientfica
especfica.
FUNO BASE ou funo-fundante, a mais baixa das duas modalidades que caracterizam
certos tipos de todos estruturais. A outra chamada de FUNO-GUIA ou funodestino. A funo base de uma famlia, por exemplo, bitica.
FUNO GUIA A mais alta funo subjetiva de um todo estrutural (p. ex., uma pedra, um
GEGENSTAND Um termo de origem alem para objeto, usado por Dooyeweerd como um
termo tcnico para uma modalidade quando esta abstrada da coerncia temporal e
colocada em oposio esfera analtica na atitude terica de pensamento, estabelecendo
assim a relao gegenstand (gegenstand-relation). Gegenstand pois o termo tcnico
preciso para o objeto da CINCIA, enquanto o termo objeto em si mesmo reservado,
em Dooyeweerd, para descrever as coisas como so percebidas na experincia ordinria ou
ingnua.
HUMANISMO Dooyeweerd usa essa palavra num sentido religioso pejorativo que no usual
nem no ingls, nem no portugus. Ela denota para ele a filosofia no-crist antnropocntrica
do perodo moderno e contemporneo. O humanismo deve ser distinguido do paganismo
por ser ps-cristo, incorporando assim muitas caractersticas de um cristianismo
secularizado.
ETSIDEE, que
significa idia de lei, ou idia legis. O termo teria sido sugerido a Dooyeweerd por um
dos tradutores da verso inglesa. Equivalentes ocasionais do termo so idia-fundamento
transcendental (transcendental ground Idea) ou idia-base
transcendental (transcendental basic Idea). Refere-se s idias fundamentais de uma
cosmoviso ou filosofia a respeito do que seria o princpio ordenador do cosmo. O termo
!158
COSMONOMIA significa a estrutura transcendental de leis que Deus estabeleceu para ordenar
o cosmo.
INTERLIGAES de I
LADO-DE-LEI Ou L
IDE
LEI A noo de lei criacional central filosofia de Dooyeweeerd. Tudo na criao sujeito lei
de Deus, e a lei o limite entre Deus e a criao. Essa lei se diferencia no tempo em
diversas Leis que governam as esferas modais (leis modais) e as estruturas de
individualidade (as idionomias). Sinnimos escritursticos para Lei so ordenana,
decreto, mandamento, palavra, etc. Dooyeweerd enfatiza que a Lei no est em
oposio liberdade; antes a condio para a verdadeira liberdade, porque a Lei que
habilita as diversas funes nas quais o homem pode funcionar. As leis lgicas, por
exemplo, no so limites para o pensamento, num sentido negativo, mas os prprios
fundamentos que possibilitam o pensamento.
MODALIDADE Uma das quinze formas fundamentais do ser distinguidas por Dooyeweerd.
Como modos de ser, elas so nitidamente distintas das coisas concretas s quais elas
!159
MODUS QUO Termo latino para modo no qual, ou modo de. Dooyeweerd s vezes usa essa
frase para destacar o fato de que uma modalidade um modo ou forma em que uma coisa
existe ou funciona, em no uma coisa em si mesma.
MOTIVO-BASE No holands,
NORMAS / NORMATIVAS Leis ps-psquicas, isto , as leis modais que se incluem da esfera
analtica at a esfera pstica. Essas leis so normas porque elas precisam sofrer
POSITIVIZAO, podendo ser violadas pelo homem. Isso distingue as normas das leis
naturais, ou leis sub-analticas, que so obedecidas involuntariamente (p. ex., no processo
digestivo).
funo subjetiva. Uma obra de arte, por exemplo, qualificada por sua correlao funo
humana subjetiva da apreciao esttica. Similarmente, os elementos de um sacramento so
objetos psticos.
ONTOLOGIA Do grego ontos, ser. Estudo sobre a natureza da realidade e suas estruturas; do
ser como se apresenta a ns. Difere da abordagem cientfica por no focalizar esferas ou
entidades especficas, mas o todo da realidade e de suas estruturas.
PSTICO O nome da dcima quinta e mais alta modalidade, derivado de pstis, a palavra grega
neotestamentria para f. Todos os homens tem f no sentido de lealdade ltima, seja ao
Deus das Escrituras ou a algum dolo. Dooyeweerd cuidadoso em distinguir a modalidade
pstica da religio, que central e subjaz a todas as funes humanas, no apenas sua f.
Alguns discpulos de Dooyeweerd adotaram os termos confessional ou certitudinal ou
fiduciria (do latim Fides) como sinnimos de pstico.
!160
POSITIVAO O termo ingls (positivation) foi cunhado para traduzir o holands Positiveren,
que significa tornar POSITIVO no sentido (2). Em um sentido geral o termo se refere
implementao responsvel de todos os princpios normativos na vida humana, como
incorporados, por exemplo, na legislao estatal, na poltica econmica, nas orientaes
ticas, etc.
POSITIVO (1) Na cincia, aquilo que emprico, baseado na observao de fatos; (2) Na
jurisprudncia, aquilo que vlido em um dado tempo ou lugar. Lei positiva a legislao
que est em vigor em um dado pas em um tempo particular; ela deve ser contrastada com
os princpios da justia, que requerem POSITIVAO.
RINCIPIUM
EXCLUSAE ANTINOMIAE. Norma geral da anlise terica, que probe toda confuso entre
diferentes tipos de leis modais, tornando invlidos os conceitos que envolvem reducionismo
intermodal.
QUALIFICAO MODAL A FUNO GUIA de uma coisa aquela funo que qualifica
essa coisa no sentido de caracteriz-la. Nesse sentido dizemos que uma planta qualificada
bioticamente, e um estado qualificado juridicamente. A funo qualificante tambm
chamada de FUNO DE DESTINO. Em um sentido diferente, uma modalidade
qualificada por seu MOMENTO NUCLEAR.
REDUCIONISMO Reduzir alguma coisa a outra dar uma explicao terica da primeira coisa
RELIGIO Para Dooyeweerd religio no uma rea ou esfera da vida, mas o todo da vida.
servio a Deus (ou a um dolo) em cada domnio do empreendimento humano. Como tal ela
deve ser claramente distinguida da f religiosa, que apenas uma das muitas aes e
atitudes da existncia humana. A religio um assunto do CORAO, e assim orienta
todas as funes humanas.
RETROCIPAO Uma caracterstica em certa modalidade que se refere a uma esfera anterior
!161
SENSITIVO O nome que Dooyeweerd prefere para a sexta modalidade, que qualificada pela
sensao ou sentimento como seu momento nuclear. Anteriormente ele usou o termo
psquico, que chegou a considerar equivocado. Isso porque o que geralmente
denominamos psquico realmente transcende sensitividade, descrevendo no uma
dimenso apenas, mas uma dinmica transmodal.
SIGNIFICADO Dooyeweerd usa o termo significado num sentido no-usual. Ele quer apontar
com isso para o carter referencial, no-auto-suficiente da realidade criada que, com isso,
aponta para alm de si mesma, em direo a Deus como Origem. Para ilustrar, podemos
pensar num fenmeno interessante da fsica moderna: quando a teoria atmica surgiu,
buscava-se aquele elemento bsico da matria que seria indivisvel (tomo significa
indivisvel). Entretanto, os cientistas logo descobriram que o tomo poderia ser quebrado
em partculas menores. E depois, descobriram-se partculas ainda menores. Assim, o tomo
mais parece com um sistema de interaes do que propriamente de uma substncia
material indivisvel. Semelhantemente, a anlise modal indica que cada esfera da
experincia aponta para as outras, sucessivamente, e nenhuma existe sozinha, sem
depender das outras. Assim, podemos dizer que a realidade no uma coisa
autoexistente, mas um smbolo, um reflexo, ou uma imagem de algo que . Dooyeweerd
enfatiza que a realidade significado nesse sentido, e que, portanto, no exato dizer que
ela tem significado. Significado a alternativa crist para o conceito metafsico de
SUBSTNCIA encontrado na filosofia imanentista. Significado se torna quase um
sinnimo para realidade. Note que vrios conceitos so formados a partir deste: ncleo
de sentido, lado significante, momento de sentido, plenitude de sentido ou
totalidade do sentido csmico.
filosofia pag como da religio bblica. esta a caracterstica da tradio intelectual crist
desde os tempos patrsticos, com a qual Dooyeweerd se esfora para fazer uma ruptura
radical.
SISTASIS Do grego systasis, situao na qual as propriedades de algo esto reunidas numa
totalidade coerente. A experincia ingnua ocorre de tal modo que a sistasis do sentido
csmico permanece intocada; o cosmo percebido por ns sistaticamente. O oposto disso
a DISTSIS.
SOCIAL Nome da dcima modalidade. O termo insuficiente, desde que ele se refere nesse
contexto apenas a uma faixa muito limitada dos fenmenos e relacionamentos comumente
denominados como sociais, sendo restrito ao campo do intercurso social (a forma como
Dooyeweerd circunscreve o momento nuclear do social). Isso inclui coisas como polidez,
maneiras, e etiqueta, normas de relacionamento, funes e limites comunais, etc.
SUJEITO Usando em dois sentidos por Dooyeweerd: (1) como aquilo que se distingue do
OBJETO; (2) como aquilo que se distingue da LEI. O primeiro sentido quase equivalente
ao uso comum, e o ltimo no usual podendo trazer alguma confuso. Desde que todas as
coisas so sujeitas LEI, objetos tambm so sujeitos no segundo sentido. No caso de
entidades especficas, dizemos que elas se encontram no LADO SUBJETIVO da realidade
!162
SUBSTRATO O agregado das modalidades que precedem um dado aspecto na escala modal. Os
aspectos numrico, espacial, cintico e fsico, por exemplo, juntos formam o substrato do
aspecto bitico. Eles so tambm o fundamento necessrio sobre o qual o aspecto bitico
repousa, e sem os quais ele no pode existir. Ver tambm SUPERSTRATO.
aplicao muito mais ampla que nossa noo comum de tempo, que equacionada por ele
com a expresso fsica desse tempo csmico geral. Ele no est assim, coordenado com o
espao compondo duas dimenses de tipo semelhante. Todas as coisas criadas, com
exceo do CORAO do homem, esto no tempo.
RADICAL A classe de todas as estruturas de individualidade com a mesma
QUALIFICAO MODAL. Por exemplo: animais, empresas e obras de arte so grupos
qualificados, respectivamente, pelas esferas sensria, econmica e esttica.
!163
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