Agrinho Livro 1 Ser-Sustentavel

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 832

COMPLEXIDADE:

REDES E CONEXES DO SER SUSTENTVEL

COMPLEXIDADE:
REDES E CONEXES DO SER SUSTENTVEL
Adriana Mocelim de Souza Lima | Afonso Vieira | Ana Camila Palma Kotinda | Andra da Luz Sanches
Angelo Jose da Silva | Annelissa Gobel Donha | Antonio Camilo Teles Nascimento Cunha | Antonio Carlos
Pinto Jachinoski | Araci Asinelli da Luz | Cinthya Hoppen | Cleverson V. Andreoli [Org.] | Cristiane Piccinini
Dagoberto Hungria Requio | Darci Vieira da Silva Bonetto | Dilermano Brito | Eleusis Ronconi de Nazareno
Elisabeth Seraphim Prosser | Elza Sbrissia Artigas | Etelvina Maria de Castro Trindade | Etiane Caloy Bovkialovski
Eugenio Libreloto Stefanelo | Fabiana de Nadai Andreoli | Fernanda Marder Torres | Gisele Braile Turquino
Janana Cristina Buiar | Jorge Justi Junior | Julio Cesar Bisinelli | Kau de Andrade Monteiro
Luiz Arthur Conceio | Luiz Carlos Bleggi Torres (21/10/1952 18/04/2007) | Mrcia Scholz de Andrade Kersten
Mrcio Jos Kerkoski | Marcos Henrique Santana do Nascimento | Maria Cecilia Barreto Amorim Pilla
Marlia Diaz | Marisa Atsuko Toyonaga | Patrcia Lupion Torres [Org.] | Paulo Eduardo Oliveira | Paulo da Cunha Lana
Paulo Roberto de Miranda Sandoval | Pedro Kiatkoski Kim | Plino Neves Angeuski | Rejane de Medeiros Cervi
Ricardo Tescarolo | Simone Tetu Moyss | Tamara Vigolo Trindade | Thereza Cristina Gosdal | Valdir Fernandes
Vera Maria Gilberti Rocha | Wilson Maske

CURITIBA
2014

Depsito legal na CENAGRI, conforme Portaria Interministerial n.164, datada de 22 julho 1994, junto
Biblioteca Nacional e SENAR-PR.
Esta publicao poder ser reproduzida, por qualquer meio, desde que citada a fonte.

Organizadores
Cleverson V. Andreoli
Patrcia Lupion Torres
CATALOGAO NO CENTRO DE EDITORAO,
DOCUMENTAO E INFORMAO TCNICA DO SENAR-PR.
Andreoli, Cleverson V. ; Torres, Patrcia Lupion org.
Complexidade : redes e conexes do ser sustentvel / Cleverson V. Andreoli [e]
Patrcia Lupion Torres ; organizadores Curitiba : SENAR - Pr., 2014.
832 pginas.
ISBN 978-85-7565-110-0
1. Educao. 2. Temas transversais. 3. Sustentabilidade. 4. Ensino-Aprendizagem.
5. Redes. I. Torres, Patrcia Lupion. II. Ttulo.
CDU37(816.2)
CDD370
IMPRESSO NO BRASIL DISTRIBUIO GRATUITA

Coordenao editorial | Antnia Schwinden


Capa | Glauce Midori Nakamura
Assistente de editorao | Thassa Falco
Editorao eletrnica | Ivonete Chula dos Santos

APRESENTAO

Agrinho o maior programa de responsabilidade social do Sistema FAEP, resultado da parceria


entre o SENAR-PR, FAEP, o governo do Estado do Paran, mediante as Secretarias de Estado da
Educao, da Justia e da Cidadania, do Meio Ambiente e Recursos Hdricos, da Agricultura e do
Abastecimento, os municpios paranaense e diversas empresas e instituies pblicas e privadas.
O Programa Agrinho completa 19 anos de trabalhos no Paran, levando s escolas
da rede pblica de ensino uma proposta pedaggica baseada em viso complexa, na inter e
transdisciplinaridade e na pedagogia da pesquisa. Anualmente, o programa envolve a participao
de mais de 1,5 milho de crianas e aproximadamente 80 mil professores da educao infantil, do
ensino fundamental e da educao especial, estando presente em todos os municpios do Estado. E,
por envolver to significativo pblico, tem, de nossa parte, um empenho comovido. Como experincia
bem-sucedida, encontra-se tambm em diversos estados do Brasil.
Criado com o objetivo de levar informaes sobre sade e segurana pessoal e ambiental,
principalmente s crianas do meio rural, o Programa se consolida como instrumento eficiente na
operacionalizao de temticas de relevncia social da contemporaneidade dentro dos currculos
escolares. Especialistas altamente qualificados, de renome nacional e internacional, de diversos
grupos de pesquisa que trabalham em rede, fundamentam as informaes que compem o material
didtico preparado com exclusividade para o Programa. Pelo incentivo pesquisa, defende-se uma
educao crtica, criativa, que desenvolva a autonomia e a capacidade de professores e alunos
assumirem-se como pesquisadores e produtores de novos conhecimentos.
O Concurso realizado todos os anos nas categorias redao, desenho, experincia pedaggica,
escola e Municpio Agrinho serve a um s tempo como instrumento de avaliao do alcance das
atividades e como uma amostra daquilo que o Programa vem provocando em termos de aes efetivas.

O elevado grau de apropriao dos temas apresentados nos materiais, por crianas e adolescentes
do Ensino Fundamental, pode tambm ser comprovado pela Experincia Pedaggica, um relato dos
professores sobre a prtica educacional que desenvolvem no Programa Agrinho. Desde seu incio
em 1996, os professores do ensino pblico municipal e estadual, as crianas e os jovens recebem
com entusiasmo e dedicao as atividades do Programa Agrinho. A cada ano esse trabalho vem se
superando em qualidade e criatividade.
Este livro rene os artigos elaborados com o propsito de auxiliar os professores nos
desenvolvimento das temticas em sua prtica diria. Esta ser uma edio exclusiva, distribuda
para todos os professores envolvidos neste Programa nos prximos anos.

gide Meneguette
Presidente do Conselho Administrativo
do SENAR-PR

COMIT EDITORIAL

Alindo Philippi Jr. (Universidade de So Paulo)


Carlos Alberto Cioce Sampaio (Pontifcia Universidade Catlica do Paran)
Fernando Soares Pinto SantAnna (Universidade Federal de Santa Catarina)
Gilda Collet Bruna (Universidade Presbiteriana Mackenzie)
Maria do Carmo Martins Sobral (Universidade Federal de Pernambuco)
Mario Augusto Gonalves Jardim (Universidade Federal Rural da Amaznia)
Miguel Mansur Aisse (Pontifcia Universidade Catlica do Paran)
Oklinger Mantovaneli Junior (Universidade Regional de Blumenau)
Ricardo Ojima (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
Tadeu Fabricio Malheiros (Universidade de So Paulo)
Vnia Gomes Zuin (Universidade Federal de So Carlos)

SUMRIO

APRESENTAO.............................................................................................................................. 5
gide Meneguette

COMIT EDITORIAL......................................................................................................................... 7
PREFCIO COMPLEXIDADE: REDE E CONEXES DO SER SUSTENTVEL UM LIVRO PARA
APRENDER....................................................................................................................................... 13
Blanca Jimnez-Cisneros

REDES E CONEXES PARA COMPOR OS LIAMES DO CONHECIMENTO...................................... 15


Patrcia Lupion Torres

COMPLEXIDADE E SUSTENTABILIDADE: FUNDAMENTOS DO PROGRAMA AGRINHO.............. 33


Patrcia Lupion Torres e Cleverson V. Andreoli

A INTEGRAO CAMPO CIDADE: QUEBRANDO PARADIGMAS................................................... 43


Paulo da Cunha Lana e Eugenio Libreloto Stefanelo

TICA, LIBERDADE E DETERMINISMO: OS LIMITES DA AO HUMANA E O PROBLEMA DA


SUSTENTABILIDADE........................................................................................................................ 69
Paulo Eduardo de Oliveira

PAPEL DA EDUCAO E DA CULTURA NA CONSTRUO DA CIDADANIA.................................. 81


Gisele Braile Turquino

ESTADO E PODER............................................................................................................................ 93
Angelo Jos da Silva

ORGANIZAO POLTICA E PLURALIDADE OU DE COMO NS ESQUECEMOS AS OBRIGAES


E S LEMBRAMOS DOS DIREITOS................................................................................................. 101
Angelo Jos da Silva

INSTRUMENTOS DE EXERCCIO DA CIDADANIA........................................................................... 111


Plinio Neves Angeuski

DIREITOS E DEVERES DO CIDADO............................................................................................... 127


Plinio Neves Angeuski

OS DIREITOS HUMANOS NA HISTRIA......................................................................................... 147


Adriana Mocelim de Souza Lima e Etiane Caloy Bovkalovski

TICA, POLTICA E SUSTENTABILIDADE........................................................................................ 171


Paulo Eduardo de Oliveira

ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO.................................................................................. 183


Luiz Carlos Bleggi Torres e Fernanda Marder Torres

A ALIMENTAO E A NUTRIO................................................................................................... 207


Antonio Carlos Pinto Jachinoski

SADE BUCAL................................................................................................................................. 219


Antonio Carlos Pinto Jachinoski, Simone Tetu Moyss e Julio Cesar Bisinelli

ACIDENTES NA INFNCIA E ADOLESCNCIA................................................................................. 243


Luiz Carlos Bleggi Torres e Fernanda Marder Torres

SEXUALIDADE................................................................................................................................. 265
Darci Vieira da Silva Bonetto

GRAVIDEZ NA ADOLESCNCIA....................................................................................................... 277


Darci Vieira da Silva Bonetto

O ADOLESCENTE E A FAMLIA........................................................................................................ 287


Elza Sbrissia Artigas, Marisa Atsuko Toyonaga e Vera Maria Gilberti Rocha

NOES SOBRE DROGAS PSICOTRPICAS................................................................................... 303


Dilermano Brito

O USO, ABUSO OU DEPENDNCIA DE LCOOL............................................................................ 329


Dagoberto Hungria Requio

10

TABAGISMO UMA DOENA CRNICA EVITVEL.......................................................................... 357


Marcos Henrique SantAna do Nascimento e Paulo Roberto de Miranda Sandoval

VISO EDUCACIONAL DAS DROGAS: ORIENTAO PARA OS PAIS E PROFESSORES................ 377


Araci Asinelli da Luz

SADE COLETIVA............................................................................................................................ 397


Eleusis Ronconi de Nazareno

CRISE DE VALORES: DESAFIO SUSTENTABILIDADE................................................................... 419


Paulo Eduardo de Oliveira

LAZER E LIVRE MOTRICIDADE CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA INTELIGNCIA


E SUSTENTABILIDADE..................................................................................................................... 433
Antonio Camilo Teles Nascimento Cunha e Mrcio Jos Kerkoski

BIODIVERSIDADE: A IMPORTNCIA DA PRESERVAO AMBIENTAL PARA A MANUTENO


DA RIQUEZA E EQUILBRO DOS ECOSSISTEMAS.......................................................................... 443
Cleverson V. Andreoli, Fabiana de Nadai Andreoli, Cristiane Piccinini e Andra da Luz Sanches

MUDANAS CLIMTICAS: UMA ABORDAGEM CONCEITUAL SOBRE ESTE PROBLEMA


GLOBAL...................................................................................................................................... 465
Cleverson V. Andreoli, Fabiana de Nadai Andreoli, Pedro Kiatkoski Kim e Kau de Andrade Monteiro

A RELAO DA QUALIDADE E QUANTIDADE DA GUA NO AMBIENTE URBANO E RURAL...... 493


Cleverson V. Andreoli, Fabiana de Nadai Andreoli, Annelissa Gobel Donha e Ana Camila Palma Kotinda

FORMAO E CARACTERSTICAS DOS SOLOS PARA O ENTENDIMENTO DE SUA IMPORTNCIA


AGRCOLA E AMBIENTAL................................................................................................................ 511
Cleverson V. Andreoli, Fabiana de Nadai Andreoli e Jorge Justi Junior

RESDUOS SLIDOS: ORIGEM, CLASSIFICAO E SOLUES PARA A DESTINAO FINAL


ADEQUADA...................................................................................................................................... 531
Cleverson V. Andreoli, Fabiana de Nadai Andreoli, Tamara Vigolo Trindade e Cinthya Hoppen

CONSUMO RESPONSVEL............................................................................................................. 553


Valdir Fernandes e Afonso Vieira

TICA E CONSUMO....................................................................................................................... 569


Ricardo Tescarolo

11

TICA E PS-MODERNIDADE: DESAFIOS A UMA EDUCAO PARA A SUSTENTABILIDADE..... 581


Paulo Eduardo de Oliveira

EXPLORAO DA FORA DE TRABALHO INFANTOJUVENIL: AS VRIAS FACES DESTE GRAVE


PROBLEMA SOCIAL......................................................................................................................... 593
Janaina Cristina Buiar e Luiz Arthur Conceio

PRECONCEITOS E DISCRIMINAO NAS RELAES DE TRABALHO........................................... 613


Thereza Cristina Gosdal

EMPREENDEDORISMO NO CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL....................... 623


Gisele Braile Turquino

EDUCAO TRIBUTRIA................................................................................................................ 637


Rejane de Medeiros Cervi

UMA JORNADA HISTRICA PELO PARAN: TERRA, HOMENS E VIDA MATERIAL..................... 655
Etelvina Maria de Castro Trindade

HISTRIA DA FRICA ATLNTICA, OS AFRICANOS E AFRODESCENDENTES NO BRASIL........... 691


Maria Cecilia Barreto Amorim Pilla e Wilson Maske

PLURALIDADE CULTURAL O CONCEITO DE CULTURA.............................................................. 711


Mrcia Scholz de Andrade Kersten

ARTE EM TODO LUGAR: OS CAMINHOS DO COTIDIANO E A HISTRIA DAS ARTES VISUAIS


NO PARAN..................................................................................................................................... 727
Elisabeth Seraphim Prosser

TECENDO UMA REDE DE RELAES: INTERCULTURALIDADE E O ENSINO DAS ARTES


VISUAIS............................................................................................................................................ 781
Marlia Diaz

TICA GLOBAL, IGUALDADE E SUSTENTABILIDADE..................................................................... 799


Paulo Eduardo de Oliveira

SOBRE OS MEMBROS DO COMIT................................................................................................ 813


SOBRE OS AUTORES....................................................................................................................... 819

12

PREFCIO

COMPLEXIDADE: REDES E CONEXES DO SER SUSTENTVEL


UM LIVRO PARA APRENDER

Sempre um prazer escrever o prefcio de um livro por duas razes: a primeira, porque
um reconhecimento de um trabalho concludo, que muitas vezes implica um grande esforo, e
neste caso um esforo de 51 autores; e a segunda, pelo fato de possibilitar a leitura de um livro.
Nesta oportunidade encontrei, tambm, uma terceira: a esperana de um mundo melhor.
Complexidade: Redes e Conexes do Ser Sustentvel um livro para preparar e nos prepararmos
para o futuro. Destinado a professores e professoras do Ensino Fundamental, este livro, produto
do Programa Agrinho, discorre sobre os complexos problemas que enfrenta a sociedade atual:
tica, meio ambiente, pluralidade cultural, sade, trabalho e consumo. Cada tema especfico
tratado em uma perspectiva transversal e de solidariedade para criar cidados responsveis com
eles mesmos, com a sociedade e o ambiente.
O livro tem muitos mritos, no somente por analisar em detalhe as questes atuais, como
a tica global e da crise de valores, a gua, as alteraes climticas, o respeito pelas diferentes
culturas, o problema do consumismo e da discriminao, mas tambm combina de forma
equilibrada a teoria com os aspectos da vida cotidiana e da experincia adquirida atravs de
muitos anos de prtica docente dos autores.
O cuidadoso desenvolvimento do livro, que revisa, atualiza e desenvolve o material
original lanado no incio de 2000, o produto dos esforos de muitas pessoas, tanto dos autores
como daqueles que avaliaram o projeto e forneceram o feedback, especialmente os alunos,
professores e diretores de escolas, alm de outros responsveis pela educao como especialistas
da administrao pblica e pesquisadores de universidades.

13

Todos, homens e mulheres, merecem o reconhecimento por seus esforos e graas a esses
materiais e o Programa Agrinho, o Estado de Paran, por certo, ter uma nova gerao de
cidados que podem cuidar melhor de sua sade fsica e mental, preservar e gerenciar a natureza,
mas acima tudo contribuir para um mundo melhor. Esse processo se destina a promover uma
educao crtica, criativa e reflexiva, que so os elementos indispensveis para a construo de
uma nova sociedade.
Que sorte tem os professores e as professoras que formam os meninos e as meninas de hoje
de contar com um livro como este, verdadeira fonte de conhecimentos com enfoque transversal.
Muitos de ns os mais velhos tivemos de aprender do mundo por meio de diversas disciplinas
para entender, algumas vezes muito tempo depois, que para analisar problemas e proporcionar
solues factveis necessrio um enfoque integrado.
Essa viso sistmica, agora evidente, deu muito trabalho para ser entendida por uma
comunidade acadmica formada unidisciplinarmente, sem considerar a diversidade cultural e
sem a verdadeira dimenso do respeito ao meio ambiente. Que sorte para eles, mas tambm para
ns e para este mundo, que existam esforos como este para inculcar o trabalho em equipe com a
clara ideia de que essas novas equipes nem sempre podem e devem conformar-se com a repetio
das mesmas ideias e prticas. Somente assim este planeta ser capaz de solucionar os grandes
problemas que temos de enfrentar.
Blanca Jimnez-Cisneros
Diretora da Diviso de Cincias
da gua e Secretaria do Programa
Hidrolgico Internacional da UNESCO

14

REDES E CONEXES PARA COMPOR OS LIAMES DO CONHECIMENTO

Patrcia Lupion Torres

O PROGRAMA AGRINHO
Em 1995 tm-se o marco inicial do Programa AGRINHO, quando se estruturou a proposta
pedaggica que tinha por pressupostos tericos basilares a transversalidade. Os temas transversais
foram a base para o primeiro material para alunos de 1 a 4 sries do Ensino Fundamental,
tendo como personagem principal o menino Agrinho. Na ocasio priorizou-se a temtica ambiental
em decorrncia da necessidade de responder a problema pontual de extrema gravidade no meio
rural o da contaminao da populao por agrotxicos. Em 1996 iniciou-se a implantao do
programa de forma piloto em cinco municpios paranaenses. Desde ento os professores do ensino
pblico municipal e estadual, as crianas e os jovens recebem com entusiasmo e dedicao as
atividades do Programa Agrinho.
J no ano seguinte, aps a avaliao desta experincia piloto e com base na elevada
receptividade e participao da comunidade escolar, buscou-se agregar temtica inicial dos
agrotxicos outros temas relativos questo da sade. Assim passou-se a trabalhar tambm com
os temas: Sade infantil e Sade Bucal. Nesse momento a personagem Aninha ganha destaque e
passa a ser a protagonista da revista de sade. Em 1998 trabalha-se a proposta pedaggica baseada
na concepo dos temas transversais, propostos nos Parmetros Curriculares Nacionais PCNs,

15

estabelecidos pelo Ministrio da Educao, fundados na perspectiva da interdisciplinaridade.


Neste momento j tem-se claro que a proposta pedaggica deve compor a necessria formao
de alunos e professores pesquisadores. Ainda nesse ano ampliaram-se e aprofundaram-se as
temticas relativas ao Meio Ambiente (solo, biodiversidade, gua e clima) e foi includo o tema
Cidadania, que incorporou as temticas relativas a Trabalho e Consumo, Temas Locais e Civismo.
Nova modificao fez-se necessria quando o governo estadual iniciou a implantao do
processo de nuclearizao das escolas, fator determinante para que o Programa AGRINHO
passasse a trabalhar com crianas e jovens do meio urbano.
Em meados de 2002, a fundamentao pedaggica revista e passa a ser adotada a
proposta metodolgica crtica, desenvolvida por Torres em sua tese de doutorado, que tem como
princpios fundantes a colaborao, a interdisciplinaridade e a pesquisa. O Programa passa por
mais uma ampliao para contemplar outros temas que se faziam igualmente prioritrios: Meio
Ambiente, Sade, Cidadania e Trabalho e Consumo. Novos materiais so desenvolvidos, desta vez
para alunos e professores.
Em 2006, quando o Programa completou 10 anos, buscou-se realizar uma ampla avaliao
do Programa. O incio da avaliao se deu com o levantamento de dados e informaes, por
meio de questionrios e entrevistas voltados a professores e alunos. Os resultados da obtidos
levaram segunda etapa da avaliao, realizada com diretores de escolas, documentadores
municipais, secretrios municipais de educao, educadores de instituies governamentais,
professores e pesquisadores de Universidades, especialistas que acompanham o Programa desde
sua implantao e consultor externo da rea de comunicao e educao.
Assim em 2006, o material do aluno recebe outra estruturao, passando a ser organizado
por srie e no mais por temas. A Coleo Agrinho preparada em 2006 foi idealizada para
contribuir na formao de alunos e professores pesquisadores, como sujeitos fazedores da
histria atual. Sua proposta explorava a interdisciplinaridade na perspectiva de superar a mera
transversalidade de contedos e temas. Estava composta por nove materiais destinados aos alunos
e dois materiais dirigidos aos professores. Os nove materiais para alunos atendem ampliao do
ensino fundamental, j anunciada na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB)
Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996 e pela Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001,
que estabeleceu o Plano Nacional de Educao (PNE), e pela Lei n. 11.274, de 6 de fevereiro de
2006, que alterou alguns artigos da LDB e determinou que Municpios, Estados e Distrito Federal
at 2010 implantassem a ampliao para nove anos do Ensino Fundamental, tornando obrigatria
a matrcula para crianas a partir dos 6 anos.

16

Os dois livros que compunham o material do professor apresentavam reflexes tericoprticas: Alguns fios para entretecer o pensar e o agir, continham as orientaes gerais referentes a
todos os temas do Programa, e Algumas vias para entretecer o pensar e o agir, contemplava algumas
propostas metodolgicas inovadoras em consonncia com as orientaes do Programa.
No final da primeira dcada do sculo XXI nova pesquisa foi realizada para avaliar o
Programa. Trabalhou-se com uma amostra de 617 professores, 1.060 alunos, 92 diretores, chefes
de ncleos de educao e secretrios municipais. Muitos so os dados levantados e avaliados.
Julgamos pertinente apresentar alguns destes dados.
A pesquisa com os alunos nos trazem os seguintes resultados:
96,23% dos estudantes conhece ou j ouviu falar do Programa Agrinho e apenas 3,77%
desconhece o programa;
70,20% consideram os assuntos trabalhados no material do programa interessante,
24,51% acham muito interessante, 4,8 % disseram que era pouco interessante e 0,49
no sabiam opinar ou consideraram nada interessante;
75% dos entrevistados disseram que o material do Agrinho foi trabalhado em sala de
aula e foram realizadas atividades;
53,10% dos estudantes mostraram para os pais, irmos e amigos os materiais, 37,73%
releu os materiais e 9,15% no.
Os alunos elencam como as principais lies que aprenderam com o Agrinho: preservar a
natureza; alimentar-se bem; cuidar da higiene pessoal; no desperdiar gua; no poluir; cuidar
do meio ambiente.
J os resultados da pesquisa com os professores nos trazem os seguintes dados:
98,86% dos docentes conhecem ou j ouviram falar do Programa Agrinho e apenas
1,14% desconhece o programa;
68,03% consideram os assuntos trabalhados no material do programa interessante,
28,36% acham muito interessantes, 2,46 % disseram que era pouco interessante e
1,15% no sabiam opinar ou consideraram nada interessante;
72,47% dos entrevistados disseram que o material do Agrinho foi trabalhado em sala de
aula e foram realizadas atividades, entre as quais destacaram a leitura em sala de aula,
a produo de textos, os debates, as atividades da revista, as pesquisas;

17

92,62% souberam elencar os objetivos do programa e 7,8% no souberam elencar os


objetivos do programa;
72,13 perceberam alguma mudana de hbito no dia a dia dos alunos que participaram
do programa e 27,87% no perceberam.
De todo esse processo restou a certeza de que o Programa Agrinho trilha um percurso
bem-sucedido. O que refora o compromisso da manuteno da qualidade, da melhoria constante
e da capacidade de propor inovao. Em vista disso a proposta foi acrescida de novos temas e
materiais. Desta vez com o acrscimo de materiais on line.
COLEO DO PROGRAMA AGRINHO
Esta Coleo Agrinho est idealizada para contribuir na formao de alunos e professores
pesquisadores, como sujeitos fazedores da histria atual. Sua proposta explora a interdisciplinaridade
na perspectiva de superar a mera transversalidade de contedos e temas. composta por nove
materiais destinados aos alunos e dois materiais dirigidos aos professores.
Os nove materiais para alunos atendem ampliao do ensino fundamental, j anunciada
na Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB) Lei n. 9.394 de 20 de dezembro
de 1996 e pela Lei n. 10.172, de 9 de janeiro de 2001, que estabelece o Plano Nacional de
Educao (PNE), e pela Lei n. 11.274, de 6 de fevereiro de 2006, que altera alguns artigos
da LDB e determina que Municpios, Estados e Distrito Federal devero at 2010 implantar a
ampliao para nove anos do Ensino Fundamental, tornando obrigatria a matrcula para crianas
a partir dos 6 anos.
Os dois livros que compem o material do professor apresentam reflexes terico-prticas:
Complexidade: redes e conexes do ser sustentvel, contm as orientaes gerais referentes a todos
os temas do Programa, e Complexidade: redes e conexes na produo do conhecimento, contempla
algumas propostas metodolgicas inovadoras em consonncia com as orientaes do Programa.
A inspirao primeira de ambos os livros foi a da urdidura de uma rede, de uma malha, por
entender-se que o conhecimento se processa como um liame, que composta respectivamente
pela liao de vias e interconexes. As vias podem representar o indivduo, o sujeito, o ser, o
self, que ao mesmo tempo em que olha para si toma cincia da perspectiva do outro e se prepara
para o coletivo. As interconexes representam as relaes; em outros termos, s perspectivas
individuais somam-se os entrelaamentos decorrentes do outro, do coletivo, do temporal, do
espacial, do contextual, do conjuntural etc. O liame muito mais do que a mera composio de

18

vias, interconexes, tramas e malha. Representa a vinculao dinmica do todo, ou seja: das vias,
das interconexes, do individual e do coletivo, do sujeito e do grupo, do tempo e do espao, do
contexto e das conjunturas, das aes e das atuaes, da prpria malha e da prpria rede.
FUNDAMENTOS DA PROPOSTA
A proposta metodolgica adotada pelo Programa Agrinho uma proposta metodolgica
crtica, que se orienta pela necessria formao de alunos e professores pesquisadores. Est baseada
nas seguintes premissas, prescries e princpios tericos: 1) na concepo dos temas transversais,
propostos nos Parmetros Curriculares Nacionais PCNs, estabelecidos pelo Ministrio da
Educao, fundados na perspectiva da interdisciplinaridade e na busca da transdisciplinaridade;
2) na pesquisa como prtica educacional proposta por Bochniak (1998) e Torres (2002); e 3) na
colaborao na perspectiva apresentada por Torres (2002) em sua tese de doutorado.
Tal escolha metodolgica se deu pelo fato que se pretende a ruptura com as propostas
pedaggicas tradicionais que fragmentam o processo educacional, compartimentando os contedos
em estruturas disciplinares. A interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade, a cooperao, a
colaborao, o dilogo, a troca, a interatividade, a pesquisa, a produo de conhecimentos e a
comunicao de grupo so constantemente destacados em discursos e projetos, embora poucos
programas de fato proponham estratgias pedaggicas que garantam tais prticas. Muitas vezes
constata-se o uso dessas palavras sem, contudo, qualquer compromisso com uma prtica a elas
consentnea. No raro a proposta pedaggica a da transmisso de informao, travestida de uma
roupagem nova, garantida pelo uso de tecnologias de informao e comunicao para difundir a
informao (TORRES e KUCHARSKI, 2011).
A escola precisa ser formada para o trabalho com a interdisciplinaridade, com a colaborao,
com a pesquisa e com a transversalidade, propostas de fundo terico que subsidiam a abordagem
dos temas selecionados pelo Agrinho. Para Torres e Bochniak:
Sabe-se que diversas so as experincias de colocao dos princpios da transversalidade e da
interdisciplinaridade em prtica, assim como se sabe, tambm, que a efetiva transposio ainda no
foi concretizada, na maioria das escolas. Faz-se, necessrio, concretizar a implementao desse eixo
epistemolgico, buscando uma proposta metodolgica coerente com os princpios tericos estabelecidos,
pois, percebe-se, de fato, que especialmente em relao s questes da interdisciplinaridade e da
transversalidade a escola ainda se encontra diante de um enorme descompasso entre teoria e prtica
(2003, p. 3).

A fim de buscar a referida transposio foi que se definiu pelo uso neste programa da
proposta metodolgica desenvolvida por Torres (2002) em sua tese de doutorado, denominada

19

LOLA Laboratrio On Line de Aprendizagem, que sem nunca pretender constituir-se em


uma receita, apresenta, sugere, prope, procedimentos prticos a serem desenvolvidos, em sala
de aula, para se chegar aos propsitos terico prticos que se tm para uma educao crtica,
criativa, reflexiva que desenvolva em docentes e discentes a inventividade, a autonomia e o
comprometimento, tornando-os sujeitos pesquisadores fazedores da Histria atual, capazes de
produzir novos conhecimentos.
O objetivo desta proposta metodolgica a promoo de uma aprendizagem em molde
colaborativo por meio de atividades programadas e interativas. No LOLA pretende-se proporcionar
uma dinmica que se configura por uma metodologia colaborativa, ativa e interativa. (TORRES,
2010, p 3. )
Destaque deve ser dado funo do trabalho em grupo e do trabalho individual nesta
proposta. de fundamental importncia que todos os exerccios sejam feitos em algumas ocasies
individualmente e em outras em grupos pequenos, bem como a exigncia de que esses grupos
tenham a sua composio constantemente alterada. A colaborao modifica substancialmente o
papel do aluno e do professor no que diz respeito percepo de seu papel individual e social, j
que o trabalho individual desenvolve perspectivas bem diferentes das do trabalho em grupo e isso
deve obrigatoriamente ser explorado pelos discentes e professores.
A proposta colaborativa faz que, ao desenvolverem atividades em equipe, a organizao
pessoal, o ritmo e metodologia de trabalho, a noo de diferentes enfoques e indagaes sobre o
trabalho promova tanto o autoconhecimento quanto o conhecimento e desenvolvimento do aluno
como membro de um grupo, ao mesmo tempo em que se tem o fortalecimento do grupo.
Embora hoje mais do que nunca a escola enaltea os trabalhos coletivos, destaca-se que
sem um trabalho de individuao, interiorizao, internalizao no se tem um trabalho real de
equipe. A recproca tambm verdadeira, sem o grupo no se pode trabalhar o indivduo, de
maneira total e interdisciplinar. Simonne Ramain (1973) j destacava a importncia do grupo ao
afirmar: o ser relao.
A fim de explorar essa questo relacional, nesta metodologia, a composio dos grupos
precisa ser constantemente alterada. indispensvel que os alunos no trabalhem sempre com os
mesmos colegas em uma mesma equipe, mas que o trabalho ocorra em diferentes grupos, com as
mais diversas composies.
Assim se pretende superar a resistncia apresentada por alunos, para as constantes
mudanas nos grupos, j que tais mudanas visam permitir que os alunos vivenciem diversos
papis na equipe. Destaca-se a necessidade de questionarmos e analisarmos os motivos pelos
quais os alunos resistem s mudanas no grupo de maneira to intensa.

20

Cabe discutir processo de acomodao que invariavelmente leva os discentes a assumirem


determinados e fixos papis. Com a mudana constante na composio dos grupos, ocorre o
rompimento dessa acomodao; dessa maneira, modificam-se os papis que deixam de ser fixos.
Na escola de uma maneira geral, os alunos, invariavelmente, assumem os mesmos papis: o papel
de lder do grupo ou de negligente; o de organizador de contedo ou de apresentador etc.
Com as mudanas frequentes, garante-se que em um grupo possa estar reunido mais de um
relator, mais de um organizador de contedo, mais de um redator, mais de um lder. Isso obriga o
grupo e cada um dos participantes ao revezamento de papis, atitude muito educativa e rica para
ser explorada. Essas mudanas alteram substancialmente as praxes e rotinas determinadas pela
instalao das chamadas panelinhas, inadequadas escola atual. Assim, uma das premissas
fundamentais desta proposta a de provocar rupturas, desinstalar, colocar o Sujeito diante de
situaes sempre novas e conflitantes.
ATIVIDADES DO PROGRAMA AGRINHO
Este livro composto por 41 artigos. Eles constituem a base terica para que os temas
possam ser trabalhados com o necessrio aprofundamento.
Esses temas devero ser abordados pelo professor, junto aos alunos, por meio das atividades
que compem o LOLA1, metodologia desenvolvida em tese de doutorado por Torres (2002) e
atualizada posteriormente aps a implementao no Programa Agrinho e em diversas turmas de
ps graduao stricto sensu.
As atividades no LOLA, tanto individuais como grupais, so propostas para promover a
construo do conhecimento. no processo de gesto das atividades do LOLA que os grupos se
organizam e elaboram uma proposta de trabalho definida e negociada coletivamente. ( TORRES,
2010, p. 3)
Com o acrscimo da atividade de construo de mapas conceituais, hoje tm-se oito atividades
no LOLA que organizam, dinamizam e do sentido ao do grupo. Essas atividades especficas e
consecutivas que hoje compem o LOLA, se desdobram, conforme o esquema a seguir:
Delimitao da Pesquisa: leitura de bases tericas;
Inserir Links;
Questionar o conhecimento existente;
Responder aos questionamentos elaborados;
Delimitao da Pesquisa: leitura da realidade;
Construir Mapas Conceituais;

21

Produzir novos conhecimentos;


Avaliar todos os procedimentos desenvolvidos.
O primeiro exerccio do trabalho denominado Delimitao da Pesquisa: Leitura de
Bases Tericas corresponde atividade introdutria da proposta e pretende estabelecer o
universo de referncia que ser delimitado, ou seja, a abrangncia do propsito da pesquisa.
Foi assim denominado porque aos professores fornecida uma breve coletnea de textos j
existentes sobre o assunto, que se consubstancia como argumentao terica para inspirar os
sujeitos pesquisadores no desencadeamento da eventual pesquisa bibliogrfica necessria para a
produo de novo conhecimento sobre a temtica. Assim, esta primeira atividade corresponde ao
levantamento do referencial terico do assunto, tambm denominado levantamento bibliogrfico,
ou levantamento do estado da arte de temticas relevantes e correlatas ao tema da pesquisa.
Corresponde quelas atividades em que professores e alunos tomaro conhecimento do
contedo dos textos de apoio sobre cada um dos Temas do Programa, por meio de leituras e
construo de mapas conceituais2 para que possam ter uma viso mais ampla do assunto, quer
seja do ponto de vista tcnico, socioeconmico, poltico, literrio, psicossocial e operacional.
Mapas Conceituais so uma forma de representao visual da informao utilizados em
diferentes contextos educacionais e no educacionais (TORRES e SIERRA, 2012). Eles so
muito teis em trabalhos de reviso bibliogrfica, que supem a leitura, a anlise e o registro de
anotaes relacionadas a documentos revisados. (TORRES e SIERRA, 2011).
Com essa leituras iniciais e com a elaborao destes primeiros mapas conceituais, pretende-se
fornecer uma breve argumentao terica para inspirar alunos e professores no desencadeamento
da pesquisa bibliogrfica necessria para o aprofundamento sobre a temtica. Recomenda-se
nesta atividade que o professor no se restrinja aos textos disponibilizados nos diversos materiais
e instigue seus alunos a proporem novos textos para a leitura.
No segundo exerccio, o de Inserir Links, busca-se propor conexes ao conhecimento
de forma a estabelecer a relao entre a teoria e a prtica. No incio deste exerccio, os alunos
devem buscar, individualmente ou em grupo, novas fontes de informaes: pginas na internet,
livros, jornais e revistas. As informaes complementares obtidas devem ser disponibilizadas a
todos os alunos, dando as mais diversas vises sobre um mesmo tema.
Os textos trazidos para esse exerccio podem ser consultados tanto na biblioteca da escola
quanto em um tempo livre do aluno, alm do expediente escolar. Os novos textos selecionadas
devem ser explorados por todos os alunos, ora individualmente, ora em grupo.

22

Pode-se utilizar aqui a tcnica de mapas conceituais3 para ajudar os alunos a explorarem
os contedos dos diversos materiais por eles selecionados, a fim de garantir que as informaes
sejam transformadas em conhecimento.
Os mapas conceituais elaborados pelos alunos devem ser disponibilizados para todos os
colegas. Assim, pode-se coloc-los em exposio em um mural, ou em um arquivo de fcil acesso
a todos, ou ainda pode ser publicado na Internet.
Nessa atividade ao atribuir-se ao grupo a funo de selecionar contedos para serem
discutidos, encoraja-se o aluno a refletir, a pesquisar, a questionar e a reelaborar o conhecimento
existente. Busca-se superar o paradigma da escola tradicional, de ensino memorstico, que coloca
sobre o professor a responsabilidade de selecionar a verdade cientfica a ser apresentada aos
alunos, a quem resta simplesmente memorizar o que lhe apresentado.
Destaca-se que os contedos propostos por alunos, tanto para os professores quanto para
outros alunos, so to valorizados quanto os contedos selecionados pelos professores. Assim,
alunos e professores estabelecem uma parceria que os leva a manter um papel ativo, colaborativo
e reflexivo no processo de aquisio e produo do conhecimento.
de responsabilidade tambm dos alunos a anlise crtica desses contedos, que, aps serem
disponibilizados para os colegas com comentrios, podem e devem receber novos comentrios,
que tambm estaro disposio de todos para novas intervenes. Cada aluno deve colocar
no seu portflio4 seus textos e suas fichas com o seu levantamento bibliogrfico, seus mapas
conceituais e seus comentrios.
Os alunos podem e devem exprimir suas ideias, questionar o saber estabelecido, construir
significaes e ressignificaes e, principalmente, resgatar o prazer do saber.
Ao compartilhar os comentrios com os colegas da turma, os discentes passam a ter seu grupo
invadido por membros novos, sofrem outras rupturas e recomeam o processo de negociao
de conflitos, de gesto da pluralidade e reformulao da anlise, da sntese e da tese elaborada
anteriormente. Para disponibilizar esses textos para toda a turma, pode-se publicar este material
em um mural ou ainda pode-se colocar em um arquivo, de fcil acesso a todos.
Questionar o conhecimento existente um exerccio basilar para a pesquisa. A origem
do conhecimento est para Faundez (1985, p. 25) na pergunta, ou nas perguntas, ou mesmo no
ato de perguntar. Assim impossvel pesquisar e produzir novo conhecimento sem perguntar.
Na atividade de formular perguntas, os alunos fazem seus questionamentos sobre os
contedos transmitidos pelos professores ou pesquisados pelos prprios estudantes, ora em
grupos, ora de forma individual.

23

Cabe ao professor exercer o papel de orientador, levando seus alunos a superarem a


proposio de perguntas simples, meramente conceitual ou factual, que na maioria das vezes se
caracterizam pela reproduo de contedos memorizados. Sugere-se que o professor oriente seus
alunos a descartarem perguntas tais quais: o que ?; quais as caractersticas?; quem fez?; em que
ano? etc. e a buscarem aprimorar questes mais complexas de interpretao, de comparao de
aplicao, de anlise, de sntese, de avaliao. Ao propor aos alunos essa atitude mais reflexiva o
professor conduz os discentes a assumirem uma posio de sujeitos pesquisadores. Para Freire e
Faundez (1985,p.25), o problema que, na verdade se coloca ao professor o de, na prtica, ir
criando com os alunos o hbito, como virtude, de perguntar.
Essa atitude interdisciplinar de pesquisa tem como base a concepo de interdisciplinaridade
de Bochniak (1993) adotada nesta proposta, em que alunos e professores vivenciam a superao
de inmeras vises fragmentadas e (ou)dicotmicas existentes no cotidiano de nossas escolas,
principalmente a superao da viso dicotmica entre teoria e prtica. Vale destacar que quando
a inteno a de superar a elaborao de questes apenas conceituais, no se trata de o professor
artificialmente fazer a indicao para os alunos por meio de comandos, mas sim de levar cada um
dos alunos a refletir sobre suas questes, sobre a atividade individual ou grupal e sobre suas
atitudes durante o perodo do exerccio.
A defesa do ato de perguntar no coloca a pergunta como um jogo intelectual; para Freire e
Faundez (1985) justo o contrrio, necessrio que o aluno, ao elaborar uma pergunta obtenha
na resposta uma explicao do fato e no a mera descrio das palavras ligadas ao fato. Para
eles preciso que o educando v descobrindo a relao dinmica, forte, viva, entre palavra e
ao, entre palavra- ao-reflexo. Ao exercitar este processo reflexivo, tem-se de forma quase
natural e espontnea a superao da dicotomia existente entre teoria e prtica. Destaca-se ainda
a artificialidade de solicitar somente ao professor que desempenhe o papel de relacionar teoria
e prtica, pois o professor no conhece na totalidade a realidade sociocultural do estudante, seu
ambiente familiar, suas vivncias e experincias, para fazer esse tipo de relao.
O professor, ainda que bem intencionado, ao estabelecer a relao existente entre a teoria
e a prtica e simplesmente apresent-la a seu aluno, acaba por priv-lo da oportunidade nica de
desenvolver a sua leitura de realidade, com base nos contedos que vem trabalhando na escola. E
priv-lo dessa oportunidade pode ser um fator impeditivo para o desenvolvimento de seu esprito
crtico e de sua autonomia.
Na atualidade, dados os avanos cientfico-tecnolgicos que facilitam o acesso a informaes,
cabe escola ultrapassar a funo de transmisso do conhecimento que, por muitos sculos,
desempenhou. O simples exerccio de elaborar questes sobre um entendimento existente

24

determina, por parte de quem o produz, a aquisio desse conhecimento, pois a questo
fundamental do processo de questionar o conhecimento existente o de que
s se pode perguntar sobre algo a respeito do qual j se possua algum conhecimento. Se nada se sabe sobre
Nicargua, nem a mais elementar pergunta a esse respeito pode ser elaborada. At a questo bsica sobre
O que Nicargua? supe, ao menos, o conhecimento da expresso Nicargua. Todas as demais perguntas
sobre ela implicam tantos outros conhecimentos quantas mais perguntas se quiser fazer. Aos que a conhecem
no seria cabvel a questo: Quem Nicargua? Aos que sabem pouco sobre ela, e sobre assuntos a ela
correlatos, seria extremamente embaraoso fazer perguntas. Mesmo as mais simples (Qual o regime poltico
da Nicargua? Onde est situada? Qual a sua capital?) supem outros tantos conhecimentos (sobre regime
poltico, situao geogrfica, capital, Estado, pas...). Assim que, com certo exagero, pode-se dizer que
quando se elabora uma pergunta porque j se sabe respond-la. Ou, com razo, pode-se afirmar que para
questionar algo h que se saber sobre ele, ou se saber onde buscar informaes sobre ele (1993, p. 45).

fundamental destacar que nesta atividade no h limite mnimo nem mximo para o
nmero de questes a serem feitas. Esse limite estabelecido em funo da durao de cada
sesso ou de cada momento que o professor reservar para esta atividade, seja ela individual ou
grupal. Nesta atividade os estudantes devem registrar as questes elaboradas em uma Ficha ou
Folha de Exerccio prpria. Se os discente ainda no forem alfabetizados, a atividade ser feita
oralmente e o professor far o registro por eles.
O fato de no se estabelecer um limite, a no ser o de tempo de durao das sesses, para
as atividades nesta metodologia tem por objetivo evitar a chamada atitude ou mentalidade de
tarefeiro, bastante difundida nas escolas; cumprida a tarefa no h mais nada a fazer a no ser,
o quanto antes, livrar-se do fardo a que qualquer atividade na escola est associada. (TORRES
e BOCHNIAK, 2003, p.13)
Procura-se trabalhar no aluno a percepo de que, enquanto ainda se tem tempo, melhor
aproveitar para continuar a pesquisa. Bochniak (1993) tambm destaca outra dicotomia existente
entre Trabalho e Lazer que esta proposta prope-se a superar. O trabalho no necessariamente
desprazer, da mesma forma que o lazer no sempre prazeroso. Isso fica claramente evidenciado
entre as crianas pequenas que ainda no assimilaram as vises preconceituosas de nossa
sociedade atual.
Responder aos questionamentos elaborados por outros alunos o quarto exerccio
desta metodologia. Nesta atividade deve-se tomar cuidado especial para que os alunos jamais
selecionem questionamentos elaborados por si mesmos ou por equipe de que tenham participado.
No exerccio de responder, os discentes, individualmente ou em grupo, deparam-se com um
elenco muito variado e volumoso de questes, j que dispem para sua escolha de inmeras
Fichas de Questionamentos elaboradas por seus colegas e disponibilizadas em um fichrio ou em

25

um arquivo publicado na internet. A escolha de perguntas que se quer responder nesta atividade
corresponde a um singular exerccio de avaliao, j que, em primeira instncia, o aluno dever
avaliar, em funo de critrios diferentes, por ele ou pelo seu grupo estabelecido, qual seria a
Ficha escolhida, bem como assumir as consequncias de sua escolha.
Dessa forma diversos so os critrios estabelecidos. Alguns escolhem as perguntas mais fceis,
outros as mais difceis, ou ainda as mais curtas, ou seja, aquelas que contam com poucas questes.
Tambm entram em considerao critrios que dizem respeito a: interesse por determinados
assuntos e desprezo por outros ou ainda a utilidade prtica em responder s questes. Alguns
escolhem questes de memorizao em detrimento de outras que exigem maior elaborao.
Interessante destacar que os alunos logo percebem que na execuo nem sempre so confirmadas
as expectativas do momento da escolha, e isso tudo deve ser explorado na avaliao. s vezes,
o discente escolhe uma Ficha com poucas questes, mas, embora curta, esta ficha leva bastante
tempo para ser resolvida, ou tempo maior do que alguma que tenha maior nmero de perguntas.
Outras vezes, escolhe-se uma Ficha com questes das quais o aluno j sabe a resposta, mas que
vo fazer com que ele entenda que no foram significativas para o seu crescimento.
Para a realizao deste exerccio com alunos no alfabetizados, necessrio ser pensada
e programada toda uma srie de procedimentos que mudam radicalmente a rotina de uma
sala de aula e que impe uma mudana na atitude metodolgica do professor. preciso
destacar a importncia do papel do professor com alunos ainda no alfabetizados, nessas
atividades de escolher os exerccios que sero respondidos por eles, para evitar uma induo
por parte do professor.
Com o aluno que j tem independncia para a leitura, esse processo de escolha feito
diretamente por ele. Quando se trata do responder individualmente ou em grupo de alunos no
alfabetizados, o professor deve fazer a leitura das questes, sem contudo interferir na escolha.
Vale comentar que nas sesses de avaliao tudo isso discutido e aprofundado amplamente.
Tanto o aluno e quanto o professor tm possibilidade de perceber, por exemplo, que escolher uma
Ficha cujas respostas j so conhecidas, uma atitude equivocada, pois se est submetendo a um
exerccio que nada tem a acrescentar produo de novos conhecimentos. Resumindo, trata-se
de um exerccio de perda de tempo.
Em segundo lugar, preciso destacar que o processo de escolha da Ficha oportuniza, ao
aluno, a percepo de que o conhecimento algo inesgotvel e de que jamais ele ter tempo para
responder a todas as questes. Assim sendo, torna-se claro ao aluno o motivo para que a escolha
seja feita em funo da oportunidade de crescimento que tal exerccio poder propiciar.

26

O objetivo desta proposta metodolgica o de criar essas reflexes ou pesquisas, tambm


a respeito de si mesmo e dos outros, ou de si mesmo como um outro, como diria Paul Ricoeur
e de desvelar que muito mais importante o processo de crescimento pelo qual venha a passar,
quando escolhe uma Ficha, do que o resultado ou produto final decorrente dessa escolha. o que
vimos designando inspiradas em Gaston Bachelard (1977), que se refere vigilncia intelectual
de si designando por vigilncia seletiva, ou tomada de conscincia de que, devido imensa
possibilidade de acesso informao colocada nossa disposio, especialmente nos dias atuais,
faz-se necessrio estabelecer um foco para pesquisar. Nesta perspectiva interdisciplinar nesta
proposta metodolgica, a nfase recai na ideia de que os contedos constituem meros pretextos
sobre os quais devem desenvolver-se as diversas atividades educacionais.
A quinta atividade Delimitao da Pesquisa: Leitura da Realidade corresponde ao
conhecimento do ambiente, da localidade, da comunidade, do grupo social, em que a pesquisa
ser desenvolvida; tambm chamada de pesquisa de campo. Esta atividade permitir aos
pesquisadores que estabeleam relaes entre o contedo terico lido e pesquisado e a realidade
da comunidade em que esto inseridos. Alunos e professores vo a campo colher dados relativos
a uma certa situao a fim de estabelecer relaes possveis naquele momento, entre a teoria e a
prtica.
Nesta atividade, os envolvidos com a perspectiva de desenvolvimento da pesquisa vo colher
dados relativos situao como um todo, entrar em contato direto com a realidade, com locais,
logradouros, instituies, pessoas da comunidade, buscando superar, assim, a dicotomia muitas
vezes existente entre a teoria e a prtica.
O sexto exerccio o de Elaborar mapas conceituais partindo dos textos indicados pelo
professor e tambm pelos indicados pelos alunos. Segundo MOLINA (2006, p. 108) os mapas
conceituais proporcionam um resumo esquemtico do que foi aprendido, ordenado de maneira
hierrquica. A elaborao de comentrios realizada nas duas primeiras atividades Delimitao
da Pesquisa: Leitura de Bases Tericas e Inserir LinKs prepara os alunos para a atividade
de Construo de Texto Coletivo. Aps a realizao das cinco primeiras atividades, eles devem
elaborar um mapa conceitual que se constitui em uma sntese dos textos trabalhados pela equipe
sntese entendida no simplesmente como um resumo das ideias de outrem, mas sobretudo
como uma produo prpria, particular e singular, exercitando-os como autores na produo
do conhecimento, pois um mapa representa o conhecimento de quem o faz num determinado
instante (MARRIOTT & TORRES, 2006, p. 11).
No stimo exerccio, o de Produzir novos conhecimentos, pretende-se levar os alunos a
elaborar um texto sobre um dos temas pertinentes temtica. Primeiro individualmente e depois

27

em grupo. O primeiro momento do exerccio realizado em grupo e consiste na definio do tema


para a produo do texto. Esta escolha emerge do dilogo entre todos os componentes da equipe.
Inicia-se assim um processo de negociao entre os integrantes da equipe que devem superar
conflitos, resistncias e problemas de comunicao, para coletivamente produzir o conhecimento.
A primeira etapa da atividade individual, e o aluno desafiado a elaborar uma sntese,
que se constitua efetivamente em uma nova produo do conhecimento. Tal sntese pode ser
elaborada a partir dos mapas conceituais feitos na primeira atividade, ou seja, na Delimitao da
Pesquisa: Leitura de Bases Tericas, ou na segunda atividade, ou seja, na atividade de Inserir
Links, ou ainda na sexta atividade, ou seja, na atividade de Elaborar mapas conceituais. A
segunda etapa realizada em grupo, os alunos so convidados a construir um texto coletivo que
seja subsidiado pelos diversos textos e mapas conceituais elaborados individualmente.
Nesse processo de elaborao coletiva do texto, cada aluno apresenta suas contribuies,
que vo sendo discutidas com os outros, que vo completando, refutando ou acrescentando ideias.
Cada membro do grupo de alunos pode interagir com qualquer um dos colegas e tambm com o
professor, estabelecendo assim uma rede de comunicao. Dessa forma, todos so responsveis
pela produo do texto e todos assumem os papis de escritor, pesquisador, revisor e crtico. Neste
exerccio, assim como nos outros, a nfase dada ao processo e no ao produto, sendo importante
que o professor acompanhe todos os momentos do processo: a discusso e a negociao para a
escolha do tema, as intervenes, a pesquisa, as articulaes, os questionamentos e debates para a
elaborao do texto. Ramain, em palestra proferida em Curitiba (1972), relatava que preferia ver
o borro de um trabalho do que este mesmo trabalho passado alimpo, pois no borro era possvel
ver um retrato real da aprendizagem do aluno e no trabalho passado a limpo via-se um retrato
maquiado. Via de regra, constata-se que a soma das diversas verses do texto muito mais do que
a verso final, o que comprova que o processo bem mais rico que o produto.
Quanto ao ltimo exerccio, o de Avaliar os procedimentos da pesquisa sempre devem ser
desenvolvido em grande grupo, com a regularidade das sesses estabelecidas em decorrncia
da sequncia proposta para a realizao dos demais exerccios pelos discentes. Nas sesses de
avaliao o que se faz, basicamente, conversar com todos os estudantes sobre como vm sendo
desenvolvidos os exerccios de questionar, de propor conexes, de produzir conhecimento e,
inclusive, como eles esto vivenciando o prprio exerccio de avaliar.
Dificuldades, facilidades, obstculos, resistncias, formas de superao e motivos de
manuteno dessas dificuldades cabem muito bem nessa conversa, uma vez que nela no esto
presentes os medos das notas, do descontar pontos, que prejudicam situaes desse tipo que se
conduzem na perspectiva da autoavaliao.

28

Essa concepo de avaliao tem como substrato de base os fundamentos filosficos da


avaliao de Montessori e de Ramain. A nfase exclusiva deve ser a da avaliao de processo,
proposta muito maior que do que a preconizada por alguns professores, que apresentam iniciativas
que s tm aumentado a frequncia das avaliaes de produto e nada tm contribudo para a
mudana de seu enfoque para o de processo. Muitas vezes os docentes verbalizam que realizam
avaliao contnua e de processo, justificando que a cada aula, solicitam um trabalho de avaliao
a seus alunos. Tais professores no percebem que esta uma avaliao de produto travestida,
que s sobrecarrega o professor, pela maior quantidade de atividades planejadas, elaboradas e
avaliadas, sem, no entanto, contribuir para com a melhoria do trabalho da educao. No se trata
de uma situao de autoavaliao, mas sim de proceder sntese de todos os pressupostos da
proposta metodolgica do LOLA.
Nas sesses de avaliao, cada aluno deve elaborar uma sntese pessoal como exerccio
de sistematizao das ideias discutidas e da experincia vivenciada durante a realizao das
atividades do LOLA. Este trabalho singular de elaborao de sntese no consiste em um resumo
de todas as ideias ou tampouco em uma resenha da reunio da avaliao, constitui-se sim num
exerccio privilegiado de reflexo absolutamente fundamental atitude de pesquisar.
REFERNCIAS
APOSTEL, L. et al. Interdisciplinaridad y ciencias humanas. Madri: Tecnos/Unesco, 1983.
APPLE, M. W. Educao e poder. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1989.
BACHELARD, G. O racionalismo aplicado. Rio de Janeiro: Zahar, 1977.
BERGER, P., e LUCKMANN, T. A construo social da realidade. Petrpolis: Vozes, 1973.
BOCHNIAK, R. Questionar o conhecimento. A interdisciplinaridade na escola...e fora dela. 2. ed. (revista e
ampliada). So Paulo: Loyola, 1998. 171 p.
BOCHNIAK, R. e PEREIRA, P. A.Pedagogia da pesquisa: uma metodologia a partir do Ramain. In: Revista
Labyrinthe em Portugus. So Paulo-SP, n. 2, mai. 1995, p. 20-24.
BOCHNIAK, R. O questionamento da interdisciplinaridade e a produo do seu conhecimento na escola. In:
FAZENDA, I. C. A. (Org.). Prticas interdisciplinares na escola. So Paulo: Cortez, 1991. p. 129-141.
BOCHNIAK, R. Revue de lAssociation Simonne Ramain Internationale. Le Laboratoire Pdagogique.
Paris-Frana, n. 10, nov. 1991, p. 26-30.
BOCHNIAK, R. Laboratrio pedaggico: Perspectiva de reviso do conceito de escola. In: Boletim da
Associao Brasileira de Psicopedagogia ABPP. So Paulo-SP. Ano VIII, n.17, jul. 1989, p. 77-80.
BOSI, E. Memria e sociedade. 3.ed. So Paulo: Companhia das Letras, 1994.

29

BRANDO, C. R. (Org.). Repensando a pesquisa participante. So Paulo: Editora Brasiliense, 1987.


COULON, A. Etnometodologia e educao. Petrpolis-RJ: Vozes, 1995.
FAZENDA, I. (Org.) et al. Novos enfoques da pesquisa educacional.
FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia saberes necessrios prtica educativa.11.ed. So Paulo: Paz
e Terra, 1996.
FREIRE, P., e SHOR, I. Medo e ousadia: o cotidiano do professor. 2.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
FREIRE, P. e FAUNDEZ, A. Por uma pedagogia da pergunta. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985.
GIROUX, H. Teoria crtica e resistncia em educao: para alm das teorias de reproduo. Petrpolis,
1986.
GLASSER, W. Une cole pour russir. Montreal: Logiques, 1998.
GRANGER, G. G. A cincia e as cincias. So Paulo: Editora Universidade
Estadual Paulista, 1994.
LENVAL, L. de. A educao do homem consciente. So Paulo: Flamboyant, s.d.
LDKE, M., e ANDR, M. E. D. Pesquisa em educao: as abordagens qualitativas. So Paulo: EPU,
1986.
MARRIOTT, R. de C. V.; TORRES, P. L. Tecnologias educacionais e educao ambiental: uso de mapas
conceituais no ensino e na aprendizagem. Curitiba: FAEP, 2006. 60 p.
MOLINA, A. et al. Potencializar a capacidade de aprender e pensar. So Paulo: Madras, 2006.
MONTESSORI, A. Formao do homem. 2. ed. Rio de Janeiro: Portuglia (Brasil), s.d.
MONTESSORI, A. Pedagogia cientfica: a descoberta da criana. So Paulo: Flamboyant, 1965.
NORA, P. et al. Ensaios de ego-histria. Lisboa: Edies 70, 1989.
OLIVA, A. Epistemologia: a cientificidade em questo. Campinas-SP: Papirus, 1990.
PIAGET, J. Psicologia da inteligncia. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1967.
RAMAIN, S. e FAJARDO, G. Perception de Soi par Lattitude et te mouvement.Paris: Epi, 1997.
RAMAIN, S. e FAJARDO, G. Structuration mentale par les exercises Ramain. Paris: Epi, 1975.
RAMAIN, S. Princpios pedaggicos da Proposta Ramain. Paris: Association Simonne Ramain
Internationale, 1973.
SCHAFF, A. Histria e verdade. So Paulo: Martins Fontes, 1987.
SEVERINO, A. J. Metodologia do trabalho cientfico. 17.ed. rev. So Paulo: Cortez, Autores Associados,
1991.
TEBEROSKY, A. e CARDOSO, B. (Org.). Reflexes sobre o ensino da leitura e da escrita. Rio de Janeiro:
Vozes, 1993.
TORRES, P. e CERVI, R. Renascer, 1998: um estudo avaliativo, SENAR, 1999.

30

TORRES, P. L. e BOCHNIAK, R. Educao e profissionalizao para micro e pequenos empresrios


rurais em desvantagens sociais e de regies menos favorecidas: Escola Aberta. Curitiba: Servio Nacional
de Aprendizagem Rural SENAR, 2000. 140 p.
TORRES, P. L.. LOLA: A Collaborative Learning Approach Using Concept Maps. In: TORRES, Patricia
Lupion; MARRIOTT, Rita de Cssia Veiga. (Org.). Handbook of Research on Collaborative Learning
Using Concept Mapping. Hershey New York: Information Science Reference, 2009, v. 1, p. 1-12.
TORRES, P. L.; KUCHARSKI, M. V. S.. The Utilization of Concept Maps as Knowledge Systematization and
Text-Authoring Tools in Collaboration Based Educational Processes The LOLA Experiment. In: Harrison
Hao Yang, Steve Chi-Yin Yuen. (Org.). Handbook of Research on Practices and Outcomes in Virtual Worlds
and Environments. USA: Information Science Reference, 2011, v. 1, p. 570-586.
TORRES, P. L.; SIERRA, T. V.. El cognitivismo, la educacin virtual y el aprendizaje a travs de mapas
conceptuales. In: Mary Morocho; Claudio Rama. (Org.). Las Nuevas Fronteras de la Educatin a Distancia.
Ecuador: Universidad Tcnica Particular de Loja; Virtual Educa, 2012, v. 1, p. 195-215.
TORRES, P. L.; HILU, Luciane; BEHRENS, Marilda Aparecida; MATOS, Elizete Lucia Moreira; MARRIOT,
Rita de Cassia Veiga; TARRIT, Claude Ren. Construo coletiva do conhecimento: desafios da cocriao no paradigma da complexidade. Open Educational Resources and Social Networks: Co-Learning and
Professional Development. Scholio Educational Research &: Inglaterra, 2012, v. 1, p. 1-17.
TORRES, P. L.; SIERRA, T. V. Um relato de experincia de uso de mapas conceituais como ferramenta par uso
de aprendizagem siginificativa rm cursos presenciais e a distncia. In: Youssef A. Youssef, Alejandro Ramirez.
(Org.). Social Software in Higher Education Pedagogical Models and Universities Strategies. Palhoa:
UNISUL, 2011, v. 1, p. 317-339.
VYGOTSKY, L. S. A formao social da mente. So Paulo: Martins Fontes, 1991

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

As atividades questionar, responder e avaliar do LOLA baseiam-se no Laboratrio de Aprendizagem de


autoria da Professora Doutora Regina Bochniak.

2 Mapa conceitual o recurso esquemtico para apresentar um conjunto de significados conceituais


includos uma estrutura de propostas. MOLINA (2006, p. 108)
3

A tcnica de mapas conceituais est apresentada no livro Complexidade: redes e conexes na produo do
conhecimento da Coleo Agrinho.

O uso de portflio como metodologia de avaliao est apresentada no livro Complexidade: redes e conexes
na produo do conhecimento da Coleo Agrinho.

31

COMPLEXIDADE E SUSTENTABILIDADE:
FUNDAMENTOS DO PROGRAMA AGRINHO

Patrcia Lupion Torres


Cleverson V. Andreoli

A atualizao do Programa Agrinho, cujos resultados esto traduzidos em dois livros


destinados aos professores e nove materiais paradidticos para os alunos do Ensino Fundamental,
contemplou o tema Sustentabilidade como eixo orientador de toda a concepo e a manuteno
da transversalidade, com a adoo dos temas definidos nos Parmetros Curriculares Nacionais.
A nova fase do programa Agrinho pretende estimular o debate complexo, mostrando a
interdependncia entre relaes frequentemente apresentadas como antagnicas. Dessa forma,
resgatam-se, por exemplo, a complementaridade dos conceitos de sustentabilidade e atividade
produtiva, a ideia de integrao dos conceitos de conservao e produo e a superao da viso
completamente equivocada que coloca a cidade e o meio rural em campos opostos.
Conhecer e aceitar o diferente a base fundamental para a construo dos consensos
to necessrios em nossa sociedade. No h dialogo possvel quando partimos do princpio da
certeza de nossas posies em um panorama de dissociao que separa o campo da cidade,
o desenvolvimento da conservao, o produtor rural e o ecologista como antpodas, como
representaes antagnicas. preciso, antes de tudo, resgatar a complementaridade entre os
conceitos artificiais e reducionistas que ignoram as inter-relaes e a complementaridade das
diferenas, como um continuum humano e social.

33

As relaes entre a cidade e o campo, entre o desenvolvimento e a conservao, entre


produtores rurais e ambientalistas devem ter uma nova leitura que estimule a reflexo sobre a
complementaridade e a interdependncia existente entre os conceitos estereotipados. O falso
antagonismo determinado por uma viso simplificada e maniquesta, com definies parciais que
enfatizam a diferena e a parcialidade. O que precisamos estimular o pensamento complexo,
que aprofunde a interdependncia dos extremos, uma viso dialtica.
Da porque, na elaborao deste livro Complexidade: rede e conexes do ser sustentvel
recomendou-se a cada autor que considerasse em seu tema especfico a abordagem da dimenso
social, econmica e ambiental que compe os conceitos de desenvolvimento sustentvel.
Desenvolvimento Sustentvel aqui entendido como um modelo econmico, poltico,
social, cultural e ambiental equilibrado, que satisfaa as necessidades das geraes atuais, sem
comprometer a capacidade de reproduo que garanta a satisfao das necessidades das geraes
futuras. Esta concepo embasada em um trip que inclui processos ecologicamente prudentes,
socialmente justos e economicamente viveis.
O conceito abrange, para Sachs (2000), sete aspectos ou dimenses principais da
sustentabilidade:

Sustentabilidade Social compreende a melhoria da qualidade de vida da populao,


equidade na distribuio de renda e de diminuio das diferenas sociais, com
participao e organizao popular;

Sustentabilidade Econmica diz respeito regularizao do fluxo de investimentos


pblicos e privados, compatibilidade entre padres de produo e consumo, equilbrio
de balano de pagamento, acesso cincia e tecnologia;

Sustentabilidade Ecolgica significa que o uso dos recursos naturais deve minimizar
danos aos sistemas de sustentao da vida: reduo dos resduos txicos e da poluio,
reciclagem de materiais e energia, conservao, tecnologias limpas e de maior eficincia
e regras para uma adequada proteo ambiental;

Sustentabilidade Cultural implica respeito aos diferentes valores entre os povos e


incentivo a processos de mudana que acolham as especificidades locais;

Sustentabilidade Espacial abrange o equilbrio entre o rural e o urbano, equilbrio


de migraes, desconcentrao das metrpoles, adoo de prticas agrcolas mais
inteligentes e no agressivas sade e ao ambiente, manejo sustentado das florestas e
industrializao descentralizada;

34

Sustentabilidade Poltica no caso do Brasil, refere-se evoluo da democracia


representativa para sistemas descentralizados e participativos, construo de espaos
pblicos comunitrios, maior autonomia dos governos locais e descentralizao da gesto
de recursos;

Sustentabilidade Ambiental trata da conservao geogrfica, do equilbrio de


ecossistemas, da erradicao de pobreza e excluso, do respeito aos direitos humanos e
integrao social. Abarca todas as dimenses anteriores por meio de processos complexos.

A discusso sobre o desenvolvimento sustentvel esbarra, contudo, nas chamadas restries


biofsicas ao crescimento, pois um sistema aberto no pode existir para sempre, dado que o
ambiente finito. Segundo Georgescu-Roegen (1977), mesmo a ideia da manuteno do padro
de vida alcanado pelos paises ricos no pode ser mantida indefinidamente. Em 1993, Daly
sugere a condio estacionria, entendida como um estado em que a utilizao de recursos da
natureza serviria apenas para manter o capital e a populao constantes, como estratgia para
prolongar a permanncia da espcie humana.
Nesse contexto, a sustentabilidade pode ser entendida como a capacidade do meio ambiente
de suprir cada recurso natural e absorver os produtos finais descartados. Assim, a antiga noo
de capacidade de suporte do ambiente deu lugar compreenso da relao entre a biocapacidade
do territrio e as presses a que so submetidos seus ecossistemas, pelo aumento do consumo de
energia e matria pelas sociedades humanas e pelas decorrentes poluies.
A economia, como subsistema aberto, deve eventualmente parar de crescer. Isso no significa que o
desenvolvimento da sociedade tambm deva cessar. Acreditar que o crescimento da economia humana
possvel e desejvel para sempre, s porque vem acompanhado do adjetivo sustentvel, atrasar e tornar
ainda mais dolorosa a transio para a condio estacionria. (VEIGA, 2009)

No conceito de sustentabilidade a condio que seja sempre garantido s geraes seguintes


o somatrio dos trs tipos de capital, considerados intercambiveis: o capital propriamente dito,
o natural/ecolgico e o humano/social (VEIGA, 2009). Esse conceito corrobora com a proposta
original de Sachs, que sugeria que o desenvolvimento sustentvel somente poderia ser definido,
desde que sejam observados trs requisitos fundamentais: economicamente vivel, ecologicamente
prudente e socialmente justo. Neste caso, o requisito social engloba as dimenses cultural e
poltica e o requisito ambiental engloba as dimenses ecolgica e espacial. Veiga (2010) conclui
este debate afirmando que no se deve entender a sustentabilidade como conceito, mas como um
valor que reaproxima a economia da tica e a sociedade da natureza.

35

Para alm das temticas norteadoras definidas para esta atualizao, foram includos
novos temas de relevncia como, por exemplo: sade coletiva, drogas lcitas (lcool, tabaco e
medicamentos antidepressivos), direitos humanos, histria da frica e dos africanos no Brasil,
interculturalidade, artes visuais, entre outros.
Essas temticas esto abordadas com base no paradigma da complexidade. Morin (2000)
encontra no significado da palavra latina complexus elementos para desenvolver a noo de
complexidade. Para o autor, Complexus significa o que foi tecido junto; de fato, h complexidade
quando os elementos diferentes so inseparveis constitutivos do todo (como o econmico, o
poltico, o sociolgico, o psicolgico, o afetivo, o mitolgico) ( MORIN, 2000, p.38). Tal conceito
est explicitado no texto de abertura do outro livro da Coleo Agrinho Complexidade: rede e
conexes na produo do conhecimento.
CAMINHOS PARA EXPLORAR AS REDES E CONEXES NA PRODUO DO
CONHECIMENTO NO PROGRAMA AGRINHO
Partindo de ambos os livros dedicados ao professor/professora, foram produzidos nove
materiais para os alunos das escolas pblicas e privadas do Ensino Fundamental. Todos os
temas propostos nestes livros esto implcita ou explicitamente contemplados nesses materiais
paradidticos. Embora nem sempre as temticas estejam descritas nos textos, muitas vezes as
ideias e os conceitos podem constituir as imagens. O que se pretende que o professor/professora
trabalhe com o material de forma a levar seu aluno a perceber as questes relacionadas ao tema
nas variadas abordagens. Com isso, h espao para uma discusso que ultrapasse as informaes
apresentadas e permita lidar com as diferentes vises de mundo que os alunos possam trazer.
Ao lado disso, abre-se a possibilidade da utilizao das informaes contidas no material para
a discusso de eventos, fatos, fenmenos da atualidade. A contextualizao das temticas
realidade mundial, nacional e local ajuda o aluno a fazer uma reflexo fundamentada, articulando
os conceitos e as ideias com a realidade circundante. Por exemplo, em uma determinada temtica
pode-se trazer fatos apresentados nos telejornais ou ainda a experincia do prprio aluno para
aprofundar o debate, de tal forma que ele consiga formar sua opinio e perceber a ligao dessa
temtica com as questes culturais, de cidadania, sade, meio ambiente, incluso social, entre
outros. O conjunto do material do Programa Agrinho desenvolvido para os alunos mais do que
simplesmente apresentar as temticas pretende promover a estimulao das linguagens verbais
(oral e escrita) e no verbal.

36

O material 1, denominado Brincadeiras com o Agrinho, composto por 62 folhas de


atividades. Tais folhas de atividades foram desenvolvidas para crianas da educao infantil,
considerando diversos nveis de dificuldade. Simone Ramain (1973) chama isso de dente de
serra, ou seja, existem atividades que a criana far com facilidade e outras que demandaro mais
esforo. Aqui foram tambm consideradas as diferenas determinadas pelo nvel de estimulao
prvia que a criana recebeu. As questes relativas higiene, alimentao, aos esportes e ao
lazer so as mais exploradas entre as diversas temticas de sade. A arte desenvolvida no Paran
marcante no material, com vistas a possibilitar a explorao de todos os temas transversais.
Observem que as temticas so transversais tambm entre si; por exemplo, nas folhas que aparecem
representadas algumas etnias, podemos explorar questes sobre pluralidade cultural, cidadania,
incluso, manifestaes culturais locais, ciclos de desenvolvimento econmico, emigrao e
migrao, composio familiar etc. Destacamos tambm que todas as figuras que foram recortadas
para as atividades propostas podem ser reutilizadas em jogos de percepo visual, de classificao,
de desenvolvimento da linguagem ou qualquer outro que a professora/professor criar ou adaptar.
Apresentamos aqui dois exemplos:
1. As figuras recortadas so colocadas em um saco plstico. Os discentes so organizados
em grupos de 5 ou 6 colegas para jogar. As crianas tambm trazem suas figuras. O
docente mostra uma figura para seus alunos, e eles devem encontrar uma figura igual em
seu saco de figuras. A equipe que encontrar primeiro a figura igual marca um ponto.
2. Esse material tambm pode servir para exerccios de classificao. O docente deve
solicitar aos seus alunos que separem, por exemplo, as verduras, ou os legumes, ou os
cereais, ou as frutas, ou as frutas vermelhas, ou ainda os produtos de limpeza etc.
Essas figuras podem ainda ser utilizadas para diversas outras atividades de desenvolvimento
de linguagem oral e escrita a critrio do professor/professora.
O material 2, Agrinho em cenas, consiste em um conjunto de atividades compostas por:
21 imagens de Cenas do cotidiano familiar, oito (8) fichas de Cenas paranaenses e um jogo
de baralho. Nesse material se privilegia como forma de passagem da informao a linguagem no
verbal, o que possibilita o exerccio de fluncia da oralidade e o desenvolvimento da escrita. Com
este material podemos ainda fazer exerccios de orientao-temporal, de orientao-espacial e de
percepo visual.
As 21 fichas ilustradas que compem uma ou vrias histrias possuem molduras coloridas
que sugerem a organizao de diferentes histrias. Se considerarmos todas as fichas como uma

37

nica histria, teremos, ento, uma histria maior que pode ser composta de outras menores, por
ns sugeridas pelas molduras, ou ainda por tantas outras quantas forem as sequncias propostas
pelo professor/professora, ou por seus alunos. Lembramos que a narrativa exige uma sequncia
mnima, abrir, desenvolver e fechar uma ideia. No h um fragmento isolado, cada fragmento
compe o todo. Com esse material podem ser trabalhados todos os temas transversais. Em cada
uma das fichas, podem, ainda, ser exploradas mltiplas temticas. Por exemplo, na ficha em que
aparece uma cena do posto de sade podem ser discutidos: os papis da famlia; o respeito ao
idoso, pessoa com deficincia fsica, ao meio ambiente; a importncia do lazer, da brincadeira; a
necessidade de equipamentos de segurana para as prticas de determinadas atividades esportivas.
Acompanha o jogo de fichas um encarte com sugestes de atividades que permitir explorar de
diversas maneiras este material.
A srie composta pelas oito (8) fichas, se recortadas/retiradas as partes em amarelo, forma um
quebra-cabea intitulado Cenas paranaenses. Essas cenas so apenas referncias de atividades
econmicas e das paisagens do Paran, e como tal no esto inseridas com preciso geogrfica.
Esto ali colocadas somente para ilustrar o debate sobre o tema. No verso dessas fichas, encontrase o mapa fsico do Estado do Paran. Aqui o objetivo tambm a simples apresentao do mapa,
sem outras pretenses. O docente, se desejar, pode assinalar a localizao do municpio onde
residem seus alunos.
O trabalho com essas imagens pode ser realizado ora individualmente, ora em grupo,
para que as crianas possam vivenciar estas duas formas de trabalho que, embora carreguem
diferenas, so igualmente ricas. O docente pode selecionar as imagens que quer explorar com
seus alunos, ou pode, ainda, lhes pedir que as selecionem individualmente ou em grupo.
Completa o material um baralho de cartas que pode ser usado independentemente das
fichas ou de forma complementar a elas. Este baralho composto de 36 cartas, com palavras de
diversas categorias gramaticais, como verbos, substantivos, preposies, adjetivos etc. As cartas
podem ser usadas para formar frases ou para modificar as histrias. Pode-se usar apenas uma
carta ou muitas cartas. Pode-se tambm associar as imagens a uma ou mais cartas. Ou pode-se
simplesmente usar as cartas.
O material 3, intitulado Palavras com asas, conta as aventuras de Nando, irmo do Agrinho
com as palavras. A histria gradativamente enriquecida com elementos verbais e no verbais
que permitem a discusso de outras temticas. Na pgina 29, por exemplo, tem-se o seguinte
texto: Qual ? Ser que ningum nesta mesa est vendo as comidas com asas? Agrinho, Aninha,
mame e papai esto comendo calmamente e nem olham para mim. Ser que eu estou invisvel?

38

Para alm da fantasia apresentada no texto, podem-se discutir: a importncia de uma


alimentao saudvel; o cuidado que o preparo de alimentos exige; a importncia de no se
deixar seduzir pela beleza dos produtos industrializados expostos em prateleiras de mercados; a
valorizao de produtos saudveis. Destaca-se ainda que sade tambm uma questo ambiental,
cultural e de cidadania. Intercalamos ao texto alguns jogos, que seguem a mesma orientao,
trabalhar com as palavras.
O material 4, intitulado Daqui pra l....de l pra c, tem como eixo temtico a conexo
campo cidade. Neste material pretende-se mostrar uma grande aventura digital vivida pelo
Agrinho e seus amigos. Assim por meio da narrativa que apresenta o Agrinho e seus amigos de
diversos municpios rurais e urbanos, os dilogos entre eles e as pesquisas realizadas pelo grupo na
internet mostramos a origem dos produtos agropecurios. Pode-se aproveitar essa ligao temtica
para trabalhar a origem familiar dos alunos e, partindo dessas informaes, fazer com eles o
mesmo circuito que fizemos no texto com os produtos agropecurios. O aluno cujo pai trabalha na
indstria, por exemplo, pode pesquisar sobre a atividade desenvolvida pelo seu progenitor; se a
me trabalhar no comrcio, ele investigar tal atividade. Dessa forma, teremos muitas experincias
relatadas e poderemos trabalhar com nossos alunos que a atividade laboral estabelece esta relao
campo cidade. Deve-se tambm destacar para os alunos a importncia da produo agropecuria.
Residindo seu aluno na rea urbana ou rural, sempre importante prestar ateno na origem e
nos produtos que satisfazem suas necessidades bsicas de alimentao, vestimenta, moradia e
tantas outras.
O material 5, intitulado As invenes e a Agricultura, tem como eixo o conhecimento e
as invenes. Pretende-se resgatar a ideia de que aprender divertido e que a pesquisa permite
andar pelo passado e desenhar o futuro. Ler, pesquisar, escrever, raciocinar, refletir, experimentar
bom e prazeroso. Neste material apresentada uma histria real, a histria dos alimentos, da
agricultura e que encerra grande parte da histria da humanidade. A ideia de visitar o passado
em uma frisa do tempo permite ao aluno uma visualizao temporal dos fatos por meio desta
transposio didtica No material do Agrinho, a linha do tempo pode ser completada com outras
informaes de forma individual ou coletiva e a informao trazida pelas crianas no pode nunca
ser dispensada. Todo o conhecimento adquirido por elas tem de ser compartilhado e os dados
levantados, bem como a opinio de todos deve ser respeitada. Este um exerccio de cidadania.
O conhecimento adquirido pela pesquisa, pela vivncia, pela observao, pela experincia, pela
sistematizao etc. uma verdade revelada individualmente.
Os materiais 6, 7, 8 e 9 esto em formato revista e tm como eixo a ideia de se adotar
um jeito sustentvel de ser e viver. Um ttulo maior (Tudo tem a ver com sustentabilidade, 6;

39

A vida em todas as suas formas, 7; A vida uma grande amiga da gente, 8; O tempo todo em
construo, 9) funciona como desencadeante dos assuntos a serem lidos, explorados e trabalhados
em conexo. Por isso, at a forma proposta para a leitura ganha uma pista a mais. Para quase
todos os textos, cones correspondentes s temticas trabalhadas sugerem as ligaes entre os
assuntos. H tambm um cone especial, com ponto de interrogao, que serve para que o leitor
sugira as ligaes entre os temas. Todos os cones esto ligados por um fio, o fio da tica. A ideia
que os leitores compreendam que a tica que nos leva a optar pelas melhores formas de agir,
com todas as pessoas, todos os seres vivos, com o meio ambiente. Ento, a tica como a veia que
faz circular o nosso sangue e garante a vida.
Esse conjunto de material conta, ainda, com diversas sees, so elas:
Bate-papo na rede, com Aninha e seus amigos mostrando como o jeito sustentvel
de ser. Com uma linguagem informal prpria da internet, traz comentrios, registros e
outras informaes sobre os assuntos que esto sendo apresentados.
V mais longe incentiva os alunos a pesquisarem e, muitas vezes, indica leituras
complementares sobre um determinado assunto.
Sai da sombra dedica-se a acrescentar dados e fatos sobre a temtica destacada, porque
sempre h muito mais a aprender.
As Artes de Agrinho, ao contemplar as mais diversas obras de arte, de diferentes espaos
e contextos, um convite a um passeio cultural que valoriza as obras de diversos artistas.
Retronauta dos pinheirais pretende levar o leitor, como num passe de mgica, a uma
viagem do presente ao passado para um encontro com protagonistas da nossa histria.
O foguete mgico acionado por estes versos da poetisa paranaense Helena Kolody:
... quatro... trs... dois... um...
ignio... partida.
Cada uma dessas revistas procura desenvolver as temticas selecionadas em decorrncia
da experincia esperada e da faixa etria da maioria dos alunos matriculados em cada uma
das sries.
Pretende-se que os contedos suscitem discusses e debates que contribuam para preparar
os alunos para o exerccio ativo da cidadania. Essas discusses muitas vezes podem ser iniciadas
tendo por base as ilustraes. Para cada um dos aspectos levantados nos debates, os docentes
podem coordenar um exerccio de anlise comparada, ou seja, levando questes como: o que vejo

40

no material? O que vejo na minha famlia, na minha casa, na minha vizinhana, na minha escola,
no meu bairro, na minha cidade? Vale destacar que qualquer ilustrao do material pode ser
utilizada para discutir temas que no esto claramente explicitados no texto correspondente do
material, mas que o professor/ a professora entende pertinente explorar. O professor/ a professora
pode ainda conduzir um exerccio de comparao explorando estas comparaes ao mximo. No
material h diversos textos e desenhos que permitem o desenvolvimento deste mesmo exerccio
de comparao. Os docentes podem enriquecer muito a discusso solicitando a seus alunos que
realizem pesquisas nos meios de comunicao, j que todas as temticas propostas no material so
relevantes e atuais. Fontes diversas de informao apresentam os fatos de maneira diferente. A
diversidade de dados e posicionamentos pode enriquecer a discusso e favorecer o desenvolvimento
de uma posio crtica. Todas as quatro revistas pretendem por meio de suas sees incentivar
a investigao, reiterando a possibilidade de um desdobramento que toda pesquisa sempre tem.
Assim, tanto a sugesto dada no material pode ser acrescida, melhorada, quanto podem ser
sugeridas outras pesquisas pelos discentes ou pelos docentes.
A ideia-fora do material que o conhecimento permite uma reflexo mais fundamentada
para auxiliar na tomada de atitude individual e coletiva, procurando buscar uma sociedade mais
sustentvel, justa, solidria, fraterna e igualitria.
REFERNCIAS
Complexidade e Transdisciplinaridade: a reforma da universidade e do ensino fundamental. Natal: EDUFRN,
1999.
Os Sete Saberes necessrios Educao do Futuro. So Paulo/Braslia: Cortez/UNESCO, 2000.
BRASIL. Lei n. 9.394. Estabelece as diretrizes e bases da educao nacional, de 20 de dezembro de 1996.
Braslia, 1996.
CARVALHO, E. Complexidade e Transdisciplinaridade: a reforma da universidade e do ensino
fundamental. Natal, EDUFRN, 1999. Disponvel em: <http://pt.scribd.com/doc/55332596/Complexidade-eTransdisciplinaridade>.
DALY, Herman E & TOWNSEND, Kenneth (Orgs.). Valuing the Earth: Economics, Ecology, Ethics. MIT
Press, 1993.
GEORGESCU-ROEGEN, Nicholas. The Steady State and Ecological Salvation: A Thermodynamic analysis.
BioScience, 27 (4): 266-270. 1977.
MORIN, Edgar. Introduo ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1991.
MORIN, Edgar. Introduo ao Pensamento Complexo. Lisboa: Instituto Piaget, 1997.

41

MORIN, Edgar. Os Sete Saberes necessrios Educao do Futuro. So Paulo/Braslia: Cortez/UNESCO,


2000.
PETRAGLIA, Izabel. Edgar Morin: A Educao e a Complexidade do Ser e do Saber, 6. ed., Petrpolis:
Vozes, 2001.
PRESTINI, S. A. M. M., 2005. Transversalidade e temas transversais na Formao inicial do professor
de matemtica. Dissertao apresentada como requisito parcial obteno do grau de Mestre em Educao
junto ao Programa de Ps-Graduao em Educao, na linha de pesquisa em Educao Matemtica, da
Universidade Federal do Paran, 2005.
RAMAIN, S. Princpios pedaggicos da Proposta Ramain. Paris: Association Simonne Ramain
Internationale, 1973.
SACH, Ignacy. Caminhos para odesenvolvimento sustentvel. Rio de Janeiro: Garamond, 2000.
VEIGA, Jos Eli da. Desenvolvimento Sustentvel O desafio do sculo XXI. Rio de Janeiro: Editora
Garamond, 2005.

42

A INTEGRAO CAMPO CIDADE:


QUEBRANDO PARADIGMAS

Paulo da Cunha Lana


Eugenio Libreloto Stefanelo

Aproximadamente 25% da superfcie dos continentes terrestres ocupada por sistemas


agrcolas ou pecurios, chamados coletivamente de zonas rurais. No contexto global, as
oportunidades para a expanso das reas de cultivo ou pecuria vm se reduzindo, na medida
em que as reas mais adequadas j foram historicamente ocupadas. reas marginais, como
encostas ngremes e solos pobres ou ridos, vm sendo progressivamente convertidas para estas
finalidades, assim como os grandes espaos das florestas ou de reas desrticas, por meio da
irrigao. Os sistemas agrcolas e pecurios se especializaram na proviso de alimento, fibra e, mais
recentemente, de energia, frequentemente s custas de outros servios potencialmente prestados
pelos ecossistemas. Por outro lado, a urbanizao e o crescimento populacional continuam a ser
tendncias demogrficas de carter global. De 1900 a 2000, a populao urbana da Terra passou
de 200 milhes a 3 bilhes de pessoas, chegando 7 bilhes em 2011 e devendo atingir mais de
9 bilhes em 2050. Esse acelerado crescimento demogrfico e econmico das reas urbanas tem
igualmente trazido presses significativas sobre os ecossistemas terrestres. Embora a urbanizao
em si no seja intrinsecamente m para os ecossistemas, ela pode, se mal planejada e conduzida,
trazer riscos reais de reduo dos bens e servios por eles prestados e, em consequncia, afetar a
qualidade de vida de populaes humanas.

43

Ao longo da histria humana, o urbano e o rural foram tradicionalmente vistos e representados


como espaos antagnicos ou, na melhor das hipteses, complementares. Para compreendermos
e transcendermos esta tradicional dicotomia entre os mundos do campo e da cidade, devemos
analisar as origens e evoluo deste afastamento, que tem bases de fato materiais, mas que tambm
se expressa por meio de nossas representaes sociais ontem e hoje.
Segundo Ferro (2000), o mundo rural tradicional se organiza em torno de uma funo
principal (a produo de alimentos), uma atividade econmica dominante (a agricultura), um
grupo social de referncia (a famlia camponesa, com modos de vida, valores e comportamentos
prprios) e um tipo de paisagem que reflete a conquista de equilbrios entre as caractersticas
naturais e o tipo de atividades humanas desenvolvidas. Este mundo rural secular se oporia ao
mundo urbano, marcado por funes, atividades, grupos sociais e paisagens no s distintos, mas
em grande medida construdos contra o mundo rural. Essa percepo, vista como espontnea
ou natural, traz implcita a ideia de que campo e cidade seriam complementares e poderiam
manter um relacionamento estvel num contexto marcado pelo equilbrio e pela harmonia, mesmo
mantendo suas identidades materiais e culturais e suas especificidades funcionais.
At que ponto esta representao tem bases histricas ou, em outras palavras, at que ponto
esta oposio ou dicotomia legitimada pelos melhores conhecimentos que temos a respeito da
evoluo destes sistemas? Seja material ou culturalmente construda, esta oposio entre campo e
cidade certamente fruto da capacidade que nossa espcie teve de transformar o espao ao seu
redor e, a partir da, de representar socialmente essas mudanas, como base dos seus sistemas
de valores e de comportamento. Esse processo pode ser chamado genericamente de antropizao
dos sistemas naturais. Um sistema antropizado seria aquele submetido presena do homem e
modificado, em maior ou menor grau, por sua presena e intervenes materiais. Nesse contexto,
os sistemas rurais e urbanos se assemelham muito, desde a sua origem, no sentido de que ambos
so antropizados, ou seja, espaos profundamente transformados para atender s necessidades e
demandas muito especficas de nossa prpria espcie.
As leis da fsica apontam para outras grandes similaridades entre os sistemas rurais e
urbanos. Todos os ecossistemas da Terra so abertos, no sentido de que trocam matria e
energia entre si, de forma intensa ou mais limitada. Nesse sentido, sistemas rurais e urbanos
no diferem de outros sistemas naturais, pois tambm trocam matria e energia entre si,
desenvolvendo relaes de interdependncia mais ou menos intensas, que variam em funo
das regies e pocas consideradas. Em outras palavras, tambm do ponto de vista dos ciclos

44

de materiais e do fluxo de energia, no faz maior sentido opormos um sistema a outro ou os


reconhecermos como complementares.
As prprias estratgias de construo do conhecimento ambiental, nas ltimas dcadas,
tm levado a uma progressiva mudana das nossas percepes do rural e do urbano. A anlise
da influncia do homem sobre a natureza foi at uns cinquenta anos atrs uma rea muito mais
explorada pela geografia do que pela ecologia ou por qualquer uma das cincias naturais. Esse
quadro se alterou nos ltimos anos, e o que hoje denominamos revoluo no conhecimento
ambiental na verdade resultado da interao de disciplinas muito diversas, tanto do domnio
natural como do domnio socioeconmico. No possvel, portanto, transcender esta dicotomia
entre o rural e o urbano sem um olhar interdisciplinar, que novamente tende a enfatizar muito
mais as semelhanas do que as diferenas entre esses espaos.
Por fim, uma das preocupaes latentes dessa verdadeira revoluo do conhecimento
ambiental a necessidade de estimar a viabilidade ou sustentabilidade dos recursos naturais,
como a gua, o solo, os peixes etc. Para isso, necessrio estimar a quantidade desses recursos
e as suas taxas de uso e reposio, tanto nos sistemas naturais como naqueles modificados pelo
homem. Os recursos renovveis, em particular, tiveram sua qualidade e quantidade grandemente
modificadas ao longo do tempo e do espao. Alguns foram expandidos pelas atividades humanas
e outros entraram em colapso ou se extinguiram. A definio de sustentabilidade, tal como
apresentada pela World Commission on Environment and Development de 1987 (... atende as
necessidades das geraes futuras sem comprometer as necessidades das geraes futuras...)
apresenta de fato grande valor conceitual e retrico, mas pode se mostrar de pouca valia do ponto
de vista operacional.
Nesse sentido, seria possvel usar o conceito de sustentabilidade como forma de superar o
paradigma de que campo e cidade so categorias distintas e complementares? Se h algum sentido
no uso deste conceito, ser preciso de alguma forma e em algum momento tratar da sua base
material que so os prprios recursos naturais e sua disponibilidade e persistncia ao longo do
tempo e do espao.
Para compreender as variaes na disponibilidade de recursos no tempo e no espao,
preciso investigar a histria ambiental e cultural da Terra. Precisamos nos deter na anlise
da prpria histria cultural humana e dos usos e abusos que os homens fizeram dos recursos
naturais renovveis ou no renovveis, criando neste processo os grandes espaos antropizados
do campo e da cidade. Uma excelente abordagem desta histria, desenvolvida por Goudie (2005),
resumida nas sees a seguir.

45

A ORIGEM DOS SISTEMAS RURAIS


Apesar de ainda controversa em muitos pontos, a origem dos sistemas rurais j foi
razoavelmente mapeada pela arqueologia. A colonizao inicial da Terra pelos seres humanos foi
uma conquista extraordinria, alcanada com economias de subsistncia, sustentadas pela caa
de animais selvagens, pela pesca e pela coleta de vegetais silvestres. Essas prticas so o uso
mais primitivo que os humanos fizeram dos recursos naturais. Ainda que caadores, pescadores
e coletores possam ter sido componentes importantes dos ecossistemas, as modificaes que
introduziram no ambiente foram provavelmente muito mais uma questo de grau do que de tipo.
Comparados com os estgios posteriores de desenvolvimento material e cultural, os primeiros
coletores e caadores no tinham as densidades populacionais ou as habilidades tecnolgicas
capazes de causar um efeito substancial sobre o ambiente. Ou seja, durante grande parte da
histria ou pr-histria do homem, fomos apenas mais uma espcie, entre muitas, adaptada
vida em ecossistemas variados ou principalmente em savanas. A influncia do ambiente sobre
essas populaes era muito mais evidente do que o inverso. No entanto, no incio do Holoceno, h
cerca de 10 000 anos, os homens comearam em vrias regies do globo a domesticar plantas,
mais do que colet-las, e a criar animais, mais do que ca-los. Com a mudana dos modos de
produo prevalecentes, comeou tambm a mudar decisivamente esse presumido equilbrio
entre a espcie humana e seu entorno. Com o cultivo de plantas, foi possvel reduzir enormemente,
em at 500 vezes, o espao necessrio para o sustento de cada indivduo. Apesar de a agricultura
ter surgido de forma provavelmente independente em diversas regies do globo, o crescente frtil
do Oriente Prximo foi provavelmente o mais importante destes centros. Como consequncia,
acredita-se que surgiram logo depois, particularmente na Mesopotmia, as primeiras cidades ou
ensaios de urbanizao.
H evidncias de que a produo de alimento era apenas uma das finalidades da domesticao
de plantas, mas no necessariamente a mais importante. As primeiras plantas domesticadas seriam
usadas para fins mltiplos, como, por exemplo, fornecimento de carboidratos, conservao de
redes e linhas, remdios e venenos. Uma hiptese ainda mais heterodoxa inverte o padro clssico,
segundo o qual a domesticao de plantas e animais levou concentrao dos povoamentos, com
a criao das cidades e, em ltima anlise, s grandes civilizaes clssicas. Jacobs (1969) foi o
primeiro a sugerir que a agricultura se originou dentro ou em volta das cidades e no no campo.
Essa argumentao, muito apoiada por descobertas arqueolgicas recentes no Oriente Mdio e na
Turquia, afirma que mesmo as sociedades extrativistas e caadoras podem criar e sustentar centros
comerciais grandes e estveis, baseados nos prprios produtos da extrao e caa, como pedras,

46

pigmentos e conchas. O alimento seria trocado por esses bens, mas os produtos perecveis trazidos
de distncias maiores deveriam ser durveis. Para tal, espcies animais deveriam ser trazidas
vivas. Nem todos os animais seriam consumidos imediatamente. Alguns poderiam ser mantidos em
rebanho e se reproduziriam. Estariam assim lanadas as bases da domesticao. Se essa hiptese
no for refutada, teramos evidncias ainda mais consistentes da estreita dependncia histrica
entre os espaos rurais e os espaos urbanos e da inadequao das percepes e representaes
posteriores, que os viram como espaos alheios e estranhos um ao outro.
AS MODERNAS SOCIEDADES URBANAS E INDUSTRIAIS
Goudie (2005) mostrou ainda que a aglomerao dos indivduos no que chamamos aldeias
ou cidades um fenmeno relativamente recente em nossa espcie. A ocupao de territrios por
populaes de coletores e caadores s pode ser otimizada pela disperso espacial. Por outro lado,
apenas o aumento na previsibilidade de obteno de recursos pode possibilitar um aumento das
concentraes humanas. A primeira ocupao da cidade de Jeric, com seus 2.000 habitantes,
data de 7.000 anos a.C., enquanto stios vizinhos de populaes de coletores e caadores datam
de 8.000 a 9.000 anos a.C. Algumas cidades antigas tiveram populaes muito grandes. H
estimativas de que Nnive teve 700.000 habitantes no seu apogeu, Roma, cerca de 1.000.000 e
Cartago, 700 000. Com toda certeza, essas cidades exerceram uma influncia considervel em
suas redondezas, at mesmo em escala global. Da cidade antiga s grandes cidades da Europa
pr-industrial, a distncia no muito grande. Os tamanhos so equivalentes e a composio
tnica mantm em geral uma forte dominncia de indivduos de extrao local, que moderam
a heterogeneidade biolgica do conjunto. Os problemas ligados densidade populacional,
higiene, s condies alimentares e s patologias seguem um mesmo padro evolutivo. O que
mudou gradualmente foi a diversificao crescente das atividades ligadas ao meio urbano e ao
prprio desenvolvimento tcnico destas sociedades.
Mais variadas foram as mudanas dos sistemas de gesto poltica, com uma tendncia
histrica de manuteno da primazia das cidades sobre os meios rurais. Com o advento
da industrializao, a milenar dualidade rural-urbana poderia ter perdido o sentido, mas
frequentemente se intensificou, em particular nas sociedades ocidentais. A noo da cidade
moderna passa a se tornar cada vez menos indissocivel da noo de Estado, por constituir o seu
maior suporte econmico ou social. A dominao sobre o mundo rural no foi apenas poltica
e tcnica, mas tambm econmica, na medida em que a prosperidade de todos aparentemente

47

dependia da atividade industrial e dos setores secundrios e tercirios dela decorrentes. Isso se
exprimiu por meio de um forte fluxo humano das zonas rurais para as cidades, com as primeiras
se despovoando enquanto as segundas atingiram propores gigantescas, transformando-se nas
metrpoles e megalpoles contemporneas.
Segundo Ferro (2000), iniciou-se ento um acentuado processo de perda de centralidade
econmica, social e simblica por parte do mundo rural. Este passou a ser globalmente identificado
com realidades arcaicas, enquanto as aglomeraes urbano-industriais passaram a ser vistas como
o palco, por excelncia, do progresso. Os fluxos assimtricos entre campo e cidade determinaram
grandes mudanas de ordem demogrfica (pelas migraes, regulao da fecundidade e
mortalidade), gentica (pela miscigenao sem precedentes de populaes provenientes de
horizontes muito variados) e social-cultural (pelo desenvolvimento de subpopulaes ou setores
ligados a funes econmicas especficas). O fato da expanso das infraestruturas e dos equipamentos
de apoio qualidade de vida dos cidados serem muito mais rpida nas aglomeraes urbanas
reforou o papel (e as percepes associadas) das cidades como polos de prestao de servios
pessoais e sociais.
Esses processos de urbanizao e metropolizao associados atividade industrial
resultaram numa capacidade de antropizar em nveis jamais registrados em toda a histria
humana. A atividade industrial, desde sempre associada aos meios urbanos, ao contrrio da
agricultura e da pecuria, reduziu ainda mais o espao necessrio para sustentar cada indivduo
e intensificou o ritmo de uso dos recursos naturais. Esses efeitos foram ainda mais aumentados
pelos avanos da moderna cincia, principalmente a medicina, que possibilitaram acentuados
aumentos populacionais, mesmo nas sociedades no industrializadas. As tendncias de urbanizao
acompanharam esse processo e hoje as cidades, consideradas como sistemas artificiais ou uma
natureza derivada, tm seus prprios problemas ambientais, que no sero objeto primrio
deste captulo.
Goudie (2005) mostrou tambm que uma outra chave para se entender o desenvolvimento
das sociedades industriais e a tendncia contempornea de urbanizao acelerada est na
transio do uso primrio de recursos renovveis para os no renovveis. Nos sistemas agrcolas e
pecurios tradicionais, o insumo energtico era historicamente derivado da fotossntese e da fora
motriz humana ou animal, complementado pela energia da gua e do vento, ou da madeira como
combustvel. Todos esses recursos so, a princpio, renovveis, j que os prprios bosques podem
ser manejados para alcanar uma produo sustentada. Na prtica, o que se viu ao longo da
histria humana foi uma reduo generalizada na cobertura vegetal de todas as regies habitadas,

48

antes da transio para fontes de energia no renovveis. J a base energtica dos sistemas
industriais foi fundamentalmente diferente dos sistemas anteriores e representou um ponto de
inflexo na histria humana, comparvel ao domnio do fogo ou implantao da agricultura. O
uso do carvo, do gs natural e do petrleo reduziu a dependncia direta da sociedade industrial
fixao biolgica da energia por meio das plantas. Desde o incio do sculo XIX, estas novas
fontes de energia tm sido exploradas e incorporadas tecnologia de produo de bens materiais
em quantidades e variedades crescentes. Esses produtos e seus mecanismos de transporte fizeram,
por sua vez, com que a superfcie terrestre se transformasse em um ritmo que no havia sido
possvel nas sociedades pr-industriais.
A lgica foi inclusive exportada das cidades para os campos, com a implantao da agroindstria e da produo primria intensiva no uso de insumos modernos, igualmente dependente
de insumos no renovveis, em escala global. Por sua vez, a agroindstria e a produo primria
intensiva trouxeram duas novas realidades bem distintas para o mundo rural, dividindo-o em um
mundo rural moderno e um mundo rural arcaico ou tradicional. A modernidade deixou de ser
uma exclusividade do espao urbano. Paradoxalmente, isto contribuiu para aprofundar ainda
mais o fosso entre um mundo rural tradicional ou arcaico, percebido como o mundo do atraso,
e um mundo da modernidade urbana, com os dois intermediados pelo mundo da modernidade
agroindustrial e, mais recentemente, incluindo tambm atividades do setor de servios como
lazer e turismo rural. A percepo real ou presumida de uma verdadeira crise ambiental a partir
da segunda metade do sculo XX trouxe a implantao de polticas de conservao em todo o
globo e com elas a inveno social de um mundo rural no agrcola. A funo desse novo mundo
rural, com o aumento acentuado de reservas e parques naturais, deixou de ser necessariamente a
produo de alimentos e sua atividade predominante deixou de ser agrcola ou pecuria. Essa nova
dicotomia, que separou, paradoxalmente e pela primeira vez na histria humana, a agricultura e
a pecuria do mundo rural, originou-se de (ou deu origem) a novas percepes e representaes
sociais, que passam a ver o mundo rural como o espao lgico para a recuperao ou recriao
dos espaos naturais modificados pela ao do homem, quase sempre considerada danosa ou
mesmo irreversvel.
Essa a realidade complexa que vivemos hoje, quando a dualidade histrica de campo e
cidade se v matizada por diversas situaes hbridas, nas quais se confundem o que moderno
e o que arcaico, o que urbano e o que rural, o que rea de produo ou o que rea de
conservao. Esta complexidade, sempre marcada por relaes de estreita interdependncia,
novamente sugere que esses espaos devem ser tratados como um continuum e no como mundos
antagnicos, em conflito ou complementares.

49

Como a reduo desta percepo da dualidade entre campos e cidades pode contribuir
para uma maior sustentabilidade e para uma maior qualidade da vida humana?
Todas essas modificaes e inovaes culturais e tecnolgicas apontam para algumas
tendncias prevalecentes nas sociedades modernas. Houve um aumento da complexidade,
intensidade e frequncia dos impactos humanos, mas houve em paralelo um aumento
generalizado do consumo per capita, com o aumento populacional nos pases desenvolvidos ou
em desenvolvimento. Nesse contexto, a recente Avaliao dos Ecossistemas do Milnio, conduzida
por cientistas de todo o mundo (HASSAN et al., 2005) afirmou sem ambiguidades que o bemestar e a qualidade de vida humanas, dentro e entre a maioria das sociedades, tm melhorado de
forma substancial ao longo dos dois ltimos sculos.
Por outro lado, o conceito da sustentabilidade est intrinsecamente ligado ideia de que o
crescimento econmico e o desenvolvimento social e humano podem ter seus limites, na medida
em que nossa base de recursos no ilimitada, ainda mais ao se basear primariamente em uma
matriz energtica finita e no renovvel, como o caso dos combustveis fsseis. Para muitos
pensadores e ativistas ambientais, essa percepo deveria ser a base de uma mudana radical
da sociedade, com a volta a estilos de vida rurais e autossuficientes. Esse cenrio implicaria
uma perda de relevncia do mundo urbano, presumidamente mais insustentvel e mais afligido
pelos problemas ambientais. No extremo oposto, a crise ambiental contempornea, seja ela fato
ou apenas percepo, representaria para os otimistas da tecnologia um desafio que deve ser
enfrentado com uma reciclagem eficiente das matrias-primas e com o desenvolvimento de fontes
alternativas de energia, incluindo a energia nuclear e a energia solar. Segundo essa lgica, tais
fontes alternativas ofereceriam perspectivas de consumo quase ilimitadas. Sejam radicais ou
tecnolgicas, essas projees ambientais tendem novamente a reforar e enfatizar a indesejvel
dualidade entre campo e cidade, sugerindo que um ou outro seriam o nico ponto de equilbrio
possvel para a sustentabilidade de populaes felizes e com boa qualidade de vida. Como tal,
tendem a simplificar ou reduzir a complexidade que os mundos rural e urbano assumiram na
poca contempornea.
A percepo da insustentabilidade de um modelo sustentado por uma matriz energtica no
renovvel se expressou historicamente com muito mais intensidade nas cidades. Elas foram desde
sempre afligidas pela poluio, pela contaminao do ar e pelas dificuldades de abastecimento,
saneamento e acesso gua potvel. S mais recentemente esta percepo se estendeu para as
reas rurais, com a crescente percepo do passivo ambiental tambm associado agroindstria.
Na verdade, temos hoje a percepo e a compreenso de que as atividades humanas afetam a Terra

50

como um todo, includos a o mundo rural e o mundo urbano. Esta percepo fundamentada
por projees mais ou menos pessimistas das mudanas climticas em grande escala e do papel
que nelas desempenhamos, intensificando os riscos ambientais. Nesse sentido, campo e cidade
novamente se aproximam, agora em um mau sentido, ao compartilharem situaes de risco
ambiental que comprometem a qualidade de vida das populaes humanas como um todo.
Segundo Ignacy Sachs, a soluo para os problemas das cidades exigiria uma nova estratgia
global de ocupao do territrio, incluindo necessariamente a rea rural. Se pensarmos que o
mundo rural, seja ele tradicional ou moderno, tambm tem questionada a sua sustentabilidade,
a recproca verdadeira. O generoso conceito de sustentabilidade deveria, nesse sentido, no
reforar o mito da complementaridade, mas contribuir para a demonstrao da sua efetiva
interdependncia. Sachs sugere que se abandone definitivamente a ideia antiga, prevalecente
durante todo o sculo 20, de que urbanizao e desenvolvimento so necessariamente sinnimos.
As mudanas tecnolgicas da industrializao e dos servios contemporneos j viabilizariam
a sobrevivncia de empresas menores, com menos empregos, fora do eixo das cidades. Nesse
contexto, um novo ordenamento territorial urbano passaria por um novo ciclo de desenvolvimento
rural. Da mesma forma, a substituio da energia fssil pela renovvel e o desenvolvimento
tecnolgico poderiam abrir novas oportunidades de vida econmica no meio rural e assim oferecer
importante contribuio para sua sustentabilidade, baseada mais uma vez na interdependncia
dos dois sistemas e no na sua complementaridade.
Essa nova viso do mundo, pautada na noo de sustentabilidade ou de coexistncia
interdependente de sistemas distintos mas contnuos, assumiria como inevitvel e necessria a
coexistncia de mltiplas funes nos diversos mundos rurais e urbanos. Se assumirem de fato
essas mltiplas funes econmicas, sociais e ambientais, as diversas configuraes do rural e
do urbano poderiam deixar de ser vistas como espaos antagnicos ou de estranhamento entre
populaes humanas, que carregaram historicamente valores econmicos e socioculturais tambm
conflitantes entre si.
Nesse contexto, como corretamente diagnosticado pelo objetivo 11 da Agenda 21, preciso
redescobrir o potencial de desenvolvimento sustentvel do Brasil dito rural, reduzindo a dvida
social, dando um novo impulso economia nacional e um fim s prticas de explorao predatria
dos imensos recursos naturais do pas. Isto poderia fazer reverter a percepo de que a populao
rural estaria condenada a se encolher devido expanso de culturas e pastagens extensivas. Essa
suposta inevitabilidade tem sido contestada, na realidade, pelo prprio potencial ainda inexplorado
de desenvolvimento do interior do pas. Ainda segundo a Agenda 21, esse potencial est baseado

51

na maior capacidade de absoro de fora de trabalho dos sistemas produtivos de carter familiar,
cuja base a pluriatividade e a multifuncionalidade da agropecuria de pequeno porte. Isso seria
baseado na modernizao da chamada agricultura familiar e nas amplas oportunidades de
gerao de empregos rurais nos setores tercirio e secundrio.
Independente dos cenrios que podemos visualizar para o futuro, no Brasil ou no mundo,
sejam eles mais otimistas ou pessimistas, torna-se cada vez mais intensa, entre diferentes setores da
sociedade, incluindo os prprios cientistas, a percepo da insustentabilidade de um modelo que
ope cidade e campo, mundo urbano e mundo rural, vistos desde sempre como complementares e
no como espaos que podem e devem alternar as mesmas funes de sustentao da vida humana.
Os homens sempre foram capazes de fazer previses e especulaes otimistas ou pessimistas
a respeito de seu prprio futuro e este com certeza um de nossos traos distintivos como espcie.
As especulaes e projees a respeito de nosso futuro ocupam um enorme espao na literatura
cientfica e nos meios de comunicao. No sabemos se so corretas ou se apenas mais uma
percepo ou representao social de nossos temores e esperanas. No entanto, verdade que
nossa capacidade de avaliar as alteraes ambientais, seja de forma qualitativa ou quantitativa,
tem aumentado enormemente nestas duas ou trs ltimas dcadas. Infelizmente, esta compreenso
pouco tem se refletido no desenvolvimento de melhores formas de uso e manejo dos recursos
renovveis ou no renovveis. Mais ainda, no tem se expressado em estratgias que reduzam os
fossos materiais e sociais entre os diversos mundos rurais e urbanos. Esta crescente compreenso
dos problemas, no acompanhada pela sua soluo, poder paradoxalmente nos tornar mais
sbios, mas muito mais tristes.
O meio urbano e o meio rural e as atividades neles desenvolvidas: o caso do Brasil e do
Paran
O habitat ou o espao construdo pelo ser humano era naturalmente o seu lugar de moradia
e de trabalho e a maioria dos brasileiros residia e trabalhava no meio rural, desenvolvendo as
atividades primrias, at meados do sculo XX.
No entanto, o meio rural e o meio urbano experimentaram profundas transformaes
a partir da revoluo industrial iniciada no sculo XIX e dos avanos tecnolgicos que
determinaram mudanas no mercado de trabalho, da terra, dos bens e dos servios, como os
transportes e as comunicaes.
A migrao do meio rural para o meio urbano se intensificou e as cidades foram se
multiplicando com a criao das novas oportunidades de trabalho e de renda nos setores secundrio

52

e tercirio da economia. No Paran, este processo ocorreu principalmente durante as dcadas de


1960, 1970 e 1980.
Com o desenvolvimento das cidades, seus habitantes passaram a ter organizaes prprias,
criando diferenas no apenas de domiclio e de atividade em relao ao meio rural. Neste
aspecto, diversos autores citam outras diferenas como de ambiente (natural e artificial), de
tamanho, densidade, homogeneidade ou heterogeneidade da populao, diferenas na forma e
complexidade da estratificao social, na mobilidade social, no sistema de integrao social e
no sentido da migrao (maior do rural para o urbano). Mesmo com as mudanas ocorridas os
conceitos clssicos de rural e urbano mantinham a distino como espaos antagnicos e um
sinnimo de atraso e outro de moderno.
O avano da industrializao e desenvolvimento do setor de servios gerou crescente
urbanizao do meio rural. O aumento da produtividade das pessoas liberou parcela da mo-deobra familiar para o desenvolvimento de outras atividades mltiplas, a maioria delas consideradas
como no rurais. No Paran, a pluriatividade se intensificou a partir dos anos 80 e 90 e muito
contribuiu para este movimento o surgimento das empresas prestadoras de servios rurais, como as
de planejamento agropecurio, de preparo do solo e de plantio, de controle das pragas e doenas
e das plantas invasoras, de assistncia tcnica, de colheita, de transporte, de armazenagem, entre
outras atividades. Assim, parcela significativa do contingente das pessoas e empresas que esto
situadas no meio rural no mais est diretamente ligada produo primria propriamente dita
(lavoura, pecuria e produo florestal).
A consolidao da infraestrutura de apoio produo e ao comrcio dos produtos e fatores
de produo, das cadeias de produo, da tecnologia da informao e das empresas prestadoras
de servios tambm facilitou a entrada no meio rural de investidores e empresas sem tradio
agropecuria, bem como, e mais recentemente, de grandes empresas de capital nacional ou
multinacional, que competem com as unidades familiares, de pequeno, mdio ou grande porte.
O uso e mercado da terra tambm experimentaram grandes transformaes. Agroindstrias,
centros de pesquisa, estabelecimentos que oferecem atividades de servios como lazer, turismo
rural, segunda residncia e atividades festivas, unidades de conservao ambiental, de terras
indgenas, de terras de quilombolas e reas extrativistas usam espaos territoriais crescentes,
antes considerados apenas como rurais. Muitas pessoas da cidade passaram ver o campo como um
estilo de vida alternativo e ambientalmente sustentvel, que simboliza melhor qualidade de vida,
valorizao do rural e da identidade das pessoas e grupos relacionados e que est atraindo para o
meio rural diversas atividades no primrias e promovendo sua diversificao.

53

Dessa forma, fica cada vez mais difcil tipificar as unidades de produo do meio rural
em capitalistas e familiares, tendo por base o nmero de pessoas empregadas ou assalariadas e
o valor da produo, bem como delimitar reas e as pessoas como rurais ou urbanas segundo a
localizao dos domiclios e a intensidade da ocupao humana. Isto porque atividades tpicas
do meio rural podem ser desenvolvidas no meio urbano, como a produo de hortalias e frutas
em terrenos urbanos, bem como atividades do setor industrial e de servios podem ocorrer
nos estabelecimentos rurais, como a agroindustrializao familiar, o lazer, o turismo rural e
o ecoturismo.
O IBGE, considerando a intensidade da ocupao humana, classifica as reas urbanas como
aquelas correspondentes as cidades (sedes dos municpios), as vilas (sedes dos distritos) ou as
reas urbanas isoladas definidas pelas Cmaras Municipais. As reas rurais correspondem a todas
aquelas fora desses limites e abrangem quatro tipos de aglomerados rurais: o aglomerado rural
do tipo extenso urbana (fora do permetro urbano e extenso de uma cidade ou vila), o povoado
(aglomerado rural isolado com um mnimo de servios e equipamentos e que os moradores exercem
atividades econmicas), o ncleo aglomerado rural isolado (que pertence a um proprietrio) e
outros aglomerados. Da mesma forma e usando o mesmo critrio o IBGE classifica a populao
em urbana e rural.
A classificao mais agregada de atividades econmicas do IBGE estabeleceu 21 grandes
sees, distribudas pelos setores primrio, secundrio e tercirio da economia. O setor primrio
engloba a primeira: a Agricultura, Pecuria, Produo Florestal, Pesca e Aquicultura. Esta
apresenta trs divises: 1) Agricultura, Pecuria e Servios Relacionados, que abrange a produo
das lavouras temporrias, horticultura e floricultura, produo das lavouras permanentes,
produo de sementes e mudas certificadas, pecuria, atividades de apoio a agricultura e pecuria
e atividades de ps-colheita, caa e servios relacionados; 2) Produo Florestal, que abrange a
produo de florestas plantadas e nativas e as atividades de apoio a produo florestal; e 3) Pesca
e Aquicultura, que abrange a pesca e a aquicultura em gua salgada e doce.
Pelo exposto, os conceitos de rea urbana e rural e das atividades econmicas nelas
desenvolvidas no mais expressam toda a complexa realidade atual, cujas sociedades continuam
a manter algumas caractersticas prprias e evoluram para uma estreita interdependncia
econmica, fsica, cultural, social e ambiental, se interligando e se complementando dentro de um
espao local e regional maior, que abrange reas destinadas a diferentes finalidades e onde so
executadas mltiplas atividades. Essa nova concepo de rural e urbano enterra definitivamente
o conceito clssico anteriormente mencionado.

54

Da decorre que o mais adequado seria tipificar os espaos territoriais e no as pessoas


como urbano, rural ou multifuncional, em funo de um conjunto de outras variveis alm da
intensidade da ocupao humana. Dentro dessa viso mais abrangente, as iniciativas locais e as
polticas pblicas devem se alicerar na criao de um projeto de desenvolvimento para o futuro,
que valorize as potencialidades e as riquezas locais e regionais. No meio rural, os estabelecimentos
mdios e grandes podem desenvolver atividades econmicas que apresentam economias de
escala e exigem especializao para maximizar a competitividade das cadeias de produo.
Para os pequenos e mdios estabelecimentos, sugere-se a diversificao da economia local pela
pluriatividade, que contempla o desenvolvimento de mltiplas atividades ocupacionais para gerar
renda s pessoas da famlia, bem como das atividades no agrcolas. E nos locais cujo territrio
favorvel ao desenvolvimento de outras atividades como o lazer e o turismo, pela construo das
condies que promovam a atrao dos consumidores locais e de outras regies.
PRTICAS AMIGVEIS AO MEIO AMBIENTE
O desenvolvimento sustentvel e a adoo de prticas amigveis ao meio ambiente no
tero o sucesso pretendido caso no seja eliminada a pobreza absoluta ou a misria e promovida a
incluso social de todas as pessoas, independentemente de onde moram, do que fazem e de quais
grupos sociais pertenam. Todas as pessoas devem ter acesso a uma renda mnima, segurana
alimentar, moradia, a gua de qualidade e a outros bens e servios pblicos.
A sobrevivncia e o crescimento das comunidades, na histria da humanidade, esto
diretamente vinculados qualidade da terra e da gua. As pessoas, com o passar do tempo, foram
desenvolvendo diversas tcnicas agropecurias que aumentam a produo e a produtividade dos
vegetais e dos animais necessrios sua alimentao, o que propiciou o aumento das prprias
comunidades e, como consequncia, o cultivo de reas tambm cada vez maiores.
A repetio dos cultivos durante perodos de tempo muito prolongados nas mesmas reas,
a falta de manejo adequado, a baixa diversificao e rotao de culturas, a falta de cobertura do
solo durante o perodo entre as safras e, em alguns casos, o uso excessivo de produtos qumicos,
muitas vezes por desconhecimento dos produtores, passaram a criar problemas como a eroso,
a compactao, a salinizao, a diminuio da fertilidade do solo e, em casos mais extremos, a
desertificao. Tambm a contaminao das guas, o secamento de vertentes pelo rebaixamento
do lenol fretico, o assoreamento dos rios e, em casos mais extremos, o seu desaparecimento.
A terra apresenta diversas caractersticas fsicas, qumicas e biolgicas que esto
completamente interrelacionadas. A fsica estuda os aspectos relacionados origem do solo e

55

aos problemas como a eroso e a compactao; a qumica, os aspectos ligados composio do


solo e quantidade de elementos qumicos que ele contm; e a biologia analisa a microfauna,
a macrofauna e a microflora existentes no solo e tambm os vegetais que nele so cultivados.
Esses organismos vivos provocam a decomposio da matria orgnica (restos de plantas e de
animais mortos), e a intensidade deste processo depende das condies de temperatura, umidade
e arejamento. Os elementos mais simples resultantes da decomposio (os nutrientes) podem ser
novamente aproveitados pelas plantas. A matria orgnica em decomposio, a micro e macrovida
e os nutrientes disponveis para as plantas esto concentrados na camada mais superficial do solo,
o horizonte A. a camada mais frtil, onde as razes se desenvolvem com maior facilidade e de
onde retiram a maior parcela da gua que absorvem. Tambm nesta camada existem espaos
ocupados pelo ar, necessrio sustentao dos organismos vivos.
Outro aspecto relacionado ao solo e as plantas nele cultivadas a textura, ou seja, a
concentrao de areia, silte e argila presente em sua composio. A textura influencia o grau
de infiltrao e de reteno da gua e dos nutrientes, na quantidade de ar presente entre
as partculas e no processo de manejo do solo por meio da mecanizao. Os solos arenosos
so mais permeveis porque apresentam uma baixa capacidade de reteno de gua e de
nutrientes, tm grande capacidade de aerao e baixa concentrao de matria orgnica.
Facilitam a mecanizao e so facilmente erodidos, razo pelo qual no so os mais indicados
ao cultivo em sequncia de plantas de ciclo curto. Os solos argilosos tm grande capacidade de
reteno de gua e de nutrientes e menor concentrao de ar. So menos permeveis e erosveis
e de mecanizao mais difcil, se adequando mais aos cultivos em sequncia das plantas de
ciclo curto. Existem diversos tipos intermedirios de solo, dependendo da maior ou menor
concentrao dos elementos presentes em sua composio. Os solos humferos, de colorao
mais escura, apresentam elevada concentrao de matria orgnica, grande capacidade de
reteno de gua e de nutrientes e elevada porosidade e aerao. So os que existem em menor
extenso de terra, mas os mais indicados produo agropecuria.
Para minimizar a gama de problemas relacionados ao uso da terra e da gua, diversas
prticas foram e esto sendo pesquisadas e adotadas, tanto pelos produtores quanto pelas
pessoas que desempenham atividades ao longo das cadeias de produo. As principais prticas
amigveis ao meio ambiente so as seguintes: preservao de rios e nascentes, das reas de
preservao permanente e de reserva legal; plantio direto na palha; eliminao da queima de
restos de culturas; tcnicas de conservao do solo; anlise do solo e uso racional dos fertilizantes
e corretivos; rotao de culturas; Programa Agricultura de Baixo Carbono, integrao lavoura,

56

pecuria e florestas e diversificao de culturas e criaes; zoneamento agrcola e escalonamento


do plantio; manejo integrado de pragas e doenas, tcnicas de controle biolgico e de uso racional
de agrotxicos; uso racional da gua; uso de energia renovvel e aumento da eficincia energtica;
reciclagem de embalagens; tratamento de dejetos, resduos e efluentes; rastreabilidade; boas
prticas para o bem estar animal; eliminao das perdas na colheita, transporte e armazenagem dos
produtos; alimentao saudvel e aproveitamento integral dos alimentos; agricultura de preciso;
desenvolvimento da diversificao via pluriatividade como lazer, turismo rural, artesanato e
agroindustrializao.
1) Preservao dos rios, nascentes, das reas de preservao permanente e reserva legal
A conservao e uso sustentvel das florestas e dos recursos hdricos propiciam servios
ambientais ou benefcios ofertados pelas florestas e pela gua limpa para toda a sociedade e
tambm o adequado funcionamento dos ecossistemas.
Nesse sentido, diversas estratgias podem ser implementadas, como a criao de unidades
de conservao, onde o Brasil reconhecido como lder global, a adoo do manejo sustentvel
dos recursos florestais e o pagamento por servios ambientais prestados, a exemplo do ICMS
ecolgico criando no Paran, instrumento usado para compensar os municpios que tem parte
de suas reas atingidas por restries ambientais. Tambm o programa Bioclima Paran prev
o repasse de recursos queles que promovem aes de conservao da biodiversidade. A ideia
central consiste na adoo de compensao financeira correspondente aos servios ambientais
prestados a todos os produtores que protegem as florestas e os ecossistemas nativos e adotam
outras prticas amigveis ao meio ambiente em benefcio da sociedade.
2) Plantio direto na palha e eliminao da queima de restos de culturas
A eroso provocada pelas chuvas provocou situaes crticas nos plantios convencionais que
eram executados no Brasil, principalmente nos solos arenosos, com declividade acentuada e com
regime de alta precipitao durante determinadas pocas do ano.
O sistema de plantio direto na palha comeou no Paran no inicio dos anos 70 e mantm
a palha e os outros restos de culturas sobre a superfcie do solo, reduzindo o impacto das gotas
de chuva, do escorrimento da gua da chuva e dos ventos sobre o solo, reduzindo a eroso.
Tambm protege o solo dos raios solares devido ao mnimo revolvimento durante a operao do
plantio e diminui o impacto das mquinas e implementos agrcolas em funo do menor nmero
de operaes, favorecendo a atividade biolgica e toda a micro e macrofauna. O aumento do teor

57

de matria orgnica de menos de 1% para mais de 3% aumenta a infiltrao de gua no solo e


tambm o armazenamento da gua e dos nutrientes. Assim melhora a qualidade ambiental pela
conservao do solo, da gua e do ar. O sistema um dos principais instrumentos da integrao
lavoura, pecuria e floresta plantada e na recuperao de reas degradadas de lavouras ou de
pecuria e o Brasil o lder mundial na adoo desta tecnologia.
Antes de estabelecer o sistema de plantio direto as seguintes prticas so indicadas:
1) sistematizao do terreno das lavouras e pastagens, mediante a eliminao de sulcos e depresses
decorrentes de processos erosivos, pelo uso de plainas, motoniveladoras e escarificadores; 2)
descompactao do solo, onde o limite inferior da camada normalmente no ultrapassa 25 cm,
pelo uso de escarificadores; 3) correo da acidez e da fertilidade do solo, pela incorporao de
calcrio, de fsforo e de potssio, na camada de zero a 20 cm de profundidade e de acordo com a
anlise qumica do solo; e 4) eliminao da prtica da queima dos restos de culturas e das pastagens,
que devem ser mantidos para decomposio da matria orgnica pelos microorganismos.
3) Conservao do solo
A conservao do solo consiste na adoo de diversas atividades visando ao uso sustentvel
da terra atravs do tempo.
A eroso, a compactao e a salinidade do solo esta ltima provocada pelo excesso de
adubao so graves problemas que guardam uma relao direta com o manejo inadequado,
alm de provocarem desequilbrio no sistema de produo e na receita dos produtores.
Diversas prticas a viabilizam, como: a construo de sistema de curvas de nvel ou de
terraceamento, que so estruturas compostas por um canal e um camaleo de terra construdos
de forma transversal ao plano de declive do terreno, e a semeadura das plantas obedecendo ao
mesmo contorno dos terraos; a anlise qumica do solo em laboratrio especializado, considerando
as caractersticas do solo e da cultura a ser implantada, permitindo a aplicao da quantidade correta
de fertilizantes e corretivos; o plantio em nvel; o cultivo de acordo com a capacidade de uso do solo
(florestas, pastagens, culturas perenes, culturas anuais); a rotao de culturas; o plantio direto na
palha; o uso de plantas de cobertura e de adubao verde (manter o solo coberto entre os ciclos de
cultivos comerciais); e o plantio em contorno de faixas de vegetao permanente, entre outras prticas.
4) Anlise do solo e uso racional de fertilizantes e corretivos
A anlise qumica, a adubao e a correo do solo so ferramentas importantes para
produtores, tcnicos e pesquisadores e para a produo sustentvel. O sucesso dos resultados
depende de uma correta amostragem e coleta do solo, embalagem e etiquetagem das amostras e

58

encaminhamento para anlise em laboratrio idneo, com programa de certificao da qualidade.


A partir da interpretao dos resultados por tcnico habilitado, o produtor fica sabendo qual
a quantidade correta de corretivos e fertilizantes que dever usar para extrair da cultura uma
produtividade desejada. Isto porque as plantas necessitam de macronutrientes como o carbono,
nitrognio, oxignio, hidrognio, clcio, magnsio, enxofre, fsforo e potssio; e de micronutrientes
como o cobre, zinco, molibdnio, boro, cobalto, ferro e mangans. Alguns nutrientes existem em
grande quantidade na natureza e so assimilados pelas plantas, sem a necessidade de fornecimentos
adicionais. Outros como o nitrognio, podem ser absorvidos por algumas plantas por meio de um
processo de simbiose com bactrias, como o caso da soja e do feijo. Outros ainda podem estar
presentes no solo, mas em forma indisponvel para as plantas ou no existem na quantidade que
as plantas necessitam e devem ser fornecidos por meio dos adubos ou dos fertilizantes que so
aplicados no solo ou nas folhas (fertilizantes foliares).
O uso de fertilizante em excesso, alm de ser um desperdcio que eleva os gastos
dos produtores, contamina as guas superficiais dos rios e lagos e as guas subterrneas. A
contaminao provoca a proliferao de algas e de outras plantas aquticas, que, quando morrem,
so decompostas, gerando a diminuio do oxignio presente na gua e a mortandade de peixes
e de outros animais aquticos. Este processo tambm pode ser provocado pelo despejo direto na
gua, sem tratamento, de outros efluentes agrcolas como os dejetos animais, industriais como a
vinhaa e urbanos.
A falta dos nutrientes no solo provoca o desenvolvimento irregular das razes, caules, folhas e
do mecanismo de reproduo, reduzindo a produo, a produtividade e a qualidade dos produtos.
Alm dos fertilizantes qumicos os produtores podem usar os fertilizantes orgnicos, como
os restos de cultura, o esterco curtido dos animais e a vinhaa resultante da moagem da cana-deacar. (Tcnicas de conservao do solo de Marina Assis Fonseca)
5) Rotao de culturas
A monocultura ou a sucesso de culturas de forma continuada, como trigo no inverno e
soja no vero ou soja no vero e milho como segunda safra, tende a provocar a degradao fsica,
qumica e biolgica do solo, reduzindo a produtividade, favorecendo o ataque de doenas e
pragas, a eroso e dificultando o controle das plantas invasoras.
A rotao de culturas consiste em alternar as espcies vegetais cultivadas na mesma rea,
durante os vrios anos safra, usando-se plantas para fins comerciais (soja, milho, feijo, trigo),
ou para produo de biomassa (adubao verde) ou pastagem. As gramneas e as leguminosas

59

anuais ou semiperenes e as plantas forrageiras, cultivadas de forma solteira ou em consrcio


com as plantas comerciais, so as mais indicadas. Esta prtica aumenta a produtividade, devido
conservao do solo, ao aumento do teor de matria orgnica e a melhora nas caractersticas
do solo e auxilia o controle de plantas daninhas, pragas e deoenas. A rotao tambm propicia
a produo diversificada de alimentos, fibras e energia, reduzindo o impacto de uma situao
desfavorvel de mercado sobre a receita dos produtores.
6) Programa ABC, integrao lavoura-pecuria-floresta e diversificao
O Programa de Agricultura de Baixo Carbono foi criado em 2010 pelo governo federal
e incentiva, via crdito rural em condies mais facilitadas, os produtores a adotarem prticas
agropecurias sustentveis, que garantam a segurana alimentar sem agredir o meio ambiente.
O sistema agrega, na mesma propriedade, sistemas produtivos diferentes e diversificados, como
gros, fibras, carne, leite, lcool, leo vegetal e madeira, minimizando os riscos de reduo da renda
provocados por eventos climticos ou por condies de mercado desfavorveis. A diversificao
mediante a execuo de atividades no agrcolas tratada mais adiante.
Uma das tecnologias incentivadas integrao lavoura-pecuria-floresta, realizada em uma
mesma rea, na forma de cultivo consorciado, em sucesso ou rotacionado. As combinaes de
produo empregadas so as seguintes: 1) lavoura e pecuria, como o plantio da soja no vero,
seguido do milho segunda safra consorciado com um pasto (brachiria), que tambm servir como
palhada para o plantio direto no prximo vero; e a produo de leite e de gros ou de forragem
para a alimentao dos animais; 2) lavoura e floresta, como o plantio de caf consorciado com
seringueira ou de palmito consorciado com lavouras temporrias; e 3) lavoura, pecuria e floresta.
Esse sistema deixa a terra ocupada durante maior perodo de tempo devido a diversificao
de culturas. A integrao reduz o emprego de agrotxicos e de fertilizantes e abertura de novas
reas para uso da agropecuria. O aumento da biodiversidade facilita o controle da eroso pela
menor exposio do solo s intempries.
O programa tambm incentiva o plantio direto na palha, a fixao simbitica do nitrognio, o
tratamento dos dejetos animais e a recuperao das reas de lavoura ou de pastagens degradadas.
7) Zoneamento agrcola
Entre as atividades econmicas a agricultura a que mais depende das condies ambientais,
porque o desenvolvimento das plantas est diretamente relacionado s condies do solo, do clima
e dos efeitos da presena de pragas e doenas.

60

O Zoneamento Agrcola de Risco Climtico, segundo o MAPA, um instrumento de poltica


agrcola e de gesto de risco na agricultura. elaborado pela EMBRAPA, a partir da anlise
de parmetros de clima, de solo (arenoso, argiloso e textura mdia) e de ciclos de cultivares
(precoce, mdio e tardio), que quantifica os riscos climticos envolvidos na conduo das lavouras
e as potenciais perdas de produo. So delimitadas, por municpio, as regies com aptido de
solo e clima (com menor risco climtico) para o cultivo das culturas de ciclo anual e permanente
(atualmente so 40), indicando a poca mais propcia ao plantio da cultura, por tipo de solo e
ciclo de cultivar.
O escalonamento do plantio durante o perodo recomendado e a diversificao das cultivares
plantada obedece ao princpio da reduo do risco climtico sobre a produo. Isto porque cada
cultivar apresenta fases mais crticas, principalmente em relao s necessidades de temperatura
e de disponibilidade de gua no solo.
As polticas de crdito e de seguro agrcola esto atreladas, por resolues do Banco Central
do Brasil, ao zoneamento agrcola, ou seja, para que os produtores consigam acesso aos recursos
de crdito disponveis nos bancos e cooperativas de crdito e tenham direito ao seguro agrcola
necessrio que a cultura seja implantada obedecendo s recomendaes do zoneamento vigente.
8) Manejo integrado de pragas e doenas
Segundo a FAO e a EMPRAPA, o Manejo Integrado de Pragas consiste no sistema que
associa o ambiente e a dinmica populacional da espcie e utiliza todas as tcnicas e mtodos
disponveis e apropriados, de forma to compatvel quanto possvel, para manter a populao de
pragas em nvel abaixo daqueles capazes de causar dano econmico.
As principais ferramentas so o monitoramento da populao de insetos, pragas e doenas;
o controle biolgico que viabiliza o aparecimento dos inimigos naturais; e o uso do controle
qumico apenas quando grau de ataque planta cultivada atinge o nvel de dano econmico.
O manejo integrado das culturas possibilita a proteo dos organismos benficos para que
as plantas consigam evidenciar sua resistncia natural as pragas e doenas.
O controle biolgico parte do princpio que relaciona a concentrao de pragas com os seus
inimigos naturais e com o nvel de dano econmico que o desequilbrio pode causar. Assim, um
inseto s considerado praga quando o nvel de ataque provoca dano econmico planta cultivada.
Os mtodos no qumicos de controle devem ser priorizados, como o uso de variedades
resistentes ou tolerantes; o uso de biopesticidas e feromonios, ou o biocontrole (os inimigos
naturais das pragas e doenas e tambm o uso de produtos qumicos que ocorrem naturalmente);

61

a erradicao de hospedeiros indesejados; o uso e a mudana de prticas agrcolas como a


adubao, a rotao de culturas, o ajuste da poca de plantio ao perodo menos favorvel s
infestaes, a retirada e queima das partes das plantas e das mudas afetadas, a poda e o raleio, a
desinfeco de ferramentas, o uso de plantas armadilhas, entre outras.
9) Uso racional da gua
As commodities agrcolas necessitam de muita gua para serem produzidas. O uso racional,
com a reduo do consumo por unidade de produto, pode ser um diferencial competitivo
aproveitado pelo Brasil no mercado internacional, alm de representar uma reduo de custo do
recurso e do consumo de energia.
O uso sem um mtodo de controle pode provocar dficit ou excesso em relao s
necessidades das plantas e animais e desperdcio.
O uso racional implica fornecer a quantidade necessria, proveniente basicamente do
acmulo das precipitaes ou dos mananciais superficiais, na qualidade requerida, no momento
certo e mantendo-a livre de contaminantes, como os resduos de agrotxicos, fertilizantes e
dejetos animais.
A agricultura irrigada a principal usuria e alguns dos principais problemas esto
relacionados escolha do mtodo e do sistema de irrigao, ao adequado dimensionamento do
sistema e dos equipamentos, as perdas na captao, armazenamento e distribuio e a baixa
utilizao de tcnicas de manejo de irrigao. Na escolha do mtodo so levados em considerao
aspectos relacionados ao solo (tipo e topografia), ao clima, cultura, bem como aspectos econmicos
(custo da irrigao e rentabilidade da cultura) e sociais. Por exemplo: a irrigao por superfcie
(inundao) no adequada para solos arenosos e com declividade superior a 5%; a asperso e a
microirrigao se adaptam bem a diferentes topografias do terreno e tipo de solo; no arroz mais
usada a irrigao por superfcie e nas hortalias no deveria ser usada a asperso.
A eficincia no uso do recurso depende da relao entre o preo do recurso e o preo do
produto gerado. Quanto menor for o preo do recurso e maior o preo do produto maior tende a
ser seu nvel de emprego e, como consequncia, da quantidade de produto produzido.
10) Uso de fontes renovveis de energia e eficincia energtica
O consumo per capita de energia vem aumentando em funo do maior conforto e aos
avanos no desenvolvimento da humanidade, principalmente aps a revoluo industrial e
tecnolgica. A energia usada ao longo das cadeias de produo muito superior quela usada

62

dentro dos estabelecimentos rurais. Nestes, a energia usada basicamente: 1) fora dos processos
produtivos, como no funcionamento das residncias; 2) na operao dos processos produtivos
,mas sem ser convertida em energia nos produtos finais, como a mo de obra, trao animal
e o funcionamento das mquinas, equipamentos, instalaes e edificaes rurais (armazns,
pocilgas, avirios, estufas, ordenhadeiras), nas operaes de produo, transporte, armazenagem
e processamento; e 3) nos processos produtivos, para o crescimento e a manuteno dos animais
e plantas, ou estocada na forma de alimentos para as pessoas e os animais ou combustvel (lenha,
lcool, carvo vegetal, leo vegetal).
A falta de energia nos estabelecimentos rurais se constitui num dos impeditivos ao crescimento
das atividades produtivas e ao aumento do bem-estar das famlias.
As fontes de energia so classificadas em renovveis e no renovveis. As no renovveis
possuem reservas finitas, limitadas e foram formadas pela natureza com o passar do tempo, como
os combustveis fsseis (petrleo, gs natural, carvo mineral, xisto e as rochas betuminosas).
As principais fontes renovveis so a energia solar, elica (dos ventos), hidrulica (dos rios) e da
biomassa (madeira usada como lenha e carvo vegetal, cana-de-acar usada na produo de
lcool combustvel e bagao de cana usado na gerao de vapor e de energia eltrica, leo vegetal
e biodiesel). O Brasil um dos pases do mundo que apresenta a maior percentagem de energia
renovvel em sua matriz energtica.
O aumento da eficincia energtica consiste em se produzir maior quantidade de produto
por unidade de energia empregada ou produzir a mesma quantidade de produto com menor
quantidade de energia empregada.
11) Reciclagem de embalagens e tratamento de resduos
A logstica reversa prev o reaproveitamento das embalagens, das peas das mquinas,
equipamentos e utenslios domsticos avariados ou colocados fora de uso pelo desgaste fsico ou
tecnolgico, dos resduos de construes, do lixo eletrnico.
Os resduos urbanos, domsticos nos estabelecimentos rurais e agrosilvopastoris, como os
restos de alimentos, o bagao da cana-de-acar, os dejetos humanos e animais e os restos de
madeira podem ser transformados em adubo orgnico ou gerar energia para atender ao consumo
do setor e ainda ser comercializada no mercado. Somente as criaes de bovinos, sunos e de aves
geram, segundo o IPEA, 1,7 bilho de toneladas de dejetos por ano, que, depois de recolhidos e
tratados, podem virar adubo e biogs. O resduo proveniente da limpeza dos produtos agrcolas
na propriedade pode ser usado na alimentao animal ou ser transformado em adubo orgnico.

63

So exemplos, entre muitos outros, de atividades em franco crescimento, principalmente aps a


aprovao da Poltica Nacional de Resduos Slidos e das polticas que vedam o descarte destes
resduos na natureza, sem nenhum tratamento ou destinao correta.
A logstica reversa de embalagens vazias de agrotxicos, dentro de uma parceria formada
entre os produtores, os fabricantes representados pelo Instituto Nacional de Processamento de
Embalagens Vazias (impEV), os canais de distribuio e o governo, encaminha para destinos
ambientalmente corretos as embalagens vazias de agrotxicos. Para tanto, diversas aes so
desenvolvidas para conscientizar o homem do campo da importncia da correta lavagem, do
armazenamento nas propriedades em locais preparados e da devoluo das embalagens nos
postos de coleta indicados nas notas fiscais.
Mais recentemente, leis foram aprovadas no mbito de diversos Estados e Municpios,
vedando o uso de sacolas plsticas originrias de derivados de petrleo pelos estabelecimentos
comerciais. Essa medida est incrementando o uso de sacolas com 100% das matrias-primas
originrias de fontes renovveis como o amido de milho, casca de soja e cana-de-acar, bem
como das sacolas reutilizveis.
12) Rastreabilidade
O conceito surgiu com a globalizao da economia e dos mercados, com o desenvolvimento
das cadeias logsticas de suprimento e do controle de qualidade e da necessidade de o consumidor
do produto ou da matria-prima saber o que a mercadoria contm e como foi produzida, de onde
vem (a origem) e para onde vai (o destino). O registro da vida passada do produto e das matriasprimas e insumos usados na sua produo se tornam um instrumento de proteo sade pblica,
porque possibilita que os produtos sejam retirados do mercado, inclusive aps a colocao venda.
De forma geral, um investimento rentvel e um mecanismo de diferenciao e de agregao
de valor aos produtos. No caso dos alimentos e matrias-primas produzidas pelo setor primrio
a rastreabilidade gera maior segurana alimentar pela garantia do cumprimento da legislao
existente; melhora a qualidade dos produtos e a eficincia do processo de produo, mediante
a certificao de qualidade; e tambm o marketing e a imagem do produto pela certificao de
origem, como as denominaes de origem previstas nos normativos da Organizao Mundial do
Comrcio OMC.
O MAPA mantm o Servio de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos
(SISBOV) e o servio de Estabelecimentos Registrados no Servio de Inspeo Federal (SIF). Este
ltimo identifica o frigorfico onde os produtos embalados in natura e os derivados de origem
animal foram processados.

64

Com o passar do tempo aumentar o nmero de pases que exigiro a adoo deste
mecanismo no comrcio internacional, como est ocorrendo com a importao de carne bovina
pela Unio Europeia.
13) Boas prticas para o bem-estar animal
Conhecer o comportamento dos animais em relao ao seu ambiente o primeiro passo.
O manejo racional, alm de assegurar o bem-estar dos animais gera ganhos de produtividade e
de qualidade nos produtos finais. Para tanto, so requeridos cuidados especiais dos produtores com
as instalaes, a higiene, o conforto, a alimentao, a sade, o comportamento normal dos animais
em relao ao seu ambiente e s prticas que podem gerar dor, leses e comportamentos anormais.
O MAPA aprovou e divulgou em 2008 instruo normativa de Recomendao de Boas
Prticas de Bem-Estar para Animais de Produo de Interesse Econmico (REBEM), abrangendo
os sistemas de produo (manejo, dieta, instalaes) e transporte de bovinos, sunos e aves.
14) Reduo de perdas na colheita, transporte e armazenagem
Durante o percurso dos produtos agropecurios desde a colheita nas lavouras ou a produo
dos animais nos estabelecimentos rurais at chegarem mesa dos consumidores ocorrem perdas
fsicas (reduo do peso ou do volume) e de qualidade mercadolgica, que reduzem a receita dos
produtores e elevam os preos aos consumidores.
O manejo inadequado, o despreparo das pessoas, as instalaes e os equipamentos deficientes
ou mal regulados e sem manuteno e a falta de infraestrutura so algumas das causas apontadas.
As perdas nas hortalias e frutas so estimadas entre 35% a 40% da produo e em 10%
nos gros.
No existe zero de perda, mas, em contrapartida, nenhuma perda pode ser considerada
como normal e tolerada.
15) Alimentao saudvel e aproveitamento integral dos alimentos
A alimentao a base da vida e cresce o nmero de pessoas preocupadas com a alimentao
saudvel, que sinnimo de sade e qualidade de vida.
Uma dieta equilibrada deve conter, de forma balanceada, alimentos ricos em protenas,
vitaminas, sais minerais, carboidratos e fibras. O aproveitamento integral implica usar todas
as fontes de nutrientes que os alimentos oferecem, evitando desperdcio, reduzindo custos e
mantendo o paladar.

65

O desconhecimento das qualidades nutricionais, o no correto aproveitamento e manuseio, a


guarda e conservao inadequadas e, tambm, o preparo inadequado provocam o desperdcio de
milhares de toneladas de alimentos que vo parar no lixo. Por essas mesmas razes, componentes
de alimentos ricos em nutrientes tambm so desprezados e jogados fora, como a casca dos ovos,
as sementes, cascas, partes da polpa e caules de vegetais e diversos farelos.
A alimentao saudvel e evitar o desperdcio contemplam prticas como: usar todos os
produtos, dando prioridade aos da poca e de forma equilibrada; conserv-los bem; e preparlos bem, apenas nas quantidades necessrias e aproveitando todas as partes comestveis e
nutritivas integralmente.
16) Agricultura de preciso
Nos estabelecimentos rurais o solo e o clima no so uniformes e apresentam variaes que
interferem no desenvolvimento e no resultado das espcies cultivadas. Baseando neste princpio
e usando tecnologia da informao, equipamentos de informtica acoplados s mquinas e
equipamentos e geoestatstica (anlise dos dados de amostras georreferenciadas), implanta-se o
processo de automao agrcola denominado agricultura de preciso.
A primeira etapa consiste no levantamento e anlise de amostras de solo georreferenciadas,
para determinar a localizao geogrfica exata de todos os tipos de solo existentes na rea a ser
cultivada. A partir da a aplicao de fertilizantes e corretivos efetuada de forma varivel, no
momento adequado e exatamente nas quantidades necessrias as plantas em cada tipo de solo.
O mesmo acontece com os agrotxicos a partir de mapas de infestao de pragas e doenas, com
a medio da compactao do solo, com a medio da clorofila nas plantas e com a medio da
quantidade de produto colhido e da produtividade de cada local georreferenciado.
A agricultura de preciso reduz o desperdcio e os custos de produo, reduz a contaminao
da natureza e aumenta a produtividade das lavouras e pastagens.
17) Pluriatividade
Trata-se de uma forma alternativa de garantir renda as famlias que residem no meio rural
e consiste na execuo, pelos seus membros, de atividades rentveis e diversificadas de produo
de lavouras, pecuria e florestas, conforme foi tratado em item anterior, e tambm aquelas
consideradas no rurais e executadas dentro ou fora do estabelecimento rural, como o lazer e
o entretenimento, o turismo rural, o artesanato, a agroindustrializao familiar, a prestao de
servios pblicos ou privados e de atividades de comrcio e transporte.

66

Alm de aumentar e estabilizar a renda da famlia, a pluriatividade gera efeitos positivos


sobre o nvel de emprego e sobre a multifuncionalidade do meio rural, contribuindo decisivamente
para o desenvolvimento local e regional.
REFERNCIAS BSICAS PARA PREPARAO DO TEXTO:
COHEN, J. E. 1995. How many people can Earth support? W.W.Norton Company, 532 p.
FERRO, Joo. 2000. Relaes entre mundo rural e mundo urbano: evoluo histrica, situao actual e pistas
para o futuro. EURE [online], v.26, n.78, pp. 123-130. Doi: 10.4067/S0250-71612000007800006.
GOUDIE, A. 2005. The human impact on the natural environment. Wiley, 388 p.
HASSAN, I., RASHID, M. e SCHOLES, R. (Eds.). 2005. Ecosystems and human well-being. Current State
and Trends, Island Press, 917 pp.
JACOBS, J. 1969. The economy of cities. New York, Random House.
Edies recentes da revista National Geographic, National Geographic Society (1995 a 2012)

67

TICA, LIBERDADE E DETERMINISMO: OS LIMITES DA AO HUMANA


E O PROBLEMA DA SUSTENTABILIDADE

Paulo Eduardo de Oliveira

O ser humano um ser em permanente construo. Nunca estamos completamente prontos.


Caminhando se abre caminho e vivendo se constri a vida. Vivemos na tenso daquilo que
somos com aquilo que queremos ser. Nisso tambm somos irmanados com a natureza, que se
encontra num permanente e dinmico processo de evoluo.
O que somos, no momento em que tomamos conscincia de nossa prpria vida, j foi em
certa medida determinado. Jean-Paul Sartre1 expressa muito bem essa ideia quando afirma que a
pergunta fundamental que devemos fazer : o que vou fazer daquilo que fizeram de mim?. Isso
significa que, quando tomamos conscincia de que podemos escolher, muitas escolhas j foram
feitas por outras pessoas ou por circunstncias impessoais. De fato, como afirma Jos Ortega
y Gasset2, eu sou eu e minhas circunstncias. Isso o que somos. Isso j nos permite uma
primeira aproximao questo da sustentabilidade, pois no somos seres isolados numa ilha,
mas membros de uma mesma e nica comunidade humana, na qual a ao de um interfere na
vida de todos os outros. a partir dessa noo de sustentabilidade, como empenho comum em
conservar as condies de vida para todos, que nasce a prpria tica3.
O que queremos ser, contudo, faz parte do reino da liberdade. A partir do que sou, posso
fazer escolhas e opes, embora no possa fazer todas as escolhas nem tenha todas as opes.
Posso viver um projeto (na expresso de Martin Heidegger4, um pro-jeto: lano-me para frente

69

a partir daquilo que sou). Um projeto de vida, portanto, nunca um salto para o absolutamente
novo: sempre a continuao possvel daquilo que constitui nossa existncia concreta. S existe
projeto absolutamente novo para aquilo que no existe (esse o sentido pejorativo da palavra
utopia: aquilo que no existe em lugar algum).
Vivemos, assim, na tenso entre liberdade e determinismo. A liberdade a capacidade
de escolha e de adeso, acrescida da possibilidade de dizer no (do contrrio, seria imposio
e deixaria de se configurar como liberdade). Por determinismo5, compreendemos a situao na
qual as escolhas so limitadas em face daquilo que, como a palavra mesmo diz, j foi determinado.
DETERMINISMO FSICO E ONTOLGICO
Analisemos a forma mais elementar de determinismo: o fsico ou ontolgico. Ontolgico6
significa que est na raiz de nosso ser, aquilo que faz sermos o que somos. Assim, quando
tomamos conscincia de nossa vida e resolvemos assumir nosso destino, muitas coisas j foram
determinadas em relao s condies fsicas ou ontolgicas de nossa existncia. Para dar um
exemplo: nascemos do sexo feminino ou masculino e no fomos ns que escolhemos. Esse simples
fato, j determinado em nossa histria pessoal, condiciona todas as outras escolhas que faremos
ao longo da vida. Sendo homem, no poderei fazer certas escolhas que so prprias das mulheres.
Sendo mulher, algum no poder fazer algumas escolhas que me so possveis na condio
masculina. E isso no tem nada que ver com discriminao. bvio que a tentativa de igualar os
dois gneros possvel em alguns aspectos (como a dignidade e os direitos), mas no em outros
(como a forma de viver a afetividade e a sexualidade, por exemplo).
Em tempos em que a incluso passou a ser assunto tambm na escola, importante notar
que a condio das crianas portadoras de necessidades especiais resulta do determinismo fsico
ou ontolgico. Ningum queria assim, nem ela nem os pais. Mas, nem tudo passvel de escolha.
Como todas as crianas, elas tambm tm direito educao e participao na vida da escola.
O que foi determinado pela natureza e pelas circunstncias no deve, de modo algum, afastar as
pessoas ou discrimin-las.
O mesmo deve ser considerado em relao s diferenas de raa, de estrutura fsica (ser
alto ou baixo), as condies de sade (ser saudvel ou apresentar disfunes orgnicas) e a todos
os outros aspectos de nossa constituio fsica. Ningum de ns escolheu, simplesmente porque
nossa liberdade no absoluta. Podemos fazer escolhas a partir desses determinismos, no mais.
Isso nos ajuda a compreender um aspecto importante da sustentabilidade que a questo cultural:

70

a sustentabilidade cultural caracteriza-se, sobretudo, pelo respeito s condies (deterministas,


at certo ponto) das diferentes raas, culturas e tradies que formam a comunidade humana. As
pessoas so o que so tambm por causa de elementos que a situao determinante da vida lhes
concedeu, sem que pudessem escolher: por isso devem ser respeitadas tambm nestes elementos.
Neste sentido, cabe ressaltar a importncia de educar as pessoas7 para uma compreenso
sustentvel da vida, da cultura, da histria.
Isso no implica atitude de simples passividade e resignao: h pessoas com muitos
problemas fsicos que realizaram, pela fora de suas convices, muito mais do que outros em
melhores condies fsicas. A superao sempre possvel, mas isso no elimina as condies
iniciais, o ponto de partida do qual emergem nossas escolhas.
DETERMINISMO HISTRICO E CULTURAL
Do mesmo modo que os condicionamentos fsicos ou ontolgicos, h uma forma de
determinismo que se enraza nas condies histricas e culturais de cada um de ns. Por exemplo:
pelo simples fato de eu ter nascido no sculo XX e no em plena Idade Mdia, muitas de minhas
possveis escolhas foram limitadas. Eu no posso almejar ser um cavaleiro nas Cruzadas ou um
senhor feudal. Eu poderia ter nascido na China ou entre os maias ou astecas, ou poderia, ainda, ter
nascido numa famlia de esquims. Se isso tivesse ocorrido, minha vida seria totalmente diferente
e minhas escolhas estariam demarcadas pelos limites daquelas situaes histricas e culturais.
Portanto, minha liberdade tambm no absoluta no que diz respeito aos condicionamentos
histricos e culturais: minhas escolhas futuras partiro sempre daquilo que sou e daquilo que
minha tribo e meu tempo fizeram de mim.
Nesse sentido, vale lembrar que a condio humana est sempre amarrada na histria e
nos laos que nos prendem aos outros. Portanto, o olhar para o passado e para as outras geraes
deve estar sempre carregado de um profundo sentimento de respeito e de gratido. Os mais jovens
pouco se interessam pela tradio, porque temos deixado de lado a grande lio da Histria:
somos nada a no ser quando entendemos a teia que nos prende uns aos outros. Todo o empenho
de destruir a memria histrica e a conscincia cultural pode ser compreendido pela lgica de
quem quer tornar as pessoas meros indivduos, solitrios e desencontrados, porque assim mais
fcil domin-los e faz-los se interessar pelos passatempos modernos.
Do ponto de vista da sustentabilidade ambiental8, por exemplo, podemos dizer que tambm
sofremos o impacto do determinismo: nascemos num determinado momento da histria, numa
regio especfica, e isso definiu, de modo absoluto, muitas situaes de nossa vida (maior nvel de

71

poluio dos rios e do ar, menor qualidade de vida nas cidades, degradao do meio ambiente,
por exemplo); situaes estas que no foram vivenciadas por pessoas que nasceram antes de ns.
VISO HISTRICA DA NOO DE DETERMINISMO E LIBERDADE
Povos primitivos
Para o homem primitivo, carente de conhecimentos e de tcnicas de controle e de explicao
da natureza, a vida determinada pelas foras sobrenaturais. A liberdade do ser humano est
em obedecer aos preceitos da divindade. Se obedecer, ser protegido e recompensado. Se fizer o
contrrio, ser punido. Os mitos bblicos da serpente, do fruto proibido e da expulso do paraso
revelam de modo surpreendente essa estrutura de pensamento dos povos primitivos. As leis que
regem o universo so leis sagradas, s quais se deve submisso e respeito absoluto.
Para a cultura grega, de onde nasceu a filosofia ocidental, nas narrativas mticas de
Homero, Ilada e Odissia9, que se podem encontrar as explicaes para a dependncia dos
homens em relao s realidades sobrenaturais. No h liberdade a no ser na obedincia lei
sobrenatural.
O que resta em nosso tempo daquelas antigas concepes? Ter tudo ficado sepultado no
passado? No, nem tudo ficou sepultado. Os traos passados de nossa cultura deixam marcas
profundas no futuro. Desse modo, daqueles tempos remotos ainda conservamos a noo de
destino, por exemplo, que conserva forte influncia sobre as pessoas: o destino como uma
fora sobrenatural, inexplicvel, que conduz nossas vidas para certa direo, sem que possamos
escolher. Portanto, uma fora determinstica que restringe nossa liberdade.
Antiguidade
Os povos antigos, sobretudo a partir da influncia do pensamento filosfico grego, passam
a compreender que a explicao de todas as coisas (e de tambm de nossa liberdade e nosso
determinismo) est no mais em entidades e foras sobrenaturais, mas na natureza.
O que explica o que somos a constituio profunda de nosso ser, nossa alma. Assim,
para Plato10, as pessoas podem ter trs diferentes tipos de alma. H aqueles que tm alma de
bronze e so inclinados s tarefas manuais, s artes, as coisas prticas. Depois, h aqueles cuja
alma de prata: so corajosos e valentes, destinando-se a ser atletas ou valentes guerreiros. Por
fim, alguns so dotados de alma de ouro: apenas esses so capazes de se dedicar reflexo,

72

ao desenvolvimento das capacidades racionais e sero conduzidos filosofia e s cincias.


O importante notar que Plato acredita na imposio natural desses fatos. Ningum escolhe o
que vai ser antes de descobrir que tipo de alma lhe foi dada pela natureza. Existe, portanto, um
determinismo de ordem natural.
O que restou dessa concepo em nosso modo de pensar atual? Restou a noo de que certas
escolhas nos so limitadas pela natureza. No temos liberdade plena, mas somos condicionados ou
determinados pela natureza. Isso pode acarretar uma dimenso ideolgica (ideologia, no sentido
marxista do termo, um conjunto de ideias que serve para impor um determinado modelo social).
Por exemplo: quando se considera que as pessoas so diferentes em razo do sexo ou da raa
(os negros foram considerados menos humanos enquanto prevaleciam os sistemas escravistas, as
mulheres foram consideradas inferiores aos homens em muitas questes, durante muito tempo),
ainda prevalece a concepo antiga de que a natureza que determina nosso modo de ser e as
possibilidades de nossas escolhas.
Hoje se fala de incluso, no apenas na escola, mas em toda a sociedade. O empenho
por considerar que os portadores de deficincia tm as mesmas condies e direitos das outras
pessoas uma forma de minimizar a ideologia naturalista. Embora a natureza imponha alguns
limites s nossas escolhas, tais limites no so fatores determinantes nem absolutos.
Idade Mdia
A concepo medieval, firmada sobretudo a partir da tradio crist, revela um trao
surpreendente sobre a noo de liberdade e de determinismo. Em Agostinho de Hipona11, um
dos maiores pensadores da Idade Mdia, revela-se aquele trao cultural que vai perdurar por
sculos. Em suas Confisses, Agostinho afirma: Fizeste-nos para ti, Senhor, e o nosso corao
est inquieto enquanto no repousa em ti. O que se depreende dessa afirmao? A noo de
que h um Deus para o qual todos ns tendemos. Nascemos para ele e vivemos a busc-lo.
A realizao humana e a felicidade residem em viver de modo a que possamos encontr-lo.
Da surgem as noes de graa e de salvao12 (viver na companhia de Deus) e de pecado
(viver longe de Deus e dar as costas aos seus caminhos).
Em nossa cultura atual, sobretudo no Brasil e nos pases latino-americanos, colonizados
pelos portugueses e espanhis, naes de tradio crist, prevalecem traos dessa concepo.
Como consequncia, surge tambm a ideia de culpa e de reparao: devemos viver de modo a
remediar nossos erros e pecados.

73

A vida humana, portanto, a partir dessa concepo, se desenrola na tenso entre o que nos
aproxima de Deus e o que dele nos afasta. A liberdade est em seguir seus caminhos, condio
para a plena realizao. Em razo disso, as pessoas atribuem os fatos de sua vida vontade divina:
Deus quis assim, Se Deus quiser... so expresses comuns, do dia a dia, que revelam como
a tradio medieval imprimiu suas marcas em ns.
Modernidade
A modernidade foi fortemente marcada pela racionalidade. As grandes descobertas
cientficas, a nova viso da Terra e do Sistema Solar, as exploraes martimas, mostraram ao
homem a possibilidade de explicar tudo sem referncia ao sagrado.
A tradio moderna, assim, revela que o homem um ser racional de cuja vontade livre
dependem suas realizaes e seu destino. Pensadores como Hobbes13 e Rousseau14 defendem a
ideia de que a vida humana em sociedade depende exclusivamente de nossos contratos sociais,
embora eles partam de princpios distintos: para Hobbes, o homem mau por natureza e a
sociedade, nascida a partir do contrato social, o torna bom, justo, honesto. Para Rousseau, ao
contrrio, o homem nasce bom, tendendo s virtudes, e a sociedade o corrompe. Embora sejam
concepes opostas, ambas esto apoiadas apenas na noo de que pela razo humana, sem
referncia a nenhuma outra fora ou condio, se pode pensar os limites de nossa liberdade e os
determinismos que nos amarram.
No h submisso a leis sobrenaturais e divinas, nem a condicionamentos naturais. Pelo
contrato social, todas as diferenas so minimizadas. a razo que nos assemelha. E ela que pode
nos libertar daquilo que antes determinava nossos destinos: a natureza (a revoluo cientfica e a
Revoluo Industrial15 so expresses do domnio humano sobre a natureza); os regimes polticos
absolutistas (a Revoluo Francesa16 o cone da liberdade poltica conseguida pelo esforo da
razo humana); as concepes religiosas (Maquiavel, por exemplo, revela que possvel pensar a
poltica de modo estritamente lgico, sem referncia religio).
O que garante nossa liberdade, nessa concepo? Unicamente a razo, que se expressa
nos regimes democrticos e nas leis estabelecidas de modo consensual. bvio que no existe
liberdade absoluta, embora os nicos determinismos e condicionamentos estejam presos s
prprias leis.
Essa concepo reina fortemente entre ns, sobretudo porque a estrutura poltica e jurdica
de nosso pas (e das principais naes do mundo) est sustentada em princpios racionalistas.

74

Assim, a defesa dos direitos se faz mediante as leis. Vive-se, assim, no que se denomina um
Estado de Direito.
LIBERDADE
O que liberdade? a ausncia de todos os impedimentos ao que no estejam contidos
na natureza prpria de cada coisa. Pensemos num rio. Por que dizemos a gua corre livremente
rio abaixo? Porque de sua natureza correr rio abaixo, ela no pode subir o rio. Tambm de
sua natureza no correr para os lados, porque as encostas o impedem. As encostas fazem parte
de sua natureza, porque se no fossem as encostas, no seria rio, poderia ser uma lagoa ou um
banhado. E, quando no h nenhuma barragem, o rio segue seu curso livremente, desembocando
em outros rios ou diretamente no mar. E todos os rios correm para o mar, porque assim sua
natureza. Portanto, legtimo dizer do rio que corre livremente, porque no impedido de fazer
aquilo que sua prpria natureza permite.
Vemos, portanto, que as condies bsicas para a existncia de liberdade so a considerao
da natureza prpria das coisas (ou das pessoas) e a ausncia de impedimento ou de proibio.
Uma profunda reflexo sobre a liberdade pode ser encontrada na obra Ferno Capelo Gaivota17,
de Richard Bach.
A liberdade uma qualidade ou propriedade da pessoa (no importa se fsica ou moral)
(BOBBIO, 2002, p. 12). Ele livre significa, portanto, que possui a qualidade da liberdade. E se
uma qualidade, pode existir em maior ou menor grau: numa sociedade, pode-se dizer, portanto,
que todos so livres, embora alguns sejam mais livres que outros. A liberdade, assim, pode
ser compreendida tanto do ponto de vista individual quanto coletivo, embora a liberdade coletiva
signifique sempre a soma das liberdades individuais: uma nao livre se os indivduos que a ela
pertencem gozam de liberdade18.
Liberdade fsica
Por liberdade fsica entende-se a qualidade de quem no est impedido fisicamente de ir e
vir ou de fazer algo. Um prisioneiro perdeu a liberdade fsica: no pode ir onde quer, precisa ficar
restrito aos espaos fsicos de sua cela. Uma pessoa doente, que j no tem mais a flexibilidade
da juventude, tambm perdeu a liberdade fsica para correr ou para movimentar-se com mais
agilidade: fica presa em casa ou no seu quarto. Uma criana que nasceu paraplgica tambm no
goza da liberdade fsica, assim como uma pessoa que no pode enxergar.

75

H ainda os limites impostos pela natureza: eu no posso voar como os pssaros voam; no
posso nadar como nadam os peixes; no posso enxergar noite como uma coruja enxerga, e assim
por diante. Da mesma forma, no posso estar em dois lugares ao mesmo tempo, como s vezes
gostaria de estar. E no posso viajar numa mquina do tempo, nem pretender viver para sempre.
Minhas condies naturais permitem-me algumas coisas e me impedem de outras. Essa a
situao no que diz respeito liberdade fsica.
Liberdade moral
A liberdade moral19, por sua vez, refere-se nossa conscincia. Uma pessoa, por exemplo,
que segue certos preceitos religiosos, levada a fazer algo ou a evitar algo sem nenhuma forma de
coao fsica. A deciso sobre sua ao reside, simplesmente, em sua liberdade moral. Quando
tomo uma determinada deciso sem ser impelido ou impedido interiormente por algo, digo que
sou livre. Faa o que quiser, dir a minha conscincia quando eu realmente for plenamente
livre sob o aspecto moral. Mas, geralmente ouvimos expresses como Veja bem, procure ser
justo, No escolha a mentira, Prefira o bem ao mal. Nossa conscincia, em consequncia da
educao moral que recebemos, limita nossa liberdade.
Os preceitos morais agem sempre no nvel da conscincia. Algum pode ter aprendido de
seus pais a ser honesto custe o que custar. Numa situao decisria de sua vida, embora no
haja coao fsica (seus pais podero estar ausentes ou at mesmo terem morrido), aquela lio
moral limitar a liberdade dessa pessoa.
LIBERDADE INDIVIDUAL E SOCIAL
O conceito de liberdade no se aplica apenas aos indivduos, mas tambm aos grupos
humanos, sejam naes, povos, instituies ou outras formas de organizao coletiva. Contudo, a
base do direito liberdade parece ser a mesma: nossa condio de igualdade e a dignidade da
pessoa humana.
Enrique Dussel20 mostrou que a liberdade ou a explorao de um povo surgem do mesmo
modo como a liberdade ou a explorao entre os membros de uma famlia. Nas culturas marcadas
pela explorao do outro, o marido priva a liberdade da esposa; o pai priva a liberdade do filho;
o irmo priva a liberdade do outro irmo. No primeiro caso, preciso pensar uma libertao
ertica: a mulher precisa ser reconhecida nos seus direitos e na sua dignidade e, assim, ser capaz
de conquistar a prpria liberdade, condio para que reine o amor no lugar da dominao. No

76

segundo caso, o filho precisa conquistar o respeito pela sua prpria dignidade, sendo acolhido
pelos pais em sua individualidade. reconhecida, assim, a possibilidade do filho ser sujeito de
sua prpria histria: trata-se, portanto, de construir uma libertao pedaggica (que se aplica,
tambm, nas relaes entre mestre e educando). Por fim, vem a libertao poltica, ou seja, aquela
que se realiza na esfera do relacionamento entre os irmos; o reconhecimento da liberdade e da
autonomia do irmo tornam-se garantia de que as relaes sejam pautadas pelo respeito e no pela
dominao de um sobre o outro.
REPRESSO E CENSURA
Censura um mecanismo de controle social. Como tal, serve para vigiar o cumprimento das
leis e o uso da liberdade das pessoas. Michel Foucault21 mostrou que em todas as situaes de
nossa existncia, mesmo nas estruturas sociais microfsicas22, existem estruturas de poder, isto ,
estruturas de controle dos indivduos e de seus corpos (FOUCAULT, 1992). As estruturas de poder
exercem controle sobre nosso modo de ser e de agir, limitando nossa liberdade. Constantemente,
nos sentimos vigiados por uma presena invisvel que nos observa e guia nossos passos (Foucault
fala do panptico (FOUCAULT, 1996) como instrumento pelo qual se exerce esse controle visual
sobre as pessoas: trata-se de algo como uma torre, coberta de espelhos, atrs dos quais somos
vistos por quem nos controla, mas no podemos ver quem e se realmente est l ou no).
Liberdade e censura so qualidades inversamente proporcionais, isto , quando se tem em
maior quantidade uma delas, a outra diminui e vice-versa. Por exemplo: a liberdade de expressar
minhas opinies polticas , hoje, no Brasil, uma qualidade amplamente aceita e defendida. No
h, portanto, censura poltica. Sou livre para dizer o que penso sobre os governantes e as decises
polticas que regem a sociedade brasileira. Mas, nem sempre foi assim no pas. Na poca do
Regime Militar (entre as dcadas de 60 a 80 do sculo XX), a censura era exercida at s ltimas
consequncias: as pessoas eram severamente vigiadas, no tinham liberdade para dizer o que
pensavam (por isso muitos intelectuais e professores foram presos, torturados e assassinados
porque talvez, pois, criticavam abertamente o poder e seus feitores).
Nos governos democrticos, a liberdade maior do que a censura. este tema um ponto
importante para a questo daquilo que se chama sustentabilidade poltica23. Ao contrrio, nos
governos ditatoriais, a censura maior do que a liberdade. O mesmo vale para as famlias, a
escola, as religies, as empresas etc. Porque tambm nessas instituies ns agimos ou deixamos
de agir de acordo com as regras e normas de conduta que so estabelecidas. Mas, vale o mesmo

77

princpio: quanto mais liberdade, menos censura e controle; quanto mais censura e controle,
menos liberdade.
A liberdade no absoluta. Ela esbarra sempre nos limites da liberdade do outro e nos
limites da lei (alm dos limites impostos pela prpria natureza, como j analisamos). Mas,
tambm a represso no absoluta. Um preso poltico, por exemplo, pode ter sido privado da
liberdade fsica, mas certamente isso no foi suficiente para obrig-lo a abrir mo de suas ideias
e de seus princpios.
LIBERDADE E SUSTENTABILIDADE
Estas reflexes ajudam-nos a compreender, em sntese, que a liberdade humana encontrase entre o limite daquilo que j est determinado em nossa vida e daquilo que ns podemos
escolher. No campo das questes que so envolvidas pelo conceito de sustentabilidade, isso
muito importante: ns no podemos fazer tudo ou decidir qualquer coisa, mas devemos fazer as
melhores opes, dentro do que a ns possvel, para criar um mundo cada vez mais sustentvel.
Embora muita coisa j esteja determinada (do ponto de vista ambiental, por exemplo, espcies
extintas nunca mais podero voltar vida), o futuro est aberto, como dizia Karl Popper24, e por
isso precisamos acreditar na possibilidade de construir condies melhores de vida para ns e
para as geraes vindouras.
INDICAES DE LEITURA
BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
DUSSEL, Enrique. Caminhos da libertao latino-americana. So Paulo: Paulinas, 1985.
DUSSEL, Enrique. Para uma tica da libertao latino-americana. So Paulo: Loyola, 1987.
FOUCAULT, Michel. Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1992.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Petrpolis: Vozes, 1996.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 12. ed. Petrpolis: Vozes, 2002.
OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. Educar para a vida: reflexes para pais e educadores. Petrpolis: Vozes,
2007.
POPPER, Karl. Sociedade aberta e seus inimigos. So Paulo/Belo Horizonte: EDUSP, Itatiaia, 1975.
POPPER, Karl Raimund; Nuno Ferreira da Fonseca. O universo aberto: Argumentos a favor do indeterminismo.
Lisboa: Dom Quixote, 1988.

78

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Jean-Paul Sartre (1905-1980) foi um filsofo, escritor e crtico francs, conhecido como representante do
existencialismo. Entre suas principais obras destaca-se O ser e o nada e A nusea.

Jos Ortega y Gasset (1883-1955) foi um filsofo espanhol. Tambm atuou como ativista poltico e jornalista.
Entre suas principais obras, destacam-se: Em torno a Galileu, Estudos sobre o amor e Que Filosofia.

Indicao de link: Como leitura complementar, indica-se o texto Como nasce a tica, do escritor brasileiro
Leonardo Boff, disponvel em: <http://leonardoboff.com/site/vista/outros/como-nasce.htm>.

Martin Heidegger (1889-1976) foi um filsofo alemo, de linha existencialista, que influenciou importantes
filsofos como Jean-Paul Sartre. Entre suas principais obras, destaca-se Ser e Tempo.

5 A palavra determinismo deriva do verbo determinar. No sentido aqui usado, designa aquilo que est
definido, pronto ou acabado de modo absoluto.
6

A palavra ontolgico vem do grego e significa, literalmente, o estudo sobre o ser. Trata-se de um ramo
ou disciplina da Filosofia que estuda a constituio das coisas em sua prpria natureza ou essncia.

Indicao de link: Para aprofundar o estudo do tema, ver o significativo artigo de Moacir Gadotti sobre
a educao para a sustentabilidade, disponvel em: <http://revista.ibict.br/inclusao/index.php/inclusao/
article/viewFile/113/122>.

Indicao de link: Para aprofundar o estudo deste tema, veja-se o artigo disponvel em: <http://www.
ecologiaurbana.com.br/sustentabilidade/como-garantir-sustentabilidade-ambiental/>.

9 A Ilada o mais antigo poema grego. Foi escrito por Homero por volta do sculo VII a.C. e descreve o
ltimo ano da guerra de Tria, que durou cerca de dez anos. A Odissia a obra mais popular da antiga
literatura grega. Descreve as aventuras de Ulsses ao tentar regressar a sua terra natal, depois da vitria da
Grcia na guerra de Tria.
10 Indicao de link: Sobre a ideia platnica de alma, pode-se ver o artigo disponvel em: <http://filosofonet.
wordpress.com/2011/06/18/a-teoria-da-alma-em-platao/>.
11 Aurlio Agostinho, dito de Hipona, cidade onde viveu seus ltimos anos, tambm conhecido como Santo
Agostinho (354- 430). Foi bispo catlico, escritor, telogo e filsofo. Sua principal obra Confisses.
12 Indicao de vdeo: Para uma compreenso mais ampla destes temas no contexto do pensamento
medieval, pode-se ver o filme Em nome de Deus, que retrata a vida do filsofo Pedro Abelardo, disponvel
em: <http://www.youtube.com/watch?v=TeJ-IDG8ldA>.
13 Thomas Hobbes (1588-1679) foi um matemtico, terico poltico, e filsofo ingls, autor de Leviat (1651)
e Do cidado (1651). um dos principais representantes do pensamento absolutista ingls.
14 Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) foi um importante filsofo, terico poltico, escritor e compositor
autodidata suo. considerado um dos principais filsofos do iluminismo e um precursor do romantismo.
Entre suas obras, destacam-se: Discurso Sobre a Origem da Desigualdade Entre os Homens, Do Contrato
Social e Emlio ou da Educao.

79

15 Indicao de vdeo: Para compreender melhor a Revoluo Francesa, ver o vdeo disponvel em <http://
www.youtube.com/watch?v=meSQG6bNvOM).
16 Indicao de vdeo: Para compreender melhor a Revoluo Francesa, ver o vdeo disponvel em <http://
www.youtube.com/watch?v=j--WjKAti0M>.
17 Indicao de vdeo: Uma parte desta obra, transformada em filme, pode ser vista no seguinte link:
<http://www.youtube.com/watch?v=oCzCIRhFUMw&feature=related>.
18 Indicao de link: Sobre a relao entre tica e liberdade, pode-se ver o artigo disponvel em: <http://
portaldoprofessor.mec.gov.br/fichaTecnicaAula.html?aula=23439>.
19 Indicao de vdeo: Para compreender melhor o conceito de liberdade moral, pode-se ver o breve
documentrio de Mrio Srgio Cortella, disponvel em: <http://www.youtube.com/watch?v=RFlVgcl4A1
M&feature=related>.
20 Indicao de vdeo: Para uma compreenso mais ampla do pensamento de Enrique Dussel, veja-se o
vdeo disponvel em: <http://www.youtube.com/watch?v=eKX0w869sMI>.
21 Indicao de vdeo: Para uma compreenso mais ampla do pensamento de Enrique Dussel, veja-se o
vdeo disponvel em: <http://www.youtube.com/watch?v=eKX0w869sMI>
22 Como a palavra indica (micro = pequeno, reduzido), trata-se de estruturas sociais em que, mesmo nas
relaes mais estreitas e nas situaes cotidianas, existem pequenas expresses de poder. Um exemplo
a relao entre irmos, na qual geralmente o irmo mais velho tende a se sobrepor aos mais novos.
23 Indicao de link: Pode-se ver, a esse respeito, o artigo sobre a dimenso poltica da sustentabilidade,
disponvel em: <http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT11/michelly_ramos.pdf>.
24 Karl Popper (1902-1994), filsofo austraco, cujo pensamento se destaca principalmente no campo da
filosofia da cincia e da filosofia social. Entre suas obras, destacam-se: A lgica da pesquisa cientfica e A
sociedade aberta e seus inimigos.

80

PAPEL DA EDUCAO E DA CULTURA NA CONSTRUO DA CIDADANIA

Gisele Braile Turquino

Investigando ideias e propostas para a construo da cidadania possvel encontrar o


objetivo maior de toda a educao escolar: formar cidados autnomos, capazes de atuar com
competncia e dignidade no exerccio de seus direitos e deveres, assumindo a valorizao da
cultura de sua prpria comunidade.
Como um estudo sistematizado da cultura poderia contribuir para a educao e a construo
da cidadania? Haveria um conceito adequado, que pudesse permitir a ampliao dos nossos
horizontes nessa reflexo?
A cultura e a educao tm relaes profundas que precisam ser consideradas. Erny (1982.
p.10) explica que, desde a mais tenra idade, a criana recebe das geraes adultas as aes
educativas que so expressas sob a condio de uma educao formal. Os adultos creem na sua
eficcia, consideram-na como sendo a verdadeira educao, tendo como objetivo maior fazer
penetrar na criana as influncias em conformidade com a imagem ideal que cada sociedade faz
de sua natureza e de sua misso.
Mas, alm das aes ditas formais aplicadas pela educao, importante entender a ao
educativa exercida pelo grupo de pertena no cotidiano e nas experincias de vida, que age de
forma sutil sobre a criana, acontecendo de maneira que seus interessados dela no se do conta,
em interaes que se confundem com a vida concreta do grupo.

81

A escola torna-se o espao privilegiado da educao formal, enquanto as aes cotidianas


de convivncia na famlia, no grupo dos pares, na rua fazem a socializao1 das crianas de
maneira abrangente, inconsciente e informal. Essa realidade no pode ser desconsiderada pela
pedagogia, que no pode prescindir da cultura para embasar o entendimento das relaes que se
estabelecem na prtica educativa de qualquer sociedade. Dessa forma, para Erny, a socializao
e educao no so sinnimos perfeitos: a primeira abrangente e integra o inconsciente e o
informal, enquanto a segunda apresenta conotaes formais.
Sociedade e cultura operam na construo do indivduo, a primeira organizando e
estruturando os grupos humanos, a segunda imprimindo as maneiras de viver e de pensar. A
socializao da criana representa, ento, um encadeamento de processos atravs dos quais o
indivduo torna-se membro da sua sociedade (ERNY, 1982, p.17), estando necessariamente ao
lado dos processos de endoculturao2/aculturao3/inculturao, tornando o indivduo portador
de uma viso de mundo de acordo com sua cultura.
Para Erny (1982, p.82), h uma relao dinmica entre os comportamentos individuais
em termos de respostas intelectuais e emocionais, de acordo com o meio em que se vive. Assim,
cada sociedade caracteriza-se pelos estilos de vida que marcam seus membros, personalizando-os.
Estilos configurados desde a infncia expressam um tipo de comportamento, uma determinada
estrutura psquica e atitudes que persistem no adulto.
Em tempos de sociedade tecnolgica e urbana, quando as mudanas socioculturais so rpidas
e profundas, o interesse por estudos da cultura4 se acentua, em especial no que se refere ao caso
da educao. Ao conhecer contextos nos quais sobressaem diferentes vises de mundo, possvel
encontrar pistas que indicam o sentido que a educao representa para a vida de um grupo.
A cultura para ns o que a gua para o peixe. [...] na cultura que se geram a conscincia e o pensamento.
Ns somos paridos pela cultura; vivemos dentro e ela o ambiente humano. (PANTOJA, 1999).

Interessante observar o quanto somos dependentes e estamos ligados cultura. No possvel


pensar num ser humano apartado dela. Estudos que remontam s nossas origens revelam que o
homem o ser que mais depende de mecanismos culturais para organizar seu comportamento.
Na prpria evoluo biolgica que sofremos, h tambm uma evoluo cultural ocorrida em
concomitncia. Podemos, ento, pensar na cultura como algo que, ao invs de ter sido acrescentada
a um ser pronto, constitutiva desse ser, num processo que ainda est se realizando.
Para Geertz (1989, p.59), a cultura exerce um conjunto de mecanismos de controle para
governar o comportamento. Segundo o autor, o homem o ser que mais desesperadamente
depende destes mecanismos, como imposies vindas de fora para dentro.

82

Assim organiza-se o comportamento humano, definindo o homem como um ser cultural:


a prpria evoluo biolgica/cerebral do homindeo passou por uma evoluo cultural,
concomitantemente, tornando-se condio essencial para tal evoluo.
A cultura algo que, ao contrrio de ter sido acrescentada a um ser biologicamente ou
fisicamente pronto, constitutiva desse ser, num processo evolutivo que ainda se est realizando:
somos animais incompletos e inacabados, que nos completamos e acabamos atravs da cultura.
(GEERTZ, 1989, p.62) Na imensa plasticidade e diversidade de suas construes culturais que
acontece a dependncia do humano cultura. Portanto, frgil a fronteira entre o que inato e
o que cultural no comportamento humano.
APRENDENDO A SER CIDADO
Muito cedo a criana recebe das geraes adultas aes educativas, pela famlia e pela
escola. So aes formais e informais, que tm como objetivo transmitir criana valores em
conformidade com a imagem que cada sociedade faz de sua prpria natureza e misso.
Exemplos dessa relao so apresentados por Erik Erikson (1976) na descrio emocionante
da vida dos ndios Sioux e Yurok, contrapondo-os cultura do homem ocidental da sociedade
americana. possvel, por meio desse estudo, entender como o meio ambiente, a sociedade e a
cultura operam na socializao do indivduo no processo de enculturao5 que se inicia desde o
nascimento da criana, imprimindo-lhe de forma marcante a viso de mundo pertencente a cada
povo: o americano, competitivo e individualista; o Sioux, um caador de bfalos na pradaria,
e o Yurok, um alegre comedor de salmo. Essas caractersticas personalssimas so expressas
mediante os smbolos e as crenas, a relao com a natureza e com o outro, sendo adquiridas
pelo indivduo por meio das regras e proibies, dos condicionamentos corporais nas relaes
familiares e grupais.
O homem corresponde imagem de sua cultura no sentido de que , ao mesmo tempo, seu
criador e seu efeito, sua resultante.
Alm das aes educativas citadas, importante ressaltar a ao exercida pelo grupo ao qual
a criana pertence no cotidiano, nas experincias de vida, em interaes das quais no nos damos
conta, confundindo-se com a vida concreta do grupo. Essas aes cotidianas de convivncia entre
seus pares e na comunidade realizam a socializao da criana de modo abrangente e informal.
A socializao e educao representam, ento, encadeamentos de processos pelos quais o
indivduo torna-se membro da sua sociedade, portador de uma viso de mundo de acordo com a
sua cultura.

83

Nesse sentido, ser cidado algo peculiar, que se aprende. Um papel social intimamente
relacionado com os valores culturais da sociedade qual o indivduo pertence, adquiridos pela
educao formal e informal.
A cidadania no se d como algo natural e inato nas pessoas, construda. A cultura um
alicerce para realizar tal tarefa. pelo seu fortalecimento e valorizao que se desenvolve nas
pessoas o sentimento de pertencer, o que uma base para a cidadania. Por isso a necessidade
de reforarmos em nosso ambiente cultural, na casa e na escola, os valores democrticos e
humansticos.
A educao do futuro dever ser o ensino primeiro e universal, centrado na condio humana. Estamos na
era planetria; uma aventura comum conduz os seres humanos, onde quer que se encontrem. Estes devem
reconhecer-se em sua humanidade comum e ao mesmo tempo reconhecer a diversidade cultural inerente a
tudo que humano. (MORIN, 2000, p. 47)

Pensar-se e sentir-se pertencente a um lugar uma famlia, uma origem, uma escola, uma
comunidade possibilita que a pessoa desenvolva as referncias que lhe conferem a construo
da prpria identidade e participao na vida social, um dos primeiros passos para aprender o
papel de ser cidado. Somente por meio do reconhecimento mtuo da importncia recproca
entre indivduo e grupo que se desenvolvem as ligaes entre a vida individual e comunitria, o
verdadeiro sentido da cidadania numa sociedade democrtica e no excludente.
EDUCANDO PARA A CIDADANIA NA FAMLIA
Muito se tem discutido a respeito do papel da famlia na educao das crianas na atualidade,
em especial por conta de tantas mudanas socioculturais que vm alterando a estrutura e o
funcionamento dos lares. Apesar delas, a sociedade do terceiro milnio, da tecnologia e do
avano do conhecimento vem percebendo que no h outra forma de criar os filhos, seno por
meio da famlia.
Indiscutivelmente o primeiro mundo da criana, o lugar onde se tem a oportunidade de
desenvolver a afetividade, o aconchego, a proximidade das relaes humanas. tambm um
lugar de conflitos, de aprendizagem de limites, de reconhecimento de erros e de reconciliao.
Esses so os ingredientes que temperam as relaes e so inerentes ao crescimento da pessoa
em formao. A partir de uma convivncia familiar prxima e afetuosa, a criana desenvolve o
sentimento de pertencer, estruturando-se como pessoa humana sadia e equilibrada, construindo
sua autoestima e identidade.

84

Contudo, so numerosas as dvidas e os questionamentos que envolvem os pais diante da


rdua tarefa do educador:
Como educ-los com equilbrio? Como estruturar e manter dilogos, ajudando-os na sua
estruturao? Como possibilitar que a famlia seja um porto seguro, onde crianas e jovens possam
alcanar refgio diante de tantos perigos a enfrentar no mundo? Como transmitir-lhes valores?
A gente s conhece em as coisas que cativou, disse a raposa. Os homens no tm mais tempo de conhecer
coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como no existem lojas de amigos, os homens no tm
mais amigos. Se tu queres um amigo, cativa-me!
Que preciso fazer? Perguntou o principezinho.
preciso ser paciente, respondeu a raposa. Tu te sentars primeiro um pouco longe de mim, assim, na
relva. Eu te olharei com o canto do olho e tu no dirs nada. A linguagem uma fonte de mal-entendidos.
Mas, cada dia, te sentirs mais perto...
Eis meu segredo, disse a raposa. muito simples: s se v bem com o corao. O essencial invisvel aos
olhos. (SAINT-EXUPERY, 2000).

Entre as vrias respostas para essas perguntas, gostaria de propor algumas ideias possveis
de serem postas em prtica e que, inclusive, tornaram-se um pouco esquecidas diante de tantos
afazeres e compromissos que a vida moderna nos impe.
A criana precisa de referncia da famlia e de certeza de pertencer a ela.
A primeira ideia que surge o resgate de brincadeiras vividas em nossa prpria infncia,
que podem ser prazerosas quando relembradas e partilhadas com as crianas. Nesses momentos
de lazer e aconchego, possvel redescobrir como gostoso fazer bonecos de massa de po,
brincadeiras de pipa e de peo, ou ainda fazer juntos bonecas de pano costuradas mo. Assim,
criam-se laos de proximidade e intimidade entre a criana e o adulto.
muito importante, tambm, quando pais, avs e parentes mais prximos podem contar-lhe
histrias que revelam as origens dos antepassados, dos lugares e da maneira como viveram. Ao
contar a prpria histria, os pais permitem que a criana conhea a sua origem e criam-se laos
profundos e duradouros. O pequeno sente ento que pode contar com o adulto, com a autoridade
de quem vivenciou todos os fatos que lhe do a referncia de continuidade e filiao. nessas
pequenas e ao mesmo tempo grandes atitudes vividas na convivncia familiar durante a infncia
que se lanam bases para que o adolescente recorra primeiro famlia, diante dos problemas
prprios da idade.
...ter a certeza de poder contar com a famlia, no significa pertencer a uma famlia perfeita, onde tudo d
certo sempre. Significa, mais que isso, pertencer a uma famlia que se une em prol daquele que precisa, no
momento que ela precisa. (IGNOTI, 1999, p. 36).

85

EDUCANDO PARA A CIDADANIA NA ESCOLA


So inmeros os desafios que se interpem tarefa de educar nos dias de hoje. Informao
e conhecimento transformaram-se no fator produtivo mais importante e no contexto trazido
pelas mudanas econmicas de nossos tempos. Para poder participar dos frutos do progresso
tecnolgico, no basta acesso a eles, mas competncia e habilidade para bem us-los em benefcio
de todos. Tornamo-nos aprendizes na sociedade do conhecimento; cada vez mais preciso saber
lidar com novas situaes que se apresentam no cotidiano profissional e comunitrio. Exige-se
no apenas o saber tcnico, mas tambm uma maior capacidade de relacionamento humano, de
trabalho grupal e interativo.
Nesse contexto, desafios estendem-se sala de aula. Mais que nunca, ensinar e aprender
revestem-se de importncia que vo alm de simplesmente passar a matria e armazenar
saberes prontos.
Mas que ideia podem contribuir, para que a rdua tarefa de ensinar e aprender possa ser
compartilhada de maneira eficaz e estimulante?
A primeira, entre vrias que vem mente, a de que ensinar e aprender podem promover
uma verdadeira aproximao humana um encontro entre professor e aluno, proporcionados
pela riqueza de relaes que da se estabelecem. Ensinar e aprender voltam-se para o homem,
para o ser humano. Apontam para o concreto; preciso considerar o contexto no qual o educando
se insere, assumindo a tarefa de caminhar juntos para alcanar um objetivo maior.
O desafio a descoberta do prazer em aprender e conhecer, o caminho da construo da
pessoa. No se trata apenas de domnio de contedos, mas tambm uma formao baseada em
valores humansticos que traduzam atitudes do bem viver em comunidade.
Pensamos nas possibilidades que se apresentam em termos de relaes humanas numa
sala de aula e em todos os desafios que brotam do compromisso de educar, respeitando-se as
diferenas, equilibrando-se a autoridade, estimulando-se a criatividade e a responsabilidade,
elegendo-se regras de convivncia a partir da vontade e deliberao do grupo. Talvez seja esse
um caminho para ser percorrido por professores e alunos juntos aprendizes constantes do que
tornar-se humano e do que construir democracia.
CULTURA LOCAL E CULTURA GLOBAL
Preservar no congelar. Cultura que se perpetua aquela que se modifica. (HELVCIA,
2002, p. 23).

86

A facilidade de estabelecer contato com diferentes realidades culturais em nossos dias


transformou o planeta, conforme profetizado no sculo XX.
Essa nova realidade permite amplas possibilidades: conhecer novos lugares, diferentes
padres de consumo, novas demandas, novos conceitos de desenvolvimento.
Como consequncia, surgem oportunidades e desafios para a comunidade: valorizar e
transmitir a cultura do meio social, construindo sua prpria identidade, e, ao mesmo tempo, lidar
com o que novo e diferente, em um autntico processo de transformao cultural.
Como encontrar caminhos para desenvolver essa tarefa?
Uma primeira atitude adotar uma postura de pensar e preservar a cultura local, sem
esquecer que preciso acompanhar os acontecimentos, conectando-se ao mundo global. Visto
sob essa ptica, o que local pode e deve apresentar ganhos de qualidade, transformando-se
em novas fontes de atividades produtivas para a comunidade: ambiente preservado, estmulo a
produes regionais, fontes de pesquisa e produo de conhecimento, resgate histrico social,
entre outras.
Qual o papel da escola nesse contexto?
Possibilitar ao jovem uma leitura do mundo, levando-o a reconhecer o que pertencente ao
seu ambiente cultural e o que externo. A partir disso, torna-se possvel o processo de identidade
coletiva, base para a perpetuao cultural, o que no significa evidentemente uma estagnao, mas
sim um processo de transformao consciente do ambiente cultural, inclusive capaz de respeitar
e conviver com diferenas.
O RURAL PRESENTE NA ESCOLA: REFLEXES PARA A CIDADANIA
visvel a dificuldade enfrentada pelo homem do campo no que se refere escolarizao
e s exigncias que a sociedade moderna acaba lhe impondo. difcil o acesso escola, difcil
aprender pelas linguagens e rituais da escola, difcil aplicar em seu cotidiano os contedos
escolares aprendidos, difcil vencer a distncia entre a cultura escolar e a sua prpria cultura.
Tais dificuldades desdobram-se em outras: baixa escolaridade, mau uso de tecnologia, degradao
ambiental, degradao da qualidade de vida.
Entre as diversas situaes vivenciadas em meu trabalho de engenheira agrnoma e professora,
um fato me marcou. Aconteceu com um senhor, o seu Toninho, parceiro rural e cafeicultor, pai de
adolescentes. Numa das visitas que lhe fiz, este senhor relatou-me que sofria com a seca, que havia
diminudo tanto a gua da mina que j estava h trs meses abastecendo-se da gua cedida por um

87

vizinho para o consumo da casa. Quando andvamos pela lavoura, o seu Toninho mostrou-me
uma eroso de trs metros de profundidade e o problema que vinha enfrentando.
Expliquei-lhe, ento, desenhando num papel como o ciclo da gua, como se formam as
minas e como aquela eroso e o solo compactado prejudicavam no s a sua vida, mas o ambiente
de toda aquela regio.
Passaram-se duas semanas e, no meu retorno, o seu Toninho me fez entrar e tomar
assento com sua famlia mesa da cozinha. Falou-me da importncia das explicaes que lhe dera
e, se no fosse incmodo para a professora, que desenhasse novamente o ciclo da gua. Refiz
o desenho e percebi que sua filha adolescente observava atentamente.
Ela se levantou e saiu, voltando em seguida com um livro didtico aberto num desenho
esquemtico do ciclo da gua. isto que a senhora est ensinando ao meu pai? Respondi que
sim, mostrando o desenho que o pai tinha na mo e o desenho do livro, comparando-os. Terminada
a explicao, pude perceber que os olhos de seu Toninho estavam cheios de lgrima.
Para ele, o conhecimento prprio dos livros e, com ele, o entendimento de certas coisas do
seu cotidiano poderia ter chegado antes. Ento, contou-me de todo o seu esforo para estudar
a menina, que diariamente sai de manhzinha para ir escola, no patrimnio, falou de sua luta
para proporcionar aos filhos aquilo que ele no teve.
Esse fato me fez atentar mais para o que est acontecendo com muitas crianas e adolescentes
rurais que nos ltimos anos tiveram suas escolas fechadas no interior e esto sendo levados para
estudar em escolas urbanas, expostos a valores urbanos, influncia da televiso, desvalorizao
do seu mundo, iluso de que na cidade tudo vai melhorar... Essas imagens so exemplos das
guerras culturais que acontecem na sociedade em que vivemos.
Um trabalho de transformao das condies de vida do homem rural brasileiro, segundo
Antonio Candido (1980), no pode fiar-se apenas em tecnologias agronmicas, estudos de
economia ou enunciados polticos; ele precisa tambm, ou principalmente, levar em considerao
a cultura do rurcola.
Como um estudo da cultura pode contribuir com a incluso dessa populao na escola e na
sociedade? E a escola, pode beneficiar-se em trabalhar a incluso de grupos culturalmente diversos?
Fazer um confronto das duas realidades culturais que podem coexistir na escola vai muito
alm de uma abordagem folclrica sobre a cultura. Nesse tipo de abordagem, a cultura rural , s
vezes, estandardizada ou estigmatizada, nas festas juninas, nas fantasias de caipira, nas aluses ao
Jeca Tatu ou nas comemoraes das ditas semanas culturais, to a gosto das escolas urbanas.
A escola identifica-se com a cultura ocidental, que sempre homogeneizadora, ordenadora,
pragmtica e, conforme Porto (1999), agindo como aparelho de reproduo do pensamento
ocidental, num modelo de educao que no integra a diversidade.

88

possvel fazer constataes que ampliam a noo de educao seguindo por outro caminho.
Fazer uma leitura de realidades culturais rural e urbana presentes nas escolas aliceradas
nos valores desses grupos so caminhos para enriquecer o cotidiano escolar. Nas suas semelhanas
e diferenas, esses grupos nos indicam diversos ngulos de viso para o significado da educao
e da escola.
A vida rural e a cultura caipira, conforme descreve Antonio Candido, tm uma grande
riqueza de valores que pode ser de muita valia para a educao e a escola.
A proximidade e a solidariedade das famlias estudadas pelo autor constituam vnculos
motivados pelo sentimento de localidade, pela convivncia, pelas prticas de auxlio mtuo e pelas
atividades ldico-religiosas.
Ressalta o autor que o bairro conceituado pela base territorial que representa a poro de
terra a que os moradores tm conscincia de pertencer, formando certa unidade (PORTO, 1999,
p.65) e onde a convivncia entre eles expresso da proximidade fsica e da necessidade de
cooperao. O bairro era para o caipira tradicional uma pequena nao. Da brotavam as formas
de solidariedade, expressas nas vrias formas de convivncia, nas festividades, mas sobretudo no
trabalho coletivo.
No bairro havia a participao dos moradores em trabalhos de ajuda mtua, com uma
obrigao bilateral dos seus membros em convocar e ser convocado para as atividades.
A manifestao que melhor caracterizava essas relaes era a prtica do mutiro, com que a
vizinhana reunia-se nas atividades da lavoura e nas tarefas da indstria domstica, solucionando
eventuais problemas de mo de obra, alm de constituir um aspecto festivo, que bem caracterizava
o modo de ser do caipira.
Como explica o autor, o mutiro uma reunio de vizinhos convocados por um deles a
fim de efetuar determinado trabalho (PORTO, 1999, p.68). No havia qualquer espcie de
remunerao pelas tarefas realizadas, que variavam entre carpa, roada, colheita ou malhao etc.,
a no ser a obrigao moral do beneficirio de corresponder aos chamados que eventualmente
lhe faziam os companheiros do bairro. Eram ocasies de trabalho pesado e apressado que s
vezes podia durar dias. Terminava sempre com festa oferecida pelo dono da roa, com fartura de
alimento, dana e cantoria.
Eram expresses do auxlio vicinal, resultante de uma rede de relaes em que a
solidariedade e a confiana aparecem, ligando os habitantes uns aos outros e contribuindo para a
unidade estrutural daquele tipo de vida social. Em outras palavras, so mostras dos valores desse
grupo social.

89

A escola um valor tambm para o homem rural. Basta entender a lgrima do seu
Toninho, ou a palavra do caipira Antnio Ccero proseando com Brando (1987, p.8): Tem uma
educao que vira o destino do homem, no vira? Ele entra ali com um destino e sai com outro...
Ele entra dum tamanho e sai do outro. Parece que essa educao que foi a sua tem uma fora
que t nela e no t. Como que um menino como eu fui mud num doutor, num professor, num
sujeito de muita valia?
Na explicao do caipira Antnio Ccero (BRANDO, 1987, p.7-10; 197-198), h uma
educao que vem da cidade e outra que ele v nas pessoas simples da roa. Para ele, a primeira
cheia de recursos, acompanhada de professor fino de roupa boa, estudado, com material
novo tudo muito separado, caracteriza-se num estudo de escola que muda gente em doutor.
Mas um estudo difcil de ser compreendido para quem da roa, cuja mo que foi feita pro
cabo da enxada acha a caneta muito pesada. Acaba tornando-se um saberzinho s de alfabeto,
uma conta aqui e outra ali, numa escolinha cai-no-cai num canto da roa, com uma professora
dali mesmo. Para as pessoas do interior estudar na escola de pouca valia, porque o estudo
pouco no serve pra fazer da gente um melhor! Torna-se distante da realidade de quem enfrenta
o trabalho pesado, cria apenas uma iluso de mudana. Para ele, escola desse jeito ensina o
mundo como ele no !
A distncia entre a escola e a populao rural apresentada no estudo que Maria Isaura
Pereira de Queiroz (1973, p.82-83) faz em diversos bairros rurais no interior de So Paulo. Para a
autora, a educao primria exgena ao meio rural e os educadores organizam-se seguindo sempre
um mesmo modelo e ministram os mesmos conhecimentos, alm de depender de instituies
urbanas. Sua ao educativa sofre prejuzos por dirigir-se apenas s crianas durante um tempo
bastante limitado. No consegue exercer influncia para integrar efetivamente a populao rural
numa sociedade global mais ampla. Apesar de adaptada vida dos bairros e aceita sem reservas
por seus habitantes, a escola muitas vezes no tem utilidade efetiva para as pessoas s quais se
destina: h falta de funo real desempenhada pela instruo na existncia quotidiana, de onde
muitos concluem que para os que vivem na roa no preciso saber ler nem escrever.
No dizer de Antnio Ccero, os meninos da roa aprendem, segundo o costume, a cultura,
o ser e o fazer do meio onde vivem. As crianas aprendem no seguir do acontecido, no apenas
uma lio formal da escola, mas tambm um saber com uma lio escondida que no esquecem
jamais, uma educao ligada s suas tradies.
Ele fala da fora que a educao poderia ter se soubesse juntar o saber de escola com o
saber do povo da roa, num saber completo. Nessa unio preciso entender que h saberes

90

importantes que precisam ser reconsiderados, pra toda a gente saber de novo o que j sabe, mas
pensa que no. Nesses saberes, h segredos que a escola no conhece.
Considerar a diversidade e integrar as diferentes vises de mundo presentes nas escolas
um desafio para a educao. um trabalho de abertura para que tais grupos possam aprender.
Importante compreender as pessoas e a diversidade das manifestaes culturais, nas situaes
particulares que expressam valores e viso de mundo, caractersticas de um grupo cultural
contraposto a outro. Sobretudo, aprender com eles o que eles tm para ensinar.
REFERNCIAS
BRANDO, C. R. A questo poltica da educao. So Paulo: Brasiliense, 1987. p.8.
CANDIDO, A. Os parceiros do Rio Bonito. Rio de Janeiro: Duas Cidades, 1980. ERIKSON, E. H. Infncia
e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
ERNY, P. Etnologia da Educao. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.
GEERTZ, C. A interpretao das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989. HELVCIA, H. Dilogo entre
as diferenas. Folha de So Paulo. So Paulo, 29 out 2002, Sinapse. p. 19.
IGNOTI, S. O porto seguro. Vir a ser. Londrina, n. 3, 1999. p. 36-37.
MORAIS, R. O que ensinar? So Paulo: EPU, 1986.
MORIN, E. Os sete saberes necessrios educao do futuro. So Paulo: Cortez; Braslia, DF: UNESCO,
2000.
PANTOJA, A. Fragmentos de um discurso sobre a educao como cultura. Disponvel em: <http://
www.cenap.org.br>. Acesso em 1 nov. 2002.
PORTO, M.R.S. Cultura e complexidade social: perspectivas para a gesto escolar. In: TEIXEIRA, M.C.S.;
PORTO, M. R. S. (Org.). Imagens da cultura: um outro olhar. So Paulo: Pliade, 1999. p.91-93.
QUEIROZ, M. I. P. Bairros rurais paulistas: dinmica das relaes bairro rural- cidade. So Paulo: Duas
Cidades, 1973. p. 82-83.
SAINT-EXUPERY, A. O pequeno prncipe. 36.ed. So Paulo: Agir, 2000.
TURQUINO, G. B. Estilo urbano em escola rural? Um estudo comparativo de duas realidades culturais de
Londrina. 2003. 159p. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

91

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Socializao Desenvolvimento do sentimento coletivo, da solidariedade social e do esprito de cooperao


nos indivduos associados. Processo de integrao mais intensa dos indivduos no grupo.

2 Endoculturao Processo de aprendizagem de comportamentos culturalmente aceitos.<http://www.


uniube.br/institucional/proreitoria/ propep/mestrado/educacao/revista/vol03/09/ gisele.htm> para saber
mais sobre endoculturao.
3 Aculturao Processo de transformao e perda da cultura de origem, ligado a fatores exgenos e
influncias de outro grupo cultural dominante. Para saber mais, acessar: <http:// www.fb.org.br/
indigena/2003_acult.asp>. So as mudanas culturais iniciadas pela juno de dois ou mais sistemas
culturais. Pode ser consequncia da transmisso cultural direta, pode ser derivada das causas no
culturais, tais como modificaes ecolgicas e demogrficas induzidas por um choque cultural; pode ser
retardada por ajustamentos internos seguindo-se uma aceitao de traos ou padres estranhos; ou pode
ser uma adaptao em reao aos modos tradicionais de vida.<http://www.cefetgo.br/cienciashumanas/
humanidades_foco/anteriores/humanidades_1/ html/sociedade_aculturacaoindigena.htm>.
4

Uma leitura sugestiva sobre a cultura do meio rural e do meio urbano na escola em: TURQUINO, G. B.
Estilo urbano em escola rural? Um estudo comparativo de duas realidades culturais de Londrina. 2003.
159p. Dissertao (Mestrado em Educao) Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

Enculturao um processo educativo por meio do qual os indivduos apreendem os elementos da sua
cultura, quer informal, quer formalmente, por toda a vida. Para saber mais:<http://criarmundos.do.sapo.
pt/Antropologia/pesquisaantropologia01.html#cultura1>.

92

ESTADO E PODER

Angelo Jos da Silva

Vamos comear a contar um pouco da histria do Estado, do meu jeito, porque cada um de
ns conta a mesma histria com o seu prprio jeito. por isso que o Joo Antonio assina diferente
do Joo Jos: porque cada um tem o seu jeito de ver, de falar, de entender e de explicar o que
acontece sua volta, mesmo sendo Joes.
Podemos no saber quem inventou o Estado, nem como fez, nem para qu. Mas muito
difcil que no percebamos o Estado fazendo coisas, obrigando-nos a fazer outras. Por que
chegamos a esse estado de coisas?
Estamos falando da multa no trnsito, do salrio pago ao funcionrio pblico, dos impostos,
das escolas, da polcia, dos hospitais, das leis, da burocracia e de muitas, muitas, muitas outras
coisas que so feitas apenas pelo Estado, tambm pelo Estado (por exemplo, escola pblica e
escola privada) e outras tantas que o Estado nos convence, nos empurra ou nos obriga a fazer.
Antes de continuarmos a falar sobre essa coisa do Estado, vamos sair pelo caminho ao lado,
para passarmos em frente ao poder, que aquilo que o Estado tem mais do que qualquer um de
ns e, talvez, mais do que todos ns juntos.
Comeando pelo fim, por que fazemos determinadas coisas para o Estado que no faramos
nem para nossos filhos? Porque o Estado tem poder. Vocs podem dizer: bom, nossos filhos
tambm tm poder. Certo, mas o poder do Estado diferente, to diferente que vamos comear
a escrev-lo com maiscula.

93

O Poder do Estado diferente do poder que ns temos. Talvez para chegarmos mais perto
daquilo que podemos chamar de Poder seja mais interessante lembrarmos da palavra autoridade.
O prefeito tem autoridade, o sargento tambm.
Ento, podemos comear a entender o significado de Poder do Estado, lembrando que a
origem dessa autoridade vem desse mesmo Poder do Estado, que d ao cidado que ocupa o
cargo essa autoridade. Assim, todos ns sabemos que o prefeito uma autoridade e que se no
pagarmos o IPTU, vamos pagar multa, ou seja, seremos penalizados.
Quando a maioria das pessoas no cumpre o que nos ordenado pelo Estado por intermdio
das pessoas que ocupam os postos de autoridade (prefeitos, soldados, governadores, professores
e muitos outros), dizemos que o Estado est em crise, que h uma crise de legitimidade, de
autoridade, de poder. S que esta j uma outra histria...
Para continuarmos pensando o Estado e o Poder e para entendermos melhor a origem disso
tudo, vamos voltar no tempo. No feudalismo, havia um tipo de Estado controlado por um rei.
Talvez esse tenha sido o mais antigo Estado a parecer-se com os Estados atuais. Um rei francs
disse uma frase que ficou clebre: o Estado sou eu. Claro que ele falou em francs.
Qual o significado dessa frase para a nossa histria? Que aquele tipo de Estado tinha um
dono, tinha apenas um indivduo que mandava em tudo e em todos. Mas aquele estado de coisas
mudou. Por que mudou? Em primeiro lugar porque as coisas mudam mesmo. Independentemente
da nossa vontade ou, talvez, dependendo dela.
Outro motivo para as mudanas daquele Estado de um dono s para um Estado de alguns
donos foi o surgimento e o crescimento de um tipo de pessoa que no estava disposto a aceitar as
coisas como elas eram. Refiro-me burguesia1. Ela estava crescendo em tamanho, em riquezas,
em poder e em vontades.
Que poca era aquela? difcil de precisar. como responder pergunta: quando deixamos
de ser jovens? Com dezoito, vinte e cinco, quarenta e sete anos e meio de idade... Podemos dizer
que por volta do sculo XVIII, na Europa, as coisas j no eram to iguais ao sculo XVII. Bem,
no XIX ento, elas estavam bem diferentes.
O que tinha mudado? Muito, mas vamos ao que nos interessa. Basicamente, a mudana da
maneira pela qual as pessoas produziam as mercadorias. Como isso havia mudado, uma srie de
outras coisas mudou junto. Hoje em dia vivemos reclamando dos impostos. Naquela poca muitos
impostos eram cobrados pelos reis para sustent-los e sua corte.
O comrcio daquele perodo tinha se alterado muito. As pessoas que ganhavam dinheiro
com ele no queriam deixar a maior parte de seu lucro com o rei, que nem trabalhava. No
queriam, tambm, ficar pagando pedgio a cada feudo que eles tinham que atravessar para vender

94

suas coisas. Aquela forma de organizar a vida das pessoas era uma gravata apertando o pescoo
dos futuros ricos, donos de fbricas, de bancos e outras coisas. Para que os negcios pudessem
continuar a crescer, era necessrio cortar todos aqueles laos que amarravam as pessoas.
Desculpem-nos o ritmo ligeiro. Caso resolvamos entrar em detalhes, essa histria vai
ficar muito comprida. Voltando ao ponto, foi naquele perodo que algumas revolues ocorreram
na Europa. claro que no foi s por dinheiro. Muitas ideias novas, de liberdade, igualdade e
fraternidade, povoavam as cabeas das pessoas, fossem elas ricas ou pobres. O problema que
ningum podia prever os resultados. E, no fim, quem saiu ganhando com a histria foram os de
sempre. Eles fizeram um Estado de acordo com os seus interesses. Quando as pessoas se
deram conta, j estava tudo resolvido.
Para os filsofos que pensaram sobre as origens do Estado, de como ele deveria ser,
podemos afirmar que existe um certo acordo sobre como esse Estado surgiu: um acordo entre
os indivduos est nas bases da origem do Estado moderno. Foi o que eles chamaram de contrato.
Um grande nmero de pensadores formulou interpretaes sobre o Estado, suas origens e seus
objetivos. Vou tentar apresentar as principais ideias daqueles que ganharam importncia ao
longo do tempo. o que chamamos de autores clssicos.
O primeiro deles Maquiavel, Nicolau Maquiavel. Ele considerado o fundador
da Cincia Poltica, que basicamente estuda o Poder e o Estado. Esse autor pensou o processo
de formao do Estado. Procurou separar a moral e a religio de suas ideias. O significado desta
separao o pensamento sobre como as coisas realmente so, e no como elas deveriam ser. a
moral, e no a poltica, que se ocupa da formulao de valores, de como as coisas deveriam ser.
No sentido apontado acima, Maquiavel identificou certas caractersticas, tcnicas e
normas prprias poltica e ao Estado. Esta ltima, portanto, entendida como a arte do
possvel e no a do desejvel. A poltica, por meio do Estado, realiza apenas o que pode ser
efetivado e no aquilo que seria bom.
Dois pensadores ingleses, Hobbes e Locke, formularam teorias a respeito do Estado moderno.
Hobbes afirmava que o homem o lobo do homem, ou seja, caso no haja uma instituio acima
dos homens, estes se destruiro. O Estado surge como uma espcie de concretizao de um contrato
entre os indivduos para a prpria manuteno deles. Esse Estado pensado por Hobbes foi o
Estado absoluto, com Poder absoluto. Os indivduos aceitavam como legtima essa fora do Estado
porque a alternativa era a destruio do Homem pelo Homem.
Locke acrescenta um outro elemento a essas ideias de Hobbes: a liberdade. Por que os
homens fazem o contrato que funda o Estado? Por que os Homens aceitam perder sua liberdade
para submeter-se ao Estado? A resposta que Locke nos d que os Homens aceitam essa

95

privao de sua plena liberdade para garantir sua propriedade. O Estado vai controlar e
limitar os desejos dos outros como forma de garantir a propriedade para todos (pelo menos todos
os proprietrios...). Mais uma vez, portanto, o Estado origina-se de um contrato.
Nunca demais lembrar que esses pensadores utilizam uma imagem, uma figura para
pensar o Estado. Suas teorias funcionam como um modelo explicativo, uma vez que no
possvel voltar para o dia da fundao do Estado, porque esse dia nunca ocorreu de fato. Foi um
processo lento e gradual de transformaes que fizeram o mundo como ele hoje, processo este
que continua a marchar. o que podemos chamar de Histria.
Voltando histria das teorias sobre o Estado, depois de termos passado pelos italianos e
bretes, vamos visitar os franceses. Rousseau foi um dos mais radicais pensadores franceses do
tema Estado. At Lnin, um dos principais lderes da revoluo comunista na Rssia, foi buscar
em Rousseau inspirao para os sovietes.
Qual era a formulao desse pensador? Rousseau considerava que o nico rgo soberano
era a Assembleia. Em verdade, o Poder do Estado materializava-se de forma legtima na Assembleia,
no Parlamento. A igualdade era fundamental para ele. Assim, no havia liberdade sem igualdade.
Enquanto os outros pensavam na propriedade, Rousseau concentrava-se na igualdade. Todos os
Homens nascem livres e iguais perante a Lei.
Com o fim da Revoluo Francesa, o resultado dessas vises chamadas de liberais
(liberdade=propriedade) e democrticas (liberdade=igualdade) acabaram por se fundir, na
Europa do sculo XIX, em um tipo de Estado que garantia a propriedade e, dentro de certos
limites, a igualdade jurdica.
Entram em cena, agora, os alemes, mais especificamente Karl Marx e Max Weber. Embora
Weber seja posterior a Marx, comearemos por ele. A formulao weberiana procura tratar o
Estado de uma forma tcnica. Queremos dizer com isso que Weber analisa o Estado, como ele
mesmo afirmava, sine ira et studio, sem ira nem paixo. Essa anlise fria nos informa que o Estado
um aparelho composto por uma srie de instituies. Esse conjunto de instituies atua sobre
um determinado territrio, abrangendo um povo especfico. As pessoas que fazem essa mquina
funcionar, os famosos funcionrios, so tambm conhecidas como burocracia2.
Ainda conforme as ideias de Max Weber, o Estado detm o monoplio legtimo da
violncia fsica. Em outras palavras, o Estado, por meio da polcia, por exemplo, pode bater sem
ferir nenhuma lei, muito pelo contrrio. O Estado bate para fazer cumprir a Lei.
O outro alemo com o qual vamos tratar Karl Marx. Segundo ele, o Estado algo como o
produto das relaes sociais, e no aquilo que funda a sociedade. Para aqueles que veem o Estado
como um contrato, a sociedade o resultado desse contrato. o Estado que funda a sociedade.

96

Marx inverte essa lgica. Para ele, a sociedade foi se tornando cada vez mais complexa, com
a propriedade, as classes sociais e os conflitos entre elas. O Estado surge no momento em que
surge a propriedade e tem por funo garantir aos proprietrios o usufruto dela. Para cada tipo
de organizao social, temos um tipo de Estado correspondente. Em uma sociedade baseada na
escravido, o Estado assume as formas necessrias para garantir essa sociedade. No capitalismo,
o Estado articulado da melhor maneira para garantir o bom funcionamento dessa forma de
organizao social.
Na atualidade identifica-se uma separao entre o que pblico e o que privado. Podemos
dizer, em outras palavras, que temos o Estado, o pblico, de um lado, e a sociedade civil, o
privado, de outro.
A relao entre essas duas partes, Estado e sociedade civil, um dos principais problemas
analisados nas discusses sobre Estado, democracia, cidadania etc. Assim, na discusso sobre o
Estado contemporneo, a participao da sociedade no Estado, ou melhor, aquilo que podemos
chamar de questo social, para usar uma linguagem sindical, aparece com significativo destaque.
Como essa questo social foi tratada ao longo da construo do Estado capitalista? Na
Europa, inicialmente, esse problema assumiu um contorno assistencial. Reforma social ou, numa
linguagem atual, previdncia social.
O primeiro movimento do Estado nesse sentido foi na Inglaterra, em 1601, com a Poor
Law, a Lei dos Pobres. O objetivo era acabar com a pobreza. O resultado foi a quase extino
dos pobres, uma vez que as comunidades tinham que pagar uma taxa para constituir um fundo de
ajuda. Essas comunidades descobriram que era mais fcil expulsar os pobres existentes e impedir
que novos entrassem do que pagar as taxas para fundo assistencial.
Ao longo dos sculos, a Inglaterra viu seu sistema assistencial ser aperfeioado. Ao contrrio
da ao estatal existir exclusivamente como repressiva, aquela que mantm a ordem, imps-se
para os legisladores, ao invs disso, a necessidade de uma srie de medidas que pretendiam
atenuar as diferenas sociais.
Um espcie de tecnologia social nasceu dessa realidade adversa aos mais pobres. Tratouse de vasculhar as causas das diferenas sociais, econmicas e de formular proposies capazes
de remediar as agruras dos despossudos.
A Inglaterra foi, assim, um dos primeiros pases a elaborar uma legislao fabril que
visava proteger os trabalhadores da explorao insuportvel feita pelos capites da indstria. Era
necessrio manter viva a galinha dos ovos de ouro.
Essa CLT inglesa serviu de modelo para os demais pases que se industrializaram
depois da Inglaterra. Se a Inglaterra tomou a dianteira na elaborao de leis que garantiam

97

certos direitos aos trabalhadores, foi a Alemanha o pas pioneiro na produo de um conjunto de
reformas sociais que assumiu o desenho daquilo que podemos chamar, com as palavras de hoje,
de um sistema articulado de previdncia social.
Encontramos, portanto, nos ltimos anos do sculo XIX, dois pases europeus com dois
modelos de legislao social que trouxeram para o interior do Estado uma demanda da sociedade.
As leis inglesas, reguladoras da atividade fabril, assim como os programas alemes de seguro
obrigatrio contra a doena, a velhice e a invalidez produziram imitadores em quase todo o
mundo.
Essa legislao foi o resultado dos conflitos polticos entre o Estado a sociedade civil. Caso
utilizemos uma fala marxista, a luta de classes3 explica esse resultado como o produto dessa luta.
O Estado foi obrigado a criar certas medidas reguladoras para, ao entregar os anis, no perder
os dedos.
Em meados do sculo XX, verificou-se o desenvolvimento de um tipo de Estado, na Europa
e nos Estados Unidos, chamado de welfare state, ou Estado do bem-estar social. Esse Estado foi o
responsvel pelo seguro-desemprego, por aposentadoria integral, por sade e educao gratuitos
e pblicos etc.
Esse tipo de Estado, contudo, demandava financiamento. Para se pagar, por exemplo, as
aposentadorias, um volume cada vez maior de recursos tornava-se necessrio ano a ano. Assim, as
polticas fiscais e tributrias passaram a ganhar importncia na anlise do Estado. Como possvel
continuar pagando os benefcios, se o nmero de beneficiados aumenta em relao ao nmero de
contribuintes?
A tenso que dilacera o Estado nos dias de hoje o atendimento das demandas da assim
chamada sociedade civil e os limites da arrecadao. E, se no bastasse esse problema, o Estado
ainda tem que manter o capitalismo.
Principalmente entre os autores marxistas, na atualidade, o Estado cumpre quatro funes
bsicas: criao da infraestrutura para a produo; manuteno da ordem e aplicao das leis;
regulamentao do conflito capital e trabalho e garantia da insero do capital nacional no
mercado mundial.
No pouca coisa. E, alm disso, os movimentos sociais ganharam fora a partir dos anos
sessenta. Aquele Estado do bem-estar social comeou a entrar em crise e os cidados comearam,
cada vez mais, a organizar-se para manter e ampliar e seus direitos.
No pretendemos transformar o Estado em vtima das demandas sociais. Consideramos
importante, contudo, ressaltar o tamanho do problema que os polticos enfrentam para equacionar
as demandas cada vez maiores e as limitaes para sua ao no Estado cada vez mais fortes. Do

98

ponto de vista da populao, contudo, no cabe aumentar ou diminuir o trabalho dos polticos.
Cabe apenas tentar ampliar cada vez mais as conquistas.
O Poder do Estado no absoluto. Nem a fora da sociedade civil. Cabe a ns, indivduos,
cada vez mais, pensarmos as maneiras mais eficientes de exercer nossa cidadania.
Maquiavlicas
(retiradas de O Prncipe)
Quando se conquista um Estado acostumado a viver em liberdade, e sob suas prprias leis, h trs modos de
mant-lo: o primeiro consiste em arruna- lo; o segundo, em nele residir; o terceiro, em permitir-lhe continuar
vivendo com suas prprias leis, impondo-lhe um tributo e instituindo um governo composto de poucas pessoas
do lugar, que sejam amigas. (p. 20)
Chegamos agora ao caso do cidado que se torna soberano no por meio do crime, ou de violncia intolervel,
mas pelo favor dos seus concidados: o que se poderia chamar de governo civil. Chegar a essa posio
depender no inteiramente do valor ou da sorte, mas da astcia assistida pela sorte. Chega-se a ela com
o apoio da opinio do povo ou da aristocracia. Em todas as cidades se pode encontrar esses dois partidos
antagnicos, que nascem do desejo popular de evitar a opresso dos poderosos, e da tendncia destes ltimos
para comandar e oprimir o povo. Desses dois interesses que se opem surge uma de trs consequncias: o
governo absoluto, a liberdade ou a desordem. (p. 31)
Muitos j conceberam repblicas e monarquias jamais vistas, e que nunca existiram na realidade; de fato, a
maneira como vivemos to diferente daquela como deveramos viver que quem despreza o que se faz pelo
que deveria ser feito aprender a provocar sua prpria runa, e no a defender-se. Quem quiser praticar
sempre a bondade em tudo o que faz est condenado a penar, entre tantos que no so bons. necessrio,
portanto, que o prncipe que deseja manter-se aprenda a agir sem bondade, faculdade que usar ou no, em
cada caso, conforme seja necessrio. (p. 44)
Chegamos assim questo do saber se melhor ser amado ou temido. A resposta que preciso ser
ao mesmo tempo amado e temido mas que, como isso difcil, muito mais seguro ser temido, se for
preciso escolher. De fato, pode-se dizer dos homens, de modo geral, que so ingratos, volveis, dissimulados;
procuram escapar dos perigos e so vidos de vantagens; se o prncipe os beneficia, esto inteiramente do
seu lado; como j observei, quando a necessidade remota, oferecem seu prprio sangue, o patrimnio, sua
vida e os filhos; quando ela iminente, revoltam-se. Estar perdido o prncipe que confiar somente nas suas
palavras, sem fazer outros preparativos, porque a amizade conquistada pela compra, e no pela grandeza e
nobreza de esprito, no segura no se pode contar com ela. Os homens tm menos escrpulos em ofender
quem se faz amar do que quem se faz temer, pois o amor mantido por uma corrente de obrigaes que se
rompe quando deixa de ser necessria, j que os homens so egostas; mas o temor mantido pelo medo da
punio, que nunca falha. (p. 47)
A escolha dos ministros por um prncipe no tem pouca importncia: os ministros sero bons ou maus de
acordo com a prudncia que o prncipe demonstrar. A primeira impresso que se tem de um governante, e da
sua inteligncia, dada pelos homens que o cercam. Quando estes so competentes e leais, pode-se sempre
considerar o prncipe sbio, pois foi capaz de reconhecer a capacidade e de inspirar fidelidade. Quando a
situao oposta, pode-se sempre fazer dele juzo desfavorvel, porque seu primeiro erro ter sido cometido
ao escolher os assessores. (p. 62)

99

REFERNCIAS
MACHIAVELLI, N. O prncipe e dez cartas. 3. ed. Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 1996.
BOBBIO, N. et al. Dicionrio de poltica. 4. ed. Braslia: Editora da Universidade de Braslia, 1992. 2 v.
GRUPPI, L. Tudo comeou com Maquiavel: as concepes de Estado em Marx, Engels, Lnin e Gramsci.
11.ed. Porto Alegre: L&PM editores, 1986.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 Burguesia Classe social composta pelos burgueses, que eram os habitantes das cidades medievais,
chamadas poca de burgos. O sentido atual do termo deve a Karl Marx a maior parte de sua formao.
Segundo esse autor, a sociedade atual divide-se em vrias classes sociais. As duas mais importantes so o
operariado e a burguesia. A primeira delas no tem posses e para sobreviver precisa vender seu trabalho
para a outra classe, a burguesia, a dona dos meios de produo: as fbricas, os bancos, as terras etc.
Assim, podemos concluir que, para Marx, o que coloca um indivduo em uma classe ou outra no o que
ns pensamos desse indivduo e tampouco o que ele pensa de si mesmo, mas o lugar em que ele est no
interior do sistema produtivo, ou seja, a posse ou a falta dela em relao aos bens, o capital, que produz
outros bens, as mercadorias.
2 Burocracia Normalmente usamos a burocracia para atacar algum ou alguma instituio ou, ainda,
para desculparmo-nos por algo que devamos fazer e no fizemos. Frases como muita burocracia,
tudo pra com a burocracia, um burocrata mesmo ou no entendo nada de burocracia, era
tanta burocracia que eu no fiz ilustram essa ideia corrente sobre a burocracia. Vamos apresentar aqui,
resumidamente, uma outra viso a respeito desse tema, inspirando-nos em Max Weber, um dos mais
reconhecidos estudiosos da burocracia. O conjunto de funcionrios que trabalha para o Estado, exercendo
funes administrativas e organizados por um conjunto de normas, regras, regimentos que definem funes
e do uma rotina para o trabalho constitui a burocracia. Esse corpo de funcionrios trabalha norteado pela
racionalidade, ou seja, as aes so determinadas pelas normas, e no pelas emoes, pelos interesses
pessoais. Agindo dessa forma, racional e imparcialmente, a burocracia faz funcionar de maneira eficiente o
Estado contemporneo. claro que as coisas no so iguais as definies, mas isso j uma outra histria.
3 Luta de classes Essa expresso faz parte do conjunto de ideias desenvolvidas por Karl Marx sobre a
Histria. Segundo ele, desde a Antiguidade, nossa Histria tem sido moldada pela luta de classes. Essa
luta nada mais que o confronto entre as classes que so proprietrias e as que no so. Muito raramente
as classes dominantes lutam entre elas. Ocasionalmente as classes dominadas o fazem. E, sempre, as
dominantes e dominadas (ou proprietrias e no proprietrias) esto em luta entre si para inverter a
situao, no caso das no proprietrias ou para manter as coisas como esto, no caso das proprietrias.
O que est em jogo o poder, ou seja, a capacidade de uma das classes fazer com que a outra submetase sua vontade. Ainda segundo Marx, essa luta e os seus resultados que fazem com que as coisas
modifiquem-se nossa volta. Por isso ele escreveu que a histria de todas as sociedades existentes at os
nossos dias tem sido a histria das lutas de classes.

100

ORGANIZAO POLTICA E PLURALIDADE OU DE COMO NS


ESQUECEMOS AS OBRIGAES E S LEMBRAMOS DOS DIREITOS

Angelo Jos da Silva

[...] O inferno dos vivos no algo que ser; se existe,


aquele que j est aqui, o inferno no qual vivemos
todos os dias, que formamos estando juntos. [...]
Italo Calvino, As cidades invisveis

Tratamos neste texto de alguns temas que nos dizem respeito e que so do nosso interesse
imediato. medida que vamos convivendo com uma situao nova, ela, aos poucos, vai se
transformando em algo conhecido, normal, rotineiro, tradicional, antigo, velho, ultrapassado.
s vezes isso bom, s vezes, nem tanto. Basta lembrarmos do processo poltico recente pelo
qual o Brasil passou, saindo de uma ditadura1 militar para uma democracia2. Ns acabamos
esquecendo muito rapidamente todos os percalos vividos e passamos a desprezar o que foi
conquistado com muito esforo pelos outros, muitos dos quais j passaram. Esse movimento de
esquecer e lembrar no nenhum pecado. Afinal, isso que faz com que mudanas aconteam. Se
no questionssemos o que est dado, ainda estaramos nas cavernas. Cabe a ns encaminharmos
esse exerccio de contar histrias, de lembrarmos e de esquecermos para que mude o mundo e
para que o mundo no fique mudo. E j que para mudar, que seja para melhor.

101

ENTRANDO NO ASSUNTO
Quando falamos de organizao poltica, estamos tratando de uma forma de organizao de
interesses que pode ser democrtica, ditatorial etc. J a pluralidade depende da forma que essa
organizao de interesses assume. Nas ditatoriais, por exemplo, existe pouco espao para que mais
de uma ideia floresa. menos plural e mais singular. Quem manda um, e os outros obedecem.
A forma privilegiada para o exerccio (e tambm para a sua existncia) da pluralidade
a democracia, que pode ser considerada uma forma de organizao poltica (com uma certa
licena potica dos cientistas polticos mais convictos) que se pauta justamente pela convivncia
de conjuntos de diferenas, de maiorias e minorias.
Como todos ns j sabemos, o modelo de democracia que seguimos inspirado naquele
originado na Grcia. No nessa que est na novela ou que foi palco das olimpadas de anos atrs.
Essa Grcia a plida face daquela que legou para o mundo quase todos os caminhos que hoje
seguimos, crentes de que estamos inventando novidades.
Naquela poca das origens da democracia, seiscentos anos antes de Cristo, Atenas, que foi
uma das mais famosas cidades-estado existentes na j falada Grcia, havia conseguido expulsar,
depois de dcadas, todos aqueles que haviam dominado sua poltica de forma tirnica. No lugar
da tirania3 encontramos uma nova forma de se governar a cidade de Atenas: a democracia. Essa
inveno dos atenienses perdurou por mais de cem anos e foi um dos principais legados para o
futuro, inserindo a cidade na Histria.
Afirmamos logo acima, contudo, que as coisas vo se transformando: o novo passa de bom
a ruim com certa velocidade. Assim, a democracia que nasceu como a soluo de um problema,
ou seja, colocar fim tirania, acabou por produzir algo novo e que demandava uma resposta. [...]
o que fazer com aqueles que no se preocupavam com a coeso de uma pequena cidade rodeada
de inimigos, que no trabalhavam para a sua glria maior, mas s pensavam neles mesmos e nas
suas prprias ambies e intrigas mesquinhas? (GREENE, 2000. p.385).
Os sbios atenienses logo descobriram que esse problema poderia levar destruio da
sua nova forma de organizao poltica. Eles se deram conta de que um pequeno grupo de
pessoas poderia, em nome da democracia e dos direitos de liberdade, fomentar a diviso entre a
comunidade democrtica, jogando uns contra os outros para atingir os propsitos individuais em
nome dos acordos coletivos. Em bom portugus, apesar de estarmos passando pela Grcia, esses
indivduos egostas exigiam os seus direitos enquanto sentavam em cima dos seus deveres. O que
fazer? O pessoal de Atenas percebeu que assim no dava. Partiram, ento, para a ao, porque
se as pessoas fossem deixadas totalmente vontade, o caos se instalaria.

102

Todas as ameaas e punies que eram utilizadas no passado tirnico da cidade haviam
ficado para trs, para a histria. No presente, no interior de uma ordem democrtica e civilizada,
sacrifcios humanos, braos, pescoos e mos cortadas, por exemplo, no combinavam mais com
o padro de desenvolvimento que a sociedade tinha atingido. A necessidade a me de todas (ou
quase todas) as invenes e no decepcionou dessa vez tambm.
A forma criada para lidar com aqueles que, para atingir seus objetivos individuais, se moviam
contra o bem-estar coletivo foi muito peculiar e interessante. Todos os anos, reunidos na praa do
mercado, os atenienses escreviam em um pedao de concha, o ostrakon, o nome do cidado que
queriam ver fora da cidade por um perodo de dez anos. Esse banimento temporrio abatia-se sobre
aquele cujo nome aparecesse o maior nmero de vezes na contagem dos votos. O ostracismo
ao qual o egosta era submetido funcionou por um largo perodo. Esse plebiscito em defesa dos
interesses coletivos transformou-se em festa, medida que, parece-nos fcil imaginar a sensao,
era uma alegria poder banir aqueles indivduos irritantes, aqueles geradores de ansiedade que
queriam ser superiores ao grupo a quem deveriam servir. (GREENE, 2000. p.385).
Inicialmente, portanto, a preocupao democrtica visava fortalecer o grupo e enfraquecer
o indivduo egosta. As vrias formas que a democracia foi tomando apontam no sentido do
enfraquecimento do grupo e fortalecimento do indivduo. Claro que as discusses clssicas e
acadmicas seguem outros caminhos, passando pelas diferenas da democracia direta e da
representativa, da liberal e da socialista, entre outras. No nosso caso, parece-nos mais interessante
pensar a organizao poltica e a discusso da pluralidade a partir do confronto entre os interesses
do grupo e os do indivduo.
RELEMBRANDO O INCIO
Vamos contar um pouco de uma histria que j nossa conhecida. A democracia, como
a encontramos hoje, tomou sua forma l pelos idos do sculo XIX, principalmente no final dele.
Com a Guerra Civil norte-americana e com a Revoluo Francesa, vimos o aprimoramento do
modelo democrtico, retomado dos gregos. Em Atenas os iguais eram os senhores proprietrios.
Os escravos e no proprietrios no participavam do jogo.
Com a Liberdade, Igualdade e Fraternidade consagradas com a Revoluo Francesa,
pretendia-se ultrapassar o modelo grego, j que era defendida a ideia de que cada cabea era um
voto. No s os proprietrios votariam. Alm disso, se na Grcia todos faziam tudo: o cidado fazia
propostas, leis etc. executava essas mesmas leis e fiscalizava o seu cumprimento. Eles funcionavam
como juzes, legisladores (senadores, deputados e vereadores) e como executivos (presidente

103

da repblica, governadores de estado e prefeitos). No sculo XIX j havia uma quantidade de


pessoas e de problemas para serem resolvidos que no mais permitia essa forma na qual todo
mundo fazia tudo. A sada foi dividir o trabalho, criando o Executivo, o Legislativo e o Judicirio
(a chamada separao dos trs poderes). Alm disso, no dava para todos participarem, mesmo
com essa diviso. Venceu a ideia de criar-se o representante. Ento, para certo nmero de pessoas
temos um representante na Assembleia. Este surgiu ligado aos representados, porque no cabia
todo mundo na sala, mas o povo ficava esperando do lado de fora para cobrar o voto do eleito por
eles para represent-los. Eram os primrdios da Democracia Representativa, em contraste com a
Democracia Direta dos Gregos.
Com o tempo, aqueles famosos interesses singulares foram se fazendo notar. Por exemplo,
quem definia o nmero de eleitores necessrios para eleger um representante? Todos podiam
votar e ser votados ou s os proprietrios? Ou s os alfabetizados? Ou s os homens? Ou s os
maiores de 21? Ou s...
No decorrer do sculo XX obtivemos ainda mais melhorias nesse modelo, no de graa,
mas por um preo bem alto. E olha que ns nem retomamos o ostracismo, afinal, estvamos
muito evoludos para tomarmos medida to antiga. Parte desse preo foi paga com duas Guerras
Mundiais e infinitas guerrinhas localizadas. O saldo positivo foi a incluso de milhes de mulheres,
jovens e analfabetos no processo (ou jogo) democrtico. Com isso, as pluralidades ganharam fora
e as individualidades se recolheram. O coletivo conseguiu, por um perodo relativamente curto,
impor-se sobre os egostas.
Mas, como o mundo d voltas, os antiplurais, anticoletividade voltaram junto com as
voltas que o mundo d. Com a pele de cordeiro amarrada na cintura, o espao do plural e da
diferena encontra-se sob ameaa insidiosa, insinuante, sub-reptcia. E, pouco a pouco, tivemos a
repetio daqueles movimentos antigos e conhecidos de, em nome de todos, apenas alguns serem
beneficiados.
PAUSA PARA RESPIRARMOS
Antes de seguirmos, vamos fazer uma pausa para dizermos que essas histrias no se
repetem de maneira idntica. A essncia de certas coisas se repete, o que no significa que basta
conhecer uma histria para conhecer todas. Existe um conto de um escritor argentino, Jorge Luis
Borges, que se chama O Imortal. Nele, narrada a histria de uma princesa que adquire uma
obra em alguns volumes. No ltimo deles havia um manuscrito inserido entre suas pginas. Ele
contava a histria do homem que buscou (e encontrou) a Cidade dos Imortais. Essa cidade era

104

banhada por um rio que tornava imortal aquele que bebesse de suas guas. Ao tornar-se imortal,
o autor do manuscrito pode vagar pelo mundo durante milnios e descobrir que o conhecimento
estava dado e que ele se aproximava e se distanciava dos homens, de tempos em tempos. As
civilizaes nasciam, floresciam, declinavam e desapareciam. Nosso imortal descobriu, tambm,
que paira sobre aqueles que nada temem e tudo sabem um peso esmagador. Essa sensao
amplifica-se com o passar do tempo, principalmente, porque o viver perde a graa, afinal, no se
vai morrer mesmo.
A morte (ou sua aluso) torna preciosos e patticos os homens. Estes comovem por sua condio de fantasmas;
cada ato que executam pode ser o ltimo [...] Entre os Imortais, ao contrrio, cada ato (e cada pensamento)
o eco de outros que no passado o antecederam, sem princpio visvel, ou o fiel pressgio de outros que no
futuro o repetiro at a vertigem. No h coisa que no esteja como que perdida entre infatigveis espelhos.
(Borges, p.603).

Esse conhecimento da imortalidade e suas consequncias fez este Imortal buscar um outro
rio que devolve mortalidade aquele que era Imortal. Como dispunha de todo o tempo do mundo,
um dia a mortalidade seria encontrada de volta.
No dia 4 de outubro de 1921, o Patna, que me conduzia a Bombaim, teve que fundear em um porto da costa
eritria4. Desci; lembrei-me de outras manhs muito antigas, tambm diante do mar Vermelho, quando era
tribuno de Roma e a febre e a magia e a inao consumiam os soldados. Nos arredores, vi um caudal de gua
clara; provei-a, levado pelo costume. Ao subir margem, uma rvore espinhosa me lacerou o dorso da mo.
A inusitada dor me pareceu muito viva. Incrdulo, silencioso e feliz, contemplei a preciosa formao de uma
lenta gota de sangue. De novo sou mortal, repeti a mim mesmo, de novo me pareo com todos os homens.
Nessa noite, dormi at o amanhecer. (Borges, 1999. p.604).

MUDANAS NAS RELAES ENTRE OS ESPAOS PBLICOS E PRIVADOS


Aquilo que at agora permitiu-nos viver em sociedade, na nossa sociedade, tem sido lenta
e gradualmente alterado, como de costume. Na atualidade, o sistema evoluiu abrindo espaos
plurais, tendo como principal vantagem o fato de que a opresso sobre os pequenos grupos oferece
para estes alguns escapes. A desvantagem que isso pode ser usado em favor dos indivduos
contra a maioria (grandes e pequenos grupos). Por exemplo, o vestibulando que se declara negro
(sendo visivelmente branco) para conseguir a vaga na universidade via cotas para negros. Ele,
o indivduo, o nico beneficiado. Aplicar a lei defender o grupo contra o individualismo e
no restringir a liberdade individual. O que presenciamos sem entender muito bem o que est
acontecendo o uso privado, pessoal, egosta do espao pblico (as leis, os direitos, servem
para o eu individual) e a publicizao do espao privado (o que vale aparecer, desfilar a

105

privacidade pela rua enquanto se fala ao celular; fazer o possvel e o impossvel para participar
do Big Brother Brasil ou pelo menos assistir). Pessoalmente, a vida volta a fazer sentido quando
recuperamos nossa identidade roubada enxergando as leis como uma proteo individual, e no
coletiva, e quando nos socializamos expondo as nossas vidas privadas. Politicamente, fica mais
fcil usar a democracia representativa em benefcio prprio. Essa inverso, na poltica, produz
a imagem pblica do poltico a partir da exposio de sua vida privada e possibilita ao prprio
tornar privada a coisa pblica, ou seja, usurpar aquilo que pblico como se fosse propriedade
dos polticos. Isto no acontece s com eles. Acontece com todos ns. Sempre achamos que o
espao pblico aquele onde ns nos esbaldamos. O papel da bala no deve ser jogado no interior
do nosso carro, mas sim na rua, no espao pblico, afinal, algum pago para limpar a rua. H
algum tempo, um amigo contou-nos uma histria, que vai entre aspas:
Outro dia, atravessando a rua, vi um carro grande, com um para-choque de ferro colocado
frente do veculo que encobria a placa de identificao. Como eu tambm tenho carro, no to
grande, sei que a placa no pode ficar encoberta.
Essa imagem me incomodou muito. Enquanto caminhava, fiquei pensando a respeito e
fui descobrindo o que me incomodava. Os carros de hoje tm para-choques de plstico. Quem
coloca um pra-choques de ferro, se bater em outro de plstico, vai fazer um grande estrago.
Como eu estava caminhando, para um pedestre atropelado, plstico ou ferro no devem fazer
muita diferena. Contudo, a agresso visual que ver aquele carro alto, todo brilhoso, parando
bruscamente a cinquenta centmetros das suas (no caso, das minhas) pernas no algo muito
agradvel. J no basta o tamanho do carro?
Minha caminhada no foi muito longa, mas ainda pensei que eu poderia ter ficado to mal
impressionado porque estava com inveja do cidado que tinha aquele carro enquanto eu andava
a p. Pode ser... Mas, eu achei que aquele veculo deveria ser retirado de circulao porque ele
infringia claramente a lei. Foi a que percebi uma coisa (ou vrias), que alm de tudo o que j falei
tinha uma outra parte importante que era a demonstrao violenta da superioridade daquele ser
sobre os demais. Alm do carro, ele ainda infringia a lei e continuava solto, dirigindo o carro.
E os outros, como eu, que se constranjam ou arrumem um carro maior ainda e, alm de cobrir
a placa coloquem um sonzo bem alto, daqueles que fazem as janelas tremerem.
Cheguei concluso de que a ausncia de normas, ou melhor, a permissividade em relao
s normas existentes leva a sociedade a regredir, a assumir uma postura de todos contra todos.
Agora no so mais clavas, lanas espadas e porretes, mas carros, armas e cercas eletrificadas.
Cremos que h um ponto de concordncia aqui, ou seja, esse nosso amigo est um tanto
pessimista. Vivemos em um mundo em que as coisas mostram-se fora do lugar o tempo todo. Todos

106

reclamos, mas no entendemos por qu. Talvez seja pelo fato de que essa disputa entre grupo e
indivduos est escondendo os interesses em disputa. Enquanto ficamos atentos aos detalhes, o
principal vai sendo carregado diante de nossos olhos.
OUTRAS FORMAS OU TODAS AS FORMAS JUNTAS
O mundo gira e outras formas organizativas paralelas quelas gestadas no interior do
aparelho de Estado surgiram no processo de formao da democracia. As assim chamadas
organizaes no governamentais proliferaram nas ltimas dcadas e oferecem uma alternativa
s organizaes estatais de representao. Partidos e sindicatos, que foram pioneiros nesse tipo
de organizao no estatal, agora, modificam-se e perdem fora, alm de terem se tornado, em
vrios casos, parte do Estado.
Claro est que esses organismos, assim como seus antecessores, no sentido amplo do
termo, passaram e ainda passam por um processo de institucionalizao, ou seja, parte dessas
organizaes acaba por assumir a representao dos interesses dos seus fundadores e no dos seus
associados. Algo parecido com a corrupo das direes partidrias e sindicais. Mas, ento, de que
lado estamos? De que lado devemos ficar? Do lado dos justos, responderiam para ns. Ser?
Parece-nos muito difcil dizer como as coisas boas (como por exemplo, a democracia) podem
transformar-se em coisas ruins. Talvez essa tarefa se torne mais fcil e prazerosa se apresentarmos
aqui uma das cidades invisveis de Italo Calvino. Esse autor escreveu um livro chamado Cidades
invisveis. Nessa obra, vemos uma descrio de vrios tipos de cidades. A ltima cidade descrita
chama-se Berenice, a cidade dos injustos. Essa cidade produz em seu interior a sua prpria
negao, a Berenice dos justos.
(...) na origem da cidade dos justos est oculta, por sua vez, uma semente maligna; a certeza e o
orgulho de serem justos e de s-lo mais do que tantos outros que dizer ser mais justos do que os
justos , fermentando rancores, rivalidades, teimosias, e o natural desejo de represlia contra os injustos se
contamina pelo anseio de estar em seu lugar e fazer o mesmo que eles. Uma outra cidade injusta, portanto,
apesar de diferente da anterior, est cavando o seu espao dentro do duplo invlucro das Berenices justa
e injusta.

Dito isso, se no desejo que o seu olhar colha uma imagem deformada, devo atrair a sua
ateno para uma qualidade intrnseca dessa cidade injusta que germina em segredo na secreta
cidade justa: trata-se do possvel despertar como um violento abrir de janelas de um amor
latente pela justia, ainda no submetido a regras, capaz de compor uma cidade ainda mais justa
do que era antes de tornar-se recipiente de injustia. Mas, se se perscruta ulteriormente no interior

107

desse novo germe de justia, descobre-se uma manchinha que se dilata na forma de crescente
inclinao a impor o justo por meio do injusto, e talvez seja o germe de uma imensa metrpole.
Pelo meu discurso, pode-se tirar a concluso de que a verdadeira Berenice uma sucesso no tempo de
cidades diferentes, alternadamente justas e injustas. Mas o que eu queria observar outra coisa: que todas
as futuras Berenices j esto presentes neste instante, contidas uma dentro da outra, apertadas espremidas
inseparveis. (Calvino, 2001. p.147).

PAUSA PARA RESPIRAR II O QUE FAZER?


Para concluirmos esta discusso, falta ainda lembrar que no basta identificar as mazelas
que corroem nossos valores. imprescindvel que faamos a nossa parte. Se ns no tentarmos
subornar o guarda que est nos multando porque passamos no sinal vermelho deliberadamente, se
dermos o exemplo que cobramos dos outros e no somos capazes de fazer, se ensinarmos nossos
alunos a respeitar a si mesmos e aos outros, o caminho comea a ser trilhado. Basta lembrarmos
daquele famoso escritor que deu voz de priso para o gerente de um banco porque ele infringia a
lei ao no impedir que as pessoas ficassem em p, na fila, por mais de quinze minutos.
Temos que deixar de ser bonzinhos e compreensivos. Quem conseguimos enganar com
tamanha bondade? Na verdade, o que queremos trocar algum benefcio pelo nosso silncio
e pela nossa omisso. Basta olhar em volta para ver o resultado disso com nossos conhecidos,
amigos, filhos, maridos e mulheres, com os polticos e at com os gerentes de banco.
Que fazer ante o intolervel do mundo e, logo, a impossibilidade de pensar, de retratar?
Acreditar, diz Deleuze. No em um outro mundo, mas na ligao do homem com este mundo.
(NOVAES, 1992. p.318).
Podemos pensar aqui naquele inferno do incio de nosso texto. Italo Calvino nos ajuda a
trabalhar a esperana, a esperana ativa e no aquela boba que espera e nunca alcana, como
disse o Chico Buarque. preciso ir em direo do horizonte porque ele no vem at ns, ele j
est dentro de ns. Temos que encontr-lo de volta. E, para isso, necessrio que reaprendamos
a ver e a sentir a emoo e a beleza.
Para ns, professores, talvez a esperana seja poder trabalhar com nossos alunos e realizar
com eles essa troca de conhecimentos e experincias que tornam a nossa profisso uma das mais
importantes e, dependendo de ns, prazerosas.
Por um breve momento, diz Griffith com a inveno do cinema deu-se uma apario: a beleza do vento
soprando nas rvores [...] A cena em Ordet, de Dreyer inesquecvel. Uma casa no campo, quase
beira-mar. Ao lado, uma colina, recoberta por um trigal. Uma escada conduz ao topo. L, postos para secar

108

ao sol, estendidos num varal, lenis brancos tremulam ao vento. Nenhum rudo ecoa na paisagem. Apenas
a presena discreta, mas consistente do vento se faz sentir, aragem que ondula a relva. Com a mesma fora
impalpvel que o sagrado, por meio do louco, faz sua apario na casa. Cena que no se pode descrever.
Imagens do impensvel. (NOVAES, 1992. p.301).

Para que o mundo continue a girar, para que o novo suceda o velho e com esse movimento
a vida torne-se mais alegre, temos que manter nossos olhos voltados para frente e para o horizonte.
Em nome da pluralidade, da diferena, da igualdade e da democracia muitas bobagens esto sendo
feitas nesse momento que j passou. No podemos perder o rumo, precisamos escolher. Para
sairmos do inferno que formamos, temos que agir. E, segundo nosso bom e velho Italo Calvino,
existem duas maneiras de no sofrer. A primeira fcil para a maioria das pessoas: aceitar o inferno e tornarse parte deste at o ponto de deixar de perceb-lo. A segunda arriscada e exige ateno e aprendizagem
contnuas: tentar saber reconhecer quem e o que, no meio do inferno, no inferno, e preserv-lo, e abrir
espao. (CALVINO, 2001. p.150).

REFERNCIAS IMEDIATAS
BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco. Dicionrio de Poltica. 4.ed. Braslia:
Editora Universidade de Braslia, 1992. 2 volumes.
BORGES, Jorge Luis. Obras completas de Jorge Luis Borges. v. 1. So Paulo: Globo, 1999.
GREENE, Robert e ELFERS, Joost. As 48 leis do poder. Rio de Janeiro: Rocco, 2000.
NOVAES, Adauto (Org.). tica. So Paulo: Companhia das Letras/Secretaria Municipal de Cultura, 1992.
CALVINO, Italo. As cidades invisveis. 16. reimpresso. So Paulo: Companhia das Letras, 2001.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Ditadura uma forma de governo na qual um nico indivduo ou um nico grupo de indivduos detm
todo o poder, decidindo todas as questes em nome do conjunto da sociedade. Enquanto a ditadura
se mantm, o poder no circula para outras mos, o que o oposto da democracia, na qual existe um
revezamento ou uma distribuio maior do poder. Podemos nomear algumas formas de ditadura como a
militar, a partidria, a econmica, entre outras.

2 Democracia Governo do povo, pelo povo e para o povo. com essa definio clssica que estamos
acostumados a pensar a democracia. importante, contudo esclarecermos que a democracia assumiu ao
longo do tempo diferentes formas. Cremos que as duas mais importantes a serem mencionadas aqui so a
direta e a representativa. A democracia direta aquela exercida pelo conjunto da sociedade democrtica,
ou seja, todos os integrantes do grupo executam as funes de propor aes, implementar essas aes

109

e fiscalizar a sua implementao. A democracia representativa aquela na qual um pequeno grupo de


representantes preenche essas funes (ou algumas delas) em nome dos seus representados, por exemplo,
os cargos do executivo e do legislativo.
3

Tirania Um dos aspectos que caracteriza esse tipo de governo o fato de que ele se constitui margem
da lei. Por meio da opresso, da crueldade, o governo tirnico mantm-se no poder. Ele cria suas prprias
leis, ou as extingue, em funo dos interesses particulares desse governo. Podemos dizer que, alm da
violncia e da crueldade, sua marca distintiva no prestar contas a ningum, da dizermos margem (ou
acima) da lei.

Nota do original H uma rasura no manuscrito; talvez o nome do porto tenha sido apagado.

110

INSTRUMENTOS DE EXERCCIO DA CIDADANIA

Plinio Neves Angeuski

O processo de democratizao do Pas, que vem evoluindo aps o regime militar, tem
trazido frustraes sociedade, que assiste estarrecida s manifestaes de desrespeito s regras
estabelecidas.
Acontecimentos recentes levam a questionar o posicionamento da sociedade, que parece
estar paralisada diante dos fatos a que assiste.
Especialmente em relao Administrao Pblica1, lamentvel perceber o desrespeito aos
princpios bsicos e os abusos administrativos que se verificam, como nas licitaes fraudulentas,
nos emprstimos irregulares para acobertar saques aos cofres pblicos, no superfaturamento de
obras pblicas, entre outras prticas lamentveis.
Mas importante lembrar, em momentos como os que ora atravessamos, que o Estado
Democrtico de Direito depende da eficcia2 do controle social sobre o poder, sob pena do
perecimento de suas instituies bsicas. E o Brasil, como se sabe, tem sido pssimo exemplo
nesse sentido.
A observao da realidade social demonstra que a comunidade ainda est mal informada,
especialmente com relao ao funcionamento do aparelho do Estado e dos mecnicos de controle
de sua atividade. Alm disso, evidente a postura acomodada de muitos cidados.
necessrio, nesse momento, um incremento da discusso sobre os mecanismos de controle
dos atos do poder pblico, para que se d maior importncia aos instrumentos constitucionais,

111

criados para a defesa dos direitos relativos cidadania. No se pode esquecer que nossa
Constituio instituiu uma democracia participativa, que convoca os cidados, isolados ou em
grupos, a colaborar na gesto e fiscalizao da coisa pblica.
Vrios so os instrumentos disponveis, em nossa sociedade organizada, destinados
a possibilitar o exerccio pleno da cidadania e a evoluo do processo democrtio. O que as
evidncias mostram, no entanto, que tais instrumentos no encontraram a eficcia esperada no
momento de suas criaes.
Essa constatao pode levar os cidados mais crticos, movidos pela vontade de perceber
evolues mais significativas, a perguntar-se: quais seriam as principais causas a emperrarem o
exerccio da cidadania em nossa realidade? Como poderamos atuar para super-los?
evidente que as causas so mltiplas e as atuaes necessrias para possibilitar a evoluo
almejada so diversas.
Parece inegvel, no entanto, que uma inquestionvel constatao diz respeito ao profundo
desconhecimento e falta de informaes a uma parcela significativa da populao.
INFORMANDO AO CIDADO
Conhecendo Melhor a Constituio Federal de 1988
Contextualizao
Para entendermos nossa Constituio, no basta o pensamento generalizado de que ela a
lei maior do Pas.
preciso um conceito estrutural que conecte o aspecto normativo realidade social, dandolhe sentido.
Se apreciada sem foco na realidade social, temos apenas um conjunto de normas puras,
uma viso parcial. Ela s se complementa quando em conexo com o conjunto que lhe deu
vida, que a alimenta na sua transformao dinmica e para cuja organizao sua existncia tem
sentido a comunidade.
Histria
Em termos histricos, a atual Constituio surgiu dos trabalhos da Assembleia Nacional
Constituinte, instalada em 1. de fevereiro de 1987, envolvendo amplos debates nacionais, tendo
sido promulgada em 5 de outubro de 1988, batizada, poca, de Constituio Cidad pelo ento
Presidente da Assemblia Nacional Constituinte, Ulysses Guimares.

112

Estrutura
Em termos estruturais, a Constituio de 1998 est divida em nove ttulos:
1. Dos Princpios Fundamentais;
2. Dos Direitos e Garantias Fundamentais;
3. Da Organizao do Estado;
4. Da Organizao dos Poderes;
5. Da Defesa do Estado e das Instituies Democrticas;
6. Da Tributao e do Oramento;
7. Da Ordem Econmica e Financeira;
8. Da Ordem Social;
9. Das Disposies Gerais.
Entre esses ttulos, um dos mais importantes para o presente estudo o item dois Dos
Direitos e Garantias Fundamentais , no qual est boa parte dos direitos humanos no texto
constitucional, embora muitos deles encontrem-se dispersos em outros tpicos.
Mutabilidade3
Em termos de possibilidades de mudanas em seu contedo, nossa Constituio do tipo
rgida (no flexvel), visto que, para ser alterada, necessita de um processo reformador especfico
que s pode ser realizado pelo chamado Poder Constituinte Reformador, no podendo, em hiptese
alguma, ser objeto de alterao pelo processo legislativo comum que elabora leis. No Brasil, esse
poder reformador s exercido pelo Congresso Nacional, que, como sabemos, composto por
nossos representantes eleitos senadores e deputados federais , que atuam conjuntamente.
Vale ressaltar ainda que, em seu contedo, encontram-se vrias normas que, pela sua
importncia, no podem ser alteradas em hiptese alguma, nem mesmo pelo Poder Constituinte
Reformador. So as chamadas clusulas ptreas.
Entre essas normas imutveis temos as que garantem os direitos humanos de primeira,
segunda e terceira gerao, os quais so especialmente protegidos por constiturem normas de
extrema segurana para os cidados.
Aplicabilidade4 das Normas Constitucionais
Outro importante aspecto que devemos conhecer para melhor entendimento da Constituio
o que diz respeito aplicabilidade de suas normas.
muito comum que pessoas, ao estudar o texto constitucional, apresentem reclamaes do
tipo: a norma est prevista na Constituio, mas na prtica no est sendo aplicada.

113

Para melhor entender por que tais situaes acontecem, importante conhecermos as
diferentes situaes de aplicabilidade das normas constitucionais. Assim, podemos ter:
a) Normas de eficcia plena:
So normas que tm aplicabilidade desde a sua existncia na Constituio, vale dizer, as
que tm eficcia desde o seu nascimento como norma jurdica vlida. Exemplificando,
temos os chamados remdios constitucionais, dos quais podemos citar o habeas corpus5,
importante instrumento para a garantia da liberdade dos cidados.
b) Normas de eficcia contida:
Trata-se das normas que podem ser objeto de ao restritiva do poder pblico, restrio
esta que estabelecida por lei, a bem do interesse pblico. Em outras palavras, a norma
constitucional tem eficcia, porm, a garantia nela contida deve ser exercida conforme
o estabelecido em lei. Exemplificando, temos, no direito de livre exerccio de profisso,
uma garantia constitucional que pode ser exercida pelo cidado, desde que cumpra os
requisitos estabelecidos nas leis de regulamentao das diferentes profisses (formao,
licena etc.).
c) Normas de eficcia limitada:
So normas que s tero aplicabilidade plena aps a elaborao de norma inferior que lhe
confira a aplicabilidade. A norma constitucional s ter eficcia com a complementao
legal necessria. Um exemplo pode ser observado na norma referente ao limite das taxas
de juros reais a serem cobrados em operaes de crdito que, segundo a Constituio,
no podem exceder doze por cento ao ano. Porm, essa norma depende de lei para que
tenha eficcia, at o presente no foi implementada por nossos representantes, portanto
ainda ineficaz.
d) Normas constitucionais programticas6:
Estas normas representam verdadeiras cartas de inteno a serem alcanadas
progressivamente. So intenes que queremos alcanar ao longo do tempo. Como
exemplo, temos o combate ao analfabetismo, que deve ser objeto de um intenso trabalho
social, cuja erradicao s ocorrer no transcorrer dos anos.

114

DINMICA E COMPLEMENTAO DA CONSTITUIO


A Constituio um instrumento dinmico que s tem vida quando o exerccio das previses
nela contidas ganha perspectiva na comunidade.
Como se percebe, boa parte das normas constitucionais depende, para ser eficaz, do
importante processo legislativo que as complementam, a produo de leis.
Extrai-se disso o quo importante terem os cidados uma atitude responsvel na escolha
de seus representantes legisladores, buscando pessoas sensveis e capazes, sob pena de boa parte
das importantes previses constitucionais tornar-se letra morta, ineficaz por falta de leis que lhe
dem aplicabilidade. preciso estabelecer um elo entre representantes e representados, numa via
de mo dupla, para alimentar constantemente o processo reformador da Constituio e o processo
legislativo que a complementa. S assim teremos, com o decorrer do tempo, um aperfeioamento
eficaz, acompanhando a dinmica das mudanas sociais.
Deveres Constitucionais do Cidado
Outro aspecto interessante, s vezes comentado de forma apreensiva, diz respeito ao fato de
que, numa leitura superficial, h na Constituio uma grande evidncia de direitos, sendo pouco
clara a enunciao de deveres do cidado.
A questo resolve-se com facilidade: em primeiro lugar, importante salientar que boa parte
das normas constitucionais referentes cidadania tem por objetivo limitar a atuao do Estado,
evitando-se investidas autoritrias injustificadas na esfera do cidado (restries de liberdade,
expropriaes de bens, discriminaes etc.). Em segundo lugar, fcil perceber que nos direitos
h correspondentes contraprestaes os deveres.
Assim, exemplificando, quando falamos em direito ao meio ambiente equilibrado, h uma
contrapartida a considerar: o dever que incumbe a cada cidado zelar pela efetiva proteo ambiental.
Quando se trata do direito da criana educao, h uma contrapartida para a criana: o
dever de educar-se, o que se espera que redunde em conseqncias positivas para a criana e,
por consequncia, para toda a sociedade.
Quando falamos em direito ao trabalho, h uma contrapartida para o trabalhador: o dever
de realiz-lo para o bem da comunidade, com dedicao e apreo, como um patrimnio social.
Quando o cidado reclama o direito de liberdade, evidente que sua conduta deve pautarse pelos parmetros estabelecidos pela comunidade, sob pena de comprometer esse direito.
Direitos e deveres esto intimamente ligados, como se fossem as duas faces de uma moeda.

115

As Garantias Constitucionais de Efetivao dos Direitos Fundamentais


muito importante que os cidados superem o pensamento de que os direitos fundamentais
so naturais e absolutos, tendo aparecido entre ns como ddivas. Ao contrrio, a histria
demonstra, de forma clara, que seu reconhecimento nunca foi fcil.
Os direitos fundamentais dependem de cada um de ns para sua implementao. A obra
A Luta pelo Direito, de Jhering (1968), muito bem demonstra como o direito uma obra
inacabada da humanidade, que est condenada a zelar eternamente por ela para no ser esmagada
pela tirania.
A nossa Constituio est dotada de meios instrumentais para conferir aos cidados
titulares dos direitos fundamentais o respeito e a exigibilidade desses direitos. So as chamadas
garantias constitucionais.
Vale esclarecer que existe uma diferena importante entre direitos fundamentais e garantias
constitucionais. Aqueles instituem os direitos, enquanto estas garantem a sua eficcia so os
direitos instrumentais, destinados a tutelar os direitos fundamentais.
Algumas das principais garantias instrumentais institudas em nossa Constituio so
apresentadas a seguir.
Direito de Ao e de Defesa
Trata-se do poder conferido ao cidado de agir ou de defender em juzo, visando garantia
de seus direitos. Esse poder conferido a todos indistintamente, inclusive aos mais necessitados,
que podem invocar a justia gratuita e, onde j foram implementadas, as defensorias pblicas,
que tambm podem ser consideradas garantias, visto serem previses expressas em nossa carta
constitucional.
O direito de acionar o Judicirio ou de defender-se encontra-se informado pelo Princpio
do Devido Processo Legal, cuja origem provm da Magna Carta Inglesa, acolhido pela nossa atual
Constituio (art. 5. LIV): ningum ser privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal. (GOMES, 2001)
Remdios Constitucionais
So instrumentos que tm por funo assegurar aos cidados o gozo de seus direitos no
atendidos, ou, ainda, os que foram violados ou estejam em vias de ser. Importam em impor
correes a atos ou atividades, principalmente do poder pblico, que prejudiquem ou ameacem
direitos dos cidados. So eles:

116

a) O Direito de Petio7:
o direito, pertencente pessoa, de chamar a ateno dos poderes pblicos para uma
situao, quer para pedir uma alterao do direito em vigor, buscando um sentido de
maior favorecimento liberdade, quer para denunciar uma leso concreta, pedindo
que a situao seja redirecionada. uma prerrogativa democrtica essencialmente
informal e independente de pagamento de taxas, tendo por finalidade estimular a
participao fiscalizatria dos negcios do Estado e independe de leso a interesse
prprio do peticionrio.
b) O Habeas Corpus:
Os primeiros registros desse importante instrumento de proteo da liberdade remontam
ao Direito Romano. A origem mais apontada, no entanto, a Magna Carta de 1215, na
Inglaterra. No Brasil essa ao foi introduzida expressamente no Cdigo de Processo
Criminal de 1832, tendo sido elevada regra constitucional na Carta de 1891.
Caracterstica importante dessa ao que, apesar de antiga, no envelhece. Diz-se que
povos que no a possuem no so totalmente livres.
Est previsto na Constituio Federal de 1988 como garantia individual do direito de
locomoo, contra ato de abuso de poder. ao constitucional com procedimento especial
simplificado e isenta de custos. Constitui um atributo da personalidade, considerada
verdadeira Ao Penal Popular. Qualquer pessoa, independente de idade, sexo, religio,
profisso ou alfabetizao, pode fazer uso dessa ao em benefcio prprio ou alheio.
Alguns autores entendem ser possvel sua impetrao inclusive por uma pessoa jurdica
em favor de pessoa fsica.
c) O Mandado8 de Segurana:
Essa ao constitucional, destinada proteo de direito lquido e certo, no amparado
por habeas corpus ou habeas data9, instituto mpar de defesa da cidadania, criao do
direito brasileiro, no encontrando similar no direito estrangeiro.
Foi previsto pela primeira vez na Constituio de 1934 e efetivamente criado por Lei
em 1951.
um instrumento de liberdade civil e poltica, conferido ao indivduo para que se
defenda dos atos ilegais ou praticados com abuso de poder.
Pode ser individual ou coletivo, sendo esse ltimo uma novidade inserida pela Constituio
de 1988, destinado proteo de direito lquido e certo de grupo.

117

O Mandado de Segurana individual pode ser impetrado por qualquer pessoa. O


coletivo, por seu turno, s pode ser impetrado por pessoas especficas: partido poltico
com representao no Congresso Nacional, organizao sindical, entidade de classe ou
associao legalmente constituda e em funcionamento h pelo menos um ano, em defesa
dos interesses de seus membros ou associados.
d) O Habeas Data:
ao constitucional destinada a proteger o direito lquido e certo do impetrante em
conhecer informaes e registros relativos sua pessoa, constante de bancos de dados
de reparties particulares ou pblicas acessveis ao pblico. tambm destinado
retificao de dados pessoais constantes em tais reparties, inexatos ou que impliquem
discriminao.
e) O Mandado de Injuno10:
Trata-se de ao constitucional que visa suprir omisso do Poder Pblico, com objetivo
de viabilizar o exerccio de um direito, uma liberdade ou uma prerrogativa constitucional,
inerentes nacionalidade, soberania e cidadania. Visa combater a chamada sndrome
de inefetividade das normas constitucionais, por falta de regulamentao por omisso do
poder pblico.
f) A Ao Popular:
A Constituio Federal, no art. 5. LXXIII, proclama que qualquer cidado parte
legtima para propor ao popular que vise anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou de
entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao
patrimnio histrico e cultural. (GOMES, 2001) uma importante ao que permite ao
povo, diretamente, o exerccio da soberania popular, fiscalizando o Poder Pblico. Pode
ser utilizado inclusive de forma preventiva, com o fim de evitar o desencadeamento de
efeitos lesivos dos atos do Poder Pblico.
A Lei de Ao Popular de 1965, tendo sido recepcionada pela Constituio de 1988.
Questo importante que se discute entre os doutrinadores diz respeito s pessoas que
teriam poder (legitimidade) para impetrar11 a Ao Popular. O texto constitucional diz
qualquer cidado. Para alguns, seriam apenas os cidados no pleno gozo dos direitos
polticos. Para outros, seriam todas as pessoas, visto ser um instrumento de defesa dos
chamados direitos difusos. Em sendo de todos os bens jurdicos que visa defender, no

118

parece razovel a restrio de legitimidade aos cidados em pleno gozo dos direitos
polticos. O mais aceitvel a extenso a todas as pessoas, sem distino de idade, sexo,
nacionalidade ou qualquer outra discriminao.
Importante previso da Lei de Ao Popular que, mesmo em caso de improcedncia,
ficar o autor isento de custas judiciais e do nus de sucumbncia12, salvo se a impetrou
com comprovada m-f. A razo dessa previso proporcionar facilidades s pessoas,
estimulando-as proteo dos bens coletivos, porm, impedindo o uso indevido e leviano
da ao, que deve ser utilizada com responsabilidade, na defesa exclusiva dos bens que
visa proteger.
Meios Alternativos de Soluo de Conflitos
inegvel que a existncia de situaes conflitantes, que coloquem as pessoas em situaes
indefinidas, umas perante as outras, diante de pretenses sobre bens de vida, motivo de angstia
e tenso, manifestando-se, assim, como fator de sofrimento e infelicidade.
A eliminao de conflitos, restaurando e definindo situaes de segurana, algo fundamental
para as pessoas e para a vida em sociedade. Essa eliminao, importante perceber, pode ser
alcanada por diferentes caminhos: por ao unilateral de um dos conflitantes, por ao de ambos
os contendores ou, ainda, por atuao de terceiro.
Quando atuao unilateral, proveniente de um dos conflitantes, podemos ter duas
possibilidades: a sujeio ao direito do outro, consentindo no sacrifcio de seu prprio interesse,
ocorrendo assim a chamada autocomposio; ou, ainda, a imposio de sacrifcio ao interesse
alheio, na chamada autotutela. Esta s admitida, em nosso convvio, em casos excepcionais
(legtima defesa, por exemplo), sendo inclusive considerada como ilcito penal (crime), quando o
cidado a exerce fora dos casos excepcionais permitidos pela lei (o chamado exerccio arbitrrio
das prprias razes).
Quando a soluo obtida por ambos os conflitantes, que procuram formas de ajustar seus
interesses, temos a composio ou conciliao: as partes, tratando reciprocamente do problema,
encontram uma soluo pacificadora.
Quando a atuao de terceiro, pessoa estranha ao conflito, integra sua soluo, podemos
ter trs possibilidades: a chamada defesa de terceiro, em que esse toma, por iniciativa prpria,
a posio de defensor de interesse de um dos conflitantes; a mediao, em que os conflitantes
elegem um mediador, um rbitro para a soluo do conflito; e, por ltimo, quando o terceiro
interveniente o Estado, que chamado por um ou por ambos os contendores, ou ainda pelo
prprio Estado, quando o interesse pblico, a solucionar o conflito, por intermdio do processo.

119

A tendncia, durante muitos anos, foi a concentrao, nas mos do Estado, do poder de
solucionar conflitos, reduzindo-se as aplicaes das demais formas acima citadas. A experincia,
no entanto, demonstrou ser esse caminho oneroso e lento, apresentando-se, com o passar do
tempo, insuficiente para garantir as situaes pacificadoras necessrias, especialmente em pases
ainda em desenvolvimento, como o Brasil, com servios pblicos sucateados e ineficientes.
Desafogar a estrutura pblica no momento fundamental, reservando sua ateno para as
situaes mais complexas, mais relevantes, voltadas para interesses maiores, especialmente ao
pblicos coletivos.
Assim, atualmente abrem-se os olhos para as modalidades de soluo de conflitos que
reduzam a participao do Estado, que chamamos meios alternativos de pacificao social.
Podemos citar entre esses meios a conciliao e o arbitramento, expresses dessa moderna
tendncia presentes, por exemplo, nas chamadas convenes coletivas de trabalho e nas comisses
prvias de conciliao na rea trabalhista, ou na Lei de Arbitragem da justia civil. At mesmo a
justia penal, sempre tratada com reservas pelo Estado, vem aderindo tendncia conciliadora,
como nos casos dos chamados Juizados Especiais Criminais.
ESTUDANDO CIDADANIA
De incio, torna-se necessrio estabelecer uma distino conceitual: a diferena entre
cidadania em sentido amplo e cidadania em sentido escrito.
A cidadania em sentido amplo uma concepo consagrada por sua utilizao no uso popular.
Diz respeito queles que esto em pleno gozo de todos os direitos previstos no teto constitucional.
A cidadania em sentido estrito diz respeito quelas pessoas que participam diretamente na
vida poltica do pas, ou seja, as que esto em pleno gozo dos direitos polticos.
A adoo de um ou outro conceito ganha uma especial importncia do ponto de vista
jurdico. Traz reflexos no manejo de alguns instrumentos constitucionais e infraconstitucionais13
de efetivo exerccio da cidadania.
Ao adotar-se o conceito estrito, apenas cidados em pleno gozo dos direitos polticos teriam
legitimidade para manejar tais instrumentos.
Cidadania em Sentido Amplo no Brasil
Como j dito anteriormente, trata-se de conceito que vem sendo consagrado pelo uso
popular, para expressar o pleno gozo de todos os direitos previstos no texto constitucional.

120

A abrangncia conceitual e seu difundido uso na comunidade so importantes. Demonstram


uma tomada de conscincia da populao que vem ganhando terreno, adquirindo uma atitude
renovada, saindo da posio cmoda daqueles que esperam solues prontas da velha estrutura
patriarcal de Estado para uma nova realidade, na qual o cidado, de forma responsvel e
consciente, participa da estruturao da realidade, buscando existncia digna para todos, com
trabalho, lazer, educao, sade, meio ambiente equilibrado, entre outras necessidades humanas.
O povo tem o direito, numa democracia de verdade, de participar do governo, e no apenas de
esperar os resultados dele. (MOTTA; DOUGLAS, 2000)
Entretanto, longo ainda o caminho a ser percorrido.
Juventude e Cidadania em Sentido Amplo
Interessante o que ocorre no seio da juventude. H uma palpitao com maior fervor
pelo anseio de realizao, s vezes expressa com uma rebeldia assustadora. A observao da
manifestao de muitos jovens em suas casas, em nosso dia a dia, nas ruas, nas comunidades ou
nas escolas, leva-nos perplexidade.
Surgem aos jovens, diante de seus problemas, os mais variados questionamentos:
Como fazer valer nossos direitos?
Como exigir o cumprimento de deveres?
Que instrumentos podem ser utilizados pelo cidado, na busca da realizao?
Como estruturar uma sociedade livre, democrtica e responsvel?
So questes que os afligem, mas que, caso encontrem respostas, talvez possam vencer suas
dificuldades e encontrar um caminho responsvel de participao, ao invs de cair na barbrie.
Faz-se necessrio, especialmente entre os jovens, a divulgao de informaes bsicas, que
muito podem contribuir para o avano a que aspiramos.
No pretenso deste texto esgotar o assunto, em funo de sua prpria finalidade, mas
sim oferecer um incio, que possibilite uma reflexo e um direcionamento inicial para essa energia
vital da juventude, essa pulsao em busca da realizao que, mal direcionada, pode levar a
situaes catastrficas.
Cidadania em Sentido Estrito no Brasil
Os direitos de cidadania, segundo o sentido estrito, restringem-se s pessoas que esto no
pleno gozo dos direitos polticos. Tais direitos so de extrema importncia para a realizao da

121

democracia e expresso da soberania popular. Trata-se de um importante instrumental, sem o


qual a cidadania ampla no se realiza.
No podemos perder de vista, ao pensar a cidadania, o referencial da democracia
representativa e do Estado Democrtico de Direito. Para que esse sistema seja eficaz preciso
que a populao esteja informada e que os direitos inerentes participao na vida poltica do
Pas sejam exercidos de forma responsvel, consciente e livre.
Aquisio da Cidadania em Sentido Estrito
Adquire-se a cidadania em sentido estrito por meio do cadastramento eleitoral, o qual,
segundo a Constituio, obrigatrio para os maiores de 18 anos de idade e facultativo para os
analfabetos, para os maiores de 70 anos de idade e para os maiores de 16 anos e menores de 18
anos.
Classificao da Cidadania em Sentido Estrito
A cidadania estrita divide-se em duas espcies: ativa e passiva.
A cidadania ativa est diretamente ligada ao exerccio dos direitos polticos ativos, cuja
principal expresso o direito de votar.
A cidadania passiva est diretamente ligada ao exerccio dos direitos polticos passivos,
cuja principal expresso o direito de ser votado.
Vale salientar, no que diz respeito aos direitos polticos passivos, a restrio em nosso pas
aos analfabetos, que so considerados inelegveis por expressa determinao constitucional. Esse
fato corrobora com a necessidade de esforo na luta pela erradicao desse mal, o analfabetismo,
para acabarmos com mais essa excluso ainda presente em nosso meio.
Participao Poltica Direta
Outras importantes consideraes afeitas cidadania estrita e ao exerccio da soberania
popular pouco informadas aos cidados dizem respeito aos dispositivos constitucionais que
prevem a participao direta da populao na vida poltica do Pas. So eles o plebiscito, o
referendo e a iniciativa popular.
a) Plebiscito:
A palavra tem origem romana e dizia respeito ao momento em que a plebe era convocada
para decidir determinadas questes. Atualmente, no Brasil, um instrumento de consulta

122

prvia populao, realizado antes da aprovao de atos de acentuada importncia. Foi


utilizado no Paran nos ltimos anos como instrumento de consulta anterior criao de
novos municpios.
b) Referendo:
Esse um instrumento de consulta posterior, utilizado aps a aprovao de atos de
acentuada relevncia nas esferas legislativa ou administrativa. A populao chamada
a manifestar-se, com objetivo de ratificar ou rejeitar os atos provenientes dos rgos
representativos.
c) Iniciativa popular:
Este um importante instrumento de exerccio da cidadania, cuja utilizao encontra-se
latente em nosso pas. Trata-se de atribuio dada pela Constituio ao eleitorado para
dar incio a projeto de lei, influindo assim diretamente na formao do direito material.
Pode ser exercitado na esfera federal, estadual ou municipal, mediante preenchimento
de requisitos especficos para cada esfera.
Em mbito municipal, como exemplo, admite-se a iniciativa popular de projetos de lei de
interesse especfico do municpio, da cidade e dos bairros, por intermdio de pelo menos
cinco por cento do eleitorado.
O Princpio da Legalidade e Liberdade
Predomina entre os estudos do Direito o entendimento de que sem a existncia de regras
definidas de convivncia no haveria sociedade. Tambm discute-se que o direito no teria lugar
sem a existncia da vida em comunidade. Na ilha do solitrio Robson Cruso no haveria lugar
para o Direito, no fosse a chegada de seu amigo Sexta-feira.
No art. 5. II da Constituio Federal: Ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa, seno em virtude de lei. (GOMES, 2001)
Aspecto importante relacionado realizao do ser humano diz respeito liberdade que,
como sabemos, trata-se de um poder inerente ao ser humano de autodeterminar-se, escolhendo
por si o seu comportamento pessoal.
Reflexes importantes podem ser levantadas diante do sentido da liberdade:
Seria o poder de autodeterminao ilimitado?
Pode o cidado fazer ou deixar de fazer o que quiser? Se h limites, quais so?

123

Vejamos a posio do ilustre doutrinador constitucionalista Jos Afonso da Silva: o conceito


de liberdade deve ser expresso no sentido de um poder de atuao do homem em busca de
sua realizao pessoal, de sua felicidade: liberdade consiste na possibilidade de coordenao
consciente dos meios necessrios realizao da felicidade pessoal. (SILVA, 1992, p.153)
Liberdade, realizao humana e felicidade esto intimamente relacionados, segundo
o pensamento apresentado. Surge aqui, porm, uma importante questo: o problema dos
limites da liberdade. Sabemos, pela experincia, que o exerccio sem freios do poder de
autodeterminao pode gerar graves prejuzos natureza, sociedade e ao prprio homem
que o exerce nessas condies.
Poderamos ento concluir ser a liberdade consistente em fazer tudo o que nos traga
realizao e felicidade, desde que no prejudique outrem.
Ressalte-se, assim, a necessidade de conscincia ao cidado quanto aos limites de exerccio
das liberdades, presentes no Estado Democrtico de Direito, limites esses consagrados no
Princpio Constitucional da Legalidade. Conclumos ser a liberdade o direito de fazer ou deixar
de fazer tudo que as leis, desde que elaboradas por representantes legtimos do povo, permitam
ou no probam.
No podemos desprezar a lei como fonte de autoridade e de resoluo de conflitos, nem emprestar-lhes
adorao como se pudesse resolver todos os problemas da sociedade. (MOTTA; DOUGLAS, 2000)
Quando homens bons descumprem as leis injustas, abrem as portas para que homens maus descumpram as
leis justas. (MOTTA; DOUGLAS, 2000)

Conhecimento, Liberdade e Cidadania


H ainda um aspecto fundamental ligado liberdade a ser realado: a questo do conhecimento.
Se analisarmos historicamente, poderemos perceber que o poder de autodeterminao do homem
sobre a natureza, a sociedade e sobre si mesmo sofreu e vem sofrendo alteraes. Em verdade,
o contedo da liberdade vem-se ampliando com a evoluo da humanidade, como resultado de
uma conquista constante. O homem torna-se cada vez mais livre na medida em que amplia seus
conhecimentos, o que permite maior domnio sobre a natureza e sobre as relaes sociais.
Investir em conhecimento implica ampliao da liberdade. Este talvez seja o maior
instrumento de realizao da cidadania plena.

124

REFERNCIAS
CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo. 10.ed. So Paulo;
Malheiros, 1994.
FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2000.
GOMES, L. F. Constituio Federal, Cdigo Penal, Cdigo de Processo Penal. 3.ed. So Paulo: Revista
dos Tribunais, 2001.
GRINOVER, A. P. et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitria, 2001.
JHERINGER, R. A luta pelo direito. Rio de Janeiro: Forense, 1968. MORAES, A. Direito constitucional.
So Paulo: Atlas, 2001.
MOTTA, S.; DOUGLAS, W. Direito constitucional. Rio de Janeiro: Impetus, 2000.
PINHO, R. C. R. Teoria geral da constituio e direitos fundamentais. 2.ed. So Paulo: Saraiva, 2001.
PINSKY, J. Cidadania e educao. 3.ed. So Paulo: Contexto, 1999.
SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 9.ed. So Paulo: Malheiros, 1992.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Administrao pblica Conjunto de rgos e de pessoas jurdicas aos quais a lei atribui o exerccio da
funo administrativa do Estado.

Eficcia Qualidade ou propriedade de eficaz; eficincia.

Mutabilidade Qualidade de mutvel; instabilidade, volubilidade.

Aplicabilidade Qualidade de aplicvel, faculdade do que pode ser aplicado.

Habeas corpus Instrumento jurdico que a Lei dispe contra a violao ou ameaa liberdade de
locomoo da pessoa.

Programticas Relativo ou pertencente a programa.

Petio Ato de pedir, requerimento.

Mandado Ordem ou determinao imperativa.

Habeas data Direito de todos os indivduos de solicitar ao Poder Judicirio a exibio de seus dados
pessoais, que se encontram em registros pblicos ou privados, para que possam deles tomar conhecimento,
fazendo as devidas retificaes, caso estejam inexatos, imprecisos, obsoletos ou que de alguma forma
impliquem discriminao.

10 Injuno Presso das circunstncias, imposio, exigncia.


11 Impetrar Pedir, requerer.
12 Sucumbncia Ser vencido; ser derrotado.
13 Infraconstitucional Diz-se da norma jurdica que est abaixo da Constituio.

125

DIREITOS E DEVERES DO CIDADO

Plinio Neves Angeuski

Como se percebe, neste incio de sculo, os problemas de relacionamentos humanos


intensificam-se, tanto nas relaes interpessoais quanto nas relaes entre agrupamentos humanos.
Aspectos raciais, religiosos, polticos, entre outros, agravam desigualdades sociais e discriminaes.
Paralelamente a esses problemas, outros, novos, que dizem respeito a toda a humanidade, vo
surgindo, como as questes ambientais, que hoje a todos preocupam.
H uma intensa atividade jurdica nos ltimos tempos, em busca da soluo desses
problemas, criando uma imensidade de normas, tanto em mbito interno das naes como
internacionalmente, muitas das quais consagradas como Princpios Universais, caracterizando-se,
no plano terico, como verdadeiras garantias aos cidados e vida em sociedade.
Apesar de toda essa atividade, e da inflacionria criao de normas, os problemas no vm
sendo solucionados como esperado. No so raras as oportunidades em que os Direitos Humanos
so violados. Percebe-se que ainda h grande falta de efetividade em toda a estrutura at hoje
criada para a proteo desses direitos, pois, como j comentado, os problemas recrudescem.
As condies atuais da existncia humana apontam para grandes desafios a serem vencidos.
H uma realidade marcada por profundas desigualdades e conflitos, que desafiam a conquista da
almejada dignidade da pessoa humana. Por tais razes, muitas discusses sobre Direitos Humanos
esto sendo desenvolvidas, em diferentes pontos e lugares.

127

No Brasil contemporneo, como em muitas outras naes, muito se tem discutido sobre
questes relacionadas a direitos, deveres e cidadania.
Temos uma nao marcada por uma peculiar origem histrica de natureza desigual,
que busca na plenitude de sua juventude (para no dizer infncia) estabelecer-se como Estado
Democrtico de Direito, capaz de possibilitar dignidade s pessoas que a compem.
evidente, ao observarmos as condies existenciais da populao, que os desafios a serem
vencidos para a conquista do almejado so bastante significativos.
Como chegar l? Parece necessrio, em princpio, estabelecer alguns referenciais:
a) Uma retomada histrica que possibilite observar a gnese da evoluo social da convivncia
humana;
b) A percepo de que a dinmica das regras de convivncia acompanha as necessidades
da evoluo social;
c) A observao de que as conquistas e evolues, expressas nos direitos e deveres consagrados,
no so ddivas, mas, sim, frutos de rduo trabalho humano;
d) A observao das novas tendncias dos direitos e deveres, ditadas pelas atuais necessidades.
A legislao recente aponta para os chamados direitos e interesses metaindividuais.
Sem descuidarmos de que a humanidade est em constante evoluo, importa prepararmos
nossos jovens a pensar, para o futuro, novas formas de organizaes sociais e polticas, preparandose para enfrentar os desafios das novas necessidades.
COMENTRIOS SOBRE A EVOLUO DOS DIREITOS HUMANOS
Ao analisarmos os direitos humanos, fundamental entender que um estudo desse tema,
para produzir frutos, necessita ser contextualizado, iluminado por um foco, sem o qual pode
tornar-se letra morta. O estudo e entendimento dos direitos humanos e sua evoluo deve ser feito
luz dos acontecimentos histricos que permearam a convivncia humana.
Problemas de convivncia geraram preocupaes, anseios e lutas que culminaram com a
materializao de direitos humanos, adequados a seus tempos e s suas realidades, perdurando
como conquistas irrenunciveis da humanidade.
Costumamos dizer que os direitos humanos, de acordo com seus antecedentes histricos
e evoluo, podem ser classificados em direitos de primeira gerao, de segunda gerao e de
terceira gerao (atualmente j se fala em quarta gerao).

128

Ainda que a luta pela proteo jurdica dos cidados remonte a distantes datas, as
declaraes de direito no sentido moderno que hoje conhecemos, instrumentos que consagram
direitos humanos, s apareceram no sculo XVIII. Tais declaraes, em princpio restritas s
comunidades onde surgiram, passaram gradativamente a ter uma abrangncia universalizante,
como preocupaes abstratas da humanidade.
Outra evoluo importante foi no sentido da criao de mecanismos concretos em normas
jurdicas positivas, para assegurar a efetividade, ou seja, sua aplicabilidade concreta, mediante
suas inscries em textos constitucionais, capazes de lhes imprimir eficcia.
Vale ressaltar que a primeira Constituio, em mbito mundial, a concretizar direitos
humanos fundamentais em seu texto foi a Constituio do Imprio do Brasil, de 1824, segundo
Jos Afonso da Silva (1992).
Vejamos alguns aspectos de cada uma das geraes de direitos humanos.
DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA GERAO
Ao analisarmos os direitos humanos de primeira gerao, tambm chamados direitos de
liberdade, podemos notar uma grande preocupao em assegurar aos cidados os chamados
direitos individuais e polticos clssicos, os quais eram a grande preocupao das pessoas no sculo
XVIII. Assim que, ao observ-los, percebemos que so voltados principalmente a salvaguardar1
valores individuais do cidado, tais como a liberdade, a propriedade e a segurana.
Vrios foram os instrumentos que os veicularam, entre os quais podemos destacar: a Carta
Magna Inglesa, a Declarao de Virgnia, a Declarao Norte-americana, at chegarmos ao mais
destacado, a famosa Declarao dos Direitos do Homem e do Cidado, de 27/08/1789, adotada
pela Assembleia Constituinte Francesa.
DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA GERAO
Quanto aos direitos de segunda gerao, ditos direitos de igualdade, surgidos no incio
do sculo XX, vale ressaltar os chamados direitos sociais, entre os quais se incluem aqueles
relacionados com o trabalho, o seguro social, o amparo doena, velhice etc.
Algumas de suas principais expresses foram: a Encclica Rerum Novarum, do Vaticano,
a Constituio Mexicana de 1917, a Constituio Alem de Weimar de 1919, entre outras. No
Brasil, culmina com o nascimento da Consolidao das Leis Trabalhistas e com a Lei Eloi Chaves,
que deu origem ao Direito Previdencirio Nacional.

129

DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA GERAO


Modernamente temos os chamados direitos de terceira gerao, tambm tidos como
direitos de solidariedade ou de fraternidade. Busca-se, com esses direitos, a proteo dos valores
fundamentais para a sociedade humana, no s do ponto de vista individual, mas principalmente
sob o aspecto de agrupamentos de pessoas, ainda que indeterminados. So os chamados direitos
metaindividuais2, que incluem os direitos difusos3, os coletivos4 e os individuais homogneos5.
Entre eles, podemos destacar os direitos: a um meio ambiente equilibrado; a uma saudvel
qualidade de vida; ao progresso; paz; autodeterminao dos povos; preservao cultural
e histrica.
Suas principais expresses, at o presente momento, so:
Declarao Universal dos Direitos do Homem ONU (1948);
Declarao dos Direitos da Criana (1959);
Conveno sobre os Direitos Polticos da Mulher (1952);
Conveno sobre a Eliminao de todas as Formas de Discriminao Racial (1963);
Pacto sobre os Direitos Econmicos, Sociais e Culturais (1966);
Conveno para a Represso do Genocdio (1958);
Declarao dos Direitos do Deficiente Mental (1971).
No Brasil, esses direitos apresentam amplos reflexos no ordenamento jurdico, inspirando a
Assemblia Nacional Constituinte e os legisladores na produo de normas importantes.
Um dos primeiros instrumentos criados para a defesa desses direitos no Brasil foi a Lei de
Ao Popular, criada em 1965, que deu poderes ao cidado para a defesa do patrimnio pblico.
Em 1981, a Lei que estabeleceu a Poltica Nacional do Meio Ambiente foi outro grande
passo, visando preservao, melhoria e recuperao da qualidade ambiental, assegurar
desenvolvimento socioeconmico, bem como a proteo da dignidade da vida humana.
Em 1985 surgiu a chamada Lei de Ao Civil Pblica, destinada a oferecer instrumentos
para a proteo do meio ambiente, do consumidor, dos bens e direitos de valor artstico, esttico,
histrico e paisagstico.
Foi, no entanto, com a atual Constituio, em 1988, que os direitos metaindividuais ganharam
status constitucional, o que abriu caminho para, em 1990, o Cdigo de Defesa do Consumidor
consagrar, de forma expressa, os chamados direitos difusos, coletivos e individuais homogneos.

130

NOVAS EXIGNCIAS DIREITOS HUMANOS DE QUARTA GERAO


J se fala nos chamados direitos de quarta gerao, ligados ao fenmeno do progresso
tecnolgico, bem como nas novas relaes sociais, marcadas por uma sociedade pluralista e
informatizada. Esses direitos tm como objeto a proteo de valores perante o domnio sobre o
patrimnio gentico humano e de outras formas de vida, bem como os ligados ao patrimnio moral
e econmico, diante da rapidez de veiculao das ideias pela Internet.
ABORDAGEM CRTICA CLASSIFICAO DOUTRINRIA BASEADA NAS GERAES
DE DIREITOS HUMANOS
Alguns estudiosos preferem, em lugar de falar de geraes de direitos, afirmar que
os Direitos Humanos devem ser vistos como algo organicamente relacionado, de tal forma que
suas dimenses integrem-se e se realizem em conjunto, no podendo ser vistas como aspetos
separados. Com essa argumentao, pretendem contribuir mostrando uma viso unitria dos
Direitos Humanos, que implica um conjunto com diferentes e complexas dimenses, indivisveis,
indissolveis e interconectadas. (TRINDADE, 2005)
O professor Antonio Augusto Canado Trindade entende que a classificao dos Direitos
Humanos em geraes foi formulada sob inspirao da bandeira francesa, correlacionando-se
as geraes de Direitos Humanos aos ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, expressos
naquele smbolo. Entretanto, para ele, a classificao no tem nenhum fundamento jurdico,
tampouco fundamento na realidade, tratando-se de uma teoria fragmentria, incompatvel com
o direito. O ilustre professor entende que a classificao toma os Direitos Humanos de maneira
dividida, teoria inaceitvel, uma vez que, na sua concepo, os Direitos Humanos so indivisveis,
indissolveis e interconectados. (TRINDADE, 2005)
O prof. Canado Trindade (apud TOSI) afirma:
[...] nunca demais ressaltar a importncia de uma viso integral dos Direitos Humanos. As tentativas de
categorizao de direitos, os projetos que tentaram e ainda tentam privilegiar certos direitos s expensas
dos demais, a indemonstrvel fantasia das geraes de direitos, tm prestado um desservio causa da
proteo internacional dos Direitos Humanos. Indivisveis so todos os Direitos Humanos, tomados em
conjunto, como indivisvel o prprio ser humano, titular desses direitos.

O posicionamento do professor, sem dvida, provoca reflexo sobre uma classificao


bastante difundida e aceita por grande parte da doutrina.

131

A crtica de Canado Trindade (2005) ainda mais acirrada quando trata dos reflexos da
classificao fragmentria6 sobre os direitos econmicos e sociais. Segundo ele, para os defensores
dessa classificao, esses direitos so programticos. Por isso, enquanto as discriminaes relativas
a direitos individuais e polticos so absolutamente condenadas, as discriminaes econmicas e
sociais acabam sendo toleradas, porquanto, sendo relativas a direitos programticos, sua realizao
vista como progressiva, o que justifica a existncia de desigualdades. Dessa forma, no entender
do doutrinador, ao invs de ajudar a combater as discriminaes econmicas e sociais, rejeitandoas, a teoria das geraes acaba por toler-las, convalidando as disparidades.
Outra crtica apresentada pelo ilustre professor diz respeito ao fato de que a colocao dos
Direitos Humanos em geraes acaba por passar uma ideia falsa de que as primeiras geraes
criadas j foram conquistadas e incorporadas convivncia humana, o que no corresponde
realidade. Segundo ele, embora j reconhecidos, muitas lutas ainda devero ser desenvolvidas
para dar eficcia s normas de proteo de Direitos Humanos.
Percebe-se, pelo posicionamento do ilustre doutrinador, que a classificao fragmentria,
no obstante trazer uma ideia da historicidade dos Direitos Humanos e facilitar seu estudo,
no pode ser transposta para a realidade, que complexa e dinmica, requerendo uma viso
mais ampla de indivisibilidade e inter-relao entre todos os Direitos Humanos. A classificao
fragmentria dos Direitos Humanos pode estar contribuindo para facilitar o estudo histrico e
individualizado de cada gerao nela proposta. Entretanto, a dinmica da vida em sociedade e a
inter-relao dos direitos no podem ser fragmentadas.
Outra questo a ser considerada quando so tecidas crticas classificao em geraes de
direitos humanos diz respeito argumentao da doutrina, segundo a qual os Direitos Humanos
de primeira gerao so tidos como liberdades negativas, por limitarem a atuao do Estado,
enquanto os direitos de segunda gerao, como liberdades positivas, por exigirem prestaes
do Estado.
Quando nos deparamos com atentados terroristas, que ceifam vidas e restringem liberdades
pelo medo ou por sequestros, percebemos que os direitos vida e liberdade no podem ser
entendidos apenas sob o aspecto das chamadas liberdades negativas, limitativas da atuao do
Estado diante do cidado, mas tambm como liberdades positivas, que exigem prestaes positivas
do Estado, para proteo do cidado e de sua segurana. (ANGIEUSKI, 2005) O mesmo pode ser
dito em relao aos direitos econmicos e sociais. Se, por um lado, so exigidas prestaes positivas
do Estado, que garantem acesso ao trabalho e proteo previdenciria, entre outras, por outro,
exigem-se tambm prestaes negativas, no onerando a economia com tributaes excessivas, ou
no realizando atividades econmicas em substituio iniciativa privada. (ANGIEUSKI, 2005)

132

EVOLUO DOS DIREITOS HUMANOS O DESAFIO DA CONCRETIZAO


Positivao Interna7 Constitucionalizao
A Declarao Americana e a Declarao Francesa, ambas do sculo XVIII, iniciaram a
universalizao de conceitos iluministas. Com termos dotados de considervel amplitude, foram
adotadas como precedentes de outras declaraes de direitos, de carter universal, com aprovao
generalizada, de forma que mesmo pases que no ratificaram pactos internacionais, para
preservao dessas declaraes, admitem alguns de seus padres bsicos, como, por exemplo, o
banimento da escravido e da discriminao racial. (BIELEFELDT, 2000, p.11)
As declaraes de direitos de carter universal, entretanto, como enfatizam Herrendorf e
Bidart Campos (apud SOARES, 1999), no so direitos, no sentido dogmtico, uma vez que essas
declaraes so meras formas normativas internacionais, dizendo algo que deve ser respeitado,
defendido, promovido, porm sem carter vinculante. Os direitos, por sua vez, repousam no plano
jurdico, na dimenso sociolgica da conduta humana.
A positivao dos Direitos Humanos em mbito interno das naes ocorre pelo fenmeno
da constitucionalizao. Conforme ensina Canotilho, sem essa positivao jurdico-constitucional,
os direitos do homem so esperanas, aspiraes, ideias, impulsos, ou, at, por vezes, mera
retrica poltica, mas no direitos protegidos sob a forma de normas (regras e princpios) de direito
constitucional. Somente o reconhecimento dos Direitos Humanos nas constituies que os torna
exigveis, produzindo consequncias jurdicas. (apud ALVES JUNIOR, 2005) bom lembrar,
entretanto, como ensina Alexandre de Moraes, que a noo de Direitos Humanos mais antiga
que o constitucionalismo8, que to-somente consagrou a necessidade de insculpir um rol mnimo
de Direitos Humanos em um documento escrito, derivado diretamente da soberania popular.
(MORAES, 2001, p.19)
A insero desses direitos nos textos constitucionais confere-lhes supremacia. Paulo
Bonavides ensina que os Direitos Humanos so o oxignio das constituies democrticas. Dizer
que so direitos constitucionais fundamentais significa dizer que possuem uma hierarquia de
superioridade e que vinculam os poderes pblicos. Em pases que adotam constituies rgidas,
no podem ser desfigurados ou modificados pelo processo legislativo ordinrio. (apud ALVES
JNIOR, 2005)
Como ensina Alexandre de Moraes (2001, p.21), a constitucionalizao dos Direitos
Humanos no significou mera enunciao formal de princpios, mas a plena positivao de direitos,
a partir dos quais qualquer indivduo poder exigir sua tutela perante o Poder Judicirio para a
concretizao da democracia.

133

A positivao dos Direitos Humanos necessria para consagrar o respeito dignidade


humana, garantir a limitao de poder e visar ao pleno desenvolvimento da personalidade.
(MORAES, 2001) Contudo, no se pode dar a tais afirmaes um carter extremo, pois, como
adverte Canotilho, (apud SOARES, 2005) no suficiente reconhecer os Direitos Humanos no
texto constitucional para torn- los realidades jurdicas efectivas, nem a constitucionalizao
lhes afasta as caractersticas jusnaturalistas, muito menos deles subtrai o carter fundamentante.
Positivao Internacional9 Internacionalizao
A Histria demonstra que os valores originais, contidos nas frmulas conceituais elaboradas
pelos pensadores iluministas, segundo as quais os Estados seriam bons, no se perpetuaram
como esperado. O que se viu, ao longo dos tempos, foi o aparecimento de Estados maus. (As
caractersticas dos direitos humanos, 2005)
Permanecem vivas na memria da humanidade as crueldades praticadas por regimes
totalitrios contra a dignidade da pessoa humana durante o sculo XX, demonstrando a incapacidade
dos estados para inibir ideologias autoritrias e conter a violncia institucional, consolidando sua
soberania interna, com o simples reconhecimento e insero dos Direitos Humanos em seus textos
constitucionais. (SOARES, 2002, p.543) Durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo,
verificou-se que esses direitos foram profundamente violados pelas ditaduras instaladas nos pases
do Eixo. (TEIXEIRA, 2005)
Analisando-se com maior profundidade os acontecimentos referidos, o que se percebe,
ao percorrer-se a Histria, a existncia de um paradoxo: ao mesmo tempo em que os Estados
propem-se a defender Direitos Humanos, violam-nos em diferentes situaes. Responsveis por
assegurar proteo e garantir eficcia aos Direitos Humanos, acabam por mostrar-se seus maiores
violadores. (As caractersticas dos direitos humanos, 2005)
Mesmo com a constitucionalizao de direitos e garantias fundamentais, muitas violaes
foram e continuam sendo praticadas impunemente, por agentes do Estado e por particulares,
tanto no Terceiro Mundo como, de forma mais camuflada, no mundo desenvolvido. Conflitos
tnicos e manifestaes de xenofobia eclodem em toda parte. (SOARES, 2002, p.543-544)
Essa constatao tem contribudo para o desenvolvimento de novas ideias, entre as
quais a de que h uma imperativa necessidade de internacionalizao dos Direitos Humanos,
que os coloque em uma posio de superposio, como complemento aos movimentos de
universalizao e constitucionalizao ocorridos aps as revolues liberais. (As caractersticas
dos direitos humanos, 2005)

134

Entretanto, a noo tradicional de soberania representa um obstculo a ser transposto


para que se coloquem em prtica essas novas ideias. Porm, os acontecimentos do sculo XX
e do sculo atual vm exigindo a positivao de Direitos Humanos em escala internacional e a
flexibilizao10 do princpio da soberania estatal, especialmente pela possibilidade de violao
desses direitos por parte dos estados. (SOARES, 2002)
Atendendo aos reclamos das necessidades histricas, o conceito de soberania j vem sendo
reformulado desde a Primeira Grande Guerra. Um novo conceito vem sendo apresentado pela
doutrina, plenamente compatvel com a existncia de estados independentes, coexistindo de
forma concreta em uma comunidade jurdica, mediante tratados internacionais, segundo os quais
os estados adquirem direitos e contraem obrigaes. Alm disso, vo sendo criadas organizaes
internacionais com poderes para impor suas decises de forma coativa, apelando at mesmo para
foras militares. Trata-se do conceito de soberania relativa. (SOARES, 2002, p.547)
Para Fbio Konder Comparato, trata-se de um processo de internacionalizao, que j teve
uma primeira fase iniciada na segunda metade do sculo XIX e encerrada com a Segunda Guerra
Mundial, manifestando-se basicamente em trs setores: o direito humanitrio, que compreende o
conjunto de leis e costumes de guerra, a luta contra a escravido e, por ltimo, a regulamentao
dos direitos dos trabalhadores assalariados (COMPARATO, 2003, p.54).
Um dos passos mais importantes nesse processo deu-se com o Tratado de Versalhes, em
1919, que originou a Sociedade das Naes. (SOARES, 2002)
Porm, foi durante a Segunda Guerra Mundial, segundo Comparato, que a humanidade
percebeu as consequncias do fortalecimento do totalitarismo estatal e compreendeu, mais que
em qualquer outro momento de sua existncia, o valor da dignidade humana. (COMPARATO,
2003, p.55)
Os horrores verificados durante a guerra levaram os Estados Aliados certeza da
necessidade de proteo dos Direitos Humanos, no apenas no direito positivo interno de cada
um, mas tambm internacionalmente. Vieram, ento, declaraes e documentos dando nfase ao
reconhecimento internacional dos Direitos Humanos, como requisito para a conquista da paz e o
progresso das naes. Entre eles, podem ser citados: a Carta do Atlntico em 1941, as Propostas
de Dumbarton Oaks em 1944, a Conferncia de Yalta em 1945 e a Carta de So Francisco que
deu vida s Naes Unidas, reafirmando, conforme seu Prembulo, a f nos Direitos Humanos
do homem, e na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de direitos de homens e
mulheres. (SOARES, 2002)
Com a promulgao da Carta das Naes Unidas, em 1945, surgiu a inteno de elaborar
uma carta internacional de direitos, para implementar o respeito aos direitos e liberdades

135

fundamentais e s liberdades bsicas. (TEIXEIRA, 2005) Mas, se a Carta das Naes Unidas
possibilitou a implementao de um documento internacional, tambm produziu um conflito,
impedindo a ingerncia em assuntos internos dos pases. (BIELEFELDT, 2000, p.12)
Esse conflito vem sendo solucionado por uma nova interpretao: a de que determinados
Direitos Humanos bsicos no podem ser considerados assuntos internos exclusivos de uma nao.
Esses direitos, do ponto de vista jurdico, segundo o novo entendimento, extrapolam as fronteiras
da soberania de cada Estado, como assuntos que dizem respeito ao interesse da comunidade
internacional. (BIELEFELDT, 2000, p.12)
importante lembrar, paralelamente ao entendimento dessa nova interpretao, que,
em outros tempos, o direito internacional restringia-se somente regulamentao das relaes
entre Estados soberanos, e as pessoas eram apenas objeto de acordos bilaterais de proteo.
(BIELEFELDT, 2000, p.13)
Inspirada na Carta das Naes Unidas, abriu-se, em 1948, uma discusso que levou
aprovao, em Paris, da Declarao Universal dos Direitos do Homem, marcada pela definitiva
internacionalizao dos Direitos Humanos. Essa declarao, segundo Fbio Konder Comparato,
constituiu o marco inaugural de uma segunda fase na internacionalizao dos Direitos Humanos,
que se encontra em pleno desenvolvimento. (COMPARATO, 2003, p.55-56)
Conforme ensina Prez Luno (apud SOARES, 2002), trata-se de um modelo inspirado
nas ideias de Kant, que idealizou um Estado universal, com cidados universais submetidos
lei superior, garantidora da paz eterna. O modelo, segundo o autor, estaria fundamentado
no jusnaturalismo11, com um retorno ao carter universal e supraestatal dos Direitos Humanos,
considerados como pressupostos para a pacfica convivncia.
Com esse novo modelo ampliaram-se, no que diz respeito titularidade, os sujeitos ativos,
passando-se proteo de todos os homens, indistintamente, e no apenas dos cidados de
determinado Estado, criando-se at mesmo uma titularidade social, com vistas a alcanar a proteo
de direitos de coletividades, grupos e minorias, e no somente individual. (SOARES, 2002)
Releva questionar, diante dessas novas ideias, a natureza das atividades implementadas
pelos organismos internacionais. Bobbio (apud SOARES, 2002) considera que a tutela dos
Direitos Humanos deve ser feita mediante atividades de promoo, controle e garantia.
As atividades de promoo ocorrem quando esses organismos induzem os Estados que no
tm disciplina especfica para a tutela dos Direitos Humanos a introduzi-la, e, aos que j a tm,
a aperfeio-la, o que ocorre tanto em relao ao direito substancial como em relao ao direito
processual. As atividades de controle tm a ver com a verificao do cumprimento e do nvel de
respeito s recomendaes e convenes internacionais, pelos Estados membros do organismo.

136

As atividades de garantia, por sua vez, correspondem verdadeira tutela jurisdicional de


nvel internacional, em substituio local.
Os diversos organismos internacionais, acompanhando esse novo modelo, tm procurado
acompanhar as necessidades histricas e sociais dos povos, mediante uma dinmica implementao
dessas atividades jurdico-positivas, aperfeioando direitos existentes, desenvolvendo-os e
complementando-os com a elaborao de novos documentos.
Como exemplos, podem ser citadas: a Declarao dos Direitos da Criana (1959), a
Conveno sobre os Direitos Polticos da Mulher (1952) e a Conveno para a Preveno e
Represso do Genocdio (1958). (SOARES, 2002)
O Brasil e a Internacionalizao dos Direitos Humanos A Recente Reforma Constitucional
A reforma constitucional, trazida pela Emenda Constitucional n. 45, incorporou
Constituio Federal importantes normas, que refletem as novas tendncias, no Brasil, no que diz
respeito internacionalizao dos Direitos Humanos. Houve, com essa reforma, a incorporao
de normas referentes a tratados e convenes internacionais, a adeso do Brasil ao Tribunal Penal
Internacional e a federalizao dos crimes contra os Direitos Humanos.
O Brasil e os tratados e convenes internacionais de Direitos Humanos
Foi adicionado ao artigo 5. da Constituio Federal o pargrafo 3., o qual dispe: [...]
os tratados e convenes internacionais sobre Direitos Humanos que forem aprovados, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por trs quintos dos votos dos respectivos membros,
sero equivalentes s emendas constitucionais.
Com essa nova previso constitucional foi facultada a atribuio de norma mxima em
nosso Direito Positivo aos tratados e convenes de Direitos Humanos, ao lado da Carta Magna.
A novidade traz um rito semelhante ao da elaborao de emendas constitucionais, previsto no art.
60, 2. da Constituio Federal, para essa finalidade, exigindo qurum qualificado.
Andr Luiz Junqueira (2005) entende que o 3. no restringiu a incorporao de novos
diplomas internacionais de Direitos Humanos ao nosso ordenamento jurdico, com essa previso
de rito especial, com qurum qualificado, pois, segundo ele, no consta do mesmo que estes
devero necessariamente cumprir os requisitos para serem aceitos como norma interna, porm
devem cumpri-los para que tenham a grandeza de uma emenda constitucional.

137

Esse pargrafo, de acordo com o autor, amplia a proteo aos Direitos Humanos, visto que,
embora a denncia de acordos, convenes e tratados internacionais, sempre tenha sido possvel,
a partir dessa emenda constitucional e com essa nova sistemtica, as normas, que por ela forem
inseridas no ordenamento jurdico brasileiro, somente podero ser revogadas por atuao do
Poder Constituinte. (JUNQUEIRA, 2005)
O Brasil e o Tribunal Penal Internacional
Foi adicionado, tambm, ao artigo 5. da Constituio Federal o 4., segundo o qual o
Brasil se submete jurisdio de Tribunal Penal Internacional a cuja criao tenha manifestado
adeso. O Brasil j havia manifestado adeso ao Tribunal Penal Internacional (International
Criminal Court), assinando-o em 7 de fevereiro de 2000 e ratificando-o em 20 de junho de
2002. Porm, a insero da submisso ao Tribunal Penal Internacional no referido pargrafo
da Constituio Federal no apenas uma redundncia. Do ponto de vista jurdico, a obrigao
internacional agora possui fora constitucional. (JUNQUEIRA, 2005)
Federalizao dos Crimes contra os Direitos Humanos
Ao artigo 109, que trata da competncia dos juzes federais, foram adicionadas as
seguintes disposies:
Art. 109. Aos juzes federais compete processar e julgar:
V-A as causas relativas a Direitos Humanos a que se refere o 5. deste artigo;
5 Nas hipteses de grave violao de Direitos Humanos, o Procurador-Geral da Repblica, com a finalidade
de assegurar o cumprimento de obrigaes decorrentes de tratados internacionais de Direitos Humanos dos
quais o Brasil seja parte, poder suscitar, perante o Superior Tribunal de Justia, em qualquer fase do inqurito
ou processo, incidente de deslocamento de competncia para a Justia Federal. (JUNQUEIRA, 2005)

O objetivo dos dispositivos, conforme comenta Junqueira, a efetiva melhoria de proteo


aos Direitos Humanos. A federalizao de competncia12 em matria de crimes contra os Direitos
Humanos, segundo ele, uma tendncia internacional. (JUNQUEIRA, 2005)
Sobre o assunto, a professora Flvia Piovesan (JUNQUEIRA, 2005) ensina que a
federalizao dos crimes contra os Direitos Humanos medida imperativa, diante da crescente
internacionalizao desses direitos, que, por consequncia, aumenta extraordinariamente
a responsabilidade da Unio nessa matria. Para ela, se um Estado democrtico pressupe o
respeito aos Direitos Humanos e requer uma eficiente resposta estatal quando de sua violao, a

138

proposta de federalizao reflete mais uma esperana de realizao da justia e de respeito aos
Direitos Humanos (JUNQUEIRA, 2005).
Reflexo Crtica Novas Tendncias para os Direitos Humanos
Do ponto de vista ideolgico, surge agora, para Comparato, a ltima grande encruzilhada
da evoluo histrica, na qual a humanidade deve escolher: ceder presso da fora militar e do
poder econmico-financeiro, fazendo prevalecer uma coeso puramente tcnica entre os diferentes
povos e estados, ou construir uma civilizao com respeito integral aos Direitos Humanos, segundo
o princpio da solidariedade tica. (COMPARATO, 2003, p.57)
Diante desse importante momento de tomada de deciso, deve haver um amplo debate sobre
a evoluo dos Direitos Humanos, no apenas entre as naes, mas tambm em comunidades
religiosas e grupos sociais, como os partidos polticos, sindicatos e non governamental organizations
(ONGs). (BIELEFELDT, 2000, p.15-16)
Como se percebe atualmente, o desenvolvimento surgiu e se desenrolou como uma espiral
de transformaes, que acabou por afetar o Estado e os Direitos Humanos, criando fatores que
dificultam o exerccio desses direitos, os quais devem ser superados. (SAUERESSIG, 2005)
Esse debate deve considerar que, quando se fala em Direitos Humanos, h a necessidade
de uma sujeio desses direitos s necessidades dos cidados hoje, levando em considerao toda
a transformao tecnocrtica da atualidade. (SAUERESSIG, 2005)
Com a chamada globalizao e a afirmao do pensamento liberal, h o surgimento de
novas necessidades, e o ser humano, buscando realiz-las, acaba ficando comprometido com
novos valores tais como dinheiro, poder e corporativismo. Com isso, vai perdendo sua identidade
e, paralelamente, passa a sofrer pela falta de proteo do Estado.
Do ponto de vista normativo e da eficcia das normas de proteo de Direitos Humanos,
constata-se que, apesar da existncia de inmeros documentos em favor dos Direitos Humanos,
h uma persistncia da humanidade em desviar-se dos objetivos delineados em tais documentos.
(SAUERESSIG, 2005)
Mesmo com a aparente valorizao dos Direitos Humanos durante as ltimas dcadas, na
poltica e no direito internacional o que se percebe pela inflacionria elaborao de documentos
no se deve chegar concluso de que esses direitos esto sendo observados e respeitados, o
que seria enganoso. Em muitos casos, o apoio aos Direitos Humanos no passa de discurso vazio.
Inmeras agresses a esses direitos continuam ocorrendo. (BIELEFELDT, 2000, p.15-16)

139

Essas perversidades das relaes humanas podem ser explicadas, em parte, pelos interesses
meramente econmicos afirmados pelos Estados modernos, nos tempos atuais. (SAUERESSIG,
2005) A atual situao mundial, dominada pelo processo de globalizao e pela hegemonia
neoliberal, s acentua e exaspera as contradies entre os Direitos Humanos e a realidade social.
(TOSI, 2005) Todavia, no se pode esquecer que os estados so construes do prprio homem
e seus interesses so reflexos do pensamento humano. (SAUERESSIG, 2005)
Os Direitos Humanos, como hoje se apresentam, no podem ser vistos, de fato, como
universais, porquanto reproduzem a contradio da sociedade moderna entre excludos e includos,
ao invs de garantir uma sociedade mais justa e solidria. (TOSI, 2005) Essa constatao alerta
para o fato de que a universalizao dos Direitos Humanos no deve caminhar no mesmo sentido
da globalizao da economia, comprometida apenas com a lgica do lucro, da acumulao e
concentrao de riquezas, desvinculada de qualquer compromisso com a realizao dos direitos
do homem e de seu bem-estar social. (TOSI, 2005)
O processo de globalizao tem cunho neoliberal, o que significa uma viso de Estado
voltada para a interveno mnima, apenas para garantir a defesa dos direitos de liberdade.
No h compromisso com os direitos de solidariedade, econmicos e sociais. Pelo excesso de
valorizao do processo de globalizao, em detrimento de um compromisso com uma sociedade
mais justa e solidria, desigualdades sociais e econmicas esto surgindo e recrudescendo no
mundo inteiro. (TOSI, 2005)
Solues Apontadas Implementaes Locais
A maior parte das constituies modernas, inclusive a Constituio da Repblica Federativa
do Brasil de 1988, apesar de espelharem-se na Declarao Universal dos Direitos Humanos da
ONU, no garante que as sociedades por elas regidas, sejam sociedades democrticas de fato, e
que vivam em um Estado de direito legtimo.
O que se observa, na realidade, que os Direitos Humanos s so efetivados nas sociedades
onde os cidados so diligentes e participantes. tarefa do ser humano estabelecer uma sociedade
efetivamente organizada, poltica econmica e juridicamente. (BIELEFELDT, 2000)
Embora a democracia implique o reconhecimento de direitos aos cidados, tambm implica
deveres. Entre eles o de permanecerem diligentes e participantes, construindo, com conscincia,
a Histria individual e coletiva, considerando-se inclusive a perspectiva das geraes futuras.
(Direitos fundamentais, 2005)

140

importante considerar, nessa perspectiva, que a implementao, o controle e a efetivao


de Direitos Humanos sejam os de liberdade, os sociais ou os econmicos no mantm o
mesmo ritmo que a normatizao desses direitos. (BIELEFELDT, 2000, p.16)
Para Joel Saueressig, importante, diante dessa constatao, despertar no cidado
o compromisso para a construo da realidade, promovendo-se a democracia solidria.
(SAUERESSIG, 2005) Segundo ele, deve-se pensar, em primeiro lugar, em selecionar as
intromisses econmicas, principalmente as provenientes de naes hegemnicas. H que se
pensar, tambm, em um segundo momento, em modelos sociais comunitrios, valorizando
movimentos locais, desprezando o consumismo excessivo e combatendo a explorao, inclusive a
realizada nos grandes acordos econmicos feitos pelo Estado, pensando apenas em seu miservel
benefcio, porm possibilitando grandes lucros a outros, em detrimento do social.
Como ltima sugesto, para o autor, est a questo da comunicao, que deve ser diferente
da noo da atual mdia exploradora, e conter veculos alternativos de comunicao criados
e desenvolvidos por grupos perifricos, cujo contedo esteja comprometido com as ideias de
associativismo e cidadania. (SAUERESSIG, 2005)
So sugestes de incluses sociais, realizaes locais, que valorizam a capacidade de
organizao e despertam o cidado para a construo de uma democracia solidria.
REFERNCIAS
ALVES JNIOR, Lus Carlos Martins. Direitos humanos: municipalizao e globalizao, luz do Direito
Constitucional comparado. Disponvel em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/brasil/legislativo/dh_munic.htm>.
Acesso em: 30 set. 2005.
ANGIEUSKI, Plnio Neves. Evoluo dos direitos humanos: crtica classificao em geraes de direitos.
Boletim Jurdico, Uberaba/MG, v. 3, n. 145. Disponvel em:<http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/
texto.asp?id=745> Acesso em: 1 out. 2005.
ARAJO FILHO, Aldy Mello de. A evoluo dos direitos humanos. So Lus: EDUFMA, 1997.
ARAJO, Luiz Alberto David; SERRANO JNIOR, Vidal. Os direitos e deveres individuais e coletivos da
nacionalidade, dos direitos polticos e dos partidos polticos. CPC Curso Preparatrio para concursos. So
Paulo: [s.n.], 1998.
BARROS, Srgio Resende de. Direitos humanos: paradoxo da civilizao. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 15.ed. So Paulo: Saraiva, 1994.
BIELEFELDT, Heiner. Filosofia dos direitos humanos. So Leopoldo: Ed. UNISINOS, 2000.
BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992.

141

BRANDO, Elias Canuto; CECLIO, Maria Aparecida; BARROS, Marta Silene Ferreira (Org.). Direitos e
integridade humana. Maring: UEM, 2002.
CANADO TRINDADE questiona... Disponvel em: < http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/
cancadotrindade/cancado_bob.htm>. Acesso em: 12 junho 2005.
CARACTERSTICAS dos direitos humanos (As). Disponvel em: <www.dhnet.org.br/oficinas/scdh/parte1/
c4.html>. Aceso em: 29 set. 2005.
COMPARATO, Fbio Konder. A afirmao histrica dos direitos humanos. 3.ed. So Paulo: Saraiva,
2003.
CINTRA, A. C. A.; GRINOVER, A. P.; DINAMARCO, C. R. Teoria geral do processo. 10.ed. So Paulo:
Malheiros, 1994.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que so direitos da pessoa. 2.ed. So Paulo: Brasiliense, 1982.
DIREITOS fundamentais. Disponvel em: <www.acordabrasil.com.br/direitos.htm>. Acesso em: 23 set.
2005.
FEREIRA FILHO, Manoel Gonalves. Curso de direito constitucional. 10.ed. So Paulo: Saraiva, 1981.
FIORILLO, C. A. P. Curso de direito ambiental brasileiro. So Paulo: Saraiva, 2000.
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 3.ed. So Paulo:
C.Bastos Editor, 2003.
GOMES, L. F. Constituio Federal, Cdigo Penal, Cdigo de processo penal. 3.ed. So Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.
GRINOVER, A. P. et al. Cdigo brasileiro de defesa do consumidor. 7.ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitria, 2001.
HERKENHOFF, Joo Baptista. Gnese dos direitos humanos. 2.ed. Aparecida, SP: Ed. Santurio, 2002.
HERKENHOFF, Joo Baptista. Direitos humanos: a construo universal de uma utopia. Aparecida, SP:
Ed. Santurio, 1997.
JUNQUEIRA, Andr Luiz. Interpretao constitucional relativa aos direitos humanos. Disponvel em:
<www.direitonet.com.br/artigos/x/20/81/2081>. Acesso em: 23 set. 2005.
KAMIMURA, Akemi. Linguagem e efetivao dos direitos humanos: o desafio do Direito no atendimento
interdisciplinar a vtimas de violncia. Disponvel em: <http://www.urutagua.uem.br/007/07kamimura.htm>.
Acesso em 23 set. 2005.
LIMA JNIOR, Jayme Benvenuto. Os direitos humanos econmicos, sociais e culturais. Rio de Janeiro:
Renovar, 2001.
MAGALHES, Jos Luiz Quadros de. A indivisibilidade dos direitos humanos. Disponvel em: <www.
cadireito.com.br/artigos/art02.htm>. Acesso em: 23 set. 2005.
MARTINS, Flademir Jernimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: princpio constitucional fundamental.
Curitiba: Juru, 2003.

142

MELLO, Celso Antnio Bandeira de. O contedo jurdico do princpio da igualdade. So Paulo: Malheiros
editores, 2001.
MORAES, A. Direito constitucional. So Paulo: Atlas, 2001.
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentrios aos arts. 1 a 5
da Constituio da Repblica Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudncia. So Paulo: Atlas, 2000.
MOTTA, S.; DOUGLAS, W. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Impetus, 2000.
PAULO, Vicente. Aulas de direito constitucional. Organizao de Juliana Maia. 3.ed. Rio de Janeiro:
Impetus, 2004.
PINHO, Rodrigo Csar Rebello. Teoria geral da constituio e direitos fundamentais. 2.ed. So Paulo:
Saraiva, 2001.
PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Histria da cidadania. 2.ed. So Paulo: Contexto, 2003.
PIOVESAN, Flvia (Coord.). Direitos humanos, globalizao econmica e integrao regional: desafios
do direito constitucional. So Paulo: Max Limonad, 2002.
PIOVESAN, Flvia. Temas de direitos humanos. So Paulo: Max Limonad, 2003.
SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. Direitos humanos como utopia. Jus Navigandi, Teresina, v. 4, n. 46,
out. 2000. Disponvel em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=76>. Acesso em: 28 set. 2005.
SANTOS, Vanessa Flain dos. Direitos fundamentais e direitos humanos. mbito Jurdico, fev/2002 Disponvel
em: <http://www.ambito-juridico.com.br/aj/ dconst0051.htm>. Acesso em: 23 set. 2005.
SAUERESSIG, Joel. Direitos fundamentais como forma de regulao social. Disponvel em: <www.
acordabrasil.com.br/artigo39htm>. Acesso em: 29 set. 2005.
SILVA, Jos Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9.ed. So Paulo: Malheiros, 1994.
SOARES, Evanna. A constitucionalizao dos direitos humanos. Revista PGM, Fortaleza, v. 7, 1999 Disponvel
em: <http://www.pgm.fortaleza.ce.gov.br/ revistaPGM/vol07/05Constitucionalizacao.htm>. Acesso em: 06
out. 2005.
SOARES, Mrio Lcio Quinto. A metamorfose da soberania em face da mundializao. In: PIOVESAN,
Flvia (Coord.). Direitos humanos, globalizao econmica e integrao regional: desafios do direito
constitucional. So Paulo: Max Limonad, 2002. p.543.
SORONDO, Fernando. Historicidade do conceito de direitos humanos. In: Os direitos humanos atravs da
histria. Disponvel em: <http://www.dhnet.org.br/educar/redeedh/anthist/sorondo/index.html>. Acesso em:
23 set. 2005.
THEODORO, Marcelo Antonio. Direitos fundamentais & sua concretizao. Curitiba: Juru, 2003.
TEIXEIRA, Alessandra Moraes. Uma viso hermenutica comprometida com a cidadania e os Direitos
Humanos: o incio de um debate. mbito Jurdico, mar.2001 Disponvel em: <http://www.ambito-juridico.
com.br/aj/ dconst0051.htm>. Acesso em: 23 set. 2005.
TORRES, Patrcia Lupion; BOCHNIAK, Regina. (Org.). Uma leitura para os temas transversais: ensino
fundamental. Curitiba: SENAR, PR, 2003.

143

TOSI, Giuseppe. Histria e atualidade dos direitos humanos. Disponvel em: <http://www.dhnet.org.br/
direitos/militantes/tosi/historia_atualidad.htm>. Acesso em: 29 set. 2005.
UNIVERSIDADE DE SO PAULO.Biblioteca Digital de Direitos Humanos. Carta Magna (Magna Charta
Libertatum). Disponvel em: <www.direitoshumanos.usp.br/counter\/\doc_Histo/texto/Magna_Carta.html>.
Acesso em: 23 set. 2005.
UNIVERSIDADE DE SO PAULO.Biblioteca Digital de Direitos Humanos. O Cdigo de Hamurabi.
Disponvel em: <www.direitoshumanos.usp.br/counter\/\doc_Histo/texto/hamurabi.html>. Acesso em: 23 set.
2005.
UNIVERSIDADE DE SO PAULO.Biblioteca Digital de Direitos Humanos. Declarao universal dos
direitos humanos. Disponvel em: <www.direitoshumanos.usp/counterdeclarao/declarao_univ.html>.
Acesso em: 23 set. 2005.
UNIVERSIDADE DE SO PAULO.Biblioteca Digital de Direitos Humanos. Lei urea. Disponvel em: <www.
direitoshumanos.usp.br/counter\/\doc_Histo/texto/ Lei_aurea.html>. Acesso em: 23 set. 2005.
UNIVERSIDADE DE SO PAULO.Biblioteca Digital de Direitos Humanos. Lei de extino do trfico
negreiro no Brasil. Disponvel em: <www.direitoshumanos.usp/counter\/\doc_Histo/texto/Trafico_negreiro.
html>. Acesso em: 23 set. 2005.
UNIVERSIDADE DE SO PAULO.Biblioteca Digital de Direitos Humanos. Lei do ventre livre. Disponvel
em: <www.direitoshumanos.usp/counter\/\doc_Histo/ texto/Ventre_Livre.html>. Acesso em: 23 set. 2005.
IGEVANI, Tullo. Direitos humanos e cidadania. Disponvel em: <http:// proex.reitoria.unesp.br/congresso/
Congrssos/1_Congresso/Cidadania>. Acesso em: 23 set. 2005.
ZENAIDE, Maria de Nazar Tavares. A construo conceitual dos direitos humanos. Disponvel em:
<www.dhnet.org.br/educar/cartlhas/oficinas/ part5.htm>. Acesso em: 30 set. 2005.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Salvaguardar Acautelar, ressalvar, pr fora de perigo, proteger, defender.

Direitos metaindividuais Diz-se dos direitos que esto acima dos interesses do indivduo, dizendo respeito
a interesses de agrupamentos ou coletividades de pessoas.

Direitos difusos Diz-se dos direitos que pertencem a diversas pessoas, indistintamente, unidas por um
vnculo de fato.

Direitos coletivos Diz-se dos direitos de que seja titular um grupo, uma categoria ou uma classe de
pessoas, indeterminadas, mas determinveis, enquanto grupo, categoria ou classe, ligadas entre si, ou com
a parte contrria, por uma relao jurdica de base.

Direitos individuais homogneos Diz-se dos decorrentes de origem comum, ou seja, os direitos nascidos
em consequncia da prpria leso ou ameaa de leso, em que a relao jurdica entre as partes
proveniente do fato lesivo. Sustenta que os direitos individuais homogneos no so direitos coletivos, mas
direitos individuais tratados coletivamente.

144

Classificao fragmentria Ato de classificar em fragmentos.

Positivao interna Criao de uma norma jurdica interna contemplando determinado valor da sociedade.

Constitucionalismo Sistema ou doutrina dos sectrios do regime constitucional.

Positivao internacional Criao de uma norma jurdica internacional contemplando determinado valor
da sociedade.

10 Flexibilizao Afrouxamento ou eliminao de leis ou normas.


11 Jusnaturalismo Corrente do Direito que defende um conjunto de princpios superiores, uniformes,
permanentes, imutveis, outorgados ao homem pela divindade.
12 Federalizao de competncia Ato ou efeito de federalizar a faculdade concedida por lei a um funcionrio,
juiz ou tribunal para apreciar e julgar certos pleitos ou questes.

145

OS DIREITOS HUMANOS NA HISTRIA

Adriana Mocelim de Souza Lima


Etiane Caloy Bovkalovski

INTRODUO
Os Direitos Humanos (com este nome) passaram a fazer parte da agenda internacional dos
pases h poucas dcadas, porm, quando voltamos nossos olhos para o passado percebemos que a
sua busca vem de longa data, mesmo que tenha recebido outros nomes ao longo dos sculos como
Direitos Naturais ou Direitos Fundamentais. Voltar ao passado importante porque a Histria
nos mostra a presena de conflitos dentro das mais diversas sociedades desde os tempos mais
remotos, bem como a necessidade de grupos ou indivduos serem protegidos por determinadas
leis ou lutarem para que existam leis que os protejam; o segundo caso, normalmente, o mais
comum: a conquista dos Direitos Humanos mediante a luta social.
Porque h um carter histrico na luta pelos Direitos Humanos que vamos, num primeiro
momento, conhecer um pouco da sua Histria ao longo do tempo com o objetivo de entender
como os Direitos Humanos chegaram a se constituir em Trs Geraes at o final do sculo XX.
Num segundo momento vamos estudar brevemente a trajetria histrica dos Direitos
Humanos no Brasil.

147

HISTRIA DOS DIREITOS HUMANOS


Quando refletimos sobre as chamadas sociedades primitivas1 e observamos a sua
transformao ao longo do tempo, tambm podemos identificar que, ao longo dos sculos e
lentamente, esses grupos comearam a lidar com a presena do Estado como uma Instituio com
o objetivo de organizar a sociedade. E por que isto foi necessrio? Porque os grupos tornaramse maiores em termos populacionais, porque estes grupos tornaram-se sedentrios, ou seja,
houve uma busca por regies do globo que possibilitassem a sobrevivncia, e esses lugares eram
prximos a rios; temos o exemplo da Mesopotmia, do Egito, dos Maias, Incas e Astecas na
Amrica e muitos outros.
Porm, esse crescimento e a sedentarizao de inmeros povos trouxeram consequncias: leis
e normas sociais, escritas ou no, passaram a integrar essas sociedades mais complexas porque era
e importante organizar a convivncia social dos indivduos, definir o papel dos sujeitos no grupo,
definir o que aceitvel ou no em termos morais e assim por diante. Portanto, h sculos temos
exemplos que evidenciam como o Estado tratava seu sdito ou cidado e como percebia seus direitos
e deveres perante esta Instituio. Passamos a tratar de alguns destes exemplos na sequncia.
Leis e deveres na antiguidade
Por volta do sculo XVIII a.C., na Mesopotmia (atual Iraque), teve origem o Cdigo de
Hamurabi (de influncia sumria) na primeira dinastia babilnica. Uma das prerrogativas do
Cdigo era a Lei de Talio, ou seja, o autor de um crime deveria ser punido da mesma maneira
que o crime por ele cometido; era a ideia do olho por olho, dente por dente. Embora essa
concepo parea brutal para os dias de hoje, preciso entender o contexto histrico no qual
leis assim eram tolerveis: no existia a ideia do direito vida ou mesmo a noo do outro como
um semelhante com direitos a serem respeitados (como veremos adiante, isso comea a mudar
na Idade Moderna europeia e, principalmente aps a Revoluo Francesa de 1789). As relaes
eram extremamente violentas e, na maior parte das vezes, o governante agia de forma autoritria.
O Cdigo de Hamurabi possua 281 leis que procuravam regular o cotidiano da sociedade e
tratavam de falso testemunho, roubo, estupro, famlia, escravos, ajuda a fugitivos. De acordo com
Perry (2002, p.12-13):
Embora as mulheres tivessem papel secundrio em relao aos homens, o cdigo mostra que houve esforos
no sentido de proteg-las, e s crianas, contra os abusos. Estabelecendo a pena de morte para o adultrio,
ele buscava preservar a vida familiar. As punies eram geralmente rigorosas (...). Crimes como violao

148

de domiclio, rapto de crianas, ajuda a escravos fugitivos, receptao de mercadorias roubadas e falso
testemunho eram punidos com a morte, embora se levassem em conta circunstncias atenuantes. O cdigo
expressava tambm as diferenas de classe. Por exemplo, a punio era mais severa quando se prejudicava
um nobre do que quando a vtima era um plebeu.

Tambm a corrupo de funcionrios do governo era severamente punida.


O prprio rei Hamurabi, no Eplogo do Cdigo, escreve sobre o seu objetivo: para que o
forte no prejudique o mais fraco, a fim de proteger as vivas e os rfos e para resolver todas
as disputas e sanar quaisquer ofensas.
Como outro exemplo de corpo de leis para regular a sociedade podemos citar a Tor
(contempornea ao Cdigo de Hamurabi), livro sagrado dos judeus e composto pelos livros de
Gnesis, xodo, Levtico, Nmeros e Deuteronmio. O seu contedo formado por mandamentos,
ordens e proibies que regulam o relacionamento do ser humano com Deus e com o seu prximo.
Entre as recomendaes do Declogo2 encontramos a de no matar, no roubar, no furtar, no
dizer falso testemunho; so diversas orientaes que regulam as relaes dentro da sociedade civil
e que reconhecem a necessidade de mediar as relaes entre os indivduos e grupos. E ainda,
de acordo com Perry (2002, p. 34), Libertos da escravido por um Deus justo e compassivo,
os israelitas tinham a responsabilidade moral de sobrepujar a injustia e proteger os pobres, os
fracos e os oprimidos.
Nessa linha da legalidade e do uso da religio como orientadora e manual de conduta,
tambm possvel considerar o Cdigo de Manu: cdigo hindu possivelmente redigido entre 200
a.C. e 200 d.C., escrito em snscrito e que estabelece o sistema de castas da sociedade. No cdigo
constam diversos valores como verdade, justia e respeito, sem perder de vista a diviso entre as
castas e a relao de superioridade/inferioridade entre as mesmas.
A cidadania na antiguidade clssica
tendo em vista a herana greco-romana3 para o mundo ocidental, vale ressaltar tambm
algumas caractersticas sobre o conceito de cidadania a partir dos gregos e romanos e que podemos
identificar como uma influncia no caminho percorrido pelos Direitos Humanos alguns sculos
depois e que, evidentemente, foi muito ampliado a partir do sculo XIX. Na Grcia antiga ser um
cidado era um privilgio destinado a poucos e ocorria dentro da lgica da cidade-Estado;4 as leis
excluam estrangeiros, povos submetidos, escravos e mulheres, sendo que os escravos estavam
sujeitos s imposies particulares de seus senhores. As mulheres viviam margem da sociedade
tendo seus direitos bastante limitados ao espao domstico e pela dominao masculina. Na polis

149

grega o homem (cidado) realizava-se; de acordo com Quinto (2001, p. 232) a polis tornava
os homens cidados iguais e perder o espao de participao nesse espao pblico significava
ficar restrito esfera privada juntamente com as mulheres, os escravos e os filhos nascidos de
um casamento, ou seja, com os no cidados. Segundo Cortina (2005, p. 34), ser um cidado
grego significava ser membro de uma comunidade poltica, ou seja, a cidadania estava ligada
ao espao pblico e no aos assuntos privados. Usamos aqui o termo cidadania pela primeira
vez porque esta expresso, historicamente, nasce com os gregos e no futuro, estar ligada ao
nascimento dos Direitos Humanos.
J em relao cidadania romana percebemos um quadro um pouco diferente: por exemplo,
a participao da mulher era mais ampla, podendo a mesma assistir aos espetculos e aos jogos,
participar de banquetes e tambm ser retratada nas artes. Em relao s classes sociais, a sociedade
dividia-se, grosso modo, entre patrcios e plebeus, sendo que os primeiros possuam direitos
civis, polticos e religiosos. Os plebeus, mesmo sendo homens livres, no eram contemplados
pela cidadania, o que gerou inmeros conflitos na sociedade romana. Lentamente foram feitas
reformas que ampliaram a participao dos plebeus, porm, somente com a promulgao da Lei
das Doze Tbuas (nos anos de 451 e 450 a.C.), assegurou-se ao plebeu uma participao poltica
mais expressiva. No final do Imprio Romano j era possvel vislumbrar noes daquilo que seria
a cidadania moderna.
Deveres na sociedade medieval
com o declnio do Imprio Romano, outros tempos so inaugurados na Europa, ocorrendo
o declnio do uso da mo de obra escrava e a lenta constituio do sistema de servido: os servos
tm acesso terra, mas so obrigados a reverter parte da produo agrcola para os senhores
feudais e, ao mesmo tempo, trabalhar nas terras dos senhores sem receber qualquer pagamento;
tendo em vista essas profundas transformaes, ao longo da Idade Mdia foram constitudas trs
classes principais: a classe dos servos, da nobreza e do clero, alm dos homens livres e viles.
Cabia aos senhores feudais exercer as funes de Estado, bem como elaborar leis, julgar causas,
cobrar impostos e mesmo formar exrcitos. Tendo em vista que a riqueza e a participao social
estavam ligadas propriedade da terra, o campesinato ficava excludo de direitos mais amplos.
Por isso, usar o termo cidadania para a Idade Mdia no recomendvel, pois a rgida
sociedade estamental desse perodo, distribuda entre relaes de suserania5 e vassalagem6
limitava uma discusso pblica de fato (no sentido da polis grega) sobre direitos. Mesmo assim,
a despeito da falta de mobilidade entre as classes sociais e de um ethos social mergulhado no

150

sagrado (temos a efetiva participao da Igreja Catlica na construo de normas sociais e


comportamentais para os diversos grupos formadores da sociedade medieval que pretere o carter
mais secular dos direitos em funo da mentalidade crist e do universo teocrtico7), a Idade
Mdia recupera o Direito Romano: Os intelectuais passaram a insistir, cada vez mais, na anlise
racional das evidncias e em decises judiciais baseadas em procedimentos racionais. (PERRY,
2002, p. 195).
a renascena chegando.
Direitos econmicos e polticos: a idade moderna
diversos fatores, entre eles a decadncia do mundo feudal, colocam a Europa numa rota de
mudana radical a partir do sculo XVI. Nos sculos XIV e XV os europeus enfrentaram inmeros
problemas de ordem econmica, poltica, social e religiosa, a saber: crises na agricultura e escassez
de alimentos; guerras envolvendo Estados como Frana, Inglaterra, Espanha entre outros; revoltas
camponesas e urbanas por busca de melhores salrios e disputa por poder poltico, a proliferao
da peste negra; as crises dentro da Igreja Catlica e as tentativas internas de reforma da mesma.
Todos esses problemas, juntamente com a perspectiva renascentista, alteraram a mentalidade
europeia e das diversas classes sociais, principalmente da burguesia em ascenso, que almejava
participao econmica e poltica na sociedade.
possvel tambm falar de uma maior racionalidade8 com o movimento humanista e
uma lenta mudana para uma mentalidade antropocntrica, que no significa descrena, mas
uma releitura do mundo ao redor, incluindo neste mundo o indivduo como sujeito com direito
liberdade e dignidade humana. Mesmo assim, de acordo com Burns (2005, p. 421):
(...) a poca no era absolutamente de igualdade social. Na verdade, a aristocracia, que auferia da terra a
maior parte de seus rendimentos, ocupava ao fim do perodo uma posio econmica e social mais elevada
do que em seu comeo.

As classes mais abastadas no nutriam nenhum sentimento de compaixo ou piedade crist


em relao ao menos afortunados. Sobre este quadro ainda citamos Burns:
Conta-se que em 1552, tendo escutado um alarido do lado de fora do palcio, o imperador Carlos V perguntou
quem estava causando a agitao. Ao saber que eram soldados pobres, respondeu: Que morram e comparouos a centopeias, gafanhotos e besouros que devoram as boas coisas da terra. Via de regra, a pior sorte estava
reservada aos escravos e servos. Com vistas a altos lucros, caavam-se negros na costa da frica; aprisionados
em masmorras, eram depois embarcados para as colnias das Amricas. (2005, p. 422)

151

Ou seja, um perodo de contradies: enquanto as classes mais abastadas correm


para firmar suas conquistas econmicas e almejam maior participao poltica, o discurso sobre
liberdade no pode atingir as classes pobres, os servos e os escravos: corre-se o risco desses
excludos lutarem, como de fato o faro nas Idades Moderna e Contempornea, por direitos, o que
resultar no reconhecimento dos Direitos Humanos aps a Revoluo Francesa. A partir do sculo
XIX esta busca somente ampliada, ainda que a realidade social seja to adversa.
Fator tambm muito importante ao longo da Idade Moderna a difuso do livro, maior
alfabetizao e expanso dos meios de comunicao que levam a uma difuso importante de ideias
que, na Idade Mdia, seriam facilmente debeladas e proibidas. Nos Estados de carter moderno
h a censura,9 mas efetiv-la, na prtica, muito mais difcil do que no passado medieval. Os
jornais tornam-se mais rotineiros na sociedade europeia e os incrementos dados ao mesmo, como
a fotografia no incio do sculo XIX, atraem cada vez mais pblico leitor. Saber e entender o que
se passa em outros lugares e lugares longnquos torna o mundo menor e mais prximo.
Todas essas mudanas na sociedade europeia no podem abrir mo da influncia da
Reforma Protestante,10 uma vez que esta nova perspectiva religiosa tambm mudou a esfera
poltica e econmica, principalmente com o calvinismo e o puritanismo: acumular riqueza material
e exigir governantes justos passou a fazer parte das discusses do Velho Mundo e espalharam-se
pela Amrica.
Portanto, preciso refletir sobre a Idade Moderna europeia e americana (devido Revoluo
de 1776) como a fase que encaminha governos e sociedades para a aceitao, no sem conflitos,
dos direitos do homem e do cidado, declarados na Revoluo Francesa de 1789.
A partir da nascem as Geraes dos Direitos Humanos, como veremos a seguir.
Direitos humanos: a primeira gerao
a Primeira Gerao de Direitos Humanos est relacionada Declarao dos Direitos do
Homem e do Cidado gerada pela Revoluo Francesa de 1789 e Constituio dos Estados
Unidos da Amrica de 1787. Trata dos direitos civis ou individuais; nesta categoria consta a
liberdade expresso, a presuno da inocncia, a inviolabilidade de domiclio, a proteo vida
privada, liberdade de locomoo etc. So os direitos sociais, econmicos e culturais.
A Primeira Gerao resultado das lutas sociais pela cidadania e contra o poder absolutista
dos reis. Por isso, dos direitos proclamados pela Revoluo Francesa LIBERDADE, IGUALDADE
E FRATERNIDADE a Primeira Gerao a da LIBERDADE.

152

Direitos humanos: a segunda gerao


A Segunda Gerao de Direitos Humanos diz respeito IGUALDADE e est relacionada
busca pelas condies materiais de uma sociedade: no basta somente ter liberdade e conseguir
limitar o poder abusivo dos governantes, necessrio que os Estados ofeream sade, educao,
habitao, transporte, trabalho, lazer etc., por meio de polticas pblicas inclusivas. A busca pela
igualdade nas condies materiais e de educao surge com a Revoluo Russa de 1917 e com
o Estado de Bem-Estar Social11, surgido aps a Primeira Guerra Mundial, principalmente nos
pases europeus.
Ainda dentro desta Gerao (e que consagrar os Direitos Humanos antecipando, inclusive,
direitos da Terceira Gerao), temos a Declarao Universal dos Direitos Humanos, de 10 de
dezembro de 1948. Nesse documento internacional so fixados direitos pertencentes a homens e
mulheres, independentemente de classe social, raa ou idade.
Direitos humanos: a terceira gerao
a Terceira Gerao de Direitos Humanos diz respeito FRATERNIDADE. So direitos
consagrados aps a dcada de 1960 e buscam garantir a proteo de grupos sociais vulnerveis
e tambm a preservao do meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Tendo em vista as Geraes de Direitos Humanos e a discusso contempornea sobre
a importncia da sustentabilidade desde o final do sculo XX percebemos a sua importncia
para garantir que as geraes futuras possam desfrutar de todas essas buscas sociais, polticas e
econmicas que tm sido alvo de discusso desde a Revoluo Francesa.
Mas, toda a luta para a concretizao dos Direitos Humanos e a preocupao com uma
sociedade sustentvel e que possa continuar existindo no futuro tambm precisa entender a
questo dos Direitos Humanos no Brasil, como veremos a seguir.
O BRASIL E OS DIREITOS HUMANOS
Aps caracterizar o processo histrico que possibilitou as atuais discusses sobre os Direitos
Humanos no mundo, resta-nos pensar de que forma tais discusses encontram-se refletidas ao
longo da Histria do Brasil. A relevncia de apresentar, no Programa Agrinho, o contexto histrico
brasileiro, associado ao desenvolvimento das discusses em torno dos direitos humanos, encontrase no fato de que a educao uma forma privilegiada de promover bases seguras para que as

153

discusses em torno dos direitos humanos possam se tornar realidade, garantindo a existncia da
plena cidadania a todos os brasileiros.
O Brasil colnia (1500-1822)
logo nos primeiros contatos entre portugueses e os indgenas, que ocupavam o territrio
brasileiro, pode-se perceber uma relao de fascnio por parte dos portugueses registrado na carta
que Pero Vaz de Caminha envia para o rei D. Manuel. O escrivo, de acordo com uma percepo
advinda do final da renascena, enfatiza o que era extico aos olhos dos europeus, deixando
entrever um grande potencial para a regio recm-descoberta. Infelizmente no ficaram registros
das impresses que os indgenas tiveram dos portugueses.
Aps esses primeiros contatos, o recm-descoberto territrio brasileiro foi integrado ao
Imprio Ultramarino Portugus, refletindo ao longo de sua formao colonial os problemas e
mecanismos de conjunto que agitaram a poltica imperial lusa. Inicia-se, assim, a partir de 1530
a produo da cana-de-acar em larga escala, a fim de suprir a demanda pelo acar que vinha
da Europa. A grande questo era onde conseguir a mo de obra para trabalhar na lavoura: havia
os indgenas e os africanos.
Nesse ponto relevante pensar acerca das justificativas para a escravido: a suposta guerra
12
justa continua ainda a servir de justificativa para os portugueses, a influncia do Direito Romano
faz com que a escravido seja aceita como natural. H ainda a justificativa religiosa presente
nas bulas pontifcias de 1452 que concedem ao rei de Portugal o direito de conquista sobre
todos os muulmanos, pagos e outros infiis inimigos de Cristo, e sobre os respectivos reinos,
senhorios, territrios e quaisquer possesses e bens, autoriza, alm disso, a reduzir escravido
esses mouros, pagos e demais infiis (GODINHO, sd, p. 181).
O autor Vitorino Magalhes Godinho aponta direitos e deveres atribudos aos senhores e
aos escravos. O escravo tem direito vida, o senhor no pode matar seu escravo, mesmo esse
sendo sua propriedade. O senhor no poderia opor-se a que o escravo constitusse famlia ou
fosse batizado, entretanto na prtica havia uma srie de restries por receio de que tivesse que
libert-los. O senhor tem ainda a obrigao de sustentar o escravo e a famlia, ou deixar-lhe livre
o tempo necessrio para que possa conseguir seu sustento. O que transparece nesse caso que
os chamados direitos dos escravos so antes obrigaes dos senhores que aqueles no dispem
dos meios de fazer cumprir e, portanto dependem inteiramente do bel-prazer e dos interesses dos
ltimos. (GODINHO, sd, p. 186)

154

Os senhores de escravos sabiam que lidavam com seres humanos e no com coisas ou
animais. Um cavalo pode ser adestrado, j um homem deve ser convencido a se comportar
como escravo. O chicote, o tronco, os ferros, o pelourinho, a concesso de pequenos privilgios
e a esperana de um dia obter uma carta de alforria ajudaram o domnio senhorial no Brasil,
alcanado assim por meio da habilidade do senhor em infundir o medo, o terror, no esprito
do escravo.
Os homens e as mulheres escravizados lutaram por melhores condies de vida, no se
conformando com a condio em que viviam. A resistncia escravido se dava de diferentes
maneiras: por meio de sabotagens, roubos, sarcasmos, suicdios, abortos, fugas e ainda mediante
a formao de quilombos. A fuga para os quilombos tinha como objetivo alcanar a liberdade,
tarefa difcil em funo de que implicava viver perseguido dali em diante, no somente como
escravo fugitivo, mas tambm como um criminoso.
Mais de trezentos anos de escravido, do sculo XVI at o final do sculo XIX, como
instituio legal, social e econmica, que determinou o estilo de vida do Brasil colnia e imprio,
representam uma realidade fundamental para se compreender as desigualdades raciais no pas
e o aprofundamento da hierarquizao dos direitos e da prpria definio de humanidade, do
humano associado a direitos e das escalas de valor social da pessoa.
Outro ponto a ressaltar, acerca da vida no Brasil colnia, est ligado ateno dispensada
s crianas, meninos e meninas abandonados/rfos, vinculados pobreza, escravido ou aos
cdigos morais que no admitiam mes solteiras
Os padres jesutas foram os primeiros a se ocupar das crianas ndias, abandonados depois que
seus pais eram mortos ou escravizados. Alm das crianas ndias acolhiam filhos e filhas de colonos,
bem como mestios pobres. As crianas abandonadas, segundo a lei, deveriam ser acolhidas pela
municipalidade, sendo essa tarefa assumida pela Irmandade da Santa Casa de Misericrdia.
No sculo XVIII com o crescimento das cidades, aumentou o nmero de crianas
abandonadas, superando a assistncia que as cmaras ou casas de misericrdia podiam oferecer.
Comeava ento a prtica de abandonar recm-nascidos em locais pblicos eram os expostos,
que s podiam contar com a compaixo das famlias que os encontravam. No incio do sculo
XVIII a Santa Casa de Misericrdia do Rio de Janeiro adotou o sistema da roda, j utilizado na
Europa desde a Idade Mdia, o sistema viria ser empregado tambm em outras Santas Casas. As
crianas recm-nascidas contavam com o auxlio de amas de leite contratadas pelas Santas Casas
de cada cidade. A roda, que continuou a ser empregada at 1949, constitua a maior esperana
de sobrevivncia para os enjeitados e expostos.

155

O Brasil imprio (1822-1889)


j no final do perodo colonial comearam a chegar ao pas notcias da Revoluo Francesa
e da Declarao dos Direitos do Homem e do cidado, introduzindo no pas o iderio liberal
juntamente com suas concepes de Estado de Direito e Cidadania, culminando em movimentos
nativistas anticoloniais. Alm dela, as revolues inglesa e norte-americana em muito influenciaram
a reorganizao pela qual passou o pas ao longo do sculo XIX.
Aps a Declarao de Independncia em 1822, era necessrio dar ao novo pas uma
Constituio idem. Foi convocada uma Assembleia Constituinte, no entanto, ela acabou sendo
dissolvida e o que prevaleceu foi uma verso outorgada por D. Pedro I em 1824. Nessa Constituio
est garantida a inviolabilidade dos direitos civis e polticos, tendo por base a liberdade, a
segurana individual e a propriedade. Ao longo do texto podem-se perceber influncias recebidas
do que ocorrera pouco tempo antes na Frana, destaque para os ideais presentes na Declarao
dos Direitos do Homem e do Cidado.
O texto francs, elaborado aps a queda da Bastilha, se concentra mais nos direitos civis,
que garantem a liberdade individual os direitos do homem e nos direitos polticos, relativos
igualdade de participao poltica, de acordo com a defesa dos revolucionrios do sufrgio
universal, o que corresponde aos direitos do cidado. No h espao, no texto, para a discusso
dos direitos sociais, em muitas oportunidades, ao longo do processo revolucionrio, a liberdade
foi sacrificada em nome da igualdade.
O texto constitucional brasileiro foi institudo de cima para baixo. Foi imposto pelo rei ao
povo, embora, segundo coloca Boris Fausto, devamos entender por povo a minoria de brancos
e mestios que votava e que de algum modo tinha participao na vida poltica, (FAUSTO, 2010,
p. 149). A grande maioria da populao, formada por escravos, via-se excluda de seus dispositivos.
Esse texto marcado, ainda, pela distncia entre seus princpios tericos e a prtica.
Representa um avano em funo de que o texto propunha organizar os poderes, definir
atribuies, garantir direitos individuais, no entanto a aplicabilidade dos princpios era relativa. A
realidade brasileira era marcada pela dependncia da populao livre aos grandes proprietrios
rurais, uma pequena parcela da populao tinha instruo, sem falar na forte tradio autoritria
que marcava a sociedade. O texto constitucional, com algumas modificaes, vigorou at o fim
do imprio.
O perodo imperial foi marcado por uma srie de lutas de segmentos sociais destitudos
(escravos e homens livres pobres) contra os privilgios, injustias sociais e violncia. Havia trs
grandes obstculos, ao longo do perodo, que inviabilizavam o progresso da ideia de cidadania:

156

a escravido, que negava a condio humana ao escravo, a grande propriedade rural, fechada
ao da lei e um Estado comprometido com o poder privado.
O que se pode perceber que a herana colonial pesou mais na rea dos direitos civis. Estes
podem ser entendidos, segundo coloca Jos Murilo de Carvalho, como direitos fundamentais vida,
liberdade, propriedade, igualdade perante lei, que se desdobram na garantia de ir e vir, de
escolher o trabalho, de manifestar o pensamento, de organizar-se, de ter respeitada a inviolabilidade
do lar e da correspondncia, de no ser preso a no ser pela autoridade competente e, de acordo
com as leis, de no ser condenado sem o processo legal regular (CARVALHO, 2003, p. 9).
Dessa forma, percebe-se que a sociedade brasileira do perodo imperial foi marcada pela
violao aos direitos civis ao longo do sculo XIX, no houve a sua universalidade. Os escravos,
que no eram considerados cidados, no contavam com direitos civis bsicos que lhes garantisse
a integridade fsica. Completando o quadro estava o Estado comprometido com o poder privado.
So inmeras as revoltas que marcaram o perodo, assim como a forma dura e at brutal
como foram combatidas pelo Estado. Durante o Perodo Regencial13 (de 1831 a 1840), os
regentes at tentaram implementar algumas reformas, no sentido de adotar uma poltica liberal
que fugisse das caractersticas absolutistas ainda presentes na realidade brasileira, no entanto
encontraram forte resistncia entre os grandes proprietrios de terras e nos interesses de grupos
locais. Buscaram dar s provncias certa autonomia, assim acabaram por incentivar as disputas
entre foras regionais pelo controle delas, gerando muitas das revoltas do perodo.
Com a antecipao da maioridade do infante Pedro (1840), houve um regresso poltico
marcado por medidas centralizadoras; todo o aparelho administrativo e judicirio encontrava-se
nas mos do governo central novamente. Como resposta novas revoltas se alastraram pelo pas,
com destaque para a Revoluo Praieira ocorrida em Pernambuco no ano de 1848. A revolta foi
fortemente influenciada pelas revolues democrticas que varriam a Europa no perodo, assim
como pela difuso da crtica social e ideias socialistas. No se trata, segundo coloca Boris Fausto,
de uma revoluo socialista, teve como base senhores de engenho ligados ao Partido Liberal que
se rebelavam contra a perda do controle da provncia para os conservadores.
O segundo perodo imperial foi marcado por forte presso pelo fim do trfico de escravos,
fazendo com que em 1850 fosse proclamada a Lei Eusbio de Queiros, que colocava fim ao
trfico de escravos. Fortalecia-se nesse momento o comrcio interno de escravos, a fim de suprir
a crescente demanda por mo de obra que vinha das lavouras de caf. A partir da dcada de
1870 diante do aumento da presso escrava, da deslegitimao da escravido junto sociedade
brasileira e da imagem internacional do Brasil como um pas escravista, tem incio uma poltica

157

estatal de emancipao dos escravizados mediante a promulgao das leis do Ventre Livre14 e dos
Sexagenrios,15 culminado com a libertao dos escravos promulgada pela Lei urea de 1888.
O fim da escravido no trouxe uma melhoria para as condies vividas pelos agora exescravos. A opo pelo trabalho do imigrante nas reas mais dinmicas da economia resultou
em escassas oportunidades de trabalho a eles, sem falar da profunda desigualdade social da
populao negra. Essa desigualdade acabou por reforar o prprio preconceito contra o negro.
Sobretudo nas regies de forte imigrao, ele foi considerado um ser inferior, perigoso, vadio e
propenso ao crime, mas til quando subserviente (FAUSTO, 2010, p. 221).
A primeira Repblica (1889-1930)
a proclamao da Repblica em 1889 reabriu a discusso acerca de quem seria o cidado
brasileiro. O conceito de cidadania moderno est atrelado aos direitos dos cidados universalizados
a partir da Revoluo Francesa e seus desdobramentos. No perodo anterior Revoluo Francesa,
os direitos do homem e do cidado, tal como expressado pela sntese da declarao francesa,
inscreveram-se na Declarao da Filadlfia, que declarou a independncia dos Estados Unidos da
Amrica do Norte em 1776.
O movimento republicano, que vinha se fortalecendo desde 1870, defendia abertamente
a bandeira da cidadania, tal como fora formulada desde a vitria das revolues burguesas
ao longo do sculo XIX. O que se viu nas discusses acerca da cidadania, no entanto, foi a
permanncia da questo da escravido, como uma sombra: como construir a cidadania e a nao
num pas de ex-escravos? Deve-se aqui no perder de foco o contexto do perodo, marcado pelo
paradigma cientfico16 no campo das cincias humanas, fundamentado no positivismo17 e no
evolucionismo Social.18 Era difcil para os intelectuais da poca ver positivamente o futuro de
uma nao marcada pela escravido.
A Constituio republicana de 1891 tida como de inspirao liberal e usava o conceito de
cidadania apropriado da cultura poltica burguesa. Essa Constituio, no entanto, foi precedida
por duas legislaes, que contrariam o paradigma moderno de que a constituio deve preceder as
demais legislaes: o Cdigo Penal de 1890 e a lei do registro e do casamento civil, regulamentando
o direito de famlia. A codificao penal serviu para efetivar o controle social, garantindo prticas
repressivas e autoritrias sobre os trabalhadores livres.
O contraste assim era claro. Enquanto a Constituio, com feies liberais, garantia autonomia
dos Estados, estabelecia os trs poderes, fixava o sistema de voto direto e universal, estabelecia
o direito dos brasileiros e estrangeiros residentes no pas liberdade, segurana individual e

158

propriedade, o Cdigo Penal permitia um controle efetivo sobre os trabalhadores, limitando assim
as prerrogativas presentes na Constituio.
Muitos brasileiros, excludos da cidadania e do acesso terra, vagavam pelos sertes do
pas em busca de trabalho, dentre eles estavam ex-escravos, grupos indgenas e sertanejos, numa
clara oposio, segundo Thomas Skidmore, entre o litoral, densamente povoado, e o interior.
Nesse contexto que pode-se inserir o povoado de Canudos, que representava uma oportunidade
de vida nova.
A populao do povoado crescia medida que a fama do Beato Antnio Conselheiro corria
sertes adentro ganhando adeptos junto a vaqueiros, agricultores e artesos que estavam dispostos
a construir uma nova sociedade, em que se inserissem. No entanto, segundo as doutrinas racistas
em voga na poca, os canudenses eram vistos como mestios cuja natureza instvel era um mau
pressgio para o futuro do Brasil (SKIDMORE, 2003, p. 115.) Foram trs anos de guerra at
a destruio total do povoado, que ficou imortalizado na obra Os Sertes de Euclides da Cunha.
Esse perodo foi marcado assim pela resistncia ante o Estado Oligrquico por meio das
greves operrias, do cangao e do messianismo. As pssimas condies de trabalho nas fazendas
de caf levaram os trabalhadores a se organizar e promover greves por melhores condies de
trabalho, sem que resultados efetivos fossem alcanados. J nas cidades onde se concentravam as
fbricas e os prestadores de servios, as condies de vida no eram muito melhores do que no
campo. Tais condies levaram a um ciclo de greves de grandes propores, entre 1917 e 1920,
nas principais cidades do pas, especialmente Rio de Janeiro e So Paulo, greves essas geradas
pelo agravamento da carestia, em decorrncia da Primeira Guerra Mundial e pela influncia do
processo revolucionrio russo de 1917. O principal objetivo dos trabalhadores era melhorar as
condies de vida e conquistar um mnimo de direitos.
Nesse contexto muitas famlias encontravam no trabalho infantojuvenil um meio de
sobreviver em um ambiente marcado por baixos salrios e um custo de vida elevado. Para os
industriais, o emprego da mo de obra infantojuvenil representava a possibilidade de reduzir
os custos de produo, incorporando crianas e adolescentes como se fossem adultos dentro do
processo produtivo.
As primeiras dcadas republicanas foram marcadas pela utilizao do trabalho de crianas e
adolescentes como forma de reduzir os custos de produo, acentuando dessa forma a espoliao
dos trabalhadores nos estabelecimentos industriais e, num verdadeiro crculo vicioso, manteve-se,
praticamente, como recurso do qual a classe trabalhadora dificilmente poderia abrir mo, no af
de sobreviver (MOURA, 2004, p. 273).

159

Nesse contexto, o problema da criana adquire uma dimenso poltica relacionada ao


ideal republicano vigente: no se tratava mais de ressaltar a importncia, mas sim a urgncia de
se intervir, educando ou corrigindo os menores para que se transformassem em cidados teis e
produtivos para o pas, assegurando a organizao moral da sociedade (RIZZINI, 1995, p. 112).
Em 1927 foi elaborado o primeiro Cdigo de Menores do Brasil, constituindo-se como um
elemento de sistematizao de uma poltica voltada regulamentao da infncia em geral, visando
organizar as formas de trabalho, a educao, a preveno e a recuperao dos criminosos e
delinquentes. Com o Cdigo de Menores, reafirmaram-se as formas de atendimento baseadas
na internao das crianas em instituies, distantes do convcio social, e a posio do Juiz de
Menores como autoridade mxima no assunto, podendo inclusive suspender ou retirar o ptrio
poder, no sentido de intervir no abandono fsico e moral das crianas.
Com o Cdigo de Menores, a atuao do Estado se fez de maneira mais manifesta e atuante
na rea da infncia, demonstrando assim um enfraquecimento das posies liberais que marcaram
a Primeira Repblica, sendo que a viso liberal defendia a no interveno do Poder institudo na
rea social. Emergia nesse momento uma nova obrigao para o Estado: cuidar da infncia pobre,
no tocante educao, formao profissional, ao encaminhamento a pessoal competente para
lidar com a realidade dela. Comeou ainda a tomar forma a estratgia dos Direitos da Criana (no
caso, o Menor) j que o Estado passa a ter obrigaes de proteo.
Politicamente a Primeira Repblica foi marcada pelo predomnio do poder por parte de um
reduzido grupo de polticos em cada Estado, favorecido pelo fato de que o voto no era obrigatrio
e havia um desinteresse por parte dos possveis eleitores em participar da poltica em funo de
acreditarem que ela era um jogo entre os grandes ou uma troca de favores. Alm disso, havia
manipulao dos resultados das eleies por meio de fraudes, falsificao de atas, votos de mortos
e estrangeiros.
As relaes de poder eram fortemente marcadas pelo clientelismo, tanto no campo quanto
na cidade, resultante da desigualdade social, da impossibilidade de os cidados efetivarem seus
direitos, da precariedade ou inexistncia de servios assistenciais do Estado, da inexistncia de
uma carreira no servio pblico (FAUSTO, 2010, p. 263). Os coronis controlavam os votantes,
muitas vezes fazendo uso da troca de favores, forneciam assim os votos necessrios aos chefes
polticos dos estados, em troca de vantagens polticas e econmicas que asseguravam, por sua vez,
os meios de barganhar votos junto aos eleitores.

160

O estado getulista e o perodo democrtico (1930-1964)


esse perodo da histria poltica brasileira foi marcado por uma nova formatao social e
poltica construda a partir da consolidao de uma sociedade urbana, industrial e capitalista. Essa
nova configurao fruto de um processo contraditrio em que modernidade e conservadorismo
se mesclam, nesse o contexto o Estado adquire contornos intervencionistas.
A liderana poltica de Getlio Vargas, frente do aparelho estatal, se faz presente tambm no
desenvolvimento dos direitos humanos. Cabia ao Estado novamente discutir quem seria o cidado
brasileiro e quais seriam os seus direitos. Nesse contexto, os trabalhadores urbanos ascendem
categoria de cidados, sendo-lhes reconhecidos determinados direitos e garantias sociais.
Se no perodo anterior houve espordica ateno aos trabalhadores urbanos, a partir
de 1930 verifica-se a existncia de uma poltica governamental especfica para essa camada
da sociedade. Como primeira medida houve a criao do Ministrio do Trabalho, Indstria e
Comrcio. Seguiram-se leis de proteo ao trabalhador, de enquadramento sindical pelo Estado,
foram criados rgos para arbitrar conflitos entre patres e operrios, alm de uma srie de
leis de proteo ao trabalhador, culminando em 1943 na Consolidao das Leis Trabalhistas.
O que deve ser destacado aqui que no foram medidas que derivaram de presso social, mas
sim apareceram como fruto de uma ao do Estado, comum a vrios governantes da poca, os
ditos populistas19.
Ainda em 1930 foi criado o Ministrio da Educao e Sade com a finalidade de promover
reformas educacionais, que desde os anos vinte vinham sendo realizadas de forma isolada pelas
provncias, agora as determinaes partiam diretamente do Governo central para as provncias.
Na medida em que ao modelo trabalhista avanava, estabelecendo direitos aos trabalhadores,
crescia tambm a presso pela ampliao dos direitos sociais.
Em 1934 foi promulgada a terceira Constituio brasileira, motivada pela Revoluo
Constitucionalista de 1932. Ao estabelecer em seu prembulo que Ns, os representantes do
povo brasileiro, pondo a nossa confiana em Deus, reunidos em Assemblia Nacional Constituinte
para organizar um regime democrtico, que assegure Nao a unidade, a liberdade, a justia
e o bem-estar social e econmico demonstra que estaria em consonncia com as duas geraes
dos Direitos Humanos. Outro ponto a destacar o fato de que nela aparecia o direito de voto
estendido a brasileiros de qualquer sexo, a igualdade jurdico formal passava a se fazer presente
no campo eleitoral tornando cidados tanto homens quanto mulheres.
Tal processo de implantao da cidadania ao permitir o voto a homens e mulheres foi freado
pelo Estado Novo (1937-1945). Sua instalao no Brasil aconteceu ao mesmo tempo em que

161

uma srie de transformaes polticas tomava conta da Europa, instalando governos autoritrios
e reforando a verso de que a democracia liberal estava fadada ao fracasso. Foi um governo
centralizador ao concentrar no governo federal a tomada de decises, empregou a propaganda
e a educao como instrumentos de adaptao do homem nova realidade social, destaque
ao Departamento de Imprensa e Propaganda, criado com o intuito de doutrinar e controlar as
manifestaes do pensamento no pas.
Em 1937 foi promulgada a quarta Constituio brasileira cuja essncia, autoritria e
centralista, a colocava em sintonia com os modelos fascistas de organizaes poltico-institucional
implantadas em outras partes do mundo, rompendo assim com a tradio liberal presente nas
constituies anteriores.
Segundo levantamento realizado por Mrio Fabrcio Fleury Rosa, entre os anos de 1930
a 1945 foram criadas treze agncias20 voltadas proteo social brasileira. Essa sequncia
demonstra os avanos na rea social promovida durante o perodo de governo de Getlio Vargas.
No perodo em que as liberdades polticas estavam suprimidas, como foi o caso durante o perodo
de 1937 a 1945, as conquistas sociais foram ampliadas.
Aps a queda do Estado Novo em 1945 inaugura-se o chamado perodo democrtico brasileiro
que se encerra com a instaurao da Ditadura Militar em 1964. Esse perodo foi marcado pela
redemocratizao constitucional do pas, j no seu prembulo a nova Constituio 1946 deixava
clara a inteno de que sua promulgao visava instaurao de um regime democrtico no pas.
Politicamente o perodo marcado pelo controle poltico das massas, sendo realizado por
lderes populistas e por grupos oligrquicos21. Destaque deve ser dado ainda aos movimentos de
resistncia dos trabalhadores urbanos e rurais. Ressalta-se nesse contexto a criao do Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CDDPH, por meio da Lei n. 4.319, de 16 de
maro de 1964, com membros de setores representativos, ligados aos direitos humanos, e com
importncia fundamental na promoo e defesa dos direitos humanos no Pas.
A principal atribuio do Conselho receber denncias e investigar, em conjunto com as
autoridades competentes locais, violaes de direitos humanos de especial gravidade com abrangncia
nacional, como chacinas, extermnio, assassinatos de pessoas ligadas a defesa dos direitos humanos,
massacres, abusos praticados por operaes das polcias militares, dentre outros.
O projeto de lei para que o Conselho fosse criado foi apresentado Cmara em 1956, no
entanto somente em 1964 que foi aprovado e sancionado pelo presidente Joo Goulart no dia
16/03/1964, ironicamente quinze dias antes do golpe militar.

162

A ditadura militar (1964-1985)


a deflagrao do golpe militar em 31 de maro de 1964 acabou por fornecer um terreno
frtil para a modernizao conservadora que vinha sendo implementada no pas desde 1930.
O perodo foi marcado pela supresso das garantias de direitos alcanados at ento. Foram
realizadas prises, torturas e mortes de opositores. A Constituio do perodo ditatorial, proclamada
em 1967, no previa a pena de morte para nenhum tipo de crime, no entanto em 1969 sofreu
uma alterao no Pargrafo 11 do Artigo 150, Captulo IV, passando a constar que
no haver pena de morte, de priso perptua, de banimento, ou confisco, salvo nos casos de guerra externa
psicolgica adversa, ou revolucionria ou subversiva nos termos que a lei determinar. Esta dispor tambm,
sobre o perdimento de bens por danos causados ao Errio, ou no caso de enriquecimento ilcito no exerccio
de cargo, funo ou emprego na Administrao Pblica, Direta ou Indireta. (Constituio Brasileira de 1967)

Destaca-se aqui a palavra salvo colocada aps mencionar que no haver pena de morte...
Os partidos polticos foram suprimidos, restaram dois a ARENA, Aliana Renovadora Nacional,
como partido governista, e o MDB, Movimento Democrtico Brasileiro, como oposio consentida.
Ao longo do perodo ditatorial foram promulgados dezessete Atos Institucionais, dentre
eles merece destaque o Ato Institucional n. 5 AI5 promulgado em 13/12/1968. Com ele
foi suspensa a garantia do habeas corpus, para determinados crimes, alm disso, foi empregado
para assegurar ao presidente o poder de: decretar estado de stio, intervir nos Estados sem limites
constitucionais, suspender direitos polticos e restringir o exerccio de qualquer direito pblico
ou privado, cassar mandados eletivos, decretar o recesso do Congresso Nacional, assim como
das Assembleias Legislativas e das Cmaras de Vereadores, excluir da apreciao judicial atos
praticados de acordo com suas normas e atos complementares.
Conforme citado anteriormente, em maro de 1964 foi sancionada a criao do Conselho
de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). O Conselho foi instalado pelo presidente
Arthur da Costa e Silva no ano de 1968, 50 dias antes de promulgar o AI5. Nos governos dos
generais Emlio Garrastazu Mdici e Ernesto Geisel os membros do CDDPH chegaram a se reunir
em sigilo, a simples meno aos Direitos Humanos soava como contestao ao regime instalado.
No campo econmico deve-se destacar o chamado Milagre Brasileiro. Por meio da
combinao de um extraordinrio crescimento econmico com taxas relativamente baixas de
inflao, foi possvel um crescimento mdio do PIB de 11,2% ao ano. O crescimento econmico
acelerado trouxe consigo a concentrao de renda, segundo coloca Boris Fausto a poltica
econmica de Delfim Netto estava baseada na premissa de primeiro promover o crescimento do
bolo, para depois reparti-lo. Dessa forma os aspectos negativos do milagre foram principalmente

163

de natureza social, os salrios diminuam consideravelmente, em contrapartida havia mais


postos de trabalho a fim de contrabalancear a situao. Os programas sociais do governo foram
praticamente abandonados.
O pas destacava-se externamente por uma posio privilegiada alcanada pelo seu potencial
industrial e por indicadores muito baixos de sade, educao e habitao, fatores esses que
medem o ndice de qualidade de vida do povo. Como forma de desviar a ateno desses ndices
negativos, os governos militares empregaram a propaganda como fator decisivo para divulgar suas
aes e conquistas, para tanto aproveitaram o grande avano nas telecomunicaes, verificadas
no pas aps 1964. Dentre as msicas divulgadas merecem destaque: Este um pas que vai pra
frente e Pra frente Brasil, msica que embalou a vitria brasileira na Copa de 1970.
Merecem destaque as instituies da sociedade civil que se organizaram e atuaram nesse
perodo: Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia (SBPC), a Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), a Associao Brasileira de Imprensa (ABI), a Conferncia Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB), a Unio Nacional dos Estudantes (UNE), os Sindicatos, o Movimento Operrio. Tais
instituies cumpriram um papel importante na mediao das demandas oriundas dos opositores
do regime, contribuindo decisivamente para os anseios de redemocratizao do pas.
Trs acontecimentos merecem destaque a partir do final dos anos de 1970: a Lei da Anistia
de 1979, a campanha pelas Diretas-J e a convocao da Constituinte em 1987. A Lei da Anistia,
aprovada pelo Congresso, continha restries e abrangia tambm os que haviam praticado a
tortura, entretanto permitiu o retorno de um grande contingente de exilados polticos, alm de
possibilitar o incio da apurao do que aconteceu com os presos polticos, mortos e desaparecidos,
dando um passo importante para a ampliao das liberdades pblicas.
Os anos 80 foram marcados pela campanha pelas eleies diretas. Foi o momento em
que milhes de pessoas tomaram as ruas expressando a vitalidade da manifestao popular. A
manifestao aglutinava diferentes esperanas: a expectativa de uma representao autntica e a
resoluo de muitos problemas, como baixos salrios, segurana e inflao, que a eleio direta
de um presidente por si s no resolveria.
A Assembleia Constituinte convocada em 1987 iniciou seu trabalho com uma grande
responsabilidade nos ombros: esperava-se que pudesse fixar os direitos dos cidados e as
instituies bsicas do novo pas, assim como que fosse capaz de resolver problemas fora de
seu alcance. A nova Constituio, promulgada em 1988, acabou por refletir as presses dos
diferentes grupos da sociedade, avanou na rea da extenso dos direitos sociais e polticos
dos cidados em geral e s chamadas minorias. Seu texto aglutinou os princpios mais
progressistas das tradies polticas liberal-democrticas e social-democrticas, sem desprezar

164

as demandas de carter multifacetrio apresentadas pelos chamados novos movimentos sociais,


ou seja, a defesa do bem comum no respeito diversidade de origem, raa, sexo, cor, idade.
(MONDAINI, 2009, p. 68)
Em seu prembulo est o projeto de sociedade que espera construir:
um Estado Democrtico, destinado a assegurar o exerccio dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurana, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justia como valores supremos de uma sociedade
fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a soluo pacfica das controvrsias. (Constituio Brasileira de 1988)

A nova Repblica (desde 1985)


o Brasil que surge a partir do final da Ditadura Militar precisa se repensar em termos
polticos, econmicos, sociais e educacionais. necessrio empreender mudanas a fim de se
colocar diante do embate entre os que defendem a supresso dos direitos e os que os desejam seu
alargamento. imperativo preocupar-se com a melhoria da qualidade de vida da populao, com
a equidade na distribuio de renda e com a diminuio das diferenas sociais, abrindo espao
para a participao e organizao popular, garantindo dessa forma a sustentabilidade social
do pas.
Nesse sentido medidas esto sendo tomadas como: as Diretrizes Nacionais para a Educao
das relaes tnico-raciais e para o ensino de Histria e cultura afro-brasileira e africana, o
Estatuto da Criana e do Adolescente, o Estatuto do Idoso, o Plano Nacional de Educao em
Direitos Humanos, a Lei Maria da Penha alm da Comisso Nacional da Verdade que tem por
finalidade apurar graves violaes de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946
e 5 de outubro de 1988.
Destaca-se aqui o Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069, de 13 de
julho de 1990, que revogou o Cdigo de Menores de 1979 e a lei de criao da FUNABEM.
Trouxe de maneira detalhada os direitos da criana e do adolescente, em forma de diretrizes
gerais para uma poltica nessa rea.
O ECA define em suas disposies preliminares, a garantia de proteo integral criana
e ao adolescente. A Doutrina de Proteo Integral, personificada no Estatuto, estabelece que
crianas e jovens em condio peculiar, devido ao fato de se encontrarem em desenvolvimento,
so sujeitos de direito. Possui um carter universalizante na medida em que estabelece que todos
so sujeitos de direito, sem fazer distino quanto classe social, sem estigmatizar. As questes
relativas s crianas e adolescentes deixam de ser vistas como questes de polcia e de justia.

165

garantida ainda, mediante a Constituio, a descentralizao do atendimento, a municipalizao,


assegurando dessa forma uma participao mais atuante da comunidade, na tomada de decises
de acordo com sua realidade.
Muito ainda deve ser feito no sentido de promover a sustentabilidade econmica do pas,
superando graves dificuldades que acompanham o desenvolvimento histrico brasileiro. necessrio
encontrar formas de compatibilizar padres de produo e consumo, garantir o acesso cincia
e tecnologia. Segundo coloca Miriam Leito os brasileiros, nos poucos anos dessa nossa ainda
jovem democracia, j fizeram muito. Saram da mais completa desordem nas contas pblicas para
a Lei de Responsabilidade Fiscal. Sanearam bancos, criaram instituies modernas, abriram a
economia, conquistaram uma moeda estvel, fizeram um pacto poltico em torno da estabilidade
que tem atravessado governos, superaram crises que pareciam insuperveis. (LEITO, 2011,
p. 21). No entanto ainda h muito por fazer.
Outro ponto a destacar nessa caminhada democrtica est ligado garantia da Sustentabilidade
Cultural, respeitando os diferentes valores entre os muitos brasis dentro do Pas, incentivando
processos de mudana que acolham as especificidades locais e culturais. Nesse sentido,
importante destacar as campanhas que vm sendo lanadas pela Diversidade Sociocultural, pela
construo de um Brasil sem homofobia, alm de aes afirmativas, que vm sendo tomadas a fim
de combater o racismo.
Tais programas e aes no sairo do papel se no houver instituies efetivas e transparentes
a fim de assegurar sua aplicabilidade, alcanando assim a sustentabilidade poltica do Brasil.
Nesse sentido, necessrio trabalhar para que a Constituio Cidad22 de 1988 no esteja
somente no papel, mas que sua aplicao prtica torne o Brasil uma Nao Cidad onde todos
os seus habitantes possam ser reconhecidos como portadores de direitos, verdadeiros cidados, e
no apenas, como coloca Marco Mondaini, habitantes de um territrio, meros citadinos.
REFERNCIAS
ALENCASTRO, Luiz Felipe de, O trato dos viventes: Formao do Brasil no Atlntico Sul, sculos XVI e
XVII. So Paulo: Companhia das Letras, 2000.
BARBEIRO, Herdoto e CANTELE, Bruna. O livro dos polticos. So Paulo: Ediouro, 2008.
BRITO, lvaro de Azevedo Alves. Breves reflexes sobre a Histria Geral da Cidadania. Disponvel
em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10686>.
Acesso em 21/02/13.
BURNS, Edward McNall. Histria da civilizao ocidental. 43. ed. So Paulo: Globo, 2005.

166

Brasil. Presidncia da Repblica. Secretaria de Direitos Humanos. Tortura. Coordenao Geral de Combate
Tortura (Org.) 1. ed. Braslia: Secretaria de Direitos Humanos, 2010.
CARVALHO, Jos Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira,
2003.
CORTINA, Adela. Cidados do Mundo: para uma teoria da cidadania. So Paulo: Edies Loyola, 2005.
FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. So Paulo: Edusp, 2010.
GOS, Jos Roberto Pinto de. Escravido. Disponvel em: http://bndigital.bn.br/redememoria/escravidao.
html. Pgina acessada em 25/02/2013.
GODINHO, Vitorino Magalhes. Os descobrimentos e a economia mundial. Lisboa: Editorial Presena, SD.
GOMES, Renata Andrade. Com que direito?: anlise do debate entre Las Casas e Seplveda
Valladolid, 1550 e 1551. 2006. 116f. Dissertao ( Mestrado em Direito) Pontifcia Universidade Catlica
de Minas Gerais, Belo Horizonte.
LEITO, Miriam. Saga Brasileira, a longa luta de um povo por sua moeda. Rio de Janeiro: Record, 2011.
MIRANDA, Nilmrio. Por que direitos humanos. Belo Horizonte: Autntica, 2006.
MOCELIM, Adriana. Do Cdigo de Menores de 1927 ao Estatuto da Criana e do Adolescente de
1990. Monografia (Especializao). Faculdades Integradas Esprita. Curitiba, 2006.
MONDAINI, Marco. Direitos Humanos. In: PINSK, Jaime (Org.). O Brasil no contexto (1987-2007). So
Paulo: Contexto, 2007.
_____. Direitos Humanos. In: PINSK, Carla Bassanezi (Org.). Novos temas nas aulas de histria. So Paulo:
Contexto, 2009.
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Crianas operrias na recm-industrializada So Paulo. In: DEL
PRIORE, Mary. (Org.) Histria das crianas no Brasil. So Paulo: Contexto, 2004.
NAPOLITANO, Marcos. Cultura e poder no Brasil contemporneo (1977-1984). Curitiba: Juri, 2002.
NEDER, Gizlene. Cidadania no Brasil no incio da Repblica. Disponvel em: http://bndigital.bn.br/
redememoria/cidadania.html. Pgina consultada em 25/02/2013.
QUINTO, S. M. L. Teoria do Estado. 1. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
PERRY, Marvin. Civilizao Ocidental: uma histria concisa. 2. ed. SP: Martins Fontes, 2002.
PINSKY, Jaime, PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Histria da Cidadania. 2. ed. So Paulo: Contexto, 2003.
RIBEIRO, Emmanuel Pedro. Os Direitos Humanos no Brasil Imprio na perspectiva da Histria Social.
Disponvel em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/anthistbr/imperio/ribeiro_dh_br_imperio.pdf>. Acesso em
25/2/2013.
RIZZINI, Irene. Crianas e menores, do ptrio poder ao ptrio dever. Um histrico da legislao para a infncia
no Brasil (1830-1990). In: PILOTTI, Francisco e RIZZINI, Irene (Orgs.). A arte de governar crianas:
a histria das polticas sociais, da legislao e da assistncia infncia no Brasil. Rio de Janeiro: Instituto
Interamericano del Nio, USU/AMAIS, 1995.

167

ROSA, Mrio Fabrcio Fleury. Aspectos do Direito Social no Brasil entre 1930 e 1945. Disponvel
em:
<http://www.simposiodemode.unb.br/mesas/12_mesa/Rosa%20-%20Aspectos%20do%20direito%20
social%20no%20Brasil%20entre%201930%20e%201945.pdf>. Acesso em 24/02/2013.
SKIDMORE, Thomas E. Uma histria do Brasil. So Paulo: Paz e Terra, 2003.
SILVA, Orlando Sampaio. Evolucionismo Social. Disponvel em: <http://www.carlosbranco.jor.br/
mostratempesp.asp?codigot=1590&menuvolta=conteudo.asp>.
SILVEIRA, Rosa Maria Godoy e LUNA, Guanambi. Direitos humanos no Brasil: linha do tempo. Disponvel
em:
<http://www.redhbrasil.net/documentos/bilbioteca_on_line/modulo2/modulo1_7.linhadotempo.pdf>.
Acesso em 25/02/2013.
Todas as Constituies do Brasil desde 1824. <http://www4.planalto.gov.br/legislacao/legislacaohistorica/constituicoes-anteriores-1#content>.
Declarao Universal dos Direitos do Homem e do Cidado ONU <http://www.brasil.gov.br/sobre/
cidadania/direitos-do-cidadao/declaracao-universal-dos-direitos-humanos/print>.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Sociedades primitivas Sociedades baseadas na coleta, na pesca e na caa.

Declogo Conjunto de leis que, de acordo com a Bblia, foram transmitidas por Deus ao profeta Moiss.

Herana Greco-romana As civilizaes grega e romana influenciaram a formao do mundo ocidental no


que diz respeito s Instituies polticas, pensamento filosfico, artes, tica, leis etc.

Cidade-Estado uma cidade independente e que possui o seu prprio governo e suas prprias leis.

Suserania a relao na qual o senhor feudal concede algum benefcio ao vassalo.

Vassalagem a relao entre o vassalo e o suserano e na qual o vassalo est sujeitado ao senhor feudal,
devendo-lhe fidelidade.

Teocrtico Neste caso, mergulhado nas leis divinas e crists.

Racionalidade Emprego do raciocnio para resolver problemas.

Censura Neste texto significa a proibio da livre circulao de ideias.

10 Reforma Protestante Movimento religioso iniciado por Martinho Lutero, monge alemo, na Europa no
sculo XVI, e que criticava a Igreja Catlica e seus abusos em relao cristandade.
11 Estado de Bem-Estar Social Situao na qual o Estado promove emprego, sade, educao e regulamenta
a economia para o bem-estar do seu cidado.
12 Guerra justa A guerra s era permitida aos cristos quando fosse o ltimo recurso para alcanar a paz.
Deve ser declarada a partir de uma causa justa; por uma autoridade legtima; deve haver um bom propsito
em quem a declara; e ser desenvolvida com retido.

168

13 Perodo Regencial Perodo posterior abdicao de D. Pedro I. Nesse perodo o pas foi regido por
figuras polticas em nome do imperador at a maioridade antecipada deste, em 1840. A princpio os
regentes eram trs, passando a ser apenas um, a partir de 1834.
14 Ventre Livre Proclamada em 1871, declarava livres os filhos de mulher escrava nascidos aps a lei,
os quais ficariam em poder dos senhores de suas mes at a idade de oito anos. Depois dessa idade os
senhores podiam optar entre receber do Estado uma indenizao ou utilizar os servios do menor at
completar 21 anos.
15 Sexagenrio Proclamada em 1885, concedia liberdade aos cativos maiores de sessenta nos e estabelecia
normas para a libertao gradual de todos os escravos, mediante indenizao.
16 Paradigma cientfico Modelo de cincia que serve como referncia para todo um fazer cientfico durante
uma determinada poca ou um perodo de tempo demarcado.
17 Positivismo Corrente de pensamento formulada na Frana por Auguste Comte (1798-1857). O termo
identifica a filosofia que busca seus fundamentos na cincia e na organizao tcnica e industrial da
sociedade moderna. Segundo essa concepo o mtodo cientfico o nico vlido para se chegar ao
conhecimento.
18 Evolucionismo Social Segundo Orlando Sampaio Silva, o evolucionismo social concebe o transcurso da
vida do homem, de sua sociedade e de sua cultura subordinado a uma lei que se inspira no evolucionismo
biolgico. Seria uma sequncia linear, na qual a sociedade e a cultura avanariam de estgios atrasados ou
inferiores para estgios adiantados ou superiores, mediante um processo de desenvolvimento ou de progresso.
19 Populistas Forma de governo em que os presidentes se mostram sensveis s presses populares.
Fortalecida pela personalidade de presidentes paternalistas e autoritrios, contornavam os conflitos sociais
garantindo direitos aos trabalhadores. Perodo de crescimento urbano, industrializao e corporativismo
20 Treze agncias So elas: Ministrio do Trabalho, Indstria e Comrcio MTIC em 1930; o Instituto
de Aposentadoria e Penses dos Martimos IAPM em 1933; o Instituto de Aposentadoria e Penses
dos Comercirios IAPC ; e o Instituto de Aposentadoria e Penses dos Bancrios IAPB ambos em
1934. Em 1938, foram criados dois institutos, o Instituto de Aposentadoria e Penses dos Empregados
em Transportes e Cargas IAPETC e o Instituto de Aposentadoria e Penses dos Industririos IAPI.
Em 1940, foi criado o Servio de Alimentao da Previdncia Social SAPS. A Legio Brasileira de
Assistncia LBA e o Servio Nacional de Aprendizagem Industrial SENAI foram criados em 1942.
O Servio Nacional de Aprendizagem Comercial SENAC , o Servio Social da Indstria SESI , o
Servio Social do Comrcio SESC e a Fundao Cultural Palmares FCP foram criados em 1946.
21 Oligrquicos Os grupos oligrquicos so formados por minorias que detm o domnio da cultura, da
poltica e da economia de um pas.
22 Constituio Cidad A Constituio Brasileira proclamada em 1988 foi apropriadamente batizada de
Constituio Cidad porque era o Brasil, nessa poca, um pas recm-sado da ditadura militar, em que os
princpios constitucionais haviam sido deixados de lado.

169

TICA, POLTICA E SUSTENTABILIDADE

Paulo Eduardo de Oliveira

Os temas da tica e da poltica esto diretamente relacionados questo da sustentabilidade.


De fato, no h como empreender esforos para a construo de uma sociedade que garanta
a prpria sustentabilidade sem levar em considerao as importantes questes que brotam da
reflexo tica e poltica.
A tica a reflexo sobre a moral, isto , sobre as normas que orientam o agir humano. No
tem sentido pensar a moral a no ser quando se considera a pessoa em sociedade. Um Robinson
Cruso1, a rigor, no precisa de cdigos morais para pautar sua conduta (muito embora haja
preceitos morais que dizem respeito ao prprio indivduo, como a conservao da prpria vida,
por exemplo).
De fato, a condio humana2 impe a vida em sociedade. A dependncia do outro est na
prpria origem da sociedade e do nosso agir humano.
A vida activa, ou seja, a vida humana na medida em que se empenha ativamente em fazer algo, tem razes
permanentes num mundo de homens ou de coisas feitas pelos homens, um mundo que ela jamais abandona
ou chega a transcender completamente. As coisas e os homens constituem o ambiente de cada uma das
atividades humanas, que no teriam sentido sem tal localizao; e, no entanto, este ambiente, o mundo ao
qual viemos, no existiria sem a atividade humana que o produziu, como no caso de coisas fabricadas; que
dele cuida, como no caso das terras de cultivo; ou que o estabeleceu atravs da organizao, como no caso do
corpo poltico. Nenhuma vida humana, nem mesmo a vida do eremita em meio natureza selvagem, possvel
sem um mundo que, direta ou indiretamente, testemunhe a presena de outros seres humanos. (ARENDT,
2001, p. 31)

171

Assim como a prpria existncia humana depende da existncia de outras pessoas, a moral
tambm depende dos outros? No haveria moral seno num mundo construdo por outros? No
poderamos dizer, por exemplo, que h regras naturais para orientar a conduta humana?
As regras bsicas que dizem respeito ao prprio indivduo e sua preservao e integridade
pessoal nos so dadas na forma de instintos: a natureza nos dotou de mecanismos automticos
de resposta a determinadas situaes vitais. No h regra moral para comer pelo menos uma vez
ao dia, nem para se defender de uma ameaa qualquer: somos geneticamente programados para
agir de modo a preservar a prpria existncia. Contudo, sobre essas regras naturais no h nem
mesmo condies de pensar em termos de moralidade, pois elas no permitem a livre escolha do
indivduo nem a conscincia, isto , a responsabilidade pessoal sobre elas. um trao importante
das regras morais, portanto, a plena liberdade do indivduo (a possibilidade de aderir ou no a
elas) e a sua conscincia (a capacidade de responder por, o que significa responsabilidade).
Contudo, sobre a natureza instintiva, podemos imprimir padres de comportamento com
dimenso moral. Desse modo so construdas as normas que orientam os hbitos de alimentao,
de relaes sexuais, de autodefesa e assim por diante. Isso significa que, sobre a natureza dos
instintos, onde no h liberdade, os seres humanos inscrevem elementos que os tornam livres.
J entre os povos primitivos3 vai sendo verificado este processo de educao moral dos hbitos
instintivos, a fim de configurar meios de sobrevivncia mais adequados aos seres humanos. Nesse
sentido, pode-se dizer que a tica um instrumento para a construo de um mundo e de uma
sociedade mais sustentveis.
ELEMENTOS IMPLICADOS NA CONDUTA MORAL
Uma vez em sociedade, a moral passa a ter sentido pleno, porque encontra os elementos
fundamentais que a constituem: a lei, a liberdade, o sujeito individual e o outro. Sem esses quatro
elementos, no se pode pensar a moral. E cabe moral ajustar de tal modo esses elementos a
fim de se chegar ao equilbrio necessrio para que a moral leve felicidade (esse seu principal
objetivo). Sem equilbrio entre esses elementos fundamentais, a supervalorizao de um em
detrimento do outro pode levar a desvios. Por exemplo: valorizar demasiadamente o sujeito pode
levar ao egosmo, isto , centralizao do prprio eu, em detrimento dos outros. Levada ao
extremo, a atitude egosta destri toda possibilidade de construo de uma sociedade, pois o
elemento principal que sustenta o edifcio social a mtua colaborao entre seus membros. Isso
no possvel quando cada um pensa apenas em seus prprios interesses. No h sociedade onde

172

reina o egosmo4. No h sustentabilidade onde cada qual pensa apenas em seus interesses. A
sustentabilidade nasce a partir de um interesse comum de todos pelo cuidado de todos, formando
uma espcie de corrente em benefcio do bem5.
De outro lado, se o elemento central for o outro, o que resulta disso? Resulta a submisso.
Assim acontece com alguns cnjuges, por exemplo, que se esquecem de si e vivem apenas para
o outro. Os com os pais que esquecem de si para viver apenas para os filhos. Ou, ainda, com
os fiis religiosos que vivem em funo de suas crenas. Tanto quanto o egosmo, que centraliza
o prprio indivduo, a centralizao do outro desequilibra a vida moral. No se pode imaginar
uma sociedade de submisso, a no ser num regime totalitrio, em que todos vivem submissos
vontade de um outro absoluto.
Quando o elemento central a lei, tambm se percebe um desequilbrio na vida moral.
Pode-se chamar tal desequilbrio de legalismo. A lei colocada acima de tudo, acima mesmo
das pessoas. Esquece-se de que a lei foi feita para as pessoas e no as pessoas para a lei. As
leis religiosas se tornam, com frequncia, alvo da atitude legalista: as pessoas cumprem os ritos
e os preceitos religiosos como se eles bastassem por si mesmos, esquecendo-se das pessoas, do
prximo, das aes de solidariedade e de respeito pelos outros. Inclusive alguns lderes religiosos
podem ser acometidos do desvio moral do legalismo: cumprem todos os ritos, ponto por ponto,
mas so incapazes de se relacionar bem com as pessoas que frequentam seus templos e igrejas.
Finalmente, o elemento que pode estar tambm no centro da vida moral a liberdade.
Evidentemente ela um valor (assim como so valores tambm a lei, o outro e a prpria
individualidade). Contudo, quando a liberdade passa a ser tomada de modo absoluto, como se
apenas ela fosse importante, surge aquilo que denominamos libertinagem ou falsa liberdade.
Algumas pessoas que no querem assumir compromissos, dizem no seguir regra alguma, no se
comprometem com ningum e com nada, fazem apenas o que realmente desejam, podem se achar
plenamente livres. Contudo, so escravas da prpria ideia de liberdade. Porque a liberdade no
implica a pura e simples ausncia de impedimentos e de obrigaes, mas a possibilidade de dizer
sim ou no com conscincia. Alguns filhos querem independncia dos pais para poderem fazer
o que bem entendem. Isso liberdade? No, isso libertinagem. a liberdade deformada pela
absolutizao de si mesma.
Portanto, a vida social (e poltica, portanto) terreno propcio para o desenvolvimento de
uma reflexo tica que leve em considerao a natureza prpria da vida coletiva dos homens e
seus esforos responsveis6 pela construo de alternativas mais sustentveis de vida.

173

POLTICA: AS LEIS DA CIDADE


Atribumos aos gregos a inveno da poltica7, no sentido de organizao da polis, isto , da
cidade-estado.
A poltica grega era exercida a partir da democracia, o que significa o governo do povo
(embora devamos considerar que no se tratava de uma universalizao do governo ou de uma
democracia plena, visto que no faziam parte das decises polticas nem mulheres, nem escravos,
nem estrangeiros). Hoje, somos muito mais democrticos do que os gregos antigos.
O lugar onde as leis eram decididas era a praa pblica, porque as leis so geralmente de
interesse pblico e no apenas privado. Tinha grande importncia a forma da argumentao e a
capacidade de convencimento, a fim de que cada participante pudesse levar suas propostas de
lei aprovao. Quem expressasse de forma mais coerente e lgica sua proposta, tinha grande
chance de fazer com que sua opinio fosse aceita pela maioria e transformada em lei. Da a
importncia dos sofistas8 naquele processo, isto , dos pensadores que eram hbeis na arte da
argumentao e ensinavam aos outros sob pagamento.
Aos poucos, os sistemas democrticos foram sendo aperfeioados, sobretudo para resolver
o problema da participao de um nmero cada vez mais elevado de cidados (os habitantes de
uma cidade ou de um Estado). Assim, surgiram os sistemas representativos, como o nosso. Ns,
cidados, elegemos livremente nossos representantes. Eles, em nosso nome, decidem as leis que
regem nossa vida em sociedade.
A ESFERA PBLICA
Vivemos em sociedade, como famlia humana. Desde o nascimento, dependemos muito dos
outros para sobreviver e aprender, at chegarmos a certo grau de autonomia que jamais se torna
absoluto. Vivemos, portanto, num mundo que no meu, mas que nosso: vivemos num
espao pblico. Neste sentido,
o termo pblico significa o prprio mundo, na medida em que comum a todos ns e diferente do lugar
que nos cabe dentro dele. Este mundo, contudo, no idntico terra ou natureza como espao limitado
para o movimento dos homens e condio geral da vida orgnica. Antes, tem a ver com o artefato humano,
com o produto de mos humanas, com os negcios realizados entre os que, juntos, habitam o mundo feito
pelos homens. Conviver no mundo significa essencialmente ter um mundo de coisas interposto entre os que
nele habitam em comum, como uma mesa se interpe entre os que se assentam ao seu redor; pois, como
todo intermedirio, o mundo ao mesmo tempo separa e estabelece uma relao entre os homens. (ARENDT,
2001, p. 62)

174

Diferente do pblico, lugar onde a vida se constri pela participao ativa de todos, a
sociedade de massa elimina a coparticipao.
A esfera pblica, enquanto mundo comum, rene-nos na companhia uns dos outros e contudo evita que
colidamos uns com os outros, por assim dizer. O que torna difcil suportar a sociedade de massas no o
nmero de pessoas que ela abrange, ou pelo menos no este o fator fundamental; antes, o fato de que
o mundo entre elas perdeu a fora de mant-las juntas, de relacion-las umas s outras e de separ-las.
(ARENDT, 2001, p. 62)

Elemento significativo para a educao moral a necessidade de se tomar conscincia


de que a sociedade de massa9 elimina um dos aspectos que nos torna humanos: a convivncia
com os outros, a corresponsabilidade pela vida, a mtua colaborao para a realizao pessoal
e comunitria, o empenho pela sustentabilidade. Por outro lado, importante tambm perceber
que existe um propsito imoral em todo empenho para conservar a sociedade de massa: quanto
mais as pessoas estiverem divididas em seus mundos particulares, mas facilmente sero dominadas
pelas estruturas de poder (sejam prticas, sejam ideolgicas).
INTERESSE PBLICO E INTERESSE PRIVADO
Aspecto fundamental da poltica, isto , da organizao da vida comum, a tenso entre
os interesses privados, ou os interesses de cada cidado, e os interesses pblicos, ou seja, os
interesses da coletividade10. A questo da sustentabilidade insere-se justamente neste contexto
dos interesses pblicos. Imagine que uma pessoa queira, por exemplo, fechar a rua que passa em
frente sua casa, por causa do barulho dos carros. Esse seu interesse privado esbarra no interesse
coletivo de muitos de seus vizinhos e de tantas outras pessoas que se utilizam aquela rua para ir
ao trabalho ou coisa assim. H milhares de pessoas que usam a rua da minha casa. Meu interesse
pessoal em fech-la no pode deixar de considerar o interesse coletivo dessas pessoas.
Evidentemente, h muitos conflitos entre os interesses pessoais e coletivos. Por isso, h
mecanismos de negociao, fruns de discusso, instrumentos como abaixo-assinados, referendos
populares etc. Nos regimes democrticos, os interesses privados e os interesses pblicos so
discutidos de modo livre, sem censura nem represso. Contudo, nos regimes ditatoriais, os
interesses privados de um pequeno grupo (geralmente ligado ao poder) se sobrepem aos interesses
coletivos. No difcil verificar como isso ocorre. Pense, por exemplo, nos fatos que ocorreram
durante o regime militar11, no Brasil, ou em outros pases latino-americanos.
A liberdade sempre uma conquista que leva em conta o que eu quero e o que a minha
comunidade quer. Os interesses pessoais e os interesses pblicos precisam entrar em sintonia para
no haver desvios e perda da liberdade.

175

A partir do sculo XVI, alguns pensadores polticos, chamados de contratualistas12,


desenvolveram a ideia de que a origem do Estado ou da sociedade est num contrato: os homens
viveriam, naturalmente, sem estruturas de poder e de organizao social, o que viria a ser
constitudo somente depois de um pacto entre eles a fim de garantir que os interesses privados e os
interesses pblicos se harmonizassem. A reflexo dos contratualistas contribuiu significativamente
para a distino entre estado de natureza e estado civil, como veremos a seguir.
ESTADO DE NATUREZA: AS LEIS DITADAS PELA PRPRIA CONSCINCIA INDIVIDUAL
Para Aristteles13, o homem um animal poltico (zoon politikon). A sua natureza poltica
antecede a prpria existncia do indivduo. Porm, os filsofos contratualistas insistem em
mostrar que a vida poltica s se inicia a partir do contrato social. Portanto, a vida do indivduo
anterior sua vida poltica. Nesse sentido, no se poderia afirmar que o homem , por
natureza, um animal poltico14.
Antes do contrato social ou do estabelecimento das leis para organizar a vida em sociedade,
o homem vive em estado de natureza. Orienta-se apenas por seus instintos e por sua intuio, de
modo a preservar sua vida e atingir seus objetivos. E quando os interesses se tornam conflitantes,
nasce a inimizade, como afirma Hobbes15:
Portanto, se dois homens desejam a mesma coisa, ao mesmo tempo que impossvel que ela seja gozada por
ambos, eles tornam-se inimigos. E no caminho para seu fim (que principalmente sua prpria conservao,
e s vezes apenas seu deleite) esforam-se por se destruir ou subjugar um ao outro. E disso se segue que,
quando um invasor nada mais tem a recear do que o poder de um nico outro homem, se algum planta,
semeia, constri ou possui um lugar conveniente, provavelmente de esperar que outros venham preparados
com foras conjugadas, para desaposs-lo e priv-lo, no apenas do fruto de seu trabalho, mas tambm de
sua vida e de sua liberdade. Por sua vez, o invasor ficar no mesmo perigo de seus invasores. (HOBBES In:
WEFFORT, 2000, p. 55)

Essa situao acontecia apenas com o homem primitivo? Apenas ele vivia em estado de
natureza? claro que no. O mesmo acontece quando no se reconhecem as leis e os direitos de
outras pessoas e sociedade. Pensemos, por exemplo, na conquista da Amrica pelos espanhis
e portugueses. O que eles fizeram com os habitantes nativos das Amricas? O mesmo aconteceu
com os pases africanos que se tornaram colnias europeias: seus povos foram explorados e seus
cidados foram feitos escravos. Pensemos, ainda, no que os Estados Unidos tm feito em relao
aos pases do Oriente Mdio: a invaso do pas, a morte de seus cidados, a apropriao de seus
bens, evidentemente em razo de seus prprios interesses. Portanto, Hobbes quer mostrar que

176

o estado de natureza no uma forma primitiva de vida social, mas algo que se desvela sempre
que os interesses egostas do homem se manifestam. E por isso que, entre os homens, segundo
Hobbes, permanece uma eterna desconfiana em relao aos outros homens (mesmo que algum
teime em admitir que as coisas se do desse modo):
Poder parecer estranho a algum que no tenha considerado bem estas coisas que a natureza tenha assim
dissociado os homens, tornando-os capazes de atacar-se e destruir uns aos outros. E poder portanto talvez
desejar, no confiando nessa inferncia, feita a partir das paixes, que a mesma seja confirmada pela
experincia. Que seja portanto ele a considerar-se a si mesmo, que quando empreende uma viagem se arma
e procura ir bem acompanhado; que quando vai dormir fecha suas portas; que mesmo quando est em casa
tranca seus cofres; e isto mesmo sabendo que existem leis e funcionrios pblicos armados, prontos a vingar
qualquer injria que lhe possa ser feita. Que opinio tem ele de seus compatriotas, ao viajar armado; de seus
concidados, ao fechar suas portas; e de seus filhos e servidores, quando tranca seus cofres? No significa isso
acusar tanto a humanidade com seus atos como eu o fao com minhas palavras? Mas nenhum de ns acusa
com isso a natureza humana. Os desejos e as paixes do homem no so em si um pecado. Nem tampouco o
so as aes que derivam dessas paixes, at ao momento em que se tome conhecimento de uma lei que as
proba; o que ser impossvel at ao momento em que sejam feitas as leis; e nenhuma lei pode ser feita antes
de se ter determinado qual a pessoa que dever faz-la. (HOBBES In: WEFFORT, 2000, p. 59)

Portanto, nossa vida social precisa ser regrada, pois, em estado de natureza, o homem no
tem condies de garantir com que seus direitos sejam preservados. Nem mesmo conscincia ter
de seus direitos e, em consequncia, de seus deveres.
O estado de natureza , por assim dizer, um estado em que o homem tem direito a tudo,
como afirma Hobbes: O direito de natureza, a que os autores geralmente chamam jus naturale,
a liberdade que cada homem possui de usar seu prprio poder, da maneira que quiser, para
a preservao de sua prpria natureza, ou seja, de sua vida; e consequentemente de fazer tudo
aquilo que seu prprio julgamento e razo lhe indiquem como meios adequados a esse fim.
(HOBBES In: WEFFORT, 2000, p. 57) Assim, ... a condio do homem (...) uma condio de
guerra de todos contra todos, sendo neste caso cada um governado por sua prpria razo, e no
havendo nada, de que possa lanar mo, que no possa servir-lhe de ajuda para a preservao de
sua vida contra seus inimigos, segue-se daqui que numa tal condio todo homem tem direito a
todas as coisas. (HOBBES In: WEFFORT, 2000, p. 60)
Contrariamente a Hobbes, porm, Locke16 afirma que o estado de natureza17 um estgio
pr-social e pr-poltico caracterizado pela mais perfeita liberdade e ordem.
O estado de natureza era, segundo Locke, uma situao real e historicamente determinada pela qual passara,
ainda que em pocas diversas, a maior parte da humanidade e na qual se encontravam ainda alguns povos,
como as tribos norte-americanas. Esse estado de natureza diferia do estado de guerra hobbesiano, baseado
na insegurana e na violncia, por ser um estado de relativa paz, concrdia e harmonia. Nesse estado pacfico

177

os homens j eram dotados de razo e desfrutavam da propriedade que, numa primeira acepo genrica
utilizada por Locke, designava simultaneamente a vida, a liberdade e os bens como direitos naturais do ser
humano. (MELLO. In: WEFFORT, 2000, p. 84-85)

Vejamos uma passagem de Locke em que se apresenta essa viso da sociedade:


Para compreender corretamente o poder poltico e depreend-lo de sua origem, devemos considerar em que
estado todos os homens se acham naturalmente, sendo este um estado de perfeita liberdade para ordenarlhes as aes e regular-lhes as posses e as pessoas tal como acharem conveniente, nos limites da lei de
natureza, sem pedir permisso ou depender da vontade de qualquer outro homem. Um estado tambm de
igualdade, onde recproco qualquer poder e jurisdio, nenhum tendo mais do que o outro; nada havendo
de mais evidente do que criaturas da mesma espcie e ordem, nascidas promiscuamente para as mesmas
vantagens da natureza e para o uso das mesmas faculdades, que tero sempre de ser iguais umas s outras
sem subordinao ou sujeio. (LOCKE In WEFFORT, 2000, p. 91)

Contudo, o estado de natureza, embora pacfico, na viso de Locke, no impede a


inconvenincia de que algum desrespeite o direto dos outros. Desse modo, o estado civil, firmado
a partir de um contrato ou de pacto civil, regula a vida entre as pessoas, garantindo a cada um a
manuteno de seus direitos naturais e de seus direitos civis. Por isso, afirma Locke: Concedo de
bom grado que o governo civil o remdio acertado para os inconvenientes do estado de natureza,
os quais certamente devem ser grandes onde os homens podem ser juzes em causa prpria, j
que fcil imaginar que quem foi to injusto a ponto de causar dano a um irmo, raramente ser
to justo a ponto de condenar a si mesmo por isso. (LOCKE In WEFFORT, 2000, p. 92)
ESTADO CIVIL: AS LEIS DITADAS PELA SOCIEDADE E GARANTIDAS PELO ESTADO
Ao contrrio do estado de natureza, onde vigoram as leis naturais, os interesses pessoais e
as decises de preserv-los pela prpria fora, no estado civil18 os direitos individuais e coletivos
so sustentados pela fora do Estado. No basta a existncia de leis que superam as simples leis
naturais: segundo Hobbes, preciso, ainda, um instrumento de poder que garanta a obedincia
s leis:
Porque as leis de natureza (como a justia, a equidade, a modstia, a piedade, ou, em resumo, fazer aos
outros o que queremos que nos faam), por si mesmas, na ausncia do temor de algum poder capaz de lev-las
a ser respeitadas, so contrrias s nossas paixes naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o
orgulho, a vingana e coisas semelhantes. E os pactos sem a espada no passam de palavras, sem fora para
dar qualquer segurana a ningum. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem
vontade de respeit-las e quando pode faz-lo com segurana), se no for institudo um poder suficientemente
grande para nossa segurana, cada um confiar, e poder legitimamente confiar, apenas em sua prpria
fora e capacidade, como proteo contra todos os outros. Em todos os lugares onde os homens viviam em

178

pequenas famlias, roubar-se e espoliar-se uns aos outros sempre foi uma ocupao legtima, e to longe de
se considerar contrria lei de natureza que quanto maior era a espoliao conseguida maior era a honra
adquirida. (HOBBES In: WEFFORT, 2000, p. 61)

O Estado, assim, o instrumento pelo qual os direitos individuais e as liberdades pessoais


so garantidos diante dos direitos e das liberdades dos outros homens. Ele torna-se, assim,
expresso da vontade de todos, visivelmente manifesta numa s pessoa ou num grupo de pessoas
escolhidas para representar a cada um dos membros de uma determinada sociedade.
A sociedade civil, assim, nasce como resultado da renncia liberdade individual a fim de
criar uma comunidade de pessoas:
Sendo os homens, conforme acima dissemos, por natureza, todos livres, iguais e independentes, ningum
pode ser expulso de sua propriedade e submetido ao poder poltico de outrem sem dar consentimento. A
maneira nica em virtude da qual uma pessoa qualquer renuncia liberdade natural e se reveste dos laos da
sociedade civil consiste em concordar com outras pessoas em juntar-se e unir-se em comunidade para viverem
em segurana, conforto e paz umas com as outras, gozando garantidamente das propriedades que tiverem e
desfrutando de maior proteo contra quem quer que no faa parte dela. Qualquer nmero de homens pode
faz-lo, porque no prejudica a liberdade dos demais. (LOCKE In WEFFORT, 2000, p. 97)

Cabe perguntar, sem dvida, a servio de quem e de que o Estado atua. Ele se presta ao
servio de todos ou de alguns grupos privilegiados? Veja-se o que a situao poltica do pas,
atualmente, tem mostrado (usurpao do poder, utilizao da mquina do Estado para garantir
privilgios individuais etc.). Ele est a servio da pessoa ou da propriedade? Pessoas morrem de
fome enquanto se defendem o lucro e o crescimento econmico do pas (crescimento que no
para todos). Estas questes levam a refletir sobre os aspectos ticos da poltica. So problemas que
precisam ser refletidos na escola, na famlia e na sociedade, de modo geral.
TICA E PODER
As relaes de poder se constituem a partir da organizao social. So necessrias para o
funcionamento harmonioso da comunidade humana. Nesse sentido, o poder serve ao bem comum.
Contudo, o poder pode se deturpar e passar a servir a interesses pessoais ou de grupos.
O que se assiste no cenrio poltico brasileiro, nos ltimos tempos, a uma profunda
inverso de valores. Os interesses pessoais (em defesa dos quais se usa meios lcitos e ilcitos)
dominam as preocupaes de alguns quem exercem, em nome do povo, cargos de poder.
A corrupo poltica19 revela que, numa sociedade em crise de valores (o bem e o mal so
confundidos, a justia e a injustia parecem ter o mesmo peso, as pessoas j no sabem mais o
que o certo e o errado), vale a moral do vale tudo.

179

Educadores tm um papel fundamental diante dessa realidade. Em primeiro lugar, podem


contribuir na formao moral de seus educandos, mostrando a diferena significativa que existe
entre valor e contra-valor. Embora no haja valor absoluto (o que o bem para um, pode ser
diferente do que o bem para outro), h questes bastante objetivas: a injusta distribuio de
renda, por exemplo, algo absolutamente objetivo; a impunidade diante dos crimes dos poderosos
e o rigorismo hipcrita diante das faltas cometidas pelos mais fracos outro exemplo de uma
questo de valor objetivo; a contradio entre o que se prega e o que se realiza, em termos
polticos, ainda outro exemplo.
Em segundo lugar, cabe aos educadores mostrar aos educandos a importncia de atitudes
fundamentais como: a) no resignao passiva: o sucesso de qualquer regime de poder est no
silncio dos oprimidos; b) a necessria conscincia crtica, a viso de longo alcance, a anlise das
razes profundas que movem as pessoas e as instituies; c) a necessidade de empenho coletivo
para mudar os rumos do pas: se a injustia triunfa em razo da omisso individual que, somada,
se transforma em omisso coletiva, a derrota da injustia s pode se dar mediante o empenho de
cada um que, somado, se transforma em empenho coletivo.
INDICAES DE LEITURA
ARON, Raymond. Estudos Polticos. Braslia: UnB, 1985.
ARENDT, Hannah. A condio humana. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2001.
BOBBIO, Norberto e BOVERO, Michelangelo. Sociedade e Estado na Filosofia Poltica Moderna. So
Paulo: Brasiliense, 1996.
KING, Preston. O estudo da poltica. Braslia: UnB, 1980.
POPPER, Karl. O racionalismo crtico na poltica. Braslia: UnB, 1994.
VZQUEZ, Adolfo S. Entre a realidade e a utopia: ensaios sobre poltica, moral e socialismo. Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira, 2001.
WEFFORT, Francisco. Os clssicos da poltica. So Paulo: tica, 2000.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Robinson Cruso um romance de Daniel Defoe, publicado originalmente em 1719, na Inglaterra. Escrita
em forma de cartas, a obra a autobiografia fictcia do personagem-ttulo, um nufrago que passou 28
anos em uma remota ilha tropical prxima a Trinidad, encontrando canibais, cativos e revoltosos antes
de ser resgatado.

180

Sugesto de link: Para a compreenso ampliada da noo de condio humana, proposta por Hannah
Arendt, ver o artigo disponvel em: <http://www.mundodosfilosofos.com.br/a-condicao-humana-hannaharendtt.htm>.

Indicao de vdeo: Um bom filme para compreender este processo de criao das normas morais
entre os povos primitivos A guerra do fogo, que pode ser acessado em: <http://www.ustream.tv/
recorded/5564454>.

Indicao de link: Para aprofundar a questo do egosmo e sua relao com a tica, pode-ser ver o artigo
disponvel em: <http://www.anda.jor.br/03/01/2011/explicando-por-que-o-egoismo-nao-e-etico>.

Indicao de filme: Sobre este tema, pode-se aproveitar a reflexo proposta no filme A corrente do
bem. Uma cena de especial significado encontra-se disponvel em: <http://www.youtube.com/watch?v=
NUtlhJlgKTw&feature=related>.

Indicao de link: Sobre o tema da tica e da responsabilidade, no mbito da democracia, ver o artigo
disponvel em: <http://www.achegas.net/numero/34/cabral_34.pdf>.

Indicao de link: Sobre este tema, ver o artigo disponvel em: <http://www.fflch.usp.br/dh/heros/
excerpta/castoriadis/democracy.htm>.

8 Grupo de pensadores que antecederam os Filsofos Socrticos (Scrates, Plato e Aristteles e seus
seguidores). Eles eram considerados sbios, sobretudo por convencerem as pessoas a partir de seus
mtodos de argumentao. Para a poltica de Atenas, exerceram papel importante, divulgando a ideia da
poltica como construo coletiva de todos os cidados pelo uso da palavra.

Indicao de link: Para leitura complementar acerca dos sofistas, ver o artigo disponvel em: <http://
www.brasilescola.com/filosofia/os-sofistas.htm>.
9

Indicao de link: Para compreender melhor o conceito de sociedade de massa, ver o artigo disponvel
em: <http://ialexandria.sites.uol.com.br/textos/israel_textos/sociedade_de_massa.htm>.

10 Indicao de link: Para compreender melhor a relao entre pblico e privado, sobretudo no que diz
respeito questo do mercado e da sociedade atual, ver o artigo disponvel em: <http://www.scielo.br/
scielo.php?pid=S0102-64451991000200008&script=sci_arttext>.
11 Indicao de vdeo: Sobre a questo do regime militar, no Brasil, vejam-se os vdeos disponveis em: <http://
www.youtube.com/watch?v=Y6_Q2u9qgXE> e <http://www.youtube.com/watch?v=0GrvZoiIqpE>.
12 Indicao de link: Para uma compreenso ampliada do contratualismo, ver o artigo disponvel em:
<http://www.ifl.pt/private/admin/ficheiros/uploads/4e5a7f050e30f8d591575b5317671f72.pdf>.
13 Aristteles (384-322 a.C.) foi um filsofo grego, aluno de Plato e professor de Alexandre, o Grande. Seus
escritos abrangem diversos assuntos, como a fsica, a metafsica, as leis da poesia e do drama, a msica, a
lgica, a retrica, o governo, a tica, a biologia e a zoologia. Juntamente com Plato e Scrates (mestre de
Plato), Aristteles visto como um dos fundadores da filosofia ocidental.
14 Indicao de link: Sobre o conceito de animal poltico, segundo Aristteles, ver o artigo disponvel em:
<http://www.brasilescola.com/filosofia/o-conceito-animal-politico-aristoteles.htm>.
15 Thomas Hobbes (1588-1679) foi um matemtico, terico poltico, e filsofo ingls, autor de Leviat (1651)
e Do cidado (1651). um dos principais representantes do pensamento absolutista ingls.

181

16 John Locke (1632-1704) foi um filsofo ingls e idelogo do liberalismo, sendo considerado o principal
representante do empirismo britnico e um dos principais tericos do contrato social.
17 Indicao de link: Sobre o conceito de estado de natureza, ver o artigo disponvel em: <http://www.
cefetsp.br/edu/eso/filosofia/contratualistaschaui.html>.
18 Indicao de link: Para aprofundar este tema, ver o artigo sobre a concepo moderna de Estado,
disponvel em: <http://www.cedap.assis.unesp.br/cantolibertario/textos/0007.html>.
19 Indicao de link: Sobre o tema da corrupo poltica, veja-se o artigo disponvel em: <http://www.
conamp.org.br/Lists/artigos/DispForm.aspx?ID=168>.

182

ETAPAS DO DESENVOLVIMENTO HUMANO

Luiz Carlos Bleggi Torres


Fernanda Marder Torres

A criao de uma vida nova um momento mgico, que jamais se repete. Cumprindo a
fantstica misso da espcie humana, o espermatozoide e o vulo so os primeiros personagens da
histria humana. Eles se interpenetram e se fundem dando origem vida e nesse momento nico
escrevem o primeiro captulo do nosso destino.
At a ocasio do nascimento, a nica realidade do feto o universo vibracional da me.
O nascimento sem violncia comea antes do parto propriamente dito. Inicia-se no instante em
que a mulher sabe que est grvida. Ela precisa manter, alm de hbitos saudveis, uma atitude
positiva, segura e instintiva. O papel da me importante para a formao do psicolgico do
beb. Os acontecimentos que ocorrem entre me e filho so fundamentais para a adequada
estruturao da personalidade do beb e extremamente essenciais para o seu desenvolvimento
emocional, social e cognitivo saudvel. A gestao no pode ser algo mgico apenas para a me.
extremamente necessrio que o pai tambm participe e junto com a me, compartilhe sentimentos
de alegria, tristeza, preocupao, medo, sonhos e angstias.
To logo saiba da gravidez, a mulher deve procurar um posto de sade para fazer uma
consulta com um obstetra, iniciando o acompanhamento pr-natal que durar todo o tempo
de gestao at o parto. No pr-natal, o obstetra ir avaliar as condies fsicas da me e o
desenvolvimento do beb por meio de exames clnicos, laboratoriais e(ou) ultrassonografias.

183

PRIMEIRA INFNCIA (NASCIMENTO AT 3 ANOS)


Cada criana que nasce a perpetuao do projeto divino o beb que nasce feliz forjar
a nova imagem do mundo. desejvel que os pais permaneam junto ao seu filho to logo ele
nasa. Essa interao muito importante para atender s necessidades do beb e permitir que um
vnculo maior seja estabelecido. Assim, o beb crescer e se desenvolver em meio a uma famlia
e apresentar os resultados do seu crescimento e desenvolvimento baseados nos cuidados fsicos
que receber (aleitamento materno at 2 anos de idade, estimulao, higiene e alimentao),
associados ao desenvolvimento dos sentimentos que os pais lhe proporcionaro.
Ao nascer, o recm-nascido inicia o reconhecimento da me, por isso a importncia de j
nos primeiros minutos de vida haver o contato pelo colo materno. O vnculo me-filho descrito
como o lao emocional que une a me e o seu beb, que se fortalece com o passar do tempo e
persiste mesmo distncia. Este vnculo formado pelo contato olho a olho, do toque, da voz, do
cheiro e do calor materno, e tudo isso pode ser posto em prtica no momento da amamentao,
quando h um maior contato da me com seu beb e possibilita uma vivncia nica, especial
e prazerosa me. medida que o tempo passa, o beb ganha confiana e tranquiliza-se ao
perceber que suas necessidades so atendidas (por exemplo, ser alimentado sempre que surge
fome).
O vnculo pai-filho no menos importante, e para ele ocorrer, temos que ter a ajuda da me,
pois o vnculo afetivo homem-mulher a base para o incio de uma famlia. O bom relacionamento
do casal, assim como o total apoio do pai me, determinante para o fortalecimento do vnculo
entre os trs (pai, me e beb). Nos primeiros meses de vida, a participao do pai enriquece as
experincias vividas pelo beb.
Aps o nascimento, os bebs j apresentam algumas habilidades de interao com o mundo
exterior, como seguir um estmulo visual colocado prximo a seu rosto, sorrir, responder a alguns
rudos e abrir e fechar os braos. Ao final do primeiro ms de vida, ele j capaz de estender as
pernas, girar a cabea para os lados, fixar o olhar na luz e ter movimentos corporais de acordo
com a voz que o estimula.
A amamentao tambm um fator muito importante nesta fase. O leite materno um
lquido vivo, completo (possui substncias bioativas, vitaminas, protenas, acares e gua)
e capaz de suprir as necessidades calricas e nutricionais do beb, alm de trazer vrios
benefcios para ele, para a me, para a famlia e para toda a sociedade. Ele protege o beb contra
infeces, alergias, desnutrio, obesidade e outras doenas, contribui para reduzir os casos de
internaes hospitalares e a mortalidade nos primeiros 2 anos de vida, alm da contribuio para

184

desenvolvimento emocional, cognitivo e psicomotor. Alm disso, o leite materno mais fcil de
digerir, limpo e est sempre pronto, na temperatura adequada.
Para a me, o aleitamento materno logo aps o nascimento faz o tero voltar ao tamanho
anterior mais rapidamente, reduzindo o sangramento ps-parto e evitando as anemias, ajuda
a prevenir a depresso ps-parto e a perder mais rapidamente o peso que ganhou durante a
gravidez e tambm diminui o risco de a me ter cncer de mama, endomtrio e ovrio.
Segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS) e o Ministrio da Sade do Brasil, bem
como a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), recomenda-se a amamentao exclusiva por 6
meses e o aleitamento materno complementado por alimentos seguros, adequados e saudveis at
os 2 anos de idade. Para manter uma boa produo de leite, amamente com frequncia, deixando
o beb esvaziar bem o peito. Quanto mais o beb mama, mais leite a me ir produzir. No d ao
seu filho chs, gua, sucos ou outros leites nos primeiros 6 meses, exceto se houver recomendao
mdica. Se por algum motivo voc no puder amamentar, no oferea o peito de outra me.
Procure um profissional da sade para orientaes.
O controle do desenvolvimento fsico e mental dever ser acompanhado por profissionais,
mdicos e psiclogos em intervalos regulares preestabelecidos as chamadas consultas nos
postos de sade, onde sero avaliados, vacinados e orientados, caso haja a necessidade de
quaisquer encaminhamentos a outros profissionais para avaliao.
O contato com professores de educao infantil, creches ou escolas importante, porque
ajudar as famlias a aprender como melhor estimular a criana, o que acarretar crescimento
e desenvolvimento adequados realidade de um mundo atual e o melhor momento para a
interferncia, se necessria, visando sanar as falhas no ambiente familiar.
O objetivo preparar melhor a criana para que chegue pr-escola, ao redor dos 3-4
anos, sem maiores problemas fsicos ou mentais que possam retardar o seu crescimento e
desenvolvimento, pois o diagnstico precoce favorece o tratamento precoce com sucesso e, na
maioria das vezes, sem sequelas.
Ao final da 1. infncia, percebe-se se a criana de 3-4 anos de idade no adquiriu
qualidades de sociabilidade para brincar muito bem em conjunto. De fato, as tentativas nesse
sentido costumam ser problemticas, em virtude das regras de propriedade da criana nessa
fase, que so:
1 - O QUE EU VEJO MEU.
2 - SE TEU E EU QUERO, MEU.
3 - SE MEU, MEU PARA SEMPRE.

185

Devemos saber que isso no fruto de mesquinharia. Apenas exprime o crescente senso
de individualidade da criana, que nessa idade s capaz de considerar seus prprios pontos de
vista e no consegue entender que as outras pessoas sintam de outra forma. Consequentemente,
o conceito de compartilhar no faz sentido nenhum para ela.
Alm da crescente conscientizao de si mesma como um ser separado dos outros, aumenta
o seu interesse por brincadeiras simblicas e de faz de conta.
A partir dos 2-3 anos de idade, aumenta progressivamente a habilidade de guardar
lembranas de atos e fatos, para depois recuper-los e imit-los. engraado ver uma criana
de 2-3 anos fingindo que est cozinhando, fazendo a barba, varrendo o cho ou falando ao
telefone. E v-la dando um carinhoso beijo de boa noite no ursinho de pelcia ou censurando
rispidamente o mau comportamento das bonecas nos faz lembrar que observando as pessoas
que as cercam que as crianas aprendem sobre como lidar com suas emoes.
SEGUNDA INFNCIA (3 A 6 ANOS)
Aos 4 anos, em geral, a criana est completamente desenvolta, fazendo amigos, vivendo
em ambientes diferentes, aprendendo milhares de novidades excitantes. o final do pensamento
mgico e incio do pensamento lgico, que acompanhado de complicaes: a escola divertida,
mas os professores logo querem que a gente fique sentado, em grupos, calados e prestando
ateno. A gente em geral sabe lidar com os amigos, mas eles ainda nos irritam e magoam de
vez em quando. E agora que a gente j tem idade para compreender tragdias como incndios,
guerras, assaltos e morte, no pode deixar que o medo de que elas aconteam nos perturbem.
Para vencer esses desafios, necessrio saber regular as emoes (um dos mais importantes
avanos no desenvolvimento da criana) que ela passar a controlar no seu relacionamento com os
colegas. Ela aprende a comunicar-se com clareza, trocar emoes, ceder a vez de falar e brincar.
Aprende a compartilhar, aceitar regras para suas brincadeiras, a ter conflitos e resolv-los, a
compreender os sentimentos, as vontades e os desejos do outro.
Nascem as amizades, que proporcionam um terreno frtil para o desenvolvimento emocional
da criana pequena, o que deve ser estimulado pelos pais e professores. Com um amigo, formamse laos fortes e duradouros, pois a criana, na segunda infncia, tem certa dificuldade em
administrar ao mesmo tempo mais de uma relao. Alm de ensinar importantes habilidades
sociais, as amizades entre crianas pequenas tambm estimulam a fantasia, permitindo que elas
desenvolvam a criatividade, inventando personagens e dramatizando situaes.

186

Os amigos recorrem fantasia para ajudarem-se mutuamente a enfrentar problemas


complicados, a lidar com as tenses da vida diria. Brincar de faz de conta propicia o desenvolvimento
emocional da criana, ajudando-a a ter acesso a sentimentos recalcados, pois tambm intercala
conversas sobre situaes da vida real. A intimidade e a espontaneidade do faz de conta do
uma sensao de segurana e acolhimento criana, que aprende a lidar com uma infinidade
de ansiedades que aparecem na segunda infncia e geram medos (medo da impotncia, do
abandono, do escuro, dos pesadelos, dos conflitos entre os pais, da morte e outros).
Sejam quais forem os medos de nossos filhos e alunos, devemos lembrar que o medo uma
emoo natural que pode gerar uma funo saudvel na vida dos pequeninos. O medo no deve
tolher a curiosidade da criana, mas ela precisa saber que s vezes o mundo perigoso. Nesse
aspecto, o medo serve para torn-la uma pessoa cuidadosa.
Devemos fazer a criana sentir-se segura mostrando amor e afeio e ao mesmo tempo
deix-la exercitar sua independncia e autonomia.
TERCEIRA INFNCIA (6 A 11 ANOS)
Nesta fase, a criana est comeando a conviver com mais pessoas e a saber o que
influncia social. s vezes, fica cheia de exigncias sobre o estilo de suas roupas, de sua mochila,
o tipo do tnis e o tipo de atividades que os outros esto vendo que ela pratica. E por isso ela faz
o impossvel para evitar chamar ateno sobre si, especialmente para no atrair a implicncia e a
crtica dos colegas; isso significa que a criana est se especializando em interpretar insinuaes
sociais, uma tcnica que lhe ser til pela vida a fora.
Nessa fase, a criana pode ser impiedosa em suas implicaes e humilhaes. De fato, a
implicncia forja muitos padres de comportamento nessa idade. As meninas so to implicantes
quanto os meninos, embora a implicncia dos meninos s vezes chegue ao enfrentamento fsico. A
criana logo aprende que a melhor forma de reagir no demonstrar qualquer emoo. Proteste,
chore, v fazer queixa ao professor ou fique irritado quando o lder da turma estiver roubando o
seu bon ou xingando-o e voc corre o risco de ser mais humilhado e rejeitado. D a outra face
e tem boas chances de conservar a dignidade. Por causa dessa dinmica, a criana realiza uma
espcie de cirurgia, cortando a emoo e extraindo os sentimentos das relaes com os colegas.
Muitas crianas dominam essa tcnica, mas as mais competentes so as que aprendem mais cedo
a regular as emoes.
Ao mesmo tempo em que est tentando abafar as emoes, a criana nessa fase est
adquirindo mais noo do poder do intelecto. Por volta dos 10 anos, o raciocnio lgico

187

desenvolve-se consideravelmente em muitas crianas. Na atualidade, elas gostam de reagir como


se raciocinassem como um computador.
Essa arrogncia para enfrentar o mundo dos adultos tpica da criana que est encarando
a vida em termos de preto e branco, certo ou errado, constatando de uma hora para outra a
arbitrariedade e a falta de lgica no mundo. O pr-adolescente pode comear a achar que a
vida uma grande revista em quadrinhos. Para ele, os adultos so hipcritas, e zombar deles e
ridiculariz-los passa a ser sua emoo predileta.
Desse criticismo exacerbado emerge o senso de valores da criana. Voc pode reparar
que nessa idade seu aluno ou filho comea a preocupar-se muito com o que moral e justo.
Ele pode conceber mundos puros onde as pessoas sejam tratadas como iguais, onde as guerras
jamais poderiam surgir, onde a tirania jamais poderia existir. Pode desprezar um mundo capaz
de permitir atrocidades como o trfico de drogas, os roubos, a fome, a injustia... Comea a ter
dvidas, a desafiar, a pensar por si mesmo...
PUBERDADE
A adolescncia uma fase marcada por grande preocupao com questes de identidade
como estas: Quem sou eu? O que estou me tornando? Quem devo ser?
No se espante, portanto, se o seu filho ou aluno adolescente lhe parecer exageradamente
preocupado consigo mesmo. Ele vai perdendo o interesse pela famlia, enquanto o relacionamento
com os amigos passa ao primeiro plano, na medida em que no contato com os amigos que ele
vai descobrir quem ele fora do mbito familiar. No entanto, mesmo no mbito da turma, o foco
do adolescente costuma estar voltado para si mesmo.
O adolescente est numa viagem de descobertas e sempre mudando de rumo, tentando
encontrar o caminho certo. Faz experincias com novas identidades, novas realidades, novos
aspectos de sua personalidade. Essa explorao saudvel na adolescncia. Mas o caminho nem
sempre fcil para o adolescente.
As mudanas hormonais podem causar inesperadas alteraes de humor. As foras negativas
do ambiente social podem explorar a vulnerabilidade do jovem ameando-o com problemas
decorrentes de drogas, violncia ou sexo sem segurana. Entretanto, a explorao prossegue como
uma parte natural e inevitvel do desenvolvimento humano. Entre as empreitadas importantes que
o adolescente enfrenta nesta explorao est a da integrao da razo com a emoo.
O jovem est sempre tendo que tomar decises em que o seu lado humano e altamente
sensvel confrontado com sua tendncia para o raciocnio lgico e emprico. Obviamente, ns,

188

pais e professores, gostaramos de que nossos jovens adolescentes usassem isso em situaes em
que o corao ouve um apelo e a cabea, outro. Isso os levaria ao equilbrio, que ser atingido
plenamente apenas com a maturidade.
O adolescente fatalmente dever tomar decises desse tipo em questes envolvendo
sexualidade e autoaceitao. Uma garota sente atrao sexual por um garoto por quem ela no
tem muito respeito (ele uma gracinha pena que, quando abre a boca, estraga tudo). Um
garoto percebe que est emitindo as opinies do pai que ele tanto criticava (Que incrvel. Estou
falando igual ao meu pai.). De repente, o adolescente percebe que o mundo no to preto e
branco. feito de muitos tons de cinza e, quer ele goste, quer no, todas essas tonalidades esto
contidas nele prprio.
Como professores e orientadores, precisamos ter em mente que se difcil para o adolescente
encontrar o seu caminho, tambm difcil ser pai ou me de adolescente, porque este precisa
conhecer-se basicamente sem a ajuda dos pais.
Pais e professores, at a adolescncia, fazem o papel de administradores da vida dos jovens,
organizando quem os leva aos lugares e quem os busca, marcando consultas mdicas, planejando
passeios, procurando a melhor maneira de no os sobrecarregar com deveres e estudos, poupandoos de sofrer.
Os pais mantm-se informados sobre a vida escolar, e o professor costuma ser a primeira
pessoa a quem os filhos recorrem para as grandes questes. Repentinamente, tudo muda. Sem
aviso prvio e sem consenso, somos demitidos do cargo de administradores. Precisamos, ento,
correr e preparar nova estratgia.
Se quisermos ser uma pessoa importante para nossos filhos e alunos na adolescncia e pela
vida afora, precisamos batalhar para ser contratados novamente, mas desta vez como consultores.
Essa pode ser uma transio extremamente delicada. Um adolescente no contrata um
consultor que o faa sentir-se incompetente ou ameace usurpar-lhe o negcio. Um adolescente
quer um consultor quem possa confiar, que compreenda sua misso e d conselhos que o ajudem
a atingir seus objetivos. E nessa altura da vida, o principal objetivo do adolescente deve ser:
tornar-se independente.
Ento, como poderamos exercer o cargo de consultor continuando como preparadores e, ao
mesmo tempo, dar aos adolescentes a autonomia que um adulto completamente desenvolvido exige?
1: Aceite que a adolescncia a poca em que os filhos separam-se dos pais, buscam
privacidade e respeito ao seu direito inquietao e ao descontentamento.

189

D espao para que o adolescente sinta emoes profundas, evitando perguntas bvias
como: o que h com voc?. Ele pode estar irritado, nervoso ou triste, e esse tipo de pergunta
apenas mostra ao jovem que voc no aprova esses sentimentos. Tente no agir como se
entendesse tudo imediatamente. Por estar comeando a viver, o adolescente costuma achar que
suas experincias so nicas. Oua-o com calma e de cabea aberta. Por ser a adolescncia
uma fase de individualizao, o jovem pode escolher um estilo de roupa, penteado, msica,
arte, comportamentos e grias. Saiba que voc no precisa aprovar as escolhas do seu aluno/
filho, basta aceit-las.
2: Mostre respeito pelo adolescente.
No fique sempre corrigindo-o, apontando suas falhas, complicando, dando lies de moral,
humilhando-o perante os outros. Ele invariavelmente se afastar de voc. Procure transmitir seus
valores de forma breve, sem ser moralista, pois ningum gosta de receber sermo; no rotule.
3: Proporcione uma comunidade a seu filho/aluno.
H um ditado popular que diz: Para educar uma criana preciso uma aldeia inteira. Em
nenhuma poca da vida isso mais verdadeiro do que na adolescncia. Por isso importante aos
professores e orientadores que conheam os pais dos adolescentes, as pessoas que convivem com
ele, inclusive os amigos e pais dos amigos.
4: Estimule o adolescente a decidir sozinho e continue sendo seu preparador emocional.
Permita que o jovem faa o que ele est preparado para fazer. Essa a poca de ele
tomar decises sobre coisas importantes. um excelente momento para praticar a afirmao A
escolha sua. Manifeste confiana nos critrios dos jovens e no fique especulando. Estimular
a independncia tambm significa permitir que o jovem tenha decises insensatas de vez em
quando. Lembre-se de que o adolescente pode aprender com os erros tanto quanto com os
acertos. Melhor se o jovem puder recorrer a um adulto que se interesse por ele e o aprove, algum
que lhe ensine a lidar com as emoes negativas que o fracasso desperta e a pensar em maneiras
de fazer as coisas mais bem feitas no futuro.
5: O jovem com preparo emocional mais bem-sucedido.
este o jovem que ser mais inteligente emocionalmente, compreendendo e aceitando
seus sentimentos. Ter mais experincia em solucionar problemas sozinho ou em conjunto.
Consequentemente, o que se sair melhor nos estudos e no relacionamento com a turma ou

190

grupo. Com esses fatores de proteo, esse adolescente apresentar maior imunidade aos riscos
que todos os pais e professores temem quando seus filhos entram na adolescncia drogas,
delinquncia, violncia e comportamento sexual de risco.
A Organizao Mundial de Sade classifica cronologicamente a adolescncia como a faixa
etria compreendida entre 10 e 20 anos de idade. Desde o nascimento at os 9-10 anos de idade,
o menino e a menina permanecem fisicamente muito semelhantes, diferenciando-se apenas pelas
roupas, pelo corte de cabelo e por algumas atividades que exercem.
Principalmente aps os 9 anos de idade que as crianas investem a maior parte de sua
energia na aprendizagem, nos jogos e em brincadeiras. A sexualidade, durante esse perodo,
emerge de forma mais sutil. O desenvolvimento dos rgos sexuais, por sua vez, acompanha o dos
outros rgos do corpo, proporcionando harmonia ao crescimento. O corpo, at esse momento,
para a criana algo familiar, do qual tem certo domnio e conhecimento.
A criana chega, no entanto, a uma fase em que tm incio algumas expectativas e
curiosidades em relao a si mesmo e ao outro (trata-se da pr-adolescncia). Ela j detm alguns
conhecimentos a respeito da vida e do ser humano e comea a interessar-se um pouco mais pelo
mundo adulto.
Sabe que seu mundo (o infantil) est sujeito a sofrer transformaes. Embora tenha a
percepo dessa transio criana-adulto, tal processo ainda nebuloso e desconhecido para ela.
Comea, ento, a observar mais a si mesma e aos companheiros. A palavra sexo e tudo
a que ela possa estar ligada chama-lhe a ateno de imediato. Portanto, seu prprio sexo e seu
corpo passam a ter importncia crucial, transformando-se em alvo de observao a cada mudana
que possa acontecer a adolescncia.
As principais caractersticas do desenvolvimento corporal nessa faixa etria so o estiro
puberal (crescimento acelerado), o ganho ponderal (aumento do peso) e a maturao sexual,
que possibilitaro a ovulao/espermatognese e a fecundao. O desenvolvimento psicossocial
pode ser didaticamente resumido na busca de identidade pessoal e sexual, na separao dos pais
e papis infantis, na consolidao da personalidade e na busca de independncia econmica e
participao social.
A puberdade o componente biolgico que antecede a adolescncia. o perodo no qual
surgem a maturao fisiolgica e o funcionamento dos rgos da reproduo acompanhado do
crescimento estatural, o que dura cerca de dois anos. Durante esse perodo, ocorre um fenmeno
marcante: a menarca na mulher e a semenarca no homem.

191

O incio dessa fase tem ntida influncia sobre o desenvolvimento do organismo, ocorrendo
substanciais transformaes orgnicas, funcionais e psquicas em que se afirmam os atributos de
cada sexo os hormnios passam a atuar fortemente.
A poca da puberdade varia enormemente dos 8 aos 15 anos em ambos os sexos,
havendo tendncia a ser mais tardia no homem. Essas variaes esto relacionadas com o clima,
o grupo tnico, o estado nutritivo, a constituio fsica, o nvel de vida e doenas crnicas.
O surgimento dos primeiros pelos no pbis ou nas axilas admirado, contemplado. O garoto
e a garota contam esses pelinhos com orgulho e prazer. Em contrapartida, sentem certa vergonha
e perplexidade diante do corpo que comea a se modificar, o que culmina com a gostosa sensao
de que eu estou crescendo, transformando-me de menino ou menina, em homem ou mulher.
quando passam a comparar-se uns com os outros. Pequenas diferenas, como o nmero
de pelos, o tamanho do pnis ou da mama, so minuciosamente observadas, provocando emoes
constantes, intensamente vividas. Essa hipersensibilidade caracterstica do adolescente. Esse
tipo de reao ocorre por volta dos 12 anos de idade no sexo masculino, e na mulher, em torno
de 9 a 10 anos.
a idade em que os jovens passam horas diante do espelho, observando a apario de um
cravo ou espinha. O pnis do garoto vai adquirindo tamanho, e isso para ele uma glria.
interessante observar como as transformaes do corpo so ansiosamente esperadas,
principalmente quando o garoto percebe que os amigos j esto sua frente (pnis maior ou
mais pelos, por exemplo), pois sente muita vontade de tornar-se gente grande. Tudo isso vem
permeado de romantismo. Iniciam-se, ento, os primeiros namoros, as primeiras paixes que
marcam a entrada na adolescncia (status de adulto).
A menina repara que seu mamilo vai-se tornando mais saliente e mais escuro, provocando
certa dor quando a regio tocada de forma mais brusca, como num abrao muito apertado, por
exemplo. A menina curva as costas, para retrair o busto, tentando proteger-se, e muitas vezes o
objetivo tambm o de esconder aquilo que a denuncia agora como mocinha capaz de seduzir e
amar. Ao mesmo tempo, fica muito feliz, pois h muito tempo espera a ocasio de poder comprar
seu suti e sentir que est comeando a ser mulher. Mostra-se com orgulho s amigas. Evita
contatos ntimos, assim como no se despe mais na frente de outras pessoas, mesmo dos pais.
Simultaneamente a esse desenvolvimento, vo surgindo os pelos axilares. A bacia da menina
alarga-se e sua cintura torna-se mais fina; as coxas e as ndegas ficam mais rolias e torneadas.
Com essas mudanas, vm a vaidade e uma nova preocupao com o corpo. O processo atinge
o pice com a chegada da menstruao, um grande marco. Agora eu j sou mocinha. Sonha

192

muito a respeito de como ser o primeiro beijo. A garota muitas vezes sente necessidade de
entender o que ocorre no seu organismo.
importante saber que seu ciclo pode no ser regular, ou seja, que no menstrue exatamente
a cada 28 ou 30 dias. Deve estar consciente tambm de que seu tero leva um tempo de mais
ou menos dois anos para amadurecer e estar pronto para uma gravidez. H um perodo chamado
frtil, isto , pode ocorrer a fecundao (gravidez), se houver relaes sexuais. Esse perodo frtil
se d na metade do ciclo, ou seja, por volta do 14. dia aps a menstruao nas adolescentes,
o perodo frtil nunca ocorre no 14. dia, devido irregularidade menstrual ocasionada pela
imaturidade biolgica. necessrio conhecer o funcionamento deste corpo, pois existem meninas
que nada sabem a respeito da existncia da menstruao. Chegam, muitas vezes, a pensar que
esto doentes ao ver, pela primeira vez, as manchas de sangue na calcinha. preciso saber
antecipadamente que o escoamento do sangue menstrual tem uma durao varivel de trs a sete
dias e normal.
As mulheres, por trazerem culturalmente entre si uma relao mais ntima, em que se
falam de assuntos pessoais, ainda conversam mais com suas filhas do que os pais com seus
filhos. Por formao, o homem apresenta uma maneira mais reservada de ser, de relacionar-se e,
principalmente, de manifestar seus sentimentos e revelar sua intimidade. Por isso, normalmente
os pais no conversam com os garotos, mas cobram que eles sejam machos, que provem ser
homens, fortes, espertos e conquistadores. Assim, muitas vezes o menino vivencia sua primeira
poluo noturna (ejaculao) com curiosidade, medo e insegurana. Fica sem saber o que isso
significa. Ainda no estabelece relao entre esse lquido pegajoso e o prazer sexual. Sente que
est se tornando homem e comea a prestar uma ateno mais sensual menina, criando muitas
expectativas. Nessa fase os meninos ficam desajeitados, parecem embaraados. Os braos e pernas
se alongam, ao mesmo tempo em que os ombros tornam-se mais largos, provocando a perda da
noo do espao que ocupam e dos movimentos que realizam. O timbre vocal torna-se mais grave,
passando, porm, por diversas fases de irregularidade.
O conhecimento do prprio corpo muito sadio e favorece a vida sexual adulta. Quanto
melhor e mais livre o contato com o corpo, melhor e mais livre o contato com o corpo do outro. Se
transcorrer em clima repressivo, essa fase ser permeada de ansiedade e sentimentos de culpa,
originados de desejos sexuais.
Como a autoafirmao se d muito por intermdio do outro eu sou o que os outros
pensam de mim , surge a paixo como uma busca de identidade e amor, ou seja, o desejo de ser

193

amado. Ela emerge como um vulco, extravasando toda a energia que at ento fora reprimida.
Esse perodo da vida muito importante para todos ns.
Para os pais, significa a perda da criana. O filho, que at ento vivia sob seu domnio,
comea agora a ter opinies prprias, a exigir maior autonomia e poder de deciso.
No ncleo social que a famlia, nem sempre as dificuldades dos adolescentes so trazidas
tona, para que possam ser melhor compreendidas. Como consequncia, vo buscar fora de casa
as respostas para muitas dvidas. Conversando com os amigos, recebem informaes desviadas,
com malcia, medos e fantasias. Cabe aos pais e educadores orient-los e esclarec-los.
ALIMENTAO, DESENVOLVIMENTO E OBESIDADE INFANTIL
A boa nutrio muito importante em todas as idades. Uma boa alimentao consiste em
oferecer alimentos adequados em quantidade, em qualidade e em consistncia para suprir as
necessidades bsicas e proporcionar o desenvolvimento e o crescimento saudveis. Para isso,
tente seguir as seguintes recomendaes:
Procure variar os alimentos, para que a criana como um pouco de tudo (protenas,
carboidratos, gorduras e vitaminas) de forma balanceada.
Equilibre as comidas que soltam ou prendem o intestino (por exemplo, mamo e folhas
soltam o intestino, banana e arroz e prendem o intestino).
Adote horrios regulares para as refeies.
Oferea comida sempre fresquinha e logo depois de ter sido preparada.
Mantenha o local em que sua criana vai se alimentar sempre limpo.
Lave as verduras, legumes e as cascas das frutas antes de cort-las.
Oferea novos alimentos aos poucos, de acordo com a fase de desenvolvimento de
sua criana.
Ajude a criana a aceitar bem os alimentos. O vnculo afetivo tem ligao direta com isso.
Lembre-se: a criana comea a conhecer o mundo pela boca.
Os bons hbitos alimentares tambm dependem do equilbrio emocional entre pais e
crianas. Se mantiver a calma, a hora da refeio ser tranquila para todos.
Oferea a alimentao sem rigidez de horrios, respeitando sempre a vontade da criana.
Evite acar, caf, enlatados, frituras, refrigerantes, balas, salgadinhos e outras guloseimas
nos primeiros anos de vida.

194

Use o sal com moderao.


No brigue com seu filho para que coma tudo o que voc quer ou o abrigue a comer tudo
at o fim. Se perceber que no quer mais, insista uma ou duas vezes, mas no o force
a comer.
No presenteie seu filho se ele comer tudo nem o puna quando no o fizer, seno ele
ir aprender que suas emoes sero compensadas por meio da alimentao, o que pode
prejudicar seu desenvolvimento fsico, nutricional e emocional.
Essas recomendaes so importantes para evitar obesidade infantil, que se transformou
em um problema de sade. Nos ltimos 20 anos, o nmero de crianas obesas tem aumentado
consideravelmente no Brasil e em todo o mundo. Estima-se que dois teros de todos os brasileiros
esto com sobrepeso ou sofrem de obesidade. Isto significa que quando samos rua, de cada 10
pessoas que vemos, seis sofrem de sobrepeso ou esto obesos. O mais impressionante que este
nmero est aumentando e muito rapidamente passar de seis em 10 para sete em 10 pessoas
sofrendo deste problema.
O excesso de peso pode provocar o aparecimento de vrias complicaes como alteraes
nos nveis de colesterol, intolerncia a glicose, apneia de sono, problemas cardacos e ortopdicos,
alm do comprometimento psicossocial como o isolamento social, depresso, ansiedade e
discriminao, alm do principal, a maior probabilidade de se tornar um adulto obeso.
Criana gordinha NO sinnimo de criana saudvel. Infelizmente, hoje em dia, ainda
h este mito de que criana s considerada saudvel se for gordinha. A me confunde gordura
com sade e acredita que se o filho comer bastante poder ficar mais forte e menos suscetvel
doenas. Na verdade, a superalimentao pode levar a criana a desenvolver obesidade, doena
grave e cada vez mais comum, reconhecida pela Organizao Mundial de Sade (OMS) como o
principal desafio nutricional do sculo 21.
Nos ltimos anos, numerosos estudos tm sido realizados para descobrir as verdadeiras
causas da obesidade infantil. As crianas em geral ganham peso com facilidade devido a fatores
como hbitos alimentares errados, inclinao gentica, estilo de vida sedentrio, distrbios
psicolgicos e problemas na convivncia familiar. Na maioria das vezes, as crianas no ingerem
grande quantidade de comida e sim usam alimentos de alto valor calrico. Por exemplo, os
famosos sanduches (hambrguer, misto-quente) que as mames adoram preparar para o lanche,
as batatas fritas e os bifes passados na manteiga. Esses so os verdadeiros viles da alimentao
infantil. As crianas costumam tambm imitar os pais em tudo que eles fazem, assim sendo, se
os pais tm hbitos alimentares errados, acabaro induzindo seus filhos a se alimentarem do
mesmo jeito.

195

Alm disso, a falta de atividade fsica (sedentarismo) tem sido identificada como um dos
principais agravantes por trs do ganho de peso repentino em crianas. A vida sedentria, facilitada
pelos avanos tecnolgicos (computadores, televiso, videogames), faz com que as crianas no
precisem se esforar fisicamente para nada. Hoje em dia, ao contrrio de alguns anos atrs, as
crianas ficam dentro de casa com atividades que no as estimulam a praticar atividades fsicas
como correr, jogar bola, brincar de pique. Passam horas paradas em frente televiso ou outro
equipamento eletrnico, o que se torna um fator preocupante para o desenvolvimento da obesidade.
Por isso, fundamental que a criana coma apenas o que consegue e conhea seus limites
fsicos e psquicos. de extrema importncia tambm que os pais coloquem limites quelas crianas
que querem comer muito mais do que necessitam, explicando sempre os problemas que a ingesto
excessiva de alimentos pode acarretar. E caso necessitem, devem sempre procurar ajuda profissional
para auxiliar na orientao de seus pequenos. Todos ns desejamos que as nossas crianas tenham
tudo o que bom. Portanto, o melhor tratamento para a obesidade infantil a prtica de exerccios
fsicos em conjunto com uma alimentao saudvel, balanceada e de qualidade.
BULLYING
um termo da lngua inglesa que se refere a todas as formas de atitudes agressivas verbais
ou fsicas, intencionais e repetitivas que ocorrem sem motivao evidente e so exercidas por um
ou mais indivduos, causando dor e angstia com o objetivo de intimidar ou agredir a outra pessoa
sem ter a possibilidade de se defender.
Hoje, o bullying um fenmeno relativamente comum nas escolas, universidades e
ambientes de trabalho. A pessoa vtima de bullying poder desenvolver sentimentos negativos e
baixa autoestima, alm de problemas de relacionamento, processo de aprendizagem comprometido
e sintomas e doenas de fundo emocional.
A melhor forma de evitar prevenir. Um passo importante discutir este problema com a
comunidade escolar, alertando os pais, os alunos e os profissionais sobre esta forma de violncia
e principalmente, diferenciando-a das brincadeiras habituais e da indisciplina.
O PAPEL DA SUSTENTABILIDADE NO DESENVOLVIMENTO HUMANO
Nos dias de hoje, primeiras dcadas do sculo 21, devemos tomar atitudes e ter aes que
visem ao cuidado com o meio em que vivemos. O termo sustentabilidade para descrever a forma
como devemos agir cada vez mais utilizado e estudado. A base de toda a sustentabilidade o

196

desenvolvimento humano, que deve contemplar um melhor relacionamento do ser humano com
os seus semelhantes e a com a natureza.
No decorrer deste captulo, falamos sobre as etapas do desenvolvimento humano desde
o nascimento at a adolescncia. Essas etapas descritas so fundamentais para desenvolver em
nossas crianas uma conscincia voltada para os reais problemas que esto surgindo no Brasil e
no mundo. Buscar ajuda com as empresas existentes revela a preocupao da sustentabilidade
social. Muitas empresas multinacionais e organizaes no governamentais (ONGs) (que podem
estar instaladas em sua cidade ou prxima a ela) possuem projetos voltados para auxiliar na
formao de nossas crianas. So projetos que levam s escolas orientaes sobre os principais
problemas que podem vir a ser enfrentados pelas crianas em alguma fase de suas vidas, como,
por exemplo, o bullying, a obesidade infantil, a incluso social de crianas que apresentam algum
tipo de deficincia, dentre outros. Por isso, procure se informar sobre essas empresas e seus
projetos e busque fazer uma parceria para complementar a educao das crianas. Palestras,
teatros, debates, material educativo, tudo isso pode ser includo para auxiliar na formao de
nossos pequenos.
A escola possui um papel fundamental na formao da personalidade de cada criana, e
este o maior exemplo de sustentabilidade que podemos dar. Discutir assuntos ligados aos temas
abordados neste captulo, perguntar a opinio das crianas, pedir para que tragam exemplos de
seu dia a dia e incluir os pais nessas discusses vo fazer com que os professores conheam e
possam ajudar seus alunos. importante tambm pedir auxlio a prefeitura de seu municpio, bem
como ao governo, para que as campanhas existentes cheguem sua escola. Existem inmeros
projetos que podem ser levados at seus alunos, como, por exemplo, a Semana de Mobilizao
Sade na Escola e as Campanhas de Vacinao, ambas realizadas pelo Ministrio da Sade, e
Justia na Escola, projeto que o Conselho Nacional de justia realiza com orientaes sobre como
lidar com o bullying.
A base de toda sustentabilidade comea nas pequenas aes que vo levar ao desenvolvimento
consciente e humano de nossas crianas. A importncia do debate de temas atuais desde os
primeiros anos de vida das crianas vai fazer com que cresam zelando pelo meio em que vivem.
A humanidade tem a habilidade de desenvolver-se de uma forma sustentvel, entretanto preciso
garantir as necessidades do presente sem comprometer as habilidades das futuras geraes em
encontrar suas prprias necessidades.

197

CONCLUSO
Os acontecimentos que ocorrem entre me e filho desde o incio da gravidez so fundamentais
para a adequada estruturao da personalidade do beb e extremamente essenciais para o seu
desenvolvimento emocional, social e cognitivo saudvel. muito importante iniciar o pr-natal o
mais cedo possvel, para se ter o controle da sade da me e do beb, visando prevenir e tratar
quaisquer intercorrncias que atrapalhem o bom desenvolvimento da gestao.
O aleitamento materno deve ser exclusivo at os 6 meses e deve ser mantido junto com a
alimentao complementar at os 2 anos de idade. A amamentao traz benefcios tanto para
a me quanto para o beb, e todo este processo deve ser acompanhado por profissionais de
sade preparados.
Devemos tambm ficar atentos ao que est acontecendo na vida de nossos filhos e de nossos
alunos, aceitar e legitimar suas experincias emocionais. Quando surgir um problema, devemos
escutar com empatia e sem crticas. Quando ele lhe pedir ajuda, seja seu cmplice e seu aliado.
Embora sejam simples esses passos, hoje sabemos que formam a base de uma vida emocional
equilibrada entre pais e filhos, professores e alunos.
Problemas atuais que atrapalham o bom desenvolvimento da criana devem ser sanados para
que no haja consequncias importantes em sua vida adulta. Todo o processo de desenvolvimento
humano um conjunto de aes que devem ser tomadas concomitantemente pelos pais e
educadores, visando ao desenvolvimento de uma conscincia humana, social, cultural e ambiental
que possa ser transmitida atravs de geraes.
CALENDRIOS DE VACINAO
O calendrio de vacinao brasileiro definido pelo Programa Nacional de Imunizaes
do Ministrio da Sade (PNI/MS) e corresponde ao conjunto de vacinas consideradas de interesse
prioritrio sade pblica do pas. Seguem abaixo os calendrios de vacinao da criana e do
adolescente e as principais orientaes de cada vacina.

198

CALENDRIO DE VACINAO DA CRIANA


IDADE
Ao nascer

1 ms

VACINA
BCG-ID (1)
vacina BCG

DOSE

DOENAS EVITADAS

Dose nica

Formas graves da tuberculose (principalmente


nas formas miliar meningea)

Hepatite B (2)
vacina hepatite B (recombinante)

1 dose

hepatite B

Hepatite B
vacina hepatite B (recombinante)

2 dose

hepatite B

(2)

Tetravalente (DTP + Hib) (3)


vacina adsorvida difteria, ttano, pertussis e
Haemophitus influenzae b (conjugada)
2 meses

difteria, ttano, coqueluche, meningite e outras


infeces por Haemophilus influenzae tipo b

Vacina oral poliomelite (VOP)(4)


vacina poliomielite I, 2 e 3 (atenuada)

1 dose

Vacina oral de rotavrus humano (VORH) (5)


vacina rotavrus humano G1P1[8] (atenuada)

Diarria por rotavrus


pneumonia, otite, meningite e outras doenas
causadas pelo Pneumococo

Vcina pneumoccica 10 (conjugada) (6)


3 meses

Vacina meningoccica C (conjugada) (7)


vacina meningoccica C (conjugada)

1 dose

Vacina tetravatente (DTP + Hib) (3)


vacina adsorvida difteria, ttano, pertussis e
Haemophilus influenzae b (conjugada)
4 meses

Vacina oral poliomelite (VOP) (4)


vacina poliomielite 1, 2 e 3 (atenuada)

2 dose

Vacina oral de rotavrus humano (VORH)


vacina rotavrus humano G1P1[8] (atenuada)

pneumonia, otite, meningite e outras doenas


causadas pelo Pneumococo

Vacina meningoccica C (conjugada) (7)


vacina meningoccica C (conjugada)

2 dose

doena invasiva causada por Neisseria


meningitidis do sorogrupo C

Hepatite B (2)
vacina hepatite B (recombinante)

3 dose

hepatite B

Vacina oral poliomelite (VOP)


vacina poliomielite 1, 2 e 3 (atenuada)

poliomielite ou paralisia infantil

Vacina tetravatente (DTP + Hib)


vacina adsorvida difteria, ttano, pertussis e
Haemophilus influenzae b (conjugada)

difteria, ttano, coqueluche, meningite e outras


infeces por Haemophilus influenzae tipo b.

Vacina pneumoccica 10 (conjugada) (6)


vacina pneumoccica 10 - valente (conjugada)

pneumonia, otite, meningite e outras doenas


causadas pelo Pneumococo.

(4)

9 meses

12 meses

(3)

Vacina febre amarela (8)


vacina febre amarela (atenuada)

Dose inicial
1 dose

sarampo, caxumba e rubola

Vacina pneumoccica 10 (conjugada)


vacina pneumoccica 10 - valente (conjugada)

Reforo

pneumonia, otite, meningite e outras doenas


causadas pelo Pneumococo.

(6)

1 Reforo

Vacina oral poliomelite (VOP)


vacina poliomelite 1, 2 e 3 (atenuada)
(4)

Reforo

Vacina meningoccica C (conjugada) (7)


vacina meningoccica C (conjugada)
4 anos

10 anos

febre amarela

Vacina trplice viral (SCR) (9)


vacina sarampo, caxumba e rubola (atenuada)

Vacina trplice bacteriana (DTP)


vacina adsorvida difteria, ttano e pertussis
15 meses

poliomielite ou paralisia infantil


diarria por rotavrus

Vacina pneumoccica 10 (conjugada) (6)


vacina pneumoccica 10 - valente (conjugada)

6 meses

Doena invasiva causada por Neisseria


meningitidis do sorogrupo C
difteria, ttano, coqueluche, meningite e outras
infeces por Haemophilus influenzae tipo b

(5)

5 meses

Poliomielite ou paralisia infantil

Vacina trplice bacteriana (DTP)


vacina adsorvida difteria, ttano e pertussis

poliomelite ou paralisia infantil


doena invasiva causada por Neisseria
meningitidis do sorogrupo C

2 Reforo

Vacina trplice viral (SCR)


vacina sarampo, caxumba e rubola
(9)

Vacina febre amarela (8)


vacina febre amarela (atenuada)

difteria, ttano, coqueluche

2 Dose
Uma dose a cada
dez anos

difteria, ttano, coqueluche


sarampo, caxumba e rubola
febre amarela

(Fonte: Ministrio da Sade)


Nota: Mantida a nomenclatura do Programa Nacional de Imunizao e inserida a nomenclatura segundo a Resoluo de Diretoria
Colegiada RDC n. 61 de 25 de agosto de 2008 Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria ANVISA.

199

Orientaes importantes para a vacinao da criana:


(1) vacina BCG: Administrar o mais precoce possvel, preferencialmente aps o nascimento.
Nos prematuros com menos de 36 semanas administrar a vacina aps completar 1 (um) ms
de vida e atingir 2 Kg. Administrar uma dose em crianas menores de cinco anos de idade
(4 anos 11meses e 29 dias) sem cicatriz vacinal. Contatos intradomiciliares de portadores de
hansenase menores de 1 (um) ano de idade, comprovadamente vacinados, no necessitam
da administrao de outra dose de BCG. Contatos de portadores de hansenase com mais
de 1 (um) ano de idade, sem cicatriz, administrar uma dose. Contatos comprovadamente
vacinados com a primeira dose administrar outra dose de BCG. Manter o intervalo mnimo
de seis meses entre as doses da vacina. Contatos com duas doses no administrar nenhuma
dose adicional. Na incerteza da existncia de cicatriz vacinal ao exame dos contatos
intradomiciliares de portadores de hansenase, aplicar uma dose, independentemente da
idade. Para criana HIV positiva a vacina deve ser administrada ao nascimento ou o mais
precocemente possvel. Para as crianas que chegam aos servios ainda no vacinadas, a
vacina est contraindicada na existncia de sinais e sintomas de imunodeficincia, no se
indica a revacinao de rotina. Para os portadores de HIV (positivo) a vacina est contra
indicada em qualquer situao.
(2) vacina hepatite B (recombinante): Administrar preferencialmente nas primeiras 12
horas de nascimento, ou na primeira visita ao servio de sade. Nos prematuros, menores
de 36 semanas de gestao ou em recm-nascidos termo de baixo peso (menor de 2 Kg),
seguir esquema de quatro doses: 0, 1, 2 e 6 meses de vida. Na preveno da transmisso
vertical em recm-nascidos (RN) de mes portadoras da hepatite B administrar a vacina e
a imunoglobulina humana anti-hepatite B (HBIG), disponvel nos Centros de Referncia
para Imunobiolgicos Especiais (CRIE), nas primeiras 12 horas ou no mximo at sete
dias aps o nascimento. A vacina e a HBIG administrar em locais anatmicos diferentes.
A amamentao no traz riscos adicionais ao RN que tenha recebido a primeira dose da
vacina e a imunoglobulina.
(3) vacina adsorvida difteria, ttano, pertussis e Haemophilus influenzae b
(conjugada): Administrar aos 2, 4 e 6 meses de idade. Intervalo entre as doses de 60 dias
e, mnimo de 30 dias. A vacina adsorvida difteria, ttano e pertussis DTP so indicados
dois reforos. O primeiro reforo administrar aos 15 meses de idade e o segundo reforo
aos 4 (quatro) anos. Importante: a idade mxima para administrar esta vacina aos 6 anos

200

11meses e 29 dias. Diante de um caso suspeito de difteria, avaliar a situao vacinal dos
comunicantes. Para os no vacinados menores de 1 ano iniciar esquema com DTP+ Hib; no
vacinados na faixa etria entre 1 a 6 anos, iniciar esquema com DTP. Para os comunicantes
menores de 1 ano com vacinao incompleta, deve-se completar o esquema com DTP +
Hib; crianas na faixa etria de 1 a 6 anos com vacinao incompleta, completar esquema
com DTP. Crianas comunicantes que tomaram a ltima dose h mais de cinco anos e que
tenham 7 anos ou mais devem antecipar o reforo com dT.
(4) vacina poliomielite 1, 2 e 3 (atenuada): Administrar trs doses (2, 4 e 6 meses).
Manter o intervalo entre as doses de 60 dias e, mnimo de 30 dias. Administrar o reforo
aos 15 meses de idade. Considerar para o reforo o intervalo mnimo de 6 meses aps a
ltima dose.
(5) vacina oral rotavrus humano G1P1 [8] (atenuada): Administrar duas doses seguindo
rigorosamente os limites de faixa etria: primeira dose: 1 ms e 15 dias a 3 meses e 7 dias.
segunda dose: 3 meses e 7 dias a 5 meses e 15 dias. O intervalo mnimo preconizado entre
a primeira e a segunda dose de 30 dias. Nenhuma criana poder receber a segunda dose
sem ter recebido a primeira. Se a criana regurgitar, cuspir ou vomitar aps a vacinao
no repetir a dose.
(6) vacina pneumoccica 10 (conjugada): No primeiro semestre de vida, administrar
3 (trs) doses, aos 2, 4 e 6 meses de idade. O intervalo entre as doses de 60 dias e,
mnimo de 30 dias. Fazer um reforo, preferencialmente, entre 12 e 15 meses de idade,
considerando o intervalo mnimo de seis meses aps a 3 dose. Crianas de 7-11 meses de
idade: o esquema de vacinao consiste em duas doses com intervalo de pelo menos 1 (um)
ms entre as doses. O reforo recomendado preferencialmente entre 12 e 15 meses, com
intervalo de pelo menos 2 meses.
(7) vacina meningoccica C (conjugada): Administrar duas doses aos 3 e 5 meses
de idade, com intervalo entre as doses de 60 dias, e mnimo de 30 dias. O reforo
recomendado preferencialmente entre 12 e 15 meses de idade.
(8) vacina febre amarela (atenuada): Administrar aos 9 (nove) meses de idade. Durante
surtos, antecipar a idade para 6 (seis) meses. Indicada aos residentes ou viajantes para
as seguintes reas com recomendao da vacina: estados do Acre, Amazonas, Amap,
Par, Rondnia, Roraima, Tocantins, Maranho, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Gois,
Distrito Federal e Minas Gerais e alguns municpios dos estados do Piau, Bahia, So Paulo,

201

Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Para informaes sobre os municpios desses
estados, buscar as Unidades de Sade locais. No momento da vacinao considerar a
situao epidemiolgica da doena. Para os viajantes que se deslocarem para os pases em
situao epidemiolgica de risco, buscar informaes sobre administrao da vacina nas
embaixadas dos respectivos pases a que se destinam ou na Secretaria de Vigilncia em
Sade do Estado. Administrar a vacina 10 (dez) dias antes da data da viagem. Administrar
reforo, a cada dez anos aps a data da ltima dose.
(9) vacina sarampo, caxumba e rubola: Administrar duas doses. A primeira dose aos
12 meses de idade e a segunda dose deve ser administrada aos 4 (quatro) anos de idade.
Em situao de circulao viral, antecipar a administrao de vacina para os 6 (seis) meses
de idade, porm deve ser mantido o esquema vacinal de duas doses e a idade preconizada
no calendrio. Considerar o intervalo mnimo de 30 dias entre as doses.
CALENDRIO DE VACINAO DO ADOLESCENTE
IDADE

11 a 19
anos

VACINA

DOSE

DOENAS EVITADAS

Hepatite B (1)
vacina hepatite B (recombinante)

1 dose

Hepatite B

Hepatite B (1)
vacina hepatite B (recombinante)

2 dose

Hepatite B

Hepatite B (1)
vacina hepatite B (recombinante)

3 dose

Hepatite B

Dupla tipo adulto (dT) (2)


vacina adsorvida difteria e ttano - adulto

Uma dose a
cada 10 anos

Difteria e ttano

Febre amarela (3)


febre amarela (atenuada)

Uma dose a
cada 10 anos

Febre amarela

Trplice viral (SCR) (4)


vacina sarampo, caxumba e rubola

Duas doses

Sarampo, Caxumba e Rubola

(Fonte: Ministrio da Sade)


Nota: Mantida a nomenclatura do Programa Nacional de Imunizao e inserida a nomenclatura segundo a Resoluo de Diretoria
Colegiada RDC n. 61 de 25 de agosto de 2008 Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria ANVISA.

Orientaes importantes para a vacinao do adolescente


(1) vacina hepatite B (recombinante): Administrar em adolescentes no vacinados ou
sem comprovante de vacinao anterior, seguindo o esquema de trs doses (0, 1 e 6) com

202

intervalo de um ms entre a primeira e a segunda dose e de seis meses entre a primeira e a


terceira dose. Aqueles com esquema incompleto, completar o esquema. A vacina indicada
para gestantes no vacinadas e que apresentem sorologia negativa para o vrus da hepatite
B a aps o primeiro trimestre de gestao.
(2) vacina adsorvida difteria e ttano - dT (Dupla tipo adulto): Adolescente sem
vacinao anteriormente ou sem comprovao de trs doses da vacina, seguir o esquema
de trs doses. O intervalo entre as doses de 60 dias e no mnimo de 30 (trinta) dias.
Os vacinados anteriormente com 3 (trs) doses das vacinas DTP, DT ou dT, administrar
reforo, a cada dez anos aps a data da ltima dose. Em caso de gravidez e ferimentos
graves antecipar a dose de reforo sendo a ltima dose administrada h mais de 5 (cinco)
anos. A mesma deve ser administrada pelo menos 20 dias antes da data provvel do parto.
Diante de um caso suspeito de difteria, avaliar a situao vacinal dos comunicantes. Para os
no vacinados, iniciar esquema de trs doses. Nos comunicantes com esquema de vacinao
incompleto, este dever completado. Nos comunicantes vacinados que receberam a ltima
dose h mais de 5 (cinco) anos, deve-se antecipar o reforo.
(3) vacina febre amarela (atenuada): Indicada 1 (uma) dose aos residentes ou viajantes
para as seguintes reas com recomendao da vacina: estados do Acre, Amazonas, Amap,
Par, Rondnia, Roraima, Tocantins, Maranho, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Gois,
Distrito Federal e Minas Gerais e alguns municpios dos estados do Piau, Bahia, So Paulo,
Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Para informaes sobre os municpios destes
estados, buscar as Unidades de Sade locais. No momento da vacinao considerar a
situao epidemiolgica da doena. Para os viajantes que se deslocarem para os pases em
situao epidemiolgica de risco, buscar informaes sobre administrao da vacina nas
embaixadas dos respectivos pases a que se destinam ou na Secretaria de Vigilncia em
Sade do Estado. Administrar a vacina 10 (dez) dias antes da data da viagem. Administrar
dose de reforo, a cada dez anos aps a data da ltima dose. Precauo: A vacina
contraindicada para gestante e mulheres que estejam amamentando. Nesses casos buscar
orientao mdica do risco epidemiolgico e da indicao da vacina.
(4) vacina sarampo, caxumba e rubola SCR: considerar vacinado o adolescente que
comprovar o esquema de duas doses. Em caso de apresentar comprovao de apenas uma
dose, administrar a segunda dose. O intervalo entre as doses de 30 dias.

203

REFERNCIAS
ABERASTURY, A. et al. Adolescncia. Buenos Aires: Ediciones Kargieman, 1978.
ALVES, M. R. Caractersticas epidemiolgicas das vtimas fatais de acidentes de trnsito, menores de
14 anos de idade no perodo de janeiro de 1995 a dezembro de 2000, no municpio de Curitiba.
Tese (Mestrado) Setor de Cincias da Sade, Universidade Federal do Paran, 2001.
AUTORES DIVERSOS. Histria de nossas vidas: Os menores de Quatro Pinheiros. Curitiba: Fundao
Educacional Meninos e Meninas da Rua Projeto Elior, 1999.
BOA SADE. A obesidade infantil j atinge cerca de 10% das crianas brasileiras. Disponvel em:
<http://boasaude.uol.com.br/lib/ShowDoc.cfm?LibDocID=3961&ReturnCatID=667>.
BRASIL ESCOLA. Bullying. Disponvel em: <http://www.brasilescola.com/sociologia/bullying.htm>.
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA. Bullying. Disponvel em:<http://www.cnj.jus.br/campanhas-dojudiciario/bullying>.
CRIANA SEGURA BRASIL. Cuidados para uma criana segura. Disponvel em: <http://www.criancasegura.
org.br>.
FIOCRUZ. Obesidade Infantil e na Adolescncia. Disponvel em: <http://www.fiocruz. br/biosseguranca/
Bis/infantil/obesidade-infantil.htm>.
FORJAR, J. e ARNAL, G. Textbook of Paediatrics Churchil Livingstone. Edinbugh, 1984.
GRANDE DICIONRIO HOUAIS DA LNGUA PORTUGUESA. Disponvel em <http://biblioteca.uol.com.br/>.
KALUNA, E. Aos pais de adolescentes. Rio de Janeiro: Cobra Rorato, 1994.
LOPES, F.A; JR, D.C et al. Sociedade Brasileira de Pediatria: Filhos da gravidez aos 2 anos de idade:
dos pediatras da Sociedade Brasileira de Pediatria. So Paulo: Editora Manole Ltda, 2010. 1. ed.
LOPES, F.A; JR, D.C et al. Sociedade Brasileira de Pediatria: Filhos de 2 a 10 anos de idade: dos
pediatras da Sociedade Brasileira de Pediatria. So Paulo: Editora Manole Ltda, 2011. 1. ed.
LOPES, F.A; JR, D.C et al. Sociedade Brasileira de Pediatria: Filhos adolescentes de 10 a 20 anos de
idade: dos pediatras da Sociedade Brasileira de Pediatria. So Paulo: Editora Manole Ltda, 2012.
MINISTRIO DA SADE. Portal da Sade. Imunizaes. Disponvel em <http://portal.saude.gov.br/portal/
saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=21462>.
NOVO DICIONRIO AURLIO DA LNGUA PORTUGUESA. 2. ed. J.E.M.M Editores Ltda. 1986.
OBESIDADE INFANTIL. Obesidade Infantil. Disponvel em: <http://www. obesidadeinfantil.org/>.
PERNETTA, C. Amor e liberdade. Porto Alegre: Grafosul, 1982.
PORTAL BRASIL. Campanha contra a Obesidade Infantil. Disponvel em: <http://www.brasil.gov.br/
noticias/arquivos/2012/03/05/mais-de-5-milhoes-de-estudant es-do-pais-serao-orientados-sobre-obesidade>.
PORTAL DO PROFESSOR. Bullying na Escola. Disponvel em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/
conteudoJornal.html?idConteudo=930>.

204

SAVASIANO, H. et al. Seu filho de 0 a 12 anos: guia para observar o desenvolvimento e crescimento das
crianas at 12 anos. So Paulo: Ibrasa, 1982.
SCHAEFER, C. E. Conversando com crianas. So Paulo: Editora Harbra Ltda, 1991.
SIELSKI, F. Filhos que usam drogas: guias para os pais. Curitiba: Ed. Adrenalina, 1999.
SILVA FONTES, J. A. et al. Perinetologia Social. So Paulo: Fundo Editorial Byk-Procient, 1984.
SOUZA, R. P. de & MAAKAROW, M. F. Manual de Adolescncia. Sociedade Brasileira de Pediatria
Comit de Adolescncia.
The American Journal of Clinical Nutrition 61, 1995. p. 271-273.
TORRES, L. C. B. Sade do Adolescente. SENAR-PR. Manual do Professor.
TOURINHO, C. R. et al. Generologia da infncia e adolescncia. So Paulo: Fundo Editorial BYB
Procient, 1980.
YODER, J. A criana autoconfiante. So Paulo: Saraiva, 1990.
MATERIAL DISPONVEL NA INTERNET
- Brincadeiras Sustentveis
http://www.casinhanaarvore.com/guiaescolas/
- Calendrio de Vacinao da Criana e do Adolescente
<http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm?idtxt=21462>.
- Cartilha sobre Bullying
http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-escolas/cartilha_bullying.pdf
- Pirmide Alimentar Adaptada: Guia para escolha dos alimentos
http://www.scielo.br/pdf/rn/v12n1/v12n1a06.pdf
- Vdeos informativos sobre Obesidade Infantil
http://www.obesidadeinfantil.org/

205

A ALIMENTAO E A NUTRIO

Antonio Carlos Pinto Jachinoski

A alimentao uma das maiores preocupaes de pais e responsveis por crianas


de todas as faixas etrias. H uma grande procura por parte dessas pessoas por informaes
quanto quantidade, qualidade, e em contrapartida h uma enorme exposio de informaes
em todos os tipos de mdia, veiculadas por anunciantes e fabricantes, nem sempre preocupados
com a sua veracidade.
O objetivo deste texto esclarecer e desmitificar algumas das dvidas mais frequentes com
relao alimentao e nutrio, porm sem ter a pretenso de esgotar este assunto, que muito
amplo e complexo. Talvez um dos primeiros pontos que deva ser abordado que muito mais
fcil a formao de hbitos em crianas, principalmente por meio de bons exemplos, manuteno
de horrios e incentivos manuteno destes bons hbitos.
bastante comum pais cobrarem que os filhos comam determinados tipos de alimentos,
mas eles mesmos no os consomem; se na famlia no existe o hbito, dificilmente a criana ir
desenvolv-lo. Exemplos tpicos so os pais que exigem que os filhos comam salada, legumes, mas
eles no o fazem; ou aqueles que dizem para os filhos que poderiam trocar doces por frutas, mas
no facilitam o acesso das crianas s frutas.
Aproveitando ainda este tema, importante na atualidade salientar que tambm devemos
nos preocupar, dentro da formao desses hbitos, com a incluso de ideias como a escolha de
alimentos in natura, sazonais1 e de produo regional. Isso porque, alm de terem preos mais

207

acessveis, diminuem de forma considervel o impacto sobre nosso planeta. Por exemplo, todo
alimento que no necessita ser cozido antes do consumo, alm de manter suas propriedades
nutricionais reduz a emisso de carbono na atmosfera, seja pela queima de gs de cozinha, seja
pela queima de lenha, ainda to comum nas reas rurais. Quando utilizamos alimentos sazonais
evitamos o gasto de energia utilizada para manter tais alimentos at o consumo. A valorizao
de alimentos produzidos na regio, alm de favorecer seus produtores, dando condies de sua
permanncia na atividade rural, evita a necessidade de transporte destes alimentos, reduzindo
tambm a emisso de poluentes na atmosfera.
Devemos ter em mente que se desejamos ter filhos saudveis, devemos deixar o comodismo de
lado e trabalhar diariamente na construo de hbitos saudveis em nossas crianas. importante
nos conscientizarmos de que um pacote de salgadinhos e um refrigerante no substituem uma
refeio, que quem pode decidir sobre o que bom ou no comer no a criana, mas sim seus
responsveis. Isso pode ser trabalhoso, mas o que trar os resultados que buscamos para a
sade de nossos filhos.
No deixe para tentar desenvolver em seus filhos esses hbitos somente quando eles j
tiverem vontade prpria. Uma criana que desde a mais tenra idade tem uma alimentao saudvel
e bem balanceada com toda a certeza levar esses benefcios para o resto de sua vida. E no pense
que uma alimentao saudvel est na dependncia de condio financeira. Nem sempre caros
biscoitos recheados so mais saudveis que uma fatia de po coberto com um doce caseiro, ou
achocolatados substituem uma boa xcara de caf com leite.
Os alimentos que so submetidos a processamento industrial de uma maneira geral so mais
pobres do ponto de vista nutricional do que os naturais, e geram mais danos ao nosso planeta,
seja pela emisso de carbono durante a produo, seja pela poluio formada pelos seus resduos,
transporte e at pelo lixo gerado pelas embalagens aps o consumo. No pretendemos ser contra
a indstria e o progresso, mas talvez resgatar antigos hbitos de alimentao mais saudvel,
que prestigiando uma alimentao mais natural, evita, por exemplo, o consumo exagerado de
conservantes, j sabidamente to deletrios2 a nossa sade.
A predileo por alimentos orgnicos3 animais ou vegetais alm de serem mais saudveis e
seguros, j que so isentos de hormnios e defensivos, causam menos impacto na natureza.
A nutrio humana tem muitos componentes. Os macronutrientes4 so as protenas5, os
carboidratos6 e as gorduras7. Os micronutrientes8 so todos os demais componentes, inclusive
vitaminas9, eletrlitos e oligoelementos. Todos eles so vitais, e, sendo assim, a ausncia de
qualquer um dos nutrientes10 ser prejudicial e pode at mesmo causar grandes problemas.

208

PROTENAS
As protenas so o material de construo da estrutura corprea. Elas so formadas
por partes menores, os aminocidos11, e estes, por sua vez, so a base da sntese corporal,
ou seja, formam ossos, msculos, pele e o crebro. So tambm os responsveis pelo nosso
cdigo gentico, j que so os formadores dos cidos nucleicos o DNA e o RNA , bem como
as molculas que so responsveis pelo armazenamento de energia em nosso corpo. Somos
basicamente feitos de protenas.
A protena o menos disponvel e o mais dispendioso dos macronutrientes. Pelo alto custo,
as populaes de regies mais pobres normalmente no tm a quantidade suficiente de protenas
em suas dietas, e o baixo teor de protenas na alimentao resulta, por exemplo, em crianas com
baixo desenvolvimento, sendo consequentemente mais frgeis e suscetveis a doenas.
As fontes de protenas mais conhecidas so carnes, peixes, ovos, leite e queijo. As melhores
fontes vegetais so as leguminosas como feijo, amendoim, ervilhas e derivados de soja. Muitos
cereais contm protenas, e as frutas e verduras so fontes moderadas. Algumas dessas fontes so
complementares; por exemplo, os cereais no possuem protenas de alta qualidade, mas quando
adicionamos leite, as protenas deste complementam as dos cereais, ou seja, o cereal com leite
uma fonte muito melhor de protena que o cereal sozinho.
Como alguns aminocidos no podem ser produzidos pelo nosso corpo, eles necessariamente
tem de ser obtidos a partir da nossa alimentao. Esses aminocidos so chamados de essenciais,
ou seja, no podemos viver sem eles, e esse um dos motivos para no privar as crianas de
nenhuma fonte de protenas, isto , no se pode somente oferecer uma dieta vegetariana para
crianas, pois estaramos correndo risco de que essa criana fosse privada de alguns tipos de
aminocidos que so encontrados apenas na carne, comprometendo seu desenvolvimento normal.
Um ponto fundamental, portanto, que no podemos substituir alimentos sem que tenhamos
certeza absoluta de que essa troca realmente eficaz.
CARBOIDRATOS
Mais conhecidos como acares, os carboidratos so a principal fonte de energia da dieta
humana. Dentre eles, o mais abundante encontrado na natureza a glicose12, que por sua vez
o principal combustvel para a manuteno da vida na maioria das espcies. Os acares esto
normalmente na forma de monossacardeos13 (glicose, frutose14 e galactose15) ou dissacardeos16
dois monossacardeos reunidos, como a sacarose17 (acar de mesa), a maltose18 e a lactose19.

209

Na natureza, a maioria dos carboidratos encontra-se na forma de polissacardeos20, que so, na


realidade, uma unio de vrios monossacardeos essa unio recebe o nome de polmero21.
O amido22 a forma de depsito polimrico da glicose encontrada nas plantas; nos animais,
a glicose armazenada como glicognio23. Os carboidratos so um importante combustvel dos
seres vivos, mas para serem utilizados devem ser quebrados por nosso organismo da sua forma de
depsito polissacardeo (amido e glicognio) em acares mais simples (monossacardeos).
Na maioria das dietas ocidentais, mesmo aquelas consideradas ricas em gorduras, os
carboidratos compreendem de 50% a 60% das calorias totais. O restante fornecido pelas
gorduras (30% a 40%) e protenas (10% a 20%). Em algumas culturas agrrias, como na sia e
na frica, 80% da energia total da dieta fornecida por carboidratos. Por ser uma fonte rpida de
energia, muito importante principalmente para crianas, que tm uma necessidade energtica
muito grande, tanto pelo fato de serem extremamente ativas como pelo seu crescimento. Porm,
devemos selecionar o tipo de carboidrato que iremos oferecer aos nossos filhos, para que seu
desenvolvimento seja normal e no haja problemas como obesidade24 juvenil e cries. Muitas
frutas so excelentes fontes de carboidratos, ento podemos incentivar o consumo de frutas ao
invs de doces industrializados, ricos em sacarose (acar de mesa), que mais prejudicial para
o nosso organismo.
GORGURAS E LIPDIOS
Os lipdios25 constituem uma classe grande de compostos que incluem as gorduras, os leos
e as ceras, alm de uma variedade de outros compostos como o colesterol26, os fosfolipdios27 e
as lipoprotenas28. As suas propriedades comuns so a insolubilidade em gua, a solubilidade em
solventes orgnicos e a capacidade de utilizao pelos organismos vivos.
As gorduras podem ser definidas de trs modos diferentes. Comumente, uma gordura
qualquer substncia oleosa ao toque e insolvel em gua. Quimicamente, as gorduras so cidos
graxos, a maioria na forma de triglicrides, mas tambm so encontradas como monoglicrides,
diglicrides, triacilgliceris e cidos graxos livres. Por razes nutricionais, as gorduras incluem
outros lipdios que so nutricionalmente importantes, quais sejam: compostos lipdicos, como
os fosfolipdios e os glicolipdios29; os esteris, como o colesterol; e os lipdios sintticos, que
incluem triglicrides de cadeia mdia, lipdios estruturados e substitutos das gorduras. Apesar
de a nomenclatura ser bastante complexa, conhec-los e familiarizar-se com eles fundamental
para futuras pesquisas e aprofundamentos sobre o assunto. Existem cidos graxos saturados e

210

insaturados, mas os poliinsaturados so os de nosso maior interesse, pois dois deles, e felizmente
os mais comuns, so essenciais para nossa dieta e no podem ser formados pelo nosso organismo:
o cido linolico e o cido alinolico. Temos de necessariamente obt-los de alguma fonte
externa, como leo de milho, soja, canola, nas nozes, grmen de trigo etc. Sem eles, o corpo ir
sofrer deficincia de cidos graxos essenciais. A partir deles, o corpo pode sintetizar os cidos
graxos biologicamente ativos e os eicosanides ou prostaglandinas. Eicosanoides so hormnios
lipdicos que afetam a presso sangunea, a reatividade vascular, a coagulao sangunea e o
sistema imunolgico. Com isso, possvel afirmar que no se pode retirar totalmente as gorduras
de nossa dieta, pois isso traria problemas ao funcionamento normal de vrios sistemas de nosso
organismo, e tambm explicar por que dietas para perda de peso que so radicais na excluso de
certos grupos de alimento podem ser consideradas como suicdio. Muitos lipdios so importantes
no controle da quantidade de outros lipdios, como o bom colesterol (HDL), que ajuda a controlar
o mau colesterol (LDL), e, ao contrrio do que se pensa, ambos so muito importantes para
o funcionamento de nosso organismo e no podem ser totalmente eliminados de nossa dieta.
Assim como os chamados cidos graxos mega-3 e mega-6, que so encontrados nos leos de
peixes e so cardioprotetores, ou seja, protegem nosso corao de vrias doenas. Existem as
lipoprotenas, que so importantes por fazer com que gorduras, que so insolveis, se tornem
solveis em gua, permitindo que nosso organismo possa melhor utiliz-las ou at excret-las.
Ou, ainda, os fosfolipdios e os glicolipdios, que so compostos presentes nas paredes de nossas
clulas, fazendo a unio entre elas.
As gorduras devem perfazer menos de 30% das calorias de nossa dieta, e, embora isso seja
claramente uma boa ideia, devem ser feitas algumas advertncias. Somente reduzir a porcentagem
de gorduras no muito eficaz, a no ser que a ingesto de calorias totais seja adequadamente
controlada, ou seja, uma pessoa pode tornar-se to obesa com arroz integral quanto com batatas
fritas; falando claramente, preciso ter bom senso: uma travessa de arroz integral muito mais
calrica do que uma poro pequena de batatas fritas. E, sempre que possvel, substituir alimentos
gordurosos por outras fontes de lipdios mais saudveis, como frituras por saladas temperadas
com azeite de oliva.
VITAMINAS
Vitaminas so nutrientes essenciais para a manuteno do funcionamento normal de nosso
organismo, inclusive para a formao do sangue e de suas clulas de defesa. Nosso organismo
no pode sintetiz-las, portanto precisamos busc-las em variadas fontes que necessariamente

211

devem ser includas em nossa dieta. Elas funcionam como cofatores nas reaes enzimticas, ou
seja, so necessrias para que outras substncias (as enzimas30) possam cumprir seu papel no
funcionamento de nosso organismo. Como exemplo, podemos citar os mecanismos de respirao
celular, cicatrizao e reparao de nossos tecidos, transporte e utilizao de energia e oxignio
pelas clulas, absoro de minerais e eletrlitos etc.
Suas fontes so muito variadas, e as dosagens necessrias dependem de vrios fatores, como
a idade, por exemplo, j que algumas so mais importantes na infncia e outras na maturidade.
A deficincia crnica de diversas vitaminas tem sido associada com cncer, doenas
cardiovasculares, catarata, artrite, distrbios do sistema nervoso e fotossensibilidade (sensibilidade
luz). As pessoas muito jovens, as muito velhas, os estressados e os doentes crnicos apresentam
um maior risco de deficincias vitamnicas.
D preferncia a fontes naturais de vitaminas, como frutas, verduras, castanhas e cereais,
pois alm de facilitar sua absoro pelo nosso organismo, a quantidade de que precisamos
pequena, e nas fontes naturais podemos obt-las com facilidade. Deixe as reposies artificiais ou
farmacolgicas para tratamentos acompanhados e orientados por mdicos.
OLIGOELEMENTOS
Inmeros elementos esto presentes no organismo em pequenas quantidades, mas so
essenciais para o funcionamento do corpo. Ao contrrio dos macrominerais como o sdio
e o potssio, as necessidades de oligoelementos so inferiores a 100mg/dia. A maioria dos
oligoelementos, mas no todos, formada por metais. Eles so frequentemente, componentes
das enzimas.
Muitos so os componentes essenciais na dieta humana, e como so necessrios em
pequenas quantidades, dificilmente caracterizado um estado de deficincia; outros, como o iodo
e o ferro, so to importantes que sua deficincia no s notada de pronto, como sua falta causa
srios danos em nosso organismo. Isso to srio que, por lei, na composio do sal de cozinha
deve ser acrescentado iodo para evitar uma doena chamada bcio nos adultos e retardo mental
(cretinismo) em crianas, causados justamente pela falta de iodo na dieta. J a carncia de ferro
est diretamente ligada a um componente do sangue, a hemoglobina31, e sua falta causa um tipo
de anemia que muito prejudicial nossa sade e ao desenvolvimento normal das crianas.
Atualmente, os oligoelementos essenciais so ferro, zinco, cobre, mangans, cromo, cobalto,
molibdnio, selnio, flor e iodo. As doses dirias recomendadas no foram ainda estabelecidas

212

para todos eles. Alguns dos oligoelementos que antes se desconheciam como essenciais agora
so reconhecidos como importantes na dieta humana. Boas fontes de ferro so fgado, ostras,
mariscos, carnes, aves e peixes; cereais integrais e vagens secas so boas fontes vegetais.
MINERAIS E ELETRLITOS
Os nutrientes esto divididos em macronutrientes e micronutrientes. Os oligoelementos. Os
minerais so considerados substncias para as quais a necessidade maior do que 100 mg/dia. A
maioria dos minerais encontrada nos lquidos corporais como solues eletrolticas.
Os principais so o sdio e o potssio, responsveis pelo equilbriodos lquidos em nosso
corpo; participam na contrao muscular, no equilbrio cido-bsico, na permeabilidade32 celular,
no metabolismo33 de carboidratos etc. Portanto, esses sais tm inmeras funes no funcionamento
das variadas partes de nosso organismo, sendo essenciais para nossa vida.
Tanto a falta como o excesso de qualquer um dos dois podem levar a inmeros problemas
e at mesmo morte.
Outros minerais tm funes especficas. o caso do cloro, o principal componente do suco
gstrico, que obtido do cloreto de sdio, o sal de cozinha.
O clcio essencial para nossos ossos e dentes, bem como para funes vitais como os impulsos
eletroqumicos s membranas, a conduo dos impulsos nervosos e a coagulao sangunea.
O clcio encontrado em laticnios, vegetais folhosos, legumes, nozes e cereais integrais.
A quantidade de clcio que deve ser ingerida diariamente de 400mg a 1.200mg. As mulheres
precisam de mais clcio do que os homens. Parece provvel que a osteoporose, bastante prevalente
em mulheres de mais idade, possa ser prevenida pela administrao de suplementos de clcio
durante os anos frteis e aps a menopausa. O clcio sempre deve estar presente na dieta de
mulheres grvidas e lactentes.
O magnsio est intimamente relacionado com o clcio. Ele age como um componente do
osso e importante na contrao muscular e na propagao do impulso nervoso. um cofator em
mais de 300 reaes enzimticas.
O magnsio amplamente encontrado, especialmente em alimentos no processados, como
vegetais e nozes; a quantidade que deve ser ingerida diariamente de 250mg a 300mg.
O fsforo est presente em nosso organismo na forma de fosfato.
Ele entra na formao do nosso esqueleto combinado com o clcio na forma de fosfato de
clcio; encontrado no leite, nas carnes, no peixe e nos cereais.

213

FIBRAS
Fibra um material da parede celular das plantas que resistente digesto por enzimas do
intestino delgado humano. As da dieta promovem uma funo normal do intestino, pois estimulam
a sua movimentao; j as insolveis aumentam o tempo de trnsito e o volume do bolo fecal,
tendo, assim, um efeito laxativo. Porm, importante salientar que a ingesto de fibras com
aumento do consumo de gua pode resultar em constipao34 em pacientes com longa histria de
constipao crnica. Um aumento de fibras na dieta pode ajudar a prevenir doenas cardacas e
o cncer35, particularmente o de intestino (clon).
Foi comprovado que a ingesto de fibras em maior quantidade aumenta o controle glicmico
e a sensibilidade insulina36, em pacientes portadores de diabete melito, permitindo assim, uma
reduo na medicao. Para o tratamento da obesidade, uma dieta rica em fibras fornece uma
sensao de plenitude gstrica e pode auxiliar no manejo do peso em longo prazo. A adio de
fibras como a aveia (de 2/3 a 1 xcara) na dieta pode reduzir as lipoprotenas de baixa densidade
(LDL) em 10% a 20% no sangue para pacientes com altos nveis de colesterol.
Para uma dieta rica em fibras, basta incentivar alguns hbitos como o de comer pelo menos
cinco frutas e vegetais ao dia, preferir pes e cereais integrais, ingerir cereais com farelo de trigo
e comer feijo pelo menos duas vezes por semana. Sempre que aumentamos o consumo de fibras
em nossa dieta, devemos aumentar a ingesto de gua em um mnimo de dois copos por dia.
Conhecendo todos os componentes principais que devem fazer parte da dieta de um ser
humano, como desenvolver uma frmula para uma alimentao correta? Existem vrios mtodos
e autores que tentaram descrever uma maneira correta e ideal de se alimentar. Por exemplo, a
pirmide alimentar. Ela um recurso educacional que mostra as diretrizes dietticas em uma forma
grfica facilmente compreensvel, e tem sido utilizada para orientar a quantidade e os diferentes
tipos de alimentos a serem includos na dieta diria. A pirmide alimentar foi desenvolvida para
ser utilizada por uma populao saudvel, com a finalidade de ensinar conceitos de variedade,
moderao, alm da incluso de tipos de alimentos em propores adequadas na dieta total. Ela
deve ser modificada para diferentes idades e grupos tnicos, sendo, assim, adequada a diferentes
realidades e costumes. Por isso, necessitamos de um grande conhecimento em nutrio para
podermos utiliz-la com eficincia.
Ento, como proceder para nutrir adequadamente nossas crianas?
Qual mtodo ou frmula utilizar para aliment-las de forma ideal?
Quase tudo em nossas vidas mostra que qualquer tipo de excesso prejudicial, ento
devemos ter uma dieta constituda de um cardpio variado, pois ingerindo uma variedade de

214

alimentos dificilmente teremos deficincia de algum componente essencial. Ao invs de nos


fartarmos de um nico tipo de alimento, o ideal nos alimentarmos de pequenas pores de
vrios tipos de alimentos.
A quantidade de alimento ou calorias que se ingere deve ser equilibrada com a quantidade
de atividade fsica, pois dessa maneira podemos manter ou equilibrar o nosso peso.
Escolha uma dieta pobre em gorduras saturadas e colesterol, moderada em acares, sal
e sdio, porm com bastantes gros, vegetais e frutas. Se voc ingere bebidas alcolicas, faa-o
moderadamente.
Talvez a melhor maneira de ensinarmos nossas crianas seja por meio da formao de
hbitos, desde a mais tenra idade, com bons exemplos, pois as crianas espelham-se nos adultos.
Manter horrio de alimentao, reunir sempre que possvel toda a famlia nas refeies e aproveitar
esse tempo para ensinar as vantagens de bem alimentar-se, valorizar os alimentos e o quanto so
importantes para uma vida saudvel e um crescimento normal.
Muitas crianas so levadas a consumir alimentos de baixo valor nutritivo por modismo
criado pelas propagandas veiculadas na mdia ou por comodismo dos pais que preferem no se
aborrecer com esses assuntos desde que seu filho coma alguma coisa, mesmo que isso leve a
algum tipo de deficincia ou desnutrio. No permita substituies de alimentos sem ter a certeza
de que realmente a troca tem o mesmo valor nutricional. Evite permitir alimentao entre as
refeies principais, pois essa uma das principais causas de no estou com fome!, no quero
comer nada disto!, no gosto de nada que tem aqui!. Uma criana que se alimenta nos horrios
corretos sempre se alimentar bem e dificilmente ter problemas de obesidade.
Procure sempre lembrar que nossas crianas nos manipulam facilmente, seja com manhas e
choros, seja com sorrisos e rostinhos meigos. Porm, quem pode definir um futuro melhor para elas
somos ns. No troque a sade de seu filho por um pouco de sossego, incentive-o a bem alimentar-se
para ser uma pessoa mais forte e inteligente, e evite sequelas que a desnutrio pode causar, pois os
danos durante o desenvolvimento de uma criana na grande maioria das vezes so irreversveis. O
uso de artifcios como contar boas mentiras pode ajudar uma me certa vez contou-me que sua
filha, hoje uma linda moa, adquiriu o hbito de comer saladas verdes por acreditar que assim teria
mais chances de ter olhos bem verdinhos , bem como incentivar a comer determinado alimento
porque o atleta de sucesso s ficou assim porque tambm possua esse hbito.
Devemos ainda valorizar a nossa Cultura, com a manuteno de receitas tpicas de
cada regio, explorar as diferenas gastronmicas de nosso pas continental em detrimento
de modismos to frequentemente impostos pela mdia globalizada. Por que dar preferncia

215

a salgadinhos e refrigerantes industrializados, cheios de conservantes e sem valor nutricional


algum, se podemos optar por alimentos puros e cheios de energia viva, muitas vezes produzidos
em nossos prprios quintais? Temos de aprender a no ser manipulados por propagandas
enganosas que apenas visam ao consumo exagerado e inescrupuloso, buscando apenas lucros
em suas vendas e no a sade de nossos filhos.
Use sua criatividade e permita que nossas crianas sejam saudveis e bem desenvolvidas.
Incentive as atividades fsicas em substituio ao videogame e ao computador, e no correremos
o risco de sermos chamados de pais de Primeiro Mundo, cujas crianas no passam fome, mas
so desnutridas por substituir alimentos saudveis por salgadinhos e tm problemas graves de
obesidade infantil por falta de atividades fsicas.
Hoje podemos encontrar com facilidade inmeras fontes de aproveitamento integral dos
alimentos, como cascas, sementes, talos e folhas, que anteriormente eram descartadas ou no
mximo utilizadas para alimentao de animais de criao. Um exemplo so as folhas da beterraba,
a casca do maracuj etc.
Portanto, uma receita infalvel para um crescimento sadio formar bons hbitos, preparar e
oferecer uma dieta rica e variada, incentivar atividades fsicas e, principalmente, envolver-se com
o desenvolvimento mental e corporal, dando ateno e carinho, que so tambm componentes
essenciais para o crescimento de nossas crianas.
REFERNCIAS
Programa Agrinho 97. Leitura de Bases Tericas
WAY III, C. W. V. Segredos em nutrio: respostas necessrias ao dia-a-dia: em rounds, na clnica, em exames
orais e escritos/ Charles W. Van Way III; Trad. Jussara N.T. Burnier. Porto Alegre: Artes Mdicas Sul, 2000.
BRASIL. Ministrio da Sade. Secretaria de Poltica de Sade. Organizao Pan Americana da Sade. Guia
alimentar para crianas menores de dois anos / Secretaria de Polticas de Sade, Organizao Pan Americana
da Sade. Braslia: Ministrio da Sade, 2002.
Banco de Alimentos e Colheita Urbana: Aproveitamento Integral dos Alimentos. Rio de Janeiro: SESC/DN,
2003. 45 p. (Mesa Brasil SESC- Segurana Alimentar e Nutricional). Programa Alimentos Seguros. Convnio
CNC/CNI/SEBRAE/ANVISA.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Sazonais Relativos a estaes do ano.

Deletrios Insalubres, prejudiciais.

216

Alimentos orgnicos Alimentos produzidos sem o emprego de meios artificiais, fertilizantes e defensivos
industriais.

Macronutrientes Substncia nutriente constitudo por molculas de grande tamanho.

Protenas Cada uma das substncias de elevada massa molecular, composta de carbono, hidrognio e
nitrognio, e s vezes tambm enxofre e fsforo, e que so os elementos essenciais de todas as clulas dos
seres vivos. So encontradas nos reinos vegetal e animal.

Carboidratos Qualquer composto orgnico com uma frmula Cn(H2)n; hidrato de carbono. Var.: glicdio,
glucdio.

Gorduras Designao das substncias constitudas de cidos estericos encontradas nos tecidos adiposos
dos animais, e em diversos leos vegetais.

Micronutrientes Substncia nutriente constitudo por molculas de pequeno tamanho.

Vitaminas Cada um dos compostos orgnicos do reino animal e vegetal, que atuam em pequenssimas
quantidades, favorecendo o metabolismo, servindo de base para os mais importantes fermentos, influindo
sobre os hormnios.

10 Nutrientes Substncias responsveis pela nutrio.


11 Aminocidos cido orgnico em que parte do hidrognio no cido foi substituda por um ou mais
radicais aminados (NH2).
12 Glicose Acar que existe nas uvas, noutros frutos aucarados, no mel, no sangue, no suco de alguns
vegetais etc.
13 Monossacardeos Cada um de uma classe de acares simples, que consistem em um carboidrato no
hidrolizvel.
14 Frutose Acar das frutas.
15 Galactose Acar cristalino, encontrado nos vegetais e no leite.
16 Dissacardeos Unio de dois monossacardeos.
17 Sacarose Acar comum, de cana ou beterraba.
18 Maltose Sacardeo cristalino que se obtm pela decomposio enzimtica do amido.
19 Lactose Acar encontrado no leite dos mamferos, branco, pulverulento, cristalino.
20 Polissacardeos Carboidrato decomponvel por hidrlise em duas ou mais molculas de monossacrides
(como glicose) ou seus derivados.
21 Polmero Diz-se dos compostos cuja molcula constituda pela associao de diversas molculas de
outro composto mais simples.
22 Amido Substncia branca e inspida, existente na natureza nos rgos vegetais subterrneos (tubrculos
de batatas) e nos gros (albume do trigo), constituindo o principal elemento da alimentao humana.
23 Glicognio Polissacride amorfo, branco, inspido, que constitui a forma principal na qual um carboidrato
armazenado no tecido animal.

217

24 Obesidade Acumulao excessiva de gordura no corpo.


25 Lipdios Substncias insolveis em gua, gorduras.
26 Colesterol Substncia existente nas clulas do corpo e nas gorduras animais responsvel pela aterosclerose.
27 Fosfolipdios Combinado ou misturado com fsforo ou um composto de fsforo e um lipdio.
28 Lipoprotenas Combinado de lipdio e protena.
29 Glicolipdios Combinao de glicose e lipdio.
30 Enzimas Catalisador de ao especfica.
31 Hemoglobina Pigmento protenico ferruginoso que ocorre nas clulas vermelhas do sangue de vertebrados
e que fixa o oxignio do ar, levando-o aos tecidos.
32 Permeabilidade Qualidade de permevel.
33 Metabolismo Conjunto dos processos fisiolgicos e qumicos pelos quais se mantm a vida no organismo.
34 Constipao Priso de ventre.
35 Cncer Nome genrico dado aos tumores malignos.
36 Insulina Hormnio pancretico protenico, segregado pelas ilhotas de Langerhans.

218

SADE BUCAL

Antonio Carlos Pinto Jachinoski


Simone Tetu Moyss
Julio Cesar Bisinelli

CONHECENDO NOSSA BOCA


Nossa boca no somente a porta de entrada para os nutrientes que nos mantm vivos
e ativos, mas tambm a nossa principal ferramenta de comunicao com o mundo. Ela nos
permite isto, no somente pelo uso das palavras, mas tambm pelo conjunto de expresses que,
unidas a outros elementos da nossa face, muitas vezes nos possibilitam dizer muito mais e(ou) de
maneira mais clara.
Quantas vezes j escutamos a expresso O sorriso o nosso carto de visitas. O nosso
sorriso constitudo por vrios elementos, como dentes, lbios, a musculatura que os movimenta
etc. Portanto, fundamental conhecermos a anatomia de nossa boca, pois somente conhecendo o
que normal, conseguiremos notar alguma coisa que fuja destas caractersticas.
Como a musculatura que envolve nossa boca um dos constituintes de nosso rosto, fcil
notarmos alguma alterao como cor, aumento de volume, dificuldade de movimentao, ausncia
ou diminuio de sensibilidade. J a parte interna de nossa boca para ns pouco conhecida, e
por esse motivo daremos mais nfase na anatomia destes elementos.

219

MUCOSA1
dessa forma que chamada a camada que reveste (epitlio de revestimento) nossa boca;
diferente da pele, pois destinada ao revestimento de regies midas, e dependendo da localizao
e de sua funo recebe uma nomenclatura diferente:
1. Mucosa jugal: a mucosa que reveste nossa bochecha (internamente); na regio em que
os dentes se tocam ela extremamente queratinizada (queratina uma protena, que
existe tambm em nossos cabelos e unhas), para aumentar sua resistncia e no sofrer
injrias durante a mastigao.
2. Gengiva livre: no deixa tambm de ser mucosa, porm ela responsvel pelo revestimento
da transio entre a mucosa jugal e o osso alveolar (que o osso em que os dentes
se fixam).
3. Gengiva inserida ou marginal: a gengiva que recobre o osso alveolar e margeia os
nossos dentes; ela tem caractersticas muito especiais, ao contrrio da gengiva livre, ela
ligada ao osso alveolar por meio de milhares de fibras, o que lhe confere seu nome e
a aparncia de casca de laranja. Ela tambm altamente queratinizada para suportar os
esforos durante a mastigao e tem colorao rsea plida.
4. Epitlio sulcular: o revestimento do sulco gengival, que um pequeno sulco que existe
ao redor de nossos dentes.
DENTES
Os dentes podem ser considerados como pequenos rgos, pois so formados por diferentes
tecidos, recebendo cada dente pelo menos um feixe vsculo-nervoso2, que assegura sua nutrio
e sensibilidade.
O dente formado de duas partes, a coroa que visvel na boca, e a raiz, que responsvel
pela sua fixao no osso alveolar; a linha de unio entre estas duas partes conhecida por colo.
Os dentes tm a consistncia de osso compacto, e a coroa ainda envolta por uma camada
de esmalte, que o tecido mais duro de todo o nosso organismo.
Os dentes tm como principal funo a desintegrao mecnica dos alimentos e desempenham
tambm importante papel na dico das palavras e na esttica facial.
Em virtude da espcie humana se alimentar de substncias de diversas naturezas, apresenta
dentes de diversos formatos e em consequncia para diferentes funes: incisivos para cortar;
caninos para dilacerar; pr-molares para esmagar e os molares para moer os alimentos.

220

O ser humano apresenta duas denties completas, durante o seu desenvolvimento. A


primeira, conhecida como decdua, temporria ou de leite, em geral comea a aparecer ao 6
ms e se completa por volta dos dois anos de vida. A segunda, conhecida como permanente ou
definitiva, surge aproximadamente aos 6 anos de idade e se completa aos 18 anos de vida do
indivduo. A dentio decdua constituda por 20 dentes e a permanente por 32 dentes.
Cronologia de erupo ou nascimento dos dentes decduos
DENTE
Incisivos Centrais
Incisivos Laterais
Caninos
Primeiros Molares
Segundos Molares

SUPERIORES
7 meses
9 meses
18 meses
14 meses
24 meses

INFERIORES
6 meses
8 meses
16 meses
12 meses
20 meses

Cronologia de Esfoliao ou queda dos dentes decduos


DENTE
Incisivos Centrais
Incisivos Laterais
Caninos
Primeiros Molares
Segundos Molares

SUPERIORES
7 8 anos
8 9 anos
11 12 anos
10 11 anos
11 12 anos

INFERIORES
6 7 anos
7 8 anos
9 10 anos
10 11 anos
11 12 anos

Cronologia de erupo ou nascimento dos dentes permanentes


DENTE
Incisivos Centrais
Incisivos Laterais
Caninos
Primeiros Pr-Molares
Segundos Pr-Molares
Primeiros Molares (*)
Segundos Molares
Terceiros Molares

SUPERIORES
7 8 anos
8 9 anos
11 12 anos
10 11 anos
10 12 anos
6 7 anos
12 13 anos
17 30 anos

INFERIORES
6 7 anos
7 8 anos
9 11 anos
10 12 anos
11 13 anos
6 7 anos
12 13 anos
17 30 anos

(*) Observe que os primeiros molares permanentes nascem aproximadamente aos 6 anos de idade da criana, e nenhum dente
cai para ele nascer, por este motivo so normalmente confundidos com dentes decduos e so perdidos por falta de cuidado
dos pais.

221

Estrutura dos dentes


Os dentes so constitudos de diferentes tecidos, os calcificados, como o Esmalte, a Dentina
e o Cemento, e de tecidos no calcificados, como a Polpa dentria3 ou Nervo.
Esmalte
altamente mineralizado; recobre toda a coroa do dente e sua espessura varia de 0,2 a 2,5
mm. translcido, o que significa que ele reflete a cor da dentina, mas sua cor original varia de
branco-amarelado a branco-acinzentado, com superfcie lisa e brilhante.
A composio do esmalte de 92 a 96% de matria inorgnica, 1 a 2% de matria
orgnica e 3 a 4% de gua. Devido ao seu grande contedo de sais minerais e a forma como
esta arranjado, o esmalte o mais duro tecido calcificado do corpo. Sua funo revestir o dente
tornando-o apropriado para a mastigao. Entretanto, apesar de sua dureza, o esmalte muito
frgil e quebradio devido s suas caractersticas estruturais, e no suporta esforos onde no haja
dentina subjacente ou quando em camadas muito finas.
Podemos compar-lo a uma parede de tijolos, onde os cristais seriam os tijolos, e a parte
orgnica e a gua seriam o cimento. Devido a essas caractersticas, podemos explicar as alteraes
que ele sofre com o envelhecimento.
Quando o dente nasce, ele tem uma camada de cimento mais espessa juntando seus
cristais que so pequenos e imaturos, ainda em desenvolvimento. Com o passar do tempo essas
caractersticas vo se alterando e a camada de cimento (parte orgnica) vai diminuindo, tornandose mais delgada e os cristais vo se avolumando. Esta maturao do esmalte normalmente tem
um perodo de aproximadamente 30 meses. A poro orgnica do esmalte, provavelmente mais
prxima da superfcie, tambm sofre modificaes com a idade, tornando o dente mais escuro e
com maior resistncia s cries.
O esmalte sofre atrio ou desgaste com o passar dos anos, principalmente nas superfcies
usadas na mastigao, devidos aos esforos da prpria mastigao ou a disfunes que podem
estar presentes como o hbito de ranger dentes. Este fato visvel mediante a reduo do tamanho
das coroas dentais, muitas vezes expondo a dentina ou at mesmo a polpa dentria.
Dentina
um tecido duro, formado por aproximadamente 70% de matria inorgnica, 18% de
matria orgnica e 12% de gua. A dentina constitui a maior parte do dente, determina a forma

222

da coroa, o nmero e o tamanho das razes. produzida por clulas especiais chamadas de
Odontoblastos4. Sua cor normalmente amarelo clara, tornando-se mais escura com a idade.
A dentina no to dura nem quebradia quanto o esmalte; ao contrrio, ela elstica e
passvel de deformao.
Sua estrutura diferente da estrutura do esmalte, ela constituda de inmeros
canalculos5 que partem da polpa dentria e seguem at o esmalte e o cemento. Em 1 mm2 temos
aproximadamente 30 a 40 mil tbulos dentinrios, dentro de cada canalculo destes encontramos
um prolongamento celular que responsvel principalmente pela sensibilidade deste tecido. Ou
seja, a dentina por meio deste mecanismo passvel de sentir estmulos e consequentemente se
defender. Sua principal defesa a dor, mas ela tambm capaz de defender-se formando uma
nova camada de tecido que conhecido como dentina reacional ou terciria. Esta nova camada
funciona como um escudo ou barreira aos agentes que esto agredindo o dente.
De acordo com a agressividade do estmulo, a dentina tambm pode obstruir esses
canalculos, por meio de fibras colgenas6 e cristais de apatita7, preenchendo-os totalmente. Esse
processo d origem dentina esclerosada, que protege no s a polpa dentria, mas tambm a
prpria dentina.
Portanto, a exposio da dentina ao meio bucal a principal causa da sensibilidade que
ocorre quando nos expomos a alimentos cidos, doces e frios.
Polpa Dentria (Nervo)
Constitui-se de um tecido conjuntivo frouxo, rico em nervos, vasos sanguneos, fibras e
clulas. Dentre as clulas esto os odontoblastos que so formadores da dentina.
Na coroa a polpa ocupa a cavidade pulpar, e na raiz o canal radicular. A polpa apresenta
salincias chamadas de cornos pulpares, que so normalmente da mesma forma que a anatomia
externa do dente, porm com a contnua deposio de dentina, a polpa torna-se menor com o
passar do tempo.
Ela possui inmeras funes: indutora na formao do dente, a polpa induz a transformao
do epitlio bucal em lmina dentria, para formar o rgo do esmalte, que ir se transformar num
determinado tipo de dente; formadora a polpa dentria possui clulas, os odontoblastos, que
produzem dentina; nutriente nutre a dentina, por meio de seu sistema vascular sanguneo;
protetora pela inervao sensitiva, alerta quanto presena de estmulos nocivos, que
podem lhe causar danos, e de defesa responde s irritaes mecnicas, trmicas, qumicas ou
bacterianas produzindo dentina reparadora e mineralizando os tbulos dentinrios afetados, a fim
de isol-la da fonte de irritao.

223

Cemento
Considerado como parte do periodonto (conjunto de estruturas que fixam e sustentam os
dentes), um tecido mineralizado, no vascularizado, que recobre a raiz do dente. Entretanto,
menos mineralizado que o esmalte e a dentina. Sua cor , geralmente, amarelo claro; mais
escuro que o esmalte e no possui brilho. A composio qumica do cemento varia de 45% a 50%
de matria inorgnica e 50% a 55% de matria orgnica e gua.
PERIODONTO
o conjunto de estruturas responsveis pela fixao e sustentao dos dentes, formado
pelo osso alveolar, gengiva marginal, cemento e fibras periodontais.
O osso alveolar um tecido especializado que tem sua existncia baseada na presena dos
dentes, ou seja, se perdemos nossos dentes, perdemos tambm o osso alveolar alveolar porque
as cavidades que alojam as razes dos dentes so chamadas de alvolos.
Fibras periodontais so feixes de fibras colgenas que ligam o dente ao osso alveolar, e
se este ligado por meio de fibras, esta unio no rgida e sim mvel, se uma unio mvel
pode ser denominada tambm de articulao uma articulao do tipo Gonfose. Esses feixes
se organizam de diferentes maneiras para executar diferentes funes, retendo o dente e o
sustentando nas mais diferentes condies de esforos a que ele pode ser submetido.
Essas fibras, alm de ligarem o dente (cemento) ao osso alveolar, ligam tambm o dente
gengiva marginal e a gengiva ao osso alveolar, bem como por meio de uma rede a gengiva
prpria gengiva, aumentando assim sua unio ao dente e melhorando sua resistncia.
Esse conjunto de fibras ajuda o dente a se proteger de agresses dos mais diferentes tipos:
mecnicas, qumicas e bacterianas.
Ao redor de cada dente existe um sulco, o sulco gengival, que quando em estado normal
deve apresentar uma profundidade de 1 a 3mm, e no apresentar secrees ou sangramentos
espontneos.
PREVENO EM ODONTOLOGIA
fundamental termos conhecimento das doenas que mais comumente acometem nossa
boca para podermos evit-las e (ou) prevenir seu desenvolvimento. Mas nem sempre so somente
doenas que devemos conhecer para termos mais sade, alguns hbitos errados e que muitas

224

vezes passam de pai para filho, e continuam sendo perpetuados por geraes, podem trazer
consequncias graves incorrigveis ou de correo dispendiosa e difcil.
Um grande exemplo a necessidade de conscientizao de pais e responsveis da importncia
da preservao dos dentes tanto decduos (leite) quanto os permanentes.
So vrios os motivos para isso, entre os mais importantes podemos citar:
1. Os dentes decduos servem de guia para a erupo (nascimento) dos dentes permanentes.
2. Eles tambm mantm o espao para os dentes permanentes, pois sua perda prematura
normalmente leva os dentes permanentes a nascerem em posies incorretas ou mesmo
impossibilidade de eruptar, ficando, dessa maneira, retidos e necessitando de processos
cirrgicos para serem removidos.
A perda de espao ocorre porque os dentes vizinhos perdendo o contato tendem a se
mover, pela perda de apoio que o dente retirado executava. Esta movimentao tambm
ocorre na perda de dentes permanentes, muitas vezes impossibilitando a execuo de
trabalhos protticos na regio dos dentes ausentes.
3. Estimulam o crescimento em altura e manuteno do osso que sustenta os dentes, a perda
prematura de dentes faz com que o osso alveolar seja reabsorvido pelo organismo, j
que o osso serve para sustentar os dentes. A perda deste osso posteriormente dificulta a
confeco de prtese parciais e totais (dentaduras), pois ambas se apoiam sobre este osso.
4. So teis no corte e na correta mastigao, auxiliando, assim, a digesto dos alimentos,
uma pessoa com ausncia de um elemento dentrio j possui um decrscimo acentuado
no poder de mastigao, tendo, dessa forma, uma probabilidade maior de desenvolver
doenas no aparelho digestivo. incorreto pensar que a simples recolocao prottica
dos elementos dentrios faltantes vai resolver o problema, pois, por exemplo, uma pessoa
que use prtese total (dentadura) tem o seu coeficiente de mastigao reduzido em mais
de 50%, pois nada se compara ao poder de mastigao dos dentes naturais.
5. Para a esttica, a maioria das pessoas que possuem dentes destrudos ou ausentes
apresenta dificuldades de socializao, problemas psicolgicos, mais retrada e,
lgico, quase no sorri.
6. Para o convvio social, a boca com seu sorriso nosso carto de visitas. Como poderemos
querer que algum converse conosco com nossos dentes destrudos e com o odor (mau
hlito) caracterstico desta destruio?
7. Para a fonao das palavras, todos sabemos que os dentes entram diretamente na
articulao de certos grupos de palavras. Com a ausncia destes dentes torna-se difcil
ou at impossvel a pronncia correta de alguns fonemas; em crianas essa falta causa

225

atraso de aprendizagem, pois se a criana no consegue falar corretamente, tambm no


escreve de maneira correta.
8. A perda parcial ou total dos dentes pode acarretar problemas nas articulaes do osso
da mandbula com o crnio, levando a alteraes patolgicas8 do sistema (doenas
musculares, deformaes sseas, alteraes de crescimento etc.)
Esses so apenas alguns motivos para que preservemos nossos dentes, mas ainda assim
existem pessoas que por falta destes conhecimentos no se preocupam com isso trazendo sequelas
para si e para seus filhos, que dificilmente tero possibilidades de ser corrigidas, ou com correo
que no devolver a totalidade de suas funes.
Portanto, o conhecimento um dos meios mais eficazes de que dispomos para a manuteno
de nossa sade.
Crie
A crie dental uma doena infecciosa, crnica, transmissvel e de origem bacteriana.
Os microrganismos9 causadores da crie formam colnias que so semelhantes a uma geleia
espessa, a placa bacteriana, que aderem superfcie dos dentes. Sob condies favorveis, os
microrganismos cariognicos10 podem fermentar acares (e tambm outros carboidratos, mais
lentamente) para produzir cido, o qual por sua vez tem a capacidade de desmineralizar o esmalte
adjacente.
O mecanismo etiolgico da crie dental pode ser resumido na frmula:
Microrganismos da placa (baixo ph) + Carboidratos = cidos Desmineralizao do Esmalte.

Em estgios iniciais, o processo de desmineralizao pode ser revertido, mas caso isso no
ocorra torna-se irreversvel, e a crie se instala, formando uma cavidade.
A doena ocorre pela interao de quatro fatores principais: um hospedeiro suscetvel, dieta
cariognica, tempo e a ao de microrganismos orais.
O diagrama a seguir ilustra esta interao de fatores causal:

226

Cada um desses fatores tem um desempenho diferente dentro da formao da crie:


O hospedeiro - Dente
A formao dos nossos dentes est diretamente relacionada com as condies de nutrio
do indivduo durante seu desenvolvimento.
Se as condies de alimentao e de sade so favorveis, teremos um dente bem formado
e resistente ao ataque da crie, ao contrrio o dente seria mais frgil. Este um momento para
uma retomada do tema de nutrio, e da importncia de uma alimentao correta durante o
desenvolvimento do indivduo. Durante o desenvolvimento fundamental a ingesto de clcio,
para uma formao correta de nossos ossos e dentes.
Os micro-organismos - Bactrias
Existem milhares de bactrias em nossa boca, algumas so inofensivas, outras em situaes
especiais podem se tornar prejudiciais, como as que formam a placa bacteriana; se no fizermos
uma higiene adequada regularmente podemos permitir que elas se multipliquem e se organizem
para comear a provocar danos em nossa boca.
O tempo
As bactrias em geral necessitam de um tempo para se organizar e comear a produo de
cidos, que sero responsveis pela desmineralizao de nosso esmalte e produo da crie, bem
como pela produo de toxinas que iro causar danos e doenas em nossa gengiva. Se escovarmos
nossos dentes de uma maneira correta pelo menos uma vez ao dia dificilmente teremos cries, mas
tem que ser uma limpeza muito bem executada, com fio dental e escova macia.
A dieta
A ingesto de grandes quantidades de acares, por perodos muito longos chupar balas
o dia todo, podem permitir que a placa bacteriana j organizada tenha melhores condies de
produzir uma quantidade maior e mais concentrada de cidos, para assim destruir mais facilmente
nossos dentes. Substitua sempre que possvel doces por frutas, inclua alimentos que ajudam a
limpar os dentes como ma, cenoura e demais alimentos fibrosos, que tambm auxiliam no
massageamento das gengivas.
Apesar de estes serem considerados os principais fatores envolvidos com a doena crie,
outros podem tambm ocasionar seu desenvolvimento. Um destes fatores a carncia de flor.
O flor pode proteger os dentes, fazendo com que a crie no acontea de forma to agressiva.
O mecanismo principal de ao do flor est na sua capacidade de repor minerais nos tecidos
duros dos dentes quando estes so atacados por cidos produzidos pelas bactrias.
Outros fatores, como o nvel socioeconmico, o comportamento, as atitudes perante a
vida e o nvel de conhecimento podem tambm influenciar o desenvolvimento da doena crie.

227

A melhoria da condio de vida, com aumento do acesso boa alimentao, ao emprego,


educao, aos cuidados com a sade e o saneamento, aspecto importante que pode fazer
diferena no risco de as pessoas desenvolverem qualquer tipo e doena, inclusive a crie.
Promoo da sade bucal: um caminho para a sustentabilidade
Doenas bucais como a crie dental, as doenas gengivais e o trauma dental, ainda so causa
de dor, perda de sono, falta ao trabalho e a escola, alm de provocar impacto sobre atividades
dirias como comer, falar, sorrir e se relacionar (PETERSEN et al., 2005). Entretanto, j existe
conhecimento disponvel sobre seus principais determinantes e formas de controle. O desafio
criar oportunidades e condies para que indivduos e comunidades tenham boa sade bucal.
Nas ltimas dcadas, uma ampla discusso em todo o mundo tem reconhecido a importncia
de promover a sade como uma estratgia para garantir o direito sade, incluindo a sade bucal.
Durante a primeira Conferncia Internacional de Promoo da Sade promovida pela Organizao
Mundial da Sade, realizada em Ottawa no Canad, em 1986, foi definido que promover sade
proporcionar s pessoas os meios necessrios para melhorar sua sade e exercer maior controle
sobre ela (OMS, 1986). Para isso, importante que as pessoas possam reconhecer o que as torna
saudveis ou as adoece, e, apoiadas pelo ambiente em que vivem, possam construir sua sade.
Reconhecer que a sade de nossa boca no depende apenas de aspectos biolgicos, como
a presena de micro-organismos neste espao do corpo, ou dentes mais frgeis, um primeiro
passo importante para promover a sade bucal. Muitos estudos tm demonstrado que a sade da
boca depende tambm do ambiente em que vivemos, dos comportamentos que assumimos, das
nossas relaes familiares, do acesso informao e ao cuidado em sade, das polticas pblicas
voltadas para a proteo da sade na nossa cidade e no nosso pas.
Promover sade bucal significa, portanto, colocar a boca dentro do corpo e reconhecer o
corpo como parte de uma pessoa inserida em um determinado contexto social que pode aumentar
sua vulnerabilidade11 a doenas ou dar suporte para a construo de sua sade (MOYSS,
KUSMA, 2008).
Dessa forma, aes de promoo da sade se aproximam de princpios e valores como a
equidade12, a sustentabilidade13, a participao14, o empoderamento15 e a autonomia16, pois esto
voltadas para a justia social, dignidade e direitos humanos (OMS,2005).
A promoo da sade bucal, portanto, visa alcanar melhoras sustentveis em sade bucal
e reduzir iniquidades17 por meio de aes direcionadas a seus determinantes (WATT, 2007).

228

O que pode funcionar...


As evidncias sobre os resultados de aes de promoo da sade bucal tm demonstrado que:
1. O uso de gua fluoretada e pasta de dente com flor pode prevenir crie dental;
2. Informao sobre sade bucal por si s no produz mudanas de comportamento sustentveis;
preciso informar e tambm facilitar as mudanas de comportamento, como, por exemplo, orientar
sobre a importncia de limpar os dentes, mas garantir o acesso a escovas de dente para todos;
3. A preveno de acidentes e violncia uma estratgia importante para prevenir trauma dental;
4. Aes de promoo de sade bucal desenvolvidas ao mesmo tempo na escola, no trabalho e na
famlia, podem ter melhores resultados.
BROWN (1994); SCHOU, LOCKER (1994); KAY, LOCKER (1996); SPROD et al. (1996); KAY, LOCKER (1997)

Cinco campos de ao so propostos para promover sade bucal (Figura 1) (OMS, 1986): o
desenvolvimento de polticas pblicas saudveis, como a fluoretao das guas de abastecimento
pblico; a construo de ambientes saudveis, como a oferta de alimentos seguros e saudveis nas
escolas e locais de trabalho; o desenvolvimento de habilidades pessoais, com a disponibilidade de
informaes sobre como cuidar da sade bucal;o fortalecimento da ao comunitria, favorecendo
que a populao participe da definio de prioridades para o cuidado da sade bucal; e a oferta
de servios de sade bucal adequados para atender s necessidades das pessoas.
Figura 1. Campos de ao para promoo da sade bucal.

229

Melhoras sustentveis em sade bucal requerem, portanto, aes efetivas direcionadas para
a criao de um ambiente social, como a escola, que facilite a manuteno da sade. Exemplos
de aes de sade bucal desenvolvidas em escolas podem fazer parte de estratgias ampliadas de
promoo da sade e favorecer a sade bucal (Quadro 1) (KWAN, PETERSEN, PINE et al., 2005).
Ambiente escolar saudvel
edificaes e reas de lazer seguros para prevenir acidentes
disponibilidade de gua tratada e fluoretada
venda proibida de alimentos no saudveis nas imediaes da escola
ambiente psicossocial de cuidado e respeito
envolvimento de estudantes, professores, funcionrios, famlias e membros da comunidade no
desenvolvimento de aes de promoo da sade
encontros frequentes entre a direo da escola, Associao de Pais e Mestres, conselhos comunitrios e
gestores da educao e da sade
Alimentao saudvel
disponibilidade de alimentos saudveis na cantina escolar
bebedouros de gua potvel na escola
treinamento para cozinheiras e fornecedores de alimentos sobre alimentao saudvel
Acar, lcool e tabaco
proibio de alimentos e bebidas base de acar nas dependncias da escola
proibio do uso de lcool e tabaco nas dependncias da escola
disponibilidade de servios de aconselhamento e suporte para parar de fumar
Educao para sade bucal
educao para sade bucal como parte do contedo do currculo
escovao dentria supervisionada diria
capacitao de pais sobre sade bucal e estmulo ao seu envolvimento em aes de promoo da sade
capacitao de professores e funcionrios
Servios de sade bucal
garantia de acesso aos servios de sade locais
resposta urgncias odontolgicas

Os esforos dirigidos promoo da sade nos ambientes em que as pessoas vivem devem,
portanto, considerar o contexto social, a segurana ambiental, os servios de sade oferecidos,
as parcerias com a comunidade, criando assim oportunidades para o desenvolvimento de
potencialidades e habilidades para escolhas individuais e coletivas que promovam sade.

230

CNCER BUCAL
O cncer18 uma doena crnico-degenerativa19 e um grave e crescente problema de
sade pblica, constituindo-se na segunda maior causa de morte no pas. As estimativas globais e
nacionais mostram um incremento20 na prevalncia21 da doena e a enfermidade atinge propores
mundiais (INCA, 2006), apresentando altos ndices de mortalidade, com forte tendncia de
crescimento. Segundo o World Cancer Report (2009), lanado pela Organizao Mundial da
Sade, em 2030 os nmeros alcanaro as cifras de 20 a 26 milhes de novos casos e de 13 a
17 milhes de bitos no mundo.
Em 2008, foram realizados 12 milhes de novos diagnsticos e a doena foi responsvel por
7,6 milhes de bitos, ou seja, 13% de todos os bitos ocorridos mundialmente nesse perodo.
A prevalncia do cncer est projetada para aumentar e estima-se que, em 2020, o nmero de
casos novos anuais seja da ordem de 15 milhes, com 60% ocorrendo em pases de mdio e baixo
desenvolvimento (WHO22, 2009).
O cncer bucal representa de 3 a 5% do total dos tumores malignos nos pases ocidentais,
sendo que o carcinoma epidermoide ou espinocelular o mais prevalente em cabea e pescoo.
Em particular no Brasil ocupa uma posio de destaque entre os tumores malignos devido a sua
relativa incidncia e mortalidade (INCA23, 2006).
As malignidades bucais configuram-se como o sexto tipo de neoplasia24 no Brasil
(excetuando-se os casos de pele no melanoma25) e a previso que ocorram 10.330 novos casos
de cncer bucal para homens e 3.790 para mulheres, totalizando 14.120 novos casos entre 2009
e 2010(INCA 2009). O cncer de boca ocupa tambm a sexta posio em ocorrncia mundial,
porm permanece em terceiro lugar em pases em desenvolvimento (CONWAY, 2010).
A etiologia26 do cncer multifatorial27, porm, evidencia que a enfermidade diretamente
ligada ao tabagismo, alcoolismo e a associao entre ambos (MINISTERIO DA SAUDE, Brasil
2008). Outros fatores associados envolvem traumas mecnicos e causas biolgicas como, por
exemplo, o vrus HPV28.
Sobre a causalidade da doena, documentos do Instituto Nacional do Cncer (INCA) afirmam
que o risco de cncer numa determinada populao possui no s relao com as caractersticas
biolgicas e comportamentais dos indivduos que a compem, mas, tambm, com as condies
sociais, ambientais, polticas e econmicas que os rodeiam (INCA 2006).
Os fatores de risco29 associados ao cncer bucal esto relacionados a condio socioeconmica,
educao formal, ocupao, bem como a hbitos relativos ao estilo de vida saudveis como boa
alimentao, cuidados com a higiene e no saudveis como tabagismo30, etilismo31, sedentarismo32,

231

m alimentao, estresses relacionado ao risco ocupacional, alm da exposio exagerada e


prolongada ao sol. Esses fatores so chamados de cocancegrenos, que nada mais so que fatores
que podem se sobrepor e predispor ao aparecimento de leses cancerizveis.
IMPORTNCIA DA PREVENO E DO DIAGNSTICO PRECOCE
(RECONHECIMENTO ANTECIPADO)
O cncer bucal tem critrio de cura? Sim, existe o critrio33 de cura e proservao34 da
doena, desde que detectado e tratado precocemente (reconhecimento antecipado).
Por isso a necessidade da avaliao rotineira, pelo menos uma vez ao ano, por um profissional
de sade, no caso da boca, quando ocorrer qualquer alterao em boca, lngua e lbios ou mesmo
em regies peribucais35, a visita a um cirurgio-dentista.
Dos tumores malignos (cncer) que acometem a boca o carcinoma espinocelular ou
epidermoide que representam cerca de mais de 95% dos casos registrados. Acometem um grupo
de risco36, que so os indivduos do gnero masculino, acima de 40 anos de idade, tabagistas,
etilistas e que na maioria pela sua atividade que desempenham ficam expostos aos raios solares.
Quando esses indivduos so acometidos pela doena esto impedidos de desenvolver suas
atividades rotineiras (profissionais ou rotineiras), trazendo graves nus social e financeiro ao
Estado e de difcil soluo.
DIAGNSTICO PRECOCE
Quando se observam as alteraes (diferena de cor, volume, consistncia), as mais comuns
e importantes so as manchas avermelhadas, brancas avermelhadas e eventualmente escuras.
O aparecimento de leses ulceradas (feridas) nos lbios, mais comumente no inferior pela incidncia
dos raios solares, ou mesmo na boca que no cicatrizam (melhoram/curam) entre 10 a 14 dias,
devem ser encaminhados para avaliao (diagnstico) e tratamento o mais rpido possvel.
Coma evoluo da doena (passar do tempo), outros sinais37 e sintomas38 podem aparecer,
como, por exemplo: dor, sangramento espontneo, dificuldade de abrir e fechar a boca, mobilidade
e mudanas de posio dos dentes, salivao intensa entre outras.
Todas essas alteraes nem sempre podem traduzir obrigatoriamente em cncer bucal.
Inmeras doenas podem iniciar e evoluir com essas mesmas caractersticas, mais devem tambm
ser diagnosticadas e tratadas convenientemente.

232

AUTOAVALIAO
AUTOEXAME39
A autoavaliao conhecida como autoexame de grande importncia principalmente para o
diagnstico precoce do cncer bucal.
Deve seguir uma sequncia:
1- Posicionar-se diante do espelho, com boa iluminao;
2- Examinar toda a face (rosto);
3- Examinar, sentir a textura dos lbios (inferior e superior);
4- Abrir a boca afastando com o dedo indicador as bochechas para melhor visualizao
(observar alterao de cor normal, consistncia, forma);
5- Projetar a lngua pra fora da boca examinando a parte de cima de baixo e dos lados;
6- Examinar o palato duro/mole e regio de garganta vula(cu da boca e campainha);
7- Quando sentir diferena de consistncia (mole/duro), os dedos indicadores e polegar,
com o toque provoca dor, sangramento;
8- Caso POSITIVO quando realizar estes passos, procurar imediatamente o profissional que
o cirurgio dentista ou um mdico para que possa avaliara e esclarecer o problema.
SUSTENTABILIDADE E VIDA SAUDVEL
Sustentabilidade40 um conceito sistmico41, relacionado continuidade dos aspectos
econmicos, sociais, culturais e ambientais da sociedade humana. Prope-se a ser um meio de
configurar a civilizao e as atividades humana, de tal forma que a sociedade, os seus membros e
as suas economias possam preencher as suas necessidades e expressar o seu maior potencial no
presente, e ao mesmo tempo preservar a biodiversidade e os ecossistemas naturais, planejando e
agindo de forma a atingir pr-eficincia na manuteno indefinida desses ideais. A sustentabilidade
abrange vrios nveis de organizao, desde a vizinhana local at o planeta inteiro. (PORTAL
SUSTENTABILIDADE 2012)
Vimos que os bons hbitos relacionados ao melhor acesso aos servios de sade, uma melhor
distribuio de renda diminuindo as diferenas sociais foram fatores relevantes na melhoria da
qualidade de vida da populao. Alm disso, fatores econmicos, respeito aos diferentes valores
entre os povos e incentivo aos processos de mudana que acolham a cultura e as especificidades
locais, associados sustentabilidade poltica com uma democracia representativa, traduzem-se em
uma vida mais saudvel.

233

Uma alimentao saudvel, balanceada, com um consumo mais consciente de frutas e


verduras na dieta, preferencialmente coloridas, que realizam papel de antioxidantes42 (betacaroteno)
PREVENO
Quais as atitudes positivas para uma melhoria no processo preveno?
1. Alimentao saudvel, balanceada, evitando o consumo excessivo de acar, alm da
ingesto de frutas e verduras coloridas.
2. Evitar o consumo de lcool e fumo.
3. Evitar exposio continuada ao raios solares. (Irradiao solar)
4. Bons hbitos de higiene (escovao dos dentes, uso de fio dental), realizao do autoexame
5. Avaliao peridica pelo profissional cirurgio dentista, principalmente quando uso de
prteses.
6. Controle de cries, doenas gengivais (sangramento de gengiva), ou quando de traumas
provocados pela m posio dos dentes ou dentes ou coroas dentrias fraturadas.
DOENAS EMERGENTES E REEMERGENTES
Envelhecimento x Perspectiva43 de vida x Qualidade de vida
O aumento da perspectiva de vida em todo mundo faz que a rea de sade pesquise
novos mtodos de preveno, diagnstico e tratamento das diversas condies de alteraes e
afeces bucais.
A sade bucal do indivduo, alm de sofrer as modificaes prprias do processo de
envelhecimento, pode apresentar interaes derivadas de inmeras doenas crnicas: como
hipertenso44, diabetes45, distrbios cardiovasculares46, insuficincia renal, variaes psicolgicas,
menopausa47, entre outras, como apresentar efeitos colaterais de vrios medicamentos utilizados
no tratamento das mesmas.
Alm disso, temos que considerar a influncia do meio no desenvolvimento, bem como na
manuteno do quadro de doena, o estresse dirio (fsico e(ou) emocional), o risco ocupacional48
levando a quadros de ansiedade e depresso, o aumento dos hbitos deletrios (nocivos) na
populao como o etilismo, o tabagismo, que geram situaes transitrias ou oportunista como
a imunossupresso49.
Os problemas relacionados Sade Pblica so de etiologia multifatorial, ou seja, dependente
de vrias aes conjuntas e integradas e de investimento nas reas de saneamento bsico.

234

Faz-se necessrio implementar uma poltica de sade mais abrangente, visando ao reforo da
importncia dos estudos a respeito da distribuio espacial dos problemas de sade, considerando
as necessidades de cada regio, caractersticas regionais e culturais da populao-alvo, levando em
conta aes pragmticas da vigilncia da sade de modo a contemplar determinantes estruturais
socioambientais, na tentativa de produzir e aplicar conhecimento na busca da equidade social,
visando qualidade da assistncia da sade das populaes.
Envelhecimento
A existncia de pessoas idosas registrada em toda histria da humanidade e aponta para
o desejo de se viver cada vez mais, com sade, independncia funcional e com mais qualidade
de vida. A evoluo do conhecimento, a melhoria das condies sanitrias aliadas s medidas
de preveno, o desenvolvimento social e econmico, bem como o avano da cincia e da
tecnologia, fizeram com que a humanidade registrasse um aumento significativo no seu tempo
de sobrevivncia, ou seja, uma melhoria no processo de sustentabilidade que traduz em melhor
qualidade na vida do indivduo.
O envelhecimento no apenas uma passagem pelo tempo, mais sim um acmulo de eventos
biolgicos que ocorrem ao longo da vida. No incio do sculo passado (sculo XX) a longevidade
do homem era bem menor, em torno de 50 anos. Hoje, um nmero cada vez maior de pessoas
chega terceira idade.
Enquanto os japoneses so os campees do mundo em longevidade, com expectativa
mdia de vida ao nascer em torno dos 82 anos isto devido a sua condio de sustentabilidade
(hbitos saudveis alimentao, politica pblica, econmica, social, cultural, e ambiente com
preocupaes ecolgicas que levam a equidade da populao) , no extremo, muitos habitantes
do continente africano nem sequer alcanam a metade desta idade. Nos pases os mais atingidos
pela Aids, a expectativa de vida vem sendo reduzida drasticamente em torno de 14 anos.
No Brasil, a expectativa mdia de vida ao nascer de 73,1 anos, sendo que a expectativa
para as mulheres em 7,6 anos a mais. Segundo estimativas mundiais, o nmero de idosos deve
duplicar at 2025. No Brasil hoje, temos aproximadamente 11 milhes de pessoas com mais de
60 anos. Projeo para 2020 de 32 milhes e o 6 pas em idosos.
O envelhecimento caracterizado pelo desgaste dos vrios setores do organismo, gerando
com isso alteraes no seu funcionamento, com perda das habilidades de adaptao ao meio.
Ento, as idades biolgica e funcional tornam-se um fator importante para medir o processo do
envelhecimento e suas adaptaes.

235

Um dos grandes desafios a serem enfrentados ante o processo de envelhecimento


populacional a avaliao de indicadores que permitam dar conta da qualidade de vida desta
parcela da populao, pois no basta viver mais, preciso, tambm, viver melhor, e este se torna
o grande paradigma deste novo sculo, levando em conta a sustentabilidade em seu valor integral,
para atingirmos estes valores.
O envelhecimento , portanto, uma pura expresso do estilo de vida, das atitudes positivas
que com o passar dos anos tomamos. Lembrar que o envelhecimento uma expresso do
organismo e diferente em cada indivduo, podendo comear em qualquer rgo no sistema,
partindo para a totalidade.
A EXPECTATIVA DE VIDA
A velocidade de declnio das funes fisiolgicas com o passar da vida exponencial;
as perdas funcionais tm inicio gradativo e so aceleradas com o aumento da idade. Fatores
inerentes ao processo de envelhecimento determinam um limite durao de vida de todas as
espcies de animais
A tendncia normal do organismo estabilidade interna, ajustando processos metablicos
e fisiolgicos com respostas a agresses, chamada de homeostase. Quando esta perdida,
a adaptabilidade do indivduo aos estresses interno e externo decresce a susceptibilidade a
doenas aumenta.
Quanto influencia gentica, embora o envelhecimento seja uma fase previsvel da vida, seu
processo no geneticamente programado, como se acreditava antigamente. No existem genes
que determinam quando e como envelhecer. H, sim, genes variantes, cuja expresso favorece a
longevidade ou reduz a durao da vida. Estudos genticos de pessoas centenrias tm contribudo
para a identificao desses, alelos de genes normais, que podem estar associados com a longevidade.
Alm disso, os hbitos alimentares, o estilo de vida, hbitos nocivos como o etilismo, o
tabagismo, maior incidncia de radiaes, alteraes hormonais e a falncia ou deficincia do
sistema endcrino participam das alteraes prprias do envelhecimento.
Com o advento da descoberta dos antibiticos, entre outros avanos das cincias da sade,
os pases desenvolvidos conseguiram retardar o processo do envelhecimento e aumentar assim a
expectativa mdia de vida humana no incio do sculo passado.
Hoje, o grande desafio no apenas conseguir adiar o envelhecimento e aumentar a
expectativa de vida, mais sim prolongar esta durao com qualidade, ou seja, viver mais, porm
com qualidade.

236

Outro fator a considerar que o aparecimento de doenas crnicas no transmissveis


(DCNT), um fator importante, muitas vezes causadora de limitaes funcionais e de incapacidades
que podem comprometer a qualidade da vida do indivduo.
No Brasil, observa-se uma progressiva queda da mortalidade em todas as faixas etrias e
um consequente aumento da expectativa de vida da populao, isso devido a um maior acesso da
populao ao sistema de sade, bem como a melhoria deste.
Segundo a ONU Organizao das Naes Unidas, a proporo de pessoas que tem
mais de 60 anos na populao mundial, atualmente em 10%, aumentar para 21% em 2040.
Inevitavelmente o envelhecimento no poupar nenhuma regio do globo, o envelhecimento est
sendo global.
Portanto, torna-se imperativo investir na implementao de polticas pblicas para
propiciar condies de vida saudveis e de qualidade para a populao de idosos que cresce
progressivamente, para que no apenas se viva mais, mas que se viva mais e com mais qualidade.
REFERNCIAS
BARATIERI, L.N. et all. Dentstica; procedimentos preventivos e restauradores. Rio de Janeiro:
Quintessence, 1989.
CASTRO, S.V. Anatomia fundamental. 2. ed. So Paulo: McGraw-Hill do Brasil,1980.
GLICKMAN, I. Periodontia clnica de Glickman: preveno, diagnstico e tratamento da doena periodontal
na prtica da odontologia geral. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara,1986.
ISSO, M. ; GUEDES PINTO, A.C. Manual de odontopediatria. 8. ed. So Paulo: Artes Mdicas,1993.
MACEDO, N. L.; LACAZ NETTO, R. Manual de higienizao bucal, motivao dos pacientes. So Paulo:
Medisa,1980.
MENAKER, L. Cries dentrias; bases biolgicas. Rio de Janeiro: Guanabaran Koogan,1984.
MOYSS, S.T. Apostila de Cariologia. Curitiba: Secretaria Municipal da Sade, Centro Formador de Recursos
Humanos Caetano Munhoz da Rocha, Curso de Tcnico em Higiene Dental, 1991.
NEWBRUN, E. Cariologia. So Paulo: Santos,1988.
PINTO, V.G. Sade bucal, odontologia social e preventiva. 2.ed. So Paulo: Santos,1990.
PINTO, V.G. Sade bucal, panorama internacional. Braslia: Ministrio da Sade, Secretaria Nacional de
Programas Especiais de Sade, Diviso Nacional de Sade Bucal, 1990.
THYLSTRUP, A.; FEJERSKOV, O. Tratado de cariologia. Rio de Janeiro: Cultura Mdica, 1988.
AYRES, J.R.C.M.; FRANA JUNIOR, I.; CALAZANS, G.; SALETTI FILHO, H.C. Vulnerabilidade e
preveno em tempos de Aids In: BARBOSA, R.M.; RICHARD, P. (Eds.). Sexualidades pelo avesso:
direitos, identidades e poder. So Paulo: Editora 34; 1999.

237

BRASIL. Poltica Nacional de Promoo da Sade. Braslia - DF: Ministrio da Sade, Secretaria de
Vigilncia em Sade, Secretaria de Ateno Sade, 2006.
BROWN, L. Research in dental health education and health promotion: a review of the literature. Health
Education Quarterly , n.21,p.83-102, 1994.
CARVALHO, S. Os mltiplos sentidos da categoria empowerment no projeto de Promoo Sade. Cadernos
de Sade Pblica, v.20, n.4,p. 1088-1095,2004.
HEIDMANN, I.T.S.B.; ALMEIDA, M.C.P.; BOEHS, A.E.; WOSNY,A.M.; MONTICELLI,i M. Promoo
sade: trajetria histrica de suas concepes. Texto & Contexto Enfermagem, n.15, p.352-358, 2006.
KAY,L.; LOCKER, D. Is dental health education effective? A systematic review of current evidence. Community
Dentistry and Oral Epidemiology, n.24, p.231-235, 1996.
KAY, L.; LOCKER, D. A systematic review of the effectiveness of health promotion aimed at promoting
oral health. London: Health Education Authority, 1997.
KWAN, S. Y. L.; PETERSEN, P. E.; PINE, C. M. et al. Health-promoting schools: an opportunity for oral
health promotion. Bulletin of the World Health Organization, v.83, n.9, p.677-685. 2005.
MOYSS, S.T.; KUSMA, S. Promoo de sade bucal e intersetorialidade na abordagem familiar. In: MOYSS,
S.T.; KRIGER, L.; MOYSS, S.J. Sade bucal das famlias: trabalhando com evidencias. So Paulo: Artes
Mdicas, 2008. p. 247-257.
OMS. Organizao Mundial da Sade. Carta de Ottawa sobre a Promoo da Sade. 1986. Disponvel
em: <http://www.saudeemmovimento.com.br/conteudos/conteudo_exibe1.asp?cod_noticia=202>. Acesso:
25 de abril de 2012.
OMS. Organizao Mundial da Sade. A Carta de Bangkok para a Promoo da Sade em um mundo
globalizado. 2005. Disponvel em: <http://www.bvsde.ops-oms.org/bvsdeps/fulltext/cartabangkokpor.pdf>.
Acesso: 25 de abril de 2012.
PETERSEN, P.E.; BOURGEOIS, D.; BRATTHALL, D.; OGAWA, H. Oral health information systems towards measuring progress in oral health promotion and disease prevention. Bulletin of the World Health
Organization, v.83, n.9, p.686-693, 2005.
SCHOU,L.; LOCKER, D. Oral health: a review of the effectiveness of health education and health promotion.
Amsterdam: Dutch Centre for Health Promotion and Health Education; 1994.
SPROD, A.; ANDERSON,R.; TREASURE, E. Effective oral health promotion. Literature review. Cardiff:
Health Promotion Wales; 1996.
UNITED NATIONS. Report of the World Submit on Susteinable Development. Johannesburg, South
Africa 2002 26th August - 4th September, 2002.
WATT, R.G. From victim blaming to upstream action: tackling the social determinants of oral health inequalities.
Community Dentistry and Oral Epidemiology, n.35, p.1-11, 2007.
WESTPHAL, M.F. Promoo da Sade e Preveno de Doenas. In: MINAYO, M.C.S.; CAMPOS, G.W.S.;
AKERMAN, M.; DRUMOND JUNIOR, M.; CARVALHO, Y.M. (Eds.). Tratado de Sade Coletiva. So
Paulo-Rio de Janeiro: HUCITEC/FIOCRUZ; 2006. p. 635-667.

238

GLICKMAN, I. Periodontia clnica: preveno e diagnstico e tratamento da doena periodontal na prtica


da odontologia geral. Ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
MOYSS, T., KRIGER, L., MOYSS S.J. Sade Bucal das Famlias. Trabalhando com Evidncias. So
Paulo: Artes Mdicas, 2008.
TOMMASI, A.F. Diagnstico em patologia bucal. So Paulo. 3. ed. Pancast, 2002.
TOMMASI, A.F, GARRAFA, V. Cncer bucal. So Paulo: Medisa, 1980.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1. Mucosa Epitlio de revestimento, camada que reveste a parte interna da boca.
2. Feixe vsculo-nervoso Conjunto de veias, artrias e nervos.
3. Polpa dentria Nervo do dente.
4. Odontoblasto Clula responsvel pela formao dos dentes.
5. Canalculo Tubo muito fino.
6. Colgeno Substncia que compe as fibras do nosso organismo.
7. Cristais de Apatita Unidades cristalinas, formadas principalmente de clcio, fsforo e potssio, que
formam a poro inorgnica de ossos e dentes.
8. Alteraes patolgicas Mudanas que causam doenas.
9. Microrganismos Bactrias.
10. Cariognicos Produtores de crie.
11. Vulnerabilidade Conjunto de fatores, no apenas individuais, mas tambm coletivos e contextuais, que
podem aumentar ou diminuir a probabilidade de exposio a uma doena e a disponibilidade de recursos
de todas as ordens para dela proteger-se. (AYRES et al., 1999)
12. Equidade Condio em que todos devem ter justa oportunidade de obter seu pleno potencial de sade e
ningum deveria ficar em desvantagem, se isso puder ser evitado. (HEIDEMANN et al., 2006)
13. Sustentabilidade O que pode ser sustentado, mantido, uma ao de promoo de sade sustentvel precisa
ser: ecologicamente correta, reconhecendo a relao do ser humano com seu ambiente; economicamente
vivel, pelo uso apropriado dos recursos disponveis; socialmente justa, priorizando pessoas e grupos mais
vulnerveis; culturalmente aceita, quando valoriza as diferenas de d oportunidade para a participao de
todos; e psicologicamente saudvel, favorecendo a construo da autonomia. (UN, 2002)
14. Participao Um processo pelo qual diferentes grupos participam na identificao das necessidades ou
dos problemas de sade e atuam como corresponsveis no planejamento e execuo de solues adequadas.
(BRASIL, 2006)
15. Empoderamento Processo que permite que as pessoas adquiram maior controle sobre as decises e as
aes que afetam a sua sade, pela conscincia crtica, respeito, participao solidria e o cuidado do
grupo. (CARVALHO, 2004)

239

16. Autonomia Desenvolvimento pessoal das capacidades que permitem que as pessoas possam decidir
livremente sobre suas prprias aes e as possibilidades de construrem sua prpria vida e sade.
(WESTPHAL, 2006)
17. Iniquidades Diferenas injustas.
18. Cncer Considerada uma doena degenerativa, todos os tipos, incluindo o de boca bucal. (tumor maligno)
19. Ddoena crnico-degenerativa De curso longo, progressivo relativo ao processo do envelhecer, alterar as
qualidades do que foi gerado.
20. Incremento Relativo a aumentar.
21. Prevalncia Relativo a numero de casos.
22. WHO Sigla em ingls de OMS (Organizao Mundial da Sade).
23. INCA Instituto Nacional do Cncer Que estuda e documenta os casos de cncer no Brasil.
24. Neoplasia Nova formao tumoral; se maligno, sinnimo de (tumor maligno).
25. Melanona Cncer, tumor maligno de pele.
26. Etiologia Relativo a causa, o que forma.
27. Multifatorial Relativo a vrios fatores que se interam.
28. Vrus HPV Vrus Papiloma Humano, maior precurssor do cncer de colo de tero, com aparecimento
em boca.
29. Fatores de risco Fator relacionado ao aumento da probabilidade de desenvolver a doena.
30. Tabagismo Ato de fumar.
31. Etilismo Ato de beber bebida alcolica.
32. Sedentarismo Mau hbito relativo atividade fsica.
33. Critrio Norma para decidir ou proceder.
34. Proservao Controle, acompanhamento ao longo do tempo.
35. Regies peribucais Regies ao redor da boca.
36. Grupo de risco Indivduos com maior chance de acometer, desenvolver a doena.
37. Sinal O que se observa (alterao de cor, volume, consistncia).
38. Sintoma subjetivo, o que o paciente sente e informa.
39. Auto exame Auto, relativo a si proprio, ato de se observar; realizar exame em si mesmo.
40. Sustentabilidade O que pode ser sustentado, mantido.
41. Sistmico Relacionado ao geral, de maneira genrica.
42. Antioxidantes Substncias presentes nos alimentos que ajudam no processo de manuteno de sade,
ajudando o metabolismo e prevenindo o envelhecimento precoce celular.

240

43. Perspectiva Aspecto sob o qual algo se apresenta.


44. Hipertenso Presso alta.
45. Diabetes Distrbio no metabolismo dos acares, caracterizado por hiperglicemia.
46. Distrbios Cardiovasculares Alteraes do corao.
47. Menopausa Climatrio.
48. Risco ocupacional Trabalho em local ou com substncias que tragam danos sade.
49. Imunossupresso Diminuio das reaes de defesa do organismo.

241

ACIDENTES NA INFNCIA E ADOLESCNCIA

Luiz Carlos Bleggi Torres


Fernanda Marder Torres

A maioria das informaes contidas neste texto foram retiradas e baseadas no site da ONG
Criana Segura, conforme citado nas referncias bibliogrficas.
Toda criana vive constantemente exposta a perigos. Negar a existncia deles fugir da
realidade. Criar um meio ambiente artificial isento de perigos impraticvel e mesmo impossvel.
Os pais ou responsveis e os professores devem tornar-se atentos aos fatores que podem levar a
acidentes e aprender como preveni-los.
A proteo passiva por si s no suficiente. A criana, to cedo quanto possvel, deve ser
ensinada a compreender os riscos que corre. As leses no intencionais ou os acidentes acontecem
durante um lapso de superviso ou porque um mecanismo de segurana no foi utilizado (cinto de
segurana, capacete etc.). Nesse sentido, dois erros so frequentemente cometidos pelos adultos:
1) Atribuir criana mais inteligncia do que ela possui.
2) Achar que ela incapaz de pensar e aprender por si prpria.
No grupo de crianas de 1 a 14 anos, leses envolvendo veculos automotores, afogamento,
quedas e queimaduras provocam no Brasil cerca de 5.000 mortes e mais de 119 mil hospitalizaes
anualmente, segundo dados do Ministrio da Sade, configurando-se como uma sria questo de
sade pblica. Estima-se que 90% dessas leses podem ser prevenidas a partir da combinao de

243

educao, modificaes no meio ambiente, modificaes de engenharia e criao e cumprimento


de legislao e regulamentaes especficas. (ONG Criana Segura Safe Kids Brasil).
ATROPELAMENTO
Poucas crianas menores de 14 anos de idade podem lidar seguramente com o trnsito de
veculos e meios de transportes (carros, motos, bicicletas, skates, patinetes, carroas etc.) porque:
1) Tm dificuldade de estimar a velocidade com que os veculos e os outros meios de
transporte esto se movendo, a que distncia eles esto e quanto tempo levam para
alcan-las, criando problemas para o reconhecimento e para a reao ao perigo;
2) Crianas entre 5 e 9 anos de idade so atropeladas nas ruas e entradas de garagens
prximas s suas casas quando correm entre carros estacionados ou quando caminham
na beira da rua ou atravessam no meio da quadra ou na frente de um carro que est
sendo manobrado, principalmente quando o carro d a r, pois a altura delas est no
ponto cego do motorista.
A independncia faz parte do desenvolvimento da criana e os adultos, muitas vezes, querem
apoiar essa crescente autoestima. No entanto, o ato de atravessar a rua, crianas no devem ser
deixadas sozinhas. O risco de ocorrer um acidente pode ser reduzido com o exemplo dos adultos
e com o ensino de um comportamento seguro para pedestres.
Protegendo a criana
O mais importante para ensinar um comportamento de pedestre seguro pratic-lo voc
mesmo: atravessar as ruas olhando para ambos os lados, respeitar os sinais de trnsito
e faixas para pedestres e, antes de atravessar na frente dos veculos, fazer contato visual
com os motoristas para ter certeza de que eles viram voc .
No permitir que uma criana menor de 10 anos atravesse a rua sozinha. A superviso
de um adulto vital at que ela demonstre habilidade e capacidade de reconhecer o
perigo do trfego de veculos. Segurar sempre a sua mo, firme, pelo pulso enquanto
estiverem caminhando na rua.
Proibir que as crianas brinquem nas entradas de garagens, nos quintais sem cerca ou
muros, nas ruas ou estacionamentos, principalmente ao entardecer e ao anoitecer.

244

Fazer com que as crianas sempre usem o mesmo trajeto para destinos comuns como a
escola. Caminhar com seu filho ou alunos para encontrar o caminho mais seguro com
menos ruas para atravessar e menor fluxo de automveis.
Para evitar atropelamentos durante noite, use lanternas ou materiais refletivos nas
roupas da criana.
No deixar a criana atravessar a rua saindo por entre os carros estacionados ou aps
descer do nibus ou carro, nem sair de trs de rvores, arbustos, muros e portes (os
motoristas no enxergam as crianas).
Conscientizar a criana de que no deve correr atrs da bola, do cachorro ou de algum
diretamente para a rua sem parar no meio-fio ou beira da rua.
Orientar a criana a caminhar de frente para o sentido do trfego nas caladas ou nos
caminhos, o mais esquerda possvel.
Observar os carros que esto virando ou dando r.
Caminhar em fila nica sempre que estiver com mais crianas.
Ao desembarcar do nibus, esperar que o veculo pare totalmente para descer e aguardar
que ele se afaste para atravessar a rua.
Ensinar o seguinte para as crianas:
parar no meio-fio ou na margem da rua;
olhar para os dois lados antes de atravessar, acelerar o passo e continuar olhando
para os lados enquanto atravessa;
atravessar nas esquinas usando os sinais de trnsito e as faixas para pedestres.
ACIDENTES COM VECULOS
Os acidentes de trnsito so responsveis pelo maior nmero de mortes de crianas e
adolescentes na faixa etria de 1 a 14 anos no Brasil. A maneira como a criana viaja no carro
to importante quanto a velocidade do veculo, as condies da estrada e as condies do motorista.
Por isso, houve a necessidade de criarem-se regras para o transporte das crianas no pas.
A Resoluo 277 do Conselho Nacional de Trnsito (Contran), publicada em maio de 2008,
regulamentou o transporte de crianas em veculos. Segundo a norma, crianas de at 7 (sete)
anos e meio devem ser transportadas obrigatoriamente no banco traseiro e em dispositivos de

245

reteno de acordo com a idade. Em 2010, no dia 1 de setembro, iniciaram-se as aes de


fiscalizao por parte dos rgos de trnsito.
Protegendo a criana
Para transitar em veculos automotores, os menores de dez anos devero ser transportados
nos bancos traseiros usando individualmente cinto de segurana ou sistema de reteno
equivalente1.
Muitas colises acontecem prximo rea de destino e origem ou em ruas com baixos
limites de velocidade. Por isso importante usar a cadeira sempre, mesmo em pequenas
distncias.
Nunca sair de carro com crianas sem estes sistemas de reteno, mesmo que seja para
ir at a esquina.
Uma cadeirinha de m qualidade ou instalada de modo inadequado no cumpre a funo
de proteo criana.
Os modelos de cadeirinhas confiveis e seguros so aqueles que esto de acordo com as
normas tcnicas do pas de fabricao e origem, com selo de qualidade e segurana.
Entretanto, no basta apenas comprar um desses artigos para garantir a segurana da
criana. essencial usar cadeiras certificadas, apropriadas ao peso da criana e que se
adaptem devidamente ao seu veculo.
importante instalar o equipamento de acordo com as instrues do manual. A maioria
das cadeiras e assentos de segurana instalada de forma incorreta.
Certificar-se de que a cadeirinha possui o selo do Inmetro. Esta a garantia de que o
produto foi testado e pode resistir a um acidente. Se o produto no possuir a certificao,
no compre.
Na hora de comprar a cadeirinha
Existem 3 (trs) tipos de assentos de segurana para os carros de passeio brasileiros.
Conchinhas: para crianas de at 9 (nove) meses ou at cerca de 10 (dez) quilos.
Reversveis: para crianas de 9 (nove) meses a 4 (quatro) anos ou entre 9 (nove) e 20
(vinte) quilos.

246

Assentos elevatrios (boosters): para crianas de 4 (quatro) anos a 12 (doze) anos ou de


at 1,45 metros de altura.
*

Quando a criana medir mais de 1,45 metros de altura, dever andar no banco de trs usando o cinto de
trs pontos do carro, sem a cadeirinha.

CRIANA SOZINHA NO CARRO


Para a criana, o carro pode ser um verdadeiro brinquedo a ser explorado e o porta-malas
pode tornar-se o local perfeito para a brincadeira de esconde-esconde. O acesso da criana ao
veculo quando est sozinha e sem superviso ativa de um adulto pode coloc-la em srios riscos.
A criana pode ficar presa no veculo, correndo srios perigos como a asfixia e queimaduras, ou
acabar provocando e sofrendo um acidente se soltar o freio de mo intencionalmente.
A mudana de rotina tambm pode levar o adulto a esquecer o beb (ou a criana) dentro
do carro por horas, gerando consequncias muito graves. Um beb (ou criana) esquecido dentro
de um carro, com uma temperatura externa de 38C, pode ficar exposto a uma temperatura de
at 60C dentro do veculo. Esta criana pode sofrer queimaduras graves e paradas cardaca e
respiratria. Por isso, importante adotar medidas de preveno para evitar que isto acontea.
Protegendo a Criana
Nunca deixar a criana sozinha dentro do carro, mesmo com o vidro levemente aberto.
Colocar algo que voc v precisar em sua prxima parada, como bolsas, o almoo, uma
mochila ou uma maleta, no cho do banco de trs onde a criana est sentada. Esse ato
simples pode prevenir o esquecimento acidental da criana caso ela esteja dormindo.
Ao mudar sua rotina para deixar as crianas na creche ou na escola, seja cuidadoso.
Pea para a creche te avisar caso seu filho no chegue ao local aps alguns minutos do
horrio que voc costuma deix-lo.
Sempre trancar as portas e o porta-malas do veculos, especialmente em casa. Mantenha
as chaves e os controles automticos do carro fora do alcance das crianas.
Observar as crianas de perto quando prximas a veculos, especialmente no momento
de carregar e descarregar o carro.
Certificar-se que todas as crianas j esto acomodadas devidamente nos dispositivos de
reteno (beb conforto, cadeirinha, assento de elevao) quando o motor do carro j

247

estiver em funcionamento. Isso limitar o acesso das crianas ao controle das janelas.
Nunca deixar as crianas sem superviso.
Certificar-se de que todas as crianas deixaram o veculo quando chegar ao seu destino.
Supervisionar tambm as crianas que estiverem dormindo.
Nunca deixar o carro sozinho com o motor ligado e as portas destravadas. Crianas
curiosas podem entrar e engatar o veculo.
Assim como qualquer corda ou cabo, os cintos do carro tambm podem representar
riscos para a criana. No permitir que elas brinquem com eles.
Acionar as travas de segurana resistentes a crianas.
Manter o encosto do banco de trs travado para ajudar a prevenir que as crianas vo ao
porta-malas por dentro do carro.
Se uma criana sumir, checar o carro e o porta-malas em primeiro lugar.
Se voc vir uma criana sozinha dentro de um carro, ligue para o 190 imediatamente.
Ensinando a Criana
Ensinar as crianas a nunca brincarem dentro de veculos, pois ele serve exclusivamente
para transporte.
Orientar as crianas que os porta-malas so usados apenas para o transporte de carga e
no so locais seguros para brincar.
Ensinar as crianas mais velhas como desabilitar as travas das portas de trs pela porta
do motorista caso fiquem presas no-intencionalmente no veculo. Uma criana que est
aprendendo a andar no saber como ir para o banco da frente para sair do carro.
Mostrar para as crianas mais velhas como localizar e utilizar a trava de emergncia do
porta-malas que existe nos modelos de carros mais modernos.
AFOGAMENTO
Em um pas como nosso, em que a temperatura amena ou quente boa parte do ano e onde
existem muitos rios, represas, lagos, lagoas e praias, alm de piscinas que esto em lugares como
parques, clubes, condomnios e casas, o cuidado com as crianas que frequentam estes espaos
deve ser reforado.

248

Os afogamentos podem ocorrer em diversos locais como: rios, piscinas, mar, valetas, poos,
bacias, baldes e vasos sanitrios. Acontecem quando as crianas so deixadas soltas sem superviso
e de forma rpida e silenciosa. Entretanto, importante salientar que os perigos esto tambm em
ambientes familiares, tais como: piscinas, baldes e banheiras. Uma criana que comeou a andar
recentemente, por exemplo, pode afogar-se em 2,5 cm de profundidade de gua. Uma grande
parte das crianas que se afogam em piscinas estava em casa ou em clubes e ficou fora da vista
dos pais ou responsveis por menos de 5 minutos.
Protegendo a Criana
Esvaziar baldes, bacias e piscinas plsticas imediatamente aps o uso. Guard-los virados
para baixo e fora do alcance de crianas.
Despejar a gua antes de retirar a criana da banheira e esconder a tampa de modo que
a criana no possa preparar o seu prprio banho.
Nunca deixar uma criana com menos de 3 (trs) anos sozinha na banheira, mesmo
quando ela j se senta bem. Durante o banho, no atender ao telefone e nem porta.
Manter a tampa do vaso sanitrio fechada e usar trancas nos banheiros e casinhas.
No deixar as crianas mergulharem sem terem aprendido antes tcnicas de mergulho.
Crianas devem aprender a nadar com instrutores qualificados ou em escolas de natao
especializadas. Se os pais ou responsveis no sabem nadar, devem aprender tambm.
Cuidar com troncos e galhos escondidos no fundo dos lagos e lagoas e com a profundidade
local.
Crianas devem aprender a nadar e usar sempre coletes salva-vidas.
Procure saber quais amigos da criana ou vizinhos possuem piscina. Certifique-se de que
a criana ser cuidada por um adulto enquanto visita o amigo.
A criana deve sempre nadar com um companheiro. Nadar sozinha muito perigoso.
Evitar locais com aglomeraes na gua para que ningum caia ou mergulhe sobre os outros.
Nunca deixar uma criana sem superviso dentro ou prximo de gua, mesmo em
piscinas rasas. Um adulto deve sempre supervision-las de forma ativa e constante.
As piscinas devem ser protegidas com cercas de no mnimo 1,5 metros que no possam
ser escaladas e portes com cadeados ou trava de segurana que dificultem o acesso
dos pequenos.

249

Grande parte dos afogamentos com bebs acontece em banheiras. Na faixa etria at dois
anos, at vasos sanitrios e baldes podem ser perigosos. Nunca deixar as crianas, sem
vigilncia, prximas a pias, vasos sanitrios, banheiras, baldes e recipientes com gua.
Evitar brinquedos e outros atrativos prximos piscina e reservatrios de gua.
Bias e outros equipamentos inflveis passam uma falsa segurana. Eles podem estourar,
virar a qualquer momento e ser levados pela correnteza. O ideal a criana usar sempre
um colete salva-vidas quando estiver em embarcaes, prxima a rios, represas, mares,
lagos e piscinas, e quando estiver praticando esportes aquticos.
Muitos casos de afogamentos aconteceram com pessoas que achavam que sabiam nadar.
No superestime a habilidade de crianas e adolescentes.
Ensinando a criana
Sempre nadar com um companheiro adulto. Nadar sozinho muito perigoso.
Respeitar as placas de proibio nas praias, os guarda-vidas e verificar as condies das
guas abertas.
No brincar de empurrar, dar caldo dentro da gua ou simular que est se afogando.
Saber ligar para um nmero de emergncia e passar as informaes de localizao e do
que est acontecendo em caso de perigo
SUFOCAO OU ENGASGAMENTO
Em 2009, segundo dados do Ministrio da Sade, 761 crianas de at 14 anos foram
vtimas deste tipo de acidente. At os 4 anos de idade, a criana est muito exposta a este risco
pois nesta fase que se inicia a explorao do mundo ao redor por meios dos cinco sentidos (tato,
audio, olfato, paladar e viso). Dentre os acidentes, a sufocao (obstruo das vias areas) a
primeira causa de morte em bebs de at um ano.
Protegendo a Criana
Bebs devem dormir em colcho firme, DE BARRIGA PARA CIMA, cobertos at a
altura do peito com lenol ou manta presos embaixo do colcho e os bracinhos para fora.

250

O colcho deve estar bem preso ao bero (no mais que dois dedos de espao entre o
bero e o colcho) e sem qualquer embalagem plstica.
Na hora de dormir, evitar o excesso de roupas e fraldas no beb. Remover do bero
todos os brinquedos, travesseiros e objetos macios quando o beb estiver dormindo, para
reduzir o risco de asfixia.
Ter muita cautela em relao ao bero. Procurar beros certificados pelo Inmetro,
conforme as normas de segurana da ABNT (Associao Brasileira de Normas Tcnicas).
Ficar atento s grades de proteo do bero, que devem estar fixas e no devem ter mais
que 6 cm de distncia entre elas.
Comprar somente brinquedos apropriados para a criana. Verificar as indicaes de
idade no selo do Inmetro. Tenha certeza de que o piso est livre de objetos pequenos
como botes, colar de contas, bolas de gude, moedas, tachinhas. Tirar esses e outros
pequenos itens do alcance do beb.
Considerar a utilizao de um testador para determinar essas partes pequenas de brinquedos
que oferecem risco de engasgamento para crianas de at 4 anos. Utilizar uma embalagem
plstica de filme fotogrfico como referncia, pois ela possui o dimetro (3 cm) aproximado
da garganta da criana e poder alertar para o risco de forma bastante visual;
Considerar a compra de cortinas ou persianas sem cordas para evitar que crianas
menores corram o risco de estrangulamento.
Na hora da alimentao, cortar os alimentos em pedaos bem pequenos.
QUEDAS
As quedas representam a principal causa de internao entre os acidentes com crianas e
adolescentes de at 14 anos no Brasil. Isso quer dizer que a queda caracteriza-se como o acidente
que mais gera hospitalizao de nossas crianas.
A maior parte dos acidentes resultante de quedas de escadas, telhados, muros, cercas,
cavalos, carroas, tratores e carretas, bicicletas, patins, patinetes e skates. Caractersticas fsicas
prprias do desenvolvimento da criana favorecem as quedas, como o tamanho e o peso da cabea
em relao ao corpo, que acabam facilitando o desequilbro.

251

Protegendo a Criana
Cada criana necessita de um tipo de preveno de acidentes de acordo com alguns fatores
que podem interferir, tais como:
tipo de casa e localizao;
cercanias da casa;
nvel socioeconmico;
com quem ela fica;
o trajeto da criana para a escola;
como a sua escola;
estgio do desenvolvimento e o nvel de atividade da criana.
Entre crianas de 1 a 4 anos, acontecem com frequncia razovel quedas de mveis, da
cama, de equipamentos de recreao, de degraus, de escadas e de altura. Entre 5 e 14 nos, so
mais frequentes acidentes relacionados a atividades recreativas e esportivas.
Em grande parte das cidades brasileiras, existem edificaes cobertas apenas por laje. Essas
lajes exercem grande atrao entre crianas das diferentes faixas etrias, constituindo um local
onde realizam diversas atividades e brincadeiras. um local muito perigoso para a realizao
dessas brincadeiras, pois com frequncia ocorrem quedas com traumatismos variados, que geram
leses graves e alta taxa de mortalidade.
A queda de objetos pesados sobre a criana, como televisores, por exemplo, tambm pode
causar leses graves e at a morte. A televiso costuma ser muito atrativa para os pequenos, com
tantos botes, imagens e sons. A criana tanto pode mexer sozinha no eletrodomstico como
equilibrar-se nele para levantar do cho, causando a queda da TV ou qualquer outro objeto
pesado sobre ela. Por isso, supervisione sempre a criana, mesmo que em uma atividade a
princpio sem riscos como assistir TV. Certifique-se de que os mveis, alm de fixos e estveis,
podem suportar bem o peso do aparelho
Ensinando a Criana
As crianas devem brincar em locais seguros. Escadas, sacadas e lajes no so lugares
para brincar.
Explicar s crianas os perigos de andar em tratores, carretas e carroas sem a superviso
de adultos e ensinar-lhes como se comportar.

252

Usar portes de segurana no topo e na base das escadas. Caso a escada seja aberta,
instalar redes ao longo dela.
Instalar grades ou redes de proteo nas janelas, sacadas e mezaninos.
Crianas com menos de 6 anos no devem dormir em beliches. Se no tiver escolha,
colocar grades de proteo nas laterais.
Manter camas, armrios e outros mveis longe das janelas, pois podem facilitar que
crianas os escalem e se debrucem para fora do prdio ou casa.
Bicicleta um veculo, no um brinquedo. Ao andar de bicicleta, skate ou patins, o uso
de equipamentos de segurana como capacete e joelheira fundamental.
Cuidar com pisos escorregadios e colocar antiderrapante nos tapetes.
Deve-se sempre observar as crianas quando estiverem brincando nos parquinhos. Verificar
se os brinquedos esto em boas condies e se so adequados idade da criana.
No permitir que a criana pule dos equipamentos recreativos. Alerte-a para a funo do
brinquedo: por exemplo, escalar e descer pelo lado correto.
Manter uma mo segurando o beb durante a troca de fraldas. Nunca deixar um beb
sozinho em mesas, camas ou outros mveis, mesmo que seja por pouco tempo.
No permitir que crianas brinquem perto de barreiras e barrancos.
Quando acionar a emergncia
Se houver perda de conscincia.
Se a criana apresentar sonolncia, irritabilidade, alterao de comportamento, convulso,
vmitos.
Se a criana reclamar de dor, especialmente no pescoo ou no dorso.
Se a criana persistir chorando, inconsolvel.
Se a criana estiver sangrando ou com escorrimento de outro fluido do nariz, ouvidos
ou boca.
Se a criana apresentar sinais sugestivos de fraturas.

253

Se houver qualquer dvida sobre os sintomas apresentados, as leses ou o comportamento


aps a queda.
Proporcionar brincadeiras que estimulam a criatividade e a conscincia corporal dos
pequenos essencial para o desenvolvimento das crianas, porm, preciso que os pais estejam
sempre atentos para evitar que os momentos de diverso se tornem um perigo.
QUEIMADURAS
O Brasil segue registrando um nmero elevado de crianas que sofrem queimaduras. O pior
que esse problema mora dentro de casa: 45% dos casos acontecem dentro do prprio lar,
sendo que a grande maioria poderia ter sido evitada caso houvesse adoo de mtodos simples
de segurana.
O fogo exerce uma atrao quase mgica na infncia uma curiosidade que pode ser fatal.
A brincadeira comea no quarto, quando esto sozinhos com fsforos ou isqueiros, e pode
transformar-se em um incndio de grandes propores. Uma tomada sem proteo, o cabo da
panela virado para fora do fogo e materiais inflamveis perto do fogo tambm representam srios
riscos para a criana.
Protegendo a Criana
Manter a criana longe da cozinha e do fogo, principalmente durante o preparo das
refeies.
Cozinhar nas bocas de trs do fogo e sempre com os cabos das panelas virados para
trs, para evitar que as crianas entornem os contedos sobre elas. O uso de protetores
de fogo um cuidado a mais para evitar que a criana tenha acesso s panelas.
Evite carregar as crianas no colo enquanto mexe em panelas no fogo ou manipula
lquidos quentes. At um simples cafezinho pode provocar graves queimaduras na pele
de um beb.
Quando estiver tomando ou segurando lquidos quentes, fique longe das crianas.
No utilizar toalhas de mesa compridas ou jogos americanos. As mozinhas curiosas
podem puxar estes tecidos, causando escaldadura ou queimadura de contato.

254

Durante o banho do beb, colocar primeiro a gua fria e verificar a temperatura da


banheira com o cotovelo ou dorso da mo.
No deixar as crianas brincarem por perto quando voc estiver passando roupa nem
largar o ferro eltrico ligado sem vigilncia.
No deixe crianas brincarem perto dos locais onde algum estiver cozinhando ou
passando roupa.
Cuidar com os fios dos outros eletrodomsticos. Se possvel, mantenha-os no alto.
No existem fogos de artifcios inofensivos. Esses produtos causam geralmente
queimaduras graves. Alm disso, eles podem explodir ocasionando mutilaes nas mos
e na face. Cuidado com as festas juninas e com a imprudncia no uso de materiais. Fogos
de artifcio devem ser manipulados por profissionais e NUNCA por crianas.
Nas festas juninas no permitir brincadeiras com bales ou de saltar fogueira. No deixe
que ele faa parte da brincadeira, principalmente quando j houver fogueira, chama ou
braseiro em uso por perto.
Certifique-se de que os adultos no esto ensinando maus hbitos para as crianas como,
por exemplo, fumar na cama, manusear fogos de artifcios e lcool para acender o fogo.
Eletricidade
Brincadeiras com pipas s devem ocorrer longe dos fios de alta tenso, para evitar o risco
de queimaduras graves e mesmo morte instantnea.
Somente permitir que as crianas empinem pipas em campos abertos, com boa
visibilidade, sem a presena de fios e postes de eletricidade.
Verificar sempre o estado das instalaes eltricas. Fios desencapados podem ser muito
perigosos.
Evitar ligar vrios aparelhos eletrnicos em uma mesma tomada.
As tomadas devem estar protegidas por tampas apropriadas, esparadrapo, fita isolante
ou mesmo cobertas por mveis.
Fios eltricos devem estar isolados e longe do alcance das crianas.
Cuidados com eletrodomsticos em mau estado de conservao como ventiladores e
geladeiras, que podem causar choque e curto-circuito.
No colocar objetos metlicos (facas, garfos etc.) dentro de equipamentos eltricos.

255

Inflamveis
No deixar fsforos, isqueiros e outras fontes de energia ao alcance das crianas.
Guardar todos os lquidos inflamveis em locais altos e trancados, longe do alcance
das crianas.
Muito cuidado com o lcool. Ele responsvel por um grande nmero de queimaduras
graves em crianas. Guardar o produto longe do alcance delas. O mais seguro substituir
qualquer verso de lcool por outros produtos de limpeza domstica, como gua e sabo.
Nunca jogar lcool engarrafado sobre chamas ou brasas, nem utilizar este produto para
cozinhar. O lcool poder explodir, provocando queimaduras graves ou at fatais.
S acenda velas em recipientes fundos (como jarros de vidro) ou num prato fundo com gua.
Tire todos os aquecedores portteis do alcance das crianas.
IMPORTANTE: Se mesmo tomando todos estes cuidados, um acidente ocorrer, leve a
criana ao posto de sade ou hospital mais prximo para que seja orientada, avaliada e tratada.
ENVENENAMENTOS
O ambiente domstico, onde acontecem a maior parte dos acidentes, possui vrios
tipos de venenos em potencial. A explorao do espao uma atividade importante para o
desenvolvimento infantil. Colocar objetos na boca ou tentar pegar frascos com lquidos coloridos
so comportamentos caractersticos das crianas, mas que tambm podem coloc-las em grande
risco de envenenamento e intoxicao no intencional.
O envenenamento a quinta causa de hospitalizao por acidentes com crianas de 1 a 4
anos. Por isso, necessrio adaptar a casa para proteger as crianas, alm de vigi-las em todos
os lugares.
Protegendo a Criana
Medicamentos
Devem ser guardados em armrios altos e trancados a chave, em suas embalagens
originais e com a bula, longe do alcance das crianas.
Remdios de uso adulto e de uso infantil com embalagem semelhante tm de ser
armazenados em lugares diferentes.

256

Sempre checar a data de validade e a dose antes da administrao.


Sempre ler os rtulos e seguir exatamente as instrues para dar remdios s crianas,
considerando o peso e a idade, sob orientao mdica e usando o medidor que acompanha
o medicamento.
Manter os produtos em suas embalagens originais.
O que sobrar do remdio no fim do tratamento deve ser jogado fora.
Como as crianas tendem a imitar os adultos, evite tomar medicamentos na frente delas.
Remdio remdio, doce doce. Mesmo que as crianas recusem, no mentir para elas.
Cosmticos e produtos de higiene
Produtos comuns como lquidos para higiene bucal podem ser nocivos se a criana os
engolir em grande quantidade.
Sempre manter estes produtos fora da vista e do alcance das crianas.
Sempre manter os produtos em suas embalagens originais.
Dar preferncia a embalagens com tampas a prova de abertura por crianas. Essas
tampas de segurana no garantem que a criana no abrir a embalagem, mas podem
dificultar bastante, a tempo de que algum intervenha.
Produtos de limpeza
Devem ser guardados em armrios altos, trancados com chave ou travas especiais, fora
da vista e do alcance das crianas.
No misturar solues de limpeza, pois podem produzir vapores txicos.
Procurar saber quais produtos domsticos so venenosos.
Nunca deixar produtos venenosos sem ateno enquanto os usa. Bastam alguns segundos
para que ocorra um envenenamento.
Manter os produtos em suas embalagens originais. Nunca colocare um produto txico em
outra embalagem que no a de origem. Isso pode confundir a criana.
Jogar fora embalagens de substncias potencialmente txicas.

257

No criar novas solues de limpeza misturando diferentes produtos designados para


outro fim. Esta nova mistura pode ser nociva e mais txica.
Procurar por produtos de limpeza que voc no utiliza mais e desfazer-se deles.
Plantas
Ensinar s crianas desde cedo que no devem tocar ou levar plantas boca.
Informar-se sobre as espcies venenosas mais comuns, dentro e fora de casa
Saber quais plantas ao redor de sua casa so venenosas. Remov-las ou deix-las
inacessveis s crianas.
Jogar fora embalagens de venenos e agrotxicos.
Brinquedos
Ao adquirir um brinquedo para a criana, certificar-se que ele atxico, ou seja, no
contm componentes txicos.
A tinta e o material de alguns brinquedos tambm podem causar envenenamento. Evite
comprar os de procedncia desconhecida.
Procurar sempre adquirir brinquedos que contenham o selo de aprovao do Inmetro.
Em caso de suspeita de envenenamento
Entrar em contato imediatamente com o Pronto-Socorro ou Centro de Controle de
Toxicologia de sua cidade para receber orientaes adequadas.
Anotar os nmeros de telefones de emergncia em local prximo ao telefone (posto de
sade, pronto-socorro, bombeiros e(ou) centro de informaes toxicolgicas).
ACIDENTES COM ARMAS DE FOGO
As crianas tm uma atrao impressionante por armas de fogo. H um contexto mgico,
herico, aventureiro em torno delas. E, quando se interessam por algo, os pequenos descobrem
como consegui-lo. Normalmente, por mais que os pais escondam, as crianas sabem onde est a
arma. E, quando descobrem, chamam o amiguinho para ver.

258

Perto de dois teros dos pais possuidores de armas de fogo com filhos em idade escolar
acreditam que guardam suas armas seguramente longe deles. No entanto, um estudo descobriu
que quando uma arma estava em casa, boa parte dos alunos do Ensino Fundamental e do Ensino
Mdio sabia onde ela estava guardada.
Poucas crianas abaixo de oito anos podem seguramente distinguir entre armas reais e de
brinquedo ou entender completamente as consequncias de suas aes. Crianas de trs anos de
idade so fortes o suficiente para puxar o gatilho de muitos revlveres. Por isso, guardar armas de
fogo em lugares seguros, fora do alcance das crianas, primordial.
Por que as crianas esto em risco?
Alguns pais pensam que suas crianas no esto em risco porque eles no possuem armas.
Outros pais pensam que seus filhos esto seguros porque eles possuem armas e as crianas sabem
das regras. Uma subestimao da capacidade da criana para ganhar acesso a uma arma
de fogo em casa um problema comum. Alm disso, ao contrrio dos adultos, as crianas so
incapazes de distinguir entre uma arma real e armas de brinquedo.
A verdade que todas as crianas esto potencialmente em risco de acidentes com armas
de fogo. No entanto, sabendo como e por que ocorrem, possvel reduzir substancialmente esse
risco. Quase todos os tiros fatais acidentais ocorrem dentro da casa da vtima ou na casa de um
amigo ou parente. A maioria dessas mortes envolve armas que foram guardadas carregadas e em
locais de fcil acesso para as crianas quando estavam brincando.
Para a segurana de sua criana com relao armas de fogo, voc deve considerar se
vale a pena manter uma arma de fogo em sua casa. Se voc optar por mant-la, armazen-la com
segurana e fora do alcance da criana, e manter a munio em um local separado. Alm disso,
voc deve conversar com seu filho sobre os perigos das armas de fogo, ensinando-o a nunca tocar
ou brincar com elas.
A casustica de acidentes com armas de fogo mais alta nas reas rurais, onde provavelmente
maior nmero de pessoas possui armas de fogo e as utilizam ao ar livre para caar ou exercitar
tiro ao alvo.
Situaes de Alto Risco com armas de fogo
Armas de fogo acessveis em casa.
Armas de fogo acessvel em outra casa (vizinhos, amigos, parentes).

259

Munies e armas de fogo armazenados juntos.


Falta de superviso.
Protegendo a criana
Ter a conscincia das situaes que podem aumentar o risco de seu filho exposio
armas de fogo pode ajudar a prevenir acidentes.
De preferncia, no tenha armas. A menos que sua profisso exija esse tipo de
equipamento, desarme-se.
Com crianas em casa, qualquer arma um perigo em potencial para elas. Por isso,
sempre considerar seriamente os riscos.
Armazenamento adequado
Guardar as armas de fogo descarregadas, travadas e fora do alcance das crianas.
Guardar as munies em um lugar separado e trancado.
Manter as armas guardadas com chaves e lacres de combinao escondidos em lugares
separados.
Fazer um curso de uso, manuteno e armazenamento seguro de armas.
Verificar com vizinhos
Mesmo que a sua prpria casa seja livre de armas de fogo, seu filho pode visitar outra
casa, onde armas de fogo so mantidas.
Sempre certificar-se com os vizinhos, amigos e parentes se eles possuem ou no armas
de fogo em casa. Se possurem, verificar se armazenam com segurana as suas armas de
fogo, fora do alcance das crianas.
Ensinando a Criana:
Conversar com as crianas sobre o grande perigo das armas.
Ensinar as crianas a nunca tocar ou brincar com armas.
Ensinar as crianas a contar a um adulto onde se encontra uma arma.

260

PREVENO DE ACIDENTES E A SUSTENTABILIDADE


A preveno de acidentes, por si s, j uma atitude sustentvel. Com de simples gestos,
como a educao continuada, podemos passar adiante as principais atitudes e aes que vo
prevenir a ocorrncia dos principais acidentes tratados neste captulo.
Para isso, muito importante que as escolas busquem parceiros na realizao de campanhas
informativas. Existem muitos programas estaduais e federais, organizaes no governamentais
(ONGs) e empresas multinacionais que possuem programas voltados para a orientao sobre a
segurana na infncia e adolescncia. Por meio de palestras e materiais didticos, como filmes, sites
na internet, livros ilustrados, estas empresas revertem sociedade um pouco da responsabilidade
social que um dos pilares da sustentabilidade.
CAMPANHA EDUCATIVA CONTRA ACIDENTES
Os acidentes na idade escolar verificam-se quase sempre fora de casa, nas escolas, ruas
ou praas de desportos. Entre os escolares, os acidentes mais frequentes so atropelamento,
queimaduras, afogamento, acidentes com armas de fogo, acidentes com objetos cortantes e
picadas de animais peonhentos (aranhas, cobras e escorpies).
Programas educativos devem ser realizados nas escolas, promovendo a prpria iniciativa
do aluno na manuteno das condies de segurana, tanto na escola como fora dela. Esses
programas visam educar a criana no sentido de uma maior ateno ao atravessar a rua, dos riscos
de brincar com objetos perigosos, lidar com jogos, brincar prximo a montes de lixo, tijolos, lenha
ou prximo rios e lagos.
Estes programas educativos podem ser feitos por meio de histrias, teatros, cartilhas e murais
envolvendo todos os alunos da escola e tambm com a apresentao aberta aos familiares. Cabe
aos pais promover a educao de seus filhos, informando-os sobre a responsabilidade pessoal na
defesa contra os acidentes e orient-los a fim de que informem situaes potencialmente perigosas
como, por exemplo, encontrar tambores de agrotxicos espalhados, rios contaminados, armas de
fogo, ninho de aranhas, cobras, lagartos etc.
A preveno de acidentes e a vida com sade so direitos de todas as crianas e todos os
adolescentes. Por isso, cabe a todos ns orient-los medida que vo crescendo e se desenvolvendo.

261

CONCLUSES
As crianas devem ser supervisionadas de forma ativa e constante. Muitos acidentes
ocorrem rapidamente e de forma silenciosa.
Ensinar as crianas, quanto mais cedo possvel, a compreender os riscos aos quais esto
expostos, suas consequncias e a importncia da preveno.
A melhor forma de evitar os acidentes na infncia a preveno. Esta comea dentro
de casa e, principalmente, com a participao e exemplo dos pais e, em extenso, dos
professores e educadores.
Programas educativos devem ser promovidos tanto dentro como fora das escolas, pois
so uma ferramenta muito importante na educao para se evitar acidentes.
REFERNCIAS
CRIANA SEGURA BRASIL. Cuidados para uma criana segura. Disponvel em: <http://www.
criancasegura.org.br>.
CRIANA SEGURA BRASIL. Dicas de Preveno. Disponvel em: <http://criancasegura.org.br/page/dicasde-prevencao>.
ATIRAR. Acidentes e incidentes com armas de fogo. Disponvel em: <http://www.mvb.org.br/campanhas/
acidentesearmas.php>.
BABYCENTER. O que fazer em caso de quedas. Disponvel em: <http://brasil.babycenter.com/baby/
protecao/quedas/>.
BABYCENTER. Queimaduras em crianas: o que fazer. Disponvel em: <http://brasil.babycenter.com/
baby/protecao/queimadura/>.
BLOG DA CRIANA. Dicas de Preveno de Atropelamento. Disponvel em: <http://www.blogdacrianca.
com/dicas-de-prevencao-de-atropelamento>.
BLOG EM DEFESA DA CRIANA SAUDVEL. Como proteger seu filho de quedas e prestar primeiros
socorros a crianas. Disponvel em: <http://diganaoaerotizacaoinfantil.wordpress.com/2009/05/20/comoproteger-seu-filho-de-quedas-e-prestar-primeiros-socorros-a-criancas/>.
BLOG EM DEFESA DA CRIANA SAUDVEL. Manual para evitar o Afogamento de Crianas. Disponvel
em: <http://diganaoaerotizacaoinfantil.wordpress.com/2009/10/06/manual-para-evitar-afogamentos-de-criancas/>.
CRESCER. Manual de primeiros socorros contra envenenamentos de crianas. Disponvel em: <http://
revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI72784-16889,00.html>.
E.EDUCACIONAL. Armas de fogo. Disponvel em: <http://www.educacional.com.br/reportagens/acidentes/
armas.asp>

262

GOVERNO DO PARAN. Como evitar afogamentos de crianas. Disponvel em: <http://www.


hospitalinfantil.saude.pr.gov.br/modules/noticias/article.php?storyid=187&tit=Como-evitar-afogamentos-decriancas>.
GRANDE DICIONRIO HOUAIS DA LNGUA PORTUGUESA. Disponvel em <http://biblioteca.uol.com.br/>.
LOPES, F.A; JR, D.C et al. Sociedade Brasileira de Pediatria: Filhos da gravidez aos 2 anos de idade:
dos pediatras da Sociedade Brasileira de Pediatria. So Paulo: Editora Manole Ltda, 2010. 1. ed.
LOPES, F.A; JR, D.C et al. Sociedade Brasileira de Pediatria: Filhos de 2 a 10 anos de idade: dos
pediatras da Sociedade Brasileira de Pediatria. So Paulo: Editora Manole Ltda, 2011. 1. ed.
LOPES, F.A; JR, D.C et al. Sociedade Brasileira de Pediatria: Filhos adolescentes de 10 a 20 anos de
idade: dos pediatras da Sociedade Brasileira de Pediatria. So Paulo: Editora Manole Ltda, 2012. 1. ed.
PASTORAL DA CRIANA. Dicas para prevenir a morte sbita. Disponvel em: <https://campanha.
pastoraldacrianca.org.br/index.php?option=com_content&view=frontpage&Itemid=1>
PBLICO. Campanha alerta para Afogamento Infantil. Disponvel em: <http://www.publico.pt/Sociedade/
campanha-alerta-para-afogamento-infantil-1150046>.
SADE. Acidentes domsticos. Disponvel em: <criancasegura.org.br>.
SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA. Campanha Nacional de Preveno de Acidentes na
Infncia e Adolescncia. Disponvel em: http://www.sbp.com.br>.
TORRES, G.T. Interrelaes entre a violncia na infncia e adolescncia e o uso de armas de fogo.
Disponvel em: <http://www.uff.br/mmi/ped/Adolescentes%20e%20armas%20de%20fogo.pdf>
MATERIAL DISPONVEL NA INTERNET
- Acidentes Domsticos
http://criancasegura.fbiz.com.br/ning-content/acidentes-domesticos.htm
- Casa Segura Conhea os principais perigos no ambiente domstico.
http://www.criancasegura.com.br/pop-casa-segura.htm#1
- Criana Segura Brasil
http://criancasegura.org.br/
- Materiais Educativos
http://criancasegura.org.br/page/materiais-educativos-10
- Pastoral da Criana Dicas na Preveno da Morte Sbita
https://campanha.pastoraldacrianca.org.br/index.php?option=com_content&view=frontpage&Itemid=1
- Srie Olha S o Perigo, desenvolvida pelo Canal Futura em parceria com a CRIANA SEGURA. Srie de
dez interprogramas de animao, usando a tcnica stop motion, com dicas sobre segurana infantil. O objetivo
divulgar dicas e cuidados sobre preveno de acidentes envolvendo crianas e adolescentes de at 14 anos.

263

Com base no trabalho da ONG Criana Segura, os episdios mostram que os cuidados com a sade da criana e
do adolescente comeam com hbitos preventivos incorporados s rotinas domsticas e ao dia-a-dia das famlias.
http://www.futuratec.org.br/details.php?id=163b21335cf823d7569278a5d59287b8eb9c3169
http://www.professorjosa.com.br/2010_08_15_archive.html

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Sistema de reteno equivalente Conjunto de elementos que contm uma combinao de tiras com fechos
de travamento, dispositivo de ajuste, partes de fixao e, em certos casos, dispositivos como: um bero
porttil porta-beb, uma cadeirinha auxiliar ou uma proteo antichoque que devem ser fixados ao veculo,
mediante a utilizao dos cintos de segurana ou outro equipamento apropriado instalado pelo fabricante
do veculo com tal finalidade.

Inflamveis Que podem pegar fogo facilmente.

Animais peonhentos Animais que tm substncia venenosa.

264

SEXUALIDADE

Darci Vieira da Silva Bonetto

Segundo Franco (2008), sexualidade no se limita a rgos genitais e ato sexual; um


movimento que permeia o desenvolvimento global do Ser, abrange quem somos e o que somos,
como homem e mulher; como nos sentimos a esse respeito; e como lidamos com isso. a expresso
de vida, na qual ocorre um movimento em direo ao prazer e que se manifesta em todas as fases
do ciclo vital, desde o nascimento at a morte.
A sexualidade tambm precisa ser considerada dentro da perspectiva ecolgica, isso significa
buscar a superao das dicotomias entre cultura e natureza, entre sociedade e individualidade,
valores, resgatando os vnculos que esto na base da vivncia da sexualidade prazerosa, responsvel
e tica. impossvel falar de sexualidade, reproduo e vida, deixando de lado o meio ambiente.
O domnio da sexualidade envolve: aprendizagem de papis sociais e de gnero, reflexo,
planejamento, adiamento, construo e consolidao de vnculos, desenvolvimento e expanso
da conscincia de si e do mundo ao seu redor, desenvolvimento de valores e tomada de deciso
(BONETTO, 2007).
Todos os sentidos tato, paladar, viso, olfato, audio , emoo e sensao esto
relacionados sexualidade e exerccio sexual sadio. Fornecer dados de reproduo e excluir
esses elementos falsificar informao. Essa falsificao vai ajudar a sustentar uma dicotomia
entre amor e prazer, romance, ternura, de um lado, e genitalidade, de outro. O que no pode
acontecer falar de reproduo, esquecendo a sensualidade, o erotismo o amor, respeito para
consigo mesmo e para com o outro.

265

A sexualidade precisa ser entendida na sua totalidade, valorizando os aspectos sociais,


culturais, afetivos, relacionais e psicolgicos nos quais esto inseridos os valores, conceitos e
preconceitos das questes de gnero e dos modelos relacionais entre homens e mulheres
(PAGNUSSATTI, 2006).
A sexualidade representa um dos eixos organizadores da convivncia com o outro e a parte
central da construo da nossa identidade. Quanto maior a conscincia sobre o que somos e o
quanto dependemos da natureza, maior a conscincia ecolgica que ir reavaliar o quanto est se
pagando pela satisfao das necessidades de consumo, levando a uma produo cada vez maior
de produtos pouco utilizados.
Ambio e consumismo caminham juntos para deteriorao das relaes, desigualdade
social, e a frustrao psicolgica da insatisfao gerada pela carncia do objeto desejado. A
carncia se d no mesmo movimento que se cria o smbolo sexual. Insatisfao um movimento
necessrio para que a indstria possa propor novos objetos de consumo. A mdia explora o corpo
associado a objetos descartveis que se vende e faz vender.
Nesse contexto, a sexualidade desponta como instrumento de consumo. O assunto sexo est
em revistas especializadas, em publicaes diversas destinadas ao pblico, nas telenovelas, filmes,
publicidade, quanto maior a explorao do tema sexual maior a venda do produto. Vendem-se
produtos associando-se direta ou indiretamente o consumo satisfao sexual, e a felicidade.
Atletas, modelos, artistas so modelos de virilidade e de desejos que mobilizam afeto, desejos
modelando a subjetividade e o comportamento ertico.
Nesse contexto associam-se os objetos de consumo descartveis, no reaproveitveis e a
degradao ambiental.
IDENTIDADE SEXUAL
A identidade sexual inicia no nascimento; entretanto, na adolescncia que alcana a
definio, por meio do aprendizado decorrente dos relacionamentos com ambos os sexos no
decorrer da infncia adolescncia (RIBEIRO, 2006).
O aumento do interesse sexual coincide com o surgimento dos caracteres sexuais secundrios.
Esse interesse influenciado pelas profundas alteraes hormonais deste perodo da vida e pelo
contexto psicossocial (TAQUETTE, 2008). A sexualidade pode ser definida como um conjunto
de fenmenos que permeia todos os aspectos de nossa existncia; ela vista como um fenmeno
biolgico, que atua como um organizador da identidade do adolescente. O desenvolvimento da

266

sexualidade est intimamente ligado ao psiquismo. A menarca1 na mulher e a espermarca2 no homem


so como um estopim fisiolgico a desencadear o processo de aquisio da identidade sexual.
As ansiedades peculiares a esse processo evolutivo tm sua origem habitualmente na
preocupao dos adolescentes com as modificaes corporais.
A formao da identidade sexual se d em trs nveis:
Biolgico: ao nascer com a determinao do sexo biolgico, apresenta caractersticas que
diferenciam os sexos masculinos e femininos. O componente biolgico determinado no momento
da fecundao. Segundo as funes biolgicas, a mulher pode engravidar dar luz e amamentar,
enquanto o homem somente pode produzir espermatozoide3 e fecundar mulheres. No entanto,
nada determina biologicamente que os homens no possam cuidar de filhos e zelar da casa.
Psicolgico: a partir de tomada de conscincia das diferenas biolgicas.
Social: o papel social sexual uma categoria especial dentro do papel social que cada pessoa
interioriza no processo de socializao e se refere ao comportamento especfico que essa pessoa
vai desempenhar, de acordo com seu sexo biolgico, masculino ou feminino; papel sexual a
expresso da masculinidade ou feminilidade de um indivduo conforme as regras estabelecidas,
o indivduo tem de pertencer ao sexo masculino ou feminino, a maneira como o indivduo deve
comportar-se em sociedade; varia de acordo com idade e cultura, e nas culturas varia de acordo
com os distintos perodos histricos de sua existncia.
Identidade sexual o sentimento que as pessoas tm de sua masculinidade ou feminilidade.
A identidade sexual ser consolidada com a interao de fatores biolgicos, culturais, da histria
individual, do relacionamento e de valores familiares, do repertrio de informaes, de vivncias
sociais, vivncias religiosas, entre outros.
Identidade de gnero
A identidade de gnero refere-se ao sentir-se homem ou mulher, com a conscincia de
pertencer ao sexo masculino ou feminino; uma convico pessoal e privada, e dificilmente ser
modificada durante a vida. A identidade de gnero refere-se a que sexo o indivduo sente-se
pertencendo independentemente de suas caractersticas corporais; sentir-se homem ou mulher,
com a conscincia de pertencer ao sexo masculino ou feminino. Papel de gnero a manifestao
externa da identidade trata-se da forma de atuao definida pelo aprendizado dos papis sexuais
que ocorre desde o nascimento, por meio do condicionamento social exercido pela famlia, escola
e comunidade, de forma verbal ou no verbal. O fato de ocorrerem variaes de papis em
diferentes culturas prova que os papis de gnero no so determinados pelo sexo biolgico.

267

A orientao de gnero, por sua vez, pode ser compreendida como a preferncia sexual
direcionada para o mesmo sexo ou para sexo oposto o comportamento homossexual ou
heterossexual, respectivamente.
A orientao sexual no pode ser a medida do valor de uma pessoa e no deve influenciar
o julgamento moral de algum. O adolescente deve compreender que, independentemente da sua
escolha sexual, o mais importante viver a sexualidade respeitando a si e ao outro.
Homossexualidade
Homossexualidade no considerada um transtorno psquico/mental. Portanto, deve ser
encarada com respeito e postura isenta de atitudes de preconceito e discriminao.
Na adolescncia, vive-se um perodo crtico quanto a quem se , e qual o objeto de desejo;
a poca das experincias no campo da sexualidade, e a inconstncia dos vnculos objetais que
os jovens estabelecem com seus parceiros nem sempre significa tendncia promiscuidade. Na
adolescncia, as experincias homoafetivas4 so comuns, sem que isso represente homossexualidade.
Durante a adolescncia, comumente os jovens participam de jogos sexuais com outros jovens
do mesmo ou de outro sexo. Isso no se caracteriza como orientao homossexual, j que essa
definio ocorrer ao longo do processo de estabelecimento da identidade.
A preferncia homossexual ocasiona grandes conflitos pessoais, e a rejeio social causa de
vultoso sofrimento, que pode potencializar outros problemas como uso de drogas, fracassos escolares
e depresso. A denominao opo sexual no mais cabvel, pois sabe-se que uma questo de
orientao-afetivo-sexual, e no de uma escolha planejada, racional e consciente. um processo
bem mais complexo, que inclui fatores psicolgicos, sociais, culturais, familiares e genticos.
MITOS E TABUS
Mitos so explicaes, interpretaes da realidade que transformam a realidade social em
algo natural e aceitvel.
Exemplos:
Mulher mais frgil do que o homem.
Sensualidade, doura e afeto so coisas de mulher.
Virgindade sinal de pureza na mulher.
O homem um ser dominante por natureza.
A masculinidade demonstra-se por rudeza, vigor e fora fsica.

268

Virilidade demonstra-se pelo maior nmero de conquistas.


Homem menos sensvel que mulher.
Homem no necessita de ternura.
Tabus so proibies absolutas e sagradas cujas transgresses acarretariam grandes castigos.
As explicaes nem sempre so muito claras. Exemplo: Masturbao entendida como atividade
vergonhosa Bezerra (2012). Perda da virgindade fora do casamento valor social e cultural que
determina um comportamento sexual. Mitos e tabus existentes a respeito da sexualidade no
podem impedir a prtica da educao. MITO SEXUAL uma explicao equivocada acerca
da sexualidade humana, mas que no coincide com a verdade. Os mitos so pautados em
informaes errneas, desconhecimento acerca do corpo e de seu funcionamento. Diante da falta
de informao cientfica bsica, surgem ideias e explicaes no senso comum que, com o passar
do tempo, acabam sendo difundidas socialmente como verdades.
TABU SEXUAL est pautado no preconceito e na proibio relacionados a determinados
atos ou prticas sexuais. O termo tabu, proveniente do polinsio, significa sagrado,
invulnervel, trazendo a ideia de algo intocvel, inviolvel. Quanto a sua origem, os tabus so
construes de ordem moral, estabelecidos por motivos sociais ou religiosos. Vale ressaltar que
os mitos e tabus so construes sociais, que variam de acordo com o momento histrico e a
sociedade na qual se originam.
SEXO NA ADOLESCNCIA
O desenvolvimento corporal e a ecloso dos instintos sexuais preparam o adolescente para
as funes do intercurso genital. Os adultos devem entender que mais fcil compreender a
sexualidade que tentar control-la ou proibi-la. O sexo na adolescncia no errado; errada a
forma como ele tem sido experimentado.
Devemos ampliar o conceito de sexo seguro. Sexo seguro o sexo sem dor, sem trauma, o
sexo afetivo, com responsabilidade, aprendendo a respeitar a si mesmo e ao outro. A sexualidade
do adolescente no pode ser estudada fora do entendimento da prpria adolescncia, como
fenmeno social, histrico e pessoal.
FASES DA ADOLESCNCIA
Para se entender melhor a sexualidade na adolescncia preciso conhecer as fases da
adolescncia: primeira etapa da adolescncia (10 aos 14 anos), a prtica sexual , de forma geral,

269

masturbatria e permeada por muita curiosidade sobre o prprio corpo e o de seus iguais. o
momento do conhecimento corporal.
A masturbao (autoerotismo) importante dentro do processo de aceitao do prprio
corpo, da descoberta das sensaes genitais fsicas de autoconhecimento e autoestima. Contribui
para descarga de tenses. H muitos mitos que ainda perduram em relao a essa prtica,
entretanto ressaltamos novamente: mediante o encontro consigo mesmo que o adolescente
poder, quando adulto, estabelecer vnculos mais estveis, nos quais haver um reconhecimento
do outro e de si mesmo. A masturbao, comum a ambos os sexos, no deve ser proibida e sim
orientada, explicando ao adolescente o limite de um comportamento socialmente adequado. As
brincadeiras sexuais so permeadas pela curiosidade em relao ao sexo oposto.
A maioria das primeiras experincias sexuais geralmente ocorrem na etapa mdia (14 aos 17
anos). H uma grande carga de energia sexual, podendo acontecer a iniciao sexual de forma no
protegida. Os relacionamentos so marcados por um comportamento exploratrio e autocentrado.
A iniciao sexual um momento que mobiliza curiosidade, expectativa e angstia quanto
a uma srie de aspectos, inclusive conflitos em relao virgindade, especialmente, quando h
questes ligadas religio e a valores familiares. Na etapa tardia (17 aos 20 anos), o desenvolvimento
fsico est completo.
Os contatos tendem a ser menos autocentrados e apenas exploratrios, e passam a ter uma
caracterstica mais relacional, isto , valorizam-se o vnculo, a intimidade e o compartilhar. H uma
tendncia a maior conscincia quanto s consequncias do comportamento sexual e necessidade
de proteo. O ficar, o rolo, podem ser resultado de grande ansiedade. A cultura e o grupo
social definem regras baseadas em mitos, crenas, conceitos e preconceitos, que podem criar um
repertrio de informaes sobre sexualidade e relacionamentos que favoream ou no a dissoluo
dessa ansiedade em torno das relaes afetivas. A prtica sexual na adolescncia sofre grande
influncia do grupo de amigos, de fatores emocionais; o desejo de ser igual, a curiosidade, a
vontade de entrar no mundo adulto, sendo homem ou mulher, so motivaes bastante fortes.
Existem diferenas, de forma geral, entre o comportamento sexual de garotos e de garotas.
Para as garotas, o componente afetivo costuma ter grande importncia; para os garotos, h uma
emergncia maior no impulso de satisfao imediata. O contato com o outro tem muito mais a
caracterstica de busca de autoconhecimento, pois a busca por si mesmo, pela descoberta do Eu.
Normalmente, durante a adolescncia os relacionamentos tm vnculos intensos, porm
frgeis. Os adolescentes vivenciam as experincias sexuais de forma imprevisvel e, com frequncia,
desprotegidos quanto contracepo e preveno de doenas podendo se tornar um problema

270

devido falta de informao, de comunicao entre os familiares, tabus ou mesmo pelo fato de ter
medo de assumi-la (CAMARGO, 2009).
As caractersticas de comportamento adolescente como onipotncia, o mito da
invulnerabilidade e a curiosidade sobre a fertilidade contribuem para a prtica sexual desprotegida
Mas h de se levar em conta que o comportamento sexual varia de acordo com idade e cultura, e
nas culturas variam de acordo com os distintos perodos histricos de sua existncia.
VIVNCIAS NA ADOLESCNCIA
As vivencias das diversas, experincias na adolescncia desenvolvida de forma individual ou
em grupo, pode contribuir para que adolescentes vivenciem a sexualidade e suas relaes afetivas
de forma satisfatria, criativa e sem riscos, vinculados ao respeito mtuo e sem discriminao de
gnero (COSTA, 2012) .
Busca de identidade a busca de experincias que possibilitem a descoberta de si
mesmo (ABERASTURY, A. & NOBEL, 1991).
Consistem em um processo de busca: com encontros fortuitos, com as paixes repentinas,
e transitrias. Neste momento ocorre a redescoberta do prprio corpo, quando o
adolescente percebe uma nova imagem corporal em funo das transformaes iniciadas
na puberdade.
Busca de uma figura idealizada, consiste na identificao com o outro, que ele gostaria
de ser.
Jogos de seduo, o meio de conseguir o que deseja com facilidade, e rapidez seja em
relao questo sexual ou no.
Ficar / Rolo / Namoro. So relacionamentos sem compromissos, mais frequente na
primeira e segunda fase da adolescncia.
Descoberta de papis sociais e de gnero, o adolescente se percebe como parte de uma
coletividade, isso o torna capaz de uma atitude, de um posicionamento e comportamento
em relao ao sexo feminino e masculino.
Conquista de novos espaos sociais. Junto aos seus iguais constituem grupos com os
mesmos interesses, tentam infringir normas e limites.
Aventura. O adolescente vivencia o novo, sem pensar em consequncias No seu
pensamento tudo pode. Est sempre em busca de aes estimulantes

271

Projeto de vida. Os projetos de vida muitas vezes precisam de orientao e direcionamento,


precisam ser estimulados. Adolescente precisa ter projeto de vida para desenvolvimento
sadio.
EDUCAO SEXUAL E AMBIENTAL
O conceito de educao para a sexualidade dinmico; construdo a partir do que os
adolescentes trazem; intimista (sem ser indiscreto) dialgico5, deve servir ideologia da pessoa.
Dilogo no conversa formal, no monlogo; escuta, levar o adolescente a refletir e
a questionar. A mudana de comportamento s acontece com informao e reflexo.
Educao sexual e ambiental
Sexual: educao voltada para a sexualidade porque no deve ser entendida somente para
o controle da natalidade, deve ter um aspecto mais amplo, voltada para o SER.
Ambiental: porque envolve pessoas e meio ambiente numa integrao em que o meio
ambiente no ser degradado dependendo dos valores de cada indivduo voltado para si e para o
outro. Quem ama a si mesmo deseja um mundo melhor para seus descendentes.
primordial na educao sexual ambiental despertar esprito critico em relao a valores
como: respeito a vida, a natureza, solidariedade, responsabilidade, tolerncia, contribuindo para
a formao de cidado que possuem direitos e deveres na sociedade. (SCHEREN, 2004)
A lgica da educao fazer o trabalho, mediante a busca do conhecimento e da interao
com o mundo em que se vive e da noo da importncia de suas atitudes. Trabalhar com
educao sexual no fcil; h muitas dificuldades de ordem material e humana, preconceitos,
inseguranas, resistncia de pais e professores, entre outros fatores, mas so desafios que se
devem enfrentar com entusiasmo para que a gerao presente e as vindouras possam vivenciar
com mais tranquilidade suas experincias e emoes.
ORIENTAO PARA PROFESSORES
No confundir informar, aconselhar e orientar.
Informar refere-se a passar unicamente dados, informaes, conceitos.
Aconselhar implica influenciar nas decises do adolescente, posicionando-se em relao
quela que considera ou no mais correta. uma posio de quem procura convencer de algo,

272

persuadir, induzir. Orientar aponta para uma posio de ajuda na escolha de opes e visa ao
estmulo autonomia do adolescente. As informaes precisam ser claras e teis no sentido de
diminuir a ansiedade, o medo e as fantasias sobre aspectos que possam ser focados de forma
objetiva. essencial que o profissional mostre-se receptivo aos sentimentos do adolescente,
que saiba ouvi-lo com seriedade, interesse e compreenso. importante observar pistas de
comportamentos que apontem para contradies, ambivalncias e riscos, pois a orientao, nesses
momentos, pode ser necessria e til.
O incio, o meio e o final da adolescncia so de certa forma etapas distintas, com conflitos
distintos, entretanto com um nico pano de fundo: a busca de identidade. necessrio orientar
a iniciao da atividade sexual, bem como sua continuidade, sempre contextualizando-a no
processo de desenvolvimento psicossexual e motivando os laos afetivos. A elevao da autoestima
do adolescente um fator de grande proteo no exerccio da sexualidade. Por meio dela o
adolescente poder estar mais seguro para dizer sim e no nas diversas situaes Estimular
aes de responsabilidade dos adolescentes de ambos os sexos quanto a questes de anticoncepo
e preveno de doenas fundamental.
Os veculos de informao so fontes de grande influncia na formao dos jovens e
crianas. Os profissionais da educao devem estar preparados para discutir e orientar pais e
adolescentes, tanto com argumentaes com base cientficas quanto desenvolvendo uma viso
crtica dos modelos prontos, mensagens implcitas, esteretipos e idealizaes.
Trabalhar o projeto de vida com os adolescentes fundamental, pois quando estes se
percebem tendo perspectiva de futuro com metas, planos e objetivos, ampliam a forma de ver a
prpria vida e suas responsabilidades. Adolescentes com conflitos emocionais pessoais e familiares
apresentam maior risco de prtica sexual desprotegida, da a necessidade de estar atento ao
trabalho efetivo com a famlia, sempre num sentido de integrao e resgate do potencial familiar
na resoluo dos problemas.
importante ter o cuidado de no assumir uma posio autoritria, discriminatria ou
preconceituosa em relao s atitudes do adolescente. Ele precisa ser respeitado e compreendido
de uma forma ampla, contextualizada em seu meio e em sua histria de vida.
S assim o profissional poder ajud-lo a aumentar a autoestima, o respeito prprio, e
muitas vezes a resgatar valores importantes para seu projeto de vida.
Deve-se explicar aos alunos que sexualidade no implica fatalmente o binmio pnis-vagina.
Que eles no confundam sexual com genital. A sexualidade ampla e difusa, e todo corpo
humano ertico e erotizvel6. A abordagem da sexualidade deve ser imbuda de conhecimentos
slidos isento de ideias preconceituosas, sem mitos ou tabus.

273

Deve comear o mais cedo possvel, deve ser contnua, iniciada no seio da famlia e
complementada na escola e por profissionais de sade. A maioria dos adolescentes pouco
conscientizada a respeito de sexualidade e reproduo e tem dificuldade de dizer no atividade
sexual ou negociar a prtica do sexo seguro. Negar ao adolescente informaes sobre sexualidade
e sexo seguro no impede o incio precoce atividade sexual. Educao sexual de qualidade
possibilita ao adolescente a condio de saber qual o momento apropriado para iniciar uma
atividade sexual segura, saudvel e prazerosa.
Diante de perguntas sobre sexo:
No fique vermelho, sorria.
Nada de embaraos.
Responda com informaes corretas, sem fantasias.
Nunca deixe uma pergunta sem resposta.
Seja sucinto.
Utilize um vocabulrio compreensvel.
Inicie com informaes mais simples.
Nunca seja vulgar.
Sexo assunto srio e limpo.
preciso investir no processo de educar.
necessrio levar o adolescente a refletir sobre valores, sobre seus potenciais e limites
pessoais, sobre a dupla responsabilidade para consigo e com o outro , a no se deixar levar
pelo estmulo, pela fantasia e pela curiosidade, e ajud-lo a ter projeto de vida. A sexualidade
tende a desenvolver-se por etapas, espontnea e adequadamente, se no houver interferncias
que provoquem impedimentos, desvios, ou exacerbaes. Deve haver compreenso, aceitao,
orientao, estmulo, respeito ao ritmo e velocidade de cada indivduo, para que se manifeste
de forma plena e saudvel. A normalidade psicossexual do indivduo depende de um sentimento
bom de prazer e segurana em abraar, acariciar e ter contato corporal.
REFERNCIAS
FRANCO, Esmeraldino Jr. Comportamento de risco para sade na adolescncia. Caderno Tematico. p.
35. 2008. Disponivel em: <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/2327-6.pdf.>Acesso 5 mai
BONETTO, Darci. V. S. Sexualidade programa agrinho 2007. RESPEITAR SER ... Disponvel
em:<respeitareserhumano.wordpress.com/>. Acesso em 10 mai 2012.

274

PAGNUSSATTI, Vera Hoff. Projeto Folhas. p. 44. 2006. Disponivel em: <www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/
portals/pde/arquivos/814-2.pdf>. Acesso 5 mai 2012.
RIBEIRO, Paulo C.P. Ateno a sade do adolescente. 2006. M.G. Disponvel em: <www.fasa.edu.br/
images/pdf/Linha_guia_saude_adolescente.pdf>. Acesso em: 3 maio 2012.
TAQUETTE, Syella R. Sexualidade na Adolescncia. Ministrio da Sade, Ed. M.S., 2008.
BEZERRA, Lucas. Uma Sexualidade Cercada por Mitos e Tabus. Disponivel em:<http://psicologobrasilia.
com.br/2012/03/uma-sexualidade-cercada-por-mitos-e- tabus/2012>. Acesso 2 junho 2012.
CAMARGO, Elisana. . I., FERRARI, Rosngela A. P. Adolescentes: conhecimentos sobre sexualidade antes e
aps a participao em oficinas de preveno Cinc. sade coletiva v.14 n.3. Rio de Janeiro May/June 2009.
COSTA, O. C. Maria. 1, PESSOA A. L. Clevane 2, et. J Pediatr (Rio J) 2001; 77 (Supl.2): S217-S224:
adolescncia sexualidade, educao sexual.
ABERASTURY, A. & NOBEL M. A adolescncia normal. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1991.
SCHEREN; Nara, J. SCHEREN, Mara A.; A EDUCAO AMBIENTAL CONTRIBUINDO PARA A
FORMAO DE CIDADOS Morpheus - Revista Eletrnica em Cincias Humanas - Ano 05, nmero 09,
2006 - ISSN 1676-2924 Disponvel em: <www.unirio.br/morpheusonline/numero09-2006/scheren.htm>.
Acesso em : 12 mai 2012.
M.S. Manual do Multiplicador : adolescente. Ministrio da Sade. Ed. M.S> 1997
SERRO, M., BALEEIRO, M.C. Aprendendo a ser e a conviver - Fundao Oldebrecht, Salvador Bahia1999.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Menarca Primeira menstruao.

Espermarca Primeira ejaculao.

Espermatozide Clula reprodutora masculina.

Homoafetiva Relao afetiva entre pessoas do mesmo sexo.

Dialgico Aquilo que est relacionado ao dilogo, debate, discusso.

Erotizvel Amor sensual.

275

GRAVIDEZ NA ADOLESCNCIA

Darci Vieira da Silva Bonetto

Gravidez na adolescncia sempre existiu quando a vida sexual aps a menarca iniciava
muito cedo com intuito de preservao da espcie, uma vez que o tempo de vida era muito curto.
Na rede pblica nos ltimos cinco anos, houve um decrscimo no nmero de partos
na adolescncia, isso se deve ao trabalho contnuo de preveno a gravidez na adolescncia.
(YAZAKI, 2008).
O Ministrio da Sade mostra que a quantidade desses procedimentos em adolescentes de
10 a 19 anos caiu em 22,4% de 2005 a 2009. Em 2005, foram registrados 572.541, enquanto
,em 2009, foram realizados 444.056 partos em todo o pas. (M.S., 2010)
Ainda assim no Brasil tem ocorrido um significativo aumento da fecundidade no grupo de
15 a 19 anos em relao ao grupo de mulheres adultas. O aumento do gravidez ocorre mais em
algumas regies, nelas esto includas as mais pobres e de baixa escolaridade.
Apesar da diminuio de partos na adolescncia, a gravidez nesta faixa etria ainda
um dos maiores problemas sociais e de Sade Pblica de alguns pases desenvolvidos, como os
Estados Unidos e a Inglaterra. (MELHADO, 2008)
A gravidez na adolescncia tem contribudo para aumentar a populao mundial
consequentemente, contribui para o impacto ambiental. Quanto mais seres humanos nascem mais
lixo produzido, e maior a degradao ambiental.
preciso levar em conta os resduos produzidos pelas indstrias ao se fabricar materiais
que sero utilizados desde o parto e no decorrer da vida desta criana, por exemplo:

277

Resduos slidos
Resduos slidos so materiais no degradveis utilizados em parto normal ou no de
adolescente (seringas luvas frascos, agulhas equipo e frascos de soro etc.), assim como resduos
resultante da fabricao de brinquedos e outros produtos utilizados por criana, como, por
exemplo, fraldas.
O material das fraldas levam de 400 a 500 anos para se degradar; enquanto se desfazem,
contaminam lenis de gua potvel, com micro-organismos, que esto presente nas fezes e
urina. Ao serem destinadas aos lixes, oportunizam vetores a transportar bactrias, fungos, vrus,
disseminando doenas, criando de imediato um problema de sade publica.
Resduos lquidos
Lquidos utilizados durante o parto e para desinfeco do ambiente interno.
Qboa.
Detergente.
Litros de vircon.
lcool.
Os detergentes impedem a decantao e a deposio de sedimentos e, como reduzem a
tenso superficial, permitem a formao de espuma na superfcie da gua. Tal fato impede o
desenvolvimento da vida aqutica. (P.A, 1988)
NECESSIDADES ESSENCIAIS
As necessidades essenciais do ser humano so: vitais, psicossociais e espirituais, e esto
fortemente presentes na adolescncia.
Necessidades Vitais
As necessidades vitais esto relacionadas sobrevivncia do indivduo, tais como alimentos,
sono, lazer, atividades fsicas, meio ambiente, sexo, proteo fsica. Dentro dessas necessidades,
o sexo na adolescncia vivenciado por curiosidade, presso do grupo e para suprir outras
necessidades fsicas e psquicas. Como exemplo pode ser citada a carncia afetiva que leva os
adolescentes a afirmarem-se mediante relaes sexuais superficiais, nas quais prevalece apenas o
contato fsico, resultando em gravidez inoportuna. A falta de projeto de vida e de estmulo faz com
que os adolescentes, s vezes, busquem o sexo como forma de colorir a vida. (AUGUSTO, 2012)

278

Necessidades Psicossociais
As necessidades psicossociais so complexas e nem sempre satisfeitas totalmente, trazendo
angstias, ansiedade, insatisfaes e conflitos. A gravidez vem somar conflitos aos que so prprios
da adolescncia. Algumas vezes a gravidez a forma encontrada para aliviar o sentimento de
solido e ter algum para amar e cuidar.
As necessidades de encontrar-se e de ser reconhecida como pessoa passam pela ideia
inconsciente de que o papel de me amplamente valorizado e desejado, e que a gravidez aparece
como uma forma de mudar o destino.
Conclui-se que a gravidez pode ser uma tentativa de conquistara to desejada emancipao,
de fugir do ncleo familiar de origem e constituir sua prpria famlia. Com a gravidez, a emancipao
almejada d lugar dependncia ditada pela prpria gestao, impedindo a jovem de continuar
a vida de antes.
necessrio mencionar que a dependncia materna, independente da sua vontade,
ainda muito forte, impedindo que a adolescente desempenhe essa funo com tranquilidade e
discernimento.
Existe tambm a vontade de ser me para testar a fecundidade e feminilidade, alm do
prprio desejo de ter o filho.
Necessidades Espirituais
A espiritualidade oferece conforto e significado para aquilo que est alm da compreenso,
passando por afeio, amor, compreenso, perdo e aceitao. Adolescentes vivem crises
religiosas, e nem sempre a espiritualidade est presente nessa fase da vida, mas na gestao ela
ajuda a conviver com dvidas, incertezas do presente e do futuro.
CAUSAS DE GRAVIDEZ NA ADOLESCNCIA
Menarca precoce
A menarca precoce ocorre num momento de grande imaturidade psicossocial, tornando a
jovem mais suscetvel ao incio do exerccio sexual. (AUGUSTO, 2012) A iniciao sexual pode
ocorrer levada pela curiosidade prpria da idade, como meio de expresso de amor e confiana,
mas tambm pode estar relacionada solido, carncia afetiva e necessidade de autoafirmao.

279

Mdia
Os meios de comunicao estimulam o erotismo1, valorizam o sexo repassando mensagens
fantasiosas. A mdia no mostra, nem ensina que o sexo desprotegido pode resultar numa gravidez,
assim como a gravidez das suas consequncias.
Idade
As probabilidades de gravidez inoportuna sero maiores quanto menor for idade da
adolescente. (AUGUSTO, 2012)
Condio econmica
As adolescentes com piores condies socioeconmicas so as qus saem da escola em
busca do mercado de trabalho, portanto perde oportunidade de conhecimento e so as que mais
levam adiante a gravidez.
Maturidade
O raciocnio de causa e efeito abstrato e hipottico. Assim, o adolescente incapaz de
imaginar-se em situaes de longo prazo. O pensamento concreto caracterizado por resolues
de problemas de curto prazo, ou seja, no capaz de elaborar uma responsabilidade de longo
prazo, como usar anticoncepcionais para prevenir uma gravidez. Alm disso, muitas adolescentes
tm a maternidade como nica expectativa alcanvel, repetindo o modelo da me e da av que
tiveram filhos ainda adolescentes. (BOUZAZ, 2004)
Na adolescncia, frequente o predomnio do impulso sexual sobre a capacidade cognitiva
de programao. (VIMMER, 1999)
Educao
A desinformao com relao contracepo2 retarda o incio do uso de contraceptivo
em torno de um ano aps o incio da atividade sexual, e mesmo quando usado, se faz de forma
inadequada. (AUGUSTO, 2012) O desconhecimento das funes corporais quanto capacidade
reprodutiva contribui para que ocorra atividade sexual desprotegida e despreocupada. Outras
causas: abuso de drogas, falta de dilogo entre pais e filhos, ausncia de projeto de vida.

280

MATERNIDADE, PATERNIDADE E GESTAO


A gravidez na adolescncia um fenmeno desestabilizador. (LIMA, 2010)
Segundo Motta, adolescente vive um perodo de desenvolvimento e imaturidade, e ser pai
e me nesse momento termina sendo um grande desafio. Paternidade e maternidade implicam
condies emocionais, fsicas e econmicas para as quais no esto preparados. A perspectiva da
mudana de vida gera conflito. A gravidez resulta em consequncias como: abandono escolar,
dificuldade para arrumar emprego, possibilidade de segunda gravidez, probabilidade de no estar
mais com o companheiro no primeiro ano de vida aps o parto. (HERCOWITZ, 2012)
CONSEQUNCIAS PARA O FILHO DA ME ADOLESCENTE
Prematuridade3;
Mortalidade infantil: a taxa de mortalidade aumenta com a ordem e o intervalo de
nascimento dos filhos;
Abandono;
Recm-nato de baixo peso;
Elevao do ndice de mortalidade infantil no primeiro ano de vida;
Maior nmero de reinternaes;
Violncia.
CONSEQUNCIAS PARA A GESTANTE
Riscos perinatal. (MIRANDA, 1994)
Consequncias Orgnicas
Hipertenso;
Anemias, encontradas em situaes de pobreza, subnutrio e desnutrio crnicas;
Maior ndice de cesrias;
Laceraes perineais envolvendo vagina e perneo;
Infeces urinrias e genitais;
Mortalidade materna: o risco aumenta quanto menor for a idade cronolgica e com
gestaes sucessivas em intervalos curtos;
Abortos espontneos e clandestinos, levando a complicaes e morte;
Intervalo gestacional pequeno;
Doenas sexualmente transmissveis.

281

Consequncias psicossociais









Tenso emocional, que eleva a probabilidade de desenvolver problemas fsicos e mentais;


Rejeio familiar;
Perda da autonomia;
Vergonha;
Baixo nvel socioeconmico representa maiores probabilidades de desnutrio materna,
que pode levar a maior incidncia de patologias na gestao;
Baixa escolaridade, associada ao baixo nvel socioeconmico, causa de maior
absentesmo no pr-natal, havendo dificuldade de retorno escolar;
Os sonhos podem ser interrompidos pelo despreparo para arrumar trabalho no futuro
com melhor remunerao;
Sentimento de insegurana;
Maior risco de depresso e suicdio;
Maior risco de explorao sexual.

ALEITAMENTO MATERNO
Deve-se incentivar o aleitamento materno para a me adolescente, conscientizando-a dos
benefcios tanto para o beb quanto para ela ( mais barato, aumenta a imunidade do beb, diminui
a morbimortalidade4 infantil etc.). A adolescente deve receber informaes sobre a importncia
de alimentar o beb no seio por no mnimo quatro meses, mas de preferncia que esse tempo
seja maior. Deve-se orientar que no existe leite fraco, que a cor clara porque a gordura nele
existente insaturada e mais presente no final da mamada, quando o leite mais calrico. A
orientao sobre o aleitamento ao seio deve ser iniciada precocemente. A baixa escolaridade um
fator para o desmame precoce. (ESCOBAR, 2002)
SADE REPRODUTIVA
Para compreender os mtodos contraceptivos, necessrio saber como ocorre a reproduo
humana.
Reproduo feminina
O corpo da mulher sofre a ao de vrios hormnios, os quais so produzidos na hipfise5,
localizada no crebro, e estimulam os ovrios a produzir o estrognio. Sob a ao desse hormnio,

282

o vulo amadurecido desce at a trompa e aguarda a fecundao. Esse o perodo frtil, de


ovulao, que ocorre na metade do ciclo. (AUGUSTO, 2012) Se houver relao sexual, pode
acontecer gravidez. Aps a ovulao, o ovrio passa a produzir outro hormnio, a progesterona,
que prepara o endomtrio para receber o vulo fecundado. Quando no h fecundao, o vulo
eliminado com partedo endomtrio. Isto a menstruao.
Reproduo masculina
Sob a ao dos hormnios masculinos, os testculos produzem os espermatozides6, que
so liberados com o esperma durante a ejaculao. Uma gota de secreo espermtica contm
milhes de espermatozides, os quais correm a uma velocidade de 300 quilmetros por hora.
(GOMES, 2011)
Aps a ejaculao, correm em direo ao vulo, que est na trompa. A penetrao do
espermatozide no vulo chama-se fecundao, formando-se nesse momento o ovo, que um
novo embrio que se desloca para fixar-se na parede do tero. A partir de ento, haver o
desenvolvimento da gravidez.
Garotos e garotas descobrem que seus corpos lhes proporcionam prazer, a fase do despertar
para a sexualidade e para o interesse pelo outro. Acontece o ficar, o rolo, o namoro, e surge
a vontade de experimentar o sexo. E quando isso ocorre sem preveno, acontece a gravidez.
Para impedir que ocorra a gravidez, necessrio evitar o processo da ovulao, da fecundao,
ou a implantao do ovo no tero. Para isso existem anticoncepcionais que atuam em cada uma
dessas fases. importante o adolescente conhecer todos os mtodos contraceptivos e escolher o
que mais se adapte ao seu corpo.
MTODOS CONTRACEPTIVOS
Segundo Dias (2010), a ausncia de um comportamento contraceptivo em jovens se encontra
associada ambiguidade de valores sociais em relao ao corpo, sexualidade e ao gnero
transmitidos aos adolescentes.
Tabelinha um mtodo natural, mas no muito indicado para a adolescente, devido aos
ciclos serem comumente irregulares nessa faixa etria. Esse mtodo consiste em evitar relaes
sexuais no perodo da ovulao.

283

Dificilmente a adolescente sabe quando se d o perodo ovulatrio.


Diafragma um dispositivo de borracha que deve ser colocado na vagina antes de cada
relao, impedindo que o espermatozoide chegue at o tero. Devem ser retirados somente 4 a
6 horas depois.
Diu (dispositivo intrauterino) uma haste de polietileno, mais indicado para quem j teve
filho. Apresenta maior risco de doenas inflamatrias plvicas.
Vasectomia7 e laqueadura so mtodos cirrgicos, definitivos, no recomendados para
adolescentes.
Coito interrompido (gozar fora) pouqussimo eficaz e requer muito autocontrole do
homem, o que no ocorre com os adolescentes (GOMES, 2011), pois estes tm ejaculao precoce
decorrente da imaturidade fsica.
Ainda assim um mtodo usado entre os jovens.
Camisinha (condom masculino) o nico mtodo indicado para os homens. Faz dupla
proteo e deve sempre ser usado associado plula ou diafragma.
Nunca usar duas camisinhas para garantir proteo e no a utilizar com lubrificante, pois j
contm espermicida. o nico mtodo que protege contra as DSTs e AIDS. Verificar a data de
validade antes do uso da camisinha e se tem a marca do INMetro8. Ela deve ser colocada antes de
qualquer contato sexual. Aps a ejaculao, retir-la imediatamente, pois a partir desse momento
o pnis comea a ficar flcido, e haver possibilidade dela ficar dentro da vagina no momento da
retirada do pnis. Camisinha feminina tem proteo contra gravidez e DSTs/AIDS.
Anticoncepo hormonal. (MONTEIRO, 2009)
A plula anticoncepcional considerada o mtodo mais eficaz, desde que utilizada
corretamente. recomendada sempre associada ao condom para preveno de DSTs/AIDS. O
uso do contraceptivo oral ou injetvel deve ser iniciado aps consulta e orientao mdica.
Alguns fatores contribuem para no utilizao dos mtodos contraceptivos:
Dificuldade econmica;
Dificuldade de acesso ao servio de sade;
Medos (de que descubram a atividade sexual, de infertilidade, aumento de peso,
surgimento de estrias);
Pensamento mgico (comigo nada acontece);
Relaes no planejadas;
Falta de colaborao do companheiro.

284

O anticoncepcional oral (plulas) que tomado diariamente no deve ser esquecido. Tem
alta eficcia.
Plulas ps-coito ou contracepo de emergncia (plula do dia seguinte) so utilizados para
os casos de estupro, relaes sexuais no protegidas, no programadas e com risco de gestao.
Devem ser usadas at 72 horas aps a relao.
O Anticoncepcional injetvel eficaz, e uma opo para a adolescente que esquece de
tomar a plula ou tem intolerncia gstrica, com o uso por via oral. Existem ainda outros mtodos,
como adesivo, plula vaginal etc. O melhor anticoncepcional oral aquele que tem baixo custo,
de fcil acesso, e tem menos efeitos colaterais9.
REFERNCIAS
YAZAKI, L. M. Maternidades sucessivas em adolescentes no Estado de So Paulo. (2008). Anais do Encontro
Nacional de Estudos Populacionais. Recuperado em 20 junho 2009.
M.S. Brasil acelera reduo de gravidez na adolescncia.2010 Disponvel em <portal.saude.gov.br/portal/
aplicacoes/noticias/default.cfm?..>. Acesso em 7 maio 2012.
MELHADO. A., SANTANNA, M. J. C.; PASSARELLI, M. L. B. Veronica. Coates V. Revista Adolescncia
e Sade - Gravidez na adolescncia: V PDF] v.5 n. 2 Abr./Jun. 2008.
P.A. Poluio da gua, Causa, Tipos Poluio da gua. Disponvel em:www.portalsaofrancisco.com.br/
alfa/meio.../poluicao-da-agua-6.php>. Acesso em: 15 de mai 2012.
AUGUSTO. Gravidez na adolescencia. Disponvel em: <http://augusto-minhapesquisa.blogspot.com.
br/2012/01/gravidez-na-adolescencia.html>. Acesso 8 maio de 2012.
AUGUSTO. Gravidez na adolescencia. Disponvel em: <http://augusto-minhapesquisa.blogspot.com.
br/2012/01/gravidez-na-adolescencia.html>. Acesso 8 maio de 2012.
AUGUSTO. Gravidez na adolescencia. Disponvel em: <http://augusto-minhapesquisa.blogspot.com.
br/2012/01/gravidez-na-adolescencia.html>. Acesso 8 mai de 2012
BOUZAZ, I., MIRANDA, A. T. Gravidez na adolescncia. Adolescncia &Sade (Rio Janeiro) 2004; 1 (1):
27-30.
VIMMER, B. R., PINHO. K.E.P. GRAVIDEZ NA ADOLESCNCIA: PARE, PENSE, INFORME-SE...1999Disponvel em www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1682-8.pdf. Acesso em 12 abr. 2012.
AUGUSTO. Gravidez na adolescencia. Disponvel em: <http://augusto-minhapesquisa.blogspot.com.
br/2012/01/gravidez-na-adolescencia.html>. Acesso 8 maio de 2012.
LIMA, F.C. ;SUTER, T.M.C. GRAVIDEZ NA ADOLESCNCIA: UM PARADIGMA NO SOLUCIONADOFIO. Disponvel em: <fio.edu.br/cic/anais/2010_ix_cic/pdf/05ENF/33ENF.pdf>. Acesso em 8 maio 2012.
HERCOWITZ, A. Gravidez na adolescncia. Rev Pediat Moder (S. Paulo) 2002; XXXVIII (6); 392-395.

285

MIRANDA, A.T.C. Risco perinatal na adolescncia. Anais do II Congresso mundial de ginecologia e


Obstyetricia; 1994; Montreal, Canad.
ESCOBAR, A.M.U.; OGAWA, A.R.; HIRATSUKA, M.; KAWASHITA, M.Y.; Rev. bras. sade matern.
infant; 2(3):253-261, set.-dez. 2002.
AUGUSTO. Gravidez na adolescencia. Disponvel em: <http://augusto-minhapesquisa.blogspot.com.
br/2012/01/ gravidez-na-adolescencia.html> Acesso em 8 maio de 2012.
GOMES, Andre. Gravidez-na-Adolescencia-2. 2011. Disponvel em: <http://wwwcienciaestudodamulher.
blogspot.com>. Acesso em 8 maio 2012.
DIAS, A. C. G.; TEIXEIRA, M. A. P. Gravidez na adolescncia: um olhar sobre um fenmeno complexo
Paideia v.20, n.45. Ribeiro Preto Jan./Apr. 2010.
GOMES, Andre. Gravidez-na-Adolescencia-2. 2011. Disponvel em: <http://wwwcienciaestudodamulher.
blogspot.com> Acesso em 8 maio 2012.
MONTEIRO, D.; TRAJANO, A.; BASTOS. A Gravidez na adolescncia. Revinter. Rio de Janeiro, 2009.
CAVASIN, Sylvia; ARRUDA, Silvani. Gravidez-na-adolescencia-desejo-ou-subversao, 1999. Disponvel
em: http://pt.scribd.com/doc/89968633/. Acesso em 10 maio 2012.
M.S. Prevenir Sempre Melhor CARTILHA FORMAO ADOLESCENTES MULTIPLICADORES.
Ministrio da Sade Secretaria de Polticas de Sade Coordenao Nacional de DST e Aids. Braslia 2000.
Edio: Assessoria de Comunicao Responsvel.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Erotismo Paixo, amor sensual.

Contracepo Infecundidade resultantedo uso de anticoncepcional.

Prematuridade Aquilo que aconteceantes do tempo determinado.

Morbimortalidade Doenas e mortalidade.

Hipfise Glndula de secreo interna situada no crebro.

Espermatozide Clula reprodutoramasculina.

7 Vasectomia Cirurgia que faz o homem ficar estril, corta os canais deferentes por onde passa o
espermatozide, no interfere na potencia sexual.
8

INMETRO Instituto Nacional de Metrologia Responsvel pela normalizao e qualidade de produtos.

Efeito colateral Efeito indesejvel aps uso de medicamento.

286

O ADOLESCENTE E A FAMLIA

Consultor: Elza Sbrissia Artigas


Marisa Atsuko Toyonaga
Vera Maria Gilberti Rocha

A nova viso da realidade baseia-se na conscincia do


estado de interrelao e interdependncia essencial de
todos os fenmenos fsicos, biolgicos, psicolgicos,
sociais e culturais (Fritjof Capra)

CONTEXTUALIZAO HISTRICA DA FAMLIA


A Famlia, como ser vivo, cresce, desenvolve-se, age, transforma-se, recebe e transmite
estmulos e, no decorrer do tempo, organiza o seu ciclo de vida e desenvolvimento, garantindo
a continuidade e a evoluo de seus integrantes. Lewis Thomas pontua que H uma tendncia
das coisas vivas a se unirem, a estabelecerem vnculos, a viverem umas dentro das outras, a
retomarem a arranjos anteriores, a coexistirem enquanto possvel. Esse o caminho do mundo.
No contexto das sociedades, a famlia representa um de seus pilares de fundamento, e da
relao pai-me-filhos a vivenciada deriva a sustentabilidade emocional de todo ser humano.
Nesse sentido, trata-se de um elemento constitutivo do sistema1 biopsicossocial, com cultura
prpria, valores, religio e histria, transmitidos atravs das intergeraes.

287

A organizao ativa da vida e as evolues sob os mais diversos aspectos levam os membros
da famlia a estar continuamente avaliando seus conceitos e pontos de equilbrio mediante os mais
diversos padres existentes no grupo. Fritjof Capra ratifica a relevncia da questo do equilbrio
interno e externo ao afirmar: Com efeito, a experincia de nos sentirmos saudveis envolve a
sensao de integridade fsica, psicolgica e espiritual, um sentimento de equilbrio entre os vrios
componentes do organismo e entre o organismo e seu meio ambiente. (CAPRA, 1982)
Dentre as muitas maneiras de conceituao da famlia, a de abordagem social a define como
um sistema sociocultural aberto e em transformao.
Esses conceitos, estabelecidos por meio da abordagem social, definem a famlia como um
sistema sociocultural aberto e em transformao. Tal definio traduzida pela certeza de
que o desenvolvimento implica mudanas e estgios sob os quais emergem novos critrios para
a reorganizao, com o surgimento de novas alteraes, caracterizando diversas transformaes.
Antropologicamente, e tendo como referncia a anlise de Dupuis (1989), verifica-se que
h seis ou mais milnios os egpcios e indo-europeus descobriram a relao entre o ato sexual e a
procriao, o que inaugura a conscientizao da humanidade a respeito da paternidade, uma vez
que at ento imperava a estruturao familiar centrada na sociedade matrilinear2.
A histria do processo de evoluo da famlia e da sociedade d a saber que o homem
primitivo buscou a mulher com as finalidades de relacionar-se sexual e emocionalmente e procriar;
esta o acompanhou, desde o perodo Paleoltico, em estilo de vida nmade. O pai ausentava-se
para longos perodos de caa e retornava ao seu local de partida com o suficiente para garantir
a sobrevivncia familiar; mulher competia o cuidado da prole e dos alimentos. Mesmo com a
diviso de trabalho, homem e mulher compartilhavam o poder, e havia igualdade na contribuio
da economia domstica.
No perodo posterior, o Neoltico, surge o primeiro agrupamento tribal de cunho familiar,
sob a gide do domnio masculino, originando o patriarcado; o homem deixa de ser caador
para tornar-se fazendeiro; sedentariza-se, fixa a famlia em um determinado espao, acumula
suprimentos e torna-se menos envolvido nas questes dos filhos e da casa, as quais se tornam de
responsabilidade da mulher. Com a atribuio de poder e autoridade sobre as decises importantes
e drsticas, instaura-se a onipotncia masculina3 (MARQUES, BERRUTI, FARIA, 1991).
O homem vivia com sua famlia, mas tinha medo que algum se aproximasse e roubasse seus
filhos, seu afeto, seu espao e seus bens. Na sua ausncia, um outro homem poderia aproximar-se
de sua mulher, mostrando-se mais forte, mais interessante e melhor protetor. Naquele tempo, os
riscos de perder a famlia eram grandes, portanto, deveriam ser eliminados.

288

A esse respeito, afirma Bottura Jnior (1994): ... Podemos deduzir que o abrigo e a casa
foram uma conquista natural e necessria ideia de proteo da mulher e dos filhos. O homem
procurou fixar-se para estar mais perto da famlia e, ao mesmo tempo, controlar melhor sua
paternidade.
Assim, a sociedade foi se organizando, mediante o controle da paternidade, da famlia,
da propriedade e da criao de meios que facilitassem esse tipo de vida. Os papis5 do casal
parental estabeleceram-se baseados na complementaridade4, cada um no seu territrio especfico
de atuao: o homem no papel econmico e social relacionado produo, e a mulher, com a
reproduo e suas contingncias.
A famlia detm o conceito de ... unidade bsica de desenvolvimento emocional... e abriga
conceitos de origem emocional, cujo desenvolvimento estabelece tipos de comportamento, os
quais regulam suas atividades sociais e culturais, em que o ciclo de vida contemplado como
uma conexo intergeracional na famlia, na perspectiva de um fenmeno natural de vida com pelo
menos trs geraes que envolvem atravs do tempo (PACCOLA, 1994).
H muitos fatores envolvidos para compor o Universo Familiar, fatores esses de tal
complexidade que tornam a famlia um sistema totalmente diferente de qualquer outro, com leis
e regras de funcionamento peculiares. um sistema, que embora se movimente, no exclui seus
integrantes, o que, sem dvida, muitas vezes, aumenta o nvel de tenso interna.
No podemos entender a famlia separada do contexto histrico e cultural em que se
encontra. Ela precisa de sua histria anterior e far projees no seu futuro; como se o que foi e
o que vir estivessem juntos, criando a possibilidade do presente.
Pela compresso de Carter e McGoldrick, a famlia est sujeita a estressores verticais e
horizontais que interferem na sua dinmica. O vertical compe-se com o padro de funcionamento
das geraes anteriores: mitos, tabus, segredos, histrias e legados familiares. O fluxo horizontal
caracteriza-se pelos estressores e ansiedades oriundos da famlia conforme ela avana no tempo
e vivencia as transies do ciclo. Esses estressores so compostos por fatores predizveis e
impredizveis como morte precoce, doena crnica, acidente ou outra alterao abrupta no ciclo.
Ao administrar as ansiedades, a famlia apresenta suas habilidades em realizar as mudanas
necessrias e, ao mesmo tempo, conservar suas estruturas bsicas j organizadas.
No podem ser ignoradas as circunstncias externas que tm o poder de modificar o contexto
interno da famlia, como, por exemplo, a violncia, a condio social, as drogas, a cultura, que
fazem parte de um conjunto de dificuldades que agitam as estruturas e bases familiares.
H uma diversidade de classificao das fases que caracterizam os movimentos da famlia;
o ciclo descrito por Cerneny e Berthoud (1997) compreende:

289

Fase de aquisio busca de um modelo de famlia prprio;


Fase adolescente perodo de vivncia do ciclo familiar no qual grandes dificuldades e
alteraes so sofridas e vividas, tanto pelo jovem quanto pelos familiares que o rodeiam;
Fase madura incio das perdas na gerao mais velha. Elaborao dos lutos e consequente
perda da segurana que essa gerao proporcionava;
Fase ltima aposentadoria; retorno vida a dois. Balano intergeracional.
No perodo em que o adolescente busca fundamentar sua identidade, sua personalidade,
sua estrutura sociocultural, a famlia d a ele o sentido de pertencer, de fazer parte integrante
de um sistema, de um contexto, o que estabelece um ponto de contato entre a realidade que
vive e os ideais que alimenta. Mas, ao mesmo tempo, ela um elemento que pode contribuir
na superao de suas ansiedades e conflitos, na manuteno destes, ou, ainda, como uma fonte
geradora de tais dificuldades.
A fase adolescente envolve ainda a famlia, que tambm adolesce; os pais revEem
e resgatam aspectos de sua prpria adolescncia e os filhos vivem todas as mudanas e
transformaes da fase.
H uma exigncia do sistema para mudar, mas nem sempre claro para que direo. Os
pais tm uma ao externa limitada em relao aos filhos; estes no estaro to disponveis para
aceitar os limites e as imposies e muitas vezes traro questes que os pais no podem resolver
sem uma recproca perda de confiana.
No h rituais que marquem o perodo e o definam de forma clara. No se sabe exatamente
quando comea nem quando termina essa fase.
O desempenho dos papis de cada membro da famlia, em especial de pais e mes,
decisivo para estabelecer o clima emocional do grupo familiar. Esse desempenho determinar o
papel dos filhos e tambm a capacidade de satisfao das expectativas de cada membro, uma vez
que, comumente, todo processo de distribuio de gratificaes na famlia governado pelos pais.
Portanto, se o desempenho de papis de pais e mes no for satisfatrio, a famlia fica
predisposta a lacunas emocionais que traro como consequncia, insegurana e carncia afetiva aos
integrantes. Na criana e tambm no adolescente, o desenvolvimento afetivo fica comprometido,
uma vez que no encontra ambiente favorvel que estimule a desenvolver sua personalidade e as
aes sociais.
importante mencionar que o adolescente e sua famlia no so elementos parte que
comeam e terminam em si mesmos, mas sim so partes de um todo, que o sistema familiar (e
o sistema biopsicossocial), e para compreend-los faz-se necessrio ter uma viso global familiar.

290

Para um bom relacionamento nessa fase, necessrio haver flexibilidade de entendimento


e ao, pois a participao do adolescente traz novas determinaes aos mitos familiares mediante
questionamentos de estilo de vida, conceitos, regras e imposies existentes e contra as quais ele
se levanta.
Essa flexibilidade se manifesta de tal forma que os mitos existentes podem sofrer
transformaes e os conflitos podem gerar novas posies dentro do sistema familiar.
importante a promoo constante do fortalecimento afetivo e o estabelecimento de uma
relao autntica e satisfatria entre os integrantes do sistema familiar.
Ao mesmo tempo em que se reconhece a identidade familiar no desenvolvimento do
adolescente, faz-se necessrio ressaltar que esse processo no ocorre apenas no seio familiar
(pai, me e filhos), mas se projeta por meio de sua participao em diversos outros subsistemas
familiares (avs, tios, primos) e extrafamiliares dos quais ele participa (escola, clube, amigos,
vizinhos etc.)
Ao atingir a adolescncia, a famlia encontra-se com posies e hierarquias relativamente
definidas, com cada membro assumindo e desempenhando suas funes e papis.
O crescimento dos filhos e suas consequncias (questionamentos, contestaes) revolucionam a
ordem e os princpios vigentes at ento, e o grupo familiar se desestabiliza, ocasionando incertezas,
dvidas, inseguranas, temores, que cada pessoa vive de acordo com seu momento existencial.
Os pais veem-se na desconfortvel posio de ter que reconhecer que o tempo passou, que
j no so a gerao do momento, que o ritmo de vida outro, que preciso mais esforo, mais
tempo, para correr atrs de tudo o que surge e no se deixar ultrapassar to rapidamente.
As mudanas ocorridas nos filhos obrigam os pais a uma reavaliao, muitas vezes temida.
Esse temor deriva da constatao de que tambm ser preciso mudar, e isso implica suportar
a incerteza das coisas no definitivas. Como refere Kalina: Aceitar proposta de mudana do
adolescente aceitar a perspectiva de incerteza do que vir (KALINA e LAUFER, 1986).
A famlia contempornea defronta-se com uma situao altamente complexa, mesclando
valores ps-modernos e tradicionais. H uma indefinio e mutao nos papis tradicionalmente
exercidos e vividos pelo homem e pela mulher como pai e me.
Revendo aspectos da famlia tradicional, constata-se que o pai encarnava uma autoridade
altamente poderosa e incontestvel. Houve tempo na Histria em que ele era possuidor at do
direito de deciso sobre a vida e a morte dos filhos (DELUMEAU e ROCHE, 1990). A relao
com a criana estava circunscrita ao processo de socializao, cuja finalidade era prov-la das
relaes entre a prpria famlia e a do marido, ao lado das funes procriativas e educacionais.

291

Desse modo, v-se configurada a j citada complementaridade de papis distintos: o homem como
responsvel pela produo e pelo status social e a mulher, pela reproduo e relao humana.
Momento singular da histria ocorre nos anos 1960-75, quando emerge uma espcie de
hostilidade ao princpio da famlia patriarcal, evidenciada pela revolta contra a autoridade, por
parte de estudantes universitrios americanos e europeus, contra professores, naes, ptrias, e
se origina uma outra forma de autoridade, mais adequada a um perodo de mudanas profundas
da sociedade. Nesse momento surgem o feminismo; a modificao das normas h muito vigentes
no seio das famlias; uma nova realidade das relaes entre homens e mulheres; o divrcio, no
mais encarado como transgresses dos bons costumes, passa a ser cada vez mais corrente e aceito;
levantamentos realizados a respeito apontam que os divrcios sucedem 30% dos casamentos,
levando, na maioria deles, a mulher situao da monoparentalidade.
Progressivamente e paralelamente vo ocorrendo modificaes nos casamentos tradicionais,
que na atualidade ganham espao como novas maneiras de ser famlia. A esse respeito, escreve
Elizabeth Roudinesco ... o surgimento da noo da famlia recomposta, que remete a um
duplo movimento de dessacralizao do casamento e de humanizao dos laos de parentesco.
(ROUDISNESCO, 2003)
Decorrncia dessa recomposio a modificao da dinmica dos ncleos familiares, com
a possibilidade de serem agora integrados por apenas um dos progenitores e aqui nos referimos
chamada famlia monoparental; ou os lares onde h dois pais ou duas mes; assim como se
torna cada vez mais frequente a convivncia de filhos de unies anteriores dos pais que se tornam
irmos, ao lado de tambm meio-irmos advindos da presente composio familiar.
Na atualidade, paternidade impe-se a necessidade de adaptao ao estgio do contexto
social de ps-modernidade, muito relacionada transformao por que tem passado a condio
feminina. Essas adaptaes incluem a compreenso de que a sociedade de hoje privilegia a
superioridade intelectual, valoriza a vivncia comunitria e a performance tecnolgica.
A complementaridade tradicional alterou-se a partir da ascenso social e econmica das
mulheres: a parceria, o intercmbio de papis, as negociaes. O casal de hoje forma-se a partir
de escolhas que priorizam a afetividade, e a relao prossegue na busca pela revoluo das
identidades pessoais.
J no h a questo fundamental do dever de fundar uma famlia, criar uma instituio,
e sim viver da maneira mais enriquecedora possvel, em nvel individual e de casal. Advm desse
fato que a relao torna-se mais vulnervel a rupturas, na medida em que tende a desfazer-se com
relativa facilidade quando no satisfaz mais s expectativas de um dos dois ou de ambos. Surge

292

nova situao: a necessidade de preservar a dupla pais/filhos quando se dissolve o casal parental,
para garantir questes fundamentais como o sentido de filiao, a histria pessoal e a relao com
cada um dos pais.
No tem sido fcil ao homem e mulher construir seus lugares de pai e me na sociedade
ps-industrial, especialmente quando se percebe que a redefinio de papis encontra-se
vinculada disposio da mulher em conceder ao homem espao para exercer a paternidade
na vida dos filhos.
ESTRUTURAO DOS VNCULOS FAMILIARES
Segundo Brazelton (1988), os vnculos comeam a ser desenvolvidos em perodo anterior
concepo, no desejo do imaginrio da mulher e do homem que vo formar a famlia, que vo
estruturar um espao para o recebimento de um novo sujeito, e que vo demarcar o papel, o
lugar e a funo6, seus significantes7 e significados8 na relao. Essa demarcao vai delimitar
a funo paterna e a materna; nesse momento, se estabelece o significado da famlia e sua rede
de parentesco. Inicialmente surgem os vnculos biolgicos para, posteriormente, no processo de
crescimento, se estabelecerem vnculos simblicos, afetivos e sociais.
Segundo Melo (1991), a partir da estruturao de vnculos familiares, torna-se possvel
a estruturao de vnculos nos espaos amplos do grupo social, como nas comunidades e no
entorno da sociedade, pois, no contato com seu grupo, os vnculos vo demarcar os lugares,
os papis e as fronteiras9 que contornam quem o outro no universo das relaes, dentro da
interdio (ou restrio) da cultura a que o sujeito pertence.
Um adolescente j foi um beb, e esse processo inicial marcar certamente sua identidade.
Mahler (1982) estudou com profundidade o processo de separao/individuao10 e cr na
interao circular como facilitador para moldar a personalidade do beb e de sua me, seu
parceiro adulto.
Portanto, quando se pensa no adolescente, deve-se ter em mente o que ele foi e o que
poder ser, buscando conhecer todo o processo pelo qual passou o indivduo, para compreender
melhor as expectativas acerca do que pretende ser.
Mahler (1982) postula que a fase simbitica11 e o processo de individuao/separao
esto diretamente ligados s questes de identidade. Melhor que ela mesma o faz no possvel
descrever o aporte, inclusive filosfico, que nos traz no mago de sua obra, quando toca na
comumente chamada angstia existencial humana ... a eterna luta do homem contra a fuso12 e
o isolamento... Pode-se julgar todo o ciclo vital como um processo mais ou menos bem sucedido

293

de distanciamento da me simbitica e de introjeo13 de sua perda. Todavia acrescente-se que


isso possvel, desde que ele tenha uma segurana maternal como retaguarda.
Essa busca de independncia e individuao faz com que a me tambm precise ajustar-se
ao acontecimento decisivo da separao inevitvel, uma vez que, com o passar dos dias, o beb,
dependente desce do colo, inicia seus primeiros passos, movimenta-se e vai adquirindo autonomia.
A participao emocional da me vai facilitar ao beb o desenvolvimento de seus processos
mentais, o crescimento diante da realidade e, aps uma perseguio materna que perdura
entre os quinze e os vinte meses, ele busca satisfazer e realizar suas prprias aspiraes de
forma independente.
A disponibilidade emocional da me essencial para que o ego14 autnomo do beb alcance
capacidade tima. Se a me estiver tranquilamente disponvel, com imediata oferta de libido
objetal, se compartilhar das exploraes aventurosas do filho, se corresponder e o auxiliar em
sua busca de imitao e identificao, ele corresponder por meio do progresso da comunicao,
no somente pela mmica, mas tambm verbalizando e fazendo com que seu relacionamento
cresa para a busca de novas realidades.
Mahler (1982) acredita que j provou clinicamente a dependncia emocional da me
em relao ao filho, que estabelece um vnculo libidinal facilitador do desenvolvimento das
potencialidades inatas da criana. As mes, apesar de viverem seus prprios conflitos inconscientes
acerca do papel a desempenhar na maternidade, suas fantasias sobre o filho, seu desenvolvimento
e futuro, acabam por corresponder aos dominados e mutantes cdigos do processo primrio do
seu beb quando este rompe a membrana simbitica para tornar-se um beb individuado.
Muitas vezes, por imaturidade emocional, alguns pais tendem a prolongar a dependncia
afetiva dos filhos e as tentativas de independncia. Esses indivduos chegam ento
adolescncia com a noo de eu fragmentada, fusionada muitas vezes com a me ou outra
figura dominante importante.
O pai cuja funo resulta de um processo intencional de acolhimento emocional que
um homem faz de uma criana, tendo ele sido seu gerador biolgico ou no introduz a Lei no
vnculo dual, e determina sua ruptura. Perante essa interdio, me e filho defrontam-se com
a necessidade de aceitar a impossibilidade de satisfazer a iluso de preencher o vazio inerente
condio humana. , portanto, o pai a pessoa diferenciada da triangulao que adquire o
carter de autoridade proibidora. De acordo com Beatriz Breteau, citada por Capra (1982), a
paternidade caracteriza-se pela separao. O pai, em momento nenhum, est fisicamente unido
ao filho, e a relao tende a ser de confrontao e amor condicional.

294

Lacan chama de pai idealizado a esta imagem de um pai autor das leis, princpio das mesmas, temido
e admirado, ao qual o menino delega a onipotncia de seus pensamentos, um poder ilimitado, ainda que
obscuro em suas razes, protetor e castigador. (ABERASTURY e SALAS, 1984).

Em relao ao social, o papel do pai assume particular valor, pois uma de suas funes
constituir-se mediador entre o sistema de parentesco e outros sistemas mais abrangentes. Desse
modo, o rompimento do vnculo dual propicia a liberao da criana para o mundo.
Dor (1991) oferece fundamentais contribuies ao afirmar que a funo paterna pode ser
potencialmente exercida por outra pessoa mesmo que no idealmente que a cumpra na
qualidade de representante da realidade; isso porque a funo paterna mantm a virtude simblica
estruturante mesmo na ausncia do Pai real, quando algum outro incumbe-se de representar a
figura de lei.
Assim, a dimenso do Pai simblico transcende a contingncia do homem real.
Sobre essa questo, considera Pontes (1998):
Na funo paterna atuam tambm as mulheres, como as avs e as tias que ajudam mes solteiras ou separadas
a cuidar das crianas. At irmos e irms acabam exercendo essa funo em muitas famlias em que falta o
pai seja porque morreu, seja porque no quer ou no sabe exerc-la. E isso comum, infelizmente. Seja
quem for, essa terceira pessoa indispensvel. Pela prpria natureza da relao da me com o filho, ela no
pode ser tambm a personificao dos limites. Ela inicia esse processo quando nega leite ao beb que pede
sem ter fome, mas precisa de algum que seja a imagem dessa regra afetiva.

Assim, no aspecto afetivo o adulto exerce papel fundamental na estruturao da capacidade


da criana para o estabelecimento de vnculo. As experincias positivas produzem sentimentos de
segurana, apego s pessoas e atitude positiva em direo atividade correspondente.
As experincias desfavorveis resultam em sentimentos de insegurana ou hostilidade em
relao s pessoas e retraimento ou rejeio. A famlia importante tanto ao nvel da estruturao
da vida emocional quanto no que diz respeito s relaes sociais na qual ela se inscrever. na
famlia, mediadora entre o indivduo e a sociedade, que aprendemos a perceber o mundo e a nos
situarmos nele. Conforme o indivduo cresce e diferencia seu ser separado dentro da matriz de
sua experincia familiar da infncia, ele gradualmente estabelece sua identidade pessoal e social.
Para entender o grupo familiar, importante consider-lo dentro da complexa trama social
e histrica que o envolve. A famlia no somente algo natural, biolgico, mas pode ser uma
instituio criada pelos homens em relao, que se constitui de formas diferentes em situaes e
tempos diferentes, para responder s necessidades pessoais e sociais.
A famlia uma instituio extremamente poderosa e diferente de qualquer outra rede
relacional, por ter caractersticas e formas peculiares. Nela os novos membros so incorporados

295

apenas pelo nascimento, por adoo, casamento, e os membros podem ir embora somente
pela morte, se que ento. Nenhum outro sistema est sujeito a essas limitaes. (CARTER e
GOLDRICK, 1995).
Estamos longe de acreditar hoje que h apenas uma forma, a mais correta, de ser famlia.
Um casal homossexual, pais solteiros, filhos adotivos, todas essas so possibilidade de existncia
da famlia.
Dentro desse contexto, surge a necessidade de garantir questes fundamentais, como o
sentido de filiao, a histria pessoal, reproduo e a relao com cada um dos pais, mesmo que
seja mediante filiao e paternidade adotiva.
A instituio familiar tem sido estabelecida em nossa cultura fundamentada nos laos de
sangue. Quando tratamos da famlia com filhos adotivos, surgem, naturalmente, questionamentos
sobre a convenincia ou no de incluir no grupo familiar uma pessoa estranha na condio de
filho. Na relao parental adotiva, no existe a ligao hereditria na quase totalidade dos casos
e, em nossa sociedade, ela um pressuposto indiscutvel que dita as normas de valorizao e
continuidade familiar.
As relaes familiares, no seu aspecto emocional, no so garantidas pelas ligaes
sanguneas ou pelas caractersticas que passam de pais para filhos por hereditariedade, mas sim
pelos vnculos afetivos que se estabelecem.
Ao analisarmos determinados aspectos da maternidade-paternidade como, por exemplo,
pais que geram filhos e no os amam ou pais que, por qualquer circunstncia, tm dificuldade de
am-los, percebemos a complexidade da relao de amor e descobrimos que amar sem conviver
torna-se extremamente difcil. O amor pede uma relao de presena e aconchego. A convivncia
familiar , de fato, um componente fundamental para o estabelecimento da relao de afeto; no
dia a dia que se percebe que a maternidade-paternidade transcende a rea restrita da procriao
biolgica, porque
...ser pai ou me no significa, a nvel emocional e psicolgico, conceber, gerar e dar luz uma criana,
mas sim um desejo e uma capacidade de se envolver afetivamente, em imensa profundidade com o outro ser
humano que representaria a continuidade de seus pais. A paternidade essencialmente afetiva e pode ou no
se estabelecer na paternidade biolgica ou na adoo. (BERTHOUD, 1997)

O filho adotivo surge como um agente de realizao e de prazer, mesmo quando sua
trajetria tumultuada e difcil. A deciso de adoo precisa ser alicerada em uma segura
conscincia parental.
Faz parte das expectativas das pessoas a identificao nos filhos de alguma caracterstica
sua, como a comprovao de que esto cumprindo um rito de continuidade, o que lhes d uma

296

sensao de estar realizando sua misso e seu desejo de perpetuao. Nesse caso, a semelhana
dos filhos com os pais produz nestes uma sensao de normalidade, por estarem desempenhando
sua inquestionvel funo reprodutiva.
A observao de Dolto (1985) nos orienta: A exigncia inconsciente do filho adotivo,
de ser ainda mais carnalmente e mais visivelmente filho deles do que teria sido dos pais de
nascimento, encontra correspondncia nos pais adotivos, que depositam todas as suas esperanas
nessa criana, destinada a perenizar-lhes o nome e a fazer frutificar o amor e os esforos que
fazem por ela.
Quando buscamos compreender a verdadeira filiao, colocamos a consanguinidade em
segundo plano, uma vez que o espiritual e o afetivo que comandam a relao familiar. Sobre esse
aspecto, Frankl (1978) oferece uma ideia para ser pensada: Pode-se, afinal, afirmar com razo:
o filho bem carne da carne de seus pais, mas no esprito de seu esprito. Ele sempre e
somente um filho fsico, e isto na mais verdadeira acepo do termo: no sentido fisiolgico. Pelo
contrrio, no sentido metafsico, cada filho propriamente filho adotivo; adotamo-lo no mundo,
dentro do ser. Essa viso do homem como filho acentua a compreenso de que o componente
fisiolgico no sobressai ao aspecto metafsico (espiritual). A adoo suplanta o fato biolgico para
concretizar a condio de filho. Dentro da diversidade, as famlias podem encontrar a unidade,
criando, assim, um ambiente em que cada um de seus membros, com a sua histria, escreve a
histria do grupo.
Filhos que no receberam de seus pais biolgicos ou adotivos boa qualidade de amor
tendem a apresentar, na adolescncia, problemas, tais como: confuso quando identidade
sexual; falta de amor-prprio; represso agressividade e, em consequncia, a necessidade de
afirmao; ambio e curiosidade exploratria; bloqueios relativos sexualidade; problemas de
aprendizagem; dificuldade em assumir valores morais e responsabilidades, e em desenvolver
senso do dever e de obrigaes perante os outros. A ausncia de limites acarreta dificuldade
em exercer autoridade e em respeit-la. Pode colaborar para maior suscetibilidade a problemas
psicolgicos, e mesmo drogadio, delinquncia, sendo todos esses sintomas envolvidos por
grande revolta contra a sociedade patriarcal, como reflexo do ressentimento pelo pai faltoso.
Segundo Schettini (1998), a efetivao da adoo o resultado de um processo intencional
de acolhimento emocional que os pais ou pai e (ou) me proporcionam ao adotado. Trata-se,
portanto, de uma adoo, que tem duplo sentido, uma vez que o filho tambm adota seus pais.
Esse vnculo que une o adotante ao adotado to real como o que une o pai ao filho de sangue,
e os efeitos que do primeiro emergem so to reais como os que decorrem do segundo, apenas o
que une as partes no biolgico, mas psicolgico-social.

297

A deciso de adotar fundamentalmente uma deciso de ter um filho, um processo


que abrange a pessoa na sua subjetividade, isto , fundamenta-se nos contedos racionais e
emocionais, o que nem sempre acontece com as pessoas que geram seus prprios filhos.
Adotar engendrar o filho dentro de si. Ele no est longe, distante, nem com outra pessoa. Est dentro de
quem o quer, a inexistncia dos laos genticos no invalida as ligaes parentais. (SCHETTINI, 1998)

Portanto, o crescimento e o desenvolvimento do filho dependem da boa organizao do


grupo familiar, seja ele biolgico ou substituto. Entendemos que para a formao emocional
satisfatria do indivduo so necessrios, no incio, proteo e aconchego; e em fases posteriores,
autonomia e independncia.
VIVNCIA DA ADOLESCNCIA DOS FILHOS
A adolescncia dos filhos vivenciada pelos pais com lutos, medos, conflitos, num processo
pautado por ambivalncias e resistncias.
Se o adolescente percorre um penoso caminho rumo ao desprendimento dos pais, tambm
esses tm que se desprender do filho-criana e evoluir para uma relao com o filho adulto, o que
impe renncias de parte a parte.
Ao perder para sempre o filho-criana, veem-se diante da imperiosa necessidade de aceitar
o devenir, o envelhecer, a finitude.
Mas a travessia maior, sem dvida, aceitar a passagem do tempo. Os filhos crescidos, em luta por sua
autonomia, so quase sempre a lembrana de nossa finitude. A conscincia, muitas vezes, do tempo perdido.
A constatao de que imaginvamos, tambm estamos sujeitos ao ciclo da vida: nascer, crescer, reproduzir e
morrer. (KALINA e LAUFER, 1986)

Tm que abandonar a imagem de si mesmos que seu filho criou para a qual colaboraram
e na qual se instalam.
J no podem funcionar como lderes ou dolos; ao contrrio, impe-se-lhes aceitar uma
nova relao, permeada de ambivalncias e crticas.
As capacidades e conquistas emergentes do filho obrigam os pais a enfrentar suas prprias
capacidades e avaliar seus sucessos e fracassos. Nessa prestao de contas, o filho acaba por
assumir o lugar de testemunha implacvel do realizado e do frustrado.
As mudanas corporais do adolescente, que sinalizam sua capacidade procriativa, produzem
situao conflituosa nos pais. Podem coincidir no mesmo momento familiar marcos da histria
pessoal de seus membros: a menarca e a menopausa, o auge e o declnio da virilidade.

298

Tentando negar a realidade do tempo, os pais podem tornar-se bastante repressores;


... como se, conseguindo controlar os filhos, conter sua ideias, impedir suas expectativas, deter e modificar
suas necessidades, estivesse contendo o prprio movimento da vida (KALINA E LAUFER, 1986).

Ainda segundo Kalina, a direo que toma o sentimento gerado pelo crescimento dos filhos
vai indicar em que medida este se tornar produtivo ou no para a vivncia dos pais. Entendo
e nomeando esse sentimento como inveja, poder ser perniciosa se pretender paralisar e (ou)
destruir as possibilidades de ser e agir; e ser positiva se impulsionar para tentativas de reformular
a maneira de ser, mediante alternativas novas para suprimento de necessidade desse momento
especial de vida.
Na prtica do relacionamento pais-filhos, a vivncia inadequada da inveja conduzir
represso, desvalorizao do que for feito pelos filhos, estimulando e reforando nelas
dependncia e incapacidade. Ao contrrio, lidando de maneira saudvel com esse sentimento, os
pais podem ter a oportunidade de incorporar em sua prpria vivncia caractersticas presentes na
de seus filhos adolescentes, como, por exemplo, a coragem renovada para lutar por seus direitos
e ideais, reformular metas, recriar suas verdades, desafiar a vida.
H, no entanto, aqueles que reagem juventude dos filhos de maneira derrotista, geralmente
quando no conseguem atingir a perspectiva necessria para acompanhar o processo; como se
assumissem para si os lutos e perdas inerentes ao despertar da vida adulta.
O fato torna-se observvel quando os adolescentes descobrem seus pais como falveis,
incompletos, imperfeitos; a desidealizao das figuras parentais acompanhada pela respectiva
recproca, pois os pais passam pela sensao de que, de certa maneira, tambm esto perdendo
seus filhos.
Ao movimento de afastamento progressivo do adolescente rumo a seus prprios caminhos
corresponde a necessidade dos pais de redefinirem seus papis, funes e projetos; o adolescer
dos filhos oferece ao casal a oportunidade de retomar a vida a dois, com o enfrentamento e
aproveitamento das perdas e dos ganhos pessoais acumulados.
A fase final da adolescncia marca a reorganizao da estrutura familiar, pela flexibilizao
de preceitos, tais como autoridade e poder decisrio, que at ento regeram sua dinmica.
CONCLUSO
A famlia muda e se adapta de acordo com os movimentos histricos, convivendo com
alteraes de valores, de padres ticos, econmicos, polticos e ideolgicos, cuja finalidade

299

acompanhar as transformaes da sociedade. A importncia da famlia, segundo Melo (1991),


est em valorar a construo da identidade, destacando os aspectos histricos e culturais, criando
espao para afirmar a autoridade dos pais no contexto de possibilitar a introduo da disciplina e
ou limites no processo da educao nos diferentes espaos privados e pblicos.
A famlia contempornea apresenta tendncia a horizontalizar suas relaes, com participao
igualitria dos cnjuges nas questes da criao e educao dos filhos, no provimento financeiro,
nas decises consensadas, e mesmo nas trocas de valores e ideais entre pais e filhos, a exemplo do
que ocorre a respeito da conscientizao e vivncia de prticas de sustentabilidade, quando filhos
alertam para a importncia da preservao do meio ambiente para a gerao atual e as futuras.
Aqui se observa movimento que diferencia a atualidade das geraes anteriores, pois como
consequncia da tecnologia, do progresso dos meios de comunicao e da facilidade de acesso
entre os membros da famlia, inaugura-se uma nova realidade, que envolve a troca de informaes,
j que agora h muitas coisas da ps-modernidade, to corriqueiras aos filhos, que eles podem
ensinar aos pais, e no s, como sempre, serem os que recebem ensinamentos.
Constata-se que apesar de todas as inovaes e revolues, a famlia permanece reivindicada
como o nico valor seguro ao qual ningum quer renunciar. Ela amada, sonhada, desejada
por homens, mulheres, crianas, de todas as idades, de todas as orientaes sexuais e de todas as
condies. (ROUDINESCO, 2003)
REFERNCIAS
ABERASTURY, Arminda e SALAS, Eduardo J. A Paternidade: Um Enfoque Psicanaltico, 2.ed. Porto
Alegre: Artes Mdicas, 1984.
BOTTURA JNIOR, Wilner. A Paternidade faz a diferena, 2.ed. So Paulo: Gente, 1994.
BOWEM, Murray. De la famlia al indivduo. La diferenciacin del s mismo em el sistema familiar. Barcelona:
Paidos, 1991.
BRAZELTON, T. Berry. O Desenvolvimento do apego: uma famlia em formao. Porto Alegre: Artes
Mdicas, 1988.
CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutao. So Paulo: Cultrix, 1982.
CARTER, Betty; McGOLDRICK, Mnica. As mudanas no ciclo de vida familiar. 2.ed. Porto Alegre: Artes
Mdicas, 1995.
CERVENY, C. M. O.; BERTHOUD, C. M. E. et al. Famlia e ciclo vital: nossa realidade em pesquisa. So
Paulo: Casa do Psiclogo, 1997.
DELUMEAU, Jean e ROCHE, Daniel. Histoire dos pres et de la paternit. Paris: Larousse, 1990.

300

DOLTO, Franoise. Como orientar seu filho, v.1; traduo de Ruth Rissin Josef. Rio de Janeiro: F. Alves,
1983.
DOR, Jol. O Pai e Sua Funo Em Psicanlise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991.
DUPUIS, Jacques. Em Nome Do Pai Uma Historia Da Paternidade, s/e, So Paulo: Martins Fontes,
1989.
ERIKSON, E. H. Identidade, Juventude e Crise. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
ERIKSON, E. H. Infncia e Sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
FRANKL, Viktor E. Fundamentos Antropolgicos da Psicoterapia, trad. Renato Bittencourt. Rio de
Janeiro: Zahar Editores, 1978.
KALINA, Eduardo e LAUFER, Halina. Aos Pais de Adolescentes. Rio de Janeiro: Cobra Norato, 1974.
MAHLER, Margaret. O processo de separao individuao. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1982.
MARQUES, Ademar, BERRUTI, Flvio e FARIA Ricardo. Os caminhos do Homem. Belo Horizonte: L,
1991.
MELO, Zlia Maria. Violncia y Famlia: Supervivencia em la casa y en la calle (Tese de doutorado em
Psicologia) Universidad de Deusto, Bilbao: 1991
PACCOLA, Marilene Krom. Leitura e diferenciao do mito. So Paulo: Summus, 1994.
PONTES, David. De pai para me, Gazeta do Povo, Curitiba, 10 de maio de 1998.
ROUDINESCO, Elizabeth. A Famlia em Desordem. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2003
SCHETTINI FILHO, Luiz. Compreendendo os Pais adotivos. Recife: Edies Bagao, 1998.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Sistema Segundo Ludwig Von Bertalanffy, um complexo de elementos em interao; segundo Hall e
Fagen, um conjunto de objetos e de relaes entre os objetos e seus atributos.

Matrilinear Em que a sucesso se faz por linha materna. Comunidade matrilinear.

Onipotncia Masculina Poder absoluto e infinito. Autoridade ou soberania absoluta.

Complementaridade Termo criado pelo fsico N. Bohr e adaptado por N. Ackerman. O termo
complementaridade faz referncia aos padres especficos das relaes e dos papis dos membros da
famlia, que permitem a expresso dos afetos, dos cuidados e da lealdade, da incompletude e das diferenas
s quais confrontado cada membro da famlia.

Papel a parte que se espera que cada indivduo desempenhe numa situao social. Isto tem sido
estudado particularmente em grupos em que possvel distribuir um papel a cada membro: lder, mediador,
palhao, membro fiel, etc. Qualquer indivduo pode desempenhar diferentes papis, e pode, por isso,
experimentar conflito de papis, quando dois grupos entram em contato. Por exemplo: adolescentes que
encontram sua famlia quando esto em companhia de sua turma.

301

Funo Ao prpria ou natural de um rgo, aparelho ou mquina; cargo, servio, ofcio; o conjunto de
direitos, obrigaes e atribuies duma pessoa em sua atividade profissional especfica.

Significantes Representao psquica do som e imagem.

Significados Representao psquica de um conceito.

Fronteira um limite de territrio fsico, psquico ou material.

10 Individuao Processo de se tornar um indivduo nico, diferenciado de sua famlia de origem.


11 Simbiose Significa vida em comum com os outros. Em Psicanlise usado para descrever a condio
psicolgica em que ocorre uma associao entre duas mentes, podendo ou no haver benefcios. Tratase de uma peculiaridade das relaes interpessoais, que a necessidade que cada um tem do outro e as
diferentes gratificaes que um proporciona ao outro e dele obtm. Relacionamento mutuamente reforado
entre duas pessoas dependentes uma da outra. Uma caracterstica normal do relacionamento entre uma
figura maternal e um beb.
12 Fuso Unio, aliana, mistura, liga. Estado de interdependncia psicolgica, entre duas pessoas e com
importantes implicaes no processo de separao individuao.
13 Introjeo Mecanismo psicolgico pelo qual um indivduo, inconscientemente, incorpora e passa a
considerar como seus objetos caractersticas alheias e valores de outrem (termo psicanaltico).
14 Ego Princpio da realidade. Segundo a Psicanlise, no processo de satisfao do libido (pulso do ID), o
organismo biolgico se confronta com o Real, neste momento constitui-se o Ego. O Princpio da Realidade
comea a se formar quando o beb passa a se reconhecer como sujeito (fase do espelho) e no mais como
uma extenso do corpo da me, passando controlar corretamente e decidindo quais instintos podem
ser satisfeitos (controle das esfncteres, repertrio social, por exemplo) e de que forma. O ID (forma mais
primitiva, instintos e pulses) se orienta pelo princpio do prazer/desprazer, o Ego pelo real.

302

NOES SOBRE AS DROGAS PSICOTRPICAS

Dilermano Brito

So substncias naturais ou sintticas que agem seletivamente sobre as clulas nervosas que
atuam sobre o sistema nervosa central, ou seja, psico = mente e trpica = atrao.
Costuma-se dividi-las classicamente em trs grupos:
a) Psicolpticas So substncias que diminuem a atividade mental, reduzido o tnus
psquico, seja pela diminuio da viglia, estreitando a faixa do poder intelectual, seja
deprimindo as tenses emocionais, em geral produzindo relaxamento. Fazem parte
desse grupo os hipnticos como os derivados barbitricos (por exemplo: gardenal), os
neurolpticos (por exemplo: cloropromazina) e os tranquilizantes como os derivados
benzodiazepnicos (por exemplo: valium).
b) Psicoanalpticos So substncias que possuem ao elevadora do tnus psquico,
ou seja, estimulam o sistema nervoso central e a vigilncia, diminuem a fadiga momentnea,
estimulam o humor como os derivados do iminoestilbeno (como o insidon), estimulantes
da vigilncia como os derivados anfetamnicos (como o pervitin e o ecstasy).
c) Psicodislpticos So substncias desestruturantes da atividade mental, produzindo
quadros semelhantes a psicoses, como delrios, alucinaes etc. Fazem parte desse grupo
os embriagantes como inalantes qumicos (por exemplo: clorofrmio), os alucingenos ou
despersonalizantes (por exemplo: maconha), entre outros.

303

POR QUE AS PESSOAS SE DROGAM?


Em realidade, esta uma pergunta subjetiva que tem causado muita controvrsia, porm
est relacionada com o esprito de imitao dos jovens, as presses que os envolvem no dia a
dia, a busca de novas emoes etc. Infelizmente muitas pessoas recorrem s drogas psicotrpicas
para solucionar seus problemas, procura de um caminho mais fcil para resolver seus dramas
pessoais ou fugir deles. Subitamente, o uso de drogas virou moda.
Em suma, as pessoas usam psicotrpicos para atingir fins que pensam no conseguir em
estado normal.
Assim, qualquer substncia que provoque no ser humano sensao de euforia, delrio,
alucinao, tranquilizao, tolerncia, sintomas ou fsica considerada toxicomangena, e a pessoa
que a usa toxicmana.
preciso que se esclaream aqui os tipos de dependncia a que est sujeito o usurio
de drogas.
DEPENDNCIA PSQUICA
A dependncia psicolgica caracterizada por um desejo de tomar a droga para obter
prazer, sentir bem-estar, aliviar um desconforto, e pela supresso no haver a sndrome de
abstinncia. No h alteraes qumicas orgnicas, como, por exemplo, dos neurotransmissores, e
assim possvel, com tratamento psicolgico e fora de vontade do usurio, que ele deixe o vcio,
j que o organismo no sofre alteraes profundas de adaptao.
DEPENDNCIA FSICA
A dependncia orgnica caracterizada por distrbios fsicos, s vezes insuportveis, que
levam o usurio a buscar a droga a qualquer custo, quando da interrupo da administrao. Isso
ocorre porque neurotransmissores orgnicos so afetados pela droga, que produz sutis anomalias
sobre os mesmos, e pela supresso haver uma resposta orgnica, pois o organismo j estava
adaptado s novas estruturas, ressentindo-se da falta desses componentes. Quanto mais se usam
esses produtos, mais se necessita deles, pois desenvolvem tolerncia e, assim, paulatinamente,
mais quantidades so requeridas para os mesmos efeitos. O usurio ficar prisioneiro da droga,
e mesmo com tratamentos especializados o ndice de cura real muito baixo e a degradao
orgnica muito alta.

304

Naturalmente, deve-se ter muito cuidado com as chamadas drogas permitidas como o
lcool e o tabaco, j que so drogas perigosas e podem levar dependncia inclusive orgnica,
porm so de livre comercializao e encontradas nas mais variadas situaes. Os adultos, em geral,
no admitem que seu traguinho dirio de bebida alcolica, ou o fumo, tenha qualquer relao com
o vcio, ignorando que isso os torna gradualmente escravos e serve de pssimo exemplo a crianas
e adolescentes. E, assim, sem dvida o prprio meio familiar pode exercer influncias danosas.
PRINCIPAIS DROGAS OU GRUPOS DE DROGAS DE ABUSO
Maconha
A maconha uma planta, o cnhamo, cientificamente a Cannabis sativa L.
No Brasil, dependendo da regio, tem vrios nomes tpicos como erva, diamba, liamba,
dirijo, birra, pango, fumo-de-Angola; fora do Brasil conhecida como pot, marijuana, Mary Jane,
charas etc.
Estudiosos afirmam que a planta conhecida h mais de 5.000 anos antes de Cristo papiros
do conta que os chineses, naquela poca, utilizavam-na para extraes de dentes, colocando um
macerado da planta sobre o dente afetado at insensibilizao e, aps, faziam a retirada. Sabe-se
que o ch com que Helena (conhecida na histria como Helena de Tria) fez seu marido o rei
Menelau dormir, o Nephente, nada mais era que um ch feito com folhas de maconha, e quando
este rei acordou, Helena j estava a caminho de Tria com o prncipe Pris, o que ocasionou a
famosa Guerra de Tria.
Modernamente, entende-se por haxixe a resina que envolve as inflorescncias, em que se
concentra uma percentagem muito maior do princpio psicoativo, o tetrahidrocanabinol. Alis,
a palavra assassino parece originar-se do rabe hashishin, que seria literalmente usurios de
hashishe, isto porque uma temida seita do Oriente, no sculo XI, comandada por Hassan-IbnSabhad, tinha por hbito utilizar o haxixe antes das batalhas contra seus inimigos, principalmente
os cristos, combatendo-os com incrvel ferocidade. Eram conhecidos como hashishens, corruptela
que derivou at ns como assassinos.
Hoje, em funo dos processos qumicos e das culturas inovadoras, a planta desenvolvese vrias vezes ao ano (variedades masculina e feminina) com aumento gradativo do princpio
psicoativo o tetrahidrocanabinol (THC). Inclusive, h poucos anos, foi feita uma forma hbrida
de maconha com at 40% de THC, contra um normal atual de at 15%, com gravssimas
consequncias sobre o crebro e todo o organismo humano, qual, por seu odor desagradvel,
deu-se o nome de skunk, que literalmente quer dizer gamb.

305

Os efeitos esto relacionados ao teor de THC presente na planta, levando-se em conta,


claro, a variabilidade individual do usurio.
Segundo a Organizao Mundial da Sade (OMS), a droga mais consumida no mundo.
Sob efeitos contnuos, o indivduo pode ser levado a uma deteriorao psquica, chegando
insanidade.
Parece no haver dvidas de que a droga afeta as atividades cerebrais mais refinadas, as
funes cognitivas ligadas ao processo do conhecimento.
Sistema Respiratrio
Em mdio e longo prazo, age sobre os pulmes. De incio, dilata os brnquios; aps, o efeito
inverte-se levando bronquite, asma, faringite.
A aspirao de gases txicos como benzopireno e benzatraceno, que so carcinognicos,
contribui para a formao de leses malignas, ou pr-malignas, ou seja, clulas com metaplasia
escamosa, a um passo de clulas cancerosas.
Haver aumento das clulas macrfagas dos pulmes, comprometendo o bom funcionamento
desses rgos, um verdadeiro afogamento pulmonar com srios problemas de obstruo, levando
bronquite obstrutiva crnica (observa-se um ronco tpico). Pode ocorrer ainda a aspergilose,
grave micose que afeta os pulmes, produzindo verdadeiras cavernas, alm de disseminar-se pelo
sangue, corao, pelas meninges e pelos ossos, pois o produto utilizado em geral (+ de 50%) est
contaminado com o fungo Aspergillus fumigatus.
Sistema Imunolgico
Os canabinoides provocam reduo dos mecanismos de defesa orgnica, pois inibem os
cidos nucleicos e agem diretamente sobre o DNA, inibindo sua sntese e prejudicando a produo
de anticorpos.
Os estudos concentram-se atualmente sobre os linfcitos T, grupo de glbulos brancos que
constitui cerca de 70% dos linfcitos do sangue, responsvel pelas defesas orgnicas. Gabriel Nahas
provou que a taxa de diviso dos linfcitos T era 41% mais baixa em usurios de maconha, contra a
dos no usurios; inclusive foi provado por microfotografias que os usurios crnicos apresentam
neutrfilos menores que os normais, no arredondados e deformados com alteraes na membrana.
Provoca um verdadeiro processo de eroso no sistema imunitrio. Akira Morishima, da
Universidade de Columbia, em Nova York, disse: Em vinte anos de pesquisas com clulas
humanas, nunca encontrei nenhuma que causasse danos, que sequer se aproximasse dos
causados pela maconha ao DNA.

306

Sistema Reprodutor
um dos sistemas que sofrem os maiores malefcios do produto. Na maioria dos usurios do
sexo masculino, produz espermatognese, bem como deformidades de espermatozoides, podendo
ocorrer ainda reduo de tamanho e peso dos testculos.
Em usurios do sexo feminino, desregula o ciclo e pode prejudicar o feto durante a gravidez,
com malformao, lbio leporino, fenda no vo palatino, lentido de reflexos, irritao.
Interfere no desenvolvimento do feto, podendo inclusive provocar aborto, mudanas
cromossmicas, ou seja, mutagnicas, que alteram a herana, bem como pode produzir sutis
anomalias no desenvolvimento de diversos sistemas.
Um biliosimo de grama de THC, quando no crebro, age sobre o hipotlamo, o qual
por sua vez age sobre a pituitria que regula as funes endcrinas e os hormnios sexuais e
da reproduo.
Os hormnios sexuais masculinos diminuem consideravelmente, principalmente a testoterona,
que o hormnio da libido, do estmulo, podendo ocorrer ainda diminuio de gonadotropina,
que o hormnio da ereo.
H entre adolescentes uma ideia de que a maconha afrodisaca, mas, como vimos
organicamente, o contrrio. Ocorre que a maconha possui forte ao desinibitria ao agir sobre
os centros enceflicos, o que para jovens e ansiosos pode inicialmente parecer, portanto, ser
estimulante sexual.
Pesquisas recentes revelam um aumento proporcional no homem de hormnios femininos
aumento de nveis plasmticos de estrgenos , sendo inclusive motivo de preocupao entre os
adolescentes, pois pode causar ginecomstica (aumento das mamas).
Alm disso, vrios estudiosos provaram rupturas cromossomticas, diviso grosseira,
crescimento lento do ncleo das clulas. Do normal de 46 cromossomos, foi encontrado cerca de
1/3 das clulas com 8 a 38 cromossomos.
E ainda h quem diga que a maconha no uma droga muito perigosa. Ou ignorante ou
mal intencionado.
Em geral, nota-se modificao da fisionomia, do pulso, da presso arterial, influncia sobre
a diurese, modificao da glicemia com aumento do apetite para doces, pois queima acares
orgnicos em grande quantidade alterando em um todo a funo pancretica. Influencia ainda a
percepo do tempo (horas podem parecer minutos e vice-versa), produz midrase (dilatao da
pupila), sensao de leveza, crises de choro ou de riso, desmotivao, mudanas de personalidade,
congesto das conjuntivas com olhos avermelhados, secura de boca e garganta e at horripilao
(pelos eriados).

307

Devido variedade de potncia das substncia ativas, so raras as alucinaes e alteraes


de pensamento, porm com doses maiores surgem perturbaes da memria, alteraes de
pensamento e sentimentos de estranheza. Indivduos mais sensveis podem manifestar ansiedade,
ataques de pnico e precipitar surtos psicticos.
Nas primeiras vezes de uso pode haver tonteiras, vertigens, nuseas e at vmitos.
A dependncia orgnica muito discutida, mas, sabe-se, pode provocar fortssima
dependncia psicolgica. Como vrias outras drogas, libera dopamina em quantidade anormal no
organismo, da a sensao de bem-estar que ocasiona, porm com srios comprometimentos de
comportamento e memria.
Os efeitos mais danosos so:
Sistema Cardiovascular
Aumenta a frequncia cardaca, provocando sobrecarga sobre o msculo cardaco, inclusive
com aumento da absoro de CO2 e reduo de O enfraquece esse msculo e, claro, agrava o
problema para quem sofre do corao, mesmo em patologias incipientes.
Sistema Nervoso Central
Age sobre a mente, comprometendo a ateno, que no se fixa nem se mantm, e a
percepo espacial, o que torna perigoso dirigir veculos motorizados.
Produz a chamada crise de desmotivao, o que inclui falta de memria (memria
imediata, ou seja, dificulta armazenar na memria fatos ou dados estudados momentos antes,
por exemplo), que parece estar relacionada com a destruio de neurnios, frouxido emocional,
tambm chamada de SOC, ou seja, Sndrome Orgnica do Crebro.
Cocana (Benzoil Metil Ecgonina)
Principal alcaloide extrado das folhas da planta Erythroxylon coca, originria dos pases
andinos.
a droga da euforia. Fumada como pasta bsica ou como crack sua verso mais barata ,
injetada ou cheirada, incute nos usurios fantasias de fora, poder e seduo.
Seu efeito estimulante j era conhecido pelos indgenas dos Andes h muitos sculos.
Seguiam rituais religiosos de uso, alm de permitirem aos mensageiros, obrigados a correr a p
enormes distncias, que tambm mascassem as folhas juntamente com cinza, para suportar a
longa jornada.
Em pocas mais recentes foi utilizado como anestsico local, por atuar sobre as fibras
nervosas, impedindo a origem e a transmisso dos impulsos nervosos, alm de ser poderoso

308

agente vasoconstritor; mas, em funo dos efeitos colaterais, essa prtica foi abandonada em
favor dos anestsicos sintticos. Hoje sobrevive apenas como droga de abuso.
Seus principais sintomas e efeitos so os descritos a seguir. Mediante absoro pela mucosa
do nariz, ocorre anestesia dessa mucosa, e como a droga altamente vasoconstritiva e sempre
vem acompanhada de agentes custicos utilizados em sua extrao, pelo uso contnuo provoca uma
destruio dessa parte do organismo, com perfuraes e at destruio do septo nasal, sendo que
geralmente esse processo de destruio acompanhado de sangramento, o que serve de evidncia
de uso. A cartilagem interna do nariz sofre um processo de eroso conhecido como nariz de rato,
pois como se aquele animal gradativamente viesse a roer internamente o nariz do usurio.
Se injetado, pode manifestar abcessos, necrose e posteriormente cicatrizes mltiplas.
Os transtornos psicomotores, denominados ebriedade cocanica, so caracterizados por
forte excitabilidade, tornando-se o usurio, quando da ao da droga, loquaz, alegre, agitado
e em algumas vezes com crises de violncia, imaginando maior lucidez e claridade intelectual. O
indivduo torna-se audacioso e aparentemente mais disposto contra a fadiga. possvel que se
torne extremamente irritado e agressivo, podendo cometer atos e at crimes violentos.
No homem a capacidade gentica, pelo uso contnuo, se perde; porm, a apetncia sexual e
o erotismo se mantm, e como no obtm satisfao fisicamente, inclina-se patologia sexual. J, a
mulher passa por um estado de exaltao ertica com perda do pudor e insatisfao. Em ambos,
h perda de inibies.
A capacidade psquica cada vez menos produtiva e mais desviada.
A anorexia habitual, juntamente com alteraes do olfato, da audio zumbidos e silvos ,
da viso com diplopia e diminuio da agudeza visual, alm de insnia rebelde.
A sensibilidade cutnea est bastante alterada, com pruridos, formigamentos, produzindo
a sensao que pequenos insetos que caminham sobre a pele (microzoopsia), e muitos
viciados tentam ca-los, cutucando-se com agulhas, ocasionando leses.
Podem ocorrer ainda alucinaes, delrios com gritos e prantos, reaes rapidssimas no
raciocinando com clareza e bom senso, mania de perseguio, iluses de carter confusional,
ansiedade, com uma mrbida predisposio para o crime ou at mesmo suicdio, envelhecimento
prematuro, os viciados morrem velhos e secos, pele e osso.
O usurio de cocana encontra no vcio uma fuga da realidade, de modo a desinibir-se
e criar coragem, sentindo euforia e xtase, podendo atingir as razes da paranoia, tornando-se
preguioso, hipcrita, indolente, aptico, com laos afetivos degradados.
Casos mais srios so manifestados por transtornos mentais logo desenvolvidos, por
transtornos nervosos acentuados e transtornos circulatrios e respiratrios com calafrios, desmaios,

309

alterao da frequncia respiratria, que poder originar parada respiratria e consequente parada
cardaca, ocorrendo, em geral, de incio severa hipertenso, caindo aps, at colapso.
Em doses superelevadas, a morte ocorre quase fulminante por sncope respiratria ou
circulatria, atribuda ao direta sobre o miocrdio.
Sabe-se que a cocana altera o mecanismo de produo de neurotransmissores impedindo
que a dopamina (neurotransmissor responsvel pelo prazer orgnico) seja reabsorvida, e, assim,
doses elevadas desse constituinte orgnico ficam excitando os neurnios, com fortes doses de
prazer. Porm, quando se esgota momentaneamente a produo desse produto, ocorre uma
depresso profunda, e, ento, o usurio buscar absorver novas quantidades de cocana, para
que a depresso desaparea, e assim sucessivamente.
Tambm bloqueia o mecanismo que devolve outro neurotransmissor, a norepinefrina, para
o nervo, o que provoca um crescimento dos nveis desse produto no sistema nervoso central,
produzindo um perigoso aumento da frequncia cardaca.
Pensar que os filhos de usurios venham a nascer com problemas compreensvel. Hoje,
sabe-se que as crianas, filhos de usurios de cocana e seus produtos mais baratos como a merla
e o crack, apresentam hiperatividade e alta irritabilidade, bem como dificuldade no aprendizado,
insuficincia heptica e crebro menor. Por atravessarem facilmente (como todo psicotrpico)
a placenta, esses produtos circulam livremente no feto, e este, ao nascer, sente falta da droga,
manifestando a criana choro intenso, irritabilidade, tremores e dificuldades para mamar, entre
outros. Os pequeninos sofrem e precisam ser tratados com tranquilizantes, e muitas vezes vo
direto para a UTI.
J o crack uma preparao simplificada da cocana, feita geralmente a partir da pasta bsica,
no sofre processos de purificao, e o produto usado para misturar-se pasta bsica, tambm
quimicamente uma base leve, facilita a rpida absoro do princpio ativo e uma diminuio da
excreo, da porque os efeitos so to rpidos, ocorrendo em poucos segundos, mais intensos e
duradouros. No primeiro momento ocorre uma forte excitao mental, seguida de fcil irritabilidade
e lassido, levando o usurio a buscar rapidamente o pseudo prazer.
Dependendo do tipo de personalidade do usurio, este poder desenvolver uma conduta
esquizofreniforme e (ou) manaco depressiva.
Por provocar esse efeito de excitao muito rpido e aps a depresso, o que leva ao uso
repetidamente, os usurios tornam-se rapidamente prisioneiro desta droga, correndo sempre risco
de vida. Por isso mesmo em tratamentos e internaes tm tantas recadas. Tal fato resume-se
nas palavras de um usurio, aps vrias tentativas frustradas de internamento para tratamento:
A droga mais forte do que eu. No comeo eu usava, agora ela que me usa.

310

O crack, em forma de pedras irregulares, de cor parda, fumado, geralmente em cachimbos


artesanais. Seu nome dado pelo barulho que as pedras fazem ao queimar.
De todas as drogas, a cocana e seus produtos so os que mais rapidamente devastam o usurio.
Inalantes
Com essa designao encontramos um sem-nmero de substncias qumicas capazes de
entorpecer as reaes emocionais, distorcendo a conscincia. So solventes como tolueno (um
dos produtos da cola de sapateiro), xileno, benzeno, clorofrmio, ter, acetona, thinner, fludo
de isqueiro e mesmo aerossis como cloreto de etila (lana-perfume) etc. Na realidade, so os
solventes orgnicos volteis.
Entre os jovens, esses produtos so conhecidos como lol, e por isso no Brasil a prtica
de inalar esses produtos conhecida como cheirinho de lol.
De incio, o usurio inala ocasionalmente, mas gradualmente perde o controle sobre sua
capacidade de parar de cheirar e o faz vrias vezes ao dia. Aps algum tempo, ningum tem
conscincia de quo compulsivo torna-se o fato de inalar o produto, o que pode conduzir a
consequncias trgicas, em sndrome conhecida como morte sbita.
Pelo fato de serem relativamente baratos e de fcil acesso, tm um potencial de abuso
muito alto.
Uma vez dentro do organismo, afetam os tecidos que, como o crebro, so ricos em
gorduras, dissolvendo membranas do tecido nervoso e alterando o funcionamento normal. No
incio da gravidez, pode causar efeitos adversos ao feto, efeitos teratolgicos sobre o feto em
desenvolvimento como malformao fsica ou deficincias funcionais, ou seja, reduo de peso,
de altura e mesmo do QI, e podem alguns, ainda, interromper a gravidez ou danificar as clulas
reprodutivas prejudicando, dessa forma, a concepo e a gravidez. Estudos continuam sobre os
efeitos carcinognicos de alguns solventes.
Como so produtos inalados, os solventes passam dos pulmes para o sangue e da
diretamente para o crebro, diferentemente de uma droga injetada ou ingerida, que passar antes
pelo fgado que, em geral, forma produtos menos txicos. Nesse caso, os solventes agem no seu
potencial mximo.
So depressores do SNC e alguns (benzeno e derivados) deprimem tambm a medula ssea,
levando anemia aplstica.
O indivduo sob a ao desses produtos fica inicialmente excitado, eufrico, entrando depois
em fase de violncia, de agressividade, podendo experimentar um sentimento de despreocupao

311

que afasta as tenses de cada dia. Podem-se notar tontura, fraqueza, dor de cabea (pode
provocar uma encefalopatia irreversvel), aperto torxico, marcha cambaleante como a do brio,
embaamento visual, tremores, respirao alterada, fibrilao ventricular (que pode levar
morte), arritmias, labilidade emocional, dificuldade de respirao pelo edema pulmonar quase
sempre presente, nuseas, vmitos, inconscincia e at paralisia, chegando ao coma e morte.
No raro, desenvolvem caractersticas psicticas. Alguns hidrocarbonetos clorados (por exemplo,
clorofrmio) podem deprimir a capacidade de contrao do msculo cardaco, e como resultado o
organismo, inclusive o prprio corao, no recebe o suprimento usual de sangue.
Sintomatologia paralela o emagrecimento precoce e a presso baixa.
O delrio quase sempre precede a inconscincia.
Em contato com a pele, produzem irritao, descamao e rachaduras.
Pelo uso contnuo, o usurio apresentar estreitamento da fenda palpebral, conhecida como
olhar de mormao.
Ainda, pelo uso contnuo, aps a euforia inicial, nota-se ataxia, ou seja, desordem e falta de
coordenao nos movimentos voluntrios, contrastando com a integridade de fora muscular, habilidade
emocional, atrofia difusa (principalmente cerebral), alm de alguns relatos de zumbidos nos ouvidos.
Segundo os usurios, o que mais manifestam so vertigens, tonturas, coragem inicial, menos
fome durante o efeito do produto e sensao de borboletas, ou seja, parece que observam
borboletas coloridas, pequenas, sobrevoando suas cabeas.
No Brasil a prtica de cheirar cola de sapateiro tem o nome de cheirar (como no caso da
cocana) ou ainda de cheirar lol, como j visto, enquanto nos EUA glue sniffing.
Nos casos agudos, podero ocorrer bitos por insuficincia respiratria ou ao direta sobre
o miocrdio, com parada cardaca.
Nas necrpsias tm-se encontrado petquias nos pulmes, corao e crebro entre outros,
hemorragias mltiplas, congesto de todos os rgos, necrose ou degenerao gorda do corao,
fgado, rins e suprarrenais ocorrendo ainda em alguns casos anemia e aplasia de medula.
Os solventes orgnicos constituem uma sria ameaa sade e ao bem-estar da sociedade.
Seu uso mais danoso do que o abuso de muitas outras drogas e, ainda assim, poucos esforos
tm sido empreendidos para combater esta prtica.
LSD
Sigla em alemo de Lyseng Sure Diethylamid, ou seja, dietilamida do cido lisrgico,
obtido pela primeira vez por Albert Hofman, nos laboratrios Sandoz, na cidade de Basilia, na

312

Sua, em 1938, mas somente em 1943 aps absoro acidental pelo prprio Hofman que suas
propriedades alucinognicas foram registradas.
Geralmente usado por via oral, em face de sua solubilidade em gua, sendo que 20
microgramas j provocam efeitos marcantes; tambm pode ser injetado, inalado ou at absorvido
pela pele.
um dos psicognicos mais potentes de que se tem conhecimento. Em geral, sob a ao
do produto as pessoas sofrem alteraes marcantes do humor, tornam-se emotivas, riem ou
choram mediante ligeira provocao. Os efeitos marcantes mais caractersticos so as distores
ou alteraes de percepes visuais ou tteis (alucinaes). Durante o efeito do produto, chamado
pelos usurios de delrios, distrbios de afetividade, afetao do estado de nimo, alteraes de
padres motores, incluindo a catotonia.
O LSD tambm provoca um fenmeno chamado de sinestesia, pelo qual a pessoa pode
ver sons, cheirar cores, ouvir objetos.
H fases de excitao e depresso, podendo ocorrer inclusive suicdios, muitos dos quais
involuntrios, pois pela sensao de leveza que o produto provoca o usurio tem a sensao de
poder voar e, assim, se lana de alturas para a morte.
Perturba os processos intelectuais levando confuso e dificuldade de raciocinar.
Segundo os consumidores, os efeitos mais frequentes so as sensaes de despersonalizao,
perda da imagem do corpo e desrealizao, no sabendo se as coisas acontecem de verdade ou
no, alm de alteraes na percepo de formas, tamanho, cor e distncia. Por exemplo, um
consumidor de LSD descreveu ter visto uma garrafa de cerveja derreter-se e transformar-se em
um cinzeiro.
A fisiologia no est devidamente esclarecida, porm sabe-se que atua inibindo a serotonina
em nvel dos centros subcorticais (hipotlamo e hipocampo), sugerindo efeitos importantes no
crebro. um verdadeiro transformador mental, com espetacular efeito alucingeno. Alguns
estados de intoxicao manifestados pela LSD assemelham-se a certas reaes esquizofrnicas
agudas, sendo a psicose desenvolvida de carter reversvel e em certos casos irreversvel.
Seus efeitos citogenticos como danos aos cromossomos esto devidamente confirmados,
trazendo anomalia fetal, alm de aumentar o risco de aborto.
Notam-se acentuada midrase (dilatao pupilar), geralmente taquicardia, de incio hipo e
aps hipertenso, salivao, resultantes de uma descarga do sistema nervoso autnomo, assim como
tremores, dores pelo corpo, nuseas, aumento dos reflexos orgnicos, congesto da face e mucosas.
Autores enumeram as ocorrncias somticas e psquicas observadas no transcurso do
psicoma lisrgico, reunindo-as em trs grupos:

313

a) de latncia compreendida entre a aplicao e o surgimento dos sintomas psquicos;


b) psicose em que surgem as verdadeiras perturbaes psicticas;
c) declnio em que se opera a dissoluo gradual da sintomatologia at seu desaparecimento
completo, durando em mdia 12 (doze) horas.
A noo de tempo e espao tambm muitas vezes distorcida, no havendo distino entre
acontecimentos presentes, passados e futuros.
A droga dirige-se a reas receptoras distribudas por quase todo o crebro e, no subjugando
nenhum rgo ou funo orgnica, no causa sndrome de abstinncia pela retirada abrupta e
no provoca dependncia orgnica, mas somente a psicolgica, muito embora desenvolva rpida
e acentuada tolerncia aos seus efeitos psicolgicos, que, uma vez cessado o uso, desaparecem
em poucos dias. Assim, muitas pessoas podem us-la apenas uma ou duas vezes na vida. Mas
independentemente do nmero de vezes que usada, pode manifestar um efeito que se chama de
flashback, ou seja, o usurio pode muito tempo depois, embora no use mais a droga, manifestar
sensaes de estar sob o efeito da mesma.
Muitos usurios sofrem de experincias aterrorizantes, chamadas bad trip, ou bodes,
em que sentem que perderam o controle sobre suas emoes e comportamentos ou ento que se
transformam, por exemplo, em rpteis lentamente, engolindo a si prprios.
J os usurios crnicos apresentam dficits intelectuais e de memria, alm de extrema
passividade.
Mescalina
Alcaloide alucingeno nativo do Mxico e de alguns estados norte-americanos vizinhos com
aquele pas, extrado do cactus Lophophora williansii, conhecido popularmente por Peyote, e
na arcaica lngua asteca, Peyotl significa manjar ou carne dos deuses, pois essa civilizao
acreditava que pela ingesto, em face das alucinaes produzidas, teria contatos com divindades.
Assim, esse cactus era venerado por aquele povo e mais tarde por outras comunidades indgenas
como os apaches, entre outros. Os sacerdotes espanhis chamavam-no de raiz maldita.
De forte sabor nauseante e desagradvel, tomado em decoco ou ingerindo-se fatias secas
da raiz ou do cactus. um alucingeno que excita e depois deprime o SNC, provocando efeitos
simpaticomimticos, forte ansiedade, hiperreflexia dos membros, alteraes psquicas, vvidas
alucinaes visuais (com exaltao de cores e luzes) e tteis, acompanhadas de nuseas e vmitos.

314

So comuns vises caleidoscpicas como se fossem milhares de pedrinhas brilhantes


e coloridas.
Inicia pela fase de excitao com uma espcie de embriaguez, ocorrendo aps a fase
sensorial que depende da personalidade, sedao, vises coloridas muitos usurios chamam-na
de droga que faz os olhos maravilhosos, tal a intensidade de cores e luzes que se manifestam ,
sinestesia entre o sentido auditivo e visual, imaginando o consumidor ter audio colorida, alm
de alteraes do humor.
Ocorre com o usurio mudana de personalidade (crena de que se transforma em outra
pessoa), paranoia com mania de perseguio e sensibilizao dos centros auditivos, podendo
ainda manifestar-se catatonia com sensao de preguia e tendncia contrria a todo e qualquer
movimento, mergulhando o indivduo num verdadeiro estado psictico, em que vive unicamente
no mundo criado por sua mente alterada.
O usurio tambm experimenta secura de lbios e lngua, diminuio do volume urinrio,
insnia, anorexia e inquietude.
Na fase de depresso do SNC a morte poder ocorrer por parada respiratria ou cardiovascular.
Causa certa tolerncia, porm, assim como o LSD, no ocasiona dependncia orgnica, mas
somente a psicolgica, pois pela supresso no ocorre a sndrome de abstinncia.
Cogumelos
Existem muitos cogumelos alucingenos, porm, sem sombra de dvidas, o Psilocybe
mexicano (Psilocybe Heim), originrio do Mxico e do sul dos Estados Unidos, e o Stropharia
cubensis, oriundo das ilhas do sul do Pacfico, ambos contendo Psilocibina e Psilocina, so
os mais conhecidos ou utilizados como drogas psicodlicas. Muitas comunidades indgenas h
milhares de anos os consomem, bem como outros, relacionando-os com suas prticas religiosas.
Um ditado mexicano diz: qualquer coisa que uma pessoa queira saber, os espritos do cogumelo
respondero. Ainda que os cogumelos e outras plantas alucinognicas sejam usados pelos ndios
mexicanos nos ritos religiosos e curas divinatrias, foram declarados ilegais pelo governo, em
parte devido peregrinao de jovens norte-americados e europeus que na dcada de 1960
visitavam as tribos indgenas em busca das vises provocadas por essas drogas.
No Brasil, consumido, principalmente por jovens, um cogumelo que nasce sobre excremento
do gado, e que contm, entre outros princpios, a psilocibina e a psilocina, ainda que em menor
quantidade. Os jovens batizaram-no de estercomina, numa aluso sua origem.

315

A psilocibina e a psilocina so corpos indlicos que na esfera psquica originam extroverso,


falhas de ateno, modificao na percepo de tempo e espao, vvidas alucinaes coloridas e
alteraes olfativas.
Percebe-se uma acelerao caleidoscpica dos movimentos e acentuada euforia com
loquocidade e risos sem motivo. Esse quadro pode transformar-se em disforia com angstia,
apreenso e perplexidade.
Tambm, geralmente se observam acentuada midrase, hipotenso, bradicardia, astenia,
calafrios, paresterias, vertigens, dores de cabea, hipoglicemia e hipocalcemia.
Na realidade, apresentam-se com a serotonina (assim como a LSD e a mescalina), e por
isso alguns estudiosos atribuem acumulao de serotonina os efeitos psicticos desses produtos.
Resumindo, pode-se afirmar que desenvolvem sua ao de dois modos:
a) Por efeitos somticos so geralmente bastante precoces as perturbaes neurovegetais
como lentido da pulsao, perturbaes vaso-motoras, alm de perturbaes neurolgicas
marcadas por vertigens, alteraes sensitivas etc.
b) Por efeitos psquicos ocorre de incio certo tempo de latncia, aparecendo fadiga, malestar e sonolncia. Aps, desenvolve-se um estado de excitao, euforia, distores de
percepes visuais e tteis, modificaes na percepo de tempo e espao, alucinaes,
alteraes olfativas, falhas de ateno tudo em funo de sua ao psicotomimtica.
Trata-se muitas vezes de vises fantsticas, cheias de colorido e significado simblico.
Podem ocorrer sinestesias (interferncias entre as diferentes modalidades sensorias), como
ouvir luzes e ver sons.
Muito frequentemente notam-se autossatisfao, desejo de conversar e necessidade
incontrolvel de movimentos. Nessa fase comumente manifestam-se vises coloridas e movimentadas
com sensao de irrealidade, alm de iluses, isto , os objetos externos podem parecer alterados
em sua forma, com intensidades de cores acentuadas e contornos iridescentes, bem como sons
mais intensos (hiperacusia).
O ciclo termina entre oito e dez horas, e a conscincia recupera o seu nvel normal, mas o
consumidor geralmente conserva uma recordao mais ou menos correta de sua experincia.
Devemos levar em conta que h perigo bastante real associado s espcies alucingenas,
pois, sem informao e correto conhecimento, as pessoas arriscam-se a colher espcies venenosas
e mortais, alm do que os efeitos dos cogumelos alucinognicos so imprevisveis e potencialmente
fatais por uma ou mais substncias desconhecidas.

316

Muitas pessoas que comeram cogumelos alucingenos por engano, confundindo-os com
comestveis, passaram por experincias terrveis que incluam sensao de angstia, de morte e
alucinaes com figuras ttricas e aberrantes.
Os usurios crnicos (no comum) apresentam deficits de memria.
Embora desenvolvam rpida e acentuada tolerncia aos seus efeitos psicolgicos, pela
supresso essa tolerncia desaparece em poucos dias, e por no provocar sndrome de abstinncia
quando deixam de ser usados, os cogumelos desses grupos no provocam dependncia orgnica,
somente psicolgica.
pio Morfina Herona
pio uma palavra que deriva do grego e significa suco. obtido quando se fazem
incises na cpsula verde da papoula, flor muito bonita, denominada cientificamente Papaver
somniferum L., uma das plantas mais antigas que a humanidade conhece.
O suco leitoso obtido das cpsulas de papoula secado ao ar, transformado numa massa
marrom por oxidao com o oxignio do ar e aps moagem transforma-se num p amarronado
que vem a ser o pio.
Esse produto contm vrios alcaloides psicoativos, porm merecem destaques como droga
psicotrpica a morfina, a herona e seu derivado.
Em geral, o pio fumado. Isso teve incio no sculo XIX na China e em alguns pases
da Europa, como a Inglaterra, primeiro pas a ser contaminado em massa. As plulas de pio
eram vendidas em Londres em grande nmero, tendo com apologista Thomaz de Quincey, que
chegou a escrever um livro intitulado Confisses de um ingls comedor de pio, narrando
suas experincias com o produto, suas desventuras e agruras do vcio, na tentativa de livrar-se
dele. Nessa cidade havia casas prprias para as pessoas fumarem o produto, hbito talvez levado
pelos chineses. Aos poucos, pelas proibies governamentais, em funo da percepo dos efeitos
nefastos, tal hbito foi deixado de lado. Atualmente o hbito de fumar pio em pases ocidentais
pouco comum, porm seus alcaloides e derivados esto entre as piores drogas para aprisionar
os seres humanos.
Droga perigosssima que escraviza, pois leva dependncia orgnica com destruio e
morte. Naturalmente os efeitos e consequncias so devidos aos seus alcalides, principalmente
morfina, que veremos a seguir.

317

Morfina
Nome dado pelas suas propriedades sedativas, derivando do deus grego do sono, Morfeu.
, sem dvida, o principal princpio ativo do pio, quer pela sua ao teraputica de suprimir
a dor, quer pela multiplicidade de seus efeitos como droga de abuso.
Pode ser introduzida no organismo pelas vias oral, retal e parenteral (esta via, de injees,
a mais usual).
Uma vez no organismo, age sobre o SNC exercendo ao narctica de supresso dor,
manifestada por analgesia, sonolncia, alteraes do humor e obnubilao mental. Em pacientes
com dor, mesmo em pequenssimas quantidades tem-se notado certa euforia, que pode ser
resultado do alvio obtido. Em pessoas normais pode ocorrer disforia com nuseas, vmitos e
ansiedade acentuada.
As disposies fsica e mental ficam prejudicadas, com incapacidade de concentrao,
distrbios do intelecto, apatia, letargia, baixa acuidade visual. As extremidades tornam-se pesadas,
o corpo fica quente por mudanas na circulao cutnea, a face e em particular o nariz podem
apresentar prurido, ocorrendo tambm secura de boca. Os efeitos psicolgicos ultrapassam a ao
analgsica por muitas horas.
Em quem no tem dor e usa o produto como droga de abuso, produz uma intensa excitao.
Como a morfina interage com os neurotransmissores imitando a endorfina (analgsico natural
do crebro), ocupando seus receptores naturais, d a iluso de uma enxurrada desse analgsico,
quando ento os neurnios cortam a produo de endorfina, o que provoca dores insuportveis
e grande mal-estar, que s podem ser aplacados com nova dose. Como o corpo quimicamente
adapta-se com a droga, extremamente difcil deixar o vcio.
Por produzir rpida tolerncia, as doses so rapidamente aumentadas para os mesmos
efeitos, levando a crises pronunciadas de sonolncia com pronunciada depresso respiratria.
No homem os centros psquicos so os primeiros a serem atingidos, com perda de ateno
e de autodomnio e impossibilidade de coordenar ideias. Os centros inibidores so paralisados, e
o viciado tona-se um ser reflexo.
Nas pupilas, destaca-se a miose, com estreitamento delas mesmo no escuro, em certo grau.
Por ser um constante depressor da respirao, mesmo em pequenas doses, a morte quase sempre
ocorre por parada respiratria ou complicaes pulmonares, tais como edema ou pneumonia.
Ressalta-se que o perodo de excitao , sem dvida, devido depresso dos centros
superiores de inibio.

318

Os primeiros sintomas acontecem j com pequenssimas doses, notando-se ataxia, pupilas


punctiformes (at o tamanho da cabea de um alfinete), palidez, cianose, excitao passageira,
respirao lenta, prurido, sudorese, agitao, eventual delrio, convulso, nuseas etc.
Aps novas doses, aparecem oligria (diminuio do volume urinrio), frigidez na mulher,
impotncia sexual no homem, dores nas pernas e costas (superadas quando nova poro
absorvida), problemas respiratrios, irregularidades no ciclo menstrual (inclusive suspenso por
perodos), emagrecimento, palidez, olhos injetados, mltiplas feridas nos locais da aplicao,
debilidade orgnica, diminuio do apetite e costipao intestinal.
Herona
um derivado sinttico obtido da morfina.
Seu modo de ao assemelha-se ao da morfina, sendo sua ao analgsica mais curta,
porm com ao euforizante maior.
Provoca rpida dependncia orgnica, pois a interao com os receptores qumicos
mais intensa. A sndrome de abstinncia da herona a pior dentre todas as drogas, da porque
o aprisionamento dos usurios, que buscam a droga a qualquer preo, tendo um ndice de
recuperao muito pequeno.
O dependente desliga-se do mundo exterior, acompanhado de extremo prazer. Porm, a
droga diminui muito os batimentos cardacos acarretando problemas para o corao, produz perda
da sensibilidade com anestesia, clicas abdominais com priso de ventre e diminuio da libido.
J a mdio prazo, h uma produo excessiva de noradrenalina na falta da droga ou quando
est em pequena poro agindo no corpo, o que faz o corao disparar, com risco de ataque cardaco.
Na abstinncia ocorrem dores insuportveis com clicas fortes, alternando costipao e
diarreia. O corpo fica incapaz de regular sua temperatura. O viciado sua muito ou tem calafrios
com a pele eriada, efeito este chamado de cold turkey, ou seja, peru frio.
Todos os efeitos e sintomas observados no uso de morfina so potencializados pela herona.
Alm disso, as picadas provocam infeces (morfina idem) e doenas como septicemia, hepatite
e Aids, alm de tromboses e acidentes vasculares. Deve-se levar em conta, ainda, que a droga,
ilcita, geralmente vem acompanhada de impurezas por produtos qumicos ou contaminada por
fungos, bactrias, e muitas vezes o usurio morre por infeces agudas, inclusive ttano.

319

Anfetaminas
A anfetamina um produto sinttico com aes poderosas sobre o SNC e popularmente
identifica um grupo de substncias quimicamente assemelhadas. Originalmente foi sintetizada
por um qumico alemo em 1887. Em 1930, foi redescoberta, tendo sido largamente utilizada
pelos militares na Segunda Guerra Mundial diminuir a fadiga. Muitos soldados retornaram
espalhando sua fama de droga revigoradora. Ao perceber-se que diminua a vontade de comer,
passou a ser explorada pela indstria farmacutica, a partir da dcada de 1950, com essa
finalidade, da para ser usada como droga de abuso, na dcada de 1960, foi um pulo. Nessa
poca muitos norte-americanos viciados em herona foram tratados (erradamente) com injees
intravenosas de anfetaminas, numa tentativa de substituio de drogas, pois acreditava-se que as
anfetaminas no provocavam vcio orgnico em qualquer grau e, portanto, tirariam o usurio do
vcio, sem problemas.
Algumas dcadas atrs, a droga era conhecida no Brasil como bolinha. Hoje em dia
temos o ice (gelo, em ingls), na realidade metedrina, um tipo de anfetamina produzido em
forma de pedras cristalinas da o nome ice , em geral ingerido com refrigerantes. Como toda
anfetamina, provoca euforia, inapetncia e diminui a sensao de cansao, porm leva a uma
hiperestesia sensitiva com os sentidos mais aguados, a luz fica mais intensa e as cores mais
vivas. Os reflexos ficam mais rpidos, possvel razo por ser apreciada por internautas (tambm
chamam-na droga dos internautas), que podem passar vrias horas navegando na internet com
rpidos reflexos. Com o passar do tempo, causam srios problemas ao usurio, levando a leses
ou descolamento da retina, podendo causar cegueira, alm de alta ansiedade, crises de paranoia,
taquicardia e todos os demais efeitos causados pelos anfetamnicos descritos adiante.
A mais utilizada no Brasil o ecstasy metilenodioximetanfetamina (MDMA). Com
poderes fortssimos de estmulo ao ser humano, sua ao mais prolongada, por isso mesmo
muito utilizada em boates do mundo inteiro, onde conhecida simplesmente por E, para muitas
horas de euforia, porm com consequncias altamente devastadoras. Alis, de todos os derivados
anfetamnicos, por produzir alucinaes, foi, h anos passados, retirado das prateleiras como
moderador de apetite. O ecstasy aumenta a quantidade de dopamina e norepinefrina no crebro
(como todos anfetamnicos), provocando estmulo e euforia, e mexe com os nveis de serotonina
alterando o funcionamento do crtex sensorial, o que causa as alucinaes. Isso faz com que
os sentidos, em especial o tato, fiquem mais aguados, dando vontade de tocar nas pessoas,
razo porque ficou conhecida tambm como a droga do amor. O que no bem verdade, pois
a capacidade do homem de manter uma ereo se reduz, e se alguns usurios so induzidos ao

320

sexo, ficam to distrados que dificilmente o orgasmo atingido; em ambos os sexos, podem
ocorrer anomalias sexuais na tentativa de conseguir satisfao.
De modo geral, os anfetamnicos so dilatadores dos brnquios, estimulantes respiratrios e
depressores do apetite, por inibirem o centro do apetite no crebro. No incio do uso, perturbam
inibies, trazem lapsos de confuso e amnsia, aumentam a autoconfiana (o que pode ser
perigoso para os usurios mais propensos a correr riscos), so agentes hipertensores, elevam a
atividade psicomotora e, durante o efeito, reduzem o cansao, porm esse efeito antifadiga pode
ser seguido de fadiga pronunciada e depresso.
Muitos atletas, profissionais ou no, usam esses produtos para se dopar, na tentativa de
aumentar seus rendimentos esportivos. Muitas vezes aumentam o flego, mas a distrao os
atrapalha, alm do que a droga no os ensina a serem atletas.
Um fato interessante que esses compostos so conhecidos como copilotos, pois muitos
motoristas que os usam para espantar o sono e o cansao largam o volante de seu veculo por
estarem certos de que algum dirige em seu lugar, acontecendo, assim, graves acidentes.
Motoristas consomem o que chamam de rebite, ou seja, misturam bolinhas com
caf ou bebidas alcolicas para dirigir por longos perodos sem sentir sono. No caso de mistura
com bebidas alcolicas, os anfetamnicos revertem o efeito depressor do lcool, devido sua
capacidade de estimular o crebro, permanecendo o indivduo desperto por mais tempo. Porm
h possibilidade de crises de ausncia, como j visto, ocasionando graves acidentes.
Estudiosos do assunto afirmam que os sintomas de loucura provocados por doses repetidas
so incio de uma psicose paranica com mania de perseguio, alucinaes auditivas e visuais,
em condies de clara conscincia, indistinguvel da esquizofrenia aguda ou crnica. Ao contrrio
do esquizofrnico, o viciado geralmente tem conscincia de que esses sentimentos so provocados
pela droga. A qualquer momento pode tornar-se violento e agressivo. Na depresso fsica ou
mental, resultado de largas doses, o suicdio comum.
Com o uso, apresentam nervosismo acentuado, irritabilidade, vertigens, nuseas, dilatao
pupilar, tremores, loquacidade, manias, delrios e at alucinaes, excitao psicomotora,
insnia, anorexia (mais no plano inicial de uso), arritmias, bruxismo (contrao da mandbula),
taquicardia, dispneia, hipertenso e hiperglicemia, anria, fazendo com que lquidos se acumulem
no organismo e, assim, nos medicamentos de manipulao para emagrecimento, se misturam
diurticos. Se a intoxicao for aguda, chega-se ao coma e at morte. Pode ocorrer hipertermia
(42C ou mais), tambm causa de morte.
De incio produzem euforia e sensao de aumento da capacidade fsica, provocando
acidentes psquicos rapidamente.

321

Seus efeitos anorexgenos mais marcantes so: diminuio inicial da motilidade gstrica
(aps algum tempo, h uma adaptao orgnica), depresso central da fome, aumento da atividade
fsica, com consequente aumento do desgaste de energia e queima de calorias.
Outros efeitos encontrados podem ser: verbosidade acelerada e eloquncia inesgotvel
fala com rapidez, mudando de um assunto para outro tornando-se difcil a compreenso ,
instabilidade psicomotora, inquietude, ranger de dentes, alergia gua, pruridos, forte sudao,
em geral ftida, assim como o hlito, secura de mucosas, contraes musculares com fortes dores
(evidentemente na falta dos produtos esses sintomas so aumentados, fazendo com que o usurio
apresente vrias equimoses, fruto de quedas ou apertes nos locais doloridos), desconfiana,
mesmo de pessoas amigas, e hiperacusia, em que sons soam dolorosamente. No incio da gravidez,
pode produzir mal-formao.
O uso prolongado pode conduzir mudana de personalidade, levando a psicoses. Pelo uso
contnuo, produz tolerncia, ou seja, as doses tero que ser aumentadas para os mesmos efeitos,
e essa tolerncia desenvolve-se mais rapidamente em relao euforia e sensao de bem-estar.
Com o cessar do uso, ocorre a dvida, notando-se angstia, medo, pnico, paranoias,
mal-estar fsico (sndrome de abstinncia), o que leva o usurio a novas doses. Sabe-se que as
anfeteminas atuam no crebro imitando neurotransmissores como a dopamina, ocupando seus
receptores, o que causa euforia. A dependncia em geral mais psicolgica do que orgnica,
pois possvel a reversibilidade ao estado primitivo orgnico, quando da supresso de uso com
tratamento especializado.
Alm da dopamina, outro neurotransmissor, a noradrenalina, tambm influenciado pelos
efeitos dos antetamnicos no crebro. Como os compostos anfetamnicos so desativados lentamente
pelo organismo, necessrio mais tempo para que os excessos de dopamina e noradrenalina
sejam consumidos, resultando num efeito mais prolongado.
Doses extremamente altas de anfetamnicos podem causar danos permanentes nos vasos
sanguneos que irrigam o crebro; devido ao aumento da presso arterial, podem ser fatais ou
causar um derrame, com risco de paralisias permanentes. Esse um dos riscos que correm as
pessoas que ingerem esses produtos como moderadores de apetite.
O uso mdico dos anfetamnicos hoje em dia bastante restrito. Em geral, faz-se no
tratamento da obesidade, por atuarem no hipotlamo ventrolateral facilitando a liberao
de noradrelina, que inibe a ingesto de alimentos. Pelos mltiplos efeitos psicoestimulantes
associados, dependncia e tolerncia, esse uso questionvel.
H dois padres principais de abuso. O primeiro intermitente, alternando-se o uso
contnuo de altas doses por dias, at a exausto ou o fim do estoque da droga, com um perodo

322

de prostrao, caracterizado por depresso, sensao de falta de energia (anergia), incapacidade


de sentir prazer (anedonia) e sonolncia. O outro consiste no uso dirio de doses moderadas, que
tendem a aumentar com o tempo.
Frequentemente os usurios associam sedativos e ansiolticos para compensar os efeitos
desagradveis da superestimulao ou mesmo para dormir. Essa prtica pode evoluir para o que
se chama sndrome do efeito mltiplo do uso de drogas; nesse caso tambm muito perigoso,
pois pode ainda desenvolver rapidamente o vcio em depressores.
Os mecanismos pelos quais o corpo cria tolerncia s drogas so complexos e nem todos so
devidamente compreendidos, mas, com frequncia, refletem mudanas nos neurnios do crebro
ou nas enzimas do fgado. Aps repetidas exposies droga, os neurnios tm dificuldade de ser
ativados, sendo necessrio aumentar a dose para a reproduo da resposta original.
Finalmente, leve-se em conta o risco, j mencionado, para mulheres em idade frtil.
Primeiro, podem influir no ciclo menstrual; segundo, nas primeiras semanas de gravidez qualquer
distrbio pode levar a problemas irreversveis com o embrio, como lbio leporino, por exemplo.
Depressores
So produtos que diminuem a atividade mental, o tnus psquico, a viglia, estreitando a
faixa do poder intelectual ou simplesmente deprimindo funes emocionais.
Desse grupo de produtos merecem destaque os derivados barbitricos (como o gardenal) e
os derivados benzodiazepnicos (como o diazepam).
Muitos desses produtos, no Brasil, so consumidos sem critrios, acarretando srias
consequncias, e mesmo quando receitados como medicamentos (e na realidade o so), muitas
vezes sem o devido cuidado por parte do profissional que o receita, ou sem o devido cuidado de uso
pelo paciente, trazem problemas. Esto disposio em qualquer farmcia e so muito perigosos,
pois, alm da dependncia que provocam, se associados a outros produtos podem ocasionar a
morte. Como provocam depresso e sonolncia, muitas vezes o usurio, mesmo que faa seu uso
medicamentoso, esquece que o tomou e ingere nova poro, produzindo uma sobredose, quase
sempre fatal.
Os derivados barbitricos tm importncia significativa para muitas patologias, mas aqui
nos interessa o seu abuso. Muitos usurios de drogas usam-nas para contrabalanar alguns dos
efeitos dos estimulantes e (ou), dos alucingenos; porm, esses produtos so capazes de causar
tolerncia orgnica e a temida dependncia orgnica por adaptao do tecido nervoso presena
dos mesmos, e, naturalmente aps o vcio, pela supresso ocorre a sndrome de abstinncia,
serissima por causar convulses generalizadas e todas as suas consequncias, como j visto.

323

So usados em geral pela via oral, mas tambm so administrados por via parenteral (injees)
e retal. Difundindo-se por todo o organismo, so potentes depressores gerais. Assim, deprimem o
SNC de maneira acentuada, deprimem as atividades dos nervos, dos msculos lisos, esquelticos
e cardacos. Em geral, produzem analgesia, sono, hipnose, anestesia e ao anticonvulsiva, bem
como irregularidades nas fases do sono normal.
Muitas vezes, nota-se nistgmo (movimentos oscilatrios dos globos oculares).
Sobre o SNC produzem vrios graus de depresso, variando de sedao leve ao coma.
Geralmente o intoxicado apresenta marcha semelhante do brio, titubeane e com ataxia.
Pode apresentar faces congestas, sudorese, lentido de reflexos (por isso quem usa esses produtos
no pode por lei dirigir veculos automotores), ocorrendo vertigens, nuseas e vmitos.
Em muitos usurios pode ocorrer idiossincrasia adquirida, manifestada sob forma de
ressaca, excitao ou mesmo dor.
Os problemas respiratrios podem manifestar-se com bradipneia, apneia, taquipneia, edema
pulmonar agudo e asfixia, com possibilidade de choque e parada cardaca.
A morte poder ocorrer por depresso bulbar (em parada respiratria), fibrilao ventricular,
broncopneumonia e complicaes (muito comum em casos de altas doses) ou ainda por unemia
com leso renal acentuada.
Os derivados benzodiazepnicos, embora guardem caractersticas em comum com os
derivados barbitricos, no so to agudos em seus efeitos depressores e suas consequncias;
porm, os mesmos variam mais com a suscetibilidade individual do que com a dose ingerida,
alm de potencial de dependncia bem inferior. Naturalmente, o risco aumenta com a dose
diria, da porque em casos de uso medicamentoso deve-se usar a menor dose possvel no
menor prazo possvel.
A sintomatologia dos efeitos inclui sonolncia, relaxamento, ataxia, depresso, confuso
mental, torpor, vertigens, zumbido e, em altssimas doses, at o coma e a morte.
Assim como os derivados barbitricos, provocam lentido de reflexos, incoordenao
motora (proibido dirigir sob seu uso) com consequente diminuio da atividade mental, falhas de
memria e diminuio da libido com impotncia sexual.
Tambm notam-se secura de boca, eventuais nuseas e vmitos, constipao intestinal,
oligria e tremores.
Para alguns derivados, tm-se observado irregularidades menstruais e estmulo do apetite.
A retirada desses produtos deve ser lenta e gradual, para evitar manifestaes graves de
supresso.
Fuja deles.

324

Plantas Alucingenas
Nunca em nenhum momento da histria existiu uma civilizao livre de qualquer tipo de
droga, sendo impossvel determinar quando as sociedades primitivas comearam a consumir
drogas alucinognicas.
As comunidades indgenas do mundo inteiro sempre consumiram drogas alucinognicas,
porm a grande maioria as usa em cerimoniais religiosos. Os ndios americanos conheciam
substncias to perigosas, consideradas mgicas, que somente eram usadas pelos xams (espcies
de feiticeiros). A fumaa aspirada, de muitas plantas, era considerada alimento dos espritos,
concentrada no rito religioso.
Os Incas mascavam folhas de coca, restritas aos cultos religiosos de incio.
A origem do culto ao peyote est perdida no tempo, sabendo-se que os Astecas e
posteriormente os apaches foram grandes consumidores. Inclusive at hoje existe (de forma
clandestina) uma seita nos EUA e no Mxico que cultua as fatias (moedas) do cactus como
divinas: a Native American Church.
A maconha, entre outras, e o prprio lcool etlico tiveram em pocas passadas conotaes
religiosas, enquanto ndios sul-americanos usavam (e usam) plantas, razes e folhas de produtos
os mais variados com poderes alucingenos, porm a cincia sempre condenou este uso, pelas
consequncias orgnicas de seus princpios.
Assim, observa-se que desde h muito tempo toda a humanidade, e no somente os ndios,
busca nas drogas um amparo para crenas religiosas, em determinadas circunstncias.
Em geral, os princpios ativos so produtos que se enquadram como psicodislpticos de
psico = mente; sufixo lptico (do grego captar) e prefixo dis (perturbar), ou seja, produtos que
perturbam a atividade mental.
Na Regio Norte do Brasil, principalmente, algumas plantas so usadas at hoje em
carter religioso.
ndios do alto Xingu h muitos anos bebem caapi, de potentes efeitos alucingenos,
preparado com a casca de um cip, o jagube ou mariri (Banisteriopsis caapi).
Os ndios bolivianos e peruanos da regio amaznica usam esse mesmo cip com o nome de
ayahuasca (em quchua, cip das almas), ou yag (sonho azul), ou ainda, mihi, dapa, pinde,
natema, misturado com folhas de uma planta conhecida como rainha ou chacrona (Psychotria
viridis), que usada ao ch para potencializar seus efeitos.
Essas plantas ajudaram a fundar duas religies no Brasil: o Santo Daime, ou simplesmente
Daime, e a Unio do Vegetal (UDV).

325

Em realidade, o princpio ativo do cip jagube a HARMINA, potente alcaloide


alucinognico, enquanto o princpio ativo da planta chacrona a DIMETILTRIPTAMINA (DMT),
tambm poderosa droga psicoativa de efeitos fisiolgicos muito semelhantes aos do LSD, porm
com resultados peculiares. Alis, tanto a harmina como a dimetiltriptamina e outro alcalide
psicoativo a harmalina, quase sempre presente nas beberagens, so derivados do indol e, como
tal, relacionados com conhecidos alucingenos como mescalina, psilocibina, LSD e outros.
O excesso de DMT no crebro humano desencadeia estados srios, pois inibe a serotonina
no nvel dos centros subcorticais, produzindo euforia, distoro das percepes visuais e tteis com
estados pr-esquizofrnicos. Sua ao rapidssima e provoca na mente coloridos efeitos visuais,
seguidos por um sono profundo, porm agitado, em que o intoxicado sonha e tem vises com fatos
pr-concebidos no subconsciente. Por exemplo, os ndios tm alucinaes com elementos da selva
como cobras e animais ferozes, com a sensao de que podem domin-los, ou mesmo se preparar
para guerrear prevendo o futuro conversando com ancestrais, por exemplo; j o homem branco
tem alucinaes com o seu cotidiano, como elementos de riqueza ou elementos msticos, como
falar ou ter contato com um ser santo etc.
As beberagens, extremamente amargas e enjoativas, normalmente de incio provocam
nuseas, vmitos intensos, desarranjo intestinal incontido, calafrios, tremores, clicas intermitentes.
Os huasqueiros chamam a isso de borracheira.
Sob o efeito da bebida, os adeptos afirmam ter vises msticas que chamam de miraes.
Quase sempre, alm disso, ocorrem delrios, confuso mental, dificuldade de raciocnio,
risos, choros, atitudes impulsivas e irracionais.
Alm disso, esto provadas consequncias danosas ao organismo, e no s ao SNC, como
sria irritao gstrica e inflamao no fgado.
Muitas plantas alucingenas esto hoje disposio. Uma dose ainda que pequena pode
produzir alterao profunda no SNC, variando sua extenso de organismo para organismo.
Cuidado com elas.
CONCLUSO
importante que os pais ou responsveis por crianas e adolescentes mantenham dilogo
com seus filhos e lhes deem exemplo no usando drogas, se possvel nem as lcitas como o lcool
e o cigarro, pois a sua influncia fundamental para a formao das crianas.
Tambm no devem mentir sobre os efeitos das drogas, que, como vimos, so bastante
srios, e em caso de dvidas devem procurar informar-se sobre o tema, tendo conhecimento da
vida de seu filho, sendo realmente participativos.

326

Jamais o problema dever ser banalizado nem dramatizado, e em caso de seu filho ter
entrado nesse drama, procure ajuda especializada. Jamais sejam pais liberais demais nem
repressores ao excesso, mas lembrem-se de que preciso impor limites aos jovens para que no
venham a sofrer no futuro.
Devem mostrar que a vida ter percalos, e, se estiver ntegro, a chance de vencer
obstculos grande. Porm, aqueles que se drogam, alm de no ultrapassar esses obstculos,
ainda enfrentam novos problemas, pois haver deteriorao da mente e corpo, problemas sociais
de convivncia na sociedade (tico, moral, de sade, com a polcia, a justia etc.), com o agravante
de que, ao passar o efeito da droga com todas as suas consequncias orgnicas, os problemas
continuam, e houve perda de tempo precioso para solucion-las.
Se no h defeito fsico, ningum precisa de muletas emprestadas para viver, pois se drogando
so amparados por algo efmero, sem que consigam resolver seus dramas ou fugir deles.
A luta da sociedade moderna contra as drogas deve ser mais eficaz, pois a cada dia surgem
novas drogas, mais atrativas, arrebanhando mais e mais membros da comunidade. preciso que
se encare mais seriamente o problema, de frente, sem mistificaes.
Deve-se educar as novas geraes sobre o perigo das drogas psicotrpicas fornecendo bases
e orientaes, dando condies ao homem de viver a sua realidade, sem a necessidade de recorrer
a sonhos impossveis e a viagens desastrosas.
Este apanhado d uma ideia das principais drogas deste universe que atingem a moderna
humanidade, mostrando sua complexidade e a fragilidade humana diante delas, no esgotando o
assunto nem houve mesmo tal pretenso.

327

O USO, ABUSO OU DEPENDNCIA DE LCOOL

Dagoberto Hungria Requio

O HOMEM BEBE A BEBIDA.


A BEBIDA BEBE A BEBIDA
A BEBIDA BEBE O HOMEM
Provrbio chins

O tema: uso, abuso ou dependncia de lcool de grande relevncia social, do ponto de


vista da sociedade como um todo e especialmente na comunidade escolar pelos seus aspectos
socioeconmicos, de sade, de segurana, sendo talvez um dos mais desafiadores tanto para
quem escreve quanto para quem se dispe a estud-lo.
Todos ns, professores, alunos, familiares, de alguma forma, j tivemos, temos ou teremos
que enfrentar situaes que envolvam o uso ou o abuso do lcool, em todas as fases de nossas
vidas. O lcool e seus efeitos uma das drogas mais antigas que o homem conhece, vide no livro
de Gnesis,8, 20-22 : E como No era lavrador, comeou a cultivar a terra, e plantou uma vinha.
E tendo bebido do vinho, embebedou-se e apareceu nu na sua tenda.
Desde a antiguidade o lcool est vinculado a comemoraes, festas, rituais religiosos,
mistrios de f etc. Apesar disso poucos pases probem o fabrico e o consumo do lcool, sem
conseguir impedir o que no tem impedido seu consumo por parte da sua populao, com todas
as implicaes decorrentes do seu uso ou abuso. Como veremos adiante, esta presena universal

329

do lcool no significa que quem o usa seja considerado um alcolico. A maior parte da populao
mundial faz uso no abusivo do lcool, sendo por diversos motivos uma substncia considerada
legal e de uso social. O lcool no considerado droga pela sociedade, mas uma droga muito
perigosa, geralmente apresentada s crianas no prprio seio da famlia.
A sociedade comporta-se de forma bastante cnica em relao ao lcool, pois, ao mesmo tempo
em que incentiva o uso, com macias propagandas na mdia, rejeita totalmente os indivduos que
abusam do lcool ou mesmo adoecem por causa dele. Essa no aceitao faz com que estas pessoas
sejam consideradas fracas de carter, malandras, insensveis, perigosas, rejeitadas e excludas do
convvio social de forma estigmatizante1 e preconceituosa, diferentemente do que acontece com a
maioria das outras patologias, que cursam2 com alteraes comportamentais.
Poucas doenas estigmatizam tanto o portador de problemas com o lcool, tanto quanto,
rejeitam e pr-julgam o doente. Essa rejeio social traz enormes entraves ao enfrentamento deste
problema tanto por parte da famlia quanto da sociedade e da prpria medicina, pois as famlias
relutam durante muito tempo a procurar ajuda especializada.. Os portadores do alcoolismo
ou tambm chamado pelos especialistas de Sndrome de Dependncia3 ao lcool, j ento
diagnosticados, so profundamente desacreditados em virtude da aparncia fsica, do grau no
qual o comportamento possa representar risco aos outros. Violncia, agresses e tumultos sempre
esto associados intoxicao alcolica.
Assim, compreender a doena alcolica de que estamos falando exige de cada um o
desprendimento da postura preconceituosa e moralista existente e a aceitao de que o alcoolismo
uma doena incurvel, progressiva e fatal, mas que pode ser detida e controlada.
O professor ir abordar, na maioria das vezes, no os alunos j portadores da doena,
que sero minoria, mas sim jovens que esto bebendo de forma absolutamente prejudicial e que
precisam de orientao precisa, compreensiva e assertiva4 sobre os riscos para sua sade.
Os comportamentos desses indivduos esto sempre associados a medo, raiva, revolta,
violncia, agressividade e tumultos. Esse tipo de ao no acontece obrigatoriamente em
situaes comuns na escola, mas estaro sempre dependendo do grau de intoxicao5 que o
jovem possa apresentar.
A partir dessas informaes bsicas, fundamentadas cientficamente, os mestres se
sentiro muito mais seguros e confiantes, no hesitantes, e assertivos em lidar com alunos em
situao de crise6.
lcool a droga, entre as lcitas (lcool) e ilcitas, que mais avana no consumo entre
jovens, apesar de muitas pessoas acreditarem que no seja. Hoje, os jovens bebem muito e de
forma altamente prejudicial e no h mais distino entre o beber dos meninos e das meninas.

330

Elas bebem hoje as mesmas quantidades e tipos de bebidas dos meninos. Nos ltimos anos houve
significativas mudanas no contexto familiar, com evidentes modificaes nos relacionamentos
entre pais e filhos. Com essa ciso da famlia, muitos valores foram alterados, e a linha que separa
o muito absurdo do muito normal est cada vez mais tnue, jovens bebem com o estmulo dos
pais, e estes tm dificuldades em impor limites. A apresentao dos jovens s bebidas alcolicas
muitas vezes servida pelos prprios pais, pois uma espuminha da cerveja no vai fazer nenhum
mal. A sociedade em modernizao e mais liberada est abrindo mo de muitos valores e
deixando de cumprir algumas normas preestabelecidas, prejudicando principalmente a juventude.
As pesquisas feitas no Brasil entre estudantes de primeiro e segundos graus de escolas
privadas e particulares vm apontando o incio da experimentao de lcool, em faixas etrias
cada vez mais precoces.
Na dcada de 1970, o primeiro uso de lcool acontecia entre os 16 a 18 anos, sendo
que duas dcadas aps a faixa de incio de uso caiu para 12 a 13 anos. Atualmente pesquisas
tm mostrado que a faixa etria de uso experimental7 est diminuindo. Tudo isso, mesmo com a
proibio de venda de bebidas alcolicas para menores.
Grfico 1

Bebidas
Alcolicas

Cigarro

Maconha

O Grfico acima mostra que em 2005, 38,3 pessoas entrevistadas no Levantamento


Domiciliar tinham usado recentemente lcool e 18,4% tabaco , e 1.9% maconha. Fonte;
CEBRID, SENAD e UNIFESP.

Diferentemente do que noticiada na mdia, a droga mais consumida pela populao adulta
so o lcool e o tabaco. Pela forte presso que essas indstrias exercem sobre as pessoas, levamnas a acreditar que o lcool e mesmo o tabaco, que so consideradas drogas por serem socialmente

331

aceitas. No esquecer que os pais tm enorme responsabilidade na conduta que os filhos possam
vir a ter alguma experincia com bebidas alcolicas.
O Brasil nas ltimas dcadas, por meio de organizaes governamentais, centros de
excelncia e universidades, tem podido avaliar, mediante levantamentos epidemiolgicos8 que
fornecem dados diretos do consumo de drogas, a real situao das drogas em uma determinada
comunidade. Diversos levantamentos tm propiciado uma radiografia do comportamento das
drogas, quais os tipos mais prevalentes, quais as populaes em condies de risco. Esses
levantamentos envolvem diversos setores da comunidade, pesquisas com estudantes de ensino
fundamental, mdio e universidades, tanto pblica quanto privadas, pesquisas nas residncias
dos entrevistados, crianas em situao de rua etc. O Primeiro Levantamento domiciliar (2001)
sobre uso de drogas psicotrpicas9 foi obtido em questionrios que foram entregues a cidados
das 107 maiores cidades do pas. Considerando somente o lcool, a pesquisa mostrou que 68,7%
das pessoas j tinham experimentado lcool pelo menos uma vez na vida. Evidenciou tambm
que pessoas que preenchiam os critrios diagnsticos para dependncia chegavam a 11,2% dos
pesquisados.
Quatro anos aps, 2005, no Segundo Levantamento familiar, 75% das pessoas j tinham
experimentado lcool pelo menos uma vez na vida e 12,3% foram diagnosticados como dependentes
do lcool10. As idades pesquisadas variavam dos doze aos dezesseis anos, e surgiram ento os
primeiros indcios de que as crianas em idades mais precoces j se relacionavam com o lcool de
forma prejudicial (ver Tabela 2).
LCOOL

2001

2005

Usou uma vez na vida

68,7%

75%

Dependentes

11.2%

12,3%

O V Levantamento Nacional sobre o uso de Drogas Psicotrpicas entre Estudantes do


Ensino Fundamental e Mdio da rede pblica das 27 capitais brasileiras (2004) revela ento
dados preocupantes encontrados nos questionrios. Diga-se que esses levantamentos so feitos de
forma absolutamente confidenciais, sendo que os alunos no fornecem nenhuma informao que
permita que sejam identificados. Isso faz com que a veracidade das informaes fornecidas seja
considerada de absoluta confiana.
A pesquisa identificou que o incio da experimentao do lcool, aconteceu em mdia aos
doze anos de idade, e que esse uso foi feito em suas casas, com bebidas usadas pelos prprios pais.

332

Apesar disso no so encontrados relatos de intoxicaes srias ou beber prejudicial nesta faixa
etria. Demonstrou, contudo, que 65,2% j haviam experimentado lcool pelo menos por uma vez
na vida, que 63,3% j haviam feito algum uso no ltimo ano e que 44,% haviam usado bebidas
alcolicas no ltimo ms. Chama a ateno, de forma bastante preocupante, que 11,75 relataram
uso de bebidas seis ou mais vezes no ltimo ms e 6,7% faziam uso de bebidas vinte ou mais vezes
no ms. Estes dois ndices revelam caractersticas de beber frequente e beber pesado. A reflexo
necessria aqui, que, apesar de no termos uma epidemia de drogas, conforme apregoado, no
podemos minimizar as relaes que os jovens vm tendo com as bebidas alcolicas. A participao
da famlia e principalmente da escola de extrema importncia. crescente hoje em dia os alunos
que so flagrados em pleno colgio e mesmo em sala de aula fazendo uso de bebidas (tubo11) em
atitudes desafiadoras.
A compreenso deste artigo exige a necessidade do conhecimento de termos que so usados
na problemtica do lcool e que permitem uma compreenso mais adequada do que esta grave
condio mdica.
Sendo assim, vamos aos termos:
a) Droga: toda substncia natural ou sinttica que, introduzida no organismo vivo,
modifica uma ou mais de suas funes produzindo alteraes em seu funcionamento.
Diferentemente do que se pensa, o lcool uma potente droga que age sobre o sistema
nervoso cerebral.
b) Sndrome de dependncia ao lcool: o conjunto de elementos como, tolerncia, sintomas
de abstinncia, dificuldades em controlar o consumo, gasto de muito tempo e dinheiro
para conseguir a bebida, tenta diminuir ou parar o consumo do lcool, sem sucesso.
c) Sndrome de abstinncia: so sinais e sintomas que aparecem quando o indivduo
dependente diminui as doses ou tenta parar de usar o lcool. Esses sintomas vo se
agravando at a possibilidade de causar a morte do usurio. So sintomas da abstinncia:
suores, frequncia cardaca maior do que 100 batimentos por minuto, tremores de
extremidades, insnia, nusea / vmitos, alucinaes / iluses (tcteis, visuais, auditivas),
agitao, convulses.
d) Tolerncia: quando o organismo necessita de doses cada vez maiores de lcool para
conseguir determinado efeito. Com o tempo h uma adaptao do crebro a essa
quantidade e so ento necessrias muito mais doses para se atingir o mesmo efeito que
se conseguia anteriormente.

333

e) Intoxicao: so as mudanas fsicas e psicolgicas decorrentes do uso intensivo de lcool


em curto perodo de tempo.
f) Uso problemtico: o uso de lcool de forma causar problemas para si mesmo ou para
os outros.
g) Uso abusivo: qualquer consumo que cause dano, ameace causar dano na sade fsica
e mental do indivduo e tambm consequncias sociais. Pode ser confundido com uso
problemtico.
h) Uso experimental: experimentao de lcool ou outro tipo de droga alguma vez na vida,
mas fazem uso em situaes especficas sem continuidade no uso.
i) Uso moderado: muito difcil de definir, pois ele se confunde com o beber social. Segundo
a OMS, aceitvel o uso de at 15 doses por semana para os homens e 10 doses para
as mulheres, sendo que 1 dose equivale a 40 ml de destilado, 350 ml de cerveja ou 150
ml de vinho.
No h mais nenhuma distino entre homens e mulheres de todas as raas e classes scio
econmicas que estejam fazendo uso ou abuso do lcool.

1. ENTENDENDO O DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE


O perodo de latncia12 inicia-se por volta dos 7 a 8 anos em uma primeira fase e dos 9 aos
11 anos a segunda fase e aproxima a criana muito perto da fase da adolescncia. A caracterstica
principal desta fase a subordinao total aos pais. A criana passa a conhecer o que ser
adulto, por intermdio dos pais, professores e outras pessoas significativas ao seu redor. Os pais
podem explicar tudo, existe uma confiana de que eles, como adultos, sabem tudo. Essa tentativa
de compreender o adulto do ponto de vista da criana determina um predomnio do interesse
do aprendizado. Consolida-se o interesse pelo mundo que a cerca. Nesta fase, ainda pelo no
desenvolvimento da sexualidade, tende a reunir-se em grupos do mesmo sexo. Na sequncia, o
interesse em participar de grupos com o sexo oposto caracteriza a segunda fase deste perodo em
que as ansiedades pr-adolescentes se manifestam.
O despertar para a adolescncia13 de difcil compreenso e convivncia.
Muito grande para ser criana e muito pequeno para ser adulto, o jovem se coloca em situao
de indiferenciao tal qual aconteceu nos primeiros anos de sua vida. As modificaes corporais

334

e de personalidade, originadas das alteraes hormonais vo determinando a necessidade de


constantes adaptaes. Numa velocidade muito grande, essa exploso em seu desenvolvimento
atordoante. Tem que lidar com suas primeiras perdas, que a perda do corpo infantil, ele que
convivia com uma estrutura fsica ao qual estava acostumado, vai percebendo as mudanas em
seu esquema corporal. O despertar da sexualidade, determinado pelas modificaes hormonais.
muito grande a defasagem entre o desenvolvimento fsico e o emocional. Os jovens apresentam
grandes oscilaes de humor, de comportamento, em determinados momentos agem, decidem e
argumentam como adultos, para j no momento seguinte serem inseguros, indecisos e incapazes
de tomar decises. comum a necessidade de fantasiar, questionam suas crenas religiosas, tm
condutas contraditrias, passando da agressividade amabilidade em poucos minutos. Agressivos
e amveis. desenvolvem intensas atividades reivindicatrias. Os desafios que esto enfrentando
geram tal sofrimento que a soluo inconsciente para este alvio o sono. Toda realidade que eles
esto enfrentando torna-se to angustiante que necessrio fugir, dormindo. H uma espcie
de bloqueio com o jovem se fechando em si mesmo dificultando inclusive a comunicao. Passa
a se preocupar com o corpo, com a sua aparncia, pois tem dificuldade em se reconhecer, no
criana nem adulto. Nada parece bem, muda o corte de cabelo, as roupas frequentemente, nunca
est satisfeito, busca saber quem sou. Por isso, querendo ser diferente, acaba como todos os
demais jovens de seu convvio. A observao de um grupo de jovens prova esse fato.
O crescente interesse pelo sexo oposto, as primeiras experincias com a sexualidade, a
necessidade de autoafirmao deixam-no confuso. Outro luto a ser elaborado a perda dos pais
infantis. Aqueles pais que eram o mximo, que sabiam de tudo, que tinham respostas para tudo,
que eram a fonte de soluo de todas as suas dvidas, precisam ser desvalorizados, pois a nica
forma de se tornar independente. Nessa fase todos os padres estabelecidos so questionados,
bem como criticadas todas as escolhas de vida feita pelos pais, buscando assim a liberdade e
autoafirmao. Essa ruptura traumatizante para os pais que precisam entender essa necessidade.
O relacionamento com a famlia e com a escola torna-se mais conflitivo, pois h a necessidade
de provar a ele mesmo e aos outros que ele sabe tudo, que ele j adulto, apesar de ainda no
o ser. Pertencer a um grupo passa a ser fundamental para seu desenvolvimento, pois muito
gratificante a sensao de fazer parte de amigos que compartilham de seus interesses. Para quem
est perdendo sua identidade infantil e evoluindo para uma identidade adulta, usar lcool, fumar
e usar outras drogas sinal de maturidade. a, junto aos seus, que repartir suas dvidas de
quem sou eu?, para onde vou?, por que existo? etc. O fato de o lcool ser considerado socialmente
legal, diminui a preocupao pelo seu uso.

335

Com a intensidade das emoes desse perodo conturbado, pelas culpas, vergonhas
e indefinies, a presena de uma substncia que desinibe (no caso o lcool) faz esquecer as
dores, melhora a autoconfiana, relaxa nos contatos sociais, principalmente com o sexo oposto,
e encontra no beber social um alvio para sua confuso.
Estar no grupo estar na onda e passar a usar o lcool com significado ritualstico
representando a possibilidade efetiva de ter um passaporte para a aceitao de todos, principalmente
dos colegas, pois agora se considera adulto. A imagem mais forte desse momento o jovem
ou a jovem fazendo uso provocativo e acintoso de bebidas, em pblico. Esse comportamento
desafiador faz parte de sua convico de ter a liberdade de fazer suas prprias escolhas. A relao
estabelecida com o lcool pode, dependendo da histria familiar, uso de bebidas pelos pais, carga
hereditria etc. colocar o jovem em perigo. Quanto mais precocemente o jovem comear a beber,
mais probabilidade ele ter de se tornar no futuro um dependente alcolico. Na sua conduta
adulta, o jovem acredita que conseguir parar de beber quando quiser, pensa ter domnio
total sobre sua ingesto14, mas corre muito risco com a probabilidade de no conseguir. Assim, o
inocente beber socialmente pode se transformar rapidamente em beber problemtico,

2. O PROBLEMA ALCOLICO

Vamos aprender agora como acontece a marcha da doena alcolica a partir do momento
em que uma pessoa experimenta bebida alcolica pela primeira vez. Vamos acompanhar esta
evoluo seguindo o desenho acima.

336

A partir de duas linhas que se cruzam, uma vertical com uma horizontal: a horizontal (da
esquerda para a direita) a ausncia de qualquer sinal de dependncia15 e no seu extremo oposto
a presena de sinais de dependncia.
Na linha vertical, da mesma forma, na parte inferior a no existncia de problemas e na
superior a presena de problemas. No importa aqui que tipos de problemas, pois estes sero
vistos na sequncia deste captulo. Identificamos ento quatro quadrantes, representados pelas
letras A, B, C e D:
a) so colocados no primeiro quadrante (A) aqueles indivduos que bebem, mas no
apresentam problemas nem tem sintomas de abstinncia, poderamos cham-los de
bebedores sociais ou bebedores normais, o que alis no fcil caracterizar claramente
devido ampla variao de formas de beber. A maior parte das pessoas bebe
moderadamente e representa a maior parte da populao adulta, sem que essas pessoas
sejam rotuladas como doentes alcolicas. A cultura de uma determinada populao, a
influncia desta no ambiente familiar, as prticas religiosas menos tolerantes em relao
ao beber, esto associadas a um consumo de bebidas alcolicas mais moderado;
b) no quadrante (B) esto os indivduos que sem apresentarem sintomas de abstinncia16,
j passam a apresentar problemas comportamentais, p.ex., beber e dirigir, complicaes
clnicas etc. e podem ser chamados de bebedores problema. A quantidade de bebida
ingerida e o padro de uso so levados em conta para esta caracterizao de beber
problemtico. Supe-se que fatores ambientais (ambiente familiar com eventos
estressantes frequentes) e genticos estejam envolvidos nesse padro de beber. Em
relao gentica, estudos tendem a confirmar a existncia da predisposio gentica
para os comportamentos de consumo. Filhos de pais alcolicos tm probabilidade de
25% de desenvolverem a doena;
c) no quadrante (C) esto, ento, os dependentes, que apresentam problemas mais graves
do que os bebedores problema e tm evidentes sinais de dependncia ao lcool.
Note que no existe nenhuma categoria de bebedor no quadrante (D) pois seria incompatvel
a ausncia de problemas sendo o indivduo portador dos sintomas de dependncia.
Ainda neste grfico, observe que os assim chamados de bebedores sociais podem, no correr
do tempo, evoluir para bebedores problemas e que, com a aceitao de tratamento ou mesmo por
deciso prpria, podem voltar a beber socialmente. O mesmo NO acontece com os bebedores

337

que evoluem para dependente do lcool, pois essa condio diagnosticada por mdico especialista
implica a impossibilidade de jamais voltar a beber socialmente, sendo, ento, a abstinncia total,
condio obrigatria para o resto da vida.
A evoluo do beber social at a dependncia no acontece de uma forma sequencial, no
como se o grfico fosse o mostrador de um relgio. Um indivduo pode ser um bebedor social
durante toda a sua vida mesmo que em determinados perodos faa uso abusivo de lcool. O
bebedor problema no conseguir por muito tempo permanecer nessa condio tambm sem
ajuda mdica.
No possvel estabelecer por quanto tempo um indivduo que tenha uma histria familiar
de alcoolismo, e as vulnerabilidades, sociais, psicolgicas e biolgicas permaneer em cada fase
desta. Existem estudos que estimam que a partir do momento em que um indivduo inicie sua vida
alcolica e que tenha esses fatores desencadeantes leve de 9 a 12 anos para desenvolver a doena.

3. FATORES DE RISCO E FATORES DE PROTEO


Quando falamos em fatores de risco17 e fatores de proteo18 estamos na realidade
estabelecendo quais os parmetros que pais e professores devem usar para acompanhar a vida de
seus filhos e alunos no tocante ao risco de uso ou abuso do lcool e de outras drogas.

3.1. Fatores de risco:


Um ambiente familiar desestruturado, com conflitos de relacionamento, agressividade,
com uso de lcool pelos pais ou pessoas que convivem nesse ambiente com ele, aumenta
os risco de seu envolvimento com o lcool.
Dificuldades de aceitao do eu, parte indissolvel da fase de desenvolvimento em
que o jovem se encontra. As modificaes fsicas decorrentes das alteraes hormonais
criam insatisfaes e a no aceitao de seu prprio corpo.
Os relacionamentos conflitivos com os familiares, que no entendem o seu comportamento,
as constantes reprovaes dos pais, determinam revoltas e culpas modificando a imagem
que tem de si mesmo, fazendo-o sentir-se desrespeitado, desconsiderado, com reflexos
em sua autoimagem e autoestima.
As exigncias frequentes, o consumismo, encontra resistncia dos pais que, negando
seus pedidos, desencadeiam reaes incontrolveis, mostrando as dificuldades em lidar
com as frustraes.

338

A falta de habilidades de circulao nos meios sociais, mesmo de jovens de sua


idade, pode, por caractersticas de sua personalidade (timidez), dificultar suas
relaes sociais.
Prprio da fase da vida, a busca e a necessidade de emoes fortes podem facilitar o
acesso ao uso ou abuso do lcool ou outras drogas. Esta fase torna esta criana ou jovem
impulsiva, desafiadora de perigos e sem medos.
A convivncia nos grupos, que nesta etapa da vida necessrio para a consolidao de
sua personalidade, pode representar risco intenso de envolvimento com drogas se estas
so aceitas e usadas pelos seus grupos.
A atividade cada vez mais intensa dos pais no trabalho, cada vez mais exigente, dificulta
grandemente o estabelecimento de dilogos com os filhos.
A sociedade moderna cria condies de acesso fcil e disponibilidade da droga de forma
intensiva e praticamente sem controle das autoridades. Mesmo o lcool, proibido para
menores, facilmente adquirido. A tolerncia do ambiente ao uso de drogas, uma cultura
permissiva de uso de droga, coloca o jovem como presa fcil para o envolvimento danoso
com qualquer tipo de droga.

3.2. Fatores de Proteo:


Um ambiente familiar sadio, com estreitos laos familiares, com seus membros em
relacionamento harmnico, os pais muito prximos de seus filhos, acompanhando-os
na dura travessia do ser criana para ser adolescente e mesmo depois na fase de
adulto jovem, um ambiente tanto em casa quanto na escola de regras claras, coerentes,
constantes e universalizadas.
A busca de oportunidades de lazer e insero social, em que possa realizar seu projeto
de vida.
O jovem precisa saber exatamente o que se espera dele e que o consumo de lcool no
tolerado.
O envolvimento dos pais com as atividades da escola, com participao ativa e voluntria,
faz o aluno tambm ser participante ativo.
Vinculao com associaes esportivas que estimulem prticas esportivas sadias, e que
promovam socializao saudvel em grupos que no faam uso de lcool e outras drogas.
O estimulo participao e ao envolvimento em projetos comunitrios.

339

A busca e o conhecimento de informaes tcnicas confiveis, para sobrepor-se s


informaes correntes distorcidas e preconceituosas

4. A EVOLUO DO PROBLEMA ALCOLICO


A experincia humana na sua relao com o lcool, de maneira geral, comea com o uso
aleatrio de algum tipo de bebida, geralmente em ambiente social.
Considerando hipoteticamente que um jovem que tenha seu primeiro contato com bebida
alcolica pode de incio estranhar o gosto, a queimao na garganta e estmago, tontura e certa
sonolncia. Essa experincia nica. O lcool ingerido promove relaxamento, desinibio, melhora
a autoconfiana e diminui a ansiedade. Sente-se muito bem. Experincias com os mais variados tipos
de bebidas vo estabelecendo qual a sua preferncia, que efeitos mais intensos ou no so sentidos.
Este aprendizado por experimentao, e o acompanhar pelo resto de sua vida.
Quando aprendemos a andar de bicicleta, no temos um manual de como faz-lo. com
insistncia, receios, medo de quedas, insegurana que vamos tentando acertar o equilbrio at
conseguirmos pedalar. Com a bebida, comparativamente, tambm com esta experimentao
prtica que os receios com o contato com o lcool vo sendo superados. Essa experincia, tal qual
com a bicicleta, levada por toda a vida do indivduo. Aprendido, este uso inicial absolutamente
ocasional. No representa que aps essa descoberta ele passe a iniciar uma sequncia de ingesto
frequente. A participao em eventos com os amigos e a facilidade com que consegue se
enturmar colocam-no na cultura do beber e o happy hour19 encontro de amigos aps a escola
ou o trabalho em que beber serve para aliviar o estresse de um dia de trabalho ou estudo.
Beber passa a ser um componente indispensvel nas suas participaes sociais e esportivas,
pois extremamente gratificante sentir-se bem e feliz. Os ocasionais usos do lcool fazem com
que superestime os perodos em que se sente feliz sob o efeito da droga. Eventuais excessos,
desconfortos fsicos ou psicolgicos fazem com que beba sem remorsos. Diz-se que ele pode
pagar o custo dos eventuais problemas que possa ter tido aps um evento em que tenha bebido.
Esses maus momentos passados, a lembrana de eventuais inadequaes de comportamento,
discusses mais acaloradas ou mesmo tentativas de confronto fsico, so minimizados ou negados.
O jovem no percebe que algo de errado possa estar acontecendo com sua sade. Considera que
os porres que tem tomado no tem significado maior do que no consegui dizer, chega.
Esses porres podem se caracterizar pela ingesto de grandes quantidades de bebidas
alcolicas em curto espao de tempo. Cinco ou mais doses para homens ou quatro a cinco doses

340

para as mulheres. Este tipo de beber muito prejudicial pois no se conhece ainda que efeitos
vo ser desencadeados no bebedor, p.ex. agressividade, impulsividade, violncia. Em mdia e
dependendo de fatores diversos, leva mais de uma hora para que o organismo processe e elimine
uma dose de bebida.
Observe abaixo as equivalncias em unidades de lcool em cada tipo de bebida:
UNIDADES DE LCOOL EM CADA DOSE DE BEBIDA

Considera-se 1 UNIDADE PARA CADA 10 GRAMAS DE LCOOL


Lembre-se: 1 dose igual a uma lata de 330 a 350 ml de cerveja, 140 ml de vinho ou
40 ml de pinga, usque ou vodka. Considerando ento os volumes equivalentes a uma dose,
sua concentrao, quantidade de lcool puro em cada dose, possvel estabelecer quais as
concentraes de lcool no sangue, aps o uso de bebida (FORMIGONI et al., 1992).
CONCENTRAO DE LCOOL NOS DIVERSOS TIPOS DE BEBIDA

de muita importncia a compreenso da quantidade de lcool encontrada em cada tipo de


bebida, pois cada uma delas tem uma quantidade de lcool diferente a cada dose ingerida. Assim:
- cerveja ou cooler tem uma porcentagem de 3,5% de lcool;
- vinho tem em mdia uma porcentagem 12% de lcool;
- vinhos fortificados tm uma porcentagem de at 20% de lcool; e
- usque, vodka, pinga tm uma porcentagem de 40% de lcool.
Quando nos referimos a lcool, estamos falando da substncia qumica etanol, que obtido
por processos de destilao, sendo extremamente txica para o nosso organismo.
Sendo assim, temos que entender o que chamado de dose padro20. Como a densidade
do lcool 0,79g/ml, em 17 ml de lcool (etanol) puro, portanto, existem 14 gramas de lcool.
Compare a tabela abaixo:
Uma dose padro de lcool equivale ento a:
40 ml de pinga ou
vodka, usque etc.

85 ml de vinho do
Porto, vermutes ou
licores

140 ml de vinho de
mesa

340 ml de cerveja ou 600 ml (uma garrafa


chopp = 1 lata de

de cerveja contm

cerveja

duas doses)

Fonte: SUPERA, Efeitos de substncias psicoativas no organismo, modulo 2, p. 14

341

Concentrao sangunea equivalente dose de lcool de acordo com o peso corporal


Concentrao 30 minutos aps a ingesto

60 kg

70 kg

80 kg

0,27 g

0,22 g

0,19 g

0,54 g

0,44 g

0,38 g

0,81 g21

0,66 g22

0,57 g

1 lata de cerveja 350 ml


1 dose de vinho tinto 140 ml
1 dose de usque 40-50 ml
2 latas de cerveja
2 doses de vinho tinto
2 doses de usque
3 latas de cerveja
3 doses de vinho tinto
3 doses de usque

Importante tambm conhecer os padres de uso que um indivduo pode ter e quais so as
evidncias fsicas e comportamentais s quais est sujeito, dependendo da quantidade de doses
que ingeriu. Observe na tabela abaixo:
1 a 2 doses
3 a 5 doses

SINTOMAS
Euforia, sensao de bem-estar, desinibio, sociabilidade, sensao de prazer, alegria
desproporcional, leve comprometimento da autocrtica23, comportamentos de risco
Fala arrastada, lentificao dos movimentos, reflexos diminudos, andar hesitante e
incoordenado, dificuldades de concentrao, ateno dispersa, lentificao de pensamento
Diplopia24, nuseas e vmitos, dificuldades de raciocnio, agravamento da concentrao,

Mais de seis doses

piora acentuada da capacidade de responder adequadamente a estmulos,


comprometimento srio da autocrtica, tendncia violncia

As formas de beber, as quantidades, os eventuais complicadores tanto fsicos como


comportamentais determinam no bebedor uma reao absolutamente emocional. Tem dificuldade
em lidar racionalmente com as consequncias de seu comportamento. Qualquer uso mesmo
ocasional, pelas alteraes no funcionamento cerebral causados pelo lcool, o indivduo j
comea a pagar um preo que pode vir a ser muito caro (acidentes, alteraes, fsicas, mentais,
agressividade, violncia).
importante entender que, essa forma de beber, que obrigatoriamente no se repete a cada
dia, no nos permite afirmar que dependncia do lcool esteja em desenvolvimento. A maioria da

342

populao tem esse tipo de relao com as bebidas alcolicas. Na sequncia do relacionamento,
mesmo que aps beber sinta-se fisicamente mal, este desconforto superado e muitas vezes
percebido como algo que est fugindo do controle, passa um perodo, ou de parada completa
de beber ou reduz drasticamente o uso. Com frequncia pode fazer reflexes sobre seu atual
relacionamento com as bebidas alcolicas, o que pode modificar seu padro de uso para aquela
fase em que beber no determinava nenhum tipo de desconforto.
Na continuao do uso e dos eventuais abusos25, cresce a dificuldade de perceber o que
est acontecendo e cada vez mais difcil parar ou diminuir o consumo. Para fins didticos,
dizemos que a transformao do bebedor social para problema comea a caracterizar-se. O hbito
at ento de no ter preferncia especfica para determinado tipo de bebida, indiferente ao
teor alcolico de cada uma, passa a ser mais frequente a busca por bebidas com maior teor
alcolico. Por exemplo, abandonar as bebidas mais fracas (fermentadas26) como cerveja,
vinho etc. trocando-as por bebidas mais fortes (destilados27), como usque ou cachaa. Essa
modificao do padro de uso das bebidas que acompanhado por um aumento na frequncia
da ingesto, leva a um aumento do custo emocional. Existe ainda a percepo de que algo de
ruim possa estar acontecendo. H um aumento do custo emocional, com eventuais perodos
de tristeza ou perodos mais longos de desnimo, apatia e desinteresse. Tenta diminuir o
uso, mas no consegue. Angustia-se com a compulso para beber. So evidentes tambm as
modificaes na personalidade do bebedor. No trabalho ou na escola, torna-se mais arredio,
desconfiado, tende ao isolamento, evita contato com os colegas ou superiores e professores.
comum ouvir-se: Ele mudou demais seu jeito de ser. Entretanto, tanto a frequncia das
alteraes de humor, sintomas depressivos, cansao frequente, desnimo, quanto irritabilidade,
agressividade, impacincia, respostas inapropriadas a estmulos mnimos, so sintomas que
obrigatoriamente no significam um quadro de depresso clssico, mas sim uma resposta
negativa s modificaes que esto ocorrendo em sua vida, Cada vez mais reage de forma
intelectualizada, buscando maneiras de explicar racionalmente o que se passa com sua vida.
Esse comportamento caracteriza o aperfeioamento dos chamados mecanismos de defesa28.

5. MECANISMOS DE DEFESA
Todos os seres humanos, durante seu desenvolvimento emocional, desenvolvem formas de
preveno contra o sofrimento emocional. Desde criana usamos esses mecanismos como forma
de evitar o sofrimento psquico, real ou imaginrio. So chamados de mecanismos de defesa,
so inconscientes e so de diversos tipos. Para nosso entendimento, vamos nos fixar em trs

343

mecanismos mais usados por aqueles com problemas relacionados com o lcool. Durante todo
o processo que se iniciou nas primeiras experimentaes com o lcool, alguns mecanismos j
vinham funcionando inconscientemente. Negao, racionalizao e projeo so os principais,
alm da represso que mais adiante ser comentada.
A Negao o processo inconsciente em que o indivduo tenta descaracterizar um fato
acontecido, no levando em conta sua inteligncia. Por exemplo: um aluno sendo flagrado em um
teste usando mtodos ilcitos, ao ser abordado pelo professor, geralmente iniciar a frase com:
No, eu no estava colando. Importante lembrar que essa resposta no implica que o aluno
esteja mentindo. A reao imediata e instantnea a manifestao da defesa psquica contra as
consequncias que adviro de seu comportamento.
Da mesma forma, o mecanismo de Racionalizao implica o fato de ser tentada uma
explicao, uma razo para o que aconteceu. No caso do aluno acima, este mecanismo poderia se
manifestar como: Eu estou com uma gripe muito forte e somente olhei para o lado, para espirrar.
Note que, imediatamente aps a abordagem, a frase acontece imediatamente, no havendo tempo
para ser pensada uma resposta. Novamente no se trata de uma mentira. E a projeo tem como
funo aliviar o sofrimento que est por vir, isentando o indivduo de qualquer responsabilidade
sobre o fato que lhe est sendo imputado, jogando a culpa ou projetando em outro. No caso do
aluno, a resposta seria: Foi o meu colega ao lado que estava colando.
A Represso o mecanismo inconsciente que impede o psiquismo de acesso a componentes
ameaadores. Reprimir sentimentos de um bebedor ele no conseguir perceber a sua condio
de progressivamente vir perdendo o controle sobre seu trabalho, famlia e de sua prpria maneira
de beber. Esses mecanismos no acontecem obrigatoriamente nesta ordem.
Voltando ao nosso bebedor, entendemos ento que todo seu comportamento quando
confrontado com a alterao de sua relao com a bebida usar destes mecanismos. Evidentemente
que, este sistema de defesa opera contra o indivduo, pois impede a percepo bvia das
modificaes que esto ocorrendo em sua vida. Mesmo com todo esse processo em andamento,
ainda no temos como caracteriz-lo como doente alcolico.
Observando em nosso grfico, ainda estamos identificando um bebedor problema. que
mesmo nas atuais condies da vida do indivduo, mesmo na presena de algum acontecimento
estressante, perda de trabalho, separao conjugal etc. ele ainda ter condies de reverter o
quadro, voltando a beber socialmente. A capacidade de resgatar sua sade fsica e mental so
fatores positivos para sua recuperao.
A relao danosa com o lcool continua crescente, o sofrimento emocional piora, e o indivduo
tem cada vez mais dificuldades em se sentir bem. As mudanas que ocorrem em seu comportamento,

344

na sua personalidade, a piora na intensidade de seu humor, vo escapando do controle. Apesar do


reforo na ao dos mecanismos de defesa vive mais intelectualizando do que estabelecendo uma
critica adequada de sua condio. No se pode negar que o quase incontrolvel desejo de beber
(compulso), um sentimento invasivo e indesejado ocupa o centro de suas experincias. Sem poder
estabelecermos um momento exato em que o indivduo torna-se um dependente, temos que levar
em conta o progressivo comprometimento de suas relaes familiares, sociais, escolares etc., alm de
evidentes manifestaes e queixas clnicas. Cada vez mais cego contra a razo, pode passar perodo
breve de abstinncia e comea a questionar-se como a perceber o que est acontecendo. No o
conseguindo, e forado pela compulso, volta a beber.
Esse beber passa a ter caractersticas especiais que vo pavimentado o caminho para a
dependncia estabelecida. Nesta fase, uma srie de evidncias vai tomando forma.
Em um indivduo normal tanto o consumo como a escolha da bebida variam de tipo, de
formas de beber, de quantidade, locais. Bebe em determinadas situaes, nega bebida em outras
etc. O comportamento de beber modelado pelas circunstncias. Quanto mais a dependncia
avana, tais elementos vo se relacionando mais com o alvio ou com o evitar da presena dos
sintomas de abstinncia do que pelo simples prazer de beber. Fala-se em estreitamento do
repertrio. O indivduo que no tinha um padro de beber, bebia qualquer tipo de bebida, em
qualquer ocasio ou no. Com a piora do quadro, o lcool vai assumindo um papel de aliviar os
desconfortos e evitar os sintomas de abstinncia (tremores, sudorese, nusea, nsia de vmito,
palpitao, agitao,dores de cabea, mal estar geral, fraqueza, alucinaes ou at convulses).
Seu padro de uso torna-se muito mais rgido, previsvel, em relao hora para beber,
quantidade etc. a bebida passa a ter prioridade sobre todas as outras obrigaes sociais, de
trabalho e mesmo familiares. Beber passa a ser cada vez mais gratificante, pois no consegue
perceber o que est acontecendo. O custo emocional maior, h perda progressiva do controle
sobre sua vida e um desgoverno total de seu comportamento.
O lcool, sendo uma droga depressora da atividade mental, determina o processo de
tolerncia29. Sou muito forte para a bebida mas atualmente bebo bem menos e j me sinto muito
ruim. Parece que a bebida no faz mais efeito. Eles comeam a perder a tolerncia e tornandose incapacitados por quantidade que antes aguentavam sem problema. O agravamento do quadro
desencadeia sintomas clnicos como tremores, principalmente no perodo da manh, nuseas e ou
vmitos matinais (h dificuldades em sentir, p.ex., o cheiro do caf matinal ou no bar onde j pode ser
encontrado). Sudorese e irritabilidade fazem parte de seu sofrimento. A raiva, as implicncias com as
mnimas contrariedades, os medos por reaes de espanto aos menores rudos podendo ter iluses,
interpretao inadequada de objetos ou mesmo alucinaes (percepes sem objeto estimulante).

345

Pela incapacidade de modificar o uso da bebida, o indivduo vai perdendo o contato com a
realidade e tendo um progressivo comprometimento do julgamento. No podemos, contudo, esquecer
que a sndrome de dependncia ao lcool malevel, muitas vezes surpreendente, no imutvel.
Esse verdadeiro caleidoscpio de sintomas, alteraes fsicas, emocionais, comportamentais que
compem a sndrome, exige dos profissionais uma experincia ampla de todas as nuances desta
doena, possibilitando que a avaliao da histria de cada paciente possa definir qual procedimento
mdico deva ser aplicado, a avaliao da necessidade ou no de internamento em clnica de
desintoxicao, visando proteg-lo de complicaes clnicas e psiquitricas.
6. IDENTIFICAO DE UM USURIO
Pode parecer muito fcil a identificao de um jovem que esteja se envolvendo com lcool,
mas no podemos negar que a presena de outros tipos de droga pode tambm fazer parte
da vida do adolescente ou adulto jovem. Familiares e professores tm grande importncia e
responsabilidade na percepo de que algum problema possa estar acontecendo. Os indicativos
que o jovem apresenta podem, muitas vezes, ser confundidos com comportamento absolutamente
normais, prprios da fase em que se encontra, por exemplo, agressividade, alteraes de
comportamento etc., fazem parte da adolescncia normal. No cabe, nunca, aos pais ou os
professores se apressarem em tentar fazer um diagnstico do que est se passando, pois este
somente poder ser feito por um profissional especializado.
Vamos apresentar alguns indicativos de possvel envolvimento com alguma substncia lcita
ou ilcita:
a) cansao frequente, mudanas nos hbitos alimentares, ou perda do apetite perodos de
intensa ingesto de alimentos;
b) uso de culos escuros para esconder os olhos avermelhados, possvel indicativo de abuso
de lcool ou outra droga;
c) uso de camisas mangas compridas, nos dias de calor, para esconder marcas de uso de
seringas para drogas injetveis;
d) uso de disfaradores de hlito alcolico, dropes, balas de hortel e pedaos de jornal
mastigados (o papel absorvente do jornal e a tinta so potentes diminuidores do
hlito alcolico);

346

e) mudanas fsicas, falhas na memria, baixas concentrao, descoordenao motora, fala


pastosa, discurso desconexo, andar cambaleante, boca seca, pupilas dilatadas ou contradas,
sudorese, corrimento nasal, emagrecimento acentuado, rosto edemaciado e avermelhado;
f) mudanas bruscas de hbitos, passando de sempre ativo e interessado para ter sonolncia
ou sono principalmente em sala de aula, e desinteresse por suas coisas;
g) bastante evidente que o uso ou abuso de substncias lcitas ou ilcitas compromete
significativamente o desempenho escolar e indicador de aumento de desistncia
dos estudos;
h) atrasos constantes nas primeiras aulas do dia acompanham tambm aumento exagerado
de faltas s atividades escolares;
i) mudanas bruscas na conduta, exploses emocionais, sendo que mnimas contrariedades
determinam reaes desproporcionais ao fator precipitante;
j) depresses, estados de angstia sem motivo aparente podem sugerir a presena de
quadro psiquitrico concomitante;
k) insnia rebelde (denunciada por ele mesmo ou percebida pelos familiares);
l) fortes reaes a crticas reais ou imaginrias;
m) afirmaes no confiveis, a mentira passa a fazer parte de seu cotidiano;
n) irritabilidade sem motivo aparente, inquietao motora, impacincia, agressividade e
atos de violncia;
o) comprometimento nas relaes sociais, familiares e na escola, principalmente isolando-se
de seus colegas e trancando-se em seu quarto;
p) dificuldades para encarar familiares, professores e colegas, passando a ter comportamento
evasivo;
q) abandono das antigas amizades mais sadias, e ligao a um novo grupo quando reluta em
apresent-los aos familiares;
r) reclamaes dos colegas sobre o comportamento no confivel, desafiador, desinteressados;
s) desaparecimento de objetos de valor, seus ou de seus familiares e amigos, incessantes
pedidos de dinheiro, gastos excessivos de suas economias etc.

347

6.1. Encarando o problema


O aprendizado que tivemos at agora estabelece uma base slida de conhecimentos a
respeito das drogas. Sua compreenso e principalmente a superao dos preconceitos em relao
a um possvel usurio ou at mesmo um dependente deixa-nos muito mais vontade e tranquilos
quando estamos frente do problema. Tanto a famlia quanto a escola se superpem e somam
suas responsabilidades na educao e formao dos jovens, tendo as mesmas possibilidades de
interveno e ao nesse processo preventivo s drogas e outros comportamentos nocivos.
Na teoria tudo parece fcil, os fatos tm lgica, a emoo controlada, a viso de sucesso se
refora a cada novo aprendizado, mas, quando nos defrontamos com a realidade num evento na
escola ou na comunidade em que temos que entrar em ao, podemos sucumbir.
Uma srie de consideraes ser feita em seguida, como normas bsicas que podem ser
seguidas, na eventualidade de uma abordagem. Quase sempre o medo, as fantasias de agresses, a
insegurana de como se deve agir determinam grande ansiedade, porm quanto mais conhecimento
dessas regras, menos difcil ser sua ao.
Assim, para abordar um jovem que esteja apresentando evidncias de comportamento
induzido30 por alguma substncia, aja de forma natural, no querelante, no demonstre sua
frustrao ou decepo com o que est se passando.
Tomar atitude imediata e franca perante qualquer ocorrncia, evitando qualquer tipo de
abordagem em meio a estranhos. Adotar uma postura tica. Procurar um local isolado,
sala da direo, da orientadora, para poder conversar e nunca a sala de aula, mesmo que
esteja vazia. No poder haver interrupes durante este contato.
Manter a calma sempre, ser franco, assertivo e falar com objetividade. Este um
momento de tenso em que a postura do jovem que est sendo abordado a de que ele
est correndo risco de punio imediata.
Garantir-lhe que a conversa sigilosa, que no ser comentada com ningum alm dos
responsveis pela conduo posterior do caso.
Deix-lo falar, adotando postura de bom ouvinte.
Manter postura firme, no acusatria nem discriminatria, pois um clima de inquisio,
alm de no funcionar, pode atrapalhar.
Entender o que se passa, procurar esclarecer pontos que no ficaram claros e principalmente
NO compactuar. Qualquer pacto assumido pode ter consequncias trgicas.

348

Criar um bom vnculo afetivo que permita se aproximar precocemente e abrir as portas
para o incio de possvel ajuda.
Passar informaes reais, falando do compromisso do no uso e o respeito famlia e
comunidade.
Estimular seus valores positivos.
Oferecer ajuda de maneira firme, direta, objetiva, sem jamais firmar nenhum tipo de
pacto com o aluno, no sentido de no ser comunicado aos pais o que est acontecendo
com ele. Agir de maneira afetiva, isto , no ameaando, no criticando, mostrar-se
interessado em ajud-lo e mostrando as opes que a comunidade lhe oferece para poder
ser encaminhado.
Manter acompanhamento permanente sobre o comportamento e a evoluo apresentada,
mesmo em caso de estar em tratamento.
6.2. Dicas para um bom entendimento com um adolescente
Dilogo
Reflita como est seu relacionamento com seus filhos. Converse sempre com eles, no
importa o assunto. Conte-lhes histrias, brinquem. O dilogo fornece uma relao de confiana
entre eles e voc. Se houver entraves no relacionamento, discuta com eles e nunca haja pela
emoo ou de forma precipitada.
Responsabilidade
Ensine-lhes o conceito de responsabilidade, a capacidade de responder por seus atos, pagar
por seus erros e cumprir com suas obrigaes. Mostre tambm pelo seu exemplo a importncia de
se responsabilizar pelas suas coisas, mesmo as mais simples.
Limites
Os jovens precisam aprender que no podem fazer tudo o que querem. Estabelea limites
do que aceitvel para a famlia, mas em algumas situaes seja flexvel, mostrando a eles essa
sua disposio.
Disponibilidade
Mesmo com a frentica atividade que a vida nos impe, considere que voc precisar estar
disponvel para ajud-los em suas solicitaes, dvidas e sentimentos. Ajude-os, mas no resolva
o problema por eles.

349

Frustrao
Desde o incio de nosso desenvolvimento emocional convivemos com a frustrao. Uma
carncia emocional, material ou desejo no cumprido desencadeia sentimentos de injustia ou
mesmo de raiva. Ensine-lhes a receber um NO, importante aprender que no se pode ter ou
fazer tudo, principalmente quando se tratar de questes que envolvem liberdade.
Respeito e Serenidade
Trata-se de sentimento interno de considerao e estima positiva por uma pessoa, associao,
propriedades etc. Aprender o que respeito fundamental para a construo de um homem de
bem. E que ao dizer-lhes um no ou repreend-los no se culpe, voc quer sempre o melhor para
eles. Eles sabem disso, mesmo que no o admitam.
Espiritualidade
Independentemente da orientao religiosa, procurar incutir no jovem os princpios e as
prticas da espiritualidade, transform-los em melhores pessoas.
Admisso de falhas
No negue, minimize ou finja que no percebe seus erros. Converse francamente, mostre
que voc identificou a conduta inadequada, cobre os limites e d as orientaes necessrias
Valores positivos
Incentive seus filhos a atividades que valorizem a vida, esportes, artes.
Futuro
Procure gradativamente encaminh-los para atividades que futuramente os auxiliem na escolha
da profisso. Argumente, motive-os a buscar informaes a respeito de sua provvel profisso.
Chegamos ao final deste captulo esperando que tenha servido para o aprendizado de como
pode um indivduo, com o passar do tempo, vir a se tornar um dependente do lcool, portanto um
alcoolista ou alcolico, com grande probabilidade de vir a morrer. Pudemos rever tambm que
nossos preconceitos podem vir a estigmatizar um abusador de lcool, tornando quase impossvel
o encaminhamento para ajuda. Vimos tambm que existem fatores que protegem o jovem de
envolver-se perigosamente com o lcool e fatores que facilitam o desencadear da doena alcolica.
E, por ltimo, lembrando que a famlia sofre muito a cada evoluo da doena de seu
familiar, e passa a ter comportamentos muito parecidos aos do bebedor, pois, a famlia tambm
nega, racionaliza e culpa, pessoas e situaes que seriam responsveis pelo drama que se desenrola.
O que um familiar de um bebedor pode fazer? Diferentemente do que se pensa, que
no adianta ajudar se ele no concordar os familiares podem usar estratgias para motiv-lo a

350

aceitar ajuda. Existem grupos de autoajuda, sendo o mais conhecido, Alcolicos Annimos, que
uma irmandade de bebedores que tem como objetivo a manuteno da sobriedade e juntos
compartilharem seus sofrimentos e as mudanas necessrias para retomar suas vidas, recuperando
sua sade, sua famlia, seu emprego. Fazer um bebedor ou bebedora aceitar comparecer a um
grupo no tarefa fcil. Como agir ento? Familiares so muito bem recebidos nos grupos de
familiares de alcolicos, chamado de Al-Anon. Aqui alm de aprenderem o que o alcoolismo,
aprendem a controlar suas ansiedades e discutem temas relativos ao relacionamento que os
familiares podem ou no ter com seus bebedores. Como agir, por exemplo, para motiv-los na
busca do tratamento.
E para no esquecer jamais: alcoolismo uma doena de evoluo crnica, progressiva,
incurvel e fatal, mas que pode ser DETIDA.
REFERNCIAS
About Alcohol (1999). Toronto: Centre of Addiction and Mental Health.
AMARAL, M.B., DE MICHELI,D., PECHANSKI,F. Fatores de risco e proteo em diferentes grupos de
usurios:mulheres, adolescentes, idosos e indgenas. Em SUPERA: Sistema para deteco do uso Abusivo
e dependncia de Substncias Psicoativas: Encaminhamento, interveno breve, Reinsero social e
Acompanhamento; Mdulo 3 deteco do uso abusivo e diagnstico da dependncia de substncias psicoativas.
Ed., v. 3, 56-69. Braslia; Secretaria Nacional Antidrogas, 2006.
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statstical manual of mental disorders:
DSM-IV, 4. ed. Washigton: APA,1994.
Associao Mdica Brasileira / Conselho Federal de Medicina. Projeto Diretrizes. Abordagem Geral do Usurio
de Substncias com Potencial de Abuso, 2002: <www.amb.org.br>.
ABERASTURY, A. Adolescncia normal. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1981.
BERTOLOTE, J.M. Conceitos em Alcoolismo. In: RAMOS, S.P, BERTOLOTE, J.M. (Org.). Alcoolismo Hoje,
3. ed. Porto Alegre; Artes Mdicas, 1997.
BUCHER, Richard. Drogas e Drogadio no Brasil. Porto Alegre: Ed. Artes Mdicas, 1992.
CARLINI, E.A. et al. V levantamento nacional sobre o consumo de drogas psicotrpicas entre
estudantes do ensino fundamental e mdio da rede pblica de ensino nas 27 capitais brasileiras.
2004. Braslia: Centro Brasileiro de Informaes sobre drogas psicotrpicas (CEBRID) Departamento de
Psicobiologia da Escola Paulista de Medicina e Secretaria Nacional Antidrogas, 2004.
CARLINI, E.A.; GALDUROZ, J.C.F., NOTO A. R., NAPPO, S.A. I levantamento domiciliar sobre o uso
de drogas psicotrpicas no Brasil. 2001. Centro Brasileiro de Informaes sobre drogas psicotrpicas
(CEBRID) Universidade Federal de So Paulo, 2001

351

CARLINI, E.I. Levantamento nacional, sobre o uso de psicotrpicos em estudantes de primeiro e


segundos graus, So Paulo: CEBRID, Escola Paulista de Medicina, 1987.
CAVALCANTE, Antonio Mouro. Drogas este barato sai caro. 2. Ed. Rio de Janeiro, 1977.
FLACH, Luiz Matias. Drogas: sejamos razoveis - Uma conversa Franca com um Especialista Liberal.
Editora Bezerra, 1999.
FORMIGONI, M.L.S & MONTEIRO, M. A etiologia do alcoolismo. In: RAMOS, S.P, BERTOLOTE, Jos
Manoel et al. Alcoolismo Hoje, 3. ed. Porto Alegre; Artes Mdicas, 1997.
GALDUROZ, J.C.F., et al. II levantamento domiciliar sobre o uso de Drogas Psicotrpicas no Brasil:
Estudo envolvendo as 108 maiores cidades do pas -2005. Braslia: Secretaria Nacional Antidrogas,
2007; disponvel em <http://www.cebrid.epm.br/index.php>.
GALDUROZ, J.C.F., NOTO A. R., CARLINI, E.A. IV levantamento sobre o uso de drogas entre
estudantes de 1.o e 2.o graus em 10 capitais brasileiras. So Paulo: Centro Brasileiro de Informaes
sobre drogas psicotrpicas CEBRID,1997.
EDWARD, Griffith, e col. A Poltica do lcool e do Bem Comum. Ed. Artes Mdicas, 1998.
EDWARD, Griffith. A natureza da dependncia de drogas. Malcon Lader: trad. Rose Eliane Starosta. Porto
Alegre: Artes Mdicas, 1994.
EDWARD, Griffith, MARSHALL, E.J., COOK, C.C.H. O tratamento do alcoolismo- um guia para
profissionais de sade. 4. ed. Porto Alegre: Artes Mdicas, 2005.
JELLINEK, E.M. The disease concept of alcoholism. New Haven: Hillhouse, 1960.
KAPLAN HI, Sadock BJ, Grebb J. Compndio de Psiquiatria; Cincias do comportamento e psiquiatria
clnica. Stima edio, Artes Mdicas, So Paulo, 1997.
LARANJEIRA, R. et al. I Levantamento Nacional sobres os Padres de Consumo de lcool na
Populao Brasileira. Braslia, 2007.
LARANJEIRA, R.; NICASTRI,S. Abuso e dependncia de lcool e drogas. In: ALMEIDA, O.P.; DRATCU,
LARANJEIRA, R. Manual de Psiquiatria. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1996. p. 83-88.
MASUR, J.; CARLINI, E.A. Drogas - Subsdios para uma discusso. So Paulo: Brasiliense, 1993.
NOTO, A. R. et al. Levantamento Nacional sobre o Uso de drogas entre crianas e adolescentes em
situao de rua nas 27 capitais brasileiras 2003. So Paulo: Cebrid/Unifesp, 2004.
Ontario Health and Physical Education Curriculum Support: Kindergarter to grade 10. 2000. Toronto: Ontario
Physical and Health Education Association
ORGANIZAO MUNDIAL DE SADE. Classificao de Transtornos Mentais e de Comportamento da
CID-10 Porto Alegre: Editora Artes Mdicas Sul, 1993.
SADOCK BJ, SADOCK VA. Kaplan & Sadocks Comprehensive Textbook of Psychiatry, VII ed. [on CDROM]. Lippincott Williams & Wilkins Publishers, 2000.
American Psychiatric Association. Practice Guidelines for the Treatment of Psychiatric Disorders, 2000.
VAILLANT, G.E. The natural history of alcoholism. Cambridge:Harvard University, 1983.

352

PROCHASKA, J.A., DiCLEMENTE, C.C & NORCROSS, J.C. (1992) In search of how people change.
Applications to addictive behaviour. American Psychiatry. 47:1102-1114
MARLATT G.A, Preveno da Recada. Porto Alegre: Artes Mdicas, 1993
SUPERA Sistema para deteco de uso abusivo e dependncia de substncias psicoativas: encaminhamento,
interveno breve, reinsero social e acompanhamento. Universidade Federal de So Paulo, Departamento de
Psicobiologia, Departamento de Informtica em sade.
SENAD Secretaria Nacional Antidrogas Gabinete de Segurana Institucional Presidncia da Repblica,
Braslia, 2006.http://supera.org/senad/index
FORMIGONI et al. (1992). A Interveno Breve na Dependncia de Drogas. Adaptado do Manual de triagem
e avaliao inicial do Addiction Research Foundation, Toronto, Canad.
LINKS
Todos os links abaixo apresentam informaes sobre drogas em geral, com caractersticas prprias de cada
uma, a histria das drogas, orientaes para pais, educadores e jovens em geral.
A Secretaria Nacional de Polticas sobre Drogas, SENAD, disponibiliza farto material relacionado a drogas em
geral. So gratuitas e esto disponveis para download no site www.senad.gov.br:
a) Curso de Preveno ao uso de drogas para educadores de escolas pblicas.
b) F na Preveno
c) Srie por dentro do assunto (cartilhas)
e
SUPERA: material impresso e tambm disponvel em CD-ROM em www.supera.org.br/senad
VIVAVOZ 0800-510-0015:
uma central telefnica de orientaes e informaes sobre a preveno ao uso indevido de drogas. O telefonema
gratuito e o atendimento sigiloso, atendendo das 8 s 24 horas, de segunda a sexta-feira. A pessoa no
precisa se identificar.
OBID Observatrio Brasileiro de Informaes sobre Drogas
Aqui voc encontrar informaes sobre endereos de grupos de autoajuda em todo o Brasil, clnicas para
tratamento e demais recursos da comunidade.
Portal: http://www.obid.senad.gov.br
Para contatos com os Conselhos Estaduais e Municipais sobre Drogas, as informaes podem ser obtidas a partir
dos sites:
E outros
www.einstein.br/alcooledrogas

353

www.cebrid.epm.br
www.unifesp.br/dpsicobio/uded
www.grea.org.br
www.abead.com.br
www.alcoololicosanonimos.org.br : Alcolicos Annimos: atende aos portadores de problemas com o lcool,
presta informaes, orienta os possveis participantes da Irmandade fornecendo endereos das reunies em
todo o Brasil
www.al-anon.org.br: informaes, atendimento e orientaes para familiares de alcolicos, fornecendo endereos
das reunies em todo o Brasil.
www.sobriedade.org.br :Pastoral da Sobriedade.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 Estigma algo que diminui o carter ou a reputao de uma pessoa ou grupo; uma marca ou sinal,
indicando que alguma coisa no considerada normal ou padro.
2

Apresentam sintomas durante a evoluo da doena.

Sndrome de dependncia ao lcool o conjunto de elementos como tolerncia, sintomas de abstinncia,


tem dificuldades em controlar o consumo, gasta muito tempo e dinheiro para conseguir a bebida, tenta
diminuir ou parar o consumo do lcool.

Assertividade a capacidade de expor de maneira clara, honesta e firme o que se pensa, sente ou quer, de
modo a no desrespeitar o direito das outras pessoas em relao aos seus prprios direitos.

Intoxicao So as mudanas fsicas e psicolgicas do uso intensivo de lcool em curto perodo de tempo.

Comportamentos inadequados, provocativos e com dificuldades em aceitar limites.

Uso de lcool algumas vezes na vida, sem continuidade do uso.

So os estudos do que acontece com as pessoas em geral, quantas vivem em determinado local, como vivem etc.

Drogas psicotrpicas So drogas que alteram o funcionamento do sistema nervoso central.

10 Sndrome de abstinncia So sinais e sintomas que aparecem quando o indivduo dependente diminui
as doses ou tenta parar de usar o lcool. Estes sintomas vo se agravando at a possibilidade de causar a
morte do usurio.
11 Tubo Mistura de bebida alcolica com refrigerante ou similar, geralmente em litro e compartilhado
com colegas.
12 Perodo de latncia Depois da agitao dos primeiros anos de vida segue-se uma fase mais tranquila
que se estende at a puberdade. Nesse perodo da vida sua autoestima j no depende exclusivamente da
aprovao externa, tendo a prpria crtica ao proceder de forma certa ou errada.

354

13 A adolescncia uma fase mais crtica do desenvolvimento, representa um verdadeiro rito de passagem ,
da infncia para a vida adulta.
14 Ingesto o consumo de uma substncia por um organismo.
15 Sndrome de dependncia ao lcool o conjunto de elementos como, tolerncia, sintomas de abstinncia,
dificuldades em controlar o consumo, gasto de muito tempo e dinheiro para conseguir a bebida, tenta
diminuir ou parar o consumo do lcool, sem sucesso.
16 Sintomas de abstinncia Suores, frequncia cardaca maior do que 100 batimentos por minuto, tremores
de extremidades, insnia, nusea/vmitos, alucinaes/iluses (tcteis, visuais, auditivas), agitao,
convulses.
17 Fator de risco Condio que possa aumentar a probabilidade da ocorrncia de um perigo ou agravamento
de uma situao preexistente.
18 Fatores protetores so aqueles que protegem o indivduo de fatos que podero agredi-lo fsica, psquica ou
socialmente, garantindo um desenvolvimento saudvel.
19 Happy hour Reunio com finalidade de uso ou abuso de bebidas aps o perodo de aulas ou do trabalho.
20 Dose padro uma quantidade de bebida alcolica que tem cerca de 14 gramas de etanol puro.
21 Estes valores so incompatis com o que determina a lei seca (at 0,60g) passveis de punio.
22 Estes valores so incompatveis com o que determina a lei seca, passveis de punio.
23 Autocrtica Dificuldade se fazer avaliao correta de seu comportamento.
24 Diplopia Viso dupla.
25 Abuso qualquer consumo que cause dano, ameace causar dano na sade fsica e mental do indivduo
e tambm consequncias sociais.
26 Fermentadas So preparadas pelo processo de fermentao, por meio de reaes espontneas de um
composto orgnico, pela presena de um fermento que o decompe.
27 Destilados Bebidas alcolicas purificadas por meio do processo de destilao a partir de uma substncia
fermentada, como frutas, gros etc.
28 Mecanismos de defesa So aes psicolgicas que tm por finalidade reduzir qualquer manifestao que
pode colocar em perigo a integridade do psiquismo, em que o indivduo no consiga lidar com situaes
que por algum motivo considere ameaadoras. So processos subconscientes ou mesmo inconscientes que
permitem mente encontrar uma soluo para conflitos no resolvidos no nvel da conscincia.
29 Tolerncia quando o organismo necessita de doses cada vez maiores de lcool para conseguir
determinado efeito.
30 Induzido Causado ou determinado pelo uso de bebida alcolica.

355

TABAGISMO UMA DOENA CRNICA EVITVEL

Marcos Henrique SantAna do Nascimento


Paulo Roberto de Miranda Sandoval

QUAL O IMPACTO DAS DOENAS CRNICAS NO MUNDO?


Caso faamos um exerccio ou uma pesquisa sobre os assuntos mais abrangentes relatados pela
mdia nacional e internacional em meados de janeiro de 2012, nos deparamos coincidentemente
com uma srie de fatos que preocupam de maneira urgente e de modo imediatista a sociedade
(ou a prpria mdia): Crise econmica na Europa e Estados Unidos, as viagens dos brasileiros ao
exterior, o recorde dos impostos batidos sem cessar pelo governo federal no Brasil, e violncias
tanto da vida real quanto virtual...
Muito raramente tem se observado notcias que iro afetar o nosso cotidiano em cinco ou 10
ou 50 anos. H uma busca automtica pela mdia de fatos que nos impactaram ou iro impactar
nos prximos segundos, minutos, dias, e arriscaria no mximo, nos prximos meses.
A explorao de eventos que iro ocorrer em Intervalos maiores tornam-se cada vez mais
raros, exceo talvez da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpadas no Rio de Janeiro em 2016.
Muito embora a Organizao Mundial de Sade (OMS) tenha feitos inmeros alertas, um
fato que tem passado ligeiramente despercebido so os impactos e as consequncias provocadas
pelas doenas crnicas tanto no presente como nos prximos 20 anos.

357

Mas o que Doena Crnica?


Doenas crnicas constituem prolongadas condies que muitas vezes no melhoram e
raramente so curadas completamente.
H aquelas que so transmissveis como tuberculose, doena de Chagas, Hepatites, AIDS
etc., e aquelas que so denominadas no transmissveis e entre as quais se incluem a diabetes,
demncia, cncer, insuficincia cardaca congestiva, asma brnquica e a DPOC (Doena Pulmonar
Obstrutiva Crnica), mais conhecida como bronquite crnica e o enfisema pulmonar.
A crescente incidncia de doena crnica um desafio para os servios de sade no Brasil
e em todo o mundo.
As doenas crnicas so de longe a principal causa de mortalidade no mundo, representando
63% de todas as mortes. Dos 36 milhes de pessoas que morreram de doenas crnicas em
2008, nove milhes tinham menos de 60 anos e 90% dessas mortes prematuras ocorreram em
pases de baixa e mdia renda.
No Brasil 72% de todas as mortes foram atribudas a doenas no transmissveis em 2007.
Nos prximos 10 anos a OMS projeta um aumento de 22% totalizando 10 milhes de mortes
causadas por doenas crnicas no comunicantes no Brasil, sendo as doenas cardiovasculares
a sua maior causa. Morbidade e mortalidade por doenas no transmissveis so maiores na
populao mais pobre. As causas mais frequentes associadas s doenas crnicas no Brasil esto
listadas na figura 1.
Figura 1 Mortes projetadas por doenas crnicas no Brasil.
Adaptado de OMS, NCD Country Profiles 2011.

358

Por que as doenas crnicas tm um impacto to grande na sade?


As Doenas crnicas tm um efeito profundo sobre o desenvolvimento fsico, emocional e
bem-estar mental dos indivduos, muitas vezes tornando difcil continuar com as atividades dirias
normais e relacionamentos. Isso implica custos severos pessoais com alto impacto para a sade
que se associa a custos econmicos, uma vez que esto associados a absentesmo trabalhista,
geram licenas mdicas que implicam afastamento temporrio ou mesmo permanente do trabalho
gerando aposentadorias precoces e, portanto, queda no ndice de produtividade do pas.
Quais os fatores de risco? Como reduzir os riscos de ocorrncia de doenas crnicas?
Os fatores de risco para as doenas crnicas esto associados tanto a caractersticas genticas
quanto a critrios adquiridos como os hbitos alimentares e comportamentais como o uso de
derivados do tabaco, por exemplo.
No entanto, preciso esclarecer que em muitos casos, os resultados de sade podem ser
melhorados, dependendo do acesso preventivo e precoce a diagnsticos e servios mdicos
apropriados, garantia de tratamento teraputico, acesso informao e possibilidade de escolhas
individuais que incluem desde a prtica de exerccios dirios, a proteo de ambientes pblicos
livres de tabaco (doenas pulmonares crnicas, cnceres) e uma alimentao mais saudvel, com,
por exemplo, baixos ndices de sdio, ausncia total de gorduras trans em alimentos (doenas
cardiovasculares).
O PEDGIO COBRADO PELO TABACO NO BRASIL E NO MUNDO
Entre as doenas crnicas no transmissveis, vale ressaltar que entre as trs maiores causas
evitveis, duas so ocupadas pelo uso de derivados de tabaco: o tabagismo ativo em primeirssimo
lugar, seguido na segunda colocao pelos acidentes automobilsticos e na terceira posio pelo
tabagismo passivo ou secundrio.
preciso lembrar que o tabagismo por si s considerado uma patologia que possui um CID
(Cdigo Internacional de Doena) prprio para design-la, o F17.2. O tabagismo responsabilizase pela gerao de 52 outras doenas, de maneira que pode-se ilustrar o seu poder de dano
ao constatar ser o principal causador das doenas no comunicantes, provocar 30% de todas
as mortes por cncer, inclusive o cncer de pulmo, lder de bitos desta patologia tanto entre
homens quanto em mulheres nos Estados Unidos e no Brasil. E responsabilizar-se por 80% dos

359

bitos da Doena Pulmonar Obstrutiva Crnica (DPOC), popularmente conhecida como enfisema
pulmonar e bronquite crnica.
Pedgio Caro Cobrado em Vidas:
Uso de tabaco matou 100 milhes de pessoas no sculo 20. Se as tendncias atuais
continuarem, o tabaco matar um bilho de pessoas no sculo 21.
O tabaco mata no mundo mais de 5 milhes de pessoas por ano e responde por um em
cada 10 mortes entre os adultos.
O tabaco matar mais de 8 milhes de pessoas no mundo anualmente at o ano de2030,
com 80% dessas mortes em pases de baixa e mdia renda.
O fumo passivo mata mais de 600.000 pessoas em todo o mundo a cada ano, incluindo
165.000 crianas.
A produo de tabaco provoca danos ao meio ambiente por usar agrotxicos em demasia,
poluir e inutilizar os lenis freticos, alm de desviar terrenos agrcolas que poderiam
ser usados para produzir alimentos.
Pedgio no Brasil:
Os custos com o tabaco no Brasil, segundo estudo do Banco Mundial realizado levando em
considerao as internaes hospitalares associadas ao tabagismo ocorridas no SUS entre 1996 a
2005, giram em torno de Us$ 500 milhes de dlares.
Aproximadamente R$ 340 milhes (Reais) so gastos apenas com internaes para os casos
de cncer, doenas cardiovasculares e respiratrias atribuveis ao tabagismo. Soma que equivale
a quase 30% dos custos hospitalares totais do SUS para o tratamento dessas enfermidades.
Lembre: Isso decorre do fato do tabagismo estar relacionado a tipos de patologias diferentes,
gerando outros 52 cdigos internacionais de doenas. Por isso, o fumo leva a um nmero de bitos
de cerca de 200.000 pessoas por ano no Brasil, matando mais que a Malria, a Varola e a AIDS
juntas, segundo dados do Instituto Nacional do Cncer (INCA) e do Ministrio da Sade do Brasil.
Recentemente o IBGE revelou que o nmero de fumantes no Brasil de 24,6 milhes, e destes
81,3% (20 milhes) esto acima de 18 anos. E, segundo o Datafolha, h em relao ao cigarro uma
opinio favorvel ao aumento de impostos, com 63% da populao acenando favoravelmente, e
88% concordam que impostos pagos pela indstria deveriam ir para o setor de sade.
Em 2011 o governo brasileiro adotou finalmente uma medida histrica para protegera
sade pblica demais de 190 milhes de brasileiros ao promulgaruma lei de controle abrangente

360

do tabaco.Assinado pela Presidente da Repblica, a nova lei tornou o Brasilo maior pas do
mundo completamente livre do fumo ativo e passivo.
Entrementes, vale ressaltar que outros ajustes ainda so necessrios como a proposio para
se proibir venda de cigarros em permetro escolares, popularizar a espirometria teste para avaliar
a funo pulmonar e que permite diagnsticos mais precocemente da DPOC (o popular teste do
sopro) assim como uma maior vigilncia para coibir a venda avulsa do produto, o que poderia em
muito melhorar a proteo junto a crianas e adolescentes. Afinal, a nicotina comprovadamente a
droga que provoca mais mortes no mundo e diretamente responsvel por mais de 90% dos casos
de cncer de pulmo, doena com prognstico1 ruim e extremamente letal2.
Em relao s doenas crnicas algumas solues podem ser apontadas como sugestes
e serem adotadas no apenas pelo poder pblico, mas que, devido ao grande ganho que
podem proporcionar tanto em sade como em termos de produtividade econmica, deveriam
ser obrigatoriamente do conhecimento e perseguidas pelos administradores de planos de sade
privados e pelas empresas e indstrias brasileiras.
1. Que pelo menos 80% das doenas cardiovasculares, derrames cerebrais e diabetes
mellitus tipo 2; e 40% dos casos de cnceres poderiam ser previniveis ao se incentivar
uma dieta saudvel, a prtica de exerccios regulares, e evitando-se o uso de todos
derivados do tabaco como, por exemplo, cigarros ou Narguil3;
2. Que a OMS estima que se houvesse uma reduo adicional de 2% no nmero de mortes
por doenas crnicas no Brasil, nos prximos 10 anos; isso permitiria ao pas um
ganho econmico de 4 bilhes de dlares; dinheiro este que poderia ser aplicado
em Sade e educao, e eliminar assim, o pior peso que uma terra pode suportar, que
a ignorncia.
TABAGISMO ATIVO, TABAGISMO PASSIVO E TABAGISMO TERCIRIO
Tabagismo Ativo: Uma Receita Maligna!
Convidamos voc a um exerccio de imaginao para que possamos passar os significados
e riscos envolvidos no fumo. Se fossemos reproduzir a criao de um cigarro tal qual a realizao
de uma receita culinria, teramos que conseguir mais de 4.000 produtos qumicos. Desses,
cerca de 2.000 j vm in natura na prpria folha do tabaco, e outros 2.000 so produzidos
espontaneamente a partir da combusto do produto.

361

Outros ingredientes so gentilmente associados ao produto pelos fabricantes para


conquistar os clientes para o resto da vida! So produtos associados ao sabor e que imprimem
uma espcie de selo atrelado a cada marca. Tal qual receita de bolo, esses ingredientes separados,
do pores generosas de:
Arsnico, utilizado tambm como pesticida contra formigas e raticida. Para os cinfilos,
vale lembrar que aquele veneno utilizado no filme O Nome da Rosa do escritor Humberto
Eco, para matar as pessoas que folheavam os livros era, adivinhe: Arsnico!
Benzeno, composto derivado da gasolina, e que pode causar leucemia;
Pores de gases venenosos tambm so acrescentadas sem preocupao, como:
monxido de carbono (eliminado pelas descargas dos carros):
amonaco (utilizado como fertilizantes e presente em vrios produtos de limpeza);
Tolueno (matriaprima da TNT, vulgo dinamite); alm de butano e cianeto de
hidrognio, este ltimo, um elemento radioativo e, portanto, cancergeno. H, ainda,
entre outros cancergenos, uma substncia chamada Polnio 210, tambm radioativo
e cancergena.
Metais como cdmio (um corrosivo que deveria vir com um aviso de que pode causar
queimaduras e cncer, e quando inalado pode danificar os dentes e o pulmo);
e chumbo, que se acumula nos ossos e acomete vrios sistemas fisiolgicos, como
o sistema nervoso central, o sistema reprodutor, os msculos e o sangue, sendo um
causador de clicas, disfuno cardaca, alterao do humor, e renal, alm de danos no
desenvolvimento fetal. A Nicotina, tal qual a cereja do bolo, serve como um im, para
atrair e fixar os consumidores e os tornar clientes para sempre, dado seu potencial de
viciar. A nicotina a principal substncia responsvel por tornar os consumidores de
cigarros, cachimbos e outros derivados de tabaco viciados e dependentes.
Portanto, h nessa receita centenas de toxinas4 e de cancergenos que podem levar o
organismo a falncia de mltiplos rgos e que podem colocar a vida de quem fuma e a de seus
familiares em risco. Agora, olhe ao seu redor e perceba: quantos fumam ao seu redor? E no seu
trajeto para o trabalho? E no prprio local de trabalho? No colgio ou na Universidade? Na hora
do almoo? Na volta para casa e na sua sada aos restaurantes, clubes e locais fechados como
danceterias? Parece bastante?

362

A Organizao Mundial de Sade (OMS) tambm acha!


A OMS estabelece que no h nveis seguros para a nicotina, pois uma droga mais letal do
que a maconha e vicia com mais facilidade do que a herona.
Projees da OMS estimam que uma das doenas tabaco- relacionada, denominada
DPOC (doena pulmonar obstrutiva crnica) ser a terceira causa de morte em 2020. Trabalho
recente (1) avalia que o nmero de mortes associadas ao tabaco,nos pases desenvolvidos passar
de 5 milhes (dados de 2000) para 7 milhes, num cenrio otimista, e para 10 milhes, em um
cenrio pessimista em 2030.
Esses dados explicam o porqu a necessidade de um controle maior sobre o tabaco:
Instituindo ambientes tanto fechados como abertos Livres de Tabaco, aprovando o Projeto de Lei
n. 315/2008, regulamentando os pontos de venda e no permitindo venda avulsa de cigarros e
tampouco a menores de idade.
Veja Carta aberta ao Congresso Nacional e Mobilize-se para garantir o aumento do preo
do cigarro no Brasil
Aps este cenrio inicial que invoca informaes a princpio surpreendentes, e que poderiam
fazer parte de um roteiro terrorista, mas que lamentavelmente apenas espelha a realidade a
respeito da exposio ao fumo ativo (fumo passivo ser abordado em seguida), constata-se que
o fumo responsvel por vrias doenas no cancergenas, como doena pulmonar obstrutiva
crnica (DPOC), popularmente conhecida como bronquite crnica e o enfisema pulmonar,
doenas cardiovasculares, catarata, acidente vascular cerebral, aterosclerose, aneurisma de aorta,
entre outras. Entre as doenas cancergenas h o cncer de pulmo, e os cnceres de laringe,
esfago, pncreas, estmago, fgado, pncreas, rim, tero, ureter e bexiga, alm da leucemia.
Como ressaltado acima, pode parecer surpreendente ainda o quo grande o nmero de
doenas associados ao tabagismo, mas o mais surpreendente o grande nmero de pessoas que
ainda as desconhecem. Nosso objetivo tornar isso pblico, a fim de resguardar o bem maior
que a sua vida, de seus familiares e a vida de seus alunos.
Outro objetivo esclarecer que existe possibilidade de o tabagista abandonar o
vcio, ao esclarecer que tabagismo hoje em dia possui vrios tratamentos disponveis.
Educativamente preciso saber que todos ns podemos colaborar para a realizao deste desejo.

363

Um problema ativo e passivo:


Enquanto uma pessoa fuma, dois tipos de fumaa so produzidas: aquela inalada e exalada
pelo fumante, chamada de corrente primria (CP) que equivale a 25% do total e a corrente
secundria (CS) responsvel pelos outros 75% decorrente da queima direta do cigarro.
Para se ter ideia em valores, observe abaixo esta tabela que demonstra os cinco principais
agentes carcinognicos5 e suas concentraes, respectivamente, na CP e na CS:
CORRENTE PRIMARIA
10-12 mcg
1,7 ng
4,6 ng
20-80 ng
0,04-0,1 pCi

Benzeno
2-naftilamina
4-aminobifenila
Nquel
Polnio

CP (APS EXPIRAO) + CS
5-10
39
31
13-30
1-4

Fonte: Adaptado de James h. Price, PhD, MPH University of Toledo, 2001

A presena da fumaa do tabaco nas casas, locais de trabalho, dentro dos carros ou em
ambientes de lazer condiciona a existncia dos fumantes passivos. Ainda que se calcule que
os adultos no-fumantes expostos poluio tabagstica ambiental (PTA) inalem em mdia 1%
da fumaa que chega a um fumante ativo, a concentrao das substncias txicas da CS no
meio ambiente est condicionada por diversos fatores, como o nmero de fumantes ativos e a
intensidade de seu consumo e as dimenses fsicas e ventilao do local.
Quanto fumamos sem-querer:
LOCAL
Bar
Restaurante (rea para no fumantes)
Escritrio (livre)
Presena de algum fumando 1 mao ao dia
Carro (janelas fechadas)

PERMANNCIA
2 horas
2 horas
8 horas
24 horas
1 hora

NMERO DE CIGARROS
4
1+
6
3
3

Fonte: Adaptado de James h. Price, PhD, MPH University of Toledo, 2001

Embora felizmente no Brasil o fumo seja proibido por lei em bares e restaurantes, lembramos
que nosso pas continental, e nem sempre as leis so cumpridas.

364

Como calcular a sua exposio


Como qualquer outra substncia, a nicotina6 absorvida e metabolizada em nosso corpo. Seu
produto final a cotinina que pode ser medida no sangue, saliva e urina. O tempo de deteco
varia de 15 horas a vrios dias (em crianas a permanncia chega a ser o dobro do tempo).
Existe uma tabela que relaciona os valores deste produto com a quantidade de cigarros
inalados, observe:
DOSAGEM (ng/ml)
Plasma
Urina

NO EXPOSTO A PTA
0,8
1,6

FUMANTE PASSIVO
2
7,7

FUMANTE ATIVO
27
139

Fonte: CarrinValero F. Tabaquismo passivo. Valencia: Conselleria de Sanitat, 2000.

Outra maneira de medir a exposio por meio de um aparelho porttil chamado monoxmetro7
que mede a concentrao de monxido de carbono no sangue sem a necessidade de testes
laboratoriais.
Por que este problema to importante?
Embora nosso objetivo neste projeto seja dar nfase sade, no podemos deixar de
lembrar o tamanho do prejuzo em todos os sentidos nos quais estamos sendo vtimas:
PROBLEMAS DE SADE EM CRIANAS
Pneumonias em Crianas menores de 18 meses
Asma (exacerbao da doena)
Asma (incio da doena)
Otite Mdia Aguda
Baixo Peso ao Nascimento
Morte Sbita Infantil

NMERO DE CASOS / ANO


180.000 300.000
400.000 1.000.000
18.000 36.000
700.000 1.600.000 de consultas
9700 18600
1900 2700

INTERNAES/ANO
7500 15000

Fonte: CDC, EUA; James H. Price, PhD, MPH University of Toledo, 2001

Acredita-se que o fumante passivo est exposto a 1/3 do risco que o tabagista ativo est
vivendo. O nmero de mortes em incndios causados por bitucas de cigarro chega a 250 casos
ao ano nos Estados unidos. Imagine: se voc est em um prdio em que haja algum fumando a
chance do prdio pegar fogo j 3 vezes maior!

365

Estima-se que nos EUA, 440.000 pessoas morram a cada ano por doenas relacionadas
como o tabagismo ativo e que 53.000 falecem como consequncia da exposio passiva fumaa
do tabaco. Assim, para cada 8 mortes causadas pelo forma ativa do vcio 1 morre pela sua forma
ditapassiva.
Exposio a Poluio Tabgica Ambiental (PTA) no ambiente de trabalho
A exposio ocupacional PTA afeta at 80% de todos os trabalhadores, o que significa
um risco para a sade. Estima-se a prevalncia de fumantes na maioria das empresas em torno de
18% 24% da fora de trabalho. Observe abaixo os nveis e nicotina em determinados ambientes
de trabalho, segundo a European Network for Smoking Prevention 2001.
REA

NICOTINA NO AR (mcg/m3)

Clubes Noturnos

37,1

Servios

3,0

Indstria

2,7

Escritrios

0,6

Ambientes de Trabalho

>> Proibio para Fumar

0 0,39

>> Restrio para Fumar

1,3 5,9

>> Permisso para Fumar

8,6 10

US Department of Health and Human Services. The health consequences of involuntary smoking. Report of the Surgeon General.
Washington, DC, Public Health Service, 1986.

Como exemplo de tamanha poluio em 1998, J. Replace e cols. encontraram nveis de


197 g/m3 de material particulado suspenso em restaurantes, em um perodo de 30 minutos,
uma taxa 10 vezes acima do esperado se no houvesse poluio tabgica ambiental. Nenhuma
empresa, qualquer que seja seu ramo, conseguiria produzir a infinidade de resduos particulados
e gases que se encontram na ponta de um cigarro aceso ou expirado pelo fumante, prximo de
5000 substncias.
O tabagismo passivo no revela um bom negcio para as empresas, pois acrescenta custos
com licenas para tratamento de sade, aumenta o nvel de absentesmo, degrada as relaes
profissionais, alm dos riscos de sinistro.

366

Como Resolver?
A ideia propiciar tratamento para abandonar o vcio, conscientizar para que ele no se
desenvolva, e a criao de locais livres do cigarro. Programas de sade devem ser desenvolvidos
com os seguintes propsitos:
Programas integrados preveno e ao tratamento do tabagismo como dependncia
qumica, so mais efetivos que a realizao de intervenes separadas ou isoladas;
Incluir dentre os objetivos de sade e segurana no trabalho a discusso do tabagismo
na CIPA, SIPAT e outras atividades proativas.
Integralidade de aes e participao de todos os setores envolvidos nos processo garante
o alcance e a manuteno do programa;
A implementao do ambiente livre do cigarro o primeiro passo para prevenir o
tabagismo passivo e estimular os fumantes a deixar de fumar.
MAS, O QUE TABAGISMO TERCIRIO?
A associao de nicotina com poeira da casa de tabagistas foi relatada pela primeira vez em
1991. A posteriori fora estabelecido relao da presena de nicotina em superfcies empoeiradas
at quando se fumava fora de casa e em tecidos de automveis limpos e preparados para a venda.
Fato corroborado pela constatao de que o binmio nicotina-poeira permanece aps fumantes
terem mudado de suas casas, mesmo depois destas estarem vagas por dois meses e terem sido
preparadas para novos residentes, s vezes com piso novo e pintura.
Apesar do termo Fumo de Terceira Mo (FTM) ter aparecido pela primeira vez na
literatura medica em 2006, o FTM s foi popularizado aps artigo publicado na revista cientfica
Pediatrics notabilizando o conceito, inclusive junto a mdia no especializada, ao esclarecer que
o tabagismo tercirio ou Fumo de Terceira mo a contaminao por fumaa de tabaco que
permanece nos ambientes e em superfcies, aps o cigarro ter sido apagado.
Compostos qumicos encontrados no FTM & Potencial Risco a Sade
A constatao de que a nicotina associada poeira pode formar outros compostos txicos,
como a nitrosamina mutagnica N-metil-N-nitrosamino -NNAe a carcinognica, N-nitrosonornicotina
(NNN), a partir do contato com cido ntroso, um poluente encontrado no ar de cidades, foi intudo

367

a possibilidade de risco para a sade humana associado ao FTM, e mensurado em ambientes


como carros ou residncias de tabagistas.
As crianas, especialmente as pr-escolares, so suscetveis ao FTM por vrios fatores:
frequncia respiratria elevada e levar a mo a boca aps tocar superfcies contaminadas, alm de
ingerir cerca de 0,25g de poeira/dia, o dobro de um adulto.
Concluso
Fumo de terceira mo (FTM consiste em poluentes da fumaa do tabaco residual que):
1) So depositados e permanecem em superfcies depois do tabaco ter sido fumado;
2) Podem retornar para a fase gasosa e ser inalados;
3) Reagir comoxidantes eoutros compostos no ambiente para produzir outros poluentes; e
4) Apresentam potencial risco sade humana.
Mediante esses esclarecimentos, prope-se:
No se deve fumar em ambientes fechados como residncias ou interior de carros, dado
o risco de exposio as trs formas de tabagismo, afinal no h nvel seguro de exposio
fumaa do tabaco;
Dado potencial risco de patologias do FTM sobretudo em crianas, este fato deve ser
considerado um alerta para que escolas, creches e empresas incentivem o tratamento do
tabagismo para seus funcionrios, pais e responsveis;
O FTM deve ser tema obrigatrio em consultas mdicas, sobretudo a peditrica, devido
capacidade de sensibilizar tanto adultos quanto crianas, recebendo amplo incentivo
das Sociedades Mdicas envolvidas e do Ministrio da Sade;
Mulheres grvidas devem evitar lugares onde haja FTM para proteger-se do dano
potencial que as toxinas podem causara os pulmes dos beb sem desenvolvimento.
O TRATAMENTO DO TABAGISMO
Em quanto tempo aps parar de fumar, o tabagista ter benefcios?
Essa uma pergunta intrigante e que tem de fato dois lados:
1. O lado das reaes que se seguem ao interromper o tabagismo em decorrncia da
dependncia provocada pela nicotina.

368

2. O lado dos benefcios de fato.


preciso em primeiro lugar esclarecer que fumar no um hbito. Tabagismo uma
doena que provoca Dependncia, e isso passa despercebido pela grande maioria das pessoas
em todo o mundo.
De maneira alguma o tabagismo pode ser associado a uma fraqueza de carter ou falta de
vontade por parte de quem fuma como se fazia erroneamente at pouco tempo.
O tabagismo precisa ser encarado definitivamente como uma patologia que responsvel por
gerar 52 Cdigos Internacionais de Doenas (CIDS), o que em outras palavras significa que capaz
de provocar 52 doenas diferentes e catalogadas pela Organizao Mundial de Sade, (OMS).
Mas no para desanimar com a definio.
Diferentemente do passado, hoje a medicina dispe de um verdadeiro arsenal
de medicamentos para tratar a dependncia tabgica. E isso constitui uma grande
vantagem. Algum que queira parar de fumar e que bem abordado pelo mdico, e tem uma
assistncia diferenciada, com certeza ter uma chance maior de xito na sua empreitada. Por isso,
a primeira medida exatamente essa: procurar por auxlio mdico.
De maneira que o profissional mdico, independente de ele ser um pneumologista, um
psiquiatra, um cardiologista ou um clnico, ele estar apto a tratar os sintomas que surgem logo
aps interromper o tabagismo.
Quais so estes sintomas?
So aqueles decorrentes da falta ou abstinncia da nicotina e surgem em aproximadamente
algumas horas logo aps parar de fumar:
A Fissura que o desejo incontrolvel de voltar a fumar.
A irritabilidade e a falta de concentrao: apresenta dificuldade para escrever, no
consegue trabalhar, pode apresentar choro, dificuldades motoras, desateno. Os reflexos motores8
ficam lentos. Isso tudo acontece porque a nicotina est em falta, uma reao provocada pela falta
de uma substncia que se tornou infelizmente crucial 9ao funcionamento cerebral, caracterizando
a dependncia.
Quando se fala em medicao para tratamento do tabagismo, isso quer dizer: usar medicamento
para tratar exatamente os sintomas da sndrome de abstinncia10. Uma vez que o indivduo
decida parar de fumar, o medicamento ir ajudar para que se faa isso com tranquilidade.

369

E os benefcios?
Os benefcios podem ser resumidos a uma palavra: Liberdade!
E a liberdade com a sade pode resumir outra palavra: VIDA!
Minutos & horas aps parar de fumar:
Seu corpo ir beneficiar assim que as primeiras horas aps deixar de fumar. Voc pode
comear a perceber os benefcios de sade, como a reduo da tosse, dentro das primeiras semanas.
Nas primeiras horas aps ter parado de fumar, os nveis de monxido de carbono, um
produto qumico nocivo presente no fumo do cigarro, comeam a cair. O alto nvel de monxido
de carbono acumulado no sangue de quem fuma txico porque limita a quantidade de oxignio
que se pode carregar no sangue.
Fumar aumenta a presso sangunea e faz o corao bater mais rpido. No entanto, tanto
a presso arterial quanto os batimentos cardacos vo comear a cair para nveis normais logo
depois de parar de fumar.
Aps dois minutos, a presso arterial e a pulsao voltam ao normal; aps duas
horas, a nicotina ser filtrada pelo rim e no haver mais nicotina no sangue. Este fato leva
sndrome de abstinncia descrita acima.
Aps oito horas, o nvel de oxignio no sangue, conhecido como saturao de oxignio tende
a se normalizar; e aps 12 a 24 horas, os pulmes j funcionam melhor.
Dias Melhores:
Em cerca de dois dias, o olfato j percebe melhor os odores e o paladar j degusta a comida
melhor. Comea-se, ento, a voltar a perceber que a vida tem cheiro, e este bom!
Em um ano, o risco de morte por infarto do miocrdio se reduz metade ao que
um fumante apresentava quando ainda fumava. Esta uma vantagem inquestionvel e constitui
um grande marco para a sade.
Entre cinco a dez anos, o risco de sofrer infarto ser igual ao de quem nunca fumou e,
aps 20 anos, o risco de contrair cncer de pulmo ser um pouco maior em comparao ao das
pessoas que nunca fumaram.
Parar de fumar a atitude mais importante que o fumante pode fazer a si
mesmo, em termos de viver melhor. No s no aspecto de sade, como tambm para
a autoestima.
Procure informaes sobre a necessidade de se recorrer ao auxlio mdico, afinal h como
se livrar da dependncia da nicotina, e se livrar de uma vez por todas. Estimule um tabagista a
procurar tratamento.

370

Parar de fumar devolve a liberdade. E isso no tem preo!


Tabagismo e Meio Ambiente: O cigarro ambientalmente insustentvel
Neste tpico, recorreremos a alguns artifcios matemticos para que se compreenda que o
cigarro ambientalmente insustentvel. Porm, antes de fornecermos os dados preciso lembrar
que o fumo j comea a poluir o meio ambiente ainda no inicio da sua plantao, Isso ocorre por
vrios fatores, como os a seguir descritos,
O tabaco, por si s, uma planta muito sensvel e propenso a muitas doenas. Por isso,
exige grandes quantidades de insumos agrcolas (qumicos): faz-se necessria at 16 aplicaes de
agrotxicos para um perodo de trs meses de crescimento. Agrotxicos esto entre os produtos
qumicos mais utilizados. Brometo de metila, amplamente utilizado como um fumigante nos pases
em desenvolvimento, contribui significativamente para a destruio da camada de oznio.
Portanto, percebe-se o quanto esse fato oferece perigo para os agricultores e funcionrios
que fazem a aplicao destes produtos qumicos que podem escoar para os cursos de gua,
contaminando fontes de gua local, incluindo o lenol fretico, mas tambm levando essas
contaminaes aos rios e tambm s pessoas e animais (fauna) que delas fazem uso. H em
paralelo a preocupao que, em razo dos elevados nveis de utilizao desses pesticidas, possam
estar provocando o desenvolvimento de resistncia em mosquitos e moscas, tornando o controle
de doenas, tais como malria, dengue e febre amarela, ainda mais difcil.
Uma outra caracterstica da planta que o tabaco exige altas demandas de potssio, absorvendo
at seis vezes mais do que outras culturas. Isso deixa o solo em condies precrias, inabilitando o
aproveitamento da terra para o desenvolvimento de outras culturas ( produo de alimentos).
Essas caractersticas acima so especialmente sensveis na Regio Sul do Brasil, porque
o regime fundirio no Sul difere das demais regies do pas. No Sul, o regime fundirio o
minifndio (pequenas propriedades com poucos funcionrios e que em geral so cuidadas por
toda a famlia, crianas inclusive!). Isso gera doenas em toda a famlia, tanto pela exposio
de agrotxicos como pelo prprio manuseio e coleta da folha do tabaco que gera uma doena
chamada doena do tabaco verde, caracterizada por nuseas, vmitos e queimaduras de pele.
Bitucas & o papel usado na fabricao
preciso lembrar que h cerca de 1,2 bilho de fumantes hoje no mundo (cerca de um
tero da populao mundial com 15 anos ou mais).

371

Essa populao produz uma enorme quantidade de resduos de cigarros por dia, denominados
popularmente bitucas ou pontas de cigarro. Pelo menos 4,5 trilhes destas bitucas (que no so
biodegradveis) so depositados anualmente no mundo.
Um outro ponto a ser levado em considerao a cada ano cerca de 600 milhes de rvores
so destrudas para fornecer papel para desidratar (secagem necessria na produo e preparo
para a indstria) a folha de tabaco. Dito de outro modo, uma rvore destruda para que se
fabriquem 300 cigarros.
Esses fatos conjugados geram um alto impacto para o meio ambiente de todo o planeta, mas
sobretudo para os pases que mais produzem tabaco no mundo. Quem so eles? China, Estados
Unidos, Brasil, Turquia e Indonsia so os cinco pases que mais produzem tanto folhas de tabaco
como cigarros manufaturados, ratificando que o cigarro e seus derivados so ambientalmente
insustentveis.
O PAPEL DO PROFESSOR NO COMBATE AO TABAGISMO
Quem ama Educa!
Iami Tiba
Se a educao sozinha no pode transformar a
sociedade, tampouco sem ela a sociedade muda.
Paulo Freire

Segundo pesquisa do Jornal Estado de So Paulo, cerca de 85% das pessoas querem parar
de fumar. O porqu delas no pararem j foi abordado nos tpicos anteriores, e est intimamente
relacionado capacidade de a nicotina viciar rapidamente os seus usurios, levando-os a uma
condio patolgica denominada dependncia.
Sabendo quo o fumo pode ser prejudicial para a sade, e de que forma as indstrias
associadas ao tabagismo focam na busca de novos clientes, sobretudo as crianas, os jovens e as
mulheres, as perguntas que se seguem so:
J que a maioria das pessoas sabem do risco de doenas ligadas ao fumo, como ento fazer
para que elas no fumem? Ou como ajudar aquelas que j fumam a parar de fumar?
preciso que todos os envolvidos no mbito das reas de educao e sade passem a
apresentar estes riscos associados ao tabagismo de forma criativa por meio de experincias,
pesquisas prticas e feiras de cincia.

372

A hiptese que levantamos sobre o mtodo de ensino. Damos muita teoria e informao,
mas de uma certa forma ensinamos pouco sobre como usar estas informaes aprendidas.
O certo seria, talvez, propor que as aulas didticas fossem cada vez menos didticas, e
sim mais motivadoras, e que estimulassem a curiosidade e fossem mais relacionadas com a vida
presente e futura de nossos alunos.
Assim sendo, sabendo que o cigarro provoca diminuio no fornecimento de sangue para a
pele, levando esta a ressecar e a envelhecer mais precocemente, um experimento com uma planta
que recebe oxignio e outra que recebe fumaa de cigarro poderia ser criado para que as crianas
e adolescentes possam realmente pesquisar e constatar por meio do seus experimentos que a
planta submetida fumaa do cigarro se desgastar muito mais rpido e poder inclusive morrer
se o experimento no for interrompido.
Um outro ponto a ser destacado pelo professor o exemplo. Uma vez que o professor
a base de uma sociedade educada, cabe a ele dar o exemplo e no fumar em seu ambiente de
trabalho e nem na proximidade dos seus alunos.
Vale ressaltar que, por outro lado, nada, nem ningum pode impedir um professor de ser
ele mesmo fumante. O fato aqui de suma importncia porque preciso ratificar e passar a
mensagem que antes de mais nada o fumante precisa ser tratado de uma maneira acolhedora,
compreensiva e respeitosa, de maneira a ser orientado que o tabagismo tem tratamento, e este
estar disponvel para todos que assim o desejarem. Em contrapartida, o exemplo do professor em
tambm respeitar seus alunos e os ambientes livres de tabaco deve ser resguardado a qualquer
custo. E isso antes de mais nada uma questo de respeito e de justia.
IDEIA PRINCIPAIS
1. Dano Ambiental
O tabaco indubitavelmente um poluente, e muito mais perigoso que a poluio ambiental,
pois fumando 20 cigarros por dia, inalam-se 400 mg de matria particulada, e a concentracao de
matria particulada de 0,1 mg na atmosfera urbana.
Nos ambientes onde se fuma, o ar torna-se poludo rapidamente pela presena das suas
numerosas substncias txicas.
Hoje o tabaco a maior fonte de poluio ambiental, e o grau de poluio tabgica ambiental
varia de acordo com as dimenses e a disposio arquitetnica dos recintos, a aerao, o nmero
de fumantes e a quantidade de tabaco consumido.

373

SBPT. Tabgismo e meio ambiente. Oncolink


A produo de derivados do tabaco causa grande agresso ao meio ambiente, porque
provoca uma extensa desertificao,uma vez que exige grande quantidade de madeira para curar
o tabaco (Enciclopdia Delta Universal. Rio de Janeiro: Delta 1888,vol 14:7466-7490).
Alem da desertificao, apontado ainda o grande nmero de incndios provocados pelas
pontas de cigarro acesas, que destroem reservas florestais, sendo o tabaco responsvel por um
quarto dos incndios ocorridos em todo o mundo.
No contexto ecolgico, o ar atmosfrico apresenta propriedades fundamentais aos seres
vivos, uma vez que contem oxignio e dixido de carbono, indispensvel sobrevivncia da
maioria dos seres vivos. Entretanto, esses dois fenmenos so prejudicados pela indstria do
tabaco, que provoca a destruio das matas e, como se sabe, a fotossntese depende diretamente
das folhas verdes pra sua efetivao, e sua queima aumenta o dixido de carbono.
(O Tabagismo-Visto sob Varios Aspectos, Jandira Torreiro de Carvalho MEDSI, Rio de
Janeiro: 319-327)
2. Dependncia
O que ser que ser? Que todos os avisos no vo evitar?
(O que Ser que ser - Chico Buarque de Holanda)
Dependncia o impulso que leva a pessoa a usar uma droga de forma contnua (sempre)
ou peridica (frequentemente) para obter prazer. Alguns indivduos podem tambm fazer uso
constante de uma droga para aliviar tenses, ansiedades, medos, sensaes fsicas desagradveis
etc. O dependente caracteriza-se por no conseguir controlar o consumo de drogas, agindo de
forma impulsiva e repetitiva. (Cebrid).
O estudo mostra que a experincia com substncias psicoativas legais ou ilegais cada vez
mais precoce entre os estudantes. A mdia de idade do primeiro contato com lcool e tabaco foi
de 12,5 anos e 12,8 anos, respectivamente. Entre os que experimentaram maconha, o primeiro
uso ocorreu, em mdia, aos 13,9 anos e, no caso da cocana, aos 14,4 anos.
Centro Brasileiro de Informaes sobre drogas psicotrpicas (Escrito por Luiz Gonzaga dos
Santos Filho Ter, 10 de Maro de 2009 17:53).
Dos adolescentes que experimentam cigarro, cerca de 70% tornam-se dependentes.
(Benowitz NL, Pharmacologyofnicotine: addictionandtherapeutics. Ann Rev Pharmacol
Toxicol 36: 597-613, 1996).

374

3. Comrcio e Propaganda
Uma mistura ardente, os publicitrios criativos tiveram muito sucesso ao impor para o
pblico em geral o gosto pelo consumo do cigarro. As mensagens mentirosas contidas na maioria
das campanhas criadas pela indstria tabaqueira costumam destacar de maneira enganosa
atributos e qualidades relacionadas ao cigarro e ao fumante, como o controle do peso e a sensao
de liberdade e independncia.
E pior, do a entender que os danos para o organismo so insignificantes e longnquas, atrativo
tentador para os adolescentes que comeam a viciar-se. Como constatao alarmente, estudos de
comunicao social revelam que dois tero dos filmes infantis mais vistos em todos os tempos,
contm cenas em que esto presentes o lcool e o cigarro. Usando o comportamanto e os sentimentos
dos jovens, a propagaganda de um cigarro apresentava frases provocantes do estilo: Perder alguma
coisa boa?.... Fique por dentro, Conformar-me com pouco?...Fique por dentro
Ao longo do tempo as campanhas de venda de cigarro propagavam o ato de fumar como
algo divertido para fazer, sofisticado e moderno. Apresentavam o cigarro como um meio fcil de
conseguir uma autoimagem positiva ou o segredo para ser aceito no grupo.
Na parceria de sucesso entre a publicidade e o consumo de cigarros, o cinema e suas
estrelas foram muito utilizadas
(Tapia E. Tabaco. A guerra do Fumo.Europa Press Ltda. Copyright Laboratorios Pfizer
Ltda. 2008: 44-45;69-70)
4. Doenas causadas pelo uso de derivados de tabaco
O tabagismo causa cerca de 50 doenas diferentes, principalmente as doenas
cardiovasculares tais como: a hipertenso, o infarto, a angina, e o derrame. responsvel por
muitas mortes por cncer de pulmo, de boca, laringe, esfago, estmago, pncreas, rim e bexiga
e pelas doenas respiratrias obstrutivas como a bronquite crnica e o enfisema pulmonar. O
tabaco diminui as defesas do organismo e com isso o fumante tende a aumentar a incidncia de
adquirir doenas como a gripe e a tuberculose. Como um irritante das vias areas exacerba as
doenas como a asma, rinite alrgica e sinusite. Esta relacionado a osteoporose, anemia e perda
da massa muscular. O tabaco tambm causa impotncia sexual.
(http://www.fiocruz.br/biosseguranca/Bis/infantil/tabagismo.htm)

375

REFERNCIAS
CENTRO BRASILEIRO DE INFORMAES SOBRE DROGAS PSICOTPICAS (Escrito por Luiz Gonzaga
dos Santos Filho), 10 de maro de 2009.
LABORATRIOS PFIZER LTDA, Tapia E. Tabaco. A Guerra do Fumo, 2008.
MEDSI, Jandira Torreiro de Carvalho, O Tabagismo Visto sob Vrios Aspectos, Rio de Janeiro.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 Prognstico, em Medicina, conhecimento ou juzo antecipado, prvio, feito pelo mdico, baseado
necessariamente no diagnstico mdico
2

Letal Que produz a morte; mortal, mortfero, fatal, letfero, letfico.

Narguil um cachimbo de gua utilizado para fumar.

Uma toxina, num contexto cientfico, uma substncia de origem biolgica que provoca danos sade de
um ser vivo ao entrar em contacto

O termo carcingeno, refere-se a qualquer substncia, ou outro agente fsico ou biolgico que provoque,
agrave ou sensibilize o organismo para o surgimento de um cncer

Nicotina o nome de uma substncia alcalide bsica, lquida e de cor amarela, que constitui o princpio
ativo do tabaco

Equipamento mdico que mede o monxido de carbono no ar exalado.Usado para medir o dano causado
pela fumaa de cigarro no pulmo

Reflexos motores so respostas automticas dos msculos, involuntrias a um estmulo sensorial.

Crucial Que permite concluir de maneira decisiva.

10 Sndrome de abstinncia o conjunto de modificaes orgnicas que se do em razo da suspenso


brusca do consumo de droga geradora de dependncia fsica e psquica, como o tabaco lcool, a herona,
o pio, a morfina etc.

376

VISO EDUCACIONAL DAS DROGAS:


ORIENTAO PARA OS PAIS E PROFESSORES

Araci Asinelli da Luz

INTRODUO
Leonardo Boff, em seu livro Saber cuidar: tica do humano, compaixo pela terra
(2011), entre tantas ideias, apresenta-nos a seguinte reflexo, prpria da era da complexidade:
A sociedade contempornea, chamada sociedade do conhecimento e da comunicao, est
criando, contraditoriamente, cada vez mais incomunicao e solido entre as pessoas. Como
decorrncia desse status quo surge o descaso/descuido/negligncia/abandono dos nossos ideais
de liberdade, igualdade, fraternidade e respeito para conosco, para com nossa famlia, nossas
crianas e adolescentes, nossa casa, nosso Estado-Nao, a Terra como Gaia1. nesse contexto
de contradies entre conhecimento e ignorncia, comunicao e isolamento, prazer e violncia,
cuidado e abandono que trazemos a temtica das substncias psicoativas de abuso (SPA)2,
comumente denominadas drogas3. Vale lembrar que consumir drogas uma prtica milenar a
ponto de podermos afirmar que no existe sociedade sem drogas. Seus padres de consumo so
importantes reveladores antropolgicos ajudando a conhecer e compreender culturas, mitos, ritos
e crenas, sistemas de referncias existenciais e religiosas das diferentes sociedades.
Se em determinado momento as sociedades conviviam com suas drogas e estabeleciam
seus padres e normas morais e ticas de consumo, com a globalizao as drogas tornaram-se
universais e a mais democrtica das substncias, tornando-se acessveis aos diversos pblicos,

377

sem restrio de gnero ou classe social. Assistimos a seu surpreendente processo de adaptao a
inmeras realidades, tendo impacto na economia, na sade, na educao, na segurana pblica,
na poltica, nos espaos de (com)vivncia, portanto, na concepo de sustentabilidade4 em suas
mltiplas facetas.
Ao nos referirmos ao termo droga, por sua histria focada nos modelos clnico e repressor,
normalmente esperamos relatos de suas caractersticas, fisiologia, respostas comportamentais
e consequncia social, dada a ampla bibliografia bioqumica, mdica, psicologizante e legal
disponvel nos vrios idiomas, incluindo as especficas s drogas mais consumidas no mundo.
Nesse captulo, no entanto, daremos nfase aos aspectos educacionais ligados ao tema, ou seja,
privilegiaremos as informaes bsicas que as mes/pais e professoras(es) devem saber para atuar
como sujeitos da preveno em casa e na escola, tornando-se presena educativa5 na vida das
crianas e adolescentes, como prope Antnio Carlos Gomes da Costa (1997).6
Nesse sentido, destacamos que o foco da preveno7 a pessoa, no a droga. Por isso,
precisamos ser expertes em gente antes de querermos saber tudo sobre drogas. Da a importncia
de os pais/mes conhecerem de fato seus filhos e filhas, suas caractersticas de personalidade,
quem so seus amigos, seus talentos, os lugares onde gostam de estar, bem como as professoras
e professores interessarem-se pelo universo das histrias de vida dos estudantes, contextualizando
os contedos da aprendizagem e variando as situaes de estmulo-aprendizagem. Famlia e
escola devem e podem estimular o prazer de estudar em substituio ao prazer fugaz da droga.
No negligenciaremos, no entanto, neste captulo, as informaes sobre as drogas, em especial as
que constituem a realidade brasileira, mantendo viva a discusso para o desafio educacional da
preveno do abuso de drogas8.
DESENVOLVIMENTO HUMANO: MLTIPLAS POSSIBILIDADES DE RELAO
Acredito que todos ns sabemos que, embora nasamos Homo sapiens, s nos tornamos
homens e mulheres no convvio social. Weber (2008) argumenta que a possibilidade de nos
tornarmos humanos ocorreu com a prevalncia do investimento parental decorrente do arranjo
familiar de nossos ancestrais. Com isso, o que poderia ser considerado desvantagem, a absoluta
dependncia das crianas e adolescentes, permitiu mltiplas possibilidades de educao e
desenvolvimento, mesmo que sob os cuidados permanentes dos adultos.
Acredita-se que, independentemente do modelo de famlia existente na qual se inclui a pessoa em
desenvolvimento, a relao entre os seus membros de maneira ativa e compartilhada, permitir estruturar
alicerces mais consistentes para as experincias futuras que surgiram ao longo da convivncia, estendendo-se
em condies mais seguras para o enfrentamento de dificuldades (WEBER, 2008, p.34)

378

Muitas so as concepes de desenvolvimento humano. No contexto da preveno, nos


interessa a representao9 da droga na vida da pessoa para entendermos a relao de vnculo
que possa estabelecer com ela. Por isso, adotamos o desenvolvimento na concepo bioecolgica
do desenvolvimento humano de Bronfenbrenner (2002), que o define como uma mudana
duradoura na maneira pela qual uma pessoa percebe e lida com seu ambiente, podendo ser
afetado pelos eventos que ocorrem em ambientes nos quais a pessoa nem sequer est presente,
visto que as capacidades humanas e sua realizao dependem em grau significativo do contexto
social e institucional mais amplo da atividade individual, na perspectiva da sustentabilidade.
No paradigma bioecolgico, a presena da droga no ambiente de desenvolvimento
diretamente ligado vida da criana, famlia e escola, por exemplo, caracterizaria uma
transio ecolgica10 com impactos significativos no desenvolvimento. Na perspectiva da
sustentabilidade, envolveria inmeras questes ambientais, de direitos humanos, econmicas, de
relaes socioambientais, em processos complexos como deve ser entendida a sustentabilidade da
vida no planeta, o desenvolvimento humano, a cultura do consumo da droga (desde sua produo),
bem como a preveno na famlia e na escola.
O desenvolvimento da criana e do adolescente depende das condies de proteo
dentro de sua rede primria bsica no microssistema11 familiar e tambm da interao com o
mesossistema12. Este ltimo se localiza nas redes de servios sociocomunitrios, como a creche,
a escola, as igrejas, as organizaes sociais no governamentais, os grupos organizados e as
demais iniciativas no formais de proteo que lhes d a sustentabilidade.
VISO EDUCACIONAL DAS DROGAS: OLHAR PELA COMPLEXIDADE
Para Morin (2010), A tica do conhecimento e a tica da responsabilidade no so solues,
e sim caminhos (p. 120). Assim, tomar conscincia sobre os possveis caminhos a percorrer
supe a reforma das estruturas do prprio conhecimento (p.122), em busca do pensamento
complexo que pressupe a existncia de grande quantidade de interaes e interferncias em
diversos nveis nos sistemas vivos; o seu aumento com a diversidade de elementos que constitui
o sistema complexo; a complexidade como princpio articulador e organizador do pensamento e
da ao e ver a famlia e a escola relacionalmente (mesossistema), inseridas num contexto do qual
so dependentes.
Reformar o prprio conhecimento exige conceber o Homem em suas diversas dimenses
que se entrelaam e constroem a sua complexidade considerando o conjunto de papis que
representa na vida; a rede de interaes de todas as pessoas com as quais est em relao; seu

379

tomo social (seu mundo pessoal e afetivo) e seu status sociomtrico (sua cota de amor nos grupos
a que pertence) (FONSECA F, 1980).
Dessa forma, a droga, antes de ser uma escolha pessoal pode ser compreendida como
sintoma de uma doena social, sinalizando uma sociedade em crise de valores socioambientais
(ausncia de cuidados). A sociedade doente permite o abuso13 como forma de expresso de sua
contribuio ao desenvolvimento humano e ambiental sem modelos referenciais, com dificuldades
de resolver seus conflitos, com pouca ou nenhuma opo de prazer, falsa noo de poder e
ausncia de projetos de vida.
Nesse contexto, a droga pode ser entendida como toda substncia psicoativa, natural ou
sinttica que, disponibilizada para uso/abuso, interfere no comportamento humano (sensao,
percepo, estado emocional) causando prejuzos nas reas individual, familiar, social e de trabalho,
porque expe a diferentes situaes de risco quem dela se utiliza, podendo causar dependncia.
A droga, suas formas, tipos, modalidades e padres de consumo, soma-se aos fatores
agressores e estressores da vida, como a fome, a poluio ambiental, as violncias, a desigualdade
social, o trnsito, os agrotxicos, a competitividade, o consumismo, a vida sedentria, a excluso
social, o esgotamento dos recursos do planeta, a superpopulao mundial, enquanto buscamos a
sustentabilidade social e planetria.
Diante disso, a forma mais usual de referenciar a droga relacionada aos efeitos que
seu uso provoca no organismo e no comportamento humano, em detrimento de outras formas
de represent-la, tais como a legalidade14 ou ilegalidade15, a forma de consumo, a origem,
produo ou manipulao. O conhecimento sobre as drogas, na preveno, visa melhor conhecer
o contexto em que vive a criana, o adolescente, o adulto, suas caractersticas e personalidade,
bem como facilitar o dilogo entre pais/mes e filhos(as) e entre estudantes e professores. Por isso,
usaremos neste texto a classificao mais genrica sem, contudo, ferir o rigor tcnico-cientfico
que o tema exige.
Assim, as drogas ou substncias psicoativas de abuso, com base em seus efeitos no sistema
nervoso central, podem ser classificadas em trs grandes grupos:
1. Depressoras do Sistema Nervoso Central (psicolpticas): diminuem a capacidade de
resposta da atividade mental, reduzindo as possibilidades e competncias relacionadas
s atividades psquicas e motoras, tais como a viglia, a ateno, a fala, os movimentos,
o poder intelectual, a memria, a prontido, o controle das emoes e reaes.
Geralmente produzem sonolncia, relaxamento, sedao. So exemplos os barbitricos,
os tranquilizantes, o lcool.

380

2. Estimulantes do Sistema Nervoso Central (psicoanalpticos): estimulam o sistema nervoso


central aumentando sua capacidade de resposta, tendo como consequncia o aumento
da viglia, o tnus psquico, diminuem a fadiga (momentnea), interferem na noo de
fora e poder. So exemplos as anfetaminas, a nicotina, o ecstasy, os rebites usados por
caminhoneiros.
3. Alucingenos ou desestruturantes da atividade mental (psicodislpticos): interferem na
percepo da realidade produzindo delrios, alucinaes e manifestaes semelhantes
a psicoses e(ou) neuroses. So exemplos os inalantes, a maconha, o LSD, a cocana e
o crack, a herona. Aliadas resposta despersonalizante ocorrem reaes depressoras
(maconha) ou estimulantes (crack) conforme a droga.
Quadro 1 Quadro sntese das principais drogas de uso no Brasil
continua

DROGA

lcool

CLASSIFICAO

Depressor e
desestruturante da
atividade mental

FORMA
DE USO

EFEITOS DO ABUSO E
RISCOS
Euforia, falta de coordenao
motora, diminuio dos
reflexos, impulsividade,
descontrole emocional,
diminuio da capacidade
de julgamento e do nvel de
conscincia.

Ingesto

Riscos: emagrecimento,
alteraes hepticas e
gastrointestinais, dores
musculares, disfuno sexual,
apagamento, desnutrio,
delrio, alucinaes,
dependncia, sndrome
alcolica fetal.

Estimulante

fumado,
mascado

Ansiedade, irritabilidade,
tremores, insnia,
agressividade, sudorese,
convulses, nuseas,
delirium tremens.

Ansiedade, nervosismo,
irritabilidade, tremores,
aumento do apetite,
insnia, mal-estar,
Riscos: complicaes
dificuldades nas atividades
respiratrias, cardiovasculares,
intelectuais, melhora nos
cncer, enfisema, dependncia.
sentidos do gosto e odor.
Excitao, anorexia, distrao,
relaxamento, tremores finos.

Tabaco

EFEITOS DA FALTA

381

Quadro 1 Quadro sntese das principais drogas de uso no Brasil


continuao

DROGA

CLASSIFICAO

Depressora e
Maconha, haxixe desestruturante da
atividade mental

Cocana
crack

Estimulante
desestruturante da
atividade mental

FORMA
DE USO

EFEITOS DO ABUSO E
RISCOS
Desmotivao, apatia, dilatao
das pupilas, distoro da
percepo espao-temporal,
fadiga, vertigens, sonolncia,
variao do humor, distrbios
de percepo e julgamento,
diminuio da libido sexual,
larica, comprometimento motor,
depresso.

fumado

Fumada,
inalada,
injetada

Riscos: isolamento, sndrome


amotivacional, distrbios
hormonais, imunolgicos e
cardiovasculares, esterilidade,
potencializao do aparecimento
de distrbios mentais, mal
formao fetal (durante a
gravidez), ginecomastia em
homens, conflitos relacionais,
dependncia.
Perda do apetite, insnia,
excitao, agressividade,
irritabilidade, hiperatividade,
ideias delirantes e paranoias,
alucinaes, palidez, magreza
extrema, hipertermia,
hipertenso, destruio do
septo nasal, hemorragias nasal
e gengival, corisa, sensao de
aumento de energia, cefaleia.
Riscos: hiperatividade,
irritabilidade, agressividade,
taquicardia, depresso,
psicoses, paranoias, overdose,
convulses, furtos e roubos,
infeco por contaminao
(HIV, hepatites), dependncia.

382

EFEITOS DA FALTA

Irritabilidade, inquietao,
hiperatividade, ansiedade,
insnia, cefaleia.

Apatia, depresso,
desorientao, delrio,
ansiedade, insnia ou
sono prolongado, dores
abdominais e musculares.

Quadro 1 Quadro sntese das principais drogas de uso no Brasil


continuao

DROGA

Ecstase
Anfetaminas

Inalantes ou
solventes

CLASSIFICAO

Estimulante e
desestruturante da
atividade mental

Depressores e
desestruturantes da
atividade mental

FORMA
DE USO

EFEITOS DO ABUSO E
RISCOS

EFEITOS DA FALTA

ingerida

Excitao, anorexia, insnia,


inquietao, confuso mental,
agressividade, boca seca,
dilatao da pupila, alucinaes,
viso embaada, liberao das
inibies, paranoia, descontrole
verbal, fadiga, sensao de
Apatia, sono prolongado,
aumento de energia, perda de irritabilidade,
apetite, sede intensa.
depresso, delrio,
suicdio, desorientao,
Riscos: respirao superficial,
agressividade, surto
depresso, agitao
psictico.
psicomotora, tremores,
convulses, paranoia, perda
significativa de peso, parada
cardiorespiratria, hipotermia,
desidratao, sofrer abuso,
dependncia.

inalados

Euforia, sonolncia, diminuio


da fome, alucinaes,
locomoo dificultada, fala
enrolada, confuso mental,
movimentos desordenados,
vmitos, nuseas, tosse, coriza,
depresso, torpor, violncia,
Cefaleia, tonturas, nuseas
agressividade.
e vmitos, tremores,
convulses, ansiedade,
Riscos: queda da presso
insnia, risco de bito.
arterial, diminuio dos
batimentos cardacos e
respirao, destruio neuronal,
atrofia cerebral, suicdios,
perda da capacidade cognitiva,
insuficincia renal e do fgado,
morte, dependncia.

383

Quadro 1 Quadro sntese das principais drogas de uso no Brasil


concluso

DROGA

LSD

CLASSIFICAO

Desestruturante da
atividade mental

FORMA
DE USO

absoro

EFEITOS DO ABUSO E
RISCOS

EFEITOS DA FALTA

Nuseas, iluses, alucinaes


intensas (viagens), distoro
na percepo espaotemporal, confuso mental,
despersonalizao,
impulsividade, flutuao
emocional, aumento da
sensibilidade, hiperreflexia,
taquicardia, fraqueza muscular, Imprevisveis e
olhos dilatados, sensao de
desconhecidos.
pnico.
Riscos: danos cerebrais,
alteraes cromossmicas,
esquisofrenia transitria,
parada respiratria,
flashbacks, tendncia suicida,
comportamento imprevisvel.

Heroina
Morfina

Barbitricos
Calmantes
Tranquilizantes
(medicamentos)

Depressora
desestruturante da
atividade mental e

Depressores

injetada

Estado de torpor, sonolncia,


alvio da dor, sedativo da tosse,
sensao de leveza e prazer,
Bocejos, lacrimejamento,
pupilar contradas.
coriza, suor abundante,
dores musculares e
Riscos: queda de presso
abdominais, febre, pupilas
arterial, dificuldades
dilatadas e hipertenso.
respiratrias e bradicardia,
podendo levar morte,
dependncia.

Ingeridos
ou
injetados

Sonolncia, apatia, lngua


enrolada, embriagus
sem hlito, confuso,
desorientao, ausncia
de coordenao motora,
Ansiedade, insnia,
irritabilidade, agressividade,
tremores, convulses,
variao do humor, sedao,
delrios, alucinaes,
vertigens, prejuzo da memria.
parada cardaca, dores
abdominais e musculares,
Riscos: respirao superficial,
perda da capacidade
pele fria, mida e escamosa,
cognitiva e da ateno.
pupilas dilatadas, arritmia,
pulso descompassado,
impotncia, confuso mental,
coma e morte por overdose,
dependncia.

Fonte: Adaptao a partir do Guia de Identificao das Drogas (KOSSOBUDZKI; CARAZZAI; FREGA, s.d.); BRASIL, SENAD,
2002; ASINELLI-LUZ, 2000).

384

No campo da preveno, a viso educacional das drogas facilita o dilogo, facilita o diagnstico
precoce de problemas, auxilia na compreenso dos efeitos e fatores ligados ao consumo de drogas
e no deve ser utilizada para destacar nem banalizar as substncias psicoativas e seus efeitos, e
sim problematiz-las. Isso porque os efeitos de uma droga nem sempre o mesmo para diferentes
pessoas. Seus efeitos dependem da droga (caractersticas, grau de pureza, outros componentes da
mistura, quantidade de uso, forma de utilizao, legalizada ou ilegal), do usurio (caractersticas,
idade, relao altura e peso, estado emocional, expectativas, condies doconsumo, grau de
dependncia, companhias) e local, ou seja, o ambiente em que o uso acontece (lugar pblico ou
privado, maior ou menor disponibilidade da substncia, permissibilidade ou represso, tempo de
disponibilidade para o consumo, companhia de amigos).
QUEBRANDO PARADIGMAS
Na viso educacional, no existem drogas leves e drogas pesadas. Por isso devemos nos
referir a uso leve e uso pesado de drogas, mesmo que a farmacologia indique maiores ou menores
riscos relacionados a algumas substncias psicoativas.Vimos anteriormente que depende das
condies de uso, de quem a usa e o motivo do consumo naquele momento. Da mesma maneira
que as drogas legalizadas no representam menor risco do que as drogas consideradas ilegais em
cada pas. At porque as leis que probem ou regulamentam o uso de drogas variam de um pas
para o outro, bem como de uma droga para outra. Da mesma forma devemos evitar comparar uma
substncia com outra, evitando construir representao de que h uma escala de maior ou menor
gravidade ligada ao uso/abuso.
Para a preveno, evitar o uso ou prorrogar o primeiro consumo cada vez mais tarefa
primordial da educao familiar e escolar. Por isso costumamos ressaltar que a pior droga a
nossa, ou seja, aquela que fazemos uso, independente de qual ela seja, pois sempre estaremos
sujeitos a situaes de risco relacionadas ao seu consumo, bem como vulnerveis a novas
substncias, geralmente sintticas, disponibilizadas pela sociedade. Nesse sentido, o exemplo
ainda o melhor procedimento para educar.
Ressaltamos que as substncias psicoativas sempre estiveram ligadas histria das
civilizaes, associadas busca de melhor desempenho (nas guerras, no trabalho, na vida sexual,
na atividade intelectual e na produo artstica), na cura de doenas, transcendncia, rituais
religiosos, desejo de poder e formas originais de prazer. Alm disso, estudos mostram que as
pessoas sem adequadas informaes sobre os efeitos das drogas, com sade deficiente, insatisfeitas

385

com sua qualidade de vida, com personalidade deficientemente integrada, com fcil acesso s
drogas, ideia de invunerabilidade e de impunidade so mais propensos ao abuso de drogas.
Assim, a viso educativa sobre as drogas nega-se ideia de improviso, de fazer qualquer
coisa de qualquer jeito. Exige sim o acesso aos materiais pedaggicos e prope a anlise crtica
deles. Tarefa que desafiadora para mes/pais e professores/as.
RELEMBRANDO CONCEITOS
Ao abordarmos as drogas e seus efeitos (quadro n.1), uma palavra-chave esteve sempre
presente: a dependncia16. um conceito ligado ao campo da sade pblica e isenta o
dependente qumico17 da responsabilidade de sua histria de abuso que antecede a doena.
Assim como coloca a famlia e a escola em posio de guardis da possibilidade da abstinncia18,
na medida em que so setores importantes da rede de (re)insero social do dependente qumico.
No consumo de drogas h o fenmeno da tolerncia19 que ajuda a famlia a perceber a alterao
do padro de consumo de droga, alertando sobre a possibilidade da dependncia.
Edwards e Lader (1994), na obra A natureza da dependncia de drogas, trazem interessante
abordagem histrica dos conceitos de adio20, dependncia e abuso de drogas que demonstram
o carter poltico dos mesmos, expressando os relacionamentos do poder dominante (p.28). Foi
a partir do entendimento da doena alcoolismo, no entanto, que em 1962, o Ministrio da Sade
justificou o aprimoramento do tratamento mdico especializado (p.28).
No contexto educativo, a dependncia entendida em sua concepo una, sem a dicotomia
dependncia fsica21 e dependncia psicolgica22, necessria no campo clnico para dar
suporte s intervenes. Compreender a dependncia como doena crnica, incurvel, mas
tratvel, apesar dos possveis deslizes23 e recadas24, ajuda a famlia e a escola a entenderem a
dificuldade do dependente em controlar o consumo de drogas, a reestruturar a dinmica da casa,
do estudo, do trabalho, evitando a codependncia25.
Do mesmo modo, a escola pode ensinar a preveno, desenvolvendo nos estudantes o
sentimento de solidariedade, possibilitando o retorno e a manuteno dos sujeitos aos estudos,
usurios ou no, dependentes ou no, em seu espao, promovendo a sustentabilidade pessoal e
social em seu cotidiano. Reforamos que isso possvel na concepo de mesossistema, ou seja,
famlia, escola e sade interagindo em prol de um objetivo comum.
No tratamento da dependncia, a abstinncia da droga provoca um quadro de mal-estar
intenso e persistente, principalmente no incio, necessitando, muitas vezes, de interveno

386

medicamentosa para minimizar os sintomas, sob risco de provocar a recada. a sndrome de


abstinncia26. Os sinais e sintomas que provocam o mal-estar dependem do tipo de droga, do
padro de dependncia e surgem aps algumas horas ou dias aps o ltimo consumo. A famlia
cuidadora essencial para dar suporte abstinncia. A sndrome de abstinncia relativa a cada
uma das drogas est especificada no quadro 1, na coluna que trata dos efeitos da falta.
Outro aspecto importante do olhar educativo sobre as drogas poder discriminar quem
quem na rede de relaes que permeia o abuso de drogas. O usurio27 (experimentador,
ocasional, frequente ou habitual, problema) e o dependente28 so os sujeitos, foco da ao
nos campos da educao, da sade, do servio social e do direito, enquanto o traficante29 o
contraventor, de responsabilidade da segurana pblica e da justia.
ORIENTAO AOS PAIS/MES E PROFESSORES
Investir em preveno do abuso de drogas optar pela vida contribuindo para o desenvolvimento
humano na perspectiva da sustentabilidade, isto , cuidar de si, cuidar do outro e cuidar do planeta.
Paulo Freire, em Pedagogia da autonomia (1996), nos convida a exercer a tica:
Mulheres e homens, seres histrico-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de valorar, de intervir, de
escolher, de decidir, de romper, por tudo isso nos fizemos seres ticos. S somos porque estamos sendo. Estar
sendo a condio, entre ns, para ser. No possvel pensar os seres humanos longe, sequer da tica, quanto
mais fora dela. [...] uma transgresso.

Educar para a preveno fazer escolhas e ter como foco a pessoa, compreender os fatores
e processos que promovam o desenvolvimento humano integral, responsveis por fortalecer e
construir habilidades e competncias nas pessoas. Trata-se do estudo das foras e virtudes do ser
humano comum.Assim, prevenir pode ser considerado como sinnimo de educar. A preveno
promove o autoconhecimento30 e autoestima31, o fortalecimento da identidade32 pessoal e
cultural e o desenvolvimento da comunicao interpessoal. Propicia a vivncia e reflexo a respeito
de valores ticos universais33 e a sensibilizao em questes de gnero34 e tnicas, alm da
resoluo pacfica de conflitos.
No campo da preveno, acolher as estratgias de reduo de danos35 abre perspectivas
de acolhimento para sujeitos que no pretendem ou ainda no conseguem interromper o uso
de drogas. Nesse caso, a reduo de danos permite o uso de medidas que diminuem os danos
provocados pelo uso de drogas (CRUZ, 2006, p.15). A reduo de danos uma proposta de
sade pblica que ultrapassa a viso linear do abuso de drogas e atinge o patamar dos direitos

387

humanos. Possibilita que o dependente grave seja reconhecido como sujeito de direitos, (re)insirase no sistema de sade, sendo-lhe permitido repensar sobre sua (in) capacidade de abstinncia
das drogas e as outras possibilidades de consumo, reduzindo danos sade e potencializando a
sustentabilidade pessoal e do sistema.
A reduo de danos, como outra interveno no campo do consumo e da dependncia de
drogas, envolvem aspectos tcnicos, ticos, sociais, culturais, educacionais, espirituais, legais, no
mbito de cada rea do conhecimento, exigindo a atuao de mltiplos profissionais. So muitas
as experincias humanas que esto em jogo, iniciando pelo fracasso das iniciativas de preveno.
Alguns exemplos de procedimentos de reduo de danos: oferecer, junto ao tratamento da
dependncia, o acesso a exames clnicos para doenas transmissveis por via venosa ou sexual para
quem faz uso de drogas injetveis, as terapias de substituio (uso da metadona aos dependentes
de herona, uso de benzodiazipnicos no tratamento da dependncia do lcool, por exemplo), as
campanhas de trnsito que propem a dissociao do ato de beber do ato de dirigir e a proibio
do fumo em lugares pblicos e fechados. Vale destacar que esses procedimentos no impedem
e nem contradizem as possibilidades de agir em prol de diminuir o consumo e controlar a oferta
de lcool e outras drogas. Atualmente a reduo de danos uma das bases que fundamentam a
assistncia a usurios de drogas no Brasil.
O Art. 227 Constituio Federal: Doutrina da Proteo Integral (1988) assim expressa:
dever da famlia, da sociedade e do Estado, assegurar, com absoluta prioridade, o direito vida, sade,
alimentao, educao, ao lazer, profissionalizao, cultura, dignidade, ao respeito, liberdade e
convivncia familiar e comunitria, alm de coloc-los a salvo de toda forma de negligncia, discriminao,
explorao, violncia, crueldade e opresso (Destaque da autora).

Em que pese a importncia da famlia e do papel da me/pai no desenvolvimento saudvel


de crianas e adolescentes, as pesquisas relacionadas a lcool e drogas costumam mostrar a
dinmica familiar como um fator determinante para o consumo de drogas e, por esse motivo, a
famlia tem sido chamada para participar ativamente do tratamento das dependncias qumicas.
Nogueira (2006, p. 153) ao se referir droga na famlia afirma: A droga um significante
que ocupa um lugar para o sujeito que faz uso dela, bem como para cada membro da famlia.
E continua, auxiliando-nos a refletir sobre a importncia do exemplo para determinar o lugar que
a droga ocupa na estrutura dos filhos: o filho cujo pai se alcoolizava muito pode desenvolver
horror ao lcool, ou se identificar a esse trao do pai, repetindo um modo de gozo inscrito pelo
outro paterno.
Pelo exposto, na viso sistmica, mes/pais e professores devem nortear sua atuao no
cuidado a partir de fatores de proteo36 e fatores de risco37.

388

O conhecimento de possveis aspectos relacionados presena de rede de apoio social e afetiva, coeso
ecolgica na famlia, escola instituio e at mesma na rua, bem como aspectos pessoais como valores/
moralidade, autoestima, criatividade, sentido para vida e para realizao, bem-estar, otimismo, humor,
altrusmo, sociabilidade, autoeficcia e perspectivas de futuro, podem servir como fatores de proteo e busca
de alternativas para um desenvolvimento mais saudvel (LIBRIO; KOLLER, 2009, p. 23)

So fatores de proteo na famlia em relao preveno do abuso de drogas:


Investir no dilogo entre pais/mes e filhos/as (fica mais fcil detectar mudanas no
comportamento do/a filho/a);
nfase no afeto paterno, principalmente em organizaes socioculturais nas quais o papel
materno definido como provedora do afeto e carinho e o papel paterno como provedor
econmico da famlia;
Interesse dos pais/mes na ocupao do tempo livredos filhos/as e desenvolver vnculos
familiares fortes;
Apoio da famlia ao processo de aquisio da autonomia;
Monitoramento parental aos diversos processos de crescimento e desenvolvimento;
Normas claras para os comportamentos sociais, incluindo-se o uso de drogas, ou seja,
ensinar a vivenciar limites. Pais e mes que no ensinam limites no preparam seus filhos
para a vida em sociedade.
Ainda, na famlia, conhecer os/as amigos/as do/a filho/a e os pais/mes destes, ter exigncias
e expectativas quanto ao desempenho na escola e incentivar o engajamento em atividades
comunitrias e de movimentos sociais ou de solidariedade.
Quanto ao comportamento dos pais/mes: comunicao livre e fluente, elogios s conquistas,
colocao de expectativas claras aliadas educao com autoridade, compartilhamento de valores,
atitudes e crenas sobre drogas.
So fatores de risco em relao ao abuso de drogas:
Conflitos familiares graves, ausncia de dilogo e interao afetiva entre os membros da
famlia e baixo envolvimento dos filhos(as) nas atividades familiares;
Suscetibilidade herdada ao uso e vulnerabilidade ao efeito das drogas; tabagismo,
alcoolismo e uso de outras drogas dos pais/mes;
Pouco controle dos pais sobre amizades e atividades desenvolvidas pelos(as) filhos(as),
bem como dificuldade dos pais de passar normas e ensinar limites, provocando no(a)
filho(a) falta de assertividade e ambiguidade em relao a normas e leis;

389

Pais/mes que se apresentam como amigos e no se posicionam como pai/me,


educadores, figura de autoridade e referncia, de confiana e respeito, envolvimento
materno insuficiente e ausncia paterna.
E, ainda, estilo de criao autoritrio (pais autocrticos, muito exigentes e pouco responsivos;
filhos (as) obedientes s regras, porm com baixa autoconfiana) e estilo de criao permissivo
(pais indulgentes ou negligentes). No primeiro caso, maior probabilidade de uso de drogas e
desengajamento escolar. No segundo, problemas de vrias ordens e em vrias reas, desde o
autoconceito at a competncia (WEBER, 2008).
So fatores de proteo na escola:
Verbalizao de expectativas positivas com relao ao aluno/a;
Estmulo continuidade dos estudos dos/as estudantes possibilitando encaminhamentos;
Professores/as bem preparados/as, que demonstrem prazer em ensinar e satisfao frente
o sucesso dos/as estudantes;
Atividades complementares criativas e promotoras de vnculos entre estudantes, pais/
mes, comunidade, escola e sociedade;
Normas claras, limites bem colocados e combinados em lugar de regras impostas;
Presena de associao de pais/mes e professores, alm de conselho escolar atuante;
Adequao curricular;
Presena de programa de preveno como parte do projeto poltico-pedaggico da escola.
Alm disso, escola que cuide de sua infraestrutura, da mobilidade e incluso de estudantes,
que respeite a diversidade em todas as suas formas de manifestao, que mantenha dilogo
permanente com a famlia e comunidade e se destaque pelo padro de relacionamento humano e
ndice de aprovao de seus estudantes.
So fatores de risco relacionados ao microssistema escola:
Indefinio de normas e regras autoritrias impostas;
Ausncia de projeto poltico pedaggico adequado realidade da comunidade e
momento histrico;
Relao conflitante entre famlia e escola;
Desvalorizao dos professores/as e demais profissionais da educao;
Tolerncia ao uso de cigarros e bebidas alcolicas;
Utilizao de rtulos para identificao do aluno como forma de punio ou de excluso;
Inexistncia de programa de preveno;

390

Inadequao curricular;
Forma conflituosa e discriminatria para tratar os conflitos;
Descuido com o patrimnio e a infraestrutura escolar.
fundamental que a famlia e a escola compreendam a importncia do diagnstico precoce,
considerando relevante todo e qualquer sinal ou mudana de comportamento significativa em
seus filhos/estudantes para, de imediato, pedir ajuda especializada e agir preventivamente. Num
primeiro momento, o dilogo sempre a melhor forma de mostrar que reconhecem e acolhem
seus filhos/estudantes como eles/as so e esto dispostos a ouvi-los/as e ajud-los.
Tambm importante saber que a dependncia pode e deve ser tratada, sendo possvel o seu
controle quanto mais cedo for diagnosticada. Nesse sentido bom conhecer os servios disponveis
em sua cidade e regio e os diversos tipos de interveno clnica. A saber: psicoterapias individuais
e grupais; tratamento em regime ambulatorial; tratamento em regime de internao; grupos de
Mtua Ajuda (AA, NAA, Amor Exigente) e para os familiares; tratamento farmacolgico (para os
casos de intoxicao, sndrome de abstinncia, perodo ps-abstinncia e craving, manuteno)
e Terapia Breve (ASSIST), entre outros mtodos de enfrentamento da dependncia qumica.
Pais/mes e professores/as precisam saber que a busca do prazer e curiosidades acerca
da sexualidade e drogas so legtimas, lcitas e fazem parte da cultura dessa civilizao. Por
isso, manter a relao de confiana entre adolescentes, educadores, pais/mes, profissionais
de sade e comunidade, bem como o compromisso de fornecer informaes corretas do ponto
de vista cientfico e evitar emitir valores pessoais (por exemplo, idade para a primeira relao
sexual, droga leve e droga pesada). Devem expressar claramente os valores que regem seus
prprios comportamentos e orientam sua viso de mundo, exercendo, sem medo, suas funes
paterna/materna e de educador/a.
CONSIDERAES FINAIS
Resistir s drogas num mundo estressante e desafiador uma deciso complexa mesmo
para um adulto. Como no o ser para crianas, adolescentes e jovens que so vulnerveis, perante
as experincias diferenciadas que trazem, como valor agregado, ideia de poder e de prazer. Se
a informao ajuda, por outro lado a sua ausncia fragiliza ainda mais quem dela necessita para
tomada de deciso. Muitas so as fontes de informao embora poucas sejam direcionadas para
pais/mes e professores(as). Os livros tcnicos assustam e dificultam a aproximao afetiva e o
dilogo prazeroso entre pais/mes e filhos.

391

Os motivos pelos quais os jovens usam drogas j so bem conhecidos: fugir de problemas
com a famlia/com os pais, querer ser aceito num grupo de amigos, experimentar sensaes
novas e gostosas, sentir-se mais solto, menos tmido, ir contra as regras da sociedade, escapar de
pensamentos e sentimentos ruins, ficar mais vontade em festas e programas, estudar e aprender
com mais facilidade, fazer alguma coisa no tempo livre, aumentar a criatividade, se conhecer.
Nesse contexto, uma pergunta silenciosa explode no ar: como uma relao de amor incondicional
entre pais/mes e filhos pode ser tambm a causa de tanto dano?
Educar uma prtica quase impossvel, que exige muita pacincia e perseverana, da
qual mes e pais no podem se furtar. Implica uma sintonia fina entre o que se deve permitir
no incentivo liberdade e o que se deve reprimir para facilitar a incluso na vida societria
(FREITAS, 2002, p. 46). Da a importncia dos limites e a educao em valores como medidas
essenciais de preveno, no s em relao ao abuso de drogas, como tambm no processo de
desenvolvimento da resilincia38, superando diferentes dificuldades e conflitos, comuns na vida
em sociedade, em especial na fase escolar.
Tomar decises e fazer escolhas , por sua vez, exerccio cotidiano de extrema complexidade.
Talvez porque negamos o que sempre soubemos: cada um de ns habitado por mltiplos
personagens, abrigados dentro de uma s pele, atendendo por um nico nome. E nem sempre
esses personagens esto todos de acordo, diante de uma deciso importante (ARATANGY,
1998, p.10-110).
Rever posies, ressignificar conceitos, resgatar valores exigem coragem e discernimento.
Mais do que isso, requer desejo e intencionalidade. Nossos filhos e filhas dependem de ns tanto
quanto dependemos deles para exercermos nossa maternidade/paternidade. Da mesma forma,
professores e professoras no so educadores sem seus complementares: os estudantes.
Faamos de nossas casas e escolas espaos e lugares da vida plena, da relao verdadeira
pelo afeto. Amar preciso, prevenir necessrio. Sonhemos outro mundo possvel para nossos
jovens, em nosso lar, em nossas escolas, em nosso pas e em nossa casa Terra.
Parafraseando Quintana, No corra atrs das borboletas. Cuide do jardim que elas viro
at voc.
REFERNCIAS
ARATANGY, Lidia Rosenberg. O desafio da preveno. In: AQUINO, Jlio Roberto Groppa (Org.). Drogas
na escola: alternativas tericas e prticas. So Paulo: Summu, 1998.
ASINELLI-LUZ, Araci. Educaoe preveno ao abuso de drogas: limites e possibilidades. Tese de
Doutorado. Faculdade de Educao da USP, 2000.

392

BEATTIE, Melody. Co-dependncia nunca mais. 15 ed. Rio de Janeiro: Nova Era, 2011.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: tica do humano, compaixo pela terra. 17. ed. Petrpolis: Vozes, 2011.
BRASIL, Secretaria Nacional Antidrogas. Um guia para a famlia. Braslia: SEDH; UNDCP, s.d.
BRONFENBRENNER, Urie. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados.
2 reimpresso. Porto Alegre: Artmed, 2002.
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Pedagogia da presena. Belo Horizonte: Modus Faciendi, 1997.
CRUZ, Marcelo Santos. Consideraessobre possveis razes para a resistncia s estratgias de reduo de
danos. In: CIRINO, Oscar; MEDEIROS, Regina (Orgs.). lcool e outras drogas: escolhas, impasses e sadas
possveis. So Paulo: Autntica, 2006.
EDWARDS, Griffith; LADER, Malcolm e col. A natureza da dependncia das drogas. Porto Alegre: Artes
Mdicas: 1994.
FONSECA FILHO, Jos S. Psicodrama da loucura: correlaes entre Buber e Moreno. So Paulo: gora,
1980.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessrios prtica educativa. 30 ed. So Paulo: Paz e
Terra, 1996.
FREITAS, Luiz Alberto Pinheiro de. Adolescncia, famlia e drogas: a funo paterna e a questo dos
limites. Rio de Janeiro: Mauad, 2002.
GIGLIOTTI, Analice; CARNEIRO, Elizabeth; ALELUIA, Gisele. Drogas sem: aprenda a ajudar pessoas a se
livrar de dificuldades com lcool e drogas. Rio de Janeiro: Best Seller, 2008.
KOSSOBUDZKI, Luiz Andre; CARAZZAI, Luiz Renato; FREGA, Odivonsir Antonio. Guia de identificao
das drogas. Curitiba: UFPR, s.d.
LARANJEIRA, Ronaldo; JUNGERMAN, Flvia; DUNN, John. Drogas: maconha, cocana e crack. So Paulo:
Contexto, 1998.
LIBRIO, Renata Maria Coimbra; KOLLER, Silvia Helena (Orgs.). Adolescncia e juventude: risco e
proteo na realidade brasileira. So Paulo: Casa do Psiclogo, 2009.
MORIN, Edgar. Cincia com conscincia. 14 ed. Rio de Janeiro: Bertrand, 2010.
NOGUEIRA, Cristina Sandra Pinelli. A famlia na toxicomania. In: CIRINO, Oscar; MEDEIROS, Regina
(Orgs.). lcool e outras drogas: escolhas, impasses e sadas possveis. So Paulo: Autntica, 2006.
POLETTI, Rosette; DOBS, Barbara. Resilincia: a arte de dar a volta por cima. 3 ed. Petrpolis: Vozes, 2011.
ROBAINA, Jos Vicente Lima. Drogas: o papel do educador na preveno ao uso. Porto Alegre: Mediao,
2010.
SOUZA, Oralda Adur; ASINELLI-LUZ, Araci. Famlia e escola em rede de proteo. Curitiba: BASE,
2010. Coleo Famlia & Escola, v.4.
WEBER, Ldia (Org.). Famlia e desenvolvimento: vises interdisciplinares. Curitiba: Juru, 2008

393

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 Gaia Nome dado ao planeta Terra como ser vivo, o nico de sua espcie. Significa me natureza.
Representa um chamamento ao cuidado que devemos ter com o lugar em vivemos, garantindo sua
sustentabilidade para o presente e para as futuras geraes.
2 Substncias psicoativas de abuso (SPA) Substncias medicamentosas ou no que, por seus efeitos
psicoativos podem levar a perdas subjetivas ou objetivas (diminuio da produtividade, conflitos
interpessoais, por exemplo) e, mesmo assim, o usurio insiste em continuar usando.
3

Droga toda substncia psicoativa (age no Sistema Nervoso Central - SNC) que interfere no comportamento
humano (sensao, percepo, estado emocional) causando prejuzos nas reas individual, familiar, social e
de trabalho, porque expe a diferentes situaes de risco quem dela se utiliza, podendo causar dependncia.

4 Sustentabilidade Capacidade de garantir para o futuro as condies que permitem os processos no


presente, bem como a capacidade do meio ambiente de suprir cada recurso natural e absorver os produtos
finais descartados.
5 Presena educativa Capacidade de o adulto cuidador exercer uma influncia construtiva, criativa e
solidria na vida da criana e do/a adolescente. Trata-se de assumir uma atitude bsica diante da vida que
implica a dedicao de tempo, o conhecimento, a experincia e o exemplo.
6 Pedagogo, educador brasileiro, foi presidente da FEBEM-MG sendo responsvel pela sua extino e
substituio pelas instituies socioeducativas para crianas e adolescentes em conflito com a lei. Teve
importante participao na redao do Estatuto da Criana e do Adolescente e foi o grande incentivador do
protagonismo juvenil. Faleceu em 04 de maro de 2011 em decorrncia de uma queda.
7 Preveno um conjunto de valores, atitudes, aes, que uma comunidade adota, baseada em sua
histria, e no conhecimento cientfico, para se antecipar aos problemas, num esforo para evitar a ocorrncia
de fatos indesejveis, reduzir a incidncia ou o ndice de ocorrncia de novos casos, usando estratgias
educacionais para a valorizao do ser humano
8

Abuso de drogas Uso errado de drogas, uso excessivo de drogas, ultrapassa os limites, transgredir, noo
de poderio, abuso da confiana, premeditao do ilcito.

9 Representao Forma de conceber, conceituar e explicar as coisas. A forma como representamos as


coisas ou fatos determinam o comportamento como agimos sobre eles.
10 Transio ecolgica Toda mudana que ocorre num microssistema, que ocorre quando a pessoa em
desenvolvimento transita entre um microssistema e outro, quando assume novas funes ainda no
vivenciadas, quando um novo objeto ou personagem passa a fazer parte do microssistema ou dele
extrado, caracteriza uma transio ecolgica.
11 Microssistema Um microssistema um padro de atividades, papis e relaes interpessoais experenciados
pela pessoa em desenvolvimento num dado ambiente com caractersticas fsicas e materiais especficas. Um
ambiente um local onde as pessoas podem facilmente interagir face a face.
12 Mesossistema Inter-relaes entre dois ou mais ambientes nos quais a pessoa em desenvolvimento
participa ativamente.

394

13 Abuso Uso errado, excessivo, ultrapassa os limites, transgredir, noo de poderio, abuso da confiana,
premeditao do ilcito.
14 Legalidade O que permitido por lei, segue padres legais, est garantido por lei.
15 Ilegalidade O que est fora da lei.
16 Dependncia A utilizao da substncia continuada, apesar da existncia de um problema persistente
ou recorrente, fsico ou psicolgico, provavelmente causado ou exacerbado por sua utilizao (GIGLIOTTI;
CARNEIRO; ALELUIA,2008, p. 34).
17 Dependente qumico Pessoa que desenvolveu a dependncia em decorrncia do padro de consumo
(abuso) de uma ou mais drogas.
18 Abstinncia Fase em que no h consumo de drogas.
19 Tolerncia Necessidade de quantidades crescentes de substncias para atingir o efeito desejado.
20 Adio Diferente da dependncia, a adio no tem uma basefarmacolgica, portanto, no se refere
a uma doena, muito mais uma conduta, algo que pode ser considerado como um desvio, um estigma
contrrio vontade.
21 Dependncia fsica A dificuldade em abandonar a droga est nas alteraes orgnicas que provoca
tendo em vista j estar adaptado sua presena. Ou seja, a supresso da droga provoca a sndrome de
abstinncia.
22 Dependncia psicolgica A dificuldade em abandonar a droga est relacionada a alteraes psicolgicas,
ou seja, o forte desejo de sentir o bem-estar e o prazer relacionados s experincias com a droga. A
ausncia da droga no provoca a sndrome de abstinncia (sinais e sintomas orgnicos).
23 Deslizes Situaes no intencionais de contato com a droga que mobilizam sua correo.
24 Recadas Busca intencional pela droga acarretando o abandono do estado de abstinncia, mobilizando
novas estratgias de interveno e tratamento. As recadas so previsveis no tratamento e, por isso, devem
ser prevenidas.
25 Codependncia Corresponde dinmica de inter-relao (familiar) em que o comportamento do familiar
(pai, me, esposo, esposa) se deixa afetar pelo comportamento do dependente qumico e, em decorrncia,
passa a viver em funo desse outro, obcecado em controlar o seu comportamento, esquecendo-se da
prpria vida. Frequentemente a codependncia refora e mantm o comportamento de abuso de drogas.
26 Sndrome de abstinncia Desenvolvimento de alterao comportamental mal-adaptativa e especfica
substncia, com prejuzos fisiolgicos e cognitivos, devido cessao ou reduo do uso pesado e
prolongado de uma substncia.
27 Usurio Pessoa que faz uso/abuso de substncias psicoativas de abuso. O uso pode ser experimental,
ocasional, frequente, pesado e abusivo, nem sempre resultando em dependncia.
28 Dependente Pessoa que, por seu padro de consumo de drogas, desenvolveu a dependncia qumica a
uma ou mais substncias.
29 Traficante Contraventor que est ligado ao trfico de drogas. Na legislao brasileira um criminoso,
independente da forma e quantidade de droga.

395

30 Autoconhecimento Percepo que a pessoa tem de si, de suas capacidades e habilidades, bem como se
comporta em funo disso.
31 Autoestima Valor que a pessoa tem de si e que determina seus comportamentos consigo mesma, com os
outros e com o mundo.
32 Identidade Caracterstica, forma de ser e identificar-se
33 Valores ticos universais Princpios universais, pautados pela tica, que norteiam as relaes humanas.
34 Gnero Caracterstica pessoal relacionada identidade social feminina e masculina. Diz respeito
identificao dos papis sociais homem e mulher.
35 Reduo de danos Utilizao de medidas que diminuam os danos provocados pelo uso de drogas para
aqueles que usam drogas e para os grupos sociais com os quais convivem, mesmo quando os indivduos
no pretendem ou no conseguem interromper o consumo dessas substncias (CRUZ, 2006).
36 Fator de proteo Condio que pode estar presente no indivduo, na famlia, na escola, entre os pares,
na comunidade ou na sociedade e que pode contribuir para diminuir a probabilidade de envolvimento
com a droga, com a violncia, impedindo o aparecimento de novos casos, mesmo quando h fatores de
risco presentes.
37 Fator de risco Toda sorte de eventos negativos de vida que, quando presentes no contexto ecolgico da
pessoa, aumentam a probabilidade de que esta apresente problemas fsicos, psicolgicos, comportamentais
e sociais de envolvimento com a droga ou outras formas de violncias.
38 Resilincia Capacidade de resistncia e proteo da integridade, superando situaes adversas, de
grande risco e forte presso.

396

SADE COLETIVA

Eleusis Ronconi de Nazareno

O QUE SADE? E SADE COLETIVA?


Quando se pensa em sade, quase imediatamente lembramos daqueles que no a tm ou
a perderam, isto , pessoas que ficaram doentes ou esto doentes, lembramos inclusive dos que
ficaram incapacitados ou com complicaes e dizemos que eles no tm sade. O caso extremo
lembrado dos que no resistiram e morreram.
Nas festas de aniversrio, Natal, Ano Novo e outras recebemos muitas vezes cumprimentos
em que se fala: O importante ter sade, o resto, a gente d um jeito, ou ento Sade e
felicidades, Desejos de PAZ, SADE e ALEGRIA, Muita sade pra voc meu irmo e assim
por diante. Com certeza voc j recebeu mensagens semelhantes e j expressou desejos em que
a sade valorizada.
E o que no dizer do hbito que temos de dizer Sade, logo que algum espirra? Muito
comum no ? Temos ento compreenso da sade como algo impondervel, que alguns tm mais,
outros menos (parece depender da sorte), mas que fundamental para uma vida boa e produtiva.
muito conhecida a definio de sade proposta pela Organizao Mundial da Sade que
foi inserida no texto da sua criao em 1946: Sade um completo estado de bem-estar fsico,
mental e social e no meramente a ausncia de doenas.1
Entretanto, por mais que a ideia do bem-estar seja facilmente compreendida como aquela
que usufrumos quando temos sade, muito difcil atingir permanentemente um completo

397

estado de bem-estar, pois o enfrentamento das mudanas do corpo, suas inadequaes quanto
alimentao, seus problemas de funcionamento quando acometido por mal-estares, cansao,
desgastes, leses e doenas as mais diversas, nos tornam pessoas vulnerveis e que esto sujeitas
a muitas adversidades.
Assim, prefervel pensar que o que ocorre a cada um tem que ser enfrentado e superado
da melhor maneira possvel. Para isso, vamos buscar uma nova viso, que nos permita olhar para
a sade de outra forma, sem nos preocuparmos em atingir um estado permanente de bem-estar,
em que tudo esteja perfeito, mas nos concentrando no que preciso fazer para enfrentar o que
acontece em nossas vidas, que pode estar afetando este bem-estar.
Assim, prope-se pensarmos numa concepo mais dinmica de sade.

SADE a capacidade de lidar com as adversidades da vida, sejam elas fsicas ou psquicas. Ou
seja, uma capacidade que cada um tem e pode desenvolver para enfrentar o que desafia a plenitude
da vida do ponto de vista biolgico e mental afetando o potencial que todos tm de agir e interagir
no mundo. (NAZARENO, 2012, no publicado).

Essa viso nos coloca o desafio de desenvolver capacidades e tambm de superao para
que se possa atingir o potencial que cada um tem de viver uma vida mais plena.
Da mesma maneira, pode-se pensar que a sade de muitas pessoas vivendo juntas, numa
comunidade ou sociedade, precisa ser muito mais do que atingir um estado de bem-estar coletivo
como um fim em si mesmo, mas como o desenvolvimento das capacidades destas comunidades ou
sociedades para trabalhar com todos os elementos que podem afetar a sade dos seus membros.
Portanto, pode-se conceber sade coletiva dentro dessa perspectiva e no apenas como a
soma da sade de cada indivduo da coletividade:

SADE COLETIVA o desenvolvimento da capacidade coletiva, isto de grupos de pessoas,


comunidades ou populaes de lidar com as adversidades que afetam o conjunto social de modo
a enfrentar os desafios e ameaas sade que impedem o desenvolvimento pleno da vida social,
seja em relao ao conjunto dos indivduos no aspecto de sade individual, seja em relao aos
processos coletivos que atingem a sociedade como um todo. (NAZARENO, 2012, no publicado)

398

Vejam, quando temos uma EPIDEMIA1, todos tm que se mobilizar, o pessoal da sade
tem que passar informaes sobre como evitar a doena, isto , como no pegar a doena, e
como impedir que ela passe para outras pessoas, alm de orientar quem adoece como proceder
para se cuidar e procurar cuidados de sade, mdicos ou hospitais quando necessrio.
Nos ltimos tempos, o Brasil tem enfrentado diversas epidemias que requerem medidas de
sade coletiva. Citam-se como exemplo as epidemias de:
GRIPE2 A (H1N1) 2009 2010 todo o mundo e no Brasil mais no Sul.
DENGUE desde os anos 1980 em diversos estados, principalmente Sudeste (Rio de
Janeiro, Minas, So Paulo) Nordeste, Norte, Centro-Oeste, e menos no Sul.
Tambm tem situaes de doenas que no fazem epidemias de grandes propores, mas
ocorrem em lugares menores, s numa cidade, numa escola, creche, asilo, fbrica, enfim num
lugar menor, da chamamos SURTO3, que uma epidemia localizada. Tambm existem vrios
exemplos de surtos, tais como: de MENINGITE4, HEPATITE5 A, LEPTOSPIROSE6, INFECES
ALIMENTARES, e muitas outras.
SADE NO O CONTRRIO OU A AUSNCIA DE DOENA
Veja s, pode-se ter sade, mais ou menos sade, pouca sade e ao mesmo tempo adquirir ou
ter doenas. Isso at complicado de pensar, mas h vrios exemplos como os a seguir descritos.
Existem pessoas que quase nunca ficam doentes ou quando ficam tm manifestaes
mais leves, por exemplo, quando so acometidas de certas infeces como a gripe, melhoram
rapidamente, no complicam e logo voltam s suas atividades. Dizemos ento que ela uma
pessoa saudvel ou mais saudvel do que outras que pegam a mesma gripe, ficam um longo
tempo de cama, demoram a se recuperar e s vezes complicam e precisam tomar antibiticos,
chegando alguns casos at a ir para o hospital com pneumonia7. O mesmo pode-se dizer para
outras doenas como gastroenterites8 que causam diarreias9. Essas doenas so muito comuns,
e a grande maioria das pessoas tem vrias vezes ao ano o que chamamos de episdios de
infeces respiratrias agudas e infeces intestinais.
Ocorre que importante saber que existem grupos da populao que tm maior facilidade
para complicar no caso de infeces agudas como estas, so as pessoas com mais idade e aqueles
que j tm uma doena crnica, precisam tomar remdios e tm uma imunidade10 mais baixa e
uma resistncia11 menor aos agentes12 de infeces13, como os micrbios14, devido a isso.

399

Outro grupo mais suscetvel15 a ter mais infeces so as crianas pequenas, pois, embora elas
tenham uma imunidade e resistncia normal o seu organismo, precisa ter contato com os diversos
agentes de doenas infecciosas como vrus16, bactrias17, fungos e outros para poder desenvolver a
imunidade de dois tipos: celular (produzir clulas de defesa) ou humoral (produzir anticorpos).
Ento vemos que crianas pequenas tm muitas vezes febre que nem sempre complica
quando elas so saudveis. Isto porque o seu sistema imune e seus mecanismos de resistncia
funcionam bem; j as crianas menos saudveis, por exemplo, as desnutridas, que tm outras
doenas, de nascena ou que adquiriram, complicam mais.
Resumindo: quem adoece mais e quando adoece complica mais, mais suscetvel.
Crianas pequenas pegam mais infeces por ainda estarem desenvolvendo os seus
mecanismos de defesa (imunidade e resistncia).
Idosos ao fazer infeces complicam mais por terem, com a idade, diminudo os
mecanismos de defesa
Idosos com doenas que demoram (crnicas18 e degenerativas19) tambm adoecem mais
e complicam mais
Crianas com doenas de nascena ou adquiridas debilitantes tambm complicam mais.
Por isso numa comunidade as crianas, os idosos e os doentes crnicos so considerados
uma populao que precisa de ateno e cuidados especiais.
Quando a gente pensa assim e organiza os servios de sade para esta prioridade, atuase em termos de SADE COLETIVA, prope-se a oferecer ateno a esses grupos prioritrios
quanto s doenas infecciosas mais comuns. Para algumas delas existem at VACINAS20 que
conseguem prevenir, isto , evitar as doenas.
VACINA, A PREVENO MELHOR E MAIS CONHECIDA
Segundo o Ministrio da Sade (2012), as vacinas so consideradas um dos principais
fatores contribuintes para a reduo de doenas imunoprevenveis na populao mundial.
Nosso pas tem realizado muitas campanhas de vacinao nos ltimos anos e com isso tem
conseguido controlar muitas doenas e at erradicar21 outras. A VAROLA22 foi erradicada do
Brasil em 1969 e do mundo em 1973. A poliomielite23 ou paralisia infantil est erradicada desde
1989 e das Amricas e o sarampo24 est controlado no ocorrendo mais casos por transmisso25
de dentro do pas, s mediante de casos que vm de fora.

400

Isso muito importante para todos ns, pois muitos ficavam paralticos e at morriam no
passado por essas doenas que so prevenveis por vacina. Para a maioria doenas a vacinao
no consegue erradicar, mas protege as pessoas e reduz enormemente a quantidade de casos e
mortes, como as abaixo:
TTANO26
DIFTERIA27
COQUELUCHE28
SARAMPO
CAXUMBA
RUBOLA29
POLIOMIELITE
FEBRE AMARELA30
HEPATITE B
TUBERCULOSE31
Essas so as principais doenas para as quais dispomos de vacinas que so aplicadas de
rotina nas crianas menores de 5 anos e que ajudaram a diminuir muito os casos e as mortes. Mas
existem algumas vacinas mais recentes que tambm so aplicadas de rotina nas crianas menores
de 5 anos e ajudaram a diminuir alguns tipos de doenas, como as vacinas contra as infeces
graves por
AGENTE
Pneumococo
Meningococo C
Haemophylus influenzae tipo B
Rotavirus

DOENAS EVITADAS
pneumonias, meningites, otites32 por pneumocco
meningite por meningococo C
meningites, pneumonias, otites por Hib
diarreias por este vrus

Mesmo contra a gripe existe uma vacina que aplicada todo ano em campanhas para os
idosos, para as gestantes, para o pessoal de sade, indgenas e alguns outros grupos.
A vacina da hepatite B tambm utilizada em grupos especiais com maior risco como os
profissionais de sade, e pessoas que pela sua profisso ou comportamento tm risco de entrar
em contato com sangue, como os usurios de drogas injetveis, ou tm contato sexual de risco.
Os idosos tambm tm mais infeces graves pelo pneumococo e por isso devem tomar a vacina
contra o pneumococo, alm de continuar a se prevenir com a vacina contra a difteria e o ttano.

401

Na opinio do Secretrio de Vigilncia em Sade do Ministrio da Sade, a vacina um


promotor da igualdade:
Toda a populao brasileira includa nos grupos alvos de vacinao, independentemente da sua situao
econmica ou local de residncia, pode ser vacinada nas 34 mil salas de vacina em todo o pas. Todo e
qualquer cidado brasileiro tem acesso vacina, seja ele morador do Acre ou do Rio Grande do Sul, seja rico
ou pobre. (BARBOSA, 2012).

QUEM DEVE TOMAR AS VACINAS?


Pessoas de todas as idades devem ser vacinadas, conforme as recomendaes do Ministrio
da Sade. No so apenas crianas que devem tomar vacinas, elas tomam mais porque tm que
se proteger de mais doenas, algumas delas que so prprias da infncia como a Coqueluche, o
Sarampo, a Paralisia Infantil ou Poliomielite, mas tambm devem ser protegidas contra doenas
que atingem mais os adultos, como a Tuberculose e a Febre Amarela.
Em seguida listamos as vacinas com as doses e as idades em que so recomendadas, para
crianas, adolescentes, adultos e idosos, bem como contra quais doenas elas protegem.
QUAIS AS VACINAS RECOMENDADAS PARA AS CRIANAS?
VACINA
BCG
Anti-Hepatite B
Tetravalente DTP+Hib
Trplice DTP
Injetvel contra poliomielite
Oral contra poliomielite
Oral de Rotavirus Humano
Antipneumoccica
Antimeningoccica c
Antiamarlica
Trplice Viral SCR

DOSE
1 dose
3 doses
3 doses +
2 reforos
2 doses
1 dose +
Reforos
2 doses
3 doses +
1 reforo
2 doses +
1 reforo
1 dose +
reforos
2 doses

IDADE
Ao nascer
Ao nascer, 1 ms e 6 meses
2, 4 e 6 meses
15 meses e 4 anos
2 e 4 meses
6 meses
15 meses, 4 anos
e nas campanhas
2 e 4 meses
2, 4 e 6 meses
12 meses
3 e 5 meses
15 meses
9 meses
A cada 10 anos
12 meses e 4 anos

PROTEGE CONTRA
Tuberculose grave
Hepatite B
Meningite por Hib +
Difteria, Ttano, Coqueluche e
Poliomielite ou Paralisia Infantil
Diarria por rotavrus33
Pneumonia, otite, meningite causada
pelo pneumococo
Meningite e doena grave causada
pelo meningococo C
Febre Amarela
Sarampo, Caxumba e Rubola

Fonte: Adaptado de MINISTRIO DA SADE. Programa Nacional de Imunizaes. Calendrio Bsico de Vacinao da Criana.

402

Os adolescentes tambm podem e devem ser vacinados, quando no foram anteriormente


quando crianas, como contra a Hepatite B, Sarampo, Caxumba e Rubola. Mas tambm
para fazer reforos, isto aumentar a imunidade que baixa com o tempo em alguns casos,
como contra Difteria e Ttano, e tambm contra Febre Amarela. Veja no quadro abaixo:
QUAIS VACINAS SO RECOMENDADAS PARA OS ADOLESCENTES?
VACINA
Anti-Hepatite B
Dupla tipo adulto dT
Antiamarlica
Trplice Viral SCR

DOSE
3 doses
1 dose a cada 10 anos
1 dose a cada 10 anos
2 doses

FAIXA DE IDADE
11 a 29 anos
11 a 19 anos
11 a 19 anos
11 a 19 anos

PROTEGE CONTRA
Hepatite B
Difteria e Ttano
Febre Amarela
Sarampo, Caxumba e Rubola

Fonte: Adaptado de MINISTRIO DA SADE. Programa Nacional de Imunizaes. Calendrio de Vacinao do Adolescente

Os adultos de 20 a 59 anos tambm devem ser protegidos caso ainda no tenham sido
vacinados contra a Hepatite B, s que se recomenda apenas para aquelas pessoas que tm mais
risco de adquirir, os chamados Grupos Vulnerveis. Para o Sarampo, a Caxumba e a Rubola
todos podem ser vacinados se ainda no o foram, continua-se recomendando os reforos contra
Difteria e Ttano e tambm contra Febre Amarela a cada 10 anos. Veja no quadro abaixo:
QUAIS AS VACINAS RECOMENDADAS PARA OS ADULTOS?
VACINA
Anti-Hepatite B para
Grupos Vulnerveis*
Dupla tipo adulto dT
Antiamarlica
Trplice Viral SCR

DOSES
3 doses
1 dose a cada 10 anos
1 dose a cada 10 anos
2 doses

FAIXA DE IDADE

PROTEGE CONTRA

30 a 59 anos

Hepatite B

20 a 59 anos

Difteria e Ttano
Febre Amarela
Sarampo, Caxumba e Rubola

Fonte: Adaptado de MINISTRIO DA SADE. Programa Nacional de Imunizaes. Calendrio de Vacinao do Adulto
* Grupos Vulnerveis Hepatite B: Gestantes, aps o primeiro trimestre de gestao; trabalhadores da sade; bombeiros,
policiais militares, civis e rodovirios; caminhoneiros, carcereiros de delegacia e de penitenciarias; coletores de lixo hospitalar e
domiciliar; agentes funerrios, comunicantes sexuais de pessoas portadoras de VHB; doadores de sangue; homens e mulheres
que mantm relaes sexuais com pessoas do mesmo sexo (HSH e MSM); lsbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais,
(LGBT); pessoas reclusas (presdios, hospitais psiquitricos, instituies de menores, foras armadas, dentre outras); manicures,
pedicures e podlogos; populaes de assentamentos e acampamentos; potenciais receptores de mltiplas transfuses de sangue
ou politransfundido; profissionais do sexo/prostitutas; usurios de drogas injetveis, inalveis e pipadas; portadores de DST.

E os idosos? Com certeza tambm podem ser vacinados, assim como os adultos, com a
diferena de que no preciso mais proteo contra Sarampo, Rubola e Caxumba, mas por

403

sua vez precisamos proteg-los contra a Gripe que mais grave entre eles e tambm contra as
infeces pelo Pneumococo, em especial a pneumonia que nesta idade pode ser mais grave. Veja
no quadro abaixo:
QUAIS AS VACINAS RECOMENDADAS PARA OS IDOSOS?
VACINA
Anti-Hepatite B para
Grupos Vulnerveis

DOSES

FAIXA DE IDADE

3 doses

PROTEGE CONTRA
Hepatite B

Dupla tipo adulto dT

1 dose a cada 10 anos

Antiamarlica

1 dose a cada 10 anos

Contra Influenza Sazonal

Dose anual

Gripe ou Influenza Sazonal

Antipneumoccica

Dose nica

Infeco34 por Pneumococo

60 anos e mais

Difteria e Ttano
Febre Amarela

Fonte: Adaptado de MINISTRIO DA SADE. Programa Nacional de Imunizaes. Calendrio de Vacinao do Idoso

DOENAS CRNICAS
Doenas crnicas, como, por exemplo, derrames35, paralisias, asma, doenas do corao,
cncer36 e outras, so doenas que demoram e fazem as pessoas ficar debilitadas, sem conseguir
fazer bem o que faziam normalmente e algumas vezes at acamadas.
Elas so muito comuns em pessoas de mais idade, mas podem acometer adultos, mais jovens
e at crianas. As famlias precisam dedicar um cuidado maior a essas pessoas, principalmente
quando eles ficam sem condies de fazer o que faziam antes, ou seja, trabalhar, estudar, andar,
comer, se relacionar normalmente. Enfim, inspiram muitos cuidados em casa, devem ser levados
aos servios de sade para consulta mdica, laboratrios para exames, obter os remdios, porm
em alguns casos os tratamentos so bons e eles se recuperam quase totalmente, devendo manter
o acompanhamento e o tratamento indicado.
Nas Unidades de Sade existem programas para Controle da Hipertenso Arterial37,
Controle do Diabetes38 e em alguns lugares outros programas se houver doenas frequentes, como
asma, epilepsia, transtornos mentais.
Ao conhecer algum que possa se beneficiar destes programas, importante orientar para
procurar a Unidade de Sade mais prxima, no municpio onde a pessoa reside.

404

O QUE INFLUENCIA A SADE COLETIVA


No caso das doenas infecciosas transmissveis, sabe-se que dependendo da forma como
elas passam, o que estiver relacionado ao seu modo de transmisso vai afetar o coletivo mais ou
menos intensamente.
O saneamento e a higiene39
As doenas que se transmitem pela contaminao da gua, alimento ou solo, pelas fezes,
vo atingir muito mais pessoas onde no h saneamento bsico40 adequado, isto , locais sem
abastecimento de gua tratada, sem coleta e tratamento de esgoto feito de modo correto.
Aqueles locais onde as casas tm gua de torneira e banheiros so melhores para se morar.
Entretanto, se as guas depois que so usadas, tambm chamadas guas servida, e o que sai
dos banheiros, os esgotos, so jogados em valetas a cu aberto e em crregos ou mesmo em rios
que passam prximo, estamos criando um problema de SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL,
poluindo os rios, que passam a no ter mais condies de ter vida, os peixes morrem, os cheiros
so desagradveis e as guas ficam cheias de micrbios que podem causar doenas se beber ou
mesmo em quem toma banho nelas.
Alm da falta do saneamento bsico, sabe-se que essas doenas vo acometer mais as
pessoas que no tm hbitos higiene adequados. E onde muitas pessoas se expem a essas
condies, surtos ocorrem frequentemente. Alguns exemplos:
Diarreias infecciosas
Verminoses41
Amebases42
Hepatite A
Infeces de pele
Vejam que aqui existem dois fatores: um ligado ao ambiente, o saneamento, e outro
relacionado aos comportamentos, a higiene. Ambos se somam quando faltam, gerando mais
exposio s doenas, mas pode ocorrer que, na falta de um ambiente adequado, a higiene
pessoal seja protetora e o contrrio tambm, na falta da higiene pessoal as condies adequadas
de saneamento ambiental conseguem proteger num certo grau as pessoas e menos casos ocorrem.
De qualquer modo, ambos devem ser incentivados, em qualquer lugar onde tenham muitas
pessoas morando, trabalhando, estudando, se divertindo. Mas no se pode ter a iluso que s um
ou outro presentes evitam totalmente essas doenas.

405

O cuidado com os alimentos


Outro elemento, geralmente esquecido na preveno destas doenas na coletividade, so
os cuidados com os alimentos, tanto em termos de evitar as contaminaes na produo, preparo
e manipulao quanto na sua conservao em ambientes limpos e em temperaturas adequadas.
De modo que podem ocorrer surtos de infeces alimentares, mesmo que o saneamento e
a higiene estejam conforme o recomendado, porque, ao no se observar a higiene dos alimentos,
os agentes de doenas podem encontrar um ambiente propcio sua proliferao e se disseminar
a um grande nmero de pessoas que os consomem.
Essa tambm uma preocupao da SADE COLETIVA, se isso acontecer precisa avisar ao
pessoal da sade, da Vigilncia Sanitria para verificar e evitar que acontea novamente. Eles vo
aos locais onde os alimentos so produzidos, preparados, vendidos e consumidos para investigar
em que ponto houve falhas e assim orientar os responsveis para prevenir novas ocorrncias e at
podem recolher alimentos, aplicar multas se for necessrio.
OS HBITOS
As pessoas, mesmo aquelas que no trabalham com sade, percebem que alguns
comportamentos, especialmente aqueles que se tornam hbitos, influenciam a sade positivamente
ou negativamente.
mais fcil observar os hbitos alimentares, de consumo de lcool e outras drogas, os
hbitos relacionados atividade fsica, os modos de relacionamento interpessoal, que podem
ser mais ou menos respeitosos.
Algumas vezes conseguem-se relacionar certos comportamentos com maior probabilidade
de doenas crnicas e cnceres. Exemplos:
O Diabetes do adulto mais comum em quem tem mais peso, come mais doces e massas
e sedentrio.
A Hipertenso arterial aparece com mais frequncia em pessoas acima do peso, que so
muito estressadas, interagem com os outros de forma tensa.
O Enfisema43 e a Bronquite crnica so mais comuns em fumantes.
Os fumantes apresentam mais cnceres.
Assim, importante numa sociedade em que isso acontece cada vez mais, que as mudanas
sejam feitas no conjunto. Isto porque as pessoas no conseguem sozinhas mudar a sua forma de

406

agir, se alimentar, trabalhar sem que existam condies favorveis da organizao da sociedade
que estimulem os hbitos e comportamentos saudveis. Por exemplo, ter atividades fsicas e no
ficar parado a maior parte do tempo algo que fcil para muitas pessoas, cujo trabalho exige
mais esforo, para as crianas e adolescentes at natural estar sempre brincando, correndo,
andando de bicicleta etc., e com isso se gasta muita energia do corpo.
Mas cada vez que temos uma vida mais cmoda, andamos de carro ou nibus, sentamos a
maior parte do tempo, no precisamos nos esforar porque as mquinas fazem a parte pesada do
trabalho (mquina de lavar roupas, cortar grama, automveis, tratores etc.) e a vida vai ficando
mais sedentria.
O sedentarismo no unicamente uma opo pessoal, mas um comportamento socialmente
produzido por um estilo de vida que incorpora mais mobilidade por veculos sem gasto energtico
pessoal, em funo de distncias, trnsito, concentrao urbana; trabalho progressivamente menos
dependente do esforo fsico humano; lazer crescentemente realizado de forma passiva, enfim
contribuies da modernidade para ao bem-estar do ser humano que o torna cada vez menos
agente de fora fsica no mundo com consequente menor gasto energtico.
Ento, importante o papel de todos, dos trabalhadores e dos patres, dos que produzem e
dos que consomem, dos que vivem com mais recursos e dos que vivem com menos, para contribuir
com a criao de um meio e uma forma de vida socialmente mais saudvel em todos estes pontos.
Exemplos:
1. Se nas escolas, nas cantinas s venderem doces, frituras e outros alimentos pouco
saudveis, vai ser difcil os estudantes conseguirem matar sua fome sem adquirir hbitos
prejudiciais. As merendas escolares tambm precisam ter cardpios atrativos com
alimentos saudveis para estimular a aquisio de melhores hbitos. Comer s batata
frita, salgadinhos gordurosos com refrigerante, doces o comeo de vcios alimentares
que podem afetar precocemente a sade cardiovascular e induzir a obesidade com todas
as suas consequncias.
2. A necessidade de preparo cada vez mais rpido das refeies tem feito as pessoas
consumirem alimentos cada vez mais industrializados e com substncias qumicas,
conservantes etc. Em longo prazo, no se sabe a consequncia para a sade. Ento,
importante estimular o consumo de alimentos frescos, ou semi-industrializados com um
mnimo de aditivos qumicos e sdio.

407

3. Se o trabalho, estudo, deslocamento, lazer so passivos, preciso repensar o modelo de


organizao das cidades, das escolas, ambiente do trabalho manual e intelectual, e sem
dvida os modos de produo e consumo, visando a uma sociedade com alternativas
para a ao humana que envolva o corpo na produo de mais movimento sem desgaste.
Tabagismo
Alis, o hbito de fumar relacionado a vrias doenas do pulmo em especial o enfisema,
doenas do corao principalmente o Infarto, doenas da circulao como Derrames, mas tambm
a muitos tipos de cnceres e sabe-se que o consumo de maior quantidade de cigarros aumenta
a ocorrncia dessas doenas, bem como quem fuma tem casos mais graves. Alm disso, aqueles
que convivem com os fumantes acabam se tornando fumantes passivos e podem ter mais doenas
respiratrias tambm, especialmente as crianas.
O hbito tabgico j foi considerado a epidemia da segunda metade do sculo XX, e embora
esteja diminuindo a sua frequncia, ainda existem pessoas com dificuldades e que precisam de
apoio para parar de fumar.
A sade coletiva, alm de desestimular o consumo de cigarros e a educao da populao
sobre as consequncias danosas do fumo, pode organizar servios de fcil acesso aos que precisam
deste apoio e tratamento da dependncia.
Sexualidade
A prtica da sexualidade sem segurana, isto sem proteo contra infeces, com
mltiplos parceiros, parceiros desconhecidos, certamente aumenta a probabilidade de se contrair
as chamadas Doenas Sexualmente Transmissveis DSTs44.
A mais conhecida delas a AIDS45 ou SIDA, cuja sigla significa: Sndrome da Imunodeficincia
Adquirida (no ingls inverte as letras), causada pelo Vrus da Imunodeficincia Humana o HIV,
tambm transmissvel pelo sangue e derivados, que tem tratamento, mas no tem cura. um
problema mundial, uma pandemia, ou uma epidemia que est assolando o mundo todo desde 1980,
quando foi pela primeira vez identificada, e que deve ser enfrentada com medidas de sade coletiva.
A Sfilis uma doena conhecida h muito tempo, com um tratamento que cura, mas que
nem sempre feito em tempo e de forma adequada podendo levar sfilis congnita (doena
muito grave) se a me no tratar na gestao. Tambm um problema de sade pblica ou sade
coletiva porque pode e deve ser prevenida.

408

Alm dessas DSTs existem outras, como a gonorreia, cancro mole, infeces por clamdia, e
tambm preciso lembrar, da transmisso das Hepatites B e C que pode ocorrer pelo contato sexual.
As mudanas nos comportamentos ligados sexualidade foram muito acentuadas nas
ltimas dcadas e sem dvida novas concepes das relaes sexuais, mais livres e menos fixas,
desvinculadas de compromissos conjugais formam um cenrio em que se alerta para os riscos e
para as consequncias em termos de sade. Por isso chama-se a ateno de todos em termos de
preveno que consiga reduzir a transmisso e que facilite o diagnstico e tratamento precoce as
DSTs; algumas tm cura, mas no caso da AIDS, mesmo sem cura, o tratamento contnuo reduz a
probabilidade da transmisso e a pessoa vive mais.
A organizao de servios que permita esse trabalho, a divulgao de informaes, estmulo
educao para uma sexualidade segura, campo da sade coletiva.
COMO SO AS RELAES INTERPESSOAIS E EM GRUPO
O modo como nos relacionamos tem uma influncia forte na sade mental. Viver em
sociedade significa que precisamos uns dos outros, mas alguns conseguem se relacionar melhor
do que outros.
Morar, trabalhar, estudar em sociedade implica conviver com outras pessoas, se relacionar
para trocar ideias, trabalho, comida, dinheiro o que implica conhecer os interesses de cada um,
dos grupos e seus prprios interesses.
Sabe-se, por exemplo, que ter com quem conversar de forma confiante pode auxiliar a
expor problemas e trocar ideias que ajudam a super-los, e isso significativo na preveno de
transtornos mentais, em que o isolamento social no permite que esta habilidade se desenvolva.
Desenvolver relaes para satisfazer as nossas necessidades afetivas de amor, amizade,
companheirismo, parceria, tudo isso implica respeitar as diferenas e buscar relacionamentos
positivos e estimulantes.
claro que isso no fcil e que nem sempre as coisas caminham nesse sentido
saudvel, e as relaes humanas esto permeadas de violncia, explorao, desrespeito, abusos,
desvalorizao etc. Quando isto ocorre de forma a que pessoas com mais poder praticam abusos
fsicos ou psicolgicos com outros mais vulnerveis, considera-se uma violncia. Quando esses
comportamentos so frequentes, tolerados, estimulados nos grupos sociais e comunidades, tem-se
um problema de sade coletiva que merece uma abordagem preventiva educacional.
Pessoas que vivem nesses ambientes muitas vezes dependendo de sua capacidade de
superao acabam tendo dificuldades de lidar com o que acontece e apresentam alteraes,

409

transtornos mentais e comportamentais que podem ser leves, outras vezes graves e incapacitantes.
Se h uma predisposio individual, esse ambiente pode potencializar o agravo ou servir como
gatilho para a ecloso de sintomas mais graves.
Pode-se entender que essas alteraes muitas vezes so uma forma de resposta, isto , o
modo como elas conseguem lidar psiquicamente com situaes bastante aflitivas ou angustiantes,
e nem todos tm a capacidade de achar sadas que no sejam prejudiciais a si mesmo e(ou) aos
outros.
Os transtornos mentais e comportamentais so considerados a epidemia do sculo XXI,
a depresso, os abusos de drogas, alcoolismo, transtornos obssessivo-compulsivos, e tantos outros
tm sido exaustivamente relatados e indicados como um problema de sade pblica.
O estmulo aos fatores protetores da sade mental, em todos os ambientes de convivncia,
no trabalho, na escola, no esporte e na sociedade em geral, uma necessidade a ser contraposta
ao modelo de sociedade competitiva e intolerante que predomina.
O crescimento e desenvolvimento das crianas e adolescentes em ambientes psicologicamente
favorveis a relaes respeitosas e igualitrias, embora sabidamente preventiva de transtornos
mentais, um caminho ainda a ser explorado em termos de sade coletiva.
CONDIES DE VIDA: MORADIA, TRABALHO E DESLOCAMENTO
Os lugares onde as pessoas vivem ou trabalham tambm podem contribuir em muito para
o seu estado de sade, tanto por serem insalubres ou por permitirem relaes sociais pouco
saudveis.
Os ambientes insalubres geralmente so aqueles midos, escuros, pouco ventilados, sujos,
sofrem inundaes ou ainda no oferecem proteo adequada para mudanas do clima, chuvas,
ventos, luz do sol intensa, temperaturas extremas e, portanto, so ambientes sem conforto adequado
para moradia, estudo, trabalho e mesmo o lazer.
Os exemplos dos problemas ligados falta de saneamento bsico e higiene so inmeros:
Tuberculose doena da pobreza
Diarrias
Verminoses
Leptospirose
Muitas vezes no ambiente onde passamos muito tempo temos exposio a poeiras, rudos,
calor, frio, luz, substncias qumicas e at radiaes que afetam a integridade do organismo e
provocam alteraes que se persistentes geram doenas. Outras vezes a realizao das atividades

410

humanas provoca pela repetio ou exposio s foras mecnicas presentes, por exemplo,
mquinas, leses, acidentes e doenas que so chamadas de ocupacionais.
Ao verificar a enormidade de pessoas feridas, mutiladas e mortas em acidentes de trnsito
geradas em nossas sociedades, nas cidades e nas estradas, percebemos que a forma como
construmos nossas cidades e organizamos a mobilidade dentro delas e entre elas resulta em
condies que podem propiciar mais ou menos esses problemas dependendo da organizao dos
transportes nesses meios.
O CONSUMO E OS RESDUOS
Uma vez que vivemos em sociedade e que construmos um meio ou sociosfera que permite
o estabelecimento de relaes sociais de produo e consumo, essas relaes, bem como todas as
condies materiais geradas no meio, podem e devem ser analisadas como produtoras de mais ou
menos SADE, para os indivduos e para as coletividades humanas.
Na sociedade o consumo crescente, h muito estmulo para aumentar a produo de
bens, que duram cada vez menos e so descartados rapidamente. O uso de embalagens para
quantidades cada vez menores estimula o comrcio de produtos que so fabricados em longas
distncias e no estimula a produo local o que se torna sem dvida pouco SUSTENTVEL.
Isso cria cada vez mais problemas para manejar, isto , o que fazer com o lixo de resduos
slidos, onde colocar ao final. Os impactos no ambiente esto se acumulando, repercutindo
tambm na sade das populaes humanas.
Exemplo: a dengue, cujo vetor46, o mosquito Aedes aegypti47, j tinha sido erradicado do
Brasil em 1942 e reentra nos anos 80, dissemina-se para quase todo o pas, provoca uma srie de
epidemias sucessivas e continua sendo um enorme problema de sade pblica, com mais de um
milho de casos notificados em 2010 no Brasil. O controle da proliferao do mosquito no meio
ambiente hoje muito mais difcil, tendo em vista o tipo de resduos encontrados, garrafas PET,
embalagens plsticas, longa vida, pneus e outros artefatos que acumulam gua de chuva e servem
de criadouros em vastos ambientes urbanos, impedindo que o controle pelas vistorias domiciliares
seja efetivo na reduo da infestao predial.
ATENO SADE
Como as sociedades geraram a necessidade de alguns dos membros cuidarem uns dos outros
quando eles esto doentes, do Paj das tribos indgenas at ao mais sofisticado neurocirurgio que
manipula algo to precioso quanto o crebro humano?

411

O desenvolvimento da Assistncia Sade na histria humana levou ao surgimento dos


profissionais mdicos e dos hospitais no passado e hoje contamos com a enorme quantidade
de profissionais: enfermeiros, dentistas, nutricionistas, psiclogos, fisioterapeutas, terapeutas
ocupacionais, e outros. Hoje preciso organizar sistemas de sade pblicos para que todas as
pessoas possam ter acesso ateno adequada sade com os profissionais mais adeuqados para
cada caso.
Este um grande desafio da sade coletiva: A ORGANIZAO DOS SERVIOS DE SADE.
No Brasil o Sistema nico de Sade, SUS, j pensado em dcadas anteriores, foi includo
na constituio de 1988 e institudo legalmente em 1990 pela Lei n. 8080, um sistema pblico
universal, isto , a que todos tm direito.
O sistema organizado para que aos pessoas tenham como porta de entrada, isto , acesso,
por meio da Ateno Bsica das Unidades Bsicas de Sade e dos Servios de Urgncia e
Emergncia sob responsabilidade dos municpios
As Unidades de Sade atendem os casos no urgentes, nem emergentes, mas que podem
aguardar atendimento de mdicos e dentistas que no dependem de exames especializados,
ou tratamentos mais complexos. Esse nvel tambm chamado de Ateno Primria ou Bsica
de Sade48, mas caso necessrio, as pessoas podem ser encaminhadas para especialidades de
segunda linha na chamada Ateno Secundria e at mesmo para nvel Tercirio, mais complexo.
Um exemplo seria o caso dos atendimentos de problemas comuns como infeces
respiratrias agudas, resfriados49, gripes, otites, traqueobronquites50, pneumonias simples, que
so perfeitamente atendidos no nvel bsico. Porm, se houver uma insuficincia respiratria
aguda ou uma complicao que o servio no tenha como avaliar, ser preciso internar, atender
por especialista, exames e outros procedimentos, que s no caso de servios secundrios como
clnicas de especialidades, hospitais, servios de imagem, laboratrios e at Unidade de Terapia
Intensiva UTI, que se encontram em nvel tercirio.
Tambm importante lembrar que as Unidades Bsicas de Sade so os servios que se
encontram mais prximo de onde as pessoas moram e que podem ter uma relao mais estreita
com a comunidade, onde as pessoas podem ser melhor conhecidas e acompanhadas no caso de
doenas crnicas, de longa durao, mas tambm ser mais facilmente atendidas em problemas
agudos menos graves. No Brasil desde a dcada de 1990, criou-se o programa de Sade da
Famlia, que uma estratgia para a organizao da ateno bsica.
Na Sade da Famlia, a populao que mora prxima da UBS dividida em reas e cada
rea conta com uma Equipe de Sade da Famlia com os seguintes profissionais:

412

1 MDICO
1 ENFERMEIRA
1 TCNICO DE ENFERMAGEM
2 AUXILIARES DE SADE
4 a 5 AGENTES COMUNITRIOS DE SADE
As equipes que tm a parte de odontologia tambm contam com:
1 DENTISTA
2 AUXILIARES DENTAIS
Esses profissionais devem trabalhar em equipe, como o prprio nome diz, e o mais importante
que com esta diviso de reas eles trabalham com uma populao definida no muito grande de
em torno de 100 a 1200 famlias, sendo no mximo 4.000 a 5.000 pessoas residentes.
As reas so subdivididas em microreas menores, com aproximadamente 250 a 300
famlias cada e os agentes comunitrios de sade cuidam, cada um de uma Microrea, onde
devem visitar periodicamente as famlias para conhecer os problemas e as necessidades das
pessoas e servir de ligao com a UBS51 e o restante da equipe.
Os demais membros da equipe como mdicos e enfermeiros tambm realizam visitas
domiciliares de casos indicados e podem selecionar as famlias que precisam de um acompanhamento
mais frequente, seja para controle de doenas, necessidade de tratamento domiciliar, problemas
sociais ou situao. As consultas mdicas e odontolgicas na UBS so marcadas pela procura
direta e tambm por indicao a partir das visitas.
COMO MUDAR
Ora, se a gente pensar, desejar sade para uma pessoa que est trabalhando em condies
precrias ou vivendo numa habitao inadequada, ou ainda, enfrente situaes estressantes de
relacionamento pessoal, soa at como ironia, no ?
A que entra o entendimento de que muitas das situaes de vida em que as pessoas se
encontram, no so, nica e exclusivamente, questes de escolhas ou opes pessoais, mas sim
condies objetivas encontradas em seus caminhos que precisam ser enfrentadas e cuja mudana
no depende somente dos indivduos, mas sim do COLETIVO, que pode ser um grupo, uma
comunidade ou a sociedade em geral.

413

Ento, vemos que, embora existam possibilidades das decises individuais afetarem a
sade, nem sempre as mudanas que precisam ser feitas dependem das pessoas isoladamente,
mas sim do seu conjunto, ou seja, do coletivo.
disto tudo que trata a SADE COLETIVA.
Os seres humanos diferenciam-se dos outros animais, embora estes tambm apresentem
relaes de sociabilidade (que esto sendo cada vez mais estudadas) pela sua capacidade de
dar um sentido sua existncia individual e coletivamente. Como esses sentidos partilhados
socialmente afetam e condicionam o desenvolvimento da vida dos grupos humanos e, portanto, a
sade das coletividades, ou seja, da sociedade, esta uma tarefa de SADE COLETIVA.
REFERNCIAS
MINISTRIO DA SADE. Assessoria de Comunicao Social. Disponvel em: <http://portalsaude.saude.
gov.br/portalsaude/noticia/3591/162/calendario-de-vacinacao-atende-a-todas-as-idades.html> Acesso em :
20/06/2012.
NAZARENO, 2012. Por uma concepo dinmica de sade. No publicado.
WALDMAN, E. A. e GOTLIEB, S. L. D. Glossrio de epidemiologia. Informe Epidemiolgico do SUS. 7:
5-27, 1992.
WHO (World Health Organization) 1946. Constitution of the World Health Organization. Basic Documents.
WHO. Genebra.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Epidemia Manifestao, em uma coletividade ou regio, de um corpo de casos de alguma enfermidade


que excede claramente a incidncia prevista.

Gripe ou Influenza Infeco viral que afeta o sistema respiratrio, mais precisamente o nariz, a garganta
e os brnquios. O contgio ocorre principalmente por meio das secrees das vias respiratrias da pessoa
infectada ao falar, tossir ou espirrar. Ocorre o ano todo, com aumento final no do outono e durante
o inverno. Os vrus influenza subdividem-se em trs tipos: A, B e C, de acordo com sua diversidade
antignica, podendo sofrer mutaes.

Surto Epidemia de propores reduzidas, atingindo uma pequena comunidade humana.

4 Meningite Inflamao das membranas que revestem o encfalo e a medula espinhal, as meninges,
causada por bactrias, vrus, parasitas, fungos e menos comumente, por certas drogas. As meningites
bacterianas so clinicamente mais graves e tem maior importncia em sade pblica pela sua capacidade
de ocasionar surtos e epidemias.
5

Hepatite Doena que leva inflamao do fgado, pode ser causada por vrus, uso de alguns remdios,
lcool e outras drogas, alm de doenas autoimunes, metablicas e genticas. Os sintomas so cansao,

414

febre, mal-estar, tontura, enjo, vmitos, dor abdominal, pele e olhos amarelados, urina escura e fezes
claras. As hepatites virais mais comuns so as causadas pelos vrus A, B e C e mais raramente pelos vrus
D e E. A transmisso por contaminao fecal-oral no caso da A e E, enquanto a B e C se transmitem por
contato com sangue, hemoderivados, transfuso e contato sexual, a D ou delta depende da existncia do
vrus B para causar doena.
6

Leptospirose Doena que passa dos animais para os homens, causada por uma bactria do tipo Leptospira
eliminada principalmente na urina de roedores, permanece em colees de gua e pode contaminar pessoas
ao entrar em reas urbanas alagadas pela chuva, em colees de guas rurais de lagoas, represas e riachos.
A bactria invade o corpo por pequenas leses de pele ou pelas mucosas em contato com a gua (oral, nasal
e ocular).

7 Pneumonia Doena inflamatria do pulmo, afeta especialmente os alvolos, apresenta febre, dor
torcica, dificuldade para respirar, geralmente causada por uma infeco, por bactrias, vrus, fungos e
parasitas, mas h uma srie de outras causas.
8

Gastroenterite Caracterizada pela inflamao do trato gastrointestinal que afeta o estmago (gastro) e o
intestino delgado (entero) e que se manifesta por meio de diarreia, vmitos, dores e clicas abdominais.
Podem ser infecciosas causadas por vrus, bactrias, protozorios e parasitas intestinais, ou no infecciosas
geralmente devidas a doenas inflamatrias.

9 Diarreia Consiste no aumento do nmero de evacuaes e/ou a presena de fezes amolecidas, com
consistncia pastosa e(ou) at mesmo lquidas nas evacuaes.
10 Imunidade Resistncia usualmente associada presena de anticorpos que tm o efeito de inibir microorganismos especficos ou suas toxinas responsveis por doenas infecciosas particulares.
11 Resistncia Conjunto de mecanismos especficos e inespecficos do organismo que servem de defesa
contra a invaso ou multiplicao de agentes infecciosos, ou contra os efeitos nocivos de seus produtos
txicos.
12 Agente Entidade biolgica, fsica ou qumica cuja presena ou deficincia capaz de causar doena.
13 Agente Infeccioso Agente biolgico capaz de produzir infeco ou doena infecciosa.
14 Micrbio ou Micro-organismo Organismos unicelulares (ou acelulares, os vrus) que s podem ser vistos
ao microscpio. Incluem os vrus, as bactrias, os protozorios, as algas unicelulares e algumas formas de
fungos (as leveduras).
15 Suscetvel Qualquer pessoa ou animal que supostamente no possui resistncia suficiente contra um
determinado agente patognico, que a proteja da enfermidade caso venha a entrar em contato com o
agente.
16 Vrus Agentes infecciosos de pequeno tamanho, acelulares que apresentam genoma constitudo de uma
ou vrias molculas de cido nuclico (DNA ou RNA), as quais possuem a forma de fita simples ou dupla.
17 Bactria Micro-organismo unicelular, chamado de procarionte, desprovido de envoltrio nuclear e
organelas membranosas.
18 Doena Crnica uma doena que no resolvida num tempo curto, prolongando-se por meses e anos
ou o resto da vida. Geralmente no pe em risco a vida da pessoa num prazo curto. No entanto, pode ser

415

extremamente sria, afetar a qualidade de vida das pessoas e at causar a morte. Incluem tambm todas as
condies em que um sintoma existe continuamente. Muitas delas no apresentam sintomas, a maior parte
do tempo, mas caracterizam-se por episdios agudos perigosos e(ou) muito incomodativos.
19 Doenas Degenerativas So assim chamadas porque elas provocam a degenerao de todo o organismo,
envolvendo vasos sanguneos, tecidos, ossos, viso, rgos internos e crebro.
20 Vacina Preparao contendo micro-organismos vivos ou mortos ou suas fraes, possuidora de
propriedades antignicas. As empregadas para induzir em um indivduo a imunidade ativa e especfica
contra um micro-organismo.
21 Erradicao Cessao de toda a transmisso da infeco pela extino artificial da espcie do agente em
questo.
22 Varola Doena viral, exclusiva de humanos, que se encontra erradicada no mundo desde outubro de
1977, quando foi registrado o ltimo caso, na Somlia.
23 Poliomielite ou Paralisisa Infantil Doena infecto-contagiosa viral aguda, de transmisso fecal-oral,
caracterizada por um quadro de paralisia flcida, de incio sbito.
24 Sarampo Doena viral, de transmisso respiratria, altamente contagiosa, principais sintomas so febre
alta, tosse, conjuntivite (olhos vermelhos), coriza, e pequenas manchas brancas na parte interna da boca,
seguidas de uma erupo ou exantema que comea no pescoo, na face e se espalha pelo corpo
25 Transmisso Transferncia de um agente etiolgico animado de uma fonte primria de infeco para um
novo hospedeiro. A transmisso pode ocorrer de forma direta ou indireta.
26 Ttano Doena infecciosa aguda no contagiosa, causada pela ao de exotoxinas produzidas por um
bacilo, as quais provocam um estado de hiperexcitabilidade do sistema nervoso central, manifesta-se com
febre baixa ou ausente, hipertonia muscular mantida, hiperreflexia e espasmos ou contraturas paroxsticas.
27 Difteria Doena transmissvel aguda, toxiinfecciosa, causada por bacilo toxignico, que frequentemente se
aloja nas amgdalas, faringe, laringe, nariz e, ocasionalmente, em outras mucosas e na pele. caracterizada
por placas pseudomembranosas tpicas.
28 Coqueluche Doena infecciosa aguda, de transmisso respiratria, compromete especificamente o
aparelho respiratrio (traqueia e brnquios) e se caracteriza por paroxismos de tosse seca.
29 Rubola Doena a vrus transmitida por via respiratria. Seus principais sintomas so febre, dor de cabea,
dor pelo corpo, dificuldade ao engolir, nariz entupido e aumento de gnglios cervicais e suboccipitais
seguidas de manchas avermelhadas pelo corpo ou exantema.
30 Febre Amarela Doena infecciosa febril aguda, causada por um vrus transmitido por vetores artrpodes,
que possui dois ciclos epidemiolgicos distintos (silvestre e urbano).
31 Tuberculose Doena infecto-contagiosa, de transmisso respiratria, especialmente pela tosse, causada
por uma bactria que afeta principalmente os pulmes, mas tambm pode ocorrer em outros rgos do
corpo, como ossos, rins e meninges (membranas que envolvem o crebro), de evoluo lenta e extremamente
debilitante, est associada precrias condies de moradia, trabalho e nutrio, por isso considerada de
causalidade social.
32 Otite Inflamao do ouvido, geralmente de origem infecciosa.

416

33 Rotavrus da famlia Reoviridae So classificados em grupos, subgrupos e sorotipos de acordo com sua
composio antignica. At o momento, tm-se sete grupos antignicos: A, B, C, D, E, F e G que causam
infeco no ser humano, em outros mamferos e aves.
34 Infeco Penetrao, alojamento e, em geral, multiplicao de um agente etiolgico animado no
organismo de um hospedeiro, produzindo-lhe danos, com ou sem aparecimento de sintomas clinicamente
reconhecveis.
35 Derrame Cerebral ou Acidente Vascular Cerebral (AVC) uma doena vascular decorrente do entupimento
(isquemia) ou rompimento (hemorragia) de vasos sanguneos cerebrais, com comprometimento neurolgico,
de incio sbito na qual o paciente pode apresentar paralisao ou dificuldade de movimentao dos
membros de um mesmo lado do corpo, dificuldade na fala ou articulao das palavras e dficit visual sbito
de uma parte do campo visual
36 Cncer Doena caracterizada pelo crescimento desordenado de clulas que se dividem sem respeitar os
limites normais, invadem e destroem tecidos adjacentes, e podem se espalhar para lugares distantes no
corpo, mediante de um processo chamado metstase.
37 Hipertenso Arterial Doena crnica determinada por elevados nveis de presso sangunea nas artrias,
o que faz com que o corao tenha que exercer um esforo maior do que o normal para fazer circular o
sangue atravs dos vasos sanguneos
38 Diabetes Mellitus uma doena metablica, de evoluo crnica, caracterizada por um aumento anormal
do acar ou glicose no sangue. A glicose a principal fonte de energia do organismo, porm, quando em
excesso, pode trazer vrias complicaes sade quando no tratada adequadamente.
39 Higiene Conjunto de conhecimentos e tcnicas para evitar doenas infecciosas usando desinfeco,
esterilizao e outros mtodos de limpeza com o objetivo de manter e fortalecer a sade.
40 Saneamento Bsico Relaciona-se com o abastecimento de gua potvel, o manejo de gua pluvial, a
coleta e tratamento de esgoto, a limpeza urbana, o manejo de resduos slidos e o controle de pragas e
qualquer tipo de agente patognico, visando a sade das comunidades.
41 Verminose Doena provocada por agentes especficos, denominados parasitas, especialmente
endoparasitas que vivem no interior do corpo do hospedeiro.
42 Amebase Infeco por parasita ou protozorio que acomete o ser humano podendo ficar restrita ao
intestino, o principal sintoma a diarria, que pode no ocorrer, febre e sintomas diferentes dependendo
do rgo invadido.
43 Enfisema Doena pulmonar obstrutiva crnica caracterizada pela dilatao excessiva dos alvolos
pulmonares, o que causa a perda de capacidade respiratria e uma oxigenao insuficiente.
44 Doenas Sexualmente Transmissveis (DST) Patologias antigamente conhecidas como doenas venreas.
So doenas infecciosas que se transmitem essencialmente (porm no de forma exclusiva) pelo contato
sexual. O uso de preservativo (camisinha) tem sido considerado como a medida mais eficiente para prevenir
a contaminao e impedir sua disseminao.
45 Aids ou Sndrome da Imunodeficincia Adquirida Estgio mais avanado da infeco que ataca o sistema
imunolgico, causada pelo vrus da imunodeficincia humana HIV, ataca as clulas de defesa do corpo e

417

o organismo fica mais vulnervel a diversas doenas, de um simples resfriado a infeces mais graves como
tuberculose ou cncer.
46 Vetor Artrpode que transfere um agente infeccioso da fonte de infeco para um hospedeiro suscetvel.
47 Aedes Aegypti Mosquito que popularmente conhecido como mosquito-da-dengue ou pernilongorajado, bem adaptado a zonas urbanas, ao domiclio humano, onde consegue reproduzir-se e pr seus
ovos em pequenas quantidades de gua limpa, pobres em matria orgnica em decomposio e sais que
preferivelmente estejam sombreados e no peridomiclio.
48 Ateno Primria Sade (APS) ou Ateno Bsica Tambm denominada cuidado de sade primrio,
foi definida pela Organizao Mundial da Sade em 1978 como Ateno essencial sade baseada
em tecnologia e mtodos prticos, cientificamente comprovados e socialmente aceitveis, tornados
universalmente acessveis a indivduos e famlias na comunidade por meios aceitveis para eles e a um custo
que tanto a comunidade como o pas possa arcar em cada estgio de seu desenvolvimento, um esprito de
autoconfiana e autodeterminao. parte integral do sistema de sade do pas, do qual funo central,
sendo o enfoque principal do desenvolvimento social e econmico global da comunidade. o primeiro
nvel de contato dos indivduos, da famlia e da comunidade com o sistema nacional de sade, levando
a ateno sade o mais prximo possvel do local onde as pessoas vivem e trabalham, constituindo o
primeiro elemento de um processo de ateno continuada sade. (Declarao de Alma-Ata)
49 Resfriado Doena infecciosa viral do aparelho respiratrio superior que afeta sobretudo a cavidade nasal.
Os sintomas incluem tosse, garganta inflamada, coriza e febre, que normalmente desaparecem ao fim de
sete a dez dias, embora alguns dos sintomas se manifestem at trs semanas.
50 Traqueobronquite Doena do aparelho respiratrio caracterizada pela inflamao dos brnquios, com
excessiva produo de muco, ocorre com febre, tosse produtiva e s vezes sibilos. A maior causa da doena
so infeces virais, mas tambm pode ocorrer por algumas bactrias.
51 Unidade Bsica de Sade (UBS) So locais onde so prestados atendimentos bsicos e gratuitos em
Pediatria, Ginecologia, Clnica Geral, Enfermagem e Odontologia. Os principais servios oferecidos pelas
UBS so consultas, inalaes, injees, curativos, vacinas, coleta de exames laboratoriais, tratamento
odontolgico, encaminhamentos para especialidades e fornecimento de medicao bsica.

418

CRISE DE VALORES: DESAFIO SUSTENTABILIDADE

Paulo Eduardo de Oliveira

A reflexo sobre a sustentabilidade uma questo que diz respeito nossa relao com os
outros, pois o trabalho para preservar as condies sustentveis da vida no um empreendimento
individual, mas coletivo. Portanto, trata-se de algo que traz consigo uma dimenso tica.
A tica1 o campo dos valores. Valor aquilo que pode ser adjetivado como bom, desejvel,
digno de imitao, verdadeiro, justo, responsvel etc. Digo, por exemplo, que ser honesto bom.
Portanto, a honestidade , para mim, um valor. Ao contrrio, a desonestidade eu qualifico como um
mal. Isso quer dizer, um contravalor. Digo tambm que pensar nas geraes futuras, preservando
o meio ambiente, uma atitude louvvel, responsvel, eticamente correta, e assim por diante. Ao
contrrio, destruir o meio ambiente ou adotar um estilo de vida que no leve em conta o futuro da
humanidade agir de forma irresponsvel e, portanto, contrria tica.
Acontece que, s vezes, no sabemos direito o que se deve escolher. Os valores se confundem,
se misturam. Isso ocorre quando, por exemplo, as pessoas no sabem se melhor ganhar a vida
honestamente ou usar de meios ilcitos para enriquecer (h quem ache que a desonestidade
simplesmente uma questo de esperteza). Recentemente, uma reportagem de televiso mostrava
funcionrios pblicos afirmando que cobrar comisses indevidas para aprovar projetos faz parte
da tica do mercado2. Isso confundir tudo, trocar o bem pelo mal como se fossem sinnimos.
isso que se pode chamar de crise tica.

419

Outro exemplo diz respeito questo da sustentabilidade ecolgica ou ambiental: h tambm


aqueles que entendem que o lucro est acima de qualquer coisa, mesmo da preservao do meio
ambiente ou dos recursos que garantem a sobrevivncia de todos ns. Veja-se quanto se desmatou
nos ltimos anos, no Brasil, em nome do enriquecimento de poucos. No h dvidas de que o uso
abusivo dos recursos naturais, sem controle e sem legislao adequada, acabam gerando situaes
que comprometem a sustentabilidade ambiental.
Ento, o que certo e o que errado? Parece que, nestes casos, as pessoas confundem o
mal com o bem. Quando isso acontece, dizemos que se vive um perodo de crise de valores ou de
crise tica.
OS VALORES NORTEIAM NOSSAS AES
Todas as culturas e as sociedades desenvolvem valores. Valores so conceitos ou ideias
(verdade, justia), objetos (ouro, dinheiro) ou relaes (igualdade, fraternidade) que servem
como baliza para nossas aes. Deles dependem nossos comportamentos na medida em que so
incentivados ou reprimidos. Por exemplo: quando fao do dinheiro um valor, todas as minhas
decises giram em torno dele. Ele se torna, assim, o critrio de minhas decises. Ao invs do
dinheiro, eu posso escolher a justia como valor fundamental. Nesse caso, eu posso at perder
dinheiro, desde que no seja injusto.
Nas sociedades capitalistas, como o caso da nossa sociedade, os bens materiais tendem
a se tornar valores supremos em torno dos quais orbitam todas as nossas escolhas e decises.
Crianas passando fome e o crescimento do nmero de moradores de rua, nas grandes cidades,
so fatos que causam menos preocupao do que a bolsa de valores em queda. Porque o valor
est no capital e no acmulo de riquezas, no nas pessoas e na vida humana. Se fosse a vida e as
pessoas o centro das preocupaes, primeiro ns resolveramos o problema da fome para depois
discutir estratgias de lucratividade.
Num outro tipo de sociedade, as relaes humanas podem ter maior peso do que o
dinheiro. Nesse caso, a igualdade e a solidariedade tornam-se, por exemplo, os valores que
orientam as decises. Numa sociedade assim, criana nenhuma pode morrer de fome e ningum
pode ser condenado a viver na rua enquanto outros acumulam riqueza e vivem em busca do
luxo e da ostentao.
Assim funcionam os valores: orientam nossas aes. Servem como bssolas que indicam
o caminho para escolhas mais sustentveis ou menos sustentveis. Percebe-se, assim, que a
sustentabilidade uma questo tica3, ou seja, uma questo de opo por valores que sejam

420

realmente comprometidos com a defesa da vida em todos os seus aspectos. Mas, em nosso
tempo, muitos deixaram as bssolas de lado e preferiram adotar relgios para calcular o ndice
de produtividade e de aproveitamento do tempo. Querem andar muito, mesmo que no saibam
ao certo para onde esto caminhando. E o caminho escolhido poder estar conduzindo a todos
para um futuro comprometedor. Sob o ponto de vista da sustentabilidade, o caminho poder nos
conduzir ao paraso na terra ou ao abismo. A escolha nossa!
VALORES E IDEOLOGIA4
Quando uma determinada cultura determina que algo ruim e deve ser evitado, surgem
mecanismos de coao e de represso a fim de impedir que os indivduos adotem aqueles
comportamentos. Ao contrrio, quando algo considerado um valor, as culturas incentivam e
promovem a adoo das aes e prticas que correspondem a ele. Surgem, desse modo, o que
Karl Marx5 designou de aparelhos ideolgicos6, ou seja, os mecanismos sociais que se prestam a
imprimir em ns o conjunto de ideias motriz de nossas condutas.
A famlia, a escola, a religio e o Estado, na opinio de Marx, so as principais instituies
que cuidam de nos dizer o que devemos e o que no devemos fazer. As leis, os princpios
religiosos, os cdigos morais e as lies escolares formam o carter das pessoas de modo a
fazerem corresponder ao padro moral adotado, ou seja, ideologia dominante.
Desse modo, numa sociedade patriarcal, por exemplo, todos crescem sabendo que o pai a
figura central na famlia, a mulher lhe deve obedincia e respeito, as principais tarefas sociais so
desempenhadas por homens, os homens controlam a poltica e a religio, e assim por diante. Os
aparelhos ideolgicos nos ensinam como as coisas devem ser.
Numa sociedade baseada no modo capitalista de produo, os aparelhos ideolgicos tendem
a nos tornar pessoas preocupadas em consumir, pois isso o que movimenta o mercado. Assim,
para que se consiga fazer as pessoas compreenderem a necessidade de uma atitude de vida
diferente, mais sustentvel, preciso mudar o modo como pensam e agem em relao a si mesmas,
aos outros e ao prprio planeta. preciso um processo de conscientizao, uma tomada de atitude
crtica em relao ideologia consumista7, que contrria ideia de sustentabilidade. A noo de
sustentabilidade implica a busca de alternativas que levem ao equilbrio entre consumo, produo
e conservao do meio ambiente e dos recursos naturais.
Uma ressalva importante: essa condio ideolgica da vida humana no de todo negativa.
Na verdade, ela imprime as condutas-padro, aqueles comportamentos coletivamente aceitos, por
vezes necessrios para a organizao social. Contudo, as pessoas podem ser educadas para no

421

simplesmente responder cegamente aos padres, mas para agir com senso crtico e com esprito
livre. Assim nascem os sistemas democrticos, os regimes de liberdade e as sociedades abertas.
A imposio dos valores, contudo, sob diferentes formas de violncia, que deve ser considerada
perniciosa. Sobre isso, vale a pena ver a crtica de Michel Foucault8, em sua obra Microfsica do
Poder, assim como o texto de Karl Popper9, Sociedade Aberta e seus Inimigos.
CRISE DE VALORES
Quando ramos pequenos, nossos pais sabiam muito bem quais valores deveriam nos
ensinar: ser honestos, verdadeiros, procurar fazer sempre o bem etc. O que era o bem ou o mal
pareciam estar bem definidos e ningum tinha dvida sobre os valores morais. Hoje, contudo, ns
que crescemos e somos pais e mes, nos sentimos por vezes perdidos. Vivemos, sem dvida, um
momento de crise tica.
O que significa dizer que vivemos um momento de crise de valores? Em primeiro lugar,
refere-se a uma mudana cultural que est redefinindo os valores de nossa sociedade.
A crise de valores se expressa na confuso entre o bem e o mal, o certo e o errado, o justo e injusto. Em
outras palavras, a confuso entre valor e contra-valor. Os valores so produtos culturais, sujeitos s variaes
do tempo e do espao. Sempre que uma determinada cultura decide eleger alguma atitude (porque o campo
da tica o campo das atitudes) como valor, estabelece-se o contra-ponto com a atitude oposta. Assim,
atitude positiva de respeito vida, por exemplo, contrapem-se a morte e a violncia. Quanto mais clara fica
a oposio entre os dois pontos, mais fora tem o valor tico estabelecido. Onde reside, ento, a confuso de
valores? Parece-nos que ela nasce da aproximao dos plos antagnicos: em nosso tempo, por exemplo, vida
e morte convivem numa quase perfeita harmonia. (OLIVEIRA, 2005)

Para muitos, essa redefinio pode parecer um fato comum e, talvez, sem grandes
consequncias. Porm, creio que se trata de algo muito grave a que devemos dar ateno. Em
nossa opinio, trata-se de uma crise profunda, ou seja, de uma crise que muda o nosso modo de
ser e de se posicionar diante da vida. Em termos gerais, pode-se dizer que a crise tica de nosso
tempo corresponde a uma inverso de valores e no a uma ausncia de valores.
Pensemos um pouco: se antes os interesses comuns e coletivos eram mais importantes do
que os interesses privados, a sociedade mostra que hoje o que realmente importa a vida de cada
um. Houve no a eliminao de um valor, mas sua substituio por outro: o interesse pblico deu
lugar aos interesses pessoais que, no raras vezes, se deixam levar pelo egosmo. Houve, portanto,
uma inverso de valores.
Vejamos outros exemplos concretos.

422

a) A violncia passou a ser vista como algo normal e aceitvel. De fato, se pensarmos bem,
convivemos, diariamente, com ndices cada vez mais elevados de violncia. No cinema
e na televiso, as cenas de violncia so cada vez mais explcitas. Convivemos tanto com
essas imagens que nos tornamos, aos poucos, indiferentes. Quem de ns se assusta ao
ver um corpo humano destrudo por uma bomba? Quem fica chocado com cenas de
violncia urbana, assaltos, assassinatos, crimes passionais? Quem deixa de dormir por
causa dos frequentes sequestros que ocorrem todos dias nas grandes cidades? Ns nos
acostumamos com a violncia: ela parece normal. At mesmo os desenhos animados
(aparentemente inofensivos e inocentes) trazem uma carga elevada de mensagem em
favor da violncia. Tambm os jogos eletrnicos trazem diversas opes para brincar de
matar, brincar de fazer guerra etc.
b) Outro exemplo da inverso de valores: a corrupo parece ter virado moda em nosso
pas. A injustia tornou-se regra comum em muitos setores da sociedade. O cenrio
poltico do pas, os escndalos que derrubam deputados e ministros, a generalizao
da corrupo mostram que as pessoas passaram a dar mais valor aos seus interesses
pessoais do que honra, dignidade e ao respeito pela populao. O individualismo e
o egosmo parecem imprimir profundamente suas marcas em cada um de ns: cada um
por si e Deus por todos parece ser a regra de ouro, o princpio moral que orienta, nesses
tempos de crise, as nossas escolhas.
c) Ainda outro exemplo concreto desse quadro de inverso de valores a busca do prazer.
Isso parece ser a nica coisa que de fato interessa. Assim, os relacionamentos tornaramse descartveis: ficar passou a ser uma forma de relao na qual se tem direito a tudo e
no se tem dever de nada. Interessa apenas curtir. No h respeito nem responsabilidade.
E quem fala desses valores taxado de antiquado e careta. Vivemos na cultura do
hedonismo10, isto , do culto do prazer e da satisfao imediata de nossos desejos. Nada
mais interessa seno o conforto (temos controle remoto para tudo) e o que exige menos
esforo (tudo o que dever ou obrigao passou a ser visto com maus olhos). Para
alguns, jogar o lixo na rua mais fcil do que procurar o lugar adequado! Isso um
exemplo tpico de atitude hedonista.
d) Quanto questo da sustentabilidade, veja-se tambm que ocorrem muitas situaes
de inverso de valores: no que diz respeito sustentabilidade social11, por exemplo,
percebe-se que a acumulao de renda e de patrimnio nas mos de poucos um

423

falso valor, que vai na contramo da equidade na distribuio de renda e no esforo de


diminuio das diferenas sociais.
e) H muitos outros exemplos a serem analisados: a impunidade prevalece em quase todos
os mbitos da vida social; ser esperto passou a ser mais importante do que ser honesto;
a palavra dada pouco significa; ser uma pessoa de bem coisa do passado; pensar nos
outros coisa antiquada; o bem individual est acima do bem comum; matamos crianas
inocentes antes de nascerem; matamos de fome milhes de pessoas por ano enquanto
fortunas so gastas na indstria da guerra e da corrupo poltica.
Esses exemplos evidenciam a crise tica na qual estamos mergulhados. Ns estamos vivendo
um perodo de crtica dos valores estabelecidos e de busca de novas referncias.
A crise de valores est, ento, na banalizao da contradio entre os valores e os contra-valores. Tudo
parece conviver numa harmonia que mascara a contradio. O bem e o mal parecem prximos, como se
fosse o mesmo fazer o bem ou fazer o mal (as telenovelas, por exemplo, sempre apresentam personagens que
personificam o mal, mostrando que isso um caminho possvel a ser escolhido. Por vezes, tais personagens
so aquelas que tudo conseguem e que, ao final, acabam se saindo bem). Da mesma forma, a confuso
entre os valores aparece no campo da justia: a injustia convive de modo quase trivial com a justia, de
modo a minimizar as diferenas (agir de modo justo ou injusto parece fazer pouca diferena, sobretudo
quando vemos a impunidade reinar e as sadas oficiosas serem solues aceitveis em mil e uma situaes).
(OLIVEIRA, 2005)

A crise de valores mostra que os padres de moralidade so relativos a um determinado


tempo e lugar. No so regras absolutas, vlidas para sempre, mas escolhas provisrias que nos
ajudam a vivermos as especificidades de nossas circunstncias.
RELATIVISMO TICO: TUDO MESMO RELATIVO?
A marca mais clara dessa crise pode ser expressa no relativismo tico, isto , na concepo
de que os valores so todos relativos e dependem da conscincia de cada um. Ora, o relativismo12
tico um mal que precisa ser combatido, pois ele pode nos levar a desvios e a tomar atitudes que,
ao invs de respeitar a liberdade do homem, nos aprisionam em nossas prprias escolhas egostas.
A falsa concepo de que os valores so todos relativos enfraquece a noo de que a tica
um compromisso social, um valor comunitrio. No somos ns os nicos seres do planeta, e em
nosso umbigo no est o centro de gravidade do universo. Somos pessoas que convivemos com
outras, com iguais direitos de vida e de realizao plena como seres humanos. O relativismo torna-

424

nos, ao contrrio, seres em competio, homens em guerra contra ns mesmos, confirmando


aquilo que dizia Thomas Hobbes: o homem lobo do prprio homem. Por isso, o relativismo
deve ser combatido, pois corresponde a uma viso tica deformada.
Lutar contra o relativismo tico no significa optar por modelos autoritrios e por condutas
moralistas13 e repressoras. Ao contrrio, significa compreender a justa medida da liberdade e,
ao lado dela, colocar o valor da responsabilidade social. Somos homens livres, mas convivemos
com outros homens igualmente livres. No podemos fazer tudo o que queremos, mas podemos
escolher meios de vida mais digna para todos. No podemos nos guiar pelo simples desejo de
autorrealizao, mas podemos nos realizar enquanto trabalhamos para que outras pessoas tambm
se realizem.
Quando vemos o grande nmero de voluntrios envolvidos em causas humanitrias,
percebemos que, aos poucos, estamos redescobrindo os valores que nos tornam realmente
humanos. Do mesmo modo, a grande preocupao mundial com a preservao do meio ambiente
um sinal de que estamos acordando para uma nova tica. Some-se a isso a conscincia cada
vez mais clara de que precisamos nos empenhar em programas de responsabilidade social e
em projetos globais de sustentabilidade. Tudo isso parece um sinal de que a crise tica no ,
necessariamente, algo ruim. Contudo ela est, ao contrrio, nos conduzindo a uma postura cada
vez mais crtica, responsvel e sustentvel.
MANIFESTAES DA CRISE
A crise de valores se manifesta de muitos modos. Sobretudo em trs setores de nossa
vida, suas manifestaes so mais evidentes e suas consequncias mais importantes. Analisemos
brevemente cada um desses setores e as manifestaes de crise que apresentam.
Crise das Instituies (OLIVEIRA, 2005)
A crise das instituies se insere no mesmo contexto da crise de valores. No fundo, uma
passa a ser consequncia da outra. Os valores estabelecidos so, via de regra, conservados e
reproduzidos pelas instituies sociais. Cada instituio (sobretudo a famlia, a religio, a escola
e o estado) desempenha um papel e garante a preservao de certos valores mais pertinentes
sua prpria identidade institucional. Assim, de modo genrico, famlia cabe ensinar o valor da
convivncia, do respeito ao outro; religio, por sua vez, cabe ensinar o valor da transcendncia;
escola, o valor do conhecimento, da cincia e da cultura; ao estado, finalmente, os valores cvicos.

425

Quando os valores so bem definidos, as instituies no tm dificuldades em faz-los


prevalecer. Exemplo disso a forma como os valores religiosos eram preservados na cristandade
medieval14. A instituio eclesial era fortalecida pelos valores que pregava e vice-versa. A crise de
valores religiosos trazida pelo secularismo15 renascentista e moderno, contudo, abalou as prprias
bases da instituio eclesial. Um outro exemplo pode ser visto no campo da cincia: a cincia
moderna (compreendida como instituio), fortalecida em seus valores de preciso, certeza e
verdade absoluta, conforme o modelo newtoniano-cartesiano16, foi colocada em xeque pelos
novos paradigmas cientficos surgidos no sculo XIX e XX: Darwin, Freud, Heisenberg, Russell,
Wittgenstein, Frege e Einstein foram alguns dos responsveis pelo estabelecimento de um novo
modo de compreenso a cincia. Talvez a expresso de Ilya Prigogine o fim das certezas
revele, precisamente, o novo carter cientfico de nosso tempo.
Esses exemplos mostram que a crise de valores geralmente vem associada crise das
instituies que os conservam e propagam. Hoje, evidentemente, as instituies sociais fundamentais
esto em crise: o modelo tradicional de famlia est sendo reconstrudo a partir de uma nova
identidade familiar. Situaes novas do complexo social, como o divrcio, a unio homossexual, o
amor livre, por exemplo, tendem a levar as pessoas a rever seus prprios valores.
Os educadores no podem ficar indiferentes: precisam ajudar os educandos a compreender
este processo de transformao social e cultural dos valores e dos modos de se situar diante
dos desafios da vida. No preciso uma atitude dogmtica e conservadora, que reivindique a
simples reedio dos valores do passado, mas uma atitude consciente de pessoas que entendem
a importncia dos valores para a vida em sociedade e, assim, esto dispostas a reconstruir seu
quadro de valores com responsabilidade.
Essas situaes so mais frequentes do que podemos imaginar. Muitos educadores afirmam
que no so pais e nem mes de seus educandos. De fato, no so, mas nem por isso esto
dispensados de am-los como se o fossem.
Crise de Identidade (OLIVEIRA, 2005)
A crise de identidade outro fenmeno de nosso tempo. Contudo, no exclusiva de
nosso tempo, creio que isso j ficou claro. Ela pode ser resumida na expresso de Sartre: O
que vou fazer daquilo que fizeram de mim? A supervalorizao do sujeito criou um excessivo
individualismo, pelo qual nos sentimos donos de ns mesmos sem ao menos saber quem somos.
A crise de identidade reflete a situao do homem atual que pode fazer qualquer escolha, livre
para tudo, mas no sabe quais so as possibilidades que se apresentam sua frente. Parece-se

426

com um pssaro libertado de sua gaiola que, por no saber onde ir, acaba sentado sobre ela e at
volta para dentro dela.
As modernas teorias psicolgicas, sobretudo a psicanlise, escancararam a intimidade
humana, numa atitude desesperada de resgate da identidade pessoal. Dramas, conflitos, neuroses
e traumas foram todos desmitificados, restando a conscincia pura de um homem desnudo e
sem rumo. Foram destrudos os mitos, mas nada foi colocado em seu lugar. Quem o homem? De
onde veio? Para onde vai? Qual o sentido da vida? No encontramos resposta para estas questes
no novo quadro de valores que se apresenta. Antes, encontramos atitudes de dissimulao e de
fuga, atitudes que pretendem refugiar o homem no desfrute do passageiro e no deleite do ftil. Em
consequncia, ao invs de encontrarmos pessoas cada vez mais donas de si e livres, encontramos
pessoas sempre mais dependentes dos mecanismos que lhes ofereceram esse tipo de liberdade. A
droga, o sexo, o poder, a vida cmoda so alguns dos analgsicos oferecidos conscincia exausta
do homem de nosso tempo.
O educador precisa estar atento a esse fenmeno. Os nossos educandos esto muito
interessados nas ofertas que lhes so feitas: prestgio, visibilidade social, fama, dinheiro, luxo,
sexo, prazer sem medida, fortes emoes, atitudes radicais, droga, xtase, desfrute, deleite,
facilidades, conforto... Esta a linguagem que o nosso tempo usa. Evidentemente, seu poder de
seduo muito forte. At ns camos nas amarras de suas propostas. O educando, no entanto,
parece mais vulnervel. Discursos e iniciativas que tendem a mobilizar as pessoas para as questes
de responsabilidade social e a sustentabilidade so aceitos com mais dificuldade, pois parecem
no corresponder aos ideais de vida que foram ideologicamente assentados na viso de mundo
das pessoas.
A liberdade prometida pelos contravalores leva escravido, dependncia e ao desespero.
O homem perde sua identidade: no sabe quem , no sabe o que quer, no sabe para onde vai.
No estranho notar que o nmero de deprimidos e estressados aumentou assustadoramente nos
ltimos anos. Isso no resultado, apenas, do ritmo alucinante da vida moderna, mas, sobretudo,
da perda de identidade: fazemos muito sem saber para que, andamos muito sem saber para onde,
buscamos muito sem saber direito o que queremos. Lembre-se de que deixamos as bssolas de
lado e adotamos relgios.
Crise de significado (OLIVEIRA, 2005)
Decorrente da crise de identidade, a crise de significado ou de sentido parece nos envolver
cada vez mais. Qual o sentido da vida? Qual o sentido das coisas? Qual o sentido da histria?

427

Qual o sentido da prpria cultura humana? A mentalidade17 que privilegia o descartvel (da
roupa ao automvel, das relaes amorosas e sexuais s doutrinas e opes religiosas) no pode,
certamente, oferecer resposta crise de sentido. Uma prtica educativa que leve em conta a
sustentabilidade18 corresponde a um esforo para dar sentido vida pessoal e comunitria. O
educador precisa encontrar formas de, em sua prtica educativa cotidiana, recuperar o valor do
permanente, daquilo que faz parte de nossa essncia, daquilo que fica quando todo o resto muda.
O sentido da vida no est naquilo que escapa mo, mas naquilo que plantamos, com razes
profundas, no terreno da prpria histria pessoal e coletiva. Assim, na sala de aula, podemos dar
preferncia s coisas que, de fato, permanecem: no somente os resultados imediatos da nota,
mas o aprendizado significativo, para citar apenas um exemplo.
Nesse sentido, importante levar em conta que educar para a vida19 muito mais do
que simplesmente ensinar a como passar pela vida. Ns, educadores, por vezes nos dedicamos
simplesmente a formar a mente e as mos sem formar o corao de nossos educandos. Enchemos
suas cabeas de teorias e de respostas, mas pouco ensinamos a fazerem perguntas significativas.
por isso que a vida se esvazia e os valores passam a ser banalidades. Da nasce a violncia,
o desencanto, o desespero que levam muitos jovens a se refugiarem em falsos abrigos, como
as drogas.
CRISE OPORTUNIDADE DE CRESCIMENTO
A cultura ocidental, na maioria das vezes, admite a crise como um elemento negativo. Estou
em crise significa, geralmente, no estou bem. Contudo, sob a perspectiva oriental, a crise
tem uma importncia significativa. Ela se apresenta, de fato, como oportunidade de crescimento.
Crise como crtica
Nos momentos de crise, fazemos a crtica de tudo o que nos afeta e faz parte de nossa vida:
nossas escolhas, decises, referncias e valores. A anlise crtica nos faz perguntar sobre o que de
fato queremos, o que de fato importa para ns. Esse aspecto fundamental para que vivamos de
modo consciente, sem sermos simplesmente levados pela mar ou conduzidos como rebanhos. A
educao tem um papel fundamental nesse campo, quando orienta os educandos para a liberdade
e a responsabilidade.

428

Crise como busca de critrio


Nos momentos de crise, tambm revemos nossos critrios, ou seja, as nossas peneiras. Assim
como os mineradores tomam peneiras de diferentes tamanhos para garimpar as pedras preciosas
que tanto procuram, ns tambm usamos peneiras diversas para escolher o que queremos para
nossas vidas. Critrio o filtro pelo qual fazemos nossas escolhas. Tenho dois livros diante de
mim, mas preciso escolher o melhor. Antes de escolher, preciso estabelecer o critrio de escolha:
melhor quanto ao contedo, a qualidade de impresso, a forma lingustica etc.
Diante das escolhas da vida, sobretudo nos momentos de crise, precisamos estabelecer
critrios pelos quais poderemos pautar nossas decises. Pais e educadores, nesse sentido, tm um
papel fundamental. Na medida em que se tornam exemplo para os filhos e educandos, ensinam a
estabelecer critrios vlidos para as importantes decises da vida.
Crise como purificao
Outro exemplo sobre mineradores: quando se tira o minrio do rio ou da mina, coloca-se
tudo no crisol ou no cadinho para se levar ao fogo. As chamas queimam as impurezas e resta,
ento, apenas o minrio precioso.
Crise tambm tem esse sentido positivo de purificao. Nos momentos de crise, fazemos
um exame em nossa vida: deixamos de lado algumas coisas e renovamos nossa deciso por
conservar outras. Ficamos apenas com aquilo que, para ns, mais importante, o que nosso
outro, o nosso valor.
CONCLUSO
H quem diga que a tica uma tica, isto , um modo de ver, uma lente que nos permite
contemplar o mundo. Sem dvida, como somos seres culturais e histricos, no se pode negar as
mltiplas facetas que a moralidade pode apresentar. por isso que existem momentos de crise de
valores, pois nossos padres de comportamento no so absolutos. Estamos sempre procurando
ser mais e descobrir modos novos de fazer as coisas. Assim, nossos valores mudam. Houve tempos
em que a escravido nos parecia um valor. Hoje, defendemos a igualdade e a liberdade de todos
os seres humanos, independentemente de cor, raa, credo ou cultura.
A tica uma tica. Que a nossa viso contemple o bem de todos e no apenas os nossos
interesses pessoais. Que tenhamos olhos para a vida mais que para a violncia e a morte. Que

429

a igualdade brilhe em nossos olhos e que a justia reine em nosso pas. Precisamos todos nos
empenhar por construir um mundo melhor, passando de uma tica relativista a uma tica
comunitria e solidria. Desse modo, a crise de valores de nosso tempo pode ser um momento
fecundo de renovao humanitria.
INDICAES DE LEITURA
BOFF, Leonardo. Crise: oportunidade de crescimento. Campinas: Verus, 2002.
CHOMSKY, Noam. A minoria prspera e a multido inquieta. Braslia: UnB, 1997.
ECO, Umberto. Cinco escritos morais. Rio de Janeiro: Record, 1998.
FOUCAULT, Michel. Microfsica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1992.
OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. Sala de Aula: espao de vivncia tica. Revista Educao Marista. Curitiba,
Editora Universitria Champagnat, Ano V, n. 10, p. 5-11, jan/jun 2005.
OLIVEIRA, Paulo Eduardo de. Educar para a vida: reflexes para pais e educadores. Petrpolis: Vozes,
2007.
POPPER, Karl. Sociedade aberta e seus inimigos. So Paulo/Belo Horizonte: EDUSP, Itatiaia, 1975.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 A palavra tica vem do grego ethos, que significa comportamento ou atitude. Em latim, este termo foi
traduzido por mor (moris), o qual se derivou a palavra moral. A maioria das pessoas usa as palavras tica e
moral como sinnimas, embora haja uma distino tcnica entre elas: enquanto a moral significa a norma
de conduta ou comportamento, a tica a cincia ou o estudo da moral.
2

Indicao de link: Sobre esta reportagem, leia mais neste link: <http://fantastico.globo.com/Jornalismo/
FANT/0,,MUL1679161-15605,00.html>.

Indicao de filme: Sobre este tema, veja-se o vdeo tica e ecologia: desafios para o sculo XXI, do intelectual
brasileiro Leonardo Boff. <http://www.youtube.com/watch?v=-TU9BmDbcZw&feature=relmfu>.

Ideologia Conjunto de ideias, princpios ou valores que determinam a forma como as pessoas compreendem
a realidade. Por exemplo, quando se diz da ideologia consumista, estamos falando do conjunto de ideias
que fazem as pessoas compreenderem o consumo como uma prioridade, algo a ser buscado, um valor a ser
conservado. Nesse sentido, a palavra ideologia tem um aspecto negativo, como algo que deve ser analisado
com olhar crtico.

5 Karl Marx (1818-1883), filsofo alemo, responsvel pelo desenvolvimento de um pensamento crtico
em relao base econmica da sociedade, sobretudo a estrutura capitalista. Prope o socialismo e o
comunismo como formas alternativas de superao das desigualdades sociais produzidas pelo sistema
capitalista. Sua principal obra O Capital.

430

Aparelhos ideolgicos Conjunto de instituies scias como a famlia, a escola, a religio e o Estado que
servem para propagar as ideologias, ou seja, o conjunto de ideias e de valores prprios de uma cultura ou
sociedade determinada.

Indicao de link: Para uma compreenso mais aprofundada do tema da ideologia do consumo, pode-se
ler o artigo de Lindomar Teixeira Luiz, sugerido neste link: <http://revistas.unoeste.br/revistas/ojs/index.
php/ch/article/viewFile/204/105>.

Michel Foucault (1926-1984), filsofo francs, destacado professor do Collge de France. Sua obra analisa,
de modo especial, as relaes de poder que se estabelecem na sociedade. Sua inteno identificar o que
ele denominou genealogia do poder, isto , as origens ou as razes do poder que se estabelecem entre as
pessoas no cotidiano da vida social. Entre suas obras, destaca-se Vigiar e Punir.

Karl Popper (1902-1994), filsofo austraco. Sua obra integra a preocupao com o mtodo cientfico e
as questes sociais. Defende a ideia de que nosso conhecimento falvel e provisrio e, por isso, ningum
pode obrigar outra pessoa a aceitar de forma dogmtica as suas ideias. Entre suas obras destaca-se Em
busca de um mundo melhor.

10 Doutrina ou pensamento que afirma constituir o prazer, s ou principalmente, a felicidade da vida. Assim,
para o hedonista, ser feliz significa ter prazer e evitar tudo aquilo que vai contra o prazer e cause desconforto
ou exija esforo.

Indicao de link: Para uma leitura complementar acerca do hedonismo, ver o seguinte link: <http://
www.infoescola.com/filosofia/hedonismo/>.
11 Indicao de link: Para uma compreenso mais ampliada do conceito de sustentabilidade social, ver o
seguinte link: <http://www.atitudessustentaveis.com.br/sustentabilidade/sustentabilidade-social/>.
12 A palavra relativismo deriva de relativo. O relativo o que est em relao com outro, portanto no
absoluto, no nico. Dizer que uma norma moral relativa significa afirmar que ela no tem um valor
absoluto como nica norma moral, pois pode haver outra norma, at mesmo contrria primeira, que
poder ser reconhecida como vlida.
13 Moralista Aquilo ou aquele que se deixa guiar cegamente pela moral, tornando-se fantico cumpridor das
leis. Diz-se da pessoa para quem os princpios morais, por vezes rgidos e carentes de reviso, esto acima
de qualquer outra coisa.
14 Indicao de filme: Para uma compreenso mais ampla acerca deste tema, veja-se o famoso filme O
nome da rosa, inspirado no romance de mesmo nome do escritor italiano Umberto Eco.

Link para o filme: <http://www.youtube.com/watch?v=tNGa0GTYFpQ>.
15 A palavra secularismo deriva de secular, que em latim significa mundo. Na mentalidade medieval, as
coisas do mundo eram separadas das coisas sagradas, as coisas da religio e de Deus. Desse modo,
a expresso secular ou secularismo passou a designar as realidades, ambientes, costumes ou tradies
desvinculadas do aspecto religioso ou eclesial, isto , das igrejas.
16 Newtoniano-cartesiano Concepo filosfica e cientfica apoiada nas ideias de Isaac Newton e de Ren
Descartes, segundo os quais tudo pode ser reduzido a uma compreenso lgica e matemtica. a uma
compreenso lgico-matemtica.

431

17 Mentalidade Forma pela qual as pessoas veem as coisas numa determinada poca. Assim, fala-se da
mentalidade medieval ou moderna, referindo-se ao modo com as pessoas da Idade Mdia ou da Idade
Moderna compreendem a vida, o mundo e a sociedade.
18 Indicao de link: Para uma leitura complementar sobre a importncia da educao para a sustentabilidade,
veja-se o link que segue: <http://www.atitudessustentaveis.com.br/conscientizacao/a-importancia-daeducacao-ambiental-sustentabilidade/>.
19 Sobre este tema, ver nosso livro Educar para a vida: reflexes para pais e educadores. Petrpolis: Vozes, 2007.

432

LAZER E LIVRE MOTRICIDADE


CAMINHOS PARA O DESENVOLVIMENTO DA
INTELIGNCIA EMOCIONAL E SUSTENTABILIDADE

Antonio Camilo Teles Nascimento Cunha


Mrcio Jos Kerkoski

NOTA INTRODUTRIA TEMPO DE MUDANA


O objetivo fundamental deste texto realizar uma abordagem introdutria sobre a
perspectiva do lazer e da (livre) motricidade, como caminhos para o desenvolvimento da
inteligncia emocional, tendo como referncia temporal as primeiras idades.
Vivemos num contexto de ps-modernidade (corpo e esprito sujeito a novas tenses) e, ao
mesmo tempo, presenciamos uma crise antropolgica e ontolgica profunda. O desaparecimento
do exemplo e o relativismo dos valores levaram ao paradoxo atual viver entre a felicidade
(efmera?!) e a infelicidade com medo do futuro. (CAMILO CUNHA, 1999a). A esse propsito,
Sennet (2000) refere que:
assiste-se inquietao dos mais velhos que reclamam da destruio daquilo que lhes permitiu constituremse enquanto pessoas: relaes e profisses definidas e estveis; vidas estruturadas e organizadas em forma
de rentabilizar o tempo, a nica coisa que realmente possuam. Valores como a lealdade, a solidariedade, a
cooperao, o investimento recproco, o prosseguimento de objetivos a longo prazo resultavam experincias
ricas e compensadoras. por seu lado, os mais novos tambm se sentem inquietos, porque receiam viver
num mundo que no lhes d a segurana, que estruturou a vida dos seus pais Neste sentido a vida Social,
Profissional, Familiar (EDUCATIVA), desenrola-se segundo valores pouco slidos (p.126).

433

esse progressivo apagar de valores e emoes que orienta a vida dos cidados que
Sennett chama de Corroso do Carter. Nessa direo, pretendemos fazer um exerccio terico
e recuperar a memria antropolgica e ontolgica ao enfatizar a livre motricidade e o lazer
como instrumentos da naturalidade humana que sempre estiveram a servio do seu equilbrio
(emocional) e da sua felicidade, e, tambm, posicionar a educao emocional nesse contexto do
ncleo familiar.
SOBRE O LAZER
Renunciamos ao tempo livre. No ao tempo cronolgico (o do lazer), mas ao descanso
interior, libertao total, ao distanciamento mental do mundo de que necessitamos para arranjar
espao para os elementos mais delicados da nossa vida. Deixamo-nos guiar pela velocidade, pelo
movimento (tudo acontece j) e pelos impulsos. J nada duradouro (RIEMEN, 2012, p.27). Esta
afirmao diz bem o onde estamos hoje!
Sobre o lazer encontramos diferentes concepes. Com base na reviso apresentada por
Almeida e Gutierrez (2005), podemos encontrar de acordo com o perodo histrico diferentes
tendncias de lazer. Partimos de uma definio clssica de Dumazedier (2000, p. 34), que
demonstra a dicotomia entre trabalho e lazer, posicionando o lazer como um conjunto de ocupaes
s quais o indivduo pode entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se,
recrear-se e entreter-se ou, ainda, para desenvolver sua informao ou formao desinteressada,
sua participao social voluntria ou sua livre capacidade criadora aps livrar-se ou desembaraarse das obrigaes profissionais, familiares e sociais. J as definies contemporneas discutem o
lazer no mundo globalizado, a excluso das classes menos favorecidas e as opes de lazer para
a populao, como veremos a seguir.
No mundo globalizado, segundo os autores, as opes de lazer esto concentradas nas classes
mais altas da sociedade nos parques temticos, estrutura de turismo, academias de ginsticas e
escolas de esportes, espetculos de teatro, cinemas, apresentaes nacionais e internacionais de
msica, bares e restaurantes finos. Como tendncia atual na discusso do tema do lazer, os autores
utilizam a definio da deciso individual do lazer e no mais vinculado diretamente h umtempo
determinado socialmente. Destacam que alm da associaodo lazer educao e controle da
criminalidade, sua aproximao comtemas como qualidade de vida, incentivo atividade fsica e
valorizaoda cultura so eminentes.
Segundo Lombardi (2005, p. 14), o lazer to fundamental quanto o transporte, a
educao, a moradia, a sade, o saneamento bsico e a alimentao so para a vida de todo e

434

qualquer ser humano. O lazer tem como funes o descanso, o divertimento e o desenvolvimento
humano pessoal e social... Dessa forma, a vivncia de um lazer de qualidade pode proporcionar
a emancipao de um homem crtico e criativo, capaz de gerar e vivenciar normas e valores
questionadores da atual ordem estabelecida.
Nessa lgica do lazer como instrumento de desenvolvimento humano e como deciso
individual que se pauta a ligao do lazer e da (livre) motricidade, como caminhos para o
desenvolvimento da inteligncia emocional. Pois na busca de seres humanos mais desenvolvidos,
no sentido da naturalidade humana com autonomia de decises, que podemos encontrar uma
forma de desenvolvimento de seres humanos mais emocionalmente inteligentes, que saibam
interagir melhor com seus pares e com o ambiente em que vivem.
SOBRE A LIVRE MOTRICIDADE
Tomamos tambm como referncia a atividade fsica natural, ou naturalista, homem e
natureza, materializada na livre motricidade. Esse conceito parte do pressuposto de que a se
encontram as premissas de um desenvolvimento motor e emocional saudvel e de uma vida motora,
educativa social e emocional de qualidade. O sentido da livre motricidade agrega as atividades
reconhecidas como de aventura, radicais e abertas (ecolgicas). So matrias motoras que, na sua
essncia, esto enquadradas numa abordagem ps-estruturalista prxima da subjetividade das
emoes e da imaginao. (CAMILO CUNHA, 1999b).
Por meio dessas atividades, ocorre a instrumentalizao do corpo pela ao das prticas
de significao, dando suporte a um paradigma a que poderemos chamar de um movimentar-se
cognitivista, desenvolvimentista e qualitativo pelas emoes. Esse movimentar-se possibilita uma
abertura s experincias.
Talvez esteja mais de acordo com um conceito de movimento e de formao e interveno
social, como:
Funo do conhecimento;
Esttico/ Expressivo;
Comunicao/ Relao;
Higiene/ Sade abordagem mdica quer na escola, quer na sociedade;
Compensao;
Agonstica Auto e Htero-Emulao;
Catarse;
Inteligncia Emocional, como almofada desses sentidos eabrangncias de movimento.

435

Daqui resulta uma certa prudncia na defesa do movimentoconstrudo pela racionalidade


(por exemplo: Educao Fsica na escola). So atividades que, na sua essncia, esto enquadradas
numa abordagem estruturalista, fechada, de racionalidade curricular e social e ainda prxima do
rendimento, da objetividade, do desempenho, da racionalidade tcnico-tctica. Neste contexto
escolar, as emoes somodeladas pela racionalidade. Dessa forma, as emoes/inteligncias
podero no se efetivar na sua essncia (CAMILO CUNHA, 1999c).
Com base nessas perspectivas, no queremos deixar de referir outro conceito terico, o do
movimentar-se. Esse conceito fundamenta dois novos conceitos: de escola mvel e o de sociedade
mvel. Numa anlise rpida sobre a escola/sociedade de hoje, facilmente constatamos que ela
evoluiu ou pelo menos diferente das anteriores. Essa evoluo resultado do desenvolvimento
social interno e externo, do desenvolvimento tecnolgico, cultural e multicultural. Constata-se
que o discurso terico-prtico, o pensamento e a ao curricular sobre o movimento e o discurso
poltico tm insistido na ruptura da concepo clssica de escola e de sociedade. A escola e
a sociedade da racionalidade tcnica, dos modelos padronizados (memria), das disciplinas e
horrios rgidos, do desempenho e da eficcia, d lugar escola (sociedade) ps-moderna,
escola da inteligncia, do agir, da emoo, da imaginao, da criatividade, do sujar as mos.
Contudo, apesar de existirem novos olhares sobre a escola social e de exerccio da cidadania,
sobre a motricidade e as emoes, esses olhares no tm tido uma correspondncia praxiolgica,
que essa evoluo diz protagonizar. Quando se faz uma anlise emprica da motricidade,
constatamos que continua ancorada na lgica do Movimento normas, tcnicas e tctica de
jogar/movimentar, como j tivemos oportunidade de referir anteriormente e que um grande
entrave ao desenvolvimento da inteligncia emocional. Desse fato reforamos a defesa efetiva
de escola/sociedade ps-moderna (modernidade tardia), em que h lugar (alis, a escola/social
ser todo o lugar) para o movimentar-se. Lugar de experincias, reflexo, autoconhecimento,
autoeducao, desenvolvimento pessoal, vivncias e aprendizagem. A escola/sociedade como lugar
de vida, de cultura, de lazer e movimento, orientada para e resoluo de problemas, necessidades,
expectativas, objetividade e subjetividade disciplinada e ancorada nas emoes.
Nesse contexto, e na lgica de Hildebrandt-Stramann (2002), a escola/sociedade transformase numa parte construtiva de aprendizagem e de vivncia escolar/social. Em nosso entender,
cognio, emoo e motricidade constituem a trilogia perfeita para a concepo do movimentar-se.
De fato, esse envolvimento poder:
Contribuir para a efetivao dos princpios de escola/sociedade democrtica. A escola
democrtica (escola de massas ecltica, inclusiva, com direito de acesso e sucesso), ao

436

preconizar a defesa de autonomia de escola, potencializando as culturas de cada regio/


escola, encontrar no movimentar-se um aliado de peso.
Cada regio/escola tem caractersticas emoes prprias. Cada regio/escola tem
movimentos emoes prprias materializados no movimentar-se. O movimentar-se
torna visveis essas caractersticas e, consequentemente, as culturas locais.
Estender o movimento para alm dos muros da escola. O movimentar-se no fica ancorado
nas aulas de Educao Fsica de cada escola. Ele vai mais alm. Faz a ruptura com
os mtodos tradicionais e sobe as paredes da escola, diluindo-se na comunidade/
social. Est em condies de reconhecer, experimentar, participar. A escola alarga-se, e
a comunidade encontra-se partindo de pressupostos de que para educar uma criana
preciso toda uma cidade (escola/sociedade mvel).
Observando a reflexo de Hidebrandt-Stramann (2002):
Uma escola/sociedade mvel, para mim uma escola/sociedade que reflete, conscientemente, o processo
de desenvolvimento de uma cultura escolar/social e que, dentro do possvel, o controla e o guia com as suas
prprias foras. A sua compreenso de formao parte de dois princpios superiores:
- Em primeiro lugar, ela esfora-se por uma cultura de aprendizagem e de educao, que permite s crianas
e aos jovens refletir a realidade de maneira produtiva, apoiando assim o processo de desenvolvimento na
tentativa de uma autognese e de uma autoformao criativa, respeitando os seus desejos e emoes;
- Em segundo lugar, ela est convicta, de que esse processo s ter sucesso, quanto mais cultura de ensino
e de aprendizagem for caracterizada por diferentes maneiras corporais de abertura ao mundo e transmisso
de conhecimentos. Um desses tipos de cultura escolar seria o contraste dos programas escolares, onde os
mais variados eventos esto orientados para um aumento do aproveitamento, baseados nos mais variados
indicadores de aproveitamento, medidos atravs de testes e acionados posteriormente ao aproveitamento
geral. Esse modo subordinado de intermediar movimento, para o qual, no contexto das discusses sobre um
conceito de uma escola mvel existem muitos exemplos, no se presta para o alcance de uma biografia do
movimento. (HIDEBRANDT-STRAMANN, 2002, p. 84)

E no se presta (dizemos ns) para a evoluo da inteligncia emocional, que tem na


criatividade e na imaginao os seus grandes suportes. A esse propsito, gostaramos de citar
o professor Agostinho da Silva, quando afirma que a imaginao est para alm da filosofia e
da cincia. A filosofia tem um perigo terrvel, que o de cada homem, por esse pensamento
filosfico, acabar de construir uma verdade e achar que o senhor da verdade e, portanto, ter
quase mo uma inquisio pronta a agir. Quanto cincia a mesma coisa. Quanto cincia,
tambm o perigo de pensarmos que o universo inteiramente matemtico, que tudo est dentro
de uma determinao de lgica matemtica quando, hoje, a prpria Fsica Quntica est a chegar
a ponto de ter de concordar que a vida tem mais de imaginao (e emoo, grifo nosso) do que

437

matemtica. Foram bons instrumentos (Filosofia e a Cincia) para subirmos, como so os degraus
da escada e o corrimo, mas talvez no um patamar em que fiquemos nem num terrao para
contemplarmos o verdadeiro cu. (MEDANHA, 2002, p. 83-84).
LAZER E LIVRE MOTRICIDADE E DESENVOLVIMENTO DA SUSTENTABILIDADE NA
PERSPECTIVA DA INTELIGNCIA EMOCIONAL
Analisando a palavra emoo, seus dois derivados do latim e movere, e-moo
significam afastar-se mover-se, em que na ao est implcita uma emoo (GOLEMAN, 1995,
p. 20) ou, como apontam Mrtin e Boeck (2004, p. 79), mover-se para fora, ao movimento e a
mudana. Nesse sentido, podemos entender que no existem emoes sem ocorrer o sentido de
movimento ou livre motricidade. Esse movimento pode ser entendido na traduo literal como
uma ao motora ou, em outra interpretao, a oposio ao conformismo, estagnao, ao parar
no tempo e no espao e na perspectiva da sustentabilidade, o movimento em busca da melhoria
da qualidade de vida (Sustentabilidade Social), o movimento respeitando os diferentes valores
entre os povos e as especificidades locais (Sustentabilidade Cultural), o movimento em direo
integrao social e ao respeito ao prximo (Sustentabilidade Ambiental).
Entre as vrias definies sobre o termo inteligncia emocional, Greenberg e Snell (1999,
p.126) argumentam que as emoes possuem vrias facetas, incluindo pelo menos quatro
consideradas bsicas. A primeira faceta composta por um componente expressivo e motor, referese ao fato de o ser humano expressar as suas emoes por meios motores mediante a linguagem
corporal, nesta faceta que o movimento explicita ou representa os valores sociais globais e
locais; a segunda faceta, um componente sentimental, refere-se ao estado de esprito interno ou a
sentimentos derivados de diferentes situaes vivenciadas, nesta faceta que o movimento exala
sentimentos, entre eles o da unio, do respeito ao prximo; a terceira faceta, um componente
controlador, que indica a capacidade de controlar os sentimentos; nesta faceta que, por meio do
movimento experimentado ou vivenciado contextualmente, o ser humano olha para dentro de si,
percebe-se como ser nico e ao mesmo tempo social, portanto consegue controlar suas emoes
entre outras razes, para a busca da melhor qualidade de vida; a quarta faceta um componente de
processamento de informao, que indica a capacidade de processar as informaes transmitidas
pelos outros ou aquelas que fazem parte dos trs primeiros componentes, nesta faceta o movimento
utilizado como meio de interpretaes e aprendizados, por meio dos gestos, olhares, sorrisos,
esforos. Tambm nesta faceta que as interpretaes so contextualizadas e ao observar e
entender o que o outro quer transmitir com o movimento, com o gesto, com o olhar, se est no

438

caminho do respeito ao outro, do respeito cultura e histria do outro. So nestes pontos que
observamos a ligao entre movimento, inteligncia emocional e sustentabilidade.
Na perspectiva do lazer, se for observada a definio clssica de Dumazedier (2000,
p.34) sobre o lazer como um conjunto de ocupaes s quais o indivduo pode entregar-se de
livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para
desenvolver sua informao ou formao desinteressada, sua participao social voluntria ou
sua livre capacidade criadora aps livrar-se ou desembaraar-se das obrigaes profissionais,
familiares e sociais.
Encontramos um cruzamento entre os conceitos de emoo, inteligncia emocional, lazer e
sustentabilidade, ou seja, um comportamento humano, em oposio ao conformismo do mundo
profissional, da falta de tempo e do estresse da sociedade ps-moderna. Um movimento humano
em busca de sua sustentabilidade no sentido de garantir e melhorar para o futuro as condies
que permitem os processos no presente. O comportamento livre, voluntrio com o objetivo de
repousar, divertir-se, recrear-se, entreter-se, assegurar as condies futuras ideais, pode ser mais
facilmente adotado por aqueles que conseguem expressar as suas emoes, entendem seu estado
de esprito interno ou os sentimentos derivados de diferentes situaes vivenciadas, culturais
e sociais, possuem a capacidade de controlar os sentimentos e de processar as informaes
transmitidas pelos outros.
Se considerarmos o desenvolvimento do ser humano como preconiza Gardner (1994) para
o desenvolvimento e o relacionamento das inteligncias mltiplas, entendendo que o ser humano
desenvolve-se pela interao e interligao entre todas as suas inteligncias, o resultado final, ou
melhor colocado, o resultado momentneo do indivduo em um determinado tempo de sua vida, o
resultado das interaes e interligaes entre os diferentes tipos de inteligncias ou comportamentos
que envolvem este ser humano, ou seja, entre a interao e interligao de tudo aquilo que faz parte
do humano, entre eles, o movimento, o esporte, a cultura, o meio social, o meio ambiente, o lazer
e a inteligncia emocional. Em relao ao esporte, Kerkoski (2001 e 2009) encontrou indicaes
de que o contexto do esporte, que envolve o movimento humano, at certo ponto espontneo, livre
ecriativo, um campo frtil para o desenvolvimento de aptides da inteligncia emocional, ou seja,
parece haver uma ligao entre o movimento e o desenvolvimento da inteligncia emocional e por
que no em um sentido especulativo o desenvolvimento da sustentabilidade.
Especificamente observando o desenvolvimento da inteligncia emocional, entendendo
que esta afeta e afetada pelas aes de lazer, como preconizado por Gardner (1995) para
as inteligncias mltiplas, a infncia e a adolescncia so as fases de aprendizado emocional
que vo determinar os hbitos, as emoes bsicas ou as competncias ao longo de toda a vida
subsequente. (GOLEMAN, 1995, p.13).

439

A importncia dos primeiros anos de vida tambm observada ao longo da obra de Shapiro
(2002), referente inteligncia emocional das crianas. O autor, ao descrever os aspectos
que envolvem a educao emocional nas crianas, enfatiza as caractersticas ou competncias
do quociente emocional, que so desenvolvidas desde o nascimento e, dependendo dessas
caractersticas, parecem possuir uma idade tima de desenvolvimento, que pode variar desde o
nascimento at a idade de 6 a 7 anos e de 11 a 13 anos.
Dessa forma, as competncias emocionais, ou facetas como observado anteriormente, so
desenvolvidas essencialmente nas primeiras idades e parece que muitas dessas caractersticas
acompanham a pessoa no decorrer de sua idade adulta, ou em outras palavras, aprender a ser
emocionalmente inteligente uma forma de preparar-se para o futuro ou sustentar o aprendizado
das primeiras idades na fase adulta.
Nas estratgias de ensino, a figura dos pais serve de exemplo, numprimeiro momento,
dividindo este papel mais tarde com os professorese adultos do ambiente escolar que, segundo
Brenner e Salovey (1999,p.226) so aqueles que socializam as emoes ao expor as crianass
suas interaes com outros alunos e professores, ao ensinar e instruire ao controlar as oportunidades
oferecidas pelo ambiente. Por isso agrande importncia, como referido anteriormente, da noo
de umnovo conceito de escola. Entenda-se, tambm, aqui, que entre as vrias oportunidades
oferecidas pelo ambiente esto as atividades e os meios oportunizados para o lazer. O ensino
do lazer, sob a perspectiva dainteligncia emocional, inicia-se com o ensino das competncias
emocionais por meio das oportunidades ofertadas e dos exemplos dados pelos pais, e continua
o seu desenvolvimento e aperfeioamento pelas oportunidades ofertadas e exemplos dados
pelos professores, dentrode uma viso de escola/sociedade ps-moderna, repetindo o que foi
abordado anteriormente, em que h lugar para movimentar-se, lugar de experincias, reflexo,
autoconhecimento, autoeducao, desenvolvimento pessoal, vivncias e aprendizagem. A escola/
sociedade como lugar de vida, de cultura e de sociedade, de lazer e movimento, orientada para
eresoluo de problemas, necessidades, expectativas, objetividade, subjetividade sustentabilidade,
disciplinada e ancorada nas emoes.
REFERNCIAS
ALMEIDA, Marco A. B. de; GUTIERREZ, Luis G. (2005). O Lazer no Brasil: Do Nacional-Desenvolvimentismo
Globalizao. In: Conexes, v. 3, n. 1, p. 36-57.
BRENNER Eliot M. e SALOVEY Peter (1999). Controle emocional na infncia: consideraes interpessoais,
individuais e de desenvolvimento. In: SLUYTER David J. e SALOVEY, Peter (Coord.). Inteligncia Emocional
da Criana: Aplicao na Educao e Dia-a-Dia. So Paulo: Editora Campus. p. 214-234.

440

CAMILO CUNHA, A. (1999a) Que Actividade Fsica no Incio do Novo Sculo Revista da APEF de
Castelo Branco, IV (4) pp. 27-32.
CAMILO CUNHA, A. (1999b) A Educao Fsica e o Projecto da Regra Natural In: Pacheco, J. et. al.
(Org.). Actas do IV Colquio Sobre Questes Curriculares Caminhos de Flexibilizao e Integrao.
Braga Universidade do Minho. Pp. 207-214.
CAMILO CUNHA, A. (1999c) Desporto na Rota da Inteligncia Emocional Uma Introduo Revista da
APEF de Castelo Branco, V (2) pp. 19-21.
DUMAZEDIER Joffre. (2000). Lazer e Cultura Popular. 3.ed. So Paulo: Perspectiva.
GARDNER, Haward (1995). Estruturas da mente. A Teoria das Inteligncias Mltiplas. Porto Alegre: Editora
Artes Mdicas Sul Ltda.
GARDNER, Haward. (1994). Inteligncias Mltiplas A teorias na prtica. Porto Alegre: Editora Artes
Mdicas Sul Ltda.
GOLEMAN, Daniel. (1995). Inteligncia emocional. Rio de Janeiro: Objetiva editora.
GREENBERG Mark T.; SNELL Jennie L. (1999). Desenvolvimento do crebro e desenvolvimento emocional: o
papel do ensino na organizao do lobo frontal. In: SLUYTER David J.; SALOVEY, Peter (Coord.). Inteligncia
Emocional da Criana: Aplicao na Educao e no dia-a-dia. So Paulo: Editora Campus. p. 123-153.
HILLDEBRANDT-STRAMANN, R. (2002). Escola Primria em Movimento Movimento na Escola Primria.
In: Revista da Escola Superior de Educao de Castelo Branco Educao/Educare VIII, (13).
pp. 75-86.
KERKOSKI, Mrcio Jos. (2001). Esporte e Inteligncia Emocional. Florianpolis:Universidade Federal
de Santa Catarina. Dissertao de Mestrado.
KERKOSKI, Mrcio Jos. (2009). Prtica Desportiva e Inteligncia Emocional: Estudo da Influncia
do Desporto na Aquisio de Aptides e Competncias de Inteligncia Emocional. 274f. Tese (Doutorado em
Estudos da Criana) Instituto de Estudos da Criana, Universidade do Minho, Braga.
LOMBARDI, Maria I. (2005). Lazer como prtica educativa: as possibilidades para o desenvolvimento
humano. Campinas: Universidade Estadual de Campinas. Dissertao de Mestrado.
MARTIN, Doris; BOECK, Karin (2004). EQ: Que s Inteligncia Emocional. 2.ed. Madrid: Editorial EDAF, S.A.
MENDANHA, V. (2002). Conversas com Agostinho da Silva. Coleco Depoimentos. Pergaminho.
RIMEN,R(2012). O Eterno Retorno do Fascismo. Lisboa:Editorial Bizncio.
SHAPIRO, Lawrence E. (2001). La Inteligncia Emocional de los Nios. Mxico: Editorial Vergara.

441

BIODIVERSIDADE: A IMPORTNCIA DA PRESERVAO AMBIENTAL


PARA MANUTENO DA RIQUEZA E EQUILBRIO DOS ECOSSISTEMAS

Cleverson V. Andreoli
Fabiana de Nadai Andreoli
Cristiane Piccinini
Andra da Luz Sanches

INTRODUO
Os cientistas reconhecem atualmente que a Terra um sistema autorregulador1 composto
de todas as suas formas de vivas, incluindo os seres humanos e todas as partes materiais que a
constituem, o ar, os oceanos e as rochas da superfcie. O sistema da Terra regula o seu clima
e a sua qumica. Uma vez que a Terra se assemelha a um organismo vivo e reage a tudo o que
fazemos, adicionar gases de estufa atmosfera tem consequncias muito diferentes do que se o
mesmo acrscimo fosse feito num planeta morto, como Marte.
Em todas as escalas espaciais, a diversidade a principal caracterstica do nosso planeta.
Olhando do espao possvel perceber a extraordinria diversidade de paisagens dentro de
cada continente e cada oceano. Observe o mapa do nosso continente. Veja o quo diversificado
ele . Temos um pouco de tudo! De desertos at florestas exuberantes, de regies com clima
tropical at regies cobertas permanentemente por neve, de reas localizadas no nvel do mar
at reas com grandes altitudes. Cada uma dessas paisagens habitada por uma extraordinria
diversidade de espcies.

443

A espcie humana, assim como as demais formas de vida, absolutamente dependente


dessa relao; diferencia-se, no entanto, dos demais seres vivos pela sua capacidade de produzir
grandes alteraes no meio. Para que milhes de pessoas possam ter as suas necessidades bsicas
atendidas, essencial a promoo do desenvolvimento econmico.
BIODIVERSIDADE E SEUS SIGNIFICADOS
No h uma definio consensual para o termo Biodiversidade. Usualmente se conceitua
Biodiversidade como variedade de vida, compreendendo toda a variedade de formas de
vidas existentes na Terra (animais, microrganismos, plantas e etc.). Segundo Barbieri (2010),
Biodiversidade a totalidade dos genes, espcies e ecossistemas2 de uma regio, agrupando,
por meio desta definio, os trs nveis de diversidade entre os seres vivos, que so: diversidade
de espcies (diversidade entre as espcies), diversidade gentica (diversidade dos genes em uma
espcie) e diversidade de ecossistemas (diversidade em nvel mais alto, compreendendo todos os
nveis de variao).
A biodiversidade pode, ainda, ser interpretada do ponto de vista da variao intraespecfica
conservao de subpopulaes geneticamente distintas, por exemplo (BATISTA, 2006) e incluir,
em maior escala, a variedade de tipos de comunidades ou ecossistemas de dada regio, tais como
desertos, florestas, mares, lagos, entre outros. (BEGON et al., 1996).
Pode-se avaliar a biodiversidade de determinada rea com base em dois parmetros:
a riqueza de espcies que o nmero de espcies existentes na comunidade; e,
a equitabilidade que a abundncia de cada espcie, ou seja, a proporo de indivduos
de cada espcie que existe na regio.
Quanto maior o nmero da riqueza de espcies e quanto maior a equitabilidade entre as
espcies, maior a biodiversidade!!!
O que poucos sabem que diversidade a principal caracterstica que determina a
capacidade de sobrevivncia a de um sistema durante e aps um perodo de adversidade. A
grande diversidade de espcies foi o que permitiu a recuperao da vida em nosso planeta aps
as vrias crises pelas quais ele passou; mudanas climticas globais, movimentos de continentes,
erupes vulcnicas, choques de meteoros, entre outros fatores que alteraram e ainda alteram
drasticamente a vida sobre a Terra (SALGADO-LABORIAU, 1994).
Durante todo o processo de equilbrio do planeta ocorrem transformaes, ou seja, toda
energia que entra em um sistema processada em nova energia, seja energia trmica, cintica,

444

potencial etc. A natureza mantm o equilbrio mediante a reserva de energia por parte de alguns
organismos, que possuem a capacidade de reter em si parte da energia de alta entropia3 que
sugam da natureza. Isso quer dizer que tais organismos agem de modo a colaborar para o equilbrio
ecolgico. Porm, quando a capacidade desses organismos superada, a desorganizao do meio
ambiente vem tona pela entropia negativa (desequilbrio). Quando isso acontece, alguns alertas
so possveis de serem observados, como a extino de determinadas espcies ou o desequilbrio
entre pocas de chuvas e secas (MORALEZ et al., 2008).
O meio ambiente pode se harmonizar em um sistema aberto por meio da homeostase, ou
seja, pela autorregulao. Conforme exemplo descrito por Moralez (2008), a visita excessiva de
turistas em uma ilha pode causar a degradao do sistema presente, no caso, a beleza intocada da
natureza. O controle quanto ao nmero de visitantes, como ocorre na Ilha do Mel, em Pontal do
Paran-PR, mantendo o baixo fluxo de pessoas, contribui para a homeostase local.
Mesmo sabendo da importncia de se estudar a diversidade da vida em todos seus nveis,
a diversidade de espcies certamente o item mais conhecido e estudado.
O conceito de espcie biolgica vem sofrendo influncia pela ampliao do conhecimento
gentico atual, assim como pela evoluo dos organismos. Atualmente acredita-se que a capacidade
de intercruzamento ou da troca de combinao gentica entre indivduos, em condies normais,
a principal caracterstica de separao entre espcies.
Esse conceito reconhece que indivduos ou populaes podem variar quanto a aparncia e
at mesmo ser de raas distintas (como por exemplo, as raas de ces) e ainda corresponderem
a mesma espcie, desde que possam se reproduzir livremente dando origem a filhotes frteis.
Contudo, essa determinao de espcie no se aplica para os micro-organismos e algumas
plantas, pois podem apresentar sistemas reprodutivos especiais ou diferentes entre os indivduos,
ou seja, o conceito de espcie biolgica baseado na capacidade de intercruzamento no funciona
para esses organismos. Sendo assim, atualmente, o conceito de espcie se baseia principalmente
em diferenas genticas ou de aparncia, desde que consideradas suficientemente significativas,
do que na sua separao reprodutiva.
Para se caracterizar a diversidade de espcies de um determinado local, a maneira
mais simples contar ou listar as espcies existentes. Esta contagem chamada de riqueza de
espcies. Porm, para algumas plantas e micro-organismos o que contamos so formas distintas
e no exatamente espcies biolgicas. Portanto, a diversidade de espcies apresenta significados
diferentes para animais, plantas e micro-organismos.

445

Biodiversidade atual
A Conservation International (CI) denomina Pas de Megadiversidade os pases mais
ricos em biodiversidade do mundo. Os critrios avaliados so o nmero de espcies de plantas
endmicas4 e o nmero total de espcies de mamferos, aves, rpteis e anfbios.
Campeo absoluto de biodiversidade terrestre, o Brasil rene quase 12% de toda a vida
natural do planeta. Concentra 55 mil espcies de plantas superiores (22% do total mundial), muitas
delas endmicas; 524 espcies de mamferos; mais de 3 mil espcies de peixes de gua doce;
entre 10 e 15 milhes de insetos (a grande maioria ainda por ser descrita); e mais de 70 espcies
de psitacdeos: araras, papagaios e periquitos (COSTA, 2010; LEWINSOHN e PRADO, 2005).
Isto ocorre devido ao fato de o pas apresentar regies com diferentes zonas climticas, variando
entre trpico mido, semirido e reas temperadas, gerando diversas zonas biogeogrficas, tais
como a Floresta Amaznica, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Campos Sulinos e a Mata Atlntica.
O conhecimento do homem sobre as espcies que coexistem na Terra ainda muito incipiente.
As estimativas cientficas sobre o nmero de espcies variam de 2 a 100 milhes, contudo, a maioria
dos estudos aceita o nmero de 10 milhes como o mais prximo da realidade. Destas, menos de 1,8
milho foram devidamente classificadas e descritas cientificamente, conforme apresenta o quadro
abaixo. A figura a seguir demonstra algumas estimativas numricas acerca de espcies catalogadas
em diferentes bancos de dados e projees numricas de espcies a serem descritas.
Estimativas numricas sobre a biodiversidade da Terra

Fonte: Lewinsohn e Prado (2005)

446

Quadro 1 Nmero de espcies descritas no Brasil e no mundo


REINO / FILO OU SUBDIVISO

BRASIL

MUNDO

VRUS

310 - 410

3.600

MONERA (bactrias e algas verde-azuladas)

800 - 900

4.300

FUNGOS

13.090 14.510

70.600 72.000

PROTISTAS

7.650 10.320

76.100 81.300

Protozorios

3600 4.140

36.000

Algas

4.180 5.770

37.700 42.900

43.020 - 49.520

263.800 279.400

Musgos (Brifitas)

1.800 3.100

14.000 16.600

Samambaias (Pteridfitas)

1.200 1.400

9.000 12.000

15

806

40.000 45.000

240.000 250.000

ANIMAIS

103.780 136.990

1.279.300 1.359.400

Invertebrados

96.660 129.840

1.218.500 1.298.600

PLANTAS

Conferas pinheiros (Gimnospermas)


Plantas de flor com ovrio (Angiospermas)

Esponjas (Porferos)

300 - 400

6.000 7.000

Corais e guas-vivas (Cnidrios)

470

7.000 11.000

Vermes achatados (Platelmintos)

1.040 2.300

12.200

Vermes redondos (Nematdeos)

1.280 2.880

15.000 25.000

Minhocas e poliquetas (Aneldeos)

1.000 1.100

12.000 15.000

Moluscos

2.400 3.000

70.000 100.000

329

6.000 7.000

Artrpodes

88.790 118.290

1.077.200 1.097.400

Insetos

80.750 109.250

950.000

400 - 500

11.000 15.100

5.600 6.500

80.000 93.000

2.040

36.200 39.300

7.120 7.150

60.800

Tubares e raias (Condrictes)

155

960

Peixes (Com osso Ostecte)

3.261

27.400

Anfbios

687

5.504

Rpteis

633

8.163

1.696

9.900

541

5.023

168.640 212.650

1.697.600 1.798.500

Estrelas-do-mar, ourios (Equinodermas)

Centopeias e gongolos (Miripodes)


Aranhas e caros (Aracndeos)
Crustceos
Cordados (Vertebrados e outros)

Aves
Mamferos
TOTAL
Fonte: Lewinsohn e Prado (2005).

447

Contudo, mesmo o Brasil possuindo em seu territrio a maior biodiversidade do planeta,


nos ltimos anos, devido aos grandes impactos ambientais e a desenfreada ocupao humana,
vem ocorrendo uma grande degradao5 de hbitats naturais e o desaparecimento de espcies
e formas genticas. A fauna vem sofrendo consequncias agravantes devido degradao dos
ecossistemas e o nmero de espcies ameaadas vem aumentando em ritmo acelerado.
AMEAAS BIODIVERSIDADE
Nas ltimas dcadas, dados apontam que o homem devastou mais reas naturais do que
toda a humanidade em milhes de anos da existncia do planeta. A ao humana sobre os
ecossistemas tem afetado cada vez mais espcies da fauna e flora do planeta.
A diminuio do endemismo de determinada espcie uma forte ameaa biodiversidade.
Neste caso, o nosso pas se destaca negativamente, pois diversas espcies, tanto de animais
quanto de plantas, originrias de ambientes endmicos, como a Mata Atlntica e o Cerrado, esto
seriamente ameaadas de extino (SANTOS, 2010).
Segundo Mendona et al. (2009), a consequncia mais nefasta das ameaas biodiversidade
, sem sombra de dvida, a extino de uma espcie. Com a perda da espcie, perde-se o
patrimnio gentico, podendo afetar a dinmica das relaes trficas6 entre os seres vivos que
compem a teia alimentar em que a espcie se insere.
Cabe lembrarmos que a extino de espcies faz parte do processo evolutivo7. Estimase que de 99% de todas as espcies que j existiram esto hoje extintas. Trata-se de um evento
lento causado por fatores como surgimento de competidores mais eficientes e catstrofes naturais,
como a extino dos dinossauros; acredita-se que os dinossauros entraram em extino em
funo da mudana climtica em decorrncia da queda de um meteorito. Conforme mencionado
anteriormente, a principal ameaa s espcies e, consequentemente, a biodiversidade o ser
humano. A degradao dos ecossistemas do planeta acelerou o desaparecimento de animais e
plantas, um processo que deveria ocorrer lentamente.
O mau uso dos recursos naturais, a poluio e a expanso urbana esto entre as principais
causas de degradao ambiental. Dentre os fatores que ameaam a biodiversidade, destacamse as queimadas, a poluio de rios, do solo e do ar, a caa predatria e os desmatamentos. Os
desmatamentos, por exemplo, podem acabar com hbitats de espcies que dependem deles para
viver. A reduo da diversidade biolgica compromete a sustentabilidade e a disponibilidade
permanente dos recursos ambientais.

448

Extines de espcies
Durante toda a histria da vida na Terra, os organismos foram expostos a variaes climticas;
variaes estas responsveis em grande parte pelos padres atuais de diversidade, distribuio
e abundncia das espcies (NAVAS e CRUZ-NETO, 2008). Acredita-se que se as condies
climticas mudam, podem ocorrer diferentes tipos de ajustes nova condio, ocasionando at
mesmo extino local ou total das espcies.
Anteriormente, comentamos que grandes extines em massa foram possivelmente
causadas por mudanas climticas que aconteceram no passado, tratando-se de um processo
natural. Destaca-se que o processo natural no significa desejvel, pois naturais so as erupes
vulcnicas, os impactos de esteroides sobre a Terra, entre outros. E, ainda, fenmenos biolgicos
decorrentes da ao antrpica (causados pelo homem) no so considerados naturais.
O grande e recente crescimento demogrfico das cidades reduziu expressivamente a
cobertura vegetal do pas, formando, geralmente, pequenos e isolados fragmentos florestal.
Para vrias espcies, muitos desses fragmentos podem no disponibilizar a rea e/ou
condies mnimas necessrias para sua reproduo (SANTOS et al., 2001; CUTLER 1991;
GILPIN e SOUL, 1986), ou a fragmentao avanada a ponto de no permitir a disperso
de espcies entre os fragmentos, o que leva a desaparecimentos locais (LIMA e ROPER, 2004;
SEKERCIOGLU, 2002). Porm, essas reas podem disponibilizar abrigo e alimento a muitas
espcies nativas e esses efeitos podem at ser favorveis a algumas populaes de carter
generalista, por oferecer, por exemplo, novas fontes de alimento ou outros recursos importantes
para reproduo (BOTKIN, 1990).
A Floresta Atlntica considerada o tipo de formao mais ameaada do Brasil e uma das
principais do mundo, alm de possuir o maior ndice de endemismos do pas, possui tambm a
maior taxa de espcies nas categorias de ameaadas de extino (IBAMA, 2005).
Segundo IBAMA (2012), uma espcie ameaada de extino aquela cuja populao
est decrescendo a ponto de coloc-la em alto risco de desaparecimento na natureza em futuro
prximo. No Brasil, existem 776 espcies de animais includos em alguma categoria de ameaa ou
extino adotada pelo meio cientfico, dos quais 514 so vertebrados (o que corresponde a mais
de 8% das espcies deste grupo descritas para o pas).
Apesar de ainda no sabermos com preciso quantos organismos habitam a biosfera,8
nossa capacidade em promover a eroso gentica tem sido notvel. A taxa de extino de espcies
nos ltimos 50 anos considerada equivalente quela que ocorreu em 1950 anos anteriores,
configurando o chamado sexto evento de extino em massa. O tamanho da biodiversidade global

449

estimado hoje entre 30 e 50 milhes de espcie, das quais mais da metade so insetos. O
Brasil considerado o pas de maior biodiversidade por concentrar em seu territrio entre 20%
e 25% de todos os organismos vivos do planeta em seus ricos e diversos biomas9 e ecossistemas
associados (SEGHESE, 2006).
Como citado, o Brasil responsvel por cerca de 20% da biodiversidade de todo o globo
terrestre, apresentando espcies da fauna e da flora riqussimas, porm, a sociedade, de maneira
geral, no conhece a importncia atual e futura do pas para a sobrevivncia e para a qualidade
de vida da prpria humanidade.
As florestas brasileiras, por exemplo, representam uma importante fonte de riquezas,
tanto de forma direta, de matria-prima para diversos setores estratgicos, como tambm pelas
suas influncias ambientais positivas na manuteno da biodiversidade, no equilbrio de gases
atmosfricos, no ciclo hidrolgico e no controle da eroso.
Durante os ltimos 18 anos, a riqueza medida pelo PIB per capita aumentou 34%. No mesmo
perodo, o capital natural (a soma de todos os recursos naturais, de florestas a combustveis fsseis)
caiu 46%, como revela o Indicador Inclusivo de Riqueza (IIR), um ndice criado experimentalmente
para rebater ao PIB e avaliar o progresso de uma nao. O que queremos mostrar que o Brasil
retirou mais recursos da natureza do que cresceu economicamente. Caso o capital natural, o
humano e os produtos manufaturados fossem avaliados em conjunto, o crescimento no pas seria
de apenas 3%.
A Mata Atlntica um bom exemplo de como os recursos naturais vm diminuindo com
o passar dos anos. Esta formao vegetal cobria 1.300.000 km, ou cerca de 15% do territrio
nacional, inclusive o Paraguai e a Argentina, atualmente encontra-se cerca de 7,9% da rea
original (92,1% do que havia j foi devastado), ou seja, cerca de 1% do territrio brasileiro.
Segundo o Ministrio do Meio Ambiente, nos anos de 2008 e 2009, o desmatamento na Mata
Atlntica reduziu. O bioma mais ameaado do pas perdeu nesse perodo 248 km2 da cobertura
vegetal. Esse nmero inferior mdia anual do perodo de 2002 a 2008, que era de 457 km2.
No que se trata da fauna brasileira, o trfico de animais silvestres10 uma das maiores
atividades predatrias. Das florestas brasileiras so retirados em mdia 12 milhes de animais a
cada ano. Dentro dessa estatstica, para cada animal vendido nove morrem. O trfico de animais
s perde para o trfico de drogas e de armas na escala dos mais rentveis. Este trfico tem
sobrevivido da misria humana, explorando pessoas simples que fazem da venda de animais um
meio trgico de se obter dinheiro, causando assim enormes e irreparveis danos na natureza.

450

FORMAS DE PRESERVAO DA BIODIVERSIDADE


H diversos motivos e razes para se preservar a biodiversidade, como por exemplo:
Motivos ticos: o ser humano tem o dever de proteger outras formas de vida;
Motivos estticos: deve-se proteger a natureza, uma vez que as pessoas apreciam e
gostam de observar seres (animais e plantas) no seu estado selvagem;
Motivos econmicos: devemos lembrar que cerca de 40% da economia mundial
dependem de recursos biolgicos. A preservao da biodiversidade apresenta razes
econmicas quando pensarmos que a diminuio de espcies animais e vegetais podem
prejudicar atividades j existentes, como a pesca, por exemplo, podendo comprometer
seu uso no futuro tambm (por exemplo, para produo de medicamentos);
Motivos funcionais da natureza: a reduo da biodiversidade ocasionar perdas
ambientais, ou seja, as espcies compem uma cadeia interligada por mecanismos
naturais com importantes funes, como a regulao do clima; purificao do ar; proteo
dos solos e das bacias hidrogrficas contra a eroso; controle de pragas; entre outros.
Fatores que influenciam a qualidade da preservao
Para preservar e proteger a riqueza existente em nosso pas, o Brasil segue a tendncia
mundial de criar reas naturais protegidas legalmente institudas, como parques e reservas, onde
no permitida a presena humana e onde os usos dos recursos naturais so restritos.
O termo floresta pode ser definido como entidade biolgica formada por um conjunto
complexo de formas biolgicas interdependentes, que se dispem em camadas, e cujo elemento
dominante a rvore. Este conceito demonstra a importncia da organizao da estrutura
vertical dos organismos arbreos. Diferentemente, rea verde so reas com cobertura
vegetal de porte arbustivo-arbreo que visa contribuir para a melhoria da qualidade de vida
urbana, permitindo-se seu uso para atividades de lazer, podendo ou no cumprir uma funo
ecolgica, podendo possuir a estrutura de uma floresta. Dentro das reas verdes urbanas esto
compreendidos os parques. Estes so reas delimitadas, dotadas de atributos naturais, objeto
de conservao permanente, submetidas condio de inalienabilidade e indisponibilidade
em seu todo, destinados a fins cientficos, culturais, educativos e recreativos. So reas
criadas e administradas pelo Governo Federal, Estadual e Municipal, visando principalmente
conservao dos ecossistemas naturais englobados.

451

Normalmente um processo de urbanizao de uma regio elimina grande parte da cobertura


vegetal, porm, tambm cria reas de conservao. A influncia positiva da cobertura vegetal
em relao dinmica do ambiente urbano tem sido referenciada por inmeros autores (MILANO,
1992; DETZEL, 1992; SATTLER 1992; CAVALHEIRO, 1992; 1994; GOYA, 1994 apud
HENKE-OLIVEIRA, 1996) enfatizando a sua importncia para o controle climtico, da poluio
do ar e acstica, melhoria da qualidade esttica, efeitos sobre a sade mental e fsica da populao,
aumento do conforto ambiental, valorizao de reas para convvio social, valorizao econmica
das propriedades e formao de uma memria e de um patrimnio cultural.
Os parques e manchas verdes em reas urbanas podem reter at 85% do material particulado
e as ruas arborizadas so responsveis pela reduo de 70% da poeira em suspenso. Muitos
gases so tambm filtrados, uma vez que se aderem ao material particulado. De acordo com
Bernatzky (1982 apud GUZZO, 1999), uma barreira com 30 metros de vegetao entre uma
rea industrial e uma residencial promove uma intercepo total do material particulado e uma
reduo significativa de poluentes gasosos.
Em se tratando de impactos da urbanizao sobre as plantas, Lima (1993) aponta os
principais problemas prejudiciais: poluio do ar, pavimentao e falta ou excesso de gua no
solo, alm de pouca ou nenhuma disponibilidade de nutrientes, pH mais elevado do que em
condies naturais em prejuzo de vida microbiana e excesso de reflexo de energia por casas
e pavimentos.
reas protegidas por Lei
Para garantir a existncia de espaos naturais, a legislao define critrios para orientar o
uso do solo, mantendo reas conservadas, denominadas de reas de preservao permanente e
reserva legal.
reas de preservao permanente: so as margens de rios, cursos dgua, lagos,
lagoas e reservatrios, topos de morros e encostas com declividade elevada, cobertas ou
no por vegetao nativa, com a funo ambiental de preservar os recursos hdricos, a
paisagem, a estabilidade geolgica, a biodiversidade, o fluxo gnico de fauna e flora, e
de proteger o solo e assegurar o bem-estar da populao humana (Artigo 3., Inciso II).
Esse conceito foi dado pela Lei Federal n. 4.771/1965 e suas alteraes e permanece no
atual Cdigo Florestal (Lei Federal n. 12.651/2012 e alteraes). So consideradas reas mais
sensveis e sofrem riscos de eroso do solo, enchentes e deslizamentos (BRASIL, 2012; SOS

452

Florestas, 2011), possuindo grande relevncia no que concerne a funes voltadas ao equilbrio
ecossistmico e preservao e conservao dos recursos naturais (TAMANINI, 2012).
Considera-se rea de preservao permanente (APP) as faixas marginais de qualquer curso
dgua natural, desde a borda da calha do leito regular. A delimitao das reas de preservao
permanentes em relao largura do rio, segundo a Lei n 12.651/2012 (Novo Cdigo Florestal)
, apresentada na tabela a seguir:
Tabela 1 rea de preservao permanente em relao largura do rio
LARGURA MXIMA DO RIO (metro)

APP (metro)

Menor que 10 (dez)

30 (trinta)

De 10 (dez) a 50 (cinquenta)

50 (cinquenta)

De 50 (cinquenta) a 200 (duzentos)

100 (cem)

De 200 (duzentos) a 600 (seiscentos)

200 (duzentos)

Maior que 600 (seiscentos)

500 (quinhentos)

Tambm so consideradas reas de preservao permanentes as reas no entorno dos lagos


e lagoas naturais; as reas no entorno dos reservatrios dgua artificiais; as reas no entorno
das nascentes e dos olhos dgua perenes; as encostas ou partes destas com declividade superior
a 45, as restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; os manguezais; as
bordas dos tabuleiros ou chapadas; o topo de morros; as reas em altitude superior a 1.800 (mil
e oitocentos) metros e a faixa marginal de veredas.
Alm da rea de preservao permanente, tambm foi instituda por legislao a Reserva
Legal. Essa lei foi criada com a finalidade de assegurar a preservao da biodiversidade e dos
recursos naturais existentes em propriedades rurais.
Reserva Legal: rea localizada no interior da propriedade ou posse rural com a
funo de assegurar o uso econmico sustentvel dos recursos naturais, proporcionar
a conservao e a reabilitao dos processos ecolgicos, promover a conservao da
biodiversidade, abrigar e proteger a fauna silvestre e a flora nativa (Artigo 3, Inciso III).
O tamanho da rea varia de acordo com a regio onde a propriedade est localizada. Na
Amaznia de 80% (Artigo 12, Inciso I, Alnea a) e, no Cerrado de 35% (Artigo 12, Inciso I,
Alnea b). Nas demais regies do pas, a reserva legal de 20% (Artigo 12, Inciso II) (BRASIL,
2012, SOS FLORESTAS, 2011; BECK, 2012; GANEM, 2009).

453

Apesar de no atual Cdigo Florestal (2012) os percentuais permanecerem os mesmos, a


iseno de recuperao dos passivos relacionados a Reserva Legal depende do tamanho do imvel
rural, restringindo esta iseno para pequenas propriedades, sendo estas imveis com rea de at
quatro mdulos fiscais (Artigo 67) (Ipea, 2011; Beck, 2012). Viana (BRASIL, 2011) destacou
em seu Parecer (sobre o Projeto de Lei que culminou no Cdigo Florestal) que a nova Lei busca
orientar a explorao sustentvel da vegetao da reserva legal, estabelecendo condicionantes
para o uso e a compensao e o tratamento diferenciado para a regularizao das pequenas
propriedades e posses rurais quanto reserva legal (Artigo 66) (TAMANINI, 2012).
Alm da conservao nas propriedades, o Estado em seus diferentes nveis (federal, estadual
e municipal), e, em algumas situaes, a iniciativa privada instituram as chamadas Unidades
de Conservao (UC), espaos territoriais com caractersticas naturais relevantes, com limites e
objetivos definidos, com regimes especficos de manejo e administrao. Possuem a finalidade de
assegurar a representatividade de amostras significativas e ecologicamente viveis das diferentes
populaes, habitats e ecossistemas do territrio nacional e das guas jurisdicionais, preservando
o patrimnio biolgico existente.
De forma a regularizar a questo das UC, foi institudo, h dez anos, o Sistema Nacional
de Conservao da Natureza (SNUC), a partir da Lei n. 9.985, de 18 de julho de 2000. A
Lei do SNUC representou inmeros avanos criao e gesto das UC, pois possibilitou uma
viso sistmica das reas naturais a serem preservadas e conservadas, alm de estabelecer
mecanismos que regulamentam a participao da sociedade na gesto das UC, potencializando
a relao entre o Estado, os cidados e o meio ambiente. O SNUC separa as unidades de
conservao em dois grupos:
I. Unidades de Proteo Integral: a proteo da natureza o objetivo principal dessas
unidades, com regras e normas mais restritivas. permitido apenas o uso indireto dos
recursos naturais, sendo estes aqueles que no envolvem consumo, coleta ou dano aos
recursos naturais. As categorias de proteo integral so: Estao Ecolgica, Reserva
Biolgica, Parque, Monumento Natural e Refgio de Vida Silvestre.
Estao Ecolgica: rea destinada preservao da natureza e realizao de
pesquisas cientficas, podendo ser visitadas apenas com o objetivo educacional.
Reserva Biolgica: rea destinada preservao da diversidade biolgica, na qual
so realizadas medidas de recuperao dos ecossistemas alterados para recuperar o
equilbrio natural e preservar a diversidade biolgica, podendo ser visitadas apenas
com o objetivo educacional.

454

Parque Nacional: rea destinada preservao dos ecossistemas naturais e stios de


beleza cnica. O parque a categoria que possibilita uma maior interao entre o visitante
e a natureza, pois permite o desenvolvimento de atividades recreativas, educativas e de
interpretao ambiental, alm de permitir a realizao de pesquisas cientficas.
Monumento Natural: rea destinada preservao de lugares singulares, raros e
de grande beleza cnica, permitindo diversas atividades de visitao. Essa categoria
de UC pode ser constituda de reas particulares, desde que as atividades realizadas
nessas reas sejam compatveis com os objetivos da UC.
Refgio da Vida Silvestre: rea destinada proteo de ambientes naturais, no
qual se objetiva assegurar condies para a existncia ou reproduo de espcies ou
comunidades da flora local e da fauna. Permite diversas atividades de visitao e a
existncia de reas particulares, assim como no monumento natural.
II. Unidades de Uso Sustentvel: so reas que visam conciliar a conservao da natureza
com o uso sustentvel dos recursos naturais. As atividades que envolvem coleta e uso dos
recursos naturais so permitidas, mas devem ser praticadas de uma forma sustentvel,
visando sustentabilidade dos recursos envolvidos. As categorias de uso sustentvel so
rea de relevante interesse ecolgico, floresta nacional, reserva de fauna, reserva de
desenvolvimento sustentvel, reserva extrativista, rea de proteo ambiental (APA) e
reserva particular do patrimnio natural (RPPN).
rea de Proteo Ambiental: rea dotada de atributos naturais, estticos e
culturais importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das populaes humanas.
Geralmente, uma rea extensa, com o objetivo de proteger a diversidade biolgica,
ordenar o processo de ocupao humana e assegurar a sustentabilidade do uso dos
recursos naturais. constituda por terras pblicas e privada.
rea de Relevante Interesse Ecolgico: rea com o objetivo de preservar os
ecossistemas naturais de importncia regional ou local. Geralmente, uma rea de
pequena extenso, com pouca ou nenhuma ocupao humana e com caractersticas
naturais singulares. constituda por terras pblicas e privada.
Floresta Nacional: rea com cobertura florestal onde predominam espcies nativas,
visando ao uso sustentvel e diversificado dos recursos florestais e pesquisa cientfica.
admitida a permanncia de populaes tradicionais que a habitam desde sua criao.
Reserva Extrativista: rea natural utilizada por populaes extrativistas tradicionais
onde exercem suas atividades baseadas no extrativismo, na agricultura de subsistncia

455

e na criao de animais de pequeno porte, assegurando o uso sustentvel dos recursos


naturais existentes. Permite visitao pblica e pesquisa cientfica.
Reserva de Fauna: rea natural com populaes animais de espcies nativas,
terrestres ou aquticas; adequadas para estudos tcnico-cientficos sobre o manejo
econmico sustentvel de recursos faunsticos.
Reserva de Desenvolvimento Sustentvel: rea natural onde vivem populaes
tradicionais que se baseiam em sistemas sustentveis de explorao de recursos
naturais. Permite visitao pblica e pesquisa cientfica.
Reserva Particular do Patrimnio Natural: rea privada com o objetivo de
conservar a diversidade biolgica, permitida a pesquisa cientfica e a visitao turstica,
recreativa e educacional. criada por iniciativa do proprietrio, que pode ser apoiado
por rgos integrantes do SNUC na gesto da UC.
Conforme estabelecido pelo Ministrio do Meio Ambiente, sob um olhar econmico e
socioambiental, de acordo com o tipo de atividade econmica permitida em cada categoria, a
classificao das UC pode ser analisada da seguinte maneira:
CLASSE

PRINCIPAIS USOS
Lei n. 9.985/2000

CATEGORIA DE MANEJO

Classe 1 Pesquisa cientfica e


educao ambiental

Desenvolvimento de pesquisa
cientfica e de educao ambiental

Reserva biolgica; Estao


ecolgica

Classe 2 Pesquisa cientfica,


educao ambiental e visitao

Turismo em contato com a natureza

Parques nacionais e estaduais;


reservas particulares do
patrimnio natural

Classe 3 Produo florestal, pesquisa


cientfica e visitao

Produo florestal

Florestas nacionais e estaduais

Classe 4 Extrativismo, pesquisa


cientfica e visitao

Extrativismo por populaes


tradicionais

Reservas extrativistas

Classe 5 Agricultura de baixo


impacto, pesquisa cientfica, visitao,
produo florestal e extrativismo

reas pblicas e privadas onde


a produo agrcola e pecuria
compatibilizada com os objetivos
da UC

Reserva de desenvolvimento
sustentvel; refgio de vida
silvestre; monumento natural

Classe 6 Agropecuria, atividade


industrial, ncleo populacional urbano
e rural

Terras pblicas e particulares com


possibilidade de usos variados
visando um ordenamento territorial
sustentvel

rea de proteo ambiental;


rea de relevante interesse
ecolgico

Fonte: DAP/SBF/MMA, 2012.

456

Ao todo so 1.606 UCs (884 federais, 631 estaduais e 91 municipais), totalizando uma
rea de 1.514.342 Km2. No Paran, as UC somam mais de 75 unidades para proteo dos
recursos naturais nos trs nveis (Federal, Estadual e Municipal), divididas entre APA, Estao
Ecolgica, Floresta Estadual e Nacional, Monumento Natural, Parque Estadual e Nacional,
Reserva Biolgica e RPPN.
Corredores de biodiversidade
A fragmentao de habitats representa a maior ameaa para a biodiversidade do planeta
(TABARELLI e GASCON, 2005). Como principais consequncias, acarreta no isolamento
das formaes e populaes remanescentes, alteraes nos fluxos gnicos, intensificao das
competies, alteraes da estrutura e qualidade de habitats, extines de espcies e perda de
biodiversidade (CAMPOS e AGOSTINHO, 1997; METZGER, 1998; BIERREGAARD et al.,
1992; PRIMACK e RODRIGUES, 2001).
No Estado do Paran, o processo de ocupao territorial desordenado resultou em
significativas perdas de biodiversidade. Estima-se que a partir de um nmero aproximado de
7.000 espcies vegetais ocorrentes no estado, cerca de 70% (5.000) tm hoje seus ambientes
alterados a ponto de colocar em risco os processos de interao dos ecossistemas. A Lista
Vermelha de Plantas Ameaadas de Extino no Estado do Paran relaciona 593 dessas espcies
consideradas em situao crtica (PARAN, 1995). O estudo realizado para o Livro Vermelho da
Fauna Ameaada no Estado do Paran (MIKICH e BRNILS, 2004), diagnosticou 344 espcies
da fauna paranaense, relacionando 163 espcies consideradas ameaadas de extino.
O planejamento do uso do solo, considerando a distribuio espacial dos remanescentes
florestais, tornou-se uma importante ferramenta para propostas que visam minimizao dos
impactos causados pela fragmentao de habitat. Considerando os limitados recursos humanos e
financeiros disponveis para aplicao na rea ambiental, h necessidade de esforos para otimizar
as aes de proteo biodiversidade. Portanto, o planejamento do uso do solo deve primar pela
adequao tcnica, que assegure a conservao das reas de maior fragilidade, a estabilidade e a
manuteno das funcionalidades de cada ambiente.
Quando o conceito de Corredores Ecolgicos surgiu na dcada de 1990, defendia a
minimizao do impacto provocado pela fragmentao desses locais. Nos fragmentos florestais
isolados, observa-se um empobrecimento contnuo de populaes e espcies, que atinge todo
o funcionamento do sistema. O estabelecimento de corredores uma estratgia baseada na

457

necessidade de conectar-se fragmentos florestais, permitindo o maior fluxo gnico entre as


populaes e aumentando a rea para sobrevivncia das espcies.
Corredores de Biodiversidade so, conforme Lei Federal no 9985/2000 que institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservao (SNUC), reas que abrangem pores de ecossistemas
naturais ou seminaturais que interligam Unidades de Conservao e outras reas naturais,
possibilitando o fluxo de genes e o movimento da biota entre elas, facilitando a disperso de
espcies, a recolonizao de reas degradadas, a preservao das espcies raras e a manuteno
de populaes que necessitam, para sua sobrevivncia, de reas maiores do que as disponveis
nas Unidades de Conservao.
O estabelecimento dos corredores ecolgicos no suficiente para promover a conservao
da biodiversidade. Nas ltimas dcadas uma nova modalidade da cincia tem tratado desta
questo, a Ecologia da Paisagem. Vrios outros aspectos devem ser levados em considerao,
como, por exemplo, o tamanho do fragmento e da faixa a ser conectada, a matriz da paisagem,
tipo de ameaas humanas, dentre muitos outros, que inclusive variam consideravelmente de
acordo com o ecossistema.
Outro aspecto de fundamental importncia o nvel de alterao dos fragmentos. Os
fragmentos melhor conservados so a fonte da biodiversidade de muitos grupos de animais e
plantas e consequentemente de processos funcionais. Os processos de restaurao e da promoo
do estabelecimento de corredores no sero bem-sucedidos se estes fragmentos no forem
conservados. Alm de serem fontes de propgulos para a restaurao dos ecossistemas, qualquer
tipo de alterao acarreta perdas de biodiversidade, na maior parte das vezes irreversveis
(BRITEZ, 2010).
Em paisagens fragmentadas, a manuteno da biodiversidade depende, dentre outros
fatores, da conectividade dos fragmentos. As conexes podem ser feitas por meio de corredores
contnuos ou por pequenas reas situadas entre os fragmentos, os chamados stepping Stones ou
pontos de conexo. As florestas ciliares podem formar conexes naturais entre habitats isolados,
alm de prestar importantes servios ambientais. Quando bem conservadas, funcionam como
corredores eficientes para muitos grupos animais, fornecendo-lhes abrigo e alimento, alm de
uma rea de passagem.
Os Corredores de Biodiversidade representam uma das estratgias mais promissoras para o
planejamento eficaz de conservao e preservao de flora e fauna como j citadas acima. Por isso
a ligao dos remanescentes isolados por corredores de vegetao uma estratgia para mitigar
os efeitos da ao antrpica e garantir a biodiversidade. Todos os corredores a serem propostos

458

visam oferecer um direcionamento da fauna para os cursos hdricos, conforme proposta da funo
dos corredores.
Os corredores so implantados em regies que possuem grande importncia ecolgica.
Basicamente, para a construo dos corredores so utilizados instrumentos como as reas de
Preservao Permanente, especialmente ao longo dos rios, Reserva Legal, alm da implantao
de pequenos fragmentos de vegetao que permitem o trnsito de espcies, conhecidos como ilhas
de vegetao. Existe uma interao muito grande entre a vegetao e a fauna, sendo que a maioria
das espcies arbreas tropicais polinizada por insetos e aves e suas sementes disseminadas por
uma diversidade grande de animais. Assim, a fragmentao de uma rea de vegetao natural cria
barreiras para a disperso dos organismos entre os fragmentos, j que o movimento de algumas
espcies depende da habilidade de disperso e do comportamento migratrio delas.
CONSIDERAES FINAIS
De maneira geral, o conceito de biodiversidade compreende no apenas as espcies de
animais e plantas, mas tambm todas as diferentes populaes e variaes genticas existentes
dentro de cada espcie.
A biodiversidade ameaada principalmente pelas modificaes ambientais, como, por
exemplo, a fragmentao e(ou) o desmatamento de florestas que acabam eliminando ambientes
propcios para desenvolvimento de espcies. As mudanas climticas em escala global e regional
esto ocorrendo, atualmente, extremamente rpida, e este conjunto de mudanas vem limitando
as possibilidades de respostas da natureza, acelerando a taxa de extino das linhagens biolgicas.
Nunca se viveu um perodo em que a quantidade de espcies ameaadas de extino foi
to grande como a que estamos vivenciando num curto perodo de tempo. Uma vez extinta, essa
espcie no ser mais encontrada na natureza e, consequentemente, poder vir afetar diretamente
a cadeia alimentar. Pode-se dizer que a maior parte da ameaa de extino das espcies
substancialmente decorrente da atividade humana.
Para reverter a situao, necessria uma mudana fundamental no modo em que sociedades
funcionam e como os indivduos vivem. Esta mudana precisa envolver o sistema econmico,
sistema de valor de indivduos e de sociedade, convices religiosas, direitos humanos e as rotinas
dirias de indivduos. Ser difcil parar o avano da extino e reverter o declnio das populaes
de espcies ameaadas. Nas prximas dcadas os processos atuais continuaro intensificando e
uma grande parte da diversidade biolgica da Terra ser perdida.

459

Stephen Jay Gould, paleontlogo e bilogo evolucionista americano, disse em um dos


seus livros: Grandes extines de espcies no so novidade na histria do planeta, mas pela
primeira vez uma grande extino de espcies causada por uma espcie que se orgulha de sua
inteligncia, racionalidade e tica! Essa espcie, bem o sabemos, Homo sapiens. A mudana
est em nossas mos, reflita!
REFERNCIAS
BARBIERI, E. Biodiversidade: a variedade de vida no planeta Terra. In: Instituto de Pesca, Agncia Paulista
de Tecnologia dos Agronegcios, Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de So Paulo. 16 p.
2010.
BATISTA, J. da S. Estimativa da variabilidade gentica intra-especfica da dourada Brachyplatystoma rousseauxii
Castelnau 1855 (Pimelodidade Siluriformes) no sistema Esturio-Amazonas-Solimes. Biota Neotrop.,
Campinas, v. 6, n. 1, 2006. Disponvel em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S167606032006000100019&In=en&nrm-iso>. Acesso em: 16 / Nov / 2012.
BEGON, M.; HARPER, J.; TOWNSEND, C. Ecology. New York: Blackwell, 1996.
BIODIVERSIDADE E ADVERSIDADE. Disponvel em: <http://www.ufpe.br/.../DIVERSIDADE%20E%20
ADVERSIDADE.doc>. Acesso em 15/maio/2012.
BOTKIN, D.E. Discordant Harmonies: A New Ecology for the Twenty-First Century. Oxford University Press,
Nova Iorque, 1990.
BOTKIN; KELLER. Environmental Science, USA. 1995.
BRAGAGNOLO, N.; ALTAGA, J.C.A.E. Programa de desenvolvimento rural do Paran Subprograma de
manejo e conservao de solo e controle da poluio. In: Congresso Sul Americano de Bacias Hidrogrficas,
Chile, 1990.
BRASIL, Cmara dos Deputados. Parecer sobre Projeto de Lei n. 1876/99 e apensados. Que dispe sobre a
proteo da vegetao nativa, altera as Leis n. 6.938/1981, n. 9.393/1996 e n. 11.428/2006; revoga as
Leis n. 4.771/1965, e n. 7.754/1989, e a MedidaProvisria n 2.166-67/2001; e d outras providncias.
Relator Deputado Federal Aldo Rebelo. Sala das Sesses da Cmara dos Deputados. 08/06/2010, Braslia,
DF. 270p.
CONVENO SOBRE DIVERSIDADE BIOLGICA (CDB). O papel fundamental da Biodiversidade. In:
Panorama da Biodiversidade Global 2. Montreal, 81 p., 2006.
COSTA, L. M. da. SocioBiodiversidade e os Biomas brasileiros: SocioBiodiversidade Brasileira. In: SECRETARIA
DE EDUCAO DISTNCIA/MINISTRIO DA EDUCAO. Educao na Biodiversidade. Edio: TV
Escola/ Salto para Futuro, 2010. p. 19-30.
DINIZ, E.M. Rio+10 results. Revista do Departamento de Geografia, n. 15, p. 3135, 2002.
Disponvel na Internet <http://www.socioambiental.org/website/parabolicas/edicoes/edicao48/reportag/pg3.
htm>. Acesso em 25/04/2006.

460

Disponvel: <http://www.obt.inpe.br/prodes/apresentacao_prodes.ppt#301,13>. Acesso em 25/04/2006.


Disponvel: <http://www.unicrio.org.br/Textos/curitiba.htm>. Acesso em 21/04/2006
Disponvel:<http://ambientes.ambientebrasil.com.br/amazonia/floresta_amazonica/producao_florestal_da_
atividade_madereira_na_amazonia.html>. Acesso em 20/04/2012.
Disponvel:<http://canais.ondarpc.com.br/gazetadopovo/conferencia/geral/conteudo.phtml?id=545021>.
Acesso em 14/03/2006.
Disponvel:<http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/amazonia/contexto_desmatamento.html>. Acesso em
14/03/2006.
Disponvel:<http://www.cop8.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=272&Itemid=78>.
Acesso em 21/04/2006.
Disponvel:<http://www.dw-world.de/dw/article/0,2144,1951367,00.html>. Acesso em 21/04/2006.
Disponvel:<http://www.maternatura.org.br/livro/index.asp?idmenu=intr&idgrupo=0>. Acesso em 15/04/2012.
Disponvel:<http://www.mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.monta&idEstrutura=146&idConteudo=9
765>. Acesso em 05/04/2012.
Disponvel:<http://www.peaunesco.com.br/BIO2010/Diretrizes_Gerais%20-20Ano%20Internacional%20
da%20Biodiversidade%20-%202010.pdf>. Acesso em 11/04/2012.
Disponvel:<http://www.rbma.org.br/anuario/mata_02_estados.asp>. Acesso em 16/04/2012.
Disponvel:<http://www.rbma.org.br/anuario/mata_03_anosdedesttuicao.asp>. Acesso em 15/04/2012.
Disponvel:<http://www.sosma.org.br/index.php?section=press&action=listData>. Acesso em 22/04/2012.
Disponvel:<http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/prizes-and-celebrations/international-yearof-biodiversity/>. Acesso em 18/04/2012.
HAUFF, S. N. Planificao do sistema estadual de unidades de conservao do estado do Paran.
Instituto Ambiental do Paran. Documento no publicado. Curitiba, 1998.
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Levantamento da evoluo do desmatamento na
Amaznia. Brasil. 1998.
LEWINSOHN, T. M., PARDO, P. I. Quantas espcies h no Brasil. In: Megadiversidade, Belo Horizonte, v.
1, n. 1, p. 36-42, 2005.
LEWINSOHN, T.M.; PRADO, P.I. Biodiversidade brasileira: sntese do estado atual de conhecimento.
Ministrio do Meio Ambiente (MMA), Conservation International do Brasil. Editora Contexto, So Paulo. 2002.
MEDEIROS, D. Obtido na internet <http://www.ambientemeiembipe.org.br/boletins/gbam_9_081104.htm>.
Boletim Ambiente Meiembipe, ano 1 n 9. Florianpolis, 2004. Acesso em: 24 de maro de 2006.
MENDONA, L. B.; LOPES, E. V.; ANJOS, L. On the possible extinction of Bird species in the Upper Paran
River floodplain. Brazil. Braz. J. Biol., So Carlos, v. 69, n. 2, June 2009.
MILLS, L. S.; SOULE, M. E.; DOAK, D. F. The keystone-species concept in Ecology and Conservation.
BioScience, v. 43, n. 4, p. 219, 1993.

461

MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE. Conveno sobre Diversidade Biolgica Disponvel em: <http://www.
mma.gov.br/port/sbf/chm/doc/cdbport.pdf>. Acesso em 30 abril 2012.
MINISTRIO DO MEIO AMBIENTE. COP8 Oitava conferncia das Partes da Conveno sobre Diversidade
Biolgica. Disponvel em: <http:// www.cdb.gov.br/CPO8>. Acesso em 25 abril 2012.
MYERS, N.; MITTERMEIER, R.A.; MITTERMEIER, C.G.; FONSECA, G.A.B.; KENT, J. Biodiversity hotspots
for conservation priorities. Nature 403. 2000. p. 853-858.
OLFF, H.E.; RITCHIE, M.E. Fragmented nature: consequence for biodiversity. Landscape and Urban
Planning. v.58, p.83-92, 2002.
PRIMACK, R.B. Essentials of conservation biology. Sunderland, Sinauer Associates Inc. 1993.
RICKLEFS, R.E. Economia da Natureza. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara e Koogan, 2003.
SALGADO-LABORIAU, M. L. Histria ecolgica da Terra. So Paulo, Editora Edgard Blucher. 1994.
SANTOS, F. S. dos. A importncia da Biodiversidade. Revista Cientfica de Educao a Distncia. Edio
Especial, dez. 2010. 17p.
SBPC Sociedade Brasileira para o progresso da cincia. Revista Cincia Hoje. v. 4. Jan/fev. 1986.
SOS FLORESTAS. O Cdigo Florestal em Perigo. Entenda o que est em Jogo com a Reforma da Nossa Legislao
Ambiental. Realizao SOS Florestas e apoio WWF-Brasil. Cartilha, 20p.:Il. (2011). Disponvel em: <http://
d3nehc6yl9qzo4.cloudfront.net/downloads/cartilha_codigoflorestal_20012011.pdf>. Acesso em 15/04/2012.
TAMANINI, C.R. Anlise crtica do Cdigo Florestal Brasileiro. Cristina Rincn Tamanini. Trabalho de
Concluso de Curso. Monografia. Universidade Estadual Paulista. UNESP Ourinhos, SP, 2012. 183p.
SOS MATA ATLNTICA. Atlas da Evoluo dos Remanescentes Florestais e Ecossistemas Associados no
Domnio da Mata Atlntica. So Paulo. 1998.
VOISIN, A. Adubos Novas leis cientficas de sua aplicao. Ed. Mestre JOU, 1982.
WILSON, E.O. Biodiversidade. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro. 1997.
WRI; UICN; PNUMA. A estratgia global da biodiversidade. Fundao O Boticrio de Proteo a Natureza.
Brasil, 1992.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 Autorregulador Que se regula por si mesmo.
2

Ecossistemas um sistema aberto integrado por todos os organismos vivos (compreendendo o homem)
e os elementos no viventes de um setor ambiental definido no tempo e no espao, cujas propriedades
globais de funcionamento (fluxo de energia e ciclagem de matria e autorregulao controle) derivam das
relaes entre todos os seus componentes, tanto os pertencentes aos sistemas naturais quanto os criados ou
modificados pelo homem.

Entropia Grandeza termodinmica associada ao grau de desordem. Mede a parte da energia que no
pode ser transformada em trabalho. A entropia tem como princpio a organizao, ou a disponibilidade da
energia em realizar trabalho.

462

Endmicas Uma espcie cuja distribuio esteja limitada a uma zona geogrfica definida.

Degradao Termo usado para qualificar os processos resultantes dos danos ao meio ambiente, pelos
quais se perdem ou se reduzem algumas de suas propriedades, tais como a qualidade ou a capacidade
produtiva dos recursos naturais.

Relaes trficas So as relaes existentes entre os nveis trficos. Podem ser de diversos tipos, mas, em
geral, so subdivididos em dois grandes grupos: as Harmnicas e as Desarmnicas. No caso, relacionandose s cadeias alimentares, h predominncia de relaes desarmnicas, em virtude da predao existente
entre os nveis.

Processo evolutivo uma contnua transformao das espcies por meio de alteraes produzidas de
uma gerao para outra.

Biosfera Tudo o que vive no ar, no solo, no subsolo e no mar forma a biosfera.

Biomas Palavra derivada do grego bio-vida, e oma-sufixo que pressupe generalizao (grupo, conjunto),
deve ser entendido como a unidade bitica de maior extenso geogrfica, compreendendo vrias comunidades
em diferentes estgios de evoluo, porm denominada de acordo com o tipo de vegetao dominante.

10 Espcies silvestres Todo aquele pertencente s espcies nativas, migratrias e quaisquer outras, aquticas
ou terrestres, que tenha a sua vida ou parte dela ocorrendo naturalmente dentro dos limites do territrio
brasileiro e em suas guas jurisdicionais.

463

MUDANAS CLIMTICAS
UMA ABORDAGEM CONCEITUAL SOBRE
ESTE PROBLEMA AMBIENTAL GLOBAL

Cleverson V. Andreoli
Fabiana de Nadai Andreoli
Pedro Kiatkoski Kim
Kau de Andrade Monteiro

INTRODUO
O ser humano, como forma de vida integrante da biosfera, depende do meio ambiente
para sua sobrevivncia, consequentemente, explora os recursos naturais disponveis e modifica o
espao de acordo com suas demandas e convenincias.
Nos primrdios de sua existncia, com a prtica do nomadismo, o ser humano buscou
reas providas dos recursos naturais necessrios sua perpetuao, que, quando esgotados,
demandavam a busca de novas reas, fato que, apesar da explorao realizada, permitia a
recuperao do ambiente objeto do uso.
Ao longo do tempo a humanidade aprendeu a controlar e explorar os ambientes naturais
de modo que no mais se fez necessria a busca de novas reas de explorao, iniciando o
desenvolvimento de prticas agrcolas e a domesticao e criao de animais. Tais fatores
permitiram o assentamento e desenvolvimento de comunidades, os quais foram condicionados
principalmente disponibilidade dos recursos naturais e de condies climticas favorveis,
culminando na criao de cidades geralmente localizadas s margens de rios, lagos, esturios,
entre outros.

465

Com o crescimento acelerado da humanidade, aliado aos avanos cientficos e tecnolgicos,


a demanda pela transformao do espao natural e explorao de recursos aumentou
significativamente, implicando diferentes fatores de degradao ambiental que comumente
so tratados separadamente, entretanto, integram uma complexa interligao entre os aspectos
ambientais, sociais e econmicos.
Nesse sentido, a soluo ambiental no pode ser dissociada dos problemas socioeconmicos,
criando a busca por um modelo de desenvolvimento que integre os fatores ambientais, sociais e
econmicos, ou seja, um modelo de desenvolvimento sustentvel.
Atualmente, o foco das principais discusses mundiais est ligado diretamente s
mudanas climticas. A histria tem mostrado que o clima um condicionante fundamental
no desenvolvimento das populaes ao redor do mundo. Em que pese o avano tecnolgico do
ltimo sculo, a variabilidade climtica pode produzir impactos significativos no desenvolvimento
dos pases e comprometer a sustentabilidade das populaes.
medida que os efeitos das mudanas climticas so notados e que se reconhecem a
ameaa e as consequncias ao desenvolvimento econmico e social, evidencia-se a necessidade
de se dar cada vez mais ateno a tais questes.
O esforo acadmico para aperfeioar as modelagens que elaboram cenrios tem apresentado
resultados bastante consistentes, que determina uma grande hegemonia na comunidade cientfica.
H uma unanimidade no meio acadmico a respeito do aquecimento global; contudo, ainda que
as avaliaes estatsticas, com mais de 90% de probabilidade, associem os problemas climticos
atividade humana, ainda encontram posturas divergentes. Independentemente se mudanas
climticas so ou no uma consequncia das intervenes do ser humano no meio, h uma
necessidade evidente de ajuste do modelo de desenvolvimento, pois a crise ambiental se reflete
em vrios outros componentes do meio, como na reduo da biodiversidade, na desorganizao
do ciclo hidrolgico, na poluio de rios, na eroso dos solos, na desertificao.
Temos que adotar padres de acesso aos recursos que reduzam os efeitos ambientais, mas
que seja capaz de incluir cerca de 870 milhes de habitantes que vivem hoje em insegurana
alimentar, portanto sem ter acesso ao mais bsico dos recursos, que a certeza de um prato de
comida no dia de hoje. As projees de crescimento populacional mostram que teremos at o ano
de 2050, mais 1,3 bilho de irmos, na sua grande maioria nascidos em pases perifricos, o que
amplia a gravidade do problema. Dessa forma, o modelo referente distribuio dos recursos
deve necessariamente ser ajustado a padres que permitam a incluso e ao mesmo tempo que
reduzam os impactos planetrios, independentemente se o aquecimento global ou no causado
pelas atividades antrpicas.

466

Por esse motivo, trata-se de uma soluo complexa, que exige uma avaliao integrada de
todos os fatores ambientais, sociais e econmicos inerentes. Contudo, para podermos discutir sobre
tais problemas, necessrio que seja feita uma breve abordagem conceitual sobre os principais
assuntos relacionados ao tema.
DIFERENA ENTRE CLIMA E TEMPO
Popularmente os termos clima e tempo1 so empregados para se referir mesma
coisa, no entanto, trata-se de duas coisas distintas. O tempo, nesse caso, refere-se ao estado
momentneo das condies meteorolgicas de uma determinada regio, como, por exemplo,
quando dizemos num dia de chuva que o tempo est chuvoso. J o clima refere-se a uma
caracterstica de condio meteorolgica de uma determinada regio, ou seja, a variao do
tempo em uma regio durante um longo perodo cronolgico que determina o clima desse
local. Portanto, o termo clima trata dos padres de comportamento da atmosfera em suas
interaes com as atividades humanas e com a superfcie do Planeta durante um longo perodo de
tempo, ao passo que o termo tempo trata do estado momentneo das condies meteorolgicas.
Com o dinamismo da atmosfera e a complexidade dos seus fenmenos se faz necessria uma
anlise conjunta dos elementos do clima, a fim de possibilitar a definio de tipologias climticas.
Ao longo dos anos, diversos climatologistas desenvolveram mtodos prprios de classificao do
clima adaptados a suas regies de interesse, embasados em concepes clssicas do clima, como,
por exemplo, aquelas descritas por Kppen,
Wilhelm Kppen desenvolveu diversos modelos de classificao do clima que at hoje
servem como base para elaborao de outros esquemas. O modelo desenvolvido por este
cientista categoriza 05 (cinco) grandes grupos climticos principais que correspondem s regies
fundamentais, do Equador aos Plos (1- Tropicais chuvosos, 2- Secos, 3- Temperados Chuvosos/
Moderadamente Quentes, 4- Frios com Neve-Floresta e 5- Polares). As regies supracitadas
so divididas em subgrupos, que so determinados de acordo com a distribuio sazonal da
precipitao juntamente com as caractersticas de temperatura, totalizando 24 tipos climticos.2
(AMBIENTE BRASIL, 2012)
Assim como a vida influencia a atmosfera, as condies meteorolgicas tambm influenciam
diretamente a vida humana do nosso planeta, modificando cultural e fisicamente as atividades
desenvolvidas pelos seres vivos, principalmente pelo fato de a atmosfera (local onde ocorrem as
mudanas de tempo e clima) ser muito dinmica, faz-se necessrio o aprendizado da estrutura
atmosfrica, que onde se do essas alteraes de tempo e clima.

467

O QUE ATMOSFERA
Atmosfera (palavra de origem grega, atmos=gs e sfera=esfera) o nome dado massa
gasosa que envolve o nosso planeta. Ela que permite a vida na terra, resfriando e esquentando,
chovendo e secando. Como forma de representao da rea ocupada pela atmosfera em relao
ao Planeta Terra, no globo azul em uma sala de aula, a poro que representaria a atmosfera a
camada de tinta azul que envolve esse globo.
Mas do que feita a atmosfera? A atmosfera pode at parecer invisvel, mas composta
de molculas gasosas de vrios elementos, basicamente nitrognio (78%) e oxignio (21%),
alm de outros gases de menor expresso, conforme ser descrito adiante.
E por que a atmosfera no vai embora pelo espao? Por ser composta por vrias
molculas e partculas de diferentes elementos, tambm influenciada pela lei da gravidade e
pelo campo magntico que envolve o Planeta Terra, fatores que permitem que ela no se v pelo
espao a fora.
Alm de servir como regulador da Terra, mantendo durante a noite o calor emitido pelo
sol e incidido durante o dia, a atmosfera age ainda como um filtro natural do planeta, impedindo
a entrada da maioria dos raios solares nocivos vida, assim como protege o planeta contra
fragmentos espaciais, sendo estes desintegrados no momento de sua entrada na atmosfera3.
ORIGEM E EVOLUO DA ATMOSFERA
Mas a atmosfera nem sempre foi assim. H aproximadamente 4,6 bilhes de anos, a exploso
de uma supernova ocasionou uma precipitao radioativa numa nuvem de gs vizinha, fazendo
com que parte desta nuvem comeasse a se condensar sob o seu prprio peso, formando o Sol e os
planetas. Aps a formao da Terra ocorreu uma coliso desta com outro planeta, fundindo-a em
parte e ao mesmo tempo separando dela uma massa de rocha derretida, que, aps condensao
e aprisionamento no campo gravitacional da Terra, deu origem Lua. Essa fuso permitiu a
segregao das rochas, quando as mais pesadas foram direcionadas ao centro do Planeta e as mais
leves flutuavam, posteriormente esfriando, formando a crosta.
O longo perodo compreendido entre o incio da Terra at pouco tempo antes de a vida
comear foi caracterizado por colises constantes de corpos espaciais com a Terra, intensas
atividades de vulcanismos e alta radioatividade. Esse perodo durou cerca de 1 bilho de anos e
ao longo deste a Terra esfriou e desenvolveu gases que formaram a primeira atmosfera duradoura.
Com as erupes iniciais houve a fuga de gases volteis para a camada exterior da crosta terrestre.

468

Esses gases liberados, juntamente com os gases que predominavam na nebulosa primitiva que
deu origem ao sistema solar (Hidrognio e Hlio), formaram a Atmosfera Primitiva. poca,
tratava-se de uma atmosfera redutora, ou seja, um sistema que contm compostos com capacidade
de reduzir outras substncias no meio, mais precisamente, processo em que ocorre uma reduo
no nmero de oxidao de um tomo ou no nmero de cargas positivas de um on. Dessa forma, a
condio da Terra era inspita. Infere-se que os gases liberados para o exterior da crosta terrestre
tinham a seguinte proporo:

Fonte: MENDONA et al., 2004.

medida que a Terra resfriava e os gases eram liberados, a atmosfera primitiva comeou
a ficar saturada de vapor de gua, posteriormente precipitando dos cus iniciando a formao
dos oceanos.
Nessa poca no existia oxignio na composio da atmosfera. H indcios que apontam que
poca os raios ultravioletas solares atingiam a superfcie terrestre atuando sobre as molculas
existentes na atmosfera. Acredita-se que a radiao atuou como agente de ruptura das molculas de
gua na formao do hidrognio e oxignio. O hidrognio era liberado para o espao e o oxignio
foi inicialmente se fixando ao Ferro, formando os dixidos e, posteriormente, sendo liberado para
a atmosfera. O aparecimento de organismos fotossintticos (processo fundamental na regulao
dos teores de Dixido de Carbono) foi fundamental para a formao do oxignio atmosfrico,

469

consequentemente, sendo responsvel pela reteno parcial do hidrognio livre na atmosfera


mediante a reao deste com o oxignio, formando gua e impedindo a sua perda para o espao.
Neste caso, o surgimento da vida pode ser considerado essencial na formao da atmosfera, tanto
pelo acrscimo de oxignio ao ambiente como um subproduto da fotossntese como pela reteno
do hidrognio livre na atmosfera mediante a reao com oxignio para formao de gua, uma vez
que a perda contnua de hidrognio para o espao resultaria na perda constante de gua at sua
total eliminao, como se acredita que aconteceu com Marte e Vnus.
COMPOSIO
A atmosfera atual demonstra estar muito distante do equilbrio, pois como poderia uma
atmosfera to rica em oxignio conviver com substncias reduzidas tais como monxido de carbono,
amnia, metano etc. Pode-se afirmar que essa situao nica de composio da atmosfera fruto
da vida que se desenvolveu h bilhes de anos.4
Os gases que compem a atmosfera na atualidade so, em quase sua totalidade, produtos
de organismos vivos da superfcie da Terra e dos oceanos, com exceo de uma parcela de
aproximadamente 1%. O gs mais abundante na atmosfera o nitrognio, que compe
aproximadamente 78% do ar, provindo de organismos vivos. O oxignio, segundo gs mais
abundante no ar com aproximadamente 21%, encontra-se em contnuo intercmbio com organismos
vivos, assim como outros gases de menor concentrao no ar, como dixido de carbono e metano.
A exceo correspondente parcela de 1% constituda por gases nobres, quimicamente inertes,
como hlio, nenio, argnio, criptnio e xennio, alm de outras substncias como dixido de
carbono, metano e poeiras.

Fonte: O autor, 2012.

470

CAMADAS ATMOSFRICAS
A atmosfera constituda de camadas estruturadas em forma de conchas concntricas e
cada uma delas possui sua funo. A primeira camada a partir da crosta terrestre chamada de
Troposfera, sendo a camada mais fina da atmosfera e tambm a que concentra a maior parte
dos gases (aproximadamente 75% do total). Possui altitude perto de 7 km nos polos e cerca
de 17 km no equador por conta do movimento de rotao da Terra. medida que subimos,
entramos na Estratosfera (camada logo acima da Troposfera) e a fronteira entre as duas camadas
chama-se Tropopausa. Essa fronteira melhor entendida quando analisamos as mudanas de
temperaturas na medida em que subimos na atmosfera. O ar quente tende a subir e se expandir, e
ao passo que se expande, resfria. Ao atingir prximo de -50 C estaramos entrando na tropopausa.
A Troposfera, alm de ser a poro com maior concentrao dos gases, possui um percentual
de 99,99% da quantidade de vapor de gua de toda a atmosfera. Pode ser analisada em vrias
subdivises, a exemplo da Camada Limite da Atmosfera (CLA), que corresponde ao extrato
mais baixo da troposfera (at 1 km de altitude) e que sofre diretamente influncia da superfcie
terrestre, sendo caracterizada pela turbulncia trmica com inverses durante os perodos do dia
e noite.
A Estratosfera, camada superposta Troposfera, atinge cerca de 50 km de altitude.
Nessa camada, ao contrrio da Troposfera, onde a temperatura cai 7C por km medida que
subimos, a temperatura aumenta quanto mais subimos. A Estratosfera uma camada muito
estvel, bem diferente da Troposfera, que produz os fenmenos climticos como as chuvas,
ventos, furaces etc. Por esses motivos a Estratosfera utilizada pelos avies para fugir de
instabilidades da Troposfera.
A explicao para a estabilidade da Estratosfera est na diferena de temperatura ao
longo dela, onde as pores mais baixas so mais frias (-50C) e as pores mais altas so mais
quentes (2C), impossibilitando a troca de calor por conveco (algo que acontece na Troposfera),
consequentemente no havendo movimentao das molculas, tornando-a mais calma.
A Camada de Oznio (camada que protege a superfcie terrestre dos raios ultravioletas
provindos do sol) se encontra na Estratosfera. Essa camada possui uma espessura de 22 km
de alta concentrao desse gs. O Oznio (O3), embora seja um gs diferente quimicamente do
Oxignio (O2), estruturalmente so muito parecidos. A explicao sobre o aumento da temperatura
quando da elevao da altitude na Estratosfera que os raios ultravioletas so parcialmente
absorvidos pela camada de Oznio, desorganizando os tomos e quebrando o O3, gerando energia
e consequentemente aumentando a temperatura nesta poro da atmosfera. (MMA, 2012a)

471

Acima da Estratosfera se inicia a Mesosfera, que chega a altitudes de 80km. Por


no conter Oznio em sua composio, ou ainda outros gases ou nuvens capazes de absorver
energia solar, tambm apresenta declnio nas temperaturas medida que aumenta a altitude,
com variaes entre -10C e -100C. Apesar da baixa quantidade de molculas de ar, a
Mesosfera oferece resistncia a objetos que entram na atmosfera, servindo de proteo ao
Planeta contra a coliso de meteoros. Nessa camada ocorre ainda um fenmeno que d cor aos
dias, denominado Aeroiluminescncia. Basicamente, esse fenmeno acontece com a entrada
da radiao vinda do sol em contato com as molculas de oxignio, que emitem ftons e
consequentemente colorem o cu.
A Termosfera est localizada acima da Mesosfera, apresentando altitude de at 640 km.
Por consequncia dos raios ultravioletas serem muito intensos, volta a apresentar a caracterstica
de aumento de temperatura quando do aumento da altitude. A grande intensidade dos raios
ultravioletas ocasiona ainda a decomposio das molculas em tomos e ons, por este motivo,
esta camada tambm chamada de Ionosfera. As temperaturas nas pores mais altas podem
chegar a 1000C. Essa camada reflete as ondas de rdio, permitindo a comunicao entre
lugares distantes.
A Exosfera a camada mais externa da atmosfera, sendo a zona de transio entre
a atmosfera e o espao, atingindo at 1600 km de altitude, podendo apresentar temperaturas
prximas a 1.000C. a camada mais rarefeita, sendo composta basicamente de hidrognio e
hlio em propores equivalentes, onde se posicionam vrios satlites.
FRAGILIDADE DA ATMOSFERA
A Atmosfera faz parte dos trs principais e mais importantes ambientes fsicos da Terra:
Litosfera, Hidrosfera e Atmosfera. A Litosfera a poro do Planeta Terra composta por rochas
e solos. A Hidrosfera compreende o ambiente aqutico, enquanto a Atmosfera compreende a
poro gasosa do planeta.
De acordo com Carl Sagan, a espessura da atmosfera terrestre, incluindo toda a parte
afetada pelo efeito estufa, representa apenas 0,1% do dimetro da Terra. Se incluirmos a alta
estratosfera, a espessura total passa a representar 1 % do dimetro do planeta. (SAGAN, 1998)
Segundo estatsticas apresentadas pelo cientista James Lovelock na teoria de Gaia, a massa
total da atmosfera de aproximadamente 5,137 1018 kg, uma frao minscula da massa total
da Terra ( 5,976 1024 kg). Exerce papel fundamental na manuteno da vida, interagindo
complexamente com o Planeta e o espao exterior. Com isso, possvel perceber a fragilidade e

472

importncia dessa fina camada que nos protege das ameaas exteriores, como os meteoros vindos
do espao e de raios ultravioletas emitidos pelo sol. (LOVELOCK, 2006)
DENSIDADE E PRESSO ATMOSFRICA
Como j vimos anteriormente, a atmosfera composta por vrios gases que sofrem a ao da
gravidade e, portanto, tem peso, caso contrrio escapariam da Terra e se dispersariam no espao.
Assim, esses gases exercem presso sobre a superfcie terrestre, denominada presso atmosfrica,
tendo como unidade de medida o hectopascal, atmosfera padro (atm) e milibar (bar).
A atmosfera tem seu volume e densidade variveis, modificando-se medida que se afasta
da superfcie terrestre, consequentemente, a presso atmosfrica varia de acordo com a altitude.
Por exemplo, em grandes altitudes o ar rarefeito (menor quantidade de partculas de ar por
unidade de volume), consequentemente a presso atmosfrica ser menor se comparada a regies
ao nvel do mar, onde o ar mais denso (maior quantidade de molculas de ar por unidade de
volume) e a presso atmosfrica maior. Esse fenmeno pode ser notado quando descemos uma
serra em direo praia e sentimos um incmodo no ouvido, ou seja, a presso atmosfrica est
aumentando gradativamente medida que a altitude diminui.
O decrscimo da densidade com a altura se d de forma bastante rpida. Em uma altitude
de 5,6 km a densidade j a metade se comparada com a densidade ao nvel do mar. Em 16 km
j passa a ser 10% da densidade ao nvel do mar e em 32 km corresponde a apenas 1% do valor.
Ou seja, um decrscimo exponencial da densidade em relao altitude, quanto mais prximo
da superfcie mais denso ser o ar, tornando-se rarefeito com o aumento da altitude.
A fora da gravidade comprime a atmosfera, sendo o local de maior presso atmosfrica
aquele prximo superfcie da Terra. Ao nvel do mar a presso atmosfrica padro 1013
hPa. Para determinar a presso atmosfrica ao nvel do mar o fsico italiano Evangelista Torricelli
realizou uma experincia, colocando um tubo de 1 metro de comprimento completamente cheio
de mercrio, com a boca tampada virada para baixo, dentro de um recipiente tambm cheio de
mercrio. Aps destampar a boca do tubo o cientista observou que a coluna de mercrio desceu
e se estabilizou no nvel 76 cm, restando o vcuo na parte vazia do tubo.
Mas por que o tubo com mercrio no foi completamente esvaziado quando a boca foi
destampada? Por causa da presso que a atmosfera exerceu sobre a superfcie exposta do mercrio
que estava no recipiente, impedindo que a coluna de mercrio dentro do tubo escoasse para o
recipiente alm dos 76 cm. Com isso, concluiu-se que a presso exercida pela coluna de mercrio

473

se equivaleu presso atmosfrica quando atingiu 76 cm, portanto, se estabilizou neste ponto. Por
meio desta experincia calculou-se a presso atmosfrica mdia ao nvel do mar, considerando
que ela equivalente presso exercida pela coluna de 76 cm de mercrio.
A temperatura tambm influencia a presso atmosfrica. Quando o ar se esquenta suas
molculas se expandem, tornando-o menos denso, consequentemente, diminuindo a presso
atmosfrica. Seguindo o mesmo raciocnio, o ar se comprime medida que esfria, tornando-se
mais denso e, portanto, aumentando a presso atmosfrica. Assim, nas reas mais quentes do
planeta (Equador) so constatadas presses atmosfricas menores e, consequentemente, presses
maiores so encontradas em locais mais frios (Polos). Portanto, podemos dizer que a latitude
influencia de forma diretamente proporcional a presso atmosfrica, pois quanto menor a latitude
(proximidade ao Equador) menor a presso e vice-versa, ao contrrio da altitude, que influencia
a presso atmosfrica de forma inversamente proporcional, como j visto anteriormente.
A presso atmosfrica varia com o tempo ao longo do dia e durante o ano. As variaes
temporais se relacionam s mudanas de temperatura do ar em funo da variao de temperatura
da superfcie ao longo do dia e das estaes do ano.
GRANDES CIRCULAES ATMOSFRICAS
A Atmosfera algo dinmico, e se analisada dessa forma deve ser considerada a
movimentao do ar e consequente troca de influncias que o ar proveniente de uma regio leva
a outra, formatando-se assim em um sistema complexo de sistemas atmosfricos.
A atmosfera terrestre, como j visto, um conjunto de gases preso terra pela ao da
gravidade, cujos movimentos so descritos pelas leis da mecnica dos fludos e da termodinmica.
Os movimentos do ar so nutridos pela distribuio desigual da energia solar e influenciada
diretamente pela rotao terrestre.
A Atmosfera encontra-se em constante movimento, ficando difcil captar e representar de
maneira fiel as leis que regem esse constante dinamismo, contudo, com a localizao dos campos
mdios de presso atmosfrica (ou centros atmosfricos de ao) por meio de cartografia fica mais
fcil entender toda essa movimentao. Esses centros atmosfricos so classificados como de alta
presso (anticiclonais) ou de baixa presso (ciclonais ou depresses).
A circulao geral da atmosfera pode ser observada na figura, que traz os principais
movimentos da atmosfera em escala planetria.

474

Fonte: Adaptado de Atlante Geogrfico Metdico de Agostini, 1996.

Os centros de alta presso (anticiclones) caracterizam-se por apresentar presso atmosfrica


mais elevada que seu entorno. Essas so reas que em superfcie ocorre divergncia do ar a partir
do ncleo. Os ciclones (centros de baixa presso) o termo utilizado para perturbaes tropicais
mais velozes, caracterstica essa das regies tropicais.
Os centros de ao atmosfrica so, de maneira geral, sazonalmente mveis, com o movimento
do ar se fazendo geralmente dos centros de ao positivos (anticiclones), para os negativos, de
baixa presso (ciclones). (MENDONA, 2007)
FATORES CLIMTICOS
Para entendermos melhor os diferentes tipos de climas do Planeta, devemos compreender
os fatores que o influenciam. Ou seja, para aprendermos sobre os diversos climas preciso
entender as caractersticas e a dinmica da atmosfera atuando sobre os diferentes lugares em sua
permanente interao com a superfcie.
Desse modo, os elementos climticos (temperatura, presso, umidade, precipitao, vento
etc.) so influenciados por caractersticas geogrficas da paisagem, diferenciadas de local para

475

local. Os fatores que influenciam diretamente esses elementos so: latitude, altitude, relevo,
vegetao, continentalidade/maritimidade e atividades humanas.
A latitude um importante fator, pois trata do posicionamento do Planeta em relao a
outros astros, condicionando a quantidade de energia na Terra. A rotao da Terra, por exemplo,
em volta do seu prprio eixo proporciona a diferenciao entre dia e noite em um determinado
local do Planeta, implicando uma diferenciao na entrada de energia na atmosfera. A inclinao
do eixo da terra e o prprio movimento de translao (movimento da Terra ao redor do sol)
tambm propiciam uma diferenciao de distribuio da energia emitida pelo Sol. Em resumo, a
latitude de um lugar, como tambm a poca do ano, define o ngulo com que os raios do Sol iro
incidir sobre a superfcie daquele local.
O relevo outro fator que influencia o clima de uma regio, principalmente em decorrncia
de variao de altitude, forma e posio, e orientao das vertentes. Quando consideramos dois
lugares com a mesma latitude, porm com diferentes altitudes, o local com maior altitude ter
menor temperatura, enquanto o local mais prximo ao nvel do mar ter maior temperatura. A cada
100m de elevao da altitude diminui-se aproximadamente 0,3C.
A posio e forma de um relevo podem favorecer ou dificultar fluxos de calor e umidade
entre reas prximas, como, por exemplo, a Cordilheira dos Andes que barra a penetrao de
umidade proveniente do Oceano Atlntico e Amaznia para o oeste do Chile, deixando o clima do
deserto de Atacama mais seco.
A orientao do relevo em relao ao sol ir definir as vertentes mais aquecidas e mais
secas, bem como aquelas mais frias e midas, influenciando assim no clima da regio.
A vegetao serve como regulador de umidade e temperatura de uma regio. Nota-se que
no interior de reas de florestas a temperatura inferior s reas vizinhas no florestadas. Isso
se d por causa da copada e troncos das rvores, que barram a radiao solar direta. Nessas
reas florestadas o processo de infiltrao de gua no solo mais eficiente, havendo maior
disponibilidade de gua no solo dessas regies, o que torna a evaporao e evapotranspirao
mais hbeis, deixando o ambiente mais mido e frio.
Os mares e oceanos so fundamentais para regulao do clima no Planeta, pois so os
principais fornecedores de gua para a Troposfera e controlam a distribuio de energia entre
continentes e oceanos. Os mares e oceanos induzem a temperatura do ar conforme a temperatura
da superfcie aqutica, fazendo com que o ar se resfrie a partir das baixas temperaturas das guas
superficiais frias, inibindo a formao de nuvens e, consequentemente, de chuvas. O contrrio
acontece em locais de superfcies aquticas quentes, esquentando o ar e elevando a formao

476

de nuvens e chuvas. Os locais muito distantes dos mares e oceanos sofrem com o efeito da
continentalidade, sentido principalmente nas temperaturas e umidades do ar. Nessas regies a
amplitude trmica acentuada, pois o aquecimento e resfriamento do ar se tornam mais rpido.
As atividades humanas tambm atuam sobre o clima. Como exemplo disso temos as ilhas
de calor, ou ilhas trmicas, que so reas de intensidade distinta de aquecimento do ar, criadas
pela modificao da paisagem natural pela ocupao humana, onde possvel observar que a
temperatura dos centros urbanos superior as regies perifricas. Contribuem significativamente
para a ocorrncia desse fenmeno as atividades de produo, notadamente industriais, de
transporte e lazer das grandes cidades, no entanto, importante ressaltar que os centros urbanos
apresentam diversas contribuies para a alterao do clima nessas regies. (MENDONA, 2007)
INVERSO TRMICA
Como j visto anteriormente, na Troposfera, o ar se resfria medida que aumenta a altitude.
Assim, o ar mais prximo da superfcie mais quente, portanto, mais leve e tem a tendncia de
subir. Nas grandes cidades essa dinmica faz com que os gases poluentes, advindos das indstrias
e automveis, sejam dispersos mais facilmente (figura).
A diferena de temperaturas entre o ar das camadas mais baixas (prximas superfcie)
e mais altas da Troposfera faz com que o ar circule verticalmente, onde o ar quente sobe e vai
se resfriando gradativamente, empurrando o ar frio para baixo, que ser aquecido, repetindo o
fenmeno. Quando a superfcie terrestre se resfria rapidamente forma uma camada de ar frio
abaixo da camada de ar quente, fato que ocorre com maior frequncia nos invernos em perodos
noturnos, ocasionando a inverso trmica.
Desse modo, a Inverso Trmica pode ser definida como uma condio meteorolgica
que ocorre quando uma camada de ar quente se sobrepe a uma camada de ar frio, dificultando
o movimento ascendente do ar, uma vez que o ar frio mais pesado. A poluio emitida pela
rea urbanizada ento fica contida abaixo da camada de ar quente, criando uma faixa cinza no
horizonte da cidade (SMOG5), resultado da poluio concentrada na camada mais prxima da
superfcie (figura).

477

Fonte: Adaptado de CETESB, 2012.

A inverso trmica um fenmeno natural que ocorre em todo o ano, atingindo altitudes
mais baixas no inverno, principalmente nos perodos noturnos.
EFEITO ESTUFA
A atmosfera depende de algumas condies para que tenha possibilidades de abrigar
vida. Uma das condies a temperatura, que certamente no seria da forma como hoje sem
o Efeito Estufa.
O Efeito Estufa um processo natural de aquecimento da atmosfera, que se no existisse, o
planeta teria cerca de -18C de temperatura mdia (ao invs de 15C), existiria abundantemente
gua em estado slido e seguramente no haveria condies de abrigar vida.
O efeito estufa funciona da seguinte forma: a radiao atravessa a atmosfera e aquece
a superfcie da Terra. Parte dessa energia retorna a atmosfera, mas nem toda ela consegue
atravessar a camada de gases que envolvem o Planeta, como o vidro de uma estufa. Cerca de
30% da radiao solar refletida de volta ao espao pela atmosfera (nuvens e partculas) e pela
superfcie da Terra. A reflexividade (Albedo6) da superfcie do planeta varia de acordo com o
material refletivo.
De modo simplificado, a radiao solar que atinge a superfcie convertida em energia
trmica, aquecendo o Planeta e evaporando a gua. O calor da superfcie sobe para a atmosfera,

478

uma parte dele vai para o espao e outra parte absorvida pelos gases do efeito estufa, que
emitem a energia de volta para o Planeta. Quanto mais alta a coluna de gases do efeito estufa
maior a quantidade de energia emitida de volta, reaquecendo a superfcie e a baixa atmosfera,
num processo constante.

Fonte: O autor, 2012.

Os chamados Gases do Efeito Estufa (GEEs) se concentram naturalmente na atmosfera,


representando menos de um milsimo da atmosfera total. Sem esses gases no existiria efeito
estufa. Como esses gases absorvem os raios infravermelhos, servindo como um cobertor do
Planeta, o aumento de sua concentrao pode bloquear a sada dos raios refletidos pela superfcie
terrestre, causando o aumento da temperatura mdia da atmosfera.
Os principais gases do efeito estufa (GEEs) so o vapor de gua, o dixido de carbono
(CO2), os clorofluorcarbonos (CFCs), o metano (CH4) e o xido nitroso (N2O). Esses gases tm
diferentes concentraes e ciclos de produo e destruio, bem como diferentes potenciais de
aquecimento do Planeta.
Os GEEs citados acima se diferenciam dos principais gases que constituem 99,97% do
ar, como oxignio e nitrognio, no que se refere capacidade de absoro da energia solar.
O oxignio e o nitrognio so diatmicos (dois tomos ligados um ao outro) e no podem absorver
o infravermelho e os comprimentos de ondas visveis do Sol, dessa forma, no so aquecidos e
no aquecem o ar quando atingidos pela luz solar e pelo infravermelho irradiado para cima pela
superfcie terrestre. O mesmo se aplica aos gases monoatmicos (constitudos de um tomo), como
o argnio.
Os gases constitudos por trs ou mais tomos, como o dixido de carbono, o vapor dgua
e o metano, so capazes de absorver a radiao infravermelha, pois suas molculas so maiores e
vibram naturalmente nas mesmas frequncias que o infravermelho7.

479

Atuando como um isolante trmico da estufa gasosa do Planeta, o ar da camada atmosfrica


exterior mais frio, assim, o aumento de temperatura pela estufa gasosa no nvel da superfcie
poder ocasionar uma queda de temperatura na camada atmosfrica exterior. Nesse caso, pode-se
afirmar que em funo do isolamento trmico do Planeta, a atmosfera exterior mais fria se caso
no estivesse isolada termicamente.
AQUECIMENTO GLOBAL
Um dos principais assuntos discutidos atualmente refere-se ao aquecimento global e s
possveis consequncias a ele relacionadas, como o aumento da temperatura mdia do Planeta,
o derretimento do gelo polar, o aumento do nvel do mar, a influncia sobre fenmenos como
tempestades, furaces etc.
A existncia do efeito estufa em si no motivo de preocupao, pois, como j vimos
anteriormente, esse fenmeno essencial para a absoro do calor do Sol e para manuteno
da vida na Terra. O que preocupa o incremento dos chamados Gases do Efeito Estufa na
atmosfera pelas atividades humanas, a capacidade destes em aumentar o aquecimento do Planeta
e como isso pode afetar o complexo sistema de vida.
A concentrao dos gases do efeito estufa (GEEs) vem aumentando devido a aes
antrpicas, decorrente de atividades econmicas e sociais, provocando alteraes na biosfera,
causando quase a duplicao da concentrao desses gases. Os principais deles so o dixido de
carbono (CO2) e o metano (CH4), sendo o primeiro responsvel por 80% do aquecimento causado
pelo ser humano, enquanto o segundo, que 21 vezes mais potente que o dixido de carbono,
tem aumentado em quantidade de cerca de 1% ao ano nas ltimas dcadas.
A principal fonte de emisso de dixido de carbono resultante da queima de combustveis
fsseis como o carvo, petrleo e o gs natural. As principais fontes de emisso do metano esto na
atividade agrcola, produzida pela fermentao das bactrias anaerbicas associadas aos arrozais,
pela fermentao entrica dos ruminantes, pelo desflorestamento e pela queima de biomassa.
O xido nitroso emitido pelo uso de fertilizantes e por atividades industriais.
As mudanas climticas e o aquecimento global esto em discusso h algum tempo e a
comunidade cientfica tem feito vrias pesquisas para saber a real causa dessas mudanas. Uma
parcela da comunidade cientfica mundial acredita que essas alteraes so parte de um processo
natural, longo e dinmico de glaciao do Planeta, sendo o aumento da temperatura consequncia
deste processo.

480

Porm, as principais atribuies das causas do aumento da temperatura, so as aes


antrpicas, que aumentam a quantidade de gases do efeito estufa, principalmente por meio da
queima de combustveis fsseis, petrleo, carvo e gs natural.
Alm de serem fontes de energia muito utilizadas nos tempos atuais, elas so limitadas, ou
seja, o Planeta possui um estoque dessa fonte de energia que deve se esgotar em algum tempo.
Por isso, essas fontes so chamadas de fontes no renovveis de energia. A era em que essas
fontes se formaram o chamado Perodo Carbonfero ou Era Paleozoica. Esse foi o perodo
de surgimento de grandes florestas e consequentemente das grandes jazidas de carvo. rvores
que caam em pntanos eram soterradas sem se decomporem, pois havia pouco oxignio. O
soterramento levava a um aumento da temperatura, causando transformaes qumicas, resultando
no carvo. (CRPM). Os cataclismos geolgicos dessa poca foram responsveis pelo soterramento
de quantidades imensas de biomassa a grandes profundidades. Essa biomassa viria a se tornar os
combustveis fsseis tanto utilizados hoje, e que liberam para a atmosfera uma quantidade imensa
de CO2.
Notam-se, na figura a seguir, a relao de emisso de carbono e o aumento das temperaturas
em centenas de anos.

Adaptado do Petit et al.(1999).

Voltando aos tempos atuais, a partir da dcada de 1980 so observados com maior
frequncia os chamados Fenmenos Climticos Extremos, que so eventos como furaces,
enchentes, secas, tornados, que podem causar catstrofes sociais e ambientais. Esses eventos
demonstram sinais de mudanas no clima do Planeta. Apesar de que sempre haver incertezas
sobre um sistema to complexo como o clima e to diversificado quanto o ecossistema do nosso

481

Planeta, as evidncias, no caso o aumento desses fenmenos climticos extremos, tornam cada vez
mais essas incertezas em medo e alerta. (UNFCCC, 2012)
Em 1988 houve a primeira reunio entre governantes e cientistas sobre mudanas climticas,
realizado em Toronto no Canad. A partir da a ONU (Organizao das Naes Unidas) criou
um rgo chamado IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanas Climticas) composto por
delegaes de 130 pases do mundo todo com a funo de promover avaliaes regulares sobre
mudanas climticas. A criao desse rgo se deu pela percepo de que as atividades humanas
exercem forte influncia sobre o clima global. (IPCC, 2012)
O primeiro relatrio do IPCC foi publicado em 1990, e demonstrou uma necessidade de
criao da Conveno do Quadro das Naes Unidas para Mudanas do Clima, conveno essa
formada para governantes discutirem polticas sobre mudanas climticas. De acordo com esse
relatrio, seria preciso a reduo em 60% de todas as emisses de CO2 para a atmosfera.
Um segundo relatrio foi publicado em 1995 e os estudiosos chegaram concluso de que
as atividades humanas causam impacto significativo no clima global, criando assim um grande
desafio aos grupos defensores da utilizao das fontes de energia no renovveis fosseis. A partir
de 1995 foram criadas as Conferncias das Partes, que seriam encontros para a discusso dos
assuntos relacionados s mudanas climticas globais. (MMA, 2012b)
Na Conferncia das Partes de 1997, no Japo (Kyoto), foi assinado o Protocolo de Kyoto,
que se constituiu no primeiro acordo que vincula o comprometimento dos pases com as maiores
emisses de gases do efeito estufa em diminui-las. O objetivo deste Protocolo estabilizar a
concentrao de gases do efeito estufa a um nvel que impea a interferncia perigosa no sistema
climtico. O protocolo estabelece que os pases industrializados devem reduzir suas emisses para
5,2% em relao aos nveis de 1990, para o perodo de 2008-2012. Estabeleceu-se ainda no
Protocolo de Kyoto trs mecanismos de flexibilidade para a reduo de emisses, a Implementao
Conjunta (Joint Implementation), Comrcio de Emisses (Emissions Trading) e Mecanismo de
Desenvolvimento Limpo MDL (CDM Clean Development Mecanism).
Em contrapartida teoria do aquecimento global pelo acrscimo dos gases de estufa pelas
atividades antrpicas, da existncia do efeito estufa e da camada de oznio8, atualmente h
algumas vertentes que defendem a inexistncia destes fenmenos.
CAMADA DE OZNIO
Quando estudamos os problemas atmosfricos, no podemos deixar de citar aqueles
relacionados diminuio da camada de oznio. Como j visto, a camada de oznio encontra-se

482

na estratosfera e exerce a funo de proteo da Terra contra a radiao ultravioleta vinda do


Sol. Mas sabe-se que alguns gases causam o estreitamento da camada de oznio. (MMA, 2012d)
As principais substncias que contribuem para a destruio da camada de oznio so:
Cloroflurcarbono (CFC);
Hidroclorofluorcarbono (HCFC);
Brometo de metila (BR); e
xido de nitrognio (NO).
O clorofluorcarbono (CFC) a principal substncia destruidora da Camada de Oznio. Aps
liberados na atmosfera e atingirem a estratosfera, so desintegrados pela radiao ultravioleta,
liberando o radical cloro, que reage com o oznio formando oxignio e monxido de cloro.
A molcula de oxignio liberada na atmosfera, enquanto a ligao do monxido de cloro
quebrada por um tomo de oxignio, formando nova molcula de oxignio e liberando o radical
cloro, repetindo-se o processo. Foi amplamente utilizado entre as dcadas de 1980 e 1990 na
indstria de produtos e servios, como a de refrigerao. O consumo do gs foi banido em 2010.
O CFC, por exemplo, era usado na manufatura de espuma, em aerossis e em bombinhas para
asma, serviu tambm como esterilizantes e fluidos refrigerantes para geladeiras e ar condicionado.
So gases de origem industrial e introduzidos na atmosfera pelas atividades humanas, no sendo
encontrados naturalmente. Alm disso, os CFCs so gases capazes de absorver infravermelho e
irradi-los novamente superfcie, portanto, contribuem para o efeito estufa.
O hidroclorofluorcarbono (HCFC) foi desenvolvido como alternativa de mercado para
substituir o uso dos CFCs. Com composio mais branda, apresenta menor potencial de destruio
da Camada de Oznio e, por isso, seu uso foi ampliado. Ele usado como fludo para extintores
de incndio, na fabricao de embalagens trmicas, em limpeza de circuitos, entre outros. Apesar
de ser menos nocivo Camada de Oznio, pesquisas recentes demonstraram que a substncia
contribui para o aquecimento global. Assim, as metas internacionais em discusso preveem
a eliminao do uso do HCFC at 2040. Atualmente, alguns segmentos industriais adotam a
substituio dos HCFCs pelos HFCs (hidrofluorcarbonos), que no afetam a camada de oznio,
no entanto, tambm contribuem para o efeito estufa.
O brometo de metila (BR) um agrotxico gasoso utilizado como desinfetante de solos
para cultivos e exterminador de pragas (insetos, fungos, bactrias e ervas daninhas). O produto
extremamente txico e prejudicial sade.
O xido de nitrognio (NO) liberado na atmosfera por meio de atividades humanas.
emitido por veculos motorizados, avies, centrais termoeltricas, fbricas de fertilizantes, de
explosivos ou de cido ntrico, incineradores e provenientes das queimadas.

483

O conhecimento a respeito da destruio da camada de oznio mobilizou vrias naes. Em


1985, a Conveno de Viena para a Proteo da Camada de Oznio foi assinada por dezenas
de pases, entre eles o Brasil. Posteriormente, foi estabelecido o Protocolo de Montreal sobre as
Substncias que Destroem a Camada de Oznio, ligado Organizao das Naes Unidas (ONU),
estabelecendo aos signatrios o compromisso para eliminao da produo e do consumo de
substncias destruidoras da camada de oznio por meio da estipulao de metas entre os 193
pases que integram o Protocolo. (MMA, 2012c)
Alm disso, foi estabelecido que os pases que mais consumiram as substncias que
destroem a camada de oznio em maior quantidade (Pases desenvolvidos) deveriam contribuir
financeiramente para apoiar os pases em desenvolvimento a cumprirem as metas estabelecidas no
Protocolo, e para isso foi criado Fundo Multilateral para Implementao do Protocolo de Montreal
(FML). (PNUD, 2012)
MDL E CRDITO DE CARBONO
Com o estabelecimento de metas para limitao e reduo de emisses de gases de efeito
estufa por meio do Protocolo de Quioto, originaram-se os chamados mecanismos de flexibilizao,
que possibilitam que a reduo das emisses seja realizada de forma diferenciada.
O MDL (Mecanismos de Desenvolvimento Limpo) o principal meio de participao dos
pases em desenvolvimento na questo das Mudanas Climticas, sendo considerado um timo
instrumento de fomento de boas prticas, de aprendizado, de padres de produo mais ajustados
aos novos paradigmas de sustentabilidade.
O MDL teve origem na proposta brasileira de criao de um Fundo de Desenvolvimento
Limpo, que seria formado por meio de recursos financeiros dos pases desenvolvidos que no
cumprissem suas obrigaes quantificadas de reduo ou limitao de emisses de gases de efeito
estufa (usualmente chamada de metas). Tal fundo seria utilizado para desenvolver projetos
em pases em desenvolvimento. Esse conceito no foi aceito por alguns pases desenvolvidos e
a ideia do fundo foi modificada, transformando-se no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo.
(BNDS, 2009)
De maneira sucinta, o MDL permite a certificao de projetos de reduo de emisses nos
pases em desenvolvimento e a posterior venda das redues certificadas de emisso, para serem
utilizadas pelos pases desenvolvidos como modo suplementar para cumprirem suas metas. Esse
mecanismo deve provocar redues de emisses adicionais quelas que ocorreriam na ausncia do
projeto, garantindo benefcios reais, mensurveis e de longo prazo para a mitigao da mudana
do clima. (JURAS, 2009)

484

Esse tipo de mecanismo foi estruturado no princpio do Poluidor Pagador, em que se prev
a cobrana de uma taxa para alguma iniciativa de correo daquela poluio. (ARAJO, 2007)
Dentre os diversos segmentos de mercado que podero se favorecer do comrcio dos
crditos de carbono, na esfera do MDL, destacam-se:
a) Projetos de recuperao de gs de aterro sanitrio, de gs de autfonos, biodigestor e
outros gases;
b) Energias limpas (biomassa, hidreltrica, elica, solar etc.);
c) Troca de combustveis (leo x gs, biomassa etc.);
d) Eficincia energtica e eficincia em transporte (logstica);
e) Melhorias/tecnologias industriais: cimento, petroqumica, fertilizantes etc.;
f) Projetos florestais (reflorestamento ou florestamento).
Somente aps a reduo que a empresa poder negociar o crdito de carbono.
CARBONIZAO DA ECONOMIA E MATRIZ ENERGTICA
Como j vimos, um dos principais responsveis pela emisso de gases de efeito estufa na
atmosfera a utilizao de combustveis fsseis, e sabemos que na grande maioria dos pases
essa fonte de energia utilizada em larga escala, sendo considerada uma fonte de energia no
renovvel, pois no pode ser renovada em curto perodo de tempo. Porm, esta no a nica
fonte de energia disponvel no mundo.
No intuito de diminuir emisses e frear o aquecimento global, alguns pases esto buscando
fontes alternativas de energia, as chamada fontes renovveis. As fontes de energias renovveis
so menos poluentes e recebem essa denominao por serem provenientes de recursos capazes
de se refazer em curto perodo de tempo, ao contrrio dos no renovveis.
A matriz energtica de um pas se trata da quantidade de energia disponvel neste para
sua utilizao. As empresas multinacionais, grandes organizaes financeiras, empresas estatais e
rgos reguladores so agentes com grande participao na dinmica do mercado energtico. Os
derivados de petrleo integram a maior parte da energia utilizada no mundo:
Derivados de Petrleo 42,3%
Eletricidade 16,2%
Gs Natural 16,0%
Energias Renovveis 13,6%
Carvo Mineral 8,4%
Outras 3,5% (IEA, 2007)

485

Por ser a fonte de energia mais utilizada no mundo, o petrleo passa a exercer no
apenas um papel econmico, mas tambm geopoltico. Nesse contexto, os derivados de petrleo
trazem consigo, juntamente com a riqueza, toda uma srie de disputas comerciais, financeiras e
diplomticas, bem como conflitos.
A questo da utilizao de derivados de petrleo est ligada ao rpido crescimento da
utilizao de energia, e depende tambm da quantidade de fontes disponveis, que nesse caso
abundante. Por ser muito poluente, as nicas alternativas para a no utilizao dessas fontes de
energia no renovveis seria a restrio de oferta dos derivados de petrleo, e principalmente o
uso de fontes alternativas de energia renovvel. Assim, a partir da queda na produo de petrleo,
a disponibilidade de outras fontes de energia ser decisiva para a economia global.
Nesse contexto a bioenergia uma alternativa vivel e promissora, para ocupar maior espao
na matriz energtica mundial, principalmente para atender ao setor de transportes. Mas para que
essa tendncia funcione, preciso observar caractersticas especficas de cada regio avaliando as
potencialidades agrcolas e o desempenho energtico ambiental de cada cultura.
No Brasil, essa tendncia j uma realidade. A matriz energtica brasileira apresenta a
matriz energtica mais renovvel do mundo com 45,3% de sua produo proveniente de fontes
como recursos hdricos, biomassa e etanol, alm de energia solar e elica. Essa atual situao
se deu desde 1975 com a implementao da poltica de incentivo ao etanol, que desenvolveu a
pesquisa sobre o biocombustvel no Brasil.
Comparados com os combustveis provenientes do petrleo, os biocombustveis apresentam
caractersticas que o colocam como menos poluentes. Analisando alguns fatores, pode-se dizer
que a utilizao de biocombustveis no aumentaria o aquecimento da atmosfera. Isso ocorre em
virtude da biomassa (cana-de-acar, soja, mamona etc..) capturar em seu crescimento parte do
carbono emitido, caracterizando-se como um sistema fechado de emisso e captura de carbono.
Ao contrrio da utilizao dos combustveis fsseis, que no contempla um ciclo de liberao e
captura, sendo que a quantidade liberada no capturada totalmente, j que so fontes de CO2
estocadas a milhares de anos no perodo carbonfero e em quantidades no compatveis com a
quantidade capturada por estes agentes absorvedores.
Porm, sabe-se que as queimadas emitem grandes quantidades de gases do efeito estufa.
Desse modo, caso seja preciso substituir uma floresta (fonte de absoro de carbono) por uma rea
de plantio novo para produo de biocombustveis, as emisses geradas para essa mudana de uso
do solo podem acarretar numa restrio da atividade, pois afetariam o equilbrio quantitativo entre
as emisses e capturas de carbono.

486

CONVENO DA ONU SOBRE MUDANAS CLIMTICAS


A Conveno da ONU sobre mudanas Climticas foi criada em 92 durante a Conferncia
das Naes Unidas para o Ambiente e Desenvolvimento no Rio de Janeiro, com o principal
objetivo de reunir os pases em um esforo conjunto para estabilizar as concentraes de gases de
efeito de estufa em nveis que no impliquem alteraes climticas perigosas. A Conferncia das
Partes (COP) o rgo supremo da conveno, tendo como um dos objetivos elaborar estratgias
globais para proteger o sistema climtico para geraes presentes e futuras. Outro objetivo da
Conferncia das Partes manter regularmente sob exame a implementao da Conveno e
de quaisquer instrumentos jurdicos que a conferncia possa adotar, alm de tomar as decises
necessrias para promover a efetiva implementao da Conveno. (MMA, 2012)
Com uma frequncia mnima de um ano, os pases signatrios se renem na COP para
discusses o progresso de implementaes da Conveno.
Atualmente essa reunio aconteceu 18 vezes em diferentes pases com diversas realizaes
em prol do Clima com relatrios sobre os principais assuntos discutidos divulgados no site do
United Nations Framework Convention on Climate Changes (http://unfccc.int):
1995 - COP 1 Berlim: foi o primeiro encontro, firmando oficialmente os primeiros esforos
para a reduo das emisses dos gases do efeito estufa. Primeiros passos para a criao do
Protocolo de Quioto.
1996 COP 2 Genebra: teve como documento oficial a Declarao de Genebra e aprovou
o resultado do relatrio da segunda avaliao do IPCC. Nesta reunio foi recomendado que
cada pas precisaria ter a liberdade para encontrar as solues que forem relevantes para
prpria situao.
1997 COP 3 Quioto: Nesta conferncia o Protocolo de Quioto foi confirmado aps
abertas negociaes. Pela primeira vez, introduziram-se metas obrigatrias de emisses de
gases de efeito de estufa em 37 pases industrializados, o perodo de 2008 a 2012.
1998 COP 4 Buenos Aires: Com algumas questes pendentes sobre o Protocolo de
Quioto, foi agendado perodo de dois anos para esclarecimento e prtica de ferramentas que
colaborassem para a realizao das aes descritas no protocolo.
1999 COP 5 Bonn: Vrias discusses tcnicas sobre mecanismos do Protocolo de Quioto.
2000 COP 6 La Haya: Primeiro fracasso ao ser apresentada recusa da Unio Europia
com o compromisso do Protocolo de Quioto. Inseguranas evidentes sobre sanes
estipuladas aos pases que no assumissem o compromisso de reduo.

487

2001 COP 7 Marraqueche: Negociaes sobre o Protocolo de Quioto foram praticamente


finalizadas.
2002 COP 8 Delhi: Nessa conferncia dos pases da Unio Europeia houve a tentativa,
sem sucesso, de obter uma declarao passada recorrendo para mais aes das Partes da
Conveno da ONU (UNFCCC).
2003 COP 9 Milo: Esclarecimento dos ltimos detalhes tcnicos sobre o Protocolo
de Quioto.
2004 COP 10 Buenos Aires: Discusses sobre detalhes tcnicos do Protocolo de Quioto
e algumas discusses sobre o que aconteceria caso expirasse o Protocolo em 2012.
2005 COP 11 Montreal: Primeira reunio aps aprovao do Protocolo de Quioto, com
discusses sobre o que aconteceria aps expirao do Protocolo.
2006 COP 12 Nairobi: ltimas questes tcnicas relativas ao Protocolo de Quioto foram
finalmente realizadas. O trabalho envolvido na obteno de um novo acordo para o perodo
ps-Quioto continuou, e uma srie de marcos foram estabelecidos no processo rumo a um
novo acordo.
2007 COP 13 Bali: Com o reconhecimento do recente relatrio do IPCC que
demonstrava que o aquecimento global uma realidade e com a formulao de um texto
comum pedindo aes mais rpidas sobre o assunto, apareceu a necessidade de um novo
acordo que substitusse o Protocolo de Quioto.
2008 COP 14 Poznan: Nessa conferncia o sentido de trabalhar em um novo acordo
climtico global em Copenhague continuou. A Conferncia foi caracterizada pela antecipao
da postura a ser adotada pelo novo governo americano.
2009 COP 15 Copenhague: Era considerado o mais importante da histria recente dos
acordos multilaterais ambientais, pois tinha por objetivo estabelecer o tratado que substituir
o Protocolo de Quioto, vigente de 2008 a 2012. Apareceram a questes como o impasse
entre pases desenvolvidos e em desenvolvimento para se estabelecer metas de reduo de
emisses e as bases para um esforo global de mitigao e ajuste.
2010 COP 16 Cancn: Entre os avanos ocorridos destaca-se a criao do Green Climate
Fund (Fundo Climtico Verde) com o objetivo de ajudar os pases em desenvolvimento a
reduzirem suas emisses. Alm disso, foi na COP16 que o Brasil lanou sua Comunicao
Nacional de Emisses de Gases de Efeito Estufa e anunciou a regulamentao da sua
Poltica Nacional sobre Mudana do Clima por meio do Decreto n. 7390.

488

2011 COP 17 Durban: Foi o frum multilateral mais amplo (com 195 pases) para
discutir e adotar medidas contra o aquecimento global. A maior novidade que o texto
aprovado prev que todos os pases devero participar de um processo para, futuramente,
reduzir o volume de carbono que atiram na atmosfera, inclusive os menos desenvolvidos.
2012 COP 18 Doha: 36 pases aderiram ao segundo perodo de pacto do Protocolo de
Kyoto, que vai de janeiro de 2013 a dezembro de 2020. As metas de reduo de emisso
de gases de efeito estufa do conjunto de pases significa uma reduo de 18% de emisses
de pases desenvolvidos em relao s taxas de 1990. Pases como Estados Unidos,
Canad, Japo, Rssia e Nova Zelndia no esto participando deste segundo perodo,
enfraquecendo a ferramenta. Iniciou-se discusso para novo acordo que deve gerar um
novo instrumento com fora de lei com compromissos entre todos os pases, de acordo com
suas responsabilidades histricas e com uma distribuio equitativa entre todos. Espera-se,
portanto, que pases que hoje esto fora do Protocolo de Kyoto e as grandes economias
assumam compromissos muito maiores do que os pases mais pobres.
O QUE PODEMOS FAZER PARA CONTRIBUIR COM A SOLUO DO PROBLEMA
Observando todos os problemas relacionados ao aquecimento global e poluio da
atmosfera, percebemos que a soluo ainda est distante, e que se no houver uma conscientizao
em nvel mundial, em todas as esferas da sociedade, juntamente com uma ao mais efetiva,
poderemos no conseguir reverter os problemas atuais.
Algumas medidas podem ser tomadas singularmente, mas podem fazer muita diferena
globalmente. Uma delas a economia de energia. Para a maioria dos habitantes a oportunidade
mais fcil de diminuir as emisses de gases do efeito estufa estaria dentro de casa. Como exemplo,
podemos citar o uso de lmpadas mais econmicas para reduzir um pouco o consumo de energia,
pois, alm de contribuir no combate a crise climtica, economiza-se diretamente na conta de luz.
Mais uma alternativa a reduo de emisses de carros e outros meios de transporte.
A manuteno dos automveis a primeira etapa e pode reduzir consideravelmente a emisso de
gases poluentes. A utilizao de transportes pblicos e alternativos pode ser uma boa medida para
alcanar esse objetivo, pois com o inchao das cidades e o crescimento do nmero de veculos
nas ruas, fica imprescindvel a utilizao de meios menos poluentes, com nfase utilizao do
transporte coletivo. A escolha cuidadosa de seu veculo, bem como da possibilidade de utilizao
de combustvel alternativo aos derivados de petrleo, so boas opes para contribuir com o
clima global, e sempre que possvel, evitar a utilizao de veculos em atividades que podem ser

489

realizadas sem os mesmos, pois assim voc contribuir para a diminuio do trfego urbano, da
emisso de gases de efeito estufa e do consumo de combustveis fsseis, alm de cuidar da sua
sade com uma boa caminhada.
Diminuir o consumo consumir menos energia na fabricao e transporte, ou seja, para
cada etapa do processo de produo h emisses de combustveis fsseis. Dessa forma, consumir
menos gastar menos energia. Reduzir, reutilizar e reciclar parece ser o lema para diminuio
de emisses em relao ao consumo. A ideia comprar menos, escolher itens durveis e no
descartveis, consertar ao invs de jogar fora e passar para outra pessoa o que no for utilizado.
A moderao do consumo de carne vermelha tambm um passo para a sade e para reduzir a
emisso de gases do efeito estufa, pois, alm do desmatamento em funo da criao de reas de
confinamento de gado e pastagens, h emisso de metano por parte dos bovinos e mais emisses
no transporte e processo produtivo.
Alm de tudo isso, quanto mais pessoas estiverem sabendo sobre os problemas causados
pelas emisses de gases do efeito estufa em nosso clima, maior ser o consenso e mais abrangentes
sero as contribuies pessoais. Assim, a informao e divulgao podero ajudar a minimizar
esses problemas, tornando nosso clima cada vez melhor.
LINKS INTERESSANTES:
http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/abc/index.html
http://mudancasclimaticas.cptec.inpe.br/~rmclima/pdfs/Planetinha_e_sua_turma.pdf
http://enos.cptec.inpe.br/
http://videoseducacionais.cptec.inpe.br/
vimeo.com/26882644
http://www.protocolodemontreal.org.br/eficiente/sites/protocolodemontreal.org.br/pt-br/site.php?secao=
fotos&pub=38
http://www.youtube.com/user/PMontrealBR

REFERNCIAS
AMBIENTE BRASIL, 2012. Disponvel em: <http://ambientes.ambientebrasil.com.br/natural/clima/clima_-_
classificacao_dos_climas_do_brasil.html >
ARAJO, A. C. P. Como Comercializar os Crditos de Carbono. So Paulo: Ed. Trevisan Editora
Universitria, 2007. 47p.
Atlante geogrfico metdico. Novara. Instituto Geogrfico De Agostini, 1996.

490

BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social (BNDES). Disponvel em: <http://www.bndes.
gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conhecimento/livro_mdl/mdl_1.pdf>.
CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, 2012. Disponvel em: <http://www.cetesb.
sp.gov.br/Ar/anexo/inversao.htm>.
DOW, Kirstin ; DOWNING, Thomas E. O atlas da mudana climtica: o mapeamento completo do maior
desafio do planeta. So Paulo :Publifolha, 2007. 120 p. : il., mapas, color.
GORE, Al. Uma Verdade Inconveniente. O que devemos saber (e fazer) sobre o aquecimento global.
(Traduo: Isa Mara Lando). Barueri-SP. Manole. 2006.
IEA International Energy Agency 2007. Disponvel em: <http://www.iea.org/newsroomandevents/
pressreleases/2007/>.
JURAS, I. A. G. M. Crditos de carbono. Cmara dos Deputados, 2009.
IPCC International Panel On Vlimate Change. 2012. Disponvel em: <http://www.ipcc.ch/>.
LOVELOCK, J. Gaia, cura para um planeta doente. Ed. Cultrix, So Paulo, 192p. 2006.
Centro de Gesto e Estudos Estratgicos. Manual de capacitao: Mudana climtica e projetos de mecanismo
de desenvolvimento limpo. Ed. rev. e atual. Braslia, DF. 2010.
MENDONA, Lucinda Santos; DANTAS, Maria da Conceio; RAMALHO, Marta Duarte. Jogo de Partculas,
Qumica A Bloco 1 10. ou 11. ano, Lisboa: Texto Editores, 2004.
MENDONA, Francisco. Climatologia: noes bsicas e climas do Brasil/ Francisco Mendona, Ins
MorescoDanni-Oliveira. So Paulo: Oficina de Textos, 2007.
MMA - Ministrio do Meio Ambiente Brasil. 2012a. Proteo da Camada de Oznio Disponvel em: <http://
www.mma.gov.br/clima/protecao-da-camada-de-ozonio>. Acesso em dezembro de 2012.
MMA - Ministrio do Meio Ambiente Brasil. 2012b. Disponvel em: <http://www.mma.gov.br/clima/
convencao-das-nacoes-unidas/conferencia-das-partes>. Acesso em dezembro de 2012.
MMA - Ministrio do Meio Ambiente Brasil. 2012c. Disponvel em: <http://www.mma.gov.br/clima/protecaoda-camada-de-ozonio/convencao-de-viena-e-protocolo-de-montreal>. Acesso em dezembro de 2012.
MMA - Ministrio do Meio Ambiente Brasil. 2012d. Disponvel em: <http://www.mma.gov.br/clima/protecaoda-camada-de-ozonio/substancias-destruidoras-da-camada-de-ozonio>. Acesso em dezembro de 2012.
PETIT, Jean-Robert et al. (1999). Climate and atmospheric history of the past 420,000 years from the Vostok
ice core, Antarctica. Nature 399 (6735): 429436. doi:10.1038/20859. Retrieved 2007-06-14.
PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento, 2012. Disponvel em: <http://www.pnud.org.br/>.
SAGAN, Carl. Trad. Rosaura Eichemberg. Bilhes e bilhes: reflexes sobre vida e morte. So Paulo:
Companhia das Letras, 1998. 265p.
SANTOS, Vanderlei dos. HAUSSMANN, Darcl Costa Silva. BEUREN, Ilse Maria.CRDITOS DE
CARBONO: ASPECTOS CONTBEIS E TRIBUTRIOS EM EMPRESASBRASILEIRAS. In: Seminrio
de Cincias Contbeis da FURB, 2008, Blumenau/SC. 2008Disponvel em <https://www.furb.br/especiais/
download/523573-177959/CUE0062008.pdf>. Acesso em 23-04-2012.

491

PROTOCOLO DE MONTREAL, 2011. Disponvel em: <http://www.protocolodemontreal.org.br/eficiente/sites/


protocolodemontreal.org.br/pt-br/site.php?secao=perguntaserespostas&pub=134>. Acesso em 23-04-2012.
TUCCI, C.E.M et al. Clima e recursos hdricos no Brasil. Porto Alegre : ABRH, 2003.
UFCCC United Nations Framework Convention on Climate Change. 2012. Disponvel em: <http://unfccc.int>.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Clima e tempo As condies meteorolgicas (tempo) podem mudar diversas vezes em apenas um dia.
Como exemplo, podemos citar o tempo de Curitiba, que como j de costume, pode mudar drasticamente
em questo de horas. J o clima de Curitiba, considerado frio, ter esta classificao alterada apenas se
forem constatadas alteraes nas condies meteorolgicas ao longo de anos.

Tipos climticos Segundo classificao do clima do IBGE, o Brasil est dividido em cinco zonas climticas:
Equatorial, Tropical Zona Equatorial, Tropical Nordeste Oriental, Tropical Brasil Central e Temperado.
<ftp://geoftp.ibge.gov.br/mapas_tematicos/mapas_murais/clima.pdf>.

Atmosfera H indcios de que, antes da formao da atmosfera seria impossvel a permanncia da vida
terrestre pelo fato do grande nmero de colises de fragmentos espaciais com o nosso planeta.

O cientista James Lovelock atesta na sua Teoria de Gaia a inexistncia de vida em planetas como Marte e
Vnus mediante a comparao de suas atmosferas com a atmosfera da Terra, onde as atmosferas destes
planetas encontram-se em estado de equilbrio qumico, sendo dominadas por gases geralmente no
reativos, como o dixido de carbono, ao passo que a atmosfera da Terra encontra-se em desequilbrio
qumico, caracterizada por uma mistura instvel de gases, como oxignio e metano, que reagem entre
si e, no entanto, coexistem. Sabendo da instabilidade qumica da mistura de gases da atmosfera e, em
contrapartida, da manuteno constante de sua composio ao longo de perodos extensos, o cientista
prope a pergunta: Poderia ocorrer que a vida na Terra no apenas formasse a atmosfera, mas que tambm
a regulasse, mantendo-a em uma composio constante e em um nvel favorvel para os organismos?

O SMOG, nome dado coluna de poluio causada pela inverso trmica, pode causar srios problemas
de sade populao das grandes cidades. Sua terminologia tem origem na juno das palavras da lngua
inglesa smoke (fumaa) e fog (nevoeiro).

Albedo o termo astronmico utilizado para determinar a claridade ou escurido de um planeta e, portanto,
sua refletividade. A temperatura da superfcie do planeta depende do equilbrio entre o calor recebido pelo
sol e o calor devolvido ao espao. Em reas mais claras, como calotas polares, a refletividade pode atingir
70 a 80 por cento da luz solar que incide sobre elas. reas mais escuras, como florestas e oceanos, tm
baixo albedo e, portanto, absorvem mais e refletem menos luz solar.

Infravermelho A ttulo de ilustrao, a molcula de gua formada por trs tomos, um de oxignio e
dois de hidrognio, que se interligam em um ngulo de 105, como um bumerangue. Esta molcula pode
se girar e dobrar em um V mais fechado ou mais aberto, e a frequncia dos movimentos coincidem com a
frequncia do infravermelho emitido da Terra.

8 Camada de oznio Atualmente alguns cientistas defendem que o aquecimento global, assim como a
existncia e a destruio da camada de oznio pelos CFCs, so manobras que visam atender interesse
polticos. Sugesto <http://www.youtube.com/watch?v=winWWplmyMk&feature=player_embedded>.

492

A RELAO DA QUALIDADE E QUANTIDADE DA GUA


NO AMBIENTE URBANO E RURAL

Cleverson V. Andreoli
Fabiana de Nadai Andreoli
Annelissa Gobel Donha
Ana Camila Palma Kotinda

A gua se destaca como um dos recursos essenciais para o desenvolvimento, pois alm da
importncia direta para o consumo humano, sua disponibilidade est relacionada produo
de alimentos, energia e muitos produtos industrializados. O crescimento da populao humana,
associado a um grande aumento do consumo, determinou um novo patamar na demanda de
recursos naturais e de produo de resduos. Nesse contexto, devemos compreender a crise da
gua como resultado de um processo inadequado de apropriao e uso dos recursos naturais,
que tem duas grandes consequncias: a reduo dos volumes pelo crescimento da demanda do
recurso hdrico e a reduo paulatina da qualidade da gua em funo da poluio, visto que
quanto maior o consumo de gua, maior a produo de efluentes que deterioram sua qualidade e
comprometem seu potencial de uso, limitando a sua disponibilidade.
Assim, apesar de vrias notcias e discusses afirmarem a diminuio do fornecimento de
gua no mundo, isso no de todo verdade, a gua no est diminuindo e sim a demanda por
ela que vem aumentando gradativamente, visto que a populao mundial vem apresentando um
crescimento acelerado, sendo estimado pelas Naes Unidas que a populao atual de 7 bilhes
poder atingir o nmero de 8 a 11 bilhes at 2050, dependendo das polticas populacionais para
os prximos anos.

493

Grandes instabilidades e conflitos econmicos e socioambientais so gerados pela escassez


hdrica, e tendem a se agravar com o tempo, por isso imprescindvel que a gua seja tratada
como um recurso estratgico, para que o seu uso sustentvel seja pautado no seu uso racional,
no fortalecimento institucional, em marcos regulatrios, no planejamento e gesto integrada, na
disponibilidade de recursos financeiros, e, principalmente, no respeito ao princpio de que todos
tm direito gua de qualidade, um bem fundamental vida. (IBGE, 2010)
Nas ltimas dcadas foram desenvolvidos mecanismos e aes voltadas para tornar a
gua de boa qualidade disponvel para as geraes atuais e futuras, ampliando a percepo da
conservao da gua como um valor social e ambiental de alta relevncia.
No Brasil, a partir dos anos 1980, a gesto dos recursos hdricos passou a abordar a
sustentabilidade ambiental, social e econmica; alm da busca por leis mais adequadas e a
formulao de polticas pblicas que integrem toda a sociedade. Em 1997, foi sancionada a Lei
das guas, que estabeleceu a Poltica Nacional de Recursos Hdricos e criou o Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hdricos (Singreh). A lei tem como fundamentos a compreenso
de que a gua um bem pblico (no pode ser privatizada), sendo sua gesto baseada em
usos mltiplos (abastecimento, energia, irrigao, indstria etc.) e descentralizada, com intensa
participao de usurios, da sociedade civil e do governo. Pela lei, o consumo humano e de
animais prioritrio em situaes de escassez. (GEO BRASIL, 2007)
O Informe de 2012 da Agencia Nacional de guas (ANA) sobre a conjuntura dos recursos
hdricos no Brasil mostra um avano da melhoria na qualidade da gua das bacias atendidas pelo
Programa Despoluio de Bacias Hidrogrficas (Prodes) financiado com a cobrana pelo uso dos
recursos hdricos no Brasil desde 2001. De acordo com a ANA, a melhoria no ndice de qualidade
da gua est associada a investimentos em saneamento e controle de poluio industrial, mas os
ndices mostram que ainda h muita coisa a ser feita.
A grande quantidade de informaes disponveis sobre a gravidade do quadro ambiental
ainda no foi capaz de mobilizar a humanidade a adotar uma forma mais racional de utilizao
dos recursos planetrios.
Compreender a importncia de se preservar a gua em boa qualidade implica diversas
aes fundamentais para que esse fato se concretize. Para tanto, faz-se necessrio o entendimento
de todo o ciclo pelo qual a gua percorre no meio ambiente.
Por meio desse ciclo, possvel verificar tambm a questo da disponibilidade e distribuio
da gua para todos os seus usos, seja no meio rural (com mais expressividade na agricultura
atravs da irrigao), seja no meio urbano (nos seus mais variados usos).

494

Assim, fundamental iniciar a construo desse pensamento entendendo todos os fatores


relacionados ao recurso natural gua, to fundamental para a vida no planeta.
A GUA
A gua uma substancia qumica composta de hidrognio e oxignio, e tem grande influncia
nos ecossistemas e em todas as formas de vida, essencial para o desenvolvimento da vida e do
planeta, um recurso natural que permite a produo de alimentos e energia, proporciona
higiene e saneamento e serve comoo principal elo entre a sociedade humana, sistemas de clima
e do meio ambiente.
A quantidade total de gua existente na Terra se mantm constante desde o aparecimento
do Homem, assim, a disponibilidade est diminuindo em funo da poluio e contaminao, que
em muitos casos chegam a inviabilizar sua reutilizao. A importncia do gerenciamento adequado
dos recursos hdricos fica mais evidente quando se entende o Ciclo da gua, que representa um
verdadeiro sistema de destilao envolvendo todo o globo terrestre. (JORNAL ELETRNICO DA
GUA, 2012)
Ciclo da gua
O Ciclo da gua tem seu incio com a evaporao das guas dos oceanos, lagos e rios. Essa
evaporao se d por causa do calor provocado pelo Sol e pela ao dos ventos, transformando a
gua do estado lquido para o estado gasoso. O vapor de gua, por ser mais leve que o ar, sobe
na atmosfera formando nuvens, quando as nuvens so atingidas por temperaturas mais baixas, o
vapor de gua se condensa e se transforma em gotculas que se precipitam de volta superfcie
em forma de chuva. Nas regies muito frias, essas gotculas podem se transformar em flocos de
neve ao se precipitarem.
As guas da chuva ficam retidas no solo e nas reas onde h vegetao essa gua usada
pelas plantas. Outra parte da gua acaba indo para os rios e lagos. A gua no utilizada pelas plantas
passa atravs do solo e de rochas permeveis, e acaba se dirigindo para grandes reservatrios
no subterrneo, formando o chamado lenol fretico1, que fluem de volta para os oceanos. A
evaporao das guas da superfcie terrestre constante e novos ciclos se formam a todo instante.

495

Abaixo apresentado de forma ilustrativa o ciclo da gua.

Fonte: Harris, 2008.

Distribuio da gua no planeta


Toda a gua existente na Terra que constitui a hidrosfera2 distribui-se por trs
reservatrios principais: a gua ocenica, a gua continental (formada pelos rios, lagos e gua
subterrnea) e a gua atmosfrica, na forma de vapor. A quantidade de gua na Terra avalia-se
em 138.015 m3, o que equivale a ocupar o volume de uma esfera de 1.380 km de dimetro.
A distribuio de gua no planeta est diretamente relacionada com a disponibilidade de
gua doce e salgada. Nota-se, por meio do grfico abaixo, que 97,24% configura-se como gua
salgada e apenas 2,76%, como gua doce.

496

Fonte: Adaptado de USGS, 1999.

Desse total de 2,76% de gua doce, 2,14% est na forma slida, em geleiras, e apenas
0,0091% da gua encontra-se disponvel em rios e lagos, sendo passvel de utilizao ainda a
gua subterrnea, que representa 0.61%, conforme observado abaixo.

Fonte: Adaptado de USGS, 1999.

O relatrio anual das Naes Unidas (ONU) relata que hoje existem 1,1 bilho de
pessoas praticamente sem acesso gua doce, e trs principais problemas agravam o quadro
de disponibilidade hdrica mundial: a degradao dos mananciais; o aumento exponencial e
desordenado da demanda; e o descompasso entre a distribuio das disponibilidades hdricas e a
localizao das demandas, pois as guas esto distribudas de forma heterognea, tanto no tempo
como no espao geogrfico. (AYIBOTELE, 1992)

497

O Brasil tem posio privilegiada no mundo, em relao disponibilidade de recursos


hdricos. A vazo mdia anual dos rios em territrio brasileiro de cerca de 180 mil metros
cbicos por segundo (m3/s), este valor corresponde a aproximadamente 12% da disponibilidade
mundial de recursos hdricos, que de 1,5 milhes de m3/s considerando um consumo mdio de
250 litros/hab/dia.

Fonte: UNESCO, 2003 - Adaptado de ANA, 2007.

Em termos de distribuio per capita, a vazo mdia de gua no Brasil de aproximadamente


33 mil metros cbicos por habitante por ano (m3/hab/ano); este volume 19 vezes superior ao
piso estabelecido pela ONU, de 1.700 m3/hab/ano, abaixo do qual um pas considerado em
situao de estresse hdrico.
Porm, o desperdcio de gua no Brasil chega a 50%, um dos maiores ndices do planeta,
alm disso, grande parte dos rios e mananciais est contaminada e imprpria para uso. Parte
da gua j perdeu a caracterstica de recurso natural renovvel (principalmente nas reas muito
povoadas), em razo de processos de urbanizao, industrializao e produo agrcola. Isso faz
com que todo o grande volume de gua no pas esteja diminuindo rapidamente.
USOS DA GUA
A distribuio do uso da gua por tipo de demanda indica que, na mdia nacional, o
consumo humano (urbano e rural) equivale a pouco menos de 1/3 do total, enquanto o consumo
para atividades produtivas (irrigao, industrial e criao animal) responde pelo restante.

498

No Brasil existem doze grandes bacias hidrogrficas3: a do Rio Amazonas, do Rio Tocantins,
Atlntico Nordeste Ocidental e Nordeste Oriental, do rio So Francisco, dos rio Paraba, as do
Atlntico Sul e Sudeste, Atlntico Leste, a do rio Paran e Paraguai, a do Rio Uruguai.

Fonte: CNRH (2003)

Na distribuio do uso pelas regies, a do Paran (que consome mais) supera as demais
em todos os tipos de uso, com exceo da irrigao, onde se destacam as regies do Atlntico
Sul e do Uruguai, especialmente devido ao arroz irrigado por inundao. A regio do Atlntico
Sudeste apresenta usos relevantes no abastecimento humano urbano e industrial, devido a suas
grandes metrpoles. Atlntico Sudeste e Paran so as nicas regies em que a indstria baseada
no uso da gua prepondera sobre as demais atividades econmicas, com a irrigao apresentando
intensidade prxima. A regio do Atlntico Nordeste Ocidental apresenta um considervel uso
humano,indicando um menor nvel das atividades econmicas usurias de gua. Por sua vez, a
regio do Paraguai a nica em que a atividade de criao animal se sobressai em relao aos
demais, indicando a fora da agropecuria local.

499

Os resultados das estimativas de demanda dos recursos hdricos no Brasil em 2010,


considerando os usos consuntivos4, apresenta que a maior vazo de retirada5 foi para fins de
irrigao, 54% do total, seguido do uso para fins de abastecimento humano urbano, cuja vazo
de retirada representou 22%. Em relao vazo de consumo6, que representa 51% da vazo de
retirada, 72% correspondeu demanda de irrigao, seguida de dessedentao animal (11%),
abastecimento urbano (9%), abastecimento industrial (7%) e abastecimento rural (1%) (Conjuntura
ANA - Informe 2012).
Demandas no pas

Fonte: ANA, 2011.

Por meio desses dados possvel perceber que, proporcionalmente, os maiores desperdcios,
aqui representados pela vazo de retorno7, ocorrem no ambiente urbano (abastecimento urbano
e uso industrial), onde os ndices chegam a 80%. J no ambiente rural, apesar do maior volume
consumido, a perda de gua de 49% no abastecimento rural, 32% no uso da gua para irrigao
e 7% na dessedentao de animais.
Na mdia mundial, cerca de 70% dos recursos hdricos disponveis atualmente so
destinados irrigao, contra apenas 20% para a indstria e menos de 10% para abastecimento
da populao (higiene e consumo direto). Nos pases desenvolvidos, o porcentual de uso da gua
para irrigao ainda maior, chegando prximo dos 80%.

500

Ambiente Rural
No ambiente rural existe uma demanda de gua alta para agricultura, principalmente
para irrigao, que, como j vimos, representa a maior fatia do consumo, mas tambm utilizada
na aplicao de insumos agrcolas, e na criao de animais. A gua um fator essencial de
desenvolvimento rural, e o consumo sustentvel exige o gerenciamento adequado dos efluentes
agrcolas em relao contaminao e tambm a eficincia no setor de irrigao.
Uma pessoa adulta precisa de 4 litros de gua por dia para beber, mas para produzir seu
alimento dirio, considerando todo o ciclo produtivo, desde o preparo do solo at o consumo, so
necessrios de 2 a 5 mil litros.
De acordo com os clculos da Organizao para Agricultura e Alimentao (FAO), agncia
das Naes Unidas (ONU), a simples melhora de 1% na eficincia do uso da gua de irrigao,
nos pases em desenvolvimento de clima rido, significaria uma economia de 200 mil litros de
gua, por agricultor, por hectare8/ano. O suficiente para matar a sede de 150 pessoas, no perodo.
Mesmo sendo o setor que mais consome gua, a agricultura de irrigao tende a crescer
algo em torno de 15% a 20% nos prximos 30 anos, atendendo demanda por mais alimentos
de uma populao projetada em 8 bilhes de pessoas, alm de responder demanda econmica
por produtos agrcolas de maior valor agregado.
Para evitar problemas, a FAO sugere a adoo de tecnologias mais eficientes do que a
tradicional inundao de campos ou o uso generalizado de aspersores e piv central (os dois
mtodos mais utilizados no Brasil). A gua subterrnea tem sido vista como uma segunda opo
para a irrigao devido baixa qualidade das guas superficiais, mas isso exige um uso controlado,
j que tem sido observado, em alguns lugares, o rebaixamento dos aquferos9.
No h uma nica soluo para manter a segurana alimentar quando a gua escassa.
Todas as fontes de gua, chuva, canais de irrigao, guas subterrneas e guas servidas so
importantes, todas podem ser desenvolvidas em condies adequadas, e a melhor combinao de
uso do solo, tipo de cultivo e fonte de gua devem responder s caractersticas de cada ecossistema.
A escolha da tecnologia mais adequada e, sobretudo, a promoo de mtodos de irrigao
que evitam o desperdcio fundamental para atender demanda por alimentos, com o mnimo de
impactos ambientais, como a degradao dos solos, dos aquferos ou os processos de salinizao10.
Alm da alta vazo de consumo pela irrigao, a agricultura tambm considerada a
segunda maior fonte de poluio do pas, atrs do lanamento de esgoto domstico. Essa poluio
causada pelo manejo agrcola inadequado, que vai desde o assoreamento dos rios causado
pela devastao de matas ciliares, a compactao do solo impossibilitando infiltrao de gua

501

superficial e ocasionando rebaixamento do lenol fretico, at a contaminao pelo uso excessivo


de agrotxicos, diminuindo a disponibilidade hdrica.
Os fertilizantes11 e pesticidas12 so os insumos que mais poluem as guas devido a sua
grande utilizao na agricultura atual, tendo como fertilizantes mais utilizados o fsforo, a amnia
e o potssio. Estes elementos suspensos em gua superficiais provocam a eutrofizao13 da gua
e outros desequilbrios ecolgicos. Outro fertilizante eutrofizante bastante utilizado o esterco,
que rico em amnia e nitratos, apresentando alto risco de poluio hdrica tendo em vista que
nem sempre os resduos da pecuria so tratados adequadamente, podendo ocorrer vazamentos
de fossas ou despejo de dejetos em locais inapropriados.
Nas ltimas dcadas o Brasil se tornou um dos maiores consumidores mundiais de
agrotxicos do mundo, utilizando cada vez mais pesticidas qumicos, que se no forem utilizado
adequadamente, respeitando os princpios do controle integrado, podem causar graves problemas.
As culturas hortifrutigrangeiras, situadas principalmente nos cintures verdes no entorno das
grandes metrpoles brasileiras, utilizam grandes cargas de agrotxicos, isso porque as hortalias
so muito suscetveis a pragas e frgeis perante as variaes climticas. Dessa forma, para evitar
que os cintures verdes se tornem fontes poluidoras de mananciais urbanos, deve ser estimulada
a adoo de prticas mais sustentveis, como a agricultura orgnica.
Ambiente urbano
No ambiente urbano os principais usos da gua so o abastecimento urbano (para consumo
humano) e o uso industrial, que, como vimos anteriormente, correspondem a 22% e 17% das vazes
totais de retirada dos mananciais, respectivamente. Nas cidades, os problemas de abastecimento
esto diretamente relacionados ao crescimento da demanda e urbanizao descontrolada que
atinge regies de mananciais, aliadas ao desperdcio, que chega a at 80%, visto que as vazes
consumidas, de acordo com os dados da ANA (2010), so de 9% e 7%, respectivamente, para o
abastecimento urbano e uso industrial.
A gua utilizada em processos de fabricao nos mais variados ramos industriais (papel e
celulose, processamento de ao, txteis, frigorifica etc. Na indstria a gua tambm utilizada na gerao
de energia, na qual o vapor dgua pode mover as turbinas e geradores nas usinas termoeltricas.
Como as demandas so crescentes e os custos muito altos, as indstrias tm procurado
meios de reutilizao das guas de tratamento de efluentes, alm do aproveitamento da gua de
chuva mediante coleta nos telhados, dentre outros procedimentos.

502

Tambm chamado de uso domstico ou pblico, o uso urbano caracterizado pelas


captaes de gua e lanamentos oriundas das companhias de saneamento para abastecimento e
esgotamento sanitrio das populaes dos municpios.
A gua para consumo humano ou domstico utilizada na alimentao, na higiene pessoal
e na limpeza da casa, na lavagem de automveis e na irrigao de jardins. O consumo mdio da
gua mais ou menos de 120 litros dirios por pessoa.
Estima-se que a distribuio do consumo mdio dirio de gua, por pessoa,
aproximadamente a seguinte:
36% na descarga do banheiro;
31% em higiene corporal;
14% na lavagem de roupa;
8% na rega de jardins, lavagem de automveis, limpeza de casa, atividades de diluio
e outras;
7% na lavagem de utenslios de cozinha; e
4% para beber e alimentao.
A interferncia das aes humanas, por meio dos usos mltiplos da gua, no setor urbano,
constitui um subciclo denominado Ciclo Urbano da gua, o qual tem incio com a extrao de
gua dos rios e aquferos para o abastecimento da populao, passando por todas as etapas de
utilizao da gua at ao momento da sua restituio natureza.
Abaixo apresentado de forma ilustrativa o Ciclo Urbano da gua:

Fonte: guas do Oeste (2006)

503

Aps a captao, que pode ser feita por meio de fontes superficiais ou subterrneas, a gua
tratada de acordo com o uso pr-destinado (consumo humano, industrial etc.). O tratamento
feito em uma Estao de Tratamento de gua (ETA). Aps o tratamento a gua conduzida pela
rede de distribuio de gua at os pontos de consumo. Aps o uso, a gua carregada dos mais
diversos compostos (esgoto) conduzida at uma Estao de Tratamento de Efluentes (ETE) e
aps atingir os padres compatveis com a capacidade de biodegradao, o efluente lanado no
corpo hdrico receptor. O recolhimento das guas pluviais urbanas pelo sistema de drenagem e o
respectivo escoamento em corpos dgua receptores tambm fazem parte deste ciclo.
GESTO DAS GUAS
A forte demanda de gua no Brasil aliada aos problemas de poluio domstica e industrial
que contaminam mananciais tornam crticas as situaes de sustentabilidade nas grandes
concentraes urbanas. Dentre os principais problemas referentes ao Ciclo Urbano da gua,
destaca-se a degradao da qualidade da gua do manancial devido ao lanamento irregular
de esgoto sanitrio. De acordo com os dados do Ministrio da Sade, 65% das internaes
hospitalares so resultado da inadequao dos servios e aes de saneamento, sendo estas
doenas responsveis anualmente por 50.000 mortes de crianas, a maioria com menos de um
ano de idade (MPOSEPURB- DESAN, 1999).
A medida mais eficaz de controle da contaminao da gua a implantao de sistemas
de coleta e tratamento de esgotos domsticos e industriais para evitar que despejos brutos sejam
lanados nos corpos dgua, poluindo-os. A adoo de prticas corretas de coleta e disposio
final do lixo tambm constitui medida de controle da poluio da gua. Depsitos inadequados de
resduos slidos, no solo ou diretamente em corpos dgua, podem resultar na poluio da gua.
O tratamento de gua feito para que esta tenha condies adequadas para o consumo, ou
seja, para que a gua se torne potvel. Para isso aplicada uma srie de processos livrando a gua
de qualquer tipo de contaminao e evitando a transmisso de doenas. Esses processos ocorrem
em etapas, dentro de uma estao de tratamento (ETA), conforme apresentado a seguir:

504

Coagulao: quando a gua na sua forma natural (bruta) entra na ETA, ela recebe, nos tanques,
uma determina quantidade de sulfato de alumnio. Esta substncia serve para aglomerar
partculas slidas que se encontram na gua como, por exemplo, a argila.
Floculao: em tanques de concreto com a gua em movimento, as partculas slidas se
aglutinam em flocos maiores.
Decantao: em outros tanques, por ao da gravidade, os flocos com as impurezas e partculas
ficam depositados no fundo dos tanques, separando-se da gua.
Filtrao: a gua passa por filtros formados por carvo, areia e pedras de diversos tamanhos.
Nesta etapa, as impurezas de tamanho pequeno ficam retidas no filtro.
Desinfeco: aplicado na gua cloro ou oznio para eliminar micro-organismos causadores de
doenas.
Fluoretao: aplicado flor na gua para prevenir a formao de crie dentria em crianas.
Correo de PH: aplicada na gua uma certa quantidade de cal hidratada ou carbonato de
sdio. Esse procedimento serve para corrigir o PH da gua e preservar a rede de encanamentos
de distribuio.

A contaminao de rios por efluentes domstico e industrial e resduosslidos encarece


o tratamento de gua para abastecimento pblico e comea a gerar situaes de escassez de
disponibilidade de gua de qualidade em reas com abundantes recursos hdricos. A expanso do
saneamento bsico, especialmente da coleta e tratamento de esgotos, e a proteo de nascentes,
mananciais, vrzeas e reas no entorno dos rios, so aes urgentes e necessrias para a conservao
dos recursos hdricos das regies mais densamente povoadas do Brasil. (SABESP, 2012)
Nas regies urbanas o ndice de abastecimento de gua e de esgotamento sanitrio tem
maior cobertura devido ao fato de os servios de saneamento bsico terem maior eficincia nas
reas com maior densidade populacional do que em reas rurais. A tabela a seguir apresenta os
Nveis de atendimento com gua e esgoto dos prestadores de servios participantes do Sistema
Nacional de Informaes Sobre Saneamento (SNIS) em 2009:
ndice de atendimento (%)
Total
Urbano
81,7
95,2
44,5
52,0
37,9

Servios
Abastecimento de gua
Coleta de esgotos
ndice detratamento dosesgotos gerados (%)

Nota: Para clculo do IN046 estima-se o volume de esgoto gerado como sendo igual ao volume de gua consumido.

Fonte: Adaptado de SNSA (2011)

505

Os ndices mdios nacionais de atendimento da populaototal (urbana + rural)


identificados pelo SNIS em 2009 foram de 81,7% para abastecimento de gua e de 44,5% para
coleta deesgotos. Considerando somente a populao urbana, os dados evidenciam um elevado
atendimento pelos servios de gua, com ndice mdio nacional igual a 95,2%, enquanto na
coleta de esgotos esse ndice foi de 52,0%, indicando que ainda h muito a fazer para atingir
nveis adequados de saneamento.
Muitas vezes, a falta de gua, tanto para o abastecimento quanto para os setores agrcolas,
causada pela inexistncia de programas preventivos para reduo dos impactos causados por
situaes de secas devido a eventos climticos. A racionalizao do uso da gua e o reuso podero
permitir uma soluo mais sustentvel.
Alm do reuso, a gua subterrnea vem sendo considerada como um meio de acelerar o
desenvolvimento econmico das regies mais carentes de todo pas. Com isso, observa-se um
crescimento no nmero de empresas privadas e rgos pblicos que atuam nas pesquisas e
captao de gua subterrnea.
O Brasil possui uma reserva subterrnea com mais de 111 trilhes de metros cbicos de
gua. A utilizao das guas subterrneas para abastecimento pblico muito mais prtica, rpida
e barata que o uso de guas superficiais. No Brasil, observou-se nas ltimas dcadas um aumento
da utilizao da gua subterrnea para o abastecimento pblico. Convm destacar que grande
parte das cidades brasileiras com populao inferior a 5.000 habitantes, com exceo do semirido nordestino e das regies formadas por rochas cristalinas, tem capacidade de ser atendidas
pelas reservas subterrneas.
Para superar a crise da gua, preciso promover mudanas substanciais em vrios aspectos,
como conter o aumento da demanda de gua devido tanto ao aumento da populao e ao uso
crescente deste recurso por parte da indstria e da agricultura reduzindo os excessos no consumo,
mediante a melhoria e ampliao dos sistemas de abastecimento visando reduzir as perdas e da
gesto das bacias hidrogrficas de maneira sustentvel.
Dicas para economizar gua
Um banho de ducha de quinze minutos consome 240 litros de gua. Fechar a torneira
enquanto se ensaboa, diminuindo o tempo de banho para cinco minutos, reduz o gasto
para 80 litros.
Escovar os dentes durante cinco minutos com a torneira aberta provoca um gasto de
80 litros. Molhar a escova, fechar a torneira e enxaguar a boca com um copo de gua
consome 1 litro.

506

Para lavar a loua na pia com a torneira aberta, durante quinze minutos, gastam-se 240
litros. Limpar os restos dos pratos com uma escova, usar a gua retida na cuba para
ensaboar a loua e abrir a torneira s na hora do enxgue gera uma economia de 220
litros.
Esquea a mangueira na hora de lavar a calada. gua, s depois de varrer bem as
folhas e a sujeira.
Use as lavadoras de loua e de roupa apenas quando estiverem cheias.

Ateno aos pequenos vazamentos. Aquelas gotas que insistem em pingar da torneira da
cozinha significam um gasto extra de 46 litros por dia. As torneiras devem ser fechadas
por completo depois do uso e consertadas se apresentarem qualquer defeito.
Com uma mangueira semiaberta, gastam-se 560 litros para lavar o carro. Se o servio for
feito com um balde, o consumo de 40 litros.
LINKs
http://www.ana.gov.br/bibliotecavirtual/ :site oficial da Agencia Nacional de guas com informaes sobre qualidade dos recursos
hdricos nacionais, mapas georreferenciados e publicaes educativas sobre a gua
http://www.uniagua.org.br/ :site de educao ambiental
http://www.agua.bio.br/ :rede de educao ambiental com temas variados incluindo a gua

Principais ideias:
1) O crescimento da populao humana, associado a um grande aumento do consumo,
determinou um novo patamar na demanda de recursos naturais e de produo de
resduos, nesse contexto, devemos compreender a crise da gua como resultado de um
processo inadequado de apropriao e uso dos recursos naturais, que tem duas grandes
consequncias: a reduo dos volumes pelo crescimento da demanda do recurso hdrico
e a reduo paulatina da qualidade da gua, que limita a sua disponibilidade.
2) Ciclo da gua: O Ciclo da gua que tem seu incio com a evaporao das guas dos
oceanos, lagos e rios. Essa evaporao se d por causa do calor provocado pelo Sol e
pela ao dos ventos, transformando a gua do estado lquido para o estado gasoso. O
vapor de gua, por ser mais leve que o ar, sobe na atmosfera formando nuvens, quando
as nuvens so atingidas por temperaturas mais baixas, o vapor de gua se condensa e
se transforma em gotculas que se precipitam de volta superfcie em forma de chuva.
Nas regies muito frias, essas gotculas podem se transformar em flocos de neve ao se

507

precipitarem. As guas da chuva ficam retidas no solo e nas reas onde h vegetao
essa gua usada pelas plantas. Outra parte da gua acaba indo para os rios e lagos. A
gua no utilizada pelas plantas passa atravs do solo e de rochas permeveis, e acaba
se dirigindo para grandes reservatrios no subterrneo, formando o chamado lenl
fretico, que fluem de volta para os oceanos. A evaporao das guas da superfcie
terrestre constante e novos ciclos se formam a todo instante.
3) A medida mais eficaz de controle da contaminao da gua a implantao de sistemas
de coleta e tratamento de esgotos domsticos e industriais. Com isso, evita-se que despejos
brutos sejam lanados nos corpos dgua, poluindo-os.
4) A adoo de prticas corretas de coleta e disposio final do lixo tambm constitui
medida de controle da poluio da gua. Depsitos inadequados de resduos slidos, no
solo ou diretamente em corpos dgua, podem resultar na poluio da gua.
REFERNCIAS
Agncia Nacional de guas (Brasil). Atlas Brasil: abastecimento urbano de gua: panorama nacional. Braslia :
ANA: Engecorps/Cobrape, 2010. 2 v. il.
Agncia Nacional de guas (Brasil). Conjuntura dos recursos hdricos no Brasil : informe 2011. Braslia : ANA,
2011. 112 p.
ANA, Atlas Nordeste de Abastecimento de gua. Governo Federal, 2005.
guas do Oeste (2006). Ciclo urbano da gua. <http://www.aguasdooeste.pt/fileBank/ Ciclo_Urbano.pdf>.
Acessado em 7 Mar. 2006.
AYIBOTELE, N.B. 1992. The world water: assessing there source.
CNRH. Resoluo n. 32, de 15 de outubro de 2003. Anexo I. Conselho Nacional de Recursos Hdricos.
Braslia, DF: Ministrio do Meio Ambiente, 2003.
Companhia de Saneamento Bsico do Estado de So Paulo SABESP. Disponvel em: <http://site.sabesp.com.
br/site/interna/>.
GEO Brasil: recursos hdricos : resumo executivo. / Ministrio do Meio Ambiente; Agncia Nacional de guas;
Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente. Braslia: MMA; ANA, 2007. 60 p.: il. (GEO Brasil Srie
Temtica: GEO Brasil Recursos Hdricos)
GLEICK, P.H. and PALANIAPPAN M. (2010). Peak water limits to fresh water with draw a land use.
Proceedings of the National Academy of Sciences, 107, 11155-11162.
HARRIS, T. HowStuffWorks - Como funcionam as inundaes. 2008. Disponvel em: <http://ciencia.hsw.
uol.com.br/inundacoes1.htm>. Acessado em 19 de junho de 2012.

508

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). Indicadores de desenvolvimento sustentvel - Brasil 2010.
IBGE.
Jornal Eletrnico da Agua - Associao Guardi da gua, 2012 Disponvel em: <www.agua.bio.br>.
MPO-SEPURB-DESAN. Poltica Nacional de Saneamento. Ministrio do Planejamento e Oramento, 1999
homepage Disponvel em: <http://www.mpo.gov.br/sepurb/saneamento/page2.html>.
People andtheplanet The Royal Society Science Policy Centre report 01/12 Issued: April 2012 DES2470 ISBN:
978-0-85403-955-5 The Royal Society, 2012.
Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental. Sistema Nacional de Informaes sobre Saneamento: diagnstico
dos servios de gua e esgotos 2009. Braslia: MCIDADES.SNSA, 2011.
SHANNA FREEMAN, S. HowStuffWorks - Como funciona a gua. 2008. <http://ciencia.hsw.uol.com.br/
inundacoes1.htm>. Acesso em 19 de junho de 2012. <howstuffworks.com> (acesso em <http://ambiente.
hsw.uol.com.br/poluicao-guas4.htm>).
UNESCO (2003). Politicalinertiaexacerbateswater crisis, says World WaterDevelopmentReport, First UN
system-wideevaluationof global waterresources. Press Release, 5March 2003. United Nations Educational,
Scientificand Cultural Organization: Paris.
US Geological Survey Bulletin (USGS), 1999. Disponvel em: <http://pubs.usgs.gov/bul/b2189/b2189.pdf>

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Lenol fretico Reservatrio de gua subterrnea em pouca profundidade, decorrente da infiltrao da


gua da chuva no solo.

2 Hidrosfera Termo vem do grego hidro + esfera = esfera da gua. Compreende toda a gua existente no
planeta.
3 Bacia hidrogrfica Toda a rea de contribuio que forma um determinado rio, est associada
existncia de nascentes, divisores de guas e caractersticas dos cursos de gua, principais e secundrios,
denominados afluentes e subafluentes.
4

Usos Consuntivos So aqueles onde, durante o uso, retirada uma determinada quantidade de gua dos
mananciais, e depois de utilizada, uma quantidade menor e(ou) com qualidade inferior devolvida, ou
seja, parte da gua retirada consumida durante seu uso.

Vazo de retirada Vazes captadas nos mananciais para atividades de uso consuntivo da gua.

Vazo de consumo Parcela efetivamente consumida da vazo de retirada.

7 Vazo de retorno Vazes decorrentes de despejo da parcela remanescente da vazo de retirada para
atividades de uso consuntivo da gua, ou seja, parcela no consumida da vazo de retirada.
8

Hectare Uma unidade de medida de rea equivalente a 100 ares ou a um quadrado cujo lado igual a
cem metros.

Aquferos uma formao ou grupo de formaes geolgicas que pode armazenar gua subterrnea. So
rochas porosas e permeveis, capazes de reter gua e de ced-la.

509

10 Salinizao a concentrao progressiva de sais, provocada pela evapotranspirao intensa, principalmente


em locais de climas tropicais ridos ou semiridos, onde normalmente existe drenagem ineficiente
11 Fertilizantes So compostos qumicos que visam suprir as deficincias em substncias vitais sobrevivncia
dos vegetais. So aplicados na agricultura com o intuito de melhorar a produo, como fertilizantes ou adubos.
12 Pesticidas So todas as substncias ou misturas que tm como objetivo impedir, destruir, repelir ou
mitigar qualquer praga.
13 Eutrofizao Fenmeno causado pelo excesso de nutrientes (compostos qumicos ricos em fsforo ou
nitrognio) numa massa de gua, provocando um aumento excessivo de algas. Este aumento pode levar a
uma diminuio do oxignio dissolvido, provocando decomposio de muitos organismos, diminuindo a
qualidade da gua.

510

FORMAO E CARACTERSTICAS DOS SOLOS PARA


O ENTEDIMENTO DE SUA IMPORTNCIA AGRCOLA E AMBIENTAL

Cleverson V. Andreoli
Fabiana de Nadai Andreoli
Jorge Justi Junior

INTRODUO
Podemos comear este captulo com a seguinte questo: voc alguma vez j se perguntou,
ou tem conhecimento sobre a importncia dos solos, seja ela ambiental ou agrcola?
Podemos ento rebater esta questo com outras trs: Mas o que vem a ser o solo? H algum
estuda exclusivamente os solos? Ele tem realmente alguma importncia ambiental e agrcola?
Sendo assim, ao longo deste captulo tentaremos esclarecer a temtica acerca deste assunto,
e principalmente, demonstrar o quanto importante ele ao meio ambiente, a agricultura e a
sociedade como um todo. A premissa fundamental deste captulo a insero deste conhecimento
na sociedade permitindo um melhor entendimento quanto preservao ambiental em geral. De
fato, Foucalt (2001) afirma que prticas sociais podem produzir domnios do saber, que alm de
criarem novos objetos, conceitos e tcnicas, tambm so responsveis pelo nascimento de novos
sujeitos e de sujeitos de conhecimento.
O que se perceber aqui, que o solo fundamental ao desenvolvimento de diversas
atividades humanas, das quais podemos citar algumas principais: construo civil (fundaes,
telhas, tijolos, etc), tratamento de resduos (esgoto, resduos slidos etc.), produo de alimentos

511

(agropecuria), ornamentao (produo de espcies vegetais para paisagismo etc.), silvicultura


(produo de madeira para mveis, residncias etc.), alm de inmeras outras no comuns no dia
a dia.
Num sentido amplo, a palavra solo tem vrios significados, mas normalmente a definio
mais tradicional afirma que o solo o meio natural para o crescimento de plantas terrestres
(USDA, 2010).
J a Embrapa (2009), seguindo uma denominao tcnica, define o solo como uma coleo
de corpos naturais, constitudos por partes slidas, lquidas e gasosas, tridimensionais, dinmicos,
formados por materiais minerais e orgnicos que ocupam a maior parte do manto superficial das
extenses continentais do nosso planeta, contm matria viva e podem ser vegetados na natureza
onde ocorrem e podem, eventualmente, ter sido modificados por interferncias antrpicas.
Podemos dizer ainda que a cincia responsvel pelo estudo dos solos a Pedologia. Esta
palavra tem origem grega: pedo(n) = solo, terra; logos = estudo de um assunto particular, portanto,
a etimologia da palavra pedologia corresponde ao estudo dos solos.
Essa cincia teve origem na Unio Sovitica, em meados de 1880 (IBGE, 2007), por Vasily
Dokuchaiev, considerado o pai da pedologia. Lepsch (2002) a descreve como sendo aquela que se
dedica a estudar os solos, considerando sua origem, morfologia, classificao e mapas, formulando
propostas para seu melhor uso, dentro dos preceitos da sustentabilidade (proteo ambiental).
FORMAO DOS SOLOS
O solo formado a partir da decomposio das rochas, por meio de um conjunto de
processos fsicos, qumicos e biolgicos, que podem ser denominados intemperizao1. Dentre
os processos fsicos podemos listar o atrito entre as partculas de solo, a temperatura, o vento, a
presso, entre outros fatores. No que se refere aos processos qumicos, temos a atuao da gua,
cidos, bases, sais e outros compostos, finalmente dentre os processos biolgicos podemos citar
a ao dos micro-organismos, da matria orgnica, das razes das plantas, entre outros. Todos
esses processos atuam em conjunto e so responsveis pela pulverizao da rocha em partculas
menores, resultando em fraes de material e dimenses ou granulometria2 varivel, responsveis
pela formao dos diferentes tipos de solos.
Essa caracterstica de formao do solo permite, normalmente, separ-lo em duas camadas,
denominadas horizontes: o primeiro, mais profundo, conhecido como horizonte gentico ou
horizonte B; o segundo, mais suscetvel aos agentes intemperizantes, e tambm com maior
quantidade material orgnico, uma vez que est na superfcie do solo, denominado de horizonte A.

512

Algumas vezes, dependendo de seu processo de formao, esses horizontes podem estar ausentes,
bem como pode haver a formao de novos horizontes, com menor ocorrncia. Segundo Embrapa
(2009), os solos quando examinados a partir da superfcie consistem de sees aproximadamente
paralelas denominadas horizontes ou camadas que se distinguem do material de origem
inicial, como resultado de adies, perdas, translocaes e transformaes de energia e matria.
O clima, tipo de material de origem e a deposio do material orgnico na superfcie
conferem ao perfil de solo; cores diferenciadas. Normalmente as camadas mais superficiais,
constitudas pelo horizonte A tendem a apresentar cores mais escuras em funo do maior teor de
matria orgnica. No horizonte B as cores variam do vermelho (regime de formao mais seco) a
amarelo (regime de formao mais mido). Por fim, reas onde o solo se encontra saturado por
gua, devido oxidao do ferro, a colorao tende a ficar plida, acinzentada, podendo inclusive
haver mosqueados de colorao avermelhada.

Fonte: Brasil Escola, 2012

TIPOS DE SOLOS
A embrapa, em parceria com diversas instituies de ensino e pesquisa de todo o Brasil,
vem ao longo dos anos desenvolvendo e aprimorando o Sistema Brasileiro de Classificao de
Solos. Esse sistema, considerando o territrio nacional, dividem os diferentes tipos de solos em
Nveis Categricos. O primeiro e o mais importante, denominado ordem, separa os solos em

513

13 nveis (EMBRAPA, 2009): Argissolos, Cambissolos, Chernossolos, Espodossolos, Gleissolos,


Organossolos, Luvissolos, Neossolos, Nitossolos, Planossolos, Plintossolos, Vertissolos e Latossolos.
Cada qual apresenta uma definio decorrente de suas caractersticas, em especial resultantes de
seu processo de formao. De forma geral, podemos separ-los pelo seu grau de desenvolvimento,
teor de material mineral e orgnico, textura ao longo dos horizontes e saturao por gua.
Os demais nveis categricos so definidos pelas caractersticas e propriedades dos solos
como, por exemplo, sua colorao.
CARACTERSTICAS DOS SOLOS
Os diferentes tipos de solos so condicionados, em geral, pelas suas caractersticas e
propriedades, das quais podemos separar algumas, fundamentais do ponto de vista ambiental e
da agricultura:
Cor Tem relao com a formao dos solos, normalmente solos com cores avermelhadas
indicam uma formao em regime climtico mais seco; j as cores amareladas indicam
que esta formao ocorreu num regime mais mido que o anterior; e solos com cores
plidas ou acinzentadas indicam saturao por gua (hidromorfismo) que tambm pode ser
caracterizada por mosqueados (pigmentaes) vermelhas e amarelas ao longo do perfil.
Hidromorfismo Refere-se superficialidade do lenol fretico, indicando que o solo
est permanentemente ou sazonalmente saturado por gua. Normalmente os solos com
esta caracterstica, conforme j citado, tem colorao plida ou acinzentada podendo
apresentar mosqueados; outro fator indicativo desta caracterstica a deposio de
material orgnico, que deixa a colorao dos solos muito escura, praticamente preta.
Solos com esta caracterstica tem uma elevada fragilidade ambiental, recomendando-se
na grande maioria das vezes destin-los preservao.
pH Potencial Hidrognio, indica a acidez dos solos, tem relao direta com a fertilidade,
e consequentemente com a produo agrcola, pode ser facilmente corrigido por meio de
calagens (aplicao de calcrio).
Textura Refere-se proporo dos particulados do solo determinados de acordo com
suas dimenses (granulometria): areia (mais grosseira), silte (intermedirio) e argila (mais
fina). Influi na velocidade de infiltrao e na capacidade de reteno de gua no solo, em
decorrncia da porosidade.

514

Atividade Qumica Definida pela Capacidade de Troca de Ctions (CTC), que tem
papel importante na reteno de substncias contaminantes, ou ainda de nutrientes,
da ento sua importncia como filtro sob o ponto de vista ambiental, e na agricultura,
influenciando na fertilidade dos solos, respectivamente. Analogamente, a CTC atua como
uma espcie de im, e os nutrientes seriam simples peas de metal atradas por estas
cargas do solo.
Material mineral x material orgnico Na massa de solo podemos separar duas fraes,
uma mineral e outra orgnica. Normalmente, temos o predomnio da frao mineral.
A frao orgnica se concentra nas camadas superficiais do solo em decorrncia da
decomposio da vegetao em sua superfcie, enquanto nas camadas mais profundas,
onde o solo est em processo de formao (intemperizao da rocha), esta frao
reduzida. A frao mineral fornece nutrientes as plantas de forma mais lenta, enquanto
a orgnica, estes nutrientes esto prontamente disponveis. Outro aspecto importante a
se considerar que a frao orgnica do solo responsvel por armazenar carbono, um
dos principais gases responsveis pelo efeito estufa e aquecimento global.
As caractersticas citadas acima so apenas algumas de muitas outras, porm, dentre todas,
essas so as mais comuns e diretamente relacionadas aos aspectos agrcolas e ambientais. Alm
disso, todas elas se relacionam entre si, uma influenciando e sendo influenciada por outras.
IMPORTNCIA AGRCOLA DOS SOLOS
O solo imprescindvel para as atividades agrcolas em larga escala, pois, alm de servir
de suporte as plantas (viso simplista), fornece nutrientes e gua para o seu desenvolvimento.
Porm podemos consider-lo como um recurso no renovvel, principalmente no que tange aos
seus nutrientes. A agricultura empregada de forma intensiva responsvel pelo depauperamento
do solo por diversas vias, dentre elas podemos destacar a absoro dos nutrientes pelas plantas,
sem haver sua reposio (ciclagem de nutrientes) por meio de adubaes, ou ainda, a instalao
de processos erosivos que carreiam partculas de solo, com nutrientes adsorvidos3 a elas, para
as partes mais baixas do terreno. As queimadas, muito comuns num passado recente, tambm
eram responsveis pela degradao dos solos, visto que alguns nutrientes so volteis4, como
o nitrognio, alm de ser eliminada praticamente toda a microflora e microfauna das camadas
superficiais do solo.

515

Dessa forma, podemos dizer que efetivamente, a principal importncia dos solos para a
agricultura o fornecimento de nutrientes e gua para as plantas. No basta apenas ter um solo
com nutrientes e gua, se estes, por alguma razo, no estiverem disponveis s plantas; ento,
numa anlise geral, devemos considerar a quantidade armazenada de nutrientes e gua e tambm
sua pronta disponibilidade vegetao.
Solos mais desenvolvidos tendem a ter uma melhor fertilidade natural, porm o que
determina sua disponibilidade a carga do solo e qual o percentual dela est ocupada com
estes nutrientes (saturao por bases). No solo h um elemento, conhecido como Alumnio, que
alm de ser txico, limita a absoro de nutrientes pelas plantas ocupando a maior parte das
cargas, conhecida CTC, o mesmo comportamento vlido quando nos referimos acidez do
solo (pH), que tambm responsvel por limitar a absoro de nutrientes pelas plantas, mesmo
que tenhamos uma boa disponibilidade deles no solo. O desequilbrio de nutrientes outro fator
que pode vir a interferir na absoro; o excesso ou falta de um determinado elemento pode vir a
limitar a absoro dos demais.
Conforme citado, para o desenvolvimento das plantas, h o consumo dos nutrientes do
solo, devido a este fato que devemos rep-los por meio de adubaes, que podem ser qumicas,
minerais ou ainda com a adio de material orgnico. Caso no se proceda a essa reposio,
haver o depauperamento do solo, reduzindo gradativamente a produtividade ao longo do tempo,
at que no se consiga mais viabilizar um cultivo agrcola no terreno degradado.
Mesmo que os solos se encontrem em condies originais no que tange fertilidade
(disponibilidade de nutrientes), as plantas dependem de certa quantidade, que muitas vezes no
so encontradas nos solos em condies naturais. Para tal, tambm se faz necessria a adubao,
com objetivo no s de repor a reserva consumida pela planta, mas tambm suprindo sua demanda
de absoro, que, conforme citado, podem ser de trs tipos: a qumica, a mineral e a orgnica.
Na adubao qumica geralmente consideramos como fertilizantes apenas os macronutrientes
Nitrognio (N), Fsforo (P) e o Potssio (K), da ento o nome dos adubos de NPK. Quando
citamos nmeros, como exemplo 4-14-8, nos referimos proporo de cada um desses elementos
no adubo, respectivamente, ou seja, neste caso o adubo exemplificado teria quatro partes de
Nitrognio (N); 14 partes de Fsforo (P) e oito partes de Potssio (K). Porm, muitas vezes
temos no solo deficincia de outros elementos, sejam eles macronutrientes ou micronutrientes.
Em ambos os casos, faz-se necessria a consulta a um engenheiro agrnomo, que ir indicar quais
nutrientes e a quantidade de cada um a ser aplicado para uma determinada cultura agrcola e tipo
de solo, com base nas anlises de solo e na necessidade de cada cultura.

516

A adubao mineral se refere aplicao de fraes de rochas modas, normalmente


provenientes do processo de triturao da pedra brita. pouco difundida dado o custo, a
disponibilidade do insumo e um retorno que no ocorre de forma imediata.
Na adubao orgnica, em geral, utilizam-se resduos vegetais, restos de alimentos, esterco
(diversas fontes, incluindo a cama de criadouros de animais). Este material orgnico pode
ser aplicado diretamente, o que no recomendado, ou ainda por meio da compostagem, que,
segundo o Instituto de Biocincias da USP (2012), compreende um processo biolgico em que
os micro-organismos transformam a matria orgnica, como estrume, folhas, papel e restos de
comida, num material semelhante ao solo, a que se chama composto (hmus), e que pode ser
utilizado como adubo. Este processo chamado de humificao, e que por sua vez pode ocorrer
de forma natural, decorrente da ao de bactrias, fungos, vermes (minhoca); ou ainda via ao
humana quando aplicado produtos qumicos para ocorrer sua formao. Este produto tem elevada
eficincia, visto que o nutriente est prontamente disponvel planta.
A adubao, seja ela qumica, mineral ou orgnica, s ter efeito se o solo estiver corrigido,
ou seja, seu pH (acidez) esteja prximo neutralidade (levemente cido). A acidez dificulta a
absoro dos nutrientes, portanto, de nada adianta realizar uma adubao adequada, se o solo
no estiver, antes de tudo, corrigido. Para tal, aplicamos calcrio ou gesso, sendo o primeiro mais
eficiente na neutralizao da acidez do solo.
Outro aspecto a se considerar para o desenvolvimento das plantas a disponibilidade de gua
no solo, visto que, muitas vezes, necessria a suplementao por meio da irrigao em pocas de
seca. No solo devemos considerar a existncia de micro e macroporos (pequenos e grandes poros
respectivamente) que interferem diretamente na capacidade de infiltrao e reteno de gua.
Solos com maior quantidade de macroporos permitem uma rpida infiltrao, diminuindo assim
o escorrimento superficial e consequentemente os processos erosivos; no entanto, sua capacidade
de reteno baixa, podendo causar dficit hdrico (murcha) nas plantas em perodos de pouca
chuva, esta caracterstica de reteno de gua comum em solos arenosos. Em contrapartida,
solos com maior quantidade de microporos tm uma menor capacidade de infiltrao, no entanto,
sua capacidade de reteno de gua maior, diminuindo a possibilidade ou frequncia de haver
murchamento nas plantas. Conforme citado, quando o solo est em dficit hdrico, num estgio de
desenvolvimento da planta crtico, ou seja, que possa resultar em prejuzos na produtividade, se
faz necessria a irrigao, suplementando essa deficincia.
Todavia, a matria orgnica junto com a CTC so as principais responsveis pela formao de
agregados e estrutura do solo. Solos arenosos, devido predominncia de macroporos, apresentam

517

uma maior aerao, fato que resulta numa rpida decomposio do material orgnico aliada baixa
carga destes tipos de material, significando que o solo ter poucos agregados e estrutura fraca,
tornando-os muito suscetveis eroso, mesmo tendo uma elevada velocidade de infiltrao.
IMPORTNCIA AMBIENTAL DOS SOLOS
Do ponto de vista ambiental, ao se abordar um dos assuntos mais discutidos atualmente:
a disponibilidade de gua com qualidade, pouco se fala sobre o que o solo (caractersticas
intrnsecas) pode vir a contribuir para a manuteno dessa qualidade. Solos com uma elevada
carga (CTC Capacidade de Troca de Ctions) tm um elevado poder de filtro, vindo a reter
eventuais contaminaes do solo, antes mesmo de atingir o lenol fretico ou um corpo hdrico.
Solos saturados com gua, no entanto, possuem uma carga quase nula, consequentemente uma
capacidade filtrante baixa, sendo uma das justificativas para a preservao de plancies e pores
baixas prximas a canais de drenagem.
Certas caractersticas dos solos lhe conferem uma determinada capacidade filtrante, e a
CTC pode ser considerada como um dos principais agentes deste comportamento. Normalmente,
quando um determinado tipo de solo apresenta CTC baixa, a profundidade do perfil e a textura
acabam compensado tal deficincia. Dessa forma, o uso em locais com solos de baixa CTC,
pequena espessura e textura arenosa, o risco de contaminao da gua subterrnea elevado.
Assim, podemos concluir que, caso os solos no tivessem caractersticas e propriedades
filtrantes, a qualidade da gua que consumimos estaria seriamente comprometida.
J os solos com elevados teores de material orgnico, comuns em reas de vrzea quando
drenados, passam pela decomposio acelerada do material orgnico (oxidao) com a liberao
de GEE Gases de Efeito Estufa, principalmente Dixido de Carbono e Metano (cujo potencial
de aquecimento global 21 vezes superior ao CO2), apontados por algumas literaturas como os
grandes responsveis pelo aquecimento global. A exemplo disso, se considerarmos um solo de
vrzea, com solos turfoso com profundidade no inferior a 2 metros, poderamos atingir cerca
de 2.000 toneladas de carbono armazenado em um hectare; quantidade esta equivalente ao que
uma floresta comercial de Pinus, plantada em 3 hectares, fixa em pelo menos 18 anos de ciclo.
A drenagem destes solos tem ainda outras implicaes ambientais negativas, dentre elas o
que chamamos de subsidncia, que trata do rebaixamento do nvel do solo por perda de volume,
inicialmente pela retirada da gua, e posteriormente pela decomposio da matria orgnica
de forma acelerada. Esse comportamento pode implicar danos a eventuais edificaes e (ou)
estruturas que existam nestes solos.

518

Ainda no que se refere aos solos de vrzea, devemos considerar sua importncia como
regulador hdrico dos rios, visto que atuam semelhantes a uma esponja, ou seja, em perodos
de chuva, em que se tem a vazo dos rios aumentada, essas reas absorvem o excedente de gua,
retendo-o temporariamente, e liberando esta gua armazenada gradativamente em perodos de
estiagem, mantendo uma certa constncia na vazo dos rios, e mitigando os efeitos dos picos de
vazo, como cheias, alagamentos, inundaes, ou o secamento do curso hdrico, respectivamente.
Entre as dcadas de 1970 e 1980 o Ministrio da Agricultura promoveu um programa
denominado Pr-vzea que dava incentivos e facilidade aos agricultores na abertura de novas
reas agrcolas, por meio da drenagem das reas de vrzea. O material orgnico desses solos
lhes confere uma grande fertilidade, porm temporria, visto que rapidamente decomposta,
alm disso no havia a devida reposio de nutrientes, cujas implicaes j foram relatadas. O
desenvolvimento de um programa desse tipo s foi possvel devido ao conhecimento limitado sobre
esses solos, j que para o seu sucesso haveria um grande impacto ambiental, por meio da liberao
de grandes quantidades de carbono para a atmosfera, perda de nutrientes, rebaixamento do nvel
do solo (subsidncia), interferncia sobre o regime hdricos dos rios, e rpido depauperamento
dos solos, inviabilizando seu uso futuro na agricultura.
Outro fato importante a se considerar sobre os solos no que tange ao meio ambiente, cada
vez mais comuns nos noticirios, so a instabilidade de encostas e o risco de deslizamentos (risco
geotcnico) em perodos chuvosos. Na verdade, esses eventos so consequncia de uma soma
de aspectos: climtico (intensidade e frequncia de chuvas), pedolgico (caractersticas do solo)
e antrpico (ocupao em reas de fragilidade ambiental). A dinmica de deslizamentos ocorre
quando o solo superficial, na encosta, fica saturado por gua em decorrncia de um grande
volume de chuva, passando a se comportar como um fluido; este processo ocorre naturalmente e
pode ser considerado como um dos fatores responsveis pela formao dos solos e da paisagem.
O problema est na ocupao desordenada e descontrolada dessas reas, que deveriam ser
destinadas preservao, colocando, dessa forma, toda uma populao em risco.
Por se tratar de reas de encosta, normalmente os solos so pouco espessos (rasos) por
apresentarem impedimento rochoso logo abaixo, diminuindo assim sua capacidade de infiltrao,
armazenamento de gua e estabilidade.
Conforme exposto, percebe-se a fragilidade dos solos, cujas caractersticas e propriedade
esto intimamente relacionadas entre si, e que qualquer modificao que ocorra em uma delas
pode vir a comprometer o sistema (solo) como um todo, implicando no somente sua degradao,
mas tambm de toda uma cadeia ambiental dependente dele gua, flora e fauna , dessa forma

519

interferindo negativamente e significativamente sobre as mais diversas atividades humanas, em


especial a agricultura e a construo civil.
As caractersticas dos solos, da vegetao formam um complexo indissocivel. Em geral
a vegetao responsvel por reduzir os danos causados pelo impacto da gota da chuva sobre
o solo, alm de aumentar a rugosidade da superfcie, facilitando a infiltrao da gua, bem
como reduzindo a energia do escorrimento superficial. Esses aspectos tm relao direta com a
qualidade da gua. reas desprovidas de vegetao, quando localizada em encostas, so altamente
suscetveis a processos erosivos, cujos sedimentos, em reas agricultadas, podem ser carreados
para cursos hdricos, contaminando sua gua com defensivos agrcolas e fertilizantes. Conforme
citado, o solo em decorrncia de sua carga tem um potencial filtrante, sendo assim, quando a gua
infiltrada, eventuais contaminantes so retidos pela CTC do solo, antes de atingir qualquer corpo
hdrico, seja ele subterrneo ou superficial.
DEGRADAO DOS SOLOS
H diversos usos ou atividades que implicam a degradao do solo. A consequncia final
dessa degradao ter impacto direto ou indireto sobre os recursos hdricos, sejam eles superficiais
ou subterrneos. Esses impactos so resultados dos processos erosivos e da contaminao do solo,
portanto, o comum que toda e qualquer degradao do solo resulte num desses dois impactos.
Na agricultura, principalmente aquela de forma intensiva, podemos elencar os seguintes
fatores responsveis pela degradao do solo:
Remoo da camada nativa de vegetao Antes de qualquer uso normalmente
removida a camada de vegetao nativa sobre este solo, o expondo a fatores climticos,
aumentando assim sua suscetibilidade eroso;
Pulverizao do solo Araes e tradagens so procedimentos comuns na agricultura
convencional, porm se empregadas frequentemente podem ocasionar a pulverizao
do solo, que se trata da perda de estrutura do solo. Esse fator tem relao direta com o
aumento da suscetibilidade eroso dos solos;
Queimadas Alm da desestruturao do solo, tambm responsvel por eliminar
a biologia do solo, e principalmente por queimar a matria orgnica que nele existe,
reduzindo assim sua fertilidade natural; alm disso, a matria orgnica permite uma
melhor estruturao do solo, que, caso seja comprometida pela queimada, tambm
implicar uma maior suscetibilidade eroso;

520

Superdosagens de fertilizantes A alterao do pH de forma inadequada pelo uso de


corretivos e a elevao da concentrao de um determinado nutriente pode inibir a
absoro de outros pelas plantas. Alm disso, superdoses de fertilizantes pode conferir
aos solos certa toxicidade, bem como resultar na salinizao dele, dificultando ou at
mesmo impedindo o desenvolvimento de plantas;
Remoo ou perda de horizontes do solo Os processos erosivos e o prprio preparo
do solo implicam a perda ou revolvimento do solo. Conforme j citado, as camadas
superficiais do solo so as mais frteis, principalmente em decorrncia da deposio
da matria orgnica e so justamente estas que so perdidas pela eroso laminar. Com
o revolvimento do solo, ou ainda sua perda pela eroso, a produtividade agrcola fica
comprometida dada a perda desses nutrientes, ou sua relocao em camadas no
atingidas pelas razes das plantas;
Compactao Quando h um trfego intenso exercendo presso sobre a superfcie do
solo, tem-se uma reduo/diminuio dos macroporos do solo, causando com isso seu
adensamento. Isso interfere diretamente sobre a velocidade de infiltrao da gua no solo,
favorecendo assim a instalao de processos erosivos. Alm disso, compromete a penetrao
das razes das plantas no solo, influenciando negativamente no seu desenvolvimento.
Uso inadequado de agrotxicos As pragas nada mais so do que insetos filfagos,
que tm um grande estmulo ao crescimento populacional pelo aumento do nvel trfico
(oferta de alimentos). Com o aumento dessas populaes, a natureza tem mecanismos
para promover o ajuste, como o desenvolvimento de inimigos naturais. Assim, o controle
de pragas e doenas deve considerar as condies ambientais, utilizando prticas
mecnicas, fsicas, biolgicas e qumicas, que denominamos manejo integrado de
pragas. Quando o uso de agrotxicos realizado de forma inadequada, sem uma anlise
sistmica das causas da surgncia de pragas e doenas, pode causar impactos ambientais
como a contaminao do solo, da gua e dos alimentos, alm de promover desequilbrios
biolgicos que podem ampliar as perdas na agricultura.
No somente a agricultura, mas outros usos tambm so responsveis pela degradao dos
solos. Nos centros urbanos comum haver a contaminao do solo por efluentes domsticos em
decorrncia do sistema de fossas para seu tratamento. Alm disso, para as obras de construo
civil, as intervenes no solo so muito severas, das quais podemos relacionar:

521

Corte Obras de corte so necessrias para a eliminao da camada superficial do


solo, rica em matria orgnica, o que lhe confere baixa capacidade de suporte, devido
a este fato, para garantir a estabilidade das estruturas e edificaes removida esta
camada. O corte do solo tambm empregado para nivelamento do terreno em projetos
urbansticos, visando adequar o relevo proposta de ocupao.
Aterro Empregado para, normalmente, corrigir imperfeies do terreno. Tem
importncia tambm na mitigao dos efeitos de inundaes e alagamentos, com a elevao
do nvel do terreno. O material utilizado para aterro deve ser adequado, permitindo sua
compactao e sua estabilidade aps esta etapa, o que interfere significativamente no
regime de infiltrao dos solos.
Dentre outras atividades relacionadas degradao dos solos est a disposio de resduos
sobre sua superfcie, comuns em aterros sanitrios e lixes. Estas atividades, caso no tenham as
devidas estruturas de impermeabilizao, permitiro que o chorume (resultado da decomposio)
infiltre no solo e atinja o lenol fretico, com isso, contaminando a gua. O solo at um determinado
ponto capaz de reter esta contaminao com a sua carga (CTC), porm, neste caso, estamos
falando de grandes volumes, ficando o solo impossibilitado de conter toda esta contaminao.
Porm, o principal fator, e mais comum dentre os relacionados degradao dos solos a
eroso, que compreende: a desagregao de partculas, causado pelo impacto da gota da chuva
na superfcie do solo, justificando, assim, a manuteno de uma camada vegetada permanente
sobre ela; o transporte destas partculas de solo, formando sulcos e canais de eroso, e em
casos extremos as voorocas; e, por fim, quando a gua perde sua energia de carreamento de
partculas, ocorrendo sua deposio, normalmente nas cotas mais baixas do terreno, causando o
assoreamento dos rios. Junto com o solo tambm so perdidos seus nutrientes, matria orgnica,
fertilizantes, e muitas vezes resduos de agrotxicos recm-aplicados na agricultura.

522

Fonte: ROLOFF, 2008

Fonte: ROLOFF, 2008

523

Kamiyama (2011) considera a eroso um dos principais problemas ambientais decorrentes


da agricultura, no apenas pelos alarmantes nmeros de perdas de solo, mas tambm pelos
desequilbrios causados nos ecossistemas, com impactos negativos em outros importantes recursos
naturais, como a gua.
Na dcada de 1970, perodo em que a agricultura no era tecnificada como atualmente,
estima-se que as reas sob mecanizao intensiva tinham perda de solo na ordem de 15 a 20
toneladas por hectare por ano, representando uma camada de aproximadamente 1cm de solo
perdido por ano. No somente o solo, mas juntamente com ele se perdem os nutrientes do solo, a
estima-se uma quantidade perdida de 20Kg de Nitrognio, 0,2Kg de Fsforo e 2,3Kg de Potssio
por hectare ano, valor estimado, considerando a rea agrcola dessa dcada em U$65 milhes
(ROLOFF, 2008).
A eroso dependente das caractersticas da chuva (erosividade) e da suscetibilidade
eroso dos solos (erodibilidade). Aliado a esses fatores, tm-se a inclinao e o comprimento
da rampa, alm da cobertura do solo. Estes ltimos trs fatores determinam a velocidade da
enxurrada, que quando maior, pior ser seu efeito sobre a superfcie do solo.
O pior cenrio do ponto de vista erosivo seria uma chuva de intenso volume, com gotas
grandes, solo arenoso e sem cobertura, com uma inclinao significativa e rampas longas, o que
resultaria numa enxurrada com grande velocidade e capacidade de desagregao e arraste de
partculas, abrindo facilmente no terreno, sulcos e canais de eroso. Ao contrario deste ltimo
cenrio, o ideal, visando mitigao dos efeitos erosivos, seria uma chuva leve e de gotas pequenas,
solo com textura argilosa e boa infiltrao, em superfcies pouco inclinadas e de pequena extenso,
gerando um escorrimento superficial muito pequeno, e com uma capacidade de desagregao e
transporte de partculas pouco significativa.
Nesse aspecto, a vegetao tem forte influncia. Uma cobertura vegetal herbcea ou
arbustiva, aliada presena de serapilheira5, reduz significativamente a intensidade da energia
da gota sobre a superfcie do solo, reduzindo, assim, a eroso responsvel pela desagregao
de partculas. Todavia, 9 metros de altura j so suficientes para a gota atingir sua velocidade
terminal, portanto, florestas, sem sub-bosque, contrariando o senso comum, no so consideradas
boa cobertura no que se refere proteo do solo.
Uma tcnica bastante comum na agricultura o plantio direto na palha, porm, ao contrrio
do que muitos pensam, no dispensa os terraos, conhecidos comumente como curvas de nvel
no controle da eroso. Essas estruturas tm a funo de reduzir o comprimento da vertente,
diminuindo, assim, a capacidade da gua da enxurrada em causar eroso. Com sua ausncia, as

524

rampas, sob a ptica do escorrimento superficial, permanecem alongadas, aumentando a energia,


a capacidade e competncia do fluxo superficial da gua em causar a eroso.
O plantio direto, alm de auxiliar no controle da eroso, tambm tem papel importante
na reposio de nutrientes no solo por meio da palhada (matria orgnica) que permanece na
superfcie do solo aps a colheita. Essa cobertura tambm responsvel por manter a temperatura
do solo constante, por criar condies favorveis ao desenvolvimento de uma microfauna no solo,
bem como auxiliar na estruturao do solo, permitindo um ambiente mais favorvel s razes das
plantas e com uma melhor disponibilidade de gua.
Porm, ao contrrio do que normalmente se pensa a eroso no um problema exclusivo
de reas rurais, como consequncia das atividades agrcolas. Em grandes centros urbanos os
processos erosivos tambm so bastante comuns. Os sedimentos carreados pela enxurrada tm
origem em jardins, reas permeveis, pavimentos, construo civil, entre outros. O impacto
resultante da eroso urbana evidenciado por meio do entupimento de galerias pluviais, geralmente
ocasionando pequenas inundaes, cujas consequncias se veem no trnsito, e principalmente nos
prejuzos de comerciantes e moradores que perdem seus bens.
Alm da instalao de processos erosivos, a atividade agrcola pode afetar a qualidade
do ar e da atmosfera de quatro formas diferentes: pelo material particulado e gases de efeito
estufa (GEE) de desmatamento pelo fogo; pela produo de metano na produo de arroz e
pecuria; pelo xido nitroso dos fertilizantes e estercos; e pela amnia existente em estercos e
urina produzidos na produo pecuria (FAO, 2012).
Ainda na vertente da poluio atmosfrica, a atividade agrcola contribui com cerca de 30%
do total global das emisses antrpicas de Gases do Efeito Estufa, podendo chegar, em alguns
pases, a 80%.
O uso inadequado do solo pode promover a degradao dos recursos hdricos, pelo
lanamento difuso por meio do escoamento superficial de gua de enxurrada, que carrega junto
fertilizantes, agrotxicos e resduos da pecuria. Alm disso, a irrigao agrcola o setor de maior
consumo de gua do mundo: em 2005 esse consumo foi responsvel por cerca de na agricultura na
ordem de 70% do consumo de gua global, representando cerca de 607m3 por pessoa.
MEDIDAS E AES PARA A CONSERVAO DOS SOLOS
Existem diversas tcnicas que podem ser empregadas no intuito de mitigar ou controlar a
degradao do solo e suas consequncias. No entanto, essas tcnicas aplicadas sero diferenciadas

525

considerando o uso do solo, muitas vezes o que se aplica ao meio rural no vivel ao urbano, e
vice-versa.
Conforme exposto at ento as principais formas de degradao do solo, que devem ser
evitadas, mitigadas ou controladas so: perdas de solo por processos erosivos; contaminao do
solo por resduos diversos; uso agrcola intensivo; e superdosagens de insumos agrcolas, sendo
estes ltimos dois exclusivos de reas rurais, enquanto os primeiros podem ocorrer tambm em
reas urbanizadas.
Visando reduzir ou controlar a degradao do solo, podem ser adotadas trs diferentes
linhas de atuao (EPAMIG, 2009):
Prticas de carter vegetativo Visam manuteno ou instalao de cobertura
vegetacional sobre o solo, que ter importante papel em aumentar a rugosidade do solo
(reduo da velocidade da enxurrada) ou ainda facilitar a infiltrao da gua no solo.
Algumas tcnicas permitem a incorporao da massa verde no solo como forma de
adubao. Dentre essas prticas, podemos citar:
- Plantio direto na palha cobertura do solo, menor revolvimento, em contrapartida
maior compactao do solo;
- Pousio descanso do solo e incorporao de massa verde;
- Rotao de culturas reduo de pragas, adubo verde, ciclagem de nutrientes,
incorporao de nutrientes (fixao de nitrognio);
- Manuteno da cobertura vegetal nativa pouca interveno no solo, alm da
cobertura atuar na mitigao dos processos erosivos, o mesmo pode ser realizado
com a silvicultura;
- Manejo de pastagem em reas de pecuria evitar a presso de pastagem em
demasiado, principalmente na formao de caminhos preferenciais dos animais,
realizao de adubao e calagem da pastagem, evitando o surgimento de manchas
de solo exposto.
Prticas de carter edfico6 Tm relao com as caractersticas e propriedades do solo,
normalmente so dependentes das outras duas prticas. Dentre as tcnicas, tm-se: a
determinao da capacidade de uso dos solos, que ir permitir o planejamento do uso do
solo; a incorporao da massa verde como adubo; eliminao de queimadas; correo da
acidez do solo (calagem) e adubaes.

526

Prticas de carter mecnico Envolvem procedimentos e equipamentos especficos


para serem realizadas, independem de processos e fatores naturais. Dentre estas
prticas, podem ser citados: a instalao de canais e terraos perpendiculares ao sentido
do fluxo de gua superficial com o objetivo de diminuir o comprimento de rampa e
consequentemente a energia da enxurrada; planejamento das rotas (logstica) durante o
projeto de cultivo, a fim de mitigar os efeitos da compactao do solo em decorrncia do
trfego de veculos; plantio em nvel, nunca no sentido do relevo.
Especialmente para as atividades agrcolas, Roloff (2008) traz que para um sistema ser
sustentvel deve, simultaneamente:
Manter ou aumentar a produtividade ao longo do tempo pilares da sustentabilidade;
Reduzir os riscos da produo segurana;
Proteger o potencial dos recursos naturais proteo;
Ser vivel economicamente viabilidade;
Ser socialmente aceitvel aceitabilidade.
Sendo assim, por meio de tcnicas de manejo e de medidas de conservao ambiental de
reas de fragilidade, pode-se garantir uma menor degradao do solo, e consequentemente a
manuteno da qualidade e dinmica dos recursos hdricos, sejam superficiais ou profundos, dada
a atuao do solo, principalmente, como filtro e regulador hdrico. Inicialmente essas medidas
implicam custos elevados, porm, insignificantes, se comparados aos custos futuros que teremos
para explorar e tratar a gua de forma que satisfaa nossas necessidades.
CONSIDERAES FINAIS
Vimos neste captulo a importncia dos solos para a vida, seja por meio da produo
de alimentos, seja pela sua capacidade de filtro, seja simplesmente pelo seu suporte as nossas
atividades. O solo um sistema vivo e dinmico, dai porque qualquer alterao pode desencadear
uma srie de processos e impactos ambientais, bem como simples medidas de controle ambiental
podem mitigar, de forma eficiente, esses diversos impactos ambientais relacionados ao solo.
Diamond (2007) afirma que os solos utilizados para a agricultura so erodidos numa
proporo de 10 a 40 vezes maior que sua capacidade de regenerao, sobrendo de 500 a
10 mil vezes mais eroso que em solos florestados, havendo com isso uma perda ativa de solo
apto agricultura.

527

A disponibilidade de reas aptas agricultura, proporcionalmente demanda futura por


alimentos, tender a ser reduzida, justificando dessa forma sua preservao e conservao por
meio de aes que visem, principalmente, conteno dos processos erosivos e reduo no
consumo de gua. Segundo FAO (2012), hoje cerca de 1,5 bilhes de hectares, 12% da superfcie
terrestre, vem sendo utilizada na produo vegetal, sendo reduzido o espao para a expanso das
terras agrcolas. Isso se deve ao fato que reas, mesmo potencialmente aptas agricultura, por
alguma razo no esto disponveis, geralmente por serem reas de preservao ou utilizadas em
assentamentos urbanos.
Para poder suprir uma demanda crescente por alimentos, ser necessria a adoo de
novas tecnologias. Nos ltimos 50 anos, a produo agrcola cresceu de 1,5 a 3 vezes, contudo a
rea cultivada aumentou apenas 12% (FAO, 2012), demonstrando a importncia da adoo de
novos meios e tecnologias de produo, como, por exemplo, o melhoramento gentico. The World
Watch Institute (2011) afirma que para 2050 a demanda por inovaes extraordinrias no campo
do melhoramento de espcies vegetais ser determinante na produo de alimentos no futuro.
Em valores, estima-se que em 2050 a populao exija uma elevao de 70% da produo
global atual de alimentos, equivalente a mais de 1 milho de toneladas de cereais e 200 milhes
de toneladas de produtos de origem animal (FAO, 2012).
Alm das questes relacionadas ao depauperamento do solo em decorrncia do uso agrcola
e de uma possvel falta de alimento at 2050, as atividades agrcolas tambm so responsveis por
75% do consumo de gua 15% emisses de gases do efeito estufa; em pases em desenvolvimento
este valor pode chegar a 75% (THE WORLD WATCH INSTITUTE, 2011).
Tudo isso comprova a importncia dos solos e de sua conservao. medida que a
agricultura adotar uma postura intensiva e predatria, haver uma significativa e continua
reduo de reas aptas a agricultura, fato que, num futuro prximo, mesmo com a adoo de
novas tecnologias, no permitar a produo de alimentos em quantidade suficiente para suprir
a crescente demanda prevista.
REFERNCIAS
BRASIL ESCOLA. Constituio do solo. Disponvel em: <http://www.brasilescola.com/biologia/constuicaosolo.htm>. Acesso em: Dezembro de 2012.
CURI, N. et al. Vocabulrio de Cincia do Solo. Campinas, SP, 1993.
DIAMOND, J. O Colapso: Como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. 5. ed. Ed. Record. 2007.

528

EMBRAPA. Sistema Brasileiro de Classificao de Solos. 2. ed. Rio de Janeiro, 2009


EPAMIG, Prticas Conservacionistas: Vegetativas, Edficas e Mecnicas. Belo Horizonte/MG, 2009.
FAO. Statistical Yearbook 2012: World food and agriculture, Roma, 2012.
FOUCAULT, M. A Verdade e as Formas Jurdicas. 2. ed. Rio de Janeiro, 2001.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatsticas IBGE. Manual Tcnico de Pedologia. 2. ed. Rio de Janeiro,
2007.
KAMIYAMA, A. Agricultura Sustentvel. Secretaria do Meio Ambiente / Coordenadoria de Biodiversidade
e Recursos Naturais. So Paulo, 2001.
LEPSCH, I. F. Formao e Conservao dos Solos. So Paulo : Oficinas de Textos, 2002.
United States Department of Agricultura USDA. Keys to Soil Taxonomy. 11. ed., 2012
ROLOFF, G. Apostila da Disciplina de Eroso e Conservao dos Solos, Curso de Agronomia, UFPR,
2008.
THE WORLD WATCH INSTITUTE. O estado do mundo: inovaes que nutrem o planeta. 2011.
Sites:
INPE, CPTEC, 2012 <http://videoseducacionais.cptec.inpe.br/>
Instituto de Biocincias USP, 2012 <http://www.ib.usp.br/coletaseletiva/saudecoletiva/compostagem.htm)
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Soil_profile.jpg 2012>.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 Intemperizao Conjunto de processos fsicos, qumicos e biolgicos, que atuam sobre as rochas e
minerais expostos na interface litosfera-atmosfera, desintegrando-os e decompondo-os quimicamente. A
ao do intemperismo que propicia a formao do material de origem do solo prossegue durante todo o
desenvolvimento do perfil (CURI et al., 1993).
2

Granulometria Quantidade, normalmente expressas em percentual, das fraes areia, silte e argila em
uma amostra de solo.

Adsorver Quando tomos, molculas ou ons so retidos na superfcie de uma partcula em decorrncia
de ligaes qumicas ou fsicas.

Voltil Transferncia de massa de um composto para o estado gasoso.

5 Serrapilheira Camada superior de solos sob floresta, correspondente ao horizonte orgnicos de solos
minerais, consistindo de restos de vegetao como folhas, ramos, caules, cascas de frutos, em diferentes
estdios de decomposio (CURI et al., 1993).
6

Edfico Relativo ao solo. Resultante ou influenciado por fatores inerentes ao solo ou outro substrato, mais
por fatores climticos.

529

RESDUOS SLIDOS: ORIGEM, CLASSIFICAO E


SOLUES PARA DESTINAO FINAL ADEQUADA

Cleverson V. Andreoli
Fabiana de Nadai Andreoli
Tamara Vigolo Trindade
Cinthya Hoppen

INTRODUO
O acelerado processo de transformao por que passa a sociedade contempornea apresenta
consequncias ambientais significativas, as quais apenas recentemente tm sido objeto de maior
ateno por parte de todos, governos e sociedade em geral. (CALDERONI, 2003)
A dificuldade da gesto de resduos tem duas componentes: a enorme quantidade de
resduos gerados e a sua composio. A ltima gerao consumiu uma quantidade maior de
recursos do que o conjunto de todas as populaes humanas, desde o seu aparecimento na Terra.
Antigamente, os resduos eram orgnicos1 e voltavam para a natureza por meio da decomposio.
Em decorrncia da industrializao que aumentou a produo de produtos inorgnicos que no
se decompem (ou que requerem um tempo muito grande para se degradar), tais como o vidro,
plstico, metais, borracha, houve um grande aumento na produo de resduos.
Associado ao aumento da produo de bens decorrentes da tecnologia de extrao de recursos
naturais e da sua manufatura, principalmente a partir da revoluo industrial, a sociedade ampliou

531

muito suas demandas. Paralelamente os bens que no passado tinham uma vida til muito longa
passaram a ser substitudos com grande intensidade, at chegarmos era dos produtos descartveis.
A adequada gesto dos resduos representa um dos grandes desafios atuais da humanidade.
A busca incessante de conforto fez com que a sociedade extrasse da natureza os recursos
naturais, que muitas vezes so posteriormente desperdiados acarretando em uma maior
quantidade de resduos slidos, causando impactos ambientais2. Como grande parte desses
recursos provenientes da natureza so modificados, no retornam natureza facilmente, pois
muitas vezes dependem de processos especiais para sua preparao para a reciclagem.
Ainda no cenrio de transformao, hoje perdura na sociedade a ideia da obsolescncia
planejada, sendo os produtos projetados para terem uma durabilidade e tempo de vida menor e,
consequentemente, havendo a necessidade de se comprar mais vezes o mesmo produto. Dessa
forma, os produtos so trocados por ficar obsoletos e no por se estragar, repercutindo diretamente
no aumento da produo de resduos.
Certamente, o aumento da quantidade de resduos slidos um grave problema ambiental,
pois necessrio levar em considerao que o planeta um sistema fechado, ou seja, em que
no h troca de matrias com o meio e, portanto, o resduo o resultado de um processo de
transformao da natureza.
Alm disso, ao considerar a Terra como um sistema fechado, devemos perceber que
os resduos slidos so, na realidade, ou deveriam ser considerados, as matrias-primas para
produo de outros artefatos, evitando, assim, a explorao de recursos naturais, que so finitos.
Nesse sentido, importante destacar a diferena entre resduos slidos e lixo.
Lixo X Resduos Slidos
Os resduos slidos so gerados a partir de atividades de origem industrial, domstica, hospitalar,
comercial, agrcola, de varrio entre outras e podem ser utilizados como matria-prima3.
Diferentemente desta definio, lixo pode ser entendido como algo impossvel de ser reaproveitado,
e definido como coisas inteis, imprestveis, velhas e sem valor; qualquer material produzido pelo
homem que perde a utilidade e descartado.
Assim, o termo aqui utilizado ser resduos slidos, j que todo o pensamento est fundamentado
na possibilidade de reutilizao, partindo do pressuposto que os resduos sero matria-prima para
a produo de novos artefatos. Dessa forma, entende-se resduo como matria-prima em local
inadequado.

532

A problemtica que envolve a questo dos resduos slidos no est apenas relacionada com
a quantidade gerada, mas sim, e principalmente, pela forma de destinao final; ao descartaros
resduos em reas a cu aberto, conhecidas como lixes,4 as consequncias de poluio ambiental
causadas por essa forma de destinao podem acarretar na contaminao tanto do solo quanto
dos recursos hdricos.
Os lixes, alm de se tornarem um grave problema de sade pblica, em virtude da
disposio inadequada dos resduos, so fontes de sobrevivncia para muitos, evidenciando um
grave problema social. E nesse sentido, uma discusso tica pode ser levantada, j que o que
sobra para alguns fundamental para sobrevivncia de outros: enquanto muitos passam fome,
outros desperdiam alimentos.
Surge nesse cenrio a necessidade de gerenciar toda a cadeia dos resduos slidos. O
primeiro passo reduzir a produo de resduos por meio da diminuio do consumo (consumo
responsvel). Cabe destacar que como essa etapa de gerao de resduos precede as demais,
quanto menos resduo gerado, melhor para o meio ambiente.
Posteriormente deve-se aumentar ao mximo a reutilizao e reciclagem, promovendo o
correto depsito e tratamento dos resduos slidos, conforme estabelecido na Agenda 21,5 durante
a CNUMAD Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento ocorrida
no Rio de Janeiro em 1992.
No item 21.4 do captulo 21, da Agenda6 21, ficou estabelecido que o manejo ambientalmente
saudvel desses resduos deve ir alm do simples depsito ou aproveitamento por mtodos seguros
dos resduos gerados e buscar resolver a causa fundamental do problema, procurando mudar os
padres no sustentveis de produo e consumo. Isso implica a utilizao do conceito de manejo
integrado do ciclo vital, o qual apresenta oportunidade nica de conciliar o desenvolvimento com
a proteo do meio ambiente. (MMA, 2012)
Assim, as aes devem estar relacionadas com os seguintes programas:
(a) Reduo ao mnimo a produo dos resduos;
(b) Aumento ao mximo da reutilizao e reciclagem ambientalmente saudveis dos resduos;
(c) Promoo do depsito e tratamento ambientalmente saudveis dos resduos;
(d) Ampliao do alcance dos servios que se ocupam dos resduos.

533

Assim, nota-se o trip da sustentabilidade que envolve a questo dos resduos slidos:

Aspecto ambiental: forma de disposio inadequada dos resduos;

Aspecto social: o lixo como forma de sobrevivncia de muitos;

Aspecto econmico: resduos slidos como matria-prima.
CONDIO ECONMICA X PRODUO DE RESDUOS
O cenrio nacional e internacional da produo de resduos slidos est diretamente
relacionado com a poca em que vivemos, bem como o modo de vida da populao, ou seja, com
a condio econmica da populao.
PASES RICOS E POBRES
Nos pases mais industrializados, as quantidades de resduos produzidos so maiores. Quanto
mais rico o pas, mais lixo se joga fora, comprovando assim que a composio e a quantidade de
resduos produzidos esto diretamente relacionadas com o modo de vida dos povos.
A relao da produo de resduos com as condies econmicas tambm pode ser
observada com o perodo do ms. Geralmente, no comeo do ms, quando temos maior poder de
compra, o resduo produzido tambm sofre variao, tanto em quantidade quanto em composio.
LOCALIZAO DAS CIDADES
A localizao das cidades tambm se relaciona com a produo de resduos. Cidades
litorneas costumam receber no vero vrias vezes mais pessoas que sua populao normal e isso
interfere diretamente na quantidade de resduos slidos gerada. As cidades que possuem turismo
no inverno tambm vivenciam o mesmo problema.
PANORAMA DOS RESDUOS SLIDOS URBANOS NO BRASIL
Produo de Resduos no Brasil
De acordo com ABRELPE (2011), o ndice per capita de gerao de resduos slidos
urbanos no Brasil passou de 378,4 kg/hab/ano em 2010 para 381, 6kg/hab/ano em 2011,
havendo um aumento de 0,8% na gerao nesse perodo, conforme a figura a seguir:

534

Gerao de RSU per capita (Kg/hab/ano)

Fonte: ABRELPE (2011)

Essa gerao de resduos slidos urbanos no Brasil foi considerada como um crescimento
expressivo entre os anos de 2010 e 2011, superando a taxa de crescimento populacional urbano,
que foi de cerca de 0,9% no perodo. A comparao da quantidade total gerada em 2011 com
o total de resduos slidos urbanos coletados mostra que 6,4 milhes de toneladas de resduos
slidos urbanos deixaram de ser coletados no ano de 2011 e, por consequncia, tiveram destino
imprprio (ABRELPE, 2011).
Na comparao entre o ndice de crescimento da gerao com o ndice de crescimento da
coleta, percebe-se que este ltimo foi ligeiramente maior do que o primeiro, o que demonstra uma
ampliao na cobertura dos servios de coleta de RSU no pas.
Composio dos Resduos Slidos Urbanos (RSU)
A composio gravimtrica mdia dos RSU coletados no Brasil bastante diversificada
nas diferentes regies, uma vez que est diretamente relacionada com caractersticas, hbitos e
costumes de consumo e descarte da populao local. A figura a seguir apresenta uma mdia para
a composio gravimtrica no Brasil.

535

Composio gravimtrica7 dos resduos slidos urbanos coletados no Brasil em 2011

Fonte: ABRELPE (2011)

Destinao Final dos Resduos Slidos Urbanos (RSU)


Segundo a ABRELPE (2011), houve uma singela evoluo, em termos percentuais (0,5%),
na destinao final ambientalmente adequada de RSU, em comparao ao ano de 2010. No entanto,
em termos quantitativos, a destinao inadequada tambm cresceu, 1,4%, o que representa 23,3
milhes de toneladas de RSU dispostos em lixes e aterros controlados, conforme a figura abaixo.
Destinao final dos RSU coletados no Brasil em 2010 e 2011 (to/ano)

Fonte: ABRELPE (2011)

536

O aterro sanitrio a forma de destinao final mais utilizada no Brasil, atingindo em 2011
o ndice de 58,1%. No entanto, pode-se notar pela figura abaixo que o lixo ainda continua sendo
uma alternativa de disposio final bastante utilizada, apresentando um percentual igual a 17,7%
em 2010 (ABRELPE, 2011).
Destinao final de RSU (t/dia)

Fonte: ABRELPE, 2011.

Classificao de resduos
Como j definido, resduos slidos so gerados a partir de atividades de origem industrial,
domstica, hospitalar, comercial, agrcola, de varrio entre outras e podem ser podem ser
utilizados como matria-prima. Em contrapartida, lixo pode ser entendido como algo intil, que
no pode ser reaproveitado.
Com isso pode-se dizer que quando se mistura todo o material descartado, temos o lixo.
Quando fazemos a separao do lixo e encontramos materiais que podem ser reutilizados, temos
o resduo slido. (SILVA e ALMEIDA, 2010)
Tecnicamente, resduo slido definido como resduos no estado slido e semi-slido
resultante de atividades da comunidade de origem industrial, domstica, hospitalar, comercial,
agrcola, de servios e de varrio. Ficam includos nesta definio lodos provenientes dos sistemas
de tratamento de gua, aqueles gerados em equipamentos e instalaes de controle de poluio, bem
como determinados lquidos cujas particularidades tornem invivel seu lanamento na rede pblica
de esgotos ou corpos dgua, ou exijam para isto solues tcnicas e economicamente viveis em face
da melhor tecnologia disponvel (NBR 10.004/2004 Classificao de Resduos Slidos8).

537

Destaca-se que todos os resduos, embora em estado lquido ou pastoso, so caracterizados


como resduo slido.
Ainda de acordo com a norma NBR 10.004/2004, os resduos so classificados como:
Resduos Classe I Perigosos: aqueles que apresentam periculosidade ou caractersticas
como inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade. Pode-se
citar como tintas, solventes, lmpadas fluorescentes, pilhas como alguns exemplos para
este tipo de resduo
Resduos classe II No perigosos: estes resduos podem ser divididos em duas
outras classes:
Resduos classe II A No inertes: so aqueles resduos que no so enquadrados
nem como resduos perigosos (Classe I) e nem como resduos inertes (Classe II B), podendo
apresentar propriedades como biodegradabilidade, combustibilidade ou solubilidade em
gua. Pode-se citar como exemplos: matrias orgnicas, papis, lodos, entre outros.
Resduos classe II B Inertes: so resduos que se amostrados de forma
representativa atravs da NBR 10.007 (Estabelece o procedimento para obteno de
extrato solubilizado de resduos slidos) e submetidos a um contato dinmico e esttico
com gua destilada ou desionizada, temperatura ambiente, de acordo com a NBR
10.006 (Estabelece o procedimento para obteno de extrato solubilizado de resduos
slidos), no tiverem nenhum de seus constituintes solubilizados a concentraes
superiores aos padres de potabilidade de gua, excetuando-se o aspecto cor, turbidez,
dureza e sabor. Como exemplos citam-se: entulhos, materiais e construo e tijolos.
Apesar de os resduos de construo civil serem considerados como resduos inertes (Classe
II B), possuem resolues especficas, Resoluo CONAMA n. 307/2002 (Estabelece diretrizes,
critrios e procedimentos para a gesto dos resduos da construo civil) e Resoluo CONAMA
n. 348/2004 (inclui o amianto na lista de resduos perigosos), possuindo a seguinte classificao:
Classe A: resduos reutilizveis ou reciclveis como agregados. So aqueles provenientes
de construo, demolio, reformas e reparos de pavimentao ou edificaes como tambm
daqueles provenientes da fabricao ou demolio de peas pr-moldadas em concreto.
Ex: resduos de alvenaria, resduos de concreto, resduos de peas cermicas, pedras,
restos de argamassa, solo escavado, entre outros.

538

Classe B: so os resduos reciclveis para outras destinaes. Ex: plsticos (embalagens,


PVC de instalaes), papis e papeles (embalagens de argamassa, embalagens em
geral, documentos), metais (perfis metlicos, tubos de ferro galvanizado, marmitex de
alumnio, ao, esquadrias de alumnio, grades de ferro e resduos de ferro em geral, fios
de cobre, latas), madeiras (forma) e vidro.
Classe C: so os resduos para os quais no foram desenvolvidas tecnologias ou aplicaes
economicamente viveis que permitam a sua reciclagem ou recuperao. Ex: Gesso, estopas,
isopor, lixas, mantas asfltica, massas de vidro, sacos de cimento e tubos de poliuretano.
Classe D: so os resduos perigosos oriundos do processo de construo ou demolies.
Ex: tintas, solventes, leos, resduos de clnicas radiolgicas, latas e sobras de aditivos e
desmoldantes, telhas e outros materiais de amianto, tintas e sobras de material de pintura.
Destaca-se que cada tipo de resduo possui um tempo de decomposio especfico, conforme
apresentado na figura abaixo, que apresenta os resduos mais gerados.
GESTO DE RESDUOS SLIDOS URBANOS E INDUSTRIAIS
A gesto dos resduos slidos urbanos e industriais deve sempre estar em consonncia com
os princpios estabelecidos pela Agenda 21, bem como em atendimento s exigncias legais. Os
quatro pilares fundamentam o chamado Plano de Gerenciamento de Resduos Slidos PGRS.
A elaborao do PGRS visa destinao final adequada dos resduos slidos e evitando que
eles sejam jogados de forma indiscriminada no meio ambiente. A seguir apresentada de forma
detalhada a estrutura do PGRS.
PLANO DE GERENCIAMENTO DE RESDUOS SLIDOS9
Acondicionamento
a etapa de preparao dos resduos para a coleta adequada de acordo com o tipo e
quantidade gerada. Os resduos so acondicionados em recipientes prprios e mantidos at o
momento em que so coletados e transportados ao aterro sanitrio ou outra forma de destinao
final. Destaca-se que o acondicionamento dos resduos deve ser realizado de forma a evitar
acidentes e proliferao de vetores.

539

Assim, esta etapa pode ser considerada temporria, mas, sem dvida, fundamental para o
xito do PGRS, pois pode facilitar a coleta dos resduos.
Para o acondicionamento temporrio de resduos, podem ser utilizadas caambas,
contineres e lixeiras destinadas coleta de resduos reciclveis (coleta seletiva), dependendo do
tipo de resduo. Cabe destacar que fundamental a identificao dos recipientes onde os resduos
sero acondicionados, identificando com figuras (cores) e dizeres qual o tipo de resduos que
corresponde quele recipiente, visando facilitar o correto descarte de resduos. De acordo com a
Resoluo CONAMA 275/2001, foram estabelecidas padres de cores para os diferentes tipos de
resduos para identificao de coletores, conforme abaixo:
Azul: papel / papelo;
Vermelho: plstico;
Verde: vidro;
Amarelo: metal;
Preto: madeira;
Laranja: resduos perigosos;
Branco: resduos ambulatoriais e de servios de sade;
Roxo: resduos radioativos;
Marrom: resduos orgnicos;
Cinza: resduos geral no reciclvel ou misturado, ou contaminado no passvel de separao.
A coleta seletiva permite que os materiais que podem ser reciclados sejam separados dos
demais, ou seja, os materiais reciclveis so separados em papis, plsticos, metais, vidros, sendo
que o lixo orgnico (restos de alimentos, podas de rvores, folhas secas e outras partes das
rvores) so utilizados para a fabricao de adubos orgnicos por meio da compostagem10 ou so
(deveriam) encaminhados para o aterro sanitrio.
Cabe destacar que as pilhas e baterias tambm devem ser separadas, pois, se descartadas
inadequadamente no meio ambiente, podem causar contaminao do solo em virtude da presena
de metais pesados em sua composio. Ainda nesse grupo enquadram-se os resduos hospitalares
em virtude da contaminao biolgica que podem apresentar, sendo que eles devem ser segregados
dos demais resduos e destinados incinerao.
Coleta
O passo seguinte a coleta dos resduos anteriormente acondicionados de forma correta.
Esta etapa deve ser realizada com frequncia para evitar que o resduo fique muito tempo exposto

540

e ocorra emisso de odores e atrao de vetores. Por esse motivo, a regularidade imprescindvel,
pois reduz o acmulo de resduos nos recipientes de acondicionamento.
Cabe destacar que a coleta geralmente realizada por caminhes, que transportam o resduo
at o destino final pretendido.
Ainda nesta etapa pode-se dizer que caso o acondicionamento de resduos seja feita de
forma adequada, realizando a segregao do lixo, a coleta facilitada, favorecendo posteriormente
a reciclagem. Ressalta-se ainda que, quando possvel, deve ser realizada coleta peridica de
resduos especiais como pilhas, baterias e lmpadas fluorescentes.
Dessa forma, a coleta seletiva dos resduos contribui de forma direta para a sustentabilidade,
pois reduz significativamente o consumo de recursos naturais, bem como minimiza a possibilidade
de poluio dos recursos hdricos e solo.
Transporte
Aps a etapa de coleta dos resduos, o prximo passo corresponde ao transporte desses
resduos etapa de tratamento, e posteriormente, destinao final.
O transporte dos resduos geralmente realizado por caminhes especficos para tal finalidade.
Nesta etapa, devem ser tomados alguns cuidados com relao s exigncias legais, buscando
sempre verificar e atender s normas de transporte de resduos da localidade, bem como atentar
para o arquivamento de certificados e manifesto de transporte de resduos, j que, por meio
destes, possvel assegurar que o resduo foi transportado de forma adequada at o destino final,
que pode ser a reciclagem ou o tratamento.
Reciclagem
A reciclagem um processo no qual os resduos so reaproveitados para um novo produto,
economizando matria-prima que seria necessria para a produo destes novos produtos.
A reciclagem facilitada pelo correto acondicionamento dos resduos, por meio da
realizao da coleta seletiva. Cabe destacar que as associaes dos catadores tambm contribuem
para a reciclagem, uma vez que eles realizam a coleta dos resduos e posteriormente efetuam a
venda para as recicladoras, aumentando o ndice de separao de materiais para a reciclagem.
Em Curitiba, foi implantado o Projeto EcoCidado, em 2007 e voltado para os catadores de
materiais reciclveis de Curitiba. Tem como gestor a Secretaria Municipal do Meio Ambiente e
a Fundao de Ao Social FAS, como principal parceira do projeto. Foi implantado como

541

alternativa para aumentar o ndice de separao de materiais para a reciclagem, fortalecendo a


coleta informal e, especialmente, para o reconhecimento e a incluso do catador na cadeia de
reciclagem, possibilitando o aumento de sua renda, sua proteo e resgate a uma vida digna.
Dessa forma, os resduos chegam aos recicladores segregados e prontos para reciclagem.
No entanto, importante destacar que caso os resduos no sejam separados de forma adequada,
resultar em problemas no processo de reciclagem.
O fato de se reciclar resduos, sem dvida, contribui para o aumento da vida til dos aterros
sanitrios, haja vista que uma menor quantidade de resduos encaminhada aos mesmos.
Nesse sentido, segundo CALDERONI (2003), os ganhos proporcionados pela reciclagem
decorrem do fato de que mais econmica a produo a partir da reciclagem do que a partir de
matrias-primas virgem, pois a produo a partir da reciclagem utiliza menos energia, matriaprima, recursos hdricos, reduz os custos de controle ambiental e tambm os de disposio final
do resduo.
Cabe destacar que a reciclagem apresenta relevncia ambiental, econmica e social,
com implicaes que se desdobram em esferas, tais como: organizao espacial, preservao e
uso racional dos recursos naturais, conservao e economia de energia, gerao de empregos,
desenvolvimento de produtos, gerao de renda e reduo de desperdcios, entre outros
(CALDERONI, 2003).
Tratamento
Esta etapa tem por objetivo reduzir a quantidade ou o potencial poluidor dos resduos
slidos, impedindo o descarte inadequado deles no meio ambiente, transformando-os em material
inerte ou biologicamente estvel. Para os resduos orgnicos, uma alternativa sustentvel
a compostagem.
Compostagem
Segundo dados do CEMPRE, em 2010, cerca de 4%, do lixo slido orgnico urbano
gerado no Brasil foi compostado.
A compostagem pode ser definida como o processo de produo de adubo a partir da
decomposio dos resduos orgnicos. um processo simples e pode ser feita em casa, seguindo
apenas alguns passos:

542

preciso primeiramente escolher uma rea no quintal. No preciso que a rea seja
concretada, desde que o piso de terra esteja compactado para impedir a infiltrao do chorume11.
Prepare sua rea de compostagem em local fresco e seco, protegido da chuva e da insolao direta.
Depois da definio da rea necessrio colocar uma primeira camada de 5 cm de resduo
de palha ou folhas secas junto ao local definido. Sobre esta camada, coloque restos de comida e
outros resduos orgnicos de fcil decomposio como misturados. Depois, polvilhe um pouco de
terra (cerca de 5 cm) ou sobreponha uma nova camada de palha ou folhas secas. Intercale estas
camadas at atingir a altura mxima de 1m.
Faa sempre montes pequenos, de no mximo 1m x 1m x 1m (comprimento x largura x
altura) para facilitar a movimentao e revolvimento do material. Uma vez por semana, procure
revirar o monte de composto e molh-lo superficialmente. Lembre-se que quanto mais triturado
estiver o resduo primrio, mais rpida ser sua decomposio e o preparo do composto orgnico.
O ideal que os materiais tenham entre 10 e 40 milmetros de tamanho.
Caso prepare o composto orgnico em reas abertas, evite misturar restos e pedaos de
carne, que podero atrair insetos e roedores.
Com o passar dos dias perceber que a temperatura do monte estar aumentando. No
se preocupe, pois ela se elevar at aproximadamente 70C com o decorrer dos dias. Nunca se
esquea de revolver o monte, pois isso ajuda a aerar a massa e manter a temperatura adequada.
Se acontecer alguma coisa diferente, pode ser que o processo de compostagem no esteja
ocorrendo adequadamente. Veja abaixo como solucionar os problemas que podem ocorrer durante
o processo de compostagem
EXEMPLOS

MOTIVOS

SOLUES

Mal cheiro

falta de oxignio

revolver

Cor branco-acinzentada

falta de gua e presena de fungos

revolver e umedecer

Excesso de umidade.

excesso de gua

evitar a incidncia de gua ou


materiais muito midos

Aps esse perodo, o composto pode ser utilizado como adubo orgnico em uma infinidade
de espcies vegetais como em fruticultura, jardins, paisagismo, gramados, reflorestamento,
produo de mudas, gros etc.

543

Destinao final
A ltima etapa do Plano de Gerenciamento de Resduos Slidos refere-se destinao final
dos resduos, configurando-se como um grande desafio para as cidades em virtude da grande
quantidade de resduos gerada.
Como alternativas de disposio final podem ser citadas:
- Lixo12
Esta uma forma inadequada de disposio de resduos, pois o local no possui nenhum
tipo de tratamento. O resduo disposto diretamente no solo, o que pode causar diversos tipos de
contaminao, alm da atrao de vetores e odores, no possuindo nenhuma tcnica de tratamento,
bem como podendo se encontrar em locais inadequados.
Essa disposio ainda tem como agravante a presena de pessoas, as quais se utilizam da
garimpagem do lixo como forma de sobrevivncia e at mesmo para alimentao, podendo ainda
adquirir vrias doenas, tornando-se, dessa maneira, um grave problema social.
- Aterro Controlado
Os aterros controlados, ao contrrio do aterro sanitrio, visa apenas cobertura dos resduos
com uma camada de terra, evitando a proliferao de vetores e o seu carreamento pelas guas
pluviais, no dispondo de rea impermeabilizada, nem tratamento do chorume ou coleta e queima
de biogs.
Essa forma de disposio prefervel ao lixo, mas ainda no considerada a melhor
forma, pois ela apenas minimiza os impactos ambientais e no previne a poluio ambiental.
(CETESB, 2012)
- Aterro Sanitrio
O aterro sanitrio uma alternativa de disposio final que consiste na compactao dos
resduos slidos em camadas. O solo impermeabilizado, o chorume coletado e posteriormente
tratado, evitando a contaminao das guas subterrneas. O gs metano gerado em virtude da
decomposio anaerbia13 da matria orgnica no interior do aterro, muitas vezes, queimado,
podendo tambm ser realizado o aproveitamento energtico para gerao de energia eltrica.
Atualmente, os aterros sanitrios vm sendo severamente criticados porque no tm como
objetivo o tratamento ou a reciclagem dos materiais presentes no lixo urbano. De fato, os aterros
sanitrios so uma forma de armazenamento de lixo no solo, alternativa que no pode ser considerada
a mais indicada, uma vez que os espaos teis a essa tcnica tornam-se cada vez mais escassos.

544

Alm disso, o aterro sanitrio um passivo ambiental, j que esta rea nunca poder ser
novamente utilizada em virtude do grande armazenamento de resduos e produo contnua de
gs metano.
As principais caractersticas do aterro sanitrio so:
- Impermeabilizao da base do aterro, evitando o contato do chorume com as guas
subterrneas, podendo ser com geomenbranas14 sintticas;
- Instalao de drenos de gs, constituindo-se como um canal de sada do gs metano do
interior do aterro para a atmosfera. Esse gs pode ser apenas queimado e transformado
em gs carbnico15 ou pode ser recolhido para o aproveitamento energtico.
- Sistema de coleta de chorume, por meio de drenos que coletam o lquido decorrente
da decomposio da matria orgnica. Este lquido coletado enviado para sistema de
tratamento de efluentes.
- Sistema de tratamento de chorume, onde o mesmo coletado e encaminhado para um
sistema de tratamento para posterior descarte em um curso hdrico. O tratamento pode
ser feito no prprio local ou o chorume coletado pode ser transportado para um local
apropriado (geralmente uma Estao de Tratamento de Esgotos). O tipo de tratamento
varia, podendo ser utilizados tratamentos mais convencionais por meio da utilizao de
lagoas anaerbias, aerbias e lagoas de estabilizao ou tambm mediante a adio de
substncias qumicas ao chorume.
- Sistema de drenagem de guas pluviais, evitando que as guas se juntem ao chorume.
Esse sistema de captao e drenagem de guas de chuva tem por objetivo drenar a gua
por locais apropriados para evitar a infiltrao e contato com o chorume, minimizando o
volume a ser tratado.
- Incinerao
A incinerao a tcnica de queima de resduos, a qual altamente utilizada nos pases
desenvolvidos e que possuam indisponibilidade de rea e capacidade de altos investimentos. Esta
tcnica visa diminuio da quantidade e volume de resduos, bem como a sua toxicidade. No
entanto, gera o problema da gerao da cinza aps a queima, a qual ainda necessita de um destino
final adequado.
Esta tcnica consiste na combusto16 controlada de resduos com temperaturas acima de
900C a 1.200C, transformando o resduo em dixido de carbono, vapor de gua e cinza,

545

podendo gerar a eliminao de gases txicos, necessitando, dessa forma, de filtros especiais,
para evitar a poluio do ar. Uma das vantagens desta tcnica que a combusto pode ser
transformada em energia trmica.
Poltica Nacional de Resduos Slidos
Em 2 de agosto de 2010 foi instituda a Poltica Nacional de Resduos Slidos17 (PNRS),
por meio da Lei n. 12.305. Esta marco histrico da gesto ambiental no Brasil, pois lana uma
viso moderna na luta contra um dos maiores problemas do planeta: o lixo urbano (CEMPRE
Poltica Nacional de Resduos Slidos Agora lei). A PNRS rene princpios, objetivos,
instrumentos e diretrizes para a gesto dos resduos slidos.
A Poltica Nacional de Resduos Slidos distingue o lixo que pode ser reaproveitado ou
reciclado e o que no passvel de reaproveitamento, se referindo tambm aos demais tipos
de resduos.
A tabela abaixo apresenta as alteraes decorrentes aps a instituio da Poltica Nacional
de Resduos Slidos, mostrando um panorama de como era antes e como ficar depois da Lei
n. 12.305.
O que muda com a Lei n. 12.305?
ANTES

DEPOIS

Poder Pblico
Falta de prioridade para o lixo urbano
Existncia de lixes na maioria dos municpios
Resduo orgnico sem aproveitamento
Coleta seletiva cara e ineficiente

Municpios faro plano de metas sobre resduos


com participao dos catadores
Os lixes precisam ser erradicados em quatro anos
Prefeituras passam a fazer compostagem
obrigatrio controlar custos e medir a qualidade
do servio

Empresas
Inexistncia de lei nacional para nortear os
Marco legal estimular aes empresariais
investimentos das empresas
Novos instrumentos financeiros impulsionaro a
Falta de incentivos financeiros
reciclagem
Mais produtos retornaro indstria aps o uso
Baixo retorno de produtos eletrnicos ps-consumo
pelo consumidor

546

ANTES
Desperdcio econmico sem a reciclagem

DEPOIS
Reciclagem avanar e gerar mais negcios com
impacto na gerao de renda

Catadores
Catadores reduzem riscos sade e aumentam
renda em cooperativas
Cooperativas so contratadas pelos municpios para
Informalidade
coleta e reciclagem
Aumenta a quantidade e melhora a qualidade da
Problemas de qualidade e quantidade dos materiais
matria a ser reciclada
Trabalhadores so treinados e capacitados para
Falta de qualificao e viso de mercado
ampliar produo
Explorao por atravessadores e riscos sade

Populao
No separao do lixo reciclvel nas residncias

Consumidor far separao mais criteriosa nas


residncias

Falta de informao

Campanhas educativas mobilizaro moradores

Falhas no atendimento da coleta municipal

Coleta seletiva melhorar para recolher mais


resduos

Pouca reivindicao junto s autoridades

Cidado exercer seus direitos junto aos governantes

Fonte: Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE) Poltica Nacional de Resduos Slidos Agora lei.

Em nvel estadual, o Estado do Paran promulgou em 1999 a Lei PR n. 12.493, que rege os
princpios e normas referentes a gerao, acondicionamento, armazenamento, coleta, transporte
e destinao final dos resduos slidos no Paran, visando o controle da poluio... Essa Lei
responsabiliza as empresas geradoras de resduos por todas as etapas da gesto e disposio final
dos resduos, assim como do passivo ambiental causado pela desativao da fonte geradora e
recuperao de reas degradadas. Tambm probe o lanamento in natura a cu aberto, a queima
a cu aberto, o lanamento em corpos dgua, terrenos baldios, redes pblicas, poos, em redes
de drenagem pluvial, de esgotos, de eletricidade e de telefone.
O lixo um dos maiores problemas dos centros urbanos. Alm da sujeira que enfeia as
cidades, representa foco de doenas graves. A coleta do lixo atribuio da Prefeitura, mas
cuidar e evitar que ele venha a ser depositado nos crregos e em lugares inadequados uma
responsabilidade de todos ns!

547

Iniciativas de destino final adequados adotados no Paran


Abaixo alguns exemplos de lugares que adotaram a Coleta Seletiva:
Curitiba:
A prefeitura de Curitiba incentiva a separao de resduos por meio de trs programas
diferentes de coleta seletiva, sendo eles:
Lixo que no Lixo coleta regular de materiais reciclveis, tais como papis,
plsticos, vidros, metais, sucatas, entre outros. realizada de uma a trs vezes por
semana atingindo toda a cidade, somente no ano de 2010 coletou aproximadamente
24.487 toneladas de resduos (4,4% dos resduos produzidos), os quais foram destinados
reciclagem.
Cmbio Verde visa troca de material reciclvel por hortifrutigranjeiro nas periferias
da cidade, para famlias com renda salarial entre 0 e 3,5 salrios mnimos. Atualmente
so 90 locais para troca, favorecendo mais de 7.000 pessoas por ms, com trocas em
mdia de 77.500 kg de alimentos por ms para as famlias carentes. O programa tambm
apresenta uma verso especial para as escolas municipais e estaduais, com a troca de
resduos por cadernos, brinquedos, chocolates, ingressos para shows, com o objetivo de
incentivar as crianas no esprito de separao. No ano de 2010 teve uma coleta de mais
de 3.000 toneladas de resduos.
Compra do Lixo criado em 1989 foi implantado em reas com problemas ambientais
devido falta de coleta de lixo, por seu difcil acesso em encostas de morros, fundo de
vales e favelas com ruas muito estreitas. uma parceria entre associao de moradores da
comunidade e a prefeitura. O resduo coletado revertido em produtos hortifrutigranjeiros
para as famlias que depositam seus resduos nos locais predeterminados do programa,
beneficiando cerca de 41 comunidades, alm de gerar mais renda para a associao de
moradores j que recebem em cima do valor pago por cada saco coletado.
Guarapuava:
Reciclado O Lixo Amigo, o programa conta com a participao de 140 famlia,
cadastradas nas associaes de Guarapuava para realizar este trabalho. O programa j
foi implantado em diversos bairros e recicla cerca de 360 toneladas por ms de resduos,
entre papis, papelo, plstico, alumnio, ferro (sucata) e vidros.

548

Apucarana:
Sacola Verde, o programa uma iniciativa da Prefeitura de Apucarana e tem como
objetivo o incentivo na distribuio de sacolas plsticas na colorao verde, nas quais,
posteriormente, sero acondicionados os resduos reciclveis limpos e secos. Nas demais
sacolas sero acondicionados os resduos midos o orgnicos. Estas sacolas verdes so
recolhidas por caminhes da prefeitura e encaminhadas para a Cooperativa de Catadores
de Apucarana. A coleta acontece de segunda a sbado.
Blitz Ecolgica, o programa visa orientao sobre destinao de lmpadas, pilhas,
baterias e pneus usados com coleta todo segundo sbado de cada ms.
Programa de Reciclagem do leo Vegetal (PROVE), o programa promove a
transformao de leo vegetal usado em novos produtos. Em locais predeterminados
sero distribudas embalagens padronizadas; o leo depositado e posteriormente
coletado nos mesmos pontos de distribuio das embalagens.
Bolsa de resduos: este programa tem como objetivo a negociao de resduos entre
indstrias, por meio de compra, venda, troca ou doao, viando agregar valores aos resduos
transformando-os em matria-prima ou insumo na fabricao de produtos. Para participar do
programa Bolsa de Resduos, pode ser qualquer empresa estabelecida no pas ou de outros pases,
desde que possua representante legal autorizado. um programa patrocinado pela Confederao
Nacional da Indstria (CNI) e apoio das Federaes dasIndstrias Estaduais. Atualmente
desenvolvido nos estados do Par, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Gois e Paran. (BOLSA DE
RESDUOS, 2012)
CONCLUSES
Nota-se, por meio do exposto, que a questo dos resduos slidos envolve diversas esferas, as
quais possuem relao direta com a qualidade de vida da populao, bem como com os princpios
da sustentabilidade, j que o consumo responsvel faz que se reduza de forma significativa a
quantidade de resduos gerada.
Outro fator importante a se considerar o grande problema ambiental que vem sendo
gerado em decorrncia da destinao final inadequada dos resduos, prejudicando a qualidade
ambiental do meio em que vivemos.

549

Ainda nesse sentido, faz-se necessrio o entendimento da complexidade relacionada aos


resduos slidos, e aqui cabe destacar a questo social (onde muitas pessoas dependem do lixo
para sua sobrevivncia), questo econmica (por exemplo, a gerao de renda envolvida no
trabalho dos catadores), e a questo ambiental, cuja magnitude s ser percebida pela populao
com o passar dos anos.
Dessa forma, fundamental que se perceba quo importante essa questo dos resduos
dados os problemas ambientais, sociais e econmicos gerados, e ainda perceber que muito se
pode fazer individualmente!
REFERNCIAS
ABRELPE. Panorama dos resduos slidos no Brasil. 2011. Disponvel em: < http://www.
cidadessustentaveis.org.br/sites/default/files/arquivos/panorama_residuos_solidos_abrelpe_2011.pdf>.
Associao Brasileira de Normas Tcnicas. Frum Nacional de Normatizao: NBR 10.004 Resduos
Slidos. Rio de Janeiro, 1987. 63p.
BOLSA DE RESDUOS. Sistema Integrado de Bolsa de Resduos. Disponvel em: <http://www.sibr.com.
br/sibr/index_cni.jsp>. Acessado em 03/07/2012
BRASIL. Lei n. 12.305/2010 Institui a Poltica Nacional de Resduos Slidos; altera a Lei n. 9.605, de 12
de fevereiro de 1998; e d outras providncias. Braslia, 2010.
CALDERONI, S. Os bilhes perdidos no lixo. 4. ed. So Paulo: Humanitas editora,. 2003. Compromisso
Empresarial para Reciclagem (CEMPRE) - Poltica Nacional de Resduos Slidos - Agora lei: Novos desafios
para poder pblico, empresas, catadores e populao. Disponvel em <www.cempre.org.br>.
CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental. Disponvel em:<http://www.cetesb.sp.gov.br/
mudancas-climaticas/biogas/Aterro%20Sanit%C3%A1rio/21-Aterro%20Sanit%C3%A1rio,>. Acessado em
24/07/2012.
Compromisso Empresarial para Reciclagem (CEMPRE) 2012. Disponvel em <www.cempre.org.br>.
CONAMA Resoluo n. 348/2004 de 16 de agosto de 2004. Altera a Resoluo no 307/02 (altera o inciso
IV do art. 3). Altera a Resoluo CONAMA n. 307, de 5 de julho de 2002, incluindo o amianto na classe de
resduos perigosos.
CONAMA. Resoluo n. 307, de 05/07/2002. Diretrizes, critrios e procedimentos para gesto dos resduos
da construo civil. Braslia, 2002.
LEI PR N. 12.493 Disposio de Resduos Slidos. Curitiba, 1999.
MMA Ministrio do Meio Ambiente. 2012. http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/
agenda-21-global/item/681 - CAPTULO 21 - MANEJO AMBIENTALMENTE SAUDVEL DOS RESDUOS
SLIDOS E QUESTES RELACIONADAS COM OS ESGOTOS, acessado em 24/07/2012.

550

RESOLUO N 275 DE 25 DE ABRIL 2001, disponvel em http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res01/


res27501.html, acessado em 28/06/2012.
SILVA, P. S.; ALMEIDA, M. V. Mdulo Didtico: Lixo, sade e ambiente. Educao Ambiental Centro de
Referncia Virtual do Professor - SEE-MG / agosto 2010. Disponvel em: <http://crv.educacao.mg.gov.br/
sistema_crv/index.aspx?ID_OBJETO=119524&tipo=ob&cp=003366&cb&n1&n2=M%EF%BF%BDdulos
+Did%EF%BF%BDticos&n3=Tem%EF%BF%BDticas+Especiais+-+Educa%C3%A7%C3%A3o+Ambien
tal&n4&b=s>

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Orgnicos Qualquer composto que encerre carbono em sua molcula.

Impacto ambiental a alterao no meio ou em algum de seus componentes por determinada ao ou


atividade. Fonte: <http://educar.sc.usp.br/biologia/textos/impacto.htm>.

Matria-prima Substncia essencial fabricao de um produto.

Lixo uma forma inadequada de disposio final de resduos slidos, que se caracteriza pela simples
descarga do lixosobre o solo, sem medidas de proteo ao meio ambiente ou sade pblica. Fonte:
<http://www.rc.unesp.br/igce/aplicada/ead/residuos/res12.html>.

Agenda 21 Instrumento de planejamento para a construo de sociedades sustentveis, em diferentes


bases geogrficas, que concilia mtodos de proteo ambiental, justia social e eficincia econmica.

6 Sugesto de link: Agenda 21: <http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/


agenda-21-global/item/681>.
7

Composio gravimtrica Traduz o percentual de cada componente em relao ao total de resduos

8 Sugesto de Link: NBR 10004-2004 <http://www.aslaa.com.br/legislacoes/NBR%20n%20100042004.pdf>.


9 Sugesto de link: Plano de gesto de resduos slidos: manual de orientao <http://www.mma.gov.br/
estruturas/182/_arquivos/manual_de_residuos_solidos3003_182.pdf>.
10 Compostagem Processo de obteno de composto por meio de tratamento aerbico de lodos de esgoto,
resduos agrcolas, industriais e, em especial, dos resduos urbanos.
11 Chorume Lquido que pode ser gerado da decomposio do lixo, de elevado potencial poluidor, de cor
escura e de odor desagradvel, resultado da decomposio da matria orgnica.
12 Sugesto de link: Diferena entre lixo e aterro sanitrio: <http://www.lixo.com.br/index.php?option=com_
content&task=view&id=144&Itemid=251>.
13 Anaerbia No necessita de oxignio para ocorrer.
14 Geomenbranas Manta de liga plstica, servindo como impermeabilizante, evitando a contaminao do
solo e lenol fretico.

551

15 Gs carbnico Um dos principais gases do efeito estufa (GEEs), o dixido de carbono (CO2), sendo este
o responsvel por 80% do aquecimento causado pelo homem, enquanto o metano (CH4), que 21 vezes
mais potente que o dixido de carbono.
16 Combusto Ao de queima, uma reao qumica de uma substncia com o oxignio, que produz luz e
calor, ou apenas calor.
17 Sugesto de link: Acesso poltica nacional de resduos slidos: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_
ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm>.

552

CONSUMO RESPONSVEL

Valdir Fernandes
Afonso Vieira

1. INTRODUO1
Crescimento populacional, urbanizao, industrializao e tecnologia, por um lado,
e degradao socioambiental, por outro, so algumas das caractersticas do processo de
desenvolvimento das sociedades contemporneas, a partir da Revoluo Industrial.
Segundo dados da Organizao das Naes Unidas (ONU), a populao mundial passou de
3 bilhes de habitantes em 1960 para 7 bilhes em 2011. No Brasil passou-se de 70 milhes
de habitantes em 1970 para mais de 190 milhes em 2010 (IBGE, 2010). Houve tambm
intensa migrao para os centros urbanos. Em 1960, 34% da populao mundial vivia em centros
urbanos. Em 2011 esse percentual subiu para 82% na Amrica do Norte, 80% na Amrica Latina
e Caribe, 73% na Europa, 70% na Oceania, 42% na sia e 40% na frica (ONU, 2011). 36%
da populao brasileira moravam nas cidades em1950, em 2010 a proporo urbana passou para
84%, (IBGE, 2010).
O processo de industrializao tambm foi intenso. Se houve a migrao porque as
principais atividades produtivas geradoras de emprego e renda se deslocaram do campo para os
centros urbanos. O crescimento populacional e a Revoluo Industrial, causas e consequncias
diretas da urbanizao, e do desenvolvimento tecnolgico, elevaram exponencialmente o uso de
energia e de recursos naturais, ao mesmo tempo aumentando sobremaneira a gerao de resduos

553

e a produo de poluentes, tais como os gases de efeito estufa, metais pesados que contaminam
solos, rios e mares, pesticidas de uso agrcola. Esse aumento das atividades humanas, por meio
da produo e do consumo, uma ameaa capacidade da Terra de fornecer os recursos e de
absorver resduos e efluentes (ONU, 2011). Ainda no conhecido o ponto de resilincia2 do
Planeta Terra.
Associam-se aos problemas de dilapidao dos recursos naturais e da qualidade do
ambiente fsico, as graves desigualdades sociais. Embora o PIB mundial tenha aumentado de
5,3 trilhes, em 1960, para 69,6 trilhes em 2010, quase um quarto da populao mundial
ainda vive abaixo das linhas de pobreza, o que significa menos de 1,25 dlar por dia. Os dados
sobre a renda per capita nos vrios pases tambm ilustram as diferenas em relao ao acesso
aos benefcios produzidos pelo crescimento econmico. Enquanto em 2010 a renda per capita
nos Estados Unidos era de 46,5 mil dlares/ano, no Brasil esse valor cai para 10,7 mil dlares,
e em Uganda para apenas 509 dlares. Portanto, a degradao ambiental, que historicamente
vem sustentando o crescimento econmico, prejudica todos em termos de qualidade de vida, mas
beneficia economicamente apenas parte da populao da Terra.
O crescimento econmico e a urbanizao, segundo Fernandes (2008, p. 2), proporcionaram:
paradoxalmente crescente melhora na qualidade de vida, advinda da infraestrutura (reduo de tempo e
distncia atravs dos meios de transportes e comunicao; melhora na condio de trabalho e lazer, a partir
do desenvolvimento tecnolgico e de gesto; qualidade de servios, diversidade de bens de consumo quase
individualizados aos respectivos gostos) e, ao mesmo tempo, crescente diminuio dessa mesma qualidade de
vida no que se refere s condies psicolgicas e sociais (presses de todas as ordens, alto stress) e da reduo
da qualidade dos bens naturais (gua, ar, solo, produtos agrcolas e outros bens essenciais provenientes e
derivados da natureza).

A economia que originalmente consistia na busca pelo sustento do homem, transformou-se


na busca pela riqueza e corre o risco de esgotar suas duas fontes de sustentao: o trabalhador na
medida em que os resultados econmicos no so distribudos e a natureza, pela sua explorao
sem limites.
Assim, os problemas ambientais no esto apenas relacionados ao crescimento populacional
e ao consumo dos recursos naturais para suprir necessidades para se alimentar, vestir e morar,
mas tambm ao excessivo consumo desses recursos por uma pequena parcela da humanidade,
que concentra renda e riqueza comprometendo o acesso cultura, educao e s necessidades
bsicas de boa parcela das sociedades.
A cultura consumista teve impulso nos Estados Unidos logo aps a Segunda Guerra Mundial,
como forma de estimular a economia Americana. A ideia foi proposta pelo analista econmico

554

Victor Lebow, como soluo transformar o consumo em estilo de vida, recomendando


converter o ato de comprar e utilizar bens em rituais em que buscassem bem-estar e satisfao
emocional, uma vez que o objetivo maior da economia americana deveria ser produzir mais e mais
bens de consumo (SUZUKI, 2003).
Desenvolveu-se, assim, um sistema que se espalhou pelo mundo todo, no qual o
comportamento do indivduo adaptado s necessidades da economia, invertendo a lgica da
produo e consumo. Ao invs de se produzir para atender s necessidades do consumidor, o
sistema, por meio de apelos sociais e psicolgicos, por meio do uso do marketing, induz as pessoas
a consumirem segundo as necessidades de produo. a produo que controla o comportamento
do mercado, dirigindo e configurando as atitudes sociais e as suas necessidades e gerando uma
cultura consumista e uma racionalidade econmica3.
A cidadania e a cultura tambm passam a ser confundidas com capacidade de consumo.
Essa foi, e , condio necessria para o desenvolvimento e a manuteno da racionalidade
econmica que, nas palavras de Gorz (2003, p. 112), no poderia ser aplicada, quando o
indivduo livre para determinar por si s o nvel de suas necessidades e o nvel de esforo que
despende para atend-las. Nesse mesmo sentido, Illich (1976) afirma que o indivduo, uma vez
modelado na mentalidade de consumidor-usurio, perde a capacidade de ver a perverso dos
meios voltados para fins da manuteno da estrutura da produo industrial, assim como perde a
noo tanto do necessrio como do excessivo, agarrando-se ideia de que o aumento do salrio
corresponde ao aumento do nvel de vida. Assim, o homem moderno no consegue conceber o
desenvolvimento e a modernizao em termos de reduo, seno como crescimento e consumo
de energia, e de toda ordem de coisas, associando o grau de cultura com alto consumo. Segundo
Gorz (2003), nesse tipo de sociedade s so compreendidas as noes de mais (+) e de menos
(-), ao mesmo tempo em que se perdeu a noo do suficiente.
Essa acelerao da produo e consumo, entretanto, tem consequncias diretas na
qualidade de vida das populaes das cidades e do campo, devido ao crescente uso de recursos
naturais, utilizados como insumos para a produo e para a gerao de energia necessria a
esses processos; crescentes emisses de gases e gerao de resduos lanados no meio ambiente;
crescente condio de stress pela imposio de metas de produo, pelas condies do trnsito nas
cidades; crescente estado de frustrao psicolgica pela abstinncia de consumo quando este no
possvel; crescente estado de violncia, sobretudo urbana, pela desigualdade social e degradao
das relaes sociais. Configura-se, assim, um ambiente de degradao socioambiental, no qual a
alienao ao consumo um dos principais vetores.

555

2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL4
A partir do cenrio supracontextualizado, evidenciando os dois principais problemas que
abalam a humanidade, a degradao do ambiente e a desigualdade social, o tema sustentabilidade
tem se tornado agenda emergente, amplamente debatido. Tem levado vrios setores da sociedade
a se mobilizarem em prol de uma maior conscientizao na construo e divulgao de um saber
que possa contribuir para, se no sanar, pelo menos minimizar a contradio estabelecida. Tratase de conciliar a necessidade de produzir bens necessrios qualidade de vida das sociedades
e ao mesmo tempo preservar os elementos naturais igualmente responsveis por esta mesma
qualidade de vida.
A partir da conscincia desta contradio por parte de alguns setores sociais, a busca de
solues tem evoludo em todo o mundo, podendo ser observado tambm os seus reflexos no Brasil.
Segundo Barbieri (2009), a preocupao com os problemas ambientais decorrentes dos processos
de crescimento e desenvolvimento deu-se lentamente e de modo muito diferenciado entre os
diversos agentes, indivduos, governos, organizaes internacionais, entidades da sociedade civil.
E poder-se-ia resumir essa evoluo em algumas etapas. Primeiramente, pode-se afirmar que
houve certa ignorncia, negligncia e at indiferena da maioria das pessoas consumidores,
produtores de bens e servios em relao percepo da problemtica ambiental. E as aes
para lidar com as consequncias oriunda desses problemas ambientais so de natureza reativa,
corretiva e repressiva, a partir de multas, proibies e atividades de controle da poluio em
relao s atividades industriais e de consumo. Em seguida essa problemtica percebida como
um problema generalizado, confinado nos limites dos Estados nacionais, que intervm na resoluo
desses problemas ambientais com estmulos substituio de processos produtivos poluidores,
estudos de impacto ambiental, licenciamento de empreendimentos, entre outros. E numa terceira
etapa, toda essa problemtica percebida de maneira global, planetria, de forma que suas
consequncias podem atingir a todos como resultado do modelo de desenvolvimento concebido
e praticado pelos pases. Ento, passa-se a questionar as polticas e metas de desenvolvimento, a
racionalidade subjacente e a prpria noo de desenvolvimento apenas baseada no crescimento
econmico. dimenso econmica, so agregadas aquelas de natureza ambiental, ecolgica,
territorial, poltica, cultural e social, constituintes inseparveis do que se convencionou denominar
desenvolvimento sustentvel.
O termo sustentvel, originado do latim sustentare, significa sustentar, defender, favorecer,
apoiar, conservar e cuidar. Segundo definido pelo Relatrio Nosso Futuro Comum, conhecido
tambm com Relatrio Brundtland (1987), Desenvolvimento Sustentvel ... aquele que atende

556

s necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as geraes futuras atenderem


as suas prprias necessidades (CMMAD 1991, p. 46).
Este conceito, segundo pontua o relatrio, est baseado em dois outros conceitos-chave:
o conceito de necessidades, sobretudo necessidades essenciais dos pobres do mundo, que
deve receber a mxima prioridade; e a noo das limitaes que o estgio da tecnologia e da
organizao social impe ao meio ambiente, impedindo-o de atender s necessidades presentes e
futuras (CMMAD, 1991, p. 46. grifo do original).
Necessidades essas que devem ser bem delimitadas, compreendidas e negociadas com o
meio e satisfeitas de modo responsvel em termos de consumo e produo no presente, levando
em conta as necessidades dos outros, aqui e agora, e pensando nas necessidades daqueles que
ainda viro. como diz o provrbio chins todas as flores do futuro esto nas sementes de
hoje. Nesse sentido, o relatrio preconiza de forma direta o imperativo quanto distribuio
dos benefcios econmicos. Para que haja um desenvolvimento sustentvel, preciso que
todos tenham atendidas as necessidades bsicas e lhes sejam proporcionadas oportunidades de
concretizar suas aspiraes a uma vida melhor (CMMAD, 1991, p. 47).
Esse desafio s pode ser alcanado por uma mudana substancial na ideia de desenvolvimento,
por meio de reestruturao institucional e legal e por processos educacionais. Nesse sentido,
necessrio se fazem estratgias para substituir processos destrutivos por processos limpos,
promover a distribuio dos benefcios econmicos visando erradicao da pobreza, bem como
estabelecer programas para conter o crescimento populacional.
Sachs (2000, pp. 85-88), prope que a sustentabilidade pode ser expressa em sete
dimenses interdependentes e com profunda inter-relao: ecolgica, espacial, cultural, social,
econmica, territorial e poltica. Ou seja, ao planejar o desenvolvimento em parmetros sustentveis
necessrio considerar simultaneamente essas sete dimenses.
Dimenso social, diz respeito ao equilbrio social em termos econmicos e polticos, com
justa distribuio de renda, pleno emprego, acesso a servios bsicos como moradia, transporte,
sade, educao e alimentao; garantia de participao democrtica nos processos polticos e de
tomada de deciso, com livre expresso, direito a informao e possibilidade de organizao em
busca destes direitos.
Dimenso cultural, consiste em garantir o respeito s tradies culturais, eliminando
preconceitos e, principalmente, valorizando as culturas ditas no modernas, como as comunidades
rurais e tradicionais. A partir desses elementos Sachs sugere um projeto nacional e integrado
de desenvolvimento, desenvolvimento endgeno, em oposio ao modelo mimtico dependente

557

copiado dos pases centrais (Europa e Estados Unidos). O desenvolvimento endgeno, segundo
Godard et al. (1987), consiste em que sociedades nacionais e locais adquiram certo domnio como
atores do seu prprio desenvolvimento.
Dimenso ecolgica, refere-se conservao da natureza (dos ecossistemas), levando em
conta seus elementos biolgicos e fsico-qumicos. A sustentabilidade ecolgica significa parcimnia
no uso dos recursos, considerando sua capacidade de resilincia, devendo, portanto, serem
priorizados os recursos renovveis. o que Dansereau (1999, p. 303) define como prospeco
ecolgica, que significa levar em conta os critrios e limites do meio ecolgico, em contraste
aos critrios econmicos, histricos, culturais e polticos e de construo da territorialidade. O
mesmo deve se dar no plano das disciplinas correspondentes economia, histria, sociologia,
entre outras, que devem revisar seus esquemas a partir de uma perspectiva dos limites ecolgicos.
A partir desta premissa, torna-se fundamental a mudana nos padres de consumo e a reverso do
modelo cultural que sustenta os padres atuais, de elevado consumo de energia e demais recursos
e gerador de resduos. Essa dimenso remete prpria sustentao da economia como atividade
dependente dos recursos naturais. Remete tambm noo de necessidade objetiva, em contraste
com as necessidades subjetivas socialmente construdas.
Dimenso ambiental, incorpora as dimenses territorial e ecolgica, e est intimamente
ligada com a compreenso dos limites e capacidades dos ecossistemas. Como afirma Merico
(1996, p. 30), a biosfera no cresce e a fonte de todos os recursos que alimentam a economia
e lugar de deposito dos resduos e rejeitos. Portanto, deve-se respeitar dois pressupostos bsicos:
no retirar dos ecossistemas mais do que a sua capacidade de regenerao; no lanar aos
ecossistemas mais do que a sua capacidade de absoro. A partir desta compreenso, o ambiente
resultado das atividades humanas na biosfera.
Dimenso territorial, deve considerar a ocupao planejada do espao, respeitando
os limites impostos pelo sistema ecolgico na construo da territorialidade5. Precisa levar em
conta o equilbrio na ocupao do espao, principalmente considerando a distribuio entre
meio urbano e rural. Necessrio se faz polticas que contenham a expanso urbana, em muitos
casos privilegiada na prpria alocao de recursos governamentais em infraestrutura e fomento
produo como um todo, favorecendo o abandono do campo. Portanto, a valorizao da produo
sustentvel no campo, inclusive com polticas de formao tcnica para atividades neste meio,
tendo em vista a conservao de ecossistemas e da biodiversidade, configura aes importantes
rumo sustentabilidade espacial ou territorial.
Dimenso econmica, significa garantir a viabilidade econmica do desenvolvimento,
no sentido de construir um modelo produtivo vivel, provedor das necessidades sociais e

558

condio necessria para erradicao da pobreza, sem a exausto dos recursos naturais que
o sustentam. Portanto, no dilapidador dos recursos naturais e no degradador do equilbrio
sociocultural. Desenvolvimento econmico diversificado, intersetorial, com capacidade de
inovao e modernizao contnua dos instrumentos de produo. A economia como atividade
humana provedora das necessidades sociais.
Dimenso poltica, se d em dois mbitos: nacional, a democracia como expresso prtica
dos direitos humanos. O estado como expresso coletiva da sociedade envolvendo seus vrios
setores e interesses, manuteno das instituies democrticas e segurana jurdica, a partir da
construo de regras estveis e duradouras, considerando as trs esferas, federal, estadual e
municipal; internacional, a busca incessante pela paz e cooperao entre os povos, a reduo
das assimetrias entre norte e sul, compartilhamento de responsabilidades, controle do sistema
financeiro internacional, estabelecimento e aplicao efetiva de princpios de precauo na gesto
ambiental dos recursos naturais, visando prevenir as mudanas climticas globais, conservao
da biodiversidade biolgica, respeito diversidade cultural, gesto efetiva dos patrimnios da
humanidade, cooperao cientfica e tecnolgica, a partir da compreenso de que se trata de
patrimnio construdo historicamente, portanto, de propriedade e uso comum da humanidade.
Embora no se possa afirmar que j esta havendo uma mudana de paradigma, algumas
prticas, a partir da perspectiva da sustentabilidade, j ocorrem em nvel mundial. A ttulo de
ilustrao citam-se algumas aes.
Durante as crises financeiras de 2007, 2008 e 2009, a Coreia do Sul, utilizou quase a
totalidade dos recursos destinados a reaquecer a economia em tecnologia verde. Aquele pas
resolveu ser a primeira nao no mundo a ter uma Economia Verde6. Essa atitude se deu a partir
da percepo de que se trata de uma mudana necessria e ao mesmo tempo uma oportunidade
de desenvolvimento tecnolgico, com resultados econmicos inerentes. A percepo que h
enormes oportunidades em tecnologias sustentveis, diante do desafio em que a humanidade e a
economia se encontram. Os primeiros que realizarem essas oportunidades podero inaugurar um
outro estilo de vida e de economia e ao mesmo tempo estaro ajudando a salvar o planeta.
A proposta de uma Economia Verde7 est na agenda de desenvolvimento internacional, e
foi tema central na prxima Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento Sustentvel,
no Rio de Janeiro, de 13 a 22 de junho de 2012. A Rio + 20, como foi apelidada a referida
conferncia, tratou da Economia Verde, no contexto do desenvolvimento sustentvel e da
erradicao da pobreza.
H inmeras oportunidades de trabalho e renda relacionadas preservao ambiental,
como, por exemplo, na conservao e manejo sustentvel de florestas e rios, no tratamento dos

559

resduos slidos, na eficincia energtica, na produo agrcola orgnica e de baixo carbono e


ainda em mecanismo de Produo mais Limpa. Segundos os dados da Organizao Internacional
do Trabalho OIT, as atividades em prol da sustentabilidade j so responsveis por cerca de
2,5% dos empregos em pases como Brasil e Estados Unidos, portanto j evidenciando ganhos
sociais importantes.
Conforme relatrio da UNEP, um investimento anual de 2% do PIB global para adaptar as
economias a um futuro mais sustentvel poderia trazer como benefcio secundrio um crescimento
econmico de 15,7% at 2050. O mesmo relatrio sugere que seriam necessrios investimentos
equivalentes a US$ 1,3 trilho anuais (cerca de R$ 2,15 trilhes) em algumas reas-chave como
agricultura, construes, suprimento de energia, pesca, florestas, indstria, turismo, transporte,
manejo de lixo e gua, para garantir uma economia verde, de baixo carbono e eficiente no
uso dos recursos. Pode-se pensar que seja um valor alto demais, contudo, a remediao de
catstrofes socioambientais pode ter custo ainda maior, com prejuzos incalculveis tanto em
termos econmicos como em termos socioambientais.
3. EDUCAO PARA CONSUMO RESPONSVEL8
Em discurso sobre a necessidade de mudana de hbitos de consumo, o Diretor Geral das
Naes Unidas para o Desenvolvimento Industrial, Kandeh Yumkella, salientou que cerca de
70% das emisses de gases de efeito estufa resultam de atividades relacionadas produo e
ao consumo de energia, com destaque para seu consumo na produo industrial. Portanto, no
possvel falar de desenvolvimento sustentvel sem falar de uma revoluo energtica e sem
uma revoluo nos padres de consumo e na distribuio de renda. Ainda segundo Yumkella,
a questo climtica e a pobreza so os dois maiores problemas dos tempos modernos e esto
interligados. Com efeito, pode-se afirmar que a ligao entre estes dois grandes dramas da era
moderna justamente o modelo de desenvolvimento baseado na produo e consumo.
absolutamente vital um novo estilo de produzir com novos padres tecnolgicos, utilizandose de tcnicas e tecnologias mais limpas, com economia de materiais, diminuio de uso de insumos
txicos, como metais pesados, diminuio de gerao de resduos, reciclagem, reuso de materiais
e tratamento do lixo, tratamento e reuso de gua, eliminao e diminuio de defensivos agrcolas,
uso de agricultura orgnica, melhoria do transporte e armazenamento, visando diminuio de
desperdcios e assim por diante. Todas essas aes so necessrias e emergentes, mas no so
suficientes, sem que haja uma mudana cultural em relao aos padres de consumo.

560

A alterao dos padres de produo e consumo um requisito fundamental para se


alcanar um desenvolvimento sustentvel, como reconhecido pelos Chefes de Estado e governos
na declarao de Johanesburgo (2002). O uso intensivo de recursos, padres de consumo e
produo dos pases desenvolvidos no pode ser replicado em todo o mundo porque, como
sugerem alguns clculos, ele exigiria recursos de trs planetas para sustentar tais padres. O
impacto sobre o clima e os ecossistemas do mundo seriam enormes e imprevisveis at mesmo
perigoso (DESA, 2011). O desenvolvimento sustentvel , portanto, uma responsabilidade coletiva
(UNEP, 1998). Produo responsvel exige uma reformulao fundamental da forma como as
sociedades produzem, usam e descartam produtos (DESA, 2011).
Segundo definio da Commission on Sustainable Development CSD-UN, (1995) (Comisso
para o Desenvolvimento Sustentvel da ONU), consumo sustentvel consiste na utilizao de
servios e produtos que correspondam s necessidades bsicas e proporcionem melhor qualidade
de vida, evitando o uso excessivo de recursos naturais e impedindo o uso de materiais txicos, bem
como reduzindo a gerao de resduos e emisses poluentes durante o ciclo de vida do produto.
Em documento intitulado Consumo Sustentvel, a United Nations Environment Programme
(UNEP) (Programa Ambiental das Naes Unidas), especifica padres de consumo como resultado
de escolhas e de variadas atividades, feitas pelos agentes do mercado, do governo, e por famlias e
indivduos. Afirma tambm que influenciando essas escolhas, significa estimular e facilitar novas
oportunidades econmicas, melhores produtos e servios. Tem papel fundamental, igualmente,
a estruturao de aparato institucional e marco legal, no sentido de coibir comportamentos,
produo e consumo insustentvel.
Mas qual o papel da educao para desenvolver uma cultura de sustentabilidade e de
consumo responsvel? Nos Parmetros Curriculares Nacionais PCN, alm das disciplinas
consideradas fundamentais para o conhecimento dos saberes acumulado socialmente, so
inseridas questes urgentes que devem necessariamente ser tratadas de maneira transversalizada.
Um dos temas transversais proposto o Meio Ambiente. Estud-lo tem como funo principal
a contribuio para a formao de cidados conscientes, aptos para decidirem e atuarem na
realidade socioambiental de um modo comprometido com a vida, com o bem estar de cada um e
da sociedade, local e global (BRASIL, 1997, p. 20).
O conceito de sustentabilidade na educao, como destaca Gadotti (2008), uma oportunidade
para, por meio do estudo desse tema transversal, resgatar o sentido de educao e cidadania. Para
esse autor, a sustentabilidade est relacionada ao sonho de bem viver, de uma dinmica relacional
equilibrada entre homem e ambiente. Nesse sentido, ele concebe educao para a sustentabilidade,

561

como educao para a vida, j que no so coisas separadas. No h educao descontextualizada,


fora do ambiente como se pode inferir a partir da pedagogia de Paulo Freire. (FREIRE, 1983).
Nesse sentido, Gadotti (2000) prope uma pedagogia da terra a partir da qual intrnseca
o que denomina ecologia integral, que implica uma mudana nas estruturas econmicas, sociais
e culturais e na relao com o meio. O princpio da sustentabilidade traduzido na educao,
como questionamentos existenciais e da vida concreta: qual o sentido que damos a tudo o que
fazemos? Qual o impacto de nossas aes no meio, na qualidade de vida dos povos e para a sua
felicidade e assim por diante? A sustentabilidade pode ser trabalhada tambm a partir de dois
eixos fundamentais: um relativo natureza e o outro relativo sociedade. O primeiro refere-se
sustentabilidade ecolgica, ambiental, espacial e territorial, onde esto os recursos naturais
e ecossistemas, que esto relacionados base fsica do processo de desenvolvimento e com a
capacidade de a natureza suportar a ao humana, com vistas sua reproduo e aos limites das
taxas de crescimento populacional; e o segundo, refere-se sustentabilidade social, econmica,
poltica e cultural, que se concerne manuteno da diversidade e das identidades, diretamente
relacionada com a qualidade de vida das pessoas, da justia distributiva e ao processo de construo
da cidadania e da participao das pessoas no processo de desenvolvimento (GADOTTI, 2008).
Pensamento, este, portanto, que vem ao encontro da proposta do PCN, cujo entendimento a
educao a partir da compreenso da complexidade da natureza e da sociedade, suas correlaes
e interaes (BRASIL, 2001).
Nesse sentido, as aes a partir da complexidade ambiental vinculam-se a escolhas
pessoais e como grupo, relacionadas conformao de novos valores de ver e viver no mundo,
principalmente no que se refere ao modo de produzir e consumir, como tambm na construo
de novas interpretaes da relao homem e natureza. De fato, talvez seja essa a funo primeira
da educao para a sustentabilidade, a de se propor a conformar esses valores para criar uma
conscincia condizente com comportamentos ambientais saudveis. Trata-se de desenvolver novos
padres comportamentais, que devem estar intimamente vinculados com mudanas de atitudes
necessrias com vistas sustentabilidade. No so atitudes inatas, mas aprendidas, mudanas de
valores, segundo preconizado por Sachs (2000), quando prope as dimenses de sustentabilidade.
A UNEP prope o uso de algumas ferramentas para estimular essa conscincia, tais como
uso de marketing e publicidade, avaliao do ciclo-de-vida e ecodesign, visando aos poucos
criar uma conscincia dos problemas relacionados ao consumo excessivo e ao mesmo tempo das
possibilidades de sustentabilidade a partir de consumo consciente e responsvel.
Nos espaos educacionais, essas prticas podem ser subsidiadas por ferramentas e atividades
pedaggicas, como cartazes, vdeos, oficinas de leitura e debates, atividades de coleta e separao

562

de resduos, oficinas psico-pedaggicas relacionadas cultura consumista e o controle do impulso


de consumo, atividades de separao de itens de consumo classificando-os como essenciais e
suprfluos, oficinas de estabelecimento das relaes entre os produtos e suas matrias-primas
originrias, oficinas de reuso de materiais e recuperao de produtos.
Um processo educativo pode ser definido como um ato contnuo de tornar-se consciente do
mundo que nos cerca e sobre seu estado de coisas e, a partir desta conscincia, fazer as opes
em relao s vrias dimenses que integram a vida em sociedade e no ambiente. Portanto, um
processo de integrao consciente com a sociedade e suas contradies e com o meio em que se
vive. No se limita, assim, apenas circunscrio da escola e da sala de aula e, nesse sentido,
tm papel fundamental os mecanismos de comunicao social, tais como televiso, jornais, rdios,
internet, outdoors entre outros. A influncia destes, de responsabilidade do Estado e das polticas
pblicas, deve fazer parte da agenda de sustentabilidade e dos mecanismos legais e institucionais
de controle.
O intercmbio de experincias de boas prticas de sustentabilidade a partir do uso dos meios
de comunicao, nas vrias partes do mundo, tambm pode ter grande poder pedaggico de forma
a evidenciar que no existe apenas a cultura de consumo, e que a incluso em grupos sociais no
depende apenas do poder aquisitivo e da capacidade de consumir coisas, mas pode advir tambm
da busca de interesses comuns como a causa da sustentabilidade. Portanto, as relaes sociais
no precisam ser necessariamente mediadas por relaes comerciais ou demarcadas pelo poder
de compra e posse de bens de consumo.
Nossas relaes podem ser mediadas por valores, e, nesse sentido, Almeida (2009) traz uma
reflexo de Hannah Arendt sobre o Amor mundi, que significa a importncia do valor do amor, do
cuidado por este mundo, entendido tambm como responsabilidade poltica e econmica pelo mundo;
mundo este, para Arendt, compreendido como o conjunto de artefatos e instituies criadas pelo
homem, que permitem que eles estejam relacionados entre si sem que deixem de estar simultaneamente
separados. E ainda como espao institucional que deve sobreviver ao ciclo natural da natalidade e
mortalidade das geraes, e o lugar das estrias humanas espao onde se possa garantir as relaes.
Por meio da educao podemos ento introduzir as crianas e jovens ao apreo por este mundo.
Quem educa, prope Arendt, se torna responsvel por quem est sendo educado e pelo mundo, pois
no processo de educao decidimos se amamos o mundo e quem nele habita. O amor, como valor,
uma resposta destruio do mundo e ao no-mundo, a qual ela caracteriza como a sociedade
moderna organizada em torno do processo vital de produo e de consumo. tambm atravs dos
conceitos de ao e pensamento que Arendt mostra que vale a pena apostar no mundo, apesar deste
estar fora do eixo e o quanto importante o papel da educao no sentido de encorajar os alunos a

563

estabelecerem um vnculo com esse espao comum de todos, que o mundo, [os quais nos demanda
respeito e atitude responsvel, quer quando produzimos, quer quando consumimos].

4. CONSIDERAES FINAIS
O homem est sempre em constante interao, em relao permanente com aquilo que cria
e com o ambiente que o cerca, seja ele organizacional, educacional, urbano ou ecolgico, o seu
meio ambiente. E se o que ele cria com o desenvolvimento tecnolgico for provido de valores
humanos positivos e sustentveis, com certeza estar ajudando a preservar e no ultrajar a sua
moradia: meio ambiente. Se, por um lado, preciso humanizar a economia que se tornou a
ameaa mais grave ecologia por outro, so necessrios valores ticos a fim de minimizar
os efeitos da crise ambiental, resultante de crise antropolgica, da humanidade em relao ao
ambiente. A soluo desta crise depende de comportamentos ticos, como cidados, empresrios,
governantes, no que se refere a um novo modo de produzir e consumir.
A mudana climtica, a extino macia de espcies, a degradao dos oceanos, por um
lado, e questes sociais relacionadas falta de emprego, m distribuio de renda, aumento
populacional, por outro, convocam para um esforo coletivo, com todas as organizaes, governo,
sociedade civil, comunidade cientfica, para uma tomada de conscincia de que somos responsveis
pela sade do planeta, e que podemos ainda nos reunir para corrigir os rumos dessas situaes,
pois as respostas que daremos a esses desafios afetaro toda a humanidade, quer positivamente,
quer negativamente. como nos alerta Diamond (2007), quando afirma que o fracasso de uma
sociedade pode recair sobre povos perifricos em reas frgeis, mas tambm sobre sociedades
avanadas e criativas como a nossa. Como afirma Eduardo Galeano, que tal se delirarmos por
um momento [...] para imaginar um outro mundo possvel, no qual o ar estar limpo de todo o
veneno que no provenha dos medos humanos.10
REFERNCIAS
ALMEIDA, V. S. de. Amor Mundi e educao: reflexes sobre o pensamento de Hanna Arendt. 2009.
193 f. Tese (doutorado) - Faculdade de Educao, Universidade de So Paulo, so Paulo, 2009.
BARBIERI, J. C. Desenvolvimento e meio ambiente: as estratgias de mudana da agenda 21. Petrpolis,
Rio de Janeiro: Vozes, 2009.
BRASIL. Parmetros Curriculares Nacionais - apresentao dos temas transversais: cincias naturais.
Ministrio da Educao. Secretaria da Educao Fundamental. Braslia: MEC/ SEF, 1997.

564

BRASIL. Parmetros Curriculares Nacionais - apresentao dos temas transversais: tica. Ministrio da
Educao. Secretaria da Educao Fundamental. 3. ed. Braslia: A secretaria, 2001.
COMISSO MUNDIAL SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO CMMAD Nosso Futuro
Comum. Rio de Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1991.
DANSEREAU, P. (1999) Uma preparao tica para a mudana global: prospeco ecolgica e
prescrio moral. In: P.F. Vieira e M. A. Ribeiro (Orgs.). Ecologia humana, tica e educao. A mensagem
de Pierre Dansereau. Florianpolis: APED, pp. 299-370.
DEPARTMENT OF ECONOMIC AND SOCIAL AFFAIRS ( DESA). Population Division. World Urbanization
Prospects The 2011 Revision: Highlights, United Nations New York, 2012.
DIAMOND, J. O Colapso: Como as Sociedades Escolhem o Fracasso ou o Sucesso. 5. ed. Rio de Janeiro:
Record, 2007.
FERNANDES, Valdir. Racionalizao da vida como processo histrico: crtica racionalidade econmica
e ao industrialismo. Cadernos EBAPE.BR: Rio de Janeiro: FGV/EBAPE, 2008.
FERNANDES, V. & SAMPAIO C. A. C. Problemtica ambiental ou problemtica socioambiental? A
natureza da relao sociedade/meio ambiente. Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, n. 18, p. 8794, jul./dez. 2008. Editora UFPR.
FRASES E PROVRBIOS. Uma coletnea com as melhores frases e provrbios. Disponvel em: <http://
www.fraseseproverbios.com/proverbios-chineses.php>. Acesso em 26/04/2012.
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido. 13. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra. (Coleo O Mundo, Hoje,v.21),
1983.
GADOTTI, M. Pedagogia da Terra. So Paulo: Petrpolis, 2000.
_____. Educar para a sustentabilidade. So Paulo: Instituto Paulo Freire, 2008.
GODARD, O.; CERON, J. P.; VINAKER, K.; PASSARIS, S. Desarrollo endogeno y diferenciacion de
espacios de desarrollo: um esquema de analisis para el desarrollo local. Estudios Territoriales, n.24, p.135147, 1987.
GORZ, A. Metamorfoses do trabalho: crtica da razo econmica. So Paulo: Annablume, 2003.
HAESBAERT, Rogrio. Territrios altenativos. Niteri: EDUFF; Sao Paulo: Contexto, 2002.
ILLICH, Ivan. A convivencialidade. Lisboa: Europa-Amrica, 1976.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA (IBGE). Censo Demogrfico 2010.
Disponvel em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/default.shtm>. Acesso em
27/04/2012.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA (IBGE). Censo 2010. Disponvel em: <http://
www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1766>. Acesso em 27/04/2012
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA (IBGE). Projeo da Populao do Brasil.
IBGE: Populao brasileira envelhece em ritmo acelerado. Disponvel em: <http://www.ibge.gov.br/home/
presidencia/noticias/noticia_impressao.php?id_noticia=1272>. Acesso em 27/04/2012

565

LEBOW, Victor Price competition in 1955 Journal of Retailing, Spring, 1955. The real meaning of
consumer Demand.
MERICO, L. F. K. Introduo economia ecolgica. Blumenau: Furb, 1996.
UNITED NATIONS (UN). Sustainable Production, Consumption Practices Key To Combating
Environmental. Press Release, NGO/732, 2011. Disponvel em: <www.un.org/News/Press/docs/2011/
ngo732.doc.htm>. Acesso em: 26/04/2012
UNITED NATIONS (UN). Consumption and production patterns United Nations Department of Economic
and Social Affairs. Disponvel em: <www.un.org/en/development/desa/climatechange/consumption.shtml>.
Acesso em 26/04/2012.
PROGRAMA DAS NAES UNIDAS PARA O MEIO AMBIENTE (PNUMA). Resoluo 9/20/A, de maio de
1981. Disponvel em: <http://www.pnuma.org/educamb/index.php>. Acesso em: 10/09/2011.
ROCHA, P. E. Diaz. Interdisciplinaridade e Meio Ambiente em Cursos de Ps-graduao no Brasil.
Tese. Curso de Ps-Graduao em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade, Universidade Federal Rural Rio
de Janeiro, 437p., 2001.
SACHS, I. Caminhos para o desenvolvimento Sustentvel. Rio de janeiro: Garamound, 2000.
SUZUKI D.T. Males do consumismo. Publicao Urtiga 155, maro/abril 2003, pginas centrais.
UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME (UNEP), Sustainable Consumption. Division of
Tehnology, Industry and Economics Production and Consumption Unit. Disponvel em: <http://www.unep.fr/
scp/sc/pdf/SCbrochure.pdf >. Acesso em 27/04/2012

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Vdeos Histria das coisas e obsolescncia programada.

2 Resilincia A palavra resilincia tem origem no latim (reslio: retornar a um estado anterior).
Resilincia a propriedade pela qual a energia armazenada em um corpo deformado devolvida quando
cessa a tenso causadora da deformao elstica (HOUAISS; VILLAR, 2001). Adaptando-se questo
ambiental, ou a uma viso sistmica, resilincia a capacidade de um sistema de superar o distrbio
imposto por um fenmeno externo e manter-se inalterado. a resilincia que determina o grau de defesa,
ou vulnerabilidade, do sistema s presses ambientais externas.
3

Racionalidade econmica pode ser definida como a instrumentalizao de toda a vida em funo de finalidades
e critrios econmicos. A racionalidade econmica pode ser definida como aplicao da racionalidade
instrumental para finalidades de contedo predominantemente econmico. A racionalidade instrumental
consiste na capacidade de construir os meios para se atingir os fins (FERNANDES, 2008, pp. 14-19).

Vdeos Economia e sustentabilidade e Desenvolvimento sustentvel

O termo territorialidade associa-se ideia de integrao de uma rea efetivamente ocupada pela populao,
pela economia, a produo, o comrcio, os transportes, a fiscalizao, em fim, onde se do as relaes
(HAESBAERT, 2002).

566

6 Economia Verde, aquela que resulte em um bem-estar humano melhor e mais igualdade social,
ao mesmo tempo reduzindo os riscos ambientais e as carncias ecolgicas. Uma Economia Verde se
caracteriza pelo foco dos investimentos em atividades relacionadas conservao ambiental ou visando
aproveitar e potencializar o capital natural, social e humano, considerando em suas decises os limites
do planeta e os interesses sustentveis da sociedade. (Programa Ambiental das Naes Unidas (United
Nations Environmental Programme UNEP).
7

Vdeo Cidades e Solues: O maior projeto de reuso de gua do mundo.

Vdeo Consumo responsvel.

Vdeo O Direito ao Delrio.

567

TICA E CONSUMO

Ricardo Tescarolo

INTRODUO
A transformao que a humanidade e a Terra experimentam hoje, embora no represente
uma novidade, , sem dvida, um fenmeno indito em sua radicalidade e rapidez. Nesse
contexto crtico e dinmico, impe-se a necessidade de mudanas radicais em sistemas to
complexos como redes de transporte, matrizes energticas, governana pblica e privada e
modelos e sistemas educacionais.
Os inditos desafios provocaram a emergncia de uma nova tica, constituda na sustentao
universal da ao que acompanha a vida e contribui para transformar as realidades humanas, na
medida em que foi a negao dessa condio que deflagrou novos problemas.
A crise atual produto de uma cosmoviso1 fundada no materialismo e em uma perspectiva
exclusivamente antropocntrica. Em tal concepo, o ser humano tratado como mo de obra e
mercadoria e a natureza como matria-prima. Os dados disponveis demonstram claramente que
a crise planetria decorre da convico de que a felicidade depende em grande parte do consumo
de quantidades crescentes, e no mais das vezes desnecessrias, de bens materiais e servios.
A isso se denomina consumismo, processo de natureza econmica e social baseado na criao e
desenvolvimento sistemticos de um desejo compulsivo de comprar e consumir cada vez mais.
O consumismo uma das caractersticas culturais mais marcantes da sociedade atual,
sendo as crianas e os jovens os mais atingidos pelos excessos que provoca, como a obesidade,

569

a violncia, o materialismo excessivo, o desgaste das relaes sociais e a erotizao precoce.


Ela constitui, em estado crtico, uma patologia, denominada Oneomania, transtorno psiquitrico
marcado pelo desejo irrefrevel de comprar sem qualquer critrio ou conscincia da necessidade
e condio financeira.
Apresentamos a seguir um exemplo das consequncias do consumismo. Celulares, GPS,
TV de plasma, PDA, MP3, MP4, jogos eletrnicos, armas sofisticadas, estaes espaciais, msseis
teleguiados e toda uma gama de sofisticados equipamentos eletrnicos dependem de um metal,
o coltan (conhecido como ouro cinza). Ele resulta da combinao de dois minerais, a columbita
e a tantalita (da col-tan), de que se extrai o metal atualmente mais cobiado do que o ouro.
Esse metal considerado altamente estratgico e essencial para as novas tecnologias. Cerca de
80% das reservas do coltan encontram-se na Repblica Democrtica do Congo, onde ocorre uma
guerra desde o dia 2 de agosto de 1998 em razo da ocupao militar por Ruanda e por Uganda,
que lutam pelo controle do coltan do Congo, onde j morreram mais de dois milhes de pessoas
em consequncia do conflito.
Segundo a Federacin de Comits de Solidariedad com frica Negra (cf. www.umoya.
org), o que torna a situao mais grave a passividade da comunidade internacional, que no
pode mais ignorar que a guerra na Repblica Democrtica do Congo tem como causa a busca
desse metal por grandes empresas com um custo altssimo para a vida humana e para a natureza.
O IPIS (International Peace of Information Service http://www.ipisresearch.be/?lang=en)
realizou estudo minucioso sobre a vinculao das empresas ocidentais com a explorao do
Coltan e com o financiamento da guerra no Congo. Sem dvida, os obscuros negcios dessas
indstrias so, em primeira instncia, responsveis por essa guerra. E quem vende, compra e usa
a parafernlia eletrnica disponvel no mercado pode no ter conscincia do problema, mas tem
parcela de responsabilidade.
Outra informao, agora do Banco Mundial2, em relao ao consumo privado no mundo:
20% da populao mais pobre consome 1,5% dos bens e servios oferecidos pelo mercado; cerca
de 60% da chamada classe mdia 21,9%; e 20% da populao mais rica consome 76,6% (Fonte:
Indicadores do Banco Mundial, 2008).
Arlie Hochschil (apud BAUMAN, 2011) apresenta um dano colateral provocado pela onda
consumista: o ciclo vicioso da materializao do amor (p 65). Explica ele que,
expostos a bombardeio ininterrupto de publicidade diria de trs horas de televiso (a metade de todo seu
tempo ocioso), os trabalhadores so persuadidos a necessitar de mais coisas. E para comprar aquilo que
agora necessitam, eles precisam de dinheiro, Para ganhar dinheiro, trabalham mais horas. Estando longe de
casa tantas horas, compensam sua ausncia com presentes que custam dinheiro. Eles materializam o amor. E
assim o ciclo se perpetua (p. 208).

570

Benjamin Barber, em seu livro com o sugestivo ttulo Consumido Como o mercado corrompe
crianas, infantiliza adultos e engole cidados(2007), explica que a recente crise financeira
mundial destruiu certos mitos, como o de que o capitalismo pode triunfar fabricando desejos e
necessidades, e no produtos. A nova religio do consumismo desenfreado, com sua induo
de crianas catedral do comrcio, sacraliza (as) novas necessidades (p. 62).
Veja o caso, publicado no jornal Folha de S. Paulo (Domingo, 29 de abril de 2012
Cotidiano, p. 7), do desequilbrio existente entre a infraestrutura hdrica disponvel no serto
nordestino e o aumento da renda de seus habitantes. Essas pessoas no dispem de gua encanada,
mas possuem TVs LCD, antenas parablicas, e at geladeiras e mquinas de lavar roupa. Segundo
a Fundao Getlio Vargas, mencionada na reportagem, a renda da regio Nordeste cresceu
42% entre os anos de 2001 e 2009 (cf. FGV), mas o total de casas com gua encanada na regio
cresceu apenas 6,9% (cf. IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica).
Outro exemplo encontra-se descrito no relatrio publicado pela Organizao para a
Agricultura e o Alimento (Food and Agricultural Organization FAO) da Organizao das Naes
Unida (ONU), o setor de produo de carne animal produz mais efeito estufa do que todo o
sistema de transporte, sendo hoje a maior fonte de degradao da terra e da gua.
As pessoas esto consumindo cada vez mais carne animal a cada ano, provocando um
aumento de 229 milhes de toneladas entre 1999/2001 para 465 milhes de toneladas em
2050.Tal crescimento cobrar um altssimo preo ambiental, de acordo com o relatrio da FAO
(ONU) Livestocks Long Shadow Environmental Issues and Options. O custo ao meio ambiente
em consequncia da produo de carne animal precisa ser cortado pela metade, apenas para
evitar que o problema piore alm de seu nvel atual.3
Por tudo isso, uma vida mais simples e frugal a iniciativa imediata que todos podemos
tomar, no significando, entretanto, que a tica da responsabilidade seja contrria ao prazer,
mas sim que os prazeres que ela valoriza no provm do consumo exagerado (SINGER, 2006,
p. 304). A consequncia so os altos nveis de endividamento pessoal, menos tempo
livre e o meio ambiente danificado, sinais evidentes de que o consumo excessivo est
diminuindo a qualidade de vida das pessoas (cf. Estado do mundo 2004, World Watch
Institute: www.worldwatch.org).
Vale enfatizar, todavia, que deve-se evitar uma postura reducionista. Sem dvida, a sociedade
do consumo dever ser corrigida e enquadrada, mas no posta no pelourinho. Portanto, no se
deve rejeitar tudo, ainda que muito precisa ser reajustado e reequilibrado a fim de que a ordem
tentacular do hiperconsumo no esmague a multiplicidade dos horizontes da vida (LIPOVETSY,
2007, p. 370).

571

Assim, para enfrentar e ajudar superar a profunda e grave crise atual, a humanidade conta
com uma nova tica.
A TICA EMERGENTE
A palavra tica tem origem no termo grego ethos, que se refere aos usos e costumes
vigentes numa sociedade e tambm, secundariamente, aos hbitos individuais (COMPARATO,
2006, p. 96).
O dicionrio eletrnico Houaiss define tica como parte da filosofia responsvel pela
investigao dos princpios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento
humano, refletindo a respeito a essncia das normas, valores, prescries e exortaes presentes
em qualquer realidade social.
A tica pode chegar ao nvel das questes prticas,
como o tratamento dispensado s minorias tnicas, a igualdade para as mulheres, o uso de animais em
pesquisas e para a fabricao de alimentos, a preservao do meio ambiente, o aborto, a eutansia e a
obrigao que tm os ricos de ajudar os pobres (SINGER, 2006, p.9).

J na viso de Vazquez (1998), a tica constitui a teoria ou cincia do comportamento


moral dos homens em sociedade ocupando o setor da realidade humana que chamamos moral
(p. 12).
Contudo, a natureza qualitativamente nova de muitas de nossas aes descortinou uma
dimenso inteiramente nova do significado tico, no prevista nas perspectivas e nos cnones da
tica tradicional, tendo como um pressuposto a responsabilidade humana. (JONAS, 2006, p. 29),
A tica emergente, como fundamento da responsabilidade social e ambiental, tem como
misso tomar os problemas gerados globalmente e os enfrentar queima roupa em seu prprio
nvel (BAUMAN, 2011, p. 35).
A explorao excessiva dos recursos naturais consequncia direta da ao humana que,
em sua irrupo violenta e violentadora na ordem csmica e na invaso atrevida dos diferentes
domnios da natureza por meio de sua incansvel esperteza, demonstra que a violao da
natureza e a civilizao do homem andam de mos dadas (JONAS, 2006, p. 32).
A oportunidade de encontrar o atalho para um mundo mais bem ajustado, no entanto, foi
perdida. Em vez disso, pode-se dizer que, entre este mundo, aqui e agora, e um outro mundo,
hospitaleiro humanidade e amigvel, no restou nenhuma ponte visvel, seja ela genuna ou
suposta (BAUMAN, 2011, p. 33).Tal anlise corroborada por Horkheimer (2002) quando

572

afirma: a histria dos esforos humanos para subjugar a natureza tambm a histria da
subjugao do homem pelo homem (p. 109).
nesse contexto de perplexidade que a nova tica se apresenta: como movimento
transformador que transcende ao modernismo progressista, ainda que o reconhea, e se empenha
para favorecer um hbitat planetrio sustentvel para seres vivos interdependentes, alm e contra
o apelo disfuncional do mercado competitivo global (OSULLIVAN, 2004, p. 26).
A tica assume, por conseguinte, um novo sentido radical: no s como responsabilidade
individual, mas tambm coletiva, levando em conta as consequncias das intervenes humanas
no mundo, muitas vezes inconscientes, mas sempre produtoras de consequncias, construtivas
ou destrutivas.
A tica da responsabilidade reconhece a dimenso vital da relao entre todas as pessoas
e destas com o Planeta; representa a origem primordial dos valores; constitui o encontro do
conhecimento e da conscincia; estabelece-se como a condio fundamental da liberdade e da
solidariedade universais; e propicia a interveno humana no mundo. Isso implica a adoo de
uma dupla concepo contempornea de tica: como ptica dos valores irrenunciveis e como
negociao dos consensos com vistas a normas jurdicas e a criao de instituies, que tero efeitos
autorreguladores na dinmica social das sociedades complexas (ASSMANN, 1996, p. 230).
O novo paradigma, portanto, no resulta apenas de reforma ou mudana, mas da
transformao completa de essncia, forma, natureza e estrutura da civilizao contempornea de
tal modo veloz, profunda e abrangente que significa de fato verdadeira metamorfose antropolgica.
Alain Touraine (2007) categoriza esse processo como o conjunto das transformaes
profundas das sociedades contemporneas (p. 17). Tal condio anuncia a progressiva substituio
do paradigma social por outro mediante inexorvel processo de dessocializao [tambm
decomposio, ou declnio] (idem, p. 23). A reconhecida dessocializao acompanhada
pela generalizao de uma violncia de mil formas e faces, que rejeita todas as normas e os
valores sociais (idem, p. 240).
Na viso do socilogo francs, no esforo de se criar instituies e regras que sustentaro a
liberdade e a criatividade das pessoas, coloca-se em risco a sociedade. Por tal razo, considera-se
tambm que
a possibilidade de sobreviver dignamente neste planeta depende da aquisio de uma nova mentalidade
[que] precisa, entre outras coisas, ser talhada em uma epistemologia radicalmente diferente que ir orientar
as atitudes relevantes. Assim sendo, acima de toda a sua intrnseca beleza, os meandros epistemolgicos [...]
parecem imprescindveis (VARELA; THOMPSON; ROSCH, 2003, p. 46).

573

A tica assume aqui um sentido mais radical: no s como responsabilidade pelo outro,
mas tambm em relao s consequncias das nossas aes muitas vezes inconscientes e no
intencionais, mas sempre produtoras de consequncias, construtivas ou destrutivas na escola,
onde seus atores agem e so principalmente mistrio.
A tica, ento, no ser apenas sistmica ou ontolgica, mas tambm e principalmente
interpessoal, porque reconhece a dimenso sagrada da relao de cada pessoa com a outra, o que
pode representar uma interrogao, um desafio ou uma ameaa, mas tambm uma resposta, um
perdo, uma presena ou uma promessa.
A tica representa a origem primordial dos valores; constitui o encontro do conhecimento
e da conscincia; representa a condio fundamental da liberdade e da solidariedade universais,
como utopia e mistrio; e propicia a atividade teleolgica de interveno humana no mundo.
No fosse desse modo, o sentido tico de toda ao acabaria se diluindo na bruma da
no intencionalidade, da determinao inevitvel e do no protagonismo humano. Isso implica a
necessidade de se estabelecerem critrios e princpios que inspiram e julguem a ao humana.
Mesmo porque a tica, como corresponsabilidade solidria e com validade intersubjetiva, a
urgente condio de se resolverem os problemas que podem mesmo levar a espcie humana
extino (DUSSEL, 2000, p. 572-574).
Tal possibilidade real, na medida em que corremos o risco de banir o resto da vida ao
renunciar a prpria tica, que se fundamenta em uma posio em favor da vida e da pessoa contra
o formalismo e o universalismo abstrato; contra o racionalismo absoluto, reconhecendo a natureza
s vezes irracional das atitudes humanas; e contra uma perspectiva de inspirao analtica que se
disfara de anlise da linguagem moral (VZQUEZ, 1998, p. 245).
Uma tica, enfim, que sirva de referncia para o juzo crtico das aes das pessoas em
sociedade e como capacidade de julgar da vida do esprito, ao tomar como princpio os valores
humanos. E ela que ser capaz de condicionar e parcializar uma listagem moral que, tomando
como princpio, hbitos e costumes, limita-se a determinar o que proibido ou permitido, certo
ou errado, lcito ou ilcito, meramente prescrevendo obrigaes e condenaes. Principalmente
a tica, como essa capacidade de julgamento, propiciar o dilogo de cada pessoa com a sua
prpria conscincia e com as conscincias das outras pessoas, despertando-as de uma eventual
indiferena em relao agresso vida e dignidade do prximo.
Embora as pessoas aparentemente tenham preservado e mobilizem sua capacidade de
desencadear processos de interveno transformadora, ela acabou se tornando uma prerrogativa
dos cientistas que, sem a textura das relaes humanas, ampliaram a esfera dos negcios

574

humanos a tal ponto que extinguiram a consagrada linha divisria e protetora entre a natureza e
o ser humano (ARENDT, 2001, p. 337).
Como consequncia, a cosmoviso exclusivamente antropocntrica, em sua natureza
analtica, cientificista e instrumentalmente racional da realidade universal, separou a Noosfera a
dimenso humana e social da Biosfera a camada viva no reflexiva que alimenta e sustenta a
Noosfera que por sua vez depende de sua preservao, numa simbiose cheia de energia, mas
complexa e delicada (CHARDIN, 2003, p. 210).
Para tanto, preciso que todos sejamos capazes de, mesmo fazendo prevalecer nosso
livre-arbtrio,
agir de maneira aberta, no condicionada pelo apego e volies egostas. Essa abertura e essa sensibilidade
incluem no apenas a esfera imediata das percepes da prpria pessoa: possibilitam-na tambm a estimar os
outros e a desenvolver uma percepo compassiva das aflies alheias (VARELA, J.F et al., 2003, p 132).

Os princpios determinantes do livre arbtrio, segundo Kant (2002), devem ser representados
com os verdadeiros mveis da ao, mesmo porque, de outro modo, poderia at ser observada
a legalidade de nossos atos, mas no uma moralidade, vigiada pela tica, de nossas intenes. E
tudo, ento, seria pura hipocrisia, e at as normas e as leis acabariam por ser odiadas e mesmo
desacatadas, se a obedincia decorresse apenas por consideraes de proveito prprio. Nesse
caso, a letra da lei, como legalidade, at apareceria em nossa ao, mas seu esprito, como tica,
no se manifestaria em nossas intenes (p. 275-280).
A vontade e o livre-arbtrio, assim como o sentimento de responsabilidade, pondera Isaiah
Berlin (2002), poderiam ser apenas uma iluso, na medida em que no seramos de fato livres,
inexoravelmente submetidos ao determinismo histrico e incapazes de viver sem pensar que somos
de fato livres em nossa vontade. Nesse sentido, a vontade e o livre-arbtrio no passariam de uma
espcie de liberdade ilusria.
Como negar, entretanto, a nossa livre vontade diante da impossibilidade de se determinar
o futuro sem se comparar o que acontece com o que aconteceria se no tivesse ocorrido o que de
fato aconteceu? Como resolver tal paradoxo? Afinal, o futuro imprevisvel, mas se constri com
as histrias pessoais que constituem a histria do mundo que se projeta no futuro.
O livre-arbtrio pode at nascer de impulsos e desejos, mas s sustenta projetos de vida se
envolver a previso de consequncias que decorrem da ao por impulso, o que exige pensar
nelas como resultados de nossa ao, em face e luz dos sinais do que vemos, ouvimos ou
tocamos, isto , de sua significao (DEWEY, 1979, p. 66).

575

Outra condio da tica da responsabilidade a ao educativa assumir como princpio que


toda pessoa essencialmente livre e solidria e capaz de um protagonismo responsvel, princpio
humanizante que muitas vezes parece improvvel por depender do interesse de quem, consciente
ou inconscientemente, dele se serve desumanamente.
Como a convivncia humana se baseia na necessidade histrica de estabelecer contratos
de longo prazo que evoluem em leis, regimentos, normas e preceitos morais, a tica passa a ser
esse princpio catalisador que garante a vida. Ela passa a se constituir no fundamento das normas
de respeito de todos por todos e da responsabilidade solidria de cada um pelo outro e pelo
mundo, repudiando um pensamento solipsista4, ainda hegemnico, que subordina a tica a atos
reguladores de progresso material e de consumo doentio.
A nova mentalidade implica necessariamente a ampliao e o aprofundamento do
conhecimento a respeito dos graves problemas provocados pelas intervenes humanas no meio
ambiente e na prpria sociedade para buscar super-los. Assim, medida que o conhecimento
se diversifica e a ele se atribui mais valor, mais os processos de sua produo e aprendizagem se
tornam imprescindveis para as pessoas.
CONCLUSO
As condies minimamente necessrias para o exerccio crtico da educao escolar devem
propiciar a incorporao, o desenvolvimento e a construo de conhecimentos significativos,
assegurando a aquisio de conhecimentos que evitem transform-la em um centro de
treinamento com uma rotina mecnica e burocrtica, baseada na transmisso e na reproduo
de informaes desconexas.
No obstante, conquanto se reconhea que poucos instrumentos so to poderosos e eficazes
em termos de progresso cientfico e tecnolgico do que o conhecimento, preocupa a constatao
de que o mesmo conhecimento que garante tal progresso afinal se transformou em refm do
mercado e da explorao em um mpeto de tal modo obsessivo que transformou os seres humanos
nos predadores mais vorazes da natureza.
Implica, pois, que seja superado o relativismo moral e a privatizao de valores ofertados
ao deus-mercado, para que se lute pelos Direitos da Terra, nosso lar, e contra toda forma de
desumanizao, excluso, preconceito e degradao, e se cultive o sentido da contemplao e
da sensibilidade.
Para tanto, precisamos urgentemente atingir ns, humanos um consenso sobre a nossa
responsabilidade pela vida e pelo planeta. A atual expanso do conhecimento, integrada s

576

investigaes das dimenses mais profundas do pensamento humano, torna esse empreendimento
vivel, destacando aqui o protagonismo de professores e professoras nas escolas. Isso pressupe
um compromisso com a bondade do mundo, uma bondade que pode ser infinitamente multifacetada
e plural, mas que reconhecemos como sendo muito maior e mais poderosa que ns mesmos
(SOLOMON; HIGGINS, 2003, p. 100).
imperativo, pois, promover uma reflexo crtica sobre a educao para que esta no se reduza
a uma instrumentalizao exclusivamente analtica ou categorizadora, tampouco a uma viso de
mundo em que sua constituio sistmica e complexa seja eliminada na tentativa de entend-lo.
Por fim, vale destacar a referncia que Zygmund Bauman (2011) faz a Vclav Havel,
escritor, intelectual e dramaturgocheco, ltimo presidente da Checoslovquia e primeiro presidente
da Repblica Checa, que quase sozinho conseguiu derrubar um dos mais sinistros baluartes dos
campos comunistas soviticos. Segundo Bauman, Havel dispunha de trs armas apenas:
esperana, coragem e obstinao. So armamentos primitivos, sem nada de altamente tecnolgico. E so as
mais mundanas e comuns dentre as armas: todos os homens as possuem e as tm pelo menos desde a Era
Paleoltica. Apenas, ns as usamos muito raramente (p.36).

Armados assim desse poderoso arsenal, a escola pode lutar pelo consumo sustentvel que
representa um salto qualitativo catalisador de caractersticas que articulam temas como justia e
defesa do meio ambiente e da cidadania, destacando as prticas coletivas como norteadoras de
um processo que, embora considere cada consumidor em sua individualidade, prioriza as aes
na sua dimenso poltica pblica.
REFERNCIAS
ARENDT, Hannah. A Condio Humana. 10. ed. So Paulo: Forense Universitria, 2001.
ASSMANN, Hugo. Metforas Novas para Reencantar a Educao Epistemologia e didtica. Piracicaba:
Editora Unimep, 1996, p. 230.
BARBER, Benjamin R. Consumido: como o mercado corrompe crianas, infantiliza e adultos e engole cidados,
BAUMAN, Zygmunt. A tica Possvel num Mundo de Consumidores? Rio de Janeiro: Zahar, 2011. So
Paulo: Record, 2007.
_______ . A Sociedade Individualizada Vidas contadas e histrias vividas. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
BERLIN, Isaiah. Estudos sobre a Humanidade. Trad. Alda Szlak. So Paulo: Cia. das Letras, 2002.
COMPARATO, Fbio Konder. tica Direito, moral e religio no mundo moderno. So Paulo: Companhia
das Letras, 2006.

577

DEWEY, John. Experincia e Educao. Atualidades pedaggicas. Volume 131. Trad. Ansio Teixeira.
3.ed. So Paulo: Editora Nacional, 1979.
DUSSEL, Enrique. tica da Libertao. Na idade da globalizao e da excluso. Trad. Ephraim Ferreira
Alves, Jaime A. Clasen et Lcia M.E. Orth. Petrpolis: Vozes, 2000.
HORKHEIMER, Max. Eclipse da Razo. Trad. Sebastio Uchoa Leite. So Paulo: Centauro, 2002.
JONAS, Hans. O Princpio Responsabilidade Ensaio de uma tica para a civilizao tecnolgica. Rio de
Janeiro: PUC-RIO, 2006.
KANT, Immanuel. Crtica da Razo Prtica. [1788]. So Paulo: Martins Fontes, 2002.
LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal: ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. So Paulo:
Companhia das Letras, 2007.
OSULLIVAN, Edmund. Aprendizagem Transformadora - Uma viso educacional para o sculo XXI. So
Paulo: Cortez Editora; Instituto Paulo Freire, 2004.
SINGER, Peter. tica Prtica. So Paulo, Martins Fontes, 2006.
SOLOMON, R. e HIGGINS, Kathleen M. Paixo pelo Saber - Uma breve histria da Filosofia. Rio de Janeiro:
Civilizao Brasileira, 2003.
TOURAINE, Alain. Um Novo Paradigma. Para compreender o mundo de hoje. Trad. Gentil Avelino Titton.
3.ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2007.
VARELA, Francisco; THOMPSON, Evan; ROSCH, Eleanor. A mente incorporada: cincias cognitivas e
experincia humana. Porto Alegre: Artmed, 2003.
VAZQUEZ, Adolfo Sanchez. tica. 18ed. Trad. Joo DellAnna. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1998.

Links
http://www.akatu.org.brOrganizaonogovernamentalcriadaparaeducar e mobilizar a sociedade para o
consumo consciente.
http://www.alana.org.br/CriancaConsumo/ConsumismoInfantil.aspxInstituto Alana
http://www.un.org/apps/news/story.asp?newsID=20772&CR1=warning Food and Agricultural Organization
(FAO) of the United Nations Organization (ONU)
http://envolverde.com.br/Jornalismo e Sustentabilidade
http://www.ecodesenvolvimento.org.br/Ecodesenvolvimento Informao para um Mundo Sustentvel
http://pensandoemeducacaoambiental.blogspot.com.br/2009/05/dados-sobre-o-consumo-no-mundo_11.
html Pensando em EducaoAmbiental
http://www.ecodebate.com.br/2009/04/13/pesquisador-alerta-para-os-riscos-do-consumo-mundial/
EcoDebate Cidadania e Meio Ambiente
http://www.ibflorestas.org.br/ultimas-noticias/440InstitutoBrasileiro de Florestas

578

http://www.globalissues.org/issue/235/consumption-and-consumerism Global Issues - Social, Political,


Economic, and Environmental Issues That Affect Us All
http://999itstime.org/links/Consumerism-Links 999 Its Time If not us then who? If not now then when?
http://recicloteca.org.br/blog/index.php/2010/03/15/consumo-e-meio-ambiente/EcoMarapendi -Recicloteca
- Estudos - Educao Ambiental

Vdeos
http://youtu.be/Kobbmdo0IEcdeos O Consumo e o Meio Ambiente
http://youtu.be/tOzIFynYxj0FilmeEducativosobremeioAmbiente
http://youtu.be/O7SZGbkcnLIConsumo e Meio Ambiente
http://youtu.be/ifL5YOg3t-QConsumismoInfantil
http://youtu.be/joLiu7ugr7MPublicidade Infantil X Consumismo
http://youtu.be/N5WCndQZ7A8Desenvolvimento Sustentvel X Consumismo
http://youtu.be/L5eox7YpMAYEntrevista com Lvia Borges Compulso por comprar
http://youtu.be/aStJB1kTa04Os riscos do consumo compulsivo
http://youtu.be/dhdpWmm2RH0Sociedade e Consumo
http://youtu.be/lyPSIYuCLH4CONSUMO CONSCIENTE: pequenas atitudes, grandes realizaes!

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 Cosmoviso Maneira subjetiva de ver e entender o mundo, especialmente as relaes humanas e os
papis das pessoas na sociedade; viso de mundo.
2

O Banco Mundial uma instituio financeira de mbito global que propicia emprstimos para pases em
desenvolvimento para programas de capitalizao. O objetivo principal do Banco Mundial a reduo
da pobreza.

3 (Rearing cattle produces more greenhouse gases than driving cars, UN report warns. Food and Agricultural
Organization (FAO) of the United Nations Organization (ONU). <http://www.un.org/apps/news/story.
asp?newsID=20772&CR1=warning>).
4

Solipsista Relativo ao Solipsismo, doutrina segundo a qual existe apenas o Eu, sendo os outros humanos
meros partcipes da nica mente pensante.

579

TICA E PS-MODERNIDADE:
DESAFIOS A UMA EDUCAO PARA A SUSTENTABILIDADE

Paulo Eduardo de Oliveira

A reflexo aqui proposta pretende analisar os desafios que a ps-modernidade1 apresenta


para uma educao voltada dimenso da sustentabilidade, sobretudo na questo tica que
isso implica.
A cultura ocidental, desde o sculo XV at o sculo XIX, sofreu uma profunda transformao:
afastou-se de uma concepo religiosa do mundo, na qual tudo tinha referncia ao sagrado (Idade
Mdia), aproximando-se de uma mentalidade apoiada exclusivamente na razo humana. Ao invs
de explicar o universo, a natureza e a vida humana a partir de Deus, passamos a explic-los
pela prpria razo, pelo conhecimento e pelas novas descobertas cientficas. Pensadores como
Coprnico, Galileu e Newton passaram a exercer forte influncia em todo o pensamento da poca.
Tudo passou a ser visto sob a tica da cincia e da matemtica, seguindo o ideal proposto por
Galileu, segundo o qual a natureza um livro aberto escrito na linguagem da matemtica.
A houve a grande separao entre cincias humanas e cincias exatas. As cincias exatas,
principalmente a fsica, eram vistas como modelo de todas as cincias, porque eram mais rigorosas
em seus mtodos de pesquisa e seus resultados eram mais confiveis. As cincias humanas, por
sua vez, eram consideradas com menos valor, pois seus conhecimentos no podiam ser provados
matematicamente.

581

A principal caracterstica dessa mentalidade era a confiana ilimitada na razo humana: a


razo pode tudo e, por isso, ns vivemos numa poca de certeza, pensavam as pessoas daquele
tempo. Os principais resultados desse modo de pensar foram a Revoluo Industrial e os avanos
que a tecnologia trouxe para a humanidade (a descoberta da eletricidade, a inveno de inmeros
instrumentos e mquinas para facilitar a vida humana, os avanos na medicina e nas outras
cincias, o crescimento das cidades, a industrializao etc.). A esse perodo, costumamos chamar
de modernidade. Trata-se de um novo paradigma2 para a compreenso do saber humano, com
repercusso no modo de vida das pessoas em todos os aspectos. Sobretudo no que diz respeito
questo da sustentabilidade ambiental, econmica e social, o paradigma moderno trouxe os mais
graves problemas para a humanidade, como o aumento da distncia entre as classes sociais, a
degradao em escala do meio ambiente, a concentrao de renda, o inchao do meio urbano,
entre outros fatores.
MORAL MODERNA
A modernidade3, entendida a partir da confiana ilimitada nos poderes da razo4, estabeleceu
parmetros claros para a moralidade. Immanuel Kant5 talvez seja o maior expoente de uma filosofia
prtica regida sob as luzes de uma razo autnoma. O que significa isso? Significa que a razo
humana no precisava mais depender de explicaes metafsicas (religiosas e filosficas) para
orientar a moral, os princpios e os valores. Se, antes, na Idade Mdia, toda a moral se explicava
com referncia a Deus (fazer o bem e evitar o pecado), agora, na modernidade, bastavam os
princpios da razo (a lgica e o raciocnio) para orientar a moral e a escolha de valores.
O princpio fundamental da moral kantiana reside na seguinte afirmao: Age de tal forma que
sua ao possa se tornar uma lei universal (KANT, s/d.). Posto este princpio, de modo totalmente
racional, ou seja, sem a interferncia de explicaes de natureza metafsica ou sobrenatural, a
conduta humana pode ser descrita a partir de uma viso totalizante e universal. As diferenas
(individuais e sociais, da cultura e do tempo) tornam-se desprezveis em face da uniformidade moral
que se apresenta como princpio orientador da ao do Homem e no dos homens.
Porm, esse modo de pensar, a partir do sculo XIX, se v ameaado por uma nova
racionalidade6. Curiosamente, uma racionalidade irracional. Como ser isso possvel?
Obviamente, esta avaliao se faz a partir das noes modernas de racionalidade que exigiam
objetividade estrita, preciso matemtica, rigor metodolgico, certezas tericas e definies
conceituais absolutas. A concepo determinista do mundo (o mundo funciona como um relgio que
nunca atrasa) foi fortemente atacada pela influncia do indeterminismo (nem tudo se pode prever

582

na natureza e na vida humana). O aparecimento da incerteza como uma categoria permanente


favoreceu a presena de uma mentalidade voltil, provisria, flexvel: nem tudo est definido e
ns precisamos aprender a viver na incerteza. Essa era a nova mensagem que as transformaes
culturais trouxeram. Nasce, assim, a ps-modernidade7.
Neste sentido, a ps-modernidade permite uma abertura para um novo modo de compreender
o ser humano e sua relao com o meio ambiente e a sociedade. As questes que dizem respeito
sustentabilidade so, assim, mais reconhecidas em seu valor. No se trata apenas de uma viso
racional e utilitarista da natureza, por exemplo, mas de uma dimenso relacional mais profunda e
integradora, como mostra Fritjof Capra8 em seu livro A teia da vida (CAPRA, 2004).
Por outro lado, a ps-modernidade, segundo alguns autores, exibe um vnculo muito forte
com a mentalidade consumista9 de nossa poca, o que compromete, sem dvida, todo o empenho
pela construo de uma sociedade sustentvel.
A PS-MODERNIDADE EM FOCO
Pensar a ps-modernidade tornou-se, mais do que um modismo intelectual, uma necessidade
premente, pois ... nas ltimas duas dcadas, ps-modernismo tornou-se um conceito com o
qual lidar, e um campo de opinies e de foras polticas conflitantes que j no pode ser ignorado
(HARVEY, 1992, p. 45). No se trata apenas de um movimento de pensamento, mas de uma
revoluo no campo das ideias e dos valores:
O que aparece num nvel como o ltimo modismo, promoo publicitria e espetculo vazio parte de uma
lenta transformao cultural emergente nas sociedades ocidentais, uma mudana da sensibilidade para a qual
o termo ps-moderno , na verdade, ao menos por agora, totalmente adequado. A natureza e a profundidade
dessa transformao so discutveis, mas transformao ela . No quero ser entendido como se afirmasse haver
uma mudana global de paradigma nas ordens cultural, social e econmica; qualquer alegao dessa natureza
seria um exagero. Mas, num importante setor da nossa cultura, h uma notvel mutao na sensibilidade, nas
prticas e nas formaes discursivas que distingue um conjunto ps-moderno de pressupostos, experincias e
proposies de um conjunto precedente. (HARVEY, 1992, p. 45)

Contudo, a identificao da ps-modernidade e a afirmao de sua autonomia terica


e de sua influncia sobre a cultura no so imunes a dificuldades e problemas de natureza
diversa, suscitando uma srie de questes cuja resposta nem sempre se pode alcanar de modo
definitivo. A primeira questo diz respeito relao que se estabelece entre a modernidade e a
ps-modernidade: O ps-modernismo (...) representa uma ruptura radical com o modernismo
ou apenas uma revolta no interior desse ltimo...? (HARVEY, 1992, p. 47). Se se trata, de
fato, de uma ruptura, ento podemos usar legitimamente o prefixo ps. Do contrrio, no seria

583

mais adequado falar ainda de modernidade em uma fase mais adiantada? A questo de fundo a
legitimao da prpria ps-modernidade como corrente autnoma e independente.
A segunda pergunta coloca o problema conceitual ligado questo da cronologia e da
histria: Ser o ps-modernismo um estilo (caso em que podemos razoavelmente apontar como
seus precursores o dadasmo10, Nietzsche ou mesmo, como preferem Kroker e Cook, as Confisses
de Santo Agostinho, no sculo IV) ou devemos v-lo estritamente como um conceito periodizador
(caso no qual debatemos se ele surgiu nos anos 50, 60 ou 70)? (HARVEY, 1992, p. 47).
A terceira questo coloca o problema do potencial revolucionrio do ps-modernismo ao se
abrir para horizontes desconhecidos (ou encobertos):
Ter ele um poder revolucionrio em virtude de sua oposio a todas as formas de metanarrativa11 (incluindo o
marxismo, o freudismo e todas as modalidades de razo iluminista) e da sua estreita ateno a outros mundos
e outras vozes que h muito estavam silenciados (mulheres, gays, negros, povos colonizados com sua histria
prpria)? Ou no passa da comercializao e domesticao do modernismo e de uma reduo das aspiraes
j prejudicadas deste a um ecletismo de mercado vale tudo...? (HARVEY, 1992, p. 47)

Alm disso, a ps-modernidade parece se definir no por sua identidade prpria, mas,
negativamente, em funo do conceito de modernidade, procurando identificar seus objetos, seus
conceitos e seus princpios. Desse modo, as questes acerca da natureza da ps-modernidade nos
colocam um problema igualmente significativo: o da avaliao do prprio conceito de modernidade.
Essas vrias possibilidades lgicas, no entanto, esto necessariamente ligadas a uma tomada de posio a
respeito de uma outra questo que est inscrita na prpria palavra ps-modernismo, a saber, a da avaliao
do que agora deve ser chamado de alto modernismo, ou de modernismo clssico. De fato, quando procedemos
ao inventrio inicial dos vrios artefatos culturais que poderiam, plausivelmente, ser caracterizados como
ps-modernos, forte a tentao de procurar alguma semelhana familiar entre produtos e estilos to
heterogneos, no neles mesmos, mas sim em algum impulso ou esttica comum do alto modernismo, contra
o qual eles reagem, de uma forma ou de outra. (JAMESON, 1997, p. 80)

Para dar alguns exemplos familiares: a msica moderna era o que chamamos msica
clssica (Beethoven, Bach, Mozart). A msica ps-moderna, no entanto, configura-se nos novos
ritmos, no rock pesado, no funk e numa srie de outras extravagncias musicais. Vejamos outro
caso: a pintura moderna, como a obra de Leonardo Da Vinci, por exemplo, tinha desenhos bem
definidos, cores bem escolhidas e separadas etc. A pintura ps-moderna12, no entanto, mostra
figuras abstratas, cores misturadas, tintas espalhadas de forma irregular: alguns at perguntam
essa tinta jogada na parede arte?. Na moda, podemos encontrar outro exemplo significativo:
o modo como as pessoas se vestiam na modernidade era clssico (ternos e vestidos). Na psmodernidade, vale-tudo (roupas curtas, jeans rasgado, tnis com palet, saias at o cho ou muito
acima do joelho, cores misturadas e muito mais).

584

Isso que ocorre em campos to diversos (como a msica e a moda) tambm influencia o
campo da moral (dos valores e costumes). Pense nesse nico exemplo: no perodo moderno, as
pessoas iniciavam um relacionamento pelo namoro, que consistia em um perodo relativamente
longo, com o consentimento dos pais e era, em geral, feito de contatos superficiais. Hoje, como so
os relacionamentos? Diz-se at que as pessoas no mais namoram, elas ficam e isso d direito
a tudo, j no primeiro dia.
O MAL-ESTAR PS-MODERNO
Todas essas transformaes culturais geram certo mal-estar: porque as coisas pareciam mais
definidas e claras e, hoje, tudo parece confuso, incerto, sem regras bem estabelecidas. Perdemos
as certezas e no sabemos mais por onde caminhar. Antigamente, os pais sabiam o que ensinar a
seus filhos. E hoje? H muitas dvidas. Muitos pais e mes se omitem, simplesmente porque no
sabem ao certo o que o bem ou o mal: tudo parece estar misturado.
Assim, a ps-modernidade pode representar possibilidade de libertao das amarras e da
rigidez racional, mas tambm pode gerar mal-estar. Na medida em que subverte a ordem de
um mundo fixado no determinismo, em todos os campos, gera desconforto e insegurana. Isso
porque, como afirma Zygmunt Bauman13, ao mesmo tempo que traa suas fronteiras e desenha
seus mapas cognitivos, estticos e morais, ela no pode seno gerar pessoas que encobrem limites
julgados fundamentais para a sua vida ordeira e significativa, sendo assim acusadas de causar a
experincia do mal-estar como a mais dolorosa e menos tolervel. (BAUMAN, 1998, p. 27)
A chamada era ps-industrial, a partir dos anos 50 do sculo XX, foi bruscamente substituda
por um modelo cultural avesso racionalidade cientfica estabelecida pela modernidade. Tratase de um movimento de reao rudeza moderna, expressa por Robert Musil quando afirma:
A verdade que a cincia favoreceu a ideia de uma fora intelectual rude e sbria que torna
francamente insuportvel todas as velhas representaes metafsicas e morais da raa humana
(MUSIL In: LYOTARD, 1998, p. vii). Na expresso de Harvey, a ps-modernidade indicou uma
preocupao de construir para as pessoas, e no para o Homem. (HARVEY, 1992, p. 45)
Passou-se a considerar, ento, a insuficincia dos princpios da cincia clssica, propondo novas
categorias de compreenso do conhecimento (pensamento sistmico e complexo, por exemplo).
Substantivos mais especializados como complexidade ou complexificao aparecem no decorrer do sculo
XX (em campos como a ecologia, a etologia ciberntica, as redes, a sistmica...), e novas caractersticas
decorrem progressivamente disso, enriquecendo o conceito. Mas, antes de mais nada, so posies filosficas
que se afirmam. Trata-se de uma tomada de posio epistemolgica. Jol de Rosnay tem razo ao fazer

585

de seu macroscpio uma nova tica, enquanto que para Edgar Morin o postulado do pensamento complexo
corresponde essencialmente a uma reforma, se no mesmo a uma revoluo, do procedimento de conhecimento
que quer de agora em diante manter juntas perspectivas tradicionalmente consideradas como antagnicas
(universalidade e singularidade). (ARDOINO In: MORIN, 2001, p. 550)

Em consequncia, uma nova compreenso da sociedade como rede. Se a viso linear parece
corresponder racionalidade moderna, a estrutura em rede esboa a perspectiva ps-moderna.
Como tendncia histrica, as funes e os processos dominantes na era da informao esto cada vez mais
organizados em torno de redes. Redes constituem a nova morfologia social de nossas sociedades, e a difuso
da lgica de redes modifica de forma substancial a operao e os resultados dos processos produtivos e de
experincia, poder e cultura. Embora a forma de organizao em redes tenha existido em outros tempos e
espaos, o novo paradigma da tecnologia da informao fornece a base material para sua expresso penetrante
em toda a estrutura social. (CASTELLS, 1999, p. 497)

Alm disso, nossa prpria imagem do universo foi alterada, substituindo-se a viso linear14
por uma viso complexa15: deixamos os mitos e aderimos a teorias inovadoras sobre a origem
do cosmos, sem as adotar em definitivo, mas como posies que nos ajudaro a dar passos mais
largos no futuro:
A Natureza jamais vai deixar de nos surpreender. As teorias de hoje sero consideradas brincadeiras de
criana por futuras geraes de cientistas. Nossos modelos de hoje certamente sero pobres aproximaes
para os modelos do futuro. No entanto, o trabalho dos cientistas do futuro seria impossvel sem o nosso,
assim como o nosso teria sido impossvel sem o trabalho de Kepler, Galileu ou Newton. Teorias cientficas
jamais sero a verdade final: elas iro sempre evoluir e mudar, tornando-se progressivamente mais corretas e
eficientes, sem chegar nunca a um estado final de perfeio. (GLEISER, 1997, p. 397)

Essa viso da cincia como um quadro de referncias provisrias uma das notas da
racionalidade ps-moderna. Ao invs da inflexibilidade, do dogmatismo e da certeza, sugerem-se
a tolerncia, a modstia e a conscincia da provisoriedade.
A cincia, assim, passa a adotar outro modelo de racionalidade. Essas transformaes
parecem ter se originado a mesmo no mbito da cincia (e da verdade), a partir das revolues
cientficas da segunda metade do sculo XIX. (LYOTARD, 1998, p. vii) Tais revolues
favoreceram a crtica ao estatuto determinista e dogmtico da racionalidade moderna, abrindonos a outras possibilidades de compreenso da razo, do saber e da cultura. Veja-se, por exemplo,
a contribuio da teoria da evoluo, a teoria termodinmica, as geometrias no euclidianas,
as lgicas no clssicas, a teoria psicanaltica, a teoria da relatividade de Einstein, entre outros
exemplos. Numa palavra, as revolues cientficas ocorridas a partir de ento levaram quilo que
Ilya Prigogine16 chama de o fim das certezas. (PRIGOGINE, 1996)

586

Embora a cincia tenha sido o bero dessa revoluo, no se deve limitar o alcance apenas
aos territrios da cincia. Antes, deve-se notar que a expresso ps-modernidade ... designa o
estado da cultura aps as transformaes que afetaram as regras dos jogos da cincia, da literatura
e das artes. (LYOTARD, 1998, p. xv) Mas, ainda, deve-se considerar a ps-modernidade como
uma questo que afeta, sobretudo, o campo das ideias e da filosofia, pois a que se encontra o
ncleo do turbilho das transformaes ocorridas.
Na filosofia, a mescla de um pragmatismo americano revivido com a onda ps-marxista e ps estruturalista que
abalou Paris de 1968 produziu o que Bernstein chama de raiva do humanismo e do legado do Iluminismo.
Isso desembocou numa vigorosa denncia da razo abstrata e numa profunda averso a todo projeto que
buscasse a emancipao humana universal pela mobilizao das foras da tecnologia, da cincia e da razo.
(HARVEY, 1992, p. 46)

Em outras palavras, deixou-se de lado aquele modo de pensar em que a razo era capaz
de tudo e comeou-se a admitir os limites da prpria razo: no somos capazes de explicar tudo e
nossas explicaes no devem, portanto, ser tomadas como definitivas (a ltima palavra sobre as
coisas), mas como aproximaes provisrias. Nesse sentido, a questo da sustentabilidade ganha
novo impulso, pois preciso sempre estar em atitude de reviso constante de nossas teorias e
pontos de vista, a fim de encontrar caminhos sempre novos e mais adequados para a organizao
da vida em todos os seus contextos (social, cultural, econmico, poltico, ambiental etc.). Uma
viso menos dogmtica da cincia, como a ps-modernidade sugere, permite assim uma abertura
maior dimenso da sustentabilidade.
TICA PS-MODERNA
Nesse emaranhado de transformaes, tambm a moralidade sofre o influxo da mudana,
uma vez que os pressupostos da moralidade moderna passam a ser severamente criticados. Desse
modo, no se pode ocultar a crise moral que se instaura na ps-modernidade.
A crise moral de nosso tempo uma crise do pensamento iluminista17. Porque, embora esse possa de fato ter
permitido que o homem se emancipasse da comunidade e da tradio da Idade Mdia em que sua liberdade
individual estava submersa, sua afirmao do eu sem Deus no final negou a si mesmo, j que a razo, um
meio, foi deixada, na ausncia da verdade de Deus, sem nenhuma meta espiritual ou moral. Se a luxria e o
poder so os nicos valores que no precisam da luz razo para ser descobertos, a razo tinha de se tornar
um mero instrumento para subjugar os outros. (HARVEY, 1992, p. 47)

A crise moral atual se instaura como consequncia de uma atitude que tpica da psmodernidade: a preferncia pela parte, ao invs do todo. Essa nota caracterstica o que
parece ser o fato mais espantoso sobre o ps-modernismo: sua total aceitao do efmero,

587

do fragmentrio, do descontnuo e do catico (...) ele no tenta transcend-lo, opor-se a ele e


sequer definir os elementos eternos e imutveis que poderiam estar contidos nele. (HARVEY,
1992, p. 49) Desse modo, as verdades eternas e universais, se que existem, no podem
ser especificadas (HARVEY, 1992, p. 49), em virtude da impossibilidade de se estabelecer
metanarrativas totalizantes (explicaes gerais sobre as coisas que servem para todas as pessoas
e todos os tempos, como uma Pedagogia Geral ou uma tica Geral). Tais explicaes j no
so mais possveis porque no vivemos mais numa poca de certezas absolutas, mas de incerteza
e de dvida: podemos construir apenas a nossa pedagogia e a nossa tica, sem a pretenso de
que sirvam para todas as pessoas. Do ponto de vista da sustentabilidade, essa orientao tica
pode oferecer problemas, uma vez que se trata de uma tica individual, enquanto as questes da
sustentabilidade exigem um nvel de responsabilidade e comprometimento em nvel comunitrio e
global. A questo da responsabilidade social18, base de todo empenho em prol da sustentabilidade,
no pode, pois, se configurar a partir de uma tica individual.
Lyotard define a ps-modernidade justamente a partir da impossibilidade de garantia e de
validade das metanarrativas:
Considera-se ps-moderna a incredulidade em relao aos metarrelatos (...) A funo narrativa perde seus
atores, os grandes heris, os grandes perigos, os grandes priplos e o grande objetivo. Ela se dispersa em
nuvens de elementos de linguagem narrativos, mas tambm denotativos, prescritivos, descritivos, etc., cada
um veiculando consigo validades pragmticas sui generis. (LYOTARD, 1998, p. xvi)

Os nossos discursos (tambm em sala de aula, tambm sobre a moral) perdem seu valor
absoluto (no so mais metanarrativas): so provisrios e pragmticos, ou seja, servem para
resolver problemas prticos, nascidos do dia a dia, mas no para explicar a vida humana como
um todo.
A IMPOSSIBILIDADE DE CONSTRUIR UMA MORAL GERAL
Portanto, todo o empenho em construir uma moralidade universal, apoiada em uma
metanarrativa totalizante do homem, passa a ser visto com desconfiana. Ao contrrio, nascem
as moralidades locais e fragmentrias, para as pessoas concretas, uma moralidade fortemente
embebidas em subjetividade e em particularismos de novos discursos. Assim, o nico caminho
para eliminar o fascismo de nossa cabea explorar as qualidades abertas do discurso humano,
tomando-as como fundamento, e, assim, intervir na maneira como o conhecimento produzido
e constitudo nos lugares particulares em que prevalea um discurso de poder localizado.
(HARVEY, 1992, p. 50)

588

Desse modo, a reflexo tica na ps-modernidade no pode estar fixada em uma viso
totalizante19, mas nos fragmentos de um discurso de poder que se estabelece na microfsica das
relaes interpessoais e institucionais, como afirma Michel Foucault. (FOUCAULT, 1992) No
cabem mais os velhos quadros referenciais gerais, as velhas tbuas de leis que se aplicam a tudo
e a todos. Se, por um lado, isso pode conduzir a um relativismo tico, desembocando num vale
tudo moral, tal situao permite, de outra parte, que o formalismo (presente em culturas morais
dogmticas) d lugar espontaneidade e transparncia (dos regimes morais subjetivos). No se
trata, como algum poder nos acusar, de uma frouxido tica ou de um ceticismo moral absoluto.
Ao contrrio, trata-se apenas de estabelecer regras de moralidade a partir dos traos que definem
nossa condio presente: a provisoriedade, a flexibilidade, a no permanncia.
Ao invs de se escrever uma moral geral, prefere-se a atitude de quem rascunha regras e
normas para um homem concreto, situado numa condio concreta. No um homem abstrato,
de acordo com certo ideal de humanidade, mas um homem situado, um ser-a (na expresso de
Martin Heidegger (HEIDEGGER, 2002)), um homem para o qual no implicam os conceitos
universais, mas a concretude do aqui e do agora.
No se trata, tambm, de uma adoo do niilismo20 como a mais nova moral. Trata-se,
antes, da conscincia de que no se podem definir sentidos totalizantes (como o sentido da vida,
do bem e da verdade), mas apenas sentidos intersubjetivamente compartilhados. Assim, pode-se
dizer que no h valores, mas to somente valores para ns.
Nesse processo de redescoberta da tica e da moral, no h certezas definitivas, pois isso
nos conduziria ao mesmo caminho do qual queremos nos livrar. Como afirma John Calhoun,
devemos considerar que o intervalo entre a decadncia do antigo e a formao e estabelecimento
do novo constitui um perodo de transio, que sempre deve ser marcado necessariamente pela
incerteza, pela confuso, pelo erro e pelo fanatismo selvagem e implacvel. (CALHOUN In:
HARVEY, 1992, p. 115)
DESAFIOS PARA UMA EDUCAO EM VISTA DA SUSTENTABILIDADE
A ps-modernidade traz alguns desafios prementes para a educao, sobretudo para uma
educao voltada preocupao com a sustentabilidade, ou seja, com a formao de geraes de
pessoas cada vez mais preocupadas com as condies de vida atuais e futuras da humanidade e
do prprio planeta.
Em primeiro lugar, no se pode mais considerar que nossos saberes so absolutos: antes,
so conhecimentos provisrios, embora nosso empenho seja sempre em chegar verdade, como

589

afirma o filsofo Karl Popper. (POPPER, 1985) Portanto, ao invs do dogmatismo e da arrogncia
intelectual, devemos desenvolver a modstia e a tolerncia. A esse respeito, duas produes do
cinema podem nos ajudar a refletir: Sociedade dos Poetas Mortos21 e O sorriso de Monalisa22.
Em segundo lugar, deve-se respeitar muito mais a individualidade de cada aluno. No valem
mais os mtodos de igualao, que reduziam todas as diferenas e as caractersticas peculiares de
cada aluno numa viso geral. Vale, sim, o jeito prprio de pensar, os valores pessoais, as escolhas
de cada um, os interesses particulares etc.
Por fim, cabe aos educadores preparar os educandos para a incerteza, para os novos
desafios, para a busca constante de aprimoramento: mais do que ensinar respostas prontas para
tudo, deve-se ensinar que as respostas que temos so sempre tentativas provisrias. Mais do
que aprender respostas de cor, preciso aprender a fazer novas perguntas e a buscar respostas
sempre novas. Estamos num processo de evoluo individual, social e cultural: no somos seres
estticos, mas dinmicos. Toda a conscincia que hoje se desenvolve, em relao s questes de
sustentabilidade, prova de que estamos a caminho da construo de um mundo melhor, como
sublinhou Karl Popper. (POPPER, 1989)
INDICAES DE LEITURA
ARDOINO, Jacques. A complexidade. In: MORIN, Edgar. A religao dos saberes: o desafio do sculo
XXI. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 550.
BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da ps-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998, p. 27.
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. So Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 497.
FOUCAULT, Michel. Microfsica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1992.
GLEISER, Marcelo. A dana do universo: dos mitos de criao ao Big-Bang. So Paulo: Companhia das
Letras, 1997, p. 397.
HARVEY, David. Condio Ps-Moderna. So Paulo: Loyola, 1992, p. 45.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrpolis: Vozes, 2002.
JAMESON, Fredric. Ps-modernismo: a lgica cultural do capitalismo tardio. So Paulo: tica, 1997, p. 80.
KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafsica dos costumes. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d.
LYOTARD, Jean-Franois. A condio ps-moderna. 5. ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1998, p. vii.
POPPER, Karl. Conjecturas e refutaes. Braslia: UnB, 1985.
POPPER, Karl. Em busca de um mundo melhor. Lisboa: Fragmentos, 1989.
PRIGOGINE, Ilya. O fim das certezas. So Paulo: Unesp, 1996.

590

DEFINIES E NOTAS EXPLICATICAS


1 Ps-modernidade Segundo autores como Jean-Franois Lyotard, entende-se por ps-modernidade o
contexto cultural surgido aps a II Grande Guerra, marcado sobretudo pelo descrdito e um certo ceticismo
em relao ao ideal racionalista da modernidade.
2

A palavra paradigma deriva do grego e significa padro ou modelo. Trata-se de um conceito bastante
utilizado ultimamente, sobretudo depois que o filsofo da cincia Thomas Kuhn o popularizou em seu livro
A estrutura das revolues cientficas, de 1972.
Indicao de vdeo: Para uma compreenso mais didtica do conceito de paradigma, veja-se o vdeo
A questo dos paradigmas, de Joel Barker, acessvel no seguinte link: <http://www.youtube.com/
watch?v=IkKnBjfuJ-8>.

3 A modernidade corresponde ao perdo que vai do final da Idade Mdia (sculo XIV) at a Revoluo
Francesa (sculo XVIII).
4

Entende-se por razo, do ponto de vista filosfico, a capacidade que os seres humanos tm de compreender
a realidade e a si prprios, construindo diversos tipos de saberes para explicar a existncia de si e do
mundo (como os mitos, as doutrinas religiosas, as teorias cientficas, as concepes filosficas).

5 Immanuel Kant (1724-1804), filsofo prussiano, tornou-se um dos principais pensadores do perodo
moderno. Entre suas obras, destacam-se as trs crticas: Crtica da Razo Pura, Crtica do Juzo e Crtica
da Razo Prtica.
6

Indicao de vdeo: Para uma maior compreenso deste ponto, veja-se o filme O ponto de mutao,
baseado no livro de mesmo ttulo do pensador Fritjof Capra. Acesse este filme no seguinte link: <http://
www.youtube.com/watch?v=7tVsIZSpOdI>.

Indicao de link: Para uma compreenso mais ampla do conceito de ps-modernidade, veja-se o artigo
indicado no seguinte link: <http://www.espacoacademico.com.br/035/35eraylima.htm>.

Indicao de vdeo: Veja-se a entrevista com o pensador Fritjof Capra, no seguinte endereo: <http://
www.youtube.com/watch?v=P6-yuMpk6B8>.

Indicao de link: Para aprofundar o tema, ver o artigo disponvel em <http://www.angelfire.com/sk/


holgonsi/consumismo2.html>.

10 O dadasmo foi um movimento artstico da chamada vanguarda artstica moderna, iniciado em Zurique,
em 1916, durante a Primeira Guerra Mundial. Foi formado por um grupo de escritores, poetas e artistas
plsticos, dois deles desertores do servio militar alemo, liderados por Tristan Tzara, Hugo Ball e Hans
Arp. A palavra dada indica a falta de sentido que pode ter a linguagem (como na fala de um beb),
que simboliza o carter anti-racional do movimento, claramente contrrio Primeira Guerra Mundial e
aos padres da arte estabelecida na poca. Em poucos anos o movimento alcanou, alm de Zurique, as
cidades de Barcelona, Berlim, Colnia, Hanver, Nova York e Paris. Muitos de seus seguidores deram
incio posteriormente ao surrealismo e seus parmetros influenciam a arte at hoje.
11 Metanarrativa uma forma de explicao geral ou global de um determinado contexto a partir de uma
nica teoria ou expresso terica.

591

12 Indicao de link: Para a compreenso da arte ps-moderna, sobretudo no que diz respeito ao grafite,
por exemplo, veja-se o artigo de Emlio Fernandes Rocha, disponvel em: <http://repositorio.aev.edu.br/
files/a84f032a7699c663041a4101effc.pdf>.
13 Indicao de vdeo: Sobre a noo de ps-modernidade no pensamento de Zygmunt Bauman, veja-se
este vdeo do Prof. Luiz Felipe Pond, no link: <http://www.youtube.com/watch?v=58MMs5j3TjA>.
14 Por viso linear entende-se o modo de compreender a realidade a partir da simplicidade das relaes
de causa e efeito: todo efeito resultado de uma causa correspondente. Determinando-se a causa, pode-se
prever o efeito e vice-versa.
15 Por viso complexa entende-se um modo de compreenso da realidade que supera a simplicidade da
viso linear, pois admite que um determinado efeito pode ter diversas causas e de diferentes origens. Tratase de uma abordagem que surge, sobretudo, a partir dos novos conceitos da cincia, como a Teoria do Caos
e as Lgicas Heterodoxas, por exemplo.
16 Indicao de vdeo: Para uma compreenso mais ampla da ideia de fim das certezas, veja-se o vdeo
do prprio Ilya Prigogine, prmio Nobel de Qumica, indicado no seguinte link: <http://www.youtube.
com/watch?v=tuqrvPQ7nAk>.
17 O pensamento iluminista est vinculado a pensadores como Rousseau, Voltaire, Diderot, entre outros, que
julgavam ser a razo humana a nica luz capaz de iluminar as trevas da humanidade, conduzindo-nos
liberdade e ao progresso.
18 Indicao de link: Veja-se um artigo complementar sobre tica e responsabilidade social no seguinte link:
<http://mapadaterra.wordpress.com/2008/04/16/etica-e-responsabilidade-social/..
19 Viso totalizante corresponde a um ponto de vista em que determinada concepo ou ideia pode ser
aplicada a todas as pessoas, universalmente.
20 Por niilismo entende-se uma concepo que defende a ausncia de sentido nas coisas, na realidade, na
histria e na prpria vida. O termo deriva do latim, nihil, que significa nada.
21 Indicao de vdeo: Pode-se acessar uma cena significativa deste filme no seguinte endereo: <http://
www.youtube.com/watch?v=kW__708OGRA&feature=results_video&playnext=1&list=PL656681F8B
BAED17C>.
22 Indicao de vdeo: Pode-se acessar uma cena significativa deste filme no seguinte endereo: <http://
www.youtube.com/watch?v=1w9QYDmV3MU&feature=related>.

592

EXPLORAO DA FORA DE TRABALHO INFANTOJUVENIL:


AS VRIAS FACES DESTE GRAVE PROBLEMA SOCIAL

Janaina Cristina Buiar


Luiz Arthur Conceio

INTRODUO
Para que seja compreendida toda a conjuntura do trabalho infantojuvenil na sociedade
brasileira, preciso resgatar o processo histrico, econmico, poltico e social de que trata o tema,
pois acaba sendo impossvel interpretar todos os fatores inerentes questo, caso este no seja
contextualizado.
Nesse sentido, vlido no somente abordar os motivos que levaram historicamente milhares
de crianas e adolescentes inserir-se precocemente do mercado de trabalho, como tambm entender
esta dinmica e estabelecer algumas propostas, que, por sua vez, apresentaro o Desenvolvimento
Sustentvel como alternativa na contribuio da erradicao do trabalho infanto juvenil.
Alis, uma realidade que necessita ser explorada, pois o exerccio da cidadania
infantojuvenil passa por uma fragilidade nos dias atuais, estando at mesmo em descompassado
em relao proteo integral estabelecida pelo Estatuto da Criana e do Adolescente.
Esse fato identificado na insero precoce no mercado de trabalho, pois crianas
e adolescentes deixam de gozar a idade pertinente ao seu desenvolvimento, para garantir, na
maioria das vezes, o seu sustento e o da prpria famlia. Ou seja, realizando atividades perigosas
e que podem vir afetar sua formao fsica, cognitiva, social, moral e psicolgica, pois o trabalho

593

insalubre ocasiona tais danos, que muitos alcanam a vida adulta. Na realidade, o que se acaba
percebendo a adultizao prematura de crianas e adolescentes na sociedade brasileira.
Sendo asim, no decorrer deste texto se busca no somente entender tais relaes, mas tambm
compreender as vrias faces deste grave problema social e que at os dias de hoje predominam.
1. BREVE CONSIDERAES HISTRICAS SOBRE O TRABALHO INFANTOJUVENIL NA
SOCIEDADE BRASILEIRA
O trabalho infantojuvenil esteve presente em praticamente toda a histria da sociedade,
tanto na brasileira como nas sociedades internacionais, porm, adquiriu maior visibilidade em
determinados perodos histricos. Entretanto, as pesquisas referente a este grave problema social,
como o tratamento terico dado a esta temtica, no so to recentes na literatura.
Muitos so os estudiosos que apontam a utilizao da fora de trabalho infantojuvenil, como
sendo algo que teve incio a partir da Revoluo Industrial, porm, existem teorias que relatam
outro contexto histrico. Ou seja, com relao sociedade brasileira, a cultura da insero precoce
no mercado de trabalho esteve presente desde os primeiros momentos da colonizao, mas,
segundo Moura (2008, p.259), intensificou-se no perodo de industrializao1 e urbanizao2,
pois foram os responsveis por formar os grandes centros econmicos do Brasil e neles, crianas
e adolescentes trabalhavam em fbricas, principalmente da indstria txtil.
Como se nota, foi com o processo da industrializao na sociedade brasileira que se
intensificou a utilizao do trabalho de crianas e adolescentes. Alis, foi nesse momento histrico
que tambm ocorreu o xodo rural3, que, por sua vez, promoveu o aumento de migrantes nas
cidades e a disputa por emprego, agravando, dessa forma, a relao com o trabalho. Isto porque
com este aumento populacional, restou a luta pela sobrevivncia, visto que, segundo Romero
(2005, p. 135), a famlia como um todo foi forada a trabalhar, cada um se tornou responsvel
pela produo de sua prpria fora de trabalho.
Dessa forma, percebe-se que no foi somente a luta pela sobrevivncia personificada na
pobreza que colaborou com o ingresso precoce no mercado produtivo, mas o fato de as pessoas
trabalharem por menos dinheiro, serem mais facilmente disciplinadas para o trabalho e no
estarem organizadas em sindicatos, contribuiu, e muito, para que essa realidade se consolidasse.
Na verdade, acreditava-se que o trabalho seria a melhor forma de combater a preguia e
a vadiagem4 dos filhos das famlias que no detinham poder econmico naquela poca, e para
confirmar tal relao, foram implantadas polticas pblicas e religiosas de carter moralizador, ou
seja, foi por meio de

594

uma concepo higienista e saneadora da sociedade, que se buscou atuar sobre os focos da doena e da
desordem, portanto, sobre o universo da pobreza, moralizando-o. A degradao das classes inferiores
interpretada como um problema de ordem moral e social. Garantir a paz e a sade do corpo social entendido
como uma obrigao do Estado. (RIZZINI, 1997, p.27).

Assim, com a reproduo do discurso favorvel a essa prtica, pois se acreditava fielmente
que o trabalho era a nica forma de fazer com que os filhos da classe trabalhadora no cassem
na temida marginalidade e delinquncia5, que crianas e adolescentes pobres foram inseridos
no mercado produtivo. Dessa maneira, o cio e a vadiagem acabaram sendo combatidos por meio
do trabalho. Ocorreu, ento, uma disparidade entre classes sociais6, pois os filhos das famlias de
poder aquisitivo elevado, a forma de seus filhos e filhas ocuparem esse tempo com lazer, esportes, estudando
ou em reunies com amigos. Para as crianas e jovens de baixa renda, no entanto, no existem essas opes e
assim o trabalho o remdio indicado tanto para suprir a necessidade de sobrevivncia quanto para afastar
os riscos da vadiagem. (NEPOMUCENO, 1999, p. 347)

Alm do trabalho nas indstrias e tambm no campo, na dcada de 1920 era comum
meninas que se encontravam institucionalizadas em orfanatos7 ou asilos serem retiradas dessas
instituies para trabalhar em casas de famlia. Segundo Rizzini (1999, p. 384), a famlia se
responsabilizava em vestir, alimentar e educar a criana em troca de seu trabalho, depositando
uma pequena soma em uma caderneta de poupana em seu nome. Alis, uma prtica que durou
at a dcada de 1980.
Para entender essa dinmica, basta analisar a forma diferenciada com que as classes sociais
se relacionam com o trabalho. Diferentemente da classe trabalhadora, o trabalho veio para a
classe detentora do poder econmico
como uma boa fruta madura, no tempo certo, depois de um longo perodo de crescimento e preparao, da
ele pode ser saboreado, curtido, mesmo quando d trabalho para descascar e separar a polpa da semente.
Para os pobres, a grande maioria deste pas, o trabalho chega cedo, antes do tempo, como fruta verde que
amarga na boca e d dor de barriga. (TAVARES, 2002, p. 131)

Com essas informaes histricas, possvel compreender a forte conotao valorativa que
persiste nos dias atuais sobre o trabalho precoce como representao social positiva, tanto nas
famlias empobrecidas quanto na sociedade em geral. E esse o motivo pelo qual o trabalho
infantojuvenil visualizado como sendo algo bom e no degradante para o desenvolvimento fisico,
cognitivo, social, moral e psicolgico daqueles que deixam de viver a idade pertinente ao seu
desenvolvimento, para garantir sua sobrevivncia, ou seja, deixam de ser crianas quando nem
adultos podem ser.

595

2. CARACTERSTICAS DO TRABALHO INFANTOJUVENIL NA ATUALIDADE


Conforme visto no item anterior, o trabalho infantojuvenil algo histrico e at os dias de
hoje est presente em nossa sociedade. Com efeito, foi somente nos ltimos 20 anos que ocorreu
sua diminuio. Na realidade, sua erradicao tornou-se meta a partir dos anos 90 e prioridade
na agenda das polticas pblicas sociais no Brasil e no mundo.
A partir dessa dcada, muitos foram os setores que se mobilizaram no combate ao trabalho
infantojuvenil, exemplo disso foi a atuao de organismos internacionais (especialmente da OIT8
e do UNICEF9), bem como a aprovao do Estatuto da Criana e do Adolescente, a implantao
de uma rede de conselhos de defesa dos direitos desses segmentos e atenes pblicas que, por
sua vez, contriburam com a disseminao de aes institucionais de erradicao do trabalho de
crianas e adolescentes, assumindo at mesmo destaque mundial.
Neste ponto, oportuno salientar que desde a sua criao, em 1919, a Organizao
Internacional do Trabalho (OIT) tem aprovado diversas convenes e recomendaes que
passaram a se preocupar com este grave problema social. Nesse quadro, destaca-se a Conveno
n. 138, promulgada em nosso pas em fevereiro de 2002 (Decreto n. 4.134) e em vigncia
nacional desde 28 de junho desse mesmo ano, cujo objetivo a erradicao do trabalho realizado
e a fixao de medidas de proteo s atividades executadas por crianas e adolescentes.
Porm, o que se percebe que mesmo com a implantao de vrias polticas de proteo
infncia e adolescncia, atualmente em nossa sociedade ainda existem situaes de explorao
de fora de trabalho. Alis, atividades que historicamente, tanto na rea urbana como na rural,
promovem consequncias gravssimas para o desenvolvimento destes pequenos trabalhadores.
Segundo o Fundo das Naes Unidas (UNICEF), existem algumas atividades que prejudicam
o desenvolvimento desses trabalhadores, tais como:
I) aquele realizado em tempo integral, em idade muito jovem; II) o de longas jornadas; III) o que
conduza situaes de estresse fsico, social ou psicolgico ou que seja prejudicial ao pleno desenvolvimento
psicossocial; IV) o exercido nas ruas em condies de risco para a sade e a integridade fsica e moral das
crianas; V) aquele incompatvel com a freqncia escola; VI) o que exija responsabilidades excessivas
para a idade; VII) o que comprometa e ameace a dignidade e a auto-estima da criana, em particular
quando relacionado com trabalho forado e com explorao sexual; e VIII) trabalhos sub-remunerados
(UNICEF apud BRASIL, 1997, p. 22-23).

Como se nota, so atividades laborais presente em diversos setores da economia, apresentando,


assim, diversas faces e modalidades. Os trabalhos mais comuns em zona rural esto nas lavouras
de cana, algodo e fumo, como tambm em madeireiras, garimpos, carvoarias, salinas, pedreiras,

596

cermicas, entre outros. J na rea urbana, crianas e adolescentes trabalham em lixes, como
catadores de papel, no comrcio de rua, na distribuio de jornais e revistas, engraxates e, ainda,
em atividades ilcitas, como o trfico de drogas e a explorao sexual. Entretando, a explorao
do trabalho mais presente no setor informal, nos quais se encontram empresas no registradas,
terceirizadas10 e dependentes de mercados instveis. Todas elas so atividades que provocam
inmeras sequelas sade fisica e mental destes que deixaram de viver a infncia e adolescncia
para tornarem-se adultos produtivos.
Alis, tornando-se foradamente adultos trabalhadores que correm o risco de prejudicar
sua sade, pois muitos estudos comprovam que o trabalho precoce traz inmeros prejuzos
sade e educao a baixa escolaridade e evaso escolar , bem como problemas fsicos e
traumas psicolgicos pela baixa autoestima e pela necessidade de adquirir maturidade antes do
devido tempo.
Nesse sentido, propcio pontuar que so vrios os motivos que os levam a ingressar
precocemente no mercado de trabalho, sendo a pobreza o principal deles. Ademais, o fato de
querer ter seu prprio dinheiro, ser mais livre e ter alguma ocupao, os fatores culturais, como
a crena de que filho das famlias que no detm poder econmico tem que trabalhar ou que o
trabalho disciplinador, aliados aos fatores de sobrevivncia, como a necessidade de ajudar no
oramento famliar, podem impelir esse ingresso ilegal no mercado de trabalho.
Atualmente, ainda elevado o nmero daqueles que continuam precocemente trabalhando.
No entanto, como j foi dito, o nmero de crianas e adolescentes que trabalham no pas vem
caindo nos ltimos anos, pois se buscou ao longo desse perodo realizar aes conjuntas para o
combat-lo. Tanto que 2009, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclios11
(http://noticias.uol.com.br/especiais/pnad/2010), havia 4,2 milhes de trabalhadores brasileiros
com idade entre cinco e 17 anos, o que significa nvel de ocupao de 9,8% do total das pessoas
na faixa etria. Em 2008, esse nmero era de 4,4 milhes (10,2% do total).
Segundo dados histricos da Pnad, desde 1995, o percentual de crianas ocupadas entre
cinco e nove anos caiu de 3,2% para 0,8% do total; entre os trabalhadores de 10 a 14 anos, o
percentual despencou de 18,7% para 6,9%; entre adolescentes de 15 a 17 anos, a mdia caiu de
44% para 27,4%. Porm mesmo com a reduo em ritmo acelerado, o pas ainda contabilizava,
no ltimo ano, 123 mil crianas de cinco a nove anos trabalhando sendo 69% delas do sexo
masculino. Entre 10 e 13 anos, esse nmero de 785 mil, enquanto 3,3 milhes de trabalhadores
tinham entre 14 e 17 anos.
A Pnad mostra, tambm, que h uma diferena considervel entre as regies no que diz
respeito ao trabalho infantil. O Nordeste concentrava 437 mil dos 908 mil trabalhadores entre

597

cinco e 13 anos (48% do total). J o Sudeste, com uma populao 60% maior, tinha 182 mil.
Apesar da liderana, o Nordeste foi a regio que apresentou maior reduo entre 2008 e 2009
nessa faixa etria, com a erradicao de 98 mil postos de trabalho infantil.
Diante disso, verifica-se que mesmo com o esforo para combat-lo, ainda falta muito para
erradicar este grave problema social. Assim, o caminho a ser percorrido longo e continua
merecendo maior visibilidade no somente por parte da sociedade civil, mas tambm do Estado,
pois estamos falando de cidado de direitos e no mais do menor12.
3. POLTICA DE ATENDIMENTO DA CRIANA E DO ADOLESCENTE NA SOCIEDADE
BRASILEIRA: DE MENOR A CIDADO
Muitos anos se contabilizaram na luta social e poltica em defesa dos direitos da criana e
do adolescente, at chegar-se a um consenso por parte do Estado brasileiro e da sociedade civil
em mudar a passagem da situao irregular13 para a proteo integral14, ou seja, de menor
a cidado.
Com a criao do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA), em 13 de julho de 1990,
mediante a Lei n. 8.069, foram definidos vrios marcos legais de proteo integral criana e ao
adolescente, que tm por excelncia orientar a poltica social de atendimento, sendo que o ECA
passou a regulamentar os artigos 227e 228 da Constituio Federal.
Esses dois artigos tambm vo ao encontro dos acordos internacionais firmados pelo Brasil
na Conveno de n. 138 da Organizao Mundial do Trabalho (OIT), que, nessa data, acabou
definindo a unificao internacional das polticas pblicas sobre o trabalho infantil.
Pode-se mesmo considerar a regulamentao constitucional e a promulgao do ECA como
sendo um dos desdobramentos mais importantes da histria da infncia e da juventude brasileira,
pois acredita-se que estas no trouxeram apenas mudanas de contedo, mtodo e gesto, mas
possivelmente inovaes no campo do atendimento, da promoo, da defesa e da proteo integral.
Mas, para entender toda essa dinmica legislativa, pela qual o menor passou a ser, pelo
menos, visualizado como cidado de direitos, vlido apresentar a histria que antecedeu
a implantao do Estatuto da Criana e do Adolescente, porque, at 1927, ano da criao do
Cdigo de Menores, estes eram desprovidos totalmente de direitos por parte do Estado, apenas
contavam com a proteo de seus pais, quando os protegiam. Na realidade, desde a chegada dos
colonizadores at o incio do sculo XX no se registra, no corpo do Estado brasileiro, a presena
de aes que possam ser caracterizadas enquanto poltica social. (COSTA, 1990, p. 13).

598

Foi somente na dcada de 1920 que o Estado buscou implantar um sistema pblico de
ateno infncia, sendo este o Cdigo de Menores de 1927. No entanto, foi uma poltica
que buscava no somente controlar a infncia e adolescncia brasileira que no detinha poder
econmico, como tambm cuidava
[...] das questes de higiene e da delinqncia, estabelecia a vigilncia pblica sobre a infncia. Classificava
os menores em duas categorias bsicas: os abandonados e os delinqentes, estabelecendo a vigilncia sobre
a amamentao, os expostos, os abandonados e os maltratados, autorizando-se o juiz a retirar o ptrio poder.
[...] O juiz devia buscar a regenerao do menor, definindo-se explicitamente que as questes da infncia
abandonada e delinqente eram de carter pblico. (FALEIROS, 2005, p. 5)

Mas, para colocar em prtica o que se pretendia nessa poca, como est descrito a cima,
foi necessrio criar nacionalmente entidades de carter disciplinador. Dentre elas, a Legio
Brasileira de Assistncia (LBA); a Fundao Darcy Vargas; a Casa do Pequeno Jornaleiro; a
Casa do Pequeno Lavrador; a Casa do Pequeno Trabalhador e a Casa das Meninas, enfim,
instituies em que o trabalho era tido como instrumento disciplinador de crianas e adolescentes
que apresentavam, segundo a poltica pblica, desvio de conduta e que fossem considerados
uma ameaa sociedade.
Alm de eles serem obrigados a frequentar tais instituies, buscou-se desenvolver, tambm,
uma poltica de prtica repressiva, por meio da criao do SAM (Servio de Assistncia ao Menor).
Implantado em 1942, tratava-se de um rgo ligado ao Ministrio da Justia, equivalente ao
Sistema Penitencirio atual, e que tinha por finalidade corrigir e disciplinar adolescentes que
cometiam ato infracional.
O SAM perdurou por algumas dcadas, e a nica ao realizada caracterizou-se pelo
tratamento desumano adotado contra a integridade fisica, moral, social e psicolgica dos
adolescentes atendidos. As crticas foram diversas por parte da opinio pblica e pela imprensa
oposicionista, sendo o motivo de sua extino no ano de 1964.
A extino do SAM fez com que os dirigentes polticos da poca implantassem uma nova
ordem disciplinadora de atendimento criana e ao adolescente, sendo, ento, criada a Poltica
Nacional de Bem-estar do Menor PNBEM (Lei Federal n. 4.513/64). Esta, por sua vez, criou
outro rgo nacional executor de sua poltica, a Fundao Nacional de Bem-estar do Menor
(Funabem), e como executores estaduais as Fundaes Estaduais do Bem-estar do Menor (Febems).
O principal objetivo dessas entidades era a implantao de uma nova poltica de atendimento e de
interveno, pois sua finalidade era superar as prticas de crueldade adotadas pelo SAM. Porm,
na prtica a realidade foi outra, pois

599

algumas dessas instituies tornaram-se verdadeiros centros de crimes e de violncia fsica e sexual e
segundo pesquisas, a maioria dos jovens que eram internados, no tinha cometido crime, ou infrao
alguma. Aocontrrio,eram internados muitas vezes, por serem economicamente pobres e estarem nas ruas.
(RIZZINI, 1999, p. 380)

Sendo assim, nota-se que o Cdigo de Menores de 1927, alm de implantar uma poltica
pblica de carter menorista, tambm proporcionou apenas o controle social daqueles que
foram frutos da vida miservel que enfrentavam. Em vigor por mais de cinquenta anos, este s foi
revogado com a promulgao da Lei n. 6.697, em 10 de outubro de 1979, dando, assim, origem
ao Cdigo de Menores de 1979.
Esse, por sua vez, partia da concepo
de que as crianas e os adolescentes quando se encontravam na rua, sem escola, sem casa, sem alimentao,
assim como aqueles que perambulavam, que furtavam ou roubavam, eram todos, igualmente, fruto de
carncias, de desajustamentos e de desorganizao famliar, portanto, encontrava-se em situao irregular,
necessitando de medidas de proteo. [...] a doutrina da situao irregular partia do princpio de que a origem
dos problemas dos menores estava no abandono moral, afetivo e material por parte dos responsveis [...]
no havia uma distino entre abandonados e delinqentes, e se fazia um vnculo automtico entre pobreza
e criminalidade. Disso resultava que as crianas e os adolescentes pobres passavam a ser objeto potencial
de interveno do sistema de administrao da justia de menores, justificando a privao de liberdade de
milhares de jovens em instituies, sob a gide de proteo do Estado. (ROSA, 2001, p. 194)

Como se observa, essa nova poltica de atendimento manteve o carter repressivo do sistema
anterior, no apresentando, assim, nada de novo, bem pelo contrrio, apenas uniu-se postura
tecnocrtica e autoritria advinda da ditadura militar15, continuando, dessa forma, a proporcionar
uma poltica que ainda reconhecia crianas e adolescentes, fruto da desigualdade social, cidados
sem direitos. (BUIAR, 2009, p.56)
Na realidade, ambos os cdigos conseguiram adotar apenas uma poltica assistencialista
resumida em atitudes tecnocrticas e autoritrias, que se configuraram como uma poltica de
controle social. Um exemplo a ser citado foram as vrias Febems criadas nos estados brasileiros,
que se transformaram em grandes presdios para os adolescentes que cometiam ato infracional,
o que nos leva a crer que o atendimento adotado nos anos de 1970 e 1980 no passou de uma
verdadeira atrocidade humana que se baseou nos atos de opresso e de obedincia daquele
momento histrico.
O Cdigo de Menores de 1979 s foi revogado com o fim da ditadura militar na dcada de
1980, quando nasceu um outro panorama poltico e institucional, conquistado pela participao
de diversos segmentos sociais que, unidos, lutaram para alcanar uma administrao estatal
mais democrtica. Diante dessa nova conjuntura, iniciaram-se vrias discusses em relao aos

600

problemas inerentes aos meninos e s meninas em situao de risco, que sobreviviam nas ruas das
cidades. Tais reflexes resultaram em oficinas, reunies e debates que proporcionaram uma nova
viso ao atendimento criana e ao adolescente, impulsionando, assim, um movimento nacional
mais amplo.
Com a formao da Comisso Nacional da Criana e Constituinte, que teve como
objetivo realizar um amplo processo de sensibilizao e conscientizao da opinio pblica e
dos parlamentares constituintes, representantes de instituies internacionais, de organizaes
governamentais e no governamentais que participaram deste movimento, conseguiram, de certa
forma, uma presso significativa para a conquista da incluso de artigos voltados aos direitos da
criana e do adolescente na Constituio da Repblica Federativa do Brasil de 1988.
A marca dessa luta nada mais foi do que a incluso dos artigos 227 e 228 na Carta Maior
e, aps de um ano da promulgao da Constituio16, foi aprovado o Estatuto da Criana e do
Adolescente-ECA, que fez revogar o Cdigo de Menores de 1979 e superar a doutrina de situao
irregular, passando a propagar a doutrina de proteo integral, que tem, at hoje, a orientao
de garantir os direitos integrais de toda e qualquer criana e adolescente que tenha menos de
18 anos de idade. Porm, convm frisar que o Princpio da termo integral impe famlia, ao
Estado e a toda a sociedade o dever conjunto de assegurar s crianas e aos adolescentes uma
vida digna, evidentemente com sade, alimentao, educao, lazer, profissionalizao, cultura e
respeito, protegendo-os de qualquer discriminao, violncia, explorao, negligncia, crueldade
e (ou) opresso.
Sendo assim, o menor passou a ser considerado cidado de direitos, pois at a
promulgao do ECA, como a histria demonstra claramente, o conceito menor era especialmente
destinado s crianas e aos adolescentes pobres e que, consequentemente, eram tratados como
perigosos e marginais.
Alis, foi com a promulgao do ECA que o trabalho deixou de ser visualizado como
a soluo para a criminalidade e passou a ser tratado como direito profissionalizao e
proteo no trabalho para adolescentes entre 14 e 18 anos de idade.
4. ALGUMAS CONSIDERAES SOBRE O DIREITO PROFISSIONALIZAO E A
PROTEO NO TRABALHO: LEI DO JOVEM APRENDIZ
Acredita-se que a regulamentao do ECA, no ano de 1990, no foi apenas um avano
poltico e social, mas um direito cidadania, pois crianas e adolescentes deixaram de ser rotulados
como menores e passarama ser tratados como cidados de direitos em situao peculiar de
desenvolvimento, sem distino de etnia, credo ou poder aquisitivo.

601

Queira-se ou no, tal conquista ocorreu h trs dcadas, e talvez seja esse o motivo pelo
qual a proteo integral ainda no foi internalizada por parte da famlia, da sociedade e do Estado
brasileiro. Basta observar as notcias, as reportagens e os artigos que denunciam a prtica do
trabalhoinfanto juvenil, que nada mais que a apropriao ilegal da fora de trabalho de crianas
e adolescentes. Porm, o que aqui se pretende tratar, especificamente, a modalidade de trabalho
legalizado que o adolescente pode exercer, pois existe uma legislao especfica que os protege
como trabalhador aprendiz. Ou seja, o direito ao trabalho por meio da profissionalizao, que
deve ocorrer juntamente com o processo de aprendizagem.
Alis, por meio dessas condies que o adolescente pode atuar nas indstrias como
trabalhador aprendiz e tendo, de certa maneira, sua proteo integral garantida e o direito ao
conhecimento terico-prtico.
Pelo fato de o Estatuto da Criana e do Adolescente garantir o direito profissionalizao
e a proteo ao trabalho de adolescentes acima de 14 anos de idade, ser de suma importncia
citar e at mesmo descrever a Lei Federal n. 10.097/2000 Lei do Menor Aprendiz, publicada
em 19 de dezembro de 2000, que trouxe para as Consolidaes das Leis Trabalhistas os preceitos
constitucionais voltados proteo integral.
Porm, convm ressaltar que, em 2005, essa legislao sofreu alteraes que proporcionaram
mudana referente idade estabelecida, haja vista que anteriormente considerava-se aprendiz
todo adolescente trabalhador entre 14 e 18 anos de idade. Mesmo sendo aprovada em 2000,
sua regulamentao s aconteceu em 1. de dezembro de 2005, com a publicao do DecretoLei n. 5.598/2005, que acabou estabelecendo em seu texto a alterao da idade e algumas
outras providncias.
Dessa forma, incorpora-se como aprendiz o cidado com mais de 14 anos e menos de 24
anos de idade, que tem por direito celebrar o Contrato de Aprendizagem, nos termos do art. 428
da Consolidao das Leis do Trabalho (CLT). Enfim, direitos e deveres estabelecidos em lei e que
sero abordados minuciosamente do decorrer deste texto.
4.1 Contrato de Aprendizagem
um contrato de trabalho especial, tendo de ser acordado, por escrito, entre trabalhador
aprendiz e empresa contratante; no documento deve conter o prazo estabelecido de aprendizagem,
que no pode ultrapassar dois anos, sendo que sua validade pressupe anotaes em carteira de
trabalho e Previdncia Social.

602

Nesse sentido, o empregador, que no caso a empresa contratante, deve assegurar ao


aprendiz inscrito em programa de aprendizagem a formao tcnico-profissional metdica
compatvel com o seu desenvolvimento fsico, moral e psicolgico.
J o aprendiz tem por obrigao comprometer-se a executar com zelo as tarefas estabelecidas
e necessrias sua formao. Tambm dever apresentar matrcula e frequncia escola do
ensino regular (nos casos em que no tenha concludo o Ensino Fundamental), juntamente com
a inscrio em programa de aprendizagem desenvolvido sob a orientao da entidade qualificada
em formao tcnico-profissional metdica.
4.2 Formao tcnico-profissional/entidades qualificadas
Entende-se por formao tcnico-profissional metdica atividades tericas e prticas,
metodicamente organizadas, isto , todo oconhecimento obtido no curso tcnico-profissional deve
ser executado no ato de trabalhar (nas atividades prticas estabelecidas). claro que gradualmente,
pois devero ser tarefas de complexidade progressiva e pedagogicamente orientadas para que o
aprendiz possa desenvolv-las no ambiente de trabalho.
A formao tcnico-profissional metdica citada deve ser desenvolvida sob orientao
e responsabilidade de entidades qualificadas, que tm por obrigaes: garantir o acesso e a
frequncia obrigatria do aprendiz no Ensino Fundamental; estabelecer horrio especial para
oexerccio das atividades tericas (curso)/prticas (empresa) e capacit-lo para as exigncias do
mercado de trabalho.
Nesse caso, as entidades que so identificadas como qualificadas para a formao tcnicoprofissional devero contar com estrutura adequada ao desenvolvimento dos programas de
aprendizagem, sempre mantendo a qualidade do processo de ensino e material didtico, bem
como o acompanhamento e a avaliao de seus resultados.
Sendo assim, a lei possibilita que a formao metdica no seja apenas realizada pelos
Servios Nacionais de Aprendizagem (Senai Aprendizagem Industrial; Senat Aprendizagem
do Transporte; Senac Aprendizagem Comercial; Senar Aprendizagem Rural; e Sescoop
Aprendizagemdo Cooperativismo), mas tambm por Escolas Tcnicas de Educao e por
oganizaes sem fins lucrativos (Terceiro Setor) que, por sua vez, tenham por objetivos a assistncia
ao adolescente e educao profissional, bem como o registro no Conselho Municipal dos Direitos
da Criana e do Adolescente.

603

4.3 Obrigatoriedade na contratao de aprendiz


Determina que os estabelecimentos de qualquer natureza so obrigados a empregar de
5% (mnimo) a 15% (mximo) de aprendizes, tomando como base o quadro de funcionrios
cujas funes necessitem de formao profissional, ficando apenas excludos do clculo: todo
empregado que execute os servios prestados sob o regime de trabalho temporrio, aprendizes j
contratados e empresas que prestem servios especializados para terceiros.
Ao realizar esse clculo de porcentagem, ter a empresa contratante por obrigao admitir
mais um aprendiz, ficando isentas apenas as microempresas, as empresas de pequeno porte e as
entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educao profissional.
J o nmero de aprendizes a serem contratados pela empresa ser calculado pela Delegacia
Regional do Trabalho, por meio do Grupo Especial de Combate ao Trabalho Infantil e Proteo
ao Adolescente Trabalhador (GECTIBA).
Nota-se que a legislao deixa bem claro que toda e qualquer contratao de aprendiz
dever atender prioritariamente a adolescentes que se encontrem na faixa etria entre 14 e 18
anos exceto em casos em que a atuao prtica dessa aprendizagem tenha de ocorrer em reas
consideradas insalubres e perigosas ao seu desenvolvimento fsico, psicolgico, cognitivo e moral,
podendo, assim, ser apenas desenvolvidas por jovens entre 18 e 24 anos de idade.
4.4 Direitos trabalhistas e jornada de trabalho do aprendiz
Ao aprendiz poder ser garantido o salrio mnimo/hora ou salrio-hora previsto em
conveno/acordo coletivo de trabalho, e isso dever ser mencionado no Contrato de Aprendizagem
e na Carteira de Trabalho.
A durao de permanncia do trabalhador aprendiz, que esteja cursando ou j tenha
finalizado o Ensino Mdio, no poder exceder a oito horas dirias, sendo que quatro horas
devem ser destinadas s atividades prticas realizadas na empresa contratante e as outras quatro
horas restantes devero ser destinadas s aulas tericas (formao tcnico-profissional). J aqueles
que ainda esto cursando o Ensino Fundamental s podero realizar carga horria diria de seis
horas, divididas em quatro horas de prtica profissional e duas horas de aulas tericas. Porm,
a jornada de trabalho dever sempre compreender as horas destinadas s atividades tericas
e prticas simultaneamente, cabendo s entidades qualificadoras estabelecer esse processo no
plano pedaggico por elas ministradas e para todo e qualquer jovem que est em processo de
aprendizagem, pois a jornada de trabalho no poder prejudicar sua frequncia escolar.

604

O aprendiz, em hiptese alguma, poder realizar prorrogao e compensao de jornada


de trabalho, no podendo cumprir horas extras e muito menos trabalhar nos finais de semanas
e feriados. Quando o aprendiz for menor de 18 anos, cabe tambm entidade qualificadora
assegurar os direitos estabelecidos no art. 67 do Estatuto da Criana e do Adolescente.
4.5 Atividades tericas e prticas
As aulas tericas e prticas devero ocorrer em ambiente fsico adequado com carteiras,
lugar limpo, instrutores compreensivos, com meios didticos apropriados, de fcil entendimento e
que abordem a matria estudada de forma demonstrativa. Estas podero ser ministradas tanto na
entidade que proporciona formao tcnico-profissional metdica como no ambiente de trabalho
(empresa), sendo vedada qualquer atividade laboral ao aprendiz com idade inferior a 18 anos.
Se as atividades prticas ocorrerem no interior das empresas, estas tero por obrigao
designar um empregado monitor que se responsabilizar pela coordenao dos exerccios prticos,
acompanhando as atividades desempenhadas pelo aprendiz. Nenhuma atividade prtica poder
ser desenvolvida em desacordo com as disposies do programa de aprendizagem.
As entidades responsveis pelo programa do aprendiz tm por obrigao fornecer, quando
solicitada, a cpia do projeto pedaggico do programa para as empresas empregadoras e para a
Delegacia Regional do Trabalho.
4.6 Fundo de garantia/frias/vale-transporte
A Contribuio ao Fundo de Garantia do Tempo de Servio corresponder a 2% da
remunerao paga ou devida. As frias do aprendiz devem coincidir, preferencialmente, com as
frias escolares, sendo este um direito assegurado a cada trabalhador aprendiz. assegurado a
todo aprendiz o direito ao vale-transporte, segundo a Lei Federal n. 7.418/85.
4.7 Extino e resciso do contrato de aprendizagem
Ao aprendiz so garantidos todos os direitos previdencirios em igualdade de condio com
os demais empregados celetistas. As formas de extino do Contrato de Aprendizagem ocorrero
quando completar o seu trmino (tempo mximo de dois anos) ou quando o aprendiz completar
24 anos de idade. J a resciso antecipada poder acontecer no caso em que o aprendiz:

605

a) apresentar desempenho insuficiente ou inadaptao, assim no alcanando as


expectativas inerentes profissionalizao, cabendo entidade de formao tcnicoprofissional metdica juntamente com a empresa elaborar laudo de avaliao sobre o que
foi detectado;
b) tiver casos de falta disciplinar grave, que se caracteriza por quaisquer das hipteses
descritas no art. 482 das Consolidaes das Leis Trabalhistas (CLT);
c) apresentar ausncia injustificada escola, propriamente ao Ensino Fundamental, que
implique a perda do ano letivo, sendo apenas justificada mediante declarao escolar,
que ser averiguada pela entidade de formao tcnico-profissional;
d) fizer o pedido de resciso.
Se ocorrer extino ou resciso do Contrato de Aprendizagem, a empresa contratante tem
por obrigao contratar um novo aprendiz, pois a obrigatoriedade do cumprimento das cotas
um processo contnuo.
4.8 Certificado de qualificao profissional de aprendizagem
A entidade qualificada na formao tcnico-profissional metdica ter por obrigao
conceder aos aprendizes o certificado de qualificao profissional, que deve mencionar o seu
aproveitamento. Este dever obrigatoriamente conter o ttulo e o perfil profissional da ocupao
em que o aprendiz foi qualificado.
5. DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL E O TRABALHO INFANTOJUVENIL
Pautando-se nas relaes polticas, sociais e econmicas, historicamente contraditrias, em
que a desigualdade social, a pobreza, a escassez dos recursos naturais, a falta de polticas pblicas
eficazes, associadas explorao da fora de trabalho de crianas e adolescentes, predominaram,
que a Organizao Internacional do Trabalho (OIT) estabeleceu o trabalho perigosos e insalubre
como tema do Dia Mundial Contra o Trabalho Infanto juvenil.
Na realidade, tornou-se meta da comunidade internacional erradicar o trabalho infantil
perigoso at 2016 e a campanha nacional, que elegeu a data de 12 de junho para ser
lembrada, chama ateno para identificao de tais atividades, bem como para o impacto

606

gerado e, consequentemente, as aes que devem ser tomadas para o enfrentamento deste
grave problema social.
Sendo assim, dever de cada pas cumprir as normas estabelecidas internacionalmente, e
cada um deve identificar e eliminar todo e qualquer trabalho que promova ilegalmente abuso fsico,
psicolgico, cognitivo e sexual de crianas e adolescentes. No Brasil, por exemplo, definiramas atividades nas ruas, com agrotxicos, lixo e de servio domstico como trabalho perigoso e
insalubre. J a escolha do dia Mundial Contra o Trabalho Infantil tem por objetivo estimular todas
as naes a adotarem normas para aes slidas no combate a esse tipo de atividade.
Considerando tais metas e visualizando o trabalho precoce e insalubre como um grave
problema social, vlido observar que, ao longo de vrios anos, muitas foram as aes para
combat-lo, apesar disso infelizmente no se obteve o xito esperado. Tanto assim que o trabalho
infantojuvenil perdura at hoje. O que se pode constatar que em meio a tantos esforos, algo
falhou, impedindo a erradio total deste tipo de atividade.
No entanto, acredita-se que o Desenvolvimento Sustentvel seja uma das alternativas no
combate realidade vivenciada por milhares de crianas e adolescentes que perderam a idade
pertinente ao seu desenvolvimento para tornarem-se precocemente adultos produtivos.
Na verdade, o conceito de sustentabilidade no se restringe apenas s questes ambientais,
como muitos acreditam, engloba sete aspectos principais, que buscam envolver: Sustentabilidade
Social (melhorar a qualidade de vida da populao, visando equidade na distribuio de renda, por
meio da diminuio das diferenas sociais, considerando, tambm, a participao em organizaes
populares); Sustentabilidade Econmica (envolver o pblico com o privado, sendo que os
investimentos de ambas as partes sero regularizadas e compartilhadas entre padres de produo
e consumo, visando, assim, ao acesso cincia e tecnologia); Sustentabilidade Ecolgica (utilizar
recursos naturais que devam minimizar os danos causados aos sistemas de sustentao da vida,
reduzindo dessa forma os resduos txicos e a poluio, o que prev a reciclagem de materiais e
energia, bem como a conservao, buscando, assim, estabelecer tecnologias limpas e de maior
eficincia, ou seja, regras para uma adequada proteo ambiental); Sustentabilidade Cultural
(respeitar os diferentes valores entre os povos e incentivar o processo de mudana que englobam as
especificidades locais); Sustentabilidade Espacial (manter o equilbrio entre o rural e o urbano,
adotando prticas que visam ao equilbrio de migraes, desconcentrao das metrpoles, adoo
de atividades agrcolas mais inteligentes e no agressivas sade e ao ambiente, assim como o
manejo sustentado das florestas e a industrializao descentralizada); Sustentabilidade Poltica
(estabelecer a descentralizao do poder, principalmente na gesto de recursos e na participao
poltica, buscando construir espaos pblicos comunitrios e, tambm, maior autonomia dos

607

governos locais) e Sustentabilidade Ambiental (buscar equilibrar o ecossistemas, erradicar a


pobreza e a excluso, respeitando, assim, aos direitos humanos e a integrao social).
Como se nota, o Desenvolvimento Sustentvel algo complexo e, se adotado, pode vir
a contribuir com a erradicao do trabalho infantojuvenil, principalmente nos pases em
desenvolvimento, onde a apropriao dessa fora de trabalho algo histrico e que predomina at
hoje, sendo este o caso do Brasil.
Mas com vistas ao desenvolvimento social, politico e ambiental que se busca visualizar
e at mesmo viver uma realidade completamente diferente. Nesse sentido, o entendimento da
Sustentabilidade Social como oportunidades iguais para os seres humanos, dos padres de
atividades em diferentes contextos culturais e sociais nos quais as pessoas vivem
(KRUSE, 1997, p.11) nos leva a almejar relaes sociais, polticas e econmicas diferentes das
praticadas at hoje, pois importante que se busquem desenvolver aes voltadas para o resgate
da cidadania da pessoa humana, e que garantam, no mnimo, os direitos universais basicos, como
sade, educao, moradia e trabalho.
Como se pode verificar, a Sustentabilidade Social um dos mais importantes fatores para
a mudana nos panoramas da sociedade, principalmente nas atuais relaes capitalista, em que
historicamente predominaram a desigualdade social e a falta de participao poltica, pois, de
certa maneira, pode auxiliar no bem-estar da sociedade de hoje e a de amanh em iguais medidas.
Alis, garantindo os direitos humanos dos cidados, por meio de polticas pblicas eficazes,
que no se reduzam somente ao bem-estar material, mas que proporcionem a proteo e a igualdade
de oportunidades, bem como a incluso dos cidados nos processos de decises poltica, econmica
e social, que se podem estabelecer aes socialmente, politicamente e ambientalmente sustentveis.
Nesse sentido, importante ter presente que tais aes no podem ser realizadas de forma
isolada e pontual, em outras palavras, aes realizadas apenas pelo governo ou apenas pela
sociedade civil. Na realidade, deve ocorrer uma soma de aes que contribuam com a erradicao
ou, pelo menos, minimize mudialmente o trabalho infantojuvenil.
Entende-se, tambm, que tais aes no devem se destinar apenas ao pblico-alvo deste estudo,
mas sim s famlias e aos indivduos com quem se relacionam, pois, acredita-se, estabelecendo uma
ao conjunta entre sociedade civil, Organismos Internacionais, Organizaes no governamentais,
empresas, comrcio e o prprio Estado (em todas as suas esferas) em que a participao politica,
econmica e social ocorra que ser possvel vislumbrar uma outra realidade. De resto, garantindo
uma distribuio de renda digna e o acesso alimentao, sade, educao, ao esporte, ao lazer
e cultura que muitas crianas e adolescentes deixaro o trabalho precoce para gozar a idade
pertinente ao seu desenvolvimento, social, moral, cognitivo, fsico e psicolgico.

608

REFERNCIAS
BUIAR. Janaina C. Lei do Jovem Aprendiz: A legalizao da adultizao do adolescente trabalhador.
2009. 157f. (Mestrado em Tecnologia) Ps graduao em Tecnologia, Universidade Tecnolgica Federal
do Paran, Curitiba.
COSTA, Carlos Gomes da. De Menor a Cidado: notas para uma histria do novo direito da infncia e da
juventude no Brasil. Documento elaborado pelo Governo Federal. Braslia, 1990.
FALEIROS, Vicente de Paula. Caderno Especial n. 19 15 anos do Estatuto da Criana e do Adolescente.
2005. Disponvel em: <www.assistentesocial.com.br/biblioteca. html>. Acesso em: 20 jun. 2007.
FUNDO DAS NAES UNIDAS PARA A INFNCIA. UNICEF. Situaomundialda infncia: a questo do
trabalho infantil. Braslia, 1997.
KRUSE, L. EvolvingtheConceptofSustainability. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL ASSOCIATION
FOR PEOPLE-ENVIRONMENT STUDIES, 14., 1997, Stockholm. Proceedings Estocolmo: Royal Instituteof
Technology (KTH), TheDepartmentofArchitectureandTownplanning, 1997. v. 1, p. 10-12.
MOURA, Esmeralda Blanco Bolsonaro de. Crianas operrias na recm-industrializada. So Paulo. In: PRIORE,
Mary Del (Org.). Histrias das Crianas no Brasil. 6. ed. So Paulo: Contexto, 2008.
NEPOMUCENO, Valria. As relaes com o mundo do trabalho adeus, infncia. In: CABRAL, Edson Arajo
(Org.). Sistema de Garantia de Direitos: um caminho para a proteo integral. Recife: CENDHEC, 1999.
RIZZINI, Irene. O sculo perdido: razes histrias das polticas pblicas para ainfncia no Brasil. Rio de
Janeiro: Petrobrs BR: Ministrio da Cultura: USU Ed. Universitria: Anais, 1997.
RIZZINI, Irma. Pequenos trabalhadores do Brasil. In: DEL PRIORE, Mary (Org.). Histria das crianas no
Brasil. So Paulo: Contexto, 1999.
ROMERO, Daniel. Marx e a Tcnica: um estudo dos manuscritos de 1861-1863. So Paulo: Expresso
Popular, 2005.
ROSA, Elizabete T. S. Adolescente com prtica de ato infracional: a questo da inimputabilidade penal. Servio
Social & Sociedade, ano XXII, n. 67. So Paulo: Cortez, 2001.
TAVARES, Maurcio A. O trabalho infantil e as mltiplas faces da violncia contra crianas e adolescentes.
In:SILVA, Lygia Maria Pereira da (Org.). Violncia domstica contra crianas e adolescentes.Recife:
Edupe, 2002. Disponvel em: <http://dtr2001.saude.gov.br/editora/produtos/livros/pdf/03_1492_M.pdf>.
Acesso em: 25 out. 2011.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 Industrializao Foi durante o primeiro governo de Getlio Vargas (1930-1945) que a indstria
brasileira ganhou um grande impulso. Vargas teve como objetivo principal efetivar a industrializao do
pas, privilegiando as indstrias nacionais, para no deixar o Brasil cair na dependncia externa.

609

Urbanizao Aumento proporcional da populao urbana em relao populao rural. Segundo esse
conceito, s ocorre urbanizao quando o crescimento da populao urbana superior ao crescimento da
populao rural.

xodo rural O deslocamento de pessoas da zona rural (campo) para a zona urbana (cidades).

Vadiagem No ter ofcio e nem emprego - no ter renda que lhe assegure prover a prpria subsistncia

5 Delinquncia um problema comportamental caracterizado por realizaes de atos criminosos em


indivduos de menoridade penal. Do ponto de vista sociolgico, educacional, psicolgico e religioso, os
delinquentes rejeitam os valores morais, deturpam a liberdade de expresso, agem conforme suas
prprias vontades, no se preocupam com o prximo, vivem de forma extravagante, se apegam aos vcios,
se satisfazem com a violncia e ainda a praticam de forma explcita
6

Classes sociais No Brasil existem pobres, ricos e muito ricos, cada uma dessas pessoas faz parte de uma
classe social, ou seja, um grupo de pessoas que tem o mesmo poder aquisitivo, a mesma funo, os mesmos
interesses. Para Karl Marx, em toda sociedade caracterizada por um capitalismo desenvolvido, existem a
classe dominante e a classe dominada, como consequncia desta diviso, a humanidade presenciou vrias
lutas de classes, ou seja, cada uma tentando impor o seu jeito e sua maneira de viver para tentar superar e
dominar as demais.

Orfanato Estabelecimento assistencial, pblico ou particular, que tem por finalidade abrigar crianas e
adolescentes abandonados, que eram retirados de suas familias ou no possuiam pais.

OIT (Organizao Internacional do Trabalho) foi criada em 1919, como parte do Tratado de Versalhes,
que ps fim Primeira Guerra Mundial. Fundou-se sobre a convico primordial de que a paz universal
e permanente somente pode estar baseada na justia social. a nica das agncias do Sistema das
Naes Unidas com uma estrutura tripartite, composta de representantes de governos e de organizaes
de empregadores e de trabalhadores. A OIT responsvel pela formulao e aplicao das normas
internacionais do trabalho (convenes e recomendaes). As convenes, uma vez ratificadas por deciso
soberana de um pas, passam a fazer parte de seu ordenamento jurdico. O Brasil est entre os membros
fundadores da OIT e participa da Conferncia Internacional do Trabalho desde sua primeira reunio.

UNICEF (Organizao Internacional do Trabalho Fundo das Naes Unidas para a Infncia) est presente
no Brasil desde 1950, liderando e apoiando algumas das mais importantes transformaes na rea da
infncia e da adolescncia no Pas, como as grandes campanhas de imunizao e aleitamento, a aprovao
do artigo 227 da Constituio Federal e o Estatuto da Criana e do Adolescente, o movimento pelo acesso
universal educao, os programas de combate ao trabalho infantil, as aes por uma vida melhor para
crianas e adolescentes no Semirido brasileiro. O UNICEF est presente em praticamente todo o territrio
nacional. O trabalho das equipes do UNICEF impacta diretamente e para melhor a vida das crianas, dos
adolescentes e de suas famlias.

10 Terceirizadas A terceirizao pode ser adotada por uma empresa no apenas quanto aos servios, mas
tambm quanto a bens ou produtos.
11 Todos os dados estatsticos do Pnad e alguma parte do texto referente aos dados fornecido nesta pgina
foram retirados do site: <http://noticias.uol.com.br/especiais/pnad/2010/ultimas-noticias/2010/09/08/
trabalho-infantil-continua-em-queda-mas-ainda-ha-mais-de-4-milhoes-de-pequenos-trabalhadores.jhtm>.

610

12 Menor Perodo em que crianas e adolescentes, filhos de famlia pobre, eram visualizados como
ameaa ordem nacional. Quando menos privilegiados socialmente e economicamente, mais inseridos
esto neste conceito.
13 Situao irregular Correspondia a um estado de patologia (doena) social, entendida de forma ampla.
Na patologia social se encontram os jovens em situao de risco. Na aplicao dessa doutrina (situao
irregular), o juiz de menores era quem tratava dos problemas assistenciais e jurdicos, via sistema Judicirio
do Estado. O juiz podia tomar decises sobre a situao (destino) de determinada criana ou adolescente,
sem sequer escut-lo ou at mesmo desconsiderar a vontade de seus pais.
14 Proteo integral A Doutrina da Proteo Integral significa um grande avano na formulao de polticas
pblicas. As crianas e os adolescentes passaram a ser considerados sujeitos de direitos, para quem deve
ser respeitada a condio peculiar de ser humano em desenvolvimento. Na prtica, isso exige de cada um
dos cidados, do poder pblico e da sociedade, que coloquem crianas e adolescentes como prioridade de
suas aes e preocupaes.
15 Ditadura militar O perodo da poltica brasileira em que os militares governaram o Brasil. Essa poca vai
de 1964 a 1985. Caracterizou-se pela falta de democracia, supresso de direitos constitucionais, censura,
perseguio poltica e represso aos que eram contra o regime militar.
16 Constituio um conjunto de normas (regras e princpios) supremos do ordenamento jurdico de um
pas. Limita o poder, organiza o Estado e define direitos e garantias fundamentais; se for flexvel, suas
normas desempenham a mesma funo, mas encontram-se no nvel hierrquico das normas legislativas.

611

PRECONCEITOS1 E DISCRIMINAO2 NAS RELAES DE TRABALHO

Thereza Cristina Gosdal


Procuradora do Trabalho

No h como se imaginar sustentabilidade social e diminuio das diferenas sociais com a


perpetuao de prticas discriminatrias na escola, no trabalho, no acesso aos servios de sade
e aos servios pblicos em geral. Quem j se sentiu discriminado, por ser mulher, por ser idoso,
por ser obeso, por ser negro, por ter alguma deficincia fsicas ou mental, por ser pobre, por ser
homossexual, por ter alguma doena, como a AIDS, ou as muitas outras formas de discriminao
com as quais nos deparamos na sociedade, sabe que a conduta atinge o discriminado naquilo
que todos ns temos de mais precioso, que a dignidade como pessoa humana. A dignidade
pressupe o direito igualdade.
A Constituio Federal Brasileira assegura no art. 5, caput, o princpio da igualdade,
ao estatuir que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza. O princpio
da igualdade est diretamente ligado ao princpio da no discriminao. Porm, o princpio
da igualdade no absoluto. Algumas distines so lcitas e a prpria Constituio estabelece
algumas dessas distines, por exemplo, quando probe o trabalho do menor, exceto na condio
de aprendiz, ou quando assegura a proteo ao mercado de trabalho da mulher, mediante
incentivos especficos, nos termos da lei, o que est previsto no inc. XX do art. 7.
Essa breve meno a dispositivos da Constituio j evidencia a grande dificuldade que
enfrenta o Direito na atualidade, que a de compatibilizar a igualdade em direitos, com o

613

direito diferena. Por um lado, a demanda por igual reconhecimento exige que as pessoas
sejam tratadas sem considerao a suas diferenas; todos os seres humanos so compreendidos
como iguais em relao aos direitos humanos, que so considerados inerentes ao homem e
universais, ou universalizveis. Por outro lado, em nome da poltica das diferenas preciso
reconhecer e at fomentar particularidades, como em relao s minorias tnicas (que o caso dos
indgenas no Brasil, dos aborgenes na Austrlia, dos povos ciganos na Europa), ou s mulheres,
aos afro-descentes etc.
Vejamos ento, inicialmente, o que significa igualdade real e formal, para depois tratarmos
da discriminao (e do preconceito) e de quando um discrimen (uma distino) possvel, lcito.
Os juristas costumam distinguir dois tipos de igualdade, a formal e a real (ou material).
A igualdade formal a estabelecida idealmente, perante a lei. Todos so iguais perante a lei.
Assim que, a todos est assegurado o direito de no ser submetido tortura ou a tratamento
desumano ou degradante (art. 5, inc. III, CF/88). A igualdade formal importante, assegurando
aos cidados direitos e imunidades que devem ser observados.
Mas por meio da igualdade real que se busca a igualdade de fato, no plano das relaes,
na vida social e econmica. Essa a igualdade que atende mais satisfatoriamente ideia de
sustentabilidade social, porque permite o exerccio de direitos fundamentais, como o direito
educao e ao trabalho, assim como assegura possibilidade de acesso aos mecanismos e processos
de deciso poltica e garante igualdade de oportunidades.
A nossa Constituio contempla normas destinadas busca da igualdade real, por exemplo,
quando prev o benefcio de prestao continuada, que um benefcio que a Seguridade
Social paga pessoa com deficincia que comprove no possuir meios para prover a prpria
subsistncia ou de t-la provida pela famlia (inciso V do art. 203 da CF/88), no valor de um
salrio mnimo mensal.
Bem, mas ento vejamos o que preconceito e discriminao. A diversidade biolgica e
cultural prpria das sociedades humanas, mas o homem comum tem dificuldade para encar-la
como tal e para compreender a humanidade como nica, porque ele vive numa cultura especfica
e tradicional, sem a percepo da dimenso da sociedade humana e do outro, aquele que
diferente. Temos a tendncia de negar as diferenas que no compreendemos e a condenar as
experincias do outro que nos chocam.
O preconceito constitui uma atitude interior do indivduo ou grupo, uma ideia pr-concebida
acerca de algo ou algum. O preconceito conduz discriminao e normalmente est relacionado
ausncia de conhecimento sobre a realidade do outro, do diferente. o que acontece, por

614

exemplo, quando deixamos de contratar uma pessoa com deficincia, por entendermos que no
tem a desejada capacidade laboral, avaliando-a por suas limitaes, no por suas habilidades
Em geral o preconceito se presta a justificar a explorao econmica, a dominao poltica, ou
a ocultar antagonismos de classe. Segundo Arnold M. ROSE (ROSE, op. cit., p.165.), o preconceito
traz uma sensao de poder aos membros do grupo dominante, seja ele racial, nacional, religioso,
seja de gnero (relativo s mulheres). Os membros deste grupo, ainda que estejam no seu ltimo
escalo, sentem-se superiores aos membros da minoria. uma vantagem ilusria, j que se abre
mo de outras satisfaes de prestgio reais. Alm do preconceito, h o esteretipo, que muitas vezes
desencadeia prticas discriminatrias. O esteretipo3 o rtulo, a noo padronizada a respeito
de certas pessoas ou grupos, generalizando-se caractersticas. Podem ser positivos e negativos. Por
exemplo, a ideia de que todo japons inteligente, ou todo ndio preguioso, ou todo judeu sovina,
ou toda loura burra.
O esteretipo mantido e veiculado pelos meios de comunicao, podendo ser absorvido
e tornar-se crena que conduz a ao do indivduo. Preconceitos e esteretipos esto presentes
nas relaes sociais, atuando na manuteno de ideias e justificando as diferenas de tratamento
existentes. O preconceito tem um carter mais individual, enquanto o esteretipo apresenta-se
mais fortemente como um produto cultural e social.
A discriminao, diversamente do preconceito, implica necessariamente uma ao, que
produz um impacto diferencial e negativo nos membros do grupo discriminado. Uma ao
educativa e persuasiva pode contribuir para a diminuio do preconceito e para a reviso dos
esteretipos, levando valorizao das diferenas e da diversidade. J no caso da discriminao,
entretanto, por se tratar de prtica, h de se usar tambm dispositivos legais, ou no se ter
alterao no quadro das desigualdades. (BENTO In: _____, op. cit., p.21)
A palavra discriminar apresenta dois significados, o de distinguir ou diferenciar, utilizados
num sentido neutro; e o sentido pejorativo que adquiriu ao longo do sculo XX, de parcialidade,
favoritismo, fanatismo ou intolerncia, que o sentido com que mais frequentemente empregamos
a expresso atualmente.
A discriminao representa um fenmeno social. Por ser social, dinmica, varivel no
tempo e no espao. Isso ocorre porque no diz respeito a uma caracterstica inerente ao sujeito,
mas a algo que se constri na relao com o outro, a uma valorao comparativa.
Nesse sentido est a Conveno Internacional dos Direitos das pessoas com Deficincia da
ONU, aprovada em dezembro de 2006 e ratificada pelo Congresso Nacional brasileiro em julho
de 2008, o que significa que passou a valer para ns como lei interna. Por essa conveno e

615

pela definio que ela traz de pessoa com deficincia, em seu artigo 1, fica claro que considera
a deficincia como sendo da sociedade, no da pessoa: pessoas com deficincia so aquelas que
tm impedimentos de natureza fsica, intelectual ou sensorial, os quais, em interao com diversas
barreiras, podem obstruir sua participao plena e efetiva na sociedade com as demais pessoas.
Quer dizer, a sociedade que no tem os mecanismos apoios e instrumentos necessrios
para que aquela pessoa possa desenvolver-se plenamente e exercer seus direitos. Porque no
podemos imaginar que uma pessoa que tenha deficincia fsica, por exemplo, que necessite de
cadeira de rodas, encontre os mesmos obstculos morando num stio no interior do Paran,
sendo de famlia humilde, que aquela que mora em Munique, na Alemanha, onde todas as
caladas e veculos de transporte coletivo so adaptados e ela tem acesso mais fcil cadeira
de rodas motorizada.
Claro que existem deficincias que comprometem e limitam muito as possibilidades de
uma pessoa, quanto educao, ao trabalho e vida social. Mas mesmo para estas, o acesso a
recursos mdicos, de tratamentos fisioterpicos e psicopedaggicos, pode fazer muita diferena
no desenvolvimento.
Tomando mais um exemplo, uma mulher sabe que mulher porque se relaciona com o
outro, que o homem, percebendo a diferena entre eles. Uma pessoa percebe que negra ao
ter contato com o outro, que o branco, ou o amarelo, por exemplo. Como se v, a diferena no
est na pessoa, mas na relao que ela constri com o outro, Por isso a aceitao do diferente
uma atitude que todos deveramos adotar, porque em outro contexto todos ns poderamos nos
tornar o diferente.
Maurcio Godinho DELGADO conceitua a discriminao como ...conduta pela qual se
nega pessoa tratamento compatvel com o padro jurdico assentado para a situao concreta por
ela vivenciada... (DELGADO In: VIANA; RENAULT, op. cit., p.97-114)
Egdia Maria de Almeida AIEXE afirma que a discriminao em regra atinge um grupo de
pessoas unidas por um trao comum:
Neste sentido, o ato de discriminar compe-se, antes de tudo, de uma generalizao dos atributos extrnsecos
das pessoas de um grupo como sinnimos de uma ou mais qualidades vistas como negativas. O efeito a
negao da individualidade de cada componente do grupo e sua dissoluo em um todo imaginrio, que
recebe uma categorizao estigmatizante a partir dos valores daquele que discrimina. (AIEXE In: VIANA;
RENAULT, op. cit., p.337)

Essa mesma autora ressalta o aspecto cruel da discriminao, que o de prestar-se


justificativa da marginalizao e explorao da pessoa ou grupo discriminado.

616

Segundo Hdio SILVA JUNIOR, o discrimen (o tratamento diferenciado) possvel


quando houver correlao lgica com a norma de conduta e com os valores constitucionais.
Quer dizer, a finalidade da diferenciao deve ser acolhida pelo Direito, no pode ser contrria
s normas e dos princpios constitucionais. Lus Roberto BARROSO acrescenta que tratamento
diferenciado deve possuir fundamento razovel e ser destinado a um fim legtimo; deve haver
adequao entre o meio utilizado e o fim pretendido; deve haver proporcionalidade entre o valor
objetivado e o sacrificado.
Como exemplo de desequiparaes possveis, traz o da contratao de artista negro para
evento comemorativo do dia da conscincia negra; ou a contratao de guardas penitencirios do
sexo feminino para presdio feminino. Nesses exemplos, o elemento diferenciador conformado
pela raa e pelo sexo constitui condio determinante da atividade que vai ser desenvolvida,
fundada em sua natureza ou condies de exerccio.
No mbito das relaes de trabalho, para que o fator diferenciador seja vlido, deve ser
vinculado objetiva e logicamente necessidade do posto de trabalho oferecido, ou condio
de trabalho a que estiver vinculado. Por exemplo, se contrato um jogador para um time de
futebol masculino, posso validamente preferir que seja do sexo masculino. Mas no posso preferir
contratar um homem para trabalhar na lavoura, s porque imagino que seja melhor um homem
para aquele posto de trabalho.
Compreendendo-se como possveis determinadas diferenciaes, inclusive as relativas
s medidas de ao afirmativa, das quais se tratar mais adiante, nas demais hipteses estar
configurada a prtica discriminatria, reprovvel do ponto de vista sociojurdico.
A discriminao pode assumir feies diversas, efetivando-se direta ou indiretamente, ou
consolidando-se em aes positivas.
A discriminao direta aquela pela qual o tratamento desigual funda-se em critrios
proibidos. , por exemplo, a no contratao de empregados negros.4
A discriminao indireta a que tem uma aparncia formal de igualdade, mas que em
verdade cria uma situao de desigualdade. o caso, por exemplo, da instituio de um adicional
de remunerao a uma determinada funo, ocupada exclusivamente por homens.
A discriminao indireta mais frequente que a direta. Outro exemplo seria o de criar
requisitos para a admisso que exclussem um determinado grupo e que no fossem relacionado
com a necessidade do servio, como, por exemplo, a boa aparncia para ser vendedor em loja.
Para Maria Aparecida BENTO (BENTO, p.2113-2132) h, ainda, a discriminao
institucional, que ocorre quando o preconceito est subjacente ao prprio comportamento

617

coletivo ou institucional, inserido na lgica da empresa ou instituio, de modo no necessariamente


consciente, mas reprodutor das desigualdades sociais. Pode-se dizer que uma discriminao
estrutural, vinculada estrutura da sociedade tal qual se encontra estabelecida num dado momento
histrico, com a advertncia que estrutural no quer dizer imutvel.
possvel falar-se ainda em discriminao vertical e horizontal. A vertical ocorre quando
h maior dificuldade para determinados indivduos e grupos de ter acesso a determinados postos
e posies mais elevados e melhor remunerados na empresa, como costuma ocorrer ainda em
relao a negros e mulheres. A horizontal ocorre quando os empregos ocupados por estes
grupos, majoritria ou tradicionalmente, so piores remunerados e socialmente desvalorizados,
como ocorre com professores primrios e enfermeiros, que so predominantemente ocupados
por mulheres.
Por fim, h a discriminao positiva, ou ao afirmativa, que compreende o conjunto de
medidas legais e de prticas sociais, destinadas a compensar uma situao de efetiva desigualdade
em que se encontre um determinado grupo social, possibilitando o acesso ao sistema legal, tornando
vivel para estes indivduos o exerccio de direitos fundamentais. Significa o estabelecimento
de favorecimentos a algumas minorias socialmente inferiorizadas, juridicamente desigualadas,
destinados a facilitar a igualdade real.
Cota um dos mecanismos possveis de ao afirmativa e representa o nmero ou
porcentagem previsto na norma. Por ela se estabelece uma reserva mnima e rgida de lugares, em
nmeros ou percentuais. Mas no o nico mecanismo de ao afirmativa, que pode compreender
tambm, uma poltica de incentivos fiscais para as empresas que adotarem polticas de incluso
no trabalho.
No Brasil temos as cotas para pessoas com deficincia, em relao ao acesso ao trabalho.
Essas pessoas tm direito reserva de vagas nos concursos pblicos, ou seja, um percentual
reservado para elas; e tem direito cota nas empresas privadas, ou seja, toda empresa que
tenha 100 (cem) empregados ou mais, est obrigada a contratar um percentual de pessoas com
deficincia (que vai de 2% a 5%, conforme o nmero de empregados da empresa). Temos as
cotas para negros e indgenas em algumas universidades, como a Universidade Federal do Paran
(que tambm tem uma cota para alunos oriundos das escolas pblicas).
O indivduo beneficiado pela ao afirmativa deve estar apto para a funo ou vaga pretendida.
Porm os requisitos exigidos para um posto de trabalho devem guardar estreita vinculao com
a necessidade do servio, com as atividades compreendidas para o posto de trabalho oferecido.
No possvel a insero de critrios discriminatrios nas ofertas de emprego, como a idade entre
18 e 40 anos.

618

A ao positiva est a servio da igualdade real. No constitui um privilgio, mas sim um


meio para reequilbrio das situaes reais de desigualdade.
TRATAMENTO LEGAL DA DISCRIMINAO NO ORDENAMENTO JURDICO PTRIO
A Constituio Federal de 1988, no art. 1.o, inc. III, eleva condio de fundamento do
Estado democrtico de direito a dignidade da pessoa humana, estabelecendo como objetivo
fundamental da Repblica a promoo do bem de todos, sem preconceitos de origem,
raa, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminao (art. 3.o, inc. IV). Nesse
mesmo art. 3.o, inc. III estabelece o objetivo de reduzir as desigualdades sociais. No artigo 5.o,
caput, prev que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza. No artigo
7.o, inc. XX estabelece a proteo ao mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos
especficos, nos termos da lei. No mesmo artigo, inc. XXX, probe diferena de salrio, de
exerccio de funes e de critrio de admisso por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil.
Estabelece no art. 7.o, inc. XXXII a vedao de distino entre trabalho manual, tcnico e
intelectual e entre os profissionais respectivos.
Alm do que est expresso em nossa Constituio, que a lei mais importante do pas, h
vrios tratados e convenes internacionais que foram ratificados pelo Brasil, o que quer dizer
que passaram a valer como lei interna. Assim, por exemplo, a Conveno n. 111 da Organizao
Internacional do Trabalho (a OIT), que trata da discriminao no trabalho. E h tambm vrias
leis infraconstitucionais ( que esto abaixo da Constituio, que a lei mais importante), tratando
da igualdade e no discriminao, como, por exemplo, a Lei n. 9.029/95, que trata da proibio
de qualquer forma de discriminao no acesso ao emprego ou na sua manuteno, proibindo,
dentre outras coisas, que o empregador exija atestados ou exames de gravidez, ou esterilidade da
empregada ou candidata a emprego.
Apesar de toda a tutela constitucional, de normas de direito internacional ratificadas pelo
Brasil e de normas de direito infraconstitucional, as prticas discriminatrias continuam a ocorrer
nas relaes de trabalho, carecendo de tutela a ser buscada perante o Poder Judicirio ( o poder
incumbido de julgar) e de atuao do Ministrio Pblico.
A discriminao no traz consequncias apenas para o que dela vtima, ou para aquele
que discrimina apenas quando chamado a responder judicialmente. Ela gera perda de tempo
e de potencial humano. Traz, portanto, prejuzos econmicos. Traz prejuzos psicolgicos para
aquele que discrimina, que se torna incapaz de manter relaes plenamente humanas e de atacar
causas verdadeiras de problemas que o afligem. Traz prejuzos psicolgicos para aqueles que a

619

vivenciam, no obstante no sejam dela vtima. Limita, pela excluso, a possibilidade de reunir no
ambiente de trabalho, ou num local de lazer, ou numa universidade, indivduos com experincias,
talentos, histrias de vida e habilidades diversas.
Ns j caminhamos bastante nos ltimos anos em relao diminuio da discriminao.
A maioria das pessoas j sabe que ilegal deixar de contratar algum porque negro, ou porque
mulher, por exemplo. Mas ainda temos muito a avanar no sentido de uma igualdade efetiva
e da aceitao do diferente. No raro vemos notcias nos jornais de pessoas espancadas e at
mesmo mortas, porque so indigentes que moram nas ruas, ou porque so homossexuais, ou que
sofrem presso de colegas porque so obesas. Ainda temos que fazer um grande esforo para nos
considerarmos uma sociedade inclusiva.
PARGRAFOS COM AS IDEIAS PRINCIPAIS DO TEXTO:
No h como se imaginar sustentabilidade social e diminuio das diferenas sociais com a
perpetuao de prticas discriminatrias na escola, no trabalho, no acesso aos servios de sade
e aos servios pblicos em geral. A dignidade pressupe o direito igualdade.
A Constituio Federal Brasileira assegura no art. 5, caput, o princpio da igualdade,
ao estatuir que todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza. O princpio
da igualdade est diretamente ligado ao princpio da no discriminao. Porm, o princpio da
igualdade no absoluto. Algumas distines so lcitas e a prpria Constituio estabelece
algumas dessas distines, como a proteo ao trabalho do menor.
Por um lado, a demanda por igual reconhecimento exige que as pessoas sejam tratadas
sem considerao a suas diferenas; todos os seres humanos so compreendidos como iguais
em relao aos direitos humanos, que so considerados inerentes ao homem e universais, ou
universalizveis. Por outro lado, em nome da poltica das diferenas preciso reconhecer e
at fomentar particularidades. Isso no significa discriminar no sentido negativo da palavra. A
discriminao, diversamente do preconceito, implica necessariamente uma ao, que produz um
impacto diferencial e negativo nos membros do grupo discriminado. No diz respeito a uma
caracterstica inerente ao sujeito, mas a algo que se constri na relao com o outro, a uma
valorao comparativa.
Maurcio Godinho DELGADO conceitua a discriminao como ...conduta pela qual se
nega pessoa tratamento compatvel com o padro jurdico assentado para a situao concreta
por ela vivenciada... (DELGADO In: VIANA; RENAULT, p.97-114) No mbito das relaes de
trabalho, para que o fator diferenciador seja vlido, deve ser vinculado objetiva e logicamente

620

necessidade do posto de trabalho oferecido, ou condio de trabalho a que estiver vinculado.


Fora desta situao a discriminao ser ilcita e merecer repdio.
REFERNCIAS
AIEXE, Egdia Maria de Almeida. Uma conversa sobre direitos humano, viso da justia e discriminao. In:
VIANA; RENAULT, op. cit., p.337.
BENTO, Igualdade..., op. cit., p.2113-2132.
BENTO, Maria Aparecida Silva. Igualdade e diversidade no trabalho. In: _____, op. cit., p.21.
DELGADO, Maurcio Godinho. Protees contra discriminao na relao de emprego. In: VIANA; RENAULT,
op. cit., p.97-114.
DELGADO, Maurcio Godinho. Protees contra discriminao na relao de emprego. In: VIANA; RENAULT,
op. cit., p.97-114.
ROSE, op. cit., p.165.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Preconceito Um julgamento prvio negativo, uma ideia pr-concebida acerca de algo ou algum.

Discriminao Conduta (ao ou omisso) que viola direitos das pessoas com base em critrios injustificados
e injustos, como a raa, o sexo, a idade e outros.

Esteretipo Atributos relativos a pessoas ou grupos, que so generalizados como uma espcie de rtulo.
a ideia, por exemplo, de que todo japons inteligente, ou de que todo ndio preguioso. Pode ser positivo
ou negativo, mas sempre equivocado, na medida em que generaliza caractersticas e comportamentos a
todos os integrantes daquele determinado grupo ou segmento.

Racismo Ideologia que defende a existncia de hierarquia entre grupos humanos com base em raas que
reputa existentes, marcadas por caractersticas fsicas, hereditrias e culturais.

621

EMPREENDEDORISMO NO CONTEXTO
DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL

Gisele Braile Turquino

A partir do sculo XX o Brasil adotou um modelo de desenvolvimento (VALVERDE,


2005) capitaneado pelo Estado. At os anos vinte, a realidade brasileira era de um pas pouco
urbanizado e pouco industrializado, preso sua origem agrria (PERES, 2005) A partir dos
anos trinta e at a dcada de noventa, a presena do Estado foi forte na economia mediante
a produo de bens e servios. Grande foi seu papel como agente planejador dos processos
de desenvolvimento e de implementao de polticas pblicas que provocaram a necessria
urbanizao e industrializao. (VALVERDE, 2005) Nesse perodo houve forte crescimento da
economia brasileira, porm a um custo social alto, com enorme concentrao de renda.
importante observar que o modelo de desenvolvimento ento seguido no foi liderado
pela iniciativa privada, como ocorreu nos pases do Hemisfrio Norte. Naquelas economias, a livre
iniciativa e a responsabilidade individual produziram crescimento considervel.
No havia no Brasil sequer escolas de Administrao para formar executivos capacitados,
nem empresas em que tais lideranas surgissem. Coube ao Estado brasileiro realizar, dentro dos
seus prprios quadros, os investimentos1 necessrios para formar administradores. (VALVERDE,
2005). S mais recentemente o pas pde contar com escolas e instituies nas quais gestores
pudessem aprimorar competncias empreendedoras.

623

Foram perceptveis as consequncias desse modelo de desenvolvimento. No final dos anos


oitenta o Pas experimentava alta inflao e estagnao da economia. A inflao perversa,
porque os pobres no tm como defender-se dela, enquanto os mais ricos concentram ainda mais
sua riqueza.
Por sua vez, o Estado brasileiro tornou-se pesado para a sociedade: custo elevadssimo
da mquina pblica resultando em servios qualitativa e quantitativamente insuficientes;
intervencionismo2 e privilgios para determinados setores da indstria de transformao com
desprezo de outros; clientelismo3 e polticas pblicas distorcidas que no promovem a emancipao
do cidado; educao e previdncia social voltadas para algumas parcelas do setor urbano.
Sobretudo, esse modelo de desenvolvimento marcou o modo de ser dos brasileiros: a
sociedade acostumou-se a esperar que o Estado tomasse a iniciativa para resolver seus problemas na
gerao de empregos, nos investimentos em infraestrutura e no fomento da produo. Certamente
alguns grupos da sociedade ainda alimentam tal expectativa na atualidade, sem perceber que
mudanas profundas ocorreram nas ltimas dcadas do sculo XX.
GLOBALIZAO E COMPETITIVIDADE:
UM NOVO CENRIO PARA OS EMPREENDEDORES
Uma das mais importantes caractersticas da globalizao dos mercados seu efeito na
reduo dos empregos tradicionais e os requerimentos correspondentes no sentido de aumentar
as habilidades empresariais das pessoas. (...) Portanto, a demanda por funcionrios est
caindo e a demanda por parceiros est aumentando. Os parceiros precisam ter caractersticas
empreendedoras ou empresariais mais desenvolvidas. Por isso a importncia de serem formados
mais empreendedores (...) (PERES et al., 2003, p.4-6).
A globalizao e a consequente competitividade nas economias provocaram a queda da
inflao e uma considervel reduo do poder do Estado na conduo da poltica econmica
domstica. (MENDES, 2003) Reduzir gastos pblicos tornou-se imprescindvel. Foi necessria
frentica busca da eficincia na gesto4: enxugamento do setor pblico com as privatizaes e
planos de demisses voluntrias.
Alteraes no setor privado tambm foram necessrias como a substituio de mo de
obra por adoo de tecnologia, gerando o desemprego estrutural como sada para enfrentar a
competio global.
Um grande desafio surge ento para a sociedade e o Estado brasileiros: retomar o
crescimento da economia sob um novo modelo que valorize, entre outros aspectos, o potencial

624

empreendedor da sua populao. Vale lembrar, o setor produtivo o grande responsvel pela
gerao de emprego e contribuio de tributos. Estimular o empreendedorismo5 pode ser uma das
sadas para o enfrentamento dos problemas brasileiros.
As alteraes nas formas de emprego, mediante a terceirizao de servios, e a maior
complexidade tecnolgica no processamento de produtos primrios e secundrios so frutos da
competitividade. So novas situaes que criam oportunidades no mercado, porm, implicam que
instituies e indivduos ampliem seu potencial empreendedor.
DESENVOLVENDO O ESPRITO EMPREENDEDOR: APRENDIZAGENS NECESSRIAS
As caractersticas necessrias ao bom empreendedor podem ser adquiridas e desenvolvidas.
Na formao de empreendedores, fundamental que as pessoas sejam preparadas para agir e
pensar com autonomia, liderana e criatividade, inovando e ocupando com prazer e emoo o
espao no mercado.
necessrio para isso, em primeiro lugar, entender as perspectivas possveis, agindo com
iniciativa e comprometer-se na busca de informaes.
Importa ressaltar que no se trata de opor empreendedor a empregado, pois so conceitos
que no se excluem. Trata-se de preparar as pessoas para viver um momento em que as
transformaes so rpidas, no qual o mais importante saber aprender e criar, transformando
conhecimento em riqueza. Atitudes mentais so mais importantes que habilidades especficas.
Como identificar o empreendedor? Como permitir o desenvolvimento de empreendedores
na comunidade?
Algumas atitudes e competncias do empreendedor devem ser adquiridas. preciso: aprender
a aprender, estando aberto para novos conhecimentos e tecnologias; usar a criatividade para superar
obstculos; capacitar-se para correr riscos calculados; aprender a tomar decises mais acertadas,
fazendo planejamento com viso estratgica; e trabalhar em grupo, valorizando iniciativas e parcerias
em que todos ganham. Os atributos apresentados a seguir qualificam o empreendedor:
1. Autoconhecer-se uma primeira necessidade para que o empreendedor seja bemsucedido, como primeiro passo para desenvolver as habilidades empresariais, o
conhecimento de seus pontos fortes e fracos;
2. Criar oportunidades alm disso, a capacidade de identificar e criar oportunidades,
a capacidade gerencial e de planejamento e a habilidade para vencer desafios so
fundamentais;

625

3. Ser agressivo uma caracterstica muitas vezes mal-entendida.


Quando bem dosada e dirigida, dela derivam iniciativa, motivao, persistncia e energia
vital para atingir objetivos;
4. Ser criativo outro atributo necessrio ao empreendedor de sucesso, pois por meio dela
que se renovam as ideias, abrem-se novos caminhos, vislumbra-se o futuro, surgem
novas solues. Confiante em sua criatividade, o empreendedor tem segurana para
seguir sua intuio;
5. Saber relacionar-se tendo-se em vista a insero da atividade empresarial como
componente da teia de relaes intersubjetivas humanas, percebe-se a importncia,
para o empreendedor, a habilidade de relacionar-se com pessoas. Momentos diferentes
exigem posturas diferentes. preciso saber equilibrar as diferentes possibilidades. Em
determinadas situaes o empreendedor deve posicionar-se adequadamente, equilibrando
tenacidade e flexibilidade, sensibilidade e compreenso. A comunicao outro aspecto
a ser considerado, talvez um dos mais importantes, porquanto por meio dela que so
repassadas as informaes que permitem o entrosamento intersubjetivo interno e externo
(conhecer e atender necessidade do cliente);
6. Exercer liderana ainda como aspecto ligado ao relacionamento, mas, devido sua
importncia, tratada separadamente, tem-se a questo da liderana. Trata-se de um fator
com amplos reflexos na motivao das pessoas que compem uma equipe de trabalho. O
bom lder sabe como envolver o grupo, sem lanar mo de meios arbitrrios, conseguindo
a adeso aos objetivos almejados. Administrar conflitos, delegar responsabilidades,
estimular o esprito de confiana contribuem para a eficcia da estrutura empresarial;
7. Buscar excelncia associar tempo, recursos naturais, tecnologia, recursos humanos,
empenhando-se na busca a realizao de produtos ou servios de qualidade deve ser
caracterstica marcante do empreendedor.
8. Ter conscincia da importncia social do trabalho acreditar que o desenvolvimento da
atividade contribui para o fortalecimento da nao fazendo com que o empreendedor
perceba sua importncia para a sociedade, o que um estmulo ao seu desenvolvimento.
O empreendedor algum com vocao que identifica oportunidade de lucrar, articula
fatores de produo6 em organizaes (empresas) que produzem bens e servios necessrios e
teis vida humana, segundo a demanda do mercado.

626

EMPREENDEDORISMO E DESENVOLVIMENTO:
CONHECENDO OS FATORES NECESSRIOS
Fazer investimentos para que os recursos cresam o mesmo que promover desenvolvimento
da economia e o que desafia o empreendedor. O empreendedor capaz de desenvolver esses
recursos na sua empresa e na sua comunidade, buscando o crescimento sustentvel comum,
exercendo sua liderana de forma positiva.
Na economia a iniciativa privada detm a fora de trabalho, bem como os fatores de
produo pelos quais recebe remuneraes correspondentes.
Para os economistas, so quatro as categorias (PERES, 2005) dos fatores ditos primrios
de produo, descritos a seguir:
Primeiro, os recursos naturais, cuja remunerao o aluguel ou a renda. Os recursos naturais
consistem nos bens usados na produo e so extrados diretamente da natureza. Precisam de
transformao mediante a tecnologia para tornarem-se teis ao homem. Compreendem os minerais,
a gua, o vento, as terras cultivadas ou no, entre outros. O Brasil cultiva aproximadamente 50
milhes de hectares com lavouras e 160 milhes de hectares com pastagens naturais e artificiais.
Estudos indicam (MENDES, 1998) um potencial de mais 290 milhes de hectares de terras
propcias para a agropecuria, ainda inexplorados. Considerando a rea total do pas, de 850
milhes de hectares, as terras j ocupadas com agropecuria e aquelas com potencial representam
500 milhes de hectares, cerca de 60% do total, o que evidencia a sua vocao agrcola.
Em seguida, os recursos fsicos: infraestrutura e tecnologia cuja remunerao so os
juros e os royalties. Os recursos fsicos correspondem infraestrutura econmica disposio
da sociedade. Compreendem os transportes, telecomunicaes, energia, abastecimento de gua,
saneamento e sistemas educacionais. Ainda so recursos fsicos as mquinas, os equipamentos,
as benfeitorias, as construes e os insumos disposio das empresas. Tambm a tecnologia
pertence a essa categoria de recursos, envolvendo os conhecimentos de produo, de automao
e informtica, biotecnologia7, entre outros.
O terceiro fator de produo o trabalho, cuja remunerao o salrio. Os trabalhadores
dispem da sua prpria fora de trabalho como fator de produo. A importncia dos recursos
humanos para a economia dos pases aumenta no contexto da competitividade. Avalia-se a fora
de trabalho dos pases mediante o capital8 humano, considerando-se a sade da populao,
a qualidade e quantidade da educao recebida como fatores objetivos de anlise. A sade
proporciona disposio e disponibilidade para o trabalho, a educao traduz-se em conhecimentos

627

aplicveis e em competncias e habilidades profissionais adquiridas pelos jovens, aumentando seu


potencial e, ainda, melhorando sua atitude no trabalho.
O recurso empresarial (PERES et al., 2003), quarto fator primrio, a capacidade
de tomar decises, de assumir riscos e administrar empreendimentos. Esse fator tambm deve
ser remunerado. As empresas sempre trabalham enfrentando situaes nem sempre conhecidas
plenamente, o que implica assumir riscos no processo produtivo. Os empreendedores e empresrios
so necessrios nas economias, uma vez que esto dispostos a incorrer nos riscos que advm da
mobilizao e organizao dos recursos para a produo de bens e servios teis s necessidades
humanas. Portanto, a remunerao pelo risco assumido pelo recurso empresarial o lucro.
Todos os fatores de produo ou recursos acima descritos podem ser avaliados de acordo
com os estoques de capitais disponveis para a utilizao das empresas ou da sociedade. Em
outras palavras, podemos dizer que fatores de produo, recursos ou capitais so sinnimos.
Uma empresa organiza-se e cresce medida que o empreendedor fizer investimentos nos
recursos que podem estar na categoria dos capitais fsicos como a compra de mquinas ou
adoo de tecnologia por exemplo. Tambm h crescimento quando h investimentos no capital
humano, mediante qualificao formal (escolar) ou no formal (workshops, treinamentos), e assim
por diante.
Tambm para o crescimento sustentvel das comunidades, das empresas e da economia em
geral, investimentos para aumentar a capacitao dos recursos humanos tornam-se fundamentais.
No caso do Brasil, somos ricos em capital natural, porm, precisamos melhorar qualitativamente
a escolarizao da populao, para atingirmos o to sonhado desenvolvimento.
EMPREENDEDORES E CAPITAL SOCIAL:
RECURSOS PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
Recentemente, especialistas de diversas reas cientficas, ao estudar como o desenvolvimento
acontece, constataram que h um quinto fator ou recurso para promover o crescimento sustentvel.
Trata-se do capital social. (PERES, 2000)
O capital social funciona como cola invisvel (PERES, 2000, p.1) que promove a coeso
social, ou seja, o prprio tecido social necessrio para facilitar as transaes na economia.
Por meio desse novo conceito, pode-se compreender por que regies como as do norte da
Itlia mostram-se mais desenvolvidas que as do sul, apesar de receberem os mesmos investimentos.
Quais so os critrios pelos quais podemos avaliar o capital social? Como fazer investimentos
para que este recurso cresa?

628

O primeiro critrio de avaliao est baseado na confiana entre as pessoas e das pessoas
na sua comunidade. A confiana que permite a formao de redes de relacionamento entre elas
e os grupos, facilitando as negociaes e os investimentos. Portanto, se no h confiana, no h
desenvolvimento. A confiana (VIEIRA, 2005) a expectativa positiva de que o outro no agir
de modo oportunista ou imprevisvel. Trata-se, ento, de um exerccio de convivncia construtiva
entre as pessoas, uma conquista e no uma imposio.
O segundo critrio a capacidade de as pessoas ou comunidades trabalharem em grupo
para resolver problemas comuns, sem esperar que outros o faam.
O terceiro fator para avaliar o capital social est ligado ao civismo, ou seja, o compromisso das
pessoas ou das comunidades com respeitar regras, leis, propiciando convivncia cidad e saudvel.
O capital social no propriedade de apenas um grupo. interessante observar que quanto
mais esse tipo de recurso desenvolve-se nas comunidades, mais todos podem usufruir dele, sem
que este se desgaste ou acabe como os recursos fsicos, por exemplo.
Nas economias nas quais o totalitarismo ou regimes pouco democrticos (PERES, 2000)
foram praticados pelos governos, verificou- se diminuio do capital social. Nessas situaes, a
populao no sabe em quem confiar, e as relaes clientelsticas formam-se porque os detentores
do poder concedem favores a certos grupos.
O paternalismo tambm prejudica o capital social, porque causa dependncia dos mais
fracos, retira-lhes a iniciativa de lutar para autoafirmar-se.
Por fim, a corrupo o grande perigo para o capital social. Alm de ser criminosa e
desrespeitosa lei, destri a confiana da populao nas instituies, retira-lhes a esperana e
prejudica o desenvolvimento.
A educao comprometida com aspectos de cidadania pode ser um grande impulso para o
crescimento do capital social.
Os empreendedores tambm so grandes responsveis pelo surgimento e desenvolvimento
do capital social, porque que exercem uma liderana comprometida com o seu crescimento pessoal
e das comunidades e so criativos na busca de solues para problemas comuns enfrentados,
entre outros aspectos.
Exemplos de capital social podem ser observados na sociedade.
Uma prtica antiga no meio rural e j quase abandonada, o mutiro, um desses exemplos:
o produtor que necessitasse realizar uma tarefa podia contar com os vizinhos. Havia confiana e
todos se dispunham a contribuir com seu servio, numa atitude de ajuda mtua. Havia cumprimento
de regras e trabalho em grupo: geralmente o mutiro terminava com festejos e comida farta.

629

Atualmente, o cooperativismo e o associativismo rural podem ser lembrados como exemplos


da presena do capital social nas comunidades.
PRIMEIROS PASSOS PARA O EMPREENDEDOR PLANEJAR INVESTIMENTOS
Empreendedorismo um desafio de aprendizagem constante. Qualquer empreendedor
deve ter noes dos passos necessrios para estruturar o planejamento que analisa a viabilidade
dos empreendimentos. situao comum no Brasil, entre os chamados empreendedores de
primeira viagem, primeiro fazer investimentos gastando os poucos recursos disponveis, para s
depois perceber que aquele negcio no sustentvel.
Os investimentos, quando feitos por empreendedores bem preparados, devem ser planejados
mediante Projetos de Investimento de Capitais. (PERES et al., 2003) Esses projetos, tambm
chamados de Planos de Negcios, analisam a sua viabilidade sob vrios aspectos: financeiro,
econmico, social e ambiental. Sua elaborao ser resumidamente abordada a seguir.
O que um Projeto de Investimento de Capitais?
um plano esboado, escrito.
um plano das atividades, um roteiro que auxilia a tomar deciso e tentar errar menos.
Uma vontade interior trazida para fora, construda em conjunto com uma equipe de
trabalho.
Os Projetos de Investimento de Capitais tratam do aumento de um ou mais estoques
de capital (patrimnio, recursos) da empresa, quais sejam, capitais fsico, financeiro, natural,
humano e social. Visam aumentar a sustentabilidade da empresa rural ou urbana e aumentar sua
rentabilidade. Os projetos podem ser de dois tipos:
De incio de uma nova atividade ou negcio.
De melhoria ou mudana (incremento) de atividades j existentes.
FASES OU PASSOS DO PROJETO DE INVESTIMENTO DE CAPITAIS
So quatro as fases para a elaborao de um Projeto de Investimento de Capitais: diagnstico,
estudo de mercado, engenharia do projeto e avaliaes.
Vejamos detalhadamente cada uma delas.

630

1. Diagnstico
uma fotografia da situao atual da empresa ou do empreendedor, um levantamento de
todos seus recursos atuais, independentemente da atividade em que se pretenda investir (iniciar
ou incrementar). composto pelas seguintes partes:
Inventrio dos capitais
um levantamento, uma descrio dos recursos que a empresa/empreendedor possui
antes de fazer o investimento. So classificados como capital natural, fsico, financeiro,
humano e social. importante arbitrar valores aos trs primeiros. Avaliam-se os recursos
humanos quanto a de sade, escolaridade, atitude, disponibilidade e competncias no
trabalho das pessoas envolvidas (empreendedor, funcionrios e parceiros).
Anlise de rentabilidade (eficincia):
um levantamento de custos diretos de cada atividade atual, sua receita e margem bruta.
Viabilidade de longo prazo
um levantamento dos custos fixos e margem lquida da empresa rural. Esta anlise
demonstra se as atividades atuais so sustentveis no longo prazo, isto , se pagam a
conta das depreciaes e se remuneram os capitais imobilizados da empresa.
Planejamento estratgico
O diagnstico termina com a elaborao do planejamento estratgico (PERES, 2000), no
qual so estudados pontos fortes e fracos da empresa ou do empreendimento, ameaas e
oportunidades do ambiente externo a ser enfrentado. Partir dessa anlise, estabelecemse misso, objetivos, estratgias e metas a serem alcanadas. Esse planejamento (PE)
deve estar afinado com os desejos, vocao do gestor/empreendedor e com a realidade
da qual participa a empresa (metas factveis, reais). O planejamento estratgico uma
orientao de longo prazo, expressa a viso da empresa e deve ser compatvel com os
prximos passos do Projeto.
2. Estudo de Mercado
Esta a fase mais difcil de obter dados, pois o mercado dinmico e imprevisvel. Muitas
vezes as informaes de mercado no esto facilmente disponveis, ou so de difcil acesso. Outras
vezes, as informaes precisam ser obtidas mediante pesquisas diretas em campo, feitas pelo
prprio empreendedor, o que demanda tempo e recurso.

631

Ainda, com relao ao mercado de produtos agrcolas o chamado mercado de commodities9


ser necessrio compreender e acompanhar a dinmica das cadeias agroindustriais10 envolvidas:
estoques mundiais, preos mdios histricos, produo e demanda prevista etc.; e dos mercados
futuros (cotaes, contratos).
Ser necessrio para o empreendedor exercitar determinao e perseverana na busca de
informaes confiveis para estruturar um bom estudo de mercado. Mais que isso, a criatividade e
curiosidade tambm podem ser decisivas para enxergar as oportunidades que surgem no ambiente.
Note-se que essa etapa do projeto muito importante e necessria. fundamental ser bem
realista; separar o sonho da realidade ajuda a por os ps no cho. Portanto, aqui preciso levantar
dados confiveis sobre o mercado em dois nveis:
Mercado de Produto
Estuda-se o mercado consumidor ao qual ser oferecida a produo ou os servios.
Qualidade, quantidade de produto que o mercado aceita comprar, em que condies,
quando entregar o produto, entre outros aspectos.
Mercado de fatores
Avaliam-se recursos, insumos e bens de capital11 a serem adquiridos pelo empreendedor
para estruturar a produo. Tambm chamado de estudo de mercado fornecedor, aqui
o empreendedor deve buscar as fontes para obteno dos fatores necessrios para a
conduo do empreendimento, bem como conhecer a sua disponibilidade e a que preos
podem ser adquiridos.
Os dados levantados no estudo de mercado serviro de base para a elaborao da engenharia
do projeto, que a terceira etapa, descrita a seguir.
3. Engenharia do projeto
a descrio do oramento12 (NORONHA, 2003) do investimento a ser realizado, a
previso de receitas e do custo operacional das atividades na situao proposta:
O que ser investido?
Como ser a tecnologia da nova situao/atividade?
Quanto custar o investimento, os custos operacionais e de quanto ser a receita?
Quanto ser gerado de produto, servios, bens para alcanar a nova situao proposta?
Quando? Qual o cronograma destas atividades?

632

Nessa etapa, preciso estudar bem a tecnologia a ser adotada para obter os ndices
de produtividade plausveis por meio dos seus coeficientes tcnicos. Desenham-se, ento, o
cronograma de receitas, de gastos e de investimentos para estruturar as atividades, uma vez que
so cruciais para o empreendedor poder levantar oramentos factveis.
O sistema de produo proposto pode ser estudado com base em produtividade mdia da
regio, dados obtidos em institutos de pesquisa e extenso, incluindo-se visitas a empresas de sucesso.
Nesta etapa, necessrio relacionar as futuras e necessrias aquisies de mquinas e
equipamentos, construo ou reforma de benfeitorias, operaes e atividades a serem realizadas,
e at mesmo considerar se haver necessidade de contratar ou treinar mo de obra. importante
apresentar a memria de clculo de toda a oramentao.
Efetuar um oramento bem estruturado, com cronograma e coeficientes compatveis com a
realidade, facilita consideravelmente a avaliao da viabilidade da situao proposta e da empresa
como um todo.
4. Avaliaes
A anlise de viabilidade de um investimento precisa ser realizada sob diversos ngulos, para
que este demonstre ser consistente e sustentvel ao longo do tempo, como segue.
Anlise econmica (SILVA In: PERES, 2003, p.361-395)
Os instrumentos de avaliao so ferramentas da matemtica financeira: Valor Presente
Lquido (VPL), Taxa Interna de Retorno (TIR), Taxa de Retorno de Fischer, relao
Benefcio Custo (B/C) e PAYBACK. Avalia-se se os capitais aplicados tm retorno
compatvel com as taxas de mercado, alm do horizonte de tempo em que o que foi
investido retornar.
Anlise financeira
Os instrumentos de avaliao so o fluxo de caixa e a capacidade de pagamento. Avaliase se a empresa rural ter condies financeiras de bancar o investimento com seus
recursos prprios ou de terceiros, e como ser o cronograma de amortizaes.
Anlise ambiental
Avaliam-se os possveis impactos que a nova atividade gera no meio ambiente e quais sero
os cuidados para prevenir problemas ambientais relacionados com a atividade produtiva.
Anlise poltica e social
Avalia-se se a nova situao traz benefcios para a comunidade interna e externa da
empresa rural (valorizao das pessoas, aumento de renda, capacitao) e a disposio

633

da equipe de trabalho em aderir ao plano. Avalia-se, tambm, a disponibilidade de tempo


do empreendedor para dedicar-se implementao do empreendimento proposto.
Anlise legal
Avalia-se a nova atividade quanto legislao vigente no pas que regulamenta as
atividades desenvolvidas.
Deve-se sempre indicar a bibliografia consultada e os documentos de apoio ao projeto
(mapas, memria de clculo, plantas, contratos etc.) das diversas etapas no final deste.
Escrever um Projeto de Investimento de Capitais deve servir para tomar decises empresariais
mais acertadas. No um trabalho acadmico ou cientfico, mas um apoio na tomada de deciso
que todo empreendedor deve realizar.
REFERNCIAS
MENDES, J.T.G. Globalizao e poltica agrcola. In: O programa empreendedor rural. PERES, F. C.
(Org.). Curitiba: SENAR-PR, 2003. p.141-175.
MENDES, J. T.G. Economia agrcola: princpios bsicos e aplicaes. 2.ed. Curitiba: ZNT, 1998. p.2.
NORONHA, Jos Ferreira. Oramentos e fluxo de caixa. In: O programa empreendedor rural. PERES,
Fernando Curi (Org.). Curitiba: SENAR-PR, 2003. p. 327-359.
NORONHA, J. F. Projetos agropecurios: administrao financeira, oramento e viabilidade econmica.
2.ed. So Paulo: Atlas, 1987.
PERES, F. C. Planejamento estratgico e operacional. In: O programa empreendedor rural. PERES,
Fernando C. (Org.). Curitiba: SENAR-PR, 2003. p.116-124.
PERES, F. C. Razes para a nfase da diplomacia brasileira na liberao de comercial de produtos da
agricultura nos fruns de comrcio internacional. In: Programa Empreendedor Rural Fase III: Formao
de Lideranas. Manual de apoio ao instrutor. Curitiba: SENAR-PR, 2005.
PERES, F. C. et al. A pedagogia de projetos como eixo do programa empreendedor rural. In: PERES, F. C.
(Org.). O programa empreendedor rural. Curitiba: SENAR-PR, 2003. p. 1-28.
PERES, F. C. Capital social: a nova estrela do crescimento econmico. Piracicaba: Preos Agrcolas Ano
XIV(163): 6-9, maio de 2000.
SILVA, J. C. G. L. Matemtica financeira e anlise de investimentos. In: PERES, F. C. (Org.).O programa
empreendedor rural. Curitiba: SENAR-PR, 2003. p. 361-395.
VALVERDE, B. Desenvolvimento econmico e o papel do Estado. Programa Empreendedor Rural Fase
III: Formao de Lideranas. Videoconferncia. Curitiba: SENAR-PR, 2005.
VIEIRA, P. F. Habilidades e competncias do lder rural. In: Programa Empreendedor Rural Fase III:
Formao de Lideranas. Manual de apoio ao instrutor. Curitiba: SENAR-PR, 2005.

634

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 Investimento Ato ou efeito de investir. Aplicao de dinheiro em atividade produtiva ou financeira
(ttulos, aes), com o propsito de obter ganho.
2 Intervencionismo Doutrina ou prtica de interveno. Interferncia do Estado na economia e nos
mercados, por meio de polticas com objetivo de controle.
3 Clientelismo Tipo de relao poltica em que uma pessoa d proteo a outra (o cliente) em troca de
apoio, estabelecendo-se um lao de submisso pessoal que, por um lado, no depende de relaes de
parentesco e, por outro, no tem conotao jurdica.
4

Gesto Ato de gerir; gerncia, administrao.

5 Empreendedorismo Conjunto de aes realizadas por empreendedores/empresrios, no intuito de


desenvolver atividade produtiva e inovadora, trabalhando na gerao de riquezas.
6

Fatores de produo Diz-se dos recursos utilizados no processo produtivo de um setor da economia.

Biotecnologia Aplicao de processos biolgicos produo de materiais e substncias para uso industrial,
medicinal, farmacutico.

8 Capital Riqueza ou valores disponveis. Conjunto de bens produzidos pelo homem que participam da
produo de outros bens (basicamente, mquinas e equipamentos). Recursos monetrios investidos ou
disponveis para investimento. Fundo de dinheiro ou patrimnio de uma empresa.
9

Commodities Refere-se matria-prima, produto sem distino de marca, em estado bruto, mercadoria
geralmente comercializada em bolsas (mercado futuro). Exemplos: petrleo, ouro, soja, milho, entre outros.

10 Cadeias agroindustriais Diz-se do conjunto de empresas que compem um setor produtivo que engloba
desde fornecedores de insumos, produtores rurais, indstria de transformao e distribuidores (atacadistas
e varejistas), at chegar ao consumidor final.
11 Bens de capital Bens durveis que participam do processo produtivo como mquinas, equipamentos,
benfeitorias e no so consumveis no curto prazo.
12 Oramento Ato ou efeito de orar; avaliao, clculo, cmputo. Avaliao do custo de obra ou de servio
a ser executado.

635

EDUCAO TRIBUTRIA

Rejane de Medeiros Cervi

A Educao Tributria tem compromisso com a


construo da cidadania quando proporciona uma
formao voltada para a compreenso da realidade
social e dos direitos e responsabilidades dos cidados
em relao vida pessoal e coletiva.

INTRODUO
Quando observamos a vida em sociedade, reconhecemos, sem dificuldade, que existem
necessidades comuns que precisam ser satisfeitas. Em cada cultura e segundo o estgio de
desenvolvimento das sociedades, essas necessidades variam em seu significado e grau. Alm
disso, elas podem ser materiais e no materiais, mas sero sempre interdependentes.
No mundo contemporneo, educao, trabalho, sade, alimentao, segurana, habitao,
locomoo, cultura e lazer esto entre as principais expresses que validamos como necessidades
bsicas. A necessidade bsica, entendida como uma condio necessria do ser humano, se no
atendida, pode provocar uma espcie de desintegrao social (GALTUNG, 1980. p.64).
H, entretanto, outras diferenas no que se refere ao conceito de necessidades bsicas.
De um lado, temos necessidades cuja satisfao depende do indivduo, de sua motivao e

637

de sua capacidade. De outro, existem necessidades que so satisfeitas a partir da estrutura


social. Aqui elas se configuram como necessidades coletivas e se hierarquizam de acordo
com definies de prioridades assumidas pelas polticas governamentais. Essa converso
sempre conflituosa, pois reflete a mente da elite governante em cada momento. E, aqui, h
sempre margem para a divergncia.
As polticas nacionais, na atualidade, esto comprometidas com o Plano de Metas do Milnio,
assinado em setembro do ano 2000, por 189 Estados Membros das Naes Unidas, inclusive
pelo Brasil. As metas prevem a superao das desigualdades sociais at 2015, pela erradicao
da pobreza extrema e da fome, pela universalizao do Ensino Fundamental, pela promoo da
igualdade entre os sexos, pela reduo da mortalidade infantil, pela melhoria da sade materna,
combate Aids, malria e a outras doenas, e pela garantia da sustentabilidade ambiental.
Barros (2002) critica a meta da ONU de reduzir pela metade a extrema pobreza no mundo,
especialmente no que se aplica realidade brasileira. Para esse economista, essa meta pouco
arrojada. O Pas deveria estar se impondo metas mais difceis. Deveramos estar preocupados no
s com a extrema pobreza, mas sobretudo com a pobreza. So considerados indigentes no Pas
aqueles que recebem abaixo de R$ 50,00 per capita/ms, o que representa 12% da populao.
Enquanto isso, 33% dos brasileiros so considerados pobres, ou seja, um tero do pas no tem
condies de atender suas necessidades bsicas, alm de nutrio.
A satisfao dessas necessidades, especialmente consideradas como expresses do
desenvolvimento social, supe um custo que deve ser justamente partilhado, solidariamente
partilhado, diramos, sob a tutela do poder pblico.
Ora, as sociedades no desfrutam das mesmas situaes e histrias. Um retrato de suas
realidades h de revelar diferenas e desigualdades de condies de vida e de cultura e de
estgios econmicos e tecnolgicos, decorrentes de distintos modelos de desenvolvimento. Desse
modo, as necessidades coletivas variam em funo de fatores socioculturais e econmicos.
Observa-se, no entanto, de um modo geral, que, medida que as sociedades tornam-se
economicamente complexas, instauram-se sistemas e processos que vinculam o Estado a pessoas
fsicas e jurdicas para prover a satisfao de interesses coletivos os quais prevalecem, ou deveriam
prevalecer, sobre as ambies pessoais.
Um desses sistemas o da prestao de natureza pecuniria (em dinheiro). Seu smbolo
o tributo, com o qual so custeadas as despesas que derivam da concretizao de polticas
sociais. Por isso, entende-se que o tributo tem uma funo social.
A relao entre as polticas sociais e os direitos dos cidados e cidads direta, especialmente
se atendermos ao disposto no art. 3. da nossa Constituio:

638

Art. 3.. Constituem objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil:


I. construir uma sociedade livre, justa e solidria; II. garantir o desenvolvimento nacional;
III. erradicar a pobreza e a marginalizao e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV. promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raa e sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminao.
O exerccio da cidadania, compreendido como a participao responsvel de cada um no
destino comum, implica: enxergar o sistema tributrio que subsidia o modelo de solidariedade
no mbito de uma nao; reconhecer a sua argumentao; compreender seus mecanismos
para poder bem adot-lo; guardar vigilncia sobre a sua gesto e funcionamento e, tambm,
contribuir ao seu aperfeioamento. Essa graduao de competncias que convertem mulheres
e homens em cidads e cidados resultam, necessariamente, de um processo de aprendizagem.
Em face de tais consideraes que se justifica o espao da Educao Tributria no
currculo da escola brasileira. Tomado como tema transversal, o contedo da Educao Tributria
deve ser trabalhado de acordo com critrios didticos renovados.
Nesse sentido, o encaminhamento didtico da Educao Tributria deve dar lugar
compreenso e vivncia dos problemas sociais que se vinculam questo tributria e fiscal,
perseguindo-a em toda a plenitude e complexidade com que acontece e se revela.
Sob essa inspirao, a Educao Tributria abriga discusses sobre os desafios da vida
moderna e sua relao com as regras tributrias, cujas implicaes afetam a sociedade inteira, o seu
progresso e o seu destino, dentro de um quadro de uma pretendida, clara e transparente justia
social, cunhada sobre a mais efetiva e universalizada responsabilidade cidad.
Diretrizes Metodolgicas
Em um sentido amplo, h, pelo menos, trs propsitos principais que justificam a instalao
de um programa escolar bsico de Educao Tributria:
O primeiro conhecer e discutir o papel da tributao em sua relao com a cidadania,
o seu peso na promoo da justia social e do bem-estar da populao e na organizao
da sociedade nacional;
O segundo identificar e distinguir o sistema vigente, seus mecanismos e conhecer e
analisar o seu processamento real, levando-o a juzo;

639

O terceiro desvelar responsabilidades no funcionamento do sistema de tributao e da


gesto fiscal correspondente, de modo a incentivar a vigilncia cidad da aplicao dos
recursos pblicos.
Na prtica, esses propsitos precisam se adaptar, em sua extenso e profundidade, aos perfis
das classes escolares, aos interesses discentes, aos focos das discusses, aos caminhos didticos
adotados pela professora ou pelo professor. necessrio, ainda, conceber estratgias pedaggicas
especiais. Em qualquer situao, o trabalho com a Educao Tributria deve superar a feio
informativa para estabelecer-se como um conhecimento bsico capaz de suscitar questionamentos.
Alm disso, do mesmo modo que em outros temas transversais do currculo escolar
contemporneo, o desenvolvimento da Educao Tributria implica a mobilizao de recursos
didticos renovados. Assim, pessoas da comunidade, meios de comunicao, lideranas, servios,
profissionais, empresas, associaes, especialmente rgos pblicos e instituies polticas, em
especial, representam fontes, referncias e condies facilitadoras do desenvolvimento do estudo,
alm dos cenrios e dos recursos usuais que a escola j conhece e dispe.
Entre as estratgias de aprendizagem e de avaliao a serem adotadas no desenvolvimento
da Educao Tributria, sugerem-se situaes que recorram, sobretudo, cooperao, como
trabalhos de grupo, soluo de problemas, pesquisa, jogos e debates.
Reorganizando o Conhecimento
Em nosso cotidiano, todos j nos defrontamos com a problemtica tributria. No sendo
especialistas, no entanto, nossas percepes (como professores de contedos escolares tradicionais)
encontram-se em aparente estado de desordem e, com certeza, longe de uma amplitude, de
uma clareza e de um aprofundamento desejveis para nortear uma interveno curricular. Essa
condio docente impe uma reorganizao preliminar de conceitos bsicos que respaldam o
trabalho pedaggico com o tema transversal.
CONCEITUAO BSICA DO TRIBUTO
O que se entende por tributo? Quem legisla, quem cria, quem cobra, quem aplica o tributo?
Que tipos de tributo existem? Quem deve pagar imposto? Que critrios so utilizados para
dimensionar o imposto? Em que se aplicam os recursos que integram a arrecadao tributria nas
vrias instncias de competncia? As respostas a essas indagaes proporcionam um referencial

640

inicial para o desenvolvimento da abordagem da Educao Tributria no Ensino Fundamental e


Mdio. Enxergado o sistema tributrio, cabe reconhecer a sua argumentao: a que modelo de
desenvolvimento social serve o tributo em nosso pas?
Noo de tributo
O tributo a prestao compulsria de natureza pecuniria que vincula cidados e empresas
ao Estado. Como j dissemos, medida que a sociedade torna-se economicamente complexa,
instauram-se sistemas e processos que organizam e sustentam as relaes sociais e o projeto de
vida coletiva. Um deles, portanto, o Sistema de Tributao.
O conjunto ordenado dos diferentes tributos e sua articulao com o sistema econmico
dominante e com um modelo fiscal do forma ao que se denomina sistema tributrio. Uma
das fontes principais para conhecer esse sistema a legislao. na Constituio que se define,
inicialmente, a transferncia de recursos para o Poder Pblico. Complementarmente, no mbito
de todas as esferas administrativas pblicas, vamos encontrar uma regulamentao especfica.
Desde a Constituio do Imprio do Brasil (1824), encontra-se meno ao tributo: Ningum
est isento de contribuir para as despesas do Estado, em proporo dos seus haveres (Art. 15.).
Na Constituio de 1946, o tributo ganha feio programtica:
Os tributos tero carter pessoal sempre que isso for possvel, e sero graduados conforme a
capacidade econmica do contribuinte (Art. 202).
Entretanto, pode-se afirmar que o marco da consolidao do sistema tributrio brasileiro
est relacionado sua estruturao e incluso no texto da Constituio Federal, a partir da Emenda
Constitucional 18, de 1965.
Por fim, todos os estudiosos concordam que a Constituio Brasileira de 1988 expandiu e
aprofundou a questo tributria. Resta, contudo, melhorar, e muito, o sistema.
De qualquer modo, e para falar dos dias de hoje, o cidado e a cidad, no Brasil, nunca
pagaram tantos impostos. O Imposto de Renda o grande vilo. Em estudos amplamente
divulgados pela mdia, constatou-se que os brasileiros trabalham quatro meses e meio por ano
para pagar impostos. Nossa carga tributria est entre as maiores do mundo!
Tipologia do tributo
O Sistema Tributrio compreende impostos, taxas e contribuies de melhoria, mas a
Unio pode instituir, ainda, emprstimos compulsrios e contribuies sociais.

641

Para que o Estado possa cobrar imposto do contribuinte preciso que exista um fato
gerador (momento, quando o imposto gerado). Portanto, fato gerador a prtica de um ato
que gera o imposto. Receber salrio, obter lucro, constituir renda, comercializar, etc. podem ser
fatores geradores que permitem ao Estado cobrar imposto.
Na iminncia ou no caso de guerra externa, a Unio poder instituir impostos
extraordinrios, dentro ou fora de sua competncia tributria, os quais sero suprimidos
gradativamente, cessadas as causas de sua criao (Art. 154, II, CF).
TIPOS DE TRIBUTO
TRIBUTO = Receita derivada que o Estado recolhe do patrimnio dos indivduos, baseado no seu
poder imposicional, regulado por normas de Direito Pblico que constituem o Direito Tributrio.

Imposto

Tributo exigvel independentemente de qualquer atividade estatal especfica


concernente ao contribuinte. Destinado a atender indistintamente s necessidades
de ordem geral da administrao pblica (custeio dos servios gerais da
administrao).

Taxa

Tributo exigvel dependente de alguma atividade estatal, seja relativa ao exerccio


de poder de polcia, seja pela utilizao, efetiva ou potencial, de servios pblicos
especficos e divisveis, prestados ao contribuinte ou postos sua disposio. A taxa
imposta unicamente s pessoas beneficiadas por um servio pblico especfico.

Contribuio de
melhoria

Tributo cobrado em decorrncia de obra pblica, para recuperar o seu custo. A


valorizao imobiliria justifica a instituio dessa
contribuio. Menor ocorrncia na prtica tributria nacional.

Emprstimo
compulsrio

Prestao que o Estado ou outra pessoa jurdica de direito pblico interno exige de
contribuintes que se coloquem em determinada situao considerada por lei como
fato gerador e que deve ser posteriormente restituda em prazo certo, legalmente
estabelecido.

Contribuio
especial

tambm chamada parafiscal. Desdobra-se em contribuies sociais, contribuies


de interveno no domnio econmico, as de interesse de categorias profissionais
e as de interesse de categorias econmicas. Destina-se ao custeio de entidades que
prestam ou desenvolvem atividades de interesse pblico. Alcana exclusivamente
os beneficirios dessas atividades. PIS, Pasep, contribuies sindicais, Cofins
ilustram essa espcie tributria.

Fonte: CERVI, R. M. Draftcopy

642

Os impostos podem ser classificados, ainda, em diretos e indiretos. Os impostos diretos


incidem sobre a renda e a propriedade de pessoas fsicas e jurdicas. O indivduo cidado e as
empresas pagam Imposto de Renda (IR), Imposto sobre Propriedade Territorial Urbana (IPTU),
Imposto sobre a Propriedade de Veculos Automotores (IPVA). Os impostos indiretos incidem
sobre a produo e comercializao de bens e servios. Mesmo no caso dos impostos indiretos,
alm das empresas, tambm os cidados so onerados pelo repasse do custo tributrio para o
preo dos produtos e servios. Um dos impostos que o cidado consumidor paga, quase sempre
sem saber, o Imposto sobre Circulao de Mercadorias e Servios (ICMS).
Competncia tributria
O tributo emana de uma ordem jurdica, a qual define instncias de competncias.
Competncia tributria a possibilidade de criar, em abstrato, tributos, descrevendo, legislativamente,
suas hipteses de incidncia, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de clculo e suas
alquotas. Ou, resumindo, exercitar competncia tributria dar nascimento, no plano abstrato, a
tributos (CARRAZA, 2000, p. 4).
na Constituio Federal (Ttulo VI, Captulo I) que os princpios do tributo, as limitaes
do poder de tributar e as competncias e a repartio das receitas tributrias esto inicialmente
orientados. H, ainda, um importante espao para a legislao complementar, destinada a:
dispor sobre conflitos de competncia; regular as limitaes constitucionais ao poder de tributar;
estabelecer normas gerais, especialmente sobre a definio de tributos e de suas espcies,
fatos geradores, bases de clculo, contribuintes, obrigao, lanamento, crdito, prescrio e
decadncia tributrios; e, ainda, instruir o tratamento tributrio para as sociedades cooperativas
(Art. 146, CF).
Assim que, em razo das caractersticas da organizao do Estado brasileiro, o poder de
tributar est subordinado a um pacto federativo, justificando a existncia de tributos federais,
estaduais e municipais, os quais esto referidos, na Constituio, como impostos da Unio,
impostos dos Estados e do Distrito Federal e impostos dos Municpios.
No exerccio da competncia tributria vedado exigir ou aumentar o tributo sem lei que
o estabelea; instituir tratamento desigual aos contribuintes; cobrar tributos sobre fatos geradores
precedentes vigncia da lei; utilizar o tributo com efeito de confisco; limitar o trfego de pessoas e
bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrana de pedgio em
estradas conservadas pelo poder pblico; instituir impostos sobre patrimnio, renda ou servios,

643

uns dos outros, templos de qualquer culto, patrimnio, renda ou services dos partidos polticos,
livros, jornais, peridicos e o papel destinado sua impresso (Art. 150, CF).
Resumo dos Impostos, segundo Esferas de Competncia
IMPOSTOS DE COMPETNCIA FEDERAL
DENOMINAO

INCIDNCIA

FATO GERADOR

BASE DE
CLCULO

CONTRIBUINTE

CTN, art. 19

Produtos de

Entrada de

IMPORTAO (II)

procedncia

mercadoria no

CTN, art. 23

estrangeira
Produtos nacionais ou

CTN, art. 29

nacionalizados
Imvel, por natureza,

PROPRIEDADE

fora da zona urbana do domnio til, posse

titular do

TERRITORIAL RURAL

municpio

domnio,

EXPORTAO (IE)

Peso/Qtde. Valor

Importador

territrio nacional
Sada de produto do

Peso?Qtde. Valor

Exportador

territrio nacional
Propriedade,

Valor fundirio

Proprietrio,

CTN, art. 43

Disponibilidade

Aquisio da

Montante real,

possuidor
Titular da

RENDA E PROVENTOS

econmica ou jurdica

disponibilidade

arbitrado ou

disponibilidade

DE QUALQUER

de rendas e proventos

(ITR)

presumido

NATUREZA (IR)
CTN, art. 46

Produtos

Desembarao

Preo normal + II

Importador,

PRODUTOS

industrializados

aduaneiro, sada do

+ encargos;

industrial,

estabelecimento

Valor da operaao; comerciante


Qualquer das

INDUSTRIALIZADOS
CTN, art. 63

Operao de crdito,

Entrega da moeda

Preo corrente
Montante da

OPERAES DE

cmbio e seguro ou

nacional ou

obrigao ou

partes conforme

CRDITO, CMBIO

relativas a ttulos ou

estrangeira, emisso

moeda, prmio,

a lei estabelecer

E SEGURO OU

valores mobilirios

aplice e a emisso,

valor nominal ou

RELATIVAS A

transmisso ou

cotao em bolsa e

TTULOS OU VALORES

resgate de ttulos ou

o preo

(IPI)

CTN, art. 153, VII

Grandes fortunas,

valores mobilirios
Propriedades das

Valor do

Declarante

GRANDES FORTUNAS

conf. definido em lei

grandes fortunas

patrimnio

proprietrio das

(IGF)

complementar

considerado

grandes fortunas

MOBILIRIOS (IOF)

grande fortuna

644

IMPOSTOS DE COMPETNCIA ESTADUAL


DENOMINAO

INCIDNCIA

FATO GERADOR

BASE DE
CLCULO

CONTRIBUINTE

CF,art. 155, I, a

Bens ou direitos

Transmisso causa

Valor dos bens ou Herdeiros,

TRANSMISSO CAUSA

transmitidos por

mortisee doao

direitos

MORTIS E DOAO DE

herana ou doados

legatrio ou
donatrio

BENS E DIREITOS (lTD)


CF,art. 155, I, b,

Mercadoria nacionale

Sada ou entrada

Valordda

Comerciante,

CIRCULAO DE

estrangeira,

no estabelecimento

operao, valor

industrial,

MERCADORIAS

alimentao e bebida e

e fornecimento por

de transao + II importador ou

E PRESTAES

transporte Interestadual bares esimilaras e

DE SERVIOS DE

a intermunicipal e

TRANSPORTE E

comunicao

e preo dos

servios

Veculos automotores

Propriedade do

servios
Valor venal

Proprietrio

veculo

ou preo de

de veculo ou

venda ou de

arrematante

prestao de servios aduaneiras

COMUNICAO (ICMS)
PROPRIEDADE
DE VECULOS

+IPI+ despesas

AUTOMOTORES (IPVA)

arrematante e
prestador dos

arrematao

IMPOSTOS DE COMPETNCIA MUNICIPAL


DENOMINAO

INCIDNCIA

FATO GERADOR

BASE DE
CLCULO

CONTRIBUINTE

CTN,art. 32

lmvel por natureza

Propriedade, domnio Valor venal

Proprietrio,

PROPRIEDADE

ou por acesso fsica,

util e posse

titular do domnio

PREDIAL E

na zona urbana do

e possuidor

TERRITORIAL URBANA municpio


(IPTU)
CF,art. 156, II

Bens Imveis e direitos

Transmisso da

Valor venal dos

Adquirente dos

TRANSMISSO INTER

relativos a imveis

propriedade e cesso

bens e direitos

bens e direitos

Preo do servio

Prestador de

de direitos

VIVOS DE BENS
IMVEIS (ITBI)
SERVIOS DE

Servios

Prestao do servio

servios

QUALQUER NATUREZA
(ISS)

645

O contribuinte
Aquele que responsvel pelo pagamento do tributo e que possui direitos e deveres na
ordem tributria o contribuinte. Em poucas palavras, contribuinte quem contribui, quem paga
o imposto.
contribuinte a pessoa, fsica ou jurdica, que apresente um determinado patamar de renda
ou que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operaes de
circulao de mercadorias ou prestaes de servios de transporte interestadual e intermunicipal
e de comunicao, ainda que as operaes ou prestaes se iniciem no exterior.
Alm do fato gerador, outra condio se faz necessria para nomear o contribuinte: trata-se
da sua capacidade econmica ou contributiva.
Capacidade contributiva pode ser entendida como a soma de riqueza disponvel, depois de
satisfeitas as necessidades elementares da existncia, que pode ser absorvida pelo Estado, sem reduzir
o padro de vida do contribuinte e sem prejudicar as suas atividades econmicas (GRIZIOTTI, apud
NOGUEIRA, 1999, p. 12). Existe contribuinte, portanto, sempre que houver um fato gerador e
for revelada sua capacidade contributiva.
A medida do imposto
Como dissemos, o peso tributrio imposto ao contribuinte est dimensionado de acordo
com a sua capacidade contributiva. Na nossa Constituio, a capacidade contributiva decorre
do respeito capacidade econmica... (e) consagra a necessidade de atender razoabilidade,
proporcionalidade e adequao de incidncia tributria s situaes concretas (LOPES, 2000, p.
1.103-4). Da entender-se que a ningum ser cobrado um imposto desproporcional sua renda
e ao seu lucro. Da reconhecer o sentido do teto que separa contribuintes de no contribuintes
segundo a sua renda.
No dimensionamento do tributo que se aplica aos produtos, h frmulas que buscam ajustar
essas dimenses de proporcionalidade e de razoabilidade do imposto. Elas se fundamentam numa
classificao dos impostos em fixos e proporcionais.
Os impostos fixos referem-se ao montante estabelecido pela lei e so aplicveis a todas as
unidades da matria tributvel, sem levar em conta o valor do objeto da matria tributada.
Nos impostos proporcionais, o montante no fixo. Aplica-se, ento, uma alquota que
incide sobre o valor da matria tributada.
Alquota o percentual pelo qual se determina o valor do tributo.

646

O dimensionamento do imposto atende, tambm, a um critrio de seletividade. O imposto


seletivo em funo da essencialidade do produto. Permite-se uma atribuio diferenciada das
alquotas conforme o produto ou um conjunto de produtos.
PRODUTOS

ALQUOTA

Integrantes da cesta bsica


Biscoitos
Produtos suprfluos (cigarros, bebidas)
Demais produtos (eletrodomsticos, confeces, calados etc.

7%
12%
25%
17%

A Constituio Brasileira atual consagra, ainda, o princpio da personalizao do imposto,


isto , o princpio que releva as peculiaridades do contribuinte. Nesse caso, o imposto que melhor
acolhe esse princpio o Imposto de Renda.
GESTO FISCAL
Na aplicao do tributo, surge uma nova problemtica: a gesto fiscal. Em princpio, trs
questes aportam complexidade a esse tema:
1.) O Governo precisa arrecadar tributos, caso contrrio ele no poder oferecer ser vios
pblicos em atendimento ao interesse coletivo;
2.) A sociedade pode ter uma capacidade contributiva menor do que o tamanho de suas
necessidades;
3.) Em face da relao direta entre as questes anteriores, preciso estabelecer uma
poltica de aplicao dos recursos que leve em conta prioridades que devero ser
estabelecidas em oramento para melhor alcanar o bem-comum.
Todavia, a gesto fiscal no termina a. preciso controlar os gastos, preciso gastar com
responsabilidade. por isso que o modelo democrtico brasileiro vem abrindo espao para a
participao individual, dos cidados e cidads, na definio e execuo da poltica fiscal. A
Educao Tributria constitui uma das estratgias concorrentes na formao inicial desse cidado
e dessa cidado.

647

Arrecadao e destino dos impostos


Arrecadao tributria , pois, o resultado do conjunto dos pagamentos de impostos e
contribuies efetuados por pessoas fsicas e jurdicas para as trs esferas governamentais (federal,
estadual e municipal). A proporo da arrecadao tributria no montante do Produto Interno
Bruto do Pas denominada de carga tributria.
A alocao (o destino) dos recursos pblicos e a sua respectiva gesto constituem a outra
face da moeda. Ambas as questes arrecadao x alocao incluem-se como temticas centrais
dentro da Educao Tributria. Em tempos passados, no to remotos, os governos usaram as
escolas para suas campanhas de arrecadao, enfatizando um movimento contra a sonegao.
Hoje, h uma conscincia generalizada sobre a relevncia de tratar a gesto do tributo at os
limites fiscais.
Nessa abordagem, vrios aspectos no podem ser ignorados. Por exemplo, imprescindvel
considerar que os impostos so cobrados de acordo com regras fixas; que os recursos arrecadados
constituem a receita; que essa transferncia de recursos do setor privado da economia para os
cofres do Estado tem um destino estrito: custear servios e obras pblicas de modo a prover o
bem-estar coletivo.
Portanto, deve-se lembrar que o imposto no um fim em si mesmo, mas sim um meio para
beneficiar a sociedade. O seu destino, no obstante, no est de todo especificado, restando s
polticas, em todas as esferas, cumprir o que est disposto e definir as demais alocaes.
Teoricamente, o destino dos impostos deve incluir os gastos com as reas da previdncia e
assistncia social, sade, educao, segurana pblica e infra-estrutura bsica. Isto , o montante
arrecadado pela tributao deve ser convertido em bens e servios pblicos. E aqui abre-se outro
captulo da administrao pblica: o das finanas pblicas, matria que, por razes bem visveis,
integra o mesmo Ttulo Constitucional Da Tributao e do Oramento, como duas faces da
mesma moeda.
Na repartio dos impostos, a fronteira do poder de tributar no a mesma daquela que
se aplica repartio das receitas tributrias. Deste modo, h impostos que so arrecadados pela
Unio e que so transferidos parcialmente para os Estados, Distrito Federal e Municpios e viceversa. A matria da repartio, includos os proporcionais das transferncias, complexa e est
disposta nos Arts. 157 a 162, da Constituio Federal.
No Brasil, entre impostos, taxas e contribuies, temos, hoje, aproximadamente, seis dezenas
de referncias fiscais. O imposto mais significativo para os Estados e os Municpios o ICMS, de
cuja arrecadao destina-se 75% e 25% a essas esferas, respectivamente.

648

CLASSIFICAO DOS IMPOSTOS


IMPOSTOS
SOBRE O
COMRCIO
EXTERIOR

SIGLA
II
IE

IMPOSTO SOBRE
Importao
Exportao

SIGLA

IMPOSTOS
SOBRE O
PATRIMNIO
E A RENDA

CLASSIFICAO
DOS IMPOSTOS

IMPOSTOS
EXTRAORDINRIOS

Unio
Unio

IMPOSTO SOBRE

COMPET.

ITR

Propriedade Territorial Rural

Unio

IPTU

Propriedade Predial e Territorial Urbana

Mun.

ITBI

Transmisso inter vivos de Bens Imveis


e de Direitos a eles Relativos

Mun.

IR

Renda e Proventos de Qualquer Natureza

Unio

IPVA

Propriedade de Veculos Automotores

Est./DF

IGF

Grandes Fortunas

Unio

ITD

Transmisso causa mortis e Doao

Est./DF

SIGLA

IMPOSTOS
SOBRE A
PRODUO E
CIRCULAO

COMPET.

IMPOSTO SOBRE

COMPET.

IPI

Produtos Industrializados

Unio

ICMS

Operaes Relativas Circulao de


Mercadorias e Servios de Transporte
Interestadual e Intermunicipal e de
Comunicao

Est./DF

IOF

Operaes de Crdito, Cmbio e Seguros


ou Relativas a Ttulos ou Valores Mobilirios

Unio

ISS

Servios de Qualquer Natureza

Mun.

SIGLA

IMPOSTO SOBRE
Lanados por Motivo de Guerra

COMPET.
Unio

FONTE: PIRES, A. R. Manual de Direito Tributrio. 10. ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000. p. 25

Incentivos e benefcios fiscais


As obrigaes fiscais podem ser amenizadas mediante a aplicao de incentivos
ou benefcios. Isso quer dizer que nem todos os produtos so tributados. Existem casos de
imunidade e iseno que funcionam como incentivos que o Poder Pblico propicia com o objetivo
de beneficiar o mercado como um todo, a populao, uma rea ou um segmento.
A adoo de incentivos e benefcios fiscais, em cada rea de competncia, serve a estratgias
financeiras (efetivao de cobrana) ou a polticas econmicas (incentivos ao barateamento do
preo para o consumidor, aos investimentos, ampliao de empregos etc.).

649

A despeito dos incentivos e benefcios, tanto quanto das equaes de razoabilidade,


proporcionalidade e adequao, a carga tributria no Brasil apresenta-se como uma das mais
pesadas entre os pases emergentes. De tudo o que produzido no Pas em bens e servios (PIB),
transfere-se 32% ao Estado (Unio, Estados, DF e Municpios) na forma de imposto. (LOPES,
2000. p.1.104).

Exportao.

emprego.

Fonte: CERVI, R. M. (Draft copy)

Evaso fiscal
atitude do contribuinte que se nega ao sacrifcio fiscal d-se o nome de evaso fiscal.
Quando a evaso fiscal configura-se como uma infrao lei, h fraude fiscal. A ocultao do
imposto a pagar ou sonegao uma das fraudes fiscais mais correntes em nossa realidade.
Outra evaso ilegtima a que se materializa na faixa de fronteira geopoltica, tambm
chamada descaminho de direto. Essa fraude implica a entrada de mercadorias em territrio nacional
sem o correspondente pagamento de impostos alfandegrios. muitas vezes confundida com o
contrabando. A diferena est em que este ltimo entendido como entrada de mercadorias no
territrio nacional no permitida por lei.

650

A evaso fiscal tem, como uma de suas conseqncias, o repasse de nus aos demais
contribuintes. Alm disso, perdem-se recursos com os quais o Estado estaria realizando um
nmero maior de obras para o bem social.
INFRAES FISCAIS

ELISO Toda conduta que, por meio lcito, evita ou retarda a ocorrncia do fato
gerador da obrigao tributria ou reduz os efeitos que lhe so prprios.
EVASO Toda conduta que, por meio ilcito, impede ou modifica a configurao do
fato gerador de obrigao tributria.
INFRAO Negligncia, impercia ou imprudncia no cumprimento do dever
tributrio.
DELITO Fraude fiscal deliberada.
FRAUDE Todo delito que decorre da ao ou omisso dolosa (ao consciente e livre
dirigida a um fim ilegtimo) tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a
ocorrncia do fator gerador da obrigao tributria principal ou a excluir ou modificar
suas caractersticas essenciais, de modo a reduzir o montante do imposto devido ou
evitar ou diferir o seu pagamento.
SONEGAO Todo delito que decorre de uma ao ou omisso dolosa tendente a
impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade
fazendria, seja do fato gerador da obrigao tributria principal, seja das condies
pessoais do contribuinte, suscetveis de afetar a obrigato tributria principal ou o
crdito tributrio correspondente.
Entre as principais consequncias da Sonegao Fiscal, destacam-se as seguintes:
Desvio dos cofres pblicos do imposto pago pelo contribuinte.
Concorrncia desleal em detrimento do contribuinte que recolhe os impostos regularmente.
Diminuio da capacidade do Poder Pblico para satisfazer as necessidades sociais e de
investimento.
A sonegao fiscal no Brasil, no obstante ter um carter criminoso, alcana um ndice
muito alto. Estima-se que, para cada real recolhido, um sonegado. Supe-se, tambm, que esse
tipo de fraude lesa o errio pblico, na atualidade, em um montante que se aproxima aos 22%
do PIB.

651

A sonegao fiscal considerada como a principal anomalia do sistema tributrio brasileiro,


pois, como pode-se depreender, ao se estabelecer, criou uma vantagem comparativa perversa:
permite a sobrevivncia de empresas ineficientes na produo, desde que ousadas na sonegao; e
deixa morrer as que so competitivas na produo, mas tmidas na sonegao (CINTRA, 2001).
O exemplo mais candente de perda social com a evaso fiscal o que se refere ao ICMS.
Estimativas situam a perda de arrecadao entre 27% a 30%. Essa constatao se torna grave se
lembramos que o ICMS o imposto mais importante para a administrao pblica dos Estados e
dos Municpios.
Entretanto, existem formas de evitar a prtica deste tipo de sonegao: em primeiro lugar,
mediante uma ao fiscalizadora eficiente e eficaz, por parte da Receita Estadual; em segundo
lugar, pela colaborao de todos os cidados no sentido de exigirem emisso de nota fiscal a
cada compra realizada. Indstria, comrcio e servios, ao emitir nota fiscal, estaro informando o
lanamento do tributo que lhes compete.
A fiscalizao da gesto fiscal
So muitos os questionamentos que envolvem a gesto fiscal. A primeira e grande dificuldade
, precisamente, a dificuldade de praticar um controle automtico, pois no h meios de prever
quanto o contribuinte dever recolher.
Em segundo lugar, conhecido o mecanismo tributrio-fiscal bsico, surge uma inevitvel
preocupao com a seriedade do funcionamento desse Sistema: quem fiscaliza a gesto da receita
tributria? Que sano pode sofrer aquele que recolhe e gerencia mal o tributo?
Em 4 de maio do ano 2000, foram estabelecidas normas de finanas pblicas voltadas
para a responsabilizao na gesto fiscal mediante aes em que se previnem riscos e corrigemse desvios capazes de alterar o equilbrio das contas pblicas, destacando-se o planejamento,
o controle e a transparncia. Essas normas integram a Lei Complementar n. 101, que ficou
conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal LRP.
Contudo, o mais crtico dos questionamentos denuncia as distores e implicaes
socialmente injustas que o sistema tributrio brasileiro manifesta. Desse ngulo, estudiosos e
polticos defendem uma reforma tributria imediata. Os interesses sobre a questo fiscal so
muitos e se opem.
A amplitude desse ltimo questionamento e a correspondente profuso de opinies
condicionam a ausncia de consenso sobre a matria. Por um lado, h um embate entre as
esferas administrativas pela fatia do bolo tributrio. Por outro, elas competem pela instalao de
iniciativas empresariais em seus territrios, praticando o que se chama de renncia fiscal.

652

Observa-se, tambm, que a adeso do contribuinte est em choque com as determinaes


do Poder Pblico: quem est inteiramente satisfeito(a) com o imposto que paga? Quem est
satisfeito(a) com a alocao e distribuio dos recursos arrecadados? H uma expectativa da
sociedade no respondida sobre a alocao e distribuio dos recursos arrecadados. Podemos
afirmar, ento, que os plos poder estatal X cidado contribuinte encontram-se em uma
profunda tenso. Alm disso, a falta de transparncia, seja no que concerne ao sistema tributrio,
seja no que se relaciona com a gesto fiscal, impede que o cidado e a cidad comuns percebam
como os tributos alteram o custo de vida.
Scheinkman (2006) chama-nos a ateno para que a carga tributria maior o que
pensamos. Pelo menos 37% de tudo o que produzido no Brasil coletado em impostos pelos
governos municipais, estaduais e federal. E, continua: esse nmero absurdo se considerarmos o que
o setor pblico faz com os recursos recebidos. (...) A experincia de outros pases demonstra que uma
melhoria na gesto e fiscalizao dos programas do setor pblico permitiria aumentar a qualidade
dos servios, fazer os investimentos necessrios em infra-estrutura, diminuir a desigualdade e ao
mesmo tempo baixar gastos do governo.
Essas e outras questes ficam muito mais relevantes a cada lembrana da estreita relao
do tributo com uma perspectiva de justia social, considerando que ele integra receitas pblicas
com o fim de custear os servios prestados pelo Estado populao; distribui ou concentra renda;
regula o comrcio externo e interno e incentiva o desenvolvimento regional ou setorial.
PAPEL DA TRIBUTAO EM SUA RELAO COM A CIDADANIA

Promoo da justia social e do bem-estar dos cidados.


Instrumento de redefinio e distribuio das rendas e riquezas nacionais.
Instrumento de organizao da Nao.
Estratgia compensatria para a superao de desigualdades regionais, setoriais e societrias.
Oportunidade de participao na gesto das finanas pblicas.

Em face do que foi exposto, pode-se estimar o grau de complexidade da questo tributria
e fiscal. O tributo responde a vrios fins e sua interpretao pode torn-los ambguos. S uma
atitude tica na anlise de todas as interaes possveis desse fenmeno pode levar a propostas
que reduzam as contradies e os vcios instalados neste processo.
Em razo de tantas implicaes, a Educao Tributria, como tema curricular transversal,
deve incorporar a fora da compreenso crtica e do nimo pedaggico, de modo que a escola

653

possa corroborar com a emergncia de geraes com novas mentes, muito mais solidrias e
entendidas sobre o que o tributo pode fazer pelo progresso e pela justia social. E isso, num futuro
que no precisa estar to longe.
REFERNCIAS
ABREU FILHO, N. P. de. Lei de Responsabilidade Fiscal. Porto Alegre: Verbo Jurdico, 2001.
BARROS, R.P. Cruzada contra a pobreza. Entrevista. In: Revista ISTO , jun./02.
BENEMANN, S. N. Compndio de Direito Tributrio e cincia das Finanas. Porto Alegre: Livraria do
Advogado Editora, 1997.
BONAVIDES NETO, F. Dicionrio de Direito Tributrio. So Paulo: Malheiros Editores, 1999.
BRASIL. CONSTITUIO DA REPBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Braslia: Senado federal,
Subsecretaria de Edies tcnicas, 1996
BRASIL. MEC Parmetros Curriculares Nacionais Temas transversais. Braslia: Ministrio da
Educao, 1998.
BUSQUETS, M. D. e outros. Temas transversais em educao. Bases para uma formao integral. So
Paulo: tica, 1999.
CARVALHO, P. de B. Teoria da Norma Tributria. So Paulo: Max Limonad, 1998.
CINTRA, M. Os impostos na viso de Roberto Campos. Folha de So Paulo. 10-12-2001, B2
GALTUNG, J. Le dveloppement dans la perspective des besoins fondamentaux. In: Il faut manger pour
vivre. Paris: Presses Universitaires de France; Genve: Cahiers de LIUED. 1980: 51-128.
LOPES FILHO, O. de A. Tributao e garantias individuais. Anais da XVII Conferncia Nacional da
Ordem dos Advogados do Brasil. Justia: Realidade e Utopia. Rio de Janeiro, 29 de agosto a 2 de
setembro de 1999. Braslia: OAB-Conselho Federal, 2000. p. 1101-1108.
LUSTOSA, P. de T. A Reforma Tributria. Anais da XVII Conferncia Nacional da OAB. Justia:
Realidade e utopia. Rio de Janeiro, 29 de agosto a 2 de setembro de 1999. Braslia: OAB-Conselho Federal,
2000. p. 1109-1116.
MORIN, E. e Le MOIGNE, J.-L. A inteligncia da complexidade. So Paulo: Peirpolis, 2000.
NOGUEIRA, R. B. Curso de Direito Tributrio. So Paulo: Saraiva, 1999.
PALMEIRA, M. R. Direito Tributrio versus marcado: o liberalismo na reforma do estado brasileiro nos
anos 90. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
PINHO, R. R. e NASCIMENTO, A. M. Instituies de Direito Pblico e Privado. So Paulo: Atlas, 2000.
PIRES, A. R. Manual de Direito Tributrio. Rio de Janeiro: Forense, 2000.
SCHEINKMAN, J.A. A carga tributria maior do que voc pensa. In: Opinio econmica. Folha de So
Paulo, Domingo, 26 de maro de 2006. Caderno B2.

654

UMA JORNADA HISTRICA PELO PARAN:


TERRA, HOMENS E VIDA MATERIAL

Etelvina Maria de Castro Trindade

INTRODUO
O termo sustentabilidade1 pode soar anacrnico2 em um texto histrico que se ocupa do
povoamento de um territrio cujas origens remontam h mais de trezentos anos. No entanto se, por
um lado, as aes dos colonizadores e as polticas governamentais foram extremamente agressivas
e dominadoras em relao ao espao conquistado e as populaes a elas submetidas; por outro,
essas mesmas iniciativas podem ser vistas como o germe de algumas prticas que, mesmo sendo
meramente utilitrias, acabaram resultando numa conscientizao que inclusive mundial
sobre os efeitos danosos de se ignorar as consequncias de uma explorao desordenada das
dimenses econmicas, sociais e culturais dos recursos naturais e humanos.
Assim, um estudo sobre a ocupao de qualquer territrio habitado, inclusive do que
posteriormente se chamaria Paran, pode debruar-se sobre questes cruciais. Dentre elas, o
demorado despertar das autoridades pblicas, dos cientistas e dos cidados comuns para problemas
que envolvem, no s a preservao dos recursos naturais como queriam os ambientalistas3 de
primeira hora4 , mas tambm tudo aquilo que diz respeito sustentao da vida humana em
sociedade. Como bem lembra Richard Rogers (2001): significa encontrar meios socialmente
mais consistentes, economicamente mais eficientes e ecologicamente mais corretos de produzir e
distribuir os recursos existentes.

655

O caso do Paran no foge das circunstncias universais, desde a sua colonizao pelos
europeus, numa poca em que as relaes homem-ambiente, eu e o outro, estavam pautadas
por uma concepo de mundo em que a natureza era subordinada aos interesses humanos, at
chegar ao tempo presente quando se busca, em termos globais, permitir o acesso aos recursos
naturais, culturais e econmicos com vistas a um futuro sustentvel.
Primeiramente, o territrio praticamente desabitado passou pelo estgio predatrio e
socialmente injusto do incio da ocupao, dando origem a um longo perodo de hibernao em
que a Metrpole5 organizou a nova conquista, ao seu bel prazer, sem cogitar no que hoje se coloca
como proteo dos ecossistemas6 e equilbrio das desigualdades sociais.
Em um segundo momento, vivenciou a conjuntura7 em que tiveram incio, mundialmente,
medidas que visavam sanar os males que afligiam as populaes citadinas8, como os surtos
epidmicos e as molstias crnicas. Mtodos pontuais adotados em mbitos nacionais e local e,
atualmente, considerados insuficientes diante das novas descobertas da cincia e da tecnologia em
prol da sade e da qualidade de vida humanos.
O terceiro patamar foi aquele em que o mundo acordou para uma nova concepo da
relao entre o homem e seu meio, diante das ameaas vida do planeta, para criar polticas que,
segundo a definio de Kazazian (2005), geram um desenvolvimento que concilia crescimento
econmico, preservao do meio ambiente e melhora das condies sociais. No Paran, polticas
de preservao ambiental desenvolveram-se em contraponto a prticas que geravam poluio9 e
promoviam desmatamentos10.
Finalmente, o presente estgio quando governos e sociedades tomam conscincia da
necessidade de promover iniciativas de cunho poltico, socioeconmico, educativo e ecolgico que
permitam humanidade acessar os recursos atuais, sem privar seus descendentes da possibilidade
de usufruir livremente dessas riquezas naturais. Um projeto adequado ao pensamento de Morin
(2007), que prope (...) desenvolver uma tica do gnero humano, para que possamos superar
esse estado de caos e comear, talvez, a civilizar a terra.
essa trajetria que se procurar abordar nas pginas seguintes.
EUROPEUS E INDGENAS: VIVNCIAS E ESTRATGIAS DE SOBREVIVNCIA11
No incio do sculo XVI, ao sul do extenso territrio que comeava a ser ocupado por
portugueses e espanhis, a oeste da linha de Tordesilhas, estendia-se uma regio coberta por
planaltos e montanhas e entrecortada por inmeros cursos dgua. Nesse amplo espao natural,
favorecidos pela relativa amenidade do relevo e do clima, perambulavam, h milnios, grupos

656

humanos de coletores e caadores. Migrados de diversos lugares em diferentes perodos, acabaram


por definir-se, h cinco ou seis mil anos, em duas grandes famlias lingusticas: a dos Macro-J e,
posteriormente, a dos Tupi.
Alguns desses povos eram pr-ceramistas e nmades12, organizavam-se em pequenas
comunidades e viviam da explorao dos recursos naturais. Outros, semi-nmades ou sedentrios,
tornaram-se ceramistas, instalando-se prioritariamente na regio, por volta de dois mil anos
atrs. Os vestgios dos utenslios que esses grupos utilizavam denotam seu estilo de vida e sua
organizao social: vasos e vasilhas de barro, com desenhos geomtricos coloridos em vermelho e
branco; artefatos13 em slex14, arenito15 e quartzo16; estatuetas antropomrficas17. As engenhosas
armadilhas para aprisionar animais indicam esforos para garantir a sobrevivncia e as armas
elaboradas com sofisticadas tcnicas de lascamento18, bem como os artefatos de madeira e couro
trabalhados por instrumentos lticos19, mostram um certo grau de refinamento. Para aqueles que
praticavam o roado de subsistncia20, esse apuro tcnico permitia a confeco de ferramentas
adequadas ao plantio e de recipientes para conservar e transformar os gros.
No conjunto, apesar das atividades exploratrias por eles praticadas, esses grupos mantinham
uma simbiose21 positiva com seu ambiente, na medida que suas comunidades instalavam-se em
funo da utilizao dos recursos necessrios sua sobrevivncia, sem deixar de levar em conta
a preservao dos ciclos da natureza. Respeitavam, consequentemente, o tempo necessrio para
que o territrio, virgem e escassamente povoado, se recuperasse das pequenas agresses a que
o manejo da subsistncia daquelas populaes o submetia. Essa relativa harmonia foi quebrada
pelo advento do homem branco.
A chegada dos europeus promoveu tambm deslocamentos espaciais, alterou as condies
socioeconmicas daquelas populaes. Os primeiros contatos com o gentio22, levou os J, refratrios
ao encontro com outras culturas, a afastarem-se para locais onde mantiveram-se isolados; dentre
os Tupi-Guarani, os que se concentravam na parte que cabia ao reino espanhol foram, em grande
parte, aldeados23 e forados a adaptar-se ao modo de vida europeu nas redues24 jesuticas. Nelas, a
vida dos ndios catequizados transcorria entre as oraes e o trabalho agrcola, pastoril e artesanal,
o que os transformava, segundo o ideal jesuta, de gente rstica em cristos civilizados. Tanto esses
grupos como os que ocupavam o primeiro planalto e a regio litornea, e praticavam a coivara25,
tornaram-se alvo dos interesses econmicos do adventcio que buscava braos para o cultivo, sendo
caados por sertanistas26, a partir do sculo XVI.
At a assinatura do Tratado de Madri, em 1750, Portugal e Espanha no tinham entrado
em acordo sobre a posse oficial das terras situadas a oeste do Tratado de Tordesilhas. Disso

657

se aproveitaram os portugueses para transgredir aquela linha imaginria, ocupando, por meio
de diversas estratgias, inclusive a da fora, os territrios em questo. Essa incorporao das
terras brasileiras ao Imprio portugus assinalou o incio de seu processo de ocidentalizao. O
resultado desse fenmeno, em todos os locais em que ocorreu, foi a destruio das demais formas
de organizao econmico-social.
A relao entre o portugus e o indgena no novo territrio causou, ento, um impacto
resultante do total desrespeito autonomia dos seres humanos, s suas condies de vida, bem
como conservao de seu espao vital.
No caso dos lusitanos27, porm, a relao com o gentio foi fundamental para a sobrevivncia
naquelas regies inspitas, pois o empreendimento portugus, notadamente no sul da zona colonial,
teria sido impossvel sem ele. Essa convivncia, medida que inseriu o ndio nos interesses da
Metrpole28, estabeleceu condies para a troca de elementos da cultura material e simblica
entre ambos os povos.
Mediante a inevitvel miscigenao29 dos lusos com as mulheres indgenas, houve uma
interao dos costumes diferenciados do ndio, do europeu e, mais tarde, do negro, fazendo
que, naquela sociedade, coexistissem mltiplos arranjos domsticos e familiares e vrias formas
de trabalho. Do contato entre as nativas e os portugueses advieram os mamelucos30, hbridos
culturais31, que foram agentes da circulao de hbitos, tcnicas e conhecimentos do universo
cultural de suas mes indgenas.
A composio e reelaborao das tradies lusitana e autctone32 originou uma outra forma
de viver o modo caipira33 , que passou a ser o substrato econmico e cultural da populao
livre e pobre; uma massa annima que lentamente se desenvolveu nos sculos XVI e XVII e cujos
traos ainda esto presentes nos usos, nas falas e nas crenas dos habitantes do que mais tarde
seria chamado de Paran Tradicional denominao que abrange o litoral e os dois primeiros
planaltos de seu territrio, at a regio de Guarapuava e Palmas. A formao da cultura caipira e a
utilizao dos costumes e do idioma autctone no significaram, porm, hegemonia34 do nativo, pois
toda a formao colonial expressava uma relao de subordinao do indgena ao europeu. Assim,
intensificou-se a explorao do homem pelo homem, consagrando uma desigualdade social que se
perpetuaria em solo brasileiro pelos sculos seguintes.
A populao resultante da miscigenao manteve, entretanto, a forma itinerante35 do roar
indgena e incorporou, para fins alimentares ou medicinais, os frutos da terra; adotou ao costume
de transportar e guardar alimentos em cestos de fibras ou taquara, utilizando-se tambm das
tcnicas indgenas para a confeco de armadilhas. Diferentemente das populaes de outros

658

pontos do territrio brasileiro, gradativamente fixada em determinados locais em decorrncia da


produo e da comercializao de certos produtos, as atividades coloniais na regio sul foram
marcadas pela mobilidade, em grande parte facilitada pela existncia das rotas h muito utilizadas
pelos silvcolas e denominadas caminhos do Peabiru.
A interao do portugus com o modo de vida do indgena era tal que conforme o que
era reportado Coroa aos brancos bastavam alguma roupa e armas de manejo36, vivendo com
a sobriedade do gentio; o mel, o pinho e a caa, produtos de fcil armazenamento, garantiam o
sustento de cada dia. (TRINDADE; ANDREAZZA; 2001)
Ao mesmo tempo em que a populao que se utilizava do saber indgena e sobrevivia s margens
da organizao colonial, a ao oficial ocupava-se em reproduzir o modelo portugus de sociedade,
com vistas ocupao do territrio. Assim, desde o sculo XVII, j estavam presentes na regio
sul instituies portuguesas, e tambm espanholas, durante a unio das duas Coroas37, entre
1580 e 1640. Tais instituies tinham o objetivo de regulamentar o funcionamento das novas
povoaes, sem que se atentasse minimamente para uma relao equilibrada com a natureza
embora inadvertidamente acabassem propiciando alguma forma de proteo ao ambiente
circundante, tais como a preservao das florestas, das guas correntes, a limpeza das ruas e a
proibio da presena de animais no permetro da povoao.
Findo o perodo da dominao espanhola, comearam a ser divulgadas as primeiras notcias
sobre o ouro em territrio brasileiro ao sul de So Vicente, repetindo-se a ocorrncia serra acima,
em regies at ento descuradas pelos ibricos. O achamento38 ocorrido em tais locais, tornava
urgentes medidas que reforassem a hierarquizao da empresa colonial.
Com o intuito de tornar mnimo o dispndio de homens e recursos, as iniciativas da Coroa
portuguesa foram acompanhadas pelo conhecido expediente dos empreendimentos particulares,
j utilizado nas expedies de reconhecimento da costa brasileira e na criao do sistema de
capitanias. Foram tambm estabelecidas as Administraes Gerais das Minas, as Intendncias39, e
as Provedorias40 e institudos cargos como os de capito-povoador41, capito-mor42, lugar-tenente43
e ouvidor44, entregues a representantes avanados do soberano.
Foi igualmente importante arregimentar a diminuta populao das paragens onde surgiu
o metal precioso para que, motivada pela ideia de enriquecimento, pudesse colaborar com
obedincia, trabalho e escravos, ndios ou negros, para o bom termo da empreitada. Em troca, os
governantes deveriam prover os mineradores com o pouco necessrio para o seu assentamento em
vilarejos situados nas cercanias dos arraiais aurferos45. De certa forma, o uso dessa mo de obra
privada no deixava de ser um investimento da Metrpole com a inteno de buscar, sem muito

659

esforo, os lucros do empreendimento, em detrimento do pouco que as categorias exploradas


poderiam auferir.
Esses agrupamentos iniciais tinham como marco referencial pequenas capelas criadas por
iniciativas de leigos em torno de devoes particulares, s mais tarde referendadas pelo catolicismo
oficial. Nelas est a origem das futuras povoaes, cuja institucionalizao46 se daria, muitas vezes,
a pedido dos moradores.
Para estabelecer a ocupao e consolidar o povoamento, a prxima iniciativa seria a
fundao oficial de vilas o que se realizou conforme instrues emitidas no Reino. Derivou da,
a criao da povoao de Nossa Senhora do Rosrio de Paranagu, a primeira da localidade a ser
elevada vila, em 1648.
Os procedimentos oficiais para a instituio de um municpio eram acompanhados,
normalmente, pela criao da freguesia47, significando que o lugar passava a contar com assistncia
religiosa permanente. Alm das atribuies religiosas especficas como registrar nascimentos,
casamentos e bitos, os procos eram encarregados da cobrana de dzimos48 e das desobrigas49;
e mais tarde, de efetuar recenseamentos, e evidentemente, de cobrar impostos.
Ao sabor dessa forma de colonizao, dcadas aps a instalao de Paranagu, em 1693, foi
criado, serra acima, outro municpio, o da Vila de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.
Para esse novo povoamento, em 1721, a Coroa Portuguesa enviou como seu representante o
ouvidor Raphael Pires Pardinho, encarregado de organizar o espao da nova povoao. Dentre as
instrues emanadas pela nova autoridade algumas, embora no intencionalmente, preocupavamse com a higiene e a proteo dos recursos naturais, instruindo os juzes e oficiais da Cmara
que (...) obrigassem todos os anos ao povo a limpar o ribeiro que corre por meio da vila para
ter boa correnteza, e a faam ter guas das chuvas nas mais ruas para que no haja charcos na
vila, principalmente ao p da matriz (...). (Provimentos do Ouvidor Pardinho para Curitiba e
Paranagu: 1721)
As instalaes de novas vilas e sua regimentao50 s iriam ocorrer na segunda metade do
sculo XVIII. J em 1711, o litoral de Paranagu e os campos de Curitiba que, desde 1660,
constituam a Capitania de Paranagu, passaram a integrar a Capitania de So Paulo, como sua
Segunda Comarca51. Seus habitantes permaneciam em estado de pobreza, e as diligncias para
a busca de riquezas minerais tinham obtido pouco sucesso. O final do sculo chegava sem que
as esperanas dos governos e dos particulares se realizassem, sobrando aos moradores poucos
recursos de subsistncia. Dentre esses desfavorecidos, muitos vagavam desocupados pelo territrio
fazendo com que as Cmaras Municipais os obrigassem a escolherem lugares acomodados para

660

viverem junto a povoaes civis (...). (Sesso da Cmara Municipal de Curitiba, 04 de dezembro
de 1766) Uma iniciativa que visava, pela fora, a insero social dos chamados vagabundos
para evitar-se a perturbao da ordem vigente.
Em tais condies, restava a muitos viver da extrao de produtos locais como a congonha
palavra que, poca, designava a erva-mate , produto nativo, de fcil acesso, e h muito
conhecido e utilizado como bebida ou remdio. Apesar de a Coroa interessar-se logo por sua
explorao, foi somente ao final do sculo XVIII que ela passou a ter peso na economia regional e
envolver boa parte da populao em sua extrao, beneficiamento52 e comrcio.
Prosseguia tambm a produo e comercializao da farinha de mandioca, acrescida do
plantio do trigo, que era exportado para Santos, do arroz pilado e do feijo; estava presente uma
pequena explorao de madeiras e iniciava-se a criao de gado em currais53 esparsos. Plantaes
de cana foram introduzidas no litoral, dando incio produo de acar e aguardente54. A
pesca era igualmente importante na faixa martima, devidamente vigiada pela governana55 da
capitania56 de So Paulo que, em 1730, proibia essa atividade no distrito e nas enseadas da vila
de Paranagu, durante determinados meses do ano, para no prejudicar a reproduo dos peixes.
Nesse quesito, as preocupaes imediatistas da Coroa acabaram por criar inadvertidamente
uma cultura preservacionista57 que iria disseminar-se de uma forma emprica58 e quase intuitiva nas
populaes litorneas, criando prticas que permaneceram atravs do tempo em suas atividades
econmicas. Em pocas muito mais recentes, legislaes especficas viriam regulamentar perodos
determinados para caa e a pesca em todo o territrio nacional.
Em contrapartida, importava-se o sal, que era to escasso, a ponto de, ainda em 1763, devido
grande falta do produto, a cmara de Curitiba ter deliberado a compra de algumas pores para
serem distribudas entre os moradores. Juntamente com o sal, eram ainda importadas do exterior
ferragens e peas de algodo. (TRINDADE; ANDREAZZA; 2001)
INSTALA-SE UMA SOCIEDADE CAMPEIRA
Ao raiar do sculo XVIII, finalmente se dera a descoberta de ouro na regio das Minas Gerais
e surgiram consequentemente exigncias daquele mercado por animais de corte e, sobretudo de
transporte, o que incentivou o crescimento de fazendas de criao nos Campos Gerais. Cabeas
de gado vacum59, vindas do litoral, j existiam na localidade, mesmo antes da oficializao da vila
de Curitiba de onde, no incio do sculo XVIII, uma quantidade considervel de bois e cavalos
era exportados para Minas, So Paulo e Rio de Janeiro.

661

Todavia, com a inteno de reduzir o preo do gado e das cavalgaduras60 de Curitiba, o


Capito General da Capitania de So Paulo ordenou a abertura da estrada do Viamo, que ligaria
os campos desse nome, no Rio Grande, a Sorocaba, em So Paulo. Depois de muitas delongas,
em 1731, Cristovo Pereira de Abreu inaugurou o caminho, com uma tropa de aproximadamente
3.000 cavalgaduras e 500 cabeas de gado. A atividade criatria61 ainda precria que se desenvolvia
nos campos locais foi, ento, substituda, em boa parte, pelas invernadas62 que produziram nova
fonte de renda para os fazendeiros. Para preservar essa atividade, o poder vigente estabeleceria
regras para proteger as terras adequadas a essas prticas: e o cercado que h ao p desta vila
entre o ribeiros dela, no faro data (doao63) dele a nenhuma pessoa, antes o faro guardar; e
aos seus pastos, para que os vizinhos que vm dos seus stios possam nele meter seus cavalos e
bois carreiros a pastar, enquanto assistirem na vila (...). (Provimentos do Ouvidor Pardinho para
Curitiba e Paranagu: 1721)
Atentava-se igualmente necessidade de manter intacta a madeira para finalidades prticas,
com algumas normas expressas na legislao da poca: E sempre se daro as terras no rocio com
obrigao de nelas se fazerem casas cobertas de telha e outra benfeitorias64, com que os stios
permaneam em aumento da terra, e no as daro a pessoas que destruindo-lhes os matos e terras
lavradias65 as larguem depois. (Provimentos do Ouvidor Pardinho para Curitiba e Paranagu: 1721)
Sob a benevolncia da Coroa, o movimento de conduo das tropas, denominado tropeirismo66,
rompeu o isolamento dos que viviam no territrio ento denominado os sertes de Curitiba67, pois
seu trnsito modificou a paisagem e a sociedade da poca. Nas paradas68 dos tropeiros formaramse, gradativamente, pequenos ncleos, pontos de reabastecimento e de encontro, onde se traziam e
levavam notcias e onde havia oportunidade para tomar um bom trago69, ou realizar contatos fortuitos
com as meretrizes. Era tambm nas vendas e nas bodegas que se firmavam, muitas vezes, acordos
polticos, pagavam-se contas e renovava-se o crdito. Dali nasceram vilas, depois convertidas em
cidades, que ainda hoje pontuam o caminho ento tomado pelos animais e seus condutores.
A atividade tropeira deu condies para os habitantes dos Campos Gerais integrarem uma
economia interna partilhada por grupos dispersos em amplo espao, que ia da regio do Prata at
So Paulo. Introduziu tambm um modo de vida que se diversificou no vocabulrio, na culinria,
no vesturio, nas construes e nos hbitos pessoais.
A sociedade que se organizou em funo do tropeirismo fundamentava-se na relao senhorescravo, como toda a formao tradicional brasileira. As famlias dos fazendeiros desenvolveram,
nas propriedades campeiras, uma economia quase autnoma70 de sobrevivncia: da alimentao
ao vesturio, da fabricao de utenslios ao convvio cotidiano.

662

No espao da fazenda, a vida era pacata e rstica, as casas, feitas de taipa de pilo71, tinham
poucos cmodos onde conviviam a famlia, escravos e ndios administrados72. A moblia, quase
inexistente, compunha-se de uns poucos catres73, bas, mesas, bancos e redes.
A ida s vilas se dava por conta das festas, das funes religiosas e da compra do sal.
Por outro lado, muitos proprietrios eram absentestas74 e visitavam muito pouco suas terras,
e eram seus capatazes75, responsveis pela vigilncia das propriedades, que assumiam o status
de fazendeiros.
Dessa forma, persistia nessa organizao social a separao campo-cidade, enquanto no
mundo ocidental iniciava-se, contrariamente, um movimento pela conservao de bosques e matas
e pela integrao da paisagem natural e de animais de estimao ao convvio domstico, muito em
consequncia dos avanos trazidos pela evoluo da histria natural e as descobertas cientficas
sobre as diversas espcies vivas.
Paralelamente economia do gado, as atividades voltadas para a subsistncia e a
exportao para outras regies prosseguia no planalto curitibano, com a produo da farinha
de trigo que complementava a de mandioca, h bastante tempo produzida no litoral. Na faixa
da marinha76, tambm fora iniciado o beneficiamento do arroz visando, da mesma forma,
exportao. O movimento do porto de Paranagu era, todavia, muito fraco, apesar da entrada de
vinhos, plvora, chumbo e chapus, alm de produtos de pequeno porte, que se acrescentavam
s importaes j existentes.
A formao da nova cultura campeira, mesmo configurando uma economia interna que
se mantinha de uma forma que se poderia denominarar como autossuficiente e relativamente
no predatria77 , no impedia a ascendncia dos costumes lusos, nem a ingerncia dos
representantes da Coroa portuguesa na vida da colnia. Assim, a organizao do cotidiano das
vilas era preocupao do Reino e, consequentemente, das cmaras municipais, s quais cabia
ordenar78 e retificar79 o comportamento da populao.
Ao final do sculo XVIII, medidas da Cmara j comeavam a apontar para o problema da
salubridade e do abastecimento de gua potvel, determinando obras para a limpeza das fontes
na vila e em seus arredores para evitar o uso das imundas guas que correm pelos rios mestres
que por admitirem imundos e perniciosos cheiros muitas vezes acontecem ocasionar doenas.
(Sesso da Cmara Municipal de Curitiba, 09 de janeiro de 1779)
Como visto, nada se deixava de prever ou de corrigir, desde o arruamento80, as normas
para a construo de casas, os festejos religiosos e profanos81, a limpeza da vila, os hbitos da
populao, o alistamento82 militar e, evidentemente, a organizao das atividades comerciais.

663

Na sua funo de organizar o mercado, cabia s cmaras expedir alvars83 de funcionamento


para estabelecimentos de comrcio. Em 1769, por exemplo, foi autorizado em Curitiba, o
funcionamento de vinte e sete lojas entre secos e molhados84, carpintaria, alfaiataria, serralheria85,
sapataria e ferraria. A leitura dessas licenas permite entrever, inclusive, que a organizao do
trabalho nas vilas paranaenses tinha semelhanas com as corporaes da Europa medieval86, em
que os mestres de ofcio repassavam seus conhecimentos aos seus auxiliares. Em suas pequenas
oficinas, os artesos produziam ainda artigos ligados economia do gado, em couro, chifre87 ou
prata, como facas, punhais, esporas e chilenas88, pinguelins89, talas90, chicotes, copos e guampas.
Muitos desses adereos, ostentados por tropeiros de maior cabedal91, indicavam a prosperidade
que seu comrcio lhes trazia.
Alm da populao de origem europeia, da nativa e do contingente92 de mestios derivados
do contato entre esses segmentos, a estrutura econmica e social da ento Comarca de Paranagu
inclua contingentes de escravos. Em 1780, em um total de aproximadamente 18 mil habitantes,
um tero era composto por negros cativos. Eles estavam presentes em todas as tarefas, fossem
domsticas, no campo ou nas cidades. (TRINDADE; ANDREAZZA; 2001)
Alm dos indgenas, os negros eram o segundo grande grupo explorado pelos colonizadores.
Privados de todos os seus direitos legais e humanos, foram, porm, mais resistentes do que
se supe, organizando-se aps a fuga em comunidades rebeldes (os quilombos93) existentes
tambm no Paran. Nesses locais, criaram sociedades autnomas economicamente e comunitrias
socialmente que sobreviviam do cultivo da terra e do manejo94 de animais.
Com base nessa mo de obra, no cmputo geral, o incremento trazido pelo tropeirismo
foi muito produtivo para a economia da regio, na medida que, em 1769, j existiam nela 88
fazendas e 131 stios de criao, com um total de 25.826 cabeas de gado vacum e 5.219 de
gado cavalar.
Tal foi a sociedade que, no decorrer do sculo seguinte, oportunizou ao espao que seria
posteriormente o Paran, uma ocupao gradativa que demarcaria, de maneira especfica, seu
territrio no cenrio do Brasil colonial. Uma situao que teria continuidade no regime imperial
estabelecido aps a independncia de Portugal, em 1822.
O MATE E O GADO: PILARES DE UMA ECONOMIA REGIONAL
Mesmo antes da Independncia, as mudanas ocorridas no Brasil com a transferncia da
corte real portuguesa para o Rio de Janeiro, em 1808, introduziram o livre comrcio nos portos

664

do pas, o que incrementou as atividades importadoras e exportadoras em todo o litoral. Ao


sul, desde o final do sculo XVIII e incio do XIX, a economia da Comarca girava em torno
da extrao e comercializao da erva-mate. Viajantes do perodo observavam que a populao
daquelas paragens adotara com tamanha intensidade o hbito dos indgenas de consumir o mat,
que o costume passou a merecer descries detalhadas sobre aspectos da colheita, do tratamento
e do consumo da erva. Relatavam como a rvore nativa era podada e limpa, e depois secada
moda paraguaia; e como as folhas eram trituradas para, mergulhadas em gua fervente, serem
tomadas com bombas95, em cuias96 de sassafrs97.
Com a abertura dos portos brasileiros, a navegao de longo curso com o Rio da Prata
permitira, desde 1810, a exportao regular da erva-mate, bem como de alguma madeira, para o
exterior. O transporte do produto era feito primeiramente em surres98 de couro e, posteriormente,
em barricas, merc do desenvolvimento das serrarias, das carpintarias e do artesanato, at chegar
aos portos de Antonina e Paranagu, rumo a Montevidu e Buenos Aires. Morretes acompanhava
a movimentao, uma vez que nela se concentravam os soques99 daquele produto, rapidamente
disseminados serra acima.
Alm de incrementar o comrcio do couro para confeccionar os surres, a economia do
mate incentivava a confeco de cuias e outros utenslios, como bombas de ch, em prata e ouro.
Em meados da dcada de 1830, j eram identificados 34 engenheiros100 do mate na
comarca, estando a maior parte dos engenhos localizados nos arredores de Curitiba. Desde o final
do sculo anterior, o beneficiamento do mate apresentava um carter quase fabril, desenvolvido
em ambiente fechados e sob superviso, sendo gradativamente aprimorado pela utilizao de
tecnologias inovadoras, como o uso da trao hidrulica101. No af do lucro, os comerciantes do
mate acabavam interferindo nesse trabalho, entrando em concorrncia com os produtores.
O interior da regio tambm transformou-se com a crescente importncia dessa verdadeira
indstria, pois a intensificao do extrativismo favoreceu a ocupao de reas basicamente inexploradas.
Muito consumida era igualmente a aguardente, produo subsidiria102 dos engenhos de acar da
faixa litornea, atestando o grande consumo daquela bebida em pocas em que a vida era rdua
e os vveres103 escassos. (TRINDADE; ANDREAZZA; 2001)
Por ser a erva-mate de origem nativa, sua explorao, em si, no trazia grandes agresses ao
solo, porm, o desenvolvimento dessa economia acabou por ocasionar, no decorrer do sculo XIX,
impactos no ordenamento sociopoltico da sociedade local. Isso porque o incremento da atividade
exploratria resultou no abandono, pela populao rural, das demais atividades econmicas. Por
outro lado, o crescimento progressivo dessa produo e sua converso em sistema fabril104 fez

665

surgir a figura do operrio, determinando novas formas de explorao da mo de obra laboral105,


contrria convivncia saudvel entre os grupos sociais.
A emergncia da economia ervateira fez-se sem prejuzo da pecuria que se manteve no
decorrer do sculo XIX. O tropeirismo, que j iniciara um movimento de expanso territorial
no sculo anterior, consolidou, nas primeiras dcadas do oitocentos, a ocupao dos campos de
Palmas e de Guarapuava. Naquele perodo, as fazendas dedicavam-se muito mais s atividades
de invernagem do que s criatrias, definindo uma tendncia que se esboara desde a abertura
da estrada do Viamo. No obstante, a lide106 com o gado continuava a caracterizar o cotidiano
do planalto onde, conforme as observaes do viajante francs Auguste de Saint-Hilaire, todos
os homens teis ocupavam-se em perseguir vacas ou touros, o que chegava a ser uma espcie de
divertimento. Mas, na verdade, a faina do gado era rdua para os adultos, e eram as crianas que
nela encontravam significados ldicos107. O mesmo viajante relatava que meninos, ainda pequenos,
aprendem a atirar o lao, a formar rodeio e a correr atrs dos cavalos e dos bois. Esse envolvimento
das crianas nas atividades do mundo adulto lembra igualmente os traos da sociabilidade prindustrial europeia, com que o mundo do trabalho local se identificava, sem atentar para problemas
de ordem moral e para as desigualdades sociais que o sistema propiciava.
Por outro lado, as transformaes, polticas e econmicas, ocorridas no Brasil nas primeiras
dcadas do sculo XIX trouxeram outras novidades ao cotidiano da comarca. A crescente
importncia assumida pelo cultivo do caf nas regies fluminense e paulista propiciou, desde o
incio, o deslocamento de contingentes de escravos para as regies cafeeiras. Mas se a proporo
de escravos efetivamente diminuiu no Paran, isso no significa que eles deixaram de compor a
populao regional que, na primeira metade do sculo XIX, manteve-se assemelhada setecentista:
portugueses e castelhanos, ndios administrados, escravos negros e descendentes e mestios de
todos esses grupos. Esse estrato da populao era normatizado108 pela legislao de ento que
proibia os jogos de azar, o porte de armas e as danas e cantos populares (Posturas Municipais.
Paran, 1829 a 1895), em total desrespeito aos direitos individuais.
Em 1812, a sede da comarca foi transferida para Curitiba, sob a alegao de estar aquela
localidade mais prxima do caminho das tropas. Todavia, uma crescente insatisfao j grassava
entre os habitantes de Paranagu, e posteriormente de Curitiba e das demais vilas de alguma
importncia com o descaso da poltica adotada por So Paulo em relao sua agora Quinta
Comarca. Nasceu da um movimento de emancipao109 que percorreu a toda a primeira metade
dos oitocentos at concretizar-se, em 1853, com a desejada criao da mais recente provncia110
do Imprio. Surgia, finalmente, o Paran.

666

Entretanto, conquistada a emancipao, muito pouca coisa se alterou na sociedade e na


economia da nova Provncia. Na segunda metade do sculo XIX, viajantes, como o francs
Av-Lallemant ou o ingls Bigg-Wither, descreviam Curitiba, agora capital da nova diviso
administrativa, e as cidades litorneas, como verdadeiros acampamentos que a insalubridade111 e a
morbidade112 tornavam extremamente desagradveis. Em 1858, Lallemant estabelecia diferenas
entre uma Curitiba que tentava regenerar-se, com novos servios e novas construes, e a antiga,
na qual h muita coisa em runa e no se pode deixar de reconhecer evidente decadncia e atraso.
As constantes observaes dos visitantes estrangeiros sobre a precariedade das cidades
brasileiras, inclusive as da regio do Paran, denunciavam condies de cunho ambiental,
econmico e social que s comeariam a ser revertidas no final do sculo XIX e incio do XX.
Tal situao repetia-se em vrios pontos do territrio paranaense, e ao final perodo, as
cidades de algum destaque, com melhores condies de conforto e populao superior a 10.000
habitantes, mal ultrapassavam uma dezena.
Ao norte, ainda muito pouco ocupado, foram instaladas at 1860, a colnia militar do Jata
e os aldeamentos indgenas de So Pedro de Alcntara e de So Jernimo. Foi por volta dessa data
que cafeicultores paulistas e fazendeiros mineiros, e tambm migrantes nordestinos, penetraram
em terras paranaenses, fazendo surgir ali pequenos ncleos agrcolas, conformando o que mais
tarde seria chamado Norte Velho. No entanto, tratava-se de uma ocupao reduzida, visto que,
pelo censo de 1900, o nmero de moradores do norte no ultrapassava 16.000 habitantes, o que
deixava incultas a maioria das terras disponveis.
Nesse panorama precrio, a poltica imigratria113, que, sob o incentivo do governo central,
encontrou eco nas iniciativas da administrao local, tornou-se fator determinante de transformao
econmico-social. Nas trs ltimas dcadas do XIX, vrias colnias foram instaladas no Paran,
muitas delas prximas aos stios urbanos114. Alemes, poloneses, italianos, entre outros, chegaram
em grandes levas, destinados preferencialmente ao trabalho na lavoura.
O RURAL E O URBANO: INCIO DA MODERNIZAO
Dentre as motivaes imigrantistas da Provncia do Paran destacou-se, a princpio, a
baixssima densidade demogrfica115. A recente elite provincial exclua de seus planos povoadores
o concurso da populao nativa116, nutrindo assim como as demais provncias a certeza de
que a imigrao europeia era o nico caminho para a regenerao do povo brasileiro. Par e
passo117 com a preocupao populacional, a poltica imigratria brasileira, e paranaense, orientouse pelas necessidades de promover a agricultura de subsistncia e as obras pblicas. A despeito

667

do entusiasmo em torno da imigrao, o processo sofreu inmeros revezes. No Paran, como em


So Paulo e outras partes do pas, algumas colnias fracassaram, na medida que foram instaladas
em terras imprprias para o cultivo e onde era impossvel comercializar a produo. O governo
brasileiro, a partir dcada de 1870, preocupou-se, ento, em fixar os imigrantes em terras de
melhor qualidade, em prestar-lhes assistncia nos primeiros tempos e em garantir o escoamento do
excedente dos vveres produzidos para os centros urbanos. Tais polticas mostraram as primeiras
preocupaes com a qualidade da produo agrcola e o devido suporte aos habitantes do campo.
Mas a Provncia do Paran quase no dispunha de recursos para sustentar tais iniciativas e
enfrentava a oposio de sua elite econmica, contrria ocupao das ricas terras de pastagens dos
Campos Gerais, pelos imigrantes. Na prtica, a pequena propriedade dos colonos foi estabelecida
em zonas recobertas por florestas, em torno de cidades do litoral e do primeiro planalto e, somente
a partir da dcada de 1890, houve um avano destas colnias no sentido do interior. Desde
os anos 1870, porm, elas haviam propiciado uma parte do pessoal empregado nas atividades
ervateiras, desde a coleta e o preparo da erva cancheada118, at seu transporte para os portos de
embarque, j que, segundo documentos da poca, homens, mulheres, crianas, ricos e pobres,
homens livres e escravos, brancos e negros, todos participavam daquela economia. De certa
forma, estavam todos juntos em uma causa comum que atenuava os limites das diferenas sociais.
Os imigrantes, alm do cultivo e da venda de produtos de primeira necessidade119, trabalhavam,
igualmente, na abertura de estradas e construo de ferrovias, e toda sorte de trabalho braal.
No entanto, se o estado buscara atrair principalmente cultivadores teis para povoar o
Paran, os navios que aqui aportaram tambm trouxeram europeus ligados s atividades urbanas.
Algum tempo aps sua chegada, muitos deles, insatisfeitos com a vida rural, transferiam-se
sozinhos ou com suas famlias para as cidades. Essa desconcentrao dos colonos em busca
de melhores oportunidades nos meios urbanos possibilitou que ocorresse um certo equilbrio
populacional entre o campo e a cidade.
Italianos, alemes, poloneses, ucranianos, franceses e indivduos de outras etnias vieram
dar uma nova feio s urbes. At ento constitudas como centros administrativos e polticos, j
que quase a totalidade da populao brasileira vivia na rea rural, nelas comeou a florescer uma
economia tipicamente urbana, causando o aumento da populao residente. Na capital paranaense
essa presena foi to significativa que, em 1872, Bigg-Wither j anotava que a cidade possua
9.500 habitantes, sendo 1.500 imigrantes.
Atribui-se aos imigrantes importante papel na diversificao da atividade artesanal120, no
comrcio e no desenvolvimento de pequenas e mdias indstrias de carter familiar presentes no

668

Paran, desde meados do sculo XIX e incio do XX. Divididas entre os elementos locais e as
vrias etnias, as fbricas espelhavam a nova hierarquia socioeconmica: brasileiros e imigrantes
disputavam a rea nobre da madeira, do mate e dos cereais; os alemes predominavam nas
bebidas, nas fundies121, nos mveis, couros, vesturio; e estavam, de resto, presentes na maioria
das atividades fabris; italianos e poloneses concorriam na rea de alimentos.
A presena imigrante foi muito significativa tambm para as melhorias urbanas em diversas
localidades paranaenses, onde se disseminaram construes inspiradas nas tcnicas e nos estilos
europeus. Alteraram, ainda, a arquitetura religiosa de estilo colonial122 que passou a refletir o
ecletismo123 dominante na poca e a nova feio multicultural da sociedade. Apesar de diversos
atritos entre nacionais e imigrantes, a presena desses nas cidades propiciou o incio de uma
convivncia profcua124 entre as diversas culturas o que, no Paran, iria ser trao marcante de
sua identidade. A edificao da atual Catedral de Curitiba, no ltimo quartel do sculo XIX,
uma sntese dessa plurietnicidade. Contou com o trabalho de um arquiteto francs, engenheiros
italianos e alemes, alm de mestres-de-obras, artfices125 e operrios de diversas nacionalidades.
De toda maneira, nas diversas regies em que se instalaram, os estrangeiros foram agentes
de transformao. Nas cidades, porm, contribuam de forma peculiar para a construo de uma
nova forma de viver urbano que iria caracterizar o cotidiano dos paranaenses da em diante.
Muitas dessas transformaes espelhavam as ocorridas na Europa ocidental e nos Estados Unidos,
onde o crescimento das cidades e a insalubridade126 criada pelas aglomeraes populacionais
traziam riscos vida humana. Polticos e cientistas implementaram, ento, medidas sanitrias127
que contavam com os conhecimentos de mdicos, engenheiros e higienistas128 para combater
os males que acometiam os habitantes das urbes129 e propor teraputicas130 que garantissem o
equilbrio do espao citadino.
Toda essa renovao acontecia concomitantemente s transformaes radicais por que passava
a sociedade brasileira nas duas ltimas dcadas do sculo XIX, em funo da abolio da escravido
e da proclamao da Repblica. Nessa nova conjuntura haviam-se alterado significativamente as
relaes de trabalho, bem como os rumos polticos da nao. Foi tambm nesse perodo que
comearam a estabelecer-se, no novo estado do Paran, interesses capitalistas sob a influncia
progressiva de uma elite econmica ligada s indstrias ervateira, madeireira e, em menor grau,
ao setor agropecurio131. Esses grupos, formados por elementos nacionais ou estrangeiros, iriam
deter a fora poltica no Paran republicano, substituindo os fazendeiros tradicionais ligados ao
tropeirismo, que entrava em fase de retrao, sobretudo aps o desenvolvimento das vias frreas.
A alternncia dos grupos economicamente dominantes no quadro poltico do estado, em perodo

669

de longa durao, consagrava um processo que impedia como em todo o Brasil a evoluo
para uma convivncia participativa, como viria a ser desejvel em tempos futuros, alm de impedir
o acesso das classes subordinadas a uma condio mais igualitria.
Um episdio marcante do perodo republicano no Paran foi a chegada das tropas gachas
da Revoluo Federalista de 1893, em cidades situadas na rota que levava a So Paulo e Rio de
Janeiro. Uma conjuntura que gerou desordem, desunio e oposies na poltica e na sociedade
locais, alm de desorganizar, por um tempo, suas atividades econmicas.
Na virada para o sculo XX, porm, a explorao da erva-mate que gradativamente adotara
um carter fabril pelo aperfeioamento tecnolgico132 e por uma nova organizao social do
trabalho133 atingiu seu auge; o mesmo aconteceu com a indstria madeireira que se desenvolveu
acompanhando o curso dos rios e os trilhos das ferrovias, atingindo a cifra de mais de meia centena
de serrarias134 em produo, por volta de 1900. Em consequncia, as florestas paranaenses quase
intocadas at a segunda metade do XIX, foram sendo exploradas e lentamente substitudas por
pastos e capoeiras.
Nessa poca, acompanhando as novas concepes sobre campo e cidade, crescia no mundo
ocidental uma valorizao dos contatos com a natureza e da sua preservao. Nos Estados Unidos
foi importante a disseminao de uma viso que preconizava a preservao da fauna, flora,
cursos dgua e solos, construindo pressupostos que ficaram conhecidos como conservacionismo e
geraram polticas que, em 1890, criaram reservas florestais de domnio pblico federal. No Brasil,
tais polticas vieram a dar origem, no incio do sculo XX, a uma legislao voltada s mesmas
preocupaes. Foi o comeo de um pensamento que se dirigia a determinadas aes sobre os
ambientes rural e urbano.
O Paran Tradicional ainda que fortemente ligado hegemonia econmica das grandes
fazendas, assistiu ao desenvolvimento das vrias atividades fabris e de um movimentado comrcio
que se opunha tendncia que antecipava a preocupao ambiental. No campo socioeconmico,
configurou-se uma classe operria nos ncleos urbanos de maior porte. Grosso modo, por volta de
1910, o Paran possua mais de 300 estabelecimentos onde trabalhavam cerca de 5.000 operrios,
ocupando o estado o quinto lugar no incipiente135 setor industrial do Brasil. Os principais ramos
dessa indstria eram a ervateira e a madeireira, alm da carpintaria, da fabricao de fsforos,
da fiao e da tecelagem. Os trabalhadores atuavam, ainda, nas fbricas de sabo, velas, vidros,
barricas e estabelecimentos manufatureiros de calados, chapus e na fabricao de queijos.
Nesse mundo laboral ocorriam, com certa frequncia, movimentos reivindicatrios derivados de
desentendimentos entre patres e empregados. A greve geral de 1917 constituiu, em todo o

670

Brasil, um marco da organizao da classe trabalhadora que, em defesa dos seus interesses, saiu
s ruas em luta contra o empresariado e o governo. A presena pblica dessas pessoas, antes
relegadas s margens do sistema, desencadeou confrontos com a polcia que fizeram aflorar136
tenses h muito represadas, marcando a presena de reivindicaes por igualdade social que
perdurariam no Brasil at os dias atuais.
No conjunto desse desenvolvimento econmico e social do incio do Brasil republicano,
o trem funcionou como mensageiro do progresso. No Paran, abriu caminho entre Curitiba e
Paranagu, em 1885, estendendo-se depois a Ponta Grossa e atingindo o sul e o norte, integrando
as regies. Nas terras do norte onde se completava a ocupao dos vales dos rios das Cinzas,
Itarar e Paranapanema , chegava a Ourinhos, em 1908, com a construo da Estrada de Ferro
Sorocabana, destinada a atingir o oeste do Estado de So Paulo, via norte do Paran. Entretanto,
as melhorias de transporte e comunicao no se esgotaram com as ferrovias; desenvolveramse ainda as estradas de rodagem que, em 1917, iriam atingir 6.000 quilmetros em trfego.
No entanto, grande parte do transporte, sobretudo o do mate, ainda sofria a concorrncia das
carroas dirigidas pelos imigrantes, sobretudo russos brancos137 que, malsucedidos nas atividades
agrcolas, encamparam138 esse setor de prestao de servios.
A dilatao, cada vez maior da rede ferroviria esteve articulada aos propsitos de
companhias particulares, nacionais e estrangeiras, ocupadas em explorar a madeira das regies
dos rios Iguau e Paran, como foi o caso da Southern Brazil Lumber and Colonization e da
Brazil Railway (estrada de Ferro So Paulo-Rio Grande). A presena das duas empresas implicou
a expulso de posseiros e o empobrecimento de pequenos madeireiros, somando-se a eles os
empregados dispensados pela Estrada de Ferro, estimados em cerca de oito mil trabalhadores.
Da nasceu um exrcito de desocupados que se tornaram presa fcil de lderes pseudo-religiosos.
Essa situao ativou o messianismo presente na religiosidade popular levando os caboclos139,
despojados de condies de sobrevivncia, a deflagrar140, em 1912, a guerrilha da regio do
Contestado, com o objetivo de instaurar uma nova sociedade fundamentada em princpios msticoreligiosos, movimento duramente reprimido pelas foras do governo.
A excluso social e econmica advinda dos interesses do governo paranaense e das
companhias estrangeiras trouxe, assim, resultados danosos organizao da sociedade e ao
equilbrio ambiental no estado.
Alm das ferrovias, foi no setor dos servios pblicos eletricidade, carris141 urbanos
e telefonia e no financiamento das exportaes primrias que se deram os investimentos
estrangeiros por meio do London & River Plate Bank e do London & Brazilian Bank,

671

posteriormente, Bank of London & South America. Enquanto isso, o setor industrial nascente
ficava a cargo dos investidores locais.
Paralelamente ao avano da modernizao, houve um rpido crescimento populacional no
estado. De 126.722 em 1872, o nmero de habitantes aumentou para 327.136, em 1900. No
municpio142 da capital, estimava-se j uma populao de 53.928, em 1905. No censo de 1920,
o Paran ocupava o 13 lugar no pas e sua populao atingia 685.711 habitantes, 2,2% da
populao brasileira.
Enquanto isso, ao levar o progresso para o interior, o trem revelava as carncias naquelas
regies. Insalubres, mrbidas e despidas de infraestrutura at a ltima dcada do sculo XIX, a maioria
das cidades paranaenses apresentava-se como palco de epidemias143, endemias144 e desconforto.
Alm de atender s necessidades da populao relativas higienizao145 e ao saneamento146,
a modernizao dos maiores centros urbanos no se dava apenas no mbito das polticas de
governo e na nova disposio dos espaos privados, mas tambm no aprimoramento dos ambientes
pblicos, inclusive nas reas de lazer, como cinemas, teatros e confeitarias.
Os novos lazeres opuseram-se s formas tradicionais de divertimento, caso do fandango,
que tenderam a isolar-se nas cidades do interior. Delineava-se, cada vez mais, a oposio
cidade-campo, criando-se a alteridade147 que permitiu a discriminao da populao rural pelos
citadinos148, em desacordo com uma prtica que visaria ao equilbrio entre esses dois espaos.
Paralelamente, as cidades paranaenses do incio do novo sculo foram incorporando
alguns signos da ento moderna tecnologia que, em nvel universal, manifestavam-se por meio
do telgrafo, do telefone e da luz eltrica; depois, dos automveis e bondes. Cientes tambm das
intervenes sanitaristas que eram realizadas nas capitais europeias, os governantes dirigiram
sua ateno para temas como o tratamento das guas, o escoamento de dejetos149 e a purificao
do ar por meio da vegetao.
A administrao pblica dedicou, assim, crescente ateno aos procedimentos de
embelezamento das cidades mediante a arborizao de ruas e praas e a criao de parques
destinados fruio de seus usurios. Medidas ainda incipientes, j que a mentalidade da poca
no alcanara os patamares de uma real preocupao com o entorno. (TRINDADE; OLIVEIRA;
SANTOS. 1997)
Em consequncia, o desenvolvimento das cidades no Paran da Primeira Repblica trouxe
consigo no apenas a reformulao dos hbitos das camadas privilegiadas. Ele imps um novo ritmo
s relaes urbanas e conduziu cena novos grupos que modificaram seus espaos e deram vida
ao seu cotidiano, enquanto outros ficavam isolados em sua invisibilidade, j que a desigualdade

672

de condies financeiras e a ausncia de uma poltica de boa convivncia comunitria os afastava


dos demais setores da sociedade.
DO PARAN DO CAF AO PARAN INDUSTRIAL150
Os anos 1930 e a presena de Vargas na presidncia da Repblica inauguraram, para
todo o Brasil, um perodo de centralizao e nacionalizao que tentava controlar a influncia
das foras regionais. O campo econmico foi marcado pelo esforo do desenvolvimento pela
via da industrializao, em oposio s tendncias com base na atividade agroexportadora151
que, embora amparada pela poltica do governo, teve de abandonar seu papel predominante no
conjunto da economia brasileira. Durante todo o perodo, seguido da fase de redemocratizao152
aps o final do Estado Novo (1937-1945), a organizao do aparelho do Estado153 tentou adequarse s variaes dos rumos tomados pela produo nacional e pelas relaes comerciais com o
exterior nas diversas conjunturas154 por que passou o pas.
Ao mesmo tempo, no que se referia produo e comercializao dos recursos naturais,
sobretudo quando se tratava da ocupao e explorao do solo, as relaes do Brasil com o
exterior refletiam-se em medidas atreladas ainda aos pressupostos da corrente conservacionista155
norte-americana. Nesse sentido, foram implementadas no pas polticas relativas proteo do
patrimnio artstico e nacional que incluam a preservao dos monumentos naturais, bem como
os agenciados pelo trabalho humano. Com essa inteno, criaram-se dois parques naturais, o da
Serra do Itatiaia e do Parque Nacional do Igua, esse ltimo no Paran. O Cdigo Florestal e o
Cdigo das guas, ambos de 1934, so igualmente exemplo dessa atitude inovadora. No entanto,
foi para as cidades que se dirigiram, sob a gide156 do governo central, as medidas mais efetivas
voltadas higiene, ao sanitarismo e ao lazer, na medida que esses espaos urbanos deveriam
tornar-se expresso de uma sociedade moderna e industrializada.
Em contraste com o restante do territrio nacional, no mbito paranaense, o incio do
perodo encontrou uma economia que ainda se mantinha em torno de dois setores: o ervateiro,
com uma trajetria de expanso a que se seguiu um perodo de desacelerao, e o madeireiro, em
crescimento constante no comrcio interno e externo.
Em outras regies do estado ainda desocupadas, um fator de grande magnitude veio cumprir
o mesmo papel desbravador157 que as ferrovias haviam desempenhado ao final do sculo XIX e
incio do XX: tratava-se da agricultura do caf e sua consequente marcha atravs do estado.
Efetivamente, ao norte do Paran, o contato cada vez maior com a cafeicultura paulista e
a expanso das ferrovias entre os dois estados havia criado o que pode ser chamada a corrida

673

do caf, concluda s margens do rio Paran, em meados da dcada de 1930, configurando


o povoamento de um territrio que passaria a chamar-se Norte Novo, em oposio ao Norte
Velho, j ocupado. Em funo dessa atividade, entre 1940 e 1960, a participao do Paran
na produo cafeeira aumentou de 7% para 52%, fenmeno que lhe trouxe um grande aporte
de capitais158, no s para a agricultura como tambm para a indstria. Essa prosperidade, com
razes na economia paulista, organizou-se a partir dos excedentes de um sistema de produo
adaptvel aos frteis terrenos paranaenses, da construo de uma rede de estradas de ferro
que ampliou as fronteiras de ocupao e da organizao das companhias particulares que
exploraram a colonizao da regio.
Naquela poca, os sucessivos governantes do estado tiveram que enfrentar, em seu projeto
administrativo, o desafio desse fenmeno e de suas contradies. Efetivamente, entre os fatores bsicos
a serem considerados pela administrao estavam as inmeras frentes pioneiras que comeavam a
ocupar vastos territrios do Norte, compostas por contingentes nacionais e estrangeiros das mais
diversas origens. Tal exploso demogrfica, que caracterizava a busca pelo ouro verde, seduzia
os migrantes com a miragem159 da propaganda. Nesse contingente, foram atrados pequenos
proprietrios, grandes e mdios empresrios e inmeros despossudos que forneceram a mo
de obra necessria para o trabalho de desbravamento, plantio e construo de cidades. Em
consequncia, houve um crescimento populacional acelerado na regio, quando o nmero de
habitantes saltou de 340.000 para 2.681.000.
Todo esse processo de urbanizao intensiva e de migrao sem controle ocasionou
um desequilbrio estrutural, pois esse movimento se dava sem que houvesse uma poltica que
protegesse as terras de prticas agrcolas nocivas sade e ao meio e desse aos habitantes da
regio condies igualitrias de vida. Tratava-se de uma agricultura invasiva, que provocava o
desmatamento e a poluio do solo, par e passo com crescimento intenso das concentraes
urbanas com suas consequncias para o ambiente e a vida humana.
A diferenciao entre a ocupao do Norte Velho, nos perodos anteriores, e a do Norte
Novo, foi o carter induzido160 dessa ltima.
A recm-formada burguesia cafeeira no podia assumir sozinha a formao dos novos
cafezais, tarefa que teve que ser conduzida pela unio dos fazendeiros com as grandes empresas
imobilirias. O esforo resultou numa expanso crescente da rea dedicada cafeicultura. Na
dcada de 1950, foram sucessivamente ocupadas as regies Noroeste e Oeste, at os rios Iva e
Piquiri. Para alm da iniciativa privada, foi tambm marcante o papel do governo na gesto161
desse processo, por meio do loteamento162 e da venda de extensos territrios, em favor de

674

empresas como a Paran Plantation Limited e a Companhia de Terras do Norte do Paran, depois
Companhia Melhoramentos do Norte do Paran. A unio dos investimentos pblicos e privados
sem regulamentao adequada organizao social e econmica dos locais ento ocupados viria a
causar inmeros problemas que se refletiriam no futuro de todo o Paran. Dentre eles, os efeitos
nefastos163 da poluio e da exploso demogrfica ao equilbrio ambiental.
Efetivamente, o plantio acelerado do caf atingiu um ritmo intenso, dominando a paisagem
e estendendo-se a perder de vista. E se, no final do sculo anterior, a diversificao do Paran
dera-se, sobretudo, devido contribuio da cultura notadamente camponesa trazida pelos
imigrantes, nesse momento o mosaico cultural164 ampliava-se, em funo do deslocamento de
mineiros, paulistas e nordestinos em direo ao Norte do Estado.
As cidades que se multiplicavam apresentaram, nos primeiros tempos, um aspecto de
faroeste americano e os novos habitantes trouxeram para elas hbitos e costumes de homens da
zona rural. Esses pioneiros vieram a exercer uma ao dominante sobre a cultura tradicional
da regio, em detrimento do estabelecimento de uma diversidade enriquecedora para ambos
os lados.
Logo, porm, o crescimento vertiginoso da cultura cafeeira, nas dcadas de 1950 e 1960,
introduziu nas cidades, sobretudo em Londrina, a chamada capital do Norte, os signos do progresso
e da euforia que acompanham esse tipo de ocupao. De tal forma que, segundo o noticirio local,
para ela e outras cidades da regio, as estatsticas j nasciam velhas.
Em contraste com a regio Norte, salvo por alguns terrenos em que se desprezou o perigo
das geadas e se tentou a cultura do caf, o Oeste no recebeu o influxo165 dos capitais e da
ao dos cafeicultores paulistas, sendo porm alvo de um planejamento de ocupao por parte
do governo paranaense. Ali, companhias concessionrias166, sobretudo estrangeiras, praticavam
desordenadamente a extrao do mate e da madeira, utilizando como mo de obra a populao
local. Essas atividades, alm de causarem a destruio das matas nativas e das pequenas agriculturas
de subsistncia resultavam no empobrecimento dos habitantes da regio, sem que se atentasse aos
prejuzos causados prpria sustentao de sua qualidade de vida. Em contrapartida, a poltica do
governo atraiu uma frente povoadora constituda de migrantes de origem alem e italiana oriundos
do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina que se instalaram no local, desenvolvendo o cultivo
de cereais e oleaginosos167 e a criao de porcos o que, de certa forma, pela via da diversificao
provocada por sua presena, minimizou o estado de carncia econmica da regio.
No entanto, por bastante tempo, a insuficincia de transportes na regio retardaria sua
integrao ao conjunto do estado. Outro fator considerado desfavorvel foi a preferncia pelo

675

regime de pequena propriedade e pela colonizao de origem sulina que marcavam as aes
administrativas naquele momento e seriam apontadas, posteriormente, como indutores de
desorganizao e atraso. Alm disso, a instalao dos novos grupos acentuou a situao de misria
da populao local que passou a vagar desamparada por toda a extenso do territrio, em sentido
contrrio ao que seria desejvel para equilbrio dos movimentos migratrios.
Da mesma forma, no Sudoeste, a alienao de glebas para empresas particulares, como a
Marip, realizadas pelos governos federal e estadual fez com que terras fossem novamente ocupadas
por milhares de posseiros168, desencadeando tenses e confrontos. Da decorreram anos de luta que
acabaram, em 1957, num conflito armado, acompanhado por mortes e destruio. Cenas de tortura,
abuso das vivas dos camponeses mortos e cobrana indevida de impostos e contribuies marcaram
a ao dos jagunos das companhias, e at da polcia local, contra os habitantes da regio. Foi uma
campanha encabeada pelos detentores do capital e do poder que, pela fora, calaram as vozes dos
menos favorecidos impedindo-os de reagir situao de excluso a que foram submetidos e de pr
em ao o pleno exerccio de sua cidadania.
Apesar do advento da agricultura cafeeira e da colonizao de vrias pores de reas
devolutas, a industrializao paranaense ocupava, poca, uma posio diminuta no contexto
nacional 3,06% do total, em 1950 , mesmo tendo apresentado um crescimento interno de
850% em relao dcada de 1940. A torrefao169 e a moagem170 do caf ocupavam ainda 53%
da transformao dos produtos alimentares que era a grande atividade industrial.
Todavia, curiosamente, a explorao do mate e da madeira havia dado origem a uma burguesia
industrial, em oposio ao que ocorrera no restante do Brasil onde a classe economicamente
dominante era tradicionalmente formada por proprietrios de terra ou comerciantes. Essa burguesia
agia ativamente nas atividades exportadoras, investia no exterior e estendia seus interesses a
outros setores industriais, bancrios, de seguros e empresas areas.
No incio da dcada de 1960, a economia paranaense mantinha ainda sua base econmica
na agroindstria171 apresentando, porm, uma poltica de governo que agia de forma oposta ao
que se fizera nas gestes anteriores, quando os pontos-chave da administrao eram o povoamento
e a colonizao. Os dirigentes do novo perodo iriam considerar as correntes povoadoras que
ocuparam todo o territrio paranaense como fator indesejvel, por serem introdutoras da pequena
propriedade e da policultura, agora consideradas obstculos ao desenvolvimento, por provocarem,
muitas vezes, a formao de minifndios172 considerados prejudiciais ao progresso econmico. O
acesso a certos princpios considerados cientficos e tecnolgicos conduziu as polticas econmicas
de ento a implementar padres de produo, consumo e investimento que desconsideravam a

676

equidade que traria uma possibilidade de melhor distribuio de renda e a execuo de melhores
projetos sociais.
O tema da industrializao substituiu, portanto, o da vocao agrcola do estado e
apresentava-se a necessidade da ampliao da infraestrutura173 bsica, sobretudo rodovias e
energia eltrica. O aumento da malha viria174 integrou o porto de Paranagu e a capital ao
Norte e, medida que Curitiba tornou-se centro industrial de certa importncia no Sul do pas,
estreitaram-se seus laos econmicos com as diversas regies do estado e com So Paulo. Naquele
momento, sua populao havia atingido os 4.200.000 habitantes, o que representava uma marca
verdadeiramente inusitada175 de 102% em seu crescimento.
Ao lado da diversificao da agricultura176, o Censo Industrial de 1960 mostrou um Paran
que apresentava trs regies industriais: a do norte; o madeireiro, a oeste; e a do sul, centrada
basicamente em Curitiba. No transcorrer daquela dcada, embora a capital continuasse a ser a
regio mais desenvolvida industrialmente, houve uma significativa incrementao desse setor na
regio Norte. O fenmeno era reflexo dos problemas da superproduo177 e das geadas negras178
que reduziram significativamente a cultura do caf, trazendo novas formas de explorao agrcola
e industrial regio. De qualquer forma, o auge do ouro verde fora decorrncia de uma mudana
conjuntural da economia agroexportadora que teve uma trajetria breve, apesar de deixar marcas
indelveis naquela sociedade fronteiria179.
Com o declnio da cafeicultura, dentre os produtos agrcolas como o trigo, o milho, o feijo,
o amendoim, e a criao de sunos que compunham a base da economia paranaense, a cultura
da soja foi a que se imps aos mais importantes proprietrios rurais, pelo seu valor no mercado
exportador e pelo seu grande efeito na indstria e na urbanizao180. O apogeu da soja no
eliminou, porm, a necessidade de aumentar as possibilidades do estado no setor industrial,
o que foi implementado em 1972, com a criao da cidade industrial de Curitiba, (a CIC), em
Araucria, municpio vizinho da capital, com vistas ampliao de bens de consumo181 durveis
e bens de capital. Duas dcadas depois, outra investida do governo na rea industrial projetou a
instalao de um polo automotivo182 no estado pela atrao de montadoras, algumas das quais se
fixaram nos arredores de Curitiba.
Justamente no momento em que o Paran comeava a se afirmar como polo industrial no cenrio
nacional, em nvel internacional surgiam alertas quanto ao uso desordenado dos produtos qumicos
sobre a sade das pessoas e a reproduo de animais. E, mais que isso, sobre os perigos trazidos pela
poluio hdrica e atmosfrica e pelo desmatamento resultante das estratgias de ocupao da terra. A
Primeira Conferncia das Naes Unidas Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em 1972

677

na Sucia, divulgou outra corrente de pensamento que veio substituir o conservacionismo at ento
pioneiro: o ambientalismo, cuja proposta seria adotarem-se polticas dirigidas utilizao dos recursos
naturais e ao controle de processos poluitivos, visando conciliar meio ambiente e desenvolvimento
econmico. Novos conceitos como ecologia e ecossistema comearam a ser conhecidos, sobretudo,
no que se referia ao planejamento urbano a ecologia urbana definida como um sistema que
englobava as condies naturais e socioeconmicas que agiam sobre os organismos vivos, as
atividades humanas e o meio fsico.
No Brasil, desde o final da dcada de 1960 o governo militar, no poder desde 1964, tomou
algumas medidas para atender s mais recentes abordagens relativas ao meio ambiente: um novo
Cdigo Florestal (1967) e a criao da SEMA (Secretaria Especial do Meio Ambiente, 1975);
das CETESB (Centro Tecnolgico de Saneamento Bsico, 1968), em So Paulo, e da SUREHMA
(Superintendncia dos Recursos Hdricos, 1978), no Paran. Por outro lado, a devastao e
poluio criadas pela atuao do Prolcool e a ocorrncia de diversos desastres ambientais
contriburam para o surgimento de uma conscincia ambientalista no pas, merc das presses
internacionais. Para as aglomeraes urbanas, o movimento ambientalista gerou polticas como os
Planos de Desenvolvimento Integrado que buscavam, entretanto, aplicar modelos exgenos183 sem
preocupao com as condies locais. (TRINDADE; OLIVEIRA; SANTOS. 1997)
No Paran, a fora da influncia econmica e cultural emanadas da capital e das regies
circunvizinhas184 permaneceu, no entanto, como um dos fatores que deram continuidade s
diferenas culturais que, no incio dos anos 1970, ainda marcavam o seu cenrio. E, mesmo
que as diversas ondas de povoamento houvessem introduzido a integrao de todo o territrio
e propiciado xitos no campo econmico e poltico; ou que se tenha formado um determinado
tipo de sociedade e oportunizada a fundao de muitas cidades, a metropolizao185 de vrias
regies do estado trouxe novos desafios em reas como meio ambiente186, sade, educao e
segurana pblica.
A resposta a esses desafios deu-se exemplarmente na capital pela introduo do Plano
Diretor de Curitiba, seguido de projetos de ordem social e ambiental que reuniram aes
prticas, legislao e conscientizao popular que tornaram realidade a sua implantao. Como
resultado, a cidade passou a ser vista internacionalmente como a Capital Ecolgica e sediou,
em 1992, o Frum Mundial das Cidades. Por outro lado, a integrao completa do estado e a
aplicao das polticas ambientais em todo o seu territrio ainda no haviam acontecido at o
final do segundo milnio.
Esse foi tambm o perodo em que a comunidade mundial chegou concluso de que as mais
consistentes polticas ambientais no seriam suficientes para garantir a sobrevivncia da espcie

678

humana no planeta. Um novo desafio que se colocava em vista da necessidade, sempre presente,
de se conciliar meio ambiente e crescimento econmico, j que a percepo da possibilidade de
esgotamento das reservas naturais e hdricas187 tornava premente a organizao de um movimento
em favor da consolidao de medidas de carter geral. Assim, na dcada de 1980, a ONU props
uma srie de restries expanso dos diversos pases, mediante o relatrio Brundtland que forjou
o princpio de desenvolvimento sustentvel, entendido como a inter-relao harmnica entre
economia e meio ambiente. Conceito aprofundado na ECO 92, no Rio de Janeiro, que props o
estabelecimento de compromissos de responsabilidade social a todos os pases participantes.
O novo milnio concretizou uma inquietao ainda maior quando se verificou que medidas
paliativas no solucionariam as probabilidades de desastres ecolgicos de cunho universal. De
desenvolvimento sustentvel passou-se, por conseguinte, ao conceito de sustentabilidade,
entendido como um modelo de espectro amplo e equilibrado, destinado no s preservao das
necessidades das geraes atuais, como s de sua descendncia. Dentre as deficincias a serem
eliminadas estariam a desigualdade poltica, econmica, social e cultural; o descaso com a sade;
a desinformao; e a pobreza extrema.
O Brasil acompanhou a passos relativamente lentos essa trajetria, com polticas voltadas,
na dcada de 1980 aps a redemocratizao do pas, minimizao do impacto ambiental
das obras pblicas e privadas sobre o espao natural, caso da criao do CONAMA (Conselho
Nacional de Meio Ambiente) e do artigo 225 da Constituio de 1988, que preconiza o direito
de cada cidado a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Tais propostas abrangiam
o mbito nacional com nfase nas grandes, mdias e pequenas cidades, mediante a ao das
diversas esferas do governo, considerando-se especificidades regionais que, por vezes, estariam
presentes dentro de um mesmo espao territorial caso do Paran. (TRINDADE; OLIVEIRA;
SANTOS. 1997)
Com efeito, nas ltimas dcadas do sculo XX, persistiram, como persistem ainda, as
diferenas que sempre marcaram o velho e o novo Paran. Em consequncia, no raiar do sculo
XXI o estado contempla ainda as marcas desse passado, em suas diferentes culturas regionais. Elas
refletem a interao de momentos diversos e de contingentes populacionais de origens plurais. O
litoral, os trs planaltos, os nortes, Velho e Novo, o oeste e o sudoeste, as faixas de fronteira, o mate,
o caf, os novos produtos agrcolas e as novas indstrias, esto a delineados no solo paranaense.
Toda essa diversidade tem sido levada em considerao pelos governos estaduais das ltimas
dcadas, quando se procurou conciliar polticas pblicas de desenvolvimento e sustentabilidade,
com aes voltadas no s recuperao das coberturas vegetais, como tambm preservao

679

da biodiversidade188 e o gerenciamento de recursos hdricos e slidos. Para isso, foram adotados


uma filosofia de descentralizao e monitoramento administrativos e um programa de educao
ambiental estendido a toda a populao, com vistas sua mobilizao, apoiados no trip sugerido
por Rogers (2001): participao, educao e inovao. S assim, a cidadania poderia ser exercida
por todos, ao sentirem envolvidos nas tomadas de deciso sobre o seu ambiente e seu porvir.
Tal o resultado atual de tudo o que foi gestado no decorrer da trajetria histrica do Paran,
conforme o modelo de ocupao espacial que o marcou, tornando-o nico no conjunto da nao.
Todas as iniciativas que minimamente preocuparam-se com a manuteno de sua integridade
atravs dos tempos contam a histria de uma unidade territorial, independente h pouco mais de
150 anos, que traz consigo os problemas e as esperanas das contnuas mudanas que a histria
da sobrevivncia da espcie humana na terra apresenta.
REFERNCIAS
FONTES
LBUM DO CENTENRIO DO PARAN. 1853-1953. Edio especial da revista A Divulgao.
LBUM DO PARAN. 1853-1953. Curitiba: Velox Propagadora, 1953.
ALMANACH DO PARAN e ALMANACH PARANAENSE (1896-1929)
ALMANACH DOS MUNICPIOS (1918)
ATAS DA CMARA DA VILA DE CASTRO.
ATAS DA CMARA DA VILA DE CURITIBA.
ATAS DA CMARA DA VILA DE PARANAGU.
AVE-LALLEMANT, R. 1958. Viagem pelo Paran. Curitiba: Fundao Cultural, 1995.
BIGG-WITHER, Thomas. Novo caminho no Brasil Meridional: a Provncia do Paran. Rio de Janeiro/
Curitiba: Jos Olympio/UFPR, 1974.
BOLETIM DO ARCHIVO PUBLICO MUNICIPAL DE CURITIBA. Curitiba: Livraria Mundial, 1924.
Documentos avulsos de interesse para a histria e costumes de So Paulo. So Paulo: Departamento do Arquivo
do Estado de So Paulo/Secretaria da Educao/Grfica Joo Bentivegna. 1952.
Documentos inditos. Pastorais da Parquia de Nossa Senhora do Pilar da Graciosa 1752-1791. Arquivo do
Museu Paranaense.
Jornais: Dirio da Tarde (1899-1930); Gazeta do Povo (1919); A Repblica (1889-1930).
MONTEIRO, Tobias. De Rio de Janeiro au Parana Voyage au sud du Brsil. Rio de Janeiro: Imp. Luiz
Bedeschi, 1903.

680

MONUMENTA. Posturas Municipais. Paran, 1829 A 1895 (PEREIRA, M. R. M. P, Org.). Curitiba: Aos
Quatro Ventos, 2003.
MONUMENTA. Provimentos do Ouvidor Pardinho para Curitiba e Paranagu: 1721; 43 (PEREIRA,
M. R. M. P, Org.). Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2000.
1 CANTENRIO DA EMANCIPAO POLTICA DO PARAN. Porto Alegre: Livraria do Globo S.A., 1953.
RELATRIOS DE PRESIDENTES DE PROVNCIA. (1854-1889).
RELATRIOS DOS PRESIDENTES DE ESTADO. (1890-1930).
Revista: O Olho da Rua
REVISTA DO CRCULO DE ESTUDOS BANDEIRANTES. Tomo III. N. 1, maio de 1956.
VICTOR, Nestor. A terra do futuro. Impresses do Paran. Curitiba: Prefeitura Municipal de Curitiba, 1996.
VIEIRA DOS SANTOS, Antonio. Memria histrica da cidade de Paranagu e seu municpio. 1850. 2
v. Curitiba: Museu Paranaense, 1951.

BIBLIOGRAFIA
ANDREAZZA, M. L. Paraso das delcias: um estudo da imigrao ucraniana. 1895-1995. Curitiba: Aos
Quatro Ventos, 1999.
ANDREAZZA, M. L.; NADALIN, S.O. O cenrio da colonizao no Brasil Meridional e a famlia
imigrante. REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS DE POPULAO. So Paulo, v. 11, n.1, jan/jun. 1994.
ALMEIDA, R. H. O diretrio dos ndios: Um projeto de civilizao no Brasil do sculo XVIII. Braslia: UNB,
1997.
ARAJO, S.M.P. e CARDOSO, A.M.L. Italianos no Brasil ou a ptria recriada. In: A presena italiana no
Brasil. Porto Alegre: EST, 1987.
BALHANA, A.P.; MACHADO, B.P.; WESTPHALEN, C.M. Histria do Paran. Curitiba: GRAFIPAR,
1969.
BALHANA, A. P. Africanos na formao da populao paranaense. IN: DICIONRIO HISTRICOBIOGRFICO DO ESTADO DO PARAN. Curitiba: Editora Livraria do Chain/BANESTADO, 1991.
BENATTI, A.P. O centro e as margens: Prostituio e vida bomia em Londrina (1930-1960). Curitiba: Aos
Quatro Ventos, 1999.
BERBERI, E. Impresses: a modernidade atravs das crnicas de revistas no incio do sculo em Curitiba.
Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998.
BOLETIM DO DEPARTAMENTO DE HISTRIA. Srie Monografias. Curitiba, Imprensa Universitria, 1989.
BROWN, L. Plantaes, pastos e portos: a economia colonial. IN: AZEVEDO, F. L. N.; MONTEIRO, J. M.
(Orgs.). Razes da Amrica Latina. Rio de Janeiro: Expresso e Cultura/So Paulo: EDUSP, 1996.
BOXER, C. R. O imprio colonial portugus; 1415-1825. Lisboa: Edies 70, 1981.

681

BURMESTER, A. M. de O.; De Boni, M. I. M.; SCHAAF, M. B. A populao de Curitiba no sculo XVIII.


HISTRIA: QUESTES & DEBATES. Curitiba, v. 8, (14/15): 117-127. jul-dez. 1987.
CARNEIRO, D. Fasmas estruturais da economia do Paran. Curitiba: Faculdade de Cincias Econmicas,
n/d.
CINCOENTENARIO DA ESTRADA DE FERRO DO PARAN. 1885-1935. Publicao comemorativa da
Rde de Viao Paran-Santa Catarina.
CESRIO, A.C. Norte Novo a expanso da fronteira e seu contedo simblico. IN: PAZ, F.M. (Org.). Cenrios
de economia e poltica: Paran. Curitiba: Prephacio, 1991.
CHMYZ, I.; RODRIGUES, A.; WESTPHALEN, C.M. Curitiba: origens, fundao e nome. Boletim Informativo
da Casa Romrio Martins. Curitiba: Fundao Cultural de Curitiba, v. 21, n. 105, jun. 1995.
DE BONI. M.I.M. O espetculo visto do alto; vigilncia e punio em Curitiba. Curitiba: Aos Quatro Ventos,
1998.
DICIONRIO HISTRICO-BIOGRFICO DO ESTADO DO PARAN. Curitiba: Editora do Chain, 1991.
GUMUCHDJIAN, P.; ROGERS, R. Cidades para um pequeno planeta. So Paulo: Ed. Gustavo Gili,
2001
IPARDES Fundao dison Vieira. O Paran reinventado: poltica e governo. Curitiba, 1989.
KAZAZIAN, T.Haver a Idade das Coisas Leves Design e Desenvolvimento Sustentvel.So Paulo:
Ed. SENAC, 2005.
LAMB, R. E. Uma jornada civilizadora: imigrao, conflito social e segurana pblica na Provncia do
Paran 1867-1882. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1998.
LEANDRO, J. A. Palco e Tela em Castro; teatro cinema e modernidade. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1999.
p. 30.
LINHARES, M.Y. (Org.). Histria Geral do Brasil. (da colonizao portuguesa modernizao autoritria).
Rio de Janeiro: Campus, 1990.
MACHADO, C.S. De uma famlia imigrante: sociabilidades e laos de parentesco. Curitiba: Aos Quatro
Ventos, 1998.
MAGALHES FILHO, F. Evoluo histrica da economia paranaense. In: REVISTA PARANAENSE DE
DESENVOLVIMENTO, 28. Curitiba: BADEP, jan/fev. 1972.
MARTINS, R. Terra e gente do Paran. Coleo Farol do Saber. Curitiba: Fundao Cultural de Curitiba, 1995.
_____. Histria do Paran. Coleo Farol do Saber. Curitiba: Fundao Cultural de Curtiba, 1995.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessrios educao do futuro. 12 ed. So Paulo: Cortez; Braslia,
DF: UNESCO, 2007.
NICHOLLS, W.H. A fronteira agrcola na histria recente do Brasil: o Estado do Paran, 1920-65. In:
REVISTA PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO, 26: 19-53. Curitiba: BADEP, set/out. 1971.
PEREIRA, M. R. M. P.; SANTOS, A C. A. 300 Anos: Cmara Municipal de Curitiba: 1693-1993.
Curitiba: Cmara Municipal, 1993

682

_____. O poder local e a cidade. A Cmara Municipal de Curitiba. sculo XVII a XX. Curitiba: Aos Quatro
Ventos, 2000.
PEREIRA, M. R. M. P.; Da civilidade urbana: a morigerao dos costumes no Paran do sculo XIX. IN:
HUMANAS, Curitiba, Editora da UFPR.
_____. Semeando irar rumo ao progresso. Curitiba: Editora da UFPR, 1997.
ROGERS, R.; GUMUCHDJIAN, P. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona: Ed. Gustavo Gili, 2001.
SANTOS, Antonio C. Memrias e cidade. Depoimentos e transformao urbana de Curitiba. (1930-1990).
Curitiba: Aos Quatro Ventos, 1997.
SIQUEIRA, M. D. et al. Um sculo de eletricidade no Paran. Curitiba: Copel, 1994.
SOUZA, Laura de. O diabo e a terra de santa cruz: feitiaria e religiosidade popular no Brasil colonial. So
Paulo: Companhia das Letras, 1986.
TRINDADE, E.M.C.; ANDREAZZA, M. L. Cultura e educao no Paran. Curitiba: SEED, 2001.
TRINDADE, E.M.C.; OLIVEIRA, D.; SANTOS, A.C.A. Cidade, homem e natureza: uma histria das
polticas ambientais de Curitiba. Curitiba: Unilivre, 1997.
TRINDADE, E.M.C. Clotildes ou Marias. Mulheres de Curitiba na Primeira Repblica. Curitiba: Fundao
Cultural, 1996.
VAINFAS, Ronaldo. Trpico dos pecados: moral, sexualidade e inquisio no Brasil. Rio de Janeiro: Campus,
1989.
VIANNA, Oliveira. Populaes Meridionais do Brasil. 2 v. Belo Horizonte/Rio de Janeiro: Editora Itatiaia/
EDUFF., 1987.
WEHLING, A.; WEHLING, M.J.C. Formao do Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1994.
WACHOWICZ, R.C. Paran, Sudoeste: ocupao e colonizao. Curitiba: Ltero-Tcnica, 1985.
WESTPHALEN, C.M. Os comerciantes paranaenses na conjuntura ervateira. In: BOLETIM DO
DEPARTAMENTO DE HISTRIA. Curitiba, Universidade Federal do Paran, n.21,1974.
WILLEMS, E. A aculturao dos alemes no Brasil. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Sustentabilidade A capacidade de o ser humano interagir com o mundo preservando o meio ambiente
para no comprometer os recursos naturais das geraes futuras.

Anacrnico Que est em desacordo com os usos e costumes de uma poca.

Ambientalista Movimento social que tem na defesa do meio ambiente sua principal preocupao.

De primeira hora Pioneiros.

Metrpole Nao, considerada relativamente aos pases/colnias que dela dependem.

683

Ecossistema Conjunto formado por todas as comunidades que vivem e interagem em determinada regio.

Conjuntura Encontro de determinadas circunstncias que se considera como o ponto de partida de uma
evoluo.

Citadina Pessoa que habita uma cidade.

Poluio A introduo pelo homem, direta ou indiretamente de substncias ou energia no ambiente,


provocando um efeito negativo no seu equilbrio.

10 Desmatamento Desaparecimento de massas florestais, fundamentalmente causada pela atividade humana.


11 Maiores detalhes sobre informaes contidas no presente texto encontram-se em: TRINDADE, E.M.C.;
ANDREAZZA, M. L. Cultura e educao no Paran. Curitiba: SEED, 2001.
12 Nmade Indivduo ou povo sem moradia fixa que se desloca constantemente em busca de alimentos e
pastagens.
13 Artefato Qualquer objeto feito ou modificado pelo homem.
14 Slex Mineral duro e cortante, formado por carapaas de organismos marinhos.
15 Arenito Rocha constituda por gros de dimenso da areia.
16 Quartzo Mineral duro de estrutura semelhante ao cristal.
17 Antropomorfo Que tem ou representa a forma humana.
18 Lascamento Ato de partir em pedaos finos e longos.
19 Ltico Relativo pedra.
20 Roado de subsistncia Terreno onde se roou ou queimou o mato para cultivar alimentos indispensveis
manuteno da vida.
21 Simbiose Associao e entendimento ntimo entre pessoas.
22 Gentio Pessoa que no professa o cristianismo.
23 Aldeado Dividido em aldeias; confinado em aldeias.
24 Reduo Aldeamento autosuficiente, onde os indgenas eram agrupados e submetidos a vrios tipos de
trabalho, sob o controle dos padres jesutas.
25 Coivara Ramagens no atingidas pelas queimadas que so transformadas em cinzas para adubar a terra.
26 Sertanista Pessoa que se embrenhava no serto em busca de riquezas; bandeirante.
27 Lusitano, luso Da Lusitnia; relativo a Portugal.
28 Metrpole Nao que exerce domnio sobre uma ou vrias colnias.
29 Miscigenao Cruzamento entre indivduos de raas diferentes; mestiagem.
30 Mameluco Mestio de ndio com branco.
31 Hibridismo cultural Cruzamento entre culturas diversas.
32 Autctone Natural da regio em que vive; nativo.

684

33 Caipira Habitante da rea rural, de modos considerados grosseiros.


34 Hegemonia Supremacia; superioridade.
35 Itinerante Em constante deslocamento.
36 Arma de manejo Arma manual.
37 Coroa Poder ou dignidade real.
38 Achamento Achado.
39 Intendncia rgo da administrao colonial encarregado de servios administrativos, judicirios e
fiscais, alm de orientao e fomento da produo, particularmente nas zonas de minerao.
40 Provedoria Instituio de origem portuguesa, encarregada dos servios fiscais e tributrios.
41 Capito povoador Denominao dada, no perodo colonial brasileiro, pessoa encarregada da organizao
ou criao de povoaes e da manuteno da ordem nas mesmas.
42 Capito-mor Autoridade com amplos poderes civis e, sobretudo, militares em uma capitania.
43 Lugar-tenente Pessoa que exerce temporariamente a funo de outra. No Imprio portugus, representante
de vrias autoridades em questes jurdicas e militares.
44 Ouvidor Funcionrio da administrao colonial, muitas vezes ligado diretamente Metrpole, encarregado
de dar instrues sobre o correto funcionamento das instituies municipais, das funes religiosas e da justia.
45 Arraial aurfero Povoao de carter temporrio, geralmente formada em funo de atividades extrativas,
como a busca de metais preciosos ou minrios.
46 Institucionalizao Ato de dar o carter de uma instituio.
47 Freguesia Unidade administrativa de carter eclesistico.
48 Dzimo Imposto que consiste na dcima parte das rendas.
49 Desobriga Quitao de uma dvida de carter material ou espiritual, como confisso e comunho anuais.
50 Regimentao Regulamentao.
51 Comarca Diviso administrativa que compreende um territrio e sua populao.
52 Beneficiamento Interveno que visa submeter um produto agrcola a processos que lhe do condies
de consumo.
53 Currais Lugares onde se junta e recolhe o gado.
54 Aguardente Bebida de elevado teor alcolico obtida por destilao de frutos, cereais, razes, sementes ou
tubrculos; tipo de cachaa.
55 Governana Governo.
56 Capitania Diviso administrativa do Brasil colonial.
57 Preservacionista uma corrente preocupada em manter os recursos naturais mediante o uso racional
e sistematizado.

685

58 Emprica Que se apoia exclusivamente na experincia e na observao, e no em uma teoria.


59 Gado vacum Gado constitudo de vacas, bois e novilhos.
60 Cavalgadura Animal que se pode cavalgar cavalo, mula ou asno.
61 Atividade criatria Criao de animais para fins de comercializao.
62 Invernada Pastagem rodeada de obstculos, naturais ou artificiais, onde se guardam cavalos, mulas e
bois, para repousar e recobrar as foras.
63 Doao o ato de dar um bem prprio a outra pessoa.
64 Benfeitorias Melhoramentos.
65 Lavradias Terras prprias para o plantio.
66 Tropeirismo Atividade de transporte, compra e venda de tropas de gado, mulas ou guas.
67 Sertes de Curitiba Amplo espao que compreendia a regio do planalto de Curitiba e dos Campos
Gerais, delimitado apenas por Sorocaba, ao norte, e Paranagu, a leste.
68 Parada Local rstico que abrigava os tropeiros e suas tropas; pouso.
69 Trago Ato de beber uma bebida alcolica.
70 Autnomo Que existe sem interveno de foras ou agentes externos.
71 Taipa de pilo Parede feita com uma argamassa de areia, argila e lascas de pedra, sustentada por uma
armao de madeira.
72 ndio administrado Amerndio subordinado tutela de um homem livre, encarregado de civiliz-lo por
um tempo determinado, porm prorrogvel.
73 Catre Leito tosco e pobre.
74 Absentesta Quem vive ou est comumente ausente.
75 Capataz Administrador de fazenda ou stio.
76 Faixa da marinha Litoral; beira-mar.
77 Predatria Atividade que conduz destruio.
78 Ordenar Organizar, colocar ordem.
79 Retificar Corrigir.
80 Arruamento Traado, demarcao e abertura de ruas.
81 Profano Que no sagrado; secular, leigo.
82 Alistamento Recrutamento para o servio militar.
83 Alvar Documento passado a favor de algum por autoridade judiciria ou administrativa, que contm
ordem ou autorizao para a prtica de determinado ato.
84 Secos e molhados Designao que separa os mantimentos slidos ou secos dos molhados, compostos por
substncias lquidas como vinho e azeite.

686

85 Serralheria Oficina onde se fabricam ou consertam objetos de ferro.


86 Corporao medieval Associao civil com autonomia para a organizao e execuo de determinados
ofcios.
87 Chifre Tipo de osso.
88 Chilenas Grandes esporas cujas rosetas s vezes tm mais de meio palmo de dimetro.
89 Pinguelim Chicote fino e comprido, usado para incitar os animais.
90 Tala Chicote feito de uma s tira de couro.
91 Cabedal O conjunto dos bens que formam o patrimnio de algum; riqueza, acervo.
92 Contingente Nmero de pessoas que executam determinadas tarefas.
93 Quilombos Comunidades autnomas de escravos fugitivos.
94 Manejo Manuseio.
95 Bomba Canudo de metal ou de madeira para tomar o chimarro e em cuja extremidade inferior h uma
espcie de ralo, destinado a evitar a passagem do p da erva; bombilha.
96 Cuia Recipiente, quase sempre prateado e lavrado, em que se prepara e se bebe o mate por meio de
uma bombilha.
97 Sassafrs Madeira levemente perfumada usada em marcenaria de luxo.
98 Surro Bolsa ou saco de couro.
99 Soque Lugar onde o mate socado ou pilado.
100 Engenheiro Proprietrio de engenho.
101 Trao hidrulica Ao que desloca um objeto mvel por meio da fora da gua.
102 Subsidirio Elemento que refora outro, de maior importncia.
103 Vveres Gneros alimentcios; comestveis; mantimentos.
104 Fabril Relativo fbrica.
105 Laboral Relativo ao trabalho.
106 Lide Trabalho/ocupao.
107 Ldico Que tem o carter de jogo, brinquedo e divertimento.
108 Normatizado Cujas normas/regras foram estabelecidas.
109 Emancipao Ato pelo qual se adquire a liberdade ou a independncia poltico-administrativa.
110 Provncia Diviso administrativa que faz parte de um Estado.
111 Insalubridade Condio prejudicial sade ou ao bem-estar.
112 Morbidade Capacidade de produzir doenas.
113 Poltica imigratria Iniciativa legal mediante a qual se promove a entrada de estrangeiros em um pas.

687

114 Stio urbano Local em que a cidade se desenvolve, em contraposio a reas naturais ou rurais.
115 Densidade demogrfica Relao entre a superfcie e a quantidade de habitantes de uma regio, por
metros quadrados.
116 Populao nativa Habitantes naturais de um lugar.
117 Par e passo Algo que levado no mesmo passo.
118 Canchear Cortar ou picar o mate, reduzindo-o a pequenos pedaos.
119 Primeira necessidade O que absolutamente indispensvel.
120 Artesanal Arte ou tcnica de produzir objetos com trabalho manual.
121 Fundio Oficina em que se trabalha com metal fundido.
122 Estilo colonial Arquitetura da poca colonial que consistia em construes de pedra e cal, de taipa de
pilo ou de estuque, cobertas por telhas, com altura de 18 a 20 palmos.
123 Ecletismo Reunio de elementos de origens diversas que no chegam a uma unidade.
124 Profcua Proveitosa.
125 Artfice Operrio ou arteso que trabalha em determinado ofcio.
126 Insalubridade Estado de algo que no salubre/saudvel.
127 Sanitaria Relativa sade pblica; higinica.
128 Higienista Indivduo que possui conhecimentos e tcnicas para evitar doenas infecciosas usando
desinfeco, esterilizao e outros mtodos de limpeza com o objetivo de conservar e fortificar a sade.
129 Urbes Cidades.
130 Teraputica O tratamento de uma determinada doena pela medicina tradicional.
131 Agropecurio Setor que estabelece as relaes entre agricultura e pecuria.
132 Aperfeioamento tecnolgico Aplicao de princpios, sobretudo cientficos, a um determinado ramo
de atividade.
133 Organizao social do trabalho Sistema pelo qual as formas teis de trabalho so distribudas e efetuadas.
134 Serraria Estabelecimento onde se cortam madeiras.
135 Incipiente Que est no comeo
136 Aflorar Esboar; delinear.
137 Russo branco Indivduo nascido na Bielo-Rssia ou Rssia Branca.
138 Encampar Tomar posse; apoderar-se.
139 Caboclo Mestio de branco com ndio.
140 Deflagrar Acontecer repentinamente; provocar.
141 Carril Trilho.

688

142 Municpio Circunscrio administrativa autnoma do estado, governada por um prefeito e uma cmara
de vereadores.
143 Epidemia Doena que surge rapidamente num lugar e acomete, ao mesmo tempo, grande nmero
de pessoas.
144 Endemia Doena que existe constantemente em determinado lugar e ataca nmero maior ou menor
de indivduos.
145 Higienizao Conjunto de medidas que visam tornar um local ou alguma coisa saudvel; tornar higinico.
146 Saneamento Conjunto de medidas que visam assegurar as condies sanitrias necessrias qualidade
de vida de uma populao, sobretudo por meio da canalizao e do tratamento dos esgotos.
147 Alteridade Reconhecimento recproco das diferenas culturais entre o eu e o tu.
148 Citadino Habitante da cidade.
149 Dejetos Fezes.
150 Informaes sobre ambientalismo, ecologia, sustentabilidade e polticas pblicas de preservao ambiental
tomaram como base: TRINDADE, E.M.C.; OLIVEIRA, D.; SANTOS, A.C.A. Cidade, homem e natureza:
uma histria das polticas ambientais de Curitiba. Curitiba: Unilivre, 1997.
151 Agroexportadora Setor agrcola destinado exportao.
152 Redemocratizao Ao que visa volta das instituies democrticas.
153 Aparelho do Estado Conjunto de rgos pblicos que asseguram ao governo o seu funcionamento.
154 Conjuntura Perodo de tempo de mdia durao, no qual possvel encontrar coerncia e periodicidade
nos movimentos histrico-econmicos e sociais.
155 Conservacionista Movimento poltico, social e cientfico que tem como objetivo a proteo dos recursos
naturais do planeta, incluindo espcies animais e vegetais, assim como os seus habitats para o futuro.
156 gide Proteo.
157 Desbravador Aquele que explora sertes; o primeiro que abre ou descobre caminho atravs de regio
mal conhecida; pioneiro.
158 Aporte de capitais Investimento financeirocom alguma finalidade.
159 Miragem Viso enganosa e fantstica.
160 Induzido Intencional.
161 Gesto Gerncia, administrao.
162 Loteamento Parcelamento da terra em lotes.
163 Nefastos Que acarretam a runa.
164 Mosaico cultural Conjunto heterogneo de prticas e vivncias diversas que convivem em um
determinado espao.
165 Influxo de capitais Afluncia, convergncia financeira.

689

166 Concessionria Empresa a que foram concedidos determinados direitos.


167 Oleaginoso Que contm leo ou da natureza do leo.
168 Posseiro O que est na posse, legal ou ilegalmente, de uma propriedade.
169 Torrefao Ato ou efeito de torrefazer os gros de caf.
170 Moagem Ato ou efeito de moer os gros de caf.
171 Agroindstria Indstria relacionada com a agricultura ou dependente dela.
172 Minifndio Pequena propriedade rural, voltada agricultura de subsistncia, com uso de tcnicas
rudimentares e baixa produtividade.
173 Infraestrutura Base material ou econmica de uma sociedade.
174 Malha viria Conjunto de estradas ou servios de transporte interconectados numa rea ou regio.
175 Inusitado Incomum; estranho.
176 Diversificao da agricultura Introduo de novas culturas agrcolas ou recriao das j existentes.
177 Superproduo Produo de mercadorias em quantidade superior s possibilidades de absoro do
mercado consumidor, nos preos em vigor.
178 Geada negra Depsito de gelo intenso sobre a vegetao, devido a baixas temperaturas em contato com
chuvas ou chuviscos.
179 Fronteirio Espao que fica na fronteira de dois ou mais territrios.
180 Urbanizao Concentrao cada vez mais densa de populao em aglomeraes de carter urbano.
181 Bens de consumo Conjunto de mercadorias destinadas a atender s necessidades econmicas das pessoas.
182 Plo automotivo Agrupamento de empresas destinadas a produzir meios de transporte.
183 Exgenos Por causas externas.
184 Circunvizinho Que est prximo ou em redor.
185 Metropolizao Crescimento de cidades com significativa influncia funcional, econmica e social sobre
cidades menores.
186 Meio ambiente Conjunto de interaes fsicas, qumicas e biolgicas que permitem, abrigam e regem a
vida em todas as suas formas.
187 Hdrico Que diz respeito gua.
188 Biodiversidade Diversidade das espcies vivas e suas caractersticas genticas.

690

HISTRIA DA FRICA ATLNTICA,


OS AFRICANOS E AFRODESCENDENTES NO BRASIL

Maria Cecilia Barreto Amorim Pilla


Wilson Maske

INTRODUO
A Lei Federal n. 10.639/2003 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional
(LDB Lei n. 9.394/96) e tornou obrigatrio o estudo sobre a cultura e Histria da frica,
dos africanos e afrodescendentes no Brasil nas instituies pblicas e privadas de ensino. O
principal intuito dessa Lei foi estabelecer formas de combater o racismo. Diante dessa tarefa,
os meios escolares foram tomados por muitas dvidas e inquietaes. O que sabemos sobre a
frica? O que sabemos sobre a histria do negro e dos afrodescendentes no Brasil? Por que
estudar tais temticas?
Pesquisadores e educadores passaram ento a pensar estratgias de estudos para que muitos
dos questionamentos sobre esses temas pudessem ser abordados e colocados em prtica. Este artigo
que ora apresentado representa uma partcula da busca em trazer ferramentas e suscitar novas
abordagens para o estudo da Histria da frica, dos africanos e dos afrodescendentes no Brasil,
especialmente em seus aspectos polticos, sociais e culturais. Nesse sentido tambm possvel
reconhecer essa temtica relacionada a outros temas emergentes no momento, principalmente
a sustentabilidade de maneira abrangente, ou seja, sustentabilidade social, econmica, cultural,
poltica, ambiental e espacial.

691

A sala de aula no pode ser o lugar no qual as desigualdades sociais e raciais sejam
perpetuadas. Os professores tm a responsabilidade de romper com os parmetros sociais
estabelecidos desde o perodo colonial e que podem ser sentidos ainda claramente no incio do
sculo XXI. Pois, as prticas de excluso, arraigadas na sociedade podem marcar a subjetividade
de alunos de diferentes estratos sociais. Alm disso, estas prticas podem ser reforadas em vrios
outros ambientes sociais, alm da prpria instituio escolar.
Cada dia os meios de comunicao, apresentam novos episdios sobre discriminao racial
que ocorrem no pas. A par disso, qualquer um de ns poderia relatar um evento que ocorreu
consigo ou que lhe fora relatado por outrem.
A prtica da discriminao racial faz parte do cotidiano e, muitas vezes, no ambiente
escolar que podemos verificar essas ocorrncias. De qualquer forma, a discriminao racial
decorrncia, como a maior parte dos preconceitos, de um ignorar e de uma falta de conhecimento
acerca das condies que fundamentam aquele encontro com o diferente e o desconhecido, que
muitas vezes o excludo como no caso do negro, da mulher, do homossexual, entre outros.
A escola em seu papel de formadora para a vivncia na sociedade e para a prtica plena
da cidadania poder ajudar na adoo de posturas polticas contra a discriminao das minorias
tnico-raciais e sociais, pois somente assim poder ser oferecida uma educao verdadeiramente
de qualidade para toda a sociedade brasileira.
A ideia de incluso, no Brasil, da Histria e da Cultura da frica, dos afrodescendentes e
africanos, no visa a uma substituio de uma viso eurocntrica por uma afrocntrica, mas sim
ampliar a base de conhecimentos, que permitam identificar e valorizar o papel que as minorias,
no caso a africana, tiveram na formao da sociedade brasileira. Somente assim o preconceito e a
discriminao histricas no Brasil podero ser superados.
A partir dessa premissa, escolheu-se estruturar este estudo da seguinte forma; num primeiro
momento, apresentar a legislao brasileira sobre o tema, abordando tambm sua urgncia e
necessidade de aplic-la; num segundo momento, partir para uma viagem ao grande continente
africano; e, por fim, chegar ao Brasil para conhecer um pouco mais sobre a chegada dos primeiros
africanos no nosso pas, e o regime de escravido a que foram submetidos.
A LEI N. 10.639/03: UM MARCO HISTRICO
A Lei n. 10.639/2003 alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9.394 / 1996), que
estabelece as diretrizes e bases da educao nacional, para incluir no currculo oficial da rede de

692

ensino a obrigatoriedade da temtica Histria e Cultura Afro-Brasileira e d outras providncias,


como incluir o dia 20 de novembro como Dia Nacional da Conscincia Negra; prev expressamente
no caput do artigo 26-A que Nos estabelecimentos de ensino fundamental e mdio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatrio o ensino sobre Histria e Cultura Afro-Brasileira. O pargrafo
primeiro afirma que: O contedo programtico a que se refere o caput deste artigo incluir o
estudo da Histria da frica e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira
e o negro na formao da sociedade nacional, resgatando a contribuio do povo negro nas reas
social, econmica e poltica, pertinentes Histria do Brasil. No segundo pargrafo consta que:
Os contedos referentes Histria e Cultura Afro-Brasileira sero ministrados no mbito de todo o
currculo escolar, em especial nas reas de Educao Artstica e de Literatura e Histria Brasileiras.
Na sequncia, a Lei n. 10.639/2003, por meio da Resoluo CNE/CP 1/2004, publicada
no Dirio Oficial em 22/06 do mesmo ano, foram institudas as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educao das Relaes tnico-raciais e para o ensino da Histria e Cultura Afro-Brasileira
e Africana. As Diretrizes devem ser desenvolvidas por instituies em todos os nveis de ensino,
tanto pblicas como privadas, tornando obrigatrio o ensino sobre a histria e cultura afrobrasileira e africana em todo o territrio nacional.
Visando ao cumprimento pleno do Art. 205 da Constituio Federal de 1988, que ressalta
o dever de o Estado garantir indistintamente, por meio da educao, iguais direitos para o
pleno desenvolvimento de todos e de cada um, como pessoa, cidado ou profissional, a Lei n.
10.639/2003 e as Diretrizes Nacionais sobre o tema, pretendem proporcionar meios para a
superao dos resultados histricos nefastos oriundos do regime escravista. Querem tambm essas
medidas que se concretizem aes para o combate ao racismo e a toda sorte de discriminaes.
importante frisar que a Lei n. 10.639/2003 e todos os instrumentos legais que a ela
se referem, reforam e proporcionam meios para o seu cumprimento, no tem somente o intuito
de combater a discriminao, mas, devem ser considerados tambm como medidas formais
afirmativas, no sentido de que reconhecem a escola como lugar da formao de cidados e,
afirmam a relevncia de a escola promover a necessria valorizao das matrizes culturais que
fizeram do Brasil o pas rico, mltiplo e plural que somos. (Plano Nacional de Implementao
das diretrizes curriculares nacionais para educao das relaes tnico-raciais e para o ensino da
histria e cultura afro-brasileira e africana. MEC 2009).
Cabe tambm destacar a Lei n. 11.645/2008 que, nesse contexto de viabilizaes para
a aplicabilidade da legislao, tornou obrigatrio o ensino da histria e cultura afro-brasileira e
africana em todas as escolas, pblicas e particulares, do Ensino Fundamental e Mdio.

693

UMA VIAGEM AO CONTINENTE AFRICANO


O Continente Africano, apesar de sua antiguidade de povoamento, e de ter sido base ou
parte de civilizaes antigas, como o Egito, Cartago ou Roma, um continente cuja histria
ainda demanda pesquisas bsicas, em especial na regio subsaariana. No entanto, h um avano
bastante considervel nos tempos atuais acerca da evoluo e da construo da trajetria histrica
do homem na frica.
Para tal, faz-se necessrio construir uma noo das condies geogrficas gerais do
Continente Africano, que o terceiro maior continente1, pois possui uma rea de cerca de 30
milhes de quilmetros quadrados, 20,3% da terra firme do planeta, e com populao de 1 bilho
de habitantes em 2005, alm de possuir 54 pases independentes.
A frica pode ser dividida de duas formas:
a) Critrio regional que divide a frica de acordo com as caractersticas regionais: frica
Setentrional, frica Ocidental, frica Oriental, frica Central e frica Meridional.
b) Critrios tnicos e culturais que divide a frica em frica Branca ou setentrional
(formada por oito pases da frica do Norte mais a Mauritnia e o Saara Ocidental); e a
frica Negra ou subsaariana, composta pelos outros 44 pases.

Fonte: www.informetop.com Acesso em: 28/02/2013

694

Os africanos que moram ao norte do Saara so predominantemente brancos, e os que vivem


no Sul so negros. Mas tanto ao Sul quanto ao Norte os povos so bastante diferentes entre si.
Segundo Costa e Silva (2008, p.16), uma amara da Etipia to distinto de um ambundo de
Angola, quanto, na Europa, um escandinavo de um andaluz. E um jalofo do Senegal diferente
de um xona de Zimbabu como um russo de um siciliano. E ainda na regio meridional africana
h os bosqumanos e os hotentotes, muito diferentes de outros africanos.
O maior pas da frica a Arglia e o menor Seichelles. As religies principais so: a
islmica, predominante da chamada frica Branca e nos pases da frica Subsaariana prximos
ao deserto do Saara; a crist, distribuda em grandes grupos esparsos por todo o continente ao
Sul do Saara; e o animismo, composto por religies politestas tradicionais espalhadas por todo
o continente.
Em termos lingusticos, a frica pode ser caracterizada por trs reas; aquelas onde
predomina o rabe; as regies onde predominam as lnguas africanas; e as regies nas quais
predominam as lnguas introduzidas pelos colonizadores europeus, como o ingls, o francs, o
portugus e o africner2.
Apesar de vrios conflitos polticos que assolaram e assolam o continente africano ao longo de
sua histria, atualmente grande parte de seus pases possui governos relativamente democrticos
com eleies regulares, ainda que muitas vezes haja suspeitas em relao sua idoneidade.
Os pases em sua maioria so repblicas presidencialistas, mas existem alguns que adotam o
parlamentarismo, assim como permanecem ainda algumas pequenas e poucas monarquias3.
Contudo, importante ressaltar que o processo de independncia dos pases africanos
aconteceu em grande parte a partir do final da Segunda Guerra Mundial, alguns territrios
ainda no alcanaram a independncia poltica, como as ilhas de Santa Helena, Ascenso e
Tristo da Cunha, que pertencem Gr-Bretanha; a ilha Bouvet que pertence Noruega e o
Saara Ocidental que foi ocupado irregularmente pelo Marrocos, o que atualmente contestado
pelas Naes Unidas.
A frica o segundo continente mais populoso, possui cerca de 800 milhes de habitantes;
63% de sua populao mora no meio rural, portanto um majoritariamente agrrio. No geral, seus
pases so considerados subdesenvolvidos, apresentando uma renda per capita de $850,00, e seu
PIB (Produto Interno Bruto) corresponde a apenas 1% do PIB mundial.
Alm da agricultura, vrios pases africanos destacam-se pela explorao de recursos
minerais como o ouro e diamante. Assolados tambm por grandes epidemias, dentre as quais a
mais preocupante tem sido a AIDS, os africanos passam por muitas dificuldades.

695

No entanto, preciso ressaltar que junto aos grandes desafios, a frica no uma s, e sua
diversidade justamente a sua riqueza. Riqueza, por exemplo, no que se refere s suas belssimas
paisagens naturais, a sua vasta e variada vida selvagem. Agraciada por grandes vales frteis e
desertos gigantes, possui cerca de 8% das reservas de petrleo e gs natural, com destaque para
o Congo. Grandes extenses de savanas, h regies com clima temperado e outras com clima de
calor mido e outras onde a umidade quase zero, caso do deserto do Saara.
Por todo lado, h a ao do homem africano sobre a natureza, h roas, h grandes cidades,
h plantaes e campos para pastoreio. A fauna riqussima, l existem os grandes felinos como
o leo, o leopardo, o guepardo. H tambm outros grandes animais como o elefante, a zebra, a
girafa, o bfalo. Aves como a cegonha, o flamingo, o pelicano e ao avestruz.
A frica, portanto, um pas fascinante, de extremos que nos instiga pesquisa.
OS AFRICANOS E A FRICA ATLNTICA
No possvel que se compreenda a empresa de colonizao e explorao das Amricas,
em especial daquelas regies onde predominou a agricultura tropical de exportao, sem se fazer
uma forte relao com as regies fornecedoras de mo de obra para este empreendimento e que
se localizavam nas costas atlnticas da frica.
Os principais empreendimentos colonizadores da Amrica, em especial o sul dos atuais
Estados Unidos, as Antilhas e o Brasil, foram regies onde predominou o elemento africano como
principal fora de trabalho.
Dessa forma, podemos apresentar uma questo instigante: de onde provinham esses africanos
que tomaram parte na colonizao do continente americano? Em geral, podemos considerar que
a maioria originria da costa atlntica africana, geograficamente localizada a partir da costa do
Senegal e se estendendo at o sudoeste da frica, mais definidamente, em Angola.
No caso brasileiro, houve uma concentrao, conforme nos explicam Francisco Luna e
Herbert Klein (2010, p. 169), de cerca de 70% provenientes da regio de Angola e do Congo,
cujo destino principal foram as provncias do Rio de Janeiro e de So Paulo, alm das provncias
produtoras de acar do Nordeste, em especial Pernambuco. Cerca de 18% eram originrios
do Golfo de Benim, cujo destino final foi principalmente a Bahia, mas outras provncias tambm
recebiam cativos desta origem.

696

Fonte: <http://hitchcock.itc.virginia.edu/Slavery/details.php?categoryn
um=1&theRecord=21&recordCount=30>. Acesso em: 28/02/2013

Minas Gerais foi um caso especial. Como a provncia no dispunha de portos martimos,
acabou recebendo africanos de vrias outras provncias, o que fez com que em Minas Gerais
houvesse um equilbrio na origem dos cativos, o que no ocorria em outras regies.
Mas a origem dos africanos que foram estabelecidos no Brasil no se restringe a Angola
e Benim. Outras regies que tambm forneceram cativos foram Moambique, Golfo de Biafra,
Senegmbia, entre outras.
Isso, no entanto, no significa que houvesse uma preferncia dos proprietrios e comerciantes
por essa ou aquela etnia, pois no lhes cabia tal escolha.

697

A regio entre a Senegmbia e Angola, de acordo com Priore e Venncio (2002, p. 2), se
caracterizava por uma intensa natureza hostil, que apresentava uma grande variedade de obstculos
sobrevivncia humana. A crescente desertificao da regio do Saara, o desflorestamento de
reas ao sul do deserto levou a uma ocupao dispersa, mas no sem planejamento. Tambm
doenas endmicas atingiam pessoas e animais, como as temveis moscas ts-ts, portadoras da
tripanossomase. A malria apresentava-se com frequncia, assim como uma forma benigna da
varola e tambm doenas deformativas, como indicam achados de cultura material, impressos em
esculturas de terracota, feitas pelos iorubs. Tambm doenas causadas pelo consumo de gua
imprpria, ou sofrimentos descritos pelos portadores do chamado Verme da Guin. Associado
a todos esses flagelos, soma-se a fome, que torna todas as enfermidades ainda mais devastadoras.
Ainda essa, a fome, promovia uma completa desestruturao social, como exemplifica
Priore e Venncio: elas empurravam os grupos a trocar crianas por comida, famlias a vender
seus filhos e dependentes por um alqueire de sorgo ou milhete, e a homens e mulheres a se
deixar escravizar para no morrer de inanio (2004, p. 9). Todavia algumas regies, em alguns
perodos, eram poupadas desses flagelos, como foi o caso da bacia do Lago Chade, no sculo XVI.
H de se destacar que os flagelos climticos e as hecatombes da natureza tambm tinham o efeito
de promoverem mudanas radicais na sociedade, tais como a converso ao Isl ou a venda de si
mesmo para a escravido, com o objetivo de fugir do canibalismo e da morte. Podemos ressaltar
o quanto isso influenciou a forma de organizao familiar, visto que diante desse desafio de
sobrevivncia, os filhos acabaram por ser o maior bem que algum poderia ter, pois, esperava-se
que os filhos cuidassem dos pais na velhice e assegurassem a segurana da famlia. A mortalidade
era to alta na Costa do Marfim, conforme Priore e Venncio, que era preciso que uma criana
fosse a quarta da mesma me a morrer para ter direito a funerais (2004, p. 13). Esses evento
tambm teve como consequncia a promoo da prtica poligmica, pois, com vistas a valorizar
o aleitamento materno, na maioria das vezes o nico alimento da criana, as mulheres passaram
a amamentar seus filhos at os quatro anos de idade. Com o tabu que proibia a prtica sexual
durante o aleitamento, a poligamia se instalou como prtica aceitvel.
Em tal diversidade de cenrio, ante os grandes desafios para a sobrevivncia, h de se
abordar a questo do trabalho. De maneira geral, a organizao social africana girava em torno
de uma casa grande, dirigida por um chefe cercado de suas vrias esposas, filhos, irmos e outros
dependentes. Os agrupamentos desse tipo de famlia formavam as aldeias. Muitas delas tinham
como atividade principal o comrcio ambulante. Havia tambm uma modalidade de agricultura
extensiva, cultivando produtos diversos para garantir a subsistncia do grupo. Ao contrrio do

698

Ocidente, cujo direito propriedade chegou a se constituir como clusula ptrea, na frica, em
geral, com a terra abundante, mas em grades extenses pouco frtil, a propriedade privada no
era considerada como um bem maior. Em grande medida a riqueza dos reinos se dava por meio
de um sistema de taxas, extrao e guerra. Esta ltima, principal fonte de riqueza, pois a guerra
de conquista poderia resultar no acesso de bens materiais e fonte de mo de obra, visto que, como
j falamos, a taxa de mortalidade era muito alta e o escasso o nmero de trabalhadores, associada
a uma baixa taxa de mortalidade.
Neste ponto tocamos num tema delicado e polmico e em relao existncia da escravido
entre os africanos antes da chegada dos europeus. No entanto, essa escravido no se dava
da mesma forma entre todos os povos africanos, da mesma forma que no era semelhante
escravido praticada pelo capitalismo europeu nos seus empreendimentos coloniais na Amrica.
Segundo Priore e Venncio (2004, p. 36), na antiga frica atlntica, a escravido era domstica,
porm que depois da chegada dos europeus essa escravido se tornou comercial. Nesse sentido,
devemos destacar que houve uma conveniente adeso a uma prtica anterior convertendo-a em
modelo fornecedor eficiente de peas para a engrenagem do trfico internacional atlntico de
escravos que perdurou at meados do sculo XIX.
Conforme Luna e Klein (2010, p.16), muitos africanos foram enviados para sia, Europa
e Oriente Mdio como escravos, muito antes da chegada dos europeus. No entanto, no devemos
confundir os motivos e as formas dessa migrao forada com os milhes de escravos enviados
para as Amricas desde o sculo XVI at o XIX. At porque havia uma preferncia, no trfico
pr-colonizao, por mulheres e crianas, ao contrrio do trfico atlntico, que dava preferncia
para homens adultos.
Antes do descobrimento da Amrica, o principal intuito dos exploradores portugueses na
frica no era especificamente o comrcio de escravos ou produtos para o mercado europeu.
Seu objetivo principal em relao frica era a busca de ouro e outros metais preciosos. Mas
o comrcio de escravos no foi desprezado, pois poderia atender a uma demanda europeia por
escravos domsticos. Sabe-se que em algumas cidades portuguesas no final da Idade Mdia, os
escravos domsticos de origem africana chegaram a compor de 10% a 15% da populao local.
Tambm no prprio mercado africano os portugueses chegaram a fornecer escravos, levando
cativos de uma regio a outra, dentro da frica.
Somente em fins do sculo XV que o interesse por esses cativos foi renovado, pois agora
havia uma nova demanda, fomentada pela introduo do plantio da cana nas ilhas do leste do
Atlntico, como os Aores e a ilha da Madeira. Nelas, introduziu-se o sistema de agricultura

699

plantation4, e que associou a cultura da cana com a escravido africana e que posteriormente
seria adotada nas regies de agricultura tropical nas Amricas (sul dos Estados Unidos, Antilhas
e Brasil).
O processo de adoo da escravido africana no Brasil est firmemente ancorado na
economia de cultivos tropicais, em especial a cana, mas tambm do tabaco e do algodo, adotados
no Nordeste do Brasil, nas primeiras dcadas aps o descobrimento. Ainda que a escravido do
indgena tenha sido tentada e que tenha permanecido por mais tempo, em especial em regies
mais pobres do Brasil da poca, como So Paulo e Sul do Brasil, a escravido africana foi o
modelo de trabalho consolidado no perodo colonial e no Imprio.
Mas alm dessa viso puramente econmica, o trfico de escravos do Atlntico manteve
o Brasil fortemente conectado frica at muito depois da prpria independncia, pois o pas
continuou a receber grandes contingentes populacionais que ajudaram a formar o que seria depois
o povo brasileiro.
Existem, segundo Luna e Klein (2010, p. 39), muitos motivos para o xito da importao de
escravos africanos no Brasil. No perodo de 1570-1620, quando ocorreu o abandono da mo de
obra indgena e a transio para a mo de obra africana, os cativos trabalhavam mais nas funes
especializadas nos engenhos, como no beneficiamento do produto e menos no cultivo da cana.
Isso se deve ao fato de que muitos escravos eram provenientes da frica Ocidental, regio onde
j haviam sido desenvolvidas tcnicas avanadas de agricultura e metalurgia do ferro, o que os
tornava mais qualificados profissionalmente em comparao com os indgenas brasileiros.
No que concerne s doenas, os africanos eram originrios de ambientes nos quais as
doenas que tambm afligiam os europeus eram conhecidas e endmicas. Isso resultou em ondas
epidmicas que foram fatais para os ndios, mas no para europeus e africanos, mais acostumados
com os agentes patognicos delas causantes.
Assim, em termos de qualificao, sade e experincia em trabalho agrcola mais elaborado,
os africanos eram considerados superiores aos escravos indgenas. Disso resultou o fato de que um
escravo africano era trs vezes mais caro do que um indgena. E de acordo com o crescimento e a
consolidao da economia aucareira, emergiu um maior capital que possibilitou um incremento
no comrcio de escravos.
Quando os traficantes portugueses chegavam frica para fazer comrcio, eram recebidos
por soberanos que possuam uma corte regida por uma severa etiqueta, esses reis no tinham a
menor dvida de sua importncia e de sua igualdade em relao aos reinos europeus, como diz
Cmara Cascudo (1983, p.185), ombro a ombro, como quem se considerava, no mnimo, primo
dEl-Rei de Portugal.

700

UM PASSADO, MUITAS HERANAS


A histria dos africanos no Brasil vem sendo construda desde as primeiras levas de escravos
negros que chegaram s nossas terras. Nesses quase quinhentos anos de sua presena, muitas
foram as contribuies que nos legaram.
Grupos oriundos da frica Atlntica dominavam as tcnicas de fundio de metal, os sossos
da Guin, por exemplo, sabiam operar um forno ou uma forja (COSTA E SILVA, 2012, p.19).
Desde pelo menos o ano 600 a.C., os africanos conheciam a metalurgia do ferro. Mas tinham uma
desvantagem, no tinham grandes fornos capazes de fazer grandes barras de ferro, por isso, na
forja, faziam enxadas e facas, mas no conseguiam fazer grandes espadas, capacetes ou couraas.
De acordo com Priore e Venncio (2004, p.97)), o trabalho com o ferro envolvia um saber que
beirava o campo da magia. Os ferreiros forneciam objetos indispensveis ao caador, ao guerreiro,
ao lavrador, ao feiticeiro. Nas regies onde predominavam os islmicos, como na Senegmbia,
os ferreiros eram temidos e viviam apartados, por vezes, at viviam at em vilarejos especiais. No bebiam
gua em poos comuns, no compartilhavam comida com qualquer pessoa, no tinham relaes sexuais fora
do grupo. No podiam pegar em armas, nem ser escravizados.

Aqueles que pertenciam s regies aurferas trouxeram consigo tcnicas da batera e da


escavao de minas. Alguns eram ourives em sua terra natal, e aqui introduziram modelos de
joias adaptadas aos novos materiais e pedrarias que ora encontravam e que faziam o gosto dos
brasileiros mais abastados.
Na frica tambm havia aqueles que criavam gado, solto no campo, e aqui o fizeram
de forma semelhante. Muito antes de o Brasil ser encontrado, o gado bovino estava espalhado
do Senegal at o finisterra negro. Mas a utilizao do gado naquelas terras era essencialmente
religiosa, sacrifcios, oblaes, ou utilizados como dote, presentes aos soberanos. O gado era fora
econmica muito mais no sentido de posse do que de consumo.
A caa para eles era um ofcio, mas tambm era divertimento, orgulho de dignidade. De
acordo com Cascudo (1983), Congo quer dizer caador. Caavam elefantes, bfalos, gazelas,
antlopes. Os elefantes eram considerados uma iguaria cobiada, a sua tromba era o bocado de
maior prestgio, o estufado de suas patas tambm era apreciado. Faziam assados com carneiros,
porcos (para aqueles que no eram islamizados), roedores, lagartas e at mesmo ces.
Mas no que diz respeito s prticas agrcolas, segundo Costa e Silva (2012), pouco
puderam contribuir, no porque no as dominassem, mas porque os portugueses no lhes
permitiram. Acostumados a plantar em pequenas roas, os africanos tiveram de se adaptar ao
grande latifndio monocultor.

701

No entanto, trouxeram consigo muitos vegetais, como o dend, a malagueta, o maxixe, o


quiabo. E assim como na frica, as mulheres os vendiam nas ruas pelo Brasil afora.
Os africanos no conheciam a mandioca, o milho americano, o amendoim, que seriam to
comuns mais tarde em sua cultura. Fabricavam manteiga e se untavam com ela. Vinho de palma,
vinho de mel, vinho de milho, o sorghum, milho da Guin.
Os inhames eram consumidos em toda a frica Ocidental e Equatorial. Favoritos dos nags
da Nigria, vinham da Gambia para Angola. Os africanos colhiam e cultivavam menos hortalias
do que os amerndios. No tinham os ensopados, guisados e tambm na usavam o fritar. Como
diz Cmara Cascudo (1983, p.187), assavam, tostavam e cozinhavam. Usavam fculas para fazer
papas, piro com farinha de sorgo, s aqui no Brasil passaram a utilizar a farinha de mandioca
ou de milho. Usavam tambm bastante pimenta, mastigada ou na comida no caldo de carne ou
de peixe.
Tinham menos vinhos fermentados do que no Brasil. Segundo Cmara Cascudo (1983,
p.188), a influncia do Isl proibia a ingesto de bebidas alcolicas, o negro bbado de cachaa
foi uma figura made in Brazil. Os soberanos embriagados e truculentos eram infiis a Maom.
Cultivavam arroz; talvez tivessem tido os primeiros contatos com esse cultivo nos primeiros
contatos com os rabes, desde o sculo VII. Com o arroz veio a frmula do kuz-kuz, ainda presente
nas reas da frica Setentrional e Atlntica. At a chegada do milho americano, Zea mays, os
africanos faziam o kuz-kuz com arroz, sorgo ou trigo. Tambm cultivam feijo, brancos, vermelhos,
grandes e pequenos, pela extenso do golfo da Guin. Os africanos escravizados trouxeram de
Moambique e guas de Zambeze para o Brasil um tipo de feijo chamado nhamudoro.
O limo-rosa tambm veio para as nossas terras pelas mos dos africanos, apesar de nunca
ter alcanado a preferncia da maioria como o limo trazido da sia.
Interessante que no h notcia do uso do leo vegetal ou animal na alimentao africana
durante os sculos XV e XVI. No Brasil, no mesmo perodo, o azeite era remdio.
Com a intensificao do trfico de escravos no sculo XVIII at a primeira metade do sculo
XIX, a permuta de produtos entre a frica e o Brasil foi facilitada. Os descendentes de africanos
no Brasil tinham recebido de seus ancestrais o gosto por muitos alimentos que vinham da frica.
Cmara Cascudo (1983, p.245) nos fala dos hibiscos5; do quiabo, do quingomb, da vinagreira6;
dos inhames liso, inhame-da-ndia, inhame-da-costa, inhame-casco, inhame-de-angola7; a ervadoce; o gengibre amarelo8; o gergelim da Guin; as melancias, belancias; o jil de Angola; a
pimenta africana, a Malagueta.

702

Nesse perodo, ao mesmo tempo em que trazamos alimentos da frica, mandvamos para
l especialmente o anans, que, segundo Cmara Cascudo, eram encontrados nos mercados
pblicos do litoral africano. O mamo, as batatas9, os magars, as goiabas e os aras.
A banana foi outra oferta africana para ns. Trazida para a frica da ndia, em Moambique
era chamada de figo; popular por l, acabou tambm por popularizar-se aqui, chegando-se a
ponto de a maior parte das pessoas imaginar que ela originria da Amrica.
Quando no incio do sculo XVI os portugueses iam em busca de escravos na Guin,
levavam consigo estanho, trajes, armas, mantas do Alentejo e cavalos. Um cavalo naquele perodo
valia sete escravos. Tambm aqui produziram, apesar da proibio dos portugueses, tecidos para
uso dos escravos.
No reino do Congo eles faziam um tecido feito de palmeiras, que dizem ter sido to sofisticado
que tinham uma superfcie como o veludo, e talvez fossem at mais sofisticados do que muitos
tecidos feitos na Itlia. Desde o sculo XII os africanos exportavam para a Europa um tecido
algodo de excelente qualidade, e passaram a exportar para o Brasil a partir do sculo XVI.
No campo do imaginrio, do fantstico e do lazer, contaram histrias fantsticas, que aos
poucos foram se incorporando ao grande universo europeu e indgena. Como bem prev Costa
e Silva (2012, p.20): Vindos da frica, bichos-papes, jogos e brinquedos desembarcaram no
Brasil. E lembranas de desfiles de reis, com seus enormes guarda-sis coloridos, que no Brasil
se reproduziram nos maracatus, nas congadas e nos reisados.

703

Tambm foi imensa a contribuio africana para a nossa lngua portuguesa. Os


aproximadamente, quatro milhes de africanos trazidos para c ao longo do tempo precisaram
se comunicar, e ao faz-lo, no s aprenderam o portugus como tambm nos ensinaram suas
mais variadas lnguas.
Conforme Yeda Pessoa de Castro (2012, p.36), aquelas vozes so perceptveis na pronncia
rica em vogais da nossa fala (ri.ti.mo, a.di.vo.ga.do), na nossa sintaxe tendncia a no marcar
o plural do substantivo (os menino, as casa), na dupla negao (no quero no), no emprego
preferencial da prclise (eu lhe disse, me d) , e se revelam de modo inequvoco nas centenas
de palavras que enriquecem o patrimnio lingustico do portugus no Brasil.
E, como marca Castro (2012, p.37), o desempenho da mulher negra como ama de leite e
criadeira foi fundamental na introduo de termos e palavras africanas no vocabulrio brasileiro,
que at hoje chamamos o filho mais jovem pelo termo angolano caula em lugar de benjamin,
como se diz em Portugal.
O ESCRAVISMO NO PARAN
Apesar de o Paran somente se constituir em uma provncia autnoma em 1853, a
presena de escravos africanos ou afro-brasileiros bem mais antiga, tanto no litoral, na regio de
Paranagu, quanto na regio dos Campos Gerais, que se integrou na economia brasileira por meio
da atividade pecuarista, assim como o Rio Grande do Sul.
Para Luna e Klein (2010, p. 73), que nos explicam que enquanto os trabalhadores das
fazendas de gado da regio do Rio Grande do Sul eram principalmente livres e ndios, mais ao
norte, na chamada rea de Campos Gerais, ao redor de Curitiba, fazendas de criao de bois,
mulas e cavalos empregavam trabalhadores livres e cativos. Escravos tambm eram usados
em vrios ofcios necessrios nas fazendas, bem como no transporte dos produtos comprados
e vendidos por elas. Ainda, segundo os mesmos autores, em toda essa regio meridional de
So Paulo conhecida como Paran, a porcentagem de escravos na populao global era de
20%, segundo o censo de 1798, enquanto nos distritos pecuaristas de Castro e Palmeira as
porcentagens de domiclios com escravos eram, respectivamente, de 52% e 39%. Nessas
fazendas, e em outras mais ao sul, tambm havia grande nmero de agregados, empregados
e familiares que trabalhavam em propriedades geralmente no voltadas para a exportao.
Finalmente, em todas as vilas dos sul, algumas das quais chegando faixa de 10 mil habitantes
em fins do sculo, os escravos formavam o elemento mais numeroso na fora de trabalho e
a maioria dos artesos qualificados. As trs reas meridionais do Brasil, Santa Catarina, Rio

704

Grande do Sul e Paran, possuam juntas uma populao cativa de aproximadamente 27 mil
escravos, alm de aproximadamente 13 mil pessoas livres de cor em 1811 (LUNA e KLEIN,
2010, p. 74). Isso tambm demonstra um aumento substancial na populao escrava, pois
,segundo o censo realizado em 1772 na Comarca de Paranagu, que abrangia o territrio
da futura Provncia do Paran, a populao total chegava a 7.627 moradores, sendo 2.936
homens, 2.979 mulheres e 1.712 escravos (CARDOSO, 1986, p. 48).
Segundo esse ltimo autor, em geral durante o perodo do Brasil independente, a regio do
Paran tinha em mdia uma populao escrava, composta por negros africanos, afro-brasileiros e
mulatos, da ordem de 30%, com tendncia diminuio, tendo em vista a poltica que tendia a
abolir o trfico negreiro e o crescente interesse dos governos imperial e provincial de incentivar
o desenvolvimento da imigrao europeia. Esse processo ser amplificado com o declnio e
definhamento dos campos e dos gados do Paran, sentido desde 1860. Associado ao processo,
podemos verificar um gradual declnio da populao escrava no Paran, graas ao fim do trfico
internacional de escravos e ao aumento do trfico interprovincial, que deslocava populao
escrava de regies menos dependentes da mo-de-obra cativa ou decadentes economicamente,
como Pernambuco, Bahia, Paran, para regies onde havia aumentado a demanda, como o
caso de So Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Disso resultou uma diminuio da populao
escrava no Paran.
Segundo o Censo Nacional de 1872, o primeiro censo geral do pas, os resultados para
Provncia do Paran apontam que de uma populao de 126.692 habitantes, apenas 10.560
eram compostos por escravos, ou seja, 8,3%. Uma grande diminuio em comparao com a
mdia de 30% at 1860.
Por outro lado, o grande impulso que a imigrao ganha no Paran, em especial a partir de
1870, promove tambm a ao do poder pblico contra a instituio da escravido. Conforme
Ferrarini (1971, p. 138), o presidente Taunay comenta o fato num relatrio ao seu sucessor,
em 1886:
A escravido em toda a provncia se acha muito limitada, segundo se v na relao abaixo publicada, fornecidas
pelas coletorias, e com pequeno esforo ficar ela toda expurgada da terrvel e desastrosa instituio. De todos
os lados a iniciativa e generosidades particulares se empenham nisso de corao para glria dos brasileiros, e
uma das lembranas mais gratas de minha viagem aos Campos Gerais, e ao Serto de Guarapuava, ela ter se
tornado motivo para que 15 escravos na flor da idade gozassem dos benefcios da liberdade.
Relao dos escravos existentes na Provncia do Paran, 1886
Capital 579
Arraial Queimado 21
Votuverava 120
Assunguy 6

705

Campina Grande 34
Antonina 335
Paranagu 183
Porto de Cima 42
Morretes 172
Guaraqueaba 57
So Jos dos Pinhais 293
Lapa 490
Palmas 227
Guarapuava 259
Ponta Grossa 454
Palmeira 183
Castro 298
Tibagi 156
Pira 42
Campo Largo 241
Total: 4.192

Com base no exposto, podemos verificar que havia uma movimentao oficial para a
extino do regime escravista, anterior prpria assinatura da Lei urea, em 1888. Isso se deve
no apenas ao de sociedades de apoio emancipao, mas tambm ao forte interesse de
amplos setores da sociedade paranaense de tirar os entraves para uma imigrao europeia em
larga escala, o que era, em parte, retardado, devido permanncia da instituio escravocrata.
CONSIDERAES FINAIS
Nesses dez anos da Lei n. 10.639/2003 muitos foram os esforos para sua aplicao
nas escolas, mas ainda h muito a ser feito. E os avanos s sero realmente percebidos
medida que as pesquisas e os estudos a respeito da Histria e Cultura da frica e dos africanos e
afrodescendentes no Brasil sejam conhecidos. Por isso a importncia da publicao de artigos que
possam trazer informaes sobre esta temtica.
A escola ainda o lugar por excelncia do conhecimento, portanto, ela que deve estar
preparada para instigar, fomentar, fornecer, instrumentalizar, professores e alunos, para o estudo
do passado africano no Brasil. preciso para isso romper o bvio, necessrio ir alm do senso
comum de ver a frica como um continente meramente extico, longnquo e pobre. urgente que
se quebrem esses paradigmas h tanto tempo construdos. A Histria da frica e da presena dos
africanos e seus descendentes no Brasil deve ir alm da histria do escravismo, do sofrimento, das
mazelas desse passado, pois como bem prev os PCNs (1998, p.130-131)

706

O estudo histrico do continente africano compreende enorme complexidade de temas do perodo pr-colonial,
como arqueologia; grupos humanos; civilizaes antigas do Sudo, do sul e do norte da frica; o Egito como
processo de civilizao africana a partir das migraes internas. Essa complexidade milenar de extrema
relevncia como fator de informao e de formao voltada para a valorizao dos descendentes daqueles
povos. Significa resgatar a histria mais ampla, na qual os processos de mercantilizao da escravido foram
um momento que no pode ser amplificado a ponto que se perca a rica construo histrica da frica. O
conhecimento desse processo pode significar o dimensionamento correto do absurdo, do ponto de vista tico,
da escravido, de sua mercantilizao e das repercusses que os povos africanos enfrentam por isso.

REFERNCIAS
BOXER, Charles R. O imprio martimo portugus. So Paulo: Companhia das Letras, 2002.
BRASIL. Presidncia da Repblica. Lei n. 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei n. 9.394, de 20
de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educao
nacional, para incluir no currculo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temtica Histria e Cultura
Afro-Brasileira, e d outras providncias. Braslia, 2003. Disponvel em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/Leis/2003/L10.639.htm>. Acesso em: 28/02/2013.
BRASIL. Diretrizes curriculares nacionais para a educao das relaes tnico-raciais e para o ensino
de histria e cultura afro-brasileira e africana. Braslia: MECSECAD/SEPPIR /INEP, 2004.
BRASIL. Plano Nacional de Implementao das diretrizes curriculares nacionais para educao
das relaes tnico-raciais e para o ensino de histria e cultura afrobrasileira e africana. Secretaria
especial de Polticas de Promoo da Igualdade racial. Subsecretaria de polticas de Aes afirmativas. Braslia:
MEC, 2009.
CARDOSO, Jayme Antonio e WESTPHALEN, Ceclia Maria. Atlas Histrico do Paran. Curitiba: Livraria
do Chaim Editora, 1986.
CASCUDO, Lus da Cmara. Histria da Alimentao no Brasil. Belo Horizonte, Itatiaia, 1983.v1.
COSTA, Emlia Viotti da. Da senzala colnia. So Paulo: Fundao Editora da UNESP, 1998.
CASTRO, Yeda Pessoa de. Cames com dend. Revista de Histria da Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro,
n.78, p.36-39, mar.2012.
COSTA E SILVA, Alberto da. A frica explicada aos meus filhos. Rio de Janeiro : Agir, 2008.
COSTA E SILVA, Alberto da. O Brasil, a frica e o Atlntico no sculo XIX. Estud. av. [online]. 1994,
vol.8, n.21 [cited 2013-02-28], pp. 21-42 . Available from: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S0103-40141994000200003&lng=en&nrm=iso>.
ISSN
0103-4014.
http://dx.doi.
org/10.1590/S0103-40141994000200003. Acesso em 28/02/2013.
COSTA E SILVA, Alberto da. Um Brasil, muitas fricas. Revista de Histria da Biblioteca Nacional. Rio
de Janeiro, n.78, p.16-21, mar.2012.

707

CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, estrangeiros: os escravos libertos e sua volta frica. So
Paulo: Companhia das Letras, 2012.
DRESCHER, Seymour. Abolio: uma histria da escravido e do antiescravismo. So Paulo: Editora
Unesp, 2011.
FAUSTO, Boris. Histria do Brasil. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 1999.
FERRARINI, Sebastio. A escravido negra na Provncia do Paran. Curitiba: Editora Ltero-Tcnica,
1971.
HERNANDEZ, Leila Maria G. L. A frica na sala de aula: visita histria contempornea. So Paulo: Selo
Negro, 2005.
HOLANDA, Srgio Buarque de. Histria Geral da Civilizao Brasileira. Rio de Janeiro: Editora Bertand
Brasil, 1989.
LUNA, Francisco Vidal. Escravismo no Brasil. So Paulo: EDUSP e Imprensa Oficial do Estado de So
Paulo, 2010.
OLIVER, Roland. A Experincia Africana: da Pr-Histria aos Dias Atuais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editora, 1994.
PRIORE, Mary Del e VENNCIO, Renato Pinto. Ancestrais: uma introduo Histria da frica Atlntica.
Rio de Janeiro : Campus, 2004.
SECRETARIA DE EDUCAO FUNDAMENTAL. Parmetros curriculares nacionais. Pluralidade Cultural.
Braslia: MEC/SEF, 1998, pp. 130-131.
VISENTINI, Paulo Fagundes. Histria da frica e dos Africanos. Petrpolis: Editora Vozes, 2013.
WEHLING, Arno. Formao do Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 2012.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Continente Se considerarmos que as Amricas so dois continentes, a frica se torna o segundo maior
continente. Existem vrias formas de se categorizar os continentes, inclusive alguns critrios incluem
questes culturais e no apenas puramente fsicas.

Africner A lngua africner se desenvolveu a partir da colonizao holandesa na frica do Sul ocorrida
em meados do sculo XVII. A integrao dos colonos holandeses, que tambm tiveram influncias
dos huguenotes franceses e alemes, resultou numa lngua com caractersticas relativamente diversas
daquela da original. A partir do incio do sculo XX esses colonos passaram a se identificar como uma
categoria diversa daquela dos holandeses e passaram a se denominar africners e assim tambm o nome
de sua lngua.

Monarquias Lessoto e Suazilndia so duas monarquias, encravadas na frica do Sul, remanescentes


dos Estados Africanos pr-era do imperialismo. Esses pases permaneceram com seus regimes originais em
funo de acordos que foram estabelecidos com a potncia colonial da regio, no caso, Gr-Bretanha.

708

Plantation Sistema agrcola tropical utilizado na Amrica para produo de produtos tropicais para a
exportao. Utilizava latifndios e mo de obra escrava e podia ser encontrada no Sul dos Estados Unidos
da Amrica, nas Antilhas e no Brasil, entre outros.

Hibiscos So vrios os tipos de hibiscos que eram apreciados pelos africanos, eram os hibiscus esculentus,
hibiscus sabdariffa, entre outros.

Vinagreira Esse tipo de hibiscus muito encontrado atualmente no Maranho, e estudos tm comprovado
seu alto teor de ferro e de fibras.

Inhame-de-angola Seu nome cientfico car-inhame.

Gengibre amarelo O africano tinha o hbito de mastigar o gengibre.

Batatas Em finais do sculo XVIII no interior de Moambique as batatas eram de subsistncia comum.

709

PLURALIDADE CULTURAL O CONCEITO DE CULTURA1

Mrcia Scholz de Andrade Kersten

Um dos fatos mais significativos a nosso respeito (o autor refere-se humanidade) pode ser,
finalmente, que todos ns comeamos com o equipamento natural para viver milhares de espcies
de vidas, mas terminamos por viver apenas uma espcie. (GEERTZ, 1979, p. 57).
Os conceitos de cultura e o de sustentabilidade so de uso frequente nos dias atuais e
definem inmeras caractersticas ou situaes socioeconmicas e ou culturais. No arcabouo
socioantropolgico, a definio de cada um desses conceitos sustenta-se em referncias tericas
especficas. Se sustentabilidade originou-se da Teoria Econmica Neoclssica (1870) e se referia
utilizao e preservao da natureza, na dcada de 1980 (Lester Brown Instituto Worldwatch),
o conceito foi expandido para a noo de sociedade sustentvel: aquela capaz de satisfazer as
necessidades de seus componentes sem comprometer suas chances de sobrevivncia futura. Para
a discusso que importa aqui se considera que o conceito de sustentabilidade social merece a
mesma importncia dada ao de sustentabilidade ambiental, pois as sociedades e culturas humanas
so parte de uma paisagem que construram e ajudaram a modelar.
Diante do enfoque dominante que privilegia uma abordagem de conservao da natureza,
interessa reintegrar as noes de dinmica e de mudana, pois a sustentabilidade no pode (...)
significar um congelar da histria a reproduo incomensurvel de um equilbrio impossvel. Implica,
ao contrrio, uma capacidade de mudar constantemente, em funo de um enfrentamento sem trgua,
renovado entre as exigncias de reproduo da natureza e das sociedades (RAYNAUT, 1997, p. 370).

711

Sustentabilidade , pois, uma noo que no pode ser reduzida combinao de somente
duas exigncias: a de controle das perturbaes (imediatas ou de longo prazo), sofridas pelo
meio fsico e natural e a da manuteno da viabilidade econmica das formas de explorao
dos recursos desse meio. Trata-se, ao contrrio, de abord-la sob uma perspectiva global que
considere a diversidade e a complexidade das relaes cultura/sociedade/natureza, integrando
em particular as dimenses ligadas reproduo material e imaterial das comunidades humanas.
Mas a discusso central que faremos aqui sobre o conceito de cultura na Antropologia.
Portanto, comecemos por um alerta feito pelos antroplogos sobre a ampla utilizao do termo
cultura, que define inmeras situaes ou qualidades. A definio do senso-comum credita
cultura erudio. Por exemplo, ao se referir a uma pessoa com conhecimentos enciclopdicos
costumamos dizer que uma pessoa culta. Por outro lado, tambm quando nos referimos a
um determinado sistema numa empresa, falamos sobre cultura empresarial. O termo parece
ser muito conhecido, pois todos acreditam saber do que ele trata ou a que se refere. Mas no
isto o que acontece quando falamos do conceito utilizado pela Antropologia, que entende que
cultura define mais do que isso tudo.
Mas vamos ver como se inicia esta histria. O termo cultura, tal como empregado pela
Antropologia, comeou a ser cunhado na Alemanha, no final do sculo XVIII, em contraposio
s pretenses globais da expanso anglo-francesa, que considerava as outras sociedades como
um estgio, cujo pice seria a sua prpria civilizao2. Para os intelectuais burgueses alemes,
as diferenas culturais eram essenciais na defesa de sua unidade poltica. Assim, o Movimento
Romntico defendeu a ideia de Kultur em contraposio de civilizao. Para eles, o conceito
de cultura identificaria e diferenciava um povo e deveria ser compreendido no plural. No se
concebia a existncia de povos incultos. A cultura era vista como um legado ancestral, transmitido
por conceitos distintivos de uma determinada lngua e adaptada a condies de vida especfica.
Sustentado por essas concepes, o conceito antropolgico de cultura foi marcado por aquela
realidade e pelas exigncias nacionalistas alems contrrias s ambies da Europa ocidental.
Daquele ponto de vista, cultura definia uma unidade e demarcava as fronteiras de um povo e, como
j foi dito, se contrapunha ao conceito de civilizao. Este conceito sustenta-se no postulado da
unidade do Homem como espcie e foi herana do Iluminismo, nascido tambm no sculo XVIII.
Nesse raciocnio, cultura, por oposio natureza, consistiria no carter distintivo da espcie
humana em relao aos animais: a soma de saberes acumulados e transmitidos pela humanidade
considerada em sua totalidade, ao longo de sua histria, as diferentes formas de sustentabilidades
das culturas humanas. Englobaria, portanto, o conjunto integrado de conhecimentos, crenas,

712

sentimentos, regras e comportamentos que balizariam as aes e atitudes dos indivduos. Sempre
empregada no singular civilizao significa que entende a cultura como prpria da humanidade,
e est associada ideia de progresso, evoluo, educao e razo. O progresso nasceria da
instruo capitaneado pela civilizao, como um processo de evoluo linear da humanidade,
que levaria os povos considerados primitivos as formas mais simples de organizao social a
evolurem para alcanarem as formas mais complexas a sociedade europeia. A ideia era a de
que sociedades poderiam ser comparadas entre si por meio de seus costumes, isolados de seus
respectivos contextos. E que esses costumes teriam uma origem e, evidentemente, um fim. Todo
esse aparato conceitual de certa forma justificou a colonialismo, a expanso do modo de vida
ocidental e at mesmo ideologias nazi-fascistas que se espraiaram pelo mundo na primeira metade
do sculo XX.
Para se contrapor a esta viso evolucionista e etnocntrica, temos o exemplo do continente
Americano, cuja populao nativa havia atingido, antes da conquista europeia (1498-1500),
grande desenvolvimento cultural independente. Espcies animais e vegetais (a batata, o tabaco, o
cacau, o tomate, dentre outros alimentos) haviam sido domesticadas, produziam-se medicamentos,
indstria de tecelagem e cermica, trabalhavam-se metais com perfeio. Os Maias haviam chegado
noo de zero, pelo menos 500 anos antes de ter sido descoberta pelos Hindus, e construdo um
calendrio at o ano 2000. Alm disso, havia o avanado sistema poltico dos Incas3. Apesar de
desconsiderar essas condies, a ideia de civilizao teve seu lado positivo ao propor o postulado
da unidade do Homem como espcie.
Mas voltemos ideia de Kultur. Ento, o Movimento Romntico alemo, ao enfatizar
os costumes e as artes qualitativamente diversas, tornou-se uma das primeiras formulaes
importantes de expresses culturalmente variveis da vida humana. A partir de ento, passou-se
a pensar civilizao como a expresso de uma forma material e exterior de desenvolvimento, sem
relao necessria com o progresso da vida interior e espiritual do Homem.
nesse contexto que construdo o conceito antropolgico que enfatiza a cultura como
substantivo coletivo, um processo social que modela diferentes modos de vida. Supraindividual,
aprendida, partilhada e adquirida. Mas a ideia de cultura como um meio especifico, que surge
como o resultado da incompletude do ser humano em sua capacidade puramente biolgica
permanece. Cultura tambm corresponde capacidade do gnero humano em criar um meio
artificial, como a linguagem humana que combina smbolos capazes de expressar relaes entre
coisas, indivduos e acontecimentos e torna os humanos capazes de inveno e criatividade, de
estruturar e desestruturar, de formar snteses com o material fornecido pelo meio natural e social

713

(SCHELLING, 1990, p. 31/32). Esse atributo humano a base do entendimento da cultura


como prtica. A espcie humana, alm de se adaptar instrumentalmente natureza, transforma-a
e ao mesmo tempo transforma a si mesmo. As pessoas no descobrem simplesmente o mundo,
ele lhes ensinado (SHALINS, 1997, p. 48). Nesse contexto, encontramos semelhanas entre
os conceitos de cultura e o de sustentabilidade, tambm ele um processo no qual as diferentes
sociedades e culturas humanas se relacionam com a natureza e se equilibram nesta convivncia.
A diversidade de formas de conviver com o planeta enriquece o conhecimento sobre ele e sobre
a humanidade, to igual e to diferente.
O CONCEITO ANTROPOLGICO DE CULTURA
Ao final do sculo XIX, importantes etnlogos4 e antroplogos continuavam a (re)formular
o conceito de cultura. A primeira definio elaborada por um antroplogo ingls, E. B. Tylor
(1871-1917), buscou uma sinonmia parcial entre cultura e civilizao afirmando: cultura e
civilizao, tomadas em seu sentido etnolgico mais vasto, so um conjunto complexo que inclui
o conhecimento, as crenas, a arte, a moral, o direito, os costumes e as outras capacidades ou
hbitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade. Essa definio enfatiza que a cultura
adquirida e no depende da hereditariedade biolgica.
A hereditariedade biolgica, noo das cincias biolgicas formada pelas cincias naturais,
corresponde a uma hiptese dotada de alta probabilidade, mas a noo de evoluo social ou
cultural somente se constitui como uma analogia, uma forma sedutora de apresentar os fatos.
A gentica ensina que raas so populaes mais ou menos isoladas, que diferem de outras
populaes da mesma espcie, pela frequncia de caractersticas hereditrias. (FREIRE-MAIA,
1973, p. 23). E aponta a falcia do uso socioantropolgico deste conceito, pois o que define uma
raa a frequncia de traos genticos transmitidos como herana biolgica. E, como afirma LviStrauss, um ser humano d origem a outro, mas um machado de pedra, por si s, nunca originaria
a serra eltrica. As diferenas genticas so as bases do conceito de raa, as diferenas culturais
no contam (FROTA-PESSOA, 1996, p. 29). Alm do que, existem muito mais culturas humanas
do que raas humanas, pois que enquanto umas se contam por milhares, as outras contam-se pelas
unidades: duas culturas elaboradas por homens de uma mesma raa podem diferir tanto ou mais
que duas culturas provenientes de grupos racialmente afastados. (LVI-STRAUSS, 1976, p. 54).
Para no dizer que falamos somente de uma forma genrica ou de um passado longnquo,
existem 222 povos indgenas no Brasil contemporneo, que falam mais de 180 lnguas diferentes

714

e tm diversas formas de se relacionar com o meio ambiente. So aproximadamente 350.000


ndios que ocupam terras administradas pela Funai5. E, segundo estimativas, cerca de 60 grupos
esto na regio amaznica e ainda poucos convivem com o chamado mundo dos brancos.6
Somente no Estado do Paran, de acordo com dados oficiais, esto aldeados cerca de 9.000
indgenas, a maioria da etnia7 Kaingang, somados a uma parcela menor de Guarani. Com religio,
lnguas, sustentabilidades, crenas e costumes diferenciados, muitos destes povos, poca do
descobrimento, diferenciavam-se mais entre si do que com os descobridores. Enquanto os
Xet, que habitavam a regio do Paran, eram caadores-coletores, os Guarani eram agricultores e
criadores de animais e por essas condies aproximavam-se muito mais do colonizador portugus
do que de seus conterrneos Xet.
Mas voltemos s concepes elaboradas ao final do sculo XIX e incio do XX. Cultura passa
a ser definida como uma configurao particular de crenas, costumes formas sociais e tratos
materiais de um grupo religioso, tnico ou social. Com mile Durkheim (1858-1917) comeam a
se definir os fenmenos sociais como objetos de investigao socioantropolgica, e a partir de suas
anlises comea-se a pensar que os fatos sociais seriam muito mais complexos do que se pretendia
at ento. Na Inglaterra, nasce o Funcionalismo que enfatiza o trabalho de campo e a observao
participante, uma reao ao Evolucionismo. O pesquisador vai deslocar-se de seu gabinete para ir
viver com e como os nativos. Malinowiski (1884-1942) considerado o criador da etnografia, que
foi incorporada como o mtodo prprio da antropologia na coleta de dados. Baseia-se no contato
intersubjetivo entre o antroplogo e seu objeto, seja ele uma tribo indgena ou qualquer outro
grupo social sob qual o recorte analtico seja feito.
Segundo essa metodologia, para sistematizar o conhecimento acerca de uma cultura preciso
apreend-la em sua totalidade. As sociedades humanas so entendidas como muito mais que a
simples soma dos indivduos que as compem. As sociedades passam a ser estudadas como um
sistema coerente e integrado de relaes sociais. Nela podemos distinguir unidades sociais mais
ou menos permanentes, mais ou menos institucionalizadas, que estabelecem entre elas relaes
funcionais e estruturais. As instituies sociais centralizam o debate, a partir das funes que
exercem na manuteno da totalidade cultural. Malinowiski, Radcliffe-Brown (1881-1955) e EvansPritchard (1902-1973) estudaram principalmente diferentes culturas africanas compreendendo-as
como organizaes sociais, um todo coerente, com lgica e racionalidade prprias.
Esses estudiosos sustentavam a universalidade e a equivalncia das instituies (famlia e
religio, por exemplo), que consideravam responder s necessidades humanas universais. Em
resposta, antroplogos americanos (RUTH BENEDICT, 1887/1948) afirmaram que as instituies

715

sociais so formas vazias de contedo e que cada sociedade as preenche diferentemente e que o
enfoque dos antroplogos deve ser o estudo das particularidades de cada uma delas.
O grande mestre dessa concepo foi o antroplogo Franz Boas (1858-1942), alemo
naturalizado norte-americano. Ele construiu a concepo antropolgica do relativismo cultural que
considerou um princpio metodolgico a fim de escapar do etnocentrismo: uma atitude coletiva que
consiste em repudiar outras formas culturais, religiosas, estticas, sociais e morais mais afastadas
daquelas com as quais nos identificamos (definio de LVI-STRAUSS, 1976, p. 59).
Para Boas, cada cultura nica e especfica e representa uma totalidade singular. Seu
esforo foi o de pesquisar o que fazia a unidade da cultura. Da sua preocupao em no apenas
descrever os fatos culturais, mas de compreend-los juntando-os ao conjunto ao qual estavam
ligados. Considerava que cada cultura adota um estilo prprio que se exprime pela lngua,
crenas, costumes, arte e no comportamento dos indivduos.
Boas foi um forte crtico das explicaes das diferenas entre os seres humanos que tinham
por base a caracterizao biolgica da raa, que resultou nos grandes conflitos do sculo XX. Seu
objetivo foi o de eliminar qualquer trao de determinismo. Essa eliminao o conduziu ao realce
da cultura, pois afirmou que deduzir formas culturais de uma nica causa est fadada ao fracasso.
Para ele, as vrias expresses da cultura esto inter-relacionadas, e uma no pode ser alterada
sem que cause um efeito sobre as restantes.
Essa definio pressupe que as vrias expresses da cultura sejam a base de modos de
vida particulares (BONTE & IZARD, 1992, p. 193) e que a produo simblica imanente a
qualquer sociedade humana. assim que o conceito de cultura surge como um instrumento capaz
de pensar a enorme diversidade cultural da humanidade. Pois demonstra a heterogeneidade
cultural como o resultado da capacidade especificamente humana de criar diferentes solues
para a manuteno da vida.
Ao observar as diversas sociedades, vemos a multiplicidade de prticas, processos de
sustentabilidade, instituies, normas, valores e crenas que do colorido e significao vida
social de cada uma delas. Da, podemos dizer que o conjunto de atitudes, crenas, maneiras de
se comportar mesa e os conhecimentos, mais ou menos compartilhados pelos seus membros,
compem sua cultura. At mesmo tendncias individuais, por exemplo, o dogmatismo ou a
tolerncia, a indiferena ou a rigidez so partes constitutivas e caractersticas de cada cultura,
assim como os direitos e deveres, a linguagem e os smbolos. O que determina, em nossa
sociedade, que o uso de calas seja preferencialmente masculino e o de saias feminino no tem
necessariamente conexo com as caractersticas fsicas de cada sexo, ou com a relao que advm

716

dessas caractersticas. Existem roupas para a noite, para o dia, para as tarefas domsticas e para as
festas e comemoraes. Cada uma delas remete para a natureza da atividade a ser desenvolvida,
para os determinantes de faixa etria e de grupo social. por se relacionar ao sistema simblico
que uma veste preferencialmente dirigida a um grupo sexualmente definido, no pela natureza
do objeto em si nem pela sua capacidade de satisfazer uma necessidade material (SHALINS,
1979, p. 189). As vestes, assim como os modos de falar e se comportar, reproduzem a distino
entre os indivduos numa determinada sociedade e entre esta e as outras.
Se cada agrupamento humano , a um s tempo, produtor e produto da cultura pode-se
interpret-la como uma das caractersticas da espcie humana, ao lado do bipedismo e de um
adequado volume cerebral. Cultura que se desenvolve simultaneamente com o prprio equipamento
biolgico (LARAIA, 1988, p. 59). Sob essa perspectiva, a cultura no foi acrescentada a um
animal acabado ou virtualmente acabado, foi um ingrediente, e um ingrediente essencial, na
produo deste mesmo animal (GEERTZ, 1979:59).
Do conjunto do reino animal, o ser humano o que nasce menos desprovido da capacidade
de sobreviver s suas prprias custas. um animal incompleto e inacabado que se completa
por meio de formas particulares de cultura. O beb depende de quem cuide dele, alimente-o,
agasalhe-o e o proteja por um longo perodo de tempo. Mesmo adulto, seu equipamento fsico
muito pobre. incapaz de correr como um antlope, no tem a fora do leo, nem a acuidade
visual de um lince (LARAIA, 1988, p. 40). No entanto, para suprir tudo isso, dotado de um
instrumental extraorgnico de adaptao, que no trouxe modificao anatmica significativa e
que, de certa forma, o auxiliou a libert-lo da natureza. o nico animal a transformar toda a
Terra em seu habitat (LARAIA, 1988, p. 42). Construiu o avio e conseguiu voar; o submarino, e
mergulhou no profundo oceano; adaptou lentes; conteve a fora das guas e dos ventos. Para isso
dependeu de um aprendizado codificado por conceitos e sistemas simblicos especficos. Castores
constroem diques; os pssaros, seus ninhos; as abelhas constroem suas colmeias. Todos os seres
vivos buscam seus alimentos, alguns deles de forma organizada e em grupos com base em um
aprendizado essencialmente codificado em seus genes e evocado por estmulos externos.
Para o ser humano diferente. Ele o resultado do meio cultural em que foi socializado.
Aprende com a experincia acumulada, reflete e recria constantemente formas de entender e
agir sobre o mundo. Seus sentidos e instintos so conduzidos pelos padres culturais. Sorrir ante
um estmulo agradvel ou franzir o cenho ao desagradvel so, at certo ponto, determinaes
genticas, mas o sorriso sardnico e o franzir caricato so, com certeza, culturais. (GEERTZ,
1979, p. 62)

717

aqui que comeamos a perceber o sentido do conceito cultura como um sistema simblico
que define mecanismos de controle, regras e instrues que indicam o que o nativo daquela
sociedade deve ou no fazer e como se comportar. Dessa perspectiva, cultura vista como um
cdigo de smbolos partilhados e toda prtica social relativa, provida de sentido e lgica para
aqueles que a praticam.
Assim, o modo de ver o mundo, os diferentes comportamentos e at mesmo a postura
corporal, ou os alimentos de que se gosta ou os que se rejeita so produtos de uma determinada
herana cultural recebida e ressignificada todo o tempo. Indivduos de uma mesma cultura podem
ser identificados por algumas caractersticas semelhantes: o modo de vestir-se, comer, caminhar,
agir, alm claro do uso da mesma lngua. Marcel Mauss (1872-1950), importante antroplogo
francs, afirmou que cada sociedade tem hbitos que lhe so prprios e que se pode falar at
mesmo de tcnicas corporais, para se referir s maneiras como os Homens sabem servir-se de
seus corpos. Para ele, o corpo o primeiro e o mais natural instrumento do homem. (MAUSS,
1974:217) Oferece exemplos interessantes, como quando diz que as crianas acocoram-se
normalmente, o que uma difcil posio para os adultos em nossa sociedade, mas postura
considerada natural entre os australianos que repousam sobre os seus calcanhares. Nossa cultura
enfatiza o uso da mo direita, sem considerar o ambidestrismo. Entre os mulumanos, a mo
esquerda jamais deve tocar na comida, assim como direita interditado o toque de certas partes
do corpo. Outro exemplo relacionam s tcnicas do parto. Entre as mulheres hindus o parto
feito com as mulheres em p, pois acreditam que Buda nasceu estando sua me agarrada, reta,
a um ramo de rvore (MAUSS, 1974:223). Interessante saber que os Massai (um povo africano)
dormem em p, enquanto Hunos e Mongis dormiam a cavalo sem interromper a marcha.
Os usos do corpo reafirmam as diferenas sexuais, associam-se ao gnero feminino e
masculino condicionados socialmente. Maneiras de se expressar, enfeites corporais, normas e
regras definem socialmente o gnero masculino e o feminino e marcam as diferenas. Entre os
povos indgenas do Brasil, o uso de enfeites e de pinturas corporais , prioritariamente, campo do
masculino. Mulheres raramente usam cocares, enfeites auriculares ou labiais e se os utilizam em
menor quantidade ou diversidade que os homens.
Podemos ainda citar as diferentes maneiras mesa e os hbitos alimentares, o que
definido como alimento bom ou ruim, forte ou fraco, a forma como se come. s vezes o ato
de comer pblico, s vezes privado. Algumas culturas consideram o arroto uma forma de
demonstrar satisfao com a comida, outras uma indelicadeza. O comer envolve muito mais que
ingerir nutrientes. Determina e determinado por selees, rituais, significados, sociabilidades.

718

Definies de cru e cozido, de forte ou fraco, de bom e ruim so escolhas, em certo sentido,
arbitrrias. O que ser comido por membros de uma sociedade humana sempre selecionado,
preparado, processado e classificado. Ideias e significados, muitas vezes, alteram o gosto ou a
finalidade e interditam o alimento. Sendo assim, as comidas e os modos de consumi-las pertencem
ao mbito da cultura e do o senso de identidade, so representados e identificados com base
em crenas e no imaginrio. a cultura quem impe as normas que prescrevem, probem ou
permitem comer (CANESQUI e GARCIA, 2005, p. 10). A alimentao tambm est articulada
sociedade em que se vive, a forma como ela se estrutura, produz e distribui os alimentos. Existe
ainda um condicional importante, o que se come est determinado pelas condies de acesso
ao alimento. Classes e grupos sociais, nas sociedades contemporneas, tm diferentes estilos de
comer, elegem diferentes alimentos possibilitados tambm por suas condies de compra.
Aqui entra a relao entre o indivduo e sua cultura, que sempre limitada. Quer seja por
no ser capaz de participar de tudo o que acontece, quer por enfrentar limites nessa participao,
muitos deles impostos pela prpria cultura. Nas sociedades contemporneas que se distinguem pela
especializao e pela diviso de trabalho e classe social, quase impossvel que um indivduo possa
dominar todos os aspectos de sua cultura. Um mdico, por exemplo, domina o funcionamento do
corpo humano, mas pode nada entender do movimento dos astros celestes ou dos procedimentos
necessrios para a alfabetizao de crianas e adultos. Mesmo que o indivduo domine um aspecto
de sua cultura a fundo, pode ser totalmente ignorante em outro. No entanto, sempre existe um
mnimo de conhecimento comum que permite a articulao entre os membros de uma sociedade
para que seja possvel a convivncia. Todos os que habitam uma grande cidade, por exemplo,
conhecem o funcionamento dos semforos e a funo de suas cores vermelha, amarela e verde;
tambm nunca se atirariam de janelas de prdios altos, a menos que sua vontade fosse o suicdio;
em toda sociedade, todos sabem e devem saber ou aprender aquilo que devem fazer em todas as
condies. (MAUSS, 1974, p. 230).
Apesar de ser um referencial dominado, em parte, pelos indivduos que o recebem das
geraes passadas, h consenso entre os estudiosos que existe uma dinmica e que as culturas
esto em constante transformao. A permanncia cultural acontece pela mudana e pouco tem
a ver com a manuteno da pureza ou autenticidade das tradies (MONTERO s.n.t., p. 05).
Mais recentemente a Antropologia comeou a tomar conscincia de que o binmio resistncia/
aculturao (ou desenraizamento) no constitui um quadro de referncia satisfatrio para
compreender os fenmenos culturais no contexto da incorporao progressiva das sociedades na
economia do mercado mundial. (MONTERO s.n.t., p. 3).

719

Enfim, pode-se considerar que o conceito de cultura utilizado sob algumas acepes: a
capacidade de simbolizao prpria da espcie humana; que esta simbolizao uma entidade
social relativamente autnoma e complexa; e que o sistema de smbolos coletivo. De fato, a
cultura diz respeito ordem simblica e exprime a forma como os seres humanos estabelecem
relaes entre si e com o mundo e interpretam estas relaes. Assim, a pluralidade cultural
indicativo da singularidade histrica e social de uma cultura. Quanto ao sentido, um gesto no
imediatamente visvel na ao social, mas est codificado e pblico, porque acessvel a todos. A
ao simblica, pois condensa toda uma mistura de significados que remete a outros contextos,
alm do especfico do comportamento observado (GEERTZ, 1989). Portando, para se entender
um gesto no basta somente conhecer a fisiologia ou a psicologia, preciso tambm conhecer
as tradies e crenas de um povo (MAUSS, 1974:221). Por isso mesmo concordamos com a
afirmao que diz que o conceito de cultura nomeia e distingue um fenmeno nico: a organizao
da experincia e da ao humanas por meio de smbolos. (SHALINS, 1997:41). E reforamos
aqui a afirmao de que a diversidade cultural, uma das principais caractersticas das sociedades
humanas, no se encontra definida no seu cdigo gentico. voz corrente que a humanidade , a
um s tempo, produto e produtora de cultura, pois a partir de regras e interdies ela atua sobre
o mundo, sobre ela mesma como um todo e sobre os indivduos.
A noo de etnia, ao contrrio da de raa, ao enfatizar aspectos culturais homogneos no
conjunto de pessoas, no desconsidera a miscigenao. Ela enfatiza as semelhanas culturais
dentro de uma populao. O uso da mesma lngua, a ocupao de um territrio comum, os modos
de agir e se comportar, as mesmas crenas e tradies, so as bases que constituem as relaes
da vida cotidiana e definem cada grupo tnico, mesmo que a cor da pele, o formato do rosto
ou os cabelos sejam diferentes. Esta abordagem possibilita compreender a enorme diversidade
de costumes, regras, interdies e relaes de parentesco que marcam a humanidade com esta
caracterstica particular: uma mesma espcie, mas to diferentes. E nos leva a pensar na misturada
realidade brasileira, a mistura biolgica, a dos costumes, a da religio...
O Brasil um pas continental, como costumamos dizer. De Norte a Sul, de Leste a Oeste
diferentes grupos tnicos misturaram-se nestes mais de 500 anos aps a chegada dos portugueses.
Antes disso, centenas de povos indgenas percorriam todo o Continente Americano, desbravando
caminhos, mais tarde usados pelos colonizadores. Neste caldo efervescente, moldou-se o brasileiro,
que no se define pelo bitipo. Somos brancos, somos negros, somos amarelados. Temos cabelos
pretos, loiros, avermelhados. Olhos amendoados, repuxados, azuis, verdes, castanhos, pretos,
amarelados. A lngua, herdada dos portugueses, uma s. Sotaques mil, quase diferentes

720

dialetos. O guri paranaense, o menino paulista, o garoto carioca. A religio, tambm marcada
pela diferena, Catlica, Evanglica. So o Candombl e outras inmeras seitas, que cobrem
nossa rica heterogeneidade.
FOLCLORE, LENDAS E SUPERSTIES
Tentativas de criar referncia histrica e identidade s naes emergentes levaram estudiosos
a recolher e registrar rituais, versos, melodias, cantos, danas, costumes, festas, crenas, lendas,
supersties e mitos transmitidos pela tradio oral, que pareciam representar uma herana
antigussima. Caso bem conhecido o dos clebres versos picos creditados falsamente a Ossian,
personagem inventado por James MacPherson (1762), que misturou mitologias e atribuiu a
Esccia glrias do passado da Irlanda, na tentativa de criar uma identidade nacional. Ossian era
um suposto guerreiro, que reafirmava valores tradicionais que deveriam ser resgatados, com
o objetivo de criar razes culturais nacionais para a Esccia, diferenciadas da Inglaterra. A
fraude s foi provada no final do sculo XIX. Outro caso o da suavizao do Conto Chapeuzinho
Vermelho, coletado pelos irmos Grimm na Alemanha (1806-1810), tambm conservado pela
tradio oral. A histria, devido ao seu trgico final, era originalmente destinada ao pblico
adulto, no a crianas8.
Esses estudiosos ficaram conhecidos como folcloristas e foram os primeiros a construir um
discurso sistemtico sobre a chamada cultura popular. Mas a palavra folclore foi empregada
pela primeira vez por Williiam J. Thoms, em 1842. Composta pelos vocbulos folk povo, e
lore conhecimento ou cincia, passou a designar o estudo das manifestaes do saber popular.
A maioria dos folcloristas buscava no povo razes autnticas que permitissem definir
uma autntica cultura nacional. O interesse pelos camponeses justificava-se pelo seu pretenso
isolamento. O grande equvoco conceitual foi, na tentativa de encontrar inmeros aspectos da vida
cultural, definir estas manifestaes como do povo ou popular.
No sculo XIX, essas definies tendiam a convergir para um purismo, segundo o qual o
campons idealizado (entendido como o povo) preservaria seus costumes, pois viveria mais perto
da natureza e, portanto, estaria menos marcado pelo modo de vida da elite ou do estrangeiro. Os
termos povo e popular so muito vagos e foram definidos de variadas formas pelos folcloristas. Por
princpio negava-se a condio de popular s outras camadas sociais que no as camponesas.
O fato que existe uma afinidade eletiva entre o popular e o nacional. Na Alemanha o interesse
pela cultura popular vinculou-se ao nacional e seu estudo buscou uma forma de identificar-se como

721

alemo. Na Itlia, o movimento conhecido por Ressurgimento, que culminou com a unificao do
pas em 1870, tambm descobriu o folclore como elemento de conscincia nacional.
Na Inglaterra, o j citado Tylor introduziu a noo de sobrevivncia para entender a
permanncia de certas formas de compreender, manifestar-se ou explicar o mundo, que, segundo
ele, se aproximariam do pensamento do homem primitivo: canes infantis, jogos de azar ou
o que definiu como ocultismo. As sobrevivncias seriam vestgios de hbitos milenares que
permaneceriam preservados.
No Brasil, a produo folclorstica no fugiu regra e enfatizou os aspectos autnticos
e comunitrios das chamadas culturas do povo, como base para definir o carter nacional.
Dentre os intelectuais que pensaram o Brasil podemos citar Silvio Romero (1851-1914), que
apesar de seus argumentos racistas foi considerado por Cmara Cascudo (1898-1986) um dos
fundadores da tradio dos estudos folclricos no pas. O brasileiro caracterizado como homem
sincrtico, constitudo pelo elemento popular oriundo da miscigenao cultural. Associam-se,
assim, identidade nacional e cultura popular. Mesmo mais tarde, com Mrio de Andrade (18931945), em pleno Modernismo, voltou-se a enfocar o folclore como expresso da identidade
nacional. Buscavam-se estrias e lendas, cantos e danas, msicas e performances que seriam
expresso da brasilidade ou que ajudassem a comp-la. Temos, ento, um trao comum com as
experincias alems e italianas: a questo nacional.
Mas, existe um problema conceitual, o da legitimidade do termo folclore. Advoga-se contra
ele apontando-se o empiricismo que caracterizaria essa tradio e que ...proviria em parte da
coincidncia entre o termo que identifica o objeto mais especificamente o tipo de manifestao
cultural estudada e o que nomeia seu estudo (VILHENA, 1997, p. 30). O empiricismo viria da
coleta de dados sem a orientao de uma metodologia elaborada, a veracidade da tcnica estaria
contida no olho do observador. Outro argumento aponta a pretenso de o folclore constituir-se
em disciplina parte, e no um campo de estudo frequentado por especialistas de diferentes
disciplinas. Imputa-se, ainda, a ele o presentismo, isto , a incapacidade de conseguir estabelecer
uma distncia adequada entre a perspectiva do pesquisador e a do objeto estudado ou, o contrrio,
tratar o objeto como inteiramente alheio.
Temas abordados pelos folcloristas so tratados pelas Cincias Sociais, particularmente
pela Antropologia e a Etnologia, num quadro conceitual regido por metodologias prprias. Essas
metodologias enfocam a totalidade das relaes sociais e culturais em seus contextos. No caso do
estudo dos mitos, por exemplo, v-los como prprios de sociedade outras que no as nossas, sem
fundamento objetivo ou cientfico, histrias de um universo puramente maravilhoso, entend-los

722

de forma equivocada e preconceituosa. Mitos so formas discursivas fundadoras de uma sociedade.


So sistemas de comunicao, so mensagens. Explicam a origem da sociedade, seus sentidos e
apontam para um futuro. Os Kaingang9, por exemplo, afirmam que os primeiros indivduos da
sua nao saram do solo; por isso mesmo tm a cor de terra. Numa serra, no sei bem onde,
no sudeste do Estado do Paran, dizem eles que ainda podem ser vistos os buracos pelos quais
subiram (VIVEIROS DE CASTRO, Mitos indgenas recolhidos por CURT NIMUENDAJU, 1986,
p. 86). Ou o mito de Ado e Eva, entre ns, fundador da humanidade.
As sociedade humanas referem-se, de maneira geral, a mitos fundadores, que agiriam
como amlgamas que justificariam uma determinada unidade sociocultural. O mito fixa modelos
exemplares das funes e atividades humanas. Mas , por vezes, utilizado de forma pejorativa
para se referir s crenas comuns.
Nesta mesma linha explicativa enquadra-se o que definimos por superstio. Quem pode
afirmar nunca ter batido na madeira por trs vezes para afastar uma notcia ruim? Parece irracional
que continuemos, em momentos especiais, a fazer promessas, a oferecer prendas a santos ou a
pedir que Santo Antnio nos arrume um namorado(a). Mas continuamos a faz-lo. Afinal, o que se
definimos por supersties? Antes das religies monotestas, o que atualmente chamamos de magia
e superstio eram formas de as pessoas interagirem com o cosmos, com seus deuses e intervirem
no transcurso da vida. Interpretadas como paganismo e feitiaria, essas crenas passaram a ser
sinnimo de ignorncia. Em geral, a crena do outro sempre supersticiosa, nunca a nossa.
O pior brbaro aquele que cr na barbrie, j diziam os filsofos. Entretanto, continuamos a
creditar ignorncia, primitivismo ou subdesenvolvimento queles que no comungam das nossas
crenas. Mas apelamos para algumas daquelas que repudiamos quando nos sentimos acuados
pela racionalidade e a impessoalidade que comandam as sociedades contemporneas: o trevo de
quatro folhas, a ferradura usada, o vaso com diferentes tipos de ervas curativas, e uma lista que
se estenderia por inmeras pginas.
O que devemos considerar que manifestaes culturais tm sentido por estarem referenciadas
a contextos sociais, histricos e culturais. No so meras sobrevivncias de um tempo remoto, que
insistem em permanecer em sua forma original. As expresses e manifestaes culturais so
dinmicas e como tal so ressignificadas a todo momento. Tentar preserv-las, tal qual animais
num zoolgico, seria priv-las de vida e da possibilidade de continuar a ressignificar-se. E, alm
disso tudo, o processo de rememorizao no pode ser pensado como esttico, a tradio nunca
mantida integralmente (ORTIZ, 1985, p. 132). No entanto, se tomarmos um evento folclrico
em particular, podemos considerar que sua memria existe como tradio e se encarna num

723

grupo social determinado e realimentada mediante sucessivas reapresentaes. Como no caso


da Congada, por exemplo, que se manifesta como vivncia de um grupo social. De acordo com
que afirma Carlos Rodrigues Brando, o saber popular no existe fora das pessoas, mas entre elas.
(BRANDO, 1981).
Retomando o conceito de cultura, vemos que ele nos permite entender que caractersticas
universais da humanidade, tais como comer, reproduzir, falar, educar as crianas, dentre
outras, adquirem particularidades em cada grupo humano. Mas devemos tambm ficar alertas
para o fato de que ao enfocarmos uma cultura particular, elegemos uma particularidade dela
para que possamos defini-la. Por exemplo, falamos que todos os brasileiros falam portugus.
Mas no podemos esquecer que o falam de maneiras diferentes. Elegemos a carne como um
alimento preferencial, mas nem todos os brasileiros comem carne. Capturamos as semelhanas
e as privilegiamos para apontar determinadas particularidades, isso no quer dizer que no haja
diferenas. importante precisar esta especificidade do uso do conceito cultura.
Sem desconsiderar o ambiente ecolgico, todas essas contribuies de origens culturais
heterogneas formaram o alicerce cultural brasileiro, e deram condies para que o pas se
assentasse numa base de unidade cultural plural pelas e apesar das diversidades regionais. Pois a
cultura no flutua no ar, ela dinmica e, consequentemente, as prticas culturais se modificam
e modificam o contexto social em que se inserem.
Assim, podemos afirmar que cultura, como um conceito antropolgico, vive a tenso de
conciliar a diversidade, a hierarquia e a unidade existentes entre as sociedades humanas. E, mais
que isso, que o plano da cultura recheado por contradies e fragmentaes, pois, como um
processo sustentvel, implica trocas que no excluem a dominao, a violncia ou a resistncia
cultural que caracterizam a sociedade brasileira. Discutir as peculiaridades de nossa sociedade
estudar suas zonas de encontro e mediao, as praas e os adros10 das igrejas, os carnavais,
as procisses e as malandragens, o jeitinho brasileiro (ROBERTO DA MATTA, 1976), mas
tambm no perder de vista suas contradies e diferenas. Pois, a sociedade se constri por
distintas tradies culturais em um mesmo espao poltico, onde a diferena um valor positivo e
vital (VIVEIROS DE CASTRO, 2006).
REFERNCIAS
BONTE, Pierre & IZARD, Michel. Dictionnaire de l` Ethnologie et de l`Anthropologie. Paris: Presses
Universitaires de France, 1992.
BRANDO, Carlos Rodrigues. Sacerdotes da Viola. Petrpolis: Vozes, 1981.

724

BRANDO, Carlos Rodrigues. A cultura na rua. Campinas:Papirus, 1989.


CANESQUI, Ana Maria e Garcia, Rosa W. (Org.). Antropologia e nutrio; um dilogo possvel. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2005.
FREIRE-MAIA, Newton. Brasil; laboratrio racial. 2. ed. Petrpolis:Vozes, 1973.
GEERTZ, Clifford. A interpretao das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara-koogan, 1989.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura, um conceito antropolgico. 14. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
LEVI-STRAUSS, Claude. Raa e Histria. In: Os pensadores v. L. So Paulo: Abril Cultural, 1976.
MATTA, Roberto da. Carnavais, malandros e heris. Para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de
Janeiro: Zahar, 1979.
MATTA, Roberto da. Relativizando, uma introduo a Antropologia Social. Petrpolis: Vozes, 1981.
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia v. II. So Paulo: EDUSP, 1974.
MONTERO, Paula. Cincia e Comunicao: a traduo e a re-inveno da etnicidade. So Paulo: MAE/USP/
Cebrap [mimeografado].
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. So Paulo:Brasiliense, 1985.
RAYNAUT Claude. dir. Sahels. Diversit et dynamiques des relations socits-nature. Paris: Karthala,
1997.
VILHENA, Luiz Rodolfo. Projeto e misso, o movimento folclrico brasileiro (1947-1964). Rio de
Janeiro: Funarte, 1997.
VIVEIROS DE CASTRO Eduardo. Batalha. In: <http://www.terrabrasileira.net/indigena/mitos/mitos1.
html>, 2006.
RODRIGUES, Jos Carlos. Antropologia e comunicao, princpios radicais. Rio de Janeiro: Espao
Tempo, 1989.
SHALINS, Marshall. Como pensam os nativos. So Paulo: Edusp, 2001.
SHALINS, Marshall. Cultura e razo prtica. Rio de Janeiro: Zahar, 1979.
SHALINS, Marshall O pessimismo sentimental e a experincia etnogrfica: por que a cultura no um objeto
em vias de extino (parte II) In: Mana Estudos de Antropologia Social v. 03, n. 01, 1997.
SCHELLING, Vivian. A presena do povo na cultura brasileira. Campinas: Unicamp, 1990.
STRINATI, Dominic. Cultura popular, uma introduo. So Paulo:Hedra, 1999.
TORRES, Patrcia Lupion (Org.). Alguns fios para entretecer o pensar e o agir. Curitiba: Senar-PR, 2007.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Este texto foi publicado anteriormente, modificado, in TORRES, Patrcia Lupion (Org.). Alguns fios para
entretecer o pensar e o agir. Curitiba: Senar-PR, 2007.

725

2 Civilizao foi um termo cunhado na Frana na dcada de 1750 e adotado pela Inglaterra. Tornouse popular em ambos os pases, pois explicou suas realizaes e justificou as exploraes imperialistas.
(SAHLINS, 2001, p. 22)
3

Para maiores referncia leia Lvi-Strauss, 1976.

4 Etnologia, principalmente na Frana o termo ganhou amplitude para designar o estudo das sociedades
tribais ou povos indgenas.
5

FUNAI Fundao Nacional de Apoio aos ndios.

Sessenta e um povos (28.2%) tm uma populao de at 200 indivduos; 50 (23.1%) entre 201-500; 37
(17.1%) entre 501-1.000; 43 (19.9%) entre 1.001-5.000; 09 (4.1%) entre 5.001-10.000; 05 (2.3%)
entre 10.001-20000; 01 entre 20001-30000; e02 com mais de 30.000. In: http://www.socioambiental.
org/pib/portugues/quonqua/quantossao/popindig.shtm

Etnia designa um conjunto lingustico, cultural e territorial de um certo tipo.

Na verso original, o lobo devora Chapeuzinho e sua av. Na verso suavizada, o caador liberta as duas
da barriga do lobo, enche-a com pedras, o que faz com que o lobo mau morra.

Os Kaingang, at o presente, formam grupos espalhados pelo oeste dos estados do Paran, Santa Catarina,
So Paulo, norte do Rio Grande do Sul e leste das Misses argentinas.

10 Terreno em frente ou ao lado de igrejas.

726

ARTE EM TODO LUGAR: OS CAMINHOS DO COTIDIANO E


A HISTRIA DAS ARTES VISUAIS NO PARAN

Elisabeth Seraphim Prosser

A histria da arte se confunde com a histria das sociedades, do pensamento e das crenas
do ser humano, bem como da construo significativa das moradias e das cidades. Ela expressa
o indivduo e a coletividade; o passado, o presente e o futuro; o espao e o lugar; o concreto e o
imaginrio; o mundo real e o fictcio; a realidade de cada um e o sonho.
Ao pensar em arte, esquecemos que ela est presente nos nossos muitos caminhos dirios,
seja na cidade, na praia ou no campo. Frequentemente, passamos por ela, mas no a vemos. Este
artigo tem como objetivo aguar a curiosidade e a percepo, fazendo-nos enxergar um pouco
mais da arte presente nos trajetos de cada um. Ela est em rochas e cavernas, em estruturas
arquitetnicas, dentro de museus, galerias e casas, nos imensos painis existentes em muitas
cidades, nas praas, nas igrejas, nas caladas, nos muros, no gibi, na revista, na publicidade e
em outros espaos.
Pode-se dividir a histria da arte no Paran em diferentes perodos:
Primeiros tempos
Pr-histrica, de aprox.8.000 a.C.1 poca dos descobrimentos, 1.500 d.C;
Proto-histrica, sculos XVI e XVII, caracterizada pelas redues jesuticas e vilas
militares espanholas, depois destrudas pelos bandeirantes.

727

Paran tradicional
Artistas viajantes, iniciada juntamente com a fase proto-histrica, at fins do sculo XIX,
caracterizada pelas obras de artistas estrangeiros viajantes no Estado;
Artistas imigrantes, nascidos no Paran ou que tm influncia marcante no desenvolvimento
artstico no sculo XIX, inclusive Mariano de Lima e sua escola.
A primeira metade do sculo XX: Andersen e o Paranismo
Alfredo Andersen e a escola de pintura espontnea que se forma em torno dele;
Paranismo: movimento desencadeado por Romrio Martins no fim do sculo XIX, com
a valorizao do regional, em reao contra a imitao da arte europeia.
Novas linguagens
de Integrao ao Modernismo, da dcada de 1940 at de meados dos anos 60;
e a contemporaneidade, da dcada de 1960 atualidade, perodo em que o Paran se
torna um centro de vanguarda.
PRIMEIROS TEMPOS
A ARTE PR-HISTRICA NO PARAN
Apesar de a presena humana nas Amricas, estimada em 30.000 anos (BLASI, 1980),
ser muito mais recente que na Europa e na frica, os artefatos e as manifestaes artsticas prhistricas no Novo Continente legam atualidade inmeros vestgios que permitem conhecer
alguns hbitos, crenas e um pouco da cultura e da organizao social de vrios grupos humanos
que viveram nesse territrio milnios atrs.
No Paran, de acordo com Araujo (2006, p. 2), destacam-se, sobretudo, trs grandes
segmentos: no litoral, grande profuso de sambaquis; na regio mais central, sobretudo no
Segundo Planalto, pinturas rupestres [...]; e no centro-sul, a presena de petroglifos. A cermica
tambm se faz presente em urnas funerrias, potes, gamelas, jarros, tigelas, alm de pequenas
figuras em pedra, representando animais (os zoolitos).
A pintura rupestre no Paran (a arte est nas pedras)
Arte rupestre quer dizer arte pintada ou gravada na rocha (do grego, rupes = rocha) e uma
das formas de arte do homem pr-histrico de todos os continentes. Certamente, havia, ainda,

728

arte sobre outros suportes (madeira, couro, folhas, tecidos, plumas e outros) que, por serem
perecveis, no deixaram rastro.
Nos pictogrifos de todos os continentes (do grego, picto = pintar; e graphein = grafar,
pintar, desenhar), so constantes a representao de animais e o uso dos pigmentos vermelho,
marrom e preto. Aparecem, tambm, a representao do ser humano, figuras geomtricas, pontos,
imagens que lembram o sol. Alm disso, h mos espalmadas e pegadas humanas deixadas
propositalmente em alguns stios. Provavelmente, cada uma dessas figuras est envolta em um
universo de rituais e de significados.
No Paran, as pinturas datam de 10.000 a 300 anos atrs: algumas remontam a bandos2
de humanos pr-ceramistas, portanto, de caadores e coletores de alimento; e outras a grupos
ceramistas ancestrais dos indgenas J (PARELLADA; LICCARDO, s.d), que acumulam alimento
em tigelas, jarros e potes, o que implica uma transio para o sedentarismo. Para Igor Chmyz
(apud SOARES, 2003, p. 73), as pinturas rupestres do Vale do Iap so feitas por ancentrais
dos Kaingangue pr-ceramistas. Sua idade estimada em 7.000 anos e pertencem chamada
tradio Umbu.
Atualmente, no Paran, so conhecidos cerca de 70 abrigos, lapas e/ou cavernas com
pinturas rupestres. A maioria est no Segundo Planalto, junto aos vales dos rios Iap, Tibagi,
Cinzas, Jaguaricatu e Itarar, e na escarpa de So Luiz do Purun (PARELLADA; LICCARDO,
s.d), formando um semicrculo que se inicia em Ponta Grossa, passando por Castro, Tibagi, Pira
do Sul, Jaguariava e Sengs (BARBOSA, 2004, p. 14). Esto presentes tambm, em menor
quantidade, no Primeiro Planalto, no alto rio Ribeira, e no Terceiro, em reas de rochas bsicas
da Formao Lavas da Serra Geral.
So trs os grandes grupos temticos que se veem nessas pinturas: animais, seres humanos
e desenhos geomtricos/grafismos. So, geralmente, pintados em locais altos e imprprios para
a habitao, o que mostra que no tinham funo decorativa. De modo geral, so desenhos
monocromticos, na maioria em vermelho, marrom ou preto. Predominam representaes de
animais da fauna local (veados galhados, coras, roedores, lagartos, tatus, porcos do mato, peixes,
aranhas e aves), mas h tambm desenhos esquemticos e estilizados da figura humana. Sinais
e elementos geomtricos, compostos por pontos, crculos e linhas, aparecem em profuso. Em
alguns paredes h pontos dispostos em linhas retas, circulares ou desenhando o contorno de
uma figura, feitos provavelmente com a ponta de um dedo, mergulhado em tinta vermelha. Muitas
vezes h imagens sobrepostas, o que aponta para contedos ritualsticos (ARAUJO, 2006, p. 2-3).
Estudiosos no descartam a possibilidade de muitas dessas pinturas serem sinais de orientao

729

para os povos pr-coloniais que, de acordo com os primeiros exploradores, viajavam muito a p,
de leste a oeste no Estado, na grande rede de caminhos do Peabiru.
Para Araujo (2006, p. 2-3), tais pinturas possuem o mesmo esprito narrativo, dinmico e
esquemtico, tendendo estilizao que caracteriza a arte rupestre da Espanha e do Continente
Africano. Apesar da recorrncia dos temas e da proximidade estilstica, observam-se diferenas
nos signos pictricos entre um abrigo e outro.
No centro-leste do Paran, em Ponta Grossa, Tibagi e Pira do Sul, como o caso do Guartel, as pinturas
geralmente tm cores vermelhas e marrons, sendo raras as pretas. Predominam as figuras de animais,
principalmente cervdeos, em perfil, e pssaros, tanto em perfil como de frente, ocorrendo com menor frequncia
lagartos, cobras, batrquios e peixes. As figuras humanas aparecem em menor quantidade, associadas muitas
vezes a animais e sinais geomtricos. Existem vrias representaes de animais enfileirados, sobrepostos ou
prximos a grades, alm de cena de pesca. Em vrios stios verifica-se a superposio de pinturas geomtricas
abstratas, mais recentes, geralmente em vermelho e caracterizadas por sucesses de pontos e grades [...].
No nordeste paranaense, principalmente nos municpios de Sengs e Jaguariava, existem muitos abrigos
com pinturas, em vermelho e marrom, onde a maioria das representaes so geomtricas. Predominam os
crculos, raiados ou no, traos, pontos e, com menor frequncia motivos geomtricos elaborados; a cor das
pinturas alterna-se entre o vermelho e o marrom. As pinturas localizam-se nas paredes e tetos dos abrigos,
situados preferencialmente no topo das escarpas arenticas e nas proximidades da borda dessas escarpas. [...]
Nas margens do canyon Chapadinha, em Pira do Sul, existem vrios abrigos arenticos com pinturas, inclusive
com figuras de animais e seres fantsticos (PARELLADA; LICCARDO, s.d).

Ainda no se sabe ao certo o significado dessas pinturas; mas, por analogia com outras
civilizaes pr-histricas e pelos animais e possveis armadilhas (grades quadriculadas)
representados, pode-se inferir que em parte esto ligadas a rituais de caa.
Os petroglifos
Os petroglifos (do latim: petra = rochedo, pedra; e do grego: glifo = esculpir, gravar) so
desenhos feitos nas rochas, mediante a inciso, o riscar, o picar ou o desgastar, com o uso de
instrumentos pontiagudos e duros como ossos, pedras e, eventualmente, pedaos de madeira dura
(GOMES, 2011). A quase totalidade dos petroglifos encontrados no Paran est em rochas a cu
aberto, cavernas e abrigos no Mdio e no Baixo Iguau3. Em Vargem Grande, Unio da Vitria,
Cruz Machado, Ivaipor e em outras localidades h numerosos stios arqueolgicos com incises
feitas por humanos, dos quais foram retirados, recentemente, objetos de pedra e cermica.
A maioria das incises de figuras geomtricas: linhas (simples, bi- e tripartidas), pontos,
crculos, tringulos, escadas, linhas onduladas, grades, com raras representaes figurativas.
H geometrismos que lembram patas de animais, aves e ps humanos; as linhas (estilizao do

730

movimento do corpo humano e de animais?); os tringulos; as grades (armadilhas? cercas?); as


escadas; e os crculos simples, concntricos ou feitos a partir de objetos redondos pontiagudos.
Em alguns painis h sobreposio de incises, algumas feitas em poca mais recente (LANGER;
SANTOS, 2013). Sobre sua interpretao h vrias possibilidades, todas elas, hipteses a
examinar: ritualstica, sinalizao de posse territorial, sacralizao, domnio do espao e outras
(GOMES, 2011).
Os sambaquis (a arte est na pedra, na areia e na cermica)
No litoral do Paran foram catalogadas quase duas centenas de sambaquis que, de acordo
com Andrade Lima (2005, apud BIGARELLA, 2011, p. 12), guardam resqucios de sociedades
que viveram h quase 8.000 anos. So montes estratificados construdos pelo acmulo de
conchas de moluscos que, provavelmente, serviam de alimento para os grupos humanos daquele
territrio. Sua base geralmente oval, irregular, ora mais, ora menos alongada. Variam de 0,5
a 15 metros de altura, alguns apresentam uma circunferncia na base de at 200 metros e um
volume de at 90.000 m3 de material (BIGARELLA, 2011, p. 24) os maiores constituem
verdadeiras montanhas. Quanto mais abundantes os moluscos em certos locais, maior a incidncia
de sambaquis o que mostra serem construdos nos lugares em que os humanos viviam e de
onde obtinham seu alimento. H sambaquis no interior do Estado, perto de rios, mas a maioria
se concentra na faixa litornea.
Alm de vrias espcies de conchas de moluscos, os sambaquis contm espinhas de peixes,
vrtebras de baleia, ossos de animais e vestgios de atividades cotidianas como sinais de fogueira,
artefatos esculpidos em pedra e osso (lminas de flexa e machado, anzis, colares, enfeites labiais,
peitoris e discos perfurados), seixos no trabalhados, ferramentas de caa e de pesca e utenslios
de cermica, alm de ossadas humanas cuidadosamente dispostas e oferendas. Para Bigarella
(2011, p. 12), os sambaquis foram locais de moradia e de prticas rituais e tmulos. Tudo isso
sugere uma aproximao entre as concepes de vida e morte nesses agrupamentos humanos, um
longo perodo para a construo de um sambaqui, cujo trmino poderia constituir o fechamento
de um ciclo para aquela comunidade e grupos humanos relativamente sedentrios.
Algumas pequenas esculturas encontradas nos sambaquis, os zoolitos ou figuras zoomorfas
(zoo=animal; litos=pedra), so bem elaboradas na tcnica da pedra polida (raramente, em osso) e
contrastam grandemente com a simplicidade dos outros objetos. De acordo com Bigarella (2011,
p. 12-13), constituem uma arte refinada e rara entre os caadores-coletores. Muitas possuem

731

no lugar do ventre do animal uma grande cavidade em forma de tigela. Elas foram encontradas
principalmente junto aos sepultamentos, com vestgios da tinta vermelha com a qual pintavam os
corpos que iriam sepultar e, por essa razo, podem estar ligadas a prticas rituais. Alguns desses
sepultamentos apresentam oferendas mais elaboradas e em maior quantidade, o que indica a morte
de uma pessoa com status mais alto na comunidade e, portanto, uma sociedade hierarquizada.
Para Araujo (2006, p. 2), os zoolitos so esculturas, ao mesmo tempo figurativas e esquemticas
de aves, peixes e cetceos, que revelam conhecimento intuitivo da morfologia animal, vigoroso
sentido plstico e pureza de concepo.
Muitos sambaquis foram destrudos pela ao humana para a construo de prdios,
estradas e caladas. De alguns, estudiosos preservaram objetos e documentaram vestgios da
ao humana que mostram, alm dos objetos citados, pontas de machado (em pedra lascada,
semipolida e polida), objetos cortantes (lminas para cortar), pedras para bater (instrumentos de
percusso? quebra-cocos?), adornos, colares de conchas e caramujos e outros artefatos de pedra,
dente e ossos de animais (trabalhados ou no), em forma de instrumento cortante e pontas de
flexas, agulha, anzol, ponta de arpo ou furadores etc.
Foram encontrados, ainda, fragmentos de peas de cermica rudimentar, de argila misturada
a areia, mal queimada, no glasurada, a maioria sem ornamentao, em forma de copo, bacia,
tigela, cuia, vaso, jarro e outras. A argila era moldada em rolos grossos, dispostos em espiral at
dar-lhe a forma e o tamanho do recipiente desejado. O alisamento rudimentar permite reconhecer
a tcnica de sua elaborao. Os dimetros mais frequentes desses recipientes eram de cerca de
10 a 80 cm (BIGARELLA, 2011, p. 192-193, 229).
Em algumas peas de cermica h vestgios de ornamentao em relevo feita por reentrncias
regulares, levemente arredondadas ou retilneas, feitas talvez com auxlio da ponta de uma casca
de molusco ou da lateral de uma concha, que se sucedem em linhas horizontais sobrepostas. No
sambaqui de Matinho, no Paran, foi encontrada uma pedra com desenho geomtrico gravado:
um zigue-zague composto por trs linhas paralelas (BIGARELLA, 2011, p. 230, 247 e 214).
No interior do Estado, foram encontradas tigelas de cermica em vrios tamanhos, muitas com
esse mesmo tipo de ornamentao, talvez realizado com gravetos, e oriundas de tribos indgenas.
As urnas funerrias eram comuns em tribos indgenas do Noroeste do Paran.
A preservao depende de cada um (a arte depende de voc)
Seja pela ao do tempo, da eroso ou de fungos tpicos de regies midas, seja pela ao
destrutiva do ser humano, as expresses de arte pr-histrica encontradas no Paran so partes de

732

um conjunto muito maior. Por desconhecimento da importncia dessa herana, por vandalismo ou
por irresponsabilidade de pessoas e instituies, muitas pinturas rupestres, petroglifos e sambaquis
so destrudos ou danificados por rabiscos, pichao, roubo, reaproveitamento do material ou
outro tipo de agresso. Apenas a conscincia do seu valor como patrimnio arqueolgico e
universal pode ajudar a preservar o que restou deles e permitir seu estudo de maneira sistemtica
e abrangente.
UM PARNTESE: OS INDGENAS E AS MISSES JESUTICAS
A arte dos povos indgenas (a arte est no cotidiano dos indgenas)
A arte e a cultura dos indgenas brasileiros, para Oldemar Blasi (apud ARAUJO, 2006, p.
5), tm seu apogeu muito antes da descoberta, pelos europeus, do Novo Continente. Blasi afirma
que, nos cerca de 30.000 anos da presena humana nas Amricas,
os nativos da terra, denominados ndios pelos conquistadores europeus que os subjugaram, desenvolveram
sua cultura material e espiritual distintamente, conforme a rea ocupada, embora sempre sob a inegvel
influncia dos agentes ambientais envolventes. [...] Tanto a capacidade de [criar] formas naturalistas ou no
como a de criar formas simplesmente imaginativas, so a causa da inusitada variedade de motivos empregados
pelos ndios. [...] O fato que impressiona que o ndio pr-histrico e histrico j havia chegado, muito antes
da vinda dos portugueses, a um alto grau de cultivo artstico, tendo intuitivamente descoberto muitas das leis
fundamentais da composio decorativa e da modelagem.

So esses povos que portugueses e espanhis encontram na regio que hoje compreende
grande parte do Paran, a Provncia do Guair, densamente povoada pelos Carijs, ramo dos
Guaranis. O Tratado de Tordesilhas tem como limite, ao sul, a cidade de Paranagu e, assim,
por quase dois sculos, toda essa regio constitui domnio espanhol. ali que os padres jesutas,
a partir de 1610, constroem as Misses Jesuticas do Guair, que chegam at os Campos
Gerais (ARAUJO, 2006, p. 6), mais tarde destrudas de modo avassalador pelos bandeirantes
escravagistas, que dizimam os jesutas e os indgenas.
Escavaes nas cidades fundadas na poca na Provncia de Guair mostram que muitas tm
incio nas prprias aldeias indgenas. Nelas achado grande nmero de peas em pedra e em
cermica, fusos e castiais, ao lado de objetos de tradio europeia como travessas e moringas,
cruzes e outros materiais de ferro fundido. A grande quantidade de cachimbos evidencia o uso do
tabaco e os fusos apontam para a tecelagem (os tecidos so frequentemente tingidos com o urucu)
e a fiao (redes, redes de pesca).

733

A arte sacra luso-hispnico-brasileira (a arte est nos objetos dos ritos religiosos)
Os colonizadores espanhis e portugueses trazem suas crenas e vrios objetos que
consideram essenciais para a sua prtica religiosa nas casas e nas igrejas que constroem: so
crucifixos, clices, bblias, missais, hinrios, imagens, objetos para a realizao da missa e
outros. Nas escolas jesuticas, alm de ensinar os indgenas a ler, contar e cantar, ensinam-lhes
carpintaria, pintura, escultura, a construo de instrumentos musicais (violinos, flautas, harpas,
rgos), a fiao e a tecelagem, sempre nos padres europeus. Assim, muitas imagens e objetos
encontrados em igrejas de cidades prximas s Misses so, certamente, esculpidos ou modelados
por mos indgenas.
A ARTE NO PARAN TRADICIONAL
OS EXPLORADORES E OS PINTORES ITINERANTES
Vrios exploradores vem para o territrio onde hoje est delimitado o Estado do Paran,
em busca de aventura, poder e ouro. Muitas vezes, um soldado integrante de alguma expedio,
hbil nas artes visuais, registra a fauna, a flora, a paisagem e os habitantes dessas terras, os seus
usos e costumes, suas guerras e sua cultura4. Em outras expedies, enviado um artista com essa
funo. Alm disso, durante os sculos XVII a XIX h artistas viajantes estrangeiros que, atrados
pelo desconhecido e pelo extico, viajam voluntariamente para terras distantes, para retratar
e documentar a vida nessas terras, levando Europa as primeiras impresses e notcias sobre os
habitantes e a paisagem desse territrio.
So esses desenhistas, ilustradores e pintores que documentam, principalmente por meio de
desenhos, aquarelas e ilustraes, o que existia no atual Paran. Ao voltarem ao Velho Continente,
muitos publicam suas obras em livros, acompanhadas de crnicas de viagem, com a descrio
detalhada do que encontram. Pintam a exuberncia da paisagem natural e aspectos da vida em
sociedade dos indgenas e dos europeus e, mais tarde, dos africanos. So os responsveis inclusive,
por representar os aspectos geogrficos das terras que percorrem, elaborando os primeiros mapas
dessas terras.
Os primeiros artistas estrangeiros (a arte est nos documentos histricos)
Soares (2001) relata que, ainda no sculo XVI, histrias sobre o ouro dos Incas, contadas
por indgenas, viajantes e nufragos, atraem muitos aventureiros europeus, os quais acreditam

734

poder localizar esse El Dorado navegando para o sul do Brasil, para alm da Ilha de Santa Catarina
(atual Florianpolis). Um pouco adiante, encontrariam o Rio La Plata e, adentrando o continente,
poderiam alcanar (e saquear) aquela terra. Para encurtar a distncia, alguns, como o espanhol
Cabeza de Vaca e seus homens, usam ramificaes do Caminho de Peabiru, transitado pelos
indgenas desde muito antes do descobrimento do Brasil, e que vai do litoral de So Paulo, Paran
e Santa Catarina at o Peru. De acordo com os Guaranis, no so eles que abrem esse caminho,
mas sim um deus ancestral. Como os Incas chamam seu imprio de biru, historiadores, hoje,
creem que esse caminho aberto pela civilizao incaica, com o intuito de ampliar seu domnio
ou difundir sua cultura para o sul, tendo encontrado o Atlntico (p = caminho; biru = Peru).
Partes dessa via e suas ramificaes cortam as terras paranaenses e so trilhadas por Cabeza de
Vaca, em sua viagem de 1540 a 1545 e por outros exploradores.
Nessa mesma poca, est na regio o soldado alemo Ulrich Schmidl (Schmidel), que
viera anteriormente na expedio de Pedro de Mendoza, rico cavaleiro da casa real, nomeado
primeiro adelantado (governador) da Provncia do Rio da Prata. Deveria descobrir o caminho
para o Peru e fundar trs fortalezas para a defesa do territrio (SOARES, 2001, p. 45). Schmidl
permanece no Prata por dezenove anos, percorrendo o mesmo caminho que Cabeza de Vaca.
Ao retornar Alemanha, publica, em 1557, o livro intitulado Verdadeira histria de uma viagem
extraordinria feita por Ulrich Schmidel von Straubingen, na Amrica ou Novo Mundo, de 1534
a 1554, sobre todos os seus sofrimentos de 19 anos, e a descrio dos pases e povos estranhos que
ele viu, escrita por ele prprio. O livro contm vrias ilustraes suas, que retratam indgenas nos
seus encontros ou batalhas com os europeus, naufrgios de caravelas, a fortificao da recmfundada Buenos Aires, batalhas entre diferentes tribos, a fauna, as terras e as aldeias indgenas,
com cercado circular e tabas redondas e outros temas. Porm, retrata o ndio de modo idealizado
(europeizado), como era comum nessa poca na Europa, que vivia o auge da Renascena5.
Outro ilustrador ainda de meados do sculo XVI, no Paran, o tambm soldado alemo
Hans Staden. Faz duas viagens ao Brasil: uma de 1547 a 1548, e a outra, de 1549 a 1555. Por
volta de 1550, o navio em que viaja arrastado por uma tempestade Baa de Superagui, onde
fica por algum tempo. Depois, em So Vicente, capturado pelos antropfagos Tupinambs, que
o levam para o sul. S consegue se salvar da morte por sua astcia, tornando-se apreciado pelos
indgenas que, a partir de ento, no permitrm que os deixe. Foge em 1555, a bordo de um navio
francs, que o leva de volta Alemanha. Em 1557, publica o livro Verdadeira histria e descrio
de uma terra de pessoas selvagens, nuas, cruis, devoradoras de gente, situada no novo mundo, a
Amrica, com descries detalhadas da vida dos Tupinambs, ilustradas por xilogravuras, e uma
ilustrao com detalhes geogrficos da costa, o primeiro mapa da baa de Paranagu.

735

Na xilogravura do livro de Staden aparece um navio num mar revolto, com a proa embicada para a terra.
Um grande e esguio peixe (espada?) figura na parte de baixo, talvez sugerindo a brutalidade dos elementos
naturais. Dentro do navio, os marinheiros de mos juntas parecem estar rezando. A baa mostrada por
uma reentrncia com trs ilhas em seu interior representando as suas barras. Na parte de cima, h a
representao de dois animais, um jaguar e um gamb (?), com a palavra (Suprawa). Montanhas e rvores
representam respectivamente o relevo e a vegetao do entorno da baa (PICANO; MESQUITA, 2011, p. 4).

De cerca de um sculo depois (1653) a planta da baa de Parangu e regio contgua,


elaborada por Pedro de Souza Pereira, durante o auge da minerao do ouro o primeiro ouro do
Brasil! , na qual aparecem as cidades de Paranagu e Curitiba, o interior da baia e a localizao
das minas de ouro (PICANO; MESQUITA, 2011, p. 1). O ciclo do ouro no litoral paranaense
responsvel pela povoao da baa e pelo surgimento e fortalecimento das primeiras vilas, a
partir de alguns arraiais: Ararapira, Paranagu, Porto de Cima, Antonina, Guaratuba, Morretes
e Curitiba (SCHMIDLIN et al., 2009, p. 12). Seu enriquecimento possibilitou o florescimento da
arte e da cultura, nos sculos seguintes.
Com a descoberta de ouro em Minas Gerais e o seu decrscimo no Paran, preciso suprir
as Gerais com gado muar e vacum vindo dos Andes. As tropas entram pelo Rio Grande do Sul e
passam por territrios hoje catarinenses, paranaenses e paulistas. Surgem fazendas de invernada
(engorda) e criao de gado, cuja maior concentrao
d-se na Regio dos Campos Gerais, especificamente por onde passava o Caminho de Viamo [de Viamo,
no Rio Grande do Sul, a Sorocaba, em So Paulo]. Estabelecem-se stios e fazendas, gerando o tropeirismo,
que constitui o segundo grande ciclo econmico do Paran, de fundamental importncia para o surgimento
de pousadas e vilas, hoje prsperas cidades como Ponta Grossa, Castro, Palmeira, Jaguariava e Lapa,
entre outras , bem como para sedimentar uma identidade prpria ou tradio cultural regional (ARAUJO,
2006, p. 11)

Nos Campos Gerais, regio de Ponta Grossa e Curitiba, cruzam-se os caminhos de Viamo
(no Rio Grande do Sul, a Sorocaba, em So Paulo) e do Peabiru, permitindo a comunicao e o
comrcio nesse territrio. Enquanto os muares fazem o trajeto sul-norte, vem do oeste a erva-mate,
cujo ch bebida comum para os indgenas, desde tempos pr-cabralinos. Trazida do territrio
paraguaio, a erva-mate primeiro cultivada no litoral paranaense e, logo, na regio de Curitiba,
constituindo um ciclo comercial relevante da economia local no sculo seguinte. Em 1750, pelo
Tratado de Madri, a Espanha reconhece a posse de Portugal sobre o territrio paranaense onde
as bandeiras haviam expulsado os jesutas hispnicos, agora parte da capitania de So Paulo
(ARAUJO, 2006, p. 11).
Da poca do reconhecimento dos grandes sistemas fluviais do Paran e da descoberta
dos campos de Guarapuava, com a chegada da expedio militar chefiada por Afonso Botelho

736

Sampaio e Souza, em 1771, o Ciclo Miranda, composto de 37 aquarelas6, acompanhadas de


minucioso relatrio descritivo, cuja autoria atribuda a Joaquim Jos de Miranda, que narra
os fatos como sequencialmente como uma histria em quadrinhos (ARAUJO, 2006, p. 11). O
Ciclo, de acordo com Araujo, tenta comprovar a bondade dos portugueses com os ndios na
chegada da Expdio, apesar de extensa documentao que atesta a extrema crueldade dos
portugueses com eles, dizimando-os, via de regra.
Os pintores itinerantes do sculo XIX (a arte est nas aquarelas, nos primeiros mapas e
nos desenhos antigos)
O sculo XIX de especial curiosidade europeia em relao aos territrios alm-mar.
Predomina nos pases germnicos o Romantismo7, que idealiza a aventura, as viagens, o
desconhecido e o retorno. Assim, no de admirar a quantidade de pintores e ilustradores viajantes
com esse interesse. A nsia por conhecer as novas terras leva ao envio de expedies cientficas,
como a que traz o jovem Darwin, de 1831 a 1836, da Inglaterra s Ilhas do Cabo Verde, ao litoral
sul Brasil e Patagnia e depois, por vias fluviais, at o Peru e de volta ao seu pas de origem.
Muitas das imagens e dos relatos apresentados nas publicaes desses viajantes so responsveis,
juntamente com a escassez vivida ento na Europa, pelas vrias ondas de imigrantes que veem
principalmente para o sul do Brasil e para outros pases. Alguns desses artistas itinerantes acabam
por radicar-se aqui.
Quanto situao poltica, apesar de ser criada, em 1811, a Comarca de Paranagu e
Curitiba, com capital em Paranagu, ela ainda pertence Capitania de So Paulo. Apenas em
1853, criada a Provncia do Paran, com capital (inicialmente provisria) em Curitiba.
O primeiro pintor da paisagem paranaense no sculo XIX Jean-Baptiste Debret. Integra
a Misso Artstica Francesa, cujo propsito fundar no Rio de Janeiro a Academia Real de
Belas Artes, quando da estada de D. Joo VI na ento Colnia. Debret desembarca no Rio em
1816 e logo documenta a paisagem, o ser humano e a sociedade. Preocupado em acumular
esboos para o seu projetado livro Voyage pittoresque et historique au Brsil, Debret percorre o
territrio paranaense em 1827, produzindo nmero considervel de desenhos e aquarelas [...],
de extraordinrio valor documental para o Paran (CARNEIRO, 2001, p. 13). Retorna Frana
em 1831 e publica seu livro entre 1834 e 1839.
O roteiro seguido pelo artista-viajante o do velho caminho das tropas at Curitiba (desde Itarar, na divisa
de So Paulo), descendo a Paranagu e Guaratuba para alcanar o litoral norte de Santa Catarina. Visita

737

no s localidades j importantes, como Castro, mas tambm pequenos centros que apenas surgiram, como
Jaguariava, Ponta Grossa ou Palmeira. Com o objetivo de completar a cobertura iconogrfica da regio, como
j o fizera em todo o vale do Paraba e no sudeste da Provncia de So Paulo, vai Lapa (CARNEIRO, 2001,
p. 13-14).

H ainda obras de Debret que retratam Guarapuava, Guaratuba e Curitiba, comprovando


sua passagem tambm por essas localidades.
Quase na mesma poca da estada de Debret, no Paran, Adriano Taunay, da Misso
Langsdorf, pinta obras preservadas em acervo de Leningrado, no qual, presume-se haver pinturas
da paisagem paranaense. Dele conhece-se at o momento apenas o retrato de um rico tropeiro de
Castro, a cavalo.
Araujo (2006, p. 30) e Carneiro (2001, p. 13-22) mencionam outros artistas estrangeiros,
viajantes, que registram a paisagem local: o Pastor Fletcher, em 1855, que permanece trs dias
em Paranagu e fixa em croquis cenas da Serra do Mar e Ancoradouro de Cotinga, posteriormente
aproveitados pelos litgrafos Van Ingen e Snyder para ilustrar a obra Brazil and Brazilians; a
senhora Liais, em 1858, que registra entre outros, aspectos da flora tropical e da sociedade
de Paranagu particularmente importante por seu valor etnogrfico posteriormente gravados
por Dargent; Julius Platzmann, tambm em 1858, que fica seis anos na regio e colabora
como ilustrador da obra Flora Brasiliensis, dirigida por Martius de 1840 a 1868; Joo Leo
Palilre, que passa pelo litoral paranaense em 1860 e publica, depois, entre suas 52 obras,
duas registradas em territrio paranaense; o engenheiro Gustavo Rumpelsberger, radicado
na Colnia Tereza, nos sertes do Iva de 1847 a 1869, durante sua permanncia no Paran
remete grande nmero de desenhos de animais e plantas Corte, dos quais, salvo menes,
se desconhece o paradeiro; o engenheiro William Lloyd, que percorre o Paran de 1873 a
1875, a trabalho da estrada de ferro que ligaria Curitiba a Miranda (Mato Grosso); considerado
por Newton Carneiro um grande aquarelista e que deixa dez paisagens do Paran de inestimvel
valor iconogrfico; o tambm engenheiro Thomaz Bigg Whiter, nos dois anos em que trabalha
na mesma ferrovia, substituindo Lloyd, documenta em croquis aspectos do Paran: vinte
desses desenhos posteriormente litografados servem de ilustrao sua obra Pioneering in South
Brazil (Londres, 1878); Hugo Calgan, em 1881, deixa preciosa documentao iconogrfica;
Caroline Maxwell Templin, em 1852, que pinta principalmente a fauna e paisagens; e outros.

738

PRIMEIROS ARTISTAS NASCIDOS EM TERRAS PARANAENSES E OS QUE FICARAM


Os imigrantes
A poltica imigratria brasileira incentiva e patrocina a vinda dos imigrantes europeus,
voltada para a colonizao dos vazios demogrficos. assim que, em 1808, Dom Joo VI
baixa um decreto tornando possvel a propriedade da terra aos estrangeiros e o Paran passa
a contar, cada vez mais, com a mo de obra do imigrante europeu, livre, assalariado, pequeno
proprietrio. Surgem ento os primeiros ncleos de origem europeia no portuguesa em territrio
paranaense, dos quais alguns se tornam, mais tarde, cidades: Rio Negro e Mafra, onde se fixam
alemes (1829); Teresa Cristina, franceses (1847); Superagu e Guaraqueaba, suos, alemes
e franceses (1852); Assungu, ingleses, franceses e alemes (1859); Morretes, italianos (1877); e
outros, como os poloneses, ucranianos etc.
A precariedade da vida nos ncleos no litorneos d incio a um movimento espontneo
de reimigrantes dessas localidades e de Santa Catarina para pequenas chcaras nos arredores de
Curitiba (FUGMANN, 2008). Ao mesmo tempo, o fim do ciclo do ouro no litoral, as dificuldades
com o clima, o desconhecimento do mal causado pelas picadas dos mosquitos, a falta de orientao
sobre como prevenir-se das doenas tropicais e a falta de assistncia mdica e medicamentos,
bem como os impedimentos para voltarem aos seus pases de origem, levam o governo imperial
a permitir a transferncia para os planaltos de Curitiba e dos Campos Gerais aos imigrantes que
a desejassem, j que ali o clima mais frio mais prximo ao que conheciam na Europa (TURIN,
1998, p. 22).
O imigrante logo se torna personagem tpico da regio: cria a agricultura de abastecimento, a
pequena propriedade e participa da economia da madeira, do gado e do mate, alm de concorrer
para a modificao do aspecto urbano. Muitos so pedreiros, carpinteiros, sapateiros, padeiros,
salsicheiros, relojoeiros, ferreiros etc., e vrias dessas oficinas evoluem para a indstria. Em
1877, j de cerca de 6.000 o nmero de imigrantes estabelecidos nos arredores da capital.
Entre eles, h inmeros artistas, intelectuais, professores e profissionais liberais, que
exercem grande influncia na construo da sociedade e da identidade do curitibano, pois, como
costume do europeu, so acompanhados pelos homens de letras e cincias preocupados com o
preparo intelectual dos jovens e o estudo do meio (BINI, 1986, p. 40). a partir deles que, ao
se integrarem ao contexto luso-brasileiro local e ao tomarem parte ativa no cotidiano das cidades,
se formar uma sociedade com vida e interesses prprios quanto educao e cultura, dando

739

origem a escolas para as suas crianas, igrejas para as suas manifestaes religiosas e associaes
recreativas para o seu lazer.
Os artistas
Assim, o sculo XIX conta, alm dos artistas viajantes, apenas de passagem no territrio
paranaense, com outros que acabam por ficar, nossos primeiros artistas imigrantes, e que tm
papel relevante, no apenas na documentao e no registro da paisagem natural e humana, mas
tambm no desenvolvimento de uma arte local. Seu estilo naturalista8 justifica-se pelo carter
documental das suas obras.
O litoral paranaense o primeiro territrio do Paran colonizado por portugueses e por
brasileiros atrados regio pela descoberta do ouro. Paranagu a vila mais importante da regio,
na qual transitavam os nobres que o ouro forja. Em consequncia dessa riqueza, de acordo com
Bini (1986, p. 40), esta a primeira vila que apresentou as condies para o desenvolvimento
artstico, entre 1791 e 1808, j atua o mestre Amaral Gurgel, professor de desenho que auxilia
no desenvolvimento da sensibilidade esttica em seus jovens alunos. Outro nome do contexto
artstico dessa cidade o pintor Noel Guillet.
Pertencem a esse grupo os artistas nascidos aqui Joo Pedro, O Mulato, artista
curitibano, primeiro desenhista de humor atuante no Brasil e que registra cenas em Curitiba,
Paranagu e Desterro (SC), nos idos de 1817; e Iria Correia, primeira pintora paranaense,
que estuda em Paranagu com as irms James e com as irms Toulois, radicadas na ento
capital da Comarca. Alm deles, figuram nesse grupo os artistas-imigrantes o alemo Frederico
Guilherme Virmond, provavelmente o primeiro a se radicar no Paran, em 1833, zologo,
pintor, miniaturista, retratista; John Henry Elliot, topgrafo, viaja por toda Comarca, um dos
primeiros paisagistas paranaenses e um dos primeiros nativistas em territrio nacional (ARAUJO,
1980, p. 20) pinta Curitiba, So Jos dos Pinhais e os indgenas; e o suo William Michaud,
que se radica em Superagui a partir de 1854, onde leciona e trabalha durante quase toda a segunda
metade do sculo. Os nicos artistas desse grupo que, depois de cerca de vinte no Brasil, acabam
voltando para a Europa so Joseph e Franz Keller, pai e filho. Engenheiros alemes, chegam
ao Brasil em 1856 para trabalhar nas novas estradas de ferro e de rodagem. Vm ao Paran em
1865 e suas obras ultrapassam o registro iconogrfico, pois constituem meticulosa documentao
cientfica, etnogrfica e arqueolgica, publicada na Alemanha, em 1874 (CARNEIRO, 2001).

740

OS CICLOS DO MATE E DA MADEIRA


A situao favorvel pecuria e ao tropeirismo permanece at a dcada de 1860,
quando as ferrovias passam a substituir os muares no transporte de cargas. O ciclo do mate,
com suas atividades de explorao, fabrico e comrcio, perdura de 1820 a aproximadamente
1920 (LINHARES, 1969, p. 195). O declnio do mate como produto hegemnico no Paran
consequncia da Primeira Guerra Mundial, com as dificuldades dos pases importadores e a
concorrncia de pases como a Argentina e o Uruguai.
Os ervais cobrem extensas terras paranaenses, respondendo, em certos perodos, por 85%
da economia da provncia (WACHOWICZ, 2001, p. 96). Com isso, desenvolvem-se, no decorrer
do sculo XIX: as estradas de rodagem, as estradas de ferro, a navegao fluvial, o povoamento,
a colonizao, a fundao de cidades, uma melhor representao poltica, a fortuna das principais
famlias paranaenses (LINHARES, 1969, p. 195).
A emancipao da Provncia do Paran, em 1853
Apesar de Curitiba ser escolhida oficialmente como a capital da nova Provncia do Paran,
quando da sua emancipao, em 1853, Paranagu continua, ainda, a sua capital cultural e
econmica. o que se v nas ilustraes de bailes, nas escolas e nos nomes das famlias abastadas
da poca, com seus ttulos de nobreza. Porm, aos poucos, a atividade do mate transferida para
o planalto, desenrolando-se ali um processo de crescimento econmico, intelectual e cultural.
o que notamos atravs das notcias impressas no jornal Dezenove de Dezembro, fundado por Cndido
Martins Lopes em 1854. A vida em sociedade se acentuou: so fundadas sociedades ginsticas, recreativas
e dramticas e at um primeiro teatro em 1855. A tipografia de Cndido Lopes, a instalao do Lyceu
da Provncia, primeiro estabelecimento de ensino secundrio e a construo de edifcios pblicos, atestam
tambm esse progresso (RODERJAN, 1967, p. 4).

Desde que se aufere a Curitiba o grau de capital, polticos, imprensa, letrados e professores
comeam a ir nova terra. O curitibano, ainda de feio roceira, procura ilustrar-se, lustrar-se
e aprumar-se moda, usos e costumes civilizados. E nessa busca por instruo e cultura, a
cidade atrai tambm importantes figuras parnanguaras: Pianos subiam, em lombadas de burros,
o Itupava e mestres msicos, os mais notveis, como Bento Menezes e Jacinto Manuel deixavam
sua velha e querida Paranagu pela nova terra do futuro (SANTOS FILHO, 1979, p. 98-99).
Alm disso, o mate d ao Paran uma aristocracia de viscondes e bares, a exemplo do
que ocorreu com a cana-de-acar no nordeste (LINHARES, 1969, p. 194), atrai o imigrante

741

que se adapta facilmente explorao da erva; um fator de fixao do homem terra; reativa o
setor comercial, fazendo surgir atividades paralelas: a fabricao de barricas, a criao de animais
para o transporte e uma nova categoria social: os produtores e os comerciantes (VALENTE,
1997, p. 54).
Baro do Serro Azul, o mate e a litografia (a arte est nos rtulos)
A partir de 1875, a maioria dos engenhos j est transferida do litoral para o planalto.
Algumas fases da comercializao do mate fomentam o desenvolvimento em outras reas, como,
por exemplo, a litografia9. Ildefonso Pereira Correia, o Baro do Serro Azul, importante ervateiro
e lder poltico, contrata dois artistas catales, Narciso Figueiras e Folch, para elaborar os
rtulos, impressos inicialmente por litografia para identificar o produto das barricas usadas no
transporte e na comercializao do mate. A contratao desses pioneiros da litografia no Paran,
relaciona a participao de ervateiros evoluo das artes grficas. Para tanto, o Baro do Serro
Azul adquire a Impressora Paranaense, fundada por Cndido Lopes, o introdutor da imprensa no
Paran, e a Litografia do Comrcio (CAROLLO, 1993, p. 44).
A Estrada de Ferro e a Visita do Imperador (a arte est no humor)
Muitos autores citam a inaugurao da Estrada da Graciosa (em 1873) e da Estrada de Ferro
entre o litoral e o planalto (em 1880) como a principal causa do desenvolvimento da regio. Comentam
o surgimento de vrias associaes literrias no Paran, de teatros e clubes e um entusiasmo quanto
palavra escrita e arte em geral: alargam-se os horizontes intelectuais de 1873 em diante. Os
jornais e revistas literrias monopolizam o entusiasmo dos intelectuais que do na prosa e no verso
nomes de grande valor para a literatura nacional (RODERJAN, 1967, p. 24).
para a inaugurao da Estrada de Ferro que o Imperador Pedro II e a Imperatriz Thereza
Christina vm a Curitiba.
Por detrs das festas, do beija-mo, do derrame de comendas, do Te Deum, dos bailes imperiais, da visita
s colnias, transpiram os anseios econmicos do Paran que comeava, os primrdios da nossa indstria, a
consolidao da agricultura, o apogeu da elite ervateira, os fundamentos do corredor de exportao que a
ferrovia Curitiba-Paranagu, a consolidao da imperial poltica de imigrao responsvel maior pela nossa
herana cultural multivariada (CARNEIRO, s.d., [p. 1]).

Os jornais do Rio de Janeiro publicam vrias caricaturas retratando a visita do Imperador


distante Provncia do Paran, especialmente na Revista Ilustrada, semanrio impresso no Rio, em

742

diferentes datas (CARNEIRO, s.d., [p. 4]). Sua visita influi grandemente para o desenvolvimento
artstico de Curitiba, pois o Paran passava a existir como unidade poltica adulta que merecera
a visita imperial (BINI, 1986, p. 40).
Mariano de Lima e sua Escola (a arte est nos cenrios dos teatros)
nessa atmosfera de entusiasmo, que, em 1884, chega a Curitiba o cengrafo, pintor e
escultor portugus Mariano de Lima (1858-1942). Vem ao Brasil a trabalho, inicialmente para
o Rio de Janeiro e, logo, contratado para executar a decorao e os cenrios do Theatro So
Theodoro (depois, Theatro Guayra), em Curitiba. Ao final do seu contrato, cria, em 1886, a que
vem a ser a Escola de Belas Artes e Indstrias10. Apesar de sinais de uma atividade pictrica de
porte razovel no Paran, pelo menos a partir da dcada da emancipao, seja em realizaes
de indivduos isolados, seja em colgios como ocorrera em Paranagu, 1886 surge como marco
inicial da pintura na capital.
O fato tem ampla repercusso na imprensa, o engajamento de muitos homens da cultura da
cidade como seus professores, um nmero expressivo de alunos, proporcionando-lhes formao
de qualidade. Curitiba a terceira cidade no Brasil a ter uma escola de arte, atrs apenas do Rio
de Janeiro e Salvador (ARAUJO, 2006, p. 41). A Escola desempenha um papel decisivo tanto no
desenvolvimento das artes plsticas e da msica quanto no impulso que leva fundao da futura
Universidade do Paran.
So dois os modelos que servem de base para esse empreendimento. De um lado, as escolas
de ensino profissional do interior da Frana e, principalmente, o Conservatrio Nacional de Artes
e Ofcios de Paris, com a aplicao das cincias ao trabalho industrial. De outro, o Liceu de
Artes e Ofcios do Rio de Janeiro. A Escola divulga o ensino acadmico11 e adota o sistema de
premiaes (BAPTISTA, 1988, p. 6).
Mariano de Lima pinta retratos a leo de vrias personalidades da aristocracia e da liderana
da cidade. Entre os alunos de Mariano destacam-se Maria da Conceio Aguiar de Lima
com quem se casou e que o substitui na direo da Escola, quando abandona a cidade seu
trabalho de execuo acadmica tratado em detalhes (BINI, 1986, p. 41); Benedito Antonio
dos Santos Galvo, de quem se conhecem a escultura em gesso A gargalhada e outras peas,
inclusive desenhos a bico de pena com os quais ilustra o jornal O Paran Ilustrado (ARAUJO,
2006, p. 47). na Escola de Mariano que se originaram os mais expressivos escultores atuantes
no Paran, na primeira metade do sculo XX, entre os quais se destacam Joo Turin e Joo
Zaco Paran (Jan Zak).

743

Alfredo Andersen, considerado o pai da pintura paranaense, comentou anos mais tarde,
em entrevista imprensa, sobre a impresso que lhe causou uma visita feita em 1893 Escola
de Mariano de Lima: visitei a Escola de Artes e Indstrias, dirigida pelo Sr. Mariano de Lima,
impressionando-me bem essa ligeira visita. Encontrei as diferentes classes cheias de alunos:
crianas, moas, rapazes, e homens, todos trabalhando na melhor ordem. [...] Essa breve visita
fez de mim um admirador do Paran (DICIONRIO histrico-biogrfico... 1991, p. 256).
Um dos ex-alunos de Mariano de Lima, Paulo Ildefonso DAssumpo, depois de
continuar seus estudos no Rio de Janeiro, volta e torna-se professor da Escola de Mariano. Poucos
anos depois, passa a denegrir o antigo professor e sua escola, talvez como estratgia para obter
apoio, alunos e patrocnio para a criao do seu Conservatrio de Belas Artes, inaugurado em
1894, e que, mais tarde, passo a chamar-se Escola de Aprendizes e Artfices12. Isso causa o
declnio e o posterior fechamento da Escola de Mariano de Lima que, na sua fase final, dirigida
por Maria Aguiar de Lima.
A PRIMEIRA METADE DO SCULO XX
ALFREDO ANDERSEN E A PINTURA (a arte est nos atelis)
O pintor noruegus Alfredo Andersen (1860-1935) estuda em Oslo e em Copenhagen,
Dinamarca. Filho de um comandante de navios, aps viajar por toda a Europa, frica, ndia e
Estados Unidos, chega ao Brasil em 1871, permanecendo algum tempo em Cabedelo, Paraba,
e retorna, em seguida Noruega. Em 1893, empreende uma segunda viagem ao Brasil. Retido
em Paranagu por avaria do navio em que viajava, acaba residindo por cinco anos nesta cidade
do litoral paranaense e casando-se com D. Ana de Oliveira (PERODO DE..., 2001, p. 24).
Andersen j havia estado em Curitiba, em 1893, quando conheceu a Escola de Belas Artes
e Indstrias de Mariano de Lima, expressando sua admirao por ela. Em 1903, convidado
para pintar alguns retratos de famlia, a pedido de um amigo aceita alguns alunos. Logo faz
vrias exposies, pinta outros retratos e vende vrios quadros, fixando-se definitivamente na
cidade. Araujo (1980, p. 15) comenta que quando ele chega ao Paran, encontra o caminho
aberto por Mariano de Lima. [...] Em 1902, desgostoso Mariano de Lima deixa definitivamente o
Paran, cabendo a Andersen a misso de lanar os alicerces da criao de uma escola de pintura
paranaense, baseada no objetivismo visual13 que, sem estar presa a um formalismo acadmico,
oscila entre o realismo14 e o impressionismo15. Logo d aulas particulares de desenho e pintura,
criando uma espcie de escola livre no seu ateli, onde se renem inmeros jovens, alguns dos
quais se tornam grandes nomes da arte. Leciona ainda na Escola Alem, no Colgio Paranaense

744

e na Escola de Belas Artes e Indstrias, ento dirigida por Maria Aguiar de Lima (BINI, 1986,
p. 42).
Como pintor, Andersen dedica-se s paisagens, aos retratos e s cenas de gnero. nestas
que seus ideais humanitrios so mais claramente percebidos, pois retrata pessoas comuns em
suas prticas laborais, inseridas em uma paisagem ou em um contexto familiar, nos quais valoriza o
meio ambiente e as caractersticas da vida cotidiana. Nos seus retratos, percebe-se a sua maestria.
De modo geral, trabalha intensamente o claro-escuro, to caro aos pintores nrdicos (ARAUJO,
2006, p. 45).
Um dos seus maiores ideais criar uma Academia de Belas Artes, de ensino superior, ou
uma Escola Profissional de Desenho para Operrios, profissionalizante, ambas nos mais atuais
modelos europeus de ento, gratuitas, subsidiadas pelo governo. Foram muitas as promessas de
vrias autoridades nesse sentido, com o fito de o manterem no Paran, todas elas no cumpridas.
No entanto, sua pintura de caractersticas realistas-impressionistas marca a arte paranaense
por quase meio sculo e ele passa a ser chamado pai da pintura paranaense, tanto por
trazer ao Paran uma linguagem, na poca, revolucionria na pintura, quanto pela qualidade
artstica alcanada pelos seus discpulos. Dentre eles, destacam-se Lange de Morretes, Joo
Ghelfi, Estanislau Traple, Waldemar Curt Freyesleben, Gustavo Kopp, Theodoro De
Bona, Maria Amlia DAssumpo, Inocncia Falce, Isolde Htte, Augusto Pernetta,
Silvina Bertagnoli, Thorstein Andersen, Jos Daros. Todos, apesar de muitos estudarem
posteriormente na Europa, mantm a pincelada quase impressionista andersista, apoderandose, uns mais, outros menos, de elementos do expressionismo. Estes, ao lado de Turin e Zaco
Paran, so os nomes que predominam nas artes visuais em Curitiba nas primeiras dcadas do
1900, desenhando, pintando, esculpindo e ensinando (ARAUJO, 1980, p. 24-27).
Afora Andersen, j a partir dos anos 20, outros artistas da cidade ensinam pintura, desenho
e escultura em seus prprios atelis, ministrando cursos livres. Entre eles, Lange de Morretes e
mais tarde Guido Viaro. So estruturas informais de ensino da arte, que renem grande nmero
de interessados e de intelectuais.
PRINCIPAIS DISCPULOS DA ESCOLA DE MARIANO DE LIMA
O desenho de humor (a arte est na caricatura)
Depois de Joo Pedro, O Mulato, de incios do sculo XIX, apenas em 1870 que surge
o primeiro e efmero peridico humorstico e de caricaturas16 da Provncia, O Barbeiro, de

745

iniciativa de Joo Antonio de Barros Jr., que critica os poderosos da cidade, todos arraigadamente
conservadores e escravocratas. Dada a imensa reao, foi obrigado a fech-lo, lanando o jornal
Operrio da liberdade, primeiro peridico republicano do Paran e um dos primeiros do Brasil
(CARNEIRO, 1975, p. 28-31).
Somente cerca de duas dcadas depois o Paran tem outro caricaturista: o exmio litgrafo e
proprietrio da Litografia do Comrcio, que trabalhava, entre outros, para o Baro do Serro Azul,
na rotulagem dos produtos de erva mate, Narciso Figueras. Professor da Escola de Mariano
de Lima, leva seus alunos para estagiarem na sua empresa, o que explica, o surgimento de
toda uma gerao de excelentes caricaturistas e ilustradores em Curitiba, no final do sculo XIX
e incio do sculo XX (ARAUJO, 2006, p. 42), como Mariano Antonio de Barros [Mario
Barros] (Heronio) e Aureliano de Azevedo Silveira (Sylvio), Manoel Azevedo Silveira Netto
(Silveira Neto). De fato, a arte de humor, em Curitiba, tem uma primeira fase de ouro de final do
sculo XIX at a dcada de 1930. Outros caricaturistas da poca so Coelho Junior, Darvino
Saldanha (K. Brito), Olvio Dietzsch (Olvio), Otvio Guimares (O. Guimares), Pedro
Macedo (Macedo), Euclides Chichorro (Flix, Paulo), J. Lopes (Sepol), Simeo, Heltius e
Columeno, entre outros, alguns relacionados Escola de Mariano de Lima, outros no.
Com a Primeira Guerra Mundial, acontece um hiato na histria da caricatura no Paran,
at 1921, quando Alceu Chichorro (Eloy) cria a revista O anzol. Alceu, um dos caricaturistas
at hoje mais conhecidos da poca, estuda na Escola de Artfices, dirigida por Paulo Ildefonso
DAssumpo, que, por sua vez, fora discpulo de Mariano de Lima. Seus personagens, Chico
Fumaa, Dona Marcolina, Tot, Tancredo, Pascoalino e Minervino, entre outros, fazem parte da
vida da cidade. Suas charges tm sabor poltico e criticam a sociedade e a economia de modo
satrico. So usadas, tambm, para a publicidade de certas empresas e produtos (CARNEIRO,
1975, p. 51-55; BIA, 1994, p. 1).
A escultura (a arte est nos monumentos)
Joo Zaco Paran (Jan Zac) (1884-1961), polons naturalizado paranaense, adota o
nome Joo Zaco Paran, em homenagem a esse Estado. Frequenta a Escola de Mariano de
Lima a partir de 1898. Nestes anos produz muitos trabalhos e bustos de madeira de grande
valor expressivo, uma vez que representam o homem popular e nativo. Depois de estudar no
Rio de Janeiro, em Bruxelas e em Paris, fixa-se nesta ltima, lecionando na Escola Nacional de
Belas Artes. Tem esculturas em vrios museus europeus e em vrias cidades do mundo (BINI,

746

1986, p. 41-42). sua a esttua O Semeador, colocada na Praa Eufrsio Corra, em Curitiba
homenagem do imigrante polons cidade que o acolheu.
Joo Turin (1878-1949)17, escultor retratista e animalista, depois de estudar na Escola
de Mariano de Lima, estuda em Bruxelas e vive em Paris at 1922. Novamente radicado em
Curitiba, cria o Movimento Paranista (ser tratado em item especfico), com Lange de Morretes e
Joo Ghelfi (BINI, 1986, p. 41-42). Tem obras expostas em vrios pases. So suas as esculturas
Luar do Serto, colocada em frete Prefeitura de Curitiba, e Tigre esmagando a cobra, na entrada
da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Paran. de sua autoria a obra Frade lendo, doada
pelo Governo brasileiro ao Papa Francisco, em visita ao Brasil em julho de 2013. A obra, que
mede 44 cm de altura, 18 cm de largura e 26 cm de profundidade, como todas as esculturas de
Turin, existe a partir do original em gesso. da segunda metade da dcada de 1930, e fundida
em bronze pela primeira vez em 2012.
PRINCIPAIS DISCPULOS DE ALFREDO ANDERSEN (a arte est nos museus, nas galerias de
arte e nas praas)
[Frederico] Lange de Morretes (1892-1954) estuda com Andersen, que o faz continuar
sua formao artstica na Alemanha, onde estuda, tambm, Zoologia. Por ter um nome comum
naquele pas, adota seu pseudnimo, em homenagem cidade em que nasceu. Retorna ao Brasil
em 1920, fixando-se em Curitiba. Em sua casa mantm um ateli, em que d aulas gratuitamente
de desenho anatmico, pintura e escultura. Vrios de seus alunos seguem carreira artstica, entre
eles Arthur Nsio, Kurt Boiger, Augusto Conte e Erbo Stenzel (SALTURI, 2007, p. 28). o mais
carismtico dos discpulos de Andersen, o que explica sua atuao na criao e na liderana
do paranismo nas artes visuais, ao lado de Turin e Ghelfi. Desgostoso com a poltica, transferese para So Paulo, onde se dedica paleontologia e malacologia. Ao retornar a Curitiba em
1946, continua seu trabalho cientfico no Museu Paranaense, com relevantes pesquisas sobre os
sambaquis, ao lado de Joo Jos Bigarella e outros. Em sua coleo esto preservados importantes
exemplos da arte pr-histrica paranaense (BIGARELLA, 2011). Um dos fundadores da Escola
de Msica e Belas Artes do Paran (Embap), em 1948, passa a lecionar Anatomia e Fisiologia.
Considerado grande paisagista e retratista, seu papel na formao de novos artistas e no paranismo
essencial para a histria da arte no Estado.
Joo Guelfi (1890-1925), um dos primeiros alunos de Andersen, falece em um acidente,
prematuramente. Bomio, brincalho e irreverente, alm de pintor, escultor e crtico de arte,
sob o pseudnimo de Ghibellinus. De acordo com Lange de Morretes (1953, p. 168), um

747

sonhador e tambm um esprito altamente crtico e, talvez, at mordaz. Com Turin e Lange de
Morretes, cria o paranismo nas artes visuais. Estuda em Paris entre 1913 e 1914 e, ao voltar,
transforma seu ateli em um ponto de encontro de artistas e intelectuais. Segundo Freyesleben,
traz entre suas obras uma srie de homens e mulheres quadrados, o que indica ser ele um dos
primeiros cubistas18 brasileiros. Grande parte das suas obras destruda, talvez por sua viva
(ARAUJO, 2006, p. 52), mas as que restam mostram uma viso integrativa do conjunto, do jogo
de cores e da iluminao (PINTORES..., 2001, p. 27). Com Gustavo Kopp e Annibal Schleder,
tambm discpulos de Andersen, completa o trio romntico da juventude bomia dos anos 1920
em Curitiba (ARAUJO, 2006, p. 53).
Estasnislau Traple (1898-1958) inicia seu aprendizado na arte com o litgrafo alemo
Alexander Pohl, na Impressora Paranaense. Em 1916, frequenta as aulas de Andersen, revelandose aptido para o retrato, a figura humana e a paisagem. Aos poucos, deixa a litografia e vive da
pintura e do ensino. No ateli que mantm com De Bona, tambm frequentado por Freyesleben,
Kopp e outros, era comum pintarem retratos uns dos outros. Em 1931, muda-se para Florianpolis,
retornando em 1948 para lecionar Desenho e Pintura na recm criada Embap. Continua com
sua escola particular de desenho e pintura, por onde passam inmeros novos talentos, como
lvaro Borges, Jefferson Cesar, Werner Jehring e outros (PEDROSO, [2006?], p. 13-14). Para
Araujo (2006, p. 52), dentre os alunos de Andersen o melhor retratista e o mais prximo do
realismo visual do mestre.
Waldemar Curt Freyesleben (1988-1970) um grande paisagista, retratista e autor de
vrios autorretratos. Para Joo Osrio Brzezinski (In JUSTINO, 2002, p. 29), o grande devotamento
a Andersen, mantido at o fim dos seus dias, no o impediu de se tornar o mais original de seus
discpulos. Algumas obras demonstram finura dos matizes e exatido de propores, outras
revelam equilbrio entre a simplicidade do desenho e euforia no empastamento, com uma liberdade
de tons, cujo exemplo maior a clebre pincelada verde, que leva a consider-lo precursor do
expressionismo19 no Paran. Um dos fundadores da Embap, lecionada Perspectiva e Sombras.
Jos Daros (1898-1981) inicia seu aprendizado artstico na Escola de Aprendizes e
Artfices e depois, com Andersen. Em 1918 parte para o Rio de Janeiro, onde se torna grande
amigo de Portinari e frequenta o ateli de Oswaldo Teixeira, de quem recebe orientao. Logo,
em Ponta Grossa, assume a cadeira de Desenho no Ginsio Regente Feij, tendo exercido grande
influncia local (ARAUJO, 2006, p. 53).
Theodoro De Bona (1904-1990), depois de aprender com Andersen, estuda em Veneza
por dez anos, participando dos movimentos artsticos da poca. Paisagista e retratista fundador
da Embap, onde leciona Pintura. Para Araujo (2006, p. 53), supera a simples classificao de

748

discpulo de Andersen para projetar-se como um dos mais significativos artistas paranaenses do
sculo XX. [...] Ao regressar para o Brasil em 1936, sua pintura considerada avanadssima para
a poca, [...] vibrante de movimento e respirando uma liberdade inslita, j neo-expressionista20.
Justino (2002, p. 23) afirma: De Bona nunca se permitiu a diluio da forma; a destruio
insinuada sem contudo romper a estrutura. visvel na sua obra a vontade de uma arte
universal. [...] A vontade de ultrapassar o efmero assemelha-se paixo cezanniana pela arte
duradoura, universal e singular, reconstituio da forma, todavia distante do acadmico.
PRINCIPAIS DISCPULOS DE LANGE DE MORRETES
Lange de Morretes descrito como muito preparado, grande e apreciado lder,
temperamental, que defende com fora e vigor os ideais paranistas. Assim, no de estranhar que
sua volta, tanto na escola que criou quanto na Embap, se agrupem em torno dele vrios jovens
artistas. Entre seus discpulos esto Arthur Nsio, Oswald Lopes, Augusto Conte, Kurt Boiger,
Erbo Stenzel e Waldemar Rosa.
Arthur Nsio (1906-1974) frequenta o ateli de Lange de Morretes, de 1924 a 1928, e o
de escultura, de Joo Turin, entre 1925 e 1927. Em 1928, vai estudar na Alemanha com os mais
renomados animalistas21 da poca, alm de cursar pintura de figuras, nus, paisagens e naturezamorta. Faz sucesso como artista naquele pas, mas perde tudo durante a Guerra, retornando ao
Brasil, em 1946. um dos fundadores da Embap, mas, por conta dos documentos perdidos na
Guerra, s comea a lecionar nessa instituio em 1964. Dedica-se especialmente pintura de
animais: cavalos, bois e vacas, galinhas, patos e perus, em um contexto buclico da paisagem com
seus lagos, campos, montes, matas, ou no jardim da sua casa, vez ou outra com a presena do
pinheiro. O que pinta surge por inteiro. To real que assusta, to belo que afronta, to simples
que comove. Ao escolher animais como tema, empenhou-se e, compreend-los verdadeiramente
(SANTOS, in JUSTINO, 2002, p. 32). Torna-se um dos mais importantes pintores animalistas do
Brasil. Suas obras refletem uma cultura pictrica romntico-naturalista, com certas caractersticas
impressionistas (ARAUJO, 2006, p. 55). Com sua pincelada nica, mistura as tintas na prpria
tela, o que confere leveza, volume e espontaneidade s obras.
Oswald Lopes (1910-1964), filho de Cndido Lopes, um dos fundadores da imprensa no
Paran, tem formao cultural de peso e afinado com as questes do seu tempo. Pintor e escultor,
estuda com Andersen, Lange de Morretes e Turin, adotando tanto o realismo/ impressionismo
dos seus mestres pintores quanto o paranismo, de Morretes e Turin, refletindo em suas opes
temticas e em sua experincia pessoal, as ideias do movimento paranista (PINTORES..., 2001).

749

Junto ao pinheiro, sempre presente em suas telas, retrata o casario dos imigrantes nos arredores da
cidade. Fundador da Embap, leciona Desenho Geomtrico e, mais tarde, Modelagem (ARAUJO,
2006, p. 55).
Erbo Stenzel (1911-1980), descoberto por Lange de Morretes, segue para o Rio de
Janeiro para estudar escultura, tornando-se assistente de Zaco Paran. Quando Turin falece, volta
a Curitiba para ministrar Escultura, na Embap. Porm, pela falta de espao para um ateli assume
a disciplina de Anatomia Artstica (ARAUJO, 2006, p. 102-103). Em 1952, convidado por
Bento Munhoz da Rocha Neto para projetar um monumento em comemorao ao Centenrio da
Emancipao Poltica do Estado, que construdo na Praa Dezenove de Dezembro, em Curitiba.
O homem que d um passo frente (de 8 metros de altura e 70 toneladas) representa o Paran,
destacando-se dos demais estados. Atrs dele, um obelisco e um painel horizontal em baixorelevo, que conta a histria do Estado (o outro lado recebe painel de Poty). A figura feminina,
Justia, foi projetada para o Tribunal de Justia, mas, hoje, est na praa com as demais peas.
Por no pertencer ao mesmo grupo, flagrante a diferena de tamanho entre as duas figuras.
Porm, todas as partes do conjunto so obras monumentais, de carter sinttico, inspiradas na
arte egpcia.
OUTROS ARTISTAS ESTRANGEIROS ATUANTES NO PARAN DE 1900 A 1950
Outros artistas, na maioria alemes, mas tambm italianos, portugueses e poloneses
radicam-se no Estado na primeira metade do sculo XX. Tm atuao relevante na histria da
arte paranaense e, conforme Araujo (2006, p. 56-59), esto ligados ao objetivismo visual realista/
impressionista. Entre eles, Hermann Schiefelbein, Guilherme Matter, Egidio Tonti, Pedro Macedo,
Joo e Genee Woisky, Czeslaw Lewandowski e Emma e Ricardo Koch.
Dentre eles, destaca-se Hermann Schiefelbein (1885-1933), um dos maiores nomes da
pintura no Paran, ao lado de Andersen e Viaro (FERREIRA, 2006, p. 36), estrangeiros como
ele. Estuda na Alemanha, especializando-se em desenho de animais. Emigra para o Brasil devido
Guerra, radicando-se em Porto Vitria, prximo a Unio da Vitria. Com uma pincelada mais
livre, trata a natureza com fluidez, transparncia, sensibilidade e sutileza (ARAUJO, 2006, p.
57). Para Justino (1986, p. 70), um pintor seguro, trabalhando com igual competncia a
paisagem e os animais e, em algumas obras, deixa transparecer uma larga maneira de ver, obtida
atravs de pinceladas soltas.

750

O PARANISMO
Regionalismo: um elemento novo e revolucionrio (a arte est nos mveis, nas molduras,
nas colunas, nas fachadas das casas, nas capas de revistas)
A dcada de 1920 o auge da visibilidade do movimento paranista, uma onda regionalista
que alcana todos os setores da sociedade curitibana. Desencadeado na literatura, por Romrio
Martins22, consiste na valorizao do genuinamente paranaense, especialmente o ndio, suas
lendas, o pinheiro e o pinho. fruto de uma reao contra a cultura estrangeira colonizadora
vigente. Nas artes plsticas, seus maiores representantes so Ghelfi, Turin e Lange de Morretes.
Alm deles, empresrios como Joo Groff, da revista Illustrao Paranaense, lutam por essa
ideologia e por esse estilo.
Araujo (1980, p. 25) afirma ter sido Ghelfi o inspirador do Estilo Paranista nas artes
plsticas, adotando motivos da regio como as araucrias, o pinho, os rostos de caboclos e a
paisagem paranaense como temas. Mas Turin, at o fim da sua vida, afirma ter sido ele o idealizador
desse novo estilo arquitetnico que descarta ornamentos de tradio europeia, substituindo-os por
elementos da vegetao local nas fachadas e do interior de casas. Elisabete Turin (1998, p. 44)
comenta que, ainda na Itlia, Turin j pensa em um estilo genuinamente paranaense, tendo o
pinheiro como inspirao. Ao regressar a Curitiba, em um encontro dele com Lange de Morretes
no ateli de Ghelfi, que este, sempre entusiasmado e sonhador, tomou de um pedao de carvo e
na parede do seu ateli traa, do tronco do pinheiro, um fragmento de fuste, sobre o qual compe
um grupo de pinhas como capitel (MORRETES, 1953, p. 168), concretizando a ideia de Turin.
Alm do pinheiro, cone do paranismo, outros elementos da flora paranaense, entre os quais a guabiroba, a
pitanga, o maracuj, o caf e o mate, fazem parte do estilo paranaense. Animais e ndios tambm se incluem.
Alguns [dos meus] projetos em que figuravam essa preferncia como a decorao do Salo Paranaense do
antigo Clube Curitibano na Rua XV de Novembro, a casa do Dr. Leinig, na Rua Jos Loureiro e a casa-ateli
do artista, na Rua Sete de Setembro no foram preservados (TURIN, 1998, p. 44).

Turin executa inmeras esculturas em que retrata onas da regio, painis com a presena
de cenas indgenas ou com motivos paranaenses, colunas com capitis de pinhas e pinhes, alm
de bustos e figuras de pessoas representativas da sociedade de ento. Afirma: Quantas vezes
ouvi dizer por pessoas de destaque e cultas, que acham banalssimas as decoraes de nossa
flora e preferem essas ornamentaes deturpadas e antiqussimas da Europa. Todo povo que vive
copiando no pode amar a terra em que vive porque vive escravo espiritualmente de outros povos
(TURIN, 1998, p.123).

751

So de Lange de Morretes estudos sobre a estilizao da pinha e do pinheiro, com base nos
quais at a atualidade se veem desenhos em caladas de Curitiba:
Centenas de pinhes foram estudados em suas propores, at que uma bela noite me foi dado fix-las
numa frmula geomtrica, saindo assim do empirismo em que at ento se encontrava a nossa ornamentao
paranista. Finalmente tinha conseguido o que, a meu ver, era de utilidade imediata. De posse do segredo
desdobrei a frmula para a forma plana e ornamentei-a com a caruma23, obtendo assim a sequncia que
fornecia os elementos para serem aplicados nos mais diferentes ramos da arte aplicada24 (MORRETES, 1953,
p. 224).

Em meados da dcada de 1920, muitos dos discpulos de Andersen e de Lange de Morretes


aderem, uns mais, outros menos, ao Movimento Paranista, entre eles, Kopp, Freyesleben, De
Bona, Nsio, Conte e Oswaldo Lopes (MORRETES, 1953, p. 168). Estilizavam pinhas, pinhes,
pinheiros, aplicando-os em adornos arquitetnicos, nos entalhes de madeira em mveis e
molduras, nas vinhetas e ilustraes de livros e revistas e nos desenhos padro das caladas do
Paran (RODERJAN, 1969, p. 193).
De como o paranismo, de revolucionrio, se tornou permanncia
Mesmo com a tentativa do governo Vargas de terminar com os regionalismos, substituindoos por uma centralizao nacional, o paranismo persiste, ainda, nas dcadas de 1930 e 1940.
Porm, se inicialmente inovador, seguindo as tendncias nacionalistas europeias vigentes no
comeo do sculo XX e presentes, tambm, no nacionalismo brasileiro, do qual a Semana de
Arte Moderna, de 192225, foi um marco, o paranismo torna-se altamente conservador, pois rejeita
as ideias modernistas contidas no movimento da Semana. De fato, os modernistas lutam por
uma renovao em todas as linguagens artsticas e no pensamento com base em dois aspectos
igualmente relevantes: o nacionalismo e o modernismo. O paranismo a concretizao do primeiro
desses aspectos, traduzido em termos locais. Quanto ao modernismo, a ruptura ocorreria apenas
em meados dos anos 40: at l, nossos artistas, no acadmicos, mas ainda realistas-tradicionais,
continuam com suas pinceladas impressionistas/expressionistas.
Araujo (1980a, p. 33) afirma que seria temerrio tentar explicar todo o modernismo
brasileiro tomando por base a experincia paulista. A verdade que cada Estado viver
sua maneira, o seu prprio processo evolutivo. A autora relaciona o Paranismo muito mais
ao Movimento Pau Brasil26 (1924) que Semana de 1922: no Paran, aproximadamente na
mesma poca do Movimento Pau Brasil, surgiria o Paranismo [nas artes visuais], que, sem ter o
mesmo sentido renovador do primeiro, representou, contudo, um primeiro sintoma da plstica

752

local, de uma conscincia nativista. O Movimento Pau-Brasil tem conscincia de que, sim, a
herana cultural brasileira sobretudo de pas colonizado, isto , europeia, mas que, em vez de
simplesmente copiar os modelos daquele continente, devemos nos apropriar e nos alimentar
deles, para, ento traduzi-la nossa maneira, de acordo com a nossa realidade, nossa paisagem
social, cultural e geogrfica. Contudo,
enquanto So Paulo, na dcada de 20, experimentava a ordem intuitiva e conceptual, a imaginao sem fios
do futurismo, a ordem verbal no-discursiva do expressionismo, a rebelio sistemtica do surrealismo, o
no-senso do dad e a construo do cubismo, o Paran contava com os discpulos de Andersen Lange de
Morretes, Ghelfi, Kopp, Freyesleben, e outros, alm de Zaco Paran e Turin exercitando-se no expressionismo.
Manfredini apontava o cubismo e o futurismo como criaes fruto da decadncia: representam percalos
incipientes do aniquilamento moral e intelectual para que se precipita a sociedade do nosso tempo, numa
descida impossvel de conter (JUSTINO, 1986. p. 70).

Sabe-se, porm, que apesar da exposio a essas novas linguagens, tambm em So Paulo
eram poucos os adeptos a elas. No Paran, mantinham-se as tendncias impressionistas e prexpressionistas que, apesar de naturalistas, no so rigidamente acadmicas. Tm uma linguagem
prpria, caracterstica e, inicialmente, inovadora. No entanto, alguns artistas nessa poca, j
respiram outros ventos.
Ares de mudana
Para Araujo (2006, p. 79), dois artistas so especialmente importantes como precursores
do Modernismo no Paran, principalmente pelo impacto que suas obras causaram: Theodoro De
Bona e Bruno Lechowsky.
Bruno Lechowski (1887-1941), pintor polons, instala-se em Curitiba de 1926 a 1929.
Prximo Praa Zacarias, monta sua exposio porttil, uma grande barraca onde expe suas
obras e na qual se entrava com o pagamento de um ingresso, com direito ao sorteio de uma obra.
Participa de vrias mostras na capital e no interior com os jovens artistas locais, que, ao lado dos
intelectuais da poca, aplaudem e assimilam seu descomprometimento com a pintura acadmica
e seu ousado uso das cores e pinceladas.
Rapidamente se integra ao grupo bomio, aqui se demora e impressiona! Sua presena considerada quase
mgica, sendo suas obras vistas por todos, na poca, como revolucionrias em cores e na total liberdade de
interpretao da natureza. [...] Tudo leva a crer ter sido ele o causador do Pr-Expressionismo que se observa
em certos alunos de Andersen como Freyesleben , que at o fim da vida guardariam uma sensao do
profundo impacto que lhes causam as suas obras (ARAUJO, 2006, p. 79).

753

De Bona, ao retornar de Veneza, aps dez anos de estudos, realizou uma exposio dos
seus trabalhos feitos na Itlia, a qual, segundo Araujo (2006, p. 80), modificaria os destinos
da pintura paranaense. Sua obras respiram uma liberdade inslita para a poca, causando
profunda impresso nos espectadores, entre eles, Guido Viaro.
Guido Viaro (1897-1971) foi pintor, desenhista, gravador, escultor e professor italiano,
radicado em Curitiba a partir de 1928. Para Ferreira (2006, p. 36-39), sua fonte de inspirao
o ser humano e o que o rodeia, desenvolvendo na sua arte um humanismo social, com nfase na
subjetividade da figura humana. Para Ayala (1981, p. 82), suas figuras obedecem a um corte
quase escultrico e surgem iluminadas de uma dramaticidade contida. Num expressionismo
filtrado por uma conscincia pungente do real, ele observou a natureza humana, a paisagem, os
smbolos religiosos, sobrepondo a tudo a misso e a responsabilidade do homem frente vida. A
subjetividade a essncia da sua obra, o que o torna um dos mais importantes impulsionadores
do modernismo27 no Paran, conduzindo, anos depois, integrao da arte local s linguagens
modernas. Dalton Trevisan assim se refere a ele: A sua arte no um calmante de gua com
acar, um soco no peito! No tampouco uma saudosa lembrana de telas clssicas. Leonardo,
mais Renoir e um pouco de Van Gogh; aquilo que A. Gide queria que um livro fosse: um saco
cheio de sementes.
Como Lange de Morretes e Traple, Viaro cria uma escola e acaba interferindo no
comportamento do prprio artista: abre-lhe a cabea. O ateli de Guido Viaro ento frequentado
por Osvaldo Pilotto, Nelson Luz, Turin, Dalton Trevisan (JUSTINO, 1986, p. 72). lembrado
como professor e mestre de grande nmero de artistas de peso das geraes seguintes: soube
ser respeitado pelos alunos e companheiros, muitos dos quais dele receberam forte e duradoura
influncia artstica. Muitas lies de humildade, de amor ao trabalho e de uma constante pesquisa
constituem a saudvel herana deixada a todos ns pelo mestre (FERREIRA, 2006, p. 37).
A escolinha de arte e outras instituies de ensino de arte (a arte est na escola)
relevante o fato de Viaro fundar, em 1937, uma Escolinha de Arte no Colgio Belmiro
Csar, dez anos antes do movimento pelas Escolinhas de Artes, deflagrado em todo o Brasil. Cria,
tambm, o Centro Juvenil de Artes Plsticas, no subsolo da Biblioteca Pblica do Paran. A
Escolinha de Artes do Colgio Estadual do Paran (Curitiba) se deve sua atuao na instituio.
Alm disso, participa do grupo que funda a Embap, ministrando aulas de Desenho, Composio
e Pintura por vrias dcadas.
De outro lado, o trabalho artstico e pedaggico de Andersen fora to consistente que,

754

depois da sua morte seu filho, Thorstein, continua seu trabalho no ateli que passa a chamar-se
Casa de Alfredo Andersen e, depois, Museu Alfredo Andersen. Dentre os muitos professores
que por ali passam, esto Guido Viaro e Luiz Carlos Andrade Lima, muitos deles no mbito do
CAPE Curso de Artes Plsticas na Educao, um dos pontos altos da atividade educacional da
instituio. No mais, ela serve como laboratrio para significativo nmero de artistas e tericos28
(KIRDZIEJ, 1986).
Outras importantes iniciativas nos anos 40 que concorrem para a consolidao das artes
no Paran so a criao do Salo Paranaense de Belas Artes, em 1944, nos quais comeam a
surgir novos movimentos artsticos, com a presena, lado a lado, do acadmico e do moderno; e
da Escola de Msica e Belas Artes do Paran, em 1948.
Quanto ao modernismo, necessria uma ruptura com as linguagens tradicionais, o que
ocorre apenas em 1946, com o Joaquim, um jornal lanado por Dalton Trevisan.
Joaquim (a arte est na revista)
At a dcada de 1940, excetuando-se Viaro, prevalecem os alunos de Andersen e um ou
outro pintor de tendncia mais moderna, com produo isolada, como Isolde Htte. A real ruptura
com o passado tem como veculo a revista Joaquim, de propriedade de Dalton Trevisan, dirigida
por Erasmo Pilotto e cujo ilustrador Poty, com Guido Viaro como um colaborador. Em 1946
d-se a edio do seu primeiro nmero. O Joaquim surge, como reao contra a permanncia do
simbolismo e do paranismo, rompendo com a mitificao dos poetas simbolistas e da pintura
dos andersistas. Trevisan, o jovem contista,
reage contra a falta de sintonia da produo curitibana com as ideias modernas e prope a profilaxia das letras
locais com o fim do mito Emiliano. A rebeldia no campo das letras tambm ocorre no campo das artes
visuais. Poty e Viaro so propostos como a nova expresso do tempo, e a mesma revista defende o fim do
mito Andersen. [...] O esprito irreverente da revista inspira outras revistas de jovens brasileiros, e o grupo
ganha notoriedade, promovendo edies especiais dos textos de Dalton Trevisan, publicadas em forma de
cordel, enquanto Poty inicia sua carreira de gravurista e ilustrador capaz de reproduzir com traos fortes o
contedo denso dos textos do contista. Decididamente, aps Joaquim o panorama das artes em Curitiba j
no o mesmo, e o Paran encontra a expresso capaz de sintoniz-lo com o sculo XX (CAROLLO, 1993,
p. 34-35).

No mbito das artes plsticas, Araujo (1980a, p. 41) complementa: Viaro e Poty so
os mais autnticos Joaquins das artes plsticas paranaenses. Embora cronologicamente mais velho do que a
Gerao de 45 pela renovao que introduziu, pelo dilogo que soube manter com as novas geraes,
pelo vigor de sua obra Viaro at o fim da vida manteve-se mentalmente jovem. [] A ele o Paran deve

755

a introduo de uma corrente subjetiva-expressionista, que se contraps ao realismo-objetivo da Escola de


Andersen. [...] Poty, o mais criativo artista plstico paranaense de sua gerao, o primeiro a abandonar a
esttica europeia para aderir visceralmente ao bugrismo29. Sua ao decisiva pela abertura que provocou no
s em nosso estado como em todo o sul do pas. Estes dois artistas so verdadeiros alicerces da Renovao
da Arte Paranaense.

A revista editada apenas at 1948, mas nesses dois anos traz discusso os aspectos mais
novos do que acontece nas artes no Rio de Janeiro, em So Paulo e em Paris, oxigenando o debate
local e instituindo quase que uma revoluo cultural. As propostas modernistas introduzidas no
Paran por Joaquim permitem que elementos de contestao e de renovao se desdobrem em
uma linguagem modernista que se consolida em Curitiba na dcada de 1950, somando-se s
tendncias existentes.
Poty (1924-1998) (a arte est no jornal e no painel) o nome artstico de Napoleon
Potyguara Lazzarotto. Dedica-se ao desenho, gravura, ilustrao de livros e jornais e realizao
de grandes murais. Desenha desde pequeno. Aos 14 anos, publica histrias em quadrinhos no
jornal Dirio da Tarde; aos 15-16, ilustra contos de Edgar Allan Poe e faz retratos de amigos, a
lpis ou nanquim. Aos 18, vai estudar no Rio de Janeiro. Aos 19, convidado para ilustrar um
primeiro livro, seguido de muitos, inclusive de Carlos Drummond de Andrade, Dalton Trevisan,
Guimares Rosa, Gilberto Freire, Valncio Xavier e Jorge Amado. Tem 24 anos, em 1946, ao
criar Joaquim, com Dalton Trevisan, atuando como ilustrador, ao lado de Viaro. Nesse ano,
mudou-se para Paris, onde conhece a litografia e de onde envia suas contribuies para a Revista.
Retorna ao Brasil em 1948, trabalhando como ilustrador em vrios jornais do Rio de Janeiro.
Sua exposio ainda esse ano mostra uma linguagem plstica prpria e madura, acrescida a um
domnio tcnico invejvel (JUSTINO, 1986, p. 72).
O desenho o seu principal meio de expresso, contudo, pelas suas obras monumentais,
seus painis e vitrais presentes em vrias cidades do Brasil e da Europa, que mais conhecido.
Para seus murais emprega materiais como madeira, vidro, cermica, azulejo e concreto aparente.
Mantendo-se em uma linguagem figurativa-expressionista30, seu primeiro mural em azulejos
foi executado em 1953, na face oposta ao mural de Stenzel, na Praa Dezenove de Dezembro, em
Curitiba. Depois deste foram mais de oitenta obras e grupos de obras monumentais, a maioria em
Curitiba e no Rio de Janeiro. No Paran, h murais seus na Lapa, Foz do Iguau, Paranagu, So
Jos dos Pinhais. Maring e Londrina. Seu interesse pelos murais deve-se possibilidade de fazer
uma arte que esteja ao alcance de todos: quer estar perto das pessoas: Me interessa o mural,
assim como a gravura, pela oportunidade de alcanar bastante gente (POTY in: NICULITCHEFF,
1994, p. 106).

756

Tanto nas gravuras quanto nos painis de Poty, v-se um grande poder de sntese, exigncia
das histrias em quadrinhos, da gravura e da ilustrao, em que deixa o detalhe para apresentar o
essencial, de rpida leitura. Assim so as obras de Poty: desenhos estilizados, traos econmicos,
que mais sugerem que retratam, dando pistas por meio da combinao de elementos soltos, em
cuja relao est a narrativa. Nos seus murais, painis e vitrais, cria uma espcie de histria em
quadrinhos sem palavras, construindo o discurso sequencialmente ou pela simples justaposio
dos elementos. Em Curitiba, so de Poty os vitrais da Biblioteca da PUC-PR, da Sinagoga Maurcio
Frischmans e da Igreja Cristo Rei.
Suas obras dialogam com o espao em que esto inseridas: a histria da aviao, no
Aeroporto Afonso Pena, em So Jos dos Pinhais; So Francisco de Assis e a religiosidade, no
Hospital das Clnicas de Curitiba; a Curitiba antiga, na regio central da cidade; os tropeiros, na
Lapa; os trabalhadores da usina de Itaipu, em Foz do Iguau; o caf, na Rodovia do Caf; a gua
e seus trajetos, no mural para a Sanepar; e assim por diante.
Sua obra personalssima, plana ou em relevo, ainda que retratando com frequncia a
paisagem urbana, os tipos, os hbitos e os costumes populares de sua terra, veio a adquirir
uma incontestvel dimenso universal, dificilmente igualada pelo trabalho de qualquer outro dos
nossos grandes artistas (FERREIRA, 2006, p. 167).
A ESCOLA DE MSICA E BELAS ARTES DO PARAN (a arte est na universidade)
Andersen, desde sua chegada, prope ao governo do Estado, inmeras vezes, a criao de
uma escola superior de ensino de arte, tendo como modelos as mais importantes instituies da
Noruega e do Rio de Janeiro. Foram dcadas de lutas e promessas. Aps seu falecimento e o fim
da Era Vargas, porm, vrios intelectuais e artistas da cidade, acompanhados por instituies de
arte e cultura e liderados por Fernando Corra de Azevedo, conseguem que o sonho do mestre e
de tantos outros fosse concretizado. no Governo Dutra, que promove um verdadeiro Ciclo das
Universidades, que possvel fundar a to sonhada Escola de Msica e Belas Artes do Paran
(PROSSER, 2004).
Os artistas plsticos que se unem ao grupo que funda em 1948 a Embap so, na maioria,
ex-alunos de Andersen, com exceo de Viaro, que tem uma linguagem mais avanada. No
corpo docente da Escola, portanto, prevalecem os artistas cuja linguagem era, ainda, a realistatradicional. Alm de msicos e outros pesquisadores, participam desse momento os seguintes
artistas plsticos: Osvaldo Pilotto, Oswaldo Lopes, Erasmo Pilotto, Estanislau Traple, Joo Turin,

757

Arthur Nsio, David Carneiro, Lange de Morretes, Guido Viaro, Joo Woiski, Jos Pen, Theodoro
De Bona e Waldemart Curt Freyesleben.
Nesse contexto, Viaro quem aponta para uma nova maneira do fazer artstico. Bini (2010,
p. 38) comenta que apesar de Andersen e alguns de seus alunos j haverem demonstrado
certa inquietude com relao arte acadmica, indo em direo a caminhos inovadores, [...]
principalmente com Guido Viaro que tem incio a nossa modernidade. Ele e seus alunos que
comeam a dissoluo da forma convencional; o uso abstrato da cor; o primado da emoo e o
distanciamento da imitao.
Em um depoimento, Fernando Velloso (in ARAUJO, 2006, p. 86), aluno das primeiras
turmas da Embap, afirma:
Tnhamos em Viaro um professor extraordinrio. [...] Deu-nos aquele impulso, aquela palavra de ordem que
faltava, que era: Procurem, pesquisem, faam o que quiserem. Ele praticamente oficializava e incentivava
a quebra de tabus e a indisciplina contra certos professores que nada viam alm dos cnones fixos. Foi assim
que ns comeamos a procurar, desacomodando-nos dos figurinos da academia. [...] Esse inconformismo
culminou com o chamado Movimento de Renovao, que [...] foi um momento histrico na pintura paranaense,
da ruptura com um passado j esgotado em termos de criatividade, onde se buscou pesquisar novas formas
de arte.

Assim a mudana se consolida em Curitiba na dcada de 1950, com Erasmo Pilotto (ento
testa da Secretaria de Educao e Cultura), Poty, Viaro, o grupo Garaginha, de Violeta
Franco, Alcy Xavier, Fernando Vellozo, Paul Garfunkel, Loio Prsio, Previdi, Domcio Pedroso
e muitos outros. Nas dcadas seguintes, os movimentos da vanguarda se fazem sentir nas artes
visuais com os discpulos de Guido Viaro e outros.
O CICLO DO CAF E AS NOVAS CIDADES NO NORTE DO ESTADO
Araujo (2006, p. 37-38) comenta que, embora haja registros de cultivo do caf no Paran
desde incio do sculo XIX, apenas a partir de 1860 que a riqueza da terra roxa comea a
atrair mineiros e paulistas que se estabelecem no Norte Pioneiro depois chamado de Norte Velho.
Jacarezinho (a arte est nas catedrais e igrejas)
Nesse primeiro momento da ocupao do Norte no Paran, a partir de 1910, seu principal
centro Jacarezinho. Essa cidade abriga na sua catedral, um dos mais importantes conjuntos
de arte religiosa do Estado, composto por murais de autoria de Eugnio Proena Sigaud e
escultura do espanhol Blasco y Vaquet, executados entre 1954 e 1957.

758

Londrina (a arte est em monumentos)


Atualmente, o principal polo do chamado Norte Novo Londrina, criada em 1934,
tambm como consequncia do incentivo ao plantio do caf na regio. Nessa cidade atua Sass
que, trabalhando por trs anos para o Jornal de Londrina, faz crticas e crnicas dos principais
acontecimentos da sua cidade, com suas charges, sempre com humor perspicaz.
Em Londrina esto monumentos de Henrique Arago. Nascido na Paraba, em 1931,
na infncia desenha histrias em quadrinhos com tijolo, telha e carvo pelas caladas e muros
da cidade. Estuda primeiro em Recife, depois na Europa. De volta ao Brasil, vive em So
Paulo e, desde 1965, opta por morar em Ibipor para dar continuidade sua arte. Conhecido
internacionalmente, autor de centenas de obras espalhadas por igrejas e espaos pblicos do
norte do Paran. Escultor, pintor, desenhista, dramaturgo, poeta e animador cultural, desenvolve
extraordinrio trabalho, no s como pioneiro no ensino da arte, mas se impondo como um dos
grandes renovadores da arte sacra nacional (BEM PARAN, 2013).
Seu O Cristo Libertador, encomendado em 1975, para a Igreja Matriz, uma grande
escultura em lato, em trs grandes peas: o Cristo nu, de 4 metros, o sol, ao redor de sua cabea,
com 3,60m de dimetro, e um pssaro de dois metros de envergadura. Em 1984 a obra foi
doada ao Museu da cidade e encaminhada para a Universidade Estadual de Londrina, onde est
exposta ao ar livre. Outra escultura de Arago em Londrina O Passageiro (de 1987), de 15 m de
altura, realizada em concreto e lato. Segundo seu autor, as duas figuras humanas simbolizam os
viajantes que procuram uma integridade interior e a unidade entre Eros (desejo) e Tnato (morte).
Assim o artista procurou retratar o que ele chama de homem completo (BEM PARAN, 2013).
Outras igrejas de Londrina em que obras de Arago podem ser vistas so Sagrados Coraes
e Capela do Seminrio So Vicente Palotti. H obras suas tambm em Abati, Ibipor e outras
cidades. Nesta ltima, o artista e mestre cria a Casa de Artes e Ofcios Paulo VI, que oferece
cursos de dana e teatro, um minimuseu, teatro ao ar livre, alm de um laboratrio e ateli de
escultura. , ainda, o responsvel pela instalao do Museu da Escultura ao Ar Livre do Norte do
Paran, tambm em Ibipor.
Maring
Em 1947 nasce Maring. A concluso da fase de concretagem da Catedral de Maring,
em 1972, a faz surgir como o maior cone no apenas da cidade, mas de uma nova fase, de
diversificao agrcola, pecuria e industrial. Esta a mais alta igreja da Amrica Latina com seus

759

114 metros, e inspirada na palavra escandinava poustinikki, que se refere a algum que se afasta
do mundo para ficar mais perto de Deus.
Em Maring esto dois painis de Poty: um no Teatro Calil Haddad e o outro na entrada
principal do Shopping Cidade, Feito em 1992, mais uma homenagem a importantes personagens
da histria de Maring, principalmente aos pioneiros, quando estavam em atividades urbanas ou
ligadas ao caf (MAIA; BULGARELLI, 2011, p. 45). Outra artista que assina seis painis em
Maring Deborah Kemmer, nas paredes do viaduto da Av. Tuiuti: um resumo da histria da
cidade. (a arte est nos viadutos)
Esto em Maring algumas obras de Henrique Arago, como a da Igreja So Francisco
de Assis e o monumento O Desbravador, no qual, abandonando a figura tradicional do pioneiro
com um machado na mo, representa-o como o ser que tenta romper os limites, para alar voo
(ARAUJO, 2006).
Outros painis existentes em Maring so o do Frum de Maring e o do Atacado, de
Zanzal Mattar; o de Eder Portalha, no Colgio Santa Cruz; o painel de azulejos construdo em
1952 e que hoje est nos fundos do Mercado Real; o painel indgena na Associao Indgena de
Maring (Assindi) e os do supermercado Super Muffato, a maioria feita por artistas de Maring
ou da regio.
O ciclo do caf, assim, foi semeador de novas cidades, cada qual com suas prprias
caractersticas, hoje importantes centros de arte e de cultura.
NOVAS LINGUAGENS
AS DCADAS DE 1950 E 1960 transio e abertura
Nos anos 50, ocorre o que Adalice Araujo chama de Revoluo Modernista.
Na Embap, os alunos de Viaro, buscam novas maneiras de expresso artstica, mais sintonizadas
com o seu tempo e com outros centros, experimentando rupturas em direo abstrao.
Decisivo para as artes plsticas no Paran o ano de 1957, com a criao da Galeria
Cocaco de Arte, por Ennio Marques Ferreira e Manuel Furtado, cujo lema Revoluo. a
primeira no Paran a trabalhar com arte moderna, atraindo um grupo de artistas e intelectuais.
Seus principais objetivos: tornar a Cocaco uma galeria de grande expresso e reformular o
Salo Paranaense, at ento mais ligado arte realista-impressionista da pintura local at ento.
Devido sua grande cobertura jornalstica, pelas novas propostas e por um dos seus membros ser
jornalista do Dirio da Tarde, a Cocaco tem grande projeo e impacto (ARAUJO, 2006, p. 86).

760

Tambm a criao do Crculo de Artes Plsticas, em 1957-1958, em torno do lema


Ao, decisiva para as novas linguagens na pintura. Entre seus fundadores esto ex-alunos
da Embap: Adalice Araujo, Constantino Viaro, Luiz Carlos Andrade Lima, Jair Mendes e
outros, quase todos influenciados em suas obras iniciais por Guido Viaro, de quem haviam
sido alunos. Alm do seu trabalho artstico individual, ministram conferncias, projees de
documentrios, exposies e cursos. l que so descobertos artistas como Helena Wong e
rico da Silva (ARAUJO, 2006, p. 87).
Ainda em 1957, e de fundamental importncia como fator de ruptura com a longa tradio
do objetivismo visual no Paran o protesto que se verifica no XIV Salo Paranaense de Belas
Artes, por parte de um grupo de artistas inconformados com as decises do jri (ARAUJO,
2006, p. 87). A maioria dos artistas das novas linguagens retira suas obras do Salo e organiza o
Salo dos Pr-Julgados, no saguo da Biblioteca Pblica.
Mesmo assim, como aponta Justino (1986, p. 70-71), apesar de muitos artistas paranaenses
terem estudado na Europa, interessante a preferncia da maioria pelo expressionismo. Para
a autora, essa inclinao no se d por acomodao, mas algo bem mais forte e profundo.
Toda a concepo de arte que norteia nossos artistas, desde o incio, repousa na esttica clssica,
mas interpretada muito vontade, o que favoreceu um ecletismo nos valores artsticos.
O impressionismo agradava enquanto resultado. [...] Todavia, os princpios ou o imaginrio
impressionista no foram suficientes para vergar a estrutura acadmica de Andersen e seus
discpulos. Van Gogh, ao libertar a cor e a pincelada, resulta no Paran da dcada de 1950, em
um expressionismo bastante rico e alegre em muitos, como Viaro e Poty, que exercem forte
influncia sobre os demais, triste em Bakun, nostlgico em Botteri, displicente em Jair Mendes,
com certo tratamento cubista, em Alcy Xavier, ligado ao social em Nilo Previdi e dramtico em
Helena Wong e Luiz Carlos Andrade e Lima. interessante notar, especialmente na dcada
de 1960, que, enquanto o abstrato seduz fortemente grande parte de nossos artistas, outro
grupo continua a aprofundar a linguagem expressionista. E alguns atingiro, mais tarde, outras
linguagens: fantstico31, fauve32, tachismo33, conceitual34 etc. (JUSTINO, 1986, p. 71).
Miguel Bakun (1909-1963) comea na pintura incentivado por Viaro e Groff, em finais
da dcada de 20; mas nos anos 40, radicado definitivamente em Curitiba, que se rene a um
grupo de pintores, entre os quais Loio Prsio e Nilo Previdi, e passa a dedicar-se intensamente
pintura. Porm, sua sensibilidade exacerbada, sua viso intensamente mstica e seu temperamento
depressivo o levam a um fim trgico, o suicdio (PINTORES..., 2001, p. 42). Sua obra permite
entrever suas angstias e seus conflitos. Viaro comentaria: Sua pintura subjetiva: sem sol, sem

761

ar, como a alma dele (apud ARAUJO, 2006, p. 89). considerado por alguns crticos de arte
um Van Gogh paranaense.
Nilo Previdi (1913-1982) autodidata, frequenta o ateli de Viaro e, mais tarde, graduase na Embap. Desde logo, dedica-se gravura e pintura e seu nome est ligado a todos os
movimentos de renovao da arte no Paran. Apesar de incurses no abstracionismo35, mantmse na arte figurativa, com temas de carter social. A partir de um curso dado por Poty, funda
o Centro de Gravura, com Violeta Franco e Loio Prsio (JUSTINO, 1986, p. 71), dirigindo-o
por anos e difundindo sobretudo a xilogravura, por consider-la mais prxima realidade local
(ARAUJO, 2006, p. 89). nico paranaense a participar, em 1951, da I Bienal de So Paulo,
torna-se ainda mais admirado por todos.
Luiz Carlos Andrade Lima (1934-1998) inicia no ateli de Viaro, que o incentiva a
cursar a Embap, onde, mais tarde, leciona Paisagem. Sua arte de ntido expressionismo social e
religioso. Nilza Procopiak (2007, p. 12) o compara a Toulouse-Lautrec, pois ele resgata o esprito
da cidade, com seus tipos caractersticos, seus frequentadores de bares e praas, as pessoas que
andam pelas ruas, as mulheres que vagam na noite, os desamparados. Tambm pinta amigos,
familiares, conhecidos, paisagens e naturezas mortas, animais de estimao e obras de carter
religioso, altamente dramticas e autobiogrficas. Para Araujo (2006, p. 90), ele um socilogo
da arte, desnudando com intensidade a dor existencial comum a todos os homens. Nas suas telas,
a cuidadosa composio inicial substituda pela indisciplina do espao, de cuja penumbra saem
os seus personagens conquista da luz.
Helena Wong (1938-1990), nascida em Pequim, China, chega a Curitiba em 1951. Aos
cinco anos de idade, acometida por grave doena reumtica degenerativa que perdura at o
fim da sua vida. Porm, sua obstinao pela vida e sua paixo pela arte se fundem nas suas telas,
nas cores contrastantes, nos traos comprometidos apenas com a emoo e com a liberdade de
criar, sem limites nem regras. De acordo com Velloso (2005, p. 12), ela imprime na totalidade
da sua obra uma desordem proposital para tornar mais evidente seu objetivo. Evita a todo custo
qualquer compromisso com uma sequncia lgica da obra ou mesmo com uma temtica que
conduza o espectador a uma leitura coerente. Seus personagens e objetos so propositalmente
deformados. Busca a destruio para erigir sua obra a partir dos escombros por ela mesma
produzidos. Transita entre o figurativo e o abstrato, indiferente a esse falso dilema. (a arte
est no deformado)
Ida Hanemann de Campos (1922), aluna de Viaro na dcada de 1940, mantm-se
ligada a uma figurao lrica, chegando algumas vezes abstrao, quando os elementos
vegetais de suas paisagens se fundem com outros ou com figuras humanas criando imagens

762

simblicas de intenso e vibrante colorido (BINI, 2010, p. 40). Ao mesmo tempo, revela
profunda identificao com a terra, num quase novo paranismo, encontrado em seus desenhos
sobre lendas indgenas, nas suas peas de tapearia e nos seus murais. Nas duas ltimas, capta
a natureza como um movimento contnuo, em expanso, servindo-se dos elementos-smbolos do
pinheiro, desde sua germinao, a pinha, o sol, at o prprio pinheiro, o galho, o pinho e a
gralha azul. Seus elementos criam uma composio ao mesmo tempo movimentada e equilibrada,
em que os diversos elementos so unidos por curvas e contracurvas, visveis inclusive nas espirais
que formam (ARAUJO, 2006, p. 94).
Leonor Botteri (1916-1998) tambm foi aluna de Viaro, de 1942 a 1945. Para Bini,
a sua obra de um expressionismo estranho e inquietante, uma compulso interior, algo que
deveria ficar escondido, mas que rompe as barreiras e escapa. Um expressionismo nostlgico
e no marcado pela Guerra como o expressionismo europeu, mas que anuncia a mesma crise
do sujeito. Seu marido, Joo Genehr foi hbil vitralista36 e mosaicista37. So dele os vitrais e
mosaicos do Santurio Nossa Senhora do Perptuo Socorro e da Parquia Cristo Rei, em Curitiba
(a arte est nos vitrais).
Violeta Franco (1931-2006) dedica-se pintura, gravura e ao desenho. Ex-aluna de
Viaro e de Poty, funda, em 1949, a Garaginha, em Curitiba, um centro irradiador do modernismo
no Paran. Em 1953, com Fernando Velloso, Alcy Xavier, Nilo Previdi e Loio-Prsio, cria o
Clube de Gravura do Paran, que dirige at 1956. Geometriza, colore e sobrepe formas de
flores e outros elementos da natureza, em uma linguagem lrica e espontnea, forte, vibrante e
esfuziante, enquanto brinca com a transparncia.
Paul Garfunkel (1900-1981), francs, radicado no Brasil desde jovem, capta o instante,
a luz, as atmosferas, em uma linguagem que permanece impressionista mas, nem por isso,
deslocada do seu tempo. Araujo, em artigo de 1974, escreve: O que mais nos emociona em sua
vasta produo so os croquis e manchas rpidas, em que nos transmite a impresso primeira das
coisas. Como os impressionistas, sobretudo um artista de instantneos, em cujos toques nervosos
de grande vibrao mgica, capta a crnica da vida cotidiana.
Fernando Calderari (1939) natural da Lapa. um dos introdutores da arte abstrata no
Paran. Seja na pintura, na xilogravura ou na gravura em metal, faz constantes aluses ao tema
das marinhas, que prevalecem quando volta figurao. Foi aluno, professor e Diretor da Embap.
Fernando Velloso (1930) comeou seus estudos com Viaro e, depois, graduou-se na
Embap. Sua opo pela arte abstrata definitiva e usa a cor como elemento primordial, com a
qual trabalha planos e formas.

763

Domcio Pedroso (1930) tem como tema principal velhos casarios e favelas que, de to
diludos entre linhas e planos superpostos, tendem ao abstracionismo.
Joo Osrio Brzezinski (1941) nasceu em Castro. Irreverente, contestador, satrico e
crtico, usa em suas obras a colagem de tecidos, estopa, fios, usa letras e palavras, criando volume
sobre a superfcie plana. Usa tambm o plstico e elementos kitsch38 em obras tridimensionais.
Seus elementos verbo-visuais, muitas vezes, so apenas palavras soltas, que sugerem a falta de
sentido das coisas.
So ainda muitos os artistas que atuaram nessa dcada, seguindo diferentes tendncias,
como, por exemplo, Jair Mendes, Franco Giglio e Alcy Xavier (os trs expressionistas, mas
o ltimo com incurses ao cubismo), Ren Bittencourt e Luiz Paulo Gnecco (transitam entre
o expressionismo e outras tendncias), Thomaz Wartelsteiner e Mrio Rubinski (influncia
raionista39 e arte metafsica40), Sofia Dyminski, Loio Persio, Erico da Silva (lirismo41),
Antonio Arney (arte pop42, arte povera43 e objets trouvs44), Waldemar Roza (arte ecolgica45),
Jorge Carlos Sade (Arte conceitual), Cleto de Assis (Neoconcretismo46 e Arte Povera), Alberto
Massuda e Nelson Luz (o fantstico), entre muitos outros.
A DCADA DE 1970 exploso criativa (a arte est nas ruas)
A abertura para a arte contempornea no Paran se consolida somente na dcada de 1970,
com os Encontros de Arte Moderna, projeto de Adalice Araujo e coordenao e design grfico
de Ivens Fontoura, ambos professores da Embap, e organizao do Diretrio Acadmico Guido
Viaro, do qual participam Maria Jos Justino e Fernando Bini, entre outros, guerrilha sada
de uma escola tradicional de arte. Os Encontros permitiram a circulao de informaes e
a atualizao esttica [...], fizeram transitar em Curitiba crticos e artistas dos mais arrojados,
provocando debates, workshops e happenings47 (JUSTINO, 2010, p. 70-71).
Araujo (2006, p. 128-129) comenta que, em torno dos Encontros, formam-se dois grupos.
O primeiro utiliza propostas experimentais, produzindo as obras polmicas da dcada de 1970,
com performances48, happenings e instalaes49. Esses novos modos do fazer artstico nas artes
visuais transcendem a tela, o papel, a escultura, de certa maneira estticas no tempo e acabadas,
para incluir parmetros como espao e tempo, em que o espectador no apenas percorre a obra
(na instalao), ou assiste ao seu desenrolar (na performance), mas, inclusive participa dela (no
happening). Nessas obras ditas abertas, a percepo, a perspectiva, o olhar e a ao do observador/
ator interferem na obra de arte. Alguns artistas desse grupo so Ivens Fontoura, Fernando
Bini e Lauro Andrade.

764

O segundo grupo serve-se do desenho como veculo principal de expresso, adotando


um carter altamente crtico em relao ao establishment, principalmente no que diz respeito
censura imposta pelo Regime Militar, bem como uma posio de denncia. Faziam parte desse
grupo Mrcia Simes, Margarida Weisheimer, Maz Mendes, Snia Gutierrez e outros
(ARAUJO, 2006, p. 128-129).
Dessa poca, uns mais outros menos vinculados a essas ideias, so tambm Elvo
Benito Damo, Maria Ivone Bergamini, Suzana Lobo, Retamozzo, Rogrio Dias, e os
independentes, como Carlos Eduardo Zimmermann, Bia Wouk, Rones Dumke, Ruben
Esmanhoto, Marcos Bento, Ricardo Krieger. Nessa dcada de indignao e protesto contra a
Ditadura, o desenho de humor tem um desenvolvimento singular, com artistas como, por exemplo,
Miran, Juarez Machado, Solda, Key Imagire, Guinski, Srgio Kirdziej (ARAUJO, 2006,
p. 128-129).
Nos anos 70 so criadas instituies importantes para o desenvolvimento da arte e para a
preservao da memria, que se somam s j existentes e cuja atuao perdura at a atualidade:
a Fundao Cultural de Curitiba, o Museu de Arte Contempornea do Paran e os Cursos de
Desenho Industrial, Comunicao Visual e Educao Artstica na Universidade Federal do Paran.
Adalice Araujo, Maria Jos Justino e Fernando Bini assumem para si o registro escrito
do que ocorre nas artes visuais locais e sua relao com o panorama nacional e mundial, como
o fizeram Nelson Luz e, depois, Ennio Marques Ferreira e Eduardo Rocha Virmond.
Tornam-se, os trs, professores, crticos e historiadores da arte, cuja atuao se prolonga at a
atualidade com escritos e anlises lcidos, profundos e reveladores.
Os demais, cada um a sua maneira, uns mais crticos e contestadores, outros mais lricos,
outros, ainda, dedicados ao humor; uns dedicados ao ensino, outros organizao cultural; uns
ainda com opo pelo figurativo, outros pelo abstrato; todos mantm-se ativos at a atualidade seja
na arte, seja no ensino.
Para Ivens Fontoura (1986, p. 138-139), os anos 70 marcam o incio de uma exploso
criativa, que perduraria pelas dcadas seguintes. Devido a fatores culturais e ao inquietamento
de alguns artistas e professores de escolas de arte, Curitiba torna-se um centro criativo passvel
de comparaes com outras cidades de destaque: a cidade tornou-se um plo de convergncia
e divergncias. A marca da dcada foi o forte convvio com os companheiros de criao, entre
o cinema e cartunistas, arquitetura e poetas, compositores e urbanismo, escritores e publicidade,
ingredientes adequados para fazer ferver o caldeiro da criatividade, adentrando-se a dcada
seguinte com muitas experincias de arte na rua50 e os vrios grupos que se dedicam a determinadas
temticas e modos de fazer.

765

DCADA DE 1980 a arte como smbolo da liberdade


Os anos 80 comemoram a abertura poltica brasileira (com a queda da Ditadura Militar) e a
abertura no sistema artstico internacional. O ps-modernismo, tambm chamado hipermodernismo,
surgiu como um novo conceito, que corresponde a um tempo ps-industrial, ocupado pela
ciberntica, pela informtica e pelos computadores, correspondendo a uma acelerao do tempo
e a um novo modo de saber e de ser. [...] Ecletismo e pluralismo entram em cena. At mesmo
a pintura volta a ter um lugar entre as linguagens artsticas, deixando de ser obrigatrio ser
moderno para ser respeitado no universo da arte. Tambm no Paran se festeja um funeral: o
de todas as proibies, tanto na poltica como na arte (JUSTINO, 2010, p. 9-10)
Para Araujo (2006, p. 148), a partir de 1981 irrompe uma nova gerao mais inquieta e
questionadora; mais preocupada com a reflexo do que com a beleza esttica; mais liberatria do
inconsciente, caracterizando-se pela gestualidade ou pelo smbolo ou, ainda, pela unio dos dois
e, observe-se, nem um pouco preocupada com o problema da marchandise, mas, ao contrrio,
encontrando na Arte sua razo de ser.
Na pintura, sobressaem Schwanke (com gestual selvagem); Osinski (com seu
neoexpressionismo); Esmanhotto (com seu silncio); e Dumke (com seu mistrio). Conforme
Justino (2010, p. 10-11), renderam-se tambm pintura Susana Lobo, Rogrio Dias, Guilmar
Silva, Leila Pugnaloni, Jussara Age, Teca Sandrini, Mohamed, Geraldo Leo, Beatriz
Nocera, Bia Wouk, Zimmermann, Edilson Viriato, Ingo Moosburger, Srgio Kirdziej,
Ricardo Carneiro, Srgio Moura e Chromiec, entre outros. Dedicam-se escultura e outros
suportes Carla Vendramini, Jos Antonio de Lima, Espedito Rocha, Eliane Prolik, Cludio
Alvarez, Snia Gutierrez, Hlio Leites, Elizabeth Titton, Lgia Borba; e ao corpo Didonet
Thomaz e Denise Bandeira, para citar apenas alguns. Pela cermica optaram, entre outros,
Alice Yamamura, Lirdi Jorge, Marilia Diaz.
Em meio a tantos artistas com tantas poticas, a dcada de 1980 se caracteriza pelo
surgimento de vrios grupos: Convergncia, Bicicleta, Moto Contnuo, Sensibilizar, Caixa
de Bixo, PH4 (Curitiba); O gato morreu (Maring); Sucateando (Ponta Grossa); Grupo
Atelier Letcia Faria (Londrina) entre outros, que tm a caracterstica comum de reagirem
contra a apatia, a insolvncia e a alienao da cultura local. Alm do trabalho pessoal de cada
um, todos so convocados a refletir e a fazer suas propostas a partir de um tema comum, que
pode se referir ecologia, cultura, s tradies nacionais ou a grandes catstrofes (ARAUJO,
2006, p. 148).

766

Com nfases que perpassam a irreverncia, a crtica, o humor, a poltica e o erotismo e um


comprometimento com a Arte Povera, com a sucata, o desprezado levado condio de nobre (o
lixo elevado a arte) e com toda a conotao social que essa atitude encerra, alm da j evidente
preocupao com o meio ambiente, esses grupos desenvolvem um arte comprometida com o
seu tempo. Performances, happenings e instalaes so levados para as ruas, trazendo a arte ao
transeunte e ao pblico em geral.
Em 1980 criada a Casa da Gravura, no Solar do Baro, que permite o surgimento de
uma escola curitibana de gravura (ARAUJO, 2006, p. 160), com artistas como Ana Gonzales,
Andria Las, Bernadette Panek, Carlos Henrique Tlio, Denise Roman, Guita Soifer,
Juliane Fuganti, Raul Cruz, Rossana Guimares, Uiara Bartira, Rosane Schlgel e outros.
fotografia dedicam-se Eduardo Nascimento, de Antonina, e Rogrio Ghomes, de
Ponta Grossa e atuante atualmente em Londrina. Ambos ampliam-na com o uso de outros materiais
e tcnicas para a sua criao artstica.
So tambm da dcada de 1980 os primeiros graffiti51, em forma de stencil52, realizados
em Curitiba por Alex Cabral, por muitos reconhecido como precursor do graffiti na cidade, e o
desenho de mangs, histria em quadrinhos japonesa introduzida no Brasil por Claudio Seto. (A
arte est no mang.)
No campo das instituies, podem-se citar a criao do Museu de Arte do Paran, em 1986,
e o Museu de Arte Municipal, o Muma, em 1988, em Curitiba.
A DCADA DE 1990 E OS ANOS 2000 alm da arte nas galerias, nos museus e na rua, uma
nova arte de rua
Os anos 90 e os anos 2000, tanto para Adalice Araujo quanto para Maria Jos Justino,
so de consolidao da arte dos artistas j mencionados. Para Justino (2010, p. 17), trata-se de
uma dcada de maturidade, de afirmao das linguagens as mais diversas, dos suportes, da arte
corporal, das intervenes urbanas, das poticas digitais. Surgem, ainda, artistas como Newton
Goto, Carina Weilde, Fbio Noronha, Marcelo Conrado, Brugnera, Maria Cheung, Tnia
Bloomfield, Octavio Camargo e muitos outros, alguns envolvidos em novos coletivos, como o
Couve-flor, o Interlux, o E/Ou e tantos outros. Muitos atuam essencialmente com intervenes
urbanas, explorando a cidade como suporte da sua arte e os trajetos como lugares da afetividade.
(A arte est na interveno urbana.)
Nessa dcada, foram criados, tambm, novos espaos museais e expositivos, j expandidos pela
atuao de artistas oriundos da academia e dos circuitos oficiais da arte, nos espaos urbanos. Tratase de uma arte na rua, em que se veem e se participa de performances, instalaes e happenings.

767

A arte multimdia invade os espaos da arte, tratando isoladamente ou combinando em maior


ou menor grau a fotografia, o vdeo, o cinema, a arte computacional. Traz um novo fazer artstico
e rompe com velhas fronteiras da visualidade e das linguagens artsticas. Integram-se as novas
tecnologias e as novas possibilidades criao da arte. (A arte est nas novas tecnologias.)
No entanto, em finais dos anos 60 e incios dos 70, surge primeiramente em Filadlfia
e depois em Nova Iorque uma nova maneira de expresso, surgida espontaneamente entre
adolescentes e jovens que riscavam as paredes com nomes e codinomes, marcando sua passagem
e comunicando entre si, apropriando-se do espao pblico. Era o graffiti, que logo se espalharia
por quase todo o mundo (PROSSER, 2009, p. 117-125).
O Graffiti (ou Modern graffiti) (a arte est nas paredes, nos muros, nas portas de garagem)
Nos anos 80 o graffiti trazido ao Brasil, mais especificamente So Paulo, e nos anos
90 chega em Curitiba. Trata-se de uma arte de rua53, disseminada inicialmente nas periferias
das grandes cidades e nos segmentos menos favorecidos economicamente, mas que, depois,
apropriada por adolescentes e jovens de todas as idades e camadas sociais das cidades. Espontnea,
inorgnica, propositalmente margem dos sistemas oficiais e institucionais da cultura, seus atores
so adolescentes e jovens, em uma faixa etria que vai, em geral, dos 10 aos 40 anos e em que os
mais experientes ensinam os mais jovens.
Sua base a assinatura de um apelido ou codinome (a tag), conhecido apenas pelos
seus pares, o que ajuda a manter o anonimato, j que a prtica de riscar ou pintar suportes do
meio ambiente urbano ilegal se no for autorizada. Nos EUA, na origem do movimento, essas
assinaturas em pequenas dimenses e em apenas uma linha, geralmente feitas com canetes pretos
(posteriormente com tinta em spray), so chamadas de graffiti, graas a sua semelhana com as
pinturas rupestres. No Brasil, essas mesmas assinaturas recebem o nome de picho ou pichao.
Ainda nos EUA, as assinaturas gradualmente ganham em tamanho e criatividade no uso
das letras, que, passam a ser pintadas em duas dimenses (com um contorno preenchido), os
throw-ups54 e as bubble-letters55). Mais tarde, as letras dos codinomes recebem flexas, estrelas,
coroas e outros signos, e tm um tratamento cada vez mais complexo, at chegarem no wild-style56,
cheio de linhas, flexas, ngulos, prolongamentos e entrelaamentos, tornando-se difcil ler o que
est escrito. Ao mesmo tempo, alguns escritores de graffiti (que como preferem ser chamados)
passam representao grfica das suas assinaturas em trs dimenses (graffiti 3D) e outros
adotam personagens como sua marca. Assim, o graffiti composto essencialmente por assinaturas
e personagens (PROSSER, 2010, p. 41-52).

768

Outras tcnicas adotadas por esses novos interventores urbanos so o stencil, o lambelambe57 e o sticker58, muitas vezes chamados de ps-graffiti.
H quem faa distines entre o simples throw-up, o wild-style e os personagens, considerando
esses dois ltimos como graffiti-arte, diferenciao que, no mundo dos artistas de rua, no bem
vista, pois todos consideram arte desde a mais simples pichao at o graffiti mais elaborado.
Entre os mais importantes artistas de rua de Curitiba, na atualidade, esto PauloAuma,
Caf, Siel, Cimples, Dose, Thiago Syen, Cnico, Aus, Galvo, Heal, Bolacha, Case, Veio, Noodle,
Japen, Destak, Amen, Iago, Ser, Conde, Mes, Porqu e outros. Sua arte pode ser vista por toda
a cidade. O bairro Stio Cercado, no entanto, o que se poderia chamar de a maior galeria a cu
aberto de arte urbana da cidade, pois, alm das muitas paredes e muros disponveis, as pessoas
dessa parte da cidade valorizam essa arte.
Outras cidades so igualmente grandes polos da arte de rua no Paran: Farinha e Leboard
atuam em Ponta Grossa; Caro, Hugo e Napa, em Londrina; Skor, em Maring; Tody, em Cianorte;
Aaron, em Guarapuava; Tiago, em Unio da Vitoria, alm de muitos outros grandes artistas.
Para PauloAuma, o graffiti no um estilo de arte: um estilo de vida, uma cultura. Por
isso, graffiti somente o que se faz na rua, entre amigos, espontaneamente. Todo o restante arte
ou painis no estilo do graffiti. Mesmo ao se pretender trazer a arte de rua para dentro da galeria,
ali ela no mais graffiti: uma pintura no estilo do graffiti. Na sua essncia, o graffiti uma arte
que ocorre nos espaos urbanos, democrtica porque ocorre prxima das pessoas e do pblico
passante, para a qual no se precisa pagar ingresso: est ao alcance de todos e feita para todos.
Muitos dos artistas de rua que comeam a pintar ainda na adolescncia, ingressam em
cursos afins, como artes visuais, publicidade, design grfico e arquitetura. Mas, ao pintarem na
rua, muitas vezes sentem as mesmas emoes de quando pintavam sem autorizao, colocando-se
em situao de risco.
DOIS PERSONAGENS NICOS
Efignia Rolim (a arte est no papel de balas, nas roupas)
Nascida no interior de Minas Gerais, em 1931, vem com o marido e seus nove filhos para
trabalhar na lavoura do caf, no norte do Estado, at que a geada negra dizima os cafezais,
nos anos 60. Com a famlia, tornou-se uma retirante e passou a viver albergada em Curitiba.
Efignia, uma sobrevivente desse cataclismo, mesmo sem tecido nem mquina de costura, salvou
a si e a sua prole confeccionando roupas de papel (LOPES, in PINHEIRO, 2012, p. 13). Sua
matria prima? Papis de bala, coloridos e esvoaantes, que encontra pelas ruas.

769

Para Lopes, a esttica de Efignia a da fome. Quanta ironia: seu design vale-se de um
papel que embala caramelos e chocolates. E ela deu um destino fashion aos lixos de Curitiba. [...]
Uma estilista popular! Alm de vestidos, saias, chapus e adornos, Efignia tece com seus papis
de bala bonecas, bichos de brinquedo e outros objetos. Sempre coloridos, sempre em meio aos
seus poemas e na sua simplicidade. Sua risada e sua dana ecoam todos os domingos no Largo da
Ordem em Curitiba, onde vende suas obras, na Feirinha, e tambm em Museus de vrias cidades
mundo afora.
O Gralha (a arte est no gibi)
No incio da dcada de 1940, na pacata e tradicional Curitiba, Francisco Iwerten criou
o Capito Gralha, super-heri que veio de um planeta de homens alados, emprestando seus
poderes aliengenas ao combate ao crime no Paran. Contudo, o personagem teve vida breve,
pois foram lanados apenas dois nmeros de suas aventuras.
Seu retorno ocorreu em outubro de 1997, em comemorao aos 15 anos da Gibiteca
de Curitiba, criada por Key Imaguire. Para confeccionar a revista, foram convidados vrios
quadrinistas da cidade, que decidiram homenagear aquele cone esquecido dos quadrinhos
curitibanos, o Capito Gralha. Criaram uma verso atualizada do super heri: Alessandro Dutra
bolou o visual; Gian Danton e Jos Aguiar, a histria; Antonio Eder, Luciano Lagares, Tako
X, Edson Kohatsu, Augusto Freitas, Dutra e Aguiar, encarregaram-se da arte, enquanto
Nilson Muller tratou de preparar a capa da edio. A partir de ento foram editados vrios
nmeros (AGUIAR, 2001, p. [3-4]).
Agora descendente do Capito Gralha original, o heri iniciante convive com as agruras
do combate s injustias e os dilemas da adolescncia numa metrpole que a Curitiba do
futuro. O personagem inspirado na gralha azul, pssaro tpico da regio e que esconde
o pinho na terra, para com-lo depois, contribuindo para a sua germinao. Os demais so
inspirados em pessoas ou cones locais, como a Polaquinha, Araucria, Caf Expresso, Homem
Lambrequim e outros.
UM MOSAICO ABERTO
Maria Jos Justino (2010, p. 7) sintetiza o estado atual da arte no Paran da seguinte maneira:
Os artistas paranaenses, nesses ltimos quarenta anos, reacenderam o princpio modernista do
direito de errar: todo experimentalismo est autorizado. Arte como pesquisa, jogo, contaminao,

770

existencial, guerrilha, atitude, pensamento, conhecimento, prazer. Arte comprometida com a


vida. Assim a arte paranaense na atualidade. tambm um cenrio em que todos os estilos e
linguagens convivem, cada um com sua especificidade e como uma das mltiplas possibilidades
desse grande caleidoscpio que a contemporaneidade.
Muitos mais so os artistas, os grupos, os personagens, que constroem, dia a dia, a histria
da arte Paran afora. Para citar todos, seriam necessrias dezenas de livros. Fica aqui esse ponto
de partida, para que se procure a arte em cada cidade, em cada praa, em cada muro, em cada
museu ou galeria. E tambm na arquitetura dos prdios pblicos, de casas e igrejas, no traado
urbanstico das cidades e no paisagismo, na fotografia, na videoarte, na publicidade... Que cada
um olhe ao seu redor e enxergue a arte que est ali, mas que, em meio correria diria, se olha
e no se v. Que cada um procure e encontre os artistas que lhe esto prximos, continuando
a escrever e a completar esse mosaico que uma pequena amostra de um todo muito maior.
Este texto um convite para que voc, leitor, continue a escrev-lo com a arte que encontrar nas
esquinas dos seus trajetos.
REFERNCIAS
AGUIAR, Jos. Sobre pinheiros, pinhes e passarinhos locais. In: O Gralha, primeiras aventuras. Curitiba:
Via Lettera, 2001.
ARAUJO, Adalice Maria de. Paul Garfunkel. Gazeta do Povo, Curitiba, 1974.
ARAUJO, Adalice Maria de. Arte no Paran I. Referncia em Planejamento, v. 3, n. 12, Curitiba, Secretaria
de Estado do Planejamento, jan.-mar. 1980a.
ARAUJO, Adalice Maria de. Alfredo Andersen: Artista. Textura, revista paranaense de estudos culturais,
nmero especial. Curitiba, Secretaria de Estado do Planejamento, out.-dez. 1980b.
ARAUJO, Adalice Maria de. Dicionrio das artes plsticas no Paran. Curitiba: Ed. do Autor, 2006.
AYALA, Walmir. O Brasil por seus pintores. Rio de Janeiro: Nrdica, 1981.
BALHANA; MACHADO; WESTPHALEN. Histria do Paran. Curitiba: Grafipar, 1969.
BAPTISTA, Christine. Mariano de Lima e a Escola de Belas Artes e Indstrias do Paran. Boletim do Arquivo
do Paran, ano 13, n. 23, Curitiba, 1988.
BARBOSA, Joo Nei de Almeida. Arte rupestre: a histria que a rocha no deixou apagar. Curitiba: J.
N. A. Barbosa, 2004.
BEM PARAN. Esculturas de Henrique de Arago registradas em fotos. Curitiba: Redao Bem Paran;
Fundao Cultural de Curitiba, 22 abr. 2013. Disponvel em: <http://www.bemparana.com. br/noticia/255032/
esculturas-de-henrique-de-aragao-registradas-em-fotos>. Acesso em 18 jul. 2013.

771

BIGARELLA, Joo Jos. Sambaquis. Curitiba: Posigraf, 2011.


BINI, Fernando. O Paran Tradicional. In: Tradio/Contradio. Curitiba: Museu de Arte Contempornea
do Paran, 1986.
BINI, Fernando. In: PROSSER, Elisabeth Seraphim (Org.). Acervo artstico da Associao Comercial do
Paran. Curitiba: Associao Comercial do Paran, 2010.
BLASI, Oldemar. Arte mvel e parietal do ndio pr-histrico. Encontro Nacional dos Crticos de Arte,
Museu Paranaense. Curitiba: Museu Paranaense, 1980. Catlogo de exposio.
BIA, Wilson. Alceu Chichorro: Charges. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 1994.
CARNEIRO, David Antnio da Silva. A visita imperial a Curitiba. Boletim Informativo da Casa Romrio
Martins, ano 6, n. 40, s.d.
CARNEIRO, Newton. Iconografia paranaense. Curitiba: Impressora Paranaense, 1950.
CARNEIRO, Newton. Fase itinerante. In: Pintores da paisagem paranaense. (1. ed. 1982) 20. ed. Curitiba:
Secretaria de Estado da Cultura; Solar do Rosrio, 2001.
CARNEIRO, Newton. O Paran e a caricatura. Curitiba: Museu de Arte Contempornea, 1975.
CRUZ, Ana Lcia Barbalho da; PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. (Org.). Curitiba e seus homens-bons.
Curitiba: Fundao Cultural de Curitiba, 2011. Capa.
CAROLLO, Cassiana Lacerda et al. Exposio Curitiba: tempo & caminhos. Catlogo. Curitiba: Prefeitura
Municipal de Curitiba, 1993.
DICIONRIO histrico-biogrfico do Paran. Curitiba: Chain, Banco do Estado do Paran, 1991.
ENCICLOPEDIA ITAU de Artes Visuais. Happening (Verbete). Disponvel em: <http://www.itaucultural.org.
br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3647&lst_palavras=&cd_
idioma=28555&cd_item=8>. Acesso em: 30 jul. 2013.
ENCICLOPEDIA ITAU de Artes Visuais. Happening (Verbete). Disponvel em: <http://www.itaucultural.org.
br/aplicExternas/enciclopedia_ic/index.cfm?fuseaction=termos_texto&cd_verbete=3646&lst_palavras=&cd_
idioma=28555&cd_item=8>. Acesso em: 30 jul. 2013.
ESPAOS DA MEMRIA: Museus e acervos do Paran. Curitiba: Secr. de Estado da Cultura, 2010.
FERREIRA, Ennio Marques. 40 anos de amistoso envolvimento com a arte. Curitiba: Fundao Cultural
de Curitiba, 2006.
FONTOURA, Ivens. Exploso criativa durante os anos setenta. In: Tradio/Contradio. Curitiba: Museu de
Arte Contempornea do Paran, 1986.
FUGMANN, Wilhelm. Os alemes no Paran. (1. ed.: 1929) Ponta Grossa: Ed. UEPG, 2008.
GOMES, Cinara de Souza. Arte rupestre: petrglifos, 2011. Disponvel em: <http://arterupestre.net.br/
blogweb/index.php?/archives/4-PETRGLIFOS-E-PICTOGRAMA S!-QUAL-A-DIFERENCA.html>. Acesso
em: 11 jul. 2013.

772

JUSTINO, Maria Jos. Modernidade no Paran: do Andersen impressionista aos anos 60. In: Tradio/
Contradio. Curitiba: Museu de Arte Contempornea do Paran, 1986.
JUSTINO, Maria Jos (Org.). Passeio pela pintura paranaense. Curitiba: Ed. UFPR, 2002.
JUSTINO, Maria Jos. Poticas transitivas: o estado da arte no Paran. In: Estado da arte: 40 anos de arte
contempornea no Paran. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2010.
KIRDZIEJ, Srgio. Mostra Andersen: Arte Hoje I. Curitiba: Museu Alfredo Andersen; Secretaria de Estado
da Cultura e do Esporte, 1986. (Catlogo de exposio) s.p.
LANGER, Johnni; SANTOS, Srgio Ferreira. Petrglifos do Mdio Rio Iguau, Brasil. Disponvel em:
<http://www.rupestreweb.info/iguazu.html>. Acesso em: 10 jul. 2013.
LINHARES, Temstocles. Histria econmica do mate. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1969.
LOPES, Adlia Maria. Fabulosamente fashion. In: PINHEIRO, Dinh Ribas. A viagem de Efignia Rolim
das asas do peixe voador. Curitiba: Ed. do Autor, 2012.
MAIA, Jos Roberto; BULGARELLI, Marcelo. Conhecendo Maring. Maring: Grupo Maring de
Comunicao, 2011.
MORRETES, Frederico Lange de. O pinheiro na arte. Revista Ilustrao Brasileira, Rio de Janeiro, ano 44,
n. 224, 1953, p. 168-169 e 274. Ed. Comemorativa do Centenrio do Paran.
NEVES, Walter. Apresentao. In: BIGARELLA, Joo Jos. Sambaquis. Curitiba: Posigraf, 2011.
NICULITCHEFF, Valncio Xavier. Poty: trilhos, trilhas e traos. Curitiba: Prefeitura Municipal de Curitiba,
1994.
OLIVEIRA, Lcia Luppi. Questo nacional na Primeira Repblica. In: LORENZO, Helena Carvalho de;
COSTA, Wilma Peres da (Org.). A dcada de 1920 e as origens do Brasil moderno. So Paulo: UNESP,
1997. p. 185-193.
PARELLADA, Cludia; LICCARDO, Antonio. Stio Arqueolgico: As pinturas rupestres. Curitiba:
Mineropar, s.d. Folheto. Disponvel em: < http://www.mineropar.pr.gov.br/arquivos/ File/3_Acoes_
Mineropar/5_Geoconservacao_e_Geoturismo/paineis/Pinturas_Rupestres.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2013.
PEDROSO, Domcio. Introduo. In: Estanislau Traple: a obra do mestre. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer,
[2006?].
PENNA, Lincoln de Abreu. Repblica Brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.
PERODO de 1886-1930: a infra-estrutura da arte paranaense. Curitiba: Setor de Editorao da Secretaria da
Cultura e do Esporte. In: Pintores da paisagem paranaense. (1. ed.: 1982) 20. ed. Curitiba: Secretaria de
Estado da Cultura; Solar do Rosrio, 2001.
PICANO, Jefferson de Lima; MESQUITA, Maria Jos. A cartografia primitiva da Baa de Paranagu
(sculos XVI-XVII) e os limites da Amrica Portuguesa. IV Simpsio LusoBrasileiro de Cartografia
Histrica. Porto, 9 a 12 nov. 2011. ISBN 978972-8932-88-6. Disponvel em: <http://eventos.letras.up.pt/
ivslbch/comunicacoes/81.pdf>. Acesso em: 13 jul. 2013.

773

PINHEIRO, Dinh Ribas. A viagem de Efignia Rolim das asas do peixe voador. Curitiba: Ed. do Autor,
2012.
PINTORES da paisagem paranaense. (1. ed.: 1982) 20. ed. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura; Solar
do Rosrio, 2001.
PROCOPIAK, Nilza, Knechtel. Luiz Carlos de Andrade Lima: o artista curitibano. Curitiba: Museu Oscar
Niemeyer, 2007.
PROSSER, Elisabeth Seraphim. Cem anos de sociedade, arte e educao em Curitiba: 1853-1953.
Curitiba: Imprensa Oficial, 2004.
PROSSER, Elisabeth Seraphim (Org.). Acervo artstico da Associao Comercial do Paran. Curitiba:
Associao Comercial do Paran, 2010.
PROSSER, Elisabeth Seraphim. Arte, representaes e conflitos no meio ambiente urbano: o graffiti em Curitiba
(2004-2009). Tese (Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento) - Universidade Federal do Paran.
Curitiba, 2009.
PROSSER, Elisabeth Seraphim. Graffiti Curitiba. Curitiba: Kairs, 2010.
RODERJAN, Roselys V. Meio sculo de Msica em Curitiba. Curitiba: Centro Paranaense de Cultura,
1967.
SANTOS FILHO, Benedito Nicolau dos. Aspectos da histria do teatro na cultura paranaense. Curitiba:
Imprensa Universitria, 1979.
SCHERER, Emilio. Michaud, o pintor do Superagui. Trad.: Joachim Graf. Curitiba: Imprensa Oficial,
1988.
SCHMIDEL, Ulrich. Viaje al Ro de La Plata. Alicante: Biblioteca Virtual Miguel de Cervantes. Edio
digital baseada na Edio de Buenos Aires: Cabut, 1903. Disponibilizada em 2001. Disponvel em: <http://
www.cervantesvirtual.com/servlet/SirveObras/12586186423471506765435/index.htm>. Acesso em: 13 jul.
2013.
SCHMIDLIN, Henrique Paulo; POLINARI, Marcelo; MANFREDINI, Marcelo. Trilhas, caminhos e estradas
no Paran: sculos XVI a XIX. Curitiba: Secretaria de Estado da Cultura, 2009.
RODERJAN, Roselys V. Aspectos da Msica no Paran. In: Histria do Paran, v. 3, p. 171-205. Curitiba:
Grafipar, 1969.
SALTURI, Luis Afonso. Frederico Lange de Morretes, liberdade dentro de limites: trajetria do artistacientista. Dissertao (Sociologia) Universidade Federal do Paran. Curitiba, 2007.
SASS. Charges de Londrina: um arquivo da histria recente da cidade. Londrina: Grafmark, 2003.
SOARES. Olavo. O andarilho das Amricas (Cabeza de Vaca). 2. ed. rev. e ampl. Ponta Grossa: UEPG,
2001.
SOARES. Olavo. Itytyba... terras das pedras e das guas: Tibagi-Paran. Curitiba: Lago, 2003.
TRADIO/Contradio. Curitiba: Museu de Arte Contempornea do Paran, 1986.
TURIN, Elisabete. A arte de Joo Turin. 20. ed. Campo Largo: INGRA, 1998.

774

TURIN, Joo. Manuscrito. Curitiba, s.d. Arquivo da Casa Joo Turin. Doc. n. 173.
VALENTE, Silza Maria Pazello. A presena rebelde na Cidade Sorriso. Londrina: UEL, 1997.
VASCONCELOS, Lcia Torres de Moraes. Caladas de Curitiba: preservar preciso. Curitiba: Ed. da
Autora, 2006.
VELLOSO, Fernando. Helena Wong: trajetria de uma paixo. Curitiba: Museu Oscar Niemeyer, 2005.
WACHOWICZ, Ruy. Histria do Paran. 9. ed. Curitiba: Imprensa Oficial do Paran, 2001.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

medida que novas descobertas arqueolgicas so realizadas, essa datao se amplia; por isso, passvel
de mudanas e aparece entre 10.000 e 7.000, dependendo da fonte.

Walter Neves (In: BIGARELLA, 2011, p. 9) afirma: os grupos humanos, em termos de subsistncia e
de organizao social, so geralmente classificados em bandos, tribos, cacicados e estados. Estes ltimos
tambm conhecidos como sociedades complexas. Com rarssimas excees, grupos que sobrevivem de
caa e coleta e que, portanto, no produzem comida, dificilmente ultrapassam o estgio de bando. [...] Os
bandos clssicos de caadores-coletores caracterizam-se, sobretudo, pelo acesso igualitrio aos recursos da
paisagem.

As trs sub-bacias que compem a Bacia do Iguau formam uma larga faixa ao longo da fronteira de Santa
Catarina, que vai da nascente, a leste do Estado, na regio de Curitiba, at as Cataratas do Iguau, a oeste,
isto , at a fronteira com a Argentina e o Paraguai.

A fotografia inventada no decorrer do sculo XIX, mas apenas no final desse sculo substitui a pintura
e a ilustrao na sua funo de retratar fielmente a realidade. Ao ser aperfeioada e difundida, essa nova
tecnologia e maneira de fazer arte acaba por libertar as artes visuais, que passam a representar no mais
o que o artista v, mas o que pensa ou sente, sua viso de mundo, o que colabora para o surgimento das
vanguardas artsticas.

Renascena Perodo da Histria e da Histria da Arte em que prevalecem a razo, o equilbrio, a


serenidade, a simplicidade. Na pintura, a poca de Da Vinci, Michelangelo e tantos outros, com suas
figuras humanas idealizadas, em busca do belo e da perfeio.

Aquarela Tcnica de pintura em que os pigmentos so dissolvidos em gua em maior e(ou) menor
quantidade. Geralmente pintada sobre papel de alta gramatura, com o uso de pincis. O resultado uma
pintura transparente, com nuanas cromticas muito sutis, o que conseguido pelo domnio da quantidade
de gua e de pigmentos utilizada e pela mistura espontnea das cores no prprio suporte.

Romantismo Movimento artstico e filosfico que surgiu em finais do sculo XVII na Europa, perdurando
at as dcadas finais do sculo XIX. Ope-se ao racionalismo, ao classicismo e ao iluminismo, centrandose no indivduo em seu lirismo, subjetividade, emoes, sonhos, fantasias, paixes, religiosidade, intuio,
saudade, identificao com a natureza e com os nacionalismos. Na pintura, as telas apresentam muito
movimento, retratam uma realidade emocionalmente intensa e plena de sensibilidade. Outros termos
relacionados a ele: exagero, pessimismo, busca pelo extico, a felicidade jamais atingida.

775

Naturalismo Baseia-se na observao e na representao fiel da natureza. Na pintura, relacionado ao


conceito de mimese, isto , imitao objetiva da natureza. As artes visuais apenas se libertam da funo
de imitar a realidade visvel depois do surgimento da fotografia, quando passam a representar tambm
realidades subjetivas.

Litografia Tcnica de reproduo mecnica de uma imagem, a partir de uma matriz desenhada com lpis
gorduroso sobre uma superfcie plana de pedra calcria (lito = pedra). Depois de pronto e seco o desenho,
mediante um processo qumico a gordura fixada na superfcie da pedra. A entintagem feita com um
rolo e a tinta, tambm gordurosa, adere somente nas partes engorduradas. A impresso feita colocandose uma folha de papel (ou outro suporte) sobre o desenho e pelo uso de uma prensa. So possveis vrias
cpias de uma mesma matriz. J na xilogravura (xilo = madeira) e na gravura em metal as imagens so
obtidas por meio de sulcos feitos nas matrizes, depois entintadas e passadas na prensa. At o sculo XIX,
esses eram os meios mais comuns de reproduo de imagens.

10 Em 1886, sob a direo de Antnio Mariano de Lima, estabelece-se a Escola de Desenho e Pintura,
depois chamada Escola de Artes Industriais do Paran e, finalmente, Escola de Belas Artes e Indstrias
do Paran.
11 Academicismo Inicialmente, o termo referia-se a um mtodo de ensino da arte, ensinado nas academias
de arte europeias, que apresentava uma pedagogia fortemente sistemtica, hierarquizada, ortodoxa e
rgida, que desprezava a importncia da criatividade e da originalidade. Era calcada sobre a imitao da
natureza, mas com concepes, teorias e modelos pouco flexveis e que valorizavam os grandes mestres
e o passado. O termo academicismo tem, atualmente, uma conotao pejorativa e usado para indicar
tendncias retrgradas, retricas, artificiais, tecnicistas, ortodoxas, tradicionalistas ou conservadoras.
12 Sua escola, depois Escola Tcnica de Curitiba, depois Centro Federal de Educao Tecnolgica do Paran
e, hoje, Universidade Tecnolgica Federal do Paran.
13 Objetivismo visual relativo ao naturalismo, em que as artes visuais (especialmente ao desenho, a pintura
e a escultura) eram representao e imitao da realidade objetiva visvel.
14 Realismo Movimento que surge nas ltimas dcadas do sculo XIX, na Frana, em reao contra o
romantismo, que retrata os ricos, a nobreza, os grandes eventos e uma vida idealizada. Apesar de ainda
se filiar ao objetivismo-visual, tem como tema a vida dos pobres, dos camponeses, com seus problemas e
costumes. Queria-se mostrar a realidade tambm da pobreza e do homem comum.
15 Impressionismo Com base na pesquisa tica no campo da Fsica, o impressionismo prioriza a incidncia
da luz e das cores nas superfcies das coisas. Assim, comea por iniciar uma destruio da forma, que
j no contorno, recorte no espao, mas nvoa, diluio. Os impressionistas buscavam a natureza no
como os naturalistas como mediao tcnica (JUSTINO, 1986, p. 71).
16 Caricatura um desenho que retrata um personagem real, enfatizando ou exagerando determinadas
caractersticas peculiares a ela. Geralmente envolve humor ou crtica.
17 Datao de Elisabete Turin, pesquisadora e Diretora da Casa Joo Turin (TURIN, 1998, p. 16 e 40).
18 Cubismo Movimento surgido no incio do sculo XX, teve como principais expoentes Picasso e Braque.,
que segmentavam as figuras em vrias formas geomtricas sobrepostas e justapostas, com o objetivo de
adicionar movimento e ou tridimensionalidade imagem.

776

19 Expressionismo O expressionismo como escola um movimento tipicamente alemo, com um carter


metafsico transcendente. Seus temas so dramticos, a vontade junto ao social, [ao psicolgico e ao
onrico (dos sonhos e dos pesadelos)]. O resultado um tratamento brutal, destruidor, com cores fortes,
sem a preocupao da beleza, antes, da arte como verdade, como tica, poltica. Na maneira como o
expressionismo nega o naturalismo e o realismo, acaba abrindo as portas para a abstrao (JUSTINO,
1986, p. 71).
20 Neoexpressionismo Novo-expressionismo.
21 Animalista Artista plstico especializado em animais.
22 Romrio Martins foi o idelogo e o autor dos manifestos paranistas. Como historiador srio e profundo, ele
descobre a importncia da cultura indgena no Paran e o massacre sofrido pelas vrias etnias indgenas.
O chamado mito do Guairac no um mito por ele inventado como afirmam certos autores, tanto que
este heri da resistncia indgena citado na literatura Argentina do sculo XVII. As lendas indgenas a
que Romrio Martins se refere, em realidade faziam parte da tradio oral indgena. Ora, uma das mais
marcantes caractersticas do paranismo a defesa da causa indgena (ARAUJO, Adalice. Depoimento
autora, 2001).
23 Caruma Ramas dos pinheiros com suas folhas resistentes em forma de agulha.
24 Arte aplicada Arte til, arte utilitria, arte encontrada no design. No caso do paranismo, pinhas e pinhes
esculpidos em molduras, em mveis, em utilitrios domsticos, em portarretratos etc.
25 A Semana de Arte Moderna de 1922 ocorreu em So Paulo. O Movimento Modernista conquistou, como
afirmou Mrio de Andrade, a introduo de um sentido de modernidade no mbito da cultura brasileira, o
direito a uma criao artstica prpria e autntica e o direito atualizao da inteligncia artstica brasileira.
Apesar de, por parte do pblico paulistano em geral, a Semana ter sido um escndalo, pois conforme
escritos da poca a plateia o vaiou, a ampla divulgao pela imprensa contribuiu para criar e manter um
debate duradouro e para levar, lentamente, a discusso a outras regies do pas. Na imprensa curitibana, as
primeiras aluses Semana ocorreram dois anos depois, em 1924, eram breves e esparsas e as linguagens
do modernismo rejeitadas pela maioria dos artistas locais e pela sociedade.
26 O Manifesto Pau Brasil foi escrito por Oswald de Andrade e publicado no Correio da Manh, Rio de Janeiro,
a 18 de maro de 1924. Ao analisar o modernismo como um todo, distinguem trs linhas principais:
a) o Movimento Verde-Amarelo, no qual a parte pretende dispensar o todo, que tem como proposta
abandonar as influncias europeias, fixar-se na originalidade brasileira, voltar aos mitos fundadores, ao
mito tupi. Dentre seus principais representantes esto Cassiano Ricardo, Menotti del Picchia e Plnio
Salgado, que buscam a alma brasileira no passado histrico ou mitolgico. Aceitam a vida do interior,
regional, como a que teria se mantido mais autntica em oposio do litoral, vista como parte falsa e
enganadora do Brasil. A corrente verde-amarela enfatiza a reflexo da brasilidade, isolando o Brasil
da relao com o mundo e propondo o abandono de todas as influncias estrangeiras. Vrios dos verdeamarelos vo participar da organizao da Ao Integralista Brasileira (AIB) em 1932 e do Estado Novo
no Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP);
b) o Movimento Antropofagia (Pau-Brasil), no qual a parte pretende deglutir o todo, e que prope a
apropriao das influncias europeias pelo canibalismo cultural (metfora utilizada no sentido em que
o antropfago come a carne dos seus inimigos para captar suas energias), com Oswald de Andrade; e

777

c) um terceiro grupo, em que a parte pretende se incorporar ao todo. Esta corrente prope incorporar os
valores culturais universais. Nesse grupo destaca-se Mrio de Andrade e desta vertente que sair o
grupo que mais tarde criar o Servio do Patrimnio Histrico Nacional, o SPHAN, com Rodrigo Melo
Franco (PENNA, 1999, p. 152; e OLIVEIRA in: LORENZO et al. (Org.)., 1997, p. 191).
27 Modernismo e subjetividade Se compreendermos que o subjetivismo uma das principais caracterstica
da Arte Moderna, poderemos tambm facilmente entender a importncia de Guido Viaro para a evoluo da
Arte Paranaense (ARAUJO, 2006, p. 84). O Modernismo tender ao abstracionismo e diluio da forma.
28 Que a partir da experincia a recebida passaram a atuar em outras instituies, como a Universidade
Federal do Paran, a Escola de Msica e Belas Artes do Paran (depois, Unespar), a Faculdade de
Educao Musical do Paran (depois, Faculdade de Artes do Paran e Unespar) e o Centro Federal de
Educao Tecnolgica (depois, Universidade Tecnolgica Federal do Paran) (KIRDZIEJ, 1986).
29 Bugrismo Preferncia temtica relacionada representao do indgena, seus traos fisionmicos, sua
vida e seus costumes.
30 Linguagem figurativa Que tem como referncia o mundo real, visvel, mesmo que no o represente de
maneira detalhada e convencional. Pode ser naturalista ou estilizada, mas sempre se refere ao que se v no
mundo exterior. O impressionismo e o expressionismo ainda so figurativos, apesar de menos preocupados
com verossimilhana. Seu oposto seria linguagem abstrata, que trata de formas, cores, linhas, manchas,
sem referncia ao mundo natural.
31 Fantstico Arte baseada no mundo onrico, dos sonhos e dos pesadelos, da fantasia, particularmente
importantes para a arteno Romantismo, no Simbolismo e no Surrealismo. A arte fantstica celebra a
fantasia, a imaginao, o mundo do inconsciente, o grotesco.
32 Fauve (l-se fve) O fauvismo foi um movimento do incio do sculo XX, com influncias de Van Gogh e
de Gaugin. Seus artistas buscavam usar nos seus quadros cores fortes e contrastantes, de modo arbitrrio
(fauves = feras) e intenso. Criavam impulsivamente, libertando-se do real e desobedecendo s regras
tradicionais da pintura. A realidade deformada com a movimentao dos reflexos e dos retorcidos. O
novo esprito de sntese deixa de lado o desenho e a forma e cria contrastes e coloridos inexistentes na
realidade do mundo visvel.
33 Tachismo Estilo de pintura abstrata que se caracteriza por pinceladas vigorosas e espontneas, manchas,
pngos e escorridos (do francs, tache = mancha).
34 Conceitual Movimento de meados do sculo XX at a dcada de 1970, valoriza mais a ideia e as
concepes que envolvem certa obra, do que o produto finalizado. Sua inteno fazer as pessoas pensarem
e refletirem sobre um conceito, uma crtica ou denncia.
35 Abstracionismo Na arte abstrata h um distanciamento da representao, da pintura enquanto transcrio
de detalhes. Os abstratos trabalham em um nvel de construo do real, afastando-se da arte meramente
descritiva. [...] No exagero afirmar que a arte abstrata significa a plena autonomia da arte (JUSTINO,
1986, p. 71). Renuncia ao figurativo para trabalhar as relaes entre cores, texturas, formas e superfcies,
compondo a obra de modo no representacional.
36 Vitral Usado principalmente nas igrejas, composto de vidros coloridos que geralmente representam
cenas, personagens ou determinados smbolos.

778

37 Mosaico uma obra formada por inmeras pequenas peas de pedra, pastilhas de vidro, seixos e outros
materiais que, formam uma figura ou cena sobre uma superfcie, geralmente plana. Atualmente feito de
outros materiais tambm, como plstico, papel, conchas, azulejos etc.
38 Kitsch Refere-se a uma arte que propositalmente de mau gosto e em forma de crtica, que usa de objetos
e cones comuns do cotidiano, no refinados, para se opor a uma arte de drama e melodrama.
39 Raionismo Estilo de arte abstrata russa, que procura uma arte que flutue para alm da abstrao, fora do
tempo e fora do espao, quebrando as barreiras entre artista e pblico, usando traos que veem como raios
dinmicos de cores contrastantes representando linhas de luz refletida e cruzamento de raios refletidos a
partir de vrios pontos.
40 Arte metafsica Representao de um mundo visionrio relacionado ao inconsciente, para alm da
realidade fsica e visvel.
41 Lirismo Exaltao de sentimentos poticos pessoais.
42 Arte Pop Vale-se de elementos tomados da moderna civilizao mecnica sobretudo produzidos em srie
em seu aspecto mais trivial de objetos de consumo (DORFLES, in ARAUJO, 2006, p. 110). Discute a
cultura de massa oriunda do cinema, da propaganda, de objetos de consumo gerados pela industrializao,
decorrentes das novas tecnologias que estavam invadindo o Ocidente como fruto direto da americanizao
(ARAUJO, 2006, p. 110).
43 Arte Povera Busca uma linguagem de conscientizao sobre o empobrecimento moral que subverte
a sociedade de consumo. Alm disso, busca uma linguagem emotiva mediante a adoo de materiais
pobres, em um mundo tecnologicamente rico (ARAUJO, 2006, p. 112).
44 Objets Trouvsv uso de objetos preexistentes cujo significado alterado quando usados como obra de arte.
Os objets trouvs tm sua identidade como arte derivada do sentido dado por eles pelo artista e a partir da
histria social do prprio objeto.
45 Arte ecolgica Pode ser tanto uma arte que trata de temas ecolgicos quanto uma obra que realizada
no entorno natural, usando como matria prima a terra, a areia, galhos, folhas, pedras etc.
46 Neoconcretismo Busca novos caminhos, afirmando que a arte no um mero objeto, incorpora
efetivamente o observador, que pode tocar a obra, percorr-la, tornando-se parte dela. Assim, introduz a
subjetividade onde havia apenas objetividade (o objeto em si).
47 Happening Combina artes visuais e um teatro sem texto nem representao. Nos espetculos, distintos
materiais e elementos so combinados de forma a aproximar o espectador, fazendo-o participar da cena
proposta pelo artista (o happening se distingue da performance, na qual no h participao do pblico). Os
eventos apresentam estrutura flexvel, sem comeo, meio e fim. As improvisaes o acaso e a espontaneidade
conduzem a cena em ruas, antigos lofts, lojas vazias e outros. O happening ocorre em tempo real, [...] mas
recusa as convenes artsticas. No h enredo, apenas palavras sem sentido literal, nem separao entre
o pblico e o espetculo. Os atores no so profissionais, mas pessoas comuns. O happening gerado
na ao e, como tal, no pode ser reproduzido. Seu modelo primeiro so as rotinas e, com isso, ele borra
deliberadamente as fronteiras entre arte e vida (ENCICLOPEDIA ITAU..., 2013).
48 Performance Forma de arte que combina elementos do teatro, das artes visuais e da msica. Nesse
sentido, a performance liga-se ao happening (os dois termos aparecem em diversas ocasies como sinnimos),

779

sendo que neste o espectador participa da cena proposta pelo artista, enquanto na performance, de modo
geral, no h participao do pblico (ENCICLOPEDIA ITAU..., 2013).
49 Instalao Surge, inicialmente, sob o ttulo de Arte Ambiental, vinculando-se aos environnements, que
nascem da necessidade de ultrapassar os limites objetuais para ocupar todo o espao. J as instalaes
contemporneas abrangem uma grande gama de conceitos. Todavia, em linhas gerais, podem ser
compreendidas como um conjunto de materiais, objetos e aparelhos de multimdia ocupando um espao
em relao a um conceito formulado pelo artista (ARAUJO, 2006, p. 115). O pblico deixa de ser apenas
um observador para participar da obra, andando por ela em ao seu redor, observando-a dos inmeros
ngulos possveis e, at mesmo, tocando-a e transformando-a.
50 Arte na rua Arte realizada por artistas e estudantes de arte, que optam por realiz-la em espaos
urbanos pblicos, envolvendo o transeunte, o homem comum, a comunidade como um todo. Ainda assim,
a arte da academia, da galeria e do museu, que vai para a rua, portanto, acontece na rua. Difere da arte
de rua, que feita por adolescentes e jovens sem formao artstica e que brota de maneira espontnea
e inorgnica, propositalmente fora do sistema institudo de artes. A arte na rua faz parte desse sistema. A
arte de rua, no e, na atualidade, envolve todos os estilos do graffiti, do picho ao graffiti-arte, passando
pelo stencil, pelo lambe-lambe e pelo sticker. Ambas so arte urbana e interveno urbana.
51 Graffiti A definio de graffiti, em sentido amplo, inclui qualquer tipo de inscrio, escrita ou desenho.
O modern graffiti, de origem estadunidense, envolve especialmente assinaturas (tags) e personagens.
52 Stencil Recorte em negativo em folha de papel, papelo ou plstico resistente, tambm chamado mscara,
colocado contra a parede a ser marcada. A mscara e a parede recebem um jato de tinta monocromtica,
deixando, mediante os recortes, a marca, os dizeres e o desenho, como um carimbo (PROSSER, 2010,
p. 49)
53 Arte de rua Ver nota 50.
54 Throw-up ou bomb Assinatura rpida, simples, com poucos traos, geralmente em duas cores e duas
dimenses (PROSSER, 2010, p. 52).
55 Bubble letters Throw-up ou bomb com letras arredondadas.
56 Wild-style assinatura em vrias cores, em trs dimenses, cujas letras so complexizadas e entrelaadas
(PROSSER, 2010, p. 52).
57 Lambe-lambe Desenhos, poemas, manifestos ou colagens reproduzidos em papel, geralmente mediante
a serigrafia, o stencil ou a fotocpia (h alguns feitos mo) e ento colados sobre paredes e outros
suportes urbanos. Alm das mensagens do lambe-lambe em si, altamente crticas, lricas ou politizadas,
a combinao de vrios em um conjunto cria um mundo especfico de significados (PROSSER, 2010,
p. 49).
58 Sticker Pequeno adesivo criado artesanalmente, em srie ou no. colado em placas de sinalizao,
lixeiras, portas de garagem e outros suportes geralmente em metal, pelas suas dimenses e pela sua fcil
aderncia (PROSSER, 2010, p. 52).

780

TECENDO UMA REDE DE RELAES


INTERCULTURALIDADE E O ENSINO DAS ARTES VISUAIS

Marlia Diaz

A ARTE E SEU ENSINO


As manifestaes artsticas originaram-se com a vida inteligente sobre o planeta, e estavam
imbricadas com outras atividades do dia a dia. A expresso, o exerccio da pintura, do desenho, o
ato de esculpir no era separado da vida, mas fazia parte da vida. A industrializao e os avanos
tecnolgicos propiciaram a democratizao de inmeros produtos, porm afastaram o homem do
ciclo produtivo, subtraindo conhecimentos inerentes a ele. Alheio ao convvio com os materiais,
perdeu o conhecimento de suas propriedades, qualidades e defeitos. Quando no vivenciamos a
materialidade, torna-se impossvel ter noo do processo (OSTROWER, 1984, p.35).
No percurso histrico entre o tempo das pinturas rupestres e as possibilidades de acessar
virtualmente a produo artstica, exposta nos museus mais importantes do mundo, a relao do
ser humano com o seu fazer foi perdida e muita histria foi construda. Hoje comum pensar
e verbalizar que a arte um adereo, produto da elite e para a elite. Assim, circunscrita a
espaos culturais a maior parte da produo de arte est desconectada da vida de grande parte da
populao. Somente uma pequena parcela das pessoas visita com regularidade museus e espaos
culturais e efetivamente se constitui pblico das artes visuais. E pensar que, ao adentrar a um
museu, ao ver exposies de arte, podemos nos aproximar e entender muito da cultura de um
pas, de um povo!

781

Na contemporaneidade tambm bastante comum o entendimento de que os artistas so


pessoas desequilibradas, loucas, margem da sociedade e que o processo de criao e seus
resultados no so trabalhos.
Arte uma rea do conhecimento humano e como tal passvel de ser ensinada e aprendida,
pois tem contedo. Arte expresso, linguagem, cultura, criao e trabalho, muito trabalho.
A arte promove o desenvolvimento de competncias, habilidades e conhecimentos necessrios
a diversas reas de estudo; entretanto, no isso que justifica sua insero no currculo escolar,
mas seu valor intrnseco como construo humana, como patrimnio comum a ser apropriado
por todos (IAVELBERG, 2003, p.09). Na perspectiva da democratizao desses saberes, da
acessibilidade aos cdigos da arte, nas ltimas dcadas o ensino da arte incorporou ao seu universo
a expresso alfabetizao visual para determinar o domnio dos cdigos para a decodificao e
a compreenso das obras de arte. Em funo de suas necessidades, apropriou-se de palavras de
outras reas de conhecimento. Sendo assim, foi emprestado, recentemente, da Lingstica o termo
leitura como forma de redescobrir significados.
A leitura do mundo pode se dar de forma espontnea, como faz a pessoa simples que
intuitivamente sabe ler o cu e reconhece de onde vem a chuva ou de forma sistematizada em que
se estabelece um mtodo para tirar partido das descobertas. A leitura um processo cultural e
interativo, pois o sentido da mensagem no est s na mente do escritor, do produtor, do artista
visual, mas tambm na mente do espectador, e no significado do prprio objeto observado. O ser
humano constri sentido a partir da imagem e de suas experincias prvias. Dessa forma, quando
acontece a experincia da leitura, ela no est isolada do entendimento de mundo construdo, dos
aspectos culturais, histricos, do tempo vivido e de como tudo isso se incorpora histria pessoal,
configurando assim um espectro imenso de possibilidades. Dentro dessa perspectiva, podemos
ampliar o entendimento de leitura para todo o mundo imagtico, sonoro, olfativo, gustativo, tctil
entre outros. Ou seja, cada campo, cada referncia, cada objeto citado um sistema aberto,
um tecido de significaes com variaes de interpretaes nicas, pois depende do referencial,
do olhar, da percepo e das conexes estabelecidas por cada sujeito. Esse processo no se d
sozinho, espontaneamente. Na escola, a partir de processos de ensino, cabe ao professor facilitar,
mediar, dar a conhecer os significados da leitura e da compreenso profunda do universo posto
ao alcance do alunado.
Hoje no ensino da arte na perspectiva cultural as camisetas e suas estampas, as capas dos
cadernos, os cartazes e a publicidade de forma geral, as Tecnologias de Informao e Comunicao
(TIC), os videoclips, a moda entre outros, so passveis de anlise e podem se constituir em temas,

782

assuntos tratados lado a lado com a produo artstica mundial. (...) os objetos da cultura visual
que maior presena tm entre os meninos, as meninas e os adolescentes so os que recobrem
as paredes dos quartos, as imagens das pastas da escola, as revistas que lem, os programas de
televiso a que assistem, as apresentaes dos grupos musicais, os jogos de computador, suas
imagens na internet, a roupa, seus cones populares, etc. (HERNNDEZ, 2000, p.136).
A inteno maior em abrir as possibilidades imagticas observar e usar essas referncias
para a estruturao do saber, a contemplao, a educao dos sentidos, a ampliao do espao
perceptivo, a reflexo, a interpretao sobre o conhecimento esttico e crtico.
Para Hernndez, que trabalha nessa linha, a cultura tema central das cincias sociais. O
professor e escritor entende que todas as culturas so produtoras de imagens e que conhecer os
significados dessas produes importante para reconhecer o valor cultural de cada uma delas. A
cultura visual por sua vez interdisciplinar e se apresenta perante as mudanas vividas nas ltimas
duas dcadas na arte, cultura, imagem, histria, educao e esta vinculada noo de mediao,
de representaes, valores e identidades. Todos os atores implicados nesse campo de saberes so
(...) construtores e interpretes na medida em que a apropriao no passiva nem dependente,
mas interativa e de acordo com as experincias que cada indivduo tenha experimentado fora da
escola (HERNNDEZ, 2000, p.136).
CULTURA
Falar de cultura entrar em uma seara ampla e complexa, praticamente inesgotvel com a
possibilidade de inmeras abordagens.
A etimologia da palavra cultura surge
[...]do verbo latino colere, cultura era o cultivo e o cuidado com as plantas, os animais e tudo que se
relacionava com a terra; donde, agricultura. Por extenso, era usada para referir-se ao cuidado com as crianas
e sua educao, para o desenvolvimento de suas qualidades e faculdades naturais; donde puericultura. O
vocbulo estendia-se, ainda, ao cuidado com os deuses; donde culto. A cultura, escreve Hanna Arendt, era o
cuidado com a terra para torn-la habitvel e agradvel aos homens, era tambm o cuidado com os deuses,
os ancestrais e seus monumentos, ligando-se memria e, por ser o cuidado com a educao, referia-se ao
cultivo do esprito. Em latim cultura animi era o esprito cultivado para a verdade e a beleza, inseparveis
da Natureza e do Sagrado (In CHAU, 1996, p.11) (o grifo do original).

Se tomarmos esses entendimentos e dados histricos, podemos perceber que na sua origem
a educao e cultura so indissociveis.
O conceito de cultura no passivo e requer entendimentos diversos sobre o ser humano,
seu contexto e o tempo histrico, enfim se constitui em um territrio mvel.

783

(...) a cultura deve ser considerada como o conjunto dos traos distintivos espirituais e
materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que
abrange, alm das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas
de valores, as tradies e as crenas1.
Muito alm de uma simples definio, a cultura faz parte do nosso dia a dia quando
repetimos palavras como califom suti, bureau escrivaninha ou cachette comprimido, termos
de origem francesa ou corruptela do francs utilizados no Estado da Paraba ou a expresso
brostolar a polenta, comumente utilizada entre os descendentes de italianos. Cultura tambm est
representada nas roupas utilizadas pelos russos, que comearam a chegar ao Sul do Brasil no
ano de 1878. Independente dos anos terem se passado, os descendentes dos russos vestem, at
os dias de hoje, as roupas assemelhadas de seus avs. Os homens mantm a tradio do uso
da barba e se trajam com calas de suspensrio bordado e as mulheres e crianas, com vestidos
longos, de cores vibrantes e cabelos presos dentro de uma touca do mesmo tecido do vestido.
Na regio dos Campos Gerais no Paran, em especial em Palmeiras, comum encontr-los no
comrcio ou pelas ruas.
Cultura cobrir o corpo todo com argilas coloridas diludas em gua, s pelo prazer de
faz-lo, escolher elementos vegetais e somar a pintura corporal como fazem os Homens de Kibish
das tribos africanas da Etipia, Sudo e Qunia no Vale do Rio Omo (disponvel em http://
etnoconverse.punt.nl/acesso em 15/05/2012)
Cultura o ato de fazer o seu prprio instrumento musical e saber toc-lo, tanto quanto saber
compor ou ouvir msica clssica. Est explicitada nos ditos populares pintados na traseira dos
caminhes, nas esculturas das figuras humanizadas nos canos de escape das oficinas mecnicas,
nos apelidos inventados pelo interior do nosso pas, que por vezes so mais empregados que os
prprios nomes. No artesanato em capim dourado do Jalapo no Tocantins, nas xilogravuras de
Bezerros em Pernambuco. No tacac de Belm do Par, na moqueca capixaba de Guarapari no
Esprito Santo ou no modo de preparar a carne de sol em Campina Grande, na Paraba.
Em sala de aula, se fizermos uma pesquisa sobre as brincadeiras de infncia dos avs, pais
e dos prprios alunos, estaremos levantando um universo que vai entrelaar costumes culturais
indgenas, africanos, portugueses, mas tambm costumes, modos de fazer de muitos outros
contextos. Das negras que cuidavam das crianas ficaram as lendas, as histrias carregadas de
valores, misticismo e emoes. Tema gerador para outros conhecimentos sobre a frica, africanos,
raas, negritude, racismo, o que ser negro e os modos de estar no mundo.
Dos chineses fica a eterna gratido pela inveno, do que por aqui convencionamos chamar
de papagaio, pipa, pandorga, raia, nomes diferentes do brinquedo, que confeccionado em papel

784

de seda ou papel assemelhado e varetas finas, ganham os cus de vrios continentes, excelente
brinquedo para trabalhar em consonncia com a matemtica. A amarelinha, jogo da tradio
francesa vivido pelas crianas que nem sabem onde a brincadeira se originou. Cada pessoa ou
coletividade que se apropria de algum saber soma a este novo entendimento o seu referencial.
Sendo assim, a cultura viva e est em constante movimento no bojo do patrimnio cultural.
Para perceber melhor como vem se processando no Brasil este entendimento, tomemos a
Constituio da Repblica Federativa do Brasil no seu artigo 216, no qual o conceito de Patrimnio
Cultural foi ampliado:
Art. 216. Constituem patrimnio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,
tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referncia identidade, ao, memria
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expresso;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criaes cientficas, artsticas e tecnolgicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificaes e demais espaos destinados s manifestaes
artstico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e stios de valor histrico, paisagstico, artstico, arqueolgico,
paleontolgico, ecolgico e cientfico (disponvel em <www.jusbrasil.com.br/> acesso em
09/05/2012).
Em face das as infindveis possibilidades apresentadas na Constituio Federal cabe aos
professores e a equipe pedaggica da escola oportunizar processos educativos em que o aluno viva
intensamente os bens de natureza material e imaterial, a fim de criar pertena, construir valores
e ampliar o seu campo de referncias tornando a sua bagagem cultural muito mais abrangente.
Na escola cabe tambm instigar situaes problemticas para a realizao de projetos que
partam do interesse, por exemplo, dos alunos adolescentes com temas como a cultura Hip Hop.
Essa maneira de viver com o emprego de grias - cdigos especficos de comunicao, formas de
vestir, danar e se expressar na linguagem do grafite tambm uma forma de se impor no espao
do mundo circundante. Promover discusses, anlises sobre a esttica do que se produz nesta
linha, coloca o jovem como partcipe da construo da cidadania e da cidade. Conhecer a obra de
Jean-Michel Basquiat, artista plstico afro-americano e a sua histria de vida, estabelecer pontes
com a criao do rap nacional, pesquisa sobre grafite X pichao tambm podem contribuir para
o entendimento dos papis sociais para muito alm dos conceitos de cultura, pluralidade cultural,

785

arte e ou cidadania, mas da vida vivida pelos alunos, de identidade, dos links possveis com o
mundo, imbricando reas de conhecimento e outros saberes.
necessrio reconhecer, com efeito, que esta ordem humana da cultura no existe em lugar nenhum como
um tecido uniforme e imutvel, mas que ela se especifica, ao contrrio, numa diversidade de aparncias
e de formas segundo os avatares da histria e as divises da geografia, que ela varia de uma sociedade a
outra e de um grupo a outro no interior de uma mesma sociedade, que ela no se impe jamais de forma
certa, incontestvel e idntica para todos os indivduos, que ela est submetida aos acasos das relaes de
foras simblicas e a eternos conflitos de interpretao, que ela imperfeita, lacunar, ambgua nas suas
mensagens, inconstante nas suas prescries normativas, irregular nas suas formas, vulnervel nos seus modos
de transmisso e perpetuao (FORQUIN, 1993, p.14).

Desse modo, a cultura, uma espcie de matriz, inerente ao homem que aperfeioado
quando cria relaes de pertencimento, fortalecido pelo grupo social em que est inserido quando
transmite suas experincias, quando estrutura o conhecimento produzido pela sociedade de origem
e organiza-o, e principalmente quando se humaniza na descoberta do vivido.
MULTICULTURALISMO
A Inglaterra dos idos de 1970 foi o bero do entendimento e organizao dos pressupostos
sobre o multiculturalismo em relao ao ensino. Em face do nmero elevado de estrangeiros
no pas, a escola sofreu muitas dificuldades, pois a adaptao cultura local era complexa e a
delinquncia se disseminava. Era preciso diminuir a evaso escolar e aproximar culturalmente os
entendimentos dispares dos imigrantes, bem como prepar-los para o mercado de trabalho.
Nesse contexto, Raquel Mason foi a primeira educadora a sistematizar esses entendimentos
com a inteno de compreender os preceitos e o manejo das diferenas nas sociedades, desenvolver
uma viso crtica e antiracista, bem como abarcar a pluralidade de diferentes culturas, religies,
etnias e as relaes de gnero.
Partindo da realidade sociocultural dos alunos, do pressuposto da incluso e da importncia
da participao de todos no processo educativo, o fundamento da proposta era o dilogo entre as
diferentes culturas. Considerando que o professor ao adentrar a sala de aula leva com ele todo o seu
referencial, a sua histria de vida, o perfil esperado para colocar em prtica esses entendimentos
era de um profissional que trabalhasse conceitos e soubesse lidar com preconceitos, no sentido
de extingui-los ou, se impossvel, minimiz-los. Um professor capaz de trabalhar conflitos, mediar
situaes e apto para lidar com o progresso, com o crescimento de cada aluno, acreditando
sobremaneira no desenvolvimento humano. Por sua vez a escola deveria oportunizar espao para

786

a comunicao e promover discusso em campo neutro, em uma atmosfera real e aberta. J


naquele momento histrico o foco era propor atividades abertas tais como: debates, pesquisas,
registros escritos, falados, observaes em loco, vivncias entre outras.
Em arte, como procedimentos metodolgicos, era importante que o professor fizesse uso de
um referencial imagtico ampliado com emprego de imagens tanto do pas de origem quanto de
outras culturas, fora do eixo da eurocultura, tais como tribos e etnias distantes, bem como a arte
das minorias. Pretendia-se contextualizar as obras de arte geograficamente, antropologicamente e
em seu tempo histrico com o intuito de favorecer a produo e a reflexo. Assim, era empregado
o cruzamento de diversos cdigos da produo artstica em sintonia com o contexto em que foram
idealizados e produzidos (DIAZ: LIBLIK, 2006, p.57-59). Hoje sabemos que, dependendo da
forma de atuar, o fato de super valorizar ou defender um bolso de produo pode isol-lo
ainda mais. Organizar exposies com a produo de artistas naif2, como se estes no estivessem
inseridos no aqui e no agora, no vivessem a atualidade ou no pudessem representar a sua arte
junto de produes contemporneas, pode ser um exemplo de excluso do macro-contexto da
arte. O que no possvel perder de vista o fato do valor esttico, histrico da obra, o que vai
torn-la atemporal e dar-lhe um lugar alm da linguagem da pintura, instalao, performance ou,
ainda, de uma categoria como arte popular, erudita, argumentao que apenas separa por classes
sociais e condies socioeconmicas os fazeres do ser humano.
Os pases com maior experincia na perspectiva multicultural foram a Sucia, Canad,
Austrlia, Nova Zelndia, Holanda e, independente de Mason ter sistematizado estas ideias para
o ensino, a Inglaterra e parte dos Estados Unidos realizaram menos experincias na rea. Por
outro lado ndia, Malsia, Austrlia, frica do Sul, Europa Meridional e Amrica Latina, cada
um com a sua realidade, iniciaram o seu processo nas ltimas dcadas, sendo que o Brasil, aps
a dcada de 1990; ambos Brasil e Argentina empregam o termo diversidade (SANSONE, 2007,
s/p) ou pluralidade cultural.
A nfase na construo do conhecimento, na apreciao e na compreenso esttica da
arte, a relao pendular entre contedo e cultura, bem como as questes da identidade e o
desenvolvimento da conscincia crtica, faz com que o Multiculturalismo ainda tenha eco no
ensino da arte na contemporaneidade, como um procedimento metodolgico que pode estabelecer
sentido e significado prxis escolar, somados os ajustes necessrios ao momento histrico em
que estamos vivendo.
Em qualquer contexto cabem exposies de objetos de etnias diferentes, tais como utilitrios,
roupas, gincanas com provas em que preciso descobrir o modo de se empregar determinado

787

artefato. Mostras de fotografias, pinturas de tempos idos sobre a cidade, o bairro ou ainda conversas
com familiares que narrem histrias sobre diferentes costumes como a comemorao da Pscoa
entre os ucranianos, a festa do Divino Esprito Santo ou a Cavalhada de Pirenpolis em Gois,
a Festa de Nossa Senhora dos Navegantes em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, do Crio de
Nossa Senhora de Nazar em Belm do Par ou no Festival Folclrico de Parintins na Amaznia.
Todas essas referncias podem criar interfaces com o ensino das artes visuais, seja na
contemplao das imagens das festas, seja nas representaes passveis de serem realizadas com
a iconografia da cultura em questo, seja no reconhecimento da palheta de cores empregada na
festa, seja no contato com fotografias, seja no levantamento das diferenas culturais perante o
mesmo gesto, o mesmo fazer, o mesmo rito de passagem, entre outros.
Hoje consumimos produtos estrangeiros de toda ordem, quer seja em itens de vesturio,
na alimentao, na edificao de casas, no consumo de medicamentos, e quem efetivamente se
apresenta como o estrangeiro o vizinho que reside ao lado. Raramente encontramos com ele, no
interagimos, dele nada sabemos. No processo de construo de um multiculturalismo adaptado
brasilidade e aos problemas brasileiros, faz-se necessria a viso ampliada que vislumbra a
extenso territorial e a pluralidade cultural de cada regio, e tambm o que contemplado no
contexto de cada instituio e na relao pessoa a pessoa. Apresentam-se desafios de humanizao
tanto na esfera individual, social quanto na esfera poltica. Qui o Brasil de hoje possa ser
visto como uma caixa de Pandora, com relao incorporao de polticas pblicas referentes a
grupos populacionais especficos com base na valorizao de sua distino cultural, aps sculos
de esquecimento (SANSONE, 2007, s/p). A sala de aula, o espao escolar, as abordagens
empregadas podem nos auxiliar neste caminho para resgatar, restituir e construir saberes sobre
a arte plumria, sobre as ideias do colonizador em relao aos indgenas nas pinturas de Albert
Eckhout em sintonia com o que ser ndio e como vivem os ndios de hoje como, por exemplo,
no filme AUW UPTABI o povo verdadeiro.
No que concerne arte africana, cabe lembrar que importante ir alm dos processos de
fabrico dos instrumentos de ferro empregados para domesticar os negros no Brasil Colnia, da
arte das mscaras ou das esculturas de madeira, para destacar, dar nfase, valorizar sobremaneira
a esttica da arte africana.
Na cantaria e na azulejaria portuguesa, tanto no tempo pregresso como nas interfaces com
o hoje, um arqutipo pode ser contemplar imagens da azulejaria portuguesa nas paredes do
Centro Cultural de So Francisco em Joo Pessoa na Paraba, nas igrejas de Pernambuco, da
Bahia e de Minas Gerais e em muitas outras cidades brasileiras. Posteriormente apreciar a obra

788

de Adriana Varejo que congrega pintura, escultura e arquitetura na desconstruo da azulejaria


portuguesa. Contextualizar historicamente, demonstrar tcnicas produtivas, entender quem o ser
humano atravs do tempo e das culturas, investigar, pode auxiliar a expressar conflitos na esfera
pedaggica e a reduzi-los na esfera social.
PLURALIDADE CULTURAL
No ano de 2001 a Declarao Universal da UNESCO sobre diversidade cultural foi aceita
e assinada por 185 Estados membros, mas sabemos que efetivamente existe uma distncia em
assinar e concretizar aes para a converso de nossos hbitos cotidianos e polticos, privados
e pblicos, culturais e espirituais (BOFF,1999, p.17). No seu artigo primeiro, que trata sobre
Identidade, Diversidade e Pluralismo, aponta-se que Fonte de intercmbios, de inovao e de
criatividade, a diversidade cultural , para o gnero humano, to necessria como a diversidade
biolgica para a natureza (disponvel em <http://unesdoc.unesco.org/> acesso em 09/05/2012).
O entendimento do termo diversidade, bastante empregado pelas Naes Unidas, pelo Banco
Mundial e o Banco Internacional para a Reconstruo e Desenvolvimento (BIRD) est relacionado
aos costumes de uma sociedade, diferenas climticas, econmicas, sociais e culturais.
Uma expresso muito recorrente nessas esferas a tolerncia mtua, mas ser que basta
simplesmente tolerar o outro, os seus hbitos e ou a sua presena? Tolerar pressupe apenas
admitir modos diferentes de pensar, de agir e de sentir. Existe uma medida subentendida na
palavra tolerncia, uma linha divisria, um afastamento. Ser que no precisamos reconhecer o
outro, aceitar, acolher, compreender e aprender com ele? S vamos ser porosos a este entendimento
quando o outro for compreendido no seu contexto, dentro da sua prpria ptica. Esta postura
implica nos despirmos de pr-conceitos, exercitarmos a escuta e o dilogo, atitudes libertadoras,
e nos colocarmos frente a frente, na perspectiva do que somos iguais, a humanidade, e no que
temos de diferente, a cultura.
Tambm na perspectiva da heterogeneidade os Parmetros Curriculares Nacionais (PCN),
editados em 1997, abriram espao para o movimento de incluso e da diversidade no contexto
escolar brasileiro. Como o prprio termo parmetro j indica, ele um norte, um horizonte e
no uma lei. Os PCN enfatizam a importncia de aprender, garantir a equidade ou igualdade de
oportunidades e socializar os direitos humanos, levando a compreenso de que as pessoas no
so desfavorecidas, mas as situaes a elas impostas que no so igualitrias. H crticas por
parte de alguns professores a tudo o que nos vem das instncias superiores e por certo esta deve

789

ser a postura do professor, mas no podemos negar que os PCN propuseram avanos no que diz
respeito s relaes humanas, s relaes de poder e tambm no mbito do reforo a identidade.
Na categoria dos temas transversais, o caderno que contempla a Pluralidade Cultural,
entendida como multiplicidade, heterogeneidade, variedade, tem mais proximidade com os
contedos do ensino da arte. Nele so listados contedos passveis de serem trabalhados em
sala de aula estabelecendo dilogo dos contedos prprios da arte com temas tais como: pintura
corporal, indumentria, vesturio, utenslios, decorao de moradias, culinria, brinquedos,
brincadeiras, festas, linguagem oral e escrita, rezas, crenas, plantas, receitas e outros (PCN,
Diversidade Cultural, 1997).
Para definir diversidade cultural, alguns falam sobre multiculturalismo, outros sobre pluriculturalismo
(PCN), e temos ainda o termo mais apropriado Interculturalidade. Enquanto os termos Multicultural e
Pluricultural pressupem a coexistncia e mtuo entendimento de diferentes culturas na mesma sociedade,
o termo Intercultural significa a interao entre as diferentes culturas. Esse deveria ser o objetivo da ArteEducao interessada no desenvolvimento cultural. Para alcanar tal objetivo, necessrio que a escola
fornea um conhecimento sobre a cultura local, a cultura de vrios grupos que caracterizam a nao e a
cultura de outras naes (BARBOSA, 2003, p 19).

Na perspectiva da interculturalidade podemos relacionar o que a princpio no parece


compatvel, estabelecer pontes com arte, cultura, moda, vesturio e muitos outros saberes de
distintos continentes e povos.
Uma unidade em arte pode ser iniciada com o filme Patchwork em que a protagonista, uma
noiva norte-americana, participa da feitura de uma colcha, na tcnica de trabalho com retalhos
de tecido junto com suas parentas. O presente destinado a ela e ao futuro marido carregado de
sentidos e significados quando durante o trabalho as parentas relatam suas histrias amorosas,
fazendo com que a nubente questione o seu prprio rito de passagem. A partir do filme possvel
estabelecer pontes com os fazeres especiais das prprias parentas dos alunos no levantamento
dos familiares que trabalham com ofcios assemelhados costureiras, alfaiates, artesos ou at
pescadores , visto que tambm utilizam instrumentos parecidos como as agulhas para consertar
redes. Novos encadeamentos podem desdobrar-se com a demonstrao de obras de Leonilson,
Lgia Clark, Leda Catunda, Ernesto Neto, os irmos Campana que so designers e(ou) o artista
textil Meiji Uchida de Kyto.
Para ampliar ainda mais a problemtica, pode-se pesquisar o uso de reciclveis na rea
txtil, conhecer empresas como a Catarinense Fibrasca, entre outras, que est reutilizando as
garrafas PET polietileno tereftalato na produo de linha para costura de calados, produo
de cordas e fibras, bem como enchimentos de travesseiros. Torcido e emaranhado, o material

790

pode formar fibras para serem tecidas, voltando ao consumidor como camisetas, blusas, pijamas,
mantas e outros itens que podem materializar objetos e propostas de arte. Ou ainda se aproximar
dos entendimentos de Lipovetsky, que afirma que o surgimento e desenvolvimento das fibras
artificiais e sintticas, bem como os artigos ditos inteligentes ocasionaram pesquisas avanadas
na rea dos txteis como os tecidos que no amassam, prova de bala, que se adaptam a
mudanas climticas, tem ao anti-bacteriana e anti-fogo. Igualmente surpreendentes, so os
tecidos utilizados para as roupas de mergulho que se assemelham ao couro dos animais marinhos,
facilitando os movimentos e auxiliando a velocidade na gua (1989, p.65). A associao desses
conhecimentos tecnolgicos pode auxiliar na compreenso das dificuldades encontradas pelo
artista Cyril Christo ao embalar edifcios monumentais ou interferir na paisagem do deserto, de
ilhas, parques na modalidade da land art.
No universo da histria da arte possivelmente Frida Kahlo foi uma das artistas que mais
tentou salvaguardar as suas razes, seja na sua produo de pinturas polvilhadas com temas
nacionalistas, seja na luta poltica como militante do partido comunista, seja principalmente no uso
constante de trajes tpicos mexicanos. A obra de Frida merece estudo, mas seus trajes tambm
podem se converter em pesquisa e entendimento cultural.
A boneca Barbie e seu guarda-roupa diverso e plural, cone da cultura norte-americana,
tambm pode ser outro exemplo a ser tratado nas aulas de arte. Na contemporaneidade Barbie
suporte e aporte, tema em diferentes modalidades de arte: montagens, desenhos, pinturas,
instalaes, ourivesaria, fotografia, entre outras. Na internet possvel encontrar mais de 179.000
imagens da boneca, muitas representaes alvo de crticas, stiras, desmitificando uma srie de
esteretipos quando apresentada como uma pessoa idosa, gorda ou separada. A Revista ISTO
de 11 de abril de 2012 publicou uma matria sobre a produo da boneca Barbie careca. A
empresa americana Mattel, que produz a boneca, cedeu aos apelos de um grupo que a partir do
Facebook insistiu na importncia da boneca para elevar a autoestima de meninas com cncer
(DAUDN; PRADO, 2012, p.24). Uma das artistas mais polmicas, que explora montagens
dramticas com a boneca, a fotografa Mariel Clayton. Assunto que por certo vai interessar pradolescentes e adolescentes.
Na indstria de brinquedos muitos pases ocidentais produzem bonecas de papel, quase
sempre figuras femininas acompanhadas por uma coleo de vestidos, camisolas, roupas de praia
e adereos. Este brinquedo ainda causa ternura entre as mulheres como objeto da memria.
Instituir relaes entre o filme Patchwork, o acervo do Museu da Moda em Paris, o acervo
de vesturio tradicional do Museu de Antropologia da cidade do Mxico, permeados pela obra de

791

Frida, Minie Sardinha, bonecas de papel e ou obras que usam a boneca Barbie, alm de temas,
modalidades ou perodos da histria da arte podem se constituir em momentos para discutir
cultura, o papel da mulher, questes de gnero ou outro tema afim. Qualquer fazer especial como
as rendas, bordados, crochet, tricot pode ser exposto na escola, na sala de aula para motivar
discusses estticas e oportunizar o conhecimento sobre as obras de Rosana Paulino e ou Rosana
Palasyan, que buscam inspirao e referncia nestes temas, ou ainda estabelecer analogia com os
fractais produzidos no gelo do sul do pas ou na arquitetura da Alhambra em Granada Espanha.
Importante destacar que independente da riqueza que nos cerca constata-se que estamos
vivendo uma pasteurizao cultural. Exemplos dessa homogeneizao cultural podem ser
observados na forma de vestir nos grandes centros urbanos, nas comidas fast food, nas construes
padronizadas dos shoppings em mbito mundial.
Clark alerta que a homogeneizao cultural a que estamos submetidos deforma as ideias e
os conceitos e que certamente acabar com a diversidade de padres culturais, bem como com a
dignidade do ser humano. Sem a diversidade, as entidades so destrudas e os homens ficam com
sua humanidade comprometida e sua vida empobrecida (1985, p.153).
Perante essas evidncias, o papel do corpo docente das escolas criar um currculo
que contemple a pluralidade cultural no como um apndice, como um contedo desprovido
de sintonia com outros saberes ou afastado, isolado no tempo histrico. Essa responsabilidade
pode ser agravada se somarem-se As mudanas crescentes no mundo e nas nossas formas de
entend-lo, devido compreenso das tecnologias do espao e do tempo, o que supe uma
ameaa estabilidade e permanncia de nosso conhecimento, tornando-os frgeis e provisrios
(HERNNDEZ, 2000, p.137).
O currculo uma teia mvel que deve sofrer ajustes permanentes e que peculiar a cada
contexto. A flexibilizao da legislao vigente um anseio para que este documento complexo,
que mostra muito mais que o elenco de disciplinas de um curso, seja adequado s necessidades de
cada regio, contemplando o perodo de colheita, perodo de cheia dos rios e outras caractersticas
das localidades. A falta dessa adequao continuar determinando a manuteno de erros
histricos, afastando o aluno da escola para auxiliar a famlia no trabalho da agricultura, no
plantio e ou colheita, no transporte da produo entre muitos outros motivos. Assim, a realidade
escolar e a sua histria, a cultura, as possibilidades humanas e fsicas, o perfil do alunado, os
equipamentos, instrumental disponvel na escola, entre outros dados, devem urdir essa teia e dar
o norte ao tipo de educao que desejamos e ao tipo de ser humano que ansiamos educar.
O volume de informaes dobrado a cada 10 anos e 90% do que uma criana ter
que dominar ao longo de sua vida ainda no foi produzido, enquanto a escola gira em torno de

792

disciplinas estabelecidas h um sculo (GIORDAN, in HERNNDEZ, 2000, p. 163). No que


tange subdiviso do currculo em saberes engessados, cabe lembrar que As propriedades das
partes no so necessariamente propriedades extrnsecas, mas precisam ser vistas e entendidas
dentro do contexto do todo, visando chegar em algo comum, pensando na busca da verdade,
do todo (CAPRA ,1996, p. 51). Os saberes so interdependentes e a cincia sistmica mostra
que no podem ser compreendidos por meio da anlise individual. Sendo assim, no possvel
construir esses entendimentos na perspectiva da cincia tradicional, que impe barreiras rgidas
entre as disciplinas, em contedos extracurriculares estanques e destitudos de sentido e significado
para todos os implicados. Edgar Moran em entrevista concedida ao SESC So Paulo, no ano de
2007, nos diz No lugar de separar o conhecimento em compartimentos, devemos pensar como a
complexidade pode levar a uma conexo entre vrios modos de pensar (In:SOUZA, 2010, p.16).
Os contedos e as estratgias metodolgicas usadas em sala de aula precisam valorizar
a variedade de formas culturais e os processos identitrios, a pluralidade cultural como um
fator de fora e criatividade para caminhar na perspectiva intercultural. Esse entrelaamento
pode se dar dentro da sala de aula, na estrutura escolar, no dilogo entre cidades na troca
de correspondncias, sejam elas virtuais ou no. Podem ocorrer na pesquisa sobre os fazeres,
nos costumes, no conhecimento do artesanato de cada estado da federao, mas tambm na
compreenso de quem so os nossos vizinhos e os lapes, o que produzem e como vivem.
SUSTENTABILIDADE
A Comisso Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, organizada pelas
Naes Unidas, para discutir e propor meios de harmonizar o desenvolvimento econmico e
a conservao ambiental, criou o conceito de sustentabilidade. Esse entendimento pressupe
novas formas de pensar a vida sobre o planeta, no mais explorando-o, como vimos fazendo
desde o incio da vida na Terra, mas empregando formas de energia inesgotveis como a
energia do vento, da gua, do sol, revendo processos produtivos, reciclando materiais, evitando
desperdcio, sanando as diferenas sociais, contendo a poluio, enfim vivendo um paradigma
diferente do que ora experimentamos.
Entender que a Terra uma estrutura finita parece ser ainda hoje uma questo distante
para alguns segmentos preocupados to somente com questes de produo e valores econmicos.
O planeta, celeiro constantemente saqueado, outras vezes mal explorado, vem h algum tempo
dando indcios de estresse, de finitude de alguns tipos de vida e riquezas apresentando alteraes

793

climticas, catstrofes naturais, quer em funo do desgelo, quer do desmatamento. Faz-se


necessrio rever valores, construir outros mais amplos, para muito alm das questes econmicas.
Na perspectiva da sustentabilidade, vislumbra-se um entendimento sistmico3 sobre a
existncia no planeta com opes polticas mais acertadas, parcerias entre a cultura erudita,
cultura popular e seus saberes, a formao de novas mentalidades para que se inaugure um novo
pacto social entre os povos no sentido de respeito e de preservao de tudo o que existe e vive
(BOFF, 1999, p.18).
Nesse norte qual seria o papel do professor de artes visuais, dos alunos e de todo o complexo
escolar nos dias de hoje?
Obviamente estar em sintonia com o novo paradigma de vida sobre o planeta e viver com
tica e adequao s necessidades da contemporaneidade em nosso microcosmos. Nesse enfoque
uma das questes que cabe destacar o uso dos materiais menos poluentes e a reutilizao do
maior nmero possvel de materiais para a produo plstica.
Nos dias de hoje uma lista infindvel de possibilidades construtivas e de problemticas
tambm pode surgir a partir do emprego de materiais naturais, tais como penas, terras, areia,
gua, fogo, plantas sementes, cascas, folhas, razes mortas. Muitos so os usos, e s precisamos
fazer as adequaes ao grupo humano, faixa etria a ser trabalhada, bem como ao contedo e
objetivos da prtica artstica.
Nos centros urbanos, com qualquer faixa etria que se atue, possvel fazer uso de sucata
domstica como caixas de papel de diferentes tamanhos fogo, geladeira, remdios; embalagens
de isopor, de plstico como a de salgadinhos e tampas de pasta de dentes ou as prprias escovas de
dente velhas, rolinhos de papel, embalagens de leite, latas, objetos como sombrinhas quebradas,
eletrodomsticos ou ainda cabos de vassoura, vidros com tampas, papis como os sacos de po,
jornais, revistas, gods de frutas e ovos, retalhos de tecidos ou similares.
Para as escolas desprovidas de mdias contemporneas, a busca por figuras em folhinhas,
revistas, encartes, folders, cartes postais pode estruturar um rico banco de imagens.
Muitos outros materiais podem ser coletados no comrcio como as embalagens de filmes,
estruturas tubulares do interior das peas de tecido, tambores de papelo utilizados para a
comercializao de tintas, fios de telefone, carretis de madeira de diferentes tamanhos e usos,
serragem e cepilho entre outros. A indstria pode contribuir com restos de vime, plstico, couro,
camura, loua quebrada, formas de gesso, entre outros.
Devemos convir que este pas nem parece atravessar por tantos problemas de subsistncia
se considerarmos o que as pessoas jogam fora, a abundncia de materiais que encontramos no

794

lixo. Computadores, mveis, materiais de construo, isso sem falar nos alimentos que poderiam
ser encaminhados para pessoas famintas ou reaproveitados em outro momento. bvio que
na rea de arte preciso comprar materiais, e isso correto e desejvel, mas quantos itens
poderiam ser suprimidos das listas enviadas aos pais ou instituies? Como seria diferente se a
escola se dispusesse a mudar o ponto de vista e at mesmo a acomodao no s em relao ao
reaproveitamento dos materiais, mas a maneira de interagir nos contextos!
(...) para aprender os contextos culturais e naturais, a sobreposio e os sentidos da realidade so requeridas
aes que permitam interpretar e trazer identidade aos espaos de vivncia escolar (CAMPOS, 2002, p.84).

Uma escola no meio da floresta, em um barco, uma classe multisseriada pode estabelecer
pontes com arte e cultura com o que v e conhece sobre rituais, festas, entretenimentos. Com o que
v e vive nos mercados, feiras, santurios, praas. Com os personagens que aqui e acol andam
pelas ruas inventam formas de se locomover em carros a manivela, de vestir-se com papis de
bala, de falar e de trabalhar imitando estrelas do rock. Atuar nessa perspectiva vai ajudar a criar
espao para trocas, transferncias, intercmbios e prioritariamente construir saberes, identificar
sabores ao ato de ensinar aprender em uma escola viva.
CONSIDERAES FINAIS
No mais possvel resistir mudana. No mais possvel vivermos como temos vivido.
A transformao de paradigma responsabilidade de todos nos habitantes que tecemos juntos
este planeta TERRA, sistema aberto, porm finito. inimaginavelmente difcil fazer tudo isso,
permanecer consciente e vivo no mundo adulto dia aps dia. O que significa que a educao
realmente o trabalho de toda uma vida e que precisamos rever entendimentos dados como
certos, olhar o horizonte e mudar o rumo muitas e muitas vezes ao longo de nossa existncia como
professores, como habitantes deste planeta.
O que podemos fazer no nosso microcosmo? Produzir menos lixo, cuidar da gua, caminhar
e andar de bicicleta em pequenos trechos ou at longos? Pintar com tintas naturais? Comer mais
alimentos orgnicos? Produzir polmeros com milho e penas de aves? Usar energia solar, elica?
Fotografar com o olho que v? Produzir sem esgotar as reservas naturais? Trabalhar com as mos
para desenvolver a inteligncia? Viver para muito alm da tolerncia acolhendo, respeitando e
aprendendo com o diferente? Aprender a escolher os representantes polticos? Lutar pela justia
e igualdade? Viver com tica?

795

necessrio pacincia e mtodo, para reforar a compreenso sobre a importncia da arte


na perspectiva da quebra do senso comum e esforo para ver a arte como disciplina, contedo
trabalhado em todos os nveis de ensino e em todas as reas do conhecimento humano. A
arte, por si s, no opera transformaes na educao, mas a experincia com os processos
de criao pode reorientar o sentido de ensinar, o papel do professor, a imagem da escola,
bem como o valor das prticas culturais nas comunidades e na vida pessoal e profissional
dos professores e nas relaes entre as escolas e as instituies que promovem aes sociais
(IAVELBERG, 2003, p.23).
Outro grande desafio est em promover o convvio, o respeito, de forma natural, de maneira
sistmica, entendendo que existe uma inter-relao entre os saberes e nas formas de viver e agir
no mundo.
O ano de 2010 foi batizado de Ano Internacional para a aproximao das culturas e se
faz premente trabalhar a cultura como uma matriz, uma memria e uma promessa fundadora
(FORQUIN, 1993, p.14), o que em sintonia com a interculturalidade pode nos oferecer
subsdios para a construo de padres interacionais com vnculos mais saudveis e satisfatrios,
humanizando e sensibilizando os indivduos no ato de construir conhecimento.
REFERNCIAS
BARBOSA, Ana Mae. Inquietaes e mudanas no ensino da arte. So Paulo: Cortez, 2003.
BRASIL. Ministrio da Educao e do Desporto. Parmetros Curriculares Nacionais. Braslia, 1997.
BOFF, Leonardo. Saber cuidar: tica do humano compaixo pela terra. Petrpolis: Rio de Janeiro, Vozes, 1999.
CAMPOS, Neide P. A Construo do Olhar Esttico-Crtico do Educador. Florianpolis: UFSC, 2002.
CAPRA. Fritjof. A teia da vida: uma nova compreenso cientfica dos sistemas vivos. So Paulo: Editora
Cultrix, 1996.
CHAUI, Marilena. Conformismo e resistncia : aspectos da cultura popular no Brasil. 6.ed. So Paulo:
Brasiliense, 1996.
CLARK, Grahame. A identidade do homem : uma explorao arqueolgica. Rio de Janeiro : J. Zahar, 1985.
DAUDN, Laura; PRADO, Antonio C. 2012. Surge uma nova verso da Barbie com cncer. ISTO , So
Paulo, Ano 36, n. 2213, p.24, 11/04/2012.
DIAZ, Marlia; LIBLIK, Ana Maria. A avaliao em artes visuais no ensino fundamental. Curitiba. Ed.
UFPR,c2006.
FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemolgicas do conhecimento escolar. Porto
Alegre: Artes Mdica, 1993.

796

HERNNDEZ. Fernando. Cultura visual, mudana educativa e projeto de trabalho. Porto Alegre: Artes
Mdicas Sul, 2000.
IAVELBERG. Rosa. Para gostar de aprender arte:sala de aula e a formao de professores. Porto Alegre:
Artmed, 2003.
LIPOVETSKY, Gilles. O imprio do efmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. So Paulo:
Cia das Letras, 1989.
OSTROWER, Fayga. Criatividade e Processos de Criao. Petrpolis: Vozes, 1984.
SANSONE, Livio. Que Multiculturalismo se quer para o Brasil? Cienc. Cult. Jun 2007, v.59 n.2 So Paulo Apr./
June 2007 Print version ISSN 0009-6725.
Sites Pesquisados
http://etnoconverse.punt.nl/acesso em 15/05/2012
www.jusbrasil.com.br/ acesso em 09/05/2012
http://unesdoc.unesco.org / acesso em 09/05/2012
SOUZA, Andra C. Batista de. Educao e diversidade cultural: o impacto da cultura popular no espao
escolar. Revista Extraprensa, Amrica do Norte, 1, ago. 2010. Disponvel em: http://200.144.190.194/celacc/
ojs/index.php/extraprensa/article/view/epx4-a1. Acesso em: 06 Mai. 2012.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1

Definio conforme as concluses da Conferncia Mundial sobre as Polticas Culturais (MONDIACULT,


Mxico, 1982) da Comisso Mundial de Cultura e Desenvolvimento (Nossa Diversidade Criadora, 1995) e
da Conferncia Intergovernamental sobre Polticas Culturais para o Desenvolvimento (Estocolmo, 1988).

Pintura Naif Arte ingnua, espontnea, realizada por artistas, geralmente sem formao acadmica que
pintam com cores intensas, sem preocupao com perspectiva, temas como fauna e flora, sincretismo
religioso, cenas interioranas, costumes tnicos. Um dos seus maiores representantes o pintor francs
Henri Rousseau e no Brasil Heitor dos Pazeres. A Frana, o Haiti, a Itlia, o Brasil e os pases, hoje
independentes, que compunham a ex-Iugoslvia Eslovnia, Crocia, Srvia, Bsnia-Herzegovina,
Montenegro e Macednia so os maiores representantes deste tipo de arte. O Brasil concentra 6.000 obras,
a maior coleo do mundo, no Museu Internacional de Arte Naif MIAN no Rio de Janeiro.

3 Pensamento sistmico uma forma de abordagem da realidade que surgiu no sculo XX, em
contraposio ao pensamento reducionista ou cartesiano, que visava fragmentao. visto como
componente do paradigma emergente, que tem como representantes cientistas, pesquisadores, filsofos
e intelectuais de vrios campos. Por definio, o pensamento sistmico inclui a interdisciplinaridade
(BEHRENS, 2005, p.53).

797

TICA GLOBAL, IGUALDADE E SUSTENTABILIDADE

Paulo Eduardo de Oliveira

Uma das principais questes que se relacionam com a sustentabilidade a igualdade. No


campo da tica, a igualdade se apresenta como a condio que aproxima as pessoas em razo
de seus direitos e deveres compartilhados. Numa sociedade no igualitria, dividida em castas
e classes, ou dirigida sob o peso de uma ditadura, no existe o compromisso de todos com
certos valores e normas de conduta. Geralmente, nesses casos, os mais pobres e desprivilegiados
acabam carregando um peso maior. O mesmo pode-se dizer em termos de poltica internacional1:
medida que h uma profunda diviso entre os pases, os compromissos mtuos pelo bem comum
e pela sobrevivncia de toda a humanidade tornam-se menos profundamente assumidos. Pelo
contrrio, quando h equilbrio e harmonia entre as naes, que se consideram com respeito em
razo do princpio da igualdade, h um empenho geral muito mais fortalecido em prol das causas
comuns. Veja-se, por exemplo, o quanto a participao da ONU2 tem contribudo para a defesa
dos direitos humanos em todo o mundo, assim como para a conscientizao quanto aos deveres
das pessoas e dos pases em relao a questes relevantes para toda a comunidade internacional,
como a questo da paz, da fome, da democracia e da sustentabilidade3.
O Brasil tambm membro da ONU4 e isso nos ajuda a criar projetos e iniciativas para
a soluo dos desafios nacionais, principalmente aqueles que dizem respeito questo da
sustentabilidade em todos os seus aspectos (ambiental, social, poltico, cultural, econmico etc.).

799

Passemos agora a refletir sobre o tema da igualdade. H dois valores humanos fundamentais
a partir dos quais se constroem todas as diferentes moralidades: a igualdade e a liberdade. Sobre
a liberdade, veja-se o nosso artigo tica, liberdade e determinismo: os limites da ao humana e o
problema da sustentabilidade, nesta mesma publicao. Tratemos, aqui, do conceito de igualdade,
para podermos compreender como ele nos ajuda a refletir sobre o tema da sustentabilidade.
COMPREENDENDO O CONCEITO DE IGUALDADE
O que a igualdade? Pais e mes deveriam considerar seus filhos como iguais, tratando-os
sempre da mesma forma. Numa mesma nao, os cidados que ali vivem deveriam ser tratados
como pessoas iguais, de igual valor e com o mesmo direito de considerao. Quando corrijo os
trabalhos de meus alunos, devo consider-los iguais, usando para todos os mesmos critrios de
correo. No posso discrimin-los, ou seja, no posso estabelecer diferenas entre eles. Hoje,
como nunca antes, fala-se da necessidade de eliminar todas as formas de discriminao5: isso
significa estender cada vez o valor da igualdade a todas as pessoas.
Mas, em que meus alunos so iguais? Cada um vem de famlia diferente, suas personalidades
so diferentes, seus gostos e seus anseios diferem entre si, cada um tem suas prprias opinies e
sua viso de mundo, cada um tem uma histria pessoal que, em nada, se iguala dos outros. Na
verdade, eles parecem absolutamente diferentes.
E as pessoas, em que so iguais?
A HISTRIA DA DIFERENA
Para se entender melhor certos conceitos, mais fcil analisar o conceito oposto: as
definies negativas6 (dizer o que algo no ) podem nos ajudar tambm na compreenso do
conceito de igualdade. Analisemos, portanto, alguns captulos da histria da diferena, a fim de
compreender os passos que foram dados, historicamente, no caminho de conquista da igualdade.
Concepo naturalista
A diferena entre homens livres e escravos talvez seja uma das mais antigas formas de
discriminao. Aristteles7, apesar de sua genialidade em outras matrias, cedeu influncia
de sua cultura quando afirmou: Alguns homens nasceram para ser livres e outros, para ser
escravos. Evidentemente, Aristteles era um aristocrata8, porque se fosse escravo jamais diria

800

isso (nossas ideias tendem a defender nosso status quo, ou seja, nossa posio social). De acordo
com essa concepo, est na prpria natureza de cada pessoa ser livre ou no. No depende
da escolha individual nem mesmo da forma de organizao social da comunidade em que vive:
depende, apenas, da disposio natural de ter nascido para. Esse parece ser o trao fundamental
de toda forma de discriminao: uma concesso natureza. Na verdade, trata-se de uma ideologia
(uma ideia-chave que mantm determinada estrutura social, como afirma Karl Marx9), que se
pode chamar naturalismo. E essa ideologia10 muito mais forte do que se pode imaginar.
A ideologia naturalista concede natureza todos os mritos ou toda a culpa de colocar as
pessoas em diferentes nveis sociais e isso importa na medida em que se disseminam as ideias de
que: a) no h uma causa social, mas apenas natural para as diferenas (ento no h injustia
social, apenas injustia natural, se assim se pode dizer); b) no h possibilidade de mudana,
pois a situao de cada um estabelecida de modo absoluto e definitivo: quem nasceu livre ou
escravo vai morrer livre ou escravo; c) o valor moral consiste em manter as coisas como a natureza
determinou, ou seja, cada qual ocupando seu papel no corpo social (no qual a uns cabe a funo
de cabea e, a outros, a de dedo do p).
A partir desse modo de compreender a realidade, torna-se difcil estabelecer aes em
vista da sustentabilidade poltica, social e cultural de uma comunidade, pois um dos pilares da
sustentabilidade a igualdade entre as pessoas.
Concepo religiosa
A discriminao tambm pode se apoiar numa justificativa religiosa. Alguns se acham
escolhidos, chamados diretamente por Deus, parte de um povo santo, enquanto outros no gozam
desse privilgio. As Cruzadas11 foram desencadeadas por essa ideia, assim como os inumerveis
conflitos religiosos de nosso tempo. A Inquisio Medieval12 justificava o uso da fora e da violncia
fsica, com direito absoluto sobre a vida das pessoas, a partir dessa noo de diferena religiosa.
Na poca dos grandes descobrimentos, constitua-se problema teolgico fundamental a
legitimidade do batismo dos indgenas: teriam eles alma como ns, povo escolhido? Pessoas negras
no podiam entrar para a vida religiosa, ao menos no com as mesmas vantagens dos brancos (So
Martinho de Lima, frade dominicano, era considerado um religioso de menor grau por ser negro
e, assim, passou sua vida inteira varrendo o ptio do convento onde viveu, no Peru).
At hoje, alguns preceitos morais, mesmo amparados por concepes religiosas, so
discriminatrios (como o impedimento de participao no culto queles que so divorciados, por

801

exemplo; suicidas no tm direito missa de corpo presente outro exemplo; ou, ainda, muitas
mulheres sentem-se discriminadas por no terem o direito de exercer certas funes nas igrejas).
Concepo racional ou cientfica
A discriminao tambm pode ter origem em alguma concepo cientfica ou racional,
como no caso da considerao das pessoas que so normais e aquelas que so anormais. Os
exames psicotcnicos13 so instrumentos de verificao do grau de normalidade das pessoas e se
prestam a dizer quem apto e quem no o . Isso no ser tambm uma forma de discriminao?
O filsofo francs contemporneo Michel Foucault analisa, em sua obra Histria da Loucura14,
como o conceito de loucura foi sendo construdo ao longo do tempo, de acordo com aquilo que as
pessoas entendiam como sendo normal ou anormal.
Adolf Hitler15 tinha um projeto poltico-social apoiado na ideologia da diferena. Todos os
seus esforos estavam concentrados em provar, cientificamente, a existncia de uma raa superior
s outras, o que ele chama de raa ariana16. Assim, as pesquisas nazistas foram desenvolvidas
amplamente at o momento crucial: quando o prprio Hitler, como conta a histria, foi excludo
das medidas e quantificaes do que deveria ser a raa pura.
A cincia, em suas manifestaes mais recentes, tem levantado srios problemas quanto
manipulao da vida humana. A disputa reside no direito ou no de interferir nos processos
de gerao e de concluso da vida humana. Pode-se realizar pesquisas com embries? Podem
porque ainda no so pessoa humana, dizem alguns. No podem porque so pessoa humana
desde o primeiro momento, dizem outros. Podem-se desligar os aparelhos que mantm vivo um
doente h anos em estado vegetativo? Sim, porque esse paciente j no tem mais conscincia,
afirma algum. No, porque enquanto h vida cerebral ainda se deve respeitar a dignidade do
paciente, afirma outro.
Concepo social ou econmica
Por fim, ainda devem-se considerar os processos de discriminao justificados pela situao
social das pessoas. Ser pobre ou rico , sem dvida, uma das principais causas das diferenas entre
as pessoas e as naes. O problema da sustentabilidade social e econmica passa por esta questo.
Para alguns, adeptos da viso funcionalista, tal diferena no pode ser evitada, pois faz
parte do processo normal de funcionamento da mquina social17. Portanto, as pessoas no so
iguais e esta diferena que faz com que o tecido social funcione de modo adequado. Afinal, no

802

pode haver uma indstria onde todos so patres, assim como no pode haver um corpo onde haja
apenas cabea. Esse argumento funcionalista, embora parea plausvel e lgico, est carregado
de carga ideolgica (isto , de uma concepo de ideias que servem para manter determinada
ordem social).
Para outros, contudo, partidrios de uma viso estruturalista, as diferenas fazem parte de
uma determinada estrutura social, cuja configurao pode ser alterada. Assim, concebe-se que as
estruturas de dominao podem dar lugar a estruturas de respeito e de igualdade. Parece ser esta a
ideia que fundamenta todas as mais recentes revolues sociais que presenciamos: as vtimas de
uma determinada estrutura de poder e de dominao lutam para se libertar da mesma estrutura,
dando vida a uma nova forma de viver em sociedade. Deve-se notar, contudo, que as estruturas
antigas do lugar a novas estruturas que, com o tempo, podero vir a ser substitudas por outras,
e assim por diante. E, em alguns casos, mudam-se as cores, mas no as paredes: h muitos
que lutam contra o machismo, porque querem que as mulheres ocupem o lugar dos homens,
mantendo-se a mesma estrutura de poder. Muitos dominados numa certa estrutura social passam
a ser os dominadores depois da revoluo.
A MORAL DA DIFERENA
As discriminaes, em suas vrias facetas, podem levar constituio da moral da diferena,
expressa, sobretudo, em ideias como: o mundo para poucos, o mundo trata melhor quem
se veste bem, aos amigos, as facilidades; aos outros, o rigor da lei, isso no coisa para
mulher, voc ainda muito criana para isso, isso coisa de pobre, isso coisa de preto
etc. Note-se que levou muito tempo para o Brasil considerar a discriminao como crime18.
Esses exemplos, retirados de expresses usados pela mdia ou no dia a dia das pessoas,
revelam o quanto nossa sociedade se orienta por uma moral discriminatria. Tal moral incapaz
de sustentar a construo de uma sociedade igualitria e que respeite a dignidade da pessoa
humana e, por isso, tambm incapaz de construir uma sociedade disposta a se empenhar em
prol da sustentabilidade19, sobretudo no campo econmico, social e poltico.
Por isso, no surpreende a brutal indiferena diante das grandes injustias que se cometem
com os diferentes (as crianas, as mulheres, os doentes, os pobres, os marginalizados etc.). Na
tica que se construiu a partir da moral da diferena, no se considera injustia a separao entre
os grupos e o tratamento desigual s pessoas.

803

AS LUTAS PELA IGUALDADE


A histria humana est repleta de exemplos da batalha incessante pela conquista da
igualdade entre todos os homens. Desde os tempos antigos, os mitos clssicos e os relatos bblicos
(a libertao dos hebreus que eram escravos no Egito, por exemplo) vemos que o ideal da igualdade
impulsiona homens e mulheres a se empenharem por consegui-lo.
Revoluo Francesa
A Revoluo Francesa20, numa poca mais prxima de nosso tempo, no final do sculo
XVIII, tornou explcita a luta pelos ideais da fraternidade, da liberdade e da igualdade. De uma
sociedade marcada pela dominao absoluta dos monarcas e pela distino entre as pessoas
(a nobreza e o povo), passamos a construir sociedade onde as pessoas so respeitadas na sua
condio de pessoas. No o sangue ou a posio social que garantem o respeito ao homem e
mulher, mas a sua condio humana. No so privilgios pessoais, coisa de poucos, o que deve
garantir nossos direitos, mas a nossa mesma origem, a nossa essncia: antes de mais nada, somos
membros da raa humana e, por si, temos direito liberdade e igualdade. isso o que nos faz
construir sociedades mais fraternas, ou seja, sociedades onde as pessoas se sintam irmos, todos
membros da grande famlia humana.
Poucos anos depois da Revoluo Francesa, vemos uma srie de batalhas desencadeadas
pelo desejo de libertao. Grande parte das colnias europeias (inclusive os Estados Unidos21 e o
Brasil22) tornou-se independente, nesse perodo, revelando a conscincia da humanidade quanto
igualdade de todos os homens entre si, o que garantia para a conquista e manuteno de outros
direitos fundamentais.
Libertao dos escravos
A libertao dos escravos e a garantia de direitos aos negros23 foram tambm outro passos
fundamentais para a evoluo da humanidade no sentido da compreenso do valor da igualdade. A
escravido, apoiada at mesmo pelas lideranas religiosas, sustentava-se na falsa convico de que
os brancos eram superiores aos negros: quer dizer, os negros tinham menos dignidade e, por isso,
menos valor.
Eram como objetos que podiam ser comprados, usados e vendidos. Sobre um escravo, o
senhor tinha todos os direitos, inclusive sobre sua vida e sua morte. E isso era perfeitamente aceito
pela moral vigente poca.

804

Em poucas palavras, os negros eram diferentes. E, quando h diferena, preciso encontrar


algo que estabelea a distino. A cor, evidentemente, era o que demarcava este territrio. E,
ainda hoje, apesar de todo o avano, vemos como a cor ergue muros entre as pessoas. H inclusive
personalidades artsticas que fazem de tudo para ficar mais brancos. Que mensagem tal pessoa
passa para o resto da humanidade?
Na linguagem popular, podemos perceber a fora do preconceito: isso coisa de preto,
gato preto d azar, segunda-feira dia de preto, voc est na lista negra etc. Todas essas
expresses revelam que, em nosso modelo cultural, ainda existem razes da diferena que, durante
milnios, separou os brancos e os negros.
O processo de emancipao da mulher24
A mulher, nas sociedades ocidentais, comeou a ser respeitada h muito pouco tempo.
Nossa tradio cultural est centrada, sobretudo, no papel masculino. Vejamos alguns exemplos:
Deus Pai (quando o Papa Joo Paulo I, no seu curto pontificado de trinta dias, disse que Deus
Pai e Me, muitos se escandalizaram). Em toda a tradio judaico-crist, a mulher relegada a
um plano secundrio: o pecado entrou no mundo por causa de Eva, uma mulher; nas sinagogas,
as mulheres ficavam em lugar separado, atrs dos homens; o filho que recebe a herana do pai
o primognito (o primeiro filho do sexo masculino); segundo os relatos bblicos, Jesus tinha
apenas doze discpulos homens (certamente porque os evangelhos foram escritos por homens e
no por mulheres); apenas os homens ocupam lugar de destaque e de poder na hierarquia da
Igreja. Tambm na filosofia, Aristteles afirma que a mulher um homem incompleto. Nas
Universidades Medievais, professores e alunos eram homens. reas de estudo como o direito, a
medicina e a engenharia sempre foram preferencialmente para homens (h muito pouco tempo
as coisas mudaram). Sigmund Freud25 nos ensinou que o homem representa a sexualidade
completa, enquanto a mulher sofre de complexo de castrao (porque ela menos do que o
homem). As mulheres levaram muito mais tempo para conquistar o direito de votar, de dirigir
automveis (e ainda hoje alguns homens acham que as mulheres nunca vo aprender a dirigir
como eles), de conduzir empresas, de ter salrio igual ao dos homens, de fazer curso superior
em algumas reas etc.
Esses exemplos mostram o quanto a luta pela emancipao da mulher enfrentou fortes
barreiras de preconceito. Pensemos nessa palavra: para facilitar, vamos escrev-la do seguinte
modo: pr-conceito. um conceito (uma ideia, uma convico ou uma crena) que j carregamos

805

de antemo, antes mesmo de tomar conhecimento das coisas. O sexo , portanto, um fator de
diferenciao, assim como a cor, a classe social, a origem etc.
Tantas diferenas
Poderamos nos estender ainda mais nesse tema, mas o que foi dito suficiente para
esclarecer o quanto frgil o fundamento da diferena. Hoje, quando se fala dos direitos da
criana e do adolescente (temos inclusive um Estatuto para garantir tais direitos), dos direitos dos
idosos, dos estrangeiros, dos doentes, dos deficientes, percebe-se o quanto avanamos em termos
de conquista do ideal da igualdade.
Hoje se fala dos direitos das minorias26, porque no so apenas os interesses da massa
annima que esto em jogo. Cada um, cada pequeno grupo, cada pequena comunidade tem o
direito de defender sua forma prpria de vida, seus valores e sua cultura.
Por que as pessoas merecem respeito, independentemente de qualquer situao? Porque
so pessoas humanas: podem ser diferentes em quase tudo, mas nesse ponto somos todos iguais.
Ns somos humanos e isso o que garante nossa dignidade. No o sangue, a cor, a idade, o
sexo, o pas de origem, o dinheiro, a cincia e o nmero de diplomas que temos, nem mesmo a
religio ou o partido do qual fazemos parte: somos todos humanos e nisso est o fundamento de
nossa igualdade e de todo nosso empenho pela construo de uma sociedade mais sustentvel.
O VALOR DA IGUALDADE
A igualdade uma relao, no uma qualidade. Explico: uma qualidade ou atributo
algo que uma pessoa ou objeto tem. A expresso a mesa branca, por exemplo, designa uma
qualidade. uma afirmao que tem sentido. Contudo, qual o sentido da afirmao a mesa
igual? No h sentido algum nessa frase, porque a igualdade no uma nota, uma caracterstica,
mas uma relao: ela s pode ser entendida em si mesma, mas em razo de outro ser. Assim, a
frase a mesa igual cadeira pode ter sentido porque estabelece a relao entre a cadeira e a
mesa e, desse modo, denota algum trao comum entre ambas.
O mesmo pode ser aplicado ao valor da igualdade em relao s pessoas. Quando se diz
que todos os homens so iguais, embora a expresso parea ter sentido em si mesma, deve-se
perguntar: Iguais em qu?. Pois, no h simplesmente igualdade, mas sempre igualdade em
algum aspecto.

806

De outro lado, enquanto se poderia dizer que numa determinada sociedade apenas uma
pessoa livre, no se pode dizer que apenas uma pessoa igual. A igualdade , portanto, um
valor moral que implica a relao entre as pessoas, seja na famlia, na escola ou na sociedade de
modo geral.
Desse modo, pode-se dizer que os homens so iguais em muitos aspectos ou critrios de
valor: na cor, na nacionalidade, na religio, nas ideias polticas, no sexo, na idade etc.
VALORES QUE SUSTENTAM O VALOR DA IGUALDADE
O valor da igualdade nos faz refletir sobre outros valores igualmente importantes que precisam
ser considerados, pois esses valores, por assim dizer, sustentam o prprio valor da igualdade.
Entre eles, destacam-se a individualidade, a conscincia, o livre arbtrio e a responsabilidade.
Individualidade
Significa que cada qual uma pessoa nica, que se define por si mesma, com gostos e
desejos pessoais. Quando digo eu sou eu, estou afirmando justamente a minha individualidade:
sou um indivduo, um ser nico. Por isso, no o marido que define a mulher nem a mulher
que define o marido: cada um tem seu prprio espao para ser quem . Do mesmo modo, no
o pai ou a me que definem o filho e fazem as escolhas por ele, mas ele mesmo que deve
se manifestar e mostrar quem (isso tambm serve para ns, professores, que muitas vezes
ofuscamos a individualidade de nossos educandos).
Conscincia
Embora Sigmund Freud27 tenha nos ensinado que nossa conscincia a menor parte
da mente (apenas a ponta do iceberg), ela constitui valor fundamental quando se considera a
igualdade entre as pessoas.
Todos ns, em maior ou menor grau, temos conscincia, isto , percebemos a ns mesmos,
assim como nossas aes, intenes, desejos e outros sentimentos, alm da conscincia de
espao e de tempo. No se pode dizer o mesmo dos animais (ao menos no no mesmo nvel de
conscincia que se atribui espcie humana). A conscincia nos permite responder s perguntas
fundamentais: Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? O que quero fazer de minha vida?

807

O respeito conscincia das pessoas um preceito moral fundamental: ningum pode violar
a conscincia de outro ou neg-la, assumindo para si o controle sobre as decises de outra pessoa.
Isso vale para a nossa prtica educativa: at que ponto ns respeitamos a conscincia de nossos
alunos? Ns damos espao para que eles se manifestem ou impomos sempre nossos pontos de
vista? Ns lhes damos espaos para expressar sua criatividade ou apenas exigimos que respondam
aos nossos modelos e padres?
Livre arbtrio
Embora associado noo de conscincia, o livre arbtrio pode ser definido como nossa
capacidade de decidir por ns mesmos. O psiclogo e pedagogo Jean Piaget nos ensinou que, na
evoluo de nossa conscincia moral, passamos por quatro estgios diferentes28. O primeiro
chamado de anomia: ao p da letra significa sem lei, ou sem norma. Nessa fase, ns nos
comportamos de modo a buscar prazer e fugir da dor. Choramos quando estamos com fome ou
com a fralda molhada e dormimos em paz quando estamos bem.
A segunda fase chamada de heteronomia (a lei do outro): nesse perodo, o que rege
nosso comportamento e conduta so as ordens dos pais e dos professores, sobretudo. Escove os
dentes, Faa sua lio de casa, Guarde seus brinquedos, Faam fila, Copiem do quadro
so exemplos de normas que vm de fora, s quais vamos nos acostumando a obedecer.
Em terceiro lugar vem a socionomia, ou a lei do grupo: somos guiados, nesse perodo, pelas
regras sociais, os padres de comportamento coletivo, damos valor moda e quilo que os outros
vo dizer da gente, cumprimos as regras do trabalho, as leis de trnsito e assim por diante.
Finalmente, vem a fase da autonomia, quer dizer, das minhas prprias regras e normas de
comportamento. Eu dirijo minha prpria vida, o que dizemos quando chegamos a essa fase.
Embora sigamos as orientaes que guiam a vida social (socionomia) e tambm algumas regras
que nos so ditadas por outros (heteronomia) ou pelos instintos (anomia), temos condies de
dizer: Isso eu quero fazer ou Isso eu no quero fazer.
A rigor, o livre arbtrio s existe quando h autonomia, ou seja, conscincia capaz de dirigir a
prpria vida e as prprias escolhas. Pessoas que s respondem s solicitaes dos prprios desejos
(entregam-se aos vcios, so escravos do prazer, desejam apenas as coisas mais fceis e cmodas)
ainda esto na fase da anomia. Por outro lado, aqueles que obedecem submissos e sem questionar
as normas dos outros (dos pais, do chefe, do cnjuge, do lder espiritual) esto paralisadas na
heteronomia. Aqueles que so guiados exclusivamente pela opinio do grupo (da moda, da televiso,
da cultura de massa) e no conseguem decidir por si mesmos prendem-se na socionomia.

808

A educao precisa ajudar as pessoas a se tornarem autnomas, isto , a terem capacidade


de decidir por si mesmas e de orientar suas vidas com liberdade.
Responsabilidade
Como resultado de nossa conscincia e do livre arbtrio surge a responsabilidade. Ser
responsvel significa responder por, isto , assumir seus prprios atos, escolhas e decises. Quando
somos responsveis, jamais atribumos aos outros aquilo que teve origem em ns mesmos. Assim,
somos transparentes e honestos.
Numa equilibrada educao para os valores, deve-se ajudar os educandos a substituir o
sentimento de culpa (to fortemente enraizado em nossa cultura) pelo valor da responsabilidade.
Isso implica substituir os simples castigos por atitudes corretivas que sejam educativas. Ficar em
p, no canto da sala, por duas horas, corrige menos do que ensinar o educando a refazer a ao
mal feita (seja uma tarefa escolar, uma atitude com o colega, um comportamento inadequado).
A culpa contribuiu simplesmente para reforar a imagem negativa que, por vezes, fazemos de
ns mesmos. Em nada contribuiu para que reconheamos nosso prprio valor e assumamos a
verdadeira responsabilidade diante da vida.
Sublinhe-se este ponto: a responsabilidade est diretamente ligada questo da
sustentabilidade29.
TICA PLANETRIA E SUSTENTABILIDADE: ENTRE O INDIVIDUAL E O COLETIVO
Hoje, como nunca antes, fala-se em tica planetria30. Este , sem dvida, o principal
fundamento da sustentabilidade. Nunca, como em nossos dias, cresceu tanto a conscincia de que
podemos nos salvar ou nos destruir em massa. Isso tem implicaes ticas muito significativas no
campo da educao. Em primeiro lugar, precisamos aprender a lidar com a tenso natural que
existe entre o eu e o ns: no se trata de dois plos antagnicos que devem ser escolhidos
independentemente, mas de aspectos complementares de nossa existncia. Assim como no posso
existir sem os outros, tambm no posso deixar que os outros encubram minha individualidade.
Isso alarga a reflexo no sentido da solidariedade e da sustentabilidade31, e este o segundo
aspecto importante. De uma perspectiva individualista (O mundo para poucos, Salve-se
quem puder), passamos a uma atitude solidria: samos de ns mesmos para ouvir o outro, ser
presena para o outro, estender a mo ao outro. De uma atitude pragmtica (fazer para obter
resultado imediato), passamos a adotar uma atitude existencial (fazer porque isso nos torna mais
humanos). O valor da solidariedade precisa invadir os espaos da escola no apenas como um

809

discurso, a retrica da moda, mas como uma atitude que nos leva ao comprometimento com o
outro (em primeiro lugar com nossos alunos, sobretudo com aqueles que mais precisam de afeto,
ateno, dedicao, pacincia).
O terceiro e ltimo ponto, decorrente da solidariedade, a responsabilidade social32: no
vivemos isolados no mundo, mas constitumos uma rede. Se nos salvarmos, nos salvaremos juntos;
se morrermos, morreremos juntos. Trata-se de uma tica planetria, no mais de uma tica
individual e intimista. Somos todos responsveis no apenas por nossas vidas individuais, mas
pela vida de todos os outros e pela vida do planeta. No questo de simples preferncia pessoal,
mas de conscincia comum, forjada desde o bero. Tal conscincia vai ser demonstrada em
gestos simples, mas significativos como o tratamento adequado do lixo, a preservao ambiental,
o cuidado pelo patrimnio comum de todos ns. A escola tem muito a contribuir nesse sentido.
A possibilidade de construo de um mundo mais tico e sustentvel est, sobretudo, nas mos
dos educadores.
INDICAES DE LEITURA
BARBOSA, Lvia. Igualdade e meritocracia: a tica do desenvolvimento nas sociedades humanas. Rio de
Janeiro: Fundao Getlio Vargas, 1999.
BERTRAND, Yves e outros. A ecologia na escola: inventar um futuro para o planeta. Lisboa: Instituto Piaget,
1998.
BOFF, Leonardo. Ethos mundial: um consenso mnimo entre os humanos. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.
ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994.
EYSENCK, Hans J. A desigualdade do homem. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.
PIAGET, Jean. A tomada de conscincia. So Paulo: Melhoramentos, 1974.
RAWLS, John. Uma teoria da justia. So Paulo: Martins Fontes, 2002.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os
homens. Braslia: UnB, 1989.

DEFINIES E NOTAS EXPLICATIVAS


1 A poltica internacional diz respeito relao entre diferentes pases, as regras comuns entre eles, os
acordos diplomticos, os compromissos de cooperao e assim por diante.
2

A ONU Organizao das Naes Unidas Foi criada logo aps a Segunda Guerra Mundial, em 1945, em
substituio da Liga das Naes. Atualmente, a entidade tem 193 pases membros, entre eles o Brasil,
e sua sede fica na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos.

810

Indicao de link: Sobre o trabalho da ONU em relao ao tema da sustentabilidade, sobretudo quanto ao
meio ambiente, acesse o seguinte link: <http://www.onu.org.br/a-onu-em-acao/a-onu-e-o-meio-ambiente/>.

Indicao de link: Para conhecer o trabalho da ONU no Brasil, acesse o site <http://www.onu-brasil.
org.br/>.

5 A palavra discriminao significa separao ou distino, o mesmo que criar diferenas. As pessoas
muitas vezes so separadas em razo de sexo, raa, religio, classe social, nvel de escolaridade etc. Uma
das questes mais importantes para a construo de uma sociedade mais sustentvel, do ponto de vista
social, o nosso empenho em eliminar toda forma de discriminao.
6

Definio negativa uma forma de explicar algo no por aquilo que este algo ou possui, mas pelo que
no ou no possui. Exemplo: o frio a ausncia de calor.

Filsofo grego, que viveu em Atenas no sculo IV a.C. Foi discpulo do tambm filsofo Plato, e exerceu
profunda influncia no pensamento ocidental at nossos dias.

Aristocrata um membro da aristocracia, uma forma de governo dos considerados melhores de uma
cidade ou nao. Trata-se, portanto, de um regime poltico que em si j estabelece no a igualdade, mas a
diferena entre as pessoas.

9 Karl Marx (1818-1883), filsofo alemo, responsvel pelo desenvolvimento de um pensamento crtico
em relao base econmica da sociedade, sobretudo a estrutura capitalista. Prope o socialismo e o
comunismo como formas alternativas de superao das desigualdades sociais produzidas pelo sistema
capitalista. Sua principal obra O Capital.
10 Ideologia um conjunto de ideias, concepes ou doutrinas que constituem o nosso modo de compreender
a realidade. O termo tem um carter negativo, pois mostra aquilo que as pessoas, mesmo sem perceber, so
ensinadas a ver na realidade como se fosse algo natural. Por exemplo: a ideologia naturalista faz as pessoas
acreditarem que a diferena que existe entre o escravo e o homem livre, ou entre o rico e o pobre, uma
questo natural, contra a qual nada se pode fazer.
11 As Cruzadas foram lutas religiosas travadas sob o patrocnio da Igreja Catlica, no perodo medieval, a fim
de derrotar os muulmanos e conquistar a Terra Santa, isto , a Palestina, pas onde viveu Jesus Cristo.
12 Indicao de link: Para uma compreenso mais aprofundada sobre a Inquisio, veja-se o seguinte link:
<http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/seminario/galileu/inquisicao.htm>.
13 Exames psicotcnicos so procedimentos de avaliao das condies psicolgicas de uma pessoa para
exercer determinada atividade ou trabalho.
14 Indicao de link: Para uma compreenso ampliada deste tema, ver os seguintes links: <http://www.
unicamp.br/~aulas/pdf3/24.pdf> e <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/
viewFile/4458/3367>.
15 Indicao de vdeo: Para compreender o tema com mais clareza, veja-se o vdeo disponvel em: <http://
www.youtube.com/watch?v=EwQFBef94ZY&feature=fvsr>.
16 Indicao de link: Para uma viso mais ampla desse tema, dentro da histria do Nazismo, ver o material
disponvel em: <http://educacao.uol.com.br/historia/nazismo-violencia-e-propaganda-foram-as-armas-deadolf-hitler.jhtm>.

811

17 Indicao de vdeo: O clssico filme Tempos Modernos, de Chaplin, faz uma excelente crtica desta
concepo. Para ver este filme, acesse: <http://www.youtube.com/watch?v=EGSY3FsOJn0>.
18 Indicao de link: Para uma abordagem jurdica desta questo, ver o material disponvel em: <http://
jus.com.br/revista/texto/169/crimes-de-racismo>.
19 Indicao de vdeo: Veja-se o documentrio que apresenta, na voz do telogo Leonardo Boff, a
Carta da terra, texto que nos ajuda a compreender as vrias dimenses e a urgncia de uma posio
mais firme e consciente em vista da sustentabilidade. Acesse o filme aqui: <http://www.youtube.com/
watch?v=P0vN9WvtcoU>.
20 Indicao de link: Diversos artigos sobre a Revoluo Francesa, escritos de forma didtica, podem ser
encontrados em: <http://www.brasilescola.com/historiag/revolucao-francesa.htm>.
21 Indicao de link: Sobre a Independncia dos Estados Unidos, ver os artigos apresentados em: <http://
www.brasilescola.com/historiag/independencia-estados-unidos.htm>.
22 Indicao de link: Sobre a Independncia do Brasil, ver os artigos apresentados em: <http://www.
brasilescola.com/historiab/independencia-brasil.htm>.
23 Indicao de link: Sobre a discriminao racial, ver o artigo disponvel em: <http://www.brasilescola.com/
sociologia/segregacao-racial.htm>. E sobre a escravido, no Brasil, acessar: <http://www.brasilescola.
com/historiab/escravidao-no-brasil.htm>.
24 Indicao de link: Sobre o tema da emancipao da mulher, veja-se o artigo disponvel em: <http://
www.recantodasletras.com.br/artigos/2847529>.
25 Sigmund Freud (1856-1939) foi um mdico austraco, que formulou a teoria conhecida como Psicanlise.
Sua principal contribuio foi a identificao do papel fundamental dos processos inconscientes na
mente humana.
26 Indicao de link: Sobre o direito das minorias, ver artigo bastante completo em: <http://tesseract.sites.
uol.com.br/direitosminorias.htm>.
27 Indicao de link: Para uma compreenso mais ampla do conceito de conscincia, em Freud, ver o artigo
disponvel em: <http://www.libertas.com.br/site/index.php?central=conteudo&id=467>.
28 Indicao de link: Sobre os estgios de formao da conscincia moral, segundo Piaget, ver o seguinte
artigo: <http://www.brasilescola.com/biografia/piaget-desenvolvimento-moral-na-crianca.htm>.
29 Indicao de link: Sobre a relao entre responsabilidade e sustentabilidade, veja-se o seguinte artigo:
<http://www.webartigos.com/artigos/responsabilidade-social-e-sustentabilidade/7197/>.
30 Indicao de vdeo: Para uma anlise do conceito de tica planetria, veja-se o vdeo disponvel em:
<http://www.youtube.com/watch?v=ymKmk2Z2LMY&feature=fvsr>.
31 Indicao de vdeo: Veja-se o documentrio disponvel em: <http://www.youtube.com/watch?v=SbOaS
j7Kb1k&feature=results_video&playnext=1&list=PL2C86C25FF657EB51>.
32 Indicao de vdeo: Sobre o tema da responsabilidade social, sobretudo nas empresas, veja-se o vdeo que
apresenta palestra promovida pelo Instituto Ethos: <http://www.youtube.com/watch?v=NvrXjIcqJmo>.

812

SOBRE OS MEMBROS DO COMIT

ARLINDO PHILIPPI Jr

Arlindo Philippi Junior tem Doutorado em Sade Pblica e Livre Docncia em Poltica e Gesto Ambiental
pela Universidade de So Paulo. Professor Titular da Universidade de So Paulo, Pesquisador FAPESP
e CNPq. Exerce atualmente a funo de Pr-Reitor Adjunto de Ps-Graduao da USP e Presidente
da Comisso de Ps-Graduao da Faculdade de Sade Pblica. ainda Coordenador pr-tempore da
nova rea de Cincias Ambientais da CAPES e Membro do Conselho Superior da CAPES; atuou como
Coordenador de rea Interdisciplinar da CAPES e foi membro titular do Conselho Tcnico Cientfico
de Ensino Superior (CTC-ES) da CAPES no perodo de 2007-2011. Publicou 46 artigos cientficos em
peridicos qualificados, 109 captulos de livros e 38 livros publicados e/ou organizados. Possui 172 itens
de produo tcnica. Participou, como convidado, de cerca de 500 eventos cientficos e tecnolgicos no
Brasil e no exterior. Orientou 18 dissertaes de mestrado, 13 teses de doutorado e supervisionou 6 psdoutorados, abrangendo as reas de Poltica, Planejamento e Gesto Ambiental, Engenharia Sanitria e
Ambiental e Tecnologias de Saneamento Ambiental, Planejamento Urbano e Regional, e Sade e Ambiente.
Participou de 53 projetos de pesquisa, entre os quais, coordenou 7 destes nos ltimos 5 anos. Atua com
nfase em Poltica, Planejamento e Gesto Ambiental. Em suas atividades profissionais interagiu com cerca
de 500 colaboradores em co-autorias de trabalhos cientficos. Alm das atividades acadmicas, exerceu
funes de direo no IBAMA, na CETESB e na SVMA, e coordenou a rea de Cincias Ambientais
do PADCT/MCT. Em seu currculo Lattes os termos mais frequentes na contextualizao da produo
cientfica e tecnolgica so: Poltica, Planejamento e Gesto Ambiental, Planejamento Urbano e Regional,
Saneamento e Sade Ambiental e Indicadores de Sustentabilidade.

CARLOS ALBERTO CIOCE SAMPAIO


Administrador, Mestre e Doutor nas temticas planejamento e gesto organizacional para o desenvolvimento
sustentvel e Ps-Doutor em Ecossocioeconomia e Cooperativismo Corporativo. pesquisador de
produtividade do CNPq, Coordenador Adjunto da rea em Cincias Ambientais da CAPES e consultor
ad hoc do SINAES/MEC. Membro do Comit Assessor da rea de Planejamento Urbano e Regional
da Fundao de Apoio Pesquisa do Paran (F. Araucria) e de Comits Tcnicos e Cientficos de
peridicos e eventos nacionais e internacionais. Realizou estgio com dois ecossocioeconomistas emritos,

813

Manfred Max-Neef (Ganhador do Prmio Nobel Alternativo) e Ignacy Sachs (um dos idealizadores do
Ecodesenvolvimento), alm do estgio no Complexo Cooperativo de Mondragn, Pas Basco, exemplo
mundial paradigmtico sobre cooperativismo. Foi professor visitante do Centro Brasileiro de Estudos
Contemporneos da Escola de Altos Estudos em Cincias Sociais, em Paris, e do Centro de Estudos
Ambientais da Universidade Austral do Chile (UACh). professor do Curso de Graduao em Turismo
e do Programa de Ps-Graduao (Mestrado e Doutorado) em Gesto Urbana/PUC-PR e do Mestrado/
Doutorado em Desenvolvimento Regional/FURB. Colabora nos Mestrados/Doutorados em Meio Ambiente
e Desenvolvimento e Sistemas Costeiros e Ocenicos, e no Mestrado em Turismo/UFPR. Coordena o
Ncleo de Ecossocioeconomia e em parceria o Ncleo de Polticas Pblicas. pioneiro em pesquisas
tericas e empricas sobre o tema Ecossocioeconomia das Organizaes, compreendendo Planejamento e
Gesto Organizacional para o Desenvolvimento Territorial Sustentvel, Arranjo Socioprodutivo e Poltico
de Base Comunitria e Turismo Comunitrio, Solidrio e Sustentvel na Amrica Latina. Publicou cerca
de 160 trabalhos entre peridicos especializados e anais de eventos nacionais e internacionais, alm de 7
livros e 18 captulos.
FERNANDO SOARES PINTO SANTANNA

Possui graduao em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Esprito Santo (1977), mestrado
em Hidrulica e Saneamento pela Universidade de So Paulo (1982) e doutorado em Chimie Industrielle
Et Environnement Universite de Rennes I (1994). Atualmente professor Associado da Universidade
Federal de Santa Catarina. Tem experincia na rea de Engenharia Sanitria e Ambiental, atuando nos
temas: Gesto Ambiental na Indstria, Produo Mais Limpa, Tratamento de Efluentes Lquidos Industriais
e Remediao de Solos e guas Contaminadas.

GILDA COLLET BRUNA


Professor Associado Pleno da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tendo sido Coordenadora do


Programa de Ps-graduao em Arquitetura e Urbanismo 2004-2008. Graduou-se em Arquitetura e
Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo (1968) e defendeu
Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
So Paulo (1972, defesa em maio de 1973). Em 1977 obteve Especializao em Tquio, Japo, pela Japan
International Cooperation Agency. Defendeu tese de Livre Docncia em 1980 e foi professora visitante,
em 1985 na Universidade do Novo Mxico, lecionando Planejamento Urbano Regional no Brasil, no curso
de ps-graduao. Aposentou-se como Professora Titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de So Paulo, tendo sido diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de So Paulo de 1991-1994. Foi Presidente da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano Emplasa
de 1995 a 2000. Foi Coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Mogi das
Cruzes. Tem experincia na rea de Arquitetura e Urbanismo, com nfase em Projeto de Arquitetura
e Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: desenvolvimento urbano, desenvolvimento
sustentvel, ambiente construdo e impacto ambiental, gesto ambiental e meio ambiente.

MARIA DO CARMO MARTINS SOBRAL


Doutorado em Planejamento Ambiental pela Universidade Tcnica de Berlin, Alemanha (1991) e PsDoutorado no Instituto de Tecnologia Ambiental da Universidade Tcnica de Berlin (2007). Mestrado em
Engenharia Civil pela Universidade de Waterloo, Canad (1979). Especializao em Planejamento Urbano
e Regional pela Universidade Dortmund, Alemanha (1986). Especializao em Saneamento Ambiental pela

814

Universidade Federal de Pernambuco-UFPE (1976). Graduao em Engenharia Civil pela UFPE (1974).
Pesquisadora CNPq e FACEPE. Professora Associada do Departamento de Engenharia Civil da UFPE.
Membro do corpo docente permanente do Programa de Ps-Graduao em Engenharia Civil- rea de
Concentrao Tecnologia Ambiental e Recursos Hdricos (Mestrado e Doutorado) da UFPE e do Programa
em Desenvolvimento e Meio Ambiente- Rede PRODEMA (Mestrado e Doutorado) da UFPE. Atualmente
Membro do Conselho Tcnico-Cientfico de Ensino Superior (CTC-ES) da CAPES como Coordenadora
da rea de Cincias Ambientais da Capes (2012-Atual), tendo atuado anteriormente como CoordenadoraAdjunta pro-tempore da rea de Cincias Ambientais (2011-2012) e como Presidente da Cmara de
Meio Ambiente e Agrrias da rea Interdisciplinar da CAPES (2009-2011). Membro Titular do Conselho
Municipal de Meio Ambiente do Recife COMAM (2009-atual), Membro da Rede de Estudos Ambientais
de Pases de Lngua Portuguesa REALP (2005-atual) e Sub-Chefe do Departamento de Engenharia Civil
da UFPE (2009-atual); Presidente da Associao dos Ex-Alunos da Universidade Tcnica de Berlin no
Brasil-Alumni TUB (2011-atual) e Diretora da Associao de Ex-Bolsistas da Alemanha AEBA/PE(2004atual). Editora da rea de Meio Ambiente da Revista de Engenharia Sanitria e Ambiental da Associao
Brasileira de Engenharia Sanitria e Ambiental-ABES. Parecerista de diversas revistas cientficas. Alm
disso, exerceu diversos cargos junto administrao pblica: Agncia Pernambucana de Meio AmbienteCPRH, Secretaria Estadual de Cincia, Tecnologia e Meio Ambiente, Fundao de Desenvolvimento da
Regio Metropolitana-FIDEM e Companhia Pernambucana de Saneamento COMPESA. Sua produo
cientfica e tecnolgica est contextualizada nas reas de: Planejamento e Gesto Ambiental; Saneamento
e Tecnologia Ambiental, Planejamento Urbano e Regional, Avaliao de Impactos Ambientais, Gesto de
Recursos Hdricos; Qualidade da gua, e Indicadores de Sustentabilidade.
MARIO AUGUSTO GONALVES JARDIM

Possui Graduao em Engenharia Florestal pela Universidade Federal Rural da Amaznia (1985),
Mestrado em Cincias Florestais pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz/Universidade
de So Paulo (1991) e Doutorado em Cincias Biolgicas pela Universidade Federal do Par (2000).
Pesquisador Titular III do Museu Paraense Emlio Goeldi/Coordenao de Botnica, Professor Permanente
do Mestrado em Botnica da Universidade Federal Rural da Amaznia/Museu Paraense Emilio Goeldi; do
curso de Mestrado e Doutorado em Cincias Ambientais da Universidade Federal do Par/Museu Paraense
Emilio Goeldi/Embrapa-Amaznia Oriental e do Curso de Doutorado do PPG-Bionorte (Biodiversidade e
Biotecnologia) da UFAM. Atua como Ad hoc dos peridicos: Ambiente e gua, Magistra, Revista Arvore,
Revista Brasileira de Botnica, Revista de Cincias Agrrias, Acta Botanica Venezuelica, Revista Biotemas,
Revista Catinga, Neotropical Biology and Conservation, Oecologia Australis, Rodrigusia, Acta Botanica
Brasilica, Annales Botanici Fennici, Revista Brasileira de Arborizao urbana. Tem experincia na rea de
Botnica e Ecologia, com nfase em Botnica Aplicada e Ecologia Aplicada, atuando principalmente nos
seguintes temas: Manejo de Euterpe oleracea, Floresta de vrzea, Fenologia e Biologia da Reproduo,
Ecologia de ecossistemas amaznicos e Fitossociologia. Atua como membro do comit da rea de Cincias
Ambientais da CAPES.

MIGUEL MANSUR AISSE


Graduao em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paran (1976), mestrado em Engenharia
Civil Hidrulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de So Carlos-USP (1985) e doutorado em
Engenharia Civil Engenharia Hidrulica pela Universidade de So Paulo (2002). Professor da Pontifcia
Universidade Catlica do Paran, na graduao e junto ao Programa de Ps-Graduao-PPGTU, de

815

1980 a 2007. Professor da Universidade Federal do Paran, desde 1982, na graduao e junto ao
Programa de Ps-Graduao-PPGERHA. Experincia na rea de Engenharia Sanitria e Ambiental,
atuando principalmente nos seguintes temas: projeto e gesto da infraestrutura sanitria, tratamento de
esgotos sanitrio, reso da gua. Integra o Conselho Editorial da Revista ESA da Associao Brasileira de
Engenharia Sanitria e Ambiental-ABES. Atua na Diretoria da ABES desde 1992. Bolsista Produtividade
em Pesquisa 2 do CNPq.
OKLINGER MANTOVANELI JUNIOR

Bacharel em Relaes Internacionais pela Universidade de Braslia UnB (1990), Mestre em


Administrao (com nfase em poltica e planejamento governamental) pela Universidade Federal de Santa
Catarina UFSC (1994) e Doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita
Filho UNESP (2001). Coordenador do Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Regional
PPGDR (Mestrado e Doutorado)da Universidade Regional de Blumenau FURB, universidade pblica
onde Professor do Quadro Tempo Integral e concursado na rea de Cincia Poltica pelo Departamento
de Cincias Sociais e Filosofia. Como pesquisador lidera o Ncleo de Polticas Pblicas (nppfurb.
blogspot.com) e coordena o Observatrio do Desenvolvimento Regional (http://www.observatorioppgdr.
blogspot.com.br/), ambos vinculados ao PPGDR (http://www.desenvolvimentoregionalfurb.blogspot.com.
br/). Avaliador da CAPES e diversos peridicos cientficos indexados pelo Qualis CAPES, membro da
Associao Brasileira de Ensino e Pesquisa em Ecologia e Desenvolvimento, tem experincia nas reas de
Planejamento e Polticas Pblicas, com nfase em Desenvolvimento Regional, atuando principalmente nos
seguintes temas: desenvolvimento sustentvel e ecodesenvolvimento, governana, territorialidade, gesto
de polticas pblicas, planejamento estratgico participativo, oramento participativo, agenda 21 e turismo.

RICARDO OJIMA

Mestre em Sociologia (Unicamp, 2003) e Doutor em Demografia (Unicamp, 2007). Desenvolveu pesquisa
de ps-doutoramento no Ncleo de Estudos de Populao (NEPO/Unicamp, 2007-2009), com apoio da
Fapesp, sobre o tema: urbanizao, mobilidade populacional e meio ambiente. Entre 2009 e 2010 foi
coordenador do Sistema Estadual de Informaes sobre Saneamento (SEIS) na Fundao Joo Pinheiro
(FJP-MG) e professor na Escola de Governo do Estado de MG. Foi pesquisador do Ncleo de Estudos
de Populao (NEPO/Unicamp) e colaborador do Departamento de Demografia (Unicamp) entre 2010 a
2011. Desde agosto de 2011 professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Suas
pesquisas recentes tm se concentrado nos temas: urbanizao, mobilidade espacial da populao, teoria
demogrfica e mudanas ambientais.

TADEU FABRICIO MALHEIROS


Possui graduao em Engenharia Civil pela Escola Politcnica da Universidade de So Paulo (1991),
engenharia ambiental pela Faculdade de Sade da USP (1993), mestrado em Resources Engineering
Universitat Karlsruhe (1996), doutorado em Sade Pblica pela Universidade de So Paulo (2002),
ps-doutorado em Sade Pblica pela Faculdade de Sade Pblica USP (2006). Atualmente professor
doutor na Escola de Engenharia de So Carlos da Universidade de So Paulo e vice-diretor do CRHEA
Centro de Recursos Hdricos e Ecologia Aplicada da EESC/USP. Tem experincia na rea de Engenharia

816

Ambiental, com nfase em Sade Ambiental e Sustentabilidade, atuando principalmente nos seguintes
temas: indicadores de sustentabilidade, desenvolvimento sustentvel, meio ambiente, sade pblica,
resduos slidos e gesto ambiental. Neste segundo semestre de 2013 est atuando junto ao Instituto de
Sustentabilidade Graham Universidade de Michigan Ann Arbor, EUA, no mbito do programa de
professor visitante CAPES/Comisso Fulbright.
VNIA GOMES ZUIN

Bacharel e licenciada em Qumica pela Universidade de So Paulo (1993), mestre em Cincias (Qumica
Analtica) pela Universidade de So Paulo (1997), doutora em Cincias (Qumica Analtica) pela
Universidade de So Paulo (2001), com estgio doutoral em Qumica Analtica Universit degli Studi
di Torino Itlia (2001). Doutora em Educao pela Universidade de So Paulo (2010). Ps-doutora em
Qumica pela Universidade de So Paulo (2004), e pelo Centro de Pesquisas Ambientais HelmholtzZentrum fr Umweltforschung / UFZ Alemanha (2005), com apoio da fundao Alexander von Humboldt
(AvH). Atualmente professora doutora da Universidade Federal de So Carlos junto ao Departamento
de Qumica (Adjunta III), credenciada ao Programa de Ps-Graduao em Qumica e ao Programa de
Ps-Graduao em Educao. Membro da comisso cientfica editorial da publicao Contribuies da
ps-graduao brasileira para o desenvolvimento sustentvel: Capes na Rio +20 e, desde 2012, integra
o Subcomit de Qumica Verde da International Union of Pure and Applied Chemistry (Subcommittee on
Green Chemistry IUPAC). Coordena, juntamente com o prof. Fernando Galembeck, a Sesso de Qumica
Verde da Sociedade Brasileira de Qumica (SBQ). Tem experincia na rea de Qumica e Educao, com
nfase em Cincias do Ambiente (Qumica Verde e Qumica Analtica Ambiental) e Educao Qumica
(Ambientalizao Curricular, Abordagem CTSA e Divulgao Cientfica em diferentes espaos sociais).

817

SOBRE OS AUTORES

ADRIANA MOCELIM DE SOUZA LIMA


Professora de Histria. Mestre e Doutora em Histria pela UFPR. autora de captulos de livros e de
artigos cientficos publicados. professora do Curso de Histria da Pontifcia Universidade Catlica do
Paran. Foi professora de Ensino Fundamental e Mdio junto Secretaria Estadual de Educao do
Paran e Rede Particular de Ensino. Atuou ainda como professora de Ensino Fundamental I junto
Prefeitura Municipal de Quatro Barras.

AFONSO VIEIRA

Bacharelado em Psicologia pela Associao Catarinense de Ensino (2000), especializao MBA em


Administrao Global pela ESAG e UnL Universidade Independente de Lisboa em 2002. Mestre
em Organizaes e Desenvolvimento pela FAE Centro Universitrio Franciscano 2013. Atua como
professor de psicologia nos cursos tcnicos e gesto de pessoas em curso de ps-graduao. profissional
liberal na rea de psicologia e desenvolvimento pessoal e organizacional. Tambm desenvolve atividades
na rea de produo cultural, de dana de salo e produo musical para teatro.

ANA CAMILA PALMA KOTINDA


Geloga formada pela Universidade Federal do Paran em 2005. Atuou na rea de meio ambiente como
autnoma entre 2005 e 2007, executando mais de 20 projetos ambientais. Foi bolsista e pesquisadora da
UFPR no projeto de caracterizao das guas do Aqufero Guarani no Estado do Paran. Trabalhou na
rea de minerao Terra Engenharia no perodo de 2007 a 2011, executando trabalhos de pesquisa
mineral, licenciamentos, projetos de lavra, plano de controles ambientais entre outras atividades.

ANDRA DA LUZ SANCHES


Biloga pela Universidade Federal do Mato Grosso do Sul em 1995, Mestre em Botnica pela Universidade
Federal do Paran em 2000. Atuou de 2000 a 2002 como Coordenadora de projetos de Recuperao de
reas Degradadas em consultoria ambiental. Trabalhou como funcionria e consultora ambiental autnoma
em cerca de 20 projetos ambientais. Atuou como docente na disciplina de Sistemtica de Plantas I, no Curso
de Cincias Biolgicas da UFMS/Campus Pantanal, CorumbMS. Participou como Analista de Projetos para

819

o Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA / MMA). Proferiu palestras e minicursos na rea de Recuperao
de reas Degradadas e Macrfitas Aquticas, publicou 11 trabalhos em revistas cientficas desde 1996 na
linha de pesquisa de Plantas Terrestres e Aquticas. Faz parte da equipe da Andreoli Engenheiros Associados
desde setembro de 2003.
ANGELO JOSE DA SILVA

Possui graduao em Cincias Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (1986), mestrado em
Cincia Poltica pela Universidade Estadual de Campinas (1996) e doutorado em Histria pela Universidade
Federal do Paran (2003). Ps-doutorado no Colgio do Mxico, Cidade do Mxico (2012). Atualmente
professor adjunto IV da Universidade Federal do Paran (UFPR). Tem experincia nas reas de Cincia
Poltica e Sociologia, com nfase em Sociologia, atuando principalmente nos seguintes temas: imagem
e conhecimento, arte urbana, marxismo, leitura, militncia poltica, identidade, movimento operrio.
coordenador acadmico do Centro de Estudos de Cultura e Imagem da Amrica Latina CECIAL.

ANNELISSA GOBEL DONHA


Engenheira Agrnoma formada pela Universidade Federal do Paran em 1998, Mestre em Cincia do
Solo com especialidade em Geoprocessamento pela UFPR em 2003. Trabalhou na UFPR, Setor de
Cincias Agrrias, Departamento de Solos, realizando servios tcnicos especializados no Laboratrio de
Fotointerpretao e Geoprocessamento de 1999 a 2003. Docente no curso de Sistema de Informao
Geogrfica (SIG) Aplicado a Pesquisas em Botnica, Programa de Ps-Graduao em Botnica da UFPR, na
disciplina de Cartografia e Sensoriamento Remoto no Curso de Gerenciamento Ambiental pela Faculdade de
Tecnologia Cames, na disciplina de Gerenciamento e Planejamento de Projetos Ambientais na UNIPAR, no
curso de Licenciamento Ambiental no GBA Global Business Administration da Fundao Getlio Vargas
(FGV) e curso de Especializao em Geoprocessamento da PUCPR. autora de 17 trabalhos cientficos
publicados em congressos e revistas especializadas e 1 captulo de livro. Scia da Andreoli Engenheiros
Associados desde 2004 atuando como Gerente de Projetos e Especialista em Geoprocessamento responsvel
pela execuo e coordenao de trabalhos tcnicos especializados na rea ambiental.

ANTONIO CAMILO TELES NASCIMENTO CUNHA


Possui Licenciatura em Ensino da Educao Fsica pela Escola Superior de Educao do Instituto
Politcnico de Castelo Branco (1990), Mestrado em Cincias da Educao Metodologia da Ed. Fsica
pela Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Tcnica de Lisboa (1995), Doutoramento em
Estudos da Criana IEC- Universidade do Minho (2001), Agregao (Livre Docncia) em Cincias do
Desporto pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto (2008); Ps-Doutoramento em Teoria e
Prtica Pedaggica em Educao Fsica pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011); Atualmente
professor Auxiliar com Agregao da Universidade do Minho Instituto de Educao. Tem experincia
na rea de Formao de Professores com nfase em Educao Fsica, atuando principalmente nos
seguintes temas: Educao Fsica; Formao (Desenvolvimento Profissional e Pessoal); Formao Inicial e
Continua; Desporto; Representaes; Currculo; Identidades Profissionais; Jogo; Antropologia e Filosofia
das Atividades Corporais; Lazer, Recreao e Empreendedorismo.

ANTONIO CARLOS PINTO JACHINOSKI


Possui graduao em Odontologia pela Universidade Federal do Paran (1983), Especializao em


Radiologia Odontolgica pela Universidade Federal do Paran (1986) e mestrado em Educao pela

820

Pontifcia Universidade Catlica do Paran (1995). Atualmente Professor Adjunto da Pontifcia


Universidade Catlica do Paran.
ARACI ASINELLI DA LUZ

Possui graduao em Histria Natural pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran (1969), mestrado
em Educao pela Universidade Federal do Paran (1987) e doutorado em Educao pela Universidade de
So Paulo (2000). Tem especializao em Ensino de Cincias, em Psicodrama Pedaggico e em Preveno
da Violncia Domstica contra criana e adolescente. Atualmente professor associado 1 da Universidade
Federal do Paran. Tem experincia na rea de Educao, com nfase em preveno do abuso de
drogas, sexualidade, da homofobia na escola, da violncia contra a criana e o adolescente e educao
socioambiental. Tambm atua na rea da Responsabilidade Social. Atua na formao inicial e continuada
de professores, do educador social, de conselheiros tutelares e na formao do protagonismo juvenil. Foi
secretria regional da SBPC por duas gestes e atualmente faz parte do Conselho e do GT Educao da
SBPC. Foi membro da Comisso da Infncia e da Adolescncia da OABPR (2011-2012); membro do
Conselho Curador da Fundao Educacional Meninos e Meninas de Rua Profeta Elias; membro titular do
Conselho Estadual de Polticas sobre Drogas, pela UFPR. Participou do grupo de pesquisa coordenado por
Dra. Carolina Lisboa na pesquisa que investiga as relaes de amizade na infncia, as influncias parentais
e transio ecolgica na regio sul do Brasil (processo CNPq 477218/2008-3). pesquisadora na linha
da cognio, aprendizagem e desenvolvimento humano, do Programa de Ps-Graduao em Educao, do
Setor de Educao da UFPR, orientando teses e dissertaes na sublinha Educao Preventiva Integral e
Desenvolvimento Humano junto linha Cognio, Aprendizagem e Desenvolvimento Humano. Participa
dos seguintes Ncleos e Grupos de Pesquisa: Educao, Ambiente e Sociedade (lder); Diversidades
em Educao; Preveno de Drogas na Escola. Coordenadora do NIED Ncleo Interdisciplinar de
Enfrentamento das Dependncias Qumicas da UFPR.

CINTHYA HOPPEN

Engenheira Qumica, formada pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran em 2000, MBA em Sistema
de Gesto Ambiental em 2001 pela PUCPR e Mestre em Engenharia de Recursos Hdricos e Ambiental pela
Universidade Federal do Paran em 2004. De 1999 a 2002 foi estagiria da Companhia de Saneamento
do Paran Sanepar atuando no Grupo Especfico de Consultoria, Intercmbio e Pesquisa, na rea de
pesquisa ambiental. Foi pesquisadora bolsista pela Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel
Superior CAPES, para desenvolvimento de pesquisa na rea de Engenharia Ambiental, em nvel de
mestrado (2002 2004). Trabalhou como pesquisadora no Programa de Saneamento Bsico (PROSAB)
para desenvolvimento de projeto junto Sanepar na rea de alternativas de usos de lodos de estao de
tratamento de gua e estaes de tratamento de esgoto de 2004 a 2006. Possui trabalhos publicados na
rea de saneamento ambiental, em que se destacam 12 trabalhos cientficos publicados em congressos e
quatro trabalhos publicados em revistas indexadas, alm de trs captulos de livro e cinco participaes em
mesas-redondas e palestras.

CLEVERSON V. ANDREOLI

Engenheiro Agrnomo, Mestre em Cincias do Solo e Doutor em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela
Universidade Federal do Paran. engenheiro de Pesquisa da SANEPAR e professor do Programa de
Mestrado em Governana e Sustentabilidade do ISAE, e de Gesto Ambiental em cursos de especializao
da FGV, FAE e PUC-PR. Scio da empresa de consultoria ambiental, Andreoli Eng. Associados. Autor

821

e coordenador de 25 livros na rea ambiental, dentre os quais nove sobre lodo de esgoto e publicou
mais de 200 artigos cientficos. Foi Superintendente da SUREHMA, presidente da Associao Brasileira
de Entidades de Meio Ambiente ABEMA. Foi professor da UFPR, onde fundou e presidiu o Ncleo
Interdisciplinar de Meio Ambiente e Desenvolvimento NIMAD. Realizou diversas consultorias para
entidades internacionais como o PNUMA Programa das Naes Unidas para o Meio Ambiente e para
o PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento na rea de gesto ambiental e para
a FAO na rea de gesto de recursos hdricos. Membro permanente da International Water Academy,
com sede em Oslo na Noruega. Membro do Conselho Editorial da Revista ESA e do Conselho Diretor
da Associao Brasileir a de Engenharia Sanitria e Ambiental ABES. Ganhador do Prmio FINEP de
inovao tecnolgica nos anos de 1998 e 2007.
CRISTIANE PICCININI

Biloga pela Universidade Estadual do Oeste do Paran (Campus Cascavel/PR) em 2002. Mestre em
Botnica na rea de Taxonomia e Ecologia de Microalga de gua Doce pela Universidade Federal do
Paran (Curitiba/PR) em 2005. Participou do curso de EIA/RIMA Estudo de Impacto Ambiental e
Relatrio de Impacto Ambiental, da Academia de Engenharia e Arquitetura em 2006 e do curso de
Metodologias para Levantamento de Fauna para Licenciamento Ambiental, da Pr-Ambiente Assessoria
Ambiental em 2011. Docente da disciplina de Criptognica na Universidade Comunitria Regional de
Chapec UNOCHAPEC, em 2006. Publicou quatro trabalhos em revistas cientficas desde 2004
na linha de pesquisa de microalgas de gua doce diatomceas. Participou como consultora ambiental
autnoma em projetos ambientais. Atuou de 2006 a 2008 como tcnica e coordenadora de projetos para
empresas de consultoria ambiental. Atualmente ocupa o cargo de Assistente Ambiental III na Andreoli
Engenheiros Associados, desde 2009.

DAGOBERTO HUNGRIA REQUIO


Mdico, especialista em Psiquiatria. Professor da Cadeira de Psiquiatria da Escola de Medicina da Pontifcia


Universidade Catlica do Paran. Assessor da Pr-Reitoria Comunitria da PUCPR na implantao do
Programa de Qualidade de Vida. Diretor da CIPAE Consultoria e Implantao de Programas de Preveno
de drogas e desordens emocionais em empresas e escolas. Ex-Presidente da ABEAD (Associao Brasileira
de Estudos sobre lcool e Outras Drogas), atual membro de seu Conselho Consultivo. Ex-custdio no
Alcolico (Presidente Nacional) de Alcolicos Annimos do Brasil. Ex. Diretor Geral e Administrativo do
Hospital Psiquitrico Nossa Senhora da Luz (2000 a 2010). Ex. Diretor de IPAD Instituto de Preveno
e Ateno s Drogas do Hospital Nossa Senhora da Luz. Ex. Coordenador do Curso de Especializao em
Dependncias Qumicas (Ps-Graduao) da PUCPR. Coautor do artigo: Consenso sobre a sndrome de
abstinncia do lcool (SAA) e o seu tratamento, publicado na Revista Brasileira de Psiquiatria vol.22. Coautor do artigo: Reduo de Danos: uma abordagem em sade pblica, publicado no Jornal Brasileiro
de Psiquiatria, Vol 52.

DARCI VIEIRA DA SILVA BONETTO


Mdica Pediatra especializao em Adolescncia. Mestrado em Gesto Ambiental. Autora de captulos de


livros, jornais e boletins de pediatria. Professora de medicina do adolescente da Universidade Positivo.
Professora de pediatria da PUCPR. Coordenadora da disciplina de Semiologia Estagio de Pratica
Hospitalares PUCPR. Membro do Departamento Cientifico de Adolescncia da Sociedade Brasileira de
Pediatria. Presidente da Sociedade Paranaense de Pediatria. Professora convidada para ministrar aulas

822

no Chile, Uruguai, Cuba, Bolvia. Participao em Congresso no exterior como professor convidado.
Apresentao e publicao de pesquisas. Trabalhos apresentado em congresso no Brasil e exterior.
Pioneira na implantao do servio da adolescncia na sade publica do Paran. Coordenao do curso
de Ps-Graduao em adolescncia de 1997 a 2007 na PUCPR Presidente da Departamento Cientifico de
adolescncia da SBP de 1998 a 2004.
DILERMANO BRITO

Engenheiro Qumico (1967). Especialista em Toxicologia (1979). Mestre em Toxicologia Forense (1982).
Professor da UFPR, professor de Toxicologia da Escola Superior de Polcia do Paran, Professor de
Toxicologia do Cursos de Ps-Graduao em Engenharia de Segurana. Presidente da Comisso Antidoping
da FPF. Autor de livros sobre toxicologia.

ELEUSIS RONCONI DE NAZARENO


Possui graduao em Medicina pela Universidade Federal do Paran (1978), Aperfeioamento em Sade
Pblica pela Escola de Sade Pblica do Paran (1981) Especializao em Sade Pblica (1982) e
Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento pela Universidade Federal do Paran (1999). Atuou
como mdica sanitarista e epidemiologista na Secretaria de Estado da Sade do Paran de 1980 a 1999
nas reas de Vigilncia Epidemiolgica, Controle de Doenas, Informao em Sade e na Direo Tcnica
do rgo. Desde 1979 professora da Universidade Federal do Paran onde atua no Departamento de
Sade Comunitria na docncia da graduao em medicina e outros cursos da rea da sade, nas reas
de Sade Coletiva e Epidemiologia, coordena o Estgio de Sade Coletiva do 10 perodo do curso de
medicina. Participa do Programa de Ps-Graduao em Meio Ambiente e Desenvolvimento no Comit
Cientfico desde 2000 e na vice-coordenao desde setembro de 2008 realizando pesquisas e orientaes
sobre relaes sade, meio ambiente e desenvolvimento.

ELISABETH SERAPHIM PROSSER


Historiadora social da arte paranaense e professora de Histria da Arte na Universidade Estadual do Paran /
Escola de Msica e Belas Artes do Paran, Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento, Mestre em
Educao e Especialista em Histria da Arte. Organiza eventos e edita publicaes artstico-culturais e
de pesquisa em arte. Ministra palestras e participa de mesas-redondas e debates sobre temas que vo da
arte de rua histria cultural de Curitiba, e da educao msica erudita contempornea, integrando a
arte, a antropologia, a sociologia e a poltica. Sua atividade didtica abrange crianas, jovens e a formao
de professores, bem como a orientao de novos pesquisadores. curadora de exposies de artistas
paranaenses, entre elas algumas que envolvem o graffiti, para as quais organiza/elabora catlogos de arte.
Seus principais livros publicados so: Graffiti Curitiba, 2010; Cem anos de sociedade, arte e educao
em Curitiba (1853-1953), 2004; Acervo Artstico da Associao Comercial do Paran, 2010; Catlogo
da exposio Elza Weimar Mller, 2010; Um olhar sobre a msica de Jos Penalva, 2000; Jos Penalva,
com a batina e a batuta (com Bojanoski), 2006; e A [des]construo da msica na cultura paranaense
(colaboradora com mais de 175 pginas); 2004. Dentre seus artigos sobre artes visuais destacam-se
A cidade como suporte da arte de rua: uma perspectivasociolgica e antropolgica, 2006; e O meio
ambiente natural e urbano no graffiti em Curitiba, 2010. Escreve, ainda, livros didticos para crianas
e professores na rea de artes para editoras como Yamaha, Musimed, IESDE Brasil e Positivo. Recebeu
vrios prmios pelo conjunto da sua obra.

823

ELZA SBRISSIA ARTIGAS


Psicloga Clnica, com especializao em Psicodrama Teraputico, Terapia Relacional Sistmica e


Adolescncia. Atendimento individual, casal, famlia e adolescentes. Tem experincia em atividades de
docncia na rea de ps-graduao de diversas instituies paranaenses. scia e docente da Consenso
Terapia Familiar e Mediao de Conflitos onde atua com formao de Terapia Familiar Sistmica,
cursos de Relaes Familiares e Violncia de Vnculos, em Curitiba, cidades do interior do Paran,
Gois e Santa Catarina.

ETELVINA MARIA DE CASTRO TRINDADE


Licenciada em Histria e Mestre em Educao pela Universidade Federal do Paran; Doutora em Histria
Social pela Universidade de So Paulo. Ps-doutorado na Sorbonne Nouvelle-Paris III. Foi docente do curso
de Histria e dos cursos de Ps-Graduao em Histria da Universidade Federal do Paran. Atualmente
docente do curso de Histria e coordenadora do Mestrado Interdisciplinar em Cincias Humanas da
Universidade Tuiuti do Paran. Autora do livro Clotildes ou Marias. Mulheres de Curitiba na Primeira
Repblica (Fundao Cultural de Curitiba); organizadora da coletnea Mulheres no Paran. Sculos 19
e 20 (PGEHIS/UFPR); coordenadora e coautora do livro Homem, cidade e natureza. Uma histria das
polticas pblicas de Curitiba (UNILIVRE/SMMA), entre outros. Publicou vrios captulos de livros, artigos
em revistas especializadas e textos em anais de eventos cientficos.

ETIANE CALOY BOVKALOVSKI


Possui graduao em Licenciatura e Bacharelado em Histria pela Universidade Federal do Paran (1992),
mestrado em Programa de Pos-Graduao em Histria pela Universidade Federal do Paran (2000) e
doutorado em Histria pela Universidade Federal do Paran (2005). Atualmente professora da Pontifcia
Universidade Catlica do Paran e do Centro Universitrio Curitiba. Tem experincia na rea de Histria,
com nfase em Histria do Brasil Repblica.

EUGENIO LIBRELOTO STEFANELO


Possui graduao em Engenheiro Agrnomo pela Universidade Federal de Santa Maria (1971), mestrado
em Economia Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1980) e doutorado em Engenharia
de Produo pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Atualmente tcnico senior i da
Companhia Nacional de Abastecimento CONAB, professor da Associao Franciscana de Ensino Senhor
Bom Jesus, professor da Universidade Federal do Paran e Palestrista nas reas de Poltica econmica
e Agronegcio.

FABIANA DE NADAI ANDREOLI


Engenharia Civil pela Universidade Federal do Esprito Santo em 1993, mestre em Engenharia Ambiental
pela Universidade Federal do Esprito Santo em 1996 e doutora em Educao pela Pontifcia Universidade
Catlica do Paran, PUC-PR em 2011. Atua desde 1997 na formao ambiental como professora
universitria da Pontifcia Universidade Catlica do Paran, nas graduaes em engenharia. Coordenadora
do curso de graduao em Engenharia Ambiental na PUCPR. Leciona na graduao em engenharia
ambiental nas disciplinas de Gesto Ambiental, Engenharia Sanitria e Ambiental, Trabalho de Concluso
de Curso e Estgio Supervisionado. Pesquisadora de dois grupos de pesquisas: Educao em Engenharia
e Engenharia Ambiental. As pesquisas esto divulgadas nos trabalhos publicados e em captulos de
livros. Atua em consultoria na rea ambiental e civil, e em auditoria ambiental.

824

FERNANDA MARDER TORRES


Mdica, formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Paran (UFPR). Mdica
Residente em Radiologia e Diagnstico por Imagem do Hospital So Vicente.

GISELE BRAILE TURQUINO


Possui graduao em Formao Pedaggica de Docentes pelo Fundao Faculdade Estadual de Filosofia
Cincias Letras Cornlio Procpio (1998), graduao em Agronomia pela Universidade Estadual de
Londrina (1986), especializao em Administrao Rural pela Universidade Estadual de Londrina (1997)
e mestrado em Educacao pela Universidade Estadual de Londrina (2003). Atualmente Colaborador do
Servio Nacional de Aprendizagem Rural e Scia-Fundadora do Turquino Planejamento e Consultoria
Agropecuria Ltda. Atuando principalmente nos seguintes temas: Cultura, Educao, meio rural, meio
urbano, etnografia.

JANANA CRISTINA BUIAR


Graduada em Servio Social pelas Faculdades Integradas Espirita; especialista em Poltica de Atendimento
Criana e ao Adolescente em Situao de Risco: nfase em educao e cidadania pelo Instituto Superior
de Ensino, Pesquisa e Extenso ISEPE; mestre em Tecnologia pela Universidade Tecnolgica Federal do
Paran UTFPR Realizando pesquisas e atuando principalmente nos seguintes temas: Polticas de Direito na
rea da infncia e adolescncia, Trabalho infanto juvenil Lei do Jovem Aprendiz, Estatuto da Criana e do
Adolescente, Tecnologia e trabalho e Educao e trabalho. Email para contato: [email protected].

JORGE JUSTI JUNIOR


Engenheiro Agrnomo formado pela Universidade Federal do Paran em 2002, Auditor Ambiental pelo
Bureau Veritas Quality International (BVQI) em 2003, Especialista em Gesto, Auditoria e Percia Ambiental
pelo Instituto Martinus de Educao e Cultura em 2004, Mestre em Polticas Pblicas e Desenvolvimento
em 2013. Atua no setor de meio ambiente desde 2002 e na Andreoli Engenheiros Associados desde
2004. Professor dos cursos de Licenciamento Ambiental e Avaliao de Impactos Ambientais da Fundao
Getlio Vargas. autor de 13 trabalhos cientficos publicados em congressos.

JULIO CESAR BISINELLI


Possui graduao em Odontologia pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran, especializao em


Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofacial pela USP-Bauru, mestrado em Medicina em Cirurgia de
Cabea e Pescoo pelo Complexo Hospitalar Helipolis-SP e doutorado em Odontologia Epidemiologia,
pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Atualmente professor Titular da Pontifcia Universidade
Catlica do Paran e professor no Curso de Especializao em Cirurgia e Traumatologia Bucomaxilofaciais
e Implantodontia da Associao Paulista de Cirurgies Dentistas (APCD) da Regio de Ourinhos-SP. Exprofessor do programa de mestrado/Doutorado em Odontologia PUCPR. Coautor de sete captulos de livros
e de 23 artigos cientficos publicados.

KAU DE ANDRADE MONTEIRO


Formado em Gesto Ambiental pela Faculdade Evanglica em 2009. Ingressou na Andreoli Engenheiros
Associados em 2008 e realizou cursos na rea de passivos ambientais: Processo de identificao e as
tomadas de deciso no gerenciamento de reas contaminadas pela Clean Environment Brasil e Avaliao
de Risco pela EDUTECH Ambiental.

825

LUIZ ARTHUR CONCEIO


Formado em Sociologia pela PUCPR e Bacharel em Cincia Poltico pela Univali, com registro profissional
de socilogo MTB 354/PR, Bacharel em Direito pela PUCPR, jornalista profissional MTB 7601-PR.
ps-graduado em gesto social e polticas pblicas pela PUCPR. Foi coordenador Regional do Pronasci
Programa Nacional de Segurana Pblica com Cidadania pelo Min. da Justia. J Atuou em projetos sociais
em Timor Leste, para pases africanos e entidades italianas. Atualmenteexerce a funo de docncia na
cadeira de sociologia no Colgio Estadual do Parane na rea de assessoria empresarial.

LUIZ CARLOS BLEGGI TORRES (21/10/1952 18/04/2007)


Mdico Pediatra, formado pela Faculdade de Medicina da UFPR. Mdico Voluntrio no Hospital Infantil
Pequeno Prncipe. Mdico plantonista da Maternidade Nossa Senhora de Ftima Unidade de Neonatologia.
Professor colaborador da Disciplina de Pediatria e Puericultura da Pontifcia Universidade Catlica do
Paran, ministrando aulas e orientaes para os alunos de 5 e 6 anos e residentes em Pediatria na
Maternidade Nossa Senhora de Ftima. Mdico Consultor do Servio Nacional de Aprendizagem Rural
(SENAR-PR) da Federao da Agricultura do Estado do Paran no Programa Agrinho (Sade Infantil
e Sade do Adolescente). Coautor, Colaborador e Palestrante do Programa Agrinho- Sade e Programa
Famlia e Qualidade de vida (SENAR-PR).

MRCIA SCHOLZ DE ANDRADE KERSTEN


Professora Doutora, Adjunto IV, aposentada do Departamento de Antropologia da UFPR, atuou na pesquisa
e na extenso como professora e orientadora na graduao e na ps-graduao Curso de Graduao em
Cincias Sociais, Especializao em Antropologia Social, Mestrado em Antropologia Social e Doutorado em
Meio Ambiente e Desenvolvimento. Ministrou diversos cursos de Especializao, de Extenso Universitria,
palestras e mesas redondas. Foi vice-diretora do Museu de Arqueologia e Etnologia da UFPR MAE, entre
2002 e 2006, quando acompanhou o projeto de restauro da edificao do antigo Colgio dos Jesutas, em
Paranagu, sede do MAE/UFPR. Instalou e respondeu pela Pr-reitoria de Extenso e Cultura da UFPR
durante a gesto 1990-94. Respondeu pela Vice-direo do Setor de Cincias Humanas, Letras e Artes da
UFPR, entre os anos de 1986-1990. Coordenou o Inventrio Nacional de Referncias Culturais na cidade
da Lapa/PR, sob a responsabilidade da 10 SR do IPHAN, entre 2004 e 2006. Respondeu pela Diretoria
de Patrimnio Cultural da Fundao Cultural de Curitiba em 2011; foi Secretria Geral do ICOMOS/
Brasil UNESCO 2009/2011. Publicou livros, alm de captulos de livros e artigos em jornais e revistas.
Atualmente desenvolve trabalhos de consultoria na rea de Patrimnio Cultural.

MRCIO JOS KERKOSKI


Possui graduao em Licenciatura em Educao Fsica pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran
(1991), especializao em Aprendizagem e Desenvolvimento Motor no Ensino da Educao Fsica
pela PUCPR (1992), especializao em Fisiologia do Esforo pela FAFICLA (1993), aperfeioamento
em Treinamento Desportivo no Voleibol pela Universitat Leipzig (1995), mestrado em Engenharia de
Produo pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001) e Doutorado em Estudos da Criana
na rea de Educao Fsica, Lazer e recreao pela Universidade do Minho (2009). professor da
Universidade Tecnolgica Federal do Paran desde 1992. Atua na graduao e ps-graduao com as
seguintes temticas: inteligncia emocional, antropometria, metodologia de pesquisa, voleibol e pedagogia
do desporto.

826

MARCOS HENRIQUE SANTANA DO NASCIMENTO


Possui Especializao em Pneumologia pela Universidade Federal Fluminense. mestrando em Cincias


da Sade, na Pontifcia Universidade Catlica do Paran e Professor da Pontifcia Universidade Catlica
do Paran.

MARIA CECILIA BARRETO AMORIM PILLA


Possui graduao em Direito Faculdades Integradas Curitiba (1990), graduao em Histria pela
Universidade Federal do Paran (1993), mestrado em Histria pela Universidade Federal do Paran
(1999) e doutorado em Histria pela Universidade Federal do Paran (2004). Atualmente professor
Adjunto III da Pontifcia Universidade Catlica do Paran, onde tambm Coordenadora do Curso de
Histria. Tem experincia na rea de Histria, com nfase em Histria Moderna, atuando principalmente
nos seguintes temas: histria da alimentao, etiqueta, diferenciao social, boas maneiras mesa,
comportamento adequado e boas maneiras; alimentos, smbolos, civilizao e histria e cultura africana.
Faz parte desde sua criao em 2004 do NEERE (Ncleo de Educao em Relaes tnicas da Escola de
Educao e Humanidades da PUCPR). Atualmente tambm coordenadora do curso de Especializao:
Histria Social da Arte da PUCPR, e coordena tambm o subprojeto em Histria do PIBID na PUCPR.

MARLIA DIAZ

Professora do Curso de Artes Visuais da UFPR, Mestre em Educao pela UFPR, especialista em
Metodologia do Ensino da Arte pela UFPR-FAP e Psicodrama Pedaggico, com formao em Educao
Artstica pela FAP e Pedagogia pela TUIUTI. Entre suas principais apresentaes de trabalhos esto
Pedagogia 95 Encuentro por la Unidad de los Educadores Latino Americanos O Fazer Cermico no
Municpio de Antonina Havana Cuba
2001 AMPAP O Fazer Cermico no Municpio de Antonina Recife PE.
2007 Palestra -Trs momentos da cermica no Brasil arqueolgica popular e contempornea
Universidade de Belas Artes Granada Espanha. Realizou projetos com comunidades na rea da
alfabetizao de adultos, desenvolvimento de arte popular, educao de crianas excepcionais entre outros.
Autora com Ana Maria Liblik de A avaliao em artes visuais no ensino fundamental e de captulos de
4 livros e 8 artigos sobre arte e seu ensino. Artista plstica dedicada a rea da escultura e da cermica
participou de 9 exposies individuais e 56 exposies coletivas. Possui obras em acervos de quatro
importantes Museus brasileiros.

MARISA ATSUKO TOYONAGA


Psicloga, Especialista em Adolescncia pelo PUC/PR. Especializao em Psicologia Clinica e Jurdica com
registro no Conselho Regional de Psicologia do Paran. Desde 1987 servidora pblica do Tribunal de
Justia do Estado do Paran, atuando como psicloga jurdica na rea da Infncia e Juventude, realizando
laudos, percias, pareceres, dentre outros. Foi supervisora e assessora na Assessoria de Apoio aos Juizados
da Infncia e Juventude, rgo vinculado diretamente a Corregedoria Geral da Justia do Estado do
Paran, onde fez parte da comisso de elaborao de diversas obras: Revistas da AAJIJ, Guia Informativo
da AAJIJ, Coletnea de Leis da rea da Criana e do Adolescente AAJIJ, Gibi Brasilzinho Estatuto da
Criana e do Adolescente, 1 e 2 edio e Gibi Brasilzinho Adoo.

827

PATRCIA LUPION TORRES


Possui graduao em Pedagogia pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran (1981), mestrado em
Educao pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran (1994) e doutorado em Engenharia de Produo
pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002). Atualmente Coordenadora do curso de Pedagogia,
professora titular da Pontifcia Universidade Catlica do Paran e Professora permanente do mestrado
e doutorado em Educao da PUCPR. Diretora de EAD da Pr-reitoria de Extenso e Comunitria no
perodo de 2005 a 2009. Coordenadora responsvel pelo setor de avaliao e pesquisa do Centro de
Educao a Distncia da PUCPR no perodo de 2002 a 2003. Professora da UFSC nos programas de
Mestrado em Mdia e Conhecimento no perodo de 1999 a 2002. Gestora de projetos de utilizao de
ambientes virtuais de aprendizagem para oferta de disciplinas a distncia em cursos superiores. Diretora da
rea de Educao da PUCPR no perodo de 1995 a 1999 e de 2003 a 2005. Membro do conselho diretor
da PUCWEB no perodo de 2003 a 2005. Possui livros e captulos de livros publicados na Republica
Dominicana, no Peru, na Inglaterra, nos Estados Unidos, na Colmbia, no Mxico, em Portugal e no
Brasil. Assessora Pedaggica do SENAR-PR. Coordenadora do Programa Agrinho SENAR-PR. Tem
experincia na rea de Educao, atuando principalmente nos seguintes temas: tecnologias educacionais,
educao a distncia, formao profissional, formao de professores, educao superior.

PAULO EDUARDO DE OLIVEIRA


Filsofo e educador. MBA em Gesto Educacional (2012-2013). Ps-doutorado pela UFPR (2011).
Doutorado em Filosofia pela PUCSP (2003). Mestrado em Filosofia pela PUCSP (1996). Especializao
em Filosofia Poltica pela UFPR (1993). Especializao em Ensino Religioso Escolar pela Faculdade de
Filosofia de Lorena (1992). Licenciatura em Filosofia pela PUCPR (1990). Desde 2009, Professor
da Faculdade Cenecista de Campo Largo (FACECLA). professor tambm do Mestrado em Gesto
do Conhecimento no Centro Universitrio de Maring (CESUMAR). De 1995 a 2012, foi professor da
Pontifcia Universidade Catlica do Paran PUCPR. Foi professor, ainda, das seguintes instituies de
ensino superior: Universidade Federal do Paran; FAE Centro Universitrio Franciscano; Faculdade
Arquidiocesana de Filosofia de Curitiba. Como professor visitante, atuou no Centro Universitrio de Unio
da Vitria (UNIUV) e na Faculdade Diocesana de Filosofia de Unio da Vitria. Possui experincia de
22 anos em funes docentes e de gesto escolar e universitria. Tem experincia nas reas de Filosofia
e Educao. Atua principalmente nos seguintes temas: filosofia, tica, epistemologia, filosofia da cincia,
filosofia da educao, relao entre filosofia e educao, produo do conhecimento cientfico.

PAULO DA CUNHA LANA


Possui graduao em Cincias Biolgicas (Zoologia) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1977),
Mestrado em Oceanografia Biolgica (1981) e Doutorado em Cincias (Oceanografia) pela Universidade
de So Paulo (1984). Trabalha desde 1981 no Centro de Estudos do Mar da Universidade Federal do
Paran (CEM/UFPR), onde ocupa atualmente o cargo de Professor Titular. Participou dos comits de
implantao e atuou como coordenador ou vice-coordenador dos cursos de Doutorado em Meio Ambiente
e Desenvolvimento (de 1993 a 2009), graduao em Oceanografia (desde 2000) e ps-graduao em
Sistemas Costeiros e Ocenicos (desde 2006) da UFPR. Foi membro do Comit Assessor de Oceanografia
do CNPq em duas oportunidades. o atual presidente da International Polychaetological Association
(trinio 2010-2013). Foi vice-coordenador do projeto Uso e Apropriao de Recursos Costeiros (RECOS)

828

do Instituto do Milnio. atualmente vice-coordenador do projeto INCT COI-Mar. Orientou ou coorientou


cerca de 70 mestres e doutores, alm de 20 monografias de concluso de curso. Suas reas principais
de atuao so ecologia bntica, ecologia de manguezais e marismas, taxonomia, biologia e ecologia de
aneldeos poliquetas, avaliao de impactos ambientais e gesto ambiental costeira.
PAULO ROBERTO DE MIRANDA SANDOVAL

Mdico, Doutor em Pneumologia pela Universidade Federal de So Paulo (Unifesp). Professor Titular de
Pneumologia na Pontifcia Universidade Catlica do Paran. Responsvel pelo Ambulatrio de Oxigeniterapia
Domiciliar da Secretaria Municipal de Sade de Curitiba. Chefe do Programa de Residncia Mdica em
Pneumologia Da PUCPR-MEC. Mdico Pneumologista.

PEDRO KIATKOSKI KIM


Gegrafo formado pela Universidade Federal do Paran em 2008 e Ps-graduado MBA em Gesto
Ambiental formado pela Universidade Federal do Paran em 2010. Atuou na rea de Geoprocessamento
entre 2004 e 2006 pelo Instituto Paranaense de Assistncia Tcnica e Extenso Rural EMATER-PR,
e entre 2006 e 2008 pelo Instituto de Terras, Cartografia e Geocincias do Paran ITCG. Em 2008,
ministrou palestra sobre Geoprocessamento e Meio Ambiente na Faculdade Evanglica do Paran. Autor
de dois trabalhos cientficos apresentados em Congressos. Trabalha na Andreoli Engenheiros Associados
desde 2008.

PLINIO NEVES ANGEUSKI


Engenheiro Agrnomo, formado pela Universidade Estadual de Londrina (1984). Advogado, formado
pela Universidade Estadual de Londrina (1999). Especialista em Formao Pedaggica de Docentes pela
Faculdade Estadual de Filosofia, Cincias e Letras de Cornlio Procpio (1998). Especialista em Direito
pela Universidade Estadual de Londrina (2000). Curso de Aperfeioamento para Ingresso na Carreira do
Ministrio Pblico do Paran/2001. Coautor e Palestrante do Programa Agrinho Cidadania e Trabalho
e Consumo. Instrutor na rea agronmica. Advogado, militante causas cveis e criminais.

REJANE DE MEDEIROS CERVI


Especialista em Educao para a Amrica Latina na rea de Planejamento, Administrao e Superviso de


Sistemas Escolares (Unesco), 1965); Planejamento Urbano (Ibam- Codem, 1967); Ensino de I e II Graus
(Universidade de Braslia, 1971); Administrao de Sistemas de Formao Profissional (OIT, Turin, 1972);
Mestre em Educao, rea de Currculos e Programas (UFPR, 1978); Doutora em Filosofia e Cincias da
Educao (Universidade de Barcelona, Espanha, 1981). Academical Attachment (University of Victoria, B.
C., Canad, 1985).

RICARDO TESCAROLO

Possui doutorado em Educao pela USP Universidade de So Paulo (2003), mestrado em Educao
pela PUCSP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (1993), graduao em Letras Portugus/
Ingls (licenciatura) e em Pedagogia (bacharelado e licenciatura). Estgio ps-doutoral na Fordham
University, USA (2011-2012). Professor do programa de Ps-Graduao Stricto Sensu (mestrado e
doutorado) em Educao da Pontifcia Universidade Catlica do Paran, onde tambm exerceu o cargo
de Pr-Reitor Comunitrio (2006-2012). Coordenador do Ncleo de Desenvolvimento Pedaggico das
Faculdades Pequeno Prncpe. Inscreve-se na linha de pesquisa; Teoria e Prtica Pedaggica; e integra

829

o grupo de pesquisas; Paradigmas Pedaggicos Emergentes na Formao de Professores. Coordena o


projeto de pesquisa: A Formao de Professores no Contexto da Metamorfose Civilizatria Contempornea.
Outros interesses cientficos: pedagogia do equilbrio; epistemologia da pedagogia; currculo como prtica
de significao espao-temporal; matrizes emergentes do pensamento pedaggico; a escola como sistema
social complexo; formao docente no contexto da metamorfose civilizatria contempornea.
SIMONE TETU MOYSS

Graduao em Odontologia pela Pontifcia Universidade Catlica do Paran (1983), Mestrado em Odontologia
Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (1989) e Doutorado em Epidemiologia e Sade
Pblica University of London (1999). autora/editora de 36 artigos,2 livros e 21captulos de livros.
Atualmente professora Titular da Pontifcia Universidade Catlica do Paran e coordenadora do Programa
de Ps-Graduao em Odontologia rea de Concentrao em Sade Coletiva (mestrado e doutorado). Foi
Coordenadora da Rede de Ambientes Saudveis da Prefeitura Municipal de Curitiba. Coordena projetos
de cooperao nacional e internacional nas reas de promoo de sade e desenvolvimento local. Tem
experincia na rea de Sade Coletiva, atuando principalmente nos seguintes temas: promoo de sade,
polticas pblicas saudveis, epidemiologia, sade da famlia e sade bucal coletiva.

TAMARA VIGOLO TRINDADE


Engenheira Ambiental pela FAE Centro Universitrio em 2011 e Mestranda em Meio Ambiente Urbano e
Industrial pela UFPR (2013). Foi bolsista do PROSAB Programa de Pesquisas em Saneamento Bsico
financiado pela FINEP. Fez parte do Grupo de Desenvolvimento do Inventrio de Gases de Efeito Estufa
do Estado do Paran como estagiria da SANEPAR Companhia de Saneamento do Paran, e participou
da elaborao do Inventrio de Emisso de Gases de Efeito Estufa do Setor de Resduos no Paran Ano
Base 2005, realizado em parceria com IAP, SANEPAR, SEMA, PUCPR, Instituto das guas do Paran
e Governo do Estado do Paran. Possui participao em 1 captulo de livro publicado em 2011 na rea de
saneamento bsico. Atua na Andreoli Engenheiros Associados Ltda desde julho de 2010.

THEREZA CRISTINA GOSDAL


Possui graduao em Direito pela Universidade Federal do Paran (1996). Graduao em Cincias Sociais
pela Universidade Federal do Paran (1987), mestrado em Direito pela Universidade Federal do Paran
(2002) e doutorado em Direito pela Universidade Federal do Paran (2006). Atualmente professora de
Direito do Trabalho e Seguridade Social da Universidade Federal do Paran e Procuradora do Trabalho
do Ministrio Pblico do Trabalho. Tem experincia na rea de Direito, com nfase em Direito, atuando
principalmente nos seguintes temas: trabalho, discriminao, mulher, direito e gnero.

VALDIR FERNANDES

Possui Ps-doutorado em sade ambiental pela Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So


Paulo (USP), em parceria com o CEPEMA Centro de Capacitao e Pesquisa em Meio Ambiente da USP;
Doutorado em Engenharia Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (2007), com tema
gesto ambiental no processo de tomada de deciso em organizaes produtivas; Mestrado em Engenharia
Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002), abordando a interface entre as polticas
pblicas e a gesto ambiental em indstrias; e Graduao em Cincias Sociais pela Universidade Federal
de Santa Catarina (2000), com o tema representaes sociais de meio ambiente. Foi Academic Partner do
projeto Advancing Sustainability da Alcoa Foundation. Atua em eixos de pesquisa a partir dos quais so

830

contextualizados os projetos, a saber: interdisciplinaridade nas cincias socioambientais, indicadores de


sustentabilidade e sociologia econmica e territorialidade. Coordenador Adjunto de Mestrado Profissional
da rea de Cincias Ambientais.
VERA MARIA GILBERTI ROCHA

Psicloga Clnica, com especializao em Ludoterapia, Adolescncia e Terapia de Casal; desenvolve suas
atividades profissionais em consultrio, e profere palestras sobre temas (Centro de Sade Metropolitano e
Centro Psiquitrico Metropolitano), e foi Presidente da Associao Arnaldo Gilberti Espao Paranaense
de Sade Mental, onde foi pioneira na implantao de Residncias Teraputicas no Estado da Paran.

WILSON MASKE

Possui graduao em Histria pela Universidade Federal do Paran (1992), mestrado em Histria do
Brasil pela Universidade Federal do Paran (1999) e doutorado em Histria pela Universidade Federal
do Paran (2004). Atualmente professor titular da Pontifcia Universidade Catlica do Paran. Tem
experincia na rea de docncia e pesquisa em Histria, com nfase em Histria Contempornea e em
Histria do Brasil, atuando principalmente nos seguintes temas: imigrao, escravismo, imperialismo,
relaes internacionais. Atualmente desenvolve projeto de pesquisa concentrado na questo das relaes
entre Brasil e Alemanha Imperial, no perodo de 1871-1918, com especial foco no imperialismo alemo e
na imigrao alem para o Brasil.

831

Você também pode gostar