Situação Colonial
Situação Colonial
Situação Colonial
Publicado originalmente nos Cahiers internationaux de sociologie, vol. XI, Paris, p. 44-78, 1951.
R. KENNEDY, The colonial crisis and the future, in The Science of man in the World crisis, Editions R.
Linton, 1945, p. 307.
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O. MANNONI, Psychologie de la Colonisation, Editions de Seuil, 1950. Este autor no , contudo, o criador
desta expresso que se encontra em sentidos diversos em obras anteriores; notadamente, nos estudos do socilogo americano L. Wirth dedicados tipologia das minorias.
Tomamos a liberdade de retomar a resenha da obra de O. Mannoni que publicamos nos Cahiers Internationaux
de Sociologie, vol. IX, 1950, pp. 183-6.
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L. JOUBERT, Le Fait colonial et ses prolongements, in Le Monde non chrtien, 15, 1950.
Ch.-A. JULIEN, Imprialisme conomique et imprialisme colonial, in Fin de lre coloniale, Paris, 1948.
Cf. R. KENNEDY, op. cit., pp. 308-9, e R. GROUSSET, Colonisations, in Fin de lre coloniale.
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Assim, os deslocamentos provocados em favor do Escritrio do Nger que deram lugar s mais animadas polmicas; veja o panfleto de P. HERBART, Le Chancre du Niger, com prefcio de Andr Gide, Gallimard, 1939.
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Cf. L. P. Mair, The study of culture contact as a practical problem, in Africa, VII, 4, 1934.
12
Cf. J. HARMAND, Domination et Colonisation, Flammarion, 1910, como exemplo clssico de justificao do
tipo jurdico.
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16
G. BALANDIER, Aspects de lvolution sociale chez les Fang du Gabon, in Cah. Intern. de Soc., volume IX,
1950, p. 82.
17
R. MONTAGNE, Le Bilan de luvre europenne au-del des mers, in Peuples dOutre-Mer et Civilisation
Occidentale, Semaines Sociales de France, 1948.
18
19
Ch.-A. JULIEN, Histoire de lAfrique, Collection Que sais-je?, Presses Universitaires de France, 1944, p. 123.
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treitamente atadas por aqueles que subjugam21 a ao econmica, administrativa e missionria; e em funo destes fatores que os antroplogos
estudaram habitualmente as mudanas sociais. Mas, a fim de caracterizar a colonizao europeia moderna e de explicar sua apario, certos historiadores foram conduzidos a privilegiar um destes aspectos o fator econmico; o imperialismo colonial no seno uma das manifestaes do
imperialismo econmico, indica Ch. A. Julien em um artigo dedicado ao
tema22. A histria conduz, aqui, para outro ponto de vista indispensvel
compreenso da situao colonial.
sobre razes econmicas que a poltica de expanso constri, em
parte, sua propaganda. P. Leroy-Beaulieu, em 1874, mostrava a necessidade em que a Frana se encontrava de se tornar uma potncia colonial; J.
Ferry escrevia, em 1890: A poltica colonial filha da poltica industrial... a
poltica colonial uma manifestao internacional das leis eternas da concorrncia...23. por razes econmicas que as naes coloniais justificam
sua presena valorizao e equipamentos realizados constituem direitos
adquiridos e s vantagens econmicas que renunciam em ltimo lugar,
ainda que tenham aceitado frmulas mais ou menos reais de independncia
poltica. Certas anlises dedicadas ao imperialismo revelaram, antes mesmo dos estudos dos escritores marxistas, suas caractersticas econmicas24.
Do ponto de vista marxista, Lnin, foi o primeiro a dar, em sua clebre obra
O Imperialismo, estgio superior do capitalismo, uma teoria sistemtica.
Ch.-A. Julien evoca a parte essencial dessa obra ao recordar que a poltica
colonial nasce do monoplio, da exportao de capitais e da procura por
zonas de influncia econmica25. Sob as formas da colonizao ou do protetorado econmico, um marxista encontra uma mesma realidade que, ligada ao capitalismo, deve desaparecer com ele. As ligaes estreitas existentes entre o capitalismo e a expanso colonial levaram certos autores no
marxistas a comparar a questo colonial questo social e a constatar,
tal como J. Guitton, que no so substancialmente diferentes, pois a relao metrpole-colnia no diferente da relao capital-trabalho, ou,
de maneira mais genrica, daquilo que Hegel chamava de relao mestre-
21
Cf. notadamente, Pham NHUAM, Appel, in Que pensent les tudiants coloniaux, Le Semeur, dezembro de
1947, janeiro de 1948.
22
23
P. LEROY-BEAULIEU, De la colonisation chez les peuples modernes, 1874, 1 edio; J. FERRY, prefcio a
Le Tonkin et la Mre-Patrie, 1890.
24
Cf. A CONANT, The Economic Basis of Imperialism, 1898, e J. A. HOBSON, Imperialism. A Study, 1902 (cujo
valor foi reconhecido por Lnin), ambos citados em Ch.-A. JULIEN, op. cit.
25
Ch.-A. JULIEN, op. cit., p. 29. Cf. no que diz respeito frica, FRANKEL, S. H., Capital investiments in Africa,
1936.
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28
J. STALIN, Le Marxisme et la question nationale et coloniale, edio francesa, Editions Sociales, 1949, pp. 179
e 247.
29
The African Morning Post, 2 de junho de 1945, citado em Univers, LAvenir de la colonisation, outubro de
1945.
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31
Cf. uma excelente anlise de M. GLUCKMAN, Malinowski functional analysis of social change, in Africa,
XVII, 2 de abril de 1947.
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O aspecto econmico da situao colonial foi evocado, em suas generalidades, por certos antroplogos ou certos gegrafos especializados em
pases tropicais. R. Kennedy, em um estudo j citado, indica as principais
caractersticas disso32: a procura, pelas naes coloniais, de matrias-primas destinadas a alimentar as industrias metropolitanas o que explica o
medocre equipamento industrial dos territrios coloniais (quando no
inexistente)33; a explorao em grande escala, o comrcio de importaoexportao se encontrando unicamente nas mos das empresas que sozinhas tiram proveito disso34; a distncia que separa a sociedade colonial e
a sociedade colonizada (reduzida essencialmente s atividades campestres,
quelas do operrio no qualificado e do empregado domstico) que explica
a dificuldade do indgena em ascender economicamente, a estagnao
econmica das massas indgenas.
Dentre os trabalhos de lngua francesa, aqueles dedicados Indochina
(na verdade, os nicos de real importncia) so particularmente precisos;
so a obra dos gegrafos Ch. Robequain e P. Gourou35 (e isso bem significativo desta fuga do atual que caracterizou a etnologia francesa). Os camponeses representam de 90 a 95% da populao indochinesa, e essencialmente sobre os problemas do campesinato que esto centrados os estudos. Para alm da importncia concedida, primeiro, aos meios tcnicos (que
no foram, ou pouco foram, melhorados para a nao colonial), sobre o
fenmeno da decomposio da propriedade fundiria36 do desapossamento
da terra, causando proletarizao e desenraizamento, que os autores insistem. Tambm, a indicao, paralelamente a este movimento, da constituio de uma burguesia (de origem agrria essencialmente) que nasceu, como
o proletariado, do contato com a civilizao ocidental e com o enfraquecimento dos valores tradicionais e cujo crescimento provm quase sempre
da explorao do arrozal e do sistema de emprstimos de dinheiro ao qual
se encontra ligado37. As observaes feitas quanto ao comrcio (um comrcio indgena, dividido em mltiplos estabelecimentos de pouca importncia, enquanto o grande comrcio e a exportao esto nas mos dos europeus ou de estrangeiros, chineses, hindus) e indstria (estagnao da in-
32
33
34
No que diz respeito frica francesa, retomamos os estudos capitais feitos pelo gegrafo Jean Dresch.
35
Cf. notadamente, Ch. ROBEQUAIN, Lvolution conomique de lIndochine franaise, Paris, 1940, e P.
GOUROU, LUtilisation du sol en Indochine franaise et Les Pays Tropicaux, Paris, 1948.
36
Cf. para um estudo global dedicado a este fenmeno o livro de V. LIVERSAGE, Land tenure in the colonies, 1945;
citado por P. NAVILLE, La Guerre du Viet-Nam, 1949.
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P. NAVILLE, La Guerre du Viet-Nam, Paris, 1949; cf. notadamente, La Politique franaise en Cochinchine,
La Bourgeoisie cochinchinoise, Les Paysans annamites et la Rvolution, Le Dveloppement de la classe
ouvrire et de lindustrie.
39
J. BORDE, Le Problme ethnique dans lUnion Sud-Aricaine, in Cahiers dOutre-Mer, n 12, 1950, excelente
viso do todo e bibliografia.
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Citamos, para a frica do Sul (I. Schapera, M. Hunter), para a frica do Leste (L. P. Mair, Audrey Richards, M. Read,
M. Gluckman), para a frica do Oeste (M. Fortes, D. Forde, K. L. Little) como autores de importantes trabalhos.
42
Cf. M. READ, Native standards of living and African culture change, Londres, 1938.
43
K. L. LITTLE, Social change and social class in the Sierra-Leone Protectorate, in American Journal of Sociology,
54, julho de 1948. Importante estudo.
44
J. DRESCH, La Proltarisation des masses indignes en Afrique du Nord, in Fin de lre coloniale?, op. cit.,
pp. 57-69, e R. DELAVIGNETTE, Les Problmes du travail: Paysannerie et Proltariat, in Peuples dOutreMer et Civilisation Occidentale, pp. 273-91.
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G. DARBOUSSIER, Les Problmes de la Culture, in Afrique Noire, nmero especial de Europe, maio-junho
de 1949.
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francs). Esta balcanizao mantida ou criada, as inimizades ou rivalidades entre grupos tnicos mantidas ou derivadas para fins administrativos,
impuseram-lhes, no mbito da situao colonial, uma histria particular, cujo
conhecimento indispensvel a toda anlise sociolgica. E um estudo recente dedicado aos malgaxes pode mostrar como esta vontade de atingir o
grupo (por medo de impor-se a questo nacional) acompanha frequentemente a vontade de atingir sua histria (por medo de deix-la justificar o
orgulho de ser malgache, e assim o nacionalismo, escreve o autor46). Encontramos, aqui, o domnio das ideologias vrias vezes evocadas: esta perverso da histria atinge a memria coletiva que reage por repercusso; e
v-se a importncia que podem apreender de tais fatos no esforo de compreenso dos povos colonizados.
***
Em funo destes primeiros dados, torna-se mais fcil situar, e apreciar, as contribuies da sociologia e da psicologia social aplicadas s sociedades coloniais e colonizadas. Em uma obra recente, dedicada s colnias, E. A. Walcker chamava nossa ateno para o fato de que estas constituem sociedades plurais47. Ele especifica que a colnia (sociedade
global) se compe de modo geral de um nmero de grupos mais ou menos
conscientes de sua existncia, frequentemente opostos uns aos outros pela
cor, e que se esforam para levar vidas diferentes nos limites de um nico
mbito poltico. E Walcker acrescenta: estes grupos que falam lnguas
diferentes, tm uma alimentao diferente, se dedicam com frequncia a
ocupaes diferentes que lhes so designadas pela lei ou pelo costume,
vestem-se com roupas diferentes... vivem em diferentes tipos de habitaes, valorizam tradies diferentes, adoram deuses diferentes, mantm ideias
diferentes sobre o bem e o mal. Tais sociedades no so comunidades. A
estes elementos, acrescenta uma observao til nossa anlise escrevendo, a propsito da colour-bar, que traduz um problema mundial das minorias em termos tropicais, com a diferena de que, em quase todas as colnias, a classe inferior constitui a maioria.
Estas observaes podem fornecer um ponto de partida. O interessante no a observao sobre o pluralismo (caracterstico de toda sociedade global), mas a indicao de seus traos especficos: a base racial dos
grupos, sua heterogeneidade radical, as relaes antagonistas que mantm e a obrigao na qual se encontram para coexistir nos limites de um
46
O. HATZFELD, Les Peuples heureux ont une histoire. tude malgache, in Cahiers du Monde non chrtien,
16, 1950.
47
Les Colonies, pass et avenir, captulo intitulado Colonies tropicales et socits plurales.
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nico mbito poltico. Inversamente, a ateno dedicada sociedade colonial, enquanto minoria (numrica) dominante, importante. H. Laurentie
definiu colnia, por outro lado, em um estudo de aspecto essencialmente
poltico, como um pas onde uma minoria europeia se sobreps a uma maioria indgena de civilizao e comportamento diferentes. Esta minoria europeia
age sobre os povos autctones com um vigor desproporcional ao nmero;
ela , por assim dizer, extremamente contagiosa e, por sua natureza,
deformadora48. Esta minoria ativa, e deformadora, assenta sua dominao sobre uma superioridade material incontestvel (ela se impe civilizaes no-tecnolgicas), sobre um estado de direito estabelecido por sua
vantagem, sobre um sistema de justificativa de base mais ou menos racial
(e, para alguns autores, como R. Maunier, o fato colonial , primeiro, um
contato de raas). Ela est to mais reativa que fica melhor enraizada e
rebelde fuso e se sente ameaada pela presso demogrfica dos homens
de cor: assim, na frica do Sul, a populao branca comea a ver em sua
situao um problema de minoria, enquanto que os negros veem na sua um
problema colonial e de tutela49, assim como na frica do Norte. Este fato
comea a ver em sua situao um problema de minoria interessante; ele nos lembra justamente que esta minoria numrica no uma minoria
sociolgica e que ela s pode se tornar uma por uma reviravolta da situao
colonial.
Esta observao j havia sido feita por alguns socilogos. L.
Wirth, definindo o que uma minoria e estabelecendo uma tipologia das
minorias, insistiu sobre este ponto: o conceito no de ordem estatstica,
e d o exemplo dos negros que vivem no Sul dos Estados Unidos e que so,
em alguns estados, numericamente majoritrios e que, ainda assim, no deixam de constituir uma minoria enquanto socialmente, politicamente e economicamente subordinados, o exemplo da situao criada pela expanso
colonial das naes europeias que enquadram os brancos em grupos dominantes e os povos de cor em minorias50. O volume de um grupo no
suficiente para torn-lo uma minoria, ainda que possa ter efeitos quanto ao
estatuto e quanto s relaes com o grupo dominante. O carter de minoria uma maneira de estar na sociedade global e implica essencialmente a
relao de dominado a dominante. Constantemente, encontramos tal relao ao longo da anlise precedente; evocando a sociedade colonizada como
um instrumento para uso da nao colonial (perspectiva histrica), as re-
48
H. LAURENTIE, Notes sur une philosophie de la politique coloniale franaise, in nmero especial de
Renaissances, Outubro de 1944.
49
50
L. WIRTH, The problem of minority groups, in The Science of man in the World crisis, pp. 347-72. Sobre este
tema, do mesmo autor, veja: The present position of Minorities in the United States.
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Les Vrais Chefs de lEmpire, nova edio intitulada: Service Africain, 1946, captulo II, La Socit coloniale.
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das situaes coloniais, o grupo dominante pode manter sua posio superior fazendo simplesmente funcionar a mquina militar e administrativa, tal
enorme a desproporo das civilizaes52! Ele subestima, assim, a quantidade de aspectos importantes; meios pelos quais este grupo se torna intocvel,
reduzindo o contato ao mnimo (segregao), dando-se como modelo tudo o
que no est de acordo com meios de realizar este modelo (a assimilao
apresentada como condio da igualdade, j que sabidamente impossvel,
ou porque controlada severamente); ideologias que justificam a posio
dominante; meios polticos destinados a manter o desequilbrio em favor da
sociedade colonial (e da metrpole); transferncia, mais ou menos dirigida,
sobre alguns grupos, de sentimentos provocados pela dominao polticoeconmica: assim, sobre os srio-libaneses na frica Ocidental Francesa
(onde representam aproximadamente um quarto da populao considerada,
administrativamente, europeia e assimilada), sobre os indianos na Unio
Sul Africana (no momento dos problemas de 1947, 1948 e 1949, em que os
negros atacaram unicamente os asiticos) e sobre os coloured, de uma
maneira quase geral. Na exata medida em que a distncia entre as civilizaes tende a se reduzir, as relaes de massas se intensificam, a fora no
mais suficiente para manter a dominao e os meios mais indiretos so
mais utilizados o carter de mal-entendido se afirma (o que chamou a
ateno de H. Brunschwig no ponto de vista histrico, de O. Mannoni no
ponto de vista psicanaltico). Estes recursos indiretos utilizam, com mxima
frequncia, segundo as conjunturas sociais particulares, as relaes raciais
ou religiosas de tipo conflituoso (assim, nas ndias, na poca clssica da
colonizao britnica). Resta acrescentar que a sociedade colonial no
perfeitamente homognea; ela tem suas faces, seus cls (os administrativos, o pessoal das empresas comerciais, os militares, os missionrios, segundo a terminologia empregada nos territrios franceses) que
so mais ou menos fechados uns aos outros, mais ou menos rivais (as oposies Administrao-Misses, Administrao-Comrcio so frequentes),
que tem sua prpria poltica indgena (a tal ponto que alguns antroplogos
ingleses fizeram, de cada um deles, um agente provocando a culture
change) e suscitam reaes muito diversas. Por outro lado, a sociedade
colonial mais ou menos fechada, mais ou menos distante da sociedade
colonizada; mas a poltica de dominao e de prestgio exige que seja fechada e distante: o que no facilita a compreenso e a apreciao mtua e
permite (ou impe) o fcil recurso aos esteretipos. Isolada na colnia,
esta sociedade rompeu, em parte, seus laos metropolitanos. R. Delavignette
bem notou este fato, escrevendo sobre os colonos: europeus na colnia,
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Um provrbio significativo: Deus criou o branco, depois o negro e, enfim, o portugus. Ou ainda: H trs
espcies de homens: os brancos, os negros e os portugueses (Provrbio do Congo Belga).
55
Cf. A. SIEGFRIED, Afrique du Sud, Armand Colin, 1949, p. 75. Assim como em: Handbook on race relations
in South Africa, ditions E. Hellmann, 1949, e J. BORDE, op. cit., pp. 339-40.
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Como isto foi tentando, antes de 1939, nos territrios de dominao francesa: na A. O. F. (1930), em Madagascar
(1934), na A. E. F. (1936) e na Indochina (1938).
57
Para a frica Negra somente R. Delavignette dava, em 1939, as propores seguintes quanto populao dita
europeia: Unio Sul-Africana (250 ), antigo Sudoeste Africano alemo (100 ), Rodsia (45 ), Angola (10
), Qunia (5 ), Congo Belga (2 ), A. O. F. e A. E. F. (1 ); op. cit., p. 36. No que diz respeito a estes ltimos
territrios, desde 1945, a contribuio europeia foi importante.
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em parte, as relaes que mantm com os outros grupos (que tiram dela
seus privilgios econmicos). Estas no so, no entanto, simples relaes
de explorador a explorado, de dominante a dominado em razo da falta de
unidade da sociedade colonizada e, sobretudo, do carter radicalmente heterogneo da cultura (ou, melhor, das culturas) que ela anima.
A sociedade colonizada est dividida etnicamente; divises fundamentadas na histria indgena, mas utilizadas pelo poderio colonial lembremos qual o uso do velho princpio: dividir para conquistar e complicadas pela arbitrariedade das divises coloniais e dos cortes administrativos; orientam no apenas as relaes de cada uma das etnias com a sociedade colonial (assim, os povos que serviram de intermedirios, na poca
do trfico africano e dos depsitos comerciais, tentaram deslocar seu papel
do plano econmico ao plano poltico e aparecem como minorias militantes), mas tambm sua atitude em relao cultura apresentada por esta
ltima (alguns grupos tnicos so mais assimilacionistas ou mais tradicionalistas do que alguns grupos vizinhos, em reao, ao menos em parte,
contra a atitude adotada por estes). A sociedade colonizada dividida espiritualmente. Divises que podem ser anteriores colonizao europeia, ligadas, notadamente, s presses conquistadoras do Isl; mas sabe-se o uso
que as naes coloniais puderam fazer disso os jogos da dominao inglesa s ndias so bem conhecidos. A colonizao trouxe, para vrios lugares,
a confuso religiosa, opondo o cristianismo s religies tradicionais, os cristos de diferentes igrejas entre eles. E citamos, a esse respeito, um africano
de Brazzaville que evocava este estado de coisas que s tem como efeito
a criao de uma lamentvel confuso no desenvolvimento moral, e que
acrescentava: o negro da frica, qualquer que seja, tem um rudimento de
religio; lev-lo para o atesmo ou para a confuso de doutrinas religiosas
importadas , com toda a certeza, desorienta-lo59. O autor ia at pedir ao
colonizador para impor a unidade! Isto dizer quantas destas novas divises, acrescentadas s antigas, so dolorosamente sobrepujadas por alguns. Mas, a colonizao trouxe outras dessas divises, que se poderia
qualificar como sociais, nascidas da ao administrativa e econmica, da
ao educativa: separao entre urbanos e rurais60, entre proletariado e
burgus, entre elites (ou evoludos segundo a linguagem habitual) e
massas61, entre geraes temos evocado isso, e temos sugerido sua importncia, em diversos momentos de nossa anlise. Cada uma destas fra-
59
J.-R. AYOUN, Occidentalisme et Africanisme, in Renaissances, nmero especial, outubro de 1944, p. 204.
60
Evocamos Brazzaville, onde a populao africana passa de 3.800 habitantes em 1912 para 75.000 habitantes por
volta de 1950; ou seja, mais de um dcimo da populao do Mdio Congo.
61
Cf. Dr. L. AUJOULAT, lites et masses en pays dOutre-Mer, in Peuples dOutre-Mer et Civilisation
Occidentale, op. cit., pp. 233-72.
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A maior parte dos trabalhos dedicados s sociedades colonizadas atuais insistem no estado de crise que as afeta, nos problemas rduos e complexos que colocam. Em um grau mais ou menos importante, so consideradas como sociedades doentes62. O que verdade na medida exata em
que a sociedade colonial se ope s verdadeiras solues, pois parece bem
que, no caso da sociedade colonizada, a busca por suas normas coincide
com a busca por sua autonomia. O que impe ao socilogo um mtodo de
anlise em alguma medida clnico. E temos mostrado, na anlise anteriormente lembrada, quanto a aproximao das sociedades colonizadas atravs
de suas crises especficas constitui uma posio privilegiada para o estudo, o nico lugar onde se pode considerar a evoluo das estruturas
sociais indgenas em situao colonial63. Tais crises questionam a quase totalidade da sociedade, as instituies como os grupos e os smbolos. Os
desajustamentos constituem tantas passagens que permitem anlise penetrar e no somente considerar os fenmenos de contato entre sociedade
colonizada e sociedade colonial, mas tambm de melhor compreender a
primeira em suas formas tradicionais manifestando certos sistemas, certas
fraquezas (como o mostramos a propsito do povo fang do Gabo, povo no
qual a situao colonial favoreceu as rupturas implicadas pela antiga estrutura social) ou certas estruturas ou representaes coletivas irredutveis
(assim, o estudo da crise religiosa e das igrejas negras caractersticas da
frica banta mostraria o que subsiste, independentemente das presses
exercidas, das religies tradicionais a parte intratvel). Tais crises, que
afetam a sociedade global em seu conjunto, constituem tantos pontos de
vista sobre esta ltima e sobre as relaes que ela implica64, o que permite
aquela aproximao concreta e completa j recomendada por Marcel Mauss.
E, para completar um exemplo que acaba de ser dado, evocaremos uma
tese recente dedicada s igrejas negras e ao profetismo banto (na frica
do Sul), em que o autor, B. G. M. Stukler, mostra que os problemas expostos
no so somente de ordem religiosa, mas questionam a totalidade das reaes bantas dominao dos brancos, que o estudo destas igrejas conduz
ao estudo de todos os problemas sociais caractersticos da Unio Sul-Africana65. Estas crises se caracterizam, primeira vista, pela alterao radical
62
Cf. L. ACHILLE, Rapports humains en Pays dOutre-Mer, in Peuples dOutre-Mer et Civilisation Occidentale,
op. cit.
63
G. BALANDIER, Aspects de lvolution sociale chez les Fang du Gabon. I. Les implications de la situation
coloniale, op. cit.
64
Monica Hunter tinha chegado bem perto desta constatao. Ela escreveu: O estudo do culture contact mostra
claramente que a sociedade uma, e que quando um nico aspecto modificado, o conjunto afetado, Reaction
to Coquest, p. 552. Ela se contentou com essa nota, sem procurar aprofundar e sem extrair dela as consequncias
de ordem metodolgica.
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ou pelo desaparecimento de certas instituies, de certos grupos. Mas a anlise sociolgica no saberia se ater a apenas estes aspectos do social a parte
instituda ou estruturada e constatar as transformaes e os desaparecimentos, observar e descrever as novas criaes. indispensvel ir alm e atingir,
segundo a expresso de G. Gurvitch, as formas de sociabilidade66. Pois
parece que certas maneiras de relacionar, certas ligaes sociais subsistem,
enquanto as estruturas no seio das quais atuavam so alteradas ou destrudas,
novas aparecem em funo da situao colonial, das conjunturas sociais criadas por esta. Elas podem coexistir e dar s inovaes concebidas pela sociedade colonizada estas caractersticas, ao mesmo tempo, tradicionalistas e
modernistas, ambiguidade notada por alguns observadores.
Frequentemente, fizemos aluso importncia das relaes raciais,
ao fundamento racial dos grupos, colorao racial tomada pelos fatos econmicos e polticos (a literatura corrente confunde ou associa racismo e
colonialismo) no mbito da situao colonial. E diversos autores insistem no
carter inter-racial das relaes humanas nos pases do ultramar, no fato
de que abaixo das causas polticas ou econmicas que opem ainda hoje a
raa branca e os homens de cor, existe quase sempre um motivo racial, no
fato de que a sociedade permanece inter-racial at mesmo quando a independncia nacional conquistada67. Indicamos vrias vezes que os antroplogos coloniais estavam pouco ligados a estes fatos e a problemas raciais e
lembramos o pequeno lugar dado a estes em seus programas de pesquisa, o
que se explica pela ateno concedida s culturas mais do que s sociedades, tambm, pela preocupao (mais ou menos consciente) de no questionar os prprios fundamentos (e a ideologia) da sociedade colonial da qual
participam67 Bis. Ao contrrio, os trabalhos realizados nos Estados Unidos (e
no Brasil) so largamente dedicados s relaes e preconceitos raciais, s
relaes entre negros e brancos, notadamente. Estes fatos no podem ser
evitados, posto que as diferenas radicais de civilizao, de lngua, de religio, de costumes, que atuam no mbito da situao colonial, so, aqui, atenuados e no servem nem para mascar-los, nem para complic-los, pois o
estado de subordinao e o preconceito racial no podem aparecer nele?
Fundidos na natureza, na medida exata em que a alteridade cultural se apaga e em que a identidade dos direitos se afirma (o que explica, entre outras
coisas, que a sociedade americana aparenta ser confusa, contraditria e
paradoxal, segundo a expresso de Gunnar Myrdal68...), porque estes fatos
66
67
67 Bis
68
Cf. La Vocation Actuelle de la Sociologie, sobretudo, pp. 99-108. A definio e as distines essenciais esto
nelas presentes. Os captulos III e IV so dedicados Microssociologia cujo verdadeiro fundador Georges
Gurvitch.
Cf. L. ACHILLE, op. cit., pp. 211-15.
Uma anlise crtica extremamente restrita feita por M. Leiris, na conferncia intitulada O Etngrafo diante do
colonialismo, em 1950, e publicada em Temps Modernes.
Gunnar MYRDAL, An American Dilemna, New York, 1944.
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representam aquilo que resta para liquidar do passado colonial e precisamente no momento da liquidao que deram lugar a conflitos violentos
(nos Estados Unidos, durante o perodo conhecido como Reconstruo).
Tais trabalhos insistem s vezes em implicaes econmicas, s vezes em
implicaes sexuais de diversos comportamentos raciais; mostram, como o
evidencia R. Bastide69, a ligao entre as reaes de ordem racial e as de
ordem cultural: voltamo-nos, notadamente, para sua anlise do messianismo
negro nos Estados Unidos que indica o quanto este est ligado aos conflitos
raciais e a uma psicologia do ressentimento; esses ltimos revelam uma
diversidade de comportamentos que corresponde diversidade das situaes. Aventuramo-nos por esta lembrana rpida porque ela mostra as ligaes que no se podem negar, a impossibilidade de separar o estudo dos
contatos culturais daquele dos contatos raciais e de encar-los, no caso das
sociedades colonizadas, sem se referir s situaes coloniais.
***
Acabamos de considerar alguns fatos que os autores anglo-saxes
renem sob as rubricas de choque de civilizaes ou choque de raas,
mas mostramos que, no caso dos povos colonizados, estes choques (ou
contatos) produzem-se em condies muito particulares. A este conjunto
de condies, demos o nome de situao colonial. Pode-se definir esta
ltima, retendo as mais gerais e as mais evidentes destas condies: a dominao imposta por uma minoria estrangeira, racialmente (ou etnicamente) e
culturalmente diferente, em nome de uma superioridade racial (ou tnica) e
cultural dogmaticamente afirmada, a uma maioria autctone materialmente
inferior. Esta dominao conduz relao de civilizaes radicalmente heterogneas: uma civilizao mecanizada, com uma economia poderosa, um
ritmo rpido e de origem crist que se impe a civilizaes no mecanizadas, de economia atrasada, em ritmo lento e radicalmente no crists.
O carter fundamentalmente antagonista das relaes que existem entre
estas duas sociedades se explica pelo papel de instrumento ao qual condenada a sociedade colonizada; a necessidade, para manter a dominao, de
recorrer no somente fora, mas tambm a um sistema de pseudojustificativas e de comportamentos estereotipados, etc. mas apenas esta
enumerao seria insuficiente. Preferimos, aproveitando o olhar particular
de cada um dos especialistas, considerar a situao colonial em seu conjunto e enquanto sistema; evocamos os elementos em funo dos quais toda
situao concreta pode ser descrita e compreendida, mostramos como esto ligados entre si e que assim toda analise parcial ao mesmo tempo
69
Cf. notadamente, R. BASTIDE, Sociologie et Psychanalyse, cap. XI : Le Heurt des Races, des Civilisations et
la Psychanalyse, Paris, P.U.F., 1950.
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unilateral. Esta totalidade questiona os grupos que compem a sociedade global (a colnia), assim como as representaes coletivas prprias de
cada um destes; apreende-se em todos os nveis da realidade social. Mas,
mesmo em razo do carter heterogneo dos grupos, dos modelos culturais, das representaes relacionadas, das transformaes do sistema encarregado de manter artificialmente as relaes de dominao e de submisso, a situao colonial se modifica profundamente e em um ritmo rpido.
Isto impe, portanto, que se a considere historicamente.
A sociedade colonizada qual se prende o antroplogo (nomeando-a
primitiva, ou atrasada, etc.) participa, em um grau mais ou menos importante (segundo seu volume, seu potencial econmico, seu conservadorismo
cultural, etc.), situao colonial. Ela um dos grupos que constituem a
colnia. E no se concebe que um estudo atual desta sociedade possa se
fazer sem levar em conta esta dupla realidade, a colnia, sociedade global
no seio da qual se inscreve, e a situao colonial criada por esta; sobretudo,
quando se d por objeto confesso os fatos que resultam do contato, os
fenmenos ou processos de evoluo. Quando, procedendo de maneira unilateral, ele os revela em relao ao nico fundo tradicional (ou primitivo),
ele praticamente s pode enumer-los e classific-los, assim como quando
se limita ao estudo do contato entre instituies de mesma natureza
(como o recomenda B. Malinowski). Na verdade, os aspectos modernistas (uma vez observados) s se tornam compreensveis pela relao com a
situao colonial; e devido a este reconhecimento que se movimentam
alguns antroplogos ingleses (Fortes, Gluckman) considerando que, no caso
da frica negra colonizada, sociedade negra e sociedade branca participam
integralmente de um mesmo conjunto, abordando a noo de situao70.
Do mesmo modo, R. Bastide evocou a importncia da situao na qual o
processo se faz a propsito de seus estudos dedicados interpretao das
civilizaes. Queramos ultrapassar o mbito destas simples indicaes,
mostrando como uma situao colonial pode ser abordada, e o que ela
implica; manifestar que todo problema atual de sociologia dos povos colonizados no pode ser encarado seno em relao a esta totalidade. A noo
de situao no somente a nica filosofia existencial; ela se imps para
diversos especialistas das cincias sociais, que a utilizam sob o nome de
situao social, como faz H. Wallon, ou sob o nome de conjuntura social
particular, como faz G. Gurvitch a noo de fenmeno social total
elaborada por Mauss j preparava tais exigncias71.
70
Cf. M. FORTES, Analysis of a Social Situation in Modern Zululand, in Bantu Studies, vol. XIV, 1940. Tambm
a controvrsia de Malinowski, sobre este assunto, em The Dynamics of Culture Change, p. 14 e seguintes.
71
G. Gurvitch associa, por outro lado, os trs termos no Prefcio, que escreveu para a seo Psicologia Coletiva, de LAnne Sociologique, 3 srie, 1948-1949. Do mesmo modo, um psiquiatra como Karen Horney insiste
no fato de que todas as nevroses, individuais ou coletivas, explicam-se por um processo que coloca em risco todos
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os fatores pessoais e socioculturais; cf. Dra. Karen HORNEY, The Neurotic Personality of our time, Nova York,
1937.
72
Cf. F. M. KEESING, Applied anthropology in colonial administration, in op. cit., R. Linton, ed.
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e nos perguntar quais so os critrios das crises caractersticas das sociedades colonizadas. Voltamo-nos, ento, a todas as passagens deste estudo em
que so evocados os aspectos conflituosos das relaes entre sociedade
colonizada e sociedade colonial, cultura autctone e cultura importada
ligados s relaes de dominao e de submisso, aos carteres heterogneos das sociedades e culturas em contato em que sugerida a maneira
cujos conflitos so sentidos pelos indivduos. A histria das sociedades colonizadas nos revela os perodos durante os quais os conflitos esto latentes,
um equilbrio ou uma adaptao provisria sendo executados, perodos durante os quais os conflitos se tornam evidentes se exprimindo segundo as
circunstncias neste ou naquele nvel (religioso, poltico, econmico), mas
questionando o conjunto de relaes existentes entre sociedades colonial e
colonizada, entre as culturas animadas por cada uma delas (como temos
recordado a propsito das igrejas negras da frica bantu), momentos nos
quais o antagonismo e a distncia existentes entre eles so mximos, que
so vividos pelo colono como uma retomada da discusso da ordem
estabelecida, pelo colonizado, como um ensaio de reconquista da autonomia. A cada um destes momentos, que podem se localizar ao longo da histria da sociedade colonizada, apresenta-se um estado de crise caracterstica;
assim, ento, que a encaramos em funo da situao colonial concreta.
Paris.
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