Maus Tratos Infantis: o Impacto Da Negligência No Desenvolvimento Psicossocial e Acadêmico de Crianças em Fase Inicial de Escplarização
Maus Tratos Infantis: o Impacto Da Negligência No Desenvolvimento Psicossocial e Acadêmico de Crianças em Fase Inicial de Escplarização
Maus Tratos Infantis: o Impacto Da Negligência No Desenvolvimento Psicossocial e Acadêmico de Crianças em Fase Inicial de Escplarização
RIBEIRO PRETO
2012
MARA SILVIA PASIAN
Aprovado em:
Banca Examinadora
Prof(a).Dr(a).___________________________________________________________
Prof(a). Dr(a).___________________________________________________________
Prof(a). Dr(a).___________________________________________________________
Prof(a). Dr(a).___________________________________________________________
professora Ana Raquel Lucato Cianflone, que incentivou meu potencial como
pesquisadora e educadora, sempre levantando pontos positivos, e que tambm me
ensinou muito no estgio realizado, obrigada.
Children and youths around the world are victims of domestic abuse, negligence being
the most recurring category, which is associated with several harmful consequences for
childhood development. The aims of this thesis were to investigate the phenomenon of
childhood neglect and its consequences to the psychosocial and academic development
of children in the initial stage of schooling in Brazil as well as the associated risk
factors. To accomplish these objectives, the features of the caregivers and children with
ages ranging from six to eight, were investigated which was organized in three groups.
The first group (group 1) was formed by cases of neglect notified to the Child
Protection Council; the second group (group 2) was formed by suspect cases of neglect,
but not notified to the Child Protection Council, based on their school teachers
observation; the third group (group 3) was also formed by indications of the school
teachers, but by children not suspected to be neglected (reference group). Each group
consisted of thirty dyads of child- caretaker. After carrying out all the relative
procedures to the ethical issues, the Child Protection Council, schools and children were
contacted. After obtaining the necessary authorizations, the data collection was
accomplished, through the following instruments: Questionrio de Caracterizao
Sociodemogrfica (socio-demographic questionnaire); Child Abuse Potential Inventory
- CAP; Child Neglect Index; Child and Youth Behavior Inventory, 6-18 years - CBCL;
Child and Youth Behavior Inventory, 6-18 years/Teacher Report Form -TRF and Teste
de Desempenho Escolar - TDE (School performance test). To describe the samples
profile of the groups, statistical analyses were performed. The results show similarities
between groups 1 and 2, which, in contrast, are quite different from group 3 concerning
several characterization variables. They are conceived as risk factors, highlighting
families with lower socioeconomic status, lower education level of the caregivers and
the lowest age of the mothers when the first child was born. Moreover, the caregivers of
groups 1 and 2 also show higher potential risks for abuse than those of group 3.
Furthermore, more neglect indicators were found in groups 1 and 2 than in group 3.
Concerning the childhood development aspects and academic performances, children of
groups 1 and 2, in general, show similar results, having shortfalls in several
developmental aspects and learning difficulties at the beginning of the literacy stage.
Based on these results, one can conclude that children notified as neglected and those of
suspect cases expressed equally significant developmental problems during a sensitive
period of their lives, the beginning of the literacy, giving rise to a huge concern since
failure at this stage increases the chances of major drawbacks in their future. The
scenario revealed by the present study points out the necessity of investments in
children negligence prevention, supporting both scientific investigations and protective
actions.
Keywords: Child abuse; Neglect; Childhood development; Parent child relations; Risk
factors.
LISTA DE TABELAS
APRESENTAO 20
1. INTRODUO 22
1.1Definies de Negligncia 24
1.2 Negligncia infantil caracterizao e a relao/diferena 30
com a pobreza
1.3 O sistema de proteo criana e a notificao dos casos de negligncia 32
1.4 As consequncias da negligncia no desenvolvimento infantil 36
1.5 Desafios desenvolvimentais no incio da escolarizao e fatores 44
de risco associados
1.6 Os objetivos do estudo 48
2. MTODO 50
2.1 Participantes 50
2.2 Instrumentos 52
2.3 Cuidados ticos e Procedimentos de coleta de dados 56
2.4 Procedimento de anlise de dados 60
3. RESULTADOS 62
3.1 Questionrio de Caracterizao Sociodemogrfica 62
3.2 Inventrio de Potencial de Maus-tratos Infantis (CAP) 66
3.3 ndice de Negligncia 68
3.4 Inventrio de Comportamentos da Infncia e Adolescncia (CBCL) 70
3.4.1 Competncias segundo o CBCL 70
3.4.2 Perfil das Sndromes 74
3.4.3 Problemas Internalizantes, Problemas Externalizantes e Problemas
Totais 78
3.4.4 Diagnstico de Transtornos Mentais 80
3.5 O Inventrio de Comportamentos da Infncia e Adolescncia
para Professores (TRF) 84
3.5.1 Funes Adaptativas 84
3.5.2 Perfil das Sndromes 88
3.5.3 Problemas Internalizantes, Problemas Externalizantes e
Problemas Totais 94
3.5.4 Diagnstico de Transtornos Mentais 96
3.6 Teste de Desempenho Escolar TDE 100
4. DISCUSSO 104
4.1 Caracterizao das Famlias e dos Cuidadores/Responsveis
Estudados: os fatores de riscos para a negligncia 104
4.2 Desenvolvimento Psicossocial e Acadmico:
as Consequncias da Negligncia para as Crianas Estudadas 114
4.2.1 O Desenvolvimento Psicossocial das crianas estudadas 114
4.2.2 O Desenvolvimento Escolar das Crianas Estudadas:
Desempenho Acadmico 120
REFERNCIAS 130
ANEXOS 144
APRESENTAO
20
Sade), sem restrio de perodo para o levantamento; b) no panorama internacional,
utilizou-se a base de dados WEB OF SCIENCE, no perodo dos ltimos cinco anos. O
critrio para a seleo dos artigos foi a presena dos descritores maus-tratos infantis e
negligncia ou maus-tratos e negligncia e criana, alternados com os descritores
consequncia, impacto, desenvolvimento e aprendizagem, sendo que os
mesmos podiam estar dispostos em qualquer parte do texto. Identificados os trabalhos,
foram selecionados para anlise aqueles que se encontravam disponveis em formato de
textos completos, permitindo adequado exame e sntese informativa.
Na base de dados SciELO, foram encontrados apenas dois artigos completos
sobre negligncia. Na base de dados LILACS, foram encontrados 14 artigos completos,
totalizando-se 16 artigos. Em meio a essas 16 referncias, verificou-se uma repetio, o
que concorreu para a existncia de apenas 15 artigos nacionais disponveis com texto
completo nessas bases de dados cientficos. Em seguida, foi feita a verificao do
contedo dessas publicaes, buscando-se averiguar o quanto eram compatveis ao foco
do presente estudo (negligncia). Desta forma, foram selecionados 12 artigos, sendo que
os excludos no tratavam do tema proposto ou eram especficos em uma modalidade de
maus-tratos diferente da negligncia.
Na base de dados WEB OF SCIENCE, foram encontrados 90 artigos publicados
nos ltimos cinco anos. Foram selecionados os trabalhos com texto completo
disponvel, o que totalizou 54 estudos. Destes artigos completos foram selecionados os
que envolviam a temtica especfica da negligncia sendo, dessa forma, retidos 32
artigos internacionais para a anlise, os quais foram incorporados na reviso
bibliogrfica que se apresenta.
De forma complementar, alguns artigos aos quais se teve acesso, publicados em
anos anteriores ao recorte feito na base internacional, foram includos na reviso, bem
como livros da rea, destacados por sua relevncia tcnico-cientfica. Estes foram
acrescentados por contriburem com informaes para a compreenso do tema em foco,
sendo alguns extrados das referncias dos prprios textos selecionados na reviso
realizada, formando assim o quadro terico para o desenvolvimento da presente
investigao.
21
1. INTRODUO
22
No contexto brasileiro, tambm se verifica um aumento nas investigaes e
publicaes cientficas sobre os maus-tratos a partir do final da dcada de 80. Nas
publicaes cientficas, a negligncia, todavia, aparece de forma tmida, embora seja
uma das alegaes mais recorrentemente empregadas nos registros de violao dos
direitos de crianas, nos rgos envolvidos na proteo infantil (BAZON, 2008;
MARTINS, 2006, 2010).
23
1.1 Definies de Negligncia
24
Backes (1999) integra aspectos conceituais e operacionais, definindo a
negligncia como atos de omisso de cuidados e de proteo criana contra agravos
evitveis, envolvendo ou no recursos materiais-financeiros, que incluiriam atitudes
desde no educar, no impor limites, no mandar uma criana escola, logo, priv-la
cognitivamente, at no aliment-la adequadamente, no medic-la quando necessrio,
no proteg-la de inclemncias climticas, ou simplesmente no mant-la com a mnima
higiene. Nessa exposio, j se percebe uma ampliao do conceito no sentido de
referir-se no somente a aspectos fsicos e psicolgicos, mas s necessidades
educacionais das crianas.
Guerra (2001) afirma que a negligncia se configura quando os pais (ou
responsveis) falham em termos de alimentar, de vestir adequadamente seus filhos, etc.,
e quando tal falha no o resultado das condies de vida alm de seu controle (p.33),
formalizando a preocupao concernente necessidade de discriminar negligncia e
pobreza, na medida em que, na prtica, num pas com uma estrutura socioeconmica
como a do Brasil, as duas problemticas frequentemente se confundem.
Na sequncia, novas incurses nesse campo buscam integrar na definio o
comportamento do adulto cuidador com os associados s consequncias vividas pelas
crianas, seguindo as discusses travadas em nvel internacional. Benetti (2002, p.135),
por exemplo, afirma que:
25
demonstrar afeto. So pais pouco envolvidos com a criao dos filhos,
no se mostrando interessados em suas atividades e sentimentos. Pais
negligentes centram-se em seus prprios interesses, tornando-se
indisponveis enquanto agentes socializadores.
26
c) Quanto ao subtipo Educativo, este se referiria s situaes em que seria notvel o
desengajamento, por parte de adultos responsveis, demonstrando-se despreocupao
com relao promoo de comportamentos sociais positivos na criana, com relao
sua sociabilidade, falhando em supervisionar sua conduta, por exemplo, permitindo-lhe
faltas crnicas escola, deixando de acompanhar seu processo educacional por falta de
ateno especfica s suas necessidades escolares, ou permitindo-lhe acompanhar pares
(amigos) com comportamento antissocial e/ou delinquente.
Em paralelo, algumas outras proposies so encontradas (ALIGERI; SOUZA,
2005; CRUZ, 2004), mas estas retomam fundamentalmente as definies iniciais, sem
acrescentar elementos novos, ou insistem sobre a importncia de levar em considerao
as condies de vida das famlias denominadas negligentes de modo a distinguir tal
fenmeno da pobreza.
No plano internacional, a discusso concernindo definio do fenmeno logo
destacou a necessidade de frisar a diferena fundamental entre a negligncia e os outros
tipos de maus-tratos: enquanto estes se manifestam a partir de aes (comportamentos)
dos responsveis sobre as crianas, a negligncia se d pela omisso (ausncia de
comportamento); quando algo que deveria ser feito, no o ; quando os cuidadores que
deveriam dar respostas apropriadas s necessidades dos filhos, no o fazem. Assim,
salientou-se o fato de que estudar a ausncia de um comportamento e intervir para que
ele seja emitido impe mais dificuldades do que estudar a presena de um
comportamento e intervir para que ele cesse (ZURAVIN, 1999).
Outro desafio para o estabelecimento de uma definio nica e suficientemente
abrangente do fenmeno da negligncia, sublinhado na literatura internacional, o de
que, mais que as outras formas de maus-tratos, as concepes concernindo negligncia
so fortemente perpassadas por elementos da cultura e permanecem sem consenso entre
pesquisadores, estando em debate ainda atualmente (DUBOWITZ; PITTS; BLACK,
2004; DUBOWITZ, 2007; GLASER, 2002; MCSHERRY, 2007; ZURAVIN, 1999).
J o aspecto da no intencionalidade em causar danos parece ser uma varivel de
maior consenso, visto que a maioria dos pesquisadores conclui que a intencionalidade
no um elemento inerente negligncia (DUBOWITZ et al., 1993; GLASER, 2002;
ZURAVIN, 1999). interessante ressaltar, aqui, que dois trabalhos brasileiros
(MARTINS, 2006; MATIAS; BAZON, 2005) apontam que as famlias notificadas ao
sistema de proteo por negligncia, em geral, nem mesmo apreendem as razes pelas
quais esto sendo acompanhadas, no reconhecem suas prticas como negligentes e no
27
associam as medidas de proteo, incluindo o abrigamento de seus filhos, avaliao
negativa que feita dos cuidados que dispensam a eles.
De todo modo, a reflexo sobre quais omisses ou comportamentos devem ser
considerados como negligncia, implicando procedimentos de responsabilizao dos
cuidadores, complexa, pois demanda a considerao de um amplo espectro de
variveis de contexto (idade da criana, nvel de desenvolvimento, estado fsico e
mental como tambm o entendimento dos pais sobre a situao, seus esforos e a
existncia e qualidade de programas e servios na comunidade), alm de fatores
sociolgicos, psicolgicos e econmicos, que contribuem para a produo da
problemtica (DUBOWITZ, 2007; MCSHERRY, 2007). Grosso modo, converge-se em
relao ao pressuposto de que a negligncia resulta de uma dinmica estabelecida entre
vrios fatores econmicos, sociais e comunitrios, bem como pessoais.
Uma definio integradora a proposta por Lacharit et al. (2005, p.20), os
autores colocam que a negligncia consiste em:
28
Mais recentemente, a WHO e ISPCAN (2006), buscando congregar parmetros
relativos conceituao e ao manejo dos maus-tratos infantis, sugeriram como definio
geral que a negligncia incluiria tanto eventos isolados como um padro de cuidado
estvel no tempo por parte dos pais e/ou outros membros da famlia, pelos quais esses
deixariam de prover o desenvolvimento e o bem-estar da criana/adolescente
(considerando que poderiam fazer isso), em uma das seguintes reas: sade, educao,
desenvolvimento emocional, nutrio, abrigo e condies seguras. Considerando que
tais rgos desempenham papel relevante e normatizador na rea, no presente estudo
adota-se essa definio.
29
1.2 Negligncia infantil caracterizao e a relao/diferena com a
pobreza
30
extremos de pobreza, no havendo negligncia por parte dos pais, mas da sociedade e
do Estado, considerando as condies adversas vividas por determinadas famlias
(DUBOWITZ, 2007; MARTINS, 2006).
Ademais, apesar da vivncia na pobreza gerar diversos fatores de risco para a
negligncia, uma problemtica no deve ser compreendida como sinnimo da outra.
Mesmo sendo um dos fatores de risco, a pobreza por si s no garante que a negligncia
se instale nas relaes entre cuidadores-crianas, valendo frisar que a mesma pode
ocorrer em famlias pertencentes a todas as classes sociais (BAZON, 2005;
CAVALCANTE; GOLDSON, 2009; FALEIROS; BAZON, 2008; MARTINS, 2010;
MATIAS; VAGOSTELLO, 2006). Conforme escrevem Cavalcante e Goldson (2009):
31
interaes sociais e comunitrias apoiadoras. Por serem excludos socialmente, os
membros de famlias pobres tm mais dificuldade para perceber a possibilidade de
construir vnculos afetivos e sociais para ajud-las a superar suas dificuldades, o que
pode gerar comportamentos negligentes (LACHARIT; ETHIER, 2002).
Assim, para alm da pobreza, pode-se considerar que a negligncia ocorre em
decorrncia do isolamento da famlia e da sobrecarga imposta pelas situaes s
capacidades desenvolvimentais dos pais/responsveis, sendo que estes muitas vezes no
tm as informaes bsicas necessrias e qualquer apoio social que propicie ajuda e
orientao. Um estudo realizado por Theodore et al. (2007), utilizando os resultados de
uma pesquisa telefnica annima realizada junto a mes de crianas de 0 a 17 anos, nos
Estados Unidos, revelou que crianas que foram consideradas "em risco de abandono"
viviam a experincia de falta de comida, dificuldade de acesso a cuidados mdicos e
superviso inadequada, estando essas variveis atreladas a fatores demogrficos
relacionados pobreza, incluindo menor renda familiar.
Ao contrrio desse quadro, possvel reconhecer que haja famlias que, mesmo
encontrando-se em situaes de pobreza e enfrentando a falta de polticas pblicas
adequadas, no so negligentes em relao s crianas (CAVALCANTE; GOLDSON,
2009; SLACK et al., 2004). A negligncia pode ocorrer independentemente da condio
de pobreza, sendo esta, resultado de dficits de habilidades parentais. Isso explicaria,
por exemplo, a ocorrncia de muitas situaes de negligncia em famlias que no tm
dificuldades econmicas.
32
Numa segunda instncia, o desafio fomentar a notificao dos casos s
agncias de proteo. Mesmo havendo dispositivos legais que impem a notificao
como uma ao obrigatria, a experincia de muitas crianas passa despercebida
segundo Mathews e Bross (2008). Apenas uma pequena parte dos casos reconhecidos
pela comunidade em que a criana vive e pelos profissionais dos setores da sade e da
educao notificada aos servios oficiais de proteo (FALEIROS; MATIAS;
BAZON, 2009; LAVERGNE; TOURIGNY, 2000).
Estima-se que a problemtica dos maus-tratos seja bastante significativa em
todas as sociedades, gerando consequncias negativas para o desenvolvimento de
inmeras crianas, dispondo-se de evidncias de que o nmero de casos conhecidos
oficialmente bem menor que o real (BRINGIOTTI, 2000; GONALVES;
FERREIRA; MARQUES, 2002, SANTOS et al., 2009; SMITH, 2010). As estatsticas
de maus-tratos so escassas, referindo-se, em geral, somente aos casos registrados nas
instncias oficiais de proteo infantil (GONALVES; FERREIRA; MARQUES, 2002;
MARTINS, 2010; MATIAS; BAZON, 2005).
Provavelmente, chegam aos servios de proteo, majoritariamente, os casos
mais graves, crnicos e, geralmente, oriundos das classes populares. Assim, constitui-se
um vis no conhecimento a respeito do fenmeno, sabendo que, na realidade, ocorre
significativa subnotificao de casos de maus-tratos para com as crianas e os
adolescentes (FERREIRA, 2005; MATHEWS; BROSS, 2008; MARTINS 2010;
THEODORE et al., 2007).
Mathews e Bross (2008) alertam que, embora sistema de notificao obrigatria
no seja totalmente eficaz, face ausncia de uma alternativa comprovadamente
melhor, esse sistema deve ser mantido, aperfeioado e reforado, pois, com isso,
milhares de situaes assinaladas, envolvendo crianas, poderiam no o ser e,
consequentemente, estas no seriam assistidas, gerando futuramente, mais problemas de
sade e maiores custos econmicos s sociedades.
No contexto brasileiro, os maus-tratos contra a criana passaram a merecer
maior ateno no final dos anos 80. Do ponto de vista de polticas pblicas, o problema
foi abordado na Constituio Federal (BRASIL, 1988) e no Estatuto da Criana e do
Adolescente (ECA) (BRASIL, 1990), que tornaram obrigatria a notificao de casos
de maus-tratos conhecidos, suspeitos ou confirmados (art. 13 do ECA), prevendo
sanes para mdicos, professores e responsveis por estabelecimentos de Sade e de
Educao que deixassem de faz-lo (art. 245 do ECA). Vale frisar que, no estado de So
33
Paulo, em janeiro de 2000, foi promulgada a Lei no 10.498, que tambm dispe sobre a
obrigatoriedade de notificar casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos de crianas
e adolescentes aos rgos pblicos das reas de Sade, Educao e Segurana Pblica,
incumbindo dessa ao, diretamente, mdicos, professores e outros profissionais
responsveis por estabelecimentos de sade, de ensino fundamental, pr-escola ou
creche e delegacias de polcia. No entanto, persiste uma significativa taxa de
subnotificao em nossa realidade.
Martins (2010) aponta que, alm do problema da subnotificao por parte de
profissionais e da sociedade, os servios para a averiguao das situaes e para o
atendimento s vtimas so em pequeno nmero e desarticulados entre si. Com isso,
pode-se afirmar que a apreenso do fenmeno dos maus-tratos falha, tanto no que se
refere magnitude, como no que concerne sua caracterizao, pois o conhecimento
que se produz sobre os mesmos tende a basear-se to somente em dados dos servios de
proteo e de rgos pblicos, visto que dados de base populacional so escassos.
Diante disso, parece importante empreender pesquisas que tentem lidar com casos
suspeitos de maus-tratos na comunidade, mesmo que estes no tenham sido notificados,
de modo a compreender o fenmeno para alm dos vieses que os estudos realizados
com base em informaes oficiais podem gerar.
Nesse quadro, a escola (o setor educacional) um contexto favorvel para a
deteco de casos suspeitos de maus-tratos, porque abrange um grande percentual da
populao infantil. Nas escolas, as crianas passam muitas horas por dia e muitos dias
por ano, convivendo com professores e outros profissionais, o que facilita a apreenso
de sinais/indicadores de maus-tratos, incluindo os de negligncia, que serve de alerta
identificao de casos (BAZON, 2006; LAVERGNE; TOURIGNY, 2000).
Ademais, sabe-se que os casos suspeitos de maus-tratos, na educao, tendem a
ser confirmados. Smith (2010) realizou um estudo sobre as percepes de educadores
sobre a criana maltratada e/ou negligenciada e mostrou que os casos suspeitos de
educadores/professores so duas vezes mais pertinentes que os apontados por
profissionais de outras reas.
No entanto, a subnotificao na educao tambm significativa (SMITH,
2010), incluindo o Brasil, estimando-se que a cifra dessa problemtica seja ainda maior
nas sries iniciais da escolarizao (VAGOSTELLO et al., 2003; BAZON, 2006;
SILVA; FERRIANI, 2007). Muitos professores so capazes de identificar algumas
modalidades de maus-tratos para com a criana, mas no h uma conduta padro
34
relativa s atitudes que so tomadas, sendo que muitos preferem contatar os pais
achando que o dilogo com estes ser a melhor forma de resoluo do problema,
fazendo com que a criana corra um risco ainda maior. Um estudo realizado na
Austrlia, por Walsh et al. (2008), mostra, entre outras coisas, que professores levam
em conta a qualidade do relacionamento com os pais para decidir se fazem ou no a
notificao de casos suspeitos de maus-tratos aos meios competentes. Os autores
colocam ainda a necessidade de mais estudos que envolvam professores e a temtica de
maus-tratos infantis. Outro fator importante, indicado na literatura, que influi na tomada
de deciso sobre notificar ou no um caso suspeito de maus-tratos s autoridades, no
mbito do setor educacional, o medo de se envolver com a problemtica, temendo que
ocorram represlias por parte dos envolvidos (GRANVILLE-GARCIA, 2009; SILVIA;
FERRIANI, 2007).
Sabe-se que uma proporo dos casos que no so notificados deve-se tambm
ao fato de no serem considerados to graves. Essa percepo de pouca gravidade,
em geral, refere-se a modalidades de maus-tratos que no deixam marcas fsicas no
corpo da criana ou qualquer outro tipo de sequela dessa natureza, o que abarca
sobremaneira os casos de negligncia. Nesse sentido, importante sublinhar o estudo de
Gracia (1995), cujo objetivo decorreu da questo feita sobre os casos considerados no
to graves, se estes seriam efetivamente constitudos por crianas apresentando menos
consequncias negativas em seu desenvolvimento, se comparadas a crianas envolvidas
em casos considerados muito graves. Os resultados dessa investigao demonstraram
que os prejuzos para o desenvolvimento infantil, em ambos os grupos (o formado por
casos muito graves e os no muito graves) eram equiparveis, ou seja, igualmente
preocupantes no tocante ao nmero e natureza dos problemas associados aos maus-
-tratos.
Esse panorama sugere que investigaes sejam feitas envolvendo os casos
suspeitos de maus-tratos e, especialmente os de negligncia, identificados no contexto
do setor educacional, porm no notificados ao sistema de proteo com vistas a
conhecer e caracterizar mais profundamente o fenmeno em questo.
35
1.4 As consequncias da negligncia no desenvolvimento infantil
36
BELLIS et al., 2009; FORMOSINHO, 2002; PEARS et al., 2008; GRASSI et al., 2008;
MELLO et al., 2009; WILSON; WIDOM, 2008; ZIELINSKI, 2009).
O estudo de reviso bibliogrfica sobre maus-tratos na infncia e consequncias
psicobiolgicas realizada por Grassi et al. (2008) relata um conjunto de evidncias em
trs itens:
1) Importantes consequncias estruturais dos maus-tratos na infncia incluem
anormalidades no desenvolvimento do corpo caloso, no crtex esquerdo,
hipocampo e amgdala.
2) As principais consequncias funcionais de maus-tratos na infncia incluem
aumento da irritabilidade nas reas lmbicas, disfunes do lobo frontal e
reduo da atividade funcional do vermis cerebelar.
3) A principal consequncia neuro-humoral a ocorrncia do estresse.
Corroborando esses aspectos aos consequentes danos desenvolvimentais da
criana abusada e/ou negligenciada, Braquehais et al. (2010) relatam que h fortes
evidncias de que os traumas infantis causam efeitos negativos no funcionamento
cerebral da criana e do adolescente, sendo que um deles o aumento da impulsividade,
dificultando o crebro a inibir aes negativas. Os autores ressaltam que isso pode
resultar em inabilidade crnica para modular emoes e gerar dificuldades de
relacionamento.
Outro estudo realizado por Fisher et al. (2010) mostra que caractersticas
especficas de adversidade na infncia, como maus-tratos, podem ter relao com
quadros psicticos. As crianas abusadas sexualmente e fisicamente, negligenciadas
e/ou emocionalmente maltratadas apresentam maiores nveis de sintomas dissociativos
do que as crianas no maltratadas (CICCHETTI et al., 2010; WRIGHT et al., 2009),
sendo importante ressaltar que as consequncias se tornam piores quando ocorre a
cronicidade dos maus-tratos, como relatado nos resultados do estudo realizado por
Grahm et al. (2010) com professores de crianas vtimas de maus-tratos, que revela que
a cronicidade dos maus-tratos prejudica significativamente a adaptao social e o
relacionamento com seus pares.
Mills et al. (2011) colocam que essas crianas correm um risco maior de
desenvolver problemas cognitivos, emocionais, sociais e comportamentais, que podem
se agravar durante seu crescimento at a vida adulta.
Na reviso bibliogrfica realiza por Pesce (2009) sobre a violncia familiar e o
comportamento transgressor na infncia mostrou que prticas parentais inadequadas,
37
como disciplina ineficiente, negligncia, punio inconsistente podem desencadear
comportamentos agressivos. Ethier, Lemelin e Lacharit (2004) verificaram que
crianas que sofreram maus-tratos ao longo dos anos apresentavam mais problemas
comportamentais do que as crianas que sofreram maus-tratos de forma transitria,
assim como o estudo de Stewart et al. (2008), no qual se observou que crianas cuja
trajetria de maus-tratos havia se prolongado at a adolescncia estavam mais propensas
a ser um ofensor juvenil do que as crianas cujos maus-tratos ocorreram antes, mas no
durante a adolescncia.
Experincias adversas na infncia devem ser consideradas como fatores de risco
para vrios resultados relacionados emisso de comportamentos violentos durante a
adolescncia, sendo que os maus-tratos dirigidos criana podem levar ocorrncia de
delinquncia e manifestao de violncia na adolescncia (DUKE et al., 2010;
PESCE, 2009). Um estudo de grande porte, transversal, com amostra de 136.549
escolares adolescentes, realizado em 2007 nos Estados Unidos, por Duke et al. (2010),
verificou a associao entre adversidades na infncia e violncia na adolescncia,
confirmando estudos anteriores que indicaram que tipos de experincias adversas na
infncia esto associados com maior risco de suicdio na adolescncia, diversos atos de
violncia e comportamentos agressivos. Ainda com relao ao impacto dos maus-tratos
na adolescncia, o estudo de Mills et al. (2011) denotou que estes esto fortemente
associados a um menor funcionamento cognitivo nesse perodo.
As consequncias perpassam o tempo e afetam tambm a fase adulta, como
mostra o estudo de Hahm et al. (2010), que investigou o impacto dos diferentes tipos de
maus-tratos nos comportamentos de risco em mulheres, na transio da adolescncia
para a fase adulta, mostrando que independentemente e conjuntamente estes causam
comportamentos de risco, em trs domnios: comportamentos sexuais de risco,
delinquncia e ideias suicidas. O estudo revelou consistentes evidncias de que a
vivncia de um maior nmero de tipos de maus-tratos durante a infncia leva a uma
gama maior de comportamentos de risco, que incluem internalizaes, comportamentos
autodestrutivos, exteriorizaes e sintomas depressivos, o que tambm foi associado a
uma maior chance de comportamentos sexuais de risco, se comparada s chances do
grupo que padecia de um nico tipo de maus-tratos.
O estudo de Van der Vegt et al. (2009) mostra que o impacto dos maus-tratos na
infncia aumenta a probabilidade de transtornos psiquitricos em adultos. Alm disso,
38
observaram que transtornos de ansiedade, de humor e abuso de substncias que causam
dependncia na idade adulta podem se relacionar aos maus-tratos infantis.
O estudo de Zielinski (2009) analisou o impacto que os maus-tratos infantis
podem ter sobre o bem-estar socioeconmico das vtimas, a longo prazo, explorando a
relao das experincias de abuso e negligncia, na infncia, com indicadores de bem-
estar socioeconmico na idade adulta. Os resultados mostraram que os adultos com
histria de maus-tratos diferiram significativamente dos adultos no maltratados,
apresentando maior taxa de desemprego (duas vezes mais), e pobreza (considerados
abaixo do nvel de pobreza federal). O pesquisador alerta ainda para o custo gerado
pelos maus-tratos para a sociedade, devido perda da capacidade produtiva economia,
das receitas fiscais e aumento dos gastos sociais. Alerta que o baixo nvel
socioeconmico dos pais tambm tem sido identificado como fator de risco importante
para a prtica de maus-tratos e, como tal, estes resultados indicam um potencial
mecanismo de transmisso intergeracional.
Felizmente, preciso salientar que algumas crianas que foram maltratadas se
recuperam, apresentam resilincia, em decorrncia de fatores protetores como
caractersticas pessoais, temperamento, apoio dos pais e da rede social. No entanto,
fator de grande preocupao que um nmero significativo dessas crianas desenvolva
transtornos psiquitricos quando adultos (ABRAMOVICH, 2008; BRAQUEHAIS et
al., 2010; FORMOSINHO; ARAJO, 2002;).
Mais recentemente, encontram-se relatadas investigaes mais especficas, no
sentido de terem buscado, de modo separado, informaes relativas s consequncias
produzidas por cada uma das modalidades de maus-tratos, oferecendo, portanto, um
conhecimento mais refinado. Assim, estudos focados na negligncia, em diferentes
pases, revelaram que os efeitos negativos desta, no desenvolvimento da criana, so
graves e merecem uma ateno especial, revelando que, em equiparao aos outros tipos
de maus-tratos, a negligncia apresenta-se associada a maiores danos ao
desenvolvimento da criana, sobretudo se vivenciada precocemente e de forma crnica
(GLASER, 2002; LACHARIT; THIER; NOLIN 2006; NOLIN; TURGEON, 2004;
ZIELINSKI, 2009).
Numa importante publicao de Lacharit, thier e Nolin, em 2006, rene-se de
forma sinttica e sistematizada o conhecimento que havia sido produzido at ento,
relativo, especificamente, s consequncias da negligncia, colocando que as mesmas se
manifestam em quatro planos:
39
1) O primeiro refere-se ao plano fsico, que pode causar a mortalidade das
crianas. So gerados pela desnutrio, envenenamento, sufocao e quedas, se a
criana deixada sem superviso.
2) O segundo plano das consequncias da negligncia refere-se ao incremento de
sua exposio a outras formas de maus-tratos. As situaes de negligncias tornam-se
propcias apario de outras formas de maus-tratos, como os abusos fsicos,
psicolgicos e sexuais (dentro e fora da famlia).
3) O terceiro plano diz respeito restrio de relaes propiciadas criana, na
famlia e no meio social. A criana precisa viver em um ambiente caracterizado por uma
rica interao social, com experincias positivas que proporcionem a oportunidade de
desenvolver suas potencialidades, condio geralmente fragilizada pela negligncia.
4) No quarto plano, destacam-se as sequelas desenvolvimentais, os autores
referem-se a quatro aspectos do desenvolvimento diretamente impactados pela
negligncia:
a) O funcionamento sensorial e neurocognitivo: as crianas negligenciadas desde
o incio enfrentaro problemas para explorar seu ambiente social sem o apoio necessrio
dos que as cercam, o que torna o mundo ao seu redor por vezes incompreensvel. A
criana, sentindo falta de proteo e apoio, pode perder o interesse ou sentir medo,
evitando novas exploraes ou fazendo-as de forma desordenada.
No perodo pr-escolar, ela pode apresentar retardos de certas funes
neurolgicas como ateno, concentrao, memria e planejamento, o que acarretar em
dificuldades para organizar, de maneira coerente, a relao de causa e efeito. No perodo
escolar, a criana poder apresentar dificuldades de concentrao e de planejamento de
seu trabalho, o que tornar a realizao das atividades propostas mais difceis e
concorrer para que desista facilmente antes de tentar realiz-las. A criana
negligenciada pode tambm apresentar problemas de comportamento que interferiro
em sua aprendizagem. Desse modo, ela comear a acumular rapidamente diversos
fracassos no ambiente escolar, sentindo na escola um ambiente hostil e imprevisvel.
40
No perodo pr-escolar e escolar, ela demonstrar dificuldades para se
comunicar e interagir com os seus pares, desenvolvendo atitudes egocntricas. Suas
fracas habilidades verbais vo dificultar suas relaes sociais. No raro, a criana
negligenciada poder apresentar uma forma de comunicao mais rudimentar,
utilizando muitas vezes o corpo para se expressar, o que pode gerar muitos conflitos
interpessoais.
41
considerveis evidncias de danos no crebro em crianas negligenciadas, tais como
uma reduo do volume cerebral, mudanas bioqumicas, funcionais e de estrutura
cerebral.
De Bellis (2005), por meio de uma reviso de literatura sobre as consequncias
psicobiolgicas associadas negligncia, afirma que, apesar da escassez de estudos,
incontestvel que essa produza impacto negativo no desenvolvimento neurolgico
infantil. O autor frisa que a negligncia pode prejudicar o desenvolvimento do crebro,
causando atrasos ou dficits no desenvolvimento da regulao comportamental,
emocional, cognitiva e no funcionamento psicossocial, gerando comportamentos
antissociais e baixo desempenho escolar. Ele argumenta que a negligncia da criana,
enquanto privao de cuidados essenciais, um estressor extremo para o
desenvolvimento humano.
O estudo de Nolin e Ethier (2007) verificou diferenas nas implicaes
neuropsicolgicas em crianas negligenciadas, crianas negligenciadas e vtimas de
abuso fsico e crianas de um grupo controle (sem indicaes de maus-tratos),
mostrando que as crianas negligenciadas (no abusadas fisicamente) obtiveram
resultados significativamente piores do que o grupo controle nos testes de destreza
manual, ateno e integrao visual-motora. As crianas negligenciadas e abusadas
fisicamente obtiveram escores significativamente inferiores nos testes de clculo
mental, de formao de conceitos, apresentaram mais dficits cognitivos, mais
dificuldades na resoluo de problemas, na abstrao e no planejamento que o grupo
controle. Os autores colocam ainda que as crianas negligenciadas, com ou sem abuso
fsico, podem ser diferenciadas do grupo controle por um pior desempenho na execuo
de uma tarefa complexa e na habilidade que integra a funo visual-motora.
Tambm interessados nos efeitos neuropsicolgicos da negligncia, De Bellis et
al. (2009) compararam um grupo de crianas negligenciadas a um grupo controle, e
verificaram que aquelas apresentariam significativamente menor QI: teriam mais
dificuldades de aprendizagem, pior desempenho em leitura e em matemtica e menos
memria visual e verbal, alm de apresentarem mais dificuldades para planejar e
resolver problemas, o que, em conjunto, representaria risco significativo para o
insucesso escolar e, a longo prazo, para piores condies de vida. Os autores relatam
tambm que crianas abandonadas por seus pais (encaminhadas para abrigos)
demonstraram menor desempenho em resultados neurocognitivos e no desempenho
acadmico que um grupo controle.
42
Num estudo pioneiro, Kendall-Tacket e Eckenrode (1996) j haviam
demonstrado que crianas negligenciadas, muitas vezes, apresentariam dficits
cognitivos, tendo pior desempenho escolar e mais problemas de comportamento,
mostrando tambm dificuldades de adaptao a novas situaes. Nas anlises realizadas
pelos autores, verificou-se que a negligncia, quando combinada ao abuso fsico, ao
sexual ou ao psicolgico, correlacionar-se-ia ao declnio no desempenho escolar
infantil, favorecendo instalao de problemas disciplinares e de repetncia escolar.
Na mesma direo, Mayer et al. (2007) tambm mostraram que as crianas
negligenciadas teriam maior probabilidade de apresentar problemas de aprendizagem e
atrasos no desenvolvimento, se comparadas a outras criana, observando que as vtimas
de negligncia apresentavam maior nmero de problemas que as de outras formas de
maus-tratos. Corroborando esses achados, Pears (2008) e Mills et al. (2011) observaram
que a negligncia, de forma independente de outros tipos de maus-tratos ou associada a
estes, correlacionar-se-ia fortemente a um menor nvel de funcionamento cognitivo na
adolescncia tambm.
Focando especificamente aspectos da memria, Cicchetti et al. (2010) relataram
que crianas abusadas e negligenciadas apresentariam maiores dificuldades para
lembrar e recordar que crianas no submetidas a tais adversidades. Colocaram ainda
que as crianas submetidas negligncia fsica, em coocorrncia a maus-tratos
emocionais, apresentariam tambm aumento dos nveis de impreciso da memria em
comparao a crianas que teriam sofrido outros tipos de abuso.
No tocante ao comportamento, no estudo realizado por Linares et al. (2010)
verificou-se que crianas que tinham um histrico de abuso infantil associado
negligncia tendiam a apresentar mais sintomas de hiperatividade, sendo que, ao longo
do tempo, as que teriam sido abusadas (porm no negligenciadas) apresentariam
declnio mais acentuado dos sintomas de hiperatividade se comparadas quelas com
histrias de abandono.
Os resultados do estudo de Wright et al. (2009), que explorou relaes entre
abuso emocional, negligncia emocional e funcionamento adaptativo ao longo do
tempo, revelaram que tanto a negligencia emocional como o abuso emocional
apresentaram-se associados ao aumento da agressividade e do isolamento social na
infncia, bem como a competncias socioemocionais desfavorecidas em adolescentes.
Os autores frisam ainda que as experincias de abuso emocional (como a crtica
constante, desprezo, desaprovao, rejeio) e de negligencia emocional (ser ignorado,
43
no se sentir digno de ser amado) podem ter um impacto negativo a longo prazo se
forem internalizados, podendo causar altos ndices de ansiedade, depresso e tendncias
suicidas.
O estudo de Cheng e Lo (2010) coloca outra consequncia importante associada
aos maus-tratos, que o uso abusivo do lcool por adolescentes, que se mostra mais
significativo quando h experincia de abandono na infncia.
Conforme os apontamentos feitos, as crianas negligenciadas tenderiam a
acumular problemas desenvolvimentais mltiplos e suas capacidades adaptativas
padeceriam de uma sobrecarga (GLASER, 2002; LACHARIT; THIER; NOLIN,
2006; NOLIN; TURGEON, 2004). Como j se sublinhou, muitas dessas crianas, ao
entrarem na escola apresentariam dificuldades de aprendizagem e de comportamento e,
por essa razo, deveriam ser alvo de interveno de ajuda, visto que tm chances de
desencadear uma srie de novas consequncias negativas (LACHARIT; THIER;
NOLIN, 2006; PEREIRA et al., 2009).
44
ou aumentar o estresse associado ao cotidiano escolar (STASIAK, 2010;
MARTURANO, 2008). Marturano (2008, p.86) coloca ainda que:
45
escolares e de obter sucesso, caractersticas estas associadas a um
autoconceito positivo. Em contrapartida, a motivao ser menor na
medida em que a criana no se perceber com os recursos necessrios
para tal, o que est associado a um Autoconceito negativo.
46
As dificuldades de aprendizagem em si so uma condio de risco
psicossocial, colocando o indivduo em situao de desvantagem
educacional e social. Pessoas que fracassam ou aquelas que
abandonam a escola perdem oportunidades que poderiam representar
experincias favorecedoras ao seu desenvolvimento.
47
1.6 Os objetivos do estudo
48
49
2. MTODO
2.1 Participantes
50
Tabela 1- Informaes scio-demogrficas das famlias estudadas
Idade
34 anos 33 anos 33 anos
Mdia
Sexo
Feminino 29 26 29
Sexo
Masculino 01 04 01
Habitao
Prpria 10 13 12
Alugada 13 13 16
Cedida 7 4 2
Renda
Familiar
Mdia 743 reais 905 reais 1323 reais
Mdia de
Anos de
Estudo do 4,53 5,07 9,43
respondente
51
aos quais se conseguiu obter as indicaes das crianas/dades que compuseram os
GRUPOS 2 e 3 e levantar informaes padronizadas referentes ao desenvolvimento das
crianas dos trs grupos.
2.2 Instrumentos
52
vila de Mello e Bazon (2009) avaliaram sua fidedignidade (consistncia
interna) chegando a estimativas adequadas para a escala de Abuso (0,92 e 0,93
para grupos estudados). Rios (2010), com vistas adaptao transcultural do
CAP para o Brasil, verificou que a verso em portugus apresenta uma
equivalncia semntica adequada e demonstrou a validade de constructo do
instrumento por meio da Anlise Fatorial de Componentes Principais. A autora
tambm avaliou a fidedignidade do CAP por meio de sua consistncia interna
(alfa de Crombach), chegando ao ndice de 0,95. O objetivo principal do
instrumento o de avaliar determinados fatores de risco de natureza psicolgica
e psicorrelacional, especificamente associados aos maus-tratos fsicos e
negligncia em adultos/responsveis por crianas. O inventrio constitudo por
160 itens aos quais a pessoa responde se concorda ou discorda da afirmao. A
Escala de Abuso, a principal do CAP, composta por 77 itens1.
1
O instrumento composto por dez escalas: a principal Abuso e suas subescalas Angstia, Rigidez,
Infelicidade, Problemas com a Criana e Consigo, Problemas com a Famlia, Problemas com os Outros,
alm das subesclas de validade - Inconsistncia Interna, Resposta ao Acaso, Desejabilidade Social ou
Mentira. No presente estudo trabalhou-se somente com os resultados da escala principal, a de Abuso.
53
correspondentes ao perfil das sndromes: ansiedade/depresso,
isolamento/depresso, queixas somticas, problemas sociais, problemas de
pensamento, problemas de ateno, comportamento de quebrar regras e
comportamento agressivo e seis escalas correspondentes ao diagnstico de
transtornos mentais (DSM-IV): transtornos afetivos, transtornos de ansiedade,
problemas somticos, dficit de ateno/transtorno de hiperatividade, transtorno
opositor desafiante e transtorno de conduta. Os escores brutos para cada uma das
escalas do CBCL so convertidos em escores T, baseados em percentis da
amostra normativa norte-americana. Em todas as escalas do CBCL, a criana
classificada, conforme prope o instrumento, como Clnica, Limtrofe ou No-
Clnica, de acordo com a amostra normativa de pares de Achenbach (2001).
54
transtornos mentais (DSM-IV): transtornos afetivos, transtornos de ansiedade,
problemas somticos, dficit de ateno/transtorno de hiperatividade, transtorno
opositor desafiante e transtorno de conduta. Os escores brutos para cada uma das
escalas do TRF so convertidos em escores T, baseados em percentis da amostra
normativa e em todas as escalas do TRF, a criana classificada, conforme
prope o instrumento, como Clnica, Limtrofe ou No-Clnica
(LABORATRIO DE TERAPIA COMPORTAMENTAL/USP, 2006).
55
identificao de crianas negligenciadas (STRAUSS; KANTOR, 2005; NOLIN,
2004; SULLIVAN, 2000). Ele caracteriza-se por ser um inventrio do tipo check
list por meio do qual um avaliador (no caso, o pesquisador), afere e pontua a
presena de comportamentos parentais, relativos: superviso parental referente
aos cuidados fsicos - alimentao, cuidados com vestimenta e higiene e com a
sade fsica; aos cuidados com a sade mental; com a educao e com o
desenvolvimento das crianas. O instrumento apresenta sete categorias de
negligncia que incluem: superviso, cuidados fsicos relativos nutrio,
cuidados fsicos relativos vestimenta/higiene, cuidados de sade fsica,
cuidados de sade mental, educao e desenvolvimento. Na verso original, um
escore entre zero e 20 corresponde ausncia de negligncia, o que indica que as
necessidades da criana esto sendo atendidas de modo satisfatrio. Um escore
entre 25 e 45 corresponde a uma negligncia leve que poder necessitar de
alguma ajuda. J um escore maior que 50 corresponde negligncia moderada
ou severa, descrevendo um quadro que necessita de interveno para proteo da
criana. Observa-se que, de acordo com a idade da criana, adicionado ao
nmero de pontos um escore que acentua o ndice de negligncia: quanto menor
a idade da criana maior essa pontuao, sendo 20 pontos para idades entre
zero e dois anos, 15 pontos para idades entre trs e cinco anos, cinco pontos para
idades entre seis e 12 anos e zero pontos acima dessa idade. O instrumento foi
preenchido pela pesquisadora, com base em observaes realizadas nas moradias
e informaes obtidas diretamente junto aos cuidadores das crianas. Tambm
foram consideradas informaes feitas pelos professores relativos temtica de
seu conhecimento como vestimenta adequada, faltas escolares, material didtico
em ordem, participao dos cuidadores em reunies escolares e responsividade
dos mesmos frente a mensagens e solicitaes feitas pela escola, concernentes s
crianas.
56
projeto de pesquisa e solicitar a autorizao a esses rgos. Dispondo dessa autorizao,
o projeto foi submetido e apreciado pelo Comit de tica em Pesquisa da FFCLRP-USP
tendo sido aprovado nessa instncia (ver em anexo A, parecer n. 394/2008).
No Conselho Tutelar, o levantamento dos casos que poderiam integrar a
pesquisa, considerando os critrios estabelecidos pela pesquisadora (ter sido notificado
por negligncia e referir-se a crianas com idade entre seis e oito anos de idade),
aconteceu tendo uma pr-seleo feita pelos prprios Conselheiros Tutelares. Os
pronturios dos casos indicados foram disponibilizados e, assim, eram analisados no
sentido de serem triados com vistas a garantir a seleo de casos que mais claramente
caracterizavam-se como sendo casos de negligncia, de acordo com a definio
adotada, buscando-se guardar prioritariamente aqueles considerados mais puros, ou
seja, aqueles cuja descrio da situao no remetia s outras formas de maus-tratos ou
indicasse ser a negligncia a problemtica principal.
Inicialmente foram indicados 42 casos notificados ao Conselho Tutelar, dos
quais foram selecionados 37, aps anlise. A partir de ento, deu-se incio s tentativas
de contato com os cuidadores/responsveis envolvidos: trs no foram encontrados no
endereo; dois haviam mudado da cidade e dois no quiseram participar do projeto.
No mbito das escolas, o projeto foi primeiramente apresentado aos diretores de
modo que eles tambm autorizassem a realizao da pesquisa em suas dependncias.
Uma vez autorizado pelo diretor, nas escolas, foi exposto o trabalho a ser realizado e
proferida uma palestra para os professores responsveis pelo 2 e pelo 3 ano do ensino
fundamental, visando sensibiliz-los e favorecer a participao no projeto. Na
sequncia, permanecendo na escola, a pesquisadora disponibilizava-se para realizar
esclarecimentos individuais ou em grupo, nos horrios de HTPC (Horrio de Trabalho
Pedaggico Coletivo), para que os interessados melhor compreendessem a pesquisa.
Com os professores que se mostravam interessados em participar, passava-se ao
procedimento de explanar sobre como poderiam detectar sintomas/sinais da negligncia
em crianas, no contexto escolar. Para essa orientao, utilizou-se um instrumento que
encontra-se em anexo (anexo B), no qual elencam-se os principais indicadores da
negligncia.
Cumpre informar que esse procedimento foi realizado em diversas escolas, mas
a maioria dos professores no quis se envolver com a pesquisa, recusando-se
participao. Dentre oito escolas municipais existentes na cidade, apenas em uma
efetivamente encontraram-se participantes para a pesquisa, aps ter sido realizada uma
57
palestra em todas as escolas sobre o tema maus-tratos infantis e ser fornecido
esclarecimentos nos horrios de HTPC.
Vale ressaltar que, inicialmente, pretendia-se realizar a investigao como um
todo nas escolas nas quais as crianas identificadas a partir dos dados do Conselho
Tutelar encontravam-se, enquanto estudantes. Contudo, isso no foi possvel, tendo-se
inclusive que expandir a proposio da pesquisa a outras escolas, trabalhando tambm
em cinco escolas estaduais, nas quais a direo e alguns professores demonstraram
interesse pela pesquisa.
Assim, nesse panorama, no que respeita formao do GRUPO 2, conseguiu-se
nas escolas a indicao de 35 casos suspeitos de negligncia, sendo que todos os 35
foram contatados. Destes, cinco no tiveram interesse em dar andamento ao estudo.
Nas escolas, aps os procedimentos iniciais visando fomentar a identificao de
casos suspeitos de negligncia e sua indicao ao pesquisador, passou-se a demandar
tambm a indicao das crianas que comporiam o grupo de referncia (GRUPO 3), ou
seja, das crianas sem suspeita de negligncia, solicitando que os professores
buscassem cumprir alguns critrios de pareamento, como sexo e idade. Tambm foram
indicados 35 casos de crianas sem suspeita de sofrerem maus-tratos/negligncia,
sendo que cinco no foram integrados ao projeto por no serem mais necessrios,
considerando que os primeiros 30 casos indicados foram integrados pesquisa, o que
possibilitou cumprir os critrios de equiparao de 30 casos por grupo.
Na sequncia, aos professores era demandado que preenchessem ao TRF, sendo
explicadas e tiradas as dvidas existentes sobre o preenchimento do mesmo. Eles
tiveram a opo de levar o instrumento, responder e devolver posteriormente ao
pesquisador. Com isso, entre a entrega do instrumento e a devoluo do mesmo
preenchido ao pesquisador, os professores levaram entre um e dois meses. Eles
informaram que o preenchimento de cada questionrio demorou cerca de 30 minutos.
Com base nas indicaes de crianas com e sem suspeita de negligncia feitas
pelos professores (GRUPO 2 e 3), nas escolas, procedeu-se ao contato com as famlias,
dispondo da autorizao dos diretores para isso.
No contato com os cuidadores/responsveis dos trs grupos, o projeto era
explicado e, uma vez que se mostrassem dispostos a colaborar, lhes era entregue e lido o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), solicitando ao mesmo colaborar
com a pesquisa respondendo aos instrumentos e autorizando a participao de seus
filhos. Havendo concordncia por parte dos cuidadores (pais/responsveis), os mesmos,
58
em suas moradias, eram solicitados a, imediatamente, responder ao instrumento
Questionrio de Caracterizao. De acordo com a disponibilidade do cuidador, dava-se
continuidade aplicao dos outros instrumentos ou, ento, agendava-se nova visita
para que o mesmo respondesse ao CAP (Child Abuse Potential Inventory) e ao CBCL
(O Inventrio de Comportamentos da Infncia e Adolescncia) em outro dia. O tempo
de resposta para cada questionrio variou entre 40 minutos e uma hora.
Cada uma das crianas que compuseram os trs grupos foi contatada nas escolas,
no perodo em que estudavam, aps ter-se conseguido a autorizao dos adultos
responsveis. Estas, com a permisso da direo e das respectivas professoras, foram
retiradas da sala de aula e levadas a outra sala dentro da prpria escola para serem
submetidas ao TDE (Teste de Desempenho Escolar). O teste foi aplicado
individualmente e levou em mdia 30 minutos com cada criana.
59
2.4 Procedimento de anlise de dados
No que diz respeito anlise dos dados obtidos por meio da aplicao do
Questionrio de Caracterizao Sociodemogrfica, estes foram categorizados e
codificados, para poderem ser compilados em banco de dados e analisados
estatisticamente.
Os instrumentos padronizados CAP, CBCL, TRF, TDE o Child Neglect Index
foram corrigidos segundo as normas tcnicas de cada um, caso a caso, de modo que os
escores obtidos pudessem ser tambm compilados em banco de dados.
Para a construo do banco de dados foi construda uma planilha desenvolvida
com programa Excel da Microsoft, na qual todos os dados foram inseridos e
disponibilizados para a realizao das devidas anlises visando atender aos objetivos
propostos no estudo3. Para descrever o perfil da amostra por grupos em estudo,
realizaram-se anlises estatsticas descritivas, e aplicou-se o teste Exato de Fisher e
Anlises de Varincia.
A estatstica descritiva teve como objetivo bsico sintetizar uma srie de valores
de mesma natureza, permitindo uma viso global da variao desses valores,
organizando e descrevendo os dados. Para as variveis qualitativas foram consideradas
medidas de frequncias absolutas e relativas e para as variveis quantitativas medidas de
tendncia central (mdia e mediana) e disperso (desvio-padro, valores mnimos e
mximos). Essa descrio foi realizada atravs dos procedimentos PROC FREQ e
PROC MEANS do software SAS verso 9.2, respectivamente.
Para verificar associao entre as variveis qualitativas do Questionrio de
Caracterizao foi utilizado o Teste Exato de Fisher. A anlise por meio dessa
metodologia foi feita atravs do procedimento PROC FREQ do software SAS verso
9.2.
Para comparar as mdias das variveis quantitativas entre os grupos foram
realizadas anlises de varincia (ANOVA), utilizando-se o procedimento PROC GLM
do software SAS verso 9.2. Para a utilizao desse modelo necessrio que os resduos
3
Para isso contou-se com a ajuda de uma profissional em estatstica Andressa Kutschenko. Bacharel em
estatstica pela Universidade Estadual de Marlia, trabalhando atualmente como pesquisadora estatstica
do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto (HCFMRP)-USP.
60
tenham distribuio normal com varincia constante. Para a diferena entre os grupos,
quando houve rejeio da hiptese nula, foi feito um ps-teste de Duncan.
Para todas as anlises foi considerado o nvel de significncia de =0,05.
61
3. RESULTADOS
Os resultados foram obtidos por meio da anlise das informaes coletadas com
a aplicao de seis instrumentos: Questionrio de Caracterizao Sociodemogrfica;
Inventrio de Potencial de Maus-tratos Infantis (CAP); Child Neglect Index; Inventrio
de Comportamentos da Infncia e Adolescncia - 6 a 18 anos (CBCL); Inventrio de
Comportamentos da Infncia e Adolescncia / Relatrio para Professores - 6 a 18 anos
(TRF); Teste de Desempenho Escolar (TDE). Os resultados sero apresentados a seguir
separadamente, para cada um destes instrumentos indicados.
62
corresponde a 23%; no GRUPO 2 trabalhavam 16 participantes, correspondente a 53%;
e no GRUPO 3 trabalhavam 20 participantes, correspondente a 67%).
Quanto ao tipo de trabalho exercido pelos participantes nos trs grupos, para
organizar a apresentao dos dados, estabeleceu-se quatro categorias de trabalho, em
funo do nvel de formao requerido para o seu exerccio: especializado superior
(professores, enfermeiros, advogados, etc.), tcnico mdio (auxiliar administrativo,
tcnico em enfermagem, prottico, etc.), prestadores de servio (comerciantes,
comercirios, atendentes, etc.) e trabalhadores braais (operrios, artesos, funileiros,
cortadores de cana, etc.). A Tabela 2 sintetiza os resultados obtidos nesse plano.
63
Tabela 3- Renda Familiar salarial
Renda Familiar Grupo 1 Grupo 2 Grupo 3
( n = 30 ) ( n = 30 ) ( n = 30 )
At 1 salrio 17% 3% 0%
Acima de 3 salrios 0% 3% 20 %
64
No que se refere ao auxlio (apoio social) para cuidar do primeiro filho, os
GRUPOS 1 e 2 foram similares e apresentaram diferena significativa (p-valor = 0,001)
em relao ao GRUPO 3 (30% no GRUPO 1; 27% no GRUPO 2; 70% no GRUPO 3).
Ou seja, nos dois primeiros grupos, uma proporo significativamente menor de
participantes referiu ter sido apoiada no desempenho das tarefas de cuidar do primeiro
filho.
No que se refere satisfao com o bairro, houve diferena significativa (p-valor
= 0,022) entre o GRUPO 1 e os GRUPOS 2 e 3, que foram similares, com apenas 57%
dos participantes do GRUPO 1 respondendo estarem satisfeitos com o bairro de
residncia, ao passo que no GRUPO 2 o percentual foi de 83% e no GRUPO 3 de 86%.
Com relao sade do cuidador/responsvel, os participantes nos trs grupos,
similarmente, referiram ter boa sade, sendo que a maioria (80%, 90% e 96%
respectivamente) afirmou no apresentar qualquer patologia especfica. Contudo, houve
quem, posteriormente, referisse acreditar sofrer de depresso, embora, nos trs grupos,
esse apontamento tenha sido feito por uma minoria dos participantes (20% no GRUPO
1; 10% no GRUPO 2; 13% no GRUPO 3). Os participantes tambm responderam
dormir bem, de forma equivalente nos trs grupos (100% no GRUPO 1; 93% no
GRUPO 2; 90% no GRUPO3).
No plano da sade, ainda, sondou-se a existncia de determinados hbitos.
Assim, questionados sobre fumar ou no, uma minoria de participantes declarou ser
tabagista. Embora se possa notar uma proporo mais alta no GRUPO 1 (40% no
GRUPO 1; 27% no GRUPO 2; 27% no GRUPO 3) no houve diferena significativa
(p-valor = 0,472). Quanto ingesto de lcool, houve diferena significativa (p-valor =
0,003) entre os GRUPOS 1 e 2, que apresentaram resultado similar, em comparao ao
GRUPO 3 (30% no GRUPO 1; 20% no GRUPO 2; zero no GRUPO 3), indicando que,
embora seja uma minoria, encontraram-se mais participantes dos GRUPOS 1 e 2
fazendo uso regular de bebidas alcolicas, na comparao com o GRUPO 3. No tocante
ao uso de drogas ilcitas, todos os participantes dos trs grupos responderam no fazer
uso destas.
65
3.2 Inventrio de Potencial de Maus-tratos Infantis (CAP)
66
67
3.3 ndice de Negligncia (Neglect Index)
3 30 2,5 b 7,63 0 25
*GRUPOS com mesma letra no se diferem estatisticamente.
68
69
3.4 O Inventrio de Comportamentos da Infncia e Adolescncia
(CBCL)
5
Para comparar os dados entre os GRUPOS foi utilizado o modelo de Regresso Logstica Multinomial
Ordinal, empregando a funo de ligao cumulative logit.
70
Tabela 6- Frequncia e percentual de cada GRUPO nas variveis relativas s dimenses
de competncia avaliadas pelo CBCL
GRUPOS
CBCL
1 2 3
Competncias
n % n % n %
Atividade
Normal 5 16,67 3 10 14 46,67
Limtrofe 1 3,33 4 13,33 10 33,33
Clnico 24 80 23 76,67 6 20
Social
Normal 10 33,33 9 30 27 90
Limtrofe 11 36,67 12 40 2 6,67
Clnico 9 30 9 30 1 3,33
Escolar
Normal 5 16,67 8 26,67 30 100
Limtrofe 5 16,67 6 20 0 0
Clnico 20 66,67 16 53,33 0 0
Competncias totais
Normal 0 0 2 6,67 16 53,33
Limtrofe 1 3,33 2 6,67 7 23,33
Clnico 29 96,67 26 86,67 7 23,33
71
Tabela 7- Estimativas de Odds Ratio e p-valor referentes ao modelo de Regresso
Logstica Multinomial Ordinal para as variveis relativas s Competncias do
questionrio CBCL
GRUPOS/ Dimenses
de competncias OR IC (95%) p
Atividades
1/2 1,37 0,40 4,70 0,613
1/3 12,37* 3,91 39,07 <0,001
2/3 9,00* 2,95 27,48 <0,001
Sociais
1/2 1,15 0,46 2,91 0,763
1/3 0,06* 0,02 0,24 <0,001
2/3 0,05* 0,01 0,21 <0,001
Escolares
1/2 1,77 0,64 4,86 0,270
1 / 3** - - - -
2 / 3** - - - -
Competncias totais
1/2 4,60 0,48 43,75 0,185
1/3 95,30 11,14 815,46 <0,001
2/3 20,73 5,58 76,97 <0,001
**Falta de estimativas devido a problemas de estimao no algoritmo computacional.
72
GRUPO 3. J as crianas do GRUPO 2 teriam 9 vezes mais chance de apresentar nveis
inferiores nessas competncias em relao ao GRUPO 3. Nas competncias totais, as
crianas do GRUPO 1 apresentariam 95 vezes mais chance de ter nveis inferiores
comparadas s crianas do GRUPO 3, e as crianas do GRUPO 2 teriam 20 vezes mais
chance de apresentar nveis inferiores nessas competncias, em relao ao GRUPO 3.
73
3.4.2 Perfil das Sndromes
74
Tabela 8- Frequncia e percentual das variveis relativas s Sndromes avaliadas pelo
CBCL
GRUPO
CBCL
1 2 3
Sndromes
n % n % n %
Ansiedade/Depresso
Normal 14 46,67 11 36,67 24 80
Limtrofe 7 23,33 10 33,33 6 20
Clnico 9 30 9 30 0 0
Isolamento/Depresso
Normal 22 73,33 20 66,67 29 96,67
Limtrofe 6 20 5 16,67 1 3,33
Clnico 2 6,67 5 16,67 0 0
Queixas somticas
Normal 22 73,33 20 66,67 26 86,67
Limtrofe 4 13,33 4 13,33 4 13,33
Clnico 4 13,33 6 20 0 0
Problemas sociais
Normal 14 46,67 15 50 26 86,67
Limtrofe 5 16,67 8 26,67 4 13,33
Clnico 11 36,67 7 23,33 0 0
Problemas pensamento
Normal 21 70 23 76,67 25 83,33
Limtrofe 1 3,33 1 3,33 5 16,67
Clnico 8 26,67 6 20 0 0
Problema ateno
Normal 9 30 9 30 28 93,33
Limtrofe 9 30 5 16,67 0 0
Clnico 12 40 16 53,33 2 6,67
Comportamento
Quebrar regras
Normal 9 30 9 30 28 93,33
Limtrofe 8 26,67 10 33,33 2 6,67
Clnico 13 43,33 11 36,67 0 0
Comportamento
Agressivo
Normal 9 30 6 20 25 83,33
Limtrofe 5 16,67 6 20 4 13,33
Clnico 16 53,33 18 60 1 3,33
75
Tabela 9- Estimativas de Odds Ratio e p-valor referentes ao modelo de Regresso
Logstica Multinomial Ordinal para as variveis relativas s Sndromes avaliadas pelo
CBCL
GRUPOS OR IC (95%) p-valor
Ansiedade/Depresso
1/2 1,37 0,49 3,81 0,549
1/3 2,01 0,77 5,26 0,157
2/3 1,47 0,55 3,89 0,441
Isolamento/Depresso
1/2 1,23 0,41 3,66 0,714
1/3 0,09* 0,01 0,79 0,030
2/3 0,08* 0,01 0,63 0,017
Queixas somticas
1/2 1,44 0,48 4,31 0,517
1/3 0,39 0,10 1,46 0,163
2/3 0,27* 0,07 0,99 0,048
Problemas sociais
1/2 1,41 0,54 3,68 0,488
1/3 9,28* 2,62 32,85 0,001
2/3 6,60* 1,89 23,02 0,003
Problemas de
pensamento
1/2 1,43 0,44 4,70 0,555
1/3 13,25* 2,47 71,10 0,003
2/3 9,26* 1,76 48,76 0,009
Problemas de ateno
1/2 0,73 0,28 1,87 0,509
1/3 25,45* 5,19 124,81 <0,001
2/3 35,00* 6,96 176,01 <0,001
Comportamento de
Quebrar regras
1/2 1,18 0,46 3,00 0,735
1/3 37,43* 7,47 187,46 <0,001
2/3 31,84* 6,44 157,47 <0,001
Comportamento
Agressivo
1/2 0,70 0,26 1,87 0,473
1/3 14,22* 4,25 47,56 <0,001
2/3 20,45* 6,01 69,56 <0,001
76
Pela Tabela 9, pode-se observar que somente em relao
Ansiedade/Depresso no se verificam diferenas significativas entre os grupos. Mas
importante destacar, como pode ser verificado na Tabela 8, que 30% das crianas dos
GRUPOS 1 e 2 apresentariam escores clnicos nessa sndrome, enquanto nenhuma das
crianas do GRUPO 3 apresentariam escores clnicos.
Com relao a Queixa Somticas h diferena significativa entre os GRUPOS
2 e 3, no entanto no aparece diferena significativa entre os GRUPOS 1 e 2 e entre os
GRUPOS 1 e 3.
Para as demais sndromes, Isolamento/Depresso, Problemas sociais,
Problemas de pensamento, Problema de ateno, Comportamento de quebrar
regras e Comportamento agressivo, h diferenas entre os grupos. O GRUPO 3
apresenta predominncia em escores normais e diferenas significativas perante os
demais (GRUPO 1 e 2), que so similares entre si e que mostram predominncia nos
escores clnicos e limtrofes.
Em Problemas Sociais, no GRUPO 1 h uma proporo maior de crianas
apresentando escores limtrofes ou clnicos, em comparao ao GRUPO 3, sendo que
estas teriam 9 vezes mais chances de apresentarem problemas dessa natureza. A
comparao entre os GRUPOS 2 e 3 vai na mesma direo, com o GRUPO 2
apresentando um percentual significativamente superior ao GRUPO 3, com crianas que
teriam 6 vezes mais chances de apresentar o comportamento em nveis limtrofe ou
clnico.
Quanto a Problemas de pensamento, o GRUPO 1 apresenta uma proporo
maior de crianas apresentando escores limtrofes ou clnicos, em comparao ao
GRUPO 3, sendo que estas teriam 13 vezes mais chances de apresentarem problemas
dessa natureza. A comparao entre os GRUPOS 2 e 3 vai na mesma direo, com o
GRUPO 2 apresentando um percentual significativamente superior ao GRUPO 3. No
GRUPO 2 estas teriam 9 vezes mais chances de apresentar Problemas de pensamento.
Verifica-se que em Problemas de ateno, no GRUPO 1, h uma proporo
maior de crianas apresentando escores limtrofes ou clnicos, em comparao ao
GRUPO 3, sendo que estas teriam 25 vezes mais chances de apresentarem problemas
dessa natureza. O GRUPO 2 tambm apresenta um percentual significativamente
superior ao GRUPO 3, sendo que as crianas deste teriam 35 vezes mais chances de
apresentarem essa sndrome em nveis limtrofe ou clnico.
77
Com relao a Comportamento de quebrar regras, haveria um percentual
significativamente superior de crianas no GRUPO 1 apresentando escores limtrofes ou
clnicos, se comparados aos do GRUPO 3, sendo que estas teriam 37 vezes mais
chances de apresentar essa sndrome em comparao ao GRUPO 3. A comparao entre
os GRUPOS 2 e 3 vai na mesma direo, com as crianas do GRUPO 2 tendo 31 vezes
mais chances de apresentar o Comportamento de quebrar regras, em comparao s
do GRUPO de referncia (GRUPO 3).
Quanto sndrome Comportamento agressivo, o GRUPO 1 apresentou um
percentual de crianas com escores limtrofes ou clnicos significativamente superior em
relao ao GRUPO 3, sendo que elas teriam 14 vezes mais chances de apresentar esse
comportamento em comparao ao GRUPO 3. O mesmo ocorre na comparao entre os
GRUPOS 2 e 3, com o GRUPO 2 apresentando um percentual significativamente
superior ao GRUPO 3, sendo que as crianas do GRUPO 2 teriam 20 vezes mais
chances de apresentar Comportamento agressivo.
78
Tabela 10- Frequncia e percentual de cada GRUPO nas variveis Problemas
Internalizantes, Problemas Externalizantes e Problemas Totais do questionrio CBCL
GRUPO
CBCL
1 2 3
Problemas
n % n % n %
Problemas
Internalizantes
Normal 9 30 8 26,67 18 60
Limtrofe 8 26,67 6 20 6 20
Clnico 13 43,33 16 53,33 6 20
Problemas
Externalizantes
Normal 3 10 7 23,33 24 80
Limtrofe 4 13,33 3 10 2 6,67
Clnico 23 76,67 20 66,67 4 13,33
Problemas Totais
Normal 4 13,33 7 23,33 22 73,33
Limtrofe 4 13,33 2 6,67 5 16,67
Clnico 22 73,33 21 70 3 10
Problemas
Externalizantes
1/2 1,79 0,58 5,48 0,311
1/3 25,47 7,27* 89,29 <0,001
2/3 14,26 4,34* 46,86 <0,001
Problemas Totais
1/2 1,32 0,43 4,01 0,628
1/3 17,17 5,38* 54,82 <0,001
2/3 13,04 4,16* 40,87 <0,001
79
Observa-se pela Tabela 11 que no h diferenas significativas entre os grupos
para a varivel Problemas Internalizantes. No entanto, destaca-se que h uma
tendncia do GRUPO 2 para se diferenciar do GRUPO 3 nesse aspecto, pois o valorp
est prximo ao limite de significncia (apresentando 0,067). Observa-se na Tabela 10,
em Problemas Internalizantes, que a maioria das crianas do GRUPO 1 apresentou
maior percentual nos escores limtrofes e clnicos (70%), assim como as do GRUPO 2
(73%), ressaltando-se que nesse grupo h nitidamente uma maior concentrao de
crianas com escores considerados clnicos (53%), diferentemente do GRUPO 3 em que
as crianas apresentaram mais frequentemente escores normais (60%).
J para Problemas Externalizantes e Problemas Totais, observa-se que os
GRUPOS 1 e 2 so similares entre si, sendo ambos, porm, significativamente
diferentes do GRUPO 3. O GRUPO 1 apresentou um percentual significativamente
maior que o GRUPO 3 nos escores limtrofes e clnicos, sendo que as crianas do
GRUPO 1 teriam 25 vezes mais chances de apresentar, em Problemas
Externalizantes, escores considerados clnicos ou limtrofes. O mesmo ocorre na
comparao entre os GRUPOS 2 e 3, com as crianas do GRUPO 2 tendo 14 vezes mais
chances de apresentar em Problemas Externalizantes escores considerados clnico ou
limtrofe.
A diferena significativa tambm foi notvel com relao a Problemas Totais,
em que o GRUPO 1 e 2 apresentam percentual significativamente maior ao GRUPO 3
nos escores limtrofes ou clnicos, sendo que no GRUPO 1 tem-se 17 vezes mais
chances de ser avaliado como apresentando escores clnicos ou limtrofes, ao passo que
no GRUPO 2 as chances seriam 13 vezes maiores, em relao ao GRUPO 3, no qual
predomina o nvel normal.
80
Tabela 12- Frequncia e percentual de cada GRUPO nas variveis que compem o
domnio DSM do questionrio CBCL
GRUPO
CBCL - DSM 1 2 3
n % n % n %
Transtornos Afetivos
Normal 15 50 14 46,67 27 90
Limtrofe 6 20 5 16,67 3 10
Clnico 9 30 11 36,67 0 0
Transtornos Ansiedade
Normal 14 46,67 14 46,67 26 86,67
Limtrofe 8 26,67 8 26,67 4 13,33
Clnico 8 26,67 8 26,67 0 0
Problemas Somticos
Normal 26 86,67 23 76,67 29 96,67
Limtrofe 0 0 2 6,67 1 3,33
Clnico 4 13,33 5 16,67 0 0
Dficit Ateno/Transtorno
hiperatividade
Normal 12 40 15 50 27 90
Limtrofe 7 23,33 2 6,67 2 6,67
Clnico 11 36,67 13 43,33 1 3,33
Transtorno de Conduta
Normal 11 36,67 10 33,33 28 93,33
Limtrofe 4 13,33 7 23,33 1 3,33
Clnico 15 50 13 43,33 1 3,33
81
Tabela 13- Estimativas de Odds Ratio e p-valor referentes ao modelo de Regresso
Logstica Multinomial Ordinal para as variveis pertencentes ao domnio do DSM do
questionrio CBCL
GRUPOS OR IC(95%) p-valor
Transtornos Afetivos
1/2 0,69 0,24 2,01 0,499
1/3 1,94 0,69 5,45 0,206
2/3 2,80 0,99 7,93 0,052
Transtornos Ansiedade
1/2 1,00 0,35 2,86 1,000
1/3 1,43 0,53 3,86 0,479
2/3 1,43 0,53 3,86 0,479
Problemas Somticos
1/2 2,07 0,54 7,93 0,290
1/3 0,24 0,03 2,27 0,213
2/3 0,12 0,01 1,01 0,051
Dficit Ateno/Transtorno
hiperatividade
1/2 1,09 0,42 2,84 0,863
1/3 11,99* 3,06 47,02 <0,001
2/3 11,02* 2,74 44,23 0,001
Transtorno de Conduta
1/2 1,09 0,42 2,84 0,852
1/3 27,21* 5,46 135,50 <0,001
2/3 24,86* 5,06 122,03 <0,001
82
diferena prxima ao nvel de significncia entre as crianas dos GRUPOS 2 e 3 (0,052
e 0,051, respectivamente). Como pode ser observado na Tabela 12, em Transtornos
Afetivos, nos GRUPOS 1 e 2 cerca de 50% da amostra pontuaram em escores
limtrofes e clnicos, sendo que no GRUPO 3 a maior parte das crianas pontuou em
escores normais (em torno de 90%).
Para as variveis Dficit de Ateno/hiperatividade, Transtorno Opositor
Desafiante e Transtorno de Conduta, no houve diferena entre os GRUPOS 1 e 2,
sendo que a maioria dos participantes apresentou percentual situado nos escores clnicos
e limtrofes. Ocorreu diferena entre estes e o GRUPO 3, no qual a maioria das crianas
pontuou em escores em nveis normais.
Na varivel Dficit de Ateno/hiperatividade, os GRUPOS 1 e 2
apresentaram um percentual significativamente superior ao GRUPO 3 na faixa limtrofe
ou clnica, sendo que as crianas do GRUPO 1 e do GRUPO 2 teriam 11 vezes mais
chances de apresentar escores clnicos ou limtrofes, em comparao s do 3.
Na varivel Transtorno Opositor Desafiante, houve um percentual
significativamente superior de crianas do GRUPO 1 e 2, em comparao ao GRUPO 3,
pontuando em escores limtrofes ou clnicos, sendo que as crianas do GRUPO 1 teriam
7 vezes mais chances de apresentarem comportamentos dessa natureza em nvel clnico
ou limtrofe, e o GRUPO 2, em comparao ao 3 , apresenta 5 vezes mais chances .
Com relao a Transtorno de Conduta, nos GRUPO 1 e 2 detectou-se um
percentual significativamente superior de crianas, em relao ao GRUPO 3, nos
escores limtrofes ou clnicos, sendo que as crianas do GRUPO 1 teriam 27 vezes mais
chances de apresentarem comportamentos dessa natureza em nvel clnico ou limtrofe,
e no GRUPO 2, em comparao ao 3, 24 vezes mais de chances.
83
3.5 O Inventrio de Comportamentos da Infncia e Adolescncia para
Professores (TRF)
6
Para comparar os resultados obtidos entre os grupos foi utilizado o modelo de Regresso Logstica
Multinomial Ordinal utilizando a funo de ligao cumulative logit. A realizao das anlises foi feita
atravs do procedimento PROC GENMOD do software SAS verso 9.2.
84
Tabela 14- Frequncia e percentual por GRUPO das variveis pertencentes Funo
Adaptativa do questionrio TRF
GRUPO
TRF
1 2 3
Funo adaptativa
n % n % n %
Desempenho
Acadmico
Normal 7 23,33 6 20 30 100
Limtrofe 1 3,33 2 6,67 0 0
Clnico 22 73,33 22 73,33 0 0
Engajamento nas
Atividades
Normal 7 23,33 7 23,33 29 96,67
Limtrofe 9 30 11 36,67 1 3,33
Clnico 14 46,67 12 40 0 0
Comportamento
Apropriado
Normal 9 30 14 46,67 28 93,33
Limtrofe 13 43,33 10 33,33 2 6,67
Clnico 8 26,67 6 20 0 0
Aprendizagem
Normal 2 6,67 4 13,33 29 96,67
Limtrofe 9 30 10 33,33 1 3,33
Clnico 19 63,33 16 53,33 0 0
Nvel de Felicidade
Normal 13 43,33 11 36,67 29 96,67
Limtrofe 7 23,33 6 20 1 3,33
Clnico 10 33,33 13 43,33 0 0
85
Tabela 15- Estimativas de Odds Ratio e p-valor referentes ao modelo de Regresso
Logstica Multinomial Ordinal para as dimenses relativas s funes adaptativas
avaliadas pelo TRF
GRUPOS OR IC (95%) p-valor
Desempenho
Acadmico
1/2 1,05 0,33 3,33 0,934
1/3 28,19* 6,70 118,66 <0,001
2/3 26,86* 6,36 113,36 <0,001
Engajamento nas
Atividades
1/2 1,51 0,53 4,29 0,435
1/3 1,80 0,70 4,61 0,224
2/3 1,19 0,46 3,04 0,722
Comportamento
Apropriado
1/2 0,55 0,21 1,43 0,222
1/3 0,03* 0,01 0,16 <0,001
2/3 0,06* 0,01 0,29 0,001
Aprendizagem
1/2 1,59 0,58 4,36 0,367
1/3 345,84* 36,92 3239,76 <0,001
2/3 217,37* 23,88 1978,74 <0,001
Nvel de Felicidade
1/2 1,59 0,58 4,36 0,367
1/3 345,84* 36,92 3239,76 <0,001
2/3 217,37* 23,88 1978,74 <0,001
Tendo por base a Tabela 15, nota-se que no h diferena entre os grupos em
Engajamento nas Atividades. No entanto, destaca-se, como pode ser verificado na
Tabela 14, que a maior parte das crianas dos GRUPOS 1 e 2 apresenta escores
limtrofes e clnicos (77% nos dois GRUPOS), ao passo que a grande maioria das
crianas do GRUPO 3 apresenta escores normais (97%).
86
J com relao a Desempenho Acadmico, Comportamento Apropriado,
Aprendizagem, Nvel de Felicidade e Soma dos Itens h diferenas significativas
entre os grupos (sendo 1 e 2 similares entre si). Observa-se uma proporo de pelo
menos 93,33% de crianas pontuando em nveis normais no GRUPO 3, ao passo que,
em Desempenho Acadmico, Aprendizagem e Soma dos Itens, pelo menos
metade das crianas dos GRUPOS 1 e 2 apresentam pontuao em nvel clnico.
Com relao a Comportamento Apropriado a maioria dos participantes dos
GRUPOS 1 e 2 obteve escores limtrofes ou clnicos, sendo que no GRUPO 3 a maioria
apresentou escores normais (93%).
Em Aprendizagem, Nvel de Felicidade e Soma dos Itens, igualmente, a
maioria dos participantes do GRUPO 1 e 2 apresentou escores limtrofes ou clnicos, ao
passo que a maioria dos participantes do GRUPO 3 apresentou escores normais nessas
variveis.
Merece ser enfatizado, como pode ser observado na Tabela 15, no que se refere
ao Desempenho Acadmico, que as crianas do GRUPO 1 teriam 28 vezes mais
chances de apresentar escores limtrofes u clnicos se comparadas aos participantes do
GRUPO 3. J as crianas do GRUPO 2 teriam 27 vezes mais chances de apresentar
escores limtrofes ou clnicos no desempenho acadmico, em relao s do GRUPO 3.
Em comparao ao GRUPO 3, as crianas do GRUPO 1 teriam 345 vezes mais
chances de serem avaliadas como apresentando problemas em nvel limtrofe ou clnico
em Aprendizagem e em Nvel de Felicidade, e as do GRUPO 2 teriam 217 vezes
mais chances.
Quanto Soma dos Itens, em comparao ao GRUPO 3, as crianas do
GRUPO 1 teriam 15 vezes mais chances de serem avaliadas em nveis limtrofe ou
clnico e as crianas do GRUPO 2 teriam 8 vezes mais chances.
87
3.5.2 Perfil das Sndromes
88
Tabela 16- Frequncia e percentual de cada GRUPO nas variveis que compem as
Sndromes no questionrio TRF
GRUPO
TRF
1 2 3
Sndromes
n % n % n %
Ansiedade/Depresso
Normal 17 56,67 21 70 30 100
Limtrofe 9 30 3 10 0 0
Clnico 4 13,33 6 20 0 0
Isolamento/Depresso
Normal 14 46,67 19 63,33 30 100
Limtrofe 5 16,67 3 10 0 0
Clnico 11 36,67 8 26,67 0 0
Queixas Somticas
Normal 24 80 24 80 30 100
Limtrofe 5 16,67 5 16,67 0 0
Clnico 1 3,33 1 3,33 0 0
Problemas Sociais
Normal 14 46,67 12 40 28 93,33
Limtrofe 8 26,67 10 33,33 1 3,33
Clnico 8 26,67 8 26,67 1 3,33
Problemas de
Pensamento
Normal 17 56,67 19 63,33 30 100
Limtrofe 8 26,67 8 26,67 0 0
Clnico 5 16,67 3 10 0 0
Problemas de Ateno
Normal 14 46,67 14 46,67 30 100
Limtrofe 10 33,33 13 43,33 0 0
Clnico 6 20 3 10 0 0
Comportamento
Quebrar regras
Normal 11 36,67 14 46,67 28 93,33
Limtrofe 11 36,67 8 26,67 2 6,67
Clnico 8 26,67 8 26,67 0 0
Comportamento
Agressivo
Normal 13 43,33 14 46,67 28 93,33
Limtrofe 9 30 7 23,33 2 6,67
Clnico 8 26,67 9 30 0 0
89
Tabela 17- Estimativas de Odds Ratio e p-valor referentes ao modelo de Regresso
Logstica Multinomial Ordinal para as variveis do questionrio TRF - Sndromes
GRUPOS OR IC(95%) p-valor
Ansiedade/Depresso
1/2 0,70 0,25 1,97 0,497
1 / 3** - - - -
2 / 3** - - - -
Isolamento/Depresso
1/2 0,55 0,20 1,48 0,235
1 / 3** - - - -
2 / 3** - - - -
Queixas Somticas
1/2 1,00 0,28 3,53 1,000
1 / 3** - - - -
2 / 3** - - - -
Problemas Sociais
1/2 1,27 0,44 3,66 0,659
1/3 1,00 0,37 2,67 1,000
2/3 0,79 0,29 2,13 0,639
Problemas de
Pensamento
1/2 1,32 0,41 4,21 0,642
1/3 0,60 0,19 1,92 0,390
2/3 0,46 0,15 1,42 0,177
1/2
Problemas de Ateno
1/2 1,21 0,46 3,16 0,696
1 / 3** - - - -
2 / 3** - - - -
Comportamento de
Quebrar regras
1/2 0,66 0,26 1,67 0,378
1/3 0,05* 0,01 0,22 <0,001
2/3 0,07* 0,01 0,34 0,001
Comportamento
Agressivo
1/2 1,23 0,48 3,12 0,669
1/3 17,28* 3,52 84,90 0,001
2/3 14,09* 2,88 68,94 0,001
**Falta de estimativas devido a problemas no algoritmo computacional.
90
Verifica-se na Tabela 16 que os resultados relativos Ansiedade/Depresso
indicam escores limtrofes ou clnicos nos GRUPOS 1 e 2 de 43% e 30%
respectivamente, sendo que no GRUPO 3, a totalidade das crianas participantes
pontuou em nveis normais. Em Isolamento/Depresso observa-se a ocorrncia de
escores limtrofes ou clnicos para as crianas dos GRUPOS 1 e 2 na proporo de 53%
e 37% respectivamente, sendo que no GRUPO 3 observa-se escores normais para a
totalidade do grupo. Quanto a Queixas Somticas nota-se a presena de escores
normais na proporo de 80% para os GRUPOS 1 e 2 e de 100% para o GRUPO 3.
Na Tabela 177, observa-se que no houve diferena significativa entre os grupos
para as variveis Problemas Sociais e Problemas de Pensamento. Destaca-se,
entretanto, conforme pode ser visualizado na Tabela 16, que em Problemas Sociais
mais de 50 % das crianas dos GRUPOS 1 e 2 apresentaram escores limtrofes e
clnicos, enquanto mais de 90% das crianas do GRUPO 3 apresentaram escores
normais.
Para Problemas de Ateno no foi possvel verificar na estimativa se houve
diferena significativa devido a limitaes estatsticas. No entanto, considerando nesse
caso a diferena evidente em porcentagem (diferena de significncia estatstica),
conforme se verifica na 17, mais de 50% das crianas dos GRUPOS 1 e 2 apresentaram
escores limtrofes e clnicos, sendo que no GRUPO 3 todas apresentaram escores
normais.
Com relao a Comportamento de quebrar regras e Comportamento
agressivo, houve diferenas significativas entre os grupos, sendo o 1 e o 2 similares.
No GRUPO 3, para ambos os perfis, prevalece o nvel normal (prevalncia de pelo
menos 93,33%).
Na Tabela 16, observa-se, quanto a Comportamento de quebrar regras, que
nos GRUPOS 1 e 2 h uma proporo maior de crianas com escores limtrofes ou
clnicos (mais de 50%), ao passo que no GRUPO 3 mais de 90% das crianas
apresentaram escores normais.
7
Deparou-se com uma limitao para a realizao da anlise estatstica, com vistas comparao dos
grupos no tocante aos perfis das sndromes, segundo TRF, conforme se observa na Tabela 17, para
assumir uma diferena significativa entre os grupos no que se refere a problemas internalizantes, devido
ao fato de 100% de crianas no grupo de referncia apresentar escores normais.
91
Relativo ao comportamento agressivo, os GRUPOS 1 e 2 tambm
apresentaram uma proporo maior de crianas com escores limtrofes ou clnicos,
sendo que, em comparao ao GRUPO 3, as crianas do GRUPO 1 teriam 17 vezes
mais chance de serem avaliadas com esse perfil, e as do GRUPO 2, 14 vezes.
92
93
3.5.3 Problemas Internalizantes, Problemas Externalizantes e
Problemas Totais
Problemas
Externalizantes
Normal 7 23,33 9 30 28 93,33
Limtrofe 6 20 6 20 0 0
Clnico 17 56,67 15 50 2 6,67
Problemas Totais
Normal 5 16,67 4 13,33 28 93,33
Limtrofe 3 10 8 26,67 0 0
Clnico 22 73,33 18 60 2 6,67
94
Tabela 19- Estimativas de Odds Ratio e p-valor referentes ao modelo de Regresso
Logstica Multinomial Ordinal para as variveis do questionrio TRF Problemas
GRUPOS OR IC(95%) p-valor
Problemas
Internalizantes
1/2 0,95 0,35 2,56 0,920
1 / 3** - - - -
2 / 3** - - - -
Problemas
Externalizantes
1/2 1,29 0,46 3,67 0,628
1/3 2,97* 1,11 7,99 0,031
2/3 2,30 0,87 6,06 0,093
Problemas
Totais
1/2 2,49 0,81 7,67 0,112
1/3 7,05* 2,46 20,21 <0,001
2/3 2,83* 1,04 7,73 0,042
**Faltas de estimativas devido a problemas de estimao no algoritmo computacional.
8
Novamente, deparou-se com um limite para realizar as comparaes entre os grupos no tocante a
Problemas Internalizantes, pois, conforme se verifica na Tabela 19, no possvel assumir uma
diferena significativa entre os grupos, uma vez que 100% dos participantes do GRUPO 3 teriam sido
avaliados com escores normais.
95
respectivamente). J as crianas do GRUPO 3, em sua maioria, apresentaram escores
normais (93%).
Em Problemas Totais, os GRUPOS 1 e 2 apresentaram uma proporo maior
de crianas com escores limtrofes ou clnicos, em comparao ao GRUPO 3, sendo que
as crianas do GRUPO 1 teriam 7 vezes mais chances que as do GRUPO 3 de serem
avaliadas com escores em nvel limtrofe ou clnico; e no GRUPO 2, as crianas teriam
3 vezes mais chances, em relao ao GRUPO 3. Destaca-se que mais da metade dos
participantes dos GRUPOS 1 e 2 obtiveram escores na faixa clnica (73% e 60%
respectivamente).
96
Tabela 20- Frequncia e percentual de cada grupo nas variveis que compem o
domnio DSM do questionrio TRF
GRUPO
TRF - DSM 1 2 3
n % n % n %
Transtornos Afetivos
Normal 14 46,67 17 56,67 29 96,67
Limtrofe 6 20 3 10 1 3,33
Clnico 10 33,33 10 33,33 0 0
Transtornos Ansiedade
Normal 14 46,67 19 63,33 29 96,67
Limtrofe 10 33,33 5 16,67 1 3,33
Clnico 6 20 6 20 0 0
Problemas Somticos
Normal 26 86,67 25 83,33 28 93,33
Limtrofe 3 10 4 13,33 2 6,67
Clnico 1 3,33 1 3,33 0 0
Dficit Ateno/Transtorno
hiperatividade
Normal 18 60 17 56,67 29 96,67
Limtrofe 7 23,33 11 36,67 1 3,33
Clnico 5 16,67 2 6,67 0 0
Transtorno de Conduta
Normal 16 53,33 14 46,67 29 96,67
Limtrofe 7 23,33 6 20 0 0
Clnico 7 23,33 10 33,33 1 3,33
97
Tabela 21- Estimativas de Odds Ratio e p-valor referentes ao modelo de Regresso
Logstica Multinomial Ordinal para as variveis DSM do TRF
Transtornos de Ansiedade
1/2 2,06 0,66 6,41 0,214
1/3 1,60 0,55 4,72 0,390
2/3 0,78 0,27 2,25 0,647
Problemas Somticos
1/2 1,29 0,31 5,35 0,726
1/3 0,45 0,08 2,69 0,384
2/3 0,35 0,06 1,97 0,235
Dficit Ateno/Transtorno
hiperatividade
1/2 0,74 0,27 2,00 0,550
1/3 17,47* 2,11 144,91 0,008
2/3 23,69* 2,84 197,34 0,003
Transtorno de Conduta
1/2 0,88 0,34 2,29 0,794
1/3 27,65* 3,33 229,30 0,002
2/3 31,43* 3,82 258,41 0,001
98
entre o GRUPO 3 com relao aos demais (GRUPOS 1 e 2, sendo esses similares entre
si).
Em Transtornos Afetivos e Transtorno Opositor Desafiante, um percentual
em torno de 50% das crianas dos GRUPOS 1 e 2 apresentaram nos escores limtrofes
ou clnicos, sendo que no GRUPO 3 quase 100% apresentaram escores normais.
Quanto a Dficit Ateno/Transtorno Hiperatividade, os GRUPOS 1 e 2
apresentaram um percentual significativamente superior ao GRUPO 3 nos escores
limtrofes ou clnicos. As crianas do GRUPO 1 teriam 17 vezes mais chances de serem
classificadas com escores clnicos ou limtrofes e as do GRUPO 2, em comparao ao 3,
23 vezes mais chances.
No que se refere a Transtorno de Conduta, os GRUPOS 1 e 2 apresentaram
um percentual significativamente superior de crianas, em comparao ao GRUPO 3, na
faixa limtrofe ou clnica, sendo que no GRUPO 1 elas teriam 27 vezes mais chance de
serem classificadas em nvel limtrofe ou clnico nessa varivel, em comparao ao
GRUPO 3, e no GRUPO 2, as crianas teriam 31 vezes mais chances.
99
3.6 Teste de Desempenho Escolar TDE
Aritmtica
Superior 1 3,33 0 0 10 33,33
Mdia 4 13,33 8 26,67 18 60
Inferior 25 83,33 22 73,33 2 6,67
Leitura
Superior 0 0 0 0 8 26,67
Mdia 4 13,33 2 6,67 19 63,33
Inferior 26 86,67 28 93,33 3 10
Total
Superior 0 0 0 0 9 30
Mdia 4 13,33 4 13,33 19 63,33
Inferior 26 86,67 26 86,67 2 6,67
100
Tabela 23- Estimativas de Odds Ratio e p-valor referentes ao modelo de Regresso
Logstica Multinomial Ordinal para as variveis do questionrio TDE
GRUPOS OR IC (95%) p-valor
Escrita
1/2 1,22 0,36 4,16 0,756
1/3 66,00* 12,18 357,66 <0,001
2/3 54,29* 10,29 286,41 <0,001
Aritmtica
1/2 2,04 0,58 7,21 0,267
1/3 19,11* 5,68 64,26 <0,001
2/3 9,36* 3,14 27,90 <0,001
Leitura
1/2 0,47 0,08 2,76 0,400
1/3 64,04* 13,09 313,40 <0,001
2/3 137,44* 21,27 887,95 <0,001
Total
1/2 1,00 0,23 4,43 1,000
1/3 103,93* 17,56 615,19 <0,001
2/3 103,93* 17,56 615,19 <0,001
101
e as crianas do GRUPO 2 tambm teriam 104 vezes mais chances de apresentar nveis
inferiores nessas competncias, em relao ao GRUPO 3.
102
103
4. DISCUSSO
104
cedida, sendo que a maioria habita em casa alugada ou cedida, e os grupos no se
diferiram no que se refere ao fato de morarem h mais de dois anos no mesmo endereo.
Os resultados similares eram esperados: os participantes dos GRUPOS 2 e 3
foram recrutados levando-se em conta a indicao, feita por professores, de crianas que
estudavam na mesma escola/sala de aula, habitando, portanto, na mesma regio/bairro
da cidade, o que garantiu certa homogeneidade aos grupos. Buscando-se tambm o
pareamento ao GRUPO 1 (formado por crianas notificadas ao Conselho), as indicaes
dos professores desse grupo foram realizadas a partir de escolas localizadas nos mesmos
bairros ou bairros similares dos outros grupos.
Resultados similares eram esperados, pois na indicao dos participantes feita
pelos professores na formao dos GRUPOS 2 e 3 foi realizada levando-se em conta
crianas que estudavam na mesma escola/sala de aula, portanto era esperado que
morassem no mesmo bairro e apresentassem condies econmicas semelhantes.
Buscando-se tambm o pareamento ao GRUPO 1 (formado por crianas notificadas ao
Conselho), as indicaes dos professores desse grupo foram realizadas a partir de
escolas localizadas nos mesmos bairros ou bairros similares dos outros grupos.
Contudo, deve-se frisar que em outras variveis de caracterizao
sociodemogrfica, os resultados indicaram similitudes entre os GRUPOS 1 e 2, em
contraste ao GRUPO 3, podendo-se afirmar, sobre isso, que nos GRUPOS 1 e 2
encontrar-se-ia um maior nmero de associaes a fatores que, segundo a literatura
especializada, atuariam no sentido de incrementarem as chances de maus-tratos
acontecerem (BRINGIOTTI, 2000).
Por exemplo, no que respeita ao nvel de escolaridade dos
respondentes/cuidadores, observou-se similaridade entre os GRUPOS 1 e 2 (os grupos
de crianas suspeitas de viverem negligncia), os quais apresentaram respectivamente
mdia de 4,53 e 5,07 anos de estudo, diferenciando-se significativamente dos
respondentes/cuidadores do GRUPO 3 (o grupo de crianas no negligenciadas) para o
qual a mdia de anos de estudo foi de 9,43. Esse dado coincide com o de diversas
pesquisas que mostram que quanto menor o grau de escolaridade dos cuidadores maior
o risco para os maus-tratos infantis (MARTINS, 2010; MAYER et al., 2007;
ZIELINSK, 2009).
Como reflexo e associado ao baixo nvel de escolaridade tem-se tambm o tipo
de emprego do cuidador e sua renda. No presente estudo, o GRUPO 1 foi diferiu dos
GRUPOS 2 e 3, que foram similares quanto ao fato de o participante trabalhar, sendo
105
que apenas 7 cuidadores do GRUPO 1 relataram possuir um emprego; em contrapartida,
16 e 20 cuidadores relataram trabalhar nos GRUPOS 2 e 3 respectivamente. Importante
colocar ainda que o tipo de trabalho exercido pelos cuidadores dos GRUPOS 1 e 2
(crianas com suspeita de viverem negligncia) situa-se em mais da metade na categoria
braal, ficando o restante distribudo nas categorias tcnico mdio e prestadores de
servios, no havendo nenhuma referncia a trabalho requerendo nvel superior. Em
paralelo, no grupo de referncia (GRUPO 3) encontrou-se menos trabalhadores
braais, estando a maioria do grupo dividida nas categorias nvel superior, tcnico
mdio e prestador de servios.
Outro aspecto associado ao tipo de trabalho exercido, e ao nvel de escolaridade
dos adultos responsveis, renda familiar, sendo que no grupo de referncia a maioria
das famlias dos cuidadores recebe entre dois e trs salrios, ou acima de trs salrios,
enquanto que as famlias dos GRUPOS 1 e 2 recebem, em sua maioria, entre um e dois
salrios. Os resultados do presente estudo coincidem com os de um estudo descritivo,
observacional, realizado no perodo de 1997 a 2006, por Silvany et al. (2011), em um
hospital peditrico de Salvador, cujo objetivo era verificar a ocorrncia dos maus-tratos
e os fatores associados. Neste, constatou-se que a maioria das crianas maltratadas seria
negligenciada (57,95% dos casos) e que as caractersticas familiares mais marcantes
seriam o baixo nvel de escolaridade dos pais, sendo que a maioria dos cuidadores
estava desempregada ou inserida no mercado informal de trabalho, havendo ainda
indicao, por alguns dos cuidadores, de fazerem uso de bebida alcolica diariamente.
A associao entre o baixo nvel de escolaridade, desemprego ou subempregos
(com piores remuneraes), e consequentemente faixas salariais mais baixas, gera um
baixo status socioeconmico familiar, o que constitui fator de risco para maus-tratos de
crianas e adolescentes. Ademais, tem-se demonstrado que o abuso e a negligncia na
infncia tambm afetam o bem-estar socioeconmico na idade adulta, fazendo com que
o ciclo dificuldade socioeconmica e violncia familiar se repita de uma gerao a outra
(ZIELINSK, 2009).
Todavia, o baixo status socioeconmico, e dentro disso, a pobreza, apesar de
estar presente na maioria dos casos de negligncia, por si s no a explica. A
negligncia sempre est associada a dficits de comportamentos parentais de cuidados
com a criana, o que, por vezes, tambm pode acometer famlias que no tm
dificuldades socioeconmicas, destacando a importncia em se observar se as falhas nos
cuidados infantis resultam ou no de condies de vida (BAZON et al., 2010;
106
CAVALCANTE; GOLDSON, 2009; SLACK et al., 2004). No entanto, possvel
afirmar que as famlias em situao de pobreza vivem em condies menos favorveis
que so facilitadoras de maus-tratos. No entanto, possvel afirmar que as famlias em
situao de pobreza vivem em condies menos favorveis, que so facilitadoras de
maus-tratos devido ao estresse gerado pelas dificuldades materiais. Assim, a pobreza
um importante fator de risco para a negligncia infantil (MANSO, 2002; MERRIT,
2009; PIRES; MYAZAKI, 2005).
Como coloca Silvany et al (2011, p.32):
107
de servios, apoiadores das famlias, facilitadores de socializao e dos cuidados a
serem dispensados s crianas. No presente estudo, devido ao pareamento, o resultado
encontrado quanto satisfao/insatisfao com o bairro de residncia pode estar
revelando outro aspecto, o do cuidador no ter acesso ou no interagir a contento com o
que o bairro oferece, muitas vezes por dificuldades e/ou incapacidades pessoais para o
aproveitamento dos recursos oferecidos (BAZON et al., 2010; LACHARIT; THIER;
NOLIN, 2006).
Ter a percepo de que o entorno social apoiador e propicia condies de
desenvolvimento tanto pra si prprio enquanto cuidador, como para as crianas,
importante na medida em que favorece a busca por apoio em diferentes situaes como,
por exemplo, nos cuidados com os filhos. Ao contrrio, o isolamento social limita e
prejudica a relao familiar com a comunidade e tambm no interior da prpria famlia
(BAZON et al 2010; KENDALL-TACKET; ECKENRODE, 1996; LACHARIT;
THIER; NOLIN, 2006;). Kendall-Tacket e Eckenrode (1996) tambm colocam que os
efeitos negativos da negligncia sobre a criana podem ser diminudos quando esta tem
acesso e desfruta de recursos de apoio da comunidade. Lacharit, thier e Nolin (2006)
tambm relatam que muito importante existirem relaes positivas entre as crianas, a
famlia e o meio social para que essas crianas se desenvolvam normalmente, sendo que
a negligncia para com essas crianas pode ser mais forte se no houver essa interao.
Nessa direo, denota-se uma relao entre falta de apoio social e potencial de
maus-tratos criana. As redes sociais podem afetar as relaes entre pais e filhos na
medida em que a famlia conta ou no com os amigos e outros apoios formais no
entorno social prximo; se a rede existe e utilizada como um recurso, o estresse
familiar moderado por esses fatores, o que incrementa sua capacidade de
enfrentamento s adversidades, com o acesso a recursos e servios, alguns destinados a
ajudar as necessidades bsicas e cuidados infantis (MERRIT, 2009).
Como relata Lordelo et al. (2000, p.73):
108
Em relao a dados levantados sobre bem estar e sade dos cuidadores,
especificamente no que se refere ao uso de lcool e outras drogas, todos os cuidadores
responderam no fazerem uso de drogas ilcitas, embora, no que se refere ao consumo
de lcool, houve diferena significativa entre os GRUPOS 1 e 2, em comparao ao
GRUPO 3, denotando-se maior consumo nos dois primeiros grupos. Algumas pesquisas
tm mostrado relao entre maus-tratos infantis e o alcoolismo por parte dos cuidadores,
sendo que o uso de bebidas alcolicas um fator de risco para a acentuao de punies
severas ou de descaso para com as crianas (CHENG; LO, 2010; MAYER, 2007;
REPPOLD et. al, 2002).
importante observar que os dados sobre a sade e hbitos dos respondentes
foram coletados sob a declarao dos mesmos, sendo que em nenhum momento
procedeu-se verificao das respostas por qualquer outro meio.
No que concerne aspectos envolvendo a maternidade, houve diferena
significativa entre os participantes dos trs grupos relativa ao fato de terem planejado a
gravidez. Sobre terem feito o pr-natal houve diferena significativa entre o GRUPO 1 e
os outros grupos. No que se refere a ter ajuda para cuidar do primeiro filho os GRUPOS
1 e 2 foram similares e apresentaram diferena significativa em relao ao GRUPO 3.
Os aspectos relativos maternidade apresentaram diferenas entre os GRUPOS 1 e 2
em relao ao GRUPO 3, sendo que os GRUPOS 1 e 2 apresentaram similaridade,
diferindo apenas quanto ter feito ou no o pr-natal, sendo que no GRUPO 1 quase
metade das mes relataram no o terem feito. Esses resultados corroboram
apontamentos da literatura sobre fatores de risco para negligncia, como por exemplo, o
fato de o perodo o perodo gestacional ser marcado por poucos cuidados por parte do
cuidador (MAIA; WILLIAMS, 2005).
Verifica-se tambm pelos resultados que houve diferena significativa na idade
em que a me teve o primeiro filho nos trs grupos, sendo que as mes dos grupos de
crianas suspeitas de viverem negligncia (GRUPOS 1 e 2) teriam tido seu primeiro
filho, em mdia, antes dos vinte anos, diferentemente das mes do GRUPO 3, as quais
teriam tido, em mdia, aps os 20 anos. Ter o filho antes dos 20 anos de idade
apontado, em diferentes pesquisas, como um importante indicador de risco para os
maus-tratos infantis, especialmente, associado negligncia, sobretudo na ausncia de
apoio social (BAZON 2006; MAYER et al., 2007; RIOS; WILLIAMS, AIELLO,
2007). Nesse quadro, Rios, Williams e Aiello (2007) alertam para a necessidade de
109
programas de interveno que possam auxiliar as mes muitos jovens na aquisio de
habilidades parentais que auxiliem o cuidado com seus filhos.
No tocante ao potencial de risco de abuso dos cuidadores, avaliado com a
aplicao do instrumento CAP, e tambm por meio dos indicadores de negligncia,
obtidos com a aplicao do Child Neglect Index, os resultados obtidos junto aos casos
que compuseram o GRUPO 2 desse estudo, formado a partir de crianas indicadas pelos
professores como sendo suspeitas de sofrerem negligncia, foram similares aos do
GRUPO 1, cuja situao teria sido notificada aos Conselhos Tutelares. No CAP, na
escala de abuso, os cuidadores dos GRUPOS 1 e 2 diferiram significativamente dos
cuidadores do grupo de referncia (GRUPO 3), tendo-se verificado escores mdios
muito altos nesses, 359 e 318 pontos, respectivamente. Segundo estudos realizados, o
escore igual ou acima de 215 considerado risco elevado para abuso e negligncia
(BRGAMO et al., 2009; RIOS, 2010). Resultados to superiores a tal nota de corte
indicam que nos grupos clnicos, os cuidadores responsveis apresentam caractersticas
psicolgicas e psicorrelacionais que constituem risco para os maus-tratos para com as
crianas. Em contraposio, no grupo de referncia, a mdia de pontos na escala de
abuso foi 187, bastante diferente dos grupos clnicos e abaixo da nota de corte
americana (214), o que indicaria baixo potencial de risco para os maus-tratos
(BRGAMO et al. 2009; RIOS, 2010).
Na mesma direo, o Child Neglect Index mostrou similaridades entre os
GRUPOS 1 e 2, indicando que as crianas desses viveriam mais recorrentemente
situaes que podem caracterizar negligncia, diferentemente do GRUPO 3, para o qual
o ndice de ocorrncia dessas situaes seria significativamente menor. Os altos escores
obtidos para os GRUPOS 1 e 2 apontaram a presena de indicadores relacionados falta
de superviso parental referentes a cuidados com alimentao, vestimenta e higiene,
com a sade fsica e sade mental das crianas, bem como com a educao e o
desenvolvimento destas, o que, de acordo com vrios autores comporiam a negligncia
infantil, segundo dados da literatura (LACHARIT; THIER; NOLIN, 2006;
REPPOLD et al., 2002; WHO/ISPCAN, 2006). O Child Neglect Index utilizado em
diferentes pases e auxilia diferentes segmentos profissionais na identificao de
crianas negligenciadas (NOLIN, 2004; STRAUSS; KANDOR, 2005; SULLIVAN,
2000; TROCM, 1996).
Em suma, o conjunto dos resultados atinentes aos fatores de risco presentes e
ausentes para os grupos em estudo, em contraste ao grupo de referncia (3), permite
110
afirmar que nestes, de modo muito semelhante, h uma conjuno de caractersticas
sociodemogrficas, socioeconmicas e psicossociais, as quais esto associadas ao
incremento das chances de os maus-tratos infantis acontecerem nessas famlias. Na
ausncia de procedimentos de diagnstico dos casos selecionados para o estudo, esses
resultados, alm de trazerem luz aspectos das vivncias infantis, asseguram que os
grupos clnicos investigados na presente pesquisa so representativos da problemtica
em foco, a negligncia, e se diferenciam significativamente do grupo de referncia.
Nesse plano, importante fazer determinadas consideraes sobre o GRUPO 2,
especificamente. Conforme mencionado, este, muito semelhantemente ao GRUPO 1,
composto por casos caracterizados pela presena de inmeros fatores de risco.
Obviamente que a presena de fatores de risco, por si s, no garante que haja a
problemtica instalada, porm, o grupo foi composto por casos em que havia, por parte
de educadores/professores, suspeita de negligncia, embora nunca tivessem sido
notificados s agncias de proteo. Nesse sentido, vale colocar a questo do porqu
no haver notificao desses casos. Essa falta se deve to somente a caractersticas do
sistema educacional ou refere-se tambm a determinadas caractersticas dos prprios
casos? Com base nos resultados obtidos, no presente estudo, preciso cogitar que o
problema maior, ao menos no que se refere ao sistema educacional, no tanto a falta
de preparo dos professores para detectar os maus-tratos (a negligncia, em particular),
mas para notificar.
Sabe-se que o nmero de casos notificados de maus-tratos infantis bem menor
do que ocorre na realidade, sendo que apenas uma parte dos casos encaminhada aos
servios de proteo. Em torno de 65% dos casos de maus-tratos no so reportados,
muitas vezes isso ocorre porque os profissionais que poderiam efetuar a notificao
deixam de faz-lo por falta de preparo, por lacunas tericas na formao do profissional,
entre outras razes (FERREIRA, 2005; MARTINS, 2010; MATHEWS; BROSS, 2008;
THEODORE et al., 2007). Smith (2010) afirma que cerca de somente 30% dos
professores que trabalham diretamente e diariamente com as crianas procedem
notificao de casos de que suspeitam de maus-tratos, e apenas em torno de 20% o
fazem adequadamente. O autor coloca ainda que h falta de preparo e pouco
treinamento nas escolas sobre as questes e os sinais (os indicadores) dos maus-tratos
infantis. Os professores fazem mais notificaes sobre abuso fsico porque, em geral,
consideram mais graves as formas de maus-tratos que deixam marcas visveis no corpo,
111
tendendo a perceber a negligncia como uma forma menos sria que as outras, em
termos de danos causados.
No que concerne notificao, especificamente, as indicaes dos professores
que participaram do presente estudo foram muito pertinentes, o que era esperado,
conforme alguns estudos (BAZON, 2006; SMITH, 2010). A convivncia diria com as
crianas e o tempo passado com as mesmas um grande facilitador para o
reconhecimento dos maus-tatos. De acordo com Smith (2010), as notificaes feitas por
professores so duas vezes mais pertinentes que as realizadas por profissionais de outras
reas, sendo essas baseadas em dados mais substanciais. No que concerne negligncia,
particularmente, os profissionais da educao, tambm devido convivncia com a
criana e algum contato direto ou indireto com a famlia, teriam mais recursos para
detect-la. Assim, o maior problema, de fato, reside na notificao, podendo-se afirmar
que h um processo de seletividade nas notificaes feitas no setor educacional. Nesse
nvel, outra questo importante poderia ser colocada: seria a seletividade dos
professores baseada na anlise das consequncias negativas da negligncia percebidas
no desenvolvimento infantil, no tipo e na intensidade dessas consequncias? Esta
pressupe que, eventualmente, os casos no notificados seriam avaliados como
portadores de menos consequncias ou consequncias no significativas, conforme
aponta Gracia (1995). A resposta a essa questo pode ser formulada com base nos
resultados discutidos a seguir.
112
113
4.2 Desenvolvimento Psicossocial e Acadmico: as Consequncias da
Negligncia para as Crianas Estudadas
114
preditor de problemas comportamentais externalizantes, sendo que os mesmos podem
ser reforados por prticas familiares inadequadas.
A existncia de problemas de comportamento externalizantes nas crianas
suspeitas de sofrerem negligncia uma questo importante, pois, em geral, estes geram
respostas tambm inadequadas no ambiente, o que tende a agravar problemas de
socializao, os quais podem se arrastar de uma etapa a outra do desenvolvimento.
Esses problemas comportamentais, no contexto escolar, muitas vezes encontram-se
associados a dificuldades de adaptao nesse ambiente e, consequentemente, podem
causar problemas de aprendizagem (SANTOS; GRAMINHA, 2006)
Direcionando a ateno para problemas de comportamento internalizantes,
reitera-se que estes podem ser descritos em termos de padres comportamentais
privados desajustados, denominados tambm de problemas emocionais, como tristeza e
isolamento (BORSA; NUNES, 2008). Nos instrumentos CBCL e TRF, os problemas de
comportamento internalizantes correspondem s escalas de problemas de
comportamento de ansiedade e depresso, de isolamento e depresso e de queixas
somticas.
Nesse tocante, os resultados obtidos no presente estudo, por meio da aplicao
do instrumento CBCL, mostraram que as crianas dos trs grupos, avaliadas pelos seus
cuidadores/responsveis, no apresentariam diferenas significativas no plano da
sndrome ansiedade/depresso, mas apresentariam no da sndrome
isolamento/depresso, sendo as crianas do grupo de referncia diferentes
significativamente perante as crianas dos outros grupos, similares entre si, as quais
teriam sido predominantemente avaliadas com escores clnicos e limtrofes. Quanto
sndrome queixa somticas, a diferena significativa existiria apenas entre as crianas
dos GRUPOS 2 e 3, mas no entre os outros grupos.
Na somatria total para a escala Problemas Internalizantes, para o instrumento
CBCL, os resultados encontrados revelam a no existncia de diferenas significativas
entre as crianas dos trs grupos. No entanto, como descrito nos resultados, as crianas
do grupo de referncia apresentaram em sua maioria escores normais, ao contrrio do
que ocorreu nos GRUPOS 1 e 2, onde as crianas apresentaram maior percentual nos
escores limtrofes e clnicos, ressaltando-se que no GRUPO 2 (crianas negligenciadas,
mas no notificadas ao Conselho Tutelar) h uma maior concentrao de crianas
pontuando escores considerados clnicos.
115
Na tica dos professores, segundo o instrumento TRF, concernindo os resultados
relativos ansiedade/depresso, a totalidade das crianas do grupo de referncia
apresentaria indicadores em nveis normais, diferentemente das crianas dos GRUPOS
1 e 2, as quais apresentariam escores limtrofes e clnicos de 43% e 30%
respectivamente, ocorrendo o mesmo na sndrome isolamento/depresso, na qual todas
as crianas do grupo de referncia apresentariam escores normais, ao passo que as dos
GRUPOS 1 e 2 apresentariam escores limtrofes e clnicos de 53% e 37%,
respectivamente.
Na somatria, no instrumento TRF, a totalidade das crianas no grupo de
referncia apresentariam escores normais, ao passo que mais de 50% das crianas dos
GRUPOS 1 e 2 teriam sido avaliadas de tal modo a apresentarem escores em nveis
limtrofes e clnicos.
A identificao dos problemas internalizantes muito importante, pois tambm
acarretam inmeras outras consequncias negativas para o indivduo, associando-se a
sofrimento. Esses, entretanto, muitas vezes, so de mais difcil identificao, uma vez
que, pela sua natureza, remetem a comportamentos que no exercem um impacto direto
no ambiente, restringindo-se ao mundo interno da criana. Nesse sentido, a no
diferena encontrada entre os grupos nas anlises dos dados coletados com o CBCL (em
contraposio ao TRF), pode mais propriamente revelar uma dificuldade do observador
que responde ao instrumento que, no caso, so os cuidadores/responsveis. Isso faz mais
sentido se se considera que a relao entre esses e a criana caracterizada por um grau
considervel de desengajamento/distanciamento, o que constitui uma marca da
negligncia. Com base nisso, pode-se supor que a deteco de dificuldades/necessidades
infantis que se revelariam de modo mais sutil no ambiente (em contraposio
manifestao dos problemas externalizantes), representativas de problemas
internalizantes, seria muito mais difcil para pais negligentes.
De todo modo, pode-se dizer que os comportamentos infantis detectados e
assinalados neste estudo so consistentes com o quadro descrito por Ethier, Lemelin e
Lacharit (2004), que demonstraram relaes entre negligncia e depresso. Esses
autores relatam que quando as crianas sofrem maus-tratos de forma crnica h maior
probabilidade de apresentarem mais problemas emocionais que seus pares em situaes
transitrias de maus-tratos.
Interessante observar que no GRUPO 2 encontrou-se uma maior proporo de
crianas que apresentariam problemas internalizantes, avaliadas com escores clnicos no
116
instrumento CBCL, apesar disso no apresentar-se como estatisticamente significativo
(denotando-se somente uma tendncia significncia). Ressalta-se que os problemas
internalizantes podem afetar sobremaneira o desenvolvimento infantil e futuro,
ocasionando depresso na adolescncia e, em alguns casos, aumentando a probabilidade
de suicdio (BRAQUEHAIS et al., 2010; DUKE et al., 2010; WRIGHT; CRAWFORD;
DEL CASTILLO, 2009) e tambm de uso abusivo de drogas e lcool (CHENG; LO,
2010; LACHARIT, THIER E NOLIN, 2006). Duke et. al. (2010) relatam que
experincias na infncia, como a negligncia acentuada, acarretam problemas no
desenvolvimento da crianca, por causarem alteraes no hipotlamo-hipfise-adrenal,
devido ao estresse, que podem gerar maior risco de suicdio na adolescncia e na vida
adulta, na mesma direo de Braquehais et al. (2010), os quais afirmam que a histria da
criana negligenciada e/ou abusada afeta o desenvolvimento neuropsicolgico do
indivduo e, com isso, verifica-se risco aumentado de comportamento suicida no futuro.
As sndromes compreendidas nas escalas de Problemas de Comportamento
Internalizante e Problemas de Comportamento Externalizante compem a escala total de
Problemas de Comportamento, a qual ainda se agrega problemas sociais, problemas de
pensamento e problemas de ateno (BORDIN; MARI; CAIERO, 1995; BORSA;
NUNES, 2008). Nesse tocante (Problemas Totais), com base nas avaliaes efetuadas
com ambos os instrumentos, as crianas dos GRUPOS 1 e 2 teriam resultados similares,
com maior percentual delas pontuando em escores clnicos, o que diferenciaria esses
grupos do de referncia, no qual o maior percentual teria sido avaliado com ndices em
nveis normais.
Em sntese, as crianas participantes dessa pesquisa, suspeitas de serem
negligenciadas, apresentariam manifestaes relativas a problemas de comportamento
em nveis significativamente superiores a crianas sem suspeita de negligncia. Esses
resultados corroboram apontamentos feitos por outros autores que relatam que as
formas de maus-tratos, incluindo a negligncia, podem ocasionar consequncias
psicolgicas, aumentando o risco de problemas de comportamento e de depresso na
adolescncia (IGARASHI et al., 2010; THORNBERRY et al., 2010; ZIELENSKI et al.,
2009). Na literatura, encontramos indicaes de que prticas parentais inadequadas e
experincias adversas na infncia so fatores de risco para problemas de
comportamentos (DUKE et. al., 2010; KENDALL-TACKET, 1996; PESCE, 2009). Os
danos ao desenvolvimento infantil podem ocorrer a curto, mdio e longo prazo,
causando maior risco, na adolescncia e vida adulta, de comportamento agressivo, atos
117
de violncia, dificuldades de adaptao social e a novas situaes, transtornos de
ansiedade e de humor e uso de drogas (CHENG; LO, 2010; LACHARIT; THIER;
NOLIN, 2006; PESCE, 2009).
Lacharit, thier e Nolin (2006) alertam que a criana negligenciada, em idade
escolar, pode apresentar problemas de comportamento que interferem em sua
aprendizagem e com isso ter prejudicado seu sucesso escolar. A relao entre as
problemticas fracasso escolar e problemas de comportamento (principalmente
problemas de comportamento externalizantes) frisada por Elias e Marturano (2004),
que alertam para a ocorrncia de forte associao entre essas, condio que gera grande
vulnerabilidade para o desenvolvimento da criana, em curto, mdio e longo prazo
tambm.
Com base nas informaes coletadas com os instrumentos CBCL e TRF, obtm-
se informaes relativas a transtornos mentais, os quais tambm revelam problemas de
desenvolvimento. Os transtornos mentais aferidos so transtornos afetivos, transtornos
de ansiedade, problemas somticos, dficit de ateno/transtorno hiperatividade,
transtorno opositor desafiante e transtorno de conduta.
Nas avaliaes realizadas com o instrumento CBCL, o grupo de referncia
(GRUPO 3) apresentou-se significativamente diferente dos outros dois grupos no que
se refere a dficit de ateno/transtorno hiperatividade, transtorno opositor desafiante e
transtorno de conduta. Nas avaliaes feitas com o instrumento TRF, os grupos, do
mesmo modo, mostraram-se significativamente diferentes no tocante a transtornos
afetivos, dficit ateno/transtorno hiperatividade, transtorno opositor desafiante e
transtorno de conduta. Em praticamente todos os transtorno mentais, avaliados pelos
dois instrumentos CBCL e TRF, as crianas do grupo de referncia pontuaram
predominantemente escores normais, enquanto as crianas dos GRUPOS 1 e 2
apresentaram escores em nveis limtrofes e clnicos em mais de 50% das vezes,
exceo de problemas somticos, transtorno nos quais os escores obtidos nos trs
grupos foram similares.
Destaca-se que nas variveis transtornos afetivos e transtorno opositor
desafiante, as crianas dos GRUPOS 1 e 2 apresentariam um percentual em torno de
50% nos escores limtrofes ou clnicos, sendo que no GRUPO 3 quase 100% das
crianas apresentariam escores normais. Tais resultados corroboram os encontrados
Duke et al (2010), os quais denotam que o abuso e a negligncia infantil sugerem a falta
de cuidados parentais, quando adicionados a outros fatores de vulnerabilidade como a
118
pobreza e falta de sistemas de apoio formal e informal, pode acentuar os problemas de
comportamento e afetar sobremaneira o desenvolvimento psicolgico das vtimas. Entre
as consequncias advindas da negligncia dos pais/cuidadores, muitas crianas e
adolescentes submetidos a essa adversidade apresentariam aumento da agressividade,
altos ndices de ansiedade, depresso e tendncias suicidas, e a longo prazo, tanto na
adolescncia como na fase adulta, um maior nmero de transtornos psiquitricos
(ABRAMOVICH, 2008; BRAQUEHAIS et al., 2010; FORMOSINHO; ARAJO,
2002; WRIGHT; CRAWFORD; DEL CASTILLO, 2009). Braquehais et al. (2010)
relatam que a negligncia e o abuso podem resultar em dficits cognitivos e
neurocomportamentais, apresentando-se como significantes preditores de diagnstico de
desordem dissociativa. Os autores colocam ainda que h forte evidncia de efeitos do
trauma infantil advindo da negligncia e do abuso, refletindo no funcionamento cerebral
de crianas e adolescentes, como o crescimento da impulsividade e a falta de
habilidades do crebro para inibir as aes negativas, o que resulta em dificuldades para
modular emoes e relacionamentos.
119
4.2.2 O Desenvolvimento Escolar das Crianas Estudadas: Desempenho
Acadmico
120
todo o processo de aprendizado escolar, aumentando as chances de fracasso para esses
grupos, como encontrado em diversos relatos da literatura (DOCKRELL; MCSHANE,
2000; HUGHES; KWOK, 2007; MARTURANO; TRIVELLATO-FERREIRA;
GARDINAL, 2009; PASIAN; DE ROSE, 2011).
Como pano de fundo existncia de tantas dificuldades para a consecuo das
aquisies escolares esperadas, pode-se cogitar os eventuais problemas de apego que as
crianas suspeitas de viverem negligncia possuem. Conforme indica a literatura, o
desenvolvimento do apego uma condio fundamental ao desenvolvimento infantil,
sendo que crianas negligenciadas estariam mais sujeitas a situaes dificultadoras do
estabelecimento de um vnculo seguro com seus cuidadores. A experincia de apego
seguro seria fundamental na infncia para um desenvolvimento adequado, favorecendo
a adaptao do indivduo aos diversos ambientes e em diferentes fases de sua vida (DE
BELLIS, 2005; THIER; LEMELIN; LACHARIT, 2004; GLASER, 2002;
LACHARIT, 2003; LETARTE; NORMANDEAUB; ALLARDB, 2010; TOTH;
CICCHETTI, 2005; WRIGHT et al, 2009).
Marturano e Ferreira (2004, p. 219-220), nessa direo, fazem uma colocao
relativa aos pr-requisitos necessrios criana, no ingresso na escola:
121
causando-lhe danos que podem ter reflexo no ambiente escolar, o que pode ajudar a
esclarecer os baixos escores obtidos pelos GRUPOS 1 e 2 na presente pesquisa,
referente ao desempenho escolar. De acordo com os autores, a criana pode apresentar,
no perodo pr-escolar e escolar, atrasos de funes neurolgicas como ateno,
concentrao, memria e planejamento, dificuldades de concentrao e de planejamento
de seu trabalho, o que ir refletir em fracassos na sua escolarizao. Os autores ainda
colocam que a criana negligenciada nesse perodo apresenta mais dificuldades para se
socializar e criar vnculos de afeio com seus pares e professores.
O desempenho da criana no incio da escolarizao pode influenciar toda a
trajetria escolar. O baixo desempenho escolar da criana, principalmente no incio de
escolarizao, pode causar danos autoestima, problemas na interao social,
problemas de comportamento e consequncias negativas que podem influenciar
negativamente diversos aspectos de sua vida (BONAMINO; COSCARELLI; FRANCO,
2002; MENDES et al., 2009; PASIAN, 2004; STROMQUIST, 2001).
As crianas participantes deste trabalho alm dos baixos escores apresentados no
teste de desempenho escolar ainda passam pela adversidade de viverem merc da
negligncia para com elas. Sua autoestima prejudica por diferentes vias, pela
negligncia vivenciada e pelo seu baixo desempenho escolar. Medeiros e Loureiro
(2004, p. 108) relatam:
122
autoconfiana, deixando, muitas vezes, de realizar atividades propostas ou de tentar
resolver problemas e conflitos que aparecem em seu cotidiano, por achar que no
capaz de enfrent-los com xito, ficando mais e mais suscetvel ao insucesso
(DOCKRELL; MCSHANE, 2000; MEDEIROS; LOUREIRO, 2004; PASIAN; DE
ROSE, 2011).
No caso deste estudo, as crianas dos GRUPOS 1 e 2 apresentariam
notadamente mau desempenho escolar, pois apresentaram escores inferiores ao esperado
para a idade e ano escolar, sendo que o grupo de referncia apresentou esperados para
idade e ano escolar. Assim, h indcios fortes de associao entre a exposio das
crianas negligncia e prejuzos acadmicos, corroborando diversos estudos realizados
(GLASER, 2002; LACHARIT; THIER; NOLIN, 2006; MAYER et al 2007; NOLIN;
TURGEON, 2004; ZIELINSKI, 2009).
Sabe-se que problemas de aprendizagem podem gerar uma srie de
consequncias negativas para a vida da criana, sendo essas ainda mais graves se
associadas a outros fatores de risco para o seu desenvolvimento, no ambiente social e
familiar (DOCKRELL; MACSHANE, 2000, MAZER, BELLO; BAZON, 2009). A
identificao desses problemas normalmente acontece no ingresso das crianas na
escola no incio do ensino fundamental, em nossa realidade. As crianas com
dificuldades de aprendizagem encontram-se defasadas em importantes aspectos do
desenvolvimento geral, exigindo providncias para se tentar minimizar danos. A
identificao precoce e a remediao de eventuais dificuldades podem prevenir falhas
no aprendizado e no desenvolvimento (DOCKRELL; MCSHANE, 2000; MAZER;
BELLO; BAZON, 2009; OKANO et al., 2004; PASIAN; DE ROSE, 2011).
Dockrell e Mashane (2000) relatam que algumas dificuldades no aprendizado
das crianas so resultantes de problemas educacionais ou ambientais que no esto
necessariamente relacionadas s habilidades cognitivas da criana, sendo que uma
grande gama de variveis associadas ao ambiente familiar pode contribuir para o
surgimento de dificuldades de aprendizagem. As autoras colocam ainda que a
compreenso do papel do meio em que a criana vive muito importante para a
compreenso das dificuldades de aprendizagem que apresentam.
Os resultados do presente estudo revelaram que as crianas suspeitas de serem
negligenciadas apresentam nveis de aprendizado inferiores aos esperados, sendo que
crianas que apresentam dificuldades de aprendizagem precisam de suporte e apoio para
ganhar habilidades de enfrentamento das dificuldades para que possam super-las
123
(DOCKRELL; MCSHANE, 2000; PASIAN; DE ROSE, 2011). Como relata Marturano
e Ferreira (2004, p.220):
124
lembrando que a criana um ser desafiador, capaz de pensar, agir e procurar solues
(FERREIRO E TEBEROSKY, 1999).
125
5. CONSIDERAES FINAIS
126
risco associados a situaes desfavorveis economicamente revelam que as famlias que
vivem em situaes mais precrias esto em maior risco de negligenciarem seus filhos.
A isso se acresce o fato de essas famlias tambm utilizarem menos os servios de apoio
existente na comunidade, muitas vezes por apresentarem mais dificuldades pessoais
para saber como usufruir os mesmos. A falta de apoio e o isolamento social da famlia
apresentam-se, portanto, como fatores favorveis ocorrncia da negligncia infantil.
Nesse tocante, h o limite de no presente estudo ter-se lidado somente com e
informaes decorrentes de anlises comparativas, sendo que em futuras investigaes
deve-se proceder a anlises de correlao entre as diversas variveis privilegiadas de
modo a melhor entender as interaes entres as mesmas. De todo modo, parece patente
que, embora se defenda a ideia de que os maus-tratos acontecem em todas as classes
sociais, no se pode furtar obrigao de defender que haja polticas mais efetivas
visando diminuio da pobreza e melhor distribuio de renda, com vistas a melhorar
as condies de vida das crianas, pois estas parecem especialmente relevantes para a
manifestao da negligncia, sendo que a negligncia, por intermdio de suas
consequncias, parece ter um papel importante na perpetuao da pobreza, de uma
gerao a outra.
O estudo realizado ainda trouxe luz fato j demonstrado em outros estudos, o
de a comunidade escolar abster-se de notificar casos de crianas em relao s quais
se suspeita de negligncia (BAZON, 2006; VAGOSTELLO, 2006). O diferencial,
entretanto, que aqui se conseguiu demonstrar que os casos suspeitos e no
notificados remetiam, efetivamente, a crianas vivendo em contextos caracterizados
pela presena de fatores de risco associados aos maus-tratos significativos, sendo que
essas j estariam apresentando dificuldades importantes, psicossociais e acadmicas,
equivalentes s crianas notificadas aos rgos de proteo. Com isso, pode-se fazer
outra importante considerao: os professores investigados fizeram indicaes
altamente pertinentes de crianas suspeitas e no suspeitas de viverem negligncia,
aventando-se, assim, que os mesmos so bastante competentes para a identificao de
casos.
Obviamente, deve-se considerar que o nmero de professores participantes desse
estudo muito pequeno e no permite a generalizao dessa informao ao setor
educacional. Esse dado, porm, deve ser tomado em conta e orientar futuras
investigaes, considerando a importncia do papel a ser desempenhado pelo setor
educacional no sistema de proteo infantil.
127
No que se refere notificao, no h dvidas sobre o fato de que fomentar essa
ao no setor educacional um desafio a ser enfrentado por polticas pblicas
pertinentes, considerando ser esse gesto uma ao protetiva inicial, fundamental.
preciso salientar que o ato de notificar casos suspeitos de maus-tratos tem a
capacidade de instaurar os de mecanismos de proteo e programas de interveno, com
relao s crianas e famlia, para que os maus-tratos cessem e que os danos causados
sejam amenizados.
Infelizmente, o fenmeno da subnotificao dos maus-tratos infantis um
problema social significativo, sublinhado em diversos estudos brasileiros e
internacionais (BRINGIOTTI, 2000; GONALVES; FERREIRA; MARQUES,
2002; MARTINS, 2010; MATHEWS; BROSS, 2008; BAZON, 2006; SANTOS et
al., 2009; SMITH, 2010; THEODORE; RUNYAN; CHANG, 2007), sendo que parece
ser ainda maior com relao negligncia, talvez devido ao fato de essa modalidade de
maus-tratos ser considerada uma modalidade de menor relevncia, menos grave, no
senso comum (GRACIA, 1995), ou confundir-se com a pobreza na qual vivem muitas
famlias.
Pessoas leigas e muitos profissionais acreditam que a negligncia no provoque
consequncias importantes ao desenvolvimento da criana, porque ela caracterizada
mais propriamente pela omisso de comportamentos por parte dos pais/cuidadores,
diferentemente das outras formas de maus-tratos. A identificao e a caracterizao da
negligncia se tornam, portanto, mais difcil, sendo essa, muitas vezes, mal
compreendida, at mesmo pelos profissionais dos rgos de proteo, responsveis pelo
bem estar das crianas e adolescentes.
Nessa direo o presente estudo levantou tambm uma nova questo: sobre quais
critrios repousam as tomadas de deciso dos profissionais da educao com respeito a
quais casos de negligncia notificarem e quais no notificarem ao sistema de
proteo. Nos resultados por ns encontrados, verificou-se to somente que as crianas
suspeitas de serem negligenciadas, porm no notificadas, apresentaram maior
tendncia manifestao de problemas internalizantes, embora, tambm apresentassem,
tal como os casos notificados, problemas externalizantes em nveis significativos.
Ser interessante investigar o papel dessa caracterstica diferencial e outras variveis no
tocante ao ato da notificao no setor educacional.
Profissionais da rea da sade e educao podem contribuir de forma efetiva
para a reduo dos casos de maus-tratos infantis, fazendo as notificaes e estando
128
cientes da obrigatoriedade desse ato, para que possam ser tomadas medidas preventivas.
No entanto, para que isso ocorra de forma efetiva, necessrio que esses profissionais
recebam informaes e treinamento para reconhecer os fatores de risco associados e ter
cincia das consequncias advindas das crianas vtimas de negligncia.
Com isso, medidas preventivas e intervenes precoces para com os
pais/cuidadores poderiam ser ofertadas e beneficiar as crianas que se encontram
vulnerveis, evitando ou amenizando consequncias negativas ao seu desenvolvimento.
Crianas com dificuldades de aprendizagem que recebem estimulao adequada podem
ter melhoras no funcionamento cerebral e no seu desempenho escolar (FERREIRO E
TEBEROSKY, 1999; DOCKRELL; MCSHANE, 2000), sendo que isso pode ser
realizado no prprio ambiente onde vive, ou seja, na sua casa, na sua escola e em seu
entorno social.
129
REFERNCIAS
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