A Teoria Das Multiplicidades Na Obra de Deleuze & Guattari
A Teoria Das Multiplicidades Na Obra de Deleuze & Guattari
A Teoria Das Multiplicidades Na Obra de Deleuze & Guattari
RIBEIRO PRETO - SP
2006
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UNVERSIDADE DE SO PAULO
Reinaldo Furlan
RIBEIRO PRETO - SP
2006
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FICHA CATALOGRFICA
Sumrio
Resumo .........................................................................................................................................................4
Abstract ........................................................................................................................................................4
INTRODUO
CAPTULO 2: DESTERRITORIALIZAO
CONCLUSO............................................................................................................................................73
REFERNCIAS .........................................................................................................................................78
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Resumo
SARTI, Filipe Antonio (2006). A teoria das multiplicidades na obra de
Deleuze & Guattari: investigaes acerca de uma clnica esquizoanaltica.
Dissertao de Concluso do Programa de Ps-Graduao do
Departamento de Psicologia e Educao da Faculdade de Filosofia,
Cincias e Letras de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo, Ribeiro
Preto (Orientador: Prof. Dr. Reinaldo Furlan).
Abstract
Deleuze & Guattaris theory of multiplicities introduces a constructivist
project founded in a monism of pure intensities. The construction of a
multiplicity responds to the task of composition for an expression matter
able to effectuate a desterritorialization of the intensities, to promote the
heterogenesis of the qualities for an existential territory. The research
proposes an intuitive method which takes two lines: the critic line attends to
distinguish the differences of nature between heterogenic durations or the
articulations of the real; the clinic line attends to individuate the nature of
difference through experimentation. The objective is to get on a method of
precision for the analysis of relations between the intensities in a real
multiplicity, between the conservation of the past in the doubles of the
memory and the incarnation of the present in the redoubles of the matter.
The results suggest that the multiplicities are becomings through the
difference between the actual intensities and the virtual memory, between
the brain that contracts physical quantities and the sensitive qualities that
duplicates them in a brain-time multiplicity. These becomings form thus
time crystals, in which occurs an oscillation between actual and virtual.
INTRODUO
da obra Mil Plats (2002), de Gilles Deleuze e Flix Guattari. A pesquisa se prope a
sua obra, no sentido de colocar tanto o problema da crtica em termos clnicos, quanto o
problema da clnica em termos crticos. Mas isto no quer dizer que buscaremos no
pensamento deleuzeano uma relao dialtica entre essas duas reas de conhecimento:
com o objetivo de praticar uma filosofia inspirada no bergsonismo, uma filosofia que
objetivo de definir uma assinatura para a sua prpria filosofia. O bergsonismo permitiu
uma filosofia que afirma a diferena gentica entre a matria atual e a durao virtual.
Assim, a crtica da ontologia uma reviso dos princpios que levam ao recalque das
diferenciais que compem o real como uma multiplicidade, como uma articulao entre
desejo como produo da diferena e propem uma clnica do real na sua literalidade.
intensidades que se diferencia em funo das singularidades sensveis que ele integra.
este compreende a unidade do Ser, enquanto que aquelas compreendem blocos de devir.
entre existncias virtuais e heterogneas. nesse sentido que a crtica se mostra capaz
libertar dos sintomas e promover a sade. Como crtica da ontologia, a literatura ganha a
fora de uma prtica clnica, voltada para a transmutao dos valores que negam a vida
em valores que a afirmam. A sade como literatura, como escrita, consiste em inventar
um povo que falta (Ibid., p. 14). Nesse sentido, a clnica se mostra diretamente poltica,
faz em prol de uma clnica que se dedica anlise dos fenmenos e uma avaliao tica
dos sintomas em funo dos graus de intensificao da vida que neles se produzem.
como uma articulao de afetos singulares, como expresso de uma vida na imanncia.
Isto seria o essencial da investigao que propomos no primeiro captulo deste estudo:
tico capaz de orientar a clnica no sentido de potencializar a vida atravs dos processos
genealogia se apresenta nos seguintes termos: em Bergson, a crtica servia para eliminar
suas relaes de fora imanentes. O conceito de impulso vital nos permite analisar as
Essas diferenas seriam inseparveis dos mistos sem um mtodo capaz de capt-las no
real e seguir suas mutaes: Bergson chamava de intuio ao mtodo capaz diferenciar
O impulso vital opera como um vetor de diferenciao, como uma fora virtual
lentido. Assim, suas relaes variam segundo graus de potncia de afetar e ser afetado:
os fluxos quantitativos se diferenciam pela qualidade (ativa ou reativa) das foras que se
Deleuze e Guattari chamam esse mtodo de cartografia, pois ele tem por objetivo
A cartografia dos fluxos de desejo combina a anlise literal dos territrios com a
O conceito de ritornelo passa a operar diretamente no campo dos sintomas, uma vez que
permite avaliar a repetio que neles se atualiza em relao com a diferena que eles
mascaram, mas que permanece sempre enquanto potncia: trata-se de resgatar o sentido
mltiplo do sintoma atravs de uma anlise das singularidades sensveis que o constitui.
temas tratados nos captulos anteriores, especialmente aqueles que so mais importantes
de outras obras dos autores. A crtica e a clnica do pensamento passam ento a operar
em uma zona de transversalidade, uma vez que a afirmao do devir se define como
uma dupla afirmao: como afirmao mltipla do Ser (a memria como devir-reativo
A dialtica do Uno e do Mltiplo aparece como uma fonte de iluses na medida em que
prope noes muito gerais, imprprias para a anlise do real em suas particularidades.
composio para uma matria de expresso. Partindo de uma inspirao leibniziana para
A crtica busca pelo critrio de direito a partir do qual o pensamento poder ser
uma anlise diferencial entre intensidades puras, um mtodo que atenda ao ideal
anlise dos movimentos do pensamento, que entendemos aqui como uma pragmtica
das relaes entre as intensidades, das taxas de velocidade dos acontecimentos que se
1 . M U LT I P L I C I D A D E S R E A I S
maneira de introduzir a proposta de Mil Plats (2002). Tal conceito ocupa o ncleo de
uma crtica que se volta para a dialtica do Uno e do mltiplo, e neste sentido que se
pode dizer que Deleuze e Guattari realizam um autntico combate em defesa de uma
cincia nmade das multiplicidades reais. Assim, para comear essa investigao
preciso considerar alguns princpios filosficos que nos levam a conceber o mltiplo
representao que rene seus elementos na totalidade fechada do Uno superior (n+1)
de modo que cada relao remete a uma unidade transcendente em que todos os termos
proporcionalidade (a est para b como c est para d, etc., de modo cada correlao
Contudo, Deleuze e Guattari advertem que essas duas figuras do mltiplo so inspiradas
seguem as regras da lgica formal, que trata da aplicao de uma potncia formal ativa
sobre uma potncia material passiva. Segundo Deleuze e Guattari, esse modelo seria
qual o Uno no participa seno como subtrado (n-1). Nesse caso, o mltiplo no poder
ser apreendido por uma funo formal, mas, pelo contrrio, passar a valer plenamente
Uma das caractersticas mais importantes de um rizoma talvez seja a de ter sempre
mltiplas entradas (Ibid., p. 22). Esse mapa se ope ao decalque das representaes, ele
nmero que define o limite de seus componentes em um dado momento e em tal lugar.
com tudo, de modo que neles sempre se produz um aumento no nmero de conexes.
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Hilemorfismo. Doutrina de tradio aristotlica que prope a complementaridade entre forma
e contedo (hile). Servia aos escolsticos como princpio de determinao para toda substncia real.
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nem fim. Essas faixas de intensidade contnua compem plats que funcionam como
uma unidade mais estranha que se diz apenas do mltiplo (DELEUZE; GUATTARI,
para a conceituao de uma cincia das multiplicidades reais, pois ele nos permite expor
finito sempre que uma operao geomtrica de espacializao seja capaz de definir o
suplementar que traa esse limite dentro de um espao fechado em si mesmo como Uno.
Esse seria o nmero numerado que, segundo Deleuze e Guattari, sempre serviu para
dominar a matria, controlar suas variaes e seus movimentos (Id., 2002e, p. 64), ou
da correlao entre a lgebra e a geometria (Ibid., p.194) que permite a uma grandeza
e homognea (metron).
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Por outro lado, uma multiplicidade no muda o nmero de suas dimenses sem
Por exemplo, uma multiplicidade pode ser considerada como uma articulao
de dimenses variveis (Id., 2002e, p. 67). Nesse caso, o nmero tem a funo de
distribuir uma potncia de composio que age como um ritmo imanente prpria
multiplicidade que ele define. Esse nmero numerante agencia uma quantidade varivel
onde o limite corpreo essencialmente vago, sem deixar de ser rigorosamente real.
diretamente colada no real, assim como o real escreve materialmente (Id., 2002b, p.
100); sem ser tomado sob a referncia de uma unidade homognea, o nmero funciona
de dimenses do real, das quais o nmero apreende simplesmente uma cifra (nomos).
conceituao das multiplicidades reais? Antes, seria mais interessante propor uma
Logo de incio, teramos que delimitar o campo para uma geometria sedentria
dimenso suplementar: por definio, os teoremata da cincia rgia devem ser sempre
Mas para todas as eventuais fugas e rupturas a esse modelo restaria um campo
constituem o campo para uma cartografia ambulante, uma cincia nmade que no pra
ele traa um mapa que comporta linhas de fluxo, passagens e conexes entre dimenses
Segundo Deleuze e Guattari, essa escrita imanente deve ser dita literal porque sempre
espacializao como dois tipos de multiplicidade, pois isto nos levaria simplesmente a
trocar um dualismo clssico por outro, sem alcanar avano terico mais significativo.
Na verdade, parece-nos que o desafio maior de uma teoria das multiplicidades deve ser
experincia, que deve ser entendida como o correlato de uma esttica fundamentalmente
monista do real.
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conexo entre as singularidades nos espaos lisos e das itinerncias da cincia nmade);
ora, ao contrrio, ela desenvolvida segundo uma grandeza mtrica que se vale de uma
que a cincia nmade jamais seria capaz, ou seja, medir as singularidades em funo da
esquemas conceituais).
propem uma questo terica decisiva: na verdade, as multiplicidades reais devem ser
situadas precisamente no meio desses dois tratamentos, ora como modelo e como
decalque transcendentes, mesmo que engendre suas prprias fugas (Id., 2002a, p. 31),
ora, pelo contrrio, como processo imanente que reverte o modelo e esboa um mapa,
ainda que constitua suas prprias hierarquias (Ibid., p. 31): processo transversal que
linhas rizomticas, mas o rizoma tem pontos de arborescncia (Ibid., p. 48); ou seja,
nas multiplicidades reais h momentos em que o espao liso conjura o espao estriado,
ora o antecipa, ou ento inversamente, ora o espao estriado conjura o espao liso, ora o
Para nos orientarmos nesse campo problemtico ser sempre preciso considerar
coisa, ou seja, elas sempre se colocam em pressuposio com uma dimenso oculta,
transcendente, que dever ento ser decalcada sobre aquilo que dado na experincia.
Modelo formal que serve de estrutura gentica para um sistema idealmente fechado.
matria de expresso.
sem mudar de natureza, sem disparar um processo criador que passa transversalmente
so linhas abstratas que esto sempre mudando de direo, e a natureza de suas relaes
Assim, preciso cartografar os fluxos intensivos de matria, ou seja, projetar cada plat
direito ento ser nomeadas como multiplicidades, porque suas conexes produzem a
em uma alternncia no processo, assim como nada garante que os fluxos moleculares
A oposio entre o molar e o molecular no deve ser entendida como lgica ou dialtica
(e tampouco como uma graduao escalar), mas sim como turbilhonar, isto , como
sistema molar da cincia rgia, ao mesmo tempo em que no pra de ser desestratificado
cada passagem ao limite entre o molar e o molecular deve engendrar uma nova distino
Mil Plats, o monismo das multiplicidades reais deve ser situado a partir dessa perptua
mas o molecular a velocidade do turbilho, que ignora toda dialtica e instaura uma
Foi Husserl quem primeiro definiu tais essncias morfolgicas vagas, isto ,
inexatas como as formas sensveis (a percepo de uma bola), nem exatas como as
dos fluxos moleculares: Deleuze e Guattari lembram que, no atomismo antigo, por
capaz de impor um centro de gravidade, uma segmentaridade cada vez mais rgida
sobre os fluxos moleculares, enquanto estes, por sua vez, tendem a ganhar velocidade e
extrair dos segmentos uma fluidez cada vez mais indefinida de partculas oscilantes e
expresso molar; haver sempre uma distino real entre esses termos, embora ambos
trata-se de uma dupla articulao entre suas formas e substncias de expresso e suas
realmente, mas apenas formalmente, pois uma nica Matria intensiva capturada por
todas as formas e substncias, enquanto que cada estrato em si mesmo sempre duplo,
uma vez que cada uma de suas articulaes ou pinas se distingue realmente (entre
para a anlise dos agenciamentos que produzem a realidade, das correlaes entre os
duplos formais e substanciais nos estratos, mas sem se deixar reduzir em uma estrutura.
passa por diversos estados intermedirios em que a distino real entre a expresso e
Em todo caso, o contedo est sempre em pressuposio recproca com a expresso, que
por sua vez envolve no s um regime de signos, mas tambm traos de expresso
formas e substncias heterogneas em um estrato, mas ela efetua a cada vez um modo
como a expresso muda de natureza segundo a sua sntese disjuntiva com o contedo,
a distino real entre seus componentes quanto natureza de suas formas e substncias,
que nos estratos orgnicos j era autnoma com relao ao contedo, ganha uma
pela estriagem da matria. Esse plano arborescente, uma vez que nele so sempre as
cada vez mais complexas entre expresso e contedo entrelaados. Segundo Deleuze e
Guattari, tal plano corresponde ao modelo platnico de tecelagem que serve como
ideal de funcionamento para a cincia rgia, com seu modo prprio de organizar o corpo
social atravs da techne: a potncia expressiva, reduzida sua forma molar, mais
facilmente apropriada por leis constantes e equaes que trabalham sobre o contedo,
sendo que este reduzido categoria de objeto. Conseqentemente, esse plano impe a
significantes e subjetivas.
Assim, os traos integram um regime de foras que suporta virtualmente uma srie de
projetar uma acelerao infinita no movimento dos fluxos materiais para assim liberar
foras que operam como funes no-formais (funo-matria). O que se efetua ento
lgica imanente do e... e... e..., na qual as conexes ganham consistncia atravs de
ou corpo sem rgos (CsO): nele no haver nada alm de taxas de velocidade e graus
sedimentares sobrepostas que constituem o corpo da Terra. Cada estrato [...] apresenta
(cdigos e meios) em um double bind, em uma dupla captura que d visibilidade para o
sempre uma dupla articulao (Ibid., p. 217) entre um contedo e uma expresso
num estrato, assegura as correlaes biunvocas entre segmentos de ambos (Id., 2002a,
sentidos diferentes: quando est envolvido com os estratos, o agenciamento garante para
(Planmeno). Por esse lado, o agenciamento maqunico opera de tal maneira que apenas
constri contnuos de intensidade: cria uma continuidade para intensidades que extrai
plano fixo em que tudo se movimenta: ele se define como um limite, um grau Zero de
todos os meios, e que opera por conexo entre uma multiplicidade de multiplicidades.
Com essa proposta, Deleuze e Guattari logram introduzir na histria natural uma
anlise proporcional entre as relaes analgicas das sries e das estruturas substituda
pela anlise literal das relaes imanentes que compem um bloco de devir:
Os blocos de devir so alianas que colocam em relao seres dos mais diversos
ser considerado como o real em si mesmo, pois os afetos por ele criados envolvem uma
aquilo que s pode ser inferido por analogia (p.ex.: os jogos metafricos e metonmicos)
e por outros efeitos metafsicos. O devir no produz seno ele prprio. [...] O real o
bloco de devir, e no os termos supostamente fixos pelos quais passaria aquele que se
torna (DELEUZE; GUATTARI, 2002d, p. 18). A imanncia dos afetos que compem
entre as intensidades puras, e assim no se confundem com nenhum dos termos que so
rgos ou funes, mas apenas modos de individuao singulares produzidos por graus
por consolidao do meio, sem incio nem fim (Id., 2002e, p. 222). Essas hecceidades
afetos que se coloca a caminho a partir da famosa pergunta: O que pode um corpo?
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Um corpo se define pela lista de seus afetos, ou seja, pelos devires que ele capaz de
experimentar. Os autores definem esse estudo como uma etologia em que se procura
dos afetos e das relaes que se compem sobre o plano de consistncia, isto , traar
as linhas de uma geografia dos CsO em suas latitudes e longitudes (MARTIN, 1993,
p.52-53), e assim resgatar a esttica das sensaes sob a perspectiva dos agenciamentos
uma geografia dos CsO nos permite conceber os afetos como vetores em movimento
que se diferenciam por taxas de velocidade e lentido, pela potncia intensiva dos
sua linha de fuga, pelo movimento em velocidade infinita que sintetiza as articulaes
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de um agenciamento e que muda de natureza a cada vez. Com efeito, uma linha de fuga
efetivamente (Ibid.), e assim ela registra a efetuao de uma mquina abstrata voltada
para o plano de consistncia (Planmeno). A anlise dessa linha fundamental, pois ela
Haver necessariamente uma tica implicada nas funes das mquinas abstratas, uma
vez que as linhas de fuga devem ser liberadas dos estratos para crescer em potncia,
devem ser conectadas ao plano de consistncia e conjugadas com as outras linhas para
traar novos rizomas no campo social (sobre as mquinas abstratas, ver p. 34 e p. 43).
com regras concretas, isto , segundo uma prudncia prtica de agenciamento que, ao
territorial um perigo prprio e imanente que dever ser analisado com cuidado e com
critrio, tendo em vista o tipo de desterritorializao que nele se efetua (p.ex.: devemos
estar atentos para a captura desses movimentos infinitos por um buraco negro, isto ,
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venham depois, mas que se exeram quando necessrio, no momento certo, e que sejam
Corpo sem rgos? (Ibid., p. 77); por quais CsO as intensidades se comunicam, quais
nos compem, seja para compor um CsO com as foras que revelam maior grau de
mais duramente nos estratificam (Ibid., p. 29). uma perspectiva clnica que trata do
que podemos dispor para desterritorializar, transmutar valores, criar novas referncias e
traar linhas de fuga sobre o corpo social. O Acontecimento assume aqui uma funo
decisiva, na medida em que passa a funcionar como uma fora catalisadora para o
cincia, mas sim promover um paradigma tico-esttico para lidar com as prticas
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sociais de cuidado da vida, com as foras que influenciam a qualidade dos territrios, do
meio ambiente, das sociedades e dos ecossistemas que habitam o planeta. Essa etologia
existencial por excelncia. Isto significa que h uma frmula mnima, um princpio de
o aumento no nmero de conexes em uma multiplicidade real. Esse deve ser o Critrio
2. DES TE R RI TORIA LI ZA O
dimenses que neles se mantm juntos de incio, esse o critrio que Deleuze e
Guattari (2002d, p. 36) propem para a composio das multiplicidades reais no plano
mltiplo por uma regra numrica de composio: sobretudo, preciso que o nmero
funcione como um ritmo, isto , como uma fluidez de movimento capaz de agir na
(Leibniz) deve ser tratada como nmade: a Mnada constitui a idealidade do espao
perspectiva plural ou um absoluto local (Ibid.). Isto nos leva a adotar como regra no
efeitos de sentido que se efetuam sobre uma multiplicidade de relaes entre os corpos.
o atributo (expresso) capaz de individuar essas relaes: tal como na filosofia estica,
condies de fato ele no existe, mas simplesmente insiste. Um corpo sempre existe em
um misto de corpos, mas as relaes que se realizam entre eles so recortadas pelos
de expresso se caracteriza pelo excesso (e jamais pela falta) de sentido no real, pela
de engendrar um construtivismo infinito, uma vez que cada agenciamento s pode ser
individuado em funo das singularidades sensveis que ele integra e diferencia, isto ,
ideal, tal como as sries compossveis integram a totalidade da Mnada; pelo contrrio,
existem, como as mnadas existem em funo dos pontos de vista de cada sujeito
pontos de vista em uma transversal mvel com n dimenses. Para Deleuze e Guattari
(2002d, p. 39), cada indivduo uma multiplicidade infinita, e a Natureza inteira uma
como catalisador para a experimentao, pois atualiza os pontos de vista sobre faixas de
nomes prprios, artigos indefinidos e verbos no infinitivo (p.ex.: bater numa criana,
em um plano imanente (Id., 2002b, p. 51-52). Mas nesse plano se efetuam as mais
variadas snteses de disparates, e por isso que Deleuze e Guattari nos lembram que
preciso agir com prudncia na prtica clnica: a sobriedade dos agenciamentos que
a mecnica das mquinas tcnicas: uma mquina excede a todo mecanismo, ela se
elementos tcnicos (Id., 2002e, p. 76). Vemos ento que Deleuze e Guattari partem de
fluxos materiais (phylum), tal como uma estrutura orgnica compreende um continuum
fora entre os componentes da mquina abstrata que libera sempre novas diferenas a
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partir dos fluxos quantitativos da matria. A mquina abstrata responsvel pela gnese
Nesse sentido, a mquina abstrata opera como um termo medium que sintetiza os
traos de expresso e contedo, mas sem distingui-los realmente ela cria puros afetos
considerada pura quando produzir um continuum de variao, uma linha de fuga que
passa entre as formas e substncias, que opera com matrias no-formadas e funes
pragmtica de relaes. Ser ao mesmo tempo ento que a mquina abstrata integra as
regras concretas de um agenciamento e que ela tambm se diferencia deste como a pura
virtualidade, como uma pura reserva dos acontecimentos que resistem atualizao.
entre o seu contedo (sistema pragmtico, mistura de corpos) e a sua expresso (sistema
produo da realidade. Para Deleuze e Guattari, essa proposta envolve (Ibid., p. 230):
as diferentes foras que so integradas pela mquina abstrata s regras concretas de cada
tipos de fora ou moduladores existenciais dos fluxos de matria (Id., 2002d, p. 118):
Esses trs tipos de fora jamais ocorrem em estado puro, ou seja, todas elas
definio, uma fora sempre uma relao de foras): com efeito, todos os meios de
agenciamento se estendem sobre o Caos, mas cada entre-meio rtmico, pois efetua
uma sntese disjuntiva no intervalo entre pelo menos dois meios heterogneos. Para
Deleuze e Guattari (2002d., p. 119), o ritmo nunca age sobre o mesmo plano que o
passagem de afetos entre pelo menos dois meios heterogneos; mas ainda no
suficiente para organizar essas relaes em um territrio existencial. Para isto, preciso
que as regras concretas que integram o agenciamento faam com que as duraes, quer
122). Deleuze e Guattari entendem que o territrio o produto de um ato que integra os
dos meios concretos. Ser preciso esclarecer ento como se produz esse circuito de
potencial do cdigo em relao aos meios codificados que modula a insistncia (ou
territoriais que criam uma relao entre os impulsos do vivente (meio interior) e as
melodia que faz a paisagem sonora, tomando em contraponto todas as relaes com uma
com que os cdigos entrem em um continuum de variao. Para Deleuze e Guattari, esse
processo de descodificao inerente a qualquer cdigo, pois graas a ele que sempre
agenciamento territorial. Esse processo se impe tanto aos personagens rtmicos quanto
relao s qualidades expressivas que se consolidam nas formas e nas substncias mais
das qualidades expressivas que se conjugam em uma multiplicidade real situada entre as
a fora mais molecularizada pode operar uma mquina capaz de capturar as foras mais
simples matria de expresso, a linha abstrata projetada sobre o plano mvel pode
Deleuze e Guattari defendem uma concepo musical da natureza, tal como Von
Uexkll props em sua teoria dos mundos animais. A anlise dos ritornelos pode ser
chamada de uma etologia dos agenciamentos territoriais, pois tratam da composio dos
O territrio primeiramente a distncia crtica entre dois seres [...] (Ibid., p. 127).
intensidade e os tensores dos meios concretos. O ritornelo age sobre aquilo que o
uma forma a priori que fabrica uma multiplicidade intensiva de relaes entre os afetos.
Esse material especial tem uma funo cataltica: no s aumentar a velocidade das
trocas e reaes naquilo que o rodeia, mas tambm assegurar interaes indiretas entre
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O ritornelo age como um vetor, como uma fora capaz de liberar movimentos de
porque ela funciona como fator de organizao para as foras no interior do territrio:
mais desterritorializante, que reage mais ainda sobre ele (Ibid., p. 109). A expresso
o fator desterritorializante, pois ela integra as foras materiais que apresentam um grau
intensidade menor, que passam a servir como meio ou como suporte desterritorializado.
no s de uma forma ativa que tornaria a matria funcional, mas tambm da funo dos
Nesse sentido, a mquina abstrata deve ser uma mquina autopoitica cujos atos
dos meios, maior ser o potencial da mquina para consolidar uma diferena de natureza
enunciaes maqunicas tanto mais se mantm juntas quanto mais suas conexes forem
consistncia de um phylum ou um diagrama que ser tanto mais potente quanto maior
O que torna o material cada vez mais rico aquilo que faz com que
heterogneos mantenham-se juntos sem deixar de ser heterogneos
(DELEUZE; GUATTARI, 2002c, p.141).
entre as n dimenses da realidade mas, para que as regras concretas sejam integradas
que a palavra autonomia (auto, prprio; nomos, regra) significa dar-se a si mesmo
suas prprias leis, em oposio heteronomia, que significa ser regrado ou determinado
por outrem. Nessa concepo, o imperativo supe uma ambigidade entre a lei e os
e a passividade de se conformar lei. Uma parte dele pura determinao, a outra, pura
deve ser entendida como sinnimo da palavra autopoiese, que significa reciprocidade
entre dois planos distintos que se criam mutuamente. Nessa perspectiva ontolgica, o
Repare-se que o ato cognitivo aqui entendido como uma ao simbitica anterior ao
subjetivo e ao objetivo, que seriam derivados desse ato puro de criao em que o
questionar o darwinismo clssico que aponta para a ao do meio como seletor natural.
A definio de nicho como um domnio de existncia, por exemplo, aponta para essa
viventes e dos nichos existenciais por derivas naturais, em que os impulsos interiores
e as circunstncias exteriores se relacionam sem que haja meta, como sugere o primado
vivente e seu meio exterior indica a passagem de uma srie com variaes contnuas, de
modo que nenhum dos termos pode determinar a regra de desenvolvimento do outro.
uma multiplicidade temporal ou deriva natural cujo estado atual comporta o virtual
como excesso, e a noo de falta deixa de ser pertinente. Na verdade, esse excesso do
impulso que se excede no vivente, no qual a autopoiese se efetua como uma abertura
indefinida para a criao, que segue atravs da deriva natural dos domnios existenciais:
automovimento do impulso vital que passa por mltiplos estados de consistncia entre
interior do territrio. Mas sempre haver tambm relaes que iro se decompor em prol
do aumento de conexes entre as outras dimenses da realidade, que podero ser assim
que a relao entre as qualidades da matria varia amplamente, e assim atualiza a cada
tornam expressivas: o ritornelo opera como uma funo existencializante que trabalha
potentes quanto sintetizam um material cada vez mais simples. A consistncia se faz
territoriais (Id., 2002b, p. 31). No entanto, um movimento absoluto pode atingir picos
sendo que cada bloco consolidado extrai uma srie de mais-valias entre as foras do
campo virtual para criar um corpo sem rgos (CsO). Esse corpo pleno no pode ser
dividido em unidades molares para formar estruturas, e nem reduzido a seus centros
(2002a, p. 25), o que faz um conjunto vago de relaes qualitativas entrar em um bloco
molculas transitrias que salta de um heterogneo a outro, ainda que seja ao passar por
processo de autoconsistncia que cria um ritornelo existencial. Isto significa que o ato
efeito, ainda que este seja completamente autnomo, ainda que os efeitos de sentido
mas isso no significa que o tempo real se resuma ao presente, ao atual; pelo contrrio,
mas no menos real do que aquele do atual. Para Deleuze e Guattari, a consolidao o
processo pelo qual uma virtualidade temporal se intensifica e se encarna nas diferenas
Tempo que permite com que o prprio tempo seja visto: o ritornelo fabrica tempos
diferentes a cada vez (Ibid., p. 167). Essa multiplicidade temporal abrange o que vai se
se atualizar. Essa distino permite conceber o tempo como uma operao singular de
Guattari buscam em Bergson essa ciso do tempo em duas tendncias inseparveis que
cria uma disjuno ou bifurcao entre o atual, que o grau mais contrado do passado,
foras em que resistem os puros efeitos de sentido. A atualizao psquica o ato que
libera uma diferena interior ao Tempo, criando linhas de experimentao que tendem a
o real ao mesmo tempo atual e virtual. Essa ciso da temporalidade se prope a tratar
ponto de vista do sujeito como ao ponto de vista do objeto, enquanto que o virtual s
subjetivo e do objetivo. Isto significa que preciso situar uma distino bsica entre
duas noes de tempo: o atual Cronos, o tempo da medida que organiza as formas e
no tempo, enquanto que uma memria longa (arborescente) se define pela continuidade,
pela multiplicidade atual dos estratos. Para Deleuze e Guattari o importante que
uma memria infinitamente contrada das qualidades no presente. Essa memria atual
opera por correlaes biunvocas cada vez mais estveis entre a expresso e o contedo
o organismo uma memria longa, j que fixa um princpio formal de identidade para
o corpo, um modelo de transcendncia que impe uma hierarquia funcional dos rgos a
fim de lhe extrair um trabalho til (Id., 2002c, p. 21). Os estratos conservam a prpria
os quais o lan vital jamais se diferenciaria em relao ao atual: o corpo pleno uma
memria curta, j que define uma multiplicidade de relaes entre os rgos e o no-
vemos que as correlaes formais dos estratos so as operaes que conservam o mundo
devir cria a cada vez um mundo, um universo virtual a partir das singularidades que
Uma memria curta, composta por uma multiplicidade virtual que projeta um
Uma memria longa, composta por uma multiplicidade atual que articula os
constituem os dois plos de uma dobra temporal que conserva as qualidades contradas
antes um em casa, uma morada para o homem. Como destaca Pelbart, a dobra uma
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equilbrio entre o organismo e o meio, de trocas reguladas por correlaes formais entre
essa determinao dos nveis de equilbrio nas trocas entre o vivente e o meio depende
curta, pois ele que libera os afetos de um organismo para entrarem em conexo com os
devir so conjuntos de afetos que consolidam matrias e foras capazes de produzir uma
significa defini-lo a partir dessas caractersticas rizomticas da memria curta, que agem
que uma rvore (Id., 2002a, p. 25). Um bloco de devir uma multiplicidade nervosa,
com o rizoma de seus afetos, de acordo com os vetores de velocidade que atualizam os
As mquinas abstratas operam como pontas para essas linhas rizomticas, linhas de fuga
os componentes dos meios sobre uma superfcie em que se produz o acmulo dessas
relaes, a sobreposio entre os estratos. A sntese dos substratos compe uma camada
estratificados (Id., 2002a, p. 54). nesse sentido que a mquina abstrata um Ecmeno:
ela efetua uma unidade de composio para os estratos (Ibid., p. 65). Mas o sistema
estratificado no esgota a matria, a vida no-orgnica das intensidades puras, uma vez
dos componentes estratificados (Ibid., p. 54). Nesse outro sentido, a mquina abstrata
equilbrio entre os meios interiores e exteriores, mas estes podem permanecer inferiores
diferenas de natureza de acordo com o CsO que compe sua relao com o meio que
que um meio associado permite a criao no s de novos tipos formais, mas tambm
de novos modos laterais de relao com meios exteriores das mais diferentes naturezas.
dessa populao. Esse fenmeno de deriva gentica (Ibid., p. 68) fornece um conjunto
imagem regressiva de um corps morcel (rgos sem corpo, OsC) onde havia um corpo
possumos os meios de realizar a seleo, separar o CsO de seus duplos (Id. 2002c, p.
distino libera linhas de experimentao clnica capazes de criar novas alianas com os
nela que ocorre a dupla articulao dos cdigos (formas e substncias de expresso) e
no h distino real entre expresso e contedo, mas apenas uma mquina abstrata pura
que desestratifica tanto as formas como as substncias, e assim opera sobre uma matria
infinitamente intensa.
estratos, no tempo atual, ora o Planmeno, que projeta um mundo no devir, no tempo
virtual. Cabe ento a essa mquina abstrata definir os critrios de seleo entre as regras
concretas que entram (ou no) no agenciamento, pois, como dizem Deleuze e Guattari,
no deveramos nos perguntar como alguma coisa saa dos estratos, mas antes como as
onde ele percorre uma linha gtica ou rizomtica sem direo fixa ou retilnea. A linha
centrada da linha clssica. Ela possui uma potncia de repetio infinita, capaz de
plano seja vazio, este que corresponde negatividade do pensamento reflexivo, definido
como uma imagem representativa do Uno superior. Com efeito, para Deleuze e Guattari
A linha nmade passa entre os pontos de vista e as formas das figuras concretas:
afetos, corpos plenos tanto mais vivos quanto sem rgos, pois eles consolidam tudo o
que se passa entre os organismos. O pensamento nmade se prope a seguir uma linha
de experimentao que pode tanto preencher um corpo sem rgos como esvazi-lo, na
medida em que as intensidades que nele circulam produzem uma infinidade de gneros
[...] uma anlise infinita em que aquilo que produzido sobre o CsO
j faz parte da produo deste corpo, j est compreendido nele,
sobre ele, mas ao preo de uma infinidade de passagens, de divises e
de sub-produes (Id., 2002c, p. 12).
Deleuze e Guattari nos advertem que pode-se fracassar duas vezes [...]. No nvel da
constituio do CsO e no nvel daquilo que passa ou no passa (Ibid., p. 13). Isto , um
pois as intensidades podem tanto deixar passar como bloquear umas s outras.
das foras que modula a relao entre os personagens rtmicos e as paisagens meldicas
que essa potncia de criao dos espaos lisos no espera o homem para comear.
os pontos de vista disparatados: ele deve fazer a comunicao entre os afetos dos corpos
sucessivas, e assim promover uma oscilao cada vez mais acelerada entre o atual e o
virtual. Nesse sentido, uma linha de experimentao deve fazer oscilar os estratos at
A prudncia a arte das doses que deve ser observada quando se segue uma
linha de experimentao: preciso sempre lembrar que todo movimento vlido ocorre
nos estratos, que no h linha de fuga possvel seno na superfcie de estratificao, mas
tambm no esquecer que essa linha deve se comunicar com o plano de consistncia.
61
de um sujeito, mas [...] o que conta que o prazer seja o fluxo do prprio desejo (Ibid.,
p. 18). O que conta que os fluxos desejantes no sejam reterritorializados por tcnicas
traado pelo seu prprio movimento. Somente assim o CsO, o plano de consistncia do
desejo, capaz de conjugar suas foras com o Socius e operar sobre a multiplicidade
vista para compor um mapa coletivo, tambm liberar o pensamento das estruturas de
significncia para efetuar uma mquina abstrata. Sempre ser preciso conservar um
estratos para poder op-los ao seu prprio sistema se for preciso. No se atinge o CsO
por se fazer, ele o limite que no pra de oscilar entre os estratos e a imanncia pura
produzem blocos de devir segundo uma regra geral: a converso da superfcie cerebral
em superfcie metafsica (ou psicolgica). Essa converso a Dobra que projeta o fluxo
duplos virtuais, ela processa a individuao dos seres sobre a superfcie do pensamento.
Um CsO s pode ser ocupados por afetos, por distncias e graus de intensidade (suas
Varela e Maturana (cf. 2001) acerca das redes neurais, que crescem por
pois uma multiplicidade real funciona como meio de interao para os mais
vista sustenta a tese de que nem todo organismo cerebrado, e nem toda vida
e duplica um fluxo de matria atual em um campo virtual de foras: as foras ativas que
reativas, de modo que uma qualidade sensvel se contrai em um ponto de vista singular.
O problema clnico como operar sobre as relaes que conservam a esttica das
de devir. Por exemplo, ao abordar o clebre caso do Homem dos lobos, os autores
dizem que o lobo, como apreenso instantnea de uma multiplicidade em tal regio no
fora ativa, o fluxo de intensidades que se contrai na sensao e projeta o Homem dos
ser afetado que projeta os fluxos de intensidade atual em um continuum, em uma devir
que reage sobre as qualidades sensveis do real. Essa dobra na superfcie do pensamento
se cristaliza na medida em que a sensao faz acelerar a oscilao entre o lobo virtual
no o homem que pensa, mas sim o crebro, sendo que o homem apenas uma
65
como um campo transcendental sem sujeito, um campo onde o sujeito pode se produzir
trata de condicionar a definio dos sistemas de referncia da cincia, isto , ele visa
liga aquilo que os fsicos tinham o hbito de separar: a definio do sistema e sua
2
I. Prigogine e I. Stengers, Entre le temps et lternit, p. 60.
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intensidade e projetar uma continuidade para suas relaes diferenciais entre sries de
da matria de expresso, pela mudana de natureza das foras que integram um bloco
capazes de atualizar uma pluralidade de foras virtuais sobre um corpo atual. Segundo
produzindo uma sensao que conserva suas qualidades dentro de um campo de foras.
afetos dos corpos, o movimento perptuo do devir que duplica a superfcie cerebral no
como princpio de composio territorial (Lorenz), mas procura enfocar a criao dos
imanncia que faz existir um modo de afeco do crebro por si mesmo. Pensar um
movimento infinito que se faz nos interstcios, nos intervalos temporais que dividem
que opera por snteses entre as singularidades, compondo uma corporeidade vaga que
O desafio dessa conceituao dar conta dos modos de afeco do crebro sob a
e Guattari visam essa reverso da ontologia em uma pragmtica do Ser, na qual uma
ao mesmo tempo real e virtual, essa matria-fluxo s pode ser seguida (Ibid., p. 91).
superfcie cerebral em um devir perptuo que s pode ser apreendido pela intuio.
se segue, ainda que esse fluxo no seja mais o da matria (Ibid.). importante ressaltar
que aqui j no h um devir-reativo das foras ativas na memria, mas sim um devir-
essa correlao se prolonga por movimentos infinitos que mergulham em uma zona de
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que permite a atualizao das foras em uma matria de expresso. Nesse circuito, a
constituda (Ibid., p. 51); como nos ritornelos existenciais, essa matria de expresso
uma maneira singular de fabricar ritmos de tempo encarnados. O importante que esse
circuito de atualizao entre a matria e a memria produz uma oscilao, uma fuso do
atual com o virtual: os autores chamaram essa formao paradoxal de cristal de tempo.
Essa troca perptua entre o virtual e o atual define um cristal. sobre o plano de
entre o objeto atual e a imagem virtual no circuito mais estreito de tempo pensvel, em
que um termo oscila constantemente na direo do outro. Essa oscilao produz devires,
que se atualizar, uma vez que estritamente correlativa ao atual com o qual forma o
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menor circuito (Ibid., p. 54). O cristal de tempo o limite em que o atual e o virtual
objetos, uma vez que se passa no limite indiscernvel entre as causas sensveis (afetos) e
os efeitos de sentido (acontecimentos). Isto significa que o real s pode ser apreendido
dos duplos no tempo, e assim permite a uma imagem virtual criar a prpria realidade.
como ele se d nas dobras de tempo entre o virtual e o atual, na diviso entre o passado
distinguem somente pela potncia do falso (DELEUZE, 1990, p. 161), ou seja, pela
O imaginrio seria mais bem definido a partir do circuito entre o atual e o virtual, da
liberado dos objetos e das imagens representativas: a cristalizao age nos interstcios
tempo que no o tempo em sua forma a priori, mas sim a forma a priori que nos
3
Segundo Deleuze, foram os cineastas do ps-guerra que inventaram essa imagem-tempo, a
imagem-cristal que substitui o critrio de distino entre o real e o imaginrio pela potncia do falso.
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sentido que se produz entre as imagens, pois o cristal que no se confunde com as
fluxo de tempo essencialmente amorfo. O tempo s pode ser visto atravs dos cristais,
mas o que um cristal de tempo nos mostra que o passado aquilo que estamos sempre
CONCLUSO
problema que, uma vez colocado de maneira precisa, traz consigo a sua prpria soluo.
incertezas, na medida em que as variaes sobre um tema trazem consigo uma rede
conceitual cada vez mais complexa e assim nos exige um trabalho de anlise incessante.
Qualquer concluso que poderamos extrair deste estudo no deixaria de ser provisria,
pois seria uma maneira de instaurar uma ruptura no processo de investigao e julgar,
luz dos resultados obtidos, o que seria suprfluo e o que seria essencial para atingirmos
acadmico os limites dessa investigao, mas ainda assim modestamente nos propomos
dos autores. Nada h de original nesta pesquisa, no nos propusemos a criar uma teoria.
Deleuze e Guattari: de certa maneira, podemos dizer que a satisfao do leitor no nos
preocupou durante a execuo desta pesquisa. Conhecemos as muitas crticas a que nos
submetemos com essa afirmao, mas no podemos admitir que as exigncias do leitor
conceitual, etc., assumam a direo do nosso trabalho. Tudo o que pedimos ao leitor
insatisfeito um pouco de pacincia, para que possamos mostrar onde quisemos chegar.
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margens entre seus modos de operao. Tal como um cientista no laboratrio trabalha
a prpria escrita. Sem dvida, poderamos sempre reformular nosso texto, mas isso
nos exigiria sempre voltar ao ponto de partida, em vez de dar continuidade ao processo
de investigao. Gostaramos de nos colocar ento como os monitores que recebem uma
Estas sero sempre vlidas na medida em que nos permitem acrescentar novos ngulos
de investigao, mas seria uma iluso acreditar que chegaramos a um ponto pacfico
atravs de uma discusso dos temas que trabalhamos. Como dizia Deleuze, o conceito
conceitos universais; pelo contrrio, estamos sempre travando uma batalha contra as
opinies preconcebidas, seja pela mdia, seja pelo Estado, seja pelo meio acadmico.
o prprio Deleuze dizia que seus conceitos deveriam valer apenas na medida em que
nos fossem interessantes ou teis. Essa era a sua pop-filosofia. Assim, nos aliviamos
no pretendemos assumir o real como ele , apenas perguntamos como ele devm.
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Esse ideal de preciso foi preconizado por Bergson como objetivo do mtodo intuitivo,
Guattari propem que a intuio o prprio mtodo das cincias nmades, e que o ideal
princpio tico imanente s suas prprias relaes: quais so as foras que o constituem,
qual a vontade de potncia que nele se afirma? O que pode um corpo, quais os afetos
singulares que compem uma vida? Ningum pde colocar o problema do devir com
mais preciso que Spinoza ou Nietzsche: sempre em funo de foras ativas e reativas
que o devir se afirma, ou seja, da potncia de afetar-ser afetado que se define um corpo.
dos corpos: a avaliao tica do devir uma medida da vontade de potncia afirmativa,
dos afetos de alegria que compem um corpo, ou ento da vontade de potncia negativa,
Haver ento uma dupla avaliao do devir em funo de suas regras concretas:
um devir-reativo para as foras ativas, mas ainda, um devir-ativo para as foras reativas.
Nessa dobra ontolgica das foras, o Ser do devir afirma-se, primeiro, como mltiplo:
que as redobra na memria; mas, investidas por uma vontade de potncia afirmativa, as
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que as foras reativas, quando ganham capacidade de agir, tornam-se negao ativa ou
valores ativos, isto , a transvalorizao que supera o niilismo por ele mesmo.
que opera como imperativo prtico de seleo e criao de valores: o que tu quiseres,
queira-o de modo que tambm queiras seu eterno retorno (Ibid, p.56). A afirmao o
Querer o acontecimento selecionar no que acontece aquilo que queremos para ns,
o que vivido ou vivvel, como diz Deleuze. A carne se ressente da ferida, pois ela vive
o sentido do que acontece como a efetuao de um afeto que a decompe. Mas querer o
minha ferida existia antes de mim, nasci para encarn-la (DELEUZE, 2003, p. 151).
Os valores mudam de sentido de acordo com cada ponto de vista, a doena pode servir
de afirmao para um ponto de vista sobre a sade, tal como a moral, para um ponto de
vista sobre a dor. Ou a moral no tem sentido nenhum ou ento isto que ela quer
dizer, ela no tem nada alm disso a dizer: no ser indigno daquilo que nos acontece
infinitesimal que divide cada instante entre antes e depois, o humor corresponde
na criao dos sentidos que fazem do corpo a sua prpria matria de expresso.
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