A Ontologia Do Devir de Gilles Deleuze PDF
A Ontologia Do Devir de Gilles Deleuze PDF
A Ontologia Do Devir de Gilles Deleuze PDF
137 139
Anlogo, s similitudes do Semelhante e identidade do Mesmo,
G ILLES D ELEUZE .
140
descoberto antes, partindo o filsofo ateniense diretamente Deleuze, ao confundir a diferena com a diferena conceitual,
141 143
similitude. Dito de outro modo, o principal movimento A ontologia deleuziana, pelo contrrio, refratria
G ILLES D ELEUZE .
G ILLES D ELEUZE .
estratgico do platonismo no foi privilegiar o modelo cpia, subordinao do ser aos pressupostos que foram construdos
mas selecionar as boas cpias das mal fundadas, que, por seu pelo legado platnico-aristotlico, constituindo-se, dessa
distanciamento do modelo, passaram s formas denominadas forma, como uma ontologia no-metafsica.
de simulacros-fantasmas ou, simplesmente, simulacros. A Segundo comentrio de Michel Foucault,5 a ontologia
hiptese de Deleuze bem explicitada em uma passagem da deleuziana caracteriza-se por o ser se dizer em todas as suas
DE
DE
Lgica do sentido, na qual as intenes do platonismo so
diferenas, ou seja, ele a repetio como diferena, repetio
D EVIR
D EVIR
apresentadas, tanto as manifestas, quanto as latentes: que no pode reduzir-se, mecnica ou materialmente, s
Partamos de uma primeira determinao do motivo platnico: exigncias do Mesmo e do Idntico, alm de defender que a
ONTOLOGIA DO
ONTOLOGIA DO
distinguir a essncia e a aparncia, o inteligvel e o sensvel, a diferena seja liberada do jugo da identidade e da semelhana.
Idia e a imagem, o original e a cpia, o modelo e o simulacro. Liber-la do estado de subordinao identidade e a prevalncia
Mas j vemos que estas expresses no so equivalentes. A ao erro que o pensamento da representao lhe outorgou o
distino se desloca entre duas espcies de imagens. As cpias
papel da filosofia para Deleuze: Tirar a diferena de seu estado de
so possuidoras em segundo lugar, pretendentes bem
VASCONCELLOS, J ORGE . A
VASCONCELLOS, J ORGE . A
maldio parece ser, assim, a tarefa da filosofia da diferena. 6.
fundados, garantidos pela semelhana; os simulacros so como
os falsos pretendentes, construdos a partir de uma duvidoso pensar que a grande contribuio da
dissimilitude, implicando uma perverso, um desvio essenciais. concepo de ontologia da filosofia deleuziana comporte
nesse sentido que Plato divide em dois o domnio das apenas que h uma repetio da diferena e afirme pura e
imagens-dolo: de uma lado, as cpias-cones, de outro os simplesmente a potncia da diferena. Outras filosofias
simulacros-fantasmas. Podemos ento definir melhor o conjunto
destacaram a importncia da diferena, do outro, daquilo que
da motivao platnica: trata-se de selecionar os pretendentes,
escapa identidade e semelhana, alm de perceber seu
distinguindo as boas e as ms cpias ou antes as cpias sempre
bem fundadas e os simulacros sempre submersos na carter repetidor. No entanto, elas se enganaram, segundo
dessemelhana. Trata-se de assegurar o triunfo das cpias
sobre os simulacros, de recalcar os simulacros, de mant-los 5
Foucault, em sua leitura dos livros de Gilles Deleuze, Lgica do sentido e
encadeados no fundo, de impedi-los de subir superfcie e Diferena e repetio apresenta dois problemas fundamentais da filosofia
de se insinuar por toda parte 8. deleuziana: o que o acontecimento?, o que pode o pensamento? Ou, dito
de outro modo, at que ponto a filosofia deleuziana (que Foucault evoca
Assim, o platonismo nada mais fez que instaurar uma como aquela que ser ainda determinante ao sculo XX) trata-se, na verdade,
instncia predefinidora e julgadora, cujos artifcios dialticos da constituio de uma ontologia das diferenas, instaurada por um
levavam, antes de tudo, a selecionar os bons e os maus pensamento acategorial em sua dupla luta: contra o senso comum e o bom
senso, contra a negatividade e a dialtica. Cf. FOUCAULT, Michel.
Theatrum philosophicum in Dits et crits II (1970-1975). Paris, PUF, 1994.
8
DELEUZE, Gilles. Logique du Sens, Paris, Minuit, 1969, p. 295-96 [262]. 6
DELEUZE, Gilles. Diffrence et Rptition, p. 44 [65].
144 142
pretendentes. Aqueles que seriam selecionados pelo rigor do tempo, ou ainda as diferenas como tal, na medida em que o
145 147
Deleuze. Opor virtual e atual uma das tentativas fundamentais Continuando em sua anlise, Roberto Machado diz
G ILLES D ELEUZE .
G ILLES D ELEUZE .
do projeto deleuziano de escapar dos pressupostos metafsicos ainda que, embora saibamos que o conceito de analogia no
da filosofia da representao. Nesse sentido, um dos avatares foi propriamente criado por Aristteles, mas por sua
dessa filosofia, no que diz respeito s relaes entre o movimento interpretao medieval, por meio de Toms de Aquino,10 o
e o tempo, partindo da concepo de devir aristotlica assentada que se mostra fundamental para a interpretao de Deleuze
na idia de ato e potncia, desenvolvida especialmente pelo no a autoria do conceito, mas a apropriao dessa
DE
DE
pensamento medieval, ope o real ao possvel e no o atual ao importante idia para a constituio do espao da
D EVIR
D EVIR
virtual como pretende Deleuze: O virtual no se ope ao real, mas representao e para a elaborao de uma filosofia
somente ao atual. O virtual possui uma plena realidade enquanto virtual.11. representacional.
ONTOLOGIA DO
ONTOLOGIA DO
11
Diffrence et Rptition, 269 [335]. Deleuze diz as mesmas coisas em No obstante, se, por um lado, a filosofia da diferena
texto dos anos 60 guisa de comentar o Estruturalismo, como proposta por Deleuze denuncia a subordinao da diferena
encomenda para o projeto de Franois Chtelet de uma Histria da a relaes de analogia ao Mesmo e Semelhana, por outro,
Filosofia: Talvez o termo virtualidade designasse exatamente o modo da estrutura essa filosofia confirma sua chancela diferena, afirmando o
VASCONCELLOS, J ORGE . A
VASCONCELLOS, J ORGE . A
ou objeto da teoria. Com a condio de retirarmos dele todo carter vago; porque o
simulacro e instaurando um pensamento sobre o tempo.
virtual tem uma realidade que lhe prpria, mas que no se confunde com nenhuma
realidade atual, com nenhuma atualidade presente ou passada; ele tem uma idealidade Afirmo que h uma inequvoca relao entre a filosofia da
que lhe prpria, mas no se confunde com nenhuma imagem possvel, com nenhuma diferena deleuziana e um pensamento sobre o tempo, o que
idia abstrata. Lle Dsert et Autres Textes, textes et entretiens,1953-1974. A , a meu ver, uma porta de acesso sua concepo de
quoi reconnaiti-on le structuralisme. Edio preparada por David LAPUJADE, ontologia. Tematizando o tempo na obra deleuziana,
Paris, Minuit, 2002, 238-269, p. 250. CHTELET, F. Histria da Filosofia,
principalmente em sua relao com o que pensar?, torna-se
Idias e Doutrinas, vol. 8, O Sculo XX. Em que se Pode Reconhecer o
Estruturalismo. Traduo de Hilton Japiass, Rio de Janeiro, Zahar possvel estabelecer condies para melhor explicitar a questo
Editor, 1974, 271-303, p. 283. Outro texto importante, que pode nos ontolgica na filosofia de Gilles Deleuze.
ajudar a melhor entender o problema da virtualidade um pequeno
artigo escrito por Deleuze em 1995 e publicado como anexo 2 edio
O tempo uma relao entre dimenses
de Dialogues. Nesse texto, a coalescncia da imagem virtual imagem heterogneas. Estas dimenses so concorrentes em virtude de
atual do objeto apresentada enquanto elemento de toda multiplicidade seu poder individuante: cada um se atualiza excluindo os outros
s singularidades que recortam e dividem o plano de imanncia: A (um indivduo dado), mas todos so o tempo, as diferenas no
filosofia a teoria das multiplicidades. Toda multiplicidade implica elementos atuais
e elementos virtuais. No h objeto puramente atual. [...] O virtual nunca 10
Pierre Aubenque, em seu j clssico estudo sobre a filosofia de
independente das singularidades que o recortam e dividem-no no plano de imanncia. Aristteles afirma, que a idia da analogia do Ser na verdade no est
Lactuel et le virtuel in Dialogues, com Claire Parnet, Paris, Flammarion, presente na obra aristotlica, que, de fato, esta foi uma interpretao
1996, 177-185, p. 179-80. ric Alliez publicou este artigo como anexo medieval que acabou por tornar-se uma idia pronta adotada praticamente
em seu livro Deleuze, filosofia virtual. Traduo de Heloisa B. S. Rocha, pela fortuna crtica do filsofo grego. Cf. AUBENQUE, Pierre, Le problme
So Paulo, editora 34, 1996, 39-57, p. 49-51. de ltre chez Aristote. Paris, PUF, 1977.
148 146
De todo modo, para Deleuze, o virtual deve ser visto
149 151
Este enunciado caracteriza que a concepo de que a interpretao deleuziana do problema do eterno retorno
G ILLES D ELEUZE .
G ILLES D ELEUZE .
ontologia deleuziana merece de minha parte alguns em Nietzsche repousa sobre essa correlao entre a
esclarecimentos. Em primeiro lugar, quando se diz da DIFERENA e a REPETIO. Essa correlao
afirmao do devir para se falar do ser, o que est em jogo estabelecida enseja desdobramentos fundamentais para a
para Deleuze mostrar que na verdade no h nada para filosofia deleuziana como, por exemplo, as relaes entre
alm do devir, isto , o ser, o que , no pode ser visto com tempo e pensamento, particularmente entre o passado e a
DE
DE
uma preexistncia calcada no princpio do idntico e do conservao das lembranas, o presente e a atualizao da
D EVIR
D EVIR
mesmo, que venha por seu intermdio dar sentido ao real. A virtualidade, o futuro e o porvir da criao.
multiplicidade sua principal caracterstica, isto , o real
Em Deleuze, a diferena no s uma dimenso
ONTOLOGIA DO
ONTOLOGIA DO
multiplicidade, que se afirma enquanto tal como devir. Em intensiva do tempo, mas tambm um ponto de vista sobre as
decorrncia, o devir no pode ser visto como aparncia ou demais dimenses, criando uma mltipla implicao recproca
iluso: Pois no h ser alm do devir, no h um alm do mltiplo, em todas as dimenses do tempo. Cada diferena ento
nem o devir so aparncias ou iluses.15. Deleuze ento me permite todas as outras, a diferena constitui um certo ponto de vista
dizer que o devir o prprio movimento de constituio e
VASCONCELLOS, J ORGE . A
VASCONCELLOS, J ORGE . A
sobre todas as diferenciaes.
desapario das singularidades, a emergncia do mundo em
toda sua multiplicidade, em toda multiplicidade. Isso significa A idia de heterognese e sua relao com a
que o devir sempre o que est entre dois, isto , entre dois virtualidade aqui fundamental para Deleuze enfrentar essa
termos, entre dois pontos: a abelha e a orqudea, Acab e a questo. Cada diferena repetida de outro modo, em outro
baleia, eu e minha infncia; nesse sentido, no a operao nvel, envolvendo assim virtualmente a distncia entre todas
de substituio de um termo por outro ou a transformao as demais diferenciaes. Repetir por uma diferena retomar
de um em um outro, por imitao, semelhana ou a distncia, abrir uma perspectiva sobre esses pontos de vista
identificao. Entre um termo e outro, entre um e outro, que so sempre heterogneos. Deleuze defende a
cria-se uma zona de indiscernibilidade, de vizinhana, como, heterogeneidade do tempo, melhor dizendo, sua heterognese,
isto , o sentido gentico das coisas mesmas deve ser buscado,
CONTINUAO DA NOTA 14: no o princpio fundador ou fundante do real. A lgica que
apenas uma combinao de conceitos contrrios (o Um e o Mltiplo) da se infere rejeita todo dualismo, implicando uma nova
tomados no grau extremo de sua generalidade. Seguindo Bergson, espcie de monismo, com a seguinte frmula: MONISMO
Deleuze contrapunha ao devir a idia de Durao. O devir comportaria
apenas uma multiplicidade qualitativa. no seu estudo sobre a filosofia
= PLURALISMO. Compreende-se desse modo uma lgica
de Nietzsche, dissociado de seu sentido dialtico, o devir pde ser que rompe com um dos mais importantes princpios da
reapresentado precisamente como multiplicidade, diferena e sobretudo representao, em especial com o princpio de identidade,
como objeto de plena afirmao da vida.
15
Op. cit., p. 27 [19].
fundamento lgico do bom senso e da doxa, produtor de
152 150
por exemplo, um devir entre um homem e um inseto, ou um A imanncia se afirma na histria da filosofia atravs do
153 155
perspectiva, concordo com Badiou quando ele designa que, A imanncia no se remete a Qualquer coisa como unidade
G ILLES D ELEUZE .
G ILLES D ELEUZE .
em ltima instncia, a filosofia deleuziana uma ontologia, superior a toda coisa, nem a um Sujeito como ato que
como destaquei, uma ontologia no-metafsica. Badiou afirma: opera a sntese das coisas: quando a imanncia no
A questo colocada por Deleuze a questo do Ser. De uma extremidade mais a imanncia a outra coisa que no ela mesma, que
podemos falar de um plano de imanncia. Assim como o
outra da sua obra, trata-se, sob o domnio dos casos inumerveis e
campo transcendental no se define pela conscincia, o
sujeitos ao acaso, de pensar o pensamento (seu ato, seu movimento)
plano de imanncia no se define por um Sujeito ou por
DE
DE
sobre o fundo de uma pr-compreenso ontolgica do Ser como Uno.[...] um Objeto capazes de o conter.
D EVIR
D EVIR
Deleuze identifica pura e simplesmente a filosofia com a ontologia. 19 Diremos da pura imanncia que ela UMA VIDA, e nada
Em Lgica do sentido, Deleuze reafirma o carter mais. Ela no imanncia vida, mas a imanncia est em
ONTOLOGIA DO
ONTOLOGIA DO
ontolgico de sua filosofia, apontando para a primazia da nada e em si mesma a vida. Uma vida a imanncia de
uma imanncia, a imanncia absoluta: ela potncia e
univocidade, em relao equivocidade e a analogia. No
beatitudes completas 17.
entanto, de acordo com as definies propostas por Toms
de Aquino, segundo as quais poderamos pensar o Ser 17
DELEUZE, G. Limmanence: une vie... in Philosophie, n 47, edio
VASCONCELLOS, J ORGE . A
VASCONCELLOS, J ORGE . A
partindo das relaes entre o nome e a coisa, teramos na especial dedicada obra do filsofo, Paris Minuit, setembro, 1995, p. 4.
Univocidade um mesmo nome atribudo a diversos sujeitos Traduo de Jorge Vasconcellos, publicado em Gilles Deleuze, imagens de
em um sentido absolutamente semelhante. J na Equivocidade um filsofo da imanncia. VASCONCELLOS, Jorge e FRAGOSO, Emanuel
um mesmo nome atribudo a diversos sujeitos em um A. R., Londrina, Editora da Universidade Estadual de Londrina, 1997,
pp. 16-7. Nesse artigo, Deleuze indaga: o que um campo transcendental? ,
sentido totalmente diferente. Por fim, a Analogia designa um
para logo em seguida responder que ele (o campo transcendental) se
distingue da experincia, no remete a objetos nem a sujeitos,
19
BADIOU, Alain. Deleuze, la clameur de ltre, Paris, Hachette, 1997, p. 32 apresentando a conscincia de modo a-subjetiva e pr-reflexiva, uma
[29]. Em outro texto, Badiou vai mais longe em uma definio ontolgica conscincia sem-EU. Em outras palavras, Deleuze nos diz que o
para a filosofia deleuziana, chegando a uma concluso fundamental para a transcendental faz oposio a tudo o que constitui um mundo em que
concepo de ontologia de Deleuze: univocidade=imanncia. E mais, que sujeito e objeto forme um par inseparvel no acesso ao real. Uma novo
a ontologia deleuziana , nesse sentido, tambm, uma ontologia vitalista, empirismo, distinto de sua forma clssica: um empirismo transcendental.
pois, como vimos, em Deleuze, imanncia vida [...] imanncia, uma vida. O empirismo transcendental uma espcie de mtodo da filosofia da
Diz Badiou: O caminho por que segue aquilo que chama a univocidade ou a diferena. Seu fazer uma incessante construo de conceitos, estamos
imanncia. a mesma coisa. Deleuze escreveu-me, certo dia, em letras maisculas: aqui diante de um construtivismo em filosofia. O empirismo deleuziano
IMANNCIA=UNIVOCIDADE. Porm, do que se trata? Trata-se da que resgata a noo kantiana de transcendental, produzindo com ela
impropriedade de o ser nada ser seno a defeco das propriedades atravs da sua uma inusitada articulao com o empirismo. Seu sentido fica mais claro
virtualizao; e de, ao invs, as propriedades do sendo no serem nada mais que o com o aparecimento de uma espcie de plano subjacente a todo conceito:
simulacro terminal da atualizao.[...] a razo fundamental pela qual o ser merece o o plano de imanncia. A idia de plano de imanncia est diretamente
nome de vida. BADIOU, A. Breve tratado de ontologia transitria, Lisboa, Instituto ligada idia de conceito em Deleuze, sobrevida dos conceitos
Piaget Diviso Editorial, 1998, p. 64-5. filosficos. O plano de imanncia o solo dos conceitos. Em Deleuze,
156 154
mesmo nome quando atribudo a diversos sujeitos, em A implicao a terceira caracterstica da intensidade,
157 159
A filosofia da diferena proposta por Deleuze v ser. Imaginemos ao contrrio, uma ontologia em que o ser
G ILLES D ELEUZE .
G ILLES D ELEUZE .
nesta dicotomia de complementaridade interior/exterior se diga, da mesma maneira, de todas as diferenas; porm
uma enorme incapacidade, de apenas ela (a dicotomia) que s se diga as diferenas; ento as coisas j no estariam
explicar a subjetividade. Par tindo da anlise do ocultas, como em Duns Scot, pela grande abstrao
monocular do ser, e os modos spinozistas no girariam ao
pensamento de Michel Foucault, e inspirado em Leibniz,
redor da unidade substancial; as diferenas girariam em
Nietzsche e Bergson, Deleuze prope uma noo que
redor de si mesmas, dizendo-se o ser, da mesma maneira,
DE
DE
explicite as relaes entre um dentro (dedans) e um de-fora de todas elas, e o ser no seria a unidade que as guia e
D EVIR
D EVIR
(dehors), o que ele chama de interioridade da distribui, mas a sua repetio como diferena. Em Deleuze,
exterioridade 23. Esta noo torna-se o conceito de dobra o carter unvoco no categorial do ser no une diretamente
ONTOLOGIA DO
ONTOLOGIA DO
(pli) que, em ltima instncia, designa a subjetividade o mltiplo com a unidade mesma (neutralidade universal
como uma espcie de ponto vazio, uma sntese qualitativa do ser ou fora expressiva da substncia); mas que faz
de uma multiplicidade virtual. No entanto, o interesse julgar o ser como o que se diz respectivamente da diferena;
de Deleuze pela questo menos pelo problema da o ser o retorno da diferena, sem que haja diferena na
subjetividade e suas r elaes com a dicotomia maneira de dizer o ser 21.
VASCONCELLOS, J ORGE . A
VASCONCELLOS, J ORGE . A
interioridade/exterioridade, mas com a questo do A ontologia de Gilles Deleuze um
pensamento, e como este se articula a esta subjetividade pensamento que afirma a diferena e implica a potncia do
para a criao do novo; analisando as trs ontologias que simulacro em um jogo que funciona como um lance de dados
ele prope como chave de leitura para a obra foucaultiana, em que o ser se diz por uma voz e se expressa em um sem-
a saber : a ontologia do saber, do poder e do si (da nmero de singularidades.
subjetividade), Deleuze destaca a importncia da questo
que est presente em Foucault, como em sua prpria obra Diante disso, possvel afirmar que a implicao o
inspirada em Heidegger, o que significa pensar? movimento lgico fundamental da filosofia de Gilles Deleuze.
Em cada um de seus livros ou em quase toda sua obra,
Certamente, uma coisa perturba Foucault, e o enunciado: as coisas se enrolam e se desenrolam, se envolvem
pensamento. Que significa pensar? O que se chama
e se desenvolvem, se dobram e se desdobram, se implicam e se
pensar? a pergunta lanada por Heidegger, retomada
explicam, e assim se complicam. Porm, a implicao o tema
por Foucault, a mais importante de suas flechas. Uma
histria, mas do pensamento enquanto tal. Pensar fundamental porque aparece duas vezes no sistema da dobra: a
complicao uma implicao em si, a explicao uma implicao
23
Cf. DELEUZE, G. Le pli Leibniz et le Baroque, Paris, Minuit, 1988. Nos em outra coisa. O conjunto forma uma lgica da expresso.
livros dedicados a Nietzsche Nietzsche et la philosophie e a Bergson Le
Bergsonisme , tambm se encontram referncias ao problema da subjetividade, 21
FOUCAULT, Michel. Theatrum philosophicum in Dits et crits II
isso sem falar da obra escrita em parceria com Flix Guattari Mille Plateaux. (1970-1975). Paris, PUF, 1994, p. 91-2.
160 158
experimentar, problematizar. O saber, o poder e o si so das quais podemos conceber o pensamento, ou ainda, por
24
Foucault, So Paulo, Brasiliense, 1988, p. 124.
25
Cf. ZOURABICHVILI, F. op. cit.
161 163
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS Uma boa maneira de definir esta idia de implicao
G ILLES D ELEUZE .
G ILLES D ELEUZE .
em relao ao tempo pens-la como uma condensao ou
Gilles Deleuze: uma complicao de pocas ou de correspondncias no
DELEUZE, Gilles. Empirismo e subjetividade, tr. br. de Luiz B. causais. O destino como um lance de dados: ontologicamente
L. Orlandi, So Paulo, Ed. 34, 2001. uno, formalmente mltiplo.
______ . Nietzsche e a filosofia, tr. br. de Ruth Joffily Dias e Retomando o problema da idia de implicao do
DE
DE
Edmundo Fernandes Dias, Rio de Janeiro. Ed. Rio, 1976. tempo na filosofia de Gilles Deleuze, constatamos, como
D EVIR
D EVIR
______ . Proust e os signos, tr. br. da 4 ed. fr. de Antonio vimos, que a implicao a terceira caracterstica da
Piquet e Roberto Machado, Rio de Janeiro, Forense intensidade, alm do o desigual em si e afirmar a diferena.
ONTOLOGIA DO
ONTOLOGIA DO
Universitria, 1987. A implicao temporal que remete a ontologia do devir
______ . Bergsonismo, tr. br. de Luiz B. L. Orlandi, So Paulo, deleuziana nos d a ver uma nova concepo para as relaes
Ed. 34, 1999. entre espao e tempo. A espacialidade dar lugar ao espao-
______ . Diferena e repetio, tr. br. de Luiz Orlandi e Roberto qualquer, no plano cinematogrfico, e o tempo deixa de estar
VASCONCELLOS, J ORGE . A
VASCONCELLOS, J ORGE . A
Machado, Rio de Janeiro, Graal, 1988. a reboque do movimento, como veremos no captulo sobre
______ . Spinoza et le problme de lexpression, Paris, Minuit, 1968. a taxionomia cinematogrfica deleuziana. No obstante,
______ . Lgica do sentido, tr. br. de Luiz Roberto Salinas Fortes, possvel apontar uma relao de implicao entre tempo e
So Paulo, Perspectiva, 1982. pensamento em Gilles Deleuze.
______ . O anti-dipo, tr. br. de Georges Lamazire, Rio de O espao e o tempo so intuies puras, sendo o
Janeiro, Imago, 1976. espao uma quantidade e o tempo uma qualidade, ambas
______ . Kafka Por uma literatura menor, tr. br. de Julio intensivas, segundo a leitura deleuziana de Kant. As intuies
Castanon Guimares, Rio de Janeiro, Imago, 1977. puras, no sentido kantiano, nos do as condies de
______ . Dilogos, tr. br. de Eloisa Arajo Ribeiro, So Paulo, possibilidade para todo pensamento possvel. Deleuze torce
Escuta, 1998. Kant, utilizando-se de Bergson um Kant transvertido de
______ . Mille plateaux, (com Flix GUATTARI), Paris, Minuit, Bergson , para propor uma radical concepo de
1980. temporalidade. O tempo passa, todavia s o tempo
permanece. Existe um tempo que no passa, o tempo puro,
______ . Mil plats, v. 1, incluindo: Prefcio para a edio
que s pode ser capturado pelo pensamento; um tempo que
italiana [de 1988]; Introduo: Rizoma, 1914 Um s ou
nos d a ver novas maneiras de intuir, nos d a produzir novas
vrios lobos e 10.000 a . C. A geologia da moral (Quem
formas de pensar. Dito isto, afirmo que o problema da
a terra pensa que ?), tr. br. de Aurlio Guerra Neto e Clia
ontologia em Deleuze passa pelas novas formas por meio
Pinto Costa, Rio de Janeiro, Ed. 34, 1995.
164 162
______ . Mil plats, v. 2, incluindo: 20 de novembro de 1923 ______ . Imanncia & vida filosfica, consideraes
165 167
______ . Lle Dserte et Autres Textes: textes et entretiens 1953-1974.
G ILLES D ELEUZE .
Edio organizada por David Lapoujade. Paris: Minuit, 2002.
______ . Deux Rgimes de Fous: textes et entretiens 1975-1995. Edio
organizada por David Lapoujade. Paris: Minuit, 2004.
Sobre Gilles Deleuze:
DE
BADIOU, Alain. Deleuze - la clameur de ltre. Paris: Hachette, 1997.
D EVIR
______ . A ontologia vitalista de Gilles Deleuze in Meditaes
filosficas, vol. 1: Breve Tratado de Ontologia Transitria. Lisboa:
ONTOLOGIA DO
Instituto Piaget, Diviso Editorial, 1998, pp. 63-73.
BERGEN, Vronique. Lontologie de Gilles Deleuze. Paris:
LHarmattan, 2001.
BOUNDAS, Constantin V. Deleuze-Bergson: an Ontology
of the Virtual, Deleuze: a critical reader, org. P. PATTON.
VASCONCELLOS, J ORGE . A
Cambridge: Blackwell Ltda, 1996, p. 81-106.
FOUCAULT, Michel. La pense du dehors in Dits et crits,
Vol. I, p. 518-539. Paris: Gallimard, 1994.
______ . Theatrvm Philosophicum in Dits et crits, Vol. II, p. 75-
99. Paris: Gallimard, 1994.
MACHADO, Roberto. Deleuze e a filosofia. Rio de Janeiro: Graal, 1990.
MARTINS, Andr. Deleuze et le rel in Le rel et lillusion:
pour une ontologie non mtaphysique. Tese de doutorado editada
pela Universit de Lille III, France, 1995, p. 41-54.
VASCONCELLOS, Jorge. O empirismo cinematogrfico de
Bergson e Deleuze Revista CINCIAS HUMANAS Vol. 22, n.2
Dezembro, 1999, publicao da Universidade Gama Filho, p. 24-48.
______ . Os cristais do tempo. O pensamento do cinema
de Gilles Deleuze. CRTICA Revista de Filosofia, vol. 3/n
12. Editora da Universidade Estadual de Londrina/Centro
de Estudos Filosficos de Londrina, julho/setembro de 1998,
p. 373-404.
166