A Historia Das Palavras de Louis Gernet PDF
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A Historia Das Palavras de Louis Gernet PDF
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Mestrando em Histria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, bolsista CNPQ.
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Fernando Nicolazzi, Helena Mollo & Valdei Araujo (org.). Caderno de resumos & Anais
do 4. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: tempo presente & usos do
passado. Ouro Preto: EdUFOP, 2010. (ISBN: 978-85-288-0264-1)
lingista que influenciou muito Gernet e que escrevia tambm para a Ann
sociologique2.
De fato, a linguagem ocupa um papel importante na teoria do conhecimento de
Durkheim, como pode ser observada na concluso de As formas elementares da vida
religiosa (1989, p. 510-18). A religio, a mitologia e os rituais so linguagens, sistemas
de idias, que constituem o indivduo social e suas categorias de pensamento, sendo a
cincia uma linguagem mais lgica e, por isso, socialmente mais estvel e abrangente. A
linguagem lgica uma experincia coletiva de mtuo entendimento, constituda por
um vocabulrio conceitual mais sofisticado no imanente, e sempre passvel de
retificao, mas que pode constituir as categorias de um nmero maior de sociedades.
Os conceitos e representaes religiosas, por outro lado, no so bem definidos, e logo,
se restringem a um grupo social menor.
Estas concepes foram decisivas para Louis Gernet, que se preocupou, na sua
j citada tese de doutoramento, com a emergncia de um conceito positivo de Direito
grego, atravs do estudo do vocabulrio religioso e jurdico da Grcia; assim como os
quadros de transmisso e processos de transformao dos modelos oriundos das
imagens, ritos e estatutos mticos para o exerccio abstrato de uma razo positiva
(HUMPHREYS, 1971, p. 182). Outro tema importante o das relaes entre a filosofia
grega e os sistemas religiosos que lhe antecederam3, questo esta ensaiada, tambm sob
influncia de Durkheim, por Francis Conford4, e depois continuada por Jean-Pierre
Vernant5.
2. As relaes intelectuais do jovem Gernet estiveram sempre muito limitadas
pelos seus colegas da escola durkheimnina. Entre os anos de 1907 e 1914 Gernet esteve
2
Revista acadmica fundada em 1898 por mile Durkheim, e que foi o principal veculo dos seus
discpulos, como Marcel Mauss, Franois Simiand, Maurice Halbwachs, Marcel Granet, Henry Lvy-
Bruhl, entre outros.
3
Les origines de La philosophie. Anthropologie de la Grce Antique. Paris: Flamarion, 1982 (1968).
4
HUMPHREYS, S. C. The Work of Louis Gernet. History and Theory, Vol. 10, N 2 (1971), pp. 172-
182. Francis Conforfd possui duas obras sobre o tema: From Religion to Philosophy: A Study in the
Origins of Western Speculation (1912) e Principium Sapientiae: The Origins of Greek Philosophical
Thought (1952).
5
VERNANT, Jean-Pierre. Origens do Pensamento Grego. Rio de Janeiro: Bertrand, 1992, e Mito e
Pensamento entre os Gregos: estudos de psicologia histrica. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, cap. 7,
Do Mito Razo.
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ligado Fundao Thiers, onde formou um grupo de estudos com outros jovens
pesquisadores influenciados por Durkheim: o sinlogo Marcel Granet e o medievalista
Marc Bloch o que Jacques Le Goff (1993, p. 11) chamou de o trio da Fundao
Thiers. Antes disso, Gernet havia sido influenciado pelo economista Franois Simiand,
e tambm pelos antroplogos Marcel Mauss e Henry Lvy-Bruhl (DI DONATO, 1982,
p. 984-985; HUMPHREYS, 1971, p. 173-174).
A sua tese de doutoramento, Recherches sur le dveloppement de la pense
juridique et morale en Grce: tude smantique (1917), desenvolvida durante sua
estadia na Fundao Thiers, no foi muito bem recebida. Por um lado, o helenismo, cuja
figura dominante era ento Wilamowitz, era uma disciplina prestigiada o suficiente para
dispensar as inovaes oriundas da sociologia (DI DONATO, 1982, p. 986), e o jovem
Gernet era um tanto quanto intolerante aos estudos de Grcia antiga que ignoravam a
contribuio de Durkheim6. Alm disso, Gernet tornou-se professor na Universidade de
Argel no ano 1917, onde lecionou grego antigo at 1948, e esta longa estadia na Arglia
acentuou ainda mais o seu isolamento intelectual.
Aps a Primeira Guerra Mundial ocorre certa disperso da escola durkheimniana
(nos anos 20, foram lanadas apenas 2 edies da Ann sociologique, HUMPHREYS,
1971, p. 175), e o principal veculo de divulgao dos trabalhos de Gernet tornou-se o
grupo dos Annales, principalmente seu ex-colega Marc Bloch que, segundo Di Donato
(1982, p. 987), Gernet considerava um dos verdadeiros herdeiros da tradio
durkheimniana. Humphreys argumenta que sua ligao com Lucien Febvre foi menos
amistosa, devido ao engajamento deste ltimo numa luta de defesa da Histria contra a
Sociologia (o que no deve ter agradado a um durkhemniano convicto), no entanto, isto
no impediu que Gernet escrevesse seu artigo Mariages de Tyrans (1954) em
homenagem Lucien Febvre (GERNET, 1982, p. 289).
A partir da dcada de 30, Gernet comea a publicar com freqncia na Annales
d'histoire conomique et sociale, e alm disto receberia na Arglia o ento jovem
historiador Fernand Braudel (LE GOFF, 1993, p. 11). Outro interlocutor importante, e
6
Com a exceo de Gustave Glotz, HUMPHREYS, S. C., op. cit. p. 174-75.
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Para uma anlise mais detalhada do profundo dilogo entre estes dois pesquisador, cf. DI DONATO,
Riccardo. Lanthropologie historique de Louis Gernet. Annales. Histoire, Science Sociales, 37e Anne,
N 5/6, Le document: lments critiques (Sep. Dec., 1982), PP. 984-996.
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GERNET, Louis. Recherches sur l developpment de la Pense Juridique et Morale em Grce: tude
Smantique. Paris: Ernest Leroux, 1917, VII-XI, Prface. Ver tambm do mesmo autor, Droit et
Instituitions en Grce Antique. Manchecourt: Champs et Flamarion, 1982, p. 104.
9
IDEM, p. XII, e tambm p. 429. Interessante notar a nfase dada por Gernet palavra sentimento
(grifo meu). Segundo BENVENISTE, . Problemas (...), 1976, p. 7, nas obras de Saussure e Bloomfield
eram os conceitos de categorias mentais e leis do pensamento que s fazem refletir a organizao e
distribuio das categorias lingsticas. A abordagem de Gernet, no entanto, outra: segue um vis
psicolgico.
10
Sobre a influncia de Louis Gernet sobre a obra de Ignace Meyerson, cf. DI DONATO, Riccardo.
Lanthropologie historique de Louis Gernet. Annales. Histoire, Science Sociales, 37e Anne, N 5/6, Le
document: lments critiques (Sep. Dec., 1982), pp. 988-990.
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documentos tambm uma testemunha histrica, e uma palavra vale menos por sua
etimologia do que pelo uso que dela feito11.
O arcabouo terico desta abordagem filolgica, ao menos para Gernet, est na
teoria dos campos semnticos12, que estabelece o significado das palavras conforme
suas relaes de distino e identificao com outras palavras, supondo a lngua um
todo orgnico cujos elementos se delimitam uns aos outros. mile Benveniste (1976,
pp. 9, 25-6, 99-100), um dos principais elos entre histria e lingstica no campo dos
estudos clssicos, tambm salienta a delimitao das palavras pelas relaes conexas de
distintividade e solidariedade entre elas, sendo o estudo diacrnico a abordagem das
sucessivas relaes sincrnicas entre os termos.
Humphreys (1971, p. 183-185) notou que Gernet um dos primeiros eruditos a
realizar um estudo de semntica estrutural, pois ele j havia utilizado este mtodo num
artigo de 190913. Para Gernet, o estudo da etimologia de uma palavra, ou dos seus usos,
no suficiente: todo o campo semntico precisa ser cotejado. Mito, religio e direito
so linguagens (HUMPHREYS, 1971, p. 189-190), e palavras, representaes e
instituies so, para Gernet, como sistemas sociais e lingusticos que reciprocamente
criam e so criados pelos indivduos: eis o fundo sociolgico da sua lingstica.
4. Uma das concluses de anlise dos campos semnticos dos termos morais do
direito tico a emergncia da noo de indivduo no campo jurdico, que visto como
uma conquista do pensamento humano, isto , uma mudana, uma transformao de
formas mticas e religiosas do processo jurdico para um direito positivo
(HUMPHREYS, 1971, p. 193). Vernant salienta principalmente a dimenso
propriamente humana das preocupaes de Gernet com as mudanas nos sistemas
sociais14 (2002, p. 160-61). neste ponto que a historicidade e o valor antropolgico da
11
Para as relaes do estudo de vocabulrio em BLOCH, Marc. Apologia da Histria ou O Ofcio do Historiador.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001 (ed. original de 1997), cf. pp. 81, 115, 136, 142-3, 148.
12
Para uma introduo teoria das esferas conceituais, cf. ULLMAN, Stephen. Semntica: uma introduo cincia
do significado. Lisboa: F. Calouste Gublenkian, 1979, p. 508-521.
13
Depois publicado em GERNET, Louis. Droit et Socit dans la Grce Ancienne. Paris: Recueil Sirey, 1955.
14
VERNANT, Jean-Pierre. Entre Mito e Poltica. So Paulo: USP, 2002 (ed. original 1996), p. 160-61. Cf. tambm
NOGUEIRA, Jos Otvio. A querela dos humanismos: Jean-Pierre Vernant e a tradio clssica, Humanas, 23, 1/2
(2000), pp. 145-178.
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O pensamento selvagem. Campinas: Papirus, 2008 (1962). Para uma crtica do estruturalismo levy-
straussiano realizada por um discpulo de Gernet e Vernant, cf. DETIENNE, Marcel. A inveno da
Mitologia. Rio de Janeiro: UNB/Jos Olympio, 1998
16
VERNANT, Jean-Pierre. Como um barco deriva. Trs colegas do Collge de France. Entrevista
concedida Jos Otvio Nogueira, Teoria e Pesquisa, Vol. XVI, n 2, Jul-Dez de 2007.
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contradies. Isso faz o sistema desmoronar. Uma das coisas mais interessantes
verificar como ele desmorona, como qualquer coisa algo que chamamos a
viso de mundo em Hesodo, por exemplo transforma-se por completo em um
pensamento dos filsofos jnicos e dos filsofos eleatas, para no falarmos no
que vem depois. O que me interessava muito e que no foi problema para
Lvi-Strauss, sendo, por vezes, problema para Dumzil era ver como um
sistema religioso se desfazia, como as trade divinas podiam em dado momento
se esfumar, se desequilibrar. Tratava-se de observar como se modificavam.
Escolhi a Grcia precisamente porque foi a que as coisas se modificaram mais
rapidamente, no tempo mais curto e de maneira mais profunda.
Esta uma das principais heranas que Gernet legou Vernant, pois o problema
da mudana da lngua, da instituio ou do pensamento fundamental em toda sua
obra (DI DONATO, 1982, p. 982; HUMPHREYS, 1971, p. 18-185). Gernet retoma o
problema delineado pelo lingista Antoine Meillet, tambm ligado escola Durkheim,
no artigo publicado na Anne sociologique: Comment les mots changent de sens
(1904-05), depois publicado no livro Linguistique Historique et Linguistique Gnrale
(1921, p. 230-271). A proposta de Meillet pode ser resumida da seguinte forma da
seguinte forma (apud BENVENISTE, 1976, pp. 15-6): cumprir determinar a que
estrutura social corresponde uma certa estrutura lingstica e como, de maneira geral,
as mudanas de estrutura social se traduzem por mudanas de estrutura lingstica.
Na concluso do Recherches... (1917, p. 425-26) Gernet reavalia o mtodo de
Meillet, j que ele considera os termos morais17 distintos das palavras comuns.
Porm, nos termos morais, onde a sociedade imprime seu pensamento, sua proposta
anloga de Meillet: os processos nas conscincias corresponde aos processos nas
coisas, que uma modificao de valores nas palavras pode sempre ser posto em relao
com uma mudana na sociedade (p. 426).
17
Esta distino entre palavra e termo moral permite analogia com a entre palavra e conceito feita por
KOSELLECK, Reinhart. Histria dos Conceitos e Histria Social. In: Futuro Passado. Rio de Janeiro:
Contraponto, PUC-Rio, 2006 (ed. original de 1979).
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Fernando Nicolazzi, Helena Mollo & Valdei Araujo (org.). Caderno de resumos & Anais
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passado. Ouro Preto: EdUFOP, 2010. (ISBN: 978-85-288-0264-1)
18
DETIENNE, Marcel. Os Mestres da Verdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988 (trad. de 1981 da ed.
original de 1967). E tambm Os Gregos e Ns. So Paulo: Ed. Loyola. 2008 (ed. Original 2008), p. 79.
19
WALKER, Lawrence D. A Note on Historical Linguistics and Marc Bloch's Comparative Method.
History and Theory, Vol. 19, No. 2 (Feb., 1980), pp. 154-164.
20
Em especial o cap. Os apoios da irreligio: a filosofia?. In: Lucien Febvre: Histria. So Paulo:
tica, 1978.
21
Cf. CHARTIER, Roger. Histria Intelectual e Histria das mentalidades. beira da falsia: a
histria entre incertezas e inquietude. Porto Alegre: UFRGS, 2002, especialmente pp. 24-31.
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autores, ele pea fundamental; talvez at a mais simples e bsica, mas sem a qual o
edifcio sequer poderia ser arquitetado. A lngua , para eles, mais um, e no o nico,
objeto da pesquisa histrica, mas ainda assim um objeto privilegiado.
Bibliografia:
- BENVENISTE, mile. Problemas de Lingstica Geral. So Paulo: Nacional, USP,
1976.
- BLOCH, Marc L. B. Apologia da Histria ou O Ofcio do Historiador. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 2001 (ed. original de 1997).
- DAVIDOVITCH, A. In Memoriam: Louis Gernet (1882-1962). Revue franaise de
sociologie, Vol. 3, N 3 (Jul. Sep., 1962), p. 329.
- DETIENNE, Marcel. Os Mestres da Verdade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988 (trad.
de 1981 da ed. original de 1967).
- DETIENNE, Marcel. A inveno da Mitologia. Rio de Janeiro: UNB/Jos Olympio,
1998.
- DETIENNE, Marcel. Os Gregos e Ns: uma antropologia comparada da Grcia
Antiga. So Paulo: Ed. Loyola. 2008 (ed. Original 2008).
- DI DONATO, Riccardo. Lanthropologie historique de Louis Gernet. Annales.
Histoire, Science Sociales, 37e Anne, N 5/6, Le document: lments critiques (Sep.
Dec., 1982), PP. 984-996.
- DURKHEIM, mile. As Formas Elementares de Vida Religiosa. So Paulo: Paulinas,
1989 (trad. da edio de 1960).
- GERNET, Louis. Recherches sur le dveloppement de la Pense Juridique et Morale
en Grce: tude Semantique. Paris: Ernest Leroux, 1917.
- GERNET, Louis. Droit et Socit dans la Grce Ancienne. Paris: Recueil Sirey, 1955.
- GERNET, Louis. Anthropologie de la Grce Antique. Paris: Flamarion, 1982 (Ed.
original de 1968).
- GERNET, Louis. Droit et Instituitions en Grce Antique. Paris: Flamarion, 1982 (Ed.
original de 1968).
- HUMPHREYS, S. C. The Work of Louis Gernet. History and Theory, Vol. 10, N 2
(1971), pp. 172-196.
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Fernando Nicolazzi, Helena Mollo & Valdei Araujo (org.). Caderno de resumos & Anais
do 4. Seminrio Nacional de Histria da Historiografia: tempo presente & usos do
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