Coulon, Alain. Etnometodologia.
Coulon, Alain. Etnometodologia.
Coulon, Alain. Etnometodologia.
Alain Coulon
30 - 3k
3dvul-E,
ETNOMETODOLOG1A.
Traduo de
Ephraim Ferreira Alves
\'OZES
Petrpolis
1995
Utchm.if
ic;t_., R(9- 1 te, hef i7
DOO ri)U- D.o ASA- 2W
Sumrio
Avelino Grosai
%ri.
EDITOR:
Antnio De Paulo
COORDENAO INDUSTRIAL:
EDITOR DE ARTE:
.r.C
Ornar Santos
h .
C.
EDITORAO:
Editorao e organizao literria: JaimeA. Clasen
Reviso grfica: Revitec S/C
Diagramao:Josione Furiati
Superviso grfica: Valderes Rodrigues
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Introduo
Captulo I Os Precursores
1. Parsons e a teoria da ao
2. Schtz
3. O interacionismo simblico
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v. rx yi utiett pf011881Unal
7. O raciocnio sociolgico prtico e a anlise de
conversao
Captulo V
Questo de Mtodo
Captulo VI
O Trabalho de Campo
1. A educao
2. A delinqncia juvenil
3. A vida de laboratrio
4. A burocracia
Captulo VII
Crticave Convergncias
1. Um ataque violento
2. Um contra-senso
3. Uma seita?
4. Tentativa de sntese
5. Marxismo e etnometodologia
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72
Introduo
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Concluso
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Bibliografia
131
(ft, sio
ricana, surgida nos anos 60, que se instalou inicialmente nos campi da Califrnia. Conquistou em
seguida outras universidades americanas e europias,
particularmente inglesas e alems. No entanto, a etnometologia era praticamente desconhecida do pbli -co
francs at a difuso de alguns textos fundadores e de
comentrios que comeam a se multiplicar. Todavia,
mais de vinte e cinco anos depois da publicao da obra
fundadora de Harold Garfinkel, Stuties in Ethnomethodology, ainda no se acha traduzida em francs. As
raras tradues de textos etnometodolgicos esto dispersas em algumas revistas.
A importncia terica e epistemolgica da etnometodologia se deve ao fato de efetuar uma ruptura
radical com modos de pensamento da sociologia tradicional. Mais que teoria constituda, ela uma perspectiva de pesquisa, uma nova postura intelectual.
A entrada da etnometodologia em nossa cultura
anuncia uma verdadeira reviravolta de nossa tradio
sociolgica. Essa mudana ocorre com uma ampliao
do pensamento social. D-se hoje maior importncia
compreenso que explicao, abordagem qualitativa do social que quantofrenia das pesquisas sociolgicas anteriores.
def
Captulo I
Os Precursores
Admite-se de modo geral que as duas fontes principais da obra de Garfinkel, mas no de todos os etnometodlogos, sejam as obras de Talcott Parsons e
Alfred Schtz. Estes so dois autores mais ou menos
contemporneos, mas com itinerrios diferentes. Parsons nasce nos EUA e desenvolve uma imponente obra
que rapidamente influencia o pensamento social americano. Schtz, ao contrrio, emigra para os EUA
quando j tinha quarenta anos, em 1939, e exerce por
vinte anos, at falecer em 1959, influncia bem mais
discreta. No universitrio, salvo no fim da vida. Mas
d conferncias, publica muitos artigos, e hoje se avalia sempre mais o seu papel na sociologia contempornea. A isto vem somar-se a influncia do interacionismo
simblico.
1. Parsons e a teoria da ao
Parsons foi uma figura dominante da sociologia americana do sculo XX'. Em oposio corrente geral do
seu tempo, reabilitou a _sociologia terica de matriz
europia integrando em sua teoria d_Wo Os trabaliiOs deDiik
-heim,, Weber, Pareto, etc. nra- ao mesmo
..
_ -
.....vv.&V,
,7%1.4.
U9./0,1 VaillellW
deBLEadapresentava
ar
particularmente a vantagem
de reunir a sociologia propriamente dita, a psicologia
social a antropologia. Ali se formou toda uma gerao
de socilogos americanooiqiiiiii_g.
Segundo Parsons,as motivaes dos atores sociais so
integradas em moleRa normativos_ que regulam _ as
condutas e as apreciaes recprocas. Assim se explica
a estabilidade dordem social e sua reproduo em
cada encontro entre os indivduos. Compartilhamos
valores ue nos transcendem e_ governam.. Temos a
tendncia, para ,evitar angstia e castigos, a nos conformarmos com as regras da vida em comum.
Mas como que acontece que respeitemos em geral
essas regras da vida em comum sem refletir sequer?
Parsons recorreu ,a Freud para explicar essa regularidade da vida social. Freud mostrou que no decurso da
educao as regras da vida em sociedade so interiorizadas pelo indiViduo e constituem o que ele denomina o "super-ego", isto , uma espcie de tribunal
interior. Esse sistema interiorizado governa, segundo
Freud e Parsons, os nossos comportamentos e at
mesmo os nossos pensamentos.
Para a nossa co.m_unicao sempre nos servimos de
sm6-6-1-6-s, que tomam sentido ., em totalidades como a
linguagem, que preexiste a nossos encontros, como
sistema_de-referncia e'corrio recurso eterno, inekaurf;
vel e estvel. A etnometodologia v'i colocar o probFein -ii
de outro modo: a_relao entre ator e situao no se
culturais nem a regras , mas ser
od--V---=--i1.CaTedos
ei
produzida por .processps_de . interpretao. D-se a
uma mudana de paradigma sociolgico: com a etno:
inetodologia_se_passa__de um paradigma normativo
para um paradigma interpretativo.
2. Schtz
2. At Schtz, 1932: Der Sinnhafte Aufbau der sozialen Welt, Wien, Springer
Alfred Sch
estudou cincias sociais na Universidade deiena no comeo deste sculo. Tomou como
ponto de 'partida uma reflexo sobre Max 'Weber, para
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01drafonta-da-striqmetodologia, o inter_acionig19
simblico. Encontra a sua primeira origem na "Escola
de Chicago" 6, cujos principais representantes so Robert Park, Ernest ,Burgess e William Thomas 6. Essa
corrente de pensamento popularizou o uso.dos mtodos .
qualitativos na pesquisa de campo, mtodo_s_ade.quadospara estudar a realidade social, em particular as
reviravoltas sociais rpidas provoCadas pelo crescimento urbano de Chicago. O interacionismo simblico'
se move na'contracorrente da concepo durkheimiana
do autor. Durkheirn, embora reconhecesse a capacidade do ator para desrever os fatos sociais que o cercam,
acha que essas descris so por demais gagas, muito
ambguas, para que o pesquisador possa us-las de
modo cientfico, sendo tais manifestaes subjetivas
no subordinadas alis ao domnio da sociologia. Ao
invs, o,interacionismo simblico afirma que a concepo que os . atores fazem ,para si domundo social consttui em ltima anlise o objeto essencial da pesquisa
sociolgica.
5. Cf. Alain Coulon, L'Ecole de Chicago, Paris, PUF (1992], 2 1993 ("Que
saia-je?", n. 2639).
6. R.E. Park e E.W. Burgess 1921: Introduction to the sciences of Sociology,
Chicago, University of Chicago Presa; W.I. Thomas e F. Znaniecki,
1918 1920: The Polish Peasant in Europe and America. Chicago, Chicago University Presa (New , Yrkk, Knopf, 1927). W. Thomas foi um dos
primeiros a usar em sociologia materiais biogrficos e autobiogrficos
em seu monumental estudo (mais de 2.200 pginas) feito em conjunto
com F. Znaniecki, sobre os camponeses poloneses exilados na Europa e
na Amrica.
7. Quem pela primeira vez formulou a expresso "interao simblica" foi
Blumer (1937). Sobre o interacionismo, cf. H. Blumer, 1969: Symbolic
Interactionism. Perspective and Method, Chicago, University of Chicago
Presa. Em francs, cf. Arlitelm Strauss: Miroirs et masques. Une introduction l'interactionime. Paria, A.M. Mtaili 1992.
-
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inicial do rtulo.
desviantes?!?!?!?!?!
17
Captulo: II
Histria do Movimento
Etnometodolgico
A. etnometodologia comea com os trabalhos do socilogo Har9.1.d.Garfinkel, Nascido em 1917, faz os seus
estudos doutorais em 1946, na Universidade..de_Haryard, sob a direo de Talcott Earsons, Ao mesmo
tempo se inicia na fenomenologia, l Edmund Husserl,
Aaron Gurwitsch, Alfred Schtz e Maurice Merleau :
Ponty,quesbrlvxcnomeiflua.
1. 1949: crimes inter-raciais e definio
da situao
19
20
Soci
21
4. A difuso intelectual
22
23
6. O crescimento do movimento
No Prefcio dos Studies, Garfinkel revela q_ue inverso de perspectiva as suas pesquisas o levaram:
"Contrariamente a certas formulaes de Durkheim,
que
ensina que'a realidade objetiva dos fatos sociais
o principio fundamental di sociologia, iremos
titulo de programa de pesquisa, que para os membros
que fazem sociologia o fenmeno fundamental _a_reali :_
dade objetiva dos._latos_upiajs, enusggo_realizao
contnua das atividades combinadas da vida cotidiana
dos membros que utilizam, coriSiabranda-os como conhecidos e erlinnTi, processos ordinrios e engenhosos, para essa realizao" (p. VII).
Os fatos sociais no se nos impem a ns, contrariamente ao que afirma Durkheim, como realidade
objetiva. O postulado da sociologia vem a ser ento,
com Garfinkel: devem-se considerar os fatos sociais
como realizaes prticas. ltgisocial no um objeto
estvel, mas o produtn (In rontnua_atividade dos_.hp.n.
meus, que aplicam,seuR conhecimentos, processos,.re 7.
Esses anos de expanso e de florescimento do movimento so da mesma forma caracterizados por importantes publicaes. No possvel citar todas.
Mencionemos, quanto ao essencial, alm dos Studies,
a obra de David Sudnow sobre a administrao hospitalar da morte 16 , a de Cicourel sobre a delinqncia
juvenil" e no mesmo ano a de Peter McHugh sobre a
definio da situao 18 . Deve-se acrescentar o apareci-
grasdecomptni_sua,metodlgi
leiga cuja anlise constitui a verdadeira tarefa do
socilogo.
No ano seguinte, a Crtica e a contra-ofensiva dos
socilogos principiain com um artigo de J.S. Coleman 12 .
24
13. H. Mehan, 1971: Accomplishing Understanding in Educational Settings, Unpublished Ph.D., University of California, Santa Brbara.
14. M. Shumsky, 1972: Encounter Groups: A Forensie Scene. Unpublished
Ph. D. University of California, Santa Brbara.
15. P. Flynn, 1991: The Ethnomethodological Movement. Semiotic Interpretations, Berlin, Nova York, Mouton-de Gruyter. Nesta obra, Pierce Flynn
distingue quatro geraes de etnometodlogos entre 1950 e os anos '80.
16. D. Sudnow, 1957: Passing on: The Social Organization of Dying,
Englewood Cliffs, NJ. Prentice Hall.
17. A. Cicourel, 1968: The Social Organization of Juvenile Justice, Nova
York, Wiley.
18. P. McHugh, 1968: Defining the Situation, Indianapolis, BobbsMerrill.
25
mento em 197U de um importante artigo de Don Zimmermann e Melvin Pollner sobre o mundo cotidiano
como fenmeno", artigo s vezes considerado como a
apresentao mais sistemtica, para aquela poca, da
postura etnometodolgica, em oposio da sociologia
padro. Esses autores mostram que a sociologia profissional tem suas razes na sociologia leiga, que a vai
buscar seus "recursos" que usa de maneira no crtica
e que toma at como temas (topics) de seus trabalhos.
Elaboram depois a noo de corpus contingente (occasional corpus), que define o conjunto das prticas
instituintes que caracterizam uma situao localizada.
A partir dosanos "70, a etnometodologia comea a
cindir-se ernidbil---griipos: o dos analistas de conversao que tentam descobrir em nossas conversas as
grupos
reconstrues contextuais que perMitem lhes dar um dois
de etnometodo
sentido e dar-lhes continuidade; e o dos socilogos para
osq-iia-i-i-ii-S--fronteiras reconhecidas de sua dis-ciplina
se acham circunscritas aos objetos mais tradicionais
que a sociologia estuda, como a educao, a justia, as
organizaes, as administraes, a cincia.
A despeito de ou talvez por causa desses vnculos
mantidos com a atividade sociolgica habitual, a_e_tn.o,
metodologia' vai constituir o ob'eto em 1975 de novo
ataque espetacular da parte dectewrs os ento
Presidente da Associao Americana U -S-d-ciologia20 .
Ele vai apresentar a coj -rente etnorretodola_como
uma s-eita. --dujo desenvOlvimento poderia a-nie_ago o
futuro-a--lb- da as,ociplogia americana. A esses ataques
Don Zimmerman de um rc-i-croeHugh Mehan e Houston
Wood, de outro, vo responder no ano seguinte. 21
26
7. A difuso no exterior
A partir desse momento a etnometodologia comeaalm da Califrnia. Vai instalara____Im_realimpacto
ter i
se na costa te com uma nova gerao (Alan Blum,
McHug , Robert McKay, George Psathas, Jeff Coulter)
que conquista postos universitrios nos departamentos de sociologia das Universidades de Nova Iorque ou
de Boston. Vai ultrapassar tambm as fronteiras dos
EUA, chegando Inglaterra, em Londres e Manchester, onde se concentra um nmero importante de_etno,
metodlogos, entre os quais Rod Watson, John
Heritage, Douglas Benson, John Hughes, Wesley
Scharrock, Bob Anderson, John Lee; na Alemanha
encontramos o grupo da Universidade de Bielefeld. O
avano bem mais lento em pases como a Itlia onde
se observa no entanto o lanamento em 1984 de uma
coletnea de textos traduzidos 22.
Na Frana, foi preciso esperar dez anos para que a
etnometologia encontrasse o seu lugar na paisagem
cultural francesa. As primeiras publicaes vo surgir
ern 1973 23 . Em 1981, Christian Bachmann, Jacqueline
Lindenfeld e Jacky Simonin publicam uma obra intitulada Langage et communications sociales (Hatier)
que consagra um captulo etnometodologia. Somente
dez anos depois que so defendidas algumas teses de
inspirao etnometodolgica 24 . E recentemente, fora
das grandes publicaes sociolgicas oficiais, algumas
27
Captulo III
Os Conceitos-chave da
Etnometodologia
um
28
29
V(.4 1./U.J.
a ao
30
sociologia
"antiga"
31
suas atividades concretas, revelam as regras e os modos de proceder. Noutras palavras,. a observao atenciosa e a anlise dos _processos apli
cados nas aes
permitiriarri'Or em evidAiiCia os modos..de. proceder
pelos quais os..at-o-i'es. interpretam constantemente a
realidade social, inventam a vida em uma.permanente
brilaagm,...~rtanto de importncia capital observar como os atores de senso comum o produzem e
tratam a informao nos seus contatos e como utilizam
a linguagem como um recurso. Em suma, como fabricam um mundo "racional" a fim de nele poderem viver.
ti
:- 2. A indicialidade.
lgicos e dos lingistas. Podem-se definir como indicialidade todas as determinaeS que se ligam a uma
palavra, a uma situao. Indicialidade um termo
tcnico, adaptado da lingstica. Isto significa que,
embora uma palavra tenha uma significao trans-situacional, tem igualmente um significado distinto em
toda situao particular em que usada Sua compreenso profunda passa por "caractersticas indicati dos indivduos que "vo alm da informao
vas 5 e exige
que lhes dada".
Isto designa portanto a incompletude natural das
palavras, que s ganham o seu sentido "completo" no
seu contexto deproduo,quando so "indexadas" a
uma situao de intercmbio lingstico. E ainda: a
indexao no esgota a integralidade do seu sentido
potencial. A significao de uma palavra ou de uma
expresso provm de fatores contextuais como a biogr~o_locutor, sua inteno imediata, a relao
nica que mantm com seu ouvinte, suas conversaes
passadas. O mesmo se diga quanto s conversas ou
quanto aos questionrios utilizados em sociologia: as
palavras e as frases no tm o mesmo sentido para
todos, e no entanto o tratamento "cientfico" que o
socilogo levado a fazer dessas conversas faz como se
existisse uma homogeneidade semntica das palavras
e uma adeso comum dos indivduos ao seu sentido. A
linguagem natural um recurso obrigatrio de toda
pesquisa sociolgica.
Para Garfinkel, as caractersticas das expresses
indiciais devem ser estendidas ao conjunto da linguagem. Segundo a sua convico, o conjunto da linguagem natural profundamente indiciai, na medida em
que, para cada membro, o significado de sua linguagem cotidiana depende do contexto em que esta lingua-
/i
32
33
~kr
F"
LULU!,
34
Uma expresso da linguagem corrente foi minuciosamente analisada por diversos etnometodlogos m :
trata-se da expresso "et caetera".. Ela desempenha
muitas vezes a funo de complemento de demonstrao, subentende: "Voc sabe muito bem o que quero
dizer, no preciso insistir, definir com preciso tudo
35
36
s cincias antropo-sociais, extirpar as expresses indiciais, a fim de substituf-ls por expresses objetivas.
mesmo que no tenha certamente introduzido o conceito de indicialidade, sugere que se examine de maneira diferente: as expresses indiciais no constituem
expresses parasitas no &Correr de nossas conversas
de-cada-diltr-SkTgel t5--rriesCOi
n r rios e en
isdtuUvos desse discurso cons ilTi25 graas ao seu uso. A
linguagem cotidiana tem um. senirdo ordinrioTiiie as
pessoas no sentem dificuldade para compreender. A
inteligibilidade de nossos dilogos, mais do que sofrer
por sua natureza indiciai, dela depende, e o conhecimento das circunstncias do` enunciado que nos permite atribuir-lhes um sentido preciso. E assim, ao invs
de criticar a linguagem ordinria porque seria incapaz
de explicar um certo nmerO de princpios metodolgicos, Q.arfualceLse_prope-esturl-in considerando o seu
como uma
37
3. A reflexividade
Pablo se 'acha internado em um estabelecimento de
readaptao`para toxicmanos. Ume represlias da
parte de um outro detento recentemente posto em
liberdade coridiional e que em breve chegar tambm
ao centro. Pablo entra em pnico diante da idia de o
outro achar que ele um delator. Alguns anos antes,
eles consumiam e vendiam drogas juntos. Ambos foram detidos, mas, somente o outro foi condenado. Assim, Pablo acha que o outro deve pensar que ele o
denunciou, mas no verdade. Quer deixar o estabelecimento, para evitar represlias, inclusive dos seus
atuais companheiros que, sabendo de sua propalada
delao, podero agredi-lo, talvez at mesmo assassin-lo. Sua "confisso" coloca Lawrence Wieder 13 na
pista do cdigo implcito em vigor entre os detentos.
Wieder certamente j descobrira, desde o comeo do
seu estudo sobre o centro, a existncia de tal cdigo,
como existe em todos os centros de deteno, mas
jamais tivera a ocasio, exceto no "caso Pablo", de
analisar casos de, delao, de ver funcionando esse
cdigo. Mas Rabio, durante uma conversa, diz a um
educador do centro: "Voc sabe muito bem que no sou
um delator".
Os detidos falavam facilmente desse cdigo, verdadeira ordem moral que regia seus comportamentos
cotidianos, bem como dos castigos aplicados aos "puxasacos, delatores e aos maricas". Esse cdigo, constantemente aplicado mas no formalizado dessamaneira
pelos detidos, se referia portanto em primeiro lugar
delao, mas tambm por exemplo ao fato de no se
queixar dos roubos de que se vtima, compartilhar ou
vender aos outros detidos a droga que se conseguiu,
,
38
39
15. C. Castafieda, 1972: A Journey to 'aliem, Nova York, Simon & Schuster.
40
41
se realiza, as caractersticas da sociedade real so produzidas pela aquiescncia motivada das pessoas que j
alimentam essas perspectivas" (Studies, p. 55).
.escrever iim A Aituao constitui -la,A reflexividade designa a. equivalncia entre descrever e produiii.
interao, entre a compreenso e a expresso uma
dess_ac.ompreenso .. E vamos ver que Garfinkel chama
cle-acount o suporte, b vetor, o veculo dessa equivalncia. "Fazer" uma interao o mesmo que "dizer" a
interao: &reflexividade pressupe
"que as atividades pelas quais os membros produzem e
administram as situaes de sua vida organizada de
todos os dias sO idnticas aos procedimentos usados
ra tornar essas situaes descritveis" (Studies, p. 1).
4. A accountability
No prefcio aos Studies, escreve Garfinkel:
"Os estudos etnometodolgicos analisam as atividades
cotidianas dos.membros como tambm dos mtodos que
fazem essas mesmas atividades visivelmente racionais
e relatveis a, todos os fins prticos, isto , descritveis
(accountable), enquanto organizao ordinria das atividades de todos os dias".
Louis Qur 6, sublinha "duas caractersticas importantes da accountability: ela reflexiva, racional.
Dizer que ela reflexiva o mesmo que sublinhar que
a accountability' de uma atividade e de suas circuns-
tncias ... um elemento constitutivo dessas atividades". Dizer que 'racional significa "sublinhar que ela
metodicamente produzida em situao, e que as
atividades so inteligveis, podem ser descritas, e avaliadas sob o aspecto de sua racionalidade". Qur vai
pedir emprestados de Garfinkel quatro exemplos de
accountability: o estudo do Centro de Preveno do
42
de sociologia, bem como "aos procedimentos profissionais, dos mais diversos, aplicados na realizao de
uma sondagem antropolgica, lingstica, psiquitrica
ou sociolgica". Na concluso deste mesmo captulo,
Garfinkel enuncia algumas recomendaes que constituem um elemento importante de metodologia em
matria de pesquisa etnometodolgica.
Qur comenta essas recomendaes sublinhando
que existem dois nveis de anlise: o da auto-organizao do Centro de Pesquisas o SPC e o dos accounts,
ou da representao do outro:
"No primeiro nvel o SPC se auto-organiza comorealidade objetiva ordenada, finalizada, dotada de nacionalidade e coerncia. Esta auto-organizao se traduz por
arranjos materiais, por uma diviso do trabalho, pela
definio de procedimentos de pesquisa, de procedimentos de constituio e de reviso de dossis, de mtodos
de arquivamento, pelo acmulo de recursos (informaes,
redes de informaes, agendas com endereos, etc.). No
segundo nvel, o organismo constri, mediante prticas
de investigao e interpretao sobre si mesmo, accounts
em que ele se lana no palco como se fosse realidade
43
da situao de enunciao".
O segundo exemplo proposto por Qur a histria
de Ins, que ocupa todo o quinto captulo dos Studies.
Ins um transpxual que decidiu tornar-se mulher
e pediu para ser operado na clnica da UCLA, onde se
apresentou em 1958, quando tinha 19 anos. Mandou
extrair o pnis e substitu-lo por uma vagina..Garfinkel invervm no caso a ttulo de perito no contexto de
_uma pesquisa sobre a transexualidade, organizada
pela clnica. Durante 35 horas ele conversa com Ins,
que a esta altura trabalha como secretria. Ele a
descreve como
"uma moa bonita, com medidas impressionantes, uma
pele feminina, totalmente imberbe, maquiagem discre-
44
La fausse conscien-
45
F ui
atos prticos.
Ento a etnometodologia
"aborda os relatos do mundo social feitos pelos seus
membros como realizaes em situao, no como indcios daquilo que se passa verdadeiramente. A etnometodologia, de modo geral, se preocupa em elucidar a
maneira, como os relatrios ou relatos, ou as descries
de um acontecimento, de uma relao ou de uma coisa,
so produzidos em interao, de tal modo que atingem
um estatuto metodolgico claro, por exemplo estabelecido ou ilusrio, objetivo ou subjetivo etc."
5. A noo de membro
No vocabulrio etnometodolgico a noo de membro no se refere pertena social mas ao domnio da
linguagem natural;_
"A noo de membro constitui o fundo do problema. No
usamos o termo em referncia a uma pessoa. Refere se
sobretudo ao domnio da linguagem comum, que ouvimos da maneira seguinte. Afirmamos que as pessoas,
por causa do fato de falarem uma linguagem natural,
acham-se de certa forma empenhadas na produo e na
apresentao objetivas do saber de senso comum de seus
negcios cotidianos enquanto fenmenos observveis e
relatveis.
Com uma freqncia e uma insistncia universais,
os membros empregam frmulas destinadas a remediar o carter indicial de suas expresses e, concretamente, procuram substituir as expresses indiciais por
expresses objetivas" 2 .
Parece at que Garfinkel teria passado da concepo parsoniana da noo de membro, que insistia na
collectivity membership 21 , isto , o fato de pertencer a
uma comunidade, quela, mais "lingstica", que sublinha o domnio da linguagem natural.
Mais recentemente, conversando com Bennetta
Jules-Rosette 22 , Garfinkel volta a usar o conceito de
membro e rejeita mais nitidamente ainda que em 1970
a definio parsoniana do "membro":
"Em uma frmula-manifesto, falo da produo local e do
carter naturalmente `disponvel-e-favorvel' da ordem
social. Nossas pesquisas nos remetem fatalmente a
Merleau-Ponty, para reaprender o que ele nos ensinou:
a nossa familiaridade com a sociedade um milagre sem
-
46
particularmente.
47
cessar renovado. Essa familiaridade, tal como a concebemo, abrange o conjunto das realizaes da vida cotidiana como prticas que se acham na base de toda forma
de colaborao e de interao. Temos que falar das
aptides que, enquanto competncia vulgar, so necessrias para as produes constitutivas do fenmeno
cotidiano da ordem social. Resumimos essas competncias introduzindo a noo de 'membros'.
Usar a noo de 'membros' algo que envolve
Capitulo IV
Sociologia Leiga e
Sociologia Profissional
'
48
49
uma lgicia,de senso comum, como por exemplo distinguir o verdadeiro do falso, o provvel do verossmil,
eram capaies de avaliar a pertinncia dos argumentos
aduzidos.,do decurso do processo:
"Eles samostravam preocupados com a exatido de suas
descrieS, de suas explicaes e de seus argumentos.
No pretendiam estar usando o 'senso comum', quando
utilizavam noes de 'senso comum'. Queriam agir no
esprito da lei, e ao mesmo tempo queriam ser justos. Se
voc os pressionasse, no sentido de dizerem o que entendiam por estar no esprito da lei, a sua atitude mudava
imediatamente e respondiam: 'No sou um jurista. Ningum pode verdadeiramente esperar de mim que eu
saiba o que legal e dizer-lhe. O jurista, afinal, o
senhor!"
Havia ali prticas de avaliao, de certo modo, e de
julgamento, passveis de descrio, mas que Garfinkel
no conseguia ainda designar por um termo adequado.
Ele encontrou o termo etnometodologia um pouco mais
tarde, em 1955, parece, e conta como o "acaso" o
ajudou, no mais trabalhando com as deliberaes dos
jurados, mas lendo documentos etnogrficos:
"Eu estava trabalhando com o fichrio das reas trensculturais de Yale. Folheei por acaso o catlogo sem a
inteno de encontrar esta palavra. Fui percorrendo os
ttulos e cheguei seco etnobotnica, etnofisiologia e
etnofsica. Ora, eu estava pesquisando jurados que aplicavam uma metodologia... Mas como dar um nome a
essa habilidade, mesmo que fosse apenas para me recordar de sua substncia?"
"E foi assim.que a palavra etnometodologia foi usada no
incio. Etno sugeria de uma forma ou de outra que um
membro dispe do saber de senso comum de sua sociedade enquanto saber 'do que quer que seja'. Se se tratasse de etnobotnica, estaramos lidando, de uma
maneira ou de outra, com o conhecimento e com a
compreenso que os membros tm daquilo que, para
eles, constituem mtodos adequados para abordar questes de botnica. to simples assim, e a noo de
50
51
52
habitualmentenodamesturzqoc
admitido pelos socilogos.
2. O ator social no um idiota cultural
Garfinkel subverte a relao do ator com seu meio;
ele solapa a tendncia sociolgica que consiste em opor
o desconhecido e o manifesto. Para a sociologia, com
efeito, o sentido das aes dos membros s acessvel
ao socilogo profissional. S ele, como o psicanalista
diante do seu cliente, capaz de elucidar o segredo
social dos comportamentos humanos. O ator ignora a
fonte de suas aes cotidianas, no sabe que vai ao
museu ou que bate fotografias por ser um membro da
classe mdia. O socilogo cientista o trata assim, segundo a insolente frmula de Garfinkel, como "um
idiota cultural":
3. Objetivismo e subjetivismo
Podemos formalizar essa reviravolta utilizando
termos que no so de Garfinkel, nem os da etnometodologia, mas que nos parecem pertinentes para indicar
o lugar polmico da etnometodologia, assim como de
outras correntes contemporneas, na sociologia:
O objetivismo isola o objetivo da pesquisa, introduz uma separao entre observadores e observados,
53
WIii(0.1 1
54
ele capaz de raciocnio, de compreenso e de interpretao de suas aes? O papel do socilogo, nestas
condies, ficaria modificado, tendo neste caso que
analisar as racionalidades demonstradas pelo ator no
decurso de suas atividades correntes. Numa palavra,
o ator age ou agido?
Podem - se adivinhar as conseqncias de tamanho
antagonismo no campo da sociologia. So dois pontos
de vista opostos, a respeito das instituies, um ligado
ao objetivismo e o outro ao subjetivismo: um definir
a instituio como uma forma social definida fora dos
atores, como um conjunto de normas que se impem a
eles; o outro inverter a relao que os membros mantm com suas instituies, que contribuem ao contrrio para fabricar em uma permanente bricolagem
institucional. Sem dvida, essas questes tm sempre
uma importncia capital. A oposio epistemolgica
que encerram no nova. Ela perpassa a reflexo
sociolgica desde as suas origens, com duas concepes
da cincia, da prtica, da racionalidade, da relao do
ator com essa racionalidade e com o que significam as
suas aes.
Para os etnometodlogos no existe diferena de
natureza entre, de um lado, os mtodos empregados
pelos membros de uma sociedade para se compreenderem e compreenderem o seu mundo social e, de outro
lado, os mtodos usados pelos socilogos profissionais
para chegarem a um conhecimento com pretenses
cientficas deste mesmo mundo. Garfinkel demonstra
essa identidade de mtodos entre sociologia leiga e
profissional por um experimento ao qual consagra um
captulo dos Studies.
4. O mtodo documentrio de interpretao
Garfinkel toma emprestado de Mannheim o conceito de "mtodo documentrio de interpretao" que
o Autor dos Ensaios sobre a teoria do conhecimento
55
56
Garfinkel pretende que esse "mtodo" permite saber aquilo de que uma outra pessoa fala, dado que ela
nunca diz exatamente o que deseja exprimir. E igualmente aplicado pelos socilogos profissionais:
5. J. Signorini, 1985: De Garfinkel ia communaut lectronique Gocub.
essai de mthodologie (et recherche dee fondements), DEA de etnologia,
57
5. Um experimento
O funcionamento do mtodo documentrio de interpretao se torna visvel mediante uma experincia
de laboratrio. Garfinkel convida dez estudantes voluntrios parai participarem de uma experincia que
"consistia em estudar mtodos alternativos de psicoterapia como um meio de aconselhar as pessoas sobre os
seus problemas individuais". Cada estudante visto
individualmente por um experimentador, que lhe
apresentado como um conselheiro e orientador. Depois
de ter exposto o contexto do problema sobre o qual
deseja ser aconselhado, deve o estudante apresentar
ao "conselheiro" ao menos dez perguntas, de tal modo
que o experimentador possa responder-lhe, dizendo
sim ou no, e aconselh-lo assim do melhor modo
possvel. . primeira pergunta apresentada o experimentador, que se encontra num cmodo vizinho, responde sim ou no por um interfone. O estudante deve
ento desligar o sistema de comunicao de sorte que
o conselheiro :no possa ouvir suas observaes" e
registrar num megafone os comentrios que faz da
conversao que acaba de ter, e claro da resposta que
acaba de obter. Terminado o comentrio, ele de novo
liga o sistema e faz a pergunta seguinte, e assim por
diante at que termina a conversao. Em seguida, o
58
54).
r: 4Csom * is
_fr
61
62
um ponto de vista objetivo, fossem as melhores respostas, porque uma pessoa envolvida em uma situao
"aconselhados".
65
No houve evidentemente perguntas pr-programadas. "A pergunta que se seguia era motivada pelas
possibilidades retrospectivas-prospectivas da situao
presente, possibilidades modificadas por cada intercmbio efetivo" (p. 89). "Durante a conversao, os
sujeitos modificavam o sentido precedente de sua pergunta para adapt-la resposta em vista de uma
pergunta retrospectivamente revista".
"O mesmo enunciado era utilizado para responder
a diversas perguntas diferentes escalonadas no tempo.
Os sujeitos qualificavam isso de "clarificao nova"
sobre o passado".
Quando as respostas lhes pareciam insatisfatrias,
os sujeitos esperavam as respostas seguintes a fim de
decidirem quanto ao sentido a atribuir s precedentes.
"As respostas incongruentes eram resolvidas atribuindo conhecimento e inteno ao conselheiro. Os sujeitos
pressupunham aspectos conhecidos-em-comum da coldtividade como um corpo de conhecimento de senso
comum admitido por cada pessoa. E referiam a esses
pressupostos-padro o que ouviam das respostas do
conselheiro".
O trabalho' de "documentao" consiste, aqui, em
"procurar e determinar um padro, em considerar as
respostas do conselheiro como sendo motivadas pelo
sentido implicado na pergunta, em esperar as respostas seguintes para clarificar o significado das precedentes, em achar respostas para as perguntas no
feitas".
"Os valores normais percebidos daquilo que fora
aconselhado eram verificados, reconsiderados, mantidos, restabelecidos, em uma palavra, produzidos.
falso pensar, por conseguinte, no mtodo documentrio
como um procedimento pelo qual as proposies so
relacionadas com um corpus cientfico. Pelo contrrio,
o mtodo documentrio desenvolveu o conselho, de
modo a continuamente 'reconsider-lo'" (p. 94).
66
67
a interpretao. Em vez de ouvir esse no como referente sua namorada, em vez de relacion-lo com a
pergunta que ele mesmo fez, o estudante o interpreta
como referindo-se suposta desaprovao de seu pai.
Esse no se converte em um sim que documenta o
receio dos sentimentos-do-pai.E--ento comea a sondagem sobre o pai documentrio, e no sobre a moa,
momentaneamente posta de lado. Utilizam-se as suposies para tornar possvel a interpretao: "Se depois que eu tiver falado com papai... Se eu continuo
pensando assim... Se ela estiver mais apaixonnan que
eu... Se eu estivesse mesmo apaixonado por esta
moa..." O fato interpretado ganha no futuro a realidade que ainda no adquiriu no presente.
Como se pode ver claramente pelos comentrios
6. Jacqueline Signorini (op. cit., p. 102) mostra bem como funciona este
fenmeno ao nos falar de seu trabalho de programao em informtica:
"Programar produzir a estrutura do pensamento. No h portanto
diferena entredizer 'eu' e 'eu tenho urna idia'. O pensamento e o objeto
do pensamento so a mesma coisa. No se pode chegar ao pensamento,
o seu', mas sempre a produtos estruturados".
69
6. A prtica profissional
Pode-se, fora de dvida, generalizar estas reflexes
e estender esta, anlise ao raciocnio e prtica sociolgicos. Garfinkel estima (p. 94-95) que "em toda a
parte onde se pratica a pesquisa em sociologia se
encontram exemplos que ilustram o uso do mtodo
documentrio"'. "Seu uso se manifesta nas inmeras
oportunidades de explorao de sondagens de opinio,
quando o pesquipador, voltando s notas que tomou na
entrevista mi relatando as respostas de um questionrio, deve decidir, o que que o entrevistado tinha em
mente.,. Quando um pesquisador se interroga sobre "o
carter motivado" de uma ao, ou sobre uma teoria,
ou sobre a adeso de uma pessoa a uma justa causa, e
outras coisas parecidas, ele utiliza o que de fato observou para 'documentar' um padro subjacente. O mtodo documentrio utilizado para resumir o objeto"8.
E Garfinkel continua: "Muitas situaes de pesquisas sociolgicas profissionais tm as mesmas caractersticas que as situaes vividas pelos estudantes" (na
simulao do conselho)... Assim, por exemplo, nas entrevistas, o pesquisador recorre a "um conjunto de
tticas ad hoc para adaptar se oportunidade presente, tticas geralmente decididas em vista daquilo que
o pesquisador desejaria ter achado no final da conversa. Nessas circunstncias, mais correto seria falar de
-
7. Na nota da p. 94, Garfinkel indica que, no seu artigo "On the Interpretation
of Weltanschauung", Mannheim afirma que o mtodo documentrio
prprio das cincias sociais. Existem nas cincias sociais numerosas
expresses que se referem a isso, tais como "o mtodo compreensivo", "a
introspeco compadecente", "o mtodo analtico", "o mtodo de intuio",
"o mtodo interpretativo", "o mtodo clnico", "a compreenso emptica",
etc. As tentativas dos socilogos para identificar uma coisa chamada "a
sociologia interpretativa" implicam a referncia ao mtodo documentrio
com a base para encontrar e legitimar seus resultados.
8. O grifo meu.
70
71
de conversao
72
suas pesquisas.
A anlise de conversao o estudo das estruturas
e das propriedades formais da linguagem. Para poderem desenvolver-se, as nossas conversaes so organizadas, respeitam uma ordem, que no temos necessidade de explicitar durante o decurso de nossas conversas, mas que necessria para tornar inteligveis
as nossas conversaes. Noutras palavras, demonstramos, no decorrer de nossas conversaes, a nossa competncia social para conversar com nossos
semelhantes, de um lado expondo, tornando compreensveis aos outros o nosso comportamento e, de
outro lado, interpretando o comportamento dos outros.
Pode-se, com John Heritage, resumir as trs hipteses
principais da anlise de conversao da seguinte maneira:
a) a interao estruturalmente organizada;
b) as contribuies dos participantes dessa interao
so contextualmente orientadas: o procedimento de
indicao dos enunciados a um contexto inevitvel;
c) essas duas propriedades se realizam em cada detalhe da interao, de tal sorte que nenhum detalhe
pode ser posto de lado, como se fosse acidental ou
no pertinente.
-Garfinkel ilustrou essas propriedades pedindo a
seus estudantes que transcrevessem um trecho de sua
conversao familiar corriqueira e desenvolvessem o
seu sentido comentando a conversao escolhida. Eis
esse trecho, mostrando esquerda a conversao tal
como efetivamente ocorreu (h de se observar que o
sentido relativamente inacessvel a um terceiro);
direita o comentrio do estudante que "explicita" o
sentido dessas conversas (Studies, p. 25-26):
73
Qual exatamente?
MARIDO: Comprei cadaros novos para os sapatos.
74
75
Help,
76
77
Captulo V
Questo de Mtodo
Os etnometodlogos no acreditam que os comportamentos e as atividades de um indivduo sejam diretamente induzidos por sua posio social. Eles pensam
que os socilogos at agora "super-socializaram" o comp6rtamento dos atores sociais e que sua hiptese sobre
a internalizao das normas, provocando comportamentos "automticos" e impensados, no explica a
maneira como os atores percebem e interpretam o
mundo, reconhecem o familiar e constroem o aceitvel,
e tambm no explica como as regras governam concretamente as interaes.
79
Como j observava Garfinkel em sua tese: "o mundo emprico do socilogo povoado_ por tipos" p.
r
222).
O homem observo pelo soei logo
uma
construo
_ cuja ra ciOn
. ali dade_no-tem-outroobj ativo
seno verificar_a_pertinnciandPlo O homem do
socilog_o_no_temliografia, no , tem histria, no tem
p~ -sobretudo incapaz de juizo. Qarfinkel -fazumacrtivlenj")P,comsviu -
log5s-j---f3ro is-si-orialii-e os atores de senso comum constroem os seus mundos da mesma maneira. A anlise
"no monoplio dos filsofos nem dos socilogos profissionais. Os membros da sociedade se envolvem na conduta
social dos seus negcios e assuntos cotidianos. O estudo
das atividades de senso comum consiste em considerar
como fenmenos problemticos os mtodos pelos quais
os membros de uma sociedade, ao fazerem sociologia,
leiga ou profissional, tornam observveis as estruturas
sociais das atividades de todos os dias" (Studies, p. 75).
4
1
e
5
11
Garfinkel e Sacks definiram o que se devia entender por essa "indiferena etnometodolgica":
"Os estudos etnometodolgicos sobre as estruturas formais se destinam ao estudo de fenmenos como, por
80
2, 1984, p. 195-211; D. Merlli, 1983: Une nomenclature et sa mise en oeuvre. Les statistiquea sur ]'origine sociale des
t-udianta, Actee de la recherche en eciences sociales, 50, nov. de 1983,
Sociologie du nuvail,
81
2. A provocao experimental
Nos Studies se acham muitas observaes, experincias e mesmo experimentos, como aquelas do famoso breaching que consiste em "desarrumar" as
nossas rotinas. Essas rotinas se fundamentam, como
observara Parsons, em uma ordem moral que necessria para a realizao de nossas aes. Essa necessidade de uma ordem moral como garantia para o bom
xito das interaes acha a sua transposio etnometodolgica na noo garfinkeliana da confiana, noo
que d at o ttulo a um artigo de Garfinkel 3. Neste
artigo, o Autor toma como ponto de apoio a anlise de
rupturas experirnentais em jogos de sociedade para
mostrar, pela desarrumao (breaching), o pano-defundo moral das atividades comuns. Mas se em Parsons os parceiros se conformam a regras sociais que
lhes so exteriores, embora internalizadas pela educao, em Garfinkel, pelo contrrio, graas aos modelos
de ltimo plano que se podero interpretar as aes
82
Free Presa.
83
Esta obra constitui uma base epistemolgica capital, pois ambiciona mostrar as interaes entre teoria,
mtodos e dados. Cicourel tem como propsito abordar
a pesquisa sociolgica examinando de um ponto de
vista crtico os fundamentos do mtodo e da medida,
no perdendo de vista, como o afirma MacIvers, que "a
estrutura social ', quanto ao essencial, criada".
De inicio, Cicourel precisa que ele pressupe que
as decises metodolgicas tomadas na pesquisa em
cincias sociais tm as suas contrapartidas tericas e,
por outro lado, que os pressupostos tericos dos mtodos e da medida em sociologia no podem ser separados da linguagem que os socilogos usam em sua
teorizao e em sua pesquisa. A primeira tarefa do
socilogo ser por conseguinte esclarecer a linguagem
que utiliza. A pesquisa sociolgica exige uma teoria da
instrumentao e uma teoria dos dados, de tal sorte
que se possa distinguir entre o que depende dos procedimentos e da interveno do observador e o material
que ele denomina dados.
Uma outra questo suscitada nesse livro: a da
utilizao freqente dos sistemas matemticos e dos
sistemas de medida na pesquisa em cincias sociais.
Cicourel diz no_ querer afirmar que os-fatos-socioculturais no possam ser medidos, com o auxlio das
funes matemticas existentes, mas os fatos fundamentais da ao social deveriam ser clarificados antes
de impor postulados de medida que no lhes correspondem.
O primeiro captulo examina detalhadamente o
problema da medida. O argumento principal que os
atuais dispositivos de medida no so vlidos pois
representam a imposio de procedimentos numricos
que so exteriores tanto ao mundo social observvel
descrito pelos socilogos como s conceitualizaes baseadas nessas descries. Levada a seu extremo, essa
84
sociologia qualitativa
Na prtica, e quando vo para uma pesquisa de
campo, os etnometodlogos corno no produziram
uma tecnologia original se vem obrigados a usar
instrumentos de pesquisa. Tomam esses instrumentos
emprestados da etnografia.
Para ilustrar este ponto, vamos apresentar duas
contribuies: a de Hugh Mehan relativa etnografia
constitutiva, aplicada mais especialmente ao domnio
da educao, ao qual ainda voltaremos, mas que vale
tambm para o conjunto dos domnios. A ela Don
Zimmerman d o nome de tracking.
A) A etnografia constitutiva
Hugh Mehan prope novo enfoque, inspirado na
etnometodologia, que denomina "etnografia constitutiva". Eis em que consiste esse enfoque:
85
86
87
Isso foi bem observado tambm por outro pesquisador, Steve Woolgar que, no seu estudo em parceria
com Bruno latour sobre a vida em um laboratrio de
pesquisa 9, levou a termo, inspirando-se na etnometodologia, o que ele 'chama de "etnografia reflexiva". A
etn- grafiarefixiva tem como propsito explicar simultaneamente o objeto da pesquisa e a demarche
empregada durante a pesquisa, a partir desta hiptese: tanto aquele como esta se acham no apenas ligados, mas o conhecimento de um permite igualmente
apreender melhor a outra.
Vamos encontrar a mesma demarche na tese doutoral, de Carlos Castafieda, tese constituda em parte
pelo "dirio de viagem" do pesquisador em busca do
segredo das plantas alucingenas 19.
Outra particularidade impressionante no trabalho
de pesquisa que Mehan refere em sua tese: o abandono
das famosas "hipteses-de-antes-da-ida-ao campo". A
equipe de pesquisa, dirigida por A. Cicourel n, no sabia
88
B) O tracking
89
90
Sem dvida, deve-se chegar a extrair das informaes coletadas o significado dos acontecimentos observados. Para tanto, o recurso evidente se encontra
naquilo que dizem os indivduos. Comentam sem cessar as suas atividades. Por exemplo, em uma universidade os estudantes falam constantemente dos seus
cursos, dos professores, do trabalho universitrio, mas
tambm dos seus fins-de-semana. Deve-se portanto
descrever os acontecimentos repetitivos e as atividades que constituem as rotinas do grupo que se estuda.
Deve-se estar ao mesmo tempo em posio exterior
para escutar e ser um participante das conversaes
naturais onde emergem as significaes das rotinas
dos participantes.
"Pr-se espreita" (tracking) um dos traos da observao participante. Isto consiste em observar o maior
nmero de situaes possveis no decorrer da pesquisa
de campo. Pela "espreita", o pesquisador tenta ver aquilo que o sujeito v. A pesquisa assume a forma de
reportagem quando, por exemplo, se refere s atividades da polcia, quando se pode mostrar que elas so de
fato atividades rotineiras "espreitando" os policiais,
como o fez Raymond Depardon em Faits divers, ttulo
evocador de um filme que se pode considerar como
excelente ilustrao da problemtica etnometodolgica.
A "espreita" etnogrfica uma soluo para o problema
da posio do observador face diversidade dos comportamentos sociais. Permite no apenas observ-los, mas
tambm descobrir o que os participantes dizem a esse
respeito. Naturalmente, supe-se aqui que o pesquisador possa deslocar-se livremente no interior do seu
quadro de pesquisa.
91
Captulo VI
O Trabalho de Campo
construtivista
pesquisa de campo.
14. H. Mehan, 1982: Le constructivisme social en psychologie et en sociologia, Sociologiee et Socits, XIV, 2, p. 77-95.
92
1. Cf. A. Coulon, 1993: Ethnomthodologie et ducation, Paris, PUF. Traduzido pela Vozes (1995).
2. Alm dos j citados trabalhos de Hugh Mehan e Cicourel, convm
mencionar outro artigo importante de H. Mehan, 1980: The Competent
Student, Anthropology and Education Quarterly, XI, 3, p. 131.152.
3. J.E. Rosenbaum, 1976: Making Inequality, Nova York, Wiley.
4. A. Coulon, 1990: Le mtier d'tudiant. Approches ethnomthodologique et
institutionnelle de l'entre dans la uie uniuersitaire, Use de doutorado
de Estado, Universit de Paris VIII, 3 vol. 1130 p.
5. E. Bittner, 1967: The pOlice, on skid-row, American Sociological Reuiew,
32, p. 699.715; A. Cicourel, 1968: The Social Organization of Juuenile
Justice, Nova York, Wiley; R. Emerson, 1969: Judging Delinquents,
Chicago, Aldine; H. Sacks, 1972: Notes on Police Assessment of Moral
Character, in D. Sudnow (Ed.), Studies in Interaction, Nova York, The
Free Press, p. 280-293;t.L. Wieder, 1974: IbIling the Code, in R. Turner
(Ed.), Ethnomethodology, Harmondsworth, Penguin Books, p. 144-172;
M. Pollner, 1974: Socio)ogical and Common-Senses Modele of the Labelling Process, in R. Turner (Ed.), Ethnomethodology, Harmondsworth,
Penguin Books, p. 27-4Q.
6. D. Sudnow, 1967: Passing on: The Social Organization of Dying, Englewood CEM, N.J. Prentice Hall.
94
95
10. M. Moerman, 1968: Accomplishing Ethnicity, in R. nirner (Ed.), Ethnomethodology, Harmondsworth, Penguin Books, p. 54-68; B. Bellman,
1975: Village of Curers anui Assassina, La Haye, Mounton; B. Bellman,
1984: The Language ofSebrecy, New Brunswick, NJ, Rutgera University
Press; B. Jules-Rosette, 1975: African Apostles: Ritual and Conuersion
in the Church of John Maranke, Ithaca, Nova York, Cornell University
Press; C. CastaSeda, 1068: The Teaching of Don Juan, Berkeley, University of California Press (trad. franc. 1972: L'herbe du diable et la petite
fume, Paris, Plon, "10-18" (h traduo brasileira).
11. E. Bittner, 1963: Radicalism: A Study of the SociolOgy of Knowledge,
American Sociological Review, 28, p. 928-940; G. Lapassade, B. Conein
e L. Qur, 1987: Comment comprendre le mouvement?, Raison prsen
te, 82, p. 9-16.
12. H. Mehan, 1978: Structuring School Structure, Harvard Educational
Review, 48, 1 (fev.), p. 32
.
96
13. H. Mehan, 1979: Learning Lessons, Cambridge, Masa., Harvard Univereity Press, cf. tambm H. Mehan, 1980: The Competent Student,
Anthropology and Education Quarterly, XI, 3, p. 131.152.
98
aquele que
conseguir realizar a sntese entre o contedo acadmico e as formas interacionais necessrias realizao
de uma tarefa. Toda separao da forma e do contedo
ser imediatamente interpretada pelo professor como
o sinal de uma incompetncia. Isso deveria levar-nos
a uma nova definio da capacidade de um aluno, como
o mostraram alis as pesquisas dos etnometodlogos
da educao sobre os exames, de um lado, e os dilogos
de orientao, de outro.
B) Os testes e os exames
Mehan estudou a maneira como as respostas so
produzidas no decurso da aplicao dos testes. J se
mostrou que a significao das perguntas, contrariamente a uma das hipteses fundadoras do prprio
princpio dos testes, no a mesma para todos. O
sentido deles no compartilhado, bem longe disso,
entre os adultos que aplicam os testes e os alunos
testados. As respostas falhas provm no mais das vezes
de uma interpretao diferente do material conceitual
utilizado, e no de uma falta de conhecimentos ou de
incapacidade para raciocinar corretamente. V-se ento claramente que tratar os resultados nos testes
como fatos objetivos dissimula os processos mediante
os quais os alunos chegam a elaborar suas respostas.
Entretanto essa elaborao deveria ser julgada fundamental pelos educadores, pois o seu exame permitiria
avaliar as capacidades reais de raciocnio dos alunos.
Mehan registra com o auxlio de um magnetoscpio
a aplicao do WISC 14 a crianas da zona rural de
Indiana. Normalmente, os aplicadores do teste devem
anotar, assim que o aluno respondeu, O, 1 ou 2, em
funo da qualidade da resposta do aluno, e passar logo
pergunta seguinte. De fato, a anlise do filme mostra
99
114MR,
C) Os orientadores escolares
pelo;,
orientadores no processo de seleo dos alunos'''. indo trabalhado como orientadores em um bairro negro
de uma grande cidade americana, a seleo e a discriminao racial de que foi testemunha cotidiana durante trs anos o levaram a interrogar-se sobre o papel
desses orientadores de todos os tipos, encarregados de
manter a ordem social branca. Mais tarde, tendo-se
tornado professor universitrio, decidiu analisar os
encontros que os alunos dos liceus tm com esses
orientadores, cuja influncia muito grande. O papel
desses orientadores ambguo: so ao mesmo tempo
os defensores dos alunos e os juzes empregados pela
administrao:
"A certos estudantes a sociedade e a escola so apresen-
tadas como uma estrutura aberta, em que podem escolher o que querem e agir efetivamente para atingirem o
seu fim. A outros so apresentadas como uma estrutura
fechada, em que os indivduos no escolhem por si
mesmos e onde h muitos obstculos a transpor. Segundo a atitude que os conselheiros decidem adotar, os
estudantes vivem os conselhos recebidos como estmulos positivos ou como restries" (p. 46).
100
101
102
D) A profisso de estudante
Este fenmeno particularmente visvel quando se
examinam as prticas de filiao graas s quais um
calouro, durante as primeiras semanas de seu ingresso
na vida universitria, deve aprender aquilo que designei como a sua "profisso", quando passa do grau de
calouro para o de universitrio u . A filiao um processo que consiste em descobrir e apropriar-se das
rotinas e das evidncias os etnomtodos dissimuladas nas prticas do ensino superior, sem o que o
calouro no poder agregar-se ao seu novo grupo, e logo
estar em situao de fracasso ou abandono. Mostrei
que no reconhecer, decifrar e depois incorporar os
cdigos clandestinos que governam os intercmbios
sociais universitrios constitui uma das principais razes dos abandonos e dos fracassos que ocorrem tantas
vezes no decurso do primeiro ano de universidade.
Para ter sucesso na Universidade, necessrio mostrar a sua competncia de estudante, tendo aprendido
a manipular a praticalidade das regras fundadoras do
trabalho universitrio e fazer uso metafrico dessas
regras. Um estudante faz que se reconhea a sua
competncia mostrando socialmente que se tornou
membro, isto , que agora consegue categorizar o mundo da mesma forma que a comunidade universitria.
103
2. A delinqncia juvenil
Entre os estudos etnometodolgicos j mencionados, sobre a delinqncia juvenil,' vamos deter-nos,
para uma apresentao mais detalhada, no estudo que
Cicourel realizou em duas cidades da Califrnia durante quatro anos". Este estudo tinha como finalidade
mostrar que a delinqncia juvenil, enquanto fenmeno social, constitui o objeto de uma construo social.
Mais precisamente, tratava-se de mostrar como a Polcia, os juizes de menores, os tribunais, mas tambm
os prprios pesquisadores, transformam as aes dos
jovens em dnrumentos, textos e relatrios escritos, que
so depois usados como uma evidncia para caracterizar determinados ou atividades como delinqentes,
ilegais, perigosos ou suspeitos. Cicourel vai, portanto,
conduzir uma pesquisa sobre as investigaes dos policiais, dos educadores e dos magistrados, pois so as
investigaes destes, com seus aspectos contingentes,
que estabelecem as classificaes sociais que designam
e permitem reconhecer as categorias de desvio e de
conformidade.
Cicourel apresenta em primeiro lugar um certo
nmero de estatsticas, cuja pertinncia para explicar
os delitos deveria, segundo ele, ser questionada, pois
particularrnente as categorias no so adequadas, ou
so ambguas, ou mesmo heterogneas. Trata-se de
categorias ad hoc, muito distantes das noes de preciso e lucidez habitualmente associadas idia que
se faz do trabalho da justia. Algumas dessas categorias so at mesmo curiosas, como por exemplo as
"badernas" e "brigas" de adolescentes. Cicourel mostra
104
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107
108
3. A vida de laboratrio
J se teve ocasio de insistir neste ponto mais de
uma vez: para a etnometodologia, os fatos sociais so
produtos, mas costuma-se "esquecer" as atividades
prticas que os constituram. H. Garfinkel e dois de
seus estudantes, M. Lynch e E. Livingston, voltam a
abordar a questo a propsito da atividade cientfica''.
A problemtica da "cincia em ato" j fora abordada
anteriormente, em trabalhos que confessam a sua
dvida para com a etnometodologia 22. A abordagem
etnometodolgica renova com efeito a problemtica da
sociologia da cincia, que se interessava por exemplo
pela influncia dos fatores sociais sobre as descobertas
e as produes cientficas. O fim das pesquisas dos
etnometodlogos sobre a cincia no mostrar como
as estruturas sociais agem sobre a atividade cientfica.
Elas se interessam pelo trabalho cientfico em si mesmo.
Garfinkel e seus colaboradores relatam a descoberta do pulsar tico, feita por quatro astrofsicos americanos no dia 16/01/69. Eles trabalharam em cima das
gravaes das conversaes entre os pesquisadores
Cambridge.
109
110
111
4. A burocracia
A teoria moderna da burocracia comea com Max
Weber. Mas conforme Bittner", Max Weber
"no percebeu que a significao e as justificaes do
conjunto das propriedades da burocracia esto inseparavelmente inseridas naquilo que Alfred Schtz denominava as atitudes da vida de todos os dias e em
tipificaes de senso comum socialmente consagradas"
(p. 74).
112
24.
Ethnomethodology, Harmonds-
Books, p. 128-143.
113
C apt
Crticas e
Convergncias
25. D.H. Zimmerman, 1970: Tho Practicalities of Rule Use, em: J.D.
Douglas (Ed.), Understanding Everyday Life, Londres, Routledge &
Kegan Paul, p. 221-238.,
114
115
faz corrente da sociologia Quantitativa, cuja excessiva sofisticao lamenta, cujo credo modernista se
116
o dos membros
117
"nas comunidades de crentes"... "camufla idias relativamente triviais"... "Uma outra caracterstica o hbito
dos etnometodlogos de limitar suas notas de referncia
quase exclusivamente aos membros pertencentes ao
grupo ou a no socilogos... Alm disso mostram particular propenso a remeter a manuscritos no publicados, a apontamentos de cursos, ou a dirios de pesquisa"
(p. 697).
los quais a etnometodologia se interessa. Sudnow pergunta por exemplo como atravessar a rua sem ser
atropelado s, o que o leva desenvolver toda uma "sociologia do golpe de vista". Schegloff consagra uma parte
importante de sua vida de pesquisador para estabelecer a maneira como comeam e terminam as nossas
conversas telefnicas'''.
Alguns estudos excelentes no compensam
"a enorme tagarelice que cerca a etnometodologia, que
acaba caindo em uma orgia de subjetivismo, uma empresa auto-indulgente na qual anlises metodolgicas
sem fim e auto-anlises conduzem a uma regresso
infinita, onde a descoberta das inefveis qualidades do
analista e de suas construes particulares da realidade
serve para mascarar as qualidades tangveis do mundo... Tentando descrever o contedo manifesto das experincias dos indivduos, os etnometodlogos negligenciam esta rea central da anlise sociolgica que so
as estruturas latentes"... "Excluem de propsito do seu
campo a maioria dos domnios que a sociologia costuma
explorar desde Augusto Comte".
'Ibmos que tomar cuidado, conclui Coser, seno
"vamos aprender cada vez mais sobre cada vez menos'.
Os termos empregados nesse ataque de Coser eram
particularmente severos para com a etnometodologia.
Suas observaes provocaram, no ano seguinte, um
acalorado debate no seio da sociologia americana, no
somente com os etnometodlogos mas tambm com os
"quantitativistas", pois o discurso de Coser foi sentido
por alguns como um "terremoto".
2. Um contra - senso
Na rplica publicada no ano seguinte, Zimmerman7 acha pouco convincente, e mesmo confusa, a
5. D. Sudnow (Ed.), 1972: Studies in Social Interaction, Nova York, Free
Press.
6. E. Schegloff, 1968: Sequencing in Conversational Openings, American
Anthropologist, 70 (dez.), p. 1075-1095.
7. D.H. Zimmerman, 1976: A Reply to Professor Coser, The American
Sociologist, 11 (fev.), p. 4-13.
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119
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120
121
rao, de tal modo que cheguem a um estatuto metodolgico claro, por exemplo, confirmado ou ilusrio, objetivo ou subjetivo etc."
3. Uma seita?
Coser, j se viu, firmava que a etnometodologia
uma seita em vita da existncia de lderes carismticos, de uma linguagem esotrica que une os seus
adeptos, de sua ignorncia da comunidade sociolgica,
de seu estilhaamento em faces. Mas a histria do
pensamento intelectual ocidental, respondem Mehan
e Wood 9, no passa de uma enorme sucesso de grupos
que se comportam como seitas. A etnometodologia
um movimento intelectual que, como os outros, nasce
na obscuridade e acaba sendo conhecido por um pblico mais amplo.
A despeito de pretenso esoterismo de sua linguagem, ela produziu, no decorrer destes ltimos anos,
diversas compilaes que lhe asseguraram a difuso
dos trabalhos. A institucionalizao das idias etnometodolgicas acha-se agora bem adiantada, contrariando as alegaes de Coser quanto ao seu pretenso
aspecto confidencial.
Quanto s "cises" so de fato correntes que se
desenvolvem no seio da etnometodologia. No so sinais de fraqueza, mas ao contrrio de uma diversidade
e de fora sempre maiores. Se for real a crise da
sociologia, sua fonte' no est na etnometodologia. Na
realidade o verme j est dentro da fruta, a crise
endgena, provocada pelo conformismo que Coser
gostaria de impor sociologia.
A etnometodologia se interessa pelos mesmos fenmenos que a sociologia mas com perspectiva diferente:
122
sociais".
Esta concepo tem sua origem na fenomenologia,
mais precisamente na leitura que Garfinkel faz de
Hursserl, de Schtz e de Gurwitsch. Esses fenomenlogos consideravam o mundo da vida de todos os dias
como um complexo de "atos mentais de conscincia".
Garfinkel transformou esses atos mentais em atividades pblicas, interativas: "A realidade dos fatos sociais
abordada (pela etnometodologia) como uma contnua
realizao de atividades combinadas da vida de todos
os dias" (Studies, p. VII). As atividades sociais, enquanto interaes, constituem os fatos sociais, que no
existem independentemente das prticas que os constituem.
Os etnometodlogos analisaram os procedimentos
pelos quais os pesquisadores em cincias sociais coletam na vida diria ou nas estatsticas oficiais informaes que vo transformar em dados com o auxlio de
prticas de codificao, e depois manipulam esses dados objetivados, para apresent-los sob a forma de
matrizes de correlao.
Esses trabalhos mostram a construo social da
pesquisa em cincias sociais. Os pesquisadores decidem sobre a verdade de alguma coisa atravs das
discusses que fazem juntos, dos argumentos que trocam entre si. Um consenso organizado decide acerca
da verdade do conhecimento cientfico: "Nas cincias
sociais a verdade no revelada, mas argumentada".
Coser afirma que a etnometodologia tende a ignorar nas suas pesquisas "o mundo real". Mas, para ele,
"o mundo real" o reino dos "grupos scio-econmicos,
dos mecanismos polticos, das funes e disfunes, do
123
4. Tentativa de sntese
cotidianas das pessoas concretas. Esses conceitos captam apenas uma parte da vida social. A etnometodolo-
Pierre Bourdieu tenta estabelecer uma sntese entre os dois grandes plos da sociologia contempornea.
Pretende superar, ao que parece, o processo contra a
etnometodologia, embora dirigindo-lhe uma crtica
fundamental. Por ocasio de uma conferncia proferida em maro de 1986, na Universidade da Califrnia
(San Diego) 1 , ele volta a abordar um certo nmero de
perguntas capitais da sociologia, e explica suas opes
tericas fundamentais. Se ele tivesse, diz, de caracterizar o seu trabalho em duas palavras, apor-lhe uma
etiqueta, falaria de constructivist structuralism ou de
structuralist constructivism il :
"Com o termo estruturalismo quero dizer que h no
mundo social, no prprio mundo e no apenas nos sistemas simblicos, linguagem, mito etc., estruturas objeti-
124
125
Na obra de Schtz e nos trabalhos dos etnometodlogos Bourdieu percebe "a expresso mais pura da
viso subjetivista". Segundo ele, o problema nesta
viso que o conhecimento cientfico "est em continuidade com q conhecimento de senso comum, pois no
passa de uma construo das construes". Por outro
lado, o objetivismo se caracteriza por "uma ruptura
com as representaes primeiras".
E Bourdieu pretende ultrapassar essa oposio,
entre objetivismo e subjetivismo, por consider-la artificial. A este respeito escreve:
"Eu poderia dar em uma frase um resumo de toda a
anlise que proponho: de um lado, as estruturas objetivas que o socilogo constri no momento objetivista,
descartando as representaes subjetivas dos agentes,
so o fundamento das representaes subjetivas e elas
constituem as leis estruturais que pesam sobre as interaes; mas, de outro lado, essas representaes devem
tambm ser levadas em conta, caso se queira compreender em particular as lutas cotidianas, individuais ou
coletivas, que visam transformar ou conservar essas
estruturas. Isto quer dizer que os dois momentos, objetivista e subjetivista, se acham em relao dialtica e
mesmo que, por exemplo, o momento subjetivista parea
muito prximo, quando tomado em separado, das anlises interacionistas ou etnometodolgicas, acha-se separado delas por uma diferena radical: os pontos de
vista so apreendidos como tais e relacionados com as
posies na estrutura dos agentes correspondentes" (p.
150).
5. Marxismo e etnometodologia
Seria de se esperar um antagonismo mais violento
ainda entre marxismo e etnometodologia. Ora, constata-se que tanto de um lado como do outro existem
tentativas de ajiroximao. Mehan e Wood dedicam
126
algumas pginas a essa questo 12. Zimmerman concluiu o seu artigo de 1978 na mesma perspectiva de
aproximao 13 . Chua reala alguns pontos de convergncia importantes, como: a etnometodologia pode ser
considerada como uma prtica de desmistificao e de
"desobjetivao" das categorias reificadas da "atitude
natural". Ela pe mostra a realidade enquanto a realizao social na sociedade capitalista contempornea 14 .
Tpdavia, segundo Jean-Marie Brohm, as relaes
sociais parecem reduzir-se, para a etnometodologia, a:
"um pulular de iniciativas prticas individuais, um arranjo de aes conscientes, livres e autnomas de agen-
127
para o funcionalismo estrutural, nunca se d totalidade grupal mas sempre totalizao em curso. Essa
anlise fenomenolgica de Sartre no se achava muito
distante daquilo que Garfinkel escrevia na mesma
poca.
Em 1965, Cornelius Castoriadis, a partir de uma
orientao ao mesmo tempo marxista e fenomenolgica, ope a "sociedade instituinte" e a "sociedade institufda" 17 . Louis Qur props que se desse incio a um
cotejo entre essa orientao e a etnometodologia indicando que esta ltima, sem usar os termos, se d ela
tambm como objeto o "trabalho de instituio" 18.
Enquanto a sociologia tradicional v nas instituies o quadro j pronto e regra inevitvel de nossas
prticas, a etnometodologia insiste sobre o instituinte
ordinrio operando na vida cotidiana, sobre o trabalho
de instituio no dia-a-dia. Ela capta a instituio no
sentido ativo de instituir, e no em sua estabilidade
reificada.
Concluso
linhas do
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Bibliografia
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