O Que É Geopolítica
O Que É Geopolítica
O Que É Geopolítica
A palavra geopolítica, por sua vez, foi criada no início do século XX, mais
precisamente em 1905, num artigo denominado "As grandes potências",
escrito pelo jurista sueco Rudolf KJELLÉN. (Mas atenção: a palavra
geopolítica é que foi criada por Kjellén, pois não há dúvida que essa
temática é bem mais antiga, ou seja, as grandes preocupações
geopolíticas não surgiram no início do século XX (preocupações sobre o
que é e quem é uma potência mundial, como se dá a disputa mundial pelo
poder entre os Estados, que estratégias seriam adequadas para tal ou
qual Estado tornar-se a potência regional nesta ou naquela parte do
globo, etc.). Isto é, já existiam anteriormente juízos ou análises a respeito
do poderio de cada Estado, das grandes potências mundiais ou regionais,
com a importância ou o uso do espaço geográfico na guerra ou no
exercício do poder estatal.
1. Colocando o problema
A ONU, paradoxalmente (pois afinal ela foi criada para evitar as guerras e
não para lucrar com elas), deverá ser mais uma ganhadora com o
desenrolar da luta contra o terrorismo. Os Estados Unidos em meados de
setembro último de repente pagaram as suas dívidas para com essa
organização internacional e solicitaram a sua intermediação no sentido de
legitimar os bombardeiros contra o Afeganistão. Os estrategistas norte-
americanos perceberam afinal que não podem dominar o mundo
sozinhos, nem mesmo via OTAN, e que é necessário haver uma base legal
de sustentação, um fórum internacional que legitime determinadas
medidas duras, que ferem a soberania de inúmeros Estados, na luta
contra o terrorismo. Além disso qualquer ação com o aval da ONU sempre
será mais palatável para os demais povos do que uma outra decidida
exclusivamente pelos Estados Unidos ou mesmo pela OTAN. E como
todos os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da
ONU estão atualmente alinhados nessa luta contra o terrorismo, fica mais
fácil usar essa organização internacional. Mas o preço ou a condição para
isso é fortalecê-la, o que a longo prazo poderá ser uma faca de dois
gumes na medida em que algumas resoluções lá aprovadas poderão não
corresponder aos interesses norte-americanos.
Alguns desses posicionamentos são tão absurdos que nem vale a pena
refutá-los. Outros são equivocados pelo seu exagero. Examinemos, em
primeiro lugar, a idéia de que esta guerra seria, em última instância, um
"choque de civilizações". O próprio autor dessa polêmica tese segundo a
qual os principais conflitos da nova ordem mundial são culturais -- idéia
que já dissecamos num escrito anterior (VESENTINI, 2000) --, numa
entrevista sobre o assunto, afirmou que "Claramente, Osama Bin Laden
deseja que seja um choque de civilizações entre o Islã e o Ocidente. A
principal prioridade do nosso governo é tentar impedir que se transforme
em um" (HUNTINGTON, 2001). Ou seja, os acontecimentos não são
"fechados", não estão completamente determinados a priori, mas são
"abertos" ou relativamente indeterminados no sentido de se redefinirem
constantemente, de adquirirem novas nuances dependendo do
entrecruzamento das ações de cada participante. Seria uma completa
vitória de Bin Laden e dos extremistas islâmicos se eles conseguissem
transformar esses atos terroristas numa "guerra santa" e,
conseqüentemente, a reação norte-americana numa "cruel retalização
contra o Islã". Mas essa versão, ao que tudo indica -- principalmente pelo
repúdio de inúmeras autoridades políticas e religiosas do mundo
islâmico, que afirmaram que o terrorismo é algo inaceitável pelo Alcorão
--, não vai prevalecer. E toda a diplomacia dos EUA (depois que as
primeiras reações de Bush foram corrigidas pelos seus assessores, que
inclusive promoveram uma visita dele a uma mesquita em Washington), e
também de seus aliados (a começar por Tony Blair), foi planejada com
vistas a isolar os fundamentalistas e estreitar os laços com as lideranças
islâmicas moderadas. Assim, a idéia que começa a vingar, e que deverá
prevalecer no final das contas, é a que esta é uma "luta contra o
terrorismo", promovida não apenas pelo Ocidente mas pelos Estados em
geral -- inclusive a maioria dos islâmicos --, em especial por aqueles mais
comprometidos ou mais ativos na construção de uma ordem
internacional menos instável e na qual os negócios possam prosseguir e
até se expandir.
E, por fim, existem aqueles, que por algum dos motivos apontados acima,
festejaram os atos terroristas e torcem para uma derrota norte-americana
e uma vitória do Taleban no Afeganistão (além de exultarem com os
protestos populares contra seus governos e contra o Ocidente,
promovidos por religiosos fundamentalistas, no Paquistão e na
Indonésia). Cabe apenas indagar se eles são movidos pela razão ou por
um ódio irracional e até mesmo fascista. Pois por mais que o capitalismo
globalizado e os Estados Unidos tenham promovido ou sido coniventes
com determinadas desigualdades e injustiças, a alternativa oferecida por
esses grupos extremistas é muito pior. É uma completa destruição da
frágil democracia -- que, apesar de incompleta, deve ser preservada e
inclusive expandida (e não combatida) -- e um predomínio da
intransigência, de uma rígida hierarquia que não admite contestações e
de um caminho único que não aceita a pluralidade ou sequer o diálogo
com o(s) outros(s). Basta lembrar dos massacres e das severas
proibições promovidos pelo Taleban -- fuzilamento de pessoas sem
julgamento, interdição de qualquer música ou arte que não seja islâmica,
fechamento de todos os cinemas, canais de televisão e jornais
independentes etc. --, da destruição das estátuas gigantes de Buda (um
rico patrimônio histórico-cultural do Afeganistão) e da incapacidade
desse regime em gerenciar minimamente a economia e alimentar a
população (a maior parte dos alimentos que a população afegã consumiu
nestes últimos anos veio da ajuda humanitária promoviada pelas
organizações internacionais). Basta lembrar ainda do ódio intenso que
todos esses militantes fudamentalistas -- e não apenas o Taleban ou o El
Quaeda -- alimentam contra as conquistas (mesmo que ainda
incompletas) feministas no Ocidente, contra alguns direitos mínimos
concedidos aos homossexuais, contra a liberdade de expressão, contra a
idéia de um sistema judiciário independente, contra as eleições e a
rotatividade dos partidos no poder, enfim contra toda uma filosofia de
direitos dos homens e dos cidadãos, que é a base da democracia. Esse
tipo de posicionamento -- a identificação com os terroristas porque eles
atacaram o "centro do imperialismo" -- lembra muito aquela imagem,
sugerida por Hannah Arendt num escrito sobre a "crise da educação", a
de uma criança serrando o galho da árvore sobre o qual está sentada. Ele
se assemelha ainda ao equívoco cometido por alguns na Alemanha da
década de 1920 e inícios dos anos 30, que detestavam (com alguma
razão) a República de Weimar e manifestavam uma certa complacência ou
até alegria frente à baderna e aos atos violentos promovidos pelo partido
nacional-socialista de Hitler. O resultado é conhecido por todos. Convem
aqui recordar a lição de que nem sempre o inimigo do meu adversário é
meu amigo. Muitas vezes ele é pior ainda que o adversário, em especial
quando não respeita as regras do jogo democrático, quando semeia o
pânico, o terror e a intolerância, quando nos considera a todos infiéis que
têm que ser convertidos pela força.
NOTAS:
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHALLIAND, Gérard. "Ce n'est pas une guerre, c'est le stade ultime du
terrorisme classique". Entrevista publicada in Le Monde de 17/09/2001. .
(Disponível no site do jornal: http://www.lemonde.fr).
RADU, Michael. "Por que temer o Afeganistão - e por que não se deve
temê-lo". In: Folha de S.Paulo, 19 de outubro de 2001. (Disponível no site
do jornal: www.folha.com.br).
SARTORI, Giovanni. "As falsas explicações para tanto ódio". In: O Estado
de S.Paulo, 07 de outubro de 2001. (Disponível no site do jornal:
www.estado.com.br).