05 Gardeil Psicologia
05 Gardeil Psicologia
05 Gardeil Psicologia
GARDEIL
INTRODUO FILOSOFIA DE
S. TOMS DE AQUINO
PREFCIO
Por fim, a alma humana v-se iluminada, pelo alto, em sua estrutura profunda: seu
ser traz a marca da semelhana divina. Certamente mais discreto que um S. Boaventura
para identificar, sob seus mltiplos aspectos, a imagem de Deus em ns, no deixa
S. Toms de estimar que as ltimas explicaes sbre nosso ser provm dste
parentesco superior. "Homo ad imaginem Dei factus", o homem feito imagem de
Deus: com estas palavras do Damasceno que o Doutor anglico, no podemos
esquecer, inaugura a grande marcha da criatura racional na volta ao Princpio (cf.
S. Th. Ia. IIae., Prlogo).
2
INTRODUO
O que poder colocar sob ste vocbulo quem entenda filosofar na linha de S.
Toms? Para responder a esta questo, convm considerar preliminarmente a evoluo
histrica das doutrinas da alma.
Pode ser justificada uma tal evoluo no sentido da constituio de uma cincia
psicolgica autnoma? Ou, de maneira mais precisa, pode-se reconhecer, ao lado da
suposta sempre vlida metafsica da alma, uma psicologia do tipo das cincias
experimentais? Tal a questo a que deveremos, antes de tudo, responder.
Seja admitido, alm disto, que uma psicologia do tipo experimental no pode julgar,
em ltima instncia, da profundidade dos problemas da alma, isto , erigir-se em
verdadeira sabedoria filosfica, pois tal funo pertence prpriamente disciplina
superior.
2. OBJETO DA PSICOLOGIA
Para Aristteles, todos os fenmenos vitais podem ser chamados psquicos. Assim,
o psiquismo define-se pela vida e todos os sres viventes, mesmo animais e plantas que
esto abaixo de ns, pertencem cincia da alma. Nesta hiptese poder-se-
dizer que a psicologia tem por objeto:
Esta concepo, como teremos ocasio de mostrar, encontra sua justificao ltima
na distino, que fundamental no peripatetismo, de dois grandes tipos de
atividade: a atividade transitiva (que modifica um outro alm do sujeito) e a atividade
imanente (que, procedendo do sujeito, o aperfeioa). Segundo esta diviso, os
no viventes so seres que tm smente atividades transitivas, enquanto os viventes,
como tais, so dotados de atividades imanentes ou movem-se a si mesmos. Pode-se
conseqentemente precisar que a psicologia tem por objeto:
De nossa parte, sem negar que o fato de ser conscientes ou reflexivos constitua, em um
certo nvel, um dos traos mais notveis dos atos da vida, preferimos, para definir
o psiquismo, ficar com S. Toms no ponto de vista do vital que corresponde a uma
diferena mais fundamental dos sres. Assim permaneceremos na linha do peripatetismo
autntico.
3. MTODO DA PSICOLOGIA.
Face a estas afirmaes opostas, parece que se deve reconhecer, ao mesmo tempo, o
seguinte: em primeiro lugar, que a introspeco para o psiclogo uma fonte
autntica e normal de informao e que mesmo o meio privilegiado de se atingir tda
a zona superior do psiquismo. E, em segundo lugar, que tal mtodo implica em um fator
de incerteza, tanto por causa da fugacidade dos estados de conscincia, como pela
impossibilidade de os submeter diretamente a processos de medida. De qualquer maneira,
exige ser controlado e completado pela informao objetiva.
Os mtodos objetivos, por sua vez, compreendem o conjunto dos processos graas aos
quais a vida psquica pode ser estudada exteriormente. O esprito, com efeito, est
liado matria, o psquico ao fsico; a vida da alma repercute nos comportamentos
corporais e pode ser considerada sob ste prisma.
4. FONTES E BIBLIOGRAFIA
De que material se pode dispor para constituir uma psicologia tomista? Essencialmente,
da obra mesma de Aristteles que sua fonte principal.
De sensu et sensato
De memoria et reminiscentia
De somno - De Somniis
De divinatione per somnum
De longitudine et brevitate vitae
De vita et morte
De respiratione
Historia animalium
De partibus animalium
De motu animalium
De incessu animalium
De generatione animalium
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Atribuiu-se ainda a Aristteles um De plantis, mas esta obra seria apcrifa. Por
outro lado, a autenticidade dos escritos anteriormente enumerados no parece duvidosa.
Como ajusta-se, pois, esta obra no conjunto dos escritos fsicos? Esquemticamente
se pode dizer que, como fsico, Aristteles vai do mais universal ao mais
particular; assim, comea por considerar os movimentos e os mveis em geral, estudando
a seguir cada uma das suas espcies e notadamente ste movimento e ste mvel que so
a vida e seu princpio, o ser vivente. O sujeito psicolgico parece, portanto, na
exposio do Estagirita, como um corpo particular entre os outros corpos, e a cincia
que lhe corresponde, como uma seco especial do estudo geral da natureza.
Sendo velada ao nosso olhar a natureza dos sres que nos rodeiam, , praticamente, a
partir de suas atividades que podemos julg-la. Considerando a atividade dos viventes
e confrontando-a com a dos no-viventes, teremos j oportunidade de esclarecer a
noo que nos preocupa. J Aristteles procedia dste modo: "Dos corpos
naturais, uns tm a vida e outros no tm, e por vida entendemos o fato de se nutrir,
crescer e perecer por si mesmo" (De Anima, II, c. 1, 472 a. 13).
Comentando esta passagem, nota S. Toms que o Filsofo no cogitou definir aqui a
vida de maneira completamente formal, mas caracteriz-la por algumas de suas
operaes tpicas e acrescenta que ainda outros exemplos de atividade poderiam ter sido
dados, ao menos aqules que dizem respeito aos viventes mais elevados a saber, os de
vida sensitiva e de vida intelectiva. Portanto, nutrir-se, crescer, perecer,
sentir, pensar e, poder-se-ia acrescentar, mover-se localmente ou gerar, so tantas
operaes que se reconhecer nos viventes, e que, inversamente, se negar s coisas
inanimadas.
Um outro aspecto permite ainda distinguir o vivente: diz-se que, ao contrrio das
coisas puramente materiais, le um ser organizado, isto , composto de partes
heterogneas ordenadas entre si. Um vegetal, por exemplo, compreender razes,
haste, ramos e flhas, cuja estrutura diversificada permite a um conjunto harmonioso de
funes exercer a sua atividade em vista da perfeio do ser total. As partes de um
corpo mineral simples, pelo contrrio, so tdas homogneas, ao menos quanto nos
permitido observar em nossa escala. Mas, em definitivo, ste segundo carter dos
viventes liga-se ao precedente que o mais fundamental.
"Propria autem ratio vitae est ex hoc quod aliquid est natum
movere seipsum, large accipiendo motum, prout etiam
intellectualis operatio motus quidam dicitur. Ea enim sine
vita dicimus quae ab exteriori tantum principio moveri
possunt"
De Anima, II,
10
1. 1
S. Th. Ia Pa q.
18 a 1
O vivente , pois, um ser que se move a si mesmo. O que se quer justamente exprimir
com isso? Numa primeira considerao, a espontaneidade, ou ste impulso vindo do
interior mesmo, que parece caracterizar a atividade vital. O vivente tem em si o
princpio eficiente de sua atividade. Tal observao exata. Mas no se deve
deduzir da que no no-vivente o movimento no procede de modo algum do interior e
que, inversamente, no caso do vivente, a atividade no tem condies exteriores. Em
virtude de sua forma pode tambm o no-vivente ser chamado como certo princpio de
atividade, mas le smente transmite, de certo modo mecnicamente, o impulso ou a
determinao que tenha recebido. O vivente por sua vez, que tambm depende, de muitos
modos, do meio que o cerca, reage de maneira original, transformando segundo sua
prpria iniciativa o que recebe de fora, e isto de maneira cada vez mais pessoal
medida que suas atividades so mais elevadas. No nvel simplesmente fisiolgico,
esta reao prpria do vivente recebeu um nome, o de irritabilidade; assim
dir-se- que a irritabilidade , neste nvel, caracterstica da vida.
Contudo, "mover-se a si mesmo" tem ainda um outro significado mais fundamental: isto
, que o ser vivo toma-se a si mesmo como objeto ou como trmo de sua atividade; os
viventes so fins para si mesmos. Enquanto os corpos materiais, em suas atividades,
parecem ordenados smente s coisas exteriores que transformam, agem os viventes, por
sua vez, para seu proveito prprio, procurando ao mesmo tempo sustentar-se no ser e
adquirir seu pleno desenvolvimento. Dste modo sua atividade permanece, de certa
maneira, nles, ou imanente. Esta qualidade admite, alis, graus mltiplos,
indo da interioridade ainda bastante relativa dos vegetais posse absolutamente perfeita
de si que s se realiza em Deus.
"Tendo-se dito que as coisas vivem segundo se movem por si mesmas e no segundo so
movidas por outro, conforme isto convenha mais perfeitamente a uma coisa, tanto mais a
vida nela se encontra de maneira mais perfeita. Ora, nos motores e nos movidos,
encontram-se, por ordem, trs coisas. O fim, com efeito, pe de incio o agente em
movimento; o agente principal , de sua parte, aqule que age por sua forma prpria,
e acontece que ste agente mesmo s opera atravs de um instrumento que no age por
sua forma prpria, mas em virtude da forma do agente principal, de sorte que lhe seja
atribuda smente a execuo da ao. H, pois, certos sres que se movem por
si mesmos, no todavia segundo a forma ou o fim que tm pela natureza, mas quanto
execuo do movimento, encontrando-se nles, determinados pela natureza, a forma pela
qual agem e o fim segundo o qual agem: tais so as plantas que crescem ou diminuem
segundo a forma que lhes foi conferida pela natureza.
H outros que se movem a si mesmos, desta vez no mais smente com relao
execuo do movimento, mas ainda quanto forma que est no seu princpio, a qual
adquirem por si mesmos: dste tipo, so os animais nos quais o princpio de movimento
no uma forma natural, mas uma forma recebida pelos sentidos: e quanto mais perfeitos
forem seus sentidos, tanto mais perfeitamente movem-se a si mesmos . . . Mas,
embora adquiram por meio de seus sentidos as formas que esto no princpio de seus
movimentos, tais animais no determinam para si o fim de suas operaes e de seus
movimentos, sendo-lhes ste impsto pela natureza cujo instinto leva-os a agir por
meio da forma apreendida pelos sentidos. Mais acima dos animais encontram-se,
portanto, os que a si mesmos se movem mesmo quanto ao fim que estabelecem por si; isto
s se pode realizar pela mediao da razo e da inteligncia qual convm conhecer
o proporcionamento do fim e do meio e ordenar um ao outro".
Nesta ltima hiptese convir ainda distinguir o caso das inteligncias inferiores
que, como o homem, encontram-se ainda condicionadas ao menos no que concerne aos
primeiros princpios do esprito, e o caso da inteligncia divina que, estando sempre
em ato, perfeitamente autnoma, atingindo assim o grau mais elevado da imanncia
vital.
Assim, no grau inferior das coisas encontramos os corpos materiais nos quais s pode
haver emanao sob a influncia de um outro; segundo ste modo, do fogo gerado
fogo por alterao de um corpo estranho.
Mais alto, com os animais, atinge-se a um grau superior de vida que tem o seu
princpio na alma sensitiva. Sua emanao termina, desta feita, em um trmo
verdadeiramente imanente: a imagem percebida pelos sentidos, passando pela
imaginao, atinge a memria onde conservada. Contudo, princpio e trmo da
emanao so ainda aqui distintos, pois as potncias sensveis no podem refletir
sbre si mesmas.
Com a inteligncia, enfim, que reflexiva, nos encontramos no grau mais elevado da
vida. Mas ainda aqui gradaes devem ser estabelecidas, realizando-se a interioridade
da atividade desta faculdade de maneira mais ou menos perfeita segundo se trate:
primeiro, do homem, que busca no exterior o dado primeiro de sua vida intelectual;
segundo, do anjo, que consegue conhecer-se diretamente, mas em uma concepo que
ainda distinta de sua substncia; e terceiro, de Deus, em cuja unidade e imanncia
perfeitas a atividade vital atinge sua perfeio.
1. O PROBLEMA DA ALMA.
Precisemos logo que de maneira comum se entende por alma o princpio primeiro e mais
profundo da vida. Na procura dos princpios desta ordem, com efeito, poderamos
parar em trmos mais imediatos, como os rgos, ou em faculdades particulares, como
a inteligncia. Com a alma atinge-se o trmo alm do qual no se precisa ir na
explicao do dinamismo dos viventes: "na procura da natureza da alma, convm
pressupor que o primeiro princpio da vida nas coisas que vivem entre ns (S.
Th. Ia Pa, q. 75, a. 1) . Acrescentemos, para evitar todo equvoco, que a
alma, da qual trataremos neste captulo, a alma comum a todos os viventes,
vegetais, animais, bem como homens. Os problemas considerados sero os que concernem
alma em geral. Os da alma humana, como forma imaterial e princpio da vida
superior, sero abordados s mais tarde.
J sabemos que, sbre o problema que abordamos, Aristteles havia sido levado, por
suas reflexes pessoais, a evoluir de uma posio espiritualista, vizinha de
Plato, posio mais animista que se tornaria caracterstica de sua concepo do
vivente. Seria extremamente interessante seguir de perto esta evoluo to reveladora
do trabalho profundo de seu esprito. Ainda aqui precisamos nos contentar em nos
referir aos estudos dos especialistas (cf. a obra citada de Nuyens). A presente
exposio tomar a doutrina, pois, no estado de imaturidade que havia adquirido no
momento em que foi consignada no De Anima.
2. A CRTICA AO MECANICISMO.
claro que tais explicaes pem em jgo teorias fsicas ultrapassadas. Mas,
no menos certo que a disposio da prova guarda real intersse. Eis como se
processa: primeiro, constata-se um processo vital original, no caso, o crescimento;
passa-se, em seguida, refutao da teoria proposta, fazendo-se uma confrontao
precisa dos respectivos comportamentos das transformaes vitais e dos movimentos
fsicos; e, em um terceiro tempo, postula-se, para explicar verdadeiramente as
atividades vitais, um princpio regulador que no seja de ordem material. Aplicada a
fatos melhor controlados, uma demonstrao dste tipo poderia ainda hoje ter valor.
Cont. Gentil.
II, c. 57
A unidade do vivente, manifestada de tantas maneiras, requer, pois, que entre os dois
princpios que se deve nle distinguir, a alma e o corpo, haja mais que a simples
associao do motor e daquele que se move. ento que se nos apresenta a soluo
original e to notvel de Aristteles.
4. ANIMISMO ARISTOTLICO.
De Anima, II,
1, 1
fcil perceber que, no quadro geral da teoria das substncias, esta frmula abarca
a precedente. Em uma substncia composta, com efeito, o princpio primeiro de tdas
as operaes a forma que assim simultneamente: aquilo pelo qual ela (quo
est), e aquilo pelo qual age, (quo operatur).
Restaria emitir um juzo sbre esta famosa definio da alma como forma do corpo.
Nos textos que acabamos de resumir, apresenta-se a doutrina ao mesmo tempo rigorosamente
lgica e com uma certa sequido abstrata. claro que se sups como admitida a teoria
geral do composto substancial; feito isto, tudo parece caminhar por si.
5. CONSEQNCIAS E COROLRIO.
- A unidade do vivente.
- A unidade da alma
A unidade da alma postula sua indiviso e, portanto, sua presena como todo em cada
uma das partes do corpo. Aqui surge, porm, uma dificuldade: aparecendo as
atividades particulares, a vista por exemplo, ligadas a rgos especiais, no se
dever reconhecer, em relao a stes rgos, uma especificao do prprio
princpio vital? Sim, responde S. Toms, mas maneira de um todo potencial que
se diversifica como princpio de atividade, sempre permanecendo essencialmente um. O
precedente princpio fica assim salvo.
- Corruptibilidade da alma.
De si a alma do vivente, que a forma de uma substncia composta, segue a lei comum
das substncias. Como tda forma substancial "eduzida" da potncia da matria,
no momento da gerao; e quando as condies corporais deixam de ser convenientes,
perde-se de nvo na potencialidade primitiva de onde havia sido tirada. O caso da alma
humana, diretamente criada por Deus para ser unida a um corpo e sobrevivendo
destruio do corpo, exige evidentemente considerao parte. Na linha geral das
teorias biolgicas, ste caso deve ser considerado como uma exceo.
antes de tudo claro que no se pode tratar de uma moo prpriamente eficiente:
o vivente todo inteiro que, enquanto composto, exerce uma ao desta ordem; a alma
pode, ento, ser considerada parte s enquanto princpio formal, ou princpio
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quo. Na realidade, como a forma exerce na atividade dos corpos compostos o papel de
fim, ser a ttulo de causa final que a alma exerce, por primeiro, sua influncia
sbre as operaes vitais. Assim, no homem, todo o psiquismo inferior, ao mesmo
tempo que a atividade intelectiva, encontrar-se- ordenado alma espiritual.
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AS POTNCIAS DA ALMA
1. INTRODUO.
Aristteles (De Anima II, c. 3) introduz assim esta questo. Tendo sido a
alma definida como princpio de atividades mltiplas e diversas, sensaes,
desejos, pensamentos, movimentos de deslocao, etc .... o momento de se
perguntar se pela alma inteira que o vivente realiza tdas estas operaes, ou se
ser necessrio distinguir, para ste fim, partes diferentes na alma? Deixando a
exposio do De Anima que complexa demais, vamos, a seguir, apresentar a doutrina
no estado de sntese acabada como se apresenta na Summa (Ia Pa, q. 77 e 78).
Deve-se notar:
21
- Que a distino, de que acabamos de tratar, entre a
essncia da alma e suas faculdades, s pode ser ideal.
De si, com efeito, uma potncia ordena-se a um ato; de onde se evidencia que as
potncias diversificam-se segundo os atos com os quais se relacionam. Mas, por sua
parte, os atos so especificados pelos seus objetos, o que se verifica ao mesmo tempo
para as potncias passivas e para as potncias ativas, sendo as primeiras movidas por
seu objeto, enquanto as segundas tendem para o seu objeto como para um fim. Assim,
pois, em qualquer hiptese, dever-se- reconhecer que, por meio de seus atos, as
potncias so especificadas pelos seus objetos. Precisemos que as diferenas de
objetos, que aqui devem ser relevadas, so aquelas para as quais as potncias so
orientadas segundo sua natureza prpria. Os sentidos, por exemplo, sero
diversificados pelas qualidades do objeto sensvel considerado como tal, cr,
sonoridade etc., e no pelo que lhe advm acidentalmente, como para o colorido, que
objeto da vista, a qualidade de gramtico; com efeito, acidental, para ste
objeto branco que percebo, ser um gramtico.
Esta doutrina da especificao das potncias pelos seus atos e seus objetos ter, em
S. Toms, uma importncia de primeirssima ordem: tda a ordenao da psicologia
e, explicando-se pelo mesmo princpio a distino dos hbitos ou das virtudes, tda
a ordenao da moral, dela dependero. As cuidadosas anlises do tratado das
virtudes da Secunda Secundae, em particular, no sero mais que uma aplicao
contnua desta verdade.
Esta questo foi tratada um certo nmero de vzes por S. Toms (cf. De Anima,
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I, 1. 14 - II, 1. 3 e 5; Ia Pa, q. 78, a. 1; Quaest. disp. De
Anima, a. 13) . Contentar-nos-emos aqui com uma viso de conjunto da bela
exposio sinttica da Summa que agrupa a diviso das potncias, a das almas, e a
dos gneros de vida.
- H trs almas.
1. INTRODUO.
2. A FUNO NUTRITIVA.
3. A FUNO DE CRESCIMENTO.
Como tda operao vital, o crescimento, que tem seu princpio no ser vivo e nle
termina, uma operao imanente.
4. A FUNO DE GERAO.
Para fixar a razo de ser da gerao podemos nos colocar em dois pontos de vista
diferentes:
S. Toms (Ia Pa, q. 27, a. 2) define assim a gerao dos sres vivos:
"a gerao significa a origem de um ser vivo, a partir de um princpio vivente
conjunto, segundo uma razo de semelhana, em uma natureza da mesma espcie".
Nesta frmula que tornou-se clssica: - "a origem de um ser vivo" designa o
carter comum a tda a gerao; "a partir de um princpio vivente conjunto" precisa
a diferena especfica da gerao dos viventes; - pelas ltimas expresses
"segundo uma razo de semelhana" e "em uma natureza da mesma espcie", so
afastadas tdas as produes de um corpo vivo, tais como o crescimento dos cabelos ou
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as diversas secrees, que no terminam em uma natureza especificamente semelhante.
Do que foi dito conclui-se que no peripatetismo a vida vegetativa constitui um conjunto
de atividades bem caracterizadas e sistemticamente ordenadas, situadas em um certo
plano de imaterialidade e, correlativamente, de imanncia. Entre as trs grandes
funes distintas h uma ordem: a nutrio aparece como a operao fundamental
pressuposta pelas duas outras. O crescimento completa a nutrio e, juntas, as duas
tm como fim a gerao, na qual a vida vegetativa, de certa maneira, atinge seu ponto
culminante.
Restaria aqui submeter crtica esta ingeniosa teoria. claro que os progressos
imensos realizados pelas cincias da vida exigiriam certos retoques. No certo,
porm, que as profundas vises que presidiram a esta organizao tenham perdido todo e
qualquer valor.
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A VIDA SENSITIVA:
O CONHECIMENTO SENSVEL
1. INTRODUO.
Acima dos sres dotados apenas de vida vegetativa, encontramos sres vivos que
possuem, a mais, uma atividade sensitiva. Esta tem seu princpio em uma alma
particular, alma sensitiva, que se relaciona, de maneira imediata, a trs gneros de
faculdades: conhecimento sensvel, apetite sensvel e potncia motora, das quais
consideraremos as manifestaes vitais.
2. OS SENTIDOS EXTERNOS
Como quer que seja, para Aristteles a sensao aparece originriamente como uma
passividade: sentir antes de tudo padecer ou alterar-se, sendo que, nesta
concepo, o princpio ativo o objeta percebido. Tal ponto de partida manifesta
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claramente uma reao contra a teoria platnica do conhecimento que minimizava o papel
do objeto sensvel. Para o Estagirita, a prpria coisa exterior que, de algum
modo, vem afetar a potncia sensvel: "a sensao resulta de um movimento padecido e
de uma paixo". Convm, todavia, notar que a alterao do sentido no de modo
algum redutvel alterao de uma realidade fsica submetida a uma ao
corrosiva. A potncia de conhecer, ao menos quando se trata de sensaes normais,
no de modo algum deteriorada no seu comportamento passivo, nle encontrando mesmo
seu aperfeioamento autntico; a recepo da forma tem aqui um carter muito
particular: dir-se- que o sentido aquilo que capaz de receber a forma sem a
matria. Teremos ocasio de ver como S. Toms soube tirar proveito desta idia.
Basta agora reter que, para seu mestre, a sensao sobretudo caracterizada pela
passividade.
A "species" tem por funo prpria tornar o objeto exterior presente faculdade de
conhecer. O objeto exterior, com efeito, parte o caso da essncia divina na viso
beatfica, no pode informar diretamente a potncia, sendo necessrio ser levado antes
a um certo grau de imaterialidade. Assim o objeto, na condio de "species", vem
determinar a sensao que, na ordem vital, ser produzida pela potncia.
Esta influncia pode ser exercida de maneira direta e s pela virtude da coisa
percebida? P-ste ltimo ponto traz uma dificuldade. Para que um objeto possa
determinar uma potncia em sua linha prpria, preciso que, do mesmo ponto de
vista, esteja em ato. Assim, no caso do conhecimento intelectual, onde o objeto no
inteligvel em ato, veremos que preciso a interveno de uma potncia especial
de atuao, o intelecto agente. Seria necessrio uma potncia dste tipo para o
conhecimento sensvel? Dever-se-ia falar em um sentido agente? S. Toms no
pensa assim. Os objetos dos sentidos, contrriamente aos objetos da inteligncia,
podem ser considerados j em ato ou no nvel da potncia cognoscitiva; podem, pois,
diretamente, vir a atuar o sentido e a determinar a formao da "species".
Pela sensao, o que atingimos das coisas exteriores? No o seu ser total
certamente. O sentido, com efeito, como tda potncia de conhecimento, diretamente
s pode apreender as formas:
Em suma, devemos considerar, como objeto dos sentidos, o conjunto das qualidades da
terceira espcie, denominadas qualidades sensveis, s quais preciso acrescentar
as determinaes quantitativas dos corpos.
Os sensveis comuns. Como o nome indica, stes sensveis podem ser apreendidos por
vrios sentidos. Distinguem-se habitualmente cinco: o tamanho, a figura, o nmero,
o movimento e o repouso. A vista, o tacto, e talvez o ouvido, tm uma certa
percepo destas coisas. Os sensveis comuns no constituem um objeto absolutamente
independente; supem o conhecimento dos sensveis prprios ao qual conferem uma
modalidade original. Assim, quando vejo uma extenso colorida, a cr , nesta
sensao, o que especifica prpriamente a vista, mas a extenso igualmente conhecida
e poderia ser conhecida por outro sentido.
neste ponto que mais radicalmente se opem a filosofia antiga, mais realista, e o
pensamento moderno, mais subjetivista. O mundo exterior revelado pelos sentidos tal
qual , ou smente de modo aproximativo, ou mesmo, puramente simblico? Precisemos
logo que a objetividade, aqui colocada em causa, smente a dos sensveis prprios
e a dos sensveis comuns, e destes ltimos s no caso em que so objeto de um s
sentido. Tudo o que diz respeito ao sensvel "per accidens" ou tudo o que, na
percepo, supe uma certa construo, est fora de nossas vistas.
Sua atitude sbre este ponto indubitvelmente realista: para eles os dados
imediatos dos sentidos so objetivos. Aristteles, manifesta-o de incio com mais
discrio: o que quer precisamente manter, contra Protgoras, que o cessar da
sensao no importa no desaparecimento do objeto: " impossvel que os objetos que
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produzem esta sensao desapaream s pelo fato de esta ser suprimida, pois a
sensao no se radica em si mesma; alm da sensao h outra coisa que
necessariamente a precede" (Cf. Metaph., c. 5; De Anima, III, c. 2 e 3
) . Existe identidade entre o sensvel e o senciente no ato da sensao, repete ele
tambm constantemente; com relao ao sensvel prprio no pode haver erro nos
sentidos. S. Toms, por sua vez, expressa-o em frmulas absolutamente
inequvocas; a cr est no fruto que percebemos: "a vista v, com efeito, a cr do
fruto sem o odor; se perguntamos onde est a cr que vista sem seu odor, claro
que tal cr s poderia estar no fruto" (S. Th. Ia Pa, q. 85, a. 2, ad.
2).
preciso ir mais longe. Em muitos lugares, por ocasio dos erros dos sentidos, S.
Toms abertamente d mostras de relativismo (cf. sobretudo Metaph., IV,
1-14, n. 694 ss). Algo parece-nos pequeno ou grande conforme visto de longe ou de
perto: para julgar objetivamente deve-se fiar na segunda dessas impresses. Os
sensveis comuns, alis, prestam-se a mltiplas iluses. Nota-se igualmente que a
cor de um objeto pode mudar com a distncia: aqui ainda a viso prxima que a
certa. Por outra parte, se os rgos dos sentidos esto doentes, infetados de humor
como nos febricitantes ou nos que tm itercia, as sensaes ver-se-o
perturbadas. A debilidade do sujeito pode, enfim, ser causa de rro: a quem fraco
um pso leve parece pesado.
Alguns tomistas modernos, impressionados pelas dificuldades postas por uma crtica mais
avanada da sensao, aplicaram-se em renovar a teoria antiga no sentido da
relatividade (cf. por exemplo: Frbes, Psychologie spculative, t. I, p.
108) .
A existncia dste parece repousar sbre uma dplice constatao. Antes de tudo,
no caso de ao menos trs sentidos (vista, ouvido e olfato) ste meio aparece como um
fato; o rgo est separado do objeto sensvel por um certo intervalo de ar ou de
gua que manifestamente desempenha um papel de transmisso. Em segundo lugar,
evidente que suprimindo-se o meio pode desaparecer a sensao: o objeto colorido
colocado diretamente sbre o lho no mais percebido; aproximado demais do ouvido,
o objeto sonoro apenas provoca uma audio confusa. Evidencia-se, portanto, que a
ao do objeto sensvel tem necessidade de se refratar em um meio para poder estar em
condio de afetar convenientemente o rgo. bastante curioso observar que
Aristteles tenha estendido esta teoria aos sentidos do tacto e do gsto, para os
quais, ao contrrio dos precedentes, parece impor-se o contacto corporal direto com o
objeto sensvel. A tambm o meio ainda existe e no outra coisa que a carne,
pois os rgos no esto na superfcie, mas no interior.
Do mesmo modo que os rgos, devem os meios estar em condies de neutralidade com
relao s formas que recebem: assim o "difano", meio correspondente vista,
incolor e, semelhantemente, o meio do som insonoro. No caso do tacto e do gsto,
para os quais o meio a carne, matria necessriamente qualificada, dir-se- que
existe um certo equilbrio em qualidades, uma "mediedade", que ser receptiva de
tudo o que fr "excesso" no reativo exterior: assim, a mo que temperada (isto
, nem quente nem fria) pode receber o calor e o frio dos objetos que a tocam.
Qual exatamente o papel do meio nesta psicologia da sensao? Sem dvida alguma,
antes de tudo o papel de transmisso. Mas servia tambm, na concepo dos antigos,
para proteger os rgos dos sentidos, aos quais poderia ser nocivo o contacto com o
objeto. Certos comentadores atribuam igualmente ao meio uma funo de
espiritualizao das formas, em vista de sua recepo pelos sentidos. Seria graas a
le que estas formas se tornariam sensveis em ato.
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9. O NMERO DOS SENTIDOS EXTERNOS.
Conforme seu costume, S. Toms esforou-se por dar uma justificao a priori da
existncia dstes sentidos (cf. Ia Pa, q. 78, a. 4). Duas razes
principais parecem motiv-lo. O animal perfeito, antes de tudo, devendo deslocar-se
para atender s suas necessidades, deve ser capaz de representar a si mesmo os objetos
sensveis, mesmo quando no esto presentes. Por outra parte, para que possa
discernir o que lhe convm e o que no lhe convm, necessrio que tenha um certo
sentido do til e do nocivo, sentido ste que no pode ser reduzido percepo
externa do objeto. assim que, retomando o exemplo antigo, a ovelha foge vendo o
lbo, no porque a cr ou a forma dste animal desagrade seu olhar, mas porque v que
seu inimigo. Tais arrazoados merecem considerao. Na realidade, o discernimento
dos sentidos internos origina-se antes da anlise do dado do conhecimento sensvel, o
qual manifesta "razes objetivas" que no so redutveis s razes dos sentidos
externos. Como em todos os casos semelhantes, convm reconhecer tantas potncias
especiais quantos objetos novos especificamente distintos. O peripatetismo enumera
quatro, aos quais correspondem os quatro sentidos internos: "sensus communis",
imaginao, estimativa e memria.
A. A conscincia sensvel.
Por ste poder de centralizao dos dados sensveis, v-se que o sentido em
questo s pode estar em estreita continuidade com os sentidos externos. Para S.
Toms uma espcie de fundo comum, aparecendo assim o sistema do conhecimento
sensvel como um feixe de potncias radicadas em uma faculdade central. Todavia, o
"sensus communis" continua sendo uma potncia distinta com suas funes prprias.
No conjunto do organismo do conhecimento, uma espcie de ligao intermediria,
encarregada, sobretudo, de transmitir s potncias superiores os dados primeiros da
sensao. Todos os animais, para Aristteles, so necessriamente dotados dste
sentido, enquanto os outros sentidos internos encontram-se apenas nos animais
superiores.
13. A IMAGINAO.
um fato que os animais buscam certos objetos ou dles fogem, no smente enquanto
stes tm uma relao favorvel ou desfavorvel com tal sentido particular, mas
ainda porque so teis ou nocivos natureza do indivduo considerado em sua
totalidade. A ovelha, gosta de repetir S. Toms, foge do lbo, no em razo de
sua cr ou de sua forma, mas como nocivo sua natureza; e, semelhantemente, o
passarinho recolhe palhas, no por prazer dos sentidos, mas em vista do ninho a
construir.
A teoria da estimativa, acabamos de reconhecer, parece ter sido inventada para explicar
certas reaes originais dos animais. Mas, movimentos semelhantes no so
encontrados tambm no homem, no nvel de sua atividade sensvel? No h,
portanto, razo alguma que proba admitir, tambm no caso do homem, a existncia
dste sentido interno. V-se logo, todavia, que, em seu psiquismo mais elevado,
esta potncia ter uma condio especial, levando-se particularmente em conta a
influncia que sobre ela exercer a inteligncia, que a faculdade superior de
govrno. Mas aqui se reservou para ela um nome particular; na tradio agostiniana,
fala-se em um sentido aproximado ratio inferior. S. Toms fica com o trmo
cogitativa. De modo preciso, a "cogitativa" distingue-se da estimativa por ter um
campo de exerccio mais extenso e sobretudo por poder, em razo de sua proximidade com
as faculdades superiores, efetuar, na ordem concreta, aproximaes que confinam com
38
as snteses prpriamente intelectuais.
O ltimo dos sentidos internos, a memria, tem uma funo precisa e limitada. A
conservao e a simples reproduo das impresses sensveis , como dissemos,
trabalho da imaginao. O que advm memria, assim parece, ser o "tesouro"
destas relaes abstratas concebidas pela "cogitativa": ela as desperta na
conscincia ao mesmo tempo que desperta as imagens. Mas o carter verdadeiramente
distintivo desta faculdade seu poder de representar as coisas como passadas, "sub
ratione praeteriti". Dizemos que algum se lembra de alguma coisa quando pode
relacionar sua percepo com o passado: ontem encontrei tal pessoa; a imagem dste
acontecimento apresenta-se minha conscincia com sua situao no tempo.
Como se opera esta ligao da imagem ou das relaes evocadas com um momento
determinado do tempo? Isto no pode ser feito pela inteligncia, pois esta capta o
seu objeto em condies de abstrao que o situam acima do curso do movimento e,
portanto, do tempo; por isso, no haver no homem memria intelectual pura. A
apreenso do movimento , de modo imediato, uma percepo sensvel e nesta que se
funda o conhecimento do tempo. A ordem temporal dos fenmenos assim apreendidos
inscreve-se na memria que , por isso, capaz de a reproduzir. Basta que um dstes
fenmenos se lhe apresente, e estar em condio de situ-lo temporalmente com
relao aos outros.
Consideremos o artigo com o qual S. Toms, na Summa, inaugura seu tratado (Ia
Pa, q. 80 a. 1). A existncia de uma vida apetitiva ou afetiva um fato de
experincia. Mas, reconhecer no princpio desta vida, a existncia de potncias
especiais, pode trazer dificuldades. No se poderia dizer que a apetio, sendo um
fenmeno totalmente geral encontrado nos sres inanimados, como tambm nos viventes,
apenas a inclinao que se segue natureza de cada ser? Isto aparece, em
particular, no caso das faculdades da alma, que parecem ordenar-se por si mesmas a um
objeto. Por que, pois, requerer, ao lado dessa inclinao de natureza, o exerccio
de um poder especial de apetncia?
S. Toms responde a esta dificuldade lembrando o princpio que vai dirigir tda a
questo: a tda forma segue-se uma tendncia, "quamlibet formam sequitur aliqua
inclinatio". assim que o fogo por natureza inclinado para os lugares superiores, e
tende a gerar fogo. Dois casos podem, ento, apresentar-se:
Que o bem desejvel nos aparea s vzes como fcil e s vzes como difcil de
ser conquistado, evidente por si. Mas, poder-se-ia perguntar, uma tal
circunstncia suficiente para criar uma diferena especfica de objetos e,
portanto, da faculdade? Em favor desta diferena especfica S. Toms faz valer
diversos argumentos. As paixes dos dois tipos parecem combater-se e enfraquecer-se
mutuamente, o que insinua a exigncia de uma distino correspondente de potncias.
Por outro lado, o que talvez seja mais decisivo, o apetite irascvl apelaria para
outras faculdades de conhecer, diferentes das faculdades do apetite concupiscvel: para
desejar, ou para amar basta ter sensaes ou imagens; enquanto que para se encolerizar
preciso, alm disso, ter tomado conscincia das relaes abstratas atingveis s
pelos sentidos internos superiores, cogitativa e memria; o irascvel, por outro
lado, engaja mais a razo. Embora distinguindo duas faculdades de apetio, convm
no deixar de restabelecer uma certa unidade entre elas: as paixes originadas de uma e
de outra encadeiam-se e carreiam-se mutuamente. Mais profundamente, devemos dizer que
o concupiscvel tem algo de mais fundamental, e que assim o irascvel enraza-se, de
certo modo, nle.
Devem ser colocados nesta classe todos os atos de apetncia que resultam imediatamente
da apreenso sensvel de um certo bem ou de um certo mal. Sendo orgnicas as
faculdades que os "elicitam", tais atos so necessriamente acompanhados de
modificaes corporais. Prevaleceu o uso de as denominar indiferentemente paixes,
quer designem uma tendncia ou um movimento de carter ativo, quer uma afeio
aparentemente passiva. S. Toms distinguiu onze paixes caractersticas, divididas
entre o apetite concupiscvel e o apetite irascvel. So elas na ordem terica de
sua gnese: o amor, que a raiz de tda a vida afetiva, o dio, o desejo, a
fuga, a esperana, o desespero, o mdo, a audcia, a clera, a alegria, a
tristeza. Conforme o uso, deixamos Moral o estudo detalhado de cada uma destas
afeies da alma.
42
19. A FACULDADE MOTORA
1.INTRODUO
2. PRIMADO DA INTELIGNCIA.
At aqui consideramos o conjunto dos fenmenos vitais pelos quais o homem est em
comunidade com os viventes de grau inferior, as plantas e os animais. Com a vida
intelectiva abordamos o plano da vida prpriamente humana: "a operao prpria do
homem, enquanto homem, fazer ato de inteligncia" (Santo Toms, Metaph. I,
L.1, n.3) . Tentemos tomar conscincia dste fato comparando, sob seus aspectos
gerais, o conhecimento intelectual (prprio do homem) com o conhecimento sensvel
(comum ao animal e ao homem) (cf. Cont. Gent., II, c. 66 e 67).
Em primeiro lugar preciso dizer, segundo uma frmula que volta sempre em S.
Toms, que a inteligncia tem por objeto o universal, enquanto o sentido atinge smente
o singular: "intellectus est universalium, sensus est particularium"; o que vejo com
meus olhos esta planta determinada e particular; minha inteligncia, porm,
comea por formar a noo geral de planta. Em segundo lugar, a inteligncia capta
objetos no sensveis, como a idia de verdade, por exemplo, ou a de Deus,
enquanto o sentido no pode ultrapassar a percepo das propriedades corporais. A
inteligncia, alm disso, uma faculdade que pode, por reflexo, tomar conscincia
de si mesma e de sua atividade; o que no dado ao sentido, ao menos em um mesmo
grau. Poder-se-ia ainda acrescentar, comparando as atividades prticas que competem a
cada um dstes podres, que enquanto uma atividade (a que depende da inteligncia)
capaz de escolha, a outra (que se origina dos sentidos) naturalmente determinada;
assim, a andorinha constri seu ninho sempre da mesma maneira.
Tudo isto converge para esta concluso: a inteligncia tem o primado sbre as outras
44
faculdades.
Entre stes dois extremos, adota Aristteles uma posio de conciliao assim
caracterizada por S. Toms: com Plato, admite Aristteles que a inteligncia
diferente dos sentidos; com Demcrito, que as operaes da parte sensvel da alma
so causadas pela impresso dos corpos externos, no todavia como ste o queria, a
saber, por um transporte de partculas. Quanto s operaes da parte intelectual,
preciso dizer que exigem, para serem produzidas, o concurso simultneo das
sensaes, nas quais estas operaes encontram seu dado, e o concurso de uma potncia
espiritual ativa, o intelecto agente que tem por funo abstrair do sensvel o
inteligvel que, naquele, estava contido em potncia. Teremos ocasio de voltar mais
demoradamente a estas anlises. Baste-nos aqui reter que a "via Aristotelis" era
vista por S. Toms como uma soluo intermediria entre o sensualismo e o
intelectualismo extremos.
Ia Pa, q. 14,
a. 1
V-se, por ste texto, que a diferena de amplitude dos sres dotados de
conhecimento relativa posse ou recepo das formas: um ser tem sua forma
especfica mas pode ter tambm, como sujeito cognoscente, a forma especfica dos
outros. S. Toms precisar, todavia, que o modo como stes dois tipos de formas
existem no sujeito no o mesmo. Voltaremos ainda a ste assunto.
Os sres que conhecem podem, pois, ser ou tornar-se tdas as coisas. 0 que
exatamente ser preciso entender por isso? Que no trmo do processo de conhecimento o
sujeito que conhece faz-se um com as coisas que conhece. Visto sob ste prisma, o
conhecimento manifesta-se sob o aspecto de uma certa identificao do sujeito e do
objeto. Tal concepo encontra-se em diversos lugares no "De Anima:" o ato do
sensvel e do que sente so um s e mesmo ato "(III, c. 2, 425 b 26);
47
"existe um intelecto que tal como a matria, porque se faz todos os inteligveis"
(III, c. 5, 430 a 13) ; "acrescentemos que a alma , em um sentido, tdas
as coisas" (III, c. 8, 431 b 21). S. Toms explicar esta doutrina
com o adgio tantas vzes repetido: "Intellectus in actu est intellectum in actu."
Uma comparao com a ordem das realidades fsicas permitir-nos- compreender melhor
o modo desta identificao. Dissemos que o ser que conhece distingue-se do que no
conhece pelo fato de poder possuir, alm de sua prpria forma, a das outras coisas.
De que informao, ou de que recepo de forma se trata aqui? No pode ser,
evidentemente, uma recepo de forma como a que se realiza no caso do ser fsico:
"non est idem modus quo formae recipiuntur in intellectu possibili et in materia" (cf.
De Veritate, q. 2, a. 2). Assim devemos dizer que h dois modos bem distintos
de recepo das formas:
S. Th. Ia Pa,
q. 14, a. 1
As anlises precedentes levam a uma outra concluso. Para cada coisa h dois modos
de existir, ou dois "esse" absolutamente diferentes: o "esse" simples, s vzes
qualificado de "entitativo", designa a existncia mesma da coisa na realidade; e o
"esse" intencional, o qual significa a coisa enquanto conhecida, ou sua existncia
de objeto; pelo conhecimento a coisa vem existir em mim, mas de modo diferente, isto
, diferente do modo como existe em si.
1. INTRODUO
Esta volta para um intelectualismo mais concreto, mas tambm mais limitado, colocar
52
um nvo problema. Se a inteligncia encontra no mundo corpreo seu objeto prprio,
no ser necessrio lhe interditar tudo o que est acima dste mundo, os espritos
puros e o prprio Deus? E se admitirmos que estas realidades so tambm atingidas,
resta explicar como isso possvel. Com isso ser precisado o que se deve entender
por objeto adequado da inteligncia humana.
Mas, at onde se estende ste poder de nossa inteligncia? No cume do mundo dos
objetos encontra-se o supremo inteligvel, a essncia divina. A inteligncia criada
estar em condies de captar diretamente ste objeto? Sendo a resposta afirmativa,
como conceber esta capacidade do divino? o problema especial da viso de Deus,
problema que se coloca antes para o teolgo, mas, como filsofos, ser-nos-
proveitoso considerar certos aspectos dle.
53
O OBJETO PRPRIO DA INTELIGNCIA HUMANA
Neste primeiro artigo, S. Toms institui uma discusso geral da tese platnica.
Tendo em vista escapar do materialismo mobilista de Herclito, que comprometia a
verdade de todo o conhecimento, dera Plato, por objeto s cincias, realidades
imveis e separadas; daqui se seguia que o conhecimento intelectual no se referia de
modo algum s coisas percebidas pelos sentidos.
Esta doutrina tem um duplo inconveniente: torna v tda cincia da natureza. Chega
a esta conseqncia absurda que, para se tomar conscincia das coisas que nos so
manifestas, recorre-se a sres que diferem delas substancialmente. O rro de Plato
fundamenta-se no fato de no ter podido compreender que as coisas tm um modo de existir
diferente no esprito e na realidade: universal e imaterial no primeiro caso,
particular e material no segundo.
Poder-se-ia ainda imaginar que estas semelhanas, de que necessita a alma para
conhecer outras coisas, ou foram-lhe originriamente comunicadas, ou as tem por um
privilgio da natureza. No pode ser assim, pois ento deveramos ter um
conhecimento sempre atual, o que evidentemente no se d. Dizer com Plato que esta
no-atuao de formas que possumos deva-se ao impedimento de nosso corpo, s nos
lana em outra dificuldade: como se explica que uma unio, que segundo a natureza
(a da alma e do corpo), possa impedir o exerccio de uma atividade fundada, tambm
ela, na natureza (o conhecimento das "species" naturalmente presentes alma)?
54
5. A ALMA NO PODE CONHECER POR MEIO DE
"SPECIES" VINDO DE FORMAS SEPARADAS (A.4).
Ainda uma vez nos encontramos diante de uma tese de Plato mas sob a forma que lhe
vestiu Avicena. As formas separadas no teriam existncia independente, o que
pouco inteligvel, mas preexistem em inteligncias superiores; estas as comunicam ao
intelecto agente de onde, no momento conveniente, informam o intelecto possvel. As
dificuldades relativas existncia separada das idias seriam assim resolvidas. Mas
com essa teoria permanece no justificada a unio da alma e do corpo. Se o corpo no
tem por funo superior fazer chegar at ns as semelhanas das coisas, le no
tem mais razo de ser.
Uma vez que a teoria platnica, como alis o sensualismo de Demcrito, chocam-se
contra tda espcie de incompatibilidades, uma s via permanece aberta, a dste
intelectualismo fundado sbre o conhecimento sensvel que constitui a "via media" de
Aristteles. Nosso conhecimento intelectual vem inteiramente dos sentidos: o objeto
prprio dste conhecimento, concluir-se-, a natureza ou a "qididade" das
coisas sensveis.
Seria preciso poder seguir mais de perto as discusses que precedem, como seria bom
tambm analisar os artigos 7 e 8, onde a solidariedade de nossos dois modos de conhecer
encontra-se bem ressaltada por observaes muito importantes, tais como o efeito das
leses orgnicas sbre o pensamento, a necessidade das imagens para a vida
intelectual, para que se possa estar em condies de apreciar todo o cabedal de
experincia e de reflexo que fundamenta a soluo aqui proposta. Aqui ainda o
laconismo das frmulas e a aridez de certas exposies de nossos mestres no nos devem
enganar.
Do que precede resulta que o objeto prprio do intelecto humano, que est unido a um
corpo, a qididade ou a natureza existente na coisa corprea:
55
a. 7
Inmeros textos fazem eco a ste: "o objeto prprio da inteligncia a qididade
da coisa, a qual no est separada das coisas, como pretenderam os platnicos" (De
Anima, III, I. 8, n. 717) ; "o objeto de nossa inteligncia em nosso
estado presente a qididade da coisa material" (Ia Pa, q. 85, a. 8) etc ...
Liberta do que a torna singular, a "qididade" deve ser considerada como universal.
Assim, contrriamente aos sentidos que no atingem alm das realidades singulares,
pode a inteligncia ser definida como a faculdade do universal.
1. INTRODUO.
Esta tese j foi demonstrada em Metafsica. Basta-nos aqui lembrar que sua
concluso deriva principalmente da anlise do juzo, que nos manifesta que o ser o
que, por primeiro, se atinge nas coisas; "esta coisa que eu percebo ": tal a
primeira constatao da inteligncia.
Ora, somos levados a reconhecer que o ser assim atingido no limitativamente tal ser
ou tal gnero de ser; no importa qual, fala-se simplesmente do ser, de tudo o que
pode ser compreendido nesta noo. Por isso, o ser real ou o ser de razo, o ser
atual ou o ser possvel, o ser natural ou o ser sobrenatural esto, de si, includos
no campo de nossa inteligncia, como tambm de qualquer outra inteligncia, porque a
inteligncia manifesta-se como a faculdade do ser.
Uma dificuldade aqui se coloca: para que, com efeito, reconhecer um objeto especial
nossa inteligncia, se esta faculdade efetivamente capaz de se estender alm do
mesmo?
Segue-se que, sempre aberta a todo o ser, nossa inteligncia especificada, em seu
modo de atividade, pelo conhecimento das essncias materiais. O imaterial s pode
assim ser representado a partir da concepo que formamos dos corpos, condio
evidentemente muito inferior para um esprito e que nos situa, gosta S. Toms de o
repetir, no ltimo degrau da escala das inteligncias.
1. POSIO DO PROBLEMA.
Superficialmente considerados, textos como stes levariam a crer que para S. Toms
a viso da essncia de Deus no smente possvel para um intelecto criado, mas
lhe conatural, respondendo a uma inclinao positiva de nosso ser. Assim
teramos, segundo nossas prprias possibilidades, o poder de ver a Deus. Uma tal
exegese esbate-se contra dificuldades bem graves. Alm da dificuldade precedente da
infinita distncia entre a potncia e o objeto, encontra as afirmaes categricas
da f: nossa elevao ao sobrenatural e viso beatfica um efeito no da
natureza mas da graa. S o intelecto divino proporcional, de si, ao prprio ser
subsistente. Assim, poder S. Toms concluir em trmos aparentemente opostos aos
precedentes: (Ia Pa, q. 12, a. 4)
de direito perguntar como pode um tal desejo, que aparece como um simples fato de
conscincia, merecer ainda o qualificativo de natural? Muitas explicaes foram
dadas. Vamos logo que nos parece melhor fundada (cf. Structure, p. 291, ss).
61
Consideremos o modo segundo o qual pode-se relacionar nosso desejo com o bem soberano ou
a felicidade. Antes de tudo h uma coisa que no podemos no querer: ser feliz. A
felicidade, ou o bem universalmente considerado, se nos impe de modo absoluto. Esta
inclinao incoercvel nada mais que o apetite natural inato de nossa vontade ao bem
ou obteno de nosso fim ltimo. possvel desejar ver a Deus segundo uma tal
inclinao? No, pois se a viso de Deus efetivamente nossa felicidade, no
temos dela uma convico necessitante. Certos homens no parecem mesmo totalmente
indiferentes a ste fim? Pode-se, pois, tratar smente de um desejo condicional;
um tal fim desejvel na medida em que me parece ligado ao bem universal, objeto de
que necessita minha vontade. Para quem raciocina corretamente esta concluso se impe
ou sobrevm como que naturalmente.
Assim, a viso de Deus deve ser assemelhada classe de bens distinguidos por S.
Toms, os quais so, para minhas faculdades, bens particulares, naturalmente queridos
segundo uma necessidade no absoluta, mas de convenincia ou condicional (cf. Ia
Pa, q. 10, a. 1). E o desejo que corresponde a esta viso ser natural, no
como uma inclinao inata mas enquanto surge naturalmente no curso do desenvolvimento de
nossa vida racional, se esta fr normal. Ora, um tal desejo, pensa S. Toms,
no pode ser vo ou desprovido de fundamento. Portanto, a possibilidade da viso
beatfica se nos impe, no segundo uma percepo evidente, mas como uma verdadeira
convenincia de natureza.
1. INTRODUO.
A inteligncia humana, potncia espiritual, tem por objeto a qididade das coisas
sensveis. Entre sses dois trmos h clara diferena de nvel notico, o que pode
levar, no funcionamento de nossa faculdade superior, a uma certa complicao. Para
proceder com ordem consideraremos sucessivamente:
Acrescentemos que o problema complica-se mais ainda pela concepo que se tinha do
intelecto possvel, corruptvel para uns, incorruptvel para outros e, nesta ltima
hiptese, separado ou no separado.
Um ponto reclama preciso. Em que sentido deve-se dizer que o intelecto agente uma
potncia sempre em ato? No se v bem, com efeito, numa primeira considerao,
como, em uma mesma inteligncia, possa existir, ao mesmo tempo, face aos
inteligveis, uma faculdade em potncia e uma faculdade em ato. S. Toms (cf. De
Anima, III, I. 10, n. 737; Ia Pa, q. 79, a. 4, ad 4) responde
fazendo observar que a passividade de uma destas faculdades e a atualidade da outra no
devem ser consideradas em uma mesma linha. O intelecto passivo est em potncia face
s determinaes dos sres exteriores a conhecer. O intelecto agente, por sua vez,
dito estar em ato enquanto imaterial e, portanto, apto a tornar imaterial o objeto
que era inteligvel s em potncia:
n. 739
6. A AO DO INTELECTO AGENTE.
Como compreender esta ao pela qual o intelecto agente vai tornar inteligvel em ato
o inteligvel em potncia das imagens e permitir assim a recepo da semelhana
espiritual do objeto? Diversas analogias, tradicionalmente usadas, podem ajudar nesta
explicao.
De Veritate, loc.
68
cit., ad 7
9. RECEPO DA "SPECIES"
Portanto, uma vez informado, o intelecto possvel encontra-se pronto para passar a
seu ato. Como vai ste se produzir? Pela atividade da faculdade enquanto est
objetivamente determinada pela "species". Tda ao em seu princpio supe, com
efeito, uma potncia e uma forma; a potncia j est dada e a forma outra coisa no
que a "species" recebida: esto assim realizadas as condies da atividade
cognitiva.
Do que acaba de ser dito segue-se que a "species", ou a forma do objeto recebida na
inteligncia, no de modo algum "o que" conhecido, quod cognoscitur, mas
smente "o que por meio do qual" se conhece, quo cognoscitur (cf. Ia Pa, q.
85, a. 2). O que diretamente atingido o objeto ou a coisa mesma; a "species"
s por uma atividade reflexiva captada no princpio do ato. Voltaremos a isso.
1. INTRODUO.
Alm dos dois elementos que acabamos de distinguir no princpio dessa atividade,
intelecto possvel e "species", enumera S. Toms, integrando o ato completo,
dois outros elementos: a inteleco, "intelligere" e a concepo interior da
inteligncia, "conceptio intellectus", na qual a faculdade contempla seu objeto.
Assim:
De Pot., q. 8,
a. 1
2. A INTELECO
Ia Pa. q. 14 a.
4
Qual pois ste trmo concebido pela inteligncia? A atividade de concepo que
acabamos de discernir deve ser distinta realmente da apreenso exercida pela
inteligncia ou da inteleco? Que relaes h exatamente entre stes dois
aspectos do ato de conhecer? Tais so os problemas que presentemente se colocam.
3. O VERBO MENTAL
De fato, colocados parte dois ou trs textos, a teoria do verbo foi desenvolvida
por S. Toms to smente em vista de sua utilizao para o dogma da gerao da
Segunda Pessoa da SS. Trindade. Podendo uma tal operao ser concebida s como
um processo de conhecimento, torna-se de grande intersse reencontrar, em tda
inteleco, uma produo interior, com a qual se poder comparar a gerao
trinitria. Diga-se de passagem que aqui se encontra um dos tipos mais acabados do
desenvolvimento de uma doutrina filosfica sob a influncia da f.
Todavia, se a teoria do verbo foi elaborada com preocupaes teolgicas, pode ser
igualmente abordada como um problema de filosofia. O conhecimento aparece, com efeito,
claramente marcado por um carter expressivo que deve ser levado em conta. Por outro
lado, tendo sido a atividade intelectual reconhecida como imanente, coloca-se
necessriamente a questo da existncia de um trmo interior ao pensamento.
O que representa exatamente esta semelhana? De um modo geral, semelhana quer dizer
unidade no gnero qualidade. Mas aqui qualidade deve ser entendida em sentido amplo
como que significando, em particular, a diferena especfica ou a essncia da coisa.
, portanto, com esta que o verbo se relaciona antes de tudo. Todavia, teremos
ocasio de o repetir ao estudar o devir do conhecimento, permanecendo as primeiras
apreenses de nossa inteligncia muito gerais e confusas, as representaes que lhes
so correspondentes s podem ser imperfeitas; a relao de semelhana do verbo ser
precisada, pois, s de modo progressivo.
Para colocar um pouco de clareza neste debate, importa lembrar que S. Toms aqui
escreve sob duas perspectivas diferentes: na linha da teoria do conhecimento de
Aristteles e na linha da teoria da gerao trinitria do Verbo. Com Aristteles,
trata-se de evitar o subjetivismo de Protgoras, para quem o objeto do conhecimento
seria a modificao mesma do sujeito. E neste caso a imediao do conhecimento
que naturalmente deve ser colocada em evidncia. Com os telogos, procura-se
assegurar um trmo interior do pensamento, onde naturalmente se levado a sublinhar o
carter de imanncia do ato da inteligncia. Isto reconhecido, ser permitido que
nosso autor, levado pela preocupao especial de cada uma de suas exposies, no
cuidou de circunstanciar tdas as suas frmulas. Os textos mais completos, sbre os
75
quais convm antes de tudo se apoiar, so aqules nos quais so propostos os dois
aspectos da doutrina.
Portanto, o que captado pelo esprito pode-se referir tanto coisa mesma, como
concepo da inteligncia, "et res ipsa et conceptio intellectus"; de modo que o
verbo ao mesmo tempo: "quod intellectum est" e "id quo intelligitur". bem um
trmo, mas relativo to smente, pois o trmo absoluto a prpria coisa.
1. INTRODUO.
2. PROVA EXPERIMENTAL.
No artigo 7 da questo 84, que aqui o texto maior, S. Toms faz aplo
experincia. Dois fatos tendem a provar a necessidade, para a inteleco, desta volta
s imagens: - o fato das leses corporais que paralisam a atividade da inteligncia.
Como esta faculdade no utiliza rgo algum, o obstculo constatado s pode ser
relativo s atividades sensveis que seriam necessrias para a inteleco. Assim,
quando a imaginao falha, no pode haver conhecimento intelectual. - Um segundo
fato prova mais diretamente: no verdade que quando algum se esfora por
compreender alguma coisa, espontneamente forma imagens nas quais se aplica a considerar
o que capta pela inteligncia? "Quando aliquis conatur aliquid intelligere format
aliqua phantasmata sibi per modum exemplorum, in quibus quasi inspiciat quod intelligere
studet".
3. JUSTIFICAO RACIONAL.
stes fatos podem ser justificados a priori, pois a volta s imagens est implicada
nas condies mesmas do objeto prprio da inteligncia humana. Sabemos, com a "
qididade", isto , a efeito, que ste objeto prprio natureza dos coisas sensveis
. Ora, a esta natureza pertence existir s no singular, isto , em uma matria
corporal: assim, compete natureza da pedra existir em tal pedra determinada. Donde
se segue que a natureza da pedra, ou de no importa que coisa material, s pode ser
conhecida "completamente" e "em verdade" se fr captada como existindo no
particular, o qual s pode ser apreendido pelos sentidos ou nas imagens. Para a
inteligncia atingir seu objeto prprio deve, portanto, necessriamente voltar s
imagens para nelas considerar a natureza universal contida no particular:
1. INTRODUO
Aparentemente estas frmulas vo contra o que foi dito acima. S. Toms, todavia,
no deve ter visto aqui oposio irredutvel pois em um mesmo artigo (De Spirit.
Creat., a. 11, ad 3 e ad 7) que afirma simultneamente: de um lado, que a
inteligncia em sua primeira operao capta a essncia das coisas e, de outro, que as
formas substanciais nos so desconhecidas. Convm, portanto, considerar mais de
perto o que efetivamente atingido na primeira apreenso da inteligncia humana.
Uma doutrina bem demonstrada vai nos colocar no caminho da soluo. O que
conhecido por ns, pergunta o Doutor anglico, o mais universal? (Cf. Ia
P, q. 85. a. 3) Conclui-se, no artigo citado, ser efetivamente o mais
universal o que primeiro apreendido. Assim, no se capta primeiro as essncias
especficas, que correspondem a conceitos mais particulares, mas os gneros mais
80
elevados: a noo de "animal", por exemplo, anterior noo de "homem", e
o mesmo acontece em todos os casos semelhantes. S. Toms precisa, por outro lado,
que ste conhecimento mais geral tambm mais confuso. Se se vai at ao princpio
na aplicao desta doutrina, ser preciso dizer que o que captado, em
primeirssimo lugar nas coisas pela inteligncia, a essncia sob seu aspecto mais
comum de ser, ou a idia de alguma coisa que existe. Atinge-se esta outra
afirmao, igualmente clssica no peripatetismo, que o ser aquilo que concebido em
primeiro lugar, e aquilo em que as outras noes se esclarecem: "illud quod primo
intellectus concipit quasi notissimum et in quo omnes conceptiones resolvit est ens"
(De Verit., q. 1, a. 1). Subentende-se que o ser, do qual se trata aqui,
no precisamente o ser enquanto ser, apreendido formalmente pelo metafsico, mas a
noo mais comum e mais determinada de ser. O primeiro olhar do esprito humano atinge
as coisas confusamente como sres.
No peripatetismo no se erra em proclamar que face a seu objeto prprio, ou em seu ato
simples, uma potncia de conhecer no se pode enganar. Assim, em sua primeira
apreenso da essncia das coisas, o intelecto humano no pode errar, "circa quod est
non potest falli" (cf. Ia P, q. 85, a. 6).
3. O "DISCURSUS" INTELECTUAL.
Ia P, q. 85,
a. 5
Tudo isto, seja dito ainda uma vez, representa s de modo completamente esquematizado
e simplificado a verdadeira marcha do pensamento.
O que acaba de ser dito permite-nos ainda responder a uma dificuldade que um esprito
moderno, abordando a doutrina peripattica do conhecimento, no pode deixar de
colocar.
1. INTRODUO.
Mas um tal conhecimento no a apreenso mesma do ser particular que est presente
aqui diante de mim.
Como conciliar estas duas teses, pois ambas parecem se impor: a inteligncia humana
tem um objeto abstrato e universal e a mesma inteligncia atinge o singular concreto?
Na filosofia tomista, ste problema d lugar a duas ordens de consideraes
convergentes, a primeira focalizando o conhecimento do singular como tal, e a segunda, a
apreenso de sua existncia. Sucessivamente vamos considerar cada um dstes dois
pontos, limitando-nos, para maior simplicidade, experincia das realidades
fsicas. A experincia da alma e da vida psquica e a das realidades transcendentes,
ou a experincia mstica, devero ser consideradas parte.
Apoiada nos princpios mais gerais do sistema, a tese defendida por S. Toms
aparece logicamente inatacvel. Ei-la em trmos perfeitamente claros (I, q.
86, a. 1):
Na resposta que d aqui a esta questo, S. Toms recorre mesma explicao que
havia proposto para o singular: na realidade, os dois problemas se confundem, pois a
singularidade e a contingncia tm semelhantemente sua raiz na matria. Como o
singular, portanto, o contingente ser captado de modo direto pelo sentido e
indiretamente pela inteligncia: "Contingentia, prout sunt contingentia,
cognoscuntur directe quidem sensu, indirecte autem intellectu". Conseqentemente
na e pela reflexo sbre as imagens que se atinge a existncia concreta das coisas, a
qual diretamente se refere s ao sentido. possvel precisar ainda o modo dste
conhecimento concreto do existente?
Assim termina o ciclo total da atividade intelectual, a qual visa atingir o ser at sua
atualidade ltima e perfectiva, a existncia. Resta evidentemente efetuar, em uma
outra linha, todo o processo, precedentemente descrito, pelo qual a inteligncia
procura adquirir um conhecimento distinto da essncia.
88
O CONHECIMENTO DA ALMA POR SI MESMA
1. INTRODUO.
Teremos ocasio de voltar a estas posies para as apreciar segundo nosso ponto de
vista. Nossa inteno presentemente expor a doutrina de S. Toms na linha mesma
de sua problemtica e de seu desenvolvimento original. E s depois poder ser
verdadeiramente frutuoso um confronto corri outros pensamentos.
Sbre esta questo, todavia, o Doutor anglico devia tambm levar em conta um
outro modo de ver que remontava autoridade maior de S. Agostinho. Para ste,
sabe-se, a vida psquica aparecia bem menos tributria da percepo sensvel.
Assim, a alma se conhece diretamente por si mesma: "mens seipsam per seipsam novit"
(De Trinitate, l. 9, c. 3) . Neste texto, diversas vzes retomado por S.
Toms, encontra-se uma tradio espiritual aparentemente oposta ao intelectualismo
sensualista de Aristteles. Ser preciso optar entre as duas atitudes, a menos que
se revele possvel uma conciliao superior das duas teses.
Advinha-se sem custo que nesta discusso vai entrar em jgo a natureza profunda ou a
estrutura do ser humano. le s um esprito encarnado? No teria, ao menos em
estado latente, as virtualidades de um esprito puro? Tda a significao do homem
est aqui engajada. S. Toms que, desde o incio aqui se colocara na dependncia
do peripatetismo, parece ter hesitado ao tocar as doutrinas da tradio crist. Mais
acolhedor em seus primeiros escritos, ser mais reservado na Summa. Vamos segui-lo
nestas tomadas de posies sucessivas marcadas pelos textos maiores do De Veritate
(q. 10, a. 8) e da Ia Pa (q. 87, a. 1) . A soluo trazida ao problema
do conhecimento da alma separada por si mesma (Ia Pa, q. 89, a. 1) acabar por
nos fixar em suas vistas profundas. O estudo comparativo assim empreendido, ter o
intersse suplementar de nos fazer captar, em um caso concreto, como se comporta nosso
Doutor quando Aristteles e S. Agostinho parecem se opor.
3. A EXEGESE DE S. TOMS
Aqui ainda devemos distinguir o caso do conhecimento atual, no qual a alma se conhece
por meio de seus atos, como o quer Aristteles, e o caso do conhecimento habitual
conforme o qual convm afirmar com S. Agostinho que a alma se conhece por sua
essncia. Precisemos stes dois pontos.
" nisto que cada um percebe que tem uma alma, vive ou existe: porque sente, faz ato
de inteligncia, ou exerce atos vitais desta ordem". Para Aristteles h
incontestvelmente nisto um dado primitivo. em e por meio de minha atividade psquica
que me conheo. Vindo a cessar esta atividade, a conscincia do "eu" encontra-se,
por ste fato mesmo, abolida. Mas isto justifica-se igualmente a priori pela teoria
da inteligibilidade precedentemente proposta: uma coisa inteligvel na medida em que
90
est em ato. Ora, a inteligncia, antes da recepo da ,(species", est em
potncia na ordem dos inteligveis. Ora, s ser inteligvel por si mesma e s se
tornar tal quando atuada por uma "species". Dever-se- concluir que por
intermdio desta que a alma se conhece atualmente.
Existe, na presente condio de unio com um corpo, uma atuao possvel dste
conhecimento habitual? Ou se deve reconhecer que o conhecimento atual, do qual
anteriormente se falou, no seno uma atuao parcial e derivada do dito
conhecimento habitual? S. Toms no explcito sbre stes pontos. As
respostas a vrias dificuldades do artigo (notadamente: ad 1 in contrarium)
sugerem-nos, contudo, que o conhecimento atual, embora s relativo existncia e
no essncia da alma, est no prolongamento do conhecimento habitual: "a alma
intelectiva conhece-se a si mesma pelo fato de existir nesta alma o que preciso para
que possa passar ao ato de se conhecer atualmente, percebendo que existe".
4. CONCLUSES E COROLRIOS
Com nossa existncia captamos, evidentemente, nossa atividade interior, mas podemos
dizer que atingimos nossas faculdades? S. Toms (q. 87, a. 2) precisa que s
sua cxistncia pode ser diretamente captada: tenho conscincia de pensar ou de querer,
mas as naturezas da inteligncia e da vontade, como a da alma, permanecem-me
escondidas.
Com Descartes, e a partir dle, a tendncia mais constante foi a de se dar o primado
ao conhecimento reflexivo e, por conseguinte, de fazer do "eu", e de suas
atividades, o objeto privilegiado do esprito humano, ficando assim o objeto exterior
atingido apenas em segundo lugar e terminando mesmo por se confundir com a conscincia.
Convergem, neste ponto, os trs grndes sistemas da metafsica francesa acima
evocados: idia clara e distinta por excelncia (Descartes), o fato primitivo
(Maine de Biran) e os dados imediatos (Bergson): o "eu" substncia pensante no
primeiro caso, esfro motor voluntrio no segundo e durao no terceiro. Em todos
sses sistemas, a intuio pra em um objeto interior conscincia. No idealismo
alemo, o princpio primeiro ainda o "eu" captado reflexivamente, mas ste "eu"
perde aqui tda consistncia substancial, mesmo aquela suposta por um sujeito fluente e
transitrio, para no reter outra realidade alm da posio primria e incondicionada
de um ato de esprito.
1. INTRODUO.
Vamos retomar ainda uma vez em seu conjunto a concepo de S. Toms sbre o
conhecimento intelectual, considerando-o primeiro em suas condies histricas,
depois em relao com a filosofia contempornea.
Muito ligada s condies de seu tempo, sua doutrina no deixa de aparecer como uma
elaborao pessoal bastante notvel: o aristotelismo, mas genialmente renovado e
colocado em dia.
Ora, foi precisamente a esta diviso que se recusou Aristteles e os que o seguiram:
o necessrio e o mutvel, o objeto dos sentidos e o da inteligncia, so-nos dados
solidriamente e ligados um ao outro. um fato de experincia: "magis experimur",
dir S. Toms. A inteligncia recebe assim seu objeto do dado sensvel.
Com ste carter, nossa potncia apetitiva espiritual deve igualmente ser nica.
Assim, enquanto a afetividade sensvel se divide, conforme o bem considerado fr
facilmente ou dificilmente atingido, em duas faculdades, - concupiscvel e
irascvel, - a vontade compreende, em seu objeto, estas duas modalidades.
Semelhantemente, a vontade relaciona-se, ao mesmo tempo, com o fim (bonum honestum) e
com os meios (bonum utile), e ainda ela que tem o gzo do bem (bonum delectabile)
quando ste possudo.
Cont. Gent.,
IV, c. 19
5. OS ATOS DE VONTADE.
1. INTRODUO.
Inteligncia e vontade, que so duas potncias unidas, agem igualmente, uma sbre
a outra como veremos. Mas o que antes preocupa S. Toms saber qual das duas tem a
superioridade (cf. Ia Pa, q. 82, a. 3; De Verit q. 22 a. 11).
Numa primeira considerao, parece que a vontade detm ste primado. Com efeito:
1. , a dignidade de uma faculdade depende, ao que parece, da dignidade de seu
(objeto. Ora, o objeto da vontade, o bem, que significa o ser na sua plenitude de
perfeio, e concluindo em particular o ato ltimo de existir, mais perfeito que o
objeto da inteligncia, o verdadeiro, que mais abstrato; 2. , pondo em movimento
a inteligncia, a vontade parece domin-la; tem, com efeito, por objeto o bem ou o
fim que a primeira das causas; 3. , no plano sobrenatural, fundando-nos sbre o
testemunho de S. Paulo, devemos dizer que o hbito mais perfeito, a caridade,
encontra-se na vontade: "maior autem horum est caritas..." Ora, convm que haja
proporo entre os hbitos e as faculdades que les determinam. A vontade, sujeito da
caridade, no pode deixar de ser, portanto, a mais perfeita das potncias.
No De Veritate (q. 22, a. 11) S. Toms faz valer uma outra razo.
Colocando-se sob o prisma do modo da gerao, de onde resulta para o ato intelectual
uma tomada de posse mais ntima do objeto, conclui pelo primado da faculdade de
conhecer. O objeto que conhece, com efeito, torna-se presente na prpria faculdade de
conhecer, enquanto que o objeto que desejo permanece fora de mim. Ora, mais digno
100
possuir em si algo de eminente que estar relacionado do exterior com a perfeio desta
coisa: "perfectius autem est... habere in se nobilitatem alterius rei, quam ad rem
nobilem comparari extra se existentem". A assimilao cognitiva , pois, mais
perfeita que a unio afetiva.
Seria por demais longo entrar nas discusses que surgiram em trno desta questo do
primado de uma ou outra de nossas faculdades espirituais. A escola escotista pela
superioridade da vontade e muitos seguem esta via. Os argumentos dados acima
permanecem, contudo, em sua firmeza metafsica. Est fora de dvida, por outro
lado, que adotando ste modo de ver, S. Toms foi fiel a Aristteles que, bem
claramente, em seus estudos sbre a felicidade soberana (tica a Nic. 1, 10),
d o primado ao conhecimento, sendo o prazer um elemento de acrscimo que se junta ao
ato de contemplao "como a beleza para os que esto na flor da juventude".
A razo que em todo sistema de potncias ordenadas, aquela que tem por objeto o bem
universal motora das potncias que s se relacionam com bens particulares. Assim,
para tomar o exemplo aqui proposto, o rei que cuida do bem de todo o reino pe em
movimento, por meio de suas ordens, cada um dos que esto prepostos nas diversas
cidades. Ora, a vontade tem por objeto o bem e o fim considerados universalmente,
enquanto as outras potncias visam s os bens que lhes so prprios. A vontade,
portanto, de si, e a experincia o confirma, pe em movimento as outras potncias.
Embora haja uma relao entre as duas grandes formas de liberdade, pois a primeira s
tem significado na suposio da segunda, no h contudo solidariedade necessria.
Em particular, posso estar privado de tais liberdades exteriores sem cessar de ser livre
no meu querer. No que se segue, sbre ste segundo tipo de liberdade que
trataremos, ou seja, sbre a liberdade psicolgica.
No se poder definir o ato livre dizendo que o ato mesmo da vontade? Isto suporia
que todo ato voluntrio fsse livre. bem assim? S. Toms (Ia Pa, q. 82,
a. 1) pergunta se a vontade no deseja certas coisas de modo necessrio e sua resposta
afirmativa.
Em face dstes bens que assim se impem nossa vontade, h outros que no a
104
solicitam de maneira necessria, pois, sem les, parece que se possa chegar aos fins
que se perseguem: stes bens contingentes face s metas a atingir, e que podem ser ou
no ser queridos, constituem o domnio prprio da liberdade psicolgica.
o ser racional efetivamente livre ou, como S. Toms prefere dizer, tem le o
livre arbtrio? Inmeros filsofos no o creram. Abandonando por hora seus
argutos, vamos considerar as razes alegadas em favor da liberdade. Vejamos as trs
principais: o testemunho da conscincia, a natureza mesma do ato livre e as necessidades
da vida moral. O primeiro dos argumentos, que pode se prestar a equvocos, toma seu
valor smente se ligado ao segundo; S. Toms, alis, no os distingue e vamos
fazer como le.
Sem liberdade no h moral. Seria conveniente desenvolver ste tema que constitui,
alis, de seu ponto de vista, uni argumento bastante vlido. Baste-nos citar S.
Toms que em uma frase lacnica sugere todo o essencial: "o homem tem o livre
arbtrio, de outro modo conselhos, exortaes, preceitos, proibies, recompensas
e castigos seriam coisas absolutamente vs" (Ia Pa, q. 83, a.1).
A razo tpica em favor da liberdade tomada da natureza mesma do ato livre, tal
como nos dado na experincia, sendo esta interpretada luz dos princpios
metafsicos, os nicos que podem permitir concluir de maneira decisiva.
Desde que se trate de explicar e de fundamentar o ato livre, S. Toms recorre sempre
natureza racional do homem, ou mais precisamente e mais imediatamente, sua
faculdade de julgar: h sres que agem sem julgar, h outros que agem por meio do
juzo. Se sse o resultado de um instinto natural, como o casa para os animais,
ento no h liberdade. Mas se, como no homem, resulta de uma deliberao e de
aproximaes devidas razo, encontramo-nos em face de um ato livre. Uma tal
prerrogativa vem de que a razo, quando relacionada a coisas contingentes, potncia
de coisas contrrias. Ora, as coisas particulares, em meio s quais desenvolve-se a
ao humana, so coisas contingentes, podendo portanto servir a juzos diversos e que
no so determinados. necessrio, portanto, que o homem, pelo fato de ser
racional, seja dotado de livre arbtrio.
Ia Pa, q. 83,
a. 1
3. LIBERDADE E DETERMINISMO.
Para uns, o homem no livre porque submetido ao destino, ou porque nada mais que
uma engrenagem de um Todo cujo movimento , em si mesmo, necessrio. De um ponto de
vista teolgico, afirmar-se-ia que a liberdade contrria prescincia ou
predestinao divina. Para outros, a liberdade, se existe, seria diretamente
contrria ao princpio de causalidade, ou ao princpio de conservao de energia, ou
ento negaria a regularidade das leis da natureza: do ponto de vista da cincia,
impor-se-ia manifestamente um determinismo sem falhas.
O determinismo psicolgico. Esta doutrina parece ter tido sua expresso mais acabada
em Leibniz. este tomou seu ponto de partida na crtica da liberdade de indiferena.
Louvada, ao que parece, por Descartes, esta teoria consiste em reconduzir a liberdade
indiferena com relao aos diversos motivos que solicitam a escolha, ou ao estado
de equilbrio perfeito onde se encontra a vontade com relao aos motivos. Sob o
efeito de uma iniciativa absolutamente pura, esta faculdade faria sua escolha e isto
seria o ato livre. Leibniz no escondeu que esta assim chamada indiferena face aos
diversos motivos do querer era to-smente uma iluso. Minha vontade, em
realidade, solicitada diferentemente pelos diversos motivos: uns so mais fortes que
outros. Definitivamente ser o motivo mais forte que a arrastar. E isto tanto com
relao nossa vontade, como tambm em relao vontade divina que s pode querer
o melhor. Todavia, merece sempre o qualificativo de livre.
Contra tais alegaes preciso manter, com S. Toms, que se nossa vontade no
se determina sem motivo, no necessriamente determinada por um motivo que seria o
mais forte, surgindo ste, alis, como uma hiptese gratuita. Em nossa psicologia
concreta, h, por deliberao preliminar, o exame de diversos motivos de escolha que
nos solicitam. Depois, o sujeito pra em um dles e se decide: a deciso assim
tomada depende bem do motivo que a fundamenta realmente e que aparece, ento, como o
melhor, mas s se impe minha vontade porque esta se fixa sbre le e o escolhe.
Em ltima anlise, tal motivo foi efetivamente o mais forte: mas porque eu o quis.
H, ao mesmo tempo, determinismo racional e autodeterminao espontnea. O ato livre
no pode ser salvo e no pode ser justificado de outra maneira.
1. PRELIMINARES
Uma primeira vez, no estudo geral do vivente, havamos abordado o problema da alma.
Eis o que havamos concludo.
Sbre s-te ltimo ponto, j havamos reservado o caso da alma humana que, sendo
princpio de uma vida de grau mais elevado, a vida iniciativa, parecia gozar de
prerrogativas especiais e diferir mesmo, em sua natureza profunda, das almas
inferiores. o que devemos presentemente estabelecer de maneira mais explcita.
Quanto a seu objeto, antes de tudo. Com efeito, pelo fato de tdas as naturezas
corporais poderem ser apreendidas pela nossa faculdade superior de conhecer, impe-se
que esta faculdade no seja determinadamente nenhuma destas naturezas, portanto, que
seja incorprea, ou espiritual. o que S. Toms exprime perfeitamente nesta
passagem da Summa:
Ia P, q. 75 a. 2
Em segundo lugar, quanto a seu modo. A inteligncia, com efeito, de si capta seu
objeto de modo abstrato e universal, ou independentemente de tdas as circunstncias
materiais. Ainda mais, graas a seu processo abstrativo, esta faculdade capaz de
representar realidades puramente espirituais, o que no seria possvel se ela mesma
111
estivesse, em seu ato, implicada na matria. A operao intelectual, por estas
razes, s pode ser puramente espiritual.
Que a alma seja de per si subsistente, um "hoc aliquid" como diz S. Toms, isto
se segue, igualmente de modo imediato, do que acaba de ser estabelecido. Nada, com
efeito, pode agir a ttulo de princpio radical se no fr de per si subsistente: a
alma espiritual, a "mens", o mais profundo princpio de vida intelectiva, ,
portanto, uma substncia espiritual.
Quaest. Disput. De
Anima, a. 1
- A incorruptibilidade da alma.
Uma coisa, com efeito, pode corromper-se de duas maneiras: acidentalmente (per
accidens) ou de per si (per se). Corrompe-se de modo acidental (per accidens)
aquilo que desaparece com a supresso de uma realidade conjunta, como as formas que se
encontram em um sujeito que destrudo. Assim, nos animais, a corrupo do
indivduo acarreta o desaparecimento da forma substancial ou da alma. claro que um tal
modo de corrupo no pode ser reconhecido para um ser que, como a alma, subsiste por
si (per se), isto , independentemente de qualquer outro. Portanto, aqui s se
pode falar em corrupo substancial, ou que atinge em si a coisa considerada. Ora,
tambm isto impossvel. Sendo uma forma absolutamente simples, a alma no pode
perder aquilo que seu constitutivo prprio, sua forma. Nem tampouco pode perder,
por si mesma, seu ser que com ela solidrio: assim incorruptvel e por
conseqncia imortal. Segue-se da que de nenhum modo possa desaparecer? Uma tal
concluso evidentemente absurda. O ser da alma criado: continua, pois, na
dependncia da causa que est no seu princpio, a qual, como pde cri-la, pode
112
igualmente aniquil-la, pois nenhum agente subordinado tem poder sbre si prprio.
Incorruptvel ou imortal no plano da realidade criada e de sua eficacidade, traz a alma
em seu ser profundo o estigma de absoluta submisso ao seu criador.
I, c. 75, a. 6
O homem por sua alma pertence, portanto, ao mundo dos espritos. Pode-se pensar que
sua natureza profunda no tenha nada de comum com a dos sres superiores?
Curs. Theol., in
Iam Part., q.
55, disp. 21, a.
2, n. 131
1. REFLEXES FINAIS