Guilherme de Ockham

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 8

GUILHERME DE OCKHAM

O conceito de Deus

Ordinatio I, d.3

Questão 2
Se a essência divina é por nós cognoscível

Digo, por isso, de outra forma, relativamente à questão, que uma


coisa pode ser conhecida em si, de modo que nada de outro, nem distinto
pela razão nem distinto a partir da natureza da coisa, determine o acto de
inteligir a não ser ela própria, e isto quer seja conhecida abstractivamente
quer intuitivamente. De outro modo pode algo ser inteligido não em si
mas em algum conceito que lhe seja próprio, e isto é maximamente verda-
deiro quando se conhece que aquele conceito se verifica acerca de algum
ente. E assim deve ser entendido o que disse o Filósofo, em Segundos Ana-
líticos II [93ª 16-20], onde pretende que, por vezes, há simultaneamente
conhecimento de ‘que é’ e de ‘o que é’, e, outras vezes, conhece-se antes
‘que é’ e depois ‘o que é’; de facto, quando uma coisa é conhecida em si,
simultaneamente é conhecido ‘que é’ e ‘o que é’, porque a própria coisa
não pode ser conhecida a não ser que a própria quididade ou, pelo me-
nos, alguma parte da quididade seja em si conhecida. Acerca disto, porém,
dissertar-se-á noutro lugar. Quando, por outro lado, uma coisa apenas é
conhecida em algum conceito que lhe seja próprio, primeiro é conhecido
‘que é’ e depois ‘o que é’, ou seja, antes que a quididade, ou qualquer parte
da quididade, ou qualquer elemento simples que lhe seja próprio, seja co-
nhecido por um conhecimento que lhe seja próprio, ou equivalente, assim
como, ao ver o fogo, conhece-se que existe fogo e o que é o fogo; e isto, se
o fogo fosse conhecido em si, mas de facto não é conhecido em si senão
o acidente do fogo; quanto ao próprio calor, conhece-se simultaneamente
que existe e o que é. E tal é o caso de todos os acidentes que determinam
imediatamente o acto de inteligir; mas acerca das outras coisas que não são
249

A Questão da Existência de Deus - MIOLO FINAL.indd 249 31-03-2013 16:58:13


A Questão da Existência de Deus – Uma Disputa Medieval

assim conhecidas, conhece-se primeiro que existe e depois o que é, assim


como primeiro se conhece que algo se interpõe entre o sol e a lua e depois
o que se interpõe.»15
Por isso digo, relativamente à questão, que nem a essência divina, nem
a quididade divina, nem algo intrínseco a Deus, nem algo que é realmente
Deus pode ser conhecido em si por nós, de modo que nada de diferente de
Deus concorra na noção do objecto.16
O primeiro é evidente, porque nada pode ser conhecido naturalmente
em si se não for pré-conhecido intuitivamente; mas Deus não pode ser
conhecido por nós intuitivamente a partir das coisas puramente naturais,
portanto etc. A menor é evidente. Provo a maior, porque não há maior
razão para que uma coisa possa ser por nós conhecida em si sem conheci-
mento intuitivo prévio do que outra; mas muitas coisas não são cognos-
cíveis senão com base em prévio conhecimento intuitivo, pois, segundo o
Filósofo [Physica II, 193a 6-9], um cego de nascença não pode ter a ciência

15
«Ideo dico aliter ad quaestionem [utrum divina essentia sit a nobis cognoscibilis]
quod aliqua res potest cognosci in se, ita quod nihil aliud, nec distinctum ratione nec
distinctum ex natura rei, terminet actum intelligendi nisi ipsamet, et hoc sive cognos-
catur abstractive sive intuitive. Aliter potest aliquid intelligi non in se sed in aliquo
conceptu sibi proprio, et hoc maxime est verum quando cognoscitur ille conceptus
de aliquo ente verificari. Et sic intelligendum est dictum Philosophi II Posteriorum
[93a 16-20], ubi vult quod aliquando simul habetur cognitio de ‘quia est’ et ‘quid
est’ et aliquando ante cognoscitur ‘quia est’ quam ‘quid est’; quando enim res in se
cognoscitur simul cognoscitur ‘quia est’ et ‘quid est’, quia ipsa res non potest cognosci
nisi ipsa quidditas vel saltem aliqua pars quidditatis in se cognoscatur. De hoc tamen
alias erit sermo [infra, p.414]. Quando autem tantum cognoscitur in aliquo conceptu
sibi proprio, prius cognoscitur ‘quia est’ quam ‘quid est’, hoc est, antequam quidditas
vel quaecumque pars quidditatis vel quodcumque simplex sibi proprium cognoscatur
cognitione sibi propria vel aequivalenti, sicut videndo ignem cognoscitur et quia est
ignis et quid est ignis; et hoc si ignis in se cognosceretur, sed de facto non cognoscitur
in se nisi accidens ignis, tamen ipse calor simul cognoscitur quia est et quid est. Et
ita est de omnibus accidentibus quae immediate terminant actum intelligendi; sed de
aliis quae non sic cognoscuntur, prius cognoscitur quia est quam quid est, sicut prius
cognoscitur quod aliquid interponitur inter solem et lunam quam cognoscatur quid
interponitur.» In Librum Primum Sententiarum Ordinatio I, d.3, q.2 (Eds. Stephanus
Brown e Gedeone Gál, GUILLELMI DE OCKHAM Opera Theologica II, St. Bona-
venture, N. Y., 1970, p.401, 15-23, p.402, 1-16).
16
«Per hoc dico ad quaestionem quod nec divina essentia, nec divina quidditas, nec
aliquid intrinsecum Deo, nec aliquid quod est realiter Deus potest in se cognosci a
nobis, ita quod nihil aliud a Deo concurrat in ratione obiecti.» Ordinatio I, d.3, q.2
(Brown e Gál: p.402, 17-20).
250

A Questão da Existência de Deus - MIOLO FINAL.indd 250 31-03-2013 16:58:13


II. Ant o l o gi a d e Te xt o s – Gui lh er m e d e Oc k h am

das cores nem pode conhecer a cor em si, porque não pode conhecer a cor
intuitivamente. Portanto, de modo geral, nenhuma coisa pode ser conheci-
da em si se não for pré-conhecida intuitivamente; e se a criatura não pode
ser conhecida em si se não for conhecida primeiro intuitivamente, então,
com muito mais forte razão, também não Deus.17
Em segundo lugar, digo que a essência divina ou a quididade divina
pode ser conhecida por nós em algum conceito que seja próprio, mas
compósito, e isto num conceito cujas partes são abstraíveis naturalmente
das coisas.18
O segundo é evidente, porque, assim como a criatura pode ser conhe-
cida em algum conceito comum e simples, assim também Deus, porque de
nenhum outro modo seria por nós cognoscível. O caso é que, quando há
muitos conceitos comuns que têm um mesmo contido, todos esses concei-
tos comuns simultaneamente aceites constituem um conceito próprio des-
se mesmo contido, pois, pelo facto de serem distintos conceitos comuns,
é preciso que algo esteja incluído em cada um, que não esteja incluído em
nenhum dos outros: por isso, todos aqueles conceitos comuns, simultanea-
mente aceites, a nenhum outro podem convir. O caso é que há muitos con-
ceitos simples naturalmente abstraíveis, dos quais qualquer um é comum
a Deus e a algum outro, pelo que todos esses conceitos, simultaneamente
aceites, constituem um conceito próprio de Deus, e, assim, na medida em
que pode ser conhecido que esse conceito se adequa a algo, Deus é conhe-
cido nesse conceito. Por exemplo, dos entes pode ser abstraído o conceito
de ente, que é comum a Deus e a todos os outros entes; similarmente,
pode ser abstraído o conceito de sabedoria, que é precisamente comum à

17
«Primum patet, quia nihil potest cognosci naturaliter in se nisi praecognoscatur
intuitive; sed Deus non potest cognosci a nobis intuitive ex puris naturabilibus, igitur
etc. Minor est manifesta. Maiorem probo, quia non est maior ratio quod una res
possit a nobis cognosci in se sine notitia intuitiva praevia quam alia; sed multae res
non sunt cognoscibiles nisi praevia notitia intuitiva, quia, secundum Philosophum
[Physica II, 193 a 6-9], caecus a nativitate non potest habere scientiam de coloribus
nec potest cognoscere colorem in se, quia non potest cognoscere colorem intuitive.
Igitur universaliter nulla res potest in se cognosci nisi praecognoscatur intuitive; et si
creatura non potest cognosci in se nisi primo cognoscatur intuitive, multo magis nec
Deus.» Ord. I, d.3, q.2 (Brown e Gál: p.403, 5-16).
18
«Secundo, dico quod essentia divina vel quidditas divina potest cognosci a nobis
in aliquo conceptu sibi proprio, composito tamen, et hoc in conceptu cuius partes
sunt abstrahibiles naturaliter a rebus.» Ord. I, d.3, q.2 (Brown e Gál: p.402, ll.20-22,
p.403, 1).
251

A Questão da Existência de Deus - MIOLO FINAL.indd 251 31-03-2013 16:58:13


A Questão da Existência de Deus – Uma Disputa Medieval

sabedoria incriada e à sabedoria criada; similarmente, pode ser abstraído


o conceito de bondade, que é precisamente comum à bondade divina e à
bondade criada; e isto na medida em que a bondade se distingue da sabe-
doria, e todos estes conceitos simultaneamente não poderão adequar-se
senão só a Deus, pelo que, através do exposto, nenhuma sabedoria criada é
bondade criada nem inversamente. E, assim, uma vez que se pode concluir
que algum ente é bondade e sabedoria e outras determinações conceptuais,
que se chamam ‘atributos’, segue-se que Deus é conhecido deste modo
num conceito compósito que lhe é próprio. E isto não é outra coisa senão
abstrair das criaturas muitos conceitos comuns a Deus e às criaturas, e
concluir em particular, acerca de um conceito simples, comum a si e aos
outros, um conceito compósito próprio de Deus, assim como acontece
abstrair o conceito de ente, o conceito de bondade, de sabedoria, de cari-
dade e de outros, e acontece concluir, acerca do ente tomado em particular,
que é bondade, sabedoria, dilecção, justiça, etc.; e isto é conhecer Deus
num conceito compósito que lhe é próprio. E, no entanto, Deus em si não
é conhecido, porque algo outro relativamente a Deus é aqui conhecido,
porque todos os termos desta proposição ‘algum ente é sabedoria’, ‘justiça’,
‘caridade’, etc., são alguns conceitos entre os quais nenhum é realmente
Deus, e, no entanto, todos estes termos são conhecidos, ou algo diferente
de Deus por eles conhecido, pelo que a própria proposição é conhecida.
E o que se dá nesta proposição, dá-se também em todas as outras que são
possíveis para nós.19

19
«Secundum patet, quia sicut creatura potest cognosci in conceptu aliquo communi
simplici, ita potest Deus, quia aliter nullo modo esset a nobis cognoscibilis. Sed nunc
est ita quod quando sunt multa communia habentia aliquod idem contentum, omnia
illa communia simul accepta faciunt unum proprium illi, quia ex quo sunt distincta
communia, oportet quod aliquid contineatur sub singulo quod sub nullo aliorum
continetur, igitur omnia illa communia simul accepta nulli alii possunt convenire.
Sed nunc est ita quod sunt multi conceptus simplices naturaliter abstrahibiles quorum
quilibet est communis Deo et alicui alteri, igitur omnes illi simul accepti facient
unum conceptum proprium Deo, et ita cum possit cognosci quod ille conceptus de
aliquo verificatur, Deus in illo conceptu cognoscetur. Verbi gratia, ab entibus potest
abstrahi conceptus entis qui est communis Deo et omnibus aliis entibus, similiter
potest abstrahi conceptus sapientiae qui est praecise communis sapientiae increatae
et sapientiae craetae, similiter potest abstrahi conceptus bonitatis qui est praecise
communis bonitati divinae et bonitati creatae, et hoc secundum quod bonitas
distinguitur a sapientia, et omnes isti conceptus simul non poterunt verificari nisi
de solo Deo, ex quo, per positum, nulla sapientia creata est bonitas creata nec e
converso. Et ita cum possit concludi quod aliquod ens est bonitas et sapientia et
252

A Questão da Existência de Deus - MIOLO FINAL.indd 252 31-03-2013 16:58:14


II. Ant o l o gi a d e Te xt o s – Gui lh er m e d e Oc k h am

Quodlibet V

Questão 7
Se pode haver vários conceitos próprios acerca de Deus

Conclusão 1

Relativamente a esta questão, digo que, acerca de Deus, não pode


haver múltiplos conceitos próprios e convertíveis com ele, um e outro dos
quais seja absoluto não conotativo, afirmativo não negativo, simples não
compósito. Pelo primeiro são excluídos os seguintes conceitos: ‘causa pri-
meira’, ‘criador’, ‘governador’, ‘glorificador’. Pelo segundo são excluídos os
seguintes: ‘incorruptível’, ‘imortal’, ‘infinito’. Pelo terceiro são excluídos os
seguintes: ‘ente infinito’, ‘bem supremo’, ‘acto puro’. Mas, com todas estas
condições, não pode alguém ter dois conceitos próprios de Deus e quidi-
tativos, nem um quiditativo e outro parónimo. E falo acerca do conceito
que é um conhecimento abstractivo.» 20

sic de aliis, quae vocantur attributa, sequitur quod Deus isto modo cognoscitur in
conceptu composito sibi proprio. Et hoc non est aliud nisi a creaturis abstrahere
multos conceptus communes Deo et creaturis, et concludere particulariter de uno
conceptu simplici communi sibi et aliis unum conceptum compositum proprium
Deo, sicut contingit abstrahere conceptum entis, conceptum bonitatis, sapientiae,
caritatis, et sic de aliis, et contingit de ente particulariter sumpto concludere quod
est bonitas, sapientia, dilectio, iustitia, et sic de aliis, et hoc est cognoscere Deum in
conceptu composito sibi proprio. Et tamen Deus in se non cognoscitur, quia aliquid
aliud a Deo hic cognoscitur, quia omnes termini istius propositionis ‘aliquod ens est
sapientia’, ‘iustitia’, ‘caritas’, et sic de aliis, sunt quidam conceptus quorum nullus est
realiter Deus, et tamen omnes isti termini cognoscuntur, vel aliquid aliud a Deo ipsis
cognoscitur ex quo ipsa propositio cognoscitur. Et sicut est de ista propositione, ita
est de omnibus aliis nobis possibilibus.» Ord. I, d.3, q.2 (Brown e Gál: p.403, 17-24;
p.404, 1-26; p.405, 1-4).
20
«Ad istam quaestionem dico quod de Deo non possunt haberi plures conceptus
proprii et convertibiles cum eo, quorum uterque sit absolutus non-connotativus,
affirmativus non-negativus, simplex non-compositus. Per primum excluduntur tales
conceptus: ‘prima causa’, ‘creativum’, ‘gubernativum’, ‘glorificativum’. Per secundum
excluduntur tales: ‘incorruptibile’, ‘immortale’, ‘infinitum’. Per tertium excludun-
tur tales: ‘ens infinitum’, ‘summum bonum’, ‘actus purus’. Sed cum omnibus istis
condicionibus non potest aliquis habere duos conceptus proprios Deo quidditativos,
nec unum quidditativum et alium denominativum. Et loquor de conceptu qui est
253

A Questão da Existência de Deus - MIOLO FINAL.indd 253 31-03-2013 16:58:14


A Questão da Existência de Deus – Uma Disputa Medieval

A via da conservação

Ordinatio I, d.2

Questão 10
Se existe apenas um Deus

Acerca desta questão, uma vez que todos entendem que Deus é um
ente simplesmente primeiro, é preciso ver primeiro se existe algum ente
simplesmente primeiro, de modo que nada exista anterior a ele.21
Digo portanto, quanto ao primeiro artigo, que o argumento que pro-
va a primazia do eficiente é suficiente, e é um argumento de quase todos os
filósofos [Aristóteles, Metafísica II, 994 a 1 – 994 b 31]. Parece, no entan-
to, que mais evidentemente pode ser provada a primazia do eficiente por
via da conservação de uma coisa pela sua causa do que por via da produção,
tomando produção na acepção em que se diz que uma coisa recebe o ser
imediatamente após o não ser. A razão disto é que é difícil ou impossível
provar, contra os filósofos, que não haja um processo até ao infinito nas
causas da mesma índole, das quais uma pode existir sem a outra, assim
como admitiram o homem gerador antes do homem gerado até ao infinito
[Aristóteles, A Geração e a Corrupção II, 336 a 23 – 337 a 33]; e é difícil
provar por via da produção que um homem não possa ser produzido por
outro como pela causa total. E, se estas duas hipóteses fossem verdadeiras,
difícil seria provar que este processo até ao infinito não seria possível a não
ser que existisse um permanente, do qual dependesse toda esta infinitude.
E, por isso, pode formar-se assim um argumento: o que quer que re-
almente é produzido por algo, realmente é conservado por algo enquanto
permanece no ser real; mas este efeito – é certo – é produzido; por isso, é
conservado por algo enquanto permanece. Acerca daquilo que conserva,
pergunto: ou é produzido por outro, ou não. Se não, é o eficiente primei-
ro, assim como é o primeiro agente conservador, porque todo o agente

cognitio abstractiva.» Quodlibet V, q.7, c.1 (Quodlibeta Septem, ed. Joseph C. Wey,
GUILLELMI DE OCKHAM Opera Theologica IX, St. Bonaventure, N. Y., 1980,
p. 504, 12-22).
21
«Circa istam quaestionem, quia omnes intelligunt Deum esse ens simpliciter pri-
mum, ideo primo videndum est utrum sit aliquod ens simpliciter primum, ita quod
nihil sit prius eo» Ord. I, d.2, q.10 (Brown e Gál: p.337, 15-17).
254

A Questão da Existência de Deus - MIOLO FINAL.indd 254 31-03-2013 16:58:14


II. Ant o l o gi a d e Te xt o s – Gui lh er m e d e Oc k h am

conservador é eficiente, como será declarado no segundo [Sent. II, q.10


H]. Se, porém, aquilo que assim conserva é produzido por outro, é por
isso conservado por outro, e, acerca desse outro, pergunto como antes, e,
assim, ou é preciso admitir um processo até ao infinito ou é preciso parar
em algo que conserva e de modo nenhum é conservado, e tal será o primei-
ro eficiente. Mas não deve admitir-se um processo até ao infinito nas cau-
sas conservadoras, porque então infinitas causas existiriam em acto, o que
é impossível, como poderá ser mostrado pelos argumentos do Filósofo e
de outros, que são suficientemente racionais. Assim, portanto, parece que,
por este argumento, é preciso conceder um primeiro agente conservador e,
por consequência, um primeiro eficiente.
E este argumento difere daquele que foi elaborado sob a forma an-
terior, porque este toma o agente conservador, e sempre todo aquele que
conserva outro – seja mediata seja imediatamente – existe com o conser-
vado, ainda que nem todo o produzido por outro requeira que todo o
produtor – mediata ou imediatamente – exista com o produzido. E, por
isso, embora possa admitir-se um processo até ao infinito nos produtores
sem infinitude actual, não pode admitir-se um processo até ao infinito nos
conservadores sem infinitude actual.22

22
«Dico igitur quantum ad primum articulum, quod ratio probans primitatem effi-
cientis est sufficiens, et est ratio quasi omnium philosophorum [Aristot., Metaph. II,
994 a 1 – 994 b 31]. Videtur tamen quod evidentius potest probari primitas efficientis
per conservationem rei a sua causa quam per productionem, accipiendo productio-
nem secundum quod dicit rem accipere esse immediate post non-esse. Cuius ratio est
quia difficile vel impossibile est probare contra philosophos quod non sit processus in
infinitum in causis eiusdem rationis quarum una potest esse sine alia, sicut posuerunt
hominem generantem ante hominem generatum in infinitum [Aristot., De gener. et
corrupt. II, 336 a 23 – 337 a 33]; et difficile est probare per productionem quod unus
homo non possit produci ab alio sicut a causa totali. Et si ista duo essent vera, difficile
esset probare quod iste processus in infinitum non esset possibilis nisi esset unum
semper manens a quo tota ista infinitas dependeret. – Et ideo potest argumentum sic
formari: quidquid realiter producitur ab aliquo, realiter ab aliquo conservatur qua-
mdiu manet in esse reali; sed iste effectus – certum est – producitur; igitur ab aliquo
conservatur quamdiu manet. De illo conservante quaero: aut producitur ab alio, aut
non. Si non, est efficiens primum sicut est conservans primum, quia omne conservans
est efficiens, sicut declarabitur in secundo [Sent. II, q.10 H]. Si autem illud sic con-
servans producitur ab alio, igitur conservatur ab alio, et de illo alio quaero sicut prius,
et ita vel oportet ponere processum in infinitum vel oportet stare ad aliquid quod
est conservans et nullo modo conservatum, et tale erit primum efficiens. Sed non est
ponere processum in infinitum in conservantibus, quia tunc aliqua infinita essent in
255

A Questão da Existência de Deus - MIOLO FINAL.indd 255 31-03-2013 16:58:14


A Questão da Existência de Deus – Uma Disputa Medieval

actu, quod est impossibile, sicut posset declarari per rationes Philosophi et aliorum,
quae satis sunt rationabiles. Sic igitur videtur per istam rationem quod oportet dare
primum conservans et per consequens primum efficiens. – Et differt ista ratio ab illa
ratione facta sub forma priori, quia ista accipit conservans, et semper omne conser-
vans aliud – sive mediate sive immediate – esse cum conservato, non autem omne
productum ab alio requirit omne producens – mediate vel immediate – esse cum
producto. Et ideo quamvis posset poni processus in infinitum in producentibus sine
infinitate actuali, non tamen potest poni processus in infinitum in conservantibus
sine infinitate actuali.» Ord. I, d.2, q.10 (Brown e Gál: p.354, 16-18; p.355, 1-23;
p.356, 1-12).
256

A Questão da Existência de Deus - MIOLO FINAL.indd 256 31-03-2013 16:58:14

Você também pode gostar