A Saga Romanesca em Silvino Jacques de Brígido Ibanhes
A Saga Romanesca em Silvino Jacques de Brígido Ibanhes
A Saga Romanesca em Silvino Jacques de Brígido Ibanhes
DOURADOS
2014
10
DOURADOS
2014
10
BANCA EXAMINADORA:
Assinatura
Assinatura
Assinatura
Assinatura
AGRADECIMENTOS
DEDICATRIA
RESUMO
Este trabalho tem por finalidade principal abordar a narrativa literria Silvino
.
10
ABSTRACT
This work has as its main purpose to address the literary narrative Silvino Jacques: O
mixture of historical account and poetic and / or fictional prose. The approach
consists of the analysis of the stated and enunciation plans of the composition,
understanding, therefore, the textual tessitura and the consequent reading of the
theme according to protagonist narrator plot, Silvino Jacques, who is seen as a hero /
since search thus retrieve the literary and cultural trajectory of a subject with wide
Paraguay border in highlighted dialogue with different cultural places. It is, ultimately,
corpus of analysis, comes from the dialogue with a previous text, Dcimas Gachas,
assigned to the "brigand" Silvino Jacques, and linked to the popular Songbook.
Gachas; borders.
8
SUMRIO
INTRODUO...........................................................................................................09
CAPTULO I:
CAPTULO II:
LITERATURA E HISTRIA: A SAGA ROMANESCA EM SILVINO JACQUES:
O LTIMO DOS BANDOLEIROS.............................................................................35
REFERNCIAS........................................................................................................115
ANEXOS..................................................................................................................123
9
INTRODUO
1
Concolocorvo. El lazarillo de ciegos caminantes. Apud AINSA. Nueva novela histrica y relativizacin
transdisciplinaria del saber histrico.
10
ltimo ttulo, Cho do Apa: contos e memrias da fronteira (2010), constitui fato
literrio to reconhecido ao ponto de a obra Silvino Jacques ter sido uma das
com o ilustrativo relato Che ret, que emblematiza tanto a coletnea como um
todo, na medida em que ele se deixa traduzir, em guarani, por minha terra, minha
2
Cf. ANSA. Nueva novela histrica y relativizacin transdisciplinaria del saber histrico.
11
Bela Vista ou Bella Vista , caudalosa cidade s margens do Rio Apa, separando
mato-grossense.
origens, embaralhando, por assim dizer, gneros, misto de relato histrico e prosa
potica e/ou ficcional. Do nosso ponto de vista, esta narrativa, Silvino Jacques,
constitui hoje fonte de prazerosa e intensiva prtica de leituras, o que pode ser
narrao em especial, uma vez que sob este ltimo aspecto que mais se
didtico, em sala de aula, seja pela proximidade com o seu autor, tambm um
captulos da dissertao.
destacamos sua trajetria e produo literria. E, por fim, propomos formular uma
regional.
Sandra Pesavento (2006), Suzy Sperber (2009), Gonzlez (1997), Hugo Achugar
(2006), entre outros, servem como embasamento para este estudo. No caso do
14
e ficcional.
entre-lugar cultural que compe sua bios. O cho cultural de Silvino Jacques
3
Vide, ainda, os documentos anexos ao final deste trabalho, relevantes para a comprovao
(documentada) sobre a trajetria biogrfico-literria de Silvino Jacques.
15
CAPTULO I
reduzido nome de Brgido Ibanhes. Fato que, por si s, aliado ao local de seu
Ibanhes. O autor conta com orgulho que, dois meses antes do seu nascimento,
Guimares Rosa esteve a passeio nas imediaes de sua casa, e deixou suas
registrado em Bela Vista, Brasil, onde passou a estudar a partir do segundo ano
teve noes de italiano. Aos doze anos ganhou seu primeiro concurso literrio
18
com o poema Noite Cigana4. O primeiro livro publicado foi Silvino Jacques: o
teve seu nome e pessoa protegidos pelo Pen Club Internacional, a partir de
de Janeiro.
O livro seguinte, publicado pelo escritor foi Che Ru, o pequeno brasiguaio,
Mart, sem a luz do teu olhar (2007) (este tambm com marcada presena do
biogrfico, haja vista que o autor baseia-se na experincia que teve com a
4
Cf. Posfcio. In: IBANHES, 2007a.
19
doena de sua mulher)5. Por ltimo, em 2010, Brgido publica Cho do Apa
H que observar, dentre esses ttulos, que a obra Kyvy Mirim a nica
dentre todas a no fundamentar seu relato em fatos reais, pois as demais obras
contar a verdade dos fatos, tal afirmao dever ser recebida com cautela,
5
Sobre Mart, o texto de apresentao destaca caractersticas singulares: (...) obra que escava
profundamente a condio de marginalidade e de fatalidade das ruas e periferias da cidade [de
Dourados]. Em tudo e por tudo a obra mimetiza o banal e a trivialidade, a pobreza e a violncia
fsica ou simblica que cresce com os ajuntamentos urbanos. (...). Uma caracterstica singular
deste livro (...) diz respeito natureza semovente da narrativa, resistente aos rtulos e gneros
textuais como convencionalmente se explicavam os textos literrios (IBANHES, 2007b, p. 5-6).
20
segundo ele prprio, leia-se: (...) com o tempo foram se transformando em lenda,
entre gneros discursivos, com nfase nos limiares e transies, poder trazer
maior iluminao quilo que aparentemente poderia ser referido como elemento
paraguaios, pois, de fato, o Apa, rio feiticeiro, que, de acordo com o prprio
Ibanhes (...) serve de divisa entre Brasil e o Paraguai, apenas como referncia
formavam raa e cultura prpria, (...) (IBANHES, 2007, p. 31). Como observam
6
Referncia ao tipo de arma utilizada pelos bandoleiros na poca em que viveu Silvino Jacques e
que aparece vrias vezes ao longo da narrativa de Brgido Ibanhes.
21
em estreita ligao com este fato, podemos dizer que, com o passar dos anos, a
histria de Silvino Jacques cresceu, uma vez que o autor foi acrescentando
vez em 1986, com 101 pginas, e j na sexta edio, em 2011, com 357 pginas,
sua segunda edio de 1995, com 330 pginas; a terceira edio de 1977,
com 276 pginas; a quarta edio de 2003, com 252 pginas, e a quinta de
2007, com 245 pginas. Fato incomum que tais edies diferem em nmero de
7
Informao de um dos veculos de comunicao do escritor na Internet. Disponvel em:
http://matulacultural.wordpress.copm/2010/06/05/entrevista-brigido-ibanhes-um-pais-chamado-
fronteira/. .Acesso em: 31 jan. 2013. Nesta entrevista, o escritor Ibanhes afirma que
at a 5 edio da obra j havia feito uma tiragem de oito mil exemplares.
22
com a justia. Salta aos olhos a peculiaridade do tema jacquesiano, que tem sido
Silvino Jacques, foi, na verdade, um indivduo cidado, pessoa real, que deixou
poca, pois fora convocado por Prestes, ou membro da Coluna Prestes, para
Luis Carlos prestes, anotando-se ali que, alm de aceitar entrar no movimento,
23
Quando a revolta fracassou, ele ficou a zero, e pior, ningum podia lhe pagar o
dando quase toda a sua mercadoria para as famlias dos camponeses que iriam
nos acompanhar, alm disso, vendeu uma boiada com prejuzo de sua parte, para
8
A produo da pea de Paulo Correa de Oliveira, no ano de 1984, registrada no livro Histria
da arte em MS: histrias de vida, de Maria da Glria S Rosa, Idara Duncan Rodrigues e Maria
Adlia Menegazzo.
9
Cf. Silvino Jacques, o Mito. Disponvel em: http://www.selvinojacques.com/. Acesso em: 13 maio
2012.
24
Fernandes.
10
Cf: www.brigidoibanhes.rg3.net
11
Texto publicado na Internet. Disponvel em http://www.midiamax.com/pontodevista/?pon_id=627
Acesso em: 10 jan. 2013.
25
como a nossa, por outro lado, ainda parece ser muito oportuno discutir o modo de
12
Cf. Brgido Ibanhes. Literatura Sul-Matogrossensse: o estado das fronteiras. Disponvel em:
http://www.midiamax.com/pontodevista/?pon_id=627 Acesso em: 10 jan. 2013.
26
como ensinar, com maior justeza crtica, tais literaturas.13 Isso, em realidade,
produo literria, riqueza em artes plsticas que, nesta regio (Ponta Por, Aral
regionais; haja vista uma herana provinda de imigrantes de toda parte, e foco
13
Remetemos o leitor para o ensaio mais recente a respeito da constituio identitria da literatura
sul-mato-grossense. Trata-se do captulo A literatura sul-mato-grossense: intermediao do
lugar, de autoria do professor e pesquisador sul-mato-grossense Paulo Nolasco dos Santos.
Visando ilustrar a discusso, transcrevemos esta passagem do autor: Dentro dessa perspectiva,
nosso enfoque procura verificar algumas figuraes do elemento literrio a partir do topos de um
lugar especfico, ainda que entendido como produtor de literatura regionalista, levando em conta a
crtica dessa literatura, mas sem deixar de considerar que a abordagem de uma literatura batizada
sob tal rtulo resulta, ainda hoje em dia, eivada de preconceitos, que surgem frequentemente do
desejo de separar e catalogar textos (SANTOS, 2011, p. 17-18).
14
Cf. neste sentido, o significativo artigo Uma trajetria de pesquisa: A literatura no extremo
oeste do Brasil, de SANTOS (2005), publicado na Revista Cerrados.
27
Walter Mignolo, por sua vez, em Histrias locais / Projetos globais (2003),
conceito importante de Mignolo, que tambm nos ajuda a discutir com mais
15
Disponvel em: http://www.douradosinforma.com.br/entrevistas.php?id_ent=194>. Acesso em: 7
out. 2013.
28
principalmente pelo fato de nossa produo literria ser uma produo cultural
conhecimento que, por sua vez, a diferencia das demais literaturas locais. Afora
conseguinte, que estudar tal literatura no seria o mesmo do que estudar, por
prximas, cada uma se inscreve na histria e na cultura com base em seu locus
geoistrico especfico.
que se encontram inseridas, posto que cada uma, a seu modo, reflete, de modo
pudessem ser estudadas de igual para igual com as produes dos centros
produzida nos grandes eixos ou pases. A questo passa por outro lugar: antes de
tem escritores como Hlio Serejo, Lobivar Matos, Manoel de Barros e Brgido
Ibanhes, por exemplo, qualquer estudo dessa literatura estaria perdendo tempo
16
Quem faz uma leitura das Artes Plsticas Sul-Mato-Grossenses que pode servir como exemplo
para uma leitura da Literatura o pesquisador Marcos Antnio Bessa-Oliveria, no ensaio O artista
plstico geovisualocalizador: arte contempornea ou o contemporneo na obra e na crtica de arte
em Mato Grosso do Sul? Tambm visando ilustrar a discusso, transcrevo esta passagem de
Bessa-Oliveira: Qual o espao geogrfico que se delineia pelas artes plsticas em Mato Grosso
do Sul ? Ampliando a questo: existe um espao geovisual-cultural que pode ser definido pelo
olhar atento do artista plstico, seja em nvel local, seja em nvel nacional ou universal ? Partindo
destas indagaes iniciais e de outras que podero surgir ao longo deste trabalho, quero poder
vislumbrar um espao geovisual possvel a partir do olhar do artista plstico. Diferenciado, por
exemplo, do geo-espao tradicional. Diante de tais questes, e tambm como a de localizao da
Amrica Latina da condio de condio de regio colonizada e criada como uma paisagem pelos
poderosos pases homogeneizadores, acredito ser possvel pensar uma considerao, no quero
ajuiz-la como conceito fechado, de geovisualocalidade diferente do geo-espacial at hoje
enxergado e constitudo pela histria hegemnica (BESSA-OLIVEIRA, 2012, p. 69-70).
30
antes de qualquer juzo de valor crtico, lembrar que ela , desde sua natureza,
Ibanhes, talvez seja, no cmputo geral, a literatura mais fronteiria que o lugar j
literatura, por sua vez, fez jus ao bios de seu autor: a escritura toda de Ibanhes se
literatura demanda com base em seu lcus epistemolgico. Assim, passando para
17
Se no aqui, esperamos pontuar e justificar esta afirmao mais adiante, quando na anlise de
sua narrativa, nos captulos dois e trs desta dissertao.
31
conhecimento, tendo por base uma perspectiva ps-ocidentalista. Para que tal
locais. No necessrio dizer que toda essa discusso encontra seu lugar por
fora dos projetos globais impostos pelas cincias sociais. Apesar de tal conceito
no fazer parte do livro citado de Mignolo, ele acaba por justificar o ttulo do
local, para dar sequncia discusso a que propomos desde o incio. Desta vez,
porque o crtico nos mostra que mesmo quando os leitores so de uma mesma
vive a partir de sua histria local, ento podemos inferir que o que ele l j est de
conhecimento que o que ele l no texto do outro (no caso o texto literrio) j
estava, de alguma forma, nele enquanto sujeito social do lugar. Enfim, o que
estamos vendo na passagem do crtico que o sujeito-leitor l tendo por base seu
lcus geoistrico.
Por conseguinte, nota-se que tanto Walter Mingolo quanto Hugo Achugar
aqui que este no o nico fator que os motiva a olhar para a Amrica Latina.
Subjaz por trs das discusses o locus geoistrico latino, sim, mas este d-se,
sobretudo, pelo fato de o referido locus ser subalterno dentro do olhar imperial
moderno.
priorizando, que no lemos daqui nem melhor, nem pior, mas com certeza lemos
a partir de uma cultura local especfica. Da podermos inferir que a literatura local
configurao do que queremos entender por cultura local. Quem nos socorre na
discusso Edgar Nolasco, com seu texto O que , afinal, cultura local?. Logo
1995).18 Portanto, queremos postular a ideia de que se existe uma cultura local,
como afirmam, a seu modo, os crticos mencionados ao longo deste trabalho, por
liminar, a seu modo prope tambm uma leitura das produes culturais locais,
como a literatura, no limiar de sua fronteiridade. Tal leitura seria, por conseguinte,
18
Sugiro que vale a pena conferir o ensaio na ntegra. In: NOLASCO, Edgar Czar; BESSA-
OLIVEIRA, Marcos Antnio; SANTOS, Paulo Nolasco dos (org.). Arte, cultura e literatura: por uma
conceituao da identidade local, p.131-185.
34
Todavia, queremos chamar a ateno para quando ele diz que uma
teremos que ser bairristas ou provincianos. Muito pelo contrrio, estamos sendo,
CAPTULO II
indiretamente sinalizado.
campo do literrio. Pois que, desse lugar em que situamos nosso prprio locus
inclusive pelo prprio discurso histrico. Tais consideraes abrem espao para o
relao com a cultura. O prprio mtodo comparatista, que se executa por meio
e Machado (1988):
crticos das relaes entre literatura e histria, como Remedi (2000) e Cosson
19
PERRONE-MOISS (1983), por exemplo, dentre outros, chama a ateno para o fato de que na
rea literria as concluses so sempre duvidosas ou impertinentes. J FIGUEREDO (1988),
observa que: Se o detetive pode ser o criminoso e se detetive e narrador se confundem, logo, o
narrador pode ser o culpado. Por outro lado, o narrador se coloca leitor de textos alheios
documentos, dirios, etc., a partir dos quais constri sua interpretao, tornando tambm tnues
os limites entre ler e criar (...) Ora, se possvel o detetive ser o criminoso, se este se confunde
com o narrador que, portanto, passaria a culpado e se o narrador pode ser confundido com a
figura do leitor, logo dilumos tambm as fronteiras entre leitor e criminoso.
39
relao entre histria e outras disciplinas, Remedi observa que o lugar desses
saberes foi abalado pela percepo de que qualquer tipo de relato sempre e
esteve ligado pluralidade das formas de ver o mundo (p. 135), e principalmente,
salienta que:
a falcia existente na rotulao dos textos quanto sua natureza, pois que
posies de tericos como Grard Genette, Searle, Earl Miner, Barthes, Foucault
40
passagem (trnsito?) uma noo que define com bastante clareza a atividade
de Paul Van Tieghen, noo mxime, ainda hoje plena de originalidade: Todo
estudo de literatura comparada tem por fim descrever uma passagem [sic] (apud
confirm-lo ou neg-lo, construindo sobre ele toda uma outra verso, ou ainda,
para ultrapass-lo., assim como tambm quer o terico Compagnon, para quem
ento, cada vez mais que no possvel pensar em campos de saber estanques,
objetos que estuda, mas pelas perguntas que formula e pelos modos de
de tempo e narrativas:
Tanto por sua origem, como pela sua trama histrica (ou de lenda
de tradio histrica) pica, a saga se diferencia
fundamentalmente do mito e do conto de fadas, na medida em
que no forma da infncia, nem pode surgir nesse momento, por
uma razo forte: pelo repertrio histrico requerido pela sua
composio. Segundo Jolles, o relato extenso de um
acontecimento ou fato propagado por via oral (por adultos),
referente historia de um grupo humano (SPERBER, 2009, p.
485- Grifos nossos).
20
Na realidade, SPERBER, neste amplo captulo (p. 485-508), desenvolve com profundidade o
famoso estudo do francs Andr JOLLES: As formas simples, trazendo riqussimo painel para a
literatura brasileira, sobretudo na correlao que elabora entre oralidade, saga, cordel, e como a
figura do heri relaciona-se sua prpria saga. Cf. SPERBER, 2009.
45
de justia social, defendendo pobres e tomando dinheiro aos ricos (p. 487 -
Grifos nossos.). Observa ainda que: As sagas nordestinas lidam com dois
mxima proverbial que diz: Lutar preciso. Viver no preciso (p. 501). Tais
pessoas que ouviram seus pais e/ou avs lembrando o jaguno gacho como
vez que sua existncia d-se como s avessas da boa ordem e do previsvel,
dramatis personae de uma saga que envolve e cria sua ambincia; saga que,
de que ela (a saga) conta um fato antigo, passado h muito tempo, transmitido de
21
O texto das Dcima Gacha [sic], originalmente grafado assim, teria sido escrito durante a
priso de seu autor, Silvino Jacques, no ano de 1929. Inicialmente divulgada pelo romanceiro
popular, a Dcima Gacha transformou-se numa espcie de cordel, vendido em praas, feiras e
no trem que passava em Santo ngelo/RS. Em Mato Grosso do Sul, o mesmo romanceiro se
encarregou de divulgar e, em 1978, saiu publicado em Crnicas do Municpio de Bonito, edio de
Theodorico de Ges FALCO. A Dcima Gaucha est registrada na Biblioteca Nacional, folha 215
do livro de n 18, sob o n 25 325, com o ttulo de Dcima Gaucha autor Silvino Helmiro Jacques,
que usa assinar Silvino Jacques. O registro foi requerido por Ildorilda Jacques Perrupato (uma das
filhas de Jacques), em 16 de dezembro de 1980, por meio de sua procuradora Maria Oraides
Jacques de Miranda. Alm disso, no existe motivo para dvida sobre a autoria, haja vista que
Jacques publicamente conhecido como trovador e improvisador, pois segundo alguns relatos
faziam improvisos gracejando contra a prpria polcia, que no conseguia prend-lo. Cf. ANEXO
A: cpia escaneada, em datiloscopia do texto na ntegra, conforme seu registro na Biblioteca
Nacional.
48
condio de fronteira.
regio de Bela Vista, Caracol, Porto Murtinho, Bonito, Maracaju, registrou suas
de seus agentes, que tanto representam foras oficiais como representam bandos
de carabineiros volantes, a aplicarem suas leis como num velho Oeste, ou, far-
west.
resta considerar as relaes entre esses dois textos, admitindo que ambos tm
fronteirio, uma vez que ambos podem ser lidos como narrativa factual, sem
50
E,
No dia 8 de agosto
Deixei Santo Tom
Continuei a minha viagem,
Caminhando sempre a p.
Para Corrientes no volto
E seja o que Deus quizer (JACQUES, 1978, p. 7).
merecido ampla discusso e criado uma farta bibliografia sobre o assunto. Se,
resta considerar a existncia de uma zona de fronteira entre eles. Diante disso, a
valorizao desses textos cresce medida que se permitem ser lidos, ora como
histrico entra para o literrio e o literrio para o histrico (BOSI, 1997, p. 14),
sobretudo hoje, quando a terica canadense Linda Hutcheon (1991, p. 122) tem
tais.
nos trs minutos, com um olhar para a casa que foi do matador de gente Silvino
Jacques, por causa de quem h mulheres de luto, das duas bandas (ROSA,
1978, p. 17). Excerto que, por sua prpria e particular natureza, um texto em
seja acerca de uma narrativa propriamente dita, quer dizer, dos textos que
leitura do texto Dcimas Gachas, cuja autoria se atribui a Silvino Jacques, mas
22
Em estudo sobre a semitica do paratexto, GENETTE enfatiza que a epgrafe constitui-se em
elemento que participa da rede de relaes que toda narrao, e, portanto, a define como uma
citao que se autorremete enquanto texto complementar. Diversas so as prticas da
paratextualidade, as quais podero colaborar na anlise do romance de Brgido Ibanhes, quando
nos debruarmos sobre esta obra mais particularmente no Captulo 3 deste trabalho. (Cf.
GENETTE, 2009).
53
versos: o segundo, o quarto e o sexto versos rimam entre si, trata-se, portanto, de
uma sextilha. Entretanto, apesar da versificao, o texto pode ser definido pelo
agilidade dos acontecimentos, ou seja, sua sintaxe lembra alguma coisa solta
mais prxima da conversa entre dois amigos do que do texto escrito (...) h uma
11). De acordo com isso, o texto Dcimas Gachas tem o carter de uma
confisso que seu autor, Jacques, faz a um amigo, onde as pelejas, crimes,
enunciado:
54
memria e dos fios condutores a implicados e que tocam os limites entre fato e
se qual era a condio de Silvino, que se revela como um marginal nos vrios
sentidos que a palavra carrega. Parece ter sido isso que levou Jacques a contar
sua saga, incluindo no relato muitos dos vrios crimes que cometeu, desabafando
existia, era um entre margens, sua condio era de pria e clandestino, vivia em
argentino o rico caudal que a obra Martn Fierro (1872), de Jos Hernndez, fez
e sem famlia, Jacques teria buscado na escrita o abrigo de quem no tem ptria,
considerado por muitos uma espcie de justiceiro, que faz justia com as prprias
mos, que tira dos ricos para dar aos pobres, pilhando o grande proprietrio em
cruento, que rouba, mata sem piedade e sem escolher suas vtimas. Na realidade,
o prprio Ibanhes relata: A migrao gacha, em fins do sculo XIX, causou uma
significa o que j foi, se mistura com o tche gacho (IBANHES, 2007, p. 30).
parte da histria narrada e da prpria lenda como um todo, uma vez que o livro e
seu autor mostram-se num emaranhamento que vai do processo judicial ao fato
23
A aluso violncia, historicamente registrada na regio de fronteira, representada na figura do
revlver de calibre 44, relatada em ampla bibliografia de natureza histrico-social e
antropolgica, como, p.ex., dentre outros, o ttulo Coronis e bandidos em Mato Grosso, do
historiador Valmir Batista Correa (1995), no qual se registra o fato de Silvino Jacques ter sido dos
mais clebres bandidos que agiram na regio.
58
bandoleiro:
redimensiona.
Silvino Jacques, seja pelo seu registro escrito e documental, seja pelas verses
fronteiras. Nenhum gnero, nem histria, nem fico, antes o devir do narrar e a
em limiar.
uma das verses sobre As Dcimas de Silvino Jacques, uma vez que o nosso
24
O documentrio Selvino Jacques, a saga de um bandoleiro, originariamente assim intitulado,
[de Hamilton Medeiros, com a produo de Pepe Faviere e Roteiro de Maranho Viegas, trilha
sonora de Marcos Romera e Claudio Abuchaim, Fotografia de Mrcio Padilha e Apresentao de
Celso Lagos. Estdio de udio MASTER CASE / Campo Grande e ESTDIO ANGELS/So Paulo,
2006. 1 DVD (34 min), widescreen, color. Montagem e finalizao: Dnio Vilanova], trata-se de
documentrio baseado na vida de Silvino Jacques. Para a anlise e estudo de documentrios,
seria proveitosa a leitura da obra: COMOLLI, Jean-Louis. Ver e poder: a inocncia perdida:
cinema, televiso, fico, documentrio. GUIMARES, Cesar; CAIXETA, Ruben. (org.) Trad.
Augustin de Tugny, Oswaldo Teixeira e Ruben Caixeta. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
Trata-se de obra que rene artigos e intervenes em debates produzidos por Jean-Louis
COMOLLI ao longo de quinze anos, este livro mostra como o cinema, maior responsvel pelo
acesso esfera do espetculo, permanece, desde ento, o seu principal crtico. Ao convocar o
espectador a crer sem deixar de duvidar e a duvidar sem deixar de crer, os filmes (documentrios
e de fico) concedem ao ver uma potncia capaz de questionar os jogos estticos e polticos que
animam no apenas a sala escura, mas toda uma sociedade na qual as imagens e os sons
tornaram-se servos dos poderes do espetculo e do controle. (Cf. Aba do livro)
60
Dcimas Gachas, sobre este aspecto ao qual ainda voltaremos nossa ateno,
CAPTULO III
Ibanhes. Para tanto, a figura do bandoleiro, atravs de sua fortuna crtica, bem
fronteira.
ensastica, reflexiva, que, por sua natureza, embasa nossa perspectiva de anlise
pelo autor. Alis, tanto a epgrafe quanto o texto que a contextualiza merecem
romance do escritor. O ensaio foi preparado com este fim especfico e integra
produo literria de Brgido, e sobre a qual nos referiremos logo mais. Tanto
bandoleiros:
sua obra mais famosa Silvino Jacques e, tambm, com importncia relevada
como traduo literal aquele que mata como predestinao (p. 177), jamais
64
sendo traduzido no sentido como meio de vida (p. 177). O mercenrio assim
Dirio Oficial nem nas crnicas da Justia, uma vez que sua misso de
dizer que o ofcio de matador, sob esta perspectiva, recobre uma aura de raio
Isto tem a ver com a maior adequao do ethos do heri, de sua caracterizao,
no seu enfrentamento com o Rei, pelo direito natural de enterrar seus mortos.
Desta forma, com estas palavras, Ibanhes celebra o vate do heri que descreve e
mesmo texto, de que ele prprio fora alvo de um porojukah, cuja histria pessoal
prpria saga, narrada por Ibanhes, ter sido motivo de notvel e histrica
Cervera e Augusto Roa Bastos, sobretudo nas palavras dos crticos Barros e
25
Em ilustrativa passagem j citada de seu livro, Borges celebra a sina e/ou destino do
personagem: Algum pode roubar e no ser ladro, matar e no ser assassino. O pobre Martn
Fierro no est nas confusas mortes que cometeu nem nos excessos de protesto e bravata que
atrapalham a crnica de suas desenvolturas. Est na entonao e na respirao dos versos; na
inocncia que lembra modestas e perdidas felicidades e na coragem que no ignora que o homem
nasceu para sofrer (BORGES; GUERRERO, 2005, p. 95).
67
fala e, sobretudo, a partir de onde fala. Ainda, de outro lado, Hommi Bhabha
de vida e a da sua terra natal, a cidade de Bela Vista (MS), que integra a regio
Cho do Apa, recm-publicado, que, j desde esse ttulo e seu subttulo, contos e
culturais, de uma margem outra do rio que divide a cidade de Bela Vista ou
Bella Vista.
sobrepostos uns aos outros, formam uma fresca cobertura contra o calor. (p. 21),
Diz uma lenda, Che vllepe, na minha regio, que uma velhinha
azul desce das montanhas e nos traz para a vida, nas plancies do
cerrado, e que devemos ser felizes at que ela nos leve de volta
para o cume branco das montanhas. Lembranas daqueles
momentos: A famlia na sombra do p de manga, e terer fresco
correndo de mo em mo, e a minha me me dizendo que eu era
filho da velhinha azul colocado em bero guarani (IBANHES,
2010, p. 26).
70
oralidade dos tempos, como, com efeito, demonstrou nosso regionalista gacho
Canga, de 1968. E que assim sintetiza o perfil daquele escritor, misto de legenda
Pedro Canga. Para que? Era um poeta rstico, um violeiro andarengo, incapaz de
26
Ver: Coplas y payadas gauchas, de Casiano SUAREZ. Buenos Aires: Editorial Guadal, 2007,
183p.
27
Nome de guerra de Pedro Muniz Fagundes, que em 1853 militara nas fileiras da Legalidade.
Talvez, o mais espontneo, o mais inspirado poeta do seu tempo. Que, tido como inculto, no era
na verdade inteiramente desprovido de letras: Nessas visitas ao psto da invernada costumava
ver pelas costas e no fogo do umbu, um Gacho s direitas, de melenas cadas aos ombros,
barba inteira, sempre de chirip e esporas nazarenas, s vezes chimarreando, outras tocando
viola e cantando versos alegres, que me pareciam tristes pelo tom dolente das notas. Era mais
choro do que canto a sua cantoria. No raro o Capito Mingote atirava-lhe uma quadra j
estudada, em desafio, como que faz um ch-ch! De pelego ao touro empacado; e o trovador se
vinha, sem titubear, respondendo aquela, com floreios de lngua; e seguia e seguia cantando no
mais, sobre o mesmo assunto, como parelheiro que no pra enquanto no chega ao lao da
cancha. Pedro Canga era o nome que dsse cantor afamado corria mundo (CSAR, 1968, p. 12).
71
grossense. Ibanhes cumpre, desta forma, com uma das propostas de Roger
feita literatura, por exemplo. No romance do Silvino Jacques, tudo o que cerca a
Sul, compe o contedo hbrido da narrativa que tem como locus de enunciao o
cho sul-mato-grossense, j que o relato feito por Ibanhes a partir deste Estado.
Nesse sentido, Antnio Lopes Lins apresenta Silvino Jacques ao leitor (no
entrevistas que fez com pessoas que ouviam histrias de seus pais ou avs sobre
o bandoleiro que ora lembrado como heri e ora como bandido da pior espcie.
a sua prpria referncia para representar a realidade qual est vinculada a saga
de Silvino Jacques.
28
Baile com danas paraguaias Cf. IBANHES, 2011, p. 56.
29
Bebida preparada com a mistura de erva mate, limo e outras ervas e gravetos locais, parecida
com o preparado chimarro do gacho, porm, servida com gua gelada. As rodas de terer so
tpicas nas regies do Mato Grosso do Sul, Paran e interior de So Paulo. Geralmente, na roda
de terer, enquanto a bebida servida, que so contados os causos locais das regies que
cultivam este hbito.
73
ainda mais alm no que se refere relao entre a produo literria, que, por
Silvino Jacques enquanto heri e/ou anti-heri desta narrativa, haja vista que,
lder nato e defensor das causas locais, ora como bandoleiro assassino.
protagonista, pois que funda sua ontologia nos modos da representao e, bem
30
Cf. SOUZA. Janelas indiscretas: Ensaios de crtica biogrfica. 2011.
74
objeto dos estudos de tematologia, como tambm, e talvez por isso mesmo,
Esta questo nos levaria a uma rebuscada leitura dos provenais da Idade Mdia,
cho cultural que remontaria uma larga tradio oral na literatura ocidental.
(2013), em recente tese de doutorado, atribui o sucesso e/ou fortuna crtica das
Dcimas justamente ao fato de sua tradio oral, quer dizer, a uma certa forma
de Borges, que tanto o Martn Fierro como o Antnio Chimango mantm voz
preliterarias, los gneros menores, las palabras usadas con intencin irnica o
potica en la vida cotidiana [...] (SARLO, 2007, p. 36, 42). Ou ainda, se, como
observa Hartmann (2011), para toda zona de fronteira corresponderia uma forte
seria uma narrativa que corria de boca em boca, apenas literalizada por Jos
Hernandez, resta tambm plausvel concordar com a crtica, quando adverte que:
31
Em Agonia do herosmo: contexto e trajetria de Antonio Chimango (1980), a pesquisadora
Maria Helena Martins observa que tais obras apresentam elaborao erudita simultaneamente
com a poesia popular.
76
(heri) com vocbulos clticos que significam duro (hart) (p. 225), e salienta a
final de sua discusso, que outra variante do topos nos conduziria ao elogio do
em passagem anterior.
num espao textual fronteirio, uma vez que podem ser lidos como narrativa
ambos os textos transitam entre a crnica e o poema narrativo, com uma forte e
aceitos como verdadeiros, suas prprias histrias de vida, matizando mais ainda
textos cresce medida que se permitem dizer, ora ao discurso factual, ora ao
seja pelo seu registro escrito e documental, seja pelas verses orais, quebra a
2010, p. 227)
32
Cf. SANTOS (2010); SANTOS e IBANHES (2008).
79
33
Foto do livro Silvino Jacques: O ltimo dos bandoleiros, 3. ed. p. 228.
80
elaborao romanesca tal como teria sido engendrado por seu autor, Brgido
Ibanhes.
34
Foto da obra Silvino Jacques: O ltimo dos bandoleiros, 3. ed., p. 38.
81
resulta de um gesto de escrita, modus operandi, que, no caso desta obra, finda
deste trabalho, j sinalizado em seu prprio resumo, qual seja, que a narrativa
dos relatos histrico e literrio, desde a epgrafe que abre a Introduo deste
como documentos, entre outros, a fim de que o mesmo leitor tenha em mente
(porm, muito mais de fico diramos), teria vivenciado uma histria e tomado
82
autenticado.
35
Palavras do acadmico Antonio Lopes Lins, da Academia Sul-mato-grossense de Letras, que
escreveu o texto de apresentao obra Silvino Jacques, de Brgido Ibanhes.
83
italizadas.
que lhe teria intercedido nos tribunais, bem como a nota de rodap, logo aps a
agora retomada:
como sendo Silvino foi um facnora que deixou seu nome registrado nos
anais do crime, no Rio Grande e em Mato Grosso, [...] (p. 17. Grifos nossos),
que se constata tambm nas pginas iniciais da narrativa. Pois, seja na regio
sempre foi, ou seja, como diz o ditado, em matria de destino, alis, muitas
vezes evocado pelo narrador, a pessoa para o que ela nasce, como diz o
resolveu emigrar para o Mato Grosso, onde a lei era do quarenta e quatro.
heri, que, sendo um ser um mal nascido, associado o fato de seguir seu
Mas nem tudo era paz no cerrado. Era o tempo das brigas das
famlias por questo de terras, dos quatreiros, dos bochinchos,
onde o revlver quarenta e quatro berrava mais alto, s perdendo
para o estrondo do mosqueto... (IBANHES, 2007, p. 33) (Grifo
nosso).
36
J aqui, nesta frase, observa-se um robusto recurso estilstico largamente empregado pelo
narrador, autor, Brgido Ibanhes, no registro de seus enunciados, frequentemente atribudos
como se tivesse ouvido dizer, coletando seus pressupostos relatos, que muitas vezes geram
no leitor se no uma desconfiana, uma certa acuidade no processo de construo de leitura.
Leia-se a frase, que se inicia: Diz-se que o prprio Silvino...; ora, ainda quando o enunciado
atribudo ao prprio protagonista, alvo de escuta do leitor, o registro d-se pela modalidade
do discurso indireto. A este aspecto ainda retornaremos, nesta tentativa de flagrar
componentes de modalizao no discurso narrativo.
86
que: Por todo o tempo que medeia entre 1.894 a 1.924, ou pouco menos, a
das provocaes e tambm das brigas a faco (LIMA, s/d, p. 51). Na mesma
Juan Caballero. (p. 52) Moo loiro, boa estatura, bigode retorcido, meio Kaiser,
que era reconhecido como muito mais valente que o prprio patro, Sismrio.
Provindos deste contexto de valentia, certo dia, aps uma peleia que travaram
com a polcia paraguaia na qual mataram trs, ferindo vrios outros retiraram-
se para o lado brasileiro, indo Sismrio abrir um boliche, em Jaguart, para incio
valentia e justia, sempre imbudo de pilhagem, pelas prprias mos, cujo ideal
histrico, subjugado aos liames do destino, por isso lendrio, que, ao final,
tudo e por tudo vai bem caracterizar, a esta altura da narrativa, j na pgina
relato:
37
Aqui preciso destacar que, a simples lembrana das Dcimas Gachas, por parte do
narrador, como se de autoria da personagem Silvino Jacques, no pode passar desapercebida e
sem o seu devido contexto ao longo da narrativa e de sua prpria natureza de texto, sob o qual
ainda se pode examinar e argir sobre a autoria das Dcimas. curioso, sintomtico, que o
registro oficial, em cartrio, do texto das Dcimas, tenha sido efetuado, em certo tempo, pelo
tabelio Luiz da Costa Leite FALCO, o pai de Rada, a esposa de Silvino. Cf. captulo intitulado
Rada a grande paixo. (IBANHES, 2007, p. 80). Isso deve-se pontuar em funo do
89
tudo isso, sublinhe-se, to somente corroborado pela informao como certo dia
logo ao final da pgina seguinte, a cento e trs. Ou seja, tanto no contedo das
rastreamento que elaboramos sobre a trajetria das Dcimas que seriam cantadas por Silvino,
depois lhe atribuda a autoria. Alis, um exemplo ilustrativo desta discusso est no fato de
Silvino Jacques surpreender seu bando e parceiros logo que, de pronto, comeava a declamar
sua dcimas. Isso num contexto, repetimos, no qual o prprio Silvino j tinha vindo de longa
vivncia no sul do Brasil, e ao aportar na fronteira, pelo curso de dez anos, ter-se consagrado
no s como o grande bandoleiro mas tambm como o autor dos versos das Dcimas. Cf.,
por exemplo, relato do narrador pgina 44: Na hora do jerok-popo [baile com danas
paraguaias], qual no foi a surpresa de todos quando o homem comeou a declamar suas
dcimas gachas, dando uma demonstrao de grande talento. Todos ficaram estupefatos com
a revelao de que na frente deles estava o Silvino Jacques famoso. (IBANHES, 2007, p. 44)
90
documentos, ou, de resto, pela voz autoral de forte cunho persuasivo, que,
cento e trs:
(autor) retoma seu objetivo de carregar com tintas cruentas o rol de estripulias
sua verve criativa o perfil do protagonista, conclui este enunciado, bem como
niquelato, que se inicia com pargrafo que discorre sobre relaes da famlia
38
Cf. enunciados em itlico, na referida citao, acima.
92
do narrador, com sua insistncia na persuaso do relato, uma vez que o leitor no
dizer, o verso que se inicia com La estavam ao entardecer, ..., nessa citao,
neste subitem do trabalho, em especial tambm por vir como frontispcio, ou seja,
93
seguir:
Contam os historiadores:
Antes da revolta paulista, em 32, Getlio Vargas procurava [...]
(IBANHES, 2007, p. 95)
todo o relato, que vai da pgina noventa e cinco at a pgina noventa e nove,
95
imaginrio popular.
nossos)
elaborada prosa potica, cujo longo trecho do captulo, que se estende da pgina
figuradas39 por uma forma modal, tais como: como se, talvez, dir-se-ia,
da leitura, do leitor.
39
Para a verificao desses aspectos da teoria da narrativa, remetemos para: TODOROV
(1975), e para CARVALHO: Foco narrativo e fluxo da conscincia: Questes de teoria literria
(1981), que retoma sob a perspectiva do foco narrativo a anlise das palavras de
alheamento ou words of estrangement, desenvolvidas pelo terico e crtico russo Boris
USPENSKI, em Potica da composio (Uspenski, 1973, apud Carvalho, 1981, p. 35). Em torno
da mesma problemtica, de um modo mais ampliado, ver: MIGNOLO, Walter, em Elementos
para uma teoria del texto literrio (1978), no qual o conhecido terico realiza aprofundada
anlise da narrativa sob as diversas implicaes e ocorrncias a partir da utilizao do ponto de
vista do narrador / observador.
97
Fierro, Lourdes Ibanhes (p. 68) alega que a saga desses heris resulta dos
Mircea Eliade este aspecto essencial: [...] muitas vezes difcil decidir se a
enftica:
por um forte teor intertextual, alm de ora jogar com fatos aparentemente
alicera sobre uma ideia basilar, ou seja, que apesar de longa tradio na
implicaes intertextuais entre texto vs. contexto, para o que, segundo o autor,
ponto de vista sensivelmente defendido por Manuel Costa Pinto, ao discutir esta
literatura moderna.42
audacioso, impetuoso, feroz, imoderado, astuto, etc. Costa Pinto ainda destaca
42
Trata-se de uma das palestras que compem o Balano do sculo XX - paradigmas do sculo
XXI: mitos literrios do ocidente e a modernidade. Os anti-heris da modernidade, proferida por
Manuel da Costa Pinto, disponvel em DVD, produzido pelo Espao Cultural CPFL, e tambm no
site: https:// //www.youtube.com/watch?v=9nvHmxSOa48, em canal do youtube.
102
exemplo, obra que retoma recontando as proezas do famoso Joo Grilo44 (anti-
43
J nos referimos obra do escritor, porm, devemos notar que, desta perspectiva de anlise,
sua significativa produo literria tem sido objeto de notveis pesquisas, nesta linha, como a que
realizou Elizabeth MARINHEIRO, da Paraba, em reconhecida tese de livre docncia,
esclarecedora anlise das vozes da oralidade, das textualidade ou formas simples em A
pedra do reino. Cf. MARINHEIRO. A intertextualidade das formas simples (aplicada ao romance
dA pedra do reino, de Ariano Suassuna).
44
(Proezas de Joo Grilo. Autoria atribuda a Joo Martins de Atade, in Literatura Popular em
Verso. Antologia- Tomo I, Rio de janeiro, MEC-Fundao Casa de Rui Barbosa, 1964). Cf.
BECHARA et al, 1977, p. 272.
103
heri, criao popular, porta-voz e vingador, sua maneira, do mais fraco diante
a reflexo do estudioso45:
45
Em longo e minucioso estudo, o conhecido professor e fillogo Evanildo BECHARA, mais do
que realizar copioso captulo de obra (p. 254-317), registra as inmeras verses em folhetos,
textos avulsos, annimos, que compem prestigioso arquivo da renomada Casa de Rui Barbosa.
Cf. destacada fonte citada por BECHARA:
(Ciclos temticos da Literatura de Cordel, Manuel Diegues Jnior, in Literatura Popular em
Verso. Estudos Tomo I. Rio de Janeiro, MEC Fundao Casa de Rui Barbosa, 1973, p. 3-23 e
52-60.)
104
literria:
Ibanhes como um todo, nos usos, retomadas, que o escritor faz daquelas
textos, na estreita relao que eles mantm com o seu deslocamento no espao
105
de Jacques, anexo neste trabalho. Torna-se relevante a leitura desses versos tais
pode notar, ao lado dos sinais de aspas e itlico nas estrofes, elas mesmas
textos em si mesmos.
que, dentre outros artifcios, incorpora estrofes das Dcimas, algumas inditas
enfim, pelo contexto de tudo a que se dever incluir ao final. Tanto assim
travestido em narrador autor, o leitor depara com uma proposta de relato que
2007, p. 39). Como tambm na pgina quarenta e dois, aps um relato de trs
guarani, entidade que deu origem ao Saci Perer] (IBANHES, 2007, p. 42)
108
do desejo do narrador autor de construir um final feliz para sua saga , quer
procurou deslindar ao longo do seu laborioso trabalho de, tambm, construir uma
leitura do romance:
Enfim, com esta forte presena do narrador autor, que, desde a pgina de
Talvez at de hesitao.
Tormes :
como real, no deve confiar em tudo o que dito, pois que a realidade
CONSIDERAES FINAIS
incio, enfrentar o desafio de abordar uma obra ainda pouco estuda, escassas
em nosso subcontinente.
quanto de nossa prpria insero dentro do contexto geoistrico que nos situa,
subttulos.
concluso. Alis, como lembra Jorge Luis Borges, conhecido escritor de nosso
religio e ao cansao.
escritor contemporneo.
consagrou.
115
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ANEXOS