Isabel de Bragança e o Terceiro Reinado

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UNIVERSIDADE SEVERINO SOMBRA

PROGRAMA DE MESTRADO EM HISTRIA

O TERCEIRO REINADO:
ISABEL DE BRAGANA, A IMPERATRIZ QUE NO FOI.

Mestranda: Maria Luiza de Carvalho Mesquita


Orientadora: Prof Dr Cludia Regina Andrade dos Santos

Vassouras
2009
2

O TERCEIRO REINADO:
ISABEL DE BRAGANA, A IMPERATRIZ QUE NO FOI

Maria Luiza de Carvalho Mesquita

Dissertao de Mestrado apresentada ao


Programa de Ps- Graduao em Histria
Social da Universidade Severino
Sombra, como parte dos requisitos
necessrios obteno do ttulo de
Mestre em Histria Social.

Orientadora: Prof. Dr. Cludia Regina


Andrade dos Santos

Vassouras
2009
3

Para Maria Eduarda


4

AGRADECIMENTOS

A meus pais, por toda a dedicao e carinho;


A meu marido Nelson, por todo amor, companheirismo e compreenso ao longo
dos ltimos 35 anos;
A meus filhos e neta, pelo apoio e orgulho de ver mame e vov de volta aos
estudos;
A meu amigo Iram Rubem, meu parceiro inseparvel nas aventuras da Histria,
sem o qual, provavelmente, no teria chegado at aqui;
A minha orientadora, Prof Dr Cludia Regina Andrade dos Santos, de quem
busco inspirao e os sbios ensinamentos desde o tempo da graduao;
Aos meus professores da Universidade Candido Mendes, em especial Prof Dr
Keila Grinberg pelo incentivo em continuar dedicada pesquisa;
Aos meus professores do Mestrado em Histria Social da Universidade Severino
Sombra, por todo apoio, ensinamentos e dicas;
Aos funcionrios do Arquivo Histrico do Museu Imperial de Petrpolis, em
especial a Ftima Argon e Neibe, pela simpatia e a constante disponibilidade;
Enfim, a todos aqueles que tenham de alguma forma contribudo para que essa
pesquisa tivesse xito.
5

O TERCEIRO REINADO:
ISABEL DE BRAGANA, A IMPERATRIZ QUE NO FOI
Maria Luiza de Carvalho Mesquita
Prof Dr Cludia Regina Andrade dos Santos
Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em
Histria Social da Universidade Severino Sombra, como parte dos requisitos
necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Histria Social.

Este trabalho tem, por objetivo principal, elaborar uma biografia da Princesa Isabel,
destacando seu papel como ator poltico nos ltimos vinte e cinco anos do Imprio
Brasileiro. Atravs do estudo de sua trajetria, possvel vislumbrar a vida social e
poltica da Corte, na segunda metade do sculo XIX, sem que os aspectos caticos ou
contraditrios sejam deixados de lado. Est sendo dada nfase nos perodos em que a
Princesa ocupou a regncia do Imprio, sobretudo na terceira (1887-1888), a qual seus
contemporneos perceberam como incio do Terceiro Reinado. Atravs da anlise de
cartas, dirios e jornais, investiga-se sua ao poltica e sua adeso ao projeto reformista
dos abolicionistas da Corte, com a finalidade ltima de dar uma sustentao mais
popular ao seu reinado. Da mesma forma, analisa-se o projeto de reformas polticas e
sociais elaborado por estes ltimos para ser posto em prtica durante o reinado de
Isabel. Finalmente, pretende-se demonstrar, ao contrrio de vises historiogrficas
anteriores, que a Princesa no foi simplesmente uma piedosa Redentora, nem um
personagem revolucionrio, mas uma mulher de seu tempo, com autonomia e viso
poltica prpria, ciente do papel que teria que desempenhar no cenrio poltico
brasileiro.

Palavras chaves: Princesa Isabel, Conde dEu, abolicionismo, Terceiro Reinado,


imprensa.
6

O TERCEIRO REINADO:
ISABEL DE BRAGANA, A IMPERATRIZ QUE NO FOI
Maria Luiza de Carvalho Mesquita
Prof Dr Cludia Regina Andrade dos Santos
Abstract da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em
Histria Social da Universidade Severino Sombra, como parte dos requisitos
necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Histria Social.

This work has for main objective, to produce a biography of Princess Isabel,
highlighting her role as political actor in the last twenty-five years of the Brazilian
Empire. Through the study of her story, its possible to glimpse the social and political
life of the Court, in the second half of the nineteenth century, without leaving aside the
chaotic and contradictory aspects. Emphasis is being given to the periods when the
Princess held the regency of the Empire, especially in the third (1887-1888), which his
contemporaries saw the beginning of the Third Reign. Through analysis of letters,
diaries and newspapers, we can research her political action and her adherence to the
reformist project of the abolitionists of the Court, with the ultimate purpose to give a
more popular support to her reign. Similarly, it examines the project of political and
social reforms drawn up by the abolicionists to be implemented during the "reign" of
Isabel. Finally, it is shown, unlike previous historiographic visions, that the Princess
was not simply a pious "Redeemer", not a revolutionary character, but a woman of her
time with the autonomy and political vision, concerned to the role that she would play
in the Brazilian political scene.

Key words: Princess Isabel, Count d'Eu, abolitionism, Third Reign, press.
7

SUMRIO

INTRODUO ........................................................................................................p. 8

CAPTULO 1 A HERDEIRA DO TRONO

1.1 EDUCAO E CASAMENTO .....................................................................p. 22


1.2 - A PRIMEIRA REGNCIA ............................................................................p. 38
1.3 - A SEGUNDA REGNCIA .............................................................................p. 52
1.4 - A MATURIDADE ...........................................................................................p. 68

CAPTULO 2 O REINADO DE ISABEL

2.1 A TERCEIRA REGNCIA ...........................................................................p. 81


2.2 A MONARQUIA DEMOCRTICA POPULAR ..................................p. 101

CAPTULO 3 O FIM DO IMPRIO

3.1 O ATAQUE REPUBLICANO .....................................................................p. 136


3.2 O 15 DE NOVEMBRO .................................................................................p. 165

CONCLUSO.........................................................................................................p. 179

FONTES ..................................................................................................................p. 181

BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................p. 183
8

O TERCEIRO REINADO: ISABEL DE BRAGANA, A IMPERATRIZ QUE


NO FOI.
Maria Luiza de Carvalho Mesquita

INTRODUO:

Falsa Redentora1
Sua alteza imperial (...) passa vida folgada, feliz e regalada. Duchas pela
manh, acompanhada de suas damas; lunch ao meio-dia, cercada de
deliciosas harmonias; tarde passeio na gare e noite musica, sempre
msica.2
O ilustre prncipe consorte s se deixa seduzir e arrastar pelo valor real,
que agrada e satisfaz sua cobia3
trabalho perdido o esforo dos instrumentos da monarquia em pretender
um terceiro reinado. O segundo j tolerado. O terceiro no reinar!4
O terceiro s poder nascer cercado de uma aurora rubra como sangue5

Durante meu curso de graduao em histria, realizado na Universidade


Candido Mendes, tive a oportunidade de participar do Programa de Iniciao Cientfica
junto ao projeto da Professora Cludia Regina Andrade dos Santos, intitulado Utopia e
Poltica: o projeto de Democracia rural nos debates polticos entre a Abolio da
Escravatura e a Proclamao da Repblica (Rio de Janeiro 1888 1889). Neste
perodo, tive a oportunidade de ter acesso a peridicos do final do sculo XIX, nos
ltimos anos do Imprio.
Palavras, como as destacadas acima, lidas no jornal republicano Correio do
Povo do ano de 1889, causaram em mim um misto de estranhamento e curiosidade. A
forma crtica, por vezes desrespeitosa, como eram tratados alguns membros da famlia
imperial, em especial a princesa Isabel e seu esposo, Gasto de Orlans - o Conde dEu,
despertaram meu interesse e acabaram por determinar a que perodo da histria eu

1
Correio do Povo 28/10/1889
2
Idem 08/10/1889
3
Idem - 15/10/1889
4
Idem 22/10/1889
5
Idem 04/11/1889
9

voltaria meu olhar de uma forma especial: aos ltimos vinte e cinco anos do Imprio no
Brasil.
Buscando verificar quando esse tipo de tratamento havia comeado na imprensa,
dei origem pesquisa que conduziu minha monografia de final de curso de graduao
em Histria, a qual dei o ttulo de Quem tem medo do terceiro imprio ou por que no
Isabel?6. Realizada em 13 dos principais jornais da Corte 7, os quais considerei como
porta-vozes da elite8 brasileira, no perodo compreendido entre 1864 e 1889, foi
possvel acompanhar a construo, e progressiva destruio, da imagem daquela a quem
estava destinado o trono brasileiro, assim como a de seu esposo. Foi possvel tambm
confirmar minha hiptese de que haveria o surgimento de uma preveno subida de
Isabel definitivamente ao trono, desde a sua primeira regncia.
A presente dissertao de mestrado no se pretende uma continuao desta
monografia, mas foram dados levantados nela que deram subsdios para a sua
elaborao.
Na segunda metade da dcada de 1880, o problema da sucesso do trono do
Imprio brasileiro era um dos principais assuntos dos jornais. A existncia de um
terceiro reinado tinha muitos obstculos: a condio feminina da futura dirigente do
Imprio - a princesa Isabel - j que a cultura poltica do perodo via a mulher
desempenhando seu papel apenas no mbito privado; a impopularidade do Conde dEu
e a rejeio que o orleanismo, implcito no seu nome, provocava9; os militares, que
desde o fim da Guerra do Paraguai se incompatibilizavam com o governo, e os
opositores do ultramontanismo,10 formados, sobretudo, por boa parcela dos membros da
maonaria, que atribuam religiosidade de Isabel um empecilho livre manifestao
religiosa e a implantao de direitos civis. Alm disso, o republicanismo ganhava cada
vez mais adeptos.
6
A monografia foi feita sob orientao da Prof Dr Keila Grinberg
7
Jornal do Comrcio, Dirio do Rio de Janeiro, A Reforma, Semana Ilustrada, Gazeta de Notcias, O
Mequetrefe, Gazeta da Tarde, Dirio de Notcias, O Pas, Novidades, Cidade do Rio, Correio do Povo,
e Repblica Brasileira.
8
A palavra elite empregada neste trabalho referindo-se camada da populao que detinha alguma
espcie de poder, quer poltico, financeiro, intelectual ou social
9
Ser um Orlans neste contexto, no mais remetia ao rei-cidado, mas trazia em si a marca de ser
partidrio de um sistema em que se deveria aceitar o lema da monarquia como garantia da ordem e
estabilidade, juntamente com a implantao de um princpio que assegurava o controle poltico por parte
dos mais ricos e capazes.
10
O ultramontanismo era uma doutrina e poltica dos catlicos franceses que buscavam inspirao na
Cria Romana, defendendo a autoridade absoluta do Papa em matria de f e disciplina, ignorando os
poderes do Estado sobre os membros da Igreja Catlica COLUSSI, Eliane Lucia. A Maonaria brasileira
no sculo XIX. Coleo Que Histria Essa, So Paulo: Editora Saraiva, 2002, p.15
10

Chegou-se a levantar a possibilidade de que Isabel abdicasse do trono em favor


de seu sobrinho, Pedro Augusto, filho de sua falecida irm Leopoldina, ou seja, em
favor de um homem que fosse uma reproduo mais jovem de Pedro II. Embora
cogitado, tal fato nunca se concretizou. Alm disso, pouco mais tarde, ficaria
evidenciado que o jovem prncipe era portador de perturbaes mentais11.
Os problemas de sade de Pedro II acabaram por precipitar os acontecimentos.
Temia-se por sua vida. A recomendao mdica foi de que o Imperador fosse buscar
tratamento na Europa. Com isto, no ano de 1887, Isabel assumia a regncia pela terceira
vez e o comando do Imprio.
De repente, o trono havia passado novamente s mos de uma mulher
considerada inadequada para o papel de Imperatriz e desta vez, com a possibilidade de
ser permanentemente. Diante do grave quadro de sade apresentado por Pedro II,
muitos contemporneos consideraram iniciado o Terceiro Reinado. Esta idia foi
largamente divulgada nos jornais da poca, aqui exemplificado pelo jornal do Rio de
Janeiro, Gazeta da Tarde, do dia 30 de junho de 1887, data da partida de Pedro II: Ao
governo com que inicia-se o terceiro reinado est reservado exercer decisiva influncia
sobre todo ele e sobre o futuro mesmo da monarquia no Brasil.(...)
No seu terceiro perodo de regncia, influenciada pelas idias abolicionistas,
Isabel demitiu o gabinete deixado por seu pai, chefiado pelo Baro do Cotegipe,
nomeou outro comandado por Joo Alfredo, com a misso de resolver o problema da
escravido e, em pouco tempo, assinava a lei que a aboliu. Aps este ato, acirraram-se
articulaes pr e contra o Terceiro Reinado. Foi um curto perodo que agitou o meio
poltico, no qual fervilharam idias novas.
Aps a demisso do Gabinete Cotegipe e a decretao da abolio da escravido
sem indenizao aos proprietrios de escravos, a maioria da elite conservadora, oriunda
da classe agrria, tambm se voltou contra eles. Passaram a aderir ao movimento
republicano, pois temiam que fossem implementadas outras reformas defendidas pelo
movimento abolicionista, como a Democracia Rural, por exemplo.
Entretanto, pela leitura dos jornais da poca, pode-se perceber que no foram
todos que ficaram contra a existncia do Terceiro Reinado. Um grupo formado por
abolicionistas da Corte, capitaneados por Andr Rebouas, Joaquim Nabuco e Jos do
Patrocnio, mesmo tendo em seu corpo alguns republicanos, se manifestou
11
BARMAN, Roderick. Princesa Isabel do Brasil: Gnero e Poder no sculo XIX. SP: Unesp, 2005,
p.254.
11

favoravelmente existncia de um terceiro reinado, criando estratgias e at mesmo


elaborando um programa que pudesse dar-lhe sustentao. Essa aproximao entrou em
declnio com a volta do Imperador, praticamente extinguindo-se com a queda do
Ministrio Joo Alfredo.
O perodo que abarca a terceira regncia de Isabel e o ps-abolio
caracterizado, tanto pela imprensa da poca, como pela historiografia de uma maneira
geral, pela crise de legitimidade sofrida pelo Imprio e pela rejeio, ao menos por boa
parte da elite, tanto ao Terceiro Reinado como a herdeira do trono. Entre seus crticos
encontravam-se, inclusive, alguns membros deste grupo de abolicionistas citados acima.
Tal fato levou a alguns questionamentos: Como se deu a aproximao entre os
abolicionistas da Corte, e a Princesa? Qual a forma de atuao desse grupo em relao
perspectiva de estar iniciando o terceiro reinado? Que tipo de idias ou projetos eles
defendiam para o reinado de Isabel?
E uma questo maior se imps: quem era essa futura imperatriz? Qual sua
viso de mundo? O que pensava sobre poltica? Que tipo de a atuao poltica teve em
seus perodos regenciais, principalmente no terceiro? Como ela se posicionou
relativamente a esse apoio recebido e qual o papel desempenhado por ela nessa relao?
Examinando a bibliografia sobre o Segundo Imprio, encontrei grande discusso
sobre os motivos que levaram ao seu fim. H pouca referncia, no entanto, ao fato de a
queda do Imprio ter sido acompanhada pela progressiva mudana no tratamento
dispensado pelos jornais famlia imperial, e em especial sobre aquela que seria a
herdeira do trono. E tambm sobre o fato de haver, desde muito cedo, uma apreenso
por parte das elites quanto s possveis atitudes tomadas pelos futuros herdeiros. A
grande maioria deles no se ocupa em fazer a anlise da atuao de Isabel como
governante do Imprio em nenhuma regncia, nem mesmo na terceira, considerando-as
como uma extenso do governo de seu pai, vendo nelas pouca ou nenhuma autonomia.
Ainda hoje, na maior parte dos manuais de Histria do Brasil, Isabel aparece citada
apenas em dois momentos: pela assinatura da Lei do Ventre Livre e da Lei urea, que
extinguiu a escravido no Brasil.
Quanto apreciao da Princesa como figura expressiva do Imprio, poucos
livros foram escritos. O Conde dEu tambm praticamente ignorado. Sobre ele h
12

apenas duas biografias: a de Lus da Cmara Cascudo12, e a de Alberto Rangel13, ambas


escritas ainda na dcada de 1930.
Proclamada a Repblica em 1889, a figura de Isabel foi profundamente rejeitada
pelos novos mediadores do pensamento poltico que ascendia, tendo, inclusive, um
jornal republicano da poca classificado a futura imperatriz como uma nulidade.14 A
partir de ento, com a finalidade de se legitimar o novo regime, os positivistas, corrente
dominante entre os republicanos, condenaram a monarquia em nome do progresso,15 e
foram-se afastando da imagem das figuras imperiais.
Aps a proclamao da Repblica, durante um longo perodo, a ex-futura
Imperatriz do Brasil foi totalmente ignorada pela historiografia. Apenas na dcada de
20, aps a primeira Guerra Mundial, quando a questo nacional assumiu a caracterstica
de problema, houve a necessidade de se repensar o Brasil, pas marcado pelo atraso
econmico, pelo clima e pela raa. Para quebrar este quadro, comeou um movimento
em busca das razes nacionais, atravs de um passado histrico.16 As comemoraes
pelo centenrio da Independncia do Brasil ajudaram a criar o contexto em que as
figuras do Imprio voltariam tona. Mesmo assim, seria necessria a passagem de
quase 50 anos para que a Princesa Isabel fosse pensada como objeto de estudo. O livro
em questo de autoria de Pedro Calmon, intitulado A Princesa Isabel: A
Redentora17, publicado em 1940.
Outro livro que merece destaque, sobretudo pela profuso de documentos usados
na sua elaborao, o de Loureno Lus Lacombe, A Princesa Redentora.18 Ambos
fazem parte de uma historiografia clssica, de fundo laudatrio.
S recentemente, Isabel voltou a ser objeto de estudo entre os historiadores.
Escrito por Roderick J. Barman, historiador ingls do Departamento de Histria da
12
CASCUDO, Lus da Cmara. Conde dEu. So Paulo:Cia Editora Nacional, 1933.
13
RANGEL, Alberto. Gasto de Orlans O ltimo Conde dEu. So Paulo: Cia Editora Nacional, 1935
14
Jornal Repblica Brasileira de 21/11/1889: No meio do turbilho das ltimas lutas, no meio de todos
os debates dos ltimos dias, foi notvel que no se tivesse ouvido discutir os direitos da ex-princesa
Isabel, Condessa dEu, nem se tivessem agitados as grandes massas defensoras da rainha, conforme era
denominada aquela infeliz senhora, vtima dos deslumbramentos nervosos. por a que se pode aferir da
importncia da princesa no movimento evolutivo de nossa vida social. A Sr Isabel foi sempre, para ns,
a boa senhora honesta e caridosa, mal ajudada por um crebro desorganizado, sem nenhuma orientao
poltica. No meio do bulcio, desapareceu como verdadeira nulidade
15
CARVALHO, Jos Murilo de. A Formao das Almas: o Imaginrio da Repblica no Brasil. So
Paulo: Cia das Letras, 1990, p.27.
16
OLIVEIRA, Lucia Lippi de. Questo Nacional na Primeira Repblica. in DE LORENZO,Helena
Carvalho & COSTA Wilma Peres (orgs.).A dcada de 1920 e as Origens do Brasil Moderno.So
Paulo:Unesp,1997, p.189
17
CALMON, Pedro. A Princesa Isabel: a Redentora. So Paulo: Cia Editora Nacional, 1941
18
LACOMBE, Loureno Lus. A Princesa Redentora. Petrpolis: I.H de Petrpolis, 1989
13

University of British Columbia, o livro Princesa Isabel do Brasil: gnero e poder no


sculo XIX foi lanado na Inglaterra em 2002 tendo sua verso em portugus colocada
no mercado brasileiro em 2005. J o historiador Robert Daibert Jr, publicou em 2004 o
livro Isabel, a Redentora dos escravos: uma histria da princesa entre os olhares
negros e brancos (1846-1988)19, resultado de sua tese de mestrado em Histria Social
pela UNICAMP. Ambos so trabalhos inseridos dentro da histria cultural.
Mais recentemente, em 2007, Daibert Jr defendeu sua tese de doutorado na
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Princesa Isabel (1846 1921): a Poltica
do Corao entre o trono e o altar, ainda no publicada, mas gentilmente cedida por
ele para compor a bibliografia de minha dissertao.
Por fazerem parte de uma historiografia renovada, , sobretudo, com estes dois
ltimos autores que dialoguei neste trabalho.
Buscando uma abordagem que pudesse, enfim, dar conta de toda minha
problemtica, optei pela elaborao de uma biografia da Princesa Isabel, no no sentido
clssico do termo, mas num trabalho de histria poltica, que privilegiasse o estudo de
suas inter-relaes individuais, das relaes polticas entre grupos sociais e destes com
o Estado, e das representaes polticas, todas inseridas dentro de um determinado
contexto20.
Tratando-se a Princesa Isabel de um ator poltico ilustre, a idia fugir do que
Bourdieu chamou de iluso biogrfica, ou seja, a pretenso de se considerar que uma
grande personagem seja algum com um destino traado, na vida da qual no esto
consideradas as eventualidades.21 A idia justamente revelar os conflitos, as
incoerncias e as maneiras pelos quais os indivduos moldam e modificam as relaes
de poder.22 O objetivo de que o estudo de sua vida permita que se vislumbre a vida
social em sua dinamicidade, sem excluir seus aspectos caticos e contraditrios.23

19
DAIBERT JR, Robert. Isabel, a Redentora dos escravos: uma histria da Princesa entre olhares
negos e brancos (1846-1988). Bauru,SP: EDUSC, 2004
20
LEVI, Giovani, Usos da Biografia. in AMADO, Janana e FERREIRA, Marieta (coord.). Usos e
Abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998, pp. 167- 182
21
BOURDIEU, Pierre. A Iluso Biogrfica. in AMADO, Janana e FERREIRA, Marieta (coord.).
Usos e Abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998, pp183-192
22
LORIGA. Sabina. A Biografia como Problema. in REVEL, Jacques (org.). Jogos de Escala. Editora
FGV, 1998, pp. 225 249.
23
BARROS, Jos DAssuno. O Campo da Histria: especialidades e abordagens. Petrpolis RJ:
Vozes, 2004, p.191
14

Ser dada nfase aos perodos em que a Princesa ocupou a regncia do Imprio,
sobretudo na terceira (1887-1888), partindo da tica de muitos de seus contemporneos
que a consideraram o incio do Terceiro Reinado.
No livro D. Isabel I a Redentora: textos e documentos sobre a Imperatriz
exilada do Brasil em seus 160 anos de nascimento24, seu autor, o historiador Bruno
Cerqueira, ressalta o fato de Isabel jamais ter sido objeto de estudo por parte de uma
historiadora. Pois bem... Ser tambm com esse olhar feminino (mas no feminista) que
pretendo enxergar minha personagem e sua trajetria no perodo final do Imprio.
Para tentar compreender e caracterizar o contexto, minha opo recaiu sobre
Pierre Rosanvalon e seu estudo sobre a Histria Conceitual do Poltico:
O objeto da histria conceitual do poltico a compreenso da formao e
evoluo das racionalidades polticas, ou seja, dos sistemas de representaes
que comandaram uma poca, um pas, ou grupos sociais conduzem sua ao,
encaram seu futuro.25
Segundo Rosanvalon, necessrio buscar a interao permanente entre a
realidade e a sua representao, com o objetivo de identificar os ns histricos em
torno dos quais se organizam as novas racionalidades polticas e sociais.
A proposta procurar os comos e os porqus das tentativas de respostas dos
homens aos seus prprios problemas, em espaos e tempos especficos, retomando sua
prpria cultura poltica e os conceitos em torno dos quais giram seus debates26.
Inserir-se no contexto a palavra de ordem, para que se possa olhar de dentro
para fora, na tentativa de identificar quais foram as articulaes polticas surgidas ante a
possibilidade de ter-se iniciado o terceiro reinado.
Outro ponto a ser levantado diz respeito relao entre o Estado, representado
pela Princesa Regente, e as sociedades civis, no caso representantes do movimento
abolicionista, e a busca de novas formas de legitimao e de consenso entre eles.27

24
CERQUEIRA, Bruno da S. Antunes. D. Isabel I a Redentora: textos e documentos sobre a Imperatriz
exilada do Brasil em seus 160 anos de nascimento. Rio de Janeiro: Instituto Dona Isabel a Redentora,
2006, p.110
25
ROSANVALLON,Pierre. Por uma Histria Conceitual do Poltico. in Revista Brasileira de Histria
rgo da Associao Nacional de Histria. So Paulo, ANPUH, vol 15, n30, 1995, p.16
26
BORGES, Vavy Pacheco. Histria Poltica: Totalidade e Imaginrio. In Revista Estudos Histricos.
Rio de Janeiro, n17, 1996
27
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: por uma teoria geral da poltica. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987 pp.36-37
15

O carter de representatividade que tiveram nesta poca os mediadores das


idias polticas, isto , os chamados pensadores secundrios,28que incluem jornalistas
notrios, e todos os tipos de autores, tambm ter destaque nesta pesquisa.
Diante da lacuna existente na historiografia sobre o meu objeto, e sendo a fonte
histrica o que coloca o historiador em contado direto com seu problema,29 o caminho
foi seguir o ensinamento de Le Goff, segundo o qual o historiador deve utilizar de tudo,
na falta de flores habituais para fabricar seu mel. 30
Optei por fazer minha pesquisa em cartas, dirios, depoimentos, documentos
pessoais e jornais. Ela compreender o espao de tempo situado entre o ano de 1864,
que marca a primeira grande questo em torno da sucesso do trono brasileiro, que foi o
da escolha do prncipe consorte da futura Imperatriz do Brasil, e 1889, quando findou o
perodo imperial brasileiro.31 O espao ser o da Corte, pois, citando Nelson Werneck
Sodr, a Corte que dava o tom ao pas e, portanto, poltica.32
Nela, usei uma abordagem de micro-histria. O objeto de estudo de um micro-
historiador pode se concentrar na trajetria de determinados atores polticos, se o que o
estiver interessando no for propriamente biografar este indivduo, em funo de si
mesmo, mas de examinar sua vida em funo de um problema, buscando assim uma
significao histrica mais ampla.33
A documentao escolhida foi examinada de forma intensiva. O objetivo
deixar de lado as vises historiogrficas consolidadas, visando construo de uma
nova interpretao. Os procedimentos de pesquisa em si, as limitaes documentais e as
construes interpretativas tornaram-se parte inerente ao relato.
As fontes escolhidas foram abordadas de uma dupla forma: como meio de
acesso aos fatos histricos e como fato histrico34 em si mesmas, por se tratarem de
documentos de poca. A crtica a essas fontes ser parte integrante da pesquisa.
Uma parte das fontes escolhidas so escritas de si, que abarcam dirios,
correspondncias, biografias e autobiografias. Independente de serem memrias ou

28
WINOCK, Michel. As Idias Polticas. in RMOND, Ren. Por uma Histria Poltica. Rio de
Janeiro: FGV, 2003, 2003, p.281
29
BARROS, op. cit, p.34
30
LE GOFF, Jacques. Histria e Memria. SP. EDUSC, 1992, p.540
31
Este perodo corresponde tambm aos 25 primeiros anos de casamento entre Isabel e Gasto de
Orlans, perodo este em que atuam efetivamente na cena poltica do Imprio.
32
SODR, Nelson W. Histria da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad,1999, p.189
33
BARROS, Jos DAssuno. O Campo da Histria: especialidades e abordagens. Petrpolis RJ:
Vozes, 2004, p.195
34
Embora no sejam considerados fatos histricos a priori, e sim resultantes de construes histricas
16

histrias de vida, elas constituem um novo espao de investigao histrica. As


memrias, autobiografias e dirios assumem a subjetividade de seu autor como
dimenso integrante de sua linguagem, construindo sobre ela a sua verdade, ficando
descartada a princpio, portanto, a idia de verdade dos fatos, importando neste caso a
tica assumida e a expresso do autor. Da mesma forma, a correspondncia um tipo de
documentao que possui um destinatrio especfico, na qual se estabelecem relaes.
Ela implica numa troca entre quem escreve e quem l.35
Segundo Foucault, escrever cartas se mostrar, se expor, fazer aparecer seu
prprio rosto perto do outro. A carta , simultaneamente, um olhar que se lana
sobre o destinatrio (...) e uma maneira de se oferecer ao seu olhar atravs do que lhe
dito sobre si mesmo 36
Atenta a todos esses detalhes, procurei, em minha anlise, examinar os autores e
o assunto abordado, contextualizando o momento da escrita, assim como o motivo, para
quem se escreveu, como e por quem foram guardadas. Sendo assim, trabalhei com
documentos pessoais da Princesa Isabel, Conde dEu, e dos abolicionistas Joaquim
Nabuco, Andr Rebouas e Gusmo Lobo37. De Jos do Patrocnio, no encontrei
correspondncia pessoal disponvel para consulta.
No caso das correspondncias, ao contrrio das memrias e dirios, cabe
pessoa que l, preservar o registro. Michelle Perrot afirma que o sculo XIX traduziu-se
pela retirada das mulheres de certos locais pblicos, inclusive das bibliotecas, calando-
as desta forma38. Mas tal no se passou em relao Princesa Isabel. Suas cartas e
dirios, assim como as de seu marido, Gasto de Orlans, em excelente estado de
conservao, esto disposio para leitura, sob consulta prvia a descendentes da
famlia Imperial, no Arquivo do Gro Par, pertencente ao Arquivo Histrico do Museu
Imperial de Petrpolis.

35
GOMES, ngela de Castro (org.). Escrita de Si, Escrita da Histria. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2004, pp. 7 - 24
36
FOUCAULT, Michel. tica, sexualidade e Poltica. In MOTTA, Manoel de Barros (org) Coleo
Ditos e escritos. Vol. 5, Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2006, p.156
37
Francisco Leopoldino de Gusmo Lobo era pernambucano, nascido no Recife em 1838. Diplomou-se
em 1859 pela Faculdade de Direito do Recife, foi deputado provincial e geral, chefiou a Diretoria Central
da Secretaria da Agricultura, do Ministrio da Agricultura, foi moo fidalgo da Casa Imperial. Destacado
jornalista, primeiro em A Nao e, posteriormente, no Jornal do Commercio, notabilizou-se durante a
campanha abolicionista, numa atividade que mereceu os mais enfticos elogios de Nabuco. Gusmo Lobo
manteve uma constante correspondncia com Rio Branco, afastado pela atividade diplomtica, na qual
comenta os acontecimentos polticos da Corte.
38
PERROT, Michelle. As Mulheres ou os Silncios da Histria. Bauru: Edusc, 2005, pp. 34 - 35
17

Parte da correspondncia de Joaquim Nabuco j foi publicada,39 assim como seu


dirio40, mas os originais encontram-se disposio para consulta na Fundao Joaquim
Nabuco, em Recife, sendo que boa parte do acervo, principalmente suas obras e
discursos, podem ser consultados via internet na pgina da Fundao.41
Os originais dos dirios de Andr Rebouas encontram-se atualmente, parte no
Instituto Histrico e Geogrfico, no Rio de Janeiro, e parte na Fundao Joaquim
Nabuco, em Recife.
A correspondncia entre Gusmo Lobo e o Baro do Rio Branco foi publicada
pelo Centro de Histria e Documentao Diplomtica, tambm acessvel para consulta
pela internet.42
Outra parte importante de minhas fontes est composta por artigos de jornais do
perodo recortado. De acordo com Jean Jacques Becker, atravs de uma anlise bem
feita de uma variada seleo de jornais de um perodo, num pas onde a imprensa
livre, possvel construir um painel da opinio pblica vigente43. E, a despeito dos
jogos de interesses da imprensa, na poca do reinado de Pedro II, havia liberdade de
expresso.
Segundo Christophe Charle, a imprensa, principal mdia de massa no sculo XIX,
era tambm um desafio de poder, (j que informar influenciar), um desafio econmico
(um jornal ao mesmo tempo uma empresa e um meio de luta no campo econmico
pelo vis da publicidade), um desafio social (de acordo com o pblico que visa) e um
desafio cultural, j que difunde ou cria novas formas culturais numa poca de
acelerao de modas e difuso de saberes44
Alm disso, boa parte dos atores polticos selecionados nesta pesquisa - Joaquim
Nabuco, Andr Rebouas e Jos do Patrocnio escreviam nos principais jornais da
Corte da poca. Atuavam como mediadores das idias polticas, e a importncia de se
recorrer a eles est tanto na tentativa de avaliar o trabalho das idias na sociedade, como
perceber o reflexo dos problemas sociais do momento na expresso da imprensa. Isto
se deve ao fato de no sculo XIX, tanto as camada mais cultas quanto as mais
despreparadas terem um acesso muito maior ao jornal, do que aos grandes tericos da
39
NABUCO, Joaquim Carta a amigos. So Paulo: Instituto Progresso Editorial S.A.,vol.I e II, 1949.
40
NABUCO, Joaquim. Dirios. Recife: Editora Massangana, Vol I e II, 2005
41
http://www.fundaj.gov.br
42
http://chdd.funag.gov.br/cadernos/pdfs/cadernos_do_chdd_05.pdf
43
BECKER, Jean-Jacques. A Opinio Pblica. in RMOND, Ren (org). Por uma Histria Poltica,
Rio de Janeiro, FGV,2003, p.196)
44
CHARLE, Christophe. Le Sicle de la Presse 1830-1939. Paris: ditions du Seil, 2004, p.12
18

poltica. Segundo Winock, o jornal passou a ser, entre todos os meios de


comunicao, o po de cada dia da poltica contempornea.45
No Rio de Janeiro, especificamente, apesar de haver um pblico leitor restrito,
visto que segundo o censo de 1871 entre a populao livre da cidade apenas 29%
sabiam ler46, as notcias circulavam entre a populao, tanto da elite como das classes
mais baixas, tanto livre como cativas, quer atravs de conversas informais nas ruas e
praas, quer atravs de acalorados debates nos cafs e teatros.47
Deve-se ressaltar tambm que, no Brasil, ao longo do sculo XIX, as redaes dos
jornais tornaram-se locais para onde o povo acorria tanto nos momentos festivos,
como nos de protesto. Foi na imprensa que, por muitas vezes, os setores livres pobres
urbanos encontraram defensores para seus interesses, j que no os possuam nas
esferas pblicas legais.48
Mas, como afirma Emlia Viotti da Costa, uma das tarefas mais difceis do
ofcio de historiador a crtica aos testemunhos, em especial, os jornais. A autora
chama a ateno para a dificuldade de se utilizar esse tipo de documentao que est
relacionada com o envolvimento do observador, enquanto ator poltico, especialmente
quando se trata de estudar perodos de reformas polticas, econmicas e sociais. Ela
destaca ainda o fato de que cada pessoa ou grupo envolvido, nessas ocasies, tende a
explicar a realidade sua maneira, dificultando a crtica histrica49
Complementando o dito acima, uma interessante abordagem de como a
imprensa da Corte era vista pela prpria imprensa na segunda metade do sculo XIX,
foi publicada num artigo do jornal republicano O Mequetrefe, no ano de 1875,
intitulado Fisiologia do Jornalismo:
O jornalista no Rio de Janeiro no o que geralmente se pensa (...). O
jornalismo do Rio de Janeiro no um deboche, nem um sacerdcio, nem uma
arte (...). Antes, quando se dedicava um homem ao jornalismo que alguma coisa
o arrastava; se no uma simples fantasia do esprito era uma funda convico

45
WINOCK, op. cit, p.282
46
ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org). Histria da vida privada no Brasil: Imprio. So Paulo, Cia das
Letras, 1997, p.475
47
MOREL, Marcos e BARROS, Mariana Monteiro de. Palavra, Imagem e Poder: o surgimento da
imprensa no Brasil do sculo XIX. Rio de Janeiro, DP&A, 2003., p.77
48
REZENDE, Gustavo Monteiro de. Abolicionismo popular na corte do Rio de Janeiro (1879-1888).
dissertao orientada pela Prof. Dr Cludia Santos e defendida no PPGHIS - Faculdade de Formao
dos Professores UERJ, no dia 26 de janeiro de 2009, cap. III.
49
COSTA, Emilia Viotti. Da Monarquia Repblica: momentos decisivos. So Paulo:UNESP,2007,
p.387
19

na alma. Hoje faz-se a gente jornalista, como se faz taberneiro ou sacristo,


correio de ministro ou cambista(...). A conscincia tomou o mesmo caminho que o
estilo; h escritor que vive de defender uma idia que ontem combateu com todas
as foras; h outro que combate o que defendia; contrata-se este em jornal sem
lhe indagar os princpios que sustenta; espera aquele ordens do patro para
saber como se h de pronunciar sobre este ou aquele fato; a maior parte deixa
at de noticiar temendo compromissos, resultando de tudo isso uma tal
indiferena para os negcios polticos que j ningum se espanta de ver
conservadores escrevendo em folhas liberais e vice-versa, republicanos
defendendo a monarquia, liberais defendendo o ultramontanismo e os
ultramontanos fazendo quase a propaganda da repblica!
Ningum se espanta porque negcio negcio e imprensa negcio (...).50
Levando em conta todas essas colocaes, procurei estar atenta ao contexto
histrico, deixando de lado a idia da existncia de uma verdade absoluta.
Para essa pesquisa, na tentativa de construir um painel bem abrangente do
perodo, escolhi os jornais mais representativos da segunda metade do sculo XIX,
segundo a literatura sobre o assunto.51 Utilizarei para o perodo que vai de 1864 at
1870, o Jornal do Comrcio, inaugurado 01/10/1827, que, segundo Nelson Werneck
Sodr no seria partidrio, mas que pesaria deliberadamente na concha das
instituies,52 sendo, portanto, nesse sentido, um jornal conservador e moderado; o
jornal Dirio do Rio de Janeiro, dirigido por Saldanha Marinho, tendo como escritores
de seus artigos, entre outros, Quintino Bocaiva e Machado de Assis; a Semana
Ilustrada, com direo e ilustraes de Henrique Fleiuss, e pelo qual passaram os
maiores escritores e jornalistas de ento, como Machado de Assis, Quintino Bocaiva,
Joaquim Manuel de Macedo e Joaquim Nabuco; A Reforma, que surge em 1869,
tornando-se o jornal mais prestigioso da poca, um jornal liberal que combate o
governo conservador.
Para a dcada de 1870, e que engloba os dois primeiros perodos regenciais da
Princesa Isabel, optei pelos jornais Dirio do Rio de Janeiro, A Reforma, Jornal do
Comrcio, Gazeta de Notcias de tendncia liberal, cujo grande nome foi Ferreira de

50
O Mequetrefe do dia 07/10/1875
51
O critrio de escolha dos jornais foi baseado no livro Histria da Imprensa no Brasil de Nelson
Werneck Sodr, no captulo relativo Imprensa do Imprio, pp 181-249
52
SODR, op. cit, p. 189
20

Arajo e O Mequetrefe, um jornal semanal satrico, ilustrado, de grande tiragem, que se


declara, desde o incio, republicano.
Para a dcada de 1880, na qual se incluem a terceira regncia da Princesa Isabel,
a abolio da escravatura e a proclamao da Repblica, escolhi O Mequetrefe, j
referido; a Gazeta da Tarde, jornal abolicionista, originalmente de Jos do Patrocnio e
Luiz Ferreira de Moura Brito;53 o Dirio de Notcias, que tinha como redator chefe Ruy
Barbosa; O Pas, no qual escreve Joaquim Nabuco; o Novidades, jornal conservador e
antiabolicionista, que d voz aos fazendeiros, cujo redator-chefe Alcindo Guanabara;
Cidade do Rio, jornal abolicionista de Jos do Patrocnio, no qual tambm escreve
Andr Rebouas; Correio do Povo, rgo do Partido Republicano, no qual escrevia
Silva Jardim e Repblica Brasileira, tambm republicano.
A idia ao me utilizar de fontes diversas foi faz-las dialogar, com a finalidade
de que elas se complementem, ou seja, que umas iluminem as outras.54
A dissertao est dividida em trs captulos. No primeiro, intitulado A
Herdeira do Trono, tracei um perfil da Princesa Isabel, atravs de uma breve anlise da
princesa em quatro perodos: no da infncia/juventude, abarcando sua educao e
casamento; durante a primeira regncia (1871-1872); na segunda regncia (1876-1877);
e numa fase mais madura, em 1884. Foi destacada, sobretudo, sua atuao no campo
poltico.
No segundo captulo, intitulado O Terceiro Reinado tratei especificamente da
terceira regncia da Princesa, sua adeso s idias abolicionista, seu desempenho
frente do Imprio. Por outro lado, ressaltei o papel desempenhado pelos abolicionistas
Andr Rebouas, Joaquim Nabuco e Jos do Patrocnio, assim como as estratgias e
programas pensados para dar sustentao ao terceiro reinado.
No terceiro, O fim do Imprio, abordei o perodo compreendido entre a volta
do Imperador de sua terceira viagem ao exterior at a Proclamao da Repblica. Foi
dada nfase especial ao papel da imprensa neste perodo, o jogo de representaes
articulado por esta, que tiveram como resultado a queda do regime.
Como hipteses desta dissertao coloco em destaque as seguintes:
- Apesar do discurso paternalista e masculino da poca, utilizado principalmente
pela propaganda republicana, que evocava a condio feminina e a religiosidade da

53
Em 1887, Jos do Patrocnio afasta-se do jornal Gazeta da Tarde para fundar o jornal Cidade do Rio
54
BARROS, op. cit, p. 177
21

Princesa para consider-la inadequada para comandar o Imprio, ela no era, de forma
alguma, despreparada politicamente para desempenhar este papel.
- Sua adeso s idias abolicionistas tem como explicao corrente o fato destas
estarem de acordo com o que preceituava a Igreja Catlica sobre a questo, mas
independente disso, foi uma escolha poltica que visava manter a ordem no Imprio,
alm de aproxim-la das reivindicaes populares, formando bases de legitimao para
seu reinado.
- Que a terceira regncia da Princesa, foi vista pela maioria de seus
contemporneos como o incio do Terceiro Reinado.
- Que, com o conhecimento de Isabel, uma parte importante da intelectualidade
do perodo, pertencente ao movimento abolicionista da Corte, pensou estratgias para
apoiar o terceiro reinado, chegando mesmo a elaborar um programa de reformas a serem
implementados durante sua existncia.
- Que, para esse grupo, o terceiro reinado funcionaria como um perodo de
transio para o regime republicano.
- Que o projeto de apoio ao terceiro reinado vai perdendo fora com o retorno do
Imperador Pedro II ao comando do Imprio.
- Que entre as causas que precipitaram o final do Imprio tiveram peso de
grande importncia tanto o fato de ser Isabel a prxima ocupante do trono, como a
possibilidade de que ela viesse a implementar reformas abolicionistas, sobretudo a
Democracia Rural, que envolveria uma reforma agrria, com a desapropriao de
terras e sua diviso para assentamento de colonos e libertos.

CAPTULO 1
A HERDEIRA DO TRONO

1.1 - EDUCAO E CASAMENTO


D Pedro II assumiu o trono do Brasil em 1840. Em 1843 casava-se com a
princesa napolitana D. Teresa Cristina com quem veio a ter quatro filhos: o
primognito, D. Afonso, nascido em 1845; D. Isabel, nascida em 1846; D Leopoldina,
em 1847 e D. Pedro Afonso em 1848.55

55
DAIBERT JR, Robert. op. cit, 2004, p.34
22

No que diz respeito linha sucessria do trono brasileiro, a Constituio de


1824 estipulava que ela seria definida:
segundo a ordem regular de primogenitura e representao, preferindo
sempre a linha anterior s posteriores; na mesma linha, o grau mais prximo
ao mais remoto; no mesmo grau, o sexo masculino ao feminino; no mesmo sexo,
a pessoa mais velha a mais moa.56
Isto significava que o critrio de gnero, no caso, masculino, sobrepunha-se ao
critrio da primogenitura. Sendo assim, se nenhum dos filhos do Imperador viesse a
falecer antes dele, ou abdicasse ao trono, a linha de sucesso do imprio brasileiro
deveria ser: D Afonso, D Pedro Afonso, D Isabel e D Leopoldina.
No ano de 1847, no entanto, faleceu o primognito D. Afonso. O fato foi
lamentado pelo pas, e podemos ver no Dirio do Rio de Janeiro, que no h um s
brasileiro que no acompanhe S S. M M. I I. no sentimento de pesar pela perda do seu
primognito, do herdeiro da coroa. 57
Em 1850, morria D. Pedro Afonso, fato que abalou profundamente o
Imperador58 e a nao. O Jornal do Comrcio comentava a poca que: a morte do
Augusto Prncipe, depositrio das esperanas de uma nao inteira, foi geralmente
considerada como uma calamidade. 59
Aps a morte do irmo, a filha mais velha de Pedro II, batizada com o nome de
Isabel Cristina Leopoldina Augusta Micaela Gabriela Rafaela Gonzaga de Bragana, foi
proclamada a herdeira do trono, aos quatro anos de idade, no dia 11 de agosto de 1850,
diante da Assemblia Geral reunida no Pao Imperial,60
Desde cedo, o Imperador preocupou-se com a educao a ser dada s suas filhas
Isabel e Leopoldina, sendo ele mesmo o mais severo professor das princesas 61. No
entanto, j que o tempo e as obrigaes no lhe permitiam desempenhar plenamente este
papel, logo tratou de pedir ajuda sua irm Francisca, Princesa de Joinville, para que
procurasse na Europa uma preceptora que pudesse dirigir a educao das meninas.62 A
escolhida foi uma brasileira, D. Lusa Margarida Portugal de Barros, ento Viscondessa

56
Ttulo V, Captulo IV, artigo 117 da Constituio Poltica do Imprio do Brasil de 1824.
57
Dirio do Rio de Janeiro de 12/06/1847
58
CARVALHO.Jos Murilo de. D Pedro II. So Paulo: Cia das Letras, 2007,p.52
59
Jornal do Comrcio de 13/01/1850
60
LACOMBE, Loureno Luiz. Isabel A Princesa Redentora.Petrpolis: Instituto Histrico de Petrpolis,
1989, p.20
61
Idem, p. 22
62
Idem, p. 25
23

de Barral, mulher considerada extremamente inteligente e culta.63 Em setembro de 1856,


aps vrias negociaes, a j Condessa de Barral assumia a funo de Aia das
Princesas64. Teria como atribuies supervisionar os estudos, coordenar os professores,
e controlar todas as atividades dirias das princesas.65
Nas Atribuies da Aia ficava estabelecido por Pedro II o princpio
fundamental da educao de Isabel e Leopoldina:
Quanto educao, s direi que o carter de qualquer das Princesas deve ser
formado tal qual convm a Senhoras que podero ter que dirigir o governo
constitucional de um Imprio como o do Brasil. A instruo no deve diferir da
que se d aos homens, combinada com a do outro sexo; mas de modo que no
sofra a primeira. 66
A partir da, um rigoroso programa de ensino, que inclua cerca de nove horas e
meia de aulas dirias, seis dias na semana, foi desenvolvido para educar as princesas. As
matrias escolhidas, ministradas por vrios professores incluam, alm da lngua
portuguesa, o latim, francs, ingls e alemo; literatura portuguesa e francesa; histria
do Brasil, Portugal, Frana e Inglaterra; geografia; geologia; astronomia; qumica;
fsica; geometria e aritmtica. Ao ficarem mais velhas, foram acrescentadas as
disciplinas de italiano, histria da filosofia, grego e economia poltica.67 Alm dessas,
estudavam tambm botnica, mitologia, histria sagrada, poesia, redao, piano,
desenho, bordado e fotografia.68
Sua aprendizagem foi fortemente marcada pela doutrina catlica. De sua rotina
faziam parte as missas, as confisses e diversas celebraes religiosas. Muitos dos seus
exerccios de caligrafia e de redao tinham a religio como tema.69 A influncia
religiosa na sua educao, provinha de sua me, oriunda de dinastia napolitana marcada
por uma postura anti-liberal e de apoio irrestrito ao Papa.70 Segundo Daibert Jr, isso

63
Idem, p.26
64
Enquanto duravam as negociaes com o Imperador, morreu na Frana o sogro da Sr Luiza Maria
Portugal de Barros. Seu marido, um fidalgo francs, o Visconde de Barral, herdou-lhe o ttulo de Conde.
65
DAIBERT JR, Robert. Princesa Isabel (1846 1921): a Poltica do Corao entre o trono e o altar.
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria Social, IFCS, UFRJ, 2007,
p.97
66
Documento existente no arquivo Histrico do Museu Imperial de Petrpolis (arq.POB.M.29 Doc
1038), produzido poca da nomeao da condessa de Barral como preceptora das filhas de Pedro II,
apud LACOMBE, op. cit, p.34
67
BARMAN, op. cit, p.67
68
LACOMBE, op. cit. p.40.
69
DAIBERT. JR, op. cit, 2007, p.92
70
Idem p.99
24

pode ser comprovado atravs da correspondncia trocada entre Isabel e seus pais. Desde
criana elas possuam conotaes diferentes. Para a me iam as notcias sobre idas
missa e outras prticas religiosas e o pedido de envio de pequenas imagens de santos.
Para o pai, as notcias sobre o estudo e pedidos de livros e outros materiais para as
aulas, o que denota, desde cedo seu discernimento nas formas de se auto-representar.
Neste trabalho ora em curso, em relao Isabel, ser privilegiada a
correspondncia trocada sobretudo com seu pai, porque ser nelas que veremos
ressaltado o aspecto poltico.
Sua educao continuou mesmo depois de casada, como nos mostra a carta
escrita por ela ao marido, o Conde dEu, em 1865, na qual relata a programao de seu
dia:
7 - Sada com Mame e Leopoldina
9 hs. Almoo
10 a 10 - traduzir uma meia pgina de ingls, alemo ou italiano.
10 s 11 copiar uma pgina de Jesaumes (sic)
12 1 - 2 hs lio de harpa, piano ou pintura
3 s 4 leitura de francs ou portugus
4 horas jantar.71
Numa poca em que as poucas escolas femininas existentes na Corte limitavam-
se ao estudo de religio, lngua portuguesa, francesa (algumas, inglesa e alem),
ortografia, aritmtica, geografia, msica, piano, canto, dana e desenho,72e em que a
literatura exaltava como qualidades de uma moa bem educada saber cantar, tocar
piano, falar francs, ingls ou italiano, entender de costura, bordados e conversar com
graa,73a educao de Isabel e sua irm, ultrapassou em muito os padres da poca.
Poderia apenas ser comparvel a que era dada no Imperial Colgio Pedro II, o predileto
do Imperador, considerado a glria do ensino, smbolo de civilidade,74destinado a
preparar a elite dirigente do pas.

71
Arquivo Histrico do Museu Imperial de Petrpolis. Arquivo Gro-Par XLI - 1, carta de 01/08/1865
72
De acordo com os anncios publicados no Almanaque Laemmert, poca da educao das Princesas,
havia na Corte 14 colgios para meninas. LACOMBE, op. cit, p.42
73
BERNARDES, Maria Theresa Caiuby Crescenti. Mulheres de ontem? Rio de Janeiro, sculo XIX.
SP: T. A. Queiroz, 1988, p. 65. Obs: A autora faz um estudo sobre a imagem da mulher educada
projetada pelos romancista do sculo XIX, e exemplifica como uma das enumeraes mais completas a
contida no romance Helena, de Machado de Assis, publicado em 1876.
74
SCHWARCZ, Llian Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trpicos. SP: Cia
das letras, 1998, p.150
25

Barman considera que Pedro II elaborou para as filhas um programa de estudos


a seu gosto, como a que ele prprio recebera, mas que na dcada de 1830 j estaria
longe de ser adequada Segundo suas palavras, o programa que criou era
inteiramente apropriado para um adulto culto de trinta e poucos anos, mas no a quem
menino ou menina estava passando da infncia para a adolescncia.75. Creio
existir a um certo anacronismo, tanto pelo emprego do conceito de adolescncia,
incomum nesta poca, como na avaliao do que seria apropriado na educao de
prncipes ou princesa, no sculo XIX.
A educao dos Prncipes objeto de estudo desde a antiguidade. Inspirados em
Plato, os pensadores Ccero e Sneca criaram o ideal do Prncipe perfeito, que deveria
ser educado de modo a espelhar um modelo de virtudes, guiando-se pela razo para
fazer um bom governo e fazer justia. Nos sculos XIII e XIV, os valores cristos foram
sendo colocados como ponto mximo entre as virtudes a serem perseguidas: justia,
sabedoria, caridade, magnanimidade, temperncia e prudncia.76 Com Maquiavel, a
religiosidade perdia espao e eram exaltados num Prncipe, as qualidades intelectuais, a
dedicao s cincias, letras e artes.77 As idias iluministas, por sua vez, viam como
principal virtude dos prncipes sua capacidade em promover a civilizao. 78 Em
Portugal, no entanto, nesta mesma poca, ainda permanecia a idia de que a religio era
o fundamento para um bom governo, integrante principal, portanto, da educao dos
prncipes.
A educao de Isabel teve um misto de todos estes princpios: a ilustrao (por
influncia de seu pai) e a religiosidade (por influncia de sua me) formaram os
alicerces de sua educao, todos eles fornecendo elementos para a formao de sua
identidade.79 Pelos padres atuais, a diversidade de disciplinas talvez pudesse no ser
considerada a mais apropriada para jovens a quem estava destinado o futuro de uma
nao, mas, naquele contexto, certamente foi a mais adequada, ao menos no entender do
Imperador, um homem que fora educado sob princpios cristos, e que se dizia nascido
para se consagrar s letras e s cincias.80

75
BARMAN, op. cit, p. 69
76
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.62
77
Idem, p.63
78
Idem, p.64
79
Idem, p. 104
80
CARVALHO, op. cit., 2007 p. 77
26

J no que diz respeito vida das princesas em sociedade, elas foram mantidas,
durante sua infncia e adolescncia, numa quase total recluso, tendo seu tempo
dividido entre o Palcio de So Cristvo, no Rio de Janeiro, e Petrpolis, como
descreve Isabel nas suas memrias intitulada Alegrias e Tristezas81: Minha Infncia
passei junto aos meus queridos pais e de minha irm mais moa. No saa do Rio no
inverno, nem de Petrpolis no vero.
O Imperador Pedro II no era inclinado a uma vida social agitada. O ltimo
grande baile oferecido por ele havia sido em 1852. Depois disso, a famlia imperial
recolheu-se.82As diverses preferidas do Imperador seriam, segundo ele prprio, o
estudo, a leitura e a educao de minhas filhas.83 Poucas vezes elas apareceram nos
noticirios dos jornais, a no ser quando comparecem a uma ou outra cerimnia oficial
ou religiosa.
O isolamento e a rigidez da educao das princesas, no impediram, entretanto,
que houvesse momentos para brincadeiras e lazer, nem que se criassem laos de intensa
amizade com outras pessoas alm da famlia. Os jogos de teatro, os jogos de prenda, as
bonecas, as msicas e danas faziam parte do seu dia a dia. Caminhadas e cavalgadas
tambm estavam includas nas suas atividades, especialmente quando estavam no
palcio de Petrpolis, lugar preferido de Isabel, que o descreve como deliciosa
residncia de vero84. Um grupo restrito de crianas partilhava muitas vezes de suas
brincadeiras, entre elas Amandinha Paranagu, mais tarde Baronesa do Loreto e Maria
Jos Velho de Avelar (Mariquinhas), mais tarde Baronesa de Muritiba85, que seriam
diletas amigas de Isabel por toda a vida. Da mesma forma, ela criou vnculos
duradouros e profundos com sua Aia, a Condessa de Barral.
Quanto vida pblica e poltica neste perodo, Isabel participou pouqussimo,
com exceo da cerimnia acontecida no dia 29 de julho de 1860, quando, no prdio do
Senado, jurou a Constituio.86

81
Documento datado de 1908, publicado na Tribuna de Petrpolis em 15/05/1949. AHMIP (M.204
Doc. 9335)
82
PINHO, Jos Wanderley. Sales e Damas do Segundo Reinado. So Paulo: Livraria Martins Editora,
s/d, p.116
83
CARVALHO, op. cit., 2007 p.77
84
Alegrias e Tristezas, AHMIP (M.204 Doc.9935)
85
LACOMBE, op. cit, p.49
86
BARMAN, op. cit, p.71
27

A primeira grande questo poltica que envolveria Isabel seria a escolha do seu
futuro marido. Numa sociedade de corte87, um casamento desse porte, no tinha como
objetivo principal a formao de uma nova famlia, mas, sobretudo, a fundao e o
prosseguimento de uma casa.88 Como uma permanncia do Antigo Regime, os
casamentos, assim como as demais cerimnias que envolviam os reis cumpriam
tambm a funo de revigorar as monarquias, despertando enorme interesse, tanto na
nobreza como nas classes populares.89
No caso especfico do Brasil, um imprio constitudo recentemente, a escolha
do marido da futura imperatriz no era uma tarefa fcil. A distncia territorial entre
nosso pas e as monarquias europias tambm era um entrave na busca de candidatos
dispostos a cruzar o Atlntico. Alm disso, o noivo necessitaria residir no Brasil, ser
catlico, e renunciar aos direitos sucessrios de sua prpria famlia.90
Pelo artigo 120 da Constituio, cabia exclusivamente ao Imperador realizar o
casamento de suas filhas.91 Segundo Pedro Calmon, o modelo ideal a ser perseguido
correspondia ao Prncipe Alberto, marido da Rainha Vitria da Inglaterra, sem opinio,
para ser constitucional e sem temperamento, para ser consorte da soberana.92 A
Rainha Vitria servir como modelo de imperatriz durante o sculo XIX, e vrias vezes
a princesa Isabel ser comparada ou instigada a ter o mesmo comportamento dela,
durante o tempo em que existir a perspectiva de que ela venha a ocupar o trono do
Brasil
Desde que Isabel fora declarada herdeira do trono, algumas especulaes foram
feitas sobre quem seria seu futuro marido. A primeira, de 1855, colocava como
candidato mo da princesa seu primo portugus, D. Lus de Bourbon, filho de sua tia
Januria e o Conde dquila. Outro candidato provvel poderia ser D. Lus, filho de D.
Maria II, rainha de Portugal93. Mas ainda havia um profundo sentimento antilusitano
para que houvesse a possibilidade de se unir o reino do Brasil ao de Portugal. Um

87
Trata-se de uma sociedade na qual a posse de um ttulo de nobreza mais valiosa, para quem cresce
ali, do que a posse de uma riqueza acumulada; na qual pertencer corte do rei (...) algo
extraordinariamente importante na escala dos valores sociais ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p.94
88
idem, p.73
89
MAYER, Arno J. A Fora da tradio: a persistncia do antigo regime (1848 1914). So Paulo: Cia
das Letras, 1987, p. 139
90
BARMAN, op. cit, p.79
91
LACOMBE, op. cit., p. 57
92
CALMON, Pedro. op.cit, p.32
93
DAIBERT JR, op. cit. 2004 p.48
28

versinho, publicado na poca no jornal A Marmota ilustra bem a reao a essa


possvel aliana:
H de ser coisa fatal
De crua guerra civil
D. Lus de Portugal
Futuro Rei do Brasil.94
Em 1860, foi a vez das princesas receberem a visita, em Petrpolis, do
Arquiduque Maximiliano, futuro Imperador do Mxico, que, diante do receio existente
no Brasil de que elas viessem a desposar nobres de Portugal, viera sondar a
possibilidade de negociar o casamento delas com parentes seus.95At mesmo o ditador
Francisco Solano Lopes foi apresentado como possvel candidato mo de Isabel.96
Mas, foi em setembro de 1863 que o Imperador escreveu a seu cunhado, o
Prncipe de Joinville, marido de sua irm Francisca, falando da sua pretenso de casar
suas filhas quando Isabel completasse dezoito anos. Ele especificava: Para marido da
Isabel prefiro a todos o teu filho [Pedro, Duque de Penthive pelo qual a princesa
haveria se enamorado ao ver sua fotografia97] e para Leopoldina, o Conde de
Flandres98 (filho do rei Leopoldo I da Blgica). Mas, com o desinteresse dos rapazes
em tais arranjos e recusando-se ambos a deixar a Frana os noivados no se efetivaram.
Vendo fracassar essa negociao, o prprio Prncipe de Joinville em cartas ao
Imperador apresentou outras sugestes de possveis candidatos a consortes de suas
filhas. Entre os nomes propostos esto seus sobrinhos August de Saxe-Coburg-Gotha,
belo rapaz, extremamente vivo e inteligente,99 e Gasto de Orlans, o Conde dEu, a
quem descreve como (...)uma perfeio. Esprito, instruo, bom julgamento, tato,
excelente corao. Prope August para Isabel e Gasto para Leopoldina.100
Enquanto isso, a imprensa da Corte especulava sobre o assunto:
Circularam durante toda a semana boatos de esplndidas festas imperiais.
Fala-se em esperanosos casamentos das princesas que devem ter lugar em
junho prximo, vindo assistir a eles um augusto personagem europeu101.

94
A Marmota de 11/11/1857
95
LACOMBE, op. cit, p.58
96
Idem, p.65
97
Idem, p.61
98
BARMAN, op. cit. p. 83
99
LACOMBE, op. cit, p. 66
100
Idem, p.67
101
Semana Illustrada de 04/10/1863
29

Em maio de 1864, na abertura do Parlamento, o Imperador comunicava em sua


fala do trono que tratava do casamento das filhas. No dia seguinte, o jornal Semana
Illustrada, comentava que, conquanto se ignore ainda quem sejam os felizes
prometidos noivos(...) a esta hora fazem todos votos pela felicidade e pelo acerto da
escolha.102
E a Corte agitava-se diante dessa perspectiva:
O ruge-ruge do casamento das serenssimas princesas j comeou a por em
atividade os habitantes do Rio de Janeiro. Caiam-se casas, pintam-se janelas, e
cada qual trata de aformosar sua fachada.103
Finalmente, aps longa negociao estabelecida atravs de correspondncias,
em agosto de 1864, ficava acertada a vinda de Auguste de Saxe-Coburg e do Conde
dEu ao Brasil para que as princesas conhecessem os pretendentes. H vrias verses
sobre a escolha de quem desposaria Isabel e quem desposaria Leopoldina. Segundo
relato de Isabel no documento Alegrias e tristezas, pensava-se no Conde dEu para
minha irm e no Duque de Saxe para mim. Deus e nossos coraes decidiram
diferentemente. Essa idia romntica exposta por Isabel de ter sido uma escolha deles
prprios reforada pela carta escrita por ela a seu marido em 05/09/1865, na qual diz :
Hoje o aniversrio do dia em que Papai me disse que voc preferia a mim, no qual
chorei de alegria104.
Em carta escrita pelo Conde dEu sua irm Margarida, em 06/ 09/ 1864, no
entanto, ele revela que Anteontem o Imperador declarou ao General [Dumas
acompanhante do Conde na viagem ao Brasil] que era a mim que ele desejava ver
desposar sua herdeira105
A opo de Pedro II por um Orlans, neto de Lus Felipe de Frana o rei-
cidado, como marido de sua herdeira, atribuda, por Robert Daibert Jr, ao fato de que
estes tinham a caracterstica de serem democratas e liberais. Visava com essa escolha
dar ao regime monrquico um carter mais popular, fugindo do estigma do
absolutismo.106

102
Idem de 15/05/1864
103
Idem de 26/06/1864
104
AHMIP, AGP, LXI-1, 05/09/1865
105
Apud RANGEL, op. cit, p.97. Obs: no original em francs: Avant hier lEmpereur a dclar au
gnral que ctait moi qil dsirait voir poudes son hritire.
106
DAIBERT JR, op. cit. 2004, p.50
30

Mesmo sendo um casamento dinstico, e independente do motivo que levaram


escolha de Gasto de Orlans para marido de Isabel, o que se depreende na leitura da
correspondncia de ambos, tanto da trocada entre eles, como com outras pessoas, que
estabeleceu-se um relacionamento pleno de carinho, cuidados e amizade, que os levou a
estabelecer um verdadeiro companheirismo durante o convvio conjugal.
Finalmente, no dia 20 de setembro, o jornal Dirio do Rio de Janeiro anunciava
os escolhidos pelo Imperador. Para Leopoldina, Auguste de Saxe-Coburg, o Duque de
Saxe e para Isabel, Gasto de Orlans, o Conde dEu,. Quanto escolha dos respectivos
prncipes, desta forma que o jornal se manifesta:
A escolha dos augustos noivos foi to acertada como prudente. Ambos
aprenderam nas tradies e nobres exemplos de suas famlias o culto das idias
de progresso, o respeito lei jurada, o amor s instituies livres. Netos de reis
viram do bero passar algumas dessas tempestades polticas que podem partir
os cetros, mas que acrisolam e purificam os grandes caracteres. S. A. o Conde
dEu amestrou-se cedo nas lutas da vida. Jovem como , j tomou parte na
ltima guerra empreendida pela Espanha. No campo de batalha ganhou postos
e condecoraes. Alm disso, tem viajado muito e, sobretudo, respirado aquele
ar livre da Inglaterra, que na frase de Montalembert107, necessrio vida de
todos os homens. (...)108. A confiana que depositvamos na sabedoria e
prudncia de S. M. o Imperador no foi desmentida pelos fatos. A escolha dos
dois consortes deve satisfazer a nao e ser-lhes garantia de futuro.109
A aprovao escolha dos prncipes foi partilhada tambm pela Semana
Ilustrada que, da mesma forma, se debruou em elogios, afirmando que os jovens
prncipes j haviam cativado as simpatias gerais mesmo antes de serem considerados
os futuros consortes das Augustas Princesas.110
Como podemos deduzir, nenhum tipo de animosidade foi criada de incio em
relao aos prncipes escolhidos. A esperana de que a dinastia brasileira fosse
perpetrada atravs de bons laos estava plenamente atendida.

107
Escritor francs, autor de Moines dOcident, obra clssica que trata das origens do monarquismo
ocidental.
108
Gasto de Orlans, aos 6 anos foi banido da Frana, juntamente com sua famlia, educado na
Inglaterra, seguido carreira militar na Espanha e lutado na Guerra do Marrocos. Ao chegar ao Brasil
contava 23 anos. DAIBERT JR , op. cit. 2007, p.113
109
Dirio do Rio de Janeiro de 20/09/1864
110
Semana Ilustrada de 27/09/1864
31

O casamento entre Isabel e Gasto de Orlans aconteceu no dia 15/10/1864,


cercado de grande pompa. As notcias sobre ele esto em todos os jornais pesquisados
para esta poca111 com riqueza de detalhes. Uma crnica publicada no Dirio do Rio de
Janeiro, de autoria de Machado de Assis, constata que o casamento da herdeira da
coroa o assunto do momento, destacando a alegria ntima, natural, espontnea, a
festa cordial de respeito que o povo tributa primeira famlia da nao 112.
Aps o casamento o jovem casal seguiu para Petrpolis, retornando dia 24 para
a continuao dos festejos de suas bodas. A Semana Illustrada assim descreve as
comemoraes:
As noites de 24 e 25 do corrente ficaro sem dvida gravadas na lembrana
da populao da Corte.(...) SS. MM. II, bem como SS. AA., percorreram as
praas e ruas adornadas de povo, de luzes, de flores, de orquestras, ora a p,
ora de carro, oferecendo ao pblico edificante espetculo de uma famlia
soberana que confundida entre as ondas da populao de uma grande capital
no tem nada a recear da lealdade dos seus concidados e s encontra em sua
passagem saudaes e cortejos. 113
No incio de novembro, Isabel, que passara a assinar como Condessa dEu114, e
Gasto comeam a procurar uma residncia prpria, j que So Cristvo no agradava
ao Conde. Optam por uma residncia em Laranjeiras.115
Pouco tempo depois, por ocasio do aniversrio do Imperador, o clima de
aprovao e fidelidade a ele e monarquia estava presente no editorial do jornal
Semana Ilustrada116:
Saudamos com infalvel jbilo o dia natalcio de S. M. o Imperador. Prncipe
ilustrado, infatigvel obreiro do progresso, ameno no trato, generoso e
clemente, interessado com todo o fervor na prosperidade da ptria e na
sustentao dos brios nacionais, S. M. o Imperador o Monarca mais popular
do atual sculo, e sem dvida o mais digno de popularidade pelas virtudes
cvicas e privadas, de que exibe constantes provas.117

111
Jornal do Comrcio, Dirio do Rio de Janeiro e Semana Ilustrada
112
Dirio do Rio de Janeiro de 17/10/1864
113
Idem, de 30/10/1864
114
LACOMBE, op. cit, p.87
115
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 05/11/1864
116
O aniversrio do Imperador D. Pedro II comemorado no dia 2 de dezembro
117
Semana Ilustrada de 02/12/1864
32

A continuidade do regime monrquico parecia no estar em risco. Um terceiro


reinado era ainda uma possibilidade longnqua.
Em setembro de 1864, um conflito havia sido estabelecido entre os governos do
Uruguai e da Argentina, que aps muito tempo enfrentava um perodo de
relacionamento no beligerante118 com o Brasil. Em dezembro, na inteno de
salvaguardar seus interesses na regio, tropas brasileiras invadiram o Uruguai, sitiando
Montevidu, depondo o governo de Aguirre, e estabelecendo um governo provisrio.
Solano Lopes, presidente do Paraguai, pas limtrofe ao Brasil e Argentina, procurava
alcanar um papel mais relevante na regio. Como o Paraguai no possua sada para o
mar, Solano Lopes havia institudo aliana com o governo uruguaio, visando a esse
objetivo. Meses antes ele j dera um ultimato ao governo brasileiro para que no
atacasse o Uruguai.119 Tendo sua pretenso ignorada, Lopes reage e teve incio em 1865
a Guerra do Paraguai. No dia primeiro de janeiro do mesmo ano, era noticiada a
partida de um navio com soldados brasileiros para a Guerra do Paraguai, classificada,
na Semana Ilustrada, como uma guerra de honra e no uma guerra de conquista.120
No incio de janeiro, Isabel e o marido viajavam para a Europa em lua de mel.
Conforme Gasto de Orlans informa por carta ao pai, o duque de Nemours, o
Imperador queria que essa viagem fosse considerada como uma viagem familiar, mas
sugere que eles aproveitem para estudar a indstria e a agricultura europia.121 Era uma
oportunidade para o casal de herdeiros se atualizarem sobre o que havia de mais
moderno, o que eles efetivamente fizeram, principalmente na Inglaterra.122 Esta torna-
se uma referncia para a Princesa em matria de desenvolvimento e em carta ao pai
demonstra a esperana de que o Brasil chegasse ao mesmo patamar:Quanto gostaria
que nosso bom Brasil estivesse to adiantado como a Inglaterra. Ele muito moo
ainda, o mundo no se fez em um dia123
A viagem para Isabel seria tambm uma forma de travar contato com a vida em
sociedade, pois at ento a Princesa jamais havia ido a um baile ou a um teatro. 124 O
excesso de visitas de cortesia nobreza europia, no entanto, parece no t-la agradado

118
NEVES, Lcia M B. P. & MACHADO, Humberto F. O Imprio do Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999, p.407
119
BARMAN, op. cit. p.100
120
Semana Ilustrada de 01/01/1865
121
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 06/04/1865
122
LACOMBE, op. cit, p.103
123
AHMIP, AGP, XLI -2, carta de 06/01/1865
124
RANGEL, op. cit, p.99
33

muito, visto seu comentrio de que j estava farta de encontrar tantos prncipes que
no a interessavam125.
De volta Corte no ms de julho, tomam conhecimento de que o Imperador
havia se dirigido ao o sul do pas, em companhia de seu outro genro, o Duque de Saxe.
Poucos dias depois, partia ao encontro deles o Conde dEu, que possua o ttulo de
Marechal do Exrcito Brasileiro recebido por ocasio de seu casamento. Ia com a firme
inteno de remover cus e terras para que o Imperador o deixasse ir para a frente de
batalha. Ele tinha em conta que o grande mal, na Provncia do Rio Grande do Sul,
est na falta de um homem suficientemente importante para se sobrepor completamente
s influncias e rivalidades [entre conservadores e liberais] (...) e tomar na mo a
tarefa de coordenar a massa de voluntrios que afluem a essa provncia proveniente
das outras126. E ele acreditava ser a pessoa indicada para esse papel. Isso iria dar incio
a desentendimentos entre o Conde e o Imperador, j que este negaria todos os
insistentes pedidos do jovem Prncipe, para participar efetivamente da Guerra,
alegando, principalmente, que a presena do marido da herdeira do trono poderia ser
uma causa de constrangimento s repblicas aliadas, o que poderia prejudicar a
Aliana127.
Visando agradar ao genro, talvez na tentativa de amenizar o seu desagrado em
ter suas pretenses negadas, o Imperador, sem consult-lo, o nomeou Comandante
Geral da Arma da Artilharia e Presidente da Comisso de Melhoramentos do
Exrcito.128
Tal atitude provocou efeito contrrio, pois, munido dessa credencial, Gasto de
Orlans insistiu com o Imperador para que seu desejo de ir frente de batalha fosse
submetido ao Conselho da Coroa. Ele fez isso s escondidas de Isabel, que era
totalmente contrria idia de v-lo partir para o sul do pas, chegando mesmo,
segundo palavras do Conde, a ter reaes violentas129 quando ouvia falar do assunto.
Da mesma forma, pediu diretamente ao Marqus de Caxias, que havia recentemente
sido nomeado Comandante do Exrcito, para que o aceitasse sob seu comando. Alm
disso, escreveu ao Marqus de Paranagu, Ministro da Guerra, insistindo no pedido.
Vendo sua pretenso negada por todos, Gasto ameaou demitir-se do cargo de
125
LACOMBE, p.104
126
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 22/07/1865
127
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 22/11/1865
128
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 22/11/1865
129
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 17/10/1866
34

Comandante Geral da Armada, mas foi demovido desta inteno em conversas com o
Imperador e o Ministro Paranagu.130
O desentendimento entre o Imperador e o genro passou a fazer parte dos
comentrios na sociedade e das notcias dos jornais e toda sorte de boatos era criada
baseada nisso. Enquanto isso, o casal de prncipes permanecia a maior parte do tempo
em Petrpolis. Isabel procurava adotar uma posio de neutralidade, minimizando a
discrdia havida entre seus dois entes queridos, classificando tais comentrios de
ridculos e desagradveis131
No incio de 1869, o exrcito brasileiro j havia derrotado o paraguaio, restando
apenas a captura de Solano Lopes que havia se refugiado no interior do pas. O Duque
de Caxias, comandante do exrcito brasileiro, j de avanada idade para os padres da
poca132e com a sade abalada, no se sentia disposto a empreender uma caada ao
presidente paraguaio e, simplesmente abandonou o posto, retornando ao Rio de Janeiro.
No dia 20 de fevereiro deste mesmo ano, Gasto receberia do Imperador uma
carta que classificou de estupefante, na qual era convocado para um encontro no
Palcio de So Cristvo, com a proposta de que assumisse o comando do exrcito no
Paraguai. Ele ascendeu ao convite do Imperador para encontr-lo em So Cristvo,
mas o fez, novamente, s escondidas de Isabel, j que esta, possuidora de personalidade
forte, insistiria em acompanh-lo na visita, o que, segundo o prprio Conde, no lhe
permitiria ter o sangue frio necessrio para refletir e discutir133.
Segundo Roderick Barman, ao contrrio das imagens construdas para Isabel,
posteriormente, pela propaganda republicana, de que ela seria uma pessoa dbil e
influencivel, desde cedo, ela mostrou-se inteligente e com personalidade forte.134 Essa
idia reafirmada no testemunho de sua neta, Isabel de Orlans e Bragana, Condessa
de Paris, que escreve em suas memrias: Vov era uma mulher de personalidade,
como dizem dos caracteres difceis de definir.(...)No era bonita, mas encantadora,
inteligente e autoritria.(...) Alm do mais, era uma mulher de idias generosas, ainda
que categricas135.

130
Idem
131
AHMIP, AGP, XLI-5, carta de 24/01/1868
132
Ao final da Guerra do Paraguai, Caxias contava 65 anos.
133
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 22/02/1869
134
BARMAN op. cit, p.65).
135
BRAGANA, Isabel de Orlans. De todo Corao. Rio de Janeiro, Editora Buti, 1995 pp. 32-33
35

Quanto a aceitar o cargo oferecido, isso no se fez de imediato, pois o prncipe


insistiu em ter o aval de Jos Maria da Silva Paranhos, 1 baro e, mais tarde, visconde
do Rio Branco, que acabara de partir para o Paraguai com poderes especiais, e que
sempre fora contra a sua ida para l.
Isabel reagiu negativamente proposta recebida por seu marido. Alegando
cuidados com a sade de Gasto, e, pedindo desculpas por suas palavras, escreveu a seu
pai, acusando-o de impor sua vontade aos Ministros, que antes no concordavam com
as pretenses do conde de seguir para o Paraguai, e de estar cego pela sua paixo pelos
negcios da guerra, insistindo em acompanhar o marido se isso se efetivasse.136
Apesar da insistncia de Isabel em acompanh-lo e de muitas lgrimas137, o
Conde dEu partiu para o Paraguai em abril, deixando-a em So Cristvo, na
companhia dos pais.
Por esta ocasio, estava em circulao o jornal liberal A Reforma, que viu no
Conde dEu a figura ideal para fazer frente a Caxias, um dos principais lderes dos
conservadores. Numa utilizao poltico-partidria de sua imagem, elevou ao auge o
prestgio do consorte da futura herdeira do trono. Num artigo publicado em 16 de junho
de 1869, por exemplo, declarava que:
A vinda do Conde dEu, nas condies que o Marqus de Caxias colocou o
exrcito com sua retirada brusca, noite, nem se dignando dar-nos a honra de
uma despedida, foi uma medida reparadora que veio acalmar os nimos (...). O
soldado est contente.138
Essa utilizao da imagem do Conde dEu pelo partido liberal, tornou-se motivo
de descontentamento por parte dos conservadores, partido que estava no poder neste
momento, causando preocupao ao Imperador. Em carta ao baro de Cotegipe (ento
Ministro da Marinha), ele garantia que o prncipe h de proceder de modo a que no
suspeitem que ele inclina-se a este ou aquele partido, e que (...) assim como ele, reputa
a todos realmente amigo das instituies.139
Com o final do trfico de escravos, a questo servil havia entrado na agenda do
governo. Desde a dcada de 1860, uma srie de acontecimentos no exterior havia
trazido tona o problema da escravido. A libertao dos escravos em Portugal, na
136
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 22/02/1869
137
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 23/03/1869
138
A Reforma de 16/06/1869
139
PINHO, Jos Wanderley. Cartas do Imperador D. Pedro II ao Baro de Cotegipe. SP: Cia Editora
Nacional, 1933, p.154
36

Frana, na Dinamarca, dos servos russos, e a guerra civil nos Estados Unidos,
colocaram a existncia do escravismo no Brasil em evidncia. Por iniciativa da Coroa, o
Conselho de Estado foi ouvido em 1867 sobre a convenincia ou no da abolio direta
da escravido. Com exceo de poucos membros, os conselheiros se mostraram, a
princpio favorveis apenas libertao dos nascituros, alegando, no entanto, que aquele
no seria o momento oportuno, pois o pas encontrava-se em guerra, sendo necessrio
aguardar seu fim.140A questo servil teria que esperar.
Cerca de 200.000 homens (aproximadamente 2% da populao do pas) foram
guerra e, ao invs da elite branca, era de negros e mulatos a maioria do nosso exrcito
(Los Macaquitos, como eram chamados no Paraguai) 141. Em 1867, o governo decidira
libertar os escravos da nao, da casa imperial e dos conventos para a guerra e indenizar
os proprietrios que fizessem o mesmo. Escravos foram libertados s pressas para poder
guerrear. Escravos fugidos tambm se alistaram para assegurar sua liberdade. Mas nem
todos os negros que foram guerra o fizeram por presso ou falta de opo. Diante da
possibilidade de tornarem-se homens de respeito, ao invs de serem propriedade de
outrem ou mo de obra barata, muitos negros foram voluntrios de fato 142. O maior
nmero de libertos veio da Corte (2.500 homens), representando 22% do total recrutado
na capital.
Segundo Cmara Cascudo, o Conde dEu era at ento o nico membro da
famlia imperial declaradamente abolicionista 143. J em 1866, em carta dirigida ao pai,
ele comentava sobre projetos para emancipao dos escravos, questionando a falta de
iniciativa do governo para resolver a questo.144 A palavra abolicionista, no entanto,
deve ficar entendida como favorvel ao fim da escravido e no membro do
movimento abolicionista, que s vai tomar corpo anos mais tarde.
Ao final da Guerra, ele provocaria o fim da escravatura no Paraguai, ao enviar
ofcio ao Governo Provisrio sugerindo que se rompesse com uma instituio que foi
desgraadamente legada a vrios povos da livre Amrica, por muitos sculos de
despotismo e ignorncia."145 Ao discordar desta instituio que era base das classes que

140
CONRAD, Robert. Os ltimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 1975, p.88
141
SALLES, Ricardo. Memrias e Imagens: Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Edies Biblioteca
Nacional, 2003, p.28
142
SILVA, Eduardo. D. Ob II, o prncipe do povo. So Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 42
143
CASCUDO, op. cit, p.103
144
AHMIP, AGP, XLII, carta de 07/03/1866
145
CASCUDO, op. cit., p.106
37

davam sustentao ao Imprio Brasileiro, provocaria desconfianas contra ele,


sobretudo por parte dos conservadores e dos proprietrios de terras e escravos.
A Guerra do Paraguai fez nascer tambm uma nova instituio: o Exrcito.
Antes, ele no tinha grande importncia para o Imprio e no havia na profisso das
armas nenhum atrativo econmico ou social. Antes da guerra, existia apenas, como
fundamental, a Guarda Nacional. Ao final da guerra, os militares cobertos de glrias
assumiam uma nova representatividade e a profisso das armas tornava-se uma forma
de ascenso social. A partir de seus laos, o exrcito passava a se identificar com a
sociedade brasileira como um todo e no somente com o Estado Imperial. 146
Era pretenso de Gasto voltar da Guerra trazendo junto consigo alguns
batalhes de Voluntrios da Ptria, para que sua chegada desse lugar a uma dessas
solenidades sem as quais o trmino de uma grande guerra nacional fica incompleto. O
governo, alegando temer desordens, negou seu pedido determinando que as tropas
apenas chegassem ao Rio por contingentes, separados de seus comandantes, bandeiras e
msicos, o que causou grande aborrecimento ao prncipe147.
Apesar de, a princpio, o governo ter determinado que as tropas voltassem
diretamente para seus locais de origem pela possibilidade de haver desordens, elas
passaram a ser recebidas e festejadas na Corte. De acordo com Ricardo Salles, a
referncia ao temor de desordens uma pista clara da preocupao com a repercusso
que o emprego de libertos na guerra teria para a ordem pblica.148 Muitos escravos
idos para a guerra como libertos foram reconduzidos ao cativeiro aps o confronto, o
que veio provocar reaes pblicas.
Em maio de 1870, o Conde dEu, por sua vez, retornava Corte, com fama de
heri, construda principalmente pelos jornais liberais, e era entusiasticamente saudado
nas ruas, recebendo uma srie de homenagens largamente noticiadas sobretudo no
jornal A Reforma.
No perodo em que Gasto esteve afastado da Corte, Isabel permaneceu em So
Cristvo, ao lado dos pais, lendo artigos de jornais que falavam sobre o marido 149 e
trocando com ele farta correspondncia, na qual o mantinha informado dos
acontecimentos polticos, sem deixar de alert-lo de que nas suas cartas dirias nunca
146
SALLES, Ricardo. Nostalgia Imperial: a formao da identidade nacional no Brasil do Segundo
Reinado. Rio de Janeiro: Topbooks, 1996, p.170
147
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 16/12/1869
148
SALLES, op. cit, 2003, p. 190
149
BARMAN, op. cit, p.145
38

me envie nada que voc no deseja que papai leia. Novamente em evidncia, seu papel
de mediadora entre o Conde e o Imperador.
Em 20 de agosto de 1870, o casal dEu viajava novamente para a Europa.

1.2 - A PRIMEIRA REGNCIA


O longo perodo de conflito da Guerra do Paraguai havia acabado com a imagem
romntica de uma guerra de honra. Ela havia abalado fortemente a balana comercial
brasileira e aumentado a dvida externa do pas com a Inglaterra, devido aos
emprstimos pedidos para fazer frente s despesas150. A imagem do governo tambm
estava atingida, tanto no plano interno como no externo, quer pelo nmero de mortes e
crueldade das batalhas, quer por ter se utilizado de um exrcito de negros, sendo que
muitos foram libertados para esse fim, fato este criticado por vrios pases.
No dia do aniversrio do Imperador, no ano de 1870, o editorial do jornal liberal
A Reforma tem um tom completamente diferente daquele publicado na Semana
Ilustrada seis anos atrs. Sob o ttulo de O Imperador, ele inicia indagando se a
monarquia ainda seria compatvel com a liberdade e a prosperidade no Brasil. E
prossegue:
Ser crvel que aps quase meio sculo de independncia, este vasto imprio
do Brasil, to beneficiado pela natureza, nada mais possa apresentar aos olhos
do mundo civilizado do que a runa nas finanas, a esterilidade na indstria, a
escravido na poltica e uma incerteza pavorosa no futuro?.151
A f na monarquia e nas instituies vigentes j no era mais a mesma, vrias
crises tinham se estabelecido em decorrncia da Guerra e a credibilidade do Imprio
estava abalada. A nova onda liberal que surgiria nos anos 1870, focalizada nos padres
civilizatrios europeus iria provocar uma conscientizao do atraso nacional em relao
queles.152
No dia seguinte ao aniversrio do Imperador, mais um fato complicador para a
estabilidade da monarquia acontecia. Era lanado no dia 3 de dezembro de 1870 o
Manifesto Republicano, contando com o apoio de inmeras figuras proeminentes da
poltica e da intelectualidade do pas. Segundo Ilmar de Mattos, tratava-se de uma
contestao direo poltica, intelectual e moral que constituam a ordem imperial,
150
NEVES & MACHADO, op. cit, p.416
151
A Reforma de 02/12/1870
152
SALLES, op. cit, 1996, p.171
39

com a apresentao de um novo projeto poltico.153 O movimento republicano trazia em


si, como fim ltimo, a queda da monarquia.
Finda a guerra, entrava novamente na ordem do dia o problema do escravismo.
Em 1870, j estava estabelecido um movimento antiescravista, atravs do surgimento de
um jornalismo que o defendia e da proliferao de clubes emancipacionistas.
Neste contexto, o ms de maro de 1871 surgia como portador de grandes sinais
de mudana. No dia 6 era anunciado e lamentado nos jornais o falecimento, na Europa,
da Princesa Leopoldina. No dia seguinte, o Dirio do Rio de Janeiro comunicava a
inteno de Pedro II de, aps 30 anos ininterruptos de governo, partir Europa por dois
motivos principais: tratar da sade de sua esposa e buscar os filhos de Leopoldina, para
que fossem criados no Brasil.
Segundo Cludio Monteiro, a ida do Imperador Europa neste momento,
tambm tinha por objetivo atenuar as crticas externas feitas ao Brasil tanto em razo da
Guerra do Paraguai, como pela permanncia da escravido no pas154. E, embora a
historiografia, de uma forma geral, assinale a dcada de 1870 como o incio da
decadncia do Segundo Reinado, no mbito da poltica externa, em especial em relao
Frana, isso no se verifica. exatamente a partir da que D. Pedro II e o Imprio
Brasileiro vo adquirir um destacado perodo na imprensa francesa155.
No ms de maro tambm, o Imperador nomeava um gabinete conservador,
liderado pelo Baro do Rio Branco, encarregado de promover grandes reformas,
inclusive a do elemento servil. A iniciativa destas reformas teve origem no partido
liberal, mas, como vai se tornar constante durante o segundo reinado, ser um gabinete
conservador que vai lev-la adiante e coloc-la em prtica.
A viagem do Imperador e a iminncia de uma possvel libertao dos escravos
caram como uma bomba no seio da elite agrria brasileira, a grande fora poltica de
ento. Foram inmeras as cartas publicadas nos jornais que, apesar de reconhecerem a
legitimidade do desejo de Pedro II em viajar, davam como inoportuna a sua ausncia
naquele momento. O primeiro problema que se imps foi sobre quem ficaria no seu

153
MATTOS, Ilmar Rohrloff de. Do Imprio Repblica. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n.
4, 1989, p.163 - 171.
154
MONTEIRO, Cludio. Representaes monrquicas e publicidade do Brasil na Frana da Terceira
Repblica (1871 1876). in SANTOS, Cludia Andrade e SENA F, Nelson (orgs). Estudos de Poltica
e Cultura: novos olhares. Goinia: EV, 2006, p. 47
155
MONTEIRO, op. cit., p.58
40

lugar nesta situao de mudanas to delicadas. A pretenso dele era de que ficasse
como regente sua filha e herdeira do trono.
Parece que, pela primeira vez, o pas se deu conta de que D Pedro II no
reinaria para sempre. Que mais cedo ou mais tarde uma outra pessoa ocuparia seu lugar,
no caso, uma mulher, casada com um estrangeiro, um liberal francs a Princesa Isabel.
Por omisso da constituio de 1824, no estava claro se, em caso de viagem, a
regncia devia ser ocupada pelo herdeiro do trono ou por um regente eleito. Alm disso,
no estava estabelecido se o regente governaria com as mesmas atribuies do
Imperador, ou se teria seu poder limitado (no exercendo o Poder Moderador). Em
1862, antes mesmo de se saber quem seriam os escolhidos para desposar as princesas, o
Senador Silveira da Mota havia apresentado a Pedro II, em carter particular, um
projeto de lei que, entre outras disposies, estabelecia que as Princesas brasileiras,
casadas com prncipes estrangeiros, no tm direito regncia, embora sejam mais
prximas em parentesco e residam no imprio. O projeto, entretanto, no chegou a ser
apresentado para votao nas Cmaras.156
Um intenso debate se iniciou acerca da regncia e sobre a legitimidade da
nomeao de Isabel. O Conselho de Estado foi consultado a respeito do assunto e,
devido ao fato de existir uma forte resistncia em permitir a atuao dela como Chefe de
Estado, o caso foi levado ao Parlamento.157
Nas Cmaras, um dos maiores opositores regncia de Isabel foi o poeta,
escritor e deputado conservador Jos de Alencar. Na Sesso do dia 9 de maio de 1871
ele fez um discurso, publicado em vrios jornais. Diz ele:
Se me fosse permitido, agora, desta tribuna, onde s devo falar nao,
dirigir a augusta princesa imperial, que vai brevemente reger este Imprio,
algumas palavras, eu diria muito respeitosamente: Senhora, no aceitai o
presente funesto que vos querem fazer. A nao vos chama regncia, mas no
sois ainda a soberana; no podeis assumir o pleno exerccio das atribuies
majestticas. Neta do fundador desse imprio, inaugurai o vosso governo
dando um grande e fecundo exemplo. Sujeitai-vos mesma lei que vigora para
a regncia eletiva, mostrai que no cumprimento da constituio no h

156
LACOMBE, op. cit. p.140
157
DAIBERT Jr. Op. cit, 2004 p.68
41

diferena entre o prncipe e o cidado, porque ambos so sditos da soberania


nacional.158
E continua:
A regncia vai ser um mal para a prpria dinastia. Se a princesa for bem
iluminada e governar bem, o seu governo suscitar comparaes que podem
no ser favorveis ao imperante; se governar mal, acarreta de antemo
prevenes que podem ser nocivas herdeira do trono. 159
Um interessante exemplo sobre as apreenses provocadas pela provvel regncia
de Isabel encontra-se na transcrio de uma carta annima vinda de So Paulo para um
jornal da Corte e publicada na seo a pedidos160 do Dirio do Rio de Janeiro do dia
18 de abril de 1871:
(...) A questo da regncia gravssima na atual posio dos interesses
sociais do Brasil. A questo do elemento servil de tal natureza que assusta o
pas inteiro. Se ela no for resolvida com muita prudncia e calma a nao ser
levada para um abismo insondvel. Nestas circunstncias, a regncia confiada
serenssima princesa imperial, causa sria apreenso. At hoje ningum sabe
o modo de pensar da augusta princesa sobre essa magna questo, ao passo que
a opinio de seu augusto consorte, o Sr. Conde dEu, j foi externada em uma
nota ou missiva dirigida ao governo provisrio do Paraguai, a propsito deste
negcio. Por este fato h um compromisso tcito de Sua Alteza realizar a
emancipao no Brasil em ocasio oportuna. Ora, esta ocasio vir com a
regncia da princesa imperial, da qual o Sr. Conde dEu consultor e
conselheiro ntimo.(...)
O fim da cerimnia do beija-mo foi sugerido, tambm na seo a pedidos
para quando a Princesa assumisse, usando como argumento de que seria um modo
liberal de assinalar a estria da prxima regncia.161 No podendo afirmar se foi por
conta disso, o Imperador, antes de viajar, ordenou o fim desta prtica.

158
Jornal do Comrcio de 12/05/1871
159
A Reforma de 10/05/1871
160
Uma caracterstica dos jornais da poca a seo a pedidos, em geral com artigos ou cartas, que
tanto podiam ser de um simples leitor, como, anonimamente, do prprio diretor ou redator do jornal.
Atravs dela podiam expressar opinies que talvez no ousassem se tivessem que revelar sua autoria. O
uso do pseudnimo, bastante comum, muitas vezes dificulta a identificao do autor de muitos textos.
EDMUNDO, Luiz. O Rio de Janeiro do Meu Tempo, volume 4, Rio de Janeiro: Editora Conquista, 1957,
p.887
161
Dirio do Rio de janeiro de 12/05/1871
42

Os liberais, por sua vez, manifestam-se, atravs das pginas do jornal A


Reforma, favorveis a que a princesa assumisse com plenos poderes. No entanto, um
artigo publicado no final de abril, que trata do decreto que, mais de um ano depois vai
finalmente aprovar as promoes por ato de bravura, feitas pelo Conde dEu ainda
durante a guerra do Paraguai, encontramos a afirmao de que ele, dentro em breve
no vai ser unicamente um simples marechal de exrcito, esposo da nossa futura
imperatriz como at aqui, mas o regente de fato na ausncia do imperador!.162
Deve-se ressaltar o fato de que, tanto conservadores como liberais, quer
defendendo ou no a regncia para Isabel, utilizam um discurso onde a princesa no
aparece como uma governante de fato, capaz de tomar suas prprias decises sobre os
destinos do pas. Caberia a ela um papel secundrio, sob a influncia de seu marido que
seria, de acordo com a viso patriarcal de ento, o real regente. O desconhecimento
sobre seu posicionamento a respeito de assuntos polticos, tambm aparece como
natural neste contexto, j que o discurso corrente era de que, para a mulher, mesmo
sendo uma princesa, estava reservado apenas o espao privado, e no o pblico. Tudo
isso fazia parte da cultura poltica da poca.
Segundo Serge Berstein, o conjunto do sistema de representaes de diversos
grupos no que se refere poltica, engloba, de maneira ampla, conforme as pocas e os
regimes, outros elementos da cultura global de uma sociedade que podem tomar um
senso poltico, como por exemplo, as crenas religiosas, a organizao do sistema
escolar, a criao artstica, as regras morais, etc. No limite, possvel considerar que,
em certos casos, a cultura poltica constituda por toda cultura dominante de uma
determinada sociedade. Ela se exprimiria, sobretudo, por um discurso especfico de
cada uma das culturas polticas, o qual remete a todo um universo implcito e que
permite a todos que so parte integrante desta cultura de se reconhecerem
imediatamente.163
162
Idem de 30/04/1871
163
BERSTEIN, Serge. Enjeux: lhistorien et la culture politique. in Vintime Sicle Revue dhistoire,
n.35, juil/sept, 1992 pp. 70-71 (No original em francs): A ces rubriques fondamentales constitutives de
la culture politique, il faudrait encore ajouter lensamble du systme de reprsentations de divers
groupes concerns avant un rapport avec le politique et pouvant, par consquence, englober de manire
trs large selon les poques et ler regimes bien dautres lments de la culture globale dune socit qui
peuvent prendre un sens politique, par exemple, les croyances religieuses, lorganisation du systme
scolaire, la cration artistique, les rgles morales.... A la limite, on peut considrer que, dans certais cas,
cest toute la culture dominante dune societ qui constitue sa culture politique. Enfin, la culture
politique sexprimepar un certais nombre de moyens qui sont les formes principales per lesquelles elle
se manifeste ordinairement et est plus souvent perue. Avant tout, par un discours spcifique chacune
des cultures politiques, discours qui renvoie tout un univers implicite et qui permet demble a tous
43

O patriarcalismo, que fez parte da cultura poltica e pensamento brasileiro do


sculo XIX, persistiu como trao essencial da nossa sociedade na historiografia sobre o
perodo. Essa permanncia exprime uma forma de representao que consolidava o
modelo do poder existente, masculino e patriarcal.
No entanto, em algumas regies do pas, principalmente na Corte, esta imagem
era cada vez menos adequada para representar as mulheres das classes mdia e alta
nas ltimas dcadas do sculo XIX,164que teriam sido privilegiadas por uma educao
esmerada, com mais oportunidades de participar de um mundo de mercadorias,
smbolos e modelos de comportamento, equivalentes ao de pases tidos como
desenvolvidos.165 E Isabel se enquadra perfeitamente nesta categoria.
Quando o debate acerca da regncia se iniciou, Isabel, que estivera ao lado da
irm em seus ltimos momentos, ainda estava a caminho do Brasil, retornando de sua
viagem Europa. Vinha atendendo ao chamado de seu pai, que j h algum tempo
acalentava a idia de viajar ao Velho Continente. Ainda mais agora, que a sade da
Imperatriz ficara mais dbil aps a morte da filha. Alm disso, era importante ter junto
dele os filhos de Leopoldina, principalmente o mais velho, pois com a morte da me,
este se tornara o segundo na linha de sucesso, j que at ento, Isabel no tivera filhos.
Isabel e Gasto chegaram Corte no dia primeiro de maio de 1871. No dia 15,
finalmente, o gabinete apresentou o projeto de lei que autorizava o Imperador a sair do
pas, declarando Isabel regente com plenos poderes, tendo a lei entrado em vigor no
mesmo dia. A 20 de maio, ela prestou juramento no Senado e cinco dias depois seus
pais embarcaram para a Europa.
Embora desde 1870 tomasse parte nas reunies do Conselho de Estado166, Isabel
no havia tido anteriormente experincia na gesto da coisa pblica. Tentando orientar
sua filha, Pedro II preparara um documento intitulado Conselhos Regente 167, que
lhe entregou poucos dias depois de sua chegada, conforme o Conde dEu registra em
sua correspondncia para o pai: O Imperador nos trouxe um livro manuscrito de seus
conselhos sobre o governo do Imprio (so apenas algumas pginas) e pede que aps

ceux qui sont part prenante de cette culture de se reconnaitre.


164
SAMARA, Eni de Mesquita. As Mulheres, o Poder e a Famlia. Citada por COSTA. Emilia Viotti.
Patriarcalismo e patronagem: Mitos sobre a mulher do sculo XIX, in Da Monarquia Repblica. SP:
UNESP. 2007, p.497.
165
COSTA,. Emilia Viotti. Da Monarquia Repblica. SP: UNESP. 2007 p.500
166
Isabel e seu marido foram nomeados para o Conselho de Estado, mas no tinham direito a voto.
167
CARVALHO, op. cit, 2007, p.88-89
44

termos lido, ns coloquemos sobre esse assunto nossas objees e questes.168 Neste
livrinho o imperador trata de assuntos diversos, entre eles o cuidado e ateno para
com a opinio pblica.
Existem divergncias sobre a noo de opinio pblica no perodo, apesar dela
ter se constitudo uma referncia obrigatria a partir do sculo XVIII. Segundo
Norberto Bobbio, o pensamento liberal francs e ingls do sculo XIX, 169 que exerceu
forte influncia sobre o pensamento liberal no Brasil, havia retomado o pensamento de
Locke para quem a opinio pblica estaria prximo da lei divina e da lei civil,
funcionando como juzo expresso pela sociedade. A esta idia, acrescentaram a noo
de que a opinio pblica possua a funo de permitir aos cidados uma participao
poltica mais ativa, dando a eles a possibilidade de poder discutir e manifestar suas
prprias opinies sobre questes de seu interesse, funcionando como uma espcie de
tribunal da poltica.170
Pedro II aconselhava a filha que, para melhor aferir a opinio pblica procurasse
ouvir todos os partidos, que possuiriam entre outras funes, a de transmitir as
demandas oriundas da sociedade.171 Que buscasse informar-se de tudo que se passasse
nas Cmaras, que, segundo Benjamin Constant, seria a expresso da opinio pblica. E
que, sobretudo, estivesse atenta a tudo o que dissesse a imprensa de todo o Brasil,
espao privilegiado no qual, baseado na existncia de uma liberdade de expresso, se
daria publicidade aos atos do governo para que a opinio pblica se formasse.
Em outros tpicos de suas anotaes para a Isabel, o Imperador trata de eleies,
educao pblica, nomeao de funcionrios, troca de ministrios e a relao com eles,
favores e liberdade de imprensa. Um outro ponto importante, diz respeito diretamente
ao Conde dEu:
Para que qualquer ministrio no tenha o menor cime da ingerncia de
minha filha nos negcios pblicos, indispensvel que meu genro, alis,
conselheiro natural de minha filha, proceda de modo que no se possa ter

168
Dentro da carta enviada pelo conde dEu ao pai, no dia 06/05/1871, h um papel com anotaes dirias
entre o dia 25/04 e 05/05 de 1871. A referncia aos conselhos do Imperador est anotada no dia
03/05/1871. AHMIP - AGP, LXII -3 , carta de 06/05/1871
169
Representado por Benthan, Burke, Constant e Guizot. in BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola
PASQUINO, Gianfranco, Dicionrio de Poltica, Braslia, Ed. Universidade de Braslia: SP: Imprensa
Oficial do Estado, 2000, vol. II, PP. 843-844
170
Idem
171
BOBBIO, MATTEUCCI & PASQUINO, op. cit, vol. II, p.1210
45

certeza de que ele influiu, mesmo por seus conselhos, nas opinies de minha
filha172.
H aqui, claramente, a preocupao de que o genro no assuma, como
preconizavam os jornais, o papel de real regente do Imprio. E essa preocupao de
isolar o marido da regente, tambm ficou evidente na atitude do ministrio conservador
que no autorizou sua permanncia ao lado de Isabel, quando esta assumiu o cargo
perante o presidente do Senado. Em represlia, ele no compareceu cerimnia.173
Isabel podia no ter experincia na administrao do Imprio, mas no era de
forma alguma alienada da poltica. Ela conhecia seu jogo e participava dele, como fica
evidente na correspondncia trocada com o pai, quando narra seu primeiro despacho.
Diz ela:
Quando entrei na sala, fiquei abismada, 5 enormes pastas recheadas,
algumas de uma maneira monstruosa, estavam-me esperando. Felizmente a
coisa foi mais fcil do que julguei primeira vista(...). Felizmente eram cartas
(...) para eu assinar e tambm para eu assinar uma infinidade de baronatos e
viscondatos.(...) Houve algumas exoneraes tambm a assinar, s quais no fiz
objeo(...) Papai ver pelos jornais a discusso do voto de graas que por fim
passou como o governo quis. Por pouco que a panela no se entornava e que eu
ficava, no posso dizer de calas pardas, mas em vestido pardo, com o molho
que escorresse e que eu tinha de limpar, o que no havia de ser nada cmodo.
De pasta em pasta, parece-me que houve talvez suscetibilidade demais. Amanh
irei ao Pao da Cidade receber as deputaes a este respeito do Senado e da
Cmara dos Deputados, a quem darei esta resposta lacnica como as suas e
pelo teor delas: Agradeo em nome do Imperador os sentimentos que
manifestam por parte do Senado (ou da Cmara dos Deputados) e a
cooperao que este (ou esta) promete ao Governo. (...)174
Ela tambm possua opinies prprias que muitas vezes divergia das do pai. E,
sem perder o carinho e o respeito que lhe era devido, no tinha o menor
constrangimento em censur-lo no que julgasse necessrio.
Por ter ressalvas recente unificao italiana, que havia submetido
politicamente o Vaticano e o Papa, dispara em carta a Pedro II: Perdoa-me meu
172
BARMAN, p.158
173
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 24/05/1871
174
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 04/06/1871
46

Papaizinho, mas s vezes Papai tem umas idias que no me quadram. Quem lhe
mandou ir abertura do Parlamento italiano? e mais abaixo na mesma carta: Duas
coisas no aprovo de sua viagem: esta ida ao parlamento italiano e o seguir as rezas
na sinagoga como se fosse um judeu!175
Isabel partilhava, por influncia de sua me e da educao recebida de sua aia, a
Condessa de Barral, de idias ultramontanas.176
O termo ultramontanismo era utilizado desde o sculo XI para designar os
cristos que defendiam o ponto de vista papal, mas, no sculo XIX, a palavra passou a
significar um conjunto de conceitos e atitudes que remetiam ao lado conservador da
Igreja Catlica e sua reao a um pensamento liberal que pregava a total liberdade do
indivduo sobre suas crenas e a no influncia da Igreja na esfera do Estado177.
Embora o Imperador se declarasse liberal de corao e respeitador dos
direitos alheios178, e portanto, bem mais flexvel em matria de religio, suas atitudes
no tinham aprovao da filha. A religiosidade de Isabel, no entanto, no significava
um despreparo para o governo. De acordo com Robert Daibert Jr , o que ela possua era
uma concepo que se confrontava com o anticlericalismo pregado pelas idias liberais
e positivistas, to em voga no perodo179.
Alm desse aspecto, Isabel tambm censurava o pai em questes morais: Vou
j ralhando. Nenhuma linhazinha para mim e acha tempo para visitar Georges Sand,
uma mulher de muito talento, verdade, mas tambm to imoral! E justifica sua
repreenso questionando o pai: Por mais incognitozinho que v, sempre se sabe que
o Sr. Pedro de Alcntara e no deve ser ele antes de tudo um bom catlico e portanto
afastar de si o que imoral? 180
A crtica de Isabel a George Sand, pseudnimo da escritora francesa Aurore
Dupin, que se utilizava dele para escapar dos preconceitos contra as mulheres escritoras
diz respeito ao aspecto moral e comportamental dela. Ela era divorciada, teve vrios
amantes, fumava charutos e vestia-se como homem, atitudes consideradas muito
ousadas entre as mulheres do sculo XIX. No entanto, Isabel no deixa de reconhecer
175
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 05/01/1872
176
Amrico Jacobina Lacombe atribui Condessa de Barral uma enorme influncia sobre Isabel no que
diz respeito ao aspecto religioso. Sendo responsvel pela educao das princesas, elaborou para elas uma
linha de conduta extremamente rgida em matria de f catlica. apud, DAIBERT JR, op. cit. 2007, p.97
177
BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e Sombras: a ao da maonaria brasileira (1870 -1910).
Campinas, SP: Editora Unicamp, 1999, p. 102
178
Carta de Pedro II Isabel em 04/02/1888, apud, DAIBERT JR, op. cit, 2004, p.100
179
DAIBERT JR, op. cit, 2004, p.107
180
AHMIP AGP, XLI-2, carta 04/02/1872
47

nela seus dotes intelectuais. A repreenso feita ao pai denota uma preocupao em
preservar a imagem pblica do Imperador, associando-a religio catlica.
No campo da poltica, Isabel possua muitos pontos de divergncia em relao a
Pedro II. Durante essa sua primeira experincia a frente do trono, escreveu para seu pai
o que chama de seu testamento poltico. Eis o que diz: (os trechos em negrito foram
destacados por Isabel de uma carta recebida de seu pai, na qual este justifica sua ida ao
Parlamento Italiano)
(...) A abertura do Parlamento em Roma era a festa nacional porque a
maioria dos italianos queria e quer a unidade de toda a Itlia. Disse ao papa e
a Victor Emmanuel tudo o que pensava, e por conseqncia havia de ter
reprovado as violncias como o emperramento do Papa que, alis, sempre (...)
No discuto se a unidade da Itlia era pedida pela maioria dos italianos, mas o
que digo e que direi que ela foi obtida de uma maneira abominvel. V.E.
[Victor Emmanuel] que esperasse que a dita maioria lhe pedisse de ser rei! A
abertura do Parlamento em Roma era festa nacional e por isso l fui. Tambm
em Paris em 1793 as festas da deusa razo eram festas nacionais181 e papai l
teria ido figurar porque como curioso no sei quem lhe amarraria as pernas. O
emperramento do Papa ou o que o papai chama por esse nome no ser a
maneira porque esse bom velho julga poder sustentar a sua dignidade que no
s sua, mas a de todos os catlicos? No ser a sua tenacidade?! Esta minha
carta deve-lhe cheirar a artigo de fundo de jornal. No se espante disso.
Confesso minha fraqueza: estes tempos tenho lido e dou ainda muita ateno a
alguns artigos de fundo de jornais. Ainda no me acostumei a ler censura como
se ouve o grasnar dos ces. Ser isto um defeito? Talvez no de todo. uma
boa ou m nota como as que tnhamos quando estudvamos e que tanto nos
estimulavam a bem proceder; os mestres atuais so pouco imparciais verdade
dizer-se. E olhe que no so censuras feitas a mim, irrita-me porque as vejo
bem injustas e temo tambm que um dia no me cheguem muito por casa. O
meu maior fantasma o tal poder pessoal de quem o acusam, meu bom
papaizinho, e que julgo dever provir do emperramento que lhe atribuem. Vou
pr tudo em pratos limpos. A culpa no sua, ao menos no sua s. Papai tem
inteligncia, tem vontade (tenacidade ou emperramento se quiser) e meios de a

181
Festa republicana francesa de 1793, na qual o rei foi guilhotinado.
48

pr em obra. Os nossos ministros em geral so menos firmes, tenazes ou


emperrados, e, portanto a corda arrebenta pelo mais fraco. O que fazer? No se
julgue to infalvel, mostre-se mais confiante neles, no se meta em negcios
que so puramente da repartio deles (e eu terei mais de seu tempo) e se
algum dia no puder de todo continuar a dar-lhes sua confiana ou se vir que a
opinio pblica (verdadeira) contrria a eles, rua com eles!
Falando de um outro ponto pelo qual meu papaizinho peca, dir-lhe-a que no
leve a abnegao ao ponto a que levou at agora, no tenha medo de proteger,
segundo a justia e o bem pblico, os seus amigos, que no podero fazer a
mesma distino entre o Sr. Pedro de Alcntara e o Sr. D. Pedro II e, portanto,
o Brasil, para o qual, ao menos at o presente governo monrquico julgam, na
generalidade, ser o melhor que pague o pato. Sei bem que me vir a dizer que
se pudessem haver idnticas circunstncias, nelas escolheria primeiro seus
amigos. Tome bem sentido, porm, que o prprio medo de ser parcial no faa
colocar estes abaixo de outros que valham tanto ou menos. Defeito contrrio:
no me encha de graas aqueles que (quando a justia e o bem pblico no
pedirem diferentemente) lhes so contrrios. o melhor meio de fazer falar
contra o Sr. D. Pedro II para obter dele tudo (no pelo medo que lhe inspire,
mas por sua excessiva abnegao), e como o Sr. D. Pedro II l se vai a rastos
muitas vezes os princpios que ele representa. So estes os conselhos, o
testamento poltico de sua matraquinha com quem poder discutir sobre todos
estes pontos quando c estiver.(...)182
Esta carta possui um carter pessoal e familiar na qual se alternam carinho filial
e crticas, demonstrando o cuidado e a preocupao de Isabel com a conduta social e
poltica de seu pai. Nela, a princesa reafirma sua defesa da Igreja Catlica e do Papa,
mostra-se muito mais preocupada com a preservao da imagem pblica, sensvel s
crticas da imprensa, que considera parcial, impaciente na resoluo das questes
polticas, descentralizadora, e mais ligada ao favoritismo poltico que o Imperador.
Critica a forma como ele conduz politicamente o Imprio. Acusa-o de ser teimoso,
julgar-se infalvel e intrometer-se em assuntos que dizem respeito apenas ao ministrio,
abusando do seu poder pessoal.

182
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 04/02/1871
49

O poder pessoal do Imperador provinha do Poder Moderador, configurando-se


este ltimo num elo entre o poder pessoal patriarcal e o domnio pblico no quadro
institucional do Imprio. Ele era o ponto central da vida poltica do Segundo Reinado,
em torno do qual se debatiam os temas mais importantes. Para ele convergiam os
apelos, e, conseqentemente, as mais duras crticas.183
Isabel prope ao pai que seja menos centralizador e deixe o ministrio mais livre
para agir e, caso perca a confiana que tem nele, ou a opinio pblica assim o exigir,
use do poder que tem e o destitua.
Outro ponto discordante diz respeito imparcialidade que o imperador procura
ter em relao s pessoas que o cercam, beneficiando inimigos em detrimento de
amigos, o que representa um dado negativo, na opinio dela. O alerta pode significar
tambm que ela julgue que seu pai estaria buscando apoio junto a pessoas de pouca
confiana.
Destacamos tambm dois aspectos que ela coloca como fundamentais para
conduo dos seus atos: aplicar a justia, usada aqui por Isabel, segundo a viso clssica
que identificava a justia com a virtude, ou seja, uma ao moralmente boa184 e respeitar
a opinio pblica verdadeira, como ela ressalta. O destaque que ela d palavra nos
faz concluir que ela no via a opinio pblica como incorruptvel, conforme
pregavam os pensadores liberais do incio do sc XIX como Constant e Guizot. A
gerao de liberais que os sucedeu, como Toqueville, no a via mais desta forma,
alegando que havia o perigo da manipulao desta opinio no s pelo governo como
tambm pela prpria sociedade, atravs do despotismo da maioria ou o conformismo da
massa.185
Quanto discusso da lei do ventre livre, que teve lugar em sua regncia, apesar
do intenso debate que se desenrolou no Parlamento e na imprensa, Isabel manteve-se
parte. Ela fez o que pregava ao pai. Deixou que tudo fosse definido sem interferncia
sua. Observava de longe as acaloradas discusses, que incluiam mesmo, como definiu
o Conde dEu186 cenas de grosseria e de violncias recprocas (...) deplorveis. Por
carta dizia Isabel a seu pai: A Cmara dos deputados que tem estado furiosa e
indecente. Ver pelos jornais187.
183
SALLES, op. cit, 1996, p.143
184
BOBBIO et alii, op. cit,Vol I, p 661
185
Idem, vol II, p. 884
186
AHMIP, AGP, XLII- 3, carta de 04/08/1871
187
AHMIP, AGP, XLI -2, carta de 04/08/1871
50

A despeito do tom veemente utilizado pelos opositores do projeto na cmara e


do clima de apreenso das camadas senhoriais, a Lei do Ventre Livre acabou sendo
apenas uma medida protelatria, uma concesso s exigncias dos radicais.188 Ela
estabelecia que os filhos de mulheres escravas que nascessem dali por diante seriam
livres. Os proprietrios deveriam cri-los at os oito anos de idade, quando ento
optariam por receber uma indenizao em troca de sua liberdade definitiva ou a
manuteno do mesmo sob seus servios at completar 21 anos. Seriam criados fundos
de emancipao para a compra progressiva da liberdade dos escravos. Desta maneira, a
lei consagrava o princpio da indenizao e mantinha a escravido por mais um longo
perodo. Apesar disso, foi capaz, de fazer serenar o movimento em favor do fim da
escravido.
Mesmo no tendo infludo no projeto, nem participado dos debates acerca do
assunto, a Princesa Isabel, na qualidade de ocupante do trono, assinou a lei no dia 28 de
setembro de 1871. O restante de sua regncia correu sem demais incidentes, at a volta
de seu pai no ltimo dia de maro de 1872.
Em sua primeira experincia a frente do Imprio, aparentemente, suas
divergncias de opinio em relao ao pai no ultrapassaram o espao das cartas. Ela
tinha conscincia de que a regncia possua carter provisrio e que brevemente o
Imperador estaria novamente no comando, como demonstra em carta ao pai:
No nos esqueais em vossas oraes, principalmente agora que fomos
chamados a dirigir todo esse imprio. No das coisas mais cmodas e por
todas essas razes ficarei bem contente quando for aliviada dessa
responsabilidade.189
O Conde dEu permaneceu ao lado da princesa de forma aparentemente discreta,
no tendo sido encontrado comentrios ou crticas sobre interferncia dele nos assuntos
do governo, ao menos nos jornais usados nesta pesquisa.190 No entanto, no deixou de
ajud-la, ou dar-lhe conselhos, como informa a princesa a Pedro II: ficaria muito
embaraada se no tivesse ao meu lado o bom Gaston, que me ajuda tanto e me d to
bons conselhos191

188
COSTA, Emlia V. opus cit, p. 334
189
AHMIP, AGP, XLI 2, carta de 06/12/1871
190
Dirio do Rio de Janeiro, A Reforma, Jornal do Comrcio
191
AHMIP, AGP, XLII 3, carta de 21/07/1871
51

O Imperador, por seu turno, parecia confiar na deciso de ter deixado a filha em
seu lugar. Na correspondncia trocada entre eles, determina que: Dos negcios da
ptria nada direi, no s pela confiana que tanto me inspira, como por esprito de
coerncia bem aconselhada no esprito de todos.192
Numa avaliao do desempenho de Isabel feita pelos jornais durante seu perodo
de regncia, aqui exemplificado pelo Jornal do Comrcio, consideraram que ela foi
preservada de censuras e acusaes durante os debates na Cmara durante o ano de
1871, pois todos respeitaram o carter provisrio da regncia e fizeram justia
prudncia, dignidade e acerto com que se houve a princesa.193
Apesar da apreenso causada no meio poltico e rural quando de sua indicao
para ocupar a regncia, Isabel manteve uma postura prudente num perodo de mudanas
delicadas. Em sua correspondncia, no se mostrou ingnua, nem despreparada
politicamente. Essa opinio partilhada por Robert Daibert Jr194 e Roderick Barman195,
embora este ltimo, sem apresentar nenhum fundamento para isto, afirme que seu pai
no deu importncia s observaes feitas por ela em sua correspondncia, e sequer
estava interessado em sua opinio.196
O testamento poltico da Princesa Isabel, elaborado durante a primeira
regncia, serve como uma chave de compreenso para muitas de suas aes polticas
futuras.

1.3 - A SEGUNDA REGNCIA


Com os nimos do pas relativamente serenados e com o retorno de Pedro II, a
princesa foi tratar de um problema pessoal que muito a afligia: o fato de ainda no ter
dado luz um herdeiro para a Coroa. Aps Isabel ter finalmente engravidado e logo em
seguida abortado, em outubro 1872, o casal dEu partiu para a Europa, em abril de
1873, em busca de um tratamento mdico.197
Ser me era uma das principais funes atribudas mulher no mundo ocidental
no sculo XIX. Ainda mais uma mulher nos ombros de quem recaa o peso de manter
a linhagem sucessria de um imprio. E Isabel queria ser me por ambos os motivos.

192
Carta de Pedro II Isabel em 4/02/1872, apud DAIBERT JR, op. cit, 2004, p.100
193
Jornal do Comrcio de 05/01/1873
194
DAIBERT JR, op cit, 2004, p.107
195
BARMAN, op. cit, pp. 161-162
196
Idem, p.165
197
BARMAN, op cit, p.177
52

Em carta enviada ao marido, em 1865, demonstrava esse seu desejo da seguinte forma:
Isabelle teve uma filha. Isso recorrente entre as netas da vov. (...) Eu confesso que
quando for a nossa vez de ter filhos eu gostaria muito de colocar por terra essa regra.
Eu desejo que o primeiro filho que tivermos seja um menino.198
Por esta ocasio, j havia se iniciado os conflitos entre a Igreja e a Maonaria.
Desde 1864, o Conclio Vaticano I proclamara a infalibilidade papal em matria de
dogma e o Papa Pio XI adotara uma posio mais conservadora, condenando o
racionalismo, o comunismo, a maonaria, a separao entre a Igreja e o Estado, o
liberalismo, o progresso e a civilizao moderna.199 Em represlia, a maonaria passou a
adotar abertamente, uma posio anticlerical e anticatlica a partir da dcada de 1870.200
Como conseqncia, os maons foram proibidos de freqentar Igrejas e fazer parte das
irmandades, assim como os padres de freqentarem as reunies da maonaria. Os
principais bispos seguidores do ultramontanismo e que puseram em prtica esta deciso
no Brasil, no ano de 1872, foram D. Vital, de Olinda, D. Macedo Costa, do Par e D.
Pedro Maria Lacerda, do Rio de Janeiro.
A maonaria no Brasil era formada, sobretudo, por membros da elite poltica,
econmica e intelectual.201 As irmandades fizeram um apelo ao Imperador, com o
argumento de que, por no terem recebido sua aprovao, as bulas papais no poderiam
ter validade no Brasil. Os bispos foram advertidos pelo governo que deveriam declarar
sem efeito os seus atos, j que aqui, a constituio das ordens Terceiras e Irmandades
era de competncia exclusiva do poder civil, e a atitude dos bispos, portanto, teria a
caracterstica de usurpao do poder temporal do Imprio.202 Por carta ao seu pai, Isabel
posicionava-se sobre a questo:
O negcio dos bispos tambm me inquieta bastante. Poderiam eles ser mais
prudentes? O que acho porm que o governo quer se meter demais em coisas
que no deveriam ser de seu alcance. (...) Devemos defender os direitos dos
cidados brasileiros, os da constituio, mas qual a segurana de tudo isso, dos
juramentos prestados se no obedecemos em primeiro lugar Igreja?203

198
AHMIP AGP, XLI-1 carta de 24/10/1865
199
BARATA, op. cit, p.103
200
COLUSSI, op. cit, p.32
201
COLUSSI, op. cit, p.30
202
BARATA, op. cit. p.94
203
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 31/08/1873
53

Apesar de questionar a atitude dos bispos, considerando-os, talvez, imprudentes,


a proposta de Isabel ficava clara neste trecho desta carta: ela julgava que o Estado no
deveria se imiscuir nos assuntos da Igreja e que os princpios morais impostos pela
religio catlica deveriam se colocar acima de todos os outros. Quanto a este aspecto,
sua viso estaria de acordo com o jornal O Apstolo, espelho o pensamento
ultramontano da poca204 que via a estabilidade poltica do Imprio garantida a partir
de uma ordem catlica.205
No que diz respeito Maonaria, exprime-se desta forma na mesma carta:
(...)se os Maons tem tanto apego s coisas da Igreja que no queriam ser
expulsos desta, por que no abandonam a Maonaria? Ou h medo, ou pouco
fervor da parte deles. (...) Porque os scios da maonaria brasileira no
formaram uma outra sociedade, s claras, que nada tivesse de repreensvel e
que ao mesmo tempo continuasse com o fim de beneficncia que principalmente
tem assumido em nosso pas? Seria um meio de no lesar os direitos a socorros
que seus adeptos tenham adquirido.206
A Maonaria sempre foi considerada uma associao secreta. O segredo
manico estaria ligado Idade Mdia, aos conhecimentos tcnicos e matemticos da
construo civil, j que na sua origem maonaria designava a associao de pedreiros
que construam as catedrais, e que, portanto, deveriam guardar segredo de suas tcnicas.
A maonaria moderna e contempornea continuou exigindo de seus filiados reserva de
seus trabalhos e virtudes. O segredo manico poderia funcionar tambm como meio
de identificao entre os maons.207 Isto proporcionava a idia de que, como qualificava
Isabel, a Maonaria no seria uma sociedade s claras. J a parte que dizia respeito
sua beneficncia, que variava da ajuda financeira aos seus membros mais
necessitados, ao auxlio a vivas e rfos de seus participantes208, era aprovada por ela,
demonstrando assim um dos seus traos caractersticos, que era a caridade.
Os bispos recusaram-se a cancelar seus atos e, no incio de janeiro de 1874, D.
Vital foi preso. Em abril foi a vez de d. Macedo. O julgamento foi rpido e os bispos
condenados.

204
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.162
205
ABREU, Martha. O Imprio do Divino:festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1839
1900. RJ: Novas Fronteira, SP: Fapesp, 1999, p.314
206
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 31/08/1873
207
COLUSSI, op.cit. p. 7
208
BARATA, op. cit. p.133
54

Embora sua preocupao com a questo religiosa no cessasse, as atenes de


Isabel estavam voltadas agora para uma outra questo, de foro ntimo. No final do ano
de 1873, de Veneza, a Princesa noticiara ao pai uma nova gravidez. Por conta do seu
contrato nupcial, no entanto, para ter direito a ocupar futuramente o trono, seu primeiro
filho teria que nascer no Brasil. Isabel temia complicaes na viagem e expressou a seu
pai o desejo de permanecer na Europa at o nascimento da criana209. Seu mdico na
Frana, o Dr. Depaul, que a submetera a um tratamento do qual resultara sua atual
gravidez, assim como o Dr. Feij, que a acompanhara, desaconselharam a viagem. Seus
apelos foram em vo. Mesmo tendo o Imperador submetido o desejo de Isabel ao
Conselho de Estado, o parecer dado estabeleceu que apenas se houvesse uma certeza
absoluta de problemas durante a viagem que o parto poderia acontecer na Europa.210
Esta passagem nos remete ao mito dos Dois Corpos do Rei211, uma
ramificao do pensamento teolgico cristo segundo o qual os reis possuem dois
corpos, um natural e um poltico, que formam uma unidade indivisvel. No entanto, o
corpo poltico, que imortal, superior ao natural, pois ele contm o Cargo, o Governo
e a Majestade reais. Direitos concedidos a qualquer sdito do rei eram a ele negado,
pois o corpo poltico estava em primeiro lugar. Isabel no podia dispor de seu corpo
natural como gostaria; o dever do corpo poltico falou mais alto. Sem outra opo, o
casal voltou em maio de 1874, desembarcando na Corte em junho. No houve
problemas durante a viagem, mas, cinco dias depois de desembarcar, aps um trabalho
de parto que durou 50 horas,212Isabel dava luz uma menina, que nasceu morta.
Apesar da tristeza, a princesa se recuperou, buscando distrao nas reunies
sociais e consolo na religio.213Em setembro deste mesmo ano, o Conde dEu alugou

209
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 17/05/1874
210
LACOMBE, op. cit, p.182
211
A fixao mstica dos Dois Corpos do Rei foi propagada pelos juristas ingleses no perodo Tudor
e teve origem na histria do rei George III que precisou ir ao Parlamento pedir permisso para possuir
terra como homem e no como rei.(...) Assim declararam os juzes elisabetanos e assim comea seu
misticismo: conquanto ele [o rei] tenha ou receba terra em seu Corpo natural, embora a esse Corpo
natural esteja unido o seu Corpo poltico, que contm sua riqueza e dignidade reais; e o Corpo poltico
inclui o Corpo natural, mas o Corpo natural o menor e com ele o Corpo poltico consolidado. Assim,
o fato de que ele possui um corpo natural, adornado e investido de Riqueza e Dignidade real; e ele no
tem um corpo natural distinto e separado por si mesmo do cargo e Dignidade reais, mas um Corpo
natural e um Corpo poltico inseparveis; e esses dois Corpos esto incorporados em uma nica pessoa,
e compe um Corpo e no diversos, ou seja, a Corporao no Corpo Natural, et e contra o Corpo
natural na Corporao. De sorte que o Corpo poltico a si (corpo poltico que contm o Cargo, o
Governo e a Majestade reais) magnificado e pela referida consolidao contm em si o corpo
poltico. KANTOROWICZ, Ernest H. Os Dois Corpos do Rei. SP: Cia das Letras, 1998, pp . 17 - 23
212
BARMAN, op. cit, p.179
213
Idem, p.180
55

uma casa em Petrpolis, que mais tarde compraria, e o casal se mudou para l. No incio
de abril de 1875, Isabel teve a confirmao que estava grvida novamente.
O medo de outro insucesso a fez desejar ter junto a si o mdico francs Dr.
Depaul. A este respeito, escreve o Conde dEu a seu pai:
(...) Pelo lado pessoal, o Imperador, como de hbito, totalmente contrrio a
trazer quem quer que seja da Europa. Mas ser necessrio que ele passe por
isso, porque Isabel teima absolutamente em ter Mme de Soyre que nos foi to
til no ano passado e do Dr. Depaul e se considera (com exagero na minha
opinio) como fadada ao maior perigo se ela no os tiver.(...).214
No perodo desta sua segunda gravidez, Isabel passou pelo que poderia ser
considerado um quadro depressivo, diagnosticado como histerismo, por seu mdico
assistente.215 o Conde que relata:
(...) O estado de Isabel agravou-se de uma maneira que comea a tornar-se
inquietante. No somente ela chora e se lamenta sem razo como ela no quer
mais que lhe dirijam a palavra, nem mesmo que se fale diante dela, de sorte que
estamos todos em casa reduzidos ao silncio, e hoje, embora ela no tenha
nenhum sofrimento fsico, no quis deixar seu leito at agora (1 hora da tarde)
a fim de almoar sozinha, e que mesmo suas damas de quarto no tivessem
motivos para entrar nele. Como nico recurso para sair destas alucinaes,
estamos decididos a ir para o Rio e nos estabelecermos em So Cristvo, nem
que seja por duas ou trs semanas. (...).216
Por esta ocasio, a Questo Religiosa tinha novos lances. Pressionado por
inmeros protestos e abaixo-assinados, o governo conservador nomeado em 1875
concedeu anistia aos bispos presos. Menos de um ms depois, chegou um telegrama de
Roma comunicando o levantamento pelo Papa do interdito contra as irmandades.
A maonaria se revoltou com esse desfecho, que eles consideraram humilhante.
E, devido a forte religiosidade da princesa, que envolvia idias ultramontanas, uma
significativa parte dos maons a considerou culpada pela anistia aos bispos.
Iniciava-se aqui a construo de sua representao como uma fantica
religiosa. Segundo Roger Chartier, a representao a forma atravs da qual uma
determinada realidade social construda, pensada, dada a ler. Elas so produzidas e
214
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 20/04/1875
215
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 06/09/1875
216
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 02/08/1875
56

partilhadas pelas disposies estveis de determinados grupos sociais ou meios


intelectuais. Essas representaes so sempre determinadas pelos grupos sociais que as
forjam, no produzindo, de forma alguma, discursos neutros. Produzem estratgias e
prticas que buscam legitimar um projeto reformador ou justificar, para os prprios
indivduos, as suas escolhas e condutas.217
No dia 23 de setembro de 1875, o jornal republicano O Mequetrefe publicava a
seguinte notcia:
Interpelando o governo a respeito do decreto imperial que anistiou os bispos e
governadores de Olinda e Par, o distinto Sr. Silveira Martins disse na cmara
temporria que S. A. I. a sr Princesa Isabel prometera a Deus a soltura dos
bispos para que Deus lhe concedesse um parto feliz; disse que S. A. I. passa o
dia a varrer igrejas, andando descala e fazendo penitncia (...); e que educada
sob a presso do mais revoltante fanatismo, a futura imperatriz do Brasil,
governando, renovar neste desgraado pas o reinado de Maria, a doida!
Grande parte da intelectualidade que escrevia nos jornais era maon, mas a
principal voz que se levantou contra Isabel foi a de Saldanha Marinho, Gro-Mestre da
Maonaria. Jornalista e poltico liberal, redator do Dirio do Rio de Janeiro, cuja
assinatura encabeava o Manifesto Republicano de 1870, escreveu, sob o pseudnimo
de Ganganelli, uma srie de artigos com o ttulo A Igreja e o Estado, reproduzidos em
vrios jornais, responsabilizando a princesa:
(...) A influncia da Princesa para a decretao da miservel anistia,
concedida a condenados por sentena, no pode ser decentemente negada. (...)
As lgrimas derramadas por Sua Alteza, as mortificaes que ela sofria por
verem seus protegidos enclausurados eram sabidas por todos.218
Marco Morel e Franoise Souza, nos mostra em seu livro O Poder da
Maonaria, lanado recentemente, que a maonaria nunca foi um movimento uniforme,
possuindo divergncias sobre uma infinidade de assuntos, como o fim da escravido,
por exemplo. Segundo eles, a posio predominante na maonaria em relao ao
assunto era emancipacionista e no abolicionista. No entanto, isso no impediu que
grandes nomes do abolicionismo, como Joaquim Nabuco e Jos do Patrocnio, fizessem
parte de seus quadros.219 Da mesma forma, no havia unanimidade quanto defesa e
aplicao de idias positivistas.
217
CHARTIER, Roger. A Histria Cultural entre prticas e representaes: DIFEL, 1998, p.17
218
Dirio do Rio de Janeiro de 10/10/1875
57

No ano de 1863, havia acontecido uma ciso na Maonaria. O Grande Oriente


do Brasil dividiu-se em dois: o Grande Oriente do Lavradio, liderado pelo Baro do Rio
Branco e o Grande Oriente dos Beneditinos, liderado por Saldanha Marinho. Esta
diviso entre os Grandes Orientes demonstraria tambm a separao das idias quanto
forma de governo. Nem toda a maonaria era favorvel repblica, com uma parte
dela colocando-se a favor do Terceiro Reinado, considerando inclusive que Isabel
governava com justia e probidade. 220
O prprio Joo Alfredo, que ser escolhido por Isabel para comandar o
Ministrio durante seu terceiro perodo de regncia, na qual ser decretada a Abolio,
como ser visto no segundo captulo deste trabalho, era Gro-Mestre da Maonaria do
Grande Oriente do Lavradio, inclusive por ocasio da assinatura da Lei urea.221
As crticas feitas a Isabel, tanto neste perodo, como posteriormente, sobretudo
por Saldanha Marinho so resultantes da expresso intelectual de parte da maonaria
representativa do movimento republicano, j que foi no Grande Oriente dos
Beneditinos, comandado por ele, que os republicanos encontraram importante meio de
divulgao de suas idias.
Por outro lado, se evidencia que, para Isabel, o fato de Joo Alfredo pertencer
Maonaria, nem mesmo ocupando a posio de Gro-Mestre, impediu sua escolha para
ser chefe do seu Gabinete Ministerial. Da mesma forma no impediu sua amizade, nem
que ela se aliasse politicamente, a vrios outros membros da maonaria.
As acusaes feitas Isabel levaram o Imperador a escrever para o chefe do
gabinete ministerial de ento uma nota em que negava a influncia da filha na sua deciso
de anistiar os bispos. Nem a princesa nem seu marido, jamais haviam se manifestado
publicamente a respeito da questo.222 O governo negou a interveno da princesa neste
assunto, mas no obteve resultado. As crticas continuaram.
Em carta ao pai, o Conde dEu comentava sobre a anistia dada aos bispos:
Esta medida impulsiona as recentes catilinrias dos jornais, nos quais somos
pouco poupados por causa de nossa servido ao Ultramontanismo!(...) De um
modo ou de outro isto muito desagradvel para ns, mas no temos quase tido

219
MOREL, Marco & SOUZA, Franoise J. O. O Poder da Maonaria: a histria de uma sociedade
secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p.172
220
MOREL& SOUZA, op. cit, p.174
221
Idem, p.173
222
BARMAN, op. cit, p.186
58

tempo de pensar nisto, absorvidos que somos pelos nossos prprios


problemas.223
A vinda da Dr. Depaul, tambm foi motivo de crticas, como j havia previsto
meses antes o Conde dEu em carta ao Duque de Nemours: Ns julgamos que este
negcio [da vinda de Depaul] fornecer meios s crticas daqui (inevitveis at certo
ponto).224 O fato foi explorado nos jornais como uma ofensa competncia dos mdicos
brasileiros.225
No dia 15 de outubro de 1875, finalmente, a Princesa deu luz seu primeiro
filho, um menino saudvel, embora a dificuldade do parto tenha ocasionado na criana a
paralisia do brao esquerdo.
O nascimento foi noticiado com alegria pela maioria dos jornais pesquisados
para este perodo226, embora o jornal republicano O Mequetrefe, aproveitasse a ocasio
para fazer uma crtica aos gastos do Estado com a Famlia Imperial:
Louvado seja Nosso senhor Jesus Cristo, nasceu o Prncipe do Gro-Par!
(...) E cresceram os fundos pblicos do oramento...das despesas; mais um
prncipe para sustentar, mais uma ama de leite para pagar, mais um batizado a
festejar; mais galopes para a cavalaria, mais paradas e guardas de honra para
a infantaria, mais compadres e afilhados; mais cortejos e mais graas,
telegramas e correios; e msicas e foguetes; bandeiras e bandejas; festas e
feriados. Quantas verbas no oramento?
Quando o filho de Isabel nasceu, j era conhecida a pretenso de Pedro II de
viajar, no ano seguinte, primeiramente aos Estados Unidos, por ocasio da
comemorao do centenrio de sua independncia, e, em seguida para a Europa. A lei
autorizando essa viagem foi promulgada poucos dias aps o nascimento de seu neto,
Pedro, que recebeu o ttulo de Prncipe do Gro-Par.
Vrias cartas e artigos foram publicados na imprensa, apreensivas, novamente,
pela possibilidade de ter Isabel no trono. Escolho aqui, a ttulo de exemplo, um artigo
publicado no Dirio do Rio de Janeiro, dirigido por Saldanha Marinho:
(...) O Imperador deixa o Imprio na ocasio mais crtica. Sua filha fanatizada
ao extremo e de nimo prevenido contra as mais nobres idias de adiantamento

223
AHIMP, AGP, XLII-3, carta de 27/09/1875
224
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 20/04/1875
225
BARMAN, op. cit, p.190
226
Dirio do Rio de Janeiro, A Reforma, Jornal do Comrcio, Gazeta de Notcias e O Mequetrefe
59

social, com a conscincia escravizada s doutrinas retrgradas que contnuo


lhe so insinuadas pelos homens do pontificado; guiada por seu confessor, um
dos mais ferrenhos instrumentos da cria romana, vai, em tais condies,
dirigir os destinos do pas! (...) O governo da regente, muito mais fraco ainda
[do que o do Imperador] comprometer de todo o pas!227
Mas as apreenses divulgadas na imprensa no estavam apenas ligadas ao
ultramontanismo de Isabel ou Questo Religiosa. A situao agora era outra. Na sua
primeira regncia, o Imperador teria deixado encaminhadas as solues dos problemas
nacionais, principalmente do elemento servil, e a regente no precisara tomar decises
importantes. Agora, ao contrrio, havia muitas questes pendentes.
Ao final de maro de 1876, partia D.Pedro II para a Europa, deixando no
governo um gabinete conservador chefiado pelo Duque de Caxias. No dia de sua
partida, o jornal liberal A Reforma publicou um longo artigo de advertncia Princesa,
do qual reproduzo a seguir alguns trechos que exemplificam as preocupaes do
momento em relao atuao da regente:
Dirigimo-nos excelsa princesa que, por fora das circunstncias, acha-se
prematuramente incumbida dos cuidados do governo, com todo acatamento que
nos merecem seu sexo e suas distintas virtudes. Somos, porm, forados a dizer-
lhe a verdade, sem rebuos, sobre a situao em que lhe cabe assumir a direo
de um vasto pas onde a centralizao governativa tornou difcil e
comprometedora a tarefa de governar. Vai S.A. Imperial encontrar-se em frente
a dificuldades maiores e de uma soluo mais complicada do que aquelas que
teve que lutar durante sua primeira regncia. Naquela, uma idia exclusiva
ocupava a todos os espritos e desviava a ateno pblica de quaisquer
pensamentos secundrios. Tratava-se ento da reforma do elemento servil e era
to generoso o sentimento de que ela procedera, que perante ele calavam-se
todas as consideraes relativas ao futuro econmico do pas.(...) Hoje cabe a
S.A. Imperial misso mais rdua e da qual aguarda o pas resultados que
diretamente interessam ao seu progresso e a sua prosperidade. (...) Para S.A.
Imperial comea uma era que pode imortaliz-la ou ligar o seu nome a uma
situao fecunda em dolorosas recordaes.(..) Qual foi, perguntamos ns, a
questo de interesse fundamental para o pas que S.A.Imperial recebeu

227
Dirio do Rio de Janeiro de 10/10/1875
60

firmemente resolvida das mos de seu augusto pai? A econmica? Poltica?


Imigrao? Recursos ?228
Como da primeira vez que a Princesa havia assumido a regncia, permanecia o
discurso em que sua capacidade para dirigir o pas era posta em dvida, e, tambm, que
de seu desempenho dependeria ou no a boa vontade em v-la no futuro definitivamente
no trono. Acrescente-se a isso um dado novo e problemtico que era a sua religiosidade.
Seu marido, o Conde dEu, tambm no escapava das crticas ferinas nos
jornais. O jornal satrico e republicano O Mequetrefe, por exemplo, freqentemente o
usava como motivo de piadas e chacotas, criando para ele a fama de avarento229, ou
explorando a animosidade que existiria entre o prncipe consorte e seu sogro 230. Gasto
de Orlans, com exceo do breve tempo em que esteve frente do Exrcito na Guerra
do Paraguai, no foi uma figura popular.
Segundo Cmara Cascudo, ele era a anttese das virtudes que se espera ver
nos prncipes. Ele no era prdigo, nem faustoso, nem mulherengo, nem ostentador de
luxos ou freqentador de bailes. Ao contrrio, era caseiro, apegado famlia e de
hbitos simples, alm ser de um tanto surdo e possuir forte sotaque francs, o que o
reforava a idia de ser ele um estrangeiro.231
Como da vez anterior, Pedro II deixou instrues para a filha durante sua
permanncia na regncia. So poucas pginas com algumas observaes e
recomendaes. No entanto, ele faz questo de assegurar: Muito mais poderia
escrever; mas sua experincia tem aumentado. Direi ainda que no tome o que escrevi
seno como conselhos232, o que demonstra a confiana do Imperador na capacidade
que teria sua filha de resolver as questes polticas que se apresentassem.
Uma das maiores preocupaes de Pedro II, desta vez, eram as eleies. Meu
grande empenho a liberdade das eleies.233, dizia ele. Entraria em vigor a nova Lei
eleitoral de 1875 que introduzia, entre outras coisas, o sistema do tero, 234 a adoo do
228
A Reforma de 30/03/1876
229
O Mequetrefe de 10/06/1876 Obs: Segundo Norbert Elias submeter os gastos aos rendimentos e
restrio planejada de consumo a fim de economizar, possua um sabor de desprezo nas bocas
aristocrticas da Corte, constituindo-se num smbolo de virtude de gente pequena. ELIAS, op. cit, p.86
230
idem, de 10/07/1876
231
CASCUDO, op. cit., 1933, p. 166
232
AHMIP, M.175 - Doc. 7972
233
Idem
234
Os votantes sufragavam apenas dois teros da lista de eleitores a que a parquia tinha direito. Os
eleitores, por sua vez, votavam em apenas dois teros do nmero de deputados que a provncia deveria
dar. A idia, naturalmente era a de que o tero restante ficasse para a minoria, para a
oposioCARVALHO, Jos Murilo. A Construo da Ordem / Teatro de Sombras. Rio de Janeiro:
61

ttulo de eleitor, a proibio do recrutamento militar e de movimentao de tropas na


poca de eleio e a limitao de pessoas que poderiam se candidatar. Vigrios, Bispos,
e demais funcionrios pblicos, por exemplo, foram proibidos de se candidatar em suas
parquias. Todas essas medidas visavam dar voz s minorias e facilitar o sistema para
aferir a opinio pblica.235
A Princesa j havia manifestado, anteriormente, preocupao com a forma como
eram conduzidas as eleies. Em 1868, em viagem a Minas Gerais, escreveu para seu
pai de guas Virtuosas da Campanha, relatando os embates acontecidos na cidadezinha
por ocasio das eleies daquele ano. Disse ela:
As eleies, no outro dia foram pacficas, mas s votaram quase
exclusivamente os conservadores, pois antes a polcia parece andava
ameaando de priso, para depois das eleies, aqueles que dessem votos
liberais. O primeiro juiz de paz, que liberal, pregou, pois, um edital na porta
da Igreja, dizendo que havendo recrutamento, as eleies no podiam ter lugar,
alm do que, h trs dias, o presidente da provncia quis anular a qualificao
dos votantes que o tal juiz de paz liberal fizera. Os conservadores ficaram
guardando a urna toda a noite do 7 para 8 com cacetes e pistolas.236
Termina seu relato questionando o pai: Quando o voto ser livre?!
Devemos entretanto ressaltar que o questionamento da princesa neste momento
se refere forma utilizada nas eleies, e que a palavra livre utilizada por Isabel, no
denota que ela esteja apregoando o sufrgio universal.
O novo sistema eleitoral se mostraria um fiasco, pois, segundo Jos Murilo de
Carvalho, embora houvesse o bipartidarismo, os partidos no tinham suficiente solidez
e disciplina capazes de sustentar o governo, baseado apenas em pequenas maiorias. As
dissidncias eram freqentes, sendo, portanto, necessrio haver uma ampla maioria
governamental, para evitar moes de desconfiana, ou a renncia de um programa
mais agressivo de aes.237A nova lei no iria garantir o combate s fraudes e a
violncia nas eleies ocorridas ao final de 1876238

Civilizao Brasileira, 2003, p.400


235
CARVALHO, op. cit, 2003, p.404
236
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 09/09/1868
237
CARVALHO, op. cit, 2003,, p.405
238
BARMAN, op. cit, p. 197
62

O Imperador tratou de vrios outros assuntos nas recomendaes feitas


regente, como educao, casamento civil, colonizao, estradas de ferro, e, na primeira
carta que a princesa escreveu ao pai, aps sua viagem, respondeu sobre isso:
Gostaria tambm de poder empurrar os melhoramentos do pas, estrada de
ferros, colonizao, etc, etc, mas o carro pesado e no sei se terei fora para
ajudar no que for possvel. Deus o queira! (...) A poltica to intrincada, que
s lhe direi que as Cmaras se abriro nestes dias prximos e no sei se o
ministrio aturar muito tempo. Veremos. (...) Seu livrinho j foi todo lido, e
permita Deus que possa, em grande parte seguir seus conselhos.239
Nestas poucas palavras, a princesa demonstra ter plena conscincia de que a
situao poltica bem mais difcil do que da primeira vez que esteve frente da
regncia, onde, basicamente um nico problema, a lei do Ventre Livre, parecia atrair as
atenes.
Uma outra diferena, em relao primeira regncia, tinha um carter pessoal.
Embora ela se dispusesse a desempenhar com correo seu papel, como afirma no
trecho destacado acima, tinha sua ateno absorvida por um outro fator: seu filho. Ela
ressalta esse aspecto nesta mesma carta: Desta vez tenho meu filhinho que me faltava
da outra. Papai sabe como bom ter-se um bom filhinho, e quanto distrai ver os
progressos constantes de uma criana a quem tanto se ama e como o tempo passa
240
depressa!
No estava presente desta vez apenas a jovem herdeira do trono disposta a
aprender sobre poltica e questionadora das atitudes do pai. O que parecia se sobrepor
neste momento era sua subjetividade de me.241
Mas, apesar de durante seu segundo perodo regencial o pas enfrentar trs
grandes crises - a reforma eleitoral, a grande seca no nordeste e o ressurgimento da
questo religiosa - ser esta ltima a principal responsvel pelos ataques constantes que
os jornais faro durante o tempo em que ela estiver no trono. Isso levaria a Princesa a
afirmar em carta ao pai que, a leitura dos jornais meu pesadelo242.

239
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 14/04/1876
240
Idem
241
Michel Foucault desenvolveu a noo de subjetivao, que seriam formas, atravs das quais os
prprios sujeitos participariam de sua construo como sujeitos morais, aceitando, recusando,
incorporando, apropriando-se diferenciadamente das linguagens existentes num determinado momento
histrico para construrem suas identidades pessoais, sociais e sexuais. RAGO, Margareth. Foucault,
Histria e Anarquismo, Achiam, 2004, pp. 84/85
242
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 14/04/1876
63

A retomada da questo religiosa teve incio em julho de 1876, com a publicao


de uma Encclica Papal endereada aos Bispos do Brasil, no qual ele reiterava a
excomunho contra os maons e comunicava a inteno em enviar ao pas um
Monsenhor para tratar deste assunto. Saldanha Marinho, na seo a pedidos do jornal
Gazeta de Notcias questionava: Foi essa encclica sujeita considerao de S.A.
Imperial? Obteve desse maternal governo o indispensvel beneplcito? Ningum sabe,
nem o Sr. Ministro do Imprio o quer dizer! 243
A resposta a este questionamento poderia ser encontrada nas palavras de Gasto
de Orlans dirigidas em carta ao pai nesta mesma ocasio: No tivemos de tudo isso
nenhuma comunicao oficial; ns no sabemos de nada alm do que est nos jornais,
aos quais a encclica foi, sem dvida, comunicada por algum bispo.244
Em agosto, Isabel descobre-se novamente grvida, mas no ms seguinte sofreria
um novo aborto. Os prncipes haviam optado por ficar mais em Petrpolis, e a princesa
s descia Corte em ocasies em que sua presena era necessria.245
Em novembro de 1876, os ataques Isabel ganhavam fora por conta de um
boato que dava como certa a expulso de maons da irmandade da Igreja da Santa Cruz
dos Militares. Saldanha Marinho novamente fez publicar seus artigos na Gazeta de
Notcias,246acusando a princesa de responsvel por ter acatado uma nova deciso da
Cria Romana, provocando um conflito com Caxias, que ameaou pedir demisso.
Segundo ele, a soluo do embate teria sido levada por telegrama a D.Pedro II e este
teria respondido que nada se fizesse sobre a questo religiosa durante sua ausncia.
No dia seguinte o Dirio do Rio de Janeiro publicava um artigo que desmentia a
inteno de se expulsar os maons, assim como a existncia do conflito entre Isabel e
Caxias e o envio do telegrama ao Imperador, porque este, na ausncia do imprio no
dirigiria os negcios nem tomaria parte na administrao do Estado 247. Este fato foi
considerado por Saldanha Marinho, em notcia publicada na Gazeta de Notcias como
um fato de grande ousadia que provocaria estrepitosa gargalhada 248.
O jornal republicano O Mequetrefe tambm acusava a regente de cavar a
runa da naoe de manejar o poder pessoal influenciada pela Condessa de Barral,

243
Gazeta de Notcias de 01/07/1876
244
AHMIP, AGP, LXII-3, carta de 03/07/1876
245
BARMAN, op. cit, p.192
246
Gazeta de Notcias de 02/11/1876
247
Dirio do Rio de Janeiro de 03/11/1876
248
Gazeta de Notcias de 07/11/1876
64

uma senhora fantica, dama do pao, ntima da regente e dos jesutas e de ser ela
um achado para a diplomacia negra. A Condessa de Barral governa e administra o
pas enquanto o Sr. Cotegipe reina. A regente assina tudo quanto o ministro do imprio
lhe apresenta de acordo com a sua conselheira que est em Paz.249
Novamente divulga-se a idia de que a princesa no pensa por si s e que
depende sempre da influncia ou opinio de outrem para que tome suas decises, desta
vez, no do marido, mas da antiga preceptora ou do seu Ministro.
O Conde dEu relata toda essa polmica em carta ao pai:
(...) a dita questo religiosa continua a nos preocupar. A propaganda anti-
religiosa segue na imprensa e se esfora para fazer surgir incidentes que lhe
venham em auxlio. Anteriormente [2/11/1876] anunciaram com estrondo que o
Ministro do Interior, de acordo com Isabel, lhe havia apresentado um decreto
excluindo os francos-maons das confrarias religiosas, que o presidente do
Conselho havia protestado contra, oferecendo demisso e que se havia
consultado o Imperador por telgrafo. Em toda essa narrativa no havia uma
palavra de verdade: jamais houve questo de medidas contra os maons nas
conversas de Isabel com os ministros. O prprio Internncio est
tranqilamente em Petrpolis h um ms e que eu saiba no entrou em
discusses sobre tal matria. Assim, no dia seguinte, o jornal oficial anunciou
que esta notcia era inteiramente inexata. A redao deste desmentido, na
minha opinio, no estava bastante categrica; tambm no conseguiu
produzir todo o efeito desejado e acalmar inteiramente a agitao causada por
esta audaciosa mentira. A polcia soube que se preparava uma demonstrao
popular para felicitar o presidente do Conselho por sua pretensa atitude e pde
impedi-la. A partir de ento, alguns artigos semi-oficiais demonstraram pouco
a pouco o absurdo das notcias inventadas. Mas a preveno pblica sobre esse
assunto tal que o menor passo em falso pode produzir incidentes os mais
desagradveis.250
Como complementao deste assunto destaco um trecho de uma carta enviada
pelo Conde dEu a seu antigo professor Julio Gauthier, com quem se correspondia com
regularidade:

249
O Mequetrefe de 17/11/1876
250
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 08/11/1876
65

A princesa acusada todos os dias de sacrificar a dignidade nacional a seus


sentimentos religiosos, que ela, portanto, quase no tem ocasio de manifestar,
evitando naturalmente esse assunto de conversao, indo a missa apenas aos
domingos, no tendo capelo nem confessor a postos. (...) E o que h de terrvel
que estas retricas parecem formar um concerto unnime. Todos os jornais,
que como na Frana [so] dirios, e folhas ilustradas esto recrutadas nesta
abominvel cruzada e repetem as mesmas injrias251
Apesar de no haver encontrado depoimentos da prpria Isabel sobre o
acontecido, pelo que se depreende das cartas escritas pelo Conde que o casal tinha
plena conscincia da campanha promovida na imprensa contra ela, e do quanto isto
afetava a opinio pblica. O terceiro reinado no era ainda assunto em pauta, mas a
rejeio futura imperante estava sendo consolidada. A atitude da Princesa ao se
recolher, evitando acirrar o debate, ou provocar novos comentrios, foi fruto de uma
estratgia poltica que j teria sido anunciada anteriormente, por carta do Conde
Condessa de Barral: Se j no se vir a Princesa passando diariamente pelas ruas do
Rio, ela ficar um pouco esquecida e menor ser a tentao de denunciar cada um de
seus atos e decises irritao pblica.252
Essa opo, no entanto, provocava um desconhecimento sobre as opinies e
posies realmente assumidas por Isabel, o que levou o jornal O Mequetrefe a emitir o
seguinte comentrio: Somos um povo de curiosos (...) A mim, a maior curiosidade que
me tenta, as minhas sedues de invaso simples: eu quisera saber quais as idias que
passam no crebro de Sua Alteza Regente diante dos fatos da situao.253
No incio junho de 1877, por ocasio da abertura das Cmaras, Isabel
encontrava-se novamente acamada em virtude de ameaa de um novo abortamento. A
fala do trono, elaborada pelo governo, foi lida pelo ministro do Interior, e, nos dias que
se seguiram, a Princesa foi substituda por seu marido em algumas cerimnias oficiais.
Isso contribua para reforar a imagem de fragilidade feminina e a idia de que mulher
estava destinada a vida privada, e no a pblica As observaes sobre a capacidade da
princesa em governar continuava sendo posta em dvida nos jornais.

251
Apud RANGEL, Alberto. op cit,, pp.324-325
252
Apud BARMAN, op. cit, p.201
253
O Mequetrefe de 28/08/1877
66

No final de setembro de 1877 o Imperador estava de volta. As atitudes de Pedro


II, tomadas logo ao chegar Corte, provocaram estranhamento no mbito domstico,
comentado pelo conde dEu em carta a seu pai:
Ele no conversou nem com Isabel ou comigo, nem antes nem depois da
regncia, sobre a poltica ou os assuntos do Estado. (...) no deixa de ser
estranho que ele no tenha se informado sobre como se passou tais e quais
coisas durante sua ausncia. No dia de seu desembarque, assim que entrou no
palcio, foi ter diretamente com os ministros sem dizer uma palavra filha.254
Seu primeiro ato, antes mesmo de reassumir o trono foi fazer uma declarao
que foi publicada nos jornais:
Antes de reassumir o exerccio dos seus poderes majestticos, S. M. quer que
se saiba que no correr de toda a sua viagem de 18 meses no dirigiu a S. A. I.
Regente, nem a nenhum dos ministros de Estado um s telegrama sobre
negcios do governo e do pas.255
A inteno do Imperador ao dar esse aviso foi interpretada de diversas formas
pela imprensa. Por alguns, como uma resposta acusao feita por ocasio do suposto
incidente entre Isabel e Caxias de que durante a regncia o pas teria sido governado
pelo telgrafo256; por outros que foi para que a nao soubesse que ela teria sido durante
18 meses regular e legitimamente governada pela Regente;257ou ainda que foi para se
eximir de responsabilidade sobre atos tomados durante sua ausncia. Sobre esse ltimo
ponto de vista, chamo a ateno para o discurso na Cmara do Sr. Martinho de
Campos258 publicado na Gazeta de Notcias:
Com suas declaraes, S. M. quis desaprovar tudo quanto foi feito nos 18
meses de sua ausncia. Durante esse tempo a nao esperou a volta de S. M.
para que a administrao se ocupasse de alguma coisa mais do que o
expediente forado.(...) Qual o papel da Regente? A regente achava-se tutelada
pelo ministro [Caxias]. Tambm, durante a viagem a princesa Imperial estava
sempre em Petrpolis e seu esposo andava sempre por mais longe 259. O governo

254
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 29/11/1877
255
A Reforma de 28/09/1877
256
Gazeta de Notcias de 28/09/1877
257
Idem
258
Deputado por Minas Gerais
259
Durante este perodo em que Isabel esteve na regncia, Gasto de Orlans teria passado por agitaes
nervosase por recomendao mdica tirara alguns perodos de frias longe do agito poltico. BARMAN,
op. cit, p.200
67

foi, pois, do Sr. Duque de Caxias e no da princesa Imperial (...). A declarao


imperial to inconveniente que d lugar discusso.260
Novamente, desta vez baseado em declarao de seu prprio pai, se reafirmava
um papel secundrio para a Regente, de ter apenas cumprido um papel figurativo e
pouco participativo. A atitude de Isabel nesta regncia, ao optar pela estratgia do
recolhimento, quer por seus problemas particulares, quer pelos constantes ataques
sofridos pela imprensa, deu margem a essa avaliao.
A volta de Pedro II foi vista pela imprensa, de uma maneira geral, como um
retorno normalidade, descortinando-se a possibilidade de que os problemas do pas
fossem resolvidos.
Quanto Princesa, aps a chegada de seu pai, optou por se afastar da Corte,
juntamente com seu marido, permanecendo em Petrpolis. Em janeiro do ano seguinte,
deu luz seu segundo filho, Luis, e trs meses depois do parto viajou novamente para a
Europa, de onde s retornaria no final de 1881. O motivo apresentado oficialmente para
a viagem foi a busca para tratamento do brao paralisado de seu filho mais velho, mas
foi tambm o complemento da estratgia de afastamento da cena poltica brasileira e
uma possibilidade de um perodo mais tranqilo na vida particular do casal.

1.4 - A MATURIDADE
Barman considera que este perodo passado fora do Brasil, conferiu mais
autonomia Isabel, em especial no que diz respeito sua vida cotidiana. Isto seria
conseqncia de uma mudana no discurso sobre o gnero j em voga nos pases mais
desenvolvidos da Europa, nova forma de capitalismo industrial, que haviam criado
uma economia mais diversificada e uma ordem social mais complexa e s novas formas
de consumo que ampliaram o espao destinado s mulheres.261
Concordo com a opinio de Barman, segundo a qual sua autonomia tambm
teria sido ampliada em relao ao marido, tendo ela se tornado o membro mais forte do
casal,262no especificamente durante sua estadia na Europa, mas durante a convivncia
dos prncipes em sua vida conjugal. O Conde sempre tivera uma sade mais frgil,
sujeita a manifestaes em decorrncia de tenses nervosas. Ele prprio confessava em
carta Jules Gauthier: Dado o meu carter, a nica vida que convm minha sade
260
Gazeta de Notcias de 03/10/1877
261
BARMAN. op. cit. p.220
262
BARMAN, op. cit. p.225
68

uma vida de sossego e isolamento completos263. A preocupao de Isabel e os


cuidados com o estado de sade do marido est contida em inmeras cartas, durante
todo o perodo em que estiveram casados. O equilbrio do relacionamento foi se
modificando com o passar dos anos, embora na viso patriarcalista do Brasil de ento,
fosse mantida a idia de que haveria uma superioridade natural do Conde sobre o
pensamento e os atos de Isabel.
Ao voltar, o casal retomou sua vida em Petrpolis, agora ligada ao Rio por
ferrovia, o que facilitava eventuais idas e vindas Corte. A estratgia de tentarem se
afastar das atividades polticas para preservar Isabel ainda era de certa forma,
pretendida. Mas a sade do Imperador j no era mais a mesma. Perto de completar 60
anos, sofria de diabetes e tinha a aparncia de um velho. O terceiro reinado j no
parecia algo to distante. As atenes se voltavam cada vez mais para a futura
Imperatriz.
Em Petrpolis, Isabel dedicava-se, sobretudo, ao cuidado com sua famlia, e a
atividades tidas como as suas preferidas: a msica, as flores e a caridade.
Os prncipes ocupavam na Corte um espao que deveria ser do Imperador no
que diz respeito a dar o tom da vida social. Segundo Wanderley Pinho, Pedro II,
avesso a bailes e festas, havia se esquecido deste dever.264. Segundo Norbert Elias sales
das Cortes tinham a funo de juntar as engrenagens da sociedade, promovendo o
convvio social e a cultura.265 No Brasil, em especial, os sales exerciam grande papel
de moderao e conciliao entre os partidos polticos ou opinies pessoais
divergentes.266 Isabel e Gasto, aps sua volta, retomaram um hbito que possuam
desde o incio do casamento267 e voltaram a oferecer pequenas recepes para um
nmero restrito de amigos, como descreve o Conde em carta Marquesa draison:
(...) anteontem, pela segunda vez, [tivemos] nossa pequena recepo. A fim de
evitar o embarao da escolha ou de ter gente demais, no h convites escritos,
convidamos pessoalmente um pouco ao acaso os que temos ocasio de ver, de
maneira que nunca vm mais de 150 pessoas. Chega-se por volta das 8 horas;
alguns gostam de fazer msica, cantar, etc. A Princesa d o exemplo e senta-se

263
AHMIP, AGP, XLII-30, carta de 17/06/1876
264
PINHO, op. cit, p. 109
265
ELIAS, op. cit, p.97
266
PINHO, op. cit, p.10
267
LACOMBE, op. cit, p.161
69

ao piano depois do que danam-se algumas quadrilhas, valsas, polcas, e cerca


de meia noite d-se o sinal de partida para todos.268
A msica sempre fora uma paixo para Isabel, sendo constante patrocinadora de
peras e concertos musicais. Tocava piano e harpa e, naquele momento, dedicava-se em
especial ao estudo do violino.269
Outra de suas paixes eram as flores e plantas. Desde 1868 ela havia comeado
uma coleo de orqudeas e ajudado a organizar vrias exposies de flores em
Petrpolis.
Os trabalhos caritativos e de assistncia social eram tambm atividades que
ocupavam o tempo da princesa. Isto podia conter desde sua atuao como patrona da
Comisso das Senhoras de Instruo Pblica, como campanhas para recolher fundos
para construo de igrejas ou para a emancipao dos escravos. Nestas atividades Isabel
contava, sobretudo, com o auxlio de suas duas amigas de infncia, Amandinha
Paranagu, baronesa de Loreto, e Maria Avelar Tosta, baronesa de Muritiba.
O envolvimento de Isabel com a libertao de escravos tinha, at ento, um
carter caritativo, permeado pela noo de doao da liberdade. Segundo destaca Robert
Daibert Jr, desde criana ela acostumara a presenciar a concesso de liberdade aos
escravos em datas comemorativas, como fizera ela prpria por ocasio do seu
casamento. Acrescente-se que esse tipo de atividade tinha a aprovao da Igreja
Catlica, o que, segundo o autor, seria motivo suficiente para guiar os atos de Isabel. 270
Alm disso, ela partilhava a viso, obtida, mormente em suas viagens ao exterior, de
que a permanncia da escravido se constituiria num empecilho para o
desenvolvimento do pas. Porm no fazia parte das atitudes da princesa, at ento, a
transformao de sentimentos privados em polticas pblicas.271
Embora durante estes primeiros anos aps sua volta, o casal dEu no procurasse
envolver-se em assuntos polticos, a imprensa, sobretudo a satrica e republicana
representada aqui nesta pesquisa pelo jornal O Mequetrefe, no os deixava fora de suas
pginas. Criticavam os bailes que o casal dEu promovia em seu palcio classificando

268
Apud RANGEL, op. cit, p.340
269
BARMAN, op. cit, p.228
270
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.158
271
LYNCH, Christian Edward Cyril. Origens ideolgicas da ordem constitucional de 1891. Trabalho
apresentado no XIII Congresso Brasileiro de Sociologia , em Recife, de 29/05 a 01/06 de 2007. Grupo de
trabalho 16: Pensamento Social no Brasil.
70

sua vida como ftil272 e para o Conde dEu, procuravam construir a imagem de
estalajadeiro,273 negociante de secos e molhados274 e de cabea oca.275
No final de 1883, o Imperador foi diagnosticado como portador de hepatite. A
recuperao de sua sade no incio de 1884 provocou o seguinte comentrio neste
mesmo jornal: Deus o conserve [o Imperador] em perfeita sade por largos anos e
bons, porque, assim como assim, antes um mau Bragana do que um pssimo
Orlans.276
Novamente nas entrelinhas do pequeno comentrio, duas idias recorrentes no
pensamento da poca: a primeira que, na falta de D.Pedro II e com sua substituio no
trono por sua filha Isabel, no seria ela, mas seu marido, um Orlans, quem estaria a
frente do Imprio. A segunda era o desejo que o Terceiro Reinado fosse adiado ao
mximo.
No campo da poltica, o ano de 1884, marca o acirramento na campanha
abolicionista. Na chefia do gabinete ministerial do Imprio estava o liberal Manoel
Pinto de Souza Dantas, nomeado em junho. A Confederao Abolicionista estava em
plena atividade e em maro deste ano a Provncia do Cear havia sido a primeira a
libertar seus escravos. A cultura do caf, principal produto da economia de ento, havia
se deslocado, em boa parte, do Vale do Paraba para o noroeste paulista, e nas
provncias do sul crescia a idia republicana. A sade do Imperador, comprometida pela
diabetes, limitava suas atividades.
Neste contexto, em outubro de 1884, o Conde dEu projetou, para ele e sua
famlia, uma viagem visitando as provncias de So Paulo, Paran, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul,277numa aparente mudana de estratgia. Parecia ter, aos olhos dele,
chegado o momento do casal assumir um papel mais destacado no cenrio poltico.
O gabinete, procurando cultivar o apoio de Isabel, cada vez mais prxima do
trono em virtude dos problemas de sade do Imperador, aprovou a idia.278 A viagem
teve carter oficial e, sobretudo, poltica. Segundo o jornal O Pas279, no embarque dos

272
O Mequetrefe, de 30/08/1883
273
Idem, de 30/08/1882
274
O Mequetrefe, de 20/10/1882
275
Idem, de 10/08/1883
276
Idem, de 10/01/1884
277
RANGEL, op. cit, p.353
278
BARMAN, op cit, p.234
279
O Pas de 06/11/1884
71

prncipes esteve presente todo o conselho de ministros e a viagem foi acompanhada por
correspondentes de vrios jornais.
O casal viajou acompanhado de seus trs filhos e durante todo o perodo de
afastamento da Corte, Isabel manteve correspondncia diria com seu pai. Parte dela,
que diz respeito sua visita provncia de So Paulo, foi publicada, em 1957 por
Ricardo Gumbleton Daunt280sob o ttulo de Dirio da Princesa Isabel e que me
proponho a analisar neste momento.
Uma das primeiras coisas que chama a ateno era a estratgia que os prncipes
utilizavam para atender a todos os compromissos. Enquanto um visitava um local ou
cidade, o outro assumia um compromisso diferente. No dia 11 de novembro, por
exemplo, relatava Isabel: em Sorocaba deixei Gaston, e s 4 e meia estvamos em So
Paulo281, ou ainda, no dia 17 de novembro Partimos s 11 e meia e s 4 nos
achvamos em So Paulo, tendo deixado Gaston na Estao de Cordeiro, devendo ele
ir a Araras e outros pontos282. Embora no haja especificao em sua correspondncia,
de como se dava essa diviso, o fato de visitarem, quase simultaneamente, lugares
diferentes, demonstra que eles durante esta viagem, buscaram partilhar os papis de
representatividade do Imprio, no que diz respeito esfera pblica. Deve-se ressaltar,
no entanto, que os compromissos mais importantes foram cumpridos pela Princesa ou
pelo casal.
Na maioria das vezes os filhos acompanhavam a me em seus compromissos:
Visita, com Pedro e Lus Santa casa da Misericrdia,283ou Com Pedro e Lus, fui
importante fbrica de tecidos e impresso de chitas de Diogo de Barros284. Mas, por
vezes, os meninos acompanhavam o pai: Os meninos vo ir ao Seminrio com
Gaston.285o que demonstra haver tambm uma diviso no campo privado, no que diz
respeito ao cuidado com os filhos.
Como representante da Coroa, Isabel preocupava-se com o contato com os
sditos. Seguindo os hbitos de seu pai286, marcou para as pessoas que nos quiserem
vir ver, 7 horas da noite, em qualquer dia, que aqui estivermos.287A recepo calorosa

280
DAUNT, Ricardo Gumbleton. Dirio da Princesa Isabel. So Paulo: Editora Anhembi Ltda, 1957.
281
Idem, p.31 carta de 11/11/1884
282
Idem, p.36 carta de 17/11/1884
283
Idem, p.29 carta de 9/11/1884
284
Idem, p.37 carta de 18/11/1884
285
Idem, p.40 - carta de 21/11/1884
286
CARVALHO, op. cit. 2007, p.94
287
DAUNT, op. cit, p.28 carta do dia 8/11/1884
72

que os integrantes da famlia Imperial tiveram por parte do povo na provncia de So


Paulo tambm foi alvo dos seus registros: acolhimento amigvel e simptico por toda
parte; chegada So Paulo s 5 horas e meia. Muita gente na Estao, apesar da
chuva de pedra que tinha desabado sobre a cidade288
Apesar dos jornais da poca, de uma maneira geral, acentuarem a pouca
popularidade de que gozavam Isabel e seu marido, isto no impediu que uma visita dos
herdeiros do trono se tornasse um motivo de curiosidade e festa para as cidades
paulistas. A esse respeito, assim noticia o jornal O Pas do dia 09/11/1884:
Ontem a noite muitas casas puseram luminrias e a elegante fachada do
palacete do Conde de Trs Rios [onde ficou hospedada a famlia imperial]
estava brilhantemente iluminada. No largo fronteiro ao palacete acumulou-se
muito povo at hora adiantada da noite. Todos queriam ver a herdeira do trono
e perguntavam se os prncipes eram louros ou morenos, que idade tinha o mais
velho, se D. Antnio era mais travesso que o Prncipe do Gro Par, enfim,
essas mil banalidades que indicam curiosidade e interesse simptico por parte
do vulgo.
E no foi s nos lugares em que passou que a presena da futura imperatriz
despertou interesse. A imprensa, inclusive a da Corte, seguiu de perto seus passos. O
relacionamento de Isabel com os reprteres parecia no ser, para ela, dos mais
agradveis. Isso fica demonstrado no comentrio que ela fez em carta do dia 8 de
novembro:
Visita Casa da Cmara, Assemblia Provincial e Palcio [da cidade de So
Paulo] (...). Tudo isso seguido do exame de reprteres, que iam em outro bonde,
atrs de ns, e me faziam efeito de bandos de cascudas (...)289.
Para preservar sua privacidade, e livrar-se da perseguio dos reprteres, ela
chegou mesmo a utilizar-se de uma estratgia:
Mais tarde, quando fui ver a Chcara do horticultor francs Joly, pedi que s
viesse um bonde e manobrassem de modo a pregar-lhes [aos reprteres] uma
pea, fazendo com que no soubessem de nossa sada, e assim ver-nos livres
deles.
Curiosamente, parece que no era s Isabel que estava cansada da perseguio
da imprensa. Eles tambm estavam exaustos por acompanh-la em suas andanas. Isto
288
DAUNT, op. cit, p.27 - carta do dia 06/11/1884
289
Idem, p.28 carta de 8/11/1884
73

o que sugere a notcia publicada no jornal O Pas do dia 10/11/1884: (...) Do Braz,
Suas Altezas recolheram-se a palcio, dando, enfim, descanso aos pobres
correspondentes que desde a manh andavam em uma faina contnua (...)
A viagem da famlia imperial Provncia de So Paulo inclua uma srie de
visitas oficiais e particulares, que iam desde Cmara, Assemblia e Palcio do
Governo a uma infinidade de igrejas, escolas, hospitais, fbricas e fazendas. Em sua
escrita, Isabel se mostra uma pessoa detalhista descrevendo os lugares onde se
hospedava e visitava. Observava a decorao e a arquitetura das construes, ora para
elogiar, ora para tecer suas crticas. Seu olhar era atrado constantemente para as belas
paisagens e jardins: Parada em Sorocaba (...) Antes, tnhamos atravessado bonitos
campos cheios de flores, entre outras das de jalapa do campo, grandes e pequenas de
cor rosa e escarlate, muitssimos bonitas290 Em seus escritos, as flores e a msica
aparecem com freqncia291. So muitos os comentrios que faz a respeito dos nmeros
musicais que presencia, encontrando, alm disso, um tempo para que ela prpria tocasse
piano: Dia de descanso e arranjo: estudei um pouco de piano.292
O conforto e beleza dos locais onde se hospedavam tambm eram objetos de
suas observaes. Sobre a residncia do Baro de Trs Rios, na cidade de So Paulo,
por exemplo, comenta: Casa magnfica, arranjada com muito gosto, cravos a valer e
lindos, begnias magnficas, cama macia, um bom piano que fiz vir da casa Levy.293
A prtica do Catolicismo era uma de suas caractersticas pessoais e, portanto,
relata convites e ida missas, Te-Deuns e visita a Igrejas, as quais merecem uma
avaliao crtica detalhada, como esta, feita em Lorena:
Visita Igreja, bem bonita, sobretudo interiormente, a no ser um santo que
teriam feito melhor vestir, sendo de mrmore e um baldaquim escarlate com
uma armao de pau, que teriam feito melhor suprimir. As torres no me
agradam muito, e no acho, igreja, um cunho muito religioso.294
curioso observar, no entanto, neste dirio escrito para seu pai, que os nicos
aspectos abordados em suas visitas s igrejas dizem respeito arquitetura e decorao
das mesmas. Isso poderia ser explicado por uma caracterstica do ultramontanismo, que
dava preferncia s igrejas e cerimnias vistosas,que apelariam mais ao corao, do
290
DAUNT, op. cit, p.30 carta de 10/11/1884
291
BARMAN, opus cit, p.228
292
DAUNT, opus cit, p.28, carta de 07/11/1884
293
Idem, p.28 carta de 6/11/1884
294
Idem p.27 carta de 6/11/1884
74

que razo 295, ou pelo fato de, em sua escrita para o pai, desde criana, demonstrar
pouco sua religiosidade.
Contrariando a imagem divulgada na imprensa da poca de que seria uma de
fantica religiosa, o excesso de programaes assumidas durante sua viagem fez com
que ela usasse de artifcios para escapar a alguns compromissos religiosos:
Chegada Piracicaba s 3 horas. Visita casa de campo de Estevo de
Resende, Ida ao Salto (quiosque) de que gostei muito, visita fbrica de
bordados e fbrica de fiao do Queiroz, genro do Conselheiro Otoni, bem
montadas. Grande complicao por causa do Te-Deum, do qual ouvimos falar,
mas para o qual, por confuso, no nos tinham convidado positivamente.
Bastante cansada, no falei nele e, afinal, disseram-no sem ns.296
As visitas sociais tambm ocuparam grande parte do tempo da Princesa. Ora era
ela quem visitava, ora era visitada. Na carta que escreve a seus pais no dia 14 de
novembro de 1884, ela faz o seguinte resumo:
Eis as pessoas mais conhecidas que temos visto em So Paulo: Condessa de
Lages e seu filho Sebastio; Isabelinha de Morais e seu filho Pedro (...); Duarte
de Azevedo, filha e genro; um filho do Jaguaribe, doutor e a senhora; Pdua
Fleury, diretor da Faculdade; Artidoro Xavier Pinheiro; os lentes da faculdade,
entre os quais Benevides, irmo do Bispo de Mariana; o Couto Magalhes, com
quem j est ajustada uma pescaria para tera-feira no Tiet; o Presidente de
Almeida Couto e famlia; Joaninha Borges Itana e marido; Visconde de Itu;
Baro de Mossor. Esqueo-me provavelmente de vrios297
Eis uma boa amostra da rede de sociabilidades que a envolvia em sua viagem.
Como permanncia dos tempos do absolutismo, ter o privilgio de comparecer
presena da herdeira do trono, ou ser visitado por ela, era extremamente importante na
escala de valores sociais.298 No meio de tantos compromissos, no entanto, ela
encontrava espao para momentos de lazer, para si e seus filhos, que relatava com bom
humor:
Ida ao Ypiranga: ns [Isabel e Gasto] e os dois meninos mais velhos
[acompanhados de vrias pessoas que relata na carta] Na volta o cavalinho de

295
BARMAN, op. cit, p.182
296
DAUNT, p.32 carta de 12/11/1884.
297
Idem, p.34 carta de 14/11/1884
298
ELIAS, Norbert. op. cit, p.94
75

Pedro achou que devia banhar-se nas guas do Ipiranga o bisneto de Dom
Pedro I, e deitando-se nelas, fez tomar Pedro um banho completo299.
Ou ainda:
Sa de manh, a p, com os meninos, para uma pescaria, num remanso, no
muito longe da casa. Morte de 3 peixes, mas antes de duas pequenas jararacas,
que formavam j o bote para o Pedro. Graas a Deus, algum avistou-as e
gritou a tempo. 300
A sade dos filhos e marido mostra ser tambm uma preocupao constante da
Princesa: Achei, porm, ao chegar, Antnio, ainda tossindo um pouco, mas muito
contentinho.301 Gaston (...) ainda sofreu bastante dos olhos, que lhe doem desde
Ipanema302.
Mas no so apenas a famlia, flores, msica, decorao e igrejas, coisas que
fariam parte do chamado universo feminino do sculo XIX, os objetos da avaliao da
Princesa.
Na visita que faz Real Fbrica de Ferro de So Joo do Ipanema, por exemplo,
suas preocupaes envolvem aspectos polticos, administrativos e econmicos:
Visita de toda a fbrica, fornos altos, forno para ao ainda sem estar acabado,
fundies, edifcio muito grande para novas oficinas, etc, etc. Explicaes sobre
tudo isso e maneira de proceder(...) Infelizmente arranjos em parte primitivos,
sem dinheiro por ora para muito mais, e o que pior ainda, meios de transporte
to caros, que o ferro de Ipanema, em Santos, custa trs vezes mais caro, que o
vindo da Europa.303
Questionando o assunto, prope solues:
Se a fbrica estivesse instalada com todos os melhoramentos conhecidos, teria
diminudo essa diferena, ou depende ela s do transporte? E se fosse
arrendada Ipanema a uma Companhia?.304
Em visita ao Engenho Central de Capivari seus comentrios so direcionados
para aspectos que envolvem segurana e melhores condies de trabalho:

299
DAUNT, op. cit, p.40 - carta de 23/11/1884.
300
Idem, p.28 - carta de 07/11/1884.
301
Idem, p.36 - carta de 18/11/1884
302
Idem, p.36 - carta de 16/11/1884
303
Idem, p.30 carta de 10/11/1884
304
Idem
76

Engenho muito grande, muitos boas mquinas, agradou-me muito, assim como
o acolhimento que a nos fizeram; entretanto, por ora, creio o de Lorena melhor
como simplificao para o trabalho, a tudo est ligado, tudo se aproveita.
Duas coisas porm h neste que no me lembro ter visto no outro: uma oficina
para consertar as mquinas, e aparelhos, em vrios lugares, para extinguir
incndios.305
Desde sua primeira viagem Europa, Isabel havia sido incentivada por seu pai a
visitar e conhecer o funcionamento das indstrias nos pases considerados mais
avanados. E, segundo suas cartas da poca, havia escolhido a Inglaterra como modelo,
considerando que, com o tempo, o Brasil poderia alcanar o mesmo nvel de
desenvolvimento, o que demonstra que a princesa no seria contrria s idias de
progresso, pelo menos no que diz respeito ao aspecto de desenvolvimento tecnolgico.
Outro alvo de suas avaliaes so os estabelecimentos de ensino que visita. Ao
presenciar na Faculdade de Direito de So Paulo os exames de doutoramento que
estavam sendo a realizados, critica sua falta de rigor ao afirmar:
Assistimos ao exame de um aluno do 5 ano. Que exame, meu Deus, e me
dizem que assim so muitos!?, e quando eu pensava que houvesse talvez dvidas
em aprovar o rapaz, vejo-o muito concho para passar ao doutoramento!
Exames mais complexos passei eu!306
Tal afirmao, alm de mostrar sua reprovao ao nvel dos exames
presenciados, evidencia a educao extremamente rgida que teve a Princesa.
As instalaes de escolas tambm so alvo de crtica: Visita ao Seminrio
episcopal, perto de 200 meninos, e por isso mesmo um pouco apertado. 307A falta de
material escolar na escola pblica assinalada por ela: Antes da fbrica passamos pela
escola pblica (...); a professora disse que os meninos traziam os livros de casa e que
havia grande falta de outros.308
A construo de um hospital moderno motivo para elogios da princesa:
Visita com Pedro e Lus Santa Casa de Misericrdia, nova, contendo j enfermarias
para 150 doentes, planos segundo as idias modernas sobre hospitais e muitssimo
bonito.309 A preocupao com a modernidade, to caracterstica do perodo, um
305
DAUNT, op. cit, p. 31 carta de 12/11/1884
306
Idem, p.28 carta de 08/11/1984
307
Idem, p.29 carta de 09/11/1884
308
Idem, p.30 carta de 10/11/1884
309
DAUNT, op. cit, p.29 carta de 09/11/1884
77

reflexo das novas correntes cientificistas oriundas da Europa e Estados Unidos, que
tiveram aqui no Brasil a Gerao de 70310como seus principais divulgadores.
Apesar de ser um ano de recrudescimento da campanha abolicionista, a questo
servil um ponto em que Isabel tocou em apenas uma ocasio: Visita Cmara
Municipal [de Itu] (...) onde entreguei 14 cartas de liberdade, arranjadas por meio de
um fundo de emancipao. Os senhores pareciam mais contentes do que os prprios
libertos.311 Embora totalmente favorvel ao fim da escravido, Isabel mantinha a
postura de conceder a liberdade como um ato de caridade.
A questo dos imigrantes que progressivamente estavam substituindo a mo de
obra escrava nas fazendas paulistas foi foco de comentrio em duas ocasies: a
primeira, ao visitar a fazenda Santas Gertrudes, em Rio Claro, de propriedade do Conde
de Trs Rios, assinalou: H olaria, serraria, e comeo de casa para colonos.312A
segunda ao relatar a visita de seu marido hospedaria de imigrantes:
Gaston foi ver a hospedaria para imigrantes, onde estes se hospedam, grtis,
durante certo nmero de dias. Achou camas bastante ordinrias e sujas, mas
muitas; l disseram que os imigrantes se achavam muito satisfeitos de encontr-
las mas tambm que raras vezes ficavam l mais de uma noite, porque os
fazendeiros logo os levavam.313
No dia 27 de novembro de 1884, Isabel e sua famlia seguiram viagem para as
provncias do sul do pas, despedindo-se da cidade de So Paulo. Talvez
involuntariamente, numa viso futurista, a Princesa teceu um comentrio sobre a
cidade:situao magnfica e proporo para uma cidade esplndida, alguns edifcios
bonitos, mas em geral nenhuma arquitetura e muita linha torta.314
Aps o trmino da anlise deste dirio, podemos ter um bom painel dessa Isabel
mais madura315 e experiente, num perodo mais prximo quele em que poderia vir a se
tornar Imperatriz do Brasil. Ela mantm as caractersticas femininas prprias de sua
poca e de sua condio social. A religiosidade era parte do seu cotidiano.

310
Como ficou conhecida a nova elite de jovens intelectuais, polticos e militares, dominados por uma
mentalidade cientificista oriunda da Europa, com forte influncia positivista e darwinista, que exigiam a
transformao no pas visando inseri-lo num padro de progresso e civilizao. SALLES, op cit. 1996,
p.173
311
DAUNT, opus cit. p.32 carta de 13/11/1884
312
Idem, p.35 carta de 15/11/1884
313
Idem, p.38 carta de 21/11/1884
314
Idem, p.29 carta de 08/11/1884
315
Isabel contava 38 anos de idade.
78

Concordo com Robert Daibert Jr quanto este afirma que sua viso de mundo foi
construda a partir de sua religiosidade catlica permeada por idias ultramontanas,
acrescida dos valores do seu tempo.316 Isto, no entanto, no serve, de forma alguma,
para qualific-la como uma fantica religiosa.
Isabel mostra-se uma mulher inteligente, observadora, interessada em poltica e
economia, valorizando o que moderno. Possuindo uma maneira prpria de ler sua
educao, demonstra ter conscincia de seu papel dentro do Imprio e o desempenha
com aparente desenvoltura.
Discordo de Roderick Barman quando este afirma que ela viveu uma existncia
subordinada, explorada e limitada e que seu gnero tenha impedido que, antes dos
quarenta anos, ela desenvolvesse um senso de agncia nos negcios pblicos.317 No
contexto do sculo XIX, a aceitao de determinadas regras pelas mulheres no
significava, necessariamente, alienar-se, mas construir recursos que lhe permitisse
deslocar ou subverter uma relao de dominao.318 O fato de ser mulher no a impediu
nem de ter uma educao privilegiada, nem de que ela constitusse uma viso poltica.
Penso tambm que no se deve enquadrar Isabel dentro de parmetros rgidos,
como fazia a propaganda republicana e anticlerical de parte de seus contemporneos,
que por um bom tempo foi mantida na historiografia. Ao classific-la, como
ultramontana, tinham-na tambm como anti-liberal, querendo com isso desqualific-
la para assumir o imprio.
Embora no caso de figuras pblicas de grande peso, o espao privado e o pblico
muitas vezes se confundam, o catolicismo dela, apesar de sabido por todos, estava
muito mais relacionado sua vida privada. Foi a propaganda republicana quem tentou
traz-lo para o espao pblico. Tanto no caso da unificao italiana como na poca da
questo religiosa, ela foi solidria posio tomada pela Igreja, mas no estava no
poder, e suas opinies foram divulgadas no mbito familiar. No h registro de
nenhuma ocasio em que Isabel tenha se manifestado publicamente sobre este assunto.
Prefiro classificar Isabel como uma mulher de seu tempo,319 pois ela no era nem
anacrnica, nem uma estranha no ninho. Criada dentro de uma cultura poltica

316
DAIBERT JR. op. cit, 2007, p.286
317
BARMAN, op. cit. p.330
318
SOHIET, Rachel . Histria das Mulheres e Relaes de Gnero: algumas reflexes In Revista Digital Com
Cincia, n50, Dezembro /Janeiro 2003- Mulheres nas Cincias, disponvel em:
http://www.comciencia.br/reportagens/mulheres/16.shtml
319
Os homens se parecem mais com seu tempo do que com seus pais Provrbio rabe.
79

paternalista e masculina, sua forma de olhar o mundo estava plenamente dentro do


contexto em que foi educada e viveu. Para definir Isabel, aproprio-me das caractersticas
que Emlia Viotti da Costa utliliza no seu estudo sobre a mulher no sculo XIX: como
as demais de seu tempo e categoria social, a princesa era dividida entre as idias de
progresso e de modernidade, a influncia da Igreja Catlica e a permanncia de normas
culturais tradicionais.320
Atravs da observao de sua correspondncia, Isabel pode ser vista como uma
filha carinhosa, obediente e preocupada com a imagem poltica de seu pai, uma esposa
companheira e dedicada, uma me extremosa, uma catlica convicta, mas tambm como
a futura Imperatriz, tendo a plena noo do cargo ao qual estava destinada. Para tal ela
havia sido educada, possuindo suficiente experincia para assumir o trono. Nenhuma
mulher, at ento, nas Amricas, havia estado por duas vezes frente de um Imprio.

320
COSTA, opus cit, p.501
80

CAPTULO 2

O REINADO DE ISABEL

2.1 A TERCEIRA REGNCIA


A escravido figurou por longo tempo, tanto por seus defensores como por seus
crticos, como um recurso da sociedade imperial. Para seus defensores, seu fim sbito
poderia significar a falncia de nossa sociedade. Para seus crticos, a escravido era um
atraso a ser superado j que se opunha idia de civilizao e progresso.321 A escravido
j se tornara assunto de destaque desde o fim da Guerra do Paraguai, mas no incio da
dcada de 1880 que a campanha pelo seu final vai tomar vulto, configurando-se como
uma campanha popular.
O recrudescimento do movimento abolicionista teve origem no ano de 1879, a
partir de um discurso proferido na Cmara dos Deputados por Jernimo Sodr, que
denunciara a lei do Ventre Livre como uma reforma vergonhosa e mutilada e o fundo de
emancipao de ter eficcia lenta322.
A campanha popular em favor da abolio da escravido no Rio de Janeiro foi, a
princpio, promovida pela Associao Emancipadora e pela sociedade Brasileira Contra
a Escravido, sendo esta ltima presidida por Joaquim Nabuco, um dos principais
lderes do abolicionismo. Ele, no seu livro O Abolicionismo, publicado em 1883,
reconhecia a existncia de uma conscincia nacional humanizadora em formao e
enfatizava a idia de que a escravido, em vez de ser uma causa de progresso e
expanso, impedia o crescimento natural do pas. Nabuco distinguia a contribuio do
negro para a formao histrica da nao e do povo brasileiro, e tambm defendia a
incorporao dos antigos escravos e libertos cidadania da reforma abolicionista.
Ainda segundo suas palavras,
em 1850 queria-se suprimir a escravido acabando com o trfico; em 1871,
libertando-se desde o bero (...) hoje quer-se suprimi-la emancipando os
321
SALLES, op. cit, 1996, pp. 138-139
322
CONRAD, op cit, p.166
81

escravos em massa e resgatando os ingnuos da servido da lei de 28 de


setembro [lei do Ventre Livre]. este ltimo movimento que se chama
abolicionismo.323
Quando comeou a dcada abolicionista, no entanto, os fazendeiros proprietrios
de escravos eram um grupo poltico poderoso. Os da provncia do Rio de Janeiro
estavam inclusive determinados a manter a escravido ainda por muitos anos, pois no
haviam investido na transformao de um sistema escravista para um de trabalhadores
livres, ao contrrio de So Paulo que j havia iniciado esse movimento. Nas zonas de
caf, o trabalho escravo ainda era o mais utilizado. A maioria dos senhores no estava
preparada para a agitao que se seguiu.
O movimento abolicionista foi um fenmeno predominantemente urbano. Na
Corte, a campanha abolicionista apresentou-se de uma forma muito peculiar, em virtude
da articulao entre os setores intelectuais, que militavam na imprensa ou no
parlamento, e grupos urbanos que no dependiam diretamente do brao escravo.324 Ela
consolidou tambm a entrada em cena de novos atores polticos pertencentes a uma
camada mais popular, a arraia mida,325 que abarcava negros, pardos, mulatos e
brancos pobres, que j havia se iniciado quando da Revolta do Vintm, em 1880.
A revolta do Vintm teve lugar na Cidade do Rio de Janeiro, na passagem de
1880 para 1881. No dia 27 de dezembro de 1880, cerca de 5000 pessoas lideradas pelo
militante republicano Lopes Trovo, jornalista da Gazeta da Noite, e Jos do
Patrocnio, exigiram que Pedro II revogasse uma taxa de um vintm sobre o transporte
urbano instituda pelo governo. No dia em que a taxa entraria em vigor, (1 de janeiro de
1881) uma nova manifestao foi convocada. A multido seguiu para o local dos pontos
finais dos bondes (rua Uruguaiana e Largo do So Francisco). A polcia tentou cont-la
e os manifestantes responderam quebrando bondes, arrancando trilhos e virando os
veculos. A revolta s parou com a interveno do Exrcito, que abriu fogo contra a
multido, matando vrias pessoas. 326
323
NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo .disponvel em
http://www.editorameca.com.br/BV11032003/JOAQUIM%NABUCO/abolicionismo.htm, consultado em
maio de 2004
324
MACHADO, Humberto F. Joaquim Nabuco: paternalismo e reformismo na campanha abolicionista.
In Revista do IHGB, Rio de Janeiro, jan/mar 2000, p.39
325
MACHADO, Maria Helena P. T. O Plano e o Pnico, os movimentos sociais na dcada da Abolio.
Rio de Janeiro, Editora UFRJ, SP, EDUSP, 1994, p.147
326
CARVALHO, Jos Murilo. A Guerra do Vintm. disponvel em:
http://www.revistadehistoria.com.br/v2/home/?go=detalhe&id=810&pagina=3
82

Cabe aqui uma discusso da historiografia atual sobre as ligaes entre a revolta
do vintm e o republicanismo. Ao classificar seus agentes como militantes
republicanos, fica evidente que para Jos Murilo de Carvalho haveria uma ligao
direta entre a revolta do vintm e o republicanismo. Para ele, a principal motivao de
Trovo, Patrocnio e outros lderes do movimento teria sido a de angariar simpatizantes
para o Partido Republicano. Estudos mais recentes, no entanto, nos apontam que esta
idia, surgida ainda no calor dos acontecimentos, seria fruto de uma batalha de
discursos entre o governo e os jornalistas citados acima. A insistncia do governo em
ligar o republicanismo a movimentos populares, no caso, a revolta do vintm, teria
como objetivos deslegitim-la e esvazi-la. Segundo Gustavo Rezende, a revolta do
vintm trouxe trs grandes inovaes no cenrio poltico do pas: atrair o povo para o
centro dos debates parlamentares, a participao popular de massa, e a interao entre
indivduos de variadas camadas sociais. Ela teria desencadeado o surgimento de uma
nova cultura poltica, na qual o povo sairia da obscuridade para se tornar um dos
principais atores polticos327
No entanto, apesar de provocar adeso de alguns polticos e acontecerem
intensos debates, os projetos abolicionistas no conseguiam contagiar a maioria da
Cmara por ser ela formada, sobretudo, por membros oriundos da oligarquia rural.
Alm disso, no repercutiu na populao votante, j que os candidatos que defendiam o
abolicionismo foram derrotados nas eleies de 1881328.
Um dos primeiros jornais abolicionista foi a Gazeta da Tarde (1881). No incio
da dcada de 1880, a maior parte da imprensa ainda estava direta ou indiretamente
ligada aos interesses agrcolas e comerciais e por esse motivo, o movimento
abolicionista recebeu pouco apoio dela nessa fase inicial. Segundo a anlise feita por
Emlia Viotti da Costa, os bacharis e intelectuais que escreviam nos jornais eram
ligados elite por laos de famlia, amizade ou clientela tornando-se, freqentemente,
porta-vozes dos grupos dominantes. A expanso do mercado interno, no entanto,
permitiu que os bacharis fossem adquirindo uma certa independncia em relao a
esses grupos, buscando para si, numa atitude paternalista, o papel de defensores do
povo, apoiando idias novas e movimentos polticos dissidentes, tornando-se
emissrios do progresso. Este progresso, entretanto, segundo a autora, seria filtrado

327
REZENDE, op. cit, cap.3
328
CONRAD, op. cit.,p.205
83

pela tradio. Gradativamente, eles foram se colocando ao lado de setores mais


progressistas, participando dos movimentos reformistas no perodo entre 1870 e 1889,
tais como a reforma eleitoral, a Abolio e a Repblica. 329
Os abolicionistas passam a promover conferncias e comcios que possuam
livre acesso para o povo, nos quais denunciavam as mazelas do cativeiro, criticando os
senhores, que para eles representavam o atraso e conservadorismo que dificultava a
entrada do Brasil no rol das naes civilizadas. Muitos poetas, msicos e artistas
aderiram ao movimento.
Num perodo de trs anos, as sociedades abolicionistas se multiplicaram. Em
1883 foi fundada a Confederao Abolicionista que no seu manifesto procurava mostrar
as vantagens sociais e econmicas da libertao dos escravos. Ela promovia
conferncias, quermesses, espetculos teatrais, concertos e pleiteava constantemente as
causas dos cativos perante a administrao pblica e tribunais. Seu pblico constitua-
se, sobretudo de polticos, militares, profissionais liberais e comerciantes.
Em 1884 tinha incio a libertao dos escravos nos estados, e o primeiro que
tomou esta atitude foi o Cear, que a fez no dia 25 de maro.
Seria tambm em 1884 que o abolicionismo tomaria na Corte um carter de
um movimento de massas.330 No Parlamento, comeava-se a discutir a Lei Dantas, para
que fossem libertados os escravos com mais de sessenta anos, o que provocaria alarme
entre muitos fazendeiros. Para fugir ao estigma de escravizadores de africanos
importados, depois do fim do trfico, muitos fazendeiros, por ocasio da matrcula de
escravos, que foram obrigados a fazer em 1872, haviam majorado a idade dos seus
cativos, e agora, por fora desta lei, iam ver muitos deles livres sem que os mesmos
tivessem completado os 60 anos, perdendo parte de sua fora produtiva.331
Os abolicionistas nos jornais faziam campanha em favor do projeto de Dantas,
que ganhava adeso popular.332 O projeto previa, alm da libertao sem indenizao
aos proprietrios dos escravos acima de sessenta anos, a criao de colnias de libertos
nas quais eles poderiam adquirir, progressivamente, o ttulo de propriedade das terras.

329
COSTA, Op. cit. p.14
330
CONRAD, Robert, opus cit, p.236
331
MORAES, Evaristo de ,A escravido - da supresso do trfico lei urea,in Revista do IHGB,
Congresso Internacional de Histria da Amrica, vol 3, 1922
332
ALONSO, Angela. Joaquim Nabuco. So Paulo. Cia das Letras, 2007, p. 183
84

Teria sido esta proposta o que teria aproximado os abolicionistas dos planos de Dantas,
tornando-os seus ferrenhos defensores333.
Entretanto, a apresentao do projeto ocasionou a derrubada dos preos dos
escravos e das terras334.Os setores escravistas reagiram e o projeto foi derrotado por dois
votos. Dantas caiu e foi substitudo pelo ministro, tambm liberal, Jos Antnio
Saraiva. Este, contando com o apoio do conservador baro de Cotegipe, introduziu
algumas modificaes no projeto original de Dantas, estabelecendo que os escravos a
serem libertados por esta lei deveriam trabalhar mais cinco anos a ttulo de indenizao
aos seus proprietrios at ficarem definitivamente livres e o reapresentaram ao
Parlamento, sendo finalmente aprovado em 28 de setembro de 1885. Desta forma, a Lei
dos Sexagenrios acabaria por beneficiar os senhores que ficariam livres do encargo de
manter seus escravos velhos e doentes.335 Pouco depois da aprovao da lei, Saraiva
pedia demisso. Com a recusa de outros polticos liberais em assumir o Ministrio, este
voltava para a mo dos conservadores e Cotegipe era nomeado o Presidente do
Conselho de Ministros
A idia abolicionista avanava e, por volta da metade da dcada de 1880, Isabel,
assim como os demais membros da Famlia Imperial, passara a manifestar apoio mais
evidente ao movimento em favor do fim da escravido com a organizao de
quermesses nas quais recolhia fundos destinados libertao de cativos. A esse
respeito, assim se manifestava o jornal republicano O Mequetrefe no ano de 1886:
Esto reabilitadas as quermesses graas sua Alteza Imperial, sra D.
Isabel.(...) A famlia Imperial d o exemplo de contribuio: O imperador bebe
gua a dez mil ris cada um, a Imperatriz pesa-se, o Conde dEu atira ao alvo,
o prncipe D. Pedro [Augusto] fuma.336
Gradativamente Isabel ia sendo encarada como uma dirigente abolicionista.
No dia de seu aniversrio no ano seguinte, em artigo publicado no jornal O Pas,
Joaquim Nabuco dirigia-se ela denunciando a condenao de quatro escravos pena
de 300 aoites, que provocou a morte de dois deles. Nabuco apelava para os bons
sentimentos da princesa na inteno que esta ajudasse a causa abolicionista para que tal

333
SANTOS, Cludia Regina Andrade dos. Abolicionismo e desigualdades sociais. in MOURA, Ana
Maria da Silva et alii (orgs). Rio de Janeiro:tempo, espao e trabalho. Rio de Janeiro: Ana Maria Moura,
2002, p. 224
334
ALONSO, op cit, p.185
335
NEVES e MACHADO, op. cit, p.383
336
O Mequetrefe de 20/07/1886
85

fato no se repetisse.337 No podendo afirmar se a princesa acatou o pedido ou teve


algum mrito na deciso tomada pela Cmara, em outubro de 1886 era revogada a
legalizao do uso de aoites como castigo de escravos, mas no sem o protesto de
deputados escravistas. Segundo eles, esta seria uma lei que traria no seu bojo a abolio
e que causaria a desorganizao da mo de obra.338
Alm de ser motivado por sentimentos religiosos, a adeso aos movimentos em
favor da libertao dos escravos pela Princesa tambm envolvia a busca por uma
imagem mais positiva para si. Da mesma forma, o Conde dEu, que j havia alguns anos
era atacado pela imprensa, passou a se preocupar em responder e desmentir os ataques
feitos a ele e a Isabel na tentativa, talvez, de desconstruir as imagens que eram
divulgadas nos jornais. Refutando artigos publicados na Gazeta da Tarde escreveu
vrias cartas a seu diretor com desmentidos. Sobre a religiosidade da Princesa, que
aparecia com freqncia como o maior entrave a que ela se tornasse a futura imperatriz,
dizia ele:
no exato que a Princesa se confessa todas as semanas, nem mesmo todos os
meses, ou jejue toda quaresma. (...) entendo que o modo pelo qual cada um
julgue conveniente cumprir seus deveres religiosos constitui assunto de ordem
to ntima que deveria escapar qualquer apreciao pblica339
Buscava tambm destruir a idia de ser possuidor de cortios, avarento e das
demais qualificaes que lhe eram atribudas numa uma tentativa de angariar simpatias
e reverter o quadro de rejeio ao terceiro reinado que h tempos vinha sendo
construdo. No entanto, parece no ter alcanado o resultado desejado.
No incio de 1887, o casal dEu decidiu empreender uma nova viagem para a
Europa, desta vez por apenas seis meses, em virtude da sade do Imperador, e da
possibilidade de ter Isabel que assumir novamente a regncia.340 Um artigo de Jos do
Patrocnio na Gazeta da Tarde fornecia um motivo no declarado para esta viagem
neste momento: o cime e descontentamento do Conde dEu em virtude das atenes
dispensadas pelo Imperador ao prncipe D. Pedro Augusto, seu neto mais velho, filho da
Princesa Leopoldina que at o nascimento dos filhos de Isabel, fora considerado
herdeiro do trono na ausncia desta. Gasto temia, segundo o jornal, que D. Pedro II

337
O Pas de 29/07/1886
338
CONRAD, op. cit, p.288
339
AHMIP Arquivo POB, doc 8891-Carta Martins Pinheiro, 09/03/1886
340
RANGEL, op. cit, p.356
86

preferisse que, ao invs de Isabel, fosse seu neto mais velho o futuro ocupante do
trono. Sobre esse assunto, assim se manifestava o peridico:
Nestes ltimos tempos sua majestade tem por vrias vezes mostrado
apreenses a respeito do futuro de sua dinastia. Sua Majestade tem
conscincia de que os herdeiros presuntivos da Coroa no podero arcar com
a oposio que ser feita monarquia quando a soberania imperial tiver que
passar s mos deles. V o Imperador que o Partido Republicano se organiza
e cresce prodigiosamente em toda parte(...). Pode-se garantir, e o imperador
o sente, que em dois anos o trabalho sistemtico da organizao do Partido
Republicano ter forado a dissoluo do Partido Liberal, cuja parte
adiantada se fundir no Republicano e a atrasada no Conservador. Um
fenmeno tambm no passou despercebido ao Imperador. que se houver
um golpe de mo seguro, a monarquia no tem meio de se defender
eficazmente. E este golpe de mo est sendo preparado pelo abolicionismo
(...). O Imperador viu desde muito cedo que para lutar contra tantos
elementos contrrios e poderosos, a monarquia no tem outra sada seno
recorrer a um prncipe astuto, a uma espcie de remonte do prprio Sr.
D.Pedro II e esse prncipe no com certeza o Sr. Conde dEu. Esse prncipe
o Sr. D. Pedro sem mais nada.(...) Todo o trabalho do Imperador tem sido
desgostar jeitosamente o Sr. Conde dEu. Feito isso, o imperador consegue
facilmente a abdicao da serenssima senhora D. Isabel, na pessoa de seu
filho e neste caso, o regente ser D. Pedro; ou ento obtm a abdicao no
s pessoal, como por toda famlia e D. Pedro reinar.341
Este artigo traz uma srie de pontos a analisar. O primeiro deles a persistncia
da cultura poltica patriarcalista que via o Conde dEu como governante no lugar de
D.Pedro II, e no Isabel. Alm de expor a falta de carisma e popularidade do casal de
herdeiros do trono, trazia de volta a existncia de um conflito e uma certa antipatia que
o Imperador nutriria por seu genro. Evidenciava tambm a conscincia de que todos os
membros da famlia real teriam quanto ao perigo que correria o terceiro reinado,
sobretudo tendo Isabel no trono, e o crescimento da idia republicana no pas. A
possibilidade de solucionar este problema com a abdicao de Isabel em favor de um
homem que fosse uma reproduo mais jovem de Pedro II, no caso o Prncipe Pedro

341
Gazeta da Tarde, de 05/01/1887
87

Augusto, parecia uma opo coerente naquele contexto. A rapidez com que o Imperador
conseguiria a abdicao de sua filha, exposta no artigo, retoma a noo de que Isabel
pudesse ser facilmente influenciada e manipulada. O que talvez no contassem aqueles
que defendiam essa possibilidade que, segundo nos diz Barman,342o prncipe Pedro
Augusto tinha inclinao para a intriga e uma grande reserva de ressentimento. Alm
disso, por conta de uma grave doena que o acometeu durante sua estada na Europa, seu
senso de realidade e sua estabilidade mental haviam sido prejudicados. O fato que a
opo da troca de herdeiros do trono no foi levada adiante.
Dois meses aps a partida do casal dEu para a Europa, o Imperador adoecia
gravemente, causando grande apreenso nos meses que se seguiram. Alguns jornais,
como o Gazeta da Tarde, 343 comeam a indagar se a Princesa no iria voltar, temerosos
ante a possibilidade de que D.Pedro II viesse a falecer.Os mdicos aconselham o
Imperador a procurar tratamento na Europa e Isabel foi chamada de volta ao Brasil,
aonde chegou no incio de junho. ela quem relata: 344
Chegados da Europa a 8 de junho de 1888, no mesmo dia partamos para a
Tijuca. Ali encontramos meu Pai livre da crise e dos acessos de febre por que
passara, mas ainda muito magro, fraco e o que mais me impressionou, direi
mesmo o que me impressionou, pois a magreza e a fraqueza eram bem naturais
no seu estado, foi certa falta de memria que notei em sua robusta inteligncia
que me acostumara a conhecer sem a menor falha. Isso entristeceu-me e nele
agora falo porque desapareceu. Naquela ocasio julguei que tudo dever-se-ia
fazer para cur-la e no deixar tomar volume na opinio pblica. Falou-se de
viagem a Europa, os mdicos aconselharam-na, no quis tomar parte alguma
na deciso, pois poderia errar, mas a minha idia que tal viagem seria de
suma vantagem.345
A Princesa reconhecia no pai, alm de uma fraqueza natural em virtude da
doena, uma certa incapacidade no aspecto mental, fato que no deveria ser divulgado

342
BARMAN, Roderick, op. cit, p.254
343
Gazeta da Tarde de 20/04/1887
344
Em dezembro de 1888 Isabel escreveu suas memrias sobre a terceira regncia num depoimento
endereado aos filhos, onde ressalta que procurar fazer uma descrio verdica do que se passou
durante a Regncia no que diz respeito a grande questo da abolio da escravido. (AHMIP, M.199-
Doc.9030) Deve-se ressaltar que as memrias, autobiografias e dirios, assumem a subjetividade de seu
autor como dimenso integrante de sua linguagem, construindo sobre ela a sua verdade, ficando
descartada a princpio, portanto, a idia de verdade dos fatos, importando neste caso a tica assumida e
a expresso do autor. GOMES, op. cit, pp. 7-24
345
AHMIP, M.199- Doc.9030
88

opinio pblica, sendo a deciso de trat-lo na Europa uma estratgia conveniente


ocultao do seu real estado de sade. A opo por no querer assumir pessoalmente a
responsabilidade de fazer o imperador partir, e tambm o cuidado de no revelar a real
condio fsica e, sobretudo, mental do imperador pode ser explicado pelo desejo de no
causar conflitos naquele momento, pois a rejeio ao terceiro reinado j estava em curso
h algum tempo, e era de conhecimento da famlia Imperial.
No dia 30 deste mesmo ms, D. Pedro II partia deixando o pas num clima de
consternao ante a possibilidade de que ele nunca mais voltasse. Diante da gravidade
do estado de sade do Imperador, quando Isabel assumiu sua terceira regncia, muitos
deram como iniciado o Terceiro Reinado. Esse fato, no entanto, no era visto com bons
olhos pelos jornais, ao menos nos utilizados para esta pesquisa. Jos do Patrocnio, um
dos principais lderes do movimento abolicionista, por exemplo, manifestou-se da
seguinte forma no jornal Gazeta da Tarde:
Ao governo com que inicia-se o terceiro reinado est reservado exercer
decisiva influncia sobre todo ele e sobre o futuro mesmo da monarquia no
Brasil.(...)Um mau fado veio afastar do trono o Imperador, exatamente no
momento onde sua experincia e sua vontade pareciam mais necessrias aos
olhos mesmo dos que nunca se conformaram com o poder pessoal exercido
durante meio sculo de reinado (...). Infelizmente tudo se achar mudado no dia
em que o trono passar s mos dbeis da princesa imperial. (...) Dotada sem
dvida do mesmo patriotismo de seu pai, faltam princesa o conhecimento dos
negcios e a fora que somente ele lhe poderia dar para conter seus
ministros346
Apesar de presente a idia da fragilidade feminina e da inadequao em se ter
uma mulher no poder, o afastamento do imperador foi visto como o possvel incio do
Terceiro Reinado. As notcias desencontradas sobre a sade do Imperador que foram
chegando da Europa e sendo publicadas na imprensa nos meses seguintes foram
reforando esta idia.
As cartas trocadas entre o jornalista Gusmo Lobo e o Baro do Rio Branco do
uma boa idia sobre o clima de incerteza que reinava no pas sobre o real estado de
Pedro II. Diz ele:

346
Gazeta da Tarde de 30/06/1887
89

O ministro do Brasil nesta capital [Bruxelas], Sr. conde de Villeneuve, tem


empenhado esforos para que os diferentes jornais guardem silncio sobre o
estado do Imperador, e so tantas as precaues adotadas pelas pessoas da
comitiva imperial, que dificilmente se pode obter notcias positivas quanto
progresso da molstia do augusto monarca, sobre cujo estado se procura
impedir o conhecimento da verdade.347
Em dezembro de 1887, novamente Gusmo Lobo escrevia ao Baro do Rio
Branco contando sobre a chegada de dois telegramas publicados no Jornal do
Comrcio:
Compare estes dois telegramas do Jornal:
Publicado a 2 dezembro
Servio especial do Jornal
TELEGRAMAS
Marselha, 30 de Novembro S. M. o Imperador deixou de embarcar para o
Egito, vista da notcia, recebida ltima hora, de no ser bom o estado
sanitrio naquele pas. Suas Majestades regressaro a Cannes.
Publicado a 3
Da agncia Havas
Marselha, 2 de Dezembro O estado anmico do imperador, tornando-o muito
fraco e exigindo descanso absoluto, obrigou Suas Majestades a voltarem para
Cannes.
Esta notcia vem encher-nos de pavor e dar completa razo aos que insistem em
dar o Imperador como perdido! Agora que no h meio de reconduzir a
opinio j to prevenida!348
Como podemos deduzir, foi-se construindo na opinio pblica a idia de que o
estado de sade do Imperador era realmente grave, havendo pouca esperana num breve
retorno.
Quanto Isabel, uma das primeiras atitudes tomadas por ela, juntamente com
seu marido, aps assumir a regncia foi a de se mudar para o palcio de So Cristvo,
residncia oficial do Imperador e, em l chegando, colocar em ordem a documentao
que pertencia a ele, conforme informa o Conde em carta ao pai:
347
Cadernos do CHDD / Fundao Alexandre de Gusmo, Centro de Histria e Documentao
Diplomtica. Ano 3, n.5. Braslia,DF : A Fundao, 2004. carta de 08/10/1887
348
Idem, carta de 03/12/1887
90

(...) era indispensvel (...) gastar algum tempo para poder por ordem em
papis de tantos gneros do Imperador, deixados depois de tantos anos numa
desordem fabulosa.(...) Isabel, sobretudo, que tem a especialidade das
arrumaes e isto no uma pequena tarefa.349
Nem a mudana nem o fato de colocarem a documentao do Imperador em
ordem, tiveram autorizao prvia deste.350 Essa maneira de proceder nos leva a
considerar que a possibilidade de ter realmente iniciado o Terceiro Reinado no era
distante para ela tambm. Desta vez tambm no havia conselhos regente, nem um
gabinete arrumado de forma a poupar-lhe trabalho.
Outro indcio de que sua postura ao assumir o trono era diferente, pois poderia
vir a ter um carter definitivo, foi sua atitude diante do ministrio. Antes mesmo de
assumir a regncia, Isabel interpelou o Baro de Cotegipe acerca da Questo Militar
colocando-se contra sua posio. So suas as palavras:
Em conversa na Tijuca com o Baro de Cotegipe, prevendo que teria de ficar
na regncia e no desejando que toda a minha opinio a respeito de seu
ministrio lhe fosse desconhecida, fiz-lhe objeo sobre a sua maneira de
proceder na questo militar chegada ao Senado, disse-lhe que achara fraqueza
no procedimento que tivera.351
Isabel refere-se a um dos episdios da Questo Militar que vinha se
desenvolvendo h algum tempo. Ela teve incio em 1883, quando o senador marqus de
Paranagu apresentou um projeto de lei propondo a criao de um montepio militar, de
contribuio obrigatria, alterando as condies de reforma do servio das armas, o que
provocou forte reao entre os militares. Foi constitudo um Diretrio de Resistncia
que delegou poderes ao tenente-coronel Sena Madureira para que este pesquisasse e
revelasse o modo de pensar do Exrcito sobre o assunto. Essa discusso foi levada aos
jornais e Sena Madureira foi punido por haver infringido os regulamentos do Ministrio
da Guerra que proibia aos militares debaterem pela imprensa um objetivo de servio
sem o prvio consentimento das autoridades superiores.352 Em 1884, por recusar-se a
atender um pedido de informaes do ajudante-general do Exrcito o tenente-coronel

349
AHMIP. AGP. LXII-3 - Carta de 12/07/1887
350
BARMAN, op. cit, p.242
351
AHMIP, M.199- Doc.9030
352
SILVA, Hlio. 1889: a Repblica no esperou amanhecer. Porto Alegre: L&PM, 2005, p.73
91

Sena Madureira era novamente punido com repreenso e exonerado do Comando da


Escola de Tiro de Campo Grande e transferido para o sul do pas353
Os militares continuaram a se manifestar pela imprensa. Em junho de 1886 era a
vez do Coronel Cunha Matos ser punido com advertncia e priso por responder na
imprensa uma acusao de malversao de fundos feita na Cmara pelo deputado
Simplcio de Resende. Em agosto deste mesmo ano Sena Madureira voltava a publicar
um artigo no jornal A Federao contra crticas recebidas na Cmara e era novamente
punido.
O Marechal Deodoro, ento Comandante das Foras de Terra e Mar da Provncia
do Rio Grande do Sul, manifestou publicamente seu apoio a Sena Madureira e foi
interpelado pelo Ministro da Guerra. O Chefe do gabinete ministerial, Baro do
Cotegipe, pediu a Deodoro esclarecimentos quanto ao cumprimento das punies a
Sena Madureira e Deodoro saiu em defesa do acusado. Neste mesmo ms, no Rio de
Janeiro, mais militares eram punidos por promoverem manifestao de solidariedade
aos militares castigados no sul. Os jornais, em especial os republicanos, passam a
explorar cada vez mais essas questes em ataques monarquia e ao Ministrio.
O deputado Cndido de Oliveira exigiu, da tribuna da Cmara, que o governo
pusesse fim s manifestaes pblicas de militares, em especial Sena Madureira e
Deodoro. O deputado Silveira Martins, tambm na Cmara, conclamou o governo a
ordenar a priso de Deodoro, recolh-lo capital do Imprio e submet-lo ao conselho
de Guerra.
Finalmente o Conselho Supremo Militar emitiu um parecer permitindo aos
militares recorrerem imprensa para expressar seus pensamentos e responder a ataques
de civis, continuando vedado o debate pblico entre militares sobre questes de servio.
Resoluo imperial aprovou o parecer.
A discusso entre Deodoro e Cotegipe se acirrava, com troca de
correspondncia entre eles. Em novembro de 1886, Deodoro era exonerado da Vice-
Presidncia e Comando das Armas do Rio Grande do Sul. Em janeiro de 1887, era a vez
de Sena Madureira ser exonerado do seu comando, tambm no Rio Grande do Sul.
Ambos tomaram, ento, a deciso de virem para a Corte.

353
SILVA, Hlio, op. cit p.17
92

Deodoro escreveu ao Imperador solicitando a anulao das punies e foi


recebido por ele em audincia, quando lhe entregou uma carta com as reivindicaes
dos militares.
A imprensa, cada vez mais, explorava a disputa entre os militares e o Ministrio.
Em artigo no jornal O Pas, Joaquim Nabuco alertava para o risco que o Imprio
corria de lanar os militares nos braos dos republicanos se continuasse os embates com
as Foras Armadas.354 Em maio, o Senado finalmente aprovava moo convidando o
Governo a cancelar as punies impostas aos militares nas questes relativas entre eles
e os membros do Parlamento. O presidente do Conselho, Baro de Cotegipe, cumpriu a
deciso mas no sem antes declarar que o fazia com alguns arranhes na
dignidade.355A deciso de suspenderem as punies e a doena do Imperador teria
feito, aparentemente, serenar a Questo Militar. Mas seria por pouco tempo.
O Ministrio, por seu turno, reconhecendo que a situao desta regncia era
outra, ofereceu-lhe a demisso. A princesa no aceitou, e no seu depoimento apresentou
seus motivos:
Meu Pai partia a 30 de Junho! O Ministrio oferecera-me sua demisso que
eu no aceitei. O Baro de Cotegipe parecia-me poder sustentar a situao e eu
conhecia-lhe suas tendncias firmes a apoiar o que diz respeito religio,
tendncias infelizmente raras. Alm disso, no gostando de choques seno
quando esteja convencida que esses possam ter resultado til e certo, no
havendo razo por ento que me fizesse pensar menos bem do Ministrio,
sobretudo depois das explicaes da Tijuca356, estimei conserv-lo e assim
vivemos em muito boa harmonia bastante tempo.
Para Isabel, apesar das divergncias iniciais, o fato do Baro de Cotegipe ser
catlico e defensor da Igreja parecia avaliz-lo como um bom governante, que poderia
apoi-la, estabelecendo com ela um convvio harmnico. Alm disso, ela esperaria
acontecer ocasio em que houvesse motivos reais para por em prtica o que j anunciara
no seu testamento poltico de 1871: se algum dia no puder de todo continuar a

354
O Pas de 12/02/1887
355
SILVA, Helio, op. cit, p.75
356
Isabel no entra em detalhes no seu depoimento sobre as explicaes dadas pelo Baro aos seus
questionamentos sobre a Questo Militar. Apenas refere-se ao seguinte: A isso me retorquiu que a vida
de meu Pai teria corrido risco de morte se tal no fizessem e assim tapou-me a boca.
93

dar-lhes [aos ministros] sua confiana ou se vir que a opinio pblica (verdadeira)
contrria a eles, rua com eles!357
A idia abolicionista havia avanado de tal forma que se tornara politicamente
incorreto no defender a causa da abolio. A escravido j vinha sendo abolida
gradativamente nos estados. As fugas em massa e as libertaes de escravos ocorridas
provncia de So Paulo haviam limitado ainda mais o nmero de defensores importantes
da escravatura. Eram eles o Ministrio Cotegipe e os fazendeiros da provncia do Rio de
Janeiro, apoiados por outros das regies vizinhas de So Paulo e Minas Gerais, e um ou
outro proprietrio de outras partes do pas358.
No dia 8 agosto de 1887, era marcado em frente ao Ministrio da Guerra um
grande meeting abolicionista. Preocupada, com o que pudesse vir a acontecer, a
Princesa solicitou ao marido que recomendasse a seu Ministro, por carta, que a
manifestao no fosse impedida, e que fosse contida apenas nos limites justos e legais.
Cotegipe respondeu que o Ministrio julgou conveniente proibir todos os meetings, e
que a reunio a frente de um quartel de tropas era provocadora.359A manifestao teve
lugar, apesar da proibio e no mesmo dia Andr Rebouas registraria em seu dirio:
Meeting abolicionista na Praa da Aclamao em frente ao quartel dissolvida pelo
execrando Coelho Bastos [chefe de polcia]. Carga da cavalaria ao anoitecer na Rua
do Ouvidor Tentativa de ataque tipografia do Pas pelos secretas da polcia.360
O acontecimento narrado acima foi explorado nos jornais abolicionistas e
republicanos. O republicano O Mequetrefe, por exemplo, considerava que Isabel estaria
preocupada apenas com danas, concertos e festas, e acusava:a augusta herdeira do
trono a tudo surda, no l e no sabe o que se passa, traando sempre para ela a
imagem de uma pessoa ftil, alienada da poltica.
Nos bastidores do Imprio, no entanto, a questo a abolio da escravido era
motivo de divergncia entre a Princesa e o Gabinete de Cotegipe. ela quem relata:
A questo da abolio caminhava, suas idias ganhavam-me cada dia mais,
no havia publicao a respeito que no lesse e cada vez mais me convencia de
que era necessrio fazer alguma coisa nesse sentido Disse-o ao Baro de
Cotegipe, a tudo respondeu-me que no iria de encontro a lei Saraiva porque

357
AHMIP, AGP, XLI -2, carta de 04/02/1871
358
CONRAD,op. cit, p.319
359
IHGB - Coleo Wanderley Pinho . DL 1565.03
360
Dirio de Andr Rebouas de 1887 IHGB. ACP11
94

ele tambm a fizera, mas poderia fazer interpret-la de modo que o prazo de
libertao ficasse muito diminudo, falou-me de 3 a 4 anos para que tudo
ficasse finalizado. Nisto encerraram-se as Cmaras e o Sr. Baro prometeu
estudar a questo no interstcio. Cada dia que passava convencia-me mais de
que nada faria. As idias emancipadoras progrediam. Prado em S. Paulo e o Sr.
Joo Alfredo no Norte. De novo chamei a ateno do Sr. Baro de Cotegipe
para a questo, fiz-lhe ver as eleies e a fora que o ministrio perdia por toda
a parte, faltou-lhe dizer que devia retirar-se (a medida enchia-se), mas nada
parecia compreender o Sr. Baro e com muito boas palavras e muito jeito ainda
desta vez foi mais fino do que eu. Dias depois em despacho julguei dever repetir
diante de todos os ministros (receosa de que o Sr. Baro guardara para si
minhas ponderaes) o que dissera particularmente, acrescentando ao que j
escrevi e que tambm disse ao Sr. Baro, isto , que o Ministrio no poderia
continuar se no fizessem qualquer coisa em favor da emancipao, que seria
um mal que o partido conservador se cindisse e que julgava deveriam aceitar
as idias do Sr. Joo Alfredo e Antonio Prado. A isto no me lembro se foi o Sr.
Baro ou o Sr Belisrio que respondeu-me no ter de ir atrs destes
senhores..361
O primeiro detalhe que chama a ateno neste trecho do depoimento de Isabel
o termo que emprega: ela diz que est cada vez mais convencida das idias
abolicionistas e no do simples fato de colocar fim escravido. As idias
abolicionistas no abarcavam apenas o fim da escravido pura e simplesmente.
Defendiam muitas outras reformas, como trataremos adiante neste trabalho.
Evidencia-se tambm sua impacincia e vontade de resolver as questes
polticas que a opinio pblica clamava, fato sempre colocado como relevante em suas
cartas. Destacam-se os nomes de sua preferncia para resolver a questo do elemento
servil, j que sua discordncia da poltica do Baro de Cotegipe sobre este assunto era
evidente. As idias emancipacionistas defendidas por Joo Alfredo e Antnio Prado,
neste momento, so sua opo. Ainda no estava aqui em questo a abolio pura e
simples, sem indenizao.
Isabel demonstrava tambm seu desagrado quanto poltica escravocrata de
Cotegipe atravs de suas indicaes para o Senado:

361
AHMIP, M.199- Doc. 9030
95

Nas duas escolhas para senador pelo Rio escolhi para a primeira o Sr.
Thomaz Coelho, pessoa distinta, tendo sido j ministro, excluindo o Sr.
[ilegvel] sobre o qual o Sr Baro de Cotegipe fazia pesar certas suspeitas que
no pude averiguar e o Andrade Figueira, cujas idias escravocratas eram bem
conhecidas e para o qual se mostrava muito propenso o Sr. Baro de Cotegipe,
e para a segunda o Sr. Percival Silva, excluindo o Sr. Chaves, autor da questo
militar, muito moo e tendo feito carreira por demais rpida e ainda o Sr.
Andrade Figueira. A tudo isso o Sr. Baro mostrou-se cego e surdo e cada dia
mais me capacitava que nada olharia. Por todos os meios desejava incutir
minhas idias, tanto emperramento encontrando por parte do Ministrio.362
Isabel deixava de fora quem estava ligado Questo Militar e quem defendia a
permanncia da escravido, na tentativa, segundo ela, de fazer ver ao Ministrio o seu
posicionamento em relao a ambas as questes.
Segundo Bobbio, na sociedade civil que surgem os conflitos econmicos,
sociais, ideolgicos e religiosos cuja resoluo cabe s instituies estatais. Os sujeitos
desses conflitos so os grupos, os movimentos, as associaes e as organizaes que as
representam, ou se declaram seus representantes. So associaes de vrios gneros,
com fins sociais e indiretamente polticos, os movimentos de emancipao de grupos
tnicos, de defesa dos direitos civis, etc. 363
Um movimento como o abolicionista se constitui, portanto, num dos sujeitos da
sociedade civil que ocupa o espao reservado formao de demandas que se dirigem
ao sistema poltico e s quais o sistema poltico tem que responder. Na esfera da
sociedade civil, encontra-se tambm o fenmeno da opinio pblica, transmitida, nesta
poca, sobretudo atravs da imprensa.364
Os jornais abolicionistas pressionavam Isabel a se posicionar em relao
questo do fim da escravido e manuteno de um gabinete escravista. Ao mesmo
tempo em que criticavam a monarquia e atribuam regncia alienao e falta de atitude
em relao ao problema da questo servil, viam Isabel como uma esperana soluo
do problema. Isto se dava por conta de sua adeso cada vez maior em favor da causa da
abolio, mesmo que estas houvessem sido, at ento, marcadas por atos de caridade.
Dizia Patrocnio no jornal Cidade do Rio:
362
AHMIP, M.199- Doc. 9030
363
BOBBIO, Norberto. op. cit. 1987, p. 35-36
364
Idem, pp 36-37
96

A Regncia precisa de um governo que merea o respeito dos seus


adversrios e o ministrio atual no respeitado nem por si mesmo. (...)
Coloque-se Sua Alteza heroicamente na sua posio de Regente e demita a
bem do servio pblico a faco fria, esses foragidos da simpatia, da
aspirao popular que se foram acoitar debaixo do palcio do poder
executivo.365
No vendo eco nos seus apelos ao ministrio e tendo a necessidade de dar uma
resposta opinio pblica, Isabel passou a posicionar-se mais abertamente, a respeito
do assunto. Rompendo com a neutralidade to caracterstica de seu pai, e sua tambm
at o momento, cercou-se de pessoas abolicionistas e organizou em Petrpolis a
Batalha de Flores, em fevereiro de 1888, destinada a recolher fundos para a
emancipao dos escravizados da cidade de Petrpolis. A idia de que com este ato a
princesa abandonara a postura discreta que tivera nas regncias anteriores partilhada
por Jos Murilo de Carvalho.366
O evento ocorreu debaixo de chuva torrencial, mas a princesa, acompanhada do
marido e dos trs filhos percorreu a cidade em carro aberto, pedindo donativos em favor
da libertao dos escravos367. Isso provocou o seguinte comentrio no dirio mantido
por Andr Rebouas: A despeito de fortes aguaceiros, tem lugar a 1 Batalha das
Flores e o Bando precatrio para reunir os ltimos escravizados de Petrpolis.
Primeira manifestao abolicionista de Isabel I.368
A Princesa tambm se encarregou, pessoalmente, do movimento de libertao
dos escravos de Petrpolis369 e isto fazia crescer a esperana de que a abolio se
fizesse. Andr Rebouas quem anota no seu dirio: No Pavilho da Confluncia do
Piabanha, na cerimnia de Libertao de Petrpolis com o amigo Jos do Patrocnio e
os Ministros Joo Alfredo, Costa Pereira e Rodrigo Silva e com o Conde dEu, modesto
operrio desta obra santa.370
365
Cidade do Rio de 24/10/1887
366
CARVALHO, 2007 op. cit. p 188
367
SILVA, Eduardo. As camlias do Leblon e a abolio da escravatura: uma investigao de histria
cultural. So Paulo: Cia das Letras, 2003, p.35.
368
Dirio de Andr Rebouas de 1888 IHGB. ACP11. anotao do dia 12/02/1888 Deve-se ressaltar,
porm, que, embora a titule como imperatriz, o Isabel I pode no ter sido escrito neste dia pois seu
dirio foi relido e anotado por ele prprio, muitas vezes, como pode ser deduzido tanto pelas datas que
ocasionalmente ele coloca nessas anotaes como pela cor de tinta diferente. Em geral essas anotaes
ficavam ao fim da pgina, separadas por um trao, como o caso desta aqui, embora a cor da tinta seja a
mesma.
369
CONRAD, opus cit.,p 327
370
Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB. ACP 11- DL 464, anotao de 21/04/1888
97

Sobre a adeso de Isabel ao abolicionismo, h uma divergncia a respeito de sua


participao no movimento. Eduardo Silva assegura que ela compartilhou das idias
mais radicais, usando uma camlia na roupa, flor que servia para identificar membros
do movimento abolicionista, incentivando os filhos a terem um jornalzinho que
defendia a abolio, ajudando na organizao de fugas e mesmo escondendo escravos
fugidos em seu palcio em Petrpolis371, como descreve Andr Rebouas em seu dirio:
Comea a desero de escravizados das fazendas circunvizinhas Petrpolis.
So acolhidos e hospedados pela Comisso Libertadora presidida pelo Conde
de Ipanema. Os irmos Cludios e o advogado Livramento executam esses
penosssimos trabalhos. A princesa regente e o Conde dEu fazem prodgios em
prol da Abolio.372
Ou ainda:
Almoaram no Palcio Imperial 14 africanos fugidos das fazendas
circunvizinhas a Petrpolis. A noite, a msica do Imperador percorreu as ruas
em ovao ao Mordomo Nogueira da Gama que libertara todos os seus
escravos e ao advogado Marco Fioravanti que, desde 1 de abril, dirige o xodo
dos escravizados acolhidos pela Princesa Isabel Regente.373
Daibert Jr, por seu turno, considera que as articulaes entre a princesa e o
movimento abolicionista no pode de forma alguma ser qualificada como expresso
do pensamento e prticas radicais de combate ao escravismo,374 revelando que no h
consenso na historiografia sobre o carter radical do abolicionismo. A princesa seria
movida pela viso da abolio como benesse e caridade 375 e que o abolicionismo da
princesa no pode ser entendido fora do contexto de sua poltica do corao.376 Ele
ressalta, inclusive, uma artimanha utilizada por Joaquim Nabuco para que esta aderisse
mais rapidamente ao abolicionismo: tendo percebido que a religiosidade da princesa
poderia ser til a causa abolicionista, este teria ido Roma em fevereiro de 1888,
solicitar ao Papa uma manifestao em favor do fim da escravido no Brasil, o que
efetivamente aconteceu, embora a encclica no tenha chegado antes de maio.377

371
SILVA, Eduardo, op. cit , pp. 27-28
372
Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB. ACP11 DL464, anotao do dia 01/04/1888
373
Idem, anotao do dia 04/05/1888
374
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.189
375
Idem, p.194
376
Idem, p.195
377
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.184
98

No pretendo aqui entrar no mrito da discusso sobre a radicalidade do


movimento abolicionista, por no ser este o objeto desta pesquisa, mas no se pode
negar a ousadia da princesa em suas atitudes. O contexto poltico exigiu um
posicionamento da princesa e ela, claramente, fez sua escolha, alinhando-se ao lado de
um grupo que exigia reformas mais urgentes, a comear pelo fim da escravido, mas
que propunha que ela ocorresse de forma pacfica e legal. E independente de ter sido
motivada por sua religiosidade, esta foi efetivamente uma opo poltica que lhe traria
conseqncias futuras. No seu depoimento, escrito em dezembro de 1888 ela d suas
razes para sua adeso ao abolicionismo. Principia pelos seus motivos do corao:
Como a opinio abolicionista em mim ganhou terreno to depressa? A idia,
j de todo tempo minha, por si s era humanitria, moralizadora, generosa,
grande, apoiada pela igreja; a escravido em si era um atentado.
Mas no para a. Em seguida ela d outras razes para a escolha:
os senhores j, de tal atentado, por demais tinham gozado (se eles tivessem
tido de pagar os salrios desde o comeo?! verdade que neste caso teriam
contado com o que poderiam dispor e assim alguns no teriam cado to de
supeto, mas o mal estava feito e no podia deixar de ser cortado, e alm disso,
eles deviam ter se preparado ou nunca se preparariam). Seus escravos fugiam,
no havia meio algum de cont-los (o que me admiro que mais cedo tal no
tivesse sucedido) o pas agitava-se; no deveria ponderar tudo isso e com a
conscincia tranqila arrostar os desgostos de um pequeno nmero ou de
muitos, que os houvesse?378
No resta dvida, diante de suas palavras, mesmo tendo sido escritas a
posteriori, como uma representao de si mesma, que seus atos no foram conduzidos
meramente por esprito caritativo ou religioso, mas continham motivaes sociais,
econmicas e polticas importantes para a manuteno da ordem no Imprio.
A ocasio para que ela desse um novo passo em direo aos seus objetivos
apresentou-se no comeo de maro de 1888: a priso de um militar reformado da
Marinha, acabava por provocar, mais uma vez, um conflito entre o gabinete Cotegipe e
os militares, num outro captulo da questo militar, que desembocou numa luta nas ruas
entre marinheiros e policiais. Os militares exigiram a libertao do preso e a demisso
do Chefe de Polcia, Coelho Bastos. A princesa encarregou o Conde dEu de ir ao Clube

378
AHMIP, M.199- Doc. 9030
99

Naval tentar resolver a questo379. Desacreditado, Cotegipe ofereceu a demisso do


Ministrio e ela, prontamente aceitou. Eis seu relato:
Deram-se os acontecimentos da polcia, as desordens do Rio. No dia ?[sic]
desci de Petrpolis, o Sr. Baro de Cotegipe quis falar-me em particular antes
do despacho, como muitas vezes o fazia. Comeara por relatar-me os fatos e
props-me demisso do comissrio de polcia Coronel Lago e do Alferes
Baptista. A isto respondi que sim, mas que exigia tambm a do Chefe de Polcia.
O Sr. Baro ainda tentou salv-lo, mas no o conseguindo, puxou do bolso a
carta de demisso do Ministrio que j trazia pronta, mas creio bem, no teria
apresentado se eu tivesse deixado ficar o Sr. Coelho Bastos. Tendo eu aceitado
a demisso do Ministrio, o Sr. Baro ento perguntou-me: A quem quer Vossa
Alteza que eu chame? Respondi-lhe imediatamente: o Sr. Joo Alfredo.380
Pela primeira vez, a Princesa exercia seu poder de soberana para convocar um
novo gabinete. A indicao de quem seria o substituto de Cotegipe no ministrio,
tambm fugiu aos padres habituais de seu pai, que sempre esperava que o ministro que
estava saindo indicasse um sucessor. E o nome que escolheu foi o de Joo Alfredo,
senador de Pernambuco, tambm conservador, que apoiava a causa da abolio.
Segundo depoimento do prprio Joo Alfredo, a princesa deu-lhe total liberdade para
organizar seu ministrio, passando mesmo sobre as pretenses do marido que
reivindicara para si a pasta do Ministrio da Guerra. Sua nica condio foi a de que se
adiantasse a questo do elemento servil.381
No dia 12 de maro, os jornais, de uma maneira geral, se manifestaram
favoravelmente nomeao do novo ministro, conforme pode ser sentido no
comentrio do jornal conservador Novidades: O Sr. Joo Alfredo sobe ao poder
acompanhado de um coro de louvores de toda a imprensa. Sua excelncia sobe
apoiado por todo o partido.382
Isabel, em carta aos pais, tambm relata o apoio recebido, sobretudo pela
imprensa, demonstrando o acerto na sua opo de demitir o Ministrio: Gaston manda

379
SILVA, Helio, op. cit, p.75
380
AHMIP, M.199- Doc. 9030
381
IHGB, Coleo Wanderley Pinho, DL1564 Organizao do gabinete 10 de maro
382
Novidades de 12/03/1888
100

mame estes artigos de jornais que ele mesmo cortou e grudou. Eles lhe mostraro
que no houve ningum que no saudasse o dia 14 de maro.383
A demisso do gabinete Cotegipe pela Princesa regente, no fez mais do que
reforar a idia de que o Terceiro Reinado havia se iniciado.

2.2 A MONARQUIA DEMOCRTICA POPULAR


A adeso ao abolicionismo tornava-se tambm conveniente para Isabel por fazer
dela uma figura mais popular, proporcionando-lhe a possibilidade de construir uma
nova base de legitimidade para a Monarquia. Afastando-se dos proprietrios de terras e
escravos, a sada poderia ser encontrar apoio nos grupos econmicos emergentes e na
populao em geral.384 Segundo Norberto Bobbio, a soluo de uma grave crise que
ameaa a sobrevivncia de um sistema poltico deve ser procurada, antes de tudo, na
sociedade civil, na qual podem ser encontradas novas fontes de legitimao e
consenso.385
O ato da Princesa demitindo o gabinete deixado por seu pai pegou de surpresa o
pas. Mesmo os principais lderes do movimento abolicionista, Joaquim Nabuco, Andr
Rebouas, e Jos do Patrocnio, embora depositassem a esperana de que o esprito de
caridade da princesa apressasse o fim da escravido, no imaginavam que haveria uma
mudana to brusca e to rpida no quadro poltico do Imprio.
O movimento abolicionista da Corte possua idias reformistas, que iam muito
alm da simples abolio. Era um movimento suprapartidrio, com membros
monarquistas, republicanos, liberais e conservadores, mas que funcionava muitas vezes
como um partido, atuando atravs da Confederao Abolicionista. Embora, at pouco
antes da demisso do gabinete Cotegipe, seus membros cobrissem a Princesa de crticas,
tanto por conta de seu propalado ultramontanismo, como por uma pretensa inrcia
diante dos problemas do pas, viram na atitude dela, a possibilidade de implementar
suas propostas reformistas. Pensaram ser possvel uma unidade de ao com Isabel.
Embora Daibert Jr advogue que essa unio fosse momentnea,386 ela no pareceu ter, no
seu nascedouro, esse aspecto.

383
AHMIP, AGP, LXI - 2 Carta do dia 07/05/1888 Obs: 14 de maro foi a data da posse do novo
ministrio.
384
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.199
385
BOBBIO, op. cit, 1987, p. 35
386
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p. 199
101

A confederao nascera em 1883, da unio de vrios clubes abolicionistas da


Corte, e o manifesto de sua fundao foi escrito em co-autoria por Jos do Patrocnio e
Andr Rebouas.387 Lido no teatro Pedro II para um pblico estimado em duas mil
pessoas, pregava a abolio imediata e sem indenizao388.
Joaquim Nabuco, embora estivesse na Europa, foi adicionado como membro da
Confederao. No incio de 1884, Nabuco e Rebouas idealizaram um congresso
internacional para o qual elaboraram um programa onde apareceriam as principais
reformas a serem defendidas pela Confederao: abolio, nacionalizao do solo pelo
imposto territorial, imigrao, liberdade de conscincia e democracia rural389. Segundo
Richard Graham, a inteno deles no seria apenas a de acabar com a base legal da
escravido, mas iria muito alm. Acabaria com a soma de todo o poder, influncia,
capital e sistema de dependncia dos senhores.390
De acordo com Cludia Santos, as medidas propostas por estes abolicionistas
para a reforma do sistema fundirio adoo de um imposto territorial e
desapropriao de terras com indenizao estava de acordo com as regras de um
Estado liberal391. No entanto, esta associao da abolio com a reforma do sistema de
propriedade estava bem distante dos interesses da aristocracia rural.
Chegando ao Rio de Janeiro em maio de 1884, Nabuco se aliava a Patrocnio,
que liderava a campanha abolicionista na cidade, e a outros grupos populares locais.
Rebouas era quem fazia os contatos392. Estava a formado o trio que comandaria o
movimento abolicionista na Corte.
Andr Rebouas, baiano, filho de um poltico importante, o deputado Antnio
Pereira Rebouas, era tido, simultaneamente, como um monarquista e um progressista
liberal.393 Era engenheiro, possuindo curso de aperfeioamento na Frana.394 Apesar de
ser considerado uma pessoa tmida e pouco socivel, contava com grande prestgio no
meio poltico, no tendo se envolvido pessoalmente, em nenhuma ocasio, com algum

387
JUC Joselice. Andr Rebouas: Reforma e utopia no contexto do segundo imprio: quem possui a
terra possui o Homem. Rio de Janeiro: Oderbrecht, 2001, p. 63
388
ALONSO, op cit, p.173
389
Idem, p.174
390
GRAHAN, Richard. Escravido reforma e imperialismo. So Paulo: Editora Perspectiva, 1979, p.189
391
SANTOS, Cludia Regina Andrade dos. Abolicionismo e vises de liberdade. in Revista do Instituto
Histrico e Geogrfico Brasileiro, a.168, n.437, out/dez 2007, p.334
392
ALONSO, op. cit. p.180.
393
idem, p.28
394
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. O Quinto Sculo: Andr Rebouas e a construo do Brasil.
Rio de Janeiro: Revan: IUPERJ-UCAM, 1998, p.77
102

partido. Manteve estreitos laos de amizade com a famlia imperial, no s com o


Imperador Pedro II, mas tambm com a princesa Isabel e com o Conde dEu395 com
quem travou amizade durante a Guerra do Paraguai396, tornando-se um constante
freqentador das festas oferecidas pelo casal.
O pernambucano Joaquim Nabuco, por sua vez, era visto como afvel e bem
falante, descrito muitas vezes como um dndi.397 Filho de poltico influente, o senador e
conselheiro Jos Thoms Nabuco de Arajo, cursou a faculdade de direito em So
Paulo e passou sua mocidade dividido entre a Corte, Recife e a Inglaterra. Candidatou-
se Cmara em 1881, mas no obteve vitria. Em 1883 escreveu O Abolicionismo,
que iria credenci-lo como figura mxima deste movimento, embora hoje em dia esta
posio esteja sendo questionada pela historiografia398. Em 1884 foi eleito deputado. Era
visto como liberal e monarquista.
Jos do Patrocnio nascera em Campos. Filho de um padre e uma escrava, vivera
sempre na dependncia de ajuda de pessoas influentes.399 Formou-se farmacutico, mas
foi nas pginas de jornal que se tornou conhecido. Em 1881, sado da Gazeta de
Notcias, passou a escrever na Gazeta da Tarde, um jornal francamente abolicionista,
que seria adquirido por ele em 1882. Em 1887, fundou o Cidade do Rio. Era defensor
ferrenho da repblica.

395
JUC, op. cit, p.30
396
No Registro de Correspondncia de Rebouas, que se encontra na Fundao Joaquim Nabuco, ele
assinala no dia 06/04/1891, que seu primeiro encontro com o Conde dEu aconteceu em Uruguaiana em
11/09/1865
397
O estilo dndi se constitura na Europa em meados do sculo XIX. Era um estilo de vida marcado por
uma excentricidade que visava instaurar a aristocracia do requinte Dedicavam-se com afinco s roupas e
acessrios, apreciavam jias e por vezes maquiagem. A extravagncia da moda dndi diminuiu no correr
do sculo, mas o termo seguiu nomeando o chique vaidoso. in ALONSO, op. cit, pp. 18-30
398
Joselice Juc, por exemplo, no seu livro Andr Rebouas: reforma e utopia no contexto do Segundo
Imprio, expe essa situao da seguinte forma: O papel desempenhado por Nabuco entre os
abolicionistas tem sido, na verdade, bastante distorcido. Sua marcante capacidade de liderana, sua
origem aristocrtica e sua reputao de brilhante orador colocaram-no numa posio de destaque no
cenrio poltico da monarquia, particularmente na campanha abolicionista. Portanto, com esta viso
patritica, ufanista, observa-se uma tendncia para concentrar-se toda a ateno no desempenho de
Nabuco, considerado o smbolo maior da campanha da Abolio e das suas conquistas.
Em conseqncia, grande parte dos demais abolicionistas como Joaquim Serra, Wenceslau Guimares,
Andr Rebouas e Jos do Patrocnio (...), no receberam a devida ateno dos historiadores, no sentido
da identificao de seus papis no contexto da Abolio. Com freqncia, as suas contribuies
individuais como pensadores sociais no tm sido esclarecidas pelos historiadores, e as suas atividades,
diludas no todo, indistintamente, algumas vezes confundidas com o prprio pensamento de Nabuco.
JUC, op. cit, p.60
399
RUBEM, Iram, A voz do dono e o dono da voz: a trajetria sinuosa de ambos, da Abolio
Repblica, in SANTOS, Cludia R. Andrade et alii (org.) Estudos, vol. I, Srie Grupo de Pesquisa
LEPH:Curitiba, 2006, p. 78
103

Em 1884, Nabuco, por Pernambuco, e Patrocnio pelo Rio de Janeiro


candidataram-se a uma vaga na Cmara, mas apenas o primeiro foi eleito. Assim
acabava por se configurar o campo de atuao primordial dos trs lderes: Nabuco na
Cmara, Patrocnio nas ruas e Rebouas nos bastidores da poltica.
Em 1888, os trs escreviam nos jornais da Corte. Joaquim Nabuco, no jornal O
Pas, Patrocnio e Rebouas no Cidade do Rio. E a partir dos seus artigos, alm da
correspondncia trocada por eles e de dirios pessoais que fao minha anlise.
Embora desejado pelo movimento abolicionista, a demisso do Ministrio
Cotegipe num perodo de recesso das Cmaras surpreendeu o meio poltico. Joaquim
Nabuco, que voltava da Europa, recebeu de seus companheiros do partido liberal vrias
cartas que a demonstram. Rodolfo Dantas, por exemplo, assim escreve:
Surpreendeu-me deveras a queda do Cotegipe, de que tive a primeira notcia
por sua carta recebida esta manh e logo depois vi confirmada em telegramas
de vrios jornais daqui. Ainda estou a perguntar a mim mesmo sobre as causas
que possam ter determinado a crise; todos devamos contar que o gabinete no
resistiria ao encontro do parlamento, mas que tenha carecido demitir-se no
intervalo das sesses, eis o que no era de supor, e pelo menos a mim, muito
surpreendeu.400
A surpresa e o desconhecimento dos motivos da queda do gabinete no intervalo
entre as sesses do Parlamento manifestada pelos polticos pode ter como explicao o
fato de ter a ao da princesa, demitindo o Ministrio, ido de encontro imagem que a
imprensa havia construdo para ela de ser uma pessoa desinteressada dos assuntos
polticos. Uma das primeiras atitudes que se nota por parte do movimento abolicionista
a mudana no tom de tratamento dado regente. As crticas a ela cessaram em todos
os jornais que defendiam o fim da escravido. Patrocnio, por exemplo, que pouco antes
da demisso do gabinete declarava que
diante dos fatos injustificveis dessa situao, patenteou-se s escancaras que
o terceiro reinado no poder ser seno uma grande desgraa pblica, uma
tremenda calamidade nacional. Sente-se que a regncia no tem ombros para
carregar nenhuma responsabilidade e que as responsabilidades se acumulam
sobre ela vertiginosamente,401
muda a forma de se referir Princesa:
400
Fundao Joaquim Nabuco, CP p 20, doc 407, carta de 09/03/1888
401
Cidade do Rio de 06/02/1888
104

Vossa Alteza deve estar contentssima com a brusca mudana que se operou
no esprito pblico. (...) Atender ao povo, longe de desmerecer, prestigia o
governo.(...)Sua Alteza est salva! Nenhuma rainha teve diante de si mais
glorioso trono.402
O apoio dos abolicionistas ao ministrio de Joo Alfredo tambm foi declarado
por ele:
Nenhum abolicionista pode, em conscincia, concorrer para que o ministrio
10 de maro perca a mnima parcela do prestgio e da fora moral com que ele
deve apresentar-se ao parlamento, pedindo a extino imediata da
escravido.403
Nos bastidores da poltica, iniciaram-se as articulaes atravs de Andr
Rebouas. Eis a anotao em seu dirio no dia seguinte nomeao do novo gabinete
comandado por Joo Alfredo:
Despedindo-me do Conselheiro Joo Alfredo, que voltou Corte tendo
organizado o Ministrio de acordo com a regente. Antonio Prado e Joo
Alfredo hospedaram-se aqui no Hotel Bragana, no aposento contguo ao meu,
e que ocupei de 1885 a 1886.
Atualmente Antonio Prado fala de Abolio com o mesmo entusiasmo que
Joaquim Nabuco. Merc de Deus, acha-se em 1888, a converso de Saul em So
Paulo. Tanto mais prodigiosamente que a entrada de Damasco agora a
provncia de S.Paulo... Durante o 1 Ministrio nem cumprimentava Antnio
Prado, hoje conversamos como velhos amigos e camaradas de Colgio!...
Santa abolio! Quantos milagres tens produzido!!!404
A anotao de Rebouas demonstra o clima de conciliao que foi criado em
torno da questo da abolio, atenuando antigas inimizades. A aproximao entre
liberais e conservadores tinha como objetivo primordial o fim da escravido. Essa
inteno de promover a conciliao tambm sentida na correspondncia de Nabuco a
seu companheiro do Partido Liberal, Custdio Martins:
Convencido de que a Princesa Imperial prestou um grande servio causa da
ordem e da liberdade demitindo o Ministrio Cotegipe, entendo que devemos
sustentar e no impugnar aquele ato de to grandes vantagens para o pas.
402
idem, de 12/03/1888
403
idem de 14/03/1888
404
Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB, ACP11-DL 464, anotao do dia 11/03/1888
105

Convencido tambm de que neste momento toda e qualquer oposio ao


Ministrio um servio prestado ao escravismo, ainda no de todo desiludido a
respeito do nosso partido, entendo ser o nosso dever dar ao Ministrio toda a
fora precisa para realizar nossa idia. (...)
esta a linha que julgo melhor seguirmos. Se outra for adotada eu procurarei
concili-las para no parecermos divididos, mas sem quebra do esprito que me
anima de agradecer Princesa e ao Ministrio a obra patritica que vo
realizar.(...)405
Ressalte-se o destaque dado na carta de Nabuco ao da Princesa ao demitir o
gabinete Cotegipe, considerando-a responsvel pela abolio iminente.
Na imprensa esse sentimento conciliador que antecedeu a abolio da
escravatura, pode ser sentida tambm entre abolicionistas republicanos, como por
exemplo, Ennes de Souza, que escreve:
o momento psicolgico da abolio; no o da Repblica. A abolio o
fruto da estao. Deve sem demora ser colhido. O advento da Repblica vir a
seu tempo e a seu termo como um fruto maduro, desde que esteja consumada a
abolio da escravido.406
Patrocnio, por seu turno, que pouco antes da demisso do Gabinete Cotegipe
declarava em seu jornal (...) Ns somos republicanos, aderimos s manifestaes das
cmaras municipais e ao meeting de Santos; pensamos que o terceiro reinado h de ser
uma calamidade nacional.(...)407 muda totalmente seu discurso, rompendo com o
Partido Republicano:
(...) Declaro de uma vez por todas que no confio no atual partido republicano,
que no me subordino sua atual orientao, que no aceito nenhuma
solidariedade com ele, que me servirei de todas as armas para combat-lo
enquanto ele entender que a liberdade, a igualdade e a fraternidade, para com
a raa negra, deve ser entendida como preceituam o Congresso Republicano de
S.Paulo e a gazeta Nacional, rgo republicano. O partido republicano atual
espera recolher agora, como em 1871, a escria do escravismo, o rebutalho da
conscincia humana, para dominar, e juro, em face da minha ptria, em face de

405
Fundao Joaquim Nabuco , Cap 5. doc 98, carta de 05/05/1888
406
Cidade do Rio de 27/03/1888
407
Cidade do Rio de 10/02/1888
106

Deus, com a alma cheia do pensamento de minha consorte e de meus filhos, que
hei de combat-lo at destru-lo.408
Desde a publicao do Manifesto Republicano em 1870, que considerava que a
soluo do problema da escravido dizia respeito ao regime monrquico, uma parte dos
que defendiam a causa da Repblica mantinham uma atitude indefinida ante a questo
da abolio409.
Os republicanos mais moderados, visando conquistar apoio das classes mais
conservadoras, procuravam evitar que o seu Partido, ainda frgil, se comprometesse
abertamente com a causa abolicionista. Em virtude disso, defendiam a idia da abolio
com indenizao410.
Isto era um motivo constante de choques entre o movimento abolicionista e o
movimento republicano. Muitos abolicionistas republicanos, como Lus Gama e
Antnio Bento afastaram-se do partido Republicano Paulista411. Patrocnio, que tambm
tinha atritos constantes com os republicanos quanto questo da abolio, rompia neste
momento com o Partido Republicano, que alm de colocar-se contra o reinado de
Isabel, aceitava em seus quadros a entrada dos escravistas insatisfeitos, o que se
acentuaria aps o 13 de maio.
No dia da solenidade de abertura das Cmaras, o jornal liberal O Pas noticiava:
SS. AA. foram recebidas com entusiasmo antes, durante e depois da seo.412
Apesar do entusiasmo reinante entre os partidrios do fim da escravido, ainda
no se tinha idia de como seria o projeto que libertaria os escravos. Se haveria ou no
indenizao pelos libertos, se a libertao seria imediata ou se haveria um prazo para
que os escravos deixassem as fazendas. As especulaes acerca da lei que aboliria a
escravido foi grande, envolvendo medidas complementares libertao dos cativos,
conforme relata o Conde dEu ao Imperador em carta escrita em 14/04/188: Anuncia-
se que o projeto ser acompanhado de medidas rigorosas destinadas a satisfazer a
lavoura obrigando os libertos residncia fixa e a procurar ocupao413
Nem mesmo Isabel sabia como se desenrolaria a questo no Parlamento:

408
Cidade do Rio de 28/04/1888
409
SALLES, op. cit, 1996, p. 174
410
SILVA, Eduardo. As queixas do povo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p.65
411
Idem, p. 183
412
O Pas de 04/05/1888
413
RANGEL, op. cit, p367
107

Muitos dias e semanas levei sem ousar perguntar positivamente o que faria o
novo ministrio, queria deixar-lhe toda a liberdade, s uma objeo fiz quando
pelos jornais dizia-se que o Sr. Prado, encarregado do projeto, num dos artigos,
obrigava os libertos a residirem nos municpios por dois anos. Achava tal idia
contrria aos interesses dos libertos e dos senhores.414
O pequeno trecho acima denota a preocupao da Princesa em no interferir no
trabalho de seus ministros sem, no entanto, deixar de manter-se informada do desenrolar
dos acontecimentos na Cmara atravs da imprensa. O destino a ser dado aos libertos,
caso a abolio se concretizasse, tambm faz parte de suas consideraes. Ela externou
ao ministrio sua posio contrria idia de fixar os libertos aos locais em que
trabalhavam. Esta medida, provavelmente obrigaria os libertos a continuarem a servio
de seus antigos donos, favorecendo a lavoura que no se veria de imediato sem sua
fora de trabalho. Desta forma, mais uma vez, alinhava-se ao pensamento liberal
abolicionista da Corte, que tinha um indubitvel compromisso com a total erradicao
do trabalho servil que subordinava toda e qualquer outra idia que o
acompanhasse.415
Quanto questo da indenizao, embora a Princesa afirme no ter infludo na
deciso de suprimi-la, possua sua opinio a respeito:
E a indenizao? Apesar de, neste ponto, jamais antes de ter sido formulado o
projeto tivesse emitido minha opinio, no poderia admitir como conveniente
nem justa; certos escrpulos poder-me-iam ter vindo e para longe os arredei;
primeiro o pas no poderia indenizar seno de uma maneira ilusria, essa
mesma maneira teria que sair de impostos que recairiam sobre quem com isso
nada tinha que ver, o fundo de emancipao a custo de impostos, nico para tal
fim, no seria aplicvel, seria mais do que insuficiente e a quem iria socorrer?
Aos que de seu modo prprio no libertassem seus escravos, iria somente pagar
dvidas atrasadas sem aproveitar lavoura para a qual melhor era empreg-lo
em melhoramentos que desse em resultado o bem geral da lavoura, e mais
justamente.416
Sua colocao do problema abrange aspectos eminentemente econmicos, o que
alm de demonstrar seu conhecimento sobre o assunto, afasta a idia de um
414
AHMIP, M.199- Doc.9030
415
SALLES, op. cit, 1996, p. 180
416
AHMIP, M.199- Doc.9030
108

abolicionismo meramente caritativo. Ela novamente aproxima-se das idias defendidas


pela Confederao Abolicionista que no inclua nenhuma espcie de indenizao aos
senhores de escravos.
A bancada liberal, da qual se dependia dos votos para a aprovao do projeto
apresentou a Joo Alfredo uma verso da lei, anteriormente preparada por Andr
Rebouas,417contendo a proposta da libertao imediata e sem indenizao, que foi
aceita. Na Cmara dos Deputados, o projeto teve apenas nove votos contrrios, sendo
que oito, foram da provncia do Rio de Janeiro. No Senado apenas duas vozes se
levantaram contra o projeto: a de Paulino de Souza e do Baro de Cotegipe418.
No dia 13 de maio, dia em que a Princesa assinaria a lei que aboliria a
escravido, assim se manifestava a Gazeta da Tarde:
(...) Senhora distintssima e, j pela sua posio social, como por suas virtudes,
digna de alta estima e imensa considerao de todos os brasileiros, devem ser
extraordinrias as alegrias que sente S. A. (..) Receba os aplausos da Ptria: no
dia de hoje, pode nos afirmar, sem distino de partidos todos os brasileiros
tem o corao de joelhos diante da futura imperatriz do Brasil. 419
No seu dirio, Joaquim Nabuco, ressaltando sua prpria atuao na questo da
abolio registra:
Pelo Campo (de Santana) at o Pas com Celso Junior, cercado de povo. Ao
Pao (da Cidade). sano e assinatura. Falo de uma das janelas do Pao.
Pelas ruas com Dantas, Patrocnio, Clapp, Jaceguai, etc. No Pas. Jantamos
todos no Globo. Depois aos espetculos de gala em nossa honra. Viva a ptria
livre!420
Rebouas, em Petrpolis, narra no seu dirio a recepo Princesa:
Na Estao de Petrpolis, na indescritvel recepo de Isabel I e do Conde
dEu, que haviam descido uma da tarde, para o Rio de Janeiro, assinando a a
Lei Extinguindo a Escravido e voltado logo depois Trinta ex-Refugiados na
fazenda do proprietrio deste Hotel formavam a slida base desta manifestao.
Toda Petrpolis acompanhou a Herona a p at o Palcio e, depois, at a
Igreja Matriz onde foi rezar o Ms de Maria.

417
JUC,op. cit, p. 63
418
CONRAD, opus cit, p. 330
419
Gazeta da Tarde de 13/05/1888
420
NABUCO, op. cit, 2005, Volume II, anotao do dia 13/05/1888
109

Nos dias que se seguiram os jornais descreveram com detalhes a cerimnia de


assinatura e a festa que se promoveu junto ao Pao Imperial, com a concentrao de
milhares de pessoas e a aclamao da princesa como Redentora, assim como os
festejos que aconteceram em outras partes da cidade. Os abolicionistas continuavam
comemorando e exaltando a figura da Princesa, mas em outros jornais comeavam a
aparecer crticas e questionamentos sobre as conseqncias do fim da escravido.
Desta vez, ao contrrio, Isabel no seria responsabilizada por sua omisso, mas
por sua ao. J no dia 16 de maio, apenas trs dias aps a assinatura da Lei urea, o
jornal Dirio de Notcias exps um questionamento sobre o ato de Isabel:
(...) Essa multido que anteontem saiu do regime servil e rompeu com ele, de
que modo viver, a que ramo de trabalho consagrar sua atividade? Viro
para os centros de populao a Corte e grandes cidades figurarem como
novos e avultados elementos de perturbao? A cargo de quem ficaro os
velhos e os ingnuos? Sero localizados os libertos? Eles adquiriram o direito
de transitar por onde lhes aprouver. A lei de localizao ser inconstitucional,
assim como a lei de trabalho obrigatrio. As taxas e multas provenientes da
posse e domnio de escravos sero exigidas? Como sero reguladas as relaes
dos credores das lavouras com seus respectivos devedores? A moratria e a
concordata civil no sero atos de necessidade e justia? Haver mudanas no
regime eleitoral que abranja novas classes sociais? (...)421
Estavam desta forma apresentadas as preocupaes, apreenses e medos que
passam a tomar conta da elite do pas em conseqncia abolio.
No dia 22 de maio, o mesmo jornal afirma: Foi-se, com o estalar do ltimo
foguete, tudo que ainda restava das grandes manifestaes. Vamos agora entrar na
crise profetizada pelos descontentes.422
A sensao de fim de festa e a conscincia de que medidas teriam que ser
tomadas em conseqncia da abolio dos escravos estavam presentes tambm entre os
abolicionistas. E o jornal Gazeta da Tarde publica um artigo que tem uma destinatria
em especial: a Princesa regente. O artigo longo e dele retirei as partes que considerei
principais423:
421
Dirio de Notcias de 16/05/1888
422
Dirio de Notcias, 22/05/1888
423
Este artigo assinado pelo pseudnimo Historicus, que escreve neste jornal vrios editoriais e cartas,
muito interessantes, com anlises do contexto, mas infelizmente, no consegui descobrir quem est por
trs do pseudnimo.
110

A semana que acaba de escoar-se de festas e alegrias (...), mas dentre todo
esse movimento destacava-se de quando em vez os gritos de Viva a
Repblica! Isso um aviso em tempo que o povo brasileiro aumentados hoje de
perto de um milho de cidados nutre as mais ardentes aspiraes
democrticas. (...) A princesa pode adiar o advento da repblica se seguir a
linha de conduta da rainha Vitria da Inglaterra, que muitas vezes fez
violncias aos seus sentimentos pessoais para satisfazer s aspiraes
nacionais. (...) A Sr D Isabel seguramente granjeou muitos aderentes e
entusiastas da monarquia pelo seu grande ato extinguindo o elemento servil
(...), mas para enraizar as instituies que no regem e firmar a monarquia no
Brasil, no perdendo as adeses que ora a cercam, deve emancipar-se
totalmente das idias que tem influenciado toda a sua vida e desmanchar todo o
corrilho424 que a cerca. Se falamos assim serenssima princesa pela
convico que temos que ela inaugurou seu reinado: pois, (...) estamos
convencidos que o Sr. D. Pedro II, pelo seu estado de sade, no poder mais
exercer suas funes majestticas. (...) Acabou-se a escravido dos pretos, mas
preciso fazer-se alguma coisa de definitivo pela libertao dos brancos,
reformando completamente a nossa organizao poltica e social (...) assim
que os sentimentos ultracatlicos de S. A.(...) causam apreenses a respeito de
certas reformas imprescindveis e que no podem ser adiadas por mais tempo,
como a secularizao dos cemitrios, estabelecimento do casamento civil e do
registro civil obrigatrio. Do mesmo modo preciso reformar-se a nossa
legislao sobre terras, obrigando-se os proprietrios de vastos terrenos
incultos ao longo das vias frreas ou a cultiv-los ou a vend-los por pouco
preo tal que fiquem ao alcance dos imigrantes. Politicamente indispensvel
alargar o direito de voto, de modo que passem a ser eleitores muitos dos
escravos de ontem e a classe operria que hoje excluda das urnas.425
Ao analisar este artigo, podemos reafirmar a idia de que, pelo menos para
muitos de seus contemporneos, havia realmente se iniciado o terceiro reinado, ante a
presumida impossibilidade de que o Imperador voltasse a assumir o trono em
conseqncia de suas enfermidades. A Rainha Vitria da Inglaterra permanecia
424
Grupo faccioso que se reunia secretamente. Dicionrio Houaiss disponvel em
http://dic.busca.uol.com.br/result.html?t=10&ref=homeuol&ad=on&q=corrilho&group=0&x=11&y=5
425
Gazeta da Tarde de 23/05/1888
111

servindo de parmetro para o desempenho de Isabel frente do Imprio, e as idias da


Princesa sobre religio continuam a aparecer como um fator que pudesse vir a impedir
a execuo de certas mudanas como o estabelecimento do registro e casamento civis,
que retirariam da Igreja o monoplio sobre o nascimento, casamento e morte. Apesar
disso, era nela que os defensores destas reformas depositavam a esperana de v-las
implementadas num breve espao de tempo. Finalmente, ressalte-se o fato de que a
idia republicana no deixou de rondar o Trono apesar do aparente entusiasmo popular
diante da abolio.
A ao da Princesa, que havia colaborado para que a abolio se fizesse
imediata e sem indenizao, havia desagradado profundamente a oligarquia rural que
em grande parte dependia do brao escravo. A debandada desse grupo, ainda muito
influente, em direo ao movimento republicano, no escapou s apreciaes do Conde
dEu, em carta ao pai, pouco tempo aps assinatura da Lei urea:
(...)em certas provncias, todos aqueles lesados pela supresso abrupta da
escravido esto de muito mau humor, e isto deu lugar a um bom nmero de
manifestaes republicanas, s quais se juntou um nmero de pessoas
pertencentes at o presente ao partido conservador. Eu espero que esta
baforada no seja mais que um fluxo que ter seu refluxo com o tempo. Mas
impossvel de no assinalar o desenvolvimento que, nos 12 meses decorridos
desde a partida do Imperador, tomaram nas provncias as idias republicanas
ou federalistas embora at o presente, elas no sejam, por assim dizer,
representadas nas Cmaras.426
Joaquim Nabuco, tambm se manifestava em carta ao baro de Penedo sobre o
assunto:
Eu vejo a monarquia em srio perigo e quase doomed [condenada]. A Princesa
tornou-se muito popular, mas as classes fogem dela e a lavoura est
republicana. Em tais condies eu, que hei de ser o ltimo dos monarquistas,
estou decidido a seguir uma poltica que no prejudique o trono do qual
precisamos tanto para levantar o povo e torn-lo independente da oligarquia
despeitada. por isso que apoio ainda o governo e o apoiarei no sei at
quando (...).427

426
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 28/06/1888
427
NABUCO, op. cit, 1949, carta de 25 de maio de 1890
112

O perigo que rondava a monarquia fez com que comeassem a surgir estratgias
neste grupo de abolicionistas que pudessem dar sustentao ao Terceiro Reinado.
Entre Nabuco e Rebouas, passa a haver uma uniformidade de discurso em favor da
implantao de uma Monarquia Democrtica Popular. Rebouas, em carta dirigida
Nabuco, j em 1890, no qual comenta um opsculo escrito por este ltimo, d as
caractersticas do que estaria contido nessa idia. Determina tambm quanto tempo
durou a inteno de faz-la funcionar:
O nosso bom Taunay enviou-me um exemplar da sua Resposta s Margens do
Recife e Nazareth; encontrei ai o mesmo crebro e o mesmo corao do meu
amigo e aliado de 1880 a 1888. A pg. 6 uma beleza; vai ser toda extratada [sic]
para minha Enciclopdia Socioeconmica.
Lembras-te dos nossos esforos de junho a agosto de 1888, para a Monarquia
Democrtica Popular?!
Na pgina 8 voc d a bela frmula:
- Monarquia parlamentar, civil, leiga e popular - 428[grifo meu]
Partindo do princpio de que a maioria da populao julgava que o Imperador,
mesmo se sobrevivesse e retornasse ao Brasil, no teria condies de governar, o espao
de tempo que Rebouas afirma haver durado o esforo de se implantar a Monarquia
Democrtica Popular - de junho a agosto de 1888 nos leva a crer que a idia foi
pensada especificamente para o reinado de Isabel. Ele tem incio logo aps a abolio
da escravido e termina com o retorno do Imperador ao poder
Uma anotao no dirio de Andr Rebouas sugere que alguns dos principais
abolicionistas da Corte tambm pensaram na possibilidade de organizarem um partido
poltico, agora no mais abolicionista, mas de carter popular: Em conferncia sobre o
Partido Popular com Joaquim Nabuco, Jos do Patrocnio e J.C.Rodrigues.429 Havia a
inteno deste grupo, de fazer aproximar o regime monrquico brasileiro, sobretudo
com a Princesa Isabel frente, dos anseios populares. E idia de popular vinha
ligada a de democracia.
Na segunda metade do sculo XIX, mais precisamente a partir da dcada de
1870, influenciados pelas novas idias polticas, oriundas, sobretudo da Europa, cresceu
o debate de intelectuais e polticos em torno do assunto. A palavra democracia passou
a ser usada por eles com abundncia. A idia democrtica havia sido impulsionada pelas
428
Fundao Joaquim Nabuco, CP p 26, doc 637, carta de 27/06/1890.
429
Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB, ACP 11- DL 464 anotao do dia 01/06/1888
113

transformaes sociais resultantes das mudanas tcnicas e econmicas do sculo XIX,


que fizeram emergir novos atores sociais operrios, comerciantes, profissionais
liberais - que passaram a pesar no cenrio poltico430.
No contexto aqui estudado, democracia significava, antes de tudo igualdade,
manifestada primordialmente atravs do sufrgio universal. No entanto, a igualdade que
interessava a esta democracia no era apenas jurdica e civil, mas tambm social.
Como segunda caracterstica, encontrava-se a reivindicao de uma soberania
popular, no qual povo significava a totalidade dos indivduos, incluindo as massas
populares. Seria o conjunto dos cidados e no uma abstrao jurdica. A democracia
significava tambm liberdade, tanto intelectual, econmica, religiosa ou de imprensa.431
Embora o Imprio Brasileiro procurasse reivindicar para si uma aparncia
democrtica, ele continuava controlando a maioria das instituies sociais, designando
os detentores do poder poltico, alm de permanecer atrelado existncia de um sistema
escravista.
Neste final de sculo, a idia de democracia passava a ser cada vez mais ligada
a de Repblica, o que iria provocar um embate entre Monarquistas e Republicanos pela
apropriao do conceito em proveito prprio.
A partir do ms de junho de 1888, vamos encontrar artigos escritos, sobretudo
por Rebouas, que tentam explicar como poderia ser feita esta unio entre a monarquia,
o povo e a democracia. Diz ele:
H um reforma democrtica to urgente, to oportuna, to momentosa como a
Abolio: a reconstituio da propriedade territorial pelo cadastro e pelo
imposto.
Se vossa Repblica de Liberdade, Igualdade e Fraternidade, preciso,
necessrio, indispensvel que ela principie extinguindo o monoplio
territorial; o patriarcado feudal; o poderoso elemento da propriedade rural,
como diz o Sr. Paulino.
Se porm a tal Repblica de ambiciosos vulgares e de escravocratas
despeitados admite o Sr. Paulino com seu landlordismo, ento infinitamente
melhor a Monarquia Popular e Democrtica de Joaquim Nabuco; opulenta de

430
RMOND, Ren. O sculo XIX (1815 1914). So Paulo : Cultrix, 2002, p. 55
431
idem, p.50-51
114

aspiraes nobres e altrustas; bem ciente e muito consciente; de que no deve


haver Irlandas no Continente Americano.432
Caracterizando o republicanismo como oligrquico e anti-democrtico,
Rebouas via na monarquia um campo mais frtil para reformas de nvel profundo do
que em um sistema republicano comandado ou influenciado pelos detentores de grandes
propriedades de terra. E justifica essa opo em um outro artigo: mais fcil
democratizar um rei ou uma rainha do que um parlamento aristocrtico, oligrquico e
plutocrtico.433
Outra caracterstica que fica patente na defesa do projeto de uma Monarquia
Democrtica Popular a de que ela no se caracterizaria por uma defesa da monarquia
como forma de governo em si, mas de que se tratava de uma proposta na qual o
terceiro reinado funcionaria como um perodo de transio para a implantao de um
regime republicano ideal. Isto pode ser demonstrado pelas palavras de Rebouas:
(...) a nossa Repblica Ideal vir com o tempo; quando no houver mais land
lords, quando tiver desaparecido os monopolizadores da terra; quando tiverem
acabado os exploradores de seus semelhantes, quando for impossvel a
impunidade feudal.434
Mesmo Nabuco, tido como ferrenho defensor do regime monrquico mostra que
a idia de Monarquia Democrtica Popular criada por ele no propunha uma
perspectiva de longa durao para o regime monrquico. Isso se evidencia num trecho
da obra Resposta s Mensagens de Recife e Nazareth escrita por ele em 12/03/1890:
O caminho para o ideal republicano a repblica, dir-se-. De acordo, de
certo ponto da estrada em diante, do ponto em que entram na marcha as raas
consideradas at ento inferiores, em que os escravos e senhores da vspera
comeam a formar uma s fileira democrtica. Da em diante o caminho para o
ideal republicano a repblica, mas somente da. (...)Para habilitar um pas
nascente a bem governar-se a si mesmo, o melhor regime ser o que fizer
crescer em condies morais e materiais mais favorveis e zelar mais
honestamente por seu patrimnio.(...)
Eu desejava um dia completssemos a unidade exterior da forma Americana de
governo, mas quando essa forma correspondendo ao nosso desenvolvimento o
432
Cidade do Rio de 20/06/1888
433
idem, de 25/06/1888
434
Idem, de 19/06/1888
115

garantisse e ampliasse, para que no se desse conosco a disparidade que se


nota em to grande parte da Amrica Latina entre a democracia efetiva e a
nominal. (...)Fui denunciado pelos zelotas [sic] da monarquia, hoje quase todos
aderentes, como sendo um aliado da repblica pelo meu programa Abolio,
Federao, Arbitramento. No h dvida que as trs reformas eram todas
passos para o ideal republicano, mas tambm eu nunca sustentei que a
monarquia no tivesse outro papel seno o de conduzir a nao quele
ideal.435[grifo meu]
A idia de repblica no era uniforme nem mesmo entre aqueles que defendiam
o regime e os motivos que levaram homens a ingressar no Partido Republicano foram
diferentes.436 A idia em si, poderia tanto revestir-se de um carter ideolgico, como de
uma simples alternativa de oposio ao governo, apresentando inmeras variaes A
repblica idealizada que se seguiria Monarquia Democrtica Popular era mais uma
delas.
Da mesma forma, no havia consenso de como se daria a passagem do regime
monrquico para o republicano, se atravs das urnas, das ruas, ou de um golpe poltico.
O fato deste grupo defender tanto que a abolio se fizesse sem emprego da violncia,
como que o advento da repblica se desse aps a implementao de uma srie de
reformas que teriam lugar num regime monrquico, levou muitos pesquisadores a
questionar o carter revolucionrio das suas propostas. No entanto, preciso ter em
mente que defender a abolio fora das ruas ou mesmo propor uma transio pacfica
de um regime para o outro no invalida o carter revolucionrio das propostas sugeridas
pelos abolicionistas.437
Outro detalhe interessante a analisar a forma como, no campo ideolgico,
Rebouas tenta unir conceitos dspares que pudessem tanto ter a funo de apelar para a
religiosidade da Princesa com a finalidade de conseguir sua adeso para suas propostas
reformistas, como para justificar a unio entre ela e o grupo abolicionista ao qual
pertencia. Diz ele em artigo do Jornal:

435
NABUCO, Joaquim. Resposta s Mensagens de Recife e Nazareth. p. 16, disponvel em
http://www.fundaj.gov.br.
436
OLIVEIRA, Lucia Lippi. A questo nacional na Primeira Repblica. So Paulo: Brasiliense; Braslia:
CNPQ, 1990, p.89-90
437
SANTOS, Cludia Regina Andrade dos. Projetos Sociais Abolicionistas: ruptura ou continusmo? .
in REIS F, Daniel Aaro (org.) Intelectuais, Histria e Poltica : Sculos XIX e XX:Rio de Janeiro, 7
Letras, 2000, p. 61
116

A propaganda abolicionista foi sempre feita evanglica e cientificamente.


Combatemos 9 anos em nome da Caridade de JESUS, da religio da
Humanidade de Augusto Comte, da consanginidade e da Unidade Atvica de
todos os seres da famlia humana, segundo Charles Darwin.438
primeira vista sugere uma mistura de idias impossveis de serem pensadas
em conjunto, mas essa prtica de se utilizar um repertrio conceitual por vezes
antagnico para justificar a defesa de idias ou posies assumidas fazia tambm parte
de um contexto da poca. A incluso da caridade de Jesus estaria completamente em
oposio Religio da Humanidade positivista, mas, neste momento, poderia
perfeitamente servir para induzir e justificar a ligao com a Princesa.
Rebouas tambm tenta explicar cientificamente uma monarquia que fosse ao
mesmo tempo democrtica e popular e de como Isabel se enquadra nesta idia:
Demonstra-se em Socionomia esta momentosa tese:
As repblicas so mais aristocrticas, mais oligrquicas e mais plutocrticas
de que as monarquias.
A demonstrao pela Mecnica Racional muito mais breve e muito mais
simples.
Na monarquia h trs foras em equilbrio:
1 - a fora monrquica, dinstica, real ou imperial;
2 - a fora aristocrtica, oligrquica, plutocrtica;
3 - a fora democrtica; a reao natural dos elementos de produo pelo
crebro e pelos msculos.
O equilbrio exige a convergncia das trs foras em um mesmo ponto, e que
cada fora seja igual ou contrria resultante de todas as outras. Quem rompe
o equilbrio , quase sempre, a fora aristocrtica, oligrquica e plutocrtica
pela sua insubordinao contra os princpios da Moral, de Justia e Equidade;
pelo seu parasitismo; pela sua ganncia; pela sua gula insacivel de prazeres
brutais.
A restaurao do equilbrio exige que a Monarquia incline-se para a
democracia; nos momentos crticos necessria a superposio das duas
foras, para produzir uma resultante mxima que, infalivelmente, vence todos
os esforos aristocrtico, oligrquicos e plutocrticos.

438
Cidade do Rio de 22/06/1888
117

Foi o que aconteceu a 13 de maio de 1888. A Senhora Salvadora da Monarquia


superps-se ao Abolicionismo Democrtico; por esse movimento herico,
produziu tal prodgio de fora que assombrou a ns mesmos, combatentes de
nove e tristes dolorosssimos anos (...)..
O momento pertence, pois, Monarquia Popular e Democrtica de Joaquim
Nabuco439
Por trs da defesa de uma Monarquia Democrtica Popular, estava tambm a
inteno de que cargos polticos fossem ocupados por membros desse grupo:
A Monarquia Popular e Democrtica de Joaquim Nabuco o Omega atual da
salutar evoluo monrquica iniciada pelo Marqus de Pombal; e tudo
pressagia que ele ser para Isabel I o que foi o Maior dos Portugueses para D.
Jos.(...) Muito mais nobre e generosa [do que a de Guizot] foi a contribuio
do magnnimo Pombal, dando combate estulta e boal aristocracia
portuguesa e firmando o trono de D.Jos no corao do povo.440
O Marqus de Pombal ocupou o cargo de primeiro ministro de Portugal,
governando com carta branca dada pelo rei D. Jos durante quase trinta anos (1750
1779). Promoveu uma srie de reformas e governou com mo de ferro, sendo
considerado um dspota esclarecido da Europa Iluminista. Creio ser bvio que a
proposta de Rebouas no significa um retorno quela poca ou ao despotismo, mas
sendo a Monarquia Democrtica Popular parlamentar, civil, leiga e popular441 o
que est aqui sendo proposto que o cargo de Primeiro Ministro deveria caber a
Joaquim Nabuco, em um sistema parlamentarista em que o rei reinasse, mas no
governasse.
No parlamentarismo instalado no Brasil a partir de 1847, o Imperador escolhia o
Governo e este fazia das eleies uma espcie de ritual de apoio majoritrio, invertendo
as regras do parlamentarismo clssico no qual o governo , em certa medida, expresso
de maiorias parlamentares. No caso brasileiro, as maiorias eram, na verdade, expresses
da orientao do Poder Executivo, instalados por iniciativa do poder Moderador. Desta
forma, o rei, conforme estabeleceu a formulao feita pelo Visconde de Itabora,
reinava, governava e administrava.442
439
Cidade do Rio de 23/06/1888
440
Idem de 12/07/1888
441
Fundao Joaquim Nabuco, COp26, doc. 637, carta de Rebouas a Nabuco de 27/06/1890
442
LESSA, Renato. A Inveno Republicana Campos Sales, as bases e a decadncia da Primeira
Repblica Brasileira. So Paulo: Vrtice; Rio de Janeiro: IUPERJ, 1988, p. 34-35
118

Encontrar um Marqus de Pombal para a Princesa Isabel foi uma sugesto


dada a Nabuco pelo Apostolado Positivista443 em resposta solicitao da opinio feita
por ele sobre a agitao pseudo-republicana determinada pelo 13 de maio444.
Rebouas chega a colocar no papel um programa de reformas a ser
implementado aps a abolio. Segundo informao contida no livro de Jos Verssimo,
onde o encontrei publicado, ele teria sido escrito para a Confederao Abolicionista
com o ttulo de Programa de evoluo para depois do dia 13 de maio. Nele esto
distribudos dez propostas de reformas j espalhadas em diversos artigos, cartas a
amigos e conferncias, tanto pelo prprio Rebouas como por outros membros do
movimento abolicionista. No entanto, a primeira destas propostas parece estar dirigida
Princesa, com a possvel finalidade de faz-la aderir a este programa, j que toca em um
assunto que no passava habitualmente pelas preocupaes de Rebouas, ou de seu
grupo. A proposio a seguinte:
I - Assegurar a todos os residentes no Brasil a mais ampla liberdade de
conscincia. Promover a decretao, em Assemblia Constituinte do Imprio do
Brasil, que os assuntos religiosos so superiores a qualquer poder humano, que
nem mesmo as duas casas do Parlamento reunidas em assemblia geral
podero pr em discusso matria concernente a religio.445
Rebouas defendia a livre iniciativa individual e a mnima interveno
governamental. No entanto, apesar de ter tido uma educao religiosa, o Cristianismo
em Rebouas no era tradicional, ortodoxo e mesmo institucional e seu interesse em
religio limitava-se aos ensinamentos bblicos, possuindo desprezo pelos rituais
religiosos orientados pela Igreja446. O item acima em questo parece ir ao encontro da
idia de Isabel sobre o assunto, conforme havia manifestado anos atrs em carta ao pai
j citada no primeiro captulo:
O que acho porm que o governo quer se meter demais em coisas que no
deveriam ser de seu alcance. (...) Devemos defender os direitos dos cidados

443
O Apostolado positivista era um grupo defensor de idias radicais positivistas, cujos principais
representantes so Miguel Lemos e Teixeira Mendes
444
PAIM, Antnio (Seleo e Introduo). O Apostolado Positivista e a Repblica. Biblioteca do
pensamento Poltico Republicano, vol 2, Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1981, p. 29
445
VERSSIMO, Igncio Jos. Andr Rebouas atravs de sua autobiografia. Rio de Janeiro: Livraria
Jos Olympio Editora, 1939, p.214-215
446
JUC, op. cit, p.54
119

brasileiros, os da constituio, mas qual a segurana de tudo isso, dos


juramentos prestados se no obedecemos em primeiro lugar Igreja? 447.
O segundo item do programa de evoluo trata da incluso do liberto na
sociedade:
II - Cumprir escrupulosamente o sacrossanto legado da Confederao
Abolicionista impedindo a reescravizao da raa africana; assegurando a sua
libertao pela independncia e pelo bem-estar; promovendo a educao e a
instruo dos libertos; facilitando-lhes a aquisio da propriedade da terra em
que trabalham, constituindo-os lavradores proprietrios.448
A incluso dos libertos na sociedade atravs da posse da terra e da educao era
uma idia defendida por Rebouas h muitos anos. J em seu dirio de 1870, ele se
mostrava mais preocupado com a situao do ex-escravo aps a abolio do que com o
movimento abolicionista em si.449 Em junho de 1887, mais uma vez ele reafirmava a
idia da insero do negro atravs da posse da terra em carta a Nabuco: A Abolio
marcha triunfalmente. , porm, preciso dar terra ao negro. 450
Um projeto de lei para a Educao, Instruo e Elevao do Nvel Moral dos
Libertos e dos Trabalhadores Rurais foi elaborado por ele entregue nas mos do
Conde dEu , conforme ele anota em seu dirio em julho de 1888:
No Instituto Politcnico presidido pelo Conde dEu; dei-lhe a Duplicata da
mensagem da Anti-Slavery Society ao imperador e cpias dos projetos de lei em
favor dos Libertos e de Arbitragem Tcnica para terminar o Conflito sobre o
Territrio das Misses451[grifos meus]
Isso vem a demonstrar que essas idias reformistas no ficaram apenas no papel,
ou que se tratavam de meras utopias. A idia foi de efetivamente faz-las chegar s
mos da Regente para que ela pudesse, ao menos, apreci-las.
O estabelecimento da arbitragem tcnica para dirimir conflitos com outros
pases era mais uma das propostas reformistas, colocada como o dcimo item neste

447
AHMIP, AGP, XLI-3, carta de 31/08/1873
448
VERSSIMO, op. cit, pp 214-215
449
JUC, op. cit, p. 66 citando anotao do Dirio de Rebouas de 14/04/1870, no qual se refere
elaborao dos estatutos da Associao Geral de Protetores de Emancipados para Proteger e Educar
os Emancipados do Brasil
450
Fundao Joaquim Nabuco, P.18 p. doc. 354 - carta de 27/06/1887
451
, Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB ACP 11, DL 464, anotao de 18/07/1888.
120

programa: X - Estabelecer a deciso por arbitragem para todos os conflitos


internacionais.452
O terceiro item do programa de reformas assinala a adoo do sufrgio
universal: III - Decretar o sufrgio universal para todos os cidados, s excluindo
os analfabetos e os sentenciados.453 Na proposta de Rebouas esto de fora apenas os
analfabetos e sentenciados, mas no fica claro se o voto universal seria estendido s
mulheres.
O quarto item envolve uma das questes consideradas fundamentais nesse
quadro de reformas - o estabelecimento da Democracia Rural:
IV - Promover a nacionalizao do solo pelo Imposto Territorial e pela
liberdade de comrcio de terra. Facilitar a todos os nacionais e imigrantes a
aquisio de um lote de terra com propriedade garantida pelo sistema Torrens;
com aplice transmissvel por endosso e livre de litgios, demandas e
complicaes judicirias pela segurana do Registro do Cadastro Nacional.454
A Democracia Rural era a grande bandeira defendida por Rebouas. Sua idia de
reforma agrria consistia na diviso de grandes propriedades ou latifndios em
pequenos lotes de terra de 20 hectares. Neles surgiriam comunidades de homens livres,
de imigrantes e de agricultores, que substituiriam a antiga estrutura das grandes
propriedades pertencentes oligarquia rural455.
Nos bastidores do Imprio, neste perodo, Rebouas trabalhava para por em
prtica sua tese da Democracia Rural, conforme registrou em seu dirio: Discutindo
com o Presidente do Conselho Joo Alfredo na sala dos Ministros, o Monoplio
Territorial e instando por medidas a favor da Democracia Rural456; ou ainda: Na
Cmara dos deputados discutindo com os Ministros Joo Alfredo e Ferreira Vianna os
tais Auxlios Lavoura (Landocracia) e a organizao da Democracia Rural, a
comear pelo Imposto Territorial457.
Segundo Richard Graham, a possibilidade de implantao de uma reforma
agrria, contida no projeto da Democracia Rural, vai ser a razo para que muitos
conservadores ex-senhores de escravos latifundirios se voltem para a Repblica.458
452
VERSSIMO, op. cit, pp 214-215
453
Idem
454
Idem
455
JUC, op. cit, p.96
456
Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB ACP 11. DL 464, anotao de 10/07/1888
457
Idem, anotao de 18/07/1888
458
GRAHAM, op. cit, p. 194
121

Os demais itens do programa de reformas escrito por Rebouas diziam respeito


autonomia municipal, autonomia provincial, abolio dos impostos diretos sobre a
venda de terras e defesa das liberdades de comrcio, indstria, bancria e de trabalho
mental.
Patrocnio, por seu turno, ocupa-se da defesa de Isabel e do terceiro reinado nas
pginas de seu jornal. Atacava o Partido Republicano paulista por terem eles declarado
em manifesto que iriam combater o terceiro reinado por todos os meios acusando-os
de, ao contrrio, nunca terem resolvido combater a escravido por todos os meios.459
Num artigo em que responde ao jornal A Rua, explica os motivos de seu apoio
monarquia.:
O abolicionismo sempre teve um programa mesmo se ele nunca abriu um
debate sobre as melhores formas de governo; o abolicionismo criticou a
monarquia e o far todas as vezes que ela impedir a realizao das reformas
sociais iniciadas no dia 13 de maio de 1888. Mas, se a Coroa, ainda
enfraquecida pelos combates com a escravido, continuar levando a campanha
da terra e da autonomia local, como ela vem fazendo at agora, jamais ela
encontrar aliado mais fiel. Para que os leitores de A Rua me compreendam,
necessrio que eles se lembrem da oposio dos liberais e dos republicanos
ao discurso do Imperador a propsito da reorganizao da propriedade (...) Eu
no quero condenar o meu pas por causa de uma palavra [Repblica], que
representa a glria na Sua, mas representa a vergonha no Peru, somente para
no ser acusado de contradio. Na verdade, eu sou inteiramente coerente com
a Cincia Poltica quando, em nome do meu amor pela liberdade, eu apio a
monarquia. Eu a apio porque ela nos promete a integridade e o progresso
realizado atravs da democracia rural; e eu me oponho a essa repblica porque
ela nos levar aristocracia rural, a mais audaciosa e mais bestial.460
Nestas palavras de Patrocnio, podemos ver que seu discurso est perfeitamente
alinhado com o de Rebouas e de Nabuco. Mas, em artigo escrito pouco antes da volta
do Imperador, Patrocnio faz uma proposta ainda mais ousada do que a Monarquia
Democrtica Popular para o Terceiro Reinado:
Com a Regncia, ou mesmo com o reinado da Princesa Redentora, era
possvel constituir-se, apesar as dificuldades do parlamentarismo, uma
459
Cidade do Rio de 01/06/1888
460
Cidade do Rio de 18/05/1888
122

ditadura de fato, progressiva e patritica, limitada vida da imperante, e


capaz de encaminhar os verdadeiros elementos republicanos do pas a uma
orientao real e cientfica.(...)[grifo meu]
Investindo de misso ditatorial em nome do Imprio o Sr. Joo Alfredo, por
exemplo, S.Ex., que tem todas as qualidades de esprito e carter, poderia dar
conta dessa preparao necessria para a nao reempossar-se da sua
autonomia.461
Se trata de uma proposta da implantao de uma ditadura nos moldes positivistas
durante o reinado de Isabel, na qual o comando do governo estaria a cargo do Ministro
Joo Alfredo. J que esta ditadura estaria limitada vida da imperante a proposta
de que ela funcionasse como um perodo de transio para um sistema republicano,
aps a implementao de reformas.
A sugesto de se implementar uma ditadura positivista de carter provisrio durante o
reinado de Isabel tambm faz parte das idias do Apostolado Positivista, contidas na
carta enviada a Nabuco j citada, embora eles no considerassem esta hiptese
realizvel.462
Uma outra iniciativa atribuda a Jos do Patrocnio foi a criao da Guarda
Negra, em 28 de setembro de 1888 na redao do jornal Cidade do Rio. Entretanto,
segundo Carlos Eugnio Lbano Soares, a primeira meno sobre ela teria sido
publicada a 10 de julho de 1888 neste mesmo jornal. Ela estaria sob o comando do
abolicionista Emlio Roude. Na proposta de concepo da Guarda Negra da
Redentora, era criado um estatuto com 6 artigos, que previa o estabelecimento de
eleies internas para sua diretoria, e uma rede de alianas que incluiria desde jornais da
Corte at libertos do interior do pas. Aconselhava, inclusive, a estes ltimos, que s
trabalhassem nas fazendas que no juraram guerrear o 3 Reinado.463 Ao mesmo
tempo, ainda de acordo com Lbano Soares, era implementada pelo gabinete Joo
Alfredo uma campanha de recrutamento militar na cidade que teria como finalidade
ltima tirar de circulao os capoeiras. Com esta medida, visaria formar um brao
armado clandestino que espalhasse o terror entre seus adversrios e incorporasse
parte representativa da camada popular ao seu anel de influncia464
461
Idem de 27/08/1888
462
PAIM, op. cit, pp 28-29
463
SOARES, Carlos Eugnio Lbano. A negrada instituio: os capoeiras na Corte Imperial, 1850-1890.
Rio de Janeiro: Access, 1999, pp. 257-258
464
Idem, p.260
123

Isto quer dizer que teria havido dois projetos simultneos de se constituir uma
Guarda Negra: o primeiro, de militantes abolicionistas e de libertos, que pudesse
incorporar os interesses destes ltimos, e transform-los numa fora institucional. O
segundo, o do ministrio Joo Alfredo, e teria sido este ltimo o que teria vingado.465
De qualquer forma, Patrocnio deu seu apoio Guarda Negra, constituda neste
momento, e idia de se defender a Princesa dos opositores do Terceiro Reinado. Era
defensor da Guarda Negra por consider-la um instrumento legtimo de ao poltica. 466
Ele s passou a discordar da conduta assumida por ela de combate aos partidrios da
Repblica no ano seguinte, como veremos no prximo captulo.
Embora no tenha encontrado registros de Isabel, nesse perodo em que ocupou
a terceira regncia, sobre a aproximao entre ela e os abolicionistas, vamos nos deparar
com esta ligao em carta recentemente trazida ao conhecimento pblico, escrita por ela
em agosto de 1889 ao Visconde de Santa Vitria, agradecendo uma doao em dinheiro.
Nela, h a confirmao de que muitas das reformas defendidas por esse grupo de
abolicionistas faziam parte de seus planos, e que ela contava com a efetiva colaborao
deles para lev-las adiante. Diz a carta:
Fui informada por papai que me colocou a par da inteno e do envio dos
fundos de seu Banco em forma de doao como indenizao aos ex-escravos
libertos em 13 de Maio do ano passado, e o sigilo que o Sr. pediu ao presidente
do gabinete para no provocar maior reao violenta dos escravocratas. Deus
nos proteja se os escravocratas e os militares saibam desse nosso negcio, pois
seria o fim do atual governo e mesmo do Imprio e da Casa de Bragana no
Brasil. Nosso amigo Nabuco, alm dos Srs. Rebouas, Patrocnio e Dantas,
podero dar auxlio a partir do dia 20 de novembro quando as Cmaras se
reunirem para a posse da nova Legislatura. Com o apoio dos novos deputados e
amigos fiis de papai no Senado ser possvel realizar as mudanas que sonho
para o Brasil!
Com os fundos doados pelo Sr. teremos oportunidade de colocar estes ex-
escravos, agora livres, em terras suas prprias trabalhando na agricultura e na

465
SOARES, op. cit, p. 259
466
MATTOS, Augusto Oliveira. A proteo multifacetada: as aes da guarda negra da Redemptora no
ocaso do Imprio (1888-1889). Dissertao de mestrado defendida em 2006, no Programa de Ps
Graduao do Instituto de Cincias Humanas da Universidade de Braslia, p. 80. disponvel em
http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_arquivos/33/TDE-2006-10-10T164358Z-
342/Publico/augusto_mattos.pdf
124

pecuria e delas tirando seus prprios proventos. [grifo meu] Fiquei mais
sentida ao saber por papai que esta doao significou mais de 2/3 da venda dos
seus bens, o que demonstra o amor devotado do Sr. Pelo Brasil. Deus proteja o
Sr e toda a sua famlia para sempre!
Foi comovente a queda do Banco Mau em 1878 e a forma honrada e proba,
porm infeliz, que o Sr. e seu estimado scio, o grande Visconde de Mau
aceitaram a derrocada, segundo papai tecida pelos ingleses de forma desonesta
e corrupta. A queda do sr. Mau significou uma grande derrota para o nosso
Brasil!
Mas no fiquemos mais no passado, pois o futuro nos ser promissor, se os
republicanos e escravocratas nos permitirem sonhar mais um pouco. Pois as
mudanas que tenho em mente como o senhor j sabe, vo alm da liberao
dos cativos. [ grifo meu] Quero agora dedicar-me a libertar as mulheres dos
grilhes do cativeiro domstico, e isto ser possvel atravs do Sufrgio
Feminino! [grifo no original] Se a mulher pode reinar tambm pode votar!
Agradeo vossa ajuda de todo o meu corao e que Deus o abenoe!467
Esta carta foi contestada por alguns historiadores em virtude de seu contedo,
mas no houve exame grafotcnico que lhe negasse a autoria. Ela foi escrita aps a
queda do gabinete de Joo Alfredo, estando no poder o ministrio liberal de Ouro Preto.
Nela, Isabel demonstra ter conscincia de que tanto os escravocratas, como os militares
se afastavam da monarquia, e do risco iminente que esta corria. No entanto considerava
possvel, aps a posse da nova legislatura em 20 de novembro, poder contar com a ajuda
do grupo de abolicionistas aqui em questo, alm de outros amigos para realizar
mudanas que desejava implementar no pas. Entre elas esto, como ela assinala, o
assentamento de libertos em terras prprias com a finalidade de inseri-los em uma
sociedade produtiva e uma proposta de sufrgio que abrangeria o voto feminino. As
freqentes referncias a Deus demonstram que a religio permanece como caracterstica
de seu cotidiano e base de sua viso de mundo, embora isto no a impea de ter uma
viso poltica sobre a necessidade de reformas sociais. Seu discurso se mostra coerente
com as idias defendidas por Nabuco e Rebouas.
Neste mesmo perodo de junho a agosto de 1888, um movimento oposto ao de
apoio ao Terceiro Reinado e a Isabel se faz sentir na Corte. Logo aps a decretao da
467
Apud LEAL, Priscilla. O lado rebelde da Princesa Isabel. in Revista Nossa Histria, Ano 3/n 31,
maio de 2006, pp. 69-72
125

abolio, a insatisfao pela libertao dos escravos sem indenizao deu origem a um
intenso debate que se desenrolou no Parlamento. Um projeto que pretendia estabelecer
uma indenizao aos fazendeiros pela perda da propriedade escrava era apresentado
pelo Baro de Cotegipe. Andr Rebouas, Nabuco e Patrocnio se colocam contrrios a
qualquer tipo de indenizao. No dia 19 de julho, os jornais anunciavam que por 30
votos a 10 o Senado rejeitara o projeto de Cotegipe. O ministrio Joo Alfredo,
entretanto, procurava estabelecer uma compensao classe agrcola, com a criao de
bancos territoriais de crdito grande lavoura.468
Embora a idia dos bancos no tenha vingado, a questo abalou o
relacionamento entre Joo Alfredo e os abolicionistas Nabuco e Rebouas. No seu
dirio, Rebouas anota:
Na Cmara dos Deputados com o amigo Joaquim Nabuco discutindo com o
presidente do Conselho Joo Alfredo os seus auxlios ao Landlordismo e seu
abandono dos Libertos e da Democracia Rural.
A Joaquim Nabuco pertence a glria de haver impedido Joo Alfredo e Andrade
Figueira de realizarem o plano de conceder 300.000 contos de letras
hipotecrias aos Landlords e aos Comissrios do Caf, seus credores. Depois
dessa discusso com Joo Alfredo, nunca mais procurei falar-lhe.
Rebouas rompia com Joo Alfredo, mas ainda no era esta a opo de Nabuco.
Em carta a seu companheiro de partido liberal A. J. da Costa Ribeiro relata as
desavenas com o Ministrio:
Eu mesmo sustentei o Joo Alfredo com toda a fora para ele ter o prestgio
preciso (todos procedendo como eu, est claro) para impor a lei [da abolio]
em dias ou horas. Ultimamente, porm, o Joo Alfredo tem ido pedir
inspiraes ao Figueira, que o envolveu em um projeto de bancarrota nacional
destinado a encampar a dvida perdida com a escravido, e eu fui forado a
atacar o ministrio com fora e a fundo. Ningum, entretanto, se entende em
poltica, o partido liberal uma multido e no um exrcito e assim no h
sequer vantagem em derrubar o ministrio, porquanto o sucessor pode at ser o
prprio Paulino. Eu acho-me, portanto na mesma posio independente em que

468
ALONSO, op. cit, p. 235.
126

me coloquei no partido liberal, e vejo que essa a mesma que tem o Saraiva, o
Dantas, o Gaspar e todos os outros.469
Em carta escrita Jos Mariano Carneiro da Cunha, complementa a explicao
acima:
Eu oponho-me aos Bancos porque quero a pequena propriedade, a dignidade
do lavrador, do morador, do liberto (...) No considero o interesse de nenhum
partido, mas, somente o do povo, que nada pode fazer por mim porque ainda
nem sequer balbucia a linguagem dos seus direitos.470
As vozes contrrias existncia de um Terceiro Reinado, no entanto,
comeam a falar cada vez mais alto atravs da imprensa. Em vrios jornais, aparecem
publicadas cartas, notcias e crnicas que do conta da insatisfao dos fazendeiros
diante do fim da escravido e o medo da desordem social que pudesse ocorrer no
interior da provncia do Rio de Janeiro. A culpa da situao colocada sobre os ombros
da Regente. Eis alguns exemplos. Do jornal Novidades, escolhemos a carta de um
fazendeiro no identificado da cidade de Bananal publicada em 10 de julho de 1888,
sob o ttulo de Conseqncias:
Devido unicamente Lei de 13 de maio, a minha lavoura, assim como a
maior parte desse municpio, est em lamentveis condies. (...) De 200
escravos restam apenas 30 no trabalho e estes tambm querem partir. (...)
Estou impossibilitado de preparar e exportar o caf. uma verdadeira
catstrofe! O direito conculcado(sic), a usurpao selvtica, sob as formas
hipcritas de uma legalidade que denomina-se por escrnio Lei urea!
Glria Excelsa Princesa Imperial!.
No dia seguinte, o Novidades publica, ainda sob o ttulo de Conseqncias, um
artigo dando conta de que nos municpio de Cantagalo, Madalena, Campos e So
Fidelis, no norte da provncia do Rio de Janeiro, mais de 300 fazendas esto
abandonadas, e que mais de mil tero o mesmo destino pela impossibilidade material de
mant-las e explor-las. Ainda afirma que a misria que avana: e como
compensao avana o movimento republicano. Quanto ao liberto, continua o artigo,
hoje um parasita, denunciando que muitos se recusam a sair das fazendas, mas ao

469
Fundao Joaquim Nabuco - Cap 5 doc 100
470
Fundao Joaquim Nabuco - CAp 6 doc 101
127

mesmo tempo se recusam a trabalhar, vivendo no cio. E termina: Vadiagem,


parasitismo e misria: eis o que se observa pelo interior. Glria Princesa!471.
Do jornal O Pas, optamos pela reproduo de parte do discurso do deputado
Lacerda Werneck, publicado em 21 de julho de 1888:
(...) Desejava que o nobre Ministro da Justia desse um passeio pelo interior
para ver com seus prprios olhos as tristezas que por l vo (...). Do-se furtos
e desordens e os libertos tomam parte nesse crime; os fazendeiros vivem
ameaados e no h quem tome providncias.
Fica evidente nestes exemplos, o despreparo dos fazendeiros do Rio de Janeiro,
que ao contrrio dos de So Paulo, acreditavam conseguir manter a escravido por
muitos anos e no fizeram a opo pelos imigrantes. Fica tambm claro o
estabelecimento do que Clia Azevedo472 e Sidney Chalhoub473 chamam de medo
branco, que significava a perda do controle social sobre a massa de negros. Ressalta-
se, da mesma maneira, a associao entre a insatisfao da classe agrcola, que dava
sustentao monarquia, e o crescimento do movimento republicano, com o
conseqente fortalecimento do seu Partido, at ento absolutamente inexpressivo e sem
representao nas Cmaras.
Ao final do ms de julho era anunciado o prximo retorno ao pas do Imperador
Pedro II, notcia esta recebida com alegria at mesmo por jornais republicanos, como,
por exemplo, O Mequetrefe, que afirma: apesar dos pesares, o Sr. D. Pedro II um
Imperador como h poucos, e que s no o estima de corao uma meia dzia de
bobos que no tem o que fazer.474
O retorno do Imperador leva os vrios jornais a publicarem avaliaes sobre a
ltima regncia de Isabel, sendo que estas so absolutamente contrastantes em alguns
aspectos, dependendo da orientao poltica dos peridicos, ou totalmente coincidentes,
apesar dela. Vamos apreciar algumas, para poder analis-las no conjunto.
No jornal Novidades, escravocrata e conservador, que dava voz classe agrcola
insatisfeita, a opinio de que o Imperador havia deixado o pas entregue a mais
perfeita paz e absoluta tranqilidade, e que a transio para o regime livre estava sendo
471
Novidades de 11/07/1888
472
AZEVEDO, Clia Maria Marinho de. Onda negra, medo branco: o negro no imaginrio das elites, sc
XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987
473
CHALHOUB, Sidney. Medo branco em almas negras: escravos libertos e republicanos na cidade do
Rio de Janeiro. In: Revista Brasileira de Histria, So Paulo: ANPUH/Marco Zero, vol 8, n 16, p.83-
105, mar./ago. 1988.
474
O Mequetrefe, agosto de 1888
128

feita por meio de uma lei que representaria um acordo entre os lavradores e
abolicionistas e que esta levaria a escravido a termo com regozijo geral. Outro ponto
que ressaltam que as instituies consideradas como garantia para a propriedade eram
respeitadas. O primeiro ato da regncia, ou seja, a demisso do gabinete Cotegipe, foi
considerada como um ato de absolutismo, uma violncia desptica nunca praticada
pelo Imperador. E prossegue: A lei da abolio veio dar-nos em espetculo a
interveno direta e ostensiva da coroa (...). A constituio foi postergada e anulada!.
Acusam o Conde dEu de aproveitar a ausncia do Imperador para tomar atitudes que
interferem na poltica do governo e de ter a Princesa privilegiado o corrilho que
sempre a acompanhou, de ter distribudo ttulos e condecoraes. No que diz respeito
posio adotada pela classe agrcola expe:
As classes conservadoras, as classes que so o alicerce da monarquia, (...)
surpresas diante deste desvario inesperado, retraem-se para advertir a coroa
de que essa estrada ora trilhada a via dolorosa que vai terminar no lugar de
todas as dores e de todo os tormentos. (...) O movimento republicano explodiu
como a prova mais frisante do desgosto, dominou vrias provncias,
corporizou-se, definiu-se.475
O Conde dEu, que tambm no escapava das crticas feitas pelo Novidades, ,
abandonara, segundo avaliao do peridico, a posio discreta que adotara durante o
reinado de D.Pedro II, pois, sabendo que no era popular e tencionando projetar sua
imagem acima da do Imperador, influenciou fortemente a Princesa para que
promovesse a libertao dos escravos. Desta forma afirma que, na febre de ser rei (...)
veio-lhe a idia de fazer decretar a abolio, convencido de que o povo o levaria em
triunfo coroao desejada.476
Essa mesma idia de que a Princesa agiu no sentido de promover a abolio sob
influncia do Conde dEu vai estar presente no jornal Dirio de Notcias477, num artigo
publicado na seo a pedidos, embora atribua a ele um motivo mais nobre, ou seja,
sua crena na propaganda abolicionista e sua convico de que esse era o melhor
caminho a seguir.
Numa avaliao oposta, Jos do Patrocnio, no jornal abolicionista Cidade do
Rio, vai dizer que D.Pedro II havia se retirado do pas, deixando o mesmo no mais
475
Novidades de 11/08/1888
476
Idem
477
Dirio de Notcias de 21/07/1888
129

deplorvel estado, e como governo tudo quanto havia de pior na vaza da nossa
poltica. E prossegue:
Foi nessa situao dolorosa, nesta conjuntura dificlima que a princesa
regente educada apenas para ser a mais perfumosa flor do lar viu-se obrigada
a ser instantaneamente soberana. (...) Impvida e serena suprimiu com um
trao de pena trezentos anos de ignomnia(...) Pode-se dizer que a princesa
regente purificou sua dinastia(...). A princesa salvou o trono de uma
tempestade revolucionria.(...) A princesa fez uma ptria digna de homens
livres (...)478
No entanto, alertava o Imperador sobre o grande movimento republicano que ele
iria encontrar em seu retorno, fruto da transformao do antigo movimento escravista:
Os grandes centros negreiros se converteram em centros poderosos republicanos.
Joaquim Nabuco, em artigo publicado no jornal O Pas479, concorda com
Patrocnio, na observao de que a Princesa havia achado o pas perturbado por srias
agitaes. Quanto sua atuao libertando os cativos, Nabuco diz que os abolicionistas
e os polticos que se ligaram a eles no tinham nada a perder: A Princesa Imperial,
porm, (...) tinha um trono e uma ptria que perder (...). Ela fez o que seu pai no teria
feito nunca (...).480
O jornal Gazeta da Tarde, que se declarara um rgo democrtico, sem
fetichismo por forma alguma de governo,481j havia feito por ocasio do aniversrio da
Princesa, uma avaliao sobre sua pessoa. Nesta, afirmava que, embora ela houvesse
recebido nobres exemplos de virtudes privadas de sua me e de patriotismo e abnegao
de seu pai, no recebeu a educao indispensvel a um soberano constitucional e tem
alguns defeitos dos prncipes de sua raa, tais como falsos princpios religiosos,
propenso para se cercar de corrilhos compostos de pessoas de pouca
respeitabilidade e deixar-se influenciar por elas. Com a volta do Imperador o peridico
se prope a fazer um julgamento da Senhora Isabel e apreciar seus atos na direo
suprema dos negcios do pas. Eis alguns trechos do mesmo:
Tal era o estado de coisas que o Sr. D.Pedro II deixou a ptria: um governo
impopular dirigindo os destinos da nao e um povo cansado de lutar por uma

478
Cidade do Rio de 21/08/1888
479
O Pas de 24/08/1888
480
Idem de 29/07/1888
481
Gazeta da Tarde de 29/07/1888
130

causa (abolio) prestes a apedrej-lo. S. A. a regente, mal assumiu a chefia do


poder executivo, compreendeu a necessidade inadivel de resolver o problema.
primeira oportunidade despediu (...) o gabinete Cotegipe e entregou o poder
ao Sr. Joo Alfredo, com a misso dele dar o golpe final questo. (...) A
abolio fez-se e a regente caiu no corao do povo. Com esse triunfo que uma
idia, que um princpio alcanara, resultava a desorganizao de um partido.
A regente violara as normas nos pases regidos pelo sistema parlamentar.
Confiara aos conservadores o que pertencia aos liberais, desorganizando os
primeiros. As conseqncias no se fizeram esperar. De todos os pontos o
elemento conservador fez ouvir os seus clamores, os seus protestos (...). E
agora, que S. M. volta, encontra o partido republicano alastrando o pas. (...)
J no um grupo de utopistas, de sonhadores.482
A anlise desses artigos nos leva a concluir que havia um consenso, ao menos na
imprensa, de que o afastamento do Baro de Cotegipe, a escolha de Joo Alfredo e a
abolio se fizeram por ao direta da Princesa, e que, estando D.Pedro II no trono, ela
talvez no ocorresse naquela hora e muito menos da forma que foi feita, sem
indenizao. Isso o provvel motivo que, ao fim de sua regncia, levava a imprensa
abolicionista a exaltar seu ato e a escravocrata a culp-la pela sua insatisfao e pelas
conseqncias que dela adviriam.
Apesar de ter suas virtudes e qualidades morais muitas vezes exaltadas, tanto
seus adversrios polticos, como seus aliados abolicionistas mantm um discurso
baseado na cultura poltica patriarcalista, no qual mulher estaria destinado o lar e a
famlia, reservando para ela o espao privado, aliado idia de despreparo para
governar.
A religiosidade catlica e a idia de que a Princesa facilmente influencivel,
em especial por seu marido, tambm continuam a aparecer para todos como um
problema agravante. A idia recorrente de que a abolio imediata sem indenizao
teria ocorrido por inspirao do Conde dEu, choca-se com as prprias palavras dele na
carta que escreve a Pedro II, logo aps a derrubada do gabinete Cotegipe, ao explicar a
funo que teria o gabinete Joo Alfredo: O novo gabinete surge armado de grande
prestgio e inspirado pelo [Antnio] Prado, conta fazer votar a supresso imediata da
escravido. passo, a meu ver, um tanto precipitado.483[grifo meu]
482
Gazeta da Tarde, de 21/08/1888
483
Apud RANGEL, op. cit, p.367
131

Isabel cercou-se sempre de um grupo restrito de amigos, que incluiam, entre


outros, suas amigas de infncia, Baronesas do Loreto e Muritiba, e seus respectivos
maridos, e a Condessa de Barral, a quem os jornais acusavam de exercer forte
influncia sobre ela. O fato de ter a princesa distribudo muitos ttulos de nobreza,
inclusive a esse grupo, tratado nos jornais por corrilho, ou camarilha484foi
duramente criticado. A esse respeito, assim escreve Gusmo Lobo, diretor do Jornal do
Comrcio, em carta ao baro do Rio Branco:
Toda a camarilha tem sido baronizada com grandeza, Dria, Ramiz, Salgado,
e outro. Tamandar, conde no seu ltimo aniversrio, foi marqus ao cabo de
meses. Tosta, baro com grandeza; dama, a senhora; marqueses, o Muritiba e
Paranagu; viscondessa, a Suru, Penha, Gvea uma avalanche de mercs.485
Foram tambm agraciados com ttulos vrios bispos da Igreja Catlica, como D.
Pedro Maria de Lacerda, Bispo do Rio de Janeiro, D. Lus Antnio dos Santos,
Arcebispo Primaz do Brasil e D. Jos Pereira da Silva Barros, Bispo de Olinda.486
Segundo Norbert Elias, numa sociedade de corte, a concesso de um ttulo de
nobreza significava uma indicao visvel da posio do agraciado perante o rei, que
tanto criava relaes de dependncia, como estabelecia o comportamento dos cortesos
entre si.487
A nobreza brasileira foi formada ao longo de poucos anos. No havia uma
dinastia de nobreza no pas, j que antes de 1822 os nobres estavam vinculados ao reino
de Portugal. Tornou-se hbito conceder ttulos a figuras de destaque do Imprio e, aps
a dcada de 1870, como forma de incentivo queles que libertassem grande quantidade
de escravos. A concesso de ttulos a amigos ou pessoas de sua confiana, estava de
acordo com o pensamento j expressado anteriormente por Isabel no seu testamento
poltico de 1871, mas visava tambm reconstituir sua base social e poltica de

484
Grupo de cortesos que convivem com um soberano e procuram influir nos negcios pblicos.
485
Cadernos do CHDD / Fundao Alexandre de Gusmo, Centro de Histria e Documentao
Diplomtica. Ano 3, n.5. Braslia,DF : A Fundao, 2004, carta de 30/06/1888
486
DAIBERT, JR. op. cit. 2007, p. 206
487
ELIAS, op. cit, p. 107
132

sustentao.488 O Terceiro Reinado estava de alguma forma criando a sua nobreza,


j que dele se afastavam muitos de seus membros tradicionais.
Um outro fator que fica evidente a debandada da classe agrria em direo ao
movimento republicano e a organizao deste, cada vez mais eficiente. Ao se aproximar
o fim da terceira regncia da Princesa, a idia republicana j se havia espalhado entre
eles, quer como conseqncia imediata da abolio da escravido que deixara parte da
lavoura despreparada sem sua fora de trabalho, quer ante a possibilidade de
implementao das reformas democrticas sugeridas pelos abolicionistas que buscavam
apoiar o Terceiro Reinado.
A expectativa de ter o Imperador de volta ao pas, ainda no afastava de todo a
idia de sua incapacidade de assumir o governo. Desta opinio partilhava igualmente o
Conde dEu:
Resta, infelizmente uma grande preocupao: a idia muito generalizada,
no sem fundamento, que o estado de sade no permitir retomar, ao menos
durante este ano, as rdeas do governo. De qualquer forma, esta questo
delicadssima s poder, evidentemente, ser resolvida quando ele chegar489
Seguindo sugesto do Visconde de Nioac e do mdico de Pedro II, Motta Maia,
que acompanharam o Imperador Europa durante sua viagem de tratamento, Joo
Alfredo preparou a abdicao deste em favor de sua filha. Isabel estava ciente dos
planos de seu Ministro. Mas o Imperador ao chegar negou-se a apenas ficar com o ttulo
de Imperador Honorrio. A Princesa, por sua vez, teria se declarado contente por ver
seu pai reassumir o governo, retardando o momento que seria para si de tanta
responsabilidade.490
Em carta escrita ao pai, o Conde dEu escreve que o Imperador havia chegado
com muito boa aparncia e sensivelmente melhor, sobretudo da memria e da
presena de esprito. Na seqncia, ele narra o episdio da proposta de abdicao, ou
de prolongamento da regncia:

488
Neste perodo Isabel tambm concedeu o ttulo de Baro de Guaraciaba a Francisco Paulo de Almeida,
um dos poucos negros titulares do imprio. A biografia de Francisco Paulo de Almeida (Francisco Paulo
de Almeida - Baro de Guaraciaba: Relaes de poder e biografia de um negro no Brasil Imprio) est
sendo objeto da dissertao de mestrado produzida por Carlos Alberto Dias Ferreira, do Programa de
Mestrado em Histria Social da Universidade Severino Sombra, sob a orientao do Prof. Dr. Fbio
Henrique Lopes
489
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 06/08/1888
490
IHGB - Arquivo Wanderley Pinho - Abdicao do Imperador preparada por Joo Alfredo.
133

Quanto idia apresentada por Nioac e Motta Maia, de prolongar a regncia


para deix-lo mais em repouso, ele repeliu imediatamente a sugesto que lhe
foi feita por seu mdico e respondeu que no queria passar por invlido, nem
ocupar uma posio honorria, pois destas j havia demais neste pas,
acrescentou ele! um grande alvio para Isabel e para mim ver afastar este
projeto que no poderia ser colocado em prtica sem os votos da Cmara.
A recuperao do Imperador aparece como motivo de alegria para Isabel e,
diante da negativa de seu pai de ficar afastado do trono, adia, sem nenhum tipo de
contestao, seu momento de assumir o Imprio. No fazia parte dos planos de Isabel
ocupar o trono de seu pai contra a vontade dele. Mesmo tendo mudanas em mente
que iriam alm da libertao dos escravos"491, a Princesa parecia esperar a ocasio em
que, por direito sucessrio, o Imprio passasse s suas mos, para p-las em prtica.
J o Conde dEu, menos afeito aos meandros da poltica que Isabel, descreve a
volta do Imperador como um motivo de alvio. E d uma idia do quadro que prefere
no ter que enfrentar:
A boa vontade e o entusiasmo do pblico pelo Imperador foi muito grande
maior ainda do que em seus retornos [de viagens] precedentes. Mas uma
homenagem puramente pessoal; porque, como eu creio j te haver escrito, a
idia republicana fez, depois da partida dele no ano passado, progressos
enormes que atinge todo mundo, e, apesar da prosperidade financeira que
marca este ano, nunca, ao menos nos ltimos 40 anos, a situao da
monarquia brasileira esteve to abalada quanto hoje.492
Para alm do crescimento do movimento republicano, a volta do Imperador ao
poder e o conseqente afastamento da Princesa, significou tambm a quebra do
primeiro elo da corrente que unia o Terceiro Reinado e o projeto de reformas dos
abolicionistas.
Neste captulo minha inteno foi a de demonstrar que a perspectiva de ter-se
iniciado o Terceiro Reinado ocorreu de fato, embora no de direito. Foi uma
possibilidade real tanto para a prpria Isabel como para seus contemporneos de uma
491
Carta da Princesa Isabel ao Visconde de Santa Vitria, apud LEAL, op cit, PP.69-72
492
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 23 de agosto de 1888
134

maneira geral. Este foi tambm o momento em que o meio poltico se agitou mais
fortemente, posicionando-se quer a seu favor, quer contra ele.
Isabel agiu com relativa autonomia e no apenas como uma extenso do
governo de seu pai. Sua adeso s idias abolicionistas, independente de terem sido
motivadas pela identificao existente entre elas e suas convices religiosas, foi uma
opo poltica que tinha por fim ltimo dar sustentao ao seu reinado.
O apoio recebido dos lderes do movimento abolicionista da Corte no tinha
uma perspectiva de ser momentneo, visando apenas abolio do cativeiro, nem foi
motivado meramente por gratido Princesa. Eles viram uma possibilidade concreta
tanto de implementar seus projetos de reformas democrticas polticas e sociais, como a
possibilidade de ascender ao poder. A idia era a de fazer do Terceiro Reinado um
perodo de transio pacfica para um sistema republicano idealizado.
Esta adeso de Isabel s idias abolicionistas, e o recproco apoio dado a ela
pelo grupo formado pelos principais lderes deste movimento na Corte, selaram tanto o
destino do Imprio, como o de seus defensores, conforme tratarei no prximo captulo.

CAPTULO 3
O FIM DO IMPRIO

3.1 O ATAQUE REPUBLICANO

A volta do Imperador alm de adiar a perspectiva de haver se iniciado o Terceiro


Reinado, abriu espao para que o movimento republicano se organizasse e crescesse.
O movimento em favor da Repblica no Brasil comeou a tomar vulto no seio
da elite poltica e intelectual, na dcada de 1870, sob presso de um contexto
135

internacional na qual nosso regime monrquico e escravista aparecia como lento e


atrasado.
O Manifesto Republicano, publicado em 1871, nasceu em decorrncia de uma
crise poltica provocada pela queda do ministrio liberal de Zacarias de Ges e
Vasconcelos, que provocou uma diviso no partido demitido do governo em radicais e
moderados. E foi a primeira ala deles que se aliou s idias republicanas.493
O manifesto posicionava-se contrrio ao regime ento em vigor, e, embora
considerado como de valor simblico no conjunto de fatores que vieram a desembocar
no fim do Imprio brasileiro494, no deixou de produzir efeitos, j que a idia
republicana iria, progressivamente, atingindo outros setores da sociedade.
A idia de repblica vinha atrelada as de progresso e modernidade. E vinha,
sobretudo, aliada as de democracia e liberdade. Para os membros da gerao de 1870,
influenciados pelo positivismo e idias cientificistas, seus principais difusores,
democracia e repblica eram termos intercambiveis inscritos na evoluo
humana495.
Entretanto, o partido republicano, embora difundido por todo o pas, no
contava, at meados da dcada de 1880, com grande nmero de adeptos, exceto nas
provncias de So Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Deve-se,
no entanto, ressaltar que o fato de no haver grande nmero de inscritos nos quadros do
partido no significava que no havia um nmero bem maior de simpatizantes ao
movimento republicano496. Porm, estes simpatizantes abarcavam tanto aqueles que se
opunham Monarquia como forma de governo, como aos que se opunham a um
determinado governo, ou mesmo a um determinado tema defendido ou no pelo
governo, o que demonstra ser o republicanismo difcil de ser enquadrado como um
movimento nico e contnuo.
No Rio de Janeiro, de uma forma geral, o republicanismo girava em torno da
questo abolicionista como forma de crtica ao governo, embora se mantivessem de
maneira isenta sobre a iniciativa de terminar com a escravido, alegando que pertencia
Monarquia a soluo do problema. Defendiam, em grande maioria, a idia da

493
SALDANHA, Nelson. O pensamento poltico no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.94
494
DEBES, Clio. Campos Salles: perfil de um estadista. Rio de Janeiro, F. Alves; Braslia, INL, 1978,
p.86
495
MELLO, Maria Teresa Chaves de. A repblica consentida. Rio de Janeiro: Editora FGV: Editura da
UFRRJ (Edur), 2007, p. 146
496
COSTA, op. cit, p 459
136

emancipao dos escravos com indenizao. Isto levou os proprietrios de terra e


escravos da provncia a se voltarem em direo ao Partido Republicano, como
conseqncia da abolio da escravido sem indenizao. Emlia Viotti da Costa497 no
considera essa debandada, por si s, a causa da Repblica, mas sim um enfraquecimento
na sustentao do regime monrquico, que no teve substituio de outras parcelas da
sociedade.
inegvel, porm, que a partir da abolio da escravido e, principalmente
aps o retorno do Imperador, a propaganda republicana ganhou imensa fora, sobretudo
na imprensa. Tendo o movimento republicano um discurso no qual se colocavam como
nicos defensores da democracia e conseqentemente, representantes do povo, no
viram com bons olhos a aproximao entre a Monarquia, na pessoa de Isabel,
qualificada agora como a Redentora e as camadas mais populares da sociedade.
Sendo assim, Isabel, o Conde dEu e o Terceiro Reinado tornaram-se os alvos
preferidos da propaganda republicana.
No entanto, importante deixar claro que a emergncia da idia republicana,
neste momento, no se fez exclusivamente em oposio futura imperatriz ou ao
Terceiro Reinado. Vrios fatores devem ser levados em conta. Em primeiro lugar, as
mudanas econmicas, que aps a abolio, no Rio de Janeiro, ou mesmo antes, em So
Paulo, passaram a ter como base a mo de obra livre, com estmulo imigrao de
trabalhadores europeus, acompanhada do crescimento da indstria, modernizao dos
transportes e novidades tecnolgicas. Outro ponto a ser considerado a insatisfao de
parte da oligarquia rural, ainda muito influente no governo, que fora preterida no caso
da abolio sem indenizao. Da mesma forma, as mudanas na composio da
sociedade que foi se desenhando ao longo da segunda metade do sculo XIX, que
abarcava, no final dos anos 1880, desde uma enorme gama de negros livres e imigrantes
trabalhadores pobres at uma faixa cada vez maior de comerciantes, funcionrios
pblicos, intelectuais e membros de profisses liberais, todos fora da representao
poltica, quer como eleitores, quer como dirigentes. Tambm fator de suma
importncia a desagregao dos partidos polticos existentes que j vinha se desenhando
em virtude de sucessivas crises ao longo do Segundo Reinado. Acrescente-se a isto a
insatisfao do meio militar com a poltica imperial, e a questo religiosa. Tudo isso

497
COSTA, op. cit, p.456
137

colaborou para o surgimento de um ambiente propcio ao desenvolvimento da


propaganda republicana.
Com a volta do Imperador, Isabel havia aparentemente se afastado das questes
pblicas, voltando a seus afazeres habituais de antes de seu terceiro perodo regencial.
Dividia seu tempo entre a Corte e Petrpolis, para ficar em companhia de seu pai, j que
a recomendao mdica foi que ele se mantivesse relativamente distante das agitaes
da Corte.
Coincidentemente ou no, com o retorno de Pedro II ao comando do Imprio, os
abolicionistas que apoiavam o terceiro reinado comearam a divergir de algumas
idias defendidas pelo Ministrio nomeado por Isabel. Andr Rebouas, j havia
cortado, no final do ms de julho, relaes com o Ministro Joo Alfredo em virtude da
questo da criao dos Bancos Hipotecrios para socorro lavoura.
Nabuco, que tambm se desentendera com Joo Alfredo pelo mesmo motivo,
explicava em carta a Jos Mariano Carneiro da Cunha,498 sua posio cada vez mais
isolada na Cmara e dentro do Partido Liberal:
Voc havia manifestado contentamento por ter-me eu declarado contra o
Ministrio. preciso a vista disto que eu lhe escreva para voc conhecer a
minha atitude. Essa no mudou. Eu estou hoje onde estava ontem. Combato o
Joo Alfredo no terreno dos Bancos Hipotecrios como o sustentei no da
abolio pelos mesmos motivos. Estou longe, porm de o querer derrubar de
qualquer forma juntando-me com os reacionrios escravistas. Se ele quiser
cair, cai com os olhos abertos. A minha posio especial exatamente porque o
Joo Alfredo est sendo atacado pela lei de 13 de maio, causa principal do dio
contra ele, e porque estou mais identificado com o abolicionismo do que com
qualquer partido. (...) Eu hoje luto por idias e no por partidos.(...) Para fazer
coisa nova preciso novos instrumentos (...) Ocupo assim nas Cmaras uma
posio solitria, que corresponde ao meu ideal no direi poltico, mas popular.
(...) Deixe os partidrios desgostarem-se de mim: estou fazendo a nica poltica
verdadeiramente democrtica que possa existir no pas.499

498
Poltico liberal, fundador do jornal A Provncia de Recife. Foi colega de turma de Joaquim Nabuco
na Faculdade de Direito.
499
Fundao Joaquim Nabuco - CAp 6 doc 101 carta de 27/07/1888
138

O isolamento poltico de Nabuco dentro de seu prprio partido tambm era fruto
de sua posio francamente monarquista. O projeto da federao apresentado por ele no
ms de agosto no encontrou eco suficiente para ser colocado na agenda de votaes.
Apenas Patrocnio mantinha-se nas pginas de seu jornal como ferrenho aliado
de Joo Alfredo.
No ms de setembro de 1888 a monarquia sofreria seu primeiro golpe
republicano. Nas ltimas eleies, o Partido Republicano havia conseguido eleger como
seu representante na Cmara, Monteiro Manso, de Minas Gerais. No dia de sua posse
ele se recusou a fazer o juramento de fidelidade Monarquia e Igreja Catlica. Tal
acontecimento causou intenso debate, sendo o caso encaminhado para parecer na
Comisso de Polcia na Cmara. O resultado, anunciado nos jornais do dia 12 de
setembro de 1888, estabelecia que, por quase 2/3, a Cmara facultou ao deputado a
liberdade de no prestar juramento, desde que fosse contrrio s suas crenas polticas e
religiosas.
O jornal Novidades atribuiu duas possibilidades ao fato do governo no ter
organizado uma resistncia a essa medida: ou ele no possua compreenso do seu
papel, ou porque a monarquia estivera trada por aqueles que deviam se antepor a
tudo.500 O Dirio de Notcias declarou que a supresso do juramento poltico e
religioso aos seus membros foi um desastre prenunciante de muitos outros
sucessivos501 para o enfraquecimento do sistema poltico vigente. Joaquim Nabuco, no
O Pas, reconhecia que, diante desta deciso, no havia como negar que isso significava
que a monarquia no tinha foras para resistir primeira investida republicana.502
A adoo desta medida na Cmara e o discurso feito dez dias depois na tribuna
por Nabuco, contra o movimento republicano, levaram Silva Jardim, a voz que, naquele
momento, mais se sobressaa nos comcios e nos jornais em defesa da Repblica e no
ataque aos membros da Monarquia, a fazer um discurso que foi publicado em captulos,
cerca de um ano depois, no jornal Correio do Povo. Nele, defendia os fazendeiros,
afirmando que os republicanos que pertencem classe agrcola no so republicanos
como ainda hoje se afirmou por causa da abolio da escravido, e sim (...) depois da
abolio da escravido. E que se a lavoura corria em massa para o movimento
republicano, este a recebia de braos abertos. Alm disso, denunciava a morte do
500
Novidades de 12/09/1888
501
Dirio de Notcias de 12/09/1888
502
O Pas de 12/09/1888
139

isabelismo e ameaava a monarquia, alegando que so chegados os dias da Repblica


para nosso pas. No! Esse terceiro reinado tudo o afirma no se instalar em uma
ptria americana. Sobre a deciso em favor da atitude de Monteiro Manso se negando
ao juramento, ele afirmava que isso significava que a Cmara estava abrindo a porta
ao pensamento livre e Repblica, dispensando de todo e qualquer compromisso ou
juramento os candidatos contrrios ordem estabelecida pela monarquia... A cmara
amedrontada compreendeu que a Repblica batia-lhe s portas.503
No dia 11 de setembro de 1888, Joaquim Nabuco, que votara contra o projeto
de supresso do juramento, faria em seu dirio uma anotao que denotaria seu estado
de desnimo diante do acontecimento:
Cmara. Vota-se juramento facultativo. Meu primeiro voto conservador.
Ainda que liberal politicamente, como preservativo da liberdade
constitucional. Escrevo para o Pas. A Repblica na Cmara. (...) Muito
cansado de tudo.504
A respeito do momento poltico em questo, o Conde dEu escreveria ao pai:
Aqui, as perspectivas no so brilhantes. A decadncia da monarquia apenas
acentua-se mais, o pblico no tendo tardado a perceber que o Imperador, com
a melhor vontade, no pode mais, por conta das atenes que demandam sua
sade, governar como tinha o hbito antes de sua doena. Assim, uma inrcia
marca a ao governamental enquanto que as manifestaes republicanas se
multiplicam de todos os lados. As duas eleies parciais que tiveram lugar nos
ltimos meses na provncia de Minas elegeram dois deputados republicanos
(que substituram conservadores nomeados para o senado); e quando o
primeiro se apresentou Cmara recusando o juramento, foi imediatamente
dispensado dele, o que no havia tido jamais lugar. Esta Cmara termina
tambm seu mandato na sesso do prximo ano: e a menos que o partido
conservador no deixe o poder, no h lugar para pensar que ela seja
dissolvida antes de seu termo, visto a docilidade que ela mostrou em dois
ministrios sucessivos.505
Isto vem demonstrar que a Monarquia acusou o golpe desferido pela Repblica
e que a situao poltica era vista como delicada ao menos pelo consorte da futura
503
Correio do Povo de 21/10/1889 a 04/11/1889
504
NABUCO, op. cit, 2005, anotao de 11/09/1888
505
AHMIP. AGP, LXII-3, carta de 12/11/1888
140

Imperatriz, que a maior parte do tempo procurava fazer uma avaliao crtica sobre os
acontecimentos polticos.
Em setembro, tambm teve lugar, no Rio de Janeiro, a cerimnia na qual Isabel
recebeu a Rosa de Ouro, concedida pelo Papa Leo XII, em homenagem abolio.
A cerimnia foi assistida por toda famlia Imperial, a corte, o clero, o corpo
diplomtico, delegaes abolicionistas e alunos de escolas506, mas isso veio dar
oportunidade imprensa, e, sobretudo, propaganda republicana, para que
reafirmassem a imagem de Isabel como beata e fantica religiosa.
No dia seguinte, o jornal Gazeta da Tarde, que se dizia abolicionista e
democrtico, e que aos poucos se colocava frontalmente contra o governo imperial,
publicava o seguinte artigo, do qual retirei alguns trechos:
Celebrou-se ontem com pompa desusada e dantes nunca vista no Rio de Janeiro
a cerimnia de entrega da Rosa de Ouro Princesa Imperial. (...) Nunca se
reuniram na Corte tantos bispos como agora. Acreditamos que isto servir para
despertar o zelo da princesa pelas coisas da igreja e para ativar seu aferro s
doutrinas ultramontanas. Para os monarquistas (...) esta festa um sintoma, da
pior espcie, de que nada se far pela passagem do projeto da liberdade de
cultos (...) Para os republicanos esta festa motivo de contentamento (...), pois
a monarquia acentua sua idia de no caminhar para a frente.507
Por esta ocasio, o testemunho do Conde dEu, em carta ao pai, dava o estado de
sade do Imperador como muito bom e sensivelmente melhor, sobretudo da memria e
da presena de esprito.508 Da mesma forma, Andr Rebouas em seu dirio relatava
vrios encontros e conversas com ele em Petrpolis que demonstravam que Pedro II
gozava de perfeito estado mental e tinha conhecimento do que se passava no pas. Seu
afastamento do Rio de Janeiro, no entanto, levou os jornais a especularem sobre seu real
estado de sade. Isto contribua para agravar ainda mais a situao poltica do Imprio.
A imprensa duvidava de sua capacidade de governar. No dia 3 de novembro de 1888,
por exemplo, o jornal Gazeta da Tarde, fez a seguinte avaliao sobre a situao do
Imperador:
(...) o Sr D Pedro II no tem vontade prpria, nem esprito de deciso.(...)
Nestes ltimos anos tem sido sempre levado por sua filha, senhora sem
506
LACOMBE, op. cit, p.245
507
Gazeta da Tarde de 29/09/1888
508
AHMIP, AGP, LXII 3, carta de 23/08/1888
141

intuio das coisas polticas e que muito submissa a um corrilho de gente


mesquinha que a cerca. Agora, quase inconsciente em Petrpolis, pensando
que est na Europa, no resolve coisa alguma, absolutamente guiado pela
filha, que avanando em anos no adquire experincia, nem dos homens, nem
das coisas.509
O comentrio acima nos leva a observar o acirramento das posies contra a
Princesa, insinuando que ela talvez no tenha se afastado da cena poltica, como se
poderia supor, agindo nos bastidores, manipulando a vontade paterna sob inspirao do
grupo de amigos que a cercava. Voltam tambm as insinuaes de que ela no possui
discernimento para a poltica. O mesmo assunto seria retomado algum tempo depois
pelo jornal Dirio de Notcias:
ao do imperador quase extinta (...) veio sobrepor-se a interveno
imperativa da herdeira presuntiva e as pretenses imperatoriais do prncipe
consorte. (...) So de vrias formas que vai se manifestando essa proliferao
perniciosa da influncia dinstica nas instituies constitucionais at a presso
contnua do prncipe consorte no movimento dos negcios do Estado,
especialmente nos que tocam secretaria da guerra. (...) Quem no sabe que,
nas nomeaes e promoes do exrcito no se resolve um nada sem o
aprazimento do Marechal Conde dEu? (...) Que lucrar com essas invases
progressivas o prncipe consorte? Nada, seno aumentar o fardo de sua
impopularidade, que j no pouca, no exrcito e no povo.510
Para este jornal, haveria uma ascendncia do Conde dEu sobre Isabel e de
ambos sobre o Imperador. Um ponto que se evidencia a impopularidade de Gasto de
Orlans, que era cada vez mais explorada. J em 1887, Jos do Patrocnio escreveria
sobre ele:(...)por maiores que fossem os dotes morais do Sr. Conde dEu, por mais
primorosamente cultivada que fosse a inteligncia de sua Alteza, faltava-lhe alguma
coisa para imperador consorte: a maneira de soberano.(...)511
A permanncia da cultura poltica patriarcalista que via nele o potencial
Imperador, e, por vezes, o desejo de poupar a Redentora de ataques maiores, fizeram
com que o prncipe consorte fosse sendo transformado em vilo, cuja influncia deveria
ser combatida a todo custo. Ao longo dos anos em que viveu aqui foi sendo criada e
509
Gazeta da Tarde de 03/11/1888
510
Dirio de Notcias de 30/04/1889
511
Cidade do Rio de 06/02/1887
142

consolidada para ele a imagem de ambicioso, pouco simptico, seco, medocre e


orgulhoso, avarento e intruso no Conselho da Coroa e no Exrcito. E a propaganda
republicana tentou explorar essa representao ao mximo.
O Terceiro Reinado, por sua vez, voltava a ser apresentado nos jornais como
uma desgraa iminente para o pas, e as vozes a seu favor vinham progressivamente se
calando, ou sendo menos ouvidas.
Os abolicionistas que haviam se aproximado da Princesa e do projeto do
Terceiro Reinado, permaneciam ainda a seu lado e da famlia Imperial, como pode ser
notado pelas anotaes no dirio de Andr Rebouas:
Na Estao com a princesa Isabel A Herona da Redeno dos Cativos
conversando sobre a vida em Petrpolis; com o Imperador conversando sobre
o Rio So Francisco e sobre a atual conjuno de Jpiter e Vnus. Joaquim
Nabuco discutiu com o Imperador sobre a Autonomia das Provncias,
degenerao do sistema parlamentar.512
Ou ainda, Na residncia da Princesa Isabel, com o amigo Joaquim Nabuco,
entregando-lhe a mensagem da Anty-Slavery.513
Mas suas palavras iam perdendo progressivamente a fora num cenrio poltico
favorvel Repblica que ia se consolidando, sobretudo na imprensa.
No final do ano de 1888, no dia 30 de novembro, um tumulto acontecido durante
o meeting promovido pelo propagandista da Repblica, Silva Jardim, no Clube de
Ginstica Francesa, na rua do Clube Ginstico Portugus, antiga travessa da Barreira,
chegou s pginas dos jornais com grande alarde. Segundo descrio do jornal Cidade
do Rio, o conflito havia comeado com provocaes entre os republicanos que davam
Vivas Repblica, enquanto do lado de fora o povo dava Vivas Monarquia. O
povo teria ameaado invadir o recinto e os republicanos teriam se trancado no interior
do prdio, e abrindo as janelas do andar superior, dado tiros de revlver em direo s
pessoas que se encontravam na rua, chegando mesmo a arrancar as telhas do prdio para
atirar sobre elas. As portas do local onde se abrigavam os republicanos foram foradas e
abertas, e o tumulto se generalizou. O resultado foi um grande nmero de feridos,
alguns gravemente514

512
Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB, ACP11, DL 464, anotao do dia 02/11/1888
513
Idem, anotao do dia 15/12/1888
514
Cidade do Rio de 31/12/1888
143

Os conflitos em meetings de Silva Jardim tornaram-se habituais. Bacharel em


direito e jornalista, era um propagandista jacobino da Repblica. Suas atitudes eram
contestadas at mesmo pelo chefe do Partido Republicano no Rio de Janeiro, Saldanha
Marinho, que o considerava um elemento desagregador do partido, atrevido at a
loucura.515 Seus ataques aos membros da famlia imperial, sobretudo Isabel e o
Conde dEu, eram violentos, assim como a pregao contra o Terceiro Reinado e aos
seus defensores, em especial a Joaquim Nabuco.
Negava os mritos de Isabel na questo da abolio, caracterizando-a como
falsa Redentora, e acusava a monarquia por ter enganado lavoura ao fazer a
abolio sem indenizar aos antigos proprietrios de escravos.516 Pregava a abdicao da
Princesa quando da morte de seu pai, e acaso isso no acontecesse, que ela fosse
deposta. Em relao ao Conde dEu, que tratava por usurpador, propunha que este
deveria espontaneamente se exilar ou ento ser executado.517
Quanto Nabuco, considerava-o um poltico ingnuo, negando-lhe o direito de
falar em nome do povo, pela sua prpria origem aristocrtica. Apresentava sua proposta
de Monarquia Democrtica Popular como irrealizvel por ser contraditria j que
nela concebia um pas em que os estados fossem republicanos e o governo geral
monrquico. Alegava que a Monarquia era o governo de um s, enquanto a Repblica
aparecia como o governo da opinio pblica, encarregada da execuo dos desejos e
aspiraes do povo518
As agitaes polticas no escapavam aos olhares do Conde dEu, que no dia
seguinte ao conflito escrevia Condessa de Barral:
A agitao republicana est cada vez mais ensurdecedora nessas ltimas
semanas. E ela continua crescendo. Teme-se as prximas eleies [pois] os
republicanos, ajudados por antigos conservadores, triunfaram neste ltimo ms
em quase todos os lugares onde h eleies. De modo que, finda a abolio da
escravido, cavou-se um abismo entre a monarquia e as classes que poderiam
ajudar a mant-la. Ser difcil de preench-lo. Eu no vejo meios nesse
momento. Guarde tudo para voc. Entretanto, houve ontem no Rio, por ocasio
515
DEBES, op. cit, p.258
516
Discurso proferido por Silva Jardim em 12/09/1888 e publicado pelo jornal Correio do Povo em
28/10/1888
517
Artigo A ptria em perigo de Silva Jardim, Apud Mello, op. cit, p.209
518
Conferncia publicada no jornal Gazeta de Notcias de 13/01/1889 in JARDIM, Antnio da Silva.
Propaganda Republicana (1888 1889). Rio de Janeiro: MEC Fundao Casa de Rui Barbosa, 1978,
pp. 255 - 279
144

de uma das conferncias habituais de Silva Jardim, pancadaria grossa.


50 pessoas ficaram feridas, algumas gravemente! abominvel!519
O Conde dEu escreveu neste perodo aps a volta do Imperador, freqentes e
detalhadas cartas sobre o cotidiano dele e da famlia condessa de Barral. De Isabel,
no encontrei cartas nas quais tratasse de questes polticas, j que as pessoas para
quem tinha o hbito de escrever sobre o assunto, como o pai e o marido, estavam
prximas de si. Mesmo para a Condessa de Barral, escreveu muito pouco, pois como
afirma em uma carta dirigida a ela no final de 1888, Eu no lhe escrevo mais
freqentemente porque Gaston o faz bem regularmente,520 o que faz deduzir que
muitas das opinies emitidas por ele, estavam de acordo com as suas. Por este motivo,
as cartas aqui analisadas sero, sobretudo, as dele.
O que chama a ateno nesta, alm de sua viso pessimista sobre a situao
poltica pela qual passava a Monarquia, o tom confidencial e o pedido de segredo
sobre seu comentrio.
Apesar de parecer desanimado, Gasto de Orlans no esperava um desfecho
imediato para a crise poltica do pas, ao menos enquanto Pedro II vivesse. o que
escreve para Barral em fevereiro de 1889, respondendo s apreenses dela:
Eu compreendo que voc esteja preocupada com a situao poltica do Brasil.
Quem no est? Eu creio, entretanto, impossvel que papai [Pedro II] seja
exilado. Enquanto ele viver se evitar levar as coisas ao extremo. Mas depois?
terrvel de pensar. Eu no compreendo que precaues a senhora gostaria
que ns tomssemos. No temos meios de tom-las de forma alguma.521
A afirmao de que o casal no teria meio de tomar precaues ou mesmo
decises sobre o rumo dos acontecimentos polticos poderia denotar pouca falta de
influncia deles nas decises tomadas pelo governo.
No dia 6 maro de 1889, o jornal Dirio de Notcias passava a ser de
propriedade de Rui Barbosa, juntamente com outros dois scios, e ele tornava-se o
redator-chefe. No editorial do dia seguinte, o jornal era definido como nem folha de
oposio, nem folha de governo, aspirando apenas a ser um eco do sentimento

519
AHMIP AGP, XLII 7, Carta de 31/12/1888 Obs: As cartas que o Conde dEu escreve para a
Condessa de Barral esto em francs, mas, para melhor enfatizar e descrever o acontecido, ele usa, no
texto original, as palavras pancadaria grossa em portugus.
520
AHMIP - AGP, XLI-5, carta de 04/12/1888
521
AHMIP AGP, XLII -7, carta de 05/02/1889
145

pblico.522Mas Rui Barbosa, tido como monarquista e abolicionista atuante, iria


progressivamente colocando-se em posio contrria monarquia, afastando-se de seus
antigos companheiros de movimento, Nabuco, Patrocnio e Rebouas. Nas pginas de
seu jornal negava Isabel o ttulo de Redentora, afirmando que a verdadeira redentora
era a nao que teria submetido a coroa, e que se a Princesa havia tido algum mrito,
esta seria de que ela abriu os olhos evidncia de ser a abolio um fato consumado: a
escravaria teria decretado a prpria liberdade.523
No incio de maro tambm, aps assistir a uma palestra no Instituto Politcnico
sobre o estado sanitrio do pas, o Conde dEu comentava por carta com a Condessa de
Barral que decidira visitar a cidade de Santos onde a epidemia de febre amarela era
assustadora.524
A situao calamitosa de Santos pode ser confirmada pelo telegrama publicado
dia 8 de maro de 1889 na Gazeta da Tarde:
A populao est indignada com o indiferentismo dos poderes pblicos. O ato
do governo haver dado apenas um conto de ris para socorro exacerbou os
espritos. A epidemia recrudesceu violenta. Os trabalhadores recusaram
trabalhar. O povo pede socorro. A continuar a situao, a populao assaltar
a alfndega ou a coletoria para tirar dinheiro e aplic-lo em socorro dos
indigentes vitimados pela febre amarela. Corre com insistncia esse boato.525
Informado da deciso do prncipe consorte, o Ministrio concordou que ele fosse
a Santos, e a outras cidades do interior paulista, levando uma comisso de mdicos,
alm de uma doao em dinheiro526. Sua partida, no entanto, mostrou-se confusa,
conforme ele se queixa Isabel em carta:
O Dr. Arajo Ges e os demais mdicos que deveriam ir no foram achados,
segundo o que me escreveu o ministro do Imprio, que aconselhou esper-los
at ainda pouco. No fim, partimos sem eles e sem os da marinha que, parece,
estavam de prontido. Fars bem em contar tudo isso a papai [Pedro II].527
Embora alguns jornais, como o Cidade do Rio, tenham defendido a atitude do
prncipe em ir a Santos, outras vozes puseram-se a criticar sua iniciativa. O Dirio de
522
Dirio de Notcias de 07/03/1889
523
Idem, dia 10/03/1888
524
AHMIP AGP, XLII -7, carta de 07/03/1889
525
Gazeta da Tarde de 08/03/1889
526
Segundo o jornal Dirio de Notcias do dia 25/03/1889, uma doao do valor de trs contos de ris em
nome da Famlia Imperial e de quinhentos mil ris em nome do ministro da marinha.
527
AHMIP - AGP, LXII -5, carta de 15/03/1889
146

Notcias, por exemplo, o criticava por ter ido num navio de guerra e no de trem,
aumentando com isso as despesas do governo528, por ter sido homenageado com um
almoo pela prefeitura de Santos, a qual poderia aproveitar os recursos gastos no evento
para socorrer os doentes529, ou ainda pelo fato de ter ficado poucos dias na cidade e
seguido para So Paulo, por no suportar o calor que fazia. Computa sua viagem como
intil.530 Considera que a visita que ele faz, na seqncia, a Campinas, uma especulao
poltica, e atribui Isabel a iniciativa de ter resolvido a viagem do marido.531
O fato de ter o Conde dEu feito essa viagem supostamente no lugar do
Imperador, j que este no poderia faz-lo pelo seu estado de sade, levou Rui Barbosa
a afirmar que a princesa imperial estaria desaparecendo atrs da individualidade
militante e absorvente do seu marido. E continua: (...) como se o Orlans fosse o
descendente da nossa dinastia constitucional e a serenssima princesa apenas um disco
lunar ao lado do esposo.532
Novamente aparecem, as mesmas representaes que caracterizavam a Princesa
como uma mulher frgil, dependente, girando em torno do marido, o estrangeiro
usurpador do trono.
No incio de maio de 1889, Rui Barbosa abria espao no seu jornal para o
movimento republicano. O acirramento das posies de Rui Barbosa foi objeto de
conversa entre seus antigos companheiros do movimento abolicionista, conforme
podemos ler nas anotaes de Andr Rebouas em seu dirio:
Com os amigos Nabuco e Jos do Patrocnio discutindo o momento poltico
atual e a direo dada ao dirio de Notcias pelo Rui Barbosa, em luta contra
Patrocnio, que sustenta a Redentora contra o fazenderismo escravocrata
republicanisante [sic].533
Isto demonstra que, embora com menos vigor, os trs ainda continuavam a
defender a Princesa e, conseqentemente, o Terceiro Reinado. E talvez para marcar um
posicionamento contrrio ao de Rui Barbosa, Rebouas foi recepcionar o Conde dEu,
em Petrpolis, quando de sua chegada da viagem a So Paulo, trocando com ele um
afetuoso abrao. O fato parece ter sido marcante para os dois, haja vista, ambos o terem

528
Dirio de Notcias de 16/03/1889
529
Idem, de 17/03/1889
530
Idem, de 18/03/1889
531
Idem, de 19/03/1889
532
Idem, de 25/03/1889
533
Dirio de Andr Rebouas de 1889, Fundao Joaquim Nabuco, A A R, anotao de 24/03/1889
147

relatado, Rebouas, em seu dirio no dia 26/03/1889, e Gasto de Orlans, em carta


para a Condessa de Barral.534
Rebouas procurava tambm, junto a seus companheiros da Confederao
Abolicionista, traar novos rumos para a mesma:
Visita-me o amigo Jos do Patrocnio Longa conversao sobre a nova
Orientao a dar Confederao Abolicionista Democracia Rural Imposto
Territorial Liberdade de Conscincia Casamento Civil Imigrante
Proprietrio.535
A federao no aparece como uma das prioridades a ser defendida nestas
anotaes. Dentre as reformas pretendidas pelos abolicionistas, aps a abolio, a
federao tornara-se a principal bandeira defendida por Joaquim Nabuco, mas para
Rebouas e Patrocnio o que deveria vir em primeiro lugar era a Democracia Rural, com
a conseqente integrao do liberto na sociedade atravs da posse da terra536. Rebouas,
que j havia apresentado em outras ocasies esse projeto ao ministrio Joo Alfredo,
persistia advogando essa idia diretamente a Pedro II durante as longas conversas que
tinham em Petrpolis, conforme ele relata em seu dirio: Na Estao com o Imperador
conversando sobre o artigo escrito hoje pela manh na Propaganda da Democracia
Rural.537
A idia da Democracia Rural parecia finalmente ter sido encampada, tanto
pelo Ministrio, como pelo prprio Imperador. No dia 3 de maio de 1889, a fala do
trono lanou uma nova bomba no seio da elite agrria. Num dos trechos ele assim se
pronunciava ao Parlamento:
Para fortalecer a imigrao e aumentar o trabalho agrcola, importa que seja
convertida em lei, como julgar vossa sabedoria, a proposta para o fim de
regularizar a propriedade territorial e facilitar a aquisio e cultura das terras
devolutas. Nessa ocasio, resolvereis sobre a convenincia de conceder ao
governo o direito de desapropriar por utilidade pblica os terrenos marginais
das estradas de ferro que no so aproveitados pelos proprietrios e podem
servir de ncleos coloniais.538

534
AHMIP-AGP, XLII -7, carta de 15/03/1889
535
Dirio de Andr Rebouas de 1889, Fundao Joaquim Nabuco, A A R anotao de 31/03/1889
536
SANTOS, Cludia R. A. op. cit, 2007, p.327
537
Dirio de Andr Rebouas de 1889, Fundao Joaquim Nabuco, AAR anotao de 17/04/1889
538
Dirio de Notcias de 04/05/1889
148

Rebouas anota em seu Dirio: A Fala do Trono pede a diviso da terra, a


Pequena Propriedade, o Imigrante Proprietrio, a Democracia Rural.
O Dirio de Notcias, ao avaliar o pronunciamento de Pedro II, via nesta
pretenso uma soluo para o problema que afligia a elite, que era dar um destino
massa de negros que se deslocara das fazendas, a maioria em direo s cidades. Afirma
que com o pensamento de facilitar a aquisio de terras devolutas e desapropriar os
terrenos marginais s linhas frreas, semeando neles ncleos coloniais,539 o governo
imperial pretende persuadir os libertos de que eles no ficaram livres para o
homicdio, mas para o trabalho honesto.
O jornal Novidades, no entanto, vai se pronunciar de forma contundente contra a
fala do Imperador:
A mansido com que a classe agrcola deixou-se espoliar de uma propriedade
legal, animou o governo mais audaz tentativa. Depois do escravo, a terra!(...)
O que est ali contido no final desse discurso da coroa no deixa dvida a
ningum. O governo entende que lhe assiste o direito de atentar contra a
propriedade territorial, de reparti-la, de decim-la, de distribu-la a quem bem
lhe parecer. Vejam os cidados proprietrios a nova ameaa clara e patente que
se ergue contra eles, e compreendem bem quem se no se sentiu capazes de uma
reao eficaz, que destrua pela raiz essa caranguejola(sic) perversa.540
A proposta apresentada na fala do trono do Imperador, teria sido a gota dgua
para que a elite rural corresse em massa para os braos dos republicanos.541 As perdas
sofridas pelos fazendeiros com a abolio da escravido no os afetariam tanto quanto a
possibilidade de terem repartidas as terras de seus latifndios.542Como conseqncia,
houve grande oposio nas cmaras, e a reforma proposta no chegou sequer a ser
levada para votao.543
Outro assunto que voltava a aparecer na imprensa no ms de maio era o medo da
desordem que poderia resultar da liberdade dada aos escravos, especialmente quando da
comemorao pela passagem do primeiro aniversrio da abolio. Como exemplo
extramos uma carta vinda de Valena, escrita pela esposa de um fazendeiro, no

539
Idem
540
Novidades de 04/05/1889
541
GRAHAM, Richard. Clientelismo e poltica no Brasil do sculo XIX. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ,
1997, p.179
542
JUC, op. cit, p. 136
543
SANTOS, 2007, op.cit, p.331
149

identificada, e publicada no Dirio de Notcias. Nela, a senhora alerta que os libertos de


uma fazenda vizinha esto fabricando balas (para armas) para os republicanos e
preparando algo para o dia 13 (de maio). Os libertos esto altaneiros. (...) Me parece
que nossa existncia est por dias (...) No como, no durmo. Diante destas palavras o
jornal alerta: tempo que as classes ameaadas organizem a resistncia.544 No
entanto, nenhum acontecimento grave ocorrido nas comemoraes do aniversrio da
abolio vai aparecer nas pginas dos jornais consultados nesta pesquisa.
Nessa ocasio, a situao poltica apresentava-se cada vez mais delicada. Os
partidos estavam desorganizados e divididos: o Liberal, entre alguns poucos que davam
sustentao do ministrio e outros, que defendiam sua derrubada do poder; o
Conservador, entre os que ainda permaneciam fiis a Joo Alfredo e os que se
alinhavam ao lado da oligarquia rural insatisfeita, passando a dar apoio ao movimento
republicano. No incio de maio de 1889, a faco dissidente do Partido Conservador
conseguiu eleger Paulino de Souza, um dos que haviam votado contra a abolio, para a
presidncia do Senado e o Ministrio entrou, definitivamente, em crise.
O ministrio de Joo Alfredo recebia ataques de quase toda a imprensa. O jornal
Dirio de Notcias545 acusava seu governo de ter escavado um abismo entre o partido
conservador e as classes conservadoras, no em conseqncia da abolio, mas por ficar
indiferente s questes econmicas subseqentes a ela.
O jornal Gazeta da Tarde, por sua vez, prenunciava o advento da repblica mais
cedo do que se imaginava em virtude de a Coroa ter deixado de exercer o poder
moderador, e de que, sob a influncia do Conde dEu, ter-se associado em contratos de
imigrao realizados pelo atual governo, aos quais os jornais chamam de contratos
Loyos, que segundo eles favoreceriam ao Sr. Loyo, sogro do filho de Joo Alfredo. E
acusa:
A Coroa receando que se achasse envolvido nesses contratos o nome do
consorte da princesa herdeira, tranca a tribuna, despede os deputados, e d
carta branca ao Sr Joo Alfredo e a sua gente para que continuem a explorar o
pas em proveito da faco loyana.546
Os contratos Loyos, segundo o jornal Novidades, eram contratos de imigrao
de 100 mil pessoas, feito com Manoel Amorim Leito, testa de ferro do sr Loyo. De
544
Dirio de Notcias de 07/05/1889
545
Idem de 03/05/1889
546
Gazeta da Tarde de 31/05/1889
150

acordo ainda com este peridico, o Sr. Loyo residia, na qualidade de hspede, com o Sr.
Joo Alfredo, sendo considerado seu parente.547 Os contratos foram fartamente
explorados nos jornais, e diante da presso das Cmaras, que exigia explicaes pelo
favorecimento a parentes, Joo Alfredo pediu sua dissoluo.
Sobre a questo da dissoluo da Cmara, o Conde dEu comenta em carta
escrita Condessa de Barral:
Antes do jantar habitual de famlia, eu pedi ao Imperador uma pequena
audincia para dizer minhas impresses sobre os perigos de uma dissoluo da
Cmara dada ao Ministrio atual. Foi a primeira vez que lhe falei de poltica.
Ele me deixou falar quase uma hora sem dizer nada, um pouco contrariado, eu
creio. Disse ao fim de algum tempo que pensaria nisso (...) e que me agradecia;
e me pediu muito para no ir reunio do conselho de Estado convocada para
o dia seguinte. A Princesa havia prometido assistir a essa conversa, mas
atrasou-se por causa dos ensaios na Igreja e chegou quando acabvamos.548
Na carta que Gasto de Orlans escreve para o pai, explica as razes das
dificuldades enfrentadas pelo Ministrio e os motivos que levaram o casal a sugerir que
a dissoluo das Cmaras fosse negada ao Ministrio:
(...) Em seguida a abolio da escravido, o ministrio se viu abandonado por
um grupo do partido conservador, importante, mas no suficientemente
numeroso para impedi-lo de manter a maioria na Cmara, como a conservou
at o fechamento da sesso no ms de novembro. Mas, posteriormente, essa
maioria estava se tornando consideravelmente reduzida pelas eleies parciais
acontecidas e pela desero de alguns deputados, de sorte que desde 2 de maio,
antes da abertura da seo, o Presidente do Conselho, no julgando mais poder
governar utilmente nestas condies, havia proposto ao Imperador a
substituio do ministrio. Mas o Imperador recusou-se obstinadamente at, e
inclusive, ao dia 28, embora durante todo esse tempo as Cmaras fossem quase
impedidas de funcionar, a maioria no sendo suficiente para fazer o nmero de
uma maneira contnua na Cmara dos Deputados. Neste dia, o Imperador
encostado na parede pelo Presidente do Conselho, decidiu convocar o Conselho
de Estado para consult-lo sobre a oportunidade da dissoluo da Cmara, e,
547
Novidades de 15 e 16/05/1889
548
AHMIP AGP, LXII 7, carta de 28/05/1889 Obs: Isabel estava organizando a festa de encerramento
das festividades do Ms de Maria.
151

conformando-se com a opinio contrria desta corporao, declarou que no


concordava com a dissoluo, o que acarretou a demisso definitiva do
ministrio. Eu no compareci a essa sesso que teve lugar no dia 31, no tendo
o hbito de faz-lo quando se tratava de questes polticas tais como aquelas.
Mas eu julgava, como quase todo mundo, que o ministrio no possua a fora
moral necessria para presidir com sucesso as futuras eleies e velar por ela.
Dia 30, dia da Ascenso, eu o disse ao Imperador, de acordo com Isabel. Eu
havia insinuado algum tempo antes ao presidente do conselho, dizendo-lhe que
a medida da dissoluo da cmara parecia-me cheia de inconvenientes.549
Sobre este ponto, est claro que tanto Isabel, como seu marido, posicionavam-se
contra o pedido feito pelo ministro Joo Alfredo para que a Cmara fosse dissolvida. E
que o pedido de dissoluo das Cmaras fora desaconselhado por eles diretamente ao
Ministro. Segundo o relato do Conde dEu, houve insistentes pedidos de demisso por
parte de Joo Alfredo, negados pelo Imperador, o que demonstra que este estava
decidido a mant-lo no comando do seu gabinete.
Roderick Barman considera que o pedido do Imperador para que a filha e o
genro no comparecessem reunio do Conselho e se mantivessem afastados das
manobras polticas, era porque ele no admitia partilhar a autoridade com ningum,
muito menos com uma mulher550. Creio haver a um exagero e um equvoco, pois foi
justamente com Isabel que Pedro II partilhou sua autoridade ao fazer questo que fosse
ela a regente nos momentos que estivesse ausente do pas. Compreendo estar o pedido
do Imperador muito mais relacionado com sua preocupao recorrente, desde a poca
da Guerra do Paraguai, de que a classe poltica e a opinio pblica pudessem ver a
interferncia de Gasto de Orlans nas decises tomadas pelo governo e ao mesmo
tempo, isentar sua filha de possveis crticas.
Essa inteno no foi, obviamente alcanada, pois, de acordo com Gazeta da
Tarde o pedido de dissoluo das Cmaras teria sido inspirado por D. Isabel e pelo
corrilho que a cercava, visando anistia pela Coroa da faco Loyana. Apesar de
admitirem que o Imperador estava velho e doente, e proclamarem a enorme influncia
que sobre ele exerceria a Princesa regente, descrita como uma criatura histrica,
fantica e pouco inteligente,551 alegam que D.Pedro II conseguiu mostrar seu valor.
549
AHMIP- AGP, XLII 3, carta de 13/06/1889
550
BARMAN, op. cit, p.261
551
Gazeta da Tarde de 01/06/1889
152

Dias depois, o jornal receberia cartas do Sr. Guilherme Carlos Lassance,


mordomo do sr Conde dEu, nas quais o defendia das acusaes alegando que ele no
tomava parte alguma em transaes comerciais, nem nunca interveio direta ou
indiretamente perante o governo imperial para que fosse dado a algum contratos de
imigrao,552que ele no seria dono nem de cortios, nem de pedreira, nem de capinzais,
e que tambm no teria acionado qualquer inquilino para pagamento de dvida553.
Aparentemente esses desmentidos no provocariam nenhum efeito, pois as imagens
tanto da Princesa, como do Conde dEu, a essa altura, j estariam consolidados no
aspecto negativo, ao menos aos olhos da imprensa.
Finalmente, aps ouvir o Conselho de Estado, o Imperador negou a pretenso de
Joo Alfredo sobre a dissoluo das Cmaras e este pediu demisso. A convocao do
novo gabinete foi confusa, conforme narra o Conde a seu pai:
O Imperador mandou chamar sucessivamente trs senadores encarregando-os
de organizar um gabinete que conciliasse as fraes da maioria conservadora
da Cmara: o 1 [Conselheiro Corra] se escusou por causa da sade, o
segundo [Visconde do Cruzeiro] por motivo particular no explicado, o 3 [Sr.
Vieira da Silva], aps ter em vo procurado durante 3 dias, fazer entrar em seu
gabinete, as pessoas as quais julgava ser necessrio ter cooperao, no dia 5
de junho mandou dizer ao Imperador que renunciava a essa tarefa. Como no
convinha dar a dissoluo da Cmara a uma ou a outra frao do partido
conservador, no houve outra forma seno voltar-se ao partido liberal que
esteve no poder de 1878 a 1885, e cujo gabinete se encontra organizado desde
a noite do dia 7. O novo Presidente do Conselho [Ouro Preto] no o havia
ainda sido; mas foi ministro da Marinha de 1866 a 1868, depois das Finanas,
de 79 a 80, poca onde ele teve o azar de fazer adotar um imposto sobre as
passagens de bondes, que provocou em 1 d janeiro de 1880 a nica rebelio
que ensangentou as ruas do Rio [Revolta do Vintm], obrigando a revogao
tcita deste imposto. Ele tem um carter decidido e autoritrio. Trs de seus
novos colegas j foram igualmente ministros e os ministros da guerra e da
marinha so, contrariamente ao uso observado h muitos anos, escolhidos
entre os oficiais generais no membros do Parlamento.554
552
Idem de 04/06/1889
553
Idem de 07/06/1889
554
AHMIP- AGP, XLII 3, carta de 13/06/1889
153

No entanto, para a Condessa de Barral, ele d uma opinio bem mais pessoal
sobre o novo gabinete:
Ns [Gasto e Isabel] vimos o novo presidente do conselho, Visconde de Ouro
Preto (...). Ele nos disse a lista de ministros, na qual eu no esperava Soares
Brando nos negcios estrangeiros (onde j o vimos em 1883-84). Dria no
Imprio! Maracaju, meu confidente ntimo na Guerra do Paraguai na Guerra!
Voc dir que finalmente coisas excelentes: e bem, eu estou apenas
medianamente contente. Eu creio isso tudo ulico demais e no h prestgio aos
olhos do pas. No momento em que se chamou o partido liberal, o que era
inevitvel, eu preferia que se aceitasse logo as nuances mais avanadas para
dar satisfao s expectativas de reformas e fazer desse modo concorrncia aos
republicanos. E se o novo ministrio precisar passar como o precedente para
receber as inspiraes da princesa, no ganharemos absolutamente nada! Eis
meus sentimentos. Vejamos os fatos.555
O tom contido nesta carta demonstra haver um desconhecimento prvio, e at
mesmo surpreso, para Isabel e Gasto quanto nomeao tanto dos ministros militares,
como a de Dria, o Baro de Loreto, um dos melhores amigos do casal. Outro
comentrio que merece destaque o desejo de que a ala mais radical do partido liberal
fosse chamada para governar, colocando em prtica as reformas defendidas por eles,
que poderia ir desde o federalismo de Nabuco, Democracia Rural de Rebouas. A
sugesto para que assumisse um gabinete reformador e independente, capaz de tomar
decises sem a necessidade de receber inspiraes da princesa, faz supor que,
durante perodo em que o gabinete Joo Alfredo esteve no poder, Isabel talvez no
tenha ficado muito afastada da poltica. Robert Daibert considera que uma das provas
da influncia de Isabel no gabinete de Joo Alfredo teria sido a omisso do casamento
civil e a orientao teocrtica na fala do trono que o Imperador teria proferido no dia
3 de maio.556 O autor se baseia num registro de Rebouas em seu dirio, embora nele
Isabel no esteja citada, apenas a decepo de Taunay com o fato557.
A expectativa pelas crticas que adviriam pela formao do novo gabinete no se
fez esperar. O Dirio de Notcias atribuiu a indicao dos ministros militares Princesa

555
AHMIP AGP, XLII-7, carta de 07/06/1889
556
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.215
557
Dirio de Andr Rebouas, 1889, Fundao Joaquim Nabuco, A A R, anotao de 04/05/1889
154

Imperial e seu consorte.558 Quanto a nomeao de Dria para a pasta do Imprio,


publicou: No Sr. Baro de Loreto, o que o pas inteiro v o pao, o pao o pao,
a princesa, a princesa, a princesa.559
A nomeao pelo Imperador de um ministrio liberal, liderado pelo Visconde de
Ouro Preto foi vista, a princpio como acertada pela Gazeta da Tarde, pois significaria
que o governo estaria disposto a implementar as reformas necessrias, embora
considerando esta seria a ltima cartada da monarquia visando a estabilizar-se.560 J o
jornal conservador Novidades alegou que a nomeao de um ministrio liberal
importaria num grande erro, pois era o partido conservador que possua a maioria da
Cmara que exprimiria o pensamento e a vontade da nao.561
O Dirio de Notcias562 recebeu a formao do gabinete com surpresa. Seu
redator-chefe, Ruy Barbosa, havia sido convidado para fazer parte do mesmo e recusara
sob a alegao que o Visconde de Ouro Preto no inclura o projeto da federao no seu
programa. No jornal, denunciava que os ministros militares que foram escolhidos no
faziam parte da lista original e que eles no representam nada nesse pas.563
A Gazeta da Tarde veio em defesa alegando que a nomeao de distintssimos
generais564 para as pastas da marinha e da guerra, atendia a uma antiga reivindicao
dos militares.
A derrubada do gabinete Joo Alfredo, marcou, porm, o retorno definitivo do
jornalista Jos do Patrocnio para o movimento republicano, que defendia antes da
abolio. Quando a dissoluo das Cmaras foi pedida por Joo Alfredo, ele colocou-se
ao lado do ministro, afirmando que seria esta o nico desfecho lgico para o atual
estado de coisas565 Ainda no dia 5 de maio, anunciava a formao de um novo
gabinete conservador, comandado por Vieira da Silva, o que definitivamente no veio a
acontecer.
A nomeao de um gabinete liberal foi para ele uma decepo, ainda mais sob o
comando de Ouro Preto, a quem tinha na conta de inimigo poltico desde o episdio da
Revolta do Vintm, de 1880.

558
Dirio de Notcias de 09/06/1889
559
Idem, de 10/06/1889
560
Idem, de 06/06/1889
561
Novidades de 07/06/1889
562
Dirio de Notcias de 08/06/1889
563
Idem de 09/06/1889
564
Gazeta da Tarde de 12/06/1889
565
Cidade do Rio de 31/05/1889
155

Atribuiu ao Conde dEu a nomeao dos ministros militares e que esta visaria a
chamar de novo as simpatias do exrcito para o trono,566 j que h anos a questo
militar colocava militares e governo em confronto. E que a influncia direta do palcio
na nomeao do novo ministrio se acentuava pela nomeao do baro de Loreto.
Patrocnio justificava sua mudana de posio, afirmando que nunca havia
prometido apoio cego e obstinado e acusava a Princesa de ter cruzado os braos
em relao manuteno do Gabinete de Joo Alfredo, alm de fornecer um de seus
ntimos para fazer parte do gabinete chefiado por Ouro Preto. Tributava a este ser o
chefe ostensivo da campanha de difamao dos seus [de Isabel] dedicados e leais
amigos.567 Afirma ainda que se ns tnhamos deveres com o isabelismo, este os tinha
iguais para conosco, e um deles era no afrontar a moralidade pblica com a
nomeao de semelhante ministrio568. Com isso Patrocnio acusa Isabel de uma dupla
traio: de no ter defendido Joo Alfredo e de ter corroborado com a nomeao de um
ministrio difamador e imoral.
No entanto, respondendo a uma provocao do jornal Gazeta de Notcias, ele de
alguma forma, ameniza sua contrariedade em relao a ela, afirmando que a pessoa
de Isabel a Redentora para ns sagrada, mas no nos julgamos obrigados a albardar
[sic] a desastrada orientao do palcio, criminosa poltica de mexericos e
favoritismos tributando a culpa da nomeao do novo gabinete a Pedro II e ao Conde
dEu, que entendem que os reis podem existir prescindindo do povo. 569
Ouro Preto apresentou seu programa que incluam reformas reclamadas h
tempos, como o Senado temporrio, mudana no Conselho de Estado, casamento laico,
liberdade de cultos, cdigo civil, incentivo imigrao, crdito lavoura e comrcio,
mas deixava de fora a Democracia Rural e o federalismo570.
Nomeado num momento em que a Cmara era majoritariamente conservadora,
Ouro Preto obteve do Imperador a sua dissoluo. Neste dia, Patrocnio escreveu em
seu jornal uma carta aberta para Pedro II na qual alertava que a manuteno da grande
propriedade o meio de empobrecer a lavoura e enfraquec-la politicamente. O recuo
do governo na inteno de se reformar a propriedade rural o empurrara definitivamente

566
Idem de 08/06/1889
567
Cidade do Rio de 10/06/1889
568
Idem de 13/06/1889
569
Idem, de 11/06/1889
570
ALONSO, op. cit, p.246
156

para o republicanismo, e o fez declarar seu arrependimento de haver acreditado que


h rei que ame o povo.571
Joaquim Nabuco, por seu turno, h tempos vinha se isolando do partido Liberal.
Desde o incio de janeiro deixara as pginas do O Pas, por divergncias com Quintino
Bocaiva, que dava ao jornal um carter eminentemente republicano, e que no ms de
maio seria nomeado o chefe supremo do Partido Republicano no pas572.
Na Cmara, contrariamente ao seu partido que reivindicava eleies, manteve-se
ao lado de Joo Alfredo, inclusive no episdio da questo Loyo, por considerar que
uma nova Cmara poderia dar nova fora aos indenizistas.573
Diante do programa apresentado por Ouro Preto, Nabuco manifestou-se em
discurso na Cmara, no dia 11 de junho, afirmando que a Monarquia, que ele julgava
benfica e popular, s poderia se sustentar atravs de reformas nacionais como a
Abolio. Para ele a Federao teria o mesmo carter. No entanto, ele via com
surpresa que o Partido liberal havia feito a renncia dela num momento em que j
teria sido aceita pelo Imperador.574
Dissolvida a Cmara, e sentindo-se isolado, Nabuco declarava que no seria
candidato e partia para o Prata. No entanto, mesmo ausente do pas, com apoio de seu
amigo Jos Mariano e de Joo Alfredo, ele seria reeleito deputado por Recife na
bancada de maioria Liberal eleita, e que tomaria posse no dia 20 de novembro de
1889.575
A no incluso do federalismo afastara Nabuco. A queda de Joo Alfredo e a
ausncia da reforma da propriedade rural afastara Patrocnio. Rebouas, entretanto, aps
a volta de Pedro II, recebera deste vrios e importantes encargos. Um deles, por
exemplo, foi a proposta de preparar um documento sobre arbitragem que resolvesse os
problemas de fronteira no sul do Imprio576. Outro foi a da organizao de um Cadastro
do Territrio Nacional, com a finalidade de se registrar as propriedades territoriais.
Apesar da agitao poltica e social, ele permaneceu envolvido com os projetos de
reformas.

571
Cidade do Rio de 17/06/1889
572
DEBES, op. cit, p. 264
573
ALONSO, op. cit, p. 238
574
Apud. VIANNA, Oliveira. O ocaso do Imprio. Rio de Janeiro: Jos Olympio Editora, 1959, p.103
575
ALONSO, op. cit., p.240
576
JUC, op. cit, p.127
157

Segundo registro no dirio de Rebouas, algum progresso chegou mesmo a ser


alcanado no sentido da reforma da propriedade territorial: a fundao de duas
companhias de fazendeiros, a Companhia Vitria e a Companhia D. Pedro Augusto,
ambas com o objetivo de venderem terras de sua propriedade para assentamento de
colonos. No final de agosto de 1889 ele anotava a elaborao de ttulos de propriedade,
alguns em carter provisrio e outros em carter definitivo.577 No ms seguinte registra
que preparava uma estimativa sobre o valor de lotes hipotecados aos bancos ou
oferecidos ao Governo, com a finalidade de oferecer terras a colonos brasileiros e
imigrantes.578
Curiosamente, porm, a Princesa demonstrava poder contar com a colaborao
dos trs abolicionistas no seu projeto de assentar libertos em terras prprias, j que ela
havia recebido recursos para colocar a idia em prtica,579 conforme a carta que
escreveu para o Visconde de Santa Vitria, j transcrita no captulo anterior.
Para a Monarquia, a nomeao de um gabinete liberal se mostraria, uma
tentativa infrutfera, 580diante da agitao poltica do momento.
No dia 15 de junho um incidente entre os estudantes de medicina e a Princesa
foi anotado por Andr Rebouas em seu dirio. Segundo ele, ao se encaminhar para a
Igreja da Candelria ela teria sido recebida pelos estudantes com gritos de Viva a
Repblica.581
Esse acirramento das posies contra os membros da Monarquia j vinha se
manifestando desde antes da nomeao do novo gabinete, o que havia levado o Conde
dEu a propor ao Imperador, no ms de maio, portanto ainda na administrao Joo
Alfredo, uma viagem ao norte do pas. Em carta condessa de Barral ele exps os
motivos do desejo de se ausentar da Corte:
As 4 hs viemos ao Palcio para jantar e em realidade para conversar com o
Mota Maia da viagem que desejo fazer ao Amazonas por estar farto de servir
aqui de bode expiatrio da imprensa e responsvel por tudo sem ter na
realidade nenhuma influncia. O presidente do conselho e o Imperador
aplaudiram esta idia, mas eu julguei que a Princesa faria bem se fizesse a

577
Dirio de Andr Rebouas de 1889, Fundao Joaquim Nabuco, AAR, anotao de 31/08/1889
578
Idem, anotao de 11/09/1889
579
SANTOS, Cludia. Liberdade com terra: a carta e seu tempo. in Revista Nossa Histria, ano 3, n
33, junho de 2006, p.70
580
NEVES. & MACHADO, op cit, p 441
581
Dirio de Andr Rebouas de 1889, Fundao Joaquim Nabuco, AAR, anotao de 16/06/1889
158

mesma viagem. Ao que Mota Maia se ops por causa do Imperador, de sorte
que foi necessrio renunciar [ idia de Isabel viajar tambm].582
Gasto mostrava ter retomado aqui sua velha estratgia de afastar-se para fugir
aos comentrios negativos da imprensa, conforme havia feito ao final do segundo
perodo regencial de Isabel, embora, naquela ocasio visasse proteg-la, j que era ela o
alvo preferido dos ataques da imprensa. Ao mesmo tempo, afast-lo da Corte e
promover sua visita a locais longnquos do pas poderia ser conveniente para a
Monarquia, tanto como forma de se poupar de crticas como meio de se fazer
representar nas provncias mais afastadas da Corte. A presena de Isabel junto ao pai,
alm de ser uma garantia em caso do Imperador apresentar problemas de sade, tambm
a afastava da propalada influncia de seu marido, o que poderia representar um dado
positivo no contexto poltico daquele momento. O novo gabinete que assumiu,
concordou com os planos da viagem, no havendo nem mesmo adiamento da data da
partida.
No creio que houvesse a inteno de se fazer uma propaganda do Terceiro
Reinado. A idia residia muito mais numa estratgia de afastamento da corte do vilo
do Imprio, funcionando ao mesmo tempo para marcar a presena da Monarquia nas
demais provncias, embora isso no esteja dito explicitamente em nenhum momento na
correspondncia consultada.
A viagem, no entanto, no teve a finalidade que Gasto de Orlans esperava, j
que Silva Jardim embarcou junto com ele, segundo o prncipe enfiando-se no navio na
ltima hora, sem mesmo ter seu bilhete de passagem.583
A convivncia dos dois a bordo foi satirizada pelo jornal Dirio de Notcias, que
dizia que o Conde dEu quis atirar Silva Jardim ao mar e que este teve mpetos de
mandar cortar a cabea do marido da Princesa.584 Na sua correspondncia para a
Condessa de Barral, entretanto, Gasto relata que se manteve isolado, descrevendo sua
estada na Bahia, onde teriam havido manifestaes contra ambos, como
angustiante.585

582
AHMIP AGP, XLII-7, carta de 14/05/1888
583
AHMIP AGP, XLII 7, carta de 16/06/1889
584
Dirio de Notcias de 17/06/1889
585
AHMIP AGP, XLII 7, carta de 16/06/1889
159

Em Recife, onde o Conde afirma ter sido recepcionado muito amavelmente,


finalmente, livrou-se de Silva Jardim, que segundo ele, ficou em companhia de alguns
amigos.586
Pouco depois da partida do Conde, no dia 14 de julho, a comemorao pelo
aniversrio da Revoluo Francesa organizada pelos republicanos acabaria em
pancadaria entre os manifestantes e a Guarda Negra. Patrocnio que afirmava que a
Guarda Negra havia sido instituda para defender a vida da Princesa Redentora que
pareceu ameaada quando a lei de 13 de maio respondeu o grito de guerra ao terceiro
reinado, considerou, neste momento, que ela havia se desviado do seu nobre e
generoso fim, pois nunca se lhe pediu que em nome de sua liberdade oprimisse a
liberdade alheia.587 Afirma que sua decadncia culpa do governo institudo pela
Monarquia,
porque a poltica de indenizao ou reparao sem reticncias vem dizer-nos
que confia mais na ao dos auxlios lavoura do que da singela grandeza da
lei que teria enfrentado para sempre a honra dos abolicionistas defesa da
coroa redentora588
J o Dirio de Notcia, ocupado, como outros jornais do perodo, numa
campanha contra os membros da famlia Imperial, publica:
O Imperador deve estar satisfeito com seus homens, o Conde dEu exultante
com seus liberais, a Princesa extasiada com os salvadores de sua herana e a
metrpole imperial desvanecida nesse quadro oficial da sua civilizao de
cacete e navalha.589
No dia seguinte ao conflito entre republicanos e a Guarda Negra, o Imperador
sofreria um atentado na sada do teatro de SantAnna: Segundo relata o jornal
Novidades,
Terminado o espetculo, o povo que enchia o teatro procurou as sadas. A
famlia imperial dirigiu-se para a porta (...) O povo encostado para os lados,
abria caminho a SS. MM., em silncio. (...) De um pequeno grupo de pessoas de
baixa classe partiu um grito estentrico (sic): "Viva o partido republicano". O
Imperador parou imediatamente. Comeou ento uma confuso extraordinria.

586
AHMIP AGP, XLII 7, carta de 21/06/1889
587
Cidade do Rio de 15 /07/1889
588
Idem de 17/06/1889
589
Dirio de Notcias de 15/07/1889
160

Grande nmero de pessoas prorrompeu em vivas ao Imperador, acercando-se


dele. Finalmente, pde S. M. tomar o carro, seguindo acompanhado do piquete,
que o guardava de espadas desembainhadas. Ao passar, porm, pela frente da
Maison Moderne, foram disparados trs tiros de revlver na direo do carro
que o conduzia. Asseguram-nos que um desses tiros quase alcanou o Sr. D.
Pedro Augusto. Felizmente S. M. o Imperador passou inclume (...)590
Os jornais deram grande destaque ao atentado, mas foram unnimes em
considerar que ele teria sido fruto de um ato isolado, perpetrado por um louco,
Adriano Augusto do Valle, preso pouco depois do acontecido, isentando o Partido
Republicano de culpa. No entanto, a Gazeta da Tarde v o acontecido como uma das
conseqncias da profunda anarquia que lavra nos espritos do Brasil, onde todas as
noes de direito, dever e liberdade acham-se completamente obliteradas.591
A verso apresentada pelo jornal Novidades est de acordo com o que Isabel
relata por carta ao marido, que se encontrava ausente, concordando esta tambm com a
opinio geral de que teria sido um caso isolado. Diz ela: Estamos consolados pela
convico de que este ato foi apenas um ato individual, reprovado com indignao por
todo mundo, por toda imprensa, no importa de que cor, e com expresses polidas
sendo todos bem justos.592
Um discurso que o Conde pronunciaria no Par, durante sua viagem e que
repetiria mais tarde em Recife, no qual afirmava que se fosse por vontade da opinio
pblica, a monarquia se afastaria, provocaria novamente polmica em alguns jornais da
Corte. No seu pronunciamento afirmara que
A monarquia brasileira no tem qualquer interesse prprio ou ambio
particular. Se se convencesse que a nao brasileira deseja dispensar os seus
servios, seria a primeira a no por obstculos vontade nacional e a
concorrer para a transformao que mais consentnea fosse aos interesses do
pas 593
Na carta que escreve para a Princesa, que tem um tom de verdadeiro desabafo,
ao contrrio da sua forma habitual de escrever, ele tenta explicar os motivos que o
levaram a fazer tal declarao:

590
Novidades de 15/07/1889
591
Gazeta da Tarde de 16/07/1889
592
AHMIP AGP, XLI-1, carta de 17/07/1889
593
Apud RANGEL. op. cit, p.383
161

Eis um discurso que pronunciei no Par e que te envio, sobre o qual os jornais
do Rio esto ocupados. Veja com o Dria [Baro de Loreto] se faz bem public-
lo todo ou em parte; ou se serve para dar explicaes imprensa. Tudo que eu
disse (...) foi por ter ocasio de responder s opinies recorrentes de que
apenas eu fao questo da conservao da monarquia e que estaria disposto a
recorrer para isto ao ferro e ao sangue. A experincia do perodo Joo Alfredo
me mostrou que no recomendvel a inrcia e o silncio em certas situaes e
por isso agora, em que no me ocupo de nada, que Silva Jardim est
empenhado de me tornar o bode expiatrio do imprio e de outro por me
atriburem a expedio para Mato Grosso594, o conflito de 30 de dezembro e
outras coisas que eu estava totalmente alheio. Pode-se objetar com vigor que eu
no tenho qualidade para falar em nome da monarquia. Mas, antes de mais
nada, no se pode me proibir, ou a qualquer outro, de exprimir opinies e
sentimentos na medida conveniente. Alm do mais, tudo o que eu disse sobre
poltica o que eu mesmo e outros ouvimos freqentemente do Imperador em
conversas, e eu quis indicar sob essa forma de observaes bastante vagas que
os sentimentos sobre estes pontos so tambm aqueles de toda famlia.595
Curiosamente, em resposta, Isabel escreve duas cartas na mesma data. Uma que
ela envia, e outra que ela prefere manter em seu poder, mostrando-a ao marido somente
quando este retorna de sua viagem, conforme anotao escrita por ele mesmo na prpria
carta. Nesta que ela prefere no enviar, d uma leve repreenso em Gasto sobre sua
declarao, colocando seu sentimento sobre o assunto. Diz ela:
Recebi ontem sua carta com o discurso do Par. Est perfeita e com efeito o
que pensamos todos. Os telegramas de ontem dizem que voc pronunciou em
Pernambuco um outro e vejo que possui o mesmo sentido, exceto pelo
telegrama do [Jornal do] Comrcio que acrescenta que a famlia se retiraria
dessa terra, o que j provocou uma reflexo do Cidade do Rio entre muitos
outros. Eu sei bem que caso de d uma outra forma de governo ns seramos

594
O Conde dEu refere-se ao episdio do afastamento do Marechal Deodoro da Fonseca para Mato
Grosso sob a alegao de que havia a necessidade de uma expedio militar de observao em virtude da
questo de limites entre Paraguai e Bolvia que ameaava levar esses dois pases Guerra. Segundo
Heitor Lyra, isto teria sido uma estratgia engendrada por Joo Alfredo que desta forma tiraria faco
indisciplinada do exrcito um de seus mais dceis instrumentos LYRA, Heitor. Histria de Dom Pedro
II (1825-1891). Rio de Janeiro: Editora Nacional, 3 volume, 1940, p.156
595
AHMIP AGP, XLII-5, carta de 14/08/1889
162

talvez forosamente obrigados a partir, mas no gosto de diz-lo. Eu sou ligada


ao pas, eu nasci nele e tudo me lembra 43 anos de felicidade!
Voc disse, talvez, que a famlia se retiraria, o que no a mesma coisa. Enfim,
meu querido, eu no fao nenhuma censura. Como, no entanto, todas essas
notcias comeam a causar uma certa sensao, vou mostrar hoje ao Dria sua
carta e seu discurso. Voc fez bem em envi-lo para mim. Naquele do Par no
h nada de retirar-se da terra [todos os grifos esto no original] e no h
nenhuma hiptese sobre isso, o que ainda melhor.596
A repreenso de Isabel refere-se expresso dessa terra, que os jornais
afirmavam fazer parte do discurso proferido por Gasto em Pernambuco. Fica evidente
que retirar-se do Brasil no fazia parte dos desejos da Princesa, embora ela no
descartasse a possibilidade de ser obrigada a tal ato caso a Repblica se concretizasse.
Outro fato que chama a ateno a expresso voc fez bem em envi-lo para mim, o
que denota que ela aceitava tranqilamente a transferncia da responsabilidade de
resolver a polmica perante a opinio pblica.
No h uma explicao para o no envio desta carta. Toda essa parte aqui
transcrita no constava da carta realmente remetida. Podemos apenas especular que ela
talvez no quisesse aborrecer o marido com suas palavras, ou mesmo evitar que esta
pequena repreenso casse em mos alheias. Ou ainda, o que mais provvel, pelo fato
de que este incidente no teve prolongamentos explorados pela imprensa, conforme ela
informa na carta efetivamente enviada: Dria decidiu que no vai publicar nada j
que os principais jornais no fizeram polmica.597
Oliveira Vianna afirma que o ambiente no pas no era universalmente
republicano, que este sentimento no era generalizado. Haveria muito mais um
sentimento de descrena nas instituies monrquicas do que uma crena na Repblica,
e que isto seria uma caracterstica, sobretudo, dos centros do governo.598 Seja como for,
esse sentimento de abandono da f nas instituies monrquicas dava-se principalmente
na Corte, e isto pode ser sentido claramente na carta que o Conde dEu relata, para a
Condessa de Barral, sua chegada ao Rio:
Tambm fiquei abatido, aps as ovaes nas provncias, por ver a extrema
indiferena na populao do Rio com meu desembarque. Nunca, ao que eu me
596
AHMIP AGP, XLI-1, carta de 21/08/1889 (no enviada)
597
AHMIP AGP, XLI-1, carta de 21/08/1889 (enviada)
598
VIANNA, op. cit, pp. 96-97
163

lembre, vi o Arsenal to vazio numa ocasio do gnero e eu me senti totalmente


desconcertado.599
Da para frente, os jornais, em sua maioria, cada vez mais inclinados
implantao da Repblica, vo se ocupar de intensificar os ataques ao governo e
famlia imperial. Segundo Boehrer, um partido republicano precisa atacar no
somente o regime, como tambm o monarca e sua famlia,600 e no Brasil isto foi feito
com primor. As imagens de Pedro II como um velho decrpito que no tem mais
vontade prpria, de Isabel como uma herdeira ftil, fantica religiosa, pouco inteligente
e de seu marido como um homem estrangeiro, pouco confivel, avarento, ambicioso e
impopular foram cada vez mais explorados nos jornais republicanos.
No dia 15 de outubro de 1889, os prncipes herdeiros comemoravam suas bodas
de prata. Embora muitos jornais, como o Gazeta da Tarde e O Pas, ofeream
cumprimentos ao casal e noticiem a festa oferecida em comemorao da data, desta
forma que vai se pronunciar o jornal republicano Correio do Povo:
(...) verificou-se mais uma vez que politicamente o terceiro reinado acha-se
perdido. (...) O conde dEu e a princesa Isabel tiveram em seus sales apenas o
pessoal antigo e habitu (...). As bodas de prata passaram pelas camadas
populares to despercebidas e to indiferentes que a concluso nica(..) no
pode ser outra que no acentue a antipatia e o desgostos que lhes causam os
prncipes herdeiros. Nem uma s comisso popular apareceu no palcio
Guanabara601. Os presentes oferecidos foram insignificantes e ridculos. Sua
alteza o Conde dEu teve o cuidado de pes-los e medi-los para saber em
quanto poderia montar o seu produto(...) O ilustre prncipe consorte s se deixa
seduzir e arrastar pelo valor real, que agrada e satisfaz sua cobia602
Ao verificar o teor deste artigo, embora considerando que esteja contido num
rgo de propaganda republicana, impossvel no fazer uma comparao com as
notcias publicadas 25 anos antes por ocasio do casamento de Isabel e constatar a
imensa mudana de tratamento dispensado ao casal por parte da imprensa.

3.2 - O 15 DE NOVEMBRO
599
AHMIP AGP, XLII-7, carta de 16/09/1889
600
BOEHRER, George C. A., Da Monarquia Repblica: Histria do Partido Republicano do Brasil
(1870-1889), Ministrio da Educao e Cultura, 1954, p.241
601
Correio do Povo de 17/10/1889
602
Idem de 24/10/1889
164

O grande embate entre Monarquia e a Repblica era esperado para aps a morte
de Pedro II. Podemos dizer que havia quase um consenso sobre isso, que pode ser
verificado tanto pelas palavras do Conde dEu, aqui j transcritas, como por vrias
manifestaes oriundas de diferentes cantos do pas.
A idia de findar-se a monarquia com a morte do imperador j aparecera no
municpio de So Borja, no Rio Grande do Sul, em janeiro de 1888, encontrando eco
em todo o pas. A Cmara Municipal daquela cidade havia pedido que se consultasse a
nao sobre a destituio da monarquia pela morte de D. Pedro II, visto a herdeira do
trono ser uma princesa fantica, casada com um prncipe estrangeiro.603 Da mesma
forma, a idia aparecia na Ata de Instalao do Clube Republicano 21 de Abril, em
SantAnna de S. Joo Acima, publicada no Dirio de Notcias, que convidava os scios
para trabalhar com afinco para opor-se ao terceiro reinado e para que, por morte do
atual Imperador, o povo se levante em massa, impondo o governo republicano
federativo.604 Ou ento, nas ameaas contidas no jornal republicano Correio do Povo:
trabalho perdido o esforo dos instrumentos da monarquia em pretender um
terceiro reinado. O segundo j tolerado. O terceiro no nascer.605
A Repblica parecia ter um momento certo para nascer, no importa se de forma
consensual, atravs de plebiscito ou atravs de uma revoluo. E no parecia haver
dvida de que a mudana de regime aconteceria, sobretudo entre os membros da elite
poltica e intelectual do pas.
No incio de novembro, no entanto, um novo captulo da questo militar viria a
precipitar os acontecimentos. Ao longo da segunda metade do sculo XIX,
transformaes haviam surgido nas relaes entre o Exrcito e o Imprio. No Brasil, as
foras sociais dominantes no haviam desenvolvido tradies militares de peso. A
emergncia do crescimento do Exrcito durante a guerra do Paraguai contribuiu para
que a oficialidade do Imprio fosse formada por elementos oriundos de outras camadas
sociais. Neste perodo final da monarquia, a maior parte dos oficiais era formada por
filhos de oficiais ou de funcionrios burocratas, o que reforaria a autonomia, e a
solidariedade de interesses deste grupo frente aos segmentos sociais dominantes. 606
603
SODR, op. cit. p.274
604
Dirio de Notcias do dia 2/05/1889
605
Correio do Povo de 22/10/1889
606
FRAGOSO, Joo Lus e SILVA, Francisco Carlos Teixeira da Silva. A Poltica no Imprio e no incio
da repblica velha: dos bares aos coronis. in LINHARES, Maria Yedda (org). Histria Geral do
165

Alm disso, a formao desses oficiais, obtida na Academia Militar,


proporcionava um nvel de instruo melhor do que o das faculdades civis, que
resultava numa boa competncia, tanto no trato de questes tericas, como dos
problemas brasileiros. A forte influncia do positivismo dentro da Academia Militar, a
partir dos anos 1870, contribuiria para a republicanizao dos oficiais mais jovens.
Benjamin Constant, professor da Academia Militar desde 1873 seria o grande
propagador da idia republicana entre seus membros. O resultado deste quadro foi o
surgimento, nestes ltimos tempos do Imprio da idia do soldado cidado, atravs
da qual se reivindicava os direitos de reunio e livre-manifestao.607
No final do ms de outubro, por ocasio da visita de militares chilenos Escola
Militar da Praia Vermelha, Benjamin Constant pronunciaria um violento discurso contra
o gabinete Ouro Preto e contra a Monarquia, afirmando que em funo dos desmandos
e abusos dos poderes pblicos, atentatrios aos brios e direitos do Exrcito, cabia a
este reagir, at mesmo se preciso fosse, na praa pblica.608
Como conseqncia desse discurso, Ouro Preto demitiu o general Miranda Reis
comandante da Escola Superior de Guerra por no ter castigado como deveria o oficial
indisciplinado, Benjamin Constant. Alm disso, organizou um conselho de lentes
para julg-lo e puni-lo, no que teria sido desaconselhado pelo prprio Imperador.609
Os jornais republicanos, que sempre procuravam explorar as questes que
envolviam os militares comearam a se ocupar da insatisfao do Exrcito diante do
acontecido. Os republicanos j estavam conquistando para seus quadros os descontentes
da aristocracia rural, que at ento formara uma das bases de sustentao da Monarquia.
Faltava a outra, que eram as Foras Armadas, e no perdiam a oportunidade de atra-las
para junto de si. A idia de se aceitar uma ditadura militar no lugar de umaditadura
monrquica era francamente defendida por eles como podemos ver pelo artigo A
ditadura Militar e a Repblica publicado no Dirio de Notcias em maio de 1889,
ainda sob o gabinete Joo Alfredo:
Dizem que ns, os republicanos, queremos a ditadura militar. (...) E no
existe a ditadura monrquica? (...) Tenha o nome que tiver, o general que
dirigir a campanha revolucionria, para mim, este primeiro patriota

Brasil. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990, pp 188-189


607
Idem, p.190
608
Apud NEVES & MACHADO, op. cit, p.442
609
VIANNA, op. cit, p. 169
166

brasileiro; eu o aceito como chefe de estado, independente de consulta, na


primeira poca de transio. (...) Eu aceito a ditadura militar.610
Vendo uma nova e boa oportunidade de ganhar espao diante do acirramento da
questo militar, no incio de novembro, os republicanos do Rio de Janeiro haviam
convocado os principais articulistas do Partido Republicano Paulista, dirigido na
ocasio por Campos Salles, para vir para a Corte, ajud-los na organizao do
movimento.611
Uma srie de boatos comearam a ser espalhados atravs da imprensa. O jornal
Dirio de Notcias612 acusava o governo de querer condenar e dissolver o exrcito. No
dia seguinte, o jornal O Pas613 que atribua inteno do terceiro reinado em
desmembrar o exrcito, transferindo seus batalhes da Corte para as provncias,
substituindo-o, na capital do Imprio, pela Guarda Nacional. No dia 14, assim
escreveria o Cidade do Rio:
O governo j no pode esconder o seu plano sinistro de anular o exrcito pela
disperso (...) diplomaticamente urdida pela transferncia do 22 e 23
batalhes de infantaria. (...). O governo se julga com o direito de por e dispor
do exrcito discricionariamente, como outrora o senhor dispunha de escravos
(...). O exrcito no pode saber para onde vai. Desde que o governo lhe der
ordem de marchar, ele obrigado a seguir. J tardava que o clericanismo do
Sr. Conde dEu irrompesse na administrao civil e militar.614
Patrocnio aproveitava para incluir o Conde dEu nas crticas aos desmandos do
exrcito.
Outros boatos davam conta tambm de que Ouro Preto desconsiderara o
Exrcito, deixando de convidar seus membros para o baile da Ilha Fiscal que
aconteceria no dia 11 de novembro, e que destratara Deodoro quando este retornara de
Mato Grosso no ms de setembro.615
Neste mesmo dia 11, Rui Barbosa, Aristides Lobo, Benjamim Constant e
Quintino Bocaiva, entre outros, haviam conseguiriam a adeso do Marechal Deodoro

610
Dirio de Notcias de 21/05/1889
611
DEBES, op. cit, p.283
612
Idem de 9/11/1889
613
O Pas de 10/11/1889
614
Cidade do Rio de 14/11/1889
615
VIANNA, op. cit, p. 171
167

ao movimento republicano, conquanto este tenha relutado nessa mudana, devido a sua
amizade com D.Pedro II.616
Por outro lado, embora apreensiva quanto situao poltica do pas, a Famlia
Imperial continuava sua rotina sem sobressaltos maiores. Nas cartas que o Conde dEu
escreve para a Condessa de Barral no incio do ms de novembro, datadas de 11 e 13 de
novembro, narra os afazeres normais da famlia, contando os problemas de sade dos
filhos, das pessoas que encontrou no Baile da Ilha Fiscal, das andanas do Imperador
para assistir aos exames no colgio Pedro II e dos preparativos de Isabel para a recepo
que ela e o marido ofereceriam aos militares chilenos no dia 16 de novembro. Somente
na carta que escreve j a bordo do navio Alagoas, em viagem para o exlio que vai
fazer referncia sobre a sedio dos militares617.
Tanto o Conde dEu, como Isabel escreveram a caminho do exlio. O Conde, a
carta para Barral, a Princesa um depoimento ao qual d o ttulo de Opinio de papai e
nossas, mas que no fundo traz as opinies dela prpria. A carta de Gasto de Orlans
uma narrativa que obedece a cronologia dos acontecimentos, com riqueza de detalhes,
escrita de forma aparentemente tranqila e lgica. O depoimento de Isabel tambm
uma narrativa dos acontecimentos, mas feito por partes, aparentemente escrito no calor
de suas emoes, contendo momentos de desabafo e de lamento. E ambas sero usadas
como fonte de anlise.
Na noite do dia 14 de novembro, novos boatos sobre a possvel decretao da
priso de Deodoro e de Benjamin Constant, aliado a um suposto plano de transferncia
de batalhes para as provncias colocara, os militares em alerta.
Na manh do dia 15, comandado por Deodoro um batalho seguiu para o
Ministrio da Guerra, conseguindo a adeso de tropas governistas.618O ministrio foi
destitudo e Ouro Preto, detido.
Na manh do dia 15, tambm, o Conde dEu dava um passeio a cavalo com seus
filhos Pedro e Antnio por Botafogo, enquanto Isabel colocava a casa em ordem para a
recepo aos chilenos. Na volta, ao chegar em casa, conforme escreve para a Condessa
de Barral, ao percorrer todos os jornais (que so agora sete) no encontrei nada, a
no ser no Dirio do Comrcio (no o Jornal) a meno de que havia algum temor de

616
NEVES e MACHADO, op. cit., p.443
617
Estas trs cartas, j traduzidas, foram publicadas no livro de Hlio Silva, 1889: A repblica no
esperou o amanhecer, j citado, e sero a elas a que irei me referir neste sub-captulo.
618
NEVES & MACHADO, op. cit, p. 444
168

sedio na Escola Militar porque os ministros ficaram reunidos at tarde da noite no


Ministrio da Guerra.619 Mas logo os prncipes seriam informados da revolta militar
por amigos que acorriam sua residncia.
As notcias eram desencontradas, e para Isabel exageradas. ela quem relata:
O Miguel Lisboa620 ofereceu-se ento para ir ao prprio Campo da Aclamao saber
o que havia. Da voltou dizendo que o Ministrio estava sitiado no Quartel e o Ladrio
dado como morto (...). Tambm nos informaram que o Deodoro tinha a seu lado o
Bocayuva e o Benjamin Constant e que declarara um Governo Provisrio.621
Embora a historiografia de modo geral considere que no havia um consenso
entre os militares pela implantao da Repblica neste momento, a oportunidade havia
acontecido. A adeso de Deodoro e a unio entre os republicanos civis e os militares
deram ensejo ao golpe. Alguns republicanos, entre eles Jos do Patrocnio, aproveitando
a ocasio, entraram na Cmara de Vereadores do Rio de Janeiro e elaboraram uma
moo popular, na qual exigiam a queda do Imprio e a conseqente Proclamao da
Repblica, o que foi feito.
Diante das notcias, o Conde dEu julgou acabada a Monarquia, mas a princesa,
segundo suas palavras, ainda iludida, achou que a afirmao do marido era
pessimismo. A princpio ela no quis sair do palcio Isabel, pois ponderou, que talvez
no sendo as coisas como se diziam, no viessem mais tarde acusar-me de medo, de
que, alis, nunca dei provas. 622
Como pode ser sentida nos comentrios acima, a reao dos prncipes foi
diferente a princpio. Gasto, na sua forma mais isenta e seca de analisar as situaes da
poltica, via que chegava ao fim os dias da Monarquia no Brasil. A Princesa, no entanto,
ainda alimentava esperanas de que situao pudesse ser revertida.
Rebouas e Taunay apareceram na residncia de Isabel e Gasto com um plano
de resistncia, sugerindo que o Imperador se mantivesse em Petrpolis, convocando
para l os personagens importantes do Imprio, para organizar um governo que fizesse
frente insurreio. Em seu dirio, nas anotaes referentes ao dia 15 de novembro
Rebouas faz, como de hbito, um registro cronolgico do seu dia. Atravs dele,
podemos deduzir que ele havia descido de Petrpolis para o Rio de Janeiro sem ter

619
SILVA, op. cit, p. 350
620
Miguel Lisboa, amigo do casal, era Capito de Fragata, e filho do baro de Japur
621
AHMIP Arquivo POB doc. 9413 Depoimento escrito a bordo do navio Alagoas
622
Idem.
169

nenhum conhecimento do que se passava, pois apenas quando chegou praa Mau
recebeu a notcia de um motim militar na praa da Aclamao. Ao chegar Escola
Politcnica encontrou-a invadida por Silva Jardim e outros republicanos. Dirigindo-se
sede do jornal Cidade do Rio, presenciou o desfile da artilharia pela Rua do Ouvidor
com Deodoro a frente. Imediatamente dirigiu-se para o Senado com Taunay para armar
uma contra-revoluo, indo a seguir comunic-la Isabel e Gasto.623
A sugesto foi aceita e, imediatamente, eles fizeram partir seus filhos para
Petrpolis, onde supunham estar o Imperador. Rebouas acompanhou as crianas para
explicar a Pedro II o plano de resistncia, j que havia dificuldades na comunicao por
telgrafo.
Mas, pouco depois da partida de seus filhos, Isabel e Gasto foram informados
por Mota Maia que seu pai havia descido para a Corte. E foram encontr-lo j chegando
ao Pao Imperial.
A Princesa demonstra em seu depoimento arrependimento por no ter seguido
para Petrpolis com uma frase, colocada por ela entre aspas, logo na abertura do seu
texto. Diz o seguinte: Se soubesse exatamente como as coisas se achavam, teria
ficado em Petrpolis depois de onde ter-me-ia internado mais e mais se fosse
necessrio624, o que refora sua idia em resistir.
Ambos os depoimentos relatam a inrcia e a resistncia do Imperador em aceitar
a demisso do gabinete e a revolta dos militares. O Conde descreve com mais detalhes o
dilogo havido entre eles.
A primeira fala do imperador : -Minha opinio de dissolver os
batalhes. - fcil falar repliquei-lhe, mas como Vossa Alteza quer
dissolver corpos que pegaram em armas contra Vossa Alteza? preciso
primeiro que Vossa Alteza constitua um governo, j que o precedente est
demissionrio
Mas eu no aceito essas demisses
Mas os ministros so prisioneiros dos insurrectos: como Vossa Alteza quer
que eles continuem a governar?
Mas sim! Ouro Preto vir falar comigo.625

623
Dirio de Andr Rebouas de 1889 Fundao Joaquim Nabuco AAR anotao do dia 04/05/1889
624
AHMIP Arquivo POB doc. 9413
625
SILVA, op. cit, p. 352
170

A deteno de Ouro Preto no durou muito e ele realmente apareceu no Pao


para uma reunio a portas trancadas com o Imperador. Nesta reunio Ouro Preto sugeriu
que se mandasse chamar Silveira Martins, que naquele momento se encontrava no Rio
Grande do Sul, a pelo menos quatro dias de viagem, para que este formasse o novo
ministrio. Com apoio de Isabel, o Conde ponderou com o Imperador pela inadequao
da escolha.
- Como quer Vossa Alteza que fiquemos trs dias sem governo nas
circunstncias em que nos encontramos?
Eles vo esperar
Mas dizem que o governo provisrio j foi constitudo, composto de Deodoro,
Bocaiva e Benjamin Constant. Amanh de manh, se no esta noite mesmo,
veremos suas proclamaes afixadas.
Ta, ta, ta (no foi essa a expresso usada, mas foi nesse sentido).
Eu continuo tendo o apoio da princesa: - Mas convoque ao menos o Conselho
de Estado para ajud-lo
Mais tarde.626
Isabel faz em seu depoimento uma dura crtica a Ouro Preto culpando-o tanto
pela total inadequao da escolha de Silveira Martins para que este formasse o novo
gabinete, como por ter chamado o Imperador para que descesse de Petrpolis:
Papai diz, provavelmente para no aumentar a culpa, que o Ouro Preto no o
chamou ao Rio, mas que pensou com sua presena tudo serenar, e portanto no
duvidou em descer para o foco, onde estaria mais perto dos acontecimentos e
mais depressa poderia providenciar. Diz Papai tambm que foi ele quem se
lembrou do Silveira Martins para suceder Ouro Preto. Em todos os casos como
que o Ouro Preto no o dissuadiu disso?
Alm de que contrrio ao seu costume deixar de seguir o parecer do
Presidente do Conselho que se demite, por coisas que ouvi creio que foi o Ouro
Preto quem indicou o Silveira Martins assim como foi ele quem chamou papai
de Petrpolis. Ambas as idias foram desacertadas!627
Isabel e Gasto no conseguiram fazer com que o Imperador tomasse nenhuma
atitude naquele momento. Na hora do jantar, mais uma vez, eles tentaram obter a
autorizao para convocar o Conselho de Estado. Diante de nova negativa, resolveram
626
SILVA, op. cit, p. 352
627
AHMIP Arquivo POB doc. 9413
171

eles mesmos tomar a iniciativa e pediram que Tosta628 emitisse uma circular para que
comparecessem ao Pao os 17 conselheiros que se achavam na Corte: S.A. a princesa
imperial me encarrega a rogar a V. E. queira com a maior brevidade comparecer no
Imperial Pao da Cidade onde se acha S.M. o Imperador629
Segundo o Conde dEu, os Conselheiros de Estado compareceram em bom
nmero ao Pao e os conselheiros Taunay e Saraiva asseguraram ao Imperador que
ficasse tranqilo, que o caso no duraria muito!. Apesar da discordncia de Isabel,
Taunay resolveu levar adiante a idia de se colocar em contato direto com Deodoro,. Os
conselheiros Dantas e Correia, representando cada um seu partido, foram encarregados
dessa misso, mas no encontram Deodoro em casa.
Somente tarde da noite, aps insistentes splicas de Isabel, o Imperador
concedeu presidir a reunio do Conselho. o Conde que narra:
A solenidade do momento e a hora avanada faziam com que as vozes fossem
ainda mais baixas do que o costume, de modo que no ouvi uma slaba sequer.
Mas a princesa me disse, e os jornais o repetiram no dia seguinte, que a opinio
unnime foi a de que o Imperador devia constituir mais rpido possvel um
novo ministrio. O Imperador, depois de alguns instantes de reflexo, declarou
que confiava essa misso a Saraiva! Foi Paranagu que se encarregou de
voltar a p (j que o plano inclinado no funcionava mais a essa hora) a S.
Teresa, pela terceira vez no dia, para acordar Saraiva e cham-lo.
Uma outra mensagem foi escrita por Saraiva e enviada para Deodoro. De acordo
com o Conde dEu, os conselheiros se retiraram, o Imperador foi deitar, mas Isabel
resolveu permanecer acordada aguardando a resposta. E ela chegou as 3 hs da manh.
Narra o Conde:
Deodoro o recebera [ao mensageiro Major Trompowski] na cama e declarara
que no tinha resposta nenhuma a dar porque a repblica estava absolutamente
decidida. Ele acrescentou vrias outras coisas que no ouvi; a princesa me
disse apenas que Deodoro havia se queixado muito de mim, me considerando o
autor da opresso do exrcito, suposio inteiramente errnea contra a qual
protestei imediatamente em voz alta.
Na manh seguinte foram trazidos ao Pao os jornais que anunciavam a
Proclamao da Repblica. Para os membros da famlia Imperial a proclamao da
628
Manuel Vieira Tosta Filho, Baro de Muritiba
629
SILVA, op. cit, p. 352
172

Repblica estava comunicada, mas a situao deles ainda era totalmente indefinida.
Durante a manh o Pao foi cercado por militares da cavalaria, mas ainda era permitido
s pessoas circularem livremente para dentro e fora do prdio. Somente por volta das 10
horas veio uma ordem para que ningum mais entrasse ou sasse de l. Isabel descreve:
No dia 16 de manh ainda entravam e saiam pessoas do Palcio, mas os
guardas aumentam e no havia mais meio que se reunissem grupos roda do
Pao. Constantemente ouviam-se correrias de cavalaria em torno para espalhar
a gente. Pelas 10 horas j ningum podia penetrar, nem mesmo Senhoras.
Vimos por vezes, ainda que pouco chegssemos s janelas, alguns conhecidos
que de longe nos cumprimentavam. Que horrvel dia! Meu Deus!630
O Visconde e a Viscondessa de Carapebus, que conseguiram penetrar no Pao
por uma passagem secreta, trouxeram os rumores de que a famlia imperial seria
embarcada e exilada, sugerindo que eles tentassem negociar com os chilenos para pedir
que fossem levados ao seu encouraado fundeado em frente ao palcio. O Imperador
rejeitou a idia, mas Isabel e Gasto autorizaram seus amigos a tentar falar com o
Ministro do Chile.
A tarde, segundo relato do Gasto e de Isabel, uma comisso chegava ao
palcio. Descreve o Conde:
Enfim, s 3h apareceu um esquadro de cavalaria, todos vestidos de gala! O
major que o comandava e trs oficiais subalternos subiram a escada e pediram
para falar com o imperador, sendo imediatamente introduzidos no salo onde
todo mundo estava reunido na ocasio; e, aps os cumprimentos, o major
entregou ao imperador um papel grande, perguntando se Sua Majestade
desejava responder naquele instante. Como o imperador disse que no, os
oficiais se retiraram, com saudaes. O imperador, sem nada comunicar a sua
famlia, levou Doria a um canto, para com ele, tomar conhecimento do
contedo deste factum, e ento disse em voz alta que era uma ordem para
deixar o pas em 24 horas, e que ele estava pronto para partir aquela noite
mesmo. A imperatriz se deixou cair sobre uma poltrona enquanto ouvamos
gritos nervosos de uma de suas camareiras, e enquanto Isabel e quase todas as
damas se puseram a chorar. Doria se ps a redigir a resposta a ser dada pelo

630
AHMIP Arquivo POB doc. 9413
173

imperador, copiada e assinada por sua mo. No mesmo instante o cordo de


sentinelas foi retirado.631
No depoimento de Isabel, ela acrescenta:
Dizer o que se passou em nosso corao no possvel! A idia de deixar os
amigos, o pas, tanta coisa que amo e que me lembra mil felicidades que gozei,
fez-me romper em soluos!! Nem por um momento, porm, desejei uma menor
felicidade para minha ptria, mas o golpe foi duro!632
Da para a frente, o que restou ao casal foi tomar providncias para que objetos
pessoais fossem trazidos para serem levados com eles para o exlio na Europa,
encarregar amigos de cuidar de seus negcios, escrever cartas de despedida e enfrentar a
angustia de esperar que seus filhos fossem trazidos de Petrpolis para reunir-se famlia
antes do embarque. Mas tal no aconteceu, pois a famlia foi instada a embarcar durante
a madrugada pois, segundo palavras do conde dEu, temiam-se demonstraes da
populao em favor do imperador no momento do embarque, que os estudantes se
armaram (com fuzis e metralhadoras para se opor a essas manifestaes. E Lassance
acrescenta sotto voce" que ouviu rumores sobre o assassinato do imperador). 633
Todos acabaram concordando com o embarque para evitar possveis conflitos e
derramamento de sangue.
Os meninos s chegaram no dia seguinte, quando todos j estavam reunidos a
bordo do Parnaba, que os levaria ao navio Alagoas, atracado um pouco mais distante. E
junto com eles vinha Rebouas, que se decidiu pelo auto-exlio juntamente com a
famlia Imperial, alegando que os republicanos atuais no tm nada em comum com a
repblica com a qual ele prprio sonhara havia j alguns anos.634
Como podemos ver pelos relatos, embora a famlia Imperial contasse com a
possibilidade do advento da Repblica, e com a possvel deciso em exil-la do pais,
eles foram pegos totalmente de surpresa pelo golpe acontecido. Mas a idia de que no
tentaram reagir no verdadeira. fato que houve inrcia por parte do Imperador, mas
no de parte dos prncipes herdeiros. Auxiliados por amigos, a resistncia ao golpe foi
pensada, mas no houve meios de coloc-la em prtica. A prpria Isabel, em seu
depoimento, embora culpe a inabilidade de Ouro Preto pelo desfecho da revolta dos

631
SILVA, op. cit, p. 355
632
AHMIP Arquivo POB doc. 9413
633
SILVA, op. cit, p.357
634
Idem, p.359
174

militares, se questiona se com outras medidas teria se evitado o fim do Imprio. E


acrescenta: Uma vez que a fora armada toda [grifo no original] estava do lado dos
insurgentes, todos ns, nem ningum poderia fazer seno o que fizemos.
Dos amigos Rebouas, Nabuco e Patrocnio, que Isabel pensava poder contar
para a mudanas que tinha em mente635 durante o seu reinado, apenas o primeiro
permaneceu ao seu lado nestas ltimas horas difceis, partindo para o exlio com a
famlia Imperial por vontade prpria. Segundo Joselice Juc, faltou-lhe a perspectiva
histrica do momento que vivia, tendo subestimado os efeitos da propaganda das
reformas que ele prprio defendia. Como conseqncia, atribuiu abolio o peso
maior no processo de destruio da monarquia, no percebendo que a mais sria
divergncia, entre aqueles que antes apoiavam o Imprio, encontrava-se na questo da
distribuio de terras atravs da reforma agrria.636
Nabuco soube da sedio militar em Paquet, onde havia ido morar depois de
seu casamento, acontecido apenas poucos meses antes. E segundo sua bigrafa Angela
Alonso, l ficou meio prostrado. Quando chegou cidade, j encontrou expatriada a
famlia Imperial.
Nabuco no ficou muito tempo no pas. Em setembro do ano seguinte partiu para
um exlio voluntrio em Londres. Anos mais tarde, anotaria em seu dirio que a queda
da monarquia deveu-se ao fato dela no ter aproveitado o entusiasmo democrtico que
forou a abolio. Diz ele:
a poltica da monarquia devia, depois da abolio, ser outra, era preciso dar
corda a esse entusiasmo, em vez de querer cont-lo subitamente, deix-lo
gastar-se. O erro de Lus XVI, depois de ter acompanhado o movimento, foi
pensar em par-lo muito depressa. Nada importava o expediente de contentar a
lavoura, se se [sic] tivesse tambm pensado em encaminhar a onda
democrtica.637
Patrocnio, por seu turno, participou ativamente do 15 de novembro.
Acompanhado de uma multido, seguiu para a Cmara Municipal a fim de elaborar uma
moo na qual buscava estabelecer garantias de liberdade e justia no novo regime,
obtendo nela a assinatura das autoridades civis e militares responsveis pelo golpe.

635
Carta de Isabel ao Visconde de Santa Vitria (apud Revista Nossa Histria, Ano 3/n 31, maio de
2006, pp. 69-72), j transcrita no captulo anterior
636
JUC, op. cit, pp. 134- 136
637
NABUCO, op. cit 2007, anotao de 03/01/1893
175

Segundo Iram Rubem, com isso Patrocnio visava tambm dotar a Repblica de uma
feio civilista.638 Em virtude de sua participao no episdio, Patrocnio concedeu a si
prprio o ttulo de Proclamador Civil da Repblica.
Nas pginas do jornal, justificando o exlio do Imperador, afirmava que:
Visitaram-no amigos, acompanharam-no afeioados. Mas no houve ningum que
francamente tomasse o seu partido e julgasse injusta a sublevao do pas.639
Mas o projeto de repblica vencedor, formado por uma coalizo entre
reformistas da gerao de 70, ligados ao Partido Republicano, e militares640, o deixou
de fora da festa. Para os republicanos ele seria eternamente o isabelista cujo momento
de glria deveria restringir-se abolio.641 Outro que foi deixado de fora desta
Repblica foi Silva Jardim, o grande propagador de sua idia, por ser demasiadamente
jacobino.
A essa Repblica, dou aqui o nome de repblica dos jornais. Foi atravs deles
que a idia republicana se espalhou. Foram alguns de seus principais articulistas que
prepararam o golpe. E foram eles que formaram o primeiro ministrio republicano. Nele
estavam figuras como as de Ruy Barbosa, Quintino Bocaiva, Campos Salles e
Aristides Lobo, entre outros.
Foram eles tambm que trataram rapidamente de construir a representao de
uma Repblica aceita sem contestaes, como no exemplo retirado aqui da Gazeta da
Tarde: A nova forma de governo pode-se dizer que foi aceita quase unanimemente,
pois nos ltimos momentos da monarquia, os que lhe pareciam mais dedicados
mostraram preferir a ptria a tudo.642
E tambm de reforarem a representao negativa construda para a herdeira do
trono, para que no houvesse a possibilidade de um retorno monarquia na existncia
do Terceiro Reinado:
No meio do turbilho das ltimas lutas, no meio de todos os debates dos
ltimos dias, foi notvel que no se tivesse ouvido discutir os direitos da ex-

638
RUBEM, Iram. Entre o Turbulo e o Punhal, o verbo da utopia - A trajetria sinuosa de Jos do
Patrocnio, do Imprio Repblica, cap. V, dissertao de mestrado desenvolvida junto ao Programa de
Mestrado em Histria Social da Universidade Severino Sombra, sob a orientao da Prof Dr Cludia
Santos, com previso de defesa no ano de 2009
639
Cidade do Rio de 18/11/1889
640
ALONSO, op. cit, p.247
641
Para os republicanos da primeira hora, um monarquista-isabelista, comprometido eternamente com
um terceiro reinado; para os jacobinos, um sebastianista; e, finalmente, um vilo grotesco, para a
imprensa empresa que se assumia cirrgica, lgica e assptica BRANDO, op. cit, Cap.II, p.79
642
Gazeta da Tarde de 16/11/1889
176

princesa Isabel, Condessa dEu, nem se tivessem agitados as grandes massas


defensoras da rainha, conforme era denominada aquela infeliz senhora, vtima
dos deslumbramentos nervosos. por a que se pode aferir da importncia da
princesa no movimento evolutivo de nossa vida social. A Sr Isabel foi sempre,
para ns, a boa senhora honesta e caridosa, mal ajudada por um crebro
desorganizado, sem nenhuma orientao poltica. No meio do bulcio,
desapareceu como verdadeira nulidade.643
Neste captulo busquei demonstrar o papel primordial da imprensa na mudana
do regime e de como a propaganda engendrada por ela alcanou seus objetivos. A
famlia Imperial como um todo, e Isabel e o Conde dEu em especial, tinham a
conscincia do perigo que corria o Terceiro Reinado. No entanto, esperavam que a
disputa com o republicanismo ocorresse aps a morte de Pedro II. Para enfrentar a
Repblica ambicionavam poder implantar reformas sociais que lhe fizesse frente. O
golpe de 15 de novembro os pegou de surpresa. Embora quisessem, no tiveram
oportunidade de resistir.
O crescimento do republicanismo aps a abolio, o 15 de novembro, o
episdio ocorrido na Cmara Municipal, o golpe republicano em si e a possvel
resistncia ao golpe, ainda demandam estudos mais profundos por parte dos
historiadores.

643
Repblica Brasileira de 21/11/1889
177

CONCLUSO

Neste trabalho, em que fao uma biografia de Isabel centrada nas suas idias e
na sua participao poltica, procurei um outro olhar sobre o perodo final do Imprio.
A inteno foi a de buscar novas formas de interpretao ainda no exploradas pela
historiografia.
Deixando de lado vises historiogrficas consolidadas, baseei-me na anlise de
uma grande quantidade de fontes, no propriamente inditas, mas que observadas no
seu conjunto proporcionaram uma nova abordagem tanto da personagem como das
tenses polticas e sociais que a cercaram. Procurei reconstruir uma nova viso de
Isabel, privilegiando sua posio como um ator poltico, que demonstrou no ser ela
nem uma revolucionria, nem apenas a Redentora piedosa, mas uma mulher de seu
tempo, dividida entre a forte religiosidade e as noes de progresso e modernidade.
Educada com a finalidade de governar, tinha conscincia das obrigaes que a
aguardavam no futuro, guardando, porm, uma autonomia em relao influncia
poltica do Imperador. Sua adeso s idias abolicionistas reformistas ocorreu no s
por estar de acordo com o que pregava a Igreja, mas como uma opo poltica que
visava a dar uma sustentao mais popular ao seu reinado.
Busquei retratar a Princesa como uma mulher brasileira do sculo XIX, casada
com um nobre estrangeiro, que tinha o nus de ser a herdeira do trono de um Imprio
sem tradio, dentro de uma sociedade masculina e patriarcalista.
Por outro lado, procurei demonstrar como a sociedade como um todo, e o meio
poltico e intelectual especificamente, a viram e a representaram, sobretudo atravs da
imprensa, aderindo ou no idia de t-la como Imperatriz.
Estudar o seu terceiro perodo de regncia sob a tica de seus contemporneos,
que o viram como o incio do terceiro reinado, trouxe tona outras articulaes
polticas deste curto espao de tempo, contido entre a abolio e a Proclamao da
Repblica. Serviu para demonstrar que, entre os vrios projetos pensados para o Brasil
neste perodo, existiu um que tinha como fim ltimo amenizar as desigualdades sociais,
buscando, entre outros pontos, a incluso do ex-escravo na sociedade, atravs da
educao e da terra, e uma nova forma de distribuio da propriedade rural, atravs de
uma reforma agrria. E neste projeto cabiam Isabel e o Terceiro Reinado.
178

Destaquei o papel desempenhado pela imprensa na mudana para novo regime,


quer atravs da propaganda do movimento republicano, quer atravs da construo de
uma imagem negativa para a herdeira do trono e seu marido.
Saber quem seria a futura governante e que idias ela abraava teve um peso
enorme para o advento da Repblica.
No procurei fazer a histria do se, pois esta, no existe. Seria impossvel
afirmar que as coisas seriam diferentes, para melhor ou para pior, se o Terceiro Reinado
tivesse se implantado como uma Monarquia Democrtica Popular, ou simplesmente
abraando as reformas propostas pelos abolicionistas que se aliaram Princesa.
Isabel nunca teve a oportunidade de prov-lo. Ela jamais retornou ao Brasil. Mas
o que aconteceu aps a sua partida para o exlio, um novo captulo da histria.
179

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Jornal do Comrcio PR. SPR. 1
O Mequetrefe PR. SOR. 2155
Novidades PR. SPR. 100
O Pas PR. SPR. 6
A Reforma PR. SOR. 3457
Repblica Brasileira PR. SOR. 02764
Semana Ilustrada PR. SOR. 2334

2) Correspondncias e dirios:
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- Arquivo POB Arquivo da Casa Imperial do Brasil
- Arquivo Gro Par Acervo privado da famlia Orlans e Bragana

b) Fundao Joaquim Nabuco


- Arquivo Joaquim Nabuco
- Arquivo Andr Rebouas

c) Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro


Coleo Conde dEu
Coleo Wanderley Pinho
Coleo Baronesa do Loreto
Dirios de Andr Rebouas
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