Isabel de Bragança e o Terceiro Reinado
Isabel de Bragança e o Terceiro Reinado
Isabel de Bragança e o Terceiro Reinado
O TERCEIRO REINADO:
ISABEL DE BRAGANA, A IMPERATRIZ QUE NO FOI.
Vassouras
2009
2
O TERCEIRO REINADO:
ISABEL DE BRAGANA, A IMPERATRIZ QUE NO FOI
Vassouras
2009
3
AGRADECIMENTOS
O TERCEIRO REINADO:
ISABEL DE BRAGANA, A IMPERATRIZ QUE NO FOI
Maria Luiza de Carvalho Mesquita
Prof Dr Cludia Regina Andrade dos Santos
Resumo da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em
Histria Social da Universidade Severino Sombra, como parte dos requisitos
necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Histria Social.
Este trabalho tem, por objetivo principal, elaborar uma biografia da Princesa Isabel,
destacando seu papel como ator poltico nos ltimos vinte e cinco anos do Imprio
Brasileiro. Atravs do estudo de sua trajetria, possvel vislumbrar a vida social e
poltica da Corte, na segunda metade do sculo XIX, sem que os aspectos caticos ou
contraditrios sejam deixados de lado. Est sendo dada nfase nos perodos em que a
Princesa ocupou a regncia do Imprio, sobretudo na terceira (1887-1888), a qual seus
contemporneos perceberam como incio do Terceiro Reinado. Atravs da anlise de
cartas, dirios e jornais, investiga-se sua ao poltica e sua adeso ao projeto reformista
dos abolicionistas da Corte, com a finalidade ltima de dar uma sustentao mais
popular ao seu reinado. Da mesma forma, analisa-se o projeto de reformas polticas e
sociais elaborado por estes ltimos para ser posto em prtica durante o reinado de
Isabel. Finalmente, pretende-se demonstrar, ao contrrio de vises historiogrficas
anteriores, que a Princesa no foi simplesmente uma piedosa Redentora, nem um
personagem revolucionrio, mas uma mulher de seu tempo, com autonomia e viso
poltica prpria, ciente do papel que teria que desempenhar no cenrio poltico
brasileiro.
O TERCEIRO REINADO:
ISABEL DE BRAGANA, A IMPERATRIZ QUE NO FOI
Maria Luiza de Carvalho Mesquita
Prof Dr Cludia Regina Andrade dos Santos
Abstract da Dissertao de Mestrado submetida ao Programa de Ps-Graduao em
Histria Social da Universidade Severino Sombra, como parte dos requisitos
necessrios para a obteno do ttulo de Mestre em Histria Social.
This work has for main objective, to produce a biography of Princess Isabel,
highlighting her role as political actor in the last twenty-five years of the Brazilian
Empire. Through the study of her story, its possible to glimpse the social and political
life of the Court, in the second half of the nineteenth century, without leaving aside the
chaotic and contradictory aspects. Emphasis is being given to the periods when the
Princess held the regency of the Empire, especially in the third (1887-1888), which his
contemporaries saw the beginning of the Third Reign. Through analysis of letters,
diaries and newspapers, we can research her political action and her adherence to the
reformist project of the abolitionists of the Court, with the ultimate purpose to give a
more popular support to her reign. Similarly, it examines the project of political and
social reforms drawn up by the abolicionists to be implemented during the "reign" of
Isabel. Finally, it is shown, unlike previous historiographic visions, that the Princess
was not simply a pious "Redeemer", not a revolutionary character, but a woman of her
time with the autonomy and political vision, concerned to the role that she would play
in the Brazilian political scene.
Key words: Princess Isabel, Count d'Eu, abolitionism, Third Reign, press.
7
SUMRIO
INTRODUO ........................................................................................................p. 8
CONCLUSO.........................................................................................................p. 179
BIBLIOGRAFIA.....................................................................................................p. 183
8
INTRODUO:
Falsa Redentora1
Sua alteza imperial (...) passa vida folgada, feliz e regalada. Duchas pela
manh, acompanhada de suas damas; lunch ao meio-dia, cercada de
deliciosas harmonias; tarde passeio na gare e noite musica, sempre
msica.2
O ilustre prncipe consorte s se deixa seduzir e arrastar pelo valor real,
que agrada e satisfaz sua cobia3
trabalho perdido o esforo dos instrumentos da monarquia em pretender
um terceiro reinado. O segundo j tolerado. O terceiro no reinar!4
O terceiro s poder nascer cercado de uma aurora rubra como sangue5
1
Correio do Povo 28/10/1889
2
Idem 08/10/1889
3
Idem - 15/10/1889
4
Idem 22/10/1889
5
Idem 04/11/1889
9
voltaria meu olhar de uma forma especial: aos ltimos vinte e cinco anos do Imprio no
Brasil.
Buscando verificar quando esse tipo de tratamento havia comeado na imprensa,
dei origem pesquisa que conduziu minha monografia de final de curso de graduao
em Histria, a qual dei o ttulo de Quem tem medo do terceiro imprio ou por que no
Isabel?6. Realizada em 13 dos principais jornais da Corte 7, os quais considerei como
porta-vozes da elite8 brasileira, no perodo compreendido entre 1864 e 1889, foi
possvel acompanhar a construo, e progressiva destruio, da imagem daquela a quem
estava destinado o trono brasileiro, assim como a de seu esposo. Foi possvel tambm
confirmar minha hiptese de que haveria o surgimento de uma preveno subida de
Isabel definitivamente ao trono, desde a sua primeira regncia.
A presente dissertao de mestrado no se pretende uma continuao desta
monografia, mas foram dados levantados nela que deram subsdios para a sua
elaborao.
Na segunda metade da dcada de 1880, o problema da sucesso do trono do
Imprio brasileiro era um dos principais assuntos dos jornais. A existncia de um
terceiro reinado tinha muitos obstculos: a condio feminina da futura dirigente do
Imprio - a princesa Isabel - j que a cultura poltica do perodo via a mulher
desempenhando seu papel apenas no mbito privado; a impopularidade do Conde dEu
e a rejeio que o orleanismo, implcito no seu nome, provocava9; os militares, que
desde o fim da Guerra do Paraguai se incompatibilizavam com o governo, e os
opositores do ultramontanismo,10 formados, sobretudo, por boa parcela dos membros da
maonaria, que atribuam religiosidade de Isabel um empecilho livre manifestao
religiosa e a implantao de direitos civis. Alm disso, o republicanismo ganhava cada
vez mais adeptos.
6
A monografia foi feita sob orientao da Prof Dr Keila Grinberg
7
Jornal do Comrcio, Dirio do Rio de Janeiro, A Reforma, Semana Ilustrada, Gazeta de Notcias, O
Mequetrefe, Gazeta da Tarde, Dirio de Notcias, O Pas, Novidades, Cidade do Rio, Correio do Povo,
e Repblica Brasileira.
8
A palavra elite empregada neste trabalho referindo-se camada da populao que detinha alguma
espcie de poder, quer poltico, financeiro, intelectual ou social
9
Ser um Orlans neste contexto, no mais remetia ao rei-cidado, mas trazia em si a marca de ser
partidrio de um sistema em que se deveria aceitar o lema da monarquia como garantia da ordem e
estabilidade, juntamente com a implantao de um princpio que assegurava o controle poltico por parte
dos mais ricos e capazes.
10
O ultramontanismo era uma doutrina e poltica dos catlicos franceses que buscavam inspirao na
Cria Romana, defendendo a autoridade absoluta do Papa em matria de f e disciplina, ignorando os
poderes do Estado sobre os membros da Igreja Catlica COLUSSI, Eliane Lucia. A Maonaria brasileira
no sculo XIX. Coleo Que Histria Essa, So Paulo: Editora Saraiva, 2002, p.15
10
19
DAIBERT JR, Robert. Isabel, a Redentora dos escravos: uma histria da Princesa entre olhares
negos e brancos (1846-1988). Bauru,SP: EDUSC, 2004
20
LEVI, Giovani, Usos da Biografia. in AMADO, Janana e FERREIRA, Marieta (coord.). Usos e
Abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998, pp. 167- 182
21
BOURDIEU, Pierre. A Iluso Biogrfica. in AMADO, Janana e FERREIRA, Marieta (coord.).
Usos e Abusos da Histria Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1998, pp183-192
22
LORIGA. Sabina. A Biografia como Problema. in REVEL, Jacques (org.). Jogos de Escala. Editora
FGV, 1998, pp. 225 249.
23
BARROS, Jos DAssuno. O Campo da Histria: especialidades e abordagens. Petrpolis RJ:
Vozes, 2004, p.191
14
Ser dada nfase aos perodos em que a Princesa ocupou a regncia do Imprio,
sobretudo na terceira (1887-1888), partindo da tica de muitos de seus contemporneos
que a consideraram o incio do Terceiro Reinado.
No livro D. Isabel I a Redentora: textos e documentos sobre a Imperatriz
exilada do Brasil em seus 160 anos de nascimento24, seu autor, o historiador Bruno
Cerqueira, ressalta o fato de Isabel jamais ter sido objeto de estudo por parte de uma
historiadora. Pois bem... Ser tambm com esse olhar feminino (mas no feminista) que
pretendo enxergar minha personagem e sua trajetria no perodo final do Imprio.
Para tentar compreender e caracterizar o contexto, minha opo recaiu sobre
Pierre Rosanvalon e seu estudo sobre a Histria Conceitual do Poltico:
O objeto da histria conceitual do poltico a compreenso da formao e
evoluo das racionalidades polticas, ou seja, dos sistemas de representaes
que comandaram uma poca, um pas, ou grupos sociais conduzem sua ao,
encaram seu futuro.25
Segundo Rosanvalon, necessrio buscar a interao permanente entre a
realidade e a sua representao, com o objetivo de identificar os ns histricos em
torno dos quais se organizam as novas racionalidades polticas e sociais.
A proposta procurar os comos e os porqus das tentativas de respostas dos
homens aos seus prprios problemas, em espaos e tempos especficos, retomando sua
prpria cultura poltica e os conceitos em torno dos quais giram seus debates26.
Inserir-se no contexto a palavra de ordem, para que se possa olhar de dentro
para fora, na tentativa de identificar quais foram as articulaes polticas surgidas ante a
possibilidade de ter-se iniciado o terceiro reinado.
Outro ponto a ser levantado diz respeito relao entre o Estado, representado
pela Princesa Regente, e as sociedades civis, no caso representantes do movimento
abolicionista, e a busca de novas formas de legitimao e de consenso entre eles.27
24
CERQUEIRA, Bruno da S. Antunes. D. Isabel I a Redentora: textos e documentos sobre a Imperatriz
exilada do Brasil em seus 160 anos de nascimento. Rio de Janeiro: Instituto Dona Isabel a Redentora,
2006, p.110
25
ROSANVALLON,Pierre. Por uma Histria Conceitual do Poltico. in Revista Brasileira de Histria
rgo da Associao Nacional de Histria. So Paulo, ANPUH, vol 15, n30, 1995, p.16
26
BORGES, Vavy Pacheco. Histria Poltica: Totalidade e Imaginrio. In Revista Estudos Histricos.
Rio de Janeiro, n17, 1996
27
BOBBIO, Norberto. Estado, Governo e Sociedade: por uma teoria geral da poltica. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1987 pp.36-37
15
28
WINOCK, Michel. As Idias Polticas. in RMOND, Ren. Por uma Histria Poltica. Rio de
Janeiro: FGV, 2003, 2003, p.281
29
BARROS, op. cit, p.34
30
LE GOFF, Jacques. Histria e Memria. SP. EDUSC, 1992, p.540
31
Este perodo corresponde tambm aos 25 primeiros anos de casamento entre Isabel e Gasto de
Orlans, perodo este em que atuam efetivamente na cena poltica do Imprio.
32
SODR, Nelson W. Histria da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Mauad,1999, p.189
33
BARROS, Jos DAssuno. O Campo da Histria: especialidades e abordagens. Petrpolis RJ:
Vozes, 2004, p.195
34
Embora no sejam considerados fatos histricos a priori, e sim resultantes de construes histricas
16
35
GOMES, ngela de Castro (org.). Escrita de Si, Escrita da Histria. Rio de Janeiro: Editora FGV,
2004, pp. 7 - 24
36
FOUCAULT, Michel. tica, sexualidade e Poltica. In MOTTA, Manoel de Barros (org) Coleo
Ditos e escritos. Vol. 5, Rio de Janeiro: Forense Universitria, 2006, p.156
37
Francisco Leopoldino de Gusmo Lobo era pernambucano, nascido no Recife em 1838. Diplomou-se
em 1859 pela Faculdade de Direito do Recife, foi deputado provincial e geral, chefiou a Diretoria Central
da Secretaria da Agricultura, do Ministrio da Agricultura, foi moo fidalgo da Casa Imperial. Destacado
jornalista, primeiro em A Nao e, posteriormente, no Jornal do Commercio, notabilizou-se durante a
campanha abolicionista, numa atividade que mereceu os mais enfticos elogios de Nabuco. Gusmo Lobo
manteve uma constante correspondncia com Rio Branco, afastado pela atividade diplomtica, na qual
comenta os acontecimentos polticos da Corte.
38
PERROT, Michelle. As Mulheres ou os Silncios da Histria. Bauru: Edusc, 2005, pp. 34 - 35
17
45
WINOCK, op. cit, p.282
46
ALENCASTRO, Luiz Felipe de (org). Histria da vida privada no Brasil: Imprio. So Paulo, Cia das
Letras, 1997, p.475
47
MOREL, Marcos e BARROS, Mariana Monteiro de. Palavra, Imagem e Poder: o surgimento da
imprensa no Brasil do sculo XIX. Rio de Janeiro, DP&A, 2003., p.77
48
REZENDE, Gustavo Monteiro de. Abolicionismo popular na corte do Rio de Janeiro (1879-1888).
dissertao orientada pela Prof. Dr Cludia Santos e defendida no PPGHIS - Faculdade de Formao
dos Professores UERJ, no dia 26 de janeiro de 2009, cap. III.
49
COSTA, Emilia Viotti. Da Monarquia Repblica: momentos decisivos. So Paulo:UNESP,2007,
p.387
19
50
O Mequetrefe do dia 07/10/1875
51
O critrio de escolha dos jornais foi baseado no livro Histria da Imprensa no Brasil de Nelson
Werneck Sodr, no captulo relativo Imprensa do Imprio, pp 181-249
52
SODR, op. cit, p. 189
20
53
Em 1887, Jos do Patrocnio afasta-se do jornal Gazeta da Tarde para fundar o jornal Cidade do Rio
54
BARROS, op. cit, p. 177
21
Princesa para consider-la inadequada para comandar o Imprio, ela no era, de forma
alguma, despreparada politicamente para desempenhar este papel.
- Sua adeso s idias abolicionistas tem como explicao corrente o fato destas
estarem de acordo com o que preceituava a Igreja Catlica sobre a questo, mas
independente disso, foi uma escolha poltica que visava manter a ordem no Imprio,
alm de aproxim-la das reivindicaes populares, formando bases de legitimao para
seu reinado.
- Que a terceira regncia da Princesa, foi vista pela maioria de seus
contemporneos como o incio do Terceiro Reinado.
- Que, com o conhecimento de Isabel, uma parte importante da intelectualidade
do perodo, pertencente ao movimento abolicionista da Corte, pensou estratgias para
apoiar o terceiro reinado, chegando mesmo a elaborar um programa de reformas a serem
implementados durante sua existncia.
- Que, para esse grupo, o terceiro reinado funcionaria como um perodo de
transio para o regime republicano.
- Que o projeto de apoio ao terceiro reinado vai perdendo fora com o retorno do
Imperador Pedro II ao comando do Imprio.
- Que entre as causas que precipitaram o final do Imprio tiveram peso de
grande importncia tanto o fato de ser Isabel a prxima ocupante do trono, como a
possibilidade de que ela viesse a implementar reformas abolicionistas, sobretudo a
Democracia Rural, que envolveria uma reforma agrria, com a desapropriao de
terras e sua diviso para assentamento de colonos e libertos.
CAPTULO 1
A HERDEIRA DO TRONO
55
DAIBERT JR, Robert. op. cit, 2004, p.34
22
56
Ttulo V, Captulo IV, artigo 117 da Constituio Poltica do Imprio do Brasil de 1824.
57
Dirio do Rio de Janeiro de 12/06/1847
58
CARVALHO.Jos Murilo de. D Pedro II. So Paulo: Cia das Letras, 2007,p.52
59
Jornal do Comrcio de 13/01/1850
60
LACOMBE, Loureno Luiz. Isabel A Princesa Redentora.Petrpolis: Instituto Histrico de Petrpolis,
1989, p.20
61
Idem, p. 22
62
Idem, p. 25
23
63
Idem, p.26
64
Enquanto duravam as negociaes com o Imperador, morreu na Frana o sogro da Sr Luiza Maria
Portugal de Barros. Seu marido, um fidalgo francs, o Visconde de Barral, herdou-lhe o ttulo de Conde.
65
DAIBERT JR, Robert. Princesa Isabel (1846 1921): a Poltica do Corao entre o trono e o altar.
Tese de doutorado apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria Social, IFCS, UFRJ, 2007,
p.97
66
Documento existente no arquivo Histrico do Museu Imperial de Petrpolis (arq.POB.M.29 Doc
1038), produzido poca da nomeao da condessa de Barral como preceptora das filhas de Pedro II,
apud LACOMBE, op. cit, p.34
67
BARMAN, op. cit, p.67
68
LACOMBE, op. cit. p.40.
69
DAIBERT. JR, op. cit, 2007, p.92
70
Idem p.99
24
pode ser comprovado atravs da correspondncia trocada entre Isabel e seus pais. Desde
criana elas possuam conotaes diferentes. Para a me iam as notcias sobre idas
missa e outras prticas religiosas e o pedido de envio de pequenas imagens de santos.
Para o pai, as notcias sobre o estudo e pedidos de livros e outros materiais para as
aulas, o que denota, desde cedo seu discernimento nas formas de se auto-representar.
Neste trabalho ora em curso, em relao Isabel, ser privilegiada a
correspondncia trocada sobretudo com seu pai, porque ser nelas que veremos
ressaltado o aspecto poltico.
Sua educao continuou mesmo depois de casada, como nos mostra a carta
escrita por ela ao marido, o Conde dEu, em 1865, na qual relata a programao de seu
dia:
7 - Sada com Mame e Leopoldina
9 hs. Almoo
10 a 10 - traduzir uma meia pgina de ingls, alemo ou italiano.
10 s 11 copiar uma pgina de Jesaumes (sic)
12 1 - 2 hs lio de harpa, piano ou pintura
3 s 4 leitura de francs ou portugus
4 horas jantar.71
Numa poca em que as poucas escolas femininas existentes na Corte limitavam-
se ao estudo de religio, lngua portuguesa, francesa (algumas, inglesa e alem),
ortografia, aritmtica, geografia, msica, piano, canto, dana e desenho,72e em que a
literatura exaltava como qualidades de uma moa bem educada saber cantar, tocar
piano, falar francs, ingls ou italiano, entender de costura, bordados e conversar com
graa,73a educao de Isabel e sua irm, ultrapassou em muito os padres da poca.
Poderia apenas ser comparvel a que era dada no Imperial Colgio Pedro II, o predileto
do Imperador, considerado a glria do ensino, smbolo de civilidade,74destinado a
preparar a elite dirigente do pas.
71
Arquivo Histrico do Museu Imperial de Petrpolis. Arquivo Gro-Par XLI - 1, carta de 01/08/1865
72
De acordo com os anncios publicados no Almanaque Laemmert, poca da educao das Princesas,
havia na Corte 14 colgios para meninas. LACOMBE, op. cit, p.42
73
BERNARDES, Maria Theresa Caiuby Crescenti. Mulheres de ontem? Rio de Janeiro, sculo XIX.
SP: T. A. Queiroz, 1988, p. 65. Obs: A autora faz um estudo sobre a imagem da mulher educada
projetada pelos romancista do sculo XIX, e exemplifica como uma das enumeraes mais completas a
contida no romance Helena, de Machado de Assis, publicado em 1876.
74
SCHWARCZ, Llian Moritz. As Barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trpicos. SP: Cia
das letras, 1998, p.150
25
75
BARMAN, op. cit, p. 69
76
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.62
77
Idem, p.63
78
Idem, p.64
79
Idem, p. 104
80
CARVALHO, op. cit., 2007 p. 77
26
J no que diz respeito vida das princesas em sociedade, elas foram mantidas,
durante sua infncia e adolescncia, numa quase total recluso, tendo seu tempo
dividido entre o Palcio de So Cristvo, no Rio de Janeiro, e Petrpolis, como
descreve Isabel nas suas memrias intitulada Alegrias e Tristezas81: Minha Infncia
passei junto aos meus queridos pais e de minha irm mais moa. No saa do Rio no
inverno, nem de Petrpolis no vero.
O Imperador Pedro II no era inclinado a uma vida social agitada. O ltimo
grande baile oferecido por ele havia sido em 1852. Depois disso, a famlia imperial
recolheu-se.82As diverses preferidas do Imperador seriam, segundo ele prprio, o
estudo, a leitura e a educao de minhas filhas.83 Poucas vezes elas apareceram nos
noticirios dos jornais, a no ser quando comparecem a uma ou outra cerimnia oficial
ou religiosa.
O isolamento e a rigidez da educao das princesas, no impediram, entretanto,
que houvesse momentos para brincadeiras e lazer, nem que se criassem laos de intensa
amizade com outras pessoas alm da famlia. Os jogos de teatro, os jogos de prenda, as
bonecas, as msicas e danas faziam parte do seu dia a dia. Caminhadas e cavalgadas
tambm estavam includas nas suas atividades, especialmente quando estavam no
palcio de Petrpolis, lugar preferido de Isabel, que o descreve como deliciosa
residncia de vero84. Um grupo restrito de crianas partilhava muitas vezes de suas
brincadeiras, entre elas Amandinha Paranagu, mais tarde Baronesa do Loreto e Maria
Jos Velho de Avelar (Mariquinhas), mais tarde Baronesa de Muritiba85, que seriam
diletas amigas de Isabel por toda a vida. Da mesma forma, ela criou vnculos
duradouros e profundos com sua Aia, a Condessa de Barral.
Quanto vida pblica e poltica neste perodo, Isabel participou pouqussimo,
com exceo da cerimnia acontecida no dia 29 de julho de 1860, quando, no prdio do
Senado, jurou a Constituio.86
81
Documento datado de 1908, publicado na Tribuna de Petrpolis em 15/05/1949. AHMIP (M.204
Doc. 9335)
82
PINHO, Jos Wanderley. Sales e Damas do Segundo Reinado. So Paulo: Livraria Martins Editora,
s/d, p.116
83
CARVALHO, op. cit., 2007 p.77
84
Alegrias e Tristezas, AHMIP (M.204 Doc.9935)
85
LACOMBE, op. cit, p.49
86
BARMAN, op. cit, p.71
27
A primeira grande questo poltica que envolveria Isabel seria a escolha do seu
futuro marido. Numa sociedade de corte87, um casamento desse porte, no tinha como
objetivo principal a formao de uma nova famlia, mas, sobretudo, a fundao e o
prosseguimento de uma casa.88 Como uma permanncia do Antigo Regime, os
casamentos, assim como as demais cerimnias que envolviam os reis cumpriam
tambm a funo de revigorar as monarquias, despertando enorme interesse, tanto na
nobreza como nas classes populares.89
No caso especfico do Brasil, um imprio constitudo recentemente, a escolha
do marido da futura imperatriz no era uma tarefa fcil. A distncia territorial entre
nosso pas e as monarquias europias tambm era um entrave na busca de candidatos
dispostos a cruzar o Atlntico. Alm disso, o noivo necessitaria residir no Brasil, ser
catlico, e renunciar aos direitos sucessrios de sua prpria famlia.90
Pelo artigo 120 da Constituio, cabia exclusivamente ao Imperador realizar o
casamento de suas filhas.91 Segundo Pedro Calmon, o modelo ideal a ser perseguido
correspondia ao Prncipe Alberto, marido da Rainha Vitria da Inglaterra, sem opinio,
para ser constitucional e sem temperamento, para ser consorte da soberana.92 A
Rainha Vitria servir como modelo de imperatriz durante o sculo XIX, e vrias vezes
a princesa Isabel ser comparada ou instigada a ter o mesmo comportamento dela,
durante o tempo em que existir a perspectiva de que ela venha a ocupar o trono do
Brasil
Desde que Isabel fora declarada herdeira do trono, algumas especulaes foram
feitas sobre quem seria seu futuro marido. A primeira, de 1855, colocava como
candidato mo da princesa seu primo portugus, D. Lus de Bourbon, filho de sua tia
Januria e o Conde dquila. Outro candidato provvel poderia ser D. Lus, filho de D.
Maria II, rainha de Portugal93. Mas ainda havia um profundo sentimento antilusitano
para que houvesse a possibilidade de se unir o reino do Brasil ao de Portugal. Um
87
Trata-se de uma sociedade na qual a posse de um ttulo de nobreza mais valiosa, para quem cresce
ali, do que a posse de uma riqueza acumulada; na qual pertencer corte do rei (...) algo
extraordinariamente importante na escala dos valores sociais ELIAS, Norbert. A Sociedade de Corte.
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p.94
88
idem, p.73
89
MAYER, Arno J. A Fora da tradio: a persistncia do antigo regime (1848 1914). So Paulo: Cia
das Letras, 1987, p. 139
90
BARMAN, op. cit, p.79
91
LACOMBE, op. cit., p. 57
92
CALMON, Pedro. op.cit, p.32
93
DAIBERT JR, op. cit. 2004 p.48
28
94
A Marmota de 11/11/1857
95
LACOMBE, op. cit, p.58
96
Idem, p.65
97
Idem, p.61
98
BARMAN, op. cit. p. 83
99
LACOMBE, op. cit, p. 66
100
Idem, p.67
101
Semana Illustrada de 04/10/1863
29
102
Idem de 15/05/1864
103
Idem de 26/06/1864
104
AHMIP, AGP, LXI-1, 05/09/1865
105
Apud RANGEL, op. cit, p.97. Obs: no original em francs: Avant hier lEmpereur a dclar au
gnral que ctait moi qil dsirait voir poudes son hritire.
106
DAIBERT JR, op. cit. 2004, p.50
30
107
Escritor francs, autor de Moines dOcident, obra clssica que trata das origens do monarquismo
ocidental.
108
Gasto de Orlans, aos 6 anos foi banido da Frana, juntamente com sua famlia, educado na
Inglaterra, seguido carreira militar na Espanha e lutado na Guerra do Marrocos. Ao chegar ao Brasil
contava 23 anos. DAIBERT JR , op. cit. 2007, p.113
109
Dirio do Rio de Janeiro de 20/09/1864
110
Semana Ilustrada de 27/09/1864
31
111
Jornal do Comrcio, Dirio do Rio de Janeiro e Semana Ilustrada
112
Dirio do Rio de Janeiro de 17/10/1864
113
Idem, de 30/10/1864
114
LACOMBE, op. cit, p.87
115
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 05/11/1864
116
O aniversrio do Imperador D. Pedro II comemorado no dia 2 de dezembro
117
Semana Ilustrada de 02/12/1864
32
118
NEVES, Lcia M B. P. & MACHADO, Humberto F. O Imprio do Brasil. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1999, p.407
119
BARMAN, op. cit. p.100
120
Semana Ilustrada de 01/01/1865
121
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 06/04/1865
122
LACOMBE, op. cit, p.103
123
AHMIP, AGP, XLI -2, carta de 06/01/1865
124
RANGEL, op. cit, p.99
33
muito, visto seu comentrio de que j estava farta de encontrar tantos prncipes que
no a interessavam125.
De volta Corte no ms de julho, tomam conhecimento de que o Imperador
havia se dirigido ao o sul do pas, em companhia de seu outro genro, o Duque de Saxe.
Poucos dias depois, partia ao encontro deles o Conde dEu, que possua o ttulo de
Marechal do Exrcito Brasileiro recebido por ocasio de seu casamento. Ia com a firme
inteno de remover cus e terras para que o Imperador o deixasse ir para a frente de
batalha. Ele tinha em conta que o grande mal, na Provncia do Rio Grande do Sul,
est na falta de um homem suficientemente importante para se sobrepor completamente
s influncias e rivalidades [entre conservadores e liberais] (...) e tomar na mo a
tarefa de coordenar a massa de voluntrios que afluem a essa provncia proveniente
das outras126. E ele acreditava ser a pessoa indicada para esse papel. Isso iria dar incio
a desentendimentos entre o Conde e o Imperador, j que este negaria todos os
insistentes pedidos do jovem Prncipe, para participar efetivamente da Guerra,
alegando, principalmente, que a presena do marido da herdeira do trono poderia ser
uma causa de constrangimento s repblicas aliadas, o que poderia prejudicar a
Aliana127.
Visando agradar ao genro, talvez na tentativa de amenizar o seu desagrado em
ter suas pretenses negadas, o Imperador, sem consult-lo, o nomeou Comandante
Geral da Arma da Artilharia e Presidente da Comisso de Melhoramentos do
Exrcito.128
Tal atitude provocou efeito contrrio, pois, munido dessa credencial, Gasto de
Orlans insistiu com o Imperador para que seu desejo de ir frente de batalha fosse
submetido ao Conselho da Coroa. Ele fez isso s escondidas de Isabel, que era
totalmente contrria idia de v-lo partir para o sul do pas, chegando mesmo,
segundo palavras do Conde, a ter reaes violentas129 quando ouvia falar do assunto.
Da mesma forma, pediu diretamente ao Marqus de Caxias, que havia recentemente
sido nomeado Comandante do Exrcito, para que o aceitasse sob seu comando. Alm
disso, escreveu ao Marqus de Paranagu, Ministro da Guerra, insistindo no pedido.
Vendo sua pretenso negada por todos, Gasto ameaou demitir-se do cargo de
125
LACOMBE, p.104
126
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 22/07/1865
127
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 22/11/1865
128
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 22/11/1865
129
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 17/10/1866
34
Comandante Geral da Armada, mas foi demovido desta inteno em conversas com o
Imperador e o Ministro Paranagu.130
O desentendimento entre o Imperador e o genro passou a fazer parte dos
comentrios na sociedade e das notcias dos jornais e toda sorte de boatos era criada
baseada nisso. Enquanto isso, o casal de prncipes permanecia a maior parte do tempo
em Petrpolis. Isabel procurava adotar uma posio de neutralidade, minimizando a
discrdia havida entre seus dois entes queridos, classificando tais comentrios de
ridculos e desagradveis131
No incio de 1869, o exrcito brasileiro j havia derrotado o paraguaio, restando
apenas a captura de Solano Lopes que havia se refugiado no interior do pas. O Duque
de Caxias, comandante do exrcito brasileiro, j de avanada idade para os padres da
poca132e com a sade abalada, no se sentia disposto a empreender uma caada ao
presidente paraguaio e, simplesmente abandonou o posto, retornando ao Rio de Janeiro.
No dia 20 de fevereiro deste mesmo ano, Gasto receberia do Imperador uma
carta que classificou de estupefante, na qual era convocado para um encontro no
Palcio de So Cristvo, com a proposta de que assumisse o comando do exrcito no
Paraguai. Ele ascendeu ao convite do Imperador para encontr-lo em So Cristvo,
mas o fez, novamente, s escondidas de Isabel, j que esta, possuidora de personalidade
forte, insistiria em acompanh-lo na visita, o que, segundo o prprio Conde, no lhe
permitiria ter o sangue frio necessrio para refletir e discutir133.
Segundo Roderick Barman, ao contrrio das imagens construdas para Isabel,
posteriormente, pela propaganda republicana, de que ela seria uma pessoa dbil e
influencivel, desde cedo, ela mostrou-se inteligente e com personalidade forte.134 Essa
idia reafirmada no testemunho de sua neta, Isabel de Orlans e Bragana, Condessa
de Paris, que escreve em suas memrias: Vov era uma mulher de personalidade,
como dizem dos caracteres difceis de definir.(...)No era bonita, mas encantadora,
inteligente e autoritria.(...) Alm do mais, era uma mulher de idias generosas, ainda
que categricas135.
130
Idem
131
AHMIP, AGP, XLI-5, carta de 24/01/1868
132
Ao final da Guerra do Paraguai, Caxias contava 65 anos.
133
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 22/02/1869
134
BARMAN op. cit, p.65).
135
BRAGANA, Isabel de Orlans. De todo Corao. Rio de Janeiro, Editora Buti, 1995 pp. 32-33
35
Frana, na Dinamarca, dos servos russos, e a guerra civil nos Estados Unidos,
colocaram a existncia do escravismo no Brasil em evidncia. Por iniciativa da Coroa, o
Conselho de Estado foi ouvido em 1867 sobre a convenincia ou no da abolio direta
da escravido. Com exceo de poucos membros, os conselheiros se mostraram, a
princpio favorveis apenas libertao dos nascituros, alegando, no entanto, que aquele
no seria o momento oportuno, pois o pas encontrava-se em guerra, sendo necessrio
aguardar seu fim.140A questo servil teria que esperar.
Cerca de 200.000 homens (aproximadamente 2% da populao do pas) foram
guerra e, ao invs da elite branca, era de negros e mulatos a maioria do nosso exrcito
(Los Macaquitos, como eram chamados no Paraguai) 141. Em 1867, o governo decidira
libertar os escravos da nao, da casa imperial e dos conventos para a guerra e indenizar
os proprietrios que fizessem o mesmo. Escravos foram libertados s pressas para poder
guerrear. Escravos fugidos tambm se alistaram para assegurar sua liberdade. Mas nem
todos os negros que foram guerra o fizeram por presso ou falta de opo. Diante da
possibilidade de tornarem-se homens de respeito, ao invs de serem propriedade de
outrem ou mo de obra barata, muitos negros foram voluntrios de fato 142. O maior
nmero de libertos veio da Corte (2.500 homens), representando 22% do total recrutado
na capital.
Segundo Cmara Cascudo, o Conde dEu era at ento o nico membro da
famlia imperial declaradamente abolicionista 143. J em 1866, em carta dirigida ao pai,
ele comentava sobre projetos para emancipao dos escravos, questionando a falta de
iniciativa do governo para resolver a questo.144 A palavra abolicionista, no entanto,
deve ficar entendida como favorvel ao fim da escravido e no membro do
movimento abolicionista, que s vai tomar corpo anos mais tarde.
Ao final da Guerra, ele provocaria o fim da escravatura no Paraguai, ao enviar
ofcio ao Governo Provisrio sugerindo que se rompesse com uma instituio que foi
desgraadamente legada a vrios povos da livre Amrica, por muitos sculos de
despotismo e ignorncia."145 Ao discordar desta instituio que era base das classes que
140
CONRAD, Robert. Os ltimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. Rio de Janeiro: Civilizao
Brasileira, 1975, p.88
141
SALLES, Ricardo. Memrias e Imagens: Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro: Edies Biblioteca
Nacional, 2003, p.28
142
SILVA, Eduardo. D. Ob II, o prncipe do povo. So Paulo: Cia das Letras, 1998, p. 42
143
CASCUDO, op. cit, p.103
144
AHMIP, AGP, XLII, carta de 07/03/1866
145
CASCUDO, op. cit., p.106
37
me envie nada que voc no deseja que papai leia. Novamente em evidncia, seu papel
de mediadora entre o Conde e o Imperador.
Em 20 de agosto de 1870, o casal dEu viajava novamente para a Europa.
153
MATTOS, Ilmar Rohrloff de. Do Imprio Repblica. Estudos Histricos, Rio de Janeiro, vol. 2, n.
4, 1989, p.163 - 171.
154
MONTEIRO, Cludio. Representaes monrquicas e publicidade do Brasil na Frana da Terceira
Repblica (1871 1876). in SANTOS, Cludia Andrade e SENA F, Nelson (orgs). Estudos de Poltica
e Cultura: novos olhares. Goinia: EV, 2006, p. 47
155
MONTEIRO, op. cit., p.58
40
lugar nesta situao de mudanas to delicadas. A pretenso dele era de que ficasse
como regente sua filha e herdeira do trono.
Parece que, pela primeira vez, o pas se deu conta de que D Pedro II no
reinaria para sempre. Que mais cedo ou mais tarde uma outra pessoa ocuparia seu lugar,
no caso, uma mulher, casada com um estrangeiro, um liberal francs a Princesa Isabel.
Por omisso da constituio de 1824, no estava claro se, em caso de viagem, a
regncia devia ser ocupada pelo herdeiro do trono ou por um regente eleito. Alm disso,
no estava estabelecido se o regente governaria com as mesmas atribuies do
Imperador, ou se teria seu poder limitado (no exercendo o Poder Moderador). Em
1862, antes mesmo de se saber quem seriam os escolhidos para desposar as princesas, o
Senador Silveira da Mota havia apresentado a Pedro II, em carter particular, um
projeto de lei que, entre outras disposies, estabelecia que as Princesas brasileiras,
casadas com prncipes estrangeiros, no tm direito regncia, embora sejam mais
prximas em parentesco e residam no imprio. O projeto, entretanto, no chegou a ser
apresentado para votao nas Cmaras.156
Um intenso debate se iniciou acerca da regncia e sobre a legitimidade da
nomeao de Isabel. O Conselho de Estado foi consultado a respeito do assunto e,
devido ao fato de existir uma forte resistncia em permitir a atuao dela como Chefe de
Estado, o caso foi levado ao Parlamento.157
Nas Cmaras, um dos maiores opositores regncia de Isabel foi o poeta,
escritor e deputado conservador Jos de Alencar. Na Sesso do dia 9 de maio de 1871
ele fez um discurso, publicado em vrios jornais. Diz ele:
Se me fosse permitido, agora, desta tribuna, onde s devo falar nao,
dirigir a augusta princesa imperial, que vai brevemente reger este Imprio,
algumas palavras, eu diria muito respeitosamente: Senhora, no aceitai o
presente funesto que vos querem fazer. A nao vos chama regncia, mas no
sois ainda a soberana; no podeis assumir o pleno exerccio das atribuies
majestticas. Neta do fundador desse imprio, inaugurai o vosso governo
dando um grande e fecundo exemplo. Sujeitai-vos mesma lei que vigora para
a regncia eletiva, mostrai que no cumprimento da constituio no h
156
LACOMBE, op. cit. p.140
157
DAIBERT Jr. Op. cit, 2004 p.68
41
158
Jornal do Comrcio de 12/05/1871
159
A Reforma de 10/05/1871
160
Uma caracterstica dos jornais da poca a seo a pedidos, em geral com artigos ou cartas, que
tanto podiam ser de um simples leitor, como, anonimamente, do prprio diretor ou redator do jornal.
Atravs dela podiam expressar opinies que talvez no ousassem se tivessem que revelar sua autoria. O
uso do pseudnimo, bastante comum, muitas vezes dificulta a identificao do autor de muitos textos.
EDMUNDO, Luiz. O Rio de Janeiro do Meu Tempo, volume 4, Rio de Janeiro: Editora Conquista, 1957,
p.887
161
Dirio do Rio de janeiro de 12/05/1871
42
termos lido, ns coloquemos sobre esse assunto nossas objees e questes.168 Neste
livrinho o imperador trata de assuntos diversos, entre eles o cuidado e ateno para
com a opinio pblica.
Existem divergncias sobre a noo de opinio pblica no perodo, apesar dela
ter se constitudo uma referncia obrigatria a partir do sculo XVIII. Segundo
Norberto Bobbio, o pensamento liberal francs e ingls do sculo XIX, 169 que exerceu
forte influncia sobre o pensamento liberal no Brasil, havia retomado o pensamento de
Locke para quem a opinio pblica estaria prximo da lei divina e da lei civil,
funcionando como juzo expresso pela sociedade. A esta idia, acrescentaram a noo
de que a opinio pblica possua a funo de permitir aos cidados uma participao
poltica mais ativa, dando a eles a possibilidade de poder discutir e manifestar suas
prprias opinies sobre questes de seu interesse, funcionando como uma espcie de
tribunal da poltica.170
Pedro II aconselhava a filha que, para melhor aferir a opinio pblica procurasse
ouvir todos os partidos, que possuiriam entre outras funes, a de transmitir as
demandas oriundas da sociedade.171 Que buscasse informar-se de tudo que se passasse
nas Cmaras, que, segundo Benjamin Constant, seria a expresso da opinio pblica. E
que, sobretudo, estivesse atenta a tudo o que dissesse a imprensa de todo o Brasil,
espao privilegiado no qual, baseado na existncia de uma liberdade de expresso, se
daria publicidade aos atos do governo para que a opinio pblica se formasse.
Em outros tpicos de suas anotaes para a Isabel, o Imperador trata de eleies,
educao pblica, nomeao de funcionrios, troca de ministrios e a relao com eles,
favores e liberdade de imprensa. Um outro ponto importante, diz respeito diretamente
ao Conde dEu:
Para que qualquer ministrio no tenha o menor cime da ingerncia de
minha filha nos negcios pblicos, indispensvel que meu genro, alis,
conselheiro natural de minha filha, proceda de modo que no se possa ter
168
Dentro da carta enviada pelo conde dEu ao pai, no dia 06/05/1871, h um papel com anotaes dirias
entre o dia 25/04 e 05/05 de 1871. A referncia aos conselhos do Imperador est anotada no dia
03/05/1871. AHMIP - AGP, LXII -3 , carta de 06/05/1871
169
Representado por Benthan, Burke, Constant e Guizot. in BOBBIO, Norberto, MATTEUCCI, Nicola
PASQUINO, Gianfranco, Dicionrio de Poltica, Braslia, Ed. Universidade de Braslia: SP: Imprensa
Oficial do Estado, 2000, vol. II, PP. 843-844
170
Idem
171
BOBBIO, MATTEUCCI & PASQUINO, op. cit, vol. II, p.1210
45
certeza de que ele influiu, mesmo por seus conselhos, nas opinies de minha
filha172.
H aqui, claramente, a preocupao de que o genro no assuma, como
preconizavam os jornais, o papel de real regente do Imprio. E essa preocupao de
isolar o marido da regente, tambm ficou evidente na atitude do ministrio conservador
que no autorizou sua permanncia ao lado de Isabel, quando esta assumiu o cargo
perante o presidente do Senado. Em represlia, ele no compareceu cerimnia.173
Isabel podia no ter experincia na administrao do Imprio, mas no era de
forma alguma alienada da poltica. Ela conhecia seu jogo e participava dele, como fica
evidente na correspondncia trocada com o pai, quando narra seu primeiro despacho.
Diz ela:
Quando entrei na sala, fiquei abismada, 5 enormes pastas recheadas,
algumas de uma maneira monstruosa, estavam-me esperando. Felizmente a
coisa foi mais fcil do que julguei primeira vista(...). Felizmente eram cartas
(...) para eu assinar e tambm para eu assinar uma infinidade de baronatos e
viscondatos.(...) Houve algumas exoneraes tambm a assinar, s quais no fiz
objeo(...) Papai ver pelos jornais a discusso do voto de graas que por fim
passou como o governo quis. Por pouco que a panela no se entornava e que eu
ficava, no posso dizer de calas pardas, mas em vestido pardo, com o molho
que escorresse e que eu tinha de limpar, o que no havia de ser nada cmodo.
De pasta em pasta, parece-me que houve talvez suscetibilidade demais. Amanh
irei ao Pao da Cidade receber as deputaes a este respeito do Senado e da
Cmara dos Deputados, a quem darei esta resposta lacnica como as suas e
pelo teor delas: Agradeo em nome do Imperador os sentimentos que
manifestam por parte do Senado (ou da Cmara dos Deputados) e a
cooperao que este (ou esta) promete ao Governo. (...)174
Ela tambm possua opinies prprias que muitas vezes divergia das do pai. E,
sem perder o carinho e o respeito que lhe era devido, no tinha o menor
constrangimento em censur-lo no que julgasse necessrio.
Por ter ressalvas recente unificao italiana, que havia submetido
politicamente o Vaticano e o Papa, dispara em carta a Pedro II: Perdoa-me meu
172
BARMAN, p.158
173
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 24/05/1871
174
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 04/06/1871
46
Papaizinho, mas s vezes Papai tem umas idias que no me quadram. Quem lhe
mandou ir abertura do Parlamento italiano? e mais abaixo na mesma carta: Duas
coisas no aprovo de sua viagem: esta ida ao parlamento italiano e o seguir as rezas
na sinagoga como se fosse um judeu!175
Isabel partilhava, por influncia de sua me e da educao recebida de sua aia, a
Condessa de Barral, de idias ultramontanas.176
O termo ultramontanismo era utilizado desde o sculo XI para designar os
cristos que defendiam o ponto de vista papal, mas, no sculo XIX, a palavra passou a
significar um conjunto de conceitos e atitudes que remetiam ao lado conservador da
Igreja Catlica e sua reao a um pensamento liberal que pregava a total liberdade do
indivduo sobre suas crenas e a no influncia da Igreja na esfera do Estado177.
Embora o Imperador se declarasse liberal de corao e respeitador dos
direitos alheios178, e portanto, bem mais flexvel em matria de religio, suas atitudes
no tinham aprovao da filha. A religiosidade de Isabel, no entanto, no significava
um despreparo para o governo. De acordo com Robert Daibert Jr , o que ela possua era
uma concepo que se confrontava com o anticlericalismo pregado pelas idias liberais
e positivistas, to em voga no perodo179.
Alm desse aspecto, Isabel tambm censurava o pai em questes morais: Vou
j ralhando. Nenhuma linhazinha para mim e acha tempo para visitar Georges Sand,
uma mulher de muito talento, verdade, mas tambm to imoral! E justifica sua
repreenso questionando o pai: Por mais incognitozinho que v, sempre se sabe que
o Sr. Pedro de Alcntara e no deve ser ele antes de tudo um bom catlico e portanto
afastar de si o que imoral? 180
A crtica de Isabel a George Sand, pseudnimo da escritora francesa Aurore
Dupin, que se utilizava dele para escapar dos preconceitos contra as mulheres escritoras
diz respeito ao aspecto moral e comportamental dela. Ela era divorciada, teve vrios
amantes, fumava charutos e vestia-se como homem, atitudes consideradas muito
ousadas entre as mulheres do sculo XIX. No entanto, Isabel no deixa de reconhecer
175
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 05/01/1872
176
Amrico Jacobina Lacombe atribui Condessa de Barral uma enorme influncia sobre Isabel no que
diz respeito ao aspecto religioso. Sendo responsvel pela educao das princesas, elaborou para elas uma
linha de conduta extremamente rgida em matria de f catlica. apud, DAIBERT JR, op. cit. 2007, p.97
177
BARATA, Alexandre Mansur. Luzes e Sombras: a ao da maonaria brasileira (1870 -1910).
Campinas, SP: Editora Unicamp, 1999, p. 102
178
Carta de Pedro II Isabel em 04/02/1888, apud, DAIBERT JR, op. cit, 2004, p.100
179
DAIBERT JR, op. cit, 2004, p.107
180
AHMIP AGP, XLI-2, carta 04/02/1872
47
nela seus dotes intelectuais. A repreenso feita ao pai denota uma preocupao em
preservar a imagem pblica do Imperador, associando-a religio catlica.
No campo da poltica, Isabel possua muitos pontos de divergncia em relao a
Pedro II. Durante essa sua primeira experincia a frente do trono, escreveu para seu pai
o que chama de seu testamento poltico. Eis o que diz: (os trechos em negrito foram
destacados por Isabel de uma carta recebida de seu pai, na qual este justifica sua ida ao
Parlamento Italiano)
(...) A abertura do Parlamento em Roma era a festa nacional porque a
maioria dos italianos queria e quer a unidade de toda a Itlia. Disse ao papa e
a Victor Emmanuel tudo o que pensava, e por conseqncia havia de ter
reprovado as violncias como o emperramento do Papa que, alis, sempre (...)
No discuto se a unidade da Itlia era pedida pela maioria dos italianos, mas o
que digo e que direi que ela foi obtida de uma maneira abominvel. V.E.
[Victor Emmanuel] que esperasse que a dita maioria lhe pedisse de ser rei! A
abertura do Parlamento em Roma era festa nacional e por isso l fui. Tambm
em Paris em 1793 as festas da deusa razo eram festas nacionais181 e papai l
teria ido figurar porque como curioso no sei quem lhe amarraria as pernas. O
emperramento do Papa ou o que o papai chama por esse nome no ser a
maneira porque esse bom velho julga poder sustentar a sua dignidade que no
s sua, mas a de todos os catlicos? No ser a sua tenacidade?! Esta minha
carta deve-lhe cheirar a artigo de fundo de jornal. No se espante disso.
Confesso minha fraqueza: estes tempos tenho lido e dou ainda muita ateno a
alguns artigos de fundo de jornais. Ainda no me acostumei a ler censura como
se ouve o grasnar dos ces. Ser isto um defeito? Talvez no de todo. uma
boa ou m nota como as que tnhamos quando estudvamos e que tanto nos
estimulavam a bem proceder; os mestres atuais so pouco imparciais verdade
dizer-se. E olhe que no so censuras feitas a mim, irrita-me porque as vejo
bem injustas e temo tambm que um dia no me cheguem muito por casa. O
meu maior fantasma o tal poder pessoal de quem o acusam, meu bom
papaizinho, e que julgo dever provir do emperramento que lhe atribuem. Vou
pr tudo em pratos limpos. A culpa no sua, ao menos no sua s. Papai tem
inteligncia, tem vontade (tenacidade ou emperramento se quiser) e meios de a
181
Festa republicana francesa de 1793, na qual o rei foi guilhotinado.
48
182
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 04/02/1871
49
188
COSTA, Emlia V. opus cit, p. 334
189
AHMIP, AGP, XLI 2, carta de 06/12/1871
190
Dirio do Rio de Janeiro, A Reforma, Jornal do Comrcio
191
AHMIP, AGP, XLII 3, carta de 21/07/1871
51
O Imperador, por seu turno, parecia confiar na deciso de ter deixado a filha em
seu lugar. Na correspondncia trocada entre eles, determina que: Dos negcios da
ptria nada direi, no s pela confiana que tanto me inspira, como por esprito de
coerncia bem aconselhada no esprito de todos.192
Numa avaliao do desempenho de Isabel feita pelos jornais durante seu perodo
de regncia, aqui exemplificado pelo Jornal do Comrcio, consideraram que ela foi
preservada de censuras e acusaes durante os debates na Cmara durante o ano de
1871, pois todos respeitaram o carter provisrio da regncia e fizeram justia
prudncia, dignidade e acerto com que se houve a princesa.193
Apesar da apreenso causada no meio poltico e rural quando de sua indicao
para ocupar a regncia, Isabel manteve uma postura prudente num perodo de mudanas
delicadas. Em sua correspondncia, no se mostrou ingnua, nem despreparada
politicamente. Essa opinio partilhada por Robert Daibert Jr194 e Roderick Barman195,
embora este ltimo, sem apresentar nenhum fundamento para isto, afirme que seu pai
no deu importncia s observaes feitas por ela em sua correspondncia, e sequer
estava interessado em sua opinio.196
O testamento poltico da Princesa Isabel, elaborado durante a primeira
regncia, serve como uma chave de compreenso para muitas de suas aes polticas
futuras.
192
Carta de Pedro II Isabel em 4/02/1872, apud DAIBERT JR, op. cit, 2004, p.100
193
Jornal do Comrcio de 05/01/1873
194
DAIBERT JR, op cit, 2004, p.107
195
BARMAN, op. cit, pp. 161-162
196
Idem, p.165
197
BARMAN, op cit, p.177
52
Em carta enviada ao marido, em 1865, demonstrava esse seu desejo da seguinte forma:
Isabelle teve uma filha. Isso recorrente entre as netas da vov. (...) Eu confesso que
quando for a nossa vez de ter filhos eu gostaria muito de colocar por terra essa regra.
Eu desejo que o primeiro filho que tivermos seja um menino.198
Por esta ocasio, j havia se iniciado os conflitos entre a Igreja e a Maonaria.
Desde 1864, o Conclio Vaticano I proclamara a infalibilidade papal em matria de
dogma e o Papa Pio XI adotara uma posio mais conservadora, condenando o
racionalismo, o comunismo, a maonaria, a separao entre a Igreja e o Estado, o
liberalismo, o progresso e a civilizao moderna.199 Em represlia, a maonaria passou a
adotar abertamente, uma posio anticlerical e anticatlica a partir da dcada de 1870.200
Como conseqncia, os maons foram proibidos de freqentar Igrejas e fazer parte das
irmandades, assim como os padres de freqentarem as reunies da maonaria. Os
principais bispos seguidores do ultramontanismo e que puseram em prtica esta deciso
no Brasil, no ano de 1872, foram D. Vital, de Olinda, D. Macedo Costa, do Par e D.
Pedro Maria Lacerda, do Rio de Janeiro.
A maonaria no Brasil era formada, sobretudo, por membros da elite poltica,
econmica e intelectual.201 As irmandades fizeram um apelo ao Imperador, com o
argumento de que, por no terem recebido sua aprovao, as bulas papais no poderiam
ter validade no Brasil. Os bispos foram advertidos pelo governo que deveriam declarar
sem efeito os seus atos, j que aqui, a constituio das ordens Terceiras e Irmandades
era de competncia exclusiva do poder civil, e a atitude dos bispos, portanto, teria a
caracterstica de usurpao do poder temporal do Imprio.202 Por carta ao seu pai, Isabel
posicionava-se sobre a questo:
O negcio dos bispos tambm me inquieta bastante. Poderiam eles ser mais
prudentes? O que acho porm que o governo quer se meter demais em coisas
que no deveriam ser de seu alcance. (...) Devemos defender os direitos dos
cidados brasileiros, os da constituio, mas qual a segurana de tudo isso, dos
juramentos prestados se no obedecemos em primeiro lugar Igreja?203
198
AHMIP AGP, XLI-1 carta de 24/10/1865
199
BARATA, op. cit, p.103
200
COLUSSI, op. cit, p.32
201
COLUSSI, op. cit, p.30
202
BARATA, op. cit. p.94
203
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 31/08/1873
53
204
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.162
205
ABREU, Martha. O Imprio do Divino:festas religiosas e cultura popular no Rio de Janeiro, 1839
1900. RJ: Novas Fronteira, SP: Fapesp, 1999, p.314
206
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 31/08/1873
207
COLUSSI, op.cit. p. 7
208
BARATA, op. cit. p.133
54
209
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 17/05/1874
210
LACOMBE, op. cit, p.182
211
A fixao mstica dos Dois Corpos do Rei foi propagada pelos juristas ingleses no perodo Tudor
e teve origem na histria do rei George III que precisou ir ao Parlamento pedir permisso para possuir
terra como homem e no como rei.(...) Assim declararam os juzes elisabetanos e assim comea seu
misticismo: conquanto ele [o rei] tenha ou receba terra em seu Corpo natural, embora a esse Corpo
natural esteja unido o seu Corpo poltico, que contm sua riqueza e dignidade reais; e o Corpo poltico
inclui o Corpo natural, mas o Corpo natural o menor e com ele o Corpo poltico consolidado. Assim,
o fato de que ele possui um corpo natural, adornado e investido de Riqueza e Dignidade real; e ele no
tem um corpo natural distinto e separado por si mesmo do cargo e Dignidade reais, mas um Corpo
natural e um Corpo poltico inseparveis; e esses dois Corpos esto incorporados em uma nica pessoa,
e compe um Corpo e no diversos, ou seja, a Corporao no Corpo Natural, et e contra o Corpo
natural na Corporao. De sorte que o Corpo poltico a si (corpo poltico que contm o Cargo, o
Governo e a Majestade reais) magnificado e pela referida consolidao contm em si o corpo
poltico. KANTOROWICZ, Ernest H. Os Dois Corpos do Rei. SP: Cia das Letras, 1998, pp . 17 - 23
212
BARMAN, op. cit, p.179
213
Idem, p.180
55
uma casa em Petrpolis, que mais tarde compraria, e o casal se mudou para l. No incio
de abril de 1875, Isabel teve a confirmao que estava grvida novamente.
O medo de outro insucesso a fez desejar ter junto a si o mdico francs Dr.
Depaul. A este respeito, escreve o Conde dEu a seu pai:
(...) Pelo lado pessoal, o Imperador, como de hbito, totalmente contrrio a
trazer quem quer que seja da Europa. Mas ser necessrio que ele passe por
isso, porque Isabel teima absolutamente em ter Mme de Soyre que nos foi to
til no ano passado e do Dr. Depaul e se considera (com exagero na minha
opinio) como fadada ao maior perigo se ela no os tiver.(...).214
No perodo desta sua segunda gravidez, Isabel passou pelo que poderia ser
considerado um quadro depressivo, diagnosticado como histerismo, por seu mdico
assistente.215 o Conde que relata:
(...) O estado de Isabel agravou-se de uma maneira que comea a tornar-se
inquietante. No somente ela chora e se lamenta sem razo como ela no quer
mais que lhe dirijam a palavra, nem mesmo que se fale diante dela, de sorte que
estamos todos em casa reduzidos ao silncio, e hoje, embora ela no tenha
nenhum sofrimento fsico, no quis deixar seu leito at agora (1 hora da tarde)
a fim de almoar sozinha, e que mesmo suas damas de quarto no tivessem
motivos para entrar nele. Como nico recurso para sair destas alucinaes,
estamos decididos a ir para o Rio e nos estabelecermos em So Cristvo, nem
que seja por duas ou trs semanas. (...).216
Por esta ocasio, a Questo Religiosa tinha novos lances. Pressionado por
inmeros protestos e abaixo-assinados, o governo conservador nomeado em 1875
concedeu anistia aos bispos presos. Menos de um ms depois, chegou um telegrama de
Roma comunicando o levantamento pelo Papa do interdito contra as irmandades.
A maonaria se revoltou com esse desfecho, que eles consideraram humilhante.
E, devido a forte religiosidade da princesa, que envolvia idias ultramontanas, uma
significativa parte dos maons a considerou culpada pela anistia aos bispos.
Iniciava-se aqui a construo de sua representao como uma fantica
religiosa. Segundo Roger Chartier, a representao a forma atravs da qual uma
determinada realidade social construda, pensada, dada a ler. Elas so produzidas e
214
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 20/04/1875
215
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 06/09/1875
216
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 02/08/1875
56
219
MOREL, Marco & SOUZA, Franoise J. O. O Poder da Maonaria: a histria de uma sociedade
secreta no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008, p.172
220
MOREL& SOUZA, op. cit, p.174
221
Idem, p.173
222
BARMAN, op. cit, p.186
58
223
AHIMP, AGP, XLII-3, carta de 27/09/1875
224
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 20/04/1875
225
BARMAN, op. cit, p.190
226
Dirio do Rio de Janeiro, A Reforma, Jornal do Comrcio, Gazeta de Notcias e O Mequetrefe
59
227
Dirio do Rio de Janeiro de 10/10/1875
60
239
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 14/04/1876
240
Idem
241
Michel Foucault desenvolveu a noo de subjetivao, que seriam formas, atravs das quais os
prprios sujeitos participariam de sua construo como sujeitos morais, aceitando, recusando,
incorporando, apropriando-se diferenciadamente das linguagens existentes num determinado momento
histrico para construrem suas identidades pessoais, sociais e sexuais. RAGO, Margareth. Foucault,
Histria e Anarquismo, Achiam, 2004, pp. 84/85
242
AHMIP, AGP, XLI-2, carta de 14/04/1876
63
243
Gazeta de Notcias de 01/07/1876
244
AHMIP, AGP, LXII-3, carta de 03/07/1876
245
BARMAN, op. cit, p.192
246
Gazeta de Notcias de 02/11/1876
247
Dirio do Rio de Janeiro de 03/11/1876
248
Gazeta de Notcias de 07/11/1876
64
uma senhora fantica, dama do pao, ntima da regente e dos jesutas e de ser ela
um achado para a diplomacia negra. A Condessa de Barral governa e administra o
pas enquanto o Sr. Cotegipe reina. A regente assina tudo quanto o ministro do imprio
lhe apresenta de acordo com a sua conselheira que est em Paz.249
Novamente divulga-se a idia de que a princesa no pensa por si s e que
depende sempre da influncia ou opinio de outrem para que tome suas decises, desta
vez, no do marido, mas da antiga preceptora ou do seu Ministro.
O Conde dEu relata toda essa polmica em carta ao pai:
(...) a dita questo religiosa continua a nos preocupar. A propaganda anti-
religiosa segue na imprensa e se esfora para fazer surgir incidentes que lhe
venham em auxlio. Anteriormente [2/11/1876] anunciaram com estrondo que o
Ministro do Interior, de acordo com Isabel, lhe havia apresentado um decreto
excluindo os francos-maons das confrarias religiosas, que o presidente do
Conselho havia protestado contra, oferecendo demisso e que se havia
consultado o Imperador por telgrafo. Em toda essa narrativa no havia uma
palavra de verdade: jamais houve questo de medidas contra os maons nas
conversas de Isabel com os ministros. O prprio Internncio est
tranqilamente em Petrpolis h um ms e que eu saiba no entrou em
discusses sobre tal matria. Assim, no dia seguinte, o jornal oficial anunciou
que esta notcia era inteiramente inexata. A redao deste desmentido, na
minha opinio, no estava bastante categrica; tambm no conseguiu
produzir todo o efeito desejado e acalmar inteiramente a agitao causada por
esta audaciosa mentira. A polcia soube que se preparava uma demonstrao
popular para felicitar o presidente do Conselho por sua pretensa atitude e pde
impedi-la. A partir de ento, alguns artigos semi-oficiais demonstraram pouco
a pouco o absurdo das notcias inventadas. Mas a preveno pblica sobre esse
assunto tal que o menor passo em falso pode produzir incidentes os mais
desagradveis.250
Como complementao deste assunto destaco um trecho de uma carta enviada
pelo Conde dEu a seu antigo professor Julio Gauthier, com quem se correspondia com
regularidade:
249
O Mequetrefe de 17/11/1876
250
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 08/11/1876
65
251
Apud RANGEL, Alberto. op cit,, pp.324-325
252
Apud BARMAN, op. cit, p.201
253
O Mequetrefe de 28/08/1877
66
254
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 29/11/1877
255
A Reforma de 28/09/1877
256
Gazeta de Notcias de 28/09/1877
257
Idem
258
Deputado por Minas Gerais
259
Durante este perodo em que Isabel esteve na regncia, Gasto de Orlans teria passado por agitaes
nervosase por recomendao mdica tirara alguns perodos de frias longe do agito poltico. BARMAN,
op. cit, p.200
67
1.4 - A MATURIDADE
Barman considera que este perodo passado fora do Brasil, conferiu mais
autonomia Isabel, em especial no que diz respeito sua vida cotidiana. Isto seria
conseqncia de uma mudana no discurso sobre o gnero j em voga nos pases mais
desenvolvidos da Europa, nova forma de capitalismo industrial, que haviam criado
uma economia mais diversificada e uma ordem social mais complexa e s novas formas
de consumo que ampliaram o espao destinado s mulheres.261
Concordo com a opinio de Barman, segundo a qual sua autonomia tambm
teria sido ampliada em relao ao marido, tendo ela se tornado o membro mais forte do
casal,262no especificamente durante sua estadia na Europa, mas durante a convivncia
dos prncipes em sua vida conjugal. O Conde sempre tivera uma sade mais frgil,
sujeita a manifestaes em decorrncia de tenses nervosas. Ele prprio confessava em
carta Jules Gauthier: Dado o meu carter, a nica vida que convm minha sade
260
Gazeta de Notcias de 03/10/1877
261
BARMAN. op. cit. p.220
262
BARMAN, op. cit. p.225
68
263
AHMIP, AGP, XLII-30, carta de 17/06/1876
264
PINHO, op. cit, p. 109
265
ELIAS, op. cit, p.97
266
PINHO, op. cit, p.10
267
LACOMBE, op. cit, p.161
69
268
Apud RANGEL, op. cit, p.340
269
BARMAN, op. cit, p.228
270
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.158
271
LYNCH, Christian Edward Cyril. Origens ideolgicas da ordem constitucional de 1891. Trabalho
apresentado no XIII Congresso Brasileiro de Sociologia , em Recife, de 29/05 a 01/06 de 2007. Grupo de
trabalho 16: Pensamento Social no Brasil.
70
sua vida como ftil272 e para o Conde dEu, procuravam construir a imagem de
estalajadeiro,273 negociante de secos e molhados274 e de cabea oca.275
No final de 1883, o Imperador foi diagnosticado como portador de hepatite. A
recuperao de sua sade no incio de 1884 provocou o seguinte comentrio neste
mesmo jornal: Deus o conserve [o Imperador] em perfeita sade por largos anos e
bons, porque, assim como assim, antes um mau Bragana do que um pssimo
Orlans.276
Novamente nas entrelinhas do pequeno comentrio, duas idias recorrentes no
pensamento da poca: a primeira que, na falta de D.Pedro II e com sua substituio no
trono por sua filha Isabel, no seria ela, mas seu marido, um Orlans, quem estaria a
frente do Imprio. A segunda era o desejo que o Terceiro Reinado fosse adiado ao
mximo.
No campo da poltica, o ano de 1884, marca o acirramento na campanha
abolicionista. Na chefia do gabinete ministerial do Imprio estava o liberal Manoel
Pinto de Souza Dantas, nomeado em junho. A Confederao Abolicionista estava em
plena atividade e em maro deste ano a Provncia do Cear havia sido a primeira a
libertar seus escravos. A cultura do caf, principal produto da economia de ento, havia
se deslocado, em boa parte, do Vale do Paraba para o noroeste paulista, e nas
provncias do sul crescia a idia republicana. A sade do Imperador, comprometida pela
diabetes, limitava suas atividades.
Neste contexto, em outubro de 1884, o Conde dEu projetou, para ele e sua
famlia, uma viagem visitando as provncias de So Paulo, Paran, Santa Catarina e Rio
Grande do Sul,277numa aparente mudana de estratgia. Parecia ter, aos olhos dele,
chegado o momento do casal assumir um papel mais destacado no cenrio poltico.
O gabinete, procurando cultivar o apoio de Isabel, cada vez mais prxima do
trono em virtude dos problemas de sade do Imperador, aprovou a idia.278 A viagem
teve carter oficial e, sobretudo, poltica. Segundo o jornal O Pas279, no embarque dos
272
O Mequetrefe, de 30/08/1883
273
Idem, de 30/08/1882
274
O Mequetrefe, de 20/10/1882
275
Idem, de 10/08/1883
276
Idem, de 10/01/1884
277
RANGEL, op. cit, p.353
278
BARMAN, op cit, p.234
279
O Pas de 06/11/1884
71
prncipes esteve presente todo o conselho de ministros e a viagem foi acompanhada por
correspondentes de vrios jornais.
O casal viajou acompanhado de seus trs filhos e durante todo o perodo de
afastamento da Corte, Isabel manteve correspondncia diria com seu pai. Parte dela,
que diz respeito sua visita provncia de So Paulo, foi publicada, em 1957 por
Ricardo Gumbleton Daunt280sob o ttulo de Dirio da Princesa Isabel e que me
proponho a analisar neste momento.
Uma das primeiras coisas que chama a ateno era a estratgia que os prncipes
utilizavam para atender a todos os compromissos. Enquanto um visitava um local ou
cidade, o outro assumia um compromisso diferente. No dia 11 de novembro, por
exemplo, relatava Isabel: em Sorocaba deixei Gaston, e s 4 e meia estvamos em So
Paulo281, ou ainda, no dia 17 de novembro Partimos s 11 e meia e s 4 nos
achvamos em So Paulo, tendo deixado Gaston na Estao de Cordeiro, devendo ele
ir a Araras e outros pontos282. Embora no haja especificao em sua correspondncia,
de como se dava essa diviso, o fato de visitarem, quase simultaneamente, lugares
diferentes, demonstra que eles durante esta viagem, buscaram partilhar os papis de
representatividade do Imprio, no que diz respeito esfera pblica. Deve-se ressaltar,
no entanto, que os compromissos mais importantes foram cumpridos pela Princesa ou
pelo casal.
Na maioria das vezes os filhos acompanhavam a me em seus compromissos:
Visita, com Pedro e Lus Santa casa da Misericrdia,283ou Com Pedro e Lus, fui
importante fbrica de tecidos e impresso de chitas de Diogo de Barros284. Mas, por
vezes, os meninos acompanhavam o pai: Os meninos vo ir ao Seminrio com
Gaston.285o que demonstra haver tambm uma diviso no campo privado, no que diz
respeito ao cuidado com os filhos.
Como representante da Coroa, Isabel preocupava-se com o contato com os
sditos. Seguindo os hbitos de seu pai286, marcou para as pessoas que nos quiserem
vir ver, 7 horas da noite, em qualquer dia, que aqui estivermos.287A recepo calorosa
280
DAUNT, Ricardo Gumbleton. Dirio da Princesa Isabel. So Paulo: Editora Anhembi Ltda, 1957.
281
Idem, p.31 carta de 11/11/1884
282
Idem, p.36 carta de 17/11/1884
283
Idem, p.29 carta de 9/11/1884
284
Idem, p.37 carta de 18/11/1884
285
Idem, p.40 - carta de 21/11/1884
286
CARVALHO, op. cit. 2007, p.94
287
DAUNT, op. cit, p.28 carta do dia 8/11/1884
72
o que sugere a notcia publicada no jornal O Pas do dia 10/11/1884: (...) Do Braz,
Suas Altezas recolheram-se a palcio, dando, enfim, descanso aos pobres
correspondentes que desde a manh andavam em uma faina contnua (...)
A viagem da famlia imperial Provncia de So Paulo inclua uma srie de
visitas oficiais e particulares, que iam desde Cmara, Assemblia e Palcio do
Governo a uma infinidade de igrejas, escolas, hospitais, fbricas e fazendas. Em sua
escrita, Isabel se mostra uma pessoa detalhista descrevendo os lugares onde se
hospedava e visitava. Observava a decorao e a arquitetura das construes, ora para
elogiar, ora para tecer suas crticas. Seu olhar era atrado constantemente para as belas
paisagens e jardins: Parada em Sorocaba (...) Antes, tnhamos atravessado bonitos
campos cheios de flores, entre outras das de jalapa do campo, grandes e pequenas de
cor rosa e escarlate, muitssimos bonitas290 Em seus escritos, as flores e a msica
aparecem com freqncia291. So muitos os comentrios que faz a respeito dos nmeros
musicais que presencia, encontrando, alm disso, um tempo para que ela prpria tocasse
piano: Dia de descanso e arranjo: estudei um pouco de piano.292
O conforto e beleza dos locais onde se hospedavam tambm eram objetos de
suas observaes. Sobre a residncia do Baro de Trs Rios, na cidade de So Paulo,
por exemplo, comenta: Casa magnfica, arranjada com muito gosto, cravos a valer e
lindos, begnias magnficas, cama macia, um bom piano que fiz vir da casa Levy.293
A prtica do Catolicismo era uma de suas caractersticas pessoais e, portanto,
relata convites e ida missas, Te-Deuns e visita a Igrejas, as quais merecem uma
avaliao crtica detalhada, como esta, feita em Lorena:
Visita Igreja, bem bonita, sobretudo interiormente, a no ser um santo que
teriam feito melhor vestir, sendo de mrmore e um baldaquim escarlate com
uma armao de pau, que teriam feito melhor suprimir. As torres no me
agradam muito, e no acho, igreja, um cunho muito religioso.294
curioso observar, no entanto, neste dirio escrito para seu pai, que os nicos
aspectos abordados em suas visitas s igrejas dizem respeito arquitetura e decorao
das mesmas. Isso poderia ser explicado por uma caracterstica do ultramontanismo, que
dava preferncia s igrejas e cerimnias vistosas,que apelariam mais ao corao, do
290
DAUNT, op. cit, p.30 carta de 10/11/1884
291
BARMAN, opus cit, p.228
292
DAUNT, opus cit, p.28, carta de 07/11/1884
293
Idem, p.28 carta de 6/11/1884
294
Idem p.27 carta de 6/11/1884
74
que razo 295, ou pelo fato de, em sua escrita para o pai, desde criana, demonstrar
pouco sua religiosidade.
Contrariando a imagem divulgada na imprensa da poca de que seria uma de
fantica religiosa, o excesso de programaes assumidas durante sua viagem fez com
que ela usasse de artifcios para escapar a alguns compromissos religiosos:
Chegada Piracicaba s 3 horas. Visita casa de campo de Estevo de
Resende, Ida ao Salto (quiosque) de que gostei muito, visita fbrica de
bordados e fbrica de fiao do Queiroz, genro do Conselheiro Otoni, bem
montadas. Grande complicao por causa do Te-Deum, do qual ouvimos falar,
mas para o qual, por confuso, no nos tinham convidado positivamente.
Bastante cansada, no falei nele e, afinal, disseram-no sem ns.296
As visitas sociais tambm ocuparam grande parte do tempo da Princesa. Ora era
ela quem visitava, ora era visitada. Na carta que escreve a seus pais no dia 14 de
novembro de 1884, ela faz o seguinte resumo:
Eis as pessoas mais conhecidas que temos visto em So Paulo: Condessa de
Lages e seu filho Sebastio; Isabelinha de Morais e seu filho Pedro (...); Duarte
de Azevedo, filha e genro; um filho do Jaguaribe, doutor e a senhora; Pdua
Fleury, diretor da Faculdade; Artidoro Xavier Pinheiro; os lentes da faculdade,
entre os quais Benevides, irmo do Bispo de Mariana; o Couto Magalhes, com
quem j est ajustada uma pescaria para tera-feira no Tiet; o Presidente de
Almeida Couto e famlia; Joaninha Borges Itana e marido; Visconde de Itu;
Baro de Mossor. Esqueo-me provavelmente de vrios297
Eis uma boa amostra da rede de sociabilidades que a envolvia em sua viagem.
Como permanncia dos tempos do absolutismo, ter o privilgio de comparecer
presena da herdeira do trono, ou ser visitado por ela, era extremamente importante na
escala de valores sociais.298 No meio de tantos compromissos, no entanto, ela
encontrava espao para momentos de lazer, para si e seus filhos, que relatava com bom
humor:
Ida ao Ypiranga: ns [Isabel e Gasto] e os dois meninos mais velhos
[acompanhados de vrias pessoas que relata na carta] Na volta o cavalinho de
295
BARMAN, op. cit, p.182
296
DAUNT, p.32 carta de 12/11/1884.
297
Idem, p.34 carta de 14/11/1884
298
ELIAS, Norbert. op. cit, p.94
75
Pedro achou que devia banhar-se nas guas do Ipiranga o bisneto de Dom
Pedro I, e deitando-se nelas, fez tomar Pedro um banho completo299.
Ou ainda:
Sa de manh, a p, com os meninos, para uma pescaria, num remanso, no
muito longe da casa. Morte de 3 peixes, mas antes de duas pequenas jararacas,
que formavam j o bote para o Pedro. Graas a Deus, algum avistou-as e
gritou a tempo. 300
A sade dos filhos e marido mostra ser tambm uma preocupao constante da
Princesa: Achei, porm, ao chegar, Antnio, ainda tossindo um pouco, mas muito
contentinho.301 Gaston (...) ainda sofreu bastante dos olhos, que lhe doem desde
Ipanema302.
Mas no so apenas a famlia, flores, msica, decorao e igrejas, coisas que
fariam parte do chamado universo feminino do sculo XIX, os objetos da avaliao da
Princesa.
Na visita que faz Real Fbrica de Ferro de So Joo do Ipanema, por exemplo,
suas preocupaes envolvem aspectos polticos, administrativos e econmicos:
Visita de toda a fbrica, fornos altos, forno para ao ainda sem estar acabado,
fundies, edifcio muito grande para novas oficinas, etc, etc. Explicaes sobre
tudo isso e maneira de proceder(...) Infelizmente arranjos em parte primitivos,
sem dinheiro por ora para muito mais, e o que pior ainda, meios de transporte
to caros, que o ferro de Ipanema, em Santos, custa trs vezes mais caro, que o
vindo da Europa.303
Questionando o assunto, prope solues:
Se a fbrica estivesse instalada com todos os melhoramentos conhecidos, teria
diminudo essa diferena, ou depende ela s do transporte? E se fosse
arrendada Ipanema a uma Companhia?.304
Em visita ao Engenho Central de Capivari seus comentrios so direcionados
para aspectos que envolvem segurana e melhores condies de trabalho:
299
DAUNT, op. cit, p.40 - carta de 23/11/1884.
300
Idem, p.28 - carta de 07/11/1884.
301
Idem, p.36 - carta de 18/11/1884
302
Idem, p.36 - carta de 16/11/1884
303
Idem, p.30 carta de 10/11/1884
304
Idem
76
Engenho muito grande, muitos boas mquinas, agradou-me muito, assim como
o acolhimento que a nos fizeram; entretanto, por ora, creio o de Lorena melhor
como simplificao para o trabalho, a tudo est ligado, tudo se aproveita.
Duas coisas porm h neste que no me lembro ter visto no outro: uma oficina
para consertar as mquinas, e aparelhos, em vrios lugares, para extinguir
incndios.305
Desde sua primeira viagem Europa, Isabel havia sido incentivada por seu pai a
visitar e conhecer o funcionamento das indstrias nos pases considerados mais
avanados. E, segundo suas cartas da poca, havia escolhido a Inglaterra como modelo,
considerando que, com o tempo, o Brasil poderia alcanar o mesmo nvel de
desenvolvimento, o que demonstra que a princesa no seria contrria s idias de
progresso, pelo menos no que diz respeito ao aspecto de desenvolvimento tecnolgico.
Outro alvo de suas avaliaes so os estabelecimentos de ensino que visita. Ao
presenciar na Faculdade de Direito de So Paulo os exames de doutoramento que
estavam sendo a realizados, critica sua falta de rigor ao afirmar:
Assistimos ao exame de um aluno do 5 ano. Que exame, meu Deus, e me
dizem que assim so muitos!?, e quando eu pensava que houvesse talvez dvidas
em aprovar o rapaz, vejo-o muito concho para passar ao doutoramento!
Exames mais complexos passei eu!306
Tal afirmao, alm de mostrar sua reprovao ao nvel dos exames
presenciados, evidencia a educao extremamente rgida que teve a Princesa.
As instalaes de escolas tambm so alvo de crtica: Visita ao Seminrio
episcopal, perto de 200 meninos, e por isso mesmo um pouco apertado. 307A falta de
material escolar na escola pblica assinalada por ela: Antes da fbrica passamos pela
escola pblica (...); a professora disse que os meninos traziam os livros de casa e que
havia grande falta de outros.308
A construo de um hospital moderno motivo para elogios da princesa:
Visita com Pedro e Lus Santa Casa de Misericrdia, nova, contendo j enfermarias
para 150 doentes, planos segundo as idias modernas sobre hospitais e muitssimo
bonito.309 A preocupao com a modernidade, to caracterstica do perodo, um
305
DAUNT, op. cit, p. 31 carta de 12/11/1884
306
Idem, p.28 carta de 08/11/1984
307
Idem, p.29 carta de 09/11/1884
308
Idem, p.30 carta de 10/11/1884
309
DAUNT, op. cit, p.29 carta de 09/11/1884
77
reflexo das novas correntes cientificistas oriundas da Europa e Estados Unidos, que
tiveram aqui no Brasil a Gerao de 70310como seus principais divulgadores.
Apesar de ser um ano de recrudescimento da campanha abolicionista, a questo
servil um ponto em que Isabel tocou em apenas uma ocasio: Visita Cmara
Municipal [de Itu] (...) onde entreguei 14 cartas de liberdade, arranjadas por meio de
um fundo de emancipao. Os senhores pareciam mais contentes do que os prprios
libertos.311 Embora totalmente favorvel ao fim da escravido, Isabel mantinha a
postura de conceder a liberdade como um ato de caridade.
A questo dos imigrantes que progressivamente estavam substituindo a mo de
obra escrava nas fazendas paulistas foi foco de comentrio em duas ocasies: a
primeira, ao visitar a fazenda Santas Gertrudes, em Rio Claro, de propriedade do Conde
de Trs Rios, assinalou: H olaria, serraria, e comeo de casa para colonos.312A
segunda ao relatar a visita de seu marido hospedaria de imigrantes:
Gaston foi ver a hospedaria para imigrantes, onde estes se hospedam, grtis,
durante certo nmero de dias. Achou camas bastante ordinrias e sujas, mas
muitas; l disseram que os imigrantes se achavam muito satisfeitos de encontr-
las mas tambm que raras vezes ficavam l mais de uma noite, porque os
fazendeiros logo os levavam.313
No dia 27 de novembro de 1884, Isabel e sua famlia seguiram viagem para as
provncias do sul do pas, despedindo-se da cidade de So Paulo. Talvez
involuntariamente, numa viso futurista, a Princesa teceu um comentrio sobre a
cidade:situao magnfica e proporo para uma cidade esplndida, alguns edifcios
bonitos, mas em geral nenhuma arquitetura e muita linha torta.314
Aps o trmino da anlise deste dirio, podemos ter um bom painel dessa Isabel
mais madura315 e experiente, num perodo mais prximo quele em que poderia vir a se
tornar Imperatriz do Brasil. Ela mantm as caractersticas femininas prprias de sua
poca e de sua condio social. A religiosidade era parte do seu cotidiano.
310
Como ficou conhecida a nova elite de jovens intelectuais, polticos e militares, dominados por uma
mentalidade cientificista oriunda da Europa, com forte influncia positivista e darwinista, que exigiam a
transformao no pas visando inseri-lo num padro de progresso e civilizao. SALLES, op cit. 1996,
p.173
311
DAUNT, opus cit. p.32 carta de 13/11/1884
312
Idem, p.35 carta de 15/11/1884
313
Idem, p.38 carta de 21/11/1884
314
Idem, p.29 carta de 08/11/1884
315
Isabel contava 38 anos de idade.
78
Concordo com Robert Daibert Jr quanto este afirma que sua viso de mundo foi
construda a partir de sua religiosidade catlica permeada por idias ultramontanas,
acrescida dos valores do seu tempo.316 Isto, no entanto, no serve, de forma alguma,
para qualific-la como uma fantica religiosa.
Isabel mostra-se uma mulher inteligente, observadora, interessada em poltica e
economia, valorizando o que moderno. Possuindo uma maneira prpria de ler sua
educao, demonstra ter conscincia de seu papel dentro do Imprio e o desempenha
com aparente desenvoltura.
Discordo de Roderick Barman quando este afirma que ela viveu uma existncia
subordinada, explorada e limitada e que seu gnero tenha impedido que, antes dos
quarenta anos, ela desenvolvesse um senso de agncia nos negcios pblicos.317 No
contexto do sculo XIX, a aceitao de determinadas regras pelas mulheres no
significava, necessariamente, alienar-se, mas construir recursos que lhe permitisse
deslocar ou subverter uma relao de dominao.318 O fato de ser mulher no a impediu
nem de ter uma educao privilegiada, nem de que ela constitusse uma viso poltica.
Penso tambm que no se deve enquadrar Isabel dentro de parmetros rgidos,
como fazia a propaganda republicana e anticlerical de parte de seus contemporneos,
que por um bom tempo foi mantida na historiografia. Ao classific-la, como
ultramontana, tinham-na tambm como anti-liberal, querendo com isso desqualific-
la para assumir o imprio.
Embora no caso de figuras pblicas de grande peso, o espao privado e o pblico
muitas vezes se confundam, o catolicismo dela, apesar de sabido por todos, estava
muito mais relacionado sua vida privada. Foi a propaganda republicana quem tentou
traz-lo para o espao pblico. Tanto no caso da unificao italiana como na poca da
questo religiosa, ela foi solidria posio tomada pela Igreja, mas no estava no
poder, e suas opinies foram divulgadas no mbito familiar. No h registro de
nenhuma ocasio em que Isabel tenha se manifestado publicamente sobre este assunto.
Prefiro classificar Isabel como uma mulher de seu tempo,319 pois ela no era nem
anacrnica, nem uma estranha no ninho. Criada dentro de uma cultura poltica
316
DAIBERT JR. op. cit, 2007, p.286
317
BARMAN, op. cit. p.330
318
SOHIET, Rachel . Histria das Mulheres e Relaes de Gnero: algumas reflexes In Revista Digital Com
Cincia, n50, Dezembro /Janeiro 2003- Mulheres nas Cincias, disponvel em:
http://www.comciencia.br/reportagens/mulheres/16.shtml
319
Os homens se parecem mais com seu tempo do que com seus pais Provrbio rabe.
79
320
COSTA, opus cit, p.501
80
CAPTULO 2
O REINADO DE ISABEL
Cabe aqui uma discusso da historiografia atual sobre as ligaes entre a revolta
do vintm e o republicanismo. Ao classificar seus agentes como militantes
republicanos, fica evidente que para Jos Murilo de Carvalho haveria uma ligao
direta entre a revolta do vintm e o republicanismo. Para ele, a principal motivao de
Trovo, Patrocnio e outros lderes do movimento teria sido a de angariar simpatizantes
para o Partido Republicano. Estudos mais recentes, no entanto, nos apontam que esta
idia, surgida ainda no calor dos acontecimentos, seria fruto de uma batalha de
discursos entre o governo e os jornalistas citados acima. A insistncia do governo em
ligar o republicanismo a movimentos populares, no caso, a revolta do vintm, teria
como objetivos deslegitim-la e esvazi-la. Segundo Gustavo Rezende, a revolta do
vintm trouxe trs grandes inovaes no cenrio poltico do pas: atrair o povo para o
centro dos debates parlamentares, a participao popular de massa, e a interao entre
indivduos de variadas camadas sociais. Ela teria desencadeado o surgimento de uma
nova cultura poltica, na qual o povo sairia da obscuridade para se tornar um dos
principais atores polticos327
No entanto, apesar de provocar adeso de alguns polticos e acontecerem
intensos debates, os projetos abolicionistas no conseguiam contagiar a maioria da
Cmara por ser ela formada, sobretudo, por membros oriundos da oligarquia rural.
Alm disso, no repercutiu na populao votante, j que os candidatos que defendiam o
abolicionismo foram derrotados nas eleies de 1881328.
Um dos primeiros jornais abolicionista foi a Gazeta da Tarde (1881). No incio
da dcada de 1880, a maior parte da imprensa ainda estava direta ou indiretamente
ligada aos interesses agrcolas e comerciais e por esse motivo, o movimento
abolicionista recebeu pouco apoio dela nessa fase inicial. Segundo a anlise feita por
Emlia Viotti da Costa, os bacharis e intelectuais que escreviam nos jornais eram
ligados elite por laos de famlia, amizade ou clientela tornando-se, freqentemente,
porta-vozes dos grupos dominantes. A expanso do mercado interno, no entanto,
permitiu que os bacharis fossem adquirindo uma certa independncia em relao a
esses grupos, buscando para si, numa atitude paternalista, o papel de defensores do
povo, apoiando idias novas e movimentos polticos dissidentes, tornando-se
emissrios do progresso. Este progresso, entretanto, segundo a autora, seria filtrado
327
REZENDE, op. cit, cap.3
328
CONRAD, op. cit.,p.205
83
329
COSTA, Op. cit. p.14
330
CONRAD, Robert, opus cit, p.236
331
MORAES, Evaristo de ,A escravido - da supresso do trfico lei urea,in Revista do IHGB,
Congresso Internacional de Histria da Amrica, vol 3, 1922
332
ALONSO, Angela. Joaquim Nabuco. So Paulo. Cia das Letras, 2007, p. 183
84
Teria sido esta proposta o que teria aproximado os abolicionistas dos planos de Dantas,
tornando-os seus ferrenhos defensores333.
Entretanto, a apresentao do projeto ocasionou a derrubada dos preos dos
escravos e das terras334.Os setores escravistas reagiram e o projeto foi derrotado por dois
votos. Dantas caiu e foi substitudo pelo ministro, tambm liberal, Jos Antnio
Saraiva. Este, contando com o apoio do conservador baro de Cotegipe, introduziu
algumas modificaes no projeto original de Dantas, estabelecendo que os escravos a
serem libertados por esta lei deveriam trabalhar mais cinco anos a ttulo de indenizao
aos seus proprietrios at ficarem definitivamente livres e o reapresentaram ao
Parlamento, sendo finalmente aprovado em 28 de setembro de 1885. Desta forma, a Lei
dos Sexagenrios acabaria por beneficiar os senhores que ficariam livres do encargo de
manter seus escravos velhos e doentes.335 Pouco depois da aprovao da lei, Saraiva
pedia demisso. Com a recusa de outros polticos liberais em assumir o Ministrio, este
voltava para a mo dos conservadores e Cotegipe era nomeado o Presidente do
Conselho de Ministros
A idia abolicionista avanava e, por volta da metade da dcada de 1880, Isabel,
assim como os demais membros da Famlia Imperial, passara a manifestar apoio mais
evidente ao movimento em favor do fim da escravido com a organizao de
quermesses nas quais recolhia fundos destinados libertao de cativos. A esse
respeito, assim se manifestava o jornal republicano O Mequetrefe no ano de 1886:
Esto reabilitadas as quermesses graas sua Alteza Imperial, sra D.
Isabel.(...) A famlia Imperial d o exemplo de contribuio: O imperador bebe
gua a dez mil ris cada um, a Imperatriz pesa-se, o Conde dEu atira ao alvo,
o prncipe D. Pedro [Augusto] fuma.336
Gradativamente Isabel ia sendo encarada como uma dirigente abolicionista.
No dia de seu aniversrio no ano seguinte, em artigo publicado no jornal O Pas,
Joaquim Nabuco dirigia-se ela denunciando a condenao de quatro escravos pena
de 300 aoites, que provocou a morte de dois deles. Nabuco apelava para os bons
sentimentos da princesa na inteno que esta ajudasse a causa abolicionista para que tal
333
SANTOS, Cludia Regina Andrade dos. Abolicionismo e desigualdades sociais. in MOURA, Ana
Maria da Silva et alii (orgs). Rio de Janeiro:tempo, espao e trabalho. Rio de Janeiro: Ana Maria Moura,
2002, p. 224
334
ALONSO, op cit, p.185
335
NEVES e MACHADO, op. cit, p.383
336
O Mequetrefe de 20/07/1886
85
337
O Pas de 29/07/1886
338
CONRAD, op. cit, p.288
339
AHMIP Arquivo POB, doc 8891-Carta Martins Pinheiro, 09/03/1886
340
RANGEL, op. cit, p.356
86
preferisse que, ao invs de Isabel, fosse seu neto mais velho o futuro ocupante do
trono. Sobre esse assunto, assim se manifestava o peridico:
Nestes ltimos tempos sua majestade tem por vrias vezes mostrado
apreenses a respeito do futuro de sua dinastia. Sua Majestade tem
conscincia de que os herdeiros presuntivos da Coroa no podero arcar com
a oposio que ser feita monarquia quando a soberania imperial tiver que
passar s mos deles. V o Imperador que o Partido Republicano se organiza
e cresce prodigiosamente em toda parte(...). Pode-se garantir, e o imperador
o sente, que em dois anos o trabalho sistemtico da organizao do Partido
Republicano ter forado a dissoluo do Partido Liberal, cuja parte
adiantada se fundir no Republicano e a atrasada no Conservador. Um
fenmeno tambm no passou despercebido ao Imperador. que se houver
um golpe de mo seguro, a monarquia no tem meio de se defender
eficazmente. E este golpe de mo est sendo preparado pelo abolicionismo
(...). O Imperador viu desde muito cedo que para lutar contra tantos
elementos contrrios e poderosos, a monarquia no tem outra sada seno
recorrer a um prncipe astuto, a uma espcie de remonte do prprio Sr.
D.Pedro II e esse prncipe no com certeza o Sr. Conde dEu. Esse prncipe
o Sr. D. Pedro sem mais nada.(...) Todo o trabalho do Imperador tem sido
desgostar jeitosamente o Sr. Conde dEu. Feito isso, o imperador consegue
facilmente a abdicao da serenssima senhora D. Isabel, na pessoa de seu
filho e neste caso, o regente ser D. Pedro; ou ento obtm a abdicao no
s pessoal, como por toda famlia e D. Pedro reinar.341
Este artigo traz uma srie de pontos a analisar. O primeiro deles a persistncia
da cultura poltica patriarcalista que via o Conde dEu como governante no lugar de
D.Pedro II, e no Isabel. Alm de expor a falta de carisma e popularidade do casal de
herdeiros do trono, trazia de volta a existncia de um conflito e uma certa antipatia que
o Imperador nutriria por seu genro. Evidenciava tambm a conscincia de que todos os
membros da famlia real teriam quanto ao perigo que correria o terceiro reinado,
sobretudo tendo Isabel no trono, e o crescimento da idia republicana no pas. A
possibilidade de solucionar este problema com a abdicao de Isabel em favor de um
homem que fosse uma reproduo mais jovem de Pedro II, no caso o Prncipe Pedro
341
Gazeta da Tarde, de 05/01/1887
87
Augusto, parecia uma opo coerente naquele contexto. A rapidez com que o Imperador
conseguiria a abdicao de sua filha, exposta no artigo, retoma a noo de que Isabel
pudesse ser facilmente influenciada e manipulada. O que talvez no contassem aqueles
que defendiam essa possibilidade que, segundo nos diz Barman,342o prncipe Pedro
Augusto tinha inclinao para a intriga e uma grande reserva de ressentimento. Alm
disso, por conta de uma grave doena que o acometeu durante sua estada na Europa, seu
senso de realidade e sua estabilidade mental haviam sido prejudicados. O fato que a
opo da troca de herdeiros do trono no foi levada adiante.
Dois meses aps a partida do casal dEu para a Europa, o Imperador adoecia
gravemente, causando grande apreenso nos meses que se seguiram. Alguns jornais,
como o Gazeta da Tarde, 343 comeam a indagar se a Princesa no iria voltar, temerosos
ante a possibilidade de que D.Pedro II viesse a falecer.Os mdicos aconselham o
Imperador a procurar tratamento na Europa e Isabel foi chamada de volta ao Brasil,
aonde chegou no incio de junho. ela quem relata: 344
Chegados da Europa a 8 de junho de 1888, no mesmo dia partamos para a
Tijuca. Ali encontramos meu Pai livre da crise e dos acessos de febre por que
passara, mas ainda muito magro, fraco e o que mais me impressionou, direi
mesmo o que me impressionou, pois a magreza e a fraqueza eram bem naturais
no seu estado, foi certa falta de memria que notei em sua robusta inteligncia
que me acostumara a conhecer sem a menor falha. Isso entristeceu-me e nele
agora falo porque desapareceu. Naquela ocasio julguei que tudo dever-se-ia
fazer para cur-la e no deixar tomar volume na opinio pblica. Falou-se de
viagem a Europa, os mdicos aconselharam-na, no quis tomar parte alguma
na deciso, pois poderia errar, mas a minha idia que tal viagem seria de
suma vantagem.345
A Princesa reconhecia no pai, alm de uma fraqueza natural em virtude da
doena, uma certa incapacidade no aspecto mental, fato que no deveria ser divulgado
342
BARMAN, Roderick, op. cit, p.254
343
Gazeta da Tarde de 20/04/1887
344
Em dezembro de 1888 Isabel escreveu suas memrias sobre a terceira regncia num depoimento
endereado aos filhos, onde ressalta que procurar fazer uma descrio verdica do que se passou
durante a Regncia no que diz respeito a grande questo da abolio da escravido. (AHMIP, M.199-
Doc.9030) Deve-se ressaltar que as memrias, autobiografias e dirios, assumem a subjetividade de seu
autor como dimenso integrante de sua linguagem, construindo sobre ela a sua verdade, ficando
descartada a princpio, portanto, a idia de verdade dos fatos, importando neste caso a tica assumida e
a expresso do autor. GOMES, op. cit, pp. 7-24
345
AHMIP, M.199- Doc.9030
88
346
Gazeta da Tarde de 30/06/1887
89
(...) era indispensvel (...) gastar algum tempo para poder por ordem em
papis de tantos gneros do Imperador, deixados depois de tantos anos numa
desordem fabulosa.(...) Isabel, sobretudo, que tem a especialidade das
arrumaes e isto no uma pequena tarefa.349
Nem a mudana nem o fato de colocarem a documentao do Imperador em
ordem, tiveram autorizao prvia deste.350 Essa maneira de proceder nos leva a
considerar que a possibilidade de ter realmente iniciado o Terceiro Reinado no era
distante para ela tambm. Desta vez tambm no havia conselhos regente, nem um
gabinete arrumado de forma a poupar-lhe trabalho.
Outro indcio de que sua postura ao assumir o trono era diferente, pois poderia
vir a ter um carter definitivo, foi sua atitude diante do ministrio. Antes mesmo de
assumir a regncia, Isabel interpelou o Baro de Cotegipe acerca da Questo Militar
colocando-se contra sua posio. So suas as palavras:
Em conversa na Tijuca com o Baro de Cotegipe, prevendo que teria de ficar
na regncia e no desejando que toda a minha opinio a respeito de seu
ministrio lhe fosse desconhecida, fiz-lhe objeo sobre a sua maneira de
proceder na questo militar chegada ao Senado, disse-lhe que achara fraqueza
no procedimento que tivera.351
Isabel refere-se a um dos episdios da Questo Militar que vinha se
desenvolvendo h algum tempo. Ela teve incio em 1883, quando o senador marqus de
Paranagu apresentou um projeto de lei propondo a criao de um montepio militar, de
contribuio obrigatria, alterando as condies de reforma do servio das armas, o que
provocou forte reao entre os militares. Foi constitudo um Diretrio de Resistncia
que delegou poderes ao tenente-coronel Sena Madureira para que este pesquisasse e
revelasse o modo de pensar do Exrcito sobre o assunto. Essa discusso foi levada aos
jornais e Sena Madureira foi punido por haver infringido os regulamentos do Ministrio
da Guerra que proibia aos militares debaterem pela imprensa um objetivo de servio
sem o prvio consentimento das autoridades superiores.352 Em 1884, por recusar-se a
atender um pedido de informaes do ajudante-general do Exrcito o tenente-coronel
349
AHMIP. AGP. LXII-3 - Carta de 12/07/1887
350
BARMAN, op. cit, p.242
351
AHMIP, M.199- Doc.9030
352
SILVA, Hlio. 1889: a Repblica no esperou amanhecer. Porto Alegre: L&PM, 2005, p.73
91
353
SILVA, Hlio, op. cit p.17
92
354
O Pas de 12/02/1887
355
SILVA, Helio, op. cit, p.75
356
Isabel no entra em detalhes no seu depoimento sobre as explicaes dadas pelo Baro aos seus
questionamentos sobre a Questo Militar. Apenas refere-se ao seguinte: A isso me retorquiu que a vida
de meu Pai teria corrido risco de morte se tal no fizessem e assim tapou-me a boca.
93
dar-lhes [aos ministros] sua confiana ou se vir que a opinio pblica (verdadeira)
contrria a eles, rua com eles!357
A idia abolicionista havia avanado de tal forma que se tornara politicamente
incorreto no defender a causa da abolio. A escravido j vinha sendo abolida
gradativamente nos estados. As fugas em massa e as libertaes de escravos ocorridas
provncia de So Paulo haviam limitado ainda mais o nmero de defensores importantes
da escravatura. Eram eles o Ministrio Cotegipe e os fazendeiros da provncia do Rio de
Janeiro, apoiados por outros das regies vizinhas de So Paulo e Minas Gerais, e um ou
outro proprietrio de outras partes do pas358.
No dia 8 agosto de 1887, era marcado em frente ao Ministrio da Guerra um
grande meeting abolicionista. Preocupada, com o que pudesse vir a acontecer, a
Princesa solicitou ao marido que recomendasse a seu Ministro, por carta, que a
manifestao no fosse impedida, e que fosse contida apenas nos limites justos e legais.
Cotegipe respondeu que o Ministrio julgou conveniente proibir todos os meetings, e
que a reunio a frente de um quartel de tropas era provocadora.359A manifestao teve
lugar, apesar da proibio e no mesmo dia Andr Rebouas registraria em seu dirio:
Meeting abolicionista na Praa da Aclamao em frente ao quartel dissolvida pelo
execrando Coelho Bastos [chefe de polcia]. Carga da cavalaria ao anoitecer na Rua
do Ouvidor Tentativa de ataque tipografia do Pas pelos secretas da polcia.360
O acontecimento narrado acima foi explorado nos jornais abolicionistas e
republicanos. O republicano O Mequetrefe, por exemplo, considerava que Isabel estaria
preocupada apenas com danas, concertos e festas, e acusava:a augusta herdeira do
trono a tudo surda, no l e no sabe o que se passa, traando sempre para ela a
imagem de uma pessoa ftil, alienada da poltica.
Nos bastidores do Imprio, no entanto, a questo a abolio da escravido era
motivo de divergncia entre a Princesa e o Gabinete de Cotegipe. ela quem relata:
A questo da abolio caminhava, suas idias ganhavam-me cada dia mais,
no havia publicao a respeito que no lesse e cada vez mais me convencia de
que era necessrio fazer alguma coisa nesse sentido Disse-o ao Baro de
Cotegipe, a tudo respondeu-me que no iria de encontro a lei Saraiva porque
357
AHMIP, AGP, XLI -2, carta de 04/02/1871
358
CONRAD,op. cit, p.319
359
IHGB - Coleo Wanderley Pinho . DL 1565.03
360
Dirio de Andr Rebouas de 1887 IHGB. ACP11
94
ele tambm a fizera, mas poderia fazer interpret-la de modo que o prazo de
libertao ficasse muito diminudo, falou-me de 3 a 4 anos para que tudo
ficasse finalizado. Nisto encerraram-se as Cmaras e o Sr. Baro prometeu
estudar a questo no interstcio. Cada dia que passava convencia-me mais de
que nada faria. As idias emancipadoras progrediam. Prado em S. Paulo e o Sr.
Joo Alfredo no Norte. De novo chamei a ateno do Sr. Baro de Cotegipe
para a questo, fiz-lhe ver as eleies e a fora que o ministrio perdia por toda
a parte, faltou-lhe dizer que devia retirar-se (a medida enchia-se), mas nada
parecia compreender o Sr. Baro e com muito boas palavras e muito jeito ainda
desta vez foi mais fino do que eu. Dias depois em despacho julguei dever repetir
diante de todos os ministros (receosa de que o Sr. Baro guardara para si
minhas ponderaes) o que dissera particularmente, acrescentando ao que j
escrevi e que tambm disse ao Sr. Baro, isto , que o Ministrio no poderia
continuar se no fizessem qualquer coisa em favor da emancipao, que seria
um mal que o partido conservador se cindisse e que julgava deveriam aceitar
as idias do Sr. Joo Alfredo e Antonio Prado. A isto no me lembro se foi o Sr.
Baro ou o Sr Belisrio que respondeu-me no ter de ir atrs destes
senhores..361
O primeiro detalhe que chama a ateno neste trecho do depoimento de Isabel
o termo que emprega: ela diz que est cada vez mais convencida das idias
abolicionistas e no do simples fato de colocar fim escravido. As idias
abolicionistas no abarcavam apenas o fim da escravido pura e simplesmente.
Defendiam muitas outras reformas, como trataremos adiante neste trabalho.
Evidencia-se tambm sua impacincia e vontade de resolver as questes
polticas que a opinio pblica clamava, fato sempre colocado como relevante em suas
cartas. Destacam-se os nomes de sua preferncia para resolver a questo do elemento
servil, j que sua discordncia da poltica do Baro de Cotegipe sobre este assunto era
evidente. As idias emancipacionistas defendidas por Joo Alfredo e Antnio Prado,
neste momento, so sua opo. Ainda no estava aqui em questo a abolio pura e
simples, sem indenizao.
Isabel demonstrava tambm seu desagrado quanto poltica escravocrata de
Cotegipe atravs de suas indicaes para o Senado:
361
AHMIP, M.199- Doc. 9030
95
Nas duas escolhas para senador pelo Rio escolhi para a primeira o Sr.
Thomaz Coelho, pessoa distinta, tendo sido j ministro, excluindo o Sr.
[ilegvel] sobre o qual o Sr Baro de Cotegipe fazia pesar certas suspeitas que
no pude averiguar e o Andrade Figueira, cujas idias escravocratas eram bem
conhecidas e para o qual se mostrava muito propenso o Sr. Baro de Cotegipe,
e para a segunda o Sr. Percival Silva, excluindo o Sr. Chaves, autor da questo
militar, muito moo e tendo feito carreira por demais rpida e ainda o Sr.
Andrade Figueira. A tudo isso o Sr. Baro mostrou-se cego e surdo e cada dia
mais me capacitava que nada olharia. Por todos os meios desejava incutir
minhas idias, tanto emperramento encontrando por parte do Ministrio.362
Isabel deixava de fora quem estava ligado Questo Militar e quem defendia a
permanncia da escravido, na tentativa, segundo ela, de fazer ver ao Ministrio o seu
posicionamento em relao a ambas as questes.
Segundo Bobbio, na sociedade civil que surgem os conflitos econmicos,
sociais, ideolgicos e religiosos cuja resoluo cabe s instituies estatais. Os sujeitos
desses conflitos so os grupos, os movimentos, as associaes e as organizaes que as
representam, ou se declaram seus representantes. So associaes de vrios gneros,
com fins sociais e indiretamente polticos, os movimentos de emancipao de grupos
tnicos, de defesa dos direitos civis, etc. 363
Um movimento como o abolicionista se constitui, portanto, num dos sujeitos da
sociedade civil que ocupa o espao reservado formao de demandas que se dirigem
ao sistema poltico e s quais o sistema poltico tem que responder. Na esfera da
sociedade civil, encontra-se tambm o fenmeno da opinio pblica, transmitida, nesta
poca, sobretudo atravs da imprensa.364
Os jornais abolicionistas pressionavam Isabel a se posicionar em relao
questo do fim da escravido e manuteno de um gabinete escravista. Ao mesmo
tempo em que criticavam a monarquia e atribuam regncia alienao e falta de atitude
em relao ao problema da questo servil, viam Isabel como uma esperana soluo
do problema. Isto se dava por conta de sua adeso cada vez maior em favor da causa da
abolio, mesmo que estas houvessem sido, at ento, marcadas por atos de caridade.
Dizia Patrocnio no jornal Cidade do Rio:
362
AHMIP, M.199- Doc. 9030
363
BOBBIO, Norberto. op. cit. 1987, p. 35-36
364
Idem, pp 36-37
96
371
SILVA, Eduardo, op. cit , pp. 27-28
372
Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB. ACP11 DL464, anotao do dia 01/04/1888
373
Idem, anotao do dia 04/05/1888
374
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.189
375
Idem, p.194
376
Idem, p.195
377
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.184
98
378
AHMIP, M.199- Doc. 9030
99
379
SILVA, Helio, op. cit, p.75
380
AHMIP, M.199- Doc. 9030
381
IHGB, Coleo Wanderley Pinho, DL1564 Organizao do gabinete 10 de maro
382
Novidades de 12/03/1888
100
mame estes artigos de jornais que ele mesmo cortou e grudou. Eles lhe mostraro
que no houve ningum que no saudasse o dia 14 de maro.383
A demisso do gabinete Cotegipe pela Princesa regente, no fez mais do que
reforar a idia de que o Terceiro Reinado havia se iniciado.
383
AHMIP, AGP, LXI - 2 Carta do dia 07/05/1888 Obs: 14 de maro foi a data da posse do novo
ministrio.
384
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.199
385
BOBBIO, op. cit, 1987, p. 35
386
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p. 199
101
387
JUC Joselice. Andr Rebouas: Reforma e utopia no contexto do segundo imprio: quem possui a
terra possui o Homem. Rio de Janeiro: Oderbrecht, 2001, p. 63
388
ALONSO, op cit, p.173
389
Idem, p.174
390
GRAHAN, Richard. Escravido reforma e imperialismo. So Paulo: Editora Perspectiva, 1979, p.189
391
SANTOS, Cludia Regina Andrade dos. Abolicionismo e vises de liberdade. in Revista do Instituto
Histrico e Geogrfico Brasileiro, a.168, n.437, out/dez 2007, p.334
392
ALONSO, op. cit. p.180.
393
idem, p.28
394
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. O Quinto Sculo: Andr Rebouas e a construo do Brasil.
Rio de Janeiro: Revan: IUPERJ-UCAM, 1998, p.77
102
395
JUC, op. cit, p.30
396
No Registro de Correspondncia de Rebouas, que se encontra na Fundao Joaquim Nabuco, ele
assinala no dia 06/04/1891, que seu primeiro encontro com o Conde dEu aconteceu em Uruguaiana em
11/09/1865
397
O estilo dndi se constitura na Europa em meados do sculo XIX. Era um estilo de vida marcado por
uma excentricidade que visava instaurar a aristocracia do requinte Dedicavam-se com afinco s roupas e
acessrios, apreciavam jias e por vezes maquiagem. A extravagncia da moda dndi diminuiu no correr
do sculo, mas o termo seguiu nomeando o chique vaidoso. in ALONSO, op. cit, pp. 18-30
398
Joselice Juc, por exemplo, no seu livro Andr Rebouas: reforma e utopia no contexto do Segundo
Imprio, expe essa situao da seguinte forma: O papel desempenhado por Nabuco entre os
abolicionistas tem sido, na verdade, bastante distorcido. Sua marcante capacidade de liderana, sua
origem aristocrtica e sua reputao de brilhante orador colocaram-no numa posio de destaque no
cenrio poltico da monarquia, particularmente na campanha abolicionista. Portanto, com esta viso
patritica, ufanista, observa-se uma tendncia para concentrar-se toda a ateno no desempenho de
Nabuco, considerado o smbolo maior da campanha da Abolio e das suas conquistas.
Em conseqncia, grande parte dos demais abolicionistas como Joaquim Serra, Wenceslau Guimares,
Andr Rebouas e Jos do Patrocnio (...), no receberam a devida ateno dos historiadores, no sentido
da identificao de seus papis no contexto da Abolio. Com freqncia, as suas contribuies
individuais como pensadores sociais no tm sido esclarecidas pelos historiadores, e as suas atividades,
diludas no todo, indistintamente, algumas vezes confundidas com o prprio pensamento de Nabuco.
JUC, op. cit, p.60
399
RUBEM, Iram, A voz do dono e o dono da voz: a trajetria sinuosa de ambos, da Abolio
Repblica, in SANTOS, Cludia R. Andrade et alii (org.) Estudos, vol. I, Srie Grupo de Pesquisa
LEPH:Curitiba, 2006, p. 78
103
Vossa Alteza deve estar contentssima com a brusca mudana que se operou
no esprito pblico. (...) Atender ao povo, longe de desmerecer, prestigia o
governo.(...)Sua Alteza est salva! Nenhuma rainha teve diante de si mais
glorioso trono.402
O apoio dos abolicionistas ao ministrio de Joo Alfredo tambm foi declarado
por ele:
Nenhum abolicionista pode, em conscincia, concorrer para que o ministrio
10 de maro perca a mnima parcela do prestgio e da fora moral com que ele
deve apresentar-se ao parlamento, pedindo a extino imediata da
escravido.403
Nos bastidores da poltica, iniciaram-se as articulaes atravs de Andr
Rebouas. Eis a anotao em seu dirio no dia seguinte nomeao do novo gabinete
comandado por Joo Alfredo:
Despedindo-me do Conselheiro Joo Alfredo, que voltou Corte tendo
organizado o Ministrio de acordo com a regente. Antonio Prado e Joo
Alfredo hospedaram-se aqui no Hotel Bragana, no aposento contguo ao meu,
e que ocupei de 1885 a 1886.
Atualmente Antonio Prado fala de Abolio com o mesmo entusiasmo que
Joaquim Nabuco. Merc de Deus, acha-se em 1888, a converso de Saul em So
Paulo. Tanto mais prodigiosamente que a entrada de Damasco agora a
provncia de S.Paulo... Durante o 1 Ministrio nem cumprimentava Antnio
Prado, hoje conversamos como velhos amigos e camaradas de Colgio!...
Santa abolio! Quantos milagres tens produzido!!!404
A anotao de Rebouas demonstra o clima de conciliao que foi criado em
torno da questo da abolio, atenuando antigas inimizades. A aproximao entre
liberais e conservadores tinha como objetivo primordial o fim da escravido. Essa
inteno de promover a conciliao tambm sentida na correspondncia de Nabuco a
seu companheiro do Partido Liberal, Custdio Martins:
Convencido de que a Princesa Imperial prestou um grande servio causa da
ordem e da liberdade demitindo o Ministrio Cotegipe, entendo que devemos
sustentar e no impugnar aquele ato de to grandes vantagens para o pas.
402
idem, de 12/03/1888
403
idem de 14/03/1888
404
Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB, ACP11-DL 464, anotao do dia 11/03/1888
105
405
Fundao Joaquim Nabuco , Cap 5. doc 98, carta de 05/05/1888
406
Cidade do Rio de 27/03/1888
407
Cidade do Rio de 10/02/1888
106
Deus, com a alma cheia do pensamento de minha consorte e de meus filhos, que
hei de combat-lo at destru-lo.408
Desde a publicao do Manifesto Republicano em 1870, que considerava que a
soluo do problema da escravido dizia respeito ao regime monrquico, uma parte dos
que defendiam a causa da Repblica mantinham uma atitude indefinida ante a questo
da abolio409.
Os republicanos mais moderados, visando conquistar apoio das classes mais
conservadoras, procuravam evitar que o seu Partido, ainda frgil, se comprometesse
abertamente com a causa abolicionista. Em virtude disso, defendiam a idia da abolio
com indenizao410.
Isto era um motivo constante de choques entre o movimento abolicionista e o
movimento republicano. Muitos abolicionistas republicanos, como Lus Gama e
Antnio Bento afastaram-se do partido Republicano Paulista411. Patrocnio, que tambm
tinha atritos constantes com os republicanos quanto questo da abolio, rompia neste
momento com o Partido Republicano, que alm de colocar-se contra o reinado de
Isabel, aceitava em seus quadros a entrada dos escravistas insatisfeitos, o que se
acentuaria aps o 13 de maio.
No dia da solenidade de abertura das Cmaras, o jornal liberal O Pas noticiava:
SS. AA. foram recebidas com entusiasmo antes, durante e depois da seo.412
Apesar do entusiasmo reinante entre os partidrios do fim da escravido, ainda
no se tinha idia de como seria o projeto que libertaria os escravos. Se haveria ou no
indenizao pelos libertos, se a libertao seria imediata ou se haveria um prazo para
que os escravos deixassem as fazendas. As especulaes acerca da lei que aboliria a
escravido foi grande, envolvendo medidas complementares libertao dos cativos,
conforme relata o Conde dEu ao Imperador em carta escrita em 14/04/188: Anuncia-
se que o projeto ser acompanhado de medidas rigorosas destinadas a satisfazer a
lavoura obrigando os libertos residncia fixa e a procurar ocupao413
Nem mesmo Isabel sabia como se desenrolaria a questo no Parlamento:
408
Cidade do Rio de 28/04/1888
409
SALLES, op. cit, 1996, p. 174
410
SILVA, Eduardo. As queixas do povo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988, p.65
411
Idem, p. 183
412
O Pas de 04/05/1888
413
RANGEL, op. cit, p367
107
Muitos dias e semanas levei sem ousar perguntar positivamente o que faria o
novo ministrio, queria deixar-lhe toda a liberdade, s uma objeo fiz quando
pelos jornais dizia-se que o Sr. Prado, encarregado do projeto, num dos artigos,
obrigava os libertos a residirem nos municpios por dois anos. Achava tal idia
contrria aos interesses dos libertos e dos senhores.414
O pequeno trecho acima denota a preocupao da Princesa em no interferir no
trabalho de seus ministros sem, no entanto, deixar de manter-se informada do desenrolar
dos acontecimentos na Cmara atravs da imprensa. O destino a ser dado aos libertos,
caso a abolio se concretizasse, tambm faz parte de suas consideraes. Ela externou
ao ministrio sua posio contrria idia de fixar os libertos aos locais em que
trabalhavam. Esta medida, provavelmente obrigaria os libertos a continuarem a servio
de seus antigos donos, favorecendo a lavoura que no se veria de imediato sem sua
fora de trabalho. Desta forma, mais uma vez, alinhava-se ao pensamento liberal
abolicionista da Corte, que tinha um indubitvel compromisso com a total erradicao
do trabalho servil que subordinava toda e qualquer outra idia que o
acompanhasse.415
Quanto questo da indenizao, embora a Princesa afirme no ter infludo na
deciso de suprimi-la, possua sua opinio a respeito:
E a indenizao? Apesar de, neste ponto, jamais antes de ter sido formulado o
projeto tivesse emitido minha opinio, no poderia admitir como conveniente
nem justa; certos escrpulos poder-me-iam ter vindo e para longe os arredei;
primeiro o pas no poderia indenizar seno de uma maneira ilusria, essa
mesma maneira teria que sair de impostos que recairiam sobre quem com isso
nada tinha que ver, o fundo de emancipao a custo de impostos, nico para tal
fim, no seria aplicvel, seria mais do que insuficiente e a quem iria socorrer?
Aos que de seu modo prprio no libertassem seus escravos, iria somente pagar
dvidas atrasadas sem aproveitar lavoura para a qual melhor era empreg-lo
em melhoramentos que desse em resultado o bem geral da lavoura, e mais
justamente.416
Sua colocao do problema abrange aspectos eminentemente econmicos, o que
alm de demonstrar seu conhecimento sobre o assunto, afasta a idia de um
414
AHMIP, M.199- Doc.9030
415
SALLES, op. cit, 1996, p. 180
416
AHMIP, M.199- Doc.9030
108
417
JUC,op. cit, p. 63
418
CONRAD, opus cit, p. 330
419
Gazeta da Tarde de 13/05/1888
420
NABUCO, op. cit, 2005, Volume II, anotao do dia 13/05/1888
109
A semana que acaba de escoar-se de festas e alegrias (...), mas dentre todo
esse movimento destacava-se de quando em vez os gritos de Viva a
Repblica! Isso um aviso em tempo que o povo brasileiro aumentados hoje de
perto de um milho de cidados nutre as mais ardentes aspiraes
democrticas. (...) A princesa pode adiar o advento da repblica se seguir a
linha de conduta da rainha Vitria da Inglaterra, que muitas vezes fez
violncias aos seus sentimentos pessoais para satisfazer s aspiraes
nacionais. (...) A Sr D Isabel seguramente granjeou muitos aderentes e
entusiastas da monarquia pelo seu grande ato extinguindo o elemento servil
(...), mas para enraizar as instituies que no regem e firmar a monarquia no
Brasil, no perdendo as adeses que ora a cercam, deve emancipar-se
totalmente das idias que tem influenciado toda a sua vida e desmanchar todo o
corrilho424 que a cerca. Se falamos assim serenssima princesa pela
convico que temos que ela inaugurou seu reinado: pois, (...) estamos
convencidos que o Sr. D. Pedro II, pelo seu estado de sade, no poder mais
exercer suas funes majestticas. (...) Acabou-se a escravido dos pretos, mas
preciso fazer-se alguma coisa de definitivo pela libertao dos brancos,
reformando completamente a nossa organizao poltica e social (...) assim
que os sentimentos ultracatlicos de S. A.(...) causam apreenses a respeito de
certas reformas imprescindveis e que no podem ser adiadas por mais tempo,
como a secularizao dos cemitrios, estabelecimento do casamento civil e do
registro civil obrigatrio. Do mesmo modo preciso reformar-se a nossa
legislao sobre terras, obrigando-se os proprietrios de vastos terrenos
incultos ao longo das vias frreas ou a cultiv-los ou a vend-los por pouco
preo tal que fiquem ao alcance dos imigrantes. Politicamente indispensvel
alargar o direito de voto, de modo que passem a ser eleitores muitos dos
escravos de ontem e a classe operria que hoje excluda das urnas.425
Ao analisar este artigo, podemos reafirmar a idia de que, pelo menos para
muitos de seus contemporneos, havia realmente se iniciado o terceiro reinado, ante a
presumida impossibilidade de que o Imperador voltasse a assumir o trono em
conseqncia de suas enfermidades. A Rainha Vitria da Inglaterra permanecia
424
Grupo faccioso que se reunia secretamente. Dicionrio Houaiss disponvel em
http://dic.busca.uol.com.br/result.html?t=10&ref=homeuol&ad=on&q=corrilho&group=0&x=11&y=5
425
Gazeta da Tarde de 23/05/1888
111
426
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 28/06/1888
427
NABUCO, op. cit, 1949, carta de 25 de maio de 1890
112
O perigo que rondava a monarquia fez com que comeassem a surgir estratgias
neste grupo de abolicionistas que pudessem dar sustentao ao Terceiro Reinado.
Entre Nabuco e Rebouas, passa a haver uma uniformidade de discurso em favor da
implantao de uma Monarquia Democrtica Popular. Rebouas, em carta dirigida
Nabuco, j em 1890, no qual comenta um opsculo escrito por este ltimo, d as
caractersticas do que estaria contido nessa idia. Determina tambm quanto tempo
durou a inteno de faz-la funcionar:
O nosso bom Taunay enviou-me um exemplar da sua Resposta s Margens do
Recife e Nazareth; encontrei ai o mesmo crebro e o mesmo corao do meu
amigo e aliado de 1880 a 1888. A pg. 6 uma beleza; vai ser toda extratada [sic]
para minha Enciclopdia Socioeconmica.
Lembras-te dos nossos esforos de junho a agosto de 1888, para a Monarquia
Democrtica Popular?!
Na pgina 8 voc d a bela frmula:
- Monarquia parlamentar, civil, leiga e popular - 428[grifo meu]
Partindo do princpio de que a maioria da populao julgava que o Imperador,
mesmo se sobrevivesse e retornasse ao Brasil, no teria condies de governar, o espao
de tempo que Rebouas afirma haver durado o esforo de se implantar a Monarquia
Democrtica Popular - de junho a agosto de 1888 nos leva a crer que a idia foi
pensada especificamente para o reinado de Isabel. Ele tem incio logo aps a abolio
da escravido e termina com o retorno do Imperador ao poder
Uma anotao no dirio de Andr Rebouas sugere que alguns dos principais
abolicionistas da Corte tambm pensaram na possibilidade de organizarem um partido
poltico, agora no mais abolicionista, mas de carter popular: Em conferncia sobre o
Partido Popular com Joaquim Nabuco, Jos do Patrocnio e J.C.Rodrigues.429 Havia a
inteno deste grupo, de fazer aproximar o regime monrquico brasileiro, sobretudo
com a Princesa Isabel frente, dos anseios populares. E idia de popular vinha
ligada a de democracia.
Na segunda metade do sculo XIX, mais precisamente a partir da dcada de
1870, influenciados pelas novas idias polticas, oriundas, sobretudo da Europa, cresceu
o debate de intelectuais e polticos em torno do assunto. A palavra democracia passou
a ser usada por eles com abundncia. A idia democrtica havia sido impulsionada pelas
428
Fundao Joaquim Nabuco, CP p 26, doc 637, carta de 27/06/1890.
429
Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB, ACP 11- DL 464 anotao do dia 01/06/1888
113
430
RMOND, Ren. O sculo XIX (1815 1914). So Paulo : Cultrix, 2002, p. 55
431
idem, p.50-51
114
435
NABUCO, Joaquim. Resposta s Mensagens de Recife e Nazareth. p. 16, disponvel em
http://www.fundaj.gov.br.
436
OLIVEIRA, Lucia Lippi. A questo nacional na Primeira Repblica. So Paulo: Brasiliense; Braslia:
CNPQ, 1990, p.89-90
437
SANTOS, Cludia Regina Andrade dos. Projetos Sociais Abolicionistas: ruptura ou continusmo? .
in REIS F, Daniel Aaro (org.) Intelectuais, Histria e Poltica : Sculos XIX e XX:Rio de Janeiro, 7
Letras, 2000, p. 61
116
438
Cidade do Rio de 22/06/1888
117
443
O Apostolado positivista era um grupo defensor de idias radicais positivistas, cujos principais
representantes so Miguel Lemos e Teixeira Mendes
444
PAIM, Antnio (Seleo e Introduo). O Apostolado Positivista e a Repblica. Biblioteca do
pensamento Poltico Republicano, vol 2, Braslia: Editora Universidade de Braslia, 1981, p. 29
445
VERSSIMO, Igncio Jos. Andr Rebouas atravs de sua autobiografia. Rio de Janeiro: Livraria
Jos Olympio Editora, 1939, p.214-215
446
JUC, op. cit, p.54
119
447
AHMIP, AGP, XLI-3, carta de 31/08/1873
448
VERSSIMO, op. cit, pp 214-215
449
JUC, op. cit, p. 66 citando anotao do Dirio de Rebouas de 14/04/1870, no qual se refere
elaborao dos estatutos da Associao Geral de Protetores de Emancipados para Proteger e Educar
os Emancipados do Brasil
450
Fundao Joaquim Nabuco, P.18 p. doc. 354 - carta de 27/06/1887
451
, Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB ACP 11, DL 464, anotao de 18/07/1888.
120
Isto quer dizer que teria havido dois projetos simultneos de se constituir uma
Guarda Negra: o primeiro, de militantes abolicionistas e de libertos, que pudesse
incorporar os interesses destes ltimos, e transform-los numa fora institucional. O
segundo, o do ministrio Joo Alfredo, e teria sido este ltimo o que teria vingado.465
De qualquer forma, Patrocnio deu seu apoio Guarda Negra, constituda neste
momento, e idia de se defender a Princesa dos opositores do Terceiro Reinado. Era
defensor da Guarda Negra por consider-la um instrumento legtimo de ao poltica. 466
Ele s passou a discordar da conduta assumida por ela de combate aos partidrios da
Repblica no ano seguinte, como veremos no prximo captulo.
Embora no tenha encontrado registros de Isabel, nesse perodo em que ocupou
a terceira regncia, sobre a aproximao entre ela e os abolicionistas, vamos nos deparar
com esta ligao em carta recentemente trazida ao conhecimento pblico, escrita por ela
em agosto de 1889 ao Visconde de Santa Vitria, agradecendo uma doao em dinheiro.
Nela, h a confirmao de que muitas das reformas defendidas por esse grupo de
abolicionistas faziam parte de seus planos, e que ela contava com a efetiva colaborao
deles para lev-las adiante. Diz a carta:
Fui informada por papai que me colocou a par da inteno e do envio dos
fundos de seu Banco em forma de doao como indenizao aos ex-escravos
libertos em 13 de Maio do ano passado, e o sigilo que o Sr. pediu ao presidente
do gabinete para no provocar maior reao violenta dos escravocratas. Deus
nos proteja se os escravocratas e os militares saibam desse nosso negcio, pois
seria o fim do atual governo e mesmo do Imprio e da Casa de Bragana no
Brasil. Nosso amigo Nabuco, alm dos Srs. Rebouas, Patrocnio e Dantas,
podero dar auxlio a partir do dia 20 de novembro quando as Cmaras se
reunirem para a posse da nova Legislatura. Com o apoio dos novos deputados e
amigos fiis de papai no Senado ser possvel realizar as mudanas que sonho
para o Brasil!
Com os fundos doados pelo Sr. teremos oportunidade de colocar estes ex-
escravos, agora livres, em terras suas prprias trabalhando na agricultura e na
465
SOARES, op. cit, p. 259
466
MATTOS, Augusto Oliveira. A proteo multifacetada: as aes da guarda negra da Redemptora no
ocaso do Imprio (1888-1889). Dissertao de mestrado defendida em 2006, no Programa de Ps
Graduao do Instituto de Cincias Humanas da Universidade de Braslia, p. 80. disponvel em
http://bdtd.bce.unb.br/tedesimplificado/tde_arquivos/33/TDE-2006-10-10T164358Z-
342/Publico/augusto_mattos.pdf
124
pecuria e delas tirando seus prprios proventos. [grifo meu] Fiquei mais
sentida ao saber por papai que esta doao significou mais de 2/3 da venda dos
seus bens, o que demonstra o amor devotado do Sr. Pelo Brasil. Deus proteja o
Sr e toda a sua famlia para sempre!
Foi comovente a queda do Banco Mau em 1878 e a forma honrada e proba,
porm infeliz, que o Sr. e seu estimado scio, o grande Visconde de Mau
aceitaram a derrocada, segundo papai tecida pelos ingleses de forma desonesta
e corrupta. A queda do sr. Mau significou uma grande derrota para o nosso
Brasil!
Mas no fiquemos mais no passado, pois o futuro nos ser promissor, se os
republicanos e escravocratas nos permitirem sonhar mais um pouco. Pois as
mudanas que tenho em mente como o senhor j sabe, vo alm da liberao
dos cativos. [ grifo meu] Quero agora dedicar-me a libertar as mulheres dos
grilhes do cativeiro domstico, e isto ser possvel atravs do Sufrgio
Feminino! [grifo no original] Se a mulher pode reinar tambm pode votar!
Agradeo vossa ajuda de todo o meu corao e que Deus o abenoe!467
Esta carta foi contestada por alguns historiadores em virtude de seu contedo,
mas no houve exame grafotcnico que lhe negasse a autoria. Ela foi escrita aps a
queda do gabinete de Joo Alfredo, estando no poder o ministrio liberal de Ouro Preto.
Nela, Isabel demonstra ter conscincia de que tanto os escravocratas, como os militares
se afastavam da monarquia, e do risco iminente que esta corria. No entanto considerava
possvel, aps a posse da nova legislatura em 20 de novembro, poder contar com a ajuda
do grupo de abolicionistas aqui em questo, alm de outros amigos para realizar
mudanas que desejava implementar no pas. Entre elas esto, como ela assinala, o
assentamento de libertos em terras prprias com a finalidade de inseri-los em uma
sociedade produtiva e uma proposta de sufrgio que abrangeria o voto feminino. As
freqentes referncias a Deus demonstram que a religio permanece como caracterstica
de seu cotidiano e base de sua viso de mundo, embora isto no a impea de ter uma
viso poltica sobre a necessidade de reformas sociais. Seu discurso se mostra coerente
com as idias defendidas por Nabuco e Rebouas.
Neste mesmo perodo de junho a agosto de 1888, um movimento oposto ao de
apoio ao Terceiro Reinado e a Isabel se faz sentir na Corte. Logo aps a decretao da
467
Apud LEAL, Priscilla. O lado rebelde da Princesa Isabel. in Revista Nossa Histria, Ano 3/n 31,
maio de 2006, pp. 69-72
125
abolio, a insatisfao pela libertao dos escravos sem indenizao deu origem a um
intenso debate que se desenrolou no Parlamento. Um projeto que pretendia estabelecer
uma indenizao aos fazendeiros pela perda da propriedade escrava era apresentado
pelo Baro de Cotegipe. Andr Rebouas, Nabuco e Patrocnio se colocam contrrios a
qualquer tipo de indenizao. No dia 19 de julho, os jornais anunciavam que por 30
votos a 10 o Senado rejeitara o projeto de Cotegipe. O ministrio Joo Alfredo,
entretanto, procurava estabelecer uma compensao classe agrcola, com a criao de
bancos territoriais de crdito grande lavoura.468
Embora a idia dos bancos no tenha vingado, a questo abalou o
relacionamento entre Joo Alfredo e os abolicionistas Nabuco e Rebouas. No seu
dirio, Rebouas anota:
Na Cmara dos Deputados com o amigo Joaquim Nabuco discutindo com o
presidente do Conselho Joo Alfredo os seus auxlios ao Landlordismo e seu
abandono dos Libertos e da Democracia Rural.
A Joaquim Nabuco pertence a glria de haver impedido Joo Alfredo e Andrade
Figueira de realizarem o plano de conceder 300.000 contos de letras
hipotecrias aos Landlords e aos Comissrios do Caf, seus credores. Depois
dessa discusso com Joo Alfredo, nunca mais procurei falar-lhe.
Rebouas rompia com Joo Alfredo, mas ainda no era esta a opo de Nabuco.
Em carta a seu companheiro de partido liberal A. J. da Costa Ribeiro relata as
desavenas com o Ministrio:
Eu mesmo sustentei o Joo Alfredo com toda a fora para ele ter o prestgio
preciso (todos procedendo como eu, est claro) para impor a lei [da abolio]
em dias ou horas. Ultimamente, porm, o Joo Alfredo tem ido pedir
inspiraes ao Figueira, que o envolveu em um projeto de bancarrota nacional
destinado a encampar a dvida perdida com a escravido, e eu fui forado a
atacar o ministrio com fora e a fundo. Ningum, entretanto, se entende em
poltica, o partido liberal uma multido e no um exrcito e assim no h
sequer vantagem em derrubar o ministrio, porquanto o sucessor pode at ser o
prprio Paulino. Eu acho-me, portanto na mesma posio independente em que
468
ALONSO, op. cit, p. 235.
126
me coloquei no partido liberal, e vejo que essa a mesma que tem o Saraiva, o
Dantas, o Gaspar e todos os outros.469
Em carta escrita Jos Mariano Carneiro da Cunha, complementa a explicao
acima:
Eu oponho-me aos Bancos porque quero a pequena propriedade, a dignidade
do lavrador, do morador, do liberto (...) No considero o interesse de nenhum
partido, mas, somente o do povo, que nada pode fazer por mim porque ainda
nem sequer balbucia a linguagem dos seus direitos.470
As vozes contrrias existncia de um Terceiro Reinado, no entanto,
comeam a falar cada vez mais alto atravs da imprensa. Em vrios jornais, aparecem
publicadas cartas, notcias e crnicas que do conta da insatisfao dos fazendeiros
diante do fim da escravido e o medo da desordem social que pudesse ocorrer no
interior da provncia do Rio de Janeiro. A culpa da situao colocada sobre os ombros
da Regente. Eis alguns exemplos. Do jornal Novidades, escolhemos a carta de um
fazendeiro no identificado da cidade de Bananal publicada em 10 de julho de 1888,
sob o ttulo de Conseqncias:
Devido unicamente Lei de 13 de maio, a minha lavoura, assim como a
maior parte desse municpio, est em lamentveis condies. (...) De 200
escravos restam apenas 30 no trabalho e estes tambm querem partir. (...)
Estou impossibilitado de preparar e exportar o caf. uma verdadeira
catstrofe! O direito conculcado(sic), a usurpao selvtica, sob as formas
hipcritas de uma legalidade que denomina-se por escrnio Lei urea!
Glria Excelsa Princesa Imperial!.
No dia seguinte, o Novidades publica, ainda sob o ttulo de Conseqncias, um
artigo dando conta de que nos municpio de Cantagalo, Madalena, Campos e So
Fidelis, no norte da provncia do Rio de Janeiro, mais de 300 fazendas esto
abandonadas, e que mais de mil tero o mesmo destino pela impossibilidade material de
mant-las e explor-las. Ainda afirma que a misria que avana: e como
compensao avana o movimento republicano. Quanto ao liberto, continua o artigo,
hoje um parasita, denunciando que muitos se recusam a sair das fazendas, mas ao
469
Fundao Joaquim Nabuco - Cap 5 doc 100
470
Fundao Joaquim Nabuco - CAp 6 doc 101
127
feita por meio de uma lei que representaria um acordo entre os lavradores e
abolicionistas e que esta levaria a escravido a termo com regozijo geral. Outro ponto
que ressaltam que as instituies consideradas como garantia para a propriedade eram
respeitadas. O primeiro ato da regncia, ou seja, a demisso do gabinete Cotegipe, foi
considerada como um ato de absolutismo, uma violncia desptica nunca praticada
pelo Imperador. E prossegue: A lei da abolio veio dar-nos em espetculo a
interveno direta e ostensiva da coroa (...). A constituio foi postergada e anulada!.
Acusam o Conde dEu de aproveitar a ausncia do Imperador para tomar atitudes que
interferem na poltica do governo e de ter a Princesa privilegiado o corrilho que
sempre a acompanhou, de ter distribudo ttulos e condecoraes. No que diz respeito
posio adotada pela classe agrcola expe:
As classes conservadoras, as classes que so o alicerce da monarquia, (...)
surpresas diante deste desvario inesperado, retraem-se para advertir a coroa
de que essa estrada ora trilhada a via dolorosa que vai terminar no lugar de
todas as dores e de todo os tormentos. (...) O movimento republicano explodiu
como a prova mais frisante do desgosto, dominou vrias provncias,
corporizou-se, definiu-se.475
O Conde dEu, que tambm no escapava das crticas feitas pelo Novidades, ,
abandonara, segundo avaliao do peridico, a posio discreta que adotara durante o
reinado de D.Pedro II, pois, sabendo que no era popular e tencionando projetar sua
imagem acima da do Imperador, influenciou fortemente a Princesa para que
promovesse a libertao dos escravos. Desta forma afirma que, na febre de ser rei (...)
veio-lhe a idia de fazer decretar a abolio, convencido de que o povo o levaria em
triunfo coroao desejada.476
Essa mesma idia de que a Princesa agiu no sentido de promover a abolio sob
influncia do Conde dEu vai estar presente no jornal Dirio de Notcias477, num artigo
publicado na seo a pedidos, embora atribua a ele um motivo mais nobre, ou seja,
sua crena na propaganda abolicionista e sua convico de que esse era o melhor
caminho a seguir.
Numa avaliao oposta, Jos do Patrocnio, no jornal abolicionista Cidade do
Rio, vai dizer que D.Pedro II havia se retirado do pas, deixando o mesmo no mais
475
Novidades de 11/08/1888
476
Idem
477
Dirio de Notcias de 21/07/1888
129
deplorvel estado, e como governo tudo quanto havia de pior na vaza da nossa
poltica. E prossegue:
Foi nessa situao dolorosa, nesta conjuntura dificlima que a princesa
regente educada apenas para ser a mais perfumosa flor do lar viu-se obrigada
a ser instantaneamente soberana. (...) Impvida e serena suprimiu com um
trao de pena trezentos anos de ignomnia(...) Pode-se dizer que a princesa
regente purificou sua dinastia(...). A princesa salvou o trono de uma
tempestade revolucionria.(...) A princesa fez uma ptria digna de homens
livres (...)478
No entanto, alertava o Imperador sobre o grande movimento republicano que ele
iria encontrar em seu retorno, fruto da transformao do antigo movimento escravista:
Os grandes centros negreiros se converteram em centros poderosos republicanos.
Joaquim Nabuco, em artigo publicado no jornal O Pas479, concorda com
Patrocnio, na observao de que a Princesa havia achado o pas perturbado por srias
agitaes. Quanto sua atuao libertando os cativos, Nabuco diz que os abolicionistas
e os polticos que se ligaram a eles no tinham nada a perder: A Princesa Imperial,
porm, (...) tinha um trono e uma ptria que perder (...). Ela fez o que seu pai no teria
feito nunca (...).480
O jornal Gazeta da Tarde, que se declarara um rgo democrtico, sem
fetichismo por forma alguma de governo,481j havia feito por ocasio do aniversrio da
Princesa, uma avaliao sobre sua pessoa. Nesta, afirmava que, embora ela houvesse
recebido nobres exemplos de virtudes privadas de sua me e de patriotismo e abnegao
de seu pai, no recebeu a educao indispensvel a um soberano constitucional e tem
alguns defeitos dos prncipes de sua raa, tais como falsos princpios religiosos,
propenso para se cercar de corrilhos compostos de pessoas de pouca
respeitabilidade e deixar-se influenciar por elas. Com a volta do Imperador o peridico
se prope a fazer um julgamento da Senhora Isabel e apreciar seus atos na direo
suprema dos negcios do pas. Eis alguns trechos do mesmo:
Tal era o estado de coisas que o Sr. D.Pedro II deixou a ptria: um governo
impopular dirigindo os destinos da nao e um povo cansado de lutar por uma
478
Cidade do Rio de 21/08/1888
479
O Pas de 24/08/1888
480
Idem de 29/07/1888
481
Gazeta da Tarde de 29/07/1888
130
484
Grupo de cortesos que convivem com um soberano e procuram influir nos negcios pblicos.
485
Cadernos do CHDD / Fundao Alexandre de Gusmo, Centro de Histria e Documentao
Diplomtica. Ano 3, n.5. Braslia,DF : A Fundao, 2004, carta de 30/06/1888
486
DAIBERT, JR. op. cit. 2007, p. 206
487
ELIAS, op. cit, p. 107
132
488
Neste perodo Isabel tambm concedeu o ttulo de Baro de Guaraciaba a Francisco Paulo de Almeida,
um dos poucos negros titulares do imprio. A biografia de Francisco Paulo de Almeida (Francisco Paulo
de Almeida - Baro de Guaraciaba: Relaes de poder e biografia de um negro no Brasil Imprio) est
sendo objeto da dissertao de mestrado produzida por Carlos Alberto Dias Ferreira, do Programa de
Mestrado em Histria Social da Universidade Severino Sombra, sob a orientao do Prof. Dr. Fbio
Henrique Lopes
489
AHMIP, AGP, XLII-3, carta de 06/08/1888
490
IHGB - Arquivo Wanderley Pinho - Abdicao do Imperador preparada por Joo Alfredo.
133
maneira geral. Este foi tambm o momento em que o meio poltico se agitou mais
fortemente, posicionando-se quer a seu favor, quer contra ele.
Isabel agiu com relativa autonomia e no apenas como uma extenso do
governo de seu pai. Sua adeso s idias abolicionistas, independente de terem sido
motivadas pela identificao existente entre elas e suas convices religiosas, foi uma
opo poltica que tinha por fim ltimo dar sustentao ao seu reinado.
O apoio recebido dos lderes do movimento abolicionista da Corte no tinha
uma perspectiva de ser momentneo, visando apenas abolio do cativeiro, nem foi
motivado meramente por gratido Princesa. Eles viram uma possibilidade concreta
tanto de implementar seus projetos de reformas democrticas polticas e sociais, como a
possibilidade de ascender ao poder. A idia era a de fazer do Terceiro Reinado um
perodo de transio pacfica para um sistema republicano idealizado.
Esta adeso de Isabel s idias abolicionistas, e o recproco apoio dado a ela
pelo grupo formado pelos principais lderes deste movimento na Corte, selaram tanto o
destino do Imprio, como o de seus defensores, conforme tratarei no prximo captulo.
CAPTULO 3
O FIM DO IMPRIO
493
SALDANHA, Nelson. O pensamento poltico no Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p.94
494
DEBES, Clio. Campos Salles: perfil de um estadista. Rio de Janeiro, F. Alves; Braslia, INL, 1978,
p.86
495
MELLO, Maria Teresa Chaves de. A repblica consentida. Rio de Janeiro: Editora FGV: Editura da
UFRRJ (Edur), 2007, p. 146
496
COSTA, op. cit, p 459
136
497
COSTA, op. cit, p.456
137
498
Poltico liberal, fundador do jornal A Provncia de Recife. Foi colega de turma de Joaquim Nabuco
na Faculdade de Direito.
499
Fundao Joaquim Nabuco - CAp 6 doc 101 carta de 27/07/1888
138
O isolamento poltico de Nabuco dentro de seu prprio partido tambm era fruto
de sua posio francamente monarquista. O projeto da federao apresentado por ele no
ms de agosto no encontrou eco suficiente para ser colocado na agenda de votaes.
Apenas Patrocnio mantinha-se nas pginas de seu jornal como ferrenho aliado
de Joo Alfredo.
No ms de setembro de 1888 a monarquia sofreria seu primeiro golpe
republicano. Nas ltimas eleies, o Partido Republicano havia conseguido eleger como
seu representante na Cmara, Monteiro Manso, de Minas Gerais. No dia de sua posse
ele se recusou a fazer o juramento de fidelidade Monarquia e Igreja Catlica. Tal
acontecimento causou intenso debate, sendo o caso encaminhado para parecer na
Comisso de Polcia na Cmara. O resultado, anunciado nos jornais do dia 12 de
setembro de 1888, estabelecia que, por quase 2/3, a Cmara facultou ao deputado a
liberdade de no prestar juramento, desde que fosse contrrio s suas crenas polticas e
religiosas.
O jornal Novidades atribuiu duas possibilidades ao fato do governo no ter
organizado uma resistncia a essa medida: ou ele no possua compreenso do seu
papel, ou porque a monarquia estivera trada por aqueles que deviam se antepor a
tudo.500 O Dirio de Notcias declarou que a supresso do juramento poltico e
religioso aos seus membros foi um desastre prenunciante de muitos outros
sucessivos501 para o enfraquecimento do sistema poltico vigente. Joaquim Nabuco, no
O Pas, reconhecia que, diante desta deciso, no havia como negar que isso significava
que a monarquia no tinha foras para resistir primeira investida republicana.502
A adoo desta medida na Cmara e o discurso feito dez dias depois na tribuna
por Nabuco, contra o movimento republicano, levaram Silva Jardim, a voz que, naquele
momento, mais se sobressaa nos comcios e nos jornais em defesa da Repblica e no
ataque aos membros da Monarquia, a fazer um discurso que foi publicado em captulos,
cerca de um ano depois, no jornal Correio do Povo. Nele, defendia os fazendeiros,
afirmando que os republicanos que pertencem classe agrcola no so republicanos
como ainda hoje se afirmou por causa da abolio da escravido, e sim (...) depois da
abolio da escravido. E que se a lavoura corria em massa para o movimento
republicano, este a recebia de braos abertos. Alm disso, denunciava a morte do
500
Novidades de 12/09/1888
501
Dirio de Notcias de 12/09/1888
502
O Pas de 12/09/1888
139
Imperatriz, que a maior parte do tempo procurava fazer uma avaliao crtica sobre os
acontecimentos polticos.
Em setembro, tambm teve lugar, no Rio de Janeiro, a cerimnia na qual Isabel
recebeu a Rosa de Ouro, concedida pelo Papa Leo XII, em homenagem abolio.
A cerimnia foi assistida por toda famlia Imperial, a corte, o clero, o corpo
diplomtico, delegaes abolicionistas e alunos de escolas506, mas isso veio dar
oportunidade imprensa, e, sobretudo, propaganda republicana, para que
reafirmassem a imagem de Isabel como beata e fantica religiosa.
No dia seguinte, o jornal Gazeta da Tarde, que se dizia abolicionista e
democrtico, e que aos poucos se colocava frontalmente contra o governo imperial,
publicava o seguinte artigo, do qual retirei alguns trechos:
Celebrou-se ontem com pompa desusada e dantes nunca vista no Rio de Janeiro
a cerimnia de entrega da Rosa de Ouro Princesa Imperial. (...) Nunca se
reuniram na Corte tantos bispos como agora. Acreditamos que isto servir para
despertar o zelo da princesa pelas coisas da igreja e para ativar seu aferro s
doutrinas ultramontanas. Para os monarquistas (...) esta festa um sintoma, da
pior espcie, de que nada se far pela passagem do projeto da liberdade de
cultos (...) Para os republicanos esta festa motivo de contentamento (...), pois
a monarquia acentua sua idia de no caminhar para a frente.507
Por esta ocasio, o testemunho do Conde dEu, em carta ao pai, dava o estado de
sade do Imperador como muito bom e sensivelmente melhor, sobretudo da memria e
da presena de esprito.508 Da mesma forma, Andr Rebouas em seu dirio relatava
vrios encontros e conversas com ele em Petrpolis que demonstravam que Pedro II
gozava de perfeito estado mental e tinha conhecimento do que se passava no pas. Seu
afastamento do Rio de Janeiro, no entanto, levou os jornais a especularem sobre seu real
estado de sade. Isto contribua para agravar ainda mais a situao poltica do Imprio.
A imprensa duvidava de sua capacidade de governar. No dia 3 de novembro de 1888,
por exemplo, o jornal Gazeta da Tarde, fez a seguinte avaliao sobre a situao do
Imperador:
(...) o Sr D Pedro II no tem vontade prpria, nem esprito de deciso.(...)
Nestes ltimos anos tem sido sempre levado por sua filha, senhora sem
506
LACOMBE, op. cit, p.245
507
Gazeta da Tarde de 29/09/1888
508
AHMIP, AGP, LXII 3, carta de 23/08/1888
141
512
Dirio de Andr Rebouas de 1888, IHGB, ACP11, DL 464, anotao do dia 02/11/1888
513
Idem, anotao do dia 15/12/1888
514
Cidade do Rio de 31/12/1888
143
519
AHMIP AGP, XLII 7, Carta de 31/12/1888 Obs: As cartas que o Conde dEu escreve para a
Condessa de Barral esto em francs, mas, para melhor enfatizar e descrever o acontecido, ele usa, no
texto original, as palavras pancadaria grossa em portugus.
520
AHMIP - AGP, XLI-5, carta de 04/12/1888
521
AHMIP AGP, XLII -7, carta de 05/02/1889
145
Notcias, por exemplo, o criticava por ter ido num navio de guerra e no de trem,
aumentando com isso as despesas do governo528, por ter sido homenageado com um
almoo pela prefeitura de Santos, a qual poderia aproveitar os recursos gastos no evento
para socorrer os doentes529, ou ainda pelo fato de ter ficado poucos dias na cidade e
seguido para So Paulo, por no suportar o calor que fazia. Computa sua viagem como
intil.530 Considera que a visita que ele faz, na seqncia, a Campinas, uma especulao
poltica, e atribui Isabel a iniciativa de ter resolvido a viagem do marido.531
O fato de ter o Conde dEu feito essa viagem supostamente no lugar do
Imperador, j que este no poderia faz-lo pelo seu estado de sade, levou Rui Barbosa
a afirmar que a princesa imperial estaria desaparecendo atrs da individualidade
militante e absorvente do seu marido. E continua: (...) como se o Orlans fosse o
descendente da nossa dinastia constitucional e a serenssima princesa apenas um disco
lunar ao lado do esposo.532
Novamente aparecem, as mesmas representaes que caracterizavam a Princesa
como uma mulher frgil, dependente, girando em torno do marido, o estrangeiro
usurpador do trono.
No incio de maio de 1889, Rui Barbosa abria espao no seu jornal para o
movimento republicano. O acirramento das posies de Rui Barbosa foi objeto de
conversa entre seus antigos companheiros do movimento abolicionista, conforme
podemos ler nas anotaes de Andr Rebouas em seu dirio:
Com os amigos Nabuco e Jos do Patrocnio discutindo o momento poltico
atual e a direo dada ao dirio de Notcias pelo Rui Barbosa, em luta contra
Patrocnio, que sustenta a Redentora contra o fazenderismo escravocrata
republicanisante [sic].533
Isto demonstra que, embora com menos vigor, os trs ainda continuavam a
defender a Princesa e, conseqentemente, o Terceiro Reinado. E talvez para marcar um
posicionamento contrrio ao de Rui Barbosa, Rebouas foi recepcionar o Conde dEu,
em Petrpolis, quando de sua chegada da viagem a So Paulo, trocando com ele um
afetuoso abrao. O fato parece ter sido marcante para os dois, haja vista, ambos o terem
528
Dirio de Notcias de 16/03/1889
529
Idem, de 17/03/1889
530
Idem, de 18/03/1889
531
Idem, de 19/03/1889
532
Idem, de 25/03/1889
533
Dirio de Andr Rebouas de 1889, Fundao Joaquim Nabuco, A A R, anotao de 24/03/1889
147
534
AHMIP-AGP, XLII -7, carta de 15/03/1889
535
Dirio de Andr Rebouas de 1889, Fundao Joaquim Nabuco, A A R anotao de 31/03/1889
536
SANTOS, Cludia R. A. op. cit, 2007, p.327
537
Dirio de Andr Rebouas de 1889, Fundao Joaquim Nabuco, AAR anotao de 17/04/1889
538
Dirio de Notcias de 04/05/1889
148
539
Idem
540
Novidades de 04/05/1889
541
GRAHAM, Richard. Clientelismo e poltica no Brasil do sculo XIX. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ,
1997, p.179
542
JUC, op. cit, p. 136
543
SANTOS, 2007, op.cit, p.331
149
acordo ainda com este peridico, o Sr. Loyo residia, na qualidade de hspede, com o Sr.
Joo Alfredo, sendo considerado seu parente.547 Os contratos foram fartamente
explorados nos jornais, e diante da presso das Cmaras, que exigia explicaes pelo
favorecimento a parentes, Joo Alfredo pediu sua dissoluo.
Sobre a questo da dissoluo da Cmara, o Conde dEu comenta em carta
escrita Condessa de Barral:
Antes do jantar habitual de famlia, eu pedi ao Imperador uma pequena
audincia para dizer minhas impresses sobre os perigos de uma dissoluo da
Cmara dada ao Ministrio atual. Foi a primeira vez que lhe falei de poltica.
Ele me deixou falar quase uma hora sem dizer nada, um pouco contrariado, eu
creio. Disse ao fim de algum tempo que pensaria nisso (...) e que me agradecia;
e me pediu muito para no ir reunio do conselho de Estado convocada para
o dia seguinte. A Princesa havia prometido assistir a essa conversa, mas
atrasou-se por causa dos ensaios na Igreja e chegou quando acabvamos.548
Na carta que Gasto de Orlans escreve para o pai, explica as razes das
dificuldades enfrentadas pelo Ministrio e os motivos que levaram o casal a sugerir que
a dissoluo das Cmaras fosse negada ao Ministrio:
(...) Em seguida a abolio da escravido, o ministrio se viu abandonado por
um grupo do partido conservador, importante, mas no suficientemente
numeroso para impedi-lo de manter a maioria na Cmara, como a conservou
at o fechamento da sesso no ms de novembro. Mas, posteriormente, essa
maioria estava se tornando consideravelmente reduzida pelas eleies parciais
acontecidas e pela desero de alguns deputados, de sorte que desde 2 de maio,
antes da abertura da seo, o Presidente do Conselho, no julgando mais poder
governar utilmente nestas condies, havia proposto ao Imperador a
substituio do ministrio. Mas o Imperador recusou-se obstinadamente at, e
inclusive, ao dia 28, embora durante todo esse tempo as Cmaras fossem quase
impedidas de funcionar, a maioria no sendo suficiente para fazer o nmero de
uma maneira contnua na Cmara dos Deputados. Neste dia, o Imperador
encostado na parede pelo Presidente do Conselho, decidiu convocar o Conselho
de Estado para consult-lo sobre a oportunidade da dissoluo da Cmara, e,
547
Novidades de 15 e 16/05/1889
548
AHMIP AGP, LXII 7, carta de 28/05/1889 Obs: Isabel estava organizando a festa de encerramento
das festividades do Ms de Maria.
151
No entanto, para a Condessa de Barral, ele d uma opinio bem mais pessoal
sobre o novo gabinete:
Ns [Gasto e Isabel] vimos o novo presidente do conselho, Visconde de Ouro
Preto (...). Ele nos disse a lista de ministros, na qual eu no esperava Soares
Brando nos negcios estrangeiros (onde j o vimos em 1883-84). Dria no
Imprio! Maracaju, meu confidente ntimo na Guerra do Paraguai na Guerra!
Voc dir que finalmente coisas excelentes: e bem, eu estou apenas
medianamente contente. Eu creio isso tudo ulico demais e no h prestgio aos
olhos do pas. No momento em que se chamou o partido liberal, o que era
inevitvel, eu preferia que se aceitasse logo as nuances mais avanadas para
dar satisfao s expectativas de reformas e fazer desse modo concorrncia aos
republicanos. E se o novo ministrio precisar passar como o precedente para
receber as inspiraes da princesa, no ganharemos absolutamente nada! Eis
meus sentimentos. Vejamos os fatos.555
O tom contido nesta carta demonstra haver um desconhecimento prvio, e at
mesmo surpreso, para Isabel e Gasto quanto nomeao tanto dos ministros militares,
como a de Dria, o Baro de Loreto, um dos melhores amigos do casal. Outro
comentrio que merece destaque o desejo de que a ala mais radical do partido liberal
fosse chamada para governar, colocando em prtica as reformas defendidas por eles,
que poderia ir desde o federalismo de Nabuco, Democracia Rural de Rebouas. A
sugesto para que assumisse um gabinete reformador e independente, capaz de tomar
decises sem a necessidade de receber inspiraes da princesa, faz supor que,
durante perodo em que o gabinete Joo Alfredo esteve no poder, Isabel talvez no
tenha ficado muito afastada da poltica. Robert Daibert considera que uma das provas
da influncia de Isabel no gabinete de Joo Alfredo teria sido a omisso do casamento
civil e a orientao teocrtica na fala do trono que o Imperador teria proferido no dia
3 de maio.556 O autor se baseia num registro de Rebouas em seu dirio, embora nele
Isabel no esteja citada, apenas a decepo de Taunay com o fato557.
A expectativa pelas crticas que adviriam pela formao do novo gabinete no se
fez esperar. O Dirio de Notcias atribuiu a indicao dos ministros militares Princesa
555
AHMIP AGP, XLII-7, carta de 07/06/1889
556
DAIBERT JR, op. cit, 2007, p.215
557
Dirio de Andr Rebouas, 1889, Fundao Joaquim Nabuco, A A R, anotao de 04/05/1889
154
558
Dirio de Notcias de 09/06/1889
559
Idem, de 10/06/1889
560
Idem, de 06/06/1889
561
Novidades de 07/06/1889
562
Dirio de Notcias de 08/06/1889
563
Idem de 09/06/1889
564
Gazeta da Tarde de 12/06/1889
565
Cidade do Rio de 31/05/1889
155
Atribuiu ao Conde dEu a nomeao dos ministros militares e que esta visaria a
chamar de novo as simpatias do exrcito para o trono,566 j que h anos a questo
militar colocava militares e governo em confronto. E que a influncia direta do palcio
na nomeao do novo ministrio se acentuava pela nomeao do baro de Loreto.
Patrocnio justificava sua mudana de posio, afirmando que nunca havia
prometido apoio cego e obstinado e acusava a Princesa de ter cruzado os braos
em relao manuteno do Gabinete de Joo Alfredo, alm de fornecer um de seus
ntimos para fazer parte do gabinete chefiado por Ouro Preto. Tributava a este ser o
chefe ostensivo da campanha de difamao dos seus [de Isabel] dedicados e leais
amigos.567 Afirma ainda que se ns tnhamos deveres com o isabelismo, este os tinha
iguais para conosco, e um deles era no afrontar a moralidade pblica com a
nomeao de semelhante ministrio568. Com isso Patrocnio acusa Isabel de uma dupla
traio: de no ter defendido Joo Alfredo e de ter corroborado com a nomeao de um
ministrio difamador e imoral.
No entanto, respondendo a uma provocao do jornal Gazeta de Notcias, ele de
alguma forma, ameniza sua contrariedade em relao a ela, afirmando que a pessoa
de Isabel a Redentora para ns sagrada, mas no nos julgamos obrigados a albardar
[sic] a desastrada orientao do palcio, criminosa poltica de mexericos e
favoritismos tributando a culpa da nomeao do novo gabinete a Pedro II e ao Conde
dEu, que entendem que os reis podem existir prescindindo do povo. 569
Ouro Preto apresentou seu programa que incluam reformas reclamadas h
tempos, como o Senado temporrio, mudana no Conselho de Estado, casamento laico,
liberdade de cultos, cdigo civil, incentivo imigrao, crdito lavoura e comrcio,
mas deixava de fora a Democracia Rural e o federalismo570.
Nomeado num momento em que a Cmara era majoritariamente conservadora,
Ouro Preto obteve do Imperador a sua dissoluo. Neste dia, Patrocnio escreveu em
seu jornal uma carta aberta para Pedro II na qual alertava que a manuteno da grande
propriedade o meio de empobrecer a lavoura e enfraquec-la politicamente. O recuo
do governo na inteno de se reformar a propriedade rural o empurrara definitivamente
566
Idem de 08/06/1889
567
Cidade do Rio de 10/06/1889
568
Idem de 13/06/1889
569
Idem, de 11/06/1889
570
ALONSO, op. cit, p.246
156
571
Cidade do Rio de 17/06/1889
572
DEBES, op. cit, p. 264
573
ALONSO, op. cit, p. 238
574
Apud. VIANNA, Oliveira. O ocaso do Imprio. Rio de Janeiro: Jos Olympio Editora, 1959, p.103
575
ALONSO, op. cit., p.240
576
JUC, op. cit, p.127
157
577
Dirio de Andr Rebouas de 1889, Fundao Joaquim Nabuco, AAR, anotao de 31/08/1889
578
Idem, anotao de 11/09/1889
579
SANTOS, Cludia. Liberdade com terra: a carta e seu tempo. in Revista Nossa Histria, ano 3, n
33, junho de 2006, p.70
580
NEVES. & MACHADO, op cit, p 441
581
Dirio de Andr Rebouas de 1889, Fundao Joaquim Nabuco, AAR, anotao de 16/06/1889
158
mesma viagem. Ao que Mota Maia se ops por causa do Imperador, de sorte
que foi necessrio renunciar [ idia de Isabel viajar tambm].582
Gasto mostrava ter retomado aqui sua velha estratgia de afastar-se para fugir
aos comentrios negativos da imprensa, conforme havia feito ao final do segundo
perodo regencial de Isabel, embora, naquela ocasio visasse proteg-la, j que era ela o
alvo preferido dos ataques da imprensa. Ao mesmo tempo, afast-lo da Corte e
promover sua visita a locais longnquos do pas poderia ser conveniente para a
Monarquia, tanto como forma de se poupar de crticas como meio de se fazer
representar nas provncias mais afastadas da Corte. A presena de Isabel junto ao pai,
alm de ser uma garantia em caso do Imperador apresentar problemas de sade, tambm
a afastava da propalada influncia de seu marido, o que poderia representar um dado
positivo no contexto poltico daquele momento. O novo gabinete que assumiu,
concordou com os planos da viagem, no havendo nem mesmo adiamento da data da
partida.
No creio que houvesse a inteno de se fazer uma propaganda do Terceiro
Reinado. A idia residia muito mais numa estratgia de afastamento da corte do vilo
do Imprio, funcionando ao mesmo tempo para marcar a presena da Monarquia nas
demais provncias, embora isso no esteja dito explicitamente em nenhum momento na
correspondncia consultada.
A viagem, no entanto, no teve a finalidade que Gasto de Orlans esperava, j
que Silva Jardim embarcou junto com ele, segundo o prncipe enfiando-se no navio na
ltima hora, sem mesmo ter seu bilhete de passagem.583
A convivncia dos dois a bordo foi satirizada pelo jornal Dirio de Notcias, que
dizia que o Conde dEu quis atirar Silva Jardim ao mar e que este teve mpetos de
mandar cortar a cabea do marido da Princesa.584 Na sua correspondncia para a
Condessa de Barral, entretanto, Gasto relata que se manteve isolado, descrevendo sua
estada na Bahia, onde teriam havido manifestaes contra ambos, como
angustiante.585
582
AHMIP AGP, XLII-7, carta de 14/05/1888
583
AHMIP AGP, XLII 7, carta de 16/06/1889
584
Dirio de Notcias de 17/06/1889
585
AHMIP AGP, XLII 7, carta de 16/06/1889
159
586
AHMIP AGP, XLII 7, carta de 21/06/1889
587
Cidade do Rio de 15 /07/1889
588
Idem de 17/06/1889
589
Dirio de Notcias de 15/07/1889
160
590
Novidades de 15/07/1889
591
Gazeta da Tarde de 16/07/1889
592
AHMIP AGP, XLI-1, carta de 17/07/1889
593
Apud RANGEL. op. cit, p.383
161
Eis um discurso que pronunciei no Par e que te envio, sobre o qual os jornais
do Rio esto ocupados. Veja com o Dria [Baro de Loreto] se faz bem public-
lo todo ou em parte; ou se serve para dar explicaes imprensa. Tudo que eu
disse (...) foi por ter ocasio de responder s opinies recorrentes de que
apenas eu fao questo da conservao da monarquia e que estaria disposto a
recorrer para isto ao ferro e ao sangue. A experincia do perodo Joo Alfredo
me mostrou que no recomendvel a inrcia e o silncio em certas situaes e
por isso agora, em que no me ocupo de nada, que Silva Jardim est
empenhado de me tornar o bode expiatrio do imprio e de outro por me
atriburem a expedio para Mato Grosso594, o conflito de 30 de dezembro e
outras coisas que eu estava totalmente alheio. Pode-se objetar com vigor que eu
no tenho qualidade para falar em nome da monarquia. Mas, antes de mais
nada, no se pode me proibir, ou a qualquer outro, de exprimir opinies e
sentimentos na medida conveniente. Alm do mais, tudo o que eu disse sobre
poltica o que eu mesmo e outros ouvimos freqentemente do Imperador em
conversas, e eu quis indicar sob essa forma de observaes bastante vagas que
os sentimentos sobre estes pontos so tambm aqueles de toda famlia.595
Curiosamente, em resposta, Isabel escreve duas cartas na mesma data. Uma que
ela envia, e outra que ela prefere manter em seu poder, mostrando-a ao marido somente
quando este retorna de sua viagem, conforme anotao escrita por ele mesmo na prpria
carta. Nesta que ela prefere no enviar, d uma leve repreenso em Gasto sobre sua
declarao, colocando seu sentimento sobre o assunto. Diz ela:
Recebi ontem sua carta com o discurso do Par. Est perfeita e com efeito o
que pensamos todos. Os telegramas de ontem dizem que voc pronunciou em
Pernambuco um outro e vejo que possui o mesmo sentido, exceto pelo
telegrama do [Jornal do] Comrcio que acrescenta que a famlia se retiraria
dessa terra, o que j provocou uma reflexo do Cidade do Rio entre muitos
outros. Eu sei bem que caso de d uma outra forma de governo ns seramos
594
O Conde dEu refere-se ao episdio do afastamento do Marechal Deodoro da Fonseca para Mato
Grosso sob a alegao de que havia a necessidade de uma expedio militar de observao em virtude da
questo de limites entre Paraguai e Bolvia que ameaava levar esses dois pases Guerra. Segundo
Heitor Lyra, isto teria sido uma estratgia engendrada por Joo Alfredo que desta forma tiraria faco
indisciplinada do exrcito um de seus mais dceis instrumentos LYRA, Heitor. Histria de Dom Pedro
II (1825-1891). Rio de Janeiro: Editora Nacional, 3 volume, 1940, p.156
595
AHMIP AGP, XLII-5, carta de 14/08/1889
162
3.2 - O 15 DE NOVEMBRO
599
AHMIP AGP, XLII-7, carta de 16/09/1889
600
BOEHRER, George C. A., Da Monarquia Repblica: Histria do Partido Republicano do Brasil
(1870-1889), Ministrio da Educao e Cultura, 1954, p.241
601
Correio do Povo de 17/10/1889
602
Idem de 24/10/1889
164
O grande embate entre Monarquia e a Repblica era esperado para aps a morte
de Pedro II. Podemos dizer que havia quase um consenso sobre isso, que pode ser
verificado tanto pelas palavras do Conde dEu, aqui j transcritas, como por vrias
manifestaes oriundas de diferentes cantos do pas.
A idia de findar-se a monarquia com a morte do imperador j aparecera no
municpio de So Borja, no Rio Grande do Sul, em janeiro de 1888, encontrando eco
em todo o pas. A Cmara Municipal daquela cidade havia pedido que se consultasse a
nao sobre a destituio da monarquia pela morte de D. Pedro II, visto a herdeira do
trono ser uma princesa fantica, casada com um prncipe estrangeiro.603 Da mesma
forma, a idia aparecia na Ata de Instalao do Clube Republicano 21 de Abril, em
SantAnna de S. Joo Acima, publicada no Dirio de Notcias, que convidava os scios
para trabalhar com afinco para opor-se ao terceiro reinado e para que, por morte do
atual Imperador, o povo se levante em massa, impondo o governo republicano
federativo.604 Ou ento, nas ameaas contidas no jornal republicano Correio do Povo:
trabalho perdido o esforo dos instrumentos da monarquia em pretender um
terceiro reinado. O segundo j tolerado. O terceiro no nascer.605
A Repblica parecia ter um momento certo para nascer, no importa se de forma
consensual, atravs de plebiscito ou atravs de uma revoluo. E no parecia haver
dvida de que a mudana de regime aconteceria, sobretudo entre os membros da elite
poltica e intelectual do pas.
No incio de novembro, no entanto, um novo captulo da questo militar viria a
precipitar os acontecimentos. Ao longo da segunda metade do sculo XIX,
transformaes haviam surgido nas relaes entre o Exrcito e o Imprio. No Brasil, as
foras sociais dominantes no haviam desenvolvido tradies militares de peso. A
emergncia do crescimento do Exrcito durante a guerra do Paraguai contribuiu para
que a oficialidade do Imprio fosse formada por elementos oriundos de outras camadas
sociais. Neste perodo final da monarquia, a maior parte dos oficiais era formada por
filhos de oficiais ou de funcionrios burocratas, o que reforaria a autonomia, e a
solidariedade de interesses deste grupo frente aos segmentos sociais dominantes. 606
603
SODR, op. cit. p.274
604
Dirio de Notcias do dia 2/05/1889
605
Correio do Povo de 22/10/1889
606
FRAGOSO, Joo Lus e SILVA, Francisco Carlos Teixeira da Silva. A Poltica no Imprio e no incio
da repblica velha: dos bares aos coronis. in LINHARES, Maria Yedda (org). Histria Geral do
165
610
Dirio de Notcias de 21/05/1889
611
DEBES, op. cit, p.283
612
Idem de 9/11/1889
613
O Pas de 10/11/1889
614
Cidade do Rio de 14/11/1889
615
VIANNA, op. cit, p. 171
167
ao movimento republicano, conquanto este tenha relutado nessa mudana, devido a sua
amizade com D.Pedro II.616
Por outro lado, embora apreensiva quanto situao poltica do pas, a Famlia
Imperial continuava sua rotina sem sobressaltos maiores. Nas cartas que o Conde dEu
escreve para a Condessa de Barral no incio do ms de novembro, datadas de 11 e 13 de
novembro, narra os afazeres normais da famlia, contando os problemas de sade dos
filhos, das pessoas que encontrou no Baile da Ilha Fiscal, das andanas do Imperador
para assistir aos exames no colgio Pedro II e dos preparativos de Isabel para a recepo
que ela e o marido ofereceriam aos militares chilenos no dia 16 de novembro. Somente
na carta que escreve j a bordo do navio Alagoas, em viagem para o exlio que vai
fazer referncia sobre a sedio dos militares617.
Tanto o Conde dEu, como Isabel escreveram a caminho do exlio. O Conde, a
carta para Barral, a Princesa um depoimento ao qual d o ttulo de Opinio de papai e
nossas, mas que no fundo traz as opinies dela prpria. A carta de Gasto de Orlans
uma narrativa que obedece a cronologia dos acontecimentos, com riqueza de detalhes,
escrita de forma aparentemente tranqila e lgica. O depoimento de Isabel tambm
uma narrativa dos acontecimentos, mas feito por partes, aparentemente escrito no calor
de suas emoes, contendo momentos de desabafo e de lamento. E ambas sero usadas
como fonte de anlise.
Na noite do dia 14 de novembro, novos boatos sobre a possvel decretao da
priso de Deodoro e de Benjamin Constant, aliado a um suposto plano de transferncia
de batalhes para as provncias colocara, os militares em alerta.
Na manh do dia 15, comandado por Deodoro um batalho seguiu para o
Ministrio da Guerra, conseguindo a adeso de tropas governistas.618O ministrio foi
destitudo e Ouro Preto, detido.
Na manh do dia 15, tambm, o Conde dEu dava um passeio a cavalo com seus
filhos Pedro e Antnio por Botafogo, enquanto Isabel colocava a casa em ordem para a
recepo aos chilenos. Na volta, ao chegar em casa, conforme escreve para a Condessa
de Barral, ao percorrer todos os jornais (que so agora sete) no encontrei nada, a
no ser no Dirio do Comrcio (no o Jornal) a meno de que havia algum temor de
616
NEVES e MACHADO, op. cit., p.443
617
Estas trs cartas, j traduzidas, foram publicadas no livro de Hlio Silva, 1889: A repblica no
esperou o amanhecer, j citado, e sero a elas a que irei me referir neste sub-captulo.
618
NEVES & MACHADO, op. cit, p. 444
168
619
SILVA, op. cit, p. 350
620
Miguel Lisboa, amigo do casal, era Capito de Fragata, e filho do baro de Japur
621
AHMIP Arquivo POB doc. 9413 Depoimento escrito a bordo do navio Alagoas
622
Idem.
169
nenhum conhecimento do que se passava, pois apenas quando chegou praa Mau
recebeu a notcia de um motim militar na praa da Aclamao. Ao chegar Escola
Politcnica encontrou-a invadida por Silva Jardim e outros republicanos. Dirigindo-se
sede do jornal Cidade do Rio, presenciou o desfile da artilharia pela Rua do Ouvidor
com Deodoro a frente. Imediatamente dirigiu-se para o Senado com Taunay para armar
uma contra-revoluo, indo a seguir comunic-la Isabel e Gasto.623
A sugesto foi aceita e, imediatamente, eles fizeram partir seus filhos para
Petrpolis, onde supunham estar o Imperador. Rebouas acompanhou as crianas para
explicar a Pedro II o plano de resistncia, j que havia dificuldades na comunicao por
telgrafo.
Mas, pouco depois da partida de seus filhos, Isabel e Gasto foram informados
por Mota Maia que seu pai havia descido para a Corte. E foram encontr-lo j chegando
ao Pao Imperial.
A Princesa demonstra em seu depoimento arrependimento por no ter seguido
para Petrpolis com uma frase, colocada por ela entre aspas, logo na abertura do seu
texto. Diz o seguinte: Se soubesse exatamente como as coisas se achavam, teria
ficado em Petrpolis depois de onde ter-me-ia internado mais e mais se fosse
necessrio624, o que refora sua idia em resistir.
Ambos os depoimentos relatam a inrcia e a resistncia do Imperador em aceitar
a demisso do gabinete e a revolta dos militares. O Conde descreve com mais detalhes o
dilogo havido entre eles.
A primeira fala do imperador : -Minha opinio de dissolver os
batalhes. - fcil falar repliquei-lhe, mas como Vossa Alteza quer
dissolver corpos que pegaram em armas contra Vossa Alteza? preciso
primeiro que Vossa Alteza constitua um governo, j que o precedente est
demissionrio
Mas eu no aceito essas demisses
Mas os ministros so prisioneiros dos insurrectos: como Vossa Alteza quer
que eles continuem a governar?
Mas sim! Ouro Preto vir falar comigo.625
623
Dirio de Andr Rebouas de 1889 Fundao Joaquim Nabuco AAR anotao do dia 04/05/1889
624
AHMIP Arquivo POB doc. 9413
625
SILVA, op. cit, p. 352
170
eles mesmos tomar a iniciativa e pediram que Tosta628 emitisse uma circular para que
comparecessem ao Pao os 17 conselheiros que se achavam na Corte: S.A. a princesa
imperial me encarrega a rogar a V. E. queira com a maior brevidade comparecer no
Imperial Pao da Cidade onde se acha S.M. o Imperador629
Segundo o Conde dEu, os Conselheiros de Estado compareceram em bom
nmero ao Pao e os conselheiros Taunay e Saraiva asseguraram ao Imperador que
ficasse tranqilo, que o caso no duraria muito!. Apesar da discordncia de Isabel,
Taunay resolveu levar adiante a idia de se colocar em contato direto com Deodoro,. Os
conselheiros Dantas e Correia, representando cada um seu partido, foram encarregados
dessa misso, mas no encontram Deodoro em casa.
Somente tarde da noite, aps insistentes splicas de Isabel, o Imperador
concedeu presidir a reunio do Conselho. o Conde que narra:
A solenidade do momento e a hora avanada faziam com que as vozes fossem
ainda mais baixas do que o costume, de modo que no ouvi uma slaba sequer.
Mas a princesa me disse, e os jornais o repetiram no dia seguinte, que a opinio
unnime foi a de que o Imperador devia constituir mais rpido possvel um
novo ministrio. O Imperador, depois de alguns instantes de reflexo, declarou
que confiava essa misso a Saraiva! Foi Paranagu que se encarregou de
voltar a p (j que o plano inclinado no funcionava mais a essa hora) a S.
Teresa, pela terceira vez no dia, para acordar Saraiva e cham-lo.
Uma outra mensagem foi escrita por Saraiva e enviada para Deodoro. De acordo
com o Conde dEu, os conselheiros se retiraram, o Imperador foi deitar, mas Isabel
resolveu permanecer acordada aguardando a resposta. E ela chegou as 3 hs da manh.
Narra o Conde:
Deodoro o recebera [ao mensageiro Major Trompowski] na cama e declarara
que no tinha resposta nenhuma a dar porque a repblica estava absolutamente
decidida. Ele acrescentou vrias outras coisas que no ouvi; a princesa me
disse apenas que Deodoro havia se queixado muito de mim, me considerando o
autor da opresso do exrcito, suposio inteiramente errnea contra a qual
protestei imediatamente em voz alta.
Na manh seguinte foram trazidos ao Pao os jornais que anunciavam a
Proclamao da Repblica. Para os membros da famlia Imperial a proclamao da
628
Manuel Vieira Tosta Filho, Baro de Muritiba
629
SILVA, op. cit, p. 352
172
Repblica estava comunicada, mas a situao deles ainda era totalmente indefinida.
Durante a manh o Pao foi cercado por militares da cavalaria, mas ainda era permitido
s pessoas circularem livremente para dentro e fora do prdio. Somente por volta das 10
horas veio uma ordem para que ningum mais entrasse ou sasse de l. Isabel descreve:
No dia 16 de manh ainda entravam e saiam pessoas do Palcio, mas os
guardas aumentam e no havia mais meio que se reunissem grupos roda do
Pao. Constantemente ouviam-se correrias de cavalaria em torno para espalhar
a gente. Pelas 10 horas j ningum podia penetrar, nem mesmo Senhoras.
Vimos por vezes, ainda que pouco chegssemos s janelas, alguns conhecidos
que de longe nos cumprimentavam. Que horrvel dia! Meu Deus!630
O Visconde e a Viscondessa de Carapebus, que conseguiram penetrar no Pao
por uma passagem secreta, trouxeram os rumores de que a famlia imperial seria
embarcada e exilada, sugerindo que eles tentassem negociar com os chilenos para pedir
que fossem levados ao seu encouraado fundeado em frente ao palcio. O Imperador
rejeitou a idia, mas Isabel e Gasto autorizaram seus amigos a tentar falar com o
Ministro do Chile.
A tarde, segundo relato do Gasto e de Isabel, uma comisso chegava ao
palcio. Descreve o Conde:
Enfim, s 3h apareceu um esquadro de cavalaria, todos vestidos de gala! O
major que o comandava e trs oficiais subalternos subiram a escada e pediram
para falar com o imperador, sendo imediatamente introduzidos no salo onde
todo mundo estava reunido na ocasio; e, aps os cumprimentos, o major
entregou ao imperador um papel grande, perguntando se Sua Majestade
desejava responder naquele instante. Como o imperador disse que no, os
oficiais se retiraram, com saudaes. O imperador, sem nada comunicar a sua
famlia, levou Doria a um canto, para com ele, tomar conhecimento do
contedo deste factum, e ento disse em voz alta que era uma ordem para
deixar o pas em 24 horas, e que ele estava pronto para partir aquela noite
mesmo. A imperatriz se deixou cair sobre uma poltrona enquanto ouvamos
gritos nervosos de uma de suas camareiras, e enquanto Isabel e quase todas as
damas se puseram a chorar. Doria se ps a redigir a resposta a ser dada pelo
630
AHMIP Arquivo POB doc. 9413
173
631
SILVA, op. cit, p. 355
632
AHMIP Arquivo POB doc. 9413
633
SILVA, op. cit, p.357
634
Idem, p.359
174
635
Carta de Isabel ao Visconde de Santa Vitria (apud Revista Nossa Histria, Ano 3/n 31, maio de
2006, pp. 69-72), j transcrita no captulo anterior
636
JUC, op. cit, pp. 134- 136
637
NABUCO, op. cit 2007, anotao de 03/01/1893
175
Segundo Iram Rubem, com isso Patrocnio visava tambm dotar a Repblica de uma
feio civilista.638 Em virtude de sua participao no episdio, Patrocnio concedeu a si
prprio o ttulo de Proclamador Civil da Repblica.
Nas pginas do jornal, justificando o exlio do Imperador, afirmava que:
Visitaram-no amigos, acompanharam-no afeioados. Mas no houve ningum que
francamente tomasse o seu partido e julgasse injusta a sublevao do pas.639
Mas o projeto de repblica vencedor, formado por uma coalizo entre
reformistas da gerao de 70, ligados ao Partido Republicano, e militares640, o deixou
de fora da festa. Para os republicanos ele seria eternamente o isabelista cujo momento
de glria deveria restringir-se abolio.641 Outro que foi deixado de fora desta
Repblica foi Silva Jardim, o grande propagador de sua idia, por ser demasiadamente
jacobino.
A essa Repblica, dou aqui o nome de repblica dos jornais. Foi atravs deles
que a idia republicana se espalhou. Foram alguns de seus principais articulistas que
prepararam o golpe. E foram eles que formaram o primeiro ministrio republicano. Nele
estavam figuras como as de Ruy Barbosa, Quintino Bocaiva, Campos Salles e
Aristides Lobo, entre outros.
Foram eles tambm que trataram rapidamente de construir a representao de
uma Repblica aceita sem contestaes, como no exemplo retirado aqui da Gazeta da
Tarde: A nova forma de governo pode-se dizer que foi aceita quase unanimemente,
pois nos ltimos momentos da monarquia, os que lhe pareciam mais dedicados
mostraram preferir a ptria a tudo.642
E tambm de reforarem a representao negativa construda para a herdeira do
trono, para que no houvesse a possibilidade de um retorno monarquia na existncia
do Terceiro Reinado:
No meio do turbilho das ltimas lutas, no meio de todos os debates dos
ltimos dias, foi notvel que no se tivesse ouvido discutir os direitos da ex-
638
RUBEM, Iram. Entre o Turbulo e o Punhal, o verbo da utopia - A trajetria sinuosa de Jos do
Patrocnio, do Imprio Repblica, cap. V, dissertao de mestrado desenvolvida junto ao Programa de
Mestrado em Histria Social da Universidade Severino Sombra, sob a orientao da Prof Dr Cludia
Santos, com previso de defesa no ano de 2009
639
Cidade do Rio de 18/11/1889
640
ALONSO, op. cit, p.247
641
Para os republicanos da primeira hora, um monarquista-isabelista, comprometido eternamente com
um terceiro reinado; para os jacobinos, um sebastianista; e, finalmente, um vilo grotesco, para a
imprensa empresa que se assumia cirrgica, lgica e assptica BRANDO, op. cit, Cap.II, p.79
642
Gazeta da Tarde de 16/11/1889
176
643
Repblica Brasileira de 21/11/1889
177
CONCLUSO
Neste trabalho, em que fao uma biografia de Isabel centrada nas suas idias e
na sua participao poltica, procurei um outro olhar sobre o perodo final do Imprio.
A inteno foi a de buscar novas formas de interpretao ainda no exploradas pela
historiografia.
Deixando de lado vises historiogrficas consolidadas, baseei-me na anlise de
uma grande quantidade de fontes, no propriamente inditas, mas que observadas no
seu conjunto proporcionaram uma nova abordagem tanto da personagem como das
tenses polticas e sociais que a cercaram. Procurei reconstruir uma nova viso de
Isabel, privilegiando sua posio como um ator poltico, que demonstrou no ser ela
nem uma revolucionria, nem apenas a Redentora piedosa, mas uma mulher de seu
tempo, dividida entre a forte religiosidade e as noes de progresso e modernidade.
Educada com a finalidade de governar, tinha conscincia das obrigaes que a
aguardavam no futuro, guardando, porm, uma autonomia em relao influncia
poltica do Imperador. Sua adeso s idias abolicionistas reformistas ocorreu no s
por estar de acordo com o que pregava a Igreja, mas como uma opo poltica que
visava a dar uma sustentao mais popular ao seu reinado.
Busquei retratar a Princesa como uma mulher brasileira do sculo XIX, casada
com um nobre estrangeiro, que tinha o nus de ser a herdeira do trono de um Imprio
sem tradio, dentro de uma sociedade masculina e patriarcalista.
Por outro lado, procurei demonstrar como a sociedade como um todo, e o meio
poltico e intelectual especificamente, a viram e a representaram, sobretudo atravs da
imprensa, aderindo ou no idia de t-la como Imperatriz.
Estudar o seu terceiro perodo de regncia sob a tica de seus contemporneos,
que o viram como o incio do terceiro reinado, trouxe tona outras articulaes
polticas deste curto espao de tempo, contido entre a abolio e a Proclamao da
Repblica. Serviu para demonstrar que, entre os vrios projetos pensados para o Brasil
neste perodo, existiu um que tinha como fim ltimo amenizar as desigualdades sociais,
buscando, entre outros pontos, a incluso do ex-escravo na sociedade, atravs da
educao e da terra, e uma nova forma de distribuio da propriedade rural, atravs de
uma reforma agrria. E neste projeto cabiam Isabel e o Terceiro Reinado.
178
FONTES:
1- Peridicos:
Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro - Disponveis em microfilme
Cidade do Rio PR . SPR. 168
Correio do Povo: rgo Republicano - PR. SOR. 1824
Dirio de Notcias - PR. SPR. 00003
Dirio do Rio de Janeiro - PR. SPR. 5
Gazeta de Notcias PR.SPR. 02182
Gazeta da Tarde PR. SPR. 569
Jornal do Comrcio PR. SPR. 1
O Mequetrefe PR. SOR. 2155
Novidades PR. SPR. 100
O Pas PR. SPR. 6
A Reforma PR. SOR. 3457
Repblica Brasileira PR. SOR. 02764
Semana Ilustrada PR. SOR. 2334
2) Correspondncias e dirios:
a) Arquivo Histrico do Museu Imperial de Petrpolis:
- Arquivo POB Arquivo da Casa Imperial do Brasil
- Arquivo Gro Par Acervo privado da famlia Orlans e Bragana
3) Fontes Impressas
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Ltda, 1957
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PAIM, Antnio (Seleo e Introduo). O Apostolado Positivista e a Repblica.
Biblioteca do Pensamento Poltico Republicano, vol 2, Braslia: Editora Universidade
de Braslia, 1981
PINHO, Jos Wanderley. Cartas do Imperador D. Pedro II ao Baro de Cotegipe. SP:
Cia Editora Nacional, 1933
RANGEL, Alberto. Gasto de Orleans O ltimo Conde dEu. So Paulo: Cia Editora
Nacional, 1935
4) Meio digital
- Correspondncia entre Gusmo Lobo e o Baro do Rio Branco - Cadernos do CHDD
/ Fundao Alexandre de Gusmo, Centro de Histria e Documentao Diplomtica.
Ano 3, n.5. Braslia,DF : A Fundao, 2004. disponvel em:
http://chdd.funag.gov.br/cadernos/pdfs/cadernos_do_chdd_05.pdf
- Textos e discursos de Joaquim Nabuco - disponveis em http://www.fundaj.gov.br
- NABUCO, Joaquim. O Abolicionismo . disponvel em
http://www.editorameca.com.br/BV11032003/JOAQUIM%NABUCO/abolicionismo.ht
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FERREIRA, Carlos Alberto Dias. Francisco Paulo de Almeida - Baro de Guaraciaba:
Relaes de poder e biografia de um negro no Brasil Imprio. Dissertao de mestrado
desenvolvida no Programa de Mestrado em Histria Social da Universidade Severino
Sombra, sob a orientao do Prof. Dr. Fbio Henrique Lopes, com previso de defesa
no ano de 2009
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