Tradução de 3 Sonetos de Shakespeare

Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 11

TRANSLATIO Porto Alegre, n.

9, Junho de 2015

WILLIAM SHAKESPEARE: SONETOS XVII, XVIII e XXIX


TRADUO E COMENTRIO

Carlos Leonardo Bonturim Antunes1

Resumo: Este texto apresenta a traduo (em Portugus brasileiro) comentada de trs
sonetos (XVII, XVIII e XXIX) de William Shakespeare, apontando algumas
dificuldades na tarefa de traduo e o modo pelo qual elas foram enfrentadas na busca
de uma transposio semelhante em forma e contedo, mas que se permite algumas
licenas.
Palavras-chave: Shakespeare, traduo potica, recriao potica, ritmo, mtrica.

Abstract: This paper presents the commented translation, in brazilian Portuguese, of


three sonnets (XVII, XVIII and XXIX) by William Shakespeare, indicating a few
difficulties in the translational task and the way that they were faced while striving for a
transposition similar in shape and meaning, albeit allowing itself a few liberties.
Keywords: Shakespeare, poetic translation, poetic recreation, rhythm, meter.

Apresentao

Geralmente lembrado por suas peas teatrais, Shakespeare foi um prolfico


sonetista, sendo-lhe atribudos 154 poemas desse tipo. Os trs poemas aqui apresentados
so alguns de seus mais famosos sonetos amorosos. Nos de nmero XVII e XVIII, o
poeta lida com o tema da imortalidade da beleza do ser amado por meio da arte. No de
nmero XXIX, por sua vez, o mote o de como o amor capaz de elevar a existncia
mesmo de algum em uma situao miservel (noo comumente interpretada em
relao tanto a crticas obra do poeta na poca quanto ao fechamento dos teatros de
Londres em 1592 devido peste).

Texto e Traduo

Escritos originalmente em decasslabos jmbicos (iambic pentameters), esses


sonetos foram aqui traduzidos por dodecasslabos tambm jmbicos. A escolha por um
metro diferente se justifica pelo fato de a lngua portuguesa, em geral, precisar de mais

1
Professor de Lngua e Literatura Grega na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
38
ISSN 2236-4013
TRANSLATIO Porto Alegre, n. 9, Junho de 2015

espao para desenvolver-se, diferentemente do Ingls, que tem uma abundncia de


palavras curtas. Achei mais interessante experimentar um metro um pouco mais longo,
que possibilita menos inverses e arcasmos desnecessrios, do que empregar o
decasslabo e ter de empreender muitos malabarismos poticos, como j foi feito por
outros amide e com competncia.2

Exemplo da mtrica no original e na traduo (Soneto XVIII, verso 1):

Shall / I / com / pare / thee / to / a / sum / mer's / day?


/ jus / to / com / pa / rar- / te a um / di / a / de / ve / ro?

Um nico verso, na traduo, possui incio anapstico. Trata-se do seguinte


verso (verso 11) do soneto XVIII:

Nem / de / ter- / te ao / seu / la / do a / mor / te / se / ri / r

Essa alternncia rtmica foi proposital para salientar a passagem, que, no Ingls,
tambm tem um andamento peculiar, nem tanto pela alternncia do primeiro p jmbico
por um p trocaico (licena comum empregada pelo poeta), mas pelo espondeu que o
segue (efeito sonoro menos comum):

Nor / shall / Death / brag / thou / wan / d'rest / in / his / shade

Em algumas ocasies, tomou-se a liberdade de empregar uma imagem diferente


para traduzir um conceito. Um exemplo so os versos 3 e 4 do Soneto XVII:

Though yet, heaven knows, it is but as a tomb


Which hides your life and shows not half your parts.

Por mais que os cus percebam como so dispersos


Os traos com que tento recriar teus tons.

2 Entre muitas outras, vide as de Ivo Barroso (2012), Jorge Wanderley (1991) e Vasco Graa Moura
(2005), todas as trs tradues em decasslabos.
39
ISSN 2236-4013
TRANSLATIO Porto Alegre, n. 9, Junho de 2015

No original, o poeta compara seus versos a uma tumba, que esconde mais da
metade das caractersticas do ser amado. Na traduo, permanece a inteno de dizer-se
incapaz de reproduzir a beleza da pessoa descrita, mas por outra imagem: a de uma
pintura com tons muito aqum daqueles que tenta imitar.

Nos trs sonetos, tentei preservar a unidade de cada verso, evitando ao mximo
criar enjambement onde no havia, ou ocupar mais espao com uma ideia do que no
texto em Ingls. Nem sempre foi possvel faz-lo, mas essa foi a minha meta geral.
Procurei recriar alguns efeitos poticos importantes. Entre eles, citarei alguns.

i) As rimas toantes no incio do soneto XVIII, onde day e May tm sonoridade


semelhante a temperate e date (recriadas nas duplas vero e partiro,
tom e bom):

Shall I compare thee to a summer's day?


Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date:

justo comparar-te a um dia de vero?


s mais amvel e de mais ameno tom.
Ao vento o vio e a cor dos brotos partiro
E os dias estivais no tm destino bom.

ii) No mesmo poema, mantive a justaposio do conceito de belo, presente em


And every fair from fair sometime declines (verso 7), tambm em E quanto
belo, belo no perdura ao teste, por julg-la importante na representao visual
do declnio da beleza num crescendo e decrescendo.

iii) Semelhante efeito foi reproduzido tambm no Soneto XXIX: Featured like him,
like him with friends possess'd, Querido como aquele, quele assemelhado.

40
ISSN 2236-4013
TRANSLATIO Porto Alegre, n. 9, Junho de 2015

Entre as dificuldades no vencidas, devo citar a impossibilidade de manter, no


Soneto XXIX, a repetio de state (condio, estado) ao longo do poema. O
conceito central ao texto e vai sendo repetido conforme se configura e, por fim, se
altera. Sua no-repetio, infelizmente, foi uma perda.

41
ISSN 2236-4013
TRANSLATIO Porto Alegre, n. 9, Junho de 2015

SONNET XVII
(ORIGINAL)
________
William Shakespeare

Who will believe my verse in time to come,


If it were fill'd with your most high deserts?
Though yet, heaven knows, it is but as a tomb
Which hides your life and shows not half your parts.
If I could write the beauty of your eyes
And in fresh numbers number all your graces,
The age to come would say 'This poet lies;
Such heavenly touches ne'er touch'd earthly faces.'
So should my papers yellow'd with their age
Be scorn'd like old men of less truth than tongue,
And your true rights be term'd a poet's rage
And stretched metre of an antique song:
But were some child of yours alive that time,
You should live twice; in it and in my rhyme.

42
ISSN 2236-4013
TRANSLATIO Porto Alegre, n. 9, Junho de 2015

SONETO XVII
(TRADUO)
________
William Shakespeare

Quem vai acreditar mais tarde nos meus versos


Se acaso os preencher com teus sublimes dons?
Por mais que os cus percebam como so dispersos
Os traos com que tento recriar teus tons.
Se descrevesse a formosura em teu olhar
E recontasse a conta de teus dotes todos,
"Mentiras" no futuro iriam as chamar,
"Deidade semelhante viva s no engodo".
Assim seria o meu poema envelhecido
Tratado como tratam velhos j senis,
E julgariam tudo que te merecido
Um exagero prprio a metros infantis.
Mas, caso viva um filho teu no tempo acima,
Ters a vida dupla: nele e nestas rimas.

43
ISSN 2236-4013
TRANSLATIO Porto Alegre, n. 9, Junho de 2015

SONNET XVIII
(ORIGINAL)
________
William Shakespeare

Shall I compare thee to a summer's day?


Thou art more lovely and more temperate:
Rough winds do shake the darling buds of May,
And summer's lease hath all too short a date:
Sometime too hot the eye of heaven shines,
And often is his gold complexion dimm'd;
And every fair from fair sometime declines,
By chance, or nature's changing course, untrimm'd;
But thy eternal summer shall not fade,
Nor lose possession of that fair thou owest;
Nor shall death brag thou wand'rest in his shade,
When in eternal lines to Time thou growest:
So long as men can breathe, or eyes can see,
So long lives this and this gives life to thee.

44
ISSN 2236-4013
TRANSLATIO Porto Alegre, n. 9, Junho de 2015

SONETO XVIII
(TRADUO)
________
William Shakespeare

justo comparar-te a um dia de vero?


s mais amvel e de mais ameno tom.
Ao vento o vio e a cor dos brotos partiro
E os dias estivais no tm destino bom.
s vezes sobrebrilha o culo celeste
E com frequncia no mantm seu tom dourado;
E quanto belo, belo no perdura ao teste
Do acaso ou da consumao do tempo dado.
Mas teu vero eterno no se apagar
Nem perder a beleza que somente tua,
Nem de ter-te ao seu lado a morte se rir
Ao ver aquilo que estes versos perpetuam.
Enquanto h flego e viso mente humana,
H vida nisto e disto a tua vida emana.

45
ISSN 2236-4013
TRANSLATIO Porto Alegre, n. 9, Junho de 2015

SONNET XXIX
(ORIGINAL)
________
William Shakespeare

When, in disgrace with fortune and men's eyes


I all alone beweep my outcast state
And trouble deaf heaven with my bootless cries,
And look upon myself and curse my fate,
Wishing me like to one more rich in hope,
Featured like him, like him with friends possess'd,
Desiring this man's art and that man's scope,
With what I most enjoy contented least;
Yet in these thoughts my self almost despising,
Haply I think on thee, and then my state,
Like to the lark at break of day arising
From sullen earth, sings hymns at heaven's gate;
For thy sweet love remembered such wealth brings
That then I scorn to change my state with kings.

46
ISSN 2236-4013
TRANSLATIO Porto Alegre, n. 9, Junho de 2015

SONETO XXIX
(TRADUO)
________
William Shakespeare

Quando, excludo da fortuna e dos meus pares,


Lastimo solitrio a minha condio,
E lano preces ao desprezo dos altares,
E olhando para mim maldigo o meu quinho,
Querendo ser algum mais rico de esperana,
Querido como aquele, quele assemelhado,
Dotado de arte alheia e alheia temperana,
Com tudo que mais gosto mais decepcionado;
Porm, por esse modo quase me odiando,
Feliz eu penso em ti, e logo o meu juzo,
Como uma ave matutina se elevando
Do p, entoa hinos junto ao paraso:
Teu doce amor lembrado instaura tal riqueza
Que eu repudio a sorte at da realeza.

47
ISSN 2236-4013
TRANSLATIO Porto Alegre, n. 9, Junho de 2015

Referncias

SHAKESPEARE, William. The Works of William Shakespeare. Editado por William


George Clark e William Aldis Wright. London and Cambridge: MacMillan and
Co., 1866.

_______________. William. 50 Sonetos de William Shakespeare. Traduo: Ivo


Barroso. Agir, 2012.

_______________. Os Sonetos Completos. Traduo: Vasco Graa Moura. 1 Edio.


Editora Landmark, 2005.

_______________. Sonetos. Traduo: Jorge Wanderley. 2 Edio. Civilizao


Brasileira, 1991.

48
ISSN 2236-4013

Você também pode gostar