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O BRASIL MADE IN CHINA

Para pensar as reconfiguraes


do capitalismo contemporneo
O Brasil made in China
Para pensar as reconfiguraes
do capitalismo contemporneo

Autoria: Camila Moreno


1 edio brasileira

Coordenao do projeto: Verena Glass


Coordenao editorial: Ana Rsche
Reviso: Lilian Aquino
Projeto grfico: Luiza Poli Franco

Esta publicao foi realizada pela Fundao


Rosa Luxemburgo com o apoio de fundos do
Ministrio Federal para a Cooperao Econmica
e de Desenvolvimento da Alemanha (BMZ).

Somente alguns direitos reservados.


Esta obra possui a licena CreativeCommons
BY-NC-ND (Atribuio - Uso no comercial -
No a obras derivadas).

M843o Moreno, Camila.


O Brasil made in China: para pensar as reconfiguraes
do capitalismo contemporneo / Camila Moreno So Paulo,
Fundao Rosa Luxemburgo, 2015.
116p.

ISBN: 978-85-68302-02-6

1. China. 2. Capitalismo contemporneo. 3. Relaes Brasil


e China. I. Ttulo.

CDD: 300
CDU: 339

2
ndice
Prefcio 5

Parte I
Introduo: O mundo made in China e o metabolismo
do capitalismo no sculo XXI 11
O fator China 13
Sonho (ou pesadelo) chins? 21
Amrica LaChina 25
O Consenso de Beijing e o debate sobre extrativismo 30

Parte II
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia? 45
Breve histrico de uma aliana Sul-Sul 47
Neodesenvolvimentismo e internacionalizao subordinada 51
Alimentando o drago, ou as novas equaes de dependncia 56
China: parceira estratgica do neodesenvolvimentismo 64
China e o Pr-Sal 69
China na Amaznia 71
Arco Norte e o complexo agromineral 74
 O linho de Belo Monte: a Pan-Amaznia como fronteira 92
hidroeltrica mundial
Amaznia e capitalismo de fronteira 97

Parte III
Para alm do dilema desenvolvimentismo-extrativismo 101

Anexos
Anexo I: A China no setor de energia no Brasil 107
Anexo II: Atos 109

3
4
Prefcio
Verena Glass
Fundao Rosa Luxemburgo

Com tiros de arcabuz, golpes de espada e sopros de peste assim


os conquistadores espanhis avanaram sobre o territrio azteca no incio
do sculo XVI. Como porcos famintos que anseiam pelo ouro, foi como
descreveu, em 1971, o escritor uruguaio Eduardo Galeano o processo que
poderia ser considerado, com a devida relativizao, o primrdio da sanha
megaextrativista na Amrica Latina.
As veias abertas da Amrica Latina, obra que fez de Galeano um dos mais
admirados autores de esquerda do nosso tempo, buscou retratar, de manei-
ra contundente, os processos de cinco sculos de pilhagem do continente
americano. Escrito em um perodo no qual boa parte dos Estados sul-ame-
ricanos se encontrava sob regimes militares que, novamente com a devida
relativizao, guardavam semelhanas com o conquistador Hernn Cortez no
que tange metas e mtodos na explorao e dominao das populaes, dos
territrios e seus bens naturais , o livro foi proscrito em pases como Brasil,
Chile, Argentina e Uruguai nos anos seguintes sua publicao; o que, obvia-
mente, s fez crescer a sua influncia no arcabouo analtico das esquerdas
sobre a regio, especializada em perder, como a definiu o escritor uruguaio.
Passados mais de 40 anos do lanamento de As veias abertas, preciso re-
conhecer que o mundo mudou. Caram os regimes totalitrios, Estados Unidos
e Europa passaram por reconfiguraes no tocante a mtodos e capacidades de
mobilidade no tabuleiro geopoltico da regio, a Amrica do Sul se reinventou
em processos sociopolticos progressistas que impactaram o mundo e o Sul glo-
bal deixou de esquentar o banco dos reservas, abandonou o posto de gandula e
passou a jogar e apitar seu prprio jogo em seus prprios campos.
neste contexto que surge o presente livro. Quando, na virada deste
sculo, as foras progressistas foram paulatinamente ganhando espao na
Amrica do Sul processo acompanhado pela incluso, no reordenamento
das relaes multilaterais, de uma nova estratgia de aprofundamento de

5
relaes Sul-Sul , foi se materializando enquanto realidade cada vez mais
presente um novo player do capitalismo do sculo XXI em nossa regio: uma
potncia chamada China, que vende quase tudo que voc usa e compra uma
boa parte do que produzido nos monocultivos, nas minas e nos poos de
petrleo do pas.
A bem da verdade, como se verificar na leitura deste livro, as relaes
dos pases latino-americanos e, em especial, o Brasil com a China no so
to recentes. Mas, como pontuado aqui, a percepo de que o mundo made
in China tem se imiscudo no cotidiano de um espectro cada vez mais amplo
de pessoas, e de forma cada vez mais aguda. Do sojicultor vendedora de ba-
tom, do camel aos presidentes de grandes empreiteiras, da garotada vida por
tecnologia ao indgena espoliado por projeto barrageiro na Amaznia, todos
comungam da presena chinesa em suas vidas, para o bem ou para o mal.
Para o leitor que baliza sua medida de aprovao das polticas de de-
senvolvimento nos preceitos da economia, a atuao da China na Amri-
ca Latina e no Brasil, detalhada neste livro, certamente merecer calorosos
aplausos. Como principais compradores de commodities e bens naturais da
regio, os chineses tm adotado, em troca, um crescente protagonismo nos
investimentos em infraestrutura e demais facilitadores do processo produ-
tivo (numa relao win-win bastante bem-vista pelo mercado). Com a van-
tagem adicional de que, diferentemente de Cortez e seus tiros de arcabuz
(ou dos EUA e seus marines), a China (por enquanto) declaradamente pa-
cifista e se ocupa dos territrios exclusivamente atravs de acordos comer-
ciais, mercados vidos e investimentos vultosos.
Esta mesma sanha consumista de mercadorias primrias da nossa regio e
o concomitante empenho em fomentar nos territrios latino-americano e bra-
sileiro mecanismos de barateamento dos custos das respectivas cadeias produ-
tivas, porm, assumem contornos bem menos atraentes se vistos pelo prisma
dos direitos humanos e da natureza, das populaes tradicionais e dos ind-
genas, das soberanias alimentar e energtica, da preservao ambiental e da
biodiversidade e, principalmente, das resistncias ao aniquilamento das diver-
sidades em nome do que se achou por bem chamar de progresso e crescimento.
O neodesenvolvimentismo, adotado em larga medida pelos governos
sul-americanos (dos mais aos menos progressistas), tem embasado, nas l-
timas dcadas, os discursos e as polticas que transitam da singular acele-
rao do crescimento promoo e sustentao de programas sociais e de
combate pobreza (em boa medida via rentismos). Marcadamente neoex-

6
trativo, teve o mrito de, paulatinamente, suprimir do consciente coletivo
progressista o paradoxo que a promoo de bem-estar via explorao
predatria bens naturais.
Mas o que realmente promete este progressismo de resultados? O
iderio progressista-desenvolvimentista que em grande medida logrou a
diminuio de desigualdades e da pobreza, mas no foi capaz de operar as
transformaes estruturais no cerne poltico, social e econmico do poder
vem abandonando os envoltrios sociais de seus projetos de crescimento
econmico, e o que tem emergido de forma nua e crua so as estruturas
das cadeias produtivas da extrao de bens primrios (incluindo a a terra e
a gua usadas na produo agropecuria extensiva), numa lgica made in
China de busca por eficincia.
o que evidencia o debate a partir do captulo China na Amaznia
desta publicao. Descrito em mincias, o projeto de interveno produ-
tiva do governo brasileiro na Amaznia, em boa parte impulsionado pelas
demandas chinesas por maior eficcia nos processos produtivos e de esco-
amento de gros, minrios, madeira e petrleo, inclui estradas, hidrovias,
hidreltricas e linhas de transmisso que rasgam e violam sem pruridos al-
guns dos territrios mais ricos do pas em biodiversidade e mais frgeis em
proteo s suas populaes nativas.
O estilo veni, vidi, vici adotado pelo governo na implantao de pro-
jetos como as hidreltricas de Jirau e Santo Antonio, no rio Madeira (RO),
Belo Monte, no rio Xingu (PA), So Manuel, no rio Teles Pires (MT) e ago-
ra So Luiz do Tapajs, em gestao no rio Tapajs (PA), evidenciam um
fator preocupante: estes, como todos os demais projetos do Programa de
Acelerao do Crescimento (PAC 2) em andamento na regio, j foram alvo
de protestos, revoltas ou ocupaes. Todos acumulam um sem nmero de
aes judiciais, todos se transformaram em vetores de conflito, e nenhum
cumpriu as condicionantes sociais e ambientais obrigatrias dos processos
de licenciamento.
Esse desenvolvimentismo conquistador vem impregnado de uma
ameaa grave ao Estado de Direito, medida que sua capacidade de avan-
o depende, cada vez mais, do atropelo das legislaes sociais, ambientais
e (inclusive) econmicas ou, mais alm, da inobservncia intencional de
preceitos constitucionais. Cada vez mais autorreferendados, os represen-
tantes dos chamados setores produtivos em todas as esferas de poder (in-
clusive no Judicirio) tm adotado uma ousadia crescente nos ataques ao

7
que consideram entraves e obstculos expanso e segurana de seus in-
vestimentos, fazendo com que cada vez mais a Constituio seja incapaz de
garantir proteo s vtimas desse processo.
O retrocesso tico que tem marcado as polticas desenvolvimentistas
de vrios governos progressistas vem acompanhado de outro elemento que
remete aos tempos os histricos da narrativa e o cronolgico da publi-
cao de As veias abertas: a violncia do Estado contra os retardatrios
do progresso, numa reproduo profundamente colonial da supremacia da
urbanidade moderna sobre os territrios serviais. Ou seja, a prioriza-
o absoluta das necessidades intrnsecas ao urbano energia, matrias
primas, protena, etc. -, que tambm a fora motriz e o horizonte do de-
senvolvimento chins, que se d com o sacrifcio daqueles que no cabem
mais neste tempo; porque no se inserem nas cadeias de consumo, no se
inserem na matriz produtiva, no servem ao capital e insistem em ocupar
territrios riqussimos com o singular propsito de neles viver.
importante salientar que, quando se fala em violncia de Estado, no
apenas a psicolgica, poltica e jurdica que est sobre a mesa, mas a fsica,
com uso de armas e incurso de foras policiais e militares contra as insurgn-
cias sociais. No toa, o governo brasileiro criou sua prpria fora militar a
Fora Nacional de Segurana , que, com a Polcia Federal, tem assumido os
processos repressivos contra indgenas, camponeses e trabalhadores descon-
tentes para garantir os interesses pblico-privados do capital pblico-privado,
sob um discurso no de represso, mas de proteo e segurana. Mais alm, esse
mesmo discurso transforma em interesse nacional os investimentos do capital
privado, e em ameaas soberania e segurana do pas quaisquer movimentos
de resistncia (inclusive os advindos do Ministrio Pblico em forma de aes
judiciais que questionam violaes legais e/ou constitucionais).
Ora, se esse o pacote que acompanha a dimenso incontornvel nas
reconfiguraes civilizatrias em curso, que esto redefinindo em grandes li-
nhas os fluxos de matria e energia no planeta e o metabolismo do capitalis-
mo no sculo XXI, como descrito neste livro o advento da nova era made
in China, no abusivo questionar at que ponto o jogo no campo Sul-Sul
no segue as mesmas regras do modelo hegemnico do Norte. At que ponto
a aposta em uma fora contra-hegemnica como os BRICS, por exemplo, no
reproduz a mesma relao de subordinao colonizada das populaes que
historicamente foram vitimadas sob a dominao do capitalismo euro-ame-
ricano? Para o campons ou a comunidade indgena, faz alguma diferena

8
se o agrotxico que os contamina americano ou chins? Se a mineradora
canadense ou chinesa? Se a soja que ocupa seus territrios alimentar sunos
na Espanha ou chineses na China? Como justificar que o sonho chins ma-
terializa pesadelos desenvolvimentistas em escalas inditas, como aponta
esta publicao?
Essas so algumas das reflexes que o livro apresenta a seus leitores, a
partir da dissecao do papel da China em nosso pas e em nossas vidas. Pro-
vavelmente haver momentos em que o leitor pensar consigo mesmo que,
dada a voracidade dos mercados internacionais e o mata-mata no ringue
global do capitalismo, na falta de para onde correr at que o emaranhamen-
to inexorvel de Brasil e China no assim to mal. Afinal, trata-se de uma
relao de mtuo benefcio.
Ser mesmo? De fato, o olhar atento captar, inclusive nas linhas que re-
latam as vantagens econmicas de uma determinada fatia da sociedade brasi-
leira nas relaes com a China, que este livro uma convocao urgente para
o questionamento dos rumos que o Brasil vem trilhando. Apenas garantir o
ter (como tem buscado o governo com suas polticas de facilitao de acesso
ao consumo), sem garantir a liberdade plena de ser, no o bastante.
Muito j se falou em estabelecer limites ao desenvolvimento. Muito j se
lutou pela garantia dos direitos da parcela da populao mais frgil de nosso
pas. Muito j se criou, em termos de alternativas, para provar que a premissa
de que no h outro jeito falaciosa. Ento como possvel que as lutas por
avanos das conquistas sociais e que as bandeiras reivindicatrias pela multipli-
cao de diversidades venham sendo suplantadas e substitudas pela urgncia
agnica das resistncias contra os retrocessos que ameaam o que j havia sido
garantido? Quanto do esbulho da Amrica Latina relatado em As veias aber-
tas no tem sido reproduzido (de forma repaginada ou ipsis litteris) sob olhares
condescendentes e/ou coniventes dos discpulos do neodesenvolvimentismo?
Em sua trajetria no Brasil, no Cone Sul, na Amrica Andina e na Am-
rica Central, a Fundao Rosa Luxemburgo tem buscado entender, introje-
tar, apoiar, instrumentalizar e difundir processos emancipatrios que rom-
pam com o modorrento pensamento nico imposto por um tradicionalismo
colonialista transvestido de urgncia da modernidade. Este livro , assim,
mais uma pequena contribuio para o debate sobre o que fomos, o que es-
tamos e o que seremos ou podemos ser.
So Paulo, dezembro de 2014.

9
10
Parte I
Introduo

O mundo made in China


e o metabolismo do
capitalismo do sculo XXI
O mundo hoje made in China. Da mais simples e banal a mais com-
plexa materialidade da nossa vida cotidiana, de um lpis a um smart-phone,
da infinidade de objetos de plstico que enchem as lojas de R$ 1,99 a objetos
de consumo de luxo, passando por toda classe de eletrnicos, ferramentas,
louas, txteis, roupas, sapatos, brinquedos, at materiais de construo, pro-
dutos qumicos, agrotxicos, etc., grande parte do mundo que nos rodeia
fabricado na China. Em um mundo globalizado, a expresso dos distintos na-
cionalismos e patriotismos tambm depende dos importados baratos da China.
So atualmente feitas na China as bandeiras nacionais da maioria dos pases
(Estados Unidos e Coreia do Sul fizeram recentemente leis tentando reverter
essa tendncia, ao menos para as de uso militar).1 Vm da China as bandeiras
expostas nas ruas, nas marchas, nas campanhas, nos estdios e nas manifes-
taes e que expressam, visivelmente, todo o espectro de posies polticas.
As bandeiras do MAS (Movimiento al Socialismo) da Bolvia, assim como as do
Brasil, j chegam em rolo vindas da China.2 At o carnaval brasileiro depende
hoje em mais de 80% da importao de tecidos, plumas e adereos chineses.3
Da mercadoria verdadeira infinidade de cpias, falsificaes e r-
plicas, a China tornou possvel, em preo e escala de produo, viabilizar o
consumo de massa tal como conhecemos hoje. No exagero dizer que o
padro de consumo profundamente entranhado nos imaginrios culturais e
sociais do que desenvolvimento, que d corpo e materialidade ao modo
de vida que associamos globalizao, s se tornou possvel graas China.

11
O Brasil made in China Parte I

Ao longo das ltimas trs dcadas, a emergncia da China alterou de


maneira dramtica as estruturas produtivas em todos os pases, em maior
ou menor grau, em todas as regies do globo.
Ao assumir o papel de grande fbrica do mundo, o pas criou dinmicas
decisivas que radicalizaram a diviso internacional do trabalho, descentralizan-
do a indstria, por um lado, e tambm desindustrializando e reprimarizando
vrias economias, impulsionando uma grande demanda de recursos naturais,
o que vem, por sua vez, reconfigurando uma diviso internacional da natureza:
ao longo da ltima dcada, a demanda chinesa foi o principal fator respons-
vel pela alta dos preos internacionais das commodities e consolidou-se como
o motor da expanso da indstria extrativa em nvel global.4 A China atu-
almente a segunda maior economia do mundo, uma potncia geopoltica e
econmica e o maior comprador internacional de matrias-primas.
A realidade do mundo made in China determinante para pensar as
especificidades do capital como modo de produo e relao social em es-
cala planetria. As economias de todo mundo, em maior ou menor grau,
se encontram hoje invariavelmente atreladas China, que considerada a
principal engrenagem do crescimento da economia mundial.5 Enquanto a
indstria chinesa sustenta a produo de mercadorias que conferem exis-
tncia grande parte da materialidade do nosso cotidiano, a industriali-
zao chinesa e seus processos correlatos como a mudana nos hbitos
alimentares milenares e a massiva urbanizao em curso na sia depen-
dem, por sua vez, essencialmente do aporte constante de matrias-pri-
mas e recursos naturais obtidos ao redor do mundo (minrios, madeiras,
fibras, gros, carnes, etc.), sendo que a extrao e o processamento destes
esto relacionados a demandas energticas e infraestruturas para escoa-
mento e circulao, compondo um processo que vem sobredeterminando
massivamente territrios ao redor do mundo.
Nesta perspectiva, a considerao do fator China impe uma di-
menso incontornvel nas reconfiguraes civilizatrias em curso e que
esto redefinindo em grandes linhas os fluxos de matria e energia no
planeta e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI.6

12
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

O fator China
A ascendncia da China como nova potncia global e seus efeitos na
economia, na poltica e em questes de segurana internacional demar-
cam um novo momento geopoltico que os analistas definem como o fim
do Sculo Americano e o incio do Sculo do Pacfico, com a sia como novo
centro de gravidade da economia mundial.7
Estimativas recentes baseadas na paridade do poder de compra apon-
tam que at o final de 2014 a economia chinesa deve ultrapassar os EUA e
assumir o posto de primeira economia mundial, antecipando o prognstico
calculado para ocorrer somente em 2019.8 Assim, a China recupera a posi-
o que detinha at 1890, quando foi suplantada pelos EUA como primeira
economia mundial.9 At o final do sculo XIX a China se manteve frente
da Europa como maior economia do Planeta (chegando a deter aproxima-
damente um tero da produo global de bens e servios), quando foi ento
subjugada pela Inglaterra e aliados atravs da Guerra do pio, episdio que
marca a incorporao do pas moderna economia de mercado.10
O peso da China no cenrio internacional resultado de um pro-
cesso relativamente recente, que comea a tomar corpo, de forma plani-
ficada, a partir das reformas introduzidas no pas de 1978/79 em diante.
O crescimento chins comeou nos anos 1980, mas passou a impactar
o mundo ao longo dos anos 1990, se consolidando no final da primeira
dcada do sculo XXI, quando se torna a segunda economia do mundo.
Antes disso, a China estava devastada nos primeiros anos do sculo
XX. Aps sculos de poder centralizado, viu seu territrio ser entregue
s foras estrangeiras. Entre 1800 e 1985, o pas passou por cinco guerras
externas (da Guerra do pio s invases japonesas) e mais cinco guerras
civis (de Taiping Revoluo Cultural). Em funo das particularidades
do seu processo histrico, a Revoluo Comunista criou as condies para
sua industrializao massiva, que impactou dramaticamente nas dinmi-
cas do capitalismo global.

13
O Brasil made in China Parte I

Aps a morte de Mao Ts-Tung, Deng Xiaoping assumiu o poder em


1978. O pragmatismo que se seguiu condensado no esprito do slogan do
perodo: no importa se o gato branco ou preto, contanto que ele pegue o
rato.As reformas que se seguiram foram centradas em estabelecer uma
poltica de desenvolvimento econmico, mudando os rumos do socialis-
mo da China e traando um projeto novo para desenvolver o pas por meio
da liberalizao econmica, mas que preservasse a orientao socialista
e a liderana do Partido Comunista. O objetivo era transformar a China
de um pas pobre (na poca com mais de 60% da populao vivendo com
menos de US$1 por dia) em uma nao rica e poderosa no sculo XXI.11
Este processo, para o qual contriburam mltiplos fatores em com-
plexidade e abrangncia, significou forjar o engajamento de uma socieda-
de inteira em uma empreitada sem similar na histria, e, em especial, sem
similar na histria do desenvolvimento do capitalismo.
Um dos seus principais pilares foi a instaurao das zonas econmicas
especiais (ZEE), mecanismo de abertura da economia chinesa a partir da
dcada de 80 do sculo XX. Estas se configuraram em importantes cidades
prximas a reas porturias, constituindo zonas de livre comrcio, aber-
tas ao capital externo. Como forma de modernizar o aparelho produtivo, as
ZEEs foram concebidas para atrair os investidores estrangeiros que, em tro-
ca, introduziriam na China tecnologias e mtodos modernos de adminis-
trao, com o propsito de criar um fluxo de exportaes gerador de divi-
sas. Para isso, os investidores foram encorajados por vendas sem impostos,
tarifas menores, infraestrutura moderna, legislao trabalhista e salarial
flexveis, menos burocracia e farta disponibilidade de mo de obra barata.
Apontado como a principal vantagem comparativa da China, o preo
chins, atribudo superexplorao do trabalho, inexistncia de regulao
ambiental e uma forma mutante de capitalismo totalitrio de Estado, geral-
mente indicado como principal causa da perda de competitividade e do des-
monte de indstrias nacionais em todo o mundo inclusive nos Estados Uni-
dos. Contudo, importante lembrar, foi o preo chins que permitiu o preo
Walmart (e o acesso e aumento exponencial do consumo que este represen-
ta), expressando os dois lados indissociveis de um mesmo fenmeno que ca-

14
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

-racterizam o mundo made in China e das especificidades do funcionamento


do capitalismo hoje.12 Lucram com o preo chins as principais companhias
norte-americanas que esto dentro da China, produzindo desde a China para
o mundo, e tambm, cada vez mais, para o crescente mercado interno chins.
Esse caso da Apple, Dow Chemical, General Eletrics, General Motors, Cater-
pillar, Nike, Procter&Gamble, CocaCola, Pepsico, Yum! (KFC), McDonalds, en-
tre muitas outras.13 A prpria rede varejista Walmart est presente h 18 anos
na China.14 Da mesma forma, embora em menor nmero, as empresas euro-
peias como as alems Volkswagen, Bosch, Siemens, BASF, ThyssenKrupp tm
operaes na China para atender ao mercado global e ao mercado chins.
A produo desde a China para o mundo e a expanso dentro da Chi-
na so consideradas por todas as empresas estrangeiras como aspectos cru-
ciais para suas estratgias de longo prazo. O crescimento da economia e das
exportaes da China tambm intrinsecamente dependente da atuao,
desde o seu territrio, das principais empresas transnacionais. Ainda nessa
perspectiva, as emisses de gases de efeito estufa da China so em medi-
da considervel resultantes do processo industrial que, apesar de ocorrer em
territrio chins, destinado exportao e consumo realizado em outros
pases. Embora as emisses e a poluio atmosfrica local e seus efeitos
pertenam China, as exportaes da China que alimentam e do materia-
lidade, cotidianamente, ao modo de vida urbano e globalizado compartilhado
(em maior ou menor grau) em todo o mundo.15 Da mesma forma, as emisses
associadas mudana de uso da terra e ao desmatamento da Amaznia para
produzir soja que ser consumida na China devem ser atribudas a quem?
Afinal, quem est dentro de quem?

O comrcio internacional se mede atualmente por aquilo que se conhece como


valor bruto. O valor comercial total de uma importao se atribui a um nico
pas de origem quando este produto chega alfndega. Isto funcionava corre-
tamente nos tempos do economista David Ricardo: h duzentos anos Portugal
vendia vinho feito em Portugal e comprava tecidos ingleses feitos na Ingla-
terra. Hoje o conceito de pas de origem est obsoleto. O que chamamos feito
na China est realmente montado na China, mas seu valor comercial procede
destes numerosos pases [e patentes] que antecederam a montagem. J no tem
sentido pensar no comrcio em termos de eles e ns.
Pascal Lamy, ex-diretor geral da OMC Financial Times, 22/01/2011.

15
O Brasil made in China Parte I

Com a transformao da natureza do comrcio internacional levada a


cabo pela globalizao, os termos em que (ainda) pensamos em ns e eles,
em indstria nacional, at mesmo em pas de origem como se isso indi-
casse de fato a nacionalidade que recebe o maior valor comercial da mercadoria
e onde de fato esto os processos de gerao de valor , so postos em xeque no
enfrentamento das contradies de um mundo cada vez mais made in China.16
Apesar da fora do setor privado no pas, a transformao produtiva da
China nos ltimos trinta anos se deu sob o comando do Partido Comunista
Chins, na linha da concepo chinesa muito particular sobre o seu desen-
volvimento: a teoria do pssaro na gaiola lanada no incio dos anos 1980.
Segundo essa metfora-slogan, a gaiola poderia ser expandida, de modo a
deixar mais pssaros entrarem, conferindo-lhes a iluso de liberdade, mas
sem jamais se cogitar a sua retirada, pois assim eles voariam para longe.
Uma forma de dizer que a China nunca adotaria reformas no sentido de
uma economia de mercado plena, o que para a elite poltica chinesa ten-
de a ser visto como sinnimo de capitalismo.17 No obstante, as empresas
estatais chinesas resguardam para si a atuao nos setores considerados es-
tratgicos, como energia e infraestrutura, atuando na China, mas tambm
em pases em desenvolvimento, construindo estradas, portos, ferrovias, re-
presas, linhas de transmisso, pontes, hotis, estdios, hospitais e casas.
Outro fator importante que contribuiu para levar a produo em
massa na China a um patamar incomparvel se deve s particularidades
da percepo chinesa acerca da produo de cpias, ou do que entende-
mos por pirataria. Esta, ao mesmo tempo em que integra um trao prprio
da cultura mercantil da China de perodos anteriores, se ancora em um
entendimento singular do que seja a propriedade intelectual imitar
percebido socialmente como aprendizado bem diferente do entendi-
mento que prevalece no ocidente, e que o pilar do atual paradigma de
comrcio internacional no mbito da Organizao Mundial do Comrcio
(OMC) e do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectu-
al Relacionados ao Comrcio (TRIPS). Aps quinze anos de negociao, a
China ingressou formalmente na OMC em novembro de 2001, e desde en-
to vem se adequando s regras do regime, sendo o combate ao mercado
pirata bastante recente. Para se ter uma ideia, estimativas apontam que
16
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

uma em cada quatro Coca-Colas vendidas na China falsificada.18 Bolsas,


relgios, tnis, celulares, pneus e at partes de aeronaves so falsificados
no pas. Para se proteger legalmente do sistema internacional de proprie-
dade intelectual, os chineses operam com uma categoria especial: os pro-
dutos shanzhai (similares), de grande apelo popular e que imitam par-
cialmente as marcas consagradas, mudando uma letra, algum aspecto na
identidade visual ou no logotipo, que no procura se passar pelo original,
mas mantm uma ligao com ele. Em uma cultura de consumo na qual o
preo das mercadorias depende em grande parte do custo do uso do nome
da marca (logo) e da imagem que isso representa, os produtos similares
viraram referncia cultural de quem quer o simbolismo da marca e a iden-
tidade que ela carrega sem ter que pagar por isso, e que so consumidos
em escala massiva na China e ao redor do mundo.19
Mas uma das principais dimenses do surgimento deste pas fbri-
ca o movimento migratrio campo-cidade que possibilitou a disponi-
bilidade de mo de obra necessria. A urbanizao da China nas ltimas
dcadas um movimento de impacto em todo o planeta e talvez at hoje
o maior da histria da humanidade. Alm disso, est associado a profun-
das modificaes nos padres sociais que no tm paralelo conhecido na
histria, como a poltica de filho nico (que erradicou do contexto social e
das relaes familiares a experincia de irmos, tios, primos e sobrinhos),
e cujos reflexos no tecido e na experincia comunitria em mdio e longo
prazo ainda no foram totalmente dimensionados, assim como mudanas
culturais com vastas repercusses ambientais, como o aumento radical do
consumo de protena (animal e vegetal) na alimentao.
Estima-se que em 2030 a populao urbana da China ser de 1 bi-
lho de pessoas: uma em cada oito pessoas do planeta viver em alguma
cidade na China.20 Que tipo de vida ter essa populao urbana e como
sero essas cidades (moradias, mobilidade, saneamento, etc.)? Que fontes
energticas daro conta da demanda? Para sustentar este processo, que
replica hbitos e padres de consumo ocidentais, que demanda extrativa
recair sobre outros territrios? Quais os impactos ambientais e sociais,
no plano local e ultramar?

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O Brasil made in China Parte I

Segundo o World Urbanization Prospect 2014 da ONU, projeta-se que


o crescimento populacional e a urbanizao devem acrescentar 2,5 bi-
lhes de pessoas populao urbana at o ano de 2050, sendo que cerca
de 90% desse aumento dever estar concentrado na sia e frica, causan-
do profundas reconfiguraes espaciais e territoriais, em uma escala e em
um horizonte temporal inditos na histria.21 O discurso hegemnico de-
fende a urbanizao como uma tendncia inexorvel, pela qual os pases
desenvolvidos j passaram e que agora deve ser levado a cabo no restante
do mundo.22 Sob o discurso da eficincia energtica, da segurana climti-
ca e da viabilidade tecnolgica e econmica de garantir metas e objetivos
de desenvolvimento, o crescimento das megacities (metrpoles com mais
de 10 milhes de habitantes) uma das grandes tendncias e eixos de
planificao econmica global.23
Com a urbanizao, um ambiente mais propcio para influenciar o
gosto e massificar tendncias, expande-se o nmero de consumidores
com aumento de renda, em especial sobre as novas classes mdias (em
efeito, a nova classe trabalhadora),24 sobretudo para o mercado de ener-
gia comercial e de alimentos industrializados (supermercadismo), entre
outros; urbanizao massiva, segue o aumento do investimento em se-
gurana (e militarizao).25 A cidade cria a paisagem operacional e o meio
para a implementao e o gerenciamento de sistemas de informao, au-
tomao, vigilncia e controle social. O meio urbano tambm oferece a
infraestrutura de acesso e conexo para congregar os netizens, cidads e
cidados que vivem a maior parte do tempo na internet.
So estas perspectivas sobre as massivas reconfiguraes urbanizantes em
curso no apenas na China, mas em toda a sia que convergem como o grande
processo estruturante para acumulao capitalista nas prximas dcadas. Tendo
o processo de urbanizao da sia como pano de fundo, e em menor medida
de alguns pases da frica, que se desdobram hoje em grandes linhas as
macroestratgias nacionais e empresariais para assegurar mercados, criar par-
cerias estratgicas e ancorar expectativas de crescimento econmico.
Nesse contexto, ao longo dos ltimos anos houve um aumento glo-
bal da demanda por recursos naturais, sob o qual de maneira geral so

18
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

referidos desde minrios, petrleo, gs, madeira tropical, at produtos da


agroindstria como soja, carnes, pasta de celulose, etc.
A crtica economia extrativa ganhou lugar de destaque no debate
poltico e na compreenso dos processos e conflitos sociais, especial-
mente no mbito das esquerdas, dos movimentos populares e do discur-
so crtico, em que o extrativismo vem funcionando para circunscrever
o fenmeno que de maneira geral identifica um horizonte o comum a
vrios pases (como na regio latino-americana), assim como para ex-
plicar a intensificao de mltiplas crises (ambiental, climtica, social)
em nvel global. Esse conceito e suas nuances teve e continua tendo uma
importncia central para as lutas polticas e para a mobilizao de ato-
res. Contudo, e essa a perspectiva que se tenta caracterizar aqui, o
extrativismo em si no abarca a compreenso da totalidade do processo
material, cultural e metablico. Se por parte dos pases exportadores de
commodities o rol de justificativas para o extrativismo longo e diverso,
por parte da demanda h que sempre perguntar para qu e para quem?
Afinal, no existe o extrativismo pelo extrativismo.
So fundamentalmente as demandas de matrias-primas, concretas
ou potencialmente geradas por este processo urbanizante para infraestru-
turas, gerao e transmisso de energia, transporte, moradia, mobilidade (e
indstria automotiva), transformaes nos padres alimentares, vesturio,
etc. que geram a base concreta para as perspectivas do extrativismo para
as prximas dcadas: esse o principal processo que vai conduzir as gran-
des transformaes dos fluxos de matria e energia ao redor do globo.
Em uma escala muito menor, a infraestrutura essencial, criada nos pases
desenvolvidos h cinquenta anos, dever ser ampliada e melhorada (como nas
reconverses/retrofits para eficincia energtica), assim como nichos em um
mercado e hbitos de consumo, j demogrfica e culturalmente estabilizados.
Em outras palavras: enquanto a China hoje o maior mercado para carnes fres-
cas do mundo e marcas globais (como Starbucks) trabalham para criar, conso-
lidar e expandir o hbito do caf, por exemplo, improvvel que o consumo de
carnes ganhe mais terreno na Alemanha, contexto em que o vegetarianismo/
veganismo cresce como estilo de vida, e para muitos, opo poltica.26

19
O Brasil made in China Parte I

Por essa tica, o que aparece como a demanda chinesa por recursos
naturais como petrleo, gs, minrios e commodities agrcolas, deve ser
compreendido, tambm, como expresso dessa grande transformao de
fundo e que joga luz sobre importantes reconfiguraes geopolticas em
curso. No cenrio internacional, no qual a sia passa agora a assumir o
posto de novo centro de gravidade da economia mundial, so as relaes
construdas para atender essa demanda garantindo oportunidades, ne-
gcios e contratos que do pistas de como funciona o metabolismo do
capitalismo do sculo XXI.
A dimenso metablica dos processos globais e de como estes se ins-
crevem e determinam os territrios no uma novidade, fruto do novo
papel e peso da China. Ela constitutiva e intrnseca ao capitalismo, en-
tendido como sistema-mundo que se configura desde a Europa a partir
do sculo XV at alcanar dimenses planetrias com potencial hoje
de integrar os espaos mais extremos do planeta (do petrleo do rtico
soja na Patagnia, at a hidroeletricidade na Amaznia e a minerao
submarina).27 Neste horizonte, os prospectos atuais sobre a urbanizao
massiva da sia (e partes da frica) alertam para a escala e a acelerao
desse processo e a insustentvel reproduo ecolgica, material e social
do que se naturalizou como desenvolvimento.
Como j apontado aqui, a contnua demanda por matrias-primas e
recursos para alimentar um mundo cada vez mais urbano o que sustenta
as estratgias de crescimento econmico. Esse arcabouo depende da na-
turalizao de teses e do discurso que garante que entramos na inexorvel
era urbana da histria da humanidade um ponto de forma alguma pac-
fico e que requer uma compreenso muito mais complexificada das foras
e relaes de poder que esto imbricadas na conformao do tecido socio-
espacial e da existncia planetria como compartilhada e codependente.28
A urbanizao exerce um papel central no imaginrio hegemnico do
desenvolvimento, autorizando a submisso de natureza, territrios, povos,
populaes e modos de vida e a violncia real e simblica que acompanha
esse processo para alimentar a cidade. O urbano hoje representaria, as-
sim, uma condio a qual todas as relaes poltico-econmicas e socioam-

20
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

bientais esto enredadas, independentemente de sua localizao terrestre.


Frente a isso, os espaos, as paisagens e as formas de vida no urbanas, em
escala local, nacional e regional, esto cada vez mais subordinados e ope-
racionalizados pelo processo de abrangncia global da urbanizao capita-
lista e de sua capacidade de produzir subjetividades proporcional sua
capacidade de demandar, extrair e consumir matria e energia (e produzir
resduos), conformando um gigantesco e nico metabolismo. Da mesma
forma, ao fazer frente a esse processo macro, a luta pela terra e a defe-
sa e afirmao dos territrios e do local adquirem significado estratgico,
emancipatrio e uma dimenso estrutural na poltica do sculo XXI.

Sonho (ou pesadelo)


chins?
No incio de 2013, os veculos oficiais de comunicao na China co-
mearam a utilizar a expresso sonho chins, que significa resgatar o
grande renascimento da China para o mundo, referindo-se convocao
feita pelo Presidente Xi Jinping aos jovens do pas.29 A expresso logo se
massificou na imprensa anglfona: Chinese dream ou China dream (so-
nho chins ou sonho da China, dependendo da nfase no papel da nao).
O American dream (sonho americano), um dos pilares da hegemonia
dos EUA no mundo, fundado na cultura individualista e no consumo de
massa, e funciona como ethos nacional: um conjunto de valores e ideais
partilhados que do coeso experincia do que ser americano, e que
projetado como sendo uma aspirao universal sobre o resto do mun-
do. Agora, a China que busca definir o que ela almeja enquanto nao
e sociedade (para alm da prosperidade e do conforto material da classe
mdia), que expresse qual o seu papel neste sculo e no lugar que ocupa

21
O Brasil made in China Parte I

na nova ordem mundial. Em qu e de que forma o sonho chins aspi-


ra de fato a ser diferente do American way of life? Como atender s ex-
pectativas de prosperidade do povo chins e uma demanda que depende,
fundamentalmente, de uma presso crescente sobre outros territrios?
At onde esse novo lugar na ordem mundial poder ser ocupado sem um
poderio militar30- uma vez que um tema constante para o governo chins
convencer o mundo de que a ascendncia da China se d por vias pacfi-
cas, de que o pas no tem planos expansionistas e de que sua natureza
como grande potncia global ser distinta?31
A grande questo histrica hoje se ser possvel a emergncia por
vias pacficas de uma grande potncia global que signifique o fim da hege-
monia dos EUA.32 Ao contrrio dos EUA, a China no possui nenhuma base
militar fora do seu territrio (apesar de ter anunciado em 2011 os planos
de construir a primeira base no exterior, nas Ilhas Seychelles, no Oceano
ndico, na inteno de coibir a pirataria nas suas rotas de comrcio ma-
rtimo). Contudo, um hegemn no se define apenas pela ordem militar e
econmica. Do ponto de vista da dominao cultural e simblica, a repro-
duo das elites globais ainda passa necessariamente pelas universidades
norte-americanas,33 assim como pela indstria do entretenimento na fa-
bricao de imaginrios ocidentalizantes, de Hollywood Disney.

Historicamente, a conquista imperial britnica e ocidental do oriente se deu


sobre a natureza militarista do Estado imperial, as suas relaes econmi-
cas no recprocas de comrcio exterior e a ideologia imperial do ocidente,
que motivaram e justificaram a conquista de territrios e povos do alm-
-mar. Ao contrrio da China, a Revoluo Industrial na Gr-Bretanha e sua
expanso no exterior foram impulsionadas por uma poltica militar. Duran-
te o perodo de 1688 a 1815, a Gr-Bretanha esteve envolvida em guerras
mais da metade do tempo. Onde os chineses dependiam de seus mercados
abertos, de sua produo superior (porcelana, seda, etc.) e das sofisticadas
habilidades comerciais e bancrias, os britnicos contaram com a prote-
o tarifria, a conquista militar e a destruio sistemtica de empresas
competitivas no exterior, bem como na pilhagem e apropriao dos recur-

22
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

sos locais. A predominncia global da China at o sculo XIX foi baseada


em benefcios recprocos com os seus parceiros comerciais, enquanto a
Gr-Bretanha contou com exrcitos mercenrios de ocupao, represso
selvagem e polticas de dividir para reinar que visavam fomentar as rivali-
dades locais. Diante da resistncia nativa, os britnicos (bem como outras
potncias imperiais ocidentais) no hesitaram em exterminar comunida-
des inteiras ao redor do globo.34

Como isso recebido pelos Estados Unidos? Frente aspirao de


um Chinese dream, John Kerry, secretrio de Estado dos EUA, prope
que Amrica, China e outros pases devem trabalhar na direo de um
Pacific dream (sonho pacfico, referindo-se regio e rea geogrfica de
influncia do novo eixo de poder, mas que tambm faz referncia a uma
correlao no militar), com cooperao em temas desde o aumento do
nmero de empregos, passando por mudanas climticas at a prolifera-
o de doenas pandmicas, etc.35
Na prtica, o Pacific dream orienta grandes estratgias e acordos
regionais (rivais) de livre comrcio. A regio apontada como a sala de
mquinas (engine room) do comrcio global e tambm o playground digi-
tal do planeta: as costas do Pacfico, de Xangai ao Vale do Silcio, a regio
onde a vida digital e conectada (e o consumo de tecnologia) est mais
disseminada no planeta. Os EUA, desde 2005, negociam o Trans-Pacific
Partnership (TPP), que hoje conta com a participao de doze pases, me-
nos a China e a Rssia: Austrlia, Brunei, Darussalam, Canad, Chile, Ja-
po, Malsia, Mxico, Nova Zelndia, Peru, Singapura, Vietn e Estados
Unidos.36 AChina, por sua vez, vem liderando desde 2006 a construo
de um marco separado de liberalizao do comrcio na regio, no mbito
mais amplo de uma estratgia de integrao econmica regional de longo
prazo, que incluiria a criao de uma rea de livre comrcio para a sia-
-Pacfico (Free Trade Area of the Asia Pacific, FTAAP).
Em um cenrio internacional em profundas modificaes, no mdio
e longo prazo a consolidao de uma nova ordem passa pela reorganiza-
o de relaes comerciais. Os fluxos de comrcio com a China e a natu-

23
O Brasil made in China Parte I

reza dos investimentos chineses ao redor do mundo tm papel central em


apontar em que medida essa nova ordem aponta no sentido de promover
complementaridades estratgicas e benefcios mtuos ou mais bem
reproduz equaes de dependncia (e novas relaes imperiais).
Na perspectiva metablica, o direcionamento das estratgias nacio-
nais e regionais para atender demanda da China vem inscrevendo pro-
fundas e irreversveis transformaes nos territrios, onde o sonho
chins materializa pesadelos desenvolvimentistas de escalas inditas.
O exemplo mais emblemtico o projeto de construo na Nica-
rgua de um novo canal interocenico, ligando o Atlntico ao Pacfico,
para competir diretamente com o Canal do Panam nas rotas mundiais
de transporte martimo. Em 2013, a empresa HKND (Nicaragua Canal De-
velopment Investment Co. Limited), do bilionrio de Hong Kong Wang
Jing, ganhou a concesso para a construo do canal por cinquenta anos
(renovvel por mais cinquenta para administr-lo). O projeto de lei para a
construo do canal foi aprovado no Congresso da Nicargua por 61 votos
a 25. No dcimo primeiro ano de operacionalizao do canal, a Nicargua
ter 10% da empresa, valor que ser de 100% no espao de um sculo. A
hidrovia artificial ter seu incio na foz do rio Brito na costa do Pacfico
e passar at o rio Punta Gorda na costa do Atlntico, se estendendo por
278 km. Estima-se que deva custar cerca de US$ 40 bilhes e empregar
200 mil trabalhadores na construo, ao longo de 10 anos. construo
do canal tambm esto associados um oleoduto, dois portos de guas pro-
fundas, uma ferrovia transcontinental e dois aeroportos.37 No entanto, as
populaes indgenas que tero suas terras afetadas pelo canal no foram
consultadas, de acordo com denncias de opositores ao projeto, e h graves
riscos ambientais e ecolgicos para o Lago da Nicargua, a fonte de gua
doce mais importante do pas, que dever ser atravessado pelas obras.
O canal um projeto geopoltico crucial em relao aos EUA, para de-
marcar a nova era de relaes entre China e Amrica Latina. Alm de ser-
vir expanso do comrcio da China com o restante do mundo, o projeto
tambm atende aos interesses exportadores e de ampliao do comrcio
dos pases da regio, como a Venezuela (e crescentemente o Brasil), que

24
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

enviam petrleo e outras commmodities para China; um canal mais amplo


permitiria a passagem de petroleiros maiores do que os atuais da dimen-
so Panamax, diminuindo o nmero de viagens e reduzindo custos.

Amrica LaChina
O fluxo de comrcio exterior e o aumento dos investimentos diretos da
China nos pases da Amrica Latina e do Caribe vm crescendo exponen-
cialmente desde a primeira visita do Presidente Hu Jintao regio em 2004,
tendncia fortalecida ao longo da ltima dcada com a elaborao da primei-
ra estratgia de poltica da China especfica para a regio lanada no final
de 2008.38 O Documento de Poltica da China para Amrica Latina e o Caribe
expressa pela primeira vez o desejo do governo Chins de ver suas relaes
com a regio do ponto de vista estratgico e sobre a importncia de coope-
rar politicamente para a construo de um mundo harmonioso, destacando
que um importante componente no mbito da cooperao Sul-Sul que a
relao econmica e comercial seja recproca e mutuamente benfica.
No contexto geral da Amrica Latina, o fortalecimento e a interde-
pendncia das relaes com a China, tanto ao nvel individual dos pases
como nas perspectivas de integrao regional, hoje um fator de recon-
figuraes econmicas e polticas estruturais. De acordo com estudo da
CEPAL, considerando a evoluo do comrcio dos pases da regio com a
China observada ao longo da ltima dcada, a previso que at 2016 o
pas ultrapasse a Unio Europeia e torne-se o segundo mercado de destino
das exportaes da Amrica Latina, bem como o segundo lugar de origem
das importaes para a regio, atrs apenas dos EUA39 (analistas preveem,
no entanto, que em 15 anos a China ultrapasse os EUA como principal
parceiro comercial da regio).40 Em que pese a relevncia comercial chi-
nesa para todos os pases, at o momento (2014) o Chile o nico pas na
regio com um acordo de livre comrcio com a China.
25
O Brasil made in China Parte I

At o ano 2000, a China no ocupava um lugar privilegiado como destino de


exportaes ou origem de importaes para os pases da regio. Uma dcada
depois, em 2012, a China representava na quase totalidade dos casos (com
exceo de El Salvador) um dos trs principais provedores de produtos indus-
trializados dos pases da Amrica Latina e do Caribe. Passou a figurar tam-
bm como principal destino das exportaes nos pases do Cono Sur (Brasil,
Argentina, Uruguai e Chile), alm de Peru, Colmbia e Venezuela.41

Em uma regio tradicionalmente sob influncia geopoltica dos EUA,


a vinculao com a China na reorientao da balana comercial em todos
os pases da regio materializa uma estratgia econmica, mas que no
associada a uma agenda poltica ou ideolgica explcita, tal como a expor-
tao de um modelo poltico particular, ou algum tema de preocupao
militar ou de segurana. Na Amrica Latina em geral, a China vista como
um parceiro pragmtico, e o estreitamento das relaes econmicas com
o pas no percebido como fonte de preocupao de que sua crescente
influncia na regio ser usada para modificar polticas, recrutar parcei-
ros para seus objetivos globais ou competir com os EUA por potenciais
aliados.42 Contudo, o Documento de Poltica da China para a regio define
entre as linhas estratgicas da cooperao, que o lado chins vai realizar
ativamente intercmbios militares e dilogos de defesa e cooperao com
os pases da Amrica Latina e do Caribe.43
A China um fator determinante para entender vrios aspectos da
conjuntura poltica latino-americana atual. Primordialmente, as impor-
taes de commodities pela China contriburam decisivamente para man-
ter os preos internacionais em alta, o que trouxe para a Amrica Latina
oportunidades de exportao e um ingresso massivo de divisas com base
na intensificao do extrativismo, ponto que ser retomado a seguir.
Alm disso, o fator China, enquanto horizonte e escala de demanda
e ingressos, tem funcionado como um elemento importante para o respal-
do poltico em diferentes contextos e governos. No perodo ps-crise, e no
caso de pases com dificuldade de acesso a crditos internacionais como
Venezuela, Argentina e Equador, a China foi responsvel por garantir em-

26
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

prstimos atravs do Banco de Desenvolvimento da China, transforman-


do-se tambm em um importante credor.44
Alguns pases tomaram emprstimos da China garantidos por petr-
leo, como o Brasil, Equador e a Venezuela. H uma ideia equivocada de
que, aps assinado o contrato, se envia uma quantidade fixa de barris para
a China por dia, a despeito da variao de preo e cmbio. A China, ao
contrrio, compra o petrleo a preos de mercado e deposita uma quan-
tidade do valor no Banco de Desenvolvimento da China, que ento saca o
dinheiro da conta e desembolsa como uma parcela do crdito.45

No caso do Brasil, em 2009 a estatal chinesa Sinopec assinou um contrato


de compra de petrleo da Petrobras por 10 anos, que serviu como garan-
tia de um emprstimo de US$10 bilhes do Banco de Desenvolvimento da
China para a Petrobras. O acordo estipulou que a Petrobras devia aumentar
suas vendas para a Unipec Asia (uma subsidiria da Sinopec) de 150 mil
barris por dia no primeiro ano do contrato para 200 mil barris por dia duran-
te os nove anos seguintes. Alm do emprstimo, na ocasio foi firmado um
memorando de entendimento entre a estatal brasileira e a Sinopec visando
cooperao em reas de explorao, refino e petroqumica.46 Esse em-
prstimo Petrobras foi de suma importncia, tendo em vista o momento
de fragilidade financeira que a empresa experimentou naquele ano.47

Em 2009, a China passou a fazer parte do Banco Interamericano de


Desenvolvimento (BID), sendo que no momento de seu ingresso a China
se comprometeu a contribuir, via o Banco de Exportao-Importao da
China (China Ex-Im Bank), com US$350 milhes para o grupo do BID
para participar do financiamento de projetos na Amrica Latina atravs
da criao de uma plataforma de fundos para apoiar a integrao econ-
mica e financeira entre o pas e a regio.48 Na ocasio, a China ingressou
tambm nas instituies afiliadas ao BID: a Corporao Interamericana
de Investimentos (CII), que se concentra em empresas de mdio porte, e
o Fundo Multilateral de Investimentos (Fumin), entidade que, adminis-

27
O Brasil made in China Parte I

tradapeloBID, promove o crescimento e a reduo dapobrezaatravs de


investimentos nosetorprivado, concentrando-se emmicroe pequenas
empresas e na rea de microfinanas.
A China desde ento vem ampliando sua participao como ator fi-
nanceiro na regio.
Em 2010, os chineses concederam crditos de U$ 37 bilhes na regio,
soma que excedeu o total do BID e do Banco Mundial (BM) para o mes-
mo perodo. Estima-se que a China tenha concedido emprstimos no va-
lor aproximado de US$ 86 bilhes a pases da Amrica Latina desde 2005
at 2013.49 Esse montante mais alto que o conjunto de emprstimos con-
cedidos pelo BM, o BID e o Banco de Exportao-Importao dos Estados
Unidos (US Ex-Im Bank) nesse mesmo perodo; contudo, esse valor ainda
menor que o emprestado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econ-
mico e Social (BNDES) dentro do Brasil no mesmo intervalo.50 Em 2012, o
China Ex-Im Bank e o BID anunciaram um fundo conjunto de U$ 1 bilho
para investimentos do setor privado e pblico na Amrica Latina. Em 2013
o Banco Popular da China anunciou o investimento de U$ 2 bilhes em pro-
jetos do BID, (desembolsados a partir de 2015/2016 at o final da dcada)
sero destinados ao setor pblico e privado na Amrica Latina e no Caribe.
A contribuio ser destinada a cofinanciar at U$ 500 milhes em emprs-
timos ao setor pblico e at U$ 1,5 bilho ao setor privado.51
Alm disso, a China e a Comunidade de Estados Latino-Americanos
e Caribenhos (CELAC) anunciaram no incio de 2014 a criao de um me-
canismo oficial de dilogo. CELAC o novo mecanismo de concertao
poltica e integrao que abrigar os trinta e trs pases da Amrica, com
exceo dos EUA e do Canad.52
Lanado com a Declarao de Braslia, adotada em julho de 2014 (logo
aps a VI Cpula dos BRICS), o Frum CELAC-CHINA um novo instru-
mento de cooperao Sul-Sul e rene pases que respondem por 21% do
PIB, 26% da populao e 19% do territrio mundiais.53 Para marcar a ofi-
cializao do Frum, a China ofereceu US$ 35 bilhes de recursos prprios
para financiar projetos na Amrica Latina, atravs da criao de um Fundo
de Cooperao China-Amrica Latina e Caribe (cujo estabelecimento de-

28
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

finitivo foi vinculado s negociaes do Frum permanente e da proposta


chinesa para criar novos laos com a regio).54
A primeira reunio ministerial do Frum CELAC-China aconteceu
em janeiro de 2015, em Beijing, quando foi adotado o Plano de Coopera-
o China-Amrica Latina e Caribe 2015-2019, definido como uma nova
plataforma, novo ponto de incio e nova oportunidade para o dilogo e a
cooperao entre a regio e a China.55 O Plano o mapa do caminho
dos planos da China para a regio (e da regio para com a China) para o
prximo perodo. Com foco central em comrcio e investimento, o plano
abrange treze setores e tem como objetivo central ampliar o comrcio e os
investimentos em infraestrutura entre China e os pases da CELAC.
Em comrcio o objetivo alcanar U$ 500 bilhes em 10 anos (de
forma equilibrada e mutualmente benfica), assegurando, com nfase
particular, aos pases da CELAC a produo de bens de valor agregado e de
alta tecnologia. Alm disso, impulsionar o comrcio eletrnico e de servi-
os (sem prejuzo ao comrcio tradicional) e projetos na rea de infra-
estrutura para construir e modernizar infraestruturas (ferrovias, portos,
aeroportos, estradas, telecomunicaes, armazns), tecnologias da infor-
mao e comunicao (banda larga, tv e radio), agricultura (agronegcio
e agricultura familiar), energia (convencional e renovvel), construes
habitacionais e de infraestrutura urbana. Um aspecto central a garantir
a fluidez dos fluxos logsticos, e para este objetivo, os Emprstimos Espe-
ciais para Infraestrutura Sino-Latino-Americana e Caribenha, com vista a
melhorar a conectividade dos pases da Amrica Latina e do Caribe entre
si, e destes com a China.56
As regras de funcionamento do Frum garantem flexibilidade institu-
cional para avanar com arranjos de distintas configuraes, sob o princpio
da participao voluntria dos membros, de acordo com as polticas doms-
ticas e as provises do sistema legal nacional. O mecanismo de carter plu-
rilateral: as aes de cooperao (e comrcio) podem assumir configuraes
envolvendo um pequeno nmero de pases ou at a totalidade dos membros
- alm da colaborao com outras iniciativas e organizaes regionais e su-
bregionais de integrao (UNASUL e MERCOSUL, entre outras).

29
O Brasil made in China Parte I

Em 2015 completa-se uma dcada da derrota da ALCA. Contudo, os


objetivos de comrcio da nova plataforma CELAC-China apresentados no
plano 2015-2019 lanam outro horizonte de interrogao: a integrao
regional ser afinal LaChinoAmericana ?

O Consenso de Beijing
e o debate sobre
o extrativismo na
Amrica Latina
O relacionamento poltico e econmico entre a China e os pases latino-
-americanos e caribenhos cresceu exponencialmente nos ltimos dez anos.
Esse crescimento foi possvel graas feliz coincidncia entre a consolida-
o da posio da China como segunda maior economia mundial com o re-
cente perodo de crescimento econmico e desenvolvimento social da regio
latino-americana e caribenha. O Brasil e nossa regio soubemos utilizar o
aumento dos preos das commodities, na ltima dcada, para resgatar algu-
mas dvidas histricas com suas respectivas sociedades. Reduzimos a pobre-
za, combatemos as desigualdades e aumentamos o bem-estar de nossos ci-
dados, incorporando milhes de excludos a uma emergente classe mdia.
Construmos tambm economias com fundamentos mais slidos. No h dvidas
de que a desacelerao mundial nos afeta, mas no provoca mais o desarranjo
macroeconmico de outrora.57
Mauro Vieira, Ministro das Relaes Exteriores do Brasil, Beijing, janeiro 2015.

Como regra, a China tem buscado acessar os recursos naturais de que


necessita atravs do mercado.58 Com isso, os preos das matrias-primas
e das commodities do agronegcio em geral tiveram um boom nos anos
recentes, fortalecendo um mercado internacional competitivo.

30
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

Por outro lado, aps um momento inicial do alinhamento de vrias


economias com o fator China, impulsionando o crescimento econmico,
permitindo o estabelecimento de novos arranjos e redirecionando os flu-
xos de matria e energia, avalia-se que o mercado global j se adequou
demanda chinesa e que os preos globais de agora em diante devem
se manter estveis (ou mesmo decair em alguns casos). Isso lana novos
interrogantes, especialmente no contexto de pases com economias em
grande parte redirecionadas para atividades extrativas e de produo de
commodities de exportao, dependentes do intercmbio com a China.59
O peso da exportao para a China de itens convencionalmente
identificados com o extrativismo foi um fator fundamental para a esta-
bilizao da economia em vrios pases aps a crise financeira de 2008. A
partir desse ano, a contnua demanda chinesa por matrias-primas teve
um peso determinante e permitiu aos pases da regio sobreviverem aos
impactos da crise econmica que afetou, sobretudo, os Estados Unidos e
a Europa. Entre 2008 e 2010, a China assegurou cerca 50% do crescimento
do PIB mundial.60 Para a Amrica Latina e sua inquestionvel vantagem
comparativa atribuda a um territrio com vastas reservas de recursos
naturais, isso resultou na possibilidade de alguns pases ancorarem suas
polticas pblicas na renda obtida com a priorizao e intensificao das
atividades extrativas; a intensificao dessas atividades na pauta expor-
tadora nos ltimos anos serviu de principal estratgia para alguns pases
em um horizonte de tempo eleitoral garantir ingressos e financiar
programas sociais, tendo contribudo, assim, de forma decisiva para a
continuidade de governos do campo identificado como progressista. Ao
longo do ltimo perodo, o aumento das exportaes para a China e o ho-
rizonte de contratos de investimentos e apoio a projetos de infraestrutura
por parte desse pas foram responsveis por respaldar prognsticos e n-
dices de crescimento em vrias economias na regio, justificando o apoio
e a adeso a polticas e programas de governos e garantindo estabilidade
poltica e continuidade em diferentes contextos.
Contudo, em seu horizonte estratgico, a intensificao do comrcio
e os investimentos da China na regio latino-americana e caribenha tm
demonstrado um objetivo comum: a prospeco de projetos que, em siner-
31
O Brasil made in China Parte I

gia, reduzam os custos e agilizem o transporte via oceano Pacfico. Isso inclui
o acesso s matrias-primas mais bvias (minrio de ferro, cobre, petrleo
e madeiras tropicais) e investimentos em energia que servem aos processos
extrativos e de processamento locais, assim como infraestruturas (rodo-
vias, ferrovias, hidrovias, portos, etc.) que tambm garantem a produo e
o escoamento de commodities agrcolas (com destaque para a soja), contri-
buindo para assegurar de forma continuada e crescente o atendimento ao
mercado domstico chins em mdio e longo prazo. Atrelada fundamental-
mente demanda chinesa, essa estratgia apontada como denominador
comum e como condio de continuidade do atual modelo de desenvol-
vimento instalado na regio. Por sua vez, os crescentes conflitos sociais e
ambientais, marcadamente entre as populaes diretamente afetadas nas
reas impactadas pela indstria extrativa nos vrios pases, tm tido um pa-
pel catalisador, tanto na percepo das lutas comuns, como nos processos
de anlise, discusso e proposio de alternativas para a regio.

Sob o marco geral do conceito de neoextrativismo que de forma crtica


vm sendo pautados no debate pblico os fenmenos de reprimarizao e
a associada desindustrializao, apontando a formao de economias de
enclave, dependentes da globalizao, que geram poucos benefcios para
as economias nacionais e no resultam na criao de empregos. O neoex-
trativismo como uma orientao de fundo dos pases e governos da regio
latino-americana vem servindo para organizar a compreenso dos proces-
sos, desafios e lutas comuns no continente, bem como na forma em que este
se reflete nas mudanas da estrutura produtiva dos pases e nos conflitos
sociais e ambientais relacionados. Na especificidade do contexto brasileiro,
grande parte dessa mesma discusso faz parte do que vem sendo aponta-
do como contradies ao centro do modelo neodesenvolvimentista.61

Sob o neoextrativismo hoje esto em marcha importantes reconfi-


guraes nos debates sobre desenvolvimento. Enquanto no passado se
associavam as economias de enclave com a dependncia comercial e a
transnacionalizao, agora estas so defendidas como xito exportador;
32
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

enquanto anos atrs se arguia a necessidade de abandonar o extrativismo


para promover a industrializao nacional, hoje em dia se festejam os re-
cordes de exportao de matrias-primas (Gudynas, 2011).62
Desde uma leitura crtica, a dependncia extrativista est abarcada por
aquilo que seria o Consenso das Commodities, em analogia ao que repre-
sentou o Consenso de Washington na dcada de 1990 (Svampa, 2013):

Tanto os governos que mostram continuidades com o Consenso de Washington


como aqueles que desde o discursivo, o poltico e o produtivo rompem com esta
viso, aceitam igualmente uma insero no sistema de produo e acumulao
global como provedores de produtos bsicos, com baixo contedo de valor agre-
gado, aproveitando seus elevados preos internacionais. Dessa forma, priorizam
o desenvolvimento e a expanso de megaprojetos extrativos e se constituem em
enclaves de exportao com destino aos centros manufatureiros do planeta. Em
alguns casos, a renda destas atividades apropriada pelo Estado para o desen-
volvimento de polticas progressistas. Contudo, todos esses governos apesar
de suas diferenas assumem a necessidade de potenciar o que seria um mo-
delo de desenvolvimento neoextrativista como destino inevitvel, uma verdade
irrevogvel e o caminho necessrio para o desenvolvimento.63

De fato, na maioria dos casos, a causa do aumento da demanda e o


lugar de destino das commodities no outra seno a China. A expanso das
oportunidades extrativas criada em funo da capacidade de absoro da
China. Assim, o peso da relao econmica com a China em vrios pases
da regio, muito mais do que evidncia de cooperao Sul-Sul e percepo
de ganhos recprocos e mutuamente benficos, seria mais bem definida
como evidncia da prevalncia do Consenso de Beijing:a adeso ideia de
que o caminho inevitvel para o desenvolvimento da regio o aprofun-
damento dos vnculos com a Repblica Popular da China. Vnculos que se
apresentam como de cooperao entre pases em desenvolvimento mas
que, por trs da retrica, reproduzem padres de subordinao e depen-
dncia caractersticos de relaes entre centro e periferia (Slipak, 2014).64
Nesse contexto, o interesse chins em fortalecer complementarie-
dades entre as economias seria questionvel, pois de modo geral, os in-
vestimentos diretos da China na regio estariam destinados compra de
matrias primas e formao de joint-ventures na aquisio de licenas de
explorao de recursos naturais e, em casos de obras de infraestrutura, para
atuao de empresas transnacionais em aliana com estatais chinesas, evi-
33
O Brasil made in China Parte I

denciando assim a oportunidade que a Amrica Latina oferece apenas para


proviso de matrias-primas, na contramo do que seria uma relao mais
equitativa, que potencializasse o comrcio intra-industrial.65
Desafiando o que poderia ser simplificado sob o Consenso de Beijing,
as polticas e as perspectiva da integrao dos pases com a China se do
em chaves que levam em considerao as (re)configuraes do capitalis-
mo contemporneo, tanto como o papel da China nesse processo. Diante
da realidade de um mundo made in China que alimenta o metabolismo do
sistema mundo, qual o sentido de se falar em indstria nacional? Que
tipo de polticas industriais faz sentido implementar no atual contexto
histrico? vivel e possvel procurar desenvolver indstrias domsticas
totalmente independentes, separadas das cadeias globais de valor?
Essa uma dimenso fundamental para reflexo, sobretudo quan-
do, de fato, na maioria dos pases latino-americanos, os parques indus-
triais so liderados por filiais de empresas estrangeiras, como no Brasil,
por exemplo, onde as montadoras de automveis norte-americanas e
europeias e a indstria qumica atrelam provedores nacionais de insu-
mos, partes, componentes e/ou servios, em medidas contemporneas de
substituio de importaes, como a exigncia de contedo nacional
na indstria naval, na cadeia de petrleo e gs, etc.
Na prtica, a atividade extrativa no est desvinculada da indstria,
pois uma no existe sem a outra. Do maquinrio pesado para extrao de
minrios e petrleo s ponteiras de perfurao e fludos altamente tecnol-
gicos, assim como os sofisticados softwares que sustentam plataformas de
automao de tratores, colheitadeiras, veculos e empilhadeiras nas cadeias
da agroindstria, entre muitos outros exemplos. Ambas so interdependen-
tes no sentido de que inovaes e aplicaes de tecnologias de ponta so
em grande parte ditadas pelas necessidades e usos da atividade extrativa e,
neste sentido, uma no existe sem a outra. A homogeneidade da commodity
(petrleo ou minrio de ferro) encerra vrias etapas da produo e de inte-
grao, com diferentes etapas onde se gera valor. De fato, as cadeias globais
de valor (global value chains, GVCs) se transformaram no sistema nervoso
da economia mundial e j representam 80% do comrcio internacional.66

34
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

Um das mais extremas fronteiras do capitalismo a biologia sinttica, uma


plataforma tecnolgica que busca reprogramar seres vivos atravs da cons-
truo em laboratrio de sequncias genticas sintticas para construir, por
exemplo, rotas metablicas que alterem funes especficas em microrga-
nismos ou para criar micrbios sintticos inteiros com novas funes, capa-
zes de produzir substncias industriais.67 No h regulao internacional
para a biologia sinttica e os riscos biossegurana, ao meio ambiente e
sade so desconhecidos e potencialmente muito graves. Contudo, a joint
venture da Bunge com a empresa Solazyme desenvolveu e est lanando em
escala comercial o Encapso produzido em sua fbrica em So Paulo (e em
menor escala nos EUA), o primeiro lubrificante encapsulado para fluidos de
perfurao biodegradvel do mundo produzido a partir de microalgas e uti-
liza biologia sinttica. Um produto de ponta da emergente qumica verde.
Foi concebido para a utilizao em perfurao de poos de petrleo e gs e
entre seus diferenciais competitivos, suas cpsulas inertes seriam capazes
de lubrificar o equipamento de acordo com a necessidade, evitando desperd-
cios e possibilitando que o produto seja reutilizado em vrias formulaes e
aplicaes, reduzindo os custos. Alm disso, o fludo aumenta os ndices de
penetrao, diminui o arrasto e reduz tanto o torque rotacional quanto fric-
o em inmeras aplicaes para perfurao vertical e horizontal, resultando
em menor custo de perfurao e maior velocidade operacional.68 Nas ativida-
des petrolferas, os fluidos de perfurao tm importncia fundamental. So
esses fluidos que devem permitir o resfriamento da broca, a retirada dos cas-
calhos gerados na perfurao e a manuteno da estabilidade do poo. So
eles que, tambm, devem se transformar numa espcie de gel para conter
os cascalhos, quando ocorre a parada de uma coluna de perfurao para
alguma operao intermediria, e ter a capacidade de quebrar esse gel no
instante da volta do movimento da coluna. Isso tudo sem comprometer a
formao ou causar grandes perturbaes no espao anular do poo o
que pode gerar vazamentos e acidentes.69

A categoria de indstria nacional,como em relao a esta pensa-


mos em desenvolvimento (e dependncia) e sua relao ao extrativismo

35
O Brasil made in China Parte I

so fatores que precisam ser atualizados em seu sentido prtico e pol-


tico. Nesse debate precisam ser incorporados elementos das dinmicas
contemporneas, desde o peso da propriedade intelectual em tecnologias,
prticas e processos produtivos, a crescente integrao vertical (como,
por exemplo, da indstria de etanol) s cadeias globais de valor e de su-
primentos (global value chains e global supply chains), assim como a di-
menso da logstica e infraestrutura tanto fsica, nos territrios, como
virtual, em tecnologia da informao e servios financeiros para viabili-
zar a circulao das mercadorias.
Para alm do seu interesse em commodities, a China agora tambm
investe em infraestrutura e com isso assegura sua presena territorializa-
da como fundamental para os destinos econmicos da Amrica Latina e
suas perspectivas de integrao. Entre os setores prioritrios e alvo dos
investimentos chineses, esto o agronegcio (especialmente soja, celulo-
se e carnes, entre outros), mas tambm gerao e transmisso de energia
(com nfase na hidroeletricidade) e integrao logstica da regio (portos,
estradas, rodovias, hidrovias, silos) empreendimentos que no so redu-
tveis simplesmente categoria indstria extrativa ou enclave de expor-
tao mas que atravessam todo o espectro do modelo de desenvolvimento.
Na prtica, essas atividades e investimentos efetivamente ocupam
mo de obra (mesmo que temporria e precarizada), especialmente em
canteiros de obras, e geram renda o que por sua vez movimenta efetiva-
mente a economia formal e informal, dinamizando vrios setores, da in-
dstria de cimento que move a construo civil ao comrcio de eletrni-
cos e crditos de celular, passando por alimentos e bebidas industrializa-
dos at os produtos de higiene pessoal e beleza, servios, etc. A inscrio
nas paisagens e nos territrios da integrao infraestrutural a servio das
lgicas destinadas a alimentar o mercado global aparecem, assim, tanto
no discurso poltico como na percepo social, como materializao dos
imaginrios sobre o que o desenvolvimento.
Essa tendncia de investimento em infraestrutura foi a tnica, por
exemplo, da Cpula CELAC-China, do dilogo estratgico e das aes que
da devem se seguir, inclusive com a viabilizao do Fundo de Coopera-

36
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

o China-Amrica Latina e Caribe. Atravs de licitaes ou de acordos


privados entre os governos, com financiamento do governo chins, busca
garantir contratos para as empresas chinesas (estatais e privadas), que
tambm representam oportunidades de financiamento para os bancos
chineses, com venda de crdito, seguros e produtos financeiros.

A China funciona sob uma economia planificada e pragmtica em suas


relaes comerciais. Em transformao, a meta da economia chinesa de-
senvolver e agregar contedo tecnolgico s suas exportaes nas prximas
dcadas. Alm disso, a China est se tornando rapidamente muito cara para
o trabalho de baixo nvel tecnolgico pelo qual conhecida. Com os custos de
produo na China subindo lentamente, em algum momento a concentrao
da produo no pas no ser mais sustentvel (soma-se a este fator, que o
poder de compra dos consumidores nos EUA e na Europa est debilitado des-
de a crise de 2008), o que j deflagrou uma busca das empresas maquila-
doras globais por custos de produo mais baixos. A Etipia e outros pases
da frica, como Qunia, Lesotho, Ruanda, Senegal e Tanznia, j esto sendo
chamados de a China da China e disputam uma parte dos 80 milhes de
empregos que a China dever exportar nos prximo perodo, de acordo com
as previses do Banco Mundial.70 A China j manifestou que tem interesse em
construir fbricas na Amrica Latina no futuro, o que pode se tornar realida-
de nas prximas dcadas. Hoje, em funo do mercado de telefonia celular
(cujos aparelhos s existem graas China), call centers legais e ilegais em-
pregam atualmente cerca de 2 milhes de trabalhadores no Brasil.71

A tarefa de contrapor alternativas ao desenvolvimento, pensar tran-


sies, discursos, bem como prticas polticas emancipatrias, encontra-se
cada vez mais vinculada realidade do onipresente fator China e do seu
papel estruturante para compreender as dinmicas do capital, um debate
que requer assumir as complexidades, sem nostalgias tericas. No h mais
como pensar de forma dissocivel as dinmicas das economias nacionais e
a China: ns estamos dentro da China e a China est dentro de ns.

37
O Brasil made in China Parte I

Nessa tica, a reduo ao extrativismo (ou menos ainda, ao neo-


extrativismo) no explica tudo, e at mesmo pode tornar invisveis din-
micas mais complexas que ajudam a compreender como esto se dando
e onde esto os processos geradores de valor nessa etapa da acumulao.
Na questo da reprimarizao e desindustrializao, o quanto o alcan-
ce da crtica se encontra referenciado em categorias, teorizaes e, sobre-
tudo, em experincias histricas concretas anteriores realidade do mun-
do made in China, sem as contradies vividas que este apresenta agora?
Os efeitos concretos da intensificao das relaes comerciais com a
China desafiam mas tambm reconfiguram as teorias, discursos e os
imaginrios desenvolvimentistas.
O contexto das relaes entre Brasil e China, tratado a seguir, traz
elementos da conjuntura e desafios colocados pelas lgicas polticas que
sustentam alianas de longo prazo seus efeitos na subordinao de ter-
ritrios e modos de vida e que nos interpelam para um debate urgente e
necessrio no mbito da proposio de alternativas.

NOTAS

1. Lavender, Paige. American Flags Made In China Now Banned In U.S. Military, 21/02/2014.
Huffington Post. Disponvel em: <http://www.huffingtonpost.com/2014/02/21/american-
flags-banned_n_4830566.html; South Korean military to replace made-in-China national
flags>, acesso em 07/06/2014; e South Korean military to replace made-in-China national
flags, 07/06/2014. WantChina Times. Disponvel em <http://www.wantchinatimes.com/
news-subclass-cnt.aspx?id=20140607000006&cid=1101>, acesso em 20/12/2014.
2. Disponvel em: <http://blogs.aljazeera.com/blog/americas/brazils-flag-made-china>,
acesso em 20/12/2014. Produtores nacionais de bandeiras se queixam da impossibilidade de
competir com o preo das importadas, ao mesmo tempo que reclamam da baixa qualidade:
uma bandeira correta deve ter 27 estrelas representando os estados da federao, com
tamanhos e posicionamentos especficos. A maioria das bandeiras brasileiras vindas da
China tem 23, 24 ou 25 estrelas, distribudas aleatoriamente.
3. Pearson, Samantha. Brazils carnival is made in China. Financial Times, 06/03/2011.
Segundo a Associao Brasileira da Indstria Txtil (Abit), em 2011, 80% dos tecidos para
as fantasias de carnaval j eram importados do pas asitico (alm de strass, lantejoulas,
pedras e plumas para as alegorias de luxo). Apesar dos esforos da estatal petroleira
Petrobras para expandir a sua prpria produo de polister no Nordeste, improvvel
que o Carnaval seja made in Brazil no futuro prximo. Segundo o presidente da Associao
Brasileira de Importadores Txteis (Abitex), Jonatan Schmidt,o papel da China no carnaval
do Rio de Janeiro fundamental, e explicou que se o governo proibir as importaes de
tecido sinttico, a confeco (de fantasias para o carnaval) simplesmente vai parar.

38
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

4. E
 conomy, Elisabeth and Levi, Michael. (2014) By all means necessary Chinas: how Chinas
resource quest is changing the world. Oxford University Press, Oxford.
5. N
 o obstante, aps o ciclo de crescimento das ltimas trs dcadas, a economia chinesa
entra agora em um perodo de transio, apontando mudanas no sistema produtivo,
em um contexto onde o Estado e o partido reconhecem a necessidade de reorientaes
profundas, mencionadas nos planos quinquenais e nas declaraes pblicas (e que tem
a ver, entre outros, com o envelhecimento da populao e os graves impactos ambientais
gerados pelo modelo de crescimento at aqui).
6. H
 ung, Ho-fung (Ed.) (2009). China and the transformation of global capitalism. John
Hopkings University Press, Baltimore.
7. H
 aass, Richard N. Why Europe no longer matters The Washington Post, 17/06/2011.
Disponvel em: <http:/www.washingtonpost.com/opinions/
whyeuropenolongermatters/2011/06/15/AG7eCCZH_print.html>, acesso em 20/12/2014.
8.  rowning the dragon. The Economist. Disponvel em: <http://www.economist.com/blogs/
C
graphicdetail/2014/04/daily-chart-19>, acesso em 30/04/2014. Clculo com base em dados
do International Comparision Programme/ONU, FMI e The Economist, a partir da paridade
do poder de compra, ndice que de forma mais precisa que a comparao dos produtos
internos brutos descreveria as diferenas em prosperidade material.
9. Nolan, Peter (2012). Is China buying the world? Polity Press, London.
10. L
 ovell, Julia (2011). The Opium War: drugs, dreams and the making of China. Pan Macmillan,
Austrlia. Exportadora de seda, ch e porcelana a China na poca no demonstrava
interesse por comprar as manufaturas inglesas, acumulando assim grande parte da prata
que circulava no mundo e gerando para Inglaterra um grande dficit comercial, principal
motivo na deflagrao da Guerra do pio (1839-1842 e 1856-1860). Como no conseguia
ampliar seu mercado consumidor com a venda de suas manufaturas, a Inglaterra passou a
comercializar ilegalmente pio para os chineses (produzido na ndia, ento sua colnia),
que logo transformou o vcio em uma epidemia nacional. Como resultado da guerra, a China
teve que abrir os portos ao livre comrcio, pagar pesadas indenizaes e ceder a ilha de Hong
Kong para os britnicos (Hong Kong foi concesso britnica at 1997). Rosa Luxemburgo na
obra Acumulao do Capital [1912(1970)], Cap. 28, A Introduo da Economia de Mercado,
trata extensamente do episdio da Guerra do pio e suas consequncias para a China.
11.  tory, Jonathan (2004).China: a corrida para o mercado. O que a transformao da China
S
significa para os negcios, os mercados e a nova ordem mundial. So Paulo: Futura.
12. Harney, Alexandra (2008). The China price: the true cost of chinese competitive advantage.
13. Nolan, Peter (2012). Is China buying the world ? Polity Press, London.
14. T
 refis, Team (2014). Challenges Wal-Mart Faces In Mexico andChina, Forbes, 04/02/2014.
Mesmo aps 18 anos de operao, a Walmart tem apenas 405 lojas na China. A rede tem tido
problemas na compreenso mais exigente dos consumidores chineses e de suas decises
de compra, nem sempre orientadas pelo fator preo e mais inclinadas a buscar produtos
sob medida e um ambiente de compras que tenha o toque local. Enquanto as estratgias do
Walmart para se adaptar aos gostos locais no tm sido frutferas, a cadeia de varejo local grupo
de varejo Sun-Art tem sido extremamente bem-sucedida. Sua imitao do modelo de negcios
do Walmart e uma melhor compreenso do comportamento do consumidor tm ajudado
ganhar clientes. Disponvel em: <http://www.forbes.com/sites/greatspeculations/2014/04/02/
challenges-wal-mart-faces-in-mexico-and-china/>, acesso em 02/2014.
15.  isponvel em: <http://www.carbonbrief.org/blog/2014/10/how-much-of-china-carbon-
D
dioxide-emissions-rest-of-the-world-responsible-for>, acesso em 201/12/2014.
16.  ascal Lamy, diretor geral da Organizao Mundial do Comrcio (OMC), escreveu que a: O
P
comrcio internacional se mede atualmente por aquilo que se conhece como valor bruto.

39
O Brasil made in China Parte I

O valor comercial total de uma importao se atribui a um nico pas de origem quando
este produto chega alfndega. Isto funcionava corretamente nos tempos do economista
David Ricardo: h duzentos anos Portugal vendia vinho feito em Portugal e comprava
tecidos ingleses feitos na Inglaterra. Hoje o conceito de pas de origem est obsoleto. O
que chamamos feito na China est realmente montado na China, mas seu valor comercial
procede destes numerosos pases [e patentes] que antecederam a montagem. J no tem
sentido pensar no comrcio em termos de eles e ns. Financial Times, 22/01/2011.
17.  arbosa, Alexandre de Freitas (2013). A China e a nova diviso internacional do trabalho.
B
In: Conjuntura, Fundao Perseu Abramo, n. 6, p17-19. So Paulo.
18. Pinheiro-Machado, Rosana (2013). China, passado e presente: um guia para compreender a
sociedade chinesa. Artes e Ofcios, Porto Alegre.
19. Chien, Yi. Lim, Jssica (2011) Fake Stuff: China and the rise of counterfeit goods. Routledge,
London.
20. Miller, Tom (2012). Chinas Urban Billion: The Story Behind the Biggest Migration in Human
History. Zed Books, London.
21.  isponvel em: <http://esa.un.org/unpd/wup/Highlights/WUP2014-Highlights.pdf>,
D
acesso em 20/12/2014.
22. Disponvel em: <http://urbanizationproject.org/blog/by-tag/tag/urbanization>, acesso em
20/12/2014.
23. Disponvel em: <http://www.bloomberg.com/infographics/2014-09-09/global-megacities-
by-2030.html> (grfico), acesso em 20/12/2014.
24. O discurso economicista e quantitativo que em nvel global promove a emergncia das
novas classes mdias reduz a caracterizao da incluso e estratificao social aos
critrios de renda e consumo. No caso brasileiro, uma reflexo crtica desta perspectiva
e de sua funo na sustentao do projeto poltico desenvolvimentista aponta a falta de
acesso a direitos, ao capital cultural e simblico e em especial aos privilgios das classes
mdias tradicionais. Ver Souza, Jess (2010). Os Batalhadores Brasileiros: Nova Classe
Mdia ou Nova Classe Trabalhadora?, Belo Horizonte: UFMG, 2010.
25.  isponvel em: <http://www.bain.com/publications/business-insights/eight-great-
D
macro-trends.aspx>, acesso em 20/12/2014.
26.  isponvel em: <http://www.dw.de/cresce-n%C3%BAmero-de-vegetarianos-absolutos-
D
na-alemanha/a-15046806>, acessado em 20/12/2014.
27.  isponvel em: <http://www.guhring.com.br/novidades/brasil-entra-para-o-seleto-
D
grupo-da-mineracao-submarina>, acessado em 20/12/2014.
28. Brenner, Neil e Schimid, Christian (2013). The Urban Age in Question in International
Journal of Urban and Regional Research, Oxford, UK.
29. A nova era Xi-Li (Xi Jinping e Li Kequiang), que se iniciou em 2013, marca a quinta gerao
do Partido Comunista Chins (PCC) no poder. A trajetria atual da China est diretamente
imbricada no processo histrico que, a partir das reformas iniciadas em 1979, vem
executando etapas, sempre de forma planificada e coordenada. Em 2012, a China sediou
o 18 Congresso do Partido Comunista da China, o qual encerrou a administrao Hu-
Wen (Hu Jintao e Wen Jiabao, quarta gerao de lderes do PCC), que foi marcada pela
ideia de desenvolvimento cientfico e pelo projeto Construindo uma Sociedade Harmoniosa
Socialista. O que ficou evidente neste perodo de dez anos (2002 a 2012) foi um excepcional
crescimento econmico, atingindo escala planetria.
30.  isponvel em: <http://www.nytimes.com/2012/10/03/opinion/friedman-china-needs-
D
its-own-dream.html?_r=0>, acessado em 20/12/2014.

40
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

31. D
 isponvel em: <http://www.japantimes.co.jp/opinion/2012/01/03/commentary/world-
commentary/chinese-military-bases-are-about-more-than-just-naval-supplies-and-
protecting-trade-routes/#.VFIrHvnF__Y>, acessado em 20/12/2014.
32.  ander, Edgardo (2014) Implicaciones geopolticas alrededor de la influencia China en el
L
mundo. Foro debate La Osada de lo nuevo, FLACSO, Equador.Disponvel em: <http://
www.ivoox.com/edgardo-lander-implicaciones-geopoliticas-alrededor-influencia-
audios-mp3_rf_3630648_1.html> , acessado em 12/01/2015.
33.  linton, Hillary. Americas Pacific Century. Foreign Policy, 08/10/2011. Disponvel em:
C
<http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/10/11/americas_pacific_century>, acessado
em 20/12/2014. As universidades dos EUA tm recebido cerca de trezentos e cinquenta mil
estudantes asiticos por ano.
34.  obson, John M. (2004). The eastern origins of western civilization. Cambridge University
H
Press, Cambridge .
35. D
 isponvel em: <http://www.economist.com/news/briefing/21577063-chinas-new-
leader-has-been-quick-consolidate-his-power-what-does-he-now-want-his>, acessado
em 20/12/2014.14./ch13 , acessado em 20/12/2014.
36.  isponvel
D em: <http://www.reuters.com/article/2014/11/10/us-china-apec-usa-
idUSKCN0IU0CW20141110>, acessado em 20/12/2014
37. T
 he Wall Street Journal (MAPA); o grupo HKND contratou as consultoras australiana MEC
Mining (Mining Engineering Consultants) e a belga SBE (Studiebureau voor Bouwkunde en
Expertises) especializadas em obras hidrulicas, engenharia civil e geotecnia. A americana
McKinsey tambm leva a cabo anlises de mercado e de crescimento de comrcio global
que fundamentem economicamente o canal. Disponvel em: <http://www.publico.pt/
economia/noticia/a-nicaragua-vai-ser-serrada-a-meio-para-juntar-o-pacifico-ao-
atlantico-1620425>, acessado em 20/12/2014.
38. C
 hinas Policy Paper on Latin America and the Caribbean, 05/11/2008. Disponvel em: <http://
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e terceiro para Argentina (dados de 2012, referente a 2011).
42.  isponvel em: <http://latino.foxnews.com/latino/opinion/2014/08/05/opinion-america-
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46. D
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41
O Brasil made in China Parte I

47. Disponvel em: <http://infopetro.wordpress.com/2014/07/14/a-entrada-e-os-proximos-


passos-dos-chineses-no-setor-de-petroleo-no-brasil/>, acessado em 20/12/2014.
48. Deste total: US$125 milhes foram para o Fundo de Operaes Especiais, o guich do
BIDparaemprstimos em condies favorveis a seus pases membros mais pobres; outros
US$75 milhes para criar um fundo de mltiplos doadores para fortalecer a capacidade
institucional dos pases da Amrica Latina e do Caribe; US$75 milhesparaa CII, a fim
decriarum fundo que oferecer capital de investimento a pequenas e mdias empresas;
e US$75 milhes para o Fumin. Disponvel em: <http://www.iadb.org/pt/noticias/
comunicados-de-imprensa/2009-01-12/a-china-associa-se-ao-bid-em-cerimonia-na-
sede-do-banco,5095.html>, acessado em 12/01/2015.
49.  allager, K., Irwin, A. e Koleski, K. (2013). Os novos bancos chineses na Amrica Latina.
G
Dilogo Inter-Americano. Disponvel em: <http://www.ase.tufts.edu/gdae/policy_
research/NewBanksPortuguese.html>, acessado em 20/12/2014.
50.  isponvel em: <http://www.ase.tufts.edu/gdae/policy_research/NewBanksPortuguese.
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html>, acessado em 20/12/2014.
51.  isponvel em: <http://br.reuters.com/article/topNews/idBRSPE92F01W20130316>,
D
acessado em 12/01/2015.
52.  CELAC tem como objetivo facilitar uma identidade prpria regional e de posies latino-
A
americanas e caribenhas comuns sobre integrao e desenvolvimento e tem sua origem
na Declarao da Cpula de Unidade, adotada pelos chefes de Estado e de Governo da
Amrica Latina e do Caribe durante a reunio de Cpula realizada no Mxico, em fevereiro
de 2010. Na ocasio, houve consenso em constituir um novo mecanismo de concertao
poltica e integrao, que abrigar os trinta e trs pases da Amrica do Sul, Amrica
Central e do Caribe. A CELAC assume o patrimnio histrico do Grupo do Rio (concertao
poltica) e da CALC (desenvolvimento e integrao). O processo de constituio da CELAC
foi completado em julho 2011. Disponvel em: <http://www.itamaraty.gov.br/temas/
america-do-sul-e-integracao-regional/celac>, acessado em 20/12/2014.
53.  isponvel em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2015/01/paises-celac-e-china-
D
lancam-programa-de-coorperacao>, acessado em 12/01/2015.
54.  primeiro dos fundos seria dotado de um capital inicial de US$ 20 bilhes, especfico para
O
obras de infraestrutura; outro fundo de US$ 10 bilhes oferecer linhas de crdito para o
financiamento de projetos de desenvolvimento na regio e ainda outro fundo, de US$ 5
bilhes, para projetos especficos em reas definidas pela China.
55.  exto em ingls disponvel em: <http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_co
T
ntent&view=article&id=6743:documentos-aprovados-na-i-reuniao-dos-ministros-das-
relacoes-exteriores-do-foro-celac-china-pequim-8-e-9-de-janeiro-de-2015&catid=42:n
otas&Itemid=280&lang=pt-br>, acessado em 14/01/2015.
56.  isponvel em: <http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/
D
declaracao-conjunta-da-cupula-de-brasilia-de-lideres-da-china-e-de-paises-da-
america-latina-e-caribe-brasilia-17-de-julho-de-2014>, acessado em 20/12/2014.
57. D
 isponvel em: <http://www.itamaraty.gov.br/index.php?option=com_content&view=art
icle&id=6522:discurso-do-ministro-mauro-vieira-na-i-reuniao-do-foro-celac-china&cat
id=42:notas&Itemid=280&lang=pt-br>, acessado em 12/01/2015.
58.  demanda de grandes potncias por recursos naturais pode se viabilizar por outras formas,
A
como foi o caso da Blgica no Congo no final do sculo XIX, os EUA e a Inglaterra no Ir
na dcada de 1950 e os EUA no Iraque. A capacidade de disputar recursos estratgicos
est relacionada capacidade militar e, nesse sentido, os EUA respondem atualmente
por aproximadamente 37% do gasto militar global e possuem entre 750 e 1.000 bases
militares no exterior. A China, embora venha incrementando seus gastos militares (em

42
Introduo: o mundo made in China e o metabolismo do capitalismo no sculo XXI

2013, 11% do gasto militar global), no conta at o momento com nenhuma base militar
no exterior. Disponvel em: <http://eleconomista.com.mx/economia-global/2014/04/14/
gasto-militar-cae-19-nivel-mundial-2013>, acessado em 20/12/2014.
59.  conomy, Elisabeth; Levi, Michael. (2014). By all means necessary Chinas: how Chinas
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60.  onte FMI. Grfico em: Jger, Markus Will the BRICs (read: China) really become the new
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da ANPOCS. Disponvel em: <http://www.ufjf.br/poemas/files/2014/07/Milanez-2013-
Neodesenvolvimentismo-e-neoextrativismo-duas-faces-da-mesma-moeda.pdf>,
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62.  udynas, Eduardo (2011). Debates sobre el desarrollo y sus alternativas em Amrica Latina:
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trabalhadores-por-um-fio>, acessado em 20/12/2014.

43
44
Parte II

Brasil e China: sinergia


ou novas equaes de
dependncia?
A feijoada brasileira j meio chinesa: desde 2008, quando ocorreu uma quebra
da safra nacional, o Brasil passou a importar feijo-preto da China atualmen-
te o maior exportador do gro para mercados internacionais. Alm da China, o
Brasil importa feijo-preto da Argentina. Enquanto isso, sem ter como competir
com o baixo custo de produo do feijo-preto importado, os produtores locais
aqui no Brasil migram para soja ou fumo, commodities mais rentveis.1

O Brasil hoje o principal parceiro comercial da China na Amrica La-


tina e sua porta de entrada na regio.2 Em 2009, a China passou a ocupar a
posio de maior parceiro comercial do Brasil, marcando uma mudana his-
trica e desbancando o papel que os Estados Unidos vinham ocupando desde
1930.3 Desde ento, a importncia do fluxo comercial com a China vem se
mantendo e ampliando: entre 2009 e 2013, o intercmbio comercial cresceu
125,7%, saltando de US$ 36,9 bilhes para US$ 83,3 bilhes, com uma pauta
de exportao concentrada em soja, minrio de ferro e petrleo.4 O incre-
mento comercial teve como contrapartida o aumento do investimento direto
chins no pas: o Brasil ocupa hoje o quarto lugar em destino dos investimentos
diretos da China no exterior, os quais somaram US$ 29,2 bilhes ao longo da
ltima dcada (2005 a 2014), atrs apenas dos EUA, da Austrlia e do Canad.5
Do ponto de vista do histrico e do destino dos fluxos de recursos natu-
rais sados do continente latino-americano, o fortalecimento da relao com a
China se traduz em um redirecionamento significativo: por exemplo, em 2009
a venda do minrio de ferro para a Alemanha, segundo destino exportador des-
se item, no chegou a 5% da produo brasileira, enquanto o comrcio com a
China foi responsvel pela exportao de 56,4% do mineral.6 Porm, h que
45
O Brasil made in China Parte II

lembrar que grandes grupos empresariais europeus esto produzindo em terri-


trio chins para a China e para o mundo. o caso da sua Schindler, a maior
provedora mundial de elevadores, escadas rolantes e esteiras, presente em edi-
fcios, shopping centers, aeroportos, estaes de metr, trem, etc. A Schindler se
apresenta como uma empresa de sistemas de manejo de trnsito e acesso para
a mobilidade em sociedades urbanas que move 1 bilho de pessoas por dia.7
A aproximao e aliana do Brasil com a China, visibilizada no incre-
mento da balana comercial Sul-Sul entre os dois pases, se reflete tambm
no plano poltico: ambos so potncias emergentes que integram o bloco
dos BRICS e cooperam em diversas instncias no plano multilateral (G20,
OMC, reforma da ONU, clima, etc.), espaos onde tm tido um papel ativo
na configurao de uma nova ordem internacional. Se esses fatos sinali-
zam o final de um ciclo hegemnico e so emblemticos de importantes
rearranjos que esto sendo incontestavelmente estabelecidos sob a retrica
de um mundo multipolar, tambm demandam uma reflexo crtica sobre
a construo de novas hegemonias e equaes de dependncia. Ou seja,
necessrio questionar at que ponto os novos arranjos de fora desde o Sul
global, como no caso Brasil-China, rompem com a hegemonia dos EUA e da
Unio Europeia e apontam novos rumos para um mundo multipolar, e at
onde, sob a retrica de uma nova ordem, apenas se aprofundam os impac-
tos de reproduo do mesmo modelo desenvolvimentista. No caso concreto
dos territrios e suas populaes e da defesa dos bens comuns, essas novas
alianas implicam alguma mudana no ritmo de espoliao e violao de
direitos, ou ao contrrio, tendem a aprofundar tais prticas?
Na tica neodesenvolvimentista, a relao entre Brasil e China no se
reduziria, apenas, ao padro de criao de nova dependncia e subordi-
nao ao Consenso de Beijing, que, de maneira geral, seria caracterstico
do avano da presena da China na Argentina, Chile, Equador, Peru e em
outros pases da regio latino-americana. O Brasil busca garantir seus in-
teresses, encontrando o seu nicho na vinculao econmica e comercial
com a China, reconhecendo sua ascendncia como nova potncia hege-
mnica para o prximo sculo, mas tambm conta com esse apoio para
afirmar seu prprio papel no cenrio regional e internacional.

46
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

Pelas particularidades que diferenciam e complexificam o contexto


brasileiro em relao ao caso dos demais pases latino-americanos, os ar-
gumentos do governo brasileiro e do empresariado nacional que buscam
ativamente e defendem a parceria e os investimentos com a China (assim
como as iniciativas e estratgias delineadas desde o Brasil para expandir os
investimentos e a presena chinesa no pas) devem ser compreendidos em
um contexto que vai alm das razes econmicas e do clculo comercial
imediato, onde a presena estrangeira e seus possveis impactos na sobe-
rania nacional no contradizem, necessariamente, uma viso estratgica.
Se isso vai se manter assim, e por quanto tempo, outra questo.
No horizonte desta anlise importante salientar que as relaes
bilaterais e a parceria estratgica entre Brasil e China encontram-se cir-
cunstanciadas em um amplo leque de temas e questes que dialogam en-
tre si, em um cenrio em que os dois pases vm at aqui jogando juntos e
compartilhando interesses.

Breve histrico de uma


aliana Sul-Sul
Brasil e China estabeleceram relaes diplomticas formalmente em
1974. Contudo, somente a partir do final da Guerra Fria que o Brasil re-
-equaciona seus planos de insero internacional e passa a priorizar um re-
lacionamento mais intenso com a regio da sia-Pacfico.8 Diferenciada no
contexto geral de trocas com os outros pases da Amrica Latina, alm dos
interesses econmicos, as relaes entre os dois pases vm ao longo das l-
timas quatro dcadas materializando uma vontade poltica comum de coo-
perao na agenda internacional, projetando em fruns globais os temas e
interesses do mundo em desenvolvimento. Desde o incio, um ponto central

47
O Brasil made in China Parte II

da aproximao diplomtica foi a valorizao de um sistema internacional


multipolar, evitando a consolidao de hegemonias unilaterais e o cercea-
mento de suas margens de autonomia em questes de interesse nacional.
Nesse sentido, no histrico das relaes bilaterais foram firmados vrios
acordos para cooperao cientfica tecnolgica, com vistas a romper o mono-
plio detido pelos pases desenvolvidos. O principal exemplo o Programa Es-
pacial Sino-Brasileiro, desenvolvido desde 1988, uma iniciativa pioneira e sem
paralelo, tanto na cooperao Sul-Sul, como Norte-Sul. A parceria para o de-
senvolvimento e lanamento dos satlites CBERS (China-Brazil Earth Resources
Satellite) permitiu ao Brasil entrar para o seleto grupo de pases detentores da
tecnologia de gerao de dados primrios de sensoriamento remoto terrestre,
possibilitando uma ferramenta estratgica para monitorar seu vasto territrio.

Hoje, no Brasil, praticamente todas as instituies ligadas ao meio ambiente e aos


recursos naturais so usurias das imagens do CBERS. Suas imagens so usadas
em diversos campos, como o controle do desmatamento e queimadas na Ama-
znia Legal, o monitoramento de recursos hdricos, reas agrcolas, crescimento
urbano, ocupao do solo, em educao e em inmeras outras aplicaes.As ima-
gens tambm so fundamentais para autonomia em grandes projetos nacionais
estratgicos, como o PRODES, de avaliao do desflorestamento na Amaznia, o
DETER, de avaliao do desflorestamento em tempo real, e o monitoramento das
reas canavieiras (CANASAT), entre outros.9 O Brasil hoje o maior distribuidor de
imagens de satlite do mundo, graas poltica adotada em junho de 2004 que
permite o download gratuito a partir do site do INPE (Instituto Nacional de Pesqui-
sas Espaciais), fornecendo para todos os pases da Amrica do Sul na abrangn-
cia das antenas de recepo.10 O papel estratgico dessa ferramenta autnoma
de sensoriamento remoto toma dimenses ainda mais importantes no mbito da
estruturao do financiamento internacional para o clima, especialmente consi-
derando que a agenda de financiamento ao desenvolvimento e de cooperao
internacional est sendo transversalizada pelas condicionantes climticas. No
mbito das negociaes de um novo acordo climtico, que deve ser concludo at
o final de 2015, o desembolso de recursos para os pases est sendo constru-
do sob o requisito de pagamentos baseados em resultados (result based pay-

48
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

ments), sob a comprovao da reduo de emisses, que exigem comprovao


atravs de critrios e metodologias para medir, reportar, verificar (measure, re-
port and verification). Brasil e China disponibilizaram gratuitamente as imagens
para todo continente africano (assim como software para processamento das
imagens e treinamento para capacitao dos tcnicos).11

Ao longo dos anos, a parceria com a China alavancou no apenas a


cooperao tecnolgica e o intercmbio comercial, mas uma parceria es-
tratgica para dar ao multilateralismo do ps-guerra uma nova expresso,
incorporando os novos arranjos de poder do mundo contemporneo e que
desafiam pontos centrais da hegemonia estabelecida.
Nas negociaes internacionais, Brasil e China vm atuando para pro-
mover reformas nas instituies multilaterais (ONU, FMI, BM) e no G20, em
temas como agricultura e reforma do sistema financeiro internacional. Nesse
mbito, a proposta defendida pelo Brasil e a China uma reforma que pos-
sibilite a incluso de novas moedas na cesta que compem os direitos
especiais de saque (special drawing rights, SDR) do sistema de reserva in-
ternacional do FMI na prtica, o SDR a moeda do FMI. Esse o primeiro
passo para que moedas de pases emergentes como o Brasil e a China faam
parte da cesta do SDR, hoje privilgio apenas do dlar americano, o iene, a
libra esterlina e o euro (Estados Unidos, Japo, zona do euro e Reino Unido).12
A questo de fundo dessa proposta fortalecer uma SDR reformada, para
que esta possa, como uma moeda composta, servir ao objetivo de substituir
o dlar americano como moeda das reservas internacionais. Como demons-
trao concreta de seu comprometimento de reforar a influncia que tm
como maiores mercados emergentes do mundo no cenrio global, Brasil e
China firmaram em 2013 um acordo para currency swaps no valor de US$ 30
bilhes. O mecanismo permite a realizao de transaes comerciais entre os
dois pases em suas prprias moedas nacionais, livrando o fluxo da balana
comercial entre eles da dependncia do dlar, tendo em vista garantir a esta-
bilidade frente insegurana dos mercados financeiros.13
Alm disso, Brasil e China, juntamente com ndia, Rssia e frica do
Sul (BRICS), criaram em 2014 o Novo Banco de Desenvolvimento, com o

49
O Brasil made in China Parte II

objetivo principal de financiar infraestrutura em pases emergentes. A sede


do novo banco ser na China, o primeiro presidente ser um indiano e a
instituio ter um capital inicial anunciado de US$ 50 bilhes; alm disso,
os pases criaram um fundo, batizado de Arranjo de Contingente de Reser-
vas (ACR), que ser composto por US$ 100 bilhes: US$ 41 bilhes viro da
China; Brasil, Rssia e ndia, entraro com U$ 18 bilhes cada; e frica do
Sul, com US$ 5 bilhes. Tanto o Banco como o Fundo foram construdos
semelhana do Banco Mundial e do FMI.
Desde uma perspectiva crtica, importante questionar at que ponto
os BRICS no representam principalmente pases que servem de portas de
entrada em cada um dos continentes para investimentos e infraestruturas
que interessam China e o quanto, sob a imagem de um bloco emergen-
te, no o peso da China o fator absolutamente determinante e ao qual e
respondem s lgicas de novas integraes econmicas? No mbito do G20.
os pases vm preparando uma Iniciativa Global para Infraestrutura,14 para
resolver o que hoje se apresentaria como o grande gargalo para o crescimen-
to, produtividade e gerao de empregos.Segundo a Agncia Internacional
de Energia, a demanda mundial de energia dever aumentar em mais de um
tero em 2035, significando a necessidade de uma mudana nos padres de
oferta e demanda; as economias emergentes devero ser responsveis por
mais de 90% da demanda de energia at 2035.15 At onde o Banco dos BRICS,
com seu foco em infraestrutura nos pases do Sul, atende em pleno acordo
esses planos e necessidades que so objetivos do capital global?
Nos temas ambientais, os dois pases tambm vm atuando conjunta-
mente. Brasil e China foram os proponentes originais, na Assembleia Geral
da ONU em 2009, da realizao de uma conferncia internacional para fazer
um balano do legado da Cpula do Rio de 1992. Assim surgiu o processo que
resultou, em 2012, na realizao da Conferncia Internacional sobre Desen-
volvimento Sustentvel, a Rio+20, que teve papel fundamental para instalar
o tema da Economia Verde e o paradigma do Capital Natural na reorientao
do discurso hegemnico. O principal resultado poltico da Rio+20 foi o pro-
cesso de elaborao dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentvel, metas
internacionais que iro substituir as Metas de Desenvolvimento do Milnio
e que tm um papel chave na redefinio da agenda internacional de finan-
50
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

ciamento ao desenvolvimento para o perodo ps-2015.Nas negociaes cli-


mticas, Brasil, China, ndia e frica do Sul (BASIC), juntamente com Esta-
dos Unidos e Unio Europeia foram os principais responsveis pelo Acordo
de Copenhague, em 2009, na COP 15, o que, embora sem valor legal sob a
Conveno do Clima, deu as condies polticas para assegurar a continuida-
de da negociao de um acordo global em um momento em que o processo
ameaava colapsar; desde ento, o bloco do BASIC vem tendo uma atuao
conjunta em temas cruciais na negociao de clima, no rumo do novo acordo
previsto para ser concludo at o final de 2015.16
No cenrio internacional, o Brasil vem acumulando posies de desta-
que: atualmente detm a direo geral da FAO, a secretaria da Conveno
de Diversidade Biolgica (CBD) e a direo geral da OMC. Ao conquistar a
eleio para direo geral da OMC em 2013, o Brasil retribuiu o apoio da Chi-
na em sua campanha para o cargo e apontou o pas (alm da Alemanha, da
Nigria e dos EUA) para ocupar uma das quatro diretorias da entidade. Alm
disso, o Brasil aposta em obter o apoio da China para conseguir um assento
permanente no Conselho de Segurana da ONU (so membros permanen-
tes:Estados Unidos, China, Frana, Rssia e Reino Unido),17 o que consolida-
ria, enfim, o seu novo lugar no cenrio internacional e um reconhecimento
efetivo do seu papel como big player de um mundo multipolar.18

Neodesenvolvimentismo
e internacionalizao
subordinada
Apesar do histrico de quatro dcadas de relaes diplomticas, o atu-
al patamar de vinculao entre Brasil e China foi, em grande medida, fruto
da orientao da poltica externa que comea com o primeiro governo Lula

51
O Brasil made in China Parte II

em 2003 e que buscou uma nova insero internacional do Brasil. A poltica


externa brasileira a partir de 2003 guiada pelo projeto de nova insero
internacional do Brasil, que corresponde s diretrizes de um modelo de de-
senvolvimento nacional. Este projeto buscou fortalecer o posicionamen-
to do pas em relao s grandes macrotendncias da economia mundial,
garantindo o acesso aos mercados emergentes e favorecendo objetivos
centrais de internacionalizao de algumas empresas nacionais em suas con-
dies de competir como transnacionais no cenrio global (e at integrar
cadeias globais de valor), e, com isso, assegurar os interesses dos setores
que ao longo da ltima dcada, junto com o governo, compem o bloco de
poder que vem sustentando o modelo neodesenvolvimentista.

A partir do incio do sculo XXI se formou no Brasil uma frente poltica identifi-
cada com o neodesenvolvimentismo que foi a base ampla e heterognea de
sustentao da poltica de crescimento econmico e de transferncia de ren-
da que teve incio com os governos de Lula da Silva e continuidade com Dilma
Rousseff. Em outro plano, neodesenvolvimentismo identifica a ideologia oficial
do governo brasileiro e sua base de sustentao, alicerado no xito eleitoral
das polticas sociais e de combate pobreza e transferncia de renda, progra-
mas que so engrenagens-chave para garantir a manuteno e reproduo
do modelo extrativista e que tambm dependem de um forte papel do Estado,
trao comum a outros pases da Amrica Latina.19 Contudo, diferentemente de
pases como a Bolvia, a Venezuela e o Equador, o investimento nos programas
sociais do Brasil no est diretamente dependente da renda extrativa, j que
a soja e minerao, os produtos que lideram a pauta, so de grupos privados
(contudo, esse cenrio modifica-se com as perspectivas futuras de uso para
a renda do petrleo, com o Fundo Social do Pr-Sal, que ser referido adiante,
ainda que a Petrobras no seja uma empresa 100% pblica).

Em grandes linhas, o neodesenvolvimentismo foi a poltica econmica


que substituiu o neoliberalismo a partir do incio da Era Lula e que per-
mitiu uma frente de governabilidade atravs de uma aliana entre os tra-
balhadores (partido, fundos de penso) e o bloco de poder no qual figuram
52
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

segmentos da grande burguesia nacional. Entre esses setores, destacam-se


especialmente o agronegcio, a construo civil, a indstria naval (ligada
ao petrleo), a indstria de transformao e inclusive alguns bancos.20 Este
bloco, contudo, no esttico e possui complexidades internas e matizes.
Segundo a anlise que busca identificar as dinmicas de classe, essa nova
configurao no bloco de poder sob a gide neodesenvolvimentista determi-
nou a mudana na orientao da poltica externa, rompendo marcadamen-
te com o governo anterior, neoliberal, voltado a atender prioritariamente
aos anseios do capital financeiro nacional e internacional, perodo em que a
frao que detinha a hegemonia no interior do bloco de poder precisou de-
monstrar proximidade e subordinao s grandes potncias hegemnicas.

(...) ao longo dos governos FHC, sobretudo em funo das negociaes da ALCA,
a grande burguesia interna passou a se aglutinar contra a abertura unilateral do
mercado interno, e os efeitos negativos da implantao do neoliberalismo ortodo-
xo no Brasil. Esta frao que rene, no seu ncleo, as empresas de capital predomi-
nantemente nacional, algumas estatais e, perifericamente, algumas multinacio-
nais aqui instaladas, ascendeu politicamente nos governos Lula. Por isso, o Estado
brasileiro usou sua maior autonomia de ao para tomar posies cujo resultado
direto foi o atendimento de interesses econmicos da grande burguesia interna,
resultados esses que podem ser resumidos em: proteo ao mercado interno, au-
mento das exportaes e impulso conferido internacionalizao das empresas
brasileiras. A posio poltica do Estado brasileiro transitou na passagem destes go-
vernos de subordinao passiva para subordinao conflitiva. (grifo nosso)21

Nesse quadro, somam-se aos fatores determinantes que contriburam


no processo de internacionalizao de certas empresas brasileiras big players
nos ltimos anos, as linhas de crdito e financiamento para investimentos no
exterior via BNDES, que viabilizaram a exportao de capital atravs do inves-
timento direto em outros pases da Amrica Latina e frica. Entre essas esto
a Vale, Oderbrecht, Petrobras, Gerdau, CSN, BRF, JBS, OAS, Camargo Crrea,
Votorantin, Andrade Gutierrez, Marfrig, Usiminas, Suzano e outras.22 A EM-
BRAER, empresa fetiche ao imaginrio desenvolvimentista, um desses casos
de sucesso, uma das campes nacionais, que como algumas outras vem bus-
cando nichos de excelncia e insero competitiva no mercado internacional.23
Por exemplo, em 2014 foram assinados contratos de venda de 60
jatos da famlia EMB 190 entre a Embraer para a Tianjin Airlines e o
ICBC Leasing, ambas chinesas. Outro exemplo, a empresa brasileira

53
O Brasil made in China Parte II

Marcopolo (lder na fabricao de nibus e caminhes) est tramitando


a instalao de uma unidade de produo na Zona de Processamento de
Exportaes de Changzhou; um dos casos de sucesso entre as multina-
cionais brasileiras que tm apostado em um modelo de negcios aberto
participao das subsidirias internacionais nos processos de inova-
o. A Marcopolo opera hoje com filiais no Mxico, Argentina, Colmbia,
frica do Sul, Egito e ndia.24
Alm do papel decisivo do BNDES, a orientao da poltica externa
tambm contribuiu para abrir mercados e oportunidades de exportao
de bens e servios para as transnacionais brasileiras, via negociao da di-
minuio das barreiras alfandegrias e aes no sentido de consolidao
do Brasil como lder regional, enfatizando o relacionamento com seus vi-
zinhos por meio de cooperao bilateral e da integrao sul-americana.25
Em conjunto, essas aes integram uma viso para o Brasil e um projeto
estratgico nacional que nos processos regionais na Amrica Latina mate-
rializa o papel de liderana dos interesses do Brasil (ou o subimperalismo
brasileiro, sob novas determinaes)26 na orientao das grandes linhas de
integrao infraestrutural no continente, cuja carteira de projetos planifi-
cada originalmente sob a IIRSA se desenvolve hoje sob a COSIPLAN.27
Se a insero internacional do Brasil pode ser caracterizada como su-
bordinada, e o quanto esta passiva ou conflitiva, o certo que no mbito
domstico vem se justificando com uma racionalidade muito particular.
Por exemplo, para a China, como se v em sua atuao na frica, a aqui-
sio de terras um ponto central nas perspectivas de investimentos em
logstica e infraestrutura, como ferrovias e portos, alm de ser um fator
estratgico para lastrear o capital e assegurar o controle territorial dos
seus investimentos. A despeito dos esforos e do grande interesse dos chi-
neses em investir na compra de terras no Brasil, e do consequente temor
frente a esse avano, o governo barrou a compra de terras por estrangei-
ros, atravs de parecer da Advocacia Geral da Unio de 2010.28 Contudo, a
Confederao Nacional da Agricultura (CNA), entidade mxima de repre-
sentao do agronegcio brasileiro, vem contestando a proibio e enten-
de que preciso flexibilizar esta regulamentao.

54
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

Minha guru se chama Margaret Thatcher. Ento, para mim foi um


choque essa restrio [da AGU], afirmou a ento presidente da CNA, hoje
ministra da Agricultura, Ktia Abreu. Frente a uma avaliao do tema em
outros pases, afirmou que vrios Estados na Amrica Latina no vendem
terras e isso enfraqueceu o dilogo com o governo chins; frente a isso,
sua posio que regras so importantes, mas que se deve permitir a
aquisio de terras por estrangeiros.29
Uma avaliao que, em funo da restrio a estrangeiros para
aquisio de terras no Brasil (assim como na Argentina), a China vem mu-
dando o seu modelo de investimentos na agricultura na Amrica do Sul,
passando a privilegiar aportes em infraestrutura (incluindo transporte e
armazenamento), em troca do direito exclusivo de comprar toda a colhei-
ta e assim garantir seu abastecimento, sobretudo de soja, e aumentar cada
vez mais as compras de milho.30
Ao tomar posse no incio de 2015, como Ministra da Agricultura, Ktia
Abreu anunciou que suas primeiras misses internacionais no cargo sero para
China e Rssia, os maiores importadores do agronegcio brasileiro. Apesar do
cenrio internacional que apresenta uma queda geral nos preos das commodi-
ties, isso no avaliado na perspectiva de alterao do volume, pelo contrrio.

A China, que importa 23% dos nossos produtos, pode parar de investir em uma
poro de coisas. Mas 1,3 bilho de pessoas l seguem precisando almoar, jantar
e lanchar. Est havendo uma queda de preos [dos alimentos exportados], mas
no creio em alterao de volume. Mesmo com o embargo [de potncias interna-
cionais], os russos continuam se alimentando de frango. As pessoas tm de co-
mer. E a gente no exporta produtos muito agregados, consumidos por pessoas
ricas. Exportamos carne, que a massa come, um produto processado por l.31

O agronegcio brasileiro no se v como um setor do extrativismo, mas


como um complexo de cadeias de produo (os gros, por exemplo, so resul-
tado de valor agregado onde vrios segmentos se envolvem na produo, do
desenvolvimento de sementes e agroqumicos tecnologia empregada no cul-
tivo, colheita, distribuio, etc), que fabrica comida ou protena, linguagem
que vem sendo incorporada tambm nos discursos oficiais do governo. Como
protena, incluem-se ovos, carnes de produo industrial como gado, frango,
porco, peixes e crustceos e tambm a protena de soja (lembrando que a soja,

55
O Brasil made in China Parte II

por sua vez, isolada ou combinada com o milho, o componente bsico das
raes que alimentam as diversas cadeias de produo de carne).
Atualmente o consumoper capita dos 1,3bilho de habitantes daChina
de 4,7 quilos deprotena animal, porano.32 O brasileiro consome em mdia 94
quilos de carne por ano (bovina, a suna e a de frango), sem contar o consumo
de ovos, peixes e crustceos.33 O aumento do consumo de carnes (e protenas
animais industriais) e sua disponibilidade a preos acessveis um componen-
te central do imaginrio do desenvolvimento e funciona como critrio objetivo
e palpvel para a populao - da melhora do padro de vida, sendo reivin-
dicado at mesmo para atestar o sucesso de polticas econmicas. No Brasil o
frango (alm do iogurte) foi um dos smbolos do plano Real: na poca do lana-
mento do plano, em 1994, 1 quilo de frango chegou a custar 1 real.34

Alimentando o drago,
ou as novas equaes
de dependncia
O agronegcio, que lidera a pauta de produtos exportados para Chi-
na, pleiteia responder por 23% do PIB e 37% da gerao de empregos no
pas.35 o principal setor que vem exercendo empenho sistemtico e es-
tratgico em buscar aliana e expanso de oportunidades na exportao
para a China. Em 2012, a Confederao Nacional da Agricultura (CNA)
inaugurou um escritrio de representao da entidade em Beijing com ob-
jetivo de promover os produtos agropecurios nacionais e atrair investi-
mentos chineses para o Brasil, dando um passo efetivo rumo internacio-
nalizao da CNA. Em junho de 2013, aconteceu em Pequim o I Foro de
Ministros de Agricultura da China - Amrica Latina e Caribe.
56
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

O peso do setor do agronegcio um bom exemplo da importncia


crescente das exportaes de produtos primrios para a China vis a vis a
importao de manufaturas daquele pas, o que reforaria uma dinmica
central de reprimarizao da pauta exportadora, contribuindo para desin-
dustrializao nacional. Contudo, essa equao e suas contradies respon-
dem viso e estratgia de desenvolvimento nacional que procura alinhar
os setores competitivos da economia e da indstria tendo em conta as
particularidades do momento atual do capitalismo com as oportunida-
des de exportao e a gerao de empregos no pas, e que est na base
sustentao do modelo, na disputa dos imaginrios e do debate poltico.
No atrelamento (ou subordinao) para atender a demanda da China
atravs de produtos gerados com a intensificao do extrativismo, mes-
mo que esta demanda extrativa seja catalizadora de processos nacionais de
gerao de emprego e dos nichos competitivos para uma indstria nacional,
qual o horizonte para o exerccio das soberanias alimentar e energtica?
Em 2013, a pauta de exportaes brasileiras para a China se concen-
trou nos seguintes itens, que somados, representaram 87% da pauta:36
Soja 37%
Minrio de ferro 35%
leos brutos de petrleo 9%
Celulose 3%
Acar refinado 3%
O aumento da produo e exportao do agronegcio brasileiro de
soja tem sido fundamental para abastecer a crescente demanda chinesa
por protena animal. Segundo dados de 2013, o Brasil exporta para o pas
asitico entre 66% e 68% de toda sua produo de soja (que cresce em
volume a cada ano), fazendo daChina oseu maior mercado consumidor.37

O peso do Brasil para economia chinesa O Brasil posicionou-se no 16 lugar


entre os destinos de exportao da China, com apenas 1,6% do total.38 Para a
China, o Brasil posiciona-se atualmente (dados de 2013) no 9 lugar entre os
fornecedores do mercado chins, contribuindo com apenas 2,8% das importa-
es do pas (a Coreia do Sul foi o principal pas fornecedor de bens China, com

57
O Brasil made in China Parte II

9,4% do total; seguido do Japo (8,3%); Taiwan (8,0%); Estados Unidos (7,9%);
Austrlia (5,1%); e Alemanha (4,8%). Por continente, apesar do peso estratgico
das matrias primas da Amrica Latina para a indstria chinesa, a sia o prin-
cipal abastecedor do mercado chins: em 2013, somou 56% do total (seguido
pelo do continente americano, incluindo EUA, com 16%; Unio Europeia com 11%;
frica com 6%; e Oceania com 5%). J as exportaes chinesas so direcionadas
em grande parte aos vizinhos da sia, que absorveram 51% do total; seguidos
do continente americano com 24%, da Unio Europeia com 15% e da frica com
4%. Individualmente, Hong Kong foi o principal destino das vendas chinesas com
17,4% do total em 2013. Seguiram-se: Estados Unidos (16,7%); Japo (6,8%); Co-
reia do Sul (4,1%); Alemanha (3,0%) e Pases Baixos (2,7%).

Proporcionalmente, o Brasil tem uma contribuio muito pequena,


nfima at, na balana comercial chinesa: absorve apenas 1,6% das expor-
taes da China (e com certeza algo mais, que chega ao Brasil via Para-
guai). Por outro lado, apesar da quantidade de soja, minrio e petrleo que
envia para a China, o Brasil responde por apenas 2,8% do total importado
pelo pas. Contudo, esse dado precisa ser relativizado.

Nmeros podem invisibilizar dimenses fundamentais da economia. Sobretudo


se aceitamos o desafio de pensar a concretude e a dimenso material e his-
trica das relaes econmicas. A soja um flex crop, denominao utilizada
para aqueles gros ou insumos que podem ser utilizados como alimento, rao,
energia e matria prima para indstria (entre eles soja, cana de acar, euca-
lipto).39 O surgimento destes insumos flex central para entender a economia
agroindustrial hoje e a integrao vertical, assim como servem para expor as
complexidades e contrapor o simplismo da categorizao do agronegcio como
extrativismo. Alm disso, preciso considerar outros fatores. Por exemplo, ou-
tro produto do agronegcio, o caf, no tem o mesmo destaque econmico do
complexo da soja, que surge no sculo XX e hoje um vetor da biotecnologia, da
propriedade intelectual, etc. O caf commodity tem sua origem ainda na poca
colonial e o seu consumo um hbito incorporado e naturalizado em dezenas
de pases. Hoje, hipoteticamente, caso os pases produtores de caf decidissem
58
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

suspender a exportao, pode-se imaginar os impactos sobre um hbito j to


arraigado no cotidiano e na cultura dos pases consumidores (como a Alema-
nha, que apesar de no ter um p de caf em seu territrio o maior exportador
internacional do gro),40 assim como os efeitos disso sobre todos os servios
e o comrcio que dependem do produto, os empregos que esto diretamente
relacionados ao consumo do caf em vrios pases, etc. Ainda, as tecnologias e
o design das mquinas para preparo do caf, s foram criadas e se aplicam em
funo do gro de caf. Ou seja, estas interdependncias formam um todo indis-
socivel e que movimenta as relaes econmicas dentro do sistema-mundo.

Quanto a peso aparentemente pequeno das importaes do Brasil na


economia chinesa, em primeiro lugar, os nmeros expressam a participao
em termos do valor (preo) do total que importado pela China. Comparado
com equipamentos de altssima tecnologia (como os chips e microproces-
sadores importados da Coreia), a soja e o minrio de ferro so commodities
baratas. A isso somam-se ainda as distores das taxas de cmbio.
Porm, se olharmos a especificidade da soja e do minrio de ferro e o volu-
me crescente (em toneladas) que embarcado para a China, estes so recursos
altamente estratgicos, pois, no caso da soja, por exemplo, se o Brasil (hipote-
ticamente) decidisse no vender soja para a China, esta no teria como con-
seguir a quantidade que necessita de outro lugar. O crescimento do consumo de
protena na China dependente do potencial brasileiro de atender a esta demanda.
Afinal, qual a vantagem de se tornar a primeira economia do mundo se isso, no
cotidiano da populao chinesa, no se traduz em uma melhora no seu padro
de vida? E qual o indicativo mais universal que a alimentao?
Considerando os principais produtores/exportadores mundiais de soja
Brasil, Argentina e Estados Unidos , o Brasil o nico com condies
de assegurar a expanso de rea e volume de soja, assim como a ampliar a
rede logstica para atender o potencial de crescimento da demanda chinesa/
asitica.41 Quem afirma isso o Departamento de Estado para Agricultura
dos EUA (USDA Agricultural Projections 2023) no estudo sobre projeo de
produo e o consumo de produtos agrcolas para os prximos dez anos.42

59
O Brasil made in China Parte II

Importaes de soja - por pas/milhes de toneladas:

160

140 China
Outros
120
frica do Norte e Oriente Mdio
100 Amrica Latina 1/

80 Sudeste Asitico
Unio Europia 2/
60

40

20

0
1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020

1/ Inclui Mxico
2/ Exclui as exportaes dentro da Unio Europia (i.e., entre os pases membros do bloco)

Exportaes de soja - por pas/milhes de toneladas:

160

140 Outros
Brasil
120
Argentina

100 Outros pases da Amrica do Sul


Estados Unidos
80

60

40

20

0
1990 1995 2000 2005 2010 2015 2020

60
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

A China tem um grande desafio de soberania alimentar. Em seu territrio,


cerca de 50% das terras so improdutivas, 34% so ocupadas por flores-
tas e pastos e somente 14% so prprias para o plantio. Alm disso, o pas
enfrenta desertificao galopante e problemas de contaminao e salini-
zao de algumas reas. A China possui 20% da populao mundial, mas
somente 7% das terras mundiais para o plantio, o que limita sua capaci-
dade de produo agrcola.43 Grande parte dos alimentos produzidos na
China consumido no pas e o restante importado. Atualmente, aproxi-
madamente 50% dos chineses ainda vivem no campo; alm disso, o pas
o maior produtor de carne suna, com cerca de meio bilho de animais.
A emergncia de uma classe mdia chinesa urbana est mudando rapidamente
hbitos de consumo e consolidando um imenso mercado emergente e vrias
oportunidades de exportao para o agronegcio brasileiro, com destaque ab-
soluto para o complexo soja (farelo, leo e gros) e carnes (aves, bovina e
suna). A China atualmente o maior mercado para carnes frescas do mundo.

A importao de soja do Brasil lembrando que a leguminosa ori-


ginria da China, da regio da Manchria vem viabilizando profundas
transformaes nos padres e na cultura alimentar (milenar) da China, com
o incremento da protena animal industrial na dieta, o que se irradia por
outros pases da regio asitica.
Por outro lado, caso a China parasse de comprar a soja brasileira, o
preo imediatamente despencaria com um efeito cascata em toda a econo-
mia brasileira, em funo do peso que tem a soja na balana comercial e nos
setores internos da economia, dinamizados pelas cadeias de bens e servios
dependentes do agronegcio. Em caso de ruptura na pauta da soja, anlises
apontam que o Brasil no conseguiria substituir a China por outro compra-
dor: a Europa, um mercado potencial, limitou as importaes devido crise
que se espalhoupelo bloco, e considera-se que um mercado maduro que
j apresenta nveis bastante estveis no aumento de ingresso de protena;
os Estados Unidos so tambm fortes produtores, portanto no se torna-
riamcompradores; uma opo seria a frica, mas os pases desta regio
noteriam dinheiro suficiente para pagar pelo produto.

61
O Brasil made in China Parte II

Alm disso, a produo de soja e de outras commodities agrcolas


no Brasil encontra-se em parte dependente (em custo de produo) do
glifosato chins, que em 2013 representou 5,9% da pauta de importao
brasileira daquele pas. O glifosato formulado um dos agrotxicos mais
usados no mundo e o mais usado no Brasil, principalmente nos cultivos
transgnicos que so resistentes substncia.44

Para o Brasil, as importaes da China se mantiveram concentradas nos


setores de mquinas e aparelhos eltricos e mecnicos, que, somados, cor-
responderam a 50,9% do montante:
- 29,1% mquinas eltricas: partes de aparelhos de TV, partes de aparelhos
de telefonia, terminais portteis de telefonia celular, computadores, lmpa-
das e circuitos impressos.
- 21,8% mquinas mecnicas: tela para microcomputadores, partes e
acessrios para computadores, aparelhos de ar-condicionado e fornos.
- 5,9% produtos qumicos orgnicos: cido de glifosato e sal de monoisopro-
pulamina (base pra formulao do glifosato formulado).
- 2,8% automveis.

Em 2008, a produo de glifosato chins aumentou de maneira descontro-


lada a partir dos preos recordes registrados pelas commodities agrcolas.45 O pre-
o do glifosato, como de outros agrotxicos, se tornou um componente essencial
no custo de produo, em funo da dependncia criada pelos transgnicos e que
impacta os principais cultivos de exportao do pas. O cido de glifosato im-
portado da China a base para fabricao no Brasil do agrotxico glifosato ge-
nrico, que tem servido para criar concorrncia com os preos dos fabricantes
Monsanto do Brasil e a Nortox. S.A., que (antes concorrentes) monopolizavam
o mercado, como nicos produtores no Brasil, e que chegaram a mover um pro-
cesso de investigao sobre prtica de dumping contra a importao chinesa.46
Quase 100% das importaes de cido de glifosato realizadas no Brasil
at 1998 foram provenientes dos Estados Unidos, provavelmente da Monsanto.

62
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

A partir do ano 2000, o nmero de pases foi ampliado consideravelmente, com


destaque para as importaes provenientes da China, que passa a representar
quase 50% do volume total importado desse produto.47 Se por um raciocnio
econmico e de disputa de hegemonia, a importao da China contribuiu para
quebrar o monoplio da Monsanto e dos EUA como principal destino dos lu-
cros da venda do glifosato, para a questo ambiental e social dos seus impac-
tos no interessa quem produz, pois os danos so os mesmos: drsticos efeitos
ambientais e sociais tanto aqui como em outros pases (Argentina, Paraguai
e Bolvia), compondo uma dinmica de expanso das monoculturas de soja,
desmatamento, uso indiscriminado de agrotxicos, expulso de populaes e
graves violao de direitos humanos de camponeses e povos indgenas.
Em 2013, o envio de soja, principal item da pauta exportadora do Brasil
para a China aumentou de cerca de 40%, tanto em volume, como em valor,
em comparao com o ano de 2012. A soja, principal gro de exportao,
o maior vetor de demanda territorial: ocupa hoje uma rea de 27.7 milhes
de hectares (2012/2013 CONAB),48 que estima-se subiu para 30,1 milhes
na safra atual 2013/2014 e deve incorporar mais 1.5 milhes de hectares na
projeo para 2014/2015 uma demanda territorial que cresce, tendo em
vista sempre, atender o consumo crescente na China.49
Na prtica, pois, a territorializao do capital chins se define por outras
formas que o ttulo de propriedade da terra e se expressa no poder de determi-
nar a destinao e o uso de um territrio e seus recursos. Essa uma questo de
fundo acerca das lgicas desenvolvimentistas e as aes estruturantes que so
pensadas desde o Brasil para gerar e sustentar emprego e renda e supervit co-
mercial, mas que so dependentes e subordinadas ao horizonte de demanda
da China. Por outro lado, a modificao da dieta na China com o aumento do
consumo de carnes, e a relevncia que isso tem na percepo social e nos ima-
ginrios sobre o que desenvolvimento, se faz na dependncia da capacidade
do Brasil de incorporar terras, garantir fertilidade do solo (com minerao de
fosfato, potssio, ureia e agroqumicos), gua, escoamento da produo, etc. e
ao custo de impor, para este fim, as grandes lgicas que determinam o destino
dos territrios e das populaes, hipotecando, assim, as alternativas de futuro.

63
O Brasil made in China Parte II

China: parceira estratgica


do neodesenvolvimentismo
O novo ciclo nas relaes entre os dois pases marcado pela visita
do presidente Lula China em 2004. Nessa ocasio, foram criadas a Co-
misso Sino-Brasileira de Alto Nvel de Concertao e Cooperao (COS-
BAN),50 o mecanismo permanente de mais alto nvel entre os governos do
Brasil e da China, marco na qual se elaborou o Plano de Ao Conjunta
(2010-2014) e o Plano Decenal de Cooperao (2012-2021); alm disso,
em 2004 foi criado tambm o Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC).
Juntos, estes so os principais canais e institucionalidades para a cons-
truo de acordos relativos ao comrcio e investimentos chineses.51 Para
exemplificar o papel que cumprem, no mbito da COSBAN, por exemplo,
foi criado um Grupo de Trabalho sobre Biotecnologia Agrcola e Biossegu-
rana que, no incio de 2014, concluiu um Protocolo sobre os Requisitos
Fitossanitrios para a Exportao de Milho do Brasil para a China; a via-
bilidade de exportao de milho para a China apontada como um marco
na consolidao definitiva do agronegcio brasileiro.52
Uma dcada depois da visita de Lula China, outro momento marca
um salto qualitativo com relao s aes conjuntas. Em 2014, as relaes
diplomticas entre Brasil e China completaram 40 anos, momento marcado
pela elevao da relao bilateral ao nvel de Parceria Estratgica Global.
Isso reforou o reconhecimento dos princpios de respeito mtuo, bene-
fcio recproco e ganhos compartilhados que vm marcando as quatro d-
cadas da relao diplomtica e comercial, tendo em vista especialmente as
oportunidades de investimento chins no Brasil. Com esse fim, foi estabe-
lecido um mecanismo oficial, o Dilogo Estratgico Global, cuja 1 reunio
foi realizada em Braslia em 2014, estando previstas reunies anuais nessa
capital e em Beijing para acompanhar a evoluo da agenda bilateral e co-
ordenar aes conjuntas sobre temas internacionais de interesse comum.

64
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

Em 2014, logo aps a realizao da VI Cpula dos BRICS em Forta-


leza, Xi Jinping celebrou em Braslia os 40 anos de parceria entre Brasil e
China, ocasio em que foram concludos 56 atos bilaterais (32 dos quais
assinados). Na ocasio da assinatura dos acordos, os presidentes dos dois
pases inauguraram no pas a ferramenta de busca Baidou (depois do Goo-
gle a segunda mais usada na internet e forte concorrente deste na sia) e
das gigantes de compras de comrcio eletrnico, a Alibaba group e Alipay
(que dominam mais de 80% do comrcio eletrnico na China), assinando
um memorando com os Correios para favorecer as empresas brasileiras no
comrcio internacional com a China e em conjunto melhorarem os pro-
cedimentos de logstica; ambas so empresas cones da investida contra-
-hegemnica chinesa no domnio da internet e do e-commerce.53
Os temas dos atos bilaterais Brasil-China tratam da intensificao da
pauta comercial, que vai desde compras pblicas nos setores de segurana,
a investimentos em energia, agricultura, logstica, satlites, etc.; em geral
os acordos ampliam e garantem apoio chins (em termos de investimento e
tecnologia) para setores e dinmicas da economia brasileira, mas que rever-
beram em toda a regio.54 No horizonte de grandes linhas estratgicas (como
definido no Plano de Ao Conjunta e no Plano de Cooperao), assim como
os atos bilaterais em seus projetos especficos, a crescente presena de inves-
timentos chineses em setores-chave da economia brasileira concretiza uma
ao coordenada e planificada entre os dois pases, na busca de benefcios m-
tuos e ganhos compartilhados, no qual tem papel ativo os setores do empre-
sariado brasileiro e o governo. Ou seja, a entrada da China como uma potente
fora econmica e que se reflete nos territrios vem sendo executada de forma
planificada e integrada a um projeto nacional. A questo de fundo esclarecer
quais interesses especficos so atendidos nesse projeto e, sobretudo, quais
interesses e principalmente direitos so violados nesse caminho.
Na declarao conjunta por ocasio da assinatura dos atos, um dos
grandes pontos de destaque na agenda sino-brasileira no plano bilateral
e em sua crescente dimenso plurimultilateral trata da infraestrutura e lo-
gstica expressa na atuao conjunta de empresas brasileiras e chinesas em
projetos de infraestrutura em terceiro pases, na Amrica do Sul e na frica.

65
O Brasil made in China Parte II

O Brasil integra o Frum de Macau, criado em 2003 e que rene a China


e demais pases de lngua portuguesa para promover a cooperao e desen-
volvimento econmico.55 Utilizando os pases de lngua portuguesa Angola e
Moambique como porta de entrada, e fatores como o interesse em conhecer
e reproduzir programas sociais, o Brasil ao longo da ltima dcada vem in-
tensificando o comrcio com a frica,56 nos quais empresas estatais e privadas
brasileiras esto atuando. Em Angola, a empreiteira Odebrecht j a maior em-
pregadora privada do pas.57 Em Moambique, a Vale tem a concesso de explo-
rao por 25 anos (renovvel por igual perodo) de parte importante das minas
de carvo de Moatize, provncia de Tete, uma das ltimas reservas inexploradas
de carvo do mundo (onde tambm operam a Rio Tinto e a indiana Jindal).58 O
megaprojeto marcado por protestos e impactos s comunidades locais.59
Na perspectiva brasileira, na Amrica Latina assim como na frica, as
aes para fortalecer a vinculao com a China expressam o esforo para atre-
lar-se e garantir a sua fatia em oportunidades, negcios e contratos junto ao
principal motor de acumulao do capitalismo nas prximas dcadas, identi-
ficado nos prospectos de urbanizao da sia (majoritariamente) e da frica
(em menor medida), que representam o principal processo gerador de demanda
(e de crescimento do volume da demanda) na lgica da expanso do capitalismo e
suas conexes com os processos extrativos e de industrializao em nvel global.
Na declarao conjunta os pases enfatizaram a importncia da coope-
rao na construo de uma rede de infraestrutura sustentvel e integrada
na Amrica do Sul e concordaram em estimular investimentos em logstica
de transporte nas reas do agronegcio; cadeias de suprimento agrcola; mi-
nerao; energia; indstria; tecnologia de ponta, etc.. Com esse fim, incen-
tivaram agncias governamentais e investidores do setor privado dos dois
pases a participar das licitaes em projetos no Brasil, como por exemplo,
o trecho ferrovirio entre os municpios de Lucas do Rio Verde (MT) e Cam-
pinorte (GO). Este trecho especfico, conhecido como Ferrovia da Soja, com
883 km de extenso, um dos principais gargalos de logstica do pas para a
expanso do agronegcio na Amaznia e faz parte da Estrada de Ferro (EF)
354, conhecida como Ferrovia de Integrao Centro-Oeste (Fico), que por sua
vez integra um traado maior chamado de Ferrovia Transcontinental. uma
alternativa estrutural para reduzir os custos e transportar o gro at os portos
66
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

por onde so exportados. A ferrovia, ainda, integra um projeto ainda mais


amplo, o de conectar o Brasil a portos peruanos no Pacfico por meio de trens.
Em 2013, o Conselho Nacional de Desestatizao (CND) redefiniu a con-
figurao dos primeiros lotes de concesses ferrovirias a serem licitados no
mbito do atual Programa de Investimento em Logstica (PIL) do governo
federal, cujos lotes iniciais foram redivididos; de acordo com proposta do Mi-
nistrio dos Transportes, esse trecho foi licitado em separado (a resoluo
do CND permitiu que participem da disputa pessoas jurdicas brasileiras ou
estrangeiras, incluindo entidades de previdncia complementar, instituies
financeiras e fundos de investimento).60O PIL, lanado em dezembro de 2012
pelo governo federal, trata de atrair investimentos privados para concesses
de estradas, ferrovias, portos e aeroportos e constitui um planejamento inte-
grado do sistema nacional de transporte em articulao com as cadeias pro-
dutivas, materializando, nas palavras do presidente da Empresa de Planeja-
mento e Logstica, um Projeto Estratgico do Estado Brasileiro.61
Em seu conjunto, essas infraestruturas de logstica so as artrias
para ampliar (em alguns casos criar) os fluxos de matria e energia e co-
brem o territrio nacional integrando os territrios ao capital, abarcando
setores como agronegcio (gros, rebanhos), celulose, complexo acar e
etanol, minerao e siderurgia e indstria (petroqumica, cimento, fertili-
zantes, celulose, automotiva e partes de veculos).62 O PIL serve ento de
mapa do caminho (ainda que em potencial) para uma viso territoriali-
zada das principais reas sob a mira dos investimentos com estimativas
de cerca de R$ 250 bilhes em 30 anos e dos conflitos.
A parceria comercial com a China e os investimentos chineses no Brasil
atende em seu conjunto a uma correlao de foras e favorece interesses e
projetos que esto hoje no cerne do modelo de desenvolvimento brasileiro. O
aumento da participao chinesa em territrio nacional se d pela participa-
o direta dos investimentos e execuo de projetos, mas tambm pelas lgi-
cas estruturais do projeto de desenvolvimento nacional que tm a demanda
chinesa como horizonte, como nas perspectivas da soja e do agronegcio e
dos investimentos que reforam a expanso das infraestruturas para a logs-
tica do complexo agromineral (como as hidrovias, ferrovias e portos).

67
O Brasil made in China Parte II

Petrleo e Amaznia representam o que h de mais emblemtico e mais


caro em termos de soberania nacional no imaginrio brasileiro e no discurso
poltico. A participao e presena da China nestas duas reas ilustrada a
seguir pela entrada de empresas estatais chinesas no setor de petrleo, ge-
rao e transmisso de energia hidroeltrica na Amaznia (para abastecer
os planos de expanso da minerao) so indicativos da relevncia de que
a China tem hoje no cenrio nacional, e lana interrogantes sobre o futuro.

China e o Pr-Sal
Em outubro de 2013, o leilo para a concesso do campo de Libra na
Bacia de Santos (volume estimado entre 8 e 12 bilhes de barris de petr-
leo, uma das maiores reas das reservas do Pr-Sal) foi arrematado por um
consrcio que inclui a Petrobras e as duas maiores empresas chinesas de
energia: a China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) e o fundo
privado China National Petroleum Corp (CNPC), alm da anglo-holande-
sa Royal Dutch Shell e a francesa Total.63
Para o leilo do campo de Libra, a fatia mais nobre do Pr-Sal e alvo
de intensos protestos64 , eram esperadas propostas de dezenas de em-
presas estrangeiras. Este foi tambm o primeiro leilo sob o novo marco
regulatrio do petrleo, em vigor desde 2010 e que substituiu o regime de
concesses pelo regime de produo partilhada anterior (o modelo atual-
mente em vigor garante uma participao ampla da Petrobras e de entes
estatais na explorao dos poos, ainda que em parceria com empresas
privadas). Por uma srie de condicionantes do novo modelo, poucas em-
presas se apresentaram, e caso as empresas chinesas no tivessem partici-
pado, avalia-se, o primeiro leilo sob o novo regime teria sido um fracasso
poltico e econmico; especula-se inclusive que a entrada das chinesas foi
pr-acertada entre os governos do Brasil e da China.65

68
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

No novo marco regulatrio foram includos requerimentos sobre o


contedo nacional dos projetos, entre outros requisitos. H uma determi-
nao sobre o percentual mnimo de componentes brasileiros usados na
operao, de 37% na fase de explorao, 55% na fase de desenvolvimento
at 2021 e 59% depois desse ano. Segundo analistas, porm, h dvidas
sobre a capacidade da indstria nacional de suprir as necessidades de
bens e servios de alto valor agregado dos projetos nesses prazos.
Para o setor, na rea de construo de navios petroleiros, por exem-
plo, o Brasil no tem, claramente, como concorrer, em termos de preos e
custos, com a China ou com a Coreia, que dominam o mercado. Por outro
lado, o Brasil vai bem na produo de embarcaes de apoio, plataformas
offshore e navios sonda. Esses so os setores em que o pas tem se estrutu-
rado e desenvolvido melhor e em que tem muita tecnologia embarcada:
seu nicho de mercado.66
O crescimento da industrial naval brasileira em torno de 19,5% ao
ano desde 2000 , somado a investimentos da Petrobrs, consolidou o se-
tor no pas. Aps um primeiro apogeu na dcada de 1970, a indstria naval
sofreu um declnio nos anos 1980 at quase a extino dcada seguinte. O
que impulsionou seu ressurgimento e o que vai sustent-la pelos prxi-
mos 25 anos a explorao de petrleo e gs em alto mar:

a forte retomada dos investimentos das indstrias naval, offshore e de navipeas


a partir dos anos 2000 trouxe impactos importantes sobre a economia brasileira:
forte gerao de emprego e renda; desenvolvimento de uma rede de fornecedo-
res nacionais de insumos, peas e componentes; oportunidades para a expanso
de processos de inovao e de novas tecnologias em produtos e processos; de-
senvolvimento e expanso do segmento de produo de plataformas de explo-
rao e produo de petrleo e de gs offshore; implementao e ampliao de
servios de cabotagem de leo bruto e derivados; aumento da capacidade de
conquista de mercados externos; e efeitos significativos sobre a formao bruta
de capital fixo, entre outros. (IPEA 2014).67

Na cadeia do petrleo, a associao com a China segue uma lgica


elementar. No ltimo perodo, as exportaes do Brasil para a China vm
crescendo na esteira do aumento da participao na produo por parte das
empresas chinesas no pas. Alm disso, em 2010 a China superou os Estados
Unidos, tornando-se o maior mercado para as exportaes de petrleo do

69
O Brasil made in China Parte II

Brasil. Enquanto em 2003 as exportaes de petrleo representavam apenas


0,5% do valor total exportado para a China, em 2013 a porcentagem corres-
pondente foi de 8,7%. No clculo das divisas obtidas com a compensao
financeira pela explorao do Pr-Sal (os royalties) encontram-se hoje an-
coradas as expectativas de recursos para atender a um amplo espectro de
questes sociais do pas atravs do Fundo Social, que destina 50% do valor
arrecadado para educao e para a sade.68
A China o maior mercado importador de petrleo no mundo e o Bra-
sil, apesar do aumento das exportaes para o pas, representa ainda ape-
nas 2% do petrleo importado pela China, o que acena com uma demanda
certa e um gigantesco potencial para o futuro.69 Em tempos de mudanas
climticas e de imperativos civilizacionais para cortar emisses, no entan-
to, chama ateno uma projeo de cenrio onde praticamente nada menos
que a metade da populao brasileira estaria de uma forma ou de outra tra-
balhando em funo do petrleo nos prximos 30 anos!

O trabalho que o Pr-Sal d: o petrleo no imaginrio desenvolvimentista


Segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundao Getu-
lio Vargas (Ibre/FGV), estima-se que os investimentos no Pr-Sal para os prxi-
mos 30 anos movimentem US$ 1,7 trilho (cerca de R$ 3,7 trilhes) no pas.
Para cada R$ 1 bilho investido por ano no Pr-Sal, sero gerados 33,5 mil em-
pregos na fase de explorao e desenvolvimento e 23,8 mil na de operao. Com
expectativa de investimentos da ordem de US$ 700 bilhes (ou R$ 1,5 trilho)
em cada uma das etapas nos prximos 30 anos, chega-se a uma estimativa
de gerao de 87,2 milhes de vagas diretas, indiretas e induzidas at 2043.
As oportunidades de emprego so de nvel superior e tcnico no apenas no
setor de leo e gs propriamente dito, mas tambm em toda a cadeia que ele
movimenta considerando efeitos diretos na cadeia produtiva de petrleo e gs,
impactos indiretos em outros segmentos da economia e aqueles induzidos pelo
aumento da renda dos trabalhadores.70 O Programa de Mobilizao da Inds-
tria Nacional de Petrleo e Gs Natural (Prominp) prev que a demanda por nvel
superior seja, principalmente, de engenheiros e que as categorias profissionais
mais solicitadas de nvel tcnico e mdio sejam de projetista, plataformista e

70
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

auxiliar de movimentao de cargas. Haver, tambm, grande necessidade de


categorias de nvel fundamental, como montador de andaime, mecnico ajus-
tador, caldeireiro, entre outras (gelogos, geofsicos, petrofsicos, engenheiros
de perfurao, gerentes de perfurao, gerentes de contrato, gerentes de enge-
nharia, gerentes de operao e oficiais de nutica. Especialistas sobretudo nas
reas de mecnica, mecatrnica, eletrotcnica, segurana do trabalho e solda.

China na Amaznia
Assim como no petrleo, na gerao e distribuio de energia hi-
dreltrica na Amaznia as estatais chinesas lograram integrar consrcios
vencedores ou adquirir direitos de participao para a execuo de pro-
jetos estruturantes nos rumos da economia e da poltica energtica do
Brasil em mdio e longo prazo.
O principal diferencial dos novos projetos de hidroeletricidade na
regio amaznica a parceria entre estatais brasileiras e chinesas e o fato
de as obras em questo estarem no centro dos maiores conflitos socioam-
bientais no cenrio nacional nos ltimos anos, emblemticos da conduo
do modelo de desenvolvimento e do atropelo, pelo governo, dos processos
de licenciamento ambiental, da questo indgena e seu direito consulta
prvia, em um histrico de violaes da legislao ambiental, dos direitos
das populaes atingidas, da responsabilidade fiscal (no caso da partici-
pao do BNDES), direitos trabalhistas, etc. A oposio a esses projetos,
como a hidreltrica de Belo Monte, no Par, tem gerado grande mobiliza-
o nacional e internacional, e so eles o principal exemplo, na prtica,
das disputas em torno dos interesses e das lgicas que sustentam o desen-
volvimentismo no Brasil; assim como oferecem o melhor exemplo de suas
profundas contradies.
O significado da entrada da China nesses projetos especficos de-
manda sua considerao no marco das macroestratgias de ocupao
71
O Brasil made in China Parte II

do territrio e da escala dos desafios que esses colocam para as lutas,


resistncias e afirmao de alternativas para a regio amaznica.
Em termos de volume de investimento e aporte e expertise tecnol-
gica e operativa para a sua execuo, esses empreendimentos seriam pos-
sveis sem a participao chinesa? O que muda no cenrio com a entrada
chinesa nesses projetos? O que vem caracterizando a atuao dos chine-
ses em projetos na Amaznia? Empresas chinesas pblicas e privadas, as-
sim como bancos chineses, esto submetidos a diretrizes socioambientais
para atuao no exterior.71 Qual a viabilidade de exigir o cumprimento
destas normas? O que significa na prtica para as populaes atingidas?
A parceria na execuo e o aporte de investimento chineses neste
contexto j conflitivo, complexifica os casos e apontam um novo patamar
de questionamento, na configurao da China como scia efetiva do mo-
delo de desenvolvimento brasileiro. O fator China somado s lgicas de
ocupao e disputa sobre os territrios radicaliza o sentido das soberanias
e da pergunta: energia para qu e para quem?
O ano de 2014 marca uma nova etapa dos investimentos da China no
pas, com sua participao em projetos estratgicos de gerao e trans-
misso de hidroeletricidade localizados na regio amaznica. Esse movi-
mento tambm tem sido analisado como fator que consolida o incio de
um novo ciclo do setor eltrico brasileiro, com a entrada da China para
baratear os custos da infraestrutura e acelerar processos.72
No incio de 2014, a estatal chinesa State Grid Corporation of China
(SGCC) integrou oconsrcio vencedor para a construo e operao do li-
nho de transmisso de Belo Monte com 51% de participao, em parceria
com a Eletronorte (24,5%) e Furnas (24,5%), controladas pela Eletrobras.
Outra estatal chinesa, a China Three Gorges Corporation (CTGC),
anunciou a compra de 33,3% de participao para construo e operao
da hidreltrica de So Manoel no rio Teles Pires, na divisa entre Mato
Grosso e Par, com 700 megawatts (MW), outros 33,3 % pertencem a
EDP de Portugal e os 33,3% restantes a Furnas.73 Alm disso, no mbi-
to da celebrao dos quarenta anos de relaes diplomticas entre os
pas foi firmado um acordo de cooperao estratgica na rea de energia
72
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

eltrica entre Furnas e a CTGC para a construo da Usina Hidreltrica


So Luiz do Tapajs (UHE Tapajs), no Par, com 6.133 MW de potncia
instalada,74 a maior usina a ser construda nos prximos cinco anos na
regio e que integra um complexo no qual ainda esto previstas (pelo
menos) mais quatro hidreltricas. Ainda, a CTGC comprou os direitos de
participao de 50% nas hidreltricas de Santo Antnio do Jari e Cacho-
eira Caldeiro, no Amap.
Esses projetos esto entre as prioridades estruturantes para ampliar
a capacidade nacional de gerao de energia eltrica de baixo custo para
alimentar as perspectivas de crescimento e, em especial, de fornecer
energia para novos projetos de minerao na regio amaznica , alm de
integrar, atravs de hidrovias, ferrovias e outras infraestruturas, o territ-
rio expanso da fronteira extrativa (de gros e minrios) e ao corredor
de exportao do Arco Norte, compondo o plano macro de ocupao pro-
dutiva para o conjunto da regio amaznica. O chamado Arco Norte
regio que compreende os estados de Rondnia, Amazonas, Amap, Par
e segue at o Maranho a principal aposta logstica do agronegcio
brasileiro para a prxima dcada, com um complexo de investimentos
porturios e hidrovias dos rios Madeira, Amazonas e Bacia do Tapajs. O
objetivo redirecionar e ampliar o escoamento de gros, sem ter que pas-
sar pelos altos custos de frete at os portos do eixo Sul-Sudeste.
A esse cenrio se soma a execuo da estrada do Pacfico, ou rodo-
via Interocenica, que ligar o noroeste do Brasil ao litoral sul do Peru,
conectando o pas por terra aos mercados andinos, costa oeste e aos
mercados asiticos.
Sobretudo, os projetos anunciados inserem a China com uma partici-
pao privilegiada e estratgica nos planos dos grandes grupos econmi-
cos para ocupao territorial do Brasil e explorao dos recursos naturais,
consolidando a incorporao da fronteira do Arco Norte e marcam um
outro patamar de insero da China no tecido econmico nacional e em
especial sinalizam sua entrada definitiva na regio amaznica.

73
O Brasil made in China Parte II

Arco Norte e o
complexo agromineral
A consolidao do Arco Norte crucial na estratgia de crescimento
do agronegcio brasileiro para a prxima dcada. Segundo a CNA, soja e
milho sero desbravadores da logstica na nova fronteira do Arco Norte e
a tendncia futura que fertilizantes, carnes, derivados de madeira e cana
tambm saiam do pas por essa regio.75 Essa rota de exportao tambm
central nos planos de expanso da fronteira minerria. Alm disso, pode vir
a somar-se, no futuro, ao canal interocenico que a China pretende abrir na
Nicargua, integrando-se assim aos novos fluxos e rotas globais.

RR BELO MONTE
AP
Rio Negro

Rio Solimes
Rio
Amazonas

AM Rod.
Transamaznica MA

Rio Madeira
PA
AC Rio Araguaia Rio Tocantins

RO
TO
JIRAU
MT

Hidreltricas
TELES
PIRES
Portos e terminais
Rodovias
Hidrovias em operao e planejadas
Transmisso de energia
Ferrovias j existentes
Ferrovias em construo
Ferrovias em estudo ou aguardando
licena ambiental

74
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

Na lgica do projeto desenvolvimentista e em uma balana comercial


marcada pelos produtos extrativos e primrios, a diminuio dos custos de lo-
gstica (assim como da eletricidade) so estratgias centrais do governo e do
setor produtivo para aumentar o valor agregado s matrias-primas de exporta-
o. O aproveitamento do potencial hidrogrfico inclui a construo de eclusas
e sua articulao com o setor eltrico para operao do sistema que torna os rios
navegveis e que central na composio do custo e tempo de transporte.
A rota de sada pelo norte inclui a BR-163 e as hidrovias do Tapajs e do
Amazonas nos prximos anos. O marco zero de posta em marcha desta es-
tratgia pode ser identificado com a inaugurao do terminal de embarque da
norte-americana Cargill em Santarm em 2003, antes mesmo do incio das
obras da BR-163 (que s comearam em 2009). Em um processo repleto de ir-
regularidades e falta de transparncia, a empresa iniciou a construo do ter-
minal em 2000, comeou a operar irregularmente desde 2003, sem um Estudo
de Impacto Ambiental (EIA) e s em 2012 (uma dcada depois) conseguiu a
Licena de Instalao (LI) do empreendimento.76 Atualmente (2014) o terminal
est sendo duplicado, o que refora a aposta otimista da empresa, segundo o
diretor de portos da Cargill, Clythio Buggenhout, oficial da reserva com 25 anos
de servio na Marinha do Brasil e entusiasta da logstica pelo norte do pas.77
Para se ter uma ideia da escala que esse movimento representa nos
planos do agronegcio, segundo a Cargill, por exemplo, a previso reduzir
em cerca de 1 mil quilmetros em mdia o frete rodovirio.78 O frete hidrovi-
rio para fluxos de minrios e granis agrcolas em longas distncias metade
do frete ferrovirio e cerca de 1/4 do frete rodovirio. Alm disso, estimativas
do Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento indicam que, anu-
almente, o Brasil desembolsa cerca de R$ 1 bilho para subsidiar o frete
para escoamento da safra agrcola, que transportada em maior proporo
pelo modal rodovirio at os portos das regies sudeste e sul.79
A competitividade e os planos de expanso do complexo da soja (com
todo o potencial de destruio de ecossistemas, impactos sobre os povos ind-
genas, expulso de populaes, concentrao e conflitos de terras, assassinatos
de lideranas comunitrias, alto uso de agroqumicos poluentes, consumo de
gua, etc.) so, em grande parte, dependentes da reduo do custo do frete. Alm

75
O Brasil made in China Parte II

do governo federal j subsidiar o frete rodovirio para o agronegcio, este ser


o grande beneficiado com as hidrovias, pois em funo do complexo agro-
minerrio que elas esto sendo planejadas. A despeito do gigantesco impacto
da imposio desta interconexo do modal hidrovirio na Amaznia, contudo,
no h consulta populao afetada, muito menos uma discusso das implica-
es ambientais sistmicas desses projetos com o conjunto da sociedade.
Assim como a promoo da hidroeletricidade como energia limpa e
renovvel, a transio para o modal hidrovirio das exportaes do agro-
negcio e de outras indstrias extrativas no futuro reforada pelo discurso
de que essa opo integra um plano de reduzir emisses de gases de efeito
estufa decorrentes do desmatamento, da abertura de estradas e do trans-
porte por caminhes, agregando assim vantagens ambientais. Segundo
as Diretrizes da Poltica Nacional de Transporte Hidrovirio (2010),80 esse
meio possibilitaria a reduo das emisses de gases poluentes e, conforme
identificado no Plano Nacional sobre Mudana do Clima (2008), essa redu-
o d-se em termos de emisses evitadas, uma vez que o modal hidrovirio
menos emissor que o rodovirio em unidade de carga transportada.
Ou seja, sob uma lgica falaciosa, afirma-se que no caso da soja seguir
no modal rodovirio em caminhes movidos a diesel, estariam sendo emi-
tidos tais e tais poluentes, mas no caso da soja ser transportada via barcaa,
pela hidrovia, isso diminuir as emisses (que seriam, assim, evitadas em
comparao com o cenrio anterior) e, portanto, representam uma reduo
das emisses de gases de efeito estufa. Esse tipo de raciocnio perverso, pro-
movido no contexto da reduo da complexidade da questo ambiental ao
clima e contabilidade do carbono e das emisses to simplista como,
por analogia, reduzir a questo da alimentao contabilidade das calorias,
excluindo uma discusso de fundo sobre os impactos sistmicos ambientais
e sociais da monocultura da soja, dos transgnicos, dos agrotxicos; e, o que
pior, autoriza a continuao de mais do mesmo sob um verniz verde.
Com relao s hidreltricas e sua conexo com as hidrovias, o Minis-
trio dos Transportes trabalha com o Plano Hidrovirio Estratgico (PHE),
que est definindo as diretrizes gerais para o desenvolvimento do setor, in-
cluindo o estabelecimento de um portflio de investimentos e de diretrizes

76
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

institucionais e regulatrias, com foco nas hidrovias que j acomodam flu-


xos de carga igual ou superior a 50 mil toneladas anuais. Entre estes proje-
tos esto os dos rios Tapajs e Teles Pires.81 Essas hidrovias, por sua vez, j
integram o Plano Nacional de Integrao Hidroviria (PNIH), que consolida
um banco de dados que ir servir de base para a criao de um marco regu-
latrio, incluindo o Plano Geral de Outorgas Hidrovirio, ligado Agncia
Nacional de Transportes Aquavirios (ANTAQ).
Para o segundo mandato, o governo Dilma sinalizou que pretende
avanar nesta rea. Uma das atribuies de Ktia Abreu na pasta da agri-
cultura para o prximo perodo seria buscar uma interlocuo forte com o
Ministrio dos Transportes para discutir logstica. Quanto aos (mega) in-
vestimentos necessrios para os planos do agronegcio, segundo a nova
ministra a sada simples: temos de apostar tudo na privatizao. A pre-
sidente inclusive enviar proposta ao Congresso mudando a legislao de
hidrovias. Temos vrios Mississippi maravilhosos. O correto o governo
fazer as hidrovias e depois concessionar para a iniciativa privada tocar.82
Logo, no horizonte prximo, a concesso privatizao de hidro-
vias, com cobrana pelo uso, outro elemento que entra no clculo e nas
lgicas subjacentes a estes empreendimentos hidreltricos, no sentido
de que a energia fundamental para a movimentao das eclusas pre-
vistas nas hidrovias. Sob a coordenao do Ministrio dos Transportes, o
Grupo de Trabalho GT Eclusas (composto por tcnicos do Ministrio da
Agricultura e Pecuria (MAPA), Ministrio dos Transportes, Secretaria de
Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica, Agncia Nacional de
guas, ANTAQ, Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes
(DNIT), CNA e do Instituto Brasileiro de Minerao) estabeleceu o crono-
grama de implantao e o oramento necessrio para a construo de 62
eclusas prioritrias no Brasil at o ano de 2026.83 A expectativa do setor
de transportes que essas eclusas sejam construdas concomitantemente
aos barramentos. No rio Tapajs, estas eclusas seriam em Chacoro, Jato-
b e So Lus do Tapajs (a hidreltrica que tem participao chinesa), e
no Teles Pires em Cachoeira Rasteira, Colder, So Manoel (onde a China
comprou participao no consrcio), Sinop e Teles Pires.

77
O Brasil made in China Parte II

A hidrovia Tapajs - Teles Pires no contexto da bacia amaznica.


Fonte: Agncia Nacional de Transportes Aquavirios, 16/09/2008.

Segundo os estudos econmicos, entre os corredores hidrovirios, a


hidrovia do Teles Pires-Tapajs a que apresenta maior viabilidade de
retorno (seguida da hidrovia do Tocantins-Araguaia e do Madeira) para
atender as demandas do setor agrominerrio e do redirecionamento de
parte do fluxo de gros e minrios para os portos do Norte (Itaqui, Vila do
Conde, Itacoatiara e Santarm).84
Alm da integrao por rios, os planos de conexo terrestre para am-
pliar os corredores de exportao avanam pela Pan-Amaznia com apoio
chins. Este o caso das empresas Cheng Dong International e a China
Harbour, que assinaram com o Suriname um Memorando de Entendimento
(MoU) de USD $ 6 bilhes para projetos que abrangem um porto de guas
profundas, assim como uma rodovia e ferrovia que vo de Paramaribo (Su-
riname) at Manaus, reduzindo a necessidade de cabotagem ao longo do
litoral da Amaznia.85 Esse projeto no Suriname onde, graas imigrao
recente, quase 10% da populao de origem chinesa um dos maiores
em infraestrutura porturia propostos pela China em toda a Amrica Latina
at o momento, e onde empresas chinesas vm operando a construo.
78
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

No mbito dos atos celebrados pelos 40 anos de relao diplomtica


com o Brasil, e associado ao anncio de investimento chins na infraestrutu-
ra e logstica, os dois pases ressaltaram o grande potencial de oportunidades
de cooperao nas reas de energia e minerao. Para isso, concordaram em
intensificar a cooperao em minerao; estabelecer laos mais estreitos entre
autoridades, instituies governamentais e agncias geolgicas e minerais;
e promover a cooperao em reas como pesquisas geolgicas, prospeco,
explorao, utilizao integrada e explorao sustentvel de recursos mine-
rais, especialmente minrio de ferro, mangans, bauxita, nibio e terras-raras.86
Para tanto, foram firmados um Memorando de Entendimento para coopera-
o em arranjos de financiamento globais entre a mineradora Vale e o Banco
da China, e um Acordo-quadro de cooperao entre a Vale e o Eximbank chi-
ns. Tambm, foi concludo (mas ainda no assinado) um Acordo de coope-
rao na rea geolgica entre o Servio Geolgico do Brasil/Companhia de
Pesquisas de Recursos Minerais e o Ministrio de Terra e Recursos da China,
indicando claramente o acordo entre os pases para ampliar a presena e os
investimentos chineses na minerao em territrio brasileiro.
gua e energia eltrica so fundamentais para a implementao
dos projetos de minerao. Tanto Belo Monte como as hidreltricas dos rios
Tapajs e Teles Pires esto na rea de influncia e diretamente relaciona-
das com importantes e estratgicas provncias minerais e com as frentes de
expanso da minerao. Nesse sentido, a hidreltrica de Belo Monte tem
sido apontada como o projeto que abre de forma definitiva a viabilizao de
minerao em terras indgenas. Ao lado de Belo Monte, na Volta Grande do
rio Xingu, o projeto Belo Sun, de uma mineradora canadense, seria a maior
planta de minerao de ouro a cu aberto do pas.87
O Tapajs, por sua vez, abriga a maior provncia aurfera do Brasil. Ao
garimpo de ouro na regio, que j existe h quase cinquenta anos, somou-se
recentemente tambm o de diamante. Grandes empresas como a Rio Tinto
e a De Beers investiram altas quantias na prospeco na regio, e ainda na
dcada de 1990 a Rio Tinto cobriu uma boa parte do Tapajs com levanta-
mentos aerogeofsicos e com anlise de sedimentos de correntes, mas seus
planos na regio foram abandonados. Nos ltimos anos, porm, houve uma
disparada na descoberta de novos garimpos, e atualmente a regio a gran-
79
O Brasil made in China Parte II

de promessa de fronteira para explorao de diamantes. Dos aluvies que j


estavam sendo lavrados para ouro, so retirados hoje milhares de quilates de
diamantes de altssima qualidade.88 A concentrao das reservas de ouro no
Tapajs ficam claras no mapa das principais provncias minerais brasileiras:

Presidente Figueiredo (AM) Paragominas (PA) Carajs (PA)


Estanho Alumnio Ferro, Ouro, Cobre, Nquel e Mangans

Rondnia (RO) Alagoas (AL)


Estanho Cobre

Sergipe (SE)
Sais de Potssio
Bahia (BA)
Bauxita, Ferro, Vandio,
Agregados, Nquel e Cromo
Itaituba (PA) Pedra Azul/Salto da Divisa (MG)
Ouro Grafita
Governador Valadares (MG)
Gemas
Urucum (MS) Esprito Santo (ES)
Mangans e Ferro Rochas Ornamentais
Cobre Rio de Janeiro (RJ)
Ouro Agregados
Alumnio Gois (GO)
Cobre, Nquel e Ouro Arax (MG) Quadriltero Ferrfero (MG)
Estanho Nibio Ferro, ouro, Mangans e Bauxita
Ferro-Mangans
So Paulo (SP)
Grafita Agregados
Caulim Rio Grande do Sul (RS) Castro (PR)
Nquel Ametista e Agregados Talco
Carvo Cricima (SC)
Agregados Carvo

Fonte: IBRAM - 2012

A China tem grande interesse na minerao de ouro. Alm de j ser o


maior produtor de ouro no mundo, detm a segunda maior reserva monetria
em ouro fsico no planeta. Nos ltimos anos, assumiu o posto de maior com-
prador internacional do metal, em parte para se contrapor hegemonia do
dlar, acumulando reservas em ouro, universalmente aceito como equiva-
lente de valor, e preparando-se em estoque para uma nova ordem monetria.
O dlar continua sendo a moeda universalmente aceita e a espinha dorsal
do comrcio internacional, e ningum espera que o mundo volte ao padro-
-ouro do ps-guerra. Mas emblemtico da aposta chinesa em uma viso de
80
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

longo prazo e que apontam que h indicativos de mudanas estruturais j


em curso.89 Por exemplo, o recente acordo energtico entre Rssia e China
aponta que nos prximos trinta anos cerca de US$ 400 bilhes de gs natural
da Sibria sero exportados para a China j em 2018 aproximadamente 25%
da demanda energtica da China estar sendo coberta por este aporte. Alm
disso, a construo do projeto, um dos maiores em infraestrutura do mundo,
ir abrir Rssia acesso a outros pases asiticos. O grande diferencial deste
movimento entre pases BRICS que todas as transaes sero em yuans e ru-
blos e no em dlares. Esse um enorme passo geopoltico e sinaliza profun-
das transformaes na hegemonia dos petrodlares nas prximas dcadas.90
O novo marco legal que regula a minerao no Brasil, ainda pendente
de aprovao pelo Congresso Nacional, atualiza o Cdigo de Minerao de
1967, flexibilizando as condies de acesso lavra.91 Entre as modificaes
introduzidas pelo novo marco est o instituto da Autorizao de Lavra,
destinado a extrao de minrios independente da realizao de pesquisa
mineral prvia (revogando o atual Regime de Licenciamento);92 a proposta
tambm cria reas Especiais de Minerao, para pesquisa mineral e lavra,
em reas que contenham minerais considerados estratgicos para o Pas.
Entre os objetivos do novo cdigo est o de aumentar a participao go-
vernamental nas receitas; em especial, aumentar a receita dos estados e mu-
nicpios advinda da Compensao Financeira pela Explorao de Recursos
Minerais (CFEM), cuja base de clculo passaria a ser sobre a receita bruta da
venda ao invs do faturamento lquido. O Novo Cdigo tambm acaba com o
direito de prioridade e o regime de autorizao e concesso, substitudo por
um regime de licitao para reas selecionadas pelo Conselho Nacional de
Pesquisa Mineral, rgo a ser criado, e pela chamada pblica (quando o par-
ticular formalizar interesse nas reas restantes). Em seu conjunto, o projeto
formaliza uma poltica econmica intervencionista e desenvolvimentista.
Contudo, o principal ponto do novo cdigo a minerao em terras
indgenas, cuja regulao est pendente desde a promulgao da Constitui-
o Federal de 1988. Segundo dados de 2013, h atualmente 104 processos
titulados e 4.116 interesses minerrios, que incidem (nas diversas fases em
que se encontram) sobre 152 terras indgenas.93 Tambm est pendente no

81
O Brasil made in China Parte II

Congresso a aprovao do Projeto de Lei 2.057, de 1991, o Novo Estatuto


das Sociedades Indgenas, que atualiza o Estatuto do ndio (de 1973) e que,
entre seus dispositivos, trata sobre a regulao de atividades econmicas
em terras indgenas (TIs); dentro dessa proposta de lei, todas as atividades
econmicas dentro de TIs teriam de ser discutidas pelas organizaes ind-
genas e lideranas escolhidas por suas comunidades na Comisso Nacional
de Poltica Indigenista (CNPI) e no (a ser criado) Conselho Nacional de Pol-
tica Indigenista, contando, alm disso, com um marco legal de proteo es-
pecfica dos direitos indgenas frente atividade minerria (o Projeto de Lei
1.610, de 1996, que regulamenta a minerao em terras indgenas, tramita
h quase duas dcadas sem ser aprovado, enquanto os avanos nas novas
regras para minerao s atendem os interesses do setor da minerao). De
acordo com o Departamento Nacional de Produo Mineral (DNPM), s no
estado de Roraima, onde h grande incidncia de atividades ilegais em terra
indgena, so mais de 250 pedidos na fila para lavra nestes territrios.
De modo geral, direitos que foram arduamente conquistados ao longo
do processo de redemocratizao do pas, e seguem sendo arduamente defen-
didos e reivindicados sob o Estado de Direito (rule of law), vm sofrendo um
sistemtico desmonte em funo das demandas de acelerar o crescimento e
criar condies para atrair investimentos e promover o desenvolvimento.

O linho de Belo Monte: a


Pan-Amaznia como fronteira
hidroeltrica mundial
Para sustentar a lgica de crescimento contnuo, o Brasil assim como
a China enfrenta o desafio de trazer grandes blocos de energia de pontos
82
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

distantes do seu territrio at os principais centros de consumo. Isso corres-


ponde, em ambos os pases, urbanizao e concentrao da populao em
grandes conglomerados urbanos em uma parte do territrio. Tambm confi-
gura a exacerbao, no plano nacional, das contradies internas do desen-
volvimento, onde a acumulao de algumas regies se sustenta na extrao e
apropriao de recursos de outras, o que reproduz no interior do pas relaes
de subordinao, colonialismo e de centro e periferia. Alm disso, um sistema
energtico centralizado um componente-chave do discurso da segurana
energtica sob controle do Estado, na contramo do que seria uma poltica
de descentralizao, diversificao das fontes e autonomia local tendo em
vista a busca de soberania energtica dos territrios e das populaes.

RR AP SUBESTAO
XINGU
PA
Belm

Xingu
Altamira

AM Rio Xingu
MA CE RN
Parauapebas
USINA DE PI PB
BELO MONTE
PE

AL
Palmas SE
TO
BA
MT
Campos Belos
GO
Braslia
Goinia Una

MG
SUBESTAO
ESTREITO Patrocnio ES
MS
SP Belo
Horizonte
Ribeiro
Preto
PR So Paulo

Fonte: State Grid Brazil Holding.94


83
O Brasil made in China Parte II

A construo do linho de Belo Monte ser o primeiro grande in-


vestimento da State Grid Corporation of China (SGCC) em pases no
asiticos.95 Fundada em 2009, a estatal SGCC dona de mais de 200 mil
quilmetros de linhas de transmisso no territrio chins. a stima
maior empresa do mundo segundo a Fortune 500, com quase 850 mil
funcionrios e responsvel pela distribuio de energia a 80% do terri-
trio chins. A SGCC (com 51% de participao) venceu o leilo integra-
do por Furnas (24,5%) e Eletronorte (24,5%) com uma oferta de Receita
Anual Permitida (RAP) de R$ 434,647 milhes, valor 38% menor do que
o mximo estabelecido pela Aneel, de R$ 701 milhes. Porm a maior
parte do investimento para a construo do projeto vir do Brasil: dos
R$ 5 bilhes previstos, 55% deve ser financiado pelo BNDES e 10% pela
SGCC. O consrcio vencedor avalia ainda outras modalidades de finan-
ciamento, como a emisso de debntures.
A primeira linha de transmisso da energia de Belo Monte ter ori-
gem na Subestao Xingu, situada no Par (prxima a Altamira), e trmi-
no na Subestao Estreito, estado de Minas Gerais, quase divisa de So
Paulo: ter aproximadamente 2.100 km e ser construda com mais ou
menos 4.600 torres. Por ser em corrente contnua, funcionar como uma
linha de transmisso expressa; ou seja, no ter subestaes intermedi-
rias. As duas subestaes terminais sero conversoras que transformaro
a corrente contnua 800 kV em corrente alternada 500 kV.
Para os chineses, a presena no projeto de Belo Monte estrat-
gica porque lhes credencia com experincia e expertise em seu poten-
cial de participar no aproveitamento hidreltrico em outros projetos
da Pan-Amaznia. Em curto prazo, lhes interessa porque torna o con-
srcio State Grid/Eletrobras o favorito para vencer o leilo da segunda
linha que compe o sistema de transmisso da usina de Belo Monte
(ainda no licitado) e que consiste em uma linha de 800 kV, partindo de
Xingu at Nova Iguau (RJ). Por isso, a empresa no v a primeira linha
de transmisso como um investimento isolado, mas parte do sistema
de Belo Monte como um todo. A possibilidade de implementao dos
dois empreendimentos quase que simultaneamente traria ganhos de
escala e reduo de custos global.
84
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

O pas fornece hoje energia eltrica ao custo mais baixo do mundo,


US$ 40 (quarenta dlares) o megawatt, sendo que possui o terceiro maior
potencial hidroeltrico mundo, estimado em 260 GW e tendo explorado
apenas cerca de um tero desse total (enquanto pases como Frana e Ale-
manha que j exploraram a quase totalidade de seus potenciais hdricos).96
O custo final da energia e operacionalizao do sistema de Belo Monte
a principal aposta na consolidao da Amaznia como grande fronteira
hidroeltrica mundial na prxima dcada.
A aposta otimista na tecnologia como soluo para os problemas
ambientais e sociais um componente crucial desse projeto, que com-
pe um dos elementos centrais do imaginrio desenvolvimentista. A re-
duo das perdas de energia no processo de transmisso supostamente
obtidas atravs da tecnologia de ultra-alta tenso dominada pela Sta-
te Grid foi o fator determinante para o consrcio oferecer o desgio de
38% que lhe permitiu vencer sem concorrncia o leilo.97 A tecnologia
a grande aposta de eficincia energtica e da estratgia do Brasil de
tornar mais verde e reduzir a pegada de carbono da matriz eltrica
nacional. A China tambm aposta na massificao desta tecnologia de
ultra-alta voltagem como trunfo na implementao de smart grids com
fins de reduzir (ou evitar) emisses.
Do ponto de vista brasileiro, o principal aspecto estratgico da
parceria da Eletrobras com a State Grid avanar na fronteira tecno-
lgica. O linho de Belo Monte vai estrear no Brasil a transmisso em
corrente contnua (CC) com uso de uma nova tenso: 800kV, que s
tem precedentes na China, onde j existem linhas em Ultra Alta Tenso
(UAT).O que mais se aproxima deste padro Itaipu, com um sistema
de transmissode 765 k. Inclusive, o sistema de transmisso de Itaipu
foi a inspirao para o desenvolvimento dessa tecnologia, estudada por
engenheiros chineses para o desenvolvimento da UAT. A UAT foi uma
tecnologia proposta pela State Grid, assim como todas as especificaes
e padres tcnicos. A grande aposta nessa tecnologia a reduo das
perdas tcnicas de energia na fase de transmisso, e com isso minimizar
as perdas globais desde a usina at os centros consumidores (atualmen-
te, cerca de 15% da energia produzida no pas acaba desperdiada antes
85
O Brasil made in China Parte II

de chegar ao consumidor no trajeto que envolve transmisso e distribui-


o). Dependendo do nvel de tenso e detalhes da construo, as perdas
de transmisso em corrente contnua so estimadas em cerca de 3,5%
por cada mil quilmetros (normalmente as perdas na linha CC, com os
mesmos nveis de tenso, so 30-40% menores do que com as linhas de
corrente alternada).98 Na lgica de promover emisses evitadas, no
ser surpresa se no futuro prximo se contabilizem como reduo as
emisses que poderiam estar sendo emitidas caso o linho no utili-
zasse esta tecnologia. Contudo, a questo aqui outra: no so os meios,
mas os fins. Por analogia poderamos perguntar: qual o ganho ecolgi-
co de uma cadeira eltrica abastecida por energia solar?
Em parceria com a State Grid, o centro de pesquisa da Eletrobras
passar a testar equipamentos em correntes alternadas e contnuas mais
elevadas, de at 1100 kv, avanando na fronteira do conhecimento em
tecnologia da energia eltrica no mundo.99 Quanto ao fornecimento dos
equipamentos, a parceria no fornecimento de equipamentos para subes-
taes ser com a alem Siemens, que fechou com o consrcio vencedor
o contrato de cerca de R$ 2 bilhes, alm da ABB e Alstom. Alguns forne-
cedores chineses dominam a tecnologia ultra-alta tenso, mas segundo
a State Grid, s ser importado o que no for produzido no Brasil: pela
negociao feita com os fornecedores, todos os equipamentos necessrios
e que tm fabricao no Brasil, sero comprados da indstria brasileira; de
acordo com a Eletrobras, os equipamentos que ainda no so inteiramen-
te fabricados no Brasil, vo ter mais de 60% de grau de nacionalizao.100
De acordo com o contrato de concesso, a operao do empreendimento
deve comear no incio de 2018. Para isso, ainda faltam as licenas am-
bientais e a expectativa da empresa que a licena de instalao seja ob-
tida at agosto de 2015.101

86
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

Amaznia e capitalismo
de fronteira
A flexibilizao da legislao ambiental (como a para licenciamento e
tratamento dos passivos) e o retrocesso nos direitos sociais, submetidos ao
interesse nacional dos projetos de desenvolvimento, reforam a caracteri-
zao da Amaznia como fronteira social e jurdica. E na lgica do capi-
talismo de fronteira, a incorporao e subjugao dos povos e territrios.
No Brasil, o processo histrico de constituio da fronteira reflete v-
cios intrnsecos da nossa sociedade, na qual o principal trao estruturante
seria a negao alteridade do outro.102 Na histria brasileira, grupos sociais
(e tnicos) tiveram sua alteridade negada por no serem reconhecidos como
iguais, ou mesmo como sujeitos, na medida em que no compartilham os
mesmos projetos e mesmas aspiraes dos grandes grupos econmicos, da
burocracia estatal, e em toda forma de manifestao do Estado e dos inte-
resses a ele associados. O que decorre dessa percepo, na qual o outro no
e no pode ser outro, a violncia real e simblica perpetrada para, de
fato, subtrair fisicamente a alteridade ou oposio dinmica de desenvol-
vimento central. noo de fronteira como ponta da histria, fetichizada
com uma dimenso modernizadora e transformadora da sociedade, con-
trape-se uma noo de fronteira como encontro de foras desiguais, em
que as vtimas so os povos indgenas, ribeirinhos, pequenos agricultores,
sertanejos, posseiros e migrantes em busca de terra. No caso da Amaznia,
nas frentes pioneiras do capitalismo de fronteira, a escravido por dvida
ou peonagem constitui um dos elementos da acumulao primitiva no in-
terior da reproduo ampliada do capital. Uma peculiaridade da situao
de fronteira no Brasil que ela reflete a modalidade do desenvolvimento
capitalista em nossa sociedade que, diversamente do que ocorreu em outras
sociedades capitalistas, depende acentuadamente da renda da terra para
assegurar a sua reproduo ampliada, fazendo uso da violncia sistemtica
como parte constitutiva desse processo.
87
O Brasil made in China Parte II

No sculo XXI, essa fronteira passa a incorporar todos os mbitos e


dimenses das foras produtivas da natureza, da interveno e captura do
pulso dos rios para assegurar a gerao hidroeltrica, imobilizao de ter-
ritrios para projetos de sequestro de carbono, atrelados emisso de ttulos
financeiros. A violncia sistemtica intrnseca lgica de fronteira, alm de
executar a eliminao fsica do outro, opera tambm no plano simblico.103
A negao do outro, caracterstica do avano da fronteira sobre as
populaes locais, trao constitutivo de estruturao da sociedade bra-
sileira e de um ideal profundamente enraizado de desenvolvimento na-
cional e de projeto de pas, se amplia e atualiza com a investida desde o
Brasil para a integrao amaznica. Na sanha desenvolvimentista e civi-
lizadora que segue impulsionando o controle territorial, a modernizao
depende intrinsecamente da submisso de outras formas sociais (assim
como da escravido e do trabalho degradante) que caracterizam essas
grandes empreitadas nacionais, atravs dos chamados grandes projetos
na Amaznia brasileira.104

A integrao sistemtica da regio Norte economia nacional e as demais re-


gies do pas comea com a construo da rodovia Belm-Braslia, BR-010, ini-
ciada em 1958, no governo de Juscelino Kubitschek, coordenada por Bernardo
Sayo o bandeirante do sculo XX.105 No incio da dcada de 1970, o Programa
de Integrao Nacional (PIN), proposto pelo Governo Federal, previa a constru-
o do primeiro trecho da rodovia Transamaznica (BR-230, cortando transver-
salmente os estados do Par e Amazonas). Em 1973, no auge do milagre eco-
nmico e do governo militar foi inaugurada a rodovia Cuiab-Santarm, BR-163
ligando as regies Centro-Oeste e Norte ao Sul e Sudeste. Ao longo de algumas
rodovias pretendia-se implantar assentamentos de trabalhadores para a produ-
o agrcola, denominados de agrovilas, cujo objetivo era atrair populao do
Nordeste e das grandes cidades; o que se assistiu foi desmatamento, migraes
desordenadas e violncia. Na dcada de 1970 tambm foi criada a Eletronorte,
com o objetivo de aproveitar o potencial da regio para a produo de energia hi-
dreltrica. A maior das usinas hidreltricas da Regio Norte (e a segunda maior
do Brasil) a de Tucuru, situada na regio do Projeto Grande Carajs.

88
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

Em um segundo momento a produo de energia eltrica favoreceu a implan-


tao de grandes projetos de explorao mineral, montados em verdadeiras
cidades-empresas (company-towns) construdas no interior da floresta. Cria-
dos por meio de associaes de empresas (joint-ventures) com capitais esta-
tais e privados, nacionais e multinacionais, os grandes projetos contriburam
para internacionalizar de fato grandes extenses de territrio na Amaznia.
Exemplos desses territrios dos projetos seriam o Projeto Jari, no Amap;
a Minerao Rio Norte e o Projeto Grande Carajs, estes ltimos no Par.
Alm destes, recentes projetos dentro do Programa de Acelerao do Cres-
cimento (PAC), em que esto hidrovia (Araguaia-Tocantins, para a escoar a
soja ), hidreltricas (Balbina, ampliao de Tucuru, alm de Jirau, no Rio
Madeira e Belo Monte, no rio Xingu, ambas afetando terras indgenas de-
marcadas e povos indgenas isolados), reflorestamento de milhes de
hectares com monoculturas de rvores exticas (Distrito Florestal de Ca-
rajs, para carvo vegetal sustentvel), concesses de explorao priva-
da sobre florestas, etc. Em conjunto, esses empreendimentos vo em seu
entorno criando territrios e ncleos de urbanizao e organizao social
inteiramente dependentes e subjugados ao projeto.

Ao longo das ltimas dcadas, o Brasil parece no ter encontrado


uma forma de reconhecer a Amaznia e seus povos como seu outro,
cuja alteridade reiteradamente negada na forma mais radical, e as
reivindicaes sobre autodeterminao, consulta e participao seguem
sendo percebidos na viso dominante como um entrave ao crescimento
econmico, ao desenvolvimento e conquista (produtiva) da fronteira
amaznica como afirmao definitiva de soberania nacional, reiterando
assim os processos de colonizao (e colonialidade) internos ao pas.
O papel que o Brasil representa com a China como nova scia
nessa conquista tem reflexos e responsabilidades para alm do mbito
nacional: a ocupao do territrio Pan-amaznico se caracteriza hoje
como a maior fronteira agrominerria do planeta. Apesar de estar sendo
definida por macroestratgias do capital global, esta ocupao segue
89
O Brasil made in China Parte II

tendo instncias de planejamento e deciso desde o Brasil, de sua


insero estratgica, que para atender interesses como do agronegcio
sojeiro, se colocam como definidoras do destino de ecossistemas, povos
e culturas de toda a Amaznia.

NOTAS

1. Disponvel em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-importa-ate-


feijao-preto-da-china,115612e>, acessado em 20/12/2014.
2. Em termos bilaterais, a relao com o Brasil a mais importante do continente, embora
a China exporte mais para o Mxico. Disponvel em: <http://www.thedialogue.org/page.
cfm?pageID=32&pubID=3491>, acessado em 20/12/2014. Todos os dados desta seo:
MDIC, Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio (2014). Disponvel em:
<http://www.brasilglobalnet.gov.br/ARQUIVOS/IndicadoresEconomicos/INDChina.pdf>,
acessado em 20/12/2014.
3.  isponvel em: <http://www.mdic.gov.br/portalmdic/sitio/interna/noticia.php?area=
D
5&noticia=9041>, acessado em 20/12/2014.
4. Nesse perodo, as exportaes cresceram 119,1% e as importaes, 134,4%. O saldo da balana
comercial, favorvel ao Brasil em todo o perodo, registrou supervit de US$ 8,7 bilhes.
5. Fonte: China Global Investment Tracker/Heritage Foundation. Disponvel em: <http://
www.aei.org/publication/chinese-global-investment-growth-pauses/>, acessado em
20/12/2014. O principal destino os Estados Unidos, com US$ 67.9 bilhes, seguido da
Austrlia, com $ 59.8 bilhes, e Canad, com US$ 39.3 bilhes. Entre os dez maiores
destinos dos investimentos no exterior, apenas o Peru (alm do Brasil) outro pas da
regio latino-americana a integrar a lista, com US$ 16.4 bilhes. O levantamento s leva
em conta investimentos de mais de US$ 100 milhes e no inclui ttulos pblicos.
6. Newsleter IBRAM (Instituto Brasileiro de Minerao), ano V, n. 37, setembro de 2010, p 4.
7. Disponvel em: <http://www.schindler.com/com/internet/en/about-schindler.html>,
acessado em 20/12/2014.
8.  ntes disso, em 1961, o governo brasileiro iniciou um processo de aproximao com a
A
Repblica Popular da China com a viagem de uma misso comercial brasileira, liderada
pelo vice-presidente Joo Goulart. Porm, com o golpe militar em 1964, uma misso
comercial chinesa que estava no Brasil presa, gerando um retrocesso na aproximao.
9.  isponvel em: <http://www.cbers.inpe.br/sobre_satelite/introducao.php>, acessado em
D
20/12/2014.
10. Disponvel em: <www.dgi.inpe.br/CDSR>, acessado em 20/12/2014.
11. Disponvel em <http://www.cbers.inpe.br/noticia.php?Cod_Noticia=1276>, acessado em
20/12/2014.
12. O SDR o ativo de reserva internacional emitido pelo FMI. Criado em 1969 para suplementar
as reservas oficiais dos pases membros e cujo valor reflete uma cesta de moedas composta
hoje apenas pelo dlar americano, o iene, a libra esterlina e o euro. Na prtica, o SDR a moeda
do FMI. Na composio atual da cesta, limitada apenas quelas quatro moedas, o FMI levou

90
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

em conta apenas dois critrios: o valor das exportaes de bens e servios nos ltimos 12
meses que antecederam a data da reviso e o valor das reservas internacionais denominadas
naquelas moedas pelos outros pases membros do FMI. Nas revises da composio da cesta,
variam a proporo do peso de cada uma das quatro moedas fortes, mas no a incluso de
moedas novas. Chegou-se a especular, antes da ltima reviso, que as chamadas moedas
commodities, de pases grandes exportadores de matrias-primas, seriam includas na cesta,
em particular o dlar australiano, o dlar neozelands e o dlar canadense. Isso porque, at
h pouco tempo, as discusses centravam apenas no quo grande, em termos de liquidez,
teriam de ser essas moedas para incluso na cesta, alm de variveis como a participao delas
no comrcio internacional e quo conversveis elas teriam de ser. Alm da reviso da cesta,
est em curso ainda uma discusso sobre um novo papel que o SDR deveria desempenhar no
sistema monetrio internacional a exemplo da emisso de bnus pelo FMI denominados em
SDR. Entre os tpicos, discute-se, por exemplo, se o SDR deveria ter uma participao maior
nas reservas internacionais de cada pas. Disponvel em: <http://epocanegocios.globo.com/
Revista/Common/0,,ERT278519-16357,00.html>, acessado em 20/12/2014.
13.  hina, Brazil sign trade, currency deal before BRICS summit . Disponvel em: <http://
C
uk.reuters.com/article/2013/03/26/uk-brics-summit-idUKBRE92P0FT20130326>,
acessado em 20/12/2014.
14.  isponvel em: <https://www.g20.org/sites/default/files/g20_resources/library/g20_note_
D
global_infrastructure_initiative_hub.pdf>, acessado em 20/12/2014. Ver tambm <http://
www.globalinfrastructureinitiative.com/>, acessado em 20/12/2014.
15.  isponvel em: <https://www.g20.org/g20_priorities/g20_2014_agenda/strengthening_
D
energy_markets>, acessado em 20/12/2014.
16. O Acordo, uma proposta encabeada pelos EUA, no foi unnime e no teve valor legal: os
pases membro da negociao apenas tomaram nota do seu contedo. Contudo, foi um
passo decisivo para salvar do fracasso perante a mdia e a opinio pblica, uma vez que o
momentum que foi criado poca na expectativa da Conferncia de Copenhague produziu
grandes expectativas de que seria fechado um acordo global para o clima, o que nas condies
imediatas ps-crise de 2008, no teria sido possvel. O Acordo de Copenhague, criticado por ser
uma espcie de golpe no que vinha sendo negociado sob a norma do consenso at ali, permitiu
dar novo flego e abrir uma nova expectativa temporal e poltica para um acordo climtico.
17.  lm disso, o conselho conta com 10 membros no permanentes, eleitos para mandatos de
A
dois anos, mas que no possuem direito ao veto de propostas.
18.  m uma esperada reforma, para a qual h presso em novas regras definidas at 2015,
E
pleiteiam um assento permanente alm do Brasil, a ndia, a Alemanha e o Japo.
19.  onsiderando que a extrao de recursos naturais o elemento em comum no corao
C
da redefinio das estratgias de desenvolvimento na regio, a interface entre direitos
humanos e a questo ambiental, direito consulta prvia, assim como o direito
autodeterminao esto instalados hoje no cerne da tenso entre os movimentos sociais
e povos indgenas e populaes tradicionais que resistem e se opem aos projetos de
minerao, petrleo e gs, hidroeltricas, rodovias e agroexportao e s aes dos
governos progressistas na Amrica Latina que promovem tais iniciativas.
20.  oito Jr, Armando. E Galvo, Andria (orgs.) (2012). Poltica e classes sociais no Brasil dos
B
anos 2000. Ed. Alameda, So Paulo.
21.  erringer, Tatiana (2014). Bloco no poder de poltica externa nos governos FHC e Lula. Tese
B
de doutorado em Cincia Poltica, IFCH/UNICAMP. Disponvel em: <http://www.ifch.
unicamp.br/informacoes/arq_eventos_noticias/a90s_Tatiana%20Berringer%20de%20
Assump%C3%A7%C3%A3o.pdf>, acessado em 20/12/2014.
22.  a 8 edio do Ranking das Multinacionais Brasileiras 2013. O estudo anual traz um

panorama detalhado da internacionalizao das empresas brasileiras. Na edio de

91
O Brasil made in China Parte II

2013, a pesquisa tambm avaliou os impactos da poltica externa brasileira no processo


de internacionalizao das empresas. Disponvel em: <http://www.fdc.org.br/imprensa/
Documents/2013/ranking_multinacionais_brasileiras2013.pdf>, acessado em 20/12/2014.
23. Schneider, Ben Ross (2013). O Estado desenvolvimentista no Brasil: perspectivas histricas
e comparadas. IPEA, textos de discusso. Disponvel em: <http://repositorio.ipea.gov.br/
bitstream/11058/2034/1/TD_1871.pdf>, acessado em 20/12/2014.
24. Disponvel em: <http://epocanegocios.globo.com/Revista/Common/0,,ERT206966-16642,00.
html>, acessado em 20/12/2014.
25.  isponvel em: <http://www.fdc.org.br/imprensa/Documents/2013/ranking_multinacionais_
D
brasileiras2013.pdf>, acessado em 20/12/2014.
26. Luce, Mathias Seibel (2011). A teoria do subimperialismo em Ruy Mauro Marini: contradies
do capitalismo dependente e a questo da reproduo do capital: a histria de uma categoria.
UFRGS, Porto Alegre (tese doutorado); Bueno, Fbio e Seabra, Raphael (2009). A teoria do
subimperialismo brasileiro: notas para uma (re)discusso contempornea. Mimeo. Disponvel
em: <http://www.rosa-blindada.info/b2-img/Lateoradelsubimperialismobrasilero.pdf>,
acessado em 20/12/2014.
27.  Iniciativa de Integrao da Infraestrutura Regional Sul-americana, mais conhecida
A
como IIRSA, foi um processo multissetorial para desenvolver e integrar as reas de
transporte, energia e telecomunicaes da Amrica do Sul, em dez anos. O plano foi criado
oficialmente em 2000, durante a Reunio dos Presidentes da Amrica do Sul, em Braslia,
com a finalidade de integrar fisicamente a regio. A base do planejamento de dez Eixos
de Integrao da Amrica do Sul que abrangem faixas geogrficas de vrios pases que
concentram ou possuem potencial para desenvolver bons fluxos comerciais, visando
formar cadeias produtivas e assim estimular o desenvolvimento regional. Disponvel
em: <http://www.riosvivos.org.br/Canal/IIRSA/214>, O Conselho Sul-Americano
de Infraestrutura e Planejamento (COSIPLAN) um rgo da Unio das Naes Sul-
Americanas (UNASUL). Foi criado em agosto de 2009, durante encontro presidencial da
UNASUL, quando foi decidida a substituio do Comit de Direo Executiva do IIRSA, por
um conselho em nvel de Ministros. Uno de los desafos ms relevantes que los Presidentes
de Amrica del Sur le presentan al COSIPLAN es lograr apoyo poltico y condiciones de
financiamiento viables para los proyectos de laCartera de Proyectos para la Integracin
de la Infraestructura Regional Suramericana(Cartera de Proyectos del COSIPLAN), y en
particular para suAgenda de Proyectos Prioritarios de Integracin (API). La Cartera del
COSIPLAN est compuesta por proyectos de transporte, energa y comunicaciones que
promuevan la conectividad regional y generen desarrollo econmico y social sustentable
para Amrica del Sur. La conformacin original de la Cartera de Proyectos se produjo
en 2004 como parte del trabajo de la Iniciativa IIRSA, y fue atravesando sucesivas
actualizaciones como resultado de la profundizacin del proceso de planificacin
territorial. En 2010 se realiz el ltimo ejercicio de actualizacin en el marco de IIRSA y
en junio de 2011 el primero en el marco del COSIPLAN.Disponvel em: <http://www.iirsa.
org/Page/Detail?menuItemId=32>, acessado em 20/12/2014. De l para c o COSIPLAN
definiu um Plano de Ao Estratgica para os prximos 10 anos e elaborou uma Agenda
Prioritria de Projetos, que funcionaro como indutores da integrao da infraestrutura
regional, estratgica para o desenvolvimento sul-americano. Disponvel em: <http://www.
planejamento.gov.br/ministerio.asp?index=10&ler=t9226>, acessado em 20/12/2014.
28.  isponvel em: <http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,parecer-da-agu-restringe-
D
compra-de-terra-por-estrangeiro-imp-,590099>, acessado em 20/12/2014.
29.  isponvel em: <http://economia.uol.com.br/noticias/valor-online/2014/05/29/cna-defende-
D
compra-de-terras-por-estrangeiros.htm>, acessado em 20/12/2014.
30.  isponvel em: <http://www.abrapa.com.br/noticias/Paginas/China-troca-infraestrutura-
D
por-graos-na-America-do-Sul.aspx>, acessado em 12/01/2015.

92
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

31.  isponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/01/1570557-nao-existe-mais-


D
latifundio-no-brasil-diz-nova-ministra-da-agricultura.shtml>, acessado em 12/01/2015.
32.  isponvel em: <http://revistadinheirorural.terra.com.br/secao/agroeconomia/aos-olhos-
D
da-china>, acessado em 20/12/2014.
33.  ados referentes a 2010. Disponvel em: <http://www.informaecon-fnp.com/>, acessado
D
em 12/01/2015.
34.  isponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/7/21/brasil/18.html>, acessado
D
em 12/01/2015.
35.  odrigues, R. Rumos do agronegcio brasileiro. Folha de So Paulo, 27 de setembro de 2012.
R
Disponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/6850>, acessado em 20/12/2014.
36.  m 2013, a corrente comercial entre os dois pases totalizou, US$ 83,3 bilhes (as
E
exportaes brasileiras somaram US$ 46,0 bilhes e as importaes advindas do pas
asitico totalizaram US$ 37,3 bilhes).
37. D
 isponvel em: <http://economia.terra.com.br/operacoes-cambiais/operacoes-empresariais/
saiba-por-que-a-soja-do-brasil-depende-da-china-e-vice-versa,47f80427679fd310VgnV
CM20000099cceb0aRCRD.html>, acessado em 20/12/2014.
38.  isponvel em: <http://www.brasilglobalnet.gov.br/ARQUIVOS/IndicadoresEconomicos/
D
INDChina.pdf>, acessado em 20/12/2014.
39.  orras, S M.; Franco, J C.; Isakson, R; Levidow, Pietje (2014).Towards Understanding the
B
Politics of Flex Crops and Commodities: Implications for Research and Policy Advocacy. Think
Piece Series on Flex Crops & Commodities (1). Amsterdam: Transnational Institute (TNI).
Disponvel em: <http://www.tni.org/briefing/politics-flex-crops-and-commodities>,
acessado em 12/01/2014.
40.  isponvel em: <http://www.revistacafeicultura.com.br/index.php?tipo=ler&mat=30741>,
D
acessado em 12/01/2015.
41. D
 isponvel em: <http://economia.terra.com.br/operacoes-cambiais/operacoes-empresariais/
saiba-por-que-a-soja-do-brasil-depende-da-china-e-vice-versa,47f80427679fd310VgnV
CM20000099cceb0aRCRD.html>, acessado em 20/12/2014.
42.  isponvel em: <http://www.noticiasagricolas.com.br/dbarquivos/relatorio-usda-02.2014.
D
pdf>, acessado em 20/12/2014.
43.  isponvel em: <http://mercadofoco.apexbrasil.com.br/china/informacoesestrategicas/
D
macroindicadores/oportunidades/agronegocios-alimentos-e-bebidas>, acessado em 20/12/2014.
44.  cido de glifosato uma glicina N-fosfonometlica, que apresentada na forma de um
O
p branco e esbranquiado. Esse produto utilizado na fabricao de formulaes de
herbicidas lquidos ou slidos (glifosato formulado). A partir da reao do cido de glifosato
com monoisopropilamina obtido o sal de glifosato com 62% de pureza, que dever ser
posteriormente misturado com gua e surfactantes. Os surfactantes so utilizados para
melhorar a distribuio do produto na plantao, espalhar o produto nas folhas de maneira
uniforme e abrir os poros das folhas para facilitar a penetrao do produto at atingir a
seiva da planta.
45. D
 isponvel em: <http://www.overseasagro.com/pt/2014/04/cae-12-el-precio-de-
importacion-del-glifosato/>, acessado em 20/12/2014.
46.  rocesso MDIC/SECEX-RJ 52100-008067/2001-57. Disponvel em: <http://www.aenda.
P
org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=187:carta-aberta-ao-setor-
agricola&catid=40&Itemid=162>, acessado em 20/12/2014.
47. D
 isponvel em: <http://www.cade.gov.br/plenario/Sessao_359/Pareceres/ParecerSeae-
2003-08012-003427-Monsanto-Agripec.pdf>, acessado em 20/12/2014.

93
O Brasil made in China Parte II

48. Dados CONAB 2012/13. Disponvel em: <http://www.anec.com.br/pdf/


EvolucaoAreaPlantadaSojaGraos.pdf>, acessado em 20/12/2014.
49. Disponvel em: <http://agricultura.ruralbr.com.br/noticia/2014/09/area-de-soja-no-pais-
crescera-a-31-6-milhoes-de-hectares-em-2014-2015-preve-agroconsult-4593592.html>,
acessado em 20/12/2014.
50. 
Integram sua estrutura onze subcomisses, responsveis pelos campos poltico;
econmico-comercial; econmico-financeiro; de inspeo e quarentena; de agricultura; de
energia e minerao; de cincia, tecnologia e inovao; espacial; de indstria e tecnologia
da informao; cultural, e educacional.
51. Nesse perodo, os primeiros investimentos concentraram-se no fornecimento de
recursos naturais (minerao, petrleo e gs e produtos agrcolas) e em seguida
chegaram ao setor de infraestrutura (telecomunicaes e energia), chegando depois
aos fabricantes de automveis e produtos eletrnicos. Nos ltimos anos, a China tem
aumentado seus investimentos no Brasil, principalmente em setores industriais, como
os de veculos leves e pesados, linhas de transmisso eltrica e tecnologia da informao
e comunicao, e de servios, como de bancos e areos. Disponvel em: <http://www.
cebc.org.br/>, acessado em 20/12/2014.
52. A partir de 2014, o Brasil, segundo maior exportador de milho do mundo, poder comear
a enviar milho para China que atualmente compra cerca de 90% dos EUA. A China, maior
importador de milho do mundo (basicamente para compor a rao animal, em funo do
aumento de consumo de protena na dieta) aumentou seu consumo em 39 vezes entre
2009 e 2013. Nos ltimos seis anos, a China passou de exportadora a importadora de milho,
consequncia da crescente demanda domstica puxada pelo consumo de carnes o gro
matria-prima para rao animal. Alm disso, os chineses tm uma proibio de uma
cultivar de milho transgnico plantada no Brasil, o que pode ser um obstculo adicional aos
negcios. Disponvel em: <http://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/milho/137577-
milho-com-autorizacao-de-importacao-da-china--brasil-consolida-agricultura.html#.
VF3NSPnF__Y>, acessado em 20/12/2014.
53. Disponvel em: <http://veja.abril.com.br/noticia/vida-digital/dilma-e-presidente-da-
china-lancam-google-chines>, acessado em 20/12/2014.
54. Disponvel em: <http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/declaracao-
conjunta-entre-a-republica-federativa-do-brasil-e-a-republica-popular-da-china-sobre-
a-visita-de-estado-do-presidente-xi-jinping-ao-brasil-e-o-aprofundamento-da-parceria-
estrategica-global-brasil-china-brasilia-17-de-julho-de-2014>, acessado em 20/12/2014.
55. O Frum para a Cooperao Econmica e Comercial entre a China e os Pases de Lngua
Portuguesa (Frum de Macau) foi criado em 2003 e rene a China e os pases de lngua
portuguesa, com o objetivo de promover o comrcio, os investimentos e a cooperao
econmica, educacional e cultural. Em 2013, o Frum de Macau realizou sua IV reunio
ministerial. Disponvel em: <http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-
imprensa/visita-do-senhor-vice-presidente-da-republica-a-china-iii-reuniao-da-cosban-
e-iv-conferencia-ministerial-do-forum-de-macau-macau-cantao-e-pequim-4-a-9-de-
novembro-de-2013>, acessado em 20/12/2014. Os pases de lngua portuguesa que se
espalham pelos 4 cantos do mundo, no s tm grandes reservas de recursos naturais e
constituem um mercado de consumo com mais de 200 milhes de pessoas, como tambm,
devido sua posio geogrfica privilegiada, apresentam uma maior complementaridade
para o desenvolvimento econmico da Repblica Popular da China. Disponvel em:
<http://www.forumchinaplp.org.mo/pt/aboutus.php>, acessado em 20/12/2014.
56. Ao longo dos seus dois mandatos, o ex-presidente Lula fez 12 viagens frica e visitou
21 pases; as embaixadas brasileiras no continente passaram de 17 a 37 em dez anos.
Disponvel em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-compete-com-
china-e-india-para-investir-na-africa-imp-,906290>, acessado em 20/12/2014.

94
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

57. P
 ACS (2012). A histria contada pela caa ou pelo caador? Perspectivas sobre o Brasil em Angola
e Moambique. Disponvel em: <http://www.pacs.org.br/files/2013/03/Relatorio-Africa.pdf>,
acessado em 20/12/2014 e <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-compete-
com-china-e-india-para-investir-na-africa-imp-,906290>, acessado em 20/12/2014.
58.  esde 2007, quando assinou os contratos de concesso de Moatize, a Vale investiu em
D
Moambique US$ 4,5 bilhes em projeto integrado de mina, ferrovia e porto. o projeto
de produo de carvo de Moatize, em fase de duplicao, ligado a uma ferrovia de 912 km
o Corredor Nacala e a um porto de guas profundas na localidade de Nacala--Velha,
provncia de Nampula. Quando a expanso de Moatize for concluda, no fim de 2015, a Vale
e seus parceiros tero desembolsado, no total, algo como US$ 8,3 bilhes. Disponvel em:
<http://www.defesanet.com.br/africa/noticia/15710/Vale-coloca-projeto-de-carvao-de-
Mocambique-em-xeque-/>, acessado em 20/12/2014.
59.  isponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2013/04/1266520-megaprojeto-
D
da-vale-e-alvo-de-protestos-em-mocambique.shtml>, acessado em 20/12/2014.
60. Conforme texto daLei 11.772/2008. No Brasil, cabe VALEC-Engenharia, Construes e
Ferrovias S.A (uma empresa pblica, sob a forma de sociedade por aes, controlada pela
Unioatravs doMinistrio dos Transportes) o planejamento econmico e administrativo
de engenharia de umaestrada de ferro; sua construo, operao, explorao e sistemas de
interligao com outras modalidades de transportes; implantao e operao de sistemas
de armazenagem, transferncia e manuseio de produtos e bens a serem transportados;
elaborao de estudos de viabilidade para a expanso da malha ferroviria. A VALEC sub-
concedeu em dezembro de 2007 a operao daFerrovia Norte-Sulpara aVALEpor um
perodo de 30 anos. Disponvel em: <http://www.valor.com.br/brasil/3355280/governo-
redefine-trechos-das-concessoes-ferroviarias#ixzz3ISaXJcL3>, acessado em 20/12/2014.
61. D
 isponvel em: <http://www.valor.com.br/sites/default/files/apresentacao_bernardo_
figueiredo_0.pdf> e <http://www.logisticabrasil.gov.br/>, acessado em 20/12/2014.
62.  ntre os atos assinados pelos dois presidentes, inclui-se o Memorando de Entendimento
E
sobre Cooperao Ferroviria entre o Ministrio dos Transportes e a Comisso Nacional de
Desenvolvimento e Reforma da China e um Memorando de Entendimento para cooperao
no setor de infra-estrutura entre o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e o Banco
de Desenvolvimento da China (CDB).
63. A
 oferta do grupo define para a Unio a parcela mnima de 41,65% do leo a ser produzido, no
local. CNPC, CNOOC e Petrobras tm 10% do grupo cada uma, enquanto Shell e Total tm 20%
cada. Os 30% restantes tambm cabem Petrobras, que entra como operadora do consrcio.
Calcula-se que o campo de Libra v requerer um investimento entre US$ 200 bilhes e US$ 400
bilhes para explorao em 35 anos. Disponvel em: <http://www.cebc.org.br/sites/default/
files/chinabrasil_update_ed_9_lamina_visualizacao_0.pdf>, acessado em 20/12/2014.
64.  isponvel em: <http://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2013/10/21/tentativa-de-
D
invasao-a-area-do-leilao-do-pre-sal-deixa-ao-menos-2-feridos.htm>, acessado em 20/12/2014.
65. Navigating Risks in Brazils energy sector: the chinese approach (outubro 2014).
66.  isponvel em: <http://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2014-08/investimentos-
D
de-quase-r-150-bilhoes-consolidam-industria-naval-no-brasil>, acessado em 20/12/2014.
67. C
 ampos Neto, Carlos Alvares da Silva e Pompermayer, Fabiano Mezadre (Eds.) (2014).
Ressurgimento da Indstria Naval no Brasil: 2000-2013. IPEA, Braslia. Disponvel em: <http://
www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=23082>,
acessado em 20/12/2014.
68. Criado h quatro anos pela Lei 12.351/2010, o fundo pretende constituir fonte de recursos
para o desenvolvimento social em diversas reas, como cincia, educao, sade e cultura.
Para isso, so destinadas a ele as parcelas do bnus de assinatura destinada ao fundo pelos

95
O Brasil made in China Parte II

contratos de partilha de produo; dos royalties que cabe Unio; da receita a partir da
comercializao de petrleo, de gs natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da Unio;
os resultados de aplicaes financeiras sobre suas disponibilidades e os recursos do fundo
por lei. A partir da aprovao da Lei 12.858/2013, metade do dinheiro arrecadado a cada ano
ser dividida para projetos educacionais (75% do valor) e sade (25%). Porm, a destinao
depende da formalizao de regras pelo Poder Executivo, que ainda no foi feita. Disponvel
em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-06-17/sem-regulamentacao-fundo-
social-do-pre-sal-retem-verbas-de-educacao-e-saude.html>, acessado em 20/12/2014.
69. Disponvel em: <http://infopetro.wordpress.com/2014/07/14/a-entrada-e-os-proximos-
passos-dos-chineses-no-setor-de-petroleo-no-brasil/>, acessado em 20/12/2014. A
estratgia de compra de ativos e fuses e aquisies contribuem para um rpido aumento da
produo de petrleo por parte das empresas subsidirias ou com participao chinesa. Com
esta estratgia, a velocidade de acesso ao marcado maior. Alm disso, a crise financeira
internacional em 2008 criou excelentes oportunidades para as empresas chinesas adquirirem
empresas europeias financeiramente fragilizadas e que possuam ativos e operaes no
Brasil. Com a aquisio de participaes na Repsol Brasil (40%) e da Galp Brasil (30%) por
US$7,1 bilhes e US$4,8 bilhes, respectivamente, a Sinopec desponta como a principal
Chinesa no Brasil. A Repsol Sinopec surge como uma grande empresa de E&P no Brasil, cujo
valor de mercado atinge US$17,8 bilhes. A Galp Energia, por sua vez, possui vinte projetos
de explorao e uma forte participao no Pr-Sal, atuando nos campos de Lula/Iracema,
Iara, Carcar e Jpiter.A Sinochem por sua vez j tem uma participao importante no
mercado Brasileiro, mediante aaquisio em 2010 de uma participao de 40% no campo de
Peregrino que operado pela Statoil,produzindoatualmente cerca de 80 mil barris por dia.
Alm disto, a empresa est explorando petrleo em cinco blocos na bacia do Esprito Santo.
70.  isponvel em; <http://oglobo.globo.com/economia/emprego/o-trabalho-que-pre-sal-da-
D
10544608#ixzz3HxvTP5O9> e <http://oglobo.globo.com/economia/investimentos-no-pre-
sal-para-os-proximos-30-anos-movimentarao-us-17-trilhao-10440618#ixzz3Hxy9uOFN>,
acessado em 20/12/2014. O clculo considera as previses de investimentos para o Pr-Sal
do Instituto Brasileiro de Petrleo (IBP) e seus impactos macroeconmicos apurados pelo
Instituto Brasileiro de Economia da Fundao Getulio Vargas (Ibre/FGV). O IBP estima que
o Pr-Sal receber diretamente US$ 700 bilhes em recursos que sero aplicados na fase
de explorao e desenvolvimento da produo (o chamado capex). A maior parte desses
recursos est concentrada nos primeiros sete anos de atividade. Outros US$ 700 bilhes
sero consumidos ao longo da produo do campo (o chamado opex). A conta trilionria se
baseia em uma reserva do Pr-Sal estimada de 50 bilhes a 60 bilhes de barris de petrleo,
incluindo as reas onde j houve descobertas e as que ainda sero descobertas. O volume
projetado para o Pr-Sal na rea em que j houve descobertas soma 15,4 bilhes de barris.
H ainda Libra, com reservas estimadas entre oito e 12 bilhes de barris. Para se ter uma
ideia do tamanho da potencial riqueza que existe sob o sal, a reserva provada brasileira, que
considera basicamente o petrleo encontrado no ps-sal, soma hoje 15,7 bilhes de barris.
71. Garzn, Paulina (2014). Manual Legal sobre Regulaciones Ambientales y Sociales Chinas para
los Prstamos e Inversiones en el Exterior. Um guia para las comunidades locales. CDES, Quito.
72. Entre os atos bilaterais no marco dos quarenta anos de relaes diplomticas Brasil-China
foram assinados o Acordo de Cooperao entre Eletrobras e State Grid Corporation of China
(SGCC) e o Acordo de Cooperao Estratgica entre Eletrobras, Furnas, China Three Gorges
Corporation e CWEI (Brasil) Participaes Ltda.
73.  isponvel em: <http://www.macauhub.com.mo/en/2014/11/12/energias-de-portugal-
D
sells-assets-in-brazil-to-china-three-gorges/>, acessado em 20/12/2014.
74.  isponvel em: <https://www.ambienteenergia.com.br/index.php/2014/07/furnas-
D
assina-acordo-com-grupo-chines-para-construcao-da-uhe-tapajos/24349>, acessado em
20/12/2014.
75. Disponvel em: <http://agro.gazetadopovo.com.br/noticias/20-milhoes-de-toneladas-

96
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

em-10-anos/>, acessado em 20/12/2014.


76.  isponvel em: <http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511514-porto-da-cargill-em-
D
santarem-e-repudiado-por-movimentos-sociais>, acessado em 20/12/2014.
77.  isponvel em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,especial-a-soja-mais-
D
competitiva-do-brasil-abre-caminhos-pelo-norte,185798e>, acessado em 20/12/2014.
78. Ricardo Cerqueira, gerente de projetos de portos da Cargill na regio Norte-Nordeste.
79.  isponvel em: <http://www2.transportes.gov.br/Modal/Hidroviario/PNHidroviario.pdf>,
D
acessado em 20/12/2014.
80.  isponvel em: <http://www2.transportes.gov.br/Modal/Hidroviario/PNHidroviario.pdf>,
D
acessado em 20/12/2014.
81.  lm da Amazonas/Solimes e Negro, Madeira, Tocantins, Araguaia, So Francisco, Tiet e
A
Paran, Paraguai, e Hidrovias do Sul (Taquari, Jacu e Lagoa dos Patos).
82.  isponvel em: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/01/1570557-nao-existe-mais-
D
latifundio-no-brasil-diz-nova-ministra-da-agricultura.shtml>, acessado em 12/01/2015
83.  isponvel em: <http://www2.transportes.gov.br/Modal/Hidroviario/PNHidroviario.pdf>,
D
acessado em 20/12/2014.
84.  Secretaria de Assuntos Estratgicos da Presidncia da Repblica (SAE) realizou um
A
estudo especfico que visa estabelecer uma proposta de modelagem institucional,
econmica e financeira para a implantao das eclusas dos Rios Teles Pires e Tapajs.
85.  bdenur, Adriana Erhal (2013) A China na Amrica Latina: investimentos em infraestrutura
A
porturia. Working paper, BRICS Policy Center, PUC-RJ, Rio de Janeiro.
86. ambm chamadas de novo ouro, as terras raras so um grupo de 17 elementos
T
minerais (como lantnio, crio, neodmio, eurpio, trbio, tlio, lutcio, samrio e outros)
indispensveis e insubstituveis na indstria de alta tecnologias. A produo e o mercado
mundial so praticamente monopolizados pela China (com 95% do total), que no detm
o monoplio dos recursos em si, mas do processo produtivo. Outros pases como o Brasil
esto apostando na produo e no alto valor agregado, uma vez que entram na fabricao
ims permanentes (usados em turbinas elicas e veculos eltricos), baterias avanadas,
semicondutores filmes-finos, usados em sistemas de energia fotovoltaica; e fsforos,
utilizados em sistemas de iluminao mais eficientes; componentes que dependem das terras
raras esto presentes em telas de LCD, ligas metlicas, computadores, tablets, smartphones,
etc. Disponvel em; <http://www.cetem.gov.br/files/docs/clipping/2013/dezembro/2013dez-
terras-raras-ciencia-hoje.pdf>, acessado em 20/12/2014. Disponvel em: <http://www.
senado.gov.br/noticias/jornal/emdiscussao/Upload/201304%20-%20setembro/pdf/em%20
discuss%C3%A3o!_setembro_2013_internet.pdf>, acessado em 20/12/2014.
87.  isponvel em: <http://apublica.org/2014/08/em-busca-da-belo-sun/>, acessado em
D
20/12/2014.
88.  isponvel
D em: <http://www.geologo.com.br/MAINLINK.ASP?VAIPARA=Os%20
diamantes%20do%20Tapajos>, acessado em 20/12/2014.
89.  isponvel em: <http://www.foreignaffairs.com/articles/142114/alan-greenspan/golden-
D
rule>, acessado em 20/12/2014.
90.  isponvel em: <http://www.equities.com/editors-desk/futures-commodities/china-
D
really-buying-all-that-gold#sthash.0Kev5dCr.dpuf>, acessado em 20/12/2014.
91.  m junho de 2013, a Presidente Dilma Roussef enviou ao Congresso Nacional o projeto para
E
o novo marco regulatrio da minerao. Trata-se do Projeto de Lei n. 5.807. Se aprovado,
substituir o atual Cdigo de Minerao, Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967.

97
O Brasil made in China Parte II

92. Criado pela Lei n 6.567, de 1978.


93. 
Rolla, Alicia e Ricardo, Fanny (2013). Minerao em Terras Indgenas na Amaznia
Brasileira. ISA, So Paulo. Disponvel em: <http://www.socioambiental.org/sites/blog.
socioambiental.org/files/publicacoes/mineracao2013_v6.pdf>, acessado em 20/12/2014.
94. Disponvel em: <http://www.stategridbr.com/highlights/belo_monte.html>, acessado em
20/12/2014.
95. Subsidiria no Brasil: Disponvel em: <http://www.stategridbr.com/>, acessado em 20/12/2014.
96. Castro, Nivalde J . (2012). Grupo de Estudos do Setor Eltrico. Disponvel em: <http://
www.gesel.ie.ufrj.br> e <http://www.gesel.ie.ufrj.br/app/webroot/files/publications/53_
TDSE50.pdf>, acessado em 20/12/2014.
97. O percentual ficou muito longe do proposto pelos dois outros concorrentes: os espanhis
ofereceram um desconto de 11,49%, enquanto o consrcio formado por Taesa e Alupar
apresentou um desgio de 4,93%. Nos bastidores, fontes do setor disseram que a participao
dos espanhis, ainda que quixotesca, serviu para tirar os chineses da zona de conforto. Se a
Abengoa no estivesse no preo, talvez a State Grid optasse por entregar o envelope com o
menor desgio. Ainda assim, os rumores eram de que os chineses no estavam dispostos a
oferecer menos de 20% de desconto sobre a receita anual permitida (RAP). Eles entraram
para ganhar. Abre-se agora um ciclo de investimentos dos chineses no sistema eltrico
brasileiro, afirmou o coordenador do Grupo de Estudos do Setor Eltrico (Gesel), Nivalde
Castro. Disponvel em: <http://www.vallya.com/en/vallya-insights-pt/241-vitoria-de-
linhao-de-belo-monte-marca-avanco-da-china-no-brasil>, acessado em 20/12/2014.
98. Barbosa, Vanessa. Como ser o linho de Belo Monte feito pela State Grid. Disponvel em:
<http://exame.abril.com.br/economia/noticias/como-sera-o-linhao-de-belo-monte-
segundo-a-state-grid>, acessado em 20/12/2014.
99.  isponvel em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/2014/02/bndes-deve-financiar-
D
ate-55-da-linha-de-belo-monte-diz-eletrobras.html>, acessado em 20/12/2014.
100. D
 isponvel em: <http://www.diariodocomercio.com.br/noticia.php?tit=belo_monte_e_
estrategica_para_state_grid&id=130972>, acessado em 20/12/2014.
101. D
 isponvel em: <http://www.cliptvnews.com.br/mma/amplia.php?id_noticia=42168>,
acessado em 20/12/2014.
102. Martins, J. S. Fronteira. A degradao do outro nos confins do humano. (1997). So Paulo: Hucitec.
103. Na luta pela terra nesta regio Amaznica, se somam mrtires (como Chico Mendes, os 19
sem-terra mortos no massacre de Eldorado de Carajs, Dorothy Stang e muitos outros); se
esses, por um lado, fortalecem a resistncia, tambm evidenciam, por outro, a impunidade
e a violncia como cultura que impera e se reproduz na regio. A violncia no exceo
ou anomalia, ela a regra.
104. Os casos de trabalho escravo, peonagem por dvida se somam aos inmeros casos de
torturas e sujeio, tratamento degradante, alm de assassinatos em tentativas de fugas,
so significativos na demonstrao da escravido de hoje como componente do prprio
processo do capital, e tambm da modernizao .
105. D
 isponvel em: <http://www.arpdf.df.gov.br/005/00502001.asp?ttCD_CHAVE=4395>,
acessado em 20/12/2014. Sayo morreu no ano seguinte, em 1959, em plena floresta,
atingido por uma rvore na Rodovia Belm-Braslia, no Municpio de Aailndia-MA,
quando faltavam apenas cinquenta quilmetros para a concluso desta que foi uma de
suas obras mais audaciosas.

98
Brasil e China: sinergia ou novas equaes de dependncia?

99
100
Parte III

Para alm do dilema


desenvolvimentismo-
extrativismo
Por onde vou mundo afora encontro frango brasileiro. E agora vejo o mesmo com
os sunos. sem dvida o produto mais bem acabado da indstria nacional, pois
transformamos o milho em algo de alto valor agregado que tambm a grande fonte
de alimentao dos mais pobres.
Jos Graziano, diretor geral da FAO1

O que melhor: exportar commodities que tem produo high tech (embora o
produto seja bem homogneo, talvez petrleo offshore) ou produto industriali-
zado de elevado contedo tecnolgico?
Leonardo Monastrio, IPEA

Em um cenrio global de profundas transformaes, a China emerge


como grande potncia frente hegemonia econmica e militar dos EUA,
amparada por um bloco de outros emergentes (Brasil, ndia, Rssia, frica
do Sul), com uma estratgia calcada no no poderio militar, mas funda-
mentalmente naquilo que os chineses fazem como nenhum outro povo no
mundo h milnios: comrcio.
Sob a intensificao das relaes comerciais, como destacado aqui no
mbito da Amrica Latina, a China adquiriu rapidamente ao longo da lti-
ma dcada uma posio de destaque nas economias dos principais pases
da regio, que vm redirecionando suas produes nacionais para atender a
uma agenda de comrcio crescentemente orientada para os mercados asi-
ticos como horizonte de demanda, um movimento que se traduz em no-
vas estratgias territoriais para intensificao do extrativismo e exportao
de commodities. Nesse cenrio, para garantir seu acesso s commodities a

101
O Brasil made in China Parte III

China vem construindo parcerias estratgicas com os pases no sentido de


estabelecer equaes econmicas e polticas duradouras, se tornando scia
(em projetos com empresas estatais e privadas), financiadora (de infraes-
truturas de toda ordem), credora (assegurando emprstimos garantidos por
petrleo) e proprietria de terras (objetivo ainda restrito em muitos pases).
Por outro lado, prov com manufaturados baratos para atender ao consumo
de massa da nova classe mdia, sejam eles fabricados na China ou monta-
dos em maquiladoras nos pases daqui (como na Zona Franca de Manaus);
os pases desfrutam, assim, do acesso a estes bens, que atendem aos desejos
e anseios de consumo do imaginrio do que desenvolvimento, sem so-
frer a poluio e os impactos ambientais de sua produo industrial.
Reconhecendo que o mundo hoje made in China, no h como pen-
sar o capitalismo em seu estgio atual sem levar em considerao o peso
estrutural que tem esse pas, e em particular em como o fator China
implicou de maneira determinante as transformaes das economias ao
redor do globo nas ltimas dcadas (descentralizando, desindustrializando
e reprimarizando). E tambm no quanto esse processo, em seu conjunto,
desafia as teorias, discursos e imaginrios desenvolvimentistas.
A intensificao do extrativismo em funo da demanda de recursos
que atribumos China, e que vem acirrando a diviso internacional
da natureza, no se destina somente ao consumo daquele pas, mas
sua funo no metabolismo da industrializao global. Se, por um lado,
a China determinante nesse processo daqui para o futuro (em funo
das condies concretas do potencial do seu mercado interno gerar de-
manda e aumento de consumo atravs da urbanizao massiva e incor-
porao de massas assalariadas), ela que tem na sua fora de trabalho
e no seu parque produtivo a funo de engrenagem fundamental para
mover as cadeias globais de valor e de suprimento das commodities, s
quais de forma crescente se integram extrativismo, indstria, logstica,
tecnologia da informao e propriedade intelectual, mas tambm servi-
os, seguros, produtos financeiros, jurdicos, etc. Esse processo em seu
conjunto aparece virtualizado na homogeneidade da commodity (min-
rio de ferro, soja, petrleo).

102
Para alm do dilema desenvolvimentismo-extrativismo

A diviso internacional do trabalho cada vez menos se d apenas no


nvel das indstrias (versus extrativismo), como tradicionalmente se ana-
lisava, mas sim em diferentes estgios, atividades e tarefas do processo
industrial, entendido como um processo encadeado, interdependente, di-
nmico e complexo, onde a agregao do valor escapa tentativa de de-
limitao do que tentamos circunscrever como indstria (ou economia)
nacional, e se revela cada vez mais a configurao metablica da integra-
o ao sistema e de suas interdependncias recprocas.
Nesse contexto, a limitao explicativa e poltica do extrativismo
(e mais ainda do neoextrativismo) podem ter como efeito prtico redu-
zir, ou at mesmo invisibilizar, processos que esto cada vez mais imbri-
cados e desta forma precisam ser compreendidos , pois apontam uma
racionalizao dos processos industriais e metablicos e para um momen-
to do capitalismo em que a prpria natureza uma indstria a cu aberto.
Da produo em larga escala de monoculturas industriais modifi-
cao gentica da natureza (e criao de natureza e biologia sintticas)
para obteno de matrias-primas e produtos adequados indstria, mas
tambm da prpria natureza como um setor de servios (ambientais) e
produtos industriais como o emblemtico frango brasileiro: uma verso
da soja, com penas e com maior valor agregado.
Como no exemplo da transgenia aplicada agricultura, um disposi-
tivo material e discursivo da biotecnologia como ideologia, opacionada
na retrica cientfica, estamos diante de uma dimenso indita de poder
do capital no controle estrutural e efetivo das sementes, mas, tambm,
em um nvel at h pouco impensvel, da prpria matria. Se conside-
rarmos o avano da integrao das cadeias (e o emblemtico dos cultivos
flex), trata-se da expanso da forma mercadoria e do domnio da lgica
do capital sobre a capacidade ontolgica de reproduo da prpria natu-
reza, onde as espcies esto submetidas daqui em diante co-evoluo
com as necessidades da indstria. Da geoengenharia da atmosfera ao
controle de todos os cursos de gua dos quais o ritmo, fluxo e vazo
naturais - precisam ser barrados e transformados em energia e vias para
circulao de mercadorias.

103
O Brasil made in China Parte III

Hoje esse parece apontar o cenrio de questionamento e debate, muito


mais do que simplesmente se a indstria nacional est sendo reprimariza-
da ou se est cada vez mais dependente de commodities. No caso do agro-
negcio, por exemplo, para viabilizar-se esse depende desde a minerao de
rocha fosftica, indstria qumica de fertilizantes nitrogenados (com base
em petrleo e uria), passando por toda a indstria de agroqumicos, side-
rurgia (e minerao) para a fabricao de arame farpado, maquinrio agr-
cola cada vez mais sofisticado, avies para fumigao (inclusive movidos a
etanol), embalagens plsticas (inclusive de bioplsticos) para todo o tipo de
insumos, antibiticos, vacinas, softwares para automao e rastreamento
de cargas, at o satlite que pode ler o brinco do boi georreferenciado para
garantir normas sanitrias, o comrcio de smen sexado, at a propriedade
intelectual inscrita no gene patenteado da semente, passando por servios
jurdicos, financeiros, de crdito, seguros, chegando construo de silos,
portos, navios graneleiros, entre muitos outros em uma cadeia de inter-
dependncia que inclui at o supermercadismo, a logstica de distribuio e
abastecimento em grandes centros urbanos, embalagens, indstria de pro-
paganda para criar, vender e consolidar hbitos de consumo, etc; todas estas
so atividades econmicas que esto indissociavelmente interrelacionadas em
um s metabolismo. E toda esta imbricao e complexidade esto virtualiza-
das em um simples nuggets de frango.
Da mesma forma, uma crnica do minrio de ferro deve conseguir
ver esta transmutao da minerao na urbanizao (e todas as estrutu-
ras de ao que sustentam as cidades modernas das mais variadas formas),
da indstria automotiva, das plataformas de petrleo, navios cargueiros,
mquinas, dutos, tanques, etc. As plantaes de eucalipto se transformam
desde o universo de embalagens, aos mveis acessveis s massas urbani-
zadas, txteis, vesturios, biocombustveis, etc.
Sob a perspectiva do capitalismo como sistema-mundo, mas tambm
como ecologia-mundo, se configura um nico processo metablico em es-
cala global, interdependente em seus fluxos de matria e energia. A Chi-
na se apresenta hoje como principal vetor que vem reorganizando como
apreendemos esse processo, ao mesmo tempo em que aponta suas prin-
cipais contradies. Ou seja, a China permite-nos pensar dinmicas que
104
Para alm do dilema desenvolvimentismo-extrativismo

so, desde sempre, caractersticas do capitalismo, mas tambm nos traz o


que especfico e novo e que est colocado para este momento histrico.
Para se reproduzir, esse macroprocesso referenda e aprofunda a ideo-
logia urbano-desenvolvimentista, traduzindo-se em uma marcha forada
e violenta, que desrespeita os direitos arduamente conquistados como o
direito simplesmente existir enquanto outro e ao consentimento livre,
prvio e informado e avana sobre os territrios e ecossistemas mais
extremos do planeta, em uma lgica de conquista de fronteira, com toda
a violncia real e simblica intrnseca acumulao primitiva, destruindo
ciclos vitais e impondo-se como destino inexorvel sobre povos, popula-
es e modos de vida.
Apesar das transformaes no cenrio geopoltico internacional, as
novas hegemonias vm tambm construindo suas prprias equaes de
dependncia e dando novas justificativas s velhas prticas. Nesses ter-
mos, a construo de uma nova ordem multipolar caminha na contramo
de um outro mundo possvel.
Parafraseando o slogan chins de 1978, que introduziu a China no
caminho do que ela se tornou hoje, na prtica, de fato no importa se o
gato branco ou preto, o que importa que ele pega e mata o rato. Ou
seja, ao final, na defesa incondicional dos modos de vida e do direito de
existir como alteridade, como outro e outra ao projeto hegemnico
para o qual no h alternativa, no interessa quais foras esto por trs
do processo e o quanto desafiam as hegemonias historicamente constitu-
das como ilustra a relao entre Brasil e China - o que importa como
isso se traduz nos territrios e para os povos e no que isso determina nos-
so horizonte conjunto de utopias para sair do capitalismo.

NOTA
1.  isponvel em: <http://sna.agr.br/diretor-da-fao-alerta-sobre-os-riscos-das-mudancas-
D
climaticas/>, acessado em 20/12/2014.

105
106
Anexo I

A China no setor de
energia no Brasil
Como em outros pases da Amrica Latina, o investimento chins no
setor de energia guiado por uma combinao de planejamento governa-
mental com vistas a garantir sua segurana energtica em mdio e longo
prazo e as perspectivas de lucro dos projetos especficos. A composio
destes fatores entra no clculo de onde e por que investir.
No Brasil, a presena da China no setor de energia no mbito do petrleo
e gs j conta com pelo menos uma dcada de atuao no pas. Sua participa-
o no consrcio vencedor do leilo do campo de Libra em 2013 foi conside-
rado um divisor de guas na indstria de energia no Brasil e marca um novo
momento na consolidao dos investimentos chineses no setor, uma trajet-
ria iniciada em 2004, quando a Petrobras e a Sinopec assinaram um acordo de
aliana estratgica e a estatal brasileira contrata a Sinopec para construo
do gasoduto Gasene, funo de integrar as malhas de transporte de gs natu-
ral das regies Sudeste e Nordeste, dando nova configurao rede brasileira
(o gasoduto foi inaugurado em 2010).1 Em 2006, Petrobras e Sinopec firma-
ram um contrato de exportao de petrleo para China; em 2009, o Banco de
Desenvolvimento da China faz um emprstimo de US$ 10 bilhes de dlares
Petrobras. Em 2010, a Sinopec adquire 40% de participao na Repsol Brazil
por US$ $7,1 bilhes uma das maiores aquisies petrolferas j feitas pela
China; por US$ 3 bilhes a Sinopec adquire 40% de participao na explo-
rao do poo de guas profundas da Statoil (poo Peregrino); Petrobras e
Sinopec adquirem 20% em dois blocos exploratrios no nordeste do Brasil.
Em 2011, a Sinopec junta-se GDK e Ausenco para construir um mineroduto
de 400 km entre Minas Gerais e Esprito Santo para a mineradora Samarco; a
Sinopec assina acordo com a Petrobras para aumentar o fornecimento de gs
para o Rio de Janeiro; a Sinopec compra participao de 30% na Galp Energia

107
O Brasil made in China Anexos

Brazil por US$ 5,2 bilhes (Sinopec realiza um emprstimo adicional de US$
390 milhes para Galp Energia). Em 2012, a Sinopec integra consrcio para
construir uma fbrica de fertilizantes no Mato Grosso do Sul. Em 2013, Petro-
bras, Shell Total, CNOOC e CNPC (ambas chinesas) vencem o leilo do campo
de Libra, o mais importante e promissor do Pr-Sal at o presente.
A participao no consrcio vencedor para construo do linho de Belo
Monte sinaliza a entrada definitiva dos chineses no setor eltrico brasileiro. A
estatal State Grid est presente no Brasil desde 2010. Naquele ano, com um
investimento de US$ 989 milhes, comprou da Plena Transmissora do Brasil
(controlada pelas espanholas Elecnor, Isolux e Cobra) sete companhias bra-
sileiras (de um total de doze detidas pelo grupo) de transmisso de energia.
Desde ento, opera cerca de seis mil quilmetros de uma concesso de trinta
anos, j sendo a quinta maior empresa de transmisso de energia no pas.2 A
aproximao com a State Grid para uma parceria bilateral com a Eletrobras
nasceu durante a visita da Presidente Dilma Rousseff China, em 2011. A
parceria em torno da linha de transmisso de Belo Monte foi a primeira entre
as duas empresas no Brasil pode se repetir em outros projetos, bem como
fora do pas. As duas estatais, por exemplo, j sero scias em um projeto em
Moambique, do qual tambm participa o grupo Camargo Corra.3
A presena chinesa nos projetos de energia renovvel elica e solar no
Brasil insignificante: na elica, uma instalao de 30MW da Sinovel em
um parque operado pela Desenvix em Sergipe. Entre 2011 e 2012, trs das
maiores empresas de energia elica da China (Sinovel, Goldwind e Guodian
United Power) anunciaram inteno de estabelecer fbricas e escritrios no
Brasil; esses planos, contudo, no se materializaram ainda, e entre os fato-
res esto as regulaes nacionais que exigem componentes estritamente
nacionais.4 Em termos de energia solar, o nico investimento feito por uma
empresa chinesa foi o anncio da AstroEnergy de um projeto de US$ 350
milhes em gerao solar no estado Cear. Outro projeto que atraiu visi-
bilidade foi o suprimento e instalao de 5.000 painis fotovoltaicos pela
empresa Yingli Solar, a primeira empresa de energia solar a patrocinar uma
Copa do Mundo, na cobertura do estdio do Maracan no Rio de Janeiro.
A expanso chinesa nesse mbito est pendente de mudanas na poltica
de energia solar, que entre outros requisitos, segundo a proposta inicial,
108
Anexo I: A China no setor de energia no Brasil

baseia-se em gerao atravs de unidades/usinas solares, que chegam a ser


trs vezes mais caras do que a gerao distribuda de forma descentralizada.
Alm disso, visando estabelecer-se como uma opo de longo prazo, a
estatal chinesa State Nuclear Power Technology Corporation (SNPTC) inau-
gurou um escritrio no Rio de Janeiro em 2013 e tem buscado parceria em
projetos de tecnologia nuclear no Brasil e vem cooperando com a Eletronu-
clear subsidiria da Eletrobras e a Indstrias Nucleares do Brasil (INB).

Anexo II

Atos
Em julho de 2014, na celebrao dos 40 anos da parceria o presidente Xi
Jinping visitou o Brasil, ocasio em que foram concludos 56 atos bilaterais (32
dos quais assinados) logo aps a realizao da VI Cpula dos BRICS em Forta-
leza. Os temas dos atos bilaterais tratam da intensificao da pauta comercial,
que vai desde compras pblicas nos setores de segurana, a investimentos em
energia, agricultura, logstica, satlites, etc.; em geral os acordos ampliam e
garantem apoio chins (em termos de investimento e tecnologia) para setores
e dinmicas da economia brasileira, mas que reverberam em toda a regio.5

Atos assinados na presena dos dois Presidentes:


1.  Memorando de Entendimento sobre Cooperao Estratgica entre o
Ministrio da Cincia, Tecnologia e Inovao (MCTI) e a Baidu Inc.;
2. Memorando de Entendimento sobre Cooperao Ferroviria entre
o Ministrio dos Transportes e a Comisso Nacional de Desenvolvi-
mento e Reforma da China;
3.  Contrato de venda de aeronaves entre a Embraer e a Tianjin Airlines;
109
O Brasil made in China Anexos

4.  Contrato de venda de aeronaves entre a Embraer e o ICBC Leasing;


5.  Protocolo Complementar ao Acordo de Cooperao em Matria de
Defesa entre Brasil e China, na rea de tecnologia da informao,
telecomunicao e sensoriamento remoto;
6.  Memorando de Entendimento para Cooperao em Dados de Obser-
vao da Terra entre a Agncia Espacial Brasileira e China National
Space Administration;
7.  Acordo sobre Aviao Civil entre a Secretaria de Aviao Civil da Presi-
dncia da Repblica e Administrao Nacional de Aviao Civil da China;
8.  Memorando de investimentos entre a Agncia Brasileira de Promoo de
Exportaes e Investimentos e a BYD Company Ltd., para fabricao de
baterias recarregveis e sistemas de armazenamento de energia no Brasil;
9.  Protocolo de inteno sobre a cooperao de computao em nuvem
entre o MCTI e a Huawei Technologies Co. Ltd.;
10.  Acordo de Cooperao entre Eletrobras e State Grid Corporation of
China (SGCC);
11.  Acordo de Cooperao Estratgica entre Eletrobras, Furnas, China
Three Gorges Corporation e CWEI (Brasil) Participaes Ltda;
12. Memorando de Entendimento sobre investimento e construo de fbrica
de maquinrio para a construo civil, entre a Investe So Paulo e Sany;
13.  Acordo de cooperao sobre a construo de armazm de logstica
entre Correios do Brasil e Alibaba;
14.  Contrato de aquisio de controle acionrio do BicBanco pelo Banco
de Construo da China;
15.  Memorando de Entendimento sobre promoo de investimento e coope-
rao industrial entre o Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Co-
mrcio Exterior (MDIC) e o Ministrio do Comrcio da China (MOFCOM);
16.  Memorando de Entendimento para cooperao no setor de infra-
estrutura entre o Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES) e o
Banco de Desenvolvimento da China (CDB);

110
Anexo II: Atos

17.  Acordo-quadro sobre cooperao em projetos de mtuo interesse even-


tualmente identificados pelas partes entre o BNDES e o Eximbank chins;
18.  Memorando de Entendimento sobre projetos de mtuo interesse
eventualmente identificados pelas partes entre o BNDES e a Corpo-
rao de Investimento da China;
19.  Plano de Trabalho de Estatsticas de Mercadorias entre o MDIC e o
MOFCOM;
20.  Memorando de Entendimento para cooperao em arranjos de finan-
ciamento globais entre a Vale e o Banco da China;
21.  Acordo-quadro de cooperao entre a Vale e o Eximbank chins;
22.  Acordo de cooperao sobre o estabelecimento do Instituto Confcio
na Universidade Federal do Cear (UFC), entre a UFC e a Sede do Ins-
tituto Confcio (Hanban);
23.  Acordo de cooperao sobre o estabelecimento do Instituto Confcio
na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), entre a Unicamp e
a Sede do Instituto Confcio (Hanban);
24.  Acordo de cooperao sobre o estabelecimento do Instituto Confcio
na Universidade do Estado do Par (UEPA), entre a UEPA e a Sede do
Instituto Confcio (Hanban);
25.  Memorando de Entendimento com vistas ampliao do estabeleci-
mento de Institutos Confcio em universidades federais brasileiras, en-
tre o Ministrio da Educao e a Sede do Instituto Confcio (Hanban);
26.  Memorando de Entendimento relativo aprendizagem do mandarim
no Brasil, entre o Ministrio da Educao e a Sede do Instituto Con-
fcio (Hanban);
27.  Acordo para Construo de cidade inteligente/digital em Tocantins
com financiamento do Banco de Desenvolvimento da China (CDB),
entre o Governo do Estado do Tocantins e o CDB;
28.  Acordo sobre resseguros entre o Banco do Brasil e a Sinosure;
29.  Memorando de Entendimento de cooperao entre a Federao das

111
O Brasil made in China Anexos

Indstrias do Estado de So Paulo (FIESP) e a China Overseas Deve-


lopment Association (CODA);
30.  Acordo de Facilitao de Vistos de Negcios entre Brasil e China;
31.  Acordo-quadro de cooperao entre a Unio dos Legisladores e Legisla-
tivos Estaduais (UNALE) e a Associao de Cidades Gmeas da China;
32.  Acordo de Cooperao Tcnica e Estratgica entre a Huawei, o Bade-
sul Desenvolvimento e Procergs.

Atos concludos no contexto da visita:


1. Memorando de entendimento entre a Federao das Indstrias do
Estado de So Paulo (FIESP) e o Industrial and Commercial Bank of
China (ICBC);
2.  Memorando de Entendimento com vistas oferta de estgios a estu-
dantes do Programa Cincias sem Fronteiras na China, entre a Coor-
denadoria de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES)
e o China Scholarship Council (CSC);
3.  Acordo entre o BNDES e o Banco da China para cooperao em pro-
jetos de mtuo interesse eventualmente identificados pelas partes;
4.  Memorando de entendimento sobre promoo comercial entre a
Agncia Brasileira de Promoo de Exportaes e Investimentos
(Apex) e o Trade Development Bureau da China;
5.  Acordo para estabelecer Relao de Porto Irmo Verde, entre o Porto
de Tubaro e o Porto de Lian Yun Gang;
6.  Acordo de cooperao entre a Fundao de Amparo Pesquisa do
Estado de So Paulo (FAPESP) e a Universidade de Beijing;
7. Acordo de cooperao na rea geolgica entre o Servio Geolgico do
Brasil/ Companhia de Pesquisas de Recursos Minerais e o Ministrio
de Terra e Recursos da China;
8.  Acordo entre o Grupo Schahin e o ICBC Leasing para financiamento
para construo de plataformas de petrleo;

112
Anexo II: Atos

9.  Acordo de parceria entre a TIM Participaes S.A., a ZTE Corporation


e a ZTE do Brasil;
10.  Acordo de cooperao entre a Nutriplus Alimentacin y Tecnologa e
o China BBCA Group;
11.  Memorando de Entendimento entre Comexport e Bank of China para
estabelecimento de plataforma integrada sino-brasileira de investi-
mento e comrcio;
12.  Acordo-quadro de Cooperao Tripartite entre a Engevix Sistemas de
Defesa Ltda., o ICBC e a China Electronics Import and Export Corpo-
ration (CEIEC), na rea de defesa e segurana pblica; e
13.  Anncio de doze acordos de compras de produtos brasileiros por em-
presas chinesas, na rea de gros.

NOTAS
1. Gasoduto da Integrao Sudeste-Nordeste (Gasene), o maior em extenso construdo no
Brasil nos ltimos dez anos. Obra do Plano de Acelerao do Crescimento (PAC), o Gasene
recebeu investimentos de R$ 7,2 bilhes. Tem 1.387 km, capacidade para transportar at 20
milhes de metros cbicos por dia de gs natural e gerou 47 mil empregos durante a construo.
Disponvel em: <http://oglobo.globo.com/economia/petrobras-inaugura-gasoduto-da-
integracao-sudeste-nordeste-3034013#ixzz3IfUHQmIj>, acessado em 20/12/2014.
2. 
A State Grid comprou da Plena 75% do capital da Expansin Transmisso de
Energia Eltrica e 75% da Expansin Transmisso Itumbiara Marimbondo.
As outras cinco empresas Ribeiro Preto, Serra Paracatu, Poo de Caldas,
Itumbiara e Serra da Mesa foram 100% vendidas chinesa. Disponvel em:
<http://oglobo.globo.com/economia/estatal-da-china-compra-controle-de-sete-empresas-
de-energia-no-brasil-diz-valor-3007244#ixzz3IftEbLPQ>, acessado em 20/12/2014.
3. Disponvel em: <http://www.vallya.com/en/vallya-insights-pt/241-vitoria-de-linhao-de-
belo-monte-marca-avanco-da-china-no-brasil>, acessado em 20/12/2014.
4.  om um processo de internacionalizao recente, as empresas elicas chinesas ainda
C
preferem exportar o equipamento manufaturado e so cautelosas em abrir fbricas em
outros pases sem uma demanda garantida.
5.  isponvel em: <http://www.itamaraty.gov.br/sala-de-imprensa/notas-a-imprensa/
D
declaracao-conjunta-entre-a-republica-federativa-do-brasil-e-a-republica-
popular-da-china-sobre-a-visita-de-estado-do-presidente-xi-jinping-ao-brasil-e-o-
aprofundamento-da-parceria-estrategica-global-brasil-china-brasilia-17-de-julho-
de-2014>, acessado em 20/12/2014.

113
Crditos
das imagens

P. 4 Trabalho no garimpo. Foto de Oldair Lamarque, Agncia Publica.

P. 10 Palcio de Vero em Beijing. Foto de Lvia Duarte.

 . 44
P Comrcio na R. 25 de Maro em So Paulo. Foto de Marcelo
Camargo, Agncia Brasil.

P. 100 Morro. Foto de Marcelo Cruz, Justia nos Trilhos.

P. 106 Linha de transmisso. Foto de Marcello Casai Jr., Agncia Brasil.

114
A Fundao Rosa Luxemburgo

A Fundao Rosa Luxemburgo uma das principais instituies de


educao poltica do planeta, com escritrios na frica, Amrica, sia,
Europa e Oriente Mdio. A organizao procura contribuir para a cons-
truo de uma sociedade mais democrtica e igualitria, promovendo
pesquisa, reflexo e debate sobre alternativas ao capitalismo.
Fundada em 1990 em Berlim, a fundao uma instituio sem fins
lucrativos vinculada ao partido A Esquerda (Die Linke, em alemo). Des-
de 2000, suas iniciativas de cooperao internacional e solidariedade
contam com apoio do Ministrio Federal de Cooperao Econmica e
Desenvolvimento e do Ministrio das Relaes Exteriores da Alemanha.
O escritrio regional do Brasil e Cone Sul atua, desde 2003, na Ar-
gentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai. Conta com duas unidades, uma
em So Paulo e uma em Buenos Aires. Na regio, os eixos principais so:
resistncia nas cidades, com foco na defesa de direitos, transparncia e
democracia; resistncia no campo, com crticas a modelos extrativistas,
transgenia e mercantilizao da natureza; e alternativas ao desenvolvi-
mentismo, com uso de experincias locais e conceitos como Bem Viver.
Visite www.rosaluxspba.org

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Este livro foi composto nas fontes Conduit ITC
e PT Serif e impresso em papel reciclato 90g/m2
pela Nova Letra Grfica e Editora - Blumenau (SC).

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