MELAZZO - CASTRO. A Escala Geográfica Noção, Conceito Ou Teoria PDF
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MELAZZO - CASTRO. A Escala Geográfica Noção, Conceito Ou Teoria PDF
A Geografia no Tempo de
Novos Conhecimentos
associação
dos geográfos
brasileiros
1
Associação dos Geógrafos Brasileiros
Presidente
Edvaldo César Moretti (AGB - Dourados/MS)
Vice Presidente
Manoel Calaça (AGB - Goiânia/GO)
Primeiro Secretário
Jones Dari Goettert (AGB - Dourados/MS)
Segundo Secretário
Zeno Soares Crocetti (AGB - Curitiba/PR)
Primeiro Tesoureiro
Alexandre Bergamin Vieira (AGB - Presidente Prudente/SP)
Segundo Tesoureiro
Victor A. de Souza Junior (AGB - João Pessoa/PB)
Coordenação de Publicações
Antonio Thomaz Junior (AGB - Presidente Prudente /SP)
Ana Paula Maia Jansen (AGB - Rio Branco/AC)
José Alves (AGB - Rio Branco/AC)
José Messias Bastos (AGB - Florianópolis/SC)
Sônia M. R. P. Tomasoni (AGB - Salvador/BA)
2
ISSN 0102-8030
Terra Livre
Publicação semestral
da Associação dos Geógrafos Brasileiros
ANO 23 – Vol. 2
NÚMERO 29
Conselho Editorial
Adauto de Oliveira Souza (UFGD) Jones Dari Goettert (UFGD)
Ailton Luchiari (USP) Jorge Montenegro Gómez (UFPR)
Aldomar Arnaldo Rückert (UFRGS) José Daniel Gómez (Universidade de Alicante/Espanha)
Alexandrina da Luz (UFS) Larissa Mies Bombardi (USP)
Álvaro Luiz Heidrich (UFRGS) Marcelino Andrade Gonçalves (UFMS/Nova Andradina)
Ana Fani Alessandri Carlos (USP) Marcelo Dornelis Carvalhal (UNIOESTE/M. C. Rondon)
Ângela Massumi Katuta (UEL) Marcelo Rodrigues Mendonça (UFG/Catalão)
Antonio Carlos Vitte (UNICAMP) Márcio Cataia (IG/UNICAMP)
Antonio Nivaldo Hespanhol (UNESP/Pres. Prudente) Marcos Bernardino de Carvalho (PUC/SP)
Arlete Moysés Rodrigues (UNICAMP) Maria Franco García (UFPB)
Arthur Magon Whitacker (UNESP/Pres. Prudente) Maurício A. de Abreu (UFRJ)
Beatriz Ribeiro Soares (UFU) Mirian Cláudia Lourenção Simonetti (UNESP/Marília)
Bernadete C. Castro Oliveira (IGCE/UNESP) Paulo Roberto Raposo Alentejano (UERJ/São Gonçalo)
Bernardo Mançano Fernandes (UNESP/Pres. Prudente) Pedro Costa Guedes Vianna (UFPB)
Charlei Aparecido da Silva (UFGD) Regina Célia Bega dos Santos (IG/UNICAMP)
Diamantino Alves Correia Pereira (PUC/SP) Ricardo Antunes (UNICAMP)
Dirce Maria Antunes Suertegaray (UFRGS) Rogério Haesbaert da Costa (UFF)
Douglas Santos (PUC/SP) Selma Simões de Castro (UFG)
Eliseu Saverio Sposito (UNESP/Pres. Prudente) Sérgio Luiz Miranda (UFU)
Flaviana Gasparotti Nunes (UFGD) Silvio Simione da Silva (UFAC)
Francisco Mendonça (UFPR) Valéria De Marcos (USP)
Horácio Capel Sáez (Universidade Barcelona/Espanha) Virgínia Elisabeta Etges (UNISC)
João Cleps Júnior (UFU) Wiliam Rosa Alves (UFMG)
João Edmilson Fabrini (UNIOESTE/M. C. Rondon) Xosé Santos Solla (Univ. Santiago de Compostela/Espanha)
Colaboradores
Alexandre Bergamin Vieira (UNESP - Presidente Prudente/SP)
Edvaldo Cesar Moretti (UFGD - Dourados/MS)
Editor responsável e editoração: Antonio Thomaz Júnior (UNESP/ Pres. Prudente/SP)
Co-Editor: Gilson Kleber Lomba (AGB - Dourados/MS)
Formatação eletrônica: Alexandre Aldo Neves (UFGD – Dourados/MS)
Revisão de Espanhol: Jorge Montenegro Gómez (UFRP - Curitiba/PR)
Revisão de Inglês: Jarbas Francisco Alves
Arte da capa: Gilson Kleber Lomba
Tiragem: 1.000
Impressão: Copy Set (Av. Cel. José Soares Marcondes, n. 798, Presidente Prudente-SP -
[email protected])
Endereço para Correspondência:
Associação dos Geógrafos Brasileiros (DEN)
Av. Prof. Lineu Prestes, 332 - Edifício Geografia e História - Cidade Universitária
CEP: 05508-900 - São Paulo / SP - Brasil - Tel. (0xx11) 3091 - 3758
ou Caixa Postal 64.525 - 05402-970 - São Paulo / SP
e-mail: [email protected]
Ficha Catalográfica
Terra Livre, ano 1, n. 1, São Paulo, 1986.
São Paulo, 1986 – v. ils. Histórico
1992/93 – 11/12 (editada em 1996)
1986 – ano 1, v. 1 1994/95/96 – interrompida
1987 – n. 2 1997 – n. 13
1988 – n. 3, n. 4, n. 5 1998 – interrompida
1999 – n. 14
1989 – n. 6 2000 – n. 15
1990 – n. 7 2001 – n. 16, n. 17
10. Geografia – Periódicos 2002 – Ano 18, v.1, n. 18; v.2, n. 19
10. AGB. Diretoria Nacional 2003 – Ano 19, v.1, n. 20; v. 2, n. 21
2004 – Ano 20, v.1, n. 22; v. 2, n. 23
1991 – n. 8, n. 9 2005 – Ano 21, v.1, n. 24
1992 – N. 10 2005 – Ano 21, v. 2, n. 25
Revista Indexada em Geodados 2006 – Ano 22, v. 1, n. 26
www.geodados.uem.br 2006 – Ano 22, v. 2, n. 27
ISSN 0102-8030 2007 – Ano 23, v. 1, n. 28 CDU – 91 (05)
2007 – Ano 23, v. 2, n. 29
4
Sumário
EDITORIAL
ARTIGOS
DESAFIOS À ANÁLISE DO ESPAÇO URBANO: INTERPRETANDO
TEXTOS MARGINAIS DO DISCURSO GEOGRÁFICO 15-28
Almir Nabozny
Joseli Maria Silva
Marcio José Ornat
5
APROPRIAÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E
TERRITORIALIDADE: O DESEJO E A ESPERANÇA PELOS
INTERSTÍCIOS 181-206
Ulysses da Cunha Baggio
RESENHA
OS ESTABELECIDOS E OS OUTSIDES 295-298
Alexandre Bergamin Vieira
NORMAS
Normas para publicação 301-306
COMPÊNDIO
Compêndio dos números anteriores 309-324
6
Summary/Sumario
FOREWORD/EDITORIAL
ARTICLES/ ARTÍCULOS
CHALLENGES TO THE ANALYSIS OF URBAN SPACE:
INTERPRETING MARGINAL TEXTS OF GEOGRAPHICAL
DISCOURSE
DESAFÍOS PARA LA ANÁLISIS DEL ESPACIO URBANO:
INTERPRETANDO TEXTOS MARGINALES EN EL DISCURSO
GEOGRÁFICO 15- 28
Almir Nabozny
Joseli Maria Silva
Marcio José Ornat
7
TERRITORIAL IDENTITY QUILOMBOLA – A GEOGRAPHY BOARDING
FROM THE COMUNIDADE CAÇANDOCA (UBATUBA/SP)
IDENTIDAD TERRITORIAL QUILOMBOLA - EL SUBIR GEOGRÁFICO DE
LA COMUNIDADE CAÇANDOCA (UBATUBA/SP) 163-180
Maria Tereza Paes Luchiari
Isabel Araujo Isoldi
RESENHA
El conjunto y las exteriores 295-298
The set and the outsides
NORMAS
Submission guindelinesa 301-306
Normas para publicación
COMPÊNDIO
Compendium of the previus numbers 309-324
Compendio de números anteriores
8
EDITORIAL
9
que se espera é que mais do que as emoções sobrevivam, desejamos que a Terra
Livre possa fomentar, efetivamente, os exercícios auto-críticos, tão necessários e
em desuso nesses tempos do século XXI.
OS EDITORES
10
FOREWORD
THE EDITORS
11
12
ARTIGOS
13
14
Resumo: Este trabalho tem por objetivo apresentar os
desafios teórico-metodológicos enfrentados pelo Grupo de
Estudos Territoriais no desenvolvimento de pesquisas
DESAFIOS À ANÁLISE
DO ESPAÇO URBANO: atreladas às relações entre sexualidade e espaço urbano.
INTERPRETANDO Primeiramente, apresentamos o posicionamento teórico do
TEXTOS MARGINAIS DO grupo fundamentado na perspectiva da nova geografia
DISCURSO GEOGRÁFICO cultural, o qual entende que os sujeitos criam interpretações
espaciais plurais e isso permite uma pluriversalidade da
CHALLENGES TO THE ANALYSIS realidade estudada. Num segundo momento, evidenciamos,
OF URBAN SPACE: através dos relatos de nossa trajetória de pesquisa, uma
INTERPRETING MARGINAL TEXTS reflexão sobre a posicionalidade do sujeito pesquisador no
OF GEOGRAPHICAL DISCOURSE
processo de construção do conhecimento geográfico.
Palavras – chave: espaço urbano, intertextualidades,
DESAFÍOS PARA LA ANÁLISIS
DEL ESPACIO URBANO: posicionalidade do pesquisador.
INTERPRETANDO TEXTOS
MARGINALES EN EL DISCURSO Abstract: This article has the objective of presenting the
GEOGRÁFICO
methodological and theoretical challenges faced by the
Grupo de Estudos Territoriais (GETE – group of territorial
studies) in the development of researches related to
sexuality and urban space. A presentation of the theorical
ALMIR NABOZNY position of the Group, that is based on the new cultural
[email protected] geography. In this perspective the subjects create plural
spacial interpretations what allows a pluriversality of the
JOSELI MARIA SILVA studied reality. After, from relates in our research trajectory,
[email protected] a reflection about the positionality of the researcher subject
in the process of geographical knowledge construction.
Key Words: urban space, intertextuality, researcher
MARCIO JOSÉ ORNAT positionality.
[email protected]
Resumen: Este trabajo tiene por objetivo presentar los
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE desafios teórico-metológicos del Grupo de Estudos
PONTA GROSSA - UEPG Territoriais (GETE – grupo de estudios territoriales) en el
desarollo de investigaciones relacionadas a la sexualidad y
el espacio urbano. En un primer momento, se presenta la
postura teórica del grupo, apoyada en la perspectiva de la
nueva geografía cultural. La misma entiende que los sujetos
crean interpretaciones espaciales múltiplas y eso permite
* Pesquisadores do Grupo de Estudos uma pluriversalidad de la realidad estudiada. Luego se
Territoriais (GETE) evidencian los relatos de nuestra história de investigación.
Una reflexión sobre la posicionalidad del sujeto investigador
en el proceso de construcción del conocimiento geográfico.
Palabras - clave: espacio urbano, intertextualidades,
posicionalidades del investigador.
Introdução
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internamente, mais raras. Entre as muitas questões que emergem de tal perspectiva de
pesquisa, uma delas diz respeito à impossibilidade da geografia explorar a sociedade
complexa da qual fazemos parte e encontrar as diferenças em espaços que,
aparentemente, são repetitivos.
Outras críticas às concepções de Sauer e seus seguidores estavam centradas na
importância secundária do sujeito na construção dos significados da paisagem e a
negligência do homem como ser ativo na construção simbólica como em Cosgrove (1998)
e em Berque (1998). Contudo, é a contribuição de James Duncan (1990), em sua obra
“The city as text”, que gostaríamos de destacar como fundamental inspiração para dar
continuidade às nossas proposições teóricas e metodológicas.
A paisagem de Duncan (1990) faz referências para muito além da materialidade.
Ele a considera como um sistema de significados que, tal qual a linguagem expressa em
texto, a paisagem é depositária e transmissora de informações. A “paisagem/texto” é um
discurso, uma estrutura social de inteligibilidade dentro da qual todas as práticas são
comunicadas, negociadas e desafiadas. Assim, os discursos estão sempre permitindo
recursos e limites dentro de certas direções de pensamentos e ações que “aparentemente”
são naturais. A pretensa naturalidade da ordem do mundo e, portanto, da dimensão espacial
da sociedade, para James Duncan, é resultante de vários embates e lutas entre os grupos
sociais.
As interpretações das informações dependem dos sujeitos que atuam no processo
de recepção e interiorização da informação que, por sua vez, é determinado e determinante
dos valores culturais. Duncan (1990) nos oferece a compreensão de uma trama de relações
em vários sentidos na análise da paisagem e privilegia o ato criativo dos sujeitos sociais
através de sua leitura e interpretação, evidenciando tanto as interações entre diversos
grupos, quanto a grande dificuldade de interação interpretativa da paisagem entre grupos
que não participavam dos mesmos códigos culturais. Esse autor cria uma abordagem
política da paisagem e afirma que esta deve servir como parte constitutiva da análise de
como a vida social é organizada e de como as relações de força que a compõem são
constituídas, reproduzidas e contestadas.
Importante, ao nosso ver, é o conceito de “intertextualidade” que denota as inter-
relações de textos que se entrecruzam, instituintes e instituídos da “cidade texto”. Além
disso, para o propósito desse trabalho, é fundamental evidenciar as condições gerais de
produção do texto/paisagem hegemônicos e como eles se impregnam de forma naturalizada
na sociedade.
Assim, a cidade texto de James Duncan (1990) define-se numa dinâmica relacional
e processual entre sistema de significados e práticas que se transformam mutuamente ao
longo do tempo. Os seres humanos são tanto agentes de mudança social e, portanto,
espacial, quanto seus produtos. Ao considerar o aspecto da intertextualidade, o autor
incorpora a construção de diferentes significados de um mesmo objeto, assim como
apresenta seus contrastes e assimilações e, além disso, admite que há uma conjugação
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NABOZNY, A; SILVA, J. M; ORNAT, M. J. DESAFIOS À ANÁLISE DO ESTUDO
URBANO...
de forças que age sobre a produção simbólica do espaço, considerada enquanto forma de
conhecimento que orienta as ações cotidianas.
A geografia proposta por Duncan (1990) e seus pares da Nova Geografia Cultural
é uma abordagem aberta aos paradoxos, à pluralidade e, em certa medida, provoca a
‘desordem’ do discurso geográfico calcado na objetividade material do espaço e nas
interpretações hegemônicas. O rico contexto de efervescência imaginativa da Nova
Geografia Cultural potencializou as produções geográficas feministas que emergem a
partir de ‘fissuras’ do pensamento hegemônico desde a década de 70. Mas é no contexto
recente, a partir dos anos 90, que esta corrente ‘científico-política’ realiza importantes
críticas à postura repetitiva da geografia, enquanto disciplina acadêmica, sua
instrumentalização na manutenção e reprodução do poder e invisibilidade de vários grupos
que compõem o espaço.
A obra do geógrafo James Duncan (1990), “The city as text”, é forte inspiração
para nossas pesquisas, pois na medida em que a cidade é um texto, produzido por
‘intertextualidades’, podemos tornar visíveis outros textos que não sejam hegemônicos,
produzindo, através do trabalho científico a visibilidade de grupos tradicionalmente
inexpressivos na geografia. Nesta perspectiva adotamos o argumento de que
Nesse mesmo sentido, a geógrafa Gillian Rose (1993), em Feminism & Geography.
The limits of Geographical Knowledge, constrói a perspectiva do ‘espaço paradoxal’ na
qual chama a atenção às configurações de poder que se estabelecem entre o centro e a
margem da configuração, assim como a plurilocalização dos (as) sujeitos (as). Para esta
autora há uma simultaneidade entre poder e resistência na composição espacial. Assim,
é preciso compreender tanto o que é ‘visível’ quanto o que é ‘invisível’ já que ambos
fazem parte da mesma realidade espacial que é contraditória e complementar
simultaneamente.
Duncan (1990), por sua vez, ao demonstrar que a paisagem da cidade de Kandy
no Sri Lanka era interpretada e vivida de formas diferentes por vários grupos sociais,
evidencia, magistralmente que é a condição paradoxal dos vários textos interseccionados
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Compreendendo a cidade como uma rica trama discursiva ou textual, para utilizar
as palavras de James Duncan (1990), o Grupo de Estudos Territoriais tem optado por
construir a visibilidade de textos que emergem das fissuras e interdições do poder
hegemônico das instituições formais. Diante dessa configuração estabelecemos no grupo
ampla discussão em torno da posicionalidade do pesquisador frente aos desafios
metodológicos a serem desenvolvidos no processo de pesquisa que serão objeto da próxima
seção.
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lógica do Estado que ainda insiste em agir baseado no modelo da prostituição adulta,
envolvendo pontos fixos e o período noturno.
A influência da família, dos contextos, das ações infere no corpo. O corpo não é
um dado pronto, mas resultante de negociações espaciais e históricas. Foucault (1988)
argumenta que as regras de conduta moral-sexual fluem segundo idade, sexo, entre outros,
mas que as obrigações e interdições não são dispostas a todos da mesma maneira. O
espaço geográfico enquanto uma instância social, relacional e processual passa a compor
as estruturas de amadurecimento e interiorização da atividade pelas próprias meninas,
bem como é um elemento das táticas dos envolvidos na exploração.
A desejada exeqüibilidade dos direitos universais das crianças e adolescentes a
partir do ECA só é possível quando se contemplar a diversidade espaço-temporal da
vivência da infância. Pode-se afirmar que a espacialidade do fenômeno da exploração
sexual comercial infanto-juvenil feminina é de alta complexidade e não apresenta um
padrão homogêneo. Pelo contrário, sua sobrevivência só é possível pelas múltiplas
configurações espaciais nas quais se viabilizam as práticas dos sujeitos envolvidos e,
inclusive, da posição do papel repressor do Estado. Ou seja, enquanto as versões desse
fenômeno não produzirem um diálogo, Estado e meninas prostituídas trilharão caminhos
diversos e, infelizmente, a versão da realidade produzida por estas crianças continuará
invisível e silenciada na realidade urbana.
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Considerações Finais
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de perpetuação de uma condição perversa de exploração que cabe também à geografia
urbana estudar e tornar o fenômeno inteligível. O grupo de travestis que desenvolve
atividades de prostituição refutou nossas teorias prévias, desafiou nossas bases explicativas
e articulou seu conhecimento ao nosso. Enfim, compartilhar nossos desafios e limites tem
sido uma excelente maneira de socializar nossa trajetória a fim de produzir novos debates.
Referências Bibliográficas
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FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1984.
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RIBEIRO, Miguel Ângelo. Prostituição de Rua e Turismo em Copacabana – A Avenida
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SOUZA, Marcelo Lopes de. O Território: Sobre Espaço e Poder, Autonomia e
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Villalobos, Jorge U. Guerra. Geografia e Sexo: Os Discursos e Práticas no Território
Brasileiro. Scripta Nova Revista Electrónica de Geografía y Ciencias Sociales.
Universidad de Barcelona, n. 45 (53). 1º de Agosto de 1999. ISSN 1138-9788
Recebido para publicação dia 10 de Novembro de 2007
Aceito para publicação dia 11 de Fevereiro de 2008
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Resumo: O processo histórico de formação institucional das
ciências modernas gerou uma tendência a especialização do
O ESTUDO conhecimento que levou a muitos a acreditarem que as
GEOGRÁFICO DOS denominações dessas especializações expressavam a totalidade
ELEMENTOS da realidade observada. Esse é o caso da chamada Geografia
Cultural em que os estudos dos aspectos culturais da realidade
CULTURAIS - social pela visão geográfica, presentes em qualquer abordagem,
CONSIDERAÇÕES PARA acabam substituídos por aspectos de catalogação e descrição
ALÉM DA GEOGRAFIA superficial dos elementos de determinada região. O resgate atual
da Geografia Cultural tende a cair em modismos teóricos e apenas
CULTURAL ser um novo nome para práticas viciadas de se fazer estudos
científicos, não contribuindo para um melhor entendimento da
dinâmica espacial da sociedade atual.
THE GEOGRAPHICAL STUDY OF THE Palavras-chave: Cultura; Geografia; Ciência, Linguagem,
CULTURAL ELEMENTS - Identidade.
CONSIDERATIONS FOR BESIDES
CULTURAL GEOGRAPHY Abstract: The historical process of institutional formation of the
modern sciences ended up generating a tendency the
EL ESTUDIO GEOGRÁFICO DE LOS specialization of the knowledge that took to many believe that
ELEMENTOS CULTURALES- the denominations of those specializations expressed the totality
CONSIDERACIONES PARA ADEMÁS
DE LA GEOGRAFÍA CULTURAL
of the observed reality. That is the case of the call Cultural
Geography in that the studies of the cultural aspects of the social
reality for the geographical vision, present in any approach,
tended to be substituted by aspects of cataloguing and superficial
description of the elements certain area. The current rescue of
CLÁUDIO BENITO the Cultural Geography tends to fall in theoretical posture and
just to be a new name for vicious practices of scientific studies,
OLIVEIRA FERRAZ not contributing to a better understanding of the space dynamics
of the current society.
Professor vínculado ao Keywords: Culture; Geography; Science, Language, Identity.
Departamento de Educação da
Universidade Estadual Paulista - Resumen: El proceso histórico de formación institucional de las
UNESP (campus de Pres.
Prudente/SP) ciencias modernas terminó generando una tendencia a la
especialización del conocimiento que tomó a muchos creer que
e-mail: [email protected] las denominaciones de esas especializaciones expresaron la
totalidad de la realidad observada. Ése es el caso de la llamada
Geografía Cultural en que los estudios de los aspectos culturales
de la realidad social para la visión geográfica, presente en
cualquier abordaje, cuidó sustituidos por los aspectos de
catalogación y descripción superficial de los elementos en cierta
área. El rescate actual de la Geografía Cultural tiende a
desplomarse en los modismos teóricos y simplemente ser un
nuevo nombre para las prácticas viciadas de hacer los estudios
científicos, no contribuyendo a un entendimiento de la dinámica
espacial de la sociedad actual.
Palabras clave: La cultura; la Geografía; la Ciencia, la
Lenguage, la Identidad.
Introdução:
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Geografia. Muitos não entendem que entre a denominação de uma área do saber e a
existência concreta desta, ou sua naturalização enquanto elemento do real, existe uma
grande diferença.
Achar que o termo Geografia Cultural expressa uma parte da realidade, a qual
deve sofrer dos mesmos processos de abordagens das tradicionais análises geográficas
para assim ser mais bem mensurada, catalogada e representada teoricamente, é um
complicador do discurso geográfico.
Não existe Geografia Cultural enquanto tal, assim como não existe Geografia
Humana, Física etc., o que existe de fato é a realidade em sua diversidade de manifestações
e fenômenos, os quais podem ser interpretados pela organização discursiva e lingüística
de cada ciência.
Portanto, as manifestações e práticas culturais podem ser estudadas por diversos
ramos do saber, incluindo-se aí a Geografia, mas isso não significa que exista uma coisa,
uma entidade ou expressão da realidade que seja a “Geografia Cultural”. Essa denominação
visa mais atender uma necessidade de especialização e burocratização institucional da
pesquisa científica do que delimitar a existência de um fato em si.
A Geografia pode auxiliar no melhor entendimento dos elementos culturais a partir
de como a sociedade atual os utiliza ou os experimenta no sentido de sua lógica e dinâmica
espacial, isso é o que realmente importa e, para tal, torna-se necessário redimensionar o
vocabulário geográfico, assim como suas práticas e referenciais, de maneira a melhor
contribuir para a interpretação do mundo em sua dinâmica contemporânea.
Os fatores e elementos culturais tomam na sociedade atual importância cada vez
mais central, tanto no aspecto de congregar o processo de reprodução e acumulação
capitalista, assim como de divulgar e propagar os valores, percepções e comportamentos
definidores das atuais relações, tanto sociais quanto individuais.
O papel das diversas mídias, atrelado às novas tecnologias e técnicas de informação
e comunicação, assim como o caráter cada vez mais presente dos referenciais imagéticos
e estetizantes delineadores e delineados pelas perspectivas e necessidades humanas, faz
com que o complexo cultural possua uma presença espacial nunca antes vista.
A Cultura, entendida aqui em seu sentido mais amplo possível, desenvolveu
contemporaneamente formas diversas de manifestações, assim como dinamizou as relações
de disputa pelo poder e as de construção de identidades sócio-individuais, tanto em nível
local quanto global. Perante esses fatos, cobra-se da Geografia a elaboração de parâmetros
que permitam uma melhor leitura dessa nova ordem espacial, permitindo estabelecer
sentidos de orientação e localização mais próximos das condições de existência do ser
humano no interior desse processo.
O artigo aqui visa contribuir nessa direção, para tal, sistematiza algumas
interpretações pertinentes ao estudo geográfico do conceito e idéia de cultura, assim
como apresenta um rápido histórico de como a geografia oficial incorporou e desenvolveu
o estudo do universo da cultura no interior da área chamada “Geografia Cultural” e,
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1
Um exemplo clássico desse distanciamento é encontrado em referência a obra do geógrafo Eric Dardel, que
nos anos 50 e 60 do século XX desenvolveu vários estudos sobre a redefinição do sentido de cultura na
abordagem geográfica, mas ficou praticamente ignorado, só sendo resgatado anos depois em países como
Canadá e, no caso brasileiro, só veio a ser estudado mais efetivamente a partir da década de 90. Os motivos
para essa recusa em focar os estudos culturais no período são vários, e pensadores como Claval, Cosgrove,
Correa tecem esclarecimentos a respeito, vide bibliografia.
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Aguilera.
Esses hábitos, utensílios e valores hoje são comuns a boa parte dos jovens moradores
da maioria das cidades do mundo. As diferenças se restringem, enquanto classe social,
mais ao aspecto de poder econômico para consumir produtos mais sofisticados, e enquanto
diferenças regionais, a aspectos peculiares que não chegam a comprometer o padrão
geral, muitas vezes se interagem com esse referencial cosmopolita, dando ao mesmo um
tempero especial, como é o caso de fazer fast food de comida baiana, ou ouvir “forró
universitário” nas festas de São João na Paraíba.
Perante isso, a lógica das identidades culturais não fica tão somente circunscrita
aos parâmetros territoriais fixos, delimitados por fronteiras rígidas. O espaço em que se
expressava determinada unidade cultural não é mais um palco com sua paisagem
secularmente consolidada.
A lógica da manifestação cultural atualmente está intrinsecamente relacionada
com a interdinâmica escalar do espaço, entre o local e o mundial.
A cultura hoje é mais do que utensílios e práticas temporalmente consolidadas, ela
é também relações de valorização subjetivas de identidade e significação que se
manifestam objetivamente ou simbolicamente no espaço, tanto na concretude dos territórios
quanto no imaginário social de cada indivíduo.
Diante disso, não cabe mais um termo como Geografia Cultural em si, cuja idéia
refere-se a uma prática de estudos regionais passíveis de delimitação física e sob uma
herança histórica que funciona como um peso a cristalizar a paisagem quase que imutável
dos locais. Hoje, cobra-se do estudo geográfico dos fenômenos culturais um enfoque da
dinâmica espacial da sociedade em interação íntima com os aspectos individuais e coletivos
no estabelecimento de significação social, tanto em seus determinantes econômicos quanto
simbólicos.
Diante de todas essas mudanças no sentido econômico e ideológico do papel da
cultura no universo capitalista atual, perante a grave crise de identidade e função social
que permeou a ciência geográfica a partir dos anos 70, os antigos enfoques geográficos
sobre o universo cultural passam a ser resgatados e readaptados às novas condições do
mundo, mas como forma de se buscar referenciais condizentes para os estudos científicos
deste saber perante as novas condições espaciais então em rápido processo de
consolidação.
A questão atual é entender os atuais parâmetros de localização e de orientação, de
pertencer e se identificar com determinado lugar, sendo que esse lugar não é mais passível
de ser tomado isoladamente, pelo contrário, ele é a manifestação do mundo em suas
características locais. Ou seja, o que se coloca hoje no estudo geográfico da cultura é de
como esta permite o homem se construir enquanto humano no tempo e espaço em que
produz territorialmente os sentidos de sua existência.
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B)LINGUAGEM E IDENTIDADE:
2
A busca por processos mais criativos sofre grave resistência por parte da academia, basta ver que até os
meios de divulgação e apresentação das reflexões científicas passam por um processo de padronização e
delimitação que visa inibir a criatividade, a produção de pensamentos mais originais e as formas de apresentá-
los. A justificativa para tal é uma suposta idéia de qualidade padronizante de cunho competitivo internacional.
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únicos como forma de impor um valor monopólico aos seus produtos. É o caso dos
quadros de pintores famosos, das cervejas e vinhos de determinadas regiões.
O gosto estético pelo único é fruto de toda uma construção histórica e midiática,
viabilizando que grandes investimentos sejam feitos em determinadas porções do território
e produtos, mesmo que as práticas destas e seus meios sejam contestadores à lógica do
sistema global, mas se a singularidade produzir lucros, sejam estes advindos do turismo,
da música, do cinema etc., vale o risco de investimento.
Eis a nova face da dialética “espaço-lugar”, aquela que se explica pelo capital
simbólico coletivo produzido em determinados locais. Por exemplo, caso uma região que
busca sua autonomia política e identidade própria possua terras e clima propícios a produzir
um bom vinho; toda essa simbologia de autonomia, orgulho regional e sentido de liberdade
pode ser utilizada pelo grande capital como fundamento lógico para se investir nessa
região, mesmo correndo o risco de convulsões sociais. O interesse visa uma mercadoria
carregada dessas significações culturais que servirão como uma espécie de valor agregado
ao produto final, o que transformará esse vinho em algo único, portanto, passível de renda
de monopólio.
Melhor entender como os elementos simbólicos e estéticos dos produtos culturais,
a partir das características locais e em acordo com a lógica acumulativa e da divisão
internacional do trabalho, acabam contribuindo para os processos de reprodução do capital
no interior das atuais condições de competitividade e exploração, é uma frente desafiadora
para as interpretações geográficas e de crucial importância à leitura da lógica espacial da
sociedade contemporânea.
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E)PALAVRA E IMAGEM:
3
Esses conceitos foram elaborados por Marcel Mauss, vide bibliografia.
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Considerações finais:
47
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Bibliografia:
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Resumo: Este artigo tem por objetivo analisar estudos da migração
ESTUDOS da “modernidade” e da “pós-modernidade”. Na modernidade, os
estudos migratórios tenderam a apresentar, no interior de uma
MIGRATÓRIOS NA racionalidade cientificista, modelos gerais e hegemonicamente com
MODERNIDADE E NA perfil macro-materialista. No contexto pós-moderno, a partir da
PÓS-MODERNIDADE: “crise da modernidade”, aventa-se a possibilidade da incorporação
de novos elementos nas análises dos estudos migratórios, tais como
DO ECONÔMICO AO da subjetividade, identidade, da relação eu/outro, da memória e das
representações, do duo ausência/presença; sobretudo, apresenta
CULTURAL?* maior ênfase sobre os sujeitos apontando para a hegemonia dos
estudos culturais. Contudo, modernidade e pós-modernidade devem
ser apreendidos como momentos de um mesmo processo. Nesta
STUDIES MIGRATÓRIOS NA dialética, é temeroso desconsiderar o elemento cultural em nome de
MODERNIDADE AND THE POST- um “objetivismo” economicista; igualmente, corre-se o risco em
recusar os elementos conjunturais e estruturais em prol da
MODERNIDADE: THE ECONOMIC centralidade “liberal” do indivíduo. A migração, como “fenômeno
THE CULTURAL?
social completo” e multifacetado, deve ser analisada através de uma
perspectiva teórico-metodológica que incorpore elementos culturais
ESTUDIOS MIGRATÓRIOS NA e econômicos, portanto, uma totalidade que se faz por entre
MODERNIDAD Y DE LA subjetividade, estrutura e conjuntura.
POSMODERNIDAD: EL ECONÓMICO Palavras-chave: Migrações; Modernidade; Pós-modernidade;
CULTURAL? Econômico; Cultural.
Abstract: This article it has for the objectives to examine studies of
the migration of “modernity” and “post-modernity”. In modernity,
studies migration tended to present, within a rational cientificist,
general models and hegemonic with profile macro-materialist. In
the post-modern, from the “crisis of modernity”, see the possibility
to incorporate new elements in the analysis of studies migration,
MARCOS LEANDRO such as of subjectivity, identity, the relations I/other, and the memory
of representations, the duo absence/presence, in particularization,
MONDARDO has increased emphasis on the subject pointing to the hegemony of
cultural studies. However, modernity and post-modernity should
be seized, as moments of the same process. This dialectic is a fear
Mestrando em Geografia pelo disregard the cultural element in the name of a “objective” economic;
Programa de Pós-Graduação em also, it is possible to refuse the cyclical and structural elements in
Geografia da Universidade favor of the centrality “liberal” the individual. The migration, as
Federal da Grande Dourados; “complete social phenomenon” and multifaceted, must be examined
Bolsista CAPES. through a theoretical and methodological approach that incorporates
elements cultural and economic therefore a whole that is by between
Endereço: Rua Itapeva, nº 150, subjectivity, structure and conjuncture.
Key-words: Migration; Modernity, Post-modernity; Economic,
Bairro Pinheirinho – Francisco Cultural.
Beltrão – Paraná
CEP 85603-010 Resumen: Este artículo tiene por objetivo examinar los estudios
de la migración de la “modernidad” y “posmodernidad”. En la
Correio Eletrônico: modernidad, estudios de la migración tiende a presentar, dentro de
[email protected] un racional cientificista, modelos generales y hegemonicamente con
perfil macroeconómico materialista. En el posmoderno, de la “crisis
de la modernidad”, de la crisis de la modernidad, aventa la posibilidad
de incorporar nuevos elementos en el análisis de los estudios de
migración como de la subjetividad, la identidad, la relación yo/otros,
y la memoria de las reclamaciones, el dúo ausencia/presencia, en
particular, ha aumentado la atención sobre el tema apunta a la
hegemonía de los estudios culturales. Sin embargo, la modernidad
y la posmodernidad debería aprovecharse en momentos de un mismo
proceso. Esta dialéctica es temeroso desprecio cultural elemento en
el nombre de un “objetivismo” económica; también, es posible
* Agradeço as importantes e atentas negarse a los elementos cíclicos y estructurales en favor de la
leituras e as contribuições de Jones centralidad “liberales” la persona. La migración, como “fenómeno
social total” y multifacética, debe ser examinado a través de un
Dari Goettert e Flaviana Gasparotti enfoque teórico y metodológico que incorpora elementos culturales
Nunes, do curso de graduação e pós- y económicos, por lo tanto, un todo que es por entre la subjetividad,
graduação em Geografia da la estructura y coyuntura.
Universidade Federal da Grande Palabras clave: Migración; Modernidad; Posmodernidad;
Económicos, Culturales.
Dourados.
Foi nestes lugares que vim ao mundo, foi daqui, quando ainda não tinha
dois anos, que meus pais, migrantes empurrados pela necessidade, me
levaram para Lisboa, para outros modos de sentir, pensar e viver, como se
nascer eu onde nasci tivesse sido conseqüência de um equívoco do acaso,
de uma casual distração do destino, que ainda estivesse nas suas mãos
emendar (...) Só eu sabia, sem consciência de que o sabia, que nos legíveis
fólios do destino e nos cegos meandros do acaso havia sido escrito que
ainda teria de voltar à Azinhaga para acabar de nascer.
José Saramago
As pequenas memórias
Introdução
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Terra Livre - n. 29 (2): 51-74, 2007
buscamos sistematizar alguns dos principais elementos de suporte nas discussões entre
modernidade e pós-modernidade; na segunda parte, buscamos analisar os principais troncos
teóricos dos estudos da migração – qual a ligação com as questões da modernidade e da
pós-modernidade – e quais os novos estudos/elementos incorporados na reflexão sobre a
mobilidade espacial. Por fim, apresentamos nossas considerações sobre os estudos das
migrações e suas transformações na “crise da modernidade” com a incorporação de
novos elementos na análise.
Modernidade e Pós-Modernidade
A Modernidade
53
MONDARDO, M. ESTUDOS MIGRATÓRIOS NA MODERNIDADE E
NA PÓS-M ODERNIDADE...
Se ser moderno é “estar de acordo com sua época”, como o senso comum
legitimou, também é, como indica a própria raiz do termo, “estar na moda”,
acompanhar o momento. Mas viver o presente ignorando o passado é
modismo, é seguir constantemente “na crista da onda” que marca o presente,
é não se fixar-se enraizar em objetos e idéias, é mutação/“desterritorialização”
permanente, velocidade que não pára, só passa – rede/fluxo que pensa a
mudança como simples mobilidade, pois mutação que se dá todo tempo
acaba se tornando um mudar por mudar, sem atingir mais do que a superfície
dos fatos (HAESBAERT, 2002, p. 57, [grifo do autor]).
Assim, a modernidade impõe o mudar por mudar “sem sentido”, o novo que se
torna velho ao piscar de olhos. A alta velocidade nos processos de consumo, de produção,
da articulação de idéias, na alta produtividade1 . Aliado a isso, Gomes (1996) aventa a
hipótese de que a modernidade retém em sua base um duplo caráter fundamental formado
pelo par novo/tradicional. Embora sejam noções antigas (novo/tradicional), elas se tornaram
um verdadeiro sistema de valores. Para se falar de tradição, por exemplo, há de se referir
a um sistema de valores apoiados no “novo”, assim, “(...) são dois sistemas que se opõem,
mas que estruturam uma mesma ordem” (p. 29).
Por outro lado, o moderno refere-se ao fortalecimento de instituições e de práticas
articuladas envolvendo Estado, capital, sociedade e ciência. Nesta perspectiva, Giddens
(2002, p. 221) define a modernidade como “a presente fase de desenvolvimento das
instituições modernas, marcada pela radicalização e globalização dos traços básicos da
modernidade”. Ainda, segundo o autor:
1
Segundo Haesbaert (2002, p. 57), “Na ânsia pelo novo e no fascínio por essa velocidade de crescimento
avassalador, teríamos desembocado no paradoxo lavouiseiriano defendido hoje pelos pós-modernistas: de
tanto acelerar sua mudança, o mundo moderno teria caído no ‘nada se cria, tudo se repete’ (ou se copia, se
simula).”
54
Terra Livre - n. 29 (2): 51-74, 2007
Bauman (2005), por sua vez, afirma que em nossa época líquido-moderna a
mudança obsessiva e compulsiva (chamada de várias maneiras: “modernização”,
“progresso”, “aperfeiçoamento”, “desenvolvimento”, “atualização”) é a essência do modo
moderno de ser. “Você deixa de ser ‘moderno’ quando pára de ‘modernizar-se’, quando
abaixa as mãos e pára de remendar o que você é e o que é o mundo a sua volta” (p. 90).
A Pós-Modernidade
(...) a crise da razão – crise da própria ciência – permite e abre espaço para
a discussão de novos formatos de produção do saber, de novos métodos e
de posturas alternativas. Discute-se a emergência de novas sensibilidades,
também no âmbito da ciência. Por essa ótica, o debate percorre meandros
ainda mais tortuosos e reforça novas polêmicas (HISSA, 2006, p. 64).
2
Giddens (1991, p. 69), afirma que a globalização pode assim “ser definida como a intensificação das relações
sociais em escala mundial, que ligam localidades distantes de tal maneira que acontecimentos locais são
modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas de distancia e vice-versa”.
55
MONDARDO, M. ESTUDOS MIGRATÓRIOS NA MODERNIDADE E
NA PÓS-M ODERNIDADE...
conexão entre os fatos, o que significa a inexistência de uma determinada ordem na vida.
De acordo com Hissa (2006, p. 92), “os espaços-tempos pós-modernos sugerem uma
demarcação cronológica a iniciar-se na ‘era pós-industrial’, por volta dos anos cinqüenta”.
Outro aspecto que Harvey (1994) destaca na pós-modernidade diz respeito ao seu
lado psicológico; enquanto a modernidade dedica-se à busca do futuro, a pós-modernidade
concentra-se nas circunstâncias induzidas pela fragmentação e instabilidade características
da vida, de modo que impede o planejamento do futuro.
Por sua vez, Sousa Santos (2004) afirma que a idéia da pós-modernidade aponta
“(...) para a descrição que a modernidade ocidental fez de si mesma e nessa medida pode
ocultar a descrição que dela fizeram os que sofreram a violência com que ela lhes foi
imposta. Essa violência matricial teve um nome: o colonialismo” (2004, p. 6-7). Assim,
vivemos, de fato, um tempo intelectual complexo que se pode caracterizar desta forma
algo paradoxal: “(...) cultura e especificamente a cultura política ocidental é hoje tão
indispensável quanto inadequada para compreender e transformar o mundo” (2004, p. 7).
Assim, a idéia da “(...) exaustão da modernidade ocidental facilita a revelação do caráter
invasivo e destrutivo da sua imposição no mundo moderno, uma revelação cara ao pós-
colonialismo” (2004, p. 11). Nesse contexto, o autor entende por “pós-colonialismo”:
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57
MONDARDO, M. ESTUDOS MIGRATÓRIOS NA MODERNIDADE E
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Migrações e Modernidade
3
Troncos teóricos foi uma expressão utilizada, dentre outros, por Salim (1992, p. 122), e, posteriormente
também utilizada por Póvoa Neto (1997, p. 15), para designar uma classificação de trabalhos existentes
segundo suas filiações teóricas e os aspectos da realidade priorizados.
58
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Pode-se falar, em primeiro lugar, de um conjunto de autores que faz uso de uma
concepção neoclássica do espaço e das migrações. Para tal concepção, as migrações
não têm uma expressão apenas demográfica, mas principalmente econômica,
representando deslocamentos espaciais de trabalhadores no espaço geográfico. Para
Salim (1992, p. 122), “Para este tronco teórico, os movimentos populacionais correspondem
à mobilidade geográfica dos trabalhadores. Esta, por sua vez, surge de desequilíbrios
espaciais dos ‘fatores de produção’: terra, capital e recursos naturais”.
Segundo Póvoa Neto (1997, p. 15) o migrante seria, segundo tal abordagem, um
portador de trabalho, fator produtivo que, em combinações adequadas com a terra e o
capital, apresenta interesse para os processos de desenvolvimento econômico. O espaço
pode ser, para os neoclássicos, “equilibrado” ou “desequilibrado”, conforme a combinação
de fatores mais ou menos próxima de um determinado “ótimo”. Vainer (2005), aponta
que a análise da migração, nesta perspectiva, apresentaria os seguintes contornos:
59
MONDARDO, M. ESTUDOS MIGRATÓRIOS NA MODERNIDADE E
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espaço.
Ainda, para Salim (1992, p. 123), nessa concepção, “o indivíduo é a unidade da
análise, e sua propensão natural ao movimento é um pressuposto”4 . O migrante, como
um portador do fator trabalho, busca o máximo retorno para seu “investimento” em um
dado ponto do espaço. Conseqüentemente, os diferenciais de salário, na espacialidade
heterogênea, configura-se como fator básico da migração. Assim, “Tal imagem se
assemelha a uma caricatura da primazia do econômico na análise social” (PÓVOA
NETO, 1997, p. 17, [grifo nosso]). Nesse sentido:
4
O papel do indivíduo na abordagem neoclássica é denominada por Ferreira (1986, p. 99) de
“comportamentalista”, que enfatiza as atitudes possíveis de indivíduos que, ao migrar, atenderiam aos apelos
do mercado capitalista.
5
Ainda, segundo Vainer (2005, p. 262), na concepção neoclássica, “O homem que se localiza é o homem que
calcula, que faz do cálculo econômico o princípio de seu comportamento e, portanto, só existe na condição de
homem livre. O espaço no qual circulam capitais e trabalhadores é espaço abstrato, homogêneo, puro espaço
econômico onde se condensam ou dispersam recursos econômicos e capitais de vários tipos” (grifo nosso).
60
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6
Segundo Singer (1981, p. 38), “Os fatores de expulsão que levam as migrações são de duas ordens: fatores
de mudança, que decorrem da introdução de relações de produção capitalistas nestas áreas, a qual acarreta a
expropriação de camponeses, a expulsão de agregados, parceiros e outros agricultores não proprietários,
tendo por objetivo o aumento da produtividade do trabalho e a conseqüente redução do nível de emprego (....)
e fatores de estagnação, que se manifestam sob a forma de uma crescente pressão populacional sobre uma
disponibilidade de áreas cultiváveis física de terra aproveitável como pela monopolização de grande parte da
mesma pelos grandes proprietários” (grifo nosso).
61
MONDARDO, M. ESTUDOS MIGRATÓRIOS NA MODERNIDADE E
NA PÓS-M ODERNIDADE...
da multiplicidade de suas formas -, onde a natureza das relações social de produção tem
papel determinante na sua conformação concreta”.
Gaudemar concebe a mobilidade do trabalho como elemento do jogo do capitalismo.
O trabalhador portador de força de trabalho participa desse “jogo econômico como simples
peão no tabuleiro”, como instrumento do capital:
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Migrações e Pós-Modernidade
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Seja qual for a razão da migração, bem ou mal sucedida há nela uma constante
psicologia a ser lembrada: a perda. Perde-se a referência territorial, os valores
culturais e as pessoas conhecidas. Perde-se também a identidade – identitas
que quer dizer ‘o mesmo’ ou ‘repetição do mesmo’ como em identidem. A
identidade do migrante, assim, como a de qualquer indivíduo, é formada
nesse momento de crise (crisis é oportunidade), quando se é forçado a
escolher o que não se é e o que não se quer ser. É quando se começa a
escolher o que não se é e o que não se quer ser. (...) O cerne dessa identidade
é, em muito, determinado pelas imagens que lhe aparecem através do Outro,
dos seus semelhantes, dos que lhe são importantes, da herança cultural e da
consciência coletiva (MENEZES, 2007, p. 120, [grifo do autor]).
65
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NA PÓS-M ODERNIDADE...
7
Como afirma Hall (2004, p. 39), “(...) a identidade é realmente algo formado, ao longo do tempo, através de
processos inconscientes, e não inato, existe na consciência no momento do nascimento. Existe sempre algo
“imaginário” ou fantasiado sobre sua unidade. Ela permanece sempre incompleta, está sempre “em processo”,
sempre “sendo formulada”. (...) A identidade surge não tanto da plenitude da identidade que já está dentro de
nós como indivíduos, mas de uma falta de inteireza que é “preenchida” a partir de nosso exterior, pelas
formas através das quais nós imaginamos ser vistos por outros” (grifo do autor).
66
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Outro estudo sobre as migrações que abarca novos elementos para a análise, é do
sociólogo Abdelmalek Sayad, especialmente em A imigração ou os paradoxos da
alteridade. Nele, o autor analisa a e/imigração de argelinos para a França evidenciando,
principalmente, os aspectos sociais dos e/imigrantes argelinos no processo. Utiliza-se
para isso de fontes orais, obtidas através de entrevistas, retratando os elementos mais
“íntimos” das vidas dos imigrantes, demonstrando as condições cotidianas dos sujeitos
67
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Assim, sendo a pós-modernidade uma nova sensibilidade, uma nova leitura e uma
nova experiência de mundo, diretamente vinculada aos novos paradigmas tecnológicos
que balançam as antigas certezas e os antigos laços da sociedade com o espaço, a pós-
modernidade denota transformações nas formas de deslocamento espacial das pessoas.
Como afirma Haesbaert (2006, p. 238), “(...) o migrante é parcela integrante – ou que
está em busca de integração – numa (pós) modernidade marcada pela flexibilização – e
precarização – das relações de trabalho”, sendo ligado inclusive ao processo de
desterritorialização:
Com essa pretensa e “intensa” mobilidade pós-moderna, através das viagens dos
turistas, dos “vagabundos”, dos imigrantes, dos trabalhadores, há um processo de
valorização do lugar. Justamente pela anunciação da pretensa homogeneização do mundo
através da globalização, é que o “lugar mostra sua força”, como afirma Santos (2004).
Desse modo, a mobilidade:
8
Bauman (1999, p. 103), afirma que nesse processo de mobilidade “Tanto o turista como o vagabundo são
consumidores – e os consumidores dos tempos modernos avançados ou pós-modernos são caçadores de
emoções e colecionadores de experiências; sua relação com o mundo é primordialmente estética: eles percebem
o mundo como alimento para a sensibilidade, uma matriz de possíveis experiências (...)”.
69
MONDARDO, M. ESTUDOS MIGRATÓRIOS NA MODERNIDADE E
NA PÓS-M ODERNIDADE...
(...) uma vez tendo sido obrigado a me mudar, expulso de algum lugar que
pudesse passar pelo meu “habitat natural”, não haveria um espaço a que
pudessem considerar-me ajustado, como dizem, cem por cento. Em todo e
qualquer lugar eu estava – algumas vezes ligeiramente, outras ostensivamente
– “deslocado” (BAUMAN, 2005, p. 18, [grifo do autor]).
Assim, as migrações atualmente estão sendo estudadas por novas matrizes teóricas.
Destaca-se a importância dos estudos que apresentam a cultura como elemento principal,
justificada através do encontro e contato com inúmeras culturas no processo de mobilidade
“intensa” na pós-modernidade. Para Ortiz, isso ocorre porque:
Como as culturas entram em contato por meio dos homens, a base referencial
deve ser um agrupamento, uma coletividade de indivíduos que se desloca
espacialmente. O choque ou a assimilação cultural se faz sempre no seio de
um território, a nação, a cidade, o bairro. Dentro deste quadro, o conceito
de memória coletiva torna-se fundamental para a análise (...), pois sabemos
que as trocas se fazem em detrimento do grupo que parte, para se implantar,
em condições adversas, em terras estranhas. (...) Entretanto, para ser
vivificada, a memória necessita de uma referência territorial, ela se atualiza
no espaço envolvente. (...) Os mecanismos da memória coletiva lhes permite
recuperar as lembranças do esquecimento (ORTIZ, 2006, p. 75).
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Janeiro: Revan, 2005, pp. 251-274.
73
MONDARDO, M. ESTUDOS MIGRATÓRIOS NA MODERNIDADE E
NA PÓS-M ODERNIDADE...
74
AS DOENÇAS COMO Resumo: O artigo trata da análise das doenças mais freqüentes
OBJETO DE ESTUDO
NO CONTEXTO na região de Londrina (Norte do Paraná – Brasil) na sua fase
GEOGRÁFICO: inicial de colonização. A região foi bastante visitada por geógrafos
LONDRINA 1932/1943* nessa época e em seus trabalhos foram utilizados conceitos
chaves para a interpretação do tema insalubridade, doenças e
mortes. Foram utilizadas informações através de entrevistas,
ILLNESSES AS OBJECT OF STUDY IN depoimentos escritos, livros de memórias, reportagens, dados
THE GEOGRAPHIC CONTEXT: (apesar de incompletos) e documentos públicos. Entre esses, foi
LONDRINA - 1932/1943 montado um banco de dados com as informações do livro de
LAS ENFERMEDADES COMO O BJETO
inumação do primeiro cemitério da cidade de Londrina e
DE ESTUDIO EN EL CONTEXTO posteriormente elaborados gráficos e tabelas.
GEOGRÁFICO LONDRINA - 1932 / Palavras Chave: Doenças, mortes, Londrina, Paraná, Geografia.
1943
Abstract: This paper deals with the analysis of the most frequent
diseases in the region of Londrina (North of the Paraná - Brazil)
in its initial phase of settling. The region was visited frequently
by geographers at that time and its works had been used concepts
MÁRCIA S. DE CATVALHO keys for the interpretation about insalubrities, illnesses and
deaths. Information was taken through written interviews,
Docente do Departamento de observations, books of memories, news articles, data (although
Geociências da Universidade incomplete) and public acts. Between these, it was organized a
Estadual de Londrina (Paraná)
data base with the information of the book of burials of the first
Endereço eletrônico: cemetery of the city of Londrina and later, graphics and tables.
[email protected] Key Words: Diseases, Deaths, Londrina, Paraná, Geography.
Introdução
76
Terra Livre - n. 29 (2): 75-94, 2007
Monbeig destacou que o estudo através dos complexos de caráter regional apontava
para contribuição original que a Geografia poderia dar às ciências humanas, pois o geógrafo
seria capaz de relacionar fatos sociais ao meio físico-biológico (MONBEIG, 1957, p.
153). DANTAS (2005) vinculou a formação e o pensamento de Monbeig à Geografia
clássica, após a morte de Vidal de la Blache. O estado da arte da geografia francesa
naquela época compreendia a geografia física de DeMartonne e Baulig, a geografia
regional de Blanchard e Demangeon e a geografia humana de Brunhes, Demangeon e
Sorre. E por este último entendemos a importância do estudo das doenças nas frentes de
colonização estudadas e a contribuição sorreana da ampliação do significado de gênero
de vida para sociedades urbanas. Representante da geografia regional, Monbeig tinha
raízes firmes na elaboração de um inventário do espaço na herança lablachiana de
densidade, região, meio, gênero de vida e paisagem. Mais do que uma escala de pesquisa,
a análise regional seria aplicada como um método (no qual o conceito de complexo seria
de grande importância) para a geografia agrária, urbana, política e até apara a econômica
e tropical (DANTAS, 2005. p. 15-17). Munido do instrumental que constava do trabalho
de campo, análise regional e análise de situação, verificou que a análise de gêneros de
vida (européia) apresentava problemas diante de uma realidade tão diversa no aspecto
do ritmo e velocidade das mudanças. Entretanto os elementos básicos estão presentes na
produção de Monbeig, como a atenção dada às técnicas, à alimentação, às doenças, à
psicologia dos habitantes. Ele foi buscar na idéia norte-americana de front recursos para
a análise da dinâmica populacional do território nacional, porém não se contentou com o
conceito de frente, trabalhando com zona pioneira (equivalente à fronteira) e desenvolvendo
mais tarde o de franja pioneira.2 Tudo isso enfeixado no conceito de complexo regional.
Mais conhecido pelos seus livros que trataram do fenômeno da fome, Josué de
Castro deu a sua contribuição para a relação Saúde e Doença, através da obra Manual
de Geografia Humana, cujas bases lablachianas são claras, ao tratar de três temas: clima
2
DANTAS (2005, p. 68) nos revela que “o Monbeig que escreve em meados da década de 30 já não é o mesmo
na década de 40, ainda menos o da década de 60. A mudança de denominação é também uma mudança na forma
de ver e de analisar o fenômeno pioneiro”. Eu acrescentaria que nem a região permaneceu a mesma.
77
CARVALHO, M. S. DE AS DOENÇAS COMO OBJETO DE ESTUDO...
humano, aclimatação e colonização. Embora Castro tenha usado o termo clima humano
em obra datada de 1957, ele nos permite agregar conceitos de ampla utilização na
Geografia da época estudada. Castro se reporta às ações humanas de criar um abrigo, a
habitação, o vestuário, a alimentação adequada – gênero de vida - e daí o homem ter
criado “em torno de si um clima até certo ponto diferente do clima natural das várias
regiões em que vive, e ao qual podemos dar o nome de clima humano” (CASTRO, 1964,
p. 29). Resultado da adaptação técnica humana, ele é produzido pelo gênero de vida
formado pelos fatores culturais, entre eles por meio da higiene, saneiam zonas insalubres
(CASTRO 1964, p. 31).
A transformação do ambiente insalubre, causador de doenças que afetavam os
imigrantes do Norte do Paraná, em clima humano é a época que buscamos analisar do
ponto de vista da mortalidade: da década de 1930 à metade da década de 1940. Por outro
lado, a existência de solos férteis exerceu o papel de atração não só aos futuros produtores
rurais, comerciantes e todo tipo de personagens comuns às frentes agrícolas, mas também
ao capital internacional que buscava áreas não coloniais para inseri-las como fornecedoras
de matérias-primas na economia internacional. O saneamento e a “salubrização regional”
foram necessários para colonização de regiões até então consideradas inabitáveis.
Outro termo importante para compreendermos a análise geográfica da época é o
de aclimatação, isto é, o resultado dos contatos e reajustamentos entre o elemento humano
colonizador e o elemento nativo (CASTRO, 1964, p. 73). A região do Norte do Paraná já
havia enfrentado o despovoamento e a aglutinação de parcela dos grupos indígenas desde
a fundação de dois assentamentos às margens do baixo curso do rio Tibagi: um militar
(1850/55 - Jataí) e um aldeamento indígena (1855 - Colônia São Pedro). Nessa fase
podemos identificar os dois núcleos de ocupação estratégica brasileira num território
ainda demograficamente vazio de população de ascendência européia questionado por
castelhanos. Por este fato, ambos os núcleos poderiam ser classificados como colônias
de posição. Somente após as duas primeiras décadas do século XX podemos classificar
a região no tipo de colônia de enraizamento, com poucos contatos entre a população
imigrante e os raros remanescentes indígenas. Contrariamente aos núcleos coloniais de
outras áreas dos estados da região sul do Brasil estabelecidos no Império, a corrente
migratória que se formou teve a participação de descendentes dos colonos das lavouras
de café paulistas e de trabalhadores rurais de outros estados, em especial mineiros e
nordestinos. O processo de ocupação da região resultou na produção da paisagem cultural
no sentido de ser o produto da ação mútua e das reações conseqüentes entre o meio
natural e o grupo humano (CASTRO, 1964, p. 59), ou numa referência à competência da
Geografia Humana, como o estudo dos resultados, das vitórias do homem sobre a
natureza, concretizadas em manifestações materiais de toda ordem (CASTRO, 1964,
p. 79). O grau das relações entre a sociedade e a natureza, nesse sentido, foi o do
progressivo aniquilamento da segunda pela primeira. Os fatos da economia destrutiva
estiveram presentes desde o início da colonização: a destruição da floresta, a colheita
78
Terra Livre - n. 29 (2): 75-94, 2007
79
CARVALHO, M. S. DE AS DOENÇAS COMO OBJETO DE ESTUDO...
desenvolvidas e nas condições naturais. O possibilismo ampliou, mas não rompeu totalmente
com a influência do ambiente natural sobre o espaço humanizado. Como lablachianos, e
consequentemente, possibilistas, podemos entender a referência à malária (e não às outras
doenças) feita por Monbeig e à importância dada por Josué de Castro na construção do
clima humano como equivalente à eliminação da insalubridade. Pela importância que a
Geografia Médica deu às doenças infecto-contagiosas (LEMOS e LIMA, 2002) até que
ponto outras doenças não tiveram o merecido destaque na análise geográfica?
O objetivo do artigo restringiu-se ao levantamento das obras relativas à região por
geógrafos e nelas à identificação da situação relativa às condições de saúde e mortalidade
da população nas décadas de 1930 e 1940. A partir dos artigos e textos foi feita a análise
de suas bases conceituais e se buscaram dados referentes às mortes e doenças antes da
fase da colonização. Para isso foram usados os dados registrados nos livros de inumações,
recurso utilizado por historiadores que possibilita aos geógrafos uma aproximação às
condições de vida então existentes na região.
80
Terra Livre - n. 29 (2): 75-94, 2007
3
No regulamento do Serviço Sanitário do estado do Paraná, a que se refere a lei n.º 1.791 de 8 de abril de 1918
há um item Da profilaxia específica das moléstias transmissíveis. Os capítulos 157 e 158 tratam especificamente
da febre amarela. (Roncalio; Martis e Neuert, 2001).
4
... primeiras concessões de terras situadas ao Norte do Paraná, na margem esquerda do Tibagi, feitas pelo
Governo do estado às empresas Corain e Cia. (Primeiro de Maio) e Leopoldo Paula Vieira (Sertanópolis), em
1916, com 50 mil hectares. Lotearam suas concessões em chácaras, sítios e pequenas fazendas (Cardoso,1986.
p. 62).
5
O primeiro sítio da cidade, localizado perto da foz do rio Tibagi no Paranapanema, estava numa região
tomada pela malária e outras doenças, daí a transferência da ribeirinha Vila de Primeiro de Maio, onde houve
uma forte epidemia de malária em 1927, para um novo sítio no espigão em 1936. (Ayres, 2000, p. 115 e 124).
81
CARVALHO, M. S. DE AS DOENÇAS COMO OBJETO DE ESTUDO...
Boca de sertão
82
Terra Livre - n. 29 (2): 75-94, 2007
83
CARVALHO, M. S. DE AS DOENÇAS COMO OBJETO DE ESTUDO...
sucediam.
Apesar do ritmo de desmatamento pela implantação de lavouras, a proximidade
das matas aos núcleos urbanos deve ser vista como pontos de contato entre os habitantes
da cidade com vetores de doenças típicas de florestas. Entretanto há várias doenças que
não podem ser explicadas por essa interface. A área urbana de Londrina é um exemplo.
Inicialmente a área central restringia-se a poucas quadras pertencentes aos terrenos
“urbanos” da CTNP. Neles havia alguma infra-estrutura que foi sendo construída para o
funcionamento do escritório de vendas e chegou a algumas casas. O local foi sendo
ocupado por casas comerciais, estações rodoviária e ferroviária, e os bancos que
propiciavam o funcionamento econômico do empreendimento colonizador. As chácaras
que foram planejadas para exercerem o papel de “cinturão verde” para a cidade logo se
transformaram em loteamentos (“vilas”) fora da área inicialmente considerada urbana.
São casos típicos a Vila Agari, datada de 1936, vilas Casoni e Nova Conceição, entre
1937 e 1939 (GOMES, 1938; PRANDINI, 1954, p. 66). Castelnou apresenta uma
seqüência com pequenas diferenças: Vila Matarazzo em 1937, Vilas Conceição e Monteiro
(ao norte), o Parque Agari (ao sul) em 1938, a Vila Boa Vista em 1939, e a Vila Casoni
em 1941 (CASTELNOU, 1996, p. 25). Entre 1944 e 1947 seriam 53 vilas fora do traçado
urbanístico inicial apresentando loteamentos com espaços vazios e ocupados, sem infra-
estrutura de esgoto e água encanada e tratada e somente em 1948 a Prefeitura agiu para
frear novos loteamentos através de um decreto (PRANDINI, 1954, p. 66). A ausência
de saneamento explicará em parte o que analisaremos a seguir.
84
Terra Livre - n. 29 (2): 75-94, 2007
elevada mortalidade infantil e de natimortos também foi causada por tétano (AYRES,
2000). Os abortos se transformavam em casos de infecção, combatida quando havia
penicilina. Londrina era buscada em casos de emergência, sendo praticamente o único
ponto de apoio médico numa região onde aconteciam conflitos pela terra e desavenças
nas áreas urbanas (TRIGUEIROS FILHO, 1979, p.2 e 4). Foram apontadas outras doenças
como crianças com desidratação por diarréia, pacientes com doenças respiratórias,
cardíacas e circulatórias, casos de ginecologia e obstetrícia, malária, febre tifóide,
leishmaniose cutânea ou nasal, acidentes de derrubadas das matas. Os casos de malária
vinham todos de locais distantes à beira-rio, como Jataizinho que fica às margens do rio
Tibagi, a pouco mais de 20 km de Londrina (NOGUEIRA e FRANCISCO, s.d, p. 62)
Uma primeira vista nos dados do livro de inumações do cemitério da cidade – 1932
a abril de 1943 – e já se destaca uma diferença entre o número de mortes durante os
meses do ano. Elas eram mais numerosas nos meses de novembro, dezembro e janeiro.
As exceções foram os meses de fevereiro de 1936 e outubro de 1940. O aumento das
mortes por ano também não obedece a um crescimento linear. Se mais do que duplicam
de 1935 para 1936, as mortes dos anos de 1937, 1940 e 1942 diminuíram em relação ao
ano antecedente (Tabela 1). A comparação entre o total das mortes das 15 causas mais
freqüentes, inclusive as de causas indefinidas e sem atendimento médico desde 1932 até
abril de 1943, com a população total do município entre 1933 e 1943 mostra um ritmo de
crescimento mais alto da primeira sobre a segunda, apesar de receber um fluxo crescente
de novos moradores. Destacam-se nesse período a criação do município de Londrina em
1934, o seu crescimento populacional extremamente rápido e os desmembramentos de
parte do seu território pela criação dos municípios de Apucarana e de Rolândia em 19437
(Figura 1).
450
400
7
Decreto-lei nº. 199, de 30 de dezembro de 1943 pelo interventor Manoel Ribas.
85
CARVALHO, M. S. DE AS DOENÇAS COMO OBJETO DE ESTUDO...
Fonte: Moreira, 1935. Atualizado a partir de mapa base - Fonte: Ipardes – 1995 - Base Cartográfica:
IAP – 1997.
86
Terra Livre - n. 29 (2): 75-94, 2007
meses 1932 1933 1934 1935 1936 1937 1938 1939 1940 1941 1942 1943 mortes
janeiro 2 13 19 36 25 29 36 35 46 53 22 316
fevereiro 3 9 16 43 14 16 25 32 49 37 27 271
março 6 10 14 26 17 26 28 35 52 23 28 265
abril 6 10 9 28 14 15 25 24 43 25 8 207
maio 3 4 2 16 15 17 20 19 22 30 2 150
junho 0 6 14 13 8 17 26 20 32 32 168
julho 5 3 14 20 9 22 33 36 30 29 201
agosto 4 6 11 25 21 20 32 30 33 33 215
setembro 2 9 10 10 16 13 36 31 38 34 32 229
outubro 1 0 9 9 22 13 31 38 50 44 29 245
novembro 0 16 13 14 35 26 33 63 42 45 38 325
dezembro 0 17 20 34 44 40 53 55 44 50 39 396
sem info 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1
total 3 71 113 167 324 215 315 412 405 480 400 87 2992
Fonte: Prefeitura Municipal de Londrina. Londrina. Livro de Inumações do Cemitério São Pedro.1943.
87
CARVALHO, M. S. DE AS DOENÇAS COMO OBJETO DE ESTUDO...
8
O primeiro Livro de Inumações do Cemitério S. Pedro, o primeiro da cidade de Londrina, teve 3 inumações
no ano de 1932.
88
Terra Livre - n. 29 (2): 75-94, 2007
Londrina: Mortes com causa de morte identificada e sem assistência médica/sem causa
identificada
1943 52
35
1942 125
1941
Fonte: Livro de Inumações do Cemitério São Pedro. 1942 a 1943. Prefeitura Municipal de Londrina.
Londrina.
89
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Fonte: Prefeitura Municipal de Londrina. Londrina. Livro de Inumações do Cemitério São Pedro. 1943.
Conclusão
A infra-estrutura que não ofertava água tratada suficiente aos novos habitantes,
assim como um sistema de coleta de esgotos e tratamento de águas usadas, aliadas à
utilização de poços contaminados por fossas na cidade de Londrina e na área rural revelam-
se pelas doenças e mortes de seus habitantes. Embora existisse em 1935 uma rede de
postos e subpostos de tratamento de saúde nas cidades de Sertanópolis, Jataí, Bandeirantes,
Cambará, Jacarezinho, Ribeirão Claro, Londrina, Figueira, Joaquim Távora, Assai, Santo
Antônio (da Platina), Salto do Itararé, Carlópolis e Barra Bonita (MOREIRA, 1935) eles
não comportaram as necessidades crescentes da população. Mas o que encontramos
leva à pergunta. Houve a ausência ou procrastinação do governo do estado paranaense
no atendimento da saúde pública? O monopólio e a responsabilidade dos serviços públicos
- iluminação, comunicações, transportes, fornecimento de água e assistência médica aos
funcionários e compradores foram transferidos do Estado do Paraná para a CTNP (ARIAS
NETO (1993); TOMAZI (1970) apud. MENDONÇA, 2004. p. 64). Até a abertura de
um hospital particular em 1937, somente os médicos contratados pela CTNP tinham
acesso ao “hospitalzinho” sendo vedado seu uso aos médicos particulares estabelecidos
na região. Esse monopólio levou alguns autores ao questionamento sobre a credibilidade
de alguns atestados de óbitos.
A análise das causas de morte entre os anos de 1932 a 1942 em Londrina aponta
para as más condições de infra-estrutura existentes e a precariedade do atendimento da
saúde pública. Água tratada e esgotos foram instalados mais tarde, mesmo na área central
da cidade de Londrina. A contaminação da água consumida foi motivo suficiente para as
freqüentes mortes causadas por diarréias, disenterias, e possíveis casos classificados
como “intoxicação alimentar”, elevando o número de óbitos infantis. Os casos de tifo
freqüentes em Londrina e em Rolândia, que levaram a mortes, estão diretamente
relacionados com a falta ou precariedade do saneamento básico. Podemos afirmar isso
levando em conta reportagem publicada no jornal Folha de Londrina em 21/08/2005. Ela
trata da inauguração de um hotel situado ao lado do antigo escritório de vendas, cujo dono
afirmava ter um sistema de água tratada e de esgotos particulares, já que a infra-estrutura
existente não comportava um edifício moderno no início da década de 1950:
90
Terra Livre - n. 29 (2): 75-94, 2007
91
CARVALHO, M. S. DE AS DOENÇAS COMO OBJETO DE ESTUDO...
ou sem atendimento médico. A criação de um “clima urbano” formado por “vilas” instaladas
em chácaras em torno do núcleo central forjou uma nova insalubridade.
A malária que tanto foi cara aos geógrafos que estudaram as faixas pioneiras
atingiu mortalmente poucos se pensarmos nas faixas etárias maduras ou de mais idade
comparando com os óbitos decorrentes dos colapsos ou outras doenças do sistema
cardíaco. Talvez porque isso reflita a situação da Geografia Médica que naquela época
tinha como objeto de estudo destacado as chamadas “doenças tropicais” e a relação
ambiental direta entre locais recém-desbravados e a população migrante que chegava
em ondas expressivas. A chamada criação do clima humanizado não havia incluído um
sistema de saneamento urbano, além das propostas que se restringiram ao saneamento
dos rios. Mortes por diarréias e disenterias, além da nebulosa denominação de toxicose,
não podem ser somente atribuídas ao consumo de alimentos contaminados devido ao
fator cultural de preparo e técnicas de manipulação dos alimentos. Mas torna-se
compreensível a sua alta incidência se considerarmos o consumo de água inadequada.
Apesar de pensarmos num imaginário de fronteira onde as mortes por causas externas –
quedas de árvores, acidentes de trabalho na lavoura – predominariam e os atingidos
fossem majoritariamente adultos, nos defrontamos com alta mortalidade infantil, filhos
desses migrantes.
Bibliografia
92
Terra Livre - n. 29 (2): 75-94, 2007
93
CARVALHO, M. S. DE AS DOENÇAS COMO OBJETO DE ESTUDO...
94
Resumo: As profundas mudanças ocorridas sob o signo da mundialização
do capital não apenas afetaram as relações de produção no campo de
forma bastante particular, mas acabaram por se tornar portadoras de
O CAMPO BRASILEIRO novas promessas para a agricultura, considerando a possibilidade de que
essa venha a responder, pelo menos em parte, às necessidades de
NO CENÁRIO DA fornecimento de energia ante o cenário de esgotamento do modelo baseado
MATRIZ ENERGÉTICA na queima de combustíveis fósseis. No Brasil, apesar de suas condições
privilegiadas para responder a esse desafio, surgem inquietações, dadas
RENOVÁVEL: NOTAS as perspectivas de que essa seja mais uma ocasião para a exacerbação da
concentração fundiária, para a precarização ainda maior das condições
PARA UM DEBATE de trabalho no campo, bem como para a vulnerabilização da agricultura
camponesa, entre outros. A renúncia política em optar por um modelo
de produção de energia que seja social e ambientalmente sustentável,
tendo o campesinato como protagonista, em prol de um modelo
insustentável em ambos os aspectos, encontra respaldo na tese da
THE BRAZILIAN FIELD ON THE eficiência produtiva e da superioridade técnica do agronegócio, o que
RENEWABLE ENERGETIC MATRIX torna imperativa a reflexão sobre argumentos e teorias que lhes dão
SCENE: NOTES FOR A DEBATE corpo e que têm orientado alguns estudos agrários no Brasil.
Palavras chave: Eficiência produtiva, produção de energia, referenciais
EL CAMPO BRASILEÑO EN LO teóricos, agronegócio, agricultura camponesa.
ESCENARIO DE LA MATRIZ
ENERGÉTICA RENOVABLE: NOTAS Abstract: The deep changes which occurred under the capital world-
PARA UNA DISCUSIÓN widening sign not only affected in a very particular way the production
relations on the field but also came to carry new promises for agriculture,
considering the possibility of it coming to fulfill, at least on parts, the
energy supplying necessity, given the fossil fuel burning based model
depleting scene. In Brazil, besides the country’s favorable condition to
react to this challenge, many worries appear, given the perspectives of
ELIANE TOMIASI PAULINO this being another occasion for the agrarian concentration exacerbation,
for the field work conditions becoming even more precarious, as well as
for the agriculture’s peasant becoming more vulnerable. The political
Professora do Departamento de disagreeing about choosing an energy production model which is socially
Geociências da Universidade and environmentally sustainable and has the field area as a protagonist,
Estadual de Londrina looking after an unsustainable model on both aspects, finds endorsement
on the agribusiness productive efficiency and technical superiority thesis,
what makes imperative the reflection about arguments and theories
[email protected] which give sustentation and guide some agrarian studies in Brazil.
Key words: productive efficiency, energy production, theoretical
references, agribusiness, field agriculture.
Introdução
96
Terra Livre - n. 29 (2): 95-114, 2007
social impostas ao conjunto da humanidade, porque faz crer que todos são indistintamente
atingidos, é inquestionável o esgotamento do modelo energético baseado na queima de
combustíveis fósseis, seja pelo escasseamento das reservas, seja pelas implicações
ambientais de sua utilização.
Ao que parece, a melhor resposta a ela virá, ou melhor, já está vindo, da agricultura,
que se depara com redefinições produtivas e novas possibilidades de auferição da renda
da terra. Sendo assim, a aparente posição secundária dessa atividade, em vista do triunfo
de um modelo societário amparado pelo que Santos (2005) denomina de meio técnico
científico informacional, é modificada, alçando um grau de importância que jamais perdera,
contrariamente à percepção socialmente construída a seu respeito, fato com que já se
ocupara Marx há mais de um século atrás.
97
PAULINO, E. T. O CAMPO BRASILEIRO NO CENÁRIO DA MATRIZ ENERGÉTICA
RENOVÁVEL...
isso supõe o debate com outras formas de pensar, instituídas no próprio curso dos conflitos
de classes.
Entrementes, é bom lembrar que desde a emergência do modo capitalista de
produção, a organização das atividades produtivas foram profundamente alteradas, o que
por sua vez implicou radicais transformações territoriais, a começar pela expansão das
cidades e consolidação de sua centralidade nos processos de controle da produção,
inclusive daquela oriunda do campo.
A transição de centro administrativo e ou comercial, para centro produtivo
privilegiado, com a indústria mediando a produção como um todo, lançou uma incógnita
aos pensadores nascidos nos quadros das ciências humanas emergentes, que buscavam
respostas para uma sociedade perplexa ante um ritmo de transformações de difícil
assimilação.
É no interior desse contexto que começam a surgir estudos agrários abrangentes,
hoje denominados estudos clássicos, e que se propunham a interpretar o processo de
desenvolvimento do capitalismo no campo à luz de referenciais teóricos construídos para
entender a indústria e sua conversão em agente primaz das dinâmicas socioterritoriais.
Desse cenário, interessa-nos aqueles de cunho marxista, cujas abordagens
inicialmente convergem para o pensamento do jovem Marx, que assinalava o caráter
progressista do capitalismo ante o modo de produção anterior. Entretanto, a desenvoltura
com que se invoca o progresso técnico para incutir um padrão de consumo supostamente
gerador de felicidade, ou mesmo para acalentar os que dele não partilham, resulta da
visão que institui a centralidade dos processos sociais numa valorização ambivalente, em
que as técnicas são sobrepostas às ações humanas que as criam, compreensão que não
encontra respaldo no pensamento de Marx, senão vejamos:
98
Terra Livre - n. 29 (2): 95-114, 2007
interpretação tem ligação direta com os estudos agrários, porque diz respeito ao futuro da
classe camponesa no seio da agricultura capitalista.
Outro equívoco diz respeito aos atributos conferidos ao próprio capital que, não
raro, é tido como ente dotado de personalidade e determinações próprias, desvinculado
das ações humanas que lhes dá corpo e forma.
Como advertira Marx (1974, p. 936), o capital não é portador de valores intrínsecos,
pois nada mais é do que uma relação social de produção. Em outras palavras, a sua
“demonização” pelos que almejam a superação das mazelas de nosso tempo, ou a sua
exaltação, pelos que compartilham as benesses próprias desse estágio de desenvolvimento
das forças produtivas, em nada contribuem para uma perspectiva transformadora da
sociedade.
Se temos claro que estamos diante do processo social de produção em que as
forças sociais e as formas de trabalho convergem para o que chamamos de história,
parece mais tangível vislumbrar a névoa mística de que nos falava Marx, expurgando a
noção de potência autônoma capaz de sobrepor-se à ação dos sujeitos o que, em síntese,
é a essência da alienação.
Daí a fragilidade de pressupostos teóricos clássicos que instituíram a primazia da
técnica sobre a dinâmica da produção no campo, à medida que propugnaram um cenário
em que a difusão de técnicas modernas seria a tônica da racionalidade e da eficiência
produtiva; por sua vez, estas estariam devidamente associadas ao empreendimento de
larga escala, leia-se capitalista. Desde então, os camponeses passaram, no plano teórico,
à condição de classe anacrônica do capitalismo, sujeita à sentença do inexorável
desaparecimento.
É evidente que desconsiderar a enorme capacidade que os capitalistas têm tido de
perpetuar a lógica da acumulação ampliada, o que pressupõe separação dos trabalhadores
dos meios de produção, seria um contra-senso. Contudo, ao longo do último século isto
não se deu de maneira unidirecional na agricultura, dada sua dinâmica ímpar, a começar
pela dependência dos ciclos da natureza, algo que a produção industrial e demais atividades
urbanas desconhecem.
O próprio Kautsky (1980), que nos legou a teoria do desaparecimento do
campesinato, já advertira sobre a necessidade de atentar para os ciclos distintos dessa
atividade em relação à lógica da indústria, na qual se pautou para analisar o
desenvolvimento do capitalismo na agricultura. Lembrou da pertinência de considerarmos
o meio artificial, adaptado às necessidades da produção industrial, como principal triunfo
que a agricultura não tem a seu favor.
Ademais, em um contexto de deslumbramento ante o aprimoramento do
melhoramento genético, da utilização de energia fóssil em detrimento de energia vital,
entre outros elementos do progresso técnico, marcou um posicionamento à frente de sua
época, advertindo sobre a insustentabilidade das práticas que hoje não apenas se
disseminaram ao limite, mas já atingiram um novo patamar, o da biotecnologia, com todas
99
PAULINO, E. T. O CAMPO BRASILEIRO NO CENÁRIO DA MATRIZ ENERGÉTICA
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as suas incógnitas.
Isso não o impediu de render-se às promessas da função arrebatadora das técnicas
incorporadas à agricultura, a começar pelos trabalhadores que, a seu ver, seriam alçados
da barbárie à humanidade pela transição de camponeses a proletários, considerados
superiores, porque partícipes das regras do trabalho social, coisa que não experimentariam
enquanto camponeses, pelo caráter individual/familiar de suas atividades.
Não obstante, faz-se necessário lembrar que como partidário do socialismo, em
um momento ímpar das lutas políticas, a posição de Kautsky era coerente com o princípio
de que somente a experiência da proletarização poderia levar os trabalhadores não apenas
à renuncia da propriedade individual, mas também à necessária aprendizagem das regras
da convivência coletiva.
Daí o sentido de proclamar a condição pré-política do campesinato e a necessidade
de transição de classe, o que viria com a adesão subalterna às fileiras “revolucionárias”
do proletariado. Por outro lado, nasce aí o mito da empresa rural como arrebatadora da
miséria no campo e promotora de transformações benéficas à sociedade. Esse esquema
interpretativo deixou raízes profundas nos estudos sobre o campo, incluindo-se os de
cunho progressista, oriundo de teóricos identificados com a produção de Marx.
De acordo com Shanin (1980), teóricos clássicos e contemporâneos adeptos dessa
leitura se perderam na radicalização dos preceitos de Marx, porque tomaram o capitalismo
como força arrebatadora e irrresistível, negando o princípio da contradição nos recortes
analíticos da realidade.
Considerando as peculiaridades produtivas da agricultura, seus processos e ritmos,
nem sempre a lógica da economia de escala é a que se impõe. Entretanto, é esse corte
analítico que tem prevalecido quando se trata de analisar a agricultura contemporânea e
os cenários futuros dessa atividade.
Dessa maneira, convém buscar as raízes dessa compreensão e o seu sentido na
atualidade, sobretudo no caso brasileiro. Lênin (1982) foi um dos teóricos a ocupar-se do
estudo da agricultura capitalista a partir do referencial marxista. Para ele, o
desenvolvimento técnico definia um caminho inexorável para o campo: o da diferenciação
social, porque nesse paradigma produtivo, racionalidade técnica e altos investimentos
seriam indissociáveis.
Embora pouca atenção tenha sido dada à distinção que Lênin fez entre exploração
e extensão da unidade produtiva, e que culminou na tendência de invocar seus estudos
para naturalizar a associação entre eficiência produtiva e grande propriedade, para ele
era o grau de investimento, e não o tamanho da propriedade, a ser tomado como referência
para diferenciar grandes e pequenas explorações. Em outras palavras, um latifúndio seria
uma pequena exploração, em vista de parcos investimentos e conseqüente baixa capacidade
produtiva, proporcionalmente à área controlada.
Por conveniência de uns e descuido de outros, aqui essa distinção parece ter se
perdido no tempo, prevalecendo a tese da racionalidade técnica vinculada ao tamanho
100
Terra Livre - n. 29 (2): 95-114, 2007
das propriedades. Sendo assim, tornou-se lugar comum associar viabilidade técnico-
econômica à grande propriedade, associação essa que tem implicações ponderáveis quando
se trata do Brasil, em geral, e do negócio energético, em particular.
É por isso que não se pode tomar a produção de conhecimentos como um esforço
coeso rumo à transformação da sociedade, e esse aspecto teórico o confirma, porque foi
tomado como instrumento de legitimação em uma sociedade em que os interesses da
classe proprietária de terras são hegemônicos, sobretudo a partir da aliança terra - capital.
Daí a pertinência de pensar métodos, teorias e conceitos como constructos afinados a
concepções filosófico-políticas que apontam para modelos societários divergentes, e que
adquirem sentido ante perspectivas de classe.
Ao esforço em eleger o agronegócio fundado na grande propriedade e na exploração
do trabalho como único setor capaz de responder aos desafios econômicos da
mundialização dos mercados, não esteve alheia a academia. Se o fortalecimento dessa
classe, via renúncia do Estado em promover uma reforma agrária de fato, pode contar
com a máquina pública, até porque essa tende a ser apropriada pelas forças hegemônicas,
não menos importante foi a consolidação da tese de que esse é o desdobramento possível
no interior do capitalismo, e aí entram as formas como são acionadas as teorias.
101
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desse exercício que podem emanar mudanças que favoreçam a diminuição das
desigualdades, da mesma forma como emanam ações que as aprofundam. É isso que
não comporta a neutralidade em ciência e em suas opções teórico-metodológicas, pois a
política alimenta-se do conhecimento, ao mesmo tempo que dela emanam as políticas
territoriais que definem quem ficará ou terá acesso a quê.
Ao trazermos para o foco dessa reflexão a questão agrária, os impasses e as
potencialidades ante a emergência da matriz energética renovável, entendemos que uma
teoria em particular, a do desaparecimento do campesinato, pode e tem sido acionada
para legitimar políticas territoriais excludentes, em especial aquelas que colocam todos os
esforços na viabilização da agricultura de escala.
Ora, a premissa de que os camponeses não existem, ou de que não possuem as
condições materiais, técnicas ou culturais para recriarem-se como classe no contexto da
economia mercantil, contêm uma sentença tácita: a de que não podem ser protagonistas
de um modelo alternativo de produção de energia vinculado à atividade agrícola. Esse é
um convite à não política, porque o confronto entre alternativas produtivas sequer se
anuncia, pavimentando o terreno para a expansão do agronegócio energético fundado na
expropriação, na exploração extrema da força de trabalho e na depredação ambiental.
Entretanto, não se poderá fazer uma vinculação simplista entre tais desdobramentos
e as proposições de Kautsky (1980) e de Lênin (1982), pois as teorias não devem ser
estáticas ou refratárias às mudanças que se impõem no curso da realidade. Dito de outro
modo, esses teóricos tinham diante de si uma realidade em transição, já que as relações
de produção tipicamente capitalistas estavam consolidadas apenas na indústria, enquanto
que no campo eram apenas um esboço.
Baseados na leitura que Marx fizera do capitalismo, cujo recorte não era e nem
poderia ser o campo, acabaram por tomar como válida a projeção de que a agricultura
igualmente experimentaria a separação essencial entre capital e trabalho, daí a
compreensão de que a proletarização seria o destino inexorável do campesinato.
Entretanto, uma análise mais cuidadosa da obra de Marx não permite reafirmar
essa sentença, pois seus estudos estão fundados na compreensão de que o capitalismo,
embora seja o modo de produção dominante, não se limita a uma estrutura bipolar,
constituída exclusivamente pela oposição entre proprietários dos meios de produção e
detentores da força de trabalho.
Por essa razão, a persistência e as potencialidades da agricultura de pequena escala
explicam-se, para além da dinâmica interna do trabalho camponês, pelas necessidades da
própria produção capitalista. Isso não implica tomar essa relação como de mão única, nos
moldes estruturalistas, mas acatar o princípio da contradição para seu entendimento.
Marx nos deu indicações seguras de que é a natureza peculiar de certos setores da
produção agrícola que repele o investimento capitalista. É a partir da teoria do valor
trabalho que se poderá compreendê-la, já que se considera que o valor de troca de qualquer
mercadoria, seja oriunda da forma tipicamente capitalista ou não, é determinado pelo
102
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Sendo assim, o valor e, por conseguinte, a mais-valia, não é igual ao tempo que
dura a fase da produção, antes coincide com o tempo de trabalho, materializado e vivo,
empregado durante a exata fase da produção. Separando analiticamente o tempo de
trabalho do tempo de produção ‘improdutivo’, temos que quanto mais ambos coincidirem,
maiores serão a produtividade e a auto-expansão do capital.
Dessa maneira, a agricultura tipicamente capitalista expande-se em setores de
atividade onde o tempo de produção pode ser reduzido com sucesso, sendo descartados
os setores dependentes naturalmente de maior hiato temporal. Por sua vez, situações
inversas tendem a repelir os investimentos capitalistas, as brechas de que se aproveita a
classe camponesa para se recriar.
Cumpre salientar que a circulação é outro elemento que não está dissociada desse
princípio, dada a propriedade de igualmente definir a pertinência dos investimentos na
agricultura.
Sabemos que não é no interior do processo produtivo, mas somente no momento
em que a mercadoria assume a sua forma acabada e ingressa no mercado, é que o valor
nela contido pode ser realizado. Portanto, quanto mais reduzido for o tempo em que há
consumo de energia vital para a produção de um bem, somada à menor quantia de dinheiro
imobilizado para que isso ocorra, maior será, comparativamente, a quantia potencial de
mais valia a ser extraída, pois os capitalistas poderão inclusive pagar salários recorrendo
ao valor criado pelos próprios trabalhadores, já convertido em dinheiro no processo de
circulação. Isso lhes permitirá, inclusive, aumentar a quantidade de força de trabalho a
seu serviço, ampliando a produção.
Por outro lado, quanto mais perecível for uma mercadoria e maior a restrição de
seu tempo de circulação, em virtude de suas características naturais, menos adequada
será à produção capitalista. Evidente que outras variáveis interferem nessa equação, o
que não nos permite uma correlação automática entre alta perecibilidade e baixa
rentabilidade e vice-versa.
Isso porque produtos agrícolas duráveis, a exemplo dos cereais, têm um complicador
quando se considera a dinâmica da circulação: pelo fato de apresentar tempo de produção
relativamente longo, requerem uma determinada quantidade de capital-mercadoria, ou
103
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em outras palavras, quantidades disponíveis, para ser ofertado durante o período que
separa uma colheita da subseqüente.
Daí decorre a necessidade de estocagem, já que o consumo é ininterrupto ao longo
do ano, o que implica imobilização de capital sob a forma de estoques. Sabendo-se o
quanto a fluidez de capital na contemporaneidade tem tido como aliada a diminuição dos
estoques, mediante a programação da produção conforme o ritmo da demanda, notamos
ser esta mais uma das razões pelas quais é necessário repensar os parâmetros clássicos
de análise. No limite, é necessário ponderar que tanto produtos agrícolas perecíveis quanto
duráveis criam limitações para a circulação monetária, em moldes ideais aos parâmetros
capitalistas.
Outro ponto a ser destacado diz respeito à noção de que a lógica produtiva nos
parâmetros estritamente capitalistas é portadora de uma capacidade ilimitada de instalar-
se e perpetuar-se. Para Shanin (1980), os teóricos do desaparecimento do campesinato
sobreestimaram a força transformadora do capitalismo. Numa analogia que invoca o
mito de Midas, que a um simples toque, tudo podia transformar em ouro, explica que a
recriação dos camponeses no planeta inteiro, à revelia da sentença de seu desaparecimento,
é uma evidência de que isso não se poderá processar em termos de capacidade de
conversão ao capitalismo.
Contudo, esta premissa continua presente em parte das obras que se ocupam da
questão agrária na contemporaneidade, e a supressão do conceito de campesinato o
demonstra. Como os sujeitos em questão continuam desafiando essa leitura com sua
presença concreta no campo, o caminho tem sido o da desconceituação, a exemplo do
que transforma camponeses em agricultores familiares.
A nosso ver, subjacente a essa opção teórica há uma destituição das relações
sociais implícitas no caráter de classe de que o conceito é prenhe, em favor da conversão
do mercado em elemento fundante da produção econômica e, conseqüentemente, da
recriação social. Uma evidência disto é a tendência à vinculação do termo agricultor
familiar ao conjunto daqueles que desfrutam de uma relação superavitária com o mercado,
atribuindo-se aos depauperados o rótulo de camponeses.
Entretanto, pensar a contemporaneidade desconsiderando a abrangência da
mercadoria é algo fora de propósito, pois a despeito de essa não ser o objetivo primordial
do capitalismo, é por meio de sua produção, circulação e consumo que a mais-valia se
realiza.
Sendo assim, é extemporânea a tese de que camponeses são os que produzem em
um circuito de rudimentar autosuficiência e, quando deixam de fazê-lo, igualmente deixam
de ser camponeses para tornarem-se agricultores familiares. Por sua vez, revela os limites
da rigidez teórica, herdada da sentença fatalista quanto ao destino do campesinato enquanto
classe. Lembremos, no entanto, que esta nasceu no contexto em que a degradação e a
miséria a que foram submetidos os camponeses expulsos do campo reclamava a elaboração
de um projeto político que pudesse agregar forças no sentido da superação da barbárie
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recém instalada.
Esse é o sentido das alianças em torno do ideal de construção da sociedade socialista,
mas que fora traçado por e para o proletariado, restando aos camponeses aderirem ao
projeto na condição de sujeitos pré-políticos. Isso supunha serem tutelados e assim
conduzidos às fileiras do proletariado para, passada a provação da expropriação e da
sujeição real ao capital, adentrarem em condição de igualdade cultural e política o reinado
dos iguais.
O problema desse destino manifesto é que os camponeses não puderam nele se
reconhecer, porque o sentido de sua liberdade estava no acesso à propriedade privada da
terra, mas, diga-se de passagem, em moldes contrários ao princípio da propriedade privada
capitalista da terra.
De acordo com Marx (1974), a presença ou ausência do trabalho assalariado é o
critério fundamental pelo qual a pequena produção de mercadorias será diferenciada da
produção capitalista. Desse modo, a transformação da pequena produção em produção
capitalista requer a transformação das relações sociais de produção.
Dessa maneira, o emprego de máquinas, a especialização da produção, a
competição em mercados, a expansão da produção, em si, nada representam em termos
de diferenciação, ou seja, não são esses elementos que assinalam a distinção fundamental
entre camponeses e capitalistas.
Além das relações de trabalho, há uma lógica peculiar a mover os primeiros. O
sentido da propriedade capitalista da terra é a sua transformação em equivalente de
capital. É o que permite auferir mais valia por meio da exploração direta da força de
trabalho empregada nas atividades em seu interior, somada à extração da renda da terra,
o tributo que a sociedade inteira paga ao conjunto dos proprietários fundiários.
Por outro lado, ainda que o sentido da propriedade privada camponesa da terra
seja a extração da renda, por meio da destinação de sua produção ao mercado, ela
ingressa na forma de recursos a serem empregados na compra de mercadorias
imprescindíveis à reprodução da família.
Enganara-se, pois Lênin (1980), ao rotular os camponeses de pequenos agraristas,
que em tese se diferenciariam dos latifundiários por uma questão meramente escalar: a
quantidade de terras que dispunham.
Kautsky (1980) já contestara esse rótulo, ao mostrar que os camponeses necessitam
da terra tanto quanto os proletários necessitam de um emprego. Em outras palavras, a
terra teria, para os camponeses, a potencialidade de empregar a sua força de trabalho,
sendo a renda a remuneração necessária à sobrevivência da família.
Enfim, na compreensão de Lênin (1980), haveria um romantismo nos estudos
focados nos camponeses, a ser removido em favor de um projeto de socialização pelo
trabalho, o que supunha a completa supressão da propriedade individual da terra.
Em linhas semelhantes raciocinou Kautsky (1980), que vira nessa classe os bárbaros,
os trabalhadores pouco inteligentes, incapazes de incorporar conhecimentos técnicos que
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Reformas têm o seu tempo histórico, e a agrária surgiu nos anos 50, quando
foi entendida como necessária para constituir o mercado interno que
desenvolveria o país. Mas isso não ocorreu, pois após o ‘milagre brasileiro’
o Brasil ressurgiu mais urbano, com sua economia prescindindo da reforma
agrária. (Navarro, 2007, p. 3)
Contrapondo tais argumentos com os dados apresentados por Oliveira (2003), com
os quais dialogamos nas páginas subseqüentes, somos impelidos a retornar novamente ao
pressuposto de que trabalhos científicos podem produzir resultados opostos e inconciliáveis,
mesmo em se tratando do mesmo recorte analítico, quando derivados de identidades de
classes antagônicas.
Poderia discordar o conjunto dos 1,6% dos proprietários, que juntos controlam
quase a metade do patrimônio fundiário brasileiro, da tese de que a reforma agrária foi
uma necessidade de outros tempos, e que o Brasil superou esse entrave ao se tornar
urbano? Mais ainda, conviria aos 27 proprietários, cujas propriedades possuem dimensões
equivalentes às do Estado de São Paulo, questionar essa lógica argumentativa? Por outro
lado, para ficar só nos que vivem na terra, ou melhor, em nesgas de propriedades cuja
área é inferior a 10 hectares, e que somam 1.338.711 proprietários, restaria indagar se
eles também julgam inoportuna uma redistribuição fundiária no país.1
É por isso que compreender as contradições da agricultura brasileira supõe a
transcendência de fragmentos teóricos transportados e, no debate em questão, nos que
versam sobre a indissociabilidade entre racionalidade técnica e grandes extensões de
terra. Trata-se de uma questão de método e que, necessariamente, supõe buscar na
teoria os elementos que iluminam a realidade que se quer iluminar. A operação inversa,
em que a teoria serve para enquadrar a realidade, é um recurso muitas vezes coerente
com as conveniências de classe.
Como mitos e verdades remetem aos ângulos sob os quais se olha, consideramos
oportuno refletir sobre a tão propalada eficiência produtiva que justifica à sociedade a
manutenção da estrutura fundiária que ora expomos.
1
Conf. INCRA apud Oliveira, 2003, p. 127
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Resta considerar que há limites estruturais para a resposta produtiva que tem dado
a pequena propriedade. A concentração fundiária se mantém e certamente os dados do
novo censo agropecuário o confirmarão. Ademais, de acordo com Oliveira (2003, p.
151), o volume da produção de alimentos básicos, como o arroz e o feijão, mantém-se
praticamente inalterado desde o início dos anos 1990. Assim, o país que já importa esses
alimentos, poderá ter que fazê-lo em escala diretamente proporcional à variação
demográfica da população brasileira. Contudo, Navarro (2007, p. 3) afirma que: “A
conclusão inevitável é que hoje inexistem razões, sob qualquer ângulo, para a realização
desta reforma em todo o Brasil.”
Ainda que o mercado mundializado indique não haver razões para o país se
preocupar com a segurança alimentar, já que a obtenção de alimentos pode ser assegurada
com importações a preços muitas vezes inferiores ao custo da produção interna, há questões
estratégicas que não podem ser desconsideradas, a não ser que continuemos tendo como
horizonte a ‘utopia do possível’, nos termos do stablishment.
Tratemos, pois, da questão da soberania alimentar, inalienável nas políticas
estratégicas dos países desenvolvidos e que, aliás, vem determinando os sucessivos
fracassos nas tentativas de regulação do comércio internacional, como ocorreu com a
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Basta observar esse quadro para perceber que o sistema industrial brasileiro
não poderá derivar das exportações seu principal impulso de crescimento.
Ou ele recupera sua vocação de formador do mercado interno ou terá de
modificar sua estrutura, renunciando a alcançar a autonomia requerida para
auto-sustentar seu próprio crescimento. (FURTADO, 1983, p. 86)
Ensina esse autor que o centro dinâmico da economia de todos os países ditos
desenvolvidos está assentado no mercado interno, fato fundamental, de acordo com sua
perspectiva, inclusive para o desenvolvimento tecnológico e a respectiva capacidade
competitiva. É por essa razão que enquanto alguns propalavam que o tempo da reforma
agrária havia passado, esse autor indagava ao país qual o caminho a seguir: o do
fortalecimento do mercado interno, baseado na distribuição de renda, ou da inserção
subordinada no mercado mundial, mesmo contando com setores competitivos
tecnologicamente, porém extensões das empresas multinacionais, que contribuem para o
desenvolvimento social do seu país de origem, e não onde instalam suas filiais.
Esse é um dos sentidos da reforma agrária. No atual estágio técnico, em que a
composição de capital constante do setor produtivo permite um descarte progressivo da
força de trabalho, a agricultura é o setor da economia que possui o maior potencial de
absorção de mão-de-obra, fator fundamental para a geração de renda, a base do mercado
interno que nos fala Furtado.
Entretanto, uma ressalva deve ser feita, já que nesse aspecto, é a pequena
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propriedade que poderá fazê-lo. De acordo com Oliveira (2003, p. 129), a pequena
propriedade responde por 86,6% de todos os empregos e ocupações no campo. Por outro
lado, a grande propriedade, a despeito da área controlada, é responsável por apenas 2,5%
deles.
Por isso, discordamos de Navarro (2007, p. 3) quando assevera que:
Nem mesmo existe uma demanda social digna do nome, cada vez mais
raquítica. Quando muito, a reforma agrária concentrada exclusivamente no
chamado ‘polígono das secas’ ainda seria justificável, pois reduziria a
incidência da pobreza rural.
Diria Prado Júnior (1981) que as disposições contra a reforma agrária somente
adiam a constituição de um pacto social que possa alterar o equilíbrio de forças políticas
capazes de viabilizar, de fato, políticas públicas aptas ao fomento adequado da pequena
produção. Na atualidade, isso não poderia ficar mais patente do que nas formas como
vêm sendo geridos os recursos e respectivas dívidas do setor agrícola.
Embora grande parte dos recursos destinados à agricultura acabe nas mãos dos
grandes proprietários, é esse segmento que engrossa uma dívida que se arrasta ano a
ano. De acordo com Valente (2007), na safra 2004/2005, as grandes propriedades
absorveram 39,5 bilhões de reais do crédito agrícola, enquanto as pequenas tiveram a seu
dispor sete bilhões. Vimos, contudo, a resposta em termos de produção de ambos os
segmentos.
Já o plano safra 2007/2008 prevê a disponibilização de 58 bilhões de reais, com
uma redução da taxa de juros para 6,75% ao ano. Entretanto, neste ano a dívida dos
produtores superou a casa dos 100 bilhões de reais. E como trata-se de uma dívida
sistematicamente rolada, novamente os ruralistas mobilizaram-se para garantir novas
rolagens e mais crédito em conta.
Esse astronômico valor mostra o quanto o setor vem sendo eficiente em não saldar
os débitos e ampliar a participação no fundo público. Como a bancada ruralista é, desde
sempre, maioria no Congresso Nacional, sistematicamente vem conseguindo impor suas
demandas.
A partir de uma negociação com o governo de Fernando Henrique Cardoso, no
ano de 2000 os grandes produtores conseguiram que as dívidas só começassem a ser
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PAULINO, E. T. O CAMPO BRASILEIRO NO CENÁRIO DA MATRIZ ENERGÉTICA
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pagas cinco anos depois de contraídas, obtendo um prazo de até 25 anos para saldarem
os compromissos. De acordo com Valente (2007), em 2002, outro acordo estipulou novos
subsídios e juros fixos de 3% ao ano, enquanto a taxa Selic, que regula os índices de juros
no país, oscilava entre 15 e 20%. A diferença, a chamada equalização de juros, passou a
ser bancada pelos cofres públicos e ter o Tesouro Nacional, que nada mais é que a
reserva de dividendos formada a partir da arrecadação de impostos da população, como
avalista. Ou seja, se os produtores não pagarem a dívida, cabe ao governo fazê-lo.
Portanto, essa é uma evidência da estratégia de socialização das perdas por meio
do acesso ao fundo público. O rentismo de que nos falam Oliveira (2003) e Martins
(1995) tem aí uma de suas melhores expressões, pois a manutenção da grande propriedade
tornou-se um dos caminhos privilegiados para o acesso aos recursos públicos.
Enquanto não formos capazes de construir, por meio do circuito conhecimento
científico - conhecimento comum, um diálogo consistente sobre os fundamentos da questão
agrária, prevalecerão assertivas que ocultam o essencial e projetam o que convém aos
setores hegemônicos da sociedade, os quais têm na propriedade concentrada da terra um
de seus sustentáculos primordiais. O negócio energético promete ser mais uma ocasião
para o saque anunciado.
Considerações Finais
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Referências Bibliográficas
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PAULINO, E. T. O CAMPO BRASILEIRO NO CENÁRIO DA MATRIZ ENERGÉTICA
RENOVÁVEL...
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OLIVEIRA, Ariovaldo U. Barbárie e modernidade: as transformações no campo e o
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_____. Economia espacial: críticas e alternativas. 2. ed. São Paulo: Edusp, 2003.
SCOLESE, Eduardo. Crédito rural cresce 16%, para R$ 58 bi. In: Folha de S. Paulo,
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ZAFALON, Mauro. Cortadores de cana têm vida útil de escravo em SP. In: Folha de S.
Paulo, São Paulo, 29 abr. 2007. Dinheiro, p. B1.
114
Resumo: Este estudo está centrado na ideologia do discurso do
desenvolvimento a ser apreendida nas relações contraditórias do
DESENVOLVIMENTO espaço do capital. Compreende-se que o discurso do
LOCAL COMO desenvolvimento a partir dos anos 1980 direcionou uma reflexão
sobre o processo histórico-social que faz do Banco Mundial a
SIMULACRO DO instituição chave do ajuste estrutural e o seu papel veiculador da
ENVOLVIMENTO: O ideologia do desenvolvimento local. Engendrada pela mundialização
NOVO-VELHO SENTIDO do capital, a dimensão local traz o caráter dinâmico do território,
sustentado na idéia de potencialidade latente. Os lugares se tornam
DO DESENVOLVIMENTO interessantes, atrativos e úteis à acumulação e garantem mobilidade
E SUA FUNCIONALIDADE ao capital. O discurso do desenvolvimento, longe de ser uma questão
PARA O SISTEMA DO da promoção do bem-estar da sociedade, tem um caráter ilusório ao
cumprir uma importante função ideológica: a legitimação das
CAPITAL relações de produção capitalistas que operam as diferenças, ou, em
outras palavras, dirigem a produção da pobreza.
Palavras-chave: Território, desenvolvimento regional,
desenvolvimento local, desenvolvimento desigual e combinado,
LOCAL DEVELOPMENT AS Banco Mundial
SIMULATION OF INVOLVEMENT: THE
NEW-OLD MEANING THE Abstract: This study is centered in the ideologic speech of the
DEVELOPMENT AND ITS implied development apprehended in the contradictory
FUNCTIONALITY TO THE SYSTEM OF relationships of the capital space. Investigated that understanding
CAPITAL of the speech of the development starting from 1980 addressed a
reflection on the historical-social process that makes the World
EL DESARROLLO LOCAL COMO Bank the key institution of the structural adjustment and its
SIMULACIÓN DE PARTICIPACIÓN: EL transmitter paper of the ideology of the maintainable local
NUEVO SIGNIFICADO DE EDAD EL development expressed in the use of the territory for the capitalist
DESARROLLO Y SU FUNCIONALIDAD exploration as manifestation of the regional development.
AL SISTEMA DE CAPITALES Engendered by the mundialization of capital, the local dimension
brings the dynamic character of the territory, sustained in the idea
of latent potentiality. The places become interesting, attractive and
useful to the accumulation and guarantee the capital mobility. The
speech of the development, far away from being a subject of the
promotion of the well-being of the society, shows its illusory
Josefa Bispo de Lisboa character while accomplishing an important ideological function:
the legitimation of capitalist production relationships that operates
Professora Dra. do Núcleo de the differences, or, in other words, drive the poverty production.
Geography has, the paper of watching the unequal and combined
Geografia – Universidade Federal character of the development, corroborating for the elucidation and
de Sergipe - Campus Itabaiana overcoming the contradictions.
Key-words: Territory, regional development, local development,
unequal and combined development, Word Bank
E-mail: [email protected]
Resumen: Este estudio se centra en el discurso de la ideológicos
implica el desarrollo detenido en el contradictorias relaciones de la
capital espacial. Investigó la comprensión de que el discurso del
desarrollo a partir de 1980 dirigió una reflexión sobre el proceso
histórico y social que hace el Banco Mundial la clave de la institución
Alexandrina Luz de ajuste estructural y su papel de transmisor de la ideología de la
mantenible desarrollo local expresado en el uso del territorio para la
Conceição exploración capitalista como manifestación del desarrollo regional.
Engendrado por el mundialization de capital, la dimensión local
Dra. do Núcleo de Pós- aporta el carácter dinámico del territorio sostenido en la idea de la
potencialidad latente. El convertirse en lugares interesantes, atractivo
Graduação em Geografia – y útil a la acumulación y la garantía de la movilidad del capital. El
Universidade Federal de Sergipe discurso del desarrollo, lejos de ser un tema de la promoción del
bienestar de la sociedad, muestra su carácter ilusorio en tanto que el
cumplimiento de una importante función ideológica: la legitimación
E-mail: [email protected] de las relaciones de producción capitalista que opera las diferencias,
o, en otras palabras, impulsar la producción de la pobreza. Geografía
tiene, el papel de mirar del carácter desigual y combinado del
desarrollo, corroborante para el esclarecimiento y la superación de
las contradicciones.
Palabras clave: Território, el desarrollo regional, desarrollo local,
desarrollo desigual y combinado, Banco Mundial
Terra Livre Presid ente Prud ente Ano 23, v. 2, n. 29 p. 115-132 Ago-Dez/2007
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Introdução
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novos empréstimos que passaram a ser realizados junto ao FMI (recursos de bancos
privados) exigiram dos países tomadores, as Cartas de Intenção, agravando em muito a
conjuntura.
Assim, a mobilidade geográfica do capital passou a ser central na nova dinâmica
do sistema de acumulação e da produção do espaço, expressando sua dinâmica decisiva
para a gestão do estilo de desenvolvimento, que passou a ser implantado.
Neste contexto, a mudança do discurso do desenvolvimento sob esses novos
pressupostos que o capitalismo vem se configuração nas últimas décadas acentua sua
lógica destrutiva, que concebe:
- a substituição do padrão taylorista e fordista pelas formas produtivas flexibilizadas
e desregulamentadas com foco nos territórios;
- a desregulação neoliberal privatizante e excludente que vem solapando o modelo
de Estado de bem-estar social:
Trata-se de uma transição com especificidades que se explicitam nos campos
econômico-social, político e ideológico.
Demarcando o campo político e econômico-social, a ofensiva foi definida para
fomentar a competitividade entre Estados e empresas e gerar consumo, postulados em
um modelo de desenvolvimento que privilegia a inserção internacional fundada em
operações que se realizam dissociadas das demandas internas. Desenvolvimento é então
apreendido como integração econômica mundial e, esta se materializa a partir da
espacialização da globalização. A globalização, por sua vez é concebida como um
paradigma1 . É como se, de fato, existisse um mundo homogêneo ou em processo de
homogeneização econômica e social.
No campo ideológico, o neoliberalismo lança mão da crença de que as relações
capitalistas são as únicas formas de relações sociais historicamente possíveis, dando ao
mercado a força de regulador livre, equilibrador e justo dos interesses e relações sociais.
O neoliberalismo soube enfrentar o desafio de inculcar suas fórmulas dispondo das
teses de Friedrich Hayek e Milton Friedman que expressam a idéia básica do livre mercado
e da intervenção estatal como um risco para a liberdade individual e o caminho mais
seguro para a imposição de regimes autoritários. Não obstante, é preciso reconhecer que
a aceitação desses seus discursos não se produziu no acaso, mas tomados pela onda
privatista, concernente à reestruturação produtiva em curso. A tese da liberdade do mercado
é a de que o setor público, ou seja, o Estado pela sua ineficiência é o responsável pela
crise2 .
1
Neste domínio, Fiori (1998) examina a globalização como uma apologia ideológica. No dizer de Fiori, o
termo globalização mascara uma lógica do desenvolvimento que é, antes de mais nada, não eqüitativo e
concentrador, e mostra-o como o orientador do novo tipo de desenvolvimento que precisa acontecer.
2
Nessa direção, durante o Consenso de Washington em 1989, esse discurso consolidou as macro-políticas
econômicas e as políticas setoriais que, viabilizariam o programa de estabilização e as reformas para ajustar as
economias dos países devedores às condições de pagamento de suas dívidas com credores externos.
118
Terra Livre - n. 29 (2): 115-132, 2007
Uma vez que as relações econômicas são reguladas pelo mercado, a natureza do
Estado e a sua função, enquanto instituição reguladora e ‘promotora do bem-estar social’
e econômico muda. Este Estado deve conduzir uma economia de mercado perante o
sistema financeiro internacional, com ampla abertura comercial, e privatizações.
A inserção dos países nesse processo se realizou de forma assimétrica e
hierarquizada e vem se traduzindo em limitações à autonomia das políticas nacionais dos
Estados (BELLUZO, 2001).
Na busca por novos mercados e pela internacionalização da produção, a redução
de fronteiras garantiu a flexibilidade necessária às novas articulações, transformando,
principalmente os países menos desenvolvidos, em meros consumidores de produtos
industriais e em fontes de matéria-prima e mão-de-obra barata.
Esta estratégia, facilitada a partir da queda da guerra fria, da implementação do
Novo Direito Internacional, da hegemonia das agências financeiras multilaterais dirigiu
uma reestruturação na economia mundial, que passou a ser dominada por investimentos
à escala global, processos de produção flexíveis e desregulação das economias nacionais.
Nesta conjuntura, as economias nacionais deveriam abrir-se ao mercado mundial
adequando seus preços aos preços internacionais; a exportação deveria ser priorizada;
as políticas monetárias e fiscais tinham que ser orientadas para a redução da inflação e
da dívida pública; a regulação estatal tinha que ser mínima.
Os países periféricos tiveram que se submeter a essas exigências como condição
de renegociação das dívidas externas com as agências financeiras multilaterais. Esta
condição viria garantir o retorno dos investimentos.
Para Boaventura de Souza Santos (2002), o Estado Nação parece ter perdido a
sua centralidade tradicional enquanto unidade privilegiada de iniciativa econômica, social
e política. Observou-se que os Estados, ao buscarem fazer alianças, foram minando sua
soberania dentro de uma lógica justificada por meio do argumento da ineficiência do
Estado, que além de tudo, se encontrava falido. Tal argumento ia legitimando as medidas
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3
Os Estados Nacionais continuam a ocupar papel crucial na defesa dos seus capitalistas no cenário internacional.
Eles criam as condições para que os fluxos se realizem e funcionam como mola propulsora, promovendo a
abertura das economias nacionais para mercadorias e capitais produtivos e especulativos.
120
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internacional, dessa forma, se tornando mínimo para as questões nacionais (Ibid). Nas
palavras de Mészáros (2003), o sistema do capital não sobreviveria uma única semana
sem o forte apoio que recebe do Estado.
Destarte, se o Estado capitalista aparece como o ‘comitê executivo’ do mercado
(conforme destaca Francisco de Oliveira), do que o árbitro neutro, colocado acima das
classes sociais (como em Hobbes e Locke), isto se deve às articulações do capital
financeiro dentro de cada estado nacional. Sem as políticas de desregulamentação, de
privatização e de liberalização do comércio empreendidas pelos governos nacionais, o
capital financeiro e os grupos internacionais não teriam conseguido romper os obstáculos
e explorar os recursos existentes e necessários à sua ampliação.
Desse modo, a eliminação dos Estados nacionais não é procedente para o atual
momento do capitalismo, mas por outro lado, nos países de economia periférica, eles
precisam ser desmantelados para abrigar as determinações dos grandes grupos financeiros
que operam independentemente da soberania nacional.
Para Pierre Bourdieu (Op. cit.), esta operação que leva à globalização não causa
uma homogeneização, mas ao contrário, leva à extensão de um pequeno grupo de nações
dominantes sobre o conjunto das praças financeiras nacionais. Enquanto para muitos a
globalização se coloca como inexorável e irreversível, para outros, a globalização é apenas
uma retórica pregada pelos governos que precisam justificar sua submissão ao processo
de financeirização da economia.
Como principal conseqüência se tem o aumento das desigualdades de oportunidades
entre pessoas e entre países ricos e pobres, expressando exatamente o contrário do que
propõe o discurso da homogeneização, portanto, “é vão esperar que essa unificação
garantida pela ‘harmonização’ das legislações conduza exclusivamente por sua lógica, a
uma verdadeira universalização” (Ibid, p. 121). Essa integração na realidade tende a
enfraquecer os poderes locais, regionais e nacionais, sendo o dado mais perverso neste
plano, o processo de naturalização da exclusão. Essas condições aprofundam a
dessocialização do capital e libertam-no dos vínculos sociais que garantiram certa proteção
social na fase do Welfare State.
Sob o manto da descentralização, o Estado, que se tornava mínimo para a defesa
do nacional no Brasil, realizou, durante a década de 1980, reformas políticas importantes,
particularmente a retomada das eleições diretas e as deliberações da Constituição Federal
de 19884 .
A democratização e a descentralização propostas pela Constituição de 1988
legitimam a alteração das bases de autoridade dos governos. Nesse contexto, a
descentralização foi compreendida como distribuição das funções administrativas entre
os níveis de governo.
4
Considerava-se que a excessiva centralização do regime militar negava a participação da sociedade civil nos
processos decisórios que, associada à cultura de corrupção, produzia consenso em torno da emergência de um
modelo de descentralização.
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Sobre esse aspecto, Milton Santos (1996) salienta que a articulação em redes vem
impondo uma união vertical dos lugares, à medida que vão sendo disponibilizados créditos
internacionais para os países pobres e nessa união ocorre um acontecer hierárquico ou
uma tendência à racionalização das atividades sob o comando do mercado universal e
dos governos mundiais.
Para Milton Santos (Ibid), a partir dessa realidade se observa que vai emergindo
no território, tanto as verticalidades - enquanto normas, regras utilitárias que colocam os
lugares no mercado mundial em benefício das relações de mercado, como as
horizontalidades, que se constituem na própria forma de organização do território em
função dos seus próprios interesses de produção e de consumo. Para esse autor, o território
hoje pode ser formado de lugares contíguos e de lugares em rede. Todavia, são os mesmos
lugares que formam as redes e que formam o espaço banal. “São os mesmos lugares, os
mesmos pontos, mas contendo simultaneamente funcionalizações diferentes, quiçá
divergentes ou opostas” (Ibid, p. 16).
O lugar neste momento tem (re)surgido impulsionado pela globalização, que se
nutre das suas especificidades e dos custos, quer sejam de mão-de-obra, quer sejam de
matérias-primas ou ainda, vantagens fiscais. A reconstrução do lugar o coloca em evidência
de uma forma diferente. O lugar ganha uma capa diferente dando a impressão de ser um
campo aberto para especulações. Passa a adotar uma imagem de território dinâmico,
empreendedor, apto para receber investimentos externos.
Concentram-se os esforços em apresentar um potencial de atração de recursos
com base na imagem, nas capacidades de gerar relações positivas em torno de suas
características ambientais específicas, os atores sociais e sua mobilização, as estratégias
e projetos para o desenvolvimento produtivo local.
Aparecem os discursos do empreendedorismo, de autonomia e participação, com
a adoção de políticas públicas ditas descentralizadoras. Estas políticas racionalizam
recursos, pois se o território tem seu potencial e as comunidades, o conhecimento para
lidar com a produção - então os investimentos podem ser abreviados em função das
vantagens ali alocadas.
Para Marcelo Lopes de Souza (Op. cit), a questão primordial que deve preocupar,
não está nas características geoecológicas, nem nos recursos naturais de certa área, nem
mesmo nas ligações afetivas e de identidade entre o grupo social e seu espaço, pois os
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territórios podem ter um caráter permanente ou uma existência periódica. Para o autor,
tudo depende dos interesses do capital num dado momento da reprodução, o que importa
é perceber como se estabeleceram a apropriação, o controle, a vulnerabilidade e
flexibilidade as quais os territórios estão submetidos.
Neste ponto, é importante salientar o caráter empreendedor dos Estados, cujos
esforços no sentido de se tornarem chamarizes dos investimentos do capital, os transformam
em gabinetes para viabilização de estratégias de atração de empreendimentos, pois
dificilmente, na contemporaneidade, “desenvolvimento algum em larga escala acontece
sem que o governo local (ou a coalizão mais ampla de forças que constitui a governança
local) ofereça como estímulo, um pacote substancial de ajuda e assistência” (HARVEY,
2005, p. 175). Promove-se um pseudo-poder de decisão para as esferas administrativas
mais próximas do cidadão. A retórica da autonomia do lugar, do respeito à gestão do e
pelo lugar torna as cidades ou os municípios atrativos6 .
Os atores locais ganham maior destaque, na medida em que conhecem melhor as
suas potencialidades (circunstâncias ambientais, econômicas, culturais e políticas)
concretas.
Dessa forma, o que se nota é que as políticas neoliberais, não apenas procuram
explorar as eventuais potencialidades dos territórios, como buscam o corte de custos por
parte dos estados nacionais, para que esses optem por acertos nos balanços de pagamento,
de modo a garantir superávit (imprescindível à remuneração dos juros da dívida interna e
externa).
Pode-se ver como a reestruturação econômica impõe adaptações pondo em
evidência a interação entre os âmbitos local e global, considerando que é o nível local que
dispõe do ambiente propício à inovação. Nestes termos, os gestores públicos são
convocados a estimular as iniciativas de desenvolvimento local com intervenções na
reestruturação dos seus sistemas produtivos, de modo que esta orientação do
desenvolvimento possa promover a revanche ao caos provocado pela globalização.
Esta possibilidade de correção dos desajustes oriundos da reestruturação produtiva
não é a mesma daquela apresentada por Milton Santos (Op. cit) quando se referia ao
espaço banal. Para Santos (Ibid), o espaço banal é o espaço de todos e este é elaborado
pelas horizontalidades, ou seja, quando o território se articula como espaço de luta dos
trabalhadores oprimidos para estabelecer a sua revanche à força das redes verticais.
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7
Merece destaque, a iniciativa do Projeto de Cooperação entre o Banco do Nordeste e o PNUD (Programa
das Nações Unidas para o Desenvolvimento) que em 1995 deu início a um Programa de Apoio ao
Desenvolvimento Local.
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Impulso
Nova de estratégias
Formas de
formulação
Avanço da de
dedesenvolvimento
desenvolvimento
políticas de
descentralização
local
difuso (sistemas locais
desenvolvimento
de empresas
local
Crise do
modelo pós-
fordista
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8
David Harvey, no livro A Produção Capitalista do Espaço, destaca que o novo empreendedorismo se apóia
na parceria público-privada, por meio da construção especulativa do lugar, em vez da melhoria das condições
num território específico, enquanto seu objeto econômico imediato (ainda que não exclusivo) (2001).
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REFERÊNCIAS
131
LISBOA, J. B; CONEIÇÃO, A. L. DESENVOLVIMENTO LOCAL COMO SIMULACRO...
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Capitalismo. São Paulo: Xamã, 2003.
132
Resumo: A escala é um poderoso recurso metodológico
A ESCALA à disposição da geografia. Porém, pequena ainda é a
discussão e problematização da escala geográfica como
GEOGRÁFICA: um objeto teórico que exige elaboração mais profunda.
NOÇÃO, Na verdade, a escala geográfica não é um a priori ou
CONCEITO OU uma mera questão de escolha do analista quando
TEORIA? delimita suas estratégias investigadoras. A definição
da escala geográfica condiciona a própria maneira de
apreender e lidar com o objeto da análise. Nesta
perspectiva, este texto problematiza a escala como
T HE G EOGRAPHIC S CALE : noção e como conceito a partir da literatura surgida
NOTION , CONCEPT OR sobre o tema nos últimos anos e aponta para a
TEORY? necessidade de construção de uma teoria da escala
geográfica, principalmente do ponto de vista de uma
Geografia Política.
L A E SCALA G EOGRÁFICA : Palavras-chave: Escala geográfica; Geografia Política;
NOCIÓN , CONCEPTO Ó
TEORÍA ? Pensamento Geográfico.
T e rr a L iv re P re sid e n t e P ru d e n t e A n o 2 3 , v .2 , n . 2 9 p. 1 3 3 -1 4 2 A go - D e z / 2 0 0 7
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1. Introdução
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Porém, em que pese a riqueza da análise deste historiador que lança mão
desta discussão de maneira singular e fecunda para enfrentar o debate
historiográfico que se estabelece entre a micro e macro história (debate este
que toma conta desta ciência na década dos 80), não há como simplificar o
debate da escala no seio da Geografia às contribuições da cartografia.
Na verdade, e o próprio Lepetit reconhece, se é certo que a escala nos
remete ao debate da cartografia, remete também ao debate sobre os
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MELAZZO, E. S.; CASTRO, C. A. A ESCALA GEOGRÁFICA...
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Tal constatação já nos permite afirmar que se o autor nos alerta para sua
escala geral de análise, ou para o “grande cenário”, existe no mínimo uma escala
específica de análise, ou “pequenos cenários”, nos quais a produção do espaço
se dá pelo capital. Ou, utilizando de suas palavras:
139
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interconectadas).
A estes quatro elementos, outros poderão/deverão ser desenvolvidos, como
por exemplo, os saltos escalares ou mesmo as aproximações escalares que,
fugindo ao escopo deste trabalho aprofundam tais conceituações e, ambos,
poderiam estar se referindo as certas particulares de articulações entre escalas.
“... as escalas não estão dadas, mas são, elas mesmas, objeto de
confronto, como também é objeto de confronto a definição das
escalas prioritárias onde os embates centrais se darão.” (VAINER;
1995, 146)
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
141
MELAZZO, E. S.; CASTRO, C. A. A ESCALA GEOGRÁFICA...
142
Resumo: As possibilidades epistemológicas e pedagógicas da
geografia cultural humanista revelam ações fenomenológicas como
POSSIBILIDADES instrumento na elaboração e disseminação do conhecimento humano
em sua ordem científica. Para esse intento, posicionam-se, de forma
EPSTEMOLÓGICAS E sucinta, os saberes epistemológicos da ciência em geral e da geografia
em particular, em sua contemporaneidade. Com isso pontua-se a
PEDAGÓGICAS DA necessidade de adaptação do projeto humano em ambiente
epistêmico e pedagógico, ressaltando que o positivismo, assim como
GEOGRAFIA HUMANA o mecanicismo que formou uma alma-racional e um corpo-mecânico
EM SEU TRONCO devem contar também com os sentimentos mais puros da alma
humana. O artigo ressalta que a geografia, pela sua estrutura
HUMANÍSTICO- epistêmica, dentro do humanismo, pode sustentar
instrumentalmente, mediante descrição subjetiva, em contexto
CULTURAL situacional e intencional, devidamente suspenso, as elucubrações
idiossincráticas, ônticas e dialógicas do ser humano. O artigo busca
refletir as mudanças socioculturais e científicas e as adaptações que
EPISTEMOLOGICAL AND a geografia fenomenológica, seu método e seu caráter pedagógico
PEDAGOGICAL POSSIBILITIES OF podem oferecer ao desenvolvimento humano.
HUMAN GEOGRAPHY IN ITS Palavras-chave: Epistemologia, Geografia Humanista,
HUMANISTIC AND CULTURAL Fenomenologia, Pedagogia.
TRUNK
Abstract: The epistemological and geographical possibilities of
the humanist and cultural Geography reveals phenomenological as
LAS POSSIBILIDADES
EPISTEMOLÓGICAS Y PEDAGÓGICAS a tool in the preparation and dissemination and spreading of the
DE LA GEOGRAFIA HUMANA EM SU
human knowledge in its scientific order. To this intent, stand up,
TRONCO HUMANISTICO-CULTURAL briefly, the epistemological knowledge of science in general and in
particular geography, in its contemporaneity. With all these, is
shown the need of adaptation of the positivism, as well as the
mechanism which formed one rational soul and one mechanic body,
must trust the most pure feelings of the human soul. The article
MARCOS ANTONIO emphasizes that, when well suspended, the Geography by its
epistemological structure, inside the humanism, can sustain
CORREIA instrumentally by the subjective description in situational and
intentional context the idiosyncratic lucubration, ontological and
Professor do Departamento de dialogical of human being. The article searches for the reflection of
social-cultural and scientific changes, as much as the adaptations
Geografia da FAFI-PR that phenomenological Geography and its methodology and
Discente do Programa de pedagogical characteristic can offer to the human development.
Mestrado/Doutorado da UFPR Keywords: Epistemology, Geography Humanist, Phenomenology,
Pedagogy.
E-mail: [email protected] Resumen: Las posibilidades epistemológicas y geográfica de la
humanista y cultural de Geografía revela acciones fenomenológica
como na instrumiento en la elaboración y difusión de los
conocimientos humanos en su orden científico. Con este propósito,
de pie, brevemente, el conocimiento epistemológico de la ciencia en
general y, en particular, la geografía, en su contemporaneidad. Con,
se muestra la necesidad de adaptación del positivismo, así como el
mecanismo que forma un alma racional y Un órgano mecánico, debe
confiar en los sentimientos más puros del alma humana. El artículo
hace hincapié en que, cuando así suspendido, la Geografía en su
estructura epistemológica, en el interior del humanismo, puede
sostener instrumentalmente por la descripción subjetiva de la
situación y el contexto intencional idiosincrásicas lucubracion,
ontológica y dialógica del ser humano. El artículo busca el reflejo de
la social-cultural y científico cambios, tanto como las adaptaciones
que fenomenológica Geografía y su metodología pedagógica y
característica puede ofrecer para el desarrollo humano.
Palabras clave: Epistemología, Geografía Humanista,
Fenomenología, Pedagogía.
T erra Livre Presid en te Pru d ente Ano 23, v. 2, n. 29 p. 143-162 Ago -Dez/ 2007
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CORREIA, M. A. POSSIBILIDADES EPISTEMOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS DA
GEOGRAFIA...
Introdução
A sociedade atual busca alternativas ao seu projeto, que vigora desde o renascimento,
marcando a construção da ciência e seu respectivo espírito científico, o qual direciona e
sustenta o desenvolvimento da sociedade moderna até o presente momento. Uma nova
realidade se apresenta no horizonte dos saberes da humanidade, porém essa nova maneira
de ver as coisas não condena a produção humana até o momento, mas sinaliza outras
possibilidades a serem consideradas, e introduzidas, como maior aproximação do ser
humano de sua essência ôntica, envolvido por elementos físicos e naturais que lhe atribuem
sentido de existência. Isso pode mudar a elaboração dos saberes, principalmente, em seu
caráter científico, pois evidencia o particular, o subjetivo, o intersubjetivo, o estético, a
arte, o holístico, o único, o sagrado e várias outras facetas humanas não contempladas no
conhecimento científico moderno.
O artigo busca refletir essas mudanças no projeto humano, assim como vislumbrar
a possível integração da ciência geográfica, em sua vertente cultural humanista, no tocante
a elaboração epistêmico-metodológica, nesta nova fase do processo de reavaliação e
reconstrução dos feitos do homem durante sua estada no mundo, assim como suas novas
investidas no universo ou nos vários universos, como pensam alguns. Nesse sentido, a
geografia como saber sistematizado e estruturado, abordando conceitos da natureza e do
homem, poderá contribuir nessa empreitada, principalmente seguindo opção
fenomenológica, pois ela resgata o ser humano como ponto de partida e como ponto de
chegada na edificação e disseminação do conhecimento, partindo-se do emocional e do
criativo, indicando, assim, possibilidades mais seguras e condizentes ao ser humano na
procura de sua plenitude.
Na busca de uma estrutura sintética para o artigo que trata das possibilidades
epistemológicas e pedagógicas da geografia humana em sua configuração cultural
humanista de feição fenomenológica, optou-se por seguir pensamentos de estudiosos,
filósofos e geógrafos como: Gomes (1996), Capra (1982), Demangeon (1985), Claval
(1997), Holzer (1997), Tuan (1980 e1983), Buttimer e Lowenthal, In Christofoletti (1985)
e outros, numa primeira parte, subdividida em duas outras que tratam do posicionamento
epistemológico dos saberes na atualidade e da situação epistemológica da geografia
humana no redimensionamento dos saberes e, na seqüência, a última parte aborda,
sucintamente, a possibilidade teórico-pedagógica da utilização da fenomenologia na
geografia cultural humanista. Nessa última parte, observaram-se principalmente as
reflexões realizadas por: Bachelard (1996), Bakhtin (2000), Galeffi, (1986), Bicudo (1999),
Husserl (2001) e (Coelho, 1999), os quais com suas idéias sustentam o artigo.
Sendo assim, é fundamental assinalar o posicionamento dos saberes na atualidade
e a situação da geografia na contemporaneidade, pois esses atuam como antecedentes
no conjunto das idéias básicas deste texto, o qual busca identificar a forma
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1
De acordo com o Dicionário de Filosofia de Japiassu e Marcondes, o termo modernidade exalta a razão,
valorizada a partir do Renascimento e o termo pós-modernidade seria a superação dessa razão alcançada por
meio da valorização do sentimento, da arte e da criatividade.
2
Nesse caso a descrição deve ser entendida como forma imanente (partindo do interior do ser) de perceber o
objeto e eventos em si. Para a geografia esta forma de descrição poderá abrir perspectivas inovadoras,
principalmente, em ambiente didático-pedagógico.
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CORREIA, M. A. POSSIBILIDADES EPISTEMOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS DA
GEOGRAFIA...
3
Voltada à pesquisa buscando a elaboração do conhecimento geográfico. Diferente da geografia escolar que se
concentra, prioritariamente, na disseminação dos conhecimentos geográficos.
4
O monumentalismo, em Gomes (1996), refere-se a estética e a criatividade da arquitetura moderna que
sofreu grandes modificações, mas não deixou de usar as técnicas e os materiais do modernismo.
5
Nos relatos de Gomes (1996), o modernismo está ligado a racionalidade, universalidade e generalizações.
Esse, tem seu momento derradeiro no monumentalismo, que renova a estética — de início na arquitetura,
depois em outras áreas — e traz à tona o relativismo, próprio do pós-modernismo.
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Terra Livre - n. 29 (2): 143-162, 2007
estruturas teóricas e metodológicas das mesmas. Nesse sentido (Gomes, 1996 p.21-23),
diz essas concepções inauguram visões diferenciadas de espaço e tempo, tornando-se
relativas e mutáveis, constituindo-se em renovadas “Unidades Fenomenológicas”, mais
perceptíveis nas manifestações artísticas. Já nos saberes científicos, isto não ocorre com
tanta visibilidade, ao mesmo tempo em que avança de forma mais lenta, no entanto não
menos efetiva. Na ciência, a iniciativa mais evidente é a da teoria anarquista de Feyerabend,
dizendo que os instrumentos metodológicos convencionais são inconsistentes e a hegemonia
da razão e o mito equiparam-se na sua condição epistemológica, valorizando o particular
e o único, advindo do sujeito e seu mundo.
Por outro lado, (Capra 1982, p.14-23), diz que, atualmente o mundo apresenta
conexão entre fenômenos naturais, sociais e psicológico, interligado e interdependentes.
Sendo assim, as elaborações sistêmicas e cartesianas não estão dando conta de satisfazer
o equilíbrio individual e social. Pois nas últimas décadas é estabelecida uma condição de
profunda crise mundial, afetando todos os segmentos da sociedade, delineando crises das
mais profundas, interferindo nas manifestações morais, intelectuais e espirituais do ser
humano, inclusive desencadeando perspectivas iminentes e realísticas de extinção do
gênero humano e dos demais seres vivos do planeta.
Na tentativa de situar essas mudanças paradigmáticas, é importante assinalar que,
a institucionalização da razão efetivou-se no último quartel do século XVII e, segundo
(Gomes, 1996, p.25-26), o conhecimento científico seguindo princípios e modelos galileanos
evocou o racional e a generalização na organização e elaboração dos saberes, constituindo-
se como único caminho para se chegar à conquista do modelo moderno de ciência, firmando-
se em via válida ao conhecimento humano, no período chamado modernismo. Por outro
lado, nesse tempo, ocorreram manifestações diferenciadas as quais não tiveram guarida.
Hoje, porém, ocorrem oposições a essa superestrutura de conhecimento, por meio de
posições anarquistas, místicas e outras, caracterizadas como “Contracorrentes”,6
contestando o poder da razão, do espírito científico e a hegemonia da estrutura dos saberes
ora institucionalizadas.
No que concerne ao pensamento de (Capra, 1999, p.35-37), a razão e a intuição
são maneiras indissociáveis no funcionamento do cérebro humano. A primeira é
concentrada, analítica e linear. Já, a intuição parte da realidade, do vivido, do não-
pensamento, privilegiando a percepção consciente. A cisão entre matéria e espírito, levou
a um pensamento mecanicista, reduzindo e separando os elementos, assim como
seccionando a natureza. Essa mesma cisão estende-se aos organismos vivos, caracterizados
como máquinas formadas por peças disjuntas. Isso ainda ocorre na estrutura básica da
maior parte das ciências, exercendo grande influência em nossa vida, provocando, também,
separação das disciplinas acadêmicas, assim como visões fragmentadas de política de
governo e de entidades responsáveis pelo meio ambiente.
6
As “contracorrentes” sugerem áreas dos saberes como: filosofia da natureza, romantismo, hermenêutica e
fenomenologia, como teorias importantes nas elaborações epistemológicas e metodológicas aplicáveis aos
conhecimentos geográficos.
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CORREIA, M. A. POSSIBILIDADES EPISTEMOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS DA
GEOGRAFIA...
Como reflete (Capra, 1982, p.44), a maior parte dos ramos científicos seguem os
princípios da física clássica, aceitando o reducionismo e o mecanicismo dessa ciência.
Mesmo os economistas, psicólogos e sociólogos acabam aderindo, quase naturalmente à
física newtoniana, na tentativa de tornar científicas suas respectivas teorias. Mas no
último século a visão mecanicista da física passa por grandes modificações, pois, sustenta
a existência de estrutura orgânica e ecológica, aproximando-se do holismo e de certo
misticismo. O universo é visto como um todo harmonioso e indissociável, promovendo
ligações dinâmicas e complexas, unindo todos os objetos, elementos e fenômenos que se
interconectam ao ser humano e sua consciência essencial.
Na realidade retomam-se alguns conceitos de alguns pensadores, como diz (Capra,
1999, p.53-54), que antigamente conceituavam a Terra como mãe nutriente. Esse conceito
sofre alterações nos relatos de Bacon, desintegrando-se por completo na revolução
científica, que optou pela concepção do mundo como máquina, em detrimento de idéias
orgânicas. Esse enfoque foi de grande importância para o assentamento da sociedade
moderna ocidental, arquitetada por dois personagens: Descartes e Newton. O primeiro,
com sua conhecida premissa, “Cogito, Ergo Sum”, “Penso Logo Existo”, deduz que a
essência humana está no pensamento e que o conhecimento correto é adquirido pela
intuição e dedução, caracterizando-se em instrumentos imprescindíveis à edificação do
pensamento e conhecimento humano.
Seguindo o pensamento capreano (1999, p.56-58), o universo material para
Descartes constituía-se, simplesmente, em uma máquina, desprovida de espiritualidade
ou vida, funcionando por meio de leis mecânicas explicadas por intermédio dos movimentos
de suas partes. Com esse pensamento mecanicista, ele tenta constituir parâmetros para
uma completa ciência natural, estendendo essa concepção aos organismos vivos. Plantas
e animais são considerados máquinas e o ser humano, possuidor de alma racional, ligada
ao corpo pela glândula pineal, e tido como animal-máquina. Newton praticamente continua
o pensamento de Descartes, concretizando seu projeto, matematizando a concepção
mecanicista da natureza, sintetizando, inclusive, além de Descartes, as obras de Copérnico,
Kepler; Bacon e Galileu.
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CORREIA, M. A. POSSIBILIDADES EPISTEMOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS DA
GEOGRAFIA...
amante dos mapas e dos selos habita os países construídos por sua fantasia.
O crente aspira à felicidade eterna do paraíso, evita a prova do purgatório e
teme o castigo definitivo do inferno. O espaço freqüentado pelos homens
não se limita jamais àquele revelado pela observação. (Claval, 1999, p.140).
7
Conceito central da fenomenologia. Em Husserl ela é manifestada por meio da descrição após se realizar a
epoché, ou seja, a suspensão do juízo (o mundo colocado entre parênteses).
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individuais.
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Tratando das matérias que se deverão ensinar, Kant sustenta ser oportuno
que as línguas vivas sejam ministradas pelo uso e pelo léxico mais do que
mediante exercício de memória, através de leitura de autores. Ele reputa
danosas, em geral, as leituras dos romances: com efeito, julga conveniente
começar a instrução com a geografia (...). O ensino científico deve visar,
enfim, a converter em saber exato um simples opinar. (Galeffi, 1986, p.
267).
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De acordo com o Dicionário de Filosofia de Japiassu e Marcondes, a redução fenomenológica é a concentração
da atenção nas coisas mesmas e não nas teorias.
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CORREIA, M. A. POSSIBILIDADES EPISTEMOLÓGICAS E PEDAGÓGICAS DA
GEOGRAFIA...
da experiência e me asseguraria, em relação a eles, toda a ciência e toda a
potência. (Merleau-Ponty, 1999, p.394).
De acordo com (Husserl, 2001, p. 37-38), de certa forma, o mundo em uma atitude
reflexiva para o ser está sempre ali, ele é notado como antes mediante manifestações
ocorridas em cada momento. Mas, em contrapartida, mesmo sabendo que os elementos
objetivos e concretos sempre estão presentes, ao se trazer a atitude filosófica, não se
compartilha mais a confiabilidade no existencial da experiência natural. Ela não é tida
mais como crença válida, mesmo sendo captada de forma empírica. Nesse sentido, eles
são considerados “simples fenômenos”, pois, ao que parece, perderam, na transfiguração
de seus valores, sua validação. O mundo objetivo invalidado universalmente, ou ao menos
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para o campo das ciências humanas. (...). Ensina-nos a distinguir o que, na
vida pessoal, na existência social e na educação, é de fato significativo.
Recupera a natureza e a identidade do real, do psíquico, da existência e do
fazer humanos, da educação, da escola, das teorias e da prática, do saber,
do ensinar, do aprender, do tempo próprio da pesquisa, do ensino e da
aprendizagem, “des-velando” seu verdadeiro sentido. Aliás, a fenomenologia
ajuda-nos a compreender a questão do tempo, tão importante na educação,
mostrando-nos que, embora real, o tempo da educação, da escola, da
pesquisa, do ensino e da aprendizagem segue uma outra lógica, se desenvolve
em outro ritmo e com outros fins. Sendo diferente do tempo do mercado,
da produtividade, da eficiência e do lucro, não pode a este ser reduzido.
(Coelho, p.90-1).
Ainda em (Coelho 1999, p.108-9), não existe ser humano e mundo: existe homem-
no-mundo. Haja vista sua capacidade de adaptação ao mundo em que ele se faz presente,
e que o modifica e pode ser modificado por ele. Sendo assim, nessa interação homem/
mundo, a ciência não pode partir precipuamente de objetos aprioristicamente dados. Mas
são percebidos em íntima relação, em que se abandona questão da neutralidade científica.
O mundo não é algo acabado, determinado. Portanto é percebido em determinados
momentos por algumas pessoas, em determinados lugares. Devido a isso pode-se
argumentar que a captação do indivíduo é subjetiva, mas as compreensões são
intersubjetivas, mediadas na relação homem/mundo, por componentes históricos, pela
cultura, pela linguagem, movidos pela afetividade, entendimento/interpretação e
comunicação. Apanhado pelas coisas, o ser humano manifesta seu íntimo ontológico,
entende-as e analisa-as para comunicá-las e compartilhá-las com pessoas que estejam
na mesma situação.
Mediante o exposto, percebe-se que as necessidades epistêmico-metodológicas
da geografia cultural humanista poderiam acompanhar os métodos, ou como preferem
alguns, a atitude fenomenológica. Sem falar dela no ensino-aprendizagem e sua
contribuição na disseminação dos saberes, principalmente de ordem científica. Essa
elaboração da ciência humana e/ou da geografia humana concreta-se sobre a
comunicação intra e inter indivíduos e seus respectivos grupos, assentados em ambientes
culturais diferenciados, que manifestam situações do cotidiano, vivendo e experienciando
cenas intencionalizadas. 9
Nos últimos anos a geografia coaduna-se afinadamente com o novo projeto da
humanidade, que coloca, de forma contundente, o homem no centro dos interesses
mundanos, até porque, apenas para lembrar, essa ciência está classificada, pela maior
parte da academia, como ciência social, que trabalha a organização espacial advinda do
humano. Nesse sentido, no contexto fenomenológico, existe uma conexidade
imprescindível entre as pessoas e seus mundos. Cada um com seu corpo e sua mente
constrói, por meio de suas vivências, mundos imaginários e reais, que se podem fundir
9
No sentido fenomenológico husserliano.
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A teoria psicológica walloniana pode ser aplica na educação, pois ela “deve,
obrigatoriamente integrar à sua prática e aos seus objetivos, essas duas dimensões, a
social e a individual: deve, portanto, atender simultaneamente à formação do indivíduo e
à da sociedade” (Galvão, 1999, p.91). Nesse sentido, ela vem de encontro as teorias
geográficas, quando se aproximam da linguagem e da questão mental, à saber:
Já que a mente racional demora mais para registrar e reagir aos fatos do
que a mente emocional, o primeiro impulso, em circunstâncias emotivas,
não vem da cabeça, mas do coração. Há um outro tipo de reação emocional
que não é tão rápido – fervilha e fermenta no pensamento antes de se
configurar como sentimento. (...) No processo de resposta rápida, ao
contrário, o sentimento precede ou é simultâneo ao pensamento. Essa reação
emocional do tipo jogo rápido assume o comando em situação com urgência
da sobrevivência primal. (Goleman, 1995, p.305).
10
Grifo nosso — buscando associar essas teorias de ensino-aprendizagem ao ensino de geografia
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possível (...) mais crianças sentem que suas forças pessoais estão sendo reconhecidas”.
Gardner (2007), em sua entrevista diz que, a maior dificuldade é conhecer cada
educando como ele realmente é; saber o que ele é capaz de fazer e centrar a capacidade
nos interesses de cada um deles. Por outro lado, diz que, o professor é um antropólogo
que estuda cada aluno cuidadosamente, e um orientador que ajuda o educando a atingir
seus próprios objetivos e os objetivos idealizados pela sociedade através da escola. Portando
formas criativas e inovadoras devem passar pela educação, subsidiando educadores e
educandos renovando, dinamizando e disseminando o processo ensino-aprendizagem.
Conclusão
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REFERÊNCIAS
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GEOGRAFIA...
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IDENTIDADE Resumo: O direito à titulação coletiva de terras pertencentes
TERRITORIAL às comunidades rurais de negros, concedido pelo Estado
QUILOMBOLA - UMA brasileiro desde 1988, impulsionou uma série de processos e
ABORDAGEM articulações sociais em prol do reconhecimento identitário
GEOGRÁFICA A PARTIR quilombola. Diversos grupos negros rurais se inseriram no
sistema jurídico-político do Estado-nação brasileiro,
DA COMUNIDADE transformando e tornando híbridos seus usos tradicionais
CAÇANDOCA do espaço. As territorialidades destes grupos, formadas no
(UBATUBA/SP)* passado como uma conseqüência à exclusão sócio-espacial
historicamente vivenciada pelos negros explorados pelo
sistema escravista, vem sendo afirmadas e resignificadas
através da posse territorial como um marco identitário. O
presente texto propõe uma análise destes processos a partir
da realidade da Comunidade da Caçandoca, Ubatuba/SP.
TERRITORIAL IDENTITY Palavras-chave: identidade territorial; uso e ocupação do
QUILOMBOLA – A GEOGRAPHY espaço; titulação de terras; comunidades quilombolas;
BOARDING FROM THE COMUNIDADE
território nacional.
CAÇANDOCA
(UBATUBA/SP)
Abstract: The right of the land titling of agricultural black
communities granted in Brazilian Constituition, which secure
IDENTIDAD TERRITORIAL the right of property for quilombo lands, has stimulated
QUILOMBOLA - EL SUBIR
GEOGRÁFICO DE LA COMUNIDADE
processes and social articulations for a identitary reconigtion
CAÇANDOCA of quilombo lands in Brazil. Under the light of this process,
(UBATUBA/SP) black country groups were insered in this Brazilian juridic-
political system, which has transformed and hybridizated the
traditional uses of space. The territorialities of these groups
which were formed in the past by the social, spacial and racial
MARIA TEREZA DUARTE segregation - lived by those exploited people since slaverly
system – have been affirmed and resignificated through the
PAES LUCHIARI territorial ownership as a identity landmark. The present text
considers an analysis of these processes from the reality of
Professora do Depto de the Community of the Caçandoca, Ubatuba/SP.
Sociologia da Universidade
Estadual de Campinas - Key-words: territorial identity; use and occupation of the
UNICAMP space; land titling; quilombolas communities; domestic
E-mail: [email protected] territory.
Introdução
Artigo 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam
ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o
Estado emitir-lhes os títulos respectivos. (Constituição Federal de 1988)1
1
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicaocentração
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O valor do espaço é determinado a partir do uso que dele é feito. Por meio de sua
apropriação demarcam-se territórios que, enquanto porções do espaço, são socialmente
construídos e ocupados. Essa apropriação do espaço, concreta ou abstrata, permite a
territorialização de formas, impressas de poder (Raffestin, 1993). Os territórios nacionais
são um exemplo claro de demarcação de fronteiras enquanto posse de uma porção do
espaço, cuja afirmação de identidade e unidade da nação, legitimam uma soberania
nacional.
Cada território desenvolve sistemas territoriais próprios, que asseguram o controle,
impõem ordens e permitem realizar a integração e a coesão. Segundo Raffestin (1993,
p.150), estes sistemas são constituídos por sistemas de malhas, nós e redes que possibilitam
a circulação e comunicação, fundamentais para as dinâmicas territoriais. E é nesse sentido
que cada território desenvolve uma dinâmica singular, que o difere dos demais.
Essa singularidade também se aplica, ainda que em outra escala, aos lugares. O
lugar é a categoria do espaço geográfico onde a realidade acontece. Ao passo que o
mundo nos é estranho, o lugar nos é próximo, nele estão superpostos os tempos externos
das escalas superiores e os tempos internos, da coexistência, onde as noções e as realidades
de espaço e tempo se fundem. (SANTOS, 2004).
É a partir da escala do lugar que o mundo se concretiza por meio de sistemas de
objetos e ações, deixando de ser uma abstração. O espaço é amplo e abstrato, ele apenas
se torna real no lugar, onde ordens globais se materializam. Dessa forma, o lugar não é
somente uma parte do mundo, mas o próprio mundo localizado. (LUCHIARI, 1999, p.10).
Desta maneira, é nos lugares que a vida social se recria. As relações sociais e
territoriais ali se dão enquanto realidade palpável. E, como os lugares e o mundo formam
uma totalidade dinâmica, as identidades dos lugares são produzidas constantemente, não
são apenas cristalizações do passado, heranças do vivido, mas representações do mundo
no lugar e do lugar no mundo. Assim podemos pensar em um espaço social híbrido, onde
novos e velhos usos do território coexistem como um motor de dinâmica do lugar.
Os sistemas territoriais são responsáveis tanto pelas relações de convergência,
através das redes, quanto pelas relações de rupturas e disjunções. Cada sistema segrega
uma territorialidade própria, que é vivida pelos indivíduos e pela sociedade. A territorialidade
se manifesta em todas as escalas espaciais e sociais. Para a análise das territorialidades
é necessária a apreensão das relações reais recolocadas no seu contexto sócio-histórico
e espaço-temporal. (RAFFESTIN, 1993).
Como formas de expressão da singularidade dos lugares, as territorialidades denotam
as formas de apropriação do espaço, exclusivas a cada localidade. Segundo SOJA, a
territorialidade seria composta de três elementos, o senso de identidade espacial, o senso
de exclusividade e a compartimentação da ação humana no espaço. Ela reflete a
multidimensionalidade do ‘vivido’ territorial pelos membros de uma coletividade e pelas
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compõe também o ‘ser’ de cada grupo social, por mais que a sua cartografia
seja reticulada, sobreposta e/ou descontínua”. (HAESBAERT, 1999, p.186).
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O decreto estadual n° 10.251 de 30 de Agosto de 1977, institucionalizou uma área de 315.390 ha como área
de preservação
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3
Entrevistas realizadas em janeiro de 2006, entre os moradores da Comunidade Quilombola Caçandoca.
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situação, anseiam por recursos que tornem a Caçandoca mais habitada, com luz elétrica,
asfalto e escola.
A principal atividade tradicional da população era a roça, proibida hoje em dia pela
legislação ambiental. Ao entrevistar os moradores, muitas referências foram feitas à
vontade e à saudade de plantar, principalmente entre os mais velhos. O processo de
abandono da atividade agrícola, induzido pelas leis ambientais e pela especulação imobiliária,
foi generalizado no Litoral Norte Paulista. Esta perda para as populações tradicionais
induziu transformações nas bases econômicas e culturais, e desestruturou as comunidades
locais, indígenas, caiçaras e quilombolas. Os moradores da Caçandoca acreditam na
importância do retorno das atividades agrícolas como uma maneira de retomar a antiga
estrutura social, da qual foram apartados. Tal feito garantiria a alimentação de uma maneira
mais saudável e econômica, além de os arraigar à terra. Atualmente os moradores precisam
ir à cidade para comprar alimentos, que nutricionalmente, são muito inferiores ao cardápio
degustado por seus pais e avós no tempo em que a Caçandoca se sustentava a partir de
seus recursos.
Com o distanciamento da atividade agrícola, o conhecimento acerca das espécies
e dos modos de plantio torna-se desvalorizado. As crianças e jovens não se interessam
em aprender sobre nome de plantas, função das espécies, modos de plantar baseado nas
luas, os segredos das ervas medicinais e suas aplicações, ou seja, o ajuste ecológico
vivido por essas populações, a lida com a terra e o uso dos recursos naturais como modo
de vida, torna-se uma referência do passado.
A pesca é realizada ainda, assim como a coleta de mariscos e a produção e
venda de bananas. Porém, em sua maioria, as pessoas trabalham fora da comunidade.
Grande parte das mulheres trabalha como empregada doméstica nas casas do condomínio
da Praia do Pulso, ou em vendas no centro urbano de Ubatuba ou Caraguatatuba. Na
época de temporada, o trabalho na praia é o mais procurado; as pessoas trabalham em
quiosques ou como vendedores ambulantes.
O uso dos recursos naturais, tão abundantes no território quilombola, é limitado
devido à instabilidade que enfrentam em relação ao direito de uso e posse da terra, pelas
proibições das leis ambientais e pela mudança de racionalidade já introduzida nos
moradores. Os jovens cresceram em outro ambiente, com referências urbanas, de forma
que o trabalho na terra não lhes é habitual.
Devido à falta de recursos dentro da Comunidade, a circulação para centros urbanos
próximos é freqüente. As pessoas precisam sair da Caçandoca para fazer compras de
alimentos e outros gêneros, ir à escola, ao médico ou dentista, visitar parentes e por
vezes, trabalhar. Praticamente todos os moradores possuem parentes que não moram na
Caçandoca.
O período presente é separado do passado a partir de fins da década de 1960 e
início da década de 1970, quando a comunidade passa a enfrentar sérios conflitos e
transformações em seu modo de vida. Essa data é considerada como uma ruptura entre
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4
Sobre a desestruturação de comunidades tradicionais ver especialmente: DIEGUES, A.C. MOREIRA,
A.C.C.(orgs)Espaços e recursos naturais de uso comum. São Paulo: NUPAUB, 2001. LUCHIARI, M.T.P.D.
Caiçaras, migrantes e turistas: a trajetória da apropriação do litoral norte paulista. IFCH, UNICAMP, 1992.
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Considerações finais
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A luta da comunidade da Caçandoca pela terra não é uma luta exclusiva. Em todo
o Brasil a luta pela terra é cotidiana e faz parte da realidade de muitos grupos excluídos,
como indígenas e trabalhadores rurais. Ainda que o acesso à terra para os remanescentes
de quilombos esteja garantido por lei desde a Constituição de 1988, na prática trata-se de
uma conquista árdua, que exige articulação política e uma longa espera.
Em verdade, trata-se de uma luta pelo direito à cidadania. Os negros estiveram
excluídos do processo de formação da nação e buscam hoje sua inserção. O Estado-
nação brasileiro, novo e em crise, propõe formalmente esta inclusão, mas cabe às
comunidades a organização política dos grupos, a aceitação da identidade negra como
símbolo de distinção social, e a recuperação permanente, assim como a criação, de
territorialidades quilombolas .
Referências bibliográficas
179
LUCHIARI, M. T. D. P; ISOLDI, I. A. IDENTIDADE TERRITORIAL QUILOMBOLA...
180
APROPRIAÇÃO SOCIAL
DO ESPAÇO URBANO Resumo: O artigo procura desenvolver uma reflexão crítica
acerca do planejamento urbano sob os imperativos da
E
racionalidade capitalista e do mundo da mercadoria, na
TERRITORIALIDADE: perspectiva de uma condição mais democrática e favorável a
O DESEJO E A uma efetiva apropriação social do espaço, envolvendo a
ESPERANÇA PELOS discussão dos limites e das possibilidades deste percurso.
INTERSTÍCIOS* Apresenta-se como um estudo de caso o bairro de Santa Tereza,
localizado na Região Leste da cidade de Belo Horizonte, Minas
Gerais.
SOCIAL APROPRIATION OF THE Palavras-chave: planejamento urbano; apropriação do espaço;
URBAN SPACE AND território; territorialidade; bairro de Santa Tereza; Belo
TERRITORIALITY: THE DESIRE AND Horizonte, Minas Gerais.
HOPE FOR THE INTERSTICES
Abstract: This article intends to develop a critical reflection
APROPRIACIÓN SOCIAL DEL concerning the urban planning under the imperatives of the
ESPACIO URBANO Y capitalist rationality and the world of the merchandise, in the
TERRITORIALIDAD: EL DESEO Y LA perspective of a condition more democratic and favorable to
ESPERANZA POR LOS INTERSTÍCIOS
an effective social appropriation of the space, involving the
debate of the limits and the possibilities of this course. The
quarter of Santa Tereza is presented as a case study, located
in the East Side of the city of Belo Horizonte, Minas Gerais.
ULYSSES DA CUNHA Key words: urban planning; appropriation of the space;
territory; territoriality; quarter of Santa Tereza; Belo Horizonte,
BAGGIO Minas Gerais.
Professor do Curso de Geografia Resumen: El artículo se propone desarrollar una reflexión crítica
do Departamento de Artes e referente al planeamiento urbano sus los imperativos de la
Humanidades da Universidade racionalidad capitalista y del mundo de la mercancia, en la
Federal de Viçosa; Doutor em perspectiva de una condición más democrática y favorable a
Geografia Humana pela una efectiva apropriación social del espacio, implicando la
discusión de los limites y las posibilidades de este curso.
Universidade de São Paulo
Presenta un estúdio de caso del barrio de Santa Tereza, situado
em la Región Este de la ciudad de Belo Horizonte, Minas Gerais.
E-mail: [email protected] Palabras clave: Planeamiento urbano; apropriación del
espacio; território; territorialidad; barrio de Santa Tereza; Belo
Horizonte, Minas Gerais.
* Este texto, com diversas modifi-
cações e adendos, integra partes da
minha tese de doutorado intitulada
A luminosidade do lugar – circuns-
crições intersticiais do uso de es-
paço em Belo Horizonte: apropri-
ação e territorialidade no bairro
de Santa Tereza, defendida junto
ao Programa de Pós-graduação em
Geografia Humana da USP, em no-
vembro de 2005. Ele também se
vincula a um projeto autônomo de
pesquisa que ora desenvolvo no De-
partamento de Artes e Humanida-
des da UFV, intitulado Território e
sociedade no horizonte de uma ge-
ografia libertária: percursos de
uma epistemologia do desejo.
Introdução
1
Pode-se falar aqui de inserção precária ou perversa de segmentos sociais na cidade e na economia urbana, os
quais não estariam propriamente excluídos. Sobre o assunto ver Martins, 2004.
182
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ele se mostra uma opção efetivamente válida desde que opere pautado nos princípios da
gestão participativa, da continuidade das ações e da flexibilidade de sua realização.
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2
Emprego o sentido que lhe atribui Claude Raffestin (1993, p.52-53), para o qual “o poder é parte intrínseca
de toda relação”, sendo ele “um processo de troca ou de comunicação”.
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por sua vez, só é possível porque cada homem é singularmente novo. Desse
alguém que é singular pode-se dizer, com certeza, que antes dele não havia
ninguém.
Essa racionalidade é crítica, sendo ela uma criação humana e como tal sujeita às
suas próprias interferências e ações. Não há Estado sem contra-Estado e poder sem
contrapoder. Os contrapoderes insinuam-se como um conjunto de forças e ações variadas
capazes de perturbar e até mesmo ameaçar o Estado e sua racionalidade. Não há
racionalidade em si mesma, e tampouco pode existir racionalidade absoluta; o que se
mostra racional hoje pode não sê-lo amanhã, e o racional de uma dada sociedade pode
ser tomado como o irracional de outra (Santos, 1993, p.53).
Desde os anos 60 do século XX ocorre um recrudescimento dos contrapoderes na
esteira da crise/redefinição do Estado, quando as empresas transnacionais encarregam-
se, de modo proeminente, do crescimento econômico. Eles emergem das regiões, das
periferias dos grandes centros urbanos, das diferenças. Não se quer dizer com isso que
eles estejam orientados para uma dissolução do Estado, para a sua superação, mas mais
propriamente sinalizando virtualidades políticas importantes quanto à possibilidade de um
percurso rumo a uma condição mais democrática.3 Conforma-se, assim, um campo de
relações dialéticas, dinâmicas e conflituosas entre contrapoderes e poder político existente
(Lefebvre, 1976).
Os termos dessa interpretação sugerem que a racionalidade capitalista não
necessariamente elimina a possibilidade do percurso democrático, até por que a própria
democracia se revela como uma construção, sempre uma construção, não se mostrando
como uma condição plena, definitiva e acabada4 ; condição que, aliás, também vale ao
próprio capitalismo. É próprio da natureza humana, e do próprio homem, agir, de um
modo ou de outro, em busca de melhores condições à sua existência - conquanto o
inverso também seja verdadeiro... A racionalidade capitalista não é maior do que as
essenciais e indissolúveis necessidades humanas.5 Os movimentos sociais, bem como
outras formas de insurgência, encerram virtualidades nesse sentido. Esta racionalidade
encerra contradições que se agudizam nos tempos hodiernos com o aprofundamento da
crise do processo civilizatório capitalista, fazendo da crise um vetor de dinamismo e,
desse modo, estimulando iniciativas e ações reativas de matizes diversos, nos mais variados
setores, segmentos sociais e lugares, tanto em países de capitalismo avançado como em
países semiperiféricos (como é o caso do Brasil) e países pobres.
3
De acordo com Demétrio Magnoli, a democracia não se limita ao horizonte estreito da eleição, mas se
apresenta mais propriamente como “[...] o produto de uma teia de instituições e leis que limitam o poder dos
governantes, escrutinam os atos do poder, resguardam os direitos dos cidadãos e protegem a expressão da
minoria”. (Folha de São Paulo, Opinião, 8 de dezembro de 2005, p. A2).
4
Acerca disso Henri Lefebvre nos diz que: “A democracia consiste, essencialmente, em uma luta pela
democracia. Jamais completamente vitoriosa, porque, em virtude de suas contradições, a democracia pode
sempre avançar e regredir” (1979, p.101).
5
Não estamos considerando aqui às “necessidades” artificialmente criadas pelos veículos de publicidade a
serviço das empresas e do consumismo desenfreado.
185
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consenso, embora o direito à participação esteja garantido. E a não participação pode ser
atribuída ao fato de que os custos desta participação não condizem com as condições dos
possíveis interessados. Vale lembrar que as próprias intervenções estatais impactam
fortemente esta condição metropolitana, produzindo sensíveis constrangimentos à
democracia urbana. Acerca disso, Ana Fani A. Carlos observa que
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BAGGIO, U. DA C. APROPRIAÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E TERRITORIALIDADE...
7
Embora estas sejam experiências bastante conhecidas, no Brasil a prática do orçamento participativo
começou no final da década de 70, em pleno regime militar, em Lages (SC). A partir daí dezenas de programas
de pressuposto participativo se seguiram pelo Brasil, despontando como experiências tanto nacional como
internacionalmente conhecidas os casos de Porto Alegre (RS) e Belo Horizonte (MG), que se tornaram
referências inspiradoras a outros governos municipais.
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Diante disso, vale dizer que a história nos mostra que as situações de crise
- com a decorrente queda da taxa média de lucro e da mais-valia - constituem um fator
de dinamismo, de reações, de inovações, de insurgências, condição na qual o novo pode
ser engendrado, não necessariamente para melhor, é bem verdade, mas inclusive. O
mundo nos apresenta, em variados lugares e situações, uma diversidade de práticas sócio-
espaciais que indicariam a possibilidade de alternativas factíveis 8 , reveladoras de melhores
possibilidades ao homem e aos seus respectivos espaços de vivência. Se a cidade, e o
território de modo geral se inserem nos circuitos de valorização, não se pode perder de
vista que esse movimento não é uma via de mão única, pois encerra uma dinâmica
conflituosa permanente, e agora mais recrudescida, entre a propriedade e a apropriação.
E não sem razão é que Odette Seabra (1996, p.71) nos diz que “[...] a história bem que
poderia ser lida, contada, interpretada pelo movimento conflituoso entre a apropriação e
a propriedade”, na qual a primeira, segundo a autora, está “referenciada a aspectos
qualitativos, a atributos”, ao passo que a segunda “a quantidades, a comparações
quantitativas, igualações formais, ao dinheiro (que delimitando o uso tende a restringi-lo)”
8
Pode-se oferecer, a título de exemplificação, o projeto de desenvolvimento urbano realizado na cidade de
Bogotá, na Colômbia, que viabilizou a conexão da periferia com o centro da cidade, proporcionando ganhos
em termos de qualidade de vida aos seus moradores, sobretudo nos locais envolvidos por esta conexão.
Ademais, emergem na América Latina e, em específico, no Brasil, movimentos urbanos, de variados matizes,
de música, arte, literatura, que ao lado de outros movimentos sociais, como os de luta pela terra, moradia, meio
ambiente, entre outros, reivindicam a condição cidadã e um espaço mais digno. Pode-se recomendar ainda a
leitura do importante livro organizado por Santos, B., 2002.
189
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Esse conflito traduz-se numa luta pelo uso, pela apropriação, que
absolutamente não é nem poderia ser entendida como marginal, à parte do
todo, fora da sociedade e do social. Nesses termos, se o uso se insurge e
ganha visibilidade, restabelece a dialética da propriedade em outros termos,
em outros planos. É um processo que pressupõe atos práticos. (1996,
p.76).
Assim, o território se desvela mais que um simples conjunto de objetos, por meio
dos quais se realiza o trabalho social, a circulação e a moradia, mas também como um
dado simbólico, ou ainda o produto de uma apropriação simbólica. Assim, ele compreende
a identificação que os diversos grupos sociais têm ou realizam com os seus respectivos
espaços de vivência. E aqui é importante ter clareza quanto ao fato de que
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os dias hoje, podendo-se destacar a conhecida praça central de Santa Tereza (Praça
Duque de Caxias). Esta praça comparece na história do bairro como uma conquista da
comunidade local junto ao poder público, fruto de suas reivindicações. Sua inauguração
deu-se em 1937, sofrendo diversas reformas ao longo do tempo, a última delas na gestão
do prefeito Célio de Castro (gestão 01/01/1997 a 27/03/2003)9 , que em 30/06/2000 a
reinaugurou, passando a contar com uma área maior, pisos novos, canteiros e anfiteatro
para shows. Por enquanto, ela é o principal local do bairro para a realização de eventos
públicos de maior monta.
Até os anos 30 a maior parte das ruas do bairro apresentava-se em precário estado
de conservação e com baixo índice de pavimentação, ruas que praticamente ficavam
intransitáveis em situações de maior incidência pluviométrica. O bairro só teria suas
principais ruas calçadas e iluminadas na década de 1940, quando começou a ganhar
alguma projeção em jornais e folhetins da cidade como um “bairro novo” e “agradável”,
embora seus moradores continuadamente reclamassem das suas deficiências infra-
estruturais. Nestes tempos a Praça de Santa Tereza afirmava-se como o principal lugar
de encontro da comunidade, local de realização de festividades e do footing, sobretudo
nos finais de semana. Na Rua Mármore, bem ao lado dela, realizava-se o levantamento
das duas torres da igreja matriz, que é considerada pelos moradores do bairro um dos
seus principais ícones identitários. Vista à distância - como, por exemplo, da Avenida dos
Andradas -, suas imponentes torres destacam-se na paisagem, servindo como uma clara
referência ao bairro. A praça, até o momento, é o lugar de maior atração e concentração
de pessoas do bairro, sobretudo às noites, quando se converte no “epicentro da boemia”
deste lugar10 , destacando-se no universo da sua vida cotidiana e da sua sociabilidade.
Desde o início das obras de construção da matriz em 1931 até a sua inauguração
oficial em 01/05/1962, transcorreram-se, portanto, 31 anos de trabalho coletivo, o que
certamente contribuiu para afirmá-la no imaginário dos moradores do bairro. E tudo leva
a crer que a edificação da igreja matriz bem como a construção do antigo coreto da
Praça Duque de Caxias, e os jardins que ali foram construídos, consolidaram este lugar
como a área central de Santa Tereza. Nas narrativas de seus moradores a praça e a
igreja comparecem como os dois principais ícones identitários do lugar.
Na década de 1950 já se podia observar, com maior clareza, o predomínio de
construções de uso residencial no bairro, quando começaram a surgir construções de
pequenos edifícios. Vale dizer que o período compreendido entre o final dos anos 40 e
aproximadamente meados dos anos 50 é caracterizado em Belo Horizonte como uma
fase na qual o mercado expõe um traço predominantemente especulativo, quando então
9
Cumpre observar que o prefeito Célio de Castro foi reeleito para o período de 01/01/2001 a 31/12/2004.
Contudo, por motivos de saúde, foi licenciado em 31/12/2002 e aposentado em 27/03/2003.
10
Esta condição da Praça Duque de Caxias e seu entorno, com a presença de bares e restaurantes, mereceu
uma matéria de duas páginas no jornal “O Tempo”, com o título “Santa Tereza reafirma a cada dia sua vocação
notívaga”. Cf. Jornal O Tempo, 2001, p.10-11.
193
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operou uma enorme oferta de lotes, sinalizando para a abertura de novas frentes do
processo de expansão urbana por meio do loteamento de grandes áreas. Nestas, apenas
se fazia a abertura de ruas, sem qualquer dotação de infra-estrutura básica, conduzindo à
formação de bairros cada vez mais longínquos, o que consolidou a expansão periférica e
a conurbação, precipitando desse modo a metropolização de Belo Horizonte. (Plano Diretor
de Belo Horizonte, 1995). Os avanços da industrialização e da urbanização representaram
para o bairro o recrudescimento dos empreendimentos imobiliários, principalmente a partir
dos anos 80, como evidencia a construção de pequenos conjuntos habitacionais na época.
O adensamento populacional e a expansão da área construída desencadearam a
formação de uma teia de conflitos entre a apropriação da rua para o desfrute dos moradores
e o recrudescimento do tráfego, em detrimento da primeira. Entretanto, este movimento
não representou uma ampla supressão de práticas de uso no local, sendo ainda observáveis
nos seus interstícios (sobretudo nas ruas de menor tráfego) bem como na Praça Duque
de Caxias. Estas áreas não estão, obviamente, incólumes aos problemas sociais e seus
agravos, com ocorrências esporádicas de pequenos furtos, agressões, roubos, uso miúdo
de drogas, etc.
As obras de infra-estrutura na região onde se localiza o bairro de Santa Tereza
tornaram esse bairro bem mais vulnerável aos empreendimentos imobiliários de maior
monta, quando já se podia constatar a expansão do uso comercial e da construção de
edifícios. Pode-se destacar, por exemplo, a verticalização permitida pelo zoneamento
ZR-4 (criada para a área em torno do centro da cidade), que induz a ocupação residencial
multifamiliar vertical. (Plano Diretor de Belo Horizonte, 1995).
Foi nesse contexto que emergiu em 1996 se não a maior uma das maiores
mobilizações dos moradores na defesa do bairro frente às ameaças representadas pela
voracidade dos capitais imobiliários, episódio que precipitou a resistência da comunidade
local face à mudança de padrão de ocupação estabelecida pelo poder público municipal.
O evento mais marcante desta mobilização foi, indubitavelmente, o ato público ocorrido
em 21 de abril de 1996, quando os seus participantes fizeram um “abraço simbólico” em
torno da Praça Duque de Caxias. Este acontecimento é o que melhor simboliza o percurso
da resistência local, explicitando para a comunidade do bairro e para a cidade de Belo
Horizonte os motivos desta luta e o seu sentido, evidenciando a determinação de seus
moradores quanto à importância de se preservar a identidade do bairro.
Esta ação efetivamente teve fortes ressonâncias junto ao poder público, conduzindo
à aprovação do artigo 83 da Lei 7.166/96, mais precisamente em 14/06/1996 pela Câmara
dos Vereadores, que resguarda o bairro de comprometimentos ao seu patrimônio
arquitetônico-urbanístico. Desta ação resultou uma das emendas acatadas pela Comissão
que analisou o Plano Diretor de Belo Horizonte de 1995, pela qual o bairro passou a ser
considerado uma ADE (Área de Diretrizes Especiais)11 . O parágrafo primeiro deste
11
A ADE (Área de Diretrizes Especiais) é definida como uma área que, em função das características ambientais
e da ocupação histórico-cultural, demanda a adoção de medidas especiais para proteger e manter o uso
predominantemente residencial.
194
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12
Segundo diagnóstico feito pelas secretarias municipais de Planejamento e Atividades Urbanas, até 1998,
Santa Tereza apresentava 5 edifícios com mais de 11pavimentos (sendo um deles com três blocos), 7 entre 8
e 10 pavimentos, 14 entre 5 e 7 pavimentos, e mais de 3 mil edificações com até quatro pavimentos. In: Hoje
em Dia, Belo Horizonte, 13 de outubro de 1998. p.5.
195
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13
Esclareça-se que a estimativa se fez a partir de dados disponibilizados no Censo do IBGE de 1991 para os
bairros de Santa Tereza e Floresta (respectivamente com 10.761 e 18.852 habitantes) para o ano 2000, quando
então os dados não são apresentados por bairro nem pelo IBGE (que opera com setores censitários) e nem
pela Prefeitura de Belo Horizonte (que trabalha com Unidades de Planejamento). Assim sendo, levantei no
Anuário Estatístico de Belo Horizonte (2001) os dados da Unidade de Planejamento Floresta/Santa Tereza de
2000 (que indica apenas a população de forma agregada, no caso de 33.357 habitantes) para fazer esta
estimativa. Trabalhando-se os dados destes dois períodos (1991 e 2000), pode-se constatar, de forma
aproximada, que a população de Santa Tereza e da Floresta em 2000 perfaziam, respectivamente, 12.122 e
21.235, muito embora não seja prudente e nem razoável afirmar que estes bairros tenham crescido na mesma
proporção. Trata-se, portanto, de uma aproximação.
14
Cumpre observar, acerca disso, que a literatura sobre valorização do espaço, que atravessa a geografia
econômica, fala dessa presença social “alternativa” que tem “certa cultura” e pode ser intermediária – no
tempo da capitalização possível – de outros usos e moradores.
196
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Esta tríade é uma de suas características mais marcantes. Ela representa um traço forte
nas suas práticas sócio-espaciais e, desse modo, na sua identidade e territorialidade. O
que faz deste lugar um espaço de atração e de “philia”, de procura constante por moradores
de diversas partes de Belo Horizonte e mesmo de outras cidades, inclusive do exterior. É
um traço historicamente constituído no bairro, consolidado e inscrito no universo da festa,
do encontro, da afetividade e, portanto, do uso (concomitantemente do tempo e do espaço).
Eis o que lhe é proeminente, éter que o envolve e matiza a sua singularidade. Vejamos,
acerca disso, alguns depoimentos de moradores:
Escolhi Santa Tereza, que me chamava atenção por ser mais parecida ainda
com cidade do interior, mais família. Cheguei no bairro há 10 anos e os
vizinhos me procuram, uma coisa que na capital, na cidade grande, não
existe, esse cuidado dos vizinhos, que vem e procuram, que quer saber,
saber o que é que faz. E isso me atrai muito, me sinto muito à vontade com
essa coisa de ser uma grande família. Me sinto mais segura, de não ser tão
anônima na grande cidade. [...]. Aqui tem ainda muita casa. Quis morar
num bairro com mais casas do que prédios. A gente batalhou pra ter leis
que protegessem o bairro. A comunidade é unida, eles discutem, cobram.
[...] A grande diferença é a semelhança com o interior. Aqui se conhece
todo mundo. Há dez anos que estou aqui e as pessoas são assim, não
apenas os vizinhos. [...] Há um afeto entre os moradores.15
Um outro morador, que reside a 51 anos em Santa Tereza acredita que o bairro seja
[...] um dos melhores bairros para se morar da cidade. A vida aqui é mais
tranqüila. [...] É difícil alguém não conhecer a outra pessoa. [...] Aqui tem
muitas famílias antigas. Permaneço até hoje no bairro porque tenho relações
de amizade antigas.16
Em depoimento de outra moradora, que vive no bairro há 36 anos, e que diz adorar
a cidade de Belo Horizonte, Santa Tereza comparece como o lugar preferido da capital
mineira, no qual tem a maior parte de seus familiares. Embora identifique no bairro um
relativo avanço da violência e uma insuficiência do policiamento, o bairro, mesmo assim,
é considerado “um bom lugar para se viver”. E explica:
[...] talvez porque tenha ainda muita residência, menos edifícios, o povo
ser mais socialmente amigo. A gente sai aqui, todo mundo sai se
cumprimentando como se fosse uma cidade do interior. [...] Todo mundo
te cumprimenta; de início pergunta as coisas, conversa, sai andando, fazendo
uma compra, conversando, como se fossem conhecidos; mas, às vezes,
se conhecem só de vista, pouco se sabe da pessoa.17
15
A entrevistada é artista plástica e tem 60 anos (entrevista realizada em 01 de maio de 2004).
16
Técnico de contabilidade e tem 66 anos (entrevista realizada em 04 de agosto de 2004).
17
Aposentada, tem 76 anos (entrevista realizada em 05 de agosto de 2004).
197
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18
Morador do bairro há alguns anos, o entrevistado tem 36 anos, é historiador e professor universitário
(entrevista realizada em 20 de abril de 2004).
198
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vivido, e não simplesmente um espaço visto, condição pela qual se realiza historicamente
a ação e a exploração do indivíduo no espaço, o bairro se insinua no conjunto da cidade
como um lugar diferenciado, dotado de certa singularidade - e cada lugar é, à sua maneira,
o mundo... Para tal singularidade há que se levarem em conta seus modos territoriais de
vivência, que se manifestam, sobretudo, na sua musicalidade, na vida boêmia, nas rodas
de “bate-papos” (principalmente nos bares e restaurantes), na vida religiosa da Paróquia
de Santa Tereza, na mobilização política em torno da preservação do bairro, nas feiras,
etc. Eles representam efetivos vetores de socialização no bairro, à medida que entabula
o compartilhamento coletivo (por grupos) e individual em diversos lugares, conferindo-
lhe, assim, um sentido locacional de presença e co-existência.
Vinculando-se a esses modos territoriais de vivência, a formação sócio-espacial
de Santa Tereza expõe ainda a existência de uma territorialidade insinuante, que é matizada
essencialmente pela valorização simbólica e afetiva do lugar por seus moradores e, de
forma correlacionada, pela politização em relação às questões que envolvem a sua
preservação.
Sendo a territorialidade compreendida como uma categoria relacional espaço-
sociedade, ela “[...] corresponde ao conjunto das relações que permitem aos diversos
grupos fazer valer seus interesses no espaço, tornado lugar de vida”. (Bailly; Beguin,
1998, p.16). Neste sentido, ela se traduz e se inscreve como um fenômeno existencial,
uma experiência possível manifesta no tempo e no espaço. É por meio dela que um dado
grupo social ou mesmo o indivíduo adquirem consciência do seu espaço de vida. Desse
modo, a territorialidade assume um valor bem particular, uma vez que reflete a
multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros da coletividade, pelas
sociedades em geral. (Raffestin, 1993, p.158). Para o autor, a territorialidade sempre
apresenta em sua base
[...] uma relação, mesmo que diferenciada, com os outros atores. Cada
sistema territorial segrega sua própria territorialidade, que os indivíduos e
as sociedades vivem. A territorialidade se manifesta em todas as escalas
espaciais e sociais; ela é consubstancial a todas as relações e seria possível
dizer que, de certa forma, é a “face vivida” da “face agida” do poder.
(1983, p.161-162).
É preciso esclarecer que não se trata de uma simples relação com o espaço, ou
mesmo como uma suposta admissão da idéia pela qual a forma determina o conteúdo,
haja vista que as formas espaciais, por si mesmas, são insuficientes para explicar a
sociedade no seu estatuto ontológico. Todavia, não se postula aqui a inversão da situação
através da negligência para com o espaço, o qual não se expressa tão somente como um
mero reflexo da sociedade, mas simultaneamente como o terreno onde as práticas sociais
se exercem, sendo, concomitantemente, [...] “a condição necessária para que elas existam
e o quadro que as delimita e lhes dá sentido”. (Gomes, 2002, p.172).
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Este percurso nos leva, assim, a uma reflexão sobre a apropriação social do espaço.
Estando a apropriação vinculada diretamente ao uso habitual do espaço, pelo qual ele
localmente se insere num circuito relacional mais imediato e próximo do usuário, o espaço
se torna, então, uma espécie de extensão do espaço residencial mais particular, que é a
casa. O que vale dizer que a apropriação, tal qual a territorialidade, se inscreve no universo
da moradia, relacionando-se com a ambiência sócio-espacial urbana. A fixidez do habitat
do usuário associada ao uso cotidiano do bairro faz com que ele, gradativamente, se insira
numa esfera privada pelos investimentos regulares que o citadino realiza no seu ambiente,
200
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As áreas demarcadas por relações mais diretas e regulares com o lugar, e pelo
lugar, circunscreveriam uma relação inseparável entre apropriação do espaço e
territorialidade. Há, sem dúvida, limites ou restrições à apropriação espacial, porém as
noções de limite e restrição relativas a ela não significam a sua impossibilidade, a sua
não-realização absoluta, conquanto as contradições potencializadas do capitalismo em
crise açulam novos dinamismos e transformações na relação sociedade/espaço.
Ademais, a questão relativa à apropriação do espaço e à formação da(s)
territorialidade(s) envolve dificuldades e questionamentos, entre os quais a da ambigüidade
entre o real e a sua representação. O próprio significado de representação é alvo de
debates, oscilando desde interpretações que a consideram uma ilusão, isto é, uma expressão
descolada do real, até leituras que a qualificam como parte integrante e formativa do
próprio real, havendo ainda compreensões menos polarizadas que a situa num universo
intermediário, um misto de real e de sua figuração. Buscamos aqui trabalhar com a
categoria da representação numa perspectiva geográfica, pelo aporte da territorialidade.
Enquanto uma práxis inscrita no social, a apropriação e a formação da territorialidade
- embora restringidas no curso do desenvolvimento da modernidade – encerram
potencialidades que indagam sua dimensão e seu alcance na contemporaneidade, sobretudo
201
BAGGIO, U. DA C. APROPRIAÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E TERRITORIALIDADE...
potencialidades de práxis de caráter inventivo, que não devem ser confundidas com práxis
estritamente repetitivas. (Lefebvre, 1958). Se no âmbito do social engendram-se fronteiras
e limites, estes limites não são automáticos e absolutos, uma vez que o social é, por
excelência, o universo relacional e comunicacional em que emergem proposições de
novas possibilidades e ações. Assim, o social compreenderia mais propriamente
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Considerações finais
203
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204
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Bibliografia:
Anuário Estatístico de Belo Horizonte 2000. Belo Horizonte: Prefeitura de Belo
Horizonte, 2001.
ARENDT, Hannah. A condição humana. Rio de Janeiro: Forense-Universitária/
Salamandra/Editora da Universidade de São Paulo, 1981.
AVRITZER, Leonardo. O orçamento participativo: as experiências de Porto Alegre e
Belo Horizonte. In: DAGNINO, Evelina (org.). Sociedade civil e espaços públicos no
Brasil. São Paulo: Paz e Terra, 2002. p.17-45.
BACZKO, Bronislaw. ”Imaginação social”. In: Enciclopédia Einaudi, vol.5, Lisboa,
Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1985. p.296-332.
BAGGIO, Ulysses da C. A Luminosidade do lugar - circunscrições intersticiais do
uso de espaço em Belo Horizonte: apropriação e territorialidade no bairro de Santa
Tereza. São Paulo: Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade
de São Paulo, 2005. (Tese de doutorado em geografia humana).
205
BAGGIO, U. DA C. APROPRIAÇÃO SOCIAL DO ESPAÇO URBANO E TERRITORIALIDADE...
206
Resumo: Este artigo pretende trazer à discussão temas
VERTENTES ÉTICAS E próximos ao debate geográfico e que ainda foram pouco
REGÊNCIA DE OUTRA apropriados e estudados pelos pesquisadores geógrafos, tais
como: ética, comunidade, solidariedade dentre outros. Nesse
ORDEM sentido, busca-se uma articulação com o conceito de região,
TERRITORIAL* chamando atenção para as dimensões política, econômica e
ambiental. Além disso, focamos o debate ético em quatro
conjuntos que consideramos fundamentais para a
compreensão do tema proposto: a ética do pensamento
SLOPES ETHICS & GOVERNING OF complexo, com a religação da cultura humanista e científica; a
ANOTHER ORDER TERRITORIAL ética da alteridade, com ênfase na relação do Eu com o Outro;
a ética armorial, com sinergia entre tradição e evolução social;
VERTIENTES ETICAS Y REGENCIA
DE OTRA ORDEN TERRITORIAL
e a ética capitalista, com destaque para a racionalização da
vida social segundo fins e valores. Assim, as reflexões sobre
região e ética são inscritas como possibilidade de
entendimento do funcionamento da sociedade
contemporânea.
Palavras-chave: Ética – ordem territorial – região – comunidade
– meio ambiente.
Considerações iniciais
Ao longo das últimas décadas e, sobretudo, nos últimos anos do século XX e início
deste século XXI, constatamos um interesse crescente pela questão ética. Seja nas
instâncias responsáveis pela elaboração e pela formulação de políticas públicas como o
Estado e as Organizações Não-Governamentais, ou mesmo, no espaço acadêmico
responsável por reflexões e experimentações acerca do uso conceitual e da delimitação
metodológica da ética, o termo tem logrado importância estratégica nas decisões políticas
da sociedade moderna.
No caso da Geografia não tem sido diferente. Os constantes debates acerca do
modelo de desenvolvimento desigual capitalista têm se aprofundado sobre as exigências
éticas relacionadas com a justiça social, a interação humana com a natureza e os aspectos
culturais em contextos específicos. Na verdade, as questões normativas suscitadas na
esteira do debate ético na Geografia estão carregadas de ambivalência de sentidos e de
disputas políticas.
Para isto, analisaremos as principais vertentes que tratam a ética correlacionando-
a com o debate conceitual de região, focando processos e formas no Cariri Cearense,
lugar que abrigou nosso estudo para tese de doutoramento. Nesse aspecto da tentativa
de busca de respostas ou pelo menos de pistas sobre a existência de um novo Cariri,
referenciado na diferenciação interna do trabalho, nos debruçamos sobre os valores que
as pessoas e as instituições reconheciam como fundamentais na identificação da região
do Cariri. O passo seguinte foi identificar de onde partiam os feixes articuladores do
processo de modernização e os atores que detinham o discurso modernizador da região.
Partimos então na direção de Crato e Juazeiro do Norte, municípios que concentram de
forma mais expressiva os feixes econômicos (artesãos, Estado, ONGs, setor informal),
administrativos (Estado) e Institucionais (Igreja, Estado) irradiadores do desenvolvimento
regional.
208
Terra Livre - n. 29 (2): 207-230, 2007
O espaço social atravessa as relações da vida partindo da escala local até a global,
contendo as relações sociais de produção juntamente com a organização da família. A
imbricação da família, da força-de-trabalho e das relações de produção constitui as três
esferas fundamentais que são a base do pensamento lefebvriano. Tornando ainda mais
complexa esta situação na perspectiva da totalidade, o espaço contém representações
desta tripla interferência de produção e reprodução sociais. Pelas representações
simbólicas, ele se mantém em estado dinâmico de coexistência e coesão.
De acordo com o autor, figura uma triplicidade sobre a qual se retorna a muitas
retomadas:
a) Prática espacial: engloba produção e reprodução, lugares específicos e conjuntos
espaciais próprios a cada formação social que assegure coesão. A coesão implica
o espaço social e a relação ao espaço de cada indivíduo de tal sociedade e, por sua
vez, uma competência certa e uma certa performance;
b) As representações do espaço: ligado às relações de (formalização da vida) de
produção, à ordem que as impõe e, assim, à dos conhecimentos, dos signos, dos
códigos, das relações frontais;
c) Os espaços de representação: presença dos simbolismos complexos, ligados ao
lado clandestino ou subterrâneo da vida social, e também na arte, que poderia
eventualmente ser definido não como código do espaço, mas como o código do
espaço de representação (Idem, 1986).
Convém notar que as práticas espaciais, numa interação dialética, estão ligadas à
reprodução das relações de produção. Elas destilam o espaço de dada sociedade e de
cada individuo, revelando funções e formas. A prática espacial corporifica o espaço
percebido que, por sua vez, realiza a mediação entre o espaço concebido e o espaço
vivido.
As representações do espaço, ou espaço concebido, constituem o espaço dominante
de uma sociedade (um modo de produção). As concepções do espaço tenderiam para
um sistema de signos verbais elaborados a partir do saber (misto de conhecimento e
ideologia). O espaço concebido envolve a prática social e política entre os objetos e os
sujeitos e representa uma lógica que não se submete à coerência.
O espaço de representação está ligado às formas de apropriação das imagens e
dos símbolos do espaço físico. É o espaço dos habitantes e dos usuários, nele se vive e se
fala, ele contém os lugares da paixão e da ação. É o espaço dominado, e nele se faz de
fato a combinação prática de coisas, relações e concepções. Coexistência de relações
sociais de tempos históricos diferentes.
Não obstante, o discurso dos sujeitos sociais no âmbito do espaço vivido apresenta
elementos que reforçam a performance e a coesão da comunidade e de seu pertencimento
a partir das formas de apropriação e uso da natureza. O pertencimento e a exaltação de
valores, nem sempre coerentes, constituem a organização do trabalho no espaço regional.
No percurso de gênese e consolidação do pensamento geográfico, a região
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GONÇALVES, C. U. VERTENTES ÉTICAS...
desempenhou, e ainda continua desempenhando, um papel chave no rol das noções centrais
da ciência espacial, a despeito de mortes e ressurgimentos (Lacoste, 1993; Thrift, 1996;
Haesbaert, 2002b).
Seja pelo seu caráter de complexidade e pela dificuldade em precisar o termo, ou
mesmo pelo cultivo da ambigüidade que o perpassa, o fato é que todas as vertentes
teóricas da geografia fizeram uso político-ideológico do conceito, de acordo com as
circunstâncias e interesses predominantes em cada momento. Elas o usaram para ressaltar
características do funcionamento da natureza, aspectos do desenvolvimento desigual das
sociedades ou para fortalecer a intervenção e a organização do Estado. Assim ocorreu
com as concepções de região da geografia clássica, pragmática-quantitativa, radical ou
humanista.
Todavia, a região ainda conserva sua perspectiva instrumental de ordenamento
dos objetos no território. Objeto entendido aqui como resultado do trabalho, produto de
uma elaboração social (Santos, 1999:52).
Na verdade, permanecem em disputa todas as formas e tentativas de compreensão
dos objetos e regionalização do espaço, a colocação da ordem no território através da
regulação social e da identificação de seus habitantes. Estado, organizações não-
governamentais, corporações privadas e movimentos sociais, entre outras instituições,
disputam o controle na ordenação dos objetos no território. Nessa perspectiva, prevalece
a região concebida pelo Estado como um dado manipulável que sofre transformações em
seus elementos constituintes. Os estudos que perseguem o planejamento regional e de
políticas públicas se debruçam sobre os dados dinâmicos e internos do arranjo territorial,
preocupados com os princípios de unidade e homogeneidade, ignorando, porém, as
contradições existentes.
A unidade regional é exaltada ora pelo critério de uniformidade e coesão, ora pelo
critério da diversidade e da noção de contradição. Nesse sentido, é importante perceber
os riscos que se corre com a possibilidade de mecanizar as ações dos sujeitos no espaço
na justificativa de definir uma região qualquer de modo mais objetivo e racional. Os
princípios de uniformidade e coesão não devem ser tratados de forma hermética e linear.
Quando enquadrados sob o prisma da alteridade, valoriza-se a experiência existencial e
moral dos sujeitos, a relação com o contraditório. Acrescentando novos elementos à
compreensão dos processos de unidade/complexidade e da unidade/diversidade regional.
A idéia de valorização dos sujeitos a partir da perspectiva humana apresenta o
pensamento da alteridade e da complexidade como busca do diálogo possível, do respeito
mútuo e da tolerância entre pessoas e culturas diferentes, baseada na consciência histórica
e no espírito de universalidade. É um sistema formado por elementos distintos em
interdependência. Esse conceito molecular, nem rígido demais, nem flexível demais, implica
simultaneamente a unidade orgânica e a diversidade dos elementos que o constituem
(Pena-Vega et al., 2003).
A constatação do processo de complexidade da questão e da interdependência nas
210
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um componente sem que daí resultem conseqüências para o conjunto do sistema (Frèmont,
107:1980).
Interessante atentar que, para uma transformação ser adotada e desdobrada no
interior da combinação, é preciso que seja conhecida e reconhecida como economicamente
proveitosa e considerada culturalmente aceitável pelo grupo ou grupos sociais envolvidos.
A resistência local - regional realiza uma filtragem das contribuições exteriores e uma
assimilação da inovação aos seus próprios valores.
Outra noção que visa apreender a materialidade espacial completando, em certo
sentido, a noção desenvolvida anteriormente, propõe a região como campo de ações
concomitantes de intensidades variáveis mais do que a inscrição espacial precisa de
equilíbrio fundamental. Os limites regionais são múltiplos, dinâmicos; agindo tanto como
freios quanto como forças, eles contêm em si mesmos sua própria superação (Kaiser,
1966).
Nessa perspectiva, a metodologia do estudo regional compreende a população nos
aspectos sócio-demográficos, os recursos e sua utilização, o consumo, as relações
exteriores e a estrutura geográfica. Não podemos deixar de lado o desigual desenvolvimento
sócio-econômico das regiões. As condições naturais e humanas diferentes que o observador
encontra são os primeiros fatores de uma inevitável diferenciação geográfica.
Na tipologia do autor, interessa o aspecto do laço de solidariedade existente entre
os habitantes. Tais laços englobam as relações e os caracteres comuns fornecendo uma
coesão e imprimindo no espaço uma certa homogeneidade. A evolução da organização
econômica e social que produz a região funciona através de um movimento em torno de
um pólo. Se excluirmos os fatores do meio natural e humano, a estrutura social e as
heranças da história, restará a questão da produtividade do espaço através dos homens
que o habitam.
Na verdade, os traços dialéticos que vivificam a região tornando-a mais dinâmica
e em estado de movimento trazem em seu bojo as exigências de maior precisão teórica
na definição de seus próprios contornos. É nesse sentido que as escalas intermediárias
assumem relevância no desvendamento da estruturação do poder e no modo da organização
política da sociedade.
Outra perspectiva que contribui para o esclarecimento e a análise da realidade
regional pensada a partir do entrelaçamento das relações políticas e no contexto da
dependência econômica é evidenciada por Oliveira (1993). De acordo com esta
concepção, o econômico e o político se imbricam dialeticamente na região, assumindo
formas de bloqueios ou aberturas no produto social da economia nacional. Regiões com
desníveis econômicos sofrem uma espécie de colonização interna por outras regiões
mais desenvolvidas. Nesse contexto, é necessária a intervenção do Estado, incentivando
e estimulando políticas de desenvolvimento econômico.
As relações de contradição da reprodução do capital e da divisão do trabalho
subordinam as regiões situando-as em consonância com os estágios de desenvolvimento.
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Ética Armorial - Sinergia entre - Contemplação - Imagem como - Fonte imaginária - A. Suassuna
Tradição e instrumento de
Evolução Social sociabilidade
Ética Capitalista - Racionalização - Devotamento - Apoio nos - Reserva de recursos - Max Weber
da vida social ao trabalho fundamentos materiais
segundo fins e afetivos, emotivos e
valores - Ênfase na tradicionais - Fragmentada/dominada
parcimônia,
esforço,
sacrifício e
retidão
Organizado por Cláudio Ubiratan, 2005.
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Inegavelmente, a obra sublinha a importância real dos valores morais por meio das
representações sociais, colocando em questão a lógica moralista que estamos acostumados
a aplicar e impor aos fatos sociais. A partir do denominado mundo imaginal, se enfatiza
um modo contemplativo da ambiência da arte. A emoção partilhada do sentimento coletivo
é o ethos social que se estabelece entre a ética e a estética da vida sertaneja.
221
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de comunidade.
A ética comunitária dos pequenos pode ser vista sob diferenciados ângulos, nosso
olhar privilegia, entretanto, a dimensão política que inspira a aproximação entre os sujeitos
sociais e a natureza a partir da divisão dos bens materiais e do poder de dominação.
Sobre o ethos e modo de produção da ética dos pequenos ver os seguintes trabalhos:
Barros & Peregrino (1996); Leitão (1997); Woortmann & Woortmann (1997).
Dessa forma, ética e região, a nosso ver, são abstrações que assumem concretude
a partir da relação dos elementos que compõem a sociedade – natureza, como, por exemplo,
os aspectos ecológicos, sócio-econômicos, sócio-culturais e demográficos. Assim, nossa
observação recai sobre o Cariri em sua totalidade territorial, embora nossa atenção esteja
principalmente voltada para os núcleos mais populosos como Crato, Juazeiro e Barbalha
que, segundo o IBGE (2000), concentram juntas 363.081 habitantes.
No tempo presente, o Cariri, através da articulação de suas instituições do Estado
e da sociedade civil, passa por uma dinâmica e salutar efervescência nos movimentos
sociais reivindicatórios, no rearranjo da estrutura religiosa hegemônica e na proposta de
novo modo de interação e aproveitamento dos recursos naturais. Tais acontecimentos
ocorrem dentro de um contexto macro estrutural, de acordos coletivos e revisão histórica
de ações políticas, que desempenharam papel fulcral no ordenamento sócio-territorial do
passado recente. Nessa ótica de reatualização das ações que visam melhorias na qualidade
de vida dos cidadãos e desenvolvimento do Sul Cearense é fundamental não só o uso do
termo, como a vivência de determinado(s) tipo(s) de ética(s) que sejam adequadas à
região.
Nesse sentido, o caminho de aproximação entre ética e etnia pode esclarecer
novas pistas e preciosos significados no entendimento da construção da região e na ruptura
de seu secular atraso. É preciso considerar as subjetivações culturais das margens do
espaço regional expressas nas bandas cabaçais, folia de reis, manero pau, artesãos, romeiros
e piquizeiros, enquanto manifestação de grupo social portador de um projeto de maior
abrangência e de mudança social. No Cariri, não existe apenas uma ordem econômica
interna. Há uma diferenciação interna que também é cultural devido às várias formas de
uso e de apropriação do território.
Apesar de pontuais, são perceptíveis as mobilizações políticas nas ruas, experiências
de êxito nas ações afirmativas de inúmeras associações e organizações não governamentais
(ONG’s), sem falar nos indicativos visíveis de mudanças na máquina administrativa e na
postura das instituições religiosas e estatais. Porém, esse projeto de convivência e
desenvolvimento na região somente será viável à medida que ocorrer confluência e
negociação das propostas éticas dos distintos grupos sociais envolvidos.
Quando trazemos para o primeiro plano as dimensões ambiental, religiosa e política
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GONÇALVES, C. U. VERTENTES ÉTICAS...
da ética, estamos propondo um outro olhar para a região do Cariri Cearense. As populações
tradicionais que habitam e sobrevivem nos meandros dos vales e serras do Araripe não
podem continuar figurando em segundo plano, pois são eles que detêm o saber herdado
dos nativos que coabitavam anteriormente de forma menos impactante com a natureza.
Esse saber, considerado durante muito tempo como portador de arcaísmos e retrocessos,
é hoje re-valorizado em razão de sua possibilidade de acrescentar novas questões à
reflexão e práticas sobre os bloqueios que a vida moderna impôs. Podemos denominar
este saber vivenciado em comunidade de ética da diferenciação interna do trabalho.
Nesse aspecto, a comunidade é uma relação social quando a atitude na ação social
inspira-se no sentimento subjetivo afetivo ou tradicional dos partícipes da constituição de
um todo. Por outro lado, a sociedade consiste na busca por uma compensação de interesses
por motivos racionais de fins ou valores e uma união de interesses com idêntica motivação
(Weber, 1973:140). Dessa forma, a diferença tem como base a atribuição de valores
ideológicos para a comunidade e a sociedade. Enquanto a primeira se apresenta carregada
de subjetividade e domínio da tradição, a segunda é marcada pela idéia do moderno e de
objetividade.
O conceito amplo de comunidade denota, em nosso caso, enquanto relação e
estrutura de socialização entre as mesmas pessoas, uma ordem territorial solidária que
prioriza os valores e fundamentos de afetividade, emoção, tradição e justiça social.
224
Terra Livre - n. 29 (2): 207-230, 2007
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GONÇALVES, C. U. VERTENTES ÉTICAS...
Partilhamos da visão de cultura tradicional para o Cariri desse autor que entende
como padrões de comportamento transmitidos socialmente os modelos mentais usados
para perceber, relatar e interpretar o mundo com seus símbolos e significados, além de
seus produtos materiais. Desse modo, realiza uma caracterização da população tradicional
a partir de um conjunto de critérios fundamentais descritos abaixo:
a) dependência e até simbiose com a natureza, os ciclos naturais e os
recursos naturais a partir dos quais se constrói um modo de vida;
b) conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos que se reflete
na elaboração de estratégias de uso e de manejo dos recursos naturais. Esse
conhecimento é transferido de geração em geração por via oral;
c) noção de território ou espaço onde o grupo social se reproduz econômica
e socialmente;
d) moradia e ocupação desse território por várias gerações, ainda que alguns
membros individuais possam se ter deslocado para os centros urbanos e voltado
para a terra de seus antepassados;
e) importância das atividades de subsistência, ainda que a produção de
mercadorias possa estar mais ou menos desenvolvida, o que implica uma relação
com o mercado;
f) reduzida acumulação de capital;
g) importância dada à unidade familiar, doméstica ou comunal e às relações
de parentesco ou compadrio para o exercício das atividades econômicas, sociais e
culturais;
h) importância das simbologias, mitos e rituais associados à caça, à pesca e
às atividades extrativistas;
i) tecnologia utilizada relativamente simples, de impacto limitado sobre
meio ambiente. Há uma reduzida divisão técnica e social do trabalho, sobressaindo
o artesanal, cujo produtor (e sua família) domina o processo de trabalho até o
produto final;
j) fraco poder político que, em geral, pertence aos grupos de poder dos
centros urbanos;
k) auto-identificação ou identificação pelos outros de pertencer a uma cultura
distinta das outras (Diegues, 1996:88).
Complementando essa lógica de organização social da produção da população
tradicional, Altieri (2000) salienta que o conhecimento do agricultor sobre os ecossistemas
geralmente resulta em estratégias produtivas multidimensionais de uso da terra. Considera
que, através da agricultura tradicional, informações importantes podem ser utilizadas no
desenvolvimento de estratégias agrícolas apropriadas, adequadas às necessidades,
preferências e base de recursos de grupos específicos de agricultores e de
agroecossistemas regionais.
226
Terra Livre - n. 29 (2): 207-230, 2007
Considerações Finais
A solidariedade não pode ser entendida de modo isolado. Nesse contexto, é essencial
trazer juntamente com os laços solidários dos indivíduos a questão do conflito. Não há, na
comunidade, a eliminação da categoria conflito, pois o conflito se manifesta no momento
de ver o outro, de desenvolver algum tipo de relação social com o outro. O conflito se faz
presente quando tenho que admitir que o outro existe e não é igual a mim. Então trabalhamos
com níveis de solidariedade e níveis de conflitos para entender a ética na comunidade. O
que para nós é relevante é a idéia do conflito como algo que não é estanque e não deve
ser separado da solidariedade, na verdade, se complementam. A própria comunidade tem
uma necessidade de conflito, de se organizar contra/com algo para permanecer existindo.
Quando há a organização da comunidade, há a mobilização na reivindicação contra alguma
coisa que lhe é antagônica, e com alguma coisa que lhe é próxima, mas não comunga dos
mesmos valores. A solidariedade por si só é insuficiente, a ética da comunidade tem seus
conflitos.
Sem embargo, é no espaço social que atravessam as relações da vida contendo as
relações dos espaços vivido, concebido e percebido, e que identificamos as práticas espaciais
das formas de apropriação das imagens e dos símbolos do espaço físico. Nesse aspecto,
a unidade regional é objetivada no critério da diversidade e da noção de contradição onde
a alteridade dos sujeitos e a interdependência das relações sociais, políticas, econômicas
e ecológicas são amplamente consideradas. O espaço regional pressupõe vontade política
e uma intervenção intencional a partir do instrumental técnico disponível para mudar a
materialidade ética dentro de uma lógica mediadora no âmbito da negociação. Materialidade
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GONÇALVES, C. U. VERTENTES ÉTICAS...
ética que aponta para a adequação do espaço geográfico aos moldes exigidos pela
mobilização comunitária e pela solidariedade de seus habitantes.
Bibliografia
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229
GONÇALVES, C. U. VERTENTES ÉTICAS...
230
O ‘LUGAR’ NÃO É Resumo: Ao pensarmos os saberes e fazeres presentes no
MAIS O MESMO: cotidiano escolar a partir da compreensão do currículo não apenas
ARTICULAÇÃO DOS como uma lista de conteúdos a serem ministrados, mas como
criação cotidiana daqueles que “fazem as aulas”, nos deparamos
MÚLTIPLOSLOS
com uma prática que envolve tanto os saberes e processos
ESPAÇOS-TEMPOS interativos do trabalho pedagógico quanto os múltiplos
COTIDIANOS NAS conhecimentos e práticas desenvolvidos fora das atividades
PRÁTICAS ESCOLARES escolares, nos espaços-tempos da vida cotidiana que, em
permanente articulação a espaços-tempos mais amplos, permeiam
todo o nosso estar no mundo e que nos constituem. Nesta
perspectiva, foram investigados neste trabalho os sentidos
particulares atribuídos ao “lugar” nos currículos praticados por
professores do sistema público de ensino básico.
Palavras-chave: Geografia Escolar, lugar, espaços-tempos
cotidianos, currículo praticado.
AMANDA REGINA
GONÇALVES Abstract: When thinking knowledge and practices presents in
the school’s everyday from the understanding of curriculum not
Doutora em Geografia, only like a list of contents to be given, but like daily creation by
Professora Substituta do Curso who “make the classes”, to appear us with a practice that involves
de Geografia, Departamento de such the knowledge and interactive processes of the pedagogical
Educação, UNESP, Campus de work, whatever to the multiple knowledge and practices developed
Rio Claro-SP. out of the school activities, that is to say, in the spaces-times of
the everyday life that - in permanent articulation at wider spaces-
E-mail: [email protected] times ampler - they permeate all our being in the world and that
constitutes us. In this perspective, we researched the attributed
particular meaning to the “place” in the curriculum practiced by
teachers from Brazilian public system of basic education were
investigated in this work.
Key-words: Scholl Geography, place, everyday spaces-times,
ROSÂNGELA DOIN DE curriculum practiced.
ALMEIDA
Resumen: Al pensar los saberes y haceres presentes en el
cotidiano escolar desde la comprensión del currículo no sólo
Professora Adjunta (voluntária) como una lista de contenidos a ser suministrados, sino como
do Programa de Pós-Graduação creación cotidiana de aquellos que “hacen las clases”, nos
em Geografia, IGCE/ UNESP, deparamos con una práctica que involucra tanto los saberes y
Campus de Rio Claro-SP. procesos interactivos del trabajo pedagógico, cuanto a los
múltiples conocimientos y prácticas desarrollados fuera de las
E-mail: [email protected] actividades escolares, es decir, en los espacios-tiempos de la
vida cotidiana que – en permanente articulación a espacios-
tiempos más amplios – permean todo nuestro estar en el mundo
y que nos constituyen. En esta perspectiva, fueran investigados
en esto trabajo los sentidos particulares atribuidos al “lugar” en
los currículos practicados por profesores del sistema público
brasileño de enseñanza básica.
Palabras-claves: Geografía Escolar, lugar, espacios-tiempos
cotidianos, currículo practicado.
Introdução
1
A pesquisa intitulada “Integrando Universidade e Escola por meio de uma Pesquisa em Colaboração: Atlas
Municipais Escolares - Fase II” foi desenvolvida ao longo de dois anos na UNESP (Campus Rio Claro),
financiada pela FAPESP (modalidade Ensino Público) e concluída em julho de 2003. Em pesquisa anterior,
foram produzidos Atlas Municipais Escolares (para os municípios paulistas de Rio Claro, Limeira e Ipeúna),
também por meio de uma pesquisa em colaboração (financiamento FAPESP, 1997-1999); ambas coordenadas
por Rosângela Doin de Almeida. Os Atlas, hoje publicados pelas respectivas prefeituras, destinam-se a
alunos de 3a a 6a séries do Ensino Fundamental.
232
Terra Livre - n. 29 (2): 231-246, 2007
“significando uma assunção federal da política curricular brasileira” (Sposito, 1999). Assim,
o Brasil conhece uma reforma educacional – profundamente embasada na Reforma
Curricular Construtivista Espanhola de 1987 – advinda com a apresentação dos PCN
como “baliza” curricular para o Ensino Fundamental e Médio2 .
Alguns aportes de concepções humanísticas aparecem sob formas restritas e
enunciativas nos PCN, prevendo que os conteúdos a serem abordados em sala de aula
devem permitir discussões a respeito das “dimensões subjetivas do espaço geográfico e
as representações simbólicas que os alunos fazem dele” (Brasil, 1998, p. 61).
No entanto, embora muitos autores concordem com o fato dos PCN terem avançado
ao acrescentar a subjetividade aliada à objetividade no estudo da Geografia, os conteúdos
que dizem respeito ao ensino do lugar, um dos mais próximos desta tal subjetividade, não
se consolidam claramente nos parâmetros.
233
GONÇALVES, A. R.; ALMEIDA, R. D. DE O ‘LUGAR’ NÃO É MAIS O
MESMO...
a seguinte enunciação: “a paisagem local, o espaço vivido pelos alunos deve ser o objeto
de estudo ao longo dos dois primeiros ciclos” (Brasil, 1997, p. 116), explorada de uma
maneira que vivifica a idéia de uma Geografia ainda aprisionada no localismo geográfico:
“inicia-se, assim, um processo de compreensão mais ampla das noções de posição, sítio,
fronteira e extensão, que caracterizam a paisagem local e as paisagens de forma geral”
(Brasil, 1997, p. 127).
Quando trata do lugar como espaço de experiência cotidiana vivida, os objetivos
de ensino não encontram muito sentido, a não ser nos “critérios de avaliação” que sancionam
a promoção dos alunos pelo currículo seqüenciado ao longo da escolaridade; por exemplo,
ao apresentar o tema “O lugar e a paisagem” como um bloco temático, o documento
defende que:
A leitura dos conteúdos sobre o lugar que os PCN apresentam revela indícios de
como os sistemas escolares foram e continuam sendo uns dos mais intencionalmente
capturados e usados para difusão dos processos de racionalização, sistematização e
controle social, a fim da manutenção das metas e padrões hegemonicamente pré-definidos.
Como mais um instrumento deste sistema, os PCN projetam demandas e conseqüências
várias e contraditórias sobre os sistemas educativos. São, ao mesmo tempo, requisitados
tanto para servir à lógica dominante e globalizante quanto resistir a ela.
Além dos textos oficiais, os textos didáticos fazem parte de maneira intensa de
uma das bases do conjunto de significados que carregam os conceitos de “geografia” e
de “lugar” e funcionam, em sua maioria, como “tradutores” deles à prática docente.
Como já mencionamos, André Chervel (1990)3 considera que a história das
disciplinas escolares não é equivalente à história das ciências de referência, dado que
aquelas são construções próprias encarregadas de veicular uma cultura particular, o que
o autor denomina de “cultura escolar”, e que está constituída por um conjunto de
conhecimentos, competências, atitudes e valores que a escola se encarrega de transmitir
explicita ou implicitamente aos estudantes como bagagem cultural e patrimônio comum
para todos os cidadãos. Segundo Chervel (1990, p. 187) “a história dos conteúdos é
evidentemente seu componente central, o pivô ao redor do qual ela se constitui”. Sendo
assim, na forma como é considerado pela Geografia, o “lugar” é um conteúdo dessa
disciplina e, mais que isso, é um componente central, visto que foi também colocado
como categoria analítica dela.
3
No contexto da sociologia crítica da educação, uma importante vertente voltou-se para a investigação sobre
o processo de constituição do conhecimento escolar, o que deu origem ao campo de estudos História das
Disciplinas Escolares, no qual se destacam os trabalhos do francês André Chervel e dos ingleses Basil
Bersntein e Ivor Goodson.
234
Terra Livre - n. 29 (2): 231-246, 2007
Esta indicação implica para Ivor Goodson (1990, p. 235) uma perspectiva que vê a
disciplina escolar não subjugada às matrizes acadêmicas, especialmente a Geografia
Escolar que “precede cronologicamente suas disciplinas-mãe” e causa a criação de uma
base universitária. Por conseguinte, podemos entender a matéria escolar como uma
comunidade de sujeitos escolares, em competição e colaboração entre si, buscando suas
fronteiras e identidades, o que permite o poder de produção própria, dos próprios sujeitos
envolvidos no processo de construção de conhecimento.
O “lugar”, fazendo parte dos conteúdos historicamente presentes nos currículos
de geografia aparece, em geral, nos documentos oficiais e livros didáticos como incursões
genéricas, descontextualizadas ou exemplificadas com lugares mais conhecidos (mais
veiculados na mídia ou em outros livros didáticos) e, são estas incursões que, correntemente,
são usadas nas escolas para explicar “os ‘lugares’ dos alunos”. Lança-se mão nas aulas
de comparações e analogias nem sempre pertinentes.
Os livros didáticos por também fazerem parte dos saberes a serem ensinados,
muitas vezes influenciam e “dão forma” ao conhecimento produzido na sala de aula, já
que neles não estão contidos somente o que, mas como ensinar determinado conteúdo,
através da seleção, classificação, ordenamento, modo de apresentação, linguagens
utilizadas ao apresentar os conteúdos. Rodríguez Lestegás (2000, p. 57, tradução nossa)
descreve os saberes a serem ensinados da seguinte forma:
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do que chamamos até aqui de “lugar”, situações estas centradas por um lado nos critérios
de delimitação sócio-espacial e, por outro, no fenômeno da mobilidade social, como
apresentaremos a seguir.
Observemos uma atividade de ensino desenvolvida pela professora Marina, em
que os alunos de uma escola municipal de Rio Claro trouxeram fotos antigas de bairros,
para que pudessem compará-las com as paisagens atuais, através de visita a esses lugares.
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registro das paisagens, pois justifica o estudo das fotos por meio de indícios que lhes
atribuem significado curricular como representação do lugar: data da foto, objetos nelas
registrados (terreno da escola, mercearia); vai além, estabelecendo uma relação direta
entre elementos da paisagem com o conceito de limite político-administrativo (P: Lá no
fundo, o que mais que vocês podem ver? ... O nosso município, que nosso bairro
faz parte é Rio Claro. Que está no Estado de?).
Este modo de estabelecer relação entre o que havia nas fotos com situações atuais
parecia não estar fazendo sentido para os alunos, que respondiam paulatinamente as
perguntas da professora; porém outras relações sócio-espaciais podiam ser identificadas
nas falas dos alunos (A: Sabia que esse bairro é o Pé no Chão?), demonstrando
sentidos particulares àquelas relações que a professora buscava fazer.
Um novo sentido foi atribuído ao “lugar”, não mais como área instituída formalmente,
mas como espaço percorrido cotidianamente (A: Mas é que eu vou para Santa Gertrudes
de bicicleta com minha mãe todo dia depois da aula.).
Um outro sentido ao “lugar” é dado quando os alunos reforçam fazer-se necessária
a separação entre dois pequenos bairros vizinhos, localizados próximos à escola (vistos
pelas professoras como “o bairro Conduta, lugar de procedência da maioria de seus
alunos”). Assim, os alunos incluem o bairro Pé no Chão nas relações espaciais que vinham
realizando, trazendo a constatação de que, embora o Pé no Chão seja visto e conhecido
como parte do Jardim Conduta, ele consiste em outro lugar claramente delimitado pelas
diferenças de infra-estrutura entre estes dois bairros, que marca a desigual atenção pública
a ambos (A: ... é perto do Conduta, mas é Pé no Chão?!/ A: ... só vai até ali o
asfalto, depois é o Pé no Chão./A: É tipo de um cascalho que tem lá.)4 .
Enfim, ressaltamos que o trabalho com fotos antigas do bairro provocou uma tensão
no estudo do lugar, pois por dizer respeito a lugares e pessoas comuns aos alunos, possibilitou
aos mesmos a apresentação de seus conhecimentos sobre o tema em estudo, extrapolando
o sentido atribuído àquelas fotos pela professora, tendendo a uma horizontalização da
autoridade de posse do conhecimento, geralmente atribuído à professora ou à informação
dos livros didáticos. Isto seria dificultado se o material usado para esta aula dissesse
respeito a lugares distantes, desconhecidos ou imaginários.
Observamos também que a paisagem pareceu ser considerada como uma primeira
aproximação do lugar, uma chave inicial para apreender as diversas determinações desse
lugar. Como analisa Lana Cavalcanti (1998, p. 100), “é pela paisagem, vista em seus
determinantes e em suas dimensões, que se vivencia empiricamente um primeiro nível de
identificação com o lugar”.
A tessitura com os alunos de compreensões espaciais utilizando-se do tão aclamado
“partir do lugar” nas propostas metodológicas de ensino de geografia, consiste não somente
em tratar elementos do espaço imediato, mas tratar de múltiplos fragmentos espaços-
4
O bairro Pé no Chão faz parte de um projeto do governo municipal de assentamento urbano através de
loteamento de terrenos públicos. No caso deste bairro, ainda que municipalmente reconhecido, foi assentado
em área de várzea, sujeito a constantes alagamentos.
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MESMO...
Este primeiro recorte traz uma aula centrada na questão das atividades urbanas
e rurais.
Quando o professor destacava num mapa do município de Rio Claro (SP) a
área urbana e rural, um aluno conta: Quando eu era pequeno e minha mãe me
levava para a roça, lá no Paraná, daí para a onça não me comer ela fazia um
buracão no chão, colocava eu lá e tampava.
Professor: Vocês vieram de um lugar, de uma realidade diferente, onde tem
mais trabalhos rurais. Será que aqui em Rio Claro tem muitas oportunidades
para trabalhar no campo?
Alunos: Não.
Professor: Então onde as pessoas acabam trabalhando?
As: Nas fábricas
Professor: Agora seu pai trabalha na “Tigre” (indústria instalada em Rio Claro),
junto com os pais de vários colegas, né?
Aluno: Mas parece que a Tigre vai sair de Rio Claro, vai lá para o Sul.
5
No Brasil, o fenômeno da migração historicamente abrage distintos fluxos migratórios: de imigrantes
estrangeiros na formação inicial de seu território; entre as populações das regiões brasileiras; e também, mais
atualmente, o fluxo de emigração internacional do país, incluindo-se no chamado “fenômeno migratório
transnacional”.
6
Do total da população residente no município de Rio Claro (168.218 hab.), 25.905 (15%) provêm de outros
estados, em sua maioria dos estados de Minas Gerais, Paraná, Bahia e Ceará (IBGE, 2000). Estas são pessoas
que passaram a fazer parte da configuração da sociedade multicultural de Rio Claro, onde a escola é um lugar
de encontro de suas crianças.
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Terra Livre - n. 29 (2): 231-246, 2007
Em outra aula quando se discutiam textos sobre modos de vida, escritos pelos
alunos com ajuda dos pais e avós, um aluno diz: Minha mãe me contou que no
Ceará meu avô comprou uma tela que colocava na frente da televisão e ela
mudava de cor, mas a gente não trouxe esta televisão pra Rio Claro, compramos
uma colorida aqui. (...) No Ceará, minha avó tinha uma rempa de filho, mas
meus tios ficaram todos lá, eu nem vi mais eles.
Outro aluno diz: Eu sei que o dono do canavial do Paraná era muito rico, tinha
usina e tudo, mas nem eu nem minha mãe conhecemos ele.
Estes se tornam eventos cada vez mais presentes nas escolas, porque quando se
ensinava sobre o lugar há anos atrás, o espaço e o lugar eram amplamente coincidentes,
uma vez que as dimensões espaciais da vida da criança eram dominadas por sua vida
social, pelos espaços presentes, por atividades localizadas, pois há de se considerar que
as imagens e informações sobre os lugares eram mais selecionadas e mais facilmente
controladas, até mesmo pelas características das densidades técnicas da época, pela
relativa lentidão e acesso restrito aos meios de comunicação. Hoje, os locais são fortemente
contaminados por influências sócio-espaciais bastante distantes deles. O sociólogo inglês
Stuart Hall (2003, p. 72) diz que “o que estrutura o local não é simplesmente aquilo que
está presente na cena, a “forma visível” do local oculta as relações distanciadas que
determinam sua natureza”.
Isto nos leva a mais uma parcela de elucidação do sentido atribuído ao “lugar” nos
modos particulares em que aparecem em sala de aula: o sentido do “lugar”, se como já
vimos, às vezes, não se refere a um espaço de controle político-administrativo, por vezes
também não se refere a um espaço contínuo ou de “contigüidade espacial”, como propõe
Santos (1997). Diz respeito sim a um mosaico de locais e memórias que uma vez já
fizeram parte das experiências prático-teóricas dos sujeitos ao longo de suas vidas, ou
seja, aos espaços-tempos de fazeres e conhecimentos dos sujeitos. Aqui pode estar uma
das diferenças entre local e lugar. A diferença de que os locais e os tempos são variados,
mas ainda assim eles podem ser “georeferenciados” e periodizados, enquanto que o
sentido de “lugar” pode ser um só, o de “espaços-tempos cotidianos, em permanente e
dinâmica articulação com outros espaços-tempos, onde e sobre os quais tecemos e re-
tecemos conhecimentos e práticas sociais” (GONÇALVES, 2006).
É para esta dinâmica e diversidade de espaços-tempos (e não só às relações de
permanência ou continuidade) que os professores são chamados a promover a interlocução
em sala de aula, articulando as aprendizagens sobre as normas e regularidades do sistema
social e espacial com outras, fruto de vivências e experiências nos pequenos espaços e
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subdesenvolvimento econômico, por colheitas fracassadas, pela guerra civil, pelos distúrbios
políticos, pelos conflitos regionais, pelas mudanças arbitrárias de regimes políticos, pela
dívida externa acumulada de seus governos para os bancos centrais.
Indícios de condições precárias de trabalho no campo em suas cidades de origem
são colocados pelos alunos, através da apresentação de situações específicas e marcantes
na construção de suas identidades, constituídas dos fazeres e conhecimentos em espaços
experienciados em suas histórias de vida (A: ... minha mãe me levava para a roça, lá
no Paraná, daí para a onça não me comer ela fazia um buracão no chão, colocava
eu lá e tampava. / A: Uma vez eles estavam roçando a floresta para fazer plantação
de banana, e eles faziam barraca.).
Além de problemáticas estruturais que envolvem o desemprego, as más condições
de trabalho, a desigualdade social, a concentração de terras e de renda, outro dos principais
impactos do fenômeno migratório é que ele resulta no que Hall (1992) chama de “mix
cultural”. Junto com as novas tecnologias da informação e comunicação, os imigrantes
trazem de forma mais latente para os lugares a mistura, a diversidade, as descontinuidades
históricas e a não coincidência de sua história de vida com a história de configuração
territorial do novo lugar onde ele passa a viver.
Nas falas dos alunos, por exemplo, aparecem elementos que não fazem parte do
cotidiano social e espacial da cidade de Rio Claro na atualidade (um cotidiano que
historicamente compartilham os que têm gerações de familiares aqui enraizadas), como
onças, jaguatiricas, plantação de banana, buraco em subsolo para proteger-se de animais,
“caronas” em caminhões, telas para colorir imagens da televisão, entre muitos outros que
não elencamos aqui. Estes são exemplos de elementos constitutivos do repertório cultural
dos alunos e são inerentes às referências que delimitam suas ações sócio-espaciais, as
quais podem se deparar com barreiras sociais, políticas, econômicas preocupadas em
reconstruírem identidades purificadas para que se restaure a coesão e o fechamento
frente à diversidade, podendo tornar o lugar a sede de uma vigorosa alienação, que
marginaliza os que não detém seus códigos, como a maioria dos migrantes (Santos, 1997);
podem também se deparar com ações sociais, políticas, econômicas voltadas para a
produção de novas identidades que vêm se formando nos “novos lugares”, o que pode
ser facilitado e promovido na escola a partir das articulações dos repertórios culturais
sócio-espaciais dos alunos aos processos locais e aos mais amplos e globais dando origem
a formas inusitadas de conhecimentos e práticas.
Eventos estes que mostram como a intensidade do fenômeno migratório e a
influência dos meios de comunicação vêm pondo em questão o mundo de fronteiras, de
continuidades e as velhas certezas e hierarquias das identidades locais. Diante, por exemplo,
daquelas experiências espaciais cotidianas na cidade de Santa Gertrudes dos alunos de
Marina ou desta mistura de repertórios culturais dos alunos de Vitor, o que significa ser
rio-clarense hoje?
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Os episódios das aulas de Marina e de Vitor nos levaram a refletir sobre o modelo
de organização política e social que temos e, mais especificamente, sobre o desenho
curricular em que se ampara a educação.
Estes alunos emergem como um exemplo do caráter político e posicional das novas
identidades, demonstrando uma formação em e para tempos e lugares específicos, mas
ao mesmo tempo um modo de como a identidade está articulada ou entrelaçada em
identidades múltiplas, em espaços-tempos múltiplos, nunca um anulando o outro.
A análise nos mostra que a rapidez e intensidade que vêm assumindo os fluxos
migratórios, bem como as novas formas de experimentação do tempo e do espaço que
caracterizam o período atual vêm transformando os modos das pessoas realizarem suas
vidas. Porém ainda vêm acompanhadas de respostas contraditórias dadas pelos âmbitos
público e privado, onde são desconsideradas suas potencialidades de enriquecimento
cultural e político, mantendo-os como minorias étnicas, migrantes, pobres, discriminados.
Portanto, entende-se que para permitir o desenvolvimento das potencialidades dos
sujeitos, há de se considerar que as identidades não são coisas com as quais nós nascemos,
mas são formadas e transformadas no interior da representação, no conjunto de
significados que tem por base uma variedade de conhecimentos e de práticas referenciados
num entrelaçado de espaços e de tempos.
E se estamos preocupados com o papel do ensino dos espaços-tempos cotidianos
na construção destas identidades, é importante oferecer condições para que as relações
híbridas se constituam, contribuindo para que o aluno possa alargar seu entendimento de
si, de seu entorno e do mundo em sua multiplicidade e dinamismo, no passo em que possa
questionar a naturalidade do que lhe chega e apropriar-se criticamente dos conhecimentos
que os cercam; que possa criar perspectivas de pensar e construir um futuro mais plural
e menos desigual, uma vez que, como diz o sociólogo português Boaventura de Souza
Santos (2005) “todo mundo tem direito à igualdade quando a diferença discrimina e todo
mundo tem direito à diferença quando a igualdade descaracteriza”.
Os currículos praticados, como os aqui investigados, ensinam às pesquisas de
Didática e Currículo da Geografia Escolar, que apresentar o conceito de lugar como uma
construção social da realidade, e não como a própria realidade, significa demonstrar o
caráter relativo do conceito.
Assim, se grande parte dos limites à efetivação destas perspectivas vêm de
teorizações circunscritas à pequena escala, às autoridades educacionais, que muitas vezes
desenham o sistema educativo e as propostas curriculares em função das “raízes”
normativas e gerais sem levar em consideração as “opções” que as práticas cotidianas
realizam (Oliveira, 2003), exaltamos aqui as orientações curriculares que se apropriam
daquilo que é particular no modo de produção de conhecimento no trabalho cotidiano
docente.
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MESMO...
Bibliografia
Introdução
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Meteorologia ficou a cargo de Sampaio Ferraz, que procurou incentivar a vinda de alguns
técnicos estrangeiros para auxiliar na instalação de novos serviços e na formação de uma
escola de meteorologia.
Mesmo com diferenças de objetivos e de metodologias, a climatologia e a
meteorologia eram trabalhadas pelos técnicos do respectivo instituto. A atividade agrícola,
a navegação e o transporte aéreo impulsionaram os trabalhos de cunho meteorológico,
influenciados pelos avanços da física da atmosfera. Assim, meteorologistas e geógrafos
trabalhavam em cooperação.
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Monteiro (1980, p. 10) salienta que a geografia produzida pelo Conselho Nacional
de Geografia possuía um caráter político e comprometido com o poder estatal, que para
a sua afirmação necessitava da determinação das divisões territoriais nacionais
vislumbrando o estabelecimento das regiões geográficas administrativas que possibilitariam
a otimização de suas ações. As atividades desse Conselho, durante muito tempo, foram
organizadas por pesquisadores estrangeiros. A admissão de profissionais brasileiros somente
foi possível após a instalação dos cursos de geografia junto às universidades nacionais e
que contribuíram para a ampliação dos conhecimentos dos tipos climáticos e para o
desenvolvimento de uma climatologia regional, baseada nos pressupostos da geografia
lablacheana e associada às monografias explicativas e interpretativas de Emmanuel De
Martonne, além da influência de Hartshorne na composição de uma geografia científica.
Os estudos climatológicos e meteorológicos eram desenvolvidos pelos profissionais
dessas instituições e os seus resultados, inclusive aqueles efetivados pelos meteorologistas
do Instituto de Meteorologia, eram divulgados por meio dos canais de publicação da
geografia, ou seja, a Revista Brasileira de Geografia, publicada pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística / IBGE e os congressos e anais dos encontros promovidos pela
Associação dos Geógrafos Brasileiros / AGB.
Nesse período, merecem destaque os trabalhos de climatologia geográfica de Ary
França, que se graduou em Geografia na França e desenvolveu a primeira tese de
doutorado dedicada aos temas da climatologia geográfica. Em seus trabalhos discutiu as
idéias de Max Sorre e de Jean Tricart, referências trazidas daquele país e que possibilitou
inovar os estudos de climatologia, trazendo importantes contribuições metodológicas,
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principalmente, quando se referia ao conceito de clima. Para ele deveríamos “[...] adotar
a definição de ambiência atmosférica, no sentido de incorporar a noção de ocorrência de
tipos de tempo na sua sucessão habitual”. (SANT’ANNA NETO, 2001, p. 130)
Sob os auspícios sorreanos, Ary França salientava uma análise climática
comprometida com a geografia, preocupando-se com as camadas de ar que recobrem
imediatamente a superfície de um lugar, enquanto que a meteorologia nos subsidiaria com
o estudo das massas de ar pautado na Física moderna. Interpretações teóricas que
impulsionaram outros rumos para a climatologia brasileira.
Enquanto que os trabalhos de cunho meteorológico se aprofundavam nos postulados
da termodinâmica e nas inovações tecnológicas (balões, satélites meteorológicos e, bem
mais tarde, os super-computadores) direcionando-se para o aperfeiçoamento das previsões
do tempo, culminando com a implantação de cursos de graduação em Meteorologia e do
Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), junto ao Instituto Nacional
de Pesquisas Espaciais (INPE).
A procura pela origem dos processos atmosféricos já vinha sendo realizada no
Brasil, a partir dos trabalhos de Serra e Ratisbonna e de França. As contribuições desses
autores, associadas às perspectivas teóricas e metodológicas da análise sistêmica e as
inovações provocadas pela absorção do conceito de clima de Sorre, motivaram Monteiro
no estabelecimento de estudos sobre a organização climática do Brasil. Inicialmente, ele
procurou enaltecer a estratégia descritiva, desenvolvida por Emmanuel De Martonne
que aglutinava grandes grupos climáticos por afinidades de regimes (comportamento
qualitativo), correlacionando-a com a classificação genética dos climas de Strahler, baseada
na dinâmica das massas de ar.
O enfoque dinâmico desenvolvido a partir das teorias da circulação atmosférica e
da perspectiva sorreana, permitiu uma explicação da gênese do desencadeamento rítmico
dos estados do tempo, configurando-se Monteiro como o grande incentivador brasileiro
para os estudos de climatologia sob o referido conceito, salientando a importância da
consideração das noções de sucessão habitual dos tipos de tempo e de movimento para a
configuração climática dos lugares, justificando o caráter dinâmico do clima através do
desvendamento do seu ritmo.
Para Monteiro (2001, p. 148) o ritmo compreende uma ordem do movimento que
“[...] Pode ser tido também como uma alteração de elementos contrastantes. Associando
movimento e contraste, aparece a condição sine qua non do ritmo que é a periodicidade,
uma configuração de movimentos não recorrentes”; filiando a origem etimológica desse
termo aos pressupostos filosóficos de Platão.
O referido autor destaca que o conceito de ritmo, enquanto o encadeamento
sucessivo de tipos de tempo (meteorológico) sobre um determinado lugar, constitui o
paradigma que propicia uma análise geográfica do clima. O ritmo é a estratégia espacial
e temporal que Monteiro propõe para entender o clima no cotidiano da sociedade,
esclarecendo que: “Quando enunciamos que o clima de um lugar (espaço) é a resultante
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espacial da sociedade.
Feitas essas considerações acerca do estudo geográfico do clima no Brasil, discutido
a partir das proposições metodológicas de Monteiro para uma climatologia geográfica,
parte-se para a investigação de como essa perspectiva foi incorporada pelas análises
climáticas efetivadas pelos autores de teses e dissertações defendidas junto a alguns
programas brasileiros de pós-graduação em Geografia, no período de 1944 a 2003.
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desenvolvimento.
Alguns trabalhos que valorizam a coleta dos dados específicos para o estudo do
clima urbano sobressaem pelo fato de discutirem o processo de formação das cidades e
a constituição de espaços desiguais a partir da perspectiva histórico-dialética, evidenciando
a apropriação desigual dos espaços pela sociedade.
A temática da variabilidade pluvial é discutida por 28% das teses e dissertações,
procurando explicar os aspectos geográficos de diferentes espaços brasileiros envolvidos
na mesma. São utilizados dados meteorológicos coletados em estações para o cálculo
dos totais anuais e das normais climatológicas das séries temporais. Procuram estudar o
clima como a totalidade dos ritmos atmosféricos para uma determinada relação espaço-
tempo, identificado pelo dinamismo dos sistemas atmosféricos inter-relacionados aos fatores
da superfície terrestre vislumbrando a definição da tipologia pluvial e sua interferência na
produção e no rendimento dos cultivos agrícolas, incorporando a gênese dos episódios
pluviais importantes para o monitoramento e desenvolvimento das safras.
A realização desses estudos orienta-se na consideração do conceito de variabilidade
definido por Sorre (1951 apud SAKAMOTO, 2001, p. 18) como sendo a amplitude dos
desvios entre valores sucessivos de um elemento do clima, ou seja, uma medida quantitativa
do ritmo que expressa o retorno mais ou menos regular dos mesmos estados, e do conceito
adotado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM), que estabelece a variabilidade
climática como a maneira pela qual os parâmetros climáticos variam no interior de um
determinado período de registro (apud SANT’ANNA NETO, 1995, p. 34 – 35).
A investigação das flutuações pluviométricas interanuais é realizada a partir da
aplicação do método dos anos padrão desenvolvido por Monteiro (1971), complementando
a análise com a estatística descritiva citada anteriormente. Geralmente, os resultados
desses cálculos estatísticos são espacializados por meio do emprego das técnicas
cartográficas supracitadas.
No exame detalhado dessas pesquisas foi verificado que, aos poucos, ocorre uma
atualização dos recursos estatísticos e cartográficos mediante a utilização da informática
e de novas técnicas estatísticas, tais como: percentual chuvoso, índice de Gibbs Martin,
índice de sazonalidade de Markham e índice de Walsh e Lawler. (CHRISTOFOLETTI,
1992)
Depois de investigadas as causas e a tipologia da variabilidade pluviométrica de
regiões do território nacional, de estados, de municípios, de cidades, de bacias hidrográficas,
dentre outros recortes escalares, procura-se entender como essa variabilidade influencia
as atividades humanas (o consumo de água, o desempenho das safras agrícolas, do
comércio, do consumo de energia elétrica, a extração de sal marinho, a vazão das bacias
hidrográficas, etc).
A maioria dos trabalhos que tratam dessa temática procura analisar as relações
solo–planta–atmosfera, havendo um pequeno número de estudos que se dedicam à
explicação sobre os processos históricos, econômicos e políticos envolvidos na inserção
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Considerações Finais
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desse saber no Brasil permite verificar que o estudo geográfico do clima foi edificado a
partir do método hipotético-dedutivo, que lhe proporcionou segurança e status de
conhecimento técnico-científico passível de ser aplicado na resolução dos mais variados
problemas enfrentados pela sociedade, além de possibilitar o planejamento de suas ações
futuras no espaço urbano e agrícola, dentre outras temáticas abordadas pelas mesmas.
O estudo dessa produção bibliográfica reflete o processo de fragmentação do
conhecimento científico que atingiu seu objetivo de desvendar a realidade a partir de suas
diversas nuances, nas quais o clima também tem seu destaque e é analisado de forma
dissociada, desmembrado na caracterização (quantitativa e qualitativa) de seus fatores e
elementos que, depois de entendidos seus mecanismos particulares é que se processa a
síntese e, consequentemente, sua explicação.
O universo analisado segue como pressuposto metodológico a associação do método
estatístico com a análise da dinâmica da circulação atmosférica secundária, facultando o
estabelecimento da gênese da dinâmica climática dos lugares estudados.
Destaca-se que os trabalhos analisados têm a constante preocupação de apresentar
a caracterização topológica, ou seja, a localização da área de estudo e as respectivas
características geográficas (compartimentação geomorfológica, hipsometria, declividades,
formas do relevo, composição geológica, pedológica, drenagem, vegetação, usos do solo,
densidade de construções), relacionando-as com o ritmo climático diário, semanal,
quinzenal, mensal, sazonal e anual dos recortes territoriais elencados ou, até mesmo,
desenvolvendo coletas específicas de dados que expliquem tal correlação.
Na elaboração das teses e dissertações, de forma geral, permanece a discussão
sobre o ritmo climático, a ação antrópica (ação biológica do homem) e os impactos
ambientais procurando esclarecer as relações de causa e efeito do clima na superfície
terrestre e defendendo a necessidade de preservação das condições climáticas para a
sobrevivência humana.
A análise das ações humanas que produzem o sistema espacial a partir da idéia de
ação antrópica promove um entendimento de que as desigualdades existentes na relação
homem – meio e na organização espacial são naturais, derivadas das próprias condições
naturais que se organizam em determinados lugares para o favorecimento da agricultura,
da indústria, do turismo, dentre outras atividades econômicas e que, em outros locais, tais
condições não propiciam o desenvolvimento dessas atividades, que devem ser destinados
para outros fins.
Diante do exposto, conclui-se que a grande maioria do universo analisado (80%)
direciona suas análises, muito especificamente, para a dinâmica da atmosfera, não
enfocando a perspectiva do homem enquanto produtor dos territórios, de conhecimentos
e da cultura que dão sentido para a sua existência, além de considerar a apresentação
minuciosa e seqüencial das condições geográficas das áreas estudadas e sua respectiva
localização enquanto sinônimo de análise geográfica do clima.
Um percentual de 20% dos trabalhos enquadrados nas temáticas de clima urbano,
262
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Referências
AOUAD, Marilena dos Santos Tentativa de classificação climática aplicada para o Estado
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Introdução
1
AP: Antes do Presente. O presente considerado é o ano de 1950.
2
Terra brasilis: Termo derivado do mito europeu do Paraíso Terrestre associado a tradições Celtas que,
segundo Souza (1999), englobava as ilhas Brasil. Conjunto de ilhas nos Açores, no Oceano Atlântico, cujo
nome se transformou várias vezes: Brasill, Brazil, Bracil, Braxil, etc., registrado nas cartas de navegação de
Pizigano desde 1367. Terra brasilis é usado aqui para momentos anteriores ao século XVI.
3
Referente aos princípios para um paradigma da complexidade de Edgard Morin.
266
Terra Livre - n. 29 (2): 265-292, 2007
4
Denominação dado a este continente em homenagem ao navegador italiano Américo Vespúcio.
267
LOIOLA, S. A. POR UMA GEOGRAFIA DO PASSADO DISTANTE...
5
Carta de Pero Vaz Caminha, enviada ao rei português em 1500. In: PAPAVERO, 2002, p.73, p.79.
268
Terra Livre - n. 29 (2): 265-292, 2007
Embora a Coroa tivesse afirmado numa provisão (lei) de 1726 que a liberdade dos
povos era um direito natural, ela não seria cumprida. O desejo de expropriar e eugenizar
se evidenciaram nas leis pombalinas indigenistas de integração. A lei do Diretório de
1758 reconhecia os autóctones como vassalos de El Rei, mas os declarou em estado de
menoridade civilizacional, ordenando cercos de guerra e paz na tentativa de confiná-los
nos aldeamentos (Apolinário, 2006)
Tal qual o litoral, no interior predominavam sociedades agricultoras-ceramistas
fixas (Wüst, 1990), que atuaram com habilidades defensivas, ora aliadas aos vizinhos em
guerras contra os europeus, ora em acordos de paz com estes. Quando expropriados,
utilizaram táticas bélicas flexíveis. “A percepção de uma política e de uma consciência
histórica em que os indígenas são sujeitos e não apenas vítimas, só é nova eventualmente
para nós. Para os indígenas ela parece ser costumeira.” (Cunha, 1992, p. 18)
A inexistência de um poder central não impediu o estabelecimento de alianças e
acordos políticos horizontalizados (Prous, 2006). Análises evolucionistas falham no
entendimento dessa estruturas espaciais de poder por insistirem na comparação com a
hierarquia estatal, comumente encontrada em sociedades ocidentais.
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Grifo nosso.
7
Sugerida por Luiz Sérgio Duarte da Silva em palestra no auditório do FCHF, UFG, 30/6/2005.
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Elaboração: Loiola, 2007. Fontes: Censo demográfico IBGE, 2000; FUNAI, 2007.
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Esses grupos remanescentes têm mantido sua cultura e modos de vida (Little,
2002). Não se identificam com a etnia brasileira, nem aceitam a anulação de sua
diversidade. Mas desejam relativa autonomia territorial sem deixar de pertencer ao território
brasileiro. Anseiam por reconhecimento de suas territorialidades, historicidades e cultura:
“Ninguém respeita aquilo que não conhece. Precisamos mostrar quem somos, a força, a
beleza, a riqueza da nossa cultura. Só assim vão entender e admirar o que temos” (Wabua
Xavante, 2004). Não oferecem, portanto, ameaça ao Estado nacional.
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Caracterizada por domínio territorial e laços de poder horizontalizados tanto na gestão, organização quanto
na defesa; divisão social do trabalho, modo de produzir e viver voltados a auto-suficiência, de base agrária,
associados a valores culturais de não- acumulação; pouca concentração de poder e hierarquia; flexibilidade e
laços socioculturais no plano interno e externo com grupos de diferentes etnias, línguas e bases econômicas.
Ver Prous (2006), Guidon (2003; 2005) e Loiola, 2007.
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Apesar da geografia lidar com o meio físico, biológico e social, a divisão das
disciplinas e a precariedade dos métodos para integrá-las reproduz uma falsa dicotomia
entre geografia física e humana, camuflando as teias dos próprios objetos (Passos, 2004;
Monteiro, 2003; Mendonça, 2001; Moreira, 2000).
Um enfoque conjuntivo encontra correspondência no método da totalidade de
Santos (1985), o qual propõe investigar o real por meio de categorias analíticas: forma,
processo, função e estrutura, reintegrando-as na síntese. No entanto, as categorias do
método da Totalidade carecem de tratamento para dialogar com o todo indiviso da teia
física, biológica e antropossocial de uma realidade, deliberadamente analisada. Aqui se
encontra o arquétipo, cujo aprofundamento requer esforço coletivo.
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GEOGRAFIA
GEOGRAFIA
DO
DO
PASSADODISTANTE
PASSADO DISTANTE
GEOGRAFIA
GEOGRAFIA
ETNOGEOGRAFIA HISTÓRIA
HISTÓRIA
ETNOGEOGRAFIA
Mas o resultado real deste argumento é que o tempo precisa do espaço para
ele mesmo avançar; tempo e espaço nasceram juntos, junto com a relação
que os produz. Tempo e espaço tem que ser pensados juntos, pois eles
estão inextricavelmente entrelaçados. Neste caso, a primeira implicação deste
ímpeto de considerar a temporalidade/história como genuinamente aberta é
que a espacialidade tem que ser integrada como uma parte essencial deste
processo da ‘contínua criação de novidade’. (Massey, 1999, p. 274)
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Em uma imagem holográfica cada parte, ou pixel, contém informações da imagem como um todo.
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pode ocorrer no interior dos sedimentos a mineralização por substituição das substâncias,
ou fossilização. Contudo, muito além desses objetos, a arqueologia contemporânea se
preocupa com os aspectos espaciais, a estrutura do sítio ou conjunto de sítios, a fim de
resgatar a vida cotidiana, a divisão do trabalho, a distribuição demográfica e a exploração
do território (Prous, 2006).
Para tanto, verifica a implantação no relevo, os sistemas de abastecimento e de
engenharia, a posição dos objetos, a localização do sítio, a arquitetura e as diferenciações
intra-sítio; considera comportamentos que geraram a cultura matérial: cosmologia, divisão
de gênero, forma de trabalho, técnica, ideologias e as estruturas sócio-políticas. Pode-se
assim inferir a diferenciação social, a estruturação, as relações externas e estratégias
adotadas diante das condições ambientais (Wüst, 1999).
Ao utilizar essas informações como fonte é preciso observar que culturas
arqueológicas não só diferem da noção de cultura nas ciências sociais em geral, como
não são suficientes para abarcar a realidade em estudo (Wüst, 1999), já que geralmente
são atributos metodológicos classificatórios para levantamento (Prous, 1999).
Desse modo, sugere-se partir tanto quanto possível da demanda do presente sob
quatro pressupostos (Santos, 1997; Maia 2005;3 Ferro, 1979): 1. Marcas na paisagem
deixadas por processos socioculturais pretéritos são memória espacial de culturas (Berque,
2004; Loiola, 2007). 2. A produção do espaço de vivência ocorre há mais de 10.000 anos
na terra brasilis (Guidon, 2006; Loiola, 2004; Barbosa, 2002). 3. Etnia refere-se
necessariamente a um lugar, ou espaço de referência (Little, 2002; Ratts, 2003). Por
fim, recomenda-se utilizar correlações etnológicas com etnias atuais.
Procurar significados que tenham conexão com a realidade presente, traz maior
objetividade à investigação de sujeitos históricos com emergente visibilidade política
(Benavides, 2001). Assim, as marcas na paisagem foram, e são, co-produtos espaço-
temporais dos antepassados de sociedades vivas entre nós, à espera de quem lhes atribua
novos significados. Contudo, ao utilizar informações arqueológicas, é preciso estar atento
às escolas arqueológicas e o significado por elas atribuído à cultura material e,
simultaneamente, buscar pontos de convergências com essa ciência.
3
Prof. Carlos Maia, em aula ao mestrado em geografia, IESA, UFG, primeiro semestre de 2005.
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Considerações Finais
A inerência entre espaço e tempo torna o passado distante um vasto terreno a ser
investigado na geografia, desde que superadas as limitações modernas que invisibilizam
nossos ancestrais. Mais que objetos de museus, a cultura material produzida por essas
sociedades representa parte da memória de culturas vivas. Frequentemente noticiadas
reivindicando o direito à terra, festejando seus mitos em rituais ou como objetos de
exploração turística, mas que têm conquistado crescente representação política.
Por meio dessa cultura material a arqueologia tem confirmado não só uma densa
ocupação deste continente, como o elevado nível técnico, organização sociopolítica e
territorialidades definidas, sobretudo nos trópicos sul-americanos. Afastado da noção
mitológica do nomadismo, na formação sócioespacial da terra brasilis predominaram
sociedades ceramistas-agricultoras sedentárias no século XV. Do mesmo modo,
contrariando relatos etnográficos e as previsões deterministas histórico-lineares, ao aumento
demográfico não correspondeu a formação de superestruturas políticas centralizadas.
Os grupos fizeram escolhas. Construíram seu próprio caminho.
As afirmativas teóricas acerca da inadequabilidade tropical para o desenvolvimento
de sociedades humanas não se confirmam no passado distante (Guidon, 2007; Funari
2002). Não só foram nesses ambientes onde se consolidou o gênero humano, como neles
se constituíram as primeiras grandes civilizações. De modo que neste continente ocorreu
o inverso de hoje: a América do Sul e Central eram desenvolvidas e a América do Norte
era periférica e subdesenvolvida.
É enganoso afirmar o descobrimento, início do povoamento e a (re)produção do
espaço de vivência somente a partir do século XVI no território brasileiro e neste continente.
A produção do espaço de vivência humana nessa porção dos trópicos se dá há mais de
10.000 anos AP. Como seria então a formação sócio-espacial, ou sócioambiental, entes
do século XVI? Levantar argumentos a essa questão na geografia se mostra promissor,
já que arqueologia, geografia e história ambiental não só têm similitudes na linguagem e
ciências auxiliares comuns, como construíram convergentes escolas teórico-metodológicas.
Todavia, ao usar o anacronismo controlado do tempo cabe desconstruir imagens
de feras rudes acerca dos personagens do passado desde o neolítico, dado o grau de
sofisticação requerido à elaboração de suas culturas, que não estiveram estáticas. Suas
histórias são sagas de continuidades e mudanças do gênero humano. Dessa forma, o
termo pré-história é inadequado à caracterização das sociedades na terra brasilis nos
séculos anteriores ao XVI.
Embora orientada aqui às sociedades autóctones, esse olhar ao passado distante
não escolhe temas, convida à sua continuidade, aproximar diferentes ciências no
entendimento de dinâmicas sócioambientais pretéritas que, de alguma forma, têm reflexo
sobre o hoje.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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292
RESENHA
293
294
Os Estabelecidos e os Outsiders
Norbert Elias e John L. Scotson
295
na cidade e na sociedade como um todo as desigualdades existentes entre as diferentes classes
sociais, como se observa nas diferentes realidades urbanas atuais, pois os autores afirmam que a
relação estabelecidos e outsiders não se resume ás desigualdades econômicas existentes, indo
além delas, abarcando outras relações e fatores sociais e culturais, tecendo, assim, severas críticas
ao “economicismo” da obra de Marx, que, para os autores, não explicaria a relação estabelecidos
e outsiders na realidade analisada.
Assim, percebe-se que a obra, apesar da riquíssima contribuição à análise sociológica da
realidade de uma pequena cidade inglesa da década de 1960, não possibilita a análise da realidade
socioespacial das diferenes cidades do período de estudado nem as cidades contemporâneas,
onde os processos de segregação socioespacial e exclusão social são cada vez mais acirrados e o
reconhecimento da existência do conflito de classe é essencial para a compreensão da realidade.
Isso reflete a complexidade que se apresenta aos pesquisadores sociais em compreender
as relações entre pessoas e grupos na sociedade que não é em momento algum estática, mas
mutável e tremendamente desigual e que necessita da análise multidisciplinar para possibilitar a
completude do conhecimento científico, que cada vez mais se apresenta fragentado.
O que os autores afirmam é que o principal fator na formação da relação estabelecidos e
outsiders seria o tempo de moradia na cidade e a coesão possibilitada por isso no grupo estabelecido,
pois apresentavam um passado comum que permitia ao grupo um estoque de apegos, lembranças
e aversões comuns.
Ou seja, o grupo estabelecido vivia na cidade, mais especificamente na Zona 2, denominada
de aldeia, há duas ou três gerações, desde a fundação da cidade por Charles Wilson, em 1880,
quando da construção de aproximadamente 700 casas idênticas. Isso permitiu com que o grupo
adquirisse costumes, tradições e um estilo de vida próprios que os permitia diferenciar-se dos
forasteiros/outsiders residentes na Zona 3 (beco dos ratos ou loteamento), construído nos anos
de 1930, recém chegados, sem vínculos pessoais e com o local e com costumes e culturas
diferentes.
Essa discussão poderia remeter-se ao conceito de lugar, pois os estabelecidos tinham o
sentido de pertencimento e se reconheciam pelo seu local de habitação. Suas relações pessoais e
profissionais oriundas de longo período lhes permitia uma coesão como grupo social, fechado e
exclusivo, fomentando o preconceito e a estigmatização daqueles que não pertenciam ao lugar,
para os recém chegados, que, no imaginário coletivo criado pelo grupo estabelecido, era uma
grande ameaça aos “bons costumes” do lugar.
No entanto, por ser um trabalho sociológico, o livro não valorizou esta questão do conceito
de lugar como um dos fatores determinantes na consolidação da relação estabelecidos (do lugar)
e os outsiders (forasteiros).
O que aponta também para não considerarem a questão espacial no processo de
diferenciação entre estabelecidos e outsiders, como ocorre nos processos de segregação
socioespacial e exclusão social, que também refletem as desigualdades e as diferenciações existentes
nos espaços intraurbanos contemporâneos.
Entende-se ainda que os autores, mesmo adotando uma perspectiva de compreender e
desvendar as características de determinada especificidade social, em uma pequena comunidade
296
a partir do processo histórico, ou seja, uma leitura da sociedade não pelo “aqui e agora”, fazem uma
leitura da realidade que não considere as possibilidade de transformação e mudança a partir dos
conflitos existentes, pois para eles o processo de exclusão e estigmatização de um grupo pelo
outro não foi um plano premeditado ou concebido a partir de um planejamento prévio.
Seria resultado apenas de uma ideologia de que os forasteiros são desordeiros, que não
se enquadram nos padrões sociais estabelecidos naquela comunidade que possui determinados
costumes e tradições que não devem ser questionados.
Além disso, a estigmatização dos outsiders pelos estabelecidos apenas seria possível
pela aceitação desta condição pelos primeiros, sendo, portanto, um processo característico da
formação histórica daquela pequena cidade, não apresentando, assim, possibilidades de serem
revertidos, pois não haveria culpados, como podemos observar na citação a seguir.
No entanto, uma ideologia não se relaciona apenas com uma situação específica, como
apontam os autores. E a relação estabelecidos e outsiders não era específica apenas daquele
período, pois a própria comunidade dos aldeões, dos estabelecidos existia e exercia sua
“predominância” em relação aos moradores do loteamento desde que este fora instalado havia
aproximadamente trinta e cinco anos.
Portanto, o que realmente define a relação estabelecidos e outsiders é a forma como as
próprias estruturas da sociedade, enquanto grupo organizado, moldam as formas de agir, pensar e
viver dos seres humanos enquanto indivíduos. Ou seja, segundo os autores, não havia inimizades
pessoais entre os indivíduos dos grupos diferentes, havia até uma convivência harmoniosa dentro
297
de determinados limites impostos pelo grupo dos estabelecidos aos seus próprios integrantes.
Isso é importante pois demonstra como os indivíduos são influenciados em suas atitudes
e modos de pensar e agir a partir de determinações do grupo social do qual fazem parte e como a
estigmatização de um grupo pelo outro se dá como um fator natural.
Essa análise abordada pelos autores é de grande relevância pois aponta para o
questionamento de que não seria, naquele caso específico, a família a unidade básica primária da
sociedade, como definem algumas abordagens sociológicas. Ela também se molda às estruturas
impostas pela sociedade.
Outro ponto de discussão relevante apontada no texto, senão o principal, é com relação
ao exercício de poder exercido por uma parcela da população, os estabelecidos, em relação aos
demais e a aceitação dessa relação por parte dos outsiders. Pois na leitura atenta do livro, percebe-
se nitidamente que os moradores da zona 3, o loteamento, sem o sentido de pertencimento ao
bairro, sentiam-se realmente inferiores em relação aos estabelecidos da zona 2 (aldeia), aceitando,
portanto, a exclusão do convívio com seus superiores, reconhecendo que os postos de poder
político e social não lhes era de direito.
Portanto, o livro “Os estabelecidos e os outsiders” apresenta uma outra visão – não
econômica – das relações de diferenciação e desigualdade existentes nas cidades, que leva ao
questionamento se os elementos apontados pelos autores podem ser considerados na escala das
grandes e médias cidades contemporâneas, como eles procuraram afirmar: um estudo localizado
em uma pequena cidade pode servir de paradigma para estudos em outras escalas.
Está lança do o desafio aos estudos urbanos, sejam sociológicos, políticos, históricos ou
geográficos, etc.
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NORMAS
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300
Terra Livre - n. 29 (2): 293-300, 2007
Terra Livre é uma publicação semestral da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB)
que tem por objetivo divulgar matérias concernentes aos temas presentes na formação e
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textos sob a forma de artigos, notas, resenhas, comunicações, entre outras, de todos os
que se interessam e participam do conhecimento propiciado pela Geografia, e que estejam
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desenvolvidas e utilizadas nesse processo, assim como com as condições e situações sob
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Agrária Brasileira. Petrópolis: editora Vozes, 1985.
b) No caso de capítulo de livro: SOBRENOME, Nome. Título do capítulo. In:
SOBRENOME, Nome (Org.). Título do livro. Local de publicação: Editora,
301
NORMAS PARA PUBLICAÇÃO
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Terra Livre - n. 29 (2): 293-300, 2007
TERRA LIVRE
SUBMISSION GUIDELINES
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SUBMISSION GUIDELINES
place of publication, volume of publication, number of publication, firstpage-
304
Terra Livre - n. 29 (2): 293-300, 2007
305
NORMAS PARA PUBLICACIÓN
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COMPÊNDIO
DOS NÚMEROS ANTERIORES
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Terra Livre - n. 29 (2): 301-318, 2007
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COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
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Terra Livre - n. 29 (2): 301-318, 2007
311
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
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p. 140-148, jan.-jul. 1992.
80) GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Geografia política e desenvolvimento sustentável.
n. 11-12, p. 9-76, ago.92-ago.93.
81) RODRIGUES, Arlete Moysés. Espaço, meio ambiente e desenvolvimento: reeleituras
do território. n. 11-12, p. 77-90, ago.92-ago.93.
82) EVASO, A.S., VITIELLO, M.A., JUNIOR, C.B., NOGUEIRA, S.M., RIBEIRO,
W.C. Desenvolvimento sustentável: mito ou realidade? n. 11-12, p.91-101, ago.92-ago.93.
83) DAVIDOVICH, Fany. Política urbana no Brasil, ensaio de um balanço e de
perspectiva. n. 11-12, p. 103-117, ago.92-ago.93.
84) MARTINS, Sérgio. A produção do espaço na fronteira: a acumulação primitiva revisitada.
n. 11-12, p. 119-133, ago.92-ago.93.
85) IOKOI, Zilda Márcia Gricoli. Os dilemas históricos da questão agrária no Brasil.
n. 11-12, p. 135-151, ago.92-ago.93.
86) FERNANDES, Bernardo Mançano. Reforma agrária e modernização no campo.
n. 11-12, p. 153-175, ago.92-ago.93.
87) ROCHA, Genylton Odilon Rêgo da. Ensino de Geografia e a formação do geógrafo-
312
Terra Livre - n. 29 (2): 301-318, 2007
313
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
314
Terra Livre - n. 29 (2): 301-318, 2007
128) NETO, João Lima Sant’anna. Por uma Geografia do Clima – antecedentes históricos,
paradigmas contemporâneos e uma nova razão para um novo conhecimento. n. 17, p. 49-
62, 2001.
129) SEGRELLES, José Antonio. Hacia uma enseñanza comprometida y social de la
Geografía en la universidad. n. 17, p. 63-78, 2001.
130) RIBEIRO, Júlio Cézar; GONÇALVES, Marcelino Andrade. Região: uma busca
conceitual pelo viés da contextualização histórico-espacial da sociedade. n. 17, p. 79-98,
2001.
131) CIDADE, Lúcia Cony Faria. Visões de mundo, visões da Natureza e a formação
de paradigmas geográficos. n. 17, p. 99-118, 2001.
132) NETO, Manuel Fernandes de Sousa. Geografia nos trópicos: história dos náufragos
de uma Jangada de Pedras. n. 17, p. 119-138, 2001.
133) ANJOS, Rafael Sanzio Araújo dos. O espaço geográfico dos remanecentes de
antigos quilombos no Brasil. n. 17, p. 139-154, 2001.
134) GUIMARÃES, Raul Borges. Saúde urbana: velho tema, novas questões. n.17, p.
155-170.
135) CAPEL, Horácio. A Geografia depois dos atentados de 11 de setembro. Ano 18, v.
1, n. 18, p. 11-36.
136) HAESBAERT, Rogério. A multiterritorialidade do mundo e o exemplo da Al Qaeda.
Ano 18, v. 1, n. 18, p. 37-46.
137) ZANOTELLI, Cláudio Luiz. Globalização, Estado e culturas crimonosas. Ano 18, v.1,
n. 18, p. 47-62.
138) SEGRELLES, José Antonio. Integração regional e globalização. Uma reflexão
sobre casos do Mercado Comum do Sul (Mercosul) e da Área de Livre Comércio das
Américas desde uma perspectiva européia. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 63-74,
139) RIBEIRO, Wagner Costa. Mudanças climáticas, realismo e multilateralismo. Ano
18, v. 1, n. 18, p. 75-84.
140) MANGANO, Stefania. Evolução do conceito da planificação territorial na Itália. Ano 18,
v. 1, n. 18, p. 85-94.
141) STRAFORINI, Rafael. A totalidade do mundo nas primeiras séries do ensino
fundamental: um desafio a ser enfrentado. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 95-114.
142) KEINERT, Tânia M. M., KARRUZ, Ana Paula, KARRUZ, Silvia Maria. Sistemas locais
de informação e a gestão pública da qualidade de vida nas cidades locais. Ano 18, v. 1, n. 18,
p. 115-132.
143) GOMES, Edvânia Tôrres Aguiar. Dilemas nas (re)estruturações das metrópoles. Ano 18,
v. 1, n. 18, p. 133-142.
144) DINIZ Filho, Luis Lopes. Contribuições e equívocos das abordagens marxistas na Geografia
Econômica: um breve balanço. Ano 18, v. 1, n. 18, p. 143-160.
145) CARLOS, Ana Fani Alessandri. A Geografia brasileira, hoje: algumas reflexões. Ano 18,
v. 1, n. 18, p. 161-178.
146) NUNES, Luci Hidalgo. Discussão acerca de mudanças climáticas (notas). Ano 18, v. 1,
n. 18, p. 179-184.
315
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
147) MELAZZO, Everaldo Santos. Renda de cidadania: a saída é pela porta (resenha).
Ano 18, v. 1, n. 18, p. 185-186.
148) RAMIREZ, Blanca. Terra Incognitae: el surgimiento de nuevas regiones y territorios
em el marco de la globalización (resenha). Ano 18, v. 1, n. 18, p. 187-190.
149) MARTIN, Jean-Yves. Uma Geografia da nova radicalidade popular: algumas
reflexões a partir do caso do MST. Ano 18, v. 2, n.19, p. 11-35.
150) CALLE, Angel. Análisis comparado de movimientos sociales: MST, Guatemala y
España. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 37-58.
151) CALDERÓN ARAGÓN, Georgina. Un lugar en la bandera (la marcha zapatista). Ano 18,
v. 2, n. 19, p. 59-74.
152) FABRINI, João Edmilson. O projeto do MST de desenvolvimento territorial dos
assentamentos e campesinato. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 75-94.
153) MARQUES, Marta Inez Medeiros. O conceito de espaço rural em questão. Ano 18,
v. 2, n. 19, p. 95-112.
154) FERNANDES, Bernardo M., DA PONTE, Karina F. As vilas rurais do Estado do
Paraná e as novas ruralidades. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 113-126.
155) SMITH, Neil. Geografia, diferencia y las políticas de escala. Ano 18, v. 2, n. 19, p.
127-146.
156) ARANA, Alva Regina Azevedo. Os avicultores integrados no Brasil: estratégias e
adaptações – o caso Coperguaçu Descalvado – SP. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 147-162.
157) GÓES, Eda, MAKINO, Rosa Lúcia. As unidades prisionais do Oeste Paulista:
implicações do aprisionamento e do fracasso da tentativa da sociedade de isolar por
completo parte de si mesma. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 163-176.
158) LEAL, Antonio Cezar, THOMAZ Jr., Antonio, ALVES, Neri, GONÇALVES,
Marcelino A., DIVIESO, Eduardo P., CANTÓIA, Silvia, GOMES, Adriana M.,
GONÇALVES, Sara Maria M. P. S., ROTTA, Valdir E. A reinserção do lixo na sociedade
do capital: uma contribuição ao entendimento do trabalho na catação e na reciclagem.
Ano 18, v. 2, n. 19, p. 177-190.
159) SANTOS, Clézio. Globalização, turismo e seus efeitos no meio ambiente. Ano 18, v. 2, n.
19, p. 191-198.
160) REGO, Nelson. Geração de ambiências: três conceitos articuladores. Ano 18, v. 2, n. 19,
p. 199-212.
161) SILVA, Silvio Simione. A liberdade no “fazer ciência” em Geografia. Ano 18, v. 2, n. 19,
p. 213-228.
162) SILVA, Tânia Paula da. Fundamentos teóricos do cooperativismo agrícola e o MST.
Ano 18, v. 2, n. 19, p. 229-242.
163) TFOUNI, Leda Verdiani, ROMÃO, Lucília Maria Sousa. O discurso sobre Canudos
e a retórica do massacre. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 243-256.
316
Terra Livre - n. 29 (2): 301-318, 2007
164) FRANCO GARCÍA, Maria, THOMAZ Jr., Antonio. Trabalhadoras rurais e luta
pela terra no Brasil: interlocução entre gênero, trabalho e território. Ano 18, v. 2, n. 19, p.
257-272.
165) STACCIARINI, José Henrique Rodrigues. Ética, humanidade e ações por cidadania:
do impeachment de Collor ao Fome Zero do governo Lula. Ano 18, v. 2, n. 19, p. 273-
284.
166) BESSAT, Frédéric. A mudança climática entre ciência, desafios e decisões: olhar
geográfico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 11-26.
167) SARTORI, Maria da Graça Barros. A dinâmica do clima do Rio Grande do sul:
indução empírica e conhecimento científico. Ano 19, v. 1, n. 19, p. 27-49.
168) SANT’ANNA Neto, João Lima. Da complexidade física do universo ao cotidiano
da sociedade: mudança, variabilidade e ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 51-63.
169) ZAVATINI, João Afonso. A produção brasileira em climatologia: o tempo e o espaço
nos estudos do ritmo climático. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 65-100.
170) NUNES, Lucí Hidalgo. Repercussões globais, regionais e locais do aquecimento
global. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 101-110.
171) SILVA, Maria Elisa Siqueira, GUETTER, Alexandre K. Mudanças climáticas
regionais observadas no Estado do Paraná. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 111-126.
172) PACIORNIK, Newton. Mudança global do clima: repercussões globais, regionais e
locais. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 127-135.
173) VERÍSSIMO, Maria Elisa Zanella. Algumas considerações sobre o aquecimento
global e suas repercussões. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 137-143.
174) ASSIS, Eleonora Sad de. Métodos preditivos da climatologia como subsídios ao
planejamento urbano: aplicação em conforto térmico. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 145-158.
175) FRAGA, Nilson César. Clima, gestão do território e enchentes no Vale do Itajaí-SC.
Ano 19, v. 1, n. 20, p. 159-170.
176) BEJARÁN, R., GARÍN, A. De, SCHWEIGMANN, N. Aplicación de la predicción
meteorológica para el pronóstico de la abundancia potencial del Aedes aegypti en Buenos
Aires. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 171-178.
177) FERREIRA, Maria Eugenia M. Costa. “Doenças tropicais”: o clima e a saúde
coletiva. Alterações climáticas e a ocorrência de malária na área de influência do
reservatório de Itaipu, PR. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 179-191.
178) CONFALONIERI, Ulisses E. C. Variabilidade climática, vulnerabilidade social e
saúde no Brasil. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 193-204.
179) MENDONÇA, Francisco. Aquecimento global e saúde: uma perspectiva geográfica
– notas introdutórias. Ano 19, v. 1, n. 20, p. 205-221.
180) CLAVAL, Paul. The logic of multilingual cities and their political problems. Ano 19, v. 2,
n. 21, p. 11-23.
317
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
AGB Nacional e a Seção Local de Presidente Prudente/SP. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 71-83.
199) Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Dourados. AGB – Seção Dourados:
memória e história de um processo de construção coletiva. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 85-97.
200) SANTANA, Mário Rubem C., AMORIM, Itamar G. De, GOMES, Denize S. AGB
– Salvador, quase 50 anos de Geografia. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 99-112.
201) FONTOURA, Luiz Fernando M., DUTRA, Viviane S. Os 30 anos da Associação
dos Geógrafos Brasileiros – Seção Porto Alegre. Ano 20, v. 1, n. 22, p.113-123.
202) CROCETTI, Zeno Soares. AGB: Desejos de transformação. Ano 20, v. 1, n. 22, p.
125-132.
203) CHAVES, Manoel R., MESQUITA, Helena A. da, MENDONÇA, Marcelo R. Inserção,
crítica e intervenção na realidade: a AGB e a Geografia em Catalão – GO. Ano 20, v. 1, n. 22,
p. 133-143.
204) ALENTEJANO, Paulo Roberto R. AGB-Rio: 68 anos de história. Ano 20, v. 1, n. 22,
p. 145-152.
205) FONSECA, Valter Machado da. A história da AGB – Uberaba (MG) e a perspectiva de
construção de um pólo do pensamento geográfico no Triângulo Mineiro. Ano 20, v. 1, n. 22,
p. 153-160.
206) ROMANCINI, Sônia R., SILVESTRI Magno. Trajetória histórica e perspectivas
da AGB – Seção Local Cuiabá. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 161-168.
207) GOMES, Horieste. Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Goiânia. Ano 20, v. 1,
n. 22, p. 169-176.
208) ANTUNES, Charlles da França. AGB-Niterói: notas de um começo de história.
Ano 20, v. 1, n. 22, p. 177-189.
209) Diretoria Executiva da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Bauru. O
trabalho técnico-político-pedagógico da Associação dos Geógrafos Brasileiros na Seção
Local Bauru – AGB/Bauru. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 189-195.
210) RODRIGUES, Arlete Moysés. Contribuição da AGB na construção da Geografia
Brasileira: uma outra Geografia sempre é possível. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 199-209.
211) ANDRADE, Manuel C. De. A AGB – 1961/62 – Um depoimento. Ano 20, v. 1, n. 22,
p. 211-212.
212) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB 1934 – 2004. Ano 20, v. 1, n. 22, p.
213-230.
213) ALVES, William Rosa. A permanente busca do horizonte: a história da AGB-BH. Ano 20,
v. 1, n. 22, p. 231-255.
214) RODRIGUES, Renata M. de A. Estudos de Impacto Ambiental e o perfil do geógrafo.
Ano 20, v. 1, n. 22, p. 237-248.
215) ELIAS, Denise, RODRIGUES, Renata M. de A. Os presidentes da Associação dos
Geógrafos Brasileiros. Ano 20, v. 1, n. 22, p. 251-260.
319
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
216) BENKO, Georges. Murano et les verries: um district industriel pas comme les autres.
Ano 20, v. 2, n. 23, p. 15-34.
217) HAESBAERT, Rogério. Precarização, Reclusão e “exclusão” territorial. Ano 20, v.
2, n. 23, p. 35-51.
218) GOETTERT, Jones Dari. “Lúcia Gramado Kaigang”: como me redescobri na Serra
Gaúcha. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 53-74.
219) REFFATTI, Lucimara Vizzotto, REGO, Nelson. Representações de mundo, geografias
adversas e manejo simbólico – proximações entre clínica psicopedagógica e ensino de Geografia.
Ano 20, v. 2, n. 23, p. 75-85.
220) SILVEIRA, María Laura. Escala geográfica: da ação ao império? Ano 20, v. 2, n. 23,
p. 87-96.
221) LIMA, Luiz C., MONIÉ, Frédéric, BATISTA, Francisca G. A nova geografia econômica
mundial e a emergência de um novo sistema portuário no Estado do Ceará: o Porto do Pecém.
Ano 20, v. 2, n. 23, p. 97-109.
222) KAWAKUBO, Fernando S., MORATO, Rúbia G., CORREIA JUNIOR, Paulo A.,
LUCHIARI, Ailton. Utilização de imagens híbridas geradas a partir da transformação de IHS
e aplicação de segmentação no mapeamento detalhado do uso da terra. Ano 20, v. 2, n. 23,
p. 111-122.
223) SCOLESE, Eduardo. De FHC a Lula: manipulações, números, conceitos e promessas
de reforma agrária. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 123-138.
224) OLIVEIRA, Ivanilton José de. Sustentabilidade de sistemas produtivos agrários em
paisagens do cerrado: uma análise no município de Jataí-GO. Ano 20, v. 2, n. 23, p. 139-159.
225) GADE, Daniel W. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 163-164.
226) CLAVAL, Paul. Geografia: leituras culturais (Resenha). Ano 20, v. 2, n. 23, p. 1165-167.
227) CLAVAL, Paul. The nature and scope of Political Geography. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 13-
28.
228) VLACH, Vânia R. F. Entre a idéia de território e a lógica da rede: desafios para o ensino
de Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 29-41.
229) AUED, Idaleto M.; ALBUQUERQUE, Edu Silvestre de O método de desconstituição
do capital e a Geografia. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 43-60.
230) HASSLER, Márcio L. Áreas de proteção ambiental e unidades territoriais de
planejamento na porção leste da região metropolitana de Curitiba. Ano 21, v. 1, n. 24, p.
61-75.
231) MORETTI, Edvaldo C.; LOMBA, Gilson K. Precarização do trabalho e
territorialidade da atividade turística em Bonito-MS. Ano 21, v. 1, n. 24,
p. 77-99.
232) SOUSA, Givaldo V. de; DUTRA JUNIOR, Wagnervalter. O imaginário social e
território no distrito de José Gonçalves – BA. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 101-117.
320
Terra Livre - n. 29 (2): 301-318, 2007
233) GIL FILHO, Sylvio F. Geografia da religião: o sagrado como representação. Ano 21, v. 1,
n. 24, p. 119-133.
234) SUERTEGARAY, Dirce M. A. ; VERDUM, Roberto ; BELLANCA, Eri T. ; UAGODA,
Rogério S. Sobre a gênese da arenização no Sudoeste do Rio Grande do Sul. Ano 21, v. 1, n. 24,
p. 135-150.
235) HENRIQUE, Wendel. Proposta de periodização das relações sociedade-natureza:
uma abordagem geográfica de idéias, conceitos e representações. Ano 21, v. 1, n. 24, p.
151-175.
236) PINHEIRO, Antonio C. Tendências teórico-metodológicas e suas influências nas
pesquisas acadêmicas sobre o ensino de Geografia no Brasil. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 177-
191.
237) CUSTODIO, Vanderli. Inundações no espaço urbano: as dimensões natural e social
do problema. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 193-210.
238) LORENTE, Silvia Díez. Propuesta metodológica y conceptual para el estudio de los
Riesgos Naturales: la situación en España. Ano 21, v. 1, n. 24, p. 211-230.
239) SEEMANN, Jörn. Geografia: ciência do complexus: ensaios transdisciplinares
(Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 233-236.
240) PINHEIRO, Antonio C. Ensinar geografia: o desafio da totalidade-mundo nas séries
iniciais (Resenha). Ano 21, v. 1, n. 24, p. 237-241.
241) ELIAS, Denise; PEQUEÑO, Renato. Espaço urbano no Brasil agrícola moderno e
desigualdades socioespaciais. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 13-33.
242) SERPA, Ângelo. Espaço público, cultura e participação popular na cidade
contemporânea. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 35-48.
243) FABREGAT, Clemente Herrero. La formación simbólica del profesorado en
Geografía. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 49-65.
244) MARANDOLA JR, Eduardo. Arqueologia fenomenológica: em busca da experiência.
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 67-79.
245) MIZUSAKI, Márcia Yukari. Mato Grosso do Sul: impasses e perspectivas no campo.
Ano 21, v. 2, n. 25, p. 81-93.
246) CARVALHO, Márcia S. de. A Geografia da Alimentação em frente pioneira
(Londrina-Paraná). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 95-110.
247) CARVALHO, Antônio Alfredo Teles de. Josué de Castro - entre o ativismo e a ciência, a
introdução da Geografia da Fome na história do pensamento geográfico no Brasil. Ano 21, v. 2,
n. 25, p. 111-120.
248) IORIS, Antônio A. R. Água, cobrança e commodity: a Geografia dos Recursos Hídricos
no Brasil. Ano 21, v. 2, n. 25, p. 121-137.
249) SOUZA, Bartolomeu Israel de; SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes.
Contribuição ao debate sobre a transposição do Rio São Francisco e as prováveis
321
COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
conseqüências em relação a desertificação nos Cariris Velhos (PB). Ano 21, v. 2, n. 25,
p. 139-155.
250) CASTRO, João Alves de. Tantos cerrados: múltiplas abordagens sobre a
biodiversidade e singularidade sociocultural (Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 159-162.
251) CHASE, Jacquelyn. Colapso: como sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso
(Resenha). Ano 21, v. 2, n. 25, p. 163-166.
252) OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. A Amazônia e a nova geografia da produção
da soja. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 13-43.
253) SILVA, Sílvio Simione da. Camponeses da floresta: apontamentos para a
compreensão da diferenciação dos trabalhadores seringueiros do campesinato acreano.
Ano 22, v. 1, n. 26,
p. 45-61.
254) CRUZ, Valter do Carmo. R-existências, territorialidades e identidades na Amazônia.
Ano 22, v. 1, n. 26, p. 63-89.
255) NOGUEIRA, Amélia Regina Batista. A geograficidade dos comandantes de
embarcação no Amazonas. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 91-108.
256) SZLAFSZTEIN, Claudio.; STERR, Horst.; LARA, Rubén. Estratégias e medidas
de proteção contra desastres naturais na zona costeira da região amazônica, Brasil. Ano
22, v. 1, n. 26, p. 109-125.
257) CAMPOS, Agostinho C.; CASTRO, Selma S. de. Unidades de Conservação, a
importância dos parques e o papel da Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 127-141.
258) ROCHA, Genylton O. R. da; AMORAS, Izabel C. R. O ensino de geografia e a
construção de representações sociais sobre a Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 143-164.
259) COSTA, Maria A. F.; RIBEIRO, Willame de O.; TAVARES, Maria G. da C. Entre
a valorização da diversidade humana e a negação da historicidade sócio-espacial: o que
pode o ecoturismo na Amazônia? Ano 22, v. 1, n. 26, p. 165-175.
260) TRINDADE JR, Saint-Clair C. da. Grandes projetos, urbanização do território e
metropolização na Amazônia. Ano 22, v. 1, n. 26, p. 177-194.
261) BRITO, Lílian S. A.; COSTA, Léa M. G. Estratégias de desenvolvimento regional
para a Amazônia pós-1950: lições do passado, possibilidades do futuro. Ano 22, v. 1, n. 26,
p. 195-205.
262) SILVA, José Borzacchiello da. La fabrication du Brasil: une grande puissance en
devenir (Resenha). Ano 22, v. 1, n. 26, p. 209-210.
263) ALEGRE, Marcos. Os setenta anos da AGB-1934-2004 (Depoimento). Ano 22, v.
1, n. 26, p. 213-221.
264) MONTEIRO, Carlos Augusto de Figueiredo. Aziz Nacib Ab’Saber – geógrafo
brasileiro. Ano 22, v. 2, n. 27, p. 15-30.
265) VITTE, Claudete de Castro Silva. Integração, soberania e território na América do
Sul: um estudo da IIRSA (Iniciativa de Integração da Infra-estrutura Regional Sul-
322
Terra Livre - n. 29 (2): 301-318, 2007
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COMPÊNDIO DOS NÚMEROS ANTERIORES
282) O Lugar da escola na Cidade: A Escola Normal da Parahyba no início do século XX.
Carlos Augusto de Amorim Cardoso. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 109-128.
283) O ensino de Geografia nas séries iniciais do Ensino Fundamental: uma análise dos
descompassos entre a formação docente e as orientações das políticas públicas. Maria
Cleonice B. Braga. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 129-148.
284) Estudos em Geografia: Um desafio para o Licenciando em Pedagogia. Marcea
Andrade Sales. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 149-162.
285) Ensino e pesquisa: refletindo sobre a formaçãoprofissional em Geografia pautada no
desenvolvimento da competência investigativa. Ana Maria Radaelli da Silva; Juçara Spinelli.
Ano 23, v. 1, n. 28, p. 163-176.
286) A Geografia, a educação e a construção da ideologia nacional Rogata Soares del
Gáudio; Rosalina Batista Braga. ANO 23, V. 1, N. 28, P. 177-196.
287) A Ideologia nos Livros Didáticos de Geografia Durante o Regime Militar no Brasil.
Edinho Carlos Kunzler; Carme R. F. Wizniewsky. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 197-220.
288) A educação docente: (re)pensando as suas práticas e linguagens. Ângela Massumi
Katuta. Ano 23, v. 1, n. 28, p. 221-238.
289) A Educalçao Ambiental como Possibilidade de Unificar Saberes. Graça Aparecida
Cicillini; Sandra Rodrigues Braga; Walter Machado da Fonseca. Ano 23, v. 1, n. 28, p.
239-256.
290) Saberes e Práticas na Construção de Sujeitos e Espaços Sociais: Educação,
Geografia, Interdisciplinaridade. Cláudia Luiza Zeferino Pires (resenha). Ano 23, v. 1, n.
28, p. 259-261.
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Título A Geografia no Tempo de
Novos Conhecimentos
Preparação de originais
e revisão de textos Gilson Kleber Lomba
Arte final da capa Gilson Kleber Lomba
Editoração eletrônica Alexandre Aldo Neves
Formato 18x26
Tipologia Times New Roman
Papel Sulfite 75g
Número de páginas 326
Tiragem 1000 exemplares
Impressão Copy Set ([email protected])
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