Cidades Medias e Pequenas-Desafios Planejamento
Cidades Medias e Pequenas-Desafios Planejamento
Cidades Medias e Pequenas-Desafios Planejamento
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CIDADES MDIAS E
PEQUENAS: DESAFIOS
E POSSIBILIDADES DO
PLANEJAMENTO E GESTO
S r i e Es t u d o s e Pe s q u i s a s
Secretaria do Planejamento
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CIDADES MDIAS E
PEQUENAS: DESAFIOS
E POSSIBILIDADES DO
PLANEJAMENTO E GESTO
S A LVA D O R
2014
Governo da Bahia
Governo do Estado da Bahia
Jaques Wagner
Secretaria do Planejamento
Jos Sergio Gabrielli
Diretoria de Estudos
Edgard Porto
Ficha Tcnica
Organizadoras
Editoria-geral
Reviso de Linguagem
Laura Dantas
Calixto Sabatini
Design Grfico
Elisabete Barretto
Julio Vilela
Editorao
Carlo Freitas
Av. Luiz Viana Filho, 435, 2 andar CAB CEP 41750-002 Salvador Bahia
Tel.: (71) 3315-4822 / 3115-4707 Fax: (71) 3116-1781
www.sei.ba.gov.br [email protected]
SUMRIO
9
19
REFERNCIAS
21
ABERTURA
23
24
27
29
CONTEXTOS ECONMICOS
30
32
33
34
REFERNCIAS
37
39
PARTE I
FORMAO DE NOVAS REGIES METROPOLITANAS NA BAHIA:
O SENTIDO DESSAS PROPOSTAS
QUESTES SOBRE A FORMAO DE REGIES METROPOLITANAS
Rosa Moura
40
O CONTEDO DA METROPOLIZAO
43
47
50
ESPACIALIDADES X INSTITUCIONALIDADES
53
55
INDAGAES FINAIS
57
REFERNCIAS
59
59
INTRODUO
60
69
79
83
86
REFERNCIAS
93
93
INTRODUO
94
O PROCESSO DE METROPOLIZAO
96
96
96
97
98
99
99
101
102
103
104
104
O CONTEXTO INSTITUCIONAL
106
107
REFERNCIAS
109
111
PARTE II
POLTICAS PBLICAS E AES DO ESTADO NAS CIDADES MDIAS E PEQUENAS
URBANISMO: UTOPIA, PLANO E PROJETOS
Heliodorio Sampaio
111
112
112
112
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129
130
130
131
134
136
138
138
140
PREMISSAS BSICAS
A questo das cidades mdias/pequenas e o urbanismo
O urbanismo como disciplina e rea de conhecimento
A UTOPIA E A CIDADE (DIALTICA ENTRE REAL E IDEAL)
A utopia: planos e projetos hoje
A realidade dos PDUs ps-Estatuto da Cidade (na Bahia)
A SUSTENTABILIDADE (ENTENDIMENTOS E VISES POSTAS NA MDIA)
PARTICIPAO E CIDADE: UM CAMPO DE FORAS
Realidade baiana e desenvolvimento urbano
DIRETRIZES ESTATAIS E DESENVOLVIMENTO URBANO
Breve sntese do planejamento estatal em curso
Cidades e biomas/rede urbana planejamento estatal
Cidades e rios/rede urbana (planejamento estatal)
Cidades e semirido planejamento estatal
Cidades (in) sustentveis e custos/PDU (utopia, plano e projetos)
Exemplos extrados para reflexo
O caso emblemtico de Caetit
O caso de Itamb (outro plano esclarecedor)
Depoimento pessoal do autor
Um diagnstico pouco consistente
O sistema virio do PDU-2004 (a viso rodoviarista)
O zoneamento proposto (discurso do uso sustentvel)
Reflexo sobre densidade urbana
Breve sntese do planejamento estatal (em curso)
Finalmente, as questes para o debate
141
REFERNCIAS
143
143
INTRODUO
144
147
150
152
A GNESE DAS POLTICAS PBLICAS: OS REBATIMENTOS PARA A PEQUENA CIDADE DE PONTO NOVO
155
CONSIDERAES FINAIS
157
REFERNCIAS
159
PARTE III
MOVIMENTOS SOCIAIS, PARTICIPAO E PLANEJAMENTO URBANO
161
161
INTRODUO
163
164
166
167
169
169
172
CONSIDERAES FINAIS
173
REFERNCIAS
175
PARTE IV
TRABALHOS SELECIONADOS
177
177
INTRODUO
178
181
184
187
CONCLUSO
187
REFERNCIAS
189
189
INTRODUO
191
194
198
CONSIDERAES FINAIS
200
REFERNCIAS
201
201
INTRODUO
202
202
203
205
208
CONSTRUINDO O TEMA
Elementos para discusso
Acerca da (re) produo do espao
Lgicas espaciais do lazer
Prticas espaciais do lazer
212
O FOCO DE ANLISE
218
219
REFERNCIAS
223
223
INTRODUO
225
227
232
233
REFERNCIAS
235
235
236
E AS METODOLOGIAS?
246
247
REFERNCIAS
249
249
INTRODUO
250
252
253
254
256
257
259
261
CONSIDERAES FINAIS
262
REFERNCIAS
A realizao do III Simpsio Cidades Mdias e Pequenas da Bahia1 revelou-se um importante momento de retomada dos apontamentos e indagaes deixados em aberto nos
dois eventos anteriores, os quais estimularam dilogos e debates, bem como criaram
expectativas que aproximaram estudiosos e pesquisadores dessa temtica. Mais do
que isso, os simpsios anteriores despertaram a ateno de integrantes da academia e
de rgos governamentais para a importncia desse assunto, tanto na Bahia como em
outros estados, e garantiram a produo de um material terico e metodolgico (LOPES;
HENRIQUE, 2010; DIAS; SANTOS, J., 2012) que contribuiu para o avano das anlises a respeito das mudanas no processo de urbanizao baiana. Mais especificamente, visou-se
aprofundar, com aqueles trabalhos, a compreenso das dinmicas de suas principais
cidades no metropolitanas, assim como daquelas que, com pequena populao e
participao na produo de riquezas, nem sempre so objeto de uma investigao
cientfica mais apurada. Tambm suscitaram questes e estimularam novas investigaes
sobre as repercusses dos mais recentes movimentos sociais e econmicos nos espaos
intraurbanos e sobre o papel das cidades, especialmente das mdias e pequenas, na rede
urbana. Colocaram-se em pauta, igualmente, reflexes sobre as formas de articulao
entre tais espaos no mbito regional e nacional.
**
Doutoranda e mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisadora da Rede CMP e do
grupo de pesquisa Espao Livre de Pesquisa e Ao e pesquisadora da Superintendncia de Estudos Econmicos e
Sociais da Bahia (SEI). [email protected]
Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA); graduada em Sociologia pela Faculdade de Filosofia,
Letras e Cincias Humanas da Universidade de So Paulo (USP). Pesquisadora da Rede CMP e Analista Tcnica da
Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia (SEI). [email protected], [email protected]
O simpsio uma atividade promovida, a cada dois anos, pela Rede de Pesquisas Cidades Mdias e Pequenas da
Bahia (Rede CMP), que envolve as seguintes instituies e respectivos grupos de pesquisa: Urbanizao e Produo de
Cidades na Bahia, vinculado ao Departamento e Ps-Graduao (lato sensu) em Geografia da UESB; Cidade, Territrio
e Planejamento (CiTePlan), vinculado ao Departamento e Programa de Ps-Graduao em Geografia da UFBA;
Recncavo: Territrio, Cultura, Memria e Ambiente, vinculado ao Departamento de Cincias Humanas e ao Mestrado
Multidisciplinar em Cultura, Memria e Desenvolvimento Regional da Uneb/Campus V; Geografia e Movimentos
Sociais (Geomov), vinculado UEFS; e a Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia (SEI), atravs de
sua Diretoria de Estudos.
No h como aprofundar o estudo desses temas sem verificar a importncia do Estado, assim
como dos governos, na estruturao do espao. Considerando as cidades mdias, Santos,
J. (2012) observou que, embora no decorrer do tempo tenham sido implantadas polticas
pblicas que repercutiram na consolidao de seus papis, de modo geral a interveno
estatal no adequadamente tratada pelos autores quando do estudo dessa categoria
de cidades. Citou, para dar consistncia a sua argumentao, que, ainda nos anos 1970,
medidas associadas s polticas de habitao, como a criao do Sistema Financeiro de
Habitao (SFH) e do Banco Nacional da Habitao (BNH), e vinculadas aos planos nacionais
de desenvolvimento (no caso, os PNDs I e II), de onde se extraram princpios da Poltica
Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), foram cruciais para consubstanciar seus
nveis de centralidade na rede urbana.
Em relao ao II PND, lanado em 1974, e PNDU, Pontes (2013) ressaltou que a partir deles
elaborou-se o Programa das Cidades Mdias. Este, baseado na teoria dos polos de crescimento
proposta por Franois Perroux, visava estabelecer polos regionais com vistas a favorecer a
desconcentrao econmica e populacional, o que [...] seria conseguido atravs do financiamento de equipamentos e obras de infraestrutura urbana que viessem suprir os municpios
integrantes do programa, das condies necessrias ao desenvolvimento como polos de
crescimento (PONTES, 2013, p. 18)2.
No se deve esquecer, contudo, que a atuao do Estado guarda, em particular, mas
no exclusivamente no Brasil, uma histrica relao com o modelo de desenvolvimento
econmico hegemnico, o capitalismo; e que este, em cada uma de suas fases, exigiu um
tipo de estruturao espacial. Contemporaneamente, consubstanciou-se o processo de
reestruturao produtiva e a emerso de ideologias que alteraram os papis e a estrutura
do Estado, com redefinio da diviso regional do trabalho, inclusive. Noutras palavras,
[...] as aludidas mudanas deram lugar ao surgimento de novas estratgias territoriais,
devido natureza do regime de acumulao emergente, que supe a superao da
lgica locacional fordista, fortemente concentrada no espao (PONTES, 2012, p. 23).
Consequentemente, alteraram-se os papis das cidades e a hierarquia da rede urbana
nacional. Sposito e outros (2007, p. 39-40) consideraram que, nesse contexto, [...] as
cidades mdias tiveram aumento de sua participao nesse sistema urbano, medida
que parte das cidades pequenas do pas perdeu importncia relativa, tanto demogrfica
como economicamente.
Decorrente das possibilidades engendradas pelo avano das tecnologias e desenvolvimento
da tcnica, mas tambm das polticas de isenes e incentivos econmicos e fiscais que
No se trata, aqui, de discutir os meandros ou resultados de tais polticas, mas apenas de pontuar que elas tiveram um
resultado no que tange estruturao da rede urbana e definio da funo de determinados centros.
10
INTRODUO
resultaram, nos termos de Santos, M. e Silveira (2005), na guerra dos lugares3 , o capitalismo
contemporneo adotou uma estratgia de localizao espacial das empresas, assim como
dos equipamentos comerciais e de servios, marcada pela desconcentrao territorial. Essa
estratgia, necessria ampliao e concentrao do capital4, concretizada, em maior ou
menor medida, pela atuao dos agentes pblicos. Isso porque, alm das isenes acima
mencionadas, no raro a instalao de uma planta industrial ou comercial de monta significativa numa determinada localizao precedida pela viabilizao, pelos governos, de
infraestruturas necessrias a sua implantao, operacionalizao e, se for o caso, escoamento
da produo. Ademais, como menciona Sposito (2004, p. 137), [...] as estratgias espaciais
das grandes empresas [...] so capazes de modificar a legislao urbana e/ou de competir
de forma desigual pelas melhores localizaes. Convergindo com essa proposio, Santos,
M. e Silveira (2005, p. 115) verificaram que a competio entre os lugares pelas empresas
s se realiza quando se constri uma densidade normativa que [...] conceda e combine
satisfatoriamente protees e atrativos legais.
Por incidir na totalidade da rede urbana, a reestruturao produtiva tambm repercutiu nas
cidades pequenas. Em relao a elas e pensando particularmente na realidade nordestina,
Pontes (2012, p. 37) observou que derivam
[...] de um lado, de uma necessria economia de mercado, por mais
incipiente que seja, geradora de trocas fundamentadas em uma
mnima diviso territorial do trabalho. De outro, deriva de elevadas
densidades demogrficas associadas a uma estrutura agrria calcada
no pequeno estabelecimento rural ou em plantations e caracterizada
pelo trabalho intensivo.
De acordo com os autores, a guerra fiscal expresso comumente usada nos anos 1990 se refere disputa dos
estados e municpios pela presena de empresas por meio, sobretudo, de isenes fiscais, mas tambm da ampliao
da densidade tcnica dos lugares com vistas a atender s demandas da produo. No entanto, A realidade que,
do ponto de vista das empresas, o mais importante mesmo a guerra que elas empreendem para fazer com que
os lugares, isto , os pontos onde desejam instalar-se ou permanecer, apresentem um conjunto de circunstancias
vantajosas do seu ponto de vista. Trata-se, na verdade, de uma busca de lugares produtivos (SANTOS, M.; SILVEIRA,
2005, p. 296).
Maiores discusses sobre essa questo encontram-se, entre outros, em Sposito (2004) e Sposito e outros (2007).
11
ibrico com polticas assistencialistas, em muito, presente nas pequenas cidades, fez com
que em sua gesto fosse potencializado
[...] o Estado do Bem-Estar Social de maneira mais direta e visvel
via clientelismo e personalismo, pois, nelas, as relaes sociopolticas entre a populao e o poder pblico, a administrao pblica e
seus agentes so estabelecidas de maneira mais conclusiva e sem
abstraes. (BACELAR, 2012, p. 100).
O perfil das cidades pequenas apresentado por Pontes (2012) e Bacelar (2012) parece se contrapor s teses, muito em voga nos anos 1990 e ainda persistentes, que enfatizavam o localismo,
ou, como dito por Moura (2009), a virtuosidade da capacidade endgena dos municpios.
Apoiada em outros trabalhos, a autora arguiu que as concepes pautadas numa endogenia
exagerada desconsideram aspectos estruturais do prprio desenvolvimento local e, sobretudo,
sua articulao a questes regionais e nacionais. Prosseguindo sua anlise e pontuando a
fragilidade do neolocalismo, observa que Um dos grandes equvocos dessa doutrina est
em exaltar as potencialidades de uma nica escala espacial, enquanto o desenvolvimento s
se constri em polticas que articulem vrias escalas (MOURA, 2009, p. 33). Agindo com essa
perspectiva suprimindo-se a noo da totalidade quando da elaborao do planejamento
, a ao pblica, no raras vezes, direciona seus recursos mais atrao de investimentos
do grande capital do que aos necessrios gastos sociais.
Dito em outras palavras, seja em relao s cidades mdias ou s pequenas,
A demanda das famlias considerada residual, exceto naquilo em
que representa, direta ou indiretamente, uma demanda empresarial.
[...] assim que as cidades constituem, cada vez mais, uma ponte ente
o global e o local, em vista das crescentes necessidades de intermediao e da demanda tambm crescente de relaes. (SANTOS, M.;
SILVEIRA, 2005, p. 281).
INTRODUO
o resultado desse evento e composto pela reunio dos trabalhos de vrios dos palestrantes
que l estiveram, bem como de textos selecionados entre aqueles apresentados nos espaos
de dilogos ocorridos durante esse simpsio.
O primeiro texto dessa publicao, Cidades mdias e pequenas: as particularidades da urbanizao brasileira, refere-se conferncia de abertura desse evento, proferida pela professora
Maria Encarnao Beltro Sposito, livre-docente em Geografia Urbana pela Universidade
Estadual Paulista (Unesp). A autora, mesmo entendendo no poder fazer uma contribuio
direta discusso proposta no simpsio, decidiu tratar de aspectos do processo de urbanizao que, ressaltou, so necessrios e importantes para a anlise das possibilidades do
planejamento e da gesto das cidades em geral, especialmente das mdias e pequenas. Para
tanto, apresentou as caractersticas gerais desse processo, com foco nas particularidades da
urbanizao brasileira, voltando-se mais especificamente para os aspectos associados s
cidades mdias e pequenas.
Preocupou-se, inicialmente, com a abordagem metodolgica. Observou que [...] pensar
as cidades em suas relaes com o processo de urbanizao (sobretudo as mdias e
pequenas, cujos graus de dependncia a comandos polticos e econmicos sediados em
outras cidades s vem crescendo) olhar com ateno para as interaes entre as escalas
geogrficas. A seguir, a conferencista ressaltou quatro pontos essenciais a serem considerados na anlise dessa categoria de cidades, a saber: a situao geogrfica da cidade;
a natureza das relaes da cidade mdia e da pequena com o campo; o ponto de vista
privilegiado na anlise (econmico, poltico, social etc.); e a apreenso das articulaes
interescalares que uma cidade mdia, especificamente, capaz de estabelecer no mbito
de sua rede urbana e, eventualmente, alm dela. Considerou ainda que, no contexto atual,
a internacionalizao crescente da economia se apresenta como vetor fundamental de
alterao dos papis das cidades mdias, especialmente no que se refere aos mercados
e prticas espaciais do consumo.
Em termos polticos, entre outros aspectos, a autora observou o efeito, sobre certas cidades
mdias, situadas em reas de menor densidade de ocupao, da projeo da ideia de capitais regionais ou mesmo de capitais estaduais. Considerou ainda que, embora seus papis
nunca cheguem a ser de primazia em suas redes urbanas regionais, seu poder poltico se
define no plano administrativo, j que ali se estabelece o governo estadual e suas instncias
e, muitas vezes, elas concentram tambm papis culturais e simblicos em territrios pouco
urbanizados. Tais papis poltico-administrativos so suficientemente fortes para ampliar
funes econmicas e reforar outras que essas cidades j exerciam.
Segue-se uma seo intitulada Formao de novas regies metropolitanas na Bahia: o sentido
dessas propostas. Com o intuito de discutir as caractersticas e as intencionalidades que vm
resultando na criao de novas regies metropolitanas, como a de Feira de Santana, na Bahia,
e na existncia de propostas de criao de outras Brasil afora, nela encontram-se trs artigos:
o de Rosa Moura, pesquisadora do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e
13
INTRODUO
urbano e metropolitano para o estado, formulados no mbito da Secretaria de Desenvolvimento Urbano estadual. Partindo, assim como os autores anteriormente citados, de uma
discusso do processo de metropolizao, ressaltam as modificaes observadas no padro
da urbanizao brasileira no final do sculo XX e incio do XXI. Considerando-o, apontam o
perfil da rede urbana baiana, ressalvando o que chamam de sua fragilidade e, tendo como
base uma pesquisa realizada no mbito da referida secretaria, os nveis de centralidade e
algumas das caractersticas de suas principais cidades.
Ao abordar mais diretamente a poltica de desenvolvimento territorial da Bahia, aps apontarem suas premissas, objetivos e aes estratgicas, as autoras afirmam que para estabelecer
regies metropolitanas e aglomeraes urbanas, tal como consta nessa poltica, preciso
compreender esses espaos como resultado de processos socioespaciais articulados aos
contextos nacional e regional.
Em Polticas pblicas e aes do Estado nas cidades mdias e pequenas, a ideia foi colocar em
discusso as possveis especificidades dos planos estatais e a relao entre os governos e a
sociedade para esses grupos de cidades. Essa seo contou com as contribuies do professor
Heliodoro Sampaio, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e do professor Onildo Arajo
da Silva, da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
Com uma viso crtica sobre planos diretores ps-Estatuto da Cidade e das polticas voltadas
para organizao do espao intraurbano na Bahia, o professor Heliodoro Sampaio, em seu
texto Urbanismo: utopia, plano e projetos, aborda a questo do urbanismo e sua expresso nas
cidades mdias e pequenas. Preocupa-se com a realidade dos planos de desenvolvimento
urbano (PDUs) realizados aps e por exigncia da referida lei, bem como com as diretrizes
estatais de desenvolvimento urbano. Porm, antes de adentrar propriamente em seu objeto
central, apresenta indagaes sobre temas como sustentabilidade, participao e planejamento estatal e alguns traos da poltica de desenvolvimento urbano do estado.
O autor afirma que Na prtica do urbanismo, muitos paradigmas (falsos) proliferam como
crenas e/ou ideologias disseminadas e, via de regra, no resultam de teorias consistentes,
mas de repeties de frases cujo efeito firmar pontos de vista sem validade cientfica. Para
fundamentar essa ideia, aponta dois estudos particulares: o de Caetit e o de Itamb. Para
cada um deles, que considera como casos emblemticos da forma pela qual os PDUs vm
sendo realizados, apresenta um significativo conjunto de informaes de diferentes ordens
e ilustraes a partir dos quais analisa os ditos planos de desenvolvimento. Do que apurou
e das reflexes encaminhadas ao longo desse trabalho, termina seu texto com sugestivas
questes que denotavam possibilidades de pesquisa.
A contribuio do professor Onildo Arajo da Silva para os debates em foco com o ttulo
Polticas pblicas e ao do Estado nas cidades pequenas: o caso de Ponto Novo, na Bahia. Nesse
trabalho, sintetiza uma investigao realizada naquele municpio, situado no semirido baiano,
o que permite ao autor pesquisar uma poltica pblica desde sua gnese at sua execuo,
15
acompanhando, alm disso, as repercusses de tal poltica no que tange s transformaes territoriais em um pequeno municpio e sua cidade. Precedendo a anlise do caso em
apreciao, h uma breve discusso a respeito do Estado como agente da (re)produo do
espao e das polticas pblicas, como consequncia de um jogo de foras que se estabelece
entre distintos agentes sociais.
Essas reflexes se fazem importantes na anlise de como uma demanda local gua para
a produo agrcola foi apropriada pelo Estado, que a executa a partir de seus prprios
pressupostos e interesses, o que passa, inclusive, ao largo das necessidades que a originaram,
no mbito da comunidade. O autor ressalta, ainda, os efeitos adversos dessa ao para o
municpio e a maioria de seus moradores. Em suas palavras, [...] resta afirmar que a ao do
Estado, sob o comando de um governo neoliberal, esteve a servio de um pequeno nmero
de empresas e empresrios que se beneficiaram da aplicao de recursos pblicos e no foi
direcionada para o atendimento dos anseios da comunidade de Ponto Novo.
A terceira parte desse livro, nomeada Movimentos sociais, participao e planejamento urbano,
conta com o artigo do professor Mrio Rubem Costa Santana, intitulado Participao popular
em conselhos de habitao de interesse social: a experincia da elaborao dos PLHIS. Nesse trabalho, examina-se a composio dos conselhos de habitao de interesse social e sua forma
de ao, bem como o comportamento de diferentes governos em relao sua manuteno e
ao seu funcionamento. A partir disso, o autor verifica se essas instncias cumprem as funes
para as quais foram criadas. Para tanto, igualmente estuda a questo da participao popular
tomando como exemplo o processo de elaborao do Plano Local de Habitao de Interesse
Social (PLHIS) de Brumado, Itagi, Jitana e Vitria da Conquista.
A leitura de seu trabalho sugere que h que se questionar o carter participativo de tais
conselhos, bem como se efetivamente cumprem as finalidades para as quais foram criados.
Noutros termos, podem constituir-se apenas em meros canais com funo consultiva ou
serem manipulados com o intuito precpuo de atender s determinaes legais necessrias a
demandas municipais por transferncia de recursos financeiros das esferas federal e estadual.
Em relao participao, o autor verifica que as necessidades imediatas das pessoas e seu
preparo poltico (ou a falta dele) as tornam alvos fceis para um novo clientelismo, baseado
na oferta de benefcios que as transformam mais em consumidoras que cidads.
Diferentemente do que ocorreu em relao s publicaes anteriores referentes ao I e ao II
Simpsio Cidades Mdias e Pequenas da Bahia, inaugura-se a seo Trabalhos selecionados.
No desempenho de suas atribuies, a Comisso Cientfica do III Simpsio se deparou com
alguns artigos que se notabilizaram pela qualidade do texto relacionado ao tipo de abordagem do tema, ou uma eventual caracterstica inusitada. Por esse motivo, alguns membros da
comisso propuseram a incluso de outros seis trabalhos neste livro.
A abordagem ao processo de produo do espao urbano encontra-se presente em Produo
do espao intraurbano de Lus Eduardo Magalhes: os agentes promotores e suas aes, de Jorge
16
INTRODUO
Ney Valois Rios Filho, doutorando em Geografia da UFBA, cujo objetivo foi analisar a criao
da cidade de Lus Eduardo Magalhes, localizada no oeste baiano, como aldeia urbana e sua
transformao em cidade do agronegcio. No decorrer desse artigo, apresenta os principais
agentes que atuaram na sua escala intraurbana promotores agrcolas, agentes imobilirios,
empresas de colonizao, de beneficiamento de soja, o governo municipal de Barreiras e,
posteriormente, o de Lus Eduardo Magalhes e as associaes de moradores. Conforme o
autor, esses, com suas aes, engendraram os processos que levaram sua transformao.
Alm disso, conclui que, mais do que transform-la em cidade do agronegcio, inserida em
ambiente tcnico-informacional, tais agentes contriburam, simultaneamente, para a fragmentao de seu espao intraurbano e o surgimento de reas de segregao socioespacial.
A mesma temtica norteia o artigo das especialistas Mineia Venturini Menezes e Ana Clia
Carvalho Rocha: Produo do espao urbano de Vitria da Conquista (BA) e as polticas habitacionais. Nele, busca-se discutir a importncia e os impactos das polticas de habitao popular
em Vitria da Conquista, importante centralidade do sudoeste baiano, expressos nos conjuntos habitacionais edificados no perodo de vigncia do SFH via BNH. As autoras avaliam
os impactos dessa poltica no espao urbano daquele municpio e, nesse caso, como agentes
principais, alm do BNH, encontram-se igualmente o Instituto de Orientao s Cooperativas
Habitacionais (Inocoop) e a Habitao e Urbanizao da Bahia (Urbis). Nas suas concluses,
verificam que, tambm l, os programas originalmente destinados s camadas de renda
mais baixa da populao foram, em grande medida, apropriados pelas classes mdias locais.
As reflexes sobre a relao conflituosa entre as necessidades de reproduo da vida e as do
capital, que influenciam diretamente as condies de mobilidade dos sujeitos sociais e, por
conseguinte, a acessibilidade aos espaos destinados prtica de lazer, so o foco de Cidades mdias e a produo do espao urbano: reflexes sobre a produo dos espaos de lazer em
Vitria da Conquista (BA), de Rizia Mendes Mares, mestranda em Geografia da Universidade
Estadual Paulista (Unesp). Esta autora parte do pressuposto de que a produo dos espaos
de lazer exige condies de mobilidade e acessibilidade para que se possa gozar plenamente
da atividade ali proposta. Analisa que, nessas condies, as camadas mais frgeis da populao tm sua mobilidade e acessibilidade reduzidas, j que a possibilidade de as pessoas se
apropriarem dos espaos de lazer depende de fatores socioeconmicos, espaciais, culturais
e polticos. Segundo a autora, entre a prtica do lazer e a produo desses espaos h uma
vinculao na qual esto implicitamente determinados quais sujeitos sociais faro uso deles,
assim como e em quais condies especficas do sistema.
Uma possibilidade de elaborao de diagnstico das condies habitacionais por meio
indireto apresentada por Rosana Denaldi e Francisco de Assis Comaru, ambos professores
da Universidade Federal do ABC (UFABC), e Lilian Farias Gonalves, pesquisadora da Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico Direito Justia, com seu artigo Utilizao
do Sistema de Informao de Ateno Bsica (SIAB) para identificar a precariedade habitacional
no territrio dos pequenos municpios do estado da Bahia, Brasil. Nesse trabalho, realiza-se um
17
INTRODUO
mais gerais da sociedade ou a necessidade de considerar sempre a articulao entre as escalas para compreender processos que, aparentemente, so pontuais. Entende-se, ademais, a
necessidade de pensar o fenmeno urbano como totalidade em movimento, o que exige
a constante reviso dos conceitos. Acrescente-se a isso as palavras de Ribeiro (2006, p. 24):
[...] apesar das dificuldades implicadas em sua observao, os processos graduais, incertos e intermitentes conformam parte significativa
do fato urbano, impondo de metodologias sensveis sociabilidade.
De fato, o compromisso com a leitura da totalidade [...] no pode
ser superior ao compromisso com a anlise da disperso dos casos
concretos e o reconhecimento das singularidades.
REFERNCIAS
BACELAR, Winstons Kleiber de Almeida. Anlise da pequena cidade sob o ponto de vista polticoadministrativo. In: DIAS, Patricia Chame; SANTOS, Janio. Cidades mdias e pequenas: contradies,
mudanas e permanncias nos espaos urbanos. Salvador: SEI, 2012. p. 81-102.
CASTRO, Janio Roque Barros de. A proposio do conceito de centralidade cultural e a promoo de
eventos festivos como estratgia de turistificao de pequenas cidades: reflexes a partir de alguns
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20
ABERTURA
95
Este texto foi elaborado a partir de um convite o de proferir uma palestra em evento que
tinha como tema central Desafios e Possibilidades do Planejamento e Gesto, com o intuito
de analisar cidades mdias e pequenas. Logo percebi que a tarefa no era simples. De um
lado, pelo escopo amplo da proposta e, de outro, pelo fato de que no sou uma pesquisadora
que se volta anlise do planejamento e da gesto.
Assim, resolvi estabelecer um recorte que me ajudasse a colocar algum foco em aspectos que
considero importantes de serem analisados para se elaborarem polticas de planejamento
e gesto, sem, propriamente, tratar delas. Isto, sem dvida, foi abordado por outros pesquisadores que estiveram neste encontro cientfico e que ofereceram suas contribuies para
a presente publicao.
Escolhi tratar de cinco dimenses que me parecem significativas para o tema, sem pretenso
de me aprofundar efetivamente em cada uma delas, o que exigiria mais tempo de anlise e
pginas de trabalho. Tenho clareza, tambm, de que muitas outras dimenses poderiam ser
abordadas e enriqueceriam o debate sobre a problemtica em pauta.
Para tratar destas cinco dimenses no possvel apresentar uma proposta analtica completamente nova. Por isso, retomarei pontos que j venho ressaltando em outras publicaes2,
fazendo um esforo de reforar o que considero imprescindvel e avanar agregando novos
elementos anlise.
Acrescento, ainda, que tratarei mais das cidades mdias e menos das pequenas, em funo
das pesquisas com as quais tenho me envolvido, especialmente as da ReCiMe. Suponho,
entretanto, que um ou outro ponto ressaltado poder ser til queles que se dedicam aos
estudos dos menores aglomerados urbanos do Brasil.
Como prembulo, que ajuda a entender minha escolha, convm frisar que, entre os pesquisadores que se dedicam ao estudo da cidade e do urbano, alguns tm apresentado crticas
delimitao das cidades mdias e pequenas como um tema de reflexo. Eles tm frisado
que elas, em si, no se constituiriam em objeto de pesquisa ou que o tamanho das cidades
*
Livre docente em Geografia Urbana pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), ps-doutora pela Universit Paris
I Pantheon-Sorbonne e doutora em Geografia Humana pela Universidade de So Paulo (USP). Pesquisadora do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), coordenadora da Rede de Pesquisadores
sobre Cidades Mdias (ReCiMe) e docente do Departamento de Geografia da Unesp. [email protected]
Reflexes efetuadas no mbito do trabalho que vem se realizando na Rede de Pesquisadores sobre Cidades
Mdias (ReCiMe) e, mais recentemente, junto ao projeto de pesquisa Lgicas Econmicas e Prticas Espaciais
Contemporneas: Cidades Mdias e Consumo, financiado pela Fundao de Amparo Pesquisa do Estado de So
Paulo (FAPESP). Agradeo a todos os colegas destas equipes a oportunidade do dilogo e de realizar reflexes a
partir de um trabalho coletivo.
Refiro-me especialmente aos textos publicados em 2001, 2006, 2007, 2009a, 2009b, 2010a e 2010b.
23
no deveria ser considerado como elemento para delinear uma problemtica de investigao
cientfica. Estas crticas so necessrias e importantes, ainda que, muitas vezes, no sejam
bem explicitadas, ou porque no so feitas por escrito, ou porque no so enunciadas em
ambientes em que o dilogo possa se estabelecer. Elas nos obrigam a procurar fundamentar
nossas escolhas, reforando-as ou superando-as, o que essencial no exerccio da reflexo
intelectual. Nesta palestra, dedico as duas primeiras dimenses analticas a esse exerccio,
com o intuito de abrir base para um dilogo mais amplo.
Em cada uma destas escalas de composio do geral, podemos reconhecer as particularidades dos grupos que lhe so constitutivos. Mais grupos podem ser reconhecidos, quanto mais
complexo o contexto sobre o qual nos debruamos. Se assim olhamos, as cidades grandes,
mdias e pequenas ou cada subgrupo com determinadas caractersticas que possibilitam que
sejam agrupados compem o particular.
Em quaisquer circunstncias, parmetros, nveis analticos ou variveis que se considerem ao
reconhecer os recortes descritos acima ou quaisquer outros que se deseja ou deva delimitar,
cada uma das cidades pode, no mbito da urbanizao, ser vista como o singular.
24
ABERTURA
Damiani (2008) trata desta relao, com o intuito de compreender cidades mdias e pequenas, apoiando-se em
Hegel e Osmont.
25
Esta afirmao no exclui a importncia deste par para a anlise de outras formas de assentamento urbano; muito ao
contrrio. Entretanto, no demais lembrar que, quando tratamos de espaos metropolitanos, a posio de comando,
implica tal grau de intensidade de pessoas, infraestruturas, normas, recursos humanos, conhecimento, criao e
criatividade que a anlise da extenso destas foras parece ser intrnseca a qualquer observao ou indiscutvel, no
sentido de que as articulaes entre estes dois planos do pensamento so inexorveis.
26
ABERTURA
do preo da terra urbana, no geral, e a valorizao das situaes geogrficas mais equipadas,
em particular, gerando uma acentuao dos processos de diferenciao espacial. Estas dinmicas tm sido responsveis pela desconcentrao concentrada do espao urbano, gerando
uma amlgama entre espaos de uso intenso e vazios urbanos, revelando que a extenso ou
disperso do tecido urbano no a mesma coisa que desconcentrao ou descentralizao
espacial, embora as contenha.
Desse ponto de vista, retomo a ideia de Monte-Mr (2005, 2007) de uma urbanizao brasileira extensiva, que revela de modo contraditrio como estrutura o par extenso intenso
no plano espacial e temporal quando se analisa o Brasil.
Um quarto plano de mtodo, do qual trato mais sucintamente5, pode contribuir para sofisticar
nossa elaborao do pensamento e no tomar as cidades mdias e pequenas como objetos
em si. aquele que considera as cidades como pertencentes a redes urbanas, e estas, a sistemas urbanos. Eles so caracterizados por profunda diversidade em sua constituio, porque
decorrem da hierarquia urbana, mas tambm de uma heterarquia urbana (CATELAN, 2012),
num perodo em que as novas tecnolgicas de informao e comunicao (TICs) possibilitam
a realizao de fluxos no apenas verticais, mas tambm horizontais e transversais entre nveis
diferentes de uma rede urbana e entre redes urbanas diversas6. essa constatao que exige
no somente pensar em mltiplas escalas, mas apreender as articulaes entre elas.
Smith (2000) recomenda que as escalas geogrficas no sejam pensadas hierarquicamente e
considera que elas devem ser concebidas como encaixadas, o que implica o reconhecimento
de que h articulaes entre elas. Entretanto, o que considero fundamental para pensar as
cidades em suas relaes com o processo de urbanizao (sobretudo as mdias e pequenas,
cujos graus de dependncia a comandos polticos e econmicos sediados em outras cidades
s vem crescendo) olhar com ateno para as interaes entre as escalas geogrficas. Em
outras palavras, ressalto que importante no apenas conceb-las encaixadas, mas passar a
luz de suas delimitaes e planos de constituio para colocar mais foco nas interaes entre
elas, o que significa dizer que desejo olhar mais para os movimentos que as articulam. Isto me
parece importante, sobretudo no perodo atual, em que as TICs revelam-se como vetores de
seletividade espacial (foco nas cidades) e de acentuao da desigualdade social e econmica
dos citadinos (foco nos sujeitos das aes) em diferentes escalas.
5
6
O leitor, se tiver interesse, poder ter acesso discusso que j realizei sobre o tema em Sposito (2006, 2007, 2010b).
Especialmente sobre essas relaes de diversos tipos, ver Camagni (1993, 2005).
27
7
8
28
ABERTURA
a diversidade de situaes que temos quando nos debruamos sobre cidades mdias (e
pequenas), ao analisar seus papis e suas funes9.
Para caminhar nesta direo, ressalto quatro pontos essenciais, entre muitos outros que
devem ser considerados com menor peso:
Conforme a importncia de cada um destes aspectos e, sobretudo, a forma como se combinam, deveramos encontrar expresses capazes de enunciar os contedos que caracterizam
os papis exercidos por tais cidades. A tarefa , ento, grande e somente um trabalho sistemtico de pesquisa e dilogo poder gerar resultados nesta direo.
CONTEXTOS ECONMICOS
No perodo atual, em minha opinio, os contextos econmicos parecem os mais importantes
para orientar a formulao de novos conceitos que busquem designar o movimento geral,
embora nem sempre essa dimenso seja a mais importante para captar as singularidades de
uma ou outra cidade.
A internacionalizao crescente da economia, no apenas em termos de produo, mas,
sobretudo, no que concerne aos mercados e, portanto, s prticas espaciais conduzidas pelo
consumo, parece-me ser o vetor fundamental de alterao dos papis das cidades mdias,
em vrias direes:
29
ABERTURA
estabelecido o governo estadual e suas mltiplas instncias, como em razo de, muitas vezes,
elas concentrarem papis culturais e simblicos em territrios pouco urbanizados.
No h dvida de que, uma vez definidos, esses papis poltico-administrativos so fortes
suficientemente para ampliar funes econmicas e reforar outras que essas cidades j
exerciam, como, por exemplo, em Rio Branco, Macap, Boa Vista ou mesmo Palmas.
Aos pesquisadores que se voltam compreenso das cidades mdias, fundamental observar
a centralidade poltica que algumas chegam a exercer. H casos, como, por exemplo, Mossor10
ou Campina Grande11, em que seus agentes polticos so capazes de saltar escalas e galgar
postos de comando poltico estadual. Isso redefine a posio delas na hierarquia urbana,
quando se combina tal centralidade poltica ampliao de funes econmicas, muitas
delas criadas pela coalizo de foras que engendra esse salto escalar. No fao referncia
aqui simples possibilidade de algum nascido numa cidade mdia ou pequena, ou que
iniciou sua vida poltica nela, chegar ao posto de governador, como Geraldo Alckmin em So
Paulo, por exemplo. Fao referncia, ao me reportar a Campina Grande ou Mossor, a grupos
polticos que rivalizam com outros grupos sediados em suas capitais estaduais e ocupam com
frequncia e com continuidade papis de destaque no comando poltico.
H que se observar que nem sempre, contudo, ocorre articulao entre os movimentos que
so efetuados pelo poder econmico e o poltico. Deste ponto de vista, os principais agentes
econmicos responsveis pela ampliao da participao de Mossor na diviso interurbana do
trabalho, com destaque para a Petrobras e as inmeras empresas estrangeiras e brasileiras que
se associam fruticultura, no precisam, em grande medida, de aliana com o poder poltico
local. Este, por sua vez, apoia-se no forte crescimento econmico da cidade, representado pela
ao destes grupos e empresas, para reforar seu poder poltico e animar a representao
social de que os Rosados so os responsveis pelo sucesso de Mossor.
Em Marab, para dar exemplo em direo oposta, as foras que chegam associadas extrao e industrializao de minrios demonstram que importante ter participao no poder
poltico, tanto assim que apoiam a ideia de diviso do estado do Par em favor da criao do
estado de Carajs. Posicionaram-se contra esta ao as foras polticas paraenses tradicionais,
muitas vezes oriundas, ainda, de circuitos econmicos menos integrados economia globalizada do perodo atual. No caso de Marab, o poder econmico quer ser tambm poder
poltico, reafirmar a construo de novos papis para esta regio e, sobretudo, elaborar um
novo discurso sobre ela. Caso isso venha a acontecer, em que medida a ampliao de papis
urbanos desta cidade pode lev-la a mudar de posio na rede urbana e superar sua condio
de cidade de intermediao com fortes funes regionais?
Parece-me que novas narrativas sobre cidades que so mdias dependem fortemente do
predomnio das tradies sobre as mudanas, em alguns casos, ou da ao avassaladora das
10
11
31
No ao acaso que, em regies menos densas do ponto de vista urbano e mais desiguais do
ponto de vista econmico, cidades de menos de 100 mil habitantes so importantes regionalmente, em funo destes fatos. Parece ser este o caso de Tef ou Tabatinga, no estado
do Amazonas, ou Irec, na Bahia, que respondem pelo atendimento de demandas sociais de
cidades menores de uma ampla rea que polarizam.
No que se refere segunda questo, sem dvida a tendncia incorporao tecnolgica no
setor de sade, por meio do aumento de exames complexos de diagnose e prognose, fator
decisivo no processo de reforo da centralidade interurbana que cidades mdias desempenham. Os equipamentos e recursos humanos necessrios a uma medicina que depende de
laboratrios e institutos enfraquecem os papis das cidades pequenas e reforam os das
cidades mdias. Botucatu apenas uma cidade de porte mdio, com pequena capacidade
12
O professor Jan Bitoun tem apresentado esta noo em vrios debates que vem sendo feitos em diferentes ambientes
da vida acadmica. Para conhecer a origem da ideia, ver a entrevista concedida por ele revista Geografia em Atos
(BITOUN, 2012).
32
ABERTURA
de comando regional, por estar entre as foras de atrao exercidas por Bauru e Sorocaba.
No entanto, sua responsabilidade territorial, em termos de atendimento do setor de sade,
significativa, pois tem um grande hospital associado Faculdade de Medicina da Unesp, que
atende pacientes vindos de distncias muito maiores do que a regio que, economicamente,
esta cidade polariza. So Jos do Rio Preto, maior e mais importante, no tem neste setor sua
nica fora, mas um centro mdico especializado que pode oferecer servios de qualidade
equivalente ao de vrias metrpoles regionais no pas, pois sua fora de atrao alcana os
estados de Minas Gerais e Mato Grosso do Sul.
No que tange ao ensino superior, os estudos de Henrique (2012) relativos ao estado da Bahia
tm demonstrado que a instalao ou ampliao deste ramo nas cidades mdias aumenta
seu mercado de trabalho e, sobretudo, cria condies para novos nichos de consumo que
alteram as formas de produo do espao urbano e a repartio da populao sobre o territrio urbano. De um lado, h ampliao dos papis das cidades que esto sediando novas
universidades ou campus importantes de universidades j existentes, como vem ocorrendo
com Erechim e Chapec, para citar dois exemplos. De outro, h aumento das desigualdades
socioespaciais em seus espaos urbanos, porque o crescimento dos papis de responsabilidade territorial traz, em alguns casos, evoluo das condies para melhor desempenho de
alguns ramos da economia, entre eles o imobilirio.
33
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34
ABERTURA
35
PARTE I
FORMAO DE NOVAS
REGIES METROPOLITANAS
NA BAHIA: O SENTIDO
DESSAS PROPOSTAS
95
O tema proposto para reflexo e debate nesta mesa-redonda deve ser enaltecido pela importncia
de se voltar, em um encontro sobre cidades pequenas e mdias, ao processo de metropolizao e
de institucionalizao de unidades metropolitanas. Aproximar temticas que por vezes so dissociadas, mas que so inseparveis, reconhecer a totalidade do territrio e a unidade dos processos
relativos urbanizao. Tal iniciativa coloca em um mesmo plano de reflexo categorias que so
interdependentes, que se complementam, interconectam-se em relaes que do significado ao
todo. Ao mesmo tempo, permite que se sublinhem especificidades e se desvendem mistificaes.
Com o objetivo de adentrar o questionamento proposto, h que se explicitar que regies
metropolitanas so espaos-sntese do processo de urbanizao, em seu estgio de metropolizao. Espaos densos, contnuos ou descontnuos, concentradores de pessoas, de renda,
de conhecimento e de poder, estruturam e articulam a rede de cidades.
Capturada pelo legislador sem o rigor do conceito, a denominao regio metropolitana foi
minimizada e restringida a corresponder a nada mais que uma categoria constitucional de unidade
regional a ser criada para gesto de funes pblicas de interesse comum. A institucionalizao de
regies metropolitanas tornou-se recorrente, muitas vezes limitando-se ao ato formal. Da outra
vez a pertinncia do tema, que se fragmenta em um rol de perguntas. O que leva a se criar uma
regio metropolitana (RM)? Seria para contemplar mudanas espaciais decorrentes do fenmeno
da metropolizao? Para ajustes territoriais a estratgias de uma poltica nacional/estadual de
desenvolvimento urbano e regional? Ou, no oposto, para preencher a lacuna da ausncia do
planejamento regional? Existiria a expectativa de vantagens tarifrias, perspectivas financeiras,
oramentrias, incentivos programticos estaduais ou federais? Ou haveria apenas interesses
polticos, de segmentos, na busca de galgar o status de tornar-se metropolitano?
Colocando em foco esses questionamentos, o presente texto volta-se a discorrer sobre o contedo
da metropolizao contempornea e a apontar configuraes espaciais correlatas identificadas
em territrio nacional. Apresenta sucintamente o ordenamento jurdico relativo a esse processo,
assim como comenta o quadro atual das unidades institucionalizadas, contrapondo essas unidades s configuraes identificadas. Valendo-se dos resultados do Censo Demogrfico de 2010,
discute a consolidao de centralidades (em cidades de porte mdio e pequeno) e a emergncia
de municpios com crescimento populacional significativo, que sinalizam o reforo da importncia
dessas categorias de centros nas dinmicas territoriais da populao brasileira neste estgio da
metropolizao. Por fim, tece reflexes sobre a existncia ou no de problemas comuns entre essas
categorias e as regies metropolitanas, bem como os desafios sua gesto.
*
Doutora em Geografia pela Universidade Federal do Paran (UFPR), especialista em Programa de Estudos em Redistribuio
da Populao pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e especialista em Administrao Municipal pelo Instituto
Brasileiro de Administrao Municipal (IBAM). Gegrafa do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econmico e Social
(Ipardes) e pesquisadora do Observatrio das Metrpoles (INCT/CNPq). [email protected]
39
O CONTEDO DA METROPOLIZAO
Metropolizao, como um estgio da urbanizao, o processo que confere caractersticas
metropolitanas ao espao. Por conseguinte, trata-se de um processo espacial (LENCIONI, 2003).
Nestes tempos que podem ser considerados uma nova fase de modernizao capitalista,
pautada em um novo sistema tecnolgico e em um enfoque de governana baseado na liberalizao econmica (MATTOS, 2010), a metropolizao contempornea deve ser compreendida
como uma verdadeira metamorfose do processo de urbanizao (LENCIONI, 2006), que se
refora em funes superiores em matria de deciso, direo e gesto articuladoras das
bases econmicas nacionais aos circuitos globais , concentradas nos principais polos urbanos
(LEROY, 2000). Longe de apenas reforar aglomeraes singulares, a metropolizao passa
a engendrar novas morfologias urbanas, muito mais articuladas e densas, ao mesmo tempo
descontnuas, dispersas, sem limites precisos. Sustenta a ampliao geogrfica do processo
de acumulao, que fez com que a disperso pelas empresas de seus processos produtivos,
filiais e fornecedores, tornasse aglomeraes metropolitanas as localizaes mais capazes a
oferecer as condies requeridas valorizao do capital. medida que estas aglomeraes
foram se imbricando na dinmica produtiva globalizada, deram-se mudanas substantivas
em relao ao imposto no perodo industrial desenvolvimentista, [...] mutaciones estas que
afectan tanto a la organizacin y al funcionamiento, como a la morfologa y apariencia, de cada
una de estas aglomeraciones (MATTOS, 2010, p. 264).
Tais mudanas na morfologia urbana, apoiadas pelo predomnio do automvel e das tecnologias de informao, com ampliao territorial do campo de externalidades metropolitano, e
pela localizao de empresas e moradias em locais mais distantes, so apontadas por Mattos
(2004, 2010; MATTOS et al., 2012) como metropolizao expandida, ou seja, uma expanso
territorial metropolitana fruto de uma periurbanizao praticamente incontrolvel, mediante
a qual o tecido urbano se prolifera e se estende. Tal expanso favorece a formao de sistemas produtivos centrais a numerosas atividades localizadas em diversos centros urbanos, at
ento independentes ou autnomos, do entorno da aglomerao metropolitana (similares
ao norte-americano urban sprawl).
Esse processo resulta em uma mudana completa na estrutura, forma e funo da metrpole.
Metamorfoseiam-se as relaes sociais e o espao, anunciando que estamos vivendo um
perodo de transio, uma transformao qualitativa para algo diferente do que conhecemos,
conforme Lencioni (2011, p. 51). Para a autora, as principais caractersticas que sintetizam
essa metamorfose da metropolizao do espao so que ela (i) j no corresponde apenas
transio do rural para o urbano, embora possa cont-la, pois seu ncleo a urbanizao;
(ii) conforma uma regio de grande escala territorial, com limites extremamente dinmicos e
difusos; (iii) regio que expressa ao mesmo tempo uma ntida e intensa fragmentao territorial e uma transparente segregao social; (iv) regio na qual se redefinem as hierarquias e a
rede de relaes entre as cidades; (v) regio onde emerge um expressivo nmero de cidades
conurbadas com polinucleao intensa e mltipla rede de fluxos; (vi) diminui-se relativamente
40
PARTE I
social nos dias atuais. Ela exprime com mais nitidez que a regio constituda pela expanso
territorial da metrpole distinta da [...] regio metropolitana relacionada ao processo de
industrializao e urbanizao que caracterizaram grande parte do sculo XX (LENCIONI, 2006,
p. 74). Mesmo assim, diferentemente dos mentores do conceito, mantm a disperso territorial
da indstria como o componente indutor dessa configurao. Enfatiza que impossvel delimitar
a cidade-regio, j que se constitui em espao de fluxos pela interconexo de vrias redes, e
sua extenso guarda relao com os transportes, que viabilizam os deslocamentos cotidianos,
conferindo-lhe [...] um sentido de conjunto e de unidade (LENCIONI, 2006, p. 73).
Outras situaes menos complexas que a dessas consagradas metrpoles nacionais so identificadas em territrio brasileiro por Moura (2009) e tratadas como arranjos espaciais singulares
e urbano-regionais. O desempenho dessas categorias contraria a hiptese de que as novas
tecnologias de informao e comunicao destituiriam de sentido as aglomeraes, pois na
afirmao de uma dinmica global baseada na expanso de uma multiplicidade de redes, cujos
fluxos operam com autonomia em relao aos lugares, [...] cuando tienen tierra, muestran una
marcada preferencia por las aglomeraciones urbanas (MATTOS, 2010, p. 266). Nelas, a mancha
urbana com limites relativamente ntidos de cidades compactas cede lugar a [...] una aglomeracin difusa de dimensin regional, parcialmente discontinua, que es lo que se cristaliza como
nueva forma urbana (MATTOS, 2010, p. 266). Em sua dimenso macrorregional, apoiada em
uma organizao multicentrada, passa a oferecer condies mais amplas e diversificadas para
a localizao de uma variedade de cadeias globais, o que torna [...] lgico concluir que resulta
difcil lograr imponer lmites a su expansin territorial (MATTOS, 2010, p. 266).
Nesse contexto, a metrpole encerra o ciclo de ser o lugar, por excelncia, da indstria e das
possibilidades de emprego. Conforme Lencioni (2011), abre-se um novo ciclo capaz de enfrentar as contradies que comprometem a reproduo do capital, fundado na importncia dos
negcios oriundos da produo imobiliria e das condies de infraestruturas indispensveis
para que se efetive a metropolizao e a valorizao do espao metropolitano.
A forma que a metrpole assume, de maior escala territorial, ao expandir
sua regio, central para a acumulao porque ela vem acompanhada
da possibilidade de oferecer sobrevida s relaes capitalistas, uma vez
que a valorizao imobiliria que acompanha o espraiamento territorial da metrpole se constituiu numa das principais estratgias para a
produo e concentrao da riqueza social, uma vez que o predomnio
da descontinuidade estratgico para a reproduo do capital. A sua
forma descontnua, por assim dizer, a expresso, no limite ltimo, da
fora desmedida do espao-mercadoria, instrumentalizado pela valorizao imobiliria do capital. [Essa] se coloca como possibilidade de [...]
superar o estrangulamento que pode comprometer o flego necessrio
para dar continuidade ao processo capitalista de desenvolvimento.
(LENCIONI, 2011, p. 55-56).
42
PARTE I
Tal conjunto organiza-se em uma rede de cidades estruturada a partir de uma Grande
metrpole nacional (So Paulo), duas Metrpoles nacionais (Braslia e Rio de Janeiro) e nove
Metrpoles regionais (Belm, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Goinia, Manaus, Porto
Alegre, Recife e Salvador), conforme o Regic 2007. Essas metrpoles caracterizam-se [...]
por seu grande porte e por fortes relacionamentos entre si, alm de, em geral, possurem
extensa rea de influncia direta (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA,
2008, p. 11). Trs nveis de Capitais regionais se relacionam com os estratos superiores da
rede urbana, conjugando 70 centros. Estas, com [...] capacidade de gesto no nvel imediatamente inferior ao das metrpoles, tm rea de influncia de mbito regional, sendo
referidas como destino, para um conjunto de atividades, por grande nmero de municpios.
Entre elas destacam-se as Capitais regionais A, que se compem fundamentalmente pelas
capitais estaduais no metropolitanas.
Em torno desses centros, configuram-se grandes aglomeraes, cuja articulao funcional
entre municpios integrantes e complementaridade no exerccio de atividades econmicas asseguram as posies superiores e alguns reescalonamentos na escala hierrquica.
Inmeras outras aglomeraes de menor porte, polarizadas por cidades mdias, operam
43
Demais municpios.
Brasil
Populao
Absoluto
Absoluto
Absoluto
66.986.620
45,62
79.838.855
54,38
146.825.475
100
91.488.927
47,96
99.266.872
52,04
190.755.799
100
89.058.663
55,34
71.867.129
44,66
160.925.792
100
11.106.349
53,00
9.850.280
47,00
20.956.629
97,34
72,4
2,07
1,3
1,28
1,05
100
84,36
1,64
1,17
A metodologia de identificao foi aplicada pelo IBGE antes dos resultados do Censo Demogrfico de 2010, o que
pode significar a elevao do nmero de ACPs e de municpios integrantes.
44
PARTE I
Com base nos resultados do Censo Demogrfico do IBGE, a anlise de Moura e Cintra (2011)
sobre crescimento, distribuio e mobilidade da populao em territrio brasileiro considerando os conjuntos dos municpios inseridos e no inseridos em ACPs, nos perodos
1991-2000 e 2000-2010 confirma que se ampliam as pores j densamente povoadas,
particularmente grandes cidades e aglomeraes urbanas, que se redesenham em espacialidades mais expandidas e complexas, e surgem poucas, mas importantes, novas aglomeraes no interior do pas todas a exigir o complexo exerccio das funes pblicas
de interesse comum. Ao mesmo tempo, a urbanizao no se restringe s aglomeraes
e municpios vizinhos, posto que desbrava regies menos densas, reforando antigas e
fazendo emergir novas centralidades, compostas por mdias e pequenas cidades, o que
impe funes inditas perante demandas sociais que se avolumam.
Alm das ACPs, arranjos singulares e arranjos urbano-regionais desenvolvem-se em todas
as regies do pas (MOURA, 2009; MOURA; LIRA; CINTRA, 2012), correspondendo disposio territorial das reas de maior concentrao populacional, de mais alto crescimento
e maior mobilidade pendular, e que podem ser consideradas as mais representativas
desta etapa da metropolizao (Figura 1). O territrio brasileiro cada vez mais se faz
permear por essas configuraes espaciais que inserem em uma unidade, contnua ou
descontnua, reas metropolitanas, aglomeraes urbanas e centros urbanos em proximidade, com ntida articulao interna. Tais configuraes so unidades territoriais que
resultam de dinmicas concentradoras e da alta densidade de deslocamentos pendulares,
envolvendo conjuntos com elevado nmero de municpios. Elas transcendem a noo
de simples aglomeraes urbanas por se apresentarem como estruturas morfolgicas
mais complexas, cuja influncia ultrapassa os limites administrativos dos municpios
componentes e assume uma abrangncia regional, que pode desconsiderar, em muitos
casos, limites estaduais e at nacionais. Em geral, estendem-se sem contornos ntidos,
ao longo de eixos virios estruturais (rodovirios ou vias urbanas), em configuraes
tentaculares.
Entre os arranjos espaciais, os urbano-regionais situam-se como os principais responsveis pela insero regional na diviso social do trabalho. Eles guardam relao com a
presena de metrpoles tercirias, de aglomeraes industriais e firmas industriais com
potencial exportador, que reforam as articulaes internacionais e os tornam localizaes privilegiadas ao capital e acentuam o padro concentrador e a escala de polarizao
desses arranjos.
45
Figura 1
Arranjos espaciais Brasil 2012
Fonte: Moura, Lira e Cintra (2012).
Nota: Elaborao dos autores.
Outras condies caracterizam essa natureza dos arranjos, como a elevada participao
do conjunto da unidade no total da populao e do produto interno bruto dos respectivos
estados e regies; a alta densidade urbana; os maiores e mais intrincados movimentos de
populao para trabalho e/ou estudo em municpio que no o de residncia; a estruturao da unidade a partir das principais centralidades da rede urbana do Brasil; o alcance
de suas regies de influncia funcional, econmica e tcnico-cientfica, ultrapassando
os limites dos estados/regies onde se inserem, e a forte articulao regional; a enorme
capacidade cientfica e tecnolgica; a presena de infraestrutura viria comparativamente de melhor qualidade; e a extrema complexidade, devido multiplicidade de
46
PARTE I
2013), foram institucionalizadas por lei complementar federal nove RMs. Aps a promulgao, a nova Constituio facultou aos estados federados, em seu Art. 25, 3, mediante lei
complementar, [...] instituir regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies,
constitudas por agrupamentos de municpios limtrofes, para integrar a organizao, o planejamento e a execuo de funes pblicas de interesse comum. A mesma Constituio,
em seu Art. 43, previu, mediante lei complementar federal, a criao de regies integradas de
desenvolvimento, nos seguintes termos: Para efeitos administrativos, a Unio poder articular
sua ao em um mesmo complexo geoeconmico e social, visando a seu desenvolvimento e
reduo das desigualdades regionais. Estas se compem de municpios de diferentes estados.
Desta feita, o ordenamento jurdico abriga a possibilidade de se institucionalizar diferentes
tipos de unidades regionais em funo dos diferentes arranjos espaciais configurados, bem
como da localizao desses no territrio, sempre voltados ao cooperada para funes
de interesse comum ou estratgias de desenvolvimento.
Funes pblicas de interesse comum dizem respeito a mais de um ente federativo. So
relativas circulao (mobilidade e acessibilidade, transportes de passageiros), comunicaes (telefonia/internet), gesto ambiental e saneamento bsico (abastecimento de
gua, coleta e tratamento dos esgotos, coleta e destino dos resduos slidos e drenagem
pluvial), uso do solo e moradia, infraestruturas, servios e equipamentos urbanos, trabalho
e emprego, entre outras. Poderiam contemplar ainda aspectos da tributao e compensao financeira pelo exerccio de funes restritivas atividade econmica (ambientais ou
referentes ao patrimnio arquitetnico e natural) ou que desqualifiquem o solo (aterros
sanitrios, depsitos de resduos txicos). Sua realizao muito complexa, pois esbarra
na autonomia das instncias poltico-administrativas, em competncias comuns e concorrentes entre municpios, estados e Unio. Para tanto, a institucionalizao de unidades
regionais poderia facilitar o exerccio dessas funes.
As unidades institucionalizadas deveriam considerar o universo de aglomeraes e arranjos
espaciais identificados. No obstante, prescindem de um planejamento do conjunto, sendo
propostas individualmente. H consonncias e incongruncias nos limites e na natureza
das unidades institucionalizadas em comparao s configuraes espaciais resultantes do
processo de metropolizao. Por um lado, os limites legais no se ajustam aos das configuraes espaciais, a maioria das vezes agregando elevado nmero de municpios bastante
heterogneos; por outro, so desconsideradas partes ou mesmo o todo de alguns arranjos e
aglomeraes urbanas de importncia inquestionveis. Alm disso, a institucionalizao das
unidades regionais se deu majoritariamente adotando a categoria metropolitana, independentemente da natureza dos respectivos polos. O conjunto de 59 unidades institucionalizadas,
levantadas pelo Observatrio das Metrpoles (2012),2 rene 51 RMs, trs Rides e cinco AUs,
2
O Observatrio das Metrpoles realizou esse levantamento, demarcando 30/8/2012 como data limite das
institucionalizaes. Essa observao relevante devido ao fato de que h um contnuo processo de institucionalizao
de unidades na maioria das UFs, como confirmam os inmeros projetos de lei estaduais sobre o tema em tramitao
nas assembleias legislativas.
48
PARTE I
que se localizam em todas as grandes regies brasileiras. Dessas unidades, apenas 12 tm, de
fato, natureza metropolitana, correspondendo s metrpoles classificadas pelo Regic 2007
(INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA, 2008).
A alegao de que no se podem criar unidades diferentes das preconizadas, pois a lei no
prev formas expandidas ou descontnuas, no procede. A Constituio federal no pode
ser interpretada de forma restritiva. Ela dispe sobre trs categorias, alm das Rides, mas
no restringe a criao de outras. Seu fundamento bsico promover a dignidade da pessoa
humana. Portanto, a Constituio permite ser usada de forma criativa a tudo que se direcione
a cumprir esse fundamento, a beneficiar a populao. Apenas est disciplinado que, para a
criao de uma unidade regional, se exige lei complementar, e no ordinria, porque implica
oramento, o que requer um qurum qualificado. Assim, criar uma macrounidade ou algo
similar no vedado; apenas no foi regulamentado, ou seja, no h limites de direitos. Se
criar uma macrometrpole ou uma aglomerao descontnua pode trazer benefcios, essas
figuras podem ser criadas. Para cri-las seria preciso apenas uma interpretao por analogia
da Constituio, o que significa se valer do que j est disposto.
Em qualquer das unidades formais, percebe-se um efeito atrativo, posto que, nas ltimas
dcadas, seus territrios compreendem municpios com elevado crescimento e mobilidade
da populao, desenhando vetores de expanso das aglomeraes existentes ou impulsionando novas. Tais constataes demarcam a necessidade de se repensar finalidades e critrios de institucionalizao, assim como a construo de arranjos institucionais compatveis
heterogeneidade, intensidade e mobilidade intrnseca a essas unidades e que subsidiem a
necessria gesto cooperada nesses espaos. Esse processo de institucionalizao deveria,
obrigatoriamente, estar conjugado a uma poltica de desenvolvimento urbano e regional,
considerando o territrio em sua totalidade, que garanta s unidades perspectivas financeiras,
oramentrias, programticas, vantagens tarifrias e, fundamentalmente, o dilogo articulado
entre as mltiplas e diversas escalas que operam nesses espaos.
O Estatuto da Metrpole poderia dispor sobre isso, ao captar a orientao da Constituio
federal. Descarta-se pensar em um quarto poder, um municpio metropolitano isso obrigaria
a reestruturao do Estado brasileiro , mas se enfatiza a importncia de um instrumento
adequado para orientar a institucionalizao de organismos pblicos que coordenem a
gesto compartilhada nessas unidades complexas. Da mesma forma, h que se preencher
a lacuna quanto a mecanismos de coordenao da ao de consrcios que versam sobre
a diversidade temtica metropolitana e a heterogeneidade de recortes territoriais desses
espaos diversificados. A Lei dos Consrcios (11.107, de 6/4/2005, regulamentada em 2007)
oferece as bases jurdicas para a formao de consrcios pblicos entre entes federativos
Unio, estados e municpios , que tenham como finalidade o interesse comum (BRASIL,
2005). O consrcio pblico, que inclui a possibilidade de realizar a gesto associada de
servios pblicos, passa a se constituir em um ente que compe a administrao indireta
de cada um dos consorciados e segue o regime de direito pblico. No entanto, h que se
49
ESPACIALIDADES X INSTITUCIONALIDADES
O descompasso existente entre a celeridade do fenmeno urbano e a institucionalizao de
unidades regionais no Brasil notrio, tanto na natureza, na conformao, quanto na origem
das unidades criadas. Do total de 945 municpios inseridos em unidades institucionalizadas
at agosto de 2012, 30,6% integram ACPs. Ao mesmo tempo, 46 municpios que integram
ACPs (ainda) no se inserem em unidade institucionalizada. Assim, a maioria das unidades
institucionalizadas tem uma ACP como ncleo (Figura 2).
As unidades institucionalizadas que no so polarizadas por ACPs tm seus ncleos
formados por cidades de porte mdio ou aglomeraes urbanas de menor porte. Em
qualquer caso, agregam mais de um municpio em espacialidades com ocupao contnua e forte articulao interna. Ocorrem fundamentalmente em Santa Catarina, onde
o processo de institucionalizao de unidades metropolitanas aparenta preencher a
lacuna de uma poltica regional, mas tambm em outros estados do Norte e Nordeste.
Inversamente e por inmeros motivos ligados a condies locais, algumas ACPs no foram
objeto de institucionalizao em unidades regionais, destacando-se Campo Grande, no
Mato Grosso do Sul.
comum que o territrio das unidades institucionalizadas seja maior que o da ACP,
porm o inverso tambm ocorre. Muitas ACPs tm apenas parte de seus municpios
integrando unidades institucionalizadas, deixando fora do limite territorial legal outros
municpios que efetivamente participam do fenmeno da aglomerao urbana. Isso
mostra disjuno entre o processo de formao de aglomeraes urbanas e a institucionalizao de unidades regionais, conforme disposto constitucionalmente. Tal disjuno
decorre, fundamentalmente, da sobreposio dos interesses polticos aos interesses de
ordem administrativa na criao de unidades regionais e, o mais grave, da desconsiderao das dinmicas e morfologias resultantes do fenmeno da metropolizao, pelos
formuladores de polticas pblicas.
50
PARTE I
Figura 2
ACPs e unidades institucionalizadas Brasil 2012
Fonte: Moura, Lira e Cintra (2012).
Elaborao: Ipardes.
Nota: Considera as unidades institucionalizadas at 31/08/2012.
N municpios
% populao 2010
% PIB 2009
% renda 2010
Crescimento
2000-2010
Altssimo
34
48,7
60,7
66,5
1,15
Muito alto
123
32,4
26,9
21,9
1,23
Alto
102
5,5
5,5
4,5
3,36
Mdio
173
7,8
4,9
4,7
1,57
Baixo
185
1,9
0,9
1,1
1,87
Muito baixo
328
3,7
1,1
1,3
0,34
Total
945
100
100
100
1,3
PARTE I
nas estruturas administrativas para essas transformaes, sofrem as populaes por carncias
de vrias ordens, que caracterizam o paradoxo das reas em franca ascenso econmica e
notria degradao social e ambiental. Dessa forma, salienta-se, nesses casos, a necessria
qualificao para a administrao municipal, pressupondo capacitao para o desempenho
da gesto urbana e para a adequao de polticas pblicas.
Ocorrem, portanto, mudanas e permanncias na escala interurbana, no que se refere
a configuraes espaciais. No interior das cidades, mudanas tambm se manifestam,
pois passam a se configurar formas urbanas cada vez mais estendidas, dispersas e em
estruturas polinucleadas. Condomnios horizontais, grandes infraestruturas de comrcio
e servios, condomnios empresariais, conjuntos habitacionais e ocupaes irregulares
pontuam o caminho dessa expanso, que acompanha eixos virios urbanos e regionais,
de forma tentacular, aparentemente difusa, permeada por vazios. Tal disperso das reas
urbanas extravasa limites poltico-administrativos e implica a induo de aglomerados
urbanos, que tendem a envolver centros de diferentes portes.
Alm da expanso da rea de ocupao urbana, reproduzindo-se por todo o territrio,
precarizao do trabalho e da vida dos trabalhadores, intensificao da desigualdade
e segregao so caractersticas que tambm se manifestam generalizadamente entre
distintas cidades. Apoiado em Lefebvre (2001), que se refere sociedade urbana rumo
urbanizao completa, Henrique (2010, p. 49) pondera que nas [...] cidades mdias e
muito mais nas pequenas, o que ocorre agora a sociedade urbana realizando-se praticamente em sua completude. O processo muito mais violento e conflituoso, no existem
passagens, a revoluo patente.
Transforma-se ainda o papel de intermediao entre as pequenas e as grandes cidades que
comandam (polarizam) uma regio, algumas porque crescem em detrimento da prpria
regio, outras porque crescem em funo da sua prpria regio.
Cidades mdias que ampliam seus papis, porque diminuem os
papis das cidades pequenas a partir de uma srie de mecanismos
econmicos, ou cidades que, em funo do tipo de atividades que
tm, das lideranas que ali se encontram, so capazes de crescer e
propor um projeto ou desempenhar um papel poltico, econmico
e social de crescimento para toda a regio. (SPOSITO, 2009, p. 19).
De modo geral, diferenas temporais e espaciais convivem nas cidades pequenas e mdias, tal
qual nas metrpoles, como resultado do mesmo processo de metropolizao, que desencadeia
o que se pode chamar um momento crtico de mudana nessas cidades no metropolitanas.
Tal momento as coloca sob risco de perda de seus contedos prprios para que se tornem
meramente receptculos (HENRIQUE, 2010).
54
PARTE I
INDAGAES FINAIS
Na metropolizao brasileira demarcam-se vetores consolidados e emergentes: (i) permanncia de grandes aglomeraes urbanas como espaos de concentrao e mobilidade
da populao, agora expandidas, vinculando espacialmente aglomeraes novas e centros, compondo reas continuas com intenso crescimento populacional; (ii) consolidao
de centralidades da rede urbana, fortalecendo o sistema de cidades; e (iii) emergncia
de cidades mdias e pequenas tambm concentradoras de populao e com elevado
crescimento demogrfico, fundamentalmente em reas de expanso da fronteira econmica. Consolidam-se, portanto, as dinmicas concentradoras de populao, iniciadas
nas dcadas anteriores, e se desconstri, ao menos na realidade brasileira, a hiptese de
desmetropolizao ou desconcentrao da populao, em face de novas tecnologias de
informao e comunicao.
Tais movimentos, que repercutem na densificao de espaos historicamente concentradores
e na ocupao de novos espaos, ao acontecerem sem planejamento e suporte de polticas
pblicas apropriadas, provocam efeitos sociais e ambientais de difcil controle e superao
com equidade. Esse cenrio deixa em aberto questes que instigam tornar-se objeto de
pesquisas e de polticas pblicas, particularmente aquelas voltadas definio precisa de
estratgias de desenvolvimento urbano e regional para o Brasil.
Algumas encontram resposta no prprio corpo desta abordagem, mas elenc-las cumpre
o papel didtico de provocar o debate. Pergunta-se, ento: as recentes polticas pblicas
do pas consideram as ntidas metamorfoses da urbanizao e oferecem mecanismos
efetivos para contemplar as mudanas morfolgicas, funcionais e estruturais dessas
configuraes espaciais? A Poltica Nacional de Desenvolvimento Regional (PNDR) e as
conferncias de desenvolvimento regional (Codes) do destaque a esse tema? Os estados federados tm elaborado polticas regionais que reconhecem as transformaes da
metropolizao brasileira? Como viabilizar a articulao intersetorial, interinstitucional
e entre instncias de poder para a formulao de estratgias de desenvolvimento
compatveis com os movimentos da populao no territrio, os desafios ambientais e
as necessidades da sociedade brasileira? Em um territrio heterogneo, como efetivar
a pactuao de acordos regionais multiescalares e a construo de polticas urbano-regionais integradoras?
Lacunas e questes especficas tambm aguardam respostas ou reflexes quanto ao processo de institucionalizao de unidades regionais (RMs, AUs e Rides). Tratada como prtica
meramente formal, a definio de mecanismos de gesto que garantam o exerccio participativo, articulado e cooperado das funes pblicas de interesse comum e a proposio
de aes para o desenvolvimento regional encontra-se muito aqum das necessidades.
As unidades criadas so incompatveis com os processos da urbanizao, seja pelo recorte
institudo, seja pela natureza, ou mesmo porque desconsideram espacialidades emergen55
tes e at consolidadas. Mais que tudo, por se criarem unidades sem vnculos a estratgias
nacionais e/ou estaduais de desenvolvimento e desprovidas de condies operacionais e
polticas para o planejamento e gesto. Que fazer diante do atual quadro de proliferao
de unidades regionais? Deter o processo? Impor critrios, conceitos? Anote-se que se
observa o desencadeamento de mudanas positivas no crescimento da populao das
unidades institucionalizadas, particularmente nas adjacncias das aglomeraes de fato
(ACPs) que as polarizam, independentemente da nomenclatura dada unidade. Quanto
ao vazio da finalidade e estruturao das unidades institucionalizadas, seria o caso de
impor modelos de arranjos para gesto? Recorde-se que essa seria uma alternativa gasta,
extirpada aps o perodo da institucionalizao de unidades por lei federal, em respeito
heterogeneidade, diversidade e escalas diferenciadas de representao em cada poro
do territrio brasileiro. Ento, como incentivar e subsidiar a composio de arranjos apropriados s peculiaridades de cada regio?
Na ausncia de polticas nacionais e regionais de desenvolvimento, no estariam os municpios se articulando pela criao de unidades regionais como forma de unio de esforos
para soluo de problemas comuns? Nesse empenho, os municpios estariam aptos a
reconhecer a natureza complexa de problemas tpicos dos espaos aglomerados? Ao se
articular cidades mdias e pequenas para finalidades programticas e de pesquisa, sua
insero nas diferentes categorias espaciais aglomeradas considerada? H alguma poltica
governamental ou linha de pesquisa que se preocupe com os efeitos da metropolizao
sobre cidades mdias e pequenas, ou essas categorias so objetos de tratamentos estanques? Por fim, o Estatuto da Metrpole expressa compreenso quanto complexidade
do processo de metropolizao contempornea? Estaria adequado heterogeneidade do
cenrio metropolitano brasileiro?
Em sntese, todas essas categorias espaciais sob efeito da metropolizao, pressionadas pela
intensificao dos fluxos e das dinmicas de crescimento, exigem estrutura adequada para
atender s crescentes demandas por infraestruturas e servios, como tambm capacitao
ao dilogo cooperativo e democrtico entre instncias de governo e segmentos atuantes. A
falta dessas condies d margem a espaos marcadamente desiguais, precrios, excludentes e ingovernveis. Portanto, h que se reconhecerem essas categorias em suas diferentes
naturezas, na diversidade e heterogeneidade de seus municpios e segmentos sociais, no
desempenho de papis especficos e na celeridade de suas transformaes, e pensar polticas
e arranjos de governana diferenciados, transescalares, adequados aos diferentes tempos e
espaos do urbano brasileiro.
56
PARTE I
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(Doutorado em Geografia)-Universidade Federal do Paran, Curitiba, 2009.
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58
INTRODUO
O debate sobre a criao de novas reas metropolitanas no Brasil ganhou vigor nas dcadas de
1990 e 2000, em funo de uma srie de aprovaes, destituies e restituies de propostas.
Seguindo essa lgica, nos ltimos anos, alguns municpios do estado da Bahia puseram em
suas pautas projetos para a criao de novas regies metropolitanas, encampados por polticos
locais, cujo sentido seria, em hiptese, o fato de que alavancariam o desenvolvimento regional.
Todos os projetos possuem como polarizadoras importantes cidades mdias2, cujos gestores
e lideranas polticas locais parecem ser os mais interessados. Como em outros exemplos, tais
cidades funcionam como centralidades regionais para os municpios envolvidos.
A instituio e a discusso sobre as regies metropolitanas no so algo atual. Legalmente,
iniciaram-se na dcada de 1960, quando o pas mostrou, em funo da industrializao, as
consequncias das mudanas socioespaciais nas metrpoles, o que exigiu a necessidade de
debater o que significam tais termos/conceitos e, sobremaneira, apreender a realidade que
se anunciava com base no processo de metropolizao.
Portanto, entender os interesses que sustentam tais projetos de criao de novas regies
metropolitanas na Bahia o objetivo central destas reflexes, no sentido de pensar as implicaes que propostas como essas tm para os municpios nelas envolvidos, bem como para
o debate da Geografia Urbana, porque h que se distinguirem alguns conceitos/noes e, o
mais relevante, se avaliar at que ponto a aprovao de tais projetos representar mudanas
consubstanciais para todos os municpios envolvidos.
Partiu-se da discusso sobre os conceitos de metrpole e regio metropolitana, articulados
ao debate sobre a metropolizao, para, a posteriori, analisar a urbanizao contempornea
no conjunto das mudanas ocorridas em outras escalas. Tais pressupostos deram base para
investigar os dez projetos de criao das regies metropolitanas - Feira de Santana, Sudoeste
Baiano, Ilhus-Itabuna, Jequi, Teixeira de Freitas, Oeste Baiano, Paulo Afonso, Santo Antnio
de Jesus, Juazeiro e Irec - e o sentido que esses possuem.
Doutor em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP), mestre e graduado em
Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor titular da Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS). [email protected]
Pesquisa iniciada em 2012. Verso integral a ser apresentada sob forma de tese para promoo na carreira para
professor titular, intitulada A questo das regies (no) metropolitanas na Bahia: novas propostas, velhos desafios
(SANTOS, J. 2014).
Sobre o entendimento do termo, ver Santos, J (2012).
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Art. 25, Pargrafo 3: Os Estados podero, mediante lei complementar, instituir regies metropolitanas, aglomeraes
urbanas e microrregies, constitudas por agrupamentos de municpios limtrofes, para integrar a organizao, o
planejamento e a execuo de funes pblicas de interesse comum (BRASIL, 1988).
Pesquisa documental encerrada em 30 de agosto de 2013. Ver Santos, J.(2014).
60
PARTE I
litanas para a Bahia, suscita definies terico-conceituais que possibilitem nortear os caminhos que sero trilhados. Essa ressalva sugere pensar duas questes: se aprovadas, no plano
conceitual, os principais ncleos urbanos de cada regio metropolitana sero compreendidos
como metrpoles? Tais regies metropolitanas contm processos de metropolizao, seja
como conceito ou enquanto uma realidade?
A priori, h que se atentar para a reflexo feita por Sposito (2004, p. 33, grifo da autora;
parnteses nosso), quando argumenta que Cidade (como metrpole e regio metropolitana)
, ao mesmo tempo, um conceito e uma realidade. Permite considerar que esses termos
no existem por si e em si mesmos, mas so uma mediao dialtica entre: a abstrao, ou
seja, os pressupostos estabelecidos (de carter terico, que balizam o conceito ou mesmo
a norma usada para definies e noes mais simplificadas5), e o real, pois nenhuma dessas
discusses tericas ou legais so feitas descoladas de consideraes que possuam como
base a realidade concreta.
A par dessa observao, em princpio, toma-se como referncia a compreenso etimolgica
da palavra metrpole. O termo, originrio do grego mtrpolis6, significa cidade-me. Est
assentado nos fundamentos do perodo histrico em que se constituram as cidades-estado
gregas, o que implica diferena em relao ao modo como empregado contemporaneamente. Para entender o contedo da metrpole, a partir da instituio do mundo moderno,
nota-se que o conceito determinado por certa polissemia de aplicaes, contendo, segundo
Lencioni (2006a, p. 45), alguns pontos comuns nas diversas referncias.
Um desses a idia de que a metrpole se constitui numa forma
urbana de tamanho expressivo, quer relativo ao nmero de sua populao, quer em relao sua extenso territorial; um segundo
que a metrpole tem uma gama diversa de atividades econmicas,
destacando-se a concentrao de servios de ordem superior; um
terceiro que ela consiste no lcus privilegiado de inovao; um
quarto que constitui um ponto de grande densidade de emisso
e recepo de fluxos de informao e comunicao, e um quinto
que a metrpole se constitui como um n significativo de redes [...].
As observaes da autora sobre os elementos que definem uma metrpole revelam algumas
facetas da sua constituio: a imponncia da fisionomia material, a grande diversidade e o
elevado nvel de especializao das atividades encravadas no tecido urbano e maior fluidez
dos fluxos materiais e imateriais.
Sob a mesma perspectiva, Moraes (2006, p. 23) destaca a metrpole como [...] uma forma
histrica de organizao do espao geogrfico. Um tipo especfico de habitat humano [...],
Faz-se referncia s definies adotadas, por exemplo, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e o
governo federal, que as usam como instrumentos de planejamento territorial ou levantamento de dados.
Aglutinao de mtra (me) com plis (cidade).
61
apontando para a ideia de que essa expressa [...] o maior nvel de adensamento populacional
existente na superfcie terrestre [...] e uma [...] grande aglomerao de pessoas e de espaos
socialmente construdos, de magnitude mpar na histria.
Nota-se que ambos sustentam suas discusses no entendimento do que seria a metrpole,
por um lado, no plano material, ou seja, pela expressividade da forma/tecido urbano, contiguidade territorial e edificaes correspondentes, por exemplo, e por outro, no mbito das
relaes, ou seja, pela complexidade na/da justaposio de processos e dinmicas, sobretudo
vinculada reproduo do capital que a vida urbana apresenta.
Na relao entre a metrpole e o mundo moderno, Santos e Silveira (2001, p. 287) entendem
que, com a globalizao, como a variedade de articulaes econmicas e culturais amplia-se,
crescem os circuitos produtivos, de consumo e de circulao, e isso tem consequncia direta na
produo do territrio. Portanto, como [...] tais situaes se submetem a constantes mutaes
e encobrem uma rica, variada e sempre renovada diviso do trabalho e diviso territorial do
trabalho, os autores sinalizam que a metrpole [...] est sempre se refazendo: na forma, na
funo, no dinamismo e no sentido (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 287).
Essa articulao entre a metrpole e o mundo moderno, sob uma tica completamente
distinta, aparece tambm nas ideias de Carlos (2001, p. 32), quando ressalta que nela [...]
em todos os lugares se misturam os sinais da modernizao imposta na morfologia urbana
(por meio de novas formas arquitetnicas, novas e largas avenidas, destinadas a um trfego
cada vez mais denso, que se apresenta como intensas cicatrizes no tecido urbano). Nessa
concepo, o que est em discusso o enredo da complexidade vivida no cotidiano da
metrpole pelo movimento contnuo de construo/desconstruo que se produz e se dissolve cotidianamente. Para a autora:
A metrpole, em sua grandiosidade esmagadora, exuberante e ensurdecedora, aparece como o lugar das profundas transformaes,
um processo inebriante de mudanas ainda em curso. As profundas
e rpidas transformaes em suas formas ocorrem concomitantemente com uma profunda transformao da vida cotidiana que,
agora, constitui paisagem em metamorfose. (CARLOS, 2001, p. 30).
PARTE I
Essa uma dimenso analtica que, se no pode ser determinante para todas as reas urbanas,
deve ser considerada, quanto maior e mais complexo for o papel que o ncleo metropolitano
desempenha na rede, haja vista os diferentes nveis de escala de reflexo e os diferentes
papis que cada cidade desempenha. As metrpoles brasileiras, na atualidade, refletem esse
fenmeno na medida em que no so mais definidas, apenas, pelo parque industrial que possuem. Passa a ser essencial desvendar o padro de articulao que estabelecem com outras
cidades, preponderantemente, num plano mundial, em concomitncia com a capacidade
de gerncia do capital, do desenvolvimento de novas tecnologias e arranjos produtivos e da
fluidez do capital financeiro.
63
PARTE I
regies metropolitanas precisam superar a institucionalidade, ainda que tal aspecto no deva
ser perdido de vista por completo.
Vrias pesquisas, alis, contribuem para o debate e movem esforos para pensar, no mbito
conceitual, princpios que circunscrevam um entendimento do que regio metropolitana.
Um aspecto que est em acordo assenta-se no fato de que, mesmo no correspondentes
conceitualmente, a investigao sobre a regio ou a rea metropolitana no pode dissociar-se
do que se compreende como metropolizao, em concomitncia com a materializao do
processo, que a constituio ou, ao menos, a anunciao da metrpole, enquanto forma-contedo especfico no bojo da urbanizao.
Ao tratar do tema, Lencione (2003) advoga que a metropolizao do espao, nos termos que se
observa hodiernamente, coloca uma questo para pensar a regio metropolitana, ao considerar
que o processo [...] imprime ao territrio caractersticas que at ento eram exclusivas da regio
metropolitana (LENCIONE, 2003, p. 35). Ou seja, um perodo em que os estilhaos das dinmicas
da metrpole ecoam por todo territrio nacional, em menor ou maior grau de intensidade, talvez
aludindo ao que Santos, M. (1993) denominou como urbanizao do territrio, um fenmeno,
segundo a autora supracitada, que [...] no exclusivo da metrpole nem se confina mais nas
fronteiras da regio metropolitana (LENCIONE, 2003, p. 36).
Disso exposto, uma questo se anuncia: estariam essas novas metrpoles (sic) criadas aps
a dcada de 1990 impondo tal idiossincrasia ao territrio? bvio que no! Torna-se evidente,
portanto, que muitas propostas e projetos de leis complementares lanados e/ou aprovados
incorrem nesse problema crucial: apartam a instituio das regies metropolitanas (e tambm
qualquer teoria para defini-las) de mecanismos que demarquem o sentido da metropolizao e, consequentemente, da metrpole. A crtica j foi considerada por Santos, M. (1993) na
dcada de 1990, quando argumentou que tal problemtica est alm da institucionalizao,
bem como surgiu no estudo do Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada (IPEA), do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE) e da Universidade Estadual de Campinas (2002,
p. 7): A absoro legal do termo regio metropolitana e a materializao da faculdade
constitucional de indiscriminada esvaziou de contedo o conceito consagrado de regio
metropolitana de sua correspondncia com o fato metropolitano.
Assim, em tempos contemporneos, definir o que seria esse fato metropolitano passou
a ser um desafio aos pesquisadores, porque nota-se que o processo de urbanizao, particularmente a metropolizao, adquiriu novas dinmicas, fazendo com que a prpria forma
urbana tambm ganhasse novos contornos, significados e contedos. Noutra oportunidade
(SANTOS, J., 2008), entendeu-se que tais aspectos relacionam-se instaurao da reestruturao produtiva do capital, denominada por Harvey (1993) como modelo de acumulao
flexvel. Segundo esse autor, tais elementos novos na produo e realizao da mais valia
redefiniram padres e arranjos produtivos em determinadas atividades. Dentre inmeras
outras decorrncias, implicou na reestruturao urbana, o que configurou novas morfologias
e relaes nos/entre espaos urbanos.
65
Exatamente por isso, Lencioni (2006b) e Davidovich (2003), ao abordarem as questes metropolitanas, verificam as caractersticas relativamente novas que lhes so inerentes. Enquanto a
primeira autora, ao tratar de So Paulo, verifica a tendncia ao crescimento relativo maior da
indstria fora do ncleo metropolitano, a segunda coloca que essa atividade no tem sido
a base, atualmente, para a formao das novas regies metropolitanas no Brasil.
Moraes (2006) posiciona o fato metropolitano dentro da relao entre centro e periferia da
economia no mundo capitalista, ao ponderar que aquele deve ser amalgamado s mediaes
nacionais e regionais que so necessrias sua compreenso, j que as funes das metrpoles
tornam-se mais ntidas na medida em que avana o processo de mundializao.
Ao fazer um esforo para sintetizar o que seria o fato metropolitano, Lopes (1995 apud LOPES,
2006, p. 139) assevera:
[...] se expressa assim pelo derramamento da espacialidade dos elementos do meio ecolgico, das infra-estruturas, dos sistemas urbanos
e dos prprios sujeitos sociais para alm das fronteiras municipais,
em um contexto geogrfico de progressiva conurbao [...]. Formam-se centralidades, especializam-se lugares, segregam-se pessoas
e estabelecem-se linhas de desejo preferenciais para a circulao,
consolidando complementaridades intermunicipais
Se, por um lado, o autor apreende a materialidade das relaes que se estabelecem no ncleo
metropolitano, por outro, imprescindvel considerar que tais especificidades podem ocorrer tambm fora desse ncleo, porque, nos termos da reestruturao produtiva do capital,
realizam-se ao desrealizar em todo territrio lgicas predecessoras de (co)mando; impem-se
num constantemente refazer dos/os acontecimentos, dentro e fora da metrpole, por isso
seu carter paradoxal, cuja constncia o incompleto, o inacabado, o fugaz.
As formulaes apresentadas por Moura e Firkowisk (2001), ainda que associadas condio emprica, tambm so pertinentes, pois consideram duas dimenses (ao menos) para analisar a regio
metropolitana: a institucionalidade associada esfera da legislao, a qual os municpios alam
condio de metropolitanos; e a espacialidade aluso ao fenmeno, enquanto processo efetivo, que
pode extrapolar os limites institucionais ou evidenciar-se onde a institucionalidade no faz presente.
por isso que as autoras sinalizam quatro possibilidades para sua materializao:
[...] aquela na qual o limite formal da regio metropolitana menor
que o recorte da dinmica de sua espacialidade; aquela na qual o limite
formal da regio metropolitana maior que o recorte da dinmica de
sua espacialidade; aquela na qual a regio metropolitana instituda
mesmo na ausncia de espacialidade de carter metropolitano e,
finalmente, aquela na qual se verifica espacialidade de carter metropolitano sem contudo ser constituda uma regio metropolitana.
(MOURA; FIRKOWISK, 2001, p. 109).
66
PARTE I
profundas em suas morfologias. Como aponta Lencioni (2003, p. 39), [...] a paisagem urbana
releva que nas principais cidades (da rea metropolitana) multiplicam-se os centros comerciais,
deixando distante qualquer referncia monocentralidade.
Ao se observarem vrias regies metropolitanas recentemente criadas no Brasil, perceptvel
que suas espacialidades no correspondem, em qualidade e quantidade, intensidade de
prticas socioespaciais, tessituras materiais, marcos jurdicos, valores etc., que seriam necessrios constituio do fato metropolitano, ainda que a esquizofrenia da institucionalidade
o tenha reconhecido no mbito legal. Em verdade, como apontou Davidovich (2003, p. 61),
[...] tratam-se de cidades de porte mdio, que no tm comparabilidade com o volume das
cidades centrais das metrpoles de grande porte.
Nessa mesma direo, fundamental trazer a inferncia de Lencioni (2003), ao afirmar que as
caractersticas metropolitanas, ainda que raramente se evidenciem, tambm no estariam ausentes por completo em muitas reas recm-institudas como metropolitanas. Para a autora, Nesse
espao no metropolizado, mais fragmentado, onde predominam os pequenos municpios [...],
as cidades de porte mdio tendem a reforar sua posio (LENCIONI, 2003, p. 40).
O cerne da institucionalidade desregrada, como Moura e Firkowski (2001) apontam, relaciona-se, por um lado, crena e virtualidade de que maiores linhas de financiamento, presentes
no incio da dcada de 1970, possam ser redirecionadas a essas novas unidades metropolitanas; por outro, o que [...] prevalece o desejo do status: mais que criar regies, se instituem
metrpoles, associadas ao peso simblico que as relacionam a progresso e a modernidade
(MOURA; FIRKOWSKI, 2001, p. 106).
Sobre a primeira observao, ainda que contrrio ao que ocorre em vrias assembleias
legislativas estaduais brasileiras, como as da Paraba e de Santa Catarina, deve-se entender
que o aspecto financeiro no algo do sculo passado. Desde o incio deste, o governo
federal vem concedendo todo estmulo necessrio para que a instituio de novas regies
metropolitanas prolifere, ao manter a ideia tacanha, novecentista, de que se deve priorizar o
direcionamento de determinados recursos pblicos a reas metropolitanas, sem justificativas
plausveis, pautadaso quase que exclusivamente em critrios demogrficos. O Ministrio das
Cidades, por sinal, uma instncia emblemtica desse fato. como se as demandas de 47,02%
da populao brasileira, residente nas 36 reas catalogadas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica, 2010) como regies metropolitanas (sic) e trs Rides, algumas que
nada tm de metropolitanas, fossem mais relevantes que as necessidades dos moradores
dos demais espaos no metropolitanos.
Na verdade, s refora a tese de que, nessa disputa de poder e interesses entre reas metropolitanas e no metropolitanas, a identidade historicamente construda da metrpole como
simulacro de desenvolvimento, progresso e modernidade no est sedimentada, exclusivamente, na mentalidade dos lderes polticos das reas no metropolitanas. Esse dogmatismo se reproduz, tambm e sobremodo, nas instncias onde a espacialidade efetivamente
68
PARTE I
69
sem deixar de apresentar uma integrao maior e, possivelmente, complexa com o campo
(SANTOS, J., 2012, 2009, 2008).
Com vista a encontrar um recurso heurstico que permita repensar o conceito de urbanizao nos marcos atuais, tambm se ponderou sobre as transformaes que essa urbanizao
provocou nas reas urbanas, seja em Salvador (SANTOS, J., 2008) seja em ncleos de mdio
e pequeno portes (SANTOS, J., 2009, 2012). Portanto, com o alicerce dessas inferncias, por se
relacionarem a importantes cidades mdias do estado, que sero analisadas as propostas
de criao de regies metropolitanas da Bahia.
Observa-se que os principais municpios, dos quais as cidades fazem parte, tm em comum
o fato de possuir, at a dcada de 1950, uma histria econmica associada s atividades
primrias, mormente a agricultura e a pecuria, segundo dados do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatstica (1958a,1958b). Todavia, aps mudanas nesses setores, que envolvem
profundas crises ou inovaes tecnolgicas, mais marcantes a partir da dcada de 1980, suas
principais reas urbanas foram fortalecidas; alis, uma dinmica que no pode ser reduzida
s questes ligadas ao setor primrio, como comumente propagada.
A constituio dessas cidades mdias articulou-se s profundas mudanas na urbanizao
brasileira, que redirecionaram a lgica da diviso territorial, tcnica e social do trabalho em
escala nacional, e constituiu novos fluxos e rotas de capital; ao avano das relaes capitalistas
de produo para o espao nordestino; e, principalmente, s aes do governo do estado,
no sentido de descentralizar/recentralizar servios e instncias de poder para tais cidades,
seguindo as orientaes do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) (SANTOS, J., 2012).
Resumidamente, foi com esse aporte que tais reas urbanas tornaram-se cidades mdias
importantes para a Bahia, cuja pesquisa feita pelo IBGE, intitulada Regies de Influncia
das Cidades (Regic), classificou: Feira de Santana, Vitria da Conquista e Itabuna-Ilhus7
como Capitais regionais B, sendo as duas ltimas um nico polo; Juazeiro (com Petrolina/
PE) e Barreiras, como Capital regional C; Jequi, Teixeira de Freitas, Paulo Afonso, Santo
Antnio de Jesus e Irec, como Centros sub-regionais A (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA, 2008).
Ainda que a discusso tenha um carter aparentemente atual, destaca-se que a ideia de instituir regies metropolitanas na Bahia no nova; algumas apenas ganharam evidncia, nos
ltimos anos, em suas respectivas regies e no estado, sobremodo, no mbito dos interesses
e discursos polticos. A ttulo de exemplo, a primeira ideia de tornar Vitria da Conquista uma
regio metropolitana datada do final da dcada de 19808, logo aps a promulgao da
Constituio de 1988; no caso de Feira de Santana, inclusive, o Projeto de Lei Complementar
Ilhus precisa ser analisada de modo mais acurado, para avaliar sua centralidade regional, em funo da forte dinmica
verificada em Itabuna nas ltimas dcadas, o que, em hiptese, pode ter atenuado o exerccio da primeira como
cidade mdia.
Informaes coletadas em entrevistas com lderes polticos, em 2012 (SANTOS, J., 2014).
70
PARTE I
(PLC) aprovado pela Assembleia Legislativa do Estado da Bahia (ALBA) teve como base uma
proposta de 1994, do deputado Colbert Martins (BAHIA, 1994).
Todavia, nas dez propostas que ganharam notoriedade nos ltimos cinco anos, aspectos
truncados so observados, o que incorre em problemas para compreender a concepo que
as balizou, bem como sua aplicabilidade enquanto ideia, hipoteticamente, vivel. Por isso,
quando se fala em analisar cada uma das regies metropolitanas baianas deve-se interrogar:
sobre qual proposta se faz referncia? Por tais motivos sero esclarecidas as bases e os critrios
utilizados neste texto para apresentar as dez propostas.
Todas as propostas que tramitam na Bahia ou, de modo mais concreto, foram pautadas nas
instncias competentes ou interessadas em suas aprovaes foram identificadas. Verifica-se
que, em certos casos, h superposio, com municpios fazendo parte de projetos diferentes;
duplicidade, em que uma mesma regio apresenta PLC divergentes; ou vacncia, projetos sem
clareza no que tange definio dos municpios que constituiriam as reas metropolitanas,
isso apenas para destacar os aspectos mais evidentes.
Feira de Santana passou a ser legalmente reconhecida como sede da segunda regio metropolitana no mbito do estado da Bahia, ao ter seu projeto aprovado, em 2011, pela ALBA,
o que permite partir desta proposta para a anlise. Bastante modificada, se comparada
original, de 1994, do deputado Colbert Martins, a proposta constituda por seis municpios,
entendendo que outros dez fazem parte de sua rea de expanso (BAHIA, 2011a). Porm, por
livre interesse, optou-se por incluir Santo Estevo, que apresentou o PLC 109/2011, no qual
solicita insero na rea metropolitana (BAHIA, 2011b).
O baixo nmero de municpios com taxa de urbanizao superior a 50% foi o argumento
usado pelos deputados da ALBA para manter apenas seis como participantes da regio
metropolitana (DEPUTADOS..., 2011), o que gerou polmica na aprovao. Essa foi a brecha
encontrada pelo municpio de Santo Estevo para se inserir nesse processo, enviando um PLC.
A proposta de Vitria da Conquista, entre as cabveis para este fim, se observado o conjunto
de municpios que a constituem, no um PLC. Existem, ao menos, quatro projetos distintos
que foram encontrados, pois a ideia, citada alhures do final da dcada de 1980, parece no
ter sido formalizada.
Dentre esses projetos, h o PLC 96/2009, bastante vago, cuja rea territorial abrangeria os [...]
municpios (vinte e dois) componentes do Territrio de Identidade de Vitria da Conquista
[...] (BAHIA, 2009a), o que um equvoco, pois esse territrio contm 24 municpios, conforme
informaes da Secretaria de Planejamento (BAHIA, 2013), e outros dois interpostos pelo
deputado estadual Marcelino Galo, por meio do PLC 101/2011 (BAHIA, 2011c) e do Projeto de
Lei (PL) 19.174/2011 (BAHIA, 2011d), similares e que apresentam configurao assaz extensa,
incluindo 39 municpios, dentre os quais, Jequi.
71
Todavia, ainda que no se trate de um PLC, opta-se por utilizar a proposta desenvolvida por
Wal Cordeiros, em 2010, a pedido da Cmara Municipal de Vereadores de Vitria da Conquista,
com 29 municpios envolvidos (VITRIA DA CONQUISTA, 2010), pois as lideranas polticas de
Jequi rechaaram as duas propostas de Marcelino Galo e submeteram um projeto prprio.
Oficialmente, foram encaminhados ALBA dois PLCs e duas indicaes, com pequenas diferenas entre eles, para instituir a Regio Metropolitana de Itabuna-Ilhus. Por uma questo
metodolgica, foi escolhida aquela que incorpora menor nmero de municpios (27), que
a Indicao (IND) 18.466/2011 e que traz um PLC em anexo; o qual, no foi encontrado como
um documento posteriormente formalizado (BAHIA, 2011e).
A primeira proposta encaminhada, da qual se teve conhecimento, foi a do deputado estadual
Coronel Gilberto Santana, que intitula a rea como Regio Metropolitana do Cacau, sob a
forma de IND, acima mencionada. As trs demais foram protocoladas pelo deputado estadual
Mrio Negromonte Jnior, contendo 32 municpios, sendo duas sob a forma de PLC: 102/2011
e 105/2011, que fazem referncia, respectivamente, Regio Metropolitana de Itabuna (BAHIA,
2011f) e Regio Metropolitana de Sul da Bahia (BAHIA, 2011g), alm da IND 18.708/2011
(BAHIA, 2011h), que tambm utiliza a expresso sul da Bahia. O no uso das trs ltimas
propostas relaciona-se ao fato de incorporar municpios que esto inseridos em outra regio
metropolitana, como o caso de Barra do Rocha, no PLC de Jequi, ou que, de acordo com o
Regic, possuem maior articulao com outras cidades mdias do estado.
Pelas caractersticas, segundo os parmetros adotados pela Secretaria de Desenvolvimento
Urbano da Bahia (Sedur)9, a que tem maior possibilidade de, em breve, constituir-se como a
terceira regio metropolitana aprovada no estado. Dentre as dez regies propostas, tambm
onde h maior possibilidade de ocorrerem processos de conurbao, ante a intensa dinmica,
mas tambm os conflitos, que envolvem os municpios polo: Itabuna e Ilhus.
A ideia da regio metropolitana do Oeste Baiano est assentada num contexto de profundas
mudanas na atividade econmica, que ecoaram nas lgicas dos poderes locais e, sobremodo,
na vida da populao rural, nos ltimos 40 anos. Portanto, no envolve apenas a instituio de
uma regio metropolitana, mas, ainda, a possibilidade de criao do estado do So Francisco
(BRASIL, 2011). Produto de uma proposta encampada pelo deputado estadual Mrio Negromonte Jnior, sob a forma do PLC 104/2011 (BAHIA, 2011i), foi reforada pela IND 18.709/2011
(BAHIA, 2011j), sendo composta por 14 municpios, que so correspondentes ao territrio de
identidade Bacia do Rio Grande.
Apesar do pouco (re)conhecimento, inclusive, dentre os moradores e lderes polticos da
regio, em 2009, o deputado estadual Javier Alfaya encaminhou o Projeto de Lei Complementar 95/2009, que visa instituir Juazeiro como regio metropolitana (BAHIA, 2009b). Essa
proposta foi a segunda protocolada nos documentos da ALBA; ao menos, oficialmente
9
Notcia coletada de modo informal, durante a realizao do Frum Regional do Nordeste sobre o Estatuto da
Metrpole, em 25 de abril de 2013.
72
PARTE I
Como no caso de Juazeiro, a regio metropolitana de Paulo Afonso uma proposta que possui pouco
ou quase nenhum (re)conhecimento junto s lideranas regionais e populao como um todo.
Com 11 municpios, sua concepo produto de outra proposta apresentada ALBA pelo deputado
estadual Mrio Negromonte Jnior, com base na IND 18.741/2011 (BAHIA, 2011n).
Provavelmente, seguindo os rumos tomados pelo debate na ALBA acerca da instituio de
novas regies metropolitanas na Bahia, foi que, tambm em 2011, o deputado estadual Luiz
Sobral apresentou a IND 18.745/2011, na qual aponta ao governador do estado que encaminhe um PLC para criar a regio metropolitana de Irec (BAHIA, 2011o), o que causou certa
repercusso na cidade polo, no contexto de sua concepo. Nos ltimos dois anos, entretanto,
perdeu parte do interesse no mbito das discusses polticas locais.
A nica, entre as demais supramencionadas, que no oficializou, at o momento da
elaborao deste texto, nenhum documento na ALBA, nem mesmo sob a forma de
indicao, foi a regio metropolitana de Santo Antnio de Jesus. Todavia, opta-se por
mant-la porque, diferente, por exemplo, de Juazeiro, Paulo Afonso e Irec, foi objeto
de debates e reunies bastante frequentes no ltimo ano, encampadas pelo deputado
estadual Rogrio Andrade e pela Associao Comercial e Industrial de Santo Antnio
de Jesus (Acesaj).
Ento, com base nos apontamentos da Acesaj10, adaptou-se uma proposta que fosse passvel
de ser avaliada e que, entretanto, no possusse quaisquer interesses em sustentar ou viabilizar
a instituio dessa regio metropolitana, mas, exclusivamente entender a rea influenciada
por Santo Antnio de Jesus, sua dinmica, caractersticas e contedo; estabelecer nexos com
os pressupostos tericos que fundam o conceito de regio metropolitana e metrpole; e
verificar o que sustenta tais concepes.
No foi feito uso integral do esboo elaborado pela Acesaj, constitudo por 37 municpios,
deixando-se apenas 23, porque, por um lado, aquele inclui na regio metropolitana de
Santo Antnio de Jesus reas como Valena e Milagres que, conforme os dados apresentados no Regic (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA, 2008), no
possuem quaisquer nveis de influncia com a cidade polo; por outro, porque tambm
envolve Santo Amaro e Vera Cruz. Enquanto o segundo municpio j faz parte da regio
metropolitana de Salvador desde sua instituio, em 1973 (BRASIL, 1973), o primeiro pleiteia ser includo nela, junto com outros, desde 2009, por meio do PLC 94/2009 (BAHIA,
2009c) e 110/2012 (BAHIA, 2012b).
No plano territorial, as dez propostas consideradas apresentam diferenas substanciais. Se
observado o nvel de articulao entre as reas internas ou, usando o termo de Robira (2005),
os espaos colonizados, nota-se que, nos casos de Feira de Santana, Paulo Afonso, Teixeira
10
O documento encaminhado bastante preliminar e, portanto, no constitudo por estudo prvio, que permitisse uma
proposta mais concreta (ASSOCIAO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE SANTO ANTNIO DE JESUS, 2013). Desse modo,
estamos considerando isso nas reflexes ora postas.
74
PARTE I
de Freitas e Jequi, se prezou pela menor distncia fsica entre a rea core e os demais espaos
metropolitanos; o que parece no ter sido considerado nos casos de Vitria da Conquista,
Juazeiro, Oeste Baiano, Ilhus-Itabuna e Irec, cuja abrangncia territorial mais ampla.
Fazendo-se uma sntese de carter mais comparativo, no mbito demogrfico, nenhuma
das propostas possui hoje graus efetivos de conurbao, ainda que exceo possa ser feita
juno de Juazeiro com Petrolina, contudo, esta ltima cidade no faz parte do projeto
de institucionalizao da regio metropolitana. Destarte, como se entende que a questo
da contiguidade espacial, ainda que importante, no determina todos os nveis de relaes
numa rea metropolitana haja vista a intensidade das dinmicas que, mesmo com descontiguidade espacial, denotam contiguidade nos processos , as cidades de Ilhus e Itabuna,
apesar dos conflitos de interesses, tambm configuram casos em que h um grau elevado
de articulao/integrao nas relaes.
O baixo grau de urbanizao na maioria dos municpios envolvidos passa a ser outro aspecto
comum s dez propostas, o que, em hiptese alguma, deve ser analisado como indicador
de atrasos ou quaisquer ideias, como as cepalinas11, de que o desenvolvimento, no caso,
relacionado metropolizao dessas regies estaria calcado na superao dessas caractersticas tipicamente rurais (Mapas 1 e 2). Como observou Lisboa (2007), ao tecer crticas s
concepes adotadas no Brasil, em especial Comisso Econmica para a Amrica Latina e o
Caribe (CEPAL), deve-se entender que o projeto de superao do campo, dentro do contexto
de amadurecimento do capitalismo no pas, deu mostras claras de sua falncia, e foi esse
mesmo projeto que, em parte, decorreu em graves problemas na questo agrria brasileira,
seja porque intensificou a histrica concentrao de terras, seja porque expulsou milhares
de camponeses de suas terras.
Nesses termos, a priori, deixa-se claro que as ideias ora postas esto na contramo de defender
concepes metropolitanas, mormente, como reais possibilidades de superao dos problemas
pelos quais os municpios envolvidos passam; problemas esses que, em geral, so deixados
de lado em vrias reflexes feitas sobre o tema. Ao contrrio, o norte repensar a concepo
de desenvolvimento adotada historicamente no Brasil e, nesse sentido, algo que possibilite
promover um desenvolvimento socioespacial nos termos defendidos por Marcelo Lopes de
Souza (2002), em que sejam efetivas as garantias de justia social e melhoria na qualidade
de vida para parcela ampla da populao, algo jamais alcanado na histria do pas, apesar
das evidentes mudanas.
11
75
Mortugaba
Jacaraci
Licnio de
Almeida
Cordeiros
Pirip
Aracatu
Cndido Sales
Mirante
Caetanos
Encruzilhada
Wanderley
Itamb
Caatiba
Itapetinga
Poes
Igua
Planalto
Barra do
Choa Nova Cana
Bom Jesus
da Serra
Cristpolis
Ribeiro do
Largo
Vitria da
Conquista
Anag
Belo Campo
Tremedal
Maetinga
Carabas
Pres. Jnio
Condeba Quadros
Guajeru
Baianpolis
Catolndia
Cotegipe
Sudoeste Baiano
So Desidrio
Angical
-15
-14
-39
Stio do
Quinto
Jeremoabo
Coronel
Joo S
Pedro Alexandre
Santa Brgida
Paulo Afonso
Glria
-38
-10
-9
Oeste
Baiano
100
200km
Sudoeste
da Bahia
ItabunaIlhus
Sto. Antnio
de Jesus
Paulo
Afonso
Santa Terezinha
Castro Alves
Governador
Mangabeira
-15.5
-9.5
Ubaitaba
Itap
Ilhus
Canavieiras
-15
FAPESB
25.01 - 50.01
UESB
50
100Km
75.01 - 100.00
50.01 - 75.01
16.00 - 25.01
Taxa de Urbanizao,
em percentual
7.318
615.744
1.224.170
1.832.598
Itacar
-14
-13
Localizao da Bahia
no Brasil
Mara
Una
Santa Luzia
Mascote
Camacan
Arataca
So Jos
da Vitria
Buerarema
Barro
Preto Itabuna
Itajupe
Uruuca
Aurelino Leal
Jussari
Pau Brasil
Itaju do
Colnia
Ibicara
Floresta Azul
Almadina
Coaraci
Itapitanga
Ibirapitanga
Itabuna-Ilhus
Jiquiri
Mutupe
Muritiba
Cruz das Almas
Sapeau
Conceio do Almeida
So Felipe
Varzedo
Dom Macedo Costa
Elsio Medrado
Muniz Ferreira
Amargosa
Nazar
So Miguel Santo Antnio Aratupe
Brejes
de Jesus
das Matas
Jaguaripe
Laje
Macurur
Rodelas
Santo Antnio
de Jesus
-39
Mapa 1
Taxa de Urbanizao e Produto Interno Bruto (PIB) total das regies metropolitanas do Oeste Baiano , Paulo Afonso, Sudoeste Baiano, ItabunaIhus e Santo Antnio de Jesus 2013
-13
-46
Lus Eduardo
Magalhes
Barreiras
Santa Rita
de Cssia
-44
Mansido
Abar
-44
-42
Chorroch
-38
-11
-41
Buritirama
-40
Paulo Afonso
-40
76
-39
Oeste Baiano
-43
Mulungu do Morro
Cafarnaum
-12
-41
Sobradinho
Casa Nova
Uau
Canudos
-39
100
200km
Irec
Juazeiro
Feira de
Santana
Teixeira de
Freitas
Jequi
Juazeiro
Cura
-38
-10
-9
-15.5
-9.5
Candeal
So Gonalo
dos Campos
Manoel Vitorino
Itanhm
Ibirataia
Gongogi
-14
Mucuri
Nova Ibi
Itamari
Itamaraju
Teixeira de Freitas
Barra do
Rocha Ubat
Drio Meira
Itagib
Ipia
Jitana
Apuarema
Lajedo
Ibirapo
Vereda
Jucuruu
Medeiros Neto
Aiquara
Itagi
Boa Nova
Jequi
Jequi
Amlia Rodrigues
Conceio do Jacupe
Teixeira de Freitas
Antnio Cardoso
Conceio da Feira
Santo Estevo
Ipecaet
Santa Brbara
Tanquinho
Santanpolis
-12
Irar
Serra Preta Anguera
Feira de Santana
Corao de Maria
Riacho do
Jacupe
Nova Viosa
-18
Caravelas
Alcobaa
Prado
-17
50
100Km
FAPESB
UESB
75.01 - 100.00
50.01 - 75.01
25.01 - 50.01
16.00 - 25.01
Taxa de Urbanizao,
em percentual
7.318
615.744
1.224.170
1.832.598
Localizao da Bahia
no Brasil
Mapa 2
Taxa de Urbanizao e Produto Interno Bruto (PIB) total das regies metropolitanas de Juazeiro, Irec, Feira de Santana, Jequi e Teixeira de
Freitas 2013
Iraquara
Souto Soares
Barro Alto
-11
Amrica Dourada
Joo Dourado
Ibitit
Canarana
Lapo
Irec
Sento S
Remanso
-42
So Gabriel
Jussara
Ibipeba
Uiba
Presidente
Dutra
Central
Barra do Mendes
Gentio do
Ouro
Pilo Arcado
Irec
Campo Alegre
de Lourdes
-42
-39
-40
-40
-44
-40
Juazeiro
PARTE I
REGIES METROPOLITANAS SEM METRPOLES?
UMA ANLISE DAS NOVAS PROPOSTAS NA BAHIA
77
Ainda no que diz respeito s especificidades das propostas, destaca-se que no h qualquer
equidistncia nelas se forem observados, no mbito das regies metropolitanas, o padro
demogrfico e o Produto Interno Bruto (PIB) dos municpios (Tabela 1). So espaos entendidos
como metropolitanos por aqueles que lanaram as ideias, porque aliam: a) o peso de uma rea
core, ou seja, cidades mdias que desenvolvem funes como centralidade econmica e de
poder/gesto administrativas; b) a dinmica socioeconmica de pequenos municpios, muitos
dos quais essencialmente rurais e cujas especificidades so assaz distintas.
Tabela 1
PIB total, percentual sobre total do estado e sobre total da regio, por centros regionais
selecionados Bahia 2001 e 2010
2001
Municpios
PIB total
Feira de Santana
1.832.598
Participao
sobre o
estado
2010
Participao
sobre sua regio
metropolitana
3,59
78,35
PIB total
7.433.139
Participao
sobre o
estado
4,82
Participao
sobre sua regio
metropolitana
77,85
Vitria da Conquista
871.286
1,71
47,09
3.469.179
2,25
54,81
Itabuna
821.414
1,61
33,41
2.582.489
1,67
37,96
Ilhus
962.344
1,88
39,14
2.241.975
1,45
32,95
Paulo Afonso
584.337
1,14
74,94
2.111.521
1,37
75,15
Lus E. Magalhes
490.815
0,96
26,21
2.101.470
1,36
34,07
Juazeiro
700.213
1,37
55,88
1.927.198
1,25
53,41
Barreiras
632.831
1,24
33,79
1.874.212
1,21
30,39
Jequi
507.594
0,99
56,58
1.675.164
1,09
56,16
Teixeira de Freitas
344.044
0,67
21,55
1.272.166
0,82
28,09
268.178
0,52
27,99
988.319
0,64
30,29
Itapetinga
207.806
0,41
11,23
826.662
0,54
13,06
Itamaraju
167.420
0,33
10,49
501.431
0,32
11,07
Irec
135.599
0,27
26,07
498.279
0,32
27,89
130.647
0,26
13,63
447.592
0,29
13,72
96.843
0,19
10,80
295.363
0,19
9,90
51.095.842
100,00
154.340.456
100,00
Ipiu
Total da Bahia
78
PARTE I
destoam, por exemplo, de Irec e Teixeira de Freitas que, respectivamente, abarcam 33,54 e
38,95% da populao e 27,89% e 28,09% do PIB12 (Mapas 1 e 2).
No mbito do repasse aos municpios, esse fato modifica-se de forma substancial, pois nenhum
polo arrecada mais que 35,0% do montante destinado aos partcipes dos espaos metropolitanos. Verifica-se que Feira de Santana, Vitria da Conquista e Ilhus-Itabuna arrecadam,
respectivamente, 35,05%, 21,53% e 32,45% do total de repasse; e 26,50%, 17,91% e 31,84% do
fundo de participao dos municpios (FPM). Todavia, os dados internos s ditas reas metropolitanas comprovam um fato inconteste: a alta dependncia da maioria dos municpios do
FPM, j que so poucos aqueles em que os repasses no constituem mais de 50,0% do total,
inclusive muitos dos quais tm seus polos como cidades mdias13.
Por um lado, essa caracterizao e historiografia apresentadas so elementos importantes
para quem deseja compreender/explicar as propostas que visam constituir novas regies
metropolitanas na Bahia, ainda que no sejam por si determinantes, sobremodo, no que tange
aos pressupostos metodolgicos e tericos adotados nestas reflexes, algo mencionado no
tpico anterior. Por outro, todavia, desvelam pouco sobre os interesses taciturnos para sua
efetiva criao, escamoteados sob a forma de justificativas, o que tambm um aspecto
crucial para pensar o tema, bem como os limites de suas concepes.
Doravante, as reflexes sobre a instituio de uma regio metropolitana, cujo corolrio, para
vrios autores, est articulado a sua condio emprica, deslocam-se, neste texto, para outro
vis, aquele da dimenso discursiva. Talvez, nesse mbito, que permite desvelar parte da
tessitura das tramas polticas, se tornem um pouco mais claras algumas nuanas e interesses
que lhes sustentam, sem perder de vista, a priori, que algumas anlises ainda incorrem num
equvoco: desconsideram a ausncia de uma poltica clara, no Brasil, do Ministrio das Cidades, por exemplo, que tambm atenda s necessidades de pequenos e mdios municpios.
79
das cidades (municpios) que no foram considerados no bojo da regionalizao de metrpoles (SOUZA, 2006, p. 30). Nessa direo, ainda que se trate de um contexto social, poltico
e territorial distinto, nem tudo novidade.
Ao se analisarem as justificativas e os objetivos das dez novas propostas da Bahia, alguns
aspectos so visveis. O que tm em comum o fato de se utilizarem desse interstcio legal
porque acreditam garantir maior parcela de recursos para os municpios. Isso aparece em
todas as ideias, em especial, para a cidade polo, o que permite levantar, de incio, alguns
questionamentos: de que modo os pequenos municpios, de fato, se beneficiariam com a
aprovao desses projetos? Todos foram consultados para saber as implicaes de sua incluso
em uma regio metropolitana?
Sobre a primeira inquietao, parece claro que as propostas preocupam-se em fortalecer os
polos regionais, com a crena de angariar maiores repasses dos governos federal e estadual.
J foi mencionado que, nas ltimas dcadas, essas cidades mdias detiveram maior territorialidade do poder nas regies que colonizam, impondo-lhes novas vontades e interesses,
todavia, que nem sempre coadunam com as necessidades reais e efetivas dos pequenos
municpios que fazem parte de suas hinterlndias.
Esses projetos de regies metropolitanas parecem ter sido elaborados de cima para baixo, sem
consulta prvia e adequada aos representantes dos demais municpios, em geral, pequenos.
Disso exposto, no contm demandas ou preocupaes correspondentes realidade desses
ltimos, excetuando-se os hipotticos benefcios indiretos. Isso, sem deixar de considerar os
moradores dessas reas, muitos dos quais sequer tm conhecimento do que os mentores
querem com tais propostas. Nesses casos, a populao dos municpios principais tambm
est quase que completamente desinformada.
Salienta-se, contudo, que algumas propostas tocam em aspectos relevantes e que envolvem
o planejamento e a gesto dos respectivos municpios, em especial, relacionados maior
articulao no ordenamento de determinadas questes, como a destinao do lixo, o sistema
educacional, o atendimento sade etc. Todavia, nenhuma menciona algo que demande a
necessidade de instituio da regio metropolitana, como problemas reais que s poderiam ser
resolvidos por meio da gesto efetivamente partilhada, por exemplo, resultantes de conurbao
ou intensificao de dinmicas decorrentes de descontiguidades territoriais.
Pelos motivos supramencionados, do mesmo modo que pontuam Silva (2009) e Firkowisk
(2012) ao discutir o estado do Paran, verifica-se que, nos casos baianos, os pleitos para suas
instituies envolvem demandas que se referem, exclusivamente, s (carentes) polticas de
natureza de desenvolvimento regional, e no de carter metropolitano.
Porm, diferente do que se verifica em certas pesquisas sobre o tema, no admissvel aceitar
que o equacionamento do problema resida, pura e simplesmente, no fato de o governo federal estabelecer alguma medida que norteie critrios e normas para que os estados tenham
parmetros para instituir suas regies metropolitanas. Isso s resolveria um lado da questo,
80
PARTE I
16
17
3 - Os Estados podero, mediante lei complementar, instituir regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e
microrregies, constitudas por agrupamentos de municpios limtrofes, para integrar a organizao, o planejamento
e a execuo de funes pblicas de interesse comum (BRASIL, 1988, grifo nosso).
Alterado pelas emendas constitucionais de 2000 e 2010 (BRASIL, 2000, 2010b).
82
PARTE I
83
e FNDU, tais instrumentos nada mais sero que escapulrios forjados para manuteno
da ordem histrica: as reas metropolitanas como prioritrias18 .
Fica assaz exposto que o cerne de todas as propostas baianas encontrar meandros, hipoteticamente, que permitam a captao maior de recursos, oriundos dos governos federal e
estadual. Os mentores, menos preocupados com o equacionamento dos problemas regionais
e mais com a promoo de status e de seus interesses, ancoram-se em aberturas dadas por
instrumentos federais, como o Programa Minha Casa, Minha Vida, Programa de Acelerao
do Crescimento (PAC) I e II, Sistema Nacional de Saneamento Ambiental (SNSA) e as prprias
Conferncias Nacionais das Cidades19, para escamotear regies metropolitanas e justificar a
participao em programas como esses.
Se for considerado que uma parcela grande desses municpios (sobre)vive em funo dos
repasses, no preciso muito esforo para saber por que todos, inclusive os pequenos, sem
saber nem o que est ocorrendo de fato, vo concordar em participar; inclusive, sem questionar se efetivamente mudar sua realidade, caso tais regies metropolitanas sejam institudas,
bem como as consequncias de tudo isso.
Por isso, nas reflexes sobre o tema, fundamental considerar a criao de instrumentos,
tambm no mbito federal, passveis de permitir que os espaos no metropolitanos possam,
sem depender exclusivamente do Oramento Geral da Unio (OGU) ou da encanecida poltica
de barganha, encontrar recursos para viabilizar solues plausveis a suas demandas, especialmente, que as delineiam problemas de sade pblica, de direitos bsicos e constitucionais,
porque parece que nisso vem residindo parte do problema.
Nessa direo, ainda que o tema seja considerado como algo bastante recente, pesquisas
vm sendo feitas e demonstram que instituir novas regies metropolitanas no Brasil, na
maioria dos casos, no mudou absolutamente em nada a realidade dos municpios envolvidos. O caso de Feira de Santana se anuncia como um bom exemplo disso: foi instituda
em 2011, todavia, parafraseando a ideia usada por Cunha (2005), uma regio metropolitana que no saiu do papel e certamente nunca sair. A resoluo de seus problemas
no comea com a instituio da regio metropolitana, menos ainda terminar com sua
efetivao. Mas, sim, com a formulao de polticas srias e eficientes ( possvel pensar
essa utopia20 dentro da realidade contempornea, brasileira ou no?) que deem conta de
arquitetar, dentro de um planejamento e gesto comprometidos, mudanas socioespaciais
qualitativas para a maioria da populao.
18
19
20
Relatrios da 3 e 4 conferncias mencionam os pequenos municpios nos itens 77 e 25, que tratam, respectivamente,
das intervenes urbanas e recursos; e da relao entre programas governamentais (BRASIL, 2008; 2010a). Mas deixam
claras outras intencionalidades. Por exemplo, no item 96, da 3 conferncia, pontua: Incentivar ao conjunta dos
governos municipais, estaduais e do Distrito Federal na definio de polticas e solues dos problemas das regies
metropolitanas e das regies integradas de desenvolvimento econmico (Ride), pela vinculao do repasse de
recursos da Unio para projetos integrados (BRASIL, 2008, p. 49), o que refora o Art. 6 da Lei Complementar n 14,
de 1973, que instituiu as primeiras regies metropolitanas brasileiras (BRASIL, 1973).
Consultar verso integral da tese para mais detalhes (SANTOS, J., 2014).
Entendida como outro horizonte possvel.
84
PARTE I
21
85
REFERNCIAS
ALFREDO, A. Cidade e metrpole, uma identidade contraditria do processo de urbanizao
contempornea. In: CARLOS, A. F. A.; LEMOS, A. I. G. Dilemas urbanos: novas abordagens sobre a
cidade. So Paulo: Contexto, 2003. p. 45-56.
ASSOCIAO COMERCIAL E INDUSTRIAL DE SANTO ANTNIO DE JESUS. Municpios vizinhos a Santo
Antnio de Jesus: distncia e populao: Santo Antnio de Jesus: ACESAJ, 2013 (mimeografado).
BAHIA. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei Complementar n 35, de 29 de julho de 1994. Institui a
Regio Metropolitana de Feira de Santana RMFS e d outras providncias. Disponvel em: <http://
www.al.ba.gov.br/atividade-parlamentar/proposicoes.php>. Acesso em: 10 jun. 2011.
______. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei Complementar n 96, de 08 de julho de 2009a. Dispe
sobre a instituio da Regio Metropolitana de Vitria da Conquista, conforme o previsto no Art.
6, Captulo I da Constituio do Estado. Disponvel em: <http://www.al.ba.gov.br/atividadeparlamentar/proposicoes-resultado.php?cod=PLC/96/2009>. Acesso em: 29 ago. 2013.
______. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei Complementar n 95, de 18 de junho de 2009b. Institui a
Regio Metropolitana de Juazeiro, composta pelos municpios de Juazeiro, Canudos, Campo Alegre
de Lourdes, Casa Nova, Cura, Pilo Arcado, Remanso, Sobradinho, Sento S e Uau. Disponvel em:
<http://www.al.ba.gov.br/atividade-parlamentar/proposicoes-resultado.php?cod=PLC/95/2009>.
Acesso em: 29 ago. 2013.
______. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei Complementar n 94, de 19 de maro de 2009c. Institui
o municpio de Santo Amaro como parte integrante da Regio Metropolitana de Salvador e d
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______. Assembleia Legislativa. Lei Complementar n 35, de 06 de julho de 2011a. Institui a Regio
Metropolitana de Feira de Santana e d outras providncias. Disponvel em: <http://governo-ba.
jusbrasil.com.br/legislacao/1028289/lei-complementar-35-11>. Acesso em: 29 ago. 2013.
______. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei Complementar n 109, de 03 de agosto de 2011b. Institui o
municpio de Santo Estevo como parte integrante da Regio Metropolitana de Feira de Santana e d
outras providncias. Disponvel em: <http://www.al.ba.gov.br/atividade-parlamentar/proposicoesresultado.php?cod=PLC/109>. Acesso em: 29 ago. 2013.
______. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei Complementar n 101, de 16 de maio de 2011c. Dispe
sobre a criao da Regio Metropolitana de Vitria da Conquista RMVC e cria o Conselho de
Desenvolvimento e Integrao da Regio Metropolitana de Vitria da Conquista CRMVC e d
outras providncias. Disponvel em: <http://www.al.ba.gov.br/atividade-parlamentar/proposicoesresultado.php?cod=PLC/101/2011>. Acesso em: 29 ago. 2013.
______. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei n 19.174, de 12 de maio de 2011d. Dispe sobre a criao
da Regio Metropolitana de Vitria da Conquista RMVC e cria o Conselho de Desenvolvimento
e Integrao da Regio Metropolitana de Vitria da Conquista CRMVC e d outras providncias.
Disponvel em: <http://www.al.ba.gov.br/atividade-parlamentar/proposicoes-resultado.
php?cod=PL./19.174/2011>. Acesso em: 29 ago. 2013.
______. Assembleia Legislativa. Indicao n 18.466, de 24 de maro de 2011e. Indica ao Governador
do Estado da Bahia o encaminhamento de Mensagem para a Assembleia Legislativa com
Projeto de Lei Complementar, dispondo sobre a criao da Regio Metropolitana do Cacau.
Disponvel em: <http://www.al.ba.gov.br/atividade-parlamentar/proposicoes-resultado.
php?cod=IND/18.466/2011>. Acesso em: 29 ago. 2013.
______. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei Complementar n 102, de 17 de maio de 2011f. Dispe
sobre a criao da Regio Metropolitana de Itabuna RMI, cria o Conselho de Desenvolvimento e
86
PARTE I
PARTE I
LOPES, Alberto. Gesto metropolitana no Brasil: da coero simtrica ao voluntarismo sem modelo,
em busca da responsabilidade poltica com resultados. In: SILVA, Catia Antonia da; FREIRE, Dsire
Guichard; OLIVEIRA, Floriano Godinho de (Org.). Metrpole: governo, sociedade e territrio. Rio de
Janeiro: DP&A, 2006a. p. 137-156.
MARQUES, Gildo Rufino. Regio Metropolitana de Vitria da Conquista: uma realidade concreta?
2013.80 f. Monografia (Licenciatura em Geografia)Departamento de Geografia, Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia, Vitria da Conquista, BA, 2013.
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SANTOS, Milton; SILVEIRA, M. L. O Brasil: territrio e sociedade do incio do sec. XXI. Rio de Janeiro:
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90
PARTE I
91
INTRODUO
A partir do movimento pela reforma urbana iniciado na dcada de 80, que resultou na
aprovao de importante marco regulatrio que reflete antigos anseios da sociedade
organizada, o Estatuto da Cidade, a temtica urbana incorporou-se definitivamente
agenda das polticas pblicas no pas. Alm disso, aps um longo perodo de ausncia de
aes efetivas e estruturas formais associadas questo urbana, foi criada em 2003 uma
nova instncia institucional o Ministrio das Cidades que foi capaz de impulsionar
a discusso em torno da construo da Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano
(PNDU), realizando tentativas de esboar o Sistema Nacional de Desenvolvimento Urbano
(SNDU). Adicionalmente, ateno crescente passou a ser dedicada (a partir de estudos
acadmicos, simpsios, debates e no setor pblico) ao processo de metropolizao em
curso no Brasil, o que se materializou em iniciativas como a elaborao do Projeto de Lei
n 3460, de 2004 (Estatuto da Metrpole), que institui diretrizes para a Poltica Nacional
de Planejamento Regional Urbano, cria o Sistema Nacional de Planejamento e Informaes
Regionais Urbanas e d outras providncias.
Os novos padres de urbanizao e de organizao dos centros urbanos na Bahia que
conformam a atual rede de cidades especialmente a Regio Metropolitana de Salvador
(RMS) orientaram os contornos mais gerais de uma poltica de desenvolvimento urbano
e metropolitano para o estado, formulados no mbito da Secretaria de Desenvolvimento
Urbano (Sedur).
O trabalho vem acompanhado ainda por uma abordagem conceitual do processo de metropolizao, o que se supe de grande valia para o debate que vem sendo travado na rea,
bem como uma sntese do Estudo da Rede Urbana do Estado da Bahia, trabalho pioneiro
promovido pela Sedur e que aponta possveis polticas e medidas que visam fortalecer e
consolidar a malha urbana baiana.
A premissa adotada que a instituio de novas regies metropolitanas na Bahia deve partir
da compreenso da metropolizao enquanto processo socioespacial e ter como fatores
*
**
93
determinantes: o papel que desempenha no contexto do desenvolvimento nacional e regional, a estruturao da rede urbana do estado e as demandas geradas pela complexidade da
aglomerao urbana.
O PROCESSO DE METROPOLIZAO
O tema vem sendo tratado sob o aspecto da formao socioespacial, das caractersticas institucionais e polticas metropolitanas, das demandas de planejamento e gesto, conduzindo
para a necessidade de identificao e normatizao destas regies de natureza urbana.
A Constituio Federal de 1988 introduz as categorias de regies metropolitanas, aglomeraes urbanas e microrregies segundo a condio dos limites administrativos dos municpios
integrantes da regio e as finalidades de sua instituio, mas no trata da natureza urbana
destes espaos ou de sua formao enquanto processo de organizao socioespacial. Deixa,
ento, uma lacuna fundamental para a compreenso e a identificao destes processos e seus
respectivos graus de complexidade e importncia no contexto do desenvolvimento territorial.
Muitos autores e estudiosos vm aprofundando a anlise conceitual do processo metropolitano
e da formao das regies metropolitanas, prevalecendo um enfoque relativo complexidade
e diversificao de funes associadas a uma posio de comando.
Ribeiro (2005) compreende a noo de metrpole a partir das
[...] caractersticas atribudas s cidades globais como lugares centrais,
onde se efetivam aes de mercados e outras operaes globalmente
integradas, ao concentrarem percia e conhecimento, servios avanados e telecomunicaes necessrias implantao e ao gerenciamento
das operaes econmicas globais, bem como ao acolhimento de
matrizes e escritrios de empresas, sobretudo das transnacionais,
bancos e agncias de servios avanados de gerenciamento e de
consultoria legal, e de profissionais qualificados e por serem irradiadoras do progresso tecnolgico, como meios de inovaes.
Segundo Alves (1981), a regio metropolitana envolve uma [...] comunidade socioeconmica
com funes urbanas altamente diversificadas, especializadas e integradas, estabelece o
grupamento de municpios, em razo daquela mesma integrao urbano-regional.
Cruz (2010, p. 17) ainda acrescenta que [...] as metrpoles so instrumentos de desenvolvimento dos estados onde elas esto presentes. Este fato refora a necessidade de os governos
estaduais compartilharem, administrativamente, do fenmeno metropolitano.
Moreira (1989, apud CARMO, 2007) considera que uma regio metropolitana [...] pressupe um
fato social e econmico cuja essncia a metrpole, esta, o polo de atrao e/ou dominao
94
PARTE I
Diferentes autores, ainda que a partir de perspectivas tericas diferentes, reconhecem a metropolizao como expresso de um processo de formao socioespecial particularmente dinmico
e central para o capitalismo, o que fundamenta o papel que as metrpoles desempenham
nessas sociedades. Outros autores consideram ainda o papel central que os processos socioespaciais, a configurao de redes de cidades e os espaos-forma metrpoles desempenham
no capitalismo globalizado atual, no qual, num contexto de novas tecnologias de informao
e comunicao e de progresso de transaes imateriais, os grandes aglomerados urbanos e,
em especial, as metrpoles constituem lcus da criao de novos conhecimentos, matrizes
das redes de irradiao de inovao e centros decisrios adaptativos, dinmicos e complexos.
Como ensina Milton Santos, constituem espaos onde o meio tcnico-cientfico informacional se adequa s necessidades do desenvolvimento capitalista, num processo em que
unicidade tcnica e unidade do motor so os grandes dados inovadores de nossa poca e
que asseguram a passagem de uma situao de mera internacionalizao a uma situao de
globalizao (SANTOS, 2009, p. 18).
Para compreender a centralidade da questo metropolitana para o capitalismo contemporneo, h ainda que se reconhecer, a partir de Lefebvre (2005, apud COSTA, 2012, p. 4),
[...] que as metrpoles so o palco privilegiado da produo (social)
do espao social, que abrigam parte importante dos processos produtivos, expressam espacialmente um projeto societal e fornecem as
condies para a reproduo cotidiana de relaes sociais que so,
fundamentalmente, relaes socioespaciais, que se realizam por meio
do processo cada vez mais intenso de mercantilizao do espao e
de aprofundamento dos conflitos socioespaciais que refletem, no
fundo, disputas por projetos alternativos de sociedade.
95
PARTE I
As metrpoles brasileiras
A questo metropolitana passou a ser relevante no Brasil a partir das dcadas 50 e 60,
quando o processo de urbanizao se intensificou, principalmente, nas grandes cidades
do Sudeste So Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte , por conta do fortalecimento
do setor industrial no Brasil.
Em junho de 1973, foram criadas, pelo governo federal, as primeiras regies metropolitanas no
Brasil atravs da LCF 14/73: So Paulo, Salvador, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Recife,
Curitiba e Belm. Em 1974, foi instituda a Regio Metropolitana do Rio de Janeiro. O trao
comum entre elas era o rpido crescimento demogrfico provocado pela migrao de pessoas
em busca de oportunidades, principalmente de emprego; a concentrao de capitais privados
de cunho industrial e de servios atrados pelos benefcios concedidos pelo governo central
atravs da sua poltica de industrializao e a expanso da infraestrutura urbana.
O propsito da criao das regies metropolitanas era possibilitar um maior comando das
esferas de poder mais importantes da Federao, alm de permitir polticas setoriais especficas para estes centros.
O quadro muda em 1988. Com a redemocratizao brasileira h um reconhecimento da autonomia municipal no trato das questes urbanas e locais; transfere-se da Unio para os estados
o poder de instituir regies metropolitanas, editam-se o Estatuto das Cidades (em 2001) e, mais
recentemente, as polticas setoriais de Saneamento, Resduos Slidos, Mobilidade e Habitao
de Interesse Social, revelando um vazio institucional das regies metropolitanas.
Atualmente, um tero da populao brasileira vive nos principais espaos metropolitanos,
So Paulo, Rio de Janeiro, Braslia, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador, Recife,
Fortaleza, Belm, Manaus e Goinia (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATSTICA,
2008). O expressivo peso dessas principais metrpoles reflete uma participao relativa que
97
PARTE I
Contudo, o Estudo da Rede Urbana da Bahia, com maior aprofundamento da realidade baiana,
identifica novas centralidades e especificidades locais perceptveis em escalas mais prximas
das cidades, que fogem escala nacional de abordagem do Regic.
Centralidade [...] a propriedade conferida a uma cidade de oferecer bens e servios a uma populao exterior [...] a
regra de buscar os servios mais prximos organiza as cidades em nveis hierarquizados de centralidade, correspondendo
maior ou menor raridade dos servios ofertados, que se traduzem eles mesmos por uma hierarquia do tamanho dos
centros e da dimenso de sua rea de influncia (PUMAIN; PAQUOT; KLEINSCHMAGER apud BAHIA, 2011, p. 45).
99
A rede urbana baiana est praticamente limitada ao territrio do estado e apresenta grandes
reas a oeste quase que descoladas da rede estadual, com baixa ocupao do territrio, pequena
insero na dinmica socioeconmica do estado e baixa utilizao de servios bsicos.
Ncleo
Saltos hierrquicos
N total mun.
Salvador
Centro Local
Polo Local
Polo Sub-regional
Polo Estadual
Polo Regional
Classificao
Metrpole
Alm disso, a rede urbana da Bahia apresenta descontinuidades na hierarquia dos centros, com
saltos em sua conformao, ou seja, faltam nveis de centralidade intermedirios entre um centro
de menor hierarquia e um de hierarquia superior. Assim, a rede urbana baiana pode ser considerada
de mdia extenso e de mdia concentrao de polos. Existem vrios saltos hierrquicos entre a
cidade-polo e as cidades dos nveis subsequentes e poucos centros urbanos em nveis intermedirios (Quadro 1). uma rede pouco densa hierarquicamente, indicando grandes deslocamentos
para a obteno, muitas vezes, de servios de baixa complexidade.
39
48
50
54
Feira de Santana
Vitria da Conquista
34
2/1
36
Barreiras
19
2/1
21
29
32
20
22
11
13
Ilhus-Itabuna
Juazeiro
Jequi
Teixeira de Freitas
Eunpolis
Paulo Afonso
Irec
12
14
22
23
Guanambi
35
38
Senhor do Bonfim
12
13
10
11
Valena
Brumado
Jacobina
14
15
10
Ribeira do Pombal
13
14
Seabra
10
Itaberaba
409
Quadro 1
Posio hierrquica dos centros urbanos
Fonte: Bahia (2011).
100
PARTE I
As mais destacadas concentraes urbanas da Bahia, segundo o censo de 2010, so: as Regies
Metropolitanas de Salvador e de Feira de Santana, as concentraes de Ilhus/Itabuna, de
Vitria da Conquista e a reunio Juazeiro/Petrolina.
As RI de Salvador e Feira de Santana ocupam a 7 e a 6 posies, em tamanho e apresentam
as melhores condies quanto ao nmero de centralidades, de forma a dar suporte urbano
populao baiana sem necessitar de grandes deslocamentos.
A segunda RI relativamente mais importante a de Feira de Santana, cuja participao no PIB
da Bahia, em 2007, foi de 7,8%. Esse municpio foi o que mais ganhou participao relativa no
PIB da Bahia: de 3,7%, em 2002, para 4,3%, em 20072, o centro da Regio Metropolitana de
Feira de Santana recentemente instituda, com mais cinco municpios.
Os saltos hierrquicos refletem uma situao de alta concentrao de fixos no territrio baiano.
So poucas as cidades que detm a localizao de bens e servios, desde os considerados
raros at os mais cotidianos.
Essa situao fica evidente quando se considera que nas cidades de Feira de Santana, Vitria
da Conquista, Ilhus, Itabuna, Juazeiro, Barreiras e especialmente Salvador que se localizam,
de forma concentrada, os servios e comrcios frequentes e raros, os mdicos especialistas,
os equipamentos mdicos, as agncias bancrias, o volume de ativos, os cursos de graduao
e ps-graduao e as instituies de ensino superior.
Alm desses centros, classificados nas hierarquias superiores (Metrpole, Polo Estadual e Polos
Regionais), existem poucas cidades que so caracterizadas nas hierarquias intermedirias e
que, portanto, detm certa concentrao das atividades e servios mais elementares. Assim,
podem ser citados os Polos Sub-regionais e Polos Locais (4 e 5 posies hierrquicas)
101
PARTE I
regional, direcionado aos Territrios de Identidade e o planejamento urbano regional, voltado s regies urbanas definidas na Constituio Federal de 1988, entre as quais as regies
metropolitanas e as aglomeraes urbanas.
A Sedur deu incio elaborao da Poltica Estadual de Desenvolvimento Urbano, a qual
denominou Bahia Urbana e aprovou, junto ao Concidades-BA, seus principais fundamentos,
entre os quais os trs eixos de desenvolvimento: o Desenvolvimento Urbano, que trata da
qualificao do espao urbano; o Desenvolvimento Regional Urbano, referente estruturao
da rede urbana do estado, contemplando a poltica metropolitana e demais regies urbanas;
e o Desenvolvimento Institucional, voltado qualificao da gesto urbana.
Na perspectiva de fundamentao da abordagem metropolitana, respaldada na poltica de
desenvolvimento urbano do estado, o foco de interesse o eixo do Desenvolvimento Regional
Urbano, que tem as premissas, os objetivos e as aes estratgicas a seguir sintetizadas:
Premissas: descentralizao do desenvolvimento do estado; reduo dos desequilbrios socioterritoriais e urbano-ambientais; fortalecimento de novas centralidades urbanas; mudana
de paradigma para um modelo de construo de cidades em escalas e padres sustentveis
e integrao das polticas pblicas setoriais.
Objetivos: ampliar a capilaridade dos servios urbanos em todo o territrio; estimular o
desenvolvimento urbano das regies mais deprimidas; enfrentar impactos urbanos regionais
dos empreendimentos de grande porte; enfrentar a problemtica das cidades fronteirias e
a urbanizao desenfreada nas cidades de maior porte e nas metrpoles.
Aes estratgicas: identificao e institucionalizao, planejamento e gesto das RM e AU;
distribuio equilibrada de infraestrutura e servios urbanos e promoo da acessibilidade.
O CONTEXTO INSTITUCIONAL
A partir da CF/88 passa-se do sistema de governo centralizado ao democrtico, implicando
alteraes fundamentais no federalismo brasileiro com: a reformulao do pacto federativo,
104
PARTE I
A nova Constituio delegou aos Estados o poder de instituio e gesto das regies metropolitanas, mas no definiu regras e o Estatuto da Cidade omisso no trato da gesto metropolitana. No existe uma poltica urbana nacional ou de desenvolvimento regional que articule
as unidades institucionalizadas, seja na esfera federal ou dos estados.
Existem alguns programas e financiamentos federais em determinadas rubricas - Programa de
Acelerao do Crescimento (PAC), Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), PAC Mobilidade,
Programa Nacional de Segurana Pblica com Cidadania (Pronasci), Programa de Erradicao
ao Trabalho Infantil (PETI), Programa de Valorizao do Profissional da Ateno Bsica (Provab
2013), dentre outros - que privilegiam os municpios integrantes de RMs o que induz criao
de novas unidades metropolitanas, criando desvantagens para os municpios no includos.
Aps 1988, os Estados, ao institurem novas regies metropolitanas, se distanciaram do
sentido das metrpoles enquanto processo socioespacial e institucionalizaram unidades
regionais, dissociadas de polticas de desenvolvimento e de estruturas de gesto, planejamento e financiamento.
105
PARTE I
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108
PARTE II
POLTICAS PBLICAS
E AES DO ESTADO
NAS CIDADES MDIAS
E PEQUENAS
95
109
Nossa contribuio busca no urbanismo um campo de reflexo no mbito dos estudos sobre
cidades mdias e pequenas. Em especial trazendo uma viso crtica preliminar sobre planos
diretores ps-Estatuto da Cidade (ao do Estado) e as polticas voltadas para organizao
do espao intraurbano na Bahia apresentando estudo de casos (Caetit e Itamb).
PREMISSAS BSICAS
[...] o que uma teoria? A alma de uma teoria a sua hiptese,
[...] proposta para explicar alguma coisa.
Clouser, 2003
Uma hiptese consistente, em uma rea de conhecimento qualquer, algo mais estvel, a ser
comprovado/refutado na pesquisa sistemtica, at se transformar em paradigma. Na prtica
do urbanismo, muitos paradigmas (falsos) proliferam como crenas e/ou ideologias disseminadas e, via de regra, no resultam de teorias consistentes, mas de repeties de frases
cujo efeito firmar pontos de vista sem validade cientfica. Da, muitos paradigmas precisam
ser desvelados na sua essncia, para se entender a quais interesses servem, sobretudo no
planejamento e na gesto das nossas cidades.
Cabe ao pesquisador atento o esforo contnuo de desmontar as pseudoteorias e seus paradigmas, em especial aqueles postos na realidade histrica dos planos e projetos urbanos em
geral, para atender interesses velados, omitidos pelos autores.
Doutor em Arquitetura e Urbanismo e mestre em Geografia pela Universidade de So Paulo (USP) e graduado em
Arquitetura pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor titular da Faculdade de Arquitetura da UFBA.
[email protected]
111
As grandes cidades mundiais sempre abrigaram um rol de insatisfaes histricas, com planos/
aes de toda ordem utpicos e/ou pragmticos.
O mote da nossa fala que as cidades mdias e pequenas tm sido um tema secundrio e
marginal para os urbanistas, planejadores e economistas. O estudo da lgica de reproduo
delas no territrio constitui um universo ainda pouco aprofundado no urbanismo nacional,
sobretudo hoje, com as raras excees de sempre: na geografia, sociologia, antropologia etc.
Um tema importante, retomado neste III Simpsio em boa hora.
PARTE II
Thomas Morus (ou Thomas More: 1478-1535) um pensador humanista do sculo XIV. Em 1516 traduziu do latim para
o ingls a sua obra mais divulgada: Uthopia (A Utopia).
113
Fcil observar que na Bahia, qui no Brasil, os termos aludidos ainda so conceitos vagos,
postos nos vrios PDUs de forma repetitiva, ou soltos, como uma miragem no deserto das
ideias contemporneas. Na prtica, s o uso de palavras de ordem pouco contribui para um
efetivo processo de planejamento que seja, ao mesmo tempo, participativo, sustentvel
e inclusivo, supostamente visando reduo das desigualdades sociais. Portanto, entre a
utopia atual e a realidade do mundo concreto, persiste um fosso de difcil ultrapassagem, a
seguir pontuada.
114
PARTE II
Ademais, sabido que o processo de urbanizao mostra uma tendncia mundial de concentrao, fato que se repete no Brasil, e na Bahia, de forma evidente e insofismvel.
Os dados do IBGE registram que a curva do ndice de urbanizao aponta o Brasil como um
pas crescentemente urbano (Grfico 1). A populao vivendo em cidades j superior a 80%.
Tambm possvel inferir que o crescimento da taxa de urbanizao tende a diminuir, na
medida em que a populao rural j no , ou no ser, to expressiva para assegurar fluxos
migratrios crescentes campo-cidade. Isto no impede que continue a existir migrao entre
116
PARTE II
as cidades e regies, numa mobilidade crescente, algo fcil de constatar e at prever, caso se
pretenda uma poltica de urbanizao mais consequente.
90
80
70
60
50
40
30
20
Urbana
10
Rural
0
1960
2000
2010
Anos
Grfico 1
Participao da populao urbana e rural no total Brasil 1960-2010
Fonte: IBGE. Censo Demogrfico (1960, 2000, 2010).
Isto posto, listam-se algumas questes que PDUs (isoladamente) no podem responder.
Pois sem um planejamento estatal vigoroso, em escala regional, impossvel que se tenha
respostas para perguntas clssicas, como:
Salvador metrpole/nacional: sua rea de influncia abrange 6 capitais regionais, 16 centros urbanos sub-regionais, 41 centros urbanos de zona e 486 municpios e manteve-se
estvel e quase restrita ao prprio Estado da Bahia. Inserindo gradativamente os fluxos
internacionais de turismo e de capital imobilirio.
117
Feira de Santana, Ilhus/Itabuna e Vitria da Conquista: so grandes polos de concentrao populacional e atividades econmicas de importncia regional, consideradas como
capitais regionais se articulam s principais rodovias nacionais.
13 cidades mdias (100 a 500 mil habitantes): do conjunto apenas Lauro de Freitas acendeu
a esta condio nos ltimos 40 anos.
73 cidades na faixa de 10.000 habitantes (17,5%): estabilizadas como centros urbanos
locais - cuja centralidade urbana no extrapola os limites municipais.
147 municpios com populao urbana entre 5 e 10 mil habitantes (35% do total) (BAHIA, 2010a).
Registra ainda o documento que a regio litornea concentra grande populao urbana, em
pequeno nmero de cidades, e no interior fica o maior nmero de cidades com populao urbana
pequena (BAHIA, 2010b). Essas concluses podem ser corroboradas pelos Cartogramas 1 e 2.
De resto, a rede urbana da Bahia tem uma caracterizao geral, posta assim:
118
PARTE II
Cartograma 1
Taxa de urbanizao Bahia 2000
Fonte: Atlas Escolar Bahia (2004).
Concluindo: pelo estudo da Sedur (BAHIA, 2010a, 2010b), 85% da populao moram em
cidades, e apenas 15% esto na rea rural (?). Mas possvel anotar que, do total, 52,5%
moram em cidades pequenas, entendidas como aquelas enquadradas at a faixa de 10
mil habitantes. Isso deve ser mais aprofundado e estudado, na medida em que se trata de
algo expressivo no universo baiano.
119
Uma questo derivada: o que cidade no Brasil pode no ser em outros pases. Os EUA
estipulam 50 mil hab. E a ONU recomenda 20 mil hab. S os pases menos exigentes fixam
em 2 mil hab. Ento, assentamentos de 2 mil habitantes ou menos so mesmo cidades?
Cartograma 2
Predominncia de populao urbana Bahia 2000
Fonte: Atlas Escolar Bahia (2004).
120
PARTE II
evidente que as diretrizes possuem um teor genrico, confortvel, que, como desejo ou vontade,
at certo ponto, aparenta ser inquestionvel (difcil ser contestado), dando seguimento aos princpios
gerais. Mas, a rigor, uma listagem ou rol de intenes (que agrada a muitos) que no expressa, tecnicamente, um conjunto de diretrizes passveis de aplicao. Enfeixa to somente pontos ou objetivos
gerais (clssicos), cuja principal dificuldade de implementao, na prtica, resulta da inexistncia de
metas a serem cumpridas. Outra dificuldade vem da sua desvinculao com os recursos necessrios
(oramento, verbas, fontes etc.) para a execuo no espao concreto das cidades. Curioso notar que os
objetivos esto postos aps o arrolamento das diretrizes, quando, em geral, antecedem as diretrizes.
E os objetivos especficos apenas repetem/ampliam os objetivos gerais:
III. OBJETIVOS
Objetivo Geral
Orientar aes e investimentos em desenvolvimento urbano no Estado
da Bahia, de forma a elevar o patamar da qualidade de vida urbana
das cidades e contribuir para a reduo das disparidades regionais,
das desigualdades scio-territoriais e dos desequilbrios urbano-ambientais, oferecendo melhores condies de desenvolvimento
humano e econmico a todos os cidados.
Objetivos Especficos
Reforar a complementaridade cidade-regio, diminuindo
disparidades;
Fortalecer as cidades potencializadoras do desenvolvimento regional
econmico e social buscando o equilbrio urbano e rural;
Implantar o Sistema de Desenvolvimento Urbano da Bahia como
forma de integrar as polticas pblicas setoriais e instrumentos da
poltica urbana, bem como democratizar a gesto;
Articular as polticas de desenvolvimento urbano promovendo a
intersetorialidade e integrao territorial entre os entes federativos
e entre setores da administrao estadual (BAHIA, 2010a, p. 7).
122
PARTE II
Questes para debate: Quais as metas a alcanar, por regio, cidades ou municpios, nos planos
plurianuais? Como articular as intenes acima ao cotidiano da gesto urbana?
De 417 municpios baianos, 160 tinham PDU (em 2009) elaborados aps o Estatuto da
Cidade (38,36%), cobrindo a maioria das cidades estratgicas do estado. Poucos so
obedecidos, cumprindo sua funo social (FERNANDES, 2011).
A Bahia ocupa o 19 lugar no ranking nacional de ndice de Desenvolvimento Humano
(IDH), estando frente de todos os estados nordestinos, porm, atrs de todos os estados
das demais regies do pas.
A relao entre oramento/populao/PPA (2012-2015) fixa:
Populao/2010: 14.016.906 habitantes
PPA /2012-2015: R$ 56.753.610.721,00
Resultante:
R$ 4.049,00 per capta (trs anos)
R$ 1.349,66 per capta/ano
R$ 112,47 per capta/ms
123
Cartograma 3
Territrio de identidade da Bahia
Fonte: Superintendncia de Estudos Econmicos e Sociais da Bahia (2012).
124
PARTE II
Cartograma 4
Municpios analisados Bahia
Fonte: Fernandes (2010).
125
Cartograma 5
Biomas do Brasil
Fonte: S Biologia (2013).
126
O mau uso do solo no meio rural, com a retirada da flora/fauna de modo agressivo e
radical, para pastagens e agricultura, e o uso excessivo de produtos qumicos contaminantes so fatores de risco para os biomas de cerrado, da catinga e da mata atln-
PARTE II
tica (exceo a culturas como a do cacau, seringueiras e outras, que podem ajudar a
preservar o meio ambiente).
No meio urbano, os vestgios de biomas, ainda que existam (muito poucos), so frequentemente agredidos e substitudos por flora exgena, num paisagismo urbano avesso
flora local (cidades novas da Chesf e jardins das cidades em geral). No caso, Burle Marx
e poucos profissionais so excees e no a regra.
Nossas cidades se expadem sobre o espao rural de modo pouco racional, sem obedecer
aos planos diretores (s vezes eles induzem), sendo comum devastar o stio fsico (Porto
Seguro, Cachoeira, tombadas, so paradigmas).
127
Figura 1
Imagens do semirido.
Fonte: Blog do Didi (2013); Banco do Nordeste (2012); Blog do Abelhudo (2012).
A maioria dos planos diretores analisados nunca trata de uma questo central: a relao
entre densidade/bairros/zonas.
Os parmetros urbansticos nunca se articulam s densidades habitacionais (por zona),
pois so nmeros repetidos, copiados, de outras cidades (para que servem? Ou a quem
servem?).
Os planos diretores atuais revelam um misto de descaso e incompetncia tcnica com as
densidades urbanas, aliado ao velho descompromisso poltico-administrativo na gesto
do meio ambiente (natural ou construdo).
A cidade consome e produz coisas em funo da populao e das atividades no espao
intraurbano e regional (como espao polarizado). inaceitvel que os parmetros urbansticos no se articulem realidade analisada e/ou projetada.
Tudo isto implica uma constatao bvia: os PDUs deveriam ter regras claras, para serem
obedecidas de fato. Nem as regras so claras (pelo amontoado de leis), nem tampouco so
obedecidas. Na maioria dos casos analisados, a transgresso consentida pelo poder pblico;
a regra. Inclusive no custa relembrar o chavo conhecido e repetido pelas pessoas: existem
leis que pegam e leis que no pegam. No corpo das leis, observa-se a mesma coisa: alguns
artigos so esquecidos e omitidos no uso cotidiano.
128
PARTE II
Ainda anota o relatrio da rede de avaliao, nos estudos de caso (COSTA, 2006, p. 3-4), em
trechos importantes da avaliao qualitativa, merecedores de registro, pela gravidade da
situao constatada:
[...] No processo de elaborao e aprovao do Plano Diretor,
ocorreu uma nica audincia pblica. Esta teve um carter festivo, tendo ocorrido no dia de entrega do Plano ao Prefeito. Dela
participaram cerca de 30 pessoas. No houve discusso ou debate
sobre o contedo da Lei. Nesta ocasio, estiveram presentes,
alm do prefeito, os vereadores Jos Adolfo e Manuel da Palma.
O Plano foi enviado Cmara dos Vereadores via ofcio, tendo
sido aprovado no mesmo dia noite.
129
PARTE II
ou mesmo da existncia de um plano diretor para o municpio. Dentre elas, alguns parentes,
cuja resposta era sempre decepcionante, vaga, demonstrando a ausncia de qualquer debate/
participao ampla mais pertinente com a populao moradora mais antiga. Curiosamente,
quase todos os entrevistados tinham uma viso crtica da cidade e da gesto municipal, mas
nada sabiam do plano diretor elaborado e depois aprovado pela Cmara de Vereadores.
Figura 2
Implantao por perodo Itamb, Bahia
Fonte: Itamb ([2003?]).
Entretanto, o PDU inicia sua justificao com um discurso muito ambicioso, que sinaliza um
compromisso de largo alcance, a saber:
[...] as diretrizes gerais da Poltica de Desenvolvimento Urbano
se referem definio de uma estratgia de desenvolvimento
que contemple as dimenses econmicas, ambientais e sociais
do Municpio de Itamb; maximizao do retorno econmico e/
131
3
3
5
Anexo
Projetos das Aes Programticas do PDDU
62
62
66
88
27
88
46
88
46
Anexo
48
Anexo
90
56
57
58
Anexo
59
Definies
133
60
139
61
91
92
91
162
Figura 3
Sumrio do PDU de Itamb
Fonte: Itamb ([2003?]).
No campo dos prognsticos, a Figura 4 faz projees que no se articulam s demandas por
solo urbano, nem s reas de expanso projetadas para a sede. Como se demonstra a seguir,
no se cotejou o crescimento demogrfico com os limites do novo permetro urbano; muito
menos com os parmetros urbansticos propostos. As densidades residenciais encontradas
na realidade concreta (baixa densidade) colidem com a lgica da poltica de expanso urbana
proposta, pelos altos ndices de utilizao e ocupao do solo (Iu e Io), implicando altas
densidades, similares aos parmetros de grandes metrpoles, de difcil viabilizao numa
cidade do porte de Itamb.
132
PARTE II
Figura 4
Projees populacionais
Fonte: AST Consultoria (baseada em dados da FIBGE).
O mapa do PDU001 (Figura 5), que define o permetro urbano, ou seja, os limites da rea
urbana e de expanso projetada, mostra uma hipertrofia da expanso da cidade, sem a
devida justificao do desenho urbano proposto. Resulta inconsistente a proposta, pelas
razes a seguir:
1) A sede em 2003 tinha uma populao de 18.678 habitantes (57,38% do total); e em 2023,
a populao projetada de 24.300 habitantes (54,30% do total).
2) O incremento de mais 5.772 habitantes na sede, mantidas as densidades de 2003, precisaria de um acrscimo de apenas 30,9% de rea expandida, ou at menos, diante das baixas
densidades brutas registradas no relatrio consultado.
Observao: como se justifica triplicar a rea do permetro urbano se a taxa de crescimento
cai de 1,47% para 1,25%? Expanso para quem?
133
Figura 5
Permetro urbano proposto da sede municipal Itamb, Bahia
Fonte: Itamb ([2003?]).
PARTE II
LEGENDA
BR - 415
Via Marginal
Via Coletora II
Via Arteria II
Via Local
Via Coletora I
Figura 6
Sistema virio proposto da sede municipal Itamb, Bahia
Fonte: Itamb ([2003?]).
A histria recente mostra que as vias de contorno (anis e semianis rodovirios), replicadas na proposta no PDU, atraem usos/atividades, mas quase nunca servem de limite
expanso das cidades. Basta ver os casos de Feira de Santana, Jequi, Vitria da Conquista, Itabuna, Itapetinga etc. Mas uma ideia posta no PDU de Itamb, sem qualquer
justificao tcnica plausvel.
Contraditoriamente, o PDU afirma sobre a expanso urbana:
Embora a cidade no indique a necessidade de reas de expanso
como prioridade, a Prefeitura deve fazer um esforo de antecipao a
invases futuras, atravs de ocupaes desordenadas, que ocasionem
impacto ambiental e prejuzo maior das margens do rio verruga assim
como o assoreamento do seu leito. Essas reas invadidas acarretariam
uma demanda por aes do municpio, pressionando por maiores
investimentos. Indica-se que estas reas sejam planejadas para o uso
de lazer e proteo ambiental. (ITAMB, [2003?], p. 137).
135
136
PARTE II
Zoneamento Urbano
Ambiental (Categorias)
Zoneamento de Expanso
Preservao
Zona de Preservao
Zona de Urbanizao
Controlada (ZUC)
Uso Sustentvel
Zona de Adensamento
Zona de Expanso
Compartilhamentos Homogneos
Ambientais (Localidades)
Quadro 1
Sntese do zoneamento
Tabela 1
Parmetros por zonas da cidade (PDU/Itamb)
Z
Zonas
IP
permeabilidade
Io
ocupao
Iu
Utilizao
Z 01
0.4
0,5
2,5
Z 02
0,5
0,4
2,5
Z 03
0.4
0,5
2,5
Z 04
0,3
0,6
2,0
Z 05
0,2
0,7
3,0
Z 06
0,2
0,7
3,0
Z 07
0,3
0,6
2,0
Z 08
0,3
0,7
3,0
Z 09
0,2
0,7
2,0
Z 10
0,3
0,6
2,0
Z-I
0,2
0,7
2,0
Obs.
Os ndices de utilizao do solo
similares aos bairros mais densos de
Salvador (cpia?).
Na proposta, evidente um
superadensamento, algo que
contradiz a realidade diagnosticada.
Destaques em vermelho para
adensamento posto.
137
PARTE II
O urbanismo (nos PDUs) algo virtual, como tantas outras coisas, no mundo do planejamento estatal.
O processo de acumulao atual requer um mundo-virtual, que consome e consumido
pelas pessoas; impe uma viso de mundo andino e alienante; perpassa o cotidiano de
muitos e uma cidade ideal (PDUs), que tambm afeta:
- A poltica (pesquisas de opinio em lugar do debate poltico e da luta por princpios);
- o amor, o sexo, a amizade etc. (salas e redes de bate-papo, fora da praa, reduzindo o
espao pblico esfera privada);
- o estudo apressado da realidade (pouca reflexo versus quantidade de informao, por
exemplo, num estril produtivismo acadmico, em programas populares, na mdia
espetaculosa etc.);
- a arquitetura criando no lugares (apagando da memria urbana os lugares significativos);
- o consumo de objetos suprfluos (desnecessrios, mas girando a economia formal);
- a f espetaculosa/religiosa (dogmtica, sectria e separativa);
- a arte hedonista (de baixo compromisso social);
- o sucesso efmero como meta individual, em vez do - prestgio profissional (baseado
na meritocracia);
- o colonialismo cultural (reproduzindo teorias/conceitos da moda).
mentao urbana, tem gerado os fluxos intensos entre os ncleos urbanos mais dinmicos
(os antigos polos), incluindo:
- Acelerao do tempo na cidade real e uma crescente mobilidade, em crise, nas cidades
mdias e grandes;
- espao comprimido/adensado e um sprawl urbano-metropolitano;
- especulao imobiliria induzindo o uso e ocupao do solo;
- segregao socioespacial como regra de modelos de um modo de vida exclusivista
(guetos cercados), incompatveis com a cidadania;
- estmulo volta do urbanismo demolidor e dos vazios, promovendo deseconomias
planejadas nos PDDUs;
- apropriao privada dos espaos pblicos e dos investimentos estatais.
No caso brasileiro, planos diretores e estratgicos repetem o discurso de participao e sustentabilidade, baseado num consenso forjado, fortemente entranhado no aparelho de Estado.
Hoje, a utopia urbana de controle do uso do solo colide com a realidade virtual dos PDUs, tudo
diludo no discurso da democracia direta (participao popular) versus uma crise evidente da
democracia representativa. Nesse processo se observa o franco declnio da gesto urbana, pois
prefeituras e cmaras de vereadores so refns, submissas aos ditames do mercado imobilirio, cuja
fora se impe atravs de representantes (eleitos) dentro do aparelho de Estado, independentemente
da metodologia participativa rumo sustentabilidade improvvel de acontecer.
E se for tudo acima listado, ao mesmo tempo, corre o risco de no ser muito. Talvez, apenas
mais uma ideologia da transformao do mundo baseada numa crena (messinica ou
platnica?) na qual a realidade se dobraria s boas ideias, desinteressadas e altrustas, num
cenrio ideal (o den?).
140
PARTE II
REFERNCIAS
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Disponvel em: <http://fagundeslima.blogspot.com.br/2013/05/nordeste-pode-receber-ate-6-milcarros.html>. Acesso em: 15 maio 2013.
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142
INTRODUO
As polticas pblicas executadas num dado perodo podem, em grande medida, resultar em
aes com fortes rebatimentos espaciais. Verifica-se j certa tradio acadmica no Brasil de
se analisarem os resultados das polticas pblicas. Esses estudos so necessrios e importantes. No entanto, neste artigo foi sintetizada uma investigao realizada no municpio de
Ponto Novo, no semirido da Bahia, que permitiu pesquisar uma poltica pblica desde a sua
gnese at a sua execuo.
Alm disso, continuou-se o acompanhamento dos rebatimentos dessa ao at a atualidade
(2013) justamente em funo da amplitude das transformaes territoriais executadas em um
pequeno municpio. Tambm porque h uma concordncia com os argumentos de Boneti
(2007) quando afirma que as polticas pblicas tm sido abordadas, de forma mais geral, no
contexto acadmico, a partir de focos especficos, como resultados da aplicao dos recursos
pblicos, os investimentos pblicos e estudos apenas dos projetos e programas derivando
para uma anlise de resultados. Aqui se prope ir mais adiante, analisando as polticas pblicas
da gestao operacionalizao.
Nesse texto, apresenta-se uma caracterizao do municpio de Ponto Novo. Em seguida,
analisa-se a gnese das polticas pblicas, demonstrando como nasceu um projeto de
governo, como o mesmo foi executado e quais foram os rebatimentos para a pequena
cidade de Ponto Novo. Os limites de um artigo no permitem aprofundar todos os aspectos possveis1. Por isso se optou por focar nos pontos mais relevantes para se entender
como a ao do Estado redefiniu pores de espao no municpio e como essa redefinio
influenciou a pequena cidade.
Doutorado em Geografia pela Universidade de Santiago de Compostela (USC) e mestre em Engenharia de Produo
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor adjunto da Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS). [email protected]
Indicamos, para os interessados numa anlise aprofundada da questo, a tese intitulada Recursos hdricos, ao do
estado e reordenao territorial: o processo de implantao da barragem e do distrito de irrigao de Ponto Novo no estado
da Bahia Brasil, aqui referenciada (SILVA, 2008).
143
PARTE II
amplos servios que ela oferece, ao mesmo tempo em que dificulta a implantao desses
servios no municpio em estudo.
Do ponto de vista dos recortes territoriais, principalmente aqueles usados pelos rgos
pblicos para fins de estatsticas e planejamento, Ponto Novo faz parte da mesorregio
geogrfica Centro-Norte Baiano, da microrregio geogrfica de Jacobina, da regio econmica Piemonte da Diamantina (Mapa 1), da regio administrativa de Senhor do Bonfim,
do eixo de desenvolvimento da Chapada Norte e do territrio de identidade Piemonte
Norte do Itapicuru.
Esses espaos sempre foram foco de programas de governo para a reduo da pobreza
e combate seca. Eles esto integrados, de forma que a pesquisa sobre o municpio de
Ponto Novo no pode deixar de considerar sua insero no semirido em funo da
fora de ao que esse fato representa no contexto brasileiro e na bacia do Rio Itapicuru, uma vez que, no Brasil, por lei, a bacia hidrogrfica a unidade de gerenciamento
dos recursos hdricos.
Alm disso, as reas em questo esto inseridas no Nordeste brasileiro, regio que tem uma histria peculiar com relao aos aspectos referentes ao uso da gua, pois nela se encontra a maior
rea semirida do Brasil e o processo histrico conhecido como indstria das secas.
Logo, as intervenes realizadas pelo Estado nos ltimos anos tm influenciado a organizao do espao rural e transformado tanto a dinmica municipal como a forma e os
processos que definem o crescimento e/ou reduo do tamanho da sede do municpio,
considerada uma pequena cidade pelos critrios do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatstica (IBGE).
Desde 1998, quando a interveno estatal se intensificou com o processo de construo de
uma grande barragem no Rio Itapicuru-Au, prximo sede municipal, Ponto Novo passa
por uma reestruturao, com aes de base territorial que refazem territorialidades e recriam
o papel dos agentes de produo do espao e da ordenao do territrio.
justamente esse processo um indicativo de como a ao do Estado influencia a produo do
espao. O fato de ter um pequeno porte amplifica os rebatimentos das intervenes realizadas
pela ao do governo baiano a partir da construo da barragem, pois esse municpio passou
a contar com uma nova infraestrutura, inclusive com um papel regional mais importante, j
que a prpria barragem e os projetos de irrigao esto tendo influncia para alm dos seus
limites. Ponto Novo um exemplo taxativo de como a ao do Estado pode redirecionar os
rumos em uma dada poro do territrio que priorizada.
145
Mapa 1
Municpio de Ponto Novo no contexto da regio econmica Piemonte da Diamantina
Bahia 2007
Fonte: SEI, 2005.
Elaborao: Onildo Arajo Silva.
146
PARTE II
Percebe-se claramente que a ideia de modificar o rio para armazenar gua foi sendo construda no seio da prpria comunidade, sendo apropriada pelos polticos, pelas lideranas
de trabalhadores e gestada como uma forma clara de reivindicao da comunidade local.
Isso colabora com a ideia de que uma poltica pblica nasce no seio da comunidade, das
suas contradies, dos conflitos e dos interesses comuns. Porm, importante ressaltar
que nem sempre o percurso pode ser esse. Uma ideia pode nascer de um estudo tcnico, da criatividade de um pesquisador etc. e ser assumida pela comunidade como uma
reivindicao sua. por isso que se faz cada vez mais pertinente a avaliao minuciosa
da gnese do processo.
No caso especfico de Ponto Novo, j existia uma necessidade, a ideia e seus defensores.
Transferi-la para a esfera da burocracia estatal foi uma conjuno de fatores. Inclusive
esse desejo da comunidade j aparece quando da realizao dos planos diretores de
recursos hdricos (PDRH). Na Bahia, eles foram elaborados entre 1992 e 1997, sendo que
o Plano Diretor de Recursos Hdricos da Bacia do Rio Itapicuru ficou pronto em 1995 e
previa aes a serem executadas nos 20 anos subsequentes. O documento prope vrias
barragens, entre elas a de Ponto Novo, que gerou o aude de mesmo nome. No PDRH,
a barragem sugerida:
[...] com o objetivo principal de funcionar como reservatrio para
abastecimento de gua da sede municipal, com cerca de 6.000
mil habitantes e abastecimento de gua de uma rea de reforma
agrria, situada a cerca de 5 Km da sede do municpio, ao sul da
cidade. Este barramento poder atender a uma rea de irrigao
de pastagens e de culturas de subsistncia com um potencial de
148
PARTE II
Assim, destaca-se que a construo da barragem de Ponto Novo j foi identificada como
importante ao para a consolidao de uma poltica de uso planejado da gua muito antes
da posse do governador que estava gerindo o estado quando da sua construo em 1999.
Ou seja, ela aparece como um reflexo da participao de setores organizados da comunidade
na elaborao do plano diretor.
No entanto, a construo de fato s ocorreu quando foi eleito o ento governador Paulo
Souto, que definiu como prioridade, na esfera dos recursos hdricos, a elaborao de um projeto de gerenciamento de recursos hdricos (PGRH) focado no semirido baiano e elegendo
como prioritria a bacia do Rio Itapicuru. essa transio entre a primeira fase de gerao
de polticas pblicas e uma segunda fase de burocratizao pela administrao estatal que
interessante avaliar com mais cuidado no caso de Ponto Novo.
Ou seja, quando o estado decide fazer, ele elabora o PGRH e inverte a prioridade do PDRH.
Ao invs de construir barragens para pequenos projetos de irrigao, para abastecer os
assentamentos j existentes e amenizar a falta dgua para as comunidades ribeirinhas, os
tcnicos propem uma grande barragem associada a um grande projeto de agricultura irrigada centrado em lotes empresariais.
Essa inverso ocorreu sem conflito, pois o pequeno municpio de Ponto Novo no contava com uma grande mobilizao da comunidade, que entendeu que construir uma
barragem seria bom. Porm, importa destacar que, nessa transio, realizada na esfera
da burocracia administrativa, a ideia foi totalmente modificada para atender a outros
interesses diferentes daqueles identificados por sua comunidade: gua e terra para a
grande empresa atuar com fortes subsdios estatais e no gua para os que j tinham
terras, sejam os reassentados da reforma agrria, sejam os pequenos e mdios proprietrios das terras s margens do rio.
Sem mobilizao contrria, o Estado passou a executar os projetos, finalizando-os em
2006. Foram construdas trs grandes barragens Pindobau, Pedras Altas e Ponto Novo,
sistemas adutores, canais de irrigao e sistemas de abastecimento de gua, sistemas de
energia eltrica e estradas. O resultado foi a criao do Distrito de Irrigao de Ponto Novo,
que atende lgica da produo de frutas para um mercado cada vez mais competitivo
e seletivo, deixando parte da comunidade de Ponto Novo frustrada com os resultados
do processo.
149
150
PARTE II
Aes executadas
Indicadores de execuo
Quadro 1
Principais aes realizadas no contexto de execuo do PGRH de Ponto Novo, Bahia 2006
Fonte: Silva (2008).
Terminada essa etapa, o estado fez concesso da terra, ao longo dos canais de irrigao, para
uso empresarial, finalizando sua ao e colocando a gesto dessa poro de espao reestruturada sob comando do Distrito de Irrigao de Ponto Novo, entidade criada para esse fim e
que congrega todos os irrigantes.
Portanto, o PGRH, como principal projeto do governo do estado da Bahia entre 2003 e 2006,
realizou uma srie de aes que tiveram rebatimentos no municpio de Ponto Novo, lcus das
principais intervenes, e influenciaram a pequena cidade sede do municpio.
importante demarcar que, a partir de 2007, comeou a atuao das empresas privadas do
setor do agronegcio da fruticultura irrigada com a promessa de gerao de emprego, renda
e desenvolvimento para o municpio. Os dados atuais (2013) demonstram que as promessas
no se cumpriram at aqui. Nesse intervalo tambm apareceram conflitos mais explcitos
referentes ao uso da terra e da gua. A pequena cidade de Ponto Novo est envolvida nesse
processo j h duas dcadas. A seguir, ressaltam-se as principais nuances relativas influncia
desse processo para a dinmica espacial da cidade.
151
Verifica-se na fala acima, alm da ratificao de que a propaganda do governo teve forte
peso na minimizao de conflitos, que houve tentativas de ampliao do comrcio local e
das pequenas indstrias. Mas essas iniciativas no se sustentaram, pois os empregos prometidos no foram gerados para criar, pelo menos, um mercado consumidor de gneros
de primeira necessidade.
Sobre esse aspecto indicamos a leitura do artigo gua a servio do grande capital: a influncia do Banco Mundial na
ao de governos neoliberais no Brasil (SILVA, 2010).
152
PARTE II
Outro forte rebatimento na cidade foi a venda, por pequenos e mdios agricultores, das
suas propriedades rurais. Segundo Sobrinho (2010), para a construo da barragem, foram
deslocadas 213 famlias, sendo 56 do municpio de Ponto Novo, 23 do municpio de Sade,
88 de Filadlfia e 46 de Pindobau. Essas famlias tiveram suas terras alagadas pelo lago da
represa. Verificou-se que 83 famlias foram reassentadas, ou seja, 130 famlias optaram pela
indenizao e ficaram sem a terra.
Isso resultou numa imediata migrao para a sede do municpio, gerando uma ampliao no
nmero de moradias autoconstrudas em bairros ainda sem infraestrutura adequada. Sobre
esses aspectos, seguem os depoimentos de representantes locais:
Voc diz: no, rapaz, vai ser bom voc ter uma indenizao porque voc
vai receber 10.000 reais; 10.000 reais para quem nunca teve 1.000 reais
no bolso soa como um volume de recurso muito grande. S que ele no
consegue perceber que aquilo vai dar para comprar muito pouca coisa e
no vai dar uma sustentao, ento ele vem compra uma casa de 9.000 e
fica com 1.000 que vai dar para ele sobreviver dois, trs meses s. Ento
esses impactos sociais houveram aqui, e por isso a gente mesmo tendo
conhecimento que iam ocorrer esses impactos, a gente que tinha conscincia disso no tinha como ser ouvido aqui porque a expectativa na poca
era extremamente positiva (representante da Associao Comercial do
Municpio de Ponto Novo). (SILVA, 2008, p. 226).
Muita gente ficou seduzida em vender, como que a proposta era feita
individualmente, esse pessoal que foi seduzido pelo vender, eles to se
dando conta do problema hoje, ento na poca eles no se deram conta,
ento conflito no chegou a ser uma coisa maior porque as pessoas
no se deram conta de como seria depois. Se voc vai a no campo e
oferece numa propriedade 20 ou 15 mil, numa seca dessa, as pessoas
no vo pensar duas vezes. Mas o problema de l est acontecendo hoje,
violncia no municpio, o grande nmero da periferia de Ponto Novo,
principalmente Nova Esperana, Pedreira, aonde houve um acmulo
de pessoas que venderam a propriedade l e vieram para a cidade e
compraram uma casinha e depois... Ento hoje que comeam aparecer
as conseqncias, pela seduo do momento, pela campanha feita pelo
poder pblico, ainda hoje voc entra na cidade e est l estampado a
barragem como sendo algo [...] (representante da Igreja catlica no
municpio de Ponto Novo). (SILVA, 2008, p. 327).
Os depoimentos expressam claramente aquilo que pode ser comprovado in loco na cidade
de Ponto Novo: a ao do Estado provocou a ampliao do nmero de trabalhadores rurais
vivendo na cidade, s que agora sem a terra, sem emprego e com poucas perspectivas em
funo da baixa qualificao para outro tipo de trabalho.
153
O conflito est ainda por se resolver, e na sede do municpio que se veem concretizadas as
aes inerentes a ele, como os protestos, as reunies de negociao e o envolvimento dos
agentes pblicos capazes de intervir para a resoluo do embate.
Em abril de 2013, cerca de 100 agricultores realizaram protestos contra o corte no fornecimento de gua para os lotes do permetro irrigado de Ponto Novo quebrando parte da
adutora que abastece o municpio de Senhor do Bonfim. Nesse mesmo ms a comunidade
tambm protestou, principalmente os agricultores, bloqueando a BR 407 e reivindicando
a manuteno da vazo da gua para irrigao. Esses fatos demonstram como o conflito
3
Em funo do foco desse artigo, no aprofundaremos a anlise dos conflitos agrrios gerados pela interveno do
Estado. Assim, recomendamos, para aqueles que desejarem aprofundar essa questo, a leitura do artigo intitulado
Conflitos agrrios, movimentos sociais e a ao de governos neoliberais: o caso do municpio de Ponto Novo no Estado da
Bahia Brasil, publicado na revista Campo-Territrio (SILVA, 2013).
154
PARTE II
pelo uso da gua est vivo e longe de ser resolvido. Claro que a situao tem rebatimento
na cidade, que v a normal tranquilidade tpica da cidade pequena colocada em xeque pela
constante possibilidade de conflito.
CONSIDERAES FINAIS
Nesse artigo demonstrou-se como nasce uma poltica pblica, como o Estado se apropria de
uma ideia da comunidade e como a executa da forma que convm a determinados governos,
passando, inclusive, ao largo daquilo que origina, no seio de uma comunidade, a demanda
por essa mesma poltica pblica.
preciso destacar que os projetos executados, apesar de nascidos dos anseios de uma
comunidade que vive numa cidade pequena, no consideraram essa caracterstica. A ao
se valeu de aspectos como a intensa articulao com o rural e o anseio da comunidade por
transformao, tida como sinnimo de modernidade, mas se configurou sem considerar o
planejamento do crescimento da cidade, processo no qual a prefeitura, por ter sido parceira
incondicional e acrtica, tem grande parcela de contribuio.
Uma cidade pequena, no interior da Bahia, tem normalmente um cotidiano tranquilo, longe da
violncia das grandes metrpoles, com fortes relaes de vizinhana. A interveno estatal em
Ponto Novo influenciou negativamente a dinmica da cidade pequena, pois no gerou os prometidos empregos, no foi capaz inserir a cidade nas principais redes, que modernizam o capitalismo
brasileiro e os servios pblicos e privados, e deixou um passivo como a favelizao, o aumento da
violncia e, contraditoriamente, agiu no sentido de piorar a vida na pequena cidade.
Alguns dados permitem afirmar que as promessas do governo no se cumpriram, e a ao do Estado
no repercutiram positivamente nem o municpio, nem a sua sede. Os impactos, portanto, foram
negativos. A primeira promessa do governo foi que empregos seriam gerados, a cidade cresceria,
e a populao rural do municpio seria beneficiada, freando a repulso tpica dos municpios do
semirido baiano. O Grfico 1 demonstra que, ao contrrio, houve uma reduo na populao total
e uma inacreditvel inverso entre a populao urbana e rural. Ou seja, a ao do Estado realmente
retirou as pessoas da zona rural, e hoje a populao se aglomera na pequena cidade. Alm disso,
verificou-se, de acordo com os dados do IBGE, que o rendimento mensal domiciliar per capita
nominal em 2010 era de R$ 214, e o ndice de pobreza atingia 54,68%.
Outro dado relevante o emprego gerado (Tabela 1) na rea da fruticultura e no comrcio
varejista, pois expressa a relao entre o crescimento da zona rural do municpio e o comrcio
na sede, uma vez que a ao do Estado focava um polo empresarial na rea da fruticultura
que deveria gerar emprego e renda.
A Tabela 1 apresenta dados ilustrativos. Entre 1997 e maio de 2013, foram gerados, em quatro
setores-chave da agricultura trabalhador no cultivo de rvores frutferas, trabalhador
155
17.187
17.171
15.742
16.000
Habitantes
14.000
12.000
11.629
10.420
10.000
8.405
8.000
6.000
6.767
7.337
Total
5.542
4.000
Urbana
2.000
Rural
0
1991
2000
2010
Ano
Grfico 1
Evoluo da populao total e por local de domiclio do municpio de Ponto Novo
Bahia 1991/2010
Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (2013).
Tabela 1
Ocupaes que mais admitiram Ponto Novo, Bahia 1997-2013
Entre 1997 e maio de 2013
Ocupaes selecionadas
Admisso
Desligamento
Saldo
Salrio mdio
968
636
332
481,33
155
162
-7
241,68
17
15
434,88
Tcnico agrcola
Vendedor de comrcio varejista
Fonte: Brasil (2013).
Elaborao: Onildo Araujo da Silva.
156
447,50
23
29
-6
500,87
PARTE II
REFERNCIAS
BAHIA. Secretaria de Recursos Hdricos. Expectativa da rea a ser irrigada no entorno do lago da
barragem de Ponto Novo. Salvador: SRH, 1999.
BAHIA. Secretaria de Recursos Hdricos, Saneamento e Habitao. Planos Diretores de Recursos
Hdricos: Bacia do Rio Itapicuru: documento sntese. Salvador: SRHSH, 1995.
______. Projeto de gerenciamento de recursos hdricos PGRH. Salvador: SRH, 1997
BEDIN, G. A. Estado, cidadania e globalizao do mundo: algumas reflexes e possveis desdobramentos.
In: OLIVEIRA, O. M. de (Coord.). Relaes internacionais e globalizao. Iju, RS: UNIJU, 1999.
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gov.br/cidadesat>. Acesso em: 20 jun. 2013.
MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES. MPA: uma alternativa de organizao do campesinato
brasileiro. Disponvel em: <http://www.mpabrasil.org.br/mpa-uma-alternativa-de-organizacao-docampesinato-brasileiro>. Acesso em: 13 jun. 2013.
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34, 2006.
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So Paulo, v. 8, n. 15, p. 2-17, fev. 2013.
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neoliberais no Brasil. In: MORA ALISEDA, J.; CONDESSO, F.; SO PEDRO, B. (Org.). Desenvolvimento
sustentvel e recursos hdricos. Lisboa: Universidade Tcnica de Lisboa, 2010. v. 1, p. 337-356.
157
158
PARTE III
MOVIMENTOS
SOCIAIS, PARTICIPAO
E PLANEJAMENTO
URBANO
95
INTRODUO
Na atual administrao pblica, podem ser encontrados diversos mecanismos de participao
da sociedade. Isso acontece, especialmente, nos governos que adotam posicionamentos mais
democrticos, seja por princpios partidrios, presso popular ou apenas para dar respostas
a exigncias legais. Dessa forma, podem ser destacados os conselhos: de polticas pblicas;
sade; emprego e renda; assistncia social; desenvolvimento rural e urbano; planejamento;
entorpecentes; criana e adolescente; negro; mulher; portadores de deficincias; idosos e
aquele de que trata este texto: habitao.
certo que a Constituio de 1988, com as respectivas emendas, estabeleceu a participao
dos segmentos sociais nos diversos rgos gestores e consultivos de inmeras reas, e sua
regulamentao tem sido feita atravs de legislao complementar para os fruns participativos, como pode ser visto a seguir, no caso da assistncia social:
Art. 204. As aes governamentais na rea da assistncia social
sero realizadas com recursos do oramento da seguridade social,
previstos no art. 195. Alm de outras fontes, e organizadas com base
nas seguintes diretrizes:
I descentralizao poltico-administrativa, cabendo a coordenao
e as normas gerais esfera federal e a coordenao e a execuo dos
respectivos programas s esferas estadual e municipal, bem como a
entidades beneficentes e de assistncia social;
II participao da populao, por meio de organizaes representativas, na formulao das polticas e no controle das aes em todos
os nveis. (BRASIL, 1988).
Por outro lado, alguns governos de esquerda ampliaram as polticas descentralizadoras que
contavam com maior participao dos municpios nas decises ligadas poltica pblica. No
entanto, para garantir que os governos municipais cumprissem o que determinam as leis, foi
necessrio criar expedientes de condicionamento da transferncia de recursos financeiros dos
governos federal e estadual, ou seja, somente atravs da presso do governo federal pode
ser garantida a participao popular, como afirma Crtes (2005, p. 144).
*
Doutor e mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor do Departamento
de Geografia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). [email protected]
161
PARTE III
Pode-se perguntar para qual parcela da populao os recursos so destinados. Esse direcionamento importante, pois no se devem enviar recursos para setores da populao que,
no sistema capitalista, dispem de renda suficiente para assumir custos, por exemplo, com
a prpria moradia.
No caso anterior, a forma de financiamento tambm vai ter importncia, uma vez que o pagamento ou no, nos casos de proviso para as parcelas da populao com pouco ou nenhum
rendimento, vai depender de fontes a fundo perdido. Recursos oriundos do FGTS, por exemplo,
precisaro ser remunerados com um taxa equivalente, resultando em um financiamento que
deve ser direcionado para aqueles capazes de pagar a remunerao respectiva.
A repercusso junto sociedade das polticas sociais depender tambm da sua insero na mdia.
O governo dever, para isso, tentar fazer a maior divulgao possvel junto aos rgos de imprensa,
mas, alm disso, a prpria ao deve ser motivo de interesse dos veculos de comunicao.
A gesto das polticas acaba tendo outro papel decisivo: as possibilidades de conciliao entre
as diferentes opinies e seu resultado sendo aplicado geram maior confiana no sistema. No
entanto, se o gestor no for de fidcia ou no tiver um status poltico suficientemente forte,
as pessoas no depositaro certeza no expediente dos conselhos.
A cultura da participao poltica da populao um outro fator a ser levado em considerao.
Principalmente aps o golpe de 1964, o povo brasileiro sofreu um processo de desmobilizao,
mas historicamente outros elementos contriburam. A poltica clientelista, a troca de favores
e o sentimento de dependncia da populao mais pobre da aristocracia rural e, por que no
dizer, urbana foram fatores suficientes para reduzir as reunies a meros grupos beneficentes
sem qualquer criticidade.
Quanto aos representantes populares, a composio vai variar mais ainda. Podero estar
presentes diversas associaes de moradores, sindicatos, religiosos, comerciantes, empresrios, profissionais liberais e profissionais especficos para aqueles conselhos direcionados
para setores especiais.
PARTE III
participao popular e dos entes federativos, como afirma o texto-base n 1 para discusso
nas conferncias das cidades:
Um breve balano da construo do sistema nacional de desenvolvimento urbano aponta para as seguintes questes: (i) No mbito federal
no ocorreram muitos avanos na implementao das deliberaes da
Segunda Conferencia das Cidades, que aprovou a sua criao: o SNDU
no foi efetivamente criado; (ii) Em relao aos conselhos estaduais das
cidades, nos estados onde estes foram institudos, constata-se que tais
instncias ainda no esto funcionando efetivamente ou apresentam
baixa capacidade deliberativa; (iii) nos municpios, apesar da ausncia
de indicadores oficiais, as informaes disponveis permitem inferir que
tambm pequeno o nmero de conselhos das cidades existentes. Ao
longo dos ltimos 9 anos, como resultado deste esforo coletivo e continuado dos conselheiros (as), o Conselho Nacional das Cidades elaborou e
aprovou proposta de Projeto de Lei sob forma de Resoluo, para a criao
e funcionamento do SNDU, cujo texto ainda no foi encaminhado ao
Congresso Nacional. Diversas aes coordenadas pelo ConCidades tm
sido realizadas para motivar o poder executivo a apoiar a transformao
da proposta do SNDU em Lei. (BRASIL, 2013, p. 1).
A implantao do sistema ainda depende de uma srie de estratgias para [...] universalizar o
direito cidade, em especial, o acesso moradia digna, aos servios de saneamento ambiental
e mobilidade urbana (BRASIL, 2013, p. 2). Mas considerando os resultados das conferncias
das cidades anteriores, percebe-se que ainda h um longo caminho pela frente para melhorar
a qualidade de vida nas cidades e torn-las cada vez mais adequadas s necessidades das
pessoas. Para isso, ser necessrio afinar os instrumentos de participao, iniciando com o
entendimento dos motivos da no participao.
166
PARTE III
o com a Poltica e o Plano Nacional de Habitao. Esse sistema se reproduz nos estados e
municpios com o plano, conselho e fundos estaduais e municipais.
Os conselhos municipais de habitao deveriam garantir a representatividade da sociedade
civil organizada. No entanto, seu papel de fiscalizador e definidor de critrios para alocao
de recursos do fundo os torna politicamente importantes para que os governos municipais
aceitem sua interferncia, ou, se o fizerem, que seja sob o seu controle. Essa atitude muito
comum nos governos com posicionamentos mais conservadores - mas aqueles de esquerda
no esto livres desses procedimentos. Essas aes podem ocorrer por intencionalidade do
gestor ou apenas por no haver um nvel de politizao popular suficiente para exigir a real
abertura s diversas camadas sociais.
O PLHIS deve ser elaborado em trs etapas bsicas: proposta metodolgica, diagnstico e
estratgias de aes. Inicialmente, a prefeitura deve compor uma equipe tcnica municipal,
com profissionais de diversos setores, apoiados, quando necessrio, por consultores. Uma
primeira reunio com a comunidade necessria para a apresentao da proposta e para
formar uma comisso de acompanhamento com representantes da comunidade. A comisso
vai observar a elaborao do plano e solicitar esclarecimentos quando isso se fizer necessrio.
Sua composio no definida em termos numricos ou de representatividade de cada um
dos seus membros, podendo ser estabelecida, por exemplo, pelos membros do conselho de
habitao, se houver um.
Aps a elaborao da primeira etapa, tem-se uma audincia pblica, que deve ser amplamente
convocada, permitindo-se a participao da comunidade local e de seus representantes, sem
distino quanto ao direito de fala e de voto. Esse procedimento vai se repetir nas outras duas
etapas, culminado com a aprovao do PLHIS. Em cada uma dessas fases, nos relatrios gerados, deve ser anexada a documentao comprobatria da participao da populao, com
lista de presena e fotos. No entanto, no definido um nmero mnimo de participantes,
mesmo porque, dado a baixa quantidade de presentes na maior parte dos municpios, isso
inviabilizaria a confeco do plano.
Antes de cada etapa, deve haver uma capacitao dos envolvidos para que tenham a condio de levar os trabalhos a termo. No entanto, essa capacitao depende de fatores externos
que no podem ser controlados pelos responsveis por ela e, posteriormente, pela audincia
pblica, como poder ser visto a seguir, numa anlise da elaborao dos PLHIS de quatro
municpios baianos de portes diferentes.
termo de adeso e constituiu a equipe municipal contratando, aps licitao, uma empresa de
consultoria para auxiliar na elaborao do plano. A previso inicial era de que todo o processo
ocorresse em seis meses, em razo dos prazos acordados. No entanto, por razes diversas, o
documento s ficou pronto em 2013.
A primeira reunio convocada para abrir os trabalhos e explicar comunidade o que viria a ser
o PLHIS se deu com uma quantidade razovel de pessoas. A convocao foi feita no formato
exigido pelo Ministrio das Cidades, atravs das mdias locais, e mais de 50 pessoas compareceram. Pode parecer um nmero pequeno para um municpio com mais de 60 mil habitantes
tendo, de acordo com os resultados do Censo Demogrfico de 2010, sendo 53.978 habitantes
no distrito sede. Porm, essa uma realidade do interior da Bahia, com algumas excees.
No entanto, a preocupao da maioria dos presentes no era entender quais eram os objetivos do governo municipal com a elaborao do PLHIS, mas saber quando as casas ficariam
prontas, mesmo que se tentasse explicar que se tratava de um processo que deveria se dar ao
longo de alguns anos e que no se restringia, exclusivamente, doao de casas. Entende-se que isso natural, e as causas dessas demandas est no imediatismo das necessidades
das pessoas, associado ao clientelismo que, durante muito tempo, regeu as relaes entre os
governos municipais e os muncipes.
Por outro lado, a organizao da sociedade civil no setor habitacional muito frgil e necessita
de incentivos para se tornar mais ativa. Isso resultou, nas reunies seguintes, em reduzida
participao dos representantes das entidades, assim como da populao, situao que se
repetiu em outros municpios na elaborao do PLHIS.
Obviamente, no administrativamente possvel a participao indistinta de todas as pessoas na gesto municipal direta. Por isso, so criadas as representaes, como os conselhos.
De acordo com o Ministrio das Cidades, os municpios poderiam ampliar as atribuies de
conselhos de habitao existentes para gerir o Fundo Municipal de Habitao de Interesse
Social, ou mesmo dar ao conselho gestor a capacidade de discutir outros temas que ultrapassassem a gesto dos recursos e aplicao do PLHIS. Nesse caso, a representao popular vai
variar de acordo com a lei ou decreto que regulamenta a composio do conselho. No caso
de Brumado, tem-se: um representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social
e Cidadania; um da Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento Econmico;
um da Secretaria Municipal de Infraestrutura, Servios Pblicos e Desenvolvimento Urbano;
um de movimentos sociais (BRUMADO, 2008). Alm da representao desigual, a presidncia
do conselho, definida no decreto, do titular da Secretaria Municipal de Desenvolvimento
Social, que tem a prerrogativa de exercer o voto de qualidade.
Em um contexto como o descrito, como garantir a participao efetiva da populao na
gesto da habitao no municpio? Mesmo considerando que poca o governo municipal
tinha uma postura aberta para a gesto participativa, os resultados no foram significativos
em termos de contribuio da comunidade.
168
PARTE III
PARTE III
Alm das reunies nos bairros, tambm foram realizados encontros com setores especficos
da sociedade. O mais produtivo ocorreu com a Associao Conquistense de Integrao do
Deficiente (Acide), que apontou inmeros erros nos projetos dos imveis construdos pelos
programas federais, como o Minha Casa, Minha Vida (MCMV), e em outros efetivados pela
prefeitura municipal em parceria com o governo federal.
A ltima reunio para a aprovao do diagnstico ocorreu aps vrias tentativas junto aos
gestores municipais e contou com uma grande participao dos representantes de associaes e setores da sociedade civil. A proposta foi aprovada pelos presentes, mas a sequncia
das atividades sofreu soluo de continuidade. A prefeitura tambm optou pelo imediatismo
em detrimento da construo do PLHIS, priorizando os esforos do programa MCMV para
ampliao da distribuio de casas.
Aps alguns meses, sob presso do governo federal, que condicionou os repasses, inclusive
para o MCMV, a prefeitura retomou o PLHIS. Dessa vez, contratou uma empresa que tem a
tarefa de refazer o PLHIS e apresentar o resultado em seis meses. Apesar de no resgatar
todas as reunies j feitas e seus resultados, a empresa conseguiu realizar as etapas e aprovar,
em audincias pblicas, os resultados das trs etapas, com grande participao do pblico.
Todavia, este se restringiu aos que receberam convites e, apesar de abertas, as reunies no
foram devidamente divulgadas. A ltima audincia para aprovao do PLHIS ocorreu durante
a Conferncia Municipal das Cidades, uma excelente estratgia se a conferncia no fosse
feita, tambm, para convidados.
O prprio Conselho das Cidades admite uma relativa incapacidade relacionada s poucas
competncias deliberativas e ausncia de regras claras quanto distribuio de atribuies
dos diferentes nveis de governo.
A questo reconhecer que as poucas competncias deliberativas do Conselho das Cidades e a ausncia de regras claras no
que se refere distribuio de atribuies dos diferentes nveis
de governo na forma de uma lei que regulamente o sistema
nacional de desenvolvimento urbano podem estar dificultando
a institucionalizao dos conselhos das cidades no mbito dos
demais entes federados, na medida em que essas regras definem
procedimentos que facilitam a adoo de determinados desenhos
institucionais. Atualmente a capacidade deliberativa do Conselho muito mais resultante da sua fora social o fato dele ser
composto por segmentos representativos dos setores sociais
ligados poltica urbana do que das atribuies institucionais
legais. E nesse aspecto existem riscos de retrocessos, j que no
h nenhuma garantia que os prximos governos mantenham o
compromisso em adotar as deliberaes tomadas no seu interior.
Assim, necessrio alterar o estatuto institucional do Conselho
171
das Cidades, de forma a torn-lo uma instncia participativa permanente, com atribuies deliberativas claramente institudas no
mbito de um SNDU. (BRASIL, 2013, p. 3).
A questo posta parte de uma situao paradoxal: como resolver a participao popular em
uma situao de pobreza, baixo nvel educacional, fraca organizao sindical e resqucios da
ditadura e do clientelismo adjacente ao coronelismo sertanejo que se reproduz nas polticas
assistencialistas do neoclientelismo?
Imediatamente, a nica resposta est na educao e preparao das pessoas para
reivindicar organizadamente e no apenas pedir favores. Ao Estado cabe o papel de
fornecer as condies para que os indivduos entrem no mercado capitalista, se ele
os quer consumidores, ou sejam cidados, se os quer participantes da vida social. Por
enquanto, a opo dos governos no Brasil tem sido a primeira, resolvendo os problemas
do mercado, ampliando a demanda com o aumento da renda e a distribuio do Bolsa
Famlia e instilando o PIB com o PAC e o MCMV.
CONSIDERAES FINAIS
A gesto integrada passa por uma reduo do seu processo de fragmentao refletido
nos diversos conselhos trabalhando de forma individualizada. Ao mesmo tempo em que
funcionam diferentes secretarias municipais, existem conselhos de desenvolvimento
urbano e outros de habitao que no conversam. A organizao parece refletir a prpria
fragmentao do espao geogrfico, mas no a combinao entre os elementos deste.
Se os problemas urbanos ocorrem de maneira desigual e combinada, da mesma forma
deveria ser a gesto desses.
Por outro lado, inmeras questes ainda ficaro em aberto. preciso entender como as pessoas
tero condies de fazer parte dos diversos conselhos ou discutir em uma audincia pblica
problemas urbanos cujos interlocutores se preocupam em utilizar terminologia especfica de
suas reas. Entender o discurso do governo e participar da gesto no pode ser algo de uma
elite dentro da pobreza ou de iluminados pelo conhecimento acadmico.
A melhoria na qualidade de vida passa naturalmente por uma moradia digna, saneamento
ambiental, mobilidade e acessibilidade urbana, mas tambm por melhores condies
de educao, sade e lazer e, na sociedade capitalista, principalmente, a possibilidade
de vender a sua fora de trabalho a um preo o mais prximo possvel do justo. preciso reduzir as formas neoclientelistas de ao sobre a populao. J no se troca tanto
tijolos por votos, mas o medo da perda do benefcio, seja ele qual for, torna o indivduo
refm de um governo.
Os governos, em seus trs nveis, devem reavaliar o formato proposto para a participao
popular, dando mais nfase preparao das pessoas. No apenas prover um treinamento
172
PARTE III
para que o indivduo seja um conselheiro, mas sim uma melhoria no processo educacional a
gerar real insero do indivduo nas discusses, para que ele seja um agente da modificao
e no um ator passivo a desempenhar um papel escrito por outros.
Por fim, planos diretores e tantos outros tm recebido o ttulo de participativos, cabendo
aqui mais uma dvida. J que a maior parte das pessoas de baixa renda parece no ter clareza da sua capacidade coletiva de transformao e, ainda mais, por essas considerarem o
imperativo de levar suas necessidades imediatas ao conhecimento das autoridades, como
garantir, efetivamente, a participao popular? Como garantir que as pessoas falem sobre
o que querem para a sua cidade, seu municpio ou seu pas? A resposta est no princpio de
tudo: educao de qualidade para todos.
REFERNCIAS
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173
PARTE IV
95
TRABALHOS
SELECIONADOS
INTRODUO
As cidades do agronegcio representam a ampliao e a complexidade da urbanizao brasileira neste perodo tcnico-cientfico e informacional. Elas representam uma nova realidade
urbana, caracterizada pela intrnseca relao campo-cidade.
Pode-se dizer que duas so as maneiras de criao das cidades do agronegcio. A primeira,
quando pequenos ncleos urbanos antigos sem expresso econmica, constitudos basicamente de um centro comercial para atender ao consumo consuntivo de uma populao
que vive da autossubsistncia, transformam-se em cidades do agronegcio para atender s
exigncias de consumo produtivo de um campo agora modernizado1.
Ou, a segunda maneira, quando surgem como aldeias urbanas2 e rapidamente se transformam em cidades do agronegcio. Segundo Santos (2009, p. 57): O Brasil um pas
que praticamente no conheceu o fenmeno de village. Pode-se dizer que as primeiras
aldeias brasileiras s vo nascer j modernas [...]. Na verdade, no nascem rurais, j
nascem urbanas.
Neste artigo tenta-se demonstrar como ocorreu o processo de criao da cidade do agronegcio de Lus Eduardo Magalhes (LEM), identificando os agentes que atuam na escala
intraurbana e demonstrando as suas aes na produo do espao intraurbano desta cidade.
Para se entender a constituio deste processo importante enfatizar que esta cidade se
localiza na Regio Oeste da Bahia (regio agrcola especializada na produo de gros,
principalmente a soja). Surgiu enquanto aldeia urbana proveniente da reestruturao da
cadeia agropecuria desta regio.
Portanto, antes mesmo de se tornar uma cidade, LEM j era considerada urbana. Alguns
autores como Fonseca, Silva e Vieira (2010) se referiram LEM como tal mesmo antes de sua
*
Doutorando e mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Professor do Curso de Geografia da
UFBA. [email protected]
Milton Santos (2009) divide o tercirio em dois tipos diferentes de consumo que, no entanto, se combinam: o consumo
produtivo, que corresponde ao comrcio de produtos, matria-prima, equipamentos, entre outros, que permitem as
empresas produzirem seu produto final; e o consumo consuntivo que corresponde ao comrcio de produtos materiais
ou no materiais que tem a finalidade de sanar as necessidades bsicas ou compulsivas da sociedade (comida, roupa,
eletrodomsticos, cursos, plano de sade e etc.).
Neste texto, foram definidas como aldeia urbana as localidades que, mesmo sem ser oficialmente cidades (sede de um
municpio), possuem fortes elementos do urbano que as configuram morfologicamente enquanto tal. O caso de Lus
Eduardo Magalhes define bem esta situao. Em 1996, quando ainda era povoado (Mimoso do Oeste) do municpio
de Barreiras, j possua caractersticas de cidade, com quase 10 mil habitantes, a sede da Ceval Alimentos S/A (que na
poca era a maior indstria da regio), trs agncias bancrias, alm de condomnios fechados.
177
emancipao. Ela pertencia categoria de aldeia urbana, tornando-se cidade s aps sua
emancipao, pois este ato poltico legitimou um novo e importante agente promotor do
espao urbano, o governo local.
Esta anlise est dividida em trs momentos. No primeiro, foram identificadas e analisadas
as aes dos agentes promotores de espao urbano da aldeia urbana de Mimoso do Oeste.
Depois, foi enfatizada a atuao dos agentes aps a emancipao da cidade e da legitimao do governo local enquanto o mais novo e importante agente. Deve-se perceber
que o surgimento deste agente vai modificar a dinmica dos demais, forando inclusive o
enfraquecimento de alguns e ampliando a atuao de outros. Por ltimo, foram avaliadas
as intervenes do governo local enquanto contribuintes para a fragmentao do espao
urbano, tornando-o mais segregado.
178
PARTE IV
No entanto, ao criar este novo territrio, estes produtores agrcolas foram seguidos por outro
grupo de imigrantes, os nordestinos (principalmente baianos), em sua maioria pobres trabalhadores rurais que tinham a inteno de arrumar trabalho nas terras desses agricultores.
Deste fato surge outro agente imobilirio, a construtora e imobiliria Aracruz, do tambm
produtor agrcola goiano Aroldo Cruz. Esta empresa criou o loteamento Aracruz, (a mais de
um quilmetro ao sul da BR-242) para onde foram direcionados estes imigrantes.
Pode-se observar que, ao contrrio das grandes cidades antigas que surgem na fase
mercantil do capitalismo enquanto vila estruturada sobre o padro de cidade concentrada
com ricos e pobres dividindo a rea central da cidade, em LEM, que surge enquanto aldeia
urbana moderna, sua estruturao j ocorre sobre os moldes da principal caracterstica do
atual processo de urbanizao, a fragmentao urbana. Com os detentores dos meios de
produo agrcola habitando ao norte da BR-242 e a fora de trabalho em potencial morando
ao sul desta mesma rodovia.
Segundo, A. C. de M.3, corretor de imveis responsvel por negociar os lotes da empresa
Aracruz na poca, essa separao entre ricos sulistas ao norte e pobres baianos ao sul veio
a ocorrer devido diferena de estratgias adotadas pelas empresas imobilirias. A Carig
investiu na produo de infraestrutura bsica como forma de tornar seus lotes mais atrativos
aos produtores agrcolas. A empresa Aracruz apenas demarcava os lotes e os comercializava
sem o mnimo de infraestrutura (a empresa no realizou nem mesmo a abertura de vias de
circulao dentro do loteamento). Isto repercutiu na diferenciao do preo dos lotes e,
consequentemente, no tipo de morador.
Na maioria das metrpoles brasileiras antigas, o que determinou a localizao das elites foram
as amenidades naturais. Villaa (2001) destaca as localizaes s margens de rios e as reas mais
altas como as principais vantagens locacionais perseguidas pelas elites no perodo inicial
da formao de cidades como So Paulo, Rio de Janeiro, Recife e Salvador.
No caso de LEM, pode-se perceber outra peculiaridade. Esta cidade no apresenta nenhuma
caracterstica fsica que pudesse representar uma amenidade natural capaz de direcionar a
localizao da elite. O diferencial na posio dos grupos sociais no espao intraurbano foi
a promoo de infraestrutura, o que desde o incio possibilitou uma diferente valorizao no
preo do solo urbano e, por isso, a separao entre as diferentes classes sociais de imigrantes.
Mais do que a constituio de dois loteamentos nas imediaes do posto de gasolina Mimoso
do Oeste, esses empreendimentos originaram os dois bairros mais antigos da cidade. O
Mimoso do Oeste (que depois vai se fragmentar em Mimoso Central e Mimoso I), centro de
consumo e local de moradia da classe mdia alta da cidade; e o Santa Cruz, bairro popular,
com cerca de 80% de sua populao com rendimentos entre 0 e 2 salrios mnimos4.
3
4
179
A concentrao da elite local justifica a constituio do Mimoso Central como o stio social
da cidade. Segundo Villaa (2001), a priori, no so os estabelecimentos de consumo que
determinam a localizao das pessoas com renda mais elevada. Mas, sim, a concentrao de
um grupo social em determinada localizao da cidade que vai ser determinante para
a escolha da localizao dos estabelecimentos de consumo, principalmente os de consumo
produtivo e os de consumo consuntivo no bsicos.
Alm disso, esse fato tambm explica a caracterizao de Santa Cruz como rea residencial
de pessoas de baixa renda. Inclusive, este bairro foi apelidado de Iraque, fazendo referncia
aos problemas sociais enfrentados por seus moradores desde sua fundao.
A atuao dos agentes imobilirios no perodo limitou-se principalmente comercializao de
lotes e, no caso da Carig, produo de infraestrutura nas mediaes de seu empreendimento.
importante ressaltar que, no perodo, Mimoso do Oeste era um povoado de Barreiras com
intenes separatistas, o que desestimulava uma atuao mais ativa do governo municipal,
que se localizava a 90 km de distncia.
Este fato fez surgir novos agentes na produo do espao intraurbano da aldeia urbana. Dentre
eles, destaca-se a Ceval Alimentos S/A, agroindstria especializada no beneficiamento da soja,
que se instalou em Mimoso do Oeste em meados de 1980, por intermdio dos produtores
agrcolas sulistas. Esta empresa foi responsvel pela instalao de energia eltrica na aldeia
urbana, levando o linho que integrava a rede eltrica de Mimoso do Oeste rede energtica
estadual. Esta ao realizada pela empresa em benefcio prprio acabou sendo de crucial
importncia para a constituio do espao intraurbano.
A negligncia proposital do governo municipal de Barreiras fez surgir outros dois agentes
importantes na produo do espao intraurbano de Mimoso do Oeste, as associaes de moradores: Associao de Moradores do Mimoso do Oeste (AMMO) e a Associao de Moradores
Aracruz (AMA). Estas associaes foram criadas com o intuito de tentar suprir as necessidades
dos servios bsicos, principalmente com relao infraestrutura da aldeia urbana. A AMMO
atuava em prol do bairro Mimoso do Oeste proveniente do loteamento Rancho Grande, e a
AMA atuava em prol do bairro Santa Cruz, proveniente do loteamento Aracruz.
O surgimento das duas associaes de moradores representa a dissociao entre os dois
grupos sociais que habitavam a aldeia urbana no perodo, pois foram incapazes de articular
aes conjuntas em prol da totalidade do espao intraurbano, com cada grupo de moradores
lutando em prol de benefcios prprios.
Essas associaes exerciam funes que normalmente seriam de obrigao do governo
municipal, tais como:
180
Promoo de energia eltrica nos bairros. Foi por intermdio da AMMO que a empresa
Ceval instalou-se na cidade e, posteriormente, promoveu a instalao da rede de energia
eltrica na cidade. Foi por intermdio da AMA que foi implantada energia eltrica no
PARTE IV
bairro Santa Cruz em 1995 (a energia eltrica foi implantada, posteriormente, no bairro
Santa Cruz);
Fornecimento de gua. A AMA foi responsvel, tambm em 1995, pela perfurao e
administrao de poo artesiano responsvel pela distribuio de gua para os moradores
associados;
A AMA foi responsvel pela limpeza pblica do bairro Santa Cruz de 1997 at o ano 2000;
Foi de responsabilidade da AMA a abertura de ruas no Santa Cruz;
De 1998 a 2000, a AMA realizava campanhas de distribuio de sopas para crianas carentes;
Alm disso, as duas associaes administravam e administram at hoje uma rdio
comunitria cada uma.
Para se ter ideia do poder de atuao das duas associaes de bairro na cidade no perodo, a AMMO foi a primeira sede do poder municipal aps a emancipao. E a AMA teve
seu presidente, Aladio Castilho de Moura, eleito vereador na primeira gesto municipal
na eleio de 2000 (mandato que exerce at hoje, 2013), e seu sucessor, Incio Spendler,
tambm eleito vereador na segunda gesto municipal, na eleio de 2004. No entanto,
vale ressaltar que h uma diferena crucial na atuao das duas associaes. Enquanto a
AMMO tinha um maior poder poltico de articulao, tendo fora inclusive para atrair a
maior empresa em atuao na Regio Oeste da Bahia para seu territrio. A AMA limitava-se
a suprir as carncias de servios sociais herdadas pelo bairro Santa Cruz quando ainda era
o loteamento Aracruz; a prestao destes servios bsicos foi o que acabou promovendo
os seus lderes ao cargo de vereadores.
eleger prefeitos e vereadores nas eleies do ano 2000. Mesmo diante destas questes de
inconstitucionalidade, o fato que o municpio foi emancipado. Possui, portanto, 12 anos
de existncia, gozando inclusive de autonomia poltica, administrativa e financeira, prevista
pela Constituio Federal de 1988.
Mesmo que LEM j se configurasse enquanto cidade desde meados de 1990, tendo inclusive
um desempenho econmico superior a muitos municpios baianos, a emancipao do municpio foi o que legitimou a transformao da aldeia urbana de Mimoso do Oeste na cidade do
agronegcio Lus Eduardo Magalhes. Nesse sentido, a dimenso poltica ganha fora como
o fator principal na transformao de uma aldeia urbana em cidade do agronegcio, pois
legitima um novo agente, o governo local.
Este fato crucial para a anlise da produo de espao intraurbano segregado de LEM, pois
o governo local o principal agente promotor de espao urbano. Sua atuao vai desde
intervenes diretas no espao, perpassando por intermediaes de conflitos entre os demais
agentes. Alm disso, suas atuaes direcionadas como estratgias para o marketing territorial repercutem de modo indireto sobre a produo do espao, porque atraem empresas,
investimentos e pessoas para a cidade.
importante perceber que o surgimento do governo local enquanto agente altera a dinmica
de atuao de outros agentes que atuavam de maneira ativa quando LEM era uma aldeia
urbana. o caso das associaes de moradores que tiveram muitas de suas aes transferidas
para o governo local, tais como: limpeza urbana, abertura de vias pblicas, distribuio de
gua (embora no seja uma funo exercida pelo governo local, seu surgimento promoveu a
implantao de uma estao de abastecimento de gua da Embasa, em 2000, no municpio).
Com todas estas funes sendo desempenhadas pelo governo local, a atuao das associaes de moradores limitou-se administrao das rdios comunitrias. O enfraquecimento
desses agentes nitidamente visvel. A AMA que, na dcada de 90, chegou a ter mais de
mil associados (para ter acesso aos servios disponibilizados pela associao de moradores,
inclusive para gua, o morador tinha que ser associado e contribuir mensalmente com
uma taxa), em 2010 no possua mais de 20 associados.
Alm de diminuir a atuao de alguns agentes na produo do espao intraurbano, o surgimento do governo local acabou por intensificar a atuao de outros. Como o caso dos
agentes imobilirios que, aps a emancipao do municpio, aumentaram em quantidade e
em intensidade suas aes.
Alm das j existentes Carig e Aracruz, surgiu, em 2001, o Grupo Paraso, do produtor agrcola e piloto paranaense Jacob Lauck (vice-prefeito de LEM nas duas gestes municipais do
primeiro prefeito Oziel Oliveira, 2001 a 2004, e 2005 a 2008). Seus empreendimentos foram
direcionados rea da cidade que deu origem ao bairro nobre Jardim Paraso. Dentre os
empreendimentos, pode-se citar o hotel mais luxuoso da cidade, o Saint Louis. Alm dos
loteamentos Jardim Paraso I e Jardim Paraso II, com lotes com tamanho mdio de 900 m.
182
PARTE IV
Segundo o prprio Jacob Lauck, em entrevista revista eletrnica Dirio do Oeste (MARQUES
2011), de 21 de outubro de 2011, a constituio do Jardim Paraso enquanto bairro nobre
justifica-se pela manuteno do tamanho mdio dos lotes comercializados nesta rea, em
torno de 900 m. Assim como os proprietrios das duas empresas imobilirias citadas acima,
esse senhor tambm um dos pioneiros da cidade, chegando a Mimoso do Oeste em 1985
para atuar como produtor agrcola, tambm direcionando suas aes ao setor imobilirio.
Arnaldo Horcio Ferreira (Carig), Aroldo Cruz (Aracruz) e Jacob Lauck (Grupo Paraso) so
responsveis diretos pela produo dos trs bairros mais importantes da cidade, respectivamente. O Mimoso do Oeste (Mimoso Central e Mimoso I) o centro de consumo; o Santa
Cruz, bairro de baixa renda; e o Jardim Paraso, bairro nobre.
Outro agente imobilirio importante que surgiu aps a emancipao poltica do municpio
foi a construtora e imobiliria Pedra do Sonho, de Lus Eduardo Sampaio Correa, sergipano,
residente em Montes Claros (MG), dono de uma propriedade rural destinada ao cultivo de
algodo, que, em 2004, foi transformada por ele no condomnio fechado Pedra do Sonho.
Apesar de sua atuao se resumir apenas construo do condomnio horizontal, seu papel
foi significativo, pois trouxe para a cidade um novo tipo de habitat para as pessoas de alto
padro, promovendo inclusive o surgimento de enclaves em LEM.
Esses agentes imobilirios foram responsveis pelo primeiro e o segundo momento da produo
imobiliria. O primeiro momento referente ao perodo em que a cidade ainda era uma aldeia
urbana e o segundo, ao perodo que vai da emancipao do municpio at a promulgao
do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU), lei que vai regulamentar a produo
do espao intraurbano (2000-2007).
Uma semelhana crucial entre esses agentes que, alm de agentes imobilirios, so todos
grandes produtores agrcolas, o que mostra uma concentrao das principais atividades econmicas nas mos de um pequeno grupo de pessoas. Alm disso, demonstra que a produo
do espao intraurbano da cidade monopolizado pela elite que tem o poder de escolher o
local de moradia dos diferentes grupos sociais por renda. Outra questo que torna este fato
importante refere-se, mais uma vez, relao campo-cidade que, em LEM, cada vez mais
intrnseca. Assim, no s a produo agrcola est nas mos dos produtores agrcolas, mas
tambm a produo do prprio espao intraurbano.
Aps a promulgao do PDDU, em 2007, inaugurou-se um novo momento na produo
do espao intraurbano em LEM, com a expanso das reas residenciais j consolidadas
e com a produo de loteamentos regulamentados pelo governo municipal. Dentre as
mudanas causadas pelo PDDU, ressalta-se o zoneamento urbano que limita o tamanho
mnimo dos lotes a serem construdos, a depender da rea da cidade (o que ser discutido
adiante), alm da exigncia da produo de infraestrutura bsica (pavimentao asfltica,
gua encanada e luz eltrica) em todos os lotes produzidos, independentemente da classe
social aos quais estes lotes se destinam.
183
A expanso urbana vai ocorrer a partir da produo de novos loteamentos por agentes
imobilirios antigos e por novos agentes imobilirios, com caractersticas pouco diferentes
dos anteriores. Ao contrrio das empresas imobilirias pertencentes a produtores agrcolas
da regio, surgem construtoras e incorporadoras originrias de outras regies do Brasil com
o intuito de investir no mercado imobilirio de LEM.
Dentre eles, a Loteadora Donna Carmela, empresa paranaense, responsvel pelo loteamento
Cidade Universitria e Setor M3; a construtora ACNT, empresa brasiliense, responsvel pela
construo dos loteamentos Vereda Tropical e Tropical Ville; a Fortec, empresa de Santa Catarina que, em consrcio com o Grupo Paraso, esto produzindo um novo edifcio de luxo
com heliporto, no bairro Jardim Paraso. Alm destes empreendimentos, h o loteamento
Florais La, produzido pela Aracruz Construtora e Imobiliria.
184
PARTE IV
Nas reas identificadas por esta pesquisa como de baixa renda5, o tamanho mnimo do lote
de 125 a 300 m. No centro, o tamanho mnimo do lote de 600 m. E no bairro Jardim Paraso,
o tamanho mnimo do lote varia entre 600 e 1.200 m. A delimitao do tamanho mnimo dos
lotes acaba por restringir a ocupao de pessoas de baixa renda em algumas reas da cidade.
Principalmente nas reas consideradas de alto padro.
Outro ponto do PDDU que caracteriza um ato segregador refere-se ao Plano Estratgico I que,
apesar de ter como objetivo principal promover a melhoria de infraestrutura e a qualidade
de vida dos moradores da zona Santa Cruz Sul (rea com maior percentual de pessoas com
faixa de renda entre 0 e 2 SM, 89,77%), pretende promover a construo de 500 unidades
habitacionais na zona perifrica deste bairro. Esta ao acentuaria ainda mais a segregao,
uma vez que distanciaria ainda mais os pobres do centro da cidade.
Haja vista que a distncia desta rea para o centro da cidade de 2,77 km. Para as pessoas
que habitam a rea, esta distncia um obstculo. Quando uma distncia equivalente a
esta ocorre em uma metrpole, pode-se dizer que se trata de uma distncia irrisria. No
entanto, quando se refere a uma cidade pequena, a concepo se altera, sendo sentida
pelos moradores. Alm de manter essa populao afastada do centro de consumo e de
oportunidades de emprego e trabalho, esta localizao mantm estes moradores ainda
mais afastados dos condomnios horizontais do bairro Jardim Paraso, tendo em vista que
a distncia entre eles de 3,33 km.
Outra lei que se acredita, tem contribudo para o aumento da segregao a Lei n 126, de
01 de outubro de 2003. Tal lei dispe sobre o servio de mototxi na cidade.
Artigo 9 O nmero mximo de motociclista que operacionalizaro os servios de mototxi de Lus Eduardo Magalhes ser
inicialmente em nmero de 80 (oitenta) veculos, sendo que, aps
efetuado o censo demogrfico, dever ser observado o limite de 3
(trs) veculos para cada 1.000 (um mil) habitantes. (LUIS EDUARDO
MAGALHES, 2003).
Tal lei encarece a prestao deste servio e dificulta a acessibilidade das pessoas de baixa
renda pela cidade. Tal motivo parece suficiente para que se enquadr-la como um mecanismo
promotor de segregao.
Sobre as leis aprovadas, chama a ateno que sua promulgao tenha legitimado a soberania do bairro Jardim Paraso enquanto rea residencial de alto padro, principalmente
5
Em pesquisa de mestrado (RIOS FILHO, 2012), elaboramos uma tipologia socioespacial com base na varivel rendimento
nominal dos responsveis pelo domiclio do Censo 2010. Atravs dessa varivel criamos quatro categorias por faixa
de renda: pessoas responsveis pelo domiclio com rendimento nominal de 0 a 2 salrios mnimos (SM), de 2 a 5 SM,
de 5 a 10 SM e acima de 10 SM. A partir da anlise dessas categorias chegamos a quatro tipos de reas residenciais em
LEM (Tipo I: baixa renda; Tipo II: baixa renda e classe mdia baixa; Tipo III: classe mdia baixa e classe mdia alta; e Tipo
IV: classe mdia alta e alto padro). Classificamos como reas residenciais de baixa renda as que tinham um elevado
nmero de pessoas com rendimento entre 0 a 2 SM.
186
PARTE IV
CONCLUSO
Neste artigo foram identificados os principais agentes que atuaram na produo do espao
intraurbano de LEM e acabaram por contribuir com seu processo de segregao. Percebe-se
que, desde sua gnese enquanto aldeia urbana, a fragmentao urbana sempre norteou as
aes dos agentes. Tais agentes exercem um controle mtuo sobre a cidade, uma vez que
so os detentores dos meios de produo agrcola, dos empreendimentos imobilirios
e do controle sobre o Estado, moldando o espao intraurbano a seu bel-prazer, tornando-o
cada vez mais segregado.
REFERNCIAS
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188
INTRODUO
Nas cidades brasileiras contemporneas, a dificuldade de acesso moradia aparece entre
os principais problemas vivenciados pelos trabalhadores, juntamente com outros graves
entraves sociais, como: desemprego, subemprego, violncia urbana, precariedade nos servios de sade e educao pblica, m distribuio de renda etc. Sabe-se que tais problemas encontram-se condicionados forma pela qual a sociedade capitalista se organiza, ou
seja, em classes sociais antagnicas, em que se verifica a explorao do trabalhador, com o
pagamento de baixos salrios, insuficientes para atender a suas necessidades bsicas, entre
as quais, o acesso moradia.
Na sociedade capitalista, dividida em classes, o acesso moradia contraditrio e desigual.
Dessa forma, tem-se uma classe que controla a posse da terra e os meios de produo, e outra
que desprovida desses e sobrevive da venda de sua fora de trabalho.
O problema da falta de moradia nas cidades brasileiras se intensificou com o processo de
urbanizao, no qual um enorme contingente populacional passou a viver no permetro
urbano. Com o surgimento da indstria e a mecanizao do campo, toda a dinmica social
se modificou. O valor da terra, tanto no espao urbano quanto no rural, se elevou e, com
isso, o acesso a esse bem se tornou algo ainda mais restrito. Com a descamponizao, isto
, a proletarizao do campesinato processo que aconteceu em muitas regies do pas,
porm no de forma completa , um considervel nmero de pessoas foi morar nas reas
urbanas, na busca por emprego, iludidas com a perspectiva de melhoria das condies de
vida que esses espaos poderiam oferecer.
O desenvolvimento da atividade industrial foi tambm um dos fatores condicionantes do
aumento populacional e das transformaes no espao urbano. Mesmo nas cidades onde essa
atividade no foi predominante, houve mudanas influenciadas por ela, porque juntamente
com a indstria, surgiu uma nova realidade urbana: bancos, capital imvel, novas necessidades
e uma sociedade baseada no consumo.
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Especialista em Anlise do Espao Geogrfico e graduada em Geografia pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB). Professora da Rede Estadual de Ensino da Bahia e da Rede Municipal de Ensino de Vitria da Conquista.
[email protected]
Especialista em Anlise do Espao Geogrfico e graduada em Geografia pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB). Professora da Rede Municipal de Ensino de Vitria da Conquista e de Tremedal. [email protected]
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A denominada crise habitacional surgiu nesse contexto, reflexo do rpido e intenso crescimento populacional urbano provocado por diversos fatores, como: a mecanizao do campo,
o crescimento do setor tercirio e o processo de industrializao.
Em meio ao contexto de crise habitacional, as polticas habitacionais no Brasil aparecem
como paliativas para o problema. Em agosto de 1964, durante o perodo da ditadura militar,
foram institudos o Banco Nacional de Habitao (BNH) e o Sistema Financeiro de Habitao
(SFH), com a Lei 4.380.
O BNH foi o grande responsvel pela produo de moradias populares no Brasil, no entanto,
no s as famlias de baixa renda foram privilegiadas, pois o programa que inicialmente
destinou investimentos para a construo de moradias s classes de menor renda, tambm
passou a atender outra camada da sociedade, a classe mdia.
Existiram diversos rgos para financiamento e construo de moradias, como o Instituto de
Orientao s Cooperativas Habitacionais (Inocoop), as Companhias de Habitao (Cohab),
a Habitao e Urbanizao da Bahia (Urbis)1, etc., de acordo com o mercado ao qual se destinava. Para o mercado popular, que inicialmente pretendia atender s famlias com renda
mensal de um a trs salrios mnimos, limite posteriormente ampliado para cinco, os agentes
eram as Cohab que, na Bahia, podiam ser estaduais ou municipais. A Urbis tambm atuou
nesse segmento. Os agentes do chamado mercado econmico, encarregados, a princpio, da
construo de moradias para muturios com renda familiar entre trs e seis salrios mnimos
limite mais tarde estendido para at 12 salrios mnimos , foram as cooperativas habitacionais (Inocoop), nesse caso atuando atravs de empreiteiras.
De acordo com Maricato (2001), foi somente a partir do SFH/BNH que as cidades brasileiras
passaram a ocupar o centro de uma poltica destinada a mudar seu padro de produo. Com
o SFH/BNH ocorreu uma drenagem de recursos financeiros para o mercado habitacional, em
escala nunca vista no pas, o que ocasionou a mudana no perfil das grandes cidades, provocando o crescimento vertical promovido pelos edifcios de apartamentos.
No final da dcada de 1970 e na de 1980, os recursos se tornaram mais escassos, com o aumento
do desemprego, o que culminou na queda do recolhimento do FGTS e dos depsitos em poupana e no aumento da retirada do FGTS, tambm em inadimplncia devido ao aumento das
prestaes. No havendo recursos suficientes para atender demanda habitacional, o BNH
foi extinto em 1986 e suas atribuies e recursos passaram para a Caixa Econmica Federal
(CEF). Aps 22 anos, o BNH deixou um grande dficit habitacional e uma carncia de recursos
para poder produzir novas unidades.
A Urbis Habitao e Urbanizao da Bahia S.A uma sociedade de economia mista, constituda por tempo
indeterminado, nos termos da Lei Estadual n 2.114, de 04/01/1965. A sigla Urbis originria do latim, visto que urbis
nesse idioma significa cidade. A Urbis atuou em todo o estado da Bahia, principalmente por meio da criao de
conjuntos habitacionais. O ltimo conjunto financiado pela empresa foi o Vila Serrana, em Vitria da Conquista, no
ano de 1990. Atualmente a Urbis dedica-se exclusivamente administrao dos contratos financiados.
190
PARTE IV
Na cidade de Vitria da Conquista possvel analisar a materializao das polticas de habitao popular no perodo de vigncia do SFH/BNH por meio dos conjuntos habitacionais que
foram construdos na cidade: BNH, Inocoop I e II e os conjuntos da Urbis (I, II, III, IV, V e VI).
Assim como no restante do pas, em Vitria da Conquista ocorreu a aquisio de habitaes
desses programas quase que em sua totalidade pela classe mdia, a exemplo dos conjuntos:
BNH, Inocoop I e II, Morada do Bem Querer e Urbis I, no sendo beneficiada a populao que
realmente necessitava ser atendida pelos programas de habitao popular.
No estado da Bahia, o nico agente do SFH foi a Urbis, criada em 1965 (Ver nota de rodap n
3), cujo objetivo era operacionalizar a poltica habitacional do governo estadual. Na dcada
de 1980, a empresa, por meio de convnios com prefeituras, diversificou sua atuao para
executar obras de urbanizao (ALMEIDA, 2005).
Em Vitria da Conquista, durante o perodo de vigncia do BNH e da Urbis, foram construdos
os conjuntos habitacionais: BNH, Inocoop I e II e Urbis I, situados no bairro Candeias; Urbis II
e III, no Bateias; Urbis IV e V, no bairro Zabel, e Urbis VI, localizada no bairro Esprito Santo.
Aps a extino do BNH, outros conjuntos habitacionais foram construdos na cidade, com
financiamento realizado pela CEF e construo promovida por empresas incorporadoras,
a exemplo das Vilas Serranas, no bairro Zabel, que foram construdas pela Ecosane, mas
comercializadas pela Urbis, e o Morada dos Pssaros, no Felcia, promovida pela empresa
Ciclo Engenharia, dentre outras.
No Mapa 1 possvel visualizar alguns dos conjuntos habitacionais existentes na cidade: as
Vilas Serranas I, II, III e IV, situadas na parte noroeste da cidade; os conjuntos habitacionais
Urbis I, II, III, IV, V, VI, situados em diferentes reas na cidade; a Morada do Bem Querer,
um conjunto habitacional construdo a partir do repasse da cooperativa Inocoop-Base,
situado numa das reas mais valorizadas na cidade, no bairro Candeias. Esse conjunto,
assim como os Inocoop I e II, o BNH e a Urbis I, habitado por uma populao de maior
poder aquisitivo.
Dessa forma, observa-se que esses programas habitacionais, criados com o objetivo de
favorecer o acesso habitao para a populao de baixa renda foram capturados, em
grande parte, pela classe mdia local. Segundo Almeida (2005), a habitao popular na
cidade de Vitria da Conquista foi, ao longo dos anos, alvo de programas realizados pelo
BNH, a Urbis e o Inoccop, que tinham como objetivo facilitar o acesso da populao de
baixos rendimentos habitao.
192
PARTE IV
Entretanto, contraditoriamente, na prtica, estes programas no garantiram o acesso a essa populao por no possurem as condies
econmicas exigidas pelos rgos de financiamento. Estes programas
foram capturados, quase que em sua totalidade, pela classe mdia
local. (ALMEIDA, 2005, p. 18-19).
Maricato (2001) coloca que, enquanto o acesso terra urbana no pas for algo restrito a uma
minoria, as classes mdias disputaro os programas e recursos destinados habitao popular
com a classe baixa, assim preciso que ocorra a ampliao do mercado legal, para ento se
repensarem as polticas de interesse social.
Mapa 1
Conjuntos habitacionais de Vitria da Conquista Bahia 2009
Fonte: Pesquisa de campo, 2009.
Elaborao: Mineia Venturini Menezes, jan. 2009.
O BNH foi exemplo de um programa habitacional que deveria ter beneficiado a populao de baixa renda, mas que favoreceu, quase em sua totalidade, a classe mdia, o que
revela que o enfrentamento da questo habitacional no pas ultrapassa a necessidade da
promoo de programas de financiamento habitacional popular, como coloca Maricato
(2001, p. 130):
Se for possvel populao de baixa renda o acesso moradia via
polticas pblicas, dificilmente ela reter esse bem escasso e valioso
se no houver uma ampliao do estoque geral de habitaes. A
193
O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) uma iniciativa do governo federal, com recursos do Fundo de
Arrendamento Residencial (FAR), gerido pelo Ministrio das Cidades e operacionalizado pela CEF, e consiste em
aquisio de terreno e construo ou requalificao de imveis contratados como empreendimentos habitacionais em
regime de condomnio ou loteamento, constitudos de apartamentos ou casas que, depois de concludos, so alienados
s famlias que possuem renda familiar mensal de at R$ 1.600,00.
De acordo com as informaes adquiridas no site da Urbis: http://www.urbis.ba.gov.br.
194
PARTE IV
ciados pela empresa, conforme Anexo III da Lei Estadual n 8.209, passando suas funes
para a Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder). A partir desse
momento, a empresa tem suas aes voltadas exclusivamente para a administrao dos
91.282 contratos financiados. Setores foram reavaliados e reestruturados, visando minimizar
os custos administrativos e operacionais. Paralelamente, diversas campanhas foram realizadas
com o objetivo de aumentar a arrecadao da empresa e consequentemente diminuir os altos
ndices de inadimplncia que existiam, obtendo resultados expressivos com a arrecadao,
aumentando-a em cerca de 130%, enquanto a inadimplncia sofreu reduo de cerca de 40%.
Tabela 1
Total de muturios da Urbis na Bahia, segundo a localizao 2009
Localizao
Capital
N de muturios
40.225
Interior
51.057
Total
91.282
Tabela 2
Total de conjuntos habitacionais da Urbis na Bahia, segundo a localizao 2009
Localizao
N de conjuntos
Capital
76
Interior
144
Total
220
195
Nome do conjunto
N de unidades
Data de inaugurao
553
Setembro de 1975
308
Dezembro de 1978
82
201
456
Dezembro de 1981
800
Maro de 1981
972
Maro de 1981
500
Maio de 1986
630
Maio de 1986
493
Junho de 1990
Janeiro de 1979
Janeiro de 1979
Quadro 1
Conjuntos habitacionais da Urbis em Vitria da Conquista (BA)
Fonte: Urbis Habitao e Urbanizao da Bahia (2012).
Quanto ao padro das casas e dos lotes (dimenso do terreno, nmero de cmodos, etc.),
os conjuntos habitacionais apresentam variaes. Tambm existem diferenas de acordo
com suas condies de infraestrutura, como a presena de rede de esgoto em alguns (Urbis
VI, por exemplo) e de fossas spticas em outros (Urbis IV, por exemplo), a presena de reas
verdes, ou a dimenso das ruas, dentre outras. Para exemplificar, o conjunto habitacional
Urbis VI possui em sua configurao avenidas, ruas e caminhos, esses ltimos muito estreitos,
diferentes dos demais conjuntos da Urbis em Vitria da Conquista, o que ocasiona transtornos
aos moradores pela dificuldade de circulao de carros nessas vias. Observa-se, assim, que a
infraestrutura dos conjuntos e das casas difere de acordo com a populao (e com o poder
aquisitivo desta) para a qual esses conjuntos foram destinados.
A Urbis teve uma importante atuao em Vitria da Conquista quanto construo e comercializao de conjuntos habitacionais, porm, apesar da considervel quantidade de casas
construdas e comercializadas na cidade, trouxe pouca contribuio amenizao do problema
habitacional, sobretudo, da populao de baixa renda, devido s exigncias para a aquisio
dos imveis, que parte da populao no pde atender para ser beneficiada.
Segundo as regras da Urbis, para adquirir um imvel num dos conjuntos era preciso: ser inscrito
no programa habitacional; residir no municpio; ter renda de um a cinco salrios mnimos.
Tais condies tornaram-se entrave para muitas pessoas, sobretudo no que se refere renda.
Porm no se pode desconsiderar que tanto a populao de classe mdia, como tambm
parte da populao de baixa renda (a que pde comprovar a renda) foi beneficiada e hoje
possui moradia prpria devido a tal programa.
Entretanto, cabe aqui a discusso acerca das condies de moradia dessa populao, pois se
considera que o direito cidade no se restringe somente ao morar, ou seja, casa, tambm
196
PARTE IV
preciso que tais conjuntos possibilitem aos moradores no s o acesso habitao, mas a
satisfao de suas necessidades elementares como: trabalho, sade, educao, transporte,
lazer, saneamento bsico, dentre outros.
Percebe-se, em Vitria da Conquista, que nem sempre essas necessidades so contempladas nos
conjuntos habitacionais, sobretudo nos destinados populao de baixa renda. Apesar de os conjuntos da Urbis apresentarem uma boa infraestrutura, com pavimentao das ruas, iluminao, gua
encanada, rede de esgoto (em alguns), reas verdes, etc., o que ocasiona problemas para os habitantes
de muitos desses conjuntos a dificuldade de ter acesso a certos servios (como escolas, hospitais,
local de trabalho, supermercados, farmcias, etc.), pela ausncia deles e tambm pela localizao
desses conjuntos, situados nos extremos da cidade, como pode ser observado no Mapa 2. Observa-se
ainda que se trata de moradores de baixa renda, que dependem do transporte coletivo que, alm
de ser precrio e insuficiente, bastante oneroso para parte dessa populao.
De acordo com os moradores entrevistados na Urbis VI, o problema foi ainda maior quando
da inaugurao do conjunto, pois no havia transporte coletivo para o local; os moradores,
a maior parte de baixa renda, no possuam carro ou outro meio de transporte, ficando praticamente isolados do resto da cidade, deslocando-se a p ou com bicicletas para o local de
trabalho, hospitais, escolas, supermercados, etc.
Mapa 2
Conjuntos habitacionais da Urbis em Vitria da Conquista Bahia
Fonte: pesquisa de campo, 2009.
Elaborao: Minia V. Menezes, jan. 2009.
197
Nesse sentido observa-se uma contradio ao se analisar uma das finalidades da Urbis, que
era a de propiciar a ocupao de vazios urbanos destinados implantao de assentamentos residenciais de interesse social, particularmente aqueles voltados populao de baixa
renda, e o que aconteceu na prtica.
Na cidade de Vitria da Conquista, o crescimento urbano espraiado e desordenado ocorreu
de forma intensa, formando uma grande quantidade de vazios urbanos e ocasionando
problemas populao devido dificuldade de acesso a servios bsicos, equipamentos
urbanos coletivos e tambm pela dificuldade maior de se implementar servios de infraestrutura na cidade.
A localizao de certos bairros em regies bem distantes do centro da cidade, como o
caso do Esprito Santo, no foi algo que ocorreu espontaneamente, mas sim planejado
com o fim de promover a expanso da cidade para outros vetores, criando ainda reas de
reserva para construes futuras, deixando uma grande rea til somente para o aumento
da especulao imobiliria.
Em Vitria da Conquista, antes mesmo que fosse obrigatria a existncia do Plano Diretor
Urbano (PDU), j havia uma preocupao acerca do planejamento municipal. Em 1976 foi
elaborado o primeiro PDU objetivando regulamentar o ordenamento e parcelamento do
solo, em funo do crescimento urbano que comeou a ocorrer, principalmente mediante a
mobilidade do trabalhador do campo e de famlias camponesas para a rea urbana da cidade.
Entretanto, muitas de suas diretrizes foram e so descumpridas. No caso especfico da formao dos vazios urbanos, o governo municipal, por negligenciamento de suas funes,
foi um grande responsvel por essa formao. Embora haja no PDU a regulamentao do
ordenamento e parcelamento do solo, essa, por vezes, no ocorreu.
Assim, a cidade foi crescendo de forma espraiada, sendo implantados lotes e conjuntos
habitacionais quase nos limites da rea urbana (como o caso da Urbis VI), deixando grandes
glebas de terras urbanas desocupadas, teis apenas para os especuladores imobilirios que,
com isso, tiveram ampliadas suas possibilidades de atuao.
CONSIDERAES FINAIS
O problema da falta de moradia atinge um enorme contingente de trabalhadores brasileiros,
devido dificuldade de acesso terra urbana e se manifesta nas ocupaes irregulares, nas
favelas, nos loteamentos clandestinos, nas habitaes repletas de precariedades, que acabam
sendo a forma encontrada por essas pessoas para satisfazer as necessidades da moradia.
As polticas habitacionais criadas pelo Estado, como o BNH, no proporcionaram o acesso justo
e igualitrio terra urbana, uma vez que a estrutura fundiria do pas permaneceu inalterada.
Em vez disso, assistiu-se ao Estado agindo em consonncia com os interesses do capital ao
198
PARTE IV
estabelecer tais polticas, como, por exemplo, no perodo de criao dos institutos de aposentadoria e penso IAP, nos anos de 1930, quando o Estado assumiu a responsabilidade pela
produo e oferta de casas populares, exatamente no momento em que ocorreu a difuso
das relaes capitalistas de produo, principalmente no centro-sul do pas. Da mesma forma
quando foi institudo o BNH, por meio da Lei 4.380/64, para resolver o problema habitacional
do pas, mas que serviu ainda como paliativo para a crise econmica nacional e como meio
de manter a estabilidade social.
Durante o perodo de vigncia do BNH, um considervel nmero de casas populares foi
construdo, porm, no foi destinado aos que realmente necessitavam, ou seja, a populao
de baixa renda, pois quase em sua totalidade, ocorreu uma captura, das casas populares pela
classe mdia do pas.
Em Vitria da Conquista, tal fato no foi diferente. Casas dos conjuntos habitacionais foram
adquiridas pela classe mdia local, a exemplo do BNH, dos Inocoop I e II e do Urbis I, situados no
bairro Candeias, de maior valorizao espacial na cidade. As casas nesses conjuntos possuem
elevado valor comercial, pelo padro das moradias e principalmente devido aos investimentos
em servios de infraestrutura, implementados pela prefeitura municipal nesses conjuntos. Em
contraposio, observou-se a ausncia ou a insuficincia desses investimentos nos conjuntos
habitacionais destinados s classes de baixa renda, como, por exemplo, na Urbis VI. V-se,
assim, que a ao do Estado, ao distribuir de forma desigual os servios de infraestrutura no
espao urbano privilegiando certas reas da cidade, intensifica a segregao socioespacial.
A precariedade dos servios de infraestrutura e dos equipamentos urbanos coletivos nos
conjuntos habitacionais destinados s classes baixas demonstra que a concepo de habitao reduzida, nesses locais, ao habitat, ou seja, ao simples habitar, como colocou Lefebvre
(2001), sendo negado aos habitantes o direito cidade.
Por fim, preciso esclarecer que se considera importante e necessria a criao de programas
de habitao popular para a populao de baixa renda, mas que tais medidas por si s so
insuficientes para a melhoria das condies de vida dessa populao, se no forem superados
outros problemas sociais, como: a explorao do trabalhador devido aos salrios insuficientes para atender a todas suas necessidades; a precariedade nos servios pblicos de sade,
educao, saneamento bsico, entre tantos outros.
Tambm necessrio salientar a importncia da organizao e da luta dos moradores a fim de
obter do Estado a implementao de polticas pblicas que possam repercutir em melhorias
concretas para as condies de vida desses.
199
REFERNCIAS
ALMEIDA, Miriam Cla C. Produo scio-espacial e habitao popular nas reas de assentamentos e
ocupaes na cidade de Vitria da Conquista-BA. 2005. 191f. Dissertao (Mestrado em Geografia)Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2005.
AZEVEDO, Srgio de. Vinte e dois anos de poltica de habitao popular (1964/1986): criao, trajetria
e extino do BNH. Revista de Administrao Pblica, Rio de Janeiro, v. 22, n. 4, 1988.
BAHIA. Lei Estadual. Lei n 2.114 de 04 de janeiro de 1965. Dispe sobre a criao da URBIS. Disponvel
em: <http://governo-ba.jusbrasil.com.br/legislacao/85486/lei-2114-65>. Acesso em: 14 jan. 2012.
BRASIL. Projeto de Lei n 5.788, de 1990. Regulamenta o Captulo da Poltica Urbana da Constituio
Federal, estabelece diretrizes gerais da Poltica Urbana e d outras providncias. Disponvel em: <http://
www.cepam.sp.gov.br/arquivos/conhecimento/Estatuto da cidade.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2012.
LEFEBVRE, Henri. O direito cidade. 2. ed. So Paulo: Centauro, 2001.
HABITAO E URBANIZAO DA BAHIA - URBIS. Disponvel em: <http://www.urbis.ba.gov.br/pg-1.
html>. Acesso em: 10 fev. 2012
MARICATO, E. Brasil, cidade: alternativas para a crise urbana. Petrpolis, RJ: Vozes, 2001.
VITRIA DA CONQUISTA (Municpio). Lei n. 118 de 22 de dezembro de 1976. Dispe sobre o Plano
Diretor de Vitria da Conquista. Vitria da Conquista-BA, 1991. Mimeografado.
______. Lei n 1.385/2006. Dispe sobre o Plano Diretor do municpio de Vitria da Conquista e d outras
providncias. Disponvel em<http://www.pmvc.ba.gov.br/v2/wp-content/uploads/Lei 1.385 06 Plano
Diretor Urbano.pdf>.Acesso em: 18 fev. 2012.
200
INTRODUO
A leitura do espao geogrfico na sociedade contempornea exprime as relaes sociais
constitudas sob o capitalismo que fazem de sua produo um fenmeno complexo. Tal
complexidade motivada, sobretudo, pela intensificao das relaes produtivas que
se traduzem em desigualdades no mbito da cidade. Dessa forma, a produo atual do
espao urbano deve ser entendida como um processo intrinsecamente ligado ao capitalismo hodierno, resultando em cidades estruturadas, predominantemente, sob sua
lgica, o que influi, significativamente, no cotidiano citadino, no ato da apropriao e do
consumo decorrentes da articulao dicotmica dos agentes que configuram a cidade,
social e espacialmente.
Nesse pensamento, discute-se sobre a mobilidade dos sujeitos sociais, sobretudo, a acessibilidade aos espaos destinados prtica do lazer, pois se entende que a reproduo da vida
cotidiana fortemente influenciada pelas aes da classe dominante. Isso se materializa na
forma urbana e nos processos dela decorrentes e a ela determinam A cidade, assim produzida,
apresenta condies de acessibilidade que privilegiam as necessidades laborais, mostrando-se
importante se pensar a mobilidade dos sujeitos para alm do espao produtivo.
O mesmo espao de reproduo das relaes sociais , tambm, o dos lazeres inserido no
processo produtivo tambm como espao de consumo. O espao e as prticas de lazer a ele
relacionadas, tanto pelas aes dos sujeitos sociais, quanto pelas funes previstas das formas
espaciais expressam, determinam e so determinados pela diferenciao social, permitindo,
assim, que se suponha uma diferenciao socioespacial da e na cidade. O resultado desse
processo se revela na apropriao desigual dos sujeitos sociais na prtica do lazer, por ter suas
condies de mobilidade influenciadas pela produo desigual desses espaos, bem como,
para um uso tambm desigual dos mesmos.
Assim, o recorte analtico versa sobre a mobilidade e a acessibilidade urbanas relacionadas
s atividades e aos espaos de lazer nas cidades mdias. Tal recorte territorial e temtico foi
operado tendo em vista que essas cidades representam um importante n na relao interurbana por seu papel de intermediao, articulao e abrangncia com cidades de diferentes
escalas e papis na rede urbana e, sobretudo, pelas mudanas que esto ocorrendo em seu
*
Mestranda em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Jlio de Mesquita Filho (UNESP) e graduada em
Geografia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). [email protected]
201
processo de produo, dentre outros fatores, pelo novo contexto da urbanizao contempornea, sendo esse compreendido pelas recentes transformaes nas lgicas econmicas
e nas prticas sociais que envolvem o consumo no e do espao.
CONSTRUINDO O TEMA
Elementos para discusso
Ao longo do sculo XX, as cidades brasileiras vivenciaram profundas mudanas em sua estrutura
e novas lgicas que alteraram seu contedo. Tal situao ocorreu em virtude de um processo
de urbanizao difusa, caracterizado pelo acrscimo no nmero e no tamanho das cidades,
bem como do aumento dos papis urbanos em decorrncia da diviso territorial do trabalho.
Diante disso, a espacialidade urbana foi se modificando, marcada pela extenso do tecido
urbano, sobretudo pelo surgimento de novos empreendimentos (comercial, habitacional etc.),
em muitos casos, distantes das reas centrais, sendo o automvel um instrumento facilitador
ou condicionante dessa disperso. Alm disso, esse redesenho da cidade evidenciou outro
processo, a fragmentao, que no se restringe apenas questo espacial, mas, que deve
ser analisado, sobretudo, no plano das relaes sociais, evidenciando as novas lgicas do
habitat urbano em que, de um lado, se produz uma necessidade de status do diferente, uma
separao e, por outro, exclui parcela significativa de sujeitos para os quais restam apenas
das precariedades desse estilo de morar.
Percebe-se que, alm disso, nas cidades, houve uma intensificao na circulao de pessoas,
mercadoria, informao etc. e que sua estruturao se baseou em facilitar e tornar fludo esse
movimento tecnologias, mdia, estradas, melhoria dos transportes, uma redefinio da rede
de fluxos entre reas urbanas de diferentes partes. Nesse contexto, a mobilidade, em sentido
amplo, ganha demasiada importncia.
De acordo com Vasconcelos (2000), houve uma adaptao das cidades s novas lgicas e
funes, sobretudo econmicas, por meio do rearranjo da oferta de transporte. Em pases
em desenvolvimento e de industrializao avanada, assim como o Brasil, o espao urbano
j sofreu inmeras alteraes para se adaptar ao modo de transporte motorizado.
Segundo o autor, na Amrica Latina, a relao entre estrutura urbana e transporte foi estabelecida atravs das companhias de transporte ferrovirio e bonde, porm, com o ps-Segunda
Guerra Mundial, elas no conseguiriam competir com os servios prestados por nibus adaptados e caminhes em reas de expanso urbana, sendo, posteriormente, substitudas por
operadores privados de nibus. O automvel teve grande evidncia e se tornou smbolo de
status para as classes emergentes que buscavam mobilidade social. No Brasil, essa realidade
se verificou a partir de 1970, em virtude da modernizao econmica que provocou muitas
alteraes na estrutura urbana, correspondentes criao de novos sistemas rodovirios em
202
PARTE IV
203
A leitura sobre o espao (social) e o tempo (social) irrompe a simples compreenso destes como
fato natural e fato cultural: espao e tempo social so considerados como produtos da ao social
(LEFEBVRE, 2000). Desse modo, a produo do espao deve ser apreendida em sua amplitude,
no apenas produo de coisa ou objeto, mas um conjunto de relaes. Assim,
A produo no se reduz fabricao de produtos. O termo designa,
de uma parte, a criao de obras (incluindo o tempo e o espao sociais),
em resumo, a produo espiritual, e, de outra parte, a produo
material, a fabricao de coisas. Ele designa tambm a produo do
ser humano por si mesmo, no decorrer do seu desenvolvimento
histrico. Isso implica a produo das relaes sociais. Enfim, tomado
em toda sua amplitude, o termo envolve a reproduo. (LEFEBVRE,
1991, p. 3, grifo do autor).
Nesse mesmo pressuposto, Carlos (2007, p. 62) articula esses dois termos produo e reproduo. Em seu entendimento, enquanto o primeiro refere-se ao processo [de produo]
especfico, o segundo considera a acumulao do capital atravs de sua reproduo, permitindo apreender a diviso do trabalho em seu movimento. A diviso do trabalho, nessa
perspectiva, entendida enquanto o motor da vida social e da diferenciao de reas,
completa Santos, M. (2006).
Percebe-se o quo complexa essa produo revelada pelo conjunto de relaes, padres
comportamentais e de valor, normatizando as relaes sociais numa produo prtica do
espao. Nesta, esses sujeitos entram em conflito no ato da reproduo do espao concreto
da sociedade, ou seja, na cidade. Desse modo, afirma-se que, entre a cidade e o processo
de produo, existe uma relao de identidade, assim como expe Whitacker (2007, p. 139):
A cidade condio para realizao da produo como se sucede
hoje, em funo da concentrao espacial. A produo no campo,
por exemplo, assemelha-se produo na cidade e dela depende;
por isso a cidade no s condio para a realizao da produo,
tambm expresso de um jeito de produzir. , nesse sentido, condio
para a reproduo ampliada dos processos produtivos e da dinmica
econmico-social.
Pensar a cidade dessa perspectiva requer a anlise das prticas espaciais dos sujeitos sociais,
o que pressupe uma ampliao na compreenso sobre a reproduo do espao urbano
por considerar as aes sociais, ou seja, a reproduo social do espao urbano. Gottdiener
(2010), ao discorrer sobre a produo social do espao, contribui significativamente para essa
discusso ao ponderar sobre a importncia do espao, afirmando que as formas espaciais
no so apenas produto social, mas atribuem um valor a este e sua construo ocorre em
todas suas dimenses.
204
PARTE IV
Assim, reproduz-se uma nova lgica de consumo e de produo espacial, ou novas lgicas
econmicas motivando prticas espaciais especficas, remodelando as atividades de lazer,
para criar iluses de algo singular, seleto, necessrio, pois, enquanto mercadoria, deve gerar
lucros no processo produtivo capitalista. O lazer se torna uma nova necessidade. Sobre isso,
Baudrillard (2003) contribui substancialmente para a discusso ao discorrer sobre a relao
do lazer e o tempo na lgica de consumo.
Para esse autor, a sociedade de consumo vincula o lazer ideia de liberdade, como se todos
praticassem e desfrutassem igualmente dessa, sentimento que est vinculado ao tempo dedicado a esse fim, sendo o tempo uma dimenso, a priori, espera do indivduo, fora do tempo
205
de trabalho (alienado). Entretanto, destaca que o tempo, como outros objetos produzidos
pelo sistema de produo, foi submetido ao valor de troca e est destitudo do valor de uso,
pois, na lgica capitalista, no existe tempo livre, apenas o cronometrado pelo capital, por
isso j no livre por se encontrar preso aos ponteiros do sistema de produo. Desse modo,
o tempo de lazer se torna propriedade privada.
Assim, o tempo uma mercadoria rara nesse sistema, um valor de troca e, para que
o tempo do no-trabalho seja consumido, assim como o lazer, deve ser comprado. O
lazer contabilizado no tempo como valor de troca e como fora produtiva, no sendo
possvel desvincular o espao (tempo) do lazer, do espao (tempo) produtivo. Sobre isso,
Lefebvre (2008, p. 22) expe:
Os lugares de lazeres, assim como as cidades novas, so dissociados
da produo at quando os espaos de lazeres parecem independentes do trabalho e livres. Mas eles encontram-se ligados aos
setores do trabalho no consumo organizado, no consumo dominado. Esses espaos separados da produo, como se fosse possvel
ignorar o trabalho produtivo, so os lugares da recuperao. Tais
lugares, aos quais se procura dar um ar de liberdade e de festa,
que se povoa de signos que no tem a produo e o trabalho por
significados, esto estreitamente ligados ao trabalho produtivo.
um tpico exemplo do espao ao mesmo tempo deslocado e
unificado. So precisamente lugares nos quais se reproduzem as
relaes de produo.
PARTE IV
das por esse sistema que alude a uma apropriao que, de fato, no acontece, ou seja,
a no apropriao.
So esses desdobramentos motivados pelo processo de reproduo capitalista que submetem a reproduo da vida dos sujeitos sociais a precariedades e ausncias. Mesmo com
o tempo do no-trabalho para desenvolver suas atividades, inclusive as dedicadas ao lazer,
esses sujeitos encontram barreiras para consumir o produto tomado pelo capital, visto
que certos espaos e objetos esto fora de seu alcance pela falta de renda, de meios que
facilitem seu deslocamento, de condies que os faam usufruir o lazer proposto pela
sociedade do consumo.
Esses processos revelados pela produo social do espao so considerados na leitura sobre
o lazer feita por Dumazedier (1973) a qual se soma a esta anlise sobre a produo desigual do espao, na medida em que o lazer est longe de ser igualmente produzido para a
sociedade em todos os seus nveis , aponta os fatores que, em sua opinio, impedem ou
retardam o desenvolvimento quantitativo e qualitativo do lazer, como a ineficincia na oferta
de equipamentos recreativos ou culturais de uso coletivo e a falta de renda, pela precariedade
do trabalho. Para esse autor:
O lazer um conjunto de ocupaes s quais o indivduo pode
entregar-se de livre vontade, seja para repousar, seja para divertir-se, recrear-se e entreter-se ou, ainda para desenvolver
sua informao ou formao desinteressada, sua participao
social voluntria ou sua livre capacidade criadora aps livrar-se
ou desembaraar-se das obrigaes profissionais, familiares e
sociais. (DUMAZEDIER, 1973, p. 37).
Apesar de ser uma viso funcionalista do lazer, esse estudioso especifica aes que, em
tese, poderiam possibilitar um aproveitamento do tempo de no-trabalho para a prtica do
lazer. Porm, h impedimentos de ordem estrutural que inviabilizam essa prtica, como, por
exemplo, a mobilidade dos sujeitos e a acessibilidade a esses espaos, pensadas, tambm,
de forma diferenciada para cada extrato social.
Segundo reflexes de Padilha (2006), no processo de reproduo h uma ditadura do lazer,
sobretudo, para a classe mdia, pela necessidade de ocupar o tempo do no-trabalho, j
que, no capitalismo, a produtividade deve ser acelerada. Assim, o lazer vendido como uma
mercadoria pronta, com o discurso de que a sociedade moderna no sabe usufruir o tempo
do no-trabalho e que, por isso, o capitalismo o faz, a seu modo.
Desse modo, ao ser cooptado pelo desenvolvimento da sociedade de consumo, o lazer ganha
outro sentido, outras aes, simbolismos; ao se tornar uma necessidade de consumo (status,
diferenciao social) passa a ser uma nova atividade produtiva, dspar, em ambientes especializados, dando origem a novos espaos, ou ainda refuncionalizando outros (CARLOS, 2007).
207
Em Carlos (2011), os sujeitos da ao que correspondem aos nveis da prtica socio-espacial no plano real que so:
Estado, como aquele da dominao poltica; o capital, com suas estratgias objetivando sua reproduo continuada (e
aqui nos referimos s fraes do capital, o industrial, o comercial e o financeiro e suas articulaes com os demais setores
da economia, como o mercado imobilirio); os sujeitos sociais que, em suas necessidades e seus desejos vinculados
realizao da vida humana, tm o espao como condio, meio e produto de sua ao (CARLOS, 2011, p. 64).
Documento em que o Ministrio das Cidades determina que todas as cidades com mais de 500 mil habitantes elaborem
um plano de mobilidade de transporte e trnsito, porm, como medida preventiva, incentiva os gestores das sedes
municipais com mais de 100 mil habitantes (com mais de 100 mil habitantes e situadas em regies metropolitanas
ou em regies de desenvolvimento integrado) a tambm adotarem essa estratgia como maneira de reorientar a
expanso urbana e a circulao (BRASIL, 2006, p. 15).
208
PARTE IV
Igualmente importante nos estudos da dinmica urbana, a acessibilidade pode ser compreendida como a capacidade de determinada rea ser acessvel ou no a todos os sujeitos e grupos
sociais. Muitos tendem a igualar a compreenso sobre mobilidade e acessibilidade, algo que
209
PARTE IV
Desse modo, para que a mobilidade acontea preciso instrumentos que favoream a acessibilidade aos espaos de interesse, pois a ausncia desta sentida quando no h rapidez,
agilidade, segurana, enfim, satisfao nos usos. Tal condio se relaciona estrutura de
poder da cidade, onde se distribuem, se organizam e se produzem os espaos e contribui para
determinar quem tem acesso e a maneira como este se dar, incluindo-se, ainda, o acesso s
polticas pblicas como meio de viabilizar o uso da cidade e de seus recursos.
A acessibilidade, segundo o referido ministrio, representa a possibilidade de deslocamento e
chegada ao destino desejado pelas prprias capacidades individuais, ou seja, com autonomia
e em condies favorveis, mesmo que necessite de instrumentos especficos para tal ao,
incluindo, ainda, a questo do tempo, da distncia e do custo para se alcanar tais destinos.
Outra abordagem levantada por Serpa (2011) ao discorrer sobre a apropriao dos espaos pblicos leva-nos a refletir sobre as contradies do ser acessvel, pois, nessa relao,
importa no apenas a questo espacial e econmica da acessibilidade, mas, tambm,
uma dimenso simblica ao relacion-la com a alteridade. O autor afirma que apropriao
social est alm do aspecto fsico (ruas, praas, shopping centers etc.) e questiona a aparente acessibilidade generalizada ao espao (pblico) ao passo que h uma apropriao
seletiva e diferenciada deste.
Para Vasconcelos (2000), a acessibilidade se tornou um bem escasso e que, na prtica,
mensurado pelo tempo e o dinheiro investidos para se alcanarem os espaos desejados.
Possivelmente por isso e, sobretudo, pela questo financeira, argumenta que h uma profunda
desigualdade na distribuio da acessibilidade, a qual reduzida, pelo senso comum, a uma
simples necessidade de consumo ou pela diferenciao entres os que escolhem o transporte
pblico ou privado.
Atravs dos problemas de acessibilidade, a desigualdade se expressa de forma mais profunda
e ampla, mas tambm por meio de elementos que a compem, como o tempo de espera e de
acesso, transferncia e conforto. Ainda: as diferenas sociais e econmicas so mais evidentes
quando se constata o quo dependentes as pessoas so da indstria do transporte e, por
isso, tm seu espao de apropriao reduzido, por esse sistema no atender a sua demanda.
Quanto s desigualdades dos modos de circulao, as pessoas que possuem meios de
transporte prprios tm maior capacidade de consumir, apropriar-se do espao, ou seja, o
monoplio do transporte motorizado pelos grupos dominantes reproduz as desigualdades
socioeconmicas e cria uma iniquidade no uso do espao (VASCONCELOS, 2000).
Os espaos que detm maior acessibilidade acabam se tornando mais atrativos do que aqueles com menor acesso, o que promove uma desvalorizao desses. Assim, para Sousa (2009),
uma maneira de valorar um espao ou atividade, incluindo-se a o desenvolvimento urbano
e social, melhorar a acessibilidade a ele, j que a mesma um bom indicador para avaliar
a qualidade dos transportes na cidade. Entretanto, na medida em que o espao se valoriza,
as relaes que ali se estabelecem se hierarquizam. Tais espaos passam a ser produzidos de
211
O FOCO DE ANLISE
Observa-se um continuo e intricado processo de mudanas por que passam as cidades na
contemporaneidade, fazendo com que os papis e as funes que desempenham sejam
alterados. As relaes cada vez mais complexas, em todos os planos analticos, se intensificam,
do mesmo modo que revelam e baseiam o devir da sociedade nos mbitos polticos, sociais
e culturais. A urbanizao, assim, se manifesta, espacialmente, nas escalas regional, nacional
e internacional e, temporalmente, em sua longa durao, de modo que a cidade reflete as
mudanas oriundas desse processo, ao passo que tambm condio para este.
No que concerne ao recorte territorial aqui proposto, as cidades mdias, nesse contexto,
as baianas passaram a atrair investimentos maiores e novas fontes de capital, sobretudo
financeiro e comercial, ocasionando mudanas em sua dinmica econmica. Ademais,
as prprias transformaes no Brasil, com sua poltica de articulao do territrio, promoveram (tanto quanto induziram) novas relaes entre as cidades na rede hierrquica
urbana, implicando conexes de outras ordens, como as no hierrquicas3, e maior fluidez
entre esses espaos no que tange circulao de capital, mercadorias e indivduos, como
afirmou Santos, J. (2012) sobre a Bahia.
Importantes pesquisas4 sobre a realidade das cidades desse estado discutem a natureza
contraditria da urbanizao contempornea, marcada por conflitos do/no prprio sistema
capitalista que se traduzem numa barbrie social, conforme defende Santos, J. (2010, 2011).
Com a instituio de um novo regime de acumulao capitalista, criam-se (assim como se
reforam) novas estratgias e articulaes evidenciadas em processos (contraditrios) como a
apropriao privada da produo coletiva; um movimento descentralizador, mas que mantm
3
4
212
PARTE IV
Tal debate no se esgota, dada a gama de questes que ainda aspiram a pesquisas e aprofundamento para revelar as contradies na produo dessas cidades. Nesse sentido, o direcionamento
dessa discusso teve como base a anlise de como as alteraes no processo de urbanizao
influenciam na reproduo da vida dos sujeitos sociais que residem em reas perifricas pobres
na cidade de Vitria da Conquista (BA), proposta pela autora, tambm, aliada s pesquisas desenvolvidas junto ao grupo de pesquisas Urbanizao e Produo de Cidades na Bahia.
Percebe-se que, para esses sujeitos, a mobilidade urbana figurou como uma problemtica
que os segregava, limitando ou mesmo negando a apropriao dos espaos de sociabilidade
e acesso aos bens urbanos. Algo que influenciava, qualitativamente, a reproduo da vida,
dada a precariedade das condies de mobilidade e acessibilidade a determinados espaos
da cidade, mormente no que se refere aos espaos de consumo, do lazer etc. (MARES, 2011).
Ademais, verificou-se que, em virtude da falta de condies que lhes permitissem bom deslocamento e acesso a tais espaos e atividades, o cotidiano desses sujeitos se restringia s
atividades laborais, nos espaos produtivos e/ou na prpria residncia, ora restritos ao prprio
bairro de moradia ou distantes deste. Nesse ltimo caso, dispunham de meios, mesmo com
dificuldades, que os direcionavam aos espaos produtivos.
Logo, verificou-se que, em tese, h uma produo que viabiliza o acesso desses sujeitos aos
espaos produtivos da cidade para garantir os interesses da reproduo capitalista. Porm,
no que tange s demais necessidades cotidianas para alm do trabalho, como servios e
bens urbanos, consumo, lazer etc., os mesmos sujeitos encontram barreiras socioeconmicas,
espaciais, polticas e culturais que os impedem de se apropriar desses espaos.
Nesse sentido, e como forma de avanar nessa reflexo, importa pensar a produo do espao
urbano em Vitria da Conquista investigando-se a ao dos sujeitos sociais no que se refere
ao consumo dos/nos espaos de lazer, considerando-o como um importante elemento do
cotidiano. Ou seja, investigar as lgicas e prticas espaciais do lazer considerando-se aspectos
como mobilidade e acessibilidade urbana.
Centro de influncias no interior da Bahia e com importantes funes na rede urbana, Vitria
da Conquista o terceiro municpio em tamanho populacional no estado, com 336.987 habi213
Figura 1
Localizao do municpio de Vitria da Conquista Bahia 2010.
Fonte: IBGE/SEI
Elaborao: Rzia Mendes Mares
PARTE IV
Contudo, Ferraz (2001) destaca a estratgica localizao de Vitria da Conquista, num importante eixo que potencializa a produo, o trnsito e comrcio dos produtos da regio, com
considervel participao no PIB do estado. As transformaes em sua estrutura urbana,
a partir da dcada de 1940, a configuraram como um importante eixo regional logstico,
comercial, prestador de servios e gerador de empregos que, ao longo do sculo XX, se
firmou, tambm, no cenrio nacional.
A mesma autora apontou, ainda, o adensamento populacional, a expanso econmica e a
centralidade comercial, iniciadas a partir de 1940, quando da abertura de importantes vias de
acesso, como a BR 116 (Salvador Rio de Janeiro), a BA 262 (Vitria da Conquista Brumado),
a BA 265 (Vitria da Conquista Barra do Choa) e a implantao de um polo de agricultura
cafeeira, na dcada de 1970, como nova opo econmica.
Como resultado, houve grande especulao imobiliria, intensificao do processo migratrio
de trabalhadores, implantao do distrito industrial e dinamizao do comrcio e das atividades de prestao de servios. A cidade passou a ser majoritariamente urbana (Tabela 1) com
taxas crescentes de urbanizao a partir de 1970 (Grfico 1) e dela derivaram problemas como
a insuficincia na prestao de servios bsicos e um significativo crescimento desordenado,
algo que faz parte da realidade das demais cidades brasileiras.
Tabela 1
Populao rural, urbana e total, Vitria da Conquista Bahia 1940-2010
Ano
Populao rural
Populao urbana
Populao total
1940
62.559
11.884
74.443
1950
73.111
23.553
96.664
1960
90.057
53.429
143.486
1970
41.520
84,053
125.573
1980
43.107
127.512
170.619
1991
36.740
188.351
225.091
2010
36.949
225.545
306.866
215
Grfico 1
Taxa de urbanizao Brasil, Bahia e Vitria da Conquista (%) 1940-2010
Fonte: IBGE - Censo Demogrfico (2011).
A ausncia ou precariedade na prtica do lazer no cotidiano desses sujeitos evidencia a influncia de lgicas econmicas, visto que s o tinha quem era rico, ou seja, a renda se mostra
como um fator que distingue o modo como os diferentes grupos sociais usufruem tais espaos
5
Vitalino Mendes, morador do bairro Cruzeiro, situado em Vitria da Conquista (BA), que, conforme pesquisa de campo
realizada em 2011, h mais de 80 anos reside nessa cidade.
216
PARTE IV
e atividades. Essa diferenciao est, relativamente, estabelecida pela forma como e para
que grupos sociais esses espaos so produzidos, pelos investimentos na infraestrutura, nas
condies de mobilidade e acessibilidade, na segurana, enfim, nos meios que possibilitem
um bom uso do tempo do no-trabalho.
Naturalmente, no se excluem da categoria de lazer as possibilidades existentes no
entorno dos domiclios nos bairros perifricos, mormente aqueles destinados s atividades fsicas. No entanto, a diversidade e o nvel de qualidade das opes existentes
tendem a ser menores do que os oferecidos para a sociedade em geral, ou mesmo para
grupos sociais especficos.
A diferenciao que, no capitalismo, se traduz em desigualdades, observada ainda na fragmentao do cotidiano dos sujeitos sociais e em sua relao com o espao total, havendo, por
vezes, uma ciso entre as zonas destinadas s atividades econmicas comrcio, indstria,
prestao de servio , as residenciais e, particularmente, os espaos onde se concentram os
locais de lazer, o que gera um esforo muito maior para determinados grupos sociais terem
acesso aos principais pontos de sociabilidade da cidade.
Assim, os problemas referentes mobilidade urbana, apesar de intrnsecos cidade, ganham
maior evidncia nos tempos hodiernos, por estarem pesando na fluidez e, por conseguinte, na
economia da cidade, havendo uma mobilizao tanto do poder pblico quanto da iniciativa
privada com aes que visem limar ou amenizar os problemas nos sistemas de circulao
e transporte. E, acrescente-se, garantir retorno pelo capital investido em tais aes. Como
exemplo dessas aes, foi criada a Lei de Mobilidade Urbana decretada pelo Ministrio das
Cidades (Lei n 12.587/12) (BRASIL, 2012a), a qual objetiva integrar os diferentes modos de
transporte para melhorar a acessibilidade e mobilidades das pessoas, estabelecendo os
direitos dos usurios do transporte pblico coletivo, alm de ser uma forma de cobrar dos
gestores pblicos a melhoria na qualidade desse servio.
No que concerne mais especificamente escala de anlise proposta, as cidades mdias, o
mesmo ministrio criou, no ano de 2012, o programa PAC2 Mobilidade Mdias Cidades
(BRASIL, 2012b). Este objetiva ampliar a oferta e a qualidade dos transportes coletivos, bem
como das linhas virias dessas cidades, o que, teoricamente, promoveria uma melhora na
qualidade de vida dos citadinos.
So planos e investimentos que, em tese, visam aprimorar a estrutura fsica da cidade,
equip-la, dot-la de elementos que possam aumentar sua fluidez e, tambm, agir de
forma preventiva, no caso de cidades de portes menores, para que no apresentem no
futuro os mesmos problemas. Entretanto, os interesses e as estratgias dessas aes so,
demasiadamente, divergentes, no garantindo os resultados propostos por esses projetos
de melhorar a qualidade de vida dos citadinos, sobretudo, das classes populares, a quem
essa problemtica aflige de forma mais severa.
217
218
PARTE IV
E, uma ltima hiptese, aventa-se que, mesmo diante dos impedimentos impostos, esses
sujeitos buscam meios de realizar suas prticas fora desse circuito, ou seja, criam estratgias
de resistncia s condies de mobilidade e acessibilidade pelo uso de espaos e realizao
de atividades de lazer que esto fora do circuito institucionalizado. Desse modo, tal prtica
revela a ao dos sujeitos sociais em contraposio, ou complementao, s condies que
limitam sua mobilidade e acessibilidade no uso do espao citadino.
Os espaos de lazer institucionais recebem infraestrutura e instrumentos que permitem
mobilidade e acesso por parte de grupos sociais determinados, em detrimento de espaos
no institucionais que, mesmo no recebendo as ferramentas anlogas, so apropriados
pelos sujeitos sociais que esto excludos desse grupo de interesses ou, ainda, que se
desenvolvem, justamente, nos espaos produzidos para estes. Ainda que no seja uma
ao realizada de forma plena, esses sujeitos se espacializam e praticam o lazer na cidade
por eles inventada.
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220
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221
INTRODUO
A caracterizao e a mensurao da populao residente em assentamentos e habitaes
precrios no pas so de grande relevncia para a elaborao de polticas e programas habitacionais e sociais. Esse conhecimento, entretanto, se apresenta muito limitado no mbito
dos pequenos municpios,1 onde a dificuldade de caracterizar e dimensionar a precariedade
habitacional torna-se ainda maior devido baixa capacidade administrativa e carncia de
informaes.
Municpios com populao at 20 mil habitantes no contam com dados do estudo Dficit
Habitacional no Brasil, produzido pela Fundao Joo Pinheiro (FJP), que permite identificar
as necessidades habitacionais.2 Para esses, essas informaes esto agregadas por microrregies geogrficas, definidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE). O estudo
Assentamentos precrios no Brasil urbano, desenvolvido pelo Centro de Estudos da Metrpole,
do Centro Brasileiro de Anlise e Planejamento (CEM/Cebrap), partiu da informao disponvel
dos setores de aglomerados subnormais do IBGE, no entanto, embora apresente avanos
importantes, no traz dados para municpios com populao inferior a 150 mil habitantes ou
localizados fora de Regio Metropolitana (MARQUES et al., 2007).
**
***
Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de So Paulo (USP), especialista em International Course On
Housing Planning And Build pelo Institute For Housing And Urban Development Studies e graduada em Arquitetura
e Urbanismo pela Universidade Catlica de Santos (Unisantos). Professora da Universidade Federal do ABC (UFABC).
[email protected]
Ps-doutor em Sade Pblica pela University College of London (UCL) e doutor em Sade Pblica pela Universidade
de So Paulo (USP). Professor da Universidade Federal do ABC (UFABC). [email protected]
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Cincias Tecnolgicas e Exatas da Unime. Pesquisadora da
Organizao da Sociedade Civil de Interesse Pblico Direito Justia. [email protected]
Considerou-se, para a realizao desta pesquisa, cidades pequenas com at 20 mil habitantes, critrio da Organizao
das Naes Unidas (ONU) tambm utilizado por inmeros estudos estatsticos. Entretanto, a definio de uma
classificao desse tipo pressupe o entendimento do papel exercido por cada cidade na rede urbana em que se
insere. Ver: Sposito (2009); Maia (2010); Veiga (2004).
O conceito de necessidades habitacionais proposto pela Fundao Joo Pinheiro (1995) inclui o dficit quantitativo,
que se caracteriza pela necessidade de reposio total de unidades habitacionais precrias e o atendimento demanda
reprimida e demogrfica, como tambm a inadequao (ou dficit qualitativo), que compreende a necessidade
de melhoria de unidades habitacionais que apresentem carncias de infraestrutura, adensamento excessivo de
moradores, problemas de natureza fundiria, alto grau de depreciao ou inexistncia de unidade sanitria domiciliar
exclusiva. Ver: Cardoso (2009); Taschner (2008).
223
A maioria dessas cidades no possui cadastro habitacional e, quando este existe, freqentemente, resultado de demanda, no identifica as necessidades habitacionais e no
possibilita tratar a informao espacialmente. O Governo do Estado da Bahia, assim como a
maioria dos governos estaduais, no possui programas destinados a apoiar a produo de
informao municipal.
importante destacar que os assentamentos precrios tambm so territrios de excluso
social, um fenmeno multidimensional, cujo enfrentamento requer uma abordagem integrada
e territorial. 3 O territrio o cho comum das diferentes intervenes e locus fundamental
para a prtica da intersetorialidade. O foco no territrio facilita a elaborao de diagnsticos,
a implantao de programas e seu monitoramento. Trata-se, portanto, de um desafio abordar
espacialmente por setores intramunicipais essas informaes.
A exigncia de elaborao do Plano Local de Habitao de Interesse Social (PLHIS), condio
obrigatria para estados e municpios aderirem ao Sistema Nacional de Habitao de Interesse
Social (SNHIS),4 pode ser uma oportunidade para a produo de informao municipal e a
elaborao de diagnstico que possibilite a orientao das aes de governo.
Para apoiar os municpios na produo de PLHIS, o Ministrio das Cidades produziu material de referncia,5 a publicao Planos Locais de Habitao de Interesse Social, e promoveu,
no perodo 2008-2010, vrias aes de capacitao, como cursos presenciais e a distncia.
Porm, as metodologias apresentadas na supracitada publicao aplicam-se a realidades
metropolitanas ou a cidades mdias e grandes.
A abordagem deste trabalho consiste em como superar essa limitao do conhecimento
em nvel local e examinar em que medida a utilizao de dados da Ficha A do Sistema de
Informao de Ateno Bsica (SIAB) pode contribuir para a identificao e o mapeamento
preliminares da precariedade habitacional. Apresenta-se, aqui, o estudo de caso de gua Fria
(BA), uma das 18 cidades deste estado onde a Organizao da Sociedade Civil de Interesse
Pblico (OSCIP) Direito Justia aplicou uma metodologia que utiliza essa fonte de dados.
Vale ressaltar que a maioria desses municpios possui reduzido quadro de tcnicos e limitada capacidade para a produo de informao. Neste contexto, importante identificar a
informao e os meios j disponveis, assim como buscar a ao intersetorial para produzir
diagnsticos e formular estratgias de ao.
A reflexo presente neste captulo resultado do relatrio parcial da pesquisa Metodologia de
identificao e dimensionamento da precariedade habitacional em pequenos municpios brasileiros: uma leitura a partir dos diagnsticos habitacionais desenvolvidos em cidades da Bahia, que
3
Acerca do debate conceitual sobre incluso social, ver: Dupas (1998); Sposati (1997); Vras (1999); Sawaia (1999);
Santo Andr (2001).
A Lei Federal no 11.124/05 condiciona os municpios a elaborarem plano habitacional, constiturem fundo municipal de
habitao de interesse social e criar conselho gestor do fundo para receber recursos do Fundo Nacional de Habitao
de Interesse Social (FNHIS).
Manual do EAD-PLHIS (SANTA ROSA, 2009).
224
PARTE IV
contratao a de morar na microrea onde devero atuar. Dessa forma, estaro inseridos
nas comunidades e sero conhecedores de sua realidade. Os ACS visitam os domiclios sob
sua responsabilidade pelo menos uma vez ao ms ou, a depender da situao de sade do
morador, semanalmente.
As informaes sobre o domiclio do ponto de vista fsico-construtivo e de infraestrutura
so registradas na Ficha A, no momento da visita aos domiclios, e atualizadas sempre que
h modificaes nessas condies6, no que se refere a: endereo; segmento; rea; microrea;
condio da moradia tipo de casa (tijolo/adobe, taipa revestida, taipa no revestida, madeira,
material aproveitado, outros), nmero de cmodos/peas , energia eltrica, destinao do
lixo (coletado, queimado/enterrado, a cu aberto); saneamento tratamento de gua no
domiclio (filtrao, fervura, clorao, sem tratamento); abastecimento de gua (rede geral,
poo ou nascente, outros); e destino de fezes e urina (rede geral de esgoto, fossa, a cu aberto).
A ESF est presente em 100% dos municpios brasileiros (SILVA; NASCIMENTO, 2012). No
entanto, sua cobertura varia e tende a ser maior quanto menor o municpio. Nas cidades
de pequeno porte da regio Portal do Serto, na Bahia, onde se situa gua Fria, a cobertura
populacional de 100%, exceo de Nova Soure e So Gonalo dos Campos, onde chega
a 97,41% e 98,77%, respectivamente (BRASIL, 2012).
Alguns estudos, realizados por pesquisadores da rea da Sade, discutem a qualidade da
informao do SIAB. Silva e Laprega (2005) e Freitas e Pinto (2005), a partir de resultados
de pesquisas de carter qualitativo, destacam a insuficiente capacitao dos ACS, a falta
de superviso e controle da qualidade dos dados produzidos pelas equipes da ESF, bem
como a pouca utilizao, pelos municpios, das informaes disponveis. Souza, Souza e
Scochi (2006), embora relatem um estudo de carter quantitativo, apresentam resultados
semelhantes e concluem que as equipes locais no utilizam o SIAB no planejamento e na
avaliao de suas aes, basicamente por falta de capacitao. Isso termina por se refletir
na baixa confiabilidade no sistema, devido ao pouco uso e s insuficientes familiaridade e
habilidade na anlise dos dados pelas equipes locais. Deve-se ressaltar que nenhum desses
estudos teve como objeto de anlise a Ficha A, que rene as informaes sobre as condies
de moradia. Ademais, eles no indicam a porcentagem de erros encontrada nas informaes
das fichas, deixando dvidas quanto a seu grau de distoro ou de comprometimento com
os resultados encontrados.
Embora a complexidade de informao e de diagnstico de sade, em determinados casos,
exija um preparo adequado, para o qual os agentes comunitrios de sade podem no estar
plenamente habilitados, no se pode afirmar que, necessariamente, estejam despreparados
para informar dados relativos moradia, facilmente observveis. possvel que os requisitos
de fonte, preciso e detalhamento da informao para o sistema de sade sejam eventual6
Segundo o Manual do SIAB, todos os dados dessa ficha devem ser atualizados sempre que houver alterao. Onde o
sistema estiver informatizado, as alteraes registradas pelo ACS devem ser includas imediatamente no banco de
dados, de forma a permitir sua contnua atualizao (BRASIL, 2003).
226
PARTE IV
mente diferentes daqueles exigidos para o setor de habitao. Neste aspecto, o SIAB pode
apresentar limitaes significativas para determinados usos e ter validade para outros.
Com o objetivo de induzir a ampliao do acesso e a melhoria da qualidade da ateno bsica,
assim como melhorar a qualidade da alimentao e o uso dos sistemas de informaes em
sade como ferramenta de gesto, o Ministrio da Sade instituiu, em 2011, o Programa
Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Ateno Bsica (PMAQ).
Entre as exigncias do PMAQ, merece destaque o fato de que as equipes devero prover o
SIAB de informaes de forma regular e consistente, independentemente do modelo de organizao da equipe. Outro compromisso exigido dos municpios a definio do territrio de
atuao das Unidades Bsicas de Sade (UBS), bem como da populao adstrita por equipe
da Ateno Bsica (BRASIL, 2011).
A adeso ao programa implicar o imediato aumento da verba recebida pelas equipes. Porm,
a permanncia do municpio no PMAQ exige, alm do cumprimento das metas estabelecidas,
a solicitao de avaliao externa a ser conduzida por instituies de ensino e/ou pesquisa
contratadas pelo Ministrio da Sade (BRASIL, 2011).
228
PARTE IV
Figura 1
gua Fria: mapa elaborado por um ACS
Fonte: Prefeitura Municipal de gua Fria (2009).
A metodologia permite identificar as microreas com maior incidncia de cada uma dessas
variveis. Os setores que apresentam os piores indicadores na zona rural so R1, R2, R6 e R7.
E os que apresentam os piores indicadores na zona urbana so S3, S4, S5, S7, S9, S10 e S13
(Grfico 1). O indicador Energia o que apresenta o melhor resultado, entre os quatro, sendo
que a mdia de domiclios que no possuem energia eltrica de 30,52%. Por sua vez, a coleta
de lixo problema para 14 dos 20 setores do municpio, seguido do abastecimento de gua,
cujo ndice maior do que 60% em 11 dos 20 setores.
229
Tabela 1
Carncias de infraestrutura nos aglomerados urbanos e na zona rural com base nos dados da
Ficha A do SIAB para o municpio de gua Fria
Domiclios
durveis
sem
coleta de
lixo
Domiclios
sem
energia
ACS
Microrea
Populao
Domiclios
(total)
Centro de Sade
de gua Fria
Jenivaldo
S1
410
162
162
10
25
37
Centro de Sade
de gua Fria
Odair
S2
272
102
07
95
19
31
17
Centro de Sade
de gua Fria
Filomena
S3
261
79
23
56
36
46
56
Centro de Sade
de gua Fria
Edivnio
S4
419
95
09
86
85
79
86
92
Centro de Sade
de gua Fria
David
S5
213
53
04
49
49
43
49
38
Centro de Sade
de gua Fria
Jovita
S6
554
161
02
159
Sede II
Antnio
S7
317
97
28
69
59
68
41
Sede II
Vilma
S8
511
144
10
134
14
41
133
23
Sede II
Valquria
S9
465
135
70
65
49
48
65
25
Sede II
Jos
S10
525
136
65
71
71
26
71
19
Sede II
Nerimar
S11
278
100
01
99
94
15
Sede II
Ednamar
S12
567
190
190
ngela
S13
Subtotal
Baixa da Mina
Arlindo
R1
Domiclios
durveis
Domiclios
durveis
sem
esgoto
ESF
Sede II
Domiclios
rsticos
Domiclios
durveis
sem
gua
264
70
38
32
32
19
32
18
5.056
1.524
257
1.267
340
490
619
336
301
66
30
36
36
36
36
40
Catana Novo
Anstacia
R2
1841
531
34
497
421
191
477
Pataba
Cristina
R3
1451
456
08
448
93
65
129
24
Barra
Raimundo
R4
3080
886
225
661
267
373
545
155
Maracaia
Jos
R5
1923
523
138
385
246
275
385
52
Assentamento
Menino Jesus
Margarida
R6
223
79
05
74
74
74
Assentamento
Menino Jesus
Jandiara
R7
224
81
03
78
78
14
78
Subtotal
9.043
2.622
443
2.179
1.215
960
1.724
291
Total
14.099
4.146
700
3.446
1.555
1.450
2.343
627
230
PARTE IV
SETOR 13
Cdigos (Setor)
Populao
Domiclios (Total)
Domiclios Rsticos
Domiclios sem Rede de gua
Domiclios sem Esgotamento Sanitrio
Domiclios sem Coleta de Lixo
Domiclios sem Energia Eltrica
S13
264
70
38
32
19
32
18
Figura 2
Condies de moradia do municpio de gua Fria
Fonte: Prefeitura Municipal de gua Fria (2009).
Grfico 1
Carncias de infraestrutura do municpio de gua Fria
Fonte: Prefeitura Municipal de gua Fria (2009).
231
O componente adensamento excessivo no foi levantado, porm, passvel de ser obtido com o cruzamento de
dados da prpria Ficha A, como o cruzamento do nmero de pessoas do domiclio com o nmero de cmodos.
232
PARTE IV
O uso dos dados da Ficha A na construo do diagnstico do PLHIS tambm pode significar
uma oportunidade para discutir a integrao das polticas sociais, reconhecer a inter-relao
e a interdependncia dos problemas de sade com moradia, meio ambiente, infraestrutura,
saneamento e mobilidade, e valorizar a ao intersetorial.
A inter-relao dos problemas de sade e habitat no foi o foco deste artigo, mas os autores
apontam a importncia do desenvolvimento de outras pesquisas que avaliem a utilizao das
informaes da Ficha A para tratar da multicausalidade do processo sade-doena e da relao das condies ambientais, da infraestrutura e da moradia com os problemas de sade da
populao, incluindo-se os problemas relacionados precariedade do saneamento ambiental
(principalmente abastecimento de gua, esgoto, lixo e qualidade do ar) e mobilidade.
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234
Esta afirmao da professora Ana Fani Carlos no compartilhada por Milton Santos, para
quem a cidade grande o mais significativo dos lugares. Todos os capitais, todos os trabalhos,
todas as tcnicas e formas de organizao podem a se instalar, conviver, prosperar. Nos tempos
de hoje, a cidade grande o espao onde os fracos podem subsistir (SANTOS, 2006, p. 322).
Entretanto, o prprio Santos (2006) afirma a importncia da proximidade fsico-geomtrica
para a constituio do lugar, a qual possibilita uma maior sociabilidade. Para o autor, a proximidade estimula o intercmbio e no s aquele de carter econmico. Santos cita a noo de
*
Doutorando e mestre em Geografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Bolsista da Fundao de Amparo
Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb). [email protected]
CiTePlan - Cidade, Territrio e Planejamento, um grupo de pesquisa organizado no mbito do Departamento de
Geografia da UFBA
235
emorazo, para pensar esses intercmbios de forte contedo simblico. De qualquer parte,
Santos ou Carlos, ambos consideram uma cidade pequena como um lugar, ao mesmo tempo
em que portadora de lugares que podem se restringir a bairros ou ruas.
A outra discusso de orientao ps-estruturalista sobre lugar, contemplada nesta pesquisa, coloca a perspectiva da categoria que no depende de uma continuidade espacial
e tampouco de uma proximidade espao-geomtrica. Esse lugar no tem limites estveis
capazes de serem demonstrados. Sua configurao construda por relaes que vo alm
do entorno prximo e se estendem, inclusive, para a escala global. Massey (2008) critica o
lugar pensado segundo uma perspectiva de proteo ligada proximidade. Relaes de
proteo podem ser criadas por outros contextos. Para Massey (2008), relaes de proteo
dependem muito mais de uma conectividade praticada, ainda que realizada entre pontos
distantes geometricamente.
O lugar ps-estruturalista tambm independe de elementos que lhe emprestem um carter
de permanncia. A particularidade deste lugar no est no fato de apresentar formas estveis.
O lugar ps-estruturalista, malevel e impermanente, torna-se til para pensar relaes outras
que, porventura, surjam no processo de pesquisa e, ao mesmo tempo, sejam distinguveis
pela subjetividade do pesquisador, ou seja, relaes no previstas e no observveis pelas
metodologias cientficas mais racionalistas.
Haesbaert (2007), tambm subsidiando as reflexes deste lugar ps-estruturalista, cita Deleuze
e Guattari e discute uma espacialidade construda a partir de agenciamentos que envolvem
seres animados, inanimados e a dimenso simblica. Esses agenciamentos possuem uma territorialidade inevitvel, pois envolvem tambm corpos, que constituem e conformam territrios
em um sentido amplo que no ser empregado neste artigo. Por ora, aborda-se o territrio
quando este se constitui lugar, dentro de uma perspectiva geogrfica. Estes territrios, que
podem ser lugares, so construdos atravs de relaes (os agenciamentos) de todo o tipo,
que no se absolutizam, visto estarem sempre em processo, cooptando uma infinidade de
agentes, ativos e passivos ou, como j foi dito, animados e inanimados.
Foi sob estes parmetros tericos, de inspirao marxista e ps-estruturalista, descritos acima,
que se escolheu a cidade de Santo Amaro para a empiria. A categoria lugar, pensada em ambas
as acepes tericas, dava possibilidades para sua utilizao nas reflexes sobre a cidade.
E AS METODOLOGIAS?
Escolhidas as perspectivas tericas, teriam de ser feitas as escolhas metodolgicas. Sendo
ambos os conceitos de lugar processuais e constitudos, tambm, a partir de relaes, foi
observada a necessidade de se escolher uma abordagem predominantemente qualitativa de
pesquisa, que descortinasse os processos em andamento, assim como as referidas relaes
associadas. Desta forma, iniciou-se pela observao e distino dos agentes pelo menos
236
PARTE IV
aqueles mais manifestos participantes das relaes ligadas dimenso econmica, aquela
de interesse da pesquisa em questo. Para tanto optou-se, primeiramente, por realizar uma
observao simples2 da cidade, restrita, no primeiro momento, a seu centro, onde se concentram o comrcio e os prdios pblicos. Optou-se pela observao simples por ser a mais
adequada para um contato introdutrio com o campo, no qual deveriam ser considerados
os fenmenos mais manifestos do cotidiano (GIL, 2008).
Nesta primeira observao, que precisou de duas idas cidade e seis dias ao todo, foi anotado
tudo o que aparentemente pudesse estar relacionado s dinmicas econmicas da cidade.
Constatou-se a localizao de algumas empresas dando ateno quelas que pertenciam
a redes regionais, nacionais ou internacionais e de prdios pblicos. Foram observadas as
formas de transporte utilizadas, a distribuio dos feirantes e das mercadorias pelo espao
da feira, assim como seus dias de maior e de menor movimento, a qualidade e a quantidade
de empresas no entorno das praas, alm da movimentao dos indivduos nesses mesmos
espaos e nas principais ruas onde se concentram o comrcio e os servios.
Notou-se a importncia do setor tercirio (formal e informal) para a cidade que, concentrado
no centro, responsvel por uma significativa movimentao de pessoas durante o horrio
comercial. Essas pessoas contratam servios, freqentam o comrcio formal e informal e,
especialmente, compram na feira livre. Especialmente, em dois dias da semana sbado e
segunda-feira , esse mercado informal ganha um acrscimo de consumidores, ambulantes e
feirantes, alm da circulao de nibus extras, os quais ficam parados prximos ao espao da
feira-livre e vm de cidades prximas, que no possuem relao com as viaes vinculadas
rodoviria. Foi o que se inferiu, observando-se as placas e estabelecendo-se conversas informais.
Uma metodologia em especial foi bastante til para o processo de pesquisa. Ginzburg (1989)
a denomina de indiciria, porque fundamentada em pistas, resduos e/ou indcios. Este
autor descreve, com riqueza de exemplos e relaes, a aplicao e o desenvolvimento desta
metodologia, que se torna til em eventos nos quais o pesquisador, por estar ausente, no
obteve o testemunho direto. Ela consiste em prestar ateno e documentar, devidamente, os
elementos secundrios da cena, negligenciados por serem considerados banais, produzidos,
portanto, inadvertidamente.
Atravs destes elementos, se devidamente documentados, pode-se reconstruir, com alguma
aproximao, o fato acontecido, ou descrever um processo em andamento mas inalcanvel
diretamente pelo pesquisador, por algum motivo ou apontar uma tendncia que poder se
realizar. Essa metodologia, segundo Ginzburg, tanto se aplica ao indivduo, quanto pode ser
multiplicada para a escala social, visto que alguns indcios mnimos eram assumidos como
elementos reveladores de fenmenos mais gerais (GINZBURG, 1989, p. 178).
Por observao simples entende-se aquela em que o pesquisador, permanecendo alheio comunidade, grupo ou
situao que pretende estudar, observa de maneira espontnea os fatos que a ocorrem. Neste procedimento, o
pesquisador muito mais um espectador que um ator (GIL, 2008, p. 101).
237
Para o autor, existe uma profunda conexo explicando os fenmenos superficiais. desta
forma que se presta ateno em placas de automveis, que se coletam folders e panfletos de
divulgao, que se observam pichaes e grafites. Da coleta deste material pode-se inferir
uma informao que, a princpio, ser sempre explicativa de um fato muito especfico, mas
que poder indicar processos mais gerais, a partir de um ponto de saturao alcanvel, aliado
a outros dados (primrios e/ou secundrios) e aos sistemas tericos adotados.
A leitura do material indicirio coletado mostrou, por exemplo, a importncia dos elementos
e processos relacionados dimenso cultural da cidade, por razes, primeira vista, difceis
de serem reconhecidas. Um exemplo destes indcios foi observado em uma das entradas da
cidade: um grafite (Foto 1) sobre o tema da Festa da Purificao no ano de 2012: os 70 anos de
Caetano Veloso. A edio 2011 da Festa de So Joo, de Santo Amaro foi em homenagem
matriarca da famlia Veloso, Dona Can, o que se verificou a partir dos panfletos distribudos
poca e adquiridos atravs de moradores da cidade.
Foto 1
Grafite para a festa de Nossa Senhora da Purificao, edio 2012, comemorando os 70 anos do
artista Caetano Veloso, natural da cidade
Fonte: Shanti Nitya Marengo.
238
PARTE IV
cidade de Santo Amaro; comerciantes formais, pelos empregos que geram, pelos produtos
que oferecem e pelos servios que contratam para sustentar seus respectivos negcios;
feirantes, visto que oferecem produtos, assim como compram, quem sabe no prprio
municpio, em algum distrito distante.
Com a perspectiva dos grupos naturais em vista, foram eleitos os agentes passveis de serem
entrevistados. Porventura, esse critrio, apesar de til, no se mostrou amplo o suficiente
para abarcar a diversidade de agentes relevantes existentes. Alguns deles, por exemplo, no
se tratavam necessariamente de indivduos, mas de organizaes, entidades. A esses no se
pedia, necessariamente, uma entrevista, pelo menos no uma com o formato de depoimento
ou narrativa. Destes agentes organizacionais, foram solicitadas informaes e no opinies,
subjetividades. Trata-se de empresas como uma indstria de papel, algumas secretarias
municipais, sindicatos e instituies de ensino Instituto Federal de Educao, Cincia e
Tecnologia da Bahia (IFBA), Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade
Salvador - Educao Distncia (Unifacs EAD), escolas profissionalizantes, dentre outras.
Esta foi a ideia da lista de agentes que continua sendo refeita proporo que a pesquisa
desenvolvida e que novos agentes emergem possveis, reconhecidos como relevantes para
o entendimento do que se est estudando.
A prxima fase que sucedeu a esta, no finalizada e ainda em processo, de levantamento
de possveis agentes relevantes, tratou da elaborao de roteiros de perguntas a serem
realizadas em entrevistas semiestruturadas. As perguntas eram questes exmanentes
(JOVCHELOVITCH e BAUER, 2011, p. 97), que refletem os interesses do pesquisador, suas
formulaes e linguagem centradas na problematizao da situao do agente entrevistado,
ocupadas, tambm, em descrever as circunstncias e a rede de relaes responsveis pelo
aqui e agora do entrevistado.
A construo da problematizao de pesquisa no mbito dos roteiros de entrevista foi
realizada a partir do objetivo primrio eleito pelo projeto de pesquisa: entender como o
lugar dava suporte s atividades econmicas que se desenvolviam em Santo Amaro. As
entrevistas foram iniciadas com os barraqueiros presentes no Bemb do Mercado, evento
festivo em comemorao ao Dia da Abolio. Assim foi por dois motivos: primeiro pelo fato
de este trabalho de campo, envolvendo entrevista, ser realizado poca do festejo (durante
a Semana do Bemb); e, segundo, por causa da sazonalidade da atuao dos agentes em
questo, os barraqueiros. Eles poderiam no estar disponveis em outro momento muito
posterior ao evento festivo.
Entretanto, antes do comeo das entrevistas em si, foi necessria uma primeira leitura superficial sobre o evento, a fim de serem obtidas informaes bsicas sobre este: os criadores,
onde ocorre, desde quando, por quais motivos. Tratava-se da construo de um necessrio
contexto. Informaes que foram obtidas atravs da mdia impressa jornais locais, de Santo
Amaro , stios virtuais e de uma literatura acadmica especfica, no caso, uma dissertao
de mestrado publicada pela Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Universidade
240
PARTE IV
Federal da Bahia (FFCH-UFBA), de autoria de Ana Rita Arajo Machado. Foram coletados
tambm panfletos de divulgao das edies do festejo a partir de 2010 e fotografado
o outdoor de divulgao na entrada da rodoviria (uma dica turstica para quem estiver
chegando cidade?). Tal variedade de leituras e material impresso ofereceu distintas representaes sobre o Bemb, diferentes verses, diversos discursos. Ficou claro, por exemplo,
que alguns elementos como a localizao na feira ou mercado so comuns s vrias
edies do evento, representam permanncias, entretanto as relaes que o realizam so
sempre reconfiguradas. Machado (2009) afirma que o Bemb do Mercado comea, no final
do sculo XIX, muito mais como um festejo profano e s mais tarde, especificamente depois
de um desastre na feira (em 1958), que a dimenso religiosa ganha maior relevncia. Para
a autora associaes entre religiosidade e reivindicaes polticas se misturam na memria
da festa do Bemb (MACHADO, 2009, p. 50). Esta pesquisa procurou saber qual dimenso
do Bemb do Mercado privilegiada hoje pelas relaes que se configuram em torno dele
ao ponto de justificar sua divulgao no outdoor da rodoviria (Foto 2).
Foto 2
Outdoor, na rodoviria da cidade, divulgando o Bemb do Mercado 2012
Fonte: Shanti Nitya Marengo.
do iceberg. As entrevistas contribuiriam para descortinar um cenrio ainda mais amplo envolvendo
o Bemb do Mercado, e no s. Posteriormente, outros agentes mostrariam estar a ligados a necessidades e desejos situados, geometricamente, bem alm de Santo Amaro. Lefebvre faz afirmaes
reveladoras acerca do testemunho da fala no estudo do cotidiano:
Desafortunadamente, las maneras de vivir se expresan em el linguaje
hablado, que no deja huellas. Los testimonios escritos son, pues, incompletos, expurgados en parte de lo que nos interesa. El lenguaje no
est limitado a la expresin del habitar. En l encontramos tambin
el alimento, el vestido, los juegos, as como los recuerdos de acontecimientos y las indicaciones relativas a las mltiples actividades
econmicas y polticas. (LEFEBVRE, 1978, p. 156).3
Desafortunadamente, as formas de viver se expressam na linguagem falada, que no deixa marcas. Os testemunhos
escritos so, pois, incompletos, expurgados em parte do que nos interessa. A linguagem no est limitada
expresso do habitar. Nela encontramos tambm a alimentao, a vestimenta, os jogos, assim como as lembranas de
acontecimentos e as indicaes relativas s mltiplas atividades econmicas e polticas. (Traduo do autor).
242
PARTE IV
festa de So Joo da cidade, para dar conta da complexidade de suas respectivas condies,
se remete a outros indivduos, a outros agentes, a outras relaes. Fica clara, por exemplo,
a importncia das relaes de parentesco e/ou vizinhana na economia da cidade. Amigos
recomendam amigos para a prestao de servios, parentes cedem cmodos da sua residncia
para que outros parentes abram pequenos negcios. Os pequenos empreendimentos e so
muitos geralmente so negcios familiares. Sero exemplos que indicam a existncia, em
Santo Amaro, do que Santos (2008) chamou de circuito inferior da economia?
Notadamente, os maiores empregadores formais da mo de obra economicamente ativa, na
cidade, so o comrcio e o poder pblico. Entretanto, como j observado neste artigo, existem
outras formas de emprego em Santo Amaro, ou ocupao, como prefere chamar Santos (2008),
em seu livro Espao Dividido, j que no se trata de um emprego formal, mas o indivduo est
trabalhando e adquirindo dinheiro lquido (um termo do mesmo autor no livro citado).
Estas outras formas de emprego, informais (as ditas ocupaes), bvias para quem anda pela
cidade, surgem graas a relaes no to bvias, porque imersas no cotidiano deste lugar analisado sob uma perspectiva marxista, mencionada logo no incio deste artigo. Um lugar intimista
e solidarizado pela proximidade, geralmente associada a uma condio de classe. medida que
se realizou a pesquisa emprica, se imergiu tambm no cotidiano deste lugar.
proporo que as pessoas foram sendo entrevistadas, recomendavam outras, suas conhecidas, com um perfil interessante pesquisa e pertencentes a um dos grupos naturais listados. Uma entrevista levava outra, o que auxiliou no acompanhamento das relaes que
constituem o lugar, ou os lugares, de Santo Amaro. A partir da problematizao dos temas
ao longo das conversas e do levantamento de questes imanentes relacionadas a temas,
tpicos e relatos de acontecimentos trazidos pelo informante (JOVCHELOVITCH; BAUER,
2011) , outros processos foram sendo observados. As j mencionadas narrativas davam um
vislumbre de muitos possveis desdobramentos. Durante entrevista realizada na casa de um
dos indivduos inquiridos novamente um barraqueiro houve a oportunidade de contatar
outro grupo de agentes com significativa importncia para a cidade: os trabalhadores de
trecho4. O entrevistado (uma mulher) reiterava em sua fala, vrias vezes, a inexistncia de
emprego em Santo Amaro, quando, em determinado momento, chegou o namorado de
sua filha, um estudante de uma escola de soldagem e tcnicas de manuteno, que oferece
cursos profissionalizantes de soldagem e caldeiraria. Aps o colquio, o jovem endossou
as declaraes da entrevistada e falou sobre sua necessidade de voltar a estudar em um
curso tcnico para se inserir no mercado de trabalho fora da cidade, uma vez que esta no
oferecia empregos suficientes. Saber da existncia dos trabalhadores de trecho, de modo
to inesperado, mostrou as possibilidades que uma conversa informal poderia guardar.
Trabalhadores com alguma especializao tcnica, voltada para a indstria, como soldagem, caldeiraria, etc. So
empregados no setor industrial e, tambm, na construo civil pesada. Frequentemente migram pelo territrio, visto
que geralmente trabalham por um perodo determinado, por empreitada.
243
O termo utilizado com o mesmo sentido de alienao espacial do agente em questo causada por uma ruptura (no
caso, um deslocamento forado pela escassez de emprego).
244
PARTE IV
at agora, a importncia dos cursos para a cidade, na medida em que formam mo de obra til
para a indstria, construo civil e comrcio, local ou no. Ao mesmo tempo, outros agentes
considerados relevantes antes da pesquisa de campo, depois desta, mostraram-se menos
relevantes. O patrimnio tombado, tanto material, quanto imaterial (e aqui este se refere
capoeira e ao samba de roda), no possui uma expresso muito significativa nas dinmicas
que se desenvolvem na reproduo cotidiana dos indivduos em Santo Amaro. So bastante
citados, aparecem em vrios discursos proferidos por diversas autoridades formais e informais da cidade, entretanto, capoeiristas e sambadeiros no apareceram, at o trmino deste
artigo, nas falas usuais como contribuintes efetivos para a economia santoamarense. Ento,
esse desencontro precisa ser observado. Afinal, os elementos da cultura santoamarense (que
so tambm, em muitos nveis, do Recncavo) esto presentes em vrios discursos institudos
e justificam, inclusive, polticas pblicas.
A fim de comear a construir um panorama mais consistente da contribuio destes agentes,
esta pesquisa iniciou a realizao de algumas entrevistas com capoeiristas (as quais, posteriormente, se estendero tambm aos sambadeiros e sambadeiras). Busca-se entender como
estas manifestaes culturais permanecem no cotidiano de Santo Amaro, quais significados as
permeiam e lhes do sentido para que perdurem, pois elas permanecem, apesar da conjuntura
relativamente desfavorvel. Durante o processo de observao, paralelo s entrevistas e
coleta de materiais impressos, foi possvel constatar a existncia de vrias escolas de capoeira
presentes em Santo Amaro, entre elas: Associao de Capoeira, Arte e Recreao Berimbau
de Ouro (ACARBO), Quilombo, Gunga, Estilo e Malcia, afora aquelas mais informais, sem um
nome que as identifique, funcionando graas iniciativa individual e isolada de algum mestre
de capoeira, caso do Mestre Carcar. A capoeira e o samba de roda parecem estar presos
e vivos na cotidianidade, ainda que no ligados diretamente (ao menos, no visivelmente)
reproduo socioeconmica dos grupos que os praticam e ensinam. Por qu? Lefebvre
contribui para a problematizao do tema. O autor faz afirmaes pertinentes acerca da
cotidianidade e sua relao com a cultura:
[...] en ella [na cotidianidade] se esbozan las ms autnticas creaciones, los estilos y formas de vida que enlazan los gestos y palabras
corrientes con la cultura. [...]. Un arte, una imagen, un mito que no
entren en la cotidianidad (en lo vivido) permanecen abstractos o
mueren. A la inversa, los ms profundos deseos y las aspiraciones
ms vlidas se arraigan y permanecen em ella. (LEFEBVRE, 1978, p.
86, grifo nosso). 6
[...] nela [na cotidianidade] se esboam as mais autnticas criaes, os estilos e formas de vida que ligam os gestos
e palavras usuais cultura. [...] uma arte, uma imagem, um mito que no penetrem na cotidianidade (no vivido)
permanecem abstratos ou morrem. Por outro lado, os mais profundos desejos e as aspiraes mais autnticas se
prendem a ela e nela permanecem (LEFEBVRE, 1978, p. 86, grifo nosso. Traduo do autor.)
245
PARTE IV
da proposta do artigo que oferecer uma amostra das reflexes que esto sendo realizadas
no mbito de uma pesquisa, neste caso, de doutorado.
REFERNCIAS
CARLOS, Ana Fani A. O lugar do/no mundo. So Paulo: Labur Edies, 2007. Disponvel em: <http://
www.fflch.usp.br/dg/gesp/baixar/O_lugar_no_do_mundo.pdf >. Acesso em: 10 jan. 2010.
GASKELL, George. Entrevistas individuais e grupais. In: BAUER, Martin W.; GASKELL, George (Org.).
Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prtico. Traduo de Pedrinho A. Guareschi.
9. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2011. p. 64-89.
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e histria. Traduo de Federico Carotti. So
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GIL, Antonio Carlos. Mtodos e tcnicas de pesquisa social. 6. ed. So Paulo: Atlas, 2008.
HAESBAERT, Rogrio. O mito da desterritorializao: do fim dos territrios multiterritorializao. 3.
ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2007.
JAVCHELOVITCH, Sandra; BAUER, Martin W. Entrevista Narrativa. In: BAUER, Martin W.; GASKELL,
George (Org.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prtico. Traduo de Pedrinho
A. Guareschi. 9. ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2011. p. 90-113.
LEFEBVRE, Henri. De lo rural a lo urbano. Traduccin de Javier Gonzlez-Pueyo. Barcelona, Ediciones
Peninsula, 1978.
MACHADO, Ana Rita Arajo. Bemb do largo do mercado: memria sobre o 13 de maio. 2012. 133 f.
Dissertao (Mestrado)-Programa de Ps-Graduao em Estudos tnicos e Africanos, Universidade
Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas, Salvador, 2009.
MASSEY, Doreen. Pelo espao: uma nova poltica da espacialidade. Traduo de Hilda Pareto Maciel e
Rogrio Haesbaert. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2008.
SANTOS, Milton. A natureza do espao: razo e emoo. 4. ed. So Paulo: EDUSP, 2006.
______. O espao dividido: os dois circuitos da economia urbana dos pases subdesenvolvidos.
Traduo de Myrna T. Rego Viana. 2. ed. So Paulo: Universidade de So Paulo, 2008.
247
INTRODUO
O objetivo deste artigo compreender a reorganizao do territrio ocorrida nos cerrados
baianos a partir de seu uso. A modernizao promovida pelo capital atingiu a produo agrcola
regional e imps uma reestruturao produtiva, alterando substancialmente a sociedade e o
territrio, introduzindo novas formas de fazer, que rompem com tradies e produz um espao
altamente tecnificado. A estratgia utilizar o territrio usado (tratado no prximo tpico) como
categoria de anlise primordial, como adotado por Santos, M. (2000), Santos e Silveira (2005),
Souza (2003) e Ribeiro (2003), a qual corresponde tanto como substrato terico, quanto como
base emprica, pois nele est impressa a histria humana. O fio condutor da anlise sero o
entendimento da periodizao da ocupao e o uso dos cerrados baianos a partir da classificao em meio geogrfico proposta por Santos (2006) e Santos e Silveira (2005), passando de
um meio natural ao tcnico e chegando ao tcnico-cientfico-informacional.
Nesta trama territorial desenvolve-se uma histria em que os protagonistas, distribudos nas
diversas escalas (local/regional, nacional e global), atuam no espao geogrfico segundo seus
interesses e auxiliados pelo Estado (nas esferas federal, estadual e municipal).
Por fim, so os processos de urbanizao e industrializao os comandantes da reestruturao
produtiva da regio.
A delimitao da rea de estudo compreende os municpios baianos de Formosa do Rio Preto,
Riacho das Neves, Lus Eduardo Magalhes, Barreiras, So Desidrio, Correntina, Jaborandi,
Cocos e Baianpolis, localizados no oeste baiano, onde predomina o bioma cerrado, alm
de algumas reas de transio com a caatinga1.
*
1
249
PARTE IV
Milton Santos alerta sobre a necessidade de uma conceituao correta da cincia geogrfica
e seu objeto de estudo, pois a teoria que fornecer os instrumentos de anlise adequados
compreenso deste mundo complexo. Neste sentido, descreve Santos, M. e outros (2000, p.
1): O papel atribudo geografia e a possibilidade de uma interveno vlida dos gegrafos
no processo de transformao da sociedade so interdependentes e decorrem da maneira
como conceituarmos a disciplina e seu objeto.
Para alm da crtica s abordagens simplificadoras, Santos, M. e outros (2000) prope o
territrio usado como categoria de anlise. Essa categoria permite alcanar a totalidade
nos estudos geogrficos, pois o territrio usado remete ao espao de todos e abrange a
totalidade de agentes, propiciando uma aproximao do pesquisador com a complexa
realidade, vista em seu processo. Para Santos, C. (2000, p. 12), O territrio usado, visto
como uma totalidade, um campo privilegiado para a anlise, na medida em que, de um
lado, nos revela a estrutura global da sociedade e, de outro lado, a prpria complexidade
do seu uso. Nesta nova perspectiva do territrio, de horizontalidades e verticalidades,
para Santos, M. e outros (2000, p. 12-13), os atores hegemnicos tm o territrio usado
como recurso, j os atores hegemonizados o tm como abrigo, buscando constantemente
se adaptar ao meio geogrfico local, ao mesmo tempo em que recriam estratgias que
garantam sua sobrevivncia nos lugares.
A categoria territrio usado , portanto, sinnimo de espao geogrfico, conjugando
tanto a materialidade, inclusos a natureza e os sistemas de engenharia, quanto a ao
humana. A relao entre materialidade e ao humana um privilgio metodolgico
da Geografia, o que abre uma possibilidade fantstica de compreender empiricamente
a realidade, sendo ela prpria o objeto de estudo dessa cincia. Nesta conceituao, o
trabalho e a poltica esto presentes, pois eles so ao e materialidade, o que demonstra
a nfase nas prticas sociais nesta proposta analtica. Diferentemente do territrio, o
territrio usado a valorizao da questo poltica na anlise geogrfica, uma preocupao com as prticas sociais relacionadas a uma base territorial. Sobre esta mediao
territorial, Ribeiro (2003, p. 37) escreve:
O territrio usado, na perspectiva da dialtica criadora entre sistema
tcnico e sistema de ao, constitui, na obra de Milton Santos, uma
configurao espessa de mediaes (materiais e imateriais) que
concretiza o agir poltico. O territrio usado e praticado.
Nesta revalorizao do territrio, privilegiando seu aspecto poltico, Ribeiro (2003, p. 37)
complementa: Percebe-se que, nessa proposta, encontra-se presente um veio condutor
da reflexo que busca a superao terica e poltica de anlises do territrio que se res251
tringiram a reconhecer os seus usos, sem articul-los prxis. Continuando sua proposta
analtica, Santos (1999 apud RIBEIRO, 2003, p. 36-37), cita que:
O territrio no uma categoria de anlise, a categoria de anlise
o territrio usado. Ou seja, para que o territrio se torne uma categoria de anlise dentro das cincias sociais e com vistas produo
de projetos, isto , com vistas poltica, com P maisculo, deve-se
tom-lo como territrio usado.
Antes da chegada dos portugueses, j havia ndios habitando estas terras. Como afirma Ignez Pitta [...] os Acros e
Mocos, margem do So Francisco, e os Chacriabs na zona dos gerais (cerrado). Santos Filho e outros (1989): Em
primeiro lugar, avanam as expedies que visam submisso e escravizao de indgenas. A guerra aos ndios
recompensada com a concesso de sesmarias, que, uma vez partilhadas, do origem s fazendas de gado.
Arraiais: [...] do Rio Preto atual Santa Rita de Cssia; do Rio Grande Campo Largo, hoje chamado Tagu (distrito
de Cotegipe), e do Rio So Francisco Barra [...] foram os (trs) pioneiros (arraiais) da nossa regio e anos depois
originaram os primeiros municpios (PITTA, 2005, p. 16)
252
PARTE IV
Destes trs ncleos surgiram todos os municpios que compem a regio conhecida como
o Oeste Baiano ou Alm-So Francisco4.
So os municpios esquerda do Rio So Francisco que hoje fazem parte do estado da Bahia, mas que pertenciam
antiga capitania de Pernambuco.
No confundir o tempo lento aqui, em meno temporalidade da natureza, com a ideia de homens lentos,
trabalhada por Santos.
253
PARTE IV
Com a criao de Braslia em 1960 e [...] a poltica de ocupao estratgica do territrio central
do Brasil, diz Santos Filho e outros (1989, p. 28), inicia-se o processo de valorizao das terras
do oeste baiano e a formao da malha rodoviria regional. A implantao das BR-135 (Braslia Barreiras Piau), BR-242 (Barreiras Salvador) e BR-020 (Braslia Barreiras) possibilita a
integrao da regio com os principais centros de comando do pas. Como corrobora Vieira
(2007 apud SANTOS FILHO; RIOS FILHO, 2008, p. 4): A ampliao de rede viria nos cerrados
baianos o aproximou dos grandes centros de produo e de consumo do pas, permitindo a
valorizao da terra nesta regio.
A malha rodoviria regional modelada tambm pelo governo da Bahia que [...]completa
parcialmente a nova malha rodoviria com estradas secundrias, a exemplo da BA-172,
que liga Cocos, Coribe Santa Maria da Vitria BR-242 (SANTOS FILHO, 1989, p. 28). A
partir de ento, o modelo de transporte e comunicao constitudo sobre a lgica das
rodovias, como observa Haesbaert (1997, p. 129): Pode-se afirmar que, a partir da modernizao ocorrida nas ltimas dcadas, o imprio e o ritmo das guas foi substitudo pelo
imprio e o ritmo do asfalto.
Estas mudanas trazem uma valorizao do espao e toda uma nova concepo no fazer,
exatamente esta caracterstica que torna possvel a distino das pocas: As pocas se
distinguem pelas formas de fazer, isto , pelas tcnicas (SANTOS, 2006, p. 177). Nos anos de
1970, novas tcnicas so adotadas, como o caso da implantao do permetro irrigado de
Barreiras/So Desidrio pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do So Francisco e do
Paraba (Codevasf) e o desenvolvimento de uma pecuria mais modernas. Linhas de crditos
so atradas para a regio, como os crditos subsidiados do Finor/Sudene e de outras linhas
federais de emprstimos, comenta Santos Filho (1989, p. 29).
Novas possibilidades tcnicas-cientficas possibilitaro a modernizao do cerrado baiano
em bases tcnicas hegemnicas j em curso na Regio Centro-Oeste do pas. A imposio de
dinmicas nacionais e globais abre um novo perodo para os cerrados baianos.
255
PARTE IV
pivs no ano 2000 e, em 2010, j alcanam 860 equipamentos neste espao (ANURIO
DA REGIO OESTE DA BAHIA, 2010). Em todo o cerrado brasileiro so quase sete mil pivs
centrais, e LEM est entre os trs municpios do pas com maior quantidade de pivs. Pode-se citar tambm a implantao da eletrificao rural de mais de 1.160 km s na Bacia do
Rio Grande, durante as dcadas de 1990 e 2000, em Aiba (2010), e a construo de novas
rodovias como o anel da soja, BA-459. Notvel transformao do territrio o prprio
nascimento da cidade de LEM.
A figura dos coronis e pecuaristas nordestinos que vigoravam no mbito local e regional
outrora cede lugar para os empresrios fazendeiros sulistas, smbolos de uma sociedade transformada. O poder, a organizao e a ao destes produtores capitalistas esto representados
na Aiba. A entidade, fundada em 1990 por 16 membros, hoje possui cerca de 1.300 associados,
que detm aproximadamente 95% da rea plantada do oeste baiano (ANURIO DA REGIO
OESTE DA BAHIA, 2009). Em pouco mais de duas dcadas de existncia, a Aiba assumiu um
papel de protagonista na consolidao do agronegcio nos cerrados baianos, demonstrando
a capacidade de transformao que os novos agentes hegemnicos tm diante do territrio
e da sociedade. As aes j citadas de eletrificao rural e implantao de rodovias tiveram a
participao direta da associao, como tambm outras aes movidas na Justia com ganho
de causa Aiba; o caso, por exemplo, da suspenso da exigibilidade da Contribuio Social
Rural, o Funrural, para seus associados.
A Aiba tambm foi responsvel direta por algumas aes que impactaram na nova
territorializao, como o Plano Estadual de Adequao e Regularizao Ambiental dos
Imveis Rurais (a entidade o implementou na regio como Plano Oeste Sustentvel) que
poder eliminar o passivo ambiental destes produtores junto aos rgos ambientais
e que agora ser contabilizado para o Novo Cdigo Florestal. Ligadas Aiba esto a
Fundao de Apoio a Pesquisa e Desenvolvimento do Oeste Baiano (Fundao Bahia) e
o Centro de Pesquisa e Tecnologia do Oeste da Bahia (CPTOBA). A Fundao Bahia e a
CPTO so as mais importantes entidades tcnicas-cientficas do oeste baiano do ponto
de vista da agricultura empresarial, com o objetivo de ser o maior complexo de pesquisa
e tecnologia agrcola do Norte/Nordeste; a Bahia Farm Show, realizada em LEM, a maior
feira de tecnologia agrcola e negcios do Norte-Nordeste, e tambm uma realizao
da Aiba e outros parceiros.
Estas aes da Aiba impactam diretamente na transformao da sociedade e do territrio do
oeste baiano, demonstrando a capacidade de ao que os empresrios agricultores possuem.
Basta notar o impacto do Plano Oeste Sustentvel, que pretende beneficiar inicialmente
cerca de dois mil imveis rurais, reduzindo assim o passivo ambiental na regio (em termos
de legislao ambiental).
258
PARTE IV
259
cerca de R$ 3 mil em 2002, hoje custa muito mais: (sic) eu vi a imobiliria vendendo de 30
mil, em frente casa dela (a irm)... No entendo por que encareceu, no tem asfalto, no
tem esgoto, diz Adelson.
A (re)territorializao visvel e sentida no oeste baiano, ela percebida em seus fixos
e fluxos, a qual possui um personagem central: os agricultores empresrios que, atravs
principalmente da Aiba, disputam e produzem novos espaos. A prpria Aiba assinou protocolo de intenes com o governo da Bahia e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB) para
a manuteno e implantao de 800 km nas rodovias da regio, dentre elas surgir uma
importante rodovia para o agronegcio: a Rodoagro, com cerca de 222 km, que ligar o anel
da soja (LEM) com o distrito de Coaceral (Formosa do Rio Preto) e o sul do Piau, passando
por uma das reas de maior expanso agrcola do cerrado baiano (ANURIO DA REGIO
OESTE DA BAHIA, 2012). A referida instituio est frente de importantes projetos para
o agronegcio do oeste baiano: como a Fundao Bahia e o CPTO (BA), que estabelecem
parcerias com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria (Embrapa) e disseminam
avanos tecnolgicos e tcnicos para as principais cadeias produtivas da agricultura empresarial. Cita-se ainda a Bahia Farm Show, evento que est entre os cinco mais importantes
do gnero no pas e a maior feira de tecnologia agrcola e negcios do Norte-Nordeste.
A edio de 2012 bateu recorde e registrou investimentos de R$ 595 milhes s por parte
dos quatro bancos oficiais do evento.
Parte da riqueza produzida pelo agronegcio dos cerrados baianos pode ser representada
em nmeros: dos dez municpios baianos de maior renda agrcola, seis so desta regio,
sendo trs os primeiros. S os cerrados da Bahia produzem 30% de todo o algodo do pas,
o que corresponde a 2% da produo mundial (Aiba); So Desidrio o maior produtor de
algodo do Brasil. Mais da metade da produo das quatro principais commodities tem a
exportao como destino. Contudo, a moderna agricultura no representa mudanas sociais
para a maioria da populao. Ramos (2005, p. 376), estudando os sistemas tcnicos agrcolas
e o meio tcnico-cientfico-informacional no Brasil, diz que este tipo de modernizao no
altera a estrutura agrria, e que [...] somente alguns proprietrios sero verdadeiramente
beneficiados pelas inovaes introduzidas nos mtodos de cultivo.
O capital financeiro privilegia o agronegcio a partir do controle dos investimentos. Em uma
entrevista com o gerente de uma das agncias do Banco do Brasil do oeste da Bahia8 ficaram
claras a concentrao de recursos e a disparidade com a agricultura familiar. Segundo ele,
49 agncias do Banco do Brasil localizadas na regio tm investimentos em torno de R$ 565
milhes no agronegcio. Enquanto que o investimento das mesmas agncias em agricultura familiar (concentrada no Pronaf) gira em torno de R$ 45 milhes. Ou seja, os recursos
econmicos esto concentrados na agricultura empresarial, superando em mais de 12 vezes
os investimentos na agricultura familiar. A prpria estrutura organizacional e funcional dos
bancos favorece a disparidade, pois o mesmo gerente relata que os investimentos com
8
260
PARTE IV
agricultura familiar no so suficientes para atingir as metas das agncias. Ele reclama que o
ndice de inadimplncia alto, ficando com um baixo retorno para o banco. Desta maneira,
no estimulante priorizar a agricultura familiar, afirma o gerente.
CONSIDERAES FINAIS
O territrio nacional constitui-se num rico laboratrio para os estudos geogrficos, haja vista
sua extenso continental que abriga quase 200 milhes de habitantes; no menos importante
a forma como a sociedade brasileira e sua configurao territorial (SANTOS e SILVEIRA, 2005)
foram imersas no processo de globalizao.
Ao longo de brilhantes obras, Milton Santos prope novas concepes de conceitos fundamentais para os estudos geogrficos, como o territrio e o lugar. Santos (2006) discorre sobre
as transformaes passadas pelo mundo e a necessidade da Geografia de acompanh-las.
Citando Michel Serres, ele lembra que, antes, a relao com o mundo [...] era local-local;
agora local-global e completa com uma ideia de Tolstoi, de que para ser universal, basta
falar de sua aldeia [...] (SANTOS, 2006, p. 313).
V-se que os lugares e os territrios possuem hoje novas relaes daquilo que chamamos de mundo e no diferente do que acontece com os cerrados baianos. Um espao
profundamente modificado ao longo de sua ocupao, como demonstrado neste artigo,
em seus diferentes meios geogrficos. Contudo no tcnico-cientfico-informacional que
os cerrados baianos entraro diretamente na produo da mais-valia em nvel mundial,
fornecendo commodities ao mercado global e adaptando-se a interesses distantes. O
que se conclui que so as grandes corporaes, atravs dos processos agroindustriais,
tanto a montante quanto a jusante dos circuitos espaciais produtivos, que controlam a
circulao de todo o processo, o que lhes resulta nos maiores ganhos. Contudo, como
foi pontuado ao longo do texto, um papel importante na rea de estudo a atuao
dos agricultores do agronegcio que modelam o territrio, tendo em vista a melhoria
nos fluxos que dinamizam a produo agrcola. Mas, talvez nada disso fosse viabilizado
se o Estado no fornecesse o apoio necessrio (construo de rodovias, adequao da
legislao aos interesses dos agentes hegemnicos, implantao de objetos tcnicos
e financiamento pblico). Entretanto, a maioria da populao continua margem dos
benefcios deste novo perodo.
Pela realidade encontrada nos cerrados baianos e as reflexes acerca dos dados coletados,
pode-se concluir num uso diferencial do territrio pelos diversos agentes que ali atuam.
Assim, a capacidade de atuao distinta, o que se reflete tanto na reorganizao territorial
como na sociedade.
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CIDADES MDIAS E
PEQUENAS: DESAFIOS
E POSSIBILIDADES DO
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Secretaria do Planejamento