SILVA - Avaliação Formativa No Ensino Superior
SILVA - Avaliação Formativa No Ensino Superior
SILVA - Avaliação Formativa No Ensino Superior
DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1414-40772017000100014
Resumo: Neste trabalho, destacaremos alguns dados obtidos a partir de pesquisa sobre a avaliação das
aprendizagens em cursos de graduação da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) que têm a
avaliação formativa como diretriz em seus projetos político-pedagógicos. O objetivo da investi-
gação foi analisar os processos de avaliação das aprendizagens nesses cursos e verificar em que
medida constituem uma avaliação para as aprendizagens, cumprindo seu papel pedagógico. O
estudo foi desenvolvido em três etapas. A primeira consistiu na análise documental dos projetos
político-pedagógicos dos cursos em questão. Posteriormente, foram analisados os planos de en-
sino dos componentes curriculares ministrados nesses cursos. Na última fase da pesquisa, foram
feitas entrevistas com professores(as) que demonstraram em seu plano de ensino mais indícios
de realizarem a avaliação formativa. Traremos, neste artigo, alguns elementos identificados
na pesquisa, buscando provocar reflexões sobre as práticas avaliativas na Universidade. Antes
disso, faremos algumas considerações sobre a lógica que fundamenta a avaliação educacional,
bem como sobre o entendimento de avaliação formativa que embasa nossas análises. De modo
geral, foi possível verificar, com a investigação, que houve um avanço, embora pequeno, no
discurso da Instituição, por meio de seus documentos oficiais de planejamento. Alguns deles já
explicitam a necessidade de a prática avaliativa ocorrer numa perspectiva formativa. Por outro
lado, tanto nos planos de ensino quanto nas entrevistas foram identificados elementos incoerentes
com os princípios da avaliação formativa.
Abstract: In this paper, we point out some data obtained from research on learning assessment in undergraduate
courses of the Federal University of Uberlândia (Universidade Federal de Uberlândia – UFU) which
have formative assessment as a guideline in their political-pedagogical projects. The objective of
investigation was to analyze the assessment processes of learning in these courses and to check to
what extent they are also part of learning, fulfilling their pedagogical role. The study was conducted
in three stages. The first stage constituted the documentary analysis of political-pedagogical projects
of the courses in question. Secondly, the teaching plans of syllabus components taught in these
courses were analyzed. The last stage of the research consisted of interviews with professors who
showed in their teaching plans more indications of putting formative assessment in practice. In this
paper, we present some elements identified in the research, trying to cause reflection on assessment
practices at the University. Before that, we make some considerations about the logic basing the
educational assessment as well as about the understanding of formative assessment basing our
analysis. On the whole, it was possible to check with this research that there was a progress, though
small, on the Institution’s discourse, through its official planning documents. Some of them have
already made explicit the need that the assessment practice occurs in a formative perspective. On
the other hand, incoherent elements with the principles of formative assessment were identified
both the teaching planes and the interviews.
1 Introdução
Vivemos atualmente no Brasil um momento de reformas da educação
superior. Iniciativas como a Lei de Cotas constituem uma tentativa de
democratizar o ingresso nesse nível de ensino e diminuir, gradativamente,
a exclusão social das camadas menos favorecidas que tem se consolidado
historicamente em nosso país. Para que isso ocorra, está havendo uma mu-
dança do perfil dos(as) estudantes que ingressam nas Instituições Federais
de Educação Superior. Essas instituições estão passando a receber cada vez
mais estudantes oriundos(as) de escolas públicas e pertencentes às classes
populares. Com todos os problemas já conhecidos do ensino público no
Brasil, isso significa receber um contingente significativo de discentes com
muitas lacunas formativas. As práticas didático-pedagógicas desenvolvidas
para as aprendizagens desses(as) estudantes, sobretudo no que se refere ao
processo de avaliação das aprendizagens, serão um dos fatores determinantes
para que o objetivo de democratização seja alcançado.
Por um lado, os processos formativos de avaliação para as aprendiza-
gens, considerando o ponto de partida do(a) educando (por mais aquém que
esteja do desejável), podem contribuir para que ele(a) se desenvolva nos
aspectos cognitivo, profissional, pessoal, ético e crítico. Por outro lado, a
avaliação das aprendizagens numa abordagem classificatória, com influên-
cia positivista, pode, somada a outros fatores, contribuir para o aumento
do número de reprovações e, consequentemente, para o represamento e até
mesmo a evasão de estudantes, substituindo a exclusão por falta de acesso
pela exclusão por carência de condições de conclusão do ensino superior.
Partimos da premissa de que o eventual fracasso no campo da avaliação
das aprendizagens, conforme destaca Sordi (2005), não pode ser, leviana-
mente, imputado ao(à) professor(a), que tem sofrido muita pressão para
solucionar problemas que não foram criados por ele(a), mas que é fruto de
uma sociedade desigual em que à educação tem sido atribuída a função de
atender aos interesses do sistema produtivo. Para que haja mudanças nas
práticas didático-pedagógicas, será também necessária uma revisão das
funções atribuídas à educação, pois há muitos obstáculos (e mesmo impe-
dimentos), em decorrência do projeto capitalista que tem definido nossas
instituições de ensino. Por isso, a autora defende um desvelamento com-
petente da realidade: ao assumir que nem tudo é possível, considerando-se
as condições limitantes do contexto histórico-social, são criadas condições
políticas de se fazer o historicamente possível.
Por outro lado, é preciso que essa discussão seja conduzida com cautela,
ética e tendo como princípio norteador a função social da educação superior.
Esse tipo de política está embasado no princípio da eficiência dos gastos
públicos e é fruto da influência neoliberal. Ao mesmo tempo, porém, pode
suscitar no interior das IFES o interesse pela discussão acerca das práticas
avaliativas dos seus(as) professores(as). E consideramos a criação de espaços
institucionais para essa discussão imprescindível, para que a diminuição dos
índices de reprovação e represamento nos cursos de graduação não ocorra
negligenciando as aprendizagens dos(as) estudantes, como vimos acontecer
em diversos sistemas de educação básica.
Como já mencionamos, a garantia da qualidade do ensino ofertado é
condição para que nos aproximemos do cumprimento do objetivo de de-
mocratização da educação superior. Defendemos que as práticas avaliativas
tanto podem ser utilizadas a favor da efetiva democratização quanto para
uma exclusão mascarada – daí a importância de se discutir a teoria e a prática
da avaliação das aprendizagens nesse contexto.
A esse respeito, Luckesi (2008), ao falar da relação entre a democratização
do ensino e a avaliação do(a) estudante, reforça que tal democratização impli-
ca não só o ingresso no processo de escolarização, mas a permanência do(a)
educando(a) na escola, com consequente terminalidade escolar, e a garantia
da qualidade do ensino, que provoca a apropriação ativa do conhecimento
e sua capacidade de relacioná-lo à realidade. É também nesse sentido que
Fernandes (2009) apresenta a necessidade de se refletir sobre a adequação
da educação que se tem oferecido a todos os(as) jovens e adultos(as). Para
tanto, propõe alguns questionamentos:
Por outro lado, segundo o autor, constituiu-se a luta por uma escola
democrática, que atenda a todos(as) com qualidade, sob pressão de forças
progressistas. Para ele, sem que haja resistência às finalidades originais da
escola, de controle, hierarquização e seleção de indivíduos, elas acabam
se cumprindo. Não é do interesse do poder dominante propiciar o acesso à
cultura para as massas; portanto, somente por meio de lutas, ou quando o
próprio processo de acumulação de riquezas passou a necessitar de avan-
ços nesta direção, foi facultado às classes menos privilegiadas o acesso às
escolas. A partir daí, instala-se uma contradição entre a manutenção e a
eliminação dessas classes dentro da escola capitalista.2
Em outras palavras, Freitas (2005) explica que a pressão por acesso à
escola aumentou, tanto a política quanto a social, por manter as crianças
2 Capitalismo, segundo Sousa Junior (2000), é o modo de produção que se consolidou a partir do
desenvolvimento do capital. Ele explica que o capital “[...] é um sistema social produtor de mercadorias,
que tem como sentido último a produção de valor excedente. Caracteriza-se ainda pela relação salarial
em que a força de trabalho é trocada como mercadoria, sua relação fundamental.” (p. 45). Nesse sentido,
o capital se assenta na divisão social do trabalho, que separa proprietários dos meios de produção, aos
quais cabem os lucros, e trabalhadores, aos quais cabem os salários, numa relação que é reproduzida
constantemente. A escola capitalista seria, então, aquela que, inserida na sociedade em que predomina
o modo de produção capitalista, atende de modo acrítico às suas demandas e serve de instrumento de
reprodução e manutenção das relações sociais já estabelecidas.
na escola (longe dos perigos da rua). Por isso, foram necessárias mudanças
na organização escolar para liberar o fluxo de estudantes, racionalizar cus-
tos e, assim, evitar pressões econômicas adicionais. Com isso, também se
modificaram os processos de exclusão.
Freitas (1991) apresenta uma dialética entre a manutenção e a eliminação
dos(as) estudantes da escola capitalista que contém quatro soluções para essa
contradição, sendo uma delas a “eliminação adiada”, ou seja, a manutenção
provisória das classes populares no interior da escola ou o prolongamento
de sua presença nesse local, mas sem aprendizagem real; trata-se, pois, de
uma nova forma de exclusão, que atua por dentro do sistema. Conforme o
autor, não se exclui o(a) estudante fisicamente, mas, por meio da avaliação
informal, são criadas outras formas de exclusão:
A minha forma de trabalho é com aquelas pessoas que têm interesse. Eu também
não faço, como às vezes os pedagogos falam, o desafio pedagógico, que é pegar uma
pessoa que não tem a mínima vocação ou que tem muita dificuldade e vou trabalhar
com ela para que consiga. Do ponto de vista de uma Universidade Federal, que é
mantida por fundos públicos, eu não sei se isso é um bom uso dos recursos públicos.
Para quê vou gastar tantos recursos com uma pessoa que não tem muita vocação,
sendo que eu posso gastar esse mesmo recurso no desenvolvimento de cinco ou dez
pessoas que já têm uma vocação para isso? [...] Às vezes se a pessoa não tem uma
boa performance, muito provavelmente ela não tem interesse ou ela está no lugar
errado. [...] Do ponto de vista da pedagogia, o problema é ser criticado em relação
a isso, é achar que você deveria trabalhar todas as pessoas. Eu não enxergo as
coisas dessa forma (Professor do curso 24-H/B).
Então tem três tipos de estudantes, o bom estudante, o sem base nenhuma, que
caiu de paraquedas ali no curso, e o mediano. Os medianos são aqueles com os
quais temos que ter maior cuidado, pois os outros dois, independentemente do tipo
de avaliação que você der, um vai sair muito mal e o outro muito bem. [...] Tem a
faixa dos alunos que vão mal e que acabam largando o curso em algum momento.
Raramente um desses alunos, por algum motivo que eu desconheça, seja por pressão
da família ou porque está passando por um período na faculdade em que esteja
aproveitando, começa a estudar muito, e esse aluno passa para o time mediano.
[...] O bom ou o ruim vai responder do mesmo jeito sempre. Os ruins incluem aluno
com pouca aptidão para exatas ou que não estuda nada (Professor do curso 8-E/B).
Os procedimentos avaliativos
Em nossa pesquisa, ao analisarmos os planos de ensino dos(as)
professores(as), um dos itens observados foram os procedimentos de avalia-
ção. Passamos, a seguir, a fazer alguns destaques, dentre os dados analisados,
que demonstram como, apesar de no discurso contido no texto dos PPCs os
cursos se aproximarem, muitas vezes, da concepção de avaliação formativa,
as práticas pedagógicas dos(as) professores(as), em geral, ainda está muito
distante de refletir esse entendimento acerca da avaliação.
O primeiro elemento que nos chamou atenção foi a predominância da
utilização da prova, aliada ou não a outros procedimentos avaliativos, em
todos os cursos participantes dessa etapa da investigação. Além disso, ao
falarmos sobre a distribuição das notas, pudemos observar também que a
maioria das propostas avaliativas que incluem a prova e outros procedimen-
tos enfatiza a prova, atribuindo-lhe a maior parcela da nota.
É interessante destacar que, muitas vezes, é construído um clima de tensão
em torno da aplicação da prova, o que pode desestabilizar emocionalmente
Acreditamos que o(a) professor(a) deve fazer suas escolhas no que diz
respeito ao processo avaliativo, sobretudo por questões pedagógicas que
Às vezes a gente tem de se adequar ao aluno. O aluno não é aquele que estuda todos
os dias. O aluno estuda no aperto. Ele vai estudar dois dias antes da prova. [...]
Mais perto da prova, ele está estudando, já está no aperto, aí ele aprende mais. E
depois da prova também (Professora do curso 16-H/L).
chegou a lhe atribuir 30% da nota do semestre. Villas Boas (2009) explica
que a autoavaliação não deve visar que o(a) próprio(a) estudante atribua sua
nota. Ao invés disso, tem como intuito promover a reflexão do(a) discente
acerca de suas aprendizagens, desenvolvendo nele(a) a capacidade de re-
gistrar suas percepções sobre suas próprias aprendizagens e auxiliando-o(a)
a identificar o próximo passo. Não temos subsídio suficiente para dizer se
essa reflexão foi estimulada ou não, mas, de todo modo, achamos importante
destacar tal aspecto.
O outro procedimento avaliativo proposto pelo professor – a tradução
de textos do inglês para a língua portuguesa – não nos teria chamado a
atenção, não fosse a natureza do curso e dos componentes curriculares. Um
deles possui a seguinte ementa: “Síntese e Propriedades de Polímeros”;
e seu objetivo é: “[...] ao final da disciplina o(a) estudante será capaz de
conhecer os conceitos fundamentais envolvidos na química de polímeros”.
Já a ementa do outro componente é: “O núcleo atômico; Desintegração
radioativa; Radioatividade natural e as leis da transformação radioativa;
Reações nucleares; Reatores Nucleares; Radioproteção; Aplicações da
Ciência Nuclear na Química, Biologia, Agricultura, Medicina, Indústria,
etc.”; e seu objetivo: “Proporcionar ao aluno conhecimentos básicos dos
fenômenos que envolvem o núcleo atômico bem como das aplicações das
radiações e radioisótopos nos diferentes ramos da Ciência”.
No caso do primeiro componente curricular descrito, à tradução de
textos relacionados ao conteúdo da disciplina se chegou a atribuir 70%
da sua nota. Para nós, esse procedimento de avaliação é inadequado para
acompanhar o desenvolvimento dos conhecimentos propostos, e acredita-
mos que a simples tradução de textos não conseguirá abarcar toda a com-
plexidade da disciplina. Além disso, é preciso ressaltar que, ao se utilizar
a tradução de textos em inglês como procedimento avaliativo, parte-se do
pressuposto que o(a) estudante tem proficiência suficiente no idioma in-
glês, o que não é necessariamente verdadeiro. Apesar de ser desejável que
o(a) discente de nível superior tenha domínio de pelo menos uma língua
estrangeira, isso nem sempre acontece, e, quando domina outro idioma,
nem sempre é o inglês. Lembramos, inclusive, que nos processos seletivos
promovidos pela Instituição para o ingresso nos cursos de graduação, o(a)
candidato(a) escolhe uma língua estrangeira que comporá o conteúdo da
sua prova, sendo que ele(a) possui três opções: inglês, francês ou espanhol.
E, se o ingresso ocorre pelo Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
ele(a) também pode optar por outra língua estrangeira que não o inglês.
Por outro lado, outros dois professores acreditam que a nota seja impor-
tante para estabelecer um ranqueamento entre os(as) estudantes, conforme a
dedicação e o mérito de cada um. Esclarecemos que o ranqueamento é uma
preocupação muito mais coerente com uma visão de avaliação classificatória.
Assim, um desses professores explica:
A nota é para ser justo com aquelas pessoas que têm um desempenho superior.
Aquilo que chamo de meritocracia, ou seja, aqueles que têm mais esforço geram
mais resultados e deveriam ser melhor recompensados. Isso é algo com que eu me
preocupo muito quando estou avaliando, principalmente os trabalhos dos alunos
(Professor do curso 24-H/B).
Considerações finais
Em síntese, a referida pesquisa permitiu identificar que, de modo geral,
as práticas avaliativas desenvolvidas no âmbito dos cursos de graduação,
mesmo daqueles que se propõem a realizar uma avaliação formativa, de
acordo com seus PPCs, ainda estão muito longe de contribuir para efetivação
da democratização do ensino superior. Por outro lado, foi possível perceber
também que há professores interessados em refletir sobre suas próprias
práticas, a fim de melhorá-las.
Compreendemos que é nessa contradição, é na identificação de apro-
ximações e distanciamentos da avaliação formativa, que se torna possível
construir um espaço fecundo de debate a respeito das práticas avaliativas.
Todo processo de mudanças é lento e exige esforços; por conseguinte, é
Referências