RevistaABGE Exemplo de Aplicacao
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RevistaABGE Exemplo de Aplicacao
Kátia Canil
Pesq. Drª. do Laboratório de Riscos Ambientais do Instituto de
Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT)
Resumo Abstract
O diagnóstico, prognóstico e controle dos processos The diagnosis, prognosis and control of erosion
erosivos exige o envolvimento de profissionais de di- requires the involvement of professionals from
ferentes áreas do conhecimento, contemplados pela different areas of knowledge contemplated
Geologia de Engenharia, transferindo a esta importante by the Engineering Geology, transferring to it
papel na solução de problemas envolvendo a minimi- an important role in the solution of problems
zação dos impactos ambientais e recuperação do am- relating to minimizing environmental impacts and
biente. Neste artigo, dois estudos de caso foram apre- environmental restoration. In this article, two case
sentados, enfatizando o necessário conhecimento do studies were presented, emphasizing the necessary
funcionamento hídrico voltado ao estudo da erosão, knowledge of the hydric focused to the study of
exemplificando abordagens próprias da Geologia de erosion, exemplifying their own approaches of
Engenharia, que visam o controle preventivo em bacia Engineering Geology, for the preventive control in
hidrográfica e o controle corretivo de boçorocas em área watershed and corrective control of gullies in urban
urbana. Na bacia hidrográfica do Rio São Francisco, im- areas. In the basin of the São Francisco River, a major
portante contribuinte do Pantanal Matogrossense, foi contributor to the Pantanal, morphopedological
aplicada a abordagem morfopedológica, permitindo a characteristics approach was applied, allowing
compartimentação cartográfica de áreas relativamente the partitioning of the relatively homogeneous
homogêneas do meio físico, que foram interpretadas em mapping of the physical environment, which were
relação ao funcionamento hídrico e aplicados critérios interpreted in relation to hydric functioning and
técnicos voltados à determinação da suscetibilidade a applied technical criteria aimed at determining the
erosão laminar e linear. Para a área urbana e periurbana susceptibility to erosion laminar and linear. To the
do município de Franca (SP) foram identificadas e carac- urban area of Franca municipality in the state of São
terizadas trinta e duas feições erosivas de grande porte, Paulo, it was identified and characterized thirty-two
tendo em vista a interpretação da dinâmica e evolução gullies, with a view to interpreting the dynamics
dos processos erosivos lineares, com objetivo de subsi- and evolution of linear erosion, to serve as input
dar a proposição de diretrizes voltadas à concepção de to the proposition of guidelines focused on project
projetos e de obras de contenção. conception and contention works.
Palavras Chave: controle preventivo e corretivo da ero- Key Words: preventive and corrective erosion control,
são, erosão em bacia hidrográfica, erosão em área urbana. erosion in watershed, erosion in urban area.
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Exemplo de aplicação da Geologia de Engenharia no controle preventivo e corretivo dos processos erosivos
erosão laminar e linear, de maneira a servir para aproximadamente 80.000 hectares, integrando a
ações preventivas e corretivas. Esta bacia hi- bacia do Alto Paraguai, importante formador do
drográfica, mostrada na Figura 1 compreende Pantanal Matogrossense.
O procedimento básico utilizado foi direcio- campo, procurando observar em cada comparti-
nado para a compartimentação do meio físico, mento morfopedológico as seqüências pedológicas
levando-se em conta as características do substra- existentes ao longo das vertentes, sua disposição
to geológico, do relevo e dos solos, utilizando da- no terreno em relação à topografia, formas das
dos disponíveis (SEPLAN, 2008), interpretação de vertentes e feições significativas do relevo. As
imagens digitais de alta resolução (QUICK BIRD, ocorrências erosivas foram também observadas,
2008) e levantamentos em campo. especialmente em relação à posição mais comum
A análise das ocorrências erosivas em relação na vertente, e presença ou ausência de surgên-
ao substrato geológico, formas de relevo e tipos cias d’água, que pudessem ser relacionadas com
de solos, realizada por sobreposição cartográfica, fenômenos de piping. Dessa maneira, foi possível
interpretação de imagens digitais, e reconheci- validar os critérios usados na definição dos com-
mento em campo, permitiu uma avaliação inicial partimentos morfopedológicos, e sua relação com
a respeito da definição dos compartimentos mor- o desenvolvimento dos processos erosivos.
fopedológicos e sua delimitação cartográfica. Vertentes representativas dos compartimen-
Baseados nas cartas temáticas e no mapa mor- tos morfopedológicos foram, com maior rigor,
fopedológico preliminar, foi realizado trabalho de levantadas em campo por meio de tradagens e
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Exemplo de aplicação da Geologia de Engenharia no controle preventivo e corretivo dos processos erosivos
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
A suscetibilidade à erosão laminar dos com- Zone 21, e o Datum Samer 69 Brasil. O marco
partimentos morfopedológicos, foi determina- usado foi implantado pelo IBGE, Satélite 91202,
da com base nas relações entre a erodibilidade e INTERMAT/PNUD E SEPLAN/PODEAGRO.
declividade, conforme proposta apresentada por Os solos existentes na área objeto foram cate-
IPT (1989) e por Salomão (1999; 2007). gorizados em classes de erodibilidade, adaptadas
A declividade das vertentes apresentada para de Salomão (2007), conforme mostra o Quadro
os compartimentos morfopedológicos foi deter- 2, permitindo por meio do cruzamento matricial
minada em campo por meio de levantamento to- com quatro classes de declividade determinar as
pográfico em vertentes representativas com GPS classes de suscetibilidade à erosão laminar, apre-
Geodésico L1 e L2, a projeção UTM South America sentado no Quadro 3.
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Exemplo de aplicação da Geologia de Engenharia no controle preventivo e corretivo dos processos erosivos
Declividade (%)
Erodibilidade I (> 20) II (12 a 20) III (6 a 12) IV (< 6)
1 - Muito Alta I I II II
2 - Alta I II II III
3 - Média II III III IV
4 - Baixa III IV IV V
5 - Não Erodível Não existe Não existe Não existe V
Quadro 4 – Compatibilização entre classes de suscetibilidade à erosão laminar e classes de capacidade de uso da
terra, adaptado de Lepsh (1983) e Salomão (2007).
Classes de
Classes de Suscetibilidade Características dos terrenos e Potencialidades
Capacidade de Uso
à Erosão Laminar e Limitações ao Uso do Solo
das Terras
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Compartimento Relevo e
Solo Funcionamento hídrico Suscetibilidade a erosão
morfopedológico declividade
(Continua)
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Exemplo de aplicação da Geologia de Engenharia no controle preventivo e corretivo dos processos erosivos
Compartimento Relevo e
Solo Funcionamento hídrico Suscetibilidade a erosão
morfopedológico declividade
3 Controle Erosivo em Área Urbana: de erosões do Estado de São Paulo registrou 670
o exemplo da cidade de Franca (SP) feições erosivas lineares de grande porte somen-
te em áreas urbanas. A lista de municípios que
O acelerado processo de urbanização e o apresentam sérios problemas de erosão em sua
crescimento das cidades, resultantes da migra- área urbana é vasta; podem-se destacar muni-
ção intensa da população rural para áreas urba- cípios das diversas províncias geomorfológicas
nas, principalmente nos últimos quarenta anos, do estado de São Paulo, mas o predomínio dos
mudaram severamente a fisiologia da paisagem, processos erosivos é maior na região do Planalto
marcada por diferentes processos do meio físico, Ocidental Paulista. Inserido neste contexto, o
gerando vários cenários de degradação ambien- município de Franca, embora situado entre a pro-
tal. A ausência de planejamento, infraestrutura víncia geomorfológica da Depressão Periférica e
adequada e crescimento populacional levaram Cuestas Basálticas foi selecionado para estudos
à ocupação irrestrita e desordenada do uso e de prevenção e controle de erosão, por ser um
ocupação do solo urbano. Feições erosivas, de- dos mais críticos do Estado de São Paulo (IPT,
correntes da má gestão do uso do solo e da falta 1995). Os processos erosivos, manifestados sob
de planejamento urbano, provocam degradação a forma de feições erosivas lineares de grande
ambiental, pela produção de sedimentos que vão porte, é um dos principais problemas ambientais
assorear os cursos d’água e, consequentemente, de sua área urbana. Os custos de recuperação de
levar a ocorrência de enchentes, em períodos áreas atingidas por erosões são significativamen-
chuvosos. Quando evoluem rapidamente com- te superiores aos investimentos que deveriam
prometem a infra-estrutura urbana, atingindo ser feitos no planejamento da ocupação. De qual-
moradias, obstruindo ruas, avenidas e rodovias. quer forma, conhecer a dinâmica dos processos
Situações como essas são comuns nas cidades do é fundamental para propor medidas e diretrizes
interior paulista. Segundo IPT (1995) o cadastro para controle e prevenção da erosão (Figura 3).
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FRANCA
ESTADO
DE
SÃO PAULO
LEGENDA
Curso d'água
Limite de município
Limite da área de estudo
Área urbana
A fisiografia da paisagem de cada região leva posição da feição erosiva em relação à vertente e a
à formação de processos erosivos com formas e dinâmica do processo, servindo de referencial para
comportamento diferenciados. Existe uma série a elaboração deste artigo, que tem por objetivo
de mecanismos que atuam na formação dos pro- caracterizar as ocorrências erosivas existentes no
cessos erosivos, sobretudo das boçorocas, uma perímetro urbano de Franca (SP), tendo em vista
vez que constituem feições de maior magnitude a interpretação da dinâmica e evolução dos pro-
e de impacto ambiental. Os mecanismos variam cessos erosivos, de maneira a servir de subsidio à
conforme os condicionantes naturais e também de concepção de projeto e obras de contenção.
sua interação com o papel da ação antrópica. O diagnóstico dos processos erosivos da área
Em 1989, o Instituto de Pesquisas Tecnológi- urbana e periurbana do município de Franca foi
cas do Estado de São Paulo – IPT realizou um ca- elaborado com base no reconhecimento das fei-
dastro de catorze erosões de grande porte na área ções erosivas de grande porte, a partir de fotogra-
urbana de Franca, fazendo uma descrição da feno- fias aéreas e trabalhos de campo.
menologia, avaliação da dinâmica e das condições A identificação das feições de erosão observa-
de evolução, além da proposição de medidas de dos na área de estudo (sulcos, ravinas, boçorocas
controle para tais erosões (IPT, 1989). O mapea- e solapamento de margens fluviais) foi realizada
mento geotécnico da região de Franca, elaborado a partir da análise de fotografias aéreas dos anos
por Zuquette (1995), também consistiu em impor- de 1972 (produzidas pelo IBC) e 1995 (produzidas
tante subsídio na análise dos processos erosivos do pela BASE), com ambos os levantamentos realiza-
município, bem como o trabalho de IPT (1998) que dos na escala 1:25.000.
apresentou um plano de prevenção e controle dos Os anos selecionados para a identificação das
processos erosivos na área urbana do município. feições erosivas caracterizam dois períodos im-
Canil (2000), apresentou um estudo sobre a portantes do estágio de desenvolvimento desses
tipologia das feições erosivas baseado na análise processos. Nos primeiros anos da década de 70
dos condicionantes do tipo de substrato e solo, têm-se um importante incremento no processo de
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Exemplo de aplicação da Geologia de Engenharia no controle preventivo e corretivo dos processos erosivos
urbanização. Já nos anos 90, esse processo consoli- Para cada erosão foram levantadas informa-
dado revela os problemas ambientais decorrentes ções sobre histórico, dados geométricos, aspectos
de uma ocupação rápida e desordenada, como por relacionados à dinâmica e fenomenologia dos pro-
exemplo, a observação dos fenômenos em momen- cessos atuantes, e eventuais medidas de controle
tos distintos permitindo a análise comparativa da adotadas. A análise realizada a partir dos dados
evolução e/ou estabilização de tais processos. de campo e da interpretação dos condicionantes
Após esta identificação, seguiu-se para o tra- naturais e antrópicos da erosão permitiu classifi-
balho de campo, com o objetivo de levantar dados car as feições erosivas em cinco grupos.
necessários para a caracterização dos processos GRUPO I: Compreende nove feições erosivas
erosivos, principalmente para classificá-los quan- desenvolvidas pela concentração de águas super-
to ao seu estado de estabilidade/ instabilidade e ficiais, situadas a partir da ruptura de declive do
risco que oferece à área urbana. Este trabalho foi terço superior da vertente, em substrato arenítico
baseado no roteiro metodológico de ficha de ca- da Formação Franca. O aprofundamento da ero-
dastro de erosão (IPT, 1989). O trabalho de campo são chega a atingir o lençol freático e provoca a
para a identificação das feições erosivas e investi- instabilidade dos taludes da erosão.
gação dos condicionantes do meio físico, consta- Correspondentes ao substrato arenítico da
tou 32 erosões de grande porte. Formação Franca, as vertentes nas quais se situam
Este cadastro incluiu também as áreas de so- essas erosões são predominantemente convexas,
lapamento de margens fluviais, cuja identificação com rampas longas e declividades acima de 12%.
não foi possível por meio das fotografias aéreas
Nesta situação, a velocidade do escoamento su-
em função da escala.
perficial aumenta significativamente no ponto de
Dos principais aspectos levantados na in-
ruptura de declive do terço superior da vertente
vestigação das erosões destacam-se: os condi-
em direção a jusante. Da linha de ruptura até o
cionantes naturais do meio físico; os processos e
fundo de vale observa-se uma associação de solos
mecanismos que comandam o desenvolvimento e
rasos do tipo Litólico (declividades acima de 20%)
evolução das feições erosivas; fatores da interven-
e Latosssolo Vermelho-Amarelo, textura média.
ção antrópica e todas as formas de impactos as-
As boçorocas tendem a ser mais alongadas, por
sociados a essas erosões, tais como solapamentos
estarem situadas em rampas mais longas.
das margens dos cursos d’água e abatimentos em
O processo descrito anteriormente é acelera-
setores da baixa vertente próximo às drenagens,
trechos de ribeirões e córregos assoreados, e pon- do pela ação antrópica. A história da ocupação e
tos de enchentes. instalação do núcleo urbano destaca a existência
Os processos erosivos, aqui estudados sob a de valos abertos pelos próprios moradores, des-
ótica dos condicionantes naturais e antrópicos, re- viando as águas das ruas de um loteamento recém
ceberam tratamento analítico e integrado a fim de aberto para a cabeceira das erosões ou, no caso,
se estabelecer tipologias com comportamento se- dessas para um ponto de maior fraqueza ou de
melhante quanto à de dinâmica e evolução e como ruptura de declive, capazes de provocar o desen-
estão integradas à área urbana do município. volvimento de uma feição, que terá um porte e
Na área de Franca, é comum encontrar fei- uma dinâmica de evolução de acordo com as ca-
ções erosivas lineares, do tipo boçoroca, tanto racterísticas naturais do terreno.
em vertentes, quanto associadas às cabeceiras No caso dessas erosões, a ordem da gravida-
de drenagem. Nas vertentes, o processo é inten- de dos processos levou a situações de risco. Uma
sificado essencialmente pela ação do escoamento vez que essas erosões já estão incorporadas à área
superficial. Nas cabeceiras de drenagem, tanto as urbana, o monitoramento constante é a medida
alongadas quanto em anfiteatro, a interação dos mais prudente e eficaz de se manter o controle
condicionantes, solo, relevo e substrato rochoso dos processos. Dificilmente haverá uma tendên-
aumentam a suscetibilidade ao desenvolvimento cia à evolução destas feições, pois todas as inter-
e instalação destas feições de erosão. As chuvas venções responsáveis pela dinâmica já levaram ao
intensas aceleram ainda mais os processos, que ápice do desenvolvimento das erosões, que apre-
respondem pela dinâmica e evolução das erosões. sentam hoje um estado maior de equilíbrio.
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Foto 1 – Boçoroca recuperada, por meio de obras de drena- Foto 2 – Cabeceira da erosão parcialmente
gem e contenção dos taludes. Apesar das obras, ainda há aterrada com lixo; inclui também resíduos
algumas moradias em situação de risco. da indústria de couro.
GRUPO II: Compreende três feições erosivas no período chuvoso, com alta capacidade e ener-
desenvolvidas em amplos anfiteatros de gia de aprofundar ainda mais o leito da feição,
cabeceiras de drenagem, em cotas superiores solapando a base das vertentes e provocando des-
a 1000 m. moronamentos (VIEIRA, 1978).
Além do grande volume de água superficial,
Essas erosões desenvolveram-se na parte su- que provoca a retirada das camadas superficiais
perior do Planalto de Franca (cotas entre 1000 e do solo (mais arenosas), parte dela se infiltra e ali-
1025 metros), configurando amplos anfiteatros em menta o lençol freático. O pacote sedimentar, em-
cabeceiras de drenagem, associados aos arenitos bora predominantemente arenoso, apresenta len-
da Formação Franca. Nestas áreas predominam tes de material mais argiloso que funcionam como
solos do tipo Latossolo Vermelho-Amarelo, tex- barreira para a infiltração da água, provocando
tura média a arenosa. São solos bastante desen- muitas vezes a formação de um lençol suspenso.
volvidos e as erosões podem chegar a mais de 25 Dessa forma, a partir do momento em que a ero-
metros de profundidade. são intercepta o lençol suspenso, o processo do
Essas feições erosivas exibem forma circular “piping” é ativado, ou seja, aparecem surgências
ou arredondada, estrangulando-se bruscamente d’água que carreiam de forma lenta e contínua as
a jusante, e afunilando-se na linha do talvegue partículas de areia, silte e argila, formando vazios
(afluente de primeira ordem) para o qual conver- internos (cavernas) no solo. Ao atingir o máximo
gem as águas do escoamento superficial e do aflo- da instabilidade, a parte superior deste vazio des-
ramento do lençol. A existência dessas gargantas, morona e este processo se repete sucessivamente,
desenvolvidas na Formação Franca, está associa- promovendo a evolução lateral e remontante da
da à presença de uma camada argilo-arenosa mais boçoroca. Esta situação é mantida, desde que o len-
resistente que as camadas arenosas superiores. çol freático suspenso permaneça ativo. Os pontos
Uma das hipóteses desse arredondamento de surgências d’água no interior da erosão tam-
das cabeceiras, típico dessas feições, é de que as li- bém provocam solapamento da base dos taludes
nhas de concentração (ou valos), integradas à fei- e conseqüentes escorregamentos, que contribuem
ção, foram se ramificando, até o momento em que significativamente para o processo de reativação
a magnitude do processo levou à interligação dos de cabeceira e alargamento das boçorocas.
diversos ramos, dando origem à forma circular. Essa dinâmica, nesse tipo de feição, ocor-
A ação do escoamento superficial, proveniente re de forma lenta e contínua, por apresentar um
das áreas de montante, contribui, significativamen- substrato mais resistente à ação dos processos
te, para a evolução das feições erosivas que ocor- de evolução. São feições que já existiam antes de
rem nessa situação. Assim, o volume de água que 1972 e cabe lembrar que se desenvolveram em
corre para o interior aumenta, consideravelmente, áreas mais favoráveis (cabeceiras de drenagem).
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Exemplo de aplicação da Geologia de Engenharia no controle preventivo e corretivo dos processos erosivos
Chegam bem próximas aos limites dos divisores início ao processo de dinâmica descrito anterior-
de suas respectivas bacias de contribuição. mente. Em função do porte dessas erosões, a sua
Aparentemente, parecem ter encontrado o inserção à área urbana sugere monitoramento
seu equilíbrio e apresentam atividade erosiva constante e necessidade de execução de obras de
apenas quando ocorre período de chuvas pro- controle, pois estão muito próximas a residências
longado que favorece a saturação dos solos, e e estrada de acesso, que apresenta trincas e racha-
conseqüente elevação do lençol freático, dando duras no asfalto.
Foto 3 - Vista geral de jusante para montante da boçoroca. Foto 4 - Erosão de grande porte causada pela concentração
Ao fundo da erosão, na linha do talvegue, observam-se de águas superficiais da Rodovia João Traficante. O apro-
diversos pontos de surgências d’água. Notam-se abatimen- fundamento da erosão, ao atingir o nível freático, provoca
tos e escorregamentos nas vertentes da feição erosiva. processo de reativação de cabeceira. A vegetação no interior
da erosão indica estabilidade parcial do processo.
GRUPO III: Corresponde a treze feições erosivas das boçorocas do Grupo II, diferenciando-se basi-
desenvolvidas em cabeceiras de drenagem. camente quanto à forma, além de se localizarem
em cotas que variam entre 975 e 1050 m. Devido
Todas as feições erosivas do Grupo III desen- à maioria das feições serem mais antigas, encon-
volveram-se em cabeceiras de drenagem; apresen- tram-se atualmente estabilizadas pela adoção de
tam forma alongada e sem ramificações. A maio- medidas de controle ou parcialmente estabiliza-
ria delas, existentes desde 1972, reflete o período das, simplesmente pelo desvio da concentração
de consolidação e expansão do núcleo urbano. O de águas superficiais e recomposição natural da
processo de formação e evolução é semelhante ao mata ciliar.
Foto 7 - Boçoroca de cabeceira de drenagem; recebe Foto 8 - Boçoroca de cabeceira de drenagem, aterrada com lixo
contribuição das águas de escoamento superficial. doméstico. Há alguns anos foi transformada no Aterro Sanitário e
atualmente está com sua capacidade quase esgotada.
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Revista Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental
GRUPO IV: Corresponde a cinco feições ero- colapsos e solapamento das margens fluviais. Isto
sivas desenvolvidas em cabeceiras de drena- se deve à ocorrência expressiva de surgências
gem e associadas a processos de abatimen- d’água, no contato do solo derivado do arenito
tos e solapamento de margens fluviais. com o basalto alterado e/ ou Hidromórficos.
Esse processo ocorre basicamente pela exis-
As feições erosivas desse Grupo ocorrem nas tência de uma camada impermeável subjacente ao
vertentes do Planalto de Franca, em cotas situa- arenito Franca. A ação direta da água da chuva,
das entre 950m e 975m, em setores suavizados do combinada com o escoamento superficial concen-
relevo e vales um pouco mais abertos, correspon- trado, alimenta o lençol freático suspenso (contato
dendo também aos arenitos da Formação Franca, arenito/basalto). Esta camada torna-se saturada,
próximo ao contato com os basaltos da Formação pelo confinamento das águas subterrâneas; gera
Serra Geral. O perfil pedológico ao longo da ver- pontos de alto gradiente hidráulico nas saídas
tente apresenta solos do tipo Latossolo Vermelho- das linhas de fluxo da água subterrânea e propi-
Amarelo, textura média, associados a hidromórfi- cia a remoção do material arenoso (liquefação de
cos no fundo de vale. areias). Estes vazios no interior dos solos caracte-
Essas erosões são menos profundas do que rizam o “piping”, que provoca o descalçamento e
aquelas localizadas em cabeceiras de drenagem e abatimentos no solo. Quanto maior o número de
terços superiores de vertentes de maior declivida- surgências d’água mais rápido é o processo evolu-
de, porém no processo de formação também atu- tivo e mais difícil seu controle.
am a ação do escoamento superficial (considerada Boa parte dessas boçorocas, a concentração
a deflagradora do processo) e ação do escoamento das águas superficiais provenientes das ocupa-
subterrâneo. A dinâmica da evolução é rápida e a ções urbanas a montante foram as principais res-
magnitude mais intensa, principalmente quando ponsáveis pela deflagração do processo. Uma vez
há um aumento da concentração da água super- ativada esta dinâmica, a tendência é evoluir rapi-
ficial em direção às cabeceiras das boçorocas. No damente até atingir os setores já ocupados, geran-
terço inferior da vertente, próximo ao fundo de do sérios prejuízos.
vale, estão associados processos de abatimentos,
Foto 9 – Detalhe do contato entre litologias diferentes Foto 10 – Boçoroca desenvolvida pela concentração da água
(basalto/arenito). Ao fundo, loteamento em consolidação. superficial. Observa-se o rompimento da adutora de água do
A falta de infraestrutura e sistema de drenagem adequados loteamento em consolidação. Este loteamento apresenta
favorecem a concentração das águas superficiais para o infra-estrutura deficiente (ruas sem pavimentação, sistema
fundo da erosão. de drenagem precário, etc.).
GRUPO V: Contempla apenas duas feições constituem o Grupo V. Uma vez que esses solos
erosivas desenvolvidas pela concentração de são mais resistentes, o processo de deflagração
águas superficiais, situadas a partir da ruptura resulta essencialmente do escoamento superficial,
de declive do terço superior da vertente, em provocado pelas formas de uso e ocupação do solo
basalto da Formação Serra Geral. de montante.
As boçorocas desenvolvidas em solos ar-
gilosos (Latossolo Roxo), derivados do basalto,
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Exemplo de aplicação da Geologia de Engenharia no controle preventivo e corretivo dos processos erosivos
captadas e conduzidas pelo interior da boçoro- das águas subsuperficiais para impedir a remoção
ca ou desviadas da cabeceira, até um local ade- do solo pelo piping. Os principais tipos de drenos
quado para descarga, onde sua energia possa ser utilizados são: dreno cego, dreno com material
dissipada. Na concepção do projeto, deve-se ter sintético geotextil e drenos de bambu.
como preocupação básica a diminuição gradual Com exceção das duas feições erosivas do
da energia das águas captadas e a sua condução grupo V, as demais erosões de Franca apresentam
controlada, dentro ou fora da boçoroca. As princi- aqüífero freático interceptado pelo aprofunda-
pais estruturas utilizadas para o disciplinamento mento erosivo, manifestando fenômeno erosivo
das águas superficiais são: interno dos taludes. Necessário, portanto, cuida-
a) Estruturas de captação e condução das águas dos especiais com a drenagem das águas do aqüífe-
superficiais; e ro freático no interior das erosões, concebendo-se
b) Estruturas de controle e dissipação da energia drenos profundos. As feições erosivas dos grupos
das águas. II, III, e IV, instaladas em cabeceiras de drenagens
A totalidade das ocorrências erosivas de
apresentam surgências d’água em diferentes po-
Franca foram originadas pela concentração do es-
sições dos taludes no interior das erosões, e com
coamento superficial das águas de chuva, exigin-
gradientes elevados, exigindo projetos específicos.
do obras de drenagem voltadas ao disciplinamen-
(necessário complementar). Nas erosões situadas
to das águas superficiais.
No caso específico das erosões dos grupos I na área periurbana, recomenda-se a instalação de
e V, necessário se faz situar, na bacia de contri- um sistema de drenagem tipo “espinha de peixe”
buição, a linha de ruptura de declive posicionada no interior da boçoroca por meio de drenos en-
à montante das cabeceiras das ocorrências erosi- terrados tipo rachão (no ramo principal) e drenos
vas, e conceber projetos de drenagem voltados à de bambu nos ramos secundários. Em outras si-
captação da totalidade das águas de chuva que se tuações, pode-se também instalar dreno tipo “es-
dirigem para esse setor da vertente. Essas águas, pinha de peixe“, no fundo da erosão, promover
após captação, devem ser conduzidas com ener- a impermeabilização por meio de selo argiloso,
gia controlada para locais adequados. para em seguida efetuar o aterro da erosão.
Com relação às erosões dos grupos II, III, e Com relação às erosões do grupo I, recomen-
IV, instaladas em cabeceiras de cursos d’água, da-se a instalação de drenos profundos especial-
recomenda-se a concepção de estruturas voltadas mente nas porções inferiores das feições erosivas,
à contenção da energia de escoamento das águas nas proximidades dos fundo de vales, onde o
superficiais. Essas estruturas devem contornar os aqüífero freático se manifesta a pequenas profun-
anfiteatros de cabeceiras, e as águas aí acumula- didades e com elevados gradientes hidráulicos. A
das devem ser conduzidas com energia controla- maioria dessas erosões apresenta algum tipo de
da para locais apropriados, preferencialmente a obra que deve, portanto, ser monitorada.
jusante das ocorrências erosivas.
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