A Geopolítica Da Rússia Contemporânea
A Geopolítica Da Rússia Contemporânea
A Geopolítica Da Rússia Contemporânea
Rússia
Contemporânea
por
Aleksandr Dugin
Esta Edição:
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
Autor:
Aleksandr Dugin
Direitos Reservados:
© Aleksandr Dugin, 2012
Brasil © Uversita, 2014
Portugal © IAEGCA, 2014
Tradução:
Flávio Gonçalves
João Franco
Revisão:
Dídimo Matos
Impressão:
Depósito Legal:
ISBN:
Aleksandr Dugin
IAEGCA
Instituto de Altos Estudos em Geopolítica
& Ciências Auxiliares
Colecção:
ÍNDICE
Capítulo 1 ................................................................................................................ 7
Para a Geopolítica do Futuro da Rússia .................................................................. 7
As problemáticas teóricas da criação de uma geopolítica russa de pleno direito 7
A percepção geopolítica ...................................................................................... 8
Heartland ........................................................................................................... 10
A Rússia como “uma civilização da Terra” ....................................................... 11
A continuidade geopolítica da Federação Russa ............................................... 13
A Federação Russa e o mapa geopolítico do mundo ......................................... 15
Capítulo II ............................................................................................................. 18
A Geopolítica da URSS ......................................................................................... 18
Antecedentes geopolíticos da revolução de 1917 .............................................. 18
A geopolítica da Guerra Civil ............................................................................ 26
O equilíbrio geopolítico das potências do mundo de Versalhes ........................ 33
A geopolítica e a sociologia dos primórdios do período de Stalin ..................... 36
A geopolítica da Grande Guerra Patriótica ........................................................ 41
As consequências geopolíticas da Grande Guerra Patriótica............................. 47
A geopolítica do Mundo de Ialta e da Guerra Fria ............................................ 48
O Mundo de Ialta após a morte de Stalin .......................................................... 52
As teorias da convergência e o globalismo........................................................ 58
A geopolítica da Perestroika .............................................................................. 62
O significado geopolítico do colapso da URSS ................................................. 66
Capítulo 3 .............................................................................................................. 68
A Geopolítica da Rússia de Iéltsin e o seu Significado Sociológico ..................... 68
A grande perda de Roma: a visão de G.. K. Chesterton .................................... 68
A primeira fase do colapso: o enfraquecimento da influência soviética sobre o
movimento esquerdista global ........................................................................... 73
A segunda fase do colapso: o fim do Pacto de Varsóvia .................................... 76
A terceira fase do colapso: O Comitê Estatal de Emergência e o fim da URSS 77
Beloveszhskaya pushcha ................................................................................... 79
O momento unipolar.......................................................................................... 81
A geopolítica do mundo unipolar: Centro-Periferia .......................................... 82
A geopolítica dos neo-conservadores ................................................................ 84
A Doutrina Kozyrev .......................................................................................... 86
Os contornos do colapso da Rússia ................................................................... 88
O estabelecimento de uma escola de geopolítica russa [Russkii] ...................... 90
A geopolítica da crise política de Outubro de 1993........................................... 92
A mudança dos pontos de vista de Yeltsin depois do conflito com o Parlamento
........................................................................................................................... 94
A Primeira Campanha Tchetchena .................................................................... 96
Os resultados geopolíticos da administração Yeltsin ....................................... 102
Capítulo 4 ............................................................................................................ 105
A Geopolítica dos anos 2000 ............................................................................... 105
O fenômeno Putin................................................................................................ 105
A estrutura dos polos de força na Chechênia em 1996-1999........................... 105
A geopolítica do Islã ........................................................................................ 106
A explosão de casas em Moscou, a incursão no Daguestão, e a chegada de Putin
ao poder ........................................................................................................... 107
A Segunda Campanha Chechena ..................................................................... 110
O significado geopolítico das reformas de Putin ............................................. 114
11 de Setembro: consequências geopolíticas e a reação de Putin .................... 117
O Eixo Paris-Berlim-Moscou .......................................................................... 118
A rede de influência atlantista na Rússia de Putin ........................................... 121
O espaço pós-soviético: integração .................................................................. 126
A geopolítica das revoluções coloridas ............................................................ 127
O discurso de Munique .................................................................................... 131
Operação Medvedev ........................................................................................ 135
O assalto de Saakashvili a Tskhinvali e a guerra Rússia-Geórgia de 2008 ...... 137
O reinício e o regresso ao atlantismo ............................................................... 141
A União Eurasiática ......................................................................................... 145
As consequências da geopolítica dos anos de 2000 ......................................... 147
Capítulo Cinco ..................................................................................................... 149
O Ponto de Bifurcação na História Geopolítica da Rússia .................................. 149
Aleksandr Dugin
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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Capítulo 1
Para a Geopolítica do Futuro da Rússia
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Aleksandr Dugin
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espaço não foram suficientemente estudados e, consequentemente, a
parte mais importante, crucial para a criação de uma geopolítica
russa de pleno direito, é-nos atualmente apresentada somente de
modo fragmentado e episódico.
Mais, a atitude da sociedade russa perante várias formas de
política e de governo permanecem em aberto. Se no período
marxista fomos guiados pela teoria do progresso e das alterações das
formas político-econômicas, considerando a experiência dos países
da Europa Ocidental como “universal”, já hoje em dia este esquema
reducionista já não é o adequado e devemos construir um modelo
novo de história sociopolítica russa, estudar a sua lógica e propor
generalizações estruturais que reflitam aquelas particularidades
características às relações da nossa sociedade, nos seus vários
estágios históricos, ao nosso sistema político e governamental.
Sendo este o caso, então, temos apenas umas poucas obras de relevo,
enquanto teorias marxistas, bem como o exemplo da aplicação direta
dos métodos do Ocidente liberal à história russa e à sociedade russa,
que deu origem a notáveis caricaturas, tendo por base o exagero e a
violência para com fatos históricos e principalmente contra a sua
relevância.
Estas dificuldades não nos devem desanimar, uma vez que até
mesmo os momentos intuitivamente mais óbvios da história social
russa, as observações acerca das peculiaridades da cultura russa e
principalmente a própria estruturação da disciplina geopolítica
podem servir como pontos de referência na movimentação pela
criação de uma geopolítica russa de pleno direito. Até mesmo uma
representação aproximada da sociedade russa será o suficiente para
começarmos.
A percepção geopolítica
A geopolítica clássica (seja a anglo-saxônica ou a europeia) dá-
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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nos algumas bases fundamentais para a construção de uma
geopolítica russa. Bem podemos aceitá-las sem quaisquer reservas.
Contudo, interfere aqui um fator muito significante, a relevância do
que é importante na física não-clássica (tanto para Einstein como
para Bohr) mas que é ainda mais apreciável na geopolítica: o sistema
geopolítico depende da posição do observador e do intérprete2. Não
é suficiente concordar com as características geopolíticas que a
geopolítica clássica atribui à Rússia; devemos aceitar essas
características e procurar na nossa História e na nossa cultura a sua
confirmação; ou seja, vislumbrar-nos a nós mesmos como produtos
desse sistema geopolítico; resumindo, compreender-nos não como
um observador neutro mas como um observador embutido num
contexto histórico e espacial. Está na moda apodar este
procedimento de “apercepção geopolítica”.
A apercepção é a habilidade de contemplar a totalidade dos
fatores geopolíticos de modo consciente, com uma compreensão
explícita tanto da nossa posição subjetiva como das regularidades
da estruturação daquilo que estamos a observar.
A noção do “geopolitólogo russo [Rossiiskii]” vai para lá da mera
cidadania e da esfera do conhecimento profissional; é algo muito
mais profundo: o geopolitólogo russo [Rossiiskii] é o expoente das
visões geopolíticas, das carreiras histórico-sociais e das constantes
estratégicas, características históricas da sociedade russa [Russkii]
(atualmente, da sociedade da Federação Russa [Rossiiskii])3. A
geopolítica compreende duas posições globais (Mackinder apodava-
as de “a visão do povo do Mar” e “a visão do povo da Terra”); não
podemos ocupar-nos desta colocando-nos de fora desta dicotomia.
Quem se ocupa da geopolítica tem antes de mais de clarificar a sua
posição em relação ao mapa geopolítico do mundo. Este
posicionamento não é nem geográfico nem político (de cidadania),
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Aleksandr Dugin
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mas sociocultural, civilizacional e axiológico; toca diretamente a
identidade do próprio geopolitólogo. Em certos casos [o
posicionamento] pode ser alterado, mas é algo tão sério quanto a
alteração de uma confissão religiosa ou a modificação radical das
opiniões políticas.
Heartland
A geopolítica clássica advém do fato do território da Rússia
contemporânea, anterior à URSS, e ainda antes desta o império
russo [Rossiiskii], constituir a Heartland4; ou seja o centro terrestre
(telurocrático) de todo o continente eurasiático. Mackinder apoda
esta zona de “pivô geográfico da História”, do qual historicamente
emanaram a maior parte dos impulsos telurocráticos (desde os
ancestrais nômades das estepes – citas, sármatas, etc. – até ao cerne
da colonização imperial russa [Rossiiskii] dos séculos XVI a XIX e à
expansão comunista do período soviético). O conceito de
“Heartland”5, “Terra Média”, é um conceito geopolítico típico. Não
significa a pertença à Rússia no sentido de pertença a um governo e
não possui um significado exclusivamente geográfico. Aqui lidamos
com um “significado espacial” (“Raumsinn”, de acordo com F.
Ratzel6), o qual se pode transformar no legado da sociedade radicada
nesse território, e neste caso será compreendido como tal e integrado
no sistema social e, numa última análise, irá expressar-se por si
mesma na História política. Historicamente, os russos não
compreenderam de imediato a sua localização, tendo aceite o
testemunho da telurocracia somente depois das conquistas
mongólicas de Ghengis Khan, cujo império era um modelo
4 Região Central, de maior relevo. – NDT.
5 Mackinder H. The Geographical Axis of History; Mackinder, H. Democratic Ideals and
Reality: A Study in the Politics of Reconstruction.
6 Ratzel F. Die Erde und das Leben. Leipzig, 1902.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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telurocrático.
Mas, no início do século XV, a Rússia começou a adquirir de
modo firme e sequencial as características do Heartland, o que levou
gradualmente a uma identificação entre a sociedade russa [Russkii]
e a civilização da Terra, a telurocracia. O Heartland não é uma
característica da cultura dos eslavos de Leste; mas no decorrer do
processo histórico foram precisamente os russos aqueles que se
encontraram nessa situação e adotaram uma marca civilizacional
continental tendo por base a terra.
É por essa razão que a geopolítica russa [Rossiiskii] é por
definição a geopolítica do Heartland; ou seja, a geopolítica que tem
por base a terra, a geopolítica da Terra7. Graças a isto, sabemos de
antemão que a sociedade russa [Russkii] pertence ao tipo da terra;
mas em que medida isto tomou forma, quais os estágios que levaram
a esta via, como foi exposto na compreensão do espaço e da
evolução das representações espaciais e, por outro lado, como se
refletiu nas formas e nas ideologias políticas é algo que permanece
por esclarecer. Isto pressupõe uma obrigação, conhecida à priori,
para a geopolítica russa [Rossiiskii]: esta tem que contemplar o
mundo tendo por base o posicionamento da civilização da Terra.
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Aleksandr Dugin
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momentos de um ciclo histórico mais extenso, no decorrer o qual o
estatismo eslavo do Leste encontrou ressonância com “a civilização
da Terra” e se identificou cada vez mais com o Heartland. Tal
significa que a Rússia contemporânea, geopoliticamente
considerada, não é algo de novo, ou seja, um mero governo surgido
há vinte e poucos anos atrás, mas uma etapa de um processo
histórico longo, multissecular, que a cada etapa faz com que a Rússia
se torne cada vez mais na expressão da “civilização da Terra” a uma
escala planetária. Antes, as etnias eslavas do Leste e do Principado
de Kiev encontravam-se na periferia da civilização ortodoxa, cristã
oriental, e encontravam-se na zona de influência da segunda Roma.
Isto por si só já colocaria os russos no polo oriental da Europa.
Após a invasão das hordas mongóis, o Principado foi incluído na
construção geopolítica eurasiática do império nômade, inspirado na
terra, de Ghengis Khan (posteriormente parte deste separou-se, na
forma das Hordas Douradas).
A queda de Constantinopla e o despertar das Hordas Douradas
fizeram com que o principado moscovita herdasse duas tradições: a
tradição político-religiosa bizantina e a tradição eurasiática
tradicional, tradição esta que foi passada dos mongóis para os
grandes príncipes russos [Russkii]. A partir dessa altura os russos
começaram a vislumbrar-se como sendo “a terceira Roma”; ou seja,
como os portadores de uma organização civilizacional distinta, que
contrastava a todos os níveis basilares com a Europa ocidental, com
a civilização católica do Ocidente. A partir do século XV os russos
emergem no panorama da História mundial como uma “civilização
da Terra” e todas as linhas de força geopolítica fundamentais da sua
política externa passam desde esta altura a ser sujeitas a um único
objetivo: a integração do Heartland, o fortalecimento da sua
influência na zona do Nordeste da Eurásia, a afirmação da sua
identidade perante o seu adversário mais agressivo, a Europa
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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Ocidental (a partir do século XVIII a Grã-Bretanha e, em maior
extensão, o mundo anglo-saxão), que aceitara a iniciativa da
“civilização do Mar” e da talassocracia. Neste duelo entre a Rússia e
a Inglaterra (posteriormente os EUA) desenrola-se, a partir do século
XVIII e até à nossa altura, a lógica geopolítica da História mundial,
“a grande guerra dos continentes”8.
O significado geopolítico permanece na sua totalidade como
invariável em todas as fases subsequentes da História russa: desde o
czarismo moscovita passando pelos Romanov, a Rússia de S.
Petersburgo e a União Soviética até à atual Federação Russa. Dos
séculos XV a XXI a Rússia permanece como o polo planetário da
“civilização da Terra”, a Roma continental.
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1. O conservadorismo.
2. O holismo.
3. A antropologia coletiva (a comunidade sendo mais importante
que o indivíduo).
4. O sacrifício.
5. Uma orientação idealista.
6. Os valores da fé, do ascetismo, da honra e da lealdade.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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que os filósofos eurásicos dos anos 20 denominaram de “ideocracia”.
O modelo ideacional na esfera sociocultural como característica
generalizada da sociedade russa [Russkii] em todas as etapas da sua
História trespassou para o campo da política na forma da ideocracia,
que também possuiu expressões ideológicas diferentes mas que
preservaram uma estrutura de governo vertical, hierárquica e
“messiânica”.
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Aleksandr Dugin
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o papel de polo telurocrático a uma escala mundial. Fortalecendo a
soberania da Rússia como governo, fortalecemos uma das colunas da
arquitetura geopolítica do mundo; ou seja, levamos a cabo uma
operação a uma escala muito superior à de um projeto de política
interna que diga respeito, na melhor das hipóteses, aos nossos
vizinhos mais próximos. O fato da Rússia ser a perspectiva
geopolítica do Heartland torna a sua soberania numa questão
planetária. Todas as potências e Estados do mundo que tenham
aspectos telurocráticos dependem da Rússia conseguir corresponder
ou não ao seu desafio histórico e conseguir preservar e fortalecer a
sua soberania.
• Para lá de quaisquer preferências ideológicas, a Rússia encontra-
se condenada ao conflito com a civilização do Mar, a talassocracia,
encarnada atualmente nos EUA e na ordem mundial unipolar
americanocêntrica. O dualismo geopolítico nada tem em comum
com as peculiaridades ideológicas ou econômicas deste ou daquele
país. Um conflito geopolítico global irrompeu entre o Império
Russo e a monarquia britânica, entre o campo socialista e o campo
capitalista; e hoje no decorrer da generalização dos delineamentos
democráticos republicanos o mesmo conflito irrompe entre a Rússia
democrática e o bloco dos países democráticos da OTAN, que a
tentam calcar. Os regulamentos geopolíticos são mais profundos que
quaisquer contradições ou, por outro lado, semelhanças político-
ideológicas. A determinação deste conflito de princípios não
significa automaticamente a guerra ou um conflito estratégico direto.
Este conflito pode ser compreendido de maneiras diferentes. Tendo
por base o realismo nas relações internacionais, referimo-nos a um
conflito de interesses, que só dá origem à guerra quando um dos
lados se encontra suficientemente convencido da fraqueza do outro
ou quando à cabeça de um dos Estados se encontra uma elite que
coloque os interesses nacionais acima do cálculo racional. O conflito
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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pode decorrer pacificamente, recorrendo a um sistema de
equiparação estratégica, econômica, tecnológica e diplomática.
Nalguns casos pode até atenuar-se ao nível da rivalidade e da
competição, embora sob circunstância alguma se possa alguma vez
descartar a possibilidade de uma resolução pela via da força. Em tal
situação a questão da segurança geopolítica permanece no centro
das atenções, sem cujo garante nenhum dos outros fatores –
modernização, aumento do PIB ou da qualidade de vida – têm
qualquer importância por si só. De que serve obtermos uma
economia desenvolvida se perdermos a nossa independência
geopolítica… Não se trata de um “belicismo”, mas de uma análise
racional saudável advinda de um espírito realista; trata-se de
realismo geopolítico.
• Dum ponto de vista geopolítico, a Rússia é algo maior do que a
Federação Russa nas atuais fronteiras administrativas. A civilização
eurasiática, estabelecida em redor da Heartland e tendo no seu seio
os povos russos, é muito mais ampla do que a Rússia
contemporânea. Num ou noutro grau, praticamente todos os países
da Comunidade de Estados Independentes fazem parte desta. A esta
peculiaridade sociológica sobrepõe-se um fator estratégico: de modo
a garantir a segurança do seu território a Rússia deve obter o controle
militar sobre o centro das zonas a que se encontra ligada – a Oriente
e a Ocidente e ainda na esfera do Oceano Ártico do Norte. Mais, se
considerarmos a Rússia como um polo telurocrático planetário, então
torna-se aparente que os seus interesses mais diretos se espalham por
todo o território da Terra e tocam todos os continentes, mares e
oceanos. Daqui advém a necessidade da elaboração de uma
estratégia geopolítica global para a Rússia, descrevendo
concretamente em que consistem esses interesses a respeito de cada
país e de cada região.
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Aleksandr Dugin
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Capítulo II
A Geopolítica da URSS
Antecedentes geopolíticos da revolução de
1917
O término da dinastia czarista não significou o fim da Primeira
Guerra Mundial para a Rússia. E embora uma das razões para o
derrube dos Romanovs ter sido as dificuldades da guerra e o esforço
sobre os recursos humanos, a economia e toda a infra-estrutura
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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social da sociedade russa [Rossiiskii], após a renúncia ao trono de
Nicolau II as forças que chegaram ao poder (o Governo Interino,
constituído tendo por base a maçonaria da Duma11 e os partidos
burgueses) mantiveram a participação russa na guerra no lado da
entente.
Este ponto é decisivo da perspectiva da geopolítica. Tanto
Nicolau II como os partidários da forma republicana burguesa e
democrática de governo se moviam para uma orientação de
aproximação à França e à Inglaterra; ou seja, moviam-se tendo em
visa o posicionamento da Rússia no campo dos Estados
11 A loja mais numerosa do Grande Oriente dos Povos da Rússia entre 1912-1916 era
indubitavelmente a loja da Duma “a Rosa”, na qual ingressaram em 1912 os deputados
maçons da 4ª Duma Estatal. Foi fundada a 15 de Novembro de 1912. A sua principal
diferença da 3ª Duma consistia num decréscimo explícito do centro (o número de
outubristas na Duma foi radicalmente reduzido: em vez de 120, permaneceram somente 98,
enquanto que o número de direitistas aumentou de 148 para 185 e o de esquerdistas, cadetes
e progressistas de 98 para 107).
A demarcação das forças políticas na Duma intensificaram-se e com esta as esperanças
governamentais quanto à criação de uma maioria pró-governo desmoronaram-se. De ano
para ano, a 4ª Duma Estatal opôs-se cada vez mais à liderança e, para além disso,
aumentava o tom do criticismo não só à esquerda mas também à direita.
O outubrista M. V. Rodzianko assumiu a presidência da 4ª Duma Estatal.
Existiam pelo menos 23 maçons na 4ª Duma Estatal: V.A. Vinogradov, N.K. Volkov, I.P.
Demidov, A.M. Kolyubakin, N.V. Nekrasov, A.A. Orlov-Davidov, V.A. Stepanov, F.F.
Kokoshin, K.K. Chernosvitov, A.I. Shingarev, F.A. Golovin, D.N. Grigorovich-Barsky, N.P.
Vasilenko, F.R. Steinheil, A.N. Bokeikhanov, A.A. Svechin, E.P. Gegechkori, M.I.
Skobelev, N.C. Chkheidze, A.I. Chkhenkeli, I.N Efremov, A.I. Konovalov, A.F. Kerensky.
Todos eles, como vimos, constituíam a loja “a Rosa”. O progressista I.N. Efremov era quem
a dirigia.
Condição determinante para ser admitido na loja da Duma não era a filiação partidária dos
deputados, como era costume nas facções da Duma, mas precisamente a sua filiação
organizacional a uma loja maçônica.
“Na 4ª Duma Estatal”, testemunhou o ex-maçon L.A. Velikhov, “ingressei na dita
associação maçônica, na qual se encontravam os representantes dos progressistas de
esquerda (Efremov), os cadetes esquerdistas (Nekrasov, Volkov, Stepanov), os trudoviks
(Kerensky), os sociais-democratas (Chkheidze, Skobelev) e o objetivo assente foi a criação
de um bloco constituído por todos os partidos da oposição na Duma para derrubar a
autocracia”. Para além dos cadetes acima mencionados L. A. Velikhov, Volkov, Nekrasov e
Stepanov, também ingressaram V. A. Vinogradov, I. P. Demidov, A. M. Kolyubakin, A. A.
Orlov-Davidov e V. A. Stepanov. Dos mencheviques, E. P. Gegechkori, M. I. Skobelev, N.
C. Chkheidze, A. I. Chkhenkeli; dos progressistas, I. N. Efremov and A. I. Konovalov; dose
trudoviks, A. F. Kerensky. Serkov A.I. The History of Russian Freemasonry 1845-1945.
SPB., 1997.
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Aleksandr Dugin
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talassocráticos. Entre o modelo monárquico e o democrático-
burguês, do ponto de vista da política interna, existiam contradições
inegáveis e a escalada dessas contradições levou ao derrube da
dinastia e do sistema monárquico de uma só vez. Mas quanto à
orientação geopolítica Nicolau II e a liderança interina houve, pelo
contrário, uma continuidade e uma sucessão – o direcionamento para
com a civilização do Mar criou uma afinidade entre eles. No caso do
czar tratava-se de uma escolha pragmática; no caso dos
“fevereiristas” de uma escolha ideológica, dado que tanto a
Inglaterra como a França eram há muito regimes políticos burgueses
estabelecidos.
A 25 de Fevereiro de 1917, por decreto real, foi suspensa a
atividade da Quarta Duma Estatal. Na noite de 27 de Fevereiro foi
criado um Comitê Provisional da Duma Estatal, cujo presidente seria
M.V. Rodzianko (um outubrista, presidente da 4ª Duma). O Comitê
assumiu as funções e a autoridade do poder supremo. A dois de
Março de 1917, o imperador Nicolau II abdicou, transferindo os
poderes de herança para o grã príncipe Michael Alexandrovich que,
por sua vez, declarou a três de Março a sua intenção de assumir a
suprema autoridade somente após a vontade popular, retratada na
Assembleia Constituinte, se expressar acerca da forma final de
governo do país.
A dois de Março de 1917 o Comitê Provisional da Duma Estatal
constituiu o seu primeiro gabinete público. A nova liderança
anunciou as eleições para a Assembleia Constituinte; foi adotada
uma lei democrática acerca das eleições; voto universal, igualitário,
direto e secreto. Os velhos órgãos de governo foram abolidos. À
cabeça do Comitê Provisional surgiram o presidente do Soviete dos
Ministérios e o Ministro da Administração Interna, o príncipe G.E.
L’vov (ex-membro da Primeira Duma Estatal, presidente do Comitê
Principal para a União Zemsky Pan-Russa). Ao mesmo tempo o
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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Soviete, cuja função era o controle das ações do Governo Interino,
foi mantido em funcionamento. Como consequência, estabeleceu-se
um poder dual na Rússia. Os Sovietes dos Deputados dos
Trabalhadores e dos Soldados eram controlados pelos partidos de
esquerda, que em grande parte tinham permanecido afastados da
Duma Estatal: os socialistas revolucionários e os social-democratas
(mencheviques e bolcheviques). Na política externa os bolcheviques,
liderados por V.I. Lenine e L.D. Trotsky, seguiram com sucesso uma
orientação pró-alemã. Esta orientação tinha por base alguns fatores
claros: a estreita cooperação dos bolcheviques com os social-
democratas marxistas alemães e acordos secretos com os serviços de
informação do Kaiser quanto a auxílio material e técnico aos
bolcheviques. Mais, os bolcheviques apoiavam-se na desaprovação
da guerra por parte das massas populares e basearam a sua
propaganda nessa desaprovação, formulando-a no espírito de uma
ideologia revolucionária: a solidariedade das classes trabalhadoras
entre vários países e o carácter imperialista das guerras, oposto aos
interesses das massas populares. Assim, o poder dual entre o
Governo Interino e os Sovietes (que, antes de mais, se encontravam
sob o controle dos bolcheviques) no intervalo entre Março e Outubro
de 1917 refletiu dois vetores geopolíticos, o pró-inglês e pró-francês
no caso do Governo Interino e o pró-alemão no caso dos
bolcheviques. Esta dualidade revelou a sua importância e o seu
carácter também naqueles eventos históricos que se encontram
directamente ligados à época da revolução e da guerra civil.
A 18 de Abril de 1917 rompe a primeira crise governamental,
terminando com a constituição, a cinco de Maio de 1917, do
primeiro governo de coalizão com a participação dos socialistas. A
sua causa fora a nota de P.N. Milyukov datada de 18 de Abril à
Inglaterra e à França anunciando que o Governo Interino iria
perpetuar a guerra até ao desfecho vitorioso e que iria implementar
todos os acordos internacionais do governo czarista. Aqui estávamos
a lidar com uma opção geopolítica que influenciava os processos
internos. A decisão do Governo Interino causou a indignação
popular, que se repercutiu em encontros e demonstrações em massa,
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Aleksandr Dugin
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com exigências de que a guerra acabasse rapidamente, de que P.N.
Milyukov e A.I. Guchkov se demitissem e transferissem o poder para
os soviéticos. Por trás da organização destes distúrbios estavam os
bolcheviques e os socialistas revolucionários. P.N. Milyukov e A.I.
Guchkov abandonaram o governo. A cinco de Maio chegou-se a
acordo entre o Governo Interino e o Comitê Executivo do Soviete de
Petrogrado para a criação da coalizão. Contudo, os partidos de
extrema-esquerda não estavam unidos no que dizia respeito à
geopolítica. Os bolcheviques agarravam-se mais logicamente a uma
linha anti-guerra e pró-alemã. Parte dos mencheviques e dos
socialistas revolucionários esquerdistas (cujos líderes pertenciam
também normalmente a organizações maçônicas, nas quais
dominava a orientação pró-francesa e pró-inglesa) tendiam a apoiar
o Governo Interino, no qual os socialistas revolucionários tinham
recebido algumas posições.
O Primeiro Congresso Pan-Russo dos Delegados dos
Trabalhadores e dos Soldados de 3 a 24 de Junho, no qual os
socialistas revolucionários e os mencheviques eram dominantes,
apoiou o Governo Interino e recusou a exigência dos bolcheviques
em acabar com a guerra e transferir o poder para os sovietes. A
partir daqui começa o rápido colapso da Rússia. A três de Junho uma
delegação do Governo Interino, liderada pelos ministros
Tereshchenko e Tsereteli, reconhece a autonomia do Conselho
Central da Ucrânia. Na mesma altura uma delegação sem
concordância do governo delineia os limites geográficos da
autoridade do CCU, incluindo neste algumas províncias do Sudoeste
da Rússia. Tal causa a crise de Julho. No pico da crise de Julho o
Parlamento Finlandês proclama a independência da Rússia em
questões de política interna e limita a competência do Governo
Interino nas questões da guerra e da política externa. Como resultado
da crise é formado um segundo governo de coalizão com o socialista
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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revolucionário A.F. Kerensky à cabeça, no qual os socialistas
revolucionários e os mencheviques recebem um total de sete
posições.
O socialista revolucionário Kerensky, que também fazia parte do
grupo de “trudoviks” (socialistas populares) era uma figura
proeminente da maçonaria da Duma russa, membro da loja “Pequeno
Urso” e secretário da organização maçônica secreta congregada
“Soviete Supremo do Grande Oriente da Rússia Popular”. Kerensky
ateve-se a uma orientação pró-inglesa e encontrava-se fortemente
ligado à maçonaria inglesa. Com o objetivo de se opor ao Soviete de
Petrogrado, Kerensky constituiu a um de Setembro de 1917 um novo
órgão de poder, o Diretório (Soviete dos Cinco) que proclamou a
Rússia como uma república e dissolveu a Quarta Duma Estatal. A
14 de Setembro de 1917 a Conferência Democrática Pan-Russa
[Rossiiskii], que tinha que decidir quanto à questão da autoridade
governante, abriu a participação a todos os partidos políticos. Os
bolcheviques abandonaram-na de modo notório. A 25 de Setembro
de 1917 Kerensky constitui o terceiro governo de coalizão. Na noite
de 26 de Outubro de 1917, em favor dos sovietes, os bolcheviques,
os anarquistas e os socialistas revolucionários de esquerda derrubam
o Governo Interino e prendem os seus membros. A.F. Kerensky foge.
É significativo que o faça recorrendo a diplomatas ingleses,
particularmente a Bruce Lockhart, e seja enviado para Inglaterra,
onde desde o dia da sua chegada participa ativamente nas atividades
das lojas maçônicas inglesas. A revolução outubrista bolchevique,
que as diferentes escolas históricas e os representantes de diferentes
mundividências avaliam hoje de modo diferente, deteve, do ponto de
vista geopolítico, a peculiaridade de significar uma mudança
abrupta na orientação da política externa, de talassocrática para
telurocrática. Tanto Nicolau II como os republicanos maçons da
Duma do Governo Interino mantinham uma posição anglo-francesa e
eram fiéis à Entente. Os bolcheviques orientavam-se
inequivocamente pela paz com a Alemanha e a saída da Entente.
Após a aceleração da Assembleia Constituinte, onde os
bolcheviques não tinham recebido o apoio necessário para legalizar
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Aleksandr Dugin
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plenamente a sua tomada de poder, toda a autoridade foi transferida
para o Soviete dos Comissários Populares12, dominado pelos
bolcheviques. Nessa altura os socialistas revolucionários de esquerda
ainda eram seus aliados.
A três de Março de 1918 em Brest-Litovsk foi concluído um
acordo de paz entre os bolcheviques e os representantes das
Potências Centrais (Alemanha, Austro-Húngria, Turquia e Bulgária),
significando a saída da Rússia da Primeira Guerra Mundial. De
acordo com os termos do acordo a Rússia perdeu na sua parte
ocidental as províncias de Privislinsky, a Ucrânia, as províncias com
uma população acentuada de bielorrussos, a província da Estónia, a
província da Curlândia, a província da Livónia, o Grande Principado
da Finlândia, Kars Oblast e Batumi Oblast no Cáucaso. A liderança
soviética comprometeu-se a terminar a guerra com o Soviete Central
Ucraniano (Rada) da República Popular da Ucrânia, desmobilizar o
Exército e a Frota, retirar a frota do Báltico das bases na Finlândia e
dos Estados bálticos, transferir a Frota do Mar Negro com todas as
suas infra-estruturas para os Estados Centrais e pagar indenizações
no valor de seis milhões de marcos. Foi retirada à Rússia soviética
um território de 780.000 quilômetros quadrados com uma população
de 56 milhões de pessoas (um terço da população do Império Russo).
Concorrentemente, a Rússia retirou todas as suas tropas das áreas
designadas enquanto a Alemanha, por sua vez, fez entrar as suas
tropas e manteve o controle sobre o Arquipélago Estónio e o Golfo
de Riga.
Tal foi o enorme preço pago pela Rússia soviética (em parte
esperando a rápida concretização na Alemanha, e noutros países
europeus, da revolução do proletariado) graças à sua orientação
germanófila.
O tratado de Brest causou rapidamente a rejeição da esquerda
12 Uma tradução mais vulgar é a de Conselho dos Comissários do Povo.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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socialista revolucionária, cuja parte da liderança se encontrava já
anteriormente de algum modo inclinada para com a França e a
Inglaterra. Em sinal de protesto contra as condições do armistício, a
esquerda socialista revolucionária abandonou o Soviete dos
Comissários Populares; e no Quarto Congresso dos Sovietes votou
contra o tratado de Brest. O socialista revolucionário S.D.
Mstislavskii avança com a palavra de ordem: “se não há guerra, há
insurreição!” apelando às “massas” que se “insurgissem” contra as
forças de ocupação germano-austríacas. A cinco de Julho no Quinto
Congresso dos Sovietes os esquerdistas socialistas revolucionários
opuseram-se uma vez mais à política bolchevique, condenando o
tratado de Brest. Um dia após a abertura do Congresso, a 6 de Julho,
dois socialistas revolucionários de esquerda, representantes do
Comité Pan-Russo [Rossiiskii] Extraordinário (CPE), Yakov
Blumkin e Nikolai Andreev, sob mandato do CPE, invadiram a
embaixada da Alemanha em Moscovo, tendo Andreev abatido o
embaixador alemão, Mirbach. O objetivo dos socialistas
revolucionários era desmantelar os acordos com a Alemanha. A 30
de Julho o socialista revolucionário B.M. Donskoi liquidava em
Kiev o general em comando das forças de ocupação, Eichhorn. A
líder dos socialistas revolucionários de esquerda, Maria Spiridonova,
dirige-se ao Quinto Congresso dos Sovietes no qual anuncia que “os
povos russos encontram-se livres de Mirbach”, insinuando que a
linha pró-alemã da Rússia soviética tinha acabado. Em resposta a
isto os bolcheviques mobilizam as suas forças suprimindo “a
insurreição socialista revolucionária”, prendendo e executando os
seus líderes. Aqui ressurge a distinção entre as inclinações
geopolíticas: desta vez entre as forças da esquerda radical que
tinham obtido o poder na Rússia soviética. Os esquerdistas
socialistas revolucionários esforçam-se por destruir a linha
germanófila dos bolcheviques mas, no final, perdem e desaparecem
como força política.
Caso reunamos todos estes elementos geopolíticos numa mesma
imagem, obtemos então o seguinte esquema: Nicolau II, os partidos
burgueses e parte da esquerda socialista revolucionária (a maçonaria
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Aleksandr Dugin
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da Duma) manteve uma inclinação favorável à Entente;
consequentemente, favorável à talassocracia; os bolcheviques
procuraram, consequentemente, uma política de união com a
Alemanha e outros Estados do centro europeu e ainda com a
Turquia; ou seja, surgiram posicionando-se a favor da telurocracia.
Este padrão geopolítico providencia-nos com a oportunidade de
lançar um olhar completamente novo aos eventos dramáticos
ocorridos na História da Rússia entre 1917-1918 e predetermina os
estágios subsequentes da era soviética.
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encontra-se sociologicamente associado à talassocracia);
•A hostilidade para com a Entente talassocrática.
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Aleksandr Dugin
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enquanto os exércitos brancos se encontram ao longo da periferia da
Rússia e em vários graus em redor das zonas costeiras, de onde
obtinham o auxílio político, econômico, estratégico e militar dos
Estados marítimos que apoiavam a sua causa. Aqui também os
brancos reproduzem a lógica da talassocracia, que elabora os seus
processos políticos e estratégicos do ponto de vista das zonas
costeiras. Os vermelhos encontram-se no posicionamento das
potências geopolíticas da terra.
Na época da Guerra Civil deparamo-nos com um fenômeno
extremamente simbólico e de relevo para a geopolítica. Em 1919 o
pai fundador da geopolítica, Halford Mackinder, foi nomeado Alto
Comissário Britânico para o Sul da Rússia e foi enviado pela Europa
de Leste para apoiar as forças anti-bolcheviques lideradas pelo
general Denikin. Esta missão permitiu a Mackinder apresentar as
suas recomendações acerca da geopolítica da Europa do Leste, as
quais foram a base para o seu livro “O Ideal Democrático e a
Realidade”13, ao governo britânico. Mackinder apelava à Grã-
Bretanha que fortalecesse o seu apoio aos exércitos brancos no Sul
da Rússia e envolvesse tendo em vista este propósito os regimes
anti-bolcheviques e anti-russos da Polônia, da Bulgária e da
Romênia. Nas suas negociações com Denikin obteve um acordo
quanto à separação da Rússia de algumas regiões a sul e a ocidente e
também no Sul do Cáucaso tendo em vista a criação de um Estado
tampão anglófilo. A análise de Mackinder acerca do Estado das
coisas na Rússia no decorrer do período da Guerra Civil era
inequívoca: via nos bolcheviques as forças da Heartland, que
estavam destinadas a adquirir uma forma ideológica comunista ou a
ceder essa iniciativa à Alemanha. Em ambos os casos, Inglaterra não
podia permitir tal coisa. Para o evitar Mackinder ofereceu-se para
apoiar os brancos de todas as maneiras possíveis e para desmantelar
13 Mackinder H. J. Democratic Ideals and Reality. N.Y. 1942.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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a Rússia. É significativo que os países que tentou estabelecer no
espaço de um governo que naquela altura era nominalmente integral:
Bielorrússia, Ucrânia, Yugo-Rússia (primariamente sobre a
influência da Polónia anglófila), Daguestão (incluindo todo o Norte
do Cáucaso), Armênia, Azerbaijão e Georgia. Estes países foram
convocados para cumprir o papel de “cordon sanitaire”14 entre a
Rússia continental e as regiões vizinhas, a Alemanha a Ocidente e a
Turquia e o Irã no Sul. O livro “O Ideal Democrático e a
Realidade”15 bem como a nota16 de Mackinder ao seu amigo, Lorde
Curzon, contém as ideias basilares da geopolítica, as quais
Mackinder não só criou e desenvolveu teoricamente, mas nas quais
também participou na prática.
A situação na frente Sul em 1920 e os exércitos enfraquecidos de
Denikin levaram a que o plano de Mackinder, dado a conhecer numa
reunião do governo britânico a 29 de Janeiro de 1920, não fosse
adotado e que a Inglaterra tenha recusado atribuir todo o seu apoio
aos exércitos brancos17. Mas a análise de Mackinder acerca da
situação, que na altura estava longe de ser evidente, com o tempo
comprovou-se estar brilhantemente correta. A esmagadora maioria
dos políticos ingleses estavam convencidos de que o regime
bolchevique não iria durar muito. Mackinder, por outro lado,
baseando-se no método geopolítico, vislumbrou claramente que mais
cedo ou mais tarde a Rússia soviética se iria transformar num
poderoso Estado telurocrático de dimensão continental. E tal acabou
por suceder.
A participação de uma personalidade como Mackinder no
movimento dos brancos, o próprio fundador da geopolítica e uma
figura de topo da estratégia talassocrática, confirma definitivamente
a conclusão a que chegámos quanto à função talassocrática da
questão dos brancos como um todo.
Não menos significativo foi o destino de outro personagem,
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Aleksandr Dugin
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Aleksei Efimovich Vandam (Edrikhin), um proeminente analista em
relações internacionais, um estrategista que bem pode ser incluído
entre os arautos da geopolítica continental russa [Russkii]. Na altura
da Guerra Civil, Edrikhin encontra-se na Estónia, ocupada pelas
forças alemãs, e o Comando Alemão mandata-o para constituir um
“Exército do Norte”, consistindo este de forças anti-bolcheviques
leais aos alemães. Vandam é famoso pelo seu posicionamento
rigidamente anti-inglês e telurocrático (participou nas ações militares
na África do Sul contra os ingleses ao lado dos boers) e foi
precisamente este fator que se tornou decisivo para os alemães. O
“Exército do Norte” não cresceu devido à derrota da Alemanha na
Primeira Guerra Mundial e a missão de Vandam não prosseguiu. Mas
o mero fato de tamanho projeto ter contado com a participação de
proeminente geopolitólogo russo é extremamente simbólico.
Na Guerra Civil, entre personagens de importância secundária,
encontramos outro personagem cujo destino teve um significado de
relevo para o estabelecimento da geopolítica, Peter Nikolaevich
Savitskii. Em 1919 Savitskii ingressa no movimento de voluntários
do Sul da Rússia (“os Denikins”) e torna-se “camarada” do ministro
dos Negócios Estrangeiros do governo de Denikin e Wrangel. No
pico da Guerra Civil, em 1919, Savitskii redige um texto geopolítico,
assombroso na sua sagacidade, “Delineamentos das Relações
Internacionais”18, no qual anuncia o seguinte: “podemos afirmar
com toda a certeza que se o governo soviético tivesse subjugado
Kolchak e Denikin teria então ‘reunido’ todo o espaço do anterior
Império Russo e, muito provavelmente, teria ultrapassado as
fronteiras deste nas suas conquistas”19. O artigo foi publicado no
órgão oficial dos brancos e assinado por um dos teóricos da sua
30
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
política internacional. Savitskii demonstra inequivocamente que
tanto os brancos como os vermelhos possuem os mesmos objetivos
geopolíticos, o estabelecimento de um Estado potência continental,
independente do Ocidente, o qual tanto uns como outros se sentem
compelidos a implementar uma política idêntica. Mais tarde,
Savitskii torna-se na principal figura do movimento eurásico, que
compartilhando estas intuições iniciais acerca da imutabilidade da
estratégia política dos Estados que têm por base a terra desenvolve
uma formulação teórica e torna-se na primeira escola geopolítica
russa [Russkii] de pleno direito20.
Na Guerra Civil distinguiram-se três etapas: a primeira entre 1917
e Novembro de 1918, quando se constituíram os campos militares,
os vermelhos e os brancos. Tal ocorreu tendo como plano de fundo a
continuação da Primeira Guerra Mundial. A segunda etapa vai de
Novembro de 1918 até Março de 1920, quando ocorre a principal
batalha entre o Exército Vermelho e os exércitos brancos. Em Março
de 1920 dá-se uma mudança radical no panorama da Guerra Civil.
Este período é marcado por um decréscimo abrupto das ações das
tropas do lado da Entente, diretamente relacionado com o término da
Primeira Guerra Mundial e com a retirada do maior contingente das
forças estrangeiras do território russo. Após isto, as operações de
combate decorrem quase exclusivamente com russos. As operações
de combate, nesta altura, estendem-se por toda a Rússia.
Inicialmente, o avanço dos brancos obtém sucesso, mas depois a
iniciativa é tomada pelos vermelhos, que tinham sob seu controle o
principal território do país.
De Março de 1920 até Outubro de 1922, desenrola-se a terceira
etapa, na qual a maior parte do combate ocorre no limiar do país e já
não representa uma ameaça imediata à autoridade dos bolcheviques.
Após a evacuação, em Outubro de 1922, do contingente Zemskaya
Rat’ extremo-oriental do General Diterikhs, a luta perpetuou-se
graças somente às Forças Armadas Voluntárias da Sibéria do
General-Tenente A.N. Pepelyaev, que combateu na região de
Yakutsk até Junho de 1923 e ao esquadrão de cossacos do Sargento
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Aleksandr Dugin
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Bologov, que tinha permanecido abaixo de Nikolsk-Ussuriisk. A
autoridade soviética acabou por se estabelecer em Kamchatka e em
Chukchi em 1923. É significativo que todas as ações militares
tenham decorrido de acordo com o esquema do centro vermelho
(Heartland) contra a periferia branca afeta às fronteiras marítimas e
que os resquícios das tropas brancas derrotadas tenham abandonado
a Rússia pelo mar.
O desfecho da Guerra Civil foi a tomada do poder pelos
bolcheviques sobre a maior parte do território do anterior Império
Russo e o reconhecimento da independência da Polónia, da Lituânia,
da Letônia, da Estônia e da Finlândia bem como o estabelecimento
dos territórios controlados das Repúblicas Soviéticas da Rússia, da
Ucrânia, da Bielorrússia e dos territórios do Cáucaso após a
assinatura do acordo de 30 de Dezembro de 1922 para a criação da
URSS. No que diz respeito à Ucrânia, à Bielorrússia e ao Sul do
Cáucaso as previsões de Savitskii concretizaram-se: os bolcheviques
não deram a independência a estes territórios, incluíram-nos na
composição do Estado soviético.
É revelador que os vermelhos na sua política para o Cáucaso
tenham contado com o apoio da Turquia de Kemal Atatürk,
empregando neste caso precisamente uma geopolítica continental.
Ocupou um papel de relevo nesta aproximação à Turquia e na
reorganização do balanço estratégico das potências do Cáucaso um
eminente militar e diplomata, o General S.I. Aralov21, fundador do
GRU, que mudou para o lado bolchevique.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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Aleksandr Dugin
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seriam instrumentais no controle e na limitação de eventuais relações
russo-germânicas.
O mundo de Versalhes era o mundo da talassocracia vitoriosa, um
grandioso sucesso político e militar da civilização do Mar. Há que
realçar que na conferência de Versalhes a delegação americana sob o
comando do presidente Woodrow Wilson expressou pela primeira
vez a nova estratégia internacional dos EUA, na qual se estabelece
que o mundo como um todo se transformara agora numa zona de
interesse americana na qual, essencialmente, se assegurava a sua
substituição da Inglaterra como bastião da potência marítima. Ou
seja, as ideias do Almirante Mahan encontram-se na base do
percurso estratégico dos EUA, o qual seguirão durante todo o século
XX e ao qual permanecem fiéis ainda hoje. A Doutrina Wilson
apelava ao fim do isolacionismo americano e à não interferência nos
assuntos dos Estados europeus, em direção a uma política ativa à
escala global sobe a égide da civilização marítima. Iniciou-se aqui a
transferência gradual do centro de gravidade da Grã-Bretanha para
os EUA.
Este pode ser considerado como o ponto de viragem no percurso
geopolítico da América do Norte: doravante os EUA mantêm-se
firmes na via para uma talassocracia consistente e ativa e
vislumbram a sua estrutura social (a democracia burguesa, a
sociedade de mercado e a ideologia liberal) como um conjunto
universal de valores globais, como a ideologia e o fundamento para
uma hegemonia planetária. No período entre o Tratado de Versalhes
e o início da Segunda Guerra Mundial a migração deste centro da
Inglaterra para os EUA será o principal processo geopolítico,
ocorrendo no contexto da civilização do Mar.
Precisamente em Versalhes, tendo por base o grupo de
especialistas e grandes banqueiros advindos dos EUA, é fundado o
“Council on Foreign Relations” (CFR) sob a liderança do
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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geopolitólogo Isaiah Bowman, destinado a tornar-se na maior
autoridade no que diz respeito à formação da política externa
americana à escala global de cariz talassocrático. O estabelecimento
de uma escola americana de geopolítica inicia-se precisamente com
este momento crucial. Ao mesmo tempo, Halford Mackinder, que
fazia parte da delegação britânica presente na conclusão do Tratado
de Versalhes, começa também a cooperar com o CFR. Mais tarde
Mackinder publicará os seus trabalhos sobre política na influente
revista “Foreign Affairs”, editada pelo CFR. Lançam-se assim as
fundações para um atlantismo geopolítico, na base do qual se
encontra a união estratégica dos dois grandes Estados anglo-
saxônicos, a Inglaterra e os EUA. E embora os EUA tenham
ocupado o papel de subordinados durante a fase de Versalhes,
gradualmente o balanço do poder irá virar em seu favor e são
precisamente os EUA quem emergirá gradualmente na liderança,
ocupando a função de baluarte de toda a civilização marítima, núcleo
da potência do mar e do império oceânico talassocrático global.
Em Versalhes nasce também a História da geopolítica alemã,
ligada ao nome e à escola de Karl Haushofer. Haushofer providencia
uma análise dos resultados do Tratado de Versalhes no espírito da
metodologia de Mackinder, mas tendo por base o posicionamento
alemão, que tinha sofrido a derrota. Assim, obtém uma descrição
geopolítica daquele modelo que, teoricamente, levaria a Alemanha a
um futuro renascimento e a ultrapassar as pesadas condições de
Versalhes. Para tal Haushofer apresenta o conceito do “bloco
continental”22, representando este uma aliança de Estados terrestres,
continentais e telurocráticos: a Alemanha, a Rússia e o Japão. Deste
modo é desenvolvido um sistema e uma estrutura de geopolítica
continental, representando uma reação consistente e de grande escala
à estratégia dos atlantistas e aos geopolitólogos da escola
talassocrática.
O trauma causado por Versalhes na sociedade alemã será
posteriormente explorado com grande sucesso pelos nacional-
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Aleksandr Dugin
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socialistas (com os quais até o próprio Haushofer colaborou
inicialmente) e, por fim, será precisamente o plano para a
suplantação das limitações de Versalhes um dos fatores mais
importantes para a obtenção da sua vitória nas eleições para o
Reichstag (Parlamento) em 1933. No círculo da emigração causada
por Versalhes é constituído o movimento eurasiático, em cujo seio
surgiram as fundações da geopolítica (eurasiana) russa [Russkii]23.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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Heartland. Dum ponto de vista sociológico, esta unificação decorreu
sob slogans “espartanos” e anti-burgueses, tendo por base um novo
sistema de valores. Esta via começou gradualmente a divergir da
ortodoxia marxista, que conjecturava a implementação da revolução
proletária, primeiro, em países industrialmente desenvolvidos e não
numa Rússia agrária (o próprio Marx tinha excluído categoricamente
essa possibilidade) e, em segundo, de imediato ou com muito pouco
tempo de diferença numa série de governos, mas em mais do que um
país. Lenin e Trotsky, os principais intervenientes da Revolução de
Outubro e da subsequente retenção do poder pelos bolcheviques,
achavam que a revolução poderia e deveria ser implementada num
único país, na Rússia, o que por si só implicava um certo desvio do
marxismo clássico; mas interpretavam-no como sendo uma
peculiaridade histórica temporária, após a qual se seguiria uma série
de revoluções proletárias em países diferentes – primeiro na
Alemanha mas também na Inglaterra, na França e por aí fora. Ou
seja, falava-se de um momento de transição, da implementação da
revolução proletária num só país como sendo o primeiro passo em
toda uma série de revoluções noutros países e no início de um
processo planetário da revolução mundial universal. Razão pela qual
os bolcheviques encararam de modo tão despreocupado as condições
dos alemães: era importante fortalecerem a sua posição e aguardar o
início da revolução nos Estados europeus, que consideravam ser algo
certo e não muito distante. Assim, Trotsky levava a cabo a agitação
marxista, estando inclusive em Brest quando da conclusão do tratado
de paz com a Alemanha.
O próprio Stalin, em Maio de 1924, escrevia na sua brochura
“Sobre os Fundamentos do Leninismo”: “derrubar o governo da
burguesia e instalar o governo do proletariado num só país não
assegura ainda a plena vitória do socialismo. A principal tarefa do
socialismo, a organização da produtividade socialista, ainda se
encontra pela frente. Conseguiremos levar a cabo esta tarefa,
conseguiremos alcançar a vitória suprema do socialismo num só país
sem os esforços combinados do proletariado de uns quantos países
desenvolvidos? Não, não é possível. Para a suprema vitória do
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Aleksandr Dugin
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socialismo, para a organização da produtividade socialista, os
esforços de um único país, principalmente um país rústico como a
Rússia, não são ainda suficientes; para que tal ocorra são necessários
os esforços do proletariado de alguns países desenvolvidos.24”
Trotsky subsequentemente continuou a raciocinar com este mesmo
espírito.
Mas tudo muda no final de 1924, quando se notam as primeiras
contradições entre Trotsky e Stalin. Aqui Stalin nega por completo as
suas palavras, proferidas bem recentemente, e apresenta uma tese
completamente contraditória. Em Dezembro de 1924 numa das suas
primeiras obras, dedicada à crítica do “trotskismo”, “A Revolução de
Outubro e as Táticas dos Comunistas Russos [Russkii]”25, defende
que “o socialismo pode ser erguido num só país”. A partir daqui
começa a acusar de capitulação e derrotismo todos aqueles que
negavam a possibilidade da construção do socialismo na URSS na
ausência do triunfo das revoluções socialistas noutros países. A nova
atitude teórica e política para a construção do socialismo num único
país fortaleceu-se na 14ª Conferência do Partido Comunista Russo
(dos bolcheviques) em Abril de 1925. Mais tarde “a construção do
socialismo num só país” torna-se num axioma da política soviética.
A partir deste momento, a esperança da revolução proletária
noutros países recai para um plano de importância secundária,
enquanto que para o topo se movem as tarefas relativas ao
fortalecimento da URSS como uma grande potência independente
capaz, se necessário, de repelir um ataque por parte do cerco
capitalista. Tendo em conta a especificidade da situação geopolítica
da URSS no espaço do Heartland e a peculiaridade do estilo
B. Essays, Vol 6.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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“espartano” da sociedade socialista, estamos perante uma plena
telurocracia de pleno direito. A Rússia soviética da época de Stalin
representa uma nova versão do grande império eurásiano uralo-
altaico, centro da civilização enraizada na terra.
Aqui podemos levantar a seguinte questão: onde recai a
responsabilidade da convergência no período histórico soviético
quanto às suas medidas eurasiáticas que tinham por base a terra, no
conteúdo da própria ideologia comunista ou no fato histórico da
revolução do proletariado ter ocorrido na massa terrestre da Rússia
continental? Não há aqui qualquer resposta inequívoca. Trotsky,
mesmo no seu tempo da URSS mas ainda mais persistentemente
após a sua emigração, defendeu a ideia de que o estatismo de Stalin
“traía o comunismo” e recriava um novo palco para a grande
burocracia imperial de tipo czarista. Assim, Trotsky afastava o
socialismo das medidas eurasiáticas e atribuía as peculiaridades da
URSS (a qual criticava) precisamente por serem um retorno à
estratégia nacional russa [Russkii]. É característica de alguns
marxistas contemporâneos um ponto de vista diferente deste (por
exemplo, Constance Preve26), que contempla uma relação interna
entre socialismo e continentalismo (a civilização da Terra) e como
tal considera que as vitórias do socialismo precisamente na Rússia
campesina (e mais tarde noutras sociedades tradicionais e
camponesas: China, Vietname, Coreia e por aí fora) não como um
acidente mas como algo normal.
De qualquer modo, a construção da URSS depois de 1924
demonstra quão precisas e reais foram as previsões tanto de
Mackinder como de Savitskii que, partindo de dois pontos de vista
diferentes, analisaram o futuro geopolítico dos bolcheviques: a
URSS tornou-se numa grande expressão do Heartland e o seu
confronto com o mundo capitalista foi uma manifestação, ou talvez
até o pico, da fase da “grande guerra dos continentes”, a batalha
entre o Behemoth terrestre e o Leviatã marítimo (na terminologia de
Carl Schmitt). A política da construção do socialismo num só país e
o crescimento do patriotismo soviético foram essencialmente o
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Aleksandr Dugin
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estágio seguinte da soberania continental da construção do império.
Não é por acaso que testemunhamos nos anos 30, quando Stalin
fortaleceu a sua autoridade, uma distinta expressão de tendências
precisamente monárquicas, que constituem a peculiaridade do Leste
russo [Russkii], da ideologia moscovita e o eixo motor da construção
de um império russo [Russkii]. Stalin transforma-se, para efeitos
práticos, num “czar russo [Russkii]”, comparável a Pedro, o Grande
ou a Ivan, o Terrível. Nessa sua nova fase histórica a URSS
permanece e desenvolve a uma escala nunca vista os processos
geopolíticos de uma civilização terrestre, criando o Estado da
Grande Turan. A substância grã-continental eurasiática oculta-se sob
formas socialistas.
A transferência pelos bolcheviques, a 12 de Março de 1918, da
capital da Rússia de São Petersburgo para Moscou foi simbólica. E
embora esta medida tenha sido ditada por considerações de caráter
prático e pragmático, a nível do paralelismo histórico, tal significou
uma substancial viragem tendo em vista o Leste russo, atentando aos
cânones moscovitas da geopolítica da terra. A URSS foi uma nova
versão do czarismo russo [Russkii] de inspiração terrestre e Stalin foi
o “Czar Vermelho”. O conceito de Terceira Roma da Idade Medieval
foi paradoxalmente transformado no ideal de Moscou como capital
da Terceira Internacional. A Terceira Internacional, como rede de
partidos e movimentos comunistas orientados em redor da Rússia
soviética, tornaram-se, correspondentemente, num instrumento
geopolítico para a propagação mundial da influência telurocrática da
Rússia [Russkii]. Do ponto de vista ideológico, tratava-se de uma
rede planetária, internacional, territorialmente desapegada. Mas do
ponto de vista estratégico, a Terceira Internacional cumpriu a função
de instrumento geopolítico para a expansão da zona de influência
política do Heartland. O messianismo ortodoxo do século XVI
refletiu-se de modo fantástico no “messianismo” comunista
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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bolchevique da revolução global tendo o seu centro em Moscovo, a
capital da Terceira Internacional.
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Aleksandr Dugin
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anti-inglesa ), do ponto de vista da análise geopolítica e no fato de
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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voo de Rudolf Hess, aluno de Haushofer, para a Inglaterra no início
do conflito militar anglo-alemão foi uma tentativa para a construção
de uma aliança da Alemanha com a Inglaterra no aquecimento do
inevitável conflito com a URSS.
3. Uma aliança entre os Estados burgueses democráticos
talassocráticos com a URSS continental eursiática contra o
continentalismo europeu da Alemanha. Seria a repetição do
alinhamento de forças nas vésperas da Primeira Guerra Mundial e
uma segunda versão da Entente. Hoje sabemos que foi este o cenário
que, de fato, ocorreu, principalmente graças à aventura suicida de
Hitler, uma guerra em duas frentes tanto contra o Ocidente como
contra o Leste. Neste caso, numa análise final, os vencedores seriam
exclusivamente o Ocidente, dado que o conflito entre dois Estados
continentais, um contra o outro, (como ocorreu também quando da
invasão de Napoleão) significou o seu mútuo enfraquecimento.
Assim, durante a Segunda Guerra Mundial enfrentaram-se três
potências geopolíticas e três ideologias. O Heartland encontrava-se
representado pela Rússia soviética, Stalin e o socialismo (marxismo).
A potência marítima pela coligação entre a Inglaterra, os EUA e a
França unidos sob uma ideologia liberal democrática burguesa. A
Europa continental (a Europa Média) encontrava-se representada
pelas forças dos países do Eixo (o Terceiro Reich, a Itália fascista e
os seus satélites) e pela ideologia da “Terceira Via” (nacional-
socialismo, fascismo, o tradicionalismo samurai japonês).
Irreconciliáveis e não partilhando qualquer paradigma ou quaisquer
pontos de interseção ideológica, os polos – a URSS e os países do
Ocidente capitalista, representando respectivamente a Terra e o Mar
– formaram uma barricada contra a Europa Central e o nacional-
socialismo. Tamanho alinhamento de forças contradiz por completo
o contexto e as regulações da objetividade geopolítica.
Consequentemente, representou uma poderosa interferência dos
fatores subjetivos: o aventureirismo pessoal de Hitler e o eficaz
desempenho dos agentes anti-alemães na URSS e dos agentes anti-
soviéticos na Alemanha.
A crônica da Grande Guerra Patriótica, iniciada a 22 de Junho de
43
Aleksandr Dugin
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1941 e terminada a 9 de Maio de 1945 é conhecida por todos os
russos.
A primeira etapa da guerra (repetindo a história da invasão de
Napoleão) é a blitzkrieg relativamente bem sucedida levada a cabo
pelas tropas alemãs, chegando as divisões alemãs a Moscou em
Novembro de 1941. A um de Dezembro as tropas alemãs
conquistaram a Lituânia, a Letônia, a Bielorrússia, a Moldávia, a
Estônia, uma parte considerável da República Federativa Socialista
Soviética Russa e a Ucrânia, tendo avançado uns profundos 850 a
1.200km. Como resultado de uma feroz resistência, os exércitos
alemães foram travados em todas as direções no final de Novembro
e no início de Dezembro. A tentativa de ocupação de Moscou falhou.
No decorrer da campanha de Inverno de 1941-1942 foi levada a cabo
uma contra-ofensiva em Moscou. Foi removida a ameaça. As tropas
soviéticas rechaçaram o inimigo 80 a 250km para Ocidente,
completando a libertação de Moscou e da região de Tula, libertando
também muitas regiões de Kalinsky e Molensky. Na frente Sul, as
tropas soviéticas defenderam a estrategicamente relevante Crimeia.
No Outono de 1942 ocorreu uma mudança qualitativa na situação.
A 19 de Novembro de 1942 começou a contra-ofensiva das tropas
soviéticas. E desde o começo de 1943 as tropas soviéticas avançaram
resolutamente para Ocidente. Os eventos decisivos da campanha do
Verão-Outono de 1943 foram a Batalha de Kursk e a Batalha de
Dnieper. O Exército Vermelho avançou 500 a 1.300km.
Entre 28 de Novembro e 1 de Dezembro de 1943 decorre a
Conferência de Teerã, entre Stalin, Churchill e Roosevelt, na qual a
principal questão foi a abertura de uma segunda frente. Os Aliados
chegaram a acordo acerca do direcionamento fundamental da futura
ordem mundial após a provável derrota da Alemanha e dos países do
Eixo.
É revelador que nesse mesmo período Mackinder publique na
44
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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revista americana “Foreign Affairs” o seu último ensaio geopolítico,
“O Mundo Rotundo e a Conquista da Paz”28, no qual esboça nas
suas características gerais a estruturação do alinhamento geopolítico
das forças que os países talassocráticos (os EUA, a Inglaterra, a
França e por aí fora) devem rivalizar depois da vitória sobre a
Alemanha juntamente com os geopoliticamente e ideologicamente
problemáticos aliados da URSS e Stalin. Uma vez mais Mackinder,
agora em novas circunstâncias, apela a um bloqueio contra a URSS,
contendo a sua movimentação para Ocidente, e a recriação de um
“cordon sanitaire” na Europa de Leste.
O Exército Vermelho iniciou a campanha do Inverno de 1943-
1944 com um grandioso ataque ao leito esquerdo da Ucrânia [a
Ofensiva Dnieper-Cárpatos] (24 de Dezembro de 1943 – 17 de Abril
de 1944). Abril-Maio marcaram a Ofensiva da Crimeia (8 de Abril –
12 de Maio). Em Junho de 1944 os Aliados abrem uma segunda
frente, que agravou tanto ou quanto a posição militar alemã mas que
não exerceu uma influência decisiva no equilíbrio de poder e no
decurso da guerra. Na campanha de Verão-Outono de 1944 o
Exército Vermelho levou a cabo uma série de operações de grande
escala, incluindo as campanhas da Bielorrússia, de L’vosk-
Sandomirsky, Yasso Kishinevsky e os pré-Balcãs. Completou a
libertação da Bielorrússia, da Ucrânia, dos Estados do Báltico (com a
exceção de algumas regiões da Letônia) e parte da Checoslováquia;
libertou o norte de Zapolarye e as áreas do norte da Noruega. A
Roménia e a Bulgária foram obrigadas a capitular e a entrar na
guerra contra a Alemanha. No Verão de 1944 as tropas soviéticas
marchavam no território da Polônia. Um avanço ainda mais ativo por
parte do Exército Vermelho foi desencadeado somente em Janeiro de
1945 com a operação na Prússia do Leste, a operação Vistula-Oder, a
operação de Viena, a de Konigsberg e por aí fora. No decurso da
movimentação para Ocidente, as tropas soviéticas estabeleceram o
seu controle sobre o enorme espaço da Europa de Leste.
A 25 de Abril de 1945 as tropas soviéticas encontram-se pela
Mackinder H. J. The Round World and the Winning of the Peace. / Foreign Affairs. 1943.
28
No. 21.
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Aleksandr Dugin
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primeira vez com as tropas americanas, que tinham avançado pelo
Ocidente, no rio Elba. A 2 de Maio de 1945 capitulou a guarnição de
Berlim. Após a captura de Berlim, as tropas soviéticas levaram a
cabo a operação de Praga, a última operação estratégica da guerra.
Às 22:43 da hora central europeia a 8 de Maio de 1945 terminava
a guerra na Europa com a capitulação incondicional das forças
armadas da Alemanha. A 24 de Junho levou-se a cabo em Moscou a
Parada da Vitória. Na Conferência de Potsdam em Junho-Agosto de
1945 foi alcançado um acordo entre os líderes da URSS, da Grã-
Bretanha e dos EUA acerca da reorganização da Europa no pós-
guerra. No decorrer deste acordo os países do Ocidente burguês
reconheceram o direito da URSS em manter o controle sobre a
Europa do Leste a possibilidade de instalarem no poder governos
pró-soviéticos nessa região. Mais, a Prússia passou a estar sob o
controle da URSS, juntamente com a sua capital, Berlim (onde foi
estabelecida a República Democrática Alemã). Na mesma altura o
território de Berlim foi dividido em dois setores: o Leste encontrava-
se sob o controle da URSS e o Ocidente sob o controle das tropas
Aliadas, tendo sido unificado à Alemanha Ocidental (RFA –
República Federal Alemã).
Os seguintes países encontravam-se na zona de influência
prioritária: a Polônia, a Hungria, a Romênia, a Iugoslávia, a
Checoslováquia, a Bulgária, a República Democrática da Alemanha
e, inicialmente, a Albânia (que mais tarde optou pela China como
ponto de referência). Mais tarde, em 1955, estes países (com a
exceção da Iugoslávia, que optou pela independente “terceira via”)
assinaram também o Tratado da Varsóvia, o qual propunha a criação
de um bloco militar, simétrico à OTAN do bloco dos países
capitalistas. Este Tratado, como expressão militar estratégica visível
do mundo bipolar durou até 1 de Junho de 1991.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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europeu e pela ideologia da “Terceira Via”, desapareceu de vez (ou
pelo menos durante muito tempo, o que não mudou até aos dias de
hoje).
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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seguros graças às suas fronteiras marítimas, suficientemente baratas,
não exigindo grande aplicação de recursos e permitindo a sua
concentração noutros problemas estratégicos. Quando absolutamente
necessário os EUA, no caso dum conflito com a URSS, perdiam um
território na Europa de Leste, mas o seu próprio território
permanecia longe do alcance. A URSS, por outro lado, via-se
obrigada a defender as fronteiras do Pacto de Varsóvia como se
fossem suas.
Tal criou logo à partida condições desiguais para os vencedores
da Segunda Guerra Mundial, dando um poderoso predomínio
estratégico aos EUA e ao bloco da OTAN. Compreendendo isto
Stalin, e principalmente Beria, que falava acerca disto de modo mais
aberto, elaborou no início da década de 50 planos para a
“finlandização da Europa”; ou seja, a criação na Europa Central e do
Leste de um bloco de governos que seriam neutros quanto à URSS e
à OTAN. Tal permitiria uma estruturação diferente das fronteiras.
Quanto mais ampla fosse esta zona “neutra” europeia, mais
confortáveis seriam as fronteiras europeias para a Rússia. No final
dos anos 60, Jean Thiriart previu o inevitável colapso da URSS caso
a estruturação das fronteiras da Europa se mantivessem inalteráveis.
Ao mesmo tempo, ele próprio propunha outro cenário: a criação de
um “império euro-soviético de Vladivostok a Dublin”30, ou seja, a
expansão das fronteiras do bloco de Varsóvia até às costas do
Atlântico. Em qualquer dos casos, a tarefa consistia na alteração da
estruturação das fronteiras. E embora muito distanciado da partição
imediata da Europa entre os EUA e a URSS, foi precisamente este
fator geopolítico que se fez sentir de maneira catastrófica para o
bloco de Leste.
Regressando ao período do pós-guerra e à formação do Mundo de
Ialta, devemos analisar geopoliticamente a “Guerra Fria”. Dois anos
passados da vitória sobre Hitler, as relações entre os vencedores da
Segunda Guerra Mundial começaram a piorar rapidamente. Aqui a
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Aleksandr Dugin
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objetividade geopolítica fez-se sentir: a aliança entre as democracias
ocidentais talassocráticas e a telurocracia socialista soviética era tão
pouco natural tanto dum ponto de vista geopolítico como ideológico
que um conflito surgiu nessa relação logo desde o primeiro dia.
A “Guerra Fria” começou em 1947, quando o diplomata
americano George Kennan publica um texto na “Foreign Affairs”
apelando à contenção da URSS. G. Kennan, um discípulo de
Mackinder, o geopolitólogo americano N. Spykman e R. Strauss-
Hupe elaboraram um modelo para tamanha configuração das zonas
globais, que controladas pelos EUA levariam inevitavelmente e
firmemente ao domínio da América sobre a Eurásia. O
estrangulamento da URSS no espaço intra-continental da Eurásia e
as restrições e o bloqueio da influência soviética em todo o mundo
faziam parte dessa estratégia. A principal estratégia consistia em
circunscrever a zona costeira (Rimland); esta encontrava-se sob o
controlo dos EUA no espaço da Eurásia, da Europa ocidental até ao
Médio Oriente e à Ásia Central, até ao Extremo Oriente, à Índia e à
Indochina. O Japão, ocupado pelos EUA, era já um ponto fulcral da
estratégia naval americana.
A URSS reagiu a esta estratégia e, por sua vez, tentou romper o
controlo dos EUA e da OTAN sobre a zona costeira (Rimland). Os
ríspidos confrontos na altura da revolução chinesa, a qual a URSS
apoiou ativamente, da Guerra da Coreia e do Vietnam deveram-se a
isto. Mais, a URSS apoiou as tendências socialistas do mundo
islâmico, em particular o “socialismo árabe”, tendo também apoiado
os partidos comunistas pró-soviéticos da Europa Ocidental. A grande
guerra entre a civilização do Mar e a civilização da Terra também se
desenrolou noutros continentes – na África e na América Latina. Em
África em Angola, na Etiópia, na Somália e em Moçambique (afro-
comunismo); na América Latina, Cuba e os fortes movimentos
comunistas do Chile, da Argentina, do Peru, da Venezuela entre
50
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
outros.
As armas atômicas foram um fator de extrema importância na
“Guerra Fria”. A demonstração da posse por parte dos EUA de um
novo tipo de arma, largado em Hiroshima e em Nagasaki, deu-lhes,
assim pareceu, uma vantagem decisiva no futuro confronto com a
URSS. Stalin concentrou os seus esforços de modo a que a URSS
também pudesse possuir esse mesmo armamento. Nisto, os aliados
da URSS nas redes comunistas de todo o mundo desempenharam um
papel importante. O compromisso ideológico dos intervenientes de
esquerda transformou-os numa rede de agentes de influência e em
portais para a recepção de informação do interesse da civilização da
Terra. Assim, a infirmação mais relevante acerca das armas nucleares
foi obtida de um cientista americano, o físico nuclear Rutherford, por
intermédio de uma rede de agentes soviéticos. Combinado com os
avanços soviéticos, a bomba nuclear soviética foi produzida a grande
ritmo, equilibrando as possibilidades tecnológicas das duas
superpotências.
Em meados dos anos 50 a esquematização geopolítica do mundo
bipolar, como expressão planetária do mapa geopolítico inicial de
Mackinder, delineou-se nas suas características mais básicas. O
Heartland e a civilização da Terra encontravam-se representadas pela
URSS, pelos países do Pacto de Varsóvia e pelos regimes socialistas,
por vezes a distâncias bem significativas da URSS. Esta era a
superpotência soviética e a sua zona de influência. A Terra atingira o
seu máximo histórico e um escopo e uma influência a uma escala
antes impensável. A Eurásia tornou-se num império mundial,
espalhando as redes da sua influência a uma escala global.
A outra superpotência, os EUA, tornaram-se também no centro da
hegemonia global. O bloco da OTAN e dos países capitalistas de
todo o mundo alinhavam-se estreitamente com esta. Entre estas duas
potências planetárias desenrolou-se “a grande guerra dos
continentes”, constituída ideologicamente como a oposição entre o
capitalismo e o comunismo. A talassocracia identificava-se com o
modelo capitalista burguês, com a sociedade de mercado (do tipo
ateniense, cartaginês); a telurocracia, com a sociedade socialista do
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Aleksandr Dugin
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tipo espartano, romano. Todos os principais intervenientes se
encontravam distribuídos por entre estes dois polos. Aqueles que
vacilaram na escolha da sua orientação geopolítica e ideológica
abraçavam o “Movimento dos Não Alinhados”. Mas este Movimento
não representava um terceiro polo, não delineou qualquer espécie de
plataforma ideológica independente nem, para além disto, qualquer
estratégia geopolítica. Ou seja, estes países representavam a “terra de
ninguém” ou territórios neutros, nos quais os representantes dos
blocos tanto de Leste como do Ocidente operavam com igual
sucesso.
O mundo bipolar vislumbrado na Conferência de Paz de Potsdam
e fixado na Conferência de Ialta tornou-se a partir dos anos 50 no
modelo de base das relações internacionais durante algumas décadas,
até 1991; ou seja, até ao fim da URSS.
_____________________
padrões dos processos internacionais, estreitamente associados ao
contexto geopolítico; em particular V. Molotov e L. Beria, entre
outros. Ficamos com a impressão que após a morte de Stalin e o
afastamento de Beria do poder a auto-consciência geopolítica dos
líderes soviéticos decai abruptamente. Continuam a agir no quadro
do mundo bipolar, a enveredar esforços para que o polo soviético se
mantenha perante qualquer descuido dos EUA de modo a fortalecer
as tendências pró-soviéticas em várias partes do mundo. Contudo, a
política externa soviética torna-se reativa, secundária e, na maior
parte dos casos, defensiva.
É importante que durante o governo de Khrushchev e
posteriormente os seus líderes deixem de se preocupar com as
condições das fronteiras europeias. Se é certo que esta questão
preocupava Stalin e Beria, ficamos com a impressão que após estes
os líderes da URSS se esqueceram desta por completo, achando que
outras questões eram de maior relevância.
Na altura de Khrushchev deu-se a crise das Caraíbas, originada
pela revolução cubana. Em geral, esta revolução foi uma reação
simétrica ao atlantismo geopolítico dos EUA no espaço da Eurásia:
na mesma medida em que a América se esforçava por colocar as suas
bases militares o mais próximo possível do território da URSS, nas
zonas costeiras do continente eurasiático, também a Cuba de Fidel
Castro, saindo do controle dos EUA e levando a cabo uma revolução
proletária, se transformou logicamente numa base estratégica para a
presença soviética direta na proximidade dos EUA. Assim, quando a
URSS tomou a decisão acerca da colocação de mísseis nucleares em
Cuba em Outubro de 1962, tal era completamente natural,
principalmente tendo em mente a colocação por parte dos Estados
Unidos, em 1961, de mísseis “Júpiter” de médio alcance na Turquia,
ameaçando diretamente as cidades da parte ocidental da União
Soviética, podendo alcançar Moscovo e todos os principais centros
industriais.
Quando o avião espião americano U2 BBC USA no decurso de
um dos seus voos habituais sobre Cuba descobriu os mísseis P-12
soviéticos nos arredores de San Cristobal, supostamente equipados
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Aleksandr Dugin
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com ogivas nucleares, a “Guerra Fria” esteve prestes a tornar-se num
conflito nuclear entre as duas superpotências. Inicialmente o
Presidente Kennedy tomou a decisão de iniciar um bombardeamento
massivo em Cuba, mas então tornou-se aparente que os mísseis
soviéticos se encontravam armados e prontos para um ataque aos
EUA. Como resultado de negociações dramáticas, a URSS viu-se
obrigada a desmantelar os seus mísseis em troca da garantia por
parte dos EUA de que renunciariam a quaisquer intervenções na ilha.
Dum ponto de vista geopolítico, a Crise dos Mísseis de Cuba
significou a realização do pico da grande guerra dos continentes: um
ponto de tal tensão que o desfecho mais provável era o início de uma
guerra nuclear global. O rescaldo da crise nas Caraíbas consistiu no
fato de que ambas as superpotências, assustadas pela ameaça de
destruição da humanidade no decorrer do que se tinha tornado num
conflito literalmente nuclear, optaram pela via do desanuviamento da
tensão internacional.
Na sua política interna a era de Khrushchev ficou marcada pelo
abandono do culto de personalidade de Stalin e pela crítica do estilo
de liderança deste. Este fenômeno foi batizado como “o degelo”.
Nesse período começa a formar-se o movimento dissidente na
URSS, cujos representantes assumem posicionamentos pró-
ocidentais e começam a criticar o socialismo e a sociedade
“totalitária” soviética. É importante realçar que, dum ponto de vista
geopolítico, a esmagadora maioria dos dissidentes consideram a
sociedade ocidental e o capitalismo como um modelo a imitar e a
sociedade soviética como um objeto de crítica, o que nos permite
qualificá-los como portadores dos princípios atlantistas,
talassocráticos. Entre os dissidentes encontram-se algumas
personalidades patrióticas, de orientação nacional (o acadêmico I.
Shafarevich, U. Osipov, G. Shimonov e outros) mas no todo
representam a minoria.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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Na política externa, Khrushchev perde um importante aliado na
figura da China maoísta, cuja liderança reagiu de modo
extremamente desfavorável ao abandono do culto de Stalin e da sua
política. No todo, a política externa de Khrushchev repete as
principais linhas de força da política tradicional da URSS.
Após a demissão de Khrushchev do cargo de Secretário-Geral,
Leonid Il’ich Brezhnev chega ao poder durante algumas décadas. A
política deste período distingue-se pelo conservadorismo, pela
ausência de movimento. Por um lado não ocorre um regresso ao
estalinismo, mas é também abandonado o forte criticismo ao seu
culto de personalidade. É também travado o degelo de Khrushchev e
o movimento dissidente é sujeito a uma grande pressão por parte do
KGB e da psiquiatria punitiva. A nível da política externa, Brezhnev
procura esquivar-se ao confronto direto com o Ocidente.
Mas em 1965 os EUA levam a cabo a invasão militar do Vietnam
em apoio ao regime capitalista e pró-ocidental do Vietnam do Sul,
com a sua capital em Saigon. Antes disto no Vietnam do Norte, pelo
contrário, é aprovado um sistema político pró-soviético (em 1945 Ho
Chi Min proclamava a criação da independente República
Democrática do Vietnam, à qual a invasão francesa furtou a parte
Sul, separando o país em dois). A China surge ao lado dos
vietcongues (Vietnam do Norte). A URSS, também, fornece a Hanoi
um apoio digno de nota. Os EUA atiram todo o seu poderio militar
em apoio de Saigon, mas a guerra esgotante e extremamente cruel,
que dura dez anos até 1975 custando um grande número de
sacrifícios à América, termina com a vitória dos comunistas e a
unificação de todos os territórios do país sob o governo dos
vietcongues. A 30 de Abril de 1975 os comunistas erguiam a sua
bandeira no Palácio da Independência em Saigon.
Do ponto de vista geopolítico, tratou-se de uma batalha típica
entre a talassocracia e a telurocracia pelo controle da zona costeira
(Rimland). Os americanos esforçaram-se para estabelecer a sua
influência ali; as forças pró-soviéticas esforçaram-se por se libertar
dessa influência em favor da URSS continental. A falha da
intervenção americana foi uma grande vitória tática para a URSS. O
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Aleksandr Dugin
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bloco soviético emergiu deste episódio da grande guerra dos
continentes como conquistador.
A situação no Afeganistão, onde intervieram as tropas soviéticas
em 1979, teve um desfecho diferente. Nesta altura o clima interno
político da URSS tinha piorado qualitativamente: a apatia e a
indiferença trespassavam a sociedade soviética; os clichés
ideológicos do socialismo e do marxismo, repetidos um número
infindável de vezes, começavam a perder o seu significado; a
estagnação e a indiferença reinavam. Os aspectos totalitários do
sistema soviético adquiriram um caráter grotesco. A ausência de
repressões em larga escala, que tinham cessado desde a altura de
Stalin, não deram origem a um aumento da criatividade nem à
mobilização dinâmica das energias, limitaram-se a enfraquecer a
população. Uma visão estreita e a motivação consumista começaram
a prevalecer na sociedade. A esfera humanitária, a cultura,
degradaram-se abruptamente. Neste contexto, as tropas soviéticas
invadiram o Afeganistão com o intuito de auxiliar a liderança pró-
soviética de Taraki. A 27 de Abril de 1978 iniciou-se a Revolução de
Abril no Afeganistão, cujo desfecho resultou na chegada ao poder do
Partido Popular Democrático do Afeganistão. Em Setembro de 1979
ocorreu um golpe de Estado, no decorrer do qual chegou ao poder
Hafizullah Amin, inclinado para relações mais estreitas com os
EUA. As tropas soviéticas entraram em Cabul e tomaram de assalto
o palácio de Amin, destruindo-o e aos seus associados. Foi colocado
no poder o líder pró-soviético Babrak Karmal. Muito rapidamente, a
oposição ao regime de Karmal espalhou-se por todo o país, liderada
pelos representantes de vários grupos islâmicos; fundamentalistas,
principalmente. Ali, também, se fundou a “Al-Qaeda” de Osama Bin
Laden, tornando-se posteriormente muito famosa. Pela lógica da
objetividade geopolítica, uma vez que a URSS apoiava Karmal, os
líderes da CIA surgiram a apoiar os seus opositores, os islamitas. Em
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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particular o grande geopolitólogo americano Zbigniew Brzezinski,
direto sucessor das políticas talassocráticas de Mackinder e
Spykman, implementou o apoio aos Mujaheddin islâmicos do
Afeganistão, em Abril de 1980 o Congresso dos EUA autorizava
abertamente o “apoio direto e total” à oposição afegã.
Como sucedeu nas guerras da Coreia e do Vietnam, a guerra do
Afeganistão representou o confronto típico entre a telurocracia e a
talassocracia na luta pela influência sobre a zona costeira. O
território do Afeganistão não possui um acesso direto aos mares
amenos, mas é adjacente à fronteira da URSS e por essa razão
estrategicamente importante para toda a estratégia de contenção da
URSS, estratégia na qual se basearam os EUA durante toda a
“Guerra Fria”. No final do século XIX e no início do século XX, o
Afeganistão já se estava a tornar numa pedra de toque para as
relações russo-britânicos e um elemento muito importante do
“Grande Jogo”. O brilhante estrategista russo A.E. Snesarev31
escreveu acerca da importância estratégica do Afeganistão para o
Império Russo. Brezhnev, durante cujo reinado vingou
definitivamente a estabilidade e o conservadorismo na URSS, falece
em 1982, no pico da Guerra do Afeganistão, na qual as tropas
soviéticas sofrem pesadas baixas mas, no todo, mantêm o controle da
situação. É substituído pelo ex-líder do KGB, Y.V. Andropov. O seu
breve governo (falece por sua vez em 1984) não deixa grandes
marcas. Toma o seu lugar K.U. Chernenko, mas vem a falecer em
1985, não tendo tempo para designar uma política própria.
Resumindo, o período que vai da morte de Stalin até à morte de
Chernenko representa a movimentação da liderança política da
URSS no leito do modelo bipolar resultante do desfecho da Segunda
Guerra Mundial. Este período representa o confronto posicional
entre a civilização da Terra (o bloco do Leste) e a civilização do Mar
(o bloco Ocidental) numa escala global sem quaisquer precedentes,
quando a área de ação se transforma praticamente em toda a Terra.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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convidados a trabalhar no Clube de Roma cientistas soviéticos (em
particular o académico G. Gvishiani32, diretor do Instituto de
Sistemas Analíticos da Academia Russa das Ciências)33.
Na mesma altura, a visão de uma humanidade global e do projeto
para a instalação de um “governo mundial” torna-se no conceito
estratégico de organizações tão influentes quanto o americano
“Council on Foreign Relations” (CFR) e a internacional “Comissão
Trilateral”, fundada tendo por base o primeiro. Estas organizações
dedicaram-se a estabelecer relações especiais com a liderança
política soviética, propondo uma consolidação de esforços para um
maior apaziguamento e para a resolução dos problemas comuns a
toda a humanidade.
É importante prestarmos atenção à “Comissão Trilateral”. Esta
organização, fundada tendo por base o CFR sob os auspícios de D.
Rockefeller e dos eminentes cientistas políticos e geopolitólogos Z.
Brzezinski e H. Kissinger, une os representantes de três zonas
geopolíticas – a América, a Europa e o Japão, considerados os três
centros do sistema capitalista, da civilização do Mar. A tarefa desta
organização, cujas atividades se encontravam cercadas por um véu
de secretismo, consistia na coordenação dos esforços dos principais
países capitalistas para a vitória da “Guerra Fria”, para o isolamento
da URSS e dos seus aliados exercido em todas as frentes: no
Ocidente (Europa), no Oriente (Japão) e no Sul (os aliados dos EUA
e da OTAN, os regimes do Médio Oriente e da Ásia). Ao mesmo
tempo, a “Comissão Trilateral” utilizou a tática não só do confronto
direto, mas também da sedução do adversário tendo em vista o
diálogo. Assim no final dos anos 70 e início dos anos 80 foram
precisamente os representantes desta organização que incitaram o
apoio à China tendo em vista uma nova política econômica liberal,
tendo contribuído com um gigantesco investimento na economia
desse país e no apoio à sua via, apesar de ser um regime comunista.
Tal foi efetuado com o objetivo de afastar ainda mais a China da
32 A.P. Shevyakin. The Riddle of the Death of the USSR. M: Veche, 2004.
33 Fundado em 1976 como filial do Instituto Internacional dos Sistemas Analíticos
Aplicados (IIASA) sob os auspícios do Clube de Roma; a principal subdivisão do IIASA
era em Viena.
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URSS e de fortalecer a sua própria presença no Extremo Oriente em
detrimento da influência soviética. É revelador que este clube
globalista tenha sido essencialmente fundado precisamente pelo
CFR, a estrutura pioneira no rápido desenvolvimento da geopolítica
nos EUA, começando em Versalhes, e com a qual o fundador da
geopolítica, Halford Mackinder, trabalhou estreitamente nos seus
últimos anos de vida. A mera ideia de unir os três centros do mundo
capitalista num só centro coordenado já tinha sido expressa no
decorrer do labor para a fundação do CFR em Versalhes: na altura o
debate era acerca da organização de uma estrutura correspondente na
Europa, mais concretamente na Inglaterra, onde o Real Instituto de
Estudos Estratégicos (Chatam House) cumpriu esta função –
concretizado – bem como um “Instituto de Estudos do Pacífico”
(este plano não se concretizou). Portanto, os projetos para um
governo mundial no interesse da civilização do Mar começaram a
formar-se já nos anos 20, em paralelo com a nova via geopolítica de
W. Wilson e na mesma altura foram formadas as primeiras
subdivisões organizacionais, criadas para auxiliar na realização
desses projetos. Vimos uma nova vaga de iniciativas semelhantes
nos anos 70 na forma da criação da “Comissão Trilateral”.
Do ponto de vista da geopolítica, e tendo em mente o fato de se
tratar de uma profunda oposição entre a civilização da Terra e a
civilização do Mar, a aspiração a unir o sistema capitalista ao sistema
socialista (ou seja, de reconciliar a Terra com o Mar) a nível
econômico, ideológico e prático foi uma estratégia extremamente
contraditória, a qual pode ter três explicações teoricamente
possíveis:
60
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
2. Foi uma operação especial de larga escala levada a cabo pelos
grupos de influência comunista soviética nos países ocidentais com o
intuito de enfraquecer a civilização do Mar e discretamente levá-la a
reconhecer um conjunto de valores da civilização da Terra (o
socialismo, a planificação);
3. Tratou-se de um desejo sincero de dar por terminada “a grande
guerra dos continentes” e unir a Terra ao Mar numa síntese
inimaginável nunca antes vista.
61
Aleksandr Dugin
_____________________
A geopolítica da Perestroika
Até 1985 a atitude da URSS perante um delineamento conjunto
com o Ocidente era completamente cética. Só no período de Y.
Andropov é que a situação começa a mudar e, de acordo com as suas
instruções, um grupo de cientistas soviéticos e institutos acadêmicos
recebem a tarefa de cooperar ativamente com as estruturas
globalistas (o Clube de Roma, o CFR, a Comissão Trilateral, etc.).
No seu todo, os principais objetivos da política externa da URSS
permaneceu sem qualquer alteração desde o período de Stalin até ao
de Chernenko.
As mudanças na URSS começaram com a chegada de M.S.
Gorbachev ao gabinete da Secretaria-Geral do Partido Comunista da
União Soviética. Toma conta do gabinete no revés da Guerra do
Afeganistão, que se torna cada vez mais num impasse. Desde os seus
primeiros passos como secretário-geral que Gorbachev se depara
com vários problemas sérios. O veículo social, econômico, político e
ideológico começa a estagnar. A sociedade encontra-se apática. A
mundovisão marxista perdeu o seu apelo e mantém-se por mera
inércia. Uma percentagem cada vez maior da inteligentsia urbana
sente-se cada vez mais atraída pela cultura ocidental, ansiando por
padrões “ocidentais”. A periferia nacional perde o seu potencial de
modernização e em alguns locais iniciam-se os processos repressivos
de arcaização; os sentimentos nacionalistas aumentam, entre outras
coisas. A corrida às armas e a necessidade de competir
constantemente com um sistema com um crescimento tão dinâmico
como o capitalista exausta a economia. Numa extensão ainda maior,
o descontentamento nos países socialistas da Europa de Leste atinge
o seu máximo, ali o apelo pelos padrões capitalistas ocidentais sente-
se de modo cada vez mais agudo, enquanto o prestígio da URSS cai
de modo gradual. Nestas condições, exige-se de Gorbachev que
62
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
tome uma espécie de decisão definitiva acerca da estratégia futura da
URSS e de todo o bloco de Leste.
E é o que este faz; a sua estratégia consiste nisto: numa situação
difícil, adotar como fundamento de base teorias da convergência e
os pressupostos dos grupos globalistas iniciando uma aproximação
ao mundo ocidental por intermédio da implantação de concessões
unilaterais. O mais provável, Gorbachev e os seus conselheiros
esperavam ações de igual simetria por parte do Ocidente; o Ocidente
devia ter reagido a cada concessão de Gorbachev com um
movimento análogo em favor da URSS. Este algoritmo foi a pedra
basilar da política da Perestroika. Na política interna, isto significou
o abandono da ditadura ideológica marxista estreita, o alívio das
restrições no que dizia respeito às teorias filosóficas e científicas
não-marxistas, o término da pressão sobre as instituições religiosas
(principalmente a Igreja Ortodoxa Russa [Russkii]), um expandir das
interpretações permitidas acerca dos eventos da História soviética,
uma política acerca da criação de pequenas empresas (cooperativas)
e uma maior associação dos cidadãos de acordo com os seus
interesses políticos e ideológicos. Neste sentido, a Perestroika foi
uma séria de passos em direção à democracia, ao parlamentarismo,
ao mercado, ao “glasnost” e à expansão das áreas da liberdade
cívica. Esta foi uma movimentação que se afastava do modelo de
sociedade socialista e se aproximava do modelo democrata, burguês
e capitalista. Mas, inicialmente, este modelo era gradual e restringia-
se à fronteira do algoritmo social-democrata; a democratização e o
liberalismo combinavam-se com a preservação do modelo partidário
para a administração do país, uma economia estritamente vertical e
planificada e o controle, por parte do partido, das agências e serviços
especiais por detrás dos processos políticos.
Contudo, noutros países do Bloco de Leste e na periferia da
própria URSS estas transformações foram interpretadas como uma
manifestação de fraqueza e como concessões unilaterais ao
Ocidente. Tamanha conclusão foi confirmada pela decisão de
Gorbachev de retirar os contingentes militares soviéticos do
Afeganistão (1989), pela oscilação quanto a uma série de revoluções
63
Aleksandr Dugin
_____________________
democráticas que se desenrolavam pela Europa de Leste e pelas
políticas inconsistentes em relação a uma série de repúblicas aliadas:
Estônia, Lituânia, Letônia e ainda a Georgia e a Armênia, as
primeiras envolvidas no processo para a instalação de um estatismo
independente.
Neste ambiente, o Ocidente assumiu uma posição bem definida:
enquanto encorajava Gorbachev e as suas reformas louvando da
boca para fora as suas esperançosas ações, não tomou qualquer passo
verdadeiramente simétrico em favor da URSS; não foi efetuada a
mais pequena concessão para com os interesses políticos,
estratégicos e econômicos dos soviéticos. Como resultado disto, as
políticas de Gorbachev causaram que em 1991 o resultado prático
fosse o desmantelamento do gigantesco sistema soviético de
influência planetária ao mesmo tempo que o espaço deixado vazio
era rapidamente preenchido pelo outro polo, pelos EUA e pela
OTAN. E se na primeira fase da Perestroika era ainda possível
considerá-la como uma manobra especial no decorrer da “Guerra
Fria” (não muito diferente do plano para a “finlandização da Europa”
organizado por Beria; o próprio Gorbachev falava acerca da “casa
europeia”) no final dos anos 80 tornou-se claro que estávamos a lidar
com um caso de capitulação direta e unilateral.
Gorbachev concorda com a remoção das tropas soviéticas da
República Democrática Alemã, dispersa o Pacto de Varsóvia,
reconhece a legitimidade dos novos governos burgueses nos países
da Europa Oriental, move-se ao encontro das aspirações das
repúblicas soviéticas quanto à obtenção de um maior grau de
soberania e independência e para rever as condições do acordo para
a formatação da URSS sob novos termos. Gorbachev rejeita também
cada vez mais a linha social-democrata, abrindo caminho para
reformas claramente capitalo-burguesas na economia. Resumindo, as
reformas de Gorbachev reduzem-se ao reconhecimento da derrota
64
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
da URSS no seu confronto com o Ocidente e os EUA.
Duma perspectiva geopolítica, a Perestroika representa não só o
repúdio do confronto ideológico com o mundo capitalista, mas
também uma completa contradição de todo o percurso histórico da
Rússia como Eurásia, a grande formação continental, como
Heartland, a civilização da Terra. Tratou-se do enfraquecimento da
Eurásia a partir de dentro; a autodestruição voluntária de um dos
polos do sistema mundial; um polo que não tinha de modo nenhum
surgido no período soviético, mas que vinha a tomar forma durante
séculos e milênios nos leitos da lógica natural da História geopolítica
e de acordo com as linhas de força da geopolítica objetiva.
Gorbachev assumiu a posição do ocidentalismo, que levou
rapidamente ao colapso da estrutura global e a uma nova versão do
Tempo de Dificuldades. Foi adotado o atlantismo em vez do
eurasianismo; em vez da civilização da Terra e do seu conjunto de
valores sociológicos empregaram-se as normas da civilização do
Mar, sua oposta em todos os aspectos. Se compararmos o significado
geopolítico destas reformas com qualquer outro período da História
da Rússia [Russkii], não conseguimos ignorar a sensação de
estarmos lidando com algo inédito.
O Tempo de Dificuldades na História russa [Russkii] não durou
muito tempo e foi substituído por períodos de novos renascimentos
de soberania. Mesmo as dissidências mais assustadoras mantiveram
um ou outro centro integrador que, com o passar o tempo, se tornou
num novo polo centralizador para os territórios russos. Até mesmo
os ocidentalistas russos [Russkii], com inclinações para a Europa,
que adotaram os costumes e os modos europeus, fortaleceram o
poderio do Estado russo [Rossiiskii] com as suas habilidades e
tecnologia, protegendo as suas fronteiras e defendendo os interesses
nacionais. Assim, o ocidentalista Pedro e a alemã Catarina II, com
todo o seu entusiasmo pela Europa, aumentaram o território da
Rússia e angariaram para esta mais e mais vitórias militares. Até
mesmo os bolcheviques, obcecados pela ideia da revolução mundial
e tendo concordado sem problemas com os agrilhoadores termos do
mundo Brest-Litovsk iniciaram rapidamente o fortalecimento da
65
Aleksandr Dugin
_____________________
União Soviética, devolvendo ao controle de Moscou as periferias a
Sul e a Ocidente. No caso de Gorbachev trata-se de uma excepção
absoluta na História geopolítica da Rússia [Russkii]. A sua História
jamais conheceu tamanha traição, nem nos seus piores períodos. Não
só se destruiu o sistema socialista: o Heartland foi detonado por
dentro.
66
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
desapareceu, enquanto o outro permaneceu e se tornou naturalmente
na estrutura dominante de todo o sistema geopolítico global. Esta
vitória da civilização do Mar sobre a civilização da Terra representa
o verdadeiro conteúdo da globalização, a sua essência. A partir daqui
o mundo tornou-se simultaneamente tanto global como unipolar.
Duma perspectiva sociológica, a globalização representa a
disseminação planetária do modelo único da sociedade de mercado
ocidental, liberal, democrático-burguesa; a sociedade dos
mercadores. Isto é talassocracia. Ao mesmo tempo os EUA
tornaram-se no centro e no seio desta realidade democrático-
burguesa da talassocracia (doravante global). A democratização, a
ocidentalização, a americanização e o globalismo representam
essencialmente vários aspectos de um só processo de ataque total
por parte da civilização do Mar, a hegemonia do Mar. Tal resultou
daquele modelo planetário que foi a maior contenda da política
internacional no decurso do século XX. Durante o governo de
Khrushchev, a versão soviética da telurocracia sofreu uma colossal
catástrofe e as zonas territoriais de maior importância, as que
separavam o Heartland dos mares quentes, ficaram
significativamente sob o controle da potência marítima. É deste
modo que devemos analisar tanto a expansão da OTAN no Leste à
custa dos países ex-socialistas e repúblicas aliadas e o subsequente
fortalecimento da influência do Ocidente no espaço pós-soviético.
O colapso da URSS, que deixou de existir em 1991, deu por
terminado o período soviético da geopolítica russa. Este período
terminou com uma pesada derrota, sem qualquer paralelo na História
russa; nem na altura da queda na decadência mais absoluta dos
mongóis, pois mesmo essa foi compensada pela integração num
modelo político-governamental de persuasão telurocrática.
Atualmente, deparamo-nos com uma vitória impressionante por
parte dos principais inimigos de toda a telurocracia, com a
incapacitante derrota de Roma e o triunfo da nova Cartago.
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Aleksandr Dugin
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Capítulo 3
A Geopolítica da Rússia de Iéltsin e o
seu Significado Sociológico
A grande perda de Roma: a visão de G.K.
Chesterton
A desintegração da URSS significou, dum ponto de vista
geopolítico, um evento de extrema importância, afetando toda a
estruturação do mapa geopolítico global. De acordo com as suas
características geopolíticas, o confronto entre o Ocidente e o Oriente,
o campo capitalista e o campo socialista, o segundo com o seu centro
na URSS, representou o auge do profundo processo da grande guerra
dos continentes, um duelo planetário entre a civilização da Terra e a
civilização do Mar, levado ao mais alto grau de intensidade e à
escala planetária. Toda a História precedente levou ao tenso apogeu
desta batalha, que atingiu precisamente em 1991 a sua resolução
qualitativa. Nesse momento, juntamente com a morte da URSS,
concretizou-se o colapso da civilização da Terra, a queda do
baluarte da telurocracia, o Heartland recebeu um golpe mortal.
Para compreendermos o significado total deste momento
dramático da História do mundo, devemos uma vez mais recordar o
que o escritor inglês G.K. Chesterton afirmou na sua obra “O
68
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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Homem Eterno” acerca do significado da vitória de Roma na série
34
34Chesterton G.K. The Everlasting Man / Chesterton G.K. Collection of Essays. STP:
Amphora, 2008. [Edição portuguesa: O Homem Eterno, Alêtheia, 2009 – NDT].
69
Aleksandr Dugin
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Baal pisava as vinhas com pés de pedra; a voz de Tanit, O Invisível
sussurrava o amor que é mais terrível que o ódio. As vinhas
pereciam, os campos ardiam; e isto era mais real que o real, era
alegórico. O poder da indiferença, muito pior que aquilo que apodam
de crueldade, destruiu tudo aquilo que era simples, doméstico e
humano (…) O choque entre deuses e demônios, aparentemente,
terminara. Os deuses faleceram e Roma não ficou se não só com a
honra e a fria bravura do desespero.
Cartago nada temia na Terra exceto Cartago. Um espírito, muito
forte nos Estados comerciais prósperos e bem conhecido de todos
nós, estimulava-a. Trata-se do frio senso comum e da prática
sagacidade dos homens de negócio; o hábito de ter em conta a
opinião das melhores autoridades; os pontos de vista de tipo
comercial, amplo e realista. Roma só se podia fiar nisto. Tornou-se
mais claro que água que o fim estava próximo e toda a fé estranha e
fraca era depositada noutra costa. O cartaginês, simples e prático,
como devia ser, olhava os fatos de frente e via que Roma estava às
portas da morte, que tinha morrido, que o confronto tinha terminado
e que não restava qualquer esperança, e quem combateria quando
não há esperança [?]. Chegara a altura de pensar em coisas mais
importantes. A guerra custava dinheiro e, provavelmente, no abismo
das suas almas, os homens de negócios sentiam que levar a cabo a
guerra era de todo uma tolice; mais precisamente, muito caro.
Chegou, também, a época da paz; mais precisamente, da economia.
Aníbal pediu reforços; tal pareceu digno de riso, isto tornou-se
anacrônico; havia assuntos mais importantes que esse a tratar. É
verdade, algum cônsul assassinara o irmão de Aníbal e com a
irracional crueldade latina atirara o seu cadáver para o campo de
Aníbal; mas todas essas ações idióticas só confirmavam a
perplexidade e o desespero dos latinos. Nem sequer os romanos são
estúpidos ao ponto de se manterem fiéis a uma causa perdida. Assim
70
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
pensaram as mais astutas autoridades financeiras, afastando toda e
qualquer nova ansiedade e pedido importuno. Com um preconceito
ridículo, graças à confiança das comunidades mercantis de que a
estupidez é algo prático e genial, estupidamente, condenaram à fome
e à morte esse grande guerreiro com que os deuses em vão os tinham
favorecido.
Porque razão se convencem as pessoas práticas de que o mal
triunfa sempre? Que é inteligente quem é cruel, ou que até um idiota
é melhor do que uma pessoa inteligente se for suficientemente
mesquinho? Porque lhes parece que a honra é sentimental e que o
sentimentalismo é uma fraqueza? Porque eles, como toda a gente, se
guiam pelas suas crenças. Para eles, como para toda a gente, na base
de tudo encontra-se a sua opinião pessoal acerca da natureza das
coisas; da natureza do mundo no qual vivem: julgam que o medo
guia o mundo e que, como tal, no coração do mundo se encontra o
mal. Acreditam que a morte é mais forte que a vida e portanto que os
mortos valem mais que os vivos. Ficarão surpresos se vos disser que
as pessoas que conhecemos em recepções e à mesa do chá são
admiradores secretos de Moloch e de Baal. Mas são precisamente
estas pessoas espertas e práticas que vêem o mundo do mesmo modo
que Cartago o via. Aquela simplicidade rude, palpável, pela qual
Cartago caíu encontra-se dentro deles. Caiu porque os homens de
negócios são indiferentes até à insanidade perante o verdadeiro
gênio. Não acreditam na alma e acabam por deixar de acreditar na
mente. São demasiado práticos para serem bons; mais, não são
estúpidos ao ponto de acreditar num qualquer espírito e negam
aquilo que todo o soldado afirma ser o espírito do exército. Parece-
lhes que o dinheiro irá combater quando os homens já não
conseguirem. Foi precisamente o que aconteceu com os
comerciantes púnicos. A sua religião era a religião do desespero,
mesmo quando os seus negócios corriam às mil maravilhas. Como
podiam compreender aquilo porque ansiavam os romanos? A sua
religião era uma religião de poder e medo; como podiam
compreender que os homens desprezam o medo, mesmo quando são
compelidos a submeter-se ao poder? No centro da sua percepção do
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Aleksandr Dugin
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mundo encontra-se a fadiga; estão cansados também das guerras:
como podiam compreender que aqueles que não querem deixar de
travar uma batalha perdida? Por outras palavras, como podiam
compreender o Homem, após terem-se ajoelhado perante coisas
cegas durante tanto tempo: dinheiro, violência e deuses cruéis como
bestas? E eis que lhes chegam as notícias: as cinzas incendiaram-se,
amplamente; Aníbal foi esmagado; Aníbal foi derrotado; Cipião
levou a guerra a Espanha; levou-a a África. Sob os portões da
Cidade Dourada, Aníbal travou a sua última batalha perdendo-a, e
Cartago caiu, como ninguém tinha caído desde os tempos de
Satanás. Da nova cidade permaneceu apenas o nome; é certo, para
tal foi necessária outra guerra. E aqueles que cavaram essa terra
durante muitos séculos encontraram esqueletos diminutos, centenas
deles; os vestígios sagrados da pior das religiões. Cartago caiu
porque era fiel à sua filosofia e seguiu-a até ao seu término lógico,
afirmando a sua visão do mundo. Moloch tinha devorado as suas
crianças. Os deuses ressuscitaram, os demônios foram destruídos. Os
derrotados derrotaram-nos; pode mesmo dizer-se que os mortos os
derrotaram. Não compreenderemos as glórias de Roma, a sua
naturalidade, os seus poderes, caso olvidemos que no horror e na
humilhação preservou a saúde moral, a alma da Europa. Tornou-se
na cabeça de um império porque se ergueu sozinha no meio das
ruínas. Depois da vitória sobre Cartago todos sabiam ou pelo menos
pressentiam que Roma representava a humanidade mesmo quando
fora despojada desta. Caiu sobre ela uma sombra, embora ainda não
se tivesse erguido qualquer luz, e o peso das coisas descansou nos
seus ombros. Não nos cabe julgar e adivinhar de que modo ou
quando a piedade de Deus pode ter salvo Roma; mas tenho a certeza
de que tudo seria diferente se Cristo tivesse no império fenício em
vez de no império romano. Devemos estar gratos pela paciência das
Guerras Púnicas pelo fato de passados séculos o Filho de Deus veio
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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aos homens e não a uma colmeia desumana. A Europa ancestral
causou muitas das suas próprias misérias (…) mas a pior delas não
deixa de ser melhor do que aquilo da qual se salvou. Pode um
homem normal comparar um enorme boneco de madeira, que rouba
às crianças parte do seu jantar, a um ídolo que devora crianças? Os
romanos recusaram curvar-se perante um inimigo, não perante um
rival. Não se recordaram das estradas boas nem dos negócios
ordeiros, recordaram os esgares impudentes, desdenhosos. E odiaram
o espírito de ódio que governava Cartago (…) Se passados tantos
séculos estamos de algum modo em paz com a antiguidade, devemos
pelo menos lembrar-nos às vezes daquilo em que se poderia ter
tornado. Graças a Roma, o fardo é-nos leve; e uma ninfa na
montanha ou um cúpido num qualquer postal não nos repulsam. O
riso e o sofrimento unem-nos aos ancestrais; não temos vergonha de
os recordar, e é com ternura que vislumbramos o pôr-do-sol sobre a
quinta dos sabinos e ouvimos a jovial voz dos deuses domésticos,
quando Catulo regressa a casa, em Sirmio: ‘Cartago foi destruída’.”
Em 1991, ocorreu algo completamente oposto à vitória histórica
de Roma sobre Cartago. Reduzida a pó há mais de 2.000 anos, a
civilização vingou-se. Desta vez caiu Roma (a Terceira Roma) e
Cartago venceu. Reverteu-se o curso da História mundial. Todas
aquelas palavras cruéis que Chesterton dirigiu contra Cartago são
perfeitamente aplicáveis àqueles que venceram a “Guerra Fria”. A
civilização mercantil prevaleceu sobre a civilização heróica, asceta
e espartana. O pútrido espírito da plutocracia mostrou ser mais forte
do que os perplexos e confusos “romanos” do socialismo, que
tinham baixado a guarda. É importante que Chesterton relacione a
vitória de Roma sobre Cartago a um evento tão singular para a
cristandade como o nascimento de Cristo no Império Romano, no
contexto da civilização da Terra. Por esta lógica, no contexto da
civilização do Mar só teria nascido o anti-Cristo.
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Aleksandr Dugin
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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com quaisquer potências, inclusive aquelas consideradas como seus
“inimigos de classe”. O ódio para com a URSS e Stalin tornou-se na
principal característica do trotskismo e levou a que muitos dos seus
representantes se alinhassem com o campo liberal e se unissem às
fileiras do atlantismo mais consistente e radical35. Ao mesmo tempo,
foram precisamente estes grupos que mais contribuíram, a partir dos
anos 70, para o desmantelamento da esquerda internacional e, acima
de tudo, do movimento comunista da URSS.
Como consequência destes processos, a rede de influência da
URSS sobre países localizados fora do controle direto soviético foi
minada, enfraquecida e parcialmente afastada do controle
coordenador de Moscou.
Noutras instâncias o mesmo efeito produziu-se graças às políticas
inflexíveis da URSS em relação à várias forças ideológicas dos
países do Terceiro Mundo (em particular na África e nos países
muçulmanos) onde existia uma real oposição à influência americana
e ocidental, mas nos quais não existiam as condições prévias para a
existência de um movimento socialista histórico de pleno direito.
Uma dessas instâncias foi claramente o Afeganistão, onde a URSS
apostou somente nos comunistas, ignorando os numerosos grupos
nacionais e religiosos que sob outras condições teriam sido aliados
da URSS na sua rejeição do americanismo e do capitalismo liberal.
Assim, no final dos anos 90, a zona de influência externa soviética
no mundo começou, gradualmente, a estilhaçar-se.
Duma perspectiva geopolítica, tratou-se da debilitação da
estrutura de influência global do Heartland, que na época da
“Guerra Fria” conseguiu transferir a sua luta com a civilização do
Mar para a periferia do continente eurasiano, ou para lá das suas
fronteiras.
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Aleksandr Dugin
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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apresentaram os acontecimentos na Europa Oriental como a “vitória
da democracia”, paralisando na própria URSS a vontade de auto-
preservação e a racionalidade saudável: a nossa derrota óbvia foi
retratada como a “vitória do progresso”. Em tal situação, a culpa da
qual fica quer com Gorbatchev pessoalmente e também com o seu
círculo, todas as pré-condições amadureceram para a fase final nesta
série de desastres, a dissolução da própria URSS.
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Aleksandr Dugin
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soviéticos de alto-escalão - o vice-presidente da URSS, G. I.
Yanayev, o ministro da defesa, D. T. Yazov, o presidente do KGB da
URSS, B. K. Pugo, o Primeiro-Ministro da URSS, V. S. Pavlov, e
outros-perpetraram uma tomada do poder para evitar a dissolução
da URSS. Este evento entrou na história com o nome “O Golpe de
1991”. Gorbatchev foi colocado sob prisão domiciliar na sua dacha
na Crimeia, em Foros, onde estava de férias. A liderança da RSFSR
foi bloqueada no Parlamento (a “Casa Branca”). De um ponto de
vista geopolítico, o grupo que tinha levado a cabo o golpe estava a
agir segundo os interesses do Heartland e tentando não permitir o
colapso da URSS, que estava a tornar-se inevitável com a
continuação das políticas de Gorbatchev e do seu círculo, e também
de Yeltsin, em disputa com ele. Gorbatchev não envidou nenhum
esforço efetivo para preservar a URSS, e Yeltsin retirou todos os
obstáculos para conseguir a sua saciedade da plenitude do poder no
país, mesmo ao custo da sua completa fragmentação. Por outras
palavras, as ações dos conspiradores foram garantidas
geopoliticamente e justificadas politicamente. A observação de uma
série de catástrofes da ideologia soviética, do governo e do sistema
geopolítico e a ausência de quaisquer políticas efetivas de oposição
que fossem do lado do poder legal forçou-os a tomar medidas
extremas. Contudo, os burocratas de alto-escalão que tomaram o
poder tinham falta do espírito, mente e vontade para acabar aquilo
que tinham começado, vacilaram, tiveram medo de tomar medidas
abruptas, repressivas contra os seus inimigos, e perderam. Três dias
após o 19 de Agosto de 1991 tornou-se evidente que o ataque dos
conservadores que tinham tentado salvar a URSS tinha falhado.
Gorbatchev regressou a Moscou, e os conspiradores foram presos.
Mas doravante o poder de fato no país e na sua capital foi transferido
para as mãos de Yeltsin e do seu círculo, enquanto o papel de
Gorbatchev permaneceu nominal. De molde a segurar finalmente os
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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seus sucessos na luta pelo poder, restava a Yeltsin apenas uma coisa
a fazer: destronar Gorbatchev de uma vez por todas. Para isto foi
necessário dissolver a URSS.
Beloveszhskaya pushcha
Sob a influência dos seus conselheiros (G. Burbulis, S. Shakhrai,
S. Stankevich), foi o que Ieltsin fez. Em 8 de Dezembro de 1991 na
Beloveszhskaya pushcha foi assinado um acordo relativo à criação
de uma Comunidade de Estados Independentes pelos chefes da
Federação Russa (RSFSR), da República da Bielorússia e da
Ucrânia, que significava o fim da existência da URSS enquanto
governo unificado. Assim caiu no chão outra zona geopolítica,
construída durante o correr de muitos séculos de história russa ao
redor do núcleo do Heartland.
Este evento continuou a série de eventos prévios e significou uma
radical “catástrofe geopolítica” (esta expressão para as
características dos eventos de 1991 foi usada por V. V. Putin). Sem
quaisquer esforços e sem qualquer compensação geopolítica, o
governo soviético foi doravante dividido em 17 governos
independentes, não tendo a partir de agora nenhuma liderança supra-
nacional. Assim um governo que tinha suportado tantos choques
sérios – do jugo do Tempo das Dificuldades até à Revolução de 1917
e a Guerra Civil – terminou a sua existência. Se anteriormente a
Rússia também tinha sofrido perdas territoriais, comparáveis àquelas
que ocorreram em 1991, elas foram compensadas com aquisições
noutras áreas ou duraram pouco tempo. A partir de Gorbatchev e
Yeltsin podemos fixar uma fase histórica absolutamente nova,
quando a liderança da Rússia não aumenta o seu território ou as suas
zonas de influência, mas reduze-as; o que é mais, radicalmente,
numa larga escala, e irreversivelmente. Cada Czar ou Secretário-
Geral aumentou o espaço da influência do Heartland. O primeiro que
se desviou desta regra foi Mikhail Gorbatchev, e Boris Yeltsin
continuou a sua política. A estrutura criada da CEI representou um
instrumento de “divórcio civilizacional” e não transportava em si
nem uma centelha de liderança geral nem nenhum tipo de potencial
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Aleksandr Dugin
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integrador.
Só o segundo sonho de Mackinder, que tinha proposto a
separação do território da Rússia em vários governos, incluindo
aqueles que apareceram em consequência das reformas de
Gorbatchev e de Yeltsin: os países bálticos (Letônia, Lituânia,
Estônia), Bielorússia, Ucrânia, Moldávia, Armênia, Geórgia, e
Azerbeijão, não foi levado à prática. No mapa de Mackinder
figuravam também a Yugorússia e o Daguestão (que incluía todo o
Cáucaso do Norte). Mas nos seus traços gerais, o projeto
talassocrático da redistribuição da estrutura da Rússia a favor da
potência marítima foi realizada pelas mãos da liderança
“democrática” da Rússia.
É significativo que a vitória da civilização do Mar fosse desta vez
tão convincente e profunda que não fosse limitada apenas pela
tomada de novos territórios estratégicos, tirados do controle da
civilização da Terra e colocados sob o controle da civilização do Mar
(os países da OTAN). Uma ideologia “do tipo marítimo”, a
influência de Cartago, também se espalhou até à própria Rússia, a
qual aceitou inteiramente o sistema de valores dos vencedores na
“Guerra Fria”. A capitulação geopolítica foi acompanhada por uma
capitulação civilizacional e ideológica: democracia burguesa,
liberalismo, economia de mercado, parlamentarismo e a ideologia
dos direitos do homem foram proclamados os princípios dominantes
da “nova Rússia”. Cartago penetrou no Heartland. E se tomarmos em
consideração o significado profundo que Chesterton atribuiu ao
desfecho das Guerras Púnicas e que está na base das generalizações
históricas de todos os geopolitólogos, então é difícil sobreestimar a
importância de todos estes eventos geopolíticos. Neste período, um
golpe colossal foi aplicado na civilização da Terra (Roma, Esparta,
telurocracia), as consequências do qual predeterminaram a
distribuição geral dos poderes no mundo até aos nossos dias.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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O momento unipolar
O colapso da URSS e da completa estrutura geopolítica planetária
soviética significou uma mudança cardinal em todo o mapa global.
Este foi o fim do sistema de Ialta e a conclusão do mundo bi-polar.
Em tal situação, o Heartland, como núcleo da civilização da Terra,
deixou de ser um participante igual (metade) do sistema mundial e
abruptamente perdeu as suas posições. Ao invés de um mundo com
dois polos, a era de um mundo uni-polar começou. O analista e
especialista americano na esfera das relações internacionais Charles
Krauthammer escreveu na influente revista americana “Foreign
Affairs”: “Foi sugerido que o velho mundo bi-polar daria lugar a um
mundo multi-polar com o poder disperso entre novos centros no
Japão, Europa, China e Rússia. Tal sugestão provou estar errada. O
mundo após a Guerra Fria não é multi-polar. É uni-polar. O centro do
poder mundial é a super-potência incontestável, os EUA, acoplada
com os seus aliados ocidentais.37”
A nova arquitetura das relações internacionais, construída sobre o
domínio único dos EUA, substituiu a prévia bi-polaridade. Isto
significou, em primeiro lugar, que a estrutura geral do mundo bi-
polar foi preservada, mas ao mesmo tempo a retirada dele de um dos
dois polos. O campo socialista e a sua expressão estratégico-militar,
o Pacto de Varsóvia, foram desmantelados no fim dos anos de 1980;
e em 1991 a União Soviética foi desmantelada. Mas ao mesmo
tempo o campo capitalista, que se reunia ao tempo da “Guerra Fria”
em torno dos EUA, do bloco militar da OTAN e da ideologia
burguesa-capitalista (que dominava no Ocidente) foi inteiramente
preservado. Embora os líderes soviéticos na era Gorbatchev possam
ter tentado apresentar um novo sistema de relações internacionais
“respondendo aos interesses da URSS”, uma análise imparcial
mostra: o Ocidente derrotou o Oriente; os EUA, a URSS; o sistema
capitalista, o socialista; a economia de mercado, a economia
planejada.
37Krauthammer, C. The Unipolar Moment, Foreign Affairs. America and the World.
1990/1991
81
Aleksandr Dugin
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No mundo de Ialta existiam dois apoios para a arquitetura das
relações internacionais com um complicado sistema de restrições.
No novo mundo uni-polar apenas uma autoridade permaneceu: os
EUA e os seus aliados. Doravante eles atuaram ao mesmo tempo
como acusador e juíz e até como executor do castigo em todas as
questões contestadas da vida internacional. O bloco da OTAN não
foi dissolvido. Os antigos países do campo socialista da Europa
Oriental, e mais tarde também os países bálticos, foram integrados
nele a um ritmo acelerado. A OTAN alargou-se para Leste. E no
lugar do caído sistema socialista não surgiu nenhuma “terceira” coisa
(pela qual os arquitetos da perestroika tinham esperado), mas o
clássico e por vezes bastante grosseiro e brutal “bom velho”
capitalismo. Um dos polos do sistema de dois polos foi
simplesmente removido, enquanto o outro permaneceu nas suas
características gerais exatamente como tinha sido anteriormente.
82
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
círculos concêntricos, todos os outros estão distribuídos de acordo
com o seu grau de proximidade estratégica, política, econômica e
cultural com o centro. O círculo mais próximo praticamente pertence
ao centro: a Europa, os países da OTAN, e o Japão. Mais além, os
países democráticos capitalistas, desenvolvendo-se rapidamente;
num todo, aliados dos EUA, ou neutros. E por fim, numa órbita
distante, os países fracamente desenvolvidos, localizados na primeira
fase de modernização e ocidentalização, preservando traços arcaicos
definidos, com uma economia estagnada e uma democracia
rudimentar ou “não-liberal”. Tal geometria da configuração do
mundo toma forma nos anos de 1990 no lugar do sistema de Ialta.
No seu livro “The Triumph of the West”, J. M. Roberts escreveu o
seguinte sobre isto: “O sucesso da nossa civilização [Ocidental,
Americana – A.D.] não pode ser avaliado em termos morais; é uma
questão de mera efetividade histórica. Quase todos os princípios e
ideias principais que formam o mundo contemporâneo emergiram do
Ocidente. Eles estão hoje espalhados por todo o mundo, e o resto das
civilizações curvam-se diante deles. O reconhecimento de tal estado
de coisas não nos diz nada sobre se isto é bom ou mau, ou se uma
pessoa deve sentir-se deliciada ou aterrorizada por isto. Nós
afirmamos simplesmente que existe uma civilização completamente
dominante e que essa é a civilização Ocidental”38
E depois: “Eu duvido que uma categoria tão abstrata como
civilização possa ser inteligentemente combinada com tais ideias
como “bem” ou “mal”. Mas o fato permanece um fato: A civilização
Ocidental hoje forçou todas as outras civilizações a fazer-lhe tantas
concessões significativas como elas nunca fizeram previamente
diante de qualquer potência estrangeira fosse qual fosse”39 É
importante no trabalho de Roberts que ele tente separar o fato e a
sua avaliação moral. A civilização Ocidental e,
correspondentemente, a ideologia liberal burguesa e o sistema de
valores, e também o conjunto de normas sócio-políticas (democracia
38 Roberts, J. M. The Triumph of the West: The Origin, Rise, and Legacy of Western
Civilization. Boston: Little Brown, 1985.
39 Ibid.
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Aleksandr Dugin
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parlamentar, mercado livre, direitos humanos, a separação de
poderes, a independência dos media, etc.) derrotou todas as
alternativas civilizacionais a uma escala planetária. Tal como de dois
polos geopolíticos apenas permaneceu um, com a modificação do
modelo de oposição em torno da simetria Oeste-Leste para o modelo
de Centro-Periferia, na esfera da ideologia, ao invés de dois sistemas
paradigmáticos e sócio-políticos competindo sobreviveu apenas um,
que adquiriu um âmbito global. No que respeita à ideologia, isto
pode ser formulado assim: a democracia liberal (o núcleo
paradigmático) e tudo o resto (a periferia paradigmática).
40Drury Shadia B. Leo Strauss and the American Right. London: Palgrave Macmillan,
1999.
84
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
dominante sobre o mundo. Isto é chamado “hegemonia global”, a
qual os próprios neo-conservadores propuseram chamar uma
“hegemonia benevolente”.41
Os neo-conservadores tornaram-se numa força influente na vida
política americana nos anos de 1980, e o pico da sua influência nas
políticas americana e internacional foi a eleição do George Bush
mais novo como Presidente dos EUA em 2000. Os neo-
conservadores interpretaram o momento uni-polar em termos de
“império”. Do seu ponto de vista, os EUA procederam
sistematicamente no decurso da sua história em direção à hegemonia
global, e quando o último competidor global (a URSS e com ela o
campo socialista) caiu, eles alcançaram o objetivo que estava
programado desde o princípio e receberam nas suas mãos as rédeas
do governo do mundo. Em Agosto de 1996, os neo-conservadores
Kristol e Kagan publicaram na revista “Foreign Affairs” um artigo,
no qual foi dito que: “Hoje, quando é possível, que o império do mal
já tenha sido derrotado, a América deve lutar para levar a cabo a
melhor liderança americana, uma vez que anteriormente a América
não teve esta hipótese de ouro para espalhar a democracia e o
mercado livre para além das suas fronteiras. Assim, o objetivo
correspondente dos Estados Unidos deve ser a defesa da sua
superioridade com todas as forças e durante o mais longo período
possível”42.
Um dos teóricos do neo-conservadorismo, Laurence Vance,
escreveu sobre isto: “Nada, contudo, se compara com o império
global americano. O que torna a hegemonia americana única é que o
seu poder não consiste em controlar vastas áreas continentais ou
centros de concentração de habitantes, mas numa presença global,
em oposição a qualquer outro império na história. O império global
americano é um império do qual Alexandre, o Grande, César
Augusto, Genghis Khan, Sulimão, o Grande, Justiniano e o Rei Jorge
41 Dorrien G. Benevolent Global Hegemony: William Kristol and the Politics of American
Empire. www.logosjournal.com [electronic resource]. URL:
http://www.logosjournal.com/dorrien.htm (acessado em 03/11/2011).
42 Kristol William, Kagan Robert. The Tepid Consensus// Foreign Affairs, July/August 1996.
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Aleksandr Dugin
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V estariam orgulhosos ”. A compreensão da nova arquitetura do
43
A Doutrina Kozyrev
O colapso súbito do sistema soviético e a penetração profunda das
tendências talassocráticas na própria Rússia exerceu uma influência
colossal na estrutura do mundo. Nos primeiros anos da
administração de Boris Yeltsin (1991-1993), todos os processos
políticos dentro da Federação Russa continuaram no espírito
talassocrático. Nesse período, na política externa, a chamada
“Doutrina Kozyrev” foi mantida, chamada pelo apelido do Ministro
dos Negócios Estrangeiros da administração Yeltsin.
“A Doutrina Kozyrev” considerava que a Unipolaridade é um fato
43 Vance Laurence M. The Burden of Empire. NY: Vance Publications, 2004.
44 Kristol William, Kagan Robert. Toward a Neo-Reaganite Foreign Policy// Foreign
Affairs, July/August 1996.
45 Drury Shadia. Leo Strauss and the American Right. Op. cit.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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consumado, que a dominação dos EUA no mundo deveria ser
reconhecida como um dado, e sob tais condições apenas uma coisa
resta à Rússia (como o Estado com mais peso em todo o espaço pós-
soviético) fazer: integrar-se no mundo ocidental-cêntrico, ocupando
nele um lugar de máxima importância e influência, até à extensão
que os recursos econômicos, estratégicos, e sociais da Federação
Russa permitam. Tal reconhecimento foi acompanhado da aprovação
moral do fim do mundo de dois polos e por uma resoluta
condenação da acima mencionada dupla-polaridade e ao mesmo
tempo de toda a ideologia, política e geopolítica do período
soviético. Kosyrev admitiu: na “Guerra Fria” o Ocidente não venceu
apenas pela força, havendo provado ser mais estável e poderoso, mas
estava também historicamente certo. E resta à Rússia apenas
reconhecer este direito do vencedor e juntar-se em solidariedade com
ele nos negócios e moralmente.
Na prática isto significou o reconhecimento da legitimidade da
visão americana do mundo e o consentimento para construir a
política externa da Rússia em correspondência com a política
estratégica geral dos EUA, adaptando-se a ela e só então perseguir
os seus próprios interesses nacionais. Kozyrev aceitou as regras do
jogo de um mundo uni-polar como adequadas e partiu daí ao
estabelecer as prioridades e objetivos da política externa da Rússia.
Em relação ao espaço pós-soviético, isto propunha a renúncia a
quaisquer esforços de Moscou para restabelecer a sua influência nos
países vizinhos, avançar para um formato de relações bi-polares com
eles e apoiar o movimento individual de países da CEI em direção à
integração gradual no Ocidente e no mundo global. Tal atitude em
relação aos EUA e ao Ocidente, que foi mantida na Rússia no
princípio dos anos de 1990, significou capitulação direta perante o
adversário e o reconhecimento do seu direito e da sua vitória
(fatualmente e moralmente). De certo modo, isto significou o
estabelecimento do controle estrangeiro do país pelos representantes
do polo que se tornou único e depois global. Na primeira
administração Yeltsin de Yegor Gaidar, na qual o reformista-
ocidentalizador Anatoly Chubais desempenhou um papel ativo, os
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Aleksandr Dugin
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reformistas econômicos foram liderados por um grupo de peritos
americanos (sob a chefia de Jeffrey Sachs46), que tinha insistido em
terapia de choque e na transferência acelerada de toda a economia da
Rússia para o carril ultra-liberal. Isto conduziu a consequências
catastróficas: empobrecimento da população, desvalorização da
economia, completo declínio da indústria, a privatização de
empresas essenciais lucrativas, e a ascensão de grupos inteiros de
novos oligarcas, que tinham tomado posições chave no país através
de meios ilegais.
De um ponto de vista geopolítico, podemos pensar neste período
como o inundar da Terra, o estabelecimento de controle direto sobre
o Heartland pela potência marítima. Este foi um tempo de sucesso
imprecedente para os atlantistas; não apenas cercaram a Rússia com
um denso anel de Estados leais à civilização do Mar, mas também
penetraram profundamente no país, tendo espalhado as suas redes na
maioria das estruturas significativas administrativas, políticas,
econômicas, mediáticas, informativas e mesmo militares
(corrompidas por oligarcas, ou diretamente infiltradas por agentes
atlantistas influentes com a aprovação favorável dos reformistas
democráticos no poder).
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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repetindo a lógica da URSS e obviamente contando numa fase
posterior declarar a sua saída da composição da Rússia, assim que
uma boa oportunidade para tal se apresentasse. Na sua batalha com
Gorbatchev e a sua tentativa para tomar e segurar o poder, Yeltsin
não só aceitou isto favoravelmente, mas também contribuiu
ativamente para este processo. A sua frase, proferida em 6 de Agosto
de 1990 em Ufa, entrou na história: “Tomem tanta soberania quanta
forem capazes de engolir”. Isto foi muito claro, e logo a partir dos
anos de 1990 as repúblicas nacionais que compunham a RSFSR,
mais tarde a Federação Russa, começaram apressadamente a
preencher a declarada soberania com conteúdo real. Essencialmente
uma tempestuosa construção de soberania nacional autônoma
começou, com todos os seus sinais característicos: uma língua
nacional própria, um programa educacional, independência
econômica, autonomia política, e por aí adiante. Algumas poucas
repúblicas prescreveram nas suas constituições normativas que, além
da soberania, continham todos os atributos de um governo
independente. Foi o caso do Tartaristão, da Bashkiria, de Komi, da
Yakutia (Sakha), da Tchetchênia, e outras. Em particular, na
constituição da República de Sakha, adotada a 27 de Abril de 1992,
esta república foi declarada “um governo soberano, democrático e
jurídico, fundado num direito popular à auto-determinação”. A
Constituição incluía todos os atributos de um governo soberano: uma
língua nacional, a introdução de uma moeda nacional, um tesouro
providenciando a sua negociabilidade, e o seu próprio exército; e
também previa requisitos de vistos para cidadãos de outras entidades
da Federação Russa. As constituições de outras poucas repúblicas
foram elaboradas no mesmo espírito.
A tendência geral a partir do fim dos anos de 1990 consistiu na
continuação do crescimento da extensão desta soberania declarada e
da insistência que o centro federal a respeitasse.
A política nacional da Federação Russa, cujos contornos foram
delineados por R. Abdulatipov,47 V. Tishkiv48 e outros, que
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Aleksandr Dugin
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justificaram a necessidade de uma transição gradual de um sistema
federal para uma confederação e mais além, para uma completa
separação de repúblicas nacionais (ou, pelo menos, algumas delas)
em governos independentes, foi elaborada neste espírito.
Assim, a última parte do plano de Mackinder, relativa ao
desmembramento da Rússia, propondo a separação do Cáucaso do
Norte (Daguestão) e da Yugorússia, tornou-se completamente realista
neste período.
Esse mesmo Mackinder chamou a Sibéria Oriental pelo termo
especial “Lenalândia” e não excluía a sua integração na zona de
influência dos EUA49. Ele também mencionou de passagem a
criação na região do Volga de alguns governos independentes. Mais
tarde, o geopolitólogo americano contemporâneo Zbigniew
Brzezinski delineou planos análogos para o desmembramento da
Rússia nos seus trabalhos, publicados na “Foreign Affairs”50. Após o
colapso dos contornos exteriores do Heartland no começo dos anos
de 1990, seguiu-se evidentemente a vez da Federação Russa. Ao
mesmo tempo, os representantes dos reformadores-democratas, no
poder nessa altura, tinham uma atitude favorável face a estes
processos no seu conjunto, conduzindo até as suas políticas
domésticas de acordo com os interesses da civilização do Mar.
49 Mackinder H. J. The Round World and the Winning of Peace. // Foreign Affairs. 1943. No
21.
50 Brzezinski Zbigniew. A Geostrategy for Eurasia. // Foreign Affairs. September/October
1997.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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textos geopolíticos (“O Continente Rússia”, “O Subconsciente da
Eurásia”, etc.) são publicados. Em 1991 no jornal “Dia”, a obra “A
Grande Guerra dos Continentes” é publicada, onde os princípios do
método geopolítico são estabelecidos em forma jornalística. A partir
de 1992, a revista teórica regular “Elementos” sai, contendo a seção
“Cadernos Geopolíticos” e publicando as obras de geopolitólogos
clássicos e comentários geopolíticos por tópicos. Assim, uma escola
geopolítica russa de pleno direito[rossiiskii] de orientação neo-
eurasiática toma forma, continuando as tradições dos eslavófilos,
eurasianistas e outros geopolitólogos russos [russkii], mas levando
em conta o significativo trabalho de base nesta esfera que foi feito ao
longo de todo o século XX, quer nas escolas anglo-saxônica e alemã,
mas também em França a partir dos anos de 1970 (a escola de Yves
Lacoste).
No mesmo período, os proeminentes geopolitólogos europeus
Jean Thiriart, Alain de Benoist, Robert Steuckers, Carlo Terracciano,
Claudio Mutti e outros visitaram a Rússia, dando palestras e
seminários e familiarizando o público da Federação Russa com os
princípios do método geopolítico e a terminologia geopolítica. A
situação histórica permite a sumarização da experiência histórica no
desenvolvimento desta disciplina e o estabelecimento das fundações
para uma escola geopolítica de pleno direito. No começo dos anos de
1990, o ensino da geopolítica começa na Academia Militar do
Estado-Maior da Federação Russa (sob a liderança do futuro
Ministro da Defesa, I. Rodionov, no departamento de Estratégia,
conduzido à época pelo Tenente-General H. P. Kolokotov51), onde o
desenvolvimento dos princípios foram também enunciados,
publicados algo mais tarde no texto educacional básico “Fundações
da Geopolítica”52
Cerca de 1993, as noções básicas de geopolítica e de
eurasianismo tornaram-se bem conhecidas para um certo círculo de
cientistas políticos, estrategistas e analistas militares, e numa data
51 Kolokotov N. P., Popov, N. G. Problems of Strategy and the Operative Art. M: The
Military Academy of the General Staff of the Armed Forces, 1993.
52 Dugin A. Foundations of Geopolitics. M: Arctogaia-centre, 2000.
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Aleksandr Dugin
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posterior a importância da análise geopolítica de acontecimentos que
se manifestam torna-se uma parte integral da interpretação do
momento histórico no qual a Rússia se encontra. O caráter específico
do método geopolítico é responsável pelo fato de que esta disciplina
ao princípio teve a sua disseminação nos círculos de orientação
patriótica e em oposição ao regime vigente de Yeltsin e dos “jovens-
reformadores”, o que lhe dá um certo empenhamento político, do
qual, incidentalmente, todas as prévias gerações de geopolitólogos,
que formularam as suas visões concomitantemente com uma
participação ativa nas próprias profundezas dos processos históricos,
nunca saíram e nunca tentaram sair.
Assim, os neo-eurasianistas, reuniram-se em torno da revista
“Elementos” e do jornal “Dia”, tornaram-se a inspiração ideológica
para a unificação de forças opostas de direitistas, esquerdistas, e
nacionalistas contra Yeltsin e o seu círculo ultra-liberal e atlantista
com base em critérios geopolíticos precisos.
92
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
Khakamada, A. Kosyrev, etc.) e de oligarcas (B. Berezovsky, V.
Gusinsky, etc.). Eles incentivaram Yeltsin a estabelecer relações mais
próximas com os EUA e com o Ocidente, ao ponto da execução de
geopolíticas atlantistas e de uma completa observância, de todos os
modos, das diretivas emanadas da civilização do Mar. Na política
externa, isto foi expressado pelo apoio incondicional a todos os
empreendimentos americanos (“a doutrina Kosyrev”). Na economia
na implementação de reformas ultra-liberais e do monetarismo (Y.
Gaidar, A. Chubais). Na política doméstica, na democratização,
Ocidentalização e na liquidação das instituições socialistas,
socialmente orientadas. Na questão das repúblicas nacionais, numa
atitude favorável ao reforço da sua soberania. Em todos os sentidos,
o núcleo que se tinha reunido em torno de Yeltsin e que o
incentivava a continuar o movimento nesta direção era marcado por
todo o conjunto de características do atlantismo geopolítico e era um
representante vincado da talassocracia quer na política (doméstica e
externa) como na esfera dos valores paradigmáticos. O modelo geral
de governança era oligárquico e representava os interesses de uns
poucos clãs oligárquicos influentes, que tinham discutido entre eles
pela influência sobre um “monarca democrático” de vistas curtas,
que se arruinava com bebida e mal compreendia a situação. Deste
modo, a crise de 1993 teve um foco geopolítico: do lado de Yeltsin
estavam os agentes de influência da civilização do Mar; do lado da
oposição (o Soviete Supremo) estavam os apoiantes da civilização
da Terra.
Os momentos mais dramáticos desta confrontação na política
doméstica foram os eventos de Setembro-Outubro de 1993, que
terminaram com o alvejamento do Soviete Supremo pelas unidades
militares fiéis a Yeltsin, a 4 de Outubro. Essencialmente, este foi um
breve lampejo de guerra civil, onde duas forças geopolíticas
colidiram: os apoiantes da civilização do Mar e do controle
estrangeiro (o campo de Yeltsin e dos jovens-reformistas) e os
apoiantes da civilização da Terra, da restauração da soberania da
Rússia, da preservação da sua integridade, e do regresso ao modelo
telurocrático de valores (os apoiantes do Soviete Supremo). Como é
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Aleksandr Dugin
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bem conhecido, os primeiros tiveram uma vitória sobre os segundos.
No decurso de oposição dramática e resistência feroz, as forças
armadas, controladas por Yeltsin, tomaram o edifício do Soviete
Supremo de assalto, esmagaram o poder de defesa dos seus
defensores e desmantelaram o Parlamento, prendendo todas as
figuras principais da oposição.
Os adversários de Yeltsin representavam várias tendências
políticas e ideológicas: tanto esquerdistas-comunistas como
direitistas-nacionalistas e também um número significativo de
democratas desapontados com Yeltsin. Estavam todos unidos por
uma rejeição da principal orientação política e,
correspondentemente, do Atlantismo. O jornal “Dia” tornou-se o
centro ideológico da oposição, publicado pelo publicista patriótico
Alexander Prokhanov. É revelador que de uma forma ou de outra
todas as figuras mais significativas da oposição anti-Yeltsin fossem
favoráveis ao eurasianismo em 1993: R. Khasbulatov, o presidente
do Tribunal Constitucional V. Zorkin, o Vice-Presidente A. Rutskoy,
já para não falar dos oponentes mais radicais de Yeltsin: comunistas,
nacionalistas e apoiantes da monarquia Ortodoxa.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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retórica nacional-patriótica, V. Zhirinovsky, e ao ainda mais
oposicionista líder anti-liberal do Partido Comunista da Federação
Russa, G. Zyuganov. A posição de Yeltsin e dos seus apoiantes
naquele momento era tal que teoricamente eles podiam levar a cabo
qualquer política que desejassem, incluindo acabar de vez com a
oposição, que tinha sofrido uma derrota esmagadora e perdido a
vontade de resistir, e dos seus líderes (que tinham sido presos ou
tinham desperdiçado a fé dos seus apoiantes). Apesar do fato de que
uma vez mais a oposição estava em maioria na Duma eleita, a nova
Constituição, que tinha assegurado o modelo de república
presidencial e dado ao Presidente poderes extraordinários, permitia
às autoridades governantes implementar praticamente qualquer
política sem terem de levar em conta fosse o que fosse.
Neste momento, contudo, Boris Yeltsin toma uma decisão, o
significado da qual se resume a isto, não forçar mais além o antigo
rumo, não acabar com a oposição (os seus líderes são em breve
libertados sob uma anistia) e corrigir o rumo pró-Ocidental, e ao
mesmo tempo colocar os travões na queda da própria Rússia. É
difícil dizer claramente o que levou a esta decisão. É possível que
um dos fatores fosse a poderosa influência de atores poderosos
próximos de Yeltsin (A. Korzhakov, M. Barsukov, etc.) cuja
importância cresceu no período crítico da operação militar contra o
Parlamento em Outubro de 1993 e que diferiam subjetivamente pelas
suas mundivisões vagamente patrióticas (bastante espalhadas entre
os serviços especiais russos [rossiiskii] por tradição, enraízadas na
história da URSS). De qualquer das maneiras, Yeltsin, após a sua
vitória sobre a oposição, decide corrigir as suas reformas. As
mudanças de pessoal são bastante significativas: no lugar do ultra-
liberal Ocidentalista Y. Gaidar, o pragmático “diretor vermelho” é
nomeado; no lugar do Atlantista A. Kosyrev, o “patriota” moderado e
“eurasiano” cauteloso Y. Primakov, um especialista no Oriente e
oficial de Informações Estrangeiras.
A “Doutrina Primakov”, por oposição à “Doutrina Kosyrev”,
consistia em tentar sob as condições do mundo uni-polar,
reconhecendo a sua seriedade, defender os interesses nacionais da
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Aleksandr Dugin
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Rússia dentro dos limites do possível, preservar os seus laços com
aliados tradicionais e escapulir-se de sob o controle do diktat
americano. Este foi um sério contraste em comparação com a
posição indiscutivelmente atlantista de Kosyrev.
Tudo isto, contudo, não significou que Yeltsin tivesse rejeitado o
seu antigo rumo. Este rumo continuou, e muitas figuras chave,
responsáveis pela execução da linha atlantista na Rússia,
permaneceram nos seus postos e mantiveram a sua influência; assim
como alavancas significativas de poder foram mantidas nas mãos de
oligarcas. Mas o ritmo das reformas Atlantistas abrandou
significativamente. Yeltsin começou a travar as reformas deste teor
ao invés de acelerá-las.
O momento crítico foi a campanha tchetchena.
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acelerada pelos separatistas das suas próprias forças armadas. Ao
mesmo tempo, dentro do espírito da orientação geral dos reformistas
democráticos a favor da aquisição de soberania, coisas bastante
estranhas ocorrem: em Junho de 1992 o Ministro da Defesa da
Federação Russa, Pavel Grachev, deu ordens para serem dadas aos
apoiantes de Dudayev metade de todas as armas e munições que
havia na república. Também não podemos excluir a componente de
corrupção, que estaria muito dentro do espírito dos processos
econômicos e sociais da época.
A vitória dos separatistas em Grozny conduziu ao colapso da
República Socialista Soviética Autônoma tchetchena-inguche e à
declaração de uma República da Inguchétia separada dentro da
estrutura da Rússia. Nesse período, a Tchetchênia tornou-se de fato
independente, mas de jure, era um governo não-reconhecido por
qualquer país. A república tinha os símbolos de um Estado: uma
bandeira, um brasão, e um hino; e os órgãos do poder: um
Presidente, Parlamento, e tribunais. Mesmo depois disto, quando
Dudayev deixou de pagar impostos para o orçamento geral e proibiu
a entrada de empregados dos Serviços Especiais Russos [rossiiskii]
na República, o centro federal continuou a transferir fundos
monetários do orçamento federal para a Tchetchênia. Em 1993, 11,5
bilhões de rublos foram destinados para a Tchetchênia. O petróleo
russo [rossiiskii] continuou a entrar na Tchetchênia até 1994; ao
mesmo tempo, não foi pago e foi revendido no estrangeiro. E estes
processos encaixam-se muito bem na lógica do início dos anos de
1990. A preparação para a saída da Federação Russa de uma das
Repúblicas correspondeu ao plano dos atlantistas e dos condutores
da sua influência na liderança russa [rossiiskii] e explicou o fato de
que muitos poderes políticos e canais de mídia influentes
(pertencentes aos oligarcas) com efeito fechassem os seus olhos ao
que estava acontecendo ou apoiassem o regime tchetcheno como
precedente para as outras repúblicas nacionais. Assim, a última parte
do plano de Mackinder, a fragmentação da Rússia e a criação no
Cáucaso do Norte de um Estado, independente de Moscou, começou
a ser implementada. Isto levou também a um apoio dos separatistas
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Aleksandr Dugin
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tchetchenos pelo Ocidente e por um grupo de regimes pró-
Ocidentais no mundo árabe. A partir do Verão de 1994, operações de
combate começaram entre tropas leais a Dudayev e forças do
oposicionista Soviete Provisório, que tinham tomado uma posição
pró-Rússia. Por alturas do Inverno torna-se claro que a oposição não
tem força para lidar com os separatistas, e a 1 de Dezembro a Força
Aérea Russa atacou os aeródromos de Kalinovskaya e Khankala e
deixou todos os aviões sob controle dos separatistas fora de combate.
Em 11 de Dezembro de 1994, o Presidente da Federação Russa,
Boris Yeltsin, assinou o Decreto Nº 2169 “Sobre as medidas para
Assegurar a Lei, a Ordem, e a Segurança Geral nos Territórios da
República Tchetchena”. A entrada de tropas federais começou depois
disto. Nas primeiras semanas da guerra, as tropas russas [rossiiskii]
foram capazes de ocupar as zonas nortenhas da Tchetchênia,
praticamente sem resistência. A 31 de Dezembro de 1994, o assalto a
Grozny começou. Resultou em baixas colossais para as forças
federais e não durou poucos dias, como tinha sido planejado, mas
alguns meses; só em 6 de Março de 1995 uma tropa de militantes do
Comando de Campo Tchetcheno de Shamil Basayev se retirou de
Chernorech’ye, a última região de Grozny controlada pelos
separatistas. Só então a cidade finalmente passou para o controle das
forças russas [rossiiskii].
Depois do assalto a Grozny, a tarefa principal para as tropas
russas tornou-se o estabelecimento de controle sobre as regiões
planas da república rebelde. Em Abril de 1995, as tropas ocupavam
quase todo o território plano da Tchetchênia, e os separatistas
apostaram em operações subversivas de guerrilha.
Em 14 de Junho de 1995 um grupo de combatentes tchetchenos,
em número de 195, com o Comandante de Campo Shamil Basayev à
cabeça, rumaram ao território de Stavropol Krai em caminhões e
ocuparam o hospital em Budyonnovsk, fazendo reféns. Depois do
98
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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ato terrorista em Budyonnovsk, de 19 a 22 de Junho teve lugar a
primeira ronda de conversações em Grozny entre a Federação Russa
e as partes tchetchenas, nas quais houve sucesso em alcançar um
acordo sobre uma moratória nas operações militares por um período
indefinido, o qual no seu conjunto não foi cumprido. Em 9 de
Janeiro de 1996 um contingente de 256 combatentes sob o comando
dos Comandantes de Campo Salman Raduyev, Turpal-Ali Atgeriyev
e Khunkhar-Pasha Israpilov executaram um raide na cidade de
Kizlyar, onde terroristas obliteraram um grupo de alvos militares, e
depois tomaram o hospital e a maternidade.
A 6 de Março de 1996 alguns contingentes de combatentes
atacaram Grozny, que estava controlada por tropas russas [rossiiskii],
a partir de várias direções, mas foram incapazes de tomá-la. A 21 de
Abril de 1996, tropas federais foram bem sucedidas em eliminar
Dzhokher Dudayev com um ataque com um míssil.
A 6 de Agosto de 1996 contingentes de separatistas tchetchenos
atacaram de novo Grozny. A guarnição russa [rossiiskii] não
conseguiu aguentar a cidade. Simultaneamente com o assalto a
Grozny, os separatistas também tomaram as cidades de Gudermes e
de Argun.
A 31 de Agosto de 1996, acordos de tréguas foram assinados na
cidade de Khasavyurt pelos representantes da Rússia (Alexander
Lebed, o Presidente do Conselho de Segurança) e da Ichkeria (Aslan
Maskhadov). Com base nestes acordos, as tropas russas [rossiiskii]
saíram por completo da Tchetchênia, e a determinação do estatuto da
República foi adiada até 31 de Dezembro de 2001. Essencialmente,
isto foi a capitulação de Moscou perante os separatistas. A
autoridade federal deu a ideia de que não podia resolver a situação
pela força e que foi compelida a seguir a liderança dos insurgentes.
A partir do momento em que o tratado de Khasavyurt foi
concluído até ao começo da Segunda Campanha Tchetchena em
1999, a Tchetchênia existiu pela segunda vez dentro do quadro de
um governo praticamente autônomo, não dirigido a partir de
Moscou.
É importante enfatizar que as forças liberal-democratas mais
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Aleksandr Dugin
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consistentes na própria Rússia e os media sob o seu controle
ocuparam no decurso de toda a campanha tchetchena uma posição
ambígua, muitas vezes mostrando os separatistas sob uma luz
positiva, como “combatentes da liberdade”, e as tropas federais
como “colonialistas russos”. Burocratas corruptos, certos
comandantes e clãs oligárquicos trabalharam de modo estreito com
os separatistas e a rede criminosa da diáspora tchetchena dentro da
própria Rússia para a extração das tragédias sangrentas de ganhos
materiais e financeiros. Muitas vezes isto trouxe danos irreparáveis
às operações militares. A qualquer momento podia chegar uma
ordem do centro para parar uma operação bem sucedida, quando esta
se tornasse perigosa para os guerrilheiros. Ao mesmo tempo, o
Ocidente dava apoio ativo político e social aos separatistas. Um
grupo de mercenários de países árabes, como mais tarde se tornou
claro, eram empregados regulares da CIA e do MI6 britânico53.
De um ponto de vista geopolítico, isto é inteiramente natural: a
secessão da Tchetchênia e a formação no seu território de um
governo independente de Moscou teria significado uma mudança
para o estádio final do plano atlantista para a fragmentação da Rússia
e a formação no seu território de governos novos, independentes (de
modo semelhante ao colapso da URSS). A Tchetchênia foi o teste
rigoroso para todos os outros potenciais separatistas. E o destino da
Rússia – mais precisamente, do que sobrava dela – dependia
diretamente do destino da campanha tchetchena. No fato do início da
campanha tchetchena nós vemos a vaga vontade de Yeltsin de não
permitir a desintegração da Rússia. E embora esta campanha tenha
sido muito mal conduzida, irresolutamente, e sem previsão, com
muitas mortes e em muitos casos vãs de ambos os lados, o simples
fato de que Moscou tenha resistido à desintegração da Rússia teve
100
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
um significado tremendo. Neste momento, muitos dos apoiantes de
Yeltsin do campo dos atlantistas mudaram-se para a oposição,
estando insatisfeitos por ele não estar levando a cabo o plano geral
da civilização do Mar, ou pelo menos, estar atrasando a sua
realização. Por alturas de 1996 esta oposição torna-se bastante
influente, e apenas os esforços do bem conhecido engenheiro
político S. Kurginyan, trabalhando estreitamente com B. Berezovsky
e V. Gusinsky, conduziram a que os oligarcas concluíssem um pacto
entre eles para apoio “condicional” a Yeltsin nas eleições; devido ao
seu medo diante da possível e, face àquela disposição de forças, mais
do que provável vitória do candidato do Partido Comunista da
Federação Russa, G. Zuganov. Este fenômeno é conhecido como “O
Reinado dos Sete Banqueiros”54 por analogia com o “Reinado dos
Setes Boiardos”, uma época da Turbulência [Smuta] russa [russkii]
no princípio do século XVII. Em qualquer dos casos, Yeltsin não
alinhou de modo completo com os atlantistas. Mas na véspera das
eleições presidenciais de 1996, Yeltsin faz de novo uma mudança
radical, demite dos seus postos os membros patrióticos da cúpula (A.
Korzhakov, M. Barsukov, etc.), e eleva o atlantista e ultra-liberal A.
Chubais. Como consequência desta diligência, o tratado de
Khasavyurt muito em breve estava concluído, o que tornou inúteis
todas as baixas sofridas durante os anos da Primeira Campanha
tchetchena e fez com que a situação regredisse à sua fase inicial. Os
separatistas controlavam de novo Grozny e a maior parte da
Tchetchênia, que tinham sido conquistadas pelas tropas federais com
tanto esforço e muito sangue. E doravante eles tinham todas as
razões para esperar que sob a pressão do Ocidente, Moscou seria
compelida após algum tempo a reconhecer a independência da
república rebelde. Isto teria significado o fim da Rússia.
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Aleksandr Dugin
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Os resultados geopolíticos da
administração Yeltsin
Iremos descrever brevemente os principais resultados geopolíticos
do reinado de Boris Yeltsin, o primeiro Presidente da Federação
Russa. No seu todo, eles podem ser caracterizados pela completa
queda dos interesses nacionais; o enfraquecimento significativo do
país; a entrega de posições estratégicas; adulação direta com o
estabelecimento acelerado de domínio estrangeiro sobre a Rússia; a
implementação de reformas destrutivas na economia, o resultado das
quais foi o empobrecimento da população, concomitantemente com
o aparecimento de uma nova classe de oligarcas, funcionários
corruptos e o seu pessoal de serviço social; e a destruição de toda a
infra-estrutura social da sociedade. Este período só pode ser
comparado com os ciclos mais negros da história russa [russkii]:
com o pico da fragmentação, precedendo as conquistas mongóis,
com o Tempo das Perturbações, com a ocupação de Rus por
exércitos de polacos e de suecos, com os acontecimentos do Verão-
Outono de 1917, conduzindo ao colapso completo do Império Russo
[rossiiskii], com a Guerra Civil. E tal como sempre observamos
repetidamente em circunstâncias similares, uma orientação
geopolítica para Ocidente prevaleceu, e ao mesmo tempo o
estabelecimento de um regime oligárquico, fundado sobre a
onipotência de grupos na elite política, competindo uns com os
outros. Contudo, as perdas da Rússia durante a administração de
Yeltsin, perdas territoriais (a queda da URSS), a catástrofe social e
industrial, a chegada ao poder de corruptos, elementos criminosos e
de agentes de influência dos EUA – tudo isto foi imprecedente e
inédito à escala, à reação passiva da população, e à duração. Os anos
de 1990 foram uma catástrofe geopolítica monstruosa para a
Rússia. De um polo do mundo bi-polar e da civilização da Terra, que
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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tinha espalhado a sua influência sobre metade do planeta, a Rússia
transformou-se num Estado de segunda classe, corrupto, em
desintegração, de terceira categoria, perdendo rapidamente a sua
autoridade na arena internacional e estando mesmo à beira de
desaparecer de todo.
Claro, não podemos culpar apenas Yeltsin por isto; o seu rumo foi
preparado por Gorbachev e pelas suas reformas e também por um
largo grupo de agentes de influência pró-Ocidentais, apoiantes de
reformas liberais ou simplesmente actores absolutamente
incompetentes, corruptos e ignorantes. Mas também não podemos
absolvê-lo de culpa: sem esta personalidade, vagamente consciente
do verdadeiro significado dos eventos que se tinham desenrolado em
torno dele e tendo dificilmente compreendido o que ele próprio
estava fazendo e para onde se dirigia, é duvidoso se os reformistas
poderiam ter implementado com sucesso as suas ações destrutivas,
subversivas, que infligiram ao país um golpe tão colossal.
Ao mesmo tempo, Yeltsin, depois do tiroteio do Soviete Supremo
em Outubro de 1993, não obstante fez uma certa correção na lógica
geral da sua governação; ele não começou a destruir a oposição e de
alguma forma suavizou a sua política destrutiva e suicida,
introduzindo-lhe um conjunto de características patrióticas. O fato de
que ele ter começado a campanha tchetchena e não ter aceite o
últimato de Dudayev incondicionalmente, ao que os liberais e
atlantistas no seu círculo o incitaram, já indica que ele preservou
uma visão residual do valor da integridade territorial do governo.
Nisto ele confiou na sua intuição; e temos de dar-lhe crédito que sob
tanta pressão como a que havia sobre si, ele conseguiu resistir e
deter-se à beira do abismo. E embora em 1996 ele tenha regressado
de novo ao modelo atlantista e entrado no Tratado de Khasavyurt
com os separatistas, cancelando com o gesto de uma caneta todos os
sucessos militares prévios das forças federais, no fim dos anos de
1990 ele demonstrou de novo que não pode ser inteiramente incluído
na categoria dos destruidores da Rússia. Ele nomeia como seu
sucessor Vladimir Putin, quem, começando em 2000, implementará
uma geopolítica completamente diferente. Depois de entregar o
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Aleksandr Dugin
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poder a Putin, Yeltsin confiou-lhe também o destino do seu próprio
lugar na história da Rússia. E, pode ser, que isto se tenha tornado no
seu testamento geopolítico.
Qual foi o significado de tal testamento, iremos considerar no
seguinte capítulo.
104
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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Capítulo 4
A Geopolítica dos anos 2000
O fenômeno Putin
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Aleksandr Dugin
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A geopolítica do Islã
O Islã radical recebeu um novo nascimento nos anos de 1970,
quando os serviços secretos americano e britânico começaram a usá-
lo ativamente para se opôr às tendências socialistas e pró-soviéticas
no mundo islâmico e, em particular, no Afeganistão. Assim, o bem
conhecido geopolitólogo americano Zbigniew Brzezinski instrui
pessoalmente os radicais islâmicos e, em particular, os representantes
da Al-Qaeda nos campos de treino militar dos mujaheddin anti-
soviéticos. Até certo ponto, o fundamentalismo islâmico preencheu
assim a função de um instrumento pragmático regional nas mãos
dos atlantistas.
O próprio mundo islâmico, de um ponto de vista geopolítico,
pertence principalmente à zona costeira (Rimland), o que o torna
numa zona de oposição de dois poderes: a Terra e o Mar. Nesta
“zona costeira”, duas orientações contrárias encontram-se: a
orientação para Ocidente e a orientação para Oriente. Durante a
“Guerra Fria”, os representantes do Islã liberal e os fundamentalistas
radicais (em particular, os wahhabitas e os salafistas, prevalecentes
na Arábia Saudita, um parceiro regional de confiança dos EUA no
Médio Oriente) estavam orientados para o mar. Orientados para terra
estavam os regimes ligados ao socialismo e a URSS, os países do
socialismo islâmico ou os “Baathistas” (o Partido Pan-Árabe,
lutando pela unificação de todos os governos árabes numa formação
política unificada). O Irã desde a revolução xiita de 1979 era um
caso especial, quando no lugar do Xá pró-americano chegaram os
xiitas radicais, liderados pelo Ayatollah Khomeini. A posição
iraniana era estritamente “costeira”: o slogan iraniano “nem Oeste,
nem Leste, a Revolução Iraniana” significava uma rejeição de
relações mais estreitas quer com o Oeste capitalista quer com o Leste
socialista.
106
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
Mas após o colapso da URSS e da construção geopolítica pró-
soviética global, o Islã radical resgatou a sua principal função
geopolítica das mãos dos atlantistas. Ao mesmo tempo, o movimento
ganhou um certo impulso, e os seus curadores americanos e
britânicos foram simplesmente incapazes de reduzi-lo a nada. Em
muitos casos, certos laços com o atlantismo foram preservados;
contudo, os círculos wahhabitas-salafistas gradualmente ganharam
autonomia e tornaram-se numa força independente e influente. Uma
vez que o principal inimigo, a URSS, já não existia, os
fundamentalistas islâmicos começaram gradualmente a levar a cabo
ataques locais aos seus antigos patronos, os EUA. No caso da
Tchetchênia, o wahhabismo, aí ativamente disseminado a partir do
fim dos anos de 1980 até ao fim dos anos de 1990 como uma força
independente e influente, preencheu uma função clássica, servindo
os interesses da civilização do Mar, na sua aspiração de enfraquecer
tanto quanto possível a civilização da Terra e desmembrar a Rússia.
É por isto que a aliança dos nacional-democratas de Maskhadov com
os círculos wahhabitas tinha, na análise final, um denominador
geopolítico comum: ambos objetivamente desempenhavam um papel
às mãos dos planos dos atlantistas.
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Aleksandr Dugin
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constitutiva da organização “Congresso do Povo da Ichkeria e do
Daguestão” [CPID], o líder do qual era Shamil Basayev, teve lugar.
A principal tarefa era “a libertação do Cáucaso muçulmano do jugo
imperialista russo [rossiiskii] (uma tese completamente atlantista no
seu conteúdo). Sob a égide do CPID, grupos para-militares foram
criados, incluindo “a Brigada Internacional Islâmica”, que Khattab
comandava. Os wahhabitas começaram a criar um submundo
armado no Daguestão, e por alturas de 1999 a sua influência nesta
república tornou-se criticamente alta. Em 1999 os combatentes de
Kebedov começaram a penetrar no Daguestão em pequenos grupos e
a criar bases militares e depósitos de armas em aldeotas
montanhosas, difíceis de alcançar. Depois das suas viagens ao
Daguestão, o Primeiro-Ministro da Federação Russa, S. Stepashin,
ficou tão impressionado com a influência dos wahhabitas que
permitiu a si próprio uma expressão desesperada dizendo que “a
Rússia, ao que parece, perdeu o Daguestão”.
A 7 de Agosto de 1999 subdivisões da “Brigada Internacional
Islâmica” de Basayev e Khattab, entre 400-500 combatentes,
entraram na região de Botlikhsky no Daguestão sem dificuldade e
tomaram um grupo de aldeias (Ansalta, Rakhata, Tando, Shodroda,
Godoberi) depois de anunciarem o início da operação “Imã Ghazi
Mohammed”. Com grande dificuldade, tropas federais e milícias
locais conseguem expulsá-los de algumas vilas capturadas em fins
de Agosto. Em resposta a isto, em princípios de Setembro de 1999
(4-16) aqueles mesmos círculos wahhabitas organizaram uma série
de explosões em casas residenciais em Moscou, Buynaksk e
Volgodonsk. Atos terroristas foram planejados e levados a cabo pelo
grupo para-militar ilegal “Instituto Islâmico do Cáucaso”, por
Shamil Basayev, Emir Al-Khattab, e Abu Umaron. Como resultado
destes atos terroristas, 307 pessoas morreram; mais de 1700 pessoas
foram feridas com vários graus de severidade ou sofreram de algum
108
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
modo.
Em 5 de Setembro de 1999 contingentes de combatentes
tchetchenos sob o comando de Basayev e de Khattab entraram de
novo no Daguestão. As operações receberam o nome “Imã Gamzat-
Bek”.
Isto foi o momento decisivo, crítico na história mais recente russa
[rossiiskii]. A Tchetchênia separatista, que tinha recebido espaço
para respirar depois do acordo de paz de Khasavyurt, tornou-se a
fonte de um separatismo ativo sob a bandeira wahhabita em todo o
Cáucaso do Norte e, em primeiro lugar, no Daguestão. A incerteza e
vacilação do centro federal, à cabeça do qual estava o doente sem
esperança Boris Yeltsin, agora mal compreendendo o mundo que o
rodeava, num ambiente de agentes de influência pró-Ocidentais que
bloqueavam qualquer iniciativa de soberania, agravou a situação e
permitiu aos militantes islâmicos levar a cabo ataques ousados e
conduzir ataques terroristas muito para além das fronteiras da
Tchetchênia, invadindo o território do Daguestão e rebentando casas
em cidades russas [rossiiskii] e em particular na própria cidade de
Moscou. Esta foi a linha crítica, que poderia significar o começo do
impetuoso colapso da Rússia. Pareceu que a Rússia esteve à beira de
deixar de existir como um todo geopolítico. Se os atos ousados dos
wahhabitas fossem bem sucedidos, outras regiões islâmicas, e
seguindo-as, muitas outras formações dentro da Federação Russa,
prontamente seguiriam o exemplo das repúblicas do Cáucaso do
Norte.
Neste período Yeltsin começa a reconhecer a gravidade da sua
situação e a situação da elite oligárquica corrupta e pró-Ocidental
(“os Sete”) que o rodeava. Ele procurou fervorosamente por um
sucessor, mas compreende a tempo que Sergei Stepashin, nomeado
Primeiro-Ministro da Rússia no período de Maio a Agosto de 1999,
não é capaz de lidar com a situação. E neste momento ele faz uma
escolha a favor do na altura pouco conhecido burocrata, antigo vice
do presidente da Câmara de São Petersburgo, Anatoly Sobchak, o
líder da FSB da Federação Russa, Vladimir Vladimirovich Putin. Em
Agosto de 1999, Yeltsin, inesperadamente para muitos, nomeia-o
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Aleksandr Dugin
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Primeiro-Ministro Interino e seu sucessor para o posto de Presidente
da Federação Russa. Esta escolha muda cardinalmente o subsequente
destino geopolítico da Rússia e torna-se o ponto de uma mudança
brusca em todo o seu rumo. Putin chega ao poder naquele momento
em que parecia que nada seria então capaz de parar a queda da
Rússia no abismo.
No seu posto Putin volta a sua atenção em primeiro lugar para a
Tchetchênia e para a guerra que lavra no Daguestão. Assim começa a
Segunda Campanha Tchetchena.
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Russa”, providenciando a criação de um grupo unido de tropas no
Norte do Cáucaso para levar a cabo operações de contra-terrorismo.
A 23 de Setembro as tropas russas [rossiiskii] começaram um
bombardeamento maciço de Grozny e dos seus subúrbios, e a 30 de
Setembro entraram no território da Tchetchênia. Assim começou a
Segunda Campanha tchetchena.
Nesta campanha o Kremlin baseou-se em dois princípios:
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Aleksandr Dugin
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[rossiiskii] (em 27 de Setembro Putin rejeita categoricamente a
possibilidade de um encontro entre o Presidente da Rússia e o líder
da República Tchetchena da Ichkeria, explicando: “não haverá
encontros com o fim de permitir aos militantes lamber as suas
feridas”), na ausência de qualquer influência na situação por parte
dos agentes de influência Ocidentais (cuja voz Putin não está para
ouvir), na tomada em conta das características geopolíticas, a
prontidão em opôr-se à pressão Ocidental, e no emprego habilidoso
das peculiaridades das várias orientações políticas, ideológicas e
geopolíticas dos centros internos de influência e de autoridade.
Todos estes fatores agregados concorrem para o sucesso completo
desta estratégia. As tropas russas [rossiiskii] entram na Tchetchênia
tanto a partir do Norte como do lado da Inguchétia e gradualmente
libertam um centro populacional após o outro dos militantes. Os
Comandantes de Campo irmãos Yamadaev e o Mufti da Tchtchênia
Akhmad Kadyrov entregam o muito importante centro estratégico de
Gudermes a 11 de Novembro sem luta.
A partir de 26 de Dezembro a batalha por Grozny começa, a qual
termina com a completa captura da cidade apenas em Fevereiro de
2000. Depois disto segue-se a gradual libertação dos separatistas de
todo o restante território da Tchetchênia; primeiro as planícies,
depois as regiões montanhosas. A 29 de Fevereiro de 2000 o
Primeiro Vice-Comandante do grupo unido de forças federais,
Coronel-General Gennady Troshev, anunciou o fim das operações
militares de larga escala na Tchetchênia, muito embora isto fosse
pouco mais do que um gesto simbólico: as batalhas ainda duraram
muito em muitas regiões daquela região.
A 20 de Março, nas vésperas das eleições presidenciais, Vladimir
Putin visitou a Tchetchênia, a qual estava na altura sob o controle das
forças federais. E a 20 de Abril o Primeiro Vice-Comandante do
Estado-Maior, Coronel-General Valery Manilov, anunciou o fim da
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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parte militar da operação de contra-terrorismo na Tchetchênia e a
mudança para operações especiais.
Em 9 de Maio em Grozny no estádio do “Dinâmo”, onde tinha
lugar uma parada em honra do Dia da Vitória, uma poderosa
explosão ribombou, em resultado da qual o Presidente da
Tchetchênia, Akhmad Kadyrov, morreu. Depois disto, ataques
separados dos separatistas continuaram episodicamente em vários
pontos da Tchetchênia e além das suas fronteiras.
Em 8 de Março de 2005 durante uma operação especial do FSB
na aldeia de Tolstoy-Yurt, o não-reconhecido “Presidente” da
República Tchetchena da Ichkeria, Aslan Maskhadov, foi aniquilado,
e a 10 de Junho de 2006 um dos líderes dos terroristas, Shamil
Basayev, foi morto.
A partir de 2007 após ter alcançado a idade de 30 anos o filho de
Akhmad Kadyrov, Ramzan Kadyrov, torna-se o líder da Tchetchênia,
continuando a executar a política do seu pai.
Os resultados geopolíticos da Segunda Campanha Tchetchena
foram o encerrar da forma abrupta dos processos separatistas no
Norte do Cáucaso, a preservação da integridade territorial da Rússia,
a destruição das unidades mais poderosas dos separatistas
tchetchenos e o estabelecimento do controle do governo federal
sobre todo o terrirório da Federação Russa.
Na prática este transformou-se no ponto de viragem de toda a
história mais recente da Rússia. Desde o final dos anos de 1980 até
ao começo da Segunda Campanha Tchetchena e a chegada ao poder
de Vladimir Putin, a Rússia estava a perder de modo firme as suas
posições geopolíticas, cedendo uma linha geopolítica após a outra,
até atingir o período da queda da própria Federação Russa. A
Primeira Campanha Tchetchena colocou os travões no processo, mas
não o tornou irreversível. A conclusão do acordo de paz de
Khasavyurtsky tornou nulos todos os esforços prévios e mais uma
vez tornou a morte da Rússia como um governo numa perspectiva
muito real. O ataque de Basayev e de Khattab no Daguestão e a
explosão de casas em Buynaksk, Moscou e Volgodosnk significou o
iminente e inevitável colapso do governo. Em tal situação o novo
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Aleksandr Dugin
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líder político Vladimir Putin tomou uma posição firme, direcionada
para parar a cadeia de catástrofes geopolíticas destrutivas,
ultrapassou a crise mais profunda, restabeleceu posições perdidas e
em consequência abriu uma nova página na história geopolítica da
Rússia.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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repúblicas nacionais, a transição para um sistema de nomeação dos
chefes dos sujeitos da Federação em substituição do velho modelo da
sua eleição (esta medida foi introduzida depois dos trágicos eventos
de Beslan, quando crianças da escola secundária tornaram-se reféns
dos terroristas).
3.A expulsão dos oligarcas mais odiosos, que tinham sido quase
onipotentes nos anos de 1990, para fora do país (B. Berezovsky, V.
Gusinsky, L. Nevzlin) e a perseguição criminal de outros pelos seus
crimes (M. Khodorkovsky, P. Lebedev, etc.), a nacionalização de
uma série de grandes monopólios de matérias-primas e a coação do
resto dos oligarcas, reconhecendo a legitimidade da política de
fortalecimento da soberania da Rússia, para jogar segundo as regras
do governo.
4.Um franco e por vezes imparcial diálogo com os EUA e o
Ocidente, com a condenação da prática de dois pesos e duas
medidas, da hegemonia americana e do mundo unipolar, contra o
qual foi proclamada uma orientação em direção à Multipolaridade e
à cooperação com todas as forças (em particular, com a Europa
continental) interessada em opôr-se à hegemonia americana.
5.Uma mudança na política de informação dos maiores veículos
da mídia nacionais, que tinham anteriormente transmitido o ponto de
vista dos seus oligárquicos donos, mas que doravante foram
chamadas a levar em conta os interesses do governo.
6.Uma reconsideração da atitude nihilista face à história russa,
que foi baseada na aceitação acrítica da abordagem liberal-
democrática Ocidental, com respeito e deferência em relação às
figuras e marcos mais significativos dessa história (em particular, o
estabelecimento do novo feriado, 4 de Novembro, O Dia da Unidade
Popular, em honra da libertação de Moscou da ocupação polaca-
lituana pela Segunda Milícia Popular).
7.Apoio aos processos de integração no espaço pós-soviético e a
ativação de operações russas nos países da CEI; também a formação
ou ressuscitação de estruturas integradoras, como a “Comunidade
Econômica Eurasiática”, o “Acordo Social sobre Segurança
Coletiva”, o “Espaço Econômico Comum” etc.
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Aleksandr Dugin
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8.A normalização da vida partidária às custas da proibição de
lobbying por parte de estruturas oligárquicas para os seus interesses
privados e corporativos usando partidos parlamentares.
9.A elaboração de uma política governamental consolidada na
esfera dos recursos energéticos, que transformou a Rússia num
poderoso estado energético, capaz de influenciar processos
econômicos nas regiões vizinhas da Europa e da Ásia; planos para
estabelecer gasodutos e oleodutos para Ocidente e Oriente tornaram-
se a expressão visível da geopolítica da energia da nova Rússia,
repetindo as principais linhas de força da geopolítica clássica num
novo nível.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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conjunto aos principais marcos da civilização da Terra e às
constantes da história geopolítica russa [rossiiskii]. Se o sistema de
ações de Gorbachev e de Yeltsin estava em flagrante conflito com as
principais linhas de força da geopolítica russa [russkii], então a
governação de Putin, pelo contrário, restaurou o caminho tradicional
para a Rússia, regressada à sua costumeira órbita continental,
telurocrática. Assim, em conjunto com Putin, o Heartland adquiriu
uma nova oportunidade histórica, e o processo de estabelecer um
mundo unipolar bateu num verdadeiro obstáculo. Tornou-se claro
que apesar de todo o enfraquecimento e confusão, a Rússia-Eurásia
não desapareceu finalmente do mapa geopolítico do mundo e
representa como dantes, embora numa condição reduzida, o núcleo
de uma civilização alternativa, a civilização da Terra.
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Aleksandr Dugin
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relativamente rápida dos taliban.
Putin provavelmente calculou que o Islã radical dos taliban era
uma ameaça substancial para a Rússia e os países da Ásia Central,
que se encontravam na zona de influência russa [rossiiskii], e que
uma invasão americana em tal situação seria um golpe contra
aquelas forças que causavam o desagrado da Rússia. Além do mais,
com o seu apoio ao Bush mais novo, que tinha anunciado uma
“cruzada” contra o terrorismo internacional, Putin lutou para minar o
sistema de apoio político, diplomático, de informações e econômico
que chegava aos separatistas da Tchetchênia e do Norte do Cáucaso a
partir do Ocidente; uma vez que doravante, ao apoiarem militantes
tchetchenos, os americanos estariam a atuar do lado daquelas forças
que tinham trazido sobre o seu próprio país um golpe tão doloroso.
Assim, relações mais próximas com os EUA e,
correspondentemente, com o polo atlantista tiveram para Putin um
carácter pragmático e não abrogaram a sua orientação fundamental
em direção telurocracia. Contudo, não podemos deixar de notar uma
séria contradição em tal tática: sancionando a ocupação americana
do Afeganistão, a Rússia recebeu nas suas fronteiras do Sul, ao invés
de uma força hostil (islamistas radicais), outra, e desta vez uma mais
grave. Bases militares americanas; ou seja, a presença direta dos
principais opositores estratégicos da Rússia no mapa geopolítico do
mundo. Se a Rússia lutava para construir um sistema alternativo
multi-polar contra o mundo uni-polar, então em caso algum deveria
ter permitido o desdobramento de um contingente militar americano
na proximidade imediata das suas fronteiras do Sul e das fronteiras
dos países da Ásia Central aliados com a Rússia.
O Eixo Paris-Berlim-Moscou
Depois de ter recebido apoio da Rússia, os EUA, agora sem todo
o tipo de fundamentos, invadiu o Iraque depois do Afeganistão e
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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ocupou também esse país, o que levou a um protesto natural por
parte da Rússia, da França e da Alemanha. Esta coligação anti-
americana recebeu o nome “o eixo Paris-Berlim-Moscou”, e por um
curto período de tempo pareceu que a criação de um bloco multi-
polar euro-eurasiático estava a ocorrer, visando a contenção da
hegemonia uni-polar americana. Esta perspectiva preocupou
extremamente os americanos, que prontamente desencadearam uma
série de esforços dirigidos a derrubar esta coligação o mais
rapidamente possível. O Eixo Paris-Berlim-Moscou representou um
esboço de uma aliança telurocrática, lembrando os anteriores
projetos eurasiáticos de geopolitólogos-continentalistas europeus; tal
como Jean Thiriart com o seu “Império Euro-Soviético de
Vladivostok a Dublin” ou Alain de Benoist, que tinha clamado por
uma aliança da Europa continental com a Rússia.
Em qualquer dos casos, a invasão do Iraque mostrou que os EUA
apenas atuam pelos seus próprios interesses e não têm planos de
levar a Rússia em consideração, apesar das concessões da Rússia no
Afeganistão. Além do mais, Washington nunca retirou o seu apoio
aos separatistas tchetchenos e caucasianos, e Zbigniew Brzezinski
explicou bastante cinicamente que apenas aqueles que lutam com os
EUA devem ser colocados entre os “terroristas internacionais”,
enquanto aqueles que enfraquecem os competidores e adversários
dos EUA (em particular, os fundamentalistas do Norte do Cáucaso)
devem ser excluídos desta categoria e equacionados como
“combatentes da liberdade”.
Se avaliarmos o balanço da diligência de Putin de acordo com as
relações mais próximas com os EUA, podemos dizer que produziu,
no seu conjunto, resultados ambíguos e foi muito provavelmente um
erro geopolítico. A Rússia ganhou quase nada com isto, mas perdeu a
claridade e consistência da sua política telurocrática, enfatizada de
modo tão óbvio e claro pelos primeiros atos das reformas de Putin
imediatamente após a sua chegada ao poder. Contra o pano de fundo
geral da estratégia telurocrática, isto não foi uma muito justificável
nem efetiva retirada da política comum. É dizer que os
representantes da geopolítica russa [rossiiskii] eurasiática nesse
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Aleksandr Dugin
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período precaveram ativamente Putin contra tal passo face aos
EUA55, prevendo aquele desencadear de eventos que efetivamente
teve lugar algum tempo depois. Assim, no contexto das geopolíticas
telurocráticas de Putin no seu conjunto, fragmentos que rejeitam essa
lógica aparecem, sugerindo que mesmo após a chegada de Putin ao
poder, a rede atlantista de agentes de influência é preservada na
Rússia, e tendo perdido a sua posição de liderança e influência sobre
as mais altas autoridades políticas (que existia na era de Gorbachev e
de Yeltsin) retém contudo posições e recursos significativos. Depois
do 11 de Setembro muitos peritos russos [rossiiskii] apoiaram
ativamente Putin e as suas decisões, e esse mesmo grupo de peritos
condenou fortemente a sua iniciativa de criar um eixo “Paris-Berlim-
Moscou” ao tempo da invasão americana-britânica do Iraque. O fato
de que tais peritos tenham retido a sua influência na Rússia e
recebido uma plataforma grátis para a expressão das suas posições
nos meios de comunicação federais confirmou esta suspeita. Apesar
da mudança abrupta de rumo, de um rumo talassocrático,
conduzindo a uma rápida morte, para um rumo telurocrático,
orientado para o renascimento da civilização da Terra e a posição do
Heartland, depois dos eventos de 11 de Setembro de 2001 e dos
passos subsequentes de Moscovo, tornou-se claro que no meio da
completa radicalidade das reformas geopolíticas, a luta pela
influência sobre o governo russo [rossiiskii] não tinha acabado, e que
as reformas de Putin podiam desviar-se da trajetória projetada.
120
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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121
Aleksandr Dugin
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produziu uma atmosfera eclética, e todas as arestas afiadas foram
contornadas por confusas campanhas de Relações Públicas. É
comum ligar este estilo de contradição, de política puramente
tecnológica e vazia, ao principal ideólogo do Kremlin durante o
reinado de Putin, Vladislav Surkov. Surkov teve o cuidado de que
em quase todas as declarações políticas apelos a valores e modelos
sociológicos, políticos e geopolíticos incompatíveis fossem
preservados; ao mesmo tempo à soberania e ao liberalismo, ao
Ocidente e à singularidade russa [rossiiskii], à linha vertical de poder
e à democratização, à soberania e à globalização, a um mundo multi-
polar e a um uni-polar, ao atlantismo e ao eurasianismo. No entanto,
não era suposto nenhuma destas orientações ultrapassar criticamente
a outra.
O grupo básico de peritos no Kremlin foi preservado sem
modificações desde os anos de 1990 e representava a prevalência de
analistas liberais e pró-Ocidentais, pró-americanos, que eram muitas
vezes simultaneamente os agentes de influência diretos do Ocidente.
É revelador que desde finais de 2002 a revista “Russia in Global
Affairs” tenha começado a circular, declarando abertamente que é
uma publicação subsidiária da revista americana “Foreign Affairs”,
publicada pelo Council on Foreign Relations (CFR), o principal
centro para a elaboração da estratégia atlantista, talassocrática e
globalista. Durante a presidência de Putin, esta publicação foi,
completamente oficial, não apenas publicada abertamente na Rússia,
transmitindo os principais projetos geopolíticos e estratégicos dos
EUA em relação à organização de um mundo global em termos de
Unipolaridade, mas também incluía no seu comité editorial as
seguintes personagens altamente influentes e altamente colocadas: A.
L. Adamishin, o embaixador extraordinário e plenipotenciário da
Federação Russa; A. G. Arbatov, o Diretor do Centro de Segurança
Internacional of IMEMO; A. G. Vishnevsky, o Diretor do Centro
122
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
para a Demografia e Ecologia Humana do Instituto de Previsão
Econômica; A. D. Zhukova, Primeiro Vice-Presidente da Federação
Russa; S. B. Ivanov, antigo secretário do Conselho de Segurança da
Federação Russa, mais tarde Ministro da Defesa e Primeiro Vice-
Primeiro Ministro; S. A. Karaganov, curador da publicação,
Presidente da Junta Governativa do Conselho de Política Externa e
de Defesa (criado como um afiliado do CFR na Rússia em 1991); A.
A. Kokoshin, uma figura distinta da “Rússia Unida”; Y. I.
Kuz’minov, chanceler da Escola Superior de Economia da
Universidade Estatal; S. V. Lavrov, Ministro dos Negócios
Estrangeiros da Federação Russa, um embaixador excelente e
plenipotenciário da Federação Russa; V. P. Lukin, Comissão da
Federação Russa para os Direitos Humanos; F. A. Luk’yanova,
editor-chefe da revista “Russia in Global Affairs”; V. A. May, o
chanceler da Academia de Economia Nacional sob o Governo da
Federação Russa; V. A. Nikonov, o Presidente da Fundação
“Política” e da Fundação “Mundo Russo [russkii]”; V. V. Posner, o
Presidente da Academia da Televisão Russa [rossiiskii]; S. E.
Prikhod’ko, assistente do Presidente da Federação Russa; V. A.
Ryzhkov, antigo deputado e membro eminente da oposição liberal;
A. V. Torkunov, reitor do Instituto Estatal de Moscou de Relações
Internacionais; I. J. Jurgens, Diretor do Instituto de Desenvolvimento
Contemporâneo, Vice-Presidente e Secretário Executivo da União
Russa [rossiiskii] de Industrialistas e Empresários (Empregadores); e
outros.
É difícil imaginar que atores tão altamente colocados – entre os
quais vemos também o conselheiro de política externa do Presidente,
também o Ministro dos Negócios Estrangeiros; bem como atores
altamente colocados dos serviços especiais, cientistas-gestores de
elite – não soubessem no conselho editorial de que orgão tinham
decidido entrar. Consequentemente, este grupo, unindo aqueles mais
próximos de Putin e membros ardentes da oposição, estava
conscientemente unido numa base pró-americana, talassocrática,
liberal, globalista e atlantista. Depois disto não é surpreendente que a
política eurasiática e telurocrática de Putin não tenha recebido um
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Aleksandr Dugin
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encaixe e uma formulação consistentes: a rede americana de agentes
de influência, atingindo as próprias alturas das autoridades russas
[rossiiskii], extinguiu de imediato qualquer tentativa de elevar as
ações de Putin a um sistema, fixar a sua lógica sob a forma de um
programa, projeto, doutrina ou estratégia.
E de novo, o gestor responsável pela política doméstica na
administração do Presidente e próximo de Putin, Vladislav Surkov,
desempenhou o papel chave em assegurar que nenhumas ações
sérias para a criação de tal estratégia teriam lugar, enquanto tudo foi
substituído por truques político-tecnológicos vazios. Sendo um
tecnócrata muito experiente, compreendendo como as estratégias de
comunicação e de imagem funcionam, ele sozinho estabeleceu um
sistema político na Rússia, no qual tudo era conscientemente
baseado em paradoxos pós-modernos, no entrelaçar consciente de
todas as forças políticas, nos cruzamentos híbridos de elementos
patrióticos com elementos liberais-ocidentais.
Podemos levantar a questão: foram Surkov e também os
burocratas russos [rossiiskii] altamente colocados do primeiro
escalão independentes nas suas ações atlantistas e na sabotagem
consistente do desenvolvimento de uma verdadeira estratégia,
substituída por caricaturas e insípidos espetáculos de Relações
Públicas no espírito da Estratégia 2020 ou os fóruns pomposos e
absolutamente sem justificação que tiveram lugar sob a égide da
“Rússia Unida”? Ou Putin velou conscientemente as suas reformas
com uma cortina de fumaça de uma sequência sem fim de
pronunciamentos contraditórios e ações sem sentido, confundindo
tanto os seus inimigos como os seus amigos? No presente estágio
histórico não podemos responder a esta pergunta com toda a certeza,
uma vez que um dado período de tempo tem de passar para muitas
coisas se tornarem compreensíveis. Não podemos excluir que esta
tenha sido a sua política para desinformação do adversário
124
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
(atlantismo, os EUA, globalismo), com intenção de desviar as
atenções e para tomar em segredo uma série de passos concretos,
dirigidos para a consolidação do poder da Rússia, acumulando os
seus recursos, e consolidando a sua gestão de energia e principais
tendências econômicas. Mas ao mesmo tempo é provável que
estejamos a lidar com uma sabotagem planejada das iniciativas
eurasianas de Putin por parte de agentes de influência do atlantismo,
que foram mantidos nos níveis superiores de poder e à cabeça das
mais altas instituições de ensino a partir da época de Gorbachev e de
Yeltsin, quando a orientação para o Ocidente e para o mundo uni-
polar era a política oficial do governo russo [rossiiskii].
O fato de que a estratégia de Putin não recebeu a formalização
adequada, enquanto a influência das redes pró-americanas, liberais,
talassocráticas não teve o seu ponto final e foi preservada em toda a
sua força durante o governo de Putin deve ser afirmada como um
fato empírico e uma circunstância importante na apreciação
geopolítica geral deste.
Para além do comitê editorial da revista “Russia in Global
Affairs”, os peritos mais influentes de convicções abertamente
atlantistas (em parte sobrepondo-se à qualidade de membros deste
comitê editorial) constituíam a base do clube intelectual “Valday”,
com o qual Putin, e mais tarde o seu sucessor, D. Medvedev, se
encontravam regularmente. A peculiaridade deste grupo é que lado a
lado com agentes de influência russos [rossiiskii] estão incluídos
peritos americanos e europeus propriamente ditos, incluindo um
grupo de figuras tendo uma relação direta e manifesta com estruturas
de reconhecimento americanas; em particular, A. Cohen56, A.
Kuchins57, C. Kupchan58, e F. Hill59.
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Aleksandr Dugin
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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as iniciativas opostas foram também claramente enfatizadas:
integração, relações mais próximas, o reforçar da coordenação, etc.
Existiram mais dois formatos de tipo integracional: o Governo
Aliado Russo [rossiiskii]-Bielorusso e a Organização de Cooperação
de Shanghai, na qual a China também entrou além da Rússia e dos
países da Comunidade Econômica Eurasiática. Desde o começo, as
relações de Putin com a Bielorússia e o seu Presidente, A. G.
Lukashenko, não correram bem, e portanto esta iniciativa
integracional não se desenvolveu da maneira adequada,
permanecendo na condição nominal em que foi anunciada no tempo
de Yeltsin. Isto pode ser visto como mais um sinal da inconsistência
da aplicação por parte de Putin da política eurasiática, para a qual a
aliança com a Bielorússia e a prospectiva unificação política seriam
um passo lógico e necessário (a Rússia receberia acesso a territórios
ocidentais, estrategicamente necessários para a condução da sua
política europeia, o que líderes russos em todos os estágios da nossa
história geopolítica compreenderam perfeitamente bem, de Ivan o
Terceiro a Stalin).
No que concerne à Organização de Cooperação de Shanghai,
Putin, pelo contrário, tomou uma série de medidas em direção à
intensificação da parceria estratégica com a China em questões
regionais, incluindo uma série de exercícios militares não muito
grandes em escala, mas simbolicamente extremamente
significativos. A aliança com a China foi construída por completo
sobre uma lógica multi-polar e foi orientada inequivocamente para
indicar um possível formato de oposição estratégica ao mundo uni-
polar e à exclusiva hegemonia americana.
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Aleksandr Dugin
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incluí-los na OTAN seguindo o exemplo dos países bálticos. A
peculariedade destas revoluções é que todas elas visavam relações
mais estreitas dos países onde elas ocorriam com os EUA e o
Ocidente, e ao mesmo tempo elas ocorreram tecnologicamente
segundo o modelo de “resistência não-violenta”60, a metodologia do
qual foi elaborada no quadro do projeto “Freedom House”, tendo por
base a prática de medidas subversivas e a organização de revoluções
no Terceiro Mundo, conduzidas pela CIA.
Em Novembro de 2003 a “Revolução Rosa” aconteceu na
Geórgia, onde ao lugar do evasivo Eduard Shevardnadze, oscilando
entre o Ocidente e Moscou, chegou o político estritamente pró-
Ocidental, radicalmente atlantista e pró-americano Mikhail
Saakashvilli. Um papel ativo nos acontecimentos da “Revolução
Rosa” foi desempenhado pela organização juvenil “Kmara”
(literalmente “Basta!”), que agiu de acordo com o principal teórico
de redes análogas de organizações de protesto, Gene Sharp, e com os
métodos da “Freedom House”, testados anteriormente noutros locais;
em particular na Iugoslávia durante o derrube de Slobodan
Milosevic, usando a organização juvenil sérvia pró-Ocidental
“Otpor”.
Depois de chegar ao poder, Saakashvili dirigiu-se rapidamente
para um veloz afastamento da Rússia, para relações mais próximas
com os EUA e a OTAN; ele começou a sabotar ativamente quaisquer
iniciativas integracionais no quadro da CEI e tentou infundir nova
vida à unificação essencialmente anti-russa [rossiiskii] dos governos
da CEI com o bloco GUAM: Geórgia, Ucrânia, Azerbeijão e
Moldávia. No círculo de Saakashvili entrou principalmente pessoal
que tinha recebido a sua educação no estrangeiro e que não estavam
historicamente ligados à experiência soviética. A partir daqui a
128
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
Geórgia esteve na vanguarda da estratégia atlantista no espaço pós-
soviético e ocupou uma posição ativa na oposição às tendências
eurasiáticas. Putin e a sua política tornaram-se nos principais
adversários da Geórgia. Mais tarde tal estado de coisas deu origem
aos eventos de Agosto de 2008, que essencialmente se
transformaram numa verdadeira guerra Rússia-Geórgia.
Em Dezembro de 2004, num cenário similar, a “Revolução
Laranja” teve lugar na Ucrânia. Eleições tiveram lugar entre o
protegido de Kuchma, seguindo uma política ambivalente (entre o
Ocidente e a Rússia), V. Yanukovich, e os políticos completamente
pró-ocidentais e estritamente anti-russos de tipo nacionalista, V.
Yushchenko e Y. Timoshenko. As forças estavam aproximadamente
empatadas, e o desfecho foi decidido pela mobilização de vastas
massas e, em primeiro lugar, de jovens que apoiaram os “laranjas”
com manifestações maciças, também organizados segundo o modelo
de Gene Sharp. O movimento juvenil “Pora”61 desempenhou um
papel importante nestes processos. Depois da vitória de Yushchenko,
a Ucrânia tomou uma firme posição anti-russa [russkii], começou a
contrariar ativamente quaisquer iniciativas russas [rossiiskii] no
espaço pós-soviético, começou um ataque à língua russa [russkii] e
começaram a reescrever a história, representando os ucranianos
como uma “nação colonizada pelos russos”. A Ucrânia laranja, sob
um ponto de vista geopolítico, tornou-se a condutora de uma política
distintamente atlantista, talassocrática, dirigida contra a Rússia, o
Eurasianismo, a telurocracia e a integração; laços duráveis foram
estabelecidos entre os dois atlantistas mais ativos no espaço pós-
soviético, Saakashvili e Yushchenko. Projetos geopolíticos para a
formação de uma comunidade Báltico-Mar Negro nasceram, na qual
em teoria deveriam entrar os países do Báltico, a Ucrânia, a
Moldávia, a Geórgia, e também os países da Europa Oriental,
Polônia e Hungria, que são, tal como os países Bálticos, membros da
OTAN. Foi um projeto para o estabelecimento de um “cordon
sanitaire” entre a Rússia e a Europa, construído de acordo com os
61 Alexandrov A., Murashkin M., Kara-Murza S., Telegin S. The Export of Revolution,
Saakashvili, Yushchenko... M.: Algorithm, 2005.
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Aleksandr Dugin
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esboços dos geopolitólogos talassocráticos clássicos.
As posições de outros membros da GUAM – Moldávia e
Azerbeijão – não eram tão radicais e foram ditadas em larga escala
por problemas locais: o apoio de Moscou à república amotinada da
Transnistria, que tinha anunciado a sua independência da Moldávia
em 1991, e a colaboração militar entre a Rússia e a Armênia, com a
qual se levantaram antagonismos insolúveis com o Azerbeijão em
conexão com a ocupação do Karabakh. A imagem geral do espaço
pós-soviético na era de Putin representou um campo da oposição
distinta e transparente da civilização da Terra (encarnada pela Rússia
e pelos seus aliados) e a civilização do Mar (encarnada nos países do
GUAM, liderados pela Geórgia e pela Ucrânia). O Heartland lutou
para expandir a zona da sua influência no espaço da CEI com a ajuda
de processos integracionais; os EUA lutaram através dos seus
satélites, pelo contrário, para limitar o alastramento da influência
russa [rossiiskii] nesta zona, para trancar a Rússia apenas dentro das
suas próprias fronteiras e para integrar gradualmente na OTAN os
países que a rodeiam, e que tinham surgido recentemente.
A batalha do Eurasianismo e do atlantismo no espaço pós-
soviético, bem como o papel dos processos integracionais, de um
lado, e as revoluções coloridas, por outro, foram tão evidentes que é
pouco provável que algumas dúvidas possam persistir com
atlantistas sóbrios acerca de qual algoritmo estava a ser posto em
prática aqui. Mas ao mesmo tempo o poder das redes de influência
atlantistas na própria Rússia deu-se a conhecer: não havia uma ampla
compreensão social dos processos que tinham ocorrido no espaço
pós-soviético; os peritos comentavam particularidades e detalhes,
perdendo de vista a coisa mais importante, criando conscientemente
uma imagem distorcida dos eventos. Além do mais, as ações de
Putin, focadas em decidir problemas de integração, foram ou
suprimidas ou criticadas, enquanto a cândida russofobia, que reinava
130
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
na Geórgia ou Ucrânia, foi negligenciada ou reinterpretada de forma
neutra.
Os meios de comunicação russos [rossiiskii] e a comunidade de
peritos não só não ajudaram Putin a conduzir a sua campanha
eurasiática no espaço pós-soviético mas, mais provavelmente,
impediram-no de fazê-lo. E isto foi mais um paradoxo do período de
governo de Putin.
O discurso de Munique
Putin aproximou-se da formulação das suas visões geopolíticas de
uma forma consistente e não contraditória apenas perto do fim do
seu segundo mandato presidencial em 2007. O famoso discurso na
Conferência de Munique sobre Política de Segurança em 2007
tornou-se nesta formulação, embora fosse bastante apaixonado e
emocional. Neste discurso Putin submeteu a críticas o arranjo uni-
polar do sistema mundial contemporâneo e descreveu a sua visão do
lugar e papel da Rússia no mundo contemporâneo, tomando em
consideração as realidades e ameaças. Em contraste com a maioria
das declarações evasivas e internamente inconsistentes, este
discurso, que recebeu o nome de “discurso de Munique”, distinguiu-
se pela consistência e clareza. Putin pareceu romper através do véu
da demagogia pós-moderna ambígua e evasiva dos peritos atlantistas
ou de V. Surkov, o que diferenciou este discurso da maioria dos
textos programáticos gerais anteriores. Os pontos principais do
discurso de Munique podem ser reduzidos aos seguintes excertos
dele:
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Aleksandr Dugin
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ONU.”
4. “A OTAN avança as suas forças de linha da frente até às
fronteiras do nosso Estado, mas nós, cumprindo à risca o
Acordo, não reagimos de forma alguma a estas ações.”
5. “O que aconteceu àquelas garantias que foram dadas pelos
nossos parceiros Ocidentais depois da dissolução do Pacto de
Varsóvia?”
6. “Com uma mão ‘ajuda de caridade’ é dada, mas com a outra,
não só o atraso econômico é preservado, mas um lucro é
também recolhido.”
7. “Uma tentativa é feita para transformar a OSCE num vulgar
instrumento para garantir os interesses de política externa de
um país ou de um grupo de países em relação a outros países.”
8. “A Rússia é um país com uma história de mais de mil anos, e
quase sempre usufruiu do privilégio de conduzir uma política
externa independente. Não estamos prestes a mudar esta
tradição hoje.”62
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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Ambos os pontos, o primeiro e o segundo, fazem uma plataforma
para um consistente e bem-fundado anti-americanismo.
O terceiro ponto é uma proposta para um regresso ao modelo de
Ialta, como expressão do qual a ONU se servira na era da dupla-
polaridade. Isto foi uma resposta “protetora” a apelos numerosos por
parte dos americanos para reformar a ONU ou para repudiar
completamente a sua estrutura que não corresponderia à nova
disposição de forças, de modo a substituí-la com uma nova
organização liderada pelos EUA e seus vassalos (o projeto de
Mackinder de uma “liga de democracias”, abertamente veiculada um
pouco mais tarde63
No quarto ponto Putin critica claramente o alargamento da OTAN
para Leste, interpretando este processo da única maneira possível (do
ponto de vista dos interesses nacionais da Rússia e de uma análise
geopolítica responsável). Putin torna claro que não é uma vítima da
demagogia “liberal-democrata” que cobre a expansão ocidental e que
olha para as coisas sobriamente.
O quinto ponto acusa o Ocidente de não cumprir as suas
obrigações perante Gorbachev quando ele terminou unilateralmente
a presença militar soviética na Europa. Ou seja, ele culpa a
talassocracia por jogar segundo a lógica de dois pesos e duas
medidas nos anos de 1980.
O sexto ponto condena a estratégia econômica dos países
ocidentais no Terceiro Mundo, a qual, com a ajuda do Banco
Mundial e do FMI arruína os países em desenvolvimento sob o
disfarçe de ajuda econômica e subordina-os à sua própria dominação
política e econômica64. Essencialmente, isto é um alerta ao Terceiro
Mundo para procurar uma alternativa às políticas liberais existentes.
No sétimo ponto Putin indica que várias estruturas europeias (em
particular, a OSCE) não servem interesses europeus, mas
desempenham o papel de instrumentos da política agressiva dos
EUA, exercendo pressão sobre a Rússia nas esferas política,
energética e econômica, o que também contradiz os interesses dos
63 McCain John. American Must Be A Good Role Model / Financial Times. 18.03.2008
64 Perkins John. Confessions of an Economic Hit Man. M.: Pretext, 2005
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Aleksandr Dugin
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próprios países europeus.
Quintessencial é o oitavo ponto, o qual declara que a Rússia
enquanto grande potência mundial doravante pretende conduzir uma
política independente, auto-sustentada e está pronta a regressar à sua
função tradicional como núcleo da “civilização da Terra” e bastião
da telurocracia. Putin basicamente anunciou que a ideia de que a
história terminou e que o Mar por fim tomou a Terra é algo
prematura; a Terra ainda existe, está presente; e está pronta para
tornar-se conhecida em toda a sua força.
A reação ao discurso de Munique de Putin no Ocidente e nos
EUA foi extremamente negativo; a maioria dos atlantistas e peritos
começaram a falar numa renovação da “Guerra Fria”. Putin
demonstrou de fato que compreende que a grande guerra dos
continentes não cessou e que hoje estamos apenas na sua fase
seguinte. Depois disto, muitos estrategistas Ocidentais começaram
finalmente a ver em Putin a personificação de um adversário
geopolítico, a imagem tradicional do inimigo russo [russkii]”, que se
tinha formado durante a história da confrontação geopolítica entre o
Mar e a Terra.
Depois de tão franca proclamação da sua posição num nível
internacional, era lógico supor que Vladimir Putin, descartando as
suas máscaras, imprimisse a estas declarações um caráter
sistemático, as colocasse na base da estratégia futura, estabelecesse
uma doutrina de política externa sobre essa fundação e aplicasse os
principais princípios na esfera da política doméstica. Mas nada do
gênero ocorreu. Na própria Rússia, as pessoas não falaram por muito
tempo do discurso de Munique; não tiveram lugar discussões ou
debates significativos; não afetou de todo a posição das redes
atlantistas, e não conduziu a nenhuma política nacional consistente.
Podemos apenas supôr porque uma declaração tão marcante
rapidamente se afogou em rotina tecnológica.
134
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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De qualquer dos modos, se admitirmos que no seu discurso de
Munique Putin falou sincera e deliberadamente, então podemos
apenas adivinhar, em contraste com a pouco ressonância que as suas
palavras tiveram na própria Rússia e quão pouco elas afetaram a
política doméstica e externa, que ele próprio é um continentalista,
eurasiático e apoiante de uma forte autoridade governamental, mas
ao mesmo tempo encontra-se num denso anel de atlantistas, agentes
de influência americanos, que sabotam efetivamente qualquer das
suas iniciativas sérias, capazes de fazer mal aos seus curadores
estrangeiros.
Operação Medvedev
A mesma ambiguidade da geopolítica de Putin, no seu todo
orientada com um espírito continental, telurocrático, mas contendo
em si mesma contradições no aparecimento de módulos influentes da
rede de agentes de influência atlantistas nos mais altos escalões de
autoridade, foi manifestada na escolha de Putin do seu sucessor,
Dmitry Medvedev, em Março de 2008. Por um lado, Medvedev foi
um colega constante de Putin em várias fases da sua carreira política,
e apenas isto deveria ter servido de base para a proximidade das suas
atitudes políticas e geopolíticas; mas por outro lado a imagem
política de Medvedev era abertamente liberal e pró-Ocidental. Esta
combinação criou uma contradição interna entre telurocracia e
talassocracia, muito mais aguda e saliente do que na linha política do
próprio Putin. Ao avançar precisamente Medvedev como seu
sucessor, Putin acentuou por isso ainda mais a inconsistência da
posição da Rússia no mundo. Ao mesmo tempo, o ocidentalismo e
liberalismo de Medvedev não apenas não foram velados, mas, pelo
contrário, foram enfatizados de todas as maneiras possíveis a partir
do momento em que ele foi finalmente determinado como o
candidato presidencial do “partido de Putin”.
Já na véspera da sua seleção, Medvedev confiou a elaboração da
estratégia principal da sua política doméstica e externa ao Instituto
de Desenvolvimento Contemporâneo da Rússia [INSOR],
especialmente estabelecido com base na União Russa [rossiiskii] de
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Aleksandr Dugin
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Industriais e Empresários, representando uma estrutura unindo os
oligarcas mais ricos e influentes da Rússia, sob a liderança das
figuras públicas ultra-liberais e inequivocamente pró-americanas I.
Yurgens e E. Gontmakher, famosos pelas suas críticas de Putin de
uma posição atlantista; o próprio Medvedev tornou-se chefe do
Conselho de Curadores da INSOR.
Se compararmos a estratégia principal de Putin com os projetos
do INSOR, oficialmente nomeado para delinear o programa
estratégico de Putin, então recebemos uma contradição radical e
completa, agravada pelos criticismos abertos dos ideólogos do
INSOR a Putin e às suas políticas. Depois da tomada de posse de
Medvedev em 15 de Novembro de 2008, ele visita a sede do CFR
em Nova Iorque65, o que é um acontecimento sem precedentes para
um líder da Rússia, tomando em conta a posição ativamente
atlantista, globalista e hegemônica desta influente organização.
É significativo que através do representante autorizado da CFR, o
oligarca Mikhail Fridman (um dos membros dos “Sete Banqueiros”
de 1996), o Vice-Primeiro Ministro da Federação Russa, Sergei
Ivanov, também tenha estabelecido laços próximos com o CFR,
falando duas vezes no Council, a 13 de Janeiro de 200566 e a 4 de
Abril de 201167; Ivanov tinha sido visto anteriormente como um
possível sucessor de Putin, juntamente com Medvedev.
É bastante óbvio que Putin sancionou conscientemente tal relação
com a sede do atlantismo e com as suas estruturas mais
vanguardistas e avançadas, e compreendeu claramente o significado
do liberalismo e Ocidentalismo do sucessor nomeado por si. Putin,
levando a cabo consistentemente uma política de fortalecimento da
65 http://www.cfr.org/us-strategy-and-politics/conversation-dmitry-medvedev-video/p17779
66 http://www.cfr.org/global-governance/world-21st-century-addressing-new-threats-
challenges-video/p8742, http://www.cfr.org/russian-fed/world-21st-century-addressing-
new-threats-challenges/p7611
67 http://www.cfr.org/russian-fed/conversation-sergey-b-ivanov-video/p24578
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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soberania russa [rossiiskii] e indicando a linha principal da sua
política externa no seu discurso de Munique, demonstra
deliberadamente a outro nível uma certa lealdade a projetos
atlantistas e não só conserva no seu lugar a vasta rede de agentes de
influência da talassocracia, mas também torna claro através da
escolha do seu sucessor (incluíndo também o segundo possível
sucessor, S. B. Ivanov) que está pronto para implementar uma linha
política completamente diferente daquela que ele atualmente
implementa e declara.
E de novo não é fácil adivinhar as razões para tal jogo duplo e o
seu verdadeiro propósito geopolítico. Contudo, quando um homem
com atitudes e visões nominalmente atlantistas, globalistas e liberais
se torna no líder de um país, e isto acontece unicamente graças a
Putin e à sua vontade, isto transcende a possível operação de
desinformação por parte do Ocidente e torna-se algo simplesmente
inexplicável para uma figura como Putin.
A solução para tal abordagem tática foi dada na conferência do
partido “Rússia Unida” em 24 de Setembro de 2011, quando
Medvedev anunciou que não concorria a um segundo mandato e
dava a oportunidade a Putin de concorrer para Presidente. De um
ponto de vista geopolítico, a imagem foi clarificada, e a “Operação
Medvedev” provou ser nada mais do que uma tentativa para
desinformar o Ocidente e ganhar tempo para o regresso legal de
Putin ao assento presidencial. E durante o governo de Medvedev,
nenhumas concessões críticas foram feitas ao atlantismo, apesar das
numerosas declarações e séries de medidas puramente simbólicas.
137
Aleksandr Dugin
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autônomas; depois do anúncio de que a Geórgia deixava de ser
membro da URSS em 9 de Abril de 1991, elas declararam o seu
desacordo com esta decisão e, por sua vez, decidiram separar-se da
Geórgia. A Geórgia não concordou com isto e começou a levar a
cabo operações militares para manter a Abkhazia e a Ossétia do Sul
na sua composição.
Tropas georgianas invadiram a Abkhazia em 1992 depois de
Shevardnadze ter chegado ao poder e do Presidente anterior, Zviad
Gamsakhurdia, ter sido derrubado. Numa primeira fase eles foram
bem sucedidos em tomar Sukhumi e avançar até Gagra. Mas mais
tarde, apoiados em voluntários da República do Norte do Cáucaso e
ajuda militar-econômica e diplomática por parte da Rússia, os
abkhazes conseguiram, em finais de 1993, reestabelecer controle
sobre Sukhumi e repelir os georgianos. Entretanto, os georgianos
mantinham o controle sobre os territórios do Vale de Kodori, que os
abkhazes consideravam uma parte da Abkhazia. Esta situação no seu
conjunto foi preservada sem modificações até Agosto de 2008.
Em todo o ano de 1991, a Ossétia do Sul foi palco de operações
militares ativas. Em 19 de Janeiro de 1992, houve um referendo
sobre a questão “da independência governativa e (ou) unificação
com a Ossétia do Norte” na Ossétia do Sul. A maioria dos
participantes no referendo apoiaram esta proposta. Na Primavera de
1992, após um período de calmaria, provocado por um golpe de
Estado e uma guerra civil na Geórgia, as operações militares na
Ossétia do Sul recomeçaram. Sob pressão da Rússia, a Geórgia
começou negociações, que terminaram em 24 de Junho de 1992 com
a assinatura do Acordo de Sochi sobre os Princípios da Resolução do
Conflito. A 14 de Julho de 1992, houve um cessar-fogo, e as Forças
Mistas de Manutenção da Paz (SSPM) foram introduzidas na zona
de conflito para separação dos dois lados. Desde 1992 e até 2008, a
Ossétia do Sul foi de fato um governo independente e teve a sua
138
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
própria constituição e símbolos de governo. As autoridades
georgianas consideraram-na como dantes uma unidade
administrativa, a região de Tskhinvali.
De um ponto de vista geopolítico, a Abkhazia e a Ossétia do Sul
representavam duas formações, pró-russas [rossiiskii] e anti-
georgianas, o que, tomando em consideração a orientação atlantista
da Geórgia, implicava a sua política eurasiática, continental, terrestre
e telurocrática. A chegada ao poder de Mikhail Saakashvili em 2003
numa vaga de sentimentos nacionalistas intensificou ainda mais os
antagonismos entre Tbilisi e a Abkhazia e Ossétia do Sul, uma vez
que o atlantismo radical de Saakashvili estava a conduzi-lo
abertamente a uma escalada com a orientação pró-russa [rossiiskii]
de Sukhumi e de Tskhinvali. A promessa de Saakashvili aos seus
constituintes foi restabelecer a integridade territorial da Geórgia e
colocar um fim aos enclaves pró-russos [rossiiskii] no seu território.
Para isto, Saakashvili apoiou-se em ajuda econômica e militar dos
EUA e países da OTAN.
No decorrer de 5 anos, o lado georgiano preparou-se ativamente
para novas ações militares e começou uma operação para tomar a
Ossétia do Sul a 7 de Agosto de 2008. Na noite de 8 de Agosto, o
fogo de foguetes começou em Tskhinvali a partir de lançadores
“Grad”, e depois tropas georgianas começaram o seu assalto à cidade
usando tanques. Neste mesmo dia eles tomaram a cidade e
começaram a exterminar a população. Tropas georgianas também
submeteram uma localização de soldados da paz russos [rossiiskii] a
disparos de artilharia, entre os quais houve baixas significativas. De
acordo com conceitos internacionais, isto significou a declaração de
guerra da Geórgia à Rússia (a condução de operações militares
contra as forças armadas regulares de um país estrangeiro).
Em resposta a isto, a 8 de Agosto Moscou conduziu um
contingente militar para a Ossétia do Sul através do túnel de Roki, e
a 9 de Agosto tropas russas [rossiiskii] aproximaram-se de
Tskhinvali, entraram em conflito com tropas georgianas e
começaram a libertar a cidade e todo o território da Ossétia do Sul da
presença georgiana.
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Aleksandr Dugin
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Simultaneamente, tropas russas [rossiiskii] entraram no território
do Vale de Kodori e destruíram as bases militares georgianas que aí
havia.
Encontrando-se em guerra com a Geórgia, as tropas russas
[rossiiskii] começaram a avançar para a capital da Geórgia, Tbilisi,
mas depois de penetrarem profundamente no território do seu
inimigo, mais tarde se retiraram e voltaram para dentro das fronteiras
da Ossétia do Sul e da Abkhazia. Mais tarde, Dmitry Medvedev
explicou que a cessação da incursão na Geórgia, que tinha todas as
hipóteses de terminar em vitória da Rússia, tinha sido uma realização
pessoal.
A 26 de Agosto de 2008, a Rússia reconheceu oficialmente a
independência da Ossétia do Sul e da Abkhazia nas fronteiras
existentes nessa altura.
Assim, na prática e depois da chegada de Medvedev ao poder, a
Rússia continuou em face de um sério teste (um encontro com um
ataque de forças atlantistas na zona de influência estratégica da
Rússia telurocrática) a seguir a política de Putin de reforçar a
soberania da Rússia e até foi pela primeira vez para além das
fronteiras da Federação Russa, não tendo temido a pressão Ocidental
e uma ameaça dos EUA.
É revelador que toda a rede de agentes atlantistas dos EUA na
Rússia naquele período se tenham oposto a estes eventos em
uníssono e tenha insistido na não-interferência da Rússia no conflito
da Geórgia-Ossétia e mais tarde tenha tomado todas as ações
possíveis para impedir o reconhecimento da parte de Moscou da
independência destes países.
Os eventos de Agosto de 2008 foram um momento tenso na
grande guerra dos continentes, quando as forças da civilização do
Mar (apoiando Saakashvili) e da civilização da Terra (Rússia e as
Repúblicas da Ossétia do Sul e da Abkhazia orientadas para ela)
140
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
colidiram num duro confronto; e desta vez a civilização da Terra
inequivocamente alcançou uma vitória. A vitória teve uma dimensão
militar: o fato de trazer a derrota às tropas georgianas equipadas com
equipamento contemporâneo da OTAN e tendo instrutores
americanos. Além disso, esta foi uma vitória política e diplomática: a
Rússia foi bem sucedida em evitar uma confrontação direta com o
Ocidente e em prevenir uma severa coligação anti-russa [rossiiskii].
E finalmente, a vitória foi informacional, já que os meios de
comunicação russos [rossiiskii] (em contraste radical com a Primeira
Campanha Tchetchena) transmitiram sincronicamente uma posição
estatal-patriótica, pró-osseta, que foi na generalidade partilhada pela
maioria da população.
Assim, o recentemente selecionado Presidente Dmitry Medvedev,
na situação de um duro desafio por parte das potências atlantistas,
mostrou ser um político, tomando na prática (e não por palavras)
numa situação difícil uma decisão inequivocamente telurocrática,
baseada unicamente na avaliação adequada dos interesses russos
[rossiiskii]. Um tal desenvolvimento da situação, parece, derramou
luz sobre a verdadeira estratégia de Putin: sob a capa de um rumo
liberal e pró-Ocidental da política russa [rossiiskii], aquela invariável
estratégia de Putin para o reforço da soberania da Rússia e a
afirmação dos seus interesses geopolíticos – neste caso, no espaço
pós-soviético – foi mantida.
É significativo que o lóbi atlantista, trazido pronto para o
combate, tenha falhado em exercer a mais pequena influência nas
decisões verdadeiramente significativas do Presidente, do Primeiro-
Ministro e dos líderes das forças armadas (se não contarmos com a
recusa de Medvedev em tomar Tbilisi, um expediente que pode ser
interpretado de diferentes maneiras).
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Aleksandr Dugin
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mais estreitas com o Ocidente e em primeiro lugar com os EUA, e
também uma política de modernização e ocidentalização da
sociedade russa [rossiiskii] e o desenvolvimento e aprofundamento
de reformas liberais. Esta política foi apoiada pelo Presidente dos
EUA, Barack Obama. A guerra Rússia-Geórgia, embora tenha
provocado uma tempestade de indignação nos EUA e no Ocidente
em geral, não se tornou num argumento sério a favor do início de
uma nova fase da campanha anti-russa [rossiiskii]. Toda a gente nos
EUA percebeu que a Rússia teve uma vitória tática, mas por
quaisquer razões eles amaciaram a situação e não aumentaram
abruptamente a temperatura do confronto.
Neste período começa o processo que recebeu o nome “o
reinício” na imprensa internacional e que significava relações mais
próximas das posições da Rússia e dos EUA depois de um período
de arrefecimento, ligado à era de Putin. “O reinício” propunha a
harmonização dos interesses regionais de ambos os países e a
implementação de operações comuns nos casos em que ambos os
países tinham objetivos regionais similares. Na prática isto foi
expressado nas seguintes ações:
142
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
Além destes passos, que no seu todo deram algumas vantagens
concretas aos EUA e praticamente nada à Rússia, não houve
movimentos sérios nas relações russo-americanas durante o período
da presidência de Medvedev. Ao mesmo tempo, os EUA
continuaram a expandir o seu programa de defesa anti-mísseis
balísticos na Europa, apesar dos protestos da Rússia, mudando os
seus planos apenas devido ao processo das negociações com aqueles
países da Europa Oriental que isto afetava diretamente. Além do
mais, os EUA colocaram um certo número de elementos de sistemas
de defesa anti-mísseis balísticos na Turquia, muito perto da fronteira
russa.
Entretanto, de acordo com a opinião do próprio Putin e da
liderança militar da Rússia, todo o sistema europeu de mísseis anti-
balísticos teoricamente tinha como objetivo somente um programa
estratégico anti-russo [rossiiskii] para a contenção da Rússia e
poderia em certas circunstâncias servir propósitos ofensivos. Não só
o “reinício” não deteve as iniciativas americanas relativas à defesa
anti-mísseis balísticos europeia; como nem sequer as abrandou.
Uma análise geopolítica do reinício pode ser reduzida ao
seguinte: na ausência de um inimigo comum (uma terceira força) da
civilização do Mar, com pretensões a ter um âmbito global, e da
civilização da Terra, que se encontra numa condição reduzida e
enfraquecida, não existem nem podem existir objetivos sérios
estratégicos comuns. Nestas condições, e tomando em conta a
assimetria dos poderes afins, potencial econômico e militar, uma
busca dos pontos de contato pode objetivamente conduzir apenas ao
aprofundamento do processo unilateral da perda de soberania da
Rússia, como aconteceu na era de Gorbachev e de Yeltsin, e à
redução daquele rumo que Putin enfatizou durante o seu governo. A
julgar por certas declarações, os projetos do medvedeviano INSOR e
pela gestão da informação nos média russos [rossiiskii], todo o
conteúdo deste processo pode ser entendido precisamente desta
maneira. E pode ser que os estrategistas Ocidentais tenham tido esta
atitude para com ele, enquanto o atraso no cumprimento de passos
verdadeiramente irreversíveis na direção do Ocidente deveram-se ao
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Aleksandr Dugin
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fato de que o novo Presidente “ainda não se tinha libertado
completamente da influência de Putin, que o trouxe ao poder”.
Certo, à medida que Março de 2012 se aproximava, cada vez mais
analistas atlantistas começaram a expressar dúvidas sobre a
seriedade das intenções de Medvedev e do seu círculo ultra-liberal e
pró-americano e sobre a sua independência. Ouviram-se vozes
sugerindo que o mandato de Medvedev como Presidente não era
mais do que uma maneira de ganhar tempo antes da inevitável e
franca confrontação, que se tornaria inevitável se Putin regressasse
ao poder em Março de 2012. Mas a esperança de que o Presidente-
reformador russo [russkii] pudesse permanecer para um segundo
mandato impediu o Ocidente de exercer uma pressão mais séria
sobre a Rússia. De acordo com algumas fontes68, largamente
disseminadas na imprensa russa [rossiiskii], durante a sua visita a
Moscou na Primavera de 2011, o Vice-Presidente dos EUA Joe
Biden, interferindo na política doméstica da Rússia, abertamente
disse a Putin para não concorrer a outro mandato, sob a ameaça de
uma “revolução colorida”, similar àquelas que ocorreram no mundo
árabe em 2011.
Se desviarmos a nossa atenção desta perspectiva formal da
pressão americana sobre a Rússia e a aparente boa vontade da Rússia
sob governo de Medvedev, ações irreversíveis nesta direção, que
romperiam de forma clara com o rumo de Putin antes de 2012, não
foram levadas a cabo. Todos os passos em direção aos EUA e à
OTAN que Medvedev fez tinham no seu todo um caráter declarativo,
ou afetavam os aspectos secundários da grande estratégia. As perdas
da Rússia entretanto foram insignificantes e incompatíveis com
aquelas que o país sofreu com Gorbachev e Yeltsin, quando Moscou
de sua própria vontade desmantelou uma das colunas que apoiava o
mundo bi-polar e deixou a civilização do Mar ocupar o seu espaço
68 http://www.newsland.ru/news/detail/id/653351/
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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de controle e influência, incluindo uma presença militar-estratégica
direta, que foi deixada depois da morte das estruturas da civilização
da Terra.
Depois da decisão de Putin de regressar ao Kremlin e do próprio
apoio de Medvedev a esta decisão, ninguém ficou com dúvidas de
que esta tinha sido uma jogada tática.
A União Eurasiática
O texto programático de V. V. Putin “A União Eurasiática – Um
Caminho para o Sucesso e a Prosperidade”, publicado no jornal
“Izvestia” a 3 de Outubro de 2011, tornou-se extremamente
significativo. Neste texto, Putin declara um marco na integração do
espaço pós-soviético, primeiro num nível econômico, e depois num
político (o qual, é verdade, ele apenas insinua).
Putin destaca sobre os processos de integração econômica um
objetivo – geopolítico e político – mais alto, a criação no futuro, no
espaço da Eurásia do Norte de uma nova formação supra-nacional
construída sobre a comunalidade da pertença civilizacional... tal
como a União Europeia, unindo países e sociedades relacionadas
com a civilização europeia, começou com a “Comunidade do Carvão
e do Aço” de modo a evoluir gradualmente mais tarde para uma nova
formação supra-governamental de moto próprio também a União
Eurasiática, designada por Putin como um ponto de referência de
longo prazo, objetivo e horizonte do caminho histórico.
A ideia de uma União Eurasiática foi trabalhada simultaneamente
em dois países no começo dos anos de 1990: no Cazaquistão pelo
Presidente N. A. Nazarbayev69 e na Rússia pelo “Movimento
Eurasiático”70. Em Moscou em 1994, Nazarbayev deu voz a este
projeto de integração política do espaço pós-soviético e até propôs o
projeto de uma constituição para a União Eurasiática, seguindo no
seu todo a constituição da União Europeia. E por seu lado, a ideia de
uma União Eurasiática estava sendo ativamente elaborada pelo
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Aleksandr Dugin
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“Movimento Eurasiano” na Rússia, continuando a linha dos
primeiros eurasianistas russos [russkii], que tinham lançado as
fundações desta filosofia política. A criação de uma União
Eurasiática tornou-se no princípio histórico, objetivo político e
ideológico dos eurasianistas russos [russkii], já que este projeto
encarnava em si mesmo todos os principais valores, ideais e
horizontes do eurasianismo como filosofia política completa.
Assim Putin, voltando a sua atenção para a União Eurasiática,
enfatizou um conceito político carregado com um profundo
significado político e geopolítico. A União Eurasiática como a
encarnação concreta do projeto Eurasiano contém em si mesma
simultaneamente três níveis: o planetário, o regional e o doméstico.
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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composição tradicional da Rússia.
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Aleksandr Dugin
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construção da hegemonia americana e de um mundo uni-polar às
custas da civilização da Terra e ao preço do enfraquecimento e
destruição finais da Rússia.
Por agora a questão ainda permanece aberta: como compreender
todas as ações de Putin geopoliticamente ambíguas e mutuamente
exclusivas: o reforço da soberania e a preservação de toda a rede
atlantista de agentes de influência; a confrontação com os EUA e o
apelo à rejeição da Unipolaridade, e o apoio aos projetos americanos
no Afeganistão (a eliminação da Rússia da cena do mundo árabe e
dos processos que aí ocorrem); relações mais próximas com países
orientados para a Multipolaridade (China, Brasil, Irã) e “o reinício”.
Qual das duas interpretações provará ser a determinante e qual uma
manobra tática e desinformação? Nas correntes circunstâncias, esta
pergunta não pode receber uma resposta inequívoca; e uma análise
geopolítica neste caso não pode ser inteiramente fiável, dado que os
processos mais importantes estão a desenrolar-se ao nosso redor
neste momento, e a sua estrutura é tal que não podemos falar com
certeza neste momento do seu verdadeiro significado e verdadeira
substância.
O ciclo geopolítico que Putin começou no Outono de 1999
imediatamente após ter chegado ao poder não acabou. De acordo
com as suas características principais, representa um movimento
numa direção completamente diferente do vetor segundo o qual a
geopolítica russa [rossiiskii] foi estruturada a partir da segunda
metade dos anos de 1980 até ao fim dos anos de 1990 (a era de
Gorbachev-Yeltsin). Putin desacelerou o movimento que conduzia
inevitavelmente por inércia ao completo enfraquecimento da Rússia
e à sua destruição geopolítica final e começou a complicada manobra
para inverter esta tendência. Mas esta manobra não foi levada ao seu
fim lógico, e o destino histórico do governo e da civilização da Terra
no seu conjunto, do Heartland, da Rússia-Eurásia, permanece aberto.
148
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
_____________________
Capítulo Cinco
O Ponto de Bifurcação na História
Geopolítica da Rússia
Acabando a nossa visão global da história geopolítica da Rússia,
podemos apresentar os resultados gerais.
Primeiro, a lógica espacial da formação histórica da soberania
russa [russkii] é claramente revelada. Esta lógica pode ser sumariada
na fórmula: expansão até às fronteiras naturais do Nordeste da
Eurásia, Turan, com a perspectiva de estender a sua zona de
influência para além das suas fronteiras, até à escala de todo o
planeta. Esta é a principal conclusão que podemos tirar com base na
consideração de todos os períodos da história política russa [russkii],
desde a emergência do Principado de Kiev até à atual Federação
Russa e ao espaço pós-soviético.
Inicialmente o Rus forma-se na parte Ocidental de Turan, na zona
onde anteriormente tinham existido as formas imperiais de outras
Nações eurasiáticas: os cítios, os sármatas, os hunos, os torques e os
godos. Do Principado de Kiev, uma integração de círculos
concêntricos ocorre por todos os lados, o que conduz à primeira
encarnação do estado russo [russkii], cujos limites máximos
circunscrevem as campanhas resplandecentes de Svyatoslav. Mais
tarde esta forma geopolítica é reforçada e algo alterada, perdendo
controle sobre alguns territórios e ganhando-o sobre outros.
Então, esta forma exemplar é esmagada no apanágio da
principalidade [udel’nie kniazhestva], e começa uma luta desgastante
pelo trono do grão-ducal, no decurso da qual gradualmente tomam
forma dois polos de atração: o Oriental (a principalidade de Rostov-
Suzdal, mais tarde a principalidade de Vladimir-Suzdal) e o
Ocidental (Galich e Volhynia).
Depois das conquistas mongóis, Rus perde a sua independência,
mas principalmente representa precisamente a parte Oriental, onde o
trono do grão-ducal se fixa. Ao mesmo tempo, a integração nas
149
Aleksandr Dugin
_____________________
“Hordas Douradas” coloca Rus no contexto do gigantesco império
turânico de verdadeiro âmbito continental, sendo a civilização da
Terra em todas as suas dimensões geopolíticas e sociológicas. Se,
anteriormente, a influência turânica se espalhava através das tribos
eslávicas orientais, então agora a experiência da soberania turânica
foi enxertada no organismo político que se tinha formado, capaz de
aprender a lição do império eurasiático e de no futuro se transformar
num novo centro imperial.
O Rus Ocidental é arrastado para a órbita do Grande Ducado da
Lituânia, e isto predetermina o seu destino, especialmente após a
União de Krevsk de 1385.
No século XV, depois do colapso das Hordas, o Rus Moscovita
começa o lento caminho para restabelecer não apenas o Estado do
Principado de Kiev, mas também para integrar toda a Turan, que
tinha sido incorporada numa nova – desta vez russa [russkii] versão
de uma Eurásia integrada, em torno do seu núcleo, o Heartland
continental. Doravante a história geopolítica russa [russkii]
finalmente estabelece sobre o caminho de um vetor eurasiático, uma
telurocracia completa e prossegue para o estabelecimento de uma
civilização da Terra à escala mundial.
Em todos os estágios seguintes desde o século XV até ao fim do
século XX, a expansão de Rus em espiral sobre as fronteiras naturais
do continente prossegue. Por vezes o território de Rus é contraído
por um curto período, mas somente para que possa expandir-se de
novo no próximo estágio. Assim bate o coração geopolítico do
Heartland, empurrando poderes, a população, tropas e outras formas
de influência para os limites exteriores da Eurásia, até à zona
costeira (Rimland). O vivo, pulsante e crescente coração do império
mundial terrestre predetermina o caminho de Rus-Rússia em direção
ao estabelecimento de um poder mundial, um dos dois polos globais
do mundo.
150
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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Sob várias ideologias e sistemas políticos, a Rússia move-se em
direção à dominação mundial, tendo embarcado firmemente no
caminho do controle da Eurásia a partir do interior, de uma posição
do centro continental interior. A partir do fim do século XVIII, colide
nesta expansão com o Império Britânico, como o encarnar da
civilização global do Mar, a confrontação com o qual conduz
suavemente no século XX, num nível ideológico completamente
novo, a uma confrontação com o próximo polo marítimo global, os
EUA. No período soviético, a grande guerra dos continentes atinge
o seu apogeu: a influência da civilização da Terra sob a forma da
URSS é estendida muito para além das fronteiras do Império Russo
[rossiiskii] e para além das fronteiras do próprio continente
eurasiático para África, a América Latina e a Ásia. Precisamente este
vetor de expansão continental, e mais tarde global,levado a cabo em
nome do Heartland, da telurocracia e da civilização da Terra é o
“sentido espacial” (Raumsinn) da história russa [russkii]. Todos os
estágios intermédios e todas as flutuações e oscilações históricas em
torno deste caminho não são mais do que a rotação de eventos
históricos reais à volta de um canal geopolítico principal: retiradas,
manobras de rodeio, de marcar passo ou outras figuras não mudam o
vetor principal da história russa [russkii].
Com base em tal análise da geopolítica da Rússia, podemos fazer
uma apreciação geopolítica do presente estado de coisas e balizar o
vetor do futuro geopolítico.
É bastante claro que a posição geopolítica da Rússia depois das
reformas de Gorbachev, do colapso da URSS e do período do
governo de Yeltsin é um regular e quase catastrófico passo atrás, um
movimento inverso, uma falha da matriz geopolítica, que se
desenrolou através de todos os estágios prévios sem exceção na
direção da expansão espacial. Principiando a partir do fim dos anos
de 1980, a Rússia começou velozmente a perder posições no espaço
global do mundo, conquistadas com tanta dificuldade e com o custo
de tantas baixas de tantas gerações de russos [russkii]. As perdas que
sofremos nesta ocasião não são comparáveis com o Tempo das
Dificuldades ou com os resultados do tratado de Brest-Litovsk.
151
Aleksandr Dugin
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Mesmo as campanhas de Napoleão e de Hitler, que trouxeram
mortes sem conta, foram de curta duração, e as perdas territoriais
foram rapidamente restauradas e recuperadas com uma larga
margem. Precisamente nisto reside a singularidade do ciclo
geopolítico do tempo presente: dura unusualmente muito (para a
história russa [russkii], as perdas não são compensadas com
quaisquer aquisições, e a catastrófica paralização da auto-
consciência estatal não é contrabalançada por nenhuma
personalidade marcante, líderes adequados ou operações bem
sucedidas. Isto engendra uma bem-fundada ansiedade sobre a
condição na qual a Rússia se encontra hoje e apreensão sobre o seu
futuro. A análise mais imparcial e desapaixonada da geopolítica da
Rússia mostra que a posição atual é uma patologia, um desvio da
linha de força natural, inegável do caminho histórico. Podemos
considerar as invasões mongóis a única analogia, ligada com a perda
de independência durante dois séculos; mas mesmo isto foi
compensado pelo fato de que neste período a Rússia embebeu a
experiência da telurocracia continental eurasiática, uma lição que ela
aprendeu bem e na base da qual ela subsequentemente construiu o
seu poder planetário. Como Gorbachev e o seu círculo
incompetentemente perderam a “Guerra Fria”, como os ingênuos
(para não dizer imbecis) reformadores do período de Yeltsin ficaram
agradados com o colapso da URSS e a perda de soberania da URSS
até ao estabelecimento de controle estrangeiro, atlantista, sobre o
país, é espantoso, se compararmos isto com o crescimento
sustentado de aumentos territoriais que ocorreram nos tempos de
praticamente todos os Czares sem exceção, bem como em todos os
ciclos da era soviética. Nos fileiras gerais dos potentados russos
[russkii], os nomes de Gorbachev e de Yeltsin apenas podem ficar ao
lado de nomes como Yaropolk, o Falso Dmitry, Shuysky ou
Kerensky. As suas personalidades e as suas políticas são uma falha
152
A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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completa e sem compensação.
A normalização do vetor histórico natural deu-se somente com a
chegada de Putin ao poder, quando o processo de uma cadeia de
colapsos foi detido – e assim, também, a morte final da Rússia – ou
pelo menos adiado. Mas as contradições da era de Putin e
especialmente do período de governo de Medvedev, por vezes de
certo modo reminescentes dos tempos de Gorbachev e de Yeltsin,
não nos deixam ter a certeza de que a Dificuldade recorrente ficou
para trás e que a Rússia entra de novo na sua órbita natural
continental eurasiática. Queremos acreditar nisto, mas, ai, não há
ainda suficientes bases para tal crença: todas as reformas
geopolíticas de Putin, positivas até ao mais alto grau, têm um defeito
muitíssimo importante: elas não são irreversíveis, não passaram o
ponto de não-regresso; e, em consequência, estão prontas a cair a
qualquer momento face àqueles processos destrutivos que
prevaleceram no fim da era soviética e nos democráticos anos de
1990.
O futuro geopolítico da Rússia está em causa hoje, dado que o seu
presente geopolítico está em causa. Na própria Rússia, uma
confrontação escondida tem lugar no seio da sua elite política entre o
novo Ocidentalismo (Atlantismo) e uma gravitação em direção às
constantes da história russa [russkii] (o que necessariamente nos
conduz ao eurasianismo). Daqui podemos tirar algumas conclusões
relacionadas com o desenvolvimento vindouro de processos
geopolíticos.
A própria natureza de longa duração da profunda crise
geopolítica, que se tem estendido mais do que as anteriores, e ao fato
de que ainda não tenha sido ultrapassada até ao presente, indicam
que a construção geopolítica do Heartland se encontra ela própria
num estado confuso, o que se reflete não só na estratégia e política
externa, mas também na qualidade da elite e na condição da
sociedade no seu todo.
Consequentemente, esforços muito sérios e, até extraordinários
nas mais variadas esferas são requeridos para sair desta situação,
incluindo mobilização social e paradigmática. Mas isto, por sua vez,
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Aleksandr Dugin
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exige uma personalidade energética e de vontade forte à cabeça do
governo, um novo tipo de elite governante e uma nova forma de
ideologia. Apenas neste caso o principal vetor geopolítico da história
russa [russkii] se estenderá até ao futuro.
Se considerarmos que isto irá acontecer, além do mais no futuro
imediato, podemos conjecturar que a Rússia tomará a dianteira na
construção de um mundo multi-polar, embarcará num sistema
versátil de alianças planetárias, visando minar a hegemonia
americana, e reemergirá como uma potência planetária na
organização de um modelo concreto de um mundo multi-polar
principalmente sobre novas fundações, propondo um largo
pluralismo de civilizações, valores, estruturas econômicas etc. Neste
caso, a influência da Rússia crescerá rapidamente, e o fator básico de
movimento na direção de uma potência mundial será mantido mais
uma vez. Tal cenário precisamente pode ser colocado na base de uma
doutrina geopolítica não contraditória para a Rússia, invocada para
fornecer-lhe um futuro correspondendo às suas ambições históricas e
civilizacionais e o seu “sentido espacial”.
Mas não podemos excluir que os eventos venham a desenrolar-se
de acordo com um cenário diferente e que a prolongada crise
continue. Neste caso, a soberania enfraquecerá uma vez mais, a sua
integridade territorial será colocada em questão, e os processos de
degeneração da elite governante e a condição deprimida das vastas
massas corroerão a sociedade a partir do interior. Em combinação
com a política efetiva da civilização do Mar e das suas redes de
influência na Rússia, isto pode levar às mais destrutivas
consequências. Neste caso, falar de qualquer geopolítica da Rússia
será superflúo.
Na nossa sociedade há apoiantes do ponto de vista de que desta
vez a Rússia não necessita de ter de novo ambições globais ou
imperiais, para assegurar as quais em termos de potencial efetivo o
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A Geopolítica da Rússia Contemporânea
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país não está em condições de fazê-lo; mas ao mesmo tempo que ela
não deve desmoronar-se e degradar-se como no estágio anterior.
Apoiantes deste ponto de vista, contudo, não tomam em
consideração que nas circunstâncias contemporâneas, preservar a
soberania ao nível de hoje, não tentando expandi-la e fortalecê-la,
não pode ter sucesso por muito tempo, dado que os EUA e a
civilização do Mar no seu conjunto assaltou significativamente a
Rússia, e quando a situação se tornar crítica, eles não hesitarão em
aplicar um golpe decisivo contra o seu adversário principal na
grande guerra dos continentes. Todas as discussões de que o
Ocidente, tal como dantes, já não vê na Rússia um rival e que está
preocupado antes de mais com a “ameaça islâmica” ou com o
crescimento do potencial da China são nada mais do que manobras
de diversão e elementos de uma guerra de informação. Todos os
estrategistas americanos que receberam uma educação de elite, uma
educação ampla, não podem deixar de compreender as leis da
geopolítica; não podem deixar de conhecer Mahan, Mackinder,
Spykman, Bowman; não podem ignorar Brzezinski ou Kissinger. A
elite americana está perfeitamente consciente da sua natureza
atlantista e lembra-se da muito importante fórmula dos geopolíticos
de como alcançar o domínio global: “Quem controla a Eurásia
controla todo o mundo”. Portanto, de um ponto de vista geopolítico,
esperanças de que a Rússia seja capaz de preservar-se nessa forma
limitada, regional e reduzida na qual existe agora, tendo repudiado a
mobilização, uma nova onda de expansão e a participação em
processos globais em nome da civilização da Terra (a qual hoje se
expressa no princípio da Multipolaridade), são infundadas e sem
substância. Nisto se encontra o significado da fórmula perfeitamente
adequada: “A Rússia será grande ou não será”72. A Rússia não será
capaz de se transformar num país “normal” sem esforço e por
inércia. Se ela não entrar num ciclo de nova ascensão, será forçada
a entrar num ciclo de declínio. E se isto acontece, então é impossível
determinar em que estágio o ciclo recorrente de queda, crise e
catástrofe acabará. Não podemos excluir também o desaparecimento
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Aleksandr Dugin
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do nosso país do mapa; no fim de contas, a grande guerra dos
continentes é a guerra mais real, na qual o preço é o
desaparecimento. Não devemos concentrar-nos muito nesta
perspectiva sombria, dado que o futuro está em aberto e em larga
medida depende daqueles esforços que serão levados a cabo no
presente. Como o pensador e ator político italiano Curzio Malaparte
disse, “Nada está perdido até tudo estar perdido”. Portanto, devemos
olhar para o futuro com otimismo razoável e criar este grande futuro
continental eurasiático com as nossas próprias mãos.
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