O Objeto de Arte Na Epoca Do Fim Do Belo Do Objeto Ao Abjeto
O Objeto de Arte Na Epoca Do Fim Do Belo Do Objeto Ao Abjeto
O Objeto de Arte Na Epoca Do Fim Do Belo Do Objeto Ao Abjeto
com/lacanempdf
A OBJETALIDADE DA CIÊNCIA, DA ARTE E A POLÍTICA
Esse mesmo artista é também célebre por obras dentre as quais uma se chama "Mother
and child"9: trata-se de uma vaca e de seu bezerro, cortados em postas e conservados, pedaço
por pedaço, em caixas de plástico transparente do tamanho da vaca, cheias de fo1mol e
alinhadas ligeiramente espaçadas umas atrás das outras, em ordem. O eco para nós com o
sonho da bela açougueira e as fatias posteriores de uma bela histérica é enganador. Aqui as
fatias devem ser tomadas como o contrário do embalsamamento do falo, mais taxide,mia dos
órgãos expostos ao olhar, interior tornando-se externo: a imagem do corpo em sua bela
forma é cuidadosamente recortada, não pelo significante, como o pratica o sintoma histérico
em seu esforço de anatomia linguageira, mas por um escalpelo fatiador que remete ao método
científico. Essas obras trouxeram um problema para os museus que as adquiriram. De fato,
algumas dessas caixas transparentes se racharam muito rapidamente, tomando particular
mente perigosa a sua exposição. Tocamos aí em outro ponto. As obras contemporâneas são
muitas vezes efêmeras; algumas por estrutura, por serem performances, outras, como no
caso desse tipo de obra de Hirst, por razões técnicas, outras ainda em função de seu suporte
(o Puppy, do Guggenheim de Bilbao). Isto conduz a debates no mercado de arte acerca do
preço desses restos de performance (fotos, vídeo, kit para reproduzir a performance inicial,
do tipo "faça você mesmo", objetos diversos que foram utilizados nas pe1formances). Quanto
às instalações, elas necessitam espaços muitas vezes gigantescos. Mas o espaço que muitas
delas requerem ultrapassa em muito o enquadre estreito do museu, e mesmo da cidade, e até
do espaço habitado. Tanto em termos de tempo, como de espaço, os objetos de arte contem
porânea fazem explodir as paredes, os dispositivos tradicionalmente partilháveis das obras
pelos séculos passados e mais genericamente o campo do olhar humano. O mesmo se dá com
relação às técnicas, os saberes e os materiais que deixaram de enviar aos cursos como aos
domínios que organizavam tradicionalmente o mundo da arte: mistura dos gêneros (teatro,
dança, artes plásticas, vídeo, cinema), mistura de formações, mistura de discursos. A arte
passa a se opor a qualquer tentativa de transformá-la em conjunto consistente. Ela está do
lado do Não-todo, o que tem conseqüências sobre os objetos que são os produtos disso: na
maior parte do tempo são inclassificáveis (em termos de classe, isto é, em termos fálicos).
Deste modo as produções reagrupadas mal ou bem sob o vocábulo "body art" manifestam
um único traço comum, que apresenta igualmente a primeira obra de Hirst que mencionei:
assim como o símbolo da vanidade é uma vanidade, assim como o objeto de arte é o artista. É
o caso de Orlan10 , recentemente entrevistada por J.-A. Miller, mas também diversos outros11 .
O objeto pode ser o corpo do artista e a operação à qual se submete, mas também sua subje
tividade12 .
Com a barreira do Belo, outros limites foram seja deslocados, seja apagados. Esse cruza
mento de registros diz respeito a:
1- a barreira entre o corpo, no sentido da imagem global, pivô da dimensão do imaginário
e o organismo, pivô da dimensão do real;
2 - a barreira do dentro-fora que aí é correlacionada, abolida tanto em relação ao espaço
em que são situadas as obras quanto o interior/exterior do corpo, o íntimo e o não íntimo, a
subjetividade e a objetividade. Essa abolição tem um efeito dinamite sobre as diferentes
O objeto de arte permanece, portanto, hoje, um modo de satisfação sem denegação e sem
recalcamento.
3 - Como qualificar mais adiante tal satisfação? É uma satisfação irônica. A visada é fazer o
público entrar em um mundo irônico ou de esburacar a realidade quotidiana com espaços irôni
cos. É a ironia que confere ao objeto de ar atual sua "psychotic touch", um pequeno ar de psicose.
O objeto de arte contemporânea é fora do sentido. Quando acontece de ele ser separadot�
o corte jamais toma um sentido fálico reconhecido. Ele é da ordem do bricabraque, de uma
metonímia aleatória. Ele se parece com lalíngua, com o inconsciente real. Se é objeto causa de
desejo, é um desejo de real. Mas poderíamos nomeá-lo a-bjeto real, justamente porque sua
única consistência é irônica. k, vezes, essa ironia consente com o humor, às vezes ao cômico,
tal como o definiu Lacan ao falar do pato que corre ainda depois que lhe cortaram o pescoço;
às vezes ela não consente com nada.
Deixemos a última palavra a um artista russo contemporâneo do qual uma pequena obra
dos anos 80 foi apresentada na exposição do Guggenheim Bilbao consagrada à arte russa do
século XVII aos nossos dias. Imaginem um pequena caixa de 30 X 70 centímetros, mais ou
menos na qual um pequeno personagem se volta alternadamente para as costas e para o
ventre. E leiam o título: "Lênin se revira em sua tumba". Não é só Lênin que a arte contempo
rânea e a psicanálise de orientação lacaniana impedem de dormir o sono eterno!
Texto traduzido por Teresinha N. M. Prado.
"Gunter Von Hagens, "The Javelin Trower": http://technorati.com/photos/tag/gunther+von+hagens; Gina Pane: http://www.artistasvisuais.com.br/
consultaimagemartista.asp?id= 198; Sterlac: www.stelarc.va.com.au/; June Paik www.junepaik.com/;
"Marina Abramovic, "Balkan Baroque": http://chelseaartgalleries.com/auctions/with?sale = C37&lot = 685
13Win Delvoye, Cloaca: www.wimdelvoye.be/