Princípios Gerais de Psicofarmacologia
Princípios Gerais de Psicofarmacologia
Princípios Gerais de Psicofarmacologia
Princípios gerais
de psicofarmacologia
CLASSIFICAÇÃO
Este livro utiliza uma classificação em que cada medicamento é dis-
cutido de acordo com sua categoria farmacológica. Cada um é descrito
em termos de suas ações farmacológicas, incluindo sua farmacodinâmica
30 Sadock, Sadock & Sussman
AÇÕES FARMACOLÓGICAS
As ações farmacológicas são divididas em duas categorias: farmacoci-
néticas e farmacodinâmicas. Em termos simples, a farmacocinética descre-
ve o que o organismo faz com o medicamento e a farmacodinâmica descre-
ve o que o medicamento faz ao organismo. Dados da farmacocinética acom-
panham a absorção, a distribuição, o metabolismo e a excreção do medica-
mento no organismo. Dados da farmacodinâmica estudam o efeito do me-
dicamento sobre as células no cérebro e nos outros tecidos do organismo.
Farmacocinética
Absorção. Os medicamentos chegam ao cérebro através da corren-
te sangüínea. Os administrados por via oral se dissolvem nos líquidos
do trato gastrintestinal (GI), dependendo de sua solubilidade em lipídeos
e do pH local do tubo GI, de sua motilidade e da área de sua superfície,
e a seguir são absorvidos pelo sangue.
A acidez do estômago pode estar reduzida por inibidores da bomba
gástrica de íons, como o omeprazol e o lanzoprazol; por bloqueadores
dos receptores de histamina H2, como cimetidina, famotidina, nizatidina
e ranitidina; ou por antiácidos. A motilidade gástrica e intestinal pode
estar lentificada por medicamentos anticolinérgicos ou aumentada por
antagonistas de receptores de dopamina, como a metoclopropamida.
Os alimentos também podem aumentar ou reduzir a taxa e o grau da
absorção dos medicamentos.
Como regra, a administração parenteral pode provocar concentra-
ções plasmáticas terapêuticas de forma mais rápida do que a adminis-
tração oral. Contudo, alguns medicamentos são administrados
deliberadamente emulsificados em uma matriz portadora insolúvel para
administração intramuscular (IM), que produz uma liberação gradativa
do medicamento por várias semanas. Essas formulações são denomina-
das de preparações depot. A administração intravenosa (IV) é a via mais
rápida para se conseguir concentrações sangüíneas terapêuticas, mas
também acarreta possibilidades mais altas de efeitos adversos súbitos
com risco de morte.
Manual de Farmacologia Psiquiátrica de Kaplan e Sadock 31
Metabolismo e excreção
Vias metabólicas. As quatro principais vias metabólicas para os
medicamentos são a oxidação, a redução, a hidrólise e a conjugação.
Em geral, o metabolismo produz metabólitos inativos que são pronta-
mente excretados. Contudo, ele também transforma vários pré-medica-
mentos inativos em metabólitos terapeuticamente ativos.
O fígado é o principal local do metabolismo; a bile, as fezes e a urina
são as principais vias de excreção. Os medicamentos psicotrópicos tam-
bém são excretados no suor, na saliva, nas lágrimas e no leite materno.
Quantificação do metabolismo e da excreção. Quatro parâmetros
importantes relativos ao metabolismo e à excreção são o pico da concentra-
ção no plasma, a meia-vida, o efeito de primeira passagem e a depuração.
O tempo entre a administração de um medicamento e o aparecimen-
to do pico das concentrações plasmáticas varia de acordo com a via de
administração e a taxa de absorção.
A meia-vida de um medicamento é o período de tempo necessário para
que o metabolismo e a excreção reduzam uma concentração plasmática
32 Sadock, Sadock & Sussman
TABELA 1.1
Comparação da inibição metabólica com a indução metabólica
Inibição Indução
TABELA 1.2
Substratos de medicamentos psicotrópicos representativos dos citocromos
P450 humanos, em conjunto com inibidores representativos
Farmacodinâmica
As principais considerações farmacodinâmicas incluem o sítio mole-
cular de ação, a curva dose-resposta, o índice terapêutico e o desen-
volvimento de tolerância, dependência e sintomas de abstinência.
Sítio molecular de ação. Os medicamentos psicotrópicos podem atuar
sobre vários sítios moleculares das células cerebrais. Alguns ativam (ago-
nistas) ou inativam (antagonistas) os receptores de um neurotransmissor
específico.
Outros medicamentos, particularmente os antidepressivos, ligam-se
aos transportadores que normalmente levam a serotonina ou a norepinefrina
da fenda sináptica para os terminais nervosos pré-sinápticos (inibidores
da recaptação) e os bloqueiam.
Alguns medicamentos bloqueiam a passagem de cátions ou ânions
através dos canais de íons imersos na membrana celular (inibidores ou
bloqueadores de canais). Outros ligam-se a enzimas catabólicas que
normalmente inativam os neurotransmissores e as inibem, o que pro-
longa o tempo de vida ativa dos neurotransmissores (p. ex., os inibidores
da monoaminoxidase). Finalmente, vários medicamentos têm inúmeros
sítios moleculares de ação, embora ainda não se saiba quais desses síti-
os são terapeuticamente relevantes.
Curva dose-resposta. A curva dose-resposta configura a resposta clí-
nica ao medicamento em função da sua concentração (Figura 1.1). A potên-
cia refere-se à comparação das dosagens de diferentes medicamentos ne-
cessárias para atingir um determinado efeito. O haloperidol, por exemplo, é
mais potente do que a clorpromazina, porque aproximadamente 2 mg de
haloperidol são necessários para se conseguir o mesmo efeito terapêutico
de 100 mg de clorpromazina. Contudo, ambos os medicamentos são iguais
em sua eficácia clínica – essa é a resposta clínica máxima que se consegue
pela administração de um medicamento.
Índice terapêutico. O índice terapêutico é a medida relativa da
toxicidade ou segurança do medicamento. É definido como a razão da
dose tóxica mediana (DT50) – a dose com a qual 50% dos pacientes
experimentam efeitos tóxicos –, e a dose eficiente mediana (DE50) – a
dose com que 50% dos pacientes experimentam efeitos terapêuticos.
Por exemplo, o haloperidol tem um alto índice terapêutico, como evi-
denciado pela ampla faixa de doses em que é prescrito sem a monitoração
das concentrações no plasma. De modo inverso, o lítio tem um índice
terapêutico baixo e por isso exige uma estrita monitoração das concen-
trações plasmáticas para evitar a toxicidade.
As pessoas exibem tanto variações interindividuais como intra-indivi-
duais em suas respostas a um medicamento específico. Um indivíduo pode
ser hiporreativo, normalmente reativo ou hiper-reativo a um determinado
medicamento. Por exemplo, alguns pacientes necessitam de 50 mg por dia
Manual de Farmacologia Psiquiátrica de Kaplan e Sadock 35
Efeito
terapêutico
B
D
Dose
FIGURA1.1
As curvas dose-resposta expressam graficamente o efeito terapêutico em fun-
ção do aumento da dose, por vezes calculado como o logaritmo da dose. O
medicamento A tem uma resposta linear à dose; os medicamentos B e C têm
curvas sigmóides; e o medicamento D tem uma curva dose-resposta curvilínea.
Embora doses menores do medicamento B sejam mais potentes do que doses
iguais do medicamento C, o medicamento C tem uma eficácia máxima maior
do que o medicamento B. O medicamento D tem uma janela terapêutica tal,
que tanto doses baixas como altas são menos eficientes do que doses médias.
INTERAÇÕES MEDICAMENTOSAS
As interações medicamentosas podem ser tanto farmacocinéticas como
farmacodinâmicas, e seu potencial de causar problemas varia muito. As
interações medicamentosas farmacocinéticas referem-se aos efeitos dos
medicamentos sobre suas concentrações plasmáticas respectivas, e as
farmacodinâmicas referem-se aos efeitos dos medicamentos sobre as ati-
vidades de seus receptores.
As interações farmacodinâmicas que causam alterações bioquímicas que
se somam podem desencadear efeitos adversos tóxicos. Por exemplo, os
inibidores da monoaminoxidase (IMAOs), quando co-administrados tanto
36 Sadock, Sadock & Sussman
SELEÇÃO DE MEDICAMENTOS
A eficácia de um medicamento é apenas parcialmente previsível e
depende das propriedades e da biologia do paciente. As decisões sobre a
seleção e a utilização de medicamentos são tomadas caso a caso, apoiadas
na avaliação individual do médico. Há três fatores na seleção de medica-
mentos: (1) o medicamento, (2) o paciente e (3) o conhecimento e a avalia-
ção do médico que prescreve. Cada um desses componentes afeta a proba-
bilidade de um resultado bem-sucedido. A Tabela 1.3 lista alguns fatores
que influenciam a seleção de antipsicóticos.
INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS
Uma indicação terapêutica é um diagnóstico psiquiátrico, como definido
pela 10ª revisão da Classificação estatística internacional de doenças e
Manual de Farmacologia Psiquiátrica de Kaplan e Sadock 37
TABELA 1.3
Fatores que influenciam a escolha de antipsicóticos
Fator Considerar
TABELA1.4
Características de medicamentos em cada nível da Drug Enforcement
Agency (DEA)
Características dos
Esquema (Nível medicamentos em Exemplos de medicamentos
de controle) cada esquema em cada esquema
TABELA 1.5
Fases do desenvolvimento de medicamentos
Estudos não clínicos (pré-clínicos). Os estudos não clínicos que são suficientes para esta-
belecer a dose tolerável e identificar os órgãos alvo de toxicidade de um novo medicamento
devem ser realizados antes da primeira utilização de uma nova substância química em
humanos. É exigida uma bateria-padrão de estudos em animais e estudos in vitro.
Fase I. Os estudos dessa fase representam a introdução inicial de um novo agente em
humanos. Esses estudos, em geral realizados em voluntários sadios em ambientes
monitorados estritamente (por vezes hospitalizados), servem para caracterizar a absor-
ção, a distribuição, o metabolismo e a excreção do composto, para identificar toxicidades
associadas à administração do medicamento e para estabelecer uma dose tolerável,
visando estudos adicionais.
Fase II. Essa fase inclui os estudos controlados iniciais de eficácia clínica. Esses estudos,
via de regra, incluem pacientes com a doença ou condição sob estudo, cuidadosamen-
te selecionados, e em geral são bem controlados, monitorados e realizados com o
máximo rigor para a coleta de dados de eficácia. Na fase II, o trabalho exploratório é
encaminhado para auxiliar a determinação das doses ideais do medicamento.
Fase III. Após a evidência preliminar sugerindo que a eficácia do medicamento foi
estabelecida nos ensaios da fase II, são necessárias informações adicionais sobre efi-
cácia e segurança para avaliar a relação custo-benefício geral do medicamento e
prover uma base adequada para a bula do produto. Os estudos de fase III, ensaios
controlados e não controlados ampliados, fornecem essa informação.
Fase IV. Uma vez que o medicamento tenha sido aprovado, atividades subseqüentes
pós-comercialização podem ser realizadas na fase IV. Estudos para elucidar novas
indicações ou efeitos colaterais e riscos ocorrem nessa fase.
40 Sadock, Sadock & Sussman
Efeitos adversos
Os efeitos colaterais são um risco inevitável do tratamento medicamen-
toso. Embora seja impossível ter um conhecimento enciclopédico de to-
dos os efeitos adversos dos medicamentos, os clínicos que os prescrevem
devem estar familiarizados com os mais comuns, bem como com as con-
seqüências médicas mais sérias. Ainda que a FDA exija que a informação
sobre o produto contenha os resultados de ensaios clínicos, muitos dos
efeitos adversos listados não estão de fato associados de forma causal
com a utilização do medicamento, e é comum que os efeitos colaterais
não sejam verificados durante os ensaios clínicos. Dessa forma, é impor-
tante que os clínicos acompanhem os relatos de efeitos adversos associa-
dos ao tratamento durante o período pós-comercialização. Nenhum texto
ou documento, nem mesmo a informação sobre o produto, contém uma
lista completa dos eventos que podem emergir com o tratamento.
É sempre melhor antecipar os efeitos adversos esperados, bem como os
efeitos colaterais raros, mas potencialmente problemáticos, e considerar se
eles serão inaceitáveis para o paciente. Por exemplo, disfunção sexual, au-
mento de peso, sedação diurna, sudorese, náusea e constipação podem previ-
sivelmente levar alguns pacientes a interromper o tratamento. Assim, é impor-
tante discutir com eles os efeitos adversos potenciais e determinar se é pro-
vável que surja algum problema com a adesão. As pessoas em geral têm
menos dificuldade com os efeitos adversos se souberem o que esperar.
Os efeitos colaterais dos medicamentos podem, em grande parte, ser
explicados por suas interações com vários sistemas de neurotransmissores,
Manual de Farmacologia Psiquiátrica de Kaplan e Sadock 41
TABELA 1.6
Efeitos adversos potenciais causados pelo bloqueio dos receptores
muscarínicos da acetilcolina
Visão turva
Constipação
Diminuição da salivação
Diminuição da sudorese
Ejaculação retardada ou retrógrada
Delirium
Exacerbação da asma (pela redução de secreções brônquicas)
Hipertermia (pela redução da sudorese)
Problemas de memória
Glaucoma de ângulo estreito
Fotofobia
Taquicardia sinusal
Retenção urinária
TABELA 1.7
Efeitos adversos potenciais de medicamentos psicotrópicos sobre os sis-
temas associados de neurotransmissores
Antidoparminérgicos
Disfunção endócrina
Hiperprolactinemia
Disfunção menstrual
Disfunção sexual
Transtornos dos movimentos
Acatisia
Distonia
Parkinsonismo
Discinesia tardia
Antiadrenérgicos (principalmente α)
Tonturas
Hipotensão postural
Taquicardia reflexa
Anti-histaminérgicos
Hipotensão
Sedação
Ganho de peso
Sistemas de múltiplos neurotransmissores
Agranulocitose (e outras discrasias sangüíneas)
Reações alérgicas
Anorexia
Anormalidades da condução cardíaca
Náuseas e vômitos
Convulsões
42 Sadock, Sadock & Sussman
TABELA 1.8
Efeitos colaterais comuns associados com os medicamentos psicotrópicos
mais novos
(Continua)
Manual de Farmacologia Psiquiátrica de Kaplan e Sadock 43
TABELA 1.8
(Continuação)
(Continua)
44 Sadock, Sadock & Sussman
TABELA 1.8
Efeitos colaterais comuns associados com os medicamentos psicotrópicos
mais novos (Continuação)
Sudorese
Sudorese grave não relacionada com a temperatura ambiente se associa aos ADTs,
aos ISRSs e à venlafaxina. Esse efeito colateral é, por vezes, socialmente incapacitante.
Podem ser feitas tentativas de tratá-lo com um agente α, como a terazosina ou a
oxibutinina.
Cardiovasculares
Os agentes mais novos têm menos probabilidade de ter efeitos cardíacos diretos.
Vários agentes mais antigos, como os ADTs e as fenotiazinas, afetam a pressão
arterial e a condução cardíaca. Verificou-se que o medicamento tioridazina, que
está em uso há décadas, prolonga o intervalo QTc de forma relacionada com a dose
e pode aumentar o risco de morte súbita ao atrasar a repolarização ventricular e
causar “torsades de pointes”. Hoje em dia é feita uma pesquisa de rotina da evi-
dência de efeitos cardíacos de novos medicamentos. Um promissor tratamento para
psicose, o sertindol, não foi comercializado porque a FDA teria exigido o aviso de
tarja preta. Leves efeitos sobre o QTc observados com a ziprazidona postergaram a
comercialização desse medicamento. Doses normalmente altas e doses mais altas
da olanzapina podem levar a prolongamento do intervalo PR e atraso da condução
atrioventricular.
O manejo de efeitos colaterais específicos de medicamentos individuais é aborda-
do nos respectivos capítulos.
Exantema
Qualquer medicamento é uma fonte potencial de exantema por medicamentos.
Alguns psicotrópicos, como a carbamazepina e a lamotrigina, têm sido ligados a
aumento de risco de dermatite exfoliativa grave, de modo que os pacientes devem
ser informados sobre a seriedade de lesões disseminadas que ocorram acima do
pescoço ou envolvam as membranas mucosas. Se esses sintomas se manifestarem,
o paciente deve ser instruído, no momento em que o medicamento é prescrito, a ir
imediatamente a um pronto-socorro e a não tentar, primeiro, entrar em contato
com o psiquiatra que o prescreveu.
das pessoas que tomam um ISRS relatam alguma disfunção sexual, como
redução da libido, perturbação da ejaculação e da ereção ou inibição do
orgasmo feminino.
Como regra, a melhor abordagem ao tratamento farmacológico da
disfunção sexual é trocar o ISRS pela mirtazapina ou pela bupropiona,
medicamentos com pouca probabilidade de causar disfunção sexual. Se a
utilização de um ISRS está indicada, o acréscimo de um agente pró-sexu-
al, como a bupropiona, pode ser suficiente para reverter a inibição sexual
produzida por ele. Os medicamentos pró-sexuais mais bem tolerados e
mais potentes atualmente disponíveis são os que atuam sobre as fosfodies-
terases (PDEs), como o sildenafil.
Ansiedade, acatisia, agitação e insônia. Muitas pessoas que iniciam
o tratamento com antidepressivos serotonérgicos (p.ex., a fluoxetina) ex-
perimentam um aumento transitório da ativação psicomotora nas primei-
ras 2 a 3 semanas de uso. Os efeitos ativadores dos ISRSs aumentam
modestamente o risco de ativar os impulsos suicidas em pessoas com
tendência para o suicídio. Durante o período inicial do tratamento com
ISRS, as pessoas em risco de auto-agressão devem manter contato estrito
com o clínico ou devem ser hospitalizadas, dependendo da avaliação do
médico sobre o risco de suicídio.
A insônia e a ansiedade associadas ao uso de medicamentos seroto-
nérgicos podem ser contrapostas pela administração de um benzodiaze-
pínico ou da trazodona, nas primeiras semanas. Se a agitação for extrema
ou persistir além do período inicial de 3 semanas, outro tipo de antide-
pressivo, como a mirtazapina ou um agente tricíclico, deve ser considera-
do. Tanto os medicamentos antipsicóticos típicos como os atípicos asso-
ciam-se a transtornos dos movimentos discutidos no próximo capítulo,
sobre os transtornos dos movimentos induzidos por medicamentos.
Mal-estar gastrintestinal (GI) e diarréia. A maior parte da se-
rotonina do organismo encontra-se no tubo GI, e os medicamentos sero-
toninérgicos, particularmente a sertralina, a venlafaxina e a fluvoxamina,
podem, portanto, provocar dor no estômago, náusea e diarréia, de mo-
derada a grave, em geral apenas nas primeiras semanas do tratamento.
A sertralina tem mais probabilidade de causar diarréia, e a fluvoxamina
tem mais probabilidade de causar náuseas.
Esses sintomas podem ser reduzidos se o tratamento for iniciado
com doses bem baixas e o medicamento for administrado após a ali-
mentação. Alterações dietéticas como a dieta BRAT (bananas, arroz
[rice], maçã [apple] e torradas) podem diminuir a diarréia. Os sintomas
em geral diminuem com o passar do tempo, mas algumas pessoas nunca
se adaptam e necessitam trocar de medicamento.
Cefaléia. Uma pequena fração das pessoas que iniciam o tratamen-
to com qualquer medicamento psicotrópico pode experimentar cefaléias
46 Sadock, Sadock & Sussman
Escolha do medicamento
História medicamentosa prévia. Um medicamento específico deve
ser selecionado de acordo com a história da resposta do paciente a me-
dicamentos (adesão, resposta terapêutica e efeitos adversos), a história
50 Sadock, Sadock & Sussman
Avaliação do resultado
A melhora clínica que ocorre durante o curso de um tratamento
medicamentoso pode não estar necessariamente relacionada com os efei-
tos farmacológicos do medicamento. Por exemplo, o sofrimento psico-
lógico por vezes melhora com o simples encorajamento de um médico
assistente. Vários transtornos têm remissão espontânea, de modo que
“sentir-se melhor” pode ser o resultado de coincidência, e não da medi-
cação. Por isso, é importante identificar sem ambiqüidade a natureza e
o curso de tempo esperado para a melhora clínica causada pelos efeitos
farmacológicos da medicação.
Na prática clínica, a impressão subjetiva do indivíduo quanto ao efei-
to benéfico de um medicamento é o indicador isolado mais consistente da
resposta futura ao mesmo. As avaliações clínicas de resultados de ensaios
clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo depen-
dem de escalas de avaliação psiquiátrica quantitativas, como a Escala
Breve de Avaliação Psiquiátrica, a Escala de Síndrome Positiva e Negati-
va, a Escala de Avaliação de Depressão de Montgomery-Asberg, a Escala
de Hamilton de Avaliação da Depressão, a Escala de Avaliação de Ansie-
dade de Hamilton ou a Escala de Avaliação Global de Funcionamento.
Ensaios terapêuticos. Uma pergunta típica dos pacientes é: “Por
quanto tempo preciso tomar o medicamento?”. Pode lhes ser dada uma
explanação razoável das probabilidades, mas deve ser dito que é me-
lhor primeiro verificar se o medicamento funcionará com eles e se os
efeitos colaterais serão aceitáveis. Qualquer exposição mais definitiva
da duração do tratamento deve ser evitada até que o grau de êxito esteja
claro. Mesmo pacientes com aversão filosófica ao uso de medicamen-
tos psicotrópicos podem preferir continuar indefinidamente com a me-
dicação se a melhora for grande.
O tratamento é conceitualmente decomposto em três fases: o ensaio
terapêutico inicial, a continuação e a fase de manutenção. O período ini-
Manual de Farmacologia Psiquiátrica de Kaplan e Sadock 51
cial de tratamento deve durar várias semanas devido à demora nos efeitos
terapêuticos que caracteriza a maioria das classes de medicamentos psi-
cotrópicos. A duração necessária de um “ensaio terapêutico” deve ser
discutida no início do tratamento para que o paciente não tenha expecta-
tivas irreais de melhora imediata dos sintomas. Infelizmente, no transcor-
rer da farmacoterapia os pacientes têm mais probabilidade de experimen-
tar efeitos colaterais antes de qualquer alívio de seu problema. Em alguns
casos, a medicação pode até exacerbar alguns sintomas. Os pacientes de-
vem ser informados de que uma reação inicial ruim à medicação não é
indicadora do resultado final do tratamento. Por exemplo, vários pacien-
tes com transtorno de pânico desenvolvem inquietude ou aumento dos
ataques após começar o tratamento com tricíclicos ou com ISRSs. Os
agonistas dos benzodiazepínicos são uma exceção à regra de que há de-
mora no início clínico. Na maioria dos casos, os efeitos hipnóticos e a
antiansiedade são imediatamente evidentes .
O uso persistente da medicação não fornece proteção absoluta con-
tra a recidiva. Contudo, a continuação do tratamento pode prover efei-
tos protetores significativos contra a mesma.
Duração do tratamento
O uso da dose correta. Não devem ser prescritas doses subterapêuticas
nem ensaios incompletos somente para aliviar a ansiedade do médico
sobre o desenvolvimento de efeitos adversos. A prescrição de medica-
mentos para transtornos mentais deve ser feita por um médico conhece-
dor e necessita de observação clínica contínua. A resposta ao tratamento
e o surgimento de efeitos adversos devem ser monitorados estritamente.
A dose do medicamento deve ser reajustada de acordo, e tratamentos
apropriados para efeitos adversos emergentes devem ser instituídos logo
que possível.
Tratamento de manutenção em longo prazo. Indivíduos com trans-
tornos do humor, de ansiedade ou esquizofrenia vivem com um risco au-
mentado de recidiva em virtualmente qualquer fase de suas vidas. En-
quanto alguns pacientes interrompem o tratamento porque os medica-
mentos são ineficazes ou mal tolerados, muitos interrompem sua medica-
ção porque estão se sentindo bem. Esse pode ser o resultado de um trata-
mento eficaz ou simplesmente de uma remissão que ocorreu naturalmen-
te. Os clínicos devem antecipar e alertar os indivíduos sobre a variação
natural dos transtornos psiquiátricos. Por exemplo, um indivíduo que usou
medicamentos para tratar um episódio psicótico agudo pode, logo após,
experimentar um período relativamente livre de sintomas e, então, impul-
sivamente suspender a medicação sem informar seu médico.
Dados de longo prazo demonstram que os indivíduos que interrom-
pem sua medicação após a remissão de um episódio agudo de um trans-
torno mental aumentam acentuadamente o risco de recidiva durante o
ano subseqüente, comparados com indivíduos que continuam o trata-
mento medicamentoso de manutenção. O fato é que a maioria dos trans-
tornos psiquiátricos é crônica ou recorrente. Em problemas como o trans-
torno bipolar, a esquizofrenia ou a depressão associada a tentativas de
suicídio, as conseqüências de recidiva podem ser graves.
O médico que trata pacientes com transtornos psiquiátricos deve pro-
videnciar revisões educativas continuadas e reforçar a importância de usar
os medicamentos. Ao comparar os transtornos psiquiátricos com condi-
54 Sadock, Sadock & Sussman
Populações especiais
Crianças. Afora o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade
(TDAH) e o transtorno obsessivo-compulsivo, os medicamentos psico-
trópicos comuns não têm indicações na bula para utilização pediátrica.
Quando os medicamentos são utilizados para tratar crianças e adoles-
centes, os resultados são extrapolados de estudos de adultos. Isso deve
ser feito com cuidado. Por exemplo, o volume de distribuição menor
sugere a utilização de doses mais baixas do que em adultos, mas a taxa
mais alta do metabolismo das crianças indica que pode ser necessária a
utilização de taxas mais altas de miligramas por quilo de peso corporal.
Na prática é melhor iniciar com uma dose baixa e aumentá-la até
que os efeitos clínicos sejam observados. O clínico, contudo, pode uti-
lizar doses de adultos em crianças se as doses forem eficazes e os efei-
tos adversos forem aceitáveis.
Pacientes geriátricos. Distúrbios do ritmo cardíaco, hipotensão,
distúrbios cognitivos e quedas são as principais preocupações quando
se trata de pacientes geriátricos. Os idosos também podem metabolizar
os medicamentos de forma lenta (Tabela 1.9) e necessitar de doses bai-
xas da medicação. Outro cuidado é que os pacientes geriátricos estão
muitas vezes usando outros medicamentos, o que obriga o clínico a
considerar possíveis interações medicamentosas.
Na prática, os clínicos devem iniciar o tratamento de pacientes ge-
riátricos com uma dose pequena, geralmente cerca da metade da dose
habitual. A dose deve ser aumentada em pequenas quantidades de modo
mais lento do que para adultos de meia-idade, até que se consigam os
benefícios clínicos ou apareçam efeitos adversos inaceitáveis. Embora
muitos pacientes geriátricos necessitem uma dose menor de medicação,
alguns necessitam das doses habituais de adultos.
Gestantes e lactantes. Os médicos, ao considerarem a utilização de
medicamentos psicotrópicos durante a gravidez, devem pesar os riscos
conhecidos ou a falta de informação disponível contra os riscos de não
tratamento. A regra básica é evitar a administração de qualquer medica-
mento a uma mulher grávida (particularmente durante o primeiro tri-
mestre) ou que esteja amamentando, a menos que seu transtorno psiquiá-
trico seja grave.
Se um medicamento associado a risco de defeitos congênitos precisa
ser utilizado durante a gravidez, os riscos e os benefícios do tratamento,
bem como um aborto terapêutico, devem ser discutidos. Os medicamentos
Manual de Farmacologia Psiquiátrica de Kaplan e Sadock 55
TABELA 1.9
Farmacocinética com o avanço da idade
Vd - Volume de distribuição.
De Guttmacher LB. Concise Guide to Somatic in Psichiatry. Washington DC: American
Psychiatric Press, 1988:126, com permissão.
MONITORAÇÃO LABORATORIAL
Para os medicamentos psicotrópicos utilizados com mais freqüência,
exames de rotina não são necessários. Contudo, complicações sérias de
tratamento com certos medicamentos podem ser prevenidas com a mo-
nitoração laboratorial, tanto das concentrações plasmáticas do medica-
mento como de indicadores laboratoriais de disfunção de certos órgãos.
Afora os medicamentos que necessitam de monitoração, os testes de labo-
ratório e a monitoração terapêutica do sangue devem ter por base as cir-
cunstâncias clínicas. Tratamentos com lítio e clozapina necessitam de
monitoração continuada. Informações adicionais sobre a monitoração se-
rão encontradas na seção em que o medicamento é discutido.
Para uma discussão mais pormenorizada desse tópico, ver General Principles of Psy-
chopharmacology, seção 31.1, p. 2676, e Pharmacokinetics and Drug Interactions,
seção 31.2 p. 2699, em CTP/VIII.