Conflitos Urbanos em Espaços Livres Públicos
Conflitos Urbanos em Espaços Livres Públicos
Conflitos Urbanos em Espaços Livres Públicos
- Prepared for delivery at the 2009 Congress of the Latin American Studies
Association, Rio de Janeiro, Brazil June 11-14, 2009 –
Resumo
A geografia nova de Milton Santos entende o espaço como total, no qual a dialética
das sociedades se estabelece com o espaço, que é forma-conteúdo, ou seja, abriga a
vida que o anima. Daí que “quando a sociedade age sobre o espaço, ela não o faz
sobre os objetos como realidade física, mas como realidade social, formas-conteúdo”
(SANTOS, 2002, p. 109). Os lugares são espaço de resistência, onde se encontram e
conflituam as diferentes racionalidades, sistêmicas e comunicacionais (HABERMAS,
1981). São assim, além de espaços de manutenção da produção/reprodução
capitalista-industrial, territórios do novo, do conflito. Para Bourdieu “é na relação entre
a distribuição dos agentes e a distribuição dos bens no espaço que se define o valor
das diferentes regiões do espaço social reificado.” (BOURDIEU, 1997, p. 161). Daí
decorre o interesse pelas diferentes dialéticas estabelecidas pelos diferentes
segmentos da sociedade com os diferentes espaços urbanos, particularmente os
espaços livres, privilegiados lugares da ação urbana.
Informações sobre a conflitualidade urbana constituem fonte inesgotável de
conhecimento das realidades urbanas, das dinâmicas sociais através das quais
nossas cidades "falam". A diversidade e multiplicidade da cidade aparecem, quase em
estado virgem, nos conflitos, eles mesmos dispersos, múltiplos e diversos. Atores,
objetos e objetivos de conflitos, temporalidades, formas, geografias, retóricas e
simbologias oferecem um quadro complexo e diferenciado da cidade. Movimentos
sociais organizados e manifestações de multidões, ações coletivas na justiça ou
abaixo-assinados, inúmeras são as formas através das quais a cidade expõe sua
desigualdade e, mais do que isso, elabora as formas de enfrentá-la.
O artigo pretende discutir como a cidade estruturada na desigualdade dos lugares
interage com os movimentos sociais manifestos e ou originados nos espaços livres
urbanos. Serão abordadas as principais formas, locais, objetos, coletivos mobilizados
e agentes reclamados pelos conflitos, como indicadores das insatisfações dos
cidadãos diante do espaço desigual nas cidades de Belo Horizonte, Minas Gerais e
Rio de Janeiro, Brasil.
1. Introdução
As possíveis leituras, a definição e os significados dos conflitos urbanos são
atualmente objeto de discussão e estudos nos meios acadêmicos, podendo obedecer
a vários critérios, ou seja, trata-se de um conceito aberto, em construção. Para efeito
deste trabalho, considera-se que conflitos urbanos são todo e qualquer confronto ou
litígio relativo à infra-estrutura, serviços ou condições de vida urbanas, que envolva
pelo menos dois atores coletivos e/ou institucionais (inclusive o Estado) e se manifeste
no espaço público (vias públicas, meios de comunicação de massa, justiça,
representações frente a órgãos públicos etc.). Entende-se ainda, grosso modo, que os
conflitos são respostas da população à ausência ou inadequação de políticas públicas
relativas à qualidade de vida e aos espaços urbanos. Assim, os resultados obtidos
representam uma chave de leitura da cidade. Chave esta que nos inicia não só nos
coletivos mobilizados de cada localidade onde se dão os conflitos, mas também nas
carências estruturais, concretas, e segregadas/segregadoras; mais ainda, nos remete
à fundamental questão da formação da esfera pública, em que a formação própria dos
espaços públicos é causa e, sistematicamente, fruto, da ação cidadã.
Chama-se de espaço público os bens de uso comum do povo, como ruas, praças,
parques, imóveis públicos e todos os lugares de apropriação pública, onde se realizam
ações da esfera pública, que podem ser livres ou edificados, de propriedade pública
ou privada. É onde se pode observar as relações entre seus elementos construídos ou
não e os fluxos de pessoas e mercadorias. Os espaços livres urbanos são o território
próprio à vida pública e à manifestação de conflitualidades. Estes espaços são como
espinhas dorsais da cidade, profundamente capilarizados pelo tecido urbano,
constituindo, normalmente, o maior percentual do solo das cidades brasileiras.
O trabalho tem como objetivo apresentar o trabalho que vem sendo desenvolvido em
Belo Horizonte relativo às qualidades do espaço público e aos conflitos nele
manifestos. Especula também, pela primeira vez, a comparabilidade dos conflitos
urbanos coletados nas cidades do Rio de Janeiro e de Belo Horizonte.
O projeto de pesquisa “Sistemas de Espaços Livres e a Constituição da Esfera Pública
Contemporânea: Estudos de caso em metrópoles-cidades e novas territorialidades
urbanas brasileiras” – Quapá-SEL, coordenado pelo núcleo de paisagem da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, vem sendo
também desenvolvido no Departamento de Urbanismo da Universidade Federal de
Minas Gerais segundo suas várias vertentes. O projeto global pretende mapear e
estudar os sistemas de espaços livres, em nível nacional, segundo as perspectivas do
planejamento físico-territorial, da qualidade ambiental, da sociologia urbana e da
gestão pública. O objetivo primeiro da pesquisa é o estudo dos padrões existentes nos
sistemas de espaços públicos na cidade brasileira incluindo-se aí as bases técnicas
dos agentes geradores e gestores destes espaços e as referências sócio-culturais dos
usuários frente à demanda e as formas de apropriação nas diversas realidades
nacionais, ou ainda a contribuição de diferentes sistemas de espaços livres para a
constituição da esfera de vida pública contemporânea em diversas realidades urbanas
brasileiras.
Já o Núcleo Belo Horizonte (Quapá-SEL/BH) tem entre seus objetivos gerais verificar
quais as principais formas de apropriação e quais as relações entre diferentes práticas
espaciais dos diversos elementos dos sistemas realizadas por distintos grupos sociais;
pretende também avaliar a contribuição de diferentes sistemas de espaços livres para
a constituição da esfera de vida pública contemporânea na realidade belo-horizontina.
Entre os objetivos específicos de interesse para o presente trabalho estão: Explorar a
constituição e a gestão da esfera de vida pública contemporânea sob a perspectiva da
instituição, manutenção e uso dos sistemas de espaços livres em Belo Horizonte;
mapear as demandas sociais, as sociabilidades estabelecidas por vias conflituosas ou
não, e as formas de apropriação social nos processos de preservação, reabilitação e
uso dos espaços livres.
O Mapa dos Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro, projeto piloto que deu origem ao
‘Observatório’, focalizou o período 1993-2002, compilando dados dos conflitos sobre
todo o período, tendo como fonte os jornais diários de grande circulação e pesquisa
relativa aos Inquéritos e ações propostas ao Ministério Público estadual ou propostas
pelo próprio MP, nas suas promotorias de meio ambiente e cidadania. Registrou,
sistematizou, classificou e produziu informações sobre lutas urbanas, movimentos
sociais e as múltiplas e diversas manifestações da conflituosidade da cidade, através
de uma base de dados geo-referenciada. A cada conflito identificado corresponde uma
ficha digital com um relato sintético, contendo, pelo menos, as seguintes informações:
cronologia, localização/área de abrangência; número de envolvidos e fonte, quando de
manifestações públicas; agentes coletivos e organizações sociais envolvidos; órgãos
governamentais envolvidos; objeto do conflito, reivindicações e respostas; expressões
jurídicas do conflito e outras informações relevantes; formas de manifestação do
conflito. A partir de 2003, o projeto ganha o nome de “Observatório de Conflitos
Urbanos do Rio de Janeiro”, já anunciando o desejo de formação de uma rede de
observatórios, porém guardando os mesmos princípios metodológicos.
Chama-se de espaço público não apenas aquele de propriedade pública (os bens de
uso comum do povo, as ruas, praças, parques, os imóveis do poder público, as
escolas públicas, os postos de saúde, os terminais municipais etc.), mas todos os
lugares de apropriação pública, onde se realizam ações da esfera pública.
Bauman (2007) descreve os espaços livres urbanos a partir da dicotomia gerada pelo
medo e seu contraponto, as possibilidades sociais de encontro com o outro. Enquanto
a ambição modernista propunha o aniquilamento e o nivelamento das diferenças, sem
jamais realizar tal façanha, a tendência pós-moderna aprofunda e as ‘calcifica’, através
da separação e estranhamento mútuos. No entanto, se por um lado os espaços
públicos conduzem a sensações de repulsa, por outro, a atração que exercem sobre
os indivíduos tem chance de superar ou neutralizar tal repulsão:
Uma reunião de estranhos é um lócus de imprevisibilidade endêmica e
incurável. [...] Os espaços públicos são locais em que os estranhos se
encontram e portanto constituem condensações e encapsulações dos
traços definidores da vida urbana. É nos espaços públicos que a vida
urbana, com tudo que a separa de outras formas de convívio humano,
alcança sua expressão mais plena, em conjunto com suas alegrias e
tristezas, premonições e esperanças mais características... (Bauman,
2007, p. 102).
Macedo, Robba e Queiroga1, citam Arendt (1958) para resgatar o conceito aristotélico
de vita activa e sua relação com os espaços urbanos de manifestação pública. Para
Arendt, a esfera de vida pública é a esfera própria da vita activa - ação política ampla
que concorre fundamentalmente para a construção da cidadania e das civilizações.
Os autores discutem ainda outro contraponto que tem como lócus privilegiado o
espaço urbano, este entre a individualidade particular e a própria genericidade
humana presente em cada indivíduo; contraponto exacerbado nos tempos atuais,
mostra a convivência, nem sempre pacífica, entre as esferas pública e privada, entre o
contemporâneo e o tradicional, entre o indivíduo, os grupos e o coletivo. Os espaços
livres urbanos são, portanto, território próprio à vida pública e à manifestação de
conflitualidades, para Macedo, Robba e Queiroga.
1
MACEDO, Silvio, ROBBA, Fabio e QUEIROGA, Eugênio. Projeto “Quadro do
Paisagismo no Brasil/ Sistemas de Espaço Livres – QUAPÁ/SEL, 2006. Não publicado.
experiência européia de industrialização não foi repassada ao Terceiro Mundo; 2) os
países pobres não tinham colônias para explorar; 3) a estrutura de classes nesses
países era completamente diversa daquela encontrada no Primeiro Mundo,
principalmente naqueles adeptos ao modelo escravocrata e ao sistema de castas; e 4)
havia uma enorme diversidade cultural e política entre os países pobres (DOS
SANTOS, 1973).
A maioria dos movimentos sociais, bem como uma série de organizações não-
governamentais que agora ocupam lugar de destaque na América Latina, tem raízes
exatamente nas desigualdades sociais atribuídas à adoção do paradigma
desenvolvimentista nos anos 1960 e 1970. Em toda a América Latina, fatores como as
intervenções estrangeiras, o papel do estado e das elites locais, a concentração de
renda, a ausência de políticas públicas sociais, a proletarização das comunidades
rurais, e o crescimento da sub-classe urbana demandavam organização e luta por
melhores condições de vida, tanto na cidade como no campo. Os movimentos e
manifestações sociais que se materializaram nos anos 1970, de maneira geral, podem
ser entendidos como sementes de uma nova identidade para as classes menos
favorecidas, como símbolos de resistência à opressão, seja ela política, econômica ou
social. Eles apoiavam e valorizavam o questionamento em relação ao estado
centralizador e hierárquico e em relação à legitimidade do status das elites
(CARDOSO, 1983).
Torres Ribeiro (apud CÂMARA, 2006) aponta uma dupla natureza no processo de
modernização a partir dos anos 1980: Enquanto a tecnologia celebra a arquitetura
icônica e os grandes equipamentos de uso excludente, as experiências de
sobrevivência popular são apagadas do espaço público. A partir dos anos 1990 a
experiência democrática, presente na organização social dos anos 1970, passa a se
restringir aos momentos eleitorais. Segundo Câmara:
O espaço, que segundo a autora, apresenta as marcas da acumulação histórica de
normas que orientaram sua formação e sua apropriação, a partir da modernização
segmentada e seletiva do ambiente construído, “cria uma nova hierarquia e morfologia
urbanas que “guetificam” as áreas de moradia das classes populares (CÂMARA, 2006,
p. 38).
Torres Ribeiro (apud CÂMARA, 2006) conclui que a economia se impõe à política e o
mercado ao Estado. Ainda, acirram-se os níveis de desigualdade e concentração de
renda; como resposta, o Estado adota políticas repressivas e “marketeiras”,
‘saneando’ as cidades de suas mazelas sociais e escondendo o que os investidores
não querem ver (CÂMARA, 2006). Conclui Câmara:
É nas cidades, e nas grandes cidades em particular, que se manifestam de maneira
mais aberta e brutal as desigualdades que marcam nossa sociedade. É [ali] que as
múltiplas formas de violência penetram o quotidiano e passam a constituir elemento do
próprio modo de vida na sociedade brasileira contemporânea. Os conflitos urbanos, em
sua complexidade e diversidade, permitem uma leitura inovadora e original acerca das
formas assumidas pela desigualdade e pela violência urbanas (CÂMARA, 2006, p. 39).
A compreensão da conflituosidade acerca dos problemas urbanos é fonte primária e
abrangente para o conhecimento das múltiplas realidades urbanas em suas dinâmicas
sociais e espacialidades. A cidade, heterogênea por definição, mostra de maneira
múltipla e através dos seus conflitos, suas fendas, seus anseios. Como ensina Vainer:
2
VAINER, Carlos. Projeto Rede Sul-Americana sobre Conflitos Urbanos. Rio de
Janeiro: ETTERN/IPPUR/UFRJ, 2005. Não publicado.
alguns enclaves comerciais; em suas áreas mais periféricas, pelos trabalhadores de
baixa remuneração e, em seguida, pelo uso de apoio aos ciclos industriais regionais. A
cidade iniciou, assim, sua vida econômica como prestadora de serviços
administrativos para, em seguida, adquirir também o caráter de centro de distribuição
de mercadorias; sua vida social foi pautada pela exclusão desde a fundação, quando
os antigos moradores do arraial foram expulsos da região central. Nos anos 50,
passou por um período de industrialização e atração de população advinda do interior
do estado e de estados próximos, sempre abrigando os mais abastados na zona
central-sul e os mais pobres nas periferias leste, oeste e norte, na Região
Metropolitana ou nas favelas incrustadas em locais pouco apropriados à ocupação. As
décadas de 1960 a 1980 em nada alteraram o quadro de profunda segregação
espacial; foi somente a partir de 1993 que iniciou-se um processo de inclusão social e
territorial mais profundo na capital mineira. O quadro, porém, ainda aponta as marcas
da longa história desigual e apresenta novas tendências de piora diante da mudança
nos quadros políticos da gestão municipal.
BARREIRO 0,787
CENTRO SUL 0,914
LESTE 0,837
NORDESTE 0,826
NOROESTE 0,835
NORTE 0,787
OESTE 0,853
PAMPULHA 0,870
VENDA NOVA 0,788
BELO HORIZONTE 0,839
Dos quarenta e seis conflitos registrados entre os meses de Abril e Outubro pelo
Observatório de Conflitos Urbanos de Belo Horizonte, 43,5% se referem à cidade em
geral, não se restringindo a um foco/localidade, como local do conflito (totalizando 20
conflitos), enquanto os 46,5% restantes se espalham pelos bairros, conforme tabela 2.
Quarenta e um por cento dos conflitos foram organizados por moradores ou vizinhos;
os outros grupos mais representados são os profissionais de uma mesma área, os
sindicatos e associações profissionais, estudantes, e outros movimentos sociais (9%
cada). Amigos e parentes assim como grupos ambientalistas comparecem em 4% dos
casos cada.
O Rio de Janeiro, apesar e além de ser uma das mais belas cidades do mundo, é
historicamente expressão viva das desigualdades brasileiras. As contradições entre
capital e trabalho e as desigualdades sociais e econômicas são traços estruturais e
marcantes, que irão se refletir no nível e nas formas de manifestação dos seus
conflitos. Para Maurício Abreu os investimentos públicos e privados sempre
privilegiaram os locais que asseguram retorno financeiro ao capital investido.
O “paradoxo básico”, ainda segundo o autor, reside no fato de, por tanto buscar ser
uma cidade parecida com as européias ou americanas, ter o Rio tomado uma
configuração exatamente oposta à delas. Lá, os mais privilegiados procuram as
periferias “para que possam gozar as amenidades da urbanização moderna”. No Rio,
pela escassez de recursos investidos em bens urbanísticos e pela pouca renovação
da infra-estrutura, aconteceu o contrário. “A solução foi amontoar os ricos em torno
desses bens para que pudessem desfrutá-los ao máximo, e impedir a entrada dos
pobres no núcleo, ou expulsá-los para fora dele”. O resultado desse processo de
“depuração” a partir do núcleo foi um ordenamento de grupos sociais “a partir de suas
possibilidades de acesso e desfrute das vantagens urbanas de qualquer natureza (de
produção ou de consumo)” (ABREU, 1988, p.17-18).
A crise econômica dos anos 1990 influenciou também a disputa de poder na cidade e
portanto as manifestações de conflitualidade. Ao fim destes anos observa-se que a
reconfiguração do emprego operário e do assalariamento, o desemprego e a
precarização do trabalho fragmentaram e fragilizaram socialmente os trabalhadores na
sua capacidade de criar uma esfera pública na cidade, aumentando por conseguinte a
centralidade das classes médias.
Desde 1993 e até fins de 2008, o grupo político do ex-prefeito César Maia controla o
executivo municipal. Político assumidamente conservador e de direita, logo no primeiro
ano de seu primeiro mandato adotou a idéia da realização de um planejamento
estratégico para a cidade. O Plano Estratégico da Cidade do Rio de Janeiro (PECRJ)
representou o primeiro passo para a implementação de um novo modelo de gestão
urbana no Rio de Janeiro.
3
Note-se aqui, e já antecipando a questão da comparabilidade metodológica e processual que se discutirá
na próxima seção, que o Observatório Permanente de Conflitos Urbanos do Rio de Janeiro não vem
registrando os conflitos manifestos na cidade desde outubro de 2008. A comparação numérica inter-
municipal fica assim restrita a este período.
Supondo-se que os conflitos gerados nestas áreas privilegiadas em conjunto são ali
manifestos, há um total de 25% de casos gerados na vulgarmente chamada “Zona
Norte” e manifestos na também chamada “Zona Sul”, seja pela visibilidade das
manifestações, seja pela proximidade aos agentes reclamados.
Nas áreas historicamente privilegiadas pelas políticas públicas urbanas - Centro, Zona
Sul I e II e Barra da Tijuca, os conflitos manifestos em espaços livres urbanos tomam,
em sua grande maioria, a forma de manifestações em praça pública – 26 casos em 42
(perfazendo 62%) ou a forma de passeata – 12 casos em 42 (29%), ambos de alta
visibilidade; a maior ocorrência de coletivos mobilizados é o de moradores e vizinhos
(11 casos ou 26%) seguido pelos amigos e parentes (7 casos), enquanto a segurança
pública é o tema mais presente (50% dos casos), reclamado junto ao governo estadual
e à Polícia Militar (24% e 19% dos casos respectivamente, somando 43%).
Uma comparação entre as duas grandes regiões (“Zona Sul” e “Zona Norte”), permite
afirmar que enquanto as manifestações conflituosas se parecem na forma geral
predominante, os conflitos manifestos na “Zona Norte” são mais fortemente
organizados por grupos de moradores reclamando acerca da segurança pública junto
à PM. As análises qualitativas, mais que corroborar tal fato, indicam que na “Zona
Norte” muitas das manifestações são contra ações inadequadas e de natureza violenta
da própria PM, enquanto nas regiões historicamente privilegiadas, grupos de vizinhos
e também de amigos reivindicam em maior proporção mais ações da PM, garantindo
proteção não só à vida, mas também ao seu status quo.
7. Conclusão
Considerando o conflito urbano como uma manifestação coletiva que representa uma
consciência popular das deficiências que se apresentam na cidade, entendemos o
estudo destes como uma forma abrangente de análise da qualidade de vida urbana e
chave de leitura das conflituosidades. Assim, quando comparamos duas cidades de
dinâmicas tão diversas como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, podemos fazer uma
leitura complexa através dos resultados que afirmam essas diversidades.
O Rio de Janeiro tem como objeto de conflito mais reclamado a segurança pública,
que corresponde a 42% dos registros, enquanto em Belo Horizonte o objeto reclamado
com predominância é relativo a transporte, trânsito e circulação. Esse dado já ressalta
alguns pontos previsíveis, considerando a repercussão da violência da cidade carioca,
e em Belo Horizonte, a questão relativa às políticas públicas territoriais.
Tendo como vista o coletivo mobilizado, tanto o Rio de Janeiro como Belo Horizonte
apresentam “moradores ou vizinhos” como principais reclamantes. Enquanto no Rio de
Janeiro os coletivos mobilizados reclamam ora mais serviços da Polícia Militar (na dita
“Zona Sul”), ora uma PM menos violenta (na “Zona Norte”), em Belo Horizonte, os
moradores das áreas menos centrais reclamam por melhores políticas públicas de
gestão do território, seja quando se manifestam na Região Centro-Sul, seja junto às
suas moradias. Em ambos os casos, fica patente a territorialidade da ação estatal,
beneficiando sempre as regiões centrais e sul em detrimento das periferias.
Após uma análise dos benefícios resultantes do projeto sob a ótica da construção de
um estudo compreensivo sobre as cidades, sua formação e problemas reclamados,
vê-se a justificativa de expansão do Observatório para outras cidades. Além de uma
ampliação do banco de dados que geraria uma possibilidade concreta de estudos
comparativos, teríamos também a ampliação da difusão do projeto dentro das
comunidades locais, fazendo com que estas recorram ao Observatório para registro
das suas reivindicações.
8. Referências Bibliográficas
ABREU, Maurício. Evolução urbana do Rio de Janeiro. RJ: IPLANRIO: ZAHAR, 1988.