Anais Adm Politica 2015
Anais Adm Politica 2015
Anais Adm Politica 2015
Introdução
Segundo Leonardo Avritzer (2000), nos dois últimos séculos, a teoria democrática
girou em torno do conceito de deliberação utilizado de formas distintas: autores como
Habermas e Cohen, utilizam deliberação como “ponderar, refletir”; enquanto outros autores,
como Rousseau, Schumpeter e Rawls, utilizam o termo como “decidir, resolver”. Aqueles
abordam o processo e estes o momento de decisão.
O elemento argumentativo no interior do processo deliberativo, como tendência
contemporânea, segundo o autor, surgiu na teoria democrática a partir dos anos 1970.
Para a teoria democrática deliberativa, o processo de decisão governamental necessita
de sustentação por meio da deliberação dos indivíduos racionais em fóruns amplos de debate
e negociação. No entanto, a deliberação não é resultado de uma agregação de preferências
fixas individuais. A deliberação resulta de um processo de comunicação, em espaços públicos,
que antecede e auxilia a própria formação da vontade dos cidadãos (FARIA, 2000).
Nesse sentido, segundo Habermas (1995), quando as formas de comunicação estão
suficientemente institucionalizadas, a política dialógica e a política instrumental entrelaçam-
se no campo das deliberações. Tudo gira em torno das condições de comunicação e dos
procedimentos que outorgam, à formação institucionalizada da opinião e da vontade políticas,
sua força legitimadora.
A preocupação de Habermas ao elaborar o conceito de democracia deliberativa era o
modo como os cidadãos fundamentam racionalmente as regras do jogo. Enquanto para a
democracia liberal a fundamentação de um governo democrático está no voto; a teoria do
discurso habermasiana propõe um “procedimento ideal para a deliberação e a tomada de
2
Desde sua origem, este conceito tem algumas características ligadas ao debate
democrático contemporâneo:
3
contrário, a ideia aqui presente é de que o uso público da razão estabelece uma
relação entre participação e argumentação pública (AVRITZER, 2000, p. 36).
ii) a ideia de uma forma de ação que seja intersubjetiva e voltada para o consenso
comunicativo.
A definição de uma situação estabelece uma ordem social. Através dela participantes
em um processo de comunicação atribuem os vários elementos de uma situação de
ação a cada um dos três mundos - o objetivo, o social e o subjetivo, e, desse modo,
incorporam a situação de ação atual no seu mundo da vida pré-interpretado. A
definição da situação por uma outra parte que diverge da definição de um de nós,
coloca um problema de tipo peculiar, pois, em um processo cooperativo de
interpretação ninguém possui o monopólio da interpretação correta (HABERMAS,
1984, I, p.100 apud AVRITZER, 2000, p. 38).
4
o problema da legitimidade na política não está ligado apenas, tal como supôs
Rousseau, ao problema da expressão da vontade da maioria no processo de
formação da vontade geral, mas também estaria ligada a um processo de deliberação
coletiva que contasse com a participação racional de todos os indivíduos
possivelmente interessados ou afetados por decisões políticas (Ibid., p. 39).
Avritzer (2000) explica, em relação ao último item, que para o filósofo alemão a
política deliberativa deve ser concebida como uma conjuntura que depende de uma série de
processos de negociação regulados de forma justa e pela argumentação, em suas mais
variadas formas.
Em relação à intersubjetividade, Habermas (2012, p.230-231) afirma que “o conceito
de ‘mundo da vida’ não permite subordinações análogas; ao utilizá-lo, os falantes e ouvintes
não podem se referir a ele como ‘algo intersubjetivo’. Isso ocorre porque quem age
argumentativamente segue na direção do seu mundo da vida, do seu horizonte. São as
1
Teleologia, conforme o dicionário de Português Michaelis, online, significa, na Filosofia: “Filos Teoria das causas finais;
conjunto de especulações que têm em vista o conhecimento da finalidade, encarada de modo abstrato, pela consideração dos
seres, quanto ao fim a que se destinam”. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=teleologia>. Acesso em:
07-maio-2015.
5
O Conselho Municipal de Política Urbana de Niterói-RJ foi criado pela lei municipal
nº 2.123/2004, que alterou a lei municipal nº 1.157/1992, que instituiu o Plano Diretor de
Niterói. Atua no controle social dos instrumentos de implementação do Plano Diretor, que
gerem dispêndio de recursos públicos, que devem passar por sua apreciação. Integra o
Sistema Municipal de Planejamento Urbano (SMPU), coordenado pela Secretaria Municipal
de Urbanismo e Mobilidade Urbana (SMU), que é o órgão central do sistema, responsável por
sua coordenação.
Trata-se,
6
7
2
Entrevista do dia 25-jun-2015, com conselheiro do COMPUR.
3
“[...] Fundada em agosto de 1983 por pessoas ligadas ao PDT, a FAMNIT agora é um reduto de petistas. Em 2008, na
disputa interna do PT entre o deputado estadual Rodrigo Neves e André Diniz (ex-secretário de Cultura), sete dos 21
diretores da entidade, inclusive o presidente, o vice-presidente, assinaram documento apoiando a pré-candidatura do vereador
à sucessão do então prefeito de Niterói, Godofredo Pinto. Diretor da FAMNIT e filiado ao PT, Paulo Lourenço, o Paulo
Viradouro, é contra partido ditando a política do “Movimento de Bairros”. ‘Estou há 15 anos no movimento de bairros e acho
que, agora, os interesses dos partidos e pessoas são colocados acima das necessidades das comunidades’, afirmou (A Tribuna,
04-jul-2009). Paulo Viradouro é atual conselheiro do COMPUR.
8
ocorreram por falta de quórum4, haja vista a ausência das atas das reuniões extraordinárias no
sítio da secretaria na data em que os dados foram coletados.5
Gráfico 1: Média Aritmética da Frequência dos Conselheiros do COMPUR por Segmento – 2014
4
Consta das atas das 4 reuniões que não ocorreram por falta de quórum a presença dos conselheiros.
5
O Secretário Executivo forneceu à autora as atas das reuniões ordinárias até agosto de 2014. As demais foram coletadas no
sítio – www.urbanismo.niteroi.rj.gov.br – no dia 28-jul-2015. Notou-se a ausência da ata da reunião ordinária do mês de
outubro.
9
10
imobiliária, que tem impactado na vida das pessoas diretamente, com muitas externalidades
negativas: problemas de mobilidade urbana, problemas de poluição, elevação da população,
inflação no preço dos imóveis, problemas relativos à saturação das redes de esgoto, água e
saneamento básico em geral, etc. Tudo isso ocorre com a conivência do Legislativo e do
Executivo.7
O grupo político no governo teve mais de 50% da receita de campanha bancada por
empresas do setor imobiliário (Norberto Odebretch, OAS, Andrade Gutierrez, etc.), que
atuam nos três níveis da federação. Esse fato, associado ao exposto a seguir, bem como ao que
essas empresas têm feito no cenário fluminense e nacional, levanta a questão da necessidade
da reforma política, no sentido de por fim ao financiamento empresarial de campanha eleitoral
para evitar a influência, com amparo legal, de empresas privadas, na agenda pública.
Nesse sentido, Scheffer e Bahia (2015) apontam que “[a]s eleições de 2014 acentuam
tendências que ainda não eram nítidas nos pleitos anteriores. O primeiro destaque é o aumento
exponencial do volume de doações – se comparado às eleições de 2002, 2006 e 2010”.
Segundo um dos conselheiros entrevistados, a maior dificuldade que encontram para
representar seus interesses está no:
A atual gestão divulgou fartamente, nos jornais, com panfletos, na internet, nos
outdoors espalhados pela cidade, inclusive painéis eletrônicos, nos ônibus e nas contas de
água, a construção do Planejamento Estratégico para Niterói, cujo projeto recebeu o nome de
“Niterói Que Queremos”8.
Esse projeto tem por horizonte 20 anos e conforme divulgado na imprensa local, a
secretária de Planejamento, Modernização da Gestão e Controle afirma que é “um plano
totalmente elaborado através da iniciativa privada de Niterói” (O Fluminense, 19-set-2014).
Ela disse ainda que: “a partir do plano, Niterói terá uma gestão com metas e resultados”
(Idem).
Esse planejamento foi elaborado com o apoio técnico e metodológico da empresa
Macroplan Prospectivas, Estratégias & Gestão9, que já fez trabalhos dessa natureza em outras
cidades. Além disso, segundo palavras do próprio prefeito “[a]pós a divulgação será
necessário a captação de novos recursos para dar continuidade à estruturação dos projetos e
consequentemente a execução e obtenção dos resultados almejados” (Ibid.). Observa-se que
esse Planejamento Estratégico foi bancado por empresários.
O que se observa é que o município está sob uma gestão do tipo gerencial, com metas
e resultados, alinhado com o Movimento Brasil Competitivo, obtendo portanto um olhar
empresarial sobre a cidade. Apesar de ter se elegido pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o
que se verifica é que essa gestão está longe de ser uma gestão social, o que marcou os
primeiros governos municipais petistas, eleitos a partir da década de 1990.
7
É sabido que questões demandadas pela sociedade civil no Judiciário, no intuito de frear o boom imobiliário, tiveram
decisão contrária à sociedade, sobretudo sob a alegação de que isso iria interferir na arrecadação do município. No entanto,
como o COMPUR não tem integrantes do Judiciário, preferiu-se por manter a afirmativa com foco apenas no Poder
Executivo e no Poder Legislativo, ali representados diretamente.
8
Disponível no sítio: http://www.niteroiquequeremos.com.br
9
Esta empresa se apresenta na internet - http://www.macroplan.com.br/ - como “[u]ma das mais experientes consultorias
brasileiras em cenários prospectivos, administração estratégica e gestão orientada para resultados”. Disponível em:
http://www.macroplan.com.br/Quemsomos.aspx. Acesso em: 20-jan-2015.
11
Isso implica concessão aos interesses do mercado, na maioria das vezes em prejuízo
do interesse público e do bem estar da população, sobretudo a mais necessitada. É o que se
apresenta nos resultados que aqui estão sendo apresentados.
Quanto ao método utilizado de consulta à população, citado no sítio de promoção e
divulgação do “Niterói Que Queremos”, observam-se três etapas: entrevistas com
especialistas, congressos e pesquisa de opinião.
Conforme matéria do Bouças:
Esse processo tem sido divulgado como participativo, mas vê-se com facilidade que
não tem nada a ver com o conceito de participação social e cidadania, tratado nesse trabalho.
A etapa referente às entrevistas, envolve a ausculta de 40 especialistas, que têm seu
anonimato preservado.
Em relação ao que chamaram de consulta pública, feita na web, refere-se a um
formulário, a ser respondido pela internet, com perguntas dirigidas. No cenário de quase 500
mil habitantes, cerca de 5.550 habitantes teriam respondido.
É preciso observar ainda que o acesso à internet não é universalizado em Niterói; o
questionário, que dirige as respostas, é uma forma de evitar o diálogo direto com a população
e evitar o conflito, que naturalmente existe.
Com relação aos congressos, foram anunciados cinco congressos, um em cada região
administrativa, urbanística da cidade. Isso se resumiu a apenas um congresso, como citado
acima, no Estádio Caio Martins, que contou com um público ínfimo, pouco mais de 1 mil
pessoas.
Portanto, essa estratégia se mostra perigosa, porque pode estar embasada e carregada
de interesses obscuros. A população não participa, o que demonstra que a agenda pública é
determinada pelo mercado. O prefeito se reuniu com empresários, em Icaraí, bairro nobre da
cidade, que possui o IDH mais elevado da região metropolitana segundo o IBGE.
A repercussão que essa estratégia teve no COMPUR mostrou-se presente em cada
proposição apresentada pelo governo, como no Plano Diretor e no PUR de Pendotiba, por
exemplo. Os planos de desenvolvimento relativos a esses instrumentos urbanísticos trouxeram
essas etapas, de forma explícita, como legado do Planejamento Estratégico: consulta pública
digital, entrevista com especialistas e, no geral, audiências públicas ou seminários, para
atender ao quesito congresso.
Ademais as audiências públicas são obrigatórias no caso do Plano Diretor, no entanto,
no PUR de Pendotiba, a previsão apresentada ao COMPUR era de consulta pública e
entrevista com especialistas.
Ressalte-se a prática observada, relativa a atitude dos gestores de política urbana e
atores estatais que sempre que surgiam movimentos com potencial de conflito, como foi o
caso da AMAJA e da AME PENDOTIBA, reuniam-se com eles isoladamente, pedindo
sugestões. Uma forma de amenizar conflitos ou até mesmo de cooptar, a depender da
receptividade.
É aparente a falta de abertura do governo para a participação da sociedade, sobretudo
porque os interesses a que representam colidem com os da sociedade em geral.
12
Pendotiba é uma Região grande com sub-regiões com características distintas tanto
do ponto de vista sócio-econômico, como da ocupação. Para que a participação seja
realmente popular deveria haver pelo menos um evento em cada sub-região, além de
questionários amplamente divulgados e distribuídos previamente.
A participação da população conforme citada também no artigo 8º, § 3º da Lei
2123/2004 – Plano Diretor de Niterói, foi reduzida a umas poucas reuniões mal
divulgadas e conduzidas, nas quais compareceram alguns representantes de
associações. É questionável inclusive o quanto esse reduzido grupo efetivamente
representa a população. Não foram feitas pesquisas mais amplas, com questionários
bem elaborados e objetivos. Tanto assim, que não há no diagnóstico resultados
tabulados de quaisquer pesquisas.
Entendemos que reunir representantes de associações para que as mesmas mostrem
numa planta quais são os problemas que conhecem, é apenas uma parte de um
trabalho sistemático para montar um diagnóstico (RIZZO, 2015, p. 49-50, sic).
10
Entrevista realizada em 25-jun-2015.
11
A respeito, ver a crítica feita por Jorge Martins (2015), em seu artigo “Desvio de Finalidade no Plano Urbanístico Regional
de Pendotiba”. Disponível em: <http://www.participa.br/lab-par.ufrj/blog/desvio-de-finalidade-no-plano-urbanistico-
regional-de-pendotiba-niteroi>. Acesso em: 20-fev-2015.
12
Anotações de campo.
13
dos projetos apresentados pela prefeitura. Inclusive, são atores sociais que destacam e exigem
participação social nos debates, mesmo não sendo muitas vezes atendidos.
Destaca-se ainda que há uma certa reserva do poder público em relação aos trabalhos e
pesquisas desenvolvidos pela UFF, que tem tradição e experiência em política urbana. Essa
reserva parece existir por questões político-partidárias.
O fato é que o governo contratou sem licitação a FGV Projetos, para assessorar a
Prefeitura nos trabalhos de revisão do Plano Diretor de Niterói, um custo de cerca de R$ 1,9
milhão.13 O caso ainda não foi sanado junto ao MP.
No que tange ao COMPUR, verifica-se com clareza o que Losurdo (2004) apresenta
como característica da democracia representativa: o “entrelaçamento entre desemancipação e
emancipação”. Ou seja, o protagonismo dos atores estatais, representantes dos interesses do
mercado, não permitem que haja emancipação social, através desse espaço público. O que
resulta numa sobreposição da democracia representativa perante à participativa.
4 Considerações Finais
O que se verifica no COMPUR é que as proposições são exclusivas dos atores estatais,
que representam forte e nitidamente os interesses do mercado.
Não há paridade, visto que os interesses são distribuídos de forma a favorecer os
representados pelo Estado-mercado.
O poder de deliberação não se mostrou ativo, trata-se de um conselho consultivo, que
é utilizado pelo governo para “legitimar” ou legalizar suas ações.
Apresentam com nitidez características firmadas na literatura como: cooptação, troca
de favores, clientelismo, etc.
Os fatores de tensão e conflito existentes surgem a partir de poucos conselheiros, em
geral, integrantes do FOPUR, como os representantes técnicos do setor (IAB) e acadêmicos.
São fortalecidos pelos partidos de oposição. Além disso, através de associações e membros da
sociedade civil que participam por questões pontuais.
No entanto, o arranjo institucional, então existente, não colabora para que haja
resistência às iniciativas dos atores estatais. Visto que nas audiências públicas, por exemplo,
que o governo se ausenta, como ocorreu na audiência pública convocada pela oposição com o
apoio dos movimentos sociais.
Fora a força do Ministério Público, que é para onde convergem as demandas de
oposição ao governo, a sociedade se mostra um tanto quanto impotente quanto ao estado de
coisas que os atores estatais criam. O que traduz uma ideia de judicialização da política, haja
vista que esse mecanismo é sempre muito utilizado e os demais na maioria das vezes
mostram-se ineficazes no curto prazo.
A agenda de políticas públicas de Niterói, pelo exemplo setorial (política urbana), é
determinada pelo mercado.
A forma de conter conflito mostra o uso limitado do COMPUR, com o intuito de
manter o protagonismo dos interesses do capital. Isso viabiliza o monópolio de atores na
representação de interesses (empresários, empreiteiras, etc.).
O processo deliberativo no COMPUR não se sustenta, como na democracia
deliberativa habermasiana, pela deliberação dos indivíduos racionais via amplos fóruns de
debate e negociação.
13
Mais detalhes sobre esse caso da contratação da FGV Projetos poder ser lido na matéria do jornal O Globo, Bairros, 08-
dez-2014. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/bairros/mp-investiga-contratacao-da-fgv-sem-licitacao-para-
realizacao-do-plano-diretor-de-niteroi-14755946. Acesso em: 16jul-2015.
14
Referências Bibliográficas
AVRITZER, Leonardo. Teoria Democrática e Deliberação Pública. São Paulo: Lua Nova,
n. 49, 2000. pp. 25-46. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ln/n50/a03n50.pdf>. Acesso
em: 12jul2014.
FARIA, Cláudia Feres. Democracia Deliberativa: Habermas, Cohen e Bohman. São Paulo:
Lua Nova, n.49, 2000. pp. 47-68. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n50/a04n50.pdf.
Acesso em: 07jul2014.
______. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,
vol. II, 1997. pp. 92-98.
______.Três Modelos Normativos de Democracia. São Paulo: Lua Nova, n. 35, 1995.
Tradução: Gabriel Cohn e Álvaro de Vita. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ln/n36/a03n36.pdf. Acesso em: 30ago2014.
15
1
A renovação do Conselho se dá durante a Conferência Municipal da Cidade, que ocorre a cada 2 anos, sendo permitida sua
recondução, a critério do estabelecido na regulamentação de sua representação (art. 7º do Regimento Interno COMPUR).
2
Entrevista a conselheiro.
A Constitucionalização do Financiamento Privado de Campanhas:
legitimação e crise de representatividade
Resumo
O presente artigo aborda algumas das nuances institucionais referentes ao financiamento
das campanhas eleitorais no Brasil. O texto problematiza a consecução da reforma
política em andamento, tomando como objeto a composição desse novo arranjo
institucional e os seus possíveis fatores de influência. A identificação do padrão
organizativo instaurado em meio à constitucionalização do financiamento privado de
campanha ganha centralidade nas análises empreendidas, revelando a interdependência
entre a correlação das forças produtivas e a arquitetura institucional do Estado. A
investigação parte do levantamento bibliográfico acerca dos principais conceitos
atinentes ao financiamento de campanha, passando pela análise da materialidade
institucional do arcabouço jurídico proposto, mediante a identificação das seletividades
estratégicas nele inseridas. Ao final, chega-se ao exame do debate político e das
votações da reforma política, em tramitação. O contexto estudado manifesta indícios de
uma crise de representatividade na democracia brasileira, haja vista a baixa capacidade
de influência dos clamores sociais sobre as manobras legislativas operadas em torno da
questão.
1
Introdução
2
por fim, apresentação das considerações finais, juntamente com algumas perspectivas a
cerca do tema proposto pelo presente artigo.
Financiamento de Campanhas
Proibição de Proibição de
Limitações
Países Doações Doações
as doações
Anônimas Estrangeiras
ARGENTINA Sim Sim Sim
BRASIL Sim Sim Sim
COLÔMBIA Não Não Não
CHILE Sim Sim Sim
URUGUAI Não Não Não
VENEZUELA Não Não Não
Elaboração: os autores com base em RUBIO (2004)
((2004(2004)
O sistema de financiamento de campanhas, tratando apenas os fundos públicos,
traz em seu aparato institucional-legal um paradoxo democrático, onde optando-se por
privilegiar o mero reconhecimento ou registro de pessoa jurídica como forma de
concessões igualitárias incita o surgimento de novos partidos, podendo ter como efeito a
criação de partidos de fachada, sem o devido comprometimento político-representativo,
com objetivo maior de se apropriar do dinheiro público, tornando-se assim mais um
negócio do que instituição política. Por outro lado, se aplicar a concessão de fundos
unicamente com base na força eleitoral, apesar de corrigir o efeito anterior, favorece o
status quo¹ e dificulta a diversificação do sistema partidário, além de prejudicar a
criação e a manutenção de novos partidos (RUBIO, 2004). Com isso, fica clara a
delicada relação existente entre concessão igualitária de fundos públicos e democracia
3
representativa, e a atenção que se deve ter no balanceamento da distribuição desses
fundos.
4
transparentes no campo eleitoral, favorecendo assim a fiscalização como forma de
prevenção da corrupção, não só por parte do poder público, mas também da sociedade.
No tocante ao financiamento público indireto, além do uso de edifícios
públicos para atividades políticas e do incentivo para divulgação e/ou distribuição de
publicações, o acesso à mídia é um dos mais importantes aspectos das campanhas, haja
vista o amplo poder de difusão e influência dos meios de comunicação em massa, o que
torna de extrema importância para as estratégias de campanha dos candidatos cada
fração de tempo a eles concedida. Assim, a propaganda eleitoral exerce três funções
essenciais: a condição que propicia ao partido ou ao candidato de reforçar no eleitor a
intenção de voto; outra que se refere à capacidade de fazer o eleitor mudar de ideia e,
assim, capturar votos de outro candidato concorrente; e, por fim, a função de
convencimento dos eleitores indecisos (FIGUEIREDO & ALDÉ, 2005). Essa última
função é tão essencial para um candidato em campanha que pode acabar por decidir
uma eleição, dado o percentual de votos brancos e nulos, quase 7%, em relação à
diferença entre os candidatos a presidência na eleição de 2014, cerca de 3%.
A seguir, no Quadro 2, veremos uma síntese das informações relacionadas ao
financiamento de campanhas eleitorais no Brasil:
Uso de edifícios
Acesso gratuito Incentivos para
Isenção impostos/ públicos para
aos meios públicos divulgação/distribuição Transporte
dispensa atividades
ou privados de publicações
políticas
Sim Não Sim Sim Não
Financiamento público direto
Critério de
Condições de acesso ao financiamento e barreira legal
distribuição
Misto -
Partidos reconhecidos que tenham oficializado candidaturas nacionais para o segmento
força eleitoral
igualitário (30%), e partidos que tenham participado na última eleição de deputados
(95%) e
nacionais para a porção proporcional (70%). Não se fixa limite mínimo.
equidade (5%)
Proibição de
Acesso gratuito à Fórmula de distribuição de
propaganda
mídia tempos e espaços
paga na mídia
5
Representatividade Política
A soberania não pode ser representada pela mesma razão pela qual
não pode ser alienada; consiste essencialmente na vontade geral e a
vontade não se representa. É ela mesma ou é outra, não há meio
termo. Os deputados do povo não são, nem podem ser seus
representantes; não passam de comissários seus, nada podendo
concluir definitivamente. É nula toda a lei que o povo não retificar. O
povo inglês pensa ser livre e muito se engana, pois só o é durante a
eleição dos membros do parlamento; uma vez eleitos, ele é escravo,
não é nada (...). No momento em que um povo se dá representantes,
não é mais livre, não mais existe (1973, p. 113-114).
6
Weber, o político profissional deveria ser economicamente dispensável, não
necessitando dessa forma, ter sua atuação voltada para obtenção de recursos em favor
próprio, nem depender do financiamento privado para suas campanhas, a fim de evitar
um comprometimento das forças públicas com o capital privado (1996).
As três dimensões de destaque nas democracias representativas – Estado,
mercado e sociedade –, desenvolvem assim uma relação de dependência e disputa,
culminando, por vezes, numa aliança entre dois desses atores, na busca por se tornarem
a força predominante do sistema. Frequentemente, Estado e mercado acabam compondo
tal aliança. Não se pode ignorar, entretanto, o fato de novas concepções virem
quebrando esse paradigma, principalmente no âmbito do proeminente modelo de
administração denominado Governança Pública. Na definição de Löffer (2001), tal
modelo poderia ser percebido como:
7
processos político-administrativos tendentes a garantirem interesses específicos (OFFE,
1974).
Com isso comprometimento do Estado com as forças de mercado acaba por
gerar uma dupla subordinação, onde a priori temos a dependência do candidato
interessado na sua eleição ou reeleição através do financiamento de suas campanhas e a
posteriori com a pressão exercida pelos seus financiadores para se obter isenções
tributárias e subsídios ou políticas favoráveis a seus interesses, limitando dessa forma a
margem de atuação do Estado sobre a economia, políticas públicas e na governabilidade
de um modo geral. Como indício da subordinação dos candidatos as forças de mercado,
no que se refere ao financiamento de campanhas, veremos a seguir os gráficos 1, 2 e 3
que demonstram a relação do custo de campanhas x representatividade:
Gráfico 1 - Percentual de estados em que os dois candidatos a governador com maior votação
tiveram maiores gastos em campanha na eleição de 2014
18.5%
Sim
Não
81.5%
Gráfico 2 - Percentual de deputados federais eleitos que tiveram os maiores gastos de campanhas
em 2010
28.1%
Sim
Não
71.9%
8
Fonte: TSE, 2010
R$350,000,000.00
R$300,000,000.00
R$250,000,000.00
R$200,000,000.00
R$150,000,000.00
R$100,000,000.00
R$50,000,000.00
R$-‐
2000
2002
2004
2006
2008
2010
2012
2014
2016
Fonte: TSE, 2010
9
i) Definição do sistema eleitoral: proposta que consiste na eleição de
deputados federais, estaduais e vereadores conforme seu número de
votos, sem depender da votação que obteve seu partido. (Proposta
rejeitada);
vii) Tempo de mandato: define como tempo de mandato para todos os cargos
eletivos – Presidente, Governador, Prefeito, Senador, Deputado Federal,
Deputado Estadual e Vereador cinco anos. (Proposta aprovada em
primeiro turno);
viii) Idade mínima para cargos, diminui a idade mínima de Governador e vice
para 29 anos. (Proposta aprovada em primeiro turno);
Além dos aspectos acima citados, uma das propostas traz a inclusão na
Constituição Federal do financiamento privado de campanhas, que até então vem tendo
questionada a sua constitucionalidade. Um dos pontos de questionamento faz referência
a doações de empresas, pois, segundo o entendimento do Procurador-Geral da
República, Rodrigo Janot, pessoas jurídicas não são cidadãos, não detém direito de
sufrágio e não possuem direitos políticos, sem qualquer condição, portanto, de interferir
diretamente no processo eleitoral. E como demonstrado nos gráficos 1, 2 e 3, o
custeamento das campanhas influencia diretamente nas eleições. Ainda segundo Janot:
10
afetar-lhe o fim e ao cabo a própria legitimidade (SECRETARIA DE
COMUNICAÇÃO SOCIAL, 2013).
Considerações Finais
Sob o ponto de vista da Administração Política, pode-se perceber a coordenação
de esforços inerente às relações sociais como parte de um processo que permeia a
composição das estruturas públicas, permitindo a inserção de interesses diversos na
pauta da reforma política. A constitucionalização do financiamento privado de
campanha vem a legitimar, nesse sentido, a inserção de interesses individuais privados
no delineamento do aparato estatal brasileiro, ampliando-se os mecanismos de
influência de atores sociais já economicamente fortalecidos.
Tal padrão organizativo esboça uma crise de representatividade política na
sociedade brasileira, na medida em que, mesmo em meio a fortes pressões populares
acerca da questão, a classe política não demonstrou qualquer constrangimento em,
repentinamente, mudar de posição no decorrer da votação. O clamor social por mais
11
transparência nos processos eleitorais acabou sendo preterido em prol de forças e
coalizões pouco explícitas. Perde-se assim a oportunidade de implementação de uma
reforma política discutida sobre bases claras e voltada para interesses efetivamente
coletivos. O que parece cada vez mais perceptível diante disso é o fato de que, quanto
maiores os percalços para a reforma política, mais evidente se mostram a importância da
sua realização.
Evidenciada o quão nebulosa pode ser a compreensão da presente temática,
sugere-se como caminho de aprofundamento para as investigações subsequentes a
mensuração objetiva da correlação entre os valores investidos nas campanhas e as
práticas adotadas após as eleições. A análise minuciosa de tais resultados face ao perfil
das licitações posteriormente realizadas pelos governos, seguida de uma investigação
dos respectivos contratos firmados parece um bom percurso a ser trilhado, tanto pelos
estudos da área como pelas entidades político-jurídicas de controle.
Se a composição desses arranjos normativos vem sendo amplamente
influenciadas pelo capital corporativo, a partir da inserção de seletividades estratégicas
na materialidade institucional do Estado, uma das alternativas parece estar na também
inserção de novas seletividades estratégicas nesses arcabouços, porém, desta vez,
seletividades que visem garantir um escopo de possibilidades condizentes com a
consolidação democráticas e tendentes a neutralizarem os mecanismos de atuação e
influência de setores mais privilegiados da sociedade.
Notas
¹ Status quo é um termo do latim que significa o estado atual das coisas ou no mesmo estado que antes.
O status quo diz respeito a fatos, situações, coisas, ambientes e conjunturas. Geralmente o status quo esta
relacionado a expressões como: manter o status quo, defender o status quo, mudar o status quo e etc.
2
Os partidos políticos são apontados como as instituições que menos inspiram confiança para a
sociedade, como demostra a pesquisa realizada pelo Latinobarometro 2004, em parte essa desconfiança
deve-se a improdutividade da classe política, e sua aliança com o capital privado, como será apresentado
no decorrer do artigo.
3
Folha de São Paulo, Reportagem: Câmara decide incluir na Constituição financiamento privado das
campanhas. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1634650-camara-decide-
incluir-na-constituicao-financiamento-privado-das-campanhas.shtmlt
Referências
12
FIGUEIREDO, M. & ALDÉ, A. Intenção de Voto e Propaganda Política: efeitos e
gramáticas da propaganda eleitoral. In: Actas do III Sopcom, VI Lusocom e II
Ibérico – vol. IV, 2005. Disponível em: <ttp://bocc.ubi.pt/pag/figueiredo-alde-intencao-
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GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2012.
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Disponível em<http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-
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13
SPECK, Bruno W. (2006). O financiamento de campanhas eleitorais. in AVRITZER,
Leonardo e ANASTASIA, Fátima, Reforma Política no Brasil. Belo Horizonte: Ed.
FMG, PP. 153-158.
WEBER, Max. A Política como Vocação. In: WEBER, Max. Ciência e Política, Duas
Vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 1996. p. 53-124.
14
A relação entre ciência e ideologia na crítica da administração política
Resumo:
O objetivo deste artigo é contribuir para a discussão da relação entre ciência e ideologia na
crítica da administração política a partir de uma apreensão marxiana do problema, sob o
prisma ontológico. Mostra-se que esta discussão percorreu um longo percurso ao longo da
história. Expõe-se primeiramente a consensualidade dentre os autores da administração
política, que predominantemente compreendem a ideologia negativamente, ora identificando-
a à falsidade, ora ao sistema de ideias do adversário. De uma maneira geral, contrapõem-na à
ciência. Ontologicamente, verificamos que o cerne do problema está na função social que uma
ciência pode ou não operar na realidade concreta, podendo desta maneira articular-se também
como ideologia. Por fim, a pesquisa mostra que a administração política porta uma ideologia
intermediária, que desvela os enlaces fundamentais do capitalismo, mas que não oferece
resposta prática para a superação dos problemas.
1. Introdução
O ensaio teórico é uma pesquisa que tem como proposta fazer uma discussão sobre a
relação entre ciência e ideologia na crítica da administração política tendo o critério
ontológico como força motriz. Conscientes de que este debate se encontra devidamente
aberto, buscamos assim contribuir para a crítica deste campo trazendo esta nova perspectiva.
Para tal estudo será necessária uma análise de textos dos autores aqui considerados
expoentes na administração política, Santos e Gomes, bem como Caribé. Tendo este último
realizado estudos pontualmente pertinentes a este tema.
É sabido que a delimitação do campo da administração política propiciou a abertura
de uma série de discussões ligadas à organização do trabalho e distribuição da riqueza, que
levaram adiante a elaboração de um projeto de desenvolvimento nacional, discussões que
extrapolam os aspectos mais restritos ligados à chamada administração profissional (Santos,
2001). Este empenho toma forma concreta na maioria dos trabalhos publicados sobre o tema
na Revista Brasileira de Administração Política. Ao mesmo tempo, é notável o esforço dos
autores para elevar este conjunto de reflexões à condição de ciência. Dito de outra maneira,
ressaltamos aqui o esforço para a constituição da cientificidade da administração política,
matéria recorrente que inclusive sustentou a criação de tal revista.
A temática da relação entre ciência e ideologia, sobretudo no decorrer do século XX,
tem rendido intermináveis discussões e um extenso número de páginas, acrescem-se a isto as
tendências epistemologizantes que predominam os debates da administração política. Estas
razões são suficientes para justificar a importância deste estudo. Não é da alçada de nosso
texto, porém, empreender uma discussão pormenorizada da ciência ou da ideologia
isoladamente. O escopo deste trabalho está delimitado no interesse de avaliar a maneira pela
qual a sistematização científica atingida pela administração política até o presente momento
se articula como ideologia.
A ideologia, por seu turno, protagoniza uma miríade de polêmicas que se acentuaram
fortemente durante o século XX. No positivismo, por exemplo, a exigência de uma ciência
neutra e isenta de juízos de valores a separa da ideologia, que poderia dar algum viés político
ou moral a esta ciência, culminando então numa antinomia entre ideologia e ciência (Löwy,
1991). Esta conceituação adentrou o marxismo na medida em que o próprio Engels trouxe à
tona conexões da ideologia com a falsa consciênciai. Outros, como Althusser e seu corte
1
epistemológico, seguiram na mesma direção, tomando a ideologia como correspondente a
falsidade, mistificação, imaginário e outros termos que seguiam uma direção contrária àquilo
que a ciência se proporia, (Vaisman, 1996). Decerto, grande parte dessas polêmicas habita
em correntes diversas do marxismo, de tal sorte que o volume de discussões perfaz um
espiral de debates que, por sua vez, acabam por distanciar-se diametralmente do tratamento
autêntico que Marx havia dado ao problema. O próprio filósofo, em seu trabalho mais
científico, O Capital, recusa o pressuposto positivista que uma ciência deve se blindar de
posições políticas, ao dizer que a obra que publicara “só pode representar a classe cuja
missão histórica é o revolucionamento do modo de produção capitalista” (MARX, 2013, p.
87).
Analisaremos, portanto esta temática, matrizando a construção da categoria da
ideologia sob o prisma marxiano. Nesse sentido, constatou Vaisman (1996) que na obra do
autor alemão é possível encontrar vários elementos que contribuem para uma apreensão
desta categoria. Contudo não existe uma sistematização teórica a respeito do tema, o que não
retira da categoria sua importância em relação à causalidade da atividade humana sobre a
natureza e sobre a própria humanidade. Este resgate, por conseguinte, nos será elementar
para apreender como se dá a própria articulação entre ciência e ideologia neste prisma.
Feitas estas considerações, iniciaremos nosso trabalho expondo o caminho trilhado
por Santos e Gomes no intuito de construir uma cientificidade para a administração política,
em seguida, tentaremos reunir elementos que mostrem tanto nos seus escritos quanto nos de
Caribé a existência ou não de uma relação entre ciência e ideologia. Na tentativa de oferecer
uma contribuição mostraremos como esta relação se articula ontologicamente, na medida em
que exerce uma função social na luta de classes, (Lukács, 2013). E partindo da classificação
de Mészáros (2008), mostraremos em qual posição ideológica (conservadora, intermediária
ou revolucionária) se enquadra a administração política.
3
ideologizar o processo investigativo e, assim, falsear a realidade, particularmente
quando se trata da abordagem empírica: é comum depararmos com afirmações
livres do tipo: dada a crise da economia keynesiana ou, quando não, dada a crise
do Estado de Bem-Estar keynesiano ou a crise fiscal do Estado ou, ainda, dada a
globalização, e assim por diante. (SANTOS, s/d, p. 3)
Compreendemos que A Ideologia Alemã, texto que serviu de base para Caribé
estabelecer os enlaces mais centrais da categoria da ideologia tendo supostamente Marx
como ponto de partida, é de modo geral, a obra mais utilizada em se tratando das abordagens
marxistas sobre o tema, (Vaisman, 1996). Nessa obra, Marx tematiza a categoria de maneira
mais aberta, fornecendo elementos para se chegar a aproximações de suas determinações da
categoria, pois como o próprio Caribé (2006, p. 34) afirma sobre o conceito de ideologia,
“que de tão usado e gasto se encontra sob inúmeras interpretações”. Na mesma direção, é
entendido ser impossível chegar a uma teria geral da ideologia mesmo nos escritos do autor
alemão (Vaisman, 1996). Reconhecidamente, a discussão mais importante deste texto se
concentra na crítica de Marx ao idealismo dos filósofos neohegelianos. É sob este contexto
que surge a acepção de ideologia ligada à falsidade, tão ressonante na contemporaneidade.
Contudo a identificação imediata à falsidade tal qual fizeram os autores brasileiros, em
especial Caribé, carece de uma precisão e rigor quanto aos próprios escritos de Marx.
Antes de adentrarmos na discussão da ideologia, acompanhemos a argumentação de
Marx no tocante à ciência:
8
Conhecemos uma única ciência, a ciência da história. A história pode ser
examinada de dois lados, dividida em história da natureza e história dos homens.
/.../ A história da natureza, a assim chamada ciência natural, não nos diz respeito
aqui; mas, quanto à história dos homens, será preciso examiná-la, pois quase toda a
ideologia se reduz ou a uma concepção distorcida dessa história ou a uma
abstração total dela. A ideologia, ela mesma, é apenas um dos lados dessa história
(MARX; ENGELS, 2007, p. 86-7).
É importante reter desta passagem que para Marx, a questão da ciência não se
conecta com os pressupostos epistemológicos que exigem uma série de conceitos
apriorísticos para se conhecer a realidade concreta. Aqui a ciência trata da apreensão do
desenvolvimento da atividade humana sobre a natureza. A história nada mais é do que esse
desenvolvimento. Neste mesmo trecho, mostra-nos também como a história dos homens tem
sido distorcida pelas ideologias no que pode ser considerada uma “operação típica do
idealismo filosófico” (VAISMAN, 1996, p. 147). Portanto, certamente é possível depreender
neste texto, que para Marx, a ideologia é um processo que mistifica a realidade, processo
inerente à filosofia idealista alemã, ideia que ganha fôlego através da passagem na qual
lemos que “Se em toda ideologia, os homens e suas relações aparecem de cabeça para baixo
como numa câmara escura, este fenômeno resulta do seu processo histórico de vida”
(MARX; ENGELS, 2007, p. 94). A respeito dessa passagem curta, mas consideravelmente
profunda, nos explica Vaisman:
a inversão não remete à ideia falsa, mas à falsidade de que as ideias gerem o ser.
Dizer, portanto, que ‘em· toda ideologia os homens e suas relações aparecem
invertidos’, é denunciar a inversão ontológica especulativa onde o mundo
efetivamente existente é concebido como produto da ideia, das representações, em
suma, da consciência (VAISMAN, 1996, p.150).
Este excerto é importante para entendermos que como mostra Marx, a ideologia não
é um conceito falso em si, não carrega a falsidade em seu conteúdo. Recorrendo à reflexão
de Vaisman, nesta famosa passagem do texto de Marx, compreendemos que a ideologia se
liga ao processo especulativo da filosofia idealista alemã, qual seja, colocar a ideia, a
subjetividade como o demiurgo da objetividade. Nas palavras do próprio Marx, “A nenhum
desses filósofos ocorreu a ideia de perguntar sabre a conexão entre a filosofia alemã e a
realidade alemã, sobre a conexão de sua crítica com seu próprio meio material” (MARX &
ENGELS, 2007, p. 84), o que significa dizer se tratar de uma inversão ontológica, pois se
essa inversão quando desfeita, resultará que a atividade prática dos homens condicionará sua
consciência e suas ideias, e assim sua atividade concreta será a força motriz da história. O
que acontece então é que esta ideologia pode desvelar-se falsamente, mas sempre como
consequência daquele processo especulativo, nunca como essência imanente de si. Caribé
identifica a inversão entre ser e pensar, mas não é capaz de situar isto na particularidade do
idealismo alemão, tampouco identifica situações outras expressas pela ideologia, as quais
veremos em seguida.
Este momento é marcante nesta obra, porém não é o único em que a categoria da
ideologia ganha significância. Noutras passagens é possível ver Marx desenvolvendo de
modo nominativo o complexo formado pelas formas de consciência. Seguindo suas palavras,
podemos ler que:
A moral, a religião, a metafísica e qualquer outra ideologia, bem como as formas
de consciência a elas correspondentes, são privadas, aqui, da aparência de
autonomia que até então possuíam. Não têm história, nem desenvolvimento; mas
os homens, ao desenvolverem sua produção e seu intercâmbio materiais,
9
transformam também, com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu
pensar (MARX; ENGELS, 2007, p. 94).
10
espirituais, buscando, ao mesmo tempo evidenciar a sua relação com o conflito
social (VAISMAN, 1996, p.234).
Destaca-se, portanto, esta relação da ideologia com o conflito social evidenciada por
Marx. Não se trata da ideia de que a ideologia corresponde unicamente aos interesses de uma
classe dominante, tampouco tem por função o controle da classe dominada. Pelo contrário,
quando afirma que é através dessas ideologias que os homens podem tomar consciência do
conflito (da luta de classes) e o levam adiante até sua resolução, Marx quer dizer que a
ideologia pode muito bem servir à classe trabalhadora, ou dominada, pois a resolução dos
conflitos implica diretamente na superação da sociedade de classes. É fundamental, portanto
que se considere o todo da trama argumentativa de Marx para fazer a avaliação de como a
ideologia se constrói para este autor, e uma das contribuições tencionadas por este texto é
justamente empreender este exercício.
Orientando-se por esta passagem do prefácio, o filósofo húngaro Lukács nos oferece
alguns avanços no tratamento da categoria em relação aos lineamentos de Marx.
Alicerçando-se nesta passagem, é claro ao dizer que “A ideologia é sobretudo a forma de
elaboração ideal da realidade que serve para tornar a práxis social humana consciente e
capaz de agir” (LUKÁCS, 2013, p. 465). Portanto, trata-se da maneira como estas formas de
consciência podem orientar as consciências e causar efeito na realidade concreta. Em outras
palavras, “o produzido é determinado pela sua produção, o que significa que o ser da
ideologia é determinado pela sua produção, que é e só pode ser social. E, em termos gerais,
portanto, ela está presente em todas as ações humanas, enquanto orientação ideal”
(VAISMAN, 2010, p. 50). Assim toda ideação é elaborada mediante a prática dos homens,
mas não se pode dizer, contudo que toda a espécie de ideação é ideologia, o filósofo húngaro
chama a atenção para uma potencialidade que pode ou não ser realizada:
Essa possibilidade universal de virar ideologia está ontologicamente baseada no
fato de que o seu conteúdo (e, em muitos casos, também a sua forma) conserva
dentro de si as marcas indeléveis de sua gênese. Se essas marcas eventualmente
desvanecem a ponto de se tornarem imperceptíveis ou se continuam nitidamente
visíveis é algo que depende de suas – possíveis – funções no processo dos conflitos
sociais (LUKÁCS, 2013, p. 465).
Definindo assim como critério último para reconhecer uma ideologia ou não, o efeito
da ideia sobre as consciências, bem como a efetivação prática para dirimir conflitos sociais.
Em consequência, não é possível, sob este critério, estabelecer uma cisão predeterminada
11
entre ciência e ideologia. A este respeito, cabe a seguinte elucidação:
A astronomia heliocêntrica ou a teoria do desenvolvimento no âmbito da vida
orgânica são teorias científicas, podem ser verdadeiras ou falsas, mas nem elas
próprias nem a sua afirmação ou negação constituem uma ideologia. Só quando,
depois da atuação de Galileu ou Darwin, os posicionamentos relativos às suas
concepções se converteram em meios para travar os combates em torno dos
antagonismos sociais, elas se tornaram operantes – nesse contexto – como
ideologias. (LUKÁCS, 2013, p. 467)
Após mostrar como um programa de habitação e saneamento básico pode ser basilar
para o sucesso de outros programas como de educação, saúde, segurança pública e
transporte, Santos (s/d) explica que o objetivo que orienta tais políticas se dá da seguinte
forma:
a maior conquista de uma política social com essa concepção seria a promoção de
uma maior integração comunitária, um maior grau de sociabilidade entre os
indivíduos e, sobretudo, maiores e melhores condições de aprendizagem política
no exercício fecundo da cidadania – tornando, assim, a sociedade brasileira mais
plural e mais democrática. (SANTOS, s/d, p. 18)
Em última instância, o que se coloca à luz do dia para a administração política é uma
reforma na administração estatal que possa definitivamente colocar em prática medidas
progressistas que atenuem a desigualdade social e concilie de certa maneira os antagonismos
através de uma organização da produção menos centralizada nas mãos de poucos, com
13
propostas direcionadas “aqueles que têm preocupações em vê-las [as riquezas] distribuídas
de modo justo” (SANTOS, s/d, p. 31). Portanto, o grande impedimento para esta ideologia se
fazer revolucionária é justamente não se compreender ideologia com potencialidade de uma
mudança radical na sociedade, por decorrência, não oferece alternativas para a superação das
classes sociais. Ao contrário, assenta-se sob medidas que nem mesmo contestam sua
existência.
Cabe notar ainda a semelhança da administração política com aquilo que Marx
nomeou sincretismo desprovido de espírito. Pensadores que muito embora tivessem uma
posição de classe bem definida, não encaravam a realidade visando simplesmente a
manutenção de seus privilégios, portando assim considerável lucidez.
Homens que ainda reivindicavam alguma relevância científica e que aspiravam ser
algo mais do que meros sofistas e sicofantas das classes dominantes tentaram pôr a
economia política do capital em sintonia com as exigências do proletariado, que
não podiam mais ser ignoradas (MARX, 2013, p. 87).
Salienta ainda que o principal representante era Stuart Mill, não sem destacar o
intento do inglês em conciliar o inconciliável, ou seja, acomodar dentro de uma formação
societal interesses de classes visceralmente antagônicas. Este é o limite quando não se coloca
no horizonte um projeto que se articule com o objetivo de superar a ordem vigente do
capital.
4. Considerações Finais
Referências
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TRAGTENBERG, Maurício, Burocracia e Ideologia. 2. Ed. São Paulo: Editora Unesp. 2006
VAISMAN, Ester. A Determinação Marxiana da Ideologia. Tese de doutorado (Educação).
Belo Horizonte: UFMG/FAE. 1996.
15
VAISMAN, Ester. Ideologia e sua determinação ontológica. Verinotio, Belo Horizonte, n.
12, ano VI: 40-64. Out. 2010.
i
Esta referência se deve à alusão feita por Engels em carta a Franz Mehring, em que o primeiro diz: “La
ideología es un proceso que, aun cuando se opera con conciencia por el así llamado pensador, se opera con uma
falsa consciência. Las verdaderas motivaciones que lo mueven permanecen desconocidas para él; de otro modo,
no se trataría de un proceso ideológico.” (MEHRING, 2009, p. 149). Com a ressalva que não se trata de uma
identificação automática entre ideologia e falsa consciência, Engels assevera que o processo ideológico está
ligado a uma consciência que desconhece suas forças moventes, e por isso, é falsa. Não entraremos aqui nesta
polêmica, mas este exemplo nos basta, para mostrar como o próprio Engels inseriu a questão do falso no
tratamento da ideologia na história do marxismo.
ii
Utiliza-se nesse momento a edição de A ideologia alemã da editora Martins Fontes. A mesma utilizada pelo
autor.
iii
É preciso dizer aqui que muito embora Caribé considere seu estudo da ideologia pautado por Marx, as
referências decisivas citadas por ele em seu texto são de Chauí. Inclusive algumas imputadas por ele a Marx. A
título de exemplo, no tópico, O que é ideologia, que por ventura é homônimo a um livro de Chauí, o autor cita a
seguinte passagem aqui transcrita ipsis litteris “A História não é, portanto, o processo pelo qual o Espírito toma
posse de si mesmo, não é a história das realizações do Espírito. A história é história do modo real como os
homens reais produzem suas condições reais de existência. É história do modo como se produzem a si mesmos
(pelo consumo direto ou imediato dos bens naturais e pela procriação), como produzem e reproduzem suas
relações com a natureza (pelo trabalho), do modo como produzem e reproduzem suas relações sociais (pela
divisão social do trabalho e pela forma de propriedade, que constituem as formas das relações de produção). É
também história do modo como esses homens interpretam todas essas relações, seja numa interpretação
imaginária, como a ideologia, seja numa interpretação real, pelo conhecimento da história que produziu ou
produz tais relações (MARX, 2002 apud CARIBÉ, 2006, p. 35)”. Porém, não é possível encontrar isto em A
ideologia alemã, mas é possível encontrar este excerto integralmente em Chauí (2008, p. 48-9), cuja primeira
edição data de 1980.
16
VOLUNTARIADO CORPORATIVO Y RESPONSABILIDAD DE LA EMPRESA:
APROXIMACION A LA GESTIÓN DE LOS RECURSOS HUMANOS
RESUMEN
El crecimiento y la consolidación del voluntariado corporativo pasan, necesariamente, por
mejorar la calidad y la gestión del trabajo voluntario, según sus aspectos motivadores, ya que
representa un recurso humano con especiales características. En este trabajo pretendemos
discutir la cuestión de la relación de la motivación con la gestión del voluntariado corporativo,
teniendo en cuenta que genera impactos en la conducta de diferentes grupos de interés. En
concreto el trabajo tiene el objetivo de realizar una aproximación, desde una perspectiva teórico-
analítica, al ciclo del voluntario en la empresa y a la gestión de los recursos humanos,
analizando sus efectos y sinergias para el voluntariado corporativo.
PALABRAS CLAVE: Voluntariado Corporativo, Responsabilidad Social Corporativa, Competencias,
Ciclo del Voluntariado.
RESUMO
O crescimento e a consolidação do voluntariado corporativo passam, necessariamente, pela
melhoria da qualidade e da gestão do trabalho voluntário, conforme seus aspectos motivadores,
já que contempla um recurso humano com características especiais. Neste trabalho pretendemos
discutir a questão da relação da motivação com a gestão do voluntariado corporativo, tendo em
vista que gera impactos na conduta de diferentes grupos de interesse. Particularmente, o
trabalho tem o objetivo de realizar uma aproximação, sob uma perspectiva teórico-analítica, do
ciclo de voluntario na empresa com a gestão dos recursos humanos, analisando seus efeitos e
sinergias para o voluntariado corporativo, em termos de motivação e avaliação dos resultados.
PALAVRAS CHAVES: Voluntariado Corporativo, Responsabilidade Social Corporativa, Competências,
Ciclo do Voluntariado.
ABSTRACT
The growth and consolidation of corporate volunteering pass necessarily improve the quality
and management of volunteer work, according to their motivational aspects, as it represents a
human resource with special characteristics. In this paper, we discuss the question of the
relationship of motivation to the management of corporate volunteering, considering that generates
impacts on the behavior of different stakeholders. Specifically, the work aims to make an approach
from a theoretical and analytical perspective, to volunteer in the business cycle and the
management of human resources, analyzing their effects and synergies for corporate volunteering.
KEYWORDS: Corporate Volunteering, Corporate Social Responsibility, Competitions, Cycle of Volunteering.
JEL Classifications: M140, D640, L310.
1
1. INTRODUCCIÓN
2. METODOLOGÍA
2
liderada por el sector empresarial y el Pacto Global de las Naciones Unidas, para poner
en valor el VC. Según señalado en el Observatorio de Voluntariado Corporativo, se trata
de convertir el VC en la gran herramienta de servicio del sector privado a toda la
sociedad, para alcanzar los nuevos Objetivos de Desarrollo Sostenible (SDO),
presentados en La Organización de las Naciones Unidas (ONU) para sustituir a los
Objetivos de Desarrollo del Milenio (MDO).
Nuestra contribución con el presente estudio radica en realizar una aproximación del
VC con la gestión de los recursos humanos, analizando sus efectos y sinergias dentro de
la estrategia general de Responsabilidad Social (en adelante RS) de las empresas. En
esta línea, nuestro problema de investigación es discutido dentro del ámbito de la
Contabilidad de Gestión, según la perspectiva de la RSC. Para eso tomamos como
referencia el marco teórico sobre el VC intentando incorporarlo como un elemento clave
en la estrategia de responsabilidad corporativa de la empresa y también como una nueva
actividad en la gestión empresarial que genera valor para las organizaciones, para la
sociedad civil y para los recursos humanos.
En consecuencia, nuestro análisis está desarrollado siguiendo un diseño
metodológico propio de una investigación de característica exploratorio-descriptiva
(RICHARDSON, 1999), donde a partir del planteamiento de un ensayo conceptual
sobre el tema investigado, buscamos poner de manifiesto los puntos más relevantes
asociados a la aplicación en la práctica en la empresa del VC. A partir de nuestra
interpretación analítica del marco conceptual y la exposición descriptiva revisamos la
bibliografía teórica pertinente sobre el tema y aportamos nueva mirada al tema
analizado, emitiendo juicios sobre el carácter del VC y el papel de los recursos humanos
desde una perspectiva en línea con la estrategia corporativa y la RSC.
3
constituye una expresión importante de la puesta en práctica de acciones de RS. Sin
embargo, también se le puede usar como mecanismo conductor para capacitar
competencias en las personas, y motivarlas en su trabajo, planteamientos estos que
serán analizados en este trabajo.
Esto es lo que pretendemos con la elaboración de este estudio porque eso concepto
hace dos décadas ni se planteaba en el ámbito corporativo ya que a simple vista parece
una contradicción intentar encajar los términos “empresa” y “voluntariado”. Sin
embargo, dichos términos, lejos de ser antagónicos, son una combinación poderosa que
bien gestionada reporta un evidente beneficio social a la comunidad a la vez que
contribuye a que aquella consiga sus objetivos de negocio e manera más rentable (CES
y ADECCO, 2011, p. 8). En eso sentido, las actividades de VC están experimentando
una evolución estratégica motivando el desarrollo de nuevas iniciativas (por ejemplo,
proyectos de voluntariado profesional, vacaciones solidarias o excedencias laborales),
en las que la búsqueda de nuevas oportunidades para potenciar el desarrollo de
competencias y fomentar nuevas habilidades comienza a revelarse como elemento
clave.
Según Kotler y Lee (2005), el VC se caracteriza como la estrategia que permite a la
empresa motivar a sus empleados a donar talentos, ideas y esfuerzos físicos en favor de
las causas de la comunidad local. Aunque no van a recibir ningún tipo de recompensa
material o financiera como pago por las horas dedicadas al trabajo voluntario, sus
esfuerzos son un importante medio por el cual se les puede atribuir responsabilidades,
haciéndoles activamente conscientes de que ejercen un relevante papel en el proceso de
cambio de la realidad social (VERAS, 2012).
Desde el punto de vista de la conducta, el control de la evasión de los empleados es
la cuestión crítica para el éxito del VC (SILVA y FEITOSA, 2002; TEODÓSIO, 1999),
siendo la falta de claridad en cuanto a las motivaciones y expectativas que llevaron a la
persona a ingresar en el trabajo voluntario una de las posibles causas de dicho abandono
(COMUNIDADE SOLIDÁRIA, 1997). Existe una amplia literatura empírica, parte de
ella ya clásica (MASLOW, 1954; HERZBERG, 1966; SIMON, 1965; MCCLELLAND,
1965; ALDERFER, 1972; LOCCKE, 1968; y VROOM, 1964; de entre otros), que han
estudiado la cuestión de la motivación en las organizaciones. Sin embargo, para
Cardona, Lawrence y Espejo (2003), aunque varias líneas teóricas hayan intentado
investigar el efecto de diferentes incentivos sobre la motivación, pocas han demostrado
el real efecto de la motivación en el trabajo desde el prisma de los resultados de las
acciones individuales.
Según Lathan y Pinder (2005), la motivación para el trabajo es un conjunto de
fuerzas que impulsan un individuo a empezar un comportamiento asociado al trabajo y a
determinar su forma, dirección, intensidad y duración. Pero como la motivación es un
proceso psicológico complejo y resultante de una interacción entre el individuo y el
entorno que se le rodea (LATHAM y PINDER, 2005), son muchos los factores que
pueden tener influencia sobre las motivaciones (PITTMAN y HELLER, 1987).
Para Cardona, Lawrence y Espejo (2003), una gran parte de las teorías sobre la
motivación están centradas en analizar la motivación extrínseca y su influencia en el
comportamiento de las personas. Pero hay evidencias crecientes de que otros tipos de
incentivos que no son recompensas contingentes pueden también motivar a las personas
a trabajar, por ejemplo el aprender, el deseo de pertenecer, o la voluntad para contribuir
(BAUMEISTER y LEARY, 1995).
El VC es un conjunto de acciones que la empresa desarrolla para motivar y apoyar el
compromiso de sus trabajadores en actividades voluntarias en la comunidad (GOLDBERG,
2001). Sin embargo, no debemos olvidar que la gestión del trabajo voluntariado tiene
4
como base el modelo de gestión empresarial (ALVES, 2010). Además, no se puede
también olvidar que los voluntarios precisan obtener más satisfacción en sus
realizaciones justamente porque no reciben ningún tipo de remuneración material o
financiera (CAMARGO et al, apud COSTA, 2004). Quizás es por eso que Garay y
Mazzilli (2003) identifican al VC como una forma de entrenamiento, capaz de ofrecer la
oportunidad para el ejercicio del liderazgo y de la responsabilidad, mientras aumenta el
nivel de satisfacción e identidad de los empleados con la empresa.
Para Amabile y Cramer (2012) la motivación es una combinación de la elección de
una persona para realizar una tarea, su deseo de dedicar su esfuerzo a realizarla y su
impulso para persistir en ese esfuerzo. Aunque las posibles fuentes de motivación en el
entorno laboral sean las más variadas, los mencionados autores señalan tres
motivaciones como las más importantes:
i) Extrínseca: hacer algo con el fin de lograr otra cosa;
ii) Intrínseca: surge del amor al propio trabajo y del querer hacerlo bien porque es
interesante, satisfactorio y fascinante o personalmente estimulante; y
iii) Relacional: también conocida como altruista, surge de la necesidad de conectar
con y ayudar a los demás.
Es decir, los autores añaden a los dos tipos de motivación ya clásicos (extrínseca e
intrínseca) una tercera, la relacional en donde tiene cabida el VC.
Al analizar los aspectos que son motivadores del desarrollo del trabajo voluntario,
Corullón (1997) señala haber descubierto, entre otros, dos componentes fundamentales:
(a) Personal: relacionado a la donación de tiempo y esfuerzo como respuesta a una
inquietud interior que es conducida a la práctica; y
(b) Social: asociado a la toma de conciencia de los problemas al enfrentarse con la
realidad, o que lleva a la lucha por un ideal o a comprometerse por una causa.
Teodósio (2001) señala que los voluntarios son motivados por un espacio de
convivencia social más saludable, huyendo de la competitividad y del estrés que
caracterizan el trabajo en el área privada.
Según Geber (1991), las personas participan del trabajo voluntario por tres razones
principales:
(i) Realización: personas a quién apetece dar algo a la sociedad;
(ii) Afiliación: voluntarios que tienen el deseo de conocer otras personas; y
(iii) Poder: utilizando el voluntariado como un camino más sencillo para alcanzar
posiciones de liderazgo más aún que esperar una promoción en el trabajo.
Además de esto, Azevedo (2007), detectó que motivaciones como altruismo y
solidaridad, ayudados por una dedicación espontanea del voluntariado, tienden a ser
mezclados cada vez más con intereses privados de perfeccionamiento de currículo y
vivencia profesional.
A este respecto, Azevedo (2007), contrastó el trabajo voluntario desde cinco
categorías de motivación:
(1) Asistencial: perspectiva de ayudar el otro que es carente de afecto, cosas materiales
y conocimiento;
(2) Humanitaria: contribuir con el otro, visto como semejante y próximo, pudiendo
incluirse el crecimiento espiritual;
(3) Política: búsqueda del ejercicio de la ciudadanía con acción emancipadora;
(4) Profesional: experimentar conocimientos adquiridos en la universidad, aplicarlos
para obtener empleo en ONG; y
(5) Personal: vinculada al tratamiento terapéutico y a la búsqueda de relacionamiento
interpersonal y de retorno emocional.
5
Siguiendo esta línea, excluyéndose las cuestiones profesionales, de afiliación y
religiosas, se puede plantear una visión más endémica de las motivaciones del trabajo
voluntario donde se puede identificar las motivaciones para el trabajo voluntario
alrededor de las siguientes cuatro perspectivas:
1ª) Asistencial: pensar en el próximo y ayudarle sin esperar nada en cambio, en otras
palabras, se importar con la condición de vida de quien es menos favorecido y hacer un
poquito para él, donando su tiempo y conocimiento para contribuir con el bien estar de
las personas;
2ª) Humanitaria: colaborar y contribuir con el bien estar de las personas en general
prestando servicios, dedicando tiempo, talento y habilidad;
3ª) Ideológica: acción política o de ciudadanía buscando cambiar o construir un
mundo mejor o un país con menos desigualdades y más amor y justicia social; y
4ª) Realización: sentir placer y gratificado personalmente por hacer lo que haz, en
otras palabras, tener algo a ofrecer.
6
Otro de los pilares del VC es la teoría stakeholder, según la cual la realización de
cualquier actividad empresarial ha de ir encaminada a la satisfacción de los intereses de
las distintas partes implicadas. Hemos pasado de un entorno en el que apenas había otro
objetivo que la remuneración de los accionistas a través de los dividendos y ellos eran
prácticamente los únicos a los que iba dirigida la información financiera de la empresa,
a otro en el cual hay variados agentes implicados e interesados en su actividad.
Por otro lado, hay que señalar que en concreto, la motivación es uno de los temas de
mayor importancia en el ámbito empresarial debido, principalmente, al amplio margen
de maniobra que se proporciona a los gerentes en la toma de decisiones y en la selección
de técnicas, métodos y criterios que muchas veces pueden permitir a estos ejecutivos
satisfacer más a sus intereses propios que a los de la entidad que representan. Por esta
razón, el estudio de la compensación ejecutiva ha despertado el interés de una gran
cantidad de investigadores académicos, en particular de los teóricos del tema de la
agencia. Aunque dichos trabajos han intentado comprender la relación entre el
desempeño administrativo y el esquema de incentivos, Prendergast (1999) entiende que
han sido desarrollados pocos estudios empíricos tratando los efectos de los incentivos
para la compensación de los trabajadores.
Sin embargo, en la actualidad la teoría de los Stakeholders y la RSC son las dos
teorías que determinan el funcionamiento óptimo de las organizaciones (Gallardo et al,
2010). La primera persigue la satisfacción de las necesidades de todos los agentes o
grupos de interés involucrados en el desarrollo de la gestión empresarial. La segunda se
puede definir como “el reconocimiento e integración en sus operaciones por parte de las
empresas, de las preocupaciones sociales y medioambientales, dando lugar a prácticas
empresariales que satisfagan dichas preocupaciones y configuren sus relaciones con sus
interlocutores” (DE LA CUESTA y VALOR, 2003). Estas dos teorías están ligadas y
son la base del VC. El VC tiene que implantarse a nivel estratégico, porque hace que la
empresa sea socialmente responsable y también porque puede conseguir una verdadera
motivación en el área de recursos humanos, muy difícil de alcanzar en muchas
ocasiones por los métodos tradicionales de control de gestión.
Así, según el estudio del Club de Excelencia en Sostenibilidad con la Fundación Adecco
(2011) sobre el estado del VC en España, la gran mayoría de las ventajas y beneficios
que aporta el VC a las empresas están relacionadas con el área de los recursos humanos.
Entre las muchas ventajas que se citan destacamos, a modo de resumen, las siguientes:
mejora la relación de la dirección con los empleados.
Se crean nuevas relaciones entre los empleados de los diferentes departamentos.
Ayuda a que los empleados desarrollen habilidades de liderazgo, trabajo en
equipo y creatividad.
Genera un sentimiento de orgullo de pertenencia a la empresa.
Genera una visión global de la empresa, que va más allá de las limitaciones de
un puesto o un departamento.
Eleva la moral de los empleados, generándoles un sentimiento de satisfacción.
En esta misma línea Sanz et al (2012) explican que además de los beneficios que la
empresa obtiene con esta herramienta para la comunidad en general, las empresas han
reconocido también en el VC a una buena política de recursos humanos, con unas repercusiones
importantes en cuestiones como el fortalecimiento de valores éticos entre los empleados,
la promoción de valores como el trabajo en equipo, y la mejora del clima laboral, del
sentido de pertenencia a la empresa o incluso de su imagen, tanto interna como externa.
No queremos terminar este apartado sin resaltar de nuevo la vinculación que debe
tener el VC con el ámbito estratégico de la empresa, ya que éste puede utilizarse para
7
mejorar las competencias en desarrollo empresarial y fomentar la capacidad de innovar,
además de la mejora en la capacidad de liderazgo en el ámbito de los recursos humanos.
En el caso del VC para el desarrollo puede servir para dirigir o afianzar la estrategia de
la empresa hacia mercados emergentes, gracias a la inmersión en nuevas culturas y
contextos, los empleados pueden comprender mejor sus hábitos y sus comportamientos.
Esto puede apoyar la creación de estrategias de comercialización más pertinentes,
aunque con las limitaciones de la complicada adaptación de los sistemas de gestión a
estos mercados y del coste que supone.
i. Etapa de planificación
8
qué hacemos un programa de VC?; los resultados previstos: ¿qué esperamos obtener de
la participación o incorporación del VC en nuestra organización?; las actividades
previstas: ¿qué es lo que realizaremos para conseguirlo?; y los recursos necesarios ¿qué
recursos vamos a utilizar?. En esta etapa es aconsejable utilizar técnicas de
braimstorming y para guiarlo es conveniente plantear un análisis de riesgos y beneficios
de la colaboración con la empresa como plantean algunos autores (VALOR, 2010;
LEMONCHE, 2011, ALLEN, 2012). En esta etapa se procede a la estructuración del
marco en el que se desarrollará la acción del VC, tiene como punto de partida la
estrategia global de la empresa, la misión y la visión así como los valores organizativos
y ha de establecerse la forma de realizar la búsqueda de Organizaciones No Lucrativas
susceptibles de establecer una colaboración de VC (FUNDACIÓN LA CAIXA, 2009).
También es necesario explicitar los potenciales beneficios para la empresa a
nivel organizacional y de reputación corporativa. El VC contribuye a mejorar el clima
organizacional a través del aumento de la motivación, satisfacción y sentimiento de
pertenencia de los empleados (HARRIS, 2000). Asimismo, incide positivamente en la
imagen corporativa y en el posicionamiento en el ámbito de la RSC, además posibilita
la integración de los empleados en la acción social de la empresa (HOUGHTON et al.
2009; FUNDACIÓN CODESPA, 2012).
De acuerdo con Lemonche (2011) a pesar de que pueden existir múltiples
fórmulas a través de las cuales los empleados de una empresa pueden organizar su
participación en programas de VC se pueden plantear diferentes opciones atendiendo a
la capacitación necesaria del voluntariado, al destino donde se desarrolle la tarea de
voluntariado, a las causas que se persigan, a los campos de actuación, a las funciones a
realizar y al tiempo empleado en el voluntariado. Hay que tener en cuenta que una vez
comienza la incorporación del empleado al VC se inicia un proceso de intercambio en el
cual el voluntario entrega a la ONL su ilusión, motivación y compromiso. Y por su
parte, la ONL le proporciona al voluntario unos objetivos por los que trabajar, un
equipo en el que integrarse, unos instrumentos de trabajo y un reconocimiento que ha de
generarle satisfacción.
9
Bancos de tiempo, los empleados utilizan una cuota de tiempo que la empresa
concede para este fin y éstos aportan a su actividad voluntaria un tiempo equivalente
de sus horas libres como complemente a la cuota de tiempo aportada por la empresa;
Outdoor solidario, para los empleados supone una importante experiencia vital y tiene
una gran capacidad de motivación y generación de espíritu de equipo entre los empleados;
Voluntariado profesional, la persona voluntaria aplica sus conocimientos y
habilidades profesionales en servicio de la ONL, en este caso existe una gran
alineación en las competencias de la empresa y de la ONL;
Cesión de capital humano, la empresa cede personal cualificado a la ONL durante
un periodo de tiempo determinado, se trata de que el empleado trabaje temporalmente
y de forma continua en la ONL, manteniendo la relación laboral con la empresa.
10
visión de la rentabilidad de estas actividades, importancia de la calidad de la ayuda a los
beneficiarios, etc.).
Para el Valor (2010), el VC implica en la puesta de activos empresariales al servicio
de proyectos sociales. Esta inversión social puede describirse como un mix de recursos
de todo tipo, que puede contener:
1. Activos financieros: Donaciones en efectivo, programas de patrocinio asociados
a fines sociales, préstamos de capital.
2. Activos tangibles no financieros: Productos de catálogo, espacio en almacenes,
espacio en oficinas, maquinaria, medios de distribución, espacio en internet, excedentes
de producción.
3. Activos intangibles: Elementos de imagen y marca, copyright y patentes,
tecnología, I+D, beneficios asociados a contratos de suministro, organización de
eventos.
4. Capital humano: Tiempo y capacidades de los empleados para programas de
voluntariado corporativo.
Por sus características, complejidades y papel jugado, es el capital humano la
inversión más importante del compromiso solidario de una empresa hacia las
necesidades de la sociedad, ya que tiene que ver con la aportación del activo más
valioso de la empresa que es su capital humano.
Según el Valor (2010), el enorme potencial de talento, capacidades y entusiasmo de
una plantilla formada, organizada y con espíritu solidario encuentra una vía inmejorable
de aportación a la sociedad a través del VC. Todo ello hace necesario el desarrollo de
herramientas que sirvan a las corporaciones para tomar decisiones adecuadas en este
ámbito; ya que está en juego el prestigio de la empresa, la satisfacción de los empleados
y la ayuda eficaz a colectivos necesitados.
Las recientes investigaciones muestran que desde el año de 2011 ha crecido a nivel
mundial el número de empresas que incluyen el VC entre sus políticas de recursos
humanos y de responsabilidad social. Sin embargo, dicha evolución presenta un
panorama un tanto estancado en cuanto a la gestión del voluntariado (VALOR, 2010).
Para el Observatorio de Voluntariado Corporativo, esta situación puede ser síntoma
de la necesidad de dar un nuevo paso hacia un VC verdaderamente estratégico,
inseparable del propio negocio y de la cultura de la empresa. Según el OVC, este es un
gran reto para quienes son responsables de su gestión en las compañías y también en las
organizaciones del tercer sector. Entre las tareas pendientes para lograr la madurez del
VC son señaladas las siguientes:
1. Conocer mejor las motivaciones de los empleados para fortalecer su implicación;
2. Mejorar la eficacia y la eficiencia de las iniciativas, a través del uso de métricas
adecuadas que permitan conocer todas las dimensiones del impacto de un programa de
voluntariado;
3. Definir clara y explícitamente los objetivos de la estrategia y los diferentes planes
de VC;
4. Innovar la oferta de acciones posibles, explorando nuevas herramientas,
posibilidades de la cooperación sectorial y ampliando el espectro de grupos humanos
con necesidades específicas.
En definitiva, el objetivo es consolidar un estilo de gestión del voluntariado que
busque la excelencia a través de la gestión innovadora y eficiente de sus recursos
humanos, es decir, las personas que integran la organización.
Sin embargo, estudios sobre el VC, como la investigaciones desarrollada por
Voluntare (2013), señalan la importancia y necesidad de medir el impacto que se está
teniendo sobre los diferentes actores involucrados a través del desarrollo de la acción
11
voluntaria. La literatura indica que la medición del impacto del VC sigue siendo un
tema pendiente entre las empresas y, en general, tampoco se evalúa la actuación y el
resultado aportados por aquellos que colaboran en este marco de VC.
El hecho de no se medir el resultado del VC no permite mejorar su contribución, ni
gestionarlo, y ni siquiera argumentar beneficios tangibles para garantizar una sostenibilidad
en el compromiso de los recursos humanos y de la propia empresa. Para Voluntare (2013, p.
138), “las razones más comunes por la que la medición presenta un reto para empresas y
sus recursos humanos en el ámbito de VC son varias y se podrían definir en tres aspectos.
En primer lugar, la medición de los resultados e impactos de los programas de voluntariado
corporativo puede suponer un reto debido a la orientación de la mayoría de las empresas
hacía la acción. Es decir, el enfoque se centra en el desarrollo e implantación de actividades
de voluntariado dificultando el establecimiento de hitos de medición. En segundo lugar,
la medición de los impactos de este tipo de programas se encuentra con escepticismo
interno. Los ejercicio de medición requieren una asignación de recursos por parte de la
empresa - sea humanos o financieros. Debido a esta orientación a la acción, la
asignación de recursos para el desarrollo de la medición puede parecer, internamente,
como un aspecto eliminable ya que se considera preferible el desarrollo de actividades.
Y finalmente, existen casos donde la empresa o los responsables del programa pueden
tener su propio escepticismo o fobia a la medición del impacto de este tipo de
programas ya que destaca una intención de la empresa por la mejora del programa -
destacando puntos débiles - y una mayor integración estratégica en la gestión de la
empresa. Este tipo de ejercicios de medición, en definitiva, llevan a la mejor gestión y
comprensión del programa planteando diferentes opciones de avance que pueden ser
vistas positivamente o recibidas con el escepticismo interno comentado anteriormente.”
Más allá de una orientación hacía la acción y el escepticismo interno, el ejercicio de
medición de impacto, también está condicionado por los objetivos que persiguen los
colaboradores. Una empresa, por ejemplo, puede tener diferentes objetivos a la hora de
desarrollar acciones en el marco del VC. Desde los recursos humanos, el VC es un
instrumento con un alto nivel de coste-efectividad para el desarrollo de habilidades y
capacidades. Permite, entre otras cosas, aprender y practicar habilidades, desarrollar
capacidades de liderazgo, aprender a trabajar eficazmente en equipo, refinar las habilidades
existentes, trabajar en nuevos entornos y construir nuevos conocimientos de las realidades
sociales. Desde un punto de vista más corporativo, puede querer mejorar su reputación e
imagen entre sus grupos de interés locales o posicionarse como un colaborador activo y
fiable en el apoyo social de su comunidad (VOLUNTARE, 2013, p. 139).
Por lo tanto, la medición de impacto de programas de VC sigue siendo un reto para
empresas, entidades y otros colaboradores que puedan estar involucrados en el
desarrollo de acciones de voluntariado. Algunas empresas con prácticas más avanzadas
de voluntariado suelen incluir indicadores de medición tales como el nivel de
satisfacción de los empleados y el impacto social cuantitativo (número de beneficiarios,
horas dedicadas, etc.). Por esa razón, muchas empresas, ante el riesgo de que no haya
una gran participación de empleados, tienden a ofrecer acciones que consideran pueden
ser divertidas para la plantilla. Esto en muchos casos supone un coste de oportunidad
frente al potencial impacto social (VOLUNTARE, 2013, p. 15).
Actualmente, ya existe disponible para las empresas un gran número de
herramientas y metodologías de medición del impacto que se está teniendo sobre los
diferentes actores involucrados a través del desarrollo de la acción voluntaria. En el
ámbito de los recursos humanos, la medición de resultados de programas de VC debe
incorporar herramientas y metodologías que intentan brindar apoyo al ejercicio de
medición de los resultados de programas de voluntariado corporativo, de modo a
12
motivar la persuasión interna en la propia empresa. Eso porque las empresas no están
aprovechando bien sus programas de VC para medir y entender los beneficios asociados
con el desarrollo de capacidades y habilidades de sus recursos humanos.
Además de facilitar la labor de destacar la importancia de las acciones llevadas a
cabo por los empleados, el hecho de incorporar la medición del resultado de los recursos
humanos como parte integrante de la gestión de los programas de VC, al igual que se
hace en cualquier otro proyecto empresarial, tiene impacto positivo en la contribución
que tiene el VC para la empresa y para la sociedad. De ahí que una metodología desarrollada
para medir el impacto que se está teniendo sobre los diferentes actores involucrados a
través del desarrollo de la acción voluntaria debe:
1. Adoptar un enfoque estratégico, identificando a los objetivos clave que están
tratando de lograr.
2. Adoptar una aproximación estratégica de los recursos humanos.
3. Construir un marco referente a las actividades, recursos y actores del programa.
4. Identificar las métricas existentes, se posible aprovechando las medidas utilizadas
por la empresa.
5. Analizar a las diferencias métricas y modificar los gaps según sea necesario.
6. Dialogar con grupos de interés, involucrando al personal que tiene la responsabilidad
de gestión.
Lemonche (2011, p. 93) señala que la medición de resultados es una necesidad y un
reto aplicable a las actividades voluntarias, para que se pueda gestionar al VC. Por ser el
VC una herramienta de generación de valor, es necesario evaluar esta aportación de
valor para los agentes que participan en ella, estableciendo indicadores, criterios de
seguimiento y mecanismos de medición y valoración de resultados.
7. CONCLUSIONES
13
la participación en el VC. También hay que determinar la coherencia del VC con la
estrategia de RSC de la empresa, su perfil y políticas. En ella se estructura la acción
quedando establecidos y definidos todos los elementos del programa de VC. La etapa de
implementación contempla el desarrollo de la acción voluntaria y el acompañamiento
del empleado en el programa de voluntariado en la ONL. La etapa de evaluación tiene
como finalidad el seguimiento y análisis de la acción voluntaria. Por último, la etapa de
actuación trata de volver a definir las prioridades y objetivos de la relación de la
empresa y la ONL para analizar la coherencia del proyecto específico desarrollado con
la línea de actuación de la RSC.
A modo de conclusión, señalamos que para medir un programa de VC de manera
plena, es importante tener en cuenta la gestión de los recursos humanos antes de
empezar el programa - durante su conceptualización - y utilizar el ejercicio de medición
de su resultado y desempeño como guía para mejorar la calidad del programa desde el
punto de vista de valor para el empleado.
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17
Administração Pública Brasileira: entre o ideal (euro-americano) e real
(tupiniquim)
Resumo: Este ensaio apresenta uma reflexão sobre a seguinte questão: por que existem, ainda
hoje, resquícios de antigos comportamentos administrativos na estrutura da administração
pública brasileira? Nossa explicação para esse fenômeno está no fato de como a sociedade
lida com os conceitos de racionalidade, formalismo, modernidade e bem-estar. A análise é
baseada nos estudos de Riggs (1964), Ramos (1967; 1983; 1989), Weber (1999), Fraser
(2002), Paes de Paula (2005), e Zwick et al (2012). Busca-se formular uma síntese das
questões abordadas, sinalizando para o comportamento híbrido da administração pública
brasileira, sem a pretensão de ser um estudo completo e acabado, mas uma reflexão sobre
ação administrativa do Estado brasileiro.
Introdução
1
Doutor em Administração pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (EAUFBA), em
Cotutela com a Universidade Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD-Portugal); Professor do Departamento de
Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB); Coordenador do Grupo
Estudo e Pesquisa em Administração Política do Desenvolvimento (GPAP).E-mail: [email protected]
2
Doutor em Administração pela Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (EAUFBA);
Professor do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB); Coordenador do Grupo Estudo e Pesquisa em Administração Política do Desenvolvimento (GPAP). E-
mail: [email protected]
3
Licenciado em História (UESB); Aluno do Curso de Especialização em Gestão Pública Municipal
(UESB/DCSA). E-mail: [email protected]
4
Bacharelanda em Administração (UESB); Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado da Bahia (FAPESB). Integrante do Grupo de Pesquisa em Administração Política do Desenvolvimento
(GPAP). E-mail: [email protected]
1
significativa da configuração do Estado no Brasil e recentemente, no viés neoliberal que
norteou as últimas reformas estruturais, porém, nem sempre com grande êxito.
Alguns autores (PINHO e SACRAMENTO, 2001; COSTA, 2008; SECCHI, 2009) defendem
que a administração pública brasileira vivenciou, desde a sua formação, três grandes modelos
de gestão: o patrimonialista, o burocrático e o gerencialista. O patrimonialismo é uma marca
na formação do Brasil Colônia, transportado para o Brasil Império e que ainda sobrevive no
Estado Republicano. O burocrático é um ícone do Estado Novo que adentrou na Nova
República. O gerencialismo se apresenta como alternativa ao modelo burocrático e é
introduzido no Estado brasileiro no início dos anos 1990, por meio da política neoliberal
(ABRUCIO e LOUREIRO, 2002). Contudo, para além desses formatos institucionais, cabe
acrescentar o modelo de gestão societal que emergiu no contexto brasileiro, por força da
iniciativa popular, na década de 1980, no período da redemocratização do País e da
elaboração da Constituinte (PAES DE PAULA, 2005). No decorrer desse ciclo, constatou-
se que tais modelos não foram capazes de eliminar os resquícios do comportamento
patrimonialista das organizações brasileiras.
É perceptível que cada modelo torna-se predominante sem romper completamente as bases
existentes anteriormente, criando uma espécie de path dependece na construção do Estado.
No caso do Estado brasileiro, introduziu-se a burocracia sem vencer o patrimonialismo,
incorporou-se o gerencialismo sem ter implementado uma burocracia real, num Estado que
continuava convivendo com as práticas patrimonialistas e clientelistas. Diante disso, pretende-
se, nesse ensaio, refletir sobre a seguinte questão: por que existem, ainda hoje, resquícios de
antigos comportamentos administrativos na estrutura da administração pública brasileira?
Para refletir sobre essa questão, retomam-se os trabalhos de Riggs (1964), Ramos (1967;
1983; 1989), Weber (1999), Fraser (2002), Paes de Paula (2005), e Zwick et al (2012), com a
finalidade de detectar algumas pistas teóricas que nos ajudem a explicar tal fenômeno.
Em Os Donos do Poder, editado originalmente em 1958, Faoro (2001) defende a tese de que
o Estado e a administração pública brasileira têm origens na ética do patrimonialismo. Nela, o
público e o privado se confundem, se misturam e se entrelaçam. O Estado brasileiro,
diferentemente dos demais latinos e norte-americanos não foi instituído por conquista
popular, ao contrário, sua instalação é resultado da transferência da corte portuguesa para a
2
colônia brasileira, em 1808, e do decreto de criação do Reino Unido Portugal, Brasil e
Algarves, tornando-se irreversível a constituição de um novo Estado-nação (COSTA, 2008).
Do ponto de vista da análise histórica, Costa (2008) defende que, com o retorno de D. João VI
a Portugal para reassumir o controle político da metrópole, o Brasil herdou não apenas um
príncipe, mas também, todo um aparato administrativo instalado pelo rei. A elevação à
condição de corte de um império transcontinental fez da administração brasileira, agora
devidamente aparelhada, a expressão do poder de um Estado Nacional que jamais poderia
voltar a constituir-se em mera subsidiária de uma metrópole de além-mar. O resultado é que,
em sete de setembro de 1822, D. Pedro I, o príncipe herdeiro, declara a independência e
institui o governo do Brasil, valendo-se do aparato da regência do Reino Unido que se partia.
Desse modo, do ponto de vista jurídico-político, o Estado brasileiro nasce da Constituição de
1824. Porém, essa primeira Constituição mantém a monarquia e a dinastia da Casa de Orléans
e Bragança e D. Pedro I como imperador e defensor perpétuo do Brasil. Constituía-se um
Estado unitário e centralizador, cujo território era dividido em províncias, que substituíam as
antigas capitanias.
Até a Revolução de 1930, as mudanças no cenário político e social tinham sido poucas e
muito lentas. Mas, a partir de 1930, um forte desejo de mudança surgiu no País, motivado por
fatores externos e internos, como: a Primeira Guerra Mundial, a Revolução Comunista, a
Crise Econômica de 1929, a Semana de Arte Moderna, de 1922, e pelos movimentos
operários, militares e civis. Entre as ações de desejo de mudança, estava a da implantação de
uma gestão pública, pautada nos princípios da racionalidade, legalidade, impessoalidade e da
meritocracia, ou seja, bem nos moldes weberianos.
O novo modelo de gestão pública parte da crença de que as organizações são concebidas para
incrementar a racionalidade humana e estruturar o comportamento humano, de modo que esse
comportamento possa se aproximar de uma racionalidade perfeita. De forma sintética, as
principais características deste modelo são:
Com essa proposta modernizadora, o modelo burocrático weberiano, por muito tempo,
desfrutou de notável prestígio em todo mundo (SECCHI, 2009). Entretanto, após a II Guerra
Mundial, surgem as primeiras críticas ao modelo. A ilusão da racionalidade perfeita, as
disfunções burocráticas, a rigidez das normas são questões analisadas nos trabalhos de Simon
(1947), Waldo (1948) e Merton (1949) e consideradas como frágeis na gestão burocrática.
Mas, a maior crítica ao modelo de gestão burocrática surge na década de 1970, quando se
questionaram os resultados alcançados por esse modelo de gestão: instabilidade político-
econômica, baixa produtividade e endividamento do Estado. Nessa ocasião, por exemplo, a
América Latina estava imersa no autoritarismo político. Os Estados Unidos da América
(EUA) temiam os efeitos de um novo momento da guerra fria e a perda do seu poder
hegemônico, “ameaçado pela ascensão econômica da Alemanha e do Japão, bem como, pelo
avanço tecnológico-militar da União Soviética e pela derrocada americana na Guerra do
Vietnã” (FIORI, 2004, p. 80). Para esse autor, a crise é fruto de uma “compulsão expansiva e
da tendência destrutiva das potências hegemônicas na busca do poder global” (FIORI, 2004,
p. 81). Pari passo, a pobreza mundial, principalmente na África e Ásia, fez com que se
repensasse a gestão do sistema capitalista de produção e sua possível desordem, demandando,
com isso, mudanças nas perspectivas de financiamento e estruturação dos Estados Nacionais.
As reformas estruturais dos fins dos anos 1980 já marcam uma nova
configuração na ordem política mundial: a hegemonia da política neoliberal
assola de forma mais grave os países periféricos, dá ênfase no mercado como
4
condutor das ações locais e internacionais e afeta diretamente a condução das
políticas públicas e a estrutura do aparelho de Estado (ANDERSON, 1995, p.
16).
Assim como os neoliberais, Bresser Pereira, também, entende que a causa básica da falência
da gestão burocrática encontra-se na crise do Estado. E esta assume três formas: crise fiscal,
crise estratégica e a crise administrativa. Portanto, em situações nas quais a administração
pública é ineficiente e o mercado não faz uma alocação de recursos satisfatória, a necessidade
de uma administração pública eficiente passa a ser uma ação estratégica. Quanto isso se
expressa a administração burocrática deve ser substituída por uma administração gerencial,
defende Bresser (1996). Esse é o argumento central para incorporação do gerencialismo no
Estado brasileiro e o modelo adotado para essa ação foi o da administração pública gerencial
(APG).
§ Administração profissional;
§ Descentralização administrativa;
§ Maior competição entre as unidades administrativas;
§ Disciplina fiscal e controle no uso dos recursos;
§ Avaliação de desempenho;
§ Controle de resultado;
§ Transposição de práticas de gestão do setor privado, entre outras.
5
Como se percebe, a administração pública gerencial caracteriza-se como um conjunto de
práticas empresariais que priorizam a eficiência, a eficácia e a competitividade administrativa.
Entretanto, é importante destacar que a implantação desse modelo de gestão, na administração
pública brasileira, não eliminou as anomalias do patrimonialismo e nem do burocratismo, uma
vez que anomalias como clientelismo, nepotismo, corrupção, ineficiência, desperdício, entre
outras, ainda estão presentes nas organizações administrativas brasileiras.
O modelo de gestão societal constitui numa forma criativa para problemas que envolvem
escassez de recursos e que podem ser resolvidos com mais participação da sociedade no
processo de tomada de decisão. O modelo tem origem nos conceitos de esfera pública,
cidadania deliberativa, sociedade civil, republicanismo de Habermas (1984), da racionalidade
substantiva de Guerreiro Ramos (1989) e no conceito de economia substantiva de Polanyi
(2000). Zwick et al (2012), afirmam que: “as alternativas propostas pela abordagem da gestão
social podem ser empiricamente encontradas em nível local e orientam-se, basicamente, pela
racionalidade substantiva, ao primar pelo desenvolvimento social e não estritamente pelo
econômico” (ZWICK, et al, 2012, p.296). Especificamente no Brasil, esse formato
institucional vem ocupando posição nos governos das frentes populares, formados pelos
partidos de esquerda e pelo Partido dos Trabalhadores (PT) com as experiências de novas
práticas de gestão como: os fóruns temáticos, os conselhos gestores de políticas públicas, os
orçamentos participativos, as conferências territoriais, entre outras (PAES DE PAULA,
2005).
Como se verifica, a trajetória da administração pública brasileira, ao longo desses últimos 500
anos, desde a implantação da administração colonial ao atual período de redemocratização do
País, de lá pra cá, quatro modelos gerenciais (patrimonial, burocrático, gerencial e societal)
permeiam e entrelaçam a ação administrativa do Estado e da sociedade brasileira, alguns de
forma mais intensa (patrimonial e burocrático), um em evidência (gerencial) e outro no
campo ainda conceitual (societal), porém, todos presentes no mesmo espaço.
Esses aspectos surgem das relações entre elites centrais e massas periféricas. Em sociedades
nas quais se encontra essa estrutura política, verifica-se também a existência de um forte laço
de dependência e consentimento das classes periféricas em relação à elite central. Essa
relação, por sua vez, é sustentada por uma ação administrativa pautada no predomínio da
racionalidade substantiva e por uma formulação de política social de base paternalista e
distributiva. No caso brasileiro, as políticas públicas de distribuição de renda, hoje em
execução, exemplificam essa situação.
Ao analisar o fenômeno da racionalidade, Ramos (1983, p. 37) ressalta que “distinguir entre a
racionalidade funcional e a racionalidade substantiva constitui passo preliminar na pesquisa
de uma definição clara de ação administrativa”. A ação administrativa é, então, definida como
uma modalidade da ação social, dotada de racionalidade funcional, cujos agentes, enquanto a
exercem, supõem que estão sob a vigência predominante da ética de responsabilidade.
Entretanto, ele adverte para o fato de que a ação administrativa, embora esteja dotada da
racionalidade funcional, não significa dizer que a mesma não seja composta de elementos da
racionalidade substantiva. Em suas palavras,
7
§ A cristalização do centro não gera alto grau de comprometimento com a ordem
social, nem novas motivações para despolitizar as estruturas do Estado;
§ O centro acaba controlando a maior parte dos recursos e dos mecanismos
necessários ao desenvolvimento econômico;
§ O centro tenta manipular outros setores e, nesse sentido, monopoliza a formulação
das políticas de bem-estar social e de distribuição;
§ As regras tendem a enfatizar a mediação do centro entre os diferentes grupos de
interesses;
§ O principal meio de luta política passa a ser a crescente cooptação ou alternação
das clientelas ou de arranjos corporativos (AGUIRRE e SADDI, 1997, p. 80).
Figura 1
Ação Administrativa da Administração Pública Brasileira
Administração
Patrimonialista
Administração
Administração Administração
Burocratica Brasileira Gerencialista
Administração
Societal
9
princípios utilitaristas, base calculista e análise de custo-benefício. Por sua vez, a
racionalidade substantiva consiste nas decisões guiadas pelo prazer e pela satisfação humana,
bem com do equilíbrio dos interesses individuais e do coletivo (SERVA, 1997). Sua ação
decorre não da razão pura, mas, dos sentimentos humanos como instintos, paixões e
interesses. Ramos (1989) chama atenção para o fato de Weber não ter se posicionado
claramente em defesa da ação administrativa como uma dimensão que transita entre a
racionalidade funcional e substantiva, limitando-se apenas a explicar a importância da
racionalidade funcional no seu modelo de dominação burocrático-racional.
Já o formalismo constitui outro conceito que ajuda explicar a existência de práticas gerenciais
antigas em sociedades modernas. Trata-se de um conceito elaborado por Fred Riggs (1961)
para analisar a ecologia da administração pública em países em desenvolvimento. Riggs
(1961) considera que as sociedades em transição possuem características diferentes das
sociedades ditas desenvolvidas. Dentre as características descritas encontra-se o formalismo.
10
Uma das causas para explicar a existência do formalismo na sociedade em transição é o fato
da adoção de modelos e conceitos tomados de uma ordem social mais avançada. A
transposição de modelos sociais complexos de sociedades ditas mais avançadas para
sociedades menos desenvolvidas pressupõem a existência de uma estrutura formal, sob
aspecto político, econômico e administrativo, nem sempre presentes nestas sociedades.
11
evolutivo de organização social universal. Ou seja, uma sociedade moderna é aquela que
supera determinada etapa do desenvolvimento histórico-social da humanidade. Assim, é
possível classificar as sociedades por etapas, como selvageria, barbárie, civilização ou
escravismo, feudalismo, capitalismo, socialismo, comunismo, ou ainda, agrária, industrial,
pós-industrial etc. Ramos (1967), analisando o fenômeno da modernização, aponta para o fato
de que existe uma visão reducionista e de base ideológica na elaboração do conceito de
modernidade proposto pelos teóricos do pensamento hegemônico. O conjunto destas
formulações Ramos denomina de Teoria da Necessidade (N). Em suas palavras:
Ramos (1967) nos chama a atenção para o fato de não existir um único caminho, nem um
único modelo para se chegar ao fenômeno da modernidade. Existe um campo de
possibilidades a ser explorado e colocado em prática. Esse pressuposto encontra-se presente
em diversos trabalhos teóricos da corrente alternativa ao pensamento hegemônico ocidental.
O conjunto destas análises Ramos denomina de Teoria da Possibilidade (P).
Por fim, não menos importante, o conceito de bem-estar, aqui pensado como sinônimo de
bem-estar da sociedade, visualizado não apenas no bem-estar econômico, mas, também, no
político e no bio-psico-social. A ideia de um sentido mais amplo de bem-estar tem inspiração
12
no conceito de justiça social formulado por Nancy Fraser. Nas suas análises, Fraser (2002)
argumenta que estamos diante de um mundo marcado pela dissociação, tanto na esfera
política quanto na acadêmica, entre duas visões dicotômicas acerca do que seria necessário
para a realização da justiça. Enquanto alguns veriam na economia a causa última de todas as
injustiças e defenderiam a redistribuição de recursos como a única forma de saná-las, outros
teriam procurado entender o conjunto das injustiças existentes como consequências de
padrões hierárquicos de valoração cultural, onde para superá-los defendem a tese que todos
fossem igualmente reconhecidos, mesmo diante das diferenças. O resultado disso é uma visão
distorcida da justiça e do bem-estar social. Diante disso, recomenda:
Essa visão mais dilatada de justiça e bem-estar social de Nancy Fraser nos possibilita
compreender o ordenamento social numa lógica bidimensional - distribuição dos recursos e
reconhecimento das diferenças culturais. Contudo, no caso especifico dos modelos gerenciais
de administração pública, cuja finalidade maior é promover o bem-estar da sociedade, isso,
ainda, não se verifica, visto que existe uma predominância dos valores economicistas
(dimensão distributiva de recursos) em detrimento da valores culturais (dimensão do
reconhecimento). A burocracia e o gerencialismo, por exemplo, partem do pressuposto de
que o bem-estar da sociedade depende da eficiência produtiva das organizações (privadas,
públicas e societais), do aumento do produto interno bruto (PIB), bem como da capacidade de
geração de emprego e renda. Nesses dois modelos gerenciais, o sistema meritocrático,
hipoteticamente, ocupa centralidade no processo de definição daqueles que deverão assumir a
tarefa de gerenciar as organizações. No entanto é cada vez mais frequente a percepção de
que os sistemas meritocráticos se mostram injustos, discriminatórios, segregacionistas e que
criam sérios problemas burocráticos, sociais e políticos nas sociedades em que são aplicados,
tanto que nenhuma sociedade atual possui um sistema totalmente meritocrático em aplicação,
apesar da meritocracia estar presente em maior ou menor grau em praticamente todas elas.
Por outro lado, é crescente a reivindicação da sociedade por reconhecimento e reparação
social, expressa nas políticas públicas de gênero, etnicidade, nacionalidade, cotas raciais,
sociais, etc, fortemente, presente na agenda do modelo de administração societal. Em síntese,
os modelos gerenciais euro-americanos não levam em consideração, nas suas estruturas
teóricas, o sentido do bem-estar das diferenças culturais, apenas incorporam o sentido do
bem-estar econômico, ou seja, o ter em detrimento do ser. Essa complexidade é melhor
explicada, quando utilizamos a abordagem do multiculturalismo, pois, nos permitem perceber
com mais clarividência as diferenças culturais, o que é, muito mais difícil, pela lógica
funcionalista ou, até mesmo, pela lógica do pensamento estruturalista, fortemente,
predominantes no pensamento euro-americano de gestão.
13
Figura 2:
Administração Pública Brasileira
Racionalidade
§ Instrumental
§ Substantiva
Administração
Patrimonialista
Administração
Societal
Bem-Estar
§ Distribuição de recursos
§ Reconhecimento das diferenças
Considerações Finais
Este trabalho procurou refletir sobre a seguinte questão: por que existem, ainda hoje,
resquícios de antigos comportamentos administrativos na estrutura da administração pública
brasileira? Para responder a esse questionamento tomou-se como referência a experiência da
14
administração pública brasileira, bem como a formulação dos tipos ideias de dominação e
formação de poder propostos por Weber. Mediante estas referências foi possível encontrar
algumas pistas para essa questão, pistas que demandam reflexões, aprofundamentos e críticas.
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i
O neoliberalismo constitui um pensamento filosófico formulado na Escola Austríaca e na Escola de Chicago,
com base na sociedade de Mont Pèlerin, capitaneada pelos intelectuais Friedrich Hayek e Milton Friedman.
17
A Administração de Recursos Humanos Como Conhecimento que Constitui
uma Consciência de Classe para o Capital
Resumo
A tese discutida no texto ressalta o momento de especialização da força de trabalho como um
dos produtores de grandes obstáculos à constituição da consciência da classe trabalhadora em
si e para si, posto que, no processo educacional, o conteúdo sobre a materialidade do ser é a
universalização dos interesses de um grupo particular, mas não somente isso. Nesse momento,
ocorre, também, a produção da predominância da particularidade-individualidade sobre a
generidade, produzindo uma subjetividade individual para a classe trabalhadora que resiste à
necessária negação das contradições da relação capital-trabalho, consentido aos anseios da
valorização do valor como se houvesse uma captura dessa subjetividade pelos capitalistas,
porém o que temos é a produção dessa subjetividade sendo efetuada, em última instância, pelo
Estado Burguês, não negando, portanto, sua natureza. Para desenvolver essa tese, o texto
demonstrará que um determinado conhecimento científico 1) produz a universalização dos
interesses capitalistas particulares enquanto interesses da humanidade; 2) naturaliza a
(re)produção do ser social como um conjunto de relações de dependência entre sujeitos
mutuamente indiferentes; e, 3) ao ser majoritariamente produzido por meio de financiamentos
públicos, ratifica a natureza burguesa do Estado.
Introdução
A consciência de classe não pode ser compreendida sem a relação com a materialidade
do ser da classe. Considerando que, como Marx menciona em crítica à crítica que Proudhoun
faz a Bastiad, a "sociedade não consiste de indivíduos, mas expressa a soma de vínculos,
relações em que se encontram esses indivíduos uns com os outros" (MARX, 2011, p. 205),
acreditamos que as classes expressam as diferentes relações que os indivíduos estabelecem
uns com os outros a partir das diferentes condições concretas que se encontram no processo
de produção de valores. Relações que condicionam a constituição da consciência dessas
relações, pois "é claro que a efetiva riqueza espiritual do indivíduo depende inteiramente de
suas relações reais" (MARX, 2007, p. 41).
A existência material e a consciência dessa existência são membros de uma totalidade,
parafraseando Marx (2011, p. 53), "diferenças dentro de uma unidade" e que se efetuam em
duas instâncias reciprocamente determinadas: da particularidade-individualidade e da
generidade (LUKÁCS, 2010). Reside nessa complexidade relacional de não dualidades
excludentes a dificuldade de compreender a constituição da consciência de classe, sobretudo,
da classe trabalhadora, uma vez que essa, para ser uma consciência para si, necessita negar a
existência do ser que está sendo, rumo a produção do devir da emancipação da humanidade
(MESZÁROS, 2008).
Afirmar o desejo de um vir a ser é produzir no campo das ideias a materialidade futura
- produção que é condicionada pelas relações concretas de existência - negando o que se está
sendo; porém, outro ponto se apresenta à essa negação: a consciência do que se é, nos é
parcial. "A consciência é, naturalmente, antes de tudo a mera consciência do meio sensível
mais imediato e consciência do vínculo limitado com outras pessoas e coisas exteriores ao
indivíduo que se torna consciente [...]" (MARX e ENGELS, 2007, p. 35). De modo que, a
constituição da consciência da classe trabalhadora em si e para si necessita o rompimento do
cônscio parcial que temos sobre a concretude das relações sociais existentes. Tarefa que é
obstaculizada pela produção de um conhecimento que, usado ideologicamente, constitui a
consciência da classe trabalhadora como uma consciência para o capital, reproduzindo no
campo das ideias de cada indivíduo um devir respaldado no desejo de estabelecer ascensão
entre os estratos que compõem a classe trabalhadora (estrato decorrente das especialidades do
trabalho), mas ascensão que tem como limite concreto as relações que mantém os
trabalhadores como classe trabalhadora.
Lukács (2013) ao discutir a questão de ideologia ressalta que sua produção não tem
como pressuposto a produção de um conhecimento científico falso ou verdadeiro. A
falseabilidade do conhecimento científico está para uma discussão epistemológica, não menos
necessária do que a que faremos aqui, mas que será matéria de outras reflexões, pois envolve
a discussão tanto da forma como do conteúdo do saber científico, sobretudo nesse momento
em que há uma disputa pela legitimidade de ser ciência por duas grandes doutrinas: os
defensores da modernidade e os da pós-modernidade. O que importa, nesse texto, é atentar
para a legitimidade do conhecimento científico na sociedade em geral e na formação do
trabalhador em particular, sobretudo, na formação de terceiro grau, momento ímpar da
produção de uma força subjetiva do trabalho especializada, momento em que o processo
educacional (re)põe à subjetividade as possibilidades do vir a ser desejadas pelo capital,
momento em que se concretiza um dos momentos necessários a produção da mercadoria força
de trabalho que é, muitas vezes, desejada desde a infância em virtude dos anseios social.
Nossa tese central a ser discutida aqui ressalta esse momento de especialização da
força de trabalho como um dos produtores de grandes obstáculos à constituição da
consciência da classe trabalhadora em si e para si, posto que, no processo educacional, o
conteúdo sobre a materialidade do ser é a universalização dos interesses de um grupo
particular, mas não somente isso. Nesse momento, ocorre, também, a produção da
predominância da particularidade-individualidade sobre a generidade, produzindo uma
subjetividade individual para a classe trabalhadora que resiste à necessária negação das
contradições da relação capital-trabalho, consentido aos anseios da valorização do valor como
se houvesse uma captura dessa subjetividade pelos capitalistas, porém o que temos é a
produção dessa subjetividade sendo efetuada, em última instância, pelo Estado Burguês, não
negando, portanto, sua natureza. Para desenvolver essa tese, o texto demonstrará que um
determinado conhecimento científico 1) produz a universalização dos interesses capitalistas
particulares enquanto interesses da humanidade; 2) naturaliza a (re)produção do ser social
como um conjunto de relações de dependência entre sujeitos mutuamente indiferentes; e, 3)
ao ser majoritariamente produzido por meio de financiamentos públicos, ratifica a natureza
burguesa do Estado.
Para realizar as três demonstrações, elegemos a administração de recursos humanos
enquanto uma especialização do trabalho que demandou o desenvolvimento de uma área
especifica da ciência que pode ser denominada tanto como Administração de Recursos
Humanos, Gestão de Pessoas ou ainda Comportamento Organizacional. Muitas polêmicas há
entre as diferenças do que é produzido sob as distintas alcunhas, porém, o que nos interessa
aqui é que são profissionais da ciência que desenvolvem saber sobre as distintas formas de
controlar o fator subjetivo do trabalho no processo de trabalho, visando, sempre, em última
instância alavancar a valorização do valor. Tendo esse recorte, analisaremos como dois temas
debatidos na área são apresentados aos futuros trabalhadores durante o processo de formação,
são eles: avaliação de desempenho e gestão da diversidade e, por fim, levantaremos os
financiadores de tais estudos. Assim, esse textos está estruturado em quatro tópicos excluindo
esse. No próximo tópico, item 2, apresentaremos as análises sobre gestão da diversidade, no
tópico três, será abordada a questão da avaliação de desempenho. Na sequência, item 4,
abordaremos o tema do financiamento das pesquisas e a relação da produção e circulação do
saber financiado pelo Estado. Por fim, no item 5, apontaremos a possível relação da
Administração Política com um saber para além do capital, enquanto nossas considerações
finais.
2. O que os Manuais Ensinam aos Estudantes sobre Gestão da Diversidade?
O subtítulo traz uma pergunta, a primeira análise traz uma constatação irônica:
ensinam pouco. O tema da Gestão da Diversidade é quase inexistente nos manuais publicados
no Brasil. Irônico, pois o Brasil é apresentado mundialmente como o país da diversidade. Mas
um qualitativo de quantidade não nos diz sobre o que é ensinado. Para refletir um pouco sobre
o conteúdo, foi selecionado dois manuais de Administração produzido por editoras que
possuem amplo canal de distribuição - o que facilita a circulação das ideias por elas
publicadas - e que foram citados em uma survey que está sendo realizada junto à instituições
de ensino superior pelo Núcleo de Estudos Críticos sobre Gestão de Pessoas e Relações de
Trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais. Um dos textos tem a autoria de Idalberto
Chiavenato. A escolha por esse autor se justifica por ser ele um dos mais utilizados na
formação de bacharéis e tecnólogos em Administração no país. Outro texto é de autoria de
dois estrangeiros, George Bohlander e Scott Snell. A escolha por autores de outra
nacionalidade, em especial, norte-americanos se deve à colonização do pensamento brasileiro,
que na área das ciências administrativa é hegemonicamente efetuada pelos anglo-saxões, fato
que é possível observar nos próprios textos de Chiavenato.
O primeiro ponto que salta aos olhos do analista é a escolha desses autores para a
relação estabelecida entre o tema Gestão da Diversidade e outros temas vinculados às ciências
administrativas. Para Chiavenato, Gestão da Diversidade tem relação com a Cultura
Organizacional, por sua vez, para Bohlander e Snell aquele tema se impõe devido à Lei de
Igualdade de Oportunidade de Emprego existente nos Estados Unidos da América e está
atrelado à administração de recursos humanos pelas atividades de Recrutamento, Seleção e
Progressão. A primeira abordagem demonstra a riqueza do diverso para o capital, a outra
destaca os aspectos legais que garantem a "igualdade de oportunidade" e as punições
decorrentes de seu não cumprimento, garantia necessária, diga-se de passagem, devido as
condições de desigualdades criadas ou recriadas pelo próprio movimento de instituição do
capital enquanto modo de controle metabólico da sociedade.
A constatação de que há conteúdos explícitos distintos demanda apresentar uma
análise separada de ambos, verificando o que dizem de diferente para demonstrarmos o que
essas diferenças escondem.
Para dar legitimidade aos seus argumentos Chiavenato apresenta os seis argumentos
elaborados por Cox em defesa de uma gestão da Diversidade, a saber: custo, aquisição de
recursos, marketing, criatividade, solução de problemas, flexibilidade de sistema. Reforçando,
junto aos estudantes, que o saber desenvolvido no Brasil guarda veracidade científica porque
confirma o que os americanos já mencionaram. Não consideramos que as especificidades dos
dois países resultariam em diferentes resultados, porque o que interessa aos autores em
questão não é a diversidade em si, mas os resultados que controlá-la traz ao capital, como esse
não possui nacionalidade e não é limitado por fronteiras geopolíticas, o resultado não poderia
ser muito distinto. O recurso discursivo utilizado por todo o livro de legitimar o argumento do
autor brasileiro com as ideias de estrangeiros saxões nos revela que seguimos ofertando aos
estudantes brasileiro uma objetividade que coloca o jeito americano de ser enquanto o
parâmetro correto de estar no mundo e, se assim se faz lá, assim é que deve ser feito. Não
surpreende, portanto, quando ouvimos os estudantes falando: "mas nos Estados Unidos..."
Após elencar os benefícios trazidos pela Gestão da Diversidade em qualquer país,
Chiavenato informa que a diversidade está para o realce das diferenças individuais assim
como o multiculturalismo está para a diferença entre culturas. E exemplifica com o caso da
Matsushita Electric Company que oferece alimentação chinesa, malásia e hindu em seu
refeitório na fábrica instalada na Malásia, respeitando os hábitos alimentares e religiosos dos
diferentes povos que coabitam a região.
Sobre o multiculturalismo, o autor afirma que ele está se tornando uma premissa
básica da moderna sociedade e que, quase sempre, o termo se refere a: fatores culturais como
"etnias, raça, sexo, faixa etária, credo religioso e hábitos diferentes". Em suma, para o autor, a
presença da multiculturalidade nas organizações é a característica do próximo milênio que foi
trazida para as organizações por uma força de trabalho cuja a natureza vem mudando em
grandes proporções. E por isso a diversidade cultural se torna um elemento a ser
administrado.
A diferença cultural se torna um elemento a ser administrado por que é trazida para as
organizações ou a expansão do capital e sua necessidade de aumentar as taxas de lucro
fizeram com que as relações de assalariamento e propriedade privada se alastrassem pelas
diferentes partes do globo incorporando em seu modo de controlar o processo de trabalho
diferentes aspectos culturais quando necessários (e aniquilando-os quando possível)?
É interessante como o multiculturalismo é tratado como um anseio dos "povos" em se
consolidar como força de trabalho assalariada sob o julgo do capital. Ou ainda, mesmo que na
aparência do fenômeno esse pode ser um anseio dos "povos", como relato o filme The
Corporation, é interessante como a situação concreta que faz com que o ser humano deseje
vender sua capacidade de trabalho é totalmente desconsiderado pelo autor. A situação de
pobreza em que vive grande parte da população dos países para onde o capital se expande não
é tratada sobre a perspectiva de que esses países estão em condições desiguais de produção de
riquezas, pois, e para elencar apenas um dos determinantes que os colocaram nessas
condições, suas fontes naturais e humanas foram consumidas em um processo perverso de
colonização justamente em nome do Desenvolvimento (vide o caso da própria Malásia,
colônia britânica).
Desconsiderar as condições concretas que produziram as desigualdades não é
privilégio da abordagem da multiculturalidade apresentada pelo autor, mas também para o da
diversidade. Assim, para Chiavenato, branco/negro; homem/mulher, etc. é a manifestação de
diferentes características pessoais. Nada nos diz Chiavenato sobre a questão de supremacia de
determinada característica sobre as outras. Nada diz aos estudantes sobre a opressão que um
grupo de pessoas vivencia cotidianamente em virtude de possuir determinadas características.
A diferença configura-se apenas como diferença, como não idêntico, jamais como
desigualdade.
O livro desse autor ensina aos futuros gestores que Gestão da Diversidade é conseguir
o máximo de comprometimento da força de trabalho ainda que os proprietários dessa
mercadoria não seja imediatamente idênticos. E sobre esse ponto cabe-nos duas ponderações:
1) a distinção entre pessoa e força de trabalho e 2) a diferença entre trabalho concreto e
trabalho abstrato. Vale lembrar que a substância do valor é o trabalho abstrato, por este ser a
expressão de equivalência entre os múltiplos trabalhos concretos, transmutando o último, sem
o suprimir, em um uso indiferenciado das capacidades humanas. Ao capital interessa o valor
de uso da força de trabalho e essa mercadoria deve possuir determinadas
características/qualidades que correspondam às necessidades do processo de valorização num
determinando período do desenvolvimento das forças produtivas. Logo, sob o ponto de vista
da valorização do valor o que importa são as características da força de trabalho não da pessoa
que a vende. Em resumo, não faz diferença alguma ao capital se a força de trabalho está sendo
vendida por homens, por mulheres, negros, brancos, homossexuais, heterossexuais, desde que
essas pessoas estejam colocando a venda um produto que tenha valor de uso para o
comprador, uma mercadoria que opere dentro das qualidades exigidas pelo trabalho abstrato
em seu correspondente momento do desenvolvimento das forças produtivas. 2) Porém, tais
diferenças, consideradas sobre o prisma da desigualdade, perspectiva não trabalhada por
Chiavenato, faz diferença ao processo de valorização do valor, pois, o trabalhador enquanto
proprietário de capacidades que correspondem ao trabalho abstrato demandado no processo de
valorização, mas também constituído por qualidades que o coloca em condição de subjulgo
social está propenso a aceitar condições de trabalho e até salários menores do que aquele
trabalhador que enquadra-se na dita "normalidade" (considerações sobre normalidade serão
realizadas a posteriori). Aceitação que pode ser ainda subjetivada pelo indivíduo enquanto
"oportunidade" que, "dada" uma vez, deve ter seu merecimento eternamente comprovado, por
meio da - e fazendo uso das palavras de Chiavenato - "fidelidade", da "lealdade", de maior
disposição a "se empenharem pela organização" etc. Portanto, a diversidade, mas agora não
mais entendida como "não identidade" mas sim como desigualdade resultante de condições
materiais históricas distintas, alavanca também o processo de rebaixamento do valor da força
de trabalho, seja por meio de uma competição estabelecidas sobre condições culturais
desiguais cujas raízes se encontram nas condições históricas de reprodução da vida já
desiguais - um exemplo que evidencia essa constatação é apontado por estudos que
demonstram que as mulheres, embora com maior formação educacional recebe menos do que
o homem e, que se essa mulher for negra, seu salário é inferior a da mulher branca -, seja por
aumentar a intensidade e a produtividade do trabalho.
Aumentar a intensidade e a produtividade do trabalho, ou em termos administrativos,
colaborar para efetivar o desenvolvimento organizacional - vulgo desempenho da organização
- é o objetivo da Gestão da Diversidade, quiçá seja por isso que Chiavenato menciona que ela
permite a "Criação de imagem de postura ética". Imagem porque não é objetivo da Gestão da
Diversidade problematizar a opressão existente na sociedade, mas fazer com que as diferentes
características que, na aparência do fenômeno, são justificações para tal opressão, sejam
toleradas em nome do uso da força de trabalho no processo de valorização.
Tolerância que é sustentada pela lógica da meritocracia. Quando ao oprimido é
oportunizada a condição concreta de concorrer com o opressor, o primeiro tem que atender de
forma mais "competente" as exigências do capital, pois somente assim, comprova ser
merecedor do seu "novo lugar" e obstaculiza o desenvolvimento de argumentos que
sustentariam a discriminação reversa, o grande risco da Gestão da Diversidade quando essa é
relacionada a Proteção.
3. Avaliação de Desempenho
A avaliação de desempenho é sagrada. Pelo menos é isso que deseja ensinar aos
futuros gestores Marras, Lima e Tosse (2012)i. Para falar sobre essa atividade de controle do
valor de uso da força de trabalho, os autores recorrem à citações bíblicas, tornando o ato algo
constitutivo da natureza humana por desejo do divino, do absoluto. Vê-se de pronto a
incompreensão do desenvolvimento histórico das categorias. Ou será que os autores entendem
que os capitalistas são deuses que sabem o que é melhor para cada um dos membros de seu
rebanho conforme o grau de obediência?
Não iremos discutir a pertinência do uso bíblico, até porque a própria veracidade das
interpretação dos textos considerados sagrados é alvo de disputas pelas inúmeras religiões.
Importa frisar apenas o processo de naturalização do ato de avaliar o quanto o trabalhador
entrega da mercadoria vendida, o quanto a potência torna-se ato. Ao que se não atingir as
metas impostas pelos "objetivos organizacionais" pode ser avaliado como um atentado contra
o "irmão" capitalista. Nessa perspectiva, em algo os autores estão sendo precisos, não ter um
alto desempenho no trabalho é atentar contra o processo de valorização, prática, portanto, que
o capitalista deseja eliminar.
Em um salto que tem como base impulsionadora os escritos dos primeiros anos da era
cristã (Evangelho de Mateus), respaldado pelo exemplo de Inácio de Loyola, chega-se a idade
moderna industrial do século XIX, quando então, o governo dos Estados Unidos da América,
em 1842, racionalizou a vontade divina implantando um sistema de relatórios anuais de
avaliação. Quase dois séculos depois temos, assim, várias "conceituações" sobre Avaliação de
Desempenho ou Gestão do Desempenho, das quais os autores escolheram duas, e que
tomaremos aqui como base de discussão, a saber:
Nos parece que, embora expresso de diferentes formas, existe um conceito do que é
avaliação de desempenho: um processo que qualifica, quantitativa e/ou qualitativamente, a
intensidade do uso das forças físicas e mentais do trabalhador, sua capacidade de trabalho.
Vale lembrar que o comprador da força de trabalho pagou pelo trabalho social objetivado em
troca de trabalho vivo a objetivar (MARX, 2001). Logo, para o comprador, a intensidade com
que a potencialidade do trabalho é objetivada é um elemento determinante no processo de
valorização, ainda que essa intensidade seja tratada nos livros de Recursos Humanos apenas
como a possibilidade do trabalhador realizar "o melhor de suas habilidades" (BOHLANDER
e SNELL, 2014, p. 298).
Realizar o melhor de suas habilidades não significa, para o trabalhador, alterações
salariais, como lembra Marras, Lima e Tose (2012). Ironicamente poderíamos sustentar que as
"organizações" não associam a avaliação do desempenho ao sistema de remuneração porque
não se recompensa por "não pecar". Entretanto, não é a linha argumentativa que usaremos.
Não há necessidade direta de relacionar a avaliação de desempenho com a remuneração
porque a primeira está para o valor de uso e a segunda para o valor de troca da força de
trabalho. A falácia do atrelamento reside na necessidade de "motivar para o trabalho" (afinal,
há trabalhadores do tipo X e do tipo Y, há trabalhadores que resistem, por meio de diferentes
mecanismos, a exploração), de fazer o trabalhador exaurir suas forças físicas e mentais em um
processo de trabalho no qual está alienado, ou seja, o tema da motivação apresentado pelos
autores dos livros de Recursos Humanos aos futuros gestores necessita ser discutido à luz da
categoria alienação e não da categoria valor de troca. Portanto, não é equívoco administrativo
a inexistência da relação entre avaliação de desempenho e remuneração. Seria ingenuidade
administrativa (dos teóricos da administração) objetivar esse atrelamento. Por outro lado, seria
equívoco não relacionar o desempenho com a progressão na carreira, pois essa está
diretamente relacionada ao nível de competição entre os trabalhadores, competição que tem
como parâmetro justamente a intensidade do uso da força de trabalho ou, como os teóricos
dos Recursos Humanos mencionam, da entrega que o trabalhador faz à empresa de sua
competência. Entrega que só pode ser feita de modo individual, afinal, cada trabalhador é
único e agrega "valor econômico à organização" a medida em que mobiliza, integra, transferi
conhecimentos, recursos, habilidades... É por isso que, embora as "competências" individuais
sejam determinadas pelas denominadas competências organizacionais, setoriais, grupais; o
ente que deve ser avaliado é o indivíduo trabalhador. (MARRAS, LIMA e TOSE, 2012). Em
face de uma possível dificuldade cognitiva do estudante e futuro gestor, os autores optam
apresentar o desenho desenvolvido por Marras (2011), no qual ele demonstra o lugar do
trabalhador num processo de avaliação, no caso, submetido à técnica conhecida como
"avaliação por múltiplas fontes", a saber:
Figura 1: O Indivíduo com Centro da Avaliação de Desempenho
Diante desse complexo sistema de avaliação, desenhado por Marras (2011), onde
todas as setas apontam para você, inclusive a sua (auto-avaliação), como seria possível que as
relações concretas existentes no ambiente de trabalho não constituíssem uma subjetividade
propensa a declarar: "culpa, mea culpa, mea maxima culpa"?
A avaliação de desempenho é um processo que verifica o quanto a mercadoria força de
trabalho está sendo utilizada, trata-se de verificar para aprimorar o consumo do valor de uso.
Embora a literatura administrativa exalte o trabalho em equipe, a aprendizagem coletiva, etc.
a avaliação é, em última instância, individual. Reconhece-se que os trabalhos são
interdependentes, porém foca-se no fato de que o trabalho de cada um é indiferente às
relações estabelecidas no trabalho com outros sujeitos. Na prática, não há sujeitos no processo
de avaliação, tão somente força de trabalho sendo avaliada. No entanto, o que o jovem
administrador aprende é que a avaliação de desempenho promove o crescimento pessoal e
profissional (LIMONGI-FRANÇA, 2012) - pessoal? - desde que se alcance os "objetivos
organizacionais". Ainda que acreditando nessa assertiva, não deveria parecer suspeito o
desenvolvimento pessoal ser determinado por objetivos externo à pessoa? Para evitar a
desconfiança daquela desejada verdade, ensina-se que os objetivos são da coletividade,
alcançá-los é responsabilidade daquele que tem capacidades singulares para abraçar tamanha
tarefa. Afinal, como frisa Chiavenato (2010, p. 165) a organização é um agente de
"transformação genuinamente social". Assim, o conhecimento produzido por cientistas
administrativos e ensinados pelos docentes constituem o conteúdo de uma subjetividade
característica ao gestor de recursos humanos que percebe a si, aos outros e as relações sociais
estabelecidas no e pelo capital como a normalidade de ser do ser social. Uma normalidade que
não é experimentada como sendo comum, mas extraordinária, por ser resultado única e
exclusivamente do mérito de ter atendido aos interesses de uma classe particular que se
apresenta como universal, ainda que valendo-se da figura do divino. E quando tal
subjetividade é assim produzida, parece-nos evidente - portanto, dispensa estudos científicos -
o resultado de pesquisas que constataram "que as empresas com programas de diversidade
cultural tiveram melhor performance do que aquelas que não os possuíam, comprovando que
ao valorizar a Gestão da Diversidade as organizações conseguem utilizar melhor os recursos
internos de que dispõem, incentivando a inovação e melhorando a produtividade"
(OLIVEIRA e RODRIGUES, 2004, p. 3840); afinal, aumentar a exploração do trabalho (com
ou sem diversidade) é o que o trabalhador-gestor de recursos humanos acredita ser o seu
maior mérito.
Percebemos assim que as pesquisas desenvolvidas nas áreas de Recursos Humanos e
Comportamento Organizacional são as mediações necessárias ao capital para sustentar as
relações recíprocas entre a produção de uma determinada subjetividade e o uso da força
subjetiva do trabalho no processo de valorização, sobretudo porque, tal subjetividade, ao ser
requerida no processo de trabalho, irá ao/de encontro das contradições concretas e que lhes
foram sonegadas enquanto se especializavam. Ou, para usar termos comuns àqueles
pesquisadores, o ciclo (vicioso) entre capacitação técnica universitária e uso da força de
trabalho se retroalimentam para satisfazer os objetivos do capital. Satisfação garantida ainda
pela disponibilidade do fundo público.
A gestão do fundo público, como mencionado na introdução, reafirma a natureza do
estado capitalista. De modo algum queremos reduzir o entendimento do Estado a mero
instrumento de reprodução político-ideológica da classe burguesa. Essa acepção, pertencente
a uma clássica abordagem marxista, não compartilhamos. Entendemos que o processo de
valorização do valor necessitou, para instituir-se concretamente, gestar inúmeras mediações
das quais não pode prescindir, incluindo o Estado. As mediações assumem características
próprias as necessidades históricas do capital, inclusive, constituindo-se enquanto esfera
externa ao processo de (re)produção do valor e com lógica própria, mas não sem
condicionamentos - reciprocidades dialéticas - para sua operacionalização segundo
necessidades do capital. No debate aqui efetuado, cabe frisar os mecanismos internos de
financiamento daquele "ciclo vicioso": produção da subjetividade do trabalhador-gestor
adequado às necessidades do capital a fim de aperfeiçoar o uso da força de trabalho.
Bibliografia
ALVES, M. A.; GALEÃO-SILVA, L. G. (2004) A Crítica da Gestão da Diversidade nas
Organizações. Revista de Administração de Empresas, Vol. 44, Nº 3
CHIAVENATO, I. Administração nos Novos Tempos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
FERRAZ, D. L. S. . Projetos de Geração de Trabalho e Renda e a Consciência de Classe dos
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LIMONGI-FRANÇA, A. C. (2012). Práticas de Recursos Humanos. São Paulo: Atlas.
LUKÁCS, G. (2010). Prolegômenos Para uma Ontologia do Ser Social. São Paulo:
Boitempo.
LUKÁCS, G. (2013). Para uma Ontologia do Ser Social II. São Paulo: Boitempo.
MARX, K. Grundrisse: Manuscritos econômicos 1857-1858: esboço da crítica da economia
política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Edu UFRJ, 2011.
MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
MÉSZÁROS, I. (2008). Filosofia, Ideologia e Ciências Sociais. São Paulo: Boitempo.
OLIVEIRA, U. R.; RODRIGUEZ, M. V. R. (2004) Gestão da diversidade: além de
responsabilidade social, uma estratégia competitiva. XXIV Encontro Nac. de Eng. de
Produção - Florianópolis, SC.
SNELL, S.; BOHLANDER, G. A Administração de Recursos Humanos. São Paulo:
Cengage Learning, 2014.
TRAGTENBERG, M. Administração, Poder e Ideologia. São Paulo: Unesp, 2005
i
Escolhemos o livro desses autores por ser ele um trabalho que reúne as três principais referências brasileiras
sobre o tema. Uma das autoras, inclusive, recentemente foi condecorada pela academia como uma das autoras
mais citadas na área de Administração. Com isso, consideramos o livro um exemplar do que é a referência da
Gestão de Pessoas no Brasil. Ademais, diferente de Chiavenato, esses três autores possuem trânsito também na
esfera da pós-graduação.
ii
Vale destacar que encontramos esses resultado quantitativo num levantamento de dados realizados nos
Congressos mais importantes da área no período de 2004 a 2014, a saber, Encontro Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Administração, Encontro Nacional de Estudos Organizacionais e Encontro Nacional de
Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, todos chancelados pela Anpad.
Administração do Desenvolvimento: uma ferramenta para a
construção de um projeto de desenvolvimento socioeconômico sustentável.
RESUMO
O objetivo deste artigo é questionar sobre a possibilidade de criação de uma politica
nacional balizada por um projeto de desenvolvimento socioeconômico de longo prazo que
sustente um projeto de nação amparado em uma cadeia produtiva integrada e fundamentado
em ações que valorizem políticas cientificas e tecnológicas para o aproveitamento do elevado
potencial natural da nação. Utiliza-se a pesquisa bibliográfica para preencher o referencial
teórico com foco histórico e atual das relações econômicas desenvolvidas no Brasil. Isto para
concluir que, embora o país tenha experimentado picos de desenvolvimento econômico, as
politicas executadas não foram capazes de promover um desenvolvimento socioeconômico
sustentável, mostrando-se a administração do desenvolvimento uma ferramenta para a
condução deste projeto.
Palavras- chave: crescimento; desenvolvimento socioeconômico; administração do
desenvolvimento;
INTRODUÇÃO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
ARAGÓN, Luis E. Novos temas regionais para o estudo da Amazônia no atual contexto
internacional. Florianópolis, 2006.
GÓES, Tarcizio; ARAÚJO, Marlene de; MARRA, Renner. Novas fronteiras tecnológicas
da cana-de-açucar no Brasil. Revista da Política Agrícola, Ano XVIII – n.1, 2009.
MARINI, Ruy Mauro. O ciclo do capital na economia dependente. In: FERREIRA, Carla;
OSORIO, Jaime; LUCE, Mathias (orgs). Padrão de reprodução do capital: contribuições da
teoria marxista da dependência. São Paulo, Boitempo, 2012, p. 21-36.
MAYRINK, José Maria. Nióbio: a maior riqueza dos Moreira Salles. Estadão, São Paulo, 4
nov. 2013. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/negocios,niobio-a-maior-
riqueza-dos-moreira-salles,169244e. Acesso em: 28 nov. 2014.
MOREIRA, Carlos Américo Leite; MAGALHÃES, Emanuel Sebag de. Um Novo padrão
exportador de especialização produtiva? Considerações sobre o caso brasileiro. Revista
da SEP - Sociedade Brasileira de Economia Política, n.8, 2014.
NETO, João Machado Borges. Ruy Marini: dependência e intercâmbio desigual. Crítica
Marxista, n.33, p.83-104, 2011.
TIGRE, Paulo Bastos. Gestão da inovação: a economia da tecnologia no Brasil. São Paulo,
Campus, 2006.
RESUMO
Primando por inovar e ampliar o pensamento administrativo brasileiro, integrando a
perspectiva administrativa à formação social e econômica do Brasil, optamos por tomar como
base referencial teórica e metodológica central, a Administração Política, pois acreditamos
que este exercício nos possibilitaria integrar conjugações interpretativas interessantes e ricas,
a exemplo do que já vem sendo feito por diversos estudos que optaram por uma abordagem
inter ou transdisciplinar para reinterpretar os padrões que fundamentaram as relações sociais e
produtivas brasileiras, através da articulação da perspectiva Histórica, Literária e
Administrativa. Lançamo-nos, portanto num exercício interpretativo das obras selecionadas
de Jorge Amado, com o intuito de identificar diferentes maneiras de se compreender o
pensamento administrativo integrado, de forma articulada às obras de grandes literatos
brasileiros como fonte incontestável e inesgotável de conhecimento sociológico, econômico,
social, cultural, político e administrativo. A coerência interna dos textos literários fica
evidenciada a partir dos entrecruzamentos com os relatos historiográficos, de análise
econômica, de cunho sociológico, e demais que se façam necessários à construção de um
quadro de referencia que possa ampliar o pensamento administrativo sobre a região sul
baiana, o que compreende exatamente o nosso exercício neste ensaio.
1. Introdução
Nossas interpretações ora apresentadas são produtos das reflexões advindas da participação no
Grupo de Pesquisa em Administração Política do Núcleo de Pós-Graduação em
Administração da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia. Primando por
inovar e ampliar o pensamento administrativo brasileiro, integrando a perspectiva
administrativa à formação social e econômica do Brasil, optamos por tomar como base
referencial teórica e metodológica central, a Administração Política, pois acreditamos que
este exercício nos possibilitaria integrar conjugações interpretativas interessantes e ricas, a
exemplo do que já vem sendo feito por diversos estudos que optaram por uma abordagem
inter ou transdisciplinar para reinterpretar os padrões que fundamentaram as relações sociais e
produtivas brasileiras, através da articulação da perspectiva Histórica, Literária e
Administrativa.
Buscando seguir essa trajetória crítica e já desbravada por outros autores, a exemplo de Paulo
Emilio Martinsi, que têm demonstrado a necessidade de maior aproximação das ciências
administrativas na reinterpretação das dinâmicas sócio-históricas, é que o artigo se
fundamenta. Bem como, seguimos com a mesma suposição que Vizeu (2010): que a
Administração e as organizações no Brasil somente serão satisfatoriamente compreendidas no
1
Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
2
Doutora em Ciências Políticas e da Administração pela Universidade de Santiago de Compostela. Professora
Adjunta na Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
1
momento em que se buscar um entendimento destas a partir de suas referências histórico-
culturais específicas.
Lançamo-nos, portanto num exercício interpretativo das obras selecionadas de Jorge Amado,
com o intuito de identificar diferentes maneiras de se compreender o pensamento
administrativo integrado, de forma articulada às obras de grandes literatos brasileiros como
fonte incontestável e inesgotável de conhecimento sociológico, econômico, social, cultural,
político e administrativo. Afinal, de acordo com Ricoeur apud Japiassu (2006), p. 231, “o que
é epistemologicamente discordante, pode ser existencialmente convergente”.
5
5. Administração Política, vetor da compreensão crítica ampliada dos fenômenos
Consideramos que a Administração Política apresenta pressupostos teóricos e metodológicos
que contribuirão para uma compreensão crítica e contextualizada acerca dos fenômenos
socioeconômicos, institucionais e organizacionais. Com essa nova perspectiva interpretativa e
significativa, é possível ampliar, pois, as perspectivas analíticas da Administração, deixando
de se concentrar apenas em elementos instrumentais, técnicos e racionais, característicos do
que se denomina de Administração Científica (ou Administração Geral). A relevância da
perspectiva da Administração Política está, portanto, na possibilidade de interação do Estado
com a sociedade, do ente político com o econômico e social, dentre outros, para uma
reinterpretação das bases que fundamentaram o Projeto de nação, projeto de sociedade, baiana
e regional.
Os pressupostos metodológicos que orientaram o desenvolvimento do estudo assumem como
base fundamental a pesquisa qualitativa, feita a partir da leitura histórica e crítica, contida nas
obras selecionadas de Jorge Amado. O método de análise proposto buscou, pois, identificar e
compreender os aspectos essenciais que conformaram os padrões de Administração Política
da sociedade sul baiana, o que significou reconhecer, nas obras selecionadas, os fundamentos
que orientavam as típicas relações de um modelo de capitalismo retardatário e dependente.
Como aponta Gomes (2012, p. 13-14),
[...] o método de análise [proposto] já demonstra, claramente, uma forma
diferente de olhar o processo de desenvolvimento econômico brasileiro [e
baiano em particular], em que os limites entre a economia política crítica e a
administração política ainda não estão definidos. Ressalta o autor que,
embora esse seja um problema aceitável é importante [...] procurar
compreender como a produção capitalista no Brasil [e no sul da Bahia] se
organiza e passa por modificações, reformas ou mudanças [de modo que seja
possível compreender] o processo histórico de construção e reconstrução das
relações entre o Estado e a economia capitalista periférica e a gestão dessas
relações no contexto dos conflitos de classe (inter e intraclasse) [que
denominamos Administração Política].
Considerando essa perspectiva teórico-metodológica crítica da Administração Política,
consideramos que os romances de Jorge Amado assumem lugares fundadores dessa
reinterpretação, na medida em que assumem um papel privilegiado de memória viva da
dinâmica socioeconômica, cultural e política contemporânea. Conforme nos ensina Nora
(1988), os lugares das memórias que Amado nos legou são os locais privilegiados onde estão
os registros das concepções de um projeto de nação, do papel da família, do papel dos
trabalhadores e homens comuns, do papel das instituições, entre outras.
Reforçamos a escolha do autor como objeto de análise do presente estudo, sobretudo, pela
importância das contribuições das obras amadianas para uma (re)intepretação do pensamento
administrativo brasileiro, com especial ênfase para o campo da Administração Política,
considerando, pois, um campo próprio para recontar a dinâmica histórica da formação social,
política, econômica e cultural brasileira sob o olhar crítico e contextualizado da
administração; isto é, buscando ressignificar os mecanismos administrativos que fundaram as
bases de um modus operandi (o como fazer?) que permitiram e ainda permitem a preservação
de modelos tradicionais e excludentes de desenvolvimento econômico e social. Para dar
conta de uma interpretação tão ampla e complexa, considera-se que as obras selecionadas de
Jorge Amado resguardam, pelas formas e objetos, a universalidade do processo de
socialização que marcou a região sul da Bahia.
6
As obras do autor baiano Jorge Amado ocupam lugar de destaque na produção de novos
temas, formas de expressão e apreensão do mundo, sentimentos e lugares, que traduzem a
“paisagem humana e social do Nordeste, particularmente da Bahia, seu Recôncavo, sul e
sertão”, conforme destaca Araújo (2003, p. 09). Em âmbito internacional, a literatura
amadiana notabilizou-se pela projeção da cultura brasileira e baiana, induzindo o leitor à
percepção de valores, condutas e relações dos universos relatados em sua vasta obra,
traduzida em mais de cinquenta países; parte delas foi inclusive adaptada para o rádio, o
cinema, a televisão e o teatro. As matrizes temáticas na literatura de Amado se dividem em
dois ciclos: campo e cidade, tendo início, em 1931, com o lançamento do primeiro livro, O
país do carnaval.
8
que aqui denominamos padrão administrativo que fundamentava, pois, os processos e as
relações de trabalho que garantiam a dinâmica do modelo socioeconômico predominante: a
produção latifundiária e extrativista do cacau.
6.3 Terras do Sem Fim (1943)
As obras Terras do Sem Fim (1943) e São Jorge dos Ilhéus (1944) narram o desbravamento
das matas sul baianas para o plantio do cacau. Ao ler o segundo romance, percebe-se
claramente a intenção de Amado de dar continuidade e ampliar as abordagens trazidas em
Terras do Sem Fim. Esta afirmação se fundamenta, pois, na preservação e, ou evocação de
alguns personagens e memórias na segunda obra.
A figura dos coronéis em Terras do Sem Fim são de homens poderosos, proprietários de
extensas roças de cacau, justamente quando a lavoura cacaueira já era reconhecida como
importante riqueza econômica regional e nacional. Tal lavoura atraía muitos interessados, a
exemplo dos trabalhadores vindos de regiões secas do Nordeste, de pequenos comerciantes,
aventureiros, gente de toda ordem tentando enriquecer frente às oportunidades daquela
próspera região.
A narrativa não se atém ao momento em que as primeiras mudas de cacau chegaram à região,
ao contrário, já aponta um período em que os grandes coronéis ali estabelecidos lutavam por
maiores faixas de terra e ampliação da riqueza e poderes. Evidencia, nessas duas obras, de
forma mais ampla e contundente, a exploração do homem pelo próprio homem, fazendo
emergir as vozes e as reflexões daqueles que se encontravam submetidos às práticas
dominantes do coronelato que se formou nas terras do sul da Bahia.
Os coronéis, na perspectiva amadiana, seguiam insaciáveis, conquistando terras e dominando
gente. Podemos balizar, conforme nos ensina Guerreiro de Freitas e Paraíso (2001), entre
1890 e 1920, o período de implantação da monocultura de cacau no sul da Bahia. “Aqueles
tempos foram atravessados por fenômenos de todos os tipos – demográficos, sociais, políticos
e culturais” (p. 99).
Esse retrato parcial da sociedade grapiúna apresenta um forte teor de crítica social e política
com problemáticas ligadas ao patriarcalismo latifundiário, à exploração do trabalhador, ao
imobilismo social que se estabelecera naquelas Terras do Sem Fim (Sousa, 2001).
As metanarrativas fazem emergir os sujeitos que habitavam aquele espaço – coronéis,
jagunços, capatazes, comerciantes, prostitutas, trabalhadores alugados -, além de revelar os
arranjos sociopolíticos, base para a consolidação de um padrão de Administração Política
tradicional e conservador, pautado em bases que garantissem que as classes menos
favorecidas estariam sempre a serviço dos “donos da terra”. Ao evidenciar as relações sociais
de produção do sul baiano, Amado utilizava diversas expressões pejorativas que
manifestavam o uso e abuso do poder dos coronéis como o caxixev, as manobras jurídicas, a
tocaiavi, enfim, todos os tipos de subterfúgios que permitiam a posse das terras alheias.
6.4 São Jorge dos Ilhéus (1944)
Como já ressaltado, a rigor, São Jorge dos Ilhéus é uma continuação do livro Terras do Sem
Fim, com a trama e grande parte dos personagens remanescentes do livro escrito em 1943.
Superado o momento da luta pela posse das terras, com o conflito direto entre os coronéis,
São Jorge dos Ilhéus retrata a luta posterior pela posse definitiva das terras do cacau. Quiçá
uma posse coletiva daquelas terras. Encontramos em Araújo (2003) que ambos os livros
formam um só núcleo ao afirmar que “[...] se desdobram dois períodos distintos: a conquista
da terra pelos coronéis feudais no princípio do século e a passagem da terra para as mãos
ávidas dos exportadores nos dias de ontem” (p. 63).
9
A exemplo de Cacau, a história se passa na década de 1920 e 30, pois, apesar de Jorge Amado
não explicitar o período, remete-nos a acontecimentos da política nacional, tais como: a
Coluna Prestes, o governo de Washington Luis e o Integralismo.
A trama dá passagem a personagens que revelam as novas relações sociais de produção, isto
é, o novo padrão de Administração Política que se desenvolveu nas terras do cacau. Entram
em cena em São Jorge dos Ilhéus, os vorazes exportadores de cacau, representantes do capital
internacional, que ambicionam tornarem-se proprietários das fazendas de cacau, controlando
o fluxo de produção e ditando seu preço no mercado internacional. A política local fica a
cargo dos filhos dos agora velhos coronéis de Terras do Sem Fim.
Ilhéus, a “Rainha do Sul”, com força comercial e riqueza crescente, possui o quinto maior
porto exportador do país, responsável, segundo Jorge Amado, por 98% de todo o cacau
produzido no Brasil. Em raras cidades no país, à época, havia um crescimento tão rápido, ruas
abertas, construções de todo tipo, com praças, jardins, iluminação pública, água e esgoto
canalizados. Nesse período, sua populaçãovii era estimada em 150 mil habitantes. A essa
altura, a cidade já dispõe de aeroporto, cinema, transporte público, cafeterias, teatro, sistema
de telefonia, além de um estádio de futebol. Porém, a despeito de toda a modernidade na
“Rainha do sul”, reinava o patriarcalismo nas relações sociais de produção, revelando, pois,
que, apesar dos avanços, foram preservados praticamente os mesmos interesses locais,
alterado apenas pela presença da hegemonia dos interesses do capital internacional.
Amado nos alerta que Karbanks, Zude e os outros exportadores estavam em toda parte,
ligados a uma infinidade de negócios, inclusive por trás da direção do Banco de Auxílio à
Lavoura. Nesse momento, Jorge Amado chama atenção que se aproximava o momento da luta
entre os coronéis desbravadores, plantadores de cacau, e os exportadores.
Nesta obra, em síntese, é ressaltada a transferência da apropriação das terras, como
consequência do colapso da economia cacaueira em virtude da perda das fazendas de
pequenos, médios e grandes fazendeiros, arruinados e vitimados pela ação coordenada dos
exportadores junto às oscilações do preço no mercado. A terra troca de mãos. Neste momento,
emerge, pois, um novo padrão de Administração Política, em que os interesses internacionais
irão subjugar o poder local a um processo de acumulação e apropriação de riqueza forâneo.
Aqui cabe um questionamento a partir das provocações de Jorge Amado referentes à
avaliação das consequências do choque de dois padrões de administração política que tinham
por objetivo apenas preservar os ganhos dos coronéis, de um lado, e os exportadores rentistas,
de outro. E como ficariam os trabalhadores nesse embate? Com a mesma falta de sorte de
antes, ou seja, entregues à própria sorte.
6.5 Gabriela, cravo e canela (1958)
Em Gabriela Cravo e Canela (1958), Amado não manifesta as questões sociais com o mesmo
destaque dos demais títulos. Na trama, o romance entre Nacib e Gabriela torna-se o centro do
enredo, e as questões sócio-político organizacionais já não se manifestam de forma tão
contundente como nas demais obras ligadas ao ciclo do cacau; a política local e nacional, os
desafios econômicos e a divisão internacional do trabalho aparecem apenas como pano de
fundo nesta obra, predominando portanto, os traços da vida cotidiana, da história social,
cultural e das mentalidades (Cardoso e Vainfas, 2011) da sociedade sul baiana.
A história começa em 1925, na cidade de Ilhéus, e centra-se em três personagens forâneos: 1)
Gabriela, sertaneja e retirante, em busca de trabalho e moradia é posta à venda no mercado de
escravos (local onde as pessoas colocavam à disposição dos coronéis e capatazes, sua força de
trabalho); 2) Mundinho Falcão, jovem carioca que emigrou para Ilhéus e lá enriqueceu como
exportador, e que planeja acelerar o desenvolvimento da cidade, melhorar os portos e derrubar
10
Bastos, um coronel e inepto governante; 3) Nacib, um sírio que chega a Ilhéus com a crença
do eldorado sul baiano, seu estabelecimento comercial passa a ser palco das principais
discussões e articulações político-partidárias e de estruturação da cidade.
Compreendemos que Gabriela, cravo e canela “foi realizado num momento de
desencantamento total de Jorge Amado com o Partido Comunista, [...] construindo não mais
personagens das lutas políticas [...]”, conforme aponta Souza (2001, p. 27). Esse fato não
descaracteriza a validade da obra, pois o autor insere outros temas significativos em suas
discussões, como questões raciais e diferenças culturais, o sincretismo religioso e questões de
gênero.
6.6 Tocaia Grande: a face obscura (1984)
Em Tocaia Grande: a face obscura (1984), elementos primordiais do discurso de Amado
voltam a emergir: os coronéis, jagunços e prostitutas. O texto revisita temas, cotidiano e
conflitos expressos nas três primeiras obras do ciclo do cacau.
A disputa de terras e mando político por parte dos coronéis; a exploração e as condições
subumanas de vida do trabalhador das roças de cacau; a violência corriqueira entre os
seguidores dos grupos políticos; a omissão do poder público do ponto de vista jurídico e
organizacional; e a supremacia do capital internacional dos exportadores, são algumas das
temáticas que se estabelecem na obra, dentro do universo estruturado pelo autor para a cidade
de Tocaia Grande.
Neste período, predominava as atividades ligadas a agricultura e pecuária,
compreendendo uma população instável, denominada de rurbana por Faoro
(2000b), ou seja, corpo social que vive sobre a influencia do campo, é a
cidade servindo à zona rural (FAORO, 2000b).
Registre-se que a cidade fictícia é uma replica da Ilhéus de fins do século XX, quando da
povoação da região e início do ciclo do cacau. Todavia, o autor ressalta nesta obra, a presença
ativa e crescente de estrangeiros nas situações relatadas, a exemplo de árabes e russos.
6.7 A descoberta da América pelos turcos (1992)
Raduan Murad e Jamil Bichara descobriram a América juntos: vieram no mesmo barco de
imigrantes e desembarcaram na Bahia em 1903. No litoral sul do Estado, eram chamados de
turcos, forma brasileira de designar todos os árabes, tanto sírios, libaneses ou de fato, turcos.
Definido pelo autor como um “romancinho”, A descoberta da América pelos turcos é uma
narrativa breve e específica sobre a contribuição dos descendentes de árabes na civilização do
cacau, durante a época em que coronéis e jagunços disputavam as terras virgens da região de
Ilhéus. Em Gabriela, cravo e canela, e em Tocaia Grande, Amado já evidencia a participação
sociocultural desses imigrantes na região. Os personagens estrangeiros de origem árabe,
figuram com destaque no cenário político, e como vitais para o comércio e para a dinâmica da
economia local.
7. Considerações Finais
Cabe-nos ora reforçar, que partindo da interpretação da Administração Política sobre a
transição que se inaugurou no Brasil e que, de algum modo, contribuiu para promover
mudanças substanciais nas relações do poder local no sul da Bahia, de forma clara Jorge
Amado descreve, resguardados as implicações ideológicas dos seus pontos de vista, as
engrenagens construídas e articuladas pelo grupo de exportadoras em prol do esfacelamento
11
da antiga ordem de coisas estabelecidas durante a formação sócio-histórica da região sob a
égide dos coronéis do cacau.
Juntas, as seis obras selecionadas fecham um ciclo socioeconômico e iniciam um outro, sem,
contudo, vislumbrar alternativas que possibilitem alterar minimamente a estrutura social,
cultural, econômica e política da região sul baiana, garantindo à população marginalizada (os
trabalhadores, as prostitutas e toda a massa social) vislumbrar um horizonte que lhes
permitisse de algum modo, melhores condições de vida e sobrevivência. Sem dúvida, ao
retratar e interpretar de forma crítica o processo que possibilitou a transferência da posse das
Terras do Sem Fim, Amado nos permite, observar que, em São Jorge dos Ilhéus, estaria sendo
concebido um Projeto de Nação que permitiria uma reconcentração da riqueza e da renda nas
mãos de uns poucos exportadores, representantes do capital (e interesses) internacional.
O contributo da literatura amadiana para nossa analise perpassa pela compreensão da
organização do sistema produtivo da sociedade sul baiana e de seus agentes econômicos, pelo
entendimento de como se distribuía a riqueza produzida e a proporção com que cada grupo
usufruía das riquezas geradas pelo conjunto da sociedade grapiúna, possibilitando alargar à
nossa percepção portanto, em nuances e matizes que os documentos oficiais não nos
informam ou revelam, a exemplo de, sobre quais bases se organizou a sociedade, a política e
economia da chamada civilização cacaueira.
Está presente na obra amadiana uma preocupação em compreender e problematizar um dado
padrão de Administração Política que se configurou naquele espaço-tempo sul baiano.
Justamente ao descrever como foram estruturadas tanto as condições objetivas de
materialidade daquele grupo social, como as condições subjetivas de vida: suas mentalidades,
crenças, religiosidades, visões de mundo. A transdiplinariedade ensaiada neste texto, portanto,
faz emergir as dimensões da vida política do país e da Bahia, tanto no que se refere aos
detalhes do cotidiano da vida social, quanto no que se refere ao caminho que o poder percorre
na organização da Administração Pública e da Sociedade.
A coerência interna dos textos literários fica evidenciada a partir dos entrecruzamentos com
os relatos historiográficos, de análise econômica, de cunho sociológico, e demais que se
façam necessários à construção de um quadro de referencia que possa ampliar o pensamento
administrativo sobre a região sul baiana, o que compreende exatamente o nosso exercício
neste ensaio.
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acredita-se que o seu significado seja “ave negra da beira do rio” (Barbosa, p. 93, 2013).
v
Termo que se refere à apropriação indevida das terras de terceiros, com o desrespeito à posse, e mesmo aqueles
que possuíam terras titularizadas viam suas fazendas subtraídas pela ação dos advogados dos coronéis. As
vítimas sofriam um golpe jurídico, com a produção de nova escritura da propriedade a favor de terceiros, sem
nenhum tipo de pagamento ou ressarcimento, havia expulsão de suas próprias terras quase sempre com violência.
Ver Guerreiro de Freitas e Paraíso (2001).
vi
Emboscada violenta ao inimigo ou opositor. As tocaias eram motivadas por quaisquer situações, desde o
tradicional antagonismo político, até questões conjugais.
vii
Guerreiro de Freitas e Paraíso (2001) nos mostram que a população de Ilhéus cresceu entre 1980 e 1920 com a
taxa média superior à 6% aa. Entre 1920 e 40, a taxa média se mantém em 3% ao ano.
15
Ensino da Administração Política e Consciência de Classe
Resumo:
O objetivo do ensaio é mostrar que a formação de uma consciência de classe para a superação
de todas as classes é uma finalidade necessária do ensino da administração política quando
este está orientado para o desvelamento dos antagonismos estruturais. Discute-se as principais
posições ideológicas que se apresentam no debate da formação do administrador e as
aquisições do materialismo sobre a relação entre a consciência e sua realidade em que o
problema das classes sociais se coloca. Apresenta-se um debate com a “teoria dos gestores”
tendo por base esse materialismo, procurando estabelecer os administradores como fração da
classe do trabalho e não como classe em si, à parte do capital e do trabalho. O artigo discute o
problema da consciência de classe e o ensino da administração política a partir dessa
problemática, concluindo que uma tal pedagogia pressupõe uma crítica aguda das condições
de possibilidade da subjetividade contraditória aos interesses do ser da classe do trabalhador
coletivo, levando-se em conta a explicitação dos próprios administradores como trabalhadores
assalariados e as diferenças dentro dessa própria fração em razão da estrutura de comando do
capital.
1. Introdução
2
Com o auxílio de Mészáros (1993), podemos determinar “três posições ideológicas
fundamentalmente distintas” que possuem, como argumentamos, implicações à maneira como
se aborda o problema da formação do administrador. Com efeito:
A primeira [...] apoia a ordem estabelecida com uma atitude acrítica, adotando e
louvando a contiguidade do sistema dominante – não importando se problemático ou
contraditório – como horizonte absoluto da própria vida social. A segunda,
exemplificada por pensadores radicais como Rousseau, revela, com êxito
significativo, as irracionalidades da forma específica de sociedade de classe, sem
dúvida anacrônica, rejeitada a partir de uma nova posição de observação, mas sua
crítica é viciada pelas contradições de sua própria posição social – igualmente
determinada pelas das classes sociais, mesmo se historicamente mais evoluídas. E a
terceira, em contraste com as duas anteriores, questiona radicalmente a persistência
histórica do próprio horizonte de classe, antevendo, como objetivo de sua
intervenção prática consciente, a supressão de todas as formas de antagonismo de
classes (Mészáros, 1993, p. 14-15).
4
primeira subtendência. Problemática, pois, em suas próprias bases e nesses termos, não é
capaz de levar a contradição identificada ao seu ponto mais agudo, o que tornaria as
alternativas práticas postas para a formação do administrador questionáveis a despeito da
relevância da compreensão da história nacional. Trata-se ainda de uma posição conciliadora,
sincrética, à qual voltaremos à frente.
Sob influências da teoria crítica da chamada Escola de Frankfurt num corte
psicanalítico, outra subtendência sinaliza as deficiências da formação do administrador,
particularmente aquela explicitada na tendência conservadora, pois obstrui uma subjetividade
mais plena, impede a formação de um “indivíduo” como “sujeito”, de “consciência autêntica”,
que recoloque o homem na “possibilidade de se tornar artífice de sua própria vida” (Paes de
Paula, 2012, p. 41).
O argumento central que podemos reter com relação à formação é que “na medida em
que a ‘educação desinteressada’ perde espaço para a profissionalização e a do adestramento
cultural, a formação (Bildung) se transforma em semiformação (Halbildung) e o indivíduo
não mais pode se converter em sujeito” (Paes de Paula, 2012, p. 61). A formação do
administrador, nesse sentido, é uma formação precária, uma semiformação, a despeito do fato
de que não fica esclarecida nessa subtendência o conteúdo e a possibilidade real de uma
“educação desinteressada”. Não obstante, a vantagem dessa exemplificação do gradiente em
relação à primeira é o destaque que apresenta ao caráter necessariamente crítico, para além
daquelas “necessidades da empresa” que identificamos na primeira tendência. Esse aspecto
precisa ser retido, pois “a crítica seria algo que ocorre quando atingimos o nível do saber, pois
é necessário que o conhecimento esteja decantado e que haja consciência do sujeito para
haver reflexão” (Paes de Paula, 2012, p. 50). A crítica mais aguda que se explicita nessa
exemplificação surge mais como resultado do que mediação, mais como consciência acabado
do que exercício. A despeito disso, é preciso compreender que essa crítica como resultado é
posta no contexto formativo que privilegia a “experiência” e não a semiformação:
Ao lado de considerar a crítica mais como resultado do que como meio, existe uma
dificuldade já conhecida particularmente na crítica de Marx a Feuerbach, isto é, em
determinar quem educa os educadores, já convertidos em “sujeitos”, capazes de levar adiante
o projeto da “experiência” – sem mencionar o peso demasiado dado à educação, ou melhor,
“formação”, sem uma transformação social mais profunda. Em razão do corte psicanalítico, as
determinações mais concretas da realidade e as contradições socioeconômicas ficam
consideravelmente apagadas e a antagonização principal se desgarra do capital e do trabalho
para se fixar numa relação entre indivíduo e mundo-sistema em que o último dificulta a
formação do sujeito. Contra isso se apresentaria a “experiência”, com a dificuldade já
apontada. Mas é preciso reter o papel da crítica que, bem mais acentuada do que na primeira
subtendência, ajuda a instruir melhor as próprias contradições fundamentais antes
identificadas.
Uma última e rápida subtendência evidencia tanto a contradição quanto suas
interferências no plano universitário. Um aspecto decisivo é que fica claro “que as escolas de
5
administração não estão formando administradores-políticos, imbuídos de uma visão
transformadora da realidade social” (Motta, 1983, p. 55). Esse é ponto importante a ser retido
para qualquer formação dos administradores que seja sensível às contradições sociais. Ao
comentar sobre os achados da professora Covre (1981), Motta escreveu ainda que:
Motta via na ascensão das ciências humanas de tipo particular uma mediação
importante para a formação dos “administradores-políticos”. Não é inteiramente sem
propósito considerar que todas essas subtendências aqui exemplificadas sejam efeito desse
avanço das ciências humanas a partir de 1968. Mas é possível chamar atenção para o estudo
da professora Covre (1981) que mostrou que o incremento de disciplinas da área de humanas
no curso de administração da Fundação Getúlio Vargas do final da década de 1970 era por
decorrência da necessidade de formar gestores aptos à tomada de decisão que envolve uma
compreensão mais ampla da realidade. Essa é uma questão recorrente, de que o aparecimento
das humanidades nos currículos de formação de gestores não é efeito de capricho ou modismo
nem da iluminação das ciências do homem para o homem, mas uma necessidade prática do
mundo dos negócios que se reflete nos currículos. Isso por si só compromete o entendimento
de ver na formação humanística uma contradição frente ao capital, como parece insinuar
particularmente Motta. Ela é tão necessária quanto o uso mais sórdido das técnicas que
enfatizam autoridade unilateral, do despotismo sans phrase. Esse “humanismo” possui a
possibilidade de expressar as contradições reais, mas dentro dos limites próprios da educação
à qual ele serve. As problemáticas que identificamos em Martins et al (1997) indicam isso.
Além do mais, o que é óbvio para a primeira tendência (a conservadora), esse “humanismo”
apregoa uma modificação da formação, de um “sujeito” em termos consideravelmente
abstratos e sem alteração das relações materiais, sem uma mudança das próprias contradições
sociais, o que torna seu projeto consideravelmente limitado como horizonte prático. Passados
tantos anos depois de 1968, vemos que as “ciências humanas” embora importantes para a
formação não são por si mesmas garantias da transformação da realidade.
6
Nesse sentido, esse “humanismo” não deixa de ser reflexo da necessidade prática do
próprio capital, pois põe no horizonte um sincretismo que simultaneamente precisa cumprir os
desígnios que brotam da lógica do valor e não pode ignorar certos anseios e necessidades dos
trabalhadores ou dos indivíduos. Motta aqui aparece como a mais radicalizada posição na
segunda tendência ao registrar a formação para a transformação da “realidade social”, pois
apenas assim os homens podem transformar a si mesmos em donos de seu futuro como
humanidade, quer dizer, para além da mera transformação individual. O “humanismo” aqui
explicitado, no entanto, tem fortes ligações com aquilo que Mészáros chamou de pensamento
veleitério. Não é uma ideologia conservadora, como a primeira tendência, pois pode
comportar um impulso transformador, crítico da realidade, mas se vê ainda preso a
determinados condicionantes e interesses materiais dominantes mesmo que se julgue para
além deles.
Que seja repetido, no entanto, as diferenças marcantes da transição de uma ideologia
conservadora para a veleitéria como um movimento nada desprezível. Cada qual com suas
especificidades, as subtendências insinuam corretamente a compreensão histórica dos
problemas nacionais, a importância da crítica na formação das consciências e o peso dos
interesses do capital em suas muitas formas sobre a formação dos administradores. Mas esses
avanços não foram suficientes para a superação de um sincretismo.
O “passo adiante”, se não for uma completa alteração desse “humanismo” de tipo
particular, depende de uma compreensão mais apurada da realidade concreta, das contradições
reais operantes, e situar a formação dos administradores nessas contradições para tomar a
possibilidade de uma educação interessada na transformação social. Por este motivo, e
retendo os aspectos da história nacional, da crítica social, da identificação por vezes mais
superficial das contradições centrais e o impulso da formação para a transformação da
realidade, é preciso inserir tal formação no debate das classes sociais e da consciência de
classe. Somente uma ideologia revolucionária por ir à raiz das coisas, a única ideologia
autenticamente transformadora, pode superar as limitações desse “humanismo” e
proporcionar um sentido correto da transformação. Um movimento central nessa direção é,
deixando de lado as problemáticas impostas pelas leituras mais afeitas ao estruturalismo,
situar a universidade no contexto social:
O materialismo tem sido considerado como uma mera “visão de mundo” que exclui a
função da consciência ou a toma apenas como epifenômeno. É preciso corrigir isso, situando
corretamente o problema da consciência de classe e sua significação concreta na luta social. E
é nessa consciência de classe que a formação o administrador precisa atuar, tendo em mente
os limites da formação e da própria atuação na realidade.
Não é verdade que não existe espaço na discussão do materialismo sobre a
subjetividade. Retomando o próprio Marx, é possível identificar, inclusive a partir de O
capital (cf. Bicalho, 2014), inúmeras contribuições para o devido posicionamento da
subjetividade em relação à materialidade. Uma síntese bastante convincente para os termos
gerais da apreensão marxiana pode ser encontrada em Chasin (2009). Somos informados pelo
autor brasileiro que a subjetividade não é tomada em sua pureza, mas na relação com a
objetividade. A objetividade como anterioridade efetiva cria as condições de possibilidade
para a subjetividade que é, por sua vez, condição da atuação concreta dos homens. É a atuação
concreta que converte a subjetividade em objetividade e vice-versa, de modo que pensar e ser
são coisas diferentes, mas relacionadas numa unidade. Em síntese, ao mesmo tempo em que a
subjetividade se molda pela prática social sobre a realidade concreta, essa mesma realidade é
modificada pelo agir dos homens que, por fim, também se alteram no processo. Considerar,
portanto, o problema da consciência e da consciência de classe implica ter claro essas relações
concretas e o conteúdo específico das práticas sociais que medeiam tais relações. Em suma, a
consciência se molda pela ação em contextos históricos e sociais determinados.
A relação entre a consciência e sua realidade não é isenta de obstáculos. A reprodução
pela consciência das propriedades das coisas, sejam elas naturais ou sociais, é uma
possibilidade regida também pelas próprias condições materiais. Determinados contextos
sociais são mais ou menos restritivos ao alcance da consciência. Dado que não existe
consciência humana fora da vida social, é esta que cria as condições de possibilidade da
primeira. Dessa forma, “a compreensão do caráter social da consciência passa pelo
reconhecimento da impossibilidade de abstraí-la dos seus portadores reais, isto é, os sujeitos
reais e concretos, em sua atividade material, historicamente determinada” (Vaisman, 1999, p.
260). É na materialidade desses portadores que se localizam as condições de possibilidade.
Não é por outro motivo que as “representações são expressão consciente – real ou ilusória –
de suas verdadeiras relações e atividades, de sua produção, de seu intercâmbio, de sua
organização social e política” (Marx; Engels, 2007, p. 93). Há que ser dito que “a falsidade ou
correção das representações não são motivadas, assim, por mecanismos puramente ideais,
inerentes à própria constituição da esfera subjetiva, mas derivam da potência ou dos limites do
modo pelo qual os homens produzem seus meios de vida, ou seja, os limites à devida
apreensão dos nexos constitutivos da realidade são postos socialmente” (Vaisman, 1999, p.
262).
8
Não basta que existam indivíduos ou grupos interessados na apreensão dos nexos
constitutivos da realidade, são necessários indivíduos ou grupos em condições de fazê-lo. Não
existiria, nesse sentido, qualquer obstáculo por princípio entre o interesse e a reta apreensão,
nem com relação a um interesse de tipo específico, qual seja, o da transformação da realidade
social. Não faz sentido, pois, uma “formação desinteressada”. A questão problemática que se
coloca é o que fazer mediante condições mais ou menos restritivas a essa apreensão,
considerando a formação universitária como uma importante mediação. Não há outra
alternativa senão apresentar o melhor da apreensão da realidade, o mais alto alcance científico
disponível. E onde estaria esse alcance senão no próprio materialismo?
Consideremos, portanto, que a consciência dos homens nos marcos da sociabilidade
do capital possa ser diferenciada fundamentalmente entre consciência individual e consciência
de classe, sem que haja necessária correspondência entre elas. Torna-se ainda decisiva,
seguindo Mészáros (1993, p. 87s), a distinção – também sem necessária correspondência –
entre a consciência de classe que brota das condições econômicas, sociais e políticas
imediatas da classe e a consciência de classe ligada às determinações mais profundas que faz
da classe, classe. A primeira, como consciência contingente, é resultado e produtora dessas
condições imediatas, isto é, das condições da classe. A segunda, mais ao fundo, é produtora e
resultado do próprio ser da classe, isto é, a classe como tal. Assim, podemos distinguir a
consciência necessária, mais profunda, a consciência contingente e a consciência individual.
Nesse sentido, é preciso reconhecer que a consciência individual alcança seu alto
desenvolvimento quando apreende os nexos com a própria classe social. Assim é que a
tematização de Lukács (2003) sobre o assunto, descontado o autorreconhecido vestígio
hegeliano, ainda comporta plena validade ao diferenciar a classe em si (condições da classe e
consciência contingente) da classe para si (ser da classe e consciência necessária) por
mediação da apreensão da totalidade social.
No capitalismo as relações das classes fundamentais seguem sendo as marcadas pelo
capital e pelo trabalho. Essa relação ao fundo, de ordem primária, se reproduz (continuidade)
por meio das e por vezes contra as alterações (descontinuidades) econômicas, sociais e
políticas. É por isso que podem ocorrer modificações nas condições da classe e na consciência
contingente mesmo na continuidade do ser da classe. Na relação de antagonismo entre as
classes, o interesse da classe do trabalho é superar a própria relação de classe, enquanto a
classe proprietária tende a se interessar pela reprodução dessa relação. Do lado do trabalho,
portanto, “o interesse de classe do proletariado é definido em termos de mudança dessa
subordinação estrutural” (Mészáros, 1993, p. 92), enquanto, do lado dos proprietários, é
perpetuar essa subordinação, donde se extrai que a transformação da realidade não é um
interesse de todas as classes, mas daquelas que precisam destruir as relações de dominação e
que, portanto, não vivem delas. Esse interesse, entretanto, é o que brota do ser das classes e
não surge necessariamente manifesto nas condições da classe e, portanto, nem na consciência
contingente ou individual. É esse interesse de classe, a superação de todas as classes,
manifesto como consciência necessária e que ultrapassa as condições da classe, que a
consciência individual precisa refletir para que sua atividade no mundo possa ter como
horizonte prático a transformação da realidade social – não sem mediação das próprias classes
organizadas e interessadas nessa transformação. Apenas assim são possíveis
“administradores-políticos”, nos termos de Motta.
Se o ser da classe do trabalho não pode ser integrado ao capital, uma vez que é essa a
relação que garante a continuidade do capitalismo, o mesmo não pode ser dito em relação aos
indivíduos singulares que, mesmo pertencentes à classe do trabalho, podem se integrar em
termos de condições sociais e consciência individual, aos horizontes da reprodução das
relações sociais. A possibilidade dessa ocorrência se marca pela diversidade das condições de
vida que experimentam as diferentes frações da classe do trabalho, condições que também
9
variam ao longo de muitos períodos. As diferentes frações da força de trabalho se reproduzem
sob condições sociais, econômicas e políticas diferenciadas nos limites das contingências
históricas.
Essa problemática pode ser exemplificada pelo tratamento que Mauro Iasi forneceu.
Seguindo o autor, existem alguns elementos básicos para determinar as classes sociais, nos
termos dos seguintes elementos:
O autor demarca a discussão pelo caráter relacional das classes (Iasi, 2007, p. 108) e
igualmente circunstancial, dado que as contingências históricas também atuam junto à
determinadas legalidades. Nessa consideração, podemos ler, por exemplo, que:
Uma pessoa pode ser um assalariado por sua posição no interior das relações sociais,
portanto, um não proprietário de meios de produção, mas, devido exatamente ao
ponto que ocupa nessas relações, ou, por outros motivos, atua e pensa como um
burguês, se soma ao partido burguês nas lutas concretas da história e se dispõe a
representar essa classe se uma oportunidade lhe apresenta, seja produzindo teoria,
ocupando um cargo parlamentar ou participando da gestão de uma empresa. Esse
senhor é parte orgânica da burguesia, ou, melhor dizendo, compõe, nesse nível da
análise, o burguês coletivo (Iasi, 2007, p. 109).
Podemos reter, o que não é inteiramente claro ao autor, que a consciência que orienta
as escolhas tanto quanto as próprias escolhas (itens 3 e 4) podem ser contraditórias ao ser da
classe (itens 1 e 2), de modo que o indivíduo pode pensar e agir na direção da mera
reprodução das relações de classe. Para Iasi, o critério decisivo não é o ser da classe mas o
modo como, nos momentos decisivos da vida social, os indivíduos agem contraditória ou não
contraditoriamente aos interesses de sua própria classe. Tendo esse critério como absoluto, o
autor precisa considerar essa circunstância como “parte orgânica da burguesia” a despeito do
ser da classe, e teria que enfrentar a dificuldade de considerar virtualmente todas as classes
como “parte orgânica” das classes dominantes. No entanto, tem o mérito, a ser retido, de
explicitar a função da consciência individual quando se coloca desconectada da consciência
necessária, quando, muito mais dirigida pelas contingências de sua fração de classe, atua
contraditoriamente aos interesses de sua classe e a si mesmo. Não é por outro motivo que “o
fator ‘subjetivo’ adquire uma importância crucial como pré-condição necessária de sucesso
nesse estágio altamente avançado do desenvolvimento humano, quando a questão em pauta é
a extinção – a auto-extinção – das condições de desumanização” (Mészáros, 1993, p. 86).
É por via desse materialismo que se iluminam os problemas ligados à consciência de
classe. A formação universitária, portanto, desempenha algum papel na formação das
consciências individuais e que interferem de modos complexos na realidade em razão das
interações recíprocas entre as classes, as condições das classes e dos indivíduos e as formas de
consciência derivadas e interferentes. Esse entendimento é fundamental para um projeto de
formação de “administradores-políticos” orientados para a transformação da realidade social
em seu sentido mais autêntico, em oposição ao pensamento conservador e liberto dos entraves
daquele “humanismo sincrético”. Mas ainda seguimos carentes de uma explicitação das
conexões entre os gestores e as classes sociais, o que permite a apreensão de alguns limites
estruturais da atuação desses homens e mulheres como agentes da transformação social.
Passemos a eles, às conexões e aos limites.
10
4. Gestores, classe e consciência de classe
O que está ocorrendo nessa transição é uma orientação por domínio social, por poder
e privilégio, pela posição de classe dominante, por grupo social ou classe dos
1
Existe uma versão disponível da edição de 1835 em https://archive.org/details/philosophymanuf01uregoog
11
gestores [...]. Essa direção será prevalecente. Na conclusão do período de transição
os gestores terão, de fato, atingido o domínio social, serão a classe dominante na
sociedade (Burnham, 1941, p. 71-72).
12
No contexto do capitalismo mais autêntico, explica Bernardo em outro lugar, “o
prosseguimento da ação dos gestores dentro do quadro das instituições burguesas e a forçada
marginalização política dos trabalhadores caracterizaram esta estratégia como uma
modalidade de manutenção da ordem. Num esquema: gestores + burguesia / proletariado”
(2015, p. 339-40). Diferentemente foi o caso da “experiência soviética”, pois lá “o capitalismo
acabou, sem dúvida, por ser salvo pelos gestores, mas enquanto capitalismo de Estado,
resultante da mobilização da classe trabalhadora, e no qual não havia já lugar para a
burguesia. Num esquema: gestores + proletariado / burguesia” (2015, p. 340). Situando Marx
nos termos dos acontecimentos da “experiência russa” (!), observou inadvertidamente que a
“a obra de Marx e dos seus seguidores constitui a expressão teórica da profunda ambiguidade
das lutas sociais, que funde numa dinâmica única uma vertente do movimento operário e uma
vertente dos anseios políticos e econômicos dos gestores” (idem).
Além da determinação da classe dos gestores, Motta e João Bernardo compartilham
alguma má compreensão com relação ao próprio Marx, convertido, no último caso, em um
autêntico saint-simoniano.
Não obstante, e apenas como ilustração dos problemas envolvidos, Martorano (2011),
numa direção diferente embora também ancorada na literatura conselhista, comenta que essa
apreensão dos gestores como classe encontra dificuldades em lidar com o caráter mais amplo
e variável dos componentes da burocracia estatal que não formaria, junto com seus gestores,
uma classe em particular, embora esteja estruturalmente à serviço da classe dominante. O
autor retoma os estudos particularmente de Trotsky e Poulantzas (com destaque para o
segundo) no intuito de explicitar a burocracia estatal como uma camada social mais ou menos
delimitada em complexas e problemáticas ligações com o partido dirigente e as classes sociais
(cf. Martorano, 2002). Essa última tendência insiste no caráter diverso da burocracia, formada
por pessoas de diferentes origens sociais e portadoras de distintas formas de consciência. Se a
burocracia de estado se apresenta com essa composição mais complexa, o que dizer das
manifestações no momento social da produção do capital? Os gestores formariam uma classe
em si, quiçá para si? Martorano apresenta pistas para uma resposta negativa a essa questão.
E a problemática se complica se retomarmos a discussão anterior sobre o ser da
classe, conforme nos instruiu Mészáros. Pois nos parece que a teoria dos gestores como
desenvolvida pelas tendências anarquistas e libertárias (e parcialmente pela conselhista),
possuem aproximações ainda inexploradas com o liberalismo, por sustentarem a mesma tese
e, por vezes, os mesmos argumentos, embora tenham posições sociais distintas. Longe de
identifica-las, não é tão fácil negar essas aproximações inesperadas.
Mais importante ainda, é a problemática de uma identidade entre classe e fração de
classe, uma vez que o desenvolvimento da teoria dos gestores pressupõe a existência de um
ser da classe inteiramente distinto da classe do capital e do trabalho. Como tal ser não existe
na materialidade do modo de produção capitalista a não ser na apologia liberal dos gestores e
na identidade entre classe e fração de classe, são levados a assumir que uma função
diferenciada na produção ou na administração do estado seria critério suficiente para
determinar uma terceira classe. É certo que se forma socialmente uma “estrutura de comando
do capital” (Mészáros, 1995, p. 536s), em que o ponto mais alto dessa estrutura dificilmente
poderia ser absolutamente designado por trabalho assalariado, mas a realidade mesma mostra
também a existência massiva de homens e mulheres que desempenham a função de gestão,
por assim dizer, e que formam o trabalhador coletivo (Marx, 1988, p. 443), isto é, caem na
categoria força de trabalho produtivo e improdutivo. O modo e as resultantes da
funcionalidade dessa força de trabalho variam consideravelmente em razão da fração de
classe em tela. Por esse motivo é preciso considerar os “gestores”, essa conceituação
amplíssima, com o ser das classes efetivamente existentes.
13
Essa nossa consideração não exime a posição de Iasi indicada antes, no tópico
anterior. É preciso perguntar: constituir parte orgânica da classe burguesa é ou não suficiente
para determinar um indivíduo que participa “da gestão de uma empresa” como de uma classe
e não de outra? Como, consideradas as contingências históricas e circunstanciais, não há uma
causação necessária entre posição de classe e expressão prático-subjetiva, é importante
alguma cautela para não converter tais contingências em legalidade universal, transformando
a avaliação de Lenin (1979), por exemplo, sobre os gestores fabris do período revolucionário
russo como “aristocracia operária”, numa determinação fixa e imutável. Em outras palavras, o
fato de os gestores atuarem tendencialmente ao lado das classes dominantes e portarem uma
consciência por vezes contraditória aos interesses da classe do trabalho não os constitui
objetivamente “fora” da classe do trabalho, da categoria força de trabalho. Isso é
particularmente correspondente na medida que reflete a grande massa dos mais de 700.000
formandos anualmente em administração no Brasil, sem falar de outras formações correlatas.
Estaria toda essa massa circunscrita a uma “elite” que gerencia as coisas do estado e do
capital? Em parte, sim; na maior parte, não.
A síntese explicativa dessa complexa contingência com legalidades particulares no
capitalismo só pode ser encontrada na contraditória existência objetiva de a administração ser
um trabalho explorado que funciona como trabalho de explorar donde derivam inúmeras
problemáticas subjetivas (Paço Cunha, 2014). Adicionalmente, é interessante notar que o
“crescimento das grandes empresas levou à expansão dos empregos para os “colarinhos
brancos”, que, embora supostamente tenham um prestígio mais elevado que os operários em
geral, do ponto de vista da propriedade são iguais aos operários e diferenciados da antiga
classe média” (Tragtenberg, 2009, p. 204-5). É possível mesmo dizer que, nessa última
direção, consideráveis efeitos da precarização do trabalho são sentidos em muitas frações do
trabalhador coletivo, o que mostra que, sob determinadas condições econômicas, o destino
dos administradores não está desconectado do destino dos trabalhadores menos qualificados,
como registrou Braverman (1977).
Essa apreensão da realidade, segundo a qual a grande massa dos administradores são
trabalho explorado que funciona como função do capital, como trabalho de explorar, explicita
a complexidade do trabalhador coletivo, seus segmentos produtivos e improdutivos (cf Paço
Cunha, 2014). Por esses termos, no conjunto, os administradores ou gestores não formam toto
coelo uma classe social particular, separada objetivamente com respeito ao trabalho ou ao
capital, embora tendam a uma configuração subjetiva personificadora dos interesses do
capital, tanto em razão da formação quanto da própria natureza da prática com a qual se
engajam na produção do valor ou a ela acoplada. É evidente que tratamos do problema em
suas linhas gerais, na medida em que administradores de escritório e administradores da
produção imediata do valor (e mesmo aqueles que operam na burocracia de estado) cumprem
funções relativamente distintas em razão do lugar de atuação no processo de produção e
reprodução global do capital. Nossa atenção é, como antecipado, essa produção imediata do
valor em que a função de direção da força de trabalho é repartida contraditoriamente entre as
partes componentes do trabalhador coletivo.
As condições sociais e políticas sob as quais essa fração gerencial de classe do
trabalho se reproduz contribui sobremaneira para esse reflexo subjetivo que os afasta de sua
classe, inclusive de modo prático ao atuar por vezes de maneira contraditória aos interesses da
força de trabalho como classe. Mas também é preciso incluir a atividade prática em seu
sentido imediato. É aqui que tem lugar a complexa relação entre objetividade e subjetividade
numa unidade mediada por uma prática social determinada. Isto é, em razão de objetivamente
operar como uma função do capital, mediando-o com o trabalho, cria as condições de
possibilidade para uma subjetividade no mínimo deslocada e, às vezes contrária, ao próprio
ser da classe. O fato de essa função possuir um caráter profundamente manipulativo que
14
converte a força de trabalho alheia (objetiva e subjetivamente considerada) em coisa, objeto
de manipulação, também ajuda a explicar o surgimento de estranhamentos específicos da
coisificação dos homens nesse território. É bom que se diga: o coisificador também é coisa
para o capital e cai nas mesmas teias manipulativas que os objetos de sua manipulação. Dado
que, como vimos a partir dos elementos do materialismo, é a atividade prática que molda
também os homens, as consequências para a vida estranhada são inúmeras e potencialmente
mais condicionadoras do que a formação crítica, para a transformação social. Em outros
termos, o engajamento em prática social que também participa da coisificação do homem
reflete ao próprio agente o estranhamento de sua prática e da relação com os demais membros
de sua espécie humana.
Não é possível desconsiderar, porém, que mudanças econômicas podem forçar uma
tomada de posição próxima às demais frações do trabalho, criando aquela tensão amarga de se
proteger como trabalhador e defender a todo custo o mistificado “interesse da empresa”, como
se aprende, em geral, nos bancos universitários. Conta-se o caso de uma profissional do setor
financeiro dos escalões gerenciais de uma grande mineradora no Brasil que teve participação
emblemática no processo de greve. A “empresa” alegava não ter condições financeiras de
cobrir a correção salarial demanda pelo movimento grevista, mas fora desmentida pela
financista que cedeu informações a respeito das reais capacidades financeiras as quais, com
sobra, permitiram a correção. O movimento grevista saiu temporariamente vitorioso, e a
financista terminou demitida. Poulantzas (1975), por exemplo, seria forçado a identificar aqui
uma aliança entre os trabalhadores e a “nova pequena burguesia” (gerentes). Essas
possibilidades singulares, no entanto, insinuam mais a acomodação das frações da própria
classe do trabalho.
Essas e outras possibilidades empíricas de eventos singulares mostram como a
contradição expressa no trabalho explorado como trabalho de explorar, sob condições sociais
específicas, cria todo tipo de dificuldade para uma “teoria dos gestores”, dos gestores como
uma “terceira classe”. Trata-se de frações do trabalho que operam regidas pela compulsão de
maior extração possível de mais-valor, como dizia Marx (2013, p. 406), mas não por isso
deixam de ser em grande medida fração do trabalhador coletivo. Seguindo Marx mesmo,
podemos ler que:
A questão decisiva é: se não formam uma classe em si, não constituem um ser da
classe ao lado do capital e do trabalho, isso não impede de reconhecer o problema da
consciência de classe, potencialmente deslocada em relação ao ser da classe e, por vezes,
condicionada pelas condições sociais e políticas mais favoráveis de reprodução em razão da
qualificação da força de trabalho dos administradores, engenheiros, economistas etc. e do
lugar que ocupam na “estrutura de comando do capital”. A consciência individual ou mesmo
de grupos e camadas inteiras podem ser integradas ao interesse do capital, mas não a posição
15
estrutural das classes que vez por outra se mostram determinantes em contextos históricos
específicos.
Assim, respeitando a trama das circunstâncias particulares, ocupa lugar relevante a
constituição da consciência da classe do trabalho no seio da formação dos administradores em
razão da luta ideológica em andamento no sentido de promover o interesse pela transformação
social para além das classes sociais. Se a funcionalidade dessa fração do trabalho como
mediação, como força prática do capital, serve, em termos estruturais, aos imperativos da
maior extração possível de mais-valor, é preciso explicitar essa funcionalidade, mostrar os
nexos reais que ajuda a mobilizar, explicitar como a elaboração de um ideário administrativo
que se reflete nas teorias e abordagens está ancorada nessa funcionalidade. Em parte, isso tem
sido feito por uma crítica marxista da administração. Mas isso não basta! É necessário
mostrar uma análise de realidade que dê conta de explicitar as contradições por meio das
quais se move a própria função, das condições de uma dada subjetividade na prática de seus
portadores nas possibilidades concretas. Fazer isso também é produzir uma crítica dessa
mesma subjetividade e de suas condições de possibilidade. Mas isso não pode ser feito por
ideologias conservadoras e apenas parcialmente aquele “humanismo sincrético” de um
pensamento veleitério poderia ser evocado. Somente um pensamento radical, que vai à raiz
dos problemas, pode ultrapassar de modo coerente as posições que, ainda que contrariamente
à vontade de seus defensores, se ancoram na reprodução dos antagonismos que produzem os
problemas por elas identificados.
É aqui que se mostra necessária a formação da consciência de classe e,
particularmente, o papel ainda que limitado do ensino universitário da administração. A
educação dos administradores para além do capital e, portanto, das classes sociais se marca
nos presentes termos: deve-se mostrar que o grande “desafio da gestão” em relação ao mundo
do trabalho não é ampliar mais e mais seu caráter de serviçal dos interesses do capital, não é
identificar-se como uma classe que disputa hegemonia, poder ou coisa que o valha, nem
integrar o trabalho ao processo de trabalho, supostamente como colaborador, mas é
reconhecer-se, de modo coerente com sua realidade e os nexos concretos, como fração da
classe do trabalho. Trabalho não como mero objeto de exercício da profissão, mas como
determinação da própria atividade de direção exercida por um tipo particular de trabalhador
assalariado e que a superação de sua condição e dos estranhamentos aos quais se submete
depende da superação da própria relação de classes. E nesse processo também se mostra os
próprios limites da formação, pois os administradores somente podem ser compreendidos
como agentes da transformação na medida em que se articularem como parte orgânica do
trabalho, pois o revolucionamento das relações de dominação não é um atributo de qualquer
profissão isolada, mas missão da classe do trabalho unida e organizada. Os termos e
condições dessa unidade organizada também precisam ser problematizadas.
5. Considerações finais
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19
Administração Pública e Turismo LGBT: Reflexões e Desafios
Resumo
No cenário do desenvolvimento social, político e, especialmente, econômico, o
turismo tem sido apontado como saída para países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
A diversificação da oferta turística é uma realidade em muitos países e algo almejado por
outros. Nesse contexto, observa-se o crescimento do chamado Turismo LGBT (Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). O grande desafio no
desenvolvimento do turismo voltado para esse público é o preconceito de setores
conservadores da sociedade bem como a associação que se faz desse segmento com o turismo
sexual. Tal associação se revela um tanto preconceituosa uma vez que associa
inapelavelmente o público LGBT com práticas promíscuas ou até criminosas, como a
pedofilia. O presente estudo é um ensaio teórico cujas considerações finais dão conta de que o
desafio da promoção do Turismo LGBT no Brasil deve ser enfrentado com muita
responsabilidade e com um planejamento muito bem elaborado, visando o atendimento, e, se
possível, a superação das expectativas desses turistas, com todo o cuidado para impedir que
eles sofram qualquer tipo de constrangimento.
Introdução
No cenário do desenvolvimento social, político e, especialmente, econômico, o
turismo tem sido apontado como saída para países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.
Barretto (2012) argumenta que dependendo da estrutura social do país em questão, o turismo
pode ser uma fonte geradora de riqueza, como aconteceu na Espanha, onde o turismo foi
capaz de reerguer o país após duas guerras consecutivas, mas também adverte para a
necessidade de solucionar problemas de base como a construção de uma infraestrutura
habitacional e sanitária para os cidadãos, propiciando melhores condições de saúde e de
alimentação, restaurando, desse modo, a paz social para melhor aproveitar o potencial
turístico em vez de esperar que a atividade turística dê conta de tais problemas (BARRETTO,
2012).
A diversificação da oferta turística é uma realidade em muitos países e algo almejado
por outros. Nesse contexto, observa-se o crescimento do chamado Turismo LGBT (Lésbicas,
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Esse segmento, relativamente
novo, do turismo, tem aspectos bastante positivos do ponto de vista econômico. O Brasil, por
meio do Instituto Brasileiro de Turismo (EMBRATUR), tem procurado desenvolver esse
segmento turístico, no entanto, também tem sido alvo de algumas críticas, quer seja pela
forma como tem sido proposta essa promoção, ou até mesmo pelo fato de incentivar uma
prática considerada moralmente condenável por setores conservadores da sociedade.
Entendendo o Brasil como um estado democrático de direito e, portanto, defensor das
liberdades e direitos individuais, o presente artigo trata-se de um ensaio teórico que visa
promover reflexões com relação à promoção do Turismo LGBT de modo seguro para os
turistas e vantajoso social e economicamente para o país. Considerando nosso contexto
histórico, social, político e econômico, considerando também aspectos culturais relacionados
às questões de orientação sexual, como enfrentar o desafio da promoção do turismo LGBT em
nosso país? Essa é a questão principal que orienta as reflexões do presente estudo.
6. Considerações Finais
O turismo LGBT se depara com muitos desafios, sendo a maioria deles originários de
preconceitos contra os homossexuais e suas práticas. No Brasil, apesar dos avanços
conquistados por esse segmento, a ascensão dos discursos e ideais conservadores tem tornado
esse embate mais tenso, especialmente à medida que tais discursos vão ganhando espaços
entre jovens e nas redes sociais. Enquanto público receptor, o brasileiro costuma ser lembrado
por sua alegria e hospitalidade no trato com o turista estrangeiro. Essa marca que muito ajuda
a fazer com que turistas retornem e, principalmente, indiquem o Brasil como destino para seus
parentes e amigos, também precisa estar presente no trato com o turista LGBT.
A promoção do Turismo LGBT pode representar, inegavelmente, excelente
oportunidade do ponto de vista econômico, mas saber conviver com as diferenças e, acima de
tudo, respeitá-las, pode representar um ganho inestimável do ponto de vista social e político, e
o turismo pode ser um bom caminho para estabelecer relações, aproximar pessoas e
desmistificar estereótipos, combatendo, na prática, muitos preconceitos.
O desenvolvimento de destinos turísticos e estabelecimentos denominados gay
friendly buscam proporcionar um atendimento especializado para esse segmento, fornecendo
espaços para que essas pessoas possam se sentir mais seguras e livres do julgamento, dos
olhares e comentários dos outros, todavia também pode acabar por oficializar “guetos” e,
assim, em vez de promover a inclusão, acentuar a segregação. Há também que se relativizar
determinadas afirmações quando se trata de destinos turísticos. Será que nas cidades que são
conhecidas como gay friendly os gays estão seguros circularem livremente ou apenas dentro
dos espaços desenvolvidos por essas cidades para essa finalidade, formando, desse modo,
guetos homossexuais? Se essa questão não estiver clara para o turista a segurança dele poderá
estar ameaçada e, por consequência, o próprio desenvolvimento do destino como receptor de
turistas LGBT.
O preconceito contra o turista LGBT se manifesta, ainda que involuntariamente, pela
associação que se faz entre o turismo voltado para o segmento LGBT e o turismo sexual. A
desinformação quanto a essa questão é particularmente desafiadora para quem busca
desenvolver esse segmento turístico. O turismo sexual pode ser praticado por qualquer pessoa
independente de sua orientação sexual. O sexo pode ser um atrativo em qualquer viagem, de
qualquer pessoa, mas não necessariamente é a única, nem a principal motivação. O turismo
LGBT é planejado para atender os interesses comuns desse público, que entre outras coisas
costuma valorizar cultura, artes e esportes, e também para proporcionar ambientes nos quais
eles não sofram constrangimentos ou retaliações por sua orientação sexual ou por estar na
companhia de seus parceiros ou cônjuges.
O desafio da promoção do Turismo LGBT no Brasil deve ser enfrentado com muita
responsabilidade e com um planejamento muito bem elaborado. Na promoção do destino para
esse público, o foco não deve estar em corpos seminus, pois já se cometeu esse erro na
promoção do país no exterior, construindo uma imagem negativa do país. Como se procurou
demonstrar ao longo de todo esse estudo, turismo LGBT não é turismo sexual, e se nem as
pessoas que promovem o turismo LGBT entenderem isso, o desafio de romper as barreiras do
preconceito, que já é grande, adquire proporções gigantescas. O foco deve estar nas atrações
oferecidas para esse público, bem como nos espaços preparados para recebê-los com a
atenção, a dedicação e o respeito que essas pessoas merecem.
No que concerne ao planejamento, ele deve ser minuciosamente elaborado de modo
buscar o atendimento, e, se possível, a superação das expectativas desses turistas, com todo o
cuidado para impedir que ele sofra qualquer tipo de constrangimento. Assim, deve ser dada
toda a atenção ao treinamento e a preparação de todas as pessoas que irão interagir
diretamente com esse público. A escolha das atrações e dos serviços a serem oferecidos deve
ser feita também com esse cuidado. Em um sentido mais amplo, a informação costuma ser um
bom remédio para combater o preconceito. Desse modo, campanhas públicas poderiam
favorecer o combate ao preconceito e às resistências ao desenvolvimento desse segmento
turístico.
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PANOSSO NETTO, Alexandre; ANSARAH, Marilia Gomes dos Reis (Ed.). Segmentação do
Mercado Turístico: estudos, produtos e perspectivas. Barueri/SP: Manole, 2009.
1
Resumo
Este artigo relata a experiência em sala de aula do tratamento da disciplina de Ciência Política
em Curso de Administração a partir do conceito de Administração Política. Escrito em
coautoria, o texto conta com os testemunhos de professor e de aluno no que foi o processo de
ensino-aprendizagem a partir de suas motivações, experiência e expectativas. A percepção é
da dificuldade em relacionar administração e política numa plataforma acadêmica que
vislumbre atividade profissional crítica e humanista, seja por parte do professor seja, do
aluno. O relato conta com as etapas de investigação sobre o tema, da elaboração do conteúdo
programático e do plano de curso, da experiência das aulas e das avaliações e com suas
dificuldades e apostas a fim de promover a formação do senso crítico sobre o conceito e a
prática da Administração.
1
Mestre e Bacharel em Relações Internacionais. Professor do UniLaSalle/RJ nos Cursos de Relações Internacionais e de
Administração.
2
Bacharelando de 8º período no Curso de Administração do UniLaSalle/RJ.
2
Internacionais havia pouco conforto em lecionar sobre conteúdo com talvez “pouca
aderência” para o aluno de Administração. Isso, então, impactava em como o professor
considerava legítima sua presença em sala de aula.
A partir dos esforços de pesquisa por parte do professor para melhor adequar o conteúdo da
disciplina às razões de ser do Curso foi identificado o tema da Administração Política e a
contribuição de Ribeiro (2006) ainda no final da década de 1960 na Escola de Administração
da Universidade Federal da Bahia (UFBA). A pesquisa levou a contribuições mais recentes a
partir dos anos 2000, de modo mais contundente, e favoreceu a elaboração do material para a
disciplina. Em sala de aula, na instituição de ensino em que leciona, reflete-se na primeira
experiência de tratamento do tema, enquanto tal, com caráter, naturalmente, experimental.
Com apoio da Coordenação do Curso para adequar o conteúdo de Ciência Política à
Administração, a preparação da disciplina apoiou-se no conceito de Administração Política,
sua definição, suas questões metodológicas e suas implicações para a formação acadêmica e a
atividade profissional do Administrador.
Não é curioso que a investigação sobre o tema sugira a compreensão do significado de
“adequação” acerca da problemática ensino-aprendizagem em relação ao Curso de
Administração, dadas as características da Administração como conhecimento científico e
como prática profissional. Explica-se. Bresser-Pereira (2010), por exemplo, sugere que os
cursos de Administração, por vezes, rotulam-se como que de “Administração de Empresas” e
se esquecem que a atividade precípua da administração está no Estado. Isso procura corrigir
certo rumo tomado pelos Cursos de Administração que indicava o caminho dos negócios e
das empresas como ambiente nato do administrador. De qualquer forma, a consideração de
Bresser Pereira possui ainda recorte tradicional quando apoia na percepção do Estado como
organizador das atividades da sociedade (quase) toda sua carga. Ainda que de elaboração
recente, a perspectiva apresentada que faz diferenciar administração pública de administração
de empresas parece já inadequado aos propósitos da Administração Política.
Ao indicar, Bresser-Pereira, que: “(n) o caso dos administradores de empresas também existe
uma responsabilidade ética, mas ela é contraditória, porque seu critério principal de êxito não
é o bem público, mas a expansão e o lucro da empresa” (BRESSER-PEREIRA, 2010, p.4,
grifos nossos) e “mais do que um processo de tomada de decisões, a administração pública é
uma parte constitutiva do estado; a administração de empresas é apenas um processo. E,
enquanto processo, seus objetivos ou critérios de excelência são muito diferentes”
(BRESSER-PEREIRA, 2010, p.4, grifos nossos) demarca o autor linha divisória entre saberes
que, em verdade, convergem na discussão da Administração Política. Esta última, como
delimitação conceitual, ganha sentido ao promover entendimento abrangente e
transdisciplinar sobre administração de modo a favorecer a emergência de epistemologia
complexa, porque dialógica e hologramática (CARDODO & SERRALVO, 2009) e a tornar
“necessária uma outra forma de conhecimento, um conhecimento compreensivo e íntimo que
não nos separa e antes que nos una pessoalmente ao que estudamos” (SANTOS apud
SANTOS et al, 2011, p.3). Ainda, ressalta-se a perspectiva de visão transdisciplinar para
“buscar novas posturas epistemológicas e metodológicas que não sejam apenas justaposição
de ideias e métodos, mas uma tentativa na busca de insights e abordagens múltiplas que
possam dar conta da essência dos fenômenos da área” (CARDOSO & SERRALVO, 2009,
p.1). O que se quer dizer é que a divisão da Administração como Pública e Privada (de
empresas) orienta a compreensão do conceito para considerações epistemológicas e
metodológicas divergentes. Assim, a administração pública cuida dos negócios do Estado e a
de empresas, dos lucros privados. Como pensar duas formações para uma atividade que
engloba a sociedade e seus indivíduos?
3
Essa também parece ser a apreensão por parte dos alunos. Muitas vezes, é vendida para os
formandos e jovens que estão em dúvida sobre qual curso superior escolher uma ideia
distorcida do futuro profissional que tem o administrador desempenhado até hoje, quase que
absolutamente relacionada à prática empresarial, exclusivamente. Identificar e investigar o
objeto científico da Administração – a gestão – ajuda este profissional a não se fechar no
círculo rotineiro e desestimulador do objeto de estudo tradicionalmente concebido – a
organização empresarial. Isso favorece o exercício de autocrítica em relação à sua formação
acadêmica e profissional. A partir desta nova perspectiva, era preciso buscar referências que
relacionassem política e administração. A formação em Relações Internacionais pouco
favorecia o professor nesse casamento de modo que foi realizado esforço de pesquisa de
material de referência adequado. Logo, a referência de Santos (2004) foi apresentada, mas,
que até hoje, está esgotada na editora Hucitec. Outras fontes, então, foram procuradas para
investigar o tema e compor referência bibliográfica inicial sobre o assunto. Isso levou, após
pesquisa inicial, a dois grupos de literatura: um específico da administração política e outro
geral concernente aos temas de poder, relação empregado-empregador, capital simbólico entre
outros relacionados ao universo empresarial e da gestão. A etapa seguinte foi realizar leitura
exploratória das quinze referências encontradas e tentar elaborar um plano de curso coerente.
Até então, o que se tinha em mente eram esses dois eixos: o achado de João Ubaldo Ribeiro,
específico da Administração, e a discussão sobre poder, conceito nuclear em Ciência Política.
A leitura exploratória da bibliografia levantada, especialmente, a partir da referência de
Ribeiro (2006) sugeria o estudo da administração política a partir de três discussões: (1) a
suposta incompatibilidade entre ciência social e administração, que evidencia a tensão entre o
social como fruto da especulação (quase) filosófica e o técnico, na figura do administrador;
(2) o fenômeno político como expressão inevitável das relações interpessoais de comando, de
subordinação e de tomada de decisão; e, por fim, (3) a relação íntima, mas nem sempre
percebida entre o administrador e a política no sentido das noções micro e macro de atuação
profissional. Foi a leitura de Ribeiro (2006) que orientou o que viria a ser o programa da
disciplina assim como o plano de curso com as aulas identificadas. Mais especificamente, a
tônica da disciplina esteve, acima de tudo, em contrapor (e depois convergir) a perspectiva
racionalista e técnica da Administração a partir da orientação de Taylor (1911) com os seus
4
confortáveis em dialogar com Ribeiro (2006) e isso os deixava apreensivos. Dada sequência
com as leituras pensadas a partir do plano de curso e do programa e ainda mais foi
testemunhado o embaraço dos alunos em se relacionar com os textos. Isso deixou claro que
havia pouca cultura de leituras vinculadas a temas da política e de cunho mais humanista e
que a condição da Administração como Ciência Social era frágil nessa experiência.
Por parte dos alunos, a apresentação inicial da disciplina tratou de esclarecer o termo
''política'', suas implicações políticas e filosóficas e, fundamentalmente, marca da condição
humana, as origens do movimento da Administração Política, iniciado na década de 90, na
Bahia, mais especificamente na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e, principalmente, a
leitura da obra Administração e Política (1969), de João Ubaldo Ribeiro sugeriu determinado
mapa cognitivo que os orientasse na projeção daquilo que seria o conjunto das aulas. Aqui,
parecia que Ribeiro mostrava todas as questões que seriam tratadas já no texto introdutório:
(...) caracterizar a Administração como ciência social aplicada, analisando as
implicações políticas de sua prática, com o objetivo de proporcionar ao aluno uma
visão esclarecedora da função social que virá a desempenhar como profissional.
Parece ao autor que a discussão extensiva desse assunto é extremamente importante
para a afirmação da profissão de administrador, para a ampla definição de seu papel
(RIBEIRO, 2006, p.166).
Dessa forma, a leitura introdutória com Ribeiro (2006) forneceu objetivo e clareza no
conteúdo de estudo, mas ao mesmo tempo fez com que perguntas nunca antes feitas pelos
próprios alunos agora fossem questionadas. A apreensão inicial que aos alunos era passada
era a de que estariam envoltos no exercício de refletir sobre se o administrador é um simples
executor de técnicas e métodos para chegar a uma meta ou objetivo empresarial/financeiro
pensado por outrem ou se é um cientista social aplicando as diversas ciências sociais nos
momentos e lugares adequados de modo a promover bem-estar e resultados nas sociedades e
organizações. Isso provocou nos alunos questionamentos acerca de sua formação e atividade
profissional. Qual real função do administrador dentro da sociedade? Como as suas escolhas
irão transformar a realidade do ambiente que está inserido?
Ainda, o conteúdo programático favoreceu reconsiderar o aluno enquanto pesquisador de si
mesmo e de sua atividade, no sentido de se projetar como sujeito ético e indivíduo reflexivo
de modo a repensar a si e a sua formação com espírito investigativo e a se conceber a partir de
perspectiva científica crítica como que numa atitude diante do espelho: avaliar-se e reavaliar-
se. A aposta volta-se para aluno consciente de si e do entorno político e social em que suas
atividades acadêmica e profissional se dão. Ser administrador não implica apenas organizar
burocracia e produção, mas compreender a realidade em que está inserido como agente social.
Nisso, a pesquisa e o processo de ensino-aprendizagem não podem ser neutros, como que
técnicos apenas, mas, devem ir além. Parece pouco importar o Estado como burocracia ou a
empresa como lucratividade. Considera-se, assim, que
(...) essas características de espelho e de processo de construção estão no cerne da
ideia de pesquisa reflexiva. Ao afastar-se da tradição de objetividade e neutralidade
— seja do pesquisador, seja do processo de pesquisa ou do conhecimento gerado —,
a pesquisa reflexiva valoriza a subjetividade e a interpretação como essenciais ao
processo de criação da realidade social (...) (CAMPOS & COSTA, 2007, p.40).
O segundo ponto do programa da disciplina contou com a discussão sobre o poder nas
organizações a fim de investigar esse que é conceito-chave na Ciência Política. Qual não foi a
dificuldade ao tratar do tema a partir das contribuições de Prado & Toneli (2013) sobre
política e sujeitos coletivos e a relação do político como essência e da política como
manifestação; Saraiva & Santos (2011) com a estratégia dos trabalhadores, que inverte a
6
consideração comum sobre poder nas mãos dos empregadores e o passa aos empregados;
Procópio & França Filho (2005) que contrapõem poder simbólico e a poder utilitário nas
organizações; Diniz & Limongi-França (2005) sobre poder e seus controles e influência
interpessoal; Santos Filho (2002) das fontes e dos instrumentos de poder nas organizações;
Migueles (1999) na relação administradores-empregados e sobre capital simbólico; Freddo
(1995) violência simbólica na burocracia; Fischer (1992) sobre poder local como poder nos
espaços de gestão. Essas discussões trouxeram às aulas considerações aplicadas pelos autores
aos seus estudos de pensadores como Foucault, Arendt, Habermas, Bourdieu e Rawls.
Como não se tratavam de textos introdutórios, mas de análise e debate, foi difícil seguir em
sala percebendo a talvez inevitável ausência de conhecimento prévio desses pensadores por
parte dos alunos. Situar os alunos na discussão própria da Ciência Política a partir do conceito
de poder, mesmo que em literatura aplicada à área não foi tarefa simples. Como de fato os
textos eram longos e densos sobrou pouco tempo em sala para utilizar outros recursos
didáticos que favorecessem o processo de ensino-aprendizado. As aulas eram
fundamentalmente expositivas. Em média, um texto de 25 a 30 páginas era dividido em dois
dias de aula, cada dia com 1h40 de aula (as disciplinas de quatro créditos são apresentadas em
dois dias por semana). Ao final de cada etapa, antes das duas avaliações, conseguiu-se
elaborar o que se chamou de “roteiro de leitura”. Tratou-se de uma tabela feita no WORD em
que relacionava numa coluna os autores e em outras os temas, os objetos, os objetivos e os
argumentos de modo a favorecer um estudo esquemático absolutamente reduzido em forma
de “lembrete” sobre o que fora cada um dos textos. Assim, a primeira etapa até a primeira
avaliação contou com nove textos. A proposta do roteiro de leitura era contar com a
participação dos alunos em sala a fim de o construírem junto com o professor. Mas, por
precaução e temendo a pouca participação em sala os campos foram previamente preenchidos
em casa. Na aula destinada a construir o roteiro de leitura com os alunos, e testemunhando sua
dificuldade para sugerir que informações inserir nos campos, o que já havia sido elaborado
pelo professor foi sendo apresentado. Assim, ao invés de construir com os alunos, foram
sendo apresentadas pelo professor sugestões que eram a partir de então colocadas em questão
junto com os alunos a fim de gerar consenso sobre sua validade.
O terceiro ponto do programa apresentou efetivamente a Administração Política como saber.
Aqui, as contribuições utilizadas foram divididas em dois grupos com três autores cada. O
primeiro destinou-se à discussão da Administração Política na perspectiva dos estudos
críticos a partir de Losso (2011) com a revisão epistemológica e praxiológica da
Administração; Campos (2007) e a atitude reflexiva na produção de conhecimento na
Administração; e Cardoso (2009) considerando a epistemologia transdisciplinar da
Administração. O segundo agraciou as contribuições diretas sobre o conceito de
Administração Política a partir de Santos (2001), Gomes (2011) e Santos; Santana & Piau
(2011).
Mais precisamente, os pontos de destaque na literatura envolveram as considerações acerca da
crítica sobre a Administração como atividade profissional e formação acadêmica. O primeiro
passo foi considerar a crítica ao naturalismo nas ciências sociais, de modo geral, e na ciência
política, em particular. A fonte do pós-behaviorismo na década de 1960 foi importante para
repensar como a própria ciência politica concebia seu método de ação no mundo (LOSSO,
2011). Importante era explorar a interpretação dos fenômenos e assim concebê-los a partir de
seu significado e não de outro significado externo. Tal crítica apoiou a compreensão da
Administração como atividade também de reflexão e não apenas de replicação de modos de
organizar e produzir acriticamente. Nessa perspectiva, soma-se a percepção acerca da atitude,
7
novamente, reflexiva do administrador, como aluno e como profissional, de modo a que ele se
projete considerando que:
(...) teorias devem ser avaliadas em termos dos desafios que são capazes de trazer ao
conhecimento estabelecido (taken for granted) e pela capacidade de abrir,
simultaneamente, novas possibilidades de ação nas organizações ou fora delas. Não
se trata de dispensar considerações técnicas, sempre relevantes, mas de incluir
considerações além do método: redirecionar questões de objetividade e rigor, bem
como considerar a dimensão ética (...) (CAMPOS & COSTA, 2007, p.41).
Ainda contou o primeiro passo com a busca por se redefinir o tratamento metodológico do
campo disciplinar da Administração antes voltado para, fundamentalmente, a racionalidade
instrumental para comprovação de resultados e agora orientado para transdisciplinaridade e
diálogo entre conhecimentos:
(...) constata-se que na produção acadêmica da área existe o domínio do método de
estudos de caso, com dados de evidência, nos quais se destacam as referências
documentais e descrições “neutras” dos dados obtidos e conteúdos de entrevistas
feitas com dirigentes das organizações estudadas, trazendo as obviedades do senso
comum (se funcionou no passado, funciona hoje e vai funcionar no futuro), em que
existe total ausência de análise e interpretação (...). [...] O grande desafio para a área
da administração é reconhecer que a maioria de seus objetos de estudos está
relacionada com outras áreas do conhecimento. Daí a necessidade de se produzir um
encontro, com profundidade e competência, com insights e abordagens pertencentes
a metodologias múltiplas e fundamentos teóricos multidisciplinares (CARDOSO,
2009, p.52, grifo nosso).
experiência com esses textos, aquela leitura exploratória teve de se tornar material de aula. O
ainda pouco costume com recursos audiovisuais fez o professor se valer de seu caderno de
notas e de aulas explanatórias. Apenas para o texto de Ribeiro (2006) foi elaborada
apresentação em slides. Em terceiro lugar, os alunos do 8º período dividem atenção das aulas
com a elaborações de seus TCCs, o que dificulta, da metade para o fim do semestre, sua
dedicação às aulas.
Foi preciso ainda pensar as avaliações da disciplina. O desafio foi como organizar o
conhecimento passado de modo a melhor aproveitá-lo, em quantidade e densidade, numa
avaliação palatável, dado que já havia percebido as dificuldades acima apontadas. Aqui, os
roteiros de leitura foram importantes. Na primeira avaliação, o roteiro de leitura contava então
com nove autores – o texto introdutório de Ribeiro (2006) e fundamental para a compreensão
da disciplina e os demais. A avaliação contou com duas questões: uma em que era preciso
explicar o texto de Ribeiro a partir do roteiro (na parte que a ele cabia, naturalmente) e a outra
era preciso trabalhar com trios de autores já indicados e relacionar seus argumentos aos de
Ribeiro. Dessa forma, direcionavam-se as questões de modo mais orientado. Ainda, a prova,
para quem quisesse, poderia ser feita em dupla a fim de dar maior segurança e confiança aos
alunos.
Na consideração do aluno, o roteiro detalhado sobre cada texto com recorte, objeto, objetivos
e argumento desembaraçou a elaboração da resposta da primeira questão quando o aluno
deveria explicar o texto base de Ribeiro (2006). Por ter sido muito trabalhado durante as
aulas, os fundamentos de Ribeiro (2006) já estavam fortemente definidos – experiência que
tornou mais fácil fazer as construções com os outros textos, já que ao ler o roteiro, mesmo
sem se recordar completamente dos outros, era possível relacioná-los com Ribeiro (2006).
Sem dúvida, se fosse exigida a mesma tarefa sem o roteiro e até mesmo indicando menor
número de textos com os quais relacionar, as respostas seriam muito difusas e apresentariam
fraca ligação com os objetivos e objeto de cada texto. A segunda questão, mesmo tendo o
apoio do roteiro, era mais trabalhosa uma vez que relacionava autores em subgrupos definidos
e buscava entre eles e a partir deles uma relação com os argumentos de Ribeiro (2006). Além
disso, por muitas vezes, a dificuldade em exteriorizar os conhecimentos atrapalhava a
formulação da repostas, ainda mais por lidar o aluno com vocabulário mais específico e textos
mais complexos do que o habitual. Outro fato relevante nesta segunda questão, que não foi
percebido na primeira, foi a dificuldade e o demasiado tempo de diálogo com o outro
componente da dupla. Como se tratava de subgrupos de autores foi mais difícil chegar a
consenso sobre o que havia de comum entre eles e na sua relação com Ribeiro (2006).
A segunda avaliação contou não com o roteiro de leitura, mas com questões ainda bem
direcionadas a partir de esquema em que era preciso, a partir dos dois grupos de três autores
cada, elaborar um argumento comum a eles, de um lado a discussão sobre estudos críticos, de
outro, o conceito de Administração Política. Esta avaliação foi individual e sem consulta ao
roteiro de leitura. De modo geral, o resultado das avaliações foi bom ou, pelo menos,
satisfatório.
Também contou a segunda avaliação com período delicado para alunos do último período do
Curso, pois que estavam muito envolvidos e tensos com a entrega dos seus (Trabalhos de
Conclusão de Curso) TCCs. A exigência desta prova sem duvida foi muito maior que a
primeira, apesar do número menor de autores. As duas questões foram elaboradas de modo a
que os alunos provocassem o debate entre os autores e criassem argumentos sobre
Administração como Conhecimento e Administração Política, temas muito complexos,
densos e de conteúdos novos até o semestre dado. As questões versavam sobre a discussão
9
Bibliografia
SANTOS FILHO, Nelson Gomes dos. O poder nas Organizações: Vertentes de Análise.
CienteFico, Ano II, Vol. I, 2002.
SARAIVA, Luiz Alex Silva; SANTOS, Alexandre Vitorino dos. Estratégias de poder de
trabalhadores industriais. RAM, Vol.12, nº4, 2011, pp.15-43.
13
ANEXOS
14
Revisão
metodológica e
ADM como objeto Gestão de relações
GOMES Percurso da AdmPol epistemológica da
de estudo sociais na produção
ADM a partir da
gestão
Entender relação da
É preciso ver a
Reflexões da AdmPol com caráter AdmPol com outros
PIAU et al gestão como prática
AdmPol crítica saberes e revisar seu
política social
conceito
16
PRIMEIRA AVALIAÇÃO
CURSO: ADMINISTRAÇÃO DATA:
DISCIPLINA: Ciência Política PROFESSOR(A): Leo Braga
PERÍODO: 8º TURNO: Noite AVALIAÇÃO: AV1
ALUNO(A): ______________________________________________________________________
GRAU: VISTO DO PROFESSOR:
Administrador como
Política e Relação entre Política e Compreender o fenômeno
RIBEIRO Introdução praticante da Ciência
Administração Administração político na Administração
Social Aplicada
Relação entre político Discutir o antagonismo
O Fenômeno Política e Sujeitos
PRADO; TONELI (como essência) e política como definidor do O político como agonismo
da Política Coletivos
(como manifestação) conceito de político
Identificação dos Compreender paradigmas
Poder nas Vertentes de Poder como conceito
SANTOS FILHO instrumentos e das fontes de análise do poder nas
Organizações Análise do Poder complexo e multifacetado
de poder organizações
Relação entre Investigar correlação entre Estilo de poder como
DINIZ; Poder nas Poder e influência
administrador e poder exercido e atitude aspecto diferenciador das
LIMONGI-FRANÇA Organizações Interpessoal
funcionário resultante relações de influência
Identificar a violência
simbólica na burocracia Quanto maior a
Poder nas Exercício de poder como pela ideia de espaço de burocratização maior a
FREDDO Poder e violência
Organizações ação estratégica aparência em que se atração da violência para
manifesta o discurso como mantê-la ou rebatê-la
violência
Compreender a dinâmica
do poder local a partir das O poder local: espaços de
O poder local como outro
Poder nas relações concretas, gestão como espaços
FISCHER Poder local nível de manifestação do
Organizações socialmente construídas e políticos e simbólicos de
poder
territorialmente produção e de consumo
localizadas
Compreender o “estilo
O estado de motivação dos
Capital simbólico do administrativo” do
trabalhadores é constituído
Poder nas Administradores e administrador e a executivo-chefe como
MIGUELES com a experiência
Organizações empregados “realidade ao seu reflexo na cultura
concreta de certo sistema
contrário” organizacional que sugere
de poder
melhor produção
Estratégias de poder dos Os trabalhadores se valem
Poder nas Poder dos trabalhadores (experiência; Analisar as estratégias de de estratégias dinâmicas
SARAIVA; SANTOS
Organizações trabalhadores vínculos; obediência; poder dos trabalhadores que projetam seu exercício
popularidade) de poder simbólico
“Aquilo que conta de
Refutar concepções de
modo significativo” para
Poder nas Poder e análise Poder utilitário X poder poder que
PROCÓPIO dar sentido às relações
Organizações organizacional simbólico instrumentalizam as
sociais olhando para o
relações sociais
influenciado
Resumo
Este artigo abordou alguns conceitos de cidadania de autores importantes como T. H.
Marshall, Bobbio, David Held, Anthony Giddens e Gurza Lavalle e enfatizou a importância
da participação política para a conquista plena da cidadania. O objetivo do estudo foi de
analisar a cidadania das mulheres no Brasil, principalmente após a promulgação da
Constituição Federal de 1988, tendo como foco a participação política e conquista dos direitos
da mulher. Não somente, foi discutido o papel da administração pública na promoção e
garantia dos direitos da mulher no país. As conclusões do estudo mostraram que um longo
caminho já foi percorrido pelas mulheres na conquista plena de cidadania, porém os baixos
índices de presença feminina na composição das Casas Legislativas e no Executivo
demonstram que ainda há muito a se caminhar quanto à participação política das mulheres no
Brasil e, portanto, para a conquista plena da cidadania feminina.
Palavras-chave: Cidadania, Direitos, Mulheres, Participação Política, Brasil.
Abstract
This paper covered some concepts of citizenship by leading writers from T. H. Marshall,
Bobbio, David Held, Anthony Giddens and Gurza Lavalle and emphasized the importance of
political participation for the full achievement of citizenship. The objective of the study was
to analyze women's citizenship in Brazil, especially after the promulgation of the 1988
Constitution, focusing on political participation and achievement of women's rights. Not only
it was discussed the role of government in promoting and ensuring women's rights in the
country. The results showed that a long road has been traveled by women in full conquest of
citizenship, but the low female presence index in the composition of the Legislative and the
Executive show that there is still much to walk on the women's political participation in Brazil
and thus for the full achievement of women's citizenship.
Keywords: Citizenship, Rights, Women, Political Participation, Brazil.
Introdução
Ao longo dos anos o tema cidadania vem sendo discutido sob várias perspectivas. A
proposta deste estudo é fazer uma análise da cidadania no Brasil desde a promulgação da
Constituição Federal de 1988, sob a perspectiva dos direitos da mulher e o papel da
administração pública na promoção e garantia dos direitos femininos no atual contexto da
sociedade brasileira.
O conceito de cidadania é amplamente discutido e é complexo. Segundo Pinsky
(2003), o conceito de cidadania, dado seu caráter histórico, sofre influências do tempo e no
espaço, o que o torna difícil de ser definido. A ideia de cidadania tal como existia na Grécia
não consegue abranger a cidadania tal como existe nos dias atuais. Não eram considerados
cidadãos escravos, mulheres, crianças, idosos, comerciantes, artesãos e estrangeiros.
1
Uma breve contextualização sobre a cidadania foi feita na seção “Construção do
conceito de cidadania”. Enquanto para Marshall, a cidadania foi definida a partir da conquista
dos direitos civis, políticos e sociais, para Giddens, a cidadania pressupõe pertencimento a um
território. Assim, ao longo da seção são discutidos alguns conceitos de cidadania importantes
e é enfatizada a importância da participação política na conquista plena da cidadania.
Tendo a participação política como parâmetro para a conquista plena da cidadania e
dos direitos individuais e coletivos, as conquistas das mulheres ao longo dos anos em prol de
sua cidadania foram destacadas nas seções “Participação política e a conquista da cidadania
pelas mulheres” e “Cidadania e participação política das mulheres no Brasil”. Foi destacada
também a importância do movimento feminista, principalmente nas conquistas nos anos 1970
no Brasil, bem como a construção do conceito de cidadania através do estudo do autor José
Murilo de Carvalho. Por fim, dados extraídos do site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
sobre a participação das mulheres nas eleições de 2014 foram apresentados para mostrar a
situação da participação feminina no país.
A administração pública no exercício de suas obrigações perante os cidadãos deve
garantir que sejam cumpridos seus direitos e deve também cobrar o exercício de seus deveres.
Os cidadãos, à luz do seu próprio reconhecimento como sujeito dotado de direitos e deveres,
devem exigir daqueles que o representam o reconhecimento de direitos necessários à sua
sobrevivência e em prol da sociedade.
O objetivo deste estudo é relacionar o conceito de cidadania com os direitos da
mulher, apontando algumas conquistas das lutas pelos direitos das mulheres no Brasil, após a
promulgação da Constituição Federal de 1988. Para tanto, foi importante a realização de
análise textual de estudos e leis relacionados ao tema, bem como a utilização do software
estatístico STATA e do Microsoft Excel para a elaboração dos gráficos que serão
apresentados ao decorrer do estudo.
O artigo foi dividido em seis seções, quais sejam: Construção do conceito de
cidadania, onde através da exposição das ideias de autores como Rousseau, T. H. Marshall,
Norberto Bobbio, David Held e Anthony Giddens será apresentada uma breve
contextualização sobre a construção do conceito de cidadania; Participação política e a
conquista da cidadania pelas mulheres, em que será apresentada algumas das conquistas das
mulheres no mundo no rol dos direitos humanos e também da abertura da esfera pública para
a participação das mulheres; Cidadania e participação política das mulheres no Brasil,
apontando a atual situação das mulheres brasileiras em relação aos direitos conquistados, à
importância da participação política das mulheres no Brasil, apresentando dados estatísticos
referentes à eleição de 2014 e, também, o papel da administração pública em realizar políticas
que favoreçam a participação da mulher e a garantia dos direitos às mulheres; Por fim, serão
apresentadas as considerações finais do presente estudo, bem como a perspectiva em relação à
participação política e a conquista da cidadania das mulheres no Brasil.
2
Nesse aspecto, assumindo a cidadania como um princípio da igualdade, a classe então se torna
um princípio da desigualdade enraizado na propriedade, na educação, na estrutura econômico-
social da sociedade (Held, 1999), além de raça, etnia, gênero, entre outros.
A cidadania por Marshall é constituídas de três direitos: civis, políticos e sociais. O
primeiro deles se refere às liberdades individuais, sendo elas ir e vir, liberdade de expressão, a
propriedade, a imprensa, a justiça, cumprir contratos válidos. Já os direitos políticos se
referem a votar e ser votado, participação política, criar partidos. Por último, os direitos
sociais são aqueles que garantem ao indivíduo o mínimo para que tenha condição digna de
vida como educação, saúde ente outros serviços sociais. Quanto à participação política,
Marshall destaca o exercício da cidadania através da participação do povo no direito de
escolher os seus governantes, pressupondo a existência de processos eleitorais autênticos, cuja
supervisão cabe às instituições judiciárias capazes de garantir a fidedignidade dos resultados
das eleições.
Os direitos do homem resultam de lutas históricas pela libertação e emancipação do
homem, que desencadearam as declarações de direitos firmadas em diferentes épocas da
história da humanidade. Dessa forma, os direitos ditos humanos são o produto não da
natureza, mas da civilização humana; enquanto direitos históricos, eles são mutáveis, ou seja,
suscetíveis de transformação e de ampliação. A principal declaração de direitos que podemos
citar é a Declaração Universal dos Direitos do Homem, onde os direitos se tornam universais
e positivos. O direito aqui garante proteção a todos, até mesmo contra o Estado que tentar
violá-los. Porém para existirem, os direitos precisam ser proclamados pelas instituições que
detém tal função. Para as mulheres, a Declaração Universal dos Direitos do Homem é um
marco ainda mais especial. Na Declaração foram incorporados, pela primeira vez, direitos
reivindicados pelas mulheres. Muitas reivindicavam o direito de acesso às profissões
intelectuais, outras ao voto. Para muitas, a valorização da educação, permitindo o acesso pelas
mulheres, eram a solução para que pudessem ganhar a vida fora da prostituição, pudessem
cuidar dos filhos e acabar com a exploração por parte de seus parceiros e/ou patrões.
As críticas que permeiam a concepção tradicional de cidadania de Marshall se
estendem sob o patamar da limitação do seu estudo. O estudo de Marshall foi concebido com
observações feitas pelo autor na sociedade britânica, não levando em consideração outras
realidades. Além disso, o conceito de cidadania construído por Marshall pressupõe uma
ordem para a conquista da cidadania a partir da conquista dos direitos civis primeiramente,
direitos políticos e, por fim, direitos sociais. Essa ordem não é aplicável, por exemplo, ao caso
brasileiro. José Murilo de Carvalho em “Cidadania no Brasil: uma longa história” mostra que
no Brasil os primeiros direitos conquistados foram os direitos sociais e a partir deles os outros
foram conquistados. Não somente, Carvalho (2003) ainda aponta a forma como o Estado-
Nação foi consolidado como fator que influencia na construção da cidadania nos países.
Assim como Marshall, Norberto Bobbio constrói o conceito de cidadania sob a
perspectiva dos direitos. Bobbio (1992) destacou a ideia de que o reconhecimento de direitos
fundamentais é que torna o indivíduo um cidadão. Tais direitos são naturais e universais,
nascem como direitos positivos individuais e partem para a perspectiva universal. Além disso,
destaca o reconhecimento dos direitos separando-os em quatro gerações. A primeira geração
de direitos corresponde aos direitos civis, que surgiram da luta contra soberanos absolutistas,
a segunda geração é a dos direitos políticos e sociais, que surgiram das lutas e do
fortalecimento da classe dos trabalhadores, camponeses, ou seja, daqueles que não possuíam
3
um meio próprio de se sustentar e necessitavam dos meios daqueles que os detinham. A
terceira geração dos direitos é aquela dos direitos coletivos e difusos, nascidos de direitos
internacionais, como meio ambiente, comunicação, paz, propriedade, entre outros e os direitos
de quarta geração são aqueles vinculados ao desenvolvimento da ciência e os direitos de
minoria. Bobbio chama a atenção para o avanço na configuração dos direitos humanos desde
uma concepção apoiada em figuras genéricas a uma concepção apoiada em figuras
particulares, em um movimento em que, ao mesmo tempo, direitos e garantias se
universalizam e se especificam (Pitanguy, 2011).
Anthony Giddens, um dos autores críticos da concepção de cidadania de Marshall,
defende que a construção da cidadania e da democracia moderna permeia o desenvolvimento
do Estado, principalmente na consolidação da força como um meio pelo qual o Estado pode
se valer. O autor utiliza ainda o termo “dialética do controle”, entendendo, dado que ao
Estado cabe o uso exclusivo da força , que cria-se uma base para que haja reciprocidade entre
governante e governado (Held, 1999). Sendo assim, a base criada permite que o governo
esteja mais próximo dos dominados, dando a eles maior possibilidade de se reconhecerem e
serem reconhecidos como sujeitos dotados de direitos e deveres, ou seja, como cidadãos.
A ideia de cidadania construída por Giddens está ligada à ideia de sujeito político, bem
como de pertencimento a uma comunidade. Nesse aspecto, o autor destaca duas grandes
mudanças institucionais que aconteceram a partir de conflitos importantes: o conflito de
classes da burguesia contra os privilégios feudais remanescentes e o conflito do proletariado
contra o monopólio dos postos de poder da burguesia. A primeira mudança foi o
estabelecimento dos direitos civis e políticos que consolidaram a separação do Estado e da
economia, a liberação da sociedade civil e interferência política direta do Estado (Held, 1999).
O sufrágio universal constituiu a segunda grande mudança. Conquistaram-se então os
direitos econômicos que são aqueles ligados às questões que envolvem a educação, saúde,
direitos dos trabalhadores, mulheres, com fins de amenizar as piores condições. Assim como
Marshall, Giddens não leva em consideração a complexidade da construção do conceito de
cidadania, sendo este um processo além de complexo, multidimensional e, ao mesmo tempo,
específico (direitos da mulher, criança e adolescente, idosos).
Segundo Jacqueline Pitanguy (2011), os conceitos de cidadania e direitos humanos
permeiam o campo das relações sociais e estruturas de poder e são refletidas nos planos
nacional e internacional. Dessa forma, o contexto histórico, político, econômico e social do
país e do mundo contribuirão para a elaboração e concretização dos direitos humanos, bem
como da garantia e concretização da cidadania.
Para o presente estudo é importante ressaltar que a participação política constitui
elemento essencial para a conquista da plena cidadania. Não só através do cumprimento dos
deveres se exerce a cidadania, mas através do exercício de direitos já conquistados através de
lutas pelo reconhecimento deles. Por se tratarem de direitos específicos, como direitos da
mulher, homossexuais, quilombolas, negros, entre outros o reconhecimento se dá, na maioria
das vezes, aos poucos e de forma árdua. Na próxima seção serão expostas algumas das lutas
das mulheres pelo reconhecimento dos seus direitos, principalmente no que se refere à
igualdade de direitos.
4
Se a conquista da cidadania plena se dá através das lutas pelos direitos, as várias
batalhas já enfrentadas pelas mulheres ainda não conseguiram dar a elas o reconhecimento
total da sua cidadania. Esta seção será dedicada à explanação de algumas lutas vividas pelas
mulheres, bem como a importância da participação política para a conquista dos direitos
femininos.
Na era Iluminista, começou a ser disseminada a ideia e a importância da igualdade
entre homens e mulheres. Porém, autores como Rousseau, duvidavam da capacidade feminina
de raciocinar, dado que, para ele, as mulheres eram movidas por paixão (Lopes, 2011). A
partir da Revolução Francesa, a luta das mulheres pela cidadania ganhou peso, dado que seus
direitos foram incorporados aos direitos universais. Alguns autores afirmam que para haver
cidadania, deve haver participação política (Lopes, 2011). Sendo assim, as lutas das mulheres
pelo seu reconhecimento como cidadã, se tornam também uma luta por participação política.
A partir do século XIX, a educação das mulheres começou a progredir. A luta por
educação e a diminuição, mesmo pequena, dos índices de analfabetismo deu às mulheres uma
nova voz e, também, ampliou as possibilidades de acesso a espaços que antes não eram
frequentados por elas como universidades, mercado de trabalho. Mesmo tendo sido um
importante passo, a educação era dada a mulheres e homens de forma diferenciada. Segundo
Pinsky & Pinsky (2003), o acesso das mulheres à educação se limitava a cursos que tornavam
as mulheres melhores em suas funções femininas.
O século XX foi marcado pela luta por igualdade em relação aos homens de direitos e
deveres civil e político. A principal bandeira das mulheres foi o direito ao voto, conquistado,
primeiramente, na Nova Zelândia, em 1893. No Reino Unido, o sufrágio feminino foi
conquistado através do movimento liderado por Millicent Fawcett, em que as mulheres saíram
às ruas, fizeram greve de fome no intuito de expor o sexismo institucional da sociedade
britânica. A aprovação do sufrágio feminino veio com a aprovação do Representation of the
People Act, em 1918. A aprovação da lei britânica incentivou mulheres de outros países a
lutarem pelo seu direito ao voto. Não somente, a aprovação em outros países de leis que
davam às mulheres o sufrágio, poderia dar a elas a capacidade de lutar pelo que acreditavam e
por direitos como o de trabalhar, direito à propriedade e, também, de serem elegíveis e
concorrem em condição de igualdade com os homens. Por isso, a participação política das
mulheres é importante para a conquista da plena cidadania das mulheres.
Nos Estados Unidos, o histórico de lutas teve um dos episódios mais trágicos e tristes,
lembrado até hoje. No dia 8 de março de 1857, 129 operárias da indústria têxtil Cotton
morreram queimadas pela força policial enquanto reivindicavam a redução da jornada de
trabalho e direito à licença maternidade. Dia 8 de março tornou-se a data em que se comemora
o Dia Internacional da Mulher como forma de homenagear aquelas que morreram lutando por
seus direitos. O voto feminino nos Estados Unidos foi aprovado somente 55 anos após o
incidente na fábrica têxtil através da XIX emenda à Constituição Estadunidense que
estabeleceu que todas as mulheres maiores de idade teriam direito ao voto. No Brasil, em
1932, o então presidente Getúlio Vargas, através do Decreto nº 21.076, determinou que o
cidadão maior de 21 anos teria direito a voto sem distinção de sexo.
As conferências, congressos e encontros internacionais, principalmente os organizados
por instituições de grande influência política, econômica e social como a Organização das
Nações Unidas (ONU) possuem um papel importante para a conquista, garantia, criação de
leis específicas dentro de cada país e, até mesmo, na exigência de direitos que possam
contribuir para a melhoria da realidade social e, por vezes intervir para que determinados
diretos sejam garantidos pelo Estado.
Em 1994, a Conferência Internacional de População e Desenvolvimento que ocorreu
no Cairo, Egito, reuniu representantes de 179 países. Durante o evento foi elaborado o Plano
5
de Ação com diversos compromissos para a promoção de melhoria de vida para toda
população mundial através da promoção e garantia de direitos humanos e dignidade e também
cuidados com o meio ambiente. A importância dessa conferência diz respeito à discussão
sobre os direitos reprodutivos da mulher, a importância do planejamento familiar, promoção
da igualde de gênero e proteção da mulher como formas de promover o crescimento
econômico e de empoderamento das mulheres.
Amartya Sen, citado por Wanjman e Paiva (2005), destacou a importância do
empowerment³ feminino no que tange à liberdade reprodutiva, dado que, a saúde reprodutiva
da mulher entrou no debate sobre desenvolvimento. Defendeu também a importância da
mulher como agente da mudança social através do maior acesso à educação e ao mercado de
trabalho, raízes do seu empowerment. Além disso, o planejamento familiar não aparece como
componente em nenhum programa de ajuda ou em agenda de reformas e políticas (Paiva;
Wanjman, 2005).
Ainda sobre a importância de instituições que promovem conferência, encontros que
dizem respeito a um determinado problema na realidade social, podemos destacar ainda o
papel da ONU Mulheres. A ONU Mulheres, entidade das Nações Unidas, foi criada em 2010
com objetivo de acelerar a implementação das metas da Organização para a promoção da
igualdade de gênero e o empoderamento das mulheres atuando em diversos países do mundo,
inclusive no Brasil.
Essa seção foi dedicada à realização de um pequeno resumo reunindo pequenos passos
das mulheres nos últimos anos em prol da sua cidadania. A conquista do direito ao voto foi
um importante passo para que as mulheres pudessem se inserir no espaço público e participar
ativamente da política abrangendo o espaço em que pudessem realizar reivindicações pelos
seus direitos e por maiores debates e representações que contribuíssem para o cumprimento e
garantia de direitos específicos à realidade social vivida por elas. A próxima seção é dedicada
à conquista da cidadania pelas mulheres brasileiras, tendo como foco a Constituição Federal
de 1988, a Constituição Cidadã.
6
direitos que enxergam os indivíduos como iguais, onde qualquer tipo de descriminação deve
ser reprimida e punida. Na visão dos direitos humanos, encontram-se os direitos sociais e
reconhece-se a diferença. Grupos específicos da sociedade se reconhecem como diferentes e
exigem que haja reconhecimento de suas especificidades pela sociedade e reivindicam diretos
identitários. Os direitos humanos são universais, no sentido que alcançam todos os homens,
sem distinção de cor, raça, etnia, credo, gênero, e positivos, porque “pretende firmar e
assegurar os direitos humanos mediante um corpus articulado e orgânico de leis, normas e
regulamentos” válidos nacionalmente e internacionalmente.
O Brasil, com a instauração da Constituição Federal de 1988, começou a fazer mudanças
no que se refere ao âmbito da administração pública. Embora setores público e privado sejam
diferentes na questão estrutural, desde a reforma Gerencial na década de 1990, o setor público
tem incorporado muitas características do setor privado, se tornando cada vez mais eficiente.
O papel do gestor público no processo decisório é de fundamental importância para gerar essa
eficiência maior e para garantir maior efetividade das políticas públicas, principalmente
quando está envolvido o reconhecimento do direito de grupos específicos.
A demanda por ações públicas específicas, principalmente, direcionadas a grupos de
vulnerabilidade social e a grupos específicos da sociedade vêm crescendo com o tempo. As
políticas públicas sociais – direcionadas a promover a igualdade no que se refere às
oportunidades e baseadas na visão liberal-democrática – contribuem para o desenvolvimento
da sociedade brasileira de modo a equalizar as oportunidades de acesso à educação, cultura,
seguridade social e de terem poder de compra.
Com o reconhecimento dos direitos humanos pela Constituição Federal de 1988, gerou
uma nova visão das especificidades na sociedade. Contrapondo à visão liberal-democrática, os
direitos humanos reconhecem a diferença dos indivíduos e através dessa diferença promovem
os direitos identitários. Os grupos beneficiados por esses direitos no Brasil são aqueles com os
quais, de certa forma, o país tem uma dívida – índios e afrodescendentes – e crianças e
adolescentes, idosos e a família. Outros grupos como mulheres, homossexuais estão tendo
seus direitos reconhecidos também. Por exemplo, a Lei Maria da Penha que protege a mulher
contra a violência, principalmente de seus parceiros e, atualmente, a lei que aprova o
casamento homossexual, baseado em uma nova interpretação da Constituição no que se refere
ao reconhecimento de o que é considerado família.
Para a garantia de todos esses direitos seria necessária também a criação de políticas
sociais capazes de garanti-los. O conceito de cidadania discutido pela autora Sonia Maria
Fleury Teixeira em seu artigo “Política social e democracia: reflexões sobre o legado da
seguridade social” explana que a cidadania corresponde à pauta de direitos e deveres dos
considerados cidadãos e do Estado ao qual pertencem. A resposta do Estado às demandas dos
seus cidadãos, principalmente no que tange a políticas sociais, seriam uma forma de
reconhecer e dar aos indivíduos a condição de cidadão. Portanto, todos esses direitos precisam
de políticas públicas efetivas e bem planejadas. Os gestores públicos precisam ser sensíveis às
demandas da sociedade e antecipá-las. O planejamento deve levar em conta a relação custo-
benefício (quanto custará para o governo e quão efetiva será a abrangência dessa política), a
real necessidade do cidadão e deve-se buscar a maior eficiência possível. Cabe ao gestor
público, também, estar atento às execuções das ações públicas para que realmente atendam às
necessidades demandadas. Assim, o indivíduo terá o reconhecimento de seus direitos e de sua
condição de cidadão perante o Estado ao qual pertence.
7
No Brasil, a participação e o reconhecimento pleno da cidadania feminina têm sido
conquistados a duras penas. O direito ao voto, por exemplo, foi conquistado na Era Vargas,
porém era facultativo. Tornou-se obrigatório apenas com a Constituição de 1934 (Lopes,
2011). Foi o primeiro passo das brasileiras em prol da participação política. Segundo Leila
Linhares Barsted (2001):
“O
movimento
feminista
brasileiro
foi
um
ator
fundamental
nesse
processo
de
mudança
legislativa
e
social,
denunciando
desigualdades,
propondo
políticas
públicas,
atuando
junto
ao
Poder
Legislativo
e,
também,
na
interpretação
da
lei.
Desde
meados
da
década
de
70,
o
movimento
feminista
brasileiro
tem
lutado
em
defesa
da
igualdade
de
direitos
entre
homens
e
mulheres,
dos
ideais
de
Direitos
Humanos,
defendendo
a
eliminação
de
todas
as
formas
de
discriminação,
tanto
nas
leis
como
nas
práticas
sociais.
De
fato,
a
ação
organizada
do
movimento
de
mulheres,
no
processo
de
elaboração
da
Constituição
Federal
de
1988,
ensejou
a
conquista
de
inúmeros
novos
direitos
e
obrigações
correlatas
do
Estado,
tais
como
o
reconhecimento
da
igualdade
na
família,
o
repúdio
à
violência
doméstica,
a
igualdade
entre
filhos,
o
reconhecimento
de
direitos
reprodutivos,
etc.”
8
manuseados com auxílio do software estatístico STATA e os gráficos foram elaborados com
o auxílio do Microsoft Excel e serão apresentados a seguir.
Em relação à composição do eleitorado brasileiro, ou seja, aos brasileiros que de
acordo com o parágrafo primeiro do Art. 14 da Constituição Federal de 1988 cumprem os
requisitos legais para votar, quais sejam: maiores de 18 anos (voto obrigatório), brasileiros
com idade maior que 16 anos e menor que 18 anos e maior que 70 anos (voto facultativo),
analfabetos (voto facultativo), a maioria é de mulheres. O gráfico abaixo mostra a evolução
do eleitorado brasileiro em percentual nos anos de 2008 a 2014. Nesse período, pode-se
observar um leve aumento no percentual de mulheres. Em 2008, o número de mulheres foi de
67.484.608 para 74.248.667 em 2014. O número total de eleitores subiu de 130.472.076, em
2008, para 142.467.862, em 2014.
Gráfico 1- Evolução do eleitorado brasileiro por sexo em anos eleitorais de 2008 a 2014
2014 52.1%
47.8%
2012 51.9%
48.0%
Feminino
2008 51.7%
48.2%
9
Gráfico 2 - Distribuição percentual de candidatos à eleição de 2014 por cargo e sexo
27.0%
Vice-governador
73.0%
11.7%
Governador
88.3%
Feminino
27.3%
Vice-presidente
72.7% Masculino
27.3%
Presidente
72.7%
29.9%
Deputado Distrital
70.1%
29.0%
Deputado Estadual
71.0%
Feminino
29.3% Masculino
Deputado Federal
70.7%
20.6%
Senador
79.4%
0.0% 10.0%20.0%30.0%40.0%50.0%60.0%70.0%80.0%90.0%
Fonte: Gráfico elaborado pelos autores com dados extraídos do site do Tribunal Superior Eleitoral – TSE.
10
Considerações Finais
Sob a perspectiva da luta por direito das mulheres, este estudo se propôs a introduzir a
discussão sobre os conceitos de cidadania e da cidadania no Brasil. As mulheres começaram a
conquista por seu espaço quando foram incorporados alguns direitos na Declaração dos
Direitos Humanos. Sendo assim, iniciou-se o processo feminino pelo reconhecimento da sua
cidadania, bem como da participação nas definições de políticas públicas, gerando assim a
reconstrução do papel social da mulher nas sociedades modernas. No Brasil, a Lei 12.034 de
2009 configura um importante passo da abertura à participação política mais efetiva das
mulheres, principalmente ao contribuir para o fortalecimento dos movimentos feministas e
incentivar candidaturas das mulheres.
O governo, no executar de suas funções, deve romper com a cultura e a lógica que tratam
as mulheres como seres inferiores e que as desqualificam para o exercício de determinadas
funções ou as qualificam para o exercício de funções específicas e tidas, historicamente, como
funções típicas da mulher. O reconhecimento da igualdade, a atuação ao lado dos movimentos
sociais, a elaboração e execução de políticas que visam a emancipação e empoderamento das
mulheres contribuem para o aprofundamento da democracia.
O Código Civil brasileiro traz importantes alterações em seu texto, principalmente no que
tange aos direitos da família. No sentido de contribuir para a igualdade de gênero, o texto
deixa de fazer referência ao “homem” e se refere à “pessoa”. Além disso, exclui a
possibilidade do pai deserdar a filha em caso de defloração da sua virgindade, determina a
igualdade entre esposos e esposas em relação às responsabilidades no casamento, redefine o
conceito de família, tornando-o mais amplo e reconhecendo as unidades familiares formadas
por casamento, união estável ou família monoparental, altera para a possibilidade do
responsável com melhores condições ficar com a guarda dos filhos e, não mais, a mãe apenas,
entre outras mudanças. Essas medidas representam alterações importantes rumo a políticas
mais igualitárias entre homens e mulheres, não esgotando ainda a necessidade de continuar
caminhando em busca de leis e políticas em prol da igualdade de gênero.
No que tange ao aspecto da participação política das mulheres, o Brasil avançou quando
aprovou a Lei nº 12.340/09 que determina parcela mínima de composição das listas
partidárias, porém retrocedeu quando a Câmara dos Deputados rejeitou a Reforma Política
feminina (PEC 182/07, do Senado) que garantiria cota para as mulheres de forma progressiva
(10%, 12% e 15%) nas próximas três legislaturas nas câmaras de vereadores, assembleias
legislativas estaduais, Câmara dos Deputados e na Câmara Legislativa do Distrito Federal.
Dessa forma, fica exposto que o baixo percentual de mulheres na política brasileira reflete a
estrutura ainda arraigada pela cultura patriarcal, machista e que torna ainda mais difícil a
participação das mulheres no poder público.
Há ainda um longo caminho a ser percorrido para que haja pleno reconhecimento dos
direitos da mulher, bem como do reconhecimento do seu papel como cidadã. Historicamente,
as mulheres foram julgadas como incapazes, principalmente no âmbito da participação
política. Porém, as mulheres fizeram parte efetivamente da construção da sociedade, sendo,
portanto, um direito fundamental seu reconhecimento e a abertura maior do espaço político
para sua representação, reconhecimento da sua cidadania e participação.
Notas
¹ Bacharela em Gestão Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais.
² Graduando em Administração Pública na Universidade Federal de Alagoas – Campus Arapiraca – AL.
11
³A expressão empowerment conota capacitação, fortalecimento do status das mulheres, assim como, maior participação no
poder, público e privado.
Referências Bibliográficas
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Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.
HELD, David. Cidadania e Autonomia. Perspectivas, v.22, São Paulo: UNESP, 1999, p.
201-231.
MARSHALL, Theodor H. Cidadania, classe social e status.
Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1967.
LAVALLE, Adrian Gurza. Cidadania, igualdade e diferença. Lua Nova, São Paulo, n.59, p.
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LOPES, Aline Luciane. A mulher e a construção da cidadania na perspectiva dos direitos
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PINSKY, Jaime; PINSKY, Carla Bassanezi, (orgs.) História da cidadania, 2a ed., São
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TSE – Tribunal Superior Eleitoral. <
http://www.tse.jus.br/ > Acesso em 10/07/2015, às
14:30.
12
WANJMAN, Simone; PAIVA, Paulo de Tarso Almeida. Das causas às consequências
econômicas da transição demográfica no Brasil. Revista Brasileira de Estudos da
População, 22, 2: 3030-322. 2005.
13
Avaliação de Políticas Públicas: Instrumento imprescindível para
dimensionar a viabilidade de programas e projetos públicos.
Renata Dias Costa Sá (UFBA)
Elizabeth Matos Ribeiro (UFBA)
RESUMO
Embora se observe um crescente reconhecimento por parte do governo da importância da
prática de avaliação como um importante instrumento de gestão e gerência, pois favorece
conhecer, compreender, aperfeiçoar e (re)orientar ações que visam o aperfeiçoamento ou
realinhamento das ações do Governo, a administração pública brasileira ainda revela posturas
conservadoras em relação a tais práticas. Tal comportamento se torna mais evidente quando
se observa uma grande dificuldade em se utilizar a avaliação como instrumento (re)orientador
das ações administrativas, seja no âmbito do governo federal, estadual e principalmente na
esfera municipal. Essa constatação permite antecipar uma conclusão do estudo de que as
diversas instâncias governamentais brasileiras têm perdido a oportunidade de utilizar a
avaliação como um importante instrumento de aprendizagem de novas práticas
administrativas.
1. INTRODUÇÃO
Enquanto área do conhecimento, políticas públicas nasce nos EUA, como subárea da ciência
política com ênfase nos estudos sobre as ações dos governos nos anos 50 e chega à
comunidade acadêmica européia duas décadas depois (SOUZA, 2006).
As políticas públicas brasileiras que eram promovidas pelo Estado até o início da década de
80 do século passado caracterizavam-se pelo processo decisório e capacidade de
financiamento centralizado nas mãos do Estado, reflexo dos padrões de administração pública
concebido em Vargas e concluído pelos militares. Neste contexto, cabia aos Estados e
Municípios apenas a execução das políticas formuladas pelo governo central. A articulação
entre governos estaduais, municipais e governo federal se estabelecia com base na troca de
favores de cunho clientelista, fundamentado na chamada política dos governadores. O
atendimento das demandas e necessidades da sociedade era controlado pelo governo federal
deixando as esferas regionais e locais totalmente subordinadas às prioridades e decisões da
União.
As políticas públicas neste período se caracterizavam pela fragmentação institucional e, esse
crescimento desordenado do aparato estatal acabou gerando uma sobreposição de agências
governamentais que passou a funcionar sem a devida coordenação e acabaram dificultando o
desenvolvimento de ações administrativas articuladas e integradas entre si. Tal deformação
acabou implicando, por um lado, limitações no alcance da eficácia das políticas, por outro,
provocou o afastamento da sociedade civil do processo de formulação e implementação de
políticas públicas. Desta forma, o processo decisório revelava o predomínio do clientelismo,
do corporativismo e do insulamento burocrático.
Mas cabe ressaltar que ao longo dos últimos vinte anos, após a promulgação da Constituição
Federal de 1988 e a consolidação do processo democrático, o Estado brasileiro vem passando
por transformações que tendem a redirecionar a forma de conceber e gerir políticas públicas.
Essas mudanças estão centradas no esforço governamental e também social de se implementar
um modelo de gestão pública pautado nos princípios constitucionais que fundamentam a
democracia, especialmente os que fomentam a criação e consolidação de instrumentos de co-
gestão ou co-produção das políticas públicas. Observam-se, portanto, evidências de esforços
empreendidos no sentido de avançar no aprimoramento da relação entre os atores sociais e
institucionais em âmbito nacional, regional e local. Ao lado desta preocupação em se
implantar processos de democratização e garantia da equidade social, foram incorporadas na
agenda pública, a partir da reforma gerencial do Estado (de 1995) preocupações com o
alcance de indicadores melhores de eficiência, eficácia e efetividade das políticas.
É neste contexto, portanto, que o debate acerca da avaliação de políticas públicas ganha
relevância e passa a assumir a avaliação como um instrumento imprescindível para
dimensionar a viabilidade de programas, projetos e ações, a partir da capacidade de não medir
desempenho, mas principalmente de possibilitar caminhos alternativos para a reformulação
e/ou redirecionamento dos objetivos das ações governamentais.
Para Dye (2005), avaliar políticas inclui: estudar os programas; relatar os ouputs dos
programas governamentais; avaliar os impactos dos programas sobre os grupos-alvo e sobre
os outros grupos, e propor mudanças e ajustes.
Essa prática apesar de ter assumido lugar de destaque nos discursos e planos de governos tem
se revelado, ainda, bastante incipiente, em especial quando focaliza a avaliação de
desempenho, resultados e impactos de políticas, programas, projetos e ações públicas.
Nesta direção, Frey (1996, p. 219) acrescenta que “as disputas políticas e as relações das
forças de poder sempre deixarão suas marcas nos programas e projetos desenvolvidos e
implementados”.
Neste contexto, destacam-se dois fatores que têm exercido grande influência na
implementação dos programas públicos no Brasil: (a) as fortes assimetrias que tem marcado
historicamente o padrão do federalismo nacional; e (b) as limitações do recente processo de
consolidação da democracia (ARRETCHE, 2007).
Cabe acrescentar a esses dois fatores o fato de que as políticas públicas sofrem fortes, e
muitas vezes nefastas influências da fragilidade e incongruências do sistema político
(sistemas de partidos) vigente no país. Os fatores partidários tem exercido, nesses casos, um
papel negativo, pois exercem influência perversa nas relações entre os grupos de interesses
locais. Tal cenário tem comprometido negativamente os resultados e efeitos advindos das
políticas públicas implementadas em âmbito local e regional.
Mattos e Baptista (Op. Cit.) destacam que, embora a avaliação seja apontada no ciclo da
política como uma fase específica, nos modelos que adotam esta perspectiva, ela é utilizada
como um instrumento de apoio a tomada de decisões nas diversas fases do ciclo. Ou seja, os
autores ressaltam que a mesma não se restringe à avaliação de resultados da política, nem
tampouco à etapa final do processo.
Spink (2001, p. 07), por sua vez, discute a avaliação de programas, projetos e atividades, não
como prática científica ou técnica, mas enquanto prática social, afirmando que “(...) se
avaliação é a atribuição de valor: quem deve atribuir valor? Ou, visto na ótica das avaliações
que encontramos nas agências de desenvolvimento e nos financiadores de projetos: o valor
que está sendo atribuído é o valor de quem?”
Para o autor, todo projeto, programa ou atividade que visa contribuir, melhorar ou alterar uma
situação existente é, por definição, um conjunto de ações não estático que intervêm num
processo social contínuo e situado historicamente. Acrescenta que “a avaliação precisa ser
entendida não como auditoria ou cobrança, mas, antes de qualquer coisa, como uma parte
integral da construção cotidiana da democracia” (Ibidem, p. 13).
Para Dye (2005), avaliar políticas inclui: estudar os programas; relatar os ouputs dos
programas governamentais; avaliar os impactos dos programas sobre os grupos-alvo e sobre
os outros grupos, e propor mudanças e ajustes.
A busca pela modernização da gestão pública reforçou o valor da avaliação enquanto etapa
final do ciclo de projetos e programas. No entanto, embora a avaliação esteja atualmente
reconhecida pela administração pública brasileira, o seu uso, em virtude da visão
gerencialista, ainda é muito restrito, conforme destaca Boullosa (Op. Cit.).
A autora argumenta ainda que, embora o processo de avaliação tenha sido muito difundido no
Brasil, ainda não se observa uma cultura de avaliação consolidada e integrada. Avalia-se,
segundo Boullosa, porque se sabe que deve, mas na maioria das vezes não se sabe bem o
porquê, distanciando-a dos processos de aprendizagem que incluem intervenção social,
sobretudo, quando são promovidos pelo Estado. Neste sentido, corrobora Fischer (2002, p.
158) que:
É difícil precisar a tradição da avaliação de projetos no Brasil,
mas suspeita-se haver uma fraca cultura de avaliação, onde:
(a) raramente os projetos sociais do setor público são
concebidos de forma a tornar a sua avaliação exequível; (b)
tais projetos tendem a ser avaliados em termos de indicadores
de processo que se referem à cobertura do projeto, como por
exemplo, número de escolas construídas etc. e não em termos
do seu impacto, como por exemplo o índice de erradicação da
alfabetização; ou de resultados de longo prazo como a
diminuição da pobreza, etc; e (c) há uma tradição das
organizações do setor público (e privado) brasileiros de não se
auto avaliarem, sendo a norma simplesmente sobrepor novos
projetos para tratar de problemas recorrentes. Talvez o
conceito que melhor expresse tal realidade seja o de
“esquecimento organizacional” em lugar de aprendizagem.
Especialmente o esquecimento por meio de desassociação ou
desorientação, ou seja a perda de continuidade com o passado
e com o futuro, onde as ações são desligadas de suas
consequências.
Os conceitos formulados pelos autores Scriven (1967), Patton (1998), Weiss (1998) e
Boullosa (2007) consideram que em toda avaliação emite-se um juízo de valor. Neste sentido,
Boullosa (Op. Cit., p. 112) acrescenta que:
Ainda neste sentido, Arretche (1998) contribui ao esclarecer que, devido ao fato de que todo
processo de avaliação envolve necessariamente um julgamento, uma atribuição de valor, uma
medida de aprovação ou desaprovação a uma política ou programa, bem como uma análise da
mesma com base numa certa concepção de justiça, não existe possibilidade de que uma
avaliação ou análise de políticas públicas seja apenas instrumental ou técnica, devido ao forte
envolvimento entre atores e interesses.
Entende-se, desta forma, que em termos de definição de avaliação não existe um consenso.
No entanto, observa-se que existe um consenso em relação ao julgamento na avaliação, ou
seja, a atribuição de valores deve ser pautada em critérios legítimos e válidos, assim como se
deve explicitar, de forma clara, os critérios e parâmetros utilizados na emissão de julgamento.
Além disso, não se pode desprezar o caráter político da avaliação, tornando-a muitas vezes
uma ferramenta gerencial. Neste contexto, Faria (2005, p. 98) corrobora quando observa que
“nos debates e nos estudos correlatos mais recentes a prevalência de um viés normativo e/ou
uma priorização dos aspectos mais técnicos da avaliação das políticas públicas, bem como
uma ênfase em seu papel de instrumento gerencial”.
Avaliar é na verdade uma atividade intrínseca ao ser humano, portanto, a avaliação é uma
atividade carregada de subjetividade, relacionada tanto ao campo da decisão, quanto ao
campo da aprendizagem individual e social. O propósito da avaliação é guiar os tomadores de
decisão para a continuidade, necessidade de correções ou até mesmo suspensão de uma
determinada política ou programa.
Neste contexto, destacam-se dois fatores que têm exercido grande influência na
implementação dos programas públicos no Brasil: (a) as fortes assimetrias que tem marcado
historicamente o padrão do federalismo nacional; e (b) as limitações do recente processo de
consolidação da democracia (ARRETCHE, 2007).
Cabe acrescentar a esses dois fatores o fato de que as políticas públicas sofrem fortes, e
muitas vezes nefastas influências da fragilidade e incongruências do sistema político
(sistemas de partidos) vigente no país. Os fatores partidários tem exercido, nesses casos, um
papel negativo, pois exercem influência perversa nas relações entre os grupos de interesses
locais. Tal cenário tem comprometido negativamente os resultados e efeitos advindos das
políticas públicas implementadas em âmbito local e regional.
Mattos e Baptista (Op. Cit.) consideram que a avaliação tanto pode ser resultado direto da
aplicação de critérios e normas bem definidos, como pode ser elaborada a partir de um
procedimento científico, neste caso, caracterizando-se como uma pesquisa. Desta forma,
entende-se a avaliação como uma ferramenta de pesquisa, que atende aos critérios de
sistematização e planejamento, com vistas a possibilitar dados e informações de forma
confiável. Avaliar projetos consiste, ainda, em verificar, de forma sistemática, se um
programa está operando em conformidade com o seu planejamento. Nesse sentido, afirma
Fischer (Op. Cit., p. 229) que:
De modo geral, distinguem-se quatro tipos de avaliação, conforme afirma Cavalcanti (2010):
Ø Avaliação ex-ante
Este tipo de avaliação investiga em que medida o programa atinge os resultados esperados
pelos formuladores no plano de implementação ou após a sua conclusão, e pode ser agrupada
nas modalidades de resultados esperados e resultados não esperados a partir da análise de
objetivos, impactos e resultados. Segundo Mattos e Baptista (Op. Cit., p. 157):
Neste caso, Cavalcanti (Op. Cit.) destaca que quando independente de sua modalidade a
variável “resultados” ganha destaque no processo de avaliação, faz-se necessário responder a
algumas indagações. A Universidade de Campinas apud Cavalcanti (Op. Cit., p. 43) destaca
alguns exemplos:
Na avaliação de resultados com foco nos impactos são abordados os efeitos de uma interven-
ção ou programa de mais longo prazo. Além disso, o impacto não pode ser atribuído, de forma
exclusiva, a uma única intervenção, mesmo que se busque na avaliação de impacto identificar
qual foi à proporção da intervenção ou programa avaliado para obter-se o impacto na popula-
ção geral. Nesse sentido, Mattos e Baptista (Op. Cit., p. 192-193) destacam que:
Vale destacar que as avaliações ex-post, conforme observam os já citados autores (Op. Cit., p.
154), “são aquelas que ocorrem concomitantemente ou após a implementação da política e se
distinguem, quanto à natureza, em avaliação de processo e avaliação de resultados”.
Ø Avaliação de Resultados
Ø Monitoramento
Estrella e Gaventa (1998) apud Fischer (2002, p. 165) recomendam os seguintes passos para a
avaliação participativa “(i) planejamento, (ii) coleta de dados; (iii) análise de dados e (iv)
documentação, relato e compartilhamento da informação gerada pela avaliação”.
a) Eficiência: termo com origem nas Ciências Econômicas que significa a menor relação
custo/benefício possível para o alcance dos objetivos estabelecidos no programa;
b) Eficácia: medida do grau em que o programa cumpre os seus objetivos e metas;
c) Impacto (ou efetividade): indica se o programa tem efeitos (positivos) no ambiente externo
em que ele interveio, em termos técnicos, econômicos, socioculturais, institucionais e
ambientais;
d) Sustentabilidade: mede a capacidade de continuidade dos efeitos positivos desejados, após
o seu término;
e) Análise custo-efetividade: similar à ideia de custo de oportunidade e ao conceito de
pertinência, comparando formas alternativas para ser selecionada aquela atividade/projeto que
atenda àqueles objetivos ao menor custo;
f) Satisfação do beneficiário: avalia a atitude do beneficiário em questão à qualidade do
atendimento que está recebendo do programa;
g) Equidade: busca avaliar o grau em que os benefícios de um programa estão sendo dis-
tribuídos de maneira justa e compatível com as necessidades do usuário.
A avaliação democrática deve ser entendida, pois, como ação a favor de uma cidadania que
inclui todos, gestores de projetos e avaliadores. Sua prática foi influenciada pela pesquisa-
ação enquanto processo colaborativo de investigação e ação, pela mobilização social e
pesquisa participante, pela avaliação participativa, educação popular e pela teoria e ação
dialógica de Paulo Freire.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entende-se que as considerações advindas deste trabalho podem ser vistas como o início de
um leque de possibilidades para outros estudos que envolvam o campo da avaliação de
políticas públicas, de forma a contribuir com a construção de metodologias que favoreçam a
análise da eficiência, eficácia ou efetividade de programas públicos.
REFERÊNCIAS
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64, jun. 2007, p. 147-151.
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2006.
SPINK, P. Parcerias e avanços com organizações não estatais. In: SPINK, P.; CACCIA
BAVA, S.; PAULICS, U. (Org.). Novos contornos da gestão local: conceitos em construção.
São Paulo: Polis/Fundação Getúlio Vargas, 2001, p. 141-175.
RESUMO
A partir da atividade como representante gestor da Universidade Federal de Mato
Grosso no Conselho Distrital de Saúde Indígena de Cuiabá - MT observamos que o
processo decisório se dá em meio a árdua disputa entre os direitos constitucionais, a
autonomia e a autodeterminação preconizada na Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas (UNESC0, 2007) no contexto neoliberal da gestão do
subsistema de saúde indígena no SUS (BRASIL, 1999; 2002; 2003; 2012). As medidas
contraditórias adotadas na gestão da saúde indígena limitam o acesso dos povos
indígenas aos serviços de saúde nas aldeias e municípios, a adequação das ações de
saúde às diferenças culturais e a participação indígena nas decisões que os afetam. Esses
limitantes são agravados pela falta de comprometimento das administrações públicas
estaduais e municipais com os princípios organizacionais do sistema universalista de
saúde vigente dificultando a sobrevivência nos territórios indígenas (WEISS e
BORDIN, 2013). As contradições no campo político e institucional da gestão do
subsistema de atenção à saúde indígena geram descontentamento e desconfiança entre
os usuários e profissionais de saúde, a adequação da organização dos distritos sanitários
implica no seu serviço à cidadania e emancipação dos povos indígenas.
1
1. INTRODUÇÃO
2
3
4
5
6
7
8
9
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
10
11
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
12
CIMI. Conselho Indigenista Missionário. Dossiê Saúde Indígena: O que você precisa
saber sobre a privatização da Saúde Indígena no Brasil. Disponível em:
https://dossiesaude.wordpress.com/ <acessado em 25/05/2015.>
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OLIVEIRA, J. P. (org.) Sociedades Indígenas e Indigenismo no Brasil. Rio de
Janeiro:UFRJ/Marco Zero, 1987. p.149-204
13
14
i
Para Boaventura Santos (1997), as lutas mais importantes nos países centrais, ou mesmo periféricos e
semi-periféricos foram protagonizadas por grupos sociais congregados por identidades não diretamente
classistas (estudantes, mulheres, etnias, pacifistas, ecologistas, etc.) colocando em questionamento a
primazia explicativa das classes (pág. 39-42).
ii
Para Boaventura Santos (2009) nas condições para uma interculturalidade progressista compete à
hermenêutica diatópica transformar os Direitos Humanos numa política cosmopolita que ligue, em rede,
línguas diferentes de emancipação pessoal e social e as torne mutuamente inteligíveis e traduzíveis.
iii
Conforme resolução Nº. 304, de 09 de agosto de 2000 o Conselho Nacional de Saúde adota o termo
povos com organizações e identidades próprias, em virtude da consciência de sua continuidade histórica
como sociedades pré-colombianas, e conforme recomendação daConvenção 107 (OIT, 1989)
iv
Projeto de Pesquisa Avaliação das estratégicas loco-regionais de articulação entre os níveis de cuidado
à saúde: estudo de múltiplos casos nos estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Pernambuco
financiado pelo CNPq sob a coordenação da Profª. Drª. Maria Ceci Araujo Misoczky. No Mato Grosso o
estudo de casos foi realizado noPólo-Base Rondonópolis (VARGAS e col., 2010; FAGUNDES e WEISS,
2011) e no Polo Base Tangará da Serra (CINTRA e col., 2012). No período de 2008-2011 foi
desenvolvido o mesmo modelo de estudo financiado pelo CNPq nos Polos-Base Cuiabá, Brasnorte,
Sapezal e Chiquitano (WEISS e col., 2011)
v
Sumak Kawsay (Quéchua, no Equador) – “Bom Viver” ou Suma Qamaña (Aimara, na Bolívia) – “Viver
Bem” (Dávalos, 2005 e 2012;Misoczky, 2010)
15
A Informalidade no Mercado de Trabalho Brasileiro: Uma análise da
realidade do trabalho no município de Campina Grande-PB
RESUMO
1. Introdução
Formada em sua maioria pelos pequenos negócios, como será visto nos itens a seguir,
os incluídos na economia informal possuem diversas razões para recorrer à informalidade.
Decorrente disto questiona-se: Em relação à informalidade qual é a realidade do trabalho no
município de Campina Grande-PB ? Este trabalho tem como objetivo analisar a realidade do
trabalho informal no município de Campina Grande-PB
O artigo está estruturado da seguinte forma: será feito a seguir um resgate histórico e
conceitual do tema em foco. Em seguida serão apresentados os procedimentos metodológicos.
Por fim, a análise e descrição dos resultados.
2. Fundamentação Teórica
2.1 Relações de Trabalho
A divisão de trabalho traz consigo, uma separação entre trabalho intelectual e manual,
culminando, de acordo com Ferreira Junior (2008) na “elitização dos conhecimentos de
produção, que ficam restritos aos dirigentes das organizações”. A elitização e privatização do
conhecimento intelectual, bem como toda a produção, torna-se mais organizado com o
surgimento da propriedade privada e do Estado, criando uma sociedade estratificada, onde
uma classe detinha os meios de produção e a outra não detinha.
No contexto brasileiro, a abertura comercial promovida por Collor em 1990, deu início
a processos de reestruturação produtiva trazendo grandes mudanças estruturais.
Paralelamente, duas transformações ocorreram no que tange o funcionamento do mercado de
trabalho: a) os regimes de trabalho são flexibilizados; e b) o sistema de proteção ao trabalho é
desregulamentado, trazendo riscos à garantia de direitos dos trabalhadores. Em sintonia com
os objetivos do capitalismo contemporâneo, a flexibilização do trabalho está aliada a
precarização dos direitos sociais e trabalhistas.
Esse processo teve início com as mudanças estruturais inseridas no sistema capitalista,
antes centrado no capital industrial e agora focado em um sistema de produção de capital mais
flexível, como o mercado financeiro.
No que diz respeito ao Brasil, as mudanças mais significativas ocorreram a partir dos
anos de 1990, em especial com a vigência dos governos de Fernando Collor de Melo e
Fernando Henrique Cardoso, período no qual a economia do país passou pela abertura
comercial - rompendo com a política de substituição de importações. Essa nova política, de
adaptação competitiva ao mercado global deu início a processos generalizados de
reestruturação produtiva dentro das empresas. O fechamento de fabricas, enxugamento de
plantas, redução de hierarquias, concentração de produção nas áreas ou produtos de maior
retorno, terceirização, entre outros, apareceram como estratégia para à sobrevivência das
organizações. Resultando em um fenômeno de demissão em massa nunca antes visto na
história da industrialização brasileira (COSTA, 2005).
Uma das principais razões para a informalidade surge com desacordo entre as
exigências do mercado de trabalho e as condições de qualificação, de disciplina e de hábitos
de parte substancial da mão de obra. Pode surgir também com a dificuldade do mercado de
mão de obra de encontrar um emprego formal, ou quando encontrado, gera-se insatisfação
quanto aos salários baixos e falta de planos de carreira. Mas, ainda que a entrada na
informalidade seja voluntária ou não, muitas vezes, as pessoas escolhem permanecer na
informalidade como forma de vida. Explicando esse fenômeno, Menezes & Dedecca (2012)
afirmam que
Apesar de seus pontos fracos, a informalidade tem seus benefícios. Segundo Asea
(1996, apud RIBEIRO e BUGARIN), a economia informal pode levar o mercado a uma
maior competitividade, trazendo maior eficiência e delineando limite à ação do governo,
adicionando dinamismo e espirito empresarial à economia. Sendo acrescido do ponto de vista
de Schneider e Enste (2000, apud RIBEIRO e BUGARIN) que a partir de seus estudos
sugerem que cerca de 66% da renda gerada no setor informal do trabalho é empregada no
setor formal, beneficiando o crescimento econômico e a receita arrecadada com os impostos
indiretos.
3. Aspectos Metodológicos
Diante do exposto, o que se pretende com este artigo é utilizar os dados como
contraponto, tendo como base uma comparação em relação aos resultados nacionais com os
resultados apresentados no município de Campina Grande-PB, foco deste estudo. Assim, a
informalidade é discutida a partir de alguns indicadores objetivos. Longe de se pretender
esgotar o debate sobre o tema, antes se pretende aqui iniciar uma discussão à luz da
administração política.
4. Resultados e Discussões
4.1. Caracterização e IDHM de Campina Grande-PB
Segundo o último Censo Demográfico, Campina Grande, situada no estado da Paraíba,
tinha em 2010, cerca de 385.213 habitantes, sendo: 182.205 homens (47,30%) e 203.008
mulheres (52,70%).
Campina Grande ocupa a 1301ª posição entre os 5.565 municípios brasileiros segundo o
IDHM. Nesse ranking, em nível Brasil, o maior IDHM é o de São Caetano do Sul, situado no
estado São Paulo, com índice de 0,862 e o menor é de Melgaço, situado no estado do Pará,
com índice de 0,418. Quanto em nível estadual, Campina Grande-PB ocupa a 3ª posição,
ficando atrás apenas de João Pessoa (0,763) e Cabedelo (0,727).
4.2. Trabalho
Portanto, ao analisar esses dados pode-se afirmar que no município de Campina Grande
há um excedente de mão-de-obra com baixo nível de qualificação, o que pode expor grande
parte desta população ativa a situações de trabalho precário, como dito anteriormente, quando
não o desemprego. O trabalhador que não tem sua carteira assinada fica privado de benefícios
como Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seguro-desemprego, abono salarial,
auxílio-doença, auxílio-acidente de trabalho, salário maternidade e aposentadoria.
Não se pode negar que a realidade dos trabalhadores campinenses, muitas vezes sem
qualificação e com a impossibilidade de encontrar empregos ou com a expectativa de salários
baixos no mercado formal contribua para a migração de muitos campinenses para a
informalidade.
4.3. Educação
Outro fator que pode contribuir para a ascensão da economia informal no município é o
de Vulnerabilidade Social.
Gráfico 7: Vulnerabilidade – Educação, Trabalho e Renda
5. Considerações Finais
Neste artigo buscou-se discutir sobre os possíveis motivos que contribuem para o alto
grau de informalidade na economia de Campina Grande. A vinculação com variáveis a
exemplo de escolaridade, nível de renda, é importante. Embora os dados demonstrem que o
município segue uma tendência nacional, a perspectiva de criação de uma estratégia própria
de desenvolvimento passa pelo enfrentamento deste problema.
Compreende-se também que a força de trabalho que caracteriza o mercado informal no
estado da Paraíba, em especial no município de Campina Grande, não consegue manter um
processo de qualificação exigida pela nova ordem técnica e organizacional.
Dessa forma, essas pessoas ficam expostas a uma precariedade da relação de trabalho,
podendo a enfrentar graves problemas econômicos no final de suas vidas profissionais, já que
não serão cobertos pelo sistema de previdência social. Com o aumento dos mecanismos de
acomodação de grande parte dos trabalhadores, facilitarão a instalação de empresas que estão
em busca de mão de obra não qualificada o que enfraquece ainda mais o mercado local.
A redução dos malefícios deve advir de políticas públicas adequadas, políticas que
objetivem melhorar a condição produtiva das pessoas e auxiliem a proporcionar um mais
elevado nível de bem-estar da população como um todo, contribuindo assim para um
desenvolvimento local mais eficiente.
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Brasil. Mestrado em Economia do Setor Público. Universidade de Brasília, 2000
A História Avança em Marcha Ré: empreendedorismo e suas consequências no Brasil
Resumo
Parte integrante da reestruturação produtiva e do projeto neoliberal, o empreendedorismo se
expandiu no Brasil, sob impulso das condições de emprego, dos PDVs e do próprio Estado. Os
sites privados e públicos o colocam como fator de desenvolvimento e o descrevem como
elemento estratégico da economia contemporânea. Exageros à parte, dados do IBGE informam
que seu crescimento entre nós, brasileiros, nos situa em primeiro lugar em lançamentos de
novos pequenos negócios, ainda que também estejamos entre os primeiros em mortalidade
desses empreendimentos. Em sua versão atual, um tanto diferente do conceito schumpeteriano,
o empreendedorismo, sua mensagem do “patrão de si mesmo” e suas expectativas de
rendimento, tem alcançado segmentos das camadas de renda média e baixa, dentre eles
trabalhadores, empregados assalariados ou não. O objetivo deste artigo é fazer uma análise
crítica deste fenômeno que cada vez mais se expande, se não concretamente, ao menos em
dimensão ideológica, alcançando o imaginário social tanto de setores precarizados,
trabalhadores informais e desempregados, como trabalhadores formais. Para alcançar este
objetivo, realizamos pesquisas bibliográfica e documental, melhor identificando a dimensão
ideológica e material do fenômeno nos dias atuais.
Introdução
Empreendedorismo em dados
Esses dados mostram, mais uma vez, que o público-alvo do empreendedorismo são os
setores mais fragilizados da sociedade, com baixos níveis de escolaridade e baixos níveis de
rendimento. O fato de não terem empregados em sua maioria demonstra que esses supostos
empreendedores são, na verdade, trabalhadores por conta própria, autônomos, com todas as
dificuldades e instabilidades que isso gera: não possibilidade de férias, dado que o baixo
rendimento e a falta de empregados não lhes permite ficar um mês sem trabalhar; falta de
direitos trabalhistas e previdenciários, etc. Esse fenômeno também se confirma pelo fato de que
84,6% dos “empreendedores” não buscam auxílio de órgãos de apoio, como SENAC,
SEBRAE e SENAI (GEM, 2013). Lembremos que a maioria não tem ensino médio completo.
Essa mesma pesquisa traz um item intitulado “mentalidade empreendedora”, que nos
parece interessante porque nos ajuda a identificar o grau de aderência da ideologia do
empreendedorismo em nosso país. A tabela abaixo traz os resultados percentuais da percepção
da população brasileira de 18 a 64 anos, em 2013.
Chama atenção o último item – 83% da população entre 18 e 64 anos afirmam ver
“frequentemente na mídia histórias sobre novos negócios bem sucedidos”. O papel da mídia na
criação do imaginário do empresário é central. Aquilo de ilustramos acima com a revista Veja é
reproduzido por inúmeros meios de comunicação, principalmente da mídia televisiva e
impressa. Dias e Wetzel (2010) analisam as publicações relacionadas ao tema
“empreendedorismo” da Revista Exame entre os anos de 1990 e 1999. Elas concluem que
Referências Bibliográficas
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https://blogstarta.wordpress.com/2009/05/20/a-universidade-brasileira-e-inovadora/
Mães Puérperas: o conflito entre a carreira profissional e a maternidade
Arianne Ribeiro de Oliveira (UFF)
Layana Nogueira Teixeira (UFF)
Rafaela Perlingueiro Nunes Neto (UFF)
Carlyle Falcão Oliveira (UFF)
Resumo
Este artigo tem como foco as mães com filhos até dois anos de idade, conhecidas como mães
puérperas, e os conflitos que emergem entre maternidade e trabalho. Este tema, pouco
abordado na literatura da Administração, pretende abrir uma agenda para reflexões práticas e
acadêmicas, afim de se discutir sobre propostas que conciliem carreira profissional e
maternidade integral. Por meio da pesquisa bibliográfica é apresentado um panorama sobre a
relevância da maternidade na sociedade e a evolução do papel das mulheres enquanto mães e
profissionais, além de sua luta para se inserirem no mercado de trabalho. A pesquisa empírica,
de base qualitativa e quantitativa, contou com o depoimento de 118 mães puérperas e buscou
identificar conflitos entre maternidade e trabalho, assim como os sentimentos da mãe em
relação aos dilemas familiares e profissionais. Os resultados são apresentados mesclando-se
dados quantitativos com trechos de narrativas que mostram esta realidade conflituosa pouco
conhecida para a maioria dos gestores e da sociedade brasileira.
Abstract:
This article focuses on mothers with children up to the age of two years old, known as
postnatal mothers, and the conflicts that emerge between motherhood and job. This topic is
not discussed in Management's literature and it plans to open an agenda for practical and
academic reflections, in order to discuss proposals to reconcile career and motherhood.
Through the literature is presented an overview of the importance of motherhood in society
and the changing role of women as mothers and professionals, and their struggle to be
inserted in the labor market. The empirical research, bases on qualitative and quantitative
method, relied on the testimony of 118 postnatal mothers which tried to identify conflicts
between motherhood and work, as well as the mother's feelings towards family and
professional dilemmas. The results are presented mingling quantitative data with narrative
passages which show that this conflicting reality is little known to most managers and
Brazilian society.
Introdução
A luta feminina pela igualdade de direitos entre gêneros não é recente. Desde o século
passado houve muitas conquistas, como por exemplo, a participação crescente das mulheres
no mercado de trabalho.
Uma pesquisa do IBGE realizada entre 2003 e 2008 aponta que o Brasil ainda está
longe de atingir a igualdade: dos gêneros, a desocupação é maior e os salários inferiores entre
as mulheres, mesmo apresentando maior grau de escolaridade que os homens. Nos maiores
níveis de escolaridade, essa diferença ainda é maior, pois os salários das mulheres, com nível
superior, são 40% menores.
Essa pesquisa, no entanto, não aborda um fator crucial na vida de muitas mulheres: a
maternidade. Quantas das mulheres no mercado de trabalho são mães? Quantas fora dele?
Qual é a visão e o posicionamento das organizações frente à maternidade? A falta de
informações, nesse sentido, demonstra ainda pouco interesse no assunto, que é essencial para
entender e melhorar as condições de trabalho para as mulheres.
Esse é um grande problema contemporâneo para as mulheres: como integrar a
maternidade em suas vidas, sem abdicar de suas outras atividades e/ou estreitar suas ambições
profissionais e, ainda por cima, lutar contra a desigualdade no trabalho?
O foco deste trabalho são essas mulheres, mães puérperas, que desejam realizar
mudanças profundas nas suas vidas e o objetivo é proporcionar uma agenda para reflexões
práticas e acadêmicas, afim de refletir sobre propostas que conciliem carreira profissional e
maternidade integral.
Maternidade e sociedade
Cuidar de crianças é fundamental para a continuidade das próprias sociedades, sendo
portanto um relevante trabalho social, além de gratificante, para o instinto humano, a função
de gerar filhos. Porém, a igualdade de direitos e deveres entre os gêneros, preconizado pelo
discurso da modernidade, não leva em conta as disparidades em relação aos papéis sociais de
homens e mulheres, haja vista as diferenças biológicas entre os sexos, como é o caso da
maternidade (COUTINHO, 2009).
Antes do final do século XVIII, mães e filhos não mantinham uma relação de carinhos,
cuidados e apegos. As amas eram as responsáveis pela atenção e educação às crianças. Mães e
crianças tinham um peso subalterno na sociedade e a maternidade era um fenômeno natural
inerente à mulher. A procriação tinha como a finalidade a continuidade da linhagem familiar e
os cuidados com a herança (EMIDIO e HASHIMOTO, 2008).
Não se pode negar a existência do amor entre mãe e filhos através dos tempos, mas a
partir da Revolução Industrial há uma valorização natural e social do amor materno. Os
Estados industriais passaram a se preocupar com a sobrevivência das crianças como mão de
obra para as fábricas que surgiam. Cria-se o discurso do encontro da felicidade com a
maternidade, com promessas de igualdade e cidadania para as mães que assumissem a
maternidade (EMIDIO e HASHIMOTO, 2008).
Esses discursos de exaltação à natureza materna da mulher, da dedicação aos filhos,
abdicando de si mesma, são corroborados por pesquisas realizadas por Patias e Buaes (2012,
p. 305), que afirmam se configurarem em um discurso socialmente dominante e de identidade
feminina:
A maternidade, no decorrer da história, foi construída através de diferentes discursos
que afirmavam ser essa uma tarefa primordial e essencial à “natureza” da mulher.
Ligada diretamente ao feminino, as representações culturais da maternidade foram
produzidas por práticas discursivas que prescrevem que toda mulher deveria cuidar,
amar, alimentar e dar educação aos filhos, abdicando de si mesma, para cuidar de
outro, totalmente dependente dela. Atualmente, embora a mulher possa ser
reconhecida por sua participação em outros cenários sociais, essas representações
atravessam os depoimentos das entrevistadas, configurando-se como um discurso
social dominante e constitutivo das identidades femininas.
A mudança dessa função social acontece por meio da ascensão da mulher como um ser
que tem desejos e necessidades diferentes ao do papel de mãe. As transformações ocorridas
em relação à sexualidade feminina, vieram a colocar a mulher em posição de reivindicar
outras posições sociais.
Maternidade e trabalho
Conforme Grant (2002), a mulher ascendeu no mercado de trabalho e em suas
atividades intelectuais, passando a ser a senhora da sua vida e se decidindo a casar ou viver
sozinha; a ter filhos ou não; a trabalhar ou a se dedicar à família. Essas mudanças e a
conquista de poder foram facilitadas pelo divórcio, pelos métodos anticoncepcionais, pelas
novas possibilidades de parcerias amorosas, que acabaram por impulsionar a mulher para o
mundo do trabalho.
Nesse novo contexto laboral, a mulher encontra as dificuldades de conciliação dos
papéis da mulher profissional com a mulher doméstica, pois “trabalhar, ser uma profissional
bem sucedida é somar responsabilidades, mais do que isto é, frequentemente, suportar uma
certa medida de conflitos e culpa (GRANT, 2002, p. 1).
O ambiente hostil e a falta de estrutura psicológica para lidar com os conflitos no
ambiente laboral dificultam o processo de retorno ao trabalho, já que, no puerpério, as
mulheres estão sob a intensa ação de hormônios característicos do período, segundo Gutman
(2013, p.53): “com o nascimento da criança, as mulheres se sentem transportadas a um
planeta estranho onde toda a libido foi desviada para os cuidados com o bebê, a lactância, a
disponibilidade física e afetiva e a preocupação cotidiana com o bem-estar do filho”.
A relação entre a separação do bebê e o aleitamento é abordada por Gutman (2013,
p.75): “o desmame é uma experiência relativa à lactância, ao vínculo amoroso, à história e à
experiência de cada mãe e cada bebê, e, portanto, seria ideal que acontecesse o mais
naturalmente possível”.
Oliveira et al (2011) realizaram uma pesquisa bibliográfica para determinar a relação
entre maternidade e trabalho, classificando seus resultados em duas categorias: 1) o impacto
da maternidade no trabalho; e 2) o impacto do trabalho na maternidade.
O impacto da maternidade no trabalho (1) foi subdivido em duas subcategorias: a)
fatores associados ao contexto pessoal e social da mãe; e, b) fatores associados ao próprio
trabalho/organização. No primeiro caso (a), foram identificados quatro variáveis impactantes:
i) idade dos filhos; ii) tempo de afastamento do mercado de trabalho; iii) expectativas e
satisfações da mãe quanto ao trabalho; iv) valores sociais. No segundo caso (b), identificaram-
se três variáveis causadoras de impactos da maternidade no trabalho: i) o regime de trabalho;
ii) o tipo de vínculo empregatício e os benefícios trabalhistas; e, iii) as percepções sobre status
parental e questões de gênero implicadas nas organizações.
Os resultados sobre impacto do trabalho na maternidade (2) também foram agrupados
nas mesmas subcategorias: a) fatores associados ao contexto pessoal e social da mãe; b)
fatores associados ao próprio trabalho/organização. No primeiro caso (a), identificaram-se as
seguintes variáveis impactantes da maternidade no trabalho: i) sentimentos e decisões
maternas; ii) rearranjos familiares. No segundo caso (b), foram identificados também duas
variáveis: i) regime de trabalho; e, ii) qualidade do ambiente de trabalho.
Os resultados encontrados por Oliveira et al (2011) foram sintetizados no Quadro 1.
Quadro1: Impactos maternidade x trabalho
i) idade dos filhos: de forma geral, quanto menor i) sentimentos e decisões maternas: a vivência
a idade do filho, maior a inconstância no que se da maternidade marcada por satisfações e
refere à vida profissional da mulher. dificuldades, estando repleta de recompensas
ii) tempo de afastamento do mercado de trabalho: oriundas dos momentos de envolvimento com
quanto mais tempo uma profissional se mantém os filhos, mas também envolvendo sacrifícios,
afastada do trabalho, menor é a probabilidade de principalmente quanto ao tempo de lazer e de
retomar sua vida profissional; maior também a convivência com a família; a autonomia
probabilidade de rebaixamento na estrutura decorrente da vida profissional foi associada à
hierárquica da organização, assim como reduções decisão de postergar a maternidade.
nas chances de promoção.
iii) expectativas e satisfações da mãe quanto ao ii) rearranjos familiares: muitos rearranjos eram
trabalho: muito importante para a individualidade necessários para dar conta das demandas de
das mães; necessidade de trabalho para cuidados infantis decorrentes do trabalho
populações de menor nível socioeconômico e materno; a satisfação materna acerca dos
obtenção de incentivos governamentais. cuidados infantis realizados pela família
iv) valores sociais: em geral, o ideal materno de proporciona mais tranquilidade às mães, que
dedicação e cuidados integrais, assim como a conseguiam concentrar-se melhor no trabalho, o
designação de que o homem deve ser responsável que por sua vez, aliviaria o estresse e a tensão
pelo sustento do lar, pode levar a mulher a decidir com a família; evidencias da presença de
sobre a interrupção de sua vida profissional em conflitos na família decorrentes do trabalho
prol dos cuidados dos filhos. materno.
Fatores associados ao próprio trabalho/organização
Metodologia
Esta pesquisa, de finalidade exploratória (GIL, 2002; VERGARA, 2006), buscou
aprofundar a discussão dos dilemas das mães puérperas com sua vida profissional. Utilizou-se
a pesquisa bibliográfica para sistematizar as referências teóricas, publicadas em revistas
acadêmicas e meio eletrônico, em que verificou-se a importância da maternidade do ponto de
vista social e o conflito das mães com o mundo do trabalho.
Foi realizada uma pesquisa de campo (GIL, 2002; VERGARA, 2006), com o objetivo
de caracterizar o perfil social, econômico e demográfico de um grupo de mães puérperas,
assim como captar o sentimento dessas mães em relação à profissão e à maternidade. Para
isso utilizaram-se questionários semiestruturados, com perguntas abertas e fechadas.
A pesquisa realizada durante o mês de julho de 2015, quando um grupo de 119 mães
responderam à respeito de sua relação com o retorno ao trabalho após a maternidade.
Investigou-se a relação entre o período de aleitamento exclusivo e o retorno ao trabalho,
buscando entender: as mudanças no foco da carreira e na relação com o trabalho após a
maternidade; os sentimentos surgidos em relação aos filhos no momento da separação do bebê
para o exercício das atividades profissionais; e os arranjos familiares para promover os
cuidados com as crianças que possibilitassem a ausência das mães no lar.
A coleta de dados aconteceu por meio de formulários online, divulgado pela internet
para um grupos de mães nas redes sociais e os resultados foram submetidos à análise de
conteúdo, que permite tanto abordagens quantitativas quanto qualitativas (BARDIN, 2011).
Nesse sentido, buscou-se identificar conflitos entre maternidade e trabalho, assim como os
sentimentos da mãe em relação aos dilemas familiares e profissionais.
Resultados
Sobre a idade do filho no momento do retorno ao trabalho, 28,7% é o percentual de
mães que voltaram a trabalhar antes de seu bebê completar 6 meses de vida.
Das pesquisadas, 91,1% afirmam ter amamentado, sendo que 31,7% relatou ter
iniciado a introdução alimentar antes dos 6 meses preconizado pela Organização Mundial de
Saúde. O retorno ao trabalho foi apontado como motivo para a interrupção ou não aleitamento
exclusivo por 12,9% das pesquisadas.
Relataram ter pedido demissão ou mudaram o foco da carreira, após o nascimento do
filho, 56,4% das participantes da pesquisa. Foram informados como motivo das demissões
voluntárias: diminuição da carga horária para dedicação maior a maternagem; investimento
em formação; busca por maiores salários e estabilidade; e mudança de área de atuação –
sendo expressivo o número de relatos de mães terem passado a se dedicar a negócios voltados
para o universo infantil e também de mães que se tornaram empreendedoras, objetivando estar
mais conectada com seus filhos.
A impossibilidade de conciliar os horários do trabalho com a rotina familiar foi uma
das principais dificuldades relatadas: “Meu trabalho exigia uma flexibilidade e
disponibilidade de tempo que eu não teria com um bebê e sem família por perto, pois nem
creche conseguiria suprir, adicional noturno, finais de semana” (RESPONDENTE 5, 2015).
O conflito, a angústia e o sofrimento de deixar o filho para seguir com a rotina laboral
pode ser percebido em toda sua intensidade nestes três relatos:
Não consigo conceber ficar 9 horas por dia longe do meu filho, não participo das
atividades escolares dele e me sinto muito mal em relação a essas coisas.
(RESPONDENTE 63, 2015)
Foi uma tristeza profunda. Chorei quase todos os dias nos 3 primeiros meses. Pensei
muito em parar de trabalhar, não o fiz por ser servidora pública e responsável por
mais da metade da renda familiar. Nenhum prazer em trabalhar, uma violência
diária. (RESPONDENTE 30, 2015)
Não tive mais o mesmo pique, principalmente quando o filho fica doente e perco
noites de sono. Emocionais: É muito difícil cortar esse laço. Só de pensar em estar
no trabalho e não poder sair quando o filho precisa de mim, é Mt angustiante.
(RESPONDENTE 96, 2015)
“Me sentia péssima mãe, psicológico derrotado por não conseguir dar o meu melhor,
e ainda por cima sendo massacrada pela família que falava que não deveria largar o
concurso por que iria me arrepender futuramente, mas ninguém podia me ajudar!”
(RESPONDENTE 54, 2015)
Discussão
Em comum, os sentimentos negativos que rondam o período puerperal, tão delicado na
vida das mães, seriam: medo de deixar o filho pequeno aos cuidados de terceiros; culpa por
precisar se ausentar; angústia pela separação; preocupação com o bem-estar do neném; revolta
e solidão por não poder contar com outras pessoas para auxiliar; tensão por passar boa parte
do dia distante do pequeno e dependente ser; saudades de casa e dos filhos; cansaço e
sobrecarga pela jornada dupla – fora e dentro de casa; e inadequação, por não obter satisfação
profissional com o trabalho desempenhado.
O retorno ao trabalho após a maternidade ocasionou conflitos desagradáveis:
discriminação por parte dos colegas de trabalho devido à jornada de trabalho reduzida para
possibilitar a amamentação; falta de empatia de pares e superiores, dificultando um ajuste de
horários que permitisse àquela mãe continuar exercendo suas atividades profissionais sem
prejudicar os cuidados com seu filho; frustração por não sentir que está realizando uma
atividade de relevância social e dificuldades em terceirizar os cuidados.
O resultado dessas experiências mostra o desligamento do emprego para dedicar-se
exclusivamente aos cuidados com os filhos por um tempo maior, seguido da busca por uma
recolocação no mercado, num formato que permitisse a dedicação à maternagem,
comprometendo, por vezes, a renda familiar.
A falta de estrutura nas organizações para acolher as mães puérperas no retorno ao
trabalho, como, por exemplo, espaço de creche dentro das empresas - possibilitando a
proximidade e a continuação da amamentação - e salas de ordenha com refrigeradores
exclusivos para a guarda do leite materno, dificulta o esvaziamento das mamas e a
conservação do alimento de forma adequada.
No caso da mãe fazer um desmame precoce, seja por desinformação ou por
incompatibilidade com o esquema de trabalho, ela pode experimentar sentimentos de
frustração, incapacidade e abandono, ocasionando a depressão.
As mulheres lotadas em cargos públicos são beneficiadas pelo amparo da estabilidade,
pela previsão de licença aleitamento – ampliando o prazo da licença maternidade para mais
dois meses – e pela possibilidade de flexibilização de horários, minimizando o impacto
negativo da separação de seu bebê. No entanto, apesar dos benefícios, as mães relataram não
sentir satisfação com o desempenho de tarefas burocráticas e enfadonhas, o que caracteriza a
sensibilidade aflorada pelos hormônio puerperais.
As mães autônomas nem sempre são beneficiadas pela licença maternidade,
necessitando retornar às atividades profissionais rapidamente. A dificuldade em conciliar a
rotina do lar, dos cuidados com as crianças e os assuntos de trabalho é um desafio para estas
mães. No entanto, a possibilidade de trabalhar a partir de casa, fazer seu próprio horário e
estar perto dos filhos surge como um ponto positivo, mesmo que muitas vezes dediquem as
madrugadas à realização de atividades laborais.
As mães puérperas que necessitam conciliar maternidade com a formação acadêmica
buscam apoio por meio de novos arranjos familiares, ou pela contratação de cuidadores
externos. Só assim elas podem investir em formação, tanto para seu desenvolvimento
intelectual quanto para complementação curricular, visando uma melhor colocação no
mercado de trabalho.
A escolha de novos cuidadores para a criança, cuja mãe retorna ao trabalho, é diversa e
depende do arranjo familiar, das possibilidades financeiras e do alinhamento ideológico entre
a mãe e quem quer que seja eleito para desempenhar esta função. A criação de vínculo e
desenvolvimento de confiança neste novo cuidador é fundamental para transpor esta fase de
transição. Cada binômio mãe-bebê é único e cada relação tem seu tempo de dependência e
desapego.
Apesar de todos os desafios do período de transição entre a dedicação exclusiva à
criação dos filhos e o retorno ao desempenho das atividades profissionais, ainda existe nas
mulheres o desejo de retornar ao trabalho. Após um longo período imersa no universo infantil,
tendo como principais preocupações o cuidado com o bem-estar das crianças e a organização
doméstica, há um tempo em que surge a necessidade de ter outros assuntos, outras tarefas que
não a de mãe dona de casa. As mulheres demonstram desejar dedicar-se à maternidade e
também ao desenvolvimento de suas carreiras. Sentem-se úteis para a sociedade ao
desempenharem seus papéis de mãe e de profissional, sem ter que necessariamente optar por
esta ou aquela persona.
Atribui-se este desejo à ressignificação do papel da mulher na sociedade. Em
tempos passados, as mulheres eram vistas e tratadas como objetos, propriedade dos maridos.
Elas tiveram uma inserção no mercado de trabalho no período pós-guerra, com a massiva
baixa do contingente masculino, abatido em combate. Findos os conflitos, ao retornarem a
seus lares, encontraram o ambiente modificado. Atividades até então exclusivamente
masculinas passaram a ser desempenhadas pelas esposas, viúvas, mães e filhas dos
combatentes. Para que as mulheres retornassem ao ambiente doméstico e os homens
pudessem retomar seu papel social de provedor, houve a massiva valorização do papel
materno e cuidadora do ambiente do lar.
Por meio das lutas por igualdade de direitos, aos poucos, as mulheres vêm
conquistando seu espaço nos ambientes externos, no mercado de trabalho, nas universidades e
até em expedições fora da órbita terrestre. Embora as diferenças fisiológicas impeçam a
equidade plena, a busca por relações mais equilibradas entre homens e mulheres continua. A
chegada de um novo membro no seio da família amplia a discussão dentro dos lares.
A ausência do homem do ambiente doméstico durante o puerpério é outro fator
crítico, reflexo da desvalorização da tarefa de nutrir, cuidar e manter seguro um bebê - além
de todo o cuidado da casa. No Brasil, a licença paternidade dura apenas cinco dias, com a
finalidade de efetuar o registro civil do filho recém-chegado. A falta de uma legislação que
encare o papel do pai como um dos cuidadores fundamentais do bebê prejudica a criação de
vínculo e sobrecarrega a mulher com as funções maternas e domésticas. É evidente a
necessidade de uma legislação que garanta, além do direito à amamentação exclusiva, a maior
participação dos homens nos cuidados com os filhos, ampliando-se a licença-paternidade e
estudando-se esquemas de licença parental que possa ser compartilhada entre ambos os
genitores.
Outra questão importante é o lado subjetivo materno. A maternidade é um portal de
transformações na vida das mulheres. As mudanças vão além do corpo físico: as emoções
afloram e as percepções se alteram. Muda o foco da vida. Aquele ser que acaba de chegar
demanda atenção em tempo integral e é natural desejar estar por perto para suprir suas
necessidades e participar do seu crescimento. Criar filhos é uma missão tão importante que
todas as outras parecem ficar em segundo plano. Um profundo mergulho na alma leva a uma
jornada de autoconhecimento. Sonhos adormecidos eclodem e a força da criação se faz
presente. O desejo de dedicar-se a uma maternagem ativa é profundo, mas isso não é possível
sem reduzir o período de trabalho.
O papel social na criação dos filhos também é muito importante. Cuidar, brincar,
educar: formar seres humanos é um trabalho de extrema importância para todos. Há muitas
mulheres que preferem cuidar de seus filhos e encontrar maneiras criativas de gerar renda em
vez de terceirizar a criação de seus filhos para vender sua mão de obra a outras pessoas e
empresas.
Considerações finais
O papel desempenhado pela mulher na sociedade evolui com o tempo. Novos anseios,
conquistas e oportunidades surgiram para as mulheres na contemporaneidade, mas alguns
resquícios do passado feminino ainda permanecem enraizados na sociedade. A discriminação
no mercado do trabalho é um deles. E quando a mulher está no período de maternagem, os
problemas se potencializam. Pelo lado materno, há um novo estado hormonal e emocional,
inerentes às mães, que se apresentam em suas vidas. Pelo lado social e das organizações,
pouca compreensão ao fato dessas mulheres estarem vivenciando um momento único em suas
existências.
A incompreensão é traduzida pelas leis inadequadas para a maternidade; ambientes
organizacionais inapropriados para receberem mães puérperas e muitas vezes hostis; conflitos
surgidos no trabalho e na família. Já as mães apresentam um estado emocional fragilizado
pela vulnerabilidade do momento em que todas atenções são devotas ao novo ser que vem ao
mundo, obrigando-as a sacrifícios para se manterem no mercado de trabalho, ou
alternativamente, abandonarem a profissão, mesmo que temporariamente.
Toda mudança de paradigma é necessária para que as mulheres possam alcançar a tão
sonhada equidade dentro da sociedade. Precisa-se da construção social de uma cultura que
valorize esse estágio da mulher, o puerpério, assim como o estabelecimento de vínculos mais
fortes entre os membros dos núcleos familiares neste período tão fundamental para a
formação do ser humano, que são os primeiros meses de vida de um ser.
Os espaços de trabalho são apenas parte do problema. As profundas mudanças
precisam ocorrer também dentro de casa, nas relações conjugais, nas divisões de tarefas
domésticas e cuidados com as crianças, para que mulheres e homens possam desfrutar de um
mundo mais justo e igualitário.
Desse modo, a pesquisa realizada aponta para alguns temas que devem ser
aprofundados nas discussões acadêmicas e sociais para que este segmento, o de mães
puérperas, possa ser melhor compreendido e aceito no âmbito social e organizacional.
Assim, uma agenda para debates práticos e acadêmicos sobre mães puérperas e o
mercado de trabalho deveria conter:
Referências:
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RESUMO
I - Introdução
1
Procuradora Federal da Advocacia-Geral da União. Mestranda em Gestão Pública e Sociedade pela
Universidade Federal de Alfenas – UNIFAL/MG. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito
Administrativo pela Universidade de Brasília - UNB. Especialista em Direito Constitucional pela
Faculdade Anhanguera-Uniderp. Especialista em Direito Público pela Faculdade Newton Paiva.
Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. E-mail:
[email protected]
1
2
4
5
Bem, a essa altura, cabe retornar ao início desse texto, para contextualizar o
surgimento da terceirização no âmbito da Ciência da Administração e da Ciência
Jurídica, bem como para conceitua-la, com o fim de compreender porque sua
implementação foi tão maléfica aos trabalhadores a ela submetidos.
No âmbito da Ciência da Administração, a terceirização é um processo de
transferência de serviços ou atividades periféricas e acessórias à atividade central de
uma empresa principal (ou tomadora de serviços) para uma empresa com melhores
condições técnicas de realiza-las (empresa terceirizante). Surge idealizada pelo
Toyotismo, sob o argumento de modernização, para atender às exigências da
competição globalizada. A empresa, agora mais enxuta, pode lançar mão de mão de
obra e serviços nos momentos de aumento da produção, desonerando-se dela em
períodos de crise.
Nada obstante, o discurso precisa ocultar a pecha de mão de obra descartável,
bem como deixar claro que a entrega de atividades para outras empresas não visa burlar
a legislação trabalhista, a duras penas conquistada. Assim, a Ciência da Administração
desenvolve um conceito bem mais palatável, para a qual terceirizar consiste em delegar
a um terceiro uma atividade acessória para que a empresa possa se concentrar e
especializar em sua atividade principal. Diz-se tratar, portanto, de técnica de
administração e não de gestão de pessoas, de modo que essa transferência não significa
repasse de trabalhadores ou de responsabilidade sobre estes (CARELLI, 2014).
Importante ressaltar que se destinando ou não a ocultar o seu real intento, o
conceito técnico de terceirização precisa ser observado à risca, porque não é mesmo
permitido, sob o ponto de vista jurídico, transferir a gestão de trabalhadores para uma
outra empresa. Assim, as consequências jurídicas que ensejam a nova prática
determinam um alerta vermelho para o Direito, para quem a terceirização passa a ser
conceituada como o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da
relação de direito trabalhista correspondente (DELGADO, 2014).
Impõe esclarecer que até o surgimento da terceirização, a clássica relação de
emprego é vivenciada entre trabalhador e empregador, compreendendo, portanto, uma
relação meramente bilateral que engloba os aspectos econômico (de prestação do
trabalho) e de direito trabalhista. A terceirização é um novo modelo que faz inserir um
terceiro nessa relação, a empresa terceirizante. Nesse modelo emergente a relação
econômica de prestação do trabalho se mantém entre o trabalhador e o tomador de
serviços, enquanto a relação de direito trabalhista se desloca para ser firmada entre o
trabalhador e uma empresa terceira à essa relação (DELGADO, 2014).
Cabe resgatar, para reforçar a ideia, que o reconhecimento dos direitos sociais no
Brasil é consequência de uma importante conquista do contramovimento social, na
expressão cunhada por POLANY (1983), decorrente de décadas de lutas, travadas não
apenas em terras tupiniquins, mas no mundo inteiro. O Direito do Trabalho, cujo papel é
garantir a efetivação prática desses direitos sociais, foi edificado sobre o modelo
bilateral clássico de relação de trabalho, estruturando um conjunto de princípios
protetivos, que garantem ao trabalhador um patamar civilizatório mínimo de direitos
visando retificar (ou atenuar), no plano jurídico, o desequilíbrio inerente ao plano fático
do contrato de trabalho (DELGADO, 2014).
O Direito do Trabalho não garante, porém, uma emancipação do trabalhador
frente à exploração capitalista, mas ameniza e evita a super-exploração, permitindo um
mínimo de dignidade a essas pessoas. HABERMAS (1994, p 183) descreve o papel
público que a empresa passa a ter em relação ao trabalhador, assumindo uma função
social para com este. Essa relação, ao mesmo tempo em que estabelece um tipo
6
As empresas industriais constroem moradias ou até ajudam ao empregado para que consiga
uma casa, formam parques públicos, constroem escolas, igrejas e bibliotecas, organizam
concertos e sessões de teatro, mantém cursos de aperfeiçoamento, provêem em prol de
anciãos, viúvas e órfãos. Em outras palavras: uma série de outras funções que,
originalmente, eram preenchidas por instituições públicas não só no sentido jurídico, mas
também no sentido sociológico, passam a ser assumidas por organizações cuja atividade
não é pública...
7
servidores das Instituições Federais de Ensino com os valores pagos aos trabalhadores
terceirizados:
Notas:
*Remuneração dos Servidores Efetivos a partir de março de 2014, de acordo com a Lei nº 11.091 de 2005 no início
de carreira e considerando um adicional de R$ 373,00 referente ao auxílio-alimentação.
** Salários de acordo com as últimas convenções de 2014/2015, mais o auxílio alimentação (Motoristas R$10,00 e
Auxiliar Administrativo R$20,00) e considerando 20% de insalubridade no caso do Auxiliar de Laboratório (Art. 192
da CLT e NR n.º 15 do MTE – Anexo 14)
***Diária de viagem R$32,98 (deve ser excluído o auxílio alimentação)
Diária do servidor público – R$177,00 limitada a 10 diárias/mês
Fonte: Lei nº 11.091, CCT de cada categoria e site do MTE
É necessário reconhecer que não existe milagre que torne mais barata a
contratação de trabalhadores por meio da terceirização, visto que a remuneração paga às
empresas contratadas precisa cobrir, além dos salários, os lucros e os seus custos
operacionais (CARELLI, 2014). A tabela acima demonstra, portanto, que os lucros e
custos das empresas contratadas estão sendo pagos às expensas da redução dos salários
e da perda de toda a evolução salarial decorrente da estruturação do cargo em plano de
carreira, inexistente para o terceirizado, cujos aumentos salariais advém exclusivamente
das negociações coletivas pelos sindicatos, cada vez mais enfraquecidos pela
terceirização.
Mas e quanto à eficiência e economicidade apregoadas pela reforma gerencial?
Será que o sacrifício dos trabalhadores ao menos serviu para que tais objetivos fossem
alcançados?
Por certo que sem receber seus salários e demais verbas trabalhistas e às voltas
com as sucessivas quebras de empresas prestadoras de serviços para o Estado, os
trabalhadores terceirizados recorreram e continuam a se socorrer da Justiça do Trabalho,
na tentativa de ver reparadas as injustiças a que tem sido submetidos.
A Justiça do Trabalho, prosseguindo no controle civilizatório da terceirização,
afastou a aplicação do Art. 71, §1º da Lei 8666/93. No ano 2000 a Súmula 331 do TST
foi alterada para determinar a responsabilidade objetiva da Administração Pública, em
caso de inadimplemento das verbas trabalhistas pelas empresas contratadas (inciso IV).
A Administração, em nome da supremacia do interesse público sobre o interesse
por ela afirmado como particular, defendeu em todas as instâncias do Poder Judiciário, a
constitucionalidade do Art. 71, §1º, da Lei 8.666/93. A total despreocupação da reforma
administrativa em assegurar direitos e garantias sociais é, portanto, reforçada por essa
incondicional defesa da tese da irresponsabilidade, levada a cabo tanto nas defesas em
ações individuais movidas pelos trabalhadores lesados, quanto por meio de ações
constitucionais ajuizadas diretamente no Supremo Tribunal Federal com essa específica
finalidade. Os esforços culminaram com a Ação Direta de Constitucionalidade n.º
9
16/2007-DF, na qual a Corte Suprema concluiu pela validade do Art. 71, §1º da Lei
8666/93 e favoravelmente à sua manutenção na ordem jurídica.
O Supremo, nada obstante, atenuou os efeitos de seu posicionamento ao deixar
assentado nos debates do julgamento que o ente público ainda poderá sofrer condenação
subsidiária, desde que comprovada, de forma patente, sua culpa in vigilando ou, em
termos menos jurídicos, sua negligência na fiscalização do contrato administrativo.
O problema é que os atos fiscalizatórios previstos pela Lei n.º 8.666/93, editada
para operacionalizar a reforma administrativa, não se destinavam a verificar o efetivo
pagamento das verbas devidas aos trabalhadores, mas apenas a aferir se o serviço foi ou
não prestado a contento, com consequências como a aplicação de multa administrativa à
empresa e rescisão contratual. Por esse motivo, as condenações pela Justiça do Trabalho
prosseguiram implacáveis, agora ao argumento de fiscalização ineficiente, pois
firmaram entendimento de que a fiscalização deveria voltar-se especificamente à
verificação do pagamento de verbas trabalhistas pela empresa, obrigando o Estado a
adotar providências nesse sentido.
Visando atender às novas exigências impostas pela Justiça do Trabalho, no
âmbito da Administração Pública Federal foi editada a Instrução Normativa nº 02/2008,
da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação do Ministério do Planejamento,
Orçamento e Gestão – SLTI/MPOG (com diversas alterações posteriores). A IN 02/98
estabelece, dentre outras orientações importantes, uma rotina fiscalizatória em relação
às verbas trabalhistas, tais como a retenção de faturas das empresas e o pagamento
direto dos trabalhadores. Determina, outrossim, a abertura de uma conta bancária
vinculada ao contrato, onde devem ser realizados depósitos de verbas rescisórias dos
trabalhadores, destacados, mês a mês, do pagamento destinado às empresas.
O Acórdão do Tribunal de Contas da União n.º 1.214/2013 - Plenário, cuja
elaboração contou com a participação de representantes de inúmeros órgãos e
instituições jurídicas e de controle interno e externo dos âmbitos federal e estadual,
demonstra o tamanho do esforço que a Administração tem despendido em relação a
esses contratos e as grandes dificuldades enfrentadas na implementação das atividades
ditas fiscalizatórias.
Novas rotinas foram incorporadas às práticas administrativas para propiciar a
fiscalização quanto às obrigações das empresas, ampliando, cada vez mais, os custos
operacionais e financeiros com a gestão dos contratos de terceirização, que visam suprir
a necessidade de mão de obra indispensável à manutenção da estrutura do Estado.
Em que pese esse esforço ainda incipiente pela Administração, deve-se
destacar que objetiva a contornar as condenações judiciais e apenas em segundo plano
minimizam os problemas enfrentados pelos os trabalhadores. O pagamento das verbas
trabalhistas de forma direta pelo Estado, via de regra, é apenas parcial e realizado
sempre com atraso.
Além disso, os salários foram reduzidos a um patamar mínimo e a sucessão
contínua de empresas, decorrente de quebras repentinas, inexplicadas e incontroláveis
por parte do Estado, aliada à recontratação sistemática dos trabalhadores (já treinados
para as tarefas), implica na perda do direito às férias em afronta às normas de saúde do
trabalho. Receber indenização por férias não usufruídas não produz os mesmos efeitos
que o descanso iria ocasionar à saúde do trabalhador, sem mencionar os perdidos
momentos de lazer e convivência familiar.
Não bastassem tamanhas perdas, existe ainda a grande vulnerabilidade dos
terceirizados: a instabilidade no emprego decorrente da limitada duração dos contratos
10
administrativos e a rotineira quebra das empresas contratadas. Por força do Art. 57,
inciso II da Lei 8.666/93, o contrato administrativo tem duração a adstrita à vigência
dos respectivos créditos orçamentários. Trata-se de limitação que visa ao controle do
orçamento público, impedindo a assunção irresponsável de compromissos sem a
correspondente autorização do Congresso Nacional, que a cada ano aprova a lei
orçamentária.
O inciso II do Art. 57, no entanto, excepciona os contratos de prestação de
serviços de natureza continuada, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e
sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a
Administração, limitada a 60 meses. Por esse motivo, a vigência dos contratos em regra
se limita a 12 meses, nos termos da Orientação Normativa 38 da Advocacia-Geral da
União, sendo que a contratação por período superior deve ser excepcional e justificada,
não sendo possível que os contratos superem o prazo total de 60 meses, a partir de
quando deve ser realizada uma nova licitação. Trata-se de regra da qual não pode se
afastar o gestor público e que tem como objetivos o controle dos gastos, a busca
periódica pelo contrato mais vantajoso, além de oportunizar a rotatividade entre aqueles
que desejam contratar com o Poder Público.
Se, por um lado, essa limitação temporal tem pretensões de garantir
impessoalidade e economia para os cofres públicos, o que, apesar de todos os esforços,
nem sempre tem sido alcançado pelas mais diversas razões, por outro demonstra como a
norma sequer cogitou sobre os impactos nos direitos dos trabalhadores. Além das
gritantes diferenças entre os regimes celetista dos terceirizados e estatutário dos
servidores, a potencialização da vulnerabilidade no emprego dos terceirizados é outra
agravante capaz de informar quão elevado é o grau de precarização desse trabalho.
O custo social da manutenção desse sistema é elevadíssimo e impagável. O
Instituto de Negócios Públicos (2013) informa que 77% dos pregões levam mais de 30
dias para serem operacionalizados e concluídos, donde se pode concluir que entre o
encerramento súbito do contrato e a realização de uma nova licitação, os trabalhadores
precisam aguardar, sem contrato de emprego válido, o término de uma nova licitação
para serem novamente recontratados pela empresa vencedora. Nesse período, o cidadão
trabalha para o Estado muitas vezes sem receber salário, em outros casos o pagamento
do salário é feito diretamente pela Administração, mas os reflexos em 13º salário, férias,
FGTS, dentre outros, não são pagos ao trabalhador, que suporta os prejuízos como
forma de se manter no posto de trabalho.
Outros aspectos práticos da terceirização igualmente denunciam como esse
instituto tem sido desvirtuado de sua concepção original para que possa continuar sendo
utilizado. A terceirização, tal como delineada pela ciência da Administração, pressupõe
sempre a autonomia da empresa terceirizante na direção de seu negócio, claro que a
partir da demanda e de diretrizes fixadas pelo tomador de serviços em instrumento
contratual, mas com total liberdade da primeira para dar ordens, escolher e gerir os
respectivos empregados. Também pressupõe o prévio desenvolvimento da iniciativa
privada que deve estar suficientemente desenvolvida e capacitada para desempenhar tais
encargos de execução, nos termos do que enuncia o §7º do Art. 10 do Decreto-Lei n.º
200/67.
Em que pese tais orientações, a necessidade cada vez maior de intervenção da
Administração na condução da empresa é uma realidade crescente e obrigatória para a
que a terceirização sobreviva. A retenção dos haveres da empresa e o depósito em conta
bancária vinculada, que não pode ser movimentada pela contratada, demonstra como o
Estado tem despendido tempo, recursos humanos e financeiros para, na prática, assumir,
a gestão dos recursos das empresas prestadoras dos serviços, suprindo deficiências em
11
relação à gestão dos trabalhadores, o que afasta os discursos de redução das atividades
estatais, bem como da eficiência e da economicidade propiciadas pela terceirização.
Deve-se reconhecer que a questão da economia ou dos prejuízos gerados com a
terceirização é bastante difícil de ser mensurada, carecendo de agenda própria e estudos
específicos dos orçamentos públicos. No entanto, é de fácil percepção o incremento das
despesas relativamente aos custos operacionais e financeiros com os contratos
administrativos de terceirização. Isso decorre da necessidade de aumento de pessoal e
de despesas relativas a treinamento voltados à fiscalização desses contratos, bem como
do pagamento em duplicidade de despesas, ao remunerar a empresa pelo serviço
prestado e ao responder judicialmente pelas verbas não adimplidas aos trabalhadores.
Sem falar nos enormes custos decorrentes de contratações emergenciais,
imprescindíveis para a não interrupção do serviço público sempre que se antecipa o fim
de um contrato em virtude da quebra repentina de uma empresa, bem como nos
incalculáveis custos despendidos com a movimentação do Poder Judiciário e da
Advocacia Pública nas milhares de reclamatórias trabalhistas contra a União todos os
anos.
Estudo divulgado pelo Instituto de Negócios Públicos (2013) demonstra que, em
2013, uma licitação na modalidade pregão eletrônico, utilizada para a contratações de
serviços comuns, conceito em que se enquadra a grande maioria dos contratos de
terceirização, tinha um custo médio de R$12.849,00. Esse custo é reiterado a cada
contratação e se antecipa sempre que quebra uma empresa, demandando a realização de
uma nova licitação e celebração de novo contrato.
Apenas entre os anos de 2010 e 2015 a União responde a 71.282 processos
versando sobre responsabilidade subsidiária:
PINHO (2008) informa que em 2008 uma ação trabalhista em curso na Justiça
do Trabalho, segundo avaliação da administração federal de custos públicos, custava em
média para o Estado R$ 300,00/mês, isto englobando todos os itens materiais, deixando
de fora o custo de pessoal (servidores e magistrados).
Na primeira instância, a tramitação do processo trabalhista pode ser veloz,
durando de um a três meses, dependendo da Vara do Trabalho e da complexidade da
controvérsia. Em Minas Gerais, os recursos ordinários têm demandado em média de um
a dois meses para publicação do acórdão. Todavia, o Superior Tribunal do Trabalho
divulgou que o recurso de revista tem consumido uma média de 520 dias de tramitação
(SUPERIOR TRIBUNAL DO TRABALHO, 2015). Considerando que a Administração
Pública recorre sempre até as últimas instâncias para fazer prevalecer o Art. 71, §1º da
Lei 8666/93 o trabalhador precisa aguardar cerca de dois anos para receber seu salário,
(isso se houver a condenação do Estado) e o Estado precisa custear cerca R$7.200,00
12
por processo judicial (valores de 2008 sem considerar a remuneração dos servidores
envolvidos).
Todos esses custos não são computados pelo Estado e apresentados como sendo
consequências da terceirização. Ainda estão invisíveis a esse processo, mas é necessário
que sejam mencionados, medidos e computados.
.....
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IV – Bibliografia
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O IMPACTO DA PRODUÇÃO CÍENTIFICA DAS CIÊNCIAS ADMINISTRATIVAS
NO DESENVOLVIMENTO LOCAL
Raphaela Reis Silva (UFSC)
Luis Moretto Neto (UFSC)
Giovanna Fonseca Demonti (UFSC)
Angela Serafim Godinho Espíndula (UFSC)
Resumo
Este artigo pretende investigar o alinhamento entre a produção científica das ciências
administrativas com o desenvolvimento local. Usou-se o método qualitativo pelo meio da
análise das respostas dos questionários enviados, por correio eletrônico, aos líderes de grupos
de pesquisas cadastrados e certificados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPQ). O objetivo deste trabalho é identificar a convergência entre
a pauta de investigações científicas dos professores credenciados no programa de pós-
graduação em Administração (PPGA) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
com o desenvolvimento local. Contudo, seu desfecho traz uma série de questões que
necessitam de reflexões mais profícuas e norteadoras.
1 Introdução
2 Referencial teórico
Essa seção tem por objetivo esclarecer o que entendemos por produção científica e sua
finalidade. Além disso, pretende-se verificar como se caracteriza a produção científica das
ciências administrativas no Brasil.
A ciência, presente entre os gregos desde a Idade Antiga, busca formas racionais de
conhecer a natureza. A universidade foi criada na Idade Média com o objetivo de formar
pensadores e administradores da Igreja. De acordo com Goulart (2005), a conexão entre
ciência e universidade se deu nos últimos dois séculos, sendo um dos frutos do Iluminismo.
Tal aproximação, que se deu gradualmente, levou a consagração da universidade como espaço
por excelência para ciência e, posteriormente, com a tecnologia.
No início, as preocupações científicas estavam centradas na contemplação, sem
preocupação de intervenção, norteada predominantemente pela lógica, como ilustra a Física,
de Aristóteles. A passagem da ciência antiga para a ciência moderna impactaram o modo de
entender o trabalho cientifico, e aí se destacam as argumentações dos filósofos Francis Bacon
(1979) com noções do empirismo, René Descartes (1979) do racionalismo e Immanuel Kant
contribui com o criticismo (KEINERT, 2011). Assim, as bases fornecidas pela ciência
moderna contribuíram no desenvolvimento histórico do método científico.
A Europa, berço da ciência moderna, já contava com universidades desde o século X,
vinculadas a interesses e orientações religiosas. Goulart (2010) cita a Escola de Medicina de
Salerno, na Itália, como o princípio da universidade, seguida da de Bolonha, em 1088,
especializada em Direito, e posteriormente a Universidade de Paris, criada na segunda metade
do século XII .
Goulart (2005) salienta que a pesquisa científica, no século XVII, se encontrava em
segundo plano e era desenvolvida por intermédio do trabalho individual de pesquisadores que
criavam as Sociedades ou Academias de Ciências como ponto de encontro e debates. Até
final do século XVIII, as chamadas universidades tradicionais funcionavam como centros
transmissores de um conhecimento estabelecido. Somente a partir do século XIX, a ciência,
como atividade geradora de conhecimento passa a se desenvolver no âmbito das
universidades europeias. O marco da universidade moderna foi a criação da Universidade de
Berlim em 1810, cujas bases se assentam na busca da verdade, na formação profissional e na
cultura geral, constituindo-se como centro de investigação e pesquisa, e não somente como
centro de reprodução de conhecimento.
Essa incorporação da ciência pelas universidades tradicionais, portadora de princípios
da pesquisa e do trabalho científico desinteressado, consolidou-se com uma instituição
acadêmica. Esse modelo fora adotados por diversos países como Inglaterra, Holanda e
Estados Unidos (GOULART, 2010). Nos demais países do mundo, inclusive no Brasil, o
início da produção científica não se vincula às universidades. A ciência por aqui é inaugurada
como prática de escolas isoladas, como na Escola de Minas de Ouro Preto em 1876; de alguns
pesquisadores e institutos isolados, como Adolfo Lutz, em São Paulo, desde 1883; e o
Instituto Manguinhos, no Rio de Janeiro, em 1901 (GOULART, 2005).
Embora houvessem discussões e propostas de mudanças sobre a ciência e a educação
brasileiras desde 1920, somente em 1931 é formulada a primeira legislação federal delineando
as características específicas de uma organização universitária. Resultado de amplo debate
entre as diversas correntes de pensamento, duas em especial merecem destaque: uma delas é o
grupo identificado como “pioneiros da educação nova”, da qual participavam Anísio Teixeira
e Fernando de Azevedo, entre outros educadores. A segunda corrente, formada por um grupo
de intelectuais católicos, liderados por Alceu Amoroso Lima.
Goulart (2005) salienta que o arcabouço legal criado concedia ao Ministério da
Educação e Saúde Pública e ao Conselho Nacional de Educação prerrogativas de
interferências como a aprovação dos regulamentos internos, taxas acadêmicas, etc. Quanto à
pesquisa, alegava que o povo brasileiro não possuía a maturidade cultural e a necessidade de
resultados imediatos. Assim, o foco estava na formação de professores e para formação
profissional.
Foi somente em 1934, com a criação da Universidade de São Paulo (USP), que o
Brasil possuía uma universidade efetivamente multifuncional. Iniciou-se pela Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras, constituída por professores estrangeiros e equipes dedicadas à
pesquisa. Assim, a criação da USP foi considerada um marco da inserção da pesquisa como
uma das principais atribuições das universidades do Brasil. Esse modelo se disseminou,
gradualmente, para os demais Estados brasileiros e foi impulsionado após a Segunda Guerra
Mundial, com o ideário de construir o desenvolvimento econômico e social, no qual a ciência
é um elemento estratégico (GOULART, 2005).
No Brasil, essa condição se traduz na criação de algumas instituições como Centro
Tecnológico da Aeronáutica (CTA), Instituto Militar de Engenharia (IME) e do Instituto
Tecnológico da Aeronáutica (ITA). Ademais, em 1951 foi criado o Conselho Nacional de
Pesquisas, atual CNPq e da Campanha Nacional de Aperfeiçoamento do Ensino Superior,
hojeCAPES (GOULART, 2005).
Os anos de 1950 revelam-se ricos em possibilidades investigativas, posto que oferece
um repertório considerável de ideias, propostas e instituições que tomaram o tema educação
como crucial ao futuro do país. Os intelectuais da educação - como Anísio Teixeira, Fernando
de Azevedo, Florestan Fernandes, Antonio Candido - naquela época operavam em duas
frentes do saber: na primeira, retomavam estudos que privilegiavam as dimensões singulares
da cultura brasileira e, com isso, delineavam um novo perfil para as ciências sociais; e na
segunda, empenhavam-se na articulação de projetos junto com o Estado (FREITAS, 2002).
Havia ainda outras tradições sociológicas que também reivindicavam novas interpretações
para a ideia de conhecimento local como as ideias advindas de Guerreiro Ramos.
Em decorrência da realidade específica do país, havia uma perspectiva que defendia
que a pesquisa científica poderia colaborar na qualificação do debate sobre o desenvolvimento
do país. Conforme Freitas (2002), esse movimento se iniciou nos anos 20 até o final dos anos
50. Ressalta ainda que a partir dos anos de 1960, o papel da pesquisa tornou-se um objeto de
diferenciação entre os intelectuais que buscavam a edificação de uma ciência social para o
país.
A produção científica busca por soluções de problemas humanos universais, levando-
se em consideração que o conhecimento produzido é fruto de experiências criativas de
pertinência sócio-cultural (GOULART; CARVALHO, 2008). A construção da ciência
decorre de dois fatores essenciais: o contexto histórico de sua elaboração, que incluem
aspectos sociais, econômicos e políticos; e os atores, que constroem, criticam e ainda se
beneficiam do saber (LEMOS e BAZZO, 2011). Nesse sentido, a natureza do conhecimento
se caracteriza como produto sempre inacabado, construído, recriado por atores cujas relações
ocorrem no mundo das ideias.
Ademais, as discussões sobre os problemas locais já vinha de antes, desde o século
XIX e do período que precedeu e acompanhou a Revolução de 1930 (FREITAS, 2002). De
fato, nos anos de 1950, a busca pelo caráter regional ou local de determinados problemas
ganhou novo sentido e amplitude. Isso se deve a força dos intelectuais daquele momento que
além de reabrir alguns debates, inaugurava novas perspectivas.
A discussão acerca da afirmação da brasilidade e se esta dar-se-ia incorporando ou
rejeitando a cultura estrangeira, iniciou-se nos anos 10 e só foi interrompida nos anos 60 com
o golpe de Estado. Freitas (2002) salienta que esse debate, para além desse marco
cronológico, é uma das “questões do século”. Esses debates instigaram além dos sociológicos,
o movimento artístico, a história, a ciência política (FREITAS, 2002). Deve-se acrescentar
ainda o impacto da nova ciência econômica advinda da CEPAL (Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe) a partir de 1948, com as contribuições de Raul Prebisch e Celso
Furtado, entre outros.
No Brasil, a produção científica concentra-se nas universidades públicas, o que as
coloca no centro de políticas nacionais de ciência e tecnologia. Assim, o papel que as
instituições de ensino superior (IES) exercem no campo científico é de suma importância,
pois além de definir sua estrutura de funcionamento, mapear hierarquias, delinear poderes e
influenciar a adoção de estratégias de ação e estas promovem a legitimação e divulgação dos
saberes (LEMOS e BAZZO, 2011). Vinculada primordialmente à pós-graduação, a produção
de conhecimento científico e sua publicização representam quesito determinante na avaliação
de cursos e de pesquisadores. A internacionalização dessa produção é determinada como um
dos itens mais valorizados em várias áreas do conhecimento por meio da publicação de
artigos em periódicos internacionais, celebração de convênios com instituições de ensino
estrangeiras e a publicação de periódicos nacionais em língua inglesa.
Contudo, a ciência está alienada devido a determinação social dos objetivos de sua
própria atividade pois se submete aos ditames materiais e objetivos de produção do órgão
reificado de controle, ou seja, do capital. Os ditames são oriundos daqueles que acumularam
capitais por séculos, esclarecidos no modelo (na relação) centro-periferia do sistema-mundo.
Países desenvolvidos têm-se preocupado em alcançar e deter a liderança e a hegemonia do
conhecimento científico em diferentes áreas. Portanto, há uma dominação dos países centrais
no campo científico e por consequência, a legitimidade ali construída corresponde a seus
interesses, seus valores, sua visão de mundo e do mundos dos outros.
Nesse sentido, Ramos (1996) e Furtado (1980) propuseram a necessidade imperiosa de
apropriarmos criativamente teorias e conceitos universais a partir de uma reflexão serena e
corajosa sobre a cultura brasileira. Segundo Freitas (2002), a redução sociológica de Ramos
trazia para o âmbito das ciências sociais a argumentação cepalina sobre a “substituição de
importações” como etapa necessária ao desenvolvimento do país. Há uma recomendação da
UNESCO de que a solução dos problemas educacionais brasileiros passaria necessariamente
pela análise científica das reais condições sociais e culturais do país (FREITAS, 2002).
Nas ciências administrativas, a expansão global da academia e do conhecimento
intensificou a hegemonia anglo-americana, ao fortalecer uma tendência de integração e
pretensa universalização, inibidora de uma produção local que a desafie. É preciso redefinir o
valor do conhecimento científico como bem comum. De escrever para temáticas que
interessam ao centro e nos distanciamos da nossa realidade e perdemos a pertinência sócio-
cultural. O campo científico dispõe de autonomia, que interfere diretamente no estado da
relação de forças nas lutas entre os detentores de poder (BOURDIEU, 1986).
Portanto, o que pretendemos é identificar a existência de possíveis pesquisas
científicas que não visem ampliar ou fortalecer os conhecimentos inscritos em uma lógica
instrumental de cálculo dos meios com relação aos fins ou que melhorem o desempenho
econômico das organizações. Mas, que almejem tentativas de emancipar as pessoas dos
mecanismos de opressão tendo, de fato, o humano como ponto fundamental.
3 Metodologia
Este trabalho foi desenvolvido sob a forma de uma pesquisa qualitativa, que envolve a
aplicação de questionários semi-estruturados com nove (9) líderes dos grupos de pesquisas
vinculados a Universidade Federal de Santa Catarina e ao coordenador do Programa de Pós-
graduação em Administração. Os questionários foram adaptados do material de coleta de
dados da tese de doutorado de Goulart (2005). Além dos questionários, os pesquisadores
acessaram informações sobre os grupos de pesquisas disponíveis.
Inicialmente, acessou-se o sitio eletrônico do Programa de Pós-graduação em
Administração da Universidade Federal de Santa Catarina e no link “Núcleos de Pesquisas”,
coletamos os grupos de pesquisas e seus respectivos endereços eletrônico – totalizando 14
grupos, a saber:
- Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres (CEPED);
- Centro de Estudos em Microfinanças (GVcemf);
- Instituto de Pesquisas e Estudos em Administração Universitária (INPEAU);
- Laboratório de Estudos da Multifuncionalidade Agrícola e do Território (LEMATE);
- Núcleo de Estudos de Economia Catarinense (NECAT);
- Núcleo de Estudos em Estratégia, Gestão e Sustentabilidade (NEEGES);
- Núcleo de Estudos Organizacionais Críticos e Transdisciplinares (NEOCT);
- Núcleo de Inteligência Competitiva Organizacional em Marketing e Logística (NICO);
- Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Planejamento e Gestão Estratégicos (NIEPGE);
- Núcleo Interdisciplinar de Estudos em Gestão de Produção e Custos (NIEPC);
- Núcleo de Estudos sobre Organizações e Delimitação (NUSOL);
- Observatório da Realidade Organizacional;
- Observatório da Sustentabilidade e Governança; e
- Organizações, Racionalidade e Desenvolvimento (ORD)
A seguir, acessamos o Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil para buscar
informações de cada um dos grupos de pesquisa certificados levantados na etapa anterior.
Assim, dos 14 grupos informados no sítio da Instituição apenas 10 (dez) estão cadastrados e
certificados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ),
agência do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Contudo, um deles é
coordenado por professores de uma instituição superior de ensino (IES) fora do Estado de
Santa Catarina, portanto fora excluído dessa pesquisa.
Os questionários foram enviados repetidas vezes por correio eletrônico para os 9 (nove)
líderes de pesquisas da referida Instituição, porém tivemos apenas 2 (dois) questionários
devolvidos: do coordenador do Programa de Pós-graduação em Administração e de um líder
de um dos grupos de pesquisa. Moura-Paula e Ferraz (2015) afirmam que o silêncio
organizacional revela que a ausência do relato está sendo usado como instrumento de luta.
Para analisar os materiais coletados, optou-se pela adoção da abordagem de Análise de
Conteúdo, desenvolvida por Bardin (1986), que prevê três etapas de execução: a) análise
prévia, que consiste na organização do material, operacionalização e sistematização, escolha
dos documentos, formulação de hipóteses, objetivos e elaboração de indicadores e leitura; b)
análise exploratória, que consiste em codificações e classificações, caracterizando-se por ser
uma fase longa e exigindo o trabalho de uma equipe, na qual seus membros atuam como
juízes do trabalho de codificação e classificação temática; c) tratamento de resultados obtidos
e interpretação, que consiste na tabulação e aplicação de técnicas descritivas de análises.
4 Análise de dados
5 Desfecho e indagações
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOURDIEU, Pierre. (1996). As regras da arte: gênese e estrutura do campo literário. São
Paulo: Companhia das Letras.
FREITAS, M.C. de. (2002). A pesquisa educacional como questão intelectual na história da
educação brasileira (breves anotações para uma hipótese de trabalho). In.: FREITAS, M.C.
de; KULMANN, JR. M. (orgs.) Os intelectuais na história da infância. São Paulo: Corteza.
KEINERT, M. C. Kant: o apóstolo da razão pura e da crítica sistemática. In: Razão, sonho e
sensibilidade. 2 ed. São Paulo: Editora Duetto, 2011, p. 7-13.
SEN, A. (2000). Desenvolvimento como liberdade. São Paulo, Companhia das Letras.
ANEXO I
Resumo:
Este trabalho pretende investigar se a política de Desenvolvimento de Pessoal da
Administração Pública Federal sofre algum tipo de avaliação, especificamente em relação ao
Plano Anual de Capacitação (PAC) dos servidores das Instituições Federais de Ensino
Superior (IFES), passados oito anos da promulgação do Decreto que o instituiu (5.707/2006).
O problema é o indício da pouca ou praticamente nenhuma reflexão sobre os planos anuais de
capacitação. Utilizar-se-á de pesquisa documental e bibliográfica. Após verificar o PAC de 43
IFES, conclui-se que o mesmo está voltado especificamente para os técnicos-administrativos
e visando a progressão na Carreira.
Introdução
O Decreto 5.707, de 23 de fevereiro de 2006, instituiu “a política e as diretrizes para o
desenvolvimento de pessoal da administração pública federal direta, autárquica e
fundacional”, tendo como finalidades (Art. 1o):
I- melhoria da eficiência, eficácia e qualidade dos serviços públicos prestados ao
cidadão;
II- desenvolvimento permanente do servidor público;
III- adequação das competências requeridas dos servidores aos objetivos das
instituições, tendo como referência o plano plurianual;
IV- divulgação e gerenciamento das ações de capacitação; e
V- racionalização e efetividade dos gastos com capacitação.
O Artigo 3º determina treze diretrizes para a Política Nacional de Desenvolvimento de
Pessoal (PNDP), e dentre elas, o inciso XI que refere-se à elaboração do “plano anual de
capacitação da instituição, compreendendo as definições dos termos e as metodologias de
capacitação a serem implementadas”.
Esse plano anual é de tal importância que a Portaria 208, de 25 de julho de 2006, do
Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP), regulamentadora do citado decreto,
elegeu-o também como instrumento dessa política:
Art. 1º São instrumentos da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal:
I- Plano Anual de Capacitação;
II- Relatório de Execução do Plano Anual de Capacitação; e
III- Sistema de Gestão por Competência.
O Artigo 2º define termos, dos quais destaquem-se “plano anual de capacitação” e
“relatório de execução do plano anual de capacitação”:
I- Plano Anual de Capacitação: documento elaborado pelos órgãos e entidades
para orientação interna, que compreenderá as definições dos temas, as
metodologias de capacitação a serem implementadas, bem como as ações de
capacitação voltadas à habilitação de seus servidores;
II- Relatório de Execução do Plano Anual de Capacitação: documento elaborado
pelos órgãos e entidades contendo as informações sobre as ações de capacitação
realizadas no ano anterior e análise dos resultados alcançados.
Ainda o Artigo 6º da referida Portaria MP 208/2006 elenca as competências do Comitê
Gestor da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP), e então aparece o termo
“avaliar”:
I - Avaliar e apreciar os relatórios anuais dos órgãos e entidades, com vistas a
averiguar o cumprimento das diretrizes da Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal.
Examinando o relatório de execução do Plano Anual de Capacitação (PAC),
disponibilizado no Portal do Sistema de Pessoal Civil da Administração Federal (SIPEC) do
MP, verifica-se que ele é essencialmente quantitativo e aplicável indistintamente a todos os
órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional.
No caso das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), não há espaço, por
exemplo, para uma avaliação do impacto do PAC nas atividades de ensino (graduação e pós-
graduação), pesquisa ou extensão, que são os pilares desse tipo de instituição (cf. Art. 207 da
Constituição do Brasil de 1988, sobre o princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa
e extensão). Denota-se o que um relatório que não abre espaço para uma avaliação qualitativa
perde em termos de reflexão e aplicabilidade dos dados estatísticos à realidade específica de
cada instituição da administração pública.
O problema
Este trabalho intenta investigar se existe uma avaliação da política de gestão pública
de pessoal, passados oito anos da promulgação do Decreto 5.707/2006, especificamente do
Plano Anual de Capacitação (PAC) das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), que
englobe os servidores das carreiras docente e técnica-administrativa.
Também averigua, caso a resposta seja positiva, que tipo de avaliação é realizada. A
que prioriza os parâmetros numéricos, como o Relatório de Execução do PAC do Portal
SIPEC ou a reflexiva, como a associada à educação brasileira, objeto de discussão de autores
como Marilena Chauí, Gaudêncio Frigotto e Moacir Gadotti.
Segundo Chauí, “quanto aos pesquisadores com carreira universitária, é preciso criar
novos procedimentos de avaliação que não sejam regidos pelas noções de produtividade e de
eficácia e sim pelas de qualidade e de relevância social e cultural” (CHAUÍ, 2003, p. 14).
Gadotti, ao discutir o Sistema Nacional de Educação, amplia o tema da avaliação ao
afirmar que “não se relacionam meios e fins. Inovamos nas metodologias, fazemos ótimos
testes e estamos aperfeiçoando processos de avaliação, sem nos perguntar sobre o sentido do
que estamos avaliando” (GADOTTI, 2014, p. 10).
Frigotto cita textualmente Saviani, trazendo a discussão da avaliação associada à
economia de mercado:
Assim, o governo se equipa com instrumentos de avaliação dos produtos forçando,
com isso, que o processo se ajuste a essa demanda. É, pois, uma lógica do mercado
que se guia, nas atuais circunstâncias, pelos mecanismos das chamadas “pedagogia
das competências e da qualidade total” (SAVIANI, 2007, p.3 apud FRIGOTTO,
2011, p. 243).
Outra questão que naturalmente emerge, é a relacionada ao significado de “política",
neste texto entendida, segundo Chauí: “...como uma atividade que exige formas organizadas
de gestão institucional” (CHAUÍ, 2000, p. 475).
Portanto, ao responder tais questionamentos, objetiva-se contribuir efetivamente para a
construção de um arcabouço científico sobre a avalição da política de desenvolvimento de
pessoal da Administração Pública.
Metodologia
Segundo Fonseca (2002, p. 32), qualquer estudo científico inicia-se com uma
pesquisa bibliográfica. As pesquisas denominadas bibliográficas se baseiam em referenciais
teóricos já publicados com o objetivo de recolher informações ou conhecimentos prévios
sobre o problema a respeito do qual se procura a resposta. A pesquisa bibliográfica deste
trabalho foi realizada a partir do levantamento de referências teóricas já analisadas e
publicadas por meios escritos e eletrônicos, como livros (Convite à Filosofia), artigos,
páginas de web sites. O pesquisador deverá ainda realizar uma pesquisa documental como
auxílio, selecionando e analisando documentos com o intuito de não comprometer a qualidade
da pesquisa (FONSECA, 2002, p. 31).
Segundo Fonseca (2002, p. 32), a pesquisa documental recorre a determinadas fontes
sem tratamento analítico, e elenca algumas que serão utilizadas neste trabalho, tais como:
tabelas, relatórios e documentos oficiais das IES. Conforme Gerhardt e Silveira (2009, p. 69),
a pesquisa documental tem sido utilizada nas ciências sociais.
A pesquisa documental tem como característica fundamental o fato de suas
informações não terem passado por outras análises nem se tornado públicas, senão as análises
que eventualmente fazem parte do próprio documento, como a publicidade que a lei obriga,
por exemplo, no caso do Plano Anual de Capacitação. As análises podem então ser recorridas
pelo pesquisador, no âmbito da pesquisa documental.
Referencial teórico
Avaliação
O que significa a palavra “avaliação”? Qual sua utilidade?
Souza et.al. (2005, p. 17) respondem nos seguintes termos:
A avaliação objetiva identificar em que medida os resultados alcançados até então
estão próximos ou distantes dos objetivos propostos e, se possível, descobrir as
razões desta proximidade ou distanciamento, para permitir que o novo planejamento
a ser realizado possa resolver os problemas com mais precisão. Isto serve tanto para
a avaliação institucional quanto para a avaliação da aprendizagem.
Também afirmam que essa avaliação, nos moldes apresentados, tanto pode servir para
a administração de uma instituição quanto para o ensino, no que se refere à aprendizagem
(SOUZA ET.AL., 2005, p. 17-22).
Gurgel (2014) afirma que a avaliação é item vital de um planejamento estratégico, pois
é ela que explica as causas dos bons e dos maus resultados do plano de trabalho: “São essas
avaliações que vão permitir dizer que possibilidades existem de recuperar os resultados e
assim continuar a perseguir os alvos definidos. Ou não” (GURGEL, 2014, p. 101).
Ainda nessa mesma linha de pensamento, Pacheco et al. (2009) afirmam que a
avaliação de resultado visa o diagnóstico dos programas, projetos, sistemas e processos
adotados por uma organização: “Tem como premissa o levantamento de informações,
problemas e considerações, com vistas à melhoria da qualidade, à superação das lacunas na
corporação e, principalmente, ao fornecimento de diretrizes para as próximas ações”
(PACHECO ET AL., 2009, p. 67).
Ora, a verificação do cumprimento das diretrizes da política de desenvolvimento de
pessoas da administração pública, consubstanciadas no PAC se dará mediante uma avaliação
que aponte o atingimento ou não das metas propostas, causas do sucesso e também sinalize
possíveis soluções para os eventuais fracassos.
A questão da avaliação das políticas públicas é tomada por Costa e Castanhar (2003, p.
969) como algo necessário e de vital importância. E ao analisarem o processo histórico
brasileiro, assim se expressam:
Historicamente, na administração pública brasileira não há a preocupação de avaliar
programas públicos, em geral [...]. Durante anos, a produção de conhecimento
técnico na busca da melhoria dos padrões de gerenciamento do setor público sempre
esteve muito mais voltada para os processos de formulação de programas do que
para os relacionados a sua implementação e avaliação (COSTA E CASTANHAR,
2003, p. 970-971).
Já Trevisan e Bellen (2008, p. 535-536), ao referirem-se à avaliação de políticas
públicas, constatam não haver consenso em relação a uma única definição sobre a matéria,
porém, fazem coro a Thoenig (2000) quando “declara que o uso da avaliação é orientado para
ação”, pois seu fim primordial é “fornecer informação”. Também afirmam que:
Não obstante a grande utilidade das informações provindas da avaliação, esta é
muito pouco utilizada. No caso das reformas do setor público, Thoenig (2000:55)
observa que nenhuma iniciativa foi lançada para avaliar as reformas; pelo contrário,
“pode-se encontrar um relativo ceticismo para com a avaliação, particularmente,
entre praticantes bem informados e experientes em reforma da gestão pública,
alguns até mesmo expressam uma resistência à avaliação que parece predominar no
seu próprio governo” (TREVISAN e BELLEN, 2008, p. 536).
Portanto, o pensamento dos autores citados, corrobora a presente tese, no sentido da
importância de se discutir o problema da avaliação como elemento chave de política pública.
Capacitação
Exige-se das pessoas que sejam trabalhadores qualificados. Segundo Arruda (2000,
p.26), esse posicionamento, reprodução da teoria do capital humano, tem levado alguns países
a investirem na qualificação da sua força de trabalho, e a traçarem planos e políticas
educacionais que visem a capacitar os indivíduos para o mercado de trabalho ou para o
desenvolvimento de qualquer outra atividade que lhes possibilite subsistência.
Qualificações funcionais foram formalizadas relacionando sistema educativo e
produtivo. Há, portanto, uma correspondência entre o nível de formação do sujeito e sua
qualificação no trabalho (VINHAS, 2013, p. 339).
As políticas de capacitação deveriam influenciar tanto na formação profissional dos
docentes quanto tenta interferir na carreira dos técnicos-administrativos.
Políticas Públicas
Segundo Bobbio (1998), o termo “política” é derivado do adjetivo pólis (politikós),
que significa tudo o que se refere à cidade, o que é urbano, civil, público, e até mesmo
sociável e social. As políticas podem atender a interesses particulares e restritos (FREY, 2000,
p. 224).
Rua (2009, p. 20) afirma que “embora uma política pública implique decisão política,
nem toda decisão política chega a constituir uma política pública”. A política pública é um
subcampo significativo dentro da Ciência Política e vem a ser um conjunto de decisões, – e
não uma decisão isolada –, planos, metas e ações governamentais (LIMA, 2012, p.50). Uma
política pública recebe ainda este adjetivo, quando tem a intenção de responder a um
problema de interesse público (IBID., p. 52).
Conforme Frey (2000, p. 217), a política ganha uma dimensão de policy e “refere-se
portanto aos processos de conflito e de consenso dentro das diversas áreas de política” (IBID.,
p. 223). O termo política pode assumir o sentido expresso pelo termo policy tornando-se mais
concreto e passando a ter relação com orientações para a decisão e ação, sendo que o termo
política pública (public policy) está a ela vinculado (LIMA, 2012, p.50).
Segundo Frey (2000, p. 224), a esfera policy pode atingir um nível de política
regulatória, ou seja, uma política que trabalha com ordens, decretos e portarias. Nessa esfera,
tem-se o decreto 5.707, de 23 de fevereiro de 2006, que institui a política pública de
desenvolvimento de pessoal na administração pública federal.
A Pesquisa
Em um primeiro momento, a investigação busca verificar e analisar a produção
acadêmica (dissertações e teses) dos programas de pós-graduação em Educação das
universidades Federal Fluminense (UFF), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Estado do
Rio de Janeiro (UERJ), entre 2006 – ano de promulgação do Decreto 5.707 – e 2015. Os
dados levantados ainda são parciais, devido a problemas de manutenção da Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
As palavras-chaves utilizadas na pesquisa são: avaliação; política; capacitação; gestão
pública e gestão de pessoas, sendo a avaliação o foco principal.
Os quadros-resumo, a seguir, contemplam os Programas de Pós-Graduação em
Educação da UFF, UFRJ e UERJ:
Q.1 Uff – Programa de Pós-Graduação em Educação – dissertações e teses – 2006-2015
Palavra-Chave / Total Dissertações Teses Total
AVALIAÇÃO 1 - 1
POLÍTICA 3 1 4
CAPACITAÇÃO - - -
GESTÃO PÚBLICA - - -
GESTÃO DE PESSOAS - - -
Total 4 1 5
Fonte: www.ppg-educacao.uff.br/novo
Conclusão em construção
A tabela 1, anexo 1, nos leva a concluir que das 43 IFES averiguadas, não foi
detectada, entre aquelas que possui PAC, alusão aos servidores da carreira docente, mas
apenas da dos técnicos-administrativos.
A análise qualitativa do relatório de execução do PAC que certamente influenciaria
futuros ajustes no PNDP, aparentemente não é objeto de preocupação ou reflexão por parte
dos elaboradores das políticas de desenvolvimento de pessoal.
No contexto das IFES, a constatação é que os professores não se consideram
servidores públicos federais, sujeitos à Lei 8.112/90 e demais dispositivos legais. Além do
que os próprios gestores de pessoas não levam em conta os docentes ao elaborarem o PAC.
A tarefa acadêmico-científica a que se propôs o presente trabalho é instigante, e tendo
em vista os dados e argumentos apresentados, de relevância para os estudos organizacionais.
Aqui não se esgota, tendo um longo caminho a ser percorrido.
Referências bibliográficas:
BOBBIO, Norberto. 1909 - Dicionário de política I; trad. Carmen C, Varriale et al..; coord.
trad. João Ferreira. - Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1a ed., 1998. Vol. 1: 674 p.
FONSECA, João José Saraiva. Metodologia da pesquisa científica. Fortaleza: UEC, 2002.
Apostila.
SOUZA, Ângelo Ricardo de, GOUVEIA, Andréa Barbosa, SILVA, Monica Ribeiro da,
SCHWENDLER, Sônia Fátima. Avaliação da aprendizagem, avaliação institucional e gestão
escolar: a síntese necessária. Coleção Gestão e Avaliação da Escola Pública, Caderno 4,
Centro Interdisciplinar de Formação Continuada de Professores (CINFOP), Pró-Reitoria de
Graduação e Ensino Profissionalizante, Ministério da Educação, Secretaria de Educação
Básica. Curitiba: Ed. da UFPR, p.17- 22. 42 p. 2005.
TREVISAN, Andrei Pittol. BELLEN, Hans Michael van. Avaliação de políticas públicas:
uma revisão teórica de um campo em construção. Revista de Administração Pública, RJ,
42(3):529-50, maio/jun. 2008.
RESUMO
Este trabalho pretende expor os dilemas de dois projetos desenvolvimentistas, seus desafios
particulares e suas heranças de fases anteriores,
oferecendo uma referência do passado para
melhor entender as limitações presentes do Estado brasileiro. Mais precisamente, os projetos
representados por seus grandes idealizadores: Getúlio Vargas e Juscelino Kibitschek. Não se
pretende, no entanto, discorrer sobre os dois chefes de governo no nível pessoal mas,
sobretudo, no que tange suas realizações em função de suas respectivas capacidades político-
administrativas, aliadas aos momentos históricos em que ascenderam estas duas importantes
figuras. Importa, principalmente, o tratamento dado por cada um à questão da infraestrutura
como eixo fundamental do desenvolvimento baseado na industrialização.
1- O DESENVOLVIMENTISMO NO BRASIL
Durante o século XX, foi o país que mais cresceu em todo o globo. Passou de uma
economia primário-exportadora a um grande parque industrial; de uma sociedade
rural a um conglomerado de metrópoles densamente povoadas; do particularismo
local à cultura de massas. O país incorporou a suas instituições e práticas sociais,
sobretudo nas esferas do Estado e do mercado, elementos da racionalidade
prevalente nas economias centrais. O Brasil modernizou-se. (LUSTOSA DA
COSTA, 2009, p.162)
(...) enquanto no Brasil a classe dominante era o grupo dos grandes agricultores
escravistas, nos EUA uma classe de pequenos agricultores e um grupo de grandes
comerciantes urbanos dominava o país. Nada é mais ilustrativo dessa diferença do
que a disparidade que existe entre os dois principais intérpretes dos ideais das
classes dominantes nos dois países: Alexander Hamilton e o visconde de Cairu. (...)
enquanto Hamilton se transforma em paladino da industrialização, (...) advoga e
promove uma decidida ação estatal de caráter positivo - estímulo direto às
indústrias, e não apenas medidas de caráter protecionista - Cairu crê
supersticiosamente na mão invisível e repete: "Deixai fazer, deixai passar, deixai
vender". (FURTADO: 2007, p.152)
Darcy Ribeiro também recorreria a esta comparação entre as elites do Brasil e dos
Estados Unidos para tentar explicar os diferentes caminhos e resultados alcançados, em
termos econômico-sociais, dos dois países (RIBEIRO, 1995). Ainda que o conceito de elite
extrapole os limites de classe, na sociedade brasileira classes dominantes, como diz Furtado, e
elites, como diz Ribeiro, têm muito em comum.
O poder concentrado na classe dominante brasileira de então, uma vez que esta se
compunha de um grande e poderoso bloco, gerou um precedente que viria influenciar até
mesmo as posteriores transformações econômicas e sociais que o Brasil experimentaria, nas
quais esta classe viria se acomodar. Pode-se afirmar, portanto, que o liberalismo econômico
no Brasil, representado aqui pelo Visconde de Cairu, serve desde o início aos interesses das
oligarquias rurais, interesses que serão devidamente representados a posteriori. É possível
afirmar também que a ideologia da classe dominante brasileira nos primórdios do século XX
assumia um caráter mais dogmático do liberalismo, baseado nas crenças, atitude esperada de
uma classe que necessita somente manter suas bases.
De forma diversa, a classe dominante dos EUA era composta de mais de um setor, o
que acabava por tornar mais difusos os seus interesses. A ideia é reforçada por Furtado
quando afirma que a industrialização era "mal compreendida pela classe de pequenos
agricultores norte-americanos", o que não impediu que as ações de Hamilton em prol do
desenvolvimento industrial fossem colocadas em prática. Esta dualidade peculiar da classe
dominante norte-americana, portanto, permitiu que ideias de visionários como Hamilton, um
também discípulo de Adam Smith, tivessem êxito no ambiente econômico e abrissem um
precedente positivo para o desenvolvimento dos EUA e seu ingresso no século XX. Pode-se
afirmar, portanto, que nos EUA o liberalismo manteve-se mais no campo das ações,
submetendo-se ao pragmatismo que viria a ser uma marca da sociedade dos EUA.
As ressalvas estão no fato de não se ter apresentado no Brasil uma vertente urbana da
classe dominante, de forma a influenciar no fortalecimento de uma atividade econômica
tipicamente urbana como a indústria. Entretanto, não se invalida a ideia de que a polarização
ocorrida em um único grupo, os grandes agricultores escravistas, foi nociva e colaborou para
o subdesenvolvimento brasileiro.
Não era, portanto, de se esperar iniciativas de investimento em indústrias, dadas as
características da classe que detinha o poder, sendo este um grande obstáculo que se impunha
ao Brasil recém-ingresso no século XX. Caberia ao Estado prover os investimentos
necessários à atividade industrial. Para o Estado, no entanto, as possibilidades eram limitadas:
O ímpeto pelo controle da capacidade de arbítrio do Estado se acirrava a cada nova crise
que se apresentava, lançando o país num cenário constante de instabilidade financeira e
política. Octavio Ianni (1975) alega que a inflação, característica persistente da economia
brasileira, servia ao Estado desenvolvimentista para captar poupança forçada, promovendo
aporte de recursos. A inflação, segundo Fiori, também possuía uma dimensão política. A
manutenção de um ambiente inflacionário ajudava a compatibilizar os vários interesses
confederados, interesses estes responsáveis pela fragilidade das políticas desenvolvimentistas.
Desta forma, o financiamento da industrialização acabou sendo feito ora através do
recurso à inflação, ora através do recurso ao endividamento público interno e
externo, formas igualmente precárias de sustentação de um processo de crescimento
que alguns chegaram a pensar que deveria ser auto-sustentado. De tal maneira que
no Brasil o Estado jamais pôde articular financeiramente, como na França, Japão ou
Coréia, por exemplo, estratégia de industrialização. (FIORI, 1994, p.128)
A estabilização da economia, portanto, não consistia em opção, uma vez que faria entrar
em choque todos os interesses contidos no pacto, comprometidos com a estratégia de
industrialização. Consequentemente, nas palavras de Fiori:
2- A ERA VARGAS
De fato, as tarifas ficaram praticamente congeladas até o fim do Estado Novo, graças
à regra de variação cambial vigente até o final de 1933..
Concomitantemente, os defensores da intervenção estatal alegavam que as empresas
eram incapazes de ampliar satisfatoriamente a geração de energia, melhorar o serviço de
distribuição e cobrar tarifas baratas, uma vez que queriam rentabilidade em dólar. No
entanto, o Estado não dispunha de recursos próprios e a possibilidade de contar com
recursos do Banco Mundial predispunha o país à dependência de uma entidade interessada
em limitar a intervenção estatal, além de estimular a presença do capital estrangeiro. De
fato, a solução encontrada pelo Banco Mundial para garantir que a destinação de seus
empréstimos ao governo brasileiro não concorresse com os interesses das filiais
estrangeiras foi o empréstimo direto a essas filiais, contando com o aval de Vargas. Mais
um dilema se configurou: ou Vargas abria mão de suas ideias nacionalizantes para o setor
elétrico ou comprometeria todo o esquema de financiamento de infraestrutura básica.
Vargas teve que ceder.
A chegada do Presidente Eisenhower ao governo norte-americano marcou a ruptura
da cooperação bilateral, interrompendo os financiamentos já aprovados e em estudo,
levando Vargas a retomar projetos de mobilização interna de recursos. Novamente lançaria
mão do discurso nacionalista inflamado, afirmando que os planos da Eletrobrás vinham
sendo sabotados por filiais estrangeiras e que seria necessário criar fundos para implantar a
indústria elétrica nacional ou, até mesmo, nacionalizar as empresas privadas. Em 1954 foi
aprovado o Fundo Federal de Eletrificação, composto de dotações orçamentárias, além de
20% da arrecadação de taxas de despachos aduaneiros e, principalmente, do Imposto Único
sobre a Energia Elétrica, visando à constituição do capital das empresas públicas
destinadas a investir no setor. A aprovação da criação do fundo pode ter sido resultado do
dilema derradeiro de Getúlio Vargas:
3- JUSCELINO KUBITSCHEK
3.1- O Plano de Metas
O cenário político que se instalara após o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, era de
intensa crise. Antes mesmo de Juscelino Kubitschek tomar posse em 1956, um Golpe de
Estado liderado pelo General Henrique Teixeira Lott (preventivo nas concepções do então
poder constituído) garantiria que as forças derrotadas nas eleições não impedissem a posse do
presidente eleito. O conhecido "Golpe de 11 de novembro" talvez tenha sido o único golpe de
Estado a favor, visto que se destinou, com sucesso, a defender a ordem instituída, supondo-se
estar em movimento um golpe militar para impedir a posse do candidato eleito no pleito de
1955.
Uma vez empossado, Juscelino Kubitschek iniciou uma era importantíssima da história
econômica brasileira, na qual se verificaria um aprofundamento das relações entre Estado e
economia. A industrialização continuaria a ser a locomotiva do desenvolvimento, agora não
mais impulsionada pelo estrangulamento do setor externo, mas por todos os artifícios e
recursos à disposição do governo. As diretrizes, no entanto, já vinham sendo desenhadas nos
anos anteriores, quando a associação entre planejamento e desenvolvimento econômico já era
consenso tanto para o governo como para o mercado e a opinião pública. O enfrentamento da
crise dos anos 1930, assim como as discussões sobre desenvolvimento promovidas pela
CEPAL desde 1948, serviriam de base para as novas ações que se propunham. Tendo
acumulado experiências, bem sucedidas ou não, o poder público agora possuía o
conhecimento de como se aplicar as técnicas de planejamento à economia brasileira. Sob este
signo nascia o Programa de Metas. Sobre o assunto diz Octavio Ianni que:
Em uma conjunção favorável de forças, o governo dos EUA, assim como as empresas
norte-americanas, lançavam um novo olhar sobre as pretensões dos países dependentes na
adoção de um planejamento econômico. Não mais viam o comprometimento de seus
interesses, mas o abrandamento das reações provenientes do esforço pela industrialização
observados anteriormente naqueles países.
Enquanto Getúlio Vargas tinha no capital nacional a sua preferência, Juscelino mostrou-
se menos seletivo quanto à questão do financiamento de seu projeto desenvolvimentista pelo
capital externo, descrito em seus discursos como bem vindo e necessário, vislumbrando o
tempo em que não mais necessitaria destes. Sobre o estilo desenvolvimentista característico
de Juscelino, comenta Limoeiro-Cardoso:
Se a industrialização é o meio através do qual o subdesenvolvimento pode ser
superado, o aumento da exportação – no seu quantum e na sua rentabilidade -, aliado
à obtenção de recursos externos, constitui a forma de possibilitar a atualização
daquele meio. Exportar e contrair dívidas no exterior para poder industrializar-se.
Para que a economia possa ver seu setor secundário ampliado, ela necessita de
capital e técnica. Suprindo-nos, se estará permitindo a industrialização e com ela o
desenvolvimento autônomo. (LIMOEIRO-CARDOSO, 1978, p.171)
4- CONSIDERAÇÕES FINAIS
5- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
2. Abordagem Teórica
Para fundamentar e contextualizar o estudo foi definido como base teórica discutir
alguns aspectos sobre Avaliação de Políticas Públicas e o Modelo/Padrão de Gestão do
Programa Bolsa Família à Luz da Teoria da Administração Política.
2.1 Uma Aproximação ao Conceito de Administração Política para uma Análise Crítica
e Contextualizada da Gestão do PBF nos Municípios
Para Santos, Ribeiro e Chagas (2009), o ato de administrar se manifesta em duas
dimensões articuladas e integradas: uma seria a dimensão da gestão, definida como a
concepção das formas de condução das relações sociais de produção e distribuição e a outra
seria a dimensão da gerência, definida como a ação, o ato de fazer, a materialização daquilo
que fora concebido no plano da gestão. Os autores fazem distinção entre o significado e
função do ato de pensar e agir administrativos, ressaltando que enquanto a gestão reflete a
capacidade de conceber, de conduzir um dado padrão, conteúdo e sentido ao ato
administrativo, a gerência reflete a execução das práticas administrativas nas organizações.
Com base nessa definição, pode-se inferir que do ponto de vista da concepção da
gestão, o Programa Bolsa Família é um programa de transferência de renda com
condicionalidades que prevê combater o ciclo intergeracional da pobreza, via transferência de
recursos financeiros diretamente aos municípios e beneficiários, bem como objetiva atuar
diretamente na promoção do acesso aos serviços básicos de educação e saúde para as famílias
beneficiadas. Com base nessa definição pode-se concluir que a concepção do programa está
centralizada na esfera federal e sua gerência fica a cargo das municipalidades, contando com o
suporte dos governos estaduais, especialmente no que diz respeito à formação e avaliação. Em
tese esse seria uma concepção interessante na medida em que reflete o que a administração
pública classifica como processo de descentralização da gestão. Entretanto, estudos sobre a
eficácia e efetividade do programa, têm revelado muitas dificuldades na condução (gestão) e
execução (gerência) dessa política, especialmente no que se refere ao papel das
municipalidades. Conforme ressalta Filgueiras (2006), a responsabilidade pela gestão do
Programa no âmbito local é muito diversificada, recaindo sobre organismos diversos, segundo
a estrutura de cada município. O que implica observar que o coordenador do Programa pode
estar situado em uma Secretaria de Assistência Social, em uma cidade, ou no Gabinete do
Prefeito, em outra, ou até mesmo na Secretaria de Educação em outros casos. Além disto, há
ocorrências de problemas graves de coordenação dentro do próprio governo municipal, o que
tem repercussões negativas para a qualidade e efetividade da gestão local do PBF.
2.2 Avaliação de Políticas Públicas
A literatura sobre avaliação revela um caráter aplicado e prático, na medida em que o
objeto de estudo são os programas e as políticas públicas. De acordo com Ballart (1996),
diferentemente do setor privado que tem variáveis e indicadores mais objetivos para valorar
4
suas ações baseadas em critérios objetivos de avaliação do custo-benefício para valorar as
atividades desempenhadas pelo setor publico torna-se mais difícil e complexo devido a
inexistência de critérios claros e amplamente aceitos sobre como fundamentar a avaliação as
ações do Estado considerando um número grande de variáveis e indicadores subjetivos.
Adiciona-se a isso, o fato de que as instituições públicas possuem e se relacionam com
diversos atores, os chamados Stakeholders, definidos como os membros de um grupo que é
afetado, de forma clara pela política e que, portanto, pode ser mobilizado pelas conclusões de
uma avaliação (WEISS, 1983).
Mas apesar desses desafios, a consolidação da democracia no país tem exigido o
investimento continuado em políticas públicas dirigidas para o fortalecimento da “função
avaliação”. Esse esforço tem sido justificado pela necessidade de investir na “modernização”
da gestão governamental, especialmente em um contexto onde se busca uma maior
dinamização (racionalização) e legitimação da concepção da Reforma do Estado (FARIA,
2005).
Mas é importante ressaltar que, desde a década de 1960, observa-se a utilização de
instrumentos de avaliação na gestão governamental, especialmente nos países desenvolvidos
(SCRIVEN, 1972; WEISS, 1983 e SCHNEIDER, 1986). Entretanto, o fortalecimento desse
campo ganhou maior expressividade a partir das décadas de 1970 e 1980 e, principalmente, de
1990. Momentos onde a avaliação de políticas e programas governamentais passou a
desempenhar papel importante no planejamento e gestão de políticas públicas. Conforme
destaca Calmon (1999), alguns fatores contribuíram para aumentar a demanda por ações
avaliativas e dentre eles destaca os seguintes: crescimento vertiginoso das agências
multilaterais em programas governamentais, dirigidos para apoiar os países em
desenvolvimento a superar a crise socioeconômica e política e a preocupação com os
resultados dos gastos públicos.
Nesse sentido, a liberação dos recursos passa a estar diretamente condicionada ao
controle das metas e resultados dos investimentos feitos. E para alcançar esses objetivos as
referidas agências foram definindo, progressivamente, algumas condicionalidades para a
liberação dos recursos, demandando, pois, o cumprimento de metas, indicadores e índices
específicos de eficácia, eficiência e, mais recentemente, de efetividade dos programas
contratados (CALMON, 1999; THOENIG, 2000 e FARIA, 2005).
Outro fator relevante apontado na literatura sobre o tema foi à necessidade de avaliar
programas públicos diante do aprofundamento da crise fiscal, da escassez de recursos do setor
público e da imprescindível intervenção governamental para atender à população mais
necessitada, base fundamental da chamada Reforma do Estado, especialmente em contextos
sociais de consolidação da democracia, como é o caso de muitos países latino-americanos.
(COTTA, 1998; COSTA e CASTANHAR, 2003; CANO, 2004).
Esta reforma, chamada também de reforma gerencial do Estado, visava aumentar a
eficiência e melhorar os resultados da administração pública, melhorar a qualidade das
decisões estratégicas do governo e assegurar o caráter democrático da administração pública.
Conforme destacado por Bresser-Pereira e Spink (1998), os princípios norteadores desse
movimento reformista foram os seguintes: desburocratização, descentralização, transparência,
accountability, ética, profissionalismo, competitividade e enfoque no cidadão. Mas com base
no texto Administração Política brasileira de Santos e Ribeiro (2011) observa-se que emerge
nesse contexto mudanças radicais no que se refere à concepção (gestão) do Projeto de Nação,
tendo em vista que a predominância da reforma ficou mais concentrada nos aspectos
gerenciais (vinculados é execução da administração) do que nos interesses vinculados às
funções e alcance da finalidade do Estado.
5
Dentre os movimentos de descentralização ou desconcentração ocorridos a partir desse
momento, constata-se um esforço no processo de institucionalização da participação social na
gestão pública, através da formalização de diversos Conselhos de Políticas Públicas,
Audiências Públicas e outras formas de estímulo a integração da sociedade civil nas políticas
públicas, especialmente no planejamento e gestão local.
O aumento da participação social exigiu, progressivamente, a integração de
indicadores de resultados, transparência, racionalidade decisória e eficiência alocativa, o que
demandou esforços por parte do governo e da sociedade para avaliar os investimentos
realizados (COTTA, 1998; CALMON, 1999 e CANO, 2004).
A literatura corrente evidencia que existem diversas e variadas definições sobre o
conceito de Avaliação de Políticas Públicas correspondentes, naturalmente, as concepções de
políticas públicas. Essa amplitude revela, pois, a grande complexidade desse campo de
análise e explica o esforço de diversas correntes da Ciência Política com ênfase nos estudos
da Administração Pública e também dos estudos críticos da Administração, especialmente da
teoria da Administração Política, revelando, assim, interações e percepções ideológicas
distintas sobre os fenômenos que envolvem o planejamento e a gestão publica.
Baseado na leitura de alguns estudos sobre o tema pode-se observar, pois, que não há
consenso quanto à definição de avaliação. O que implica afirmar que esse conceito admite
múltiplas definições.
Schneider (1986) introduz uma perspectiva nessa discussão ao justificar que a
avaliação de políticas públicas tem origem em várias disciplinas o que implica a integração de
ponto de vistas diferentes sobre o tema. Para a autora, essa evolução sobre o conceito e
práticas de avaliação produziu, portanto, uma massa confusa de “tipos” de avaliação ao invés
de um quadro referencial coerente.
No mesmo sentido, Ballart (1996) defende que a base teórica desenvolvida para
Avaliação de Políticas Públicas é decorrente de outras disciplinas e da acumulação de
experiências em áreas setoriais específicas. Ou seja, afirmar que o campo possui tradições
científicas diversas e seu desenvolvimento procede de experiências em administrações
governamentais, departamentos universitários, institutos, dentre outros. Para o autor, seria um
erro subestimar a importância da teoria de avaliação de programas e as lições das
experiências.
Com base nos conceitos acima destacados e na análise da Administração Política
Brasileira desenvolvida por Santos e Ribeiro (2011), pode-se observar que existem alguns
elementos comuns nas definições identificadas que ajudam na reflexão das práticas avaliativas
que têm sido utilizadas pela gestão governamental brasileira na contemporaneidade. Com
base nessa síntese, definiu-se como conceito balizador desta pesquisa o seguinte conceito: a
avaliação como um processo que busca a produção e análise de informações no intuito de
guiar os tomadores de decisão quanto a gestão e ao desempenho da política pública,
verificando, pois, a necessidade de correções ou mesmo suspensão de uma determinada
política ou programa, visando contribuir para a gestão e uma alocação de recursos mais
eficiente e eficaz, baseado na aplicação de métodos de pesquisa para verificar o alcance dos
resultados.
Nesse sentido, analisar os fatores que limitam e potencializam a gestão de programas
sociais no Brasil tomando como estudo, o Programa Bolsa Família, presente em todos estados
e municípios brasileiros, permite avaliar e refletir sobre a realidade das práticas gestão de
programas sociais no Brasil.
6
3. Procedimentos Metodológicos
Esta seção se divide em 3 partes articuladas, sendo elas: a definição da estratégia
metodológica do estudo, a apresentação dos instrumentos de coleta de dados e o desenho dos
métodos de pesquisa e tratamento dos dados.
7
participação deste estado se deve ao fato do grande escopo territorial e do alto número de
municípios que possui.
8
permitindo atingir uma representação do conteúdo, ou da expressão, suscetível de esclarecer o
analista acerca das características do texto” (BARDIN, 1977).
Franco (2008) aponta que a definição das categorias, na maioria dos casos, implica
constantes idas e vindas entre a teoria e material de análise e pressupõe a elaboração de várias
versões do sistema categórico. O que ocorreu na presente pesquisa. Desta maneira, buscou
analisar os fatores limitantes e potencializadores no âmbito das práticas de gestão do
programa, por meio das questões de livre repostas dadas pelos gestores, e a partir daí, foram
criadas as categorias de análise conjuntamente com algumas outras categorias criadas com o
apoio da literatura. Nesse caso, as categorias foram definidas de forma mista, ou seja, havia
algumas categorias elencadas, porém no decorrer da coleta e análise dos dados, estas sofreram
algumas alterações, assim como houve inserção de outras.
Sendo assim, o objetivo da análise de conteúdo foi “compreender criticamente o
sentido das comunicações, seu conteúdo, as significações explícitas ou ocultas” (MOZZATO
e GRZYBOVSKI, 2011), emitidas pelos gestores do programa em estudo.
4. Resultados e discussão
Participaram da pesquisa gestores municipais de quatro importantes Estados
brasileiros e que trazem à tona questões relevantes sobre a gestão local do PBF. Para todos os
Estados, na primeira parte da apresentação e discussão dos dados, será apresentado o perfil
pessoal e profissional dos gestores municipais respondentes que contemplam os mesmos
aspectos analisados junto aos gestores estaduais referente ao gênero, idade, grau de instrução
formal, tempo de experiência profissional, tempo de experiência com o PBF, bem como carga
horária de trabalho, tipo de vínculo empregatício e remuneração. A segunda parte focará nos
principais achados da pesquisa que permitem inferir os fatores limitadores e potencializadores
da gestão de programas sociais no Brasil, tomando como objeto o PBF.
Tabela 2 – Gênero
Sexo (%) GM – A GM – B GM - C GM - D
Feminino 49,3 60,0 33,3 73,2
Masculino 50,7 40,0 66,7 26,8
Fonte: Elaboração própria com base nos resultados da pesquisa.
9
Segundo grau 31,0 10,0 20,0 24,4
Ensino técnico 4,2 6,7 2,4
Cursando tecnologia 10,0 4,9
Superior incompleto 9,9
Cursando graduação 9,9 10,0 13,3
Graduação 33,8 40,0 40,0 56,1
Especialização 11,3 30,0 20,0 12,2
Fonte: Elaboração própria com base nos resultados da pesquisa.
10
resposta, que apontam para a rotatividade de pessoal no cargo de gestor/coordenador do
programa (Tabela 6).
Outra observação importante com base em uma análise comparativa dos dados é a
disparidade de pessoal nas equipes locais do PBF, onde é possível intensificar que enquanto
alguns tem equipe pequenas (com média de 4 até 9 pessoas), outros registram um numero
maior de quadros. Essa disparidade é ainda mais relevante na comparação entre o número de
equipe dos municípios e dos estados (média de 7,2), indicador que pode ser justificado tanto
pelo número maior de deveres e atribuições constitucionais assumidas pelos municípios em
relação aos estados na execução do programa, como também pode ser explicado pelo fato de
que compõem a amostragem da pesquisa municípios com alta população e maior número de
beneficiários atendidos.
Comparando a média salarial, os dados revelam que os gestores municipais dos
estados GM-C e GM-A possuem os menores salários entre os estados pesquisados. Pode ser
ressaltada, ainda, sobre esse tema, a considerável disparidade salarial entre os gestores
municipais. Podem estar relacionados a dimensão territorial de atuação, assim como
municípios que podem estar atribuindo maior expressão política e administrativa a estes
cargos. A média de população dos municípios possui pouca variação, a exceção de GM-B
que possui alta média entre os municípios (116.408).
Profissionalização da gestão
Foi declarado por grande parte dos gestores, a falta de profissionalização e o alto
contingente de servidores nas funções técnicas, especialmente para atender as demandas da
gestão compartilhada entre Estados e Municípios. Isso pôde ser observado em alguns trechos
declarados pelos gestores:
“Há falta de valorização profissional das pessoas que estão na rede e nos
profissionais do CadÚnico e o Bolsa Família, onde não existe concurso e salários baixos”
(GM-C);
11
“as questões de governantes e troca de titulares na prefeitura e Secretaria de
Assistência social” dificultam a gestão do programa e “devido à falta de equipe ficamos
impossibilitados de promover ações para um bom funcionamento do programa” (GM-B);
O gestor “correr o risco de quando houver mudança na gestão [...] vir a ser posto
para fora (demitido) sem motivo aparente, pelo simples fato de não estabilidade profissional”
(GM-A);
“Há necessidade de [...] se possível, poder efetivar funcionários locais pelo MDS
para não virar essa bagunça em troca de gestores do Poder Executivo” (GM-A);
“alta rotatividade da equipe que se solucionaria através de concurso público” (GM-
D).
Além do mais, os dados sobre vínculo empregatício e nível de instrução indicaram
esses aspectos pelo alto número de gestores em cargos de provimento em comissão, assim
como nos baixos níveis de instrução visualizados.
Um aspecto destacado pelos gestores foi o número de servidores públicos destinado
à gestão do programa, conforme mencionado por alguns gestores: “trabalho cansativo e
diversas responsabilidades em relação à função que desempenha” (GM-A) e a “dificuldade
em implementar ações que não sejam o acompanhamento e convocação das famílias
cadastradas para atualizações cadastrais” (GM-D) em função do número de funcionários.
5. Considerações finais
Compreendendo melhor o universo pesquisado junto aos gestores municipais do
Programa Bolsa Família nos estados selecionados, pode-se observar grande diversidade na
percepção destes sobre o tema objeto da pesquisa, assim como na manifestação de interesse
em participar da pesquisa, fatos que acabou tendo um reflexo na qualidade das respostas aos
questionamentos. Esse perfil possibilitou perceber que existem muitos profissionais que
coordenam o PBF junto aos municípios que tem baixo nível de instrução formal, revelando,
pois, níveis educacionais baixos (fundamental e médio/incompletos). Esta realidade é
comprovada também pela baixa qualidade de algumas respostas, revelando, não apenas
desinteresse no tema como muitos erros gramaticais, sintaxe e concordância, expressos em
frases incompletas e algumas sem qualquer sentido.
Mas dentro desse universo, existem muitos gestores que revelam ter um bom nível de
compreensão, entendimento e interesse sobre os temas tratados, expresso em respostas
qualificadas, demonstrando, assim, que são gestores com melhor qualificação (nível
superior/incompleto). Esse grupo de respondentes revelou predisposição para compreender as
complexidades que envolvem o processo de gestão do PBF.
Os principais resultados apontam que os fatores limitadores estão relacionados a
aspectos desde o planejamento e execução do programa, recursos humanos, condições de
trabalho e infraestrutura, como integração e coordenação com outras áreas relacionadas à
política/programa.
Assim, os principais achados da pesquisa que permitem inferir que os fatores
limitadores e potencializadores da gestão de programas sociais no Brasil estão relacionados
aos seguintes aspectos: profissionalização da gestão; contingente de servidores nas funções
técnicas, especialmente para atender as demandas da gestão compartilhada entre estados e
municípios; baixo nível de comunicação intergovernamental; política continuada de
capacitação e formação da equipe de trabalho; experiência com a utilização de banco de dados
e análise de indicadores de gestão e avaliação; infraestrutura administrativa das secretarias
estaduais e municipais; número de servidores públicos; e articulação, integração e
coordenação entre as esferas de governo na gestão do programa.
15
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1983, p. 213-245.
i
Os autores agradecem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro.
ii
Entende-se como Política Social um conjunto de programas e ações do Estado com o objetivo de atender às
necessidades e aos direitos sociais que afetam vários dos elementos componentes das condições básicas de vida
da população, até mesmo daqueles que dizem respeito à pobreza e à desigualdade (CASTRO et. al, 2008).
iii
O CRAS atua como a principal porta de entrada do Sistema Único de Assistência Social (Suas), dada sua
capilaridade nos territórios e é responsável pela organização e oferta de serviços da Proteção Social Básica nas
áreas de vulnerabilidade e risco social. Além de ofertar serviços e ações de proteção básica, o Cras possui a
função de gestão territorial da rede de assistência social básica, promovendo a organização e a articulação das
unidades a ele referenciadas e o gerenciamento dos processos nele envolvidos. O principal serviço ofertado pelo
CRAS é o Serviço de Proteção e atendimento Integral à Família (PAIF), cuja execução é obrigatória e exclusiva.
Este consiste em um trabalho de caráter continuado que visa fortalecer a função protetiva das famílias,
prevenindo a ruptura de vínculos, promovendo o acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a melhoria da
qualidade de vida (MDS, 2014).
iv
O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) configura-se como uma unidade pública
e estatal, que oferta serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou
violação de direitos (violência física, psicológica, sexual, tráfico de pessoas, cumprimento de medidas
socioeducativas em meio aberto, etc.).
17
QUOVADIS REGULADOR? UMA ANÁLISE DAS TRAJETÓRIAS
PROFISSIONAIS E POLÍTICAS DOS REGULADORES ESTADUAIS
NO BRASIL
3
estimar a probabilidade de que um regulador atuará na indústria regulada na sequência de seu
mandato na agência, bem como as principais determinantes para este tipo de escolha.
Em alguns casos, os reguladores foram indicados para cargos melhores ou até mesmo
para posições no ministério. Segundo Spiller, essa é uma das formas que os políticos
encontram para recompensar os reguladores que lhes foram fiéis. Ele distinguiu também
arelação direta de trabalho, isto é, um empregado de umaempresa regulada, da relação indireta
que significa a prestação de serviço para a organização regulada, como trabalharparaum
escritório de advocaciaque assessora a indústria em suas demandas jurídicas, por exemplo.
TABELA 1: EMPREGO PRÉ E PÓS ARI:
3. Metodologia
Nesta pesquisa analisamos duas dimensões importantes relativas à autonomia observada
na prática dos reguladores estaduais brasileiro: a) o conhecimento técnico e expertise dos altos
dirigentes das agências reguladoras; b) suas trajetórias profissionais pré e pós atuação na
agência.
Para alcançar este fim, construímos um banco de dados com dados bibliográficos sobre
todos os reguladores estaduais brasileiros. A coleta de dados foi realizada por meio de
múltiplas fontes disponíveis em duas fases. A primeira fase buscou explorar materiais
publicados em livros, artigos acadêmicos e demais publicações pertinentes ao tema. Em
seguida, na análise documental, encaminhou-se uma carta de apoio à pesquisa para a
Associação Brasileira de Agências de Regulação (ABAR) e para cada uma ARIs estaduais.
Destaca-se também o estudo desenvolvido a partir de sítios oficiais, bancos de dados e por
meio de órgãos de informação das agências reguladoras estaduais, além da investigação de
atas de reuniões das diretorias colegiadas, publicações nos Diários Oficiais do Estado, press
releases com os currículos dos indicados e meios diversos, como jornais, revistas e blogs de
jornalistas regionais.
Para compreender as características organizacionais de cada ARI, efetuou-se uma revisão
da legislação institucional de cada agência, o que permitiu observar (i) os objetivos da ARI
constituídos na lei estadual de criação, (ii) competências inerentes à regulação do setor a que
se destina, (iii) natureza da agência reguladora, (iv) estrutura básica da ARI, (v) composição
da diretoria colegiada, (vi) duração do mandato de cada diretor, (vii) responsável pela
indicação da diretoria colegiada; (viii) condições que devem ser satisfeitas para nomeação e
posse do indicado, como por exemplo: ser brasileiro, ser maior de idade, ter habilitação
profissional de nível superior, ter reputação ilibada e idoneidade moral, possuir mais de cinco
anos no exercício de função ou atividade profissional que seja tecnicamente compatível com a
atividade reguladora; (ix) possibilidade de recondução do mandato; (x) vedações para o
regulador no período pós-mandato, como o impedimento para o exercício de atividades no
setor regulado pela ARI por determinado tempo, contado da exoneração ou término do seu
mandato; (xi) previsão de ouvidoria pública para atendimento aos usuários; (xii) fontes de
financiamento da ARI e (xiii) quadro de pessoal da ARI.
Dado que hoje são 27 ARIs estaduais em vigor associadas à ABAR, sendo a Agência
Estadual de Regulação de Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (AGERGS), a
primeira agência criada no âmbito estadual, instituída pela Lei nº 10.931, de 9 de janeiro de
1997, esse foi o número base para a coleta de informações.
Com o fim de realizar a ordenação e classificação dos dados da pesquisa, após a coleta
das informações supracitadas, foi criado um banco de dados organizado em dois grupos de
classificação: “Agências Reguladoras Estaduais” com as características institucionais das
ARIs estudadas e “Reguladores” com o detalhamento dos profissionais analisados. As
categorias utilizadas no banco de dados foram elencadas no quadro a seguir:
5
Quadro 1: Categorias do Banco de Dados
Para a análise das trajetórias de carreira dos reguladores, utilizou-se parte da metodologia
apresentada por Eckert (1981) e Spiller (1988), isto é, para cada regulador, foi investigado o
tempo de mandato na agência, suas experiências profissionais pré e pós-agência, formação
universitária e o responsável pela indicação.
O objetivo foi comparar possíveis migrações entre a origem e o destino desses
profissionais, a partir das categorias setor privado e setor público. Na hipótese de um
regulador possuir atividade pré-agência em mais de um setor, a categoria mais antiga foi
descartada, priorizando sua atividade mais próxima ao momento de sua indicação. A
identificação dos setores de origem e de destino dos profissionais analisados obedeceu as
seguintes prerrogativas:
6
• Categoria 4: “setor público (DAS)” denomina os profissionais ocupantes de
cargos de direção e assessoramento (DAS) declarados em lei de livre nomeação e
exoneração.
No Brasil, as agências reguladoras estão sendo criadas nos três níveis de governo para
regular serviços públicos e setores considerados estratégicos. Enquanto, no âmbito federal,
predominou-se a criação de agências unissetoriais que tem a finalidade de regular áreas
como telecomunicações, energia, petróleo e gás, aviação civil, vigilância sanitária e saúde
complementar, optou-se pelo modelo multissetorial na maioria das agências reguladoras
estaduais. Pacheco (2003) corrobora que a especialização das agências está entre uma das
principais diferenças das ARIs federais e estaduais: enquanto na esfera federal, figuram
agências setoriais e especializadas, na maioria dos estados, optou-se pelo modelo de agência
multissetorial.
Para vários autores, a natureza multisetoriais das ARIs estaduais pode ser justificada
por fatores que variam desde as competências constitucionais que especificam a
responsabilidade de cada esfera federativa, até os ganhos de escala advindos da concentração
das funções regulatórias em agências multissetoriais (COUTINHO E SOUTO, 2009; PECI
& CAVALCANTI, 2000). Entre as 24 ARIs estaduais pesquisadas, 14 ARIs foram
classificadas como multisetoriais, enquanto 3 são ARIs bissetoriais e 7 agências são
especiadas em um único setor, como mostra o quadro a seguir.
Após a análise das leis estaduais que criaram as agências reguladoras, verificamos a
duração do mandato da diretoria colegiada, como mostra o quadro a seguir:
QUADRO 2: TEMPO DE MANDATO NAS ARIs ESTADUAIS
Elaboração Própria.
Portanto, observa-se que 71% das ARIs analisadas instituem o período de mandato de
quatro anos, admitindo uma recondução de igual período. É interessante notar que as
agências reguladoras da Bahia: Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de
Energia, Transporte e Comunicações da Bahia (AGERBA) e a Agência Reguladora de
Saneamento Básico do Estado da Bahia (AGERSA) não definem em lei o tempo de mandato
de cada dirigente. Entretanto, ambas estabelecem pré-requisitos para a nomeação dos
diretores.
Na análise das estruturas das agências, um outro fator importante influencia a autonomia
do órgão regulador: a escolha dos dirigentes da agência (conselheiros, diretores, comissários,
etc). Na maioria das agências reguladoras independentes estudadas destaca-se o poder que o
governador do estado detém no processo de indicação e escolha dos dirigentes da agência
(PECI & CAVALCANTI, 2000: 109). Excetuando-se a AGERGS, que tem modo de
indicação distinto, todas as outras 26 agências reguladoras estaduais têm os diretores
indicados pelo Governador do Estado, e por este nomeados uma vez aprovados, após
audiência pública, pela Assembleia Legislativa.
8
5. Análise dos dados
5.1 Expertise dos reguladores
Ao resgatar a ideia de que regulação depende da expertise dos profissionais, conforme
defendido por Majone (1999) e por Schrefler (2010), nesta pesquisa buscou-se verificar se, os
reguladores estaduais, apresentaram indícios fortes de expertise e conhecimento em regulação
e áreas reguladas, no momento de sua indicação. A expertise buscou-se analisar a partir de
três dimensões: i) formação universitária; ii) cursos de especialização; e iii) experiência prévia
no setor regulado.
Formação universitária
O banco de dados montado após a coleta dos curricula vitae permitiu catalogar os
reguladores por formação universitária nos cursos de graduação. As categorias foram
elencadas de acordo com a incidência do curso, incluindo reguladores que possuem mais de
uma graduação. O gráfico a seguir demonstra a distribuição dos cursos de graduação cursados
pelos dirigentes das agências reguladoras estaduais analisadas.
QUADRO 3: FORMAÇÃO UNIVERSITÁRIA DA DIRETORIA COLEGIADA
Elaboração Própria.
9
Cursos de especialização
É interessante observar que quando se analisam os cursos de especialização, percebe-se a
tendência que os reguladores brasileiros se afastam ainda mais da “expertise” na área
regulada, privilegiando, basicamente, áreas relacionadas à administração. Isto pode indicar
uma percepção dos altos dirigentes de agências reguladoras, que o trabalho que eles
desempenham na prática está mais relacionado com a administração de que com expertise e
conhecimento específico de regulação. De fato, dentre os engenheiros e economistas que
assumiram presidência nas diretorias colegiadas, foi possível comprovar a capacitação na área
de gestão durante a trajetória de carreira, considerando a realização de cursos de pós-
graduação latu sensu em Gestão de Pessoas, Gestão Empresarial, Finanças Empresariais e
Gestão de Negócios. Verificou-se que ARIs com naturezas mais especializadas alocaram
profissionais com maior expertise na área regulada. Fica claro quando se examina a região
Sudeste, que abriga quatro ARIs unissetoriais e três ARIs bissetoriais, em que engenheiros e
economistas permaneceram em suas áreas na academia, ainda que tenham realizado cursos
ligados à área de administração.
Experiência prévia no setor regulado
A terceira dimensão relacionada à expertise do regulador antes de assumir o cargo de
dirigente na agência reguladora está relacionada com a ocupação anterior a sua atuação na
agência. A tabela 2 apresenta a análise dos reguladores com experiência prévia nos setores
regulados antes de assumirem o cargo na ARI, por região do país.
TABELA 2: EXPERIÊNCIA PRÉVIA NO SETOR REGULADO
Elaboração Própria.
11
TABELA 3: ATIVIDADES PRÉ ARI
No que tange à origem dos reguladores, verifica-se que dos 233 profissionais analisados,
113 eram ocupantes de cargos de direção e assessoramento nos três níveis de governo,
representando 48,5% do total. Os cargos ocupados, como explicitado na experiência prévia no
setor regulado, figuram, em sua maioria, entre secretarias de transportes, infraestrutura,
desenvolvimento urbano, obras públicas, empresas estatais, entre outros. Com
representatividade substancial, 33 profissionais estavam atuando no setor regulado antes da
nomeação para a diretoria da ARI. Já 32 servidores públicos foram cedidos para assumir os
cargos nas diretorias colegiadas. A categoria de setor político teve 24 profissionais, um
número expressivo, graças à região Sul, que tem na AGERGS uma forma diferenciada de
indicação dos membros da diretoria.
A tabela 4 apresenta a matriz de ocupação dos reguladores, por região do país, pós-
mandato na ARI. Optou-se por distribuir os reguladores por região do Brasil para facilitar a
análise, considerando algumas características comuns. Dessa maneira, a coluna representa as
categorias de atuação pós agência reguladora enquanto a linha distingue regiões Norte,
Nordeste, Centro-oeste, Sudeste e Sul. O campo “não observado” traduz a impossibilidade de
identificar o destino do regulador. O total está apontado nas últimas linhas e na última coluna.
Elaboração Própria.
Elaboração Própria.
13
É importante notar a quantidade de reconduções por partido para verificar a permanência
do dirigente na ARI. A alternância de poder no governo do estado é outro fator preponderante,
já que é natural que o governante deseje nomear profissionais de sua confiança e acabe, dessa
forma, alterando a composição da diretoria colegiada, ameaçando o princípio de autonomia
gerencial do órgão. O número de reconduções foi maior nas primeiras ARIs estabelecidas, tais
quais AGERGS, ARCE, ARSAL e ARTESP, mais especificamente, no período inicial de
funcionamento da agência reguladora estadual, indicando maior estabilidade no período do
estabelecimento do modelo de ARI no Brasil.
Quanto às reconduções de mandato, os partidos políticos PSDB, PT, PSB, PDT, PMDB e
DEM/PFL optaram por reconduzir 74 profissionais que já estavam nas diretorias colegiadas
das ARI. No quadro 5, explicita-se a quantidade de reconduções por partido:
QUADRO 5: RECONDUÇÕES POR PARTIDOS POLÍTICOS
Elaboração Própria.
É possível afirmar que a maior parte das reconduções ocorre quando o regulador tem
altos critérios de expertise. Há que se pese o fato que, especialmente, na região Sul, as
reconduções ocorreram com reguladores provenientes do setor político, porém com
experiência prévia no setor regulado, seja em cargos públicos, na indústria regulada ou no
meio acadêmico. Portanto, a hipótese de Spiller (1988) de que grande parte das compensações
da atuação regulatória toma a forma de bem-remunerados empregos pós-agência não se
confirma caso brasileiro quando se aborda o nível estadual das ARIs. Pela análise da
autonomia dos reguladores estaduais, comprova-se que a maioria permanece no setor público,
em órgãos de assessoramento, secretarias afins à área de regulação ou até mesmo com
mandatos reconduzidos nas diretorias colegiadas das ARIs.
Considerações Finais
O presente trabalho teve como objetivo compreender como a autonomia decisória se
traduz na prática profissional dos reguladores estaduais no Brasil, focando em duas dimensões
importantes: nos níveis de expertise e de conhecimento especializado dos reguladores
brasileiros estaduais e em alguns indicadores da dinâmica de captura por diversos grupos de
interesse dos mesmos. Fruto de um contexto histórico e ideológico caracterizado por crescente
complexidade da ação do Estado e pela crença em “novas” tecnologias administrativas, que
resgatam o modelo de um órgão administrativo independente, a consagração de ARIs como
uma nova institucionalidade no contexto político-administrativo brasileiro, está relacionada
com a qualidade das decisões regulatórias tomadas por seu mais alto corpo dirigente.
De fato, uma das principais fontes de legitimidade das ARIs reside no seu conhecimento
14
e especialização técnica que, espera-se refletir na composição dos altos dirigentes das
agências. Obviamente que a regulação, ainda que envolva escolhas de natureza técnico-
científica, compreende decisões políticas relacionadas à conveniência e oportunidade. Isso
porque toda decisão estatal, mesmo quando realizada a propósito de questões técnico-
científicas, envolve uma margem de autonomia. Dito de outro modo, não se trata apenas de
uma atuação vinculada estritamente à Lei ou ao conhecimento técnico-científico, embora
margens excessivas de afastamento deste ideal podem ser problemáticas para a regulação.
A partir das três dimensões da expertise (formação, especialização e experiência prévia),
verificou-se que há nuances de especialização que dependem da natureza da ARI, da região
do país e da forma de indicação da diretoria colegiada. A pesquisa revelou que ARIs com
natureza mais especializada demandam profissionais com maior experiência na área regulada.
Engenheiros e economistas representam 44 % do total reguladores, indicando o conhecimento
técnico exigido no campo da regulação. No entanto, a forte presença de advogados e
administradores nas diretorias pode demonstrar que ainda há um caráter legalista e geral nas
ARIs estaduais. Esse fato torna-se ainda mais evidente na escolha de cursos de especialização:
há uma tendência de que o regulador brasileiro se afaste da expertise na área regulamentada.
Isso pode indicar uma percepção de que o trabalho feito pelos reguladores, na prática, está
mais relacionada à administração do que com a experiência e conhecimento de regulação.
No que tange à forma de indicação da diretoria colegiada, na AGERGS existe uma
tentativa pioneira de se estabelecer uma representatividade mais democrática no ato de
nomeação da diretoria colegiada e viabilizar o aumento do espaço de discussão e participação
social nas tomadas de decisões. A indicação de um representante do quadro funcional da ARI
a partir de uma lista tríplice elaborada por meio de eleição secreta realizada entre os
servidores efetivos da agência pode indicar a expertise do regulador e colaborar com a tomada
de decisão da ARI, embora também possa ser vista a partir da lógica de captura por grupos de
interesse relacionados com uma incipiente, embora crescente, regulocracia.
Espera-se que uma maior expertise influencie positivamente a autonomia decisória do
regulador, mas não é apenas essa dimensão que importa. Dados acerca da ocupação pré e pós
agência do regulador traduzem a ótica da captura, assim como conduções e reconduções
políticas revelam a consistência do modelo brasileiro de ARI.
Sob a ótica de captura, diferentemente dos reguladores norte-americanos, observou-se
que a maioria dos reguladores estaduais permaneceu no setor público após a atuação na
diretoria colegiada. Nas ARIs mais especializadas, ocorre a captura da própria burocracia
reguladora, formando uma rede de regulocratas, haja vista a migração de diretores entre as
ARIs. As conduções e reconduções partidárias indicam predominância de partidos como
PSDB e PMDB. Grande parte das reconduções entre partidos ocorrem com a presença do
PMDB, contudo percebe-se que as reconduções acontecem independente de corrente
partidária, indicando a solidez do modelo brasileiro de ARIs no cenário político nacional.
Este trabalho representou uma primeira tentativa de análise das trajetórias de carreira
dos profissionais que assumiram o cargo de direção em uma agência reguladora. Pesquisas
futuras podem explorar esse objeto nos níveis federal e municipal. Além disso, não fez parte
do escopo deste estudo apontar determinantes e probabilidade de cooptação dos reguladores,
conforme a metodologia completa proposta por Spiller (1988). Certamente uma análise mais
profunda também encontrará diversas outras variáveis contextuais importantes como os
fatores determinantes e a probabilidade de cooptação dos reguladores.
15
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16
A atuação da Administração Pública nos negócios financeiros do Brasil hoje.
1 – Introdução:
Não podemos ignorar outro aspecto do pacote de ajuste fiscal no Brasil que é a
continuidade do pacote de privatizações, com a Petrobrás Distribuidora, Caixa
Econômica Federal, portos, aeroportos e estradas federais. A saída pelo esvaziamento
do aparato público serve à lógica do aumento contínuo de recursos destinados ao
pagamento da dívida pública. De acordo com o Movimento Auditoria Cidadã da
Dívida, do orçamento federal proposto para 2015, R$ 1,356 trilhão estão reservados
para os gastos com a dívida, o que corresponde a 47% de tudo que o país vai
arrecadar com tributos, privatizações e emissão de novos títulos, entre outras rendas.
Este valor representa, por exemplo, 13 vezes os recursos para a saúde, 13 vezes os
recursos previstos para educação ou 54 vezes os recursos para transporte, segundo a
mesma fonte.
Parecem histórias distantes, a grega e a brasileira, separadas pela conjuntura
específica de cada país, mas subordinadas ao mesmo jogo do capital internacional,
podemos olhar para a Grécia e pensarno que podemos esperar de um Brasil que segue
cumprindo rigorosamente a cartilha do capital. Se autonomia e crescimento, ou
subordinação econômica, política e científica.
4 – Considerações Finais:
Este artigo destina-se a contribuir para os debates a se realizarem no VI
Encontro de Administração Política, cujo objetivo explicitado em sua página
eletrônica é construir teórica e empiricamente um novo paradigma para a
administração, para que esta não seja uma simples reprodução do pensamento único,
consolidado e hegemônico, mas que esteja a serviço da transformação social,
econômica e política de nossa realidade.
A proposta de debate desse texto traz informações dos resultados do setor
financeiro, em especial dos 5 maiores bancos que atuam no Brasil, sendo em resumo
um crescimento contínuo das taxas de lucratividade. Ocorre que mostramos que esses
lucros não advém unicamente da atividade fim dos bancos, a intermediação
financeira, ou seja, pegar dinheiro de investidores e emprestar a tomadores, pagando-
se remuneração àqueles e tomando juros desses últimos.
A segunda maior fonte de renda, segundo estudo realizado pelo DIEESE, é a
remuneração de títulos remunerados de acordo com a orientação do governo, como
são os papéis cotados pela taxa Selic. Nessa fonte de lucros, incluímos também a
remuneração advinda da dívida pública, que consume atualmente quase metade do
orçamento público federal.
Outras fontes de lucro surgem na composição dos lucros dos bancos, como
redução de encargos com despesa pessoal e aumento da cobrança de tarifas. Porém,
em participação percentual, essas fontes tornam-se secundárias, sendo a transferência
de recursos públicos fundamental para justificar os resultados obtidos, mesmo em
uma conjuntura de crescimento pequeno ou até negativo no PIB brasileiro.
Procurando estar atentos aos objetivos do encontro, vemos como
imprescindível fazer essa discussão olhando para a conjuntura atual do ajuste fiscal
que não nos parece tratar-se hoje de um pacote de medidas isolados na lógica
internacional da economia, tendo pontos em comum ao processo histórico que
ocorreu na Grécia.
As mudanças no orçamento público, ocorridas em mais de uma ocasião ao
longo de 2015, somadas às alterações na legislação não nos demonstra que a
administração pública esteja somente nas mãos do poder executivo, como alguns
afirmam, propondo que a mera substituição de seu chefe seria o bastante para superar
a crise. A crise econômica, sabemos, não é de hoje, a crise política, provavelmente
encontrará uma a saída da qual não participará a maioria da sociedade, aquela que
vive de seu trabalho, como diz Ricardo Antunes.
Os dados históricos nos apontam um prognóstico que as saídas não irão mexer
com os balanços dos grandes bancos, porém nos direitos sociais já confiscados, esses
sim, poderão estar perdidos.
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Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1628889-lucro-
do-banco-do-brasil-cresce-1173-no-trimestre-para-r-581-bilhoes.shtml .
Acessado em: 15/05/2015
Resumo
Este ensaio teórico intenta apresentar uma discussão sobre as permanências de algumas das
contribuições de Visconde de Uruguai no que diz respeito à dificuldade do Brasil em
estruturar um tipo de administração pública que imprima modernidade ao modelo de
centralização, e também à dificuldade em buscar na nossa própria trajetória histórica
inspiração para a estruturação de modelos de órgãos de gestão administrativa. A permanência
de traços formativos de influência ibérica é, nesta abordagem, o grande impeditivo para a real
incorporação de modelos de administração pública que contemplem, como fim último, uma
redefinição da relação Estado/sociedade, e consequente, o redimensionamento da cidadania
no Brasil.
Introdução
Entendemos que o mundo ibérico legara aos seus colonizados não somente uma
reafirmação da tradição aristotélica, mas também uma visão de mundo muito particular
presente na construção destas novas nações, construção esta pontuada de ações arbitrárias que
vinculam o seu passado aos produtos ideológicos do mundo moderno e contemporâneo, numa
permanente insubmissão aos códigos forjados pelo mundo anglo-saxão (BARBOSA FILHO,
2000).
O processo de independência de suas novas colônias trouxera ares esperançosos de
tempos novos, onde, na concepção dos letrados liberais, a liberdade, a justiça, o progresso e a
riqueza deveriam florescer na América. Cabia então, conforme relata PEIXOTO (2008), à
geração que sucederia a dos libertadores políticos a conclusão deste processo, isto é, a
elaboração de um conjunto de medidas que visasse a transformação do homem ibero-
americano em cidadão. Conclui Peixoto que a herança ibérica impregnou os modos de vida e
de pensar da América Hispânica, e a compreensão do significado pleno desta herança é
indispensável para detectar as desventuras e os obstáculos com que a modernidade se
deparou.
Neste momento, as atenções se voltaram para a organização liberal de seu sistema
político e para a valorização dos supostos que presidem a teoria do liberalismo, implicando
isto um forte movimento de recusa à herança ibérica. Era necessário, na visão de Prado,
“construir novos Estados, com instituições que garantissem a ordem e o controle sociais, mas
que também conferissem legitimidade aos que governavam” (PRADO, 1999, p.73).
Porém, a despeito de todos os esforços empreendidos, o passado do homem ibero-
americano insistia em não se converter em autêntico passado (ZEA, 1976); ele seguia sendo
um presente que não se decidia a ser história. O liberalismo político e o sistema de
representação se mostraram inviáveis em cenários onde não havia indivíduos, dotados dos
mais abrangentes direitos. Muito embora existam diferenças nos processos de independência e
constituição dos Estados nacionais, brasileiro e hispânico, um de caráter consensual e outro de
caráter conflitivo, o dilema quanto ao passado é comum a ambos.
A América Ibérica necessitava ainda conquistar uma autonomia do intelecto, uma
emancipação mental, como afirma Leopoldo Zea (ZEA,1976). Correntes do pensamento
político aportaram por aqui com a função de identificar as falhas produzidas pelo liberalismo,
sem, contudo, anular as mudanças estruturais obtidas com a sua implantação; concentramos
nossas atenções no positivismo, que baseado na ideia de progresso, se ocupava das questões
não equacionadas pelo liberalismo, tais como integração nacional (no Brasil, com a Escola de
Engenharia), cidadania, educação e a questão indígena. Seu arsenal teórico era bastante
atraente: o destaque dado à educação; a condenação da Monarquia em nome do progresso,
onde a república apareceria como a encarnação da última fase da lei dos três estados; a
separação entre Igreja e Estado; e a ideia de ditadura republicana, apelando a um Executivo
forte e intervencionista conforme nos ensina Carvalho (1990). O positivismo foi um
instrumento de severa crítica ao individualismo das sociedades anglo-saxônicas, da sua visão
de liberdade e práticas democráticas. Por conta disto, propôs um enfoque holista e de uma
sociedade orgânica cuja estratificação era baseada no saber.
Mas os efeitos esperados não vieram com a intensidade desejada. Como explica
Carvalho (1990, p. 31), “o apelo à integração e aos valores comunitários, feito nas
circunstâncias de desigualdade social extrema, de luta intensa pelo poder e certo desarranjo
financeiro, caía no vazio. Nada havia transformado a velha e discutida herança ibérica.” O
positivismo, a chamada filosofia do progresso, como lembra Zea (1976), se mostraria em fins
do século XIX, “aos olhos de uma nova geração, a geração com a qual se inicia a história
contemporânea do pensamento da América Latina, como a filosofia do retrocesso”. Não
havíamos conseguido ainda lidar com o nosso passado de modo que ele não fosse um
obstáculo à modernidade.
Em 1883, o regime imperial dava sinais de declínio; era mister tornar o Brasil um país
onde os códigos de civilização engendrados na Europa e nos Estados Unidos imperassem. E
de certa forma, a república simbolizava a possibilidade de concretização destes ideais de
progresso. Mas ainda em tempos imperiais, o país já tinha tomado contato com algumas
práticas liberais conectadas com o que entendiam ser manifestações da modernidade, como a
confecção da Lei de Terras de 1850, a Reforma Eleitoral de 1881, a Lei de Sociedades
Anônimas de 1882, e posteriormente, a abolição da escravidão, que liberaria o trabalho
(CARVALHO, 1987) E quais foram estes esforços empreendidos no sentido de ordenar a vida
no país a fim de desfrutar o que a civilização tinha a nos oferecer, mas que em pouco ou nada
abrandaram a influência desta pesada influência ibérica? O incremento da vida econômica, e
tudo que dela decorria, como investimento inglês, navegação, serviços urbanos, comércio; a
paulatina extinção do trabalho escravo, completa em 1888, e um consequente aumento do
incentivo à imigração (CARVALHO, 1988) a ampliação um pouco desordenada dos espaços
urbanos, e aqui me refiro mais especificamente à capital.
Sem mais apoio que o sustentasse, o império cedera lugar à república, e vinha a
certeza de que só com ela nos encontrávamos de fato aptos a lidar com os preceitos da
civilização e do progresso.
É um período onde, - embora com a presença de esforços no sentido de modificar o
estado de atraso do país e colocá-lo em contato com a chamada modernidade, nas suas mais
diferentes expressões, - “a tradição foi suficientemente forte para manter os valores de uma
sociedade rural, patriarcal, hierárquica” (CARVALHO, 1988, p.107).
A ideia de formarmos uma república nos presenteara com a sensação de inserção na
modernidade; mas o peso da nossa tradição formativa ainda nos acompanhava.
Da sua condição de colônia, o Brasil se torna refém da concepção portuguesa de
mundo, expressa na permanência de suas tradições. Portugal é reconhecido como uma nação
pouco dotada de “europeísmo” (HOLANDA, 1995) que se traduz num questionamento das
tradições europeias, fixando um conceito que se tornará emblemático na afirmação da Europa:
Civilização. Portugal não estava entre as nações europeias que cumpriam esta “receita
civilizatória”, por preservar tradições que esta ordem reformista insistia em questionar.
Era uma sociedade pouco definida no que diz respeito à divisão de classes, o que
provocava um reconhecimento muito mais pessoal do que de classe, e no todo, nacional.
Portugal, que havia conquistado a unidade política em torno do rei, permitindo-lhe aventurar-
se na conquista de novos mercados, não participou da confecção do que seria a “bandeira”
europeia na afirmação de sua hegemonia e de seu próprio reconhecimento, como missionária:
a ideia de civilização. Por civilização, através da elaboração francesa, podemos interpretar,
num primeiro momento, como a ampliação dos hábitos de Corte para o restante de sociedade;
O conceito de civilização, posteriormente, confunde-se com a ideia de unidade nacional, a
partir da existência de classes sociais definidas, que se encontram no espaço de ações
políticas, e no universo de hábitos e costumes, postas do mesmo lado ou em combate. E é este
conceito que vai permear as relações entre as nações europeias e destas com outras ainda em
processo de estruturação.
A proposta de civilização é um constante aprimoramento das instituições, dentro de
uma ordem reformista, preservando a “unidade dos costumes tradicionais” (ELIAS, 1994, p.
51-52), distanciando a nação cada vez mais da barbárie. Porém, a pertinência a uma
determinada classe social é bastante definida, pois é esta separação que permite uma unidade
de costumes: estes não se atêm à apenas uma classe, eles partem de uma e se tornam
nacionais, e mais ainda, no caso da França, universais. O indivíduo se reconhece e se
comporta como parte de uma classe, e posteriormente, como parte de uma nação. Entende-se,
Ainda que não descarte práticas descentralizadoras, em trechos que versam, entre
outras coisas, na ainda difusa relação entre Centro e províncias (outro expressão da atualidade
de seu diagnóstico), Uruguai crê, e credita à concentração de decisões nas mãos do Executivo
(e se tratando de Império, o Poder Moderador) a construção da nação brasileira.
A proposta era então, de formação de um Poder Central presente em todos os níveis
da vida do país, através de uma administração eficiente e apartidária; nas palavras de Ilmar
Mattos, o que importava, segundo as proposições de Visconde de Uruguai, acerca da
centralização política era “colocar em permanente relação, por meio de um exercício de
direção, o governo do Estado e o governo da Casa, romper seu isolamento, para poder vigiá-lo
e dirigi-lo” (MATTOS, 1999, p.216). Portanto, o projeto de Visconde de Uruguai, de reunião
dos governos do “Estado e da Casa”: O projeto da técnica, manipulada por uma elite ilustrada,
que daria conta das questões do país, partindo de premissas, tais como: neutralidade e
imparcialidade.
O modelo de administração descentralizado, norte-americano não se instauraria aqui
de forma bem sucedida, por se tratar de outra formação histórico-cultural, em nada congruente
com o modelo de autogoverno.
O país segue sua trajetória, adotando práticas onde o Estado oscila entre ação
principal e a coadjuvante, mas as lacunas abertas com a estruturação do Estado, ainda em
tempos imperiais, continuam, e muito, abertas.
A literatura sobre administração pública caminhou, no Brasil, até meados do século
próximo passado, ainda com este norte direcionador: a centralização da administração pública
somada à neutralidade científica.
A atuação do Estado, sob o controle de Vargas, privilegia práticas centralizadoras, no
intuito de reunir, sob o controle do Estado, o funcionamento do corpo social, “com ênfase na
reforma dos meios (atividades de administração geral) mais do que na dos próprios fins
(atividades substantivas)” (WARLICH, 1974, p.28) .
Falamos de linhagem de pensamento; no contexto dos anos 30, tão marcante para a
administração pública, a modernização administrativa proposta pelo governo de Vargas levou
em consideração esta marcante característica cultural formativa; a pouca familiaridade do
indivíduo com a coisa pública dava ao Estado e seus notáveis plenos poderes de mudança:
Oliveira Vianna, ideólogo do Estado Novo, é pertencente desta linhagem, e herda muitos dos
pontos levantados por Visconde de Uruguai.
Oliveira Vianna reconhece que na tarefa de modernizar o país, dois caminhos se
apresentam como possíveis: o constituído de técnicas liberais, “quando o Estado deixa ao
povo a liberdade de executar ele mesmo, espontaneamente, a inovação pretendida pela
política que, ele, Estado, adotou ou planejou” (VIANNA, 1987, p. 210); e o constituído de
técnicas autoritárias, quando o “Estado obriga o povo a praticar a inovação, usando da força
coercitiva (VIANNA, 1987, p. 210). “Naturalmente”, Oliveira Vianna descarta a primeira
possibilidade, já que o conjunto de indivíduos assim aqui formado jamais teria condições de,
por ele mesmo, executar qualquer reforma. A segunda possibilidade dá ao Estado plenos
poderes de ação reformadora. Ela se mostrará eficiente, se levar em conta o que Oliveira
Vianna chama de “nossa estrutura tradicional” (VIANNA, 1987), ou em última análise, a
nossa trajetória histórica, a nossa “condição de brasileiros”:
Compondo o grupo de pensadores que viam em um Estado centralizado a
possibilidade de inserção no mundo moderno, de, portanto, constituição da nação, Oliveira
Vianna, porém, inova no que diz respeito à natureza deste Estado: ele deve estar de acordo
com doutrinas corporativas, parecendo uma criação decorrente da nossa trajetória. Embora
suas críticas recaiam sobre o comportamento das elites, comportamento esse expresso num
descompromisso com o todo, Oliveira Vianna não ignora a sua importância como agentes
sociais.
Discussão final
Reféns que somos de nossa formação, e principalmente das nossas escolhas, temos
no conjunto de trabalhos produzidos, seja no campo da História, seja no campo da
Administração Pública, uma gama sortida de vozes, entoando variações de um mesmo tom: o
Brasil ainda busca seu caminho.
Referências Bibliográficas
As políticas de gestão de pessoas no setor público: uma análise das
carreiras dos técnicos administrativos e os programas de
desenvolvimento pessoal na Universidade Federal Fluminense.
Raphael de Mendonça (UFF)
Resumo
Este artigo tem o propósito de explicar a dinâmica em que os técnicos administrativos da
Universidade Federal Fluminense (UFF) se encontram em suas atividades. Ainda, analisar como as políticas
de gestão de pessoas atuam no desenvolvimento de suas carreiras. Abordaremos a influência da estrutura
organizacional burocrática, faremos uma análise dos conteúdos do Plano de Desenvolvimento de Carreiras
da UFF, descreveremos como dispositivos das leis são usados para atributo de força e poder pelos superiores
e, por fim, passaremos pelo processo de desmotivação com que os servidores se defrontam. Como
metodologia de pesquisa fora utilizada a análise de referenciais teóricos sobre universidades e descritas duas
entrevistas feitas com funcionários envolvidos em situações conflitantes com a Administração. Os
resultados demonstram como a influência e o poder são fatores determinantes que direcionam as carreiras
dos técnicos administrativos e como as normas que norteiam suas carreiras são incapazes de corrigir
possíveis desvios de gestão. Além disso, constata-se a visão produtivista do servidor público pelas políticas
de gestão de pessoas e a manutenção destas práticas em forma de programas de desenvolvimento de
carreiras.
Introdução
Este artigo tem por fundamento analisar a dinâmica das políticas públicas de
gestão de pessoas aplicadas na Universidade Federal Fluminense (UFF), no período de
2012 a 2015, através da experiência profissional deste autor na observação direta sobre as
carreiras dos técnicos administrativos. Trata-se de um estudo de caso que tem por
finalidade analisar as condições organizacionais que as carreiras destes servidores estão
inseridas. A estrutura organizacional, a política de gestão de pessoas e a gestão da alta
administração serão objetos de estudo através da análise de referenciais teóricos e outros
trabalhos que tem aplicação semelhante. Além disto, será trazida a luz do estudo, uma
análise de duas entrevistas feitas com servidores desta instituição.
Cabe salientar, que são poucas, a não dizer raras, as contribuições da literatura
acerca desta categoria de servidor (VIEIRA 2004). Os trabalhos elaborados que analisam
as Instituições de Ensino Superior (IES) são focados no eixo aluno-professor, como
observa Vieira (2004) citando Fonseca (1996) “(...) as obriga a se concentrarem nas
atividades-fim, configuradas por atividades desempenhadas basicamente por professores e
alunos, ocultando, muitas vezes, ‘um novo ator na cena universitária’ a saber: os
funcionários técnico-administrativos.” (FONSECA, 1996).
O conteúdo deste artigo foi estruturado nas seguintes partes: na introdução,
abordamos o objeto de estudo, a temática e a metodologia de pesquisa aplicada. No
desenvolvimento serão abordadas as características peculiares da universidade, com base
na sua estrutura organizacional, na política de gestão de pessoas e nas conjecturas que
tornam o servidor acomodado em seu cargo. Termina-se o desenvolvimento com a análise
de duas entrevistas feitas a servidores que abrangem todo o objeto pesquisado. Na
conclusão apresentamos o resultado dessa análise e as possíveis soluções para a
problemática.
Como metodologia fora aplicada: a) análise de documentos (leis e normas) que
regem a política de recursos humanos; b) duas entrevistas semi-estruturadas com
funcionários envolvidos em processo de remoção. A análise e a coleta de dados teve o
intuito de trabalhar a hipótese de que o servidor técnico administrativo não possui
respaldo da Administração para manter suas motivações elevadas.
A Universidade Federal Fluminense
Criada em 1960, a UFF atualmente conta com aproximadamente 11 unidades de
ensino espalhadas pelas diversas regiões do Estado do Rio de Janeiro e, em sua maioria,
na cidade de Niterói. Composta por 7868 funcionários em atividade, a universidade possui
em seu quadro 3391 docentes e 4477 técnicos administrativos, sendo estes últimos o
objeto de análise deste artigo. Neste universo, há uma diversidade de áreas e modalidades
de ensino disponíveis para alocação destes servidores. Com o objetivo de tentar explicar a
dinâmica das relações de trabalho na UFF, vamos analisar primeiro sua estrutura
organizacional.
Paula (2000) nos mostra que a partir dos anos 70, a universidade ampliou seus
quadros funcionais, seus níveis hierárquicos e cargos a serem preenchidos. Nesse sentido,
a racionalidade burocrática (agir segundo etapas calculadas) surgia como alternativa de
gestão. Conforme cita a autora: “a busca de uma ‘racionalização’ crescente para as
instituições universitárias foram responsáveis pelo surgimento de uma racionalidade
técnica na qual os fins se ajustam aos meios.”
Salm (2006) nos traz uma importante definição de Weber (1978) ao dizer que a
universidade se caracteriza, principalmente, por uma pirâmide hierárquica elaborada,
divisão de trabalho parcelada, regulamentação escrita onipresente, grande importância
conferida aos especialistas e técnicos, controles sofisticados, comunicação difícil entre os
escalões da empresa, centralização do poder, autonomia relativamente escassa para os
patamares inferiores e um direito de expressão muito limitado. (WEBER 1978)
Conforme cita Ramos (1983), a estrutura organizacional é uma ferramenta
gerencial que define o sistema administrativo: “a estrutura organizacional, (...) que
determina as linhas de autoridade, as competências, as hierarquias funcionais, e os grupos
que, no interior da unidade administrativa, procuram ajustar a estrutura formal às
motivações”. Segundo o autor, a estrutura se torna um elemento configurador, e no
presente estudo de caso, possui importante influência para análise.
Tomasi (2012) citando Hardy e Fachin (2000) nos traz a concretização da
característica burocrática que predomina nas estruturas hierárquicas de uma universidade.
Além disso, os autores salientam a importância com que uma estrutura organizacional
influencia a gestão, corroborando com a ideia defendida por Guerreiro Ramos. Tomasi
demonstra que o modelo de decisão baseado no sistema burocrático apresenta as seguintes
características:
Figura
1.
Fonte:
Tomasi(2012
p.93)
Nesse sentido, devemos relacionar os processos de tomada de decisões da alta
gestão com o modelo burocrático de Weber (1978): formalidade, impessoalidade e
profissionalismo.
Na tabela a seguir, é possível verificar a quantidade de órgãos na estrutura
organizacional da UFF segundo a natureza destes:
Acadêmico 408
Administrativo 1502
Outros 55
Total 1965
Considerações Finais
Este trabalho teve como propósito buscar os fundamentos que configuram o
processo de isolamento dos servidores públicos no cenário acadêmico, através de políticas
utilitaristas de gestão de pessoas. Trata-se de um estudo de caso que teve por objetivo
analisar e demonstrar os aspectos de gestão que geram problemas para o desenvolvimento
das carreiras dos técnicos administrativos.
Pela percepção deste autor no convívio profissional, pode-se verificar a existência
de casos envolvendo desvios de função, subutilização ou sobrecarga de atividades, casos
de inflexibilidade política nas relações de trabalho, e tantos outros problemas relativos à
estruturação de carreira destes servidores.
Como resultado extraído das entrevistas, podemos notar que a discricionariedade
que a lei concede à Administração (no caso do instituto da remoção) é fonte de poder para
as chefias e superiores. São essas pessoas que ficam responsáveis pelos destinos das
carreiras daqueles trabalhadores.
Observa-se que o setor de GP, responsável por gerenciar as demandas de “pessoal”
para a universidade, torna-se condescendente às decisões das chefias dos servidores.
Nesse sentido, as PGPs que são aplicadas através de programas de desenvolvimento estão
limitando os técnicos em suas carreiras com atividades rotineiras e burocráticas. Esses
programas reproduzem uma visão produtivista do servidor e isso o mantém isolado do
cenário acadêmico. Aproveitando os ensinamentos de Omar Aktouf (1995 p.250), os
programas de desenvolvimento de carreiras promovem a ideia de mudarem as atitudes,
habilidades e os comportamentos dos servidores sem mudar em nada a ordem
estabelecida, as relações de poder e o modo de participações nos diálogos acadêmicos.
Etzioni(1976 p.9) elucida que, quanto menor a alienação de seu pessoal, mais
eficiente será a organização, por isso consideramos a importância de desenvolver uma
gestão que valorize a participação do técnico no eixo aluno-professor. Consideramos que
tais programas junto com a gestão voltada para um setor acadêmico são os fatores que
contribuem para alienação do técnico administrativo em relação ao seu papel na
universidade.
Conforme cita Cury(2000), os servidores de uma universidade são compostos por
técnicos e docentes, que reúnem seus esforços para alcançarem os objetivos
regulamentados pela lei e políticas governamentais. Analisando as características acima,
podemos dizer que as relações sociais na comunidade acadêmica são voltadas ao eixo
aluno-professor e isolam os servidores técnicos administrativos. Dessa forma, podemos
analisar essa frase à luz de todo o estudo elaborado nesse trabalho, quando propomos a
inclusão do técnico no alcance dos objetivos organizacionais.
Dessa forma, de acordo com Motta(2001) espera-se que o setor de GP possa
gerenciar não só os aspectos políticos e formais, mas também os aspectos
comportamentais de seus funcionários. Considerar as aspirações profissionais, suas ideias
e suas motivações, seria uma solução prática e viável que facilitaria o desenvolvimento
dos servidores. Ainda, conforme (VIEIRA 2004), os desafios de tornar a universidade apta
a formar pessoas capazes de transformar a sociedade perpassam primeiro em transformar
a si mesma.
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Resumo
Este artigo tem como objetivo apresentar os principais dados resultantes da pesquisa intitulada
“Novos ParâmetrosTeórico-Metodológicos para Avaliação da Capacidade de Administração
Política: uma análise das políticas públicas do município de Itabuna-BA”, realizada no
período de 2011 a 2013. O objetivo geral da pesquisa foi aplicar uma nova metodologia de
pesquisa para avaliar a capacidade de gestão de políticas públicas à luz da Administração
Política. Essa metodologia se fundamentouem elementos teórico-epistemológicos,
conceituais, factuais,próprios das ciências administrativas, assim como parâmetros técnicos
que contribuam para que o Estado brasileiro possa melhorar a concepção e execução de
políticas públicas, de modo a promover, adequadamente, a oferta de bens e serviços públicos.
Através do levantamento censitário,feito junto a representantes dos principais atores sociais
das políticas de saúde eeducação do município de Itabuna,foi possível avaliar as condições
(reais e potenciais) de atendimento da oferta e demanda das políticas selecionadas o que
permitiu concluir que as políticas públicas itabunensesestão mais comprometidas em
problematizar a vida dos que mais necessitam de uma ação pública de qualidade (os mais
pobres), do que em atender e suprir, efetivamente, suas necessidades.
1 INTRODUÇÃO
O Brasil está passando por um momento muito delicado: não tanto pela gravidade dos
problemas e mais pela pouca convicção dos diagnósticosfeitos pelas pessoas que ocupam
posições de autoridade neste País. Essas incertezas em relação aos problemas e os
encaminhamentos mais adequados estão diretamente relacionados com o nosso baixo
conhecimento da realidade das relações sociais – e isso tem a ver com o método e a finalidade
da pesquisa em nosso campo.
Enquanto as ciências duras trabalham diretamente com o fenômeno pesquisado,
manipulando e experimentando a realidade em laboratório ou fora dele; as ciências sociais
trabalham com dados secundários, com uma defasagem média quase nunca inferior a cinco
anos; os pesquisadores, muitas vezes, têm pouca ou nenhuma relação com o objeto de
pesquisa; às vezes, quando se utilizam de dados com a defasagem de tempo menor, o
instrumento de coleta não é dos melhores – a exemplo do método de pesquisa Survey.
1
2
instalada [de políticas públicas] ser insuficiente, mas sim do funcionamento inadequado das
instalações existentes e/ou da falta de manutenção dos equipamentos já instalados; e (b) O
servidor público brasileiro [itabunense], em sua grande maioria, não cumpre o expediente (a
jornada de trabalho), de acordo com o contrato estabelecido entre as partes, o que reduz,
dramaticamente, a oferta e, principalmente, a qualidade da produção estatal de bens e
serviços.
Comprovar esses pressupostos é um desafio que exige do Estado, da academia e da
sociedade, em primeiro lugar, uma compreensão ampla e profunda das causalidades que têm
contribuído para a perpetuação e aprofundamento da incapacidade de se definir uma
concepção/padrão de Administração Política capaz de alterar o curso que tem determinado a
nossa história recente e a pensar medidas urgentes para garantir o futuro da nação e da
sociedade; e, em segundo lugar, a assunção de compromissos por parte do setor público, da
Universidade e da sociedade para o desenvolvimento de novos parâmetros administrativos
(gestão e gerência) comprometidos com o atendimento mínimo da qualidade de vida da
sociedade.
Aceitando como válidos os pressupostos indicados acima, pode-se considerar que o
artigo ganha relevância, pois se constitui em um texto importante, pois privilegia aspectos
teórico-metodológicos inovadores para avaliar a capacidade de Administração Política do
Estado brasileiro, partindo de uma base essencialmente empírica, construída a partir da
realização de um censo no município de Itabuna-BA.
Como será apresentado no corpo do texto, os dados alcançados validam os
pressupostos teórico-metodológicos baseado no método censitário, visto que auxiliaram a
compreender melhor os fenômenos administrativos (em suas dimensões gestorial e gerencial).
Essa afirmação se fundamenta no fato de que a pesquisa amostral, tão comum na atualidade
para proceder a processos avaliativos, não ser suficiente para avaliar o grau elevado de
subjetividade que o ato de pensar e agir administrativo (Administração Política) exige. Nesse
sentido, os dados irão demonstrar que a avaliação fica mais aprimorada quando vista pelos
resultados da efetividade do que ‘mensurada’ apenas pelos indicadores de produtividade dos
processos de trabalho (denominado aqui de produção pública).
Cabe ressaltar que a escolha do município de Itabuna-BA para a aplicação da pesquisa
piloto, com base na metodologia aqui proposta, se deu pela representatividade que esta
municipalidade tem na demanda e oferta de serviços e bens públicos na região sudeste da
3
Bahia, sendo considerado o principal polo de negócios e serviços da Costa do Cacau, além de
concentrar a movimentação financeira de toda a região.
Ao assumir a teoria da Administração Política como referência teórica e metodológica
central para o desenvolvimento da pesquisa que fundamentou este artigo, será apresentado a
seguir uma breve revisão do debate recente sobre esse conceito com ênfase na discussão dessa
teoria com o conceito de avaliação de políticas públicas.
A análise dos atos e fatos administrativos (SOARES, 2004) e/ou das práticas e saberes
administrativos (CORREA e JURADO, 2003)é, sem dúvida, um aspecto de alta relevância
acadêmica e profissional para o campo epistemológico e técnico da administração, pois
permite compreender, analisar e avaliar, de forma crítica e contextualizada, a natureza,
afinalidade, os conteúdos (concepção), as dimensões (política e técnica, isto é, a gestão e
gerência, respectivamente) e a dinâmica que integram o campo da ciência administrativa.
Além das competências citadas, cabe ressaltar, ainda, o seu papel comocampo propositor de
mudanças (de direção, rumo, liderança, dinâmica, processo etc.). Assim, pode-se inferir que a
administração é uma ciência social que integra ao mesmo tempo, e de forma indissociável, as
dimensões do pensar e do agir (SANTOS, RIBEIRO e SANTOS, 2009), representando o
conceito de Práxis,consagrado por Aristóteles.
Nesse sentido, os estudiosos da teoria da Administração Política acreditam que a
edificação de pressupostos teórico-epistemológicos e metodológicos que contribuam para
consolidar a administração como campo científico próprio (ainda que multidisciplinar) é uma
inovação. Sobre esse aspecto cabe ressaltar os esforços que têm sido empreendidos por
diversos pensadores, que tem avançado em reflexões e discussões críticas, afirmando ser a
administração uma ciência social, embora destacando um importante diferencial que é o fato
de ser uma ciência social aplicada, conforme destacaram Ribeiro (2006), Ramos (1981; 1983),
Azevedo e Grave (2014), entre outros.
Após essa breve introdução sobre o contexto e origem da ciência administrativa, cabe
apresentar uma síntese do conceito da Administração Política, com base em Santos (2004) e
Santos, Ribeiro e Santos (2009). Conforme já destacado acima, a ciência administrativa ou
administração política é defendida pelos autores citados como o campo próprio de
4
5
6
pré-determinados (muitas vezes concebidos por atores externos à realidade que está sendo
avaliada).
Desse modo, para avaliar a capacidade de administração política (capacidade de
gestão) das políticas de saúde eeducação de Itabuna (ou de qualquer outro município
brasileiro), os autores vão buscar apoio teórico-metodológico na economia política, tomando
de empréstimos os conceitos clássicos de demanda social e oferta(real e potencial)
disponibilizada pelo setor público à sociedade. Ao integrar os conceitos e métodos da
economia (assim como também da filosofia política, da sociologia política e da ciência
política) para a análise crítica dos fenômenos administrativos, os autores citados assumem
como pressuposto que os atos e fatos e/ou os saberes e práticas administrativas tem
subjetividade, revelando, desse modo, que tem seus fundamentos nas ciências sociais,
conforme já destacado.
Ao definir novos parâmetros teórico-epistemológicospara a avaliação da capacidade
de Administração Política brasileira com ênfase no município de Itabuna-BA, a pesquisa que
fundamentou esse artigo avança no desenho de uma proposta metodológica para avaliar
políticas públicas, tomando como base um método e instrumentos de avaliação mais
sofisticados, definindo indicadores que possibilitem avaliar a capacidade dademanda social e
oferta (real e potencial) disponibilizada pelo setor público.
Tomando como base a atual perspectiva do capitalismo mundial, muitos estudos5 tem
ressaltado que o Brasil se mostrava refratárioem aceitar os novos (velhos) fundamentos
liberais, até a primeira metade dos anos 90 do século passado– parecia insistir em conduzir os
destinos do capitalismo nacional com base na concepção de uma Administração Política
centralizada– um capitalismo administrado pelo Estado. Essa resistência vai sendo
quebrada,progressivamente, à medida que a instabilidade macroeconômica aumentava e,
sobretudo, à medida que os formuladores da política econômica, com formação em escolas
brasileiras, iam sendo substituídos por profissionais com formação em escolas norte-
americanas com forte viés neoliberal (SANTOS e RIBEIRO, 1993; 2004).
Segundo destacam Santos e Ribeiro (1993;2004), a lógica do argumento para mudar o
curso do projeto ‘nacional-desenvolvimentista’era, pois, produzir um discurso ideológico
(embora travestido de um conteúdo técnico) em favor da descentralização que tinha dois
direcionamentos: (a) um no plano das relações do Estado-Sociedade; e (b) outro no plano das
7
8
economia foi manter elevadas taxas de juros financiadas pelo orçamento público, situação que
se mantém até os dias atuais. Atribuiu-se maior importância a esse aspecto pelo simples fato
de que se acredita que qualquer padrão de política econômica nacional só alcançará sucesso
caso o orçamento público deixe de ser a âncora do Balanço de Pagamentos (orçamento
público). Corrobora com essa análise o fato de que os sucessivos governos, a partir de 1995,
têm conseguido manter elevados saldos na balança comercial, elevadas taxas reais de juros
(Selic) e apego ao superávitprimário,demonstrando, pois, que a política de subordinar o
Orçamento Geral do Estado como âncora sustentadora do equilíbrio das contas externas não
parece ter grandes chances de ser rompida.
Com base nesse cenário adverso, considera-se que a academia esta desafiada a cumprir
sua missão inovando em pressupostos teórico-metodológicos que possibilitem desenvolver
estudos mais profundos e críticos acerca dos impactos da trajetória assumida pelos governos
mais recentes, especialmente junto aos municípios.
9
formada apenas pelo distrito de Ferradas), pode-se constatar que o desequilíbrio entre a área
urbana e rural ocorre mais por conta da qualidade do serviço que se presta na zona rural do
que pela quantidade de unidades instaladas.
Além disso, verificou-se que, da rede pública, 17 são caracterizadas como Unidade de
Saúde da Família (USF), 14 como Unidade Básica de Saúde (UBS) e uma como Unidade de
Base (UB) – Hospital de Base Luís Eduardo Magalhães. Este hospital é considerado como a
única unidade de saúde de alta complexidade do município e região; 29 outras são tidas como
de baixa complexidade, dedicadas,fundamentalmente, à prestação de serviços de consultas
médicas. Cabe ressaltar que são consideradas unidades referenciadas o posto Dr. José Edites,
localizado no bairro de São Caetano, e o posto Dr. José Maria de Magalhães Neto, localizado
no Centro da cidade.
Por certo que uma estrutura complexa e multifuncional para desempenhar bem a
missão que lhe é atribuída depende de múltiplos fatores que a circunstanciam, entre eles a
qualificação do pessoal envolvido e sua motivação – a começar pela direção. No caso
específico do sistema público de saúde de Itabuna, não se quer afirmar que o administrador
geral tenha que ser um bacharel em Administração ou que deva ser um profissional habilitado
na área de saúde (medicina, odontologia, enfermagem, etc.), até porque pessoas com boa
formação cognitiva podem se tornar bons dirigentes públicos ou privados, independente de ter
formação em Administração ou na área específica da saúde. Entretanto, olhando a formação
daqueles que estão dirigindo a saúde do município não se percebe um critério objetivo que
esteja relacionado com a qualificação para os cargos mais elevados. Isso fica evidente quando
os dados da pesquisa permitem identificar que dos 32 dirigentes do setor, 15 responsáveis por
unidades de saúde da família ou unidades básicas de saúde têm formação máxima de segundo
grau, sendo que dois deles só têm o primeiro grau. Os 17 restantes estão incluídos desde
aqueles que têm nível superior incompleto (2) passando por profissionais com formação
distante da requerida pela área – teólogo, pedagogo, entre outras profissões (2), até os que têm
nível superior, sendo que destes (8) são administradores, (2) são educadores físicos e (3) são
formados em serviço social.
Considerando que esses gestores são cargos comissionados, preenchidos por dirigentes
que normalmente não são do quadro efetivo, revelando, pois, uma alta rotatividade, pode-se
concluir que os graus de compromisso e de motivação para prestar um bom serviço de saúde à
comunidade são visivelmente muito baixos. Os resultados alcançados atestam esta
conclusão.Incluindo os 32 dirigentes citados, a estrutura da política de saúde do município de
11
Itabuna é operada por 1.410 funcionários, sendo 192 médicos, 19 odontólogos, 146 como
enfermeiros, 15 entre nutricionistas, psicólogos, psiquiatras e fisioterapeutas e 1.038
categorizados como técnicos (incluindo técnicos em radiologia, auxiliares de enfermagem,
nutricionistas, motoristas, etc).
Do total de técnicos (1.038), aproximadamente 30% têm curso superior – revelando
um índice bastante elevado, principalmente se for considerado que no quadro técnico
integram cargos que não exigem nível superior como: serviços de limpeza, cozinheiro,
motorista, auxiliar de enfermagem, eletricista, etc. Somados aos médicos e enfermeiros a
pesquisa revela que, aproximadamente, 50% dos funcionários da saúde pública de Itabuna
têm curso superior, dos quais 30% (203 funcionários) têm formação pós-graduada.
A jornada de trabalho é um quesito fundamental para a avaliação da produção e
produtividade no setor de saúde. Os parâmetros dados pelos órgãos de saúde (conforme
normas nacionais6 e internacionais7) definem para os médicos e dentistas 20 horas semanais,
para enfermeiros e auxiliares 36 horas semanaise 40 horas semanais para os demais
trabalhadores. Entretanto, os dados mostram que a quase totalidade dos dentistas e,
aproximadamente, 03 médicos estão em regime de 30 horas ou mais horas semanais. Dos 211
profissionais de diversas especialidades apenas 27 (13%) estão em regime de 20 horas. Fora
de padrão também está o horário de trabalho dos profissionais de enfermagem (enfermeiros e
auxiliares). Os dados revelam que estes profissionais estão em 30 ou 40 horas semanais. Não
há registro na pesquisa de qualquer profissional dessa área em regime de 36 horas semanais,
conforme o recomendado pelos organismos reguladores nacionais e internacionais.
A discussão sobre esses dados é muito importante, dado o fato de que é a partir da
capacidade de oferta do sistema de saúde que se pode medir a produtividade e discrepâncias
entre a capacidade de oferta, a oferta efetiva e a demanda social, conforme metodologia que
fundamentou a pesquisa que deu origem a este artigo.
Foi constatado que o sistema de saúde pública de Itabuna ofertou uma média de 2.671
consultas/dia, durante o período da pesquisa. Considerando que o sistema de saúde como um
todo tem 364 profissionaiscom capacidade de atendimento e avaliandoque o maior
contingente desse corpo técnico é formado por médicos e enfermeiros e, mais ainda, que só 33
estão em regime de 20 horas semanais, conclui-se que a capacidade técnica de operação do
sistema é bem maior do que aquela que vem sendo registrada como sendo a demanda social
efetiva, conforme mostram dados da Tabela I.
12
14
15
É possível observar com os dados apresentados acima que a execução do tipo (ou da
natureza) de ensino não obedece à lógica das competências, o que implica afirmar que o grau
de especialização das escolas por tipo de ensino é baixo. Das 132 unidades escolares, apenas
41 (31%) são especializadas em um determinado nível de ensino: 19 em ensino infantil, 20
em ensino fundamental, 01no ensino médio e 01 no ensino profissionalizante. As demais
unidades, 91, representando, aproximadamente 69% do total, abrigam mais de uma
modalidade de ensino.
Essa realidade permite inferir que, em tese, já haveria uma condenação à
transformação para a situação multifuncional das unidades escolares citadas – que abrigam,
por exemplo, ensino fundamental eensino médio. Essa conclusão se fundamenta, pois, no fato
de que cada modalidade deveria funcionar em turno específico em razão da necessidade de
racionalizar o uso de equipamentos e métodos diferenciados de aprendizagem.
Porém, mais condenável do que essa situação, é a constatação de que no mesmo turno
e o pior na mesma sala observou-se a presença de alunos de séries diferentes – o que o
governo chama tecnicamente de sala ou ensino multisseriado.Essa situação se agrava, de
forma dramática, na zona rural do município avaliado onde se constatou que a escola só tem
uma sala de aula, funciona em um único turno e o professor mora na sede do município.
Em síntese, a pesquisa permitiu constar a existência de uma estrutura de ensino que
contempla um processo pedagógico de aprendizagem tão deficiente que, no caso desse serviço
16
TABELA III - Educação Pública em Itabuna: quantidade de Escolas por turno - 2011
TURNO QUANTIDADE %
MATUTINO 11 8,3
VESPERTINO 2 1,5
NOTURNO 2 1,5
MATUTINO E
71 53,8
VESPERTINO
MATUTINO E NOTURNO 46 34,8
TOTAL 132 100,00
Fonte: Censo realizado pela equipe responsável pela pesquisa
17
e técnicos, na medida em que a tendência natural tem sido ampliar o equipamento. Na Tabela
IV, pode-se verificar o nível de capacidade ociosa do sistema educacional de Itabuna.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
19
REFERÊNCIAS
20
21
Crise Econômica ou Crise Política: os Desafios do Segundo Mandato do Governo
Dilma Rousseff
Resumo
O segundo mandato da presidente Dilma Rousseff depois de uma vitória apertada diante
de seu adversário o psdebista, Aécio Neves. A petista enfrentou racha em sua base
aliada, principalmente do seu maior aliado o PMDB, crises políticas em seu primeiro
mandato que custaram as demissões de Ministros, assim como o julgamento do
mensalão e a CPI da Petrobrás que trouxeram a questão da corrupção para o debate das
eleições presidenciais em 2014. São muitos os desafios de Dilma Rousseff, rearticular a
base de apoio político, social, jurídico e industrial, recuperar sua governabilidade
(NASSIF, 2015). Ressalta – se que a presidente, desde 2011, assumiu um país com
acordos já definidos e uma crise econômica ainda em curso em parte da Europa e nos
EUA. Em seu segundo mandato, em face de um novo contexto econômico ela está
tendo que tomar medidas de ajuste fiscal que não estão sendo bem vistas pelos seus
eleitores e tem servido de discurso para a oposição. Dessa forma, a presidente precisa de
um centro de governo forte que trabalhe no sentido de recuperar a estabilidade
econômica e política.
Palavras-chave: crise, política, economia, governabilidade, centro de governo.
Introdução
Política e economia nunca foram temas tão populares como atualmente, nas redes
sociais e em toda a mídia o que mais se vê são “notícias” sobre a crise política e
econômica que o Brasil esta passando. São números intimidantes sobre a economia, e, a
cada dia, mais escândalos sobre a corrupção que parece como “nunca antes” assolar o
país. Seriam mesmo a corrupção e um possível mau desempenho do governo os
responsáveis por tamanha confusão? Qual o real tamanho do problema? Quais as
verdadeiras razões da crise que fogem ao discurso comum? Quais os possíveis
caminhos e soluções?
A crise Econômica
As redes sociais têm trazido com frequência discussões políticas para o cotidiano. É
questionável, no entanto, a qualidade e integridade das informações nelas veiculadas.
Somada a enxurrada de conteúdo disponível de origem pouco verificável, está a mídia
com seus interesses políticos-coorporativos. Ela vem colaborando para expandir a
sensação de mal estar econômico-político por intermédio da massificação sistemática de
notícias alarmistas. A expectativa pública é um importante agente na economia, pois ela
influencia o comportamento do mercado. Um mercado atemorizado tende a resguardar-
se reduzindo investimentos, o que desacelera a economia, por fim, a crise, em parte,
ganha força pelo espetáculo midiático.
Muitos podem se orgulhar em dizer que o sistema bancário brasileiro é um dos mais
seguros do mundo. Ocorre que o capital financeiro tem sobrepujado, em muito, a
produção, é a busca dos altos rendimentos, por intermédio das altas taxas de juros, a
valorização do capital virtual, a chamada política da austeridade, à parte, ficam os
investimentos na produção, na indústria, na economia real. A prioridade é remunerar o
capital fictício sob a forma de dívida pública, implicando redução de gastos em áreas
prioritárias, como saúde, segurança, educação, infraestrutura, saneamento básico. De
acordo com a análise da Carta Maior, em 24 de Agosto de 2014, este movimento
econômico vem se intensificando no Brasil desde 1990, e, é a tendência do capitalismo
contemporâneo (CARTA MAIOR, 2014).
Este fato pode explicar o porquê de apesar de o país estar em crise, os três principais
bancos privados aumentaram em 27% os seus lucros líquidos, na comparação entre o
1ºsemestre de 2014 com o 1º semestre de 2015 (SCIARRETTA, 2015).
O Brasil escolheu seu sistema político, o presidencialismo, e com ele todo o conjunto de
norma, formas, articulações e regras para se manter um governo e sua governabilidade.
O sistema brasileiro conhecido como presidencialismo de coalisão ganhou esse
adjetivo, segundo Limongi (2006), por se tratar de um regime com características
peculiares. Já Fabiano Santos (2006), resgata que o termo surgiu em 1988 com artigo
de Sérgio Abranches que descreve um modelo institucional em que o presidente
constrói sua base de sustentação concedendo postos ministeriais a membros de partidos
que possuem representação no Congresso e, estes, em troca, forneceriam votos para
aprovações de agendas de governo e outras matérias.
Ao longo de três décadas, as composições partidárias nas coligações para eleições
presidenciais formataram o cenário das relações das forças políticas tanto no Congresso
(Câmara e Senado) quanto nos governos dos estados. Numa análise dessas
composições, é possível perceber a flutuação de partidos ditos de “centro” que ora são
base aliada de governos neoliberais ora são base de governos de esquerda e centro
esquerda, além dos chamados “partidos nanicos” que em média elegem um ou dois
deputados ou senador, mas que barganham seus poucos votos nessa grande coalizão que
se caracteriza o presidencialismo no país. As correlações de força no parlamento são
importantes para que haja a governabilidade de um presidente, pois as agendas de
governo, as mensagens do executivo, as aprovações de orçamento necessariamente
passam pelas duas casas legislativas. Mas, por que compreender o presidencialismo de
coalisão? Quais são seus impactos na governabilidade de um presidente?
E, também acirra a opinião pública. O governo de Dilma tem uma rejeição alta, 71%
segundo o Datafolha, contudo ela segue firme em seus discursos, afirmando que não
teme pressão.
O pano de fundo da crise é ideológica e não é por acaso que aparelhos ideológicos do
Estado estão a serviço de um processo em curso para a renúncia da presidente ou a
justificativa de seu impeachment. O fato é que a crise política, a manipulação no
Congresso, impulsiona a crise econômica, pode paralisar as ações do Executivo e causar
ainda mais estragos na economia do país. Qual é o preço da pressão política que impede
a governabilidade de um presidente? Até que ponto o presidencialismo de coalisão é tão
importante para garantir a governabilidade e o manejo político?
Em um governo em que sua figura principal está na linha de ataque, nesse caso a
própria presidente, torna-se evidente a necessidade e relevância de um ponto focal, da
figura do articulador, uma pessoa que represente o governo e que seja capaz de
apaziguar as pressões e demandas do Congresso e construir de forma “diplomática” a
governabilidade por meio de autoridade política e confiança.
Considerações Finais
Em um presidencialismo de coalizão como o nosso, as articulações e dependências de
um governo são muitas e das mais diferentes formas. A crise especulativa, irresponsável
e voraz em que o país se encontra não apenas prejudica a governabilidade da presidente,
como paralisa as ações e estratégias do executivo e interfere dia após dia na economia,
gerando a sensação na população de que ao invés de governo, o que se tem é um
desgoverno. E isso se agrava quando a imagem da presidente começa a ficar
comprometida.
Mas, o cenário atual não é típico deste tempo, o país já viveu momentos de instabilidade
política que proporcionaram golpes e impeachment e, as consequências foram
problemáticas e levaram-se anos para o reequilíbrio. O povo brasileiro conquistou a
democracia em 1988 e isso precisa ser respeitado e mantido, inclusive é nisso que a
presidente tem se agarrado na tentativa de retomar as rédeas de seu governo e
governabilidade. Dilma foi eleita pelo voto, isso é fato e como disse há poucos dias: “
Eu não tenho medo. Eu aguento pressão. ” (Exame, 04/08/2015).
Como dito nesse artigo, a crise tem fundo ideológico e em tempos de democracia
brasileira nenhum outro partido ficou tanto tempo no poder como o PT; parafraseando o
ex-presidente Lula, nunca antes na história desse país um partido comandou por tanto
tempo o Brasil. E isso não é uma questão menor e deve ser levada em consideração nas
análises da crise política, principalmente. Outro fator importante na análise da crise diz
respeito ao Centro de Governo, que deveria ter apenas uma figura política para falar em
nome do Planalto, contudo, não há centralidade numa única pessoa, ao contrário, na
tentativa de diminuir os problemas causados pela base aliada, a presidente elege
diferentes personagens para tentar solucionar a questão, pois, o atual ministro da Casa
Civil, Aloisio Mercadante não tem demonstrado força política suficiente para reagrupar
a base e retomar o diálogo “fraterno” com os pares do governo.
Os indícios de que em algum momento a conta dos investimentos e gastos públicos
chegaria e teria que ser paga era uma questão de tempo. O problema foi que o governo
deixou o processo eleitoral passar para que as medidas de ajuste fossem tomadas. É
importante que as contas públicas sejam reequilibradas, contudo, os meios para isso não
são totalmente populares. Além disso, a corrupção é um fantasma bem vivo e causa
grandes estragos na imagem do governo.
Dilma tem em mãos desafios enormes: reequilíbrio das contas públicas, retomada do
crescimento, retomada do diálogo e, principalmente, da credibilidade em relação à
sociedade e os setores produtivos. Mas, o maior deles, é o desafio de diminuir os
embates e perdas no Congresso. Seu governo enfrenta duas crises ao mesmo tempo, mas
uma delas, a política, parece estar, ainda, escorrendo entre seus dedos.
Referências
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< http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/dilma-pede-rejeicao-de-pauta-bomba>
Acesso em 10 de agosto de 2015.
GURGEL, Cláudio. Crise econômica - Público e Privado em Aliança Conservadora.
Passagens: Revista Internacional de História Política e Cultura Jurídica, v. 2, p. 75-105,
2009.
G1. Entenda a queda do preço do petróleo e seus efeitos. 2015. Disponível em:
<http://g1.globo.com/economia/noticia/2015/01/entenda-queda-do-preco-do-
petroleo-e-seus-efeitos.html>. Acesso em: 28/07/2015
HEATHER, Stewart. World Bank slashes growth forecast for emerging economies.
2015. Disponível em: <http://www.theguardian.com/business/2015/jun/10/world-bank-
growth-forecast-emerging-economies>. Acesso em 25/07/2015.
SCIARRETTA, Toni. Bancos privados aumentam lucro com juros maiores e calote
estável. 2015. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/05/1625227-bancos-privados-aumentam-
lucro-com-juros-maiores-e-calote-estavel.shtml>. Acesso em 26/07/2015.
SOUZA, Douglas M. Por que retrocedemos. 2015. Disponível em: Teoria e Debate
<http://www.teoriaedebate.org.br/materias/politica/por-que-retrocedemos>. Acesso em
29 de julho de 2015.
VEJA. Mapa das eleições 2010: Deputados Federais. 2010. Disponível em:
<http://veja.abril.com.br/multimidia/infograficos/eleicoes-2010-deputado-federal>.
Acesso em 29 de julho de 2015;
WOLF, Richter. Things just keep getting worse for Brazil. 2015. Disponível em:
<http://www.businessinsider.com/things-just-keep-getting-worse-for-brazil-2015-5>.
Acesso em 28/07/2015.
Resumo
A partir do exame de alguns conceitos básicos em perspectiva histórica, o artigo discuti as
relações entre cultura e desenvolvimento no contexto sócio-econômico, as tendências mais
recentes na abordagem do papel da cultura no desenvolvimento e seus significados assumidos.
Palavras Chave: Cultura, Desenvolvimento, Políticas Públicas
1
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGAd) da Universidade Federal Fluminense
(UFF). [email protected]
2
Professor do Programa de Pós-graduação em Administração (PPGAd) da Universidade Federal Fluminense
(UFF). [email protected]
1
Introdução
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1
A Organização das Nações Unidas (ONU) para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), tendo
forte influência do pensamento latinoamericano e participação do peruano Javier Perez de Cuellar, a
Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI),
programas da ONU, a Organização de Estados Americanos (OEA), a Organização Mundial da
Propriedade Intelectual (OMPI) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD),
entre outros – como também diferentes organismos de crédito internacional como o Banco Mundial
(BM), o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano para o Desenvolvimento (BID)
e Fórum Econômico Mundial.
2
.Países da América latina nos últimos 60 anos tem alcançado melhorias significativas nas condições
De vida, crescimento e diversificação econômica (PNUD, 2013).
3
Em várias regiões do mundo, sobretudo nos países andinos como Equador e Bolívia se fortalece o
debate que questiona o modelo de desenvolvimento imperante. Nas Cartas Magnas do Equador e da
Bolívia, “pela primeira vez se inclui um conceito das tradições indígenas como base para o
ordenamento e a legitimação da vida política” (PARRA, 2012). No contexto brasileiro, diferentemente
de outros países latinoamericanos como Bolívia, Uruguai, Colômbia, Equador e México, onde o
processo de democratização acompanhou o aprofundamento do debate teórico sobre o papel e a
importância da cultura e do protagonismo político e da participação popular, a discussão sobre cultura
7
e desenvolvimento esteve secundarizada, a cultura esteve distante do debate político sobre o
desenvolvimento democrático no país. No entanto, a partir da década de 1990, os processos sociais
e culturais passaram a ter importância central no processo democrático no Brasil. (PARRA, 2012).
4
Organismo internacional composto pro 12 países da Região Sul Americana: Argentina, Bolívia,
Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai, Venezuela. Disponível
no site: www, org./es/quine-somos.
5
Elsumak kawsay o Buen Vivir es una propuesta que surge desde la visión de los marginados de los
últimos 500 años. Se plantea como una oportunidad para construir otra sociedad, a partir del
reconocimiento de los diversos povos e valores culturaleas existentes en el mundo y del respeto a la
Naturaleza. Esta concepción desnuda los errores y las limitaciones de las diversas teorías del
llamado desarrollo. Desde diversos ángulos, no sólo desde el mundo andino, aparecen respuestas a
las demandas no satisfechas por las visiones tradicionales del desarrollo.(PROGRAMA NACIONAL
Del BUEN VIVER (2013-2017).
6
Programa Cultural para o Desenvolvimento do Brasil. Brasília: Ministério da Cultura, 2006.
7
MNISTÉRIO DA CULTURA (MINC). Segundo a ONU esta é uma economia que já responde por mais de 7%
do PIB mundial, com atividades onde cada milhão investido gera 160 novos empregos. Segundo pesquisa
realizada pelo IBGE, já há dez anos, 7% do orçamento das famílias brasileiras, em média, são destinados ao
consumo de bens e produtos culturais. A mesma pesquisa estima em 3,1 milhões o número de profissionais
trabalhando nas chamadas indústrias criativas. Ainda segundo o IBGE, o segmento criativo cresceu a uma média
anual de 6,13%. Por sua vez, segundo a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento -
UNCTAD este segmento contribuiu com 2,84% na composição do PIB nacional. Tal dimensão e papel
estratégico já estão começando a atrair a atenção de nossos planejadores. Sobres este tema, ler artigo publicado
na pagina do Ministério da Cultura MINC A economia da cultura e o desenvolvimento do Brasil.. Disponível
em: http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/ acesso em 17/07/2015.
8
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS
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Ano 4, número 7, set, 2014. Disponível em HTTP://www.pragmatizes.uff.br.
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1984.
________________ O mito do desenvolvimento econômico. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1974.
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Paz e Terra, 1978.
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YÚDICE, George. As conveniências da cultura: usos e abusos da cultura na era global. 2ª Ed.,
Belo Horizonte, UFGM, 651 p.
SANTOS, Elinaldo Leal; SANTANA, W. G. P.; SANTOS, R. S.; BRAGA, Vitor Lélio.
Administração do desenvolvimento na Bahia: percursos e percalços. REBAP. Revista
Brasileira de Administração Política, v. 7, p. 105-126, 2014.
10
Cooperação Federativa: possibilidades para a evolução da Gestão Pública e
promoção do Desenvolvimento Regional – o caso dos Consórcios Públicos
Baianos na perspectiva da Administração Política.
RESUMO
Este artigo tem como objetivo suscitar reflexões acerca dos problemas que atingem a gestão
pública e a importância da cooperação entre os entes federativos para a minimização desses
problemas, particularmente, através dos consórcios públicos, dando, assim, impulso ao
desenvolvimento regional. Os consórcios públicos são pessoas jurídicas de direito público ou
de direito privado que viabilizam a gestão associada de serviços públicos como também o
repasse em sua totalidade ou parcialidade com a finalidade de estabelecer relações de
cooperação federativa na realização de objetivos de interesse comum no exercício das
atividades governamentais. Considerando o conceito de Administração Política desenvolvido
por Santos e Ribeiro (1993), a qual é compreendida como a concepção e a organização do
“como fazer, do como conduzir, do como organizar as relações sociais de produção e
distribuição”, os consórcios públicos se inserem nessa perspectiva como um instrumento
relevante para viabilizar o objetivo de promover um determinado nível de bem-estar social. A
experiência do Estado da Bahia, na implementação de consórcios públicos incrementam a
experiência ora relatada.
1. Introdução
1
Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Gestora
Governamental da Secretaria de Administração do Estado da Bahia (SAEB).
2
Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL)
3
Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Gestora Governamental da Secretaria
de Administração do Estado da Bahia (SAEB).
econômico, cultural, entre outros. O marco desse processo encontra-se exatamente com a
promulgação da Carta Magna de 1988, que promoveu inovação quando trouxe em seu escopo
as ferramentas precípuas para a distribuição e consequente efetivação da descentralização
administrativa, visando o deslocamento das atribuições para as esferas subnacionais, de modo
a eximir a União de certas responsabilidades sobre a execução de serviços e demais demandas
concernentes a tais competências.
Esse artigo tem como objetivo suscitar a reflexão acerca dos problemas que atingem a gestão
pública e a importância da cooperaçao entre os entes federativos para a minimização desses
problemas, particularmente, através dos consórcios públicos, dando, assim, impulso ao
desenvolvimento regional.
De acordo com o Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007, os consórcios públicos são
pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado que viabilizam a gestão associada de
serviços públicos com a finalidade de estabelecer relações de cooperação federativa assim
como a realização de objetivos de interesse comum no exercício das atividades
governamentais.
O principal argumento desenvolvido neste trabalho é o de que, face aos limites do processo de
descentralização no cumprimento dos objetivos de promover o atendimento às demandas da
sociedade e conter as disparidades inter-regionais, emergiram outros arranjos interfederativos,
fortalecendo o federalismo cooperativo.
Primeiramente, o trabalho apresenta uma breve discussão sobre o processo de
descentralização associado aos conceitos de democracia e participação social, seguindo-se
com a ascensão do federalismo cooperativo, finalizando com a apresentação da experiência
baiana de consórcios públicos à luz da Administração Política.
Na tentativa de resposta às questões propostas recorremos ao arcabouço constitucional e a
legislação brasileira sobre consórcios públicos, além de consultas bibliográficas. Para a
análise da situação dos consórcios existentes atualmente na Bahia foram realizadas consultas
em fontes oficiais.
2
Estabeleceu-se a mobilização de diversos segmentos sociais organizados, buscando o
aperfeiçoamento de mecanismos legais e jurídicos necessários à obtenção de uma
administração descentralizada, promovendo a transferência da gestão de serviços sociais
como habitação, saúde, saneamento básico, educação fundamental, entre outros, do Governo
Federal para estados e municípios.
Esse novo marco de redirecionamento das políticas públicas confere autonomia político
administrativa aos municípios. Conforme Art.18, da Constituição, os Estados, Distrito Federal
e os Municípios recebem poderes administrativos, financeiros e políticos para exercerem
governo e administração autônoma, sendo essa autonomia uma prerrogativa concedida pela
supracitada Constituição e limitada pela mesma.
Esse marco - a Carta Magna - foi cenário de uma nova construção do modelo de atuação
efetiva da população, promovendo uma descentralização participativa. É o que se vê do Art.
204, II/CRFB 88, “literis”:
A participação da população por meio de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis
(BRASIL, 1988).
Como reflexo dessa iniciativa, nasce a interação do cidadão com o governo, convergindo na
formulação e implementação das políticas públicas que passam a ganhar espaço na medida em
que novos paradigmas vão sendo construidos, sustentados na gestão democrática, orientada
por colunas fundamentais, quais sejam: “ a maior responsabilidade dos governos em relação
às políticas sociais e às demandas dos seus cidadãos; o reconhecimento dos direitos sociais; e
a abertura de espaços publicos para a ampla participação cívica da sociedade” (SANTOS
JUNIOR, 2001, p.208).
De forma prática essa autonomia atribuída aos Municípios, somada a construção da
democracia participativa reflete positivamente à medida que constrói pontes de acesso para o
cidadão usuário de serviços públicos ao seu respectivo município através de ouvidorias,
consultas populares, orçamento participativo, mecanismos que precedem deliberação
legislativa com pauta de orçamento anual, conselhos gestores e de fiscalização de políticas,
etc.
Entretanto, em que pesem as virtudes associadas à descentralização, a simples distribuição de
poder político e financeiro para as esferas subnacionais não se revela suficiente para o
atendimento das demandas dos cidadãos. É preciso conceber que as heterogeneidades
regionais resultam em que a descentralização produz diferentes resultados, visto que há níveis
desiguais de capacidade financeira e administrativa entre os municípios das diferentes regiões,
conforme destaca Souza (2001)
3
No que tange ao poder estendido à sociedade, através da adoção de políticas participativas,
notadamente no âmbito local, a visão da participação assume contornos diferenciados, sendo
tema presente nos diversos discursos ideológicos. A previsão constitucional da existência de
conselhos, principalmente no âmbito das políticas sociais, quase sempre assume um caráter
consultivo, portanto conduz-se a participação de forma a não influir no processo decisório,
representando apenas uma formalidade, o que ressalta a importância do aspecto qualitativo do
processo. Outras experiências como o orçamento participativo tem apresentado,
pontualmente, com alguma margem de êxito, mas ainda longe de ser uma prática consolidada
na gestão pública brasileira.
(...) A obrigatoriedade de constituição desses conselhos pode significar, em
muitas localidades, a mera reprodução formal das regras dos programas,
ameaçando os fundamentos principais da participação, quais sejam,
credibilidade, confiança, transparência, accountability, etc (SOUZA, 2001,
p.439).
Apesar das mudanças geradas nos mecanismos de distribuição do poder e alguns ganhos
ocorridos com o processo de descentralização, há uma distanciamento entre os seus
pressupostos e os resultados, sendo apontado por Nogueira (2007) como decorrência de uma
combinação de uma conjunção de fatores relacionados às crises que se apresentaram no final
do século passado: do Estado, da administração, da federação e da representação política.
De acordo com Matos (2006), na Bahia, uma das primeiras iniciativas de consorciamento é a
do Consórcio Intermunicipal do Vale do Jiquiriçá, criado em 1993 por prefeitos dos
municípios da Bacia do Rio Jiquiriçá. Anterior à lei de Consórcios Públicos, trata-se de uma
associação civil, sem fins lucrativos, o qual, segundo a literatura, enquadrava-se como
consórcio administrativo.
De acordo com a Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia (Seplan), a partir de 2007, já
sob a vigência da lei, iniciaram-se as discussões sobre consórcios no âmbito do governo
estadual, motivadas pelas demandas de soluções na área de saneamento e resíduos sólidos. À
medida que o debate evoluiu e inseriu novos atores e áreas, chegou-se ao entendimento de que
diversos serviços poderiam ser viabilizados de maneira mais eficiente por meio da gestão
associada, o que resultou na definição de um modelo de consórcio multifinalitário, ampliando
a sua atuação nas diversas áreas.
O governo do Estado passou a apoiar a formação de consórcios públicos multifinalitários, sob
a coordenação da Seplan, a partir de uma perspectiva de desenvolvimento regional. Nesse
sentido, busca-se promover a cooperação intermunicipal através das identidades regionais.
De acordo com informações da Seplan, divulgadas em 2015, por meio de sites oficiais, a
Bahia possui atualmente mais de 30 consórcios intermunicipais multifinalitários formalizados,
incorporando quase a totalidade do território baiano, predominando a configuração territorial
adotada no planejamento do estado, qual seja, os territórios de identidade. Esses consórcios
encontram-se em estágios de funcionamento variados, encontrando-se algumas dessas
entidades com um nível de atuação em diversos projetos, a exemplo do Consórcio de
Desenvolvimento Sustentável do Território do Sisal, que vem atuando, dentre outras, na área
de resíduos sólidos, na gestão ambiental, na construção de cisternas e outros equipamentos
voltados à solução de problemas hídricos, enquanto outros consórcios apenas atingiram o
estágio da formalização, com a inscrição no CNPJ.
9
Nesse sentido, nos aproximamos das questões epistemológicas colocadas pelos autores
Reginaldo Santos e Elizabeth Ribeiro pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, que
em síntese, compreendem por Administração Política a concepção e estruturação do como
fazer, do como conduzir, do como organizar as relações sociais de produção e distribuição
para o alcance de um determinado padrão de bem-estar social (SANTOS; RIBEIRO, 1993),
cabendo ao consórcios públicos essa tarefa neste caso.
Ao sustentar que a Organização estaria muito mais vocacionada para assumir o papel de
objeto especial de estudo ou de pesquisa da administração e não como campo científico,
Santos e Ribeiro (2009) demonstram que a organização não se qualificava para objeto
científico pelo simples fato de que esta era considerada como campo de estudo para diversas
outras ciências, e a administração portanto, deveria identificar um objeto próprio que
garantisse uma ação autônoma de interpretação e ação sobre a realidade social (ainda que
compartilhado com diversos outros saberes, já que se trata de um campo interdisciplinar por
natureza), identificado, pois, como sendo a Gestão o objeto de estudo da Administração.
Isso implica afirmar que a Administração Política, para interpretar, ressignificar e transformar
a realidade, necessita assumir um papel político mais ativo, rompendo, assim, com uma
perspectiva meramente instrumental. Naturalmente a ciência administrativa, aqui denominada
de Administração Política, assume um relevante papel de ciência normativa e prescritiva,
tendo em vista ser responsável por definir modos de comportamento, formas de
relacionamento, padrões de gestão, modos de relações sociais de produção e de distribuição,
dentre outras modalidades de comportamento individual, organizacional e social que refletem,
pois, o como organizar-se, o como preservar interesses e também o como construir bases
para a transformação.
Nosso texto ressalta portanto, a existência de Consórcios públicos na Bahia numa perspectiva
da Administração Política, onde há uma participação direta e efetiva do Estado na formação
dos consórcios públicos intermunicipais, contribuindo com apoio técnico para a realização
dos procedimentos para a formalização, capacitação dos gestores envolvidos e
disponibilização de recursos financeiros, a exemplo de convênios firmados entre a Secretaria
do Meio Ambiente e os Consórcios para a implementação da Gestão Ambiental
Compartilhada. A Seplan, conjuntamente com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do
Estado da Bahia (Sedur), instituiu um grupo de trabalho, através da Portaria Conjunta Seplan /
Sedur nº 003 de 13 de setembro de 2010, para, entre outras atribuições, “prestar assessoria
técnica aos municípios interessados em constituírem consórcios públicos.”
A União tem uma participação relevante no processo ao estabelecer nas suas Leis de
Diretrizes Orçamentárias - LDO tratamento privilegiado aos consórcios públicos, no caso das
transferências voluntárias, conforme art.39, da LDO de 2011:
10
percentuais do valor previsto no instrumento de transferência voluntária,
considerando-se a capacidade financeira da respectiva unidade beneficiada e
seu Índice de Desenvolvimento Humano, tendo como limite mínimo e
máximo:
I - no caso dos Municípios:
a) 2% (dois por cento) e 4% (quatro por cento) para Municípios com até
50.000 (cinquenta mil) habitantes;
b) 4% (quatro por cento) e 8% (oito por cento) para Municípios acima de
50.000 (cinquenta mil) habitantes localizados nas áreas prioritárias definidas
no âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR (...);
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal:
a) 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) se localizados nas áreas
prioritárias definidas no âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento
Regional - PNDR, nas áreas da SUDENE, SUDAM e SUDECO; e (...)
III - no caso de consórcios públicos constituídos por Estados, Distrito
Federal e
Municípios: 2% (dois por cento) e 4% (quatro por cento) (BRASIL, LDO
2011).
Ademais, o governo federal vem definindo áreas prioritárias para implementação de diversas
políticas, executadas pelos consórcios públicos, por meio de editais e convênios, a exemplo de
resíduos sólidos, saneamento, etc. Conforme informações da Secretaria de Comunicação
Social do Governo do Estado da Bahia – SECOM (2015), os consórcios da Bahia lideram a
captação de recursos federais, por meio de convênios, atingindo quase 80% dos recursos
captados no Brasil em 2013 (R$115,9 milhões) e mais de 60% (R$88,7 milhões) em 2014.
Em relação ao envolvimento da sociedade civil, esta é representada pelos Colegiados
Territoriais (Codeter)iv, identificando-se a sua participação em diversas situações: na
mobilização dos gestores municipais para formação dos consórcios, em debates sobre o tema
e contribuições na indicação de projetos através dos Planos Territoriais de Desenvolvimento
Sustentável.
De acordo com informações de diversos atores - gestores municipais, representantes da
Seplan, entre outros - há algumas situações de divergências entre os Colegiados territoriais e
os Consórcios públicos, numa perspectiva de disputa de espaços de poder, prevalecendo a
visão de competição e não de complementaridade. Enquanto os colegiados territoriais são
instâncias de representação da sociedade civil nas discussões das políticas públicas, os
consórcios são instituições públicas, executoras de políticas públicas, mas a abrangência
territorial os tornam interventores do mesmo espaço.
Quanto à participação das associações municipais, em alguns casos, essas organizações
lideraram as discussões e condução do processo de formação do consórcio, inclusive dando
suporte material e de recursos humanos para as atividades iniciais até que a nova instituição se
estruture.
Percebeu-se, nos últimos três anos, um movimento crescente de adesão à cooperação, atribui-
se, dentre outros aspectos, ao esgotamento das soluções individuais para questões de interesse
comum, tais como os resíduos sólidos, gestão ambiental, estradas vicinais, entre outros,
reforçadas por pressões do Ministério Público, queda das receitas e exigências do governo
federal de soluções regionalizadas para repasse de recursos em determinadas áreas, dada a
importância da escala.
11
No que se refere ao aspecto político, considerando a diversidade dos partidos aos quais os
gestores estão associados, observa-se pouca influência na articulação para a constituição do
consórcio, encontrando-se maior dificuldade no processo legislativo, o que tem ocasionado,
em muitos casos, a formação inicial com uma adesão mínima, avançando com o passar do
tempo. Para que os consórcios usufruam dos benefícios previstos na lei, é necessário que o
arranjo cooperativo conte com, no mínimo, 03 municípios, conforme o artigo 17 da Lei
11.107, de 6 de abril de 2005.
Os resultados preliminares da implementação desse novo arranjo acenam para grandes
possibilidades de o consórcio se estabelecer como um instrumento de melhoria da gestão
municipal, traduzindo em melhor oferta dos serviços à população, qualitativa e
quantitativamente. Para tanto, faz-se necessária a conjugação de uma série de medidas, que
requer dos atores envolvidos nas mudanças que começam com a concepção de um modelo de
desenvolvimento que se pretende seguir.
Para Fonseca (2008), a Administração Política nos auxilia a compreender melhor as relações
produtivas que fundamentam o sistema e a sociedade capitalistas modernos e
contemporâneos, dando destaque para os modos como se estabeleceram os padrões de
acumulação e distribuição da riqueza, dando destaque para o papel do Estado nesse processo
ao assumir a liderança pela concepção e coordenação de um padrão de Administração Política
centrado em bases conservadoras de socialização.
5. Considerações finais
12
de coletividade, aliada a uma perspectiva de gestão mais eficiente, dadas as peculiaridades
desse instrumento.
Os consórcios públicos intermunicipais da Bahia se inserem na estratégia de desenvolvimento
territorial do Estado, contando para isso com o apoio do governo na sua formação,
estruturação e implementação de políticas públicas. Embora a implementação desse
instrumento seja recente no Estado, é possível verificar alguns resultados no tocante a
execução de ações de alcance regional, com a participação dos entes federados, exercitando
assim o federalismo cooperativo.
Entretanto, alguns entraves precisam ser superados para que esses arranjos não reproduzam os
vícios das respectivas administrações centrais, uma vez que, enquanto personalidade jurídica
de direito público compõe a administração indireta de todos os entes consorciados. A
utilização do consórcio como instrumento político de ampliação de poder dos dirigentes
poderá desvirtuar o seu propósito.
Outra questão a qual é determinante para a sustentabilidade do arranjo se refere ao
planejamento do consórcio. Enquanto órgão de natureza executora de políticas da
competência dos entes consorciados, requer que estes definam conjuntamente aquilo que será
transferido para a atuação do consórcio. Caso contrário, ficará este um órgão meramente
captador de recursos disponíveis sem uma correlação direta com as reais necessidades dos
municípios.
Nesse sentido, a Administração Política promove reflexões acerca do papel assumido pelos
consórcios públicos no desenvolvimento sócio econômico dos territórios baianos, afinal o
estudo da Administração Política não se limita apenas à esfera da gestão estatal, mas, também
inclui a gestão dos negócios privados e sociais; considera que existem correlações de forças
ideológicas, teóricas e de prática da gestão dentro do campo da administração; bem como
admite que existem outras formas de gestão das relações sociais de produção que requerem da
administração uma análise mais sistemática e aprofundada, não respondida pelos atuais
paradigmas.
6. Referências
BAHIA, Secretaria de Comunicação Social. Bahia lidera captação de recursos por meio de
convênios com consórcios públicos. Planejamento. Postado em: 03/02/2015 11:33, disponível
em http://www.secom.ba.gov.br /modules/noticias/ makepdf.php?storyid=123531
13
FONSECA, Francisco. A Administração Política: em busca de uma teoria crítica da
administração pública. Salvador: Revista Brasileira d Administração Política, v. 1, n. 1, p.
7-9, out., 2008.
SANTOS, Reginaldo Sousa; RIBEIRO, Elizabeth Matos et. al. Bases Teórico-Metodológicas
da Administração Política. Salvador: Revista Brasileira de Administração Política, v. 2, n
1, p. 19-43, abr./2009.
14
Jogada ensaiada: uma reflexão sobre a acessibilidade do Maracanã diante
dos investimentos para a copa do mundo e para os jogos olímpicos.
Analice Valdman de Miranda (UFF)
Fernando Bichara Pinto (UFF)
1. Introdução
O Brasil iniciou o século XXI sediando alguns dos mais importantes eventos
esportivos: os jogos Pan-americanos e Parapan-americanos, em 2007, a Copa do
Mundo, em 2014, além dos jogos olímpicos e paraolímpicos de 2016. Dentre os
aspectos positivos e negativos da organização e realização dos eventos citados,
Figuerôa, Mezzadri e Silva (2013) destacam que o legado mais proveitoso diz respeito a
uma maior valorização da prática esportiva, através de iniciativas que buscam
impulsionar a formação de atletas e em recursos físicos, como instalações e
equipamentos.
Por outro lado, Soares (2013) apresenta que a realização dos jogos pressupôs
uma série de investimentos em estruturas, resultando em obras de alto valor, e que
evidenciaram os problemas administrativos brasileiros. Inaugurado em 1950, o
Maracanã é a ilustração da ressalva apresentada por Soares. Apenas para a Copa do
mundo de 2014, a reforma do estádio compreendeu um gasto superior a 1,2 bilhões de
reais, valor que representa quase o dobro da quantia inicialmente prevista (TCU, 2013).
Cabe ressaltar, que há menos de 10 anos, o Maracanã também entrou em obras (no valor
de 304 milhões de reais) para atender às exigências do Pan-americano de 2007 (JB,
2013).
Apesar do grande investimento na reestruturação do estádio, o Instituto
Brasileiro dos Direitos das Pessoas com Deficiência – IBDD afirma que recebeu, desde
a reinauguração em 2013, diversas denúncias de torcedores que apontam a
acessibilidade como insatisfatória (IBDD, 2013). O cenário é bastante problemático,
dado que em 2016 o Rio de Janeiro sediará os jogos olímpicos e paraolímpicos.
Diante do exposto, questiona-se a atuação da administração pública brasileira em
garantir como legado dos jogos esportivos uma maior inclusão para as pessoas com
deficiências. É importante destacar a significativa representatividade do grupo no país,
visto que, de acordo com o IBGE (2010), cerca de 24% da população brasileira
apresenta ao menos um tipo de deficiência.
Ressalta-se que o conceito de inclusão parte do princípio de que não existem
pessoas deficientes, e sim uma falta de preparo da sociedade para lidar com as
características das diferenças, deixando de garantir direitos básicos aos seus cidadãos
(SASSAKI, 2003). Para a inclusão acontecer, é necessário o envolvimento de toda a
sociedade, figurando como principais atores do processo as próprias pessoas com
deficiências, as famílias, os governos, as empresas, as instituições de ensino, e entre
outros grupos e associações (IBDD, 2008; BELTRÃO & BRUNSTTEIN, 2012). Trata-
se, portanto, da adoção de uma concepção baseada no respeito às diferenças, que vá em
busca da formação de uma sociedade que perceba a pessoa com deficiência não pelas
suas limitações, mas por ser um indivíduo provido de diferentes potencialidades
(TETTE, CARVALHO-FREITAS E OLIVEIRA, 2013).
O objetivo deste estudo consistiu em discutir a acessibilidade e políticas
públicas, mais especificamente, no caso de projetos governamentais de obras e
edificações que deveriam observar os direitos constitucionais das pessoas com
deficiência. A metodologia utilizada para a reflexão neste artigo será estudo de campo
(VERGARA, 2013), tendo como foco as obras de reforma do estádio do Maracanã,
utilizando a NBR9050/04 como guia no percurso metodológico.
2. Referencial teórico
1
Todas
as
fotografias
foram
retiradas
pelos
pesquisadores
durante
a
realização
do
estudo.
Figura 2: Entrada do estádio
Figura 5: Elevadores
As limitações do ítem 4.2 ficam por conta da falta de sinalização em Braile para
pessoas com deficiência visual (exemplificado pela figura 6). A única sinalização em
braile encontrada no estádio era em adesivo e já estava bastante deteriorada (figura 7).
Além disso foram também encontrados obstáculos móveis (figura 8) que, apesar de
facilitarem a organização do local, acabam por impedir a livre circulação de pessoas
com mobilidade reduzida.
Figura 6: Placas
Figura 7: sinalização em braile
4.3. Banheiros
Figura 9: Banheiro
4.4. Arquibancada
4.5. Vestiário
5. Conclusão
A questão da inclusão da pessoa com deficiência, apesar de ser recorrente na
pesquisa em gestão de pessoas e relações de trabalho no Brasil ainda se configura como
um desafio, visto que, ao analisarmos o conceito de inclusão, observamos que o mesmo
considera o desenvolvimento do indivíduo através da criação de condições que
garantam uma efetiva participação da pessoa na sociedade, através de suportes físicos,
psicológicos, sociais e instrumentais. No entanto, a falta de sinergia entre organizações,
governo e sociedade acarreta numa não criação desse cenário, resultando na
permanência da problemática.
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de Janeiro: ALERJ, 2004.
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Bookman, 2001.
A RELEVÂNCIA DO PLANEJAMENTO ORÇAMENTÁRIO APLICADO ÀS
DESPESAS DA UNIÃO
Ariel Levy
Dominique Oliveira Cunha
INTRODUÇÃO
As principais contribuições deste estudo residem: na avaliação da importância
atribuída ao planejamento na Administração Pública Federal, frente sua correspondente
execução orçamentária e financeira; na possibilidade de fornecer subsídios para discussão,
aperfeiçoamento e análise do planejamento, do orçamento e de seus efeitos enquanto
instrumentos de gestão pública. Além desta principal contribuição, este estudo apresenta uma
avaliação quantitativa dos propósitos estipulados na Lei Orçamentária Anual; proporciona
mecanismos de análise quanto à execução das despesas no âmbito da União face ao
planejamento aprovado em lei específica; e procura desmistificar a ideia de que o orçamento
público é matéria exclusivamente técnica e de difícil compreensão. Embora o sistema
orçamentário e financeiro estabelecido na Constituição Federal determine que a execução
deveria obedecer majoritariamente ao que fora planejado, na prática isso não ocorre em
nenhuma das esferas de governo. No âmbito federal, é o Ministério de Planejamento,
Orçamento e Gestão – MPOG o órgão central da Administração Pública ao qual estão
delegadas as atividades de planejamento e orçamento. Neste sentido trabalha para viabilizar as
ações e a tomada de decisões referentes a elaboração, aprovação, acompanhamento,
gerenciamento e avaliação dos planos programas e orçamentos, além da realização de estudos
e pesquisas socioeconômicas (Leis nos 10.180/2001 e 10.683/2003). Destarte, considera-se a
execução orçamentária e financeira compromissada com os objetivos e estratégias
previamente estabelecidas num planejamento de Governo essenciais para garantir o
cumprimento das leis, garantir a eficiência dos gastos públicos e atender as demandas sociais.
Assim, o desenvolvimento da gestão pública passa pela qualidade do processo de
planejamento e consequente orçamento.
Apesar do planejamento ser considerado instrumento fundamental para a execução,
monitoramento e controle dos gastos públicos, alguns gestores ainda não lhes confere a
devida importância. “Há quem considere coisas distintas e separadas o orçamento e o
planejamento. Erro de observação. planejamento e orçamento, como processos, são
incoercivelmente complementares” (BENEDICTO SILVA, in CORE, 2001, p. 4). Diante
desta condição, introduz-se o problema de pesquisa: comparar o planejamento e a execução
das ações elencadas e aprovadas na Lei Orçamentária Anual de 2012 do Governo Federal, ou
seja, verificar se esta realização é compatível com os valores previamente levantados e
aprovados pela referida Lei, de modo a compreender a importância atribuída pelo Governo ao
planejamento na sua forma constitucional.
A escolha do ano de 2012 justifica-se por ser um ano de execução já de acordo com o
PPA, Plano Plurianual, do novo Governo e, portanto, de planejamento puro, sem as pressões
de uma transição ou eleição para o Executivo Federal. Compreende, portanto, o planejamento
orçamentário e financeiro deste ano e consequentemente sua execução. Ao empregar a
metodologia descritiva procura-se identificar, analisar e interpretar os fenômenos ligados ao
processo público orçamentário federal e sua execução orçamentária e financeira. O
delineamento em estudo de caso, único, apoiado em documentos oficiais divulgados pelo site
Siga Brasil através dos sistemas SIAFI, SIOP e SELOR buscou-se identificar e analisar o
cumprimento dos desígnios estabelecidos na Lei Orçamentária para as despesas públicas.
Apesar do Orçamento Anual ser produto de planejamento que incorpora as demandas da
coletividade e do partido do Governo, é possível que durante a execução tornem-se
necessárias alterações. Estando estas previstas nas retificações através dos créditos adicionais,
devendo estes também serem aprovados pelo Legislativo. Entretanto, neste trabalho somente
foram contemplados os créditos suplementares por serem estes os mais frequentes, montando
em 12,26% do montante fixado na LOA, para o ano em análise. Este percentual também
contemplava os acréscimos orçamentários efetivados por superávits financeiros apurados em
balanço patrimonial e por excessos de arrecadação (4,94%). A análise transcorre nos
indicadores de “função orçamentária e “subfunção orçamentária” que embora de formulação
menos técnica permitem maior transparência, a visualização de em quais áreas do Governo
estão sendo alocados e efetivamente gastos os recursos públicos. Diante das análises
efetuadas, e especificamente em relação aos créditos suplementares, pode-se concluir que o
planejamento federal efetuado obteve êxito se tomado como critério a necessidade de ajustes
menores que dez por cento. Entretanto, No tocante a execução quer orçamentária quer
financeira o resultado apresenta quatorze funções com percentuais de execução abaixo de
70%, corroborando com a ideia de que o Governo não segue o planejamento e conduz a
execução por decisões de caráter político e não técnico.
PLANEJAMENTO E O ORÇAMENTO
A palavra planejar advém de plano, cuja origem parte do latim planus, representando
algo nivelado. Planejar corresponde ao ato de elaborar um roteiro de ações estruturado e
organizado com um ou mais objetivos à atingir. Destarte, ao processo racional pelo quais os
planos são elaborados denomina-se de planejamento (HAUSEN, 2002, p.231). O
planejamento é considerado ferramenta principal do gestor na consecução de suas funções
administrativas por
requerer
em
sua
etapa
inicial,
um
estudo
detalhado
dos
objetivos
a
serem
alcançados
em
determinado
período
de
tempo.
Durante
este
processo,
serão
elencadas
diversas
alternativas
e
analisadas
quanto
as
possibilidades
de
obtenção
dos
objetivos
traçados.
É
nesta
etapa
em
que
definem-‐se
as
prioridades,
os
recursos
necessários
para
as
ações,
o
tempo
de
conclusão
das
tarefas,
as
metas
e
resultados.
Decidindo-‐se
pelo
conjunto
de
ações
que
promovam
o
maior
benefício
com
menor
custo.
Como
propósito
comum
todos
os
planos
apresentam:
previsão,
a
programação,
e
coordenação
da
sequência
lógica
de
eventos,
os
quais
deverão
conduzir
aos
objetivos.
Complementando
o
entendimento
sobre
o
planejamento,
Sérgio
Jund
(2008,
pág.
115)
pressupõe
o
atendimento
de
algumas
características,
tais
como:
o
diagnóstico
da
situação
existente;
identificação
das
necessidades
de
bens
e
serviços;
a
definição
clara
dos
objetivos
para
ação;
a
discriminação
e
quantificação
de
metas
e
seus
custos;
ea
avaliação
dos
resultados
obtidos
e
trabalho
integrado.
Planejar é além de analisar as
possibilidades de alcançar os objetivos a partir da situação inicial, verificar quais os recursos
necessários, inclusive abordando as contingências e atribuir as responsabilidades. Assim,
representa
equilíbrio
quando
bem
executado,
pois
ele
antecipa
possíveis
riscos,
desvios,
ameaças,
não
deixando
os
gestores
a
mercê
de
contratempos,
crises
e
fatalidades. Tudo
deve
caminhar
dentro
de
determinados
padrões
passível
de
variações
aceitáveis,
ou
seja,
não
devem
configurar
descontroles.
Caso
as
ações
se
distanciem
dos
moldes
anteriormente
definidos,
estas
serão
redirecionadas
a
fim
de
voltarem
ao
curso
desejado.
É
impossível
direcionar
algo
a
algum
lugar
sem
ter
definido
ponto
de
chegada;
é
impossível
controlar
e
gerenciar
situações
sem
conhecê-‐las;
e
é
impossível
tomar
posições
e
decisões
sem
ter
parâmetros,
referências.
Outra
característica
bastante
relevante
do
planejamento
é
o
estabelecimento
de
responsabilidades
aos
envolvidos
no
processo.
Este
permite
identificar
as
áreas
de
atuação
de
cada
responsável,
verificando
assim
se
estão
trabalhando
de
maneira
satisfatória
em
relação
aos
planos.
Também
permite
analisar
se
todos
os
recursos
disponíveis
estão
sendo
bem
empregados.
Por
conseguinte,
permite
alocar,
nas
funções
mais
apropriadas,
os
participantes
do
processo.
Não
sendo
diferente
quando
aplicado
a
área
da
administração
pública.
O
orçamento,
por
sua
vez,
tem
origem
na
palavra
italiana
orzare
cujo
significado
é
orçar,
avaliar,
estimar
e
por
extensão
planejar.
Assim,
o
orçamento
traduz
em
valores
um
planejamento
das
ações
que
pretendemos
realizar
com
base
em
um
determinado
montante
de
recursos
disponíveis,
ou
seja,
orçamento
é
um
plano
que
envolve
dinheiro,
receita
e/ou
despesa,
a
ser
utilizado
dentro
de
um
período
de
tempo
(PIRES,
2001,
p.04)
O
orçamento
público
é
o
instrumento
pelo
qual
o
chefe
do
Poder
Executivo
administra
as
finanças
do
Estado
e
por
meio
dele
conduz
a
implementação
das
políticas
públicas
e
seus
objetivos
no
intuito
do
bem
estar
social.
Segundo
Mota
(2002,
pág.
23):
A importância do orçamento perante ao planejamento e à execução das ações
governamentais é espelhada na Constituição Federal, ao tratar deste em seus artigos 165 a
169. O orçamento é um ato pelo qual o Poder Legislativo autoriza o Poder Executivo, por
certo período e pormenor, a realização das despesas, estas fixadas, destinadas ao
funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica e geral do
país. Enquanto que as receitas a autorização de arrecadação, dos tributos criados em lei, são
previsões que se realizam em recursos financeiros à medida que os contribuintes e demais
devedores do tesouro público extinguem suas dívidas no tocante a tributos e outras rendas.
O orçamento possui também características fundamentais, que especificam sua função
gerencial da ação governamental. A primeira delas trata de sua natureza jurídica, pois é
considerado uma lei formal, conforme previsto no art. 165 da Constituição Federal de 1988,
CF/88, e conforme diversas vezes reiteradas pelo Superior Tribunal Federal – STF.
Sua natureza social é representada pela preocupação com as demandas e necessidades
da população, que conforme proposições do Executivo pretende-se sanadas através de
investimentos, produtos e serviços públicos, por vezes complementadas por emendas
legislativas ou
por
créditos suplementares e especiais.
A natureza econômica apresenta-se
pela necessidade de equilíbrio entre a arrecadação das receitas e a realização de despesas
públicas. O orçamento também apresenta natureza financeira, cujo controle registra as
entradas e saídas de recursos financeiros no caixa governamental. Estes adentram os cofres
em forma de pecúnia quando receitas são arrecadadas, e são subtraídos quando despesas são
pagas. É fundamental lembrar à natureza política, pois o orçamento contempla programas
governamentais que vão de encontro à concepção e ideologia do partido político detentor do
poder. Apresenta por sua característica à natureza técnica, pelo fato de o orçamento demandar
dos gestores conhecimento técnico de registros de fatos e atos da administração. Não constitui
matéria que possa ser trabalhada em subjetividade, deve ser clara, objetiva, e direta. O
orçamento deve ser consistente com os demais instrumentos legais previstos na CF/88: o
Plano Plurianual – PPA, e com a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO. Deve contudo
observar as diretrizes estabelecidas na Lei Complementar 101/2000 – Lei de
Responsabilidade Fiscal, LRF. Deve também cumprir o disposto nas legislações específicas
em sua elaboração, como a Portaria 42 – 04/99 do até então Ministério do Orçamento e
Gestão, hoje MPOG, que padroniza as informações, e determina que as despesas sejam
identificadas quanto à função, subfunção, programa, atividade, projeto ou operação especial.
Como o foco deste estudo estará no enquadramento funcional das despesas da União,
não serão
tratados
os
conceitos
de
programa,
atividade,
projeto
e
operação
especial.
Por
meio
da
classificação
funcional
pode-‐se
entender
em
que
área
a
ação
de
governo
será
realizada.
As
funções
representam
o
maior
nível
de
agregação
das
despesas
das
diversas
áreas
do
setor
público.
Enquanto
que
as
sub-‐funções
representam
partições
da
função.
Possibilitando
agregações
diferentes
da
função
a
que
estão
relacionadas.
De
acordo
com
a
Portaria
supra
mencionada
são
29
as
funções
e
109
as
sub-‐funções.
A
classificação
funcional
considera
a
destinação
dos
recursos
de
cada
ação
com
a
subfunção
e
função.
As
ações
contempladas
no
orçamento
devem
estar
estritamente
ligadas
às
subfunções
que
tratam
da
mesma
matéria.
Por
ser
de
aplicação
comum
e
obrigatória
no
âmbito
da
União
e
do
Distrito
Federal,
dos
Estados
e
dos
Municípios,
a
classificação
funcional
da
despesa
permite
a
consolidação
nacional
dos
gastos
do
setor
público.
A
classificação
é
codificada
FF.SSSS,
onde
FF
representa
a
função
e
SSSS
a
subfunção.
A
metodologia
agrega
os
gastos
públicos
por
área
de
ação
governamental,
nas
três
esferas
de
governo,
sendo
composta
por
uma
lista
de
funções
e
subfunções
estabelecidas
na
referida
portaria.
O
orçamento
brasileiro
inova
ao
criar
a
função
“Encargos
Especiais”
para
agrupar
despesas
que
não
se
associam
diretamente
a
um
bem
ou
serviço
a
ser
gerado,
como
exemplo,
destacado
no
livro
Divida
Publica
Experiência
Brasileira
disponibilizado
gratuitamente
pelo
Tesouro
Nacional,
constam
dívidas
e
ressarcimentos.
A
seguir
será
abordado
o
conceito
da
execução
orçamentária
e
financeira
que
refletem
como
a
autorização
dada
pelo
legislativo
se
efetivou.
EXECUÇÃO ORÇAMENTÁRIA E FINANCEIRA
A
fim
de
que
o
orçamento
seja
executado,
este
precisa
obrigatoriamente
dispor
de
dotação
suficiente
para
a
efetivação
da
despesa.
Mesmo
aprovada,
a
lei
do
orçamento
não
cria
direitos
e
obrigações,
uma
vez
que
esta
representa
apenas
um
ato
formal
cujo
caráter
é
autorizativo.
A
despesa
tem
sua
trajetória
iniciada
em
seu
primeiro
estágio,
a
fixação
decorrente
da
Lei
Orçamentária
ou
de
créditos
suplementares,
mas
é
com
a
elaboração
do
empenho,
cujo
ato
representa
o
compromisso
da
administração
em
quitar
despesas
adquiridas
que
efetivamente
inicia-‐se
sua
execução.
Os
conceitos
de
execução
orçamentária
e
financeira
normalmente
se
confundem.
Apesar
de
ocorrerem
paralelamente
e
se
integrarem,
tais
conceitos
são
divergentes.
Analogicamente
a
execução
orçamentária
será
representada
por
um
cheque,
onde
o
credor
possui
em
seu
poder
um
documento
que
o
valida
a
receber
determinada
quantia
em
dinheiro.
Já
a
execução
financeira,
representaria
a
compensação
deste
cheque
com
a
liberação
efetiva
do
montante
acordado
na
conta
corrente
do
credor.
Por
este
trabalho
tratar
especificamente
do
cumprimento
do
orçamento
da
União,
nos
atentaremos
a
conceitos
relacionados
à
despesa
pública
e
sua
correspondente
execução
orçamentária.
A
execução
orçamentária
da
despesa
é
normalizada
pela
Lei
nº
4.320/64,
tendo
também
o
auxílio
da
Lei
Complementar
nº
101/00,
conhecida
como
Lei
de
Responsabilidade
Fiscal
–
LRF
que
estabelece
normas
até
então
não
tratadas
anteriormente.
Lei
nº
4.320/64,
no
seu
artigo
58,
dispõe
que
o
empenho
da
despesa
é
o
ato
emanado
de
autoridade
competente,
que
cria
para
o
Estado
a
obrigação
de
pagamento,
pendente
ou
não
do
implemento
de
condição.
É
muito
provável
que
durante
a
execução
orçamentária
ocorram
situações,
fatos
novos
ou
mesmo
problemas
não
previstos
na
fase
de
elaboração
que
demandem
acertos.
De
acordo
com
a
Lei
nº
4.320/64,
em
seu
artigo
40,
o
mecanismo
para
corrigir
falhas
de
previsão,
planejamento
e
retificar
o
orçamento
anteriormente
aprovado
pelo
Legislativo
são
denominados
créditos
adicionais.
Esta
legislação
permite
que
sejam
abertas
novas
dotações
para
ajustar
o
orçamento
e
incluir
autorização
para
despesas
não
computadas
ou
insuficientemente
dotadas
na
Lei
Orçamentária
Anual.
Neste
trabalho
só
foram
considerados
os
créditos
suplementares,
visto
que
tais
mecanismos
são
os
mais
frequentemente
utilizados
para
retificar
valores
fixados
na
peça
orçamentária.
De
acordo
com
a
referida
lei,
em
seu
artigo
41,
os
créditos
suplementares
atendem
casos
em
que
a
dotação
já
existe
na
Lei
de
Orçamento,
entretanto,
necessitam
de
reforço
para
atender
despesas
exigidas
quanto
ao
interesse
da
Administração.A
abertura
de
créditos
suplementares
apresenta
consequências
em
duas
programações:
orçamentária
e
financeira.No
que
se
refere
à
primeira,
a
influência
dos
créditos
se
faz
sentir
quando
interfere
na
concretização
dos
objetivos
e
metas
a
serem
alcançados
pela
Administração,
e
que
são
dispostas
na
forma
dos
diferentes
programas,
subprogramas,
projetos
e
atividades.
Quanto
à
programação
financeira,
o
efeito
se
fará
sentir
na
medida
em
que
a
alteração
efetuada
interfira
no
esquema
de
desembolso
do
exercício.
Conforme
a
Lei
nº
12.595/2012,
Seção
III,
o
Governo
Federal,
possui
diversas
alíquotas
para
limitar
a
abertura
de
créditos
suplementares.
Existem
casos
onde
o
percentual
é
de
10%,
outros
de
30%
e
de
até
50%
do
orçamento.
As
exceções
são
diversificadas
e
abrangem
várias
subfunções,
instituições,
ações
e
naturezas
de
despesa
previstas
na
LOA.
Embora
seja
notória
a
necessidade
de
alguma
flexibilidade
no
tocante
aos
recursos
previstos
na
Lei
Orçamentária,
visto
que,
erros
e
omissões
são
verificados
no
decorrer
do
exercício
financeiro,
e
consequentemente,
não
foram
estimados
na
peça
orçamentária.
Neste
caso
é
razoável
que
se
dê
uma
margem
para
que
o
próprio
Executivo,
sem
consulta
ao
parlamento,
possa
suplementar
dotações
já
aprovadas.
Entretanto,
tal
abertura
não
deve
servir
para
desconfigurar
o
projeto
inicial
aprovado
pelo
Poder
Legislativo.
Esta
lacuna
deve
apenas
ajustar
falhas.
Os
créditos
suplementares,
por
serem
destinados
ao
atendimento
de
insuficiências
orçamentárias,
acompanham
a
vigência
do
Orçamento,
ou
seja,
extinguem-‐se
no
final
do
exercício
financeiro.
A
observância
dos
requisitos
legais
para
a
execução
da
despesa
pública
muitas
vezes
exige
o
cumprimento
de
cronogramas
que
consomem
vários
meses,
podendo
se
estender
para
exercícios
vindouros.
Assim,
ao
final
de
um
exercício,
se
a
despesa
empenhada
ainda
não
houver
sido
paga,
seu
valor
será
reconhecido
como
despesa
orçamentária,
lançando-‐se
adicionalmente
o
direito
do
credor
em
conta
de
obrigação
do
governo,
a
conta
de
“restos
a
pagar”.
Em
suma,
restos
a
pagar
são
despesas
empenhadas,
mas
não
pagas
dentro
do
mesmo
exercício
financeiro.
A
Lei
nº
4.320/1964,
em
seu
artigo
36,
distingue
os
restos
a
pagar
em
duas
categorias.
Se
os
bens
ou
serviços
já
se
encontrarem
devidamente
entregues
e
aceitos,
portanto
já
liquidados
pela
contabilidade
no
exercício
anterior,
restando
apenas
serem
pagos,
a
obrigação
será
denominada
“restos
a
pagar
processados”.
Contudo
a
execução
da
despesa
se
encontre
em
qualquer
outra
fase,
anterior
à
liquidação,
ou
seja,
ainda
não
apurada
e
reconhecida,
tal
obrigação
recebe
a
denominação
“restos
a
pagar
não
processados”
e
são
conforme
o
caso
passíveis
de
cancelamento,
resguardadas
as
situações
previstas
em
lei.
Após
esta
breve
explicação
sobre
o
planejamento,
o
orçamento
e
sua
caracterização
nos
instrumentos
legais,
a
próxima
seção
instrumentaliza
o
problema
da
pesquisa
ao
analisar
a
LOA
de
2012
através
do
perfil
da
despesa
pública.
GOVERNO
FEDERAL
–
PLANEJAMENTO
X
EXECUÇÃO
Esta
seção
tem
o
objetivo
de
analisar
o
perfil
da
despesa
pública
executada
no
âmbito
do
Governo
Federal
comparada
ao
planejamento
oficializado
através
da
Lei
Orçamentária
Anual
para
o
exercício
de
2012.
Utilizaram-‐se
os
indicadores
de
todas
as
“função
orçamentária”
e
“subfunção
orçamentária”
para
esta
análise
e
comparação,
uma
vez
que
tais
classificações
indicam
de
maneira
menos
técnica
e
mais
transparente,
em
quais
áreas
do
Governo
estão
sendo
alocados
e
efetivamente
gastos
os
recursos
públicos.
A
Lei
nº
12.595,
de
19
de
janeiro
de
2012
–
LOA
2012
apresenta
o
montante
total
de
R$
2.257.289.322.537,00
(dois
trilhões,
duzentos
e
cinquenta
e
sete
bilhões,
duzentos
e
oitenta
e
nove
milhões,
trezentos
e
vinte
e
dois
mil,
quinhentos
e
trinta
e
sete
reais)
para
cobrir
despesas
no
referido
exercício
financeiro.
Tal
montante
está
dividido
em
três
grupos,
são
eles:
Orçamento
Fiscal
–
R$
1.552.268.301.575,00,
Orçamento
da
Seguridade
Social
–
R$
598.190.565.932,00
e
Orçamento
de
Investimento
–
R$
106.830.455.030,00.
Em
termos
percentuais,
o
Orçamento
Fiscal
representa
68,77%
de
todo
o
Orçamento
para
2012;
já
o
Orçamento
da
Seguridade
Social
representa
26,50%;
e
o
Orçamento
de
Investimento
representa
4,73%,
ver
Figura
1.
Figura
1-‐
1
Despesa
Fixada
por
Orçamento
–
Distribuição
Percentual
do
Orçamento.
O valor de R$ 896.782.345.904,00 (oitocentos e noventa e seis bilhões, setecentos e
oitenta e dois milhões, trezentos e quarenta e cinco mil e novecentos e quatro reais) ou
39,73% da despesa total fixada, corresponde manutenção dos Poderes da União, seus fundos,
órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e
mantidas pelo Poder Público, e estatais dependentes. Outra parte substancial do Orçamento
Fiscal é especificamente voltado para o refinanciamento da dívida. Este prevê o montante de
R$ 655.485.955.671,00 (seiscentos e cinquenta e cinco bilhões, quatrocentos e oitenta e cinco
milhões, novecentos e cinquenta e cinco mil, seiscentos e setenta e um reais), o que representa
29,04% do Orçamento total. Assim, uma melhor compreensão desta distribuição pode ser
obtida pela Figura 2. Ao analisar o orçamento fixado por funções conforme a portaria 42/99
disponibilizado pelo SIOP Gerencial/Secretaria de Orçamento Federal, Anexo I, cinco
funções se destacam representando 87,42%, figura 3, ou seja, R$ 1.879.909.156.572,00 (um
trilhão, oitocentos e setenta e nove bilhões, novecentos e nove milhões, cento e cinquenta e
seis mil e quinhentos e setenta e dois reais). Uma análise do Orçamento por subfunção fixado
na LOA de 2012, Anexo II, e também disponibilizado pelo SIOP, destacam-se dez subfunções
que mais demandaram recursos no Orçamento. Estas somam o montante de R$
1.823.779.881.176,00 (um trilhão, oitocentos e vinte e três bilhões, setecentos e setenta e nove
milhões, oitocentos e oitenta e um mil e cento e setenta e seis reais) e representam 84,81% do
valor total do Orçamento. Cujo gráfico da distribuição é apresentado na figura 4, pela ordem:
841 – Refinanciamento da Dívida Interna, 271 – Previdência Básica, 843 – Serviço da Dívida
Interna, 845 – Outras Transferências, 846 – Outros Encargos Especiais, 122 – Administração
Geral, 272 – Previdência do Regime Estatutário, 847 – Transferências para a Educação
Básica, 302 – Assistência Hospitalar e Ambulatorial, 331 – Proteção e Benefícios ao
Trabalhador.
Fica evidenciada a partir destas análises a necessidade de um estudo complexo a
respeito das demandas sociais e no tocante à manutenção da máquina pública federal. Por este
motivo, o planejamento é tão importante. Este é oficializado na Lei Orçamentária, e
paralelamente e posteriormente, comparado à execução orçamentária e financeira do exercício
em questão.
É através da análise planejamento versus execução, que se pode concluir ou não pelo
sucesso estimativo das despesas fixadas no Orçamento Anual, as quais atenderão
integralmente ou parcialmente os objetivos do Governo. Com efeito, verifica-se, a partir da
execução orçamentária que incluí os créditos suplementares disposta no Anexo III, que alguns
valores fixados no orçamento não atendem integralmente as demandas de suas funções. Razão
pela qual são realizadas as alterações orçamentárias.
Figura
2
-‐
Distribuição
da
Despesa
Fixada
–
Destinação
Anexo IV
Execução por função
Este artigo busca discutir o autor nacional mais referenciado pela discussão sobre o problema
do “método” na Administração Política. Visa demonstrar que a operação epistemológica está
fundada sobre o pensamento de Alberto Guerreiro Ramos por meio dos “deslocamentos de
conceitos”. O texto buscará também dar um panorama sobre os problemas discutidos por
Guerreiro Ramos e demonstrar que a metodologia desenvolvida até o momento pela
Administração Política sofre do que o próprio autor referenciou como “colocação
inapropriada” da gestão estatal como elemento de execução do estado de bem-estar social no
capitalismo.
Palavras-chave: Guerreiro Ramos, Metodologia, Administração Política.
A dívida com Guerreiro Ramos fica clara quando vemos a semelhança de objetivos
que se centram do Estado como condição necessária ao desenvolvimento nacional e o tema da
industrialização atrasada, que era concernente ao problema histórico da modernização
brasileira – conservadora, tardia ou até mesmo hipertadia, dependendo da corrente do
pensamento social que se adota –, ao qual Ramos se centrava em sua época de estudos
(BARIANI, 2015). O que Santos faz é reatualizar uma importante mediação da relação entre a
industrialização e o desenvolvimento do capitalismo nacional e alçá-lo à perspectiva central
da atuação da Administração Política, com o planejamento e o uso das políticas públicas para
um objetivo completamente alheio à materialidade efetiva de que temos notícia até o
momento: o “controle” do capital via Estado.
Parece indicativo que este problema esteja alicerçado em concepções “moralistas” da
noção keynesiana de bem-estar, que inclui como um dos principais objetivos o “controle” da
sanha de exploração da força de trabalho pelo capital e seus interesses privativos
característicos ao seu modo de funcionamento em busca de sua valorização, principalmente
em seus momentos de crise econômica. O que é a “finalidade social” para Santos se constitui
no bem-estar social da teoria keynesiana e, por isso, o capital não cumpre a sua função pela
qual o autor parece, em nossas impressões sobre o problema, imputar de forma errônea, pois o
objetivo do capital é sua autovalorização e acumulação privadas através da exploração da
força de trabalho, potencializada pela combinação de trabalhos permitida pelo nascimento da
produção em escala industrial (MARX, 2013). Assim, o papel do Estado se constitui agora no
fato de que, ao invés de ser dominado pelos interesses de diferentes frações do capital, que foi
acentuado pelo desmonte neoliberal da década de 90 (SANTOS E RIBEIRO, 1993), o seu
papel se constitui em dominá-los: “Em vez de ser instrumentalizado no sentido de viabilizar a
finalidade de um sujeito particular – o capital –, agora tem o papel de gestor e executor do
projeto da nação, cuja finalidade é o bem-estar social” (SANTOS, 2001, p. 66). O uso do
Estado e de sua burocracia profissional são os elementos que compõe esta regulação do
mercado em busca do bem-estar social (SANTOS; RIBEIRO; SANTOS, 2009).
O artigo se divide então em três partes, além desta pequena problematização já
desenvolvida. A primeira tem como objetivo salientar rapidamente as concepções
metodológicas desenvolvidas por Guerreiro Ramos e como a Administração Política acaba
por adotar problemas semelhantes a serem enfrentados em Guerreiro Ramos, que não
serviram como preocupação detida pela área e pelos pesquisadores. A segunda defende que a
“mudança paradigmática” do problema da gestão estatal, que é o mote do desenvolvimento
metodológico da área, não significa uma alteração radical de análise e nem o desenvolvimento
de uma especificidade de agenda de pesquisa. Trataremos também do desenvolvimento da
epistemologia e teoria da Administração Política para salientar que a delimitação do papel
estatal no capitalismo é problemática, ainda mais quando busca desenvolver um Estado de
bem-estar social ao qual faz parte do passado dos países centrais e que não foram alcançados
(e dificilmente o serão) pelos países periféricos, se constituindo num anacronismo decorrente
das deficiências metodológicas que a orienta e que não obedece aos pressupostos originários.
Assim, a última e terceira parte busca fazer um apanhado das ideias aqui desenvolvidas e
apontar as contribuições às quais o texto pode levantar.
1. Guerreiro Ramos e os alicerces metodológicos da Administração Política.
Esta crítica serve como ponto de alicerce para demonstrar que a “pretensa exatidão”
que Lukács se refere irá marcar a experiência da redução sociológica de Guerreiro Ramos e,
ao mesmo tempo, indica as conclusões do homem parentético: aquele que consegue,
supostamente, suspender a realidade e criar a sua própria, pois suas relações sociais podem ser
negadas enquanto indivíduo isolado que as criou para si. Isso configura para Lukács uma
arbitrariedade metodológica, pois enquanto a essência do objeto está definitivamente ligada
aos complexos da realidade, ela não pode ser colocada em suspensão. Nesse sentido, as
possíveis diferenciações entre essência, fenômeno e aparência das relações sociais e dos
objetos de estudo sempre constituirão um esforço improfícuo quando se exclui ou suspende a
realidade (LUKÁCS, 1979).
Portanto, vemos o quão problemática é a ideia de Guerreiro Ramos quando defende
que “De fato, a suspensão equivale aqui a pôr as circunstâncias ‘entre parênteses’. O homem
parentético consegue abstrair-se do fluir da vida diária, para examiná-lo e avaliá-lo como um
espectador” (1984, p. 8). Espectador este que não consegue escapar da realidade material que
o cerca, por mais que decida pela reflexão expectadora e especulativa desta realidade. O
caráter burguês de seus fundamentos metodológicos passa por detrás de suas contribuições
originais e isto causa um enorme desserviço quando o autor passa a contribuir decisivamente
para o pensamento administrativo nacional em busca de sua autonomia científica. A confusão
entre emancipação social e suspensão da realidade individual atinge e influencia boa parte do
pensamento organizacional (cf. MOZZATO; GRZYBOVSKI, 2013) e que, até o momento,
não parece ter a fundamentação teórica necessária para se livrar das rédeas da epistemologia
pequeno-burguesa de responsabilização para o indivíduo atomizado que agora consegue
sozinho “autoemancipar” de uma sociedade “alienada” ou estranhada de suas relações sociais,
algo alheio aos próprios escritos de Guerreiro Ramos quando este diz, por exemplo, que: “A
pesquisa de Blauner estriba-se numa colocação errada da teoria de Marx sobre alienação, e
representa, na realidade, a colocação inapropriada de um conceito, isto é, primeiro despoja a
questão da alienação de seu caráter meta-histórico; segundo, admite que ela possa ser
resolvida por meios microrganizacionais” (1989, p. 70).
A conclusão a que se chega pelos estudos que se baseiam em Guerreiro Ramos para a
Administração contradiz a própria lógica dos fatos: ou a sociedade se emancipa do seu
relacionamento social estranhado e, assim, os indivíduos que a compõe e estruturam, ou
passamos a imaginar pretensamente que o “eu” individual está emancipado de sua sociedade,
quando na verdade a sociedade estranhada de seus relacionamentos sociais continua intocada
de seus fundamentos mais básicos de exploração de classe. A sociedade emancipada não
possui classes sociais antagônicas. O problema do “epistemologismo” se faz presente na
ideação/idealização da realidade, como se fosse possível suspender o funcionamento
estruturante da sociedade capitalista e se acomodar, com sua pretensão autoindulgente de
superioridade individual autoemancipada no âmbito micro.
Semelhante problema decorre também da racionalidade instrumental e substantiva
weberiana, que se faz conter como um marco do individualismo exacerbado nas análises
sociológicas e epistemológicas de Guerreiro Ramos e o uso das tipologias ideais para a
construção das suas análises. Assim, nessa situação, a redução sociológica se concentra no
fato de que existe uma atitude metódica ao contrário da atitude natural que não põe em
questão os aspectos diretos dos dados que lhe são oferecidos. Não admite a existência na
realidade social de objetos sem pressupostos sociais de significação valorativa. Postula a
noção de mundo onde a consciência e os objetos estão reciprocamente relacionados com seus
valores referenciados socialmente, e, portanto, depende de sua perspectiva quanto ao objeto.
A redução sociológica não é, portanto, em sentido genérico, primariamente um ato de lucidez
individual e, portanto, é fundamentada numa espécie de lógica material, imanente à sociedade
(o que contradiz suas críticas ao marxismo) numa assimilação crítica da experiência
estrangeira com alta complexidade e diversidade de conhecimentos (GUERREIRO RAMOS,
1996). Assim, a crítica da falta de rigor no uso de metodologias díspares se faz presente em
suas obras usando marxistas para criticar Marx e adotar a postura relativista da realidade
social.
Nas conhecidas polemizações de suas posições com Florestan Fernandes nos mostra
que:
Se, por um lado, Florestan Fernandes procura, nos fundamentos empíricos, por meio
das teorias clássicas, a percepção de elementos para serem logicamente encadeados
numa explicação da sociedade brasileira, joeirando os pequenos dados para formar
um grande painel, por seu turno, Guerreiro Ramos, de certo modo, faz o caminho
inverso: procura, na autenticidade de uma existência particular culturalmente
detectável, uma totalidade a ser formatada com os instrumentos da sociologia
clássica, mas sem o molde de uma teoria construída a partir de uma outra realidade
social, isto é, tenta intuir uma totalidade primeira que será buscada nos elementos
empíricos para recompor uma totalidade já pensada, refletiva, construída com base
numa explicação particular de uma sociedade original. (BARIANI, 2015, p. 22)
Há até aqui a indicação dos limites aos quais os elementos constitutivos do método se
problematizam com o objeto. A noção de parênteses da realidade material do pesquisador o
possibilita olhar distanciado (ou cientificamente resignado) que caracterizaria a possibilidade
de suspensão dos interesses pessoais do pesquisador ao analisar os fatos. Entretanto, este
problema não aparece claramente nos estudos da Administração Política, apesar de adotá-los
sem ter plena consciência de tal fato.
Essa defesa decorre, ao nosso entender, de um problema metodológico da própria
incompreensão da episteme adotada, que incorrerá na defesa da Administração Política como
um campo próprio pertencente à ciência administrativa. Ao construir conceitos através
questionamentos que não faziam parte das preocupações do autor abordado para erigir seu
método, Santos (2001) desloca o processo de construção do método do autor e força a
abertura de um campo de estudos pela mudança concernente à especificação do objeto de
estudo e não pela forma de método sistemático pelo qual Guerreiro Ramos define como a
redução sociológica. Para Guerreiro Ramos (1996, p. 42) “A redução sociológica é um
método destinado a habilitar o estudioso a praticar a transposição de conhecimentos e de
experiências de uma perspectiva para outra. O que a inspira é a consciência sistemática de que
existe uma perspectiva brasileira”. A noção de perspectivas, ou diferenças de ponto de vista,
será essencial para Santos, para a Administração Política e a criação da agenda de estudos
teóricos, metodológicos e casuísticos da área.
De tal modo, a Administração Política altera o objeto de estudo, mas comete o erro do
método ao qual se baseia, sem se alentar para tal ocorrência. Isso acontece porque seus
autores desenvolvem suas teorias sem se preocupar detidamente com a adequação do método
desenvolvido por Guerreiro Ramos, que se orienta para a utilização de conceitos externos para
adequá-los à realidade brasileira e não somente uma alteração da perspectiva dos objetos em
estudo. Necessário lembrar aqui que para Guerreiro Ramos não existe probabilidade de
repetições dentro da realidade social. O sentido de um objeto jamais se dá desligado de um
contexto determinado (1996).
Essa forma inapropriada da construção de suas bases epistemológicas acaba também
por se estruturar dentro do problema colocado e assim não definir acertadamente o objeto ao
qual se dispõe a investigar. Assim como colocou Guerreiro Ramos (1989, p. 71):
[...] não há dúvida que Alberto Guerreiro Ramos é o autor clássico que mais se
inquieta com o estágio atual da administração em relação às questões substantivas da
realidade social do mundo capitalista. É isto que vai motivá-lo a escrever A nova
ciência das organizações (Ramos, 1989). No livro A redução sociológica (Ramos,
1965) já são visíveis os sinais de preocupação, quando Guerreiro Ramos discute os
critérios de avaliação do desenvolvimento. Admite Guerreiro Ramos que a
preocupação em se organizar e determinar as relações sociais no âmbito
sociedade/Estado não é encontrada em modelos de gestão baseados na administração
e na economia política, e sim nas ciências sociais que são chamadas para explicar
em que consiste o desenvolvimento, assim como os meios para alcançá-lo. Embora
próximo, Guerreiro Ramos foi incapaz de perceber que “os meios para alcançar o
desenvolvimento” representam o conteúdo próprio da administração política, que
nada mais é senão o gerenciamento feito pelo Estado, nas suas relações com a
sociedade, para edificar uma certa materialidade visando alcançar as finalidades
expressas no bem-estar de uma sociedade ou da humanidade. (SANTOS, 2001, p.
59)
Neste caso, a crítica se volta ao crítico. Quando Santos defende que o objeto da
administração não é a organização (aqui entendido como a empresa capitalista) e sim o
conteúdo da “gestão”, o autor acaba fazendo a mesma operação que Guerreiro Ramos. Muda
a perspectiva do objeto, mas ao invés de alterar toda a conceituação teórica que fundamenta
suas afirmações, Santos defende indiretamente que a gestão das organizações privadas não
envolve ou não é preocupada, em certo sentido, com a gestão das relações sociais dentro do
ambiente organizacional. Ela é consequência destas mesmas relações sociais amplas do
capitalismo e que também perpassam a esfera estatal. São determinações recíprocas.
A real alteração que aqui acontece é sair da perspectiva microrganizacional para a
macrorganizacional no ambiente estatal e societal. Esta é a real mudança paradigmática,
apesar de Santos defender a mesma coisa com a diferença em que uma é medida pela
racionalidade instrumental enquanto a outra deveria ser balizada pela racionalidade
substantiva em busca do propalado bem-estar social. Entretanto, em suas relações materiais
efetivas não há nenhuma diferenciação feita pelo autor entre a gestão da coisa pública para a
gestão privada do nível microeconômico. Tautologia, pois burocratas também são
administradores profissionais, mas investidos em cargos públicos, apesar de não buscarem a
autovalorização do capital pela venda de mercadorias. Os burocratas e outros profissionais
estatais são movidos, em geral, pelos mesmos interesses de fundo da relação entre Estado,
mercado e organizações: são interesses individuais e privatistas. A diferença é que eles
gestam a máquina estatal, não o Estado. Defender tal ideia esquece que a definição da política
macroeconômica obedece critérios políticos na luta entre interesses públicos e privados e não
critérios substantivos em busca da sublimação. Sublimação essa que faz parte da ideologia
pequeno-burguesa e weberiana. A contradição chega a tal ponto que todas as profissões que
entram no processo de construção do bem-estar social passam a ser “administradores
políticos”. A diferença essencial (que nem é diferença estritamente falando para o autor) se
constitui apenas no fato de que: “no limite, pode-se dizer que o bacharel em administração
está mais capacitado do que os demais profissionais para coordenar certas atividades durante a
execução da base técnica do projeto da nação; talvez nada mais do que isso!” (SANTOS,
2001, p. 67). Então a ciência administrativa se reduz à aplicação de conceitos de áreas
correlatas e não uma ciência autônoma, disciplinada.
Como é perceptível em seu texto, o próprio autor chega a arranhar o problema desta
diferenciação entre público e privado, para depois abandonar de vez e não voltar a ele:
“Embora as organizações/instituições constituam o gênero que contém elementos essenciais
do objeto da disciplina administração, elas são espaços particulares onde apenas habita o
objeto. A essência perpassa o espectro das relações sociais internas às organizações e se
estabelece nos limites das relações sociais mais amplas, portanto, no âmbito da sociedade.”
(SANTOS, 2001, p. 62).
Assim, o que dá status à administração enquanto ciência é “Pura e simplesmente, a
gestão. Assim, cabe à administração estruturar um modelo de gestão viabilizador do objetivo
da organização.” (SANTOS, 2001, p. 63). Então aqui temos duas formas de gestão (não
idênticas e de funcionamento essencialmente diferentes) que irão pautar sua igualdade sempre
nos objetivos “maiores” da organização. Na empresa capitalista sabemos que o que move a
produção é a autovalorização expansiva do capital privado. E na esfera estatal e pública, o
autor faz um ajustamento arbitrário:
Dentro das mesmas verdades invariáveis da econômica política clássica e seus fatores
produtivos, temos agora a responsabilidade do “como” fazer a gestão macroeconômica
funcionar de modo ético e responsável, apesar da imperfeição das relações “puras” de
mercado continuarem a existir na materialidade. Não aparece em momento algum como
acabar com a exploração de uma classe pela outra, mas “como” controlar a selvageria do
mercado imperfeito e sua necessidade de exploração econômica no qual as perguntas que
ficam à cargo da economia de livre mercado já definiu o “que” e “por que” produzir:
mercadorias que geram mais-valor para o empresário reaplicar em seu negócio. É a
cristalização efetiva das afirmações contidas em Marx (2013) sobre a tendência à acumulação
e concentração de capitais diante da disputa da valorização através da exploração da força de
trabalho. Ou então seria interessante lembrar que “o modo determinado de participação na
produção determina as formas particulares da distribuição, a forma de participação na
distribuição” e que, portanto, “A articulação da distribuição está totalmente determinada pela
articulação da produção [...], já que somente os resultados da produção podem ser
distribuídos” (MARX, 2011, p. 47).
A questão passa pela regulação do sistema capitalista, ou seja, o “como” da
Administração Política significa que é possível produzir sem exploração da força de trabalho?
Como isso seria possível, já que os detentores dos meios de produção podem escolher o “que”
e “por que” produzir? O “como” se torna mais o detalhe do que a essência da organização do
processo produtivo, já que técnicas de gestão “humanizadas” ganham força na década de 30
durante a crise mundial do capital, exemplificado pelas experiências de Hawthorne
publicizadas e analisadas por Mayo. Este “como” produzir já e feito pela Administração
privada e estatal e não tem a capacidade de alterar as relações sociais de fundo, apesar de
assim Santos creditar ao Estado. De forma arbitrária, pois ele detém o monopólio da força,
mas não o monopólio da produção material que definirá a parte de sua distribuição, troca e
consumo posteriores. Na verdade, o Estado vive da colaboração financeira entre explorador e
explorado para garantir seu funcionamento parasitário e improdutivo para, dali, tirar sua
política econômica onde, até o momento, não houve grandes alterações na política classista do
Estado. Ele defende o capital ou o trabalho, através de seus representantes políticos.
Entretanto, dado a posse dos meios de produção da riqueza material, usa seu poder econômico
para agir em defesa dos seus próprios interesses privados e tem a capacidade de pautar o
debate político, econômico e social do país. Assim como Marx (2013, p. 808) defende:
Não basta que as condições de trabalho apareçam num polo como capital e no outro
como pessoas que não têm nada para vender, a não ser sua força de trabalho.
Tampouco basta obrigá-las a se venderem voluntariamente. No evolver da produção
capitalista, desenvolve-se uma classe de trabalhadores que, por educação, tradição e
hábito, reconhece as exigências desse modo de produção como leis naturais e
evidentes por si mesmas. A organização do processo capitalista de produção
desenvolvido quebra toda a resistência; a constante geração de uma superpopulação
relativa mantém a lei da oferta e da demanda de trabalho, e, portanto, o salário, nos
trilhos convenientes às necessidades de valorização do capital; a coerção muda
exercida pelas relações econômicas sela o domínio do capitalista sobre o
trabalhador. A violência extraeconômica, direta, continua, é claro, a ser empregada,
mas apenas excepcionalmente. Para o curso usual das coisas, é possível confiar o
trabalhador às “leis naturais da produção”, isto é, à dependência em que ele mesmo
se encontra em relação ao capital, dependência que tem origem nas próprias
condições de produção e que por elas é garantida e perpetuada.
Portanto, é interessante que Santos utilize em suas análises três variáveis que afetam
seu modelo: a sociedade sem classes que busca não o rompimento com o capital, mas o bem-
estar como finalidade (nada mais que a lei naturalizada da produção capitalista), pois não fala
em antagonismo entre capital e trabalho como o fundamento social das desigualdades que
quer reformar, mas numa sociedade em nível altamente abstrato e que só por que o autor
assim afirma, busca o bem-estar como finalidade. O Estado que é a mediação pela qual a
finalidade do bem-estar é politicizada, sem luta de classes, sem disputas de interesses
mesquinhos e sem disputa econômica e, por último, é a dimensão do próprio capitalismo em
que, segundo as palavras do autor “no contexto atual, é o modo de produção responsável pela
concepção e operacionalização da base técnica e operacional para se alcançar o bem-estar”
(2001, p. 65). Operacionalizar o bem-estar com o capitalismo é algo ainda a se ver, pois
apesar de produzir cada vez mais em menos tempo, a classe do trabalho continua trabalhando
cada vez mais e de forma mais intensa. O bem-estar fica do lado de fora da organização em
suas horas de descanso. No mais, a exploração de classe continua em seus profundos alicerces
históricos, sociais e econômicos.
É aqui que as contradições se manifestam com total clareza: “a oportunidade para
construção de um projeto de nação em busca da finalidade ocorre porque a dimensão do
capitalismo responsável pela base técnica e organizativa para se alcançar a finalidade social
não cumpre seu papel, pois sua finalidade é distinta, porque particularizada”
(2001, p. 65).
Assim, Santos defende que cabe à economia política o redirecionamento do modo de
produção capitalista em busca do bem comum e não do interesse privado. Interessante
afirmação, dado que o controle do capital não se dá pelo Estado, mas pelas próprias relações
privadas pela qual o Estado e o Direito cumprem seu papel de assegurar. O que Santos faz é
uma transfiguração da função e do papel do Estado: “Em vez de ser instrumentalizado no
sentido de viabilizar a finalidade de um sujeito particular — o capital —, agora tem o papel de
gestor e executor do projeto da nação, cuja finalidade é o bem-estar social” (2001, p. 65).
Seria interessante propor a revolução que possibilitasse a socialização dos meios de produção
de uma vez e o controle destes por meio de associações comunitárias autossuficientes. O
objetivo da reforma é totalmente ilusório porque não possui caráter definitivo e sim
transitório, podendo ser aceito ou não, como aconteceu com a própria noção de bem-estar
social que, hoje, começa a ser defendida por economistas redistributivistas como Thomas
Piketty. Reforma sem revolta. Mantendo a mesma estrutura social de dominação e exploração
do homem sobre o homem, das classes capitalistas sobre as classes trabalhadoras. Mais uma
tentativa de criar uma mola na contenda histórica insuperável em seus próprios termos.
O que se configura, então, na colocação inapropriada do conceito da gestão da
Administração Política? O conceito de gestão que não responde aos conteúdos específicos e
diferenciados entre as esferas privadas e públicas (que não necessariamente tem o interesse no
público, apesar de assim serem entendidos pelo autor) e que coloca ao Estado uma tarefa que
compete aos movimentos históricos da luta de classes. Assim, ao invés de denunciar a
continuidade da exploração do trabalho pelo capital, ele se estende sobre a continuidade no
poder estatal, reflexo dos interesses econômicos de classe e, assim, “para que exista
continuidade é preciso pressupor um Estado ditatorial, no qual haja efetiva hegemonia de um
único partido que garanta a continuidade de um único governo. Porém, esta não é tese
defendida pelas democracias formais e hegemônicas” (2001, p. 68). Basta lembrar que, no
Brasil, a continuidade da elite burguesa se sustenta aos moldes alternados entre democracia e
autoritarismo pelo próprio Estado, sem mudar os fundamentos que erigiram e possibilitaram
tal situação. Apesar de alternâncias desde a redemocratização, as classes sociais dominantes
se mantém intocadas em seus privilégios históricos, econômicos e sociais (MEDEIROS;
SOUZA; CASTRO, 2014). Portanto, o fenômeno do Estado como controlador do capital é, na
verdade um “fenômeno b pertence a um contexto peculiar, cujas características específicas só
limitadamente correspondem ao contexto do fenômeno a” (GUERREIRO RAMOS, 1989, p.
71). A cada crise que o capital sofrer, o desmonte do estado de bem-estar social virá através
da luta de classes e assim, a esfera dos fenômenos do Estado e da esfera pública atendem
apenas limitadamente à tentadora proposta reformadora da Administração Política sob égide
do capital.
Referências:
Paula, A. P. P. et. al. A tradição e a autonomia dos estudos organizacionais do Brasil. RAE,
São Paulo, v. 50, pp. 010-023, jan./mar. 2010.
Ramos, A. G. A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações.
Rio de Janeiro: FGV, 1989.
i
Professor do Departamento de Administração da Universidade Federal de Juiz de Fora – campus Governador
Valadares. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora.
1
Resumo
O artigo tem por objetivo apresentar uma experiência teórico-prática no ensino das teorias
organizacionais na formação de bacharéis em Saúde Coletiva. A resposta à questão – de que
introdução às teorias das organizações o Sanitarista precisa em sua formação –, no contexto
de um sistema universal de saúde e de proteção dos direitos sociais, implica uma aproximação
ao pensamento crítico na grade curricular da disciplina, para pautar o aprendizado de uma
administração política
voltada para as transformações sociais e mudanças organizacionais dos
serviços de saúde. O conteúdo programático da disciplina propicia discussões temáticas
utilizando conceitos como liderança; autogestão, etnografia crítica, práticas organizacionais
verticais e horizontais, modelos de gestão gerencial e societal, e a perspectiva histórica e
multidimensional nas análises das organizações. Essas reflexões contribuem no
fortalecimento dos processos de democratização da gestão das políticas públicas, na
organização dos serviços públicos e na reconstrução das expressões da área de Política,
Planejamento e Gestão em Saúde no campo de conhecimentos e práticas da Saúde Coletiva.
Inclusive, por coerência com o referencial epistemológico do próprio campo da Saúde
Coletiva.
1
Weiss,
M.C.V.
Nutricionista,
Doutora
em
Ciências
pela
ENSP/FIOCRUZ.
Pós-‐Doutorado
no
PPGA/UFRGS
e
na
EBAPE/FGV.
Professora
Titular
da
Universidade
Federal
de
Mato
Grosso,
Instituto
de
Saúde
Coletiva.
2
Kehrig,
R.T.
Administradora,
Doutora
em
Saúde
Pública
pela
USP.
Professora
Adjunta
da
Universidade
Federal
de
Mato
Grosso,
Instituto
de
Saúde
Coletiva.
Coordenadora
do
Programa
de
Pós-‐Graduação
em
Saúde
Coletiva.
2
Introdução
O texto trata de uma experiência de ensino das teorias organizacionais na graduação
em Saúde Coletiva que incorpora o pensamento crítico em seu referencial. A opção por uma
teoria organizacional numa abordagem crítica enquanto fundamento para a gestão em Saúde
Coletiva vem contribuir com a formação de Sanitaristas para a análise e transformação das
organizações e dos serviços de saúde, aproximando-se de uma epistemologia da
administração pública, de forma coerente com a epistemologia da constituição do campo de
conhecimentos e práticas da Saúde Coletiva.
A formação de Sanitaristas enquanto bacharéis em Saúde Coletiva é uma realidade que
vem acontecendo no Brasil nos últimos anos. Em 2014 havia dezessete cursos em
funcionamento em todas as regiões do país, dos quais dezesseis em universidades públicas,
sendo dez federais e seis em universidades estaduais, e um curso em universidade privada
(FGSC/Abrasco, 2014).
Os Cursos de Graduação em Saúde Coletiva (CGSC) visam formar profissionais
focados nas principais necessidades em saúde da população brasileira e no Sistema Único de
Saúde. Os Sanitaristas se auto-definem como uma nova força mobilizadora do processo de
Reforma Sanitária Brasileira, comprometidos com os princípios e valores éticos e políticos
que inspiram tal Reforma (CASTELLANOS et al., 2013).
A denominação dos cursos de graduação em Saúde Coletiva no Brasil foi tributária da
constituição do campo científico e de práticas da Saúde Coletiva vinculado ao processo da
Reforma Sanitária Brasileira. O campo de conhecimento da Saúde Coletiva foi constituído a
partir do movimento internacional da Medicina Social na Europa de 1848. Os estudos
brasileiros de Donnangelo e Pereira (1976) e de Arouca (2003) foram precursores no pensar
sobre um novo campo paradigmático para a Saúde Pública. O objeto da Saúde Coletiva “[...]
compreende a investigação dos determinantes da produção social das doenças e da
organização dos serviços de saúde, e o estudo da historicidade do saber e das práticas sobre os
mesmos” (PAIM, 1982, apud PAIM; ALMEIDA Fº, 2000, p.61).
O arcabouço teórico-conceitual e epistemológico da Saúde Coletiva e os desafios da
Reforma Sanitária e do Sistema Único de Saúde (SUS) compõem a base argumentativa da
formação do bacharel em Saúde Coletiva (BOSI; PAIM, 2010). O profissional Sanitarista tem
sua formação no Brasil ancorada nas três áreas que compõe o campo científico e âmbito das
práticas da Saúde Coletiva: Ciências Sociais e Humanas em Saúde; Epidemiologia; e,
Política, Planejamento e Gestão de Saúde. Assim, também nessa última área do campo, onde
se inserem as teorias organizacionais, a aplicabilidade do conhecimento administrativo na
formação do sanitarista considerou o campo de práticas e de conhecimento da Saúde Coletiva,
que é delimitado como campo de conhecimento a partir da matriz teórico-conceitual do
Movimento Sanitário (NUNES, 2014), na perspectiva de formação de intelectuais orgânicos
(GRAMSCI, 1982) e produção de conhecimentos inerentes à Reforma Sanitária e à
implantação do SUS, promulgado na Constituição Brasileira (BRASIL, 1988).
Os pressupostos doutrinários do direito democrático de cidadania à saúde, com
garantia do acesso universal e igualitário, e a integralidade da atenção prestada conforme
necessidades da população, implicaram uma política de Estado para a saúde e um conjunto de
iniciativas no âmbito das instituições, serviços de saúde e grupos sociais.
A fundamentação dos processos de municipalização e descentralização, voltados para
a adoção de modelos assistenciais, de planejamento e gestão alternativos no referencial
teórico da filosofia da práxis – dialógica, plural e comunicativa –, baseada em Gramsci e
Habermas, evitaria apenas a conexão política e que o “otimismo da prática” não caísse no
idealismo ou no voluntarismo (FLEURY, 1997).
3
Cenário Inicial
O Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Mato Grosso (ISC/UFMT)
iniciou seu curso de graduação em Saúde Coletiva no ano de 2010. Em sua grade curricular
consta a disciplina “Introdução às Teorias Organizacionais”, ofertada no segundo semestre.
O projeto pedagógico do curso de graduação em Saúde Coletiva da UFMT desenhou a
ementa da disciplina que trabalha com uma introdução às teorias das organizações no Curso,
contemplando: para além dos principais componentes internos de uma organização –
objetivos, tecnologia, divisão do trabalho, estrutura, poder, informação, cultura, etc. – e das
conceituações e inserções na sociedade das teorias das organizações, também as mudanças
organizacionais – determinantes, consequências, estratégias de reação, manutenção e
mudanças, e o papel do gestor –; cultura administrativa no Brasil, especificidades do setor
público e privado das organizações; e, a complexidade das organizações de saúde
(ISC/UFMT, 2010).
A questão colocada foi: de que introdução às teorias das organizações precisa em sua
formação o Sanitarista? Essa disciplina no seu início programada com 108 horas-aulas (sendo
dois terços de aulas teóricas e um terço de práticas), responde pela fundamentação teórica
para as disciplinas mais gerenciais dos próximos semestres: organização do sistema de saúde,
planejamento de saúde, gestão de sistemas e serviços de saúde, gestão de processos e gestão
do trabalho.
Ressaltamos o compromisso com a cidadania na formação do Sanitarista, um
profissional com perfil de ser capaz de conhecer e intervir sobre os problemas/situações de
saúde-doença mais prevalentes, com ênfase na sua região de atuação, identificando as
dimensões políticas, sociais, culturais e históricas de seus determinantes, como também ser
promotor da saúde integral do ser humano (ISC/UFMT, 2010).
Considerando que a realização de ações de saúde, enquanto respostas sociais à
população, dá-se no espaço organizacional onde operam os sujeitos da ação, Kehrig (2001)
aproxima-se de alguns autores que contribuem na abordagem desse espaço: o modelo
burocrático de Weber (1978), a sua crítica por Shon (1971) que com Pinchot e Pinchot (1995)
se atrevem a falar do fim da burocracia; as organizações profissionais de Pettigrew (1992); as
estratégias organizacionais de Mintzberg et al. (2000; 2006); a teoria antropológica das
organizações de Chanlat (1996); e as organizações que aprendem de Senge (2000). Ainda
destacamos alguns pensadores organizacionais que seguimos dentro do próprio campo da
4
5
Ilustração 2 – Inserção das teorias das organizações nas principais correntes de pensamento
6
fazer as coisas através das pessoas. Portanto, basicamente gerir pessoas em cooperação,
visando alcançar objetivos com eficiência dos recursos. Para tanto, são desenvolvidos
modelos de gestão e estratégias adequadas à solução dos problemas encontrados no mundo
organizacional.
Em uma visão neoclássica do pensamento administrativo, com vistas à sua
aplicabilidade nas organizações, as ideias básicas dos seus pioneiros são resgatadas na
assunção de que a administração seja, em última instância, um processo gestor de
planejamento, organização, direção e controle. As expressões do processo administrativo
enquanto combinação do planejamento, estruturação organizacional, modos de direção e
avaliação constituem modos de gestão. A forma como essas funções gestoras se expressam e
seu movimento linear, cíclico ou interativo informam o modelo de gestão vigente em cada
organização. A análise de uma organização no seu funcionamento ou a leitura de um texto
sobre gestão permite desvelar a fundamentação teórica que lhe sustenta. A interação dinâmica
entre as funções gestoras é defendida pela escola neoclássica. Ou, uma gestão autoritária e de
controle rígido nos informa um modelo burocrático de organização.
Numa revisão das abordagens contemporâneas das organizações Misoczky e Moraes
(2011, p.50) demonstram a atualidade e vigência das formulações weberianas no pensamento
estrutural funcionalista identificado em estudos organizacionais. As mesmas autoras lembram
que o próprio Weber admitiu a possibilidade de uma administração democrática, com as
decisões importantes sendo tomadas em assembleias por todos os membros da organização.
Com essas bases as autoras apresentam as práticas organizacionais horizontais, que no senso
comum vem sendo traduzidas para o conceito de autogestão. As categorias propostas por
Misoczky e Moraes (2011, p.86) para um tipo ideal de práticas organizacionais horizontais
consistem em: mandar obedecendo, participação direta, decisões coletivas, delegação
autorizada e corresponsabilidade.
Um movimento de diferenciação entre a administração pública e empresarial que
possa ter existido em alguns momentos, há dado espaço para o reconhecimento das posições
originais da teoria da administração, a exemplo de Fayol e Weber que claramente indicavam a
aplicação da teoria das organizações para qualquer esfera. Desde as abordagens acima citadas,
pesquisas realizadas por diversos autores da teoria organizacional, com destaque para os de
formação mais estruturalista, e após estes os de abordagens contingenciais, como também
outros autores posteriormente (PETTIGREW, 1992), todos têm reafirmado que a teoria da
administração é genérica. Ou seja, aplicável aos mais diversos setores de produção de bens e
serviços para a sociedade. As peculiaridades do processo produtivo nos diferentes setores e
áreas de produção são equacionadas na aplicação pelo próprio setor, referenciados nas
produções pertinentes. Todavia, há que se reconhecer o maior grau de politização e
compromisso social pressuposto no setor público como diferencial.
Para a discussão das especificidades do setor público e privado das organizações,
destacamos a contribuição de Paula (2005, p.36) ao analisar, em uma perspectiva comparada,
a administração pública gerencial e a administração pública societal. Ao examinar os
antecedentes e as características desses modelos de gestão pública, a autora compara “os
modelos a partir de seis variáveis de observação: a origem, o projeto político, as dimensões
estruturais enfatizadas na gestão, a organização administrativa do aparelho do Estado, a
abertura das instituições à participação social e a abordagem de gestão”.
Finalmente, abordamos alguns dos enfoques teóricos pós-contingencias apresentados
por Motta e Vasconcelos (2010): a cultura organizacional e o poder nas organizações.
Na cultura organizacional, além do aspecto interno e relacional das organizações,
metodologicamente reportamo-nos ao âmbito de uma etnografia crítica (MADISON, 2005)
que consequentemente implica em análises mais amplas, alguns de seus pressupostos são:
enfrentamento da tensão entre familiaridades e estranhamentos, vivendo com e não como os
9
Discussão
A partir das reflexões sobre uma sociologia para a administração de Guerreiro Ramos
( 1983, 1989) e do desenvolvimento de uma produção de conhecimentos sobre a realidade da
administração brasileira nos últimos anos, adotou-se a inclusão da abordagem crítica
perpassando os conteúdos das teorias das organizações explicitando as limitações das
abordagens clássicas, neoclássicas e contingenciais, por coerência inclusive com o próprio
campo da Saúde Coletiva que se materializa na produção e transformação social.
Para Souza et al. (2004) a maior parte do arcabouço intelectual da Teoria Crítica na
Administração é inspirada na Escola de Frankfurt. A aplicação dos seus conceitos elementares
nos pareceu imprescindível em contextos locais onde se reproduzem as práticas de saúde e no
fortalecimento da gestão democrática das políticas de saúde. Assim, buscamos em tais
referências embasar os conteúdos programáticos das teorias organizacionais para a abordagem
das discussões sobre: liderança (BERGAMINI, 1994 e SIEVERS, 1997); autogestão
(ALBUQUERQUE, 2003), etnografia crítica (MADISON, 2005), práticas organizacionais
verticais e horizontais (MISOCZKY e MORAES, 2011), modelos de gestão gerencial e
10
Considerações Finais
11
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Agradecimentos: Aos professores substitutos Fabiano Tonaco Borges, Sergio Camargo e
Aisllan Palomar que contribuíram com as discussões no decorrer da disciplina em diferentes
períodos.
i
Charles
Chaplin:
Os
tempos
modernos.
EUA:
Filme
de
1936.
ii
O
drama
burguês
–
Gerd
Bornheim
e
Marilena
Chauí.
Disponível
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<http://acasadevidro.com/2014/12/08/marilena-‐chaui-‐gerd-‐bornheim-‐o-‐drama-‐burgues-‐46-‐
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Acesso
em:
27
set.
2015.
1
RESUMO
Este trabalho expõe a proposta da retomada do planejamento indicativo no Brasil. Em
retrospectiva, analisa o que se pensou no Brasil anteriormente, tomando como marco inicial o
conceito de planejamento elevado à norma constitucional desde 1988 e as circunstâncias em
âmbito nacional e internacional que relegaram aquela norma ao esquecimento. Identifica os
contextos socioeconômico, político-institucional e internacional que conferem relevância
atual à correspondente problemática. A análise do planejamento se abre em duas dimensões
conjugadas: técnica e político-institucional, inseparáveis em seu objeto concreto. É revisto
resumidamente o trabalho de pesquisa metodológica nas economias de mercado que embasa a
renovação do planejamento indicativo tendo em conta aquela dupla dimensão. Destacam-se
como referencial teórico (JOHANSEN, 1977, 1978), (KERSTENETZKY, 1986),
(POULANTZAS, 2000), (SILVEIRA, 1993). São expostos ilustrativamente os delineamentos
de um plano indicativo de médio prazo no Brasil, como fio condutor da metodologia e das
interfaces com o sistema político e o conjunto da sociedade.
Palavras-chave: Planejamento Indicativo, Política Econômica, Administração Pública,
Administração Política, Teoria do Estado, Estratégia.
vocação de criar representações das demandas, explicitar intenções, revelar conflitos entre
elas e os custos envolvidos, lidando assim com a diversidade social. É fato que na sua versão
tecnocrática ele faz o oposto disto, alijando temas, encobrindo conflitos e dando suporte a
"não decisões".
Ainda sobre o estatismo autoritário, cabe assinalar tratar-se de uma conceituação específica
própria em Poulantzas (op. cit. pp. 208 e 230), em sua análise do declínio da democracia
especialmente nos "países dominantes, chamados mais nobremente desenvolvidos" (ibid.),
como os da Europa e Estados Unidos. Citando:
Uma nova forma de Estado está em vias de se impor [...] que chamaria, na falta de outro termo
melhor, de estatismo autoritário. Termo que pode indicar a tendência geral desta
transformação: a monopolização acentuada, pelo Estado, do conjunto de domínios da vida
econômico-social articulado ao declínio decisivo das instituições da democracia política e à
draconiana restrição, e multiforme, dessas liberdades ditas "formais", de que se percebe, agora,
que elas vão por água abaixo, na realidade.
[...] o estatismo autoritário caracteriza-se por uma dominação das cúpulas do executivo sobre
a alta administração e pelo crescente controle político desta por aquela. A autonomização da
burocracia de Estado em relação aos parlamentares não fez mais que reforçar a subordinação
de suas cúpulas ao executivo presidencial e governamental. Esta evolução segue, conforme o
país, vias diferentes, e bem mais que uma questão de pessoas, remete a uma série de mutações
institucionais.
Mas a informação gerada no processo de planejamento pode ser saudavelmente "perigosa", no
sentido de detonar mudanças. Uma institucionalidade democrática que dê transparência a este
processo receberá de volta, através da informação que ele produz, um impulso maior para o
aprofundamento da democratização.
de modo que sua avaliação deveria estar referida a premissas de cenário. Está claro que tal
déficit de informação rebaixa a qualidade das negociações.
Por sua vez a criação de um "clima", de um ambiente institucional e macroeconômico
adequado à confiança do setor privado, mormente para a indústria, é absolutamente crucial
também no contexto do planejamento. Para o setor privado o planejamento não é impositivo
obviamente, mas convida à concertação e ao alinhamento de expectativas. Nisso reside sua
força. Aquela concertação é o "coração" da sua metodologia. Abrange um todo, setores
público e privado. Não é só investimento, não é uma lista de obras. Não é nenhum "PAC"...
E conforme se viu, a metodologia do planejamento é irredutível a tratamentos teóricos - como
no passado - baseados num único tomador de decisões, dotado de bem definidas intenções e
preferências.
Nas décadas recentes, a ideia do planejamento então ficou sendo identificada, em muitos
casos com fundadas razões, ao despotismo, ao estatismo, ou a um saber tecnocrático. O atraso
metodológico e a exaustão de processos tradicionais que já não respondiam às condições do
mundo atual puseram aquela ideia na defensiva. No Brasil, além disso, há que se somar a
desarticulação das equipes técnicas, a dispersão dos quadros especializados e o predomínio de
uma cultura imediatista na administração pública, como fatores de absoluto vazio de qualquer
debate específico sobre o tema. Perdeu-se totalmente a cultura do planejamento, prevalecendo
o imediatismo e a improvisação. E nas orientações governamentais - do "apagão" de energia
ao "trem bala" - a superposição de neoliberalismo, voluntarismo e dirigismo sem plano.
É certo que os brasileiros até sabem fazer o mapeamento das grandes questões nacionais. Mas
na hora de se apontarem as vias de solução, as ideias de "Plano" e "Estratégia", quando
aparecem, o fazem de forma muito embrionária ou como panaceia, quando não associadas às
condições prévias de um grande "consenso social" e de "reforma do Estado". Sucede que a
metodologia deve tratar, antes de tudo, de um ambiente cuja regra é a da competição e do
conflito, e sob a ótica de um ator especial, o governo, a quem cabe a iniciativa do
desenvolvimento institucional no seu campo de atuação. O planejamento então não pode ser
posto na culminação de uma "reforma" e do "consenso", mas sim nas suas origens.
Em suma, o poder executivo é o protagonista. Bastaria que sua liderança tivesse a
compreensão do arcabouço conceitual do planejamento e do alcance estratégico dos passos
iniciais.
Meade (1971)
– Planejamento Indicativo como “redutor de incerteza”
– Incerteza de mercado x incerteza ambiental
– Compilação, processamento e distribuição de informação e de propostas que
não implicam o comprometimento de nenhum agente econômico. Forma
“pura” de planejamento indicativo.
Kornai (1970, apud JOHANSEN, 1977, p.44):
– Processo de cognição e compromisso
– Coleta e avaliação de informação sobre o futuro
– Dispositivo para compreender interdependências e reconciliar interesses
conflitantes
Johansen (1977)
– Contexto: Planejamento econômico centralizado com poder de decisão
descentralizado
6
–
Reconhecimento de tomadores de decisão relevantes não centrais
–
Função de Coordenação de decisões
–
Estrutura de jogo, interação estratégica
–
Jogo cooperativo
–
Dupla atuação governamental:
• uso de instrumentos controlados diretamente pelo governo
• atividades visando promover a coordenação de decisões e de ações a
serem tomadas por outros agentes na economia.
Kerstenetzky (1986)
– Planejamento Econômico e Social em Economias de Mercado: Informações e
Compromissos.
2.1- Tradicionais
Consistência: balizamento macroeconômico, estágios (setores, regiões, projetos)
Viabilidade: restrições macroeconômicas, demográficas, de recursos naturais, de tecnologia
Encadeamento temporal: sequências, passos, trajetórias.
Integração entre desenho e operadores de políticas
Informações e compromissos: explicitação de trade-off’s, custos de oportunidade - bases
de negociação.
2.2 - Novos8
Estado como um ator (player) ao lado dos demais. Diferentemente de árbitro, “neutro”
Jogo Cooperativo: adesão ou não adesão ao Plano
Interação estratégica: variáveis e atores não controláveis.
Tratamento de Incertezas. “Minimax”, controle adaptativo.
3 - NOVAS POSSIBILIDADES
Tecnologias de Informação
Redes. Interatividade, Governo Eletrônico, Teleconferência.
4 - PASSOS
- Elaboração de Cenários.
- Novo Processo Decisório – Institucionalização.
- Aprimoramento contínuo.
dizer que tais fatores sejam fixos, mas sim que constituirão importantes restrições. Da mesma
forma, certas relações de comportamento, com por exemplo as relações entre renda disponível
e consumo pessoal, num contexto de acentuada desigualdade da distribuição da renda, fazem
pensar que o perfil estratificado do consumo pode não sofrer grandes alterações no médio
prazo. A propósito, a Figura 2, destaca o fluxo de transferências no circuito de apropriação da
renda, por onde passam muitas das políticas redistributivas, conectando as condições
fiscais (bloco APU) e o consumo pessoal.
As alterações na matriz energética do país por exemplo, que seriam objeto do plano,
provavelmente só estariam amadurecidas para alem do horizonte do plano, dados os prazos de
maturação alongados, típicos da área energética. Consequentemente será muito importante a
análise das condições terminais do plano de médio prazo, que lance uma vista para as
consequências pós-horizonte do plano.
Agora brevemente alguns aspectos da dimensão institucional e organizacional. Os passos a
seguir são ilustrados pela Figura 3.
Apoiada nas projeções e simulações preliminares do Escritório de Planejamento e do Órgão
de Estatística, a autoridade central define "Grandes Opções" e "Objetivos" que são
submetidos ao Parlamento para aprovação. De volta à área do poder executivo, estes objetivos
e opções serão convertidos no plano propriamente dito. Nesta fase é muito importante a
definição da relação objetivos - instrumentos. Aqui, o Escritório de Planejamento se apoia
parcialmente em modelos de simulação, cuja estrutura modelística enfatiza as limitações
impostas pelo conjunto de instrumentos de fato disponíveis, bem como pelo comportamento
de agentes fora do controle governamental, e pelas instituições em geral. O modelo gera
resultados formais, que deverão ser criticados e complementados com base no
conhecimento intuitivo, experiência e juízos práticos. Isto significa que nem todas as
possibilidades e restrições deverão estar representadas no modelo. Neste sentido, o modelo
deverá ser complexo até o ponto em que produza resultados corretos e confiáveis. O modelo
deverá ser conectado à base de dados do Órgão Estatístico. Este órgão também operará
modelos mais próximos a uma extensa base de dados, com menor ênfase nas restrições
impostas pelo elenco de instrumentos, e com maior flexibilidade para explorar resultados
fisicamente possíveis, num horizonte de longo prazo, que inclui a consideração de um
módulo demográfico contemplando, alem das variáveis demográficas, a interação destas com
o sistema educacional, as condições de oferta e demanda do mercado de trabalho, e a
evolução das condições de vida de grupos sociais. A Figura 4 ilustra a estrutura modelística
integrada dos órgãos de planejamento e estatística para os estudos de simulação do padrão de
desenvolvimento9.
Uma vez elaborado o Plano, ele deverá ser debatido e aprovado pelo Parlamento. Aqui se
culmina um processo que se desenvolve em paralelo à elaboração do Plano, a saber, o
processo de negociação política dentro da sociedade, entre os diversos grupos sociais e
agentes econômicos. Mormente numa situação em que os perfis da renda e da riqueza são
concentrados, a informação explicitada no Plano, tornando transparentes os trade-offs,
particularmente aqueles alusivos a perdas e ganhos dos diversos grupos, vem a ser uma peça
fundamental na formação e estabelecimento de compromissos em torno da trajetória ou
padrão de desenvolvimento a ser perseguido. Como já se viu, o papel da informação no
aperfeiçoamento democrático é portanto essencial.
Durante o processo até aqui descrito, o Conselho de Planejamento, formado por
representantes de instituições sociais, especialistas e personalidades de notório saber e
independência, assessora a autoridade central e o Parlamento em caráter consultivo.
Durante a implementação, o Escritório de Planejamento ajustará as relações objetivos-
instrumentos por meios formalizados e não formalizados, conforme mencionado acima, com
base na informação nova que for adquirida durante a implementação.
8
Estágios
instituição. Deve-se chamar atenção aqui para o trabalho de Grupos Setoriais (Figura 3) -
por sinal bem conhecidos na experiência brasileira - na fase de elaboração setorial do Plano,
quando há um intercâmbio de informações entre o Escritório de Planejamento e os Grupos em
torno de informações agregadas e setoriais.
A "incerteza de mercado", concerne a "[...]things which some people know for certain and
others do not know at all" - distintamente da "incerteza ambiental", "about things which
nobody knows",(MEADE, 1971, p. 150)10. Reiterando e relativizando a definição, como faz o
próprio Meade, as incertezas de mercado então dizem respeito também a fatos sobre os quais
alguns podem pelo menos formar opinião de forma abalizada, ou ainda fatos "about which
some agents can form a much better opinion than others"(ibid, loc.cit.). Um caso típico dessas
incertezas surge da interdependência entre projetos de distintas atividades. Então os diversos
investimentos deverão ser coordenados de modo a reduzir ou eliminar tais incertezas. A
interdependência pode ser:
(a) Em quantidades: linkages de oferta e demanda identificáveis a partir do conhecimento
detalhado das relações insumo-produto. São relevantes especialmente quando as
possibilidades de substituição são limitadas; tem implicações nas decisões sobre a escala dos
projetos. Pense-se por exemplo na construção de plantas industriais ou empreendimentos
agropecuários liderados pela iniciativa privada, e a construção de ferrovias e usinas
hidrelétricas cuja decisão depende do Estado.
(b) Em preços: problema de economias de escala. A coordenação implícita nas sinalizações de
preços não é suficiente nestes casos. Necessidade de coordenar a programação:
1. do escalonamento no tempo e da sincronização, timing, dos investimentos;
2. da localização de projetos;
3. das suas escalas;
4. da escolha de processos, tecnologia.
Pense-se por exemplo no problema de escolher entre pequenas destilarias de álcool,
espalhadas no território nacional, ou grandes destilarias concentradas em alguns pontos do
território.
Em se tratando de promover mudanças estruturais não há antevisão de preços futuros de
mercado, o que só pode ser considerado mediante a coordenação de investimentos
interdependentes. Pense-se por exemplo na substituição de óleo combustível por gás natural
ou eletricidade na indústria. Os preços são críticos para as decisões da indústria e para os
setores do gás ou elétrico.
Num processo iterativo, a esfera do planejamento global e multisetorial informa a instância
específica, setorial, quanto aos "preços-sombra" de recursos (fundos de investimento, divisas,
mão de obra, insumos principais, exógenos ao setor) e quanto a projeções agregadas por setor
(produção, consumo, investimento, dotações orçamentárias). Mudanças estruturais podem
propiciar novas vantagens comparativas dinâmicas dificilmente avaliáveis com base nos
preços atuais de mercado.
Por sua vez, a instância setorial fornecerá à instância central elementos para a atualização de
coeficientes tecnológicos e para novas agregações, com base nos estudos setoriais. Com isso
poderá ser testada a sensibilidade do plano global e multisetorial face às escolhas de processos
dentro do setor.
Há também uma interatividade entre os níveis setorial e de projetos. Numa primeira iteração,
o planejamento setorial tenta isolar combinações de projetos que aparentam ser mais atrativos,
de modo que os estudos de engenharia se concentrem nesses projetos (engineering). A
avaliação desses projetos em nível microanalítico, feita por engenheiros e especialistas do
10
setor, pode contudo revelar certos fatores que foram omitidos no planejamento setorial, cuja
inclusão alteraria o "programa ótimo" inicialmente gerado em nível setorial. Em regra os
planejadores não se dão conta de algum fator relevante até que sejam confrontados com as
implicações de sua omissão. A Figura 4 também evidencia a produção da consistência do
padrão de investimento, a interatividade dos níveis de planejamento global, multisetorial e
de programas e projetos, e a troca de informação desses processos com o sistema de modelos.
Por analogia pode-se pensar nos gastos em infraestrutura social, balizados em nível macro
mas definidos na base por municípios e comunidades. A interatividade então se dá segundo
uma desagregação espacial dos estágios. Com base em modelos sobre escolas, creches,
equipamento urbano, pode-se orçar o gasto em nível macro. Mas as soluções por suposto vem
da base. E um prefeito simularia em seu note book o impacto orçamentário do cenário macro.
nacional como grande protagonista. A não ser que se considere normal, de senso comum, uma
"abertura ao mundo" em que a política econômica é pautada pelas agências de rating12...
Por fim a indagação. Como enfrentar a agenda sem o planejamento?
REFERÊNCIAS
BHADURI, Amit. Economic Policy and the Theory of the State. In:____. Macroeconomics:
The Dynamics of Commodity Production. London: Macmillan, 1986. cap.8.
POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder, o Socialismo. 4ª ed. Rio de Janeiro: Graal, 2000.
A publicação original em francês é de 1978.
NOTAS
1
Longe de ser um "jabuti", a organicidade da proposta fica evidenciada pelas conexões
estabelecidas com as atribuições do Congresso Nacional e do trabalho de suas comissões
(respectivamente os artigos 48 e 58 da Constituição), onde se destaca a participação do Poder
Legislativo no processo decisório do planejamento.
2
Diante da desindustrialização recente da economia brasileira, e de sua primarização sob forte
presença do capital estrangeiro, pode-se questionar sobre o peso que teria a parcela de um
setor privado alinhado a um plano nacional de desenvolvimento combinado ao setor público.
Qual seria então o poder indutor, de "arrasto", do Plano ("effet d'entraînement" na linguagem
técnica da experiência francesa) sobre o conjunto da economia em direção aos objetivos
colimados.
3
Há algum tempo, por ocasião das comemorações dos 20 anos do Plano Real, o ex-presidente
FH Cardoso declarou em entrevista que a estratégia de sua gestão fora o que denominou
"Integração Competitiva", na onda da globalização. Não há muito o que discutir quanto à
filiação daquela estratégia ao "pensamento único" dos anos 90. Nem quanto à evidência da
reestruturação global das cadeias produtivas que impacta objetivamente as economias
nacionais. A verdadeira discussão passa pelo como o país se inserir em tal processo. Há
também a problemática relação entre os Estados nacionais e o capital financeiro internacional
o que desde então parece dividir tendências políticas no Brasil. Feitas as ressalvas e, data
venia para este autor poder assumir sua parcialidade na assertiva, a tal "integração
competitiva" em bom português traduz-se: neoliberalismo tardio, imitativo, dependente, do
"pensamento único", do "consenso de Washington".
4
Ver a propósito documentação da Conferência Internacional sobre política industrial,
comemorativa dos 60 anos do BNDES (2012), inclusive o caso dos EUA.
5
As Figuras 1 e 2 são tomadas de Silveira (1993), (id. 1995), adaptadas ao presente artigo.
6
Não deve ser casual que este artigo do professor Isaac Kerstenetzky, "O Planejamento
Econômico social em Economias de Mercado: Informações Compromissos", tenha como
pano de fundo o contexto brasileiro durante a Assembleia Nacional Constituinte. Note-se
também as afinidades com a caracterização do planejamento de Kornai, acima apresentada.
7
O "Mais Que" serve apenas para contrastar o significado usual do planejamento indicativo
com a sua forma "pura", acepção teórica de Meade (op. cit.). Usualmente qualquer governo,
ao operar os instrumentos sob seu controle, pode induzir deliberadamente a adesão de agentes
privados ou estabelecer com outros deles uma interação estratégica, em situação de jogo. A
propósito, Johansen (op.cit., pp. 65-103) apresenta as configurações opostas "Team" e
"Game" da política econômica e planejamento, além da intermediária, de "jogo cooperativo".
8
As relações entre plano e interação estratégica, avaliação de trajetórias sob incerteza
("minimax"), controle adaptativo, são desenvolvidas na pesquisa metodológica de
Silveira(1993), (id. 1995), sob o contexto brasileiro.
9
Esta concepção de modelagem de simulação do padrão de desenvolvimento, Figura 4, em
parte apoia-se na contribuição originária de Kerstenetzky (1986).
10
O professor James Meade (Cambridge, UK) dividiu o Prêmio Nobel de economia de 1977.
11
Para a crítica teórica da "dualidade de poderes", veja-se a abordagem marxista de
Poulantzas (2000, pp. 254-271).
12
Agências totalmente desmoralizadas na crise de 2008, deflagrada nos mercados financeiros.
O Homem Parentético diante dos Desafios Contemporâneos do Mundo do
Trabalho: Um percurso pela sua origem, pelas manifestações na sociedade e
novas proposições teóricas que influencia
Resumo
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Embora ciente dos riscos que a organização pode gerar aos indivíduos, Guerreiro
Ramos não prega uma sociedade sem organizações:
A organização tem inevitavelmente duas faces. Uma boa, outra má. Sem ela,
a vida é impossível, com ela a vida se desnatura. [...] Mas a inorganicidade
nunca é saída para as crises no plano social. Só a organização corrige os
malefícios de uma organização ilegítima ou caduca (1963, p; 156-157).
Para o autor, o problema não estaria na existência das organizações. Mas ao fato delas
não atentarem às necessidades e complexidades sociais, que estão em constante mudança ao
longo do tempo. Ao invés da organização existir para a sociedade e o individuo, o indivíduo e
a sociedade existem para a organização.
O livro em questão, Mito e Verdade da Revolução Brasileira tinha justamente como
pano de fundo, a questão do domínio que os partidos políticos (que são também organizações
formais) sobre a vida dos indivíduos. Havia uma clara crítica especialmente ao Partido
Comunista Brasileiro (PCB) que, em sua opinião, buscava suprimir de modo forte outras
formas de pensar dos seus membros; assim como o próprio partido não se mostrava disposto a
analisar a contemporaneidade brasileira; prendendo-se a dogmas e crenças externas e
cristalizadas.
O Artigo já citado Modelos de Homem e Teoria Administrava foi publicado em inglês
em 1972, e no Brasil em 1984. Torna-se, portanto o principal símbolo da tese de homem
parentético no nosso país.
O texto, publicado na década seguinte ao livro de 1963 traz um novo cenário e uma
crítica importante à racionalidade puramente funcional da organização.
O que leva as organizações atuais às crises é o fato de que, por sua estrutura
organizacional e forma de operação, admitem que antigas carências
[escassez de bens materiais e serviços elementares] continuam a ser básicas,
enquanto na realidade, o homem contemporâneo está consciente de que as
carências críticas pertencem a outro grupo, isto é relacionam-se a
necessidades além do nível de simples sobrevivência (1984, p. 3).
Guerreiro Ramos, que escreve o artigo nos Estados Unidos da América, parecia
intrigado pelo fato de que mesmo num país com índices de escolaridade, econômicos,
industriais e de qualificação mãos-de-obra melhores, questões que se encontrariam superadas
ou amenizadas ainda se mostravam centrais para as organizações.
Segundo a ótica do pensador brasileiro, questões como a possibilidade de encarar os
problemas atuais da sociedade e buscar formas de soluciona-los; assim como a criação de um
ambiente mais confortável para a realização pessoal e profissional dos sujeitos não pareciam
temas pertinentes nas empresas e em outras entidades sociais.
O trabalhador/indivíduo continuava a ser visualizado como uma peça, uma
engrenagem a ser encaixada nos moldes dos quadros organizacionais.
O primeiro modelo de homem na teoria administrativa que Guerreiro Ramos faz
menção é homem operacional. Segundo esta percepção, o ser humano é tido como mais um
recurso para a organização. Sua habilidade criativa é posta em segundo plano. O trabalho se
limita a realizar tarefas, e não é visto como um possível meio de realização. A hierarquia e o
controle organizacionais são rígidos.
O homem operacional seria equivalente ao homo economicus, homo sociologicus e o
homo politicus. Um indivíduo neutro, enxergado sempre a partir de sua exterioridade e de sua
função no sistema social industrial.
Alternativas foram apresentadas a este modelo, especialmente com o desenvolvimento
da Escola das Relações Humanas, no início do século XX. Os autores humanistas enxergavam
o trabalhador como um ser não só individual, mas inclusive social, que sofreria influencias do
ambiente, com motivações e necessidades de satisfações não apenas materiais, mas também
afetivas e sociais. A este segundo modelo de homem, Ramos chama de Homem Reativo.
Todavia, embora as ideias humanistas se preocupassem mais com o trabalhador, as
práticas organizacionais continuavam com a tendência de “ajustar” o trabalhador à
organização. O indivíduo continuava a ser visto como uma mera peça da empresa que
precisaria estar constantemente encaixada.
4 HOMEM PARENTÉTICO
No artigo em questão, Guerreiro Ramos (1984) prossegue com uma reflexão sobre a
racionalidade. Ele destaca dois tipos.
a) a racionalidade pragmática, instrumental, ou funcional, que coordena meios e
fins, ligada a eficiência e às orientações da organização. Conforme os autores
deste artigo, relaciona-se ao senso comum;
b) a racionalidade substantiva ou noética – sistematizada, segundo Guerreiro (
(1984, p. 7) por Kar Mannheim e Eric Voegelin. Esta racionalidade parte da
noção de um sujeito que não obedece cegamente a ordens e a um modelo de
eficiência vazio, mas reflete e toma consciência sobre suas atitudes, decisões e
regras que recebe. Representa numa analogia simples, ao bom senso.
O autor apresenta, portanto; como alternativa ao modelo de racionalidade pragmática,;
o desafio do sujeito que se desenvolve além das pressões organizacionais.
A partir da noção de “em suspenso” e “parênteses” da fenomenologia de Edmund
Husserl, conforme já descrito, o sociólogo baiano desenvolve o conceito de Homem
Parentético. Conforme este modelo, o sujeito abandonaria uma atitude de conformismo e de
aceitação das coisas como são, tendo condições de se “pôr entre parênteses”, separar-se do
seu ambiente interno e externo a ponto de examiná-los com uma visão crítica, e a partir daí,
teria uma análise mais global da realidade dada. Desta forma questiona-se a si mesmo e sua
posição. Abrindo espaços para mudanças de decisões e condutas caso necessárias, conforme
uma racionalidade substantiva ou noética.
Edmund Hurssel trabalha, conforme aponta Guerreiro Ramos, com as concepções de
atitude natural: percepção do mundo de forma imediata, sem problematizá-lo. E também a
atitude crítica: “suspende ou coloca entre parênteses a crença no mundo comum, permitindo
ao indivíduo alcançar um nível de pensamento conceitual e, portanto, de liberdade” (1984,
p.8).
O homem parentético é aquele indivíduo, portanto, que não aceitaria o mundo como
pronto, sendo capaz de colocar o se mundo interno e externo entre parênteses a fim de melhor
refletir sobre a realidade e sobre sua posição diante da sociedade em que vive.
O homem parentético [...] não iria esforçar-se demasiadamente para ter
sucesso, segundo os padrões convencionais, como faz aquele que quer subir.
Daria grande importância ao eu, e teria urgência em encontrar um
significado para a vida. Não aceitaria acriticamente padrões de desempenho,
embora pudesse ser um grande empreendedor quando lhe atribuíssem tarefas
criativas. Não trabalharia apenas para fugir à apatia ou indiferença, porque o
comportamento passivo iria ferir seu senso de autoestima e autonomia. Iria
esforçar-se para influenciar o ambiente, para retirar dele tanta satisfação
quando pudesse (GUERREIRO RAMOS, 1984, p. 9).
O conceito aqui tratado não seria uma conceituação simplesmente psicológica ou
isolada de indivíduo. Teria em seu cerne um comprometimento com a ação, tanto individual
quanto coletiva.
No final do artigo, o brasileiro mostra entusiasmo com os jovens estudantes, que
demonstram ideias e força de vontade. Ele também via com otimismo as possibilidades de
novas configurações empresariais, a criação de órgãos para defesa de direitos e o avanço das
áreas de comunicação. Dessa forma, o ambiente descrito por Ramos (1984) parecia bom para
a difusão do homem parentético.
Outro ponto que Azevêdo (2006, p. 16) destaca é uma discussão sobre o fracasso,
presente no artigo The parentheticam man (1971c). Guerreiro Ramos atentara para o fato de
que em sociedades em que o sucesso é altamente valorizado (e geralmente o é no seu aspecto
econômico), a ideia de fracasso criaria um efeito degradante ao psicológico do indivíduo. A
capacidade parentética, portanto, faria com o que o indivíduo pudesse desenvolver a sua
própria concepção de sucesso e fracasso, não se subordinando acriticamente aos padrões de
sucesso e fracasso institucionalizados.
O modelo de homem desenvolvido por Guerreiro Ramos, difere das duas anteriores,
pois parte de que o trabalhador, independentemente do nível hierárquico em que ele esteja,
teria condições de ser racional (pragmático e no sentido substantivo), capaz de pensar e
refletir sobre o melhor e o pior, de aprender, de contribuir. E não apenas mais uma peça
dentro das roldanas organizacionais.
Dos anos 70 em diante, a revolução tecnológica, científica e informacional,
juntamente com avanço da globalização criam novos ritmos aos indivíduos. Fatos globais
como a tomada de consciência ambiental, legislações regulatórias, pressões de movimentos
sociais fazem parte de um cenário hoje, pressionam governos e corporações. Novas práticas e
discursos precisam ser feitos.
6 CONCLUSÕES
1
Termo citado pelo empresário Bill Gates em um discurso em Davos em 2008 (Fried, 2008)
2
Expressão utilizada por Zizek para tratar da estratégia recente do capitalismo de apresentar soluções para
problemas que ele mesmo provocaria ou potencializaria. Conforme trecho de vídeo sobre sua palestra (2009),
aos 7min42s, disponível pelo link www.youtube.com/watch?v=hpAMbpQ8J7g , acessado em 5 de jul. 2015.
1. Introdução
No cenário contemporâneo, esta pesquisa tem por objetivo analisar, por um lado,
os constrangimentos sistêmicos internacionais e, por outro lado, os entraves domésticos
para a formulação de uma estratégia nacional de desenvolvimento assentada no
crescimento econômico com distribuição de renda e incorporação social substantiva no
Brasil.
A economia brasileira alcançou altas taxas de crescimento durante a
industrialização substitutiva de importações (ISI) do Nacional-Desenvolvimentismo
(1930-1980). Isto ocorreu não obstante a alarmante exclusão social, o aumento da
desigualdade e o insulamento burocrático do aparelho de Estado, que marginalizava a
instância parlamentar-partidária e as camadas trabalhadoras do processo decisório
referente às políticas públicas. Numa perspectiva de longo prazo, a economia brasileira
está semiestagnada. Desde 1980, o crescimento per capita é inferior a 1%, contra 4,1%,
entre 1950 e 1979 (BRESSER-PEREIRA, 01/04/2015). No âmbito internacional, em
comparação com a China e a Índia, o Brasil também acumula baixos índices de
crescimento. Tal quadro adverso oblitera tanto a inserção competitiva quanto a própria
integração do país na economia mundial. A erosão do crescimento - que alcançou o seu
auge em 2010 mediante uma taxa de 7.5% e por meio de uma estratégia nacional
centrada no fortalecimento do mercado doméstico via agressiva política salarial e de
crédito - deveu-se, em grande parte, ao fim do ciclo de bonança das commodities no
exterior, ciclo este para o qual teve essencial contribuição a ascensão chinesa e seu
perfil de demanda.
1
É Pesquisador da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/DAPP).
Ministrou a disciplina “Formação do Estado Brasileiro” para o Cursos de Graduação em Administração
Pública, Ciência Política e Direito, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), entre
2013/2 e 2014/1, no âmbito do estágio-docência. Foi professor assistente/substituto do Departamento de
Ciência Política do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro
(DCP/IFCS/UFRJ), durante o ano de 2012. Setor: Políticas Públicas. Mestre e Doutorando em Ciência
Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(IESP/UERJ), antigo IUPERJ. Pesquisador Assistente do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em
Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (INCT/PPED) e do Núcleo de Estudos do
Empresariado, Instituições e Capitalismo (NEIC-IESP/UERJ), ambos sob coordenação do Professor e
Orientador Renato Raul Boschi. E-mail: [email protected]
2
Mestrando em Ciência Política pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado
do Rio de Janeiro (IESP/UERJ), antigo IUPERJ. Bacharel em Ciências Sociais pelo Instituto de Filosofia
e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IFCS/UFRJ). Pesquisador Assistente do
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento
(INCT/PPED) e do Núcleo de Estudos do Empresariado, Instituições e Capitalismo (NEIC-IESP/UERJ),
ambos sob coordenação do Professor e Orientador Renato Raul Boschi. E-mail:
[email protected]
1
2
3
4
5
15
10
5 Brasil
China
0
Índia
-5
Rússia
-10 África do Sul
-15
-20
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
1997
2007
Fonte: Elaboração própria a partir de Giambiagi et al. (2011); World Bank. World Development
Indicators – GDP growth (annual %), Disponível em:
http://data.worldbank.org/indicator/NY.GDP.MKTP.KD.ZG
6
Gráfico 2 – Participação dos BRICS no Produto Interno Bruto Mundial (%), 1988-
2013
18
16
14
12 Brasil
10 China
Índia
8
Rússia
6
África do Sul
4
0
1988 2003 2008 2013
Fonte: International Monetary Fund (IMF). Disponível em:
https://www.quandl.com/collections/economics/gdp-as-share-of-world-gdp-at-ppp-by-country
7
Sul nesse quesito, clara estagnação é percebida, muito embora por diferentes motivos
que merecem escrutínio maior em futuros trabalhos.
6
Em sua obra clássica, AMSDEN (2001) retrata, no limiar do século XXI, a ascensão de países
emergentes como Brasil, China, Índia, Coréia do Sul, que desenvolveram experiências manufatureiras
desde o século XIX até a II Guerra Mundial.
8
0.8
0.7
0.6
0.5
0.2
0.1
0
Brasil China Índia Rússia África do
Sul
Fonte: Elaboração própria a partir de Becker (2014); World Bank. World Development Indicators – GINI
Index. Disponível em:
http://data.worldbank.org/indicator/SI.POV.GINI?page=4
Com relação à trajetória de retração das desigualdades de renda entre os BRICs,
o ponto relevante a ser salientado é que, tomando em totalidade as décadas de 1990 e
2000, apenas o Brasil foi capaz de reduzir a desigualdade em níveis notáveis, enquanto
os outros países não lograram, apesar do crescimento econômico maior. Configurou-se,
de fato, uma estratégia de caráter social-desenvolvimentista ou socialdemocrata, que
conciliou crescimento do PIB com redução das assimetrias sociais via intervencionismo
estatal, tão execrado pela retórica dos manuais ortodoxos.
Nesta linha argumentativa, a recente obra organizada pela cientista política
Marta Arretche analisa numa perspectiva multidimensional a trajetória das
desigualdades no Brasil de 1960 a 2010, a partir de dados empíricos de seis edições do
Censos Demográficos produzidos pelo IBGE neste mesmo período. Os dados mostram
que nos últimos anos o país reduziu substancialmente a desigualdade social8. Enquanto
7
Não é possível auferir a média do Coeficiente de Gini para a Rússia durante a década de 1990 devido à
ausência de dados completos disponíveis para todos os anos.
8
A pesquisa analisa as mudanças ocorridas ao longo de um período da história brasileira que
compreendeu contextos econômicos e políticos muito diversos: transição rural-urbana, industrialização,
crescimento econômico acelerado e retração econômica, inflação e estabilidade monetária, autoritarismo e
democracia (ARRETCHE, 2015).
9
10
10
Cabe apontar que a recente literatura brasileira acerca da Classe C ou Nova Classe Média é bastante
controversa, abarcando pesquisas de cientistas políticos, economistas e sociólogos. Para uma análise
sociológica acerca dos horizontes intelectuais em que os autores estão inseridos e que os condicionam,
bem como as disputas ideológicas subjacentes ao debate em torno da Classe C, ver o artigo de LEAL
(2014), fruto de sua dissertação de mestrado.
11
Concomitantemente, há uma tendência de agravamento da desigualdade econômica nos EUA ao longo
das últimas décadas. Os 0.1% mais ricos têm mais do que triplicado a sua renda que, de 3.2% no final de
1950, passou para 10.9% em 2005. Outrossim, a parte da população 1% mais rica mais do que dobrou ao
longo do mesmo período, de 10.2% para 21.8%. A extraordinária concentração de riqueza nas mãos de
pessoas aquinhoadas tem aumentado significativamente a sua influência na arena política, à medida que a
estagnação das rendas da classe média e dos setores mais pobres têm reduzido substancialmente a sua
influência nos processos decisórios em matéria de políticas públicas (BARTELS, 2008).
12
Não constam indicadores, pela base de dados do FMI, para a taxa de desemprego na Índia.
11
30
25
20
Brasil
15 China
Rússia
10 África do Sul
0
1988 2003 2008 2013
Fonte: International Monetary Fund (IMF). Disponível em:
https://www.quandl.com/collections/economics/unemployment-rate-by-country
Os dados empíricos arrolados no gráfico 4 permitem mostrar a diminuição do
desemprego no Brasil a partir de 2003; e na Rússia em 2008. Em comparação com esses
países, a taxa de desemprego na China é baixíssima, ao passo que a África do Sul
apresenta índices bastante elevados. No caso do Brasil, a situação de praticamente
pleno emprego até o final de 2014 deve-se à opção política da coalizão governativa de
centro-esquerda de priorizar a centralidade da dimensão social do desenvolvimento.
Para tanto, foi instituída uma política de valorização do salário mínimo, possibilitando
incrementos reais na renda dos mais pobres e ampliação do mercado doméstico de
consumo de massas.
É certo que a globalização, a internacionalização e, portanto, as crises
econômicas, aumentam a exposição dos Estados nacionais ao risco externo e a
insegurança em razão da volatilidade dos salários, do emprego e dos investimentos
(BOIX, 2003, 1998; CAMERON, 1984; ESPING-ANDERSEN, 2002, 1996, 1991,
1985; GARRET, 1998; GOUREVITCH, 1989, 1986; HARVEY, 1993; HELD e
McGREW, 2001; HUBER e STEPHENS, 2012, 2003; IVERSEN, 2005; KEOHANE e
MILNER, 1996; KITSCHELT, 1994; NETO e SANTOS, 2013; RODRIK, 1997, 2011;
SANTISO, 2003; TARZI, 2010; WEISS, 2003), o que contribui para potencializar a
mercantilização das classes trabalhadoras. Porém, para além de constranger, a
globalização e a internacionalização da economia permitiram ao governo brasileiro
perseguir seus objetivos políticos e recuperar suas capacidades estatais, tendo em conta
as prioridades elencadas em termos de políticas públicas, como o combate às
desigualdades sociais. Os governos Lula e Dilma lograram combater a pobreza com
medidas focalizadas, em políticas que, ao mesmo tempo que subvertem o
neoliberalismo, a ele se aliam ao recusar a definição de uma cidadania social universal
(DOMINGUES, 2013).
Fonte: Index Mundi. Disponível em:http://www.indexmundi.com/commodities/
13
O pressuposto básico do neo-desenvolvimentismo levado a cabo pelo governo Lula consiste na
capacidade de convergir o aprendizado derivado da longa trajetória desenvolvimentista com os
fundamentos da estabilidade e integração do Brasil aos circuitos financeiros e comerciais globalizados do
capitalismo, em crescente interconexão. Ademais, a especificidade deste modelo de desenvolvimento é a
centralidade por ele conferida à dimensão social, em contraposição à primazia das reformas orientadas
para o mercado dos anos 1990, que subordinaram a política social à esfera da estabilização
macroeconômica (BOSCHI, 2013, 2011; BOSCHI e GAITÁN, 2008, 2012; BOSCHI e LIMA, 2002).
14
A rearticulação de um projeto nacional de viés neodesenvolvimentista operada pelo lulismo implica,
por isso, um ressurgimento no plano político da contradição entre os anseios de autonomização e os laços
de dependência que constrangem historicamente o desenvolvimento brasileiro - bem como seus vizinhos
latino-americanos (GRASSI, 2014).
13
45
Produtos Primários
40
35 Manufaturas baseadas
em recursos naturais
30
Manufaturas - Baixa
25 Tecnologia
Manufaturas - Média
20
Tecnologia
15 Manufaturas - Alta
Tecnologia
10
Outros
5
0
2000 2010
Fonte: Elaborado a partir de Palma, 2011.
15
Ao se observar no gráfico as trajetórias de desempenho das diferentes pautas exportadoras brasileiras,
nota-se que tanto as Manufaturas - Baixa Tecnologia (linha verde claro) quanto as Manufaturas - Alta
Tecnologia (linha vermelha) possuem a mesma trajetória (nas duas ocorre um deslocamento de 12% para
um patamar de 7%), de modo que ambas as linhas se encontram sobrepostas, com a vermelha
prevalecendo sobre a verde clara.
14
Após a crise financeira exógena de 2008, o Brasil passa por uma crise endógena
ocasionada por fatores diversos, simultâneos e de graves proporções políticas,
econômicas e sociais. Tal conjuntura aponta para o esfacelamento da estratégia
neodesenvolvimentista-socialdemocrata de desenvolvimento levada a cabo desde o
segundo mandato do governo Lula até o final do primeiro mandato de Dilma Rousseff,
em dezembro de 2014.
O primeiro fator diz respeito à crise fiscal do Estado brasileiro advinda do
irrisório crescimento econômico acumulado nos últimos anos. Nesse contexto, a
contração das taxas de crescimento do PIB brasileiro desde 2011 foi súbita e
considerável. Após crescer 7,5% em 2010, a economia brasileira cresceu 3,9% em 2011
e apenas 1,8% em 2012. O crescimento aumentou modestamente para 2,7% em 2013,
mas a economia entrou em recessão técnica (dois trimestres consecutivos de
crescimento negativo) em 2014 e cresceu apenas 0,1% neste ano. Além disso, a
indústria de transformação exibiu o mesmo padrão: as taxas médias de crescimento de
3,6% em 2004-2010 e -0,9% em 2011-2014. Finalmente, a criação de emprego formal
foi em média de 1,46 milhões de empregos por ano em 2004-2010, que foi reduzida
para 829.000 em 2011-2014 e apenas 152 mil em 2014. Assim, a mudança das
condições externas, combinada com uma alteração menor, mas muito importante, na
orientação da política macroeconômica doméstica afetaram o crescimento da economia
brasileira. O crescimento médio do PIB no período 2004-2010 foi de 4,4%, ligeiramente
mais do que o dobro do observado no período 1995-2003. No entanto, a taxa de
crescimento média do período 2011-2014 caiu consideravelmente para 2,1% e, em
2014, a economia cresceu perto de zero (0,1%); (SERRANO e SUMMA, 2015).
15
16
14
12
10
8
6
4
2 2004-2010 (Gov. Lula)
0
2011-2014 (Gov. Dilma)
-2
16
A Nova Matriz Econômica - pautada no controle da taxa de câmbio, no crédito abundante a juros
subsidiados e na expansão de estímulos fiscais - contribuiu significativamente para a manutenção da
trajetória anticíclica de combate à crise financeira sistêmica de 2008 (PINHO, 2012a). Esse contexto
macroeconômico foi marcado pela manutenção dos mais baixos níveis de desemprego da história atrelada
à redução da pobreza extrema e aos ganhos reais de renda dos mais pobres. Embora o governo tenha
tornando lei a desoneração da folha de pagamentos no sentido de beneficiar o empresariado industrial e
evitar demissões, não conseguiu reverter o processo continuado de perda de competitividade/dinamismo
da indústria nacional, de encolhimento do PIB e aumento da inflação.
16
17
Foi durante o Nacional-Desenvolvimentismo Autoritário (1964-1985), sobretudo no “milagre
econômico” (1967-1973), que as empreiteiras foram beneficiadas pelas políticas de proteção e incentivo
estatal, tornando-se conglomerados monopolistas de projeção nacional e internacional. A Petrobras
tornara-se a principal contratadora das obras do governo federal. A elaboração dos editais reforçava o
processo de concentração do mercado de construção pesada em poucas empresas, que constituíam cartéis.
Cabe ressaltar a tendência à conglomeração e ramificação, ou seja, a atuação das empreiteiras em ramos
paralelos à construção para fugir dos fornecedores mediante a produção de materiais usados nas obras ou
comercialização dos mesmos. São exemplos a perfuração de poços, produção e montagem de sondas,
produção de plataformas e navios. As empreiteiras também diversificaram suas atividades a partir da
construção de edifícios urbanos (comerciais e residenciais) nos maiores centros, exploração do mercado
imobiliário via Banco Nacional de Habitação (BNH), comércio de terras, agropecuária, produção e
exportação de minerais (ouro e metais preciosos). Ao final da ditadura militar, salienta-se o grande porte
alcançado pelas empreiteiras diante das demais empresas nacionais (CAMPOS, 2014).
17
18
19
Em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo, o Ministro da Fazenda disse o seguinte sobre o
ajuste fiscal: “Não estamos fazendo um ajuste colossal. A fraqueza da economia vem de incertezas,
indefinições, de o ajuste não estar completo. As empresas estão reticentes. Se a pessoa não sabe quanto
tempo vai demorar o ajuste, ela não tem condições de tomar decisões. Não tomando decisões, diminui o
investimento, diminuindo a capacidade da economia” (FOLHA DE SÃO PAULO, 19/07/2015).
19
Ministro do Planejamento defendem uma redução imediata da meta fiscal para 0,6% em
virtude do agravamento da recessão (FOLHA DE SÃO PAULO, 19/07/2015).
De fato, tanto do ponto de vista político como econômico, a erosão e o desmonte
das capacidades estatais20 estão em curso no Brasil. E tais capacidades são cruciais para
a implementação de políticas públicas. Conjugado a isso está a realização de um ajuste
fiscal recessivo que é demasiadamente funesto ao tecido social da democracia.
20
21
Fonte: MTE; ESTADÃO (17/07/2015)
23
A Pnad Contínua é a mais abrangente pesquisa de emprego do IBGE e coleta dados em todo o país, ao
passo que a PME (Pequisa Mensal de Emprego) investiga as seis principais regiões metropolitanas -
Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre.
22
23
24
25
5. Considerações finais
26
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38
Para Que Vêm Servindo Mesmo os Royalties? Um Debate sobre a Aplicação
da Compensação Financeira Decorrente da Exploração de Petróleo e Gás
no Município de Macaé
Temístocles Murilo de Oliveira Junior
O objetivo deste trabalho é examinar se o tipo de aplicação que vem sendo dada pela
Prefeitura de Macaé aos royalties que aquele município recebe pela exploração e produção de
petróleo e gás natural (E&P) da área de pós-sal seria coerente com a finalidade social daquela
compensação financeira. Tendo que a finalidade deste instituto seria propiciar um
desenvolvimento sustentável das áreas onde ocorra a exploração e a produção de petróleo e
gás natural, mesmo após o esgotamento das bacias, pergunta-se: mas para que vêm servindo
mesmo os royalties? Responde-se a esta pergunta a partir de pesquisa ao conjunto de registros
relativos à aplicação dada pela Prefeitura de Macaé aos recursos oriundos dos royalties do
pós-sal, relacionados à rubrica “royalties 5% da lei 7990”, disponíveis por meio do portal da
transparência (PTM) daquele município Os resultados obtidos indicam que aquela prefeitura,
entre 2012 e 2014, aplicou quase três quartos dos recursos dos royalties do pós-sal de forma, a
princípio, imprópria frente a sua finalidade social. Como se tratam de recursos voltados para o
financiamento do desenvolvimento sustentável, defende-se a promoção de debate sobre a
melhoria das instituições relacionadas aos royalties, que visem estabelecer programas de sua
aplicação, e não simples previsões de vinculações, como já existe para saúde e educação.
Introdução
O objetivo deste trabalho é examinar se o tipo de aplicação que vem sendo dada pela
Prefeitura de Macaé aos royalties que aquele município recebe pela exploração e produção de
petróleo e gás natural (E&P) da área de pós-sal seria coerente com a finalidade social daquela
compensação financeira. Considerando que as instituições sobre tais recursos não trazem
parâmetros que estabeleçam um caráter mais programático a sua aplicação, a hipótese é de
que há uma maior possibilidade de que seu uso se realize, pelo menos em parte, por meio de
despesas que não se relacionem a sua finalidade.
E para que servem os royalties? Sua razão se relaciona à ideia de desenvolvimento
sustentável, já que sua legitimidade reside na necessidade de que haja investimentos que
garantam o bem-estar e o sustento das gerações futuras que venham a habitar nos locais onde
ocorra ou tenha ocorrido a E&P de petróleo e gás natural, mesmo que nelas tais recursos já
tenham se exaurido (BISPO, 2011; ALVES, 2011). Neste sentido, a aplicação dos recursos
oriundos desse instituto de natureza compensatória deve ser orientada para despesas que
visem resguardar a sustentabilidade (futura) das áreas afetadas por tais atividades, tendo em
vista o caráter efêmero das bacias de petróleo e os impactos ambientais, sociais e econômicos
de sua exploração e produção (SEABRA, FREITAS, et al., 2011).
Os royalties do pós-sal vêm representando uma parcela significativa do orçamento dos
munícipios recebedores. Para realização deste trabalho selecionou-se Macaé, por conta das
transformações lá iniciadas, a partir da sanção da lei nº 9.471, de 1997, em decorrência do
aumento do repasse dos royalties do pós-sal e por ser ela conhecida como a “capital do
petróleo” (RITTO, 2012). A realização neste momento advém de dois fatos: a diminuição de
tais repasses, dada a redução do preço do barril no mercado internacional e o exaurimento dos
campos de extração mais antigos (MACEDO, 2015); e a janela de oportunidade que se abriu
para que se promovesse o debate sobre a aplicação dos recursos do pós-sal, mas que não foi
aproveitada, por conta das discussões sobre a regulamentação da E&P para a área de pré-sal,
que originaram as leis nº 12.351 e 12.734, em 2010 e 2012.
Assim, tendo que a finalidade deste instituto seria propiciar um desenvolvimento
sustentável das áreas onde ocorra a E&P de petróleo e gás natural, mesmo após o esgotamento
das bacias, pergunta-se: mas para que vêm servindo mesmo os royalties?
Pretende-se dar resposta a esta pergunta a partir de pesquisa ao conjunto de registros
relativos à aplicação dada pela Prefeitura de Macaé aos recursos oriundos dos royalties do
pós-sal, relacionados à rubrica “royalties 5% da lei 7990”, disponíveis por meio do portal da
transparência (PTM) daquele município (MACAÉ, 2015).
Partindo-se dos referenciais de Herculano (2010), Seabra et al. (2011), entre outros,
busca-se classificar os registros de tais aplicações em duas principais categorias, relacionadas
àquelas que seriam próprias à sua finalidade social e aquelas que seriam impróprias. Esta
classificação visa à construção de um panorama básico sobre as diferentes destinações e sobre
seus montantes. Constituído em pesquisa documental, este trabalho divide-se em três seções,
além desta introdução e de sua conclusão. Na primeira, levantam-se os referencias necessários
à realização proposta. Na segunda, trazem-se os resultados da coleta e da classificação dos
registros encontrados no PTM. Na terceira, apresenta-se a análise das classificações e seus
pontos críticos, bem como indicações sobre possibilidades de enfrentamento destes pontos.
1 A lei nº 7.990/89, em seu artigo 8º, dá nova regulamentação ao uso dos recursos, ao dizer que: “O pagamento das compensações
financeiras previstas nesta lei, inclusive o da indenização pela exploração do petróleo, do xisto betuminoso e do gás natural [...],
vedada a aplicação dos recursos em pagamentos de dívidas e no quadro permanente de pessoal”. A possibilidade de utilização dos
recursos provenientes dos royalties é ampliada em 2001, quando o art. 8º, §§ 1º e 2º, da lei nº 10.195 altera o art. 8º da lei nº
7.990/89, permitindo que os recursos oriundos dos royalties do petróleo e gás natural fossem aplicados no pagamento de dívidas
com a União e suas entidades, como também para capitalização de fundos de previdências.
mencionado na análise do PL 1516/51, de custo de uso, de sustentabilidade econômica
intergeracional (regra de Hartwick) e da doença holandesa (REIS e SANTANA, 2014).
Utilizam-se ainda para composição deste quadro os conceitos de increasing returns e path
dependence.
A ideia sobre renda mineral estaria ligada, conforme aponta a literatura econômica, à
própria construção da noção de renda, lato sensu. Nos primeiros sistemas econômicos, sendo
a terra e os recursos dela proveniente, como os minerais, a forma de capital (e de sua
acumulação) básica, a renda sobre a terra se relacionava ao próprio aproveitamento
econômico sobre seu uso. Possuindo características próximas aos demais recursos
provenientes da terra, os recursos minerais apresentam, no entanto, uma particularidade, eles
são por si exauríveis e não renováveis, o que limita de forma cabal sua oferta.
A finitude intransponível de sua oferta, caso este seja extraído, impõe à ideia do uso
dos recursos minerais a noção de que há um custo intertemporal nele. Inexoravelmente, o uso
de hoje representará o exaurimento amanhã. O pensamento sobre o custo de uso adequa-se à
questão do petróleo e do gás natural, visto que a formação de novas bacias de hidrocarbonetos
demanda milhões anos, período de tempo que define economicamente tais recursos como não
renováveis.
O custo de uso, ligado à dimensão intertemporal, justificaria a compensação
(renda mineral) recebida pelo proprietário de reservas de hidrocarbonetos
pela impossibilidade de extrair futuramente o recurso que está sendo retirado
atualmente. [...]
Postali acrescenta ao debate uma importante reflexão acerca da renda de
Hotelling. Já que a extração do minério no presente impossibilita sua
extração no futuro, inviabilizando que as gerações futuras usufruam desse
recurso, “(...) o que deve ser feito com a renda de Hotelling obtida pelo
proprietário do recurso, para não prejudicar os futuros consumidores?”
(Postali, 2002:21). (REIS e SANTANA, 2014, p. 3-4).
Destacando o trabalho de Hartwick sobre a finalidade da renda mineral à luz da
questão de seu custo de uso intertemporal, que a partir de um modelo de funcionamento de
uma economia que funcionaria com somente um recurso não renovável, dependendo
inteiramente da renda obtida a partir dele para investimento, aquele autor teria indicado que
nela, caso houvesse um adequado uso de tal renda para formação de “bens de capital e de
capital, poderia obter(-se) um nível de consumo per capita constante ao longo do tempo”
(REIS e SANTANA, 2014, p. 5)
Pela regra de Hartwick, acima, os recursos de uma renda mineral devem ser utilizados
em investimentos que permitam a diversificação da economia, em áreas que possam propiciar
a elevação da produtividade e o acúmulo médio de capital com visas ao crescimento
econômico presente e, principalmente, futuro.
Por essa ideia, a legitimidade da cobrança dos royalties, frente aos agentes econômicos
exploradores e produtores de petróleo e gás natural, residiria no fato de que com eles os entes
públicos podem realizar investimentos que garantam a sustentabilidade econômica
intergeracional das áreas onde ocorrem tais atividades, de forma a evitar a ocorrência do
fenômeno conhecido na literatura econômica como “doença holandesa” ou a “maldição dos
recursos naturais”.
A doença holandesa provocada pela E&P de petróleo e gás natural, por sua vez, estaria
associada às ideias do campo econômico e político de increasing returns e de path
dependence, estudadas por Arthur (1990) e Pierson (2000), que tais atividades trazem para as
economias onde elas ocorrem.
Considerando que atividades econômicas “vantajosas”, como a E&P de petróleo,
reproduzem increasing returns nas economias beneficiadas com seus resultados. Como estas
atividades exigem investimentos específicos (formação de pessoas numa área específica de
conhecimento, criação de infraestrutura para aquela atividade, etc.), pelo capital empreendido
e pelo retorno positivo em sua acumulação, tal sucesso orienta as decisões dos agentes
econômicos e políticos para que nelas haja reinvestimentos, sejam privados ou públicos.
Este ciclo de investimento e reinvestimento “vantajoso” engendra um path dependence
quanto à atividade de E&P de petróleo e gás natural nas localidades onde ela ocorra. Uma
dependência de trajetória pela continuidade da reprodução de uma determinada atividade
econômica, criada por conta da concentração da mobilização na formação das pessoas e da
criação de bens de capital voltada ao alcance da máxima eficiência daquela determinada
atividade. Esta mobilização de uma economia para que se reproduzam os maiores retornos
possíveis de uma atividade específica, por sua vez, incapacita aquela economia para outras
atividades.
Então, em economias onde haja increasing returns e path dependence de atividades
econômicas cujo produto seja exaurível, como a E&P do petróleo e do gás natural, nelas, a
economia se tornaria insustentável após cessação dos resultados dessas mesmas atividades.
Mas a doença holandesa ligada à ideia de recursos naturais e à renda mineral não
ocorreria somente no momento de sua exaustão, podendo se caracterizar mesmo em
economias deles dependentes, enquanto as atividades econômicas que a gerariam ainda
operam.
As explicações para o péssimo desempenho das economias dependentes de
recursos naturais [...] podem estar relacionadas com a má gestão do recurso,
ao fato de que a aplicação das rendas obtidas não é direcionada para
investimentos em bens de capital e capital humano. Pode também ser
justificada pela fragilidade das instituições e pela perda de competitividade,
em função do relativo conforto que a renda proporciona. (REIS e
SANTANA, 2014, p. 6)
Observando a partir deste prisma teórico, tem-se que a aplicação dos recursos oriundos
desse instituto de natureza compensatória, para com vistas a sua finalidade social, deve ser
orientada para despesas que visem resguardar a sustentabilidade (futura) das áreas afetadas
por tais atividades, tendo em vista o caráter efêmero das bacias de petróleo e os impactos
ambientais, sociais e econômicos de sua exploração e produção (SEABRA, FREITAS, et al.,
2011). Assim, sua legitimidade residiria na necessidade de que haja investimentos que
garantam o bem-estar e o sustento das gerações futuras que venham a habitar nos locais onde
ocorra ou tenha ocorrido a E&P de petróleo e gás natural, mesmo que nelas tais recursos já
tenham se exaurido. Desta forma, como abordado por Rios e Santana (2014, p. 2), “[...] é
importante analisar a forma de aplicação dos recursos provenientes de royalties pelos entes
públicos, sobretudo no que diz respeito à alocação em despesas de capital”.
Entre as instituições relacionadas à administração financeira e orçamentária no Brasil,
aquelas que estabelecem regras para a contabilidade pública são a Secretaria do Tesouro
Nacional (STN) e a Secretaria de Orçamento Federal (SOF). A norma editada por aquelas
Secretarias, que, desde 2001, regulamenta a classificação das despesas de caráter público é a
portaria interministerial (PI) nº 163. Por aquela norma, a despesa deve ser classificada por sua
categoria econômica (c), natureza (g), modalidade de aplicação (mm) e elemento (ee), sendo
que sua codificação se dá pela junção ordenada dos códigos destes itens, originando o formato
“c.g.mm.ee” (BRASIL, 2001).
A partir da exploração preliminar realizada nos registros do PTM quanto às despesas
pagas com recursos da fonte “royalties 5% da lei 7990”, selecionaram-se os seguintes
conceitos e especificações das classificações das despesas, cujas definições das categorias
econômicas, naturezas, modalidades e elementos servem de referência para este trabalho:
A - CATEGORIAS ECONÔMICAS
3 - Despesas Correntes
Classificam-se nessa categoria todas as despesas que não contribuem,
diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital.
4 - Despesas de Capital
Classificam-se nessa categoria aquelas despesas que contribuem,
diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital.
B - GRUPOS DE NATUREZA DE DESPESA
1 - Pessoal e Encargos Sociais - Despesas orçamentárias com pessoal ativo,
inativo e pensionistas, [...], tais como vencimentos e vantagens, fixas e
variáveis, subsídios, proventos [...] bem como encargos sociais e
contribuições recolhidas pelo ente às entidades de previdência [...]
[...]
3 - Outras Despesas Correntes - Despesas orçamentárias com aquisição de
material de consumo, pagamento de diárias, contribuições, subvenções,
auxílio-alimentação, auxílio-transporte, além de outras despesas da categoria
econômica "Despesas Correntes" não classificáveis nos demais grupos de
natureza de despesa.
4 - Investimentos
Despesas orçamentárias com softwares e com o planejamento e a execução
de obras, inclusive com a aquisição de imóveis considerados necessários à
realização destas últimas, e com a aquisição de instalações, equipamentos e
material permanente.
[...]
C - MODALIDADES DE APLICAÇÃO
[...]
90 - Aplicações Diretas - Aplicação direta, pela unidade orçamentária, dos
créditos a ela alocados ou oriundos de descentralização de outras entidades
integrantes ou não dos Orçamentos Fiscal ou da Seguridade Social, no
âmbito da mesma esfera de governo.
[...]
D - ELEMENTOS DE DESPESA
[...]
39 - Outros Serviços de Terceiros - Pessoa Jurídica Despesas orçamentárias
decorrentes da prestação de serviços por pessoas jurídicas para órgãos
públicos, tais como: assinaturas de jornais e periódicos; tarifas de energia
elétrica, gás, água e esgoto; serviços de comunicação (telefone, telex,
correios, etc.); fretes e carretos; locação de imóveis (inclusive despesas de
condomínio e tributos à conta do locatário, quando previstos no contrato de
locação); locação de equipamentos e materiais permanentes; software;
conservação e adaptação de bens imóveis; seguros em geral (exceto os
decorrentes de obrigação patronal); serviços de asseio e higiene; serviços de
divulgação, impressão, encadernação e emolduramento; serviços funerários;
despesas com congressos, simpósios, conferências ou exposições; vale-
refeição; auxílio-creche (exclusive a indenização a servidor); habilitação de
telefonia fixa e móvel celular; e outros congêneres, bem como os encargos
resultantes do pagamento com atraso de obrigações não tributárias. [...]
(BRASIL, 2001).
Tabela 1:
Fontes e montantes dos recursos geridos pela Prefeitura de Macaé entre 2012 e 2014
DESCRIÇÃO 2012 2013 2014 TOTAL
Recursos Ordinários 787.891.137,61 822.281.866,87 908.514.080,89 2.518.687.085,37
Royalties 5% - lei 7990/89 333.824.005,29 267.406.456,07 314.008.775,47 915.239.236,83
Royalties - lei 9478/97 62.173.373,15 153.596.453,17 97.553.357,89 313.323.184,21
Transferências do Fundeb 79.102.204,85 94.118.170,31 104.881.220,95 278.101.596,11
Royalties - participação
- - 50.327.621,75 50.327.621,75
especial
Salário educação 10.700.000,00 10.089.542,82 3.472.297,03 24.261.839,85
Royalties - transferência
- - 21.379.720,51 21.379.720,51
Estado
Convênios 4.125.542,45 7.336.181,02 5.292.489,70 16.754.213,17
Contribuição para o custeio
dos serviços de iluminação - 2.453.874,97 - 2.453.874,97
pública - Cosip
Operações de crédito
- - 1.593.462,51 1.593.462,51
internas
Transferências de recursos
- - 887.997,41 887.997,41
do FNDE
Royalties - Fundo Especial
- - 42.239,60 42.239,60
do Petróleo
TOTAL 1.277.816.263,35 1.357.282.545,23 1.507.953.263,71 4.143.052.072,29
Participação dos "Royalties
26,12% 19,70% 20,82% 22,09%
5% - lei 7990/89" no total
Participação das rubricas
acumuladas relativas aos 30,99% 31,02% 32,05% 31,39%
royalties
Nota. Fonte: Portal da Transparência (MACAÉ, 2015).
A partir da Tabela 1, pode-se indicar que a participação dos recursos advindos dos
royalties do pós-sal no período foi significativa, representando a rubrica em estudo, valores
correspondentes a 26,12%, 19,70% e 20,82% do total. Somando-se os recursos desta rubrica
aos das demais rubricas correspondentes ao recebimento de royalties (incluídas,
possivelmente, aqueles do pré-sal), a participação destes recursos teve leve elevação entre os
anos estudados e representa quase um terço do total das disponibilidades financeiras que
aquela Prefeitura aplicou no período.
Com o intuito de verificar qual parcela das aplicações realizadas a partir daquela
rubrica se deram em despesas que seriam “próprias” à finalidade social dos royalties, que
seriam aquelas de capital, como afirmam Reis e Santana (2014), construiu-se a Tabela 2.
Tabela 2:
Aplicação dos recursos da fonte “Royalties 5% - lei 7990/89” entre 2012 e 2014.
DESCRIÇÃO 2012 2013 2014 TOTAL %
3.1.90.08 - Outros
2.588,27 - - 2.588,27 0,00028%
Benefícios Assistenciais
3.1.90.09 - Salário-
132,00 - - 132,00 0,00001%
Família
3.1.90.11 - Outras
despesas fixas - pessoal 10.625,17 - - 10.625,17 0,00116%
civil
3.1.90.96 -
Ressarcimento Despesas 77.361,26 - - 77.361,26 0,00845%
de Pessoal Requisitado
3.3.30.39 - Outros
Serviços de Terceiros - - 422.655,54 - 422.655,54 0,04618%
P.Jurídica
3.3.90.08 - Outros
27.614,17 99.322,86 - 126.937,03 0,01387%
Benefícios Assistenciais
3.3.90.14 - Diárias - Civil 363.773,28 1.408.002,00 817.367,80 2.589.143,08 0,28289%
3.3.90.18 - Auxílio
- 249.801,36 438.983,38 688.784,74 0,07526%
Financeiro a Estudantes
3.3.90.30 - Outros
materiais de consumo 7.186.652,77 3.927.843,43 4.777.804,91 15.892.301,11 1,73641%
diversos
3.3.90.32 - Material de
439.405,00 117.184,44 292.957,79 849.547,23 0,09282%
Distribuição Gratuita
3.3.90.33 - Passagens e
Despesas com - - 3.033,28 3.033,28 0,00033%
Locomoção
3.3.90.36 - Outros serv.
2.762.819,44 3.671.316,65 5.769.171,24 12.203.307,33 1,33335%
Terc. P.fisica – diversos
3.3.90.39 - Fretes e
6.633.455,65 - - 6.633.455,65 0,72478%
transportes
3.3.90.39 - Outros serv.
Terc. P.jurídica – 84.569.252,79 37,81341%
128.357.073,61 133.156.853,74 346.083.180,14
diversos
3.3.90.39 - Serviços de
3.278.169,75 - - 3.278.169,75 0,35818%
publicidade legal
3.3.90.46 - Auxílio-
- 27.287.170,08 22.995.669,95 50.282.840,03 5,49396%
Alimentação
3.3.90.47 - Obrigações
Tributárias e 2.643.745,26 12.158.854,33 1.021.586,06 15.824.185,65 1,72897%
Contributivas
3.3.90.48 - Outros
Auxílios Financeiros a 703.882,50 3.631.641,25 2.539.559,15 6.875.082,90 0,75118%
P.Físicas
3.3.90.91 - Sentenças
17.478.096,55 11.557.365,63 4.195.034,61 33.230.496,79 3,63080%
Judiciais
3.3.90.92 - Despesas de
54.736.942,54 35.318.384,47 161.615,28 90.216.942,29 9,85720%
Exercícios Anteriores
3.3.90.93 - Indenizações
12.544.939,26 35.460.894,78 48.605.965,16 96.611.799,20 10,55591%
e Restituições
4.4.90.51 - Obras e
73.389.046,78 28.087.299,26 86.657.751,18 20,55573%
Instalações 188.134.097,22
4.4.90.52 - Equipamentos
6.563.420,91 340.521,00 2.575.421,94 9.479.363,85 1,03573%
e Material Permanente
4.4.90.92 - Despesas de
- 7.467.067,26 - 7.467.067,26 0,81586%
Exercícios Anteriores
4.5.90.61 - Aquisição de
14.563.327,18 - - 14.563.327,18 1,59120%
Imóveis
4.6.90.71 - Principal da
Dívida Contratual 2.060.933,94 11.631.878,94 - 13.692.812,88 1,49609%
Resgatado
Total 333.824.005,29 267.406.456,07 314.008.775,47 915.239.236,83 -
Soma das despesas de
96.576.728,81 47.526.766,46 89.233.173,12 233.336.668,39 25,49%
capital (4)
Soma das despesas
237.247.276,48 219.879.689,61 224.775.602,35 681.902.568,44 74,51%
correntes (3)
Participação das despesas
correntes sobre o total
71,06% 82,26% 71,58% 74,51% -
aplicado dos royalties do
pós-sal
Soma das despesas
correntes de código 138.268.699,01 84.569.252,79 133.156.853,74 355.994.805,54 -
3.3.90.39
Participação das despesas
de código 3.3.90.39 sobre 41,42% 31,63% 42,41% 38,90% -
o total
Nota. Fonte: Portal da Transparência (MACAÉ, 2015).
Tabela 3:
Destinatários de mais de 90% da aplicação dos royalties do pós-sal entre 2012 e 2014 em despesas de código 3.3.90.39
CNPJ 2012 2013 2014 TOTAL %
35.780.956/0001-38 35.940.673,84 28.607.960,64 39.951.839,41 104.500.473,89 31,92%
30.183.941/0001-79 40.557.298,46 - 56.096.986,28 96.654.284,74 29,52%
08.295.999/0001-55 7.987.731,50 6.889.722,25 6.284.164,00 21.161.617,75 6,46%
03.632.896/0001-10 3.981.375,00 477.000,00 1.716.527,06 6.174.902,06 1,89%
36.290.401/0001-70 5.397.737,64 522.519,80 47.600,00 5.967.857,44 1,82%
33.000.118/0001-79 2.991.202,48 1.713.892,65 894.879,57 5.599.974,70 1,71%
11.491.763/0001-07 4.063.930,12 1.057.543,89 - 5.121.474,01 1,56%
03.922.966/0002-55 4.742.605,77 - - 4.742.605,77 1,45%
05.951.758/0001-29 - - 4.640.485,22 4.640.485,22 1,42%
08.540.992/0001-51 - 2.257.106,84 2.375.571,47 4.632.678,31 1,42%
05.133.091/0001-57 1.700.586,53 2.325.831,14 - 4.026.417,67 1,23%
05.852.825/0001-58 2.072.470,00 700.824,00 318.744,00 3.092.038,00 0,94%
00.862.596/0001-39 - 2.705.000,00 - 2.705.000,00 0,83%
09.298.880/0001-07 1.954.265,50 - 665.490,24 2.619.755,74 0,80%
39.709.720/0001-66 - - 2.538.979,50 2.538.979,50 0,78%
36.293.652/0001-09 - 1.258.635,19 978.768,50 2.237.403,69 0,68%
09.630.681/0001-46 2.100.794,64 - - 2.100.794,64 0,64%
50.185.198/0001-01 2.053.879,75 - - 2.053.879,75 0,63%
02.966.986/0001-84 1.881.786,16 - - 1.881.786,16 0,57%
03.995.068/0001-46 1.495.296,50 78.639,05 7.726,00 1.581.661,55 0,48%
01.579.387/0007-30 1.509.339,04 - - 1.509.339,04 0,46%
00.943.094/0001-32 860.572,05 227.567,10 316.631,25 1.404.770,40 0,43%
07.358.788/0001-51 1.360.989,88 - - 1.360.989,88 0,42%
04.642.554/0001-43 660.000,00 - 694.062,68 1.354.062,68 0,41%
09.305.646/0001-51 1.152.133,36 192.260,20 - 1.344.393,56 0,41%
29.699.626/0001-10 1.323.904,25 - - 1.323.904,25 0,40%
39.709.324/0001-39 - - 1.285.368,87 1.285.368,87 0,39%
30.069.314/0001-01 695.987,28 380.423,31 128.441,00 1.204.851,59 0,37%
05.057.027/0001-34 - - 1.088.373,70 1.088.373,70 0,33%
01.211.210/0001-91 409.989,32 374.338,00 273.170,00 1.057.497,32 0,32%
Total aplicado com
maiores 126.894.549,07 49.769.264,06 120.303.808,75 296.967.621,88 90,71%
destinatário
Total aplicado com
11.174.149,94 6.377.581,08 12.853.044,99 30.404.776,01 9,29%
demais destinatários
Total 138.068.699,01* 56.146.845,14* 133.156.853,74 327.372.397,89 -
Nota. Fonte: Portal da Transparência (MACAÉ, 2015).
* Ao se consultar no PTM os gastos consolidados dos recursos da rubrica “royalties 5% da lei 7990” nos
anos de 2012 e 2013, são informados os valores de R$ 138.268.699,01 e R$ 84.569.252,79, conforme
Tabela 3. Ao se consultar a relação de tais gastos por empresas destinatárias e ao se somar seus valores,
obtém-se os montantes de R$ 138.068.699,01 e R$ 56.146.845,14. Foram realizados cinco
levantamentos de valores e conferiu-se pelo menos número de vezes as somatórias realizadas, não se
chegando a conclusões sobre os motivos das diferenças de R$ 200.000,00 e R$ 28.622.407,65,
respectivamente.
Buscando identificar quais áreas de governo, por Secretaria Municipal, foram aquelas
que utilizaram o montante de mais de 90% dos recursos dos royalties do pós-sal em outras
despesas correntes de pessoas jurídicas (código 3.3.90.39), elaborou-se a Tabela 4.
Tabela 4:
Secretarias que realizaram os gastos que representaram mais de 90% da aplicação dos royalties do pós-sal entre 2012 e 2014
Secretaria Municipal 2012 2013 2014 TOTAL %
Limpeza Pública 37.435.970,34 28.686.599,69 41.244.934,28 107.367.504,31 36,15%
Manutenção de Vias,
Parques, Jardins e 40.557.298,46 2.257.106,84 58.472.557,75 101.286.963,05 34,11%
Cemitérios
Gabinete do Prefeito 14.746.459,02 6.889.722,25 6.284.164,00 27.920.345,27 9,40%
Administração 13.894.029,50 7.665.676,27 2.750.878,90 24.310.584,67 8,19%
Educação 4.063.930,12 1.057.543,89 4.640.485,22 9.761.959,23 3,29%
Comunicação 6.796.485,52 2.897.260,20 - 9.693.745,72 3,26%
Agroeconomia - 1.258.635,19 3.517.748,00 4.776.383,19 1,61%
Fazenda 2.760.794,64 - 694.062,68 3.454.857,32 1,16%
Obras e Urbanismo 1.881.786,16 - 1.088.373,70 2.970.159,86 1,00%
Desenvolvimento
Econômico e 2.661.472,40 - - 2.661.472,40 0,90%
Tecnológico
Desenvolvimento
- - 1.716.527,06 1.716.527,06 0,58%
Social
Meio Ambiente - 522.519,80 - 522.519,80 0,18%
Mobilidade Urbana - 477.000,00 - 477.000,00 0,16%
Trabalho e Renda - - 47.600,00 47.600,00 0,02%
TOTAL 124.798.226,16 51.712.064,13 20.457.331,59 296.967.621,88 -
Nota. Fonte: Portal da Transparência (MACAÉ, 2015).
Tabela 5:
Tipos de serviços cujos gastos que representaram mais de 90% da aplicação dos royalties do pós-sal entre 2012 e 2014
Tipo de Serviço 2012 2013 2014 TOTAL %
Serviços de manutenção, limpeza
urbana e especial, varreção e
limpeza urbana, aterros, 35.940.673,84 28.607.960,64 39.951.839,41 104.500.473,89 35,19%
reciclagem, aeração, locação de
veículos
Manutenção e conservação de
aterros, prédios públicos, parques,
40.557.298,46 2.257.106,84 58.472.557,75 101.286.963,05 34,11%
estradas vicinais e redes de
drenagem
Publicidade do governo 14.784.217,02 9.594.722,25 6.284.164,00 30.663.103,27 10,33%
Transporte universitário 8.020.393,65 1.683.152,41 1.036.986,25 10.740.532,31 3,62%
Alimentação escolar 4.063.930,12 1.057.543,89 4.640.485,22 9.761.959,23 3,29%
Telefonia para administração e
894.879,57 2.991.202,48 1.713.892,65 5.599.974,70 1,89%
serviço de 0800
Manutenção de prédios públicos
5.397.737,64 - - 5.397.737,64 1,82%
para eventos
Preparação de eventos - 1.258.635,19 3.517.748,00 4.776.383,19 1,61%
Terceirização de mão de obra
1.700.586,53 2.325.831,14 47.600,00 4.074.017,67 1,37%
para administração
Publicação de atos oficiais 3.278.169,75 665.490,24 - 3.943.659,99 1,33%
Transporte para órgãos da
- 477.000,00 1.716.527,06 2.193.527,06 0,74%
administração
Recadastramento das áreas
2.100.794,64 - - 2.100.794,64 0,71%
urbanas
Gerenciamento do sistema de
1.881.786,16 - - 1.881.786,16 0,63%
iluminação pública
Limpeza pública 1.495.296,50 78.639,05 7.726,00 1.581.661,55 0,53%
Locação de computadores para
1.509.339,04 - - 1.509.339,04 0,51%
escolas
Passagens aéreas, transfer e 1.360.989,88 - - 1.360.989,88 0,46%
hospedagens para a administração
Desenvolvimento de sistema de
660.000,00 - 694.062,68 1.354.062,68 0,46%
gestão tributária
Locação e manutenção de
- - 1.285.368,87 1.285.368,87 0,43%
caminhões-tanque
Macaé Digital 1.152.133,36 - - 1.152.133,36 0,39%
Manutenção de canais - - 1.088.373,70 1.088.373,70 0,37%
Terceirização de mão de obra
- 522.519,80 - 522.519,80 0,18%
para serviços de meio ambiente
Aquisição de computadores par a
- 192.260,20 - 192.260,20 0,06%
administração
TOTAL 124.798.226,16 51.712.064,13 120.457.331,59 296.967.621,88 -‐
Nota. Fonte: Portal da Transparência (MACAÉ, 2015).
Por fim, ressalta-se que os tipos de serviços na Tabele 5 foram construídos a partir da
leitura do conteúdo de um campo do tipo “texto”, não parametrizado, que trazia a descrição
dos produtos ou serviços relacionados a tais despesas no PTM.
Nesta seção, apresenta-se a análise dos resultados da aplicação dada pela Prefeitura de
Macaé aos recursos identificados pela rubrica “royalties 5% da lei 7990”, entre 2012 e 2014,
com ênfase às despesas correntes para o pagamento de outros serviços de pessoa jurídica,
visto que esta indicaria, a priori, um uso pouco aderente a uma aplicação mais programática,
voltada às finalidades sociais dos royalties do pós-sal.
Os resultados obtidos a partir dos levantamentos por meio dos quais foram elaboradas
as tabelas apresentadas na seção anterior, principalmente a Tabela 2, indicam que a Prefeitura
de Macaé, entre 2012 e 2014, aplicou quase três quartos dos recursos dos royalties do pós-sal
de forma, a princípio, imprópria frente à finalidade social daquele recurso.
Estas aplicações impróprias se deram em sua maior parte (quase 40%) em despesas
correntes de caráter genérico, relacionadas à classificação denominada “outros serviços de
terceiros - pessoa jurídica”, código 3.3.90.39, que, na contabilidade pública brasileira, é
utilizada para designar despesas “decorrentes da prestação de serviços por pessoas jurídicas
para órgãos públicos” (BRASIL, 2001). Esta aplicação indica usos de caráter corrente não
relacionados à aquisição ou mesmo à manutenção de bens de capital, bem como também não
ligados à formação de pessoas.
Com intuito de detalhar que “outros serviços” teriam sido aqueles aos quais se
destinou a maior parte da aplicação dos royalties do pós-sal, a partir do código 3.3.90.39,
verificou-se o seguinte:
a) conforme Tabela 4, Secretarias Municipais de área meio, como a de
Administração, Fazenda e o Gabinete do Prefeito movimentaram parcelas
consideráveis de tais recursos;
b) conforme Tabela 5, dois desses serviços representaram 70% de tais gastos, e se
referem a serviços de objeto muito genérico, ligados à manutenção, limpeza e
conservação de locais públicos, sendo que as descrições encontradas não
permitem, por este trabalho, que se possa apontar tais tenham contribuído, ou não,
por exemplo, com manutenção de bens que serão importantes para a
sustentabilidade econômica de Macaé;
c) vários gastos se referem a mera manutenção de serviços burocráticos, como
telefonia, transporte, terceirização de mão-de-obra, passagens aéreas, aquisição de
microcomputadores e publicação de atos oficias;
d) serviços de publicidade do governo e eventos, que dificilmente se adeririam às
finalidades dos royalties, são indicados por Trevisan et al. (2004) como sensíveis a
desvios por prefeituras.
Mesmo com as indicações sobre os resultados da análise dos dados do PTM à luz do
referencial teórico sobre a finalidade social dos royalties, há algumas questões importantes
sobre os dados utilizados e este trabalho a serem destacadas.
A primeira é de que, aqui, utilizaram-se dados sobre a aplicação dada aos royalties do
pós-sal decorrentes de uma classificação de contas que pode ser suscetível a ambiguidades.
Desta maneira, deve se levar em consideração a possibilidade de que a classificação dada a
uma ou mais despesas não se encaixe exatamente na previsão, por exemplo, do código
3.3.90.39.
A seguinte é que as descrições dos produtos e serviços das despesas relacionadas “a
outros serviços”, utilizadas na elaboração da Tabela 5, como mencionado, estavam
apresentadas num campo “texto” não parametrizado, o que dificulta o entendimento da
destinação dada a elas.
A terceira se refere ao fato de que foram utilizadas somente as informações
disponibilizadas por meio do PTM, sendo que, como se apresenta nas notas da Tabela 3, estas
apresentavam incongruências entre os montantes quando as despesas eram apresentadas de
forma consolidada para quando eram apresentadas de forma detalhada.
Relacionada à terceira, a quarta questão remete ao fato de que a única fonte de dados
utilizada foram os registros do PTM. Como não se realizou quaisquer resultados de pesquisas
aplicadas, não foram verificados os resultados materiais das despesas aqui analisadas e nem
tampouco foram entrevistados agentes que participaram da gestão de tais recursos, que
implementaram ações a partir deles ou que colhem (ou deveriam colher) os benefícios de tal
implementação.
Indica-se ainda que esta análise não corrobora ou refuta a hipótese que a motivou, de
que haveria uma maior possibilidade de que o uso dos royalties do pós-sal, dada a falta de
parâmetro que dessem a sua aplicação caráter mais programático, se realizasse, pelo menos
em parte, por meio de despesas que não se relacionassem a sua finalidade. Utilizada aqui
como “mote”, esta hipótese que serve de motivação para a investigação realizada, pode servir
também de ponte para outras que venham a lhe dar continuidade.
Mesmo que se leve em consideração as questões apresentadas acima, afirma-se que
este estudo de caso de Macaé traz indicativos sobre a necessidade de que se promova um
amplo debate sobre a necessidade de se dar à aplicação dos royalties um caráter programático,
que conduza seu uso às finalidades sociais daquele instituto.
Considerações finais
À guisa das considerações finais, ressalta-se que as reservas do pós-sal no Brasil têm
aproximadamente mais 17 anos de exploração e produção. O pré-sal, apesar de, a princípio,
duplicar as reservas de petróleo e ampliar o tempo de aproveitamento destes recursos, não
representa que estes se tornaram infindáveis.
As receitas de royalties oriundas da exploração de petróleo e gás natural são voláteis,
oscilando às condições do mercado mundial e da política internacional. A exploração e a
produção relacionadas a estes recursos demandam grandes investimentos servíveis somente às
operações a ela relacionadas, além de poderem gerar déficit ambientais de grande monta.
Esgotadas as reservas, o futuro das localidades onde ocorrem tais operações pode se tornar
econômica e socialmente inviável. A finalidade social dos royalties, por esta perspectiva, seria
então de viabilizar um desenvolvimento sustentável, ou seja, de garantir a devida qualidade de
vida às gerações futuras.
A proposta que se apresenta relaciona-se então à construção de instituições acerca de
tais recursos, que estabeleçam que sua aplicação se dê com foco em sua finalidade social. Mas
esta aplicação, destaca-se, não deve se restringir simplesmente à indicação de um uso mínimo
de tais recursos, como já prevê a lei brasileira para algumas receitas de Estados e Municípios
quanto a educação e saúde
Como se tratam de recursos cujo uso deveria se dar em investimentos voltados para o
desenvolvimento sustentável, de caráter intergeracional, ao invés da simples vinculação,
defende-se que um debate sobre a melhoria das instituições relacionadas aos royalties deve
ser orientado para a ampliação da participação da sociedade com o fito da construção de um
programa de aplicação que suporte as diferentes áreas e considere as possíveis contingências.
Bibliografia
Resumo
Este trabalho pretende explorar o tema da memória e do esquecimento coletivo
enquanto objeto de pesquisa do campo das ciências da administração, em especial da
administração política. Para tanto, será realizada uma discussão teórica articulando as
possibilidades e limites de manipulação do arcabouço memorial, focando no papel de
gestor da memória coletiva nacional exercido pelo Estado. Serão estudadas políticas de
memória e de esquecimento enquanto instrumentos utilizados no desenvolvimento desse
processo de gestão da memória nacional oficial. No entanto, este debate não pretende se
realizar de maneira abstrata e geral, mas sim a partir do movimento concreto do
desenvolvimento histórico das políticas públicas de memória referentes à ditadura
militar-empresarial brasileira. Mais de meio século depois do golpe de 1964, as políticas
de memória aqui analisadas demonstram que a posição o Estado segue reforçando as
narrativas públicas dos vencedores. Através de estratégias que passam pelo
esquecimento-manipulação, pelo esquecimento-direcionamento e pelo esquecimento-
destruição, conforme definição de Johann Michel (2010), a administração política da
memória segue mantendo as memórias de resistência e de luta nos subterrâneos das
narrativas oficiais sobre a ditadura militar-empresarial.
Introdução
Desde a década de 1980 está em curso no Brasil um processo de disputas
em relação à memória política da ditadura militar-empresarial brasileirai, período que
foi de 1964 a 1985. Em um lado deste cenário estão as tentativas de construção de uma
memória nacional oficial, conforme definição de Michel Pollak (1989). Tais iniciativas
se desenvolvem a partir de ações promovidas pelo Estado e perpassam diferentes
governos desde o reestabelecimento da democracia.
Em contraponto à memória oficial estão as diversas iniciativas que mantém
vivas memórias relacionadas especialmente a grupos e classes sociais que sofreram com
o golpe de Estado e com o regime que o seguiu. Conforme define Joana D’Arc
Fernandes Ferraz (2007), estas são as memórias de resistência e de luta. De forma geral,
as ações desses grupos visam uma melhor compreensão sobre os acontecimentos
daquele período, o que inclui a devida publicidade das atrocidades cometidas pelo
Estado e pelos grupos que apoiaram e se beneficiaram do regime. Nesse sentido, já
foram lançados e ainda estão por vir diversos trabalhos acadêmicos, filmes, peças de
teatro e documentários, sem contar as ações de movimentos populares que estão
espalhados por todo o país.
A importância de se aprofundar as análises com relação a este tema tem a
ver, em primeiro lugar, com a relevância social da memória em si mesma. Para Myrian
Sepúlveda dos Santos (2012), a memória é de fato um objeto amplo e que afeta as mais
diversas partes da vida social e individual. Cada passo que damos, cada ideia e cada
ação realizada estão impregnados de memória. Para a autora, é ainda mais do que isso.
“Nós somos tudo aquilo que lembramos. A memória não é só pensamento, imaginação e
construção social; ela é também uma determinada experiência de vida capaz de
transformar outras experiências, a partir de resíduos deixados anteriormente”
(SANTOS, 2012, p. 30).
Além da importância imanente da memória, a memória política relativa à
ditadura militar-empresarial tem um aspecto ainda mais profundo. Trata-se de um tema
ainda muito caro para toda a sociedade brasileira, pois a forma como nos relacionamos
com este passado é um ponto de fundamental interferência no desenvolvimento social
do presente e do futuro. Conforme afirma Jeanne Marie Gagnebin (2010), os silêncios e
esquecimentos relacionados às conexões entre o passado ditatorial e o presente
democrático não apenas parecem tornar vivo o passado, como se demonstram
necessários para a manutenção da ordem social do presente.
Levando em consideração a importância de se estudar a memória, em
especial a memória da ditadura militar-empresarial brasileira, o presente trabalho
buscará trazer a temática da memória para as discussões no campo da administração. O
ponto aqui será a investigação sobre as possibilidades de manipulação e gestão da
memória e do esquecimento coletivos, em especial do papel do Estado em tal processo.
Assim, a proposta do trabalho é explorar o que chamamos de administração política da
memória, enquanto uma das tarefas desempenhadas pelo Estado – criadas por governos,
materializada em políticas públicas e executadas por aparelhos estatais e instrumentos
da administração pública.
Para efeitos metodológicos, o trabalho iniciará com um debate teórico, para
somente no fim apresentar sua aplicação concreta no âmbito das políticas públicas de
memória relacionadas à ditadura militar-empresarial brasileira.
Inicialmente, serão revisadas partes das teorias clássicas e contemporâneas
sobre memória e o esquecimento. A segunda parte deste artigo analisará as bases
teóricas que compõem o campo da administração política. Pretende-se, dessa forma,
apresentar como as discussões sobre a memória coletiva se encaixam na administração
política. Mais especificamente, a partir das revisões realizadas sobre as referidas teorias,
almeja-se demonstrar que a memória política é passível de ser politicamente
administrada, focando no papel do Estado. Na terceira parte, o artigo pretende
apresentar os principais instrumentos por meio dos quais o Estado operacionaliza este
trabalho de administração de memórias e esquecimentos coletivos. Serão discutidos os
conceitos de política de memória e política de esquecimento, apresentando suas
especificidades, funções e complementaridades. Na parte final do artigo, será construído
um desenrolar histórico sobre as políticas de memória e esquecimento que vêm sendo
desenvolvidas pelo Estado desde o fim da ditadura militar-empresarial. A intenção neste
momento será expor concretamente como funciona a gestão de memórias e
esquecimentos públicos. Além disso, pretende-se apresentar a forma que o Estado
brasileiro tem administrado a memória desse período, isto é, entender um pouco mais
sobre quais narrativas vêm sendo privilegiadas e quais esquecimento têm sido
instituídos.
Considerando o exposto, o presente trabalho pretende revisitar a tradição
teórica relacionada à memória coletiva e demonstrar como tal temática se encaixa na
discussão da administração política e, portanto, nas discussões realizadas no âmbito das
ciências da administração como um todo. É nesse sentido que será analisado o campo de
disputas pela memória política referente ao período da ditadura militar-empresarial
brasileira, levantando principalmente o papel do Estado neste cenário. Almeja-se
demonstrar que esse papel se materializa em leis e políticas públicas que estabelecem
determinadas narrativas, podendo ser extraído daí as posições do Estado com relação ao
passado ditatorial brasileiro. Pode-se citar como exemplo a Lei de Anistia promulgada
pela ditadura em 1979 e que se mantém intocada até os dias de hoje, os arquivos
militares que permanecem fechados e as indenizações meramente financeiras que têm
sido apresentadas como reparações aos atingidos por aquele regime de terror.
Memória e Esquecimento
O objetivo aqui é revisitar parte da teoria da memória e do esquecimento,
ressaltando seus campos sociológicos, a fim de adentrar na dialética da memória e
explorar certas dimensões da memória e do esquecimento coletivo. Tendo em conta que
não se pretende esgotar o tema, serão debatidas teorias que apresentam possibilidades e
limites para a manipulação de memórias e esquecimentos. E é nesse sentido que serão
trazidas à tona algumas polêmicas históricas que perpassam este campo de estudo. Tais
polêmicas marcam discussões fundadas em certos tipos de pensamento binário que
colocam em confronto memória coletiva e memória individual, memória como coesão e
memória como conflito ou ainda memória contra esquecimento.
Nas primeiras décadas do século XX, o sociólogo Maurice Halbwachs foi
pioneiro no estudo da memória a partir de uma dimensão coletiva. Admirador e
discípulo de Émile Durkheim, Halbwachs (2004) é o primeiro autor a entender a
memória como um objeto fundamentalmente social. Isso significa dizer que a memória
está profundamente enraizada nas relações sociais, sendo construída coletivamente.
Seguindo o legado teórico de seu mestre, Halbwachs (2004) desenvolveu
uma teoria que entende a memória a partir de determinações prévias do coletivo sobre o
individual. Fundamentalmente, parte da ideia de que as esferas da vida social devem ser
entendidas a partir de fatos sociais que se desenvolvem sobre vínculos construídos na
sociedade. A materialidade da memória está nos fatos sociais (Halbwachs, 2004).
É nesse sentido que o autor privilegiou as estruturas coletivas de lembrança,
marcando claramente a distinção entre indivíduo e sociedade. Halbwachs (2004) vai
além de demonstrar que a memória tem uma dimensão social. O autor não entende que
as recordações estejam materializadas no nível do consciente e do indivíduo, o que
demonstra a base de suas polêmicas com Freud e com Henri Bergson. Na verdade,
Halbwachs (2004) entende que a memória se constrói somente na sociedade. Portanto,
para o autor, toda memória é exclusivamente coletiva.
Para a memória coletiva, as lembranças de um indivíduo somente podem se
desenvolver e se revestir de sentido quando estão sustentadas de alguma maneira por
outros indivíduos. Em outras palavras, os indivíduos não recordam sozinhos, pois
necessitam que suas lembranças sejam confirmadas pelo grupo. Os sujeitos se
organizam em grupos sociais e recordam de acordo com as interações e convenções
estabelecidas coletivamente com vistas ao bem estar, à solidariedade e à coesão dos
grupos. Assim, Halbwachs (2004) destaca os aspectos positivos da memória e ressalta
sua função de produção e reprodução da coesão social, fundamentando e reforçando
sentimentos de pertencimento, assim como as fronteiras socioculturais.
Halbwachs (2004) buscou compreender ainda como se operacionaliza a
memória. A partir de observações das práticas sociais, o autor afirmou que a construção
da memória ocorre através de quadros sociais. Segundo ele, a memória se constitui
sobre estruturas sociais – quadros sociais – que antecedem os indivíduos. O indivíduo se
depara com distintos quadros sociais ao longo de sua vida e a memória coletiva se
assentará sobre as combinações entre tais quadros, relativos à família, à escola e a todos
os grupos aos quais pertencemos.
Ainda sobre o funcionamento da memória, Halbwachs (2004) percebe que
as combinações entre quadros sociais não são definitivas e nem realizadas no passado.
Na verdade, tais construções se dão no presente e estão sempre sujeitas a novas
combinações. Ou seja, o passado é constantemente (re)construído no presente.
No entanto, tais processos de entrelaçamentos são profundamente
complexos. É por isso que Halbwachs (2004) vai argumentar que as combinações entre
os quadros sociais não dependem da vontade dos indivíduos. Para ele, a constante
reconstrução desses quadros não depende de intenções deliberadas e nem de uma
escolha individual. São construídas a partir das questões propostas pelo presente.
Resume Halbwachs (2004, p. 75-76):
Temos repetido: a lembrança é em larga medida uma reconstrução do
passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e além disso,
preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a
imagem de outrora manifestou-se já bem alterada. (…) Mas, mesmo se é
possível evocar de modo tão direto algumas lembranças, não o é em
distinguir os casos em que procedemos assim, e aqueles onde imaginamos o
que tenha acontecido. Podemos, então chamar de lembranças muitas
representações que repousam, pelo menos em parte, em depoimentos e
racionalização.
Halbwachs (2004, p. 89), argumenta que uma lembrança coletiva estará
sempre ali, enquanto estiver conservada em algum corpo social. “A memória de uma
sociedade estende-se até onde pode, quer dizer, até onde atinge a memória dos grupos
dos quais ela é composta”.
Em suma, para Halbwachs (2004), a memória deve ser entendida como o
resultado de representações coletivas construídas no presente para manter a sociedade
coerente e unida.
As ideias trazidas por Maurice Halbwachs revolucionaram a forma de se
pensar a memória e suas funções. O sociólogo contribuiu definitivamente para que a
memória passasse a ser entendida para além de uma dimensão individualizada e
independente das relações sociais. Pensando na perspectiva do tempo histórico, que para
o autor é um tempo social, Halbwachs (2004) argumenta que a lembrança de um
período não é o somatório de lembranças de dias, de reflexões pessoais, ou familiares,
mas em termos de lembranças de acontecimentos pensados em conjunto, reconstruídos
na sociedade. Lembranças ou acontecimentos individuais são amparados nas
lembranças dos outros, que antes poderiam até mesmo ter uma significação obscura, a
memória se enriquece de bens alheios, que desde que tenham enraizado e encontrado
seu lugar, não se distingue mais das outras lembranças.
Sua compreensão sobre a memória, apesar reduzi-la apenas aos níveis do
coletivo e da coesão social, abriu passagem para uma gama de estudos que ampliaram
as discussões sobre o tema. Seu maior legado talvez tenha sido o de demonstrar que a
memória é também uma construção social.
Para Myrian Sepúlveda dos Santos (2012), as polêmicas históricas que
circundam este campo de estudo não devem ser reforçadas a ponto de funcionarem
como prisões teóricas. Ao contrário, dicotomias como indivíduo-sociedade, coesão-
conflito e memória-esquecimento devem ser utilizadas como ponto de partida para o
alargamento do pensamento científico. Em seu livro Memória Coletiva e Teoria Social
(2012), a autora propõe que o pesquisador que trabalhe com o tema da memória deve
ser capaz de enxergar para além dessas dicotomias. As distintas abordagens sociológicas
sobre a memória coletiva devem ser encaradas como complementares e não como
antagônicas (Santos, 2012).
É nesse sentido que os trabalhos de Michael Pollak devem ser encarados,
como contribuições para a ampliação da teoria da memória coletiva. O autor parte de
Halbwachs para perceber que nem toda memória é necessariamente positiva em um
sentido de construção da coesão social. Pollak (1989) concorda com Halbwachs quanto
à possibilidade da memória coletiva manter, reforçar e construir bases referencias
capazes de contribuir para a coesão interna de um grupo social. Em outras palavras, ele
também entende que a memória coletiva pode se constituir como memória nacional, isto
é, contribuindo para a defesa das fronteiras daquilo que um grupo tem em comum,
definindo o lugar desse grupo, e deixando claro suas complementariedades e suas
oposições.
No entanto, diferente de Halbwachs, Pollak (1989) não considera que tal
processo de construção de uma memória coletiva nacional tenha um aspecto apenas
conciliatório e positivo. Ao considerar o processo de negociação inerente à memória
nacional, isto é, a determinação do que deverá ser lembrado e do que deverá ser
esquecido, percebe-se um processo que necessariamente hierarquiza histórias e
desvaloriza memórias de grupos vencidos, de excluídos, de minorias, dentre outros.
Pollak (1989) destaca, portanto, que a memória deve ser compreendida
enquanto um campo de disputas, onde determinadas memórias se sobrepõe a outras por
meio não apenas da conciliação, mas também do conflito. Qualquer construção de
memória é, em alguma medida, um processo de violência contra as memórias que não
foram eleitas para compor o arcabouço geral de preservação do passado. Tal aspecto de
violência está implícito em qualquer construção coletiva da memória. É levando este
processo de conflito em consideração que o autor cunha o conceito de memórias
subterrâneas.
As memórias subterrâneas são aquelas vinculadas às ideias e às histórias
marginalizadas dentro de um determinado contexto social. Tais memórias prosseguem
em um trabalho e fluxo de subversão contra os aspectos opressivos e uniformizadores
da memória coletiva nacional. Esse trabalho se mantém no nível do “não-dito” – nível
do silêncio –, de maneira quase imperceptível, despertando para a massa social
principalmente em momentos de crise, quase sempre de forma brusca e sobressaltada.
Em seu artigo Memória, Esquecimento e Silêncio (1989), Pollak apresenta
três exemplos que deixam claro o que pretende dizer com o conceito de memória
subterrânea. O primeiro exemplo se refere ao fenômeno de “destalinização”
desenvolvido na antiga União Soviética após a divulgação do relatório de Nikita
Kruchev, no XX Congresso do Partido Comunista Soviético (PCUS). Este processo,
levado a cabo pelo Estado, tinha como objetivo a destruição de signos e símbolos que
remetiam a Stalin. Era um processo político que visava desvincular a União Soviética
dos crimes citados no relatório Kruchev, como ficou conhecido. O segundo exemplo se
refere ao silêncio dos deportados após a Segunda Grande Guerra. Tais grupos, por
estarem fora de suas redes de sociabilidade, demonstraram dificuldades de integrar suas
lembranças na memória coletiva das nações que passaram a viver. Já o último exemplo
se refere à formulação da memória nacional francesa que, após a Segunda Guerra,
procurou eliminar o estigma da vergonha do chamado colaboracionismo com os
nazistas.
Pollak (1989) determina a partir destes exemplos concretos três aspectos
fundamentais das disputas no campo memorialístico: (a) os movimentos políticos de
transformações necessitam também de mudanças no campo da memória, ou seja, as
leituras e narrativas sobre passado afetam o cenário político do presente e do futuro; (b)
a memória oficial não é capaz de controlar plenamente as construções e mudanças no
campo da memória nacional, pois sempre haverá memórias subterrâneas, por mais que
estejam excluídas do espaço público; (c) as memórias subterrâneas, traumatizantes e
dissidentes da memória oficial, são capazes de sobreviver no nível do ”não-dito”
durante muito tempo, o que se trata de uma forma de resistência da sociedade a um
excesso de discursos oficiais (Pollak, 1989).
Partindo das conclusões de Pollak, pode-se notar a dimensão política e de
seletividade da memória. Toda memória é seletiva e responde, pelo menos em parte, a
estímulos políticos do presente. Percebe-se ainda que o Estado pode assumir a tarefa de
seleção e manipulação da memória coletiva nacional. Na medida em que busca a coesão
social de determinados grupos de indivíduos, em determinado território e sob
determinada hegemonia política, econômica e ideológica, o Estado assume também a
tarefa de administrar a memória daquele todo social. É o Estado administrando
narrativas e lembranças do passado a partir de condições, necessidades e interesses do
presente. Em última análise, pode-se dizer que a gestão do passado e das memórias está
no rol de atribuições operacionalizadas pela administração pública. Portanto, o Estado
administra politicamente o que pode ser chamado de memória ou discurso oficial.
Os debates realizados até o momento trataram, sobretudo, da dimensão
coletiva da memória e de sua dialética coesão-conflito. Além disso, trouxeram à tona as
possibilidades de manipulação da memória, sobretudo da tarefa de administração
política da memória nacional assumida pelo Estado. No entanto, falta ainda discutir algo
sobre a relação memória-esquecimento.
Andreas Huyssen (2014), após revisar obras clássicas do campo da memória
e do esquecimento, como as de Theodor Adorno e de Walter Benjamin, afirmou que a
exigência moral do ato de lembrar foi articulada em diversos contextos ao longo da
história – religiosos, culturais e políticos. O mesmo não se pode dizer do ato de
esquecer. O esquecimento, segundo Huyssen (2014), hora é visto como disfunção
(doença), hora é visto apenas como a oposição à memória.
Partindo do estudo de situações concretas onde o tema da memória estava
no centro de debates nacionais, como as memórias da ditadura argentina e dos
bombardeios na Segunda Guerra Mundial, o autor aprofundou os estudos sobre como se
dão os modos de esquecimento nas esferas pública e política. Huyssen (2014) percebeu
que, em alguns casos, “o esquecimento público revelou-se constitutivo de um discurso
politicamente desejável da memória” (HUYSSEN, 2014, p. 160). Em outras palavras, o
esquecimento foi mais do que a não-memória, foi parte integrante de construções
memorialísticas.
Huyssen (2014) parte da tentativa de Paul Ricoeur em estabelecer uma
fenomenologia do esquecimento para fazer uma defesa histórica do esquecimento
público e político. Para tanto, resgata algumas definições basilares sugeridas por
Ricouer para se categorizar distintas formas de esquecimento. A primeira forma trata o
esquecimento como memória impedida. Nesse caso, entende-se o ato de esquecer como
uma experiência humana natural, uma espécie de “patologia” fundamental à vida. A
segunda forma, denominada de memória manipulada, entende o esquecimento a partir
do conceito de instrumentalização da memória. Refere-se à produção de esquecimento
inerente ao processo de manipulação da memória coletiva, que ao mesmo tempo em que
privilegia determinadas lembranças, desfavorece outras. A última forma básica seria o
esquecimento comandado, isto é, uma espécie de esquecimento declarado publicamente
e estabelecido por vias institucionais. Um exemplo são as clássicas leis e imposições de
esquecimento coletivo, como podem ser enquadradas as leis de anistia referentes às
ditaduras do Cone Sul.
Santos (2012) lembra que o “homem pode ser feliz sem a lembrança, mas a
vida é absolutamente impossível sem o esquecimento” (SANTOS, 2012, p. 31). Ao
retornar ao pensamento de Nietzsche sobre o esquecimento, a autora percebe o
consentimento geral com o fato de que o homem esquece que esquece. “É importante
aqui prestarmos atenção não para a perda da memória, considerada irremediável, mas
para o argumento de que o esquecimento é essencial e sem ele a vida não é possível.
(SANTOS, 2012, p. 31).
O que se pretende destacar aqui é que o esquecimento não deve ser
entendido como mero recalcamento ou negação. Mais do que isso, o esquecimento não
é simplesmente o outro lado da memória. Esquecimento e memória fazem parte de uma
mesma totalidade e um não existe sem o outro, isto é, são membros que se constituem
entre si. Esquecimento e memória não se anulam, se complementam. A ação de
memória depende da capacidade de esquecer. O que ocorre é que ambos se manifestam
tanto de forma natural, como no caso da memória impedida, como de forma
administrada, como no caso da memória manipulada e do esquecimento comandado.
Assim, compreendendo tanto a dialética memória-esquecimento, quanto os
processos de coesão e conflito intrínsecos às relações entre memórias subterrâneas e
memória oficial administrada pela Estado, percebe-se que a memória coletiva pode
assumir duas dimensões políticas distintas. Por um lado, a partir de suas possibilidades
de afirmação e resistência, a memória possuí um caráter libertário e de emancipação.
Por outro lado, a memória também pode ser uniformizadora e manipuladora,
assumindo, neste caso, seu viés de controle e coerção.
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i
Este trabalho denominará a ditadura militar brasileira como ditadura militar-empresarial brasileira.
Trata-se de uma escolha política que tem como objetivo ressaltar a importância das ligações associativas
entre a classe burguesa, o golpe de 1964 e as ações do Estado ditatorial brasileiro. Ver mais em “1964 - A
Conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe”, de René Dreifuss (1987), ou em “A natureza
de classe do Estado brasileiro”, de João Quartim de Moraes (2014).
Transparência nos sites dos municípios do Estado do Rio de Janeiro
RESUMO
Este artigo visa contribuir para a reflexão sobre transparência nos sites dos 92 municípios do
Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de uma pesquisa exploratória e qualitativa. O estudo tem
como objetivo analisar a transparência na divulgação das informações relativas a gestão
desses municípios, verificando se estão atendendo aos dispositivos da Lei de Acesso à
Informação. A população pesquisada abrange exclusivamente os sites oficiais dos municípios
do Rio de Janeiro. A análise nos sites foi realizada nos meses de março e abril de 2015.
Concluiu-se que as prefeituras estão criando novas opções para ampliar o nível de
transparência. Entretanto, há necessidade de um avanço maior nesse aspecto com a finalidade
de atender os interesses da coletividade, garantindo o acesso a informações atualizadas e
relevantes. A liberação em tempo real de informações pormenorizadas sobre a execução
orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público, ainda não faz parte da
realidade da administração pública.
Federação, Lei Complementar n° 101 de 2000 e 131 de 2009, a Constituição Federal e
Decretos Municipais, Estaduais e Federais regulamentando a Lei de Acesso à Informação. No
entanto, o Brasil pelo ranking de Transparency International alcançou a posição 69 no ano de
2014. A Transparency International está presente em mais de 100 países, despertando a
consciência coletiva dos povos em busca de mudança. Essa organização internacional, com
base na opinião de especialistas de todo o mundo, elabora a Corruption Perceptions Index que
mede os níveis percebidos de corrupção no setor público em vários países.
O Índice de Transparência utiliza como base a Lei Complementar 131, decreto 7.185 e
a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O Ministério Público Federal (MPF) em São João de
Meriti (RJ) criou o seu ranking, com base nas Leis utilizadas pelo Comitê e na Lei de Acesso
à Informação (Lei 12.527/11). A pesquisa realizada apontou que nenhuma das oito cidades
avaliadas estavam cumprindo integralmente a Lei 12.527/11.
A Lei de Acesso à Informação determina que a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios utilizem todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo
obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet). A
internet tornou-se um instrumento eficaz para o acompanhamento das ações dos gestores
públicos. Como afirma Vicente e Scheffer (2014) a internet é uma ferramenta indispensável
no processo de democratização da informação, essencial para o controle democrático, para a
participação popular e para efetividade da governança no setor público.
A pesquisa sobre a transparência na gestão pública se destaca devido à necessidade de
verificar se os municípios do Estado do Rio de Janeiro estão atendendo a legislação, assim
como analisar as informações divulgadas. A transparência nos sites permite que o cidadão
acompanhe a gestão pública, analise os procedimentos de seus representantes e favoreça o
crescimento da cidadania, trazendo às claras informações anteriormente veladas nos prédios
públicos. Um Estado transparente possibilita a redução dos desvios de verbas e o
cumprimento das políticas públicas, proporcionando benefícios para toda a sociedade.
Uma administração transparente permite a participação do cidadão na gestão e no
controle da administração pública e, para que essa expectativa se torne realidade, é essencial
que ele tenha capacidade de conhecer e compreender as informações divulgadas. É necessário
analisar se os municípios estão cumprindo as determinações legais a respeito de transparência.
O estudo busca verificar nos sites oficiais o nível de transparência apresentado pelos 92
(noventa e dois) municípios do Estado do Rio de Janeiro.
Assim este estudo se justifica em razão de apresentar um assunto relacionado a
transparências das informações públicas, dentre elas as informações financeiras. Os gestores
são eleitos e remunerados para administrar os recursos públicos. A prestação de contas da
gestão realizada pelos representantes da população é essencial. A cobrança da sociedade por
visibilidade está vinculada à necessidade de abrir acesso ao conteúdo informacional dos atos e
gastos efetivados pelo governo. O conhecimento daqueles atos, por si só, não atende às
expectativas do cidadão, que, também, exige qualidade informacional, em espaço temporal.
Na pesquisa realizada nos sites dos municípios gaúchos, identificou-se no site que as
informações não estavam de forma clara e não possuíam uma abordagem vinculada à
cidadania, respeitando as especificidades dos usuários portadores de deficiência, para os quais
já existem softwares à disposição. (MARENGO e DIEHL 2011). Uma sociedade participativa
2
e consciente da atuação dos seus representados, desempenha de forma mais satisfatória o
exercício da democracia quando tem o livre arbítrio de opinar e fiscalizar os gastos públicos.
Diante do exposto, pretende-se investigar o seguinte problema de pesquisa: Qual o
nível de transparência dos sites das prefeituras do Estado do Rio de Janeiro?
Para solução do problema levantado pela pesquisa, este estudo desenvolverá as seguintes
hipóteses:
§ Os sites das prefeituras do Estado do Rio de Janeiro apresentam transparência plena
dos dados de sua gestão;
§ Os sites das prefeituras do Estado do Rio de Janeiro são parcialmente transparentes;
§ Os sites das prefeituras do Estado do Rio de Janeiro apresentam baixo nível de
transparência.
Para alcançar a solução do problema apontado, esta pesquisa tem como objetivo geral
analisar a transparência na gestão dos municípios do Estado do Rio de Janeiro por meio dos
seus sites oficiais.
Como objetivos específicos, a pesquisa deverá:
§ Descrever a legislação sobre transparência e publicidade na gestão pública;
§ Analisar e fornecer um parecer baseado no cumprimento de cada quesito nos sites
oficiais dos municípios do Estado do Rio de Janeiro a transparência das informações
referentes às exigências da Lei de Transparência.
A organização deste estudo está compreendida em três seções além da Introdução que
apresenta a justificativa, o problema de pesquisa, hipóteses de solução e os objetivos geral e
específico. A primeira seção aborda o referencial teórico, com a conceituação do tema e
descrição da legislação brasileira sobre transparência na gestão pública. A segunda seção
apresenta a metodologia aplicada. A terceira refere-se à análise das características dos sites
oficiais dos 92 (noventa e dois) municípios do Estado do Rio de Janeiro e a quarta apresenta
as considerações finais.
2- Referencial Teórico
2.1. Lei de Responsabilidade Fiscal
A Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) já determinava a
obrigatoriedade da publicidade dos dados públicos e essa divulgação de dados favorece o
acompanhamento da gestão pública. A CRFB/88 auxiliou a transparência e a divulgação dos
dados públicos. O seu Art. 37 afirma que “A administração pública direta e indireta de
qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá
aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Através
da publicidade a coletividade poderá ter acesso às informações referentes aos atos executados
por seus representantes.
A Lei Complementar 101/2000 foi sancionada para normatizar as finanças públicas
voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal. Antes da Lei de Responsabilidade Fiscal o
3
país apresentava um alto grau de endividamento, constantemente identificavam titulares
finalizando seu mandato com várias irregularidades na sua gestão. Esta Lei destaca também a
necessidade de transparência na administração pública, aos quais será dada ampla divulgação,
inclusive em meio eletrônico de acesso público.
Em 2009 a Lei Complementar 131 veio alterar a Lei de Responsabilidade Fiscal e
destacar novas abordagens da transparência como a liberação ao pleno conhecimento e
acompanhamento da sociedade, em tempo real. Uma informação desatualizada e incompleta
não atende as exigências sociais, tal como as convicções que norteiam o efetivo controle
social.
Para Sacramento e Pinho (2008) a LRF integra o rol das medidas que contribuem para
o avanço formal da transparência na administração pública e a sua efetivação depende
diretamente do exercício da fiscalização de seu cumprimento pelos órgãos de controle
(Legislativo, Tribunais de Contas e Ministério Público) aliados a uma ampla participação
popular, que como se sabe, ainda carece de arenas apropriadas para tal exercício.
As informações referentes a receita e despesa pública deverão ser disponibilizadas a
qualquer pessoa física ou jurídica. A Lei apresenta o cidadão, partido político, associação e
sindicato como partes legitimas para denunciar ao respectivo Tribunal de Contas e ao órgão
competente do Ministério Público sobre o descumprimento das determinações da Lei de
Responsabilidade Fiscal. Contudo, observamos que poucos brasileiros têm consciência de
seus direitos.
4
Uma gestão transparente proporciona um amplo acesso das suas informações, a
divulgação torna-se uma regra. E as tomadas de decisões dos gestores são constantemente
acompanhadas por meio da publicidade. As entidades ao cumprir a LAI estão comprometidas
a garantir a disponibilidade, autenticidade e integridade das informações. Como afirma
Fumega (2014) a chave para a implementação efetiva das leis de acesso à informação consiste
na adaptação do modelo à realidade do cidadão usuário da informação.
As informações apresentadas podem assumir características de transparência ativa ou
transparência passiva. Transparência ativa consiste no esforço das entidades em publicar o
máximo de informações de interesse gerais nos seus sites, atendendo com isso grande parte da
comunidade assistida. Na transparência passiva as entidades disponibilizam servidores para
atender as demandas e pedidos dos indivíduos que solicitaram por detalhamento da
informação apresentada ou por novas informações. Como a Controladoria Geral da União
CGU expõe os órgãos e entidades devem optar pela transparência ativa quando se tratar de
informações de interesse geral. Nos países que possuem Lei de acesso à informação há mais
tempo, observa-se que quanto mais informações nos sites, menos pedidos chegam aos órgãos
públicos.
votando a seu favor ou contra ele ou os candidatos que apoiem na eleição seguinte (O
'DONNELL, 1998); e
§ Accountability diagonal ocorre quando as autoridades de supervisão não exercem
nenhuma relação hierárquica direta com organizações públicas e não têm poder para
impor sanções (BOVENS, 2006).
Não há um consenso nos trabalhos publicados no Brasil sobre a tradução do termo
accountability. O estudo de Medeiros, Crantschaninov e Silva (2013) sobre accountability nos
periódicos brasileiros das áreas de administração, administração pública, ciência política e
ciências sociais apontou que os três principais elementos presentes nos conceitos de
accountability foram os termos “responsabilização”, “prestação de contas” e “transparência”.
A construção de portais eletrônicos e o conteúdo que eles apresentam também depende
da vontade dos gestores que representam as entidades, que ainda não cultivam o espírito da
accountability (RAUPP, 2014). Uma sociedade motivada para exercer o controle social
associada a iniciativa de boa governança fortalece o accountability. Como afirma Zheng
(2014) a vontade política é importante no desenvolvimento de oportunidades e de
participação.
A transparência proporciona um ambiente de análise e reflexão, mas para isso é
necessário que os gestores públicos evidenciem suas tomadas de decisões e divulguem-nas
nos meios de comunicação acessíveis à população, de forma clara e compreensível não
permitindo que suas informações fiquem restritas a alguns servidores e ocupantes de cargos
comissionados. Wehner (2013) aponta que fatores políticos internos desempenham um papel
primordial na determinação do nível de transparência.
3- Metodologia
Neste estudo, com relação aos seus objetivos, trata-se de uma pesquisa exploratória,
pois busca nos sites oficiais das prefeituras a divulgação de determinados dados. Por abordar
característica de uma população é classificada como descritiva, tendo o objetivo de identificar
e obter informações sobre as características de um determinado problema ou questão. Quanto
à abordagem, a pesquisa se classifica como qualitativa, mas subjetiva. Envolve examinar e
refletir as percepções para obter um entendimento de atividades sociais e humanas (COLLIS
E HUSSEY, 2005).
A pesquisa exploratória será realizada em artigos científicos, livros, dissertações e
sites. Foi utilizado o site do governo do Estado do Rio de Janeiro, para localizar os portais dos
92 (noventa e dois) municípios. A população pesquisada abrange exclusivamente os
municípios do Rio de Janeiro. A análise nos sites foi realizada nos meses de março e abril de
2015.
A pesquisa pretende analisar a transparência na divulgação das informações relativas a
gestão dos municípios do Estado do Rio de Janeiro, verificando se estão divulgando e
atendendo os dispositivos legais, como a utilização obrigatória de site oficiais da rede mundial
de computadores (internet) para divulgar informações de interesse coletivo ou geral por eles
produzidas ou custodiadas.
6
O nível de transparência dos sites das prefeituras do Estado do Rio de Janeiro será
medido por meio de analise das finanças públicas e adaptação do modelo utilizado pelo
critério de transparência adotado pelo Ministério Público Federal em São João de Meriti (RJ)
para criar o seu ranking nos municípios da Baixada Fluminense. A pesquisa desenvolvida
buscou localizar nos sites respostas para 20 quesitos apontados pela Lei de Acesso à
informação atribuindo notas de 0 a 5. A pesquisa teve algumas limitações como sites em
manutenção. Não fez parte do escopo da pesquisa os sites das Câmaras Municipais e da
administração indireta. Assim como não foi feito um estudo sobre a regulamentação da Lei de
Acesso à Informação Pública nos respectivos municípios.
4 Análise dos dados
O Estado do Rio de Janeiro faz parte da região sudeste do Brasil com uma população
aproximada de 16.461.173 habitantes. O Rio de Janeiro representa uma das maiores
economias do Brasil. Os municípios mais populosos são: Rio de Janeiro, São Gonçalo, Duque
de Caxias, Nova Iguaçu, Belford Roxo, Niterói, São João de Meriti, Campos dos Goytacazes,
Petrópolis, Volta Redonda, Magé, Itaboraí, Macaé, Mesquita, Cabo Frio, Nova Friburgo,
Angra dos Reis e Barra Mansa.
O Rio de Janeiro é dividido em 92 municípios. Grande parte da economia do Estado se
baseia na prestação de serviços e turismo. A pesquisa foi realizada nos sites oficiais das
prefeituras de cada município (rj.gov.br). Os municípios voltados para o turismo estão em sua
maioria nas regiões da Baixada Litorânea e Costa Verde.
As prefeituras adotam links denominados: transparência, portal da transparência,
acesso à informação e serviço de informação ao cidadão. Essas opções estão inseridas nos
sites para atender as disposições da Lei Complementar n° 131, de 27 de maio de 2009, que
alterou a Lei Complementar n° 101, de 4 de maio de 2000, o Decreto n° 7.185 de 27 de maio
de 2010, bem como a Lei de Acesso à Informação Pública (Lei n° 12.527, de 18 de novembro
de 2011). Esses links apresentam-se como ferramenta de controle social que possibilita ao
cidadão acompanhar informações sobre a administração pública municipal.
Ao pesquisar nos sites oficiais das 92 prefeituras do Estado do Rio de Janeiro buscou-
se localizar a presença dos 20 quesitos abordados na Lei de Acesso a Informação. Para cada
quesito foi atribuída uma pontuação de zero a cinco:
1. Como as entidades do poder público viabilizam alternativas de encaminhamento de pedidos
de acesso por meio de seus sites oficiais na internet. Alguns municípios apresentam essa
possibilidade por meio do link da ouvidoria. O individuo que desconheça a competência da
Ouvidoria poderá ter dificuldade para fazer contato com a prefeitura.
2. A entidade utiliza a divulgação nos seus sites oficiais na rede mundial de computadores
(internet). O ente possui o link ativo do Portal da Transparência? Todos os municípios
apresentaram esse Link, exceto São Francisco do Itabapoana. O site da prefeitura de
Saquarema e Aperibé ao selecionar o link portal da transparência dá a mensagem: Esta página
da web não está disponível. Nos sites das prefeituras de Rio das Flores, Rio Claro e Nova
Friburgo há necessidade de baixar programas, para assim poder acessar os dados no Portal da
Transparência. No caso de Belford Roxo, Mendes, Seropédica e Duas Barras o link
transparência encaminha a pesquisa para o site da Controladoria Geral da União apresentando
dados sobre o município.
7
3. Foi analisado se há informação da despesa com a indicação do processo licitatório? Apenas
21% das prefeituras associam as despesas com seus respectivos processos licitatórios.
4. A respeito da indagação sobre a disponibilização no site do registro das competências e
estrutura organizacional do ente foi verificado que a grande maioria dos municípios não
atribuem as competências de suas secretarias nos seus sites como determina no Inciso I, §1º,
art.8º, Lei 12.527/11 da LAI. Apenas 29% atende plenamente esse quesito.
5. Já o item que trata sobre a disponibilização de endereços e telefones das respectivas
unidades e horários de atendimento ao público, identificou-se que apenas 12% apresentam o
horário de atendimento.
6. No Inciso I, §1º, art.8º, Lei 12.527/11 dispõe sobre a necessidade da entidade apresentar as
respostas a perguntas mais frequentes da sociedade, porém apenas Maricá, Piraí, Macaé,
Mesquita e Santo Antônio de Pádua atenderam este dispositivo legal.
7. Sobre o site conter ferramenta de pesquisa de conteúdo que permita o acesso à informação
de forma objetiva, transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão não foi
contemplado por nenhum município de forma ampla. Descumprindo o Inciso I, § 3º, Art.8º,
Lei 12.527/11.
8. A respeito do site possibilitar a gravação de relatórios em diversos formatos eletrônicos,
inclusive abertos e não proprietários, tais como planilhas e texto, de modo a facilitar a análise
das informações foi atendido no município de Duque de Caxias, Rio de Janeiro e parcialmente
pelas prefeituras de Quatis e Santa Maria Madalena. A grande maioria permite gerar a
gravação em um único formato (PDF).
A respeito de licitação, três questionamentos foram feitos. 9. Se existem informações
concernentes a procedimentos licitatórios, inclusive os respectivos editais e resultados? 10.
Constam informações de licitações abertas, em andamento e a realizar? 11. Há informação
nos casos de dispensas e inexigibilidades de licitações? O município que disponibiliza o
maior número de informação sobre esse tema é Mangaratiba, Niterói, Resende e Nilópolis.
12. A respeito de informações sobre Contratos e Convênios Celebrados exigido pelo Inciso
IV, §1º, art.8º, Lei 12.527/11. Os municípios que apresentam dados sobre isso de forma ampla
foram: São Pedro de Aldeia, Paraty, Niterói, Nova Iguaçu, Resende e Mangaratiba.
13. A divulgação do Quadro Funcional, indicando nome, cargo, local de lotação e forma de
investidura (efetivo ou comissionado) ainda não está disponibilizada por todas as prefeituras,
exceto Angra dos Reis, Campos dos Goytacazes, Cantagalo, Miguel Pereira, Itaguaí, Paty do
Alferes, Resende, Rio das Ostras, São João do Meriti, Tanguá e Três Rios.
14. Os dados que contemplam informações sobre servidores cedidos por outros órgãos foram
divulgados pelo município de São João de Meriti.
15. A apresentação de dados sobre despesas com passagens aéreas e diárias concedidas,
indicando nome e cargo do beneficiário, destino da viagem, período e motivo da viagem, bem
como o número de diárias está presente no site das prefeituras de Carapebus, Comendador
Levy Gasparian e Conceição de Macabu.
8
16. As leis municipais: Os instrumentos constitucionais de planejamento presentes no artigo
165 CF/88 estão presentes em toda administração pública; a Lei Orçamentária Anual (LOA)
deve estar compatível com o Plano Plurianual (PPA) e sua elaboração será orientada pela Lei
de Diretrizes Orçamentárias (LDO). A LOA realiza a previsão da receita e a fixação da
despesa. Por meio dessa Lei, a sociedade visualiza o quanto se espera arrecadar. Entretanto
verifica-se que muitos municípios não dão a devida transparência para sua legislação. Os
municípios que se destacam na divulgação desses dados são: Angra dos Reis, Areal, Bom
Jesus do Itabapoana, Itatiaia, Mesquita, Niterói, Queimados, Silva Jardim, Teresópolis e Volta
Redonda. No município de Miguel Pereira, por exemplo, o link sobre legislação está dentro da
página da Secretaria de Fazenda. Há necessidade da informação ser de fácil acesso.
Identificou-se que 35% das prefeituras não apresentam a legislação atualizada em seus sites.
17. As etapas da execução orçamentária no tocante a dotação inicial, empenhado, liquidado,
pago e restos a pagar estão sendo divulgadas de forma plena por 24% dos municípios,
parcialmente por 24% e 52% dos municípios não disponibilizam dados sobre a execução
orçamentária.
18. Quanto a classificação orçamentária: institucional (órgão e unidade orçamentária),
funcional programática (função, subfunção, programa, ação, subtítulo), natureza da despesa
(categoria econômica, grupo de natureza de despesa, modalidade da aplicação e elemento de
despesa). Estão sendo divulgadas totalmente por 13% dos municípios, parcialmente por 24%
e 63% dos municípios não disponibilizam dados sobre a classificação orçamentária.
19. A transparência dos atos relacionados a Convênios celebrados pela prefeitura com seus
respectivos números, concedente, responsável concedente, data da celebração, data da
publicação, vigência, objeto, justificativa e situação do convênio não são divulgados, com
exceção dos municípios de Belford Roxo, Niterói, Resende, São João de Meriti e São Pedro
da Aldeia que dão algumas informações sobre o assunto.
20. Patrimônio: quantitativo, alocação e valores. A prefeitura de Duque de Caxias e Nova
Iguaçu apresentam dados sobre patrimônio. No Portal da Transparência de algumas
prefeituras existiam link sobre patrimônio, mas ao ativa-lo verificava-se que não havia
nenhuma informação cadastrada, como por exemplo no município de Casemiro de Abreu.
Algumas prefeituras estão divulgando o cronograma de ações para implementação da
Contabilidade Aplicada ao Setor Público como: Vassouras, Trajano de Moraes e Santa Maria
Madalena. Art. 6º - Parágrafo Único da Portaria STN nº 828 de 14.12.2011 alterada pela
Portaria nº 231/2012). Essa portaria tem o objetivo de possibilitar o controle social das ações
dos governos relacionadas ao aperfeiçoamento das informações contábeis, determina a
publicação do cronograma de ações na internet, com visibilidade para a sociedade.
No período da pesquisa (março e abril de 2015) o site dos municípios: Barra Mansa,
Engenheiro Paulo de Frontin e Iguaba Grande estavam em manutenção.
O Ministério Público Federal (MPF) criou um ranking, com base na Lei de Acesso à
Informação (Lei 12.527/11), na Lei da Transparência (Lei Complementar nº 131/2009) e no
Decreto 7.185/10, para averiguar o nível de transparência dos municípios da Baixada
Fluminense. Nenhuma das oito cidades avaliadas (Mesquita, Nova Iguaçu, Duque de Caxias,
Nilópolis, Queimados, São João do Meriti, Japeri e Belford Roxo) estavam cumprindo
integralmente a legislação. Belford Roxo ocupou a ultima posição desse ranking. Diante dessa
9
situação, o procurador da República moveu oito ações civis públicas e uma ação de
improbidade administrativa, além de expedir recomendações em fevereiro de 2014.
O quadro 1 apresenta a classificação dos municípios com a maior transparência,
entretanto, cabe destacar que a pontuação dos primeiros colocados está muito baixa. A maior
nota obtida foi 70 e nenhum município alcançou a nota máxima. O desempenho dos primeiros
colocados está aquém do padrão ideal de transparência.
Quadro 1- Municípios com maior transparência
Município Pontuação Classificação
Resende 70 1°
Mangaratiba 59 2°
Niterói 56 3°
Macaé 54 4°
Itatiaia e Duque de Caxias 51 5°
Rio de Janeiro 46 6°
Bom Jesus do Itabapoana 45 7°
Rio das Ostras, Três Rios e Paraty 44 8°
Fonte: A autora, 2015
O município que alcançou a pontuação mais elevada foi Resende, embora seja a maior
nota dentre os 92 municípios, alguns quesitos não foram atendidos como por exemplo a
apresentação dos dados sobre despesas com passagens aéreas e diárias concedidas, indicando
nome e cargo do beneficiário, destino da viagem, período e motivo da viagem, bem como o
número de diárias. Não apresenta as perguntas e respostas mais frequentes da sociedade.
Mangaratiba apresentou uma diferença de 11 pontos em relação ao primeiro colocado
e apenas 3 pontos em relação ao terceiro.
Quadro 2- Municípios com menor transparência
Município Pontuação Classificação
Aperibé 6 44°
Seropédica 9 43°
Belford Roxo, Rio das Flores, São Francisco de Itabapoana e São Fidelis 10 42°
São Sebastião do Alto 11 41°
Itaperuna e Magé 12 40°
Queimados, Macuco 13 39°
Arraial do Cabo, Saquarema e Trajano de Morais 14 38°
Carmo 15 37°
Fonte: A autora, 2015
10
Paracambi 18 34°
Porciúncula 18,5 33°
Bom Jardim, Cachoeiras de Macacu, Natividade, São Gonçalo e Varre Sai 19 32°
Armação de Búzios 21 31°
Itaboraí, Japeri, Petrópolis, Rio Bonito e Vassouras 22 30°
Porto Real 23 29°
São José do Vale do Rio Preto 23,5 28°
Paraíba do Sul, São João da Barra, Araruama, Duas Barras e Laje do Muriaé 24 27°
Rio Claro, Tanguá 25 26°
Quissamã, Sumidouro 26 25°
Guapimirim, Piraí, Santo Antônio de Pádua 27 24°
Cabo Frio 28 23°
Sapucaia 28,5 22°
Quatis, Angra dos Reis, Miguel Pereira 29 21°
Itaocara, Maricá 30 20°
Barra do Pirai, Carapebus 31 19°
Campos dos Goytacazes, Comendador Levy Gasparian, Cordeiro, Santa Maria 32 18°
Madalena
Conceição de Macabu, Italva, 33 17°
Paty do Alferes, São João do Meriti, Silva Jardim 34 16°
Valença, Teresópolis, Areal, Nova Iguaçu 35 15°
Casimiro de Abreu 37,5 14°
Pinheiral, Volta Redonda 38 13°
São Pedro da Aldeia 39 12
Cantagalo, Miracema 40 11°
Itaguaí, Nilópolis 41 10°
Mesquita, 43 9°
Site Manutenção
Barra Mansa, Iguaba Grande e Engenheiro Paulo de Frontin - -
Fonte: A autora, 2015
A grande maioria dos municípios apresentou pontuação entre 16 e 43 pontos um número muito baixo. O
gráfico a seguir apresenta os resultados.
11
pontuação inferior a 50 e superior a 30 pontos. Os sites com maior nível de transparência
correspondem a 6,74% dos municípios pesquisados. Como haviam 20 quesitos valendo 5
pontos cada, a nota máxima possível seria 100 pontos.
5. Conclusão
A administração pública convive atualmente com legislação sobre os procedimentos a
serem desenvolvidos em prol do aumento no nível de transparência das informações, inclusive
nos sites das entidades pública. A legislação existente sobre o tema transparência ainda não é
uma garantia para a adoção plena dos dispositivos legais. O estudo apresentou um baixo nível
de transparência nos sites das prefeituras do Estado do Rio de Janeiro.
A análise no site possibilitou identificar que os dados sobre as despesas apresentam
uma linguagem complexa e de difícil entendimento pelo cidadão. Alguns municípios
disponibilizam a pesquisa dos empenhos emitidos com a seleção de uma data ao invés de
permitir a pesquisa em intervalos de meses, dias ou semestres. Em outros casos há
necessidade de conhecimento de codificação de orçamento para entender os dados publicados.
A liberação em tempo real de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e
financeira, em meios eletrônicos de acesso público, ainda não faz parte da realidade da
administração pública. Observa-se que 66% dos municípios do Estado não disponibilizam
dados sobre a execução orçamentária. Alguns municípios apresentaram opções de pesquisa
que necessitava de avançado conhecimento de codificação de orçamento para realizá-la. A
linguagem utilizada nos sites ainda não é de fácil compreensão por todos.
O estudo identificou dados desatualizados nos sites, como no caso de licitação com a
última atualização em 2013 (Maricá), a legislação mais atual era de 2009 no município de
Magé. A LAI determina que as entidades precisam manter atualizadas as informações
disponíveis para acesso. A ausência da publicidade dos principais mecanismos de
planejamento (Lei Orçamentária -LOA, Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO, Plano
Plurianual - PPA) dificulta o controle social. O cidadão sem acesso as leis em vigor não
consegue acompanhar a execução orçamentária. Há necessidade das entidades divulgarem as
receitas previstas, despesas fixadas e o planejamento para os anos seguintes. Bem como
apresentar as alterações orçamentárias oriundas dos créditos adicionais. No conjunto, o Estado
tem pelo menos um município divulgando informações sobre cada quesito utilizado na
pesquisa. Individualmente poucos municípios atendem a maioria dos 20 itens pesquisados. O
município de Resende está acima da média e se destaca entre as 92 prefeituras.
Os dados apurados na pesquisa vão ao encontro da pesquisa de Souza, Barros e Araujo
(2013) e Staroscky et al (2014) no qual identificou que os municípios pesquisados ainda
precisam melhorar o nível de transparência de suas informações, para que os cidadãos possam
ter um melhor contato com o que é disponibilizado em seus sites e para que a população possa
exercer o controle social mais eficaz perante os atos da gestão pública.
O estudo de Vicente (2014) demonstrou que os municípios ainda apresentam limitação
na divulgação dos dados, restringindo a participação da população na gestão pública, no
acesso eficiente aos serviços públicos, especialmente sobre o processo de planejamento.
Os primeiros passos para tornar a administração pública mais transparente estão sendo
implantados. Algumas prefeituras estão criando novas opções para ampliar o nível de
transparência. Agora, há a necessidade de um avanço maior nesse aspecto com a finalidade de
12
atender os interesses da coletividade. As entidades devem garantir a autenticidade e a
integridade das informações disponíveis para acesso nos seus sites.
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14
Análise do Conselho Municipal de Política Urbana de Niterói (COMPUR) a
partir da Teoria da Democracia Deliberativa Habermasiana
Introdução
Segundo Leonardo Avritzer (2000), nos dois últimos séculos, a teoria democrática
girou em torno do conceito de deliberação utilizado de formas distintas: autores como
Habermas e Cohen, utilizam deliberação como “ponderar, refletir”; enquanto outros autores,
como Rousseau, Schumpeter e Rawls, utilizam o termo como “decidir, resolver”. Aqueles
abordam o processo e estes o momento de decisão.
O elemento argumentativo no interior do processo deliberativo, como tendência
contemporânea, segundo o autor, surgiu na teoria democrática a partir dos anos 1970.
Para a teoria democrática deliberativa, o processo de decisão governamental necessita
de sustentação por meio da deliberação dos indivíduos racionais em fóruns amplos de debate
e negociação. No entanto, a deliberação não é resultado de uma agregação de preferências
fixas individuais. A deliberação resulta de um processo de comunicação, em espaços públicos,
que antecede e auxilia a própria formação da vontade dos cidadãos (FARIA, 2000).
Nesse sentido, segundo Habermas (1995), quando as formas de comunicação estão
suficientemente institucionalizadas, a política dialógica e a política instrumental entrelaçam-
se no campo das deliberações. Tudo gira em torno das condições de comunicação e dos
procedimentos que outorgam, à formação institucionalizada da opinião e da vontade políticas,
sua força legitimadora.
A preocupação de Habermas ao elaborar o conceito de democracia deliberativa era o
modo como os cidadãos fundamentam racionalmente as regras do jogo. Enquanto para a
democracia liberal a fundamentação de um governo democrático está no voto; a teoria do
discurso habermasiana propõe um “procedimento ideal para a deliberação e a tomada de
2
Desde sua origem, este conceito tem algumas características ligadas ao debate
democrático contemporâneo:
3
contrário, a ideia aqui presente é de que o uso público da razão estabelece uma
relação entre participação e argumentação pública (AVRITZER, 2000, p. 36).
ii) a ideia de uma forma de ação que seja intersubjetiva e voltada para o consenso
comunicativo.
A definição de uma situação estabelece uma ordem social. Através dela participantes
em um processo de comunicação atribuem os vários elementos de uma situação de
ação a cada um dos três mundos - o objetivo, o social e o subjetivo, e, desse modo,
incorporam a situação de ação atual no seu mundo da vida pré-interpretado. A
definição da situação por uma outra parte que diverge da definição de um de nós,
coloca um problema de tipo peculiar, pois, em um processo cooperativo de
interpretação ninguém possui o monopólio da interpretação correta (HABERMAS,
1984, I, p.100 apud AVRITZER, 2000, p. 38).
4
o problema da legitimidade na política não está ligado apenas, tal como supôs
Rousseau, ao problema da expressão da vontade da maioria no processo de
formação da vontade geral, mas também estaria ligada a um processo de deliberação
coletiva que contasse com a participação racional de todos os indivíduos
possivelmente interessados ou afetados por decisões políticas (Ibid., p. 39).
Avritzer (2000) explica, em relação ao último item, que para o filósofo alemão a
política deliberativa deve ser concebida como uma conjuntura que depende de uma série de
processos de negociação regulados de forma justa e pela argumentação, em suas mais
variadas formas.
Em relação à intersubjetividade, Habermas (2012, p.230-231) afirma que “o conceito
de ‘mundo da vida’ não permite subordinações análogas; ao utilizá-lo, os falantes e ouvintes
não podem se referir a ele como ‘algo intersubjetivo’. Isso ocorre porque quem age
argumentativamente segue na direção do seu mundo da vida, do seu horizonte. São as
1
Teleologia, conforme o dicionário de Português Michaelis, online, significa, na Filosofia: “Filos Teoria das causas finais;
conjunto de especulações que têm em vista o conhecimento da finalidade, encarada de modo abstrato, pela consideração dos
seres, quanto ao fim a que se destinam”. Disponível em:
<http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=teleologia>. Acesso em:
07-maio-2015.
5
O Conselho Municipal de Política Urbana de Niterói-RJ foi criado pela lei municipal
nº 2.123/2004, que alterou a lei municipal nº 1.157/1992, que instituiu o Plano Diretor de
Niterói. Atua no controle social dos instrumentos de implementação do Plano Diretor, que
gerem dispêndio de recursos públicos, que devem passar por sua apreciação. Integra o
Sistema Municipal de Planejamento Urbano (SMPU), coordenado pela Secretaria Municipal
de Urbanismo e Mobilidade Urbana (SMU), que é o órgão central do sistema, responsável por
sua coordenação.
Trata-se,
6
7
2
Entrevista do dia 25-jun-2015, com conselheiro do COMPUR.
3
“[...] Fundada em agosto de 1983 por pessoas ligadas ao PDT, a FAMNIT agora é um reduto de petistas. Em 2008, na
disputa interna do PT entre o deputado estadual Rodrigo Neves e André Diniz (ex-secretário de Cultura), sete dos 21
diretores da entidade, inclusive o presidente, o vice-presidente, assinaram documento apoiando a pré-candidatura do vereador
à sucessão do então prefeito de Niterói, Godofredo Pinto. Diretor da FAMNIT e filiado ao PT, Paulo Lourenço, o Paulo
Viradouro, é contra partido ditando a política do “Movimento de Bairros”. ‘Estou há 15 anos no movimento de bairros e acho
que, agora, os interesses dos partidos e pessoas são colocados acima das necessidades das comunidades’, afirmou (A Tribuna,
04-jul-2009). Paulo Viradouro é atual conselheiro do COMPUR.
8
ocorreram por falta de quórum4, haja vista a ausência das atas das reuniões extraordinárias no
sítio da secretaria na data em que os dados foram coletados.5
Gráfico 1: Média Aritmética da Frequência dos Conselheiros do COMPUR por Segmento – 2014
4
Consta das atas das 4 reuniões que não ocorreram por falta de quórum a presença dos conselheiros.
5
O Secretário Executivo forneceu à autora as atas das reuniões ordinárias até agosto de 2014. As demais foram coletadas no
sítio – www.urbanismo.niteroi.rj.gov.br – no dia 28-jul-2015. Notou-se a ausência da ata da reunião ordinária do mês de
outubro.
9
10
imobiliária, que tem impactado na vida das pessoas diretamente, com muitas externalidades
negativas: problemas de mobilidade urbana, problemas de poluição, elevação da população,
inflação no preço dos imóveis, problemas relativos à saturação das redes de esgoto, água e
saneamento básico em geral, etc. Tudo isso ocorre com a conivência do Legislativo e do
Executivo.7
O grupo político no governo teve mais de 50% da receita de campanha bancada por
empresas do setor imobiliário (Norberto Odebretch, OAS, Andrade Gutierrez, etc.), que
atuam nos três níveis da federação. Esse fato, associado ao exposto a seguir, bem como ao que
essas empresas têm feito no cenário fluminense e nacional, levanta a questão da necessidade
da reforma política, no sentido de por fim ao financiamento empresarial de campanha eleitoral
para evitar a influência, com amparo legal, de empresas privadas, na agenda pública.
Nesse sentido, Scheffer e Bahia (2015) apontam que “[a]s eleições de 2014 acentuam
tendências que ainda não eram nítidas nos pleitos anteriores. O primeiro destaque é o aumento
exponencial do volume de doações – se comparado às eleições de 2002, 2006 e 2010”.
Segundo um dos conselheiros entrevistados, a maior dificuldade que encontram para
representar seus interesses está no:
A atual gestão divulgou fartamente, nos jornais, com panfletos, na internet, nos
outdoors espalhados pela cidade, inclusive painéis eletrônicos, nos ônibus e nas contas de
água, a construção do Planejamento Estratégico para Niterói, cujo projeto recebeu o nome de
“Niterói Que Queremos”8.
Esse projeto tem por horizonte 20 anos e conforme divulgado na imprensa local, a
secretária de Planejamento, Modernização da Gestão e Controle afirma que é “um plano
totalmente elaborado através da iniciativa privada de Niterói” (O Fluminense, 19-set-2014).
Ela disse ainda que: “a partir do plano, Niterói terá uma gestão com metas e resultados”
(Idem).
Esse planejamento foi elaborado com o apoio técnico e metodológico da empresa
Macroplan Prospectivas, Estratégias & Gestão9, que já fez trabalhos dessa natureza em outras
cidades. Além disso, segundo palavras do próprio prefeito “[a]pós a divulgação será
necessário a captação de novos recursos para dar continuidade à estruturação dos projetos e
consequentemente a execução e obtenção dos resultados almejados” (Ibid.). Observa-se que
esse Planejamento Estratégico foi bancado por empresários.
O que se observa é que o município está sob uma gestão do tipo gerencial, com metas
e resultados, alinhado com o Movimento Brasil Competitivo, obtendo portanto um olhar
empresarial sobre a cidade. Apesar de ter se elegido pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o
que se verifica é que essa gestão está longe de ser uma gestão social, o que marcou os
primeiros governos municipais petistas, eleitos a partir da década de 1990.
7
É sabido que questões demandadas pela sociedade civil no Judiciário, no intuito de frear o boom imobiliário, tiveram
decisão contrária à sociedade, sobretudo sob a alegação de que isso iria interferir na arrecadação do município. No entanto,
como o COMPUR não tem integrantes do Judiciário, preferiu-se por manter a afirmativa com foco apenas no Poder
Executivo e no Poder Legislativo, ali representados diretamente.
8
Disponível no sítio: http://www.niteroiquequeremos.com.br
9
Esta empresa se apresenta na internet - http://www.macroplan.com.br/ - como “[u]ma das mais experientes consultorias
brasileiras em cenários prospectivos, administração estratégica e gestão orientada para resultados”. Disponível em:
http://www.macroplan.com.br/Quemsomos.aspx. Acesso em: 20-jan-2015.
11
Isso implica concessão aos interesses do mercado, na maioria das vezes em prejuízo
do interesse público e do bem estar da população, sobretudo a mais necessitada. É o que se
apresenta nos resultados que aqui estão sendo apresentados.
Quanto ao método utilizado de consulta à população, citado no sítio de promoção e
divulgação do “Niterói Que Queremos”, observam-se três etapas: entrevistas com
especialistas, congressos e pesquisa de opinião.
Conforme matéria do Bouças:
Esse processo tem sido divulgado como participativo, mas vê-se com facilidade que
não tem nada a ver com o conceito de participação social e cidadania, tratado nesse trabalho.
A etapa referente às entrevistas, envolve a ausculta de 40 especialistas, que têm seu
anonimato preservado.
Em relação ao que chamaram de consulta pública, feita na web, refere-se a um
formulário, a ser respondido pela internet, com perguntas dirigidas. No cenário de quase 500
mil habitantes, cerca de 5.550 habitantes teriam respondido.
É preciso observar ainda que o acesso à internet não é universalizado em Niterói; o
questionário, que dirige as respostas, é uma forma de evitar o diálogo direto com a população
e evitar o conflito, que naturalmente existe.
Com relação aos congressos, foram anunciados cinco congressos, um em cada região
administrativa, urbanística da cidade. Isso se resumiu a apenas um congresso, como citado
acima, no Estádio Caio Martins, que contou com um público ínfimo, pouco mais de 1 mil
pessoas.
Portanto, essa estratégia se mostra perigosa, porque pode estar embasada e carregada
de interesses obscuros. A população não participa, o que demonstra que a agenda pública é
determinada pelo mercado. O prefeito se reuniu com empresários, em Icaraí, bairro nobre da
cidade, que possui o IDH mais elevado da região metropolitana segundo o IBGE.
A repercussão que essa estratégia teve no COMPUR mostrou-se presente em cada
proposição apresentada pelo governo, como no Plano Diretor e no PUR de Pendotiba, por
exemplo. Os planos de desenvolvimento relativos a esses instrumentos urbanísticos trouxeram
essas etapas, de forma explícita, como legado do Planejamento Estratégico: consulta pública
digital, entrevista com especialistas e, no geral, audiências públicas ou seminários, para
atender ao quesito congresso.
Ademais as audiências públicas são obrigatórias no caso do Plano Diretor, no entanto,
no PUR de Pendotiba, a previsão apresentada ao COMPUR era de consulta pública e
entrevista com especialistas.
Ressalte-se a prática observada, relativa a atitude dos gestores de política urbana e
atores estatais que sempre que surgiam movimentos com potencial de conflito, como foi o
caso da AMAJA e da AME PENDOTIBA, reuniam-se com eles isoladamente, pedindo
sugestões. Uma forma de amenizar conflitos ou até mesmo de cooptar, a depender da
receptividade.
É aparente a falta de abertura do governo para a participação da sociedade, sobretudo
porque os interesses a que representam colidem com os da sociedade em geral.
12
Pendotiba é uma Região grande com sub-regiões com características distintas tanto
do ponto de vista sócio-econômico, como da ocupação. Para que a participação seja
realmente popular deveria haver pelo menos um evento em cada sub-região, além de
questionários amplamente divulgados e distribuídos previamente.
A participação da população conforme citada também no artigo 8º, § 3º da Lei
2123/2004 – Plano Diretor de Niterói, foi reduzida a umas poucas reuniões mal
divulgadas e conduzidas, nas quais compareceram alguns representantes de
associações. É questionável inclusive o quanto esse reduzido grupo efetivamente
representa a população. Não foram feitas pesquisas mais amplas, com questionários
bem elaborados e objetivos. Tanto assim, que não há no diagnóstico resultados
tabulados de quaisquer pesquisas.
Entendemos que reunir representantes de associações para que as mesmas mostrem
numa planta quais são os problemas que conhecem, é apenas uma parte de um
trabalho sistemático para montar um diagnóstico (RIZZO, 2015, p. 49-50, sic).
10
Entrevista realizada em 25-jun-2015.
11
A respeito, ver a crítica feita por Jorge Martins (2015), em seu artigo “Desvio de Finalidade no Plano Urbanístico Regional
de Pendotiba”. Disponível em: <http://www.participa.br/lab-par.ufrj/blog/desvio-de-finalidade-no-plano-urbanistico-
regional-de-pendotiba-niteroi>. Acesso em: 20-fev-2015.
12
Anotações de campo.
13
dos projetos apresentados pela prefeitura. Inclusive, são atores sociais que destacam e exigem
participação social nos debates, mesmo não sendo muitas vezes atendidos.
Destaca-se ainda que há uma certa reserva do poder público em relação aos trabalhos e
pesquisas desenvolvidos pela UFF, que tem tradição e experiência em política urbana. Essa
reserva parece existir por questões político-partidárias.
O fato é que o governo contratou sem licitação a FGV Projetos, para assessorar a
Prefeitura nos trabalhos de revisão do Plano Diretor de Niterói, um custo de cerca de R$ 1,9
milhão.13 O caso ainda não foi sanado junto ao MP.
No que tange ao COMPUR, verifica-se com clareza o que Losurdo (2004) apresenta
como característica da democracia representativa: o “entrelaçamento entre desemancipação e
emancipação”. Ou seja, o protagonismo dos atores estatais, representantes dos interesses do
mercado, não permitem que haja emancipação social, através desse espaço público. O que
resulta numa sobreposição da democracia representativa perante à participativa.
4 Considerações Finais
O que se verifica no COMPUR é que as proposições são exclusivas dos atores estatais,
que representam forte e nitidamente os interesses do mercado.
Não há paridade, visto que os interesses são distribuídos de forma a favorecer os
representados pelo Estado-mercado.
O poder de deliberação não se mostrou ativo, trata-se de um conselho consultivo, que
é utilizado pelo governo para “legitimar” ou legalizar suas ações.
Apresentam com nitidez características firmadas na literatura como: cooptação, troca
de favores, clientelismo, etc.
Os fatores de tensão e conflito existentes surgem a partir de poucos conselheiros, em
geral, integrantes do FOPUR, como os representantes técnicos do setor (IAB) e acadêmicos.
São fortalecidos pelos partidos de oposição. Além disso, através de associações e membros da
sociedade civil que participam por questões pontuais.
No entanto, o arranjo institucional, então existente, não colabora para que haja
resistência às iniciativas dos atores estatais. Visto que nas audiências públicas, por exemplo,
que o governo se ausenta, como ocorreu na audiência pública convocada pela oposição com o
apoio dos movimentos sociais.
Fora a força do Ministério Público, que é para onde convergem as demandas de
oposição ao governo, a sociedade se mostra um tanto quanto impotente quanto ao estado de
coisas que os atores estatais criam. O que traduz uma ideia de judicialização da política, haja
vista que esse mecanismo é sempre muito utilizado e os demais na maioria das vezes
mostram-se ineficazes no curto prazo.
A agenda de políticas públicas de Niterói, pelo exemplo setorial (política urbana), é
determinada pelo mercado.
A forma de conter conflito mostra o uso limitado do COMPUR, com o intuito de
manter o protagonismo dos interesses do capital. Isso viabiliza o monópolio de atores na
representação de interesses (empresários, empreiteiras, etc.).
O processo deliberativo no COMPUR não se sustenta, como na democracia
deliberativa habermasiana, pela deliberação dos indivíduos racionais via amplos fóruns de
debate e negociação.
13
Mais detalhes sobre esse caso da contratação da FGV Projetos poder ser lido na matéria do jornal O Globo, Bairros, 08-
dez-2014. Disponível em: http://oglobo.globo.com/rio/bairros/mp-investiga-contratacao-da-fgv-sem-licitacao-para-
realizacao-do-plano-diretor-de-niteroi-14755946. Acesso em: 16jul-2015.
14
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15
1
A renovação do Conselho se dá durante a Conferência Municipal da Cidade, que ocorre a cada 2 anos, sendo permitida sua
recondução, a critério do estabelecido na regulamentação de sua representação (art. 7º do Regimento Interno COMPUR).
2
Entrevista a conselheiro.
A Administração de Recursos Humanos Como Conhecimento que Constitui
uma Consciência de Classe para o Capital
Resumo
A tese discutida no texto ressalta o momento de especialização da força de trabalho como um
dos produtores de grandes obstáculos à constituição da consciência da classe trabalhadora em
si e para si, posto que, no processo educacional, o conteúdo sobre a materialidade do ser é a
universalização dos interesses de um grupo particular, mas não somente isso. Nesse momento,
ocorre, também, a produção da predominância da particularidade-individualidade sobre a
generidade, produzindo uma subjetividade individual para a classe trabalhadora que resiste à
necessária negação das contradições da relação capital-trabalho, consentido aos anseios da
valorização do valor como se houvesse uma captura dessa subjetividade pelos capitalistas,
porém o que temos é a produção dessa subjetividade sendo efetuada, em última instância, pelo
Estado Burguês, não negando, portanto, sua natureza. Para desenvolver essa tese, o texto
demonstrará que um determinado conhecimento científico 1) produz a universalização dos
interesses capitalistas particulares enquanto interesses da humanidade; 2) naturaliza a
(re)produção do ser social como um conjunto de relações de dependência entre sujeitos
mutuamente indiferentes; e, 3) ao ser majoritariamente produzido por meio de financiamentos
públicos, ratifica a natureza burguesa do Estado.
Introdução
A consciência de classe não pode ser compreendida sem a relação com a materialidade
do ser da classe. Considerando que, como Marx menciona em crítica à crítica que Proudhoun
faz a Bastiad, a "sociedade não consiste de indivíduos, mas expressa a soma de vínculos,
relações em que se encontram esses indivíduos uns com os outros" (MARX, 2011, p. 205),
acreditamos que as classes expressam as diferentes relações que os indivíduos estabelecem
uns com os outros a partir das diferentes condições concretas que se encontram no processo
de produção de valores. Relações que condicionam a constituição da consciência dessas
relações, pois "é claro que a efetiva riqueza espiritual do indivíduo depende inteiramente de
suas relações reais" (MARX, 2007, p. 41).
A existência material e a consciência dessa existência são membros de uma totalidade,
parafraseando Marx (2011, p. 53), "diferenças dentro de uma unidade" e que se efetuam em
duas instâncias reciprocamente determinadas: da particularidade-individualidade e da
generidade (LUKÁCS, 2010). Reside nessa complexidade relacional de não dualidades
excludentes a dificuldade de compreender a constituição da consciência de classe, sobretudo,
da classe trabalhadora, uma vez que essa, para ser uma consciência para si, necessita negar a
existência do ser que está sendo, rumo a produção do devir da emancipação da humanidade
(MESZÁROS, 2008).
Afirmar o desejo de um vir a ser é produzir no campo das ideias a materialidade futura
- produção que é condicionada pelas relações concretas de existência - negando o que se está
sendo; porém, outro ponto se apresenta à essa negação: a consciência do que se é, nos é
parcial. "A consciência é, naturalmente, antes de tudo a mera consciência do meio sensível
mais imediato e consciência do vínculo limitado com outras pessoas e coisas exteriores ao
indivíduo que se torna consciente [...]" (MARX e ENGELS, 2007, p. 35). De modo que, a
constituição da consciência da classe trabalhadora em si e para si necessita o rompimento do
cônscio parcial que temos sobre a concretude das relações sociais existentes. Tarefa que é
obstaculizada pela produção de um conhecimento que, usado ideologicamente, constitui a
consciência da classe trabalhadora como uma consciência para o capital, reproduzindo no
campo das ideias de cada indivíduo um devir respaldado no desejo de estabelecer ascensão
entre os estratos que compõem a classe trabalhadora (estrato decorrente das especialidades do
trabalho), mas ascensão que tem como limite concreto as relações que mantém os
trabalhadores como classe trabalhadora.
Lukács (2013) ao discutir a questão de ideologia ressalta que sua produção não tem
como pressuposto a produção de um conhecimento científico falso ou verdadeiro. A
falseabilidade do conhecimento científico está para uma discussão epistemológica, não menos
necessária do que a que faremos aqui, mas que será matéria de outras reflexões, pois envolve
a discussão tanto da forma como do conteúdo do saber científico, sobretudo nesse momento
em que há uma disputa pela legitimidade de ser ciência por duas grandes doutrinas: os
defensores da modernidade e os da pós-modernidade. O que importa, nesse texto, é atentar
para a legitimidade do conhecimento científico na sociedade em geral e na formação do
trabalhador em particular, sobretudo, na formação de terceiro grau, momento ímpar da
produção de uma força subjetiva do trabalho especializada, momento em que o processo
educacional (re)põe à subjetividade as possibilidades do vir a ser desejadas pelo capital,
momento em que se concretiza um dos momentos necessários a produção da mercadoria força
de trabalho que é, muitas vezes, desejada desde a infância em virtude dos anseios social.
Nossa tese central a ser discutida aqui ressalta esse momento de especialização da
força de trabalho como um dos produtores de grandes obstáculos à constituição da
consciência da classe trabalhadora em si e para si, posto que, no processo educacional, o
conteúdo sobre a materialidade do ser é a universalização dos interesses de um grupo
particular, mas não somente isso. Nesse momento, ocorre, também, a produção da
predominância da particularidade-individualidade sobre a generidade, produzindo uma
subjetividade individual para a classe trabalhadora que resiste à necessária negação das
contradições da relação capital-trabalho, consentido aos anseios da valorização do valor como
se houvesse uma captura dessa subjetividade pelos capitalistas, porém o que temos é a
produção dessa subjetividade sendo efetuada, em última instância, pelo Estado Burguês, não
negando, portanto, sua natureza. Para desenvolver essa tese, o texto demonstrará que um
determinado conhecimento científico 1) produz a universalização dos interesses capitalistas
particulares enquanto interesses da humanidade; 2) naturaliza a (re)produção do ser social
como um conjunto de relações de dependência entre sujeitos mutuamente indiferentes; e, 3)
ao ser majoritariamente produzido por meio de financiamentos públicos, ratifica a natureza
burguesa do Estado.
Para realizar as três demonstrações, elegemos a administração de recursos humanos
enquanto uma especialização do trabalho que demandou o desenvolvimento de uma área
especifica da ciência que pode ser denominada tanto como Administração de Recursos
Humanos, Gestão de Pessoas ou ainda Comportamento Organizacional. Muitas polêmicas há
entre as diferenças do que é produzido sob as distintas alcunhas, porém, o que nos interessa
aqui é que são profissionais da ciência que desenvolvem saber sobre as distintas formas de
controlar o fator subjetivo do trabalho no processo de trabalho, visando, sempre, em última
instância alavancar a valorização do valor. Tendo esse recorte, analisaremos como dois temas
debatidos na área são apresentados aos futuros trabalhadores durante o processo de formação,
são eles: avaliação de desempenho e gestão da diversidade e, por fim, levantaremos os
financiadores de tais estudos. Assim, esse textos está estruturado em quatro tópicos excluindo
esse. No próximo tópico, item 2, apresentaremos as análises sobre gestão da diversidade, no
tópico três, será abordada a questão da avaliação de desempenho. Na sequência, item 4,
abordaremos o tema do financiamento das pesquisas e a relação da produção e circulação do
saber financiado pelo Estado. Por fim, no item 5, apontaremos a possível relação da
Administração Política com um saber para além do capital, enquanto nossas considerações
finais.
O subtítulo traz uma pergunta, a primeira análise traz uma constatação irônica:
ensinam pouco. O tema da Gestão da Diversidade é quase inexistente nos manuais publicados
no Brasil. Irônico, pois o Brasil é apresentado mundialmente como o país da diversidade. Mas
um qualitativo de quantidade não nos diz sobre o que é ensinado. Para refletir um pouco sobre
o conteúdo, foi selecionado dois manuais de Administração produzido por editoras que
possuem amplo canal de distribuição - o que facilita a circulação das ideias por elas
publicadas - e que foram citados em uma survey que está sendo realizada junto à instituições
de ensino superior pelo Núcleo de Estudos Críticos sobre Gestão de Pessoas e Relações de
Trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais. Um dos textos tem a autoria de Idalberto
Chiavenato. A escolha por esse autor se justifica por ser ele um dos mais utilizados na
formação de bacharéis e tecnólogos em Administração no país. Outro texto é de autoria de
dois estrangeiros, George Bohlander e Scott Snell. A escolha por autores de outra
nacionalidade, em especial, norte-americanos se deve à colonização do pensamento brasileiro,
que na área das ciências administrativa é hegemonicamente efetuada pelos anglo-saxões, fato
que é possível observar nos próprios textos de Chiavenato.
O primeiro ponto que salta aos olhos do analista é a escolha desses autores para a
relação estabelecida entre o tema Gestão da Diversidade e outros temas vinculados às ciências
administrativas. Para Chiavenato, Gestão da Diversidade tem relação com a Cultura
Organizacional, por sua vez, para Bohlander e Snell aquele tema se impõe devido à Lei de
Igualdade de Oportunidade de Emprego existente nos Estados Unidos da América e está
atrelado à administração de recursos humanos pelas atividades de Recrutamento, Seleção e
Progressão. A primeira abordagem demonstra a riqueza do diverso para o capital, a outra
destaca os aspectos legais que garantem a "igualdade de oportunidade" e as punições
decorrentes de seu não cumprimento, garantia necessária, diga-se de passagem, devido as
condições de desigualdades criadas ou recriadas pelo próprio movimento de instituição do
capital enquanto modo de controle metabólico da sociedade.
A constatação de que há conteúdos explícitos distintos demanda apresentar uma
análise separada de ambos, verificando o que dizem de diferente para demonstrarmos o que
essas diferenças escondem.
Para dar legitimidade aos seus argumentos Chiavenato apresenta os seis argumentos
elaborados por Cox em defesa de uma gestão da Diversidade, a saber: custo, aquisição de
recursos, marketing, criatividade, solução de problemas, flexibilidade de sistema. Reforçando,
junto aos estudantes, que o saber desenvolvido no Brasil guarda veracidade científica porque
confirma o que os americanos já mencionaram. Não consideramos que as especificidades dos
dois países resultariam em diferentes resultados, porque o que interessa aos autores em
questão não é a diversidade em si, mas os resultados que controlá-la traz ao capital, como esse
não possui nacionalidade e não é limitado por fronteiras geopolíticas, o resultado não poderia
ser muito distinto. O recurso discursivo utilizado por todo o livro de legitimar o argumento do
autor brasileiro com as ideias de estrangeiros saxões nos revela que seguimos ofertando aos
estudantes brasileiro uma objetividade que coloca o jeito americano de ser enquanto o
parâmetro correto de estar no mundo e, se assim se faz lá, assim é que deve ser feito. Não
surpreende, portanto, quando ouvimos os estudantes falando: "mas nos Estados Unidos..."
Após elencar os benefícios trazidos pela Gestão da Diversidade em qualquer país,
Chiavenato informa que a diversidade está para o realce das diferenças individuais assim
como o multiculturalismo está para a diferença entre culturas. E exemplifica com o caso da
Matsushita Electric Company que oferece alimentação chinesa, malásia e hindu em seu
refeitório na fábrica instalada na Malásia, respeitando os hábitos alimentares e religiosos dos
diferentes povos que coabitam a região.
Sobre o multiculturalismo, o autor afirma que ele está se tornando uma premissa
básica da moderna sociedade e que, quase sempre, o termo se refere a: fatores culturais como
"etnias, raça, sexo, faixa etária, credo religioso e hábitos diferentes". Em suma, para o autor, a
presença da multiculturalidade nas organizações é a característica do próximo milênio que foi
trazida para as organizações por uma força de trabalho cuja a natureza vem mudando em
grandes proporções. E por isso a diversidade cultural se torna um elemento a ser
administrado.
A diferença cultural se torna um elemento a ser administrado por que é trazida para as
organizações ou a expansão do capital e sua necessidade de aumentar as taxas de lucro
fizeram com que as relações de assalariamento e propriedade privada se alastrassem pelas
diferentes partes do globo incorporando em seu modo de controlar o processo de trabalho
diferentes aspectos culturais quando necessários (e aniquilando-os quando possível)?
É interessante como o multiculturalismo é tratado como um anseio dos "povos" em se
consolidar como força de trabalho assalariada sob o julgo do capital. Ou ainda, mesmo que na
aparência do fenômeno esse pode ser um anseio dos "povos", como relato o filme The
Corporation, é interessante como a situação concreta que faz com que o ser humano deseje
vender sua capacidade de trabalho é totalmente desconsiderado pelo autor. A situação de
pobreza em que vive grande parte da população dos países para onde o capital se expande não
é tratada sobre a perspectiva de que esses países estão em condições desiguais de produção de
riquezas, pois, e para elencar apenas um dos determinantes que os colocaram nessas
condições, suas fontes naturais e humanas foram consumidas em um processo perverso de
colonização justamente em nome do Desenvolvimento (vide o caso da própria Malásia,
colônia britânica).
Desconsiderar as condições concretas que produziram as desigualdades não é
privilégio da abordagem da multiculturalidade apresentada pelo autor, mas também para o da
diversidade. Assim, para Chiavenato, branco/negro; homem/mulher, etc. é a manifestação de
diferentes características pessoais. Nada nos diz Chiavenato sobre a questão de supremacia de
determinada característica sobre as outras. Nada diz aos estudantes sobre a opressão que um
grupo de pessoas vivencia cotidianamente em virtude de possuir determinadas características.
A diferença configura-se apenas como diferença, como não idêntico, jamais como
desigualdade.
O livro desse autor ensina aos futuros gestores que Gestão da Diversidade é conseguir
o máximo de comprometimento da força de trabalho ainda que os proprietários dessa
mercadoria não seja imediatamente idênticos. E sobre esse ponto cabe-nos duas ponderações:
1) a distinção entre pessoa e força de trabalho e 2) a diferença entre trabalho concreto e
trabalho abstrato. Vale lembrar que a substância do valor é o trabalho abstrato, por este ser a
expressão de equivalência entre os múltiplos trabalhos concretos, transmutando o último, sem
o suprimir, em um uso indiferenciado das capacidades humanas. Ao capital interessa o valor
de uso da força de trabalho e essa mercadoria deve possuir determinadas
características/qualidades que correspondam às necessidades do processo de valorização num
determinando período do desenvolvimento das forças produtivas. Logo, sob o ponto de vista
da valorização do valor o que importa são as características da força de trabalho não da pessoa
que a vende. Em resumo, não faz diferença alguma ao capital se a força de trabalho está sendo
vendida por homens, por mulheres, negros, brancos, homossexuais, heterossexuais, desde que
essas pessoas estejam colocando a venda um produto que tenha valor de uso para o
comprador, uma mercadoria que opere dentro das qualidades exigidas pelo trabalho abstrato
em seu correspondente momento do desenvolvimento das forças produtivas. 2) Porém, tais
diferenças, consideradas sobre o prisma da desigualdade, perspectiva não trabalhada por
Chiavenato, faz diferença ao processo de valorização do valor, pois, o trabalhador enquanto
proprietário de capacidades que correspondem ao trabalho abstrato demandado no processo de
valorização, mas também constituído por qualidades que o coloca em condição de subjulgo
social está propenso a aceitar condições de trabalho e até salários menores do que aquele
trabalhador que enquadra-se na dita "normalidade" (considerações sobre normalidade serão
realizadas a posteriori). Aceitação que pode ser ainda subjetivada pelo indivíduo enquanto
"oportunidade" que, "dada" uma vez, deve ter seu merecimento eternamente comprovado, por
meio da - e fazendo uso das palavras de Chiavenato - "fidelidade", da "lealdade", de maior
disposição a "se empenharem pela organização" etc. Portanto, a diversidade, mas agora não
mais entendida como "não identidade" mas sim como desigualdade resultante de condições
materiais históricas distintas, alavanca também o processo de rebaixamento do valor da força
de trabalho, seja por meio de uma competição estabelecidas sobre condições culturais
desiguais cujas raízes se encontram nas condições históricas de reprodução da vida já
desiguais - um exemplo que evidencia essa constatação é apontado por estudos que
demonstram que as mulheres, embora com maior formação educacional recebe menos do que
o homem e, que se essa mulher for negra, seu salário é inferior a da mulher branca -, seja por
aumentar a intensidade e a produtividade do trabalho.
Aumentar a intensidade e a produtividade do trabalho, ou em termos administrativos,
colaborar para efetivar o desenvolvimento organizacional - vulgo desempenho da organização
- é o objetivo da Gestão da Diversidade, quiçá seja por isso que Chiavenato menciona que ela
permite a "Criação de imagem de postura ética". Imagem porque não é objetivo da Gestão da
Diversidade problematizar a opressão existente na sociedade, mas fazer com que as diferentes
características que, na aparência do fenômeno, são justificações para tal opressão, sejam
toleradas em nome do uso da força de trabalho no processo de valorização.
Tolerância que é sustentada pela lógica da meritocracia. Quando ao oprimido é
oportunizada a condição concreta de concorrer com o opressor, o primeiro tem que atender de
forma mais "competente" as exigências do capital, pois somente assim, comprova ser
merecedor do seu "novo lugar" e obstaculiza o desenvolvimento de argumentos que
sustentariam a discriminação reversa, o grande risco da Gestão da Diversidade quando essa é
relacionada a Proteção.
3. Avaliação de Desempenho
A avaliação de desempenho é sagrada. Pelo menos é isso que deseja ensinar aos
futuros gestores Marras, Lima e Tosse (2012)i. Para falar sobre essa atividade de controle do
valor de uso da força de trabalho, os autores recorrem à citações bíblicas, tornando o ato algo
constitutivo da natureza humana por desejo do divino, do absoluto. Vê-se de pronto a
incompreensão do desenvolvimento histórico das categorias. Ou será que os autores entendem
que os capitalistas são deuses que sabem o que é melhor para cada um dos membros de seu
rebanho conforme o grau de obediência?
Não iremos discutir a pertinência do uso bíblico, até porque a própria veracidade das
interpretação dos textos considerados sagrados é alvo de disputas pelas inúmeras religiões.
Importa frisar apenas o processo de naturalização do ato de avaliar o quanto o trabalhador
entrega da mercadoria vendida, o quanto a potência torna-se ato. Ao que se não atingir as
metas impostas pelos "objetivos organizacionais" pode ser avaliado como um atentado contra
o "irmão" capitalista. Nessa perspectiva, em algo os autores estão sendo precisos, não ter um
alto desempenho no trabalho é atentar contra o processo de valorização, prática, portanto, que
o capitalista deseja eliminar.
Em um salto que tem como base impulsionadora os escritos dos primeiros anos da era
cristã (Evangelho de Mateus), respaldado pelo exemplo de Inácio de Loyola, chega-se a idade
moderna industrial do século XIX, quando então, o governo dos Estados Unidos da América,
em 1842, racionalizou a vontade divina implantando um sistema de relatórios anuais de
avaliação. Quase dois séculos depois temos, assim, várias "conceituações" sobre Avaliação de
Desempenho ou Gestão do Desempenho, das quais os autores escolheram duas, e que
tomaremos aqui como base de discussão, a saber:
Nos parece que, embora expresso de diferentes formas, existe um conceito do que é
avaliação de desempenho: um processo que qualifica, quantitativa e/ou qualitativamente, a
intensidade do uso das forças físicas e mentais do trabalhador, sua capacidade de trabalho.
Vale lembrar que o comprador da força de trabalho pagou pelo trabalho social objetivado em
troca de trabalho vivo a objetivar (MARX, 2001). Logo, para o comprador, a intensidade com
que a potencialidade do trabalho é objetivada é um elemento determinante no processo de
valorização, ainda que essa intensidade seja tratada nos livros de Recursos Humanos apenas
como a possibilidade do trabalhador realizar "o melhor de suas habilidades" (BOHLANDER
e SNELL, 2014, p. 298).
Realizar o melhor de suas habilidades não significa, para o trabalhador, alterações
salariais, como lembra Marras, Lima e Tose (2012). Ironicamente poderíamos sustentar que as
"organizações" não associam a avaliação do desempenho ao sistema de remuneração porque
não se recompensa por "não pecar". Entretanto, não é a linha argumentativa que usaremos.
Não há necessidade direta de relacionar a avaliação de desempenho com a remuneração
porque a primeira está para o valor de uso e a segunda para o valor de troca da força de
trabalho. A falácia do atrelamento reside na necessidade de "motivar para o trabalho" (afinal,
há trabalhadores do tipo X e do tipo Y, há trabalhadores que resistem, por meio de diferentes
mecanismos, a exploração), de fazer o trabalhador exaurir suas forças físicas e mentais em um
processo de trabalho no qual está alienado, ou seja, o tema da motivação apresentado pelos
autores dos livros de Recursos Humanos aos futuros gestores necessita ser discutido à luz da
categoria alienação e não da categoria valor de troca. Portanto, não é equívoco administrativo
a inexistência da relação entre avaliação de desempenho e remuneração. Seria ingenuidade
administrativa (dos teóricos da administração) objetivar esse atrelamento. Por outro lado, seria
equívoco não relacionar o desempenho com a progressão na carreira, pois essa está
diretamente relacionada ao nível de competição entre os trabalhadores, competição que tem
como parâmetro justamente a intensidade do uso da força de trabalho ou, como os teóricos
dos Recursos Humanos mencionam, da entrega que o trabalhador faz à empresa de sua
competência. Entrega que só pode ser feita de modo individual, afinal, cada trabalhador é
único e agrega "valor econômico à organização" a medida em que mobiliza, integra, transferi
conhecimentos, recursos, habilidades... É por isso que, embora as "competências" individuais
sejam determinadas pelas denominadas competências organizacionais, setoriais, grupais; o
ente que deve ser avaliado é o indivíduo trabalhador. (MARRAS, LIMA e TOSE, 2012). Em
face de uma possível dificuldade cognitiva do estudante e futuro gestor, os autores optam
apresentar o desenho desenvolvido por Marras (2011), no qual ele demonstra o lugar do
trabalhador num processo de avaliação, no caso, submetido à técnica conhecida como
"avaliação por múltiplas fontes", a saber:
Figura 1: O Indivíduo com Centro da Avaliação de Desempenho
Diante desse complexo sistema de avaliação, desenhado por Marras (2011), onde
todas as setas apontam para você, inclusive a sua (auto-avaliação), como seria possível que as
relações concretas existentes no ambiente de trabalho não constituíssem uma subjetividade
propensa a declarar: "culpa, mea culpa, mea maxima culpa"?
A avaliação de desempenho é um processo que verifica o quanto a mercadoria força de
trabalho está sendo utilizada, trata-se de verificar para aprimorar o consumo do valor de uso.
Embora a literatura administrativa exalte o trabalho em equipe, a aprendizagem coletiva, etc.
a avaliação é, em última instância, individual. Reconhece-se que os trabalhos são
interdependentes, porém foca-se no fato de que o trabalho de cada um é indiferente às
relações estabelecidas no trabalho com outros sujeitos. Na prática, não há sujeitos no processo
de avaliação, tão somente força de trabalho sendo avaliada. No entanto, o que o jovem
administrador aprende é que a avaliação de desempenho promove o crescimento pessoal e
profissional (LIMONGI-FRANÇA, 2012) - pessoal? - desde que se alcance os "objetivos
organizacionais". Ainda que acreditando nessa assertiva, não deveria parecer suspeito o
desenvolvimento pessoal ser determinado por objetivos externo à pessoa? Para evitar a
desconfiança daquela desejada verdade, ensina-se que os objetivos são da coletividade,
alcançá-los é responsabilidade daquele que tem capacidades singulares para abraçar tamanha
tarefa. Afinal, como frisa Chiavenato (2010, p. 165) a organização é um agente de
"transformação genuinamente social". Assim, o conhecimento produzido por cientistas
administrativos e ensinados pelos docentes constituem o conteúdo de uma subjetividade
característica ao gestor de recursos humanos que percebe a si, aos outros e as relações sociais
estabelecidas no e pelo capital como a normalidade de ser do ser social. Uma normalidade que
não é experimentada como sendo comum, mas extraordinária, por ser resultado única e
exclusivamente do mérito de ter atendido aos interesses de uma classe particular que se
apresenta como universal, ainda que valendo-se da figura do divino. E quando tal
subjetividade é assim produzida, parece-nos evidente - portanto, dispensa estudos científicos -
o resultado de pesquisas que constataram "que as empresas com programas de diversidade
cultural tiveram melhor performance do que aquelas que não os possuíam, comprovando que
ao valorizar a Gestão da Diversidade as organizações conseguem utilizar melhor os recursos
internos de que dispõem, incentivando a inovação e melhorando a produtividade"
(OLIVEIRA e RODRIGUES, 2004, p. 3840); afinal, aumentar a exploração do trabalho (com
ou sem diversidade) é o que o trabalhador-gestor de recursos humanos acredita ser o seu
maior mérito.
Percebemos assim que as pesquisas desenvolvidas nas áreas de Recursos Humanos e
Comportamento Organizacional são as mediações necessárias ao capital para sustentar as
relações recíprocas entre a produção de uma determinada subjetividade e o uso da força
subjetiva do trabalho no processo de valorização, sobretudo porque, tal subjetividade, ao ser
requerida no processo de trabalho, irá ao/de encontro das contradições concretas e que lhes
foram sonegadas enquanto se especializavam. Ou, para usar termos comuns àqueles
pesquisadores, o ciclo (vicioso) entre capacitação técnica universitária e uso da força de
trabalho se retroalimentam para satisfazer os objetivos do capital. Satisfação garantida ainda
pela disponibilidade do fundo público.
A gestão do fundo público, como mencionado na introdução, reafirma a natureza do
estado capitalista. De modo algum queremos reduzir o entendimento do Estado a mero
instrumento de reprodução político-ideológica da classe burguesa. Essa acepção, pertencente
a uma clássica abordagem marxista, não compartilhamos. Entendemos que o processo de
valorização do valor necessitou, para instituir-se concretamente, gestar inúmeras mediações
das quais não pode prescindir, incluindo o Estado. As mediações assumem características
próprias as necessidades históricas do capital, inclusive, constituindo-se enquanto esfera
externa ao processo de (re)produção do valor e com lógica própria, mas não sem
condicionamentos - reciprocidades dialéticas - para sua operacionalização segundo
necessidades do capital. No debate aqui efetuado, cabe frisar os mecanismos internos de
financiamento daquele "ciclo vicioso": produção da subjetividade do trabalhador-gestor
adequado às necessidades do capital a fim de aperfeiçoar o uso da força de trabalho.
Bibliografia
ALVES, M. A.; GALEÃO-SILVA, L. G. (2004) A Crítica da Gestão da Diversidade nas
Organizações. Revista de Administração de Empresas, Vol. 44, Nº 3
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FERRAZ, D. L. S. . Projetos de Geração de Trabalho e Renda e a Consciência de Classe dos
Desempregados. Revista Eletrônica Organizações e Sociedade, v. 22, p. 123-142, 2015.
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LIMONGI-FRANÇA, A. C. (2012). Práticas de Recursos Humanos. São Paulo: Atlas.
LUKÁCS, G. (2010). Prolegômenos Para uma Ontologia do Ser Social. São Paulo:
Boitempo.
LUKÁCS, G. (2013). Para uma Ontologia do Ser Social II. São Paulo: Boitempo.
MARX, K. Grundrisse: Manuscritos econômicos 1857-1858: esboço da crítica da economia
política. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Edu UFRJ, 2011.
MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
MÉSZÁROS, I. (2008). Filosofia, Ideologia e Ciências Sociais. São Paulo: Boitempo.
OLIVEIRA, U. R.; RODRIGUEZ, M. V. R. (2004) Gestão da diversidade: além de
responsabilidade social, uma estratégia competitiva. XXIV Encontro Nac. de Eng. de
Produção - Florianópolis, SC.
SNELL, S.; BOHLANDER, G. A Administração de Recursos Humanos. São Paulo:
Cengage Learning, 2014.
TRAGTENBERG, M. Administração, Poder e Ideologia. São Paulo: Unesp, 2005
i
Escolhemos o livro desses autores por ser ele um trabalho que reúne as três principais referências brasileiras
sobre o tema. Uma das autoras, inclusive, recentemente foi condecorada pela academia como uma das autoras
mais citadas na área de Administração. Com isso, consideramos o livro um exemplar do que é a referência da
Gestão de Pessoas no Brasil. Ademais, diferente de Chiavenato, esses três autores possuem trânsito também na
esfera da pós-graduação.
ii
Vale destacar que encontramos esses resultado quantitativo num levantamento de dados realizados nos
Congressos mais importantes da área no período de 2004 a 2014, a saber, Encontro Nacional dos Programas de
Pós-Graduação em Administração, Encontro Nacional de Estudos Organizacionais e Encontro Nacional de
Gestão de Pessoas e Relações de Trabalho, todos chancelados pela Anpad.
Administração Política Brasileira: uma proposta transdisciplinar junto à
História e a Literatura.
Fabiane Louise Bitencourt Pinto1
2
Elizabeth Matos Ribeiro
RESUMO
Primando por inovar e ampliar o pensamento administrativo brasileiro, integrando a
perspectiva administrativa à formação social e econômica do Brasil, optamos por tomar como
base referencial teórica e metodológica central, a Administração Política, pois acreditamos
que este exercício nos possibilitaria integrar conjugações interpretativas interessantes e ricas,
a exemplo do que já vem sendo feito por diversos estudos que optaram por uma abordagem
inter ou transdisciplinar para reinterpretar os padrões que fundamentaram as relações sociais e
produtivas brasileiras, através da articulação da perspectiva Histórica, Literária e
Administrativa. Lançamo-nos, portanto num exercício interpretativo das obras selecionadas
de Jorge Amado, com o intuito de identificar diferentes maneiras de se compreender o
pensamento administrativo integrado, de forma articulada às obras de grandes literatos
brasileiros como fonte incontestável e inesgotável de conhecimento sociológico, econômico,
social, cultural, político e administrativo. A coerência interna dos textos literários fica
evidenciada a partir dos entrecruzamentos com os relatos historiográficos, de análise
econômica, de cunho sociológico, e demais que se façam necessários à construção de um
quadro de referencia que possa ampliar o pensamento administrativo sobre a região sul
baiana, o que compreende exatamente o nosso exercício neste ensaio.
1. Introdução
Nossas interpretações ora apresentadas são produtos das reflexões advindas da participação no
Grupo de Pesquisa em Administração Política do Núcleo de Pós-Graduação em
Administração da Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia. Primando por
inovar e ampliar o pensamento administrativo brasileiro, integrando a perspectiva
administrativa à formação social e econômica do Brasil, optamos por tomar como base
referencial teórica e metodológica central, a Administração Política, pois acreditamos que
este exercício nos possibilitaria integrar conjugações interpretativas interessantes e ricas, a
exemplo do que já vem sendo feito por diversos estudos que optaram por uma abordagem
inter ou transdisciplinar para reinterpretar os padrões que fundamentaram as relações sociais e
produtivas brasileiras, através da articulação da perspectiva Histórica, Literária e
Administrativa.
Buscando seguir essa trajetória crítica e já desbravada por outros autores, a exemplo de Paulo
Emilio Martinsi, que têm demonstrado a necessidade de maior aproximação das ciências
administrativas na reinterpretação das dinâmicas sócio-históricas, é que o artigo se
fundamenta. Bem como, seguimos com a mesma suposição que Vizeu (2010): que a
Administração e as organizações no Brasil somente serão satisfatoriamente compreendidas no
1
Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
2
Doutora em Ciências Políticas e da Administração pela Universidade de Santiago de Compostela. Professora
Adjunta na Escola de Administração da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
1
momento em que se buscar um entendimento destas a partir de suas referências histórico-
culturais específicas.
Lançamo-nos, portanto num exercício interpretativo das obras selecionadas de Jorge Amado,
com o intuito de identificar diferentes maneiras de se compreender o pensamento
administrativo integrado, de forma articulada às obras de grandes literatos brasileiros como
fonte incontestável e inesgotável de conhecimento sociológico, econômico, social, cultural,
político e administrativo. Afinal, de acordo com Ricoeur apud Japiassu (2006), p. 231, “o que
é epistemologicamente discordante, pode ser existencialmente convergente”.
5
5. Administração Política, vetor da compreensão crítica ampliada dos fenômenos
Consideramos que a Administração Política apresenta pressupostos teóricos e metodológicos
que contribuirão para uma compreensão crítica e contextualizada acerca dos fenômenos
socioeconômicos, institucionais e organizacionais. Com essa nova perspectiva interpretativa e
significativa, é possível ampliar, pois, as perspectivas analíticas da Administração, deixando
de se concentrar apenas em elementos instrumentais, técnicos e racionais, característicos do
que se denomina de Administração Científica (ou Administração Geral). A relevância da
perspectiva da Administração Política está, portanto, na possibilidade de interação do Estado
com a sociedade, do ente político com o econômico e social, dentre outros, para uma
reinterpretação das bases que fundamentaram o Projeto de nação, projeto de sociedade, baiana
e regional.
Os pressupostos metodológicos que orientaram o desenvolvimento do estudo assumem como
base fundamental a pesquisa qualitativa, feita a partir da leitura histórica e crítica, contida nas
obras selecionadas de Jorge Amado. O método de análise proposto buscou, pois, identificar e
compreender os aspectos essenciais que conformaram os padrões de Administração Política
da sociedade sul baiana, o que significou reconhecer, nas obras selecionadas, os fundamentos
que orientavam as típicas relações de um modelo de capitalismo retardatário e dependente.
Como aponta Gomes (2012, p. 13-14),
[...] o método de análise [proposto] já demonstra, claramente, uma forma
diferente de olhar o processo de desenvolvimento econômico brasileiro [e
baiano em particular], em que os limites entre a economia política crítica e a
administração política ainda não estão definidos. Ressalta o autor que,
embora esse seja um problema aceitável é importante [...] procurar
compreender como a produção capitalista no Brasil [e no sul da Bahia] se
organiza e passa por modificações, reformas ou mudanças [de modo que seja
possível compreender] o processo histórico de construção e reconstrução das
relações entre o Estado e a economia capitalista periférica e a gestão dessas
relações no contexto dos conflitos de classe (inter e intraclasse) [que
denominamos Administração Política].
Considerando essa perspectiva teórico-metodológica crítica da Administração Política,
consideramos que os romances de Jorge Amado assumem lugares fundadores dessa
reinterpretação, na medida em que assumem um papel privilegiado de memória viva da
dinâmica socioeconômica, cultural e política contemporânea. Conforme nos ensina Nora
(1988), os lugares das memórias que Amado nos legou são os locais privilegiados onde estão
os registros das concepções de um projeto de nação, do papel da família, do papel dos
trabalhadores e homens comuns, do papel das instituições, entre outras.
Reforçamos a escolha do autor como objeto de análise do presente estudo, sobretudo, pela
importância das contribuições das obras amadianas para uma (re)intepretação do pensamento
administrativo brasileiro, com especial ênfase para o campo da Administração Política,
considerando, pois, um campo próprio para recontar a dinâmica histórica da formação social,
política, econômica e cultural brasileira sob o olhar crítico e contextualizado da
administração; isto é, buscando ressignificar os mecanismos administrativos que fundaram as
bases de um modus operandi (o como fazer?) que permitiram e ainda permitem a preservação
de modelos tradicionais e excludentes de desenvolvimento econômico e social. Para dar
conta de uma interpretação tão ampla e complexa, considera-se que as obras selecionadas de
Jorge Amado resguardam, pelas formas e objetos, a universalidade do processo de
socialização que marcou a região sul da Bahia.
6
As obras do autor baiano Jorge Amado ocupam lugar de destaque na produção de novos
temas, formas de expressão e apreensão do mundo, sentimentos e lugares, que traduzem a
“paisagem humana e social do Nordeste, particularmente da Bahia, seu Recôncavo, sul e
sertão”, conforme destaca Araújo (2003, p. 09). Em âmbito internacional, a literatura
amadiana notabilizou-se pela projeção da cultura brasileira e baiana, induzindo o leitor à
percepção de valores, condutas e relações dos universos relatados em sua vasta obra,
traduzida em mais de cinquenta países; parte delas foi inclusive adaptada para o rádio, o
cinema, a televisão e o teatro. As matrizes temáticas na literatura de Amado se dividem em
dois ciclos: campo e cidade, tendo início, em 1931, com o lançamento do primeiro livro, O
país do carnaval.
8
que aqui denominamos padrão administrativo que fundamentava, pois, os processos e as
relações de trabalho que garantiam a dinâmica do modelo socioeconômico predominante: a
produção latifundiária e extrativista do cacau.
6.3 Terras do Sem Fim (1943)
As obras Terras do Sem Fim (1943) e São Jorge dos Ilhéus (1944) narram o desbravamento
das matas sul baianas para o plantio do cacau. Ao ler o segundo romance, percebe-se
claramente a intenção de Amado de dar continuidade e ampliar as abordagens trazidas em
Terras do Sem Fim. Esta afirmação se fundamenta, pois, na preservação e, ou evocação de
alguns personagens e memórias na segunda obra.
A figura dos coronéis em Terras do Sem Fim são de homens poderosos, proprietários de
extensas roças de cacau, justamente quando a lavoura cacaueira já era reconhecida como
importante riqueza econômica regional e nacional. Tal lavoura atraía muitos interessados, a
exemplo dos trabalhadores vindos de regiões secas do Nordeste, de pequenos comerciantes,
aventureiros, gente de toda ordem tentando enriquecer frente às oportunidades daquela
próspera região.
A narrativa não se atém ao momento em que as primeiras mudas de cacau chegaram à região,
ao contrário, já aponta um período em que os grandes coronéis ali estabelecidos lutavam por
maiores faixas de terra e ampliação da riqueza e poderes. Evidencia, nessas duas obras, de
forma mais ampla e contundente, a exploração do homem pelo próprio homem, fazendo
emergir as vozes e as reflexões daqueles que se encontravam submetidos às práticas
dominantes do coronelato que se formou nas terras do sul da Bahia.
Os coronéis, na perspectiva amadiana, seguiam insaciáveis, conquistando terras e dominando
gente. Podemos balizar, conforme nos ensina Guerreiro de Freitas e Paraíso (2001), entre
1890 e 1920, o período de implantação da monocultura de cacau no sul da Bahia. “Aqueles
tempos foram atravessados por fenômenos de todos os tipos – demográficos, sociais, políticos
e culturais” (p. 99).
Esse retrato parcial da sociedade grapiúna apresenta um forte teor de crítica social e política
com problemáticas ligadas ao patriarcalismo latifundiário, à exploração do trabalhador, ao
imobilismo social que se estabelecera naquelas Terras do Sem Fim (Sousa, 2001).
As metanarrativas fazem emergir os sujeitos que habitavam aquele espaço – coronéis,
jagunços, capatazes, comerciantes, prostitutas, trabalhadores alugados -, além de revelar os
arranjos sociopolíticos, base para a consolidação de um padrão de Administração Política
tradicional e conservador, pautado em bases que garantissem que as classes menos
favorecidas estariam sempre a serviço dos “donos da terra”. Ao evidenciar as relações sociais
de produção do sul baiano, Amado utilizava diversas expressões pejorativas que
manifestavam o uso e abuso do poder dos coronéis como o caxixev, as manobras jurídicas, a
tocaiavi, enfim, todos os tipos de subterfúgios que permitiam a posse das terras alheias.
6.4 São Jorge dos Ilhéus (1944)
Como já ressaltado, a rigor, São Jorge dos Ilhéus é uma continuação do livro Terras do Sem
Fim, com a trama e grande parte dos personagens remanescentes do livro escrito em 1943.
Superado o momento da luta pela posse das terras, com o conflito direto entre os coronéis,
São Jorge dos Ilhéus retrata a luta posterior pela posse definitiva das terras do cacau. Quiçá
uma posse coletiva daquelas terras. Encontramos em Araújo (2003) que ambos os livros
formam um só núcleo ao afirmar que “[...] se desdobram dois períodos distintos: a conquista
da terra pelos coronéis feudais no princípio do século e a passagem da terra para as mãos
ávidas dos exportadores nos dias de ontem” (p. 63).
9
A exemplo de Cacau, a história se passa na década de 1920 e 30, pois, apesar de Jorge Amado
não explicitar o período, remete-nos a acontecimentos da política nacional, tais como: a
Coluna Prestes, o governo de Washington Luis e o Integralismo.
A trama dá passagem a personagens que revelam as novas relações sociais de produção, isto
é, o novo padrão de Administração Política que se desenvolveu nas terras do cacau. Entram
em cena em São Jorge dos Ilhéus, os vorazes exportadores de cacau, representantes do capital
internacional, que ambicionam tornarem-se proprietários das fazendas de cacau, controlando
o fluxo de produção e ditando seu preço no mercado internacional. A política local fica a
cargo dos filhos dos agora velhos coronéis de Terras do Sem Fim.
Ilhéus, a “Rainha do Sul”, com força comercial e riqueza crescente, possui o quinto maior
porto exportador do país, responsável, segundo Jorge Amado, por 98% de todo o cacau
produzido no Brasil. Em raras cidades no país, à época, havia um crescimento tão rápido, ruas
abertas, construções de todo tipo, com praças, jardins, iluminação pública, água e esgoto
canalizados. Nesse período, sua populaçãovii era estimada em 150 mil habitantes. A essa
altura, a cidade já dispõe de aeroporto, cinema, transporte público, cafeterias, teatro, sistema
de telefonia, além de um estádio de futebol. Porém, a despeito de toda a modernidade na
“Rainha do sul”, reinava o patriarcalismo nas relações sociais de produção, revelando, pois,
que, apesar dos avanços, foram preservados praticamente os mesmos interesses locais,
alterado apenas pela presença da hegemonia dos interesses do capital internacional.
Amado nos alerta que Karbanks, Zude e os outros exportadores estavam em toda parte,
ligados a uma infinidade de negócios, inclusive por trás da direção do Banco de Auxílio à
Lavoura. Nesse momento, Jorge Amado chama atenção que se aproximava o momento da luta
entre os coronéis desbravadores, plantadores de cacau, e os exportadores.
Nesta obra, em síntese, é ressaltada a transferência da apropriação das terras, como
consequência do colapso da economia cacaueira em virtude da perda das fazendas de
pequenos, médios e grandes fazendeiros, arruinados e vitimados pela ação coordenada dos
exportadores junto às oscilações do preço no mercado. A terra troca de mãos. Neste momento,
emerge, pois, um novo padrão de Administração Política, em que os interesses internacionais
irão subjugar o poder local a um processo de acumulação e apropriação de riqueza forâneo.
Aqui cabe um questionamento a partir das provocações de Jorge Amado referentes à
avaliação das consequências do choque de dois padrões de administração política que tinham
por objetivo apenas preservar os ganhos dos coronéis, de um lado, e os exportadores rentistas,
de outro. E como ficariam os trabalhadores nesse embate? Com a mesma falta de sorte de
antes, ou seja, entregues à própria sorte.
6.5 Gabriela, cravo e canela (1958)
Em Gabriela Cravo e Canela (1958), Amado não manifesta as questões sociais com o mesmo
destaque dos demais títulos. Na trama, o romance entre Nacib e Gabriela torna-se o centro do
enredo, e as questões sócio-político organizacionais já não se manifestam de forma tão
contundente como nas demais obras ligadas ao ciclo do cacau; a política local e nacional, os
desafios econômicos e a divisão internacional do trabalho aparecem apenas como pano de
fundo nesta obra, predominando portanto, os traços da vida cotidiana, da história social,
cultural e das mentalidades (Cardoso e Vainfas, 2011) da sociedade sul baiana.
A história começa em 1925, na cidade de Ilhéus, e centra-se em três personagens forâneos: 1)
Gabriela, sertaneja e retirante, em busca de trabalho e moradia é posta à venda no mercado de
escravos (local onde as pessoas colocavam à disposição dos coronéis e capatazes, sua força de
trabalho); 2) Mundinho Falcão, jovem carioca que emigrou para Ilhéus e lá enriqueceu como
exportador, e que planeja acelerar o desenvolvimento da cidade, melhorar os portos e derrubar
10
Bastos, um coronel e inepto governante; 3) Nacib, um sírio que chega a Ilhéus com a crença
do eldorado sul baiano, seu estabelecimento comercial passa a ser palco das principais
discussões e articulações político-partidárias e de estruturação da cidade.
Compreendemos que Gabriela, cravo e canela “foi realizado num momento de
desencantamento total de Jorge Amado com o Partido Comunista, [...] construindo não mais
personagens das lutas políticas [...]”, conforme aponta Souza (2001, p. 27). Esse fato não
descaracteriza a validade da obra, pois o autor insere outros temas significativos em suas
discussões, como questões raciais e diferenças culturais, o sincretismo religioso e questões de
gênero.
6.6 Tocaia Grande: a face obscura (1984)
Em Tocaia Grande: a face obscura (1984), elementos primordiais do discurso de Amado
voltam a emergir: os coronéis, jagunços e prostitutas. O texto revisita temas, cotidiano e
conflitos expressos nas três primeiras obras do ciclo do cacau.
A disputa de terras e mando político por parte dos coronéis; a exploração e as condições
subumanas de vida do trabalhador das roças de cacau; a violência corriqueira entre os
seguidores dos grupos políticos; a omissão do poder público do ponto de vista jurídico e
organizacional; e a supremacia do capital internacional dos exportadores, são algumas das
temáticas que se estabelecem na obra, dentro do universo estruturado pelo autor para a cidade
de Tocaia Grande.
Neste período, predominava as atividades ligadas a agricultura e pecuária,
compreendendo uma população instável, denominada de rurbana por Faoro
(2000b), ou seja, corpo social que vive sobre a influencia do campo, é a
cidade servindo à zona rural (FAORO, 2000b).
Registre-se que a cidade fictícia é uma replica da Ilhéus de fins do século XX, quando da
povoação da região e início do ciclo do cacau. Todavia, o autor ressalta nesta obra, a presença
ativa e crescente de estrangeiros nas situações relatadas, a exemplo de árabes e russos.
6.7 A descoberta da América pelos turcos (1992)
Raduan Murad e Jamil Bichara descobriram a América juntos: vieram no mesmo barco de
imigrantes e desembarcaram na Bahia em 1903. No litoral sul do Estado, eram chamados de
turcos, forma brasileira de designar todos os árabes, tanto sírios, libaneses ou de fato, turcos.
Definido pelo autor como um “romancinho”, A descoberta da América pelos turcos é uma
narrativa breve e específica sobre a contribuição dos descendentes de árabes na civilização do
cacau, durante a época em que coronéis e jagunços disputavam as terras virgens da região de
Ilhéus. Em Gabriela, cravo e canela, e em Tocaia Grande, Amado já evidencia a participação
sociocultural desses imigrantes na região. Os personagens estrangeiros de origem árabe,
figuram com destaque no cenário político, e como vitais para o comércio e para a dinâmica da
economia local.
7. Considerações Finais
Cabe-nos ora reforçar, que partindo da interpretação da Administração Política sobre a
transição que se inaugurou no Brasil e que, de algum modo, contribuiu para promover
mudanças substanciais nas relações do poder local no sul da Bahia, de forma clara Jorge
Amado descreve, resguardados as implicações ideológicas dos seus pontos de vista, as
engrenagens construídas e articuladas pelo grupo de exportadoras em prol do esfacelamento
11
da antiga ordem de coisas estabelecidas durante a formação sócio-histórica da região sob a
égide dos coronéis do cacau.
Juntas, as seis obras selecionadas fecham um ciclo socioeconômico e iniciam um outro, sem,
contudo, vislumbrar alternativas que possibilitem alterar minimamente a estrutura social,
cultural, econômica e política da região sul baiana, garantindo à população marginalizada (os
trabalhadores, as prostitutas e toda a massa social) vislumbrar um horizonte que lhes
permitisse de algum modo, melhores condições de vida e sobrevivência. Sem dúvida, ao
retratar e interpretar de forma crítica o processo que possibilitou a transferência da posse das
Terras do Sem Fim, Amado nos permite, observar que, em São Jorge dos Ilhéus, estaria sendo
concebido um Projeto de Nação que permitiria uma reconcentração da riqueza e da renda nas
mãos de uns poucos exportadores, representantes do capital (e interesses) internacional.
O contributo da literatura amadiana para nossa analise perpassa pela compreensão da
organização do sistema produtivo da sociedade sul baiana e de seus agentes econômicos, pelo
entendimento de como se distribuía a riqueza produzida e a proporção com que cada grupo
usufruía das riquezas geradas pelo conjunto da sociedade grapiúna, possibilitando alargar à
nossa percepção portanto, em nuances e matizes que os documentos oficiais não nos
informam ou revelam, a exemplo de, sobre quais bases se organizou a sociedade, a política e
economia da chamada civilização cacaueira.
Está presente na obra amadiana uma preocupação em compreender e problematizar um dado
padrão de Administração Política que se configurou naquele espaço-tempo sul baiano.
Justamente ao descrever como foram estruturadas tanto as condições objetivas de
materialidade daquele grupo social, como as condições subjetivas de vida: suas mentalidades,
crenças, religiosidades, visões de mundo. A transdiplinariedade ensaiada neste texto, portanto,
faz emergir as dimensões da vida política do país e da Bahia, tanto no que se refere aos
detalhes do cotidiano da vida social, quanto no que se refere ao caminho que o poder percorre
na organização da Administração Pública e da Sociedade.
A coerência interna dos textos literários fica evidenciada a partir dos entrecruzamentos com
os relatos historiográficos, de análise econômica, de cunho sociológico, e demais que se
façam necessários à construção de um quadro de referencia que possa ampliar o pensamento
administrativo sobre a região sul baiana, o que compreende exatamente o nosso exercício
neste ensaio.
8. Referências Bibliográficas
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ii
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iii
PESAVANTO, Sandra Jatahy (org.). Apresentação. In: Leituras cruzadas: diálogos da história com a literatura.
Porto Alegre: Ed. Universidade UFRGS, 2000.
iv
O termo grapiúna compreende o gentílico de todos os nativos do sul da Bahia. Junção de vocábulos em tupi,
acredita-se que o seu significado seja “ave negra da beira do rio” (Barbosa, p. 93, 2013).
v
Termo que se refere à apropriação indevida das terras de terceiros, com o desrespeito à posse, e mesmo aqueles
que possuíam terras titularizadas viam suas fazendas subtraídas pela ação dos advogados dos coronéis. As
vítimas sofriam um golpe jurídico, com a produção de nova escritura da propriedade a favor de terceiros, sem
nenhum tipo de pagamento ou ressarcimento, havia expulsão de suas próprias terras quase sempre com violência.
Ver Guerreiro de Freitas e Paraíso (2001).
vi
Emboscada violenta ao inimigo ou opositor. As tocaias eram motivadas por quaisquer situações, desde o
tradicional antagonismo político, até questões conjugais.
vii
Guerreiro de Freitas e Paraíso (2001) nos mostram que a população de Ilhéus cresceu entre 1980 e 1920 com a
taxa média superior à 6% aa. Entre 1920 e 40, a taxa média se mantém em 3% ao ano.
15
RESUMO
A partir da atividade como representante gestor da Universidade Federal de Mato
Grosso no Conselho Distrital de Saúde Indígena de Cuiabá - MT observamos que o
processo decisório se dá em meio a árdua disputa entre os direitos constitucionais, a
autonomia e a autodeterminação preconizada na Declaração das Nações Unidas sobre os
Direitos dos Povos Indígenas (UNESC0, 2007) no contexto neoliberal da gestão do
subsistema de saúde indígena no SUS (BRASIL, 1999; 2002; 2003; 2012). As medidas
contraditórias adotadas na gestão da saúde indígena limitam o acesso dos povos
indígenas aos serviços de saúde nas aldeias e municípios, a adequação das ações de
saúde às diferenças culturais e a participação indígena nas decisões que os afetam. Esses
limitantes são agravados pela falta de comprometimento das administrações públicas
estaduais e municipais com os princípios organizacionais do sistema universalista de
saúde vigente dificultando a sobrevivência nos territórios indígenas (WEISS e
BORDIN, 2013). As contradições no campo político e institucional da gestão do
subsistema de atenção à saúde indígena geram descontentamento e desconfiança entre
os usuários e profissionais de saúde, a adequação da organização dos distritos sanitários
implica no seu serviço à cidadania e emancipação dos povos indígenas.
1. INTRODUÇÃO
1
2
3
4
5
6
7
8
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
9
10
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11
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13
14
i
Para Boaventura Santos (1997), as lutas mais importantes nos países centrais, ou mesmo periféricos e
semi-periféricos foram protagonizadas por grupos sociais congregados por identidades não diretamente
classistas (estudantes, mulheres, etnias, pacifistas, ecologistas, etc.) colocando em questionamento a
primazia explicativa das classes (pág. 39-42).
ii
Para Boaventura Santos (2009) nas condições para uma interculturalidade progressista compete à
hermenêutica diatópica transformar os Direitos Humanos numa política cosmopolita que ligue, em rede,
línguas diferentes de emancipação pessoal e social e as torne mutuamente inteligíveis e traduzíveis.
iii
Conforme resolução Nº. 304, de 09 de agosto de 2000 o Conselho Nacional de Saúde adota o termo
povos com organizações e identidades próprias, em virtude da consciência de sua continuidade histórica
como sociedades pré-colombianas, e conforme recomendação daConvenção 107 (OIT, 1989)
iv
Projeto de Pesquisa Avaliação das estratégicas loco-regionais de articulação entre os níveis de cuidado
à saúde: estudo de múltiplos casos nos estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso e Pernambuco
financiado pelo CNPq sob a coordenação da Profª. Drª. Maria Ceci Araujo Misoczky. No Mato Grosso o
estudo de casos foi realizado noPólo-Base Rondonópolis (VARGAS e col., 2010; FAGUNDES e WEISS,
2011) e no Polo Base Tangará da Serra (CINTRA e col., 2012). No período de 2008-2011 foi
desenvolvido o mesmo modelo de estudo financiado pelo CNPq nos Polos-Base Cuiabá, Brasnorte,
Sapezal e Chiquitano (WEISS e col., 2011)
v
Sumak Kawsay (Quéchua, no Equador) – “Bom Viver” ou Suma Qamaña (Aimara, na Bolívia) – “Viver
Bem” (Dávalos, 2005 e 2012;Misoczky, 2010)
15
ANEXO I
Resumo
O presente estudo visa analisar os fatores que limitam e potencializam a gestão de
programas sociais no Brasil, tomando como estudo de caso o Programa Bolsa Família (PBF),
considerado o maior programa de transferência de renda da América Latina. A abordagem
teórica do artigo perpassa na análise do Modelo de Gestão do Programa Bolsa Família e nas
temáticas da Gestão e Avaliação enfocando na perspectiva da Administração Política. A
opção metodológica para a realização da pesquisa foi o estudo de caso, tendo a coleta e
análise de dados primários como base na aplicação de questionários semiestruturados junto a
gestores estaduais e municipais do Programa no período de outubro de 2014 a janeiro de
2015. Como tratamento desses dados utilizou-se a análise de estatística descritiva e a análise
de conteúdo. Na primeira parte da apresentação dos resultados, é descrito o perfil pessoal e
profissional dos gestores respondentes que contemplam aspectos de: gênero, idade, grau de
instrução formal, tempo de experiência profissional, tempo de experiência com o PBF, bem
como carga horária de trabalho, tipo de vínculo empregatício e remuneração. Na segunda
parte, buscou-se descrever os principais achados da pesquisa que permitem inferir que os
fatores limitadores e potencializadores da gestão de programas sociais no Brasil estão
relacionados aos seguintes aspectos: profissionalização da gestão, contingente de servidores
nas funções técnicas, especialmente para atender as demandas da gestão compartilhada entre
estados e municípios; baixo nível de comunicação intergovernamental; política continuada de
capacitação e formação da equipe de trabalho; experiência com a utilização de banco de dados
e análise de indicadores de gestão e avaliação; infraestrutura administrativa das secretarias
estaduais e municipais; número de servidores públicos; e articulação, integração e
coordenação entre as esferas de governo na gestão do programa.
3
Federal § Alocar recursos;
§ Regular a política;
§ Avaliar os programas sociais.
Estadual § Articulação de programas complementares;
§ Monitorar e orientar os municípios para melhorar a gestão do Programa Bolsa
Família.
2. Abordagem Teórica
Para fundamentar e contextualizar o estudo foi definido como base teórica discutir
alguns aspectos sobre Avaliação de Políticas Públicas e o Modelo/Padrão de Gestão do
Programa Bolsa Família à Luz da Teoria da Administração Política.
2.1 Uma Aproximação ao Conceito de Administração Política para uma Análise Crítica
e Contextualizada da Gestão do PBF nos Municípios
Para Santos, Ribeiro e Chagas (2009), o ato de administrar se manifesta em duas
dimensões articuladas e integradas: uma seria a dimensão da gestão, definida como a
concepção das formas de condução das relações sociais de produção e distribuição e a outra
seria a dimensão da gerência, definida como a ação, o ato de fazer, a materialização daquilo
que fora concebido no plano da gestão. Os autores fazem distinção entre o significado e
função do ato de pensar e agir administrativos, ressaltando que enquanto a gestão reflete a
capacidade de conceber, de conduzir um dado padrão, conteúdo e sentido ao ato
administrativo, a gerência reflete a execução das práticas administrativas nas organizações.
Com base nessa definição, pode-se inferir que do ponto de vista da concepção da
gestão, o Programa Bolsa Família é um programa de transferência de renda com
condicionalidades que prevê combater o ciclo intergeracional da pobreza, via transferência de
recursos financeiros diretamente aos municípios e beneficiários, bem como objetiva atuar
diretamente na promoção do acesso aos serviços básicos de educação e saúde para as famílias
beneficiadas. Com base nessa definição pode-se concluir que a concepção do programa está
4
centralizada na esfera federal e sua gerência fica a cargo das municipalidades, contando com o
suporte dos governos estaduais, especialmente no que diz respeito à formação e avaliação. Em
tese esse seria uma concepção interessante na medida em que reflete o que a administração
pública classifica como processo de descentralização da gestão. Entretanto, estudos sobre a
eficácia e efetividade do programa, têm revelado muitas dificuldades na condução (gestão) e
execução (gerência) dessa política, especialmente no que se refere ao papel das
municipalidades. Conforme ressalta Filgueiras (2006), a responsabilidade pela gestão do
Programa no âmbito local é muito diversificada, recaindo sobre organismos diversos, segundo
a estrutura de cada município. O que implica observar que o coordenador do Programa pode
estar situado em uma Secretaria de Assistência Social, em uma cidade, ou no Gabinete do
Prefeito, em outra, ou até mesmo na Secretaria de Educação em outros casos. Além disto, há
ocorrências de problemas graves de coordenação dentro do próprio governo municipal, o que
tem repercussões negativas para a qualidade e efetividade da gestão local do PBF.
2.2 Avaliação de Políticas Públicas
A literatura sobre avaliação revela um caráter aplicado e prático, na medida em que o
objeto de estudo são os programas e as políticas públicas. De acordo com Ballart (1996),
diferentemente do setor privado que tem variáveis e indicadores mais objetivos para valorar
suas ações baseadas em critérios objetivos de avaliação do custo-benefício para valorar as
atividades desempenhadas pelo setor publico torna-se mais difícil e complexo devido a
inexistência de critérios claros e amplamente aceitos sobre como fundamentar a avaliação as
ações do Estado considerando um número grande de variáveis e indicadores subjetivos.
Adiciona-se a isso, o fato de que as instituições públicas possuem e se relacionam com
diversos atores, os chamados Stakeholders, definidos como os membros de um grupo que é
afetado, de forma clara pela política e que, portanto, pode ser mobilizado pelas conclusões de
uma avaliação (WEISS, 1983).
Mas apesar desses desafios, a consolidação da democracia no país tem exigido o
investimento continuado em políticas públicas dirigidas para o fortalecimento da “função
avaliação”. Esse esforço tem sido justificado pela necessidade de investir na “modernização”
da gestão governamental, especialmente em um contexto onde se busca uma maior
dinamização (racionalização) e legitimação da concepção da Reforma do Estado (FARIA,
2005).
Mas é importante ressaltar que, desde a década de 1960, observa-se a utilização de
instrumentos de avaliação na gestão governamental, especialmente nos países desenvolvidos
(SCRIVEN, 1972; WEISS, 1983 e SCHNEIDER, 1986). Entretanto, o fortalecimento desse
campo ganhou maior expressividade a partir das décadas de 1970 e 1980 e, principalmente, de
1990. Momentos onde a avaliação de políticas e programas governamentais passou a
desempenhar papel importante no planejamento e gestão de políticas públicas. Conforme
destaca Calmon (1999), alguns fatores contribuíram para aumentar a demanda por ações
avaliativas e dentre eles destaca os seguintes: crescimento vertiginoso das agências
multilaterais em programas governamentais, dirigidos para apoiar os países em
desenvolvimento a superar a crise socioeconômica e política e a preocupação com os
resultados dos gastos públicos.
Nesse sentido, a liberação dos recursos passa a estar diretamente condicionada ao
controle das metas e resultados dos investimentos feitos. E para alcançar esses objetivos as
referidas agências foram definindo, progressivamente, algumas condicionalidades para a
liberação dos recursos, demandando, pois, o cumprimento de metas, indicadores e índices
específicos de eficácia, eficiência e, mais recentemente, de efetividade dos programas
contratados (CALMON, 1999; THOENIG, 2000 e FARIA, 2005).
5
Outro fator relevante apontado na literatura sobre o tema foi à necessidade de avaliar
programas públicos diante do aprofundamento da crise fiscal, da escassez de recursos do setor
público e da imprescindível intervenção governamental para atender à população mais
necessitada, base fundamental da chamada Reforma do Estado, especialmente em contextos
sociais de consolidação da democracia, como é o caso de muitos países latino-americanos.
(COTTA, 1998; COSTA e CASTANHAR, 2003; CANO, 2004).
Esta reforma, chamada também de reforma gerencial do Estado, visava aumentar a
eficiência e melhorar os resultados da administração pública, melhorar a qualidade das
decisões estratégicas do governo e assegurar o caráter democrático da administração pública.
Conforme destacado por Bresser-Pereira e Spink (1998), os princípios norteadores desse
movimento reformista foram os seguintes: desburocratização, descentralização, transparência,
accountability, ética, profissionalismo, competitividade e enfoque no cidadão. Mas com base
no texto Administração Política brasileira de Santos e Ribeiro (2011) observa-se que emerge
nesse contexto mudanças radicais no que se refere à concepção (gestão) do Projeto de Nação,
tendo em vista que a predominância da reforma ficou mais concentrada nos aspectos
gerenciais (vinculados é execução da administração) do que nos interesses vinculados às
funções e alcance da finalidade do Estado.
Dentre os movimentos de descentralização ou desconcentração ocorridos a partir desse
momento, constata-se um esforço no processo de institucionalização da participação social na
gestão pública, através da formalização de diversos Conselhos de Políticas Públicas,
Audiências Públicas e outras formas de estímulo a integração da sociedade civil nas políticas
públicas, especialmente no planejamento e gestão local.
O aumento da participação social exigiu, progressivamente, a integração de
indicadores de resultados, transparência, racionalidade decisória e eficiência alocativa, o que
demandou esforços por parte do governo e da sociedade para avaliar os investimentos
realizados (COTTA, 1998; CALMON, 1999 e CANO, 2004).
A literatura corrente evidencia que existem diversas e variadas definições sobre o
conceito de Avaliação de Políticas Públicas correspondentes, naturalmente, as concepções de
políticas públicas. Essa amplitude revela, pois, a grande complexidade desse campo de
análise e explica o esforço de diversas correntes da Ciência Política com ênfase nos estudos
da Administração Pública e também dos estudos críticos da Administração, especialmente da
teoria da Administração Política, revelando, assim, interações e percepções ideológicas
distintas sobre os fenômenos que envolvem o planejamento e a gestão publica.
Baseado na leitura de alguns estudos sobre o tema pode-se observar, pois, que não há
consenso quanto à definição de avaliação. O que implica afirmar que esse conceito admite
múltiplas definições.
Schneider (1986) introduz uma perspectiva nessa discussão ao justificar que a
avaliação de políticas públicas tem origem em várias disciplinas o que implica a integração de
ponto de vistas diferentes sobre o tema. Para a autora, essa evolução sobre o conceito e
práticas de avaliação produziu, portanto, uma massa confusa de “tipos” de avaliação ao invés
de um quadro referencial coerente.
No mesmo sentido, Ballart (1996) defende que a base teórica desenvolvida para
Avaliação de Políticas Públicas é decorrente de outras disciplinas e da acumulação de
experiências em áreas setoriais específicas. Ou seja, afirmar que o campo possui tradições
científicas diversas e seu desenvolvimento procede de experiências em administrações
governamentais, departamentos universitários, institutos, dentre outros. Para o autor, seria um
erro subestimar a importância da teoria de avaliação de programas e as lições das
experiências.
6
Com base nos conceitos acima destacados e na análise da Administração Política
Brasileira desenvolvida por Santos e Ribeiro (2011), pode-se observar que existem alguns
elementos comuns nas definições identificadas que ajudam na reflexão das práticas avaliativas
que têm sido utilizadas pela gestão governamental brasileira na contemporaneidade. Com
base nessa síntese, definiu-se como conceito balizador desta pesquisa o seguinte conceito: a
avaliação como um processo que busca a produção e análise de informações no intuito de
guiar os tomadores de decisão quanto a gestão e ao desempenho da política pública,
verificando, pois, a necessidade de correções ou mesmo suspensão de uma determinada
política ou programa, visando contribuir para a gestão e uma alocação de recursos mais
eficiente e eficaz, baseado na aplicação de métodos de pesquisa para verificar o alcance dos
resultados.
Nesse sentido, analisar os fatores que limitam e potencializam a gestão de programas
sociais no Brasil tomando como estudo, o Programa Bolsa Família, presente em todos estados
e municípios brasileiros, permite avaliar e refletir sobre a realidade das práticas gestão de
programas sociais no Brasil.
3. Procedimentos Metodológicos
Esta seção se divide em 3 partes articuladas, sendo elas: a definição da estratégia
metodológica do estudo, a apresentação dos instrumentos de coleta de dados e o desenho dos
métodos de pesquisa e tratamento dos dados.
8
Segundo esta autora, a análise de conteúdo possui três momentos: A pré-análise, a
exploração dos materiais e posteriormente o tratamento dos dados.
Na Pré-análise, determina-se os documentos que constituirão o "corpus" a ser
analisado. No presente estudo foram as questões de livre resposta do questionário
semiestruturado elaborado. No segundo momento houve a exploração do material, onde
procedeu-se a codificação e à categorização utilizando critério semântico, construindo, desta
forma, categorias temáticas adequadas à investigação proposta. E posteriormente, ocorreu o
tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. Esta é a fase da reflexão, da intuição,
com embasamento nos materiais empíricos. Confronto entre o conhecimento acumulado e o
adquirido.
A análise de conteúdo realizada nesse estudo foi por categorias temáticas e não pelo
método de dedução frequencial. Portanto, houve a codificação das informações, que
“corresponde a uma transformação dos dados originais do texto em categorias de análise,
permitindo atingir uma representação do conteúdo, ou da expressão, suscetível de esclarecer o
analista acerca das características do texto” (BARDIN, 1977).
Franco (2008) aponta que a definição das categorias, na maioria dos casos, implica
constantes idas e vindas entre a teoria e material de análise e pressupõe a elaboração de várias
versões do sistema categórico. O que ocorreu na presente pesquisa. Desta maneira, buscou
analisar os fatores limitantes e potencializadores no âmbito das práticas de gestão do
programa, por meio das questões de livre repostas dadas pelos gestores, e a partir daí, foram
criadas as categorias de análise conjuntamente com algumas outras categorias criadas com o
apoio da literatura. Nesse caso, as categorias foram definidas de forma mista, ou seja, havia
algumas categorias elencadas, porém no decorrer da coleta e análise dos dados, estas sofreram
algumas alterações, assim como houve inserção de outras.
Sendo assim, o objetivo da análise de conteúdo foi “compreender criticamente o
sentido das comunicações, seu conteúdo, as significações explícitas ou ocultas” (MOZZATO
e GRZYBOVSKI, 2011), emitidas pelos gestores do programa em estudo.
4. Resultados e discussão
Participaram da pesquisa gestores municipais de quatro importantes Estados
brasileiros e que trazem à tona questões relevantes sobre a gestão local do PBF. Para todos os
Estados, na primeira parte da apresentação e discussão dos dados, será apresentado o perfil
pessoal e profissional dos gestores municipais respondentes que contemplam os mesmos
aspectos analisados junto aos gestores estaduais referente ao gênero, idade, grau de instrução
formal, tempo de experiência profissional, tempo de experiência com o PBF, bem como carga
horária de trabalho, tipo de vínculo empregatício e remuneração. A segunda parte focará nos
principais achados da pesquisa que permitem inferir os fatores limitadores e potencializadores
da gestão de programas sociais no Brasil, tomando como objeto o PBF.
Tabela 2 – Gênero
Sexo (%) GM – A GM – B GM - C GM - D
Feminino 49,3 60,0 33,3 73,2
Masculino 50,7 40,0 66,7 26,8
9
Fonte: Elaboração própria com base nos resultados da pesquisa.
10
Menos de 20h. 1,4
De 20 a 40h. 74,6 70,0 86,7 73,2
Mais de 40h. 23,9 30,0 13,3 26,8
Fonte: Resultados da pesquisa.
Outra observação importante com base em uma análise comparativa dos dados é a
disparidade de pessoal nas equipes locais do PBF, onde é possível intensificar que enquanto
alguns tem equipe pequenas (com média de 4 até 9 pessoas), outros registram um numero
maior de quadros. Essa disparidade é ainda mais relevante na comparação entre o número de
equipe dos municípios e dos estados (média de 7,2), indicador que pode ser justificado tanto
pelo número maior de deveres e atribuições constitucionais assumidas pelos municípios em
relação aos estados na execução do programa, como também pode ser explicado pelo fato de
que compõem a amostragem da pesquisa municípios com alta população e maior número de
beneficiários atendidos.
Comparando a média salarial, os dados revelam que os gestores municipais dos
estados GM-C e GM-A possuem os menores salários entre os estados pesquisados. Pode ser
ressaltada, ainda, sobre esse tema, a considerável disparidade salarial entre os gestores
municipais. Podem estar relacionados a dimensão territorial de atuação, assim como
municípios que podem estar atribuindo maior expressão política e administrativa a estes
cargos. A média de população dos municípios possui pouca variação, a exceção de GM-B
que possui alta média entre os municípios (116.408).
11
Nesse sentido, a partir da análise de conteúdo realizada foi possível categorizar a partir
da livre resposta dos gestores que os principais fatores limitadores e potencializadores da
gestão do PBF estão relacionados aos seguintes aspectos:
Profissionalização da gestão
Foi declarado por grande parte dos gestores, a falta de profissionalização e o alto
contingente de servidores nas funções técnicas, especialmente para atender as demandas da
gestão compartilhada entre Estados e Municípios. Isso pôde ser observado em alguns trechos
declarados pelos gestores:
“Há falta de valorização profissional das pessoas que estão na rede e nos
profissionais do CadÚnico e o Bolsa Família, onde não existe concurso e salários baixos”
(GM-C);
“as questões de governantes e troca de titulares na prefeitura e Secretaria de
Assistência social” dificultam a gestão do programa e “devido à falta de equipe ficamos
impossibilitados de promover ações para um bom funcionamento do programa” (GM-B);
O gestor “correr o risco de quando houver mudança na gestão [...] vir a ser posto
para fora (demitido) sem motivo aparente, pelo simples fato de não estabilidade profissional”
(GM-A);
“Há necessidade de [...] se possível, poder efetivar funcionários locais pelo MDS
para não virar essa bagunça em troca de gestores do Poder Executivo” (GM-A);
“alta rotatividade da equipe que se solucionaria através de concurso público” (GM-
D).
Além do mais, os dados sobre vínculo empregatício e nível de instrução indicaram
esses aspectos pelo alto número de gestores em cargos de provimento em comissão, assim
como nos baixos níveis de instrução visualizados.
Um aspecto destacado pelos gestores foi o número de servidores públicos destinado
à gestão do programa, conforme mencionado por alguns gestores: “trabalho cansativo e
diversas responsabilidades em relação à função que desempenha” (GM-A) e a “dificuldade
em implementar ações que não sejam o acompanhamento e convocação das famílias
cadastradas para atualizações cadastrais” (GM-D) em função do número de funcionários.
5. Considerações finais
Compreendendo melhor o universo pesquisado junto aos gestores municipais do
Programa Bolsa Família nos estados selecionados, pode-se observar grande diversidade na
percepção destes sobre o tema objeto da pesquisa, assim como na manifestação de interesse
em participar da pesquisa, fatos que acabou tendo um reflexo na qualidade das respostas aos
questionamentos. Esse perfil possibilitou perceber que existem muitos profissionais que
coordenam o PBF junto aos municípios que tem baixo nível de instrução formal, revelando,
pois, níveis educacionais baixos (fundamental e médio/incompletos). Esta realidade é
comprovada também pela baixa qualidade de algumas respostas, revelando, não apenas
desinteresse no tema como muitos erros gramaticais, sintaxe e concordância, expressos em
frases incompletas e algumas sem qualquer sentido.
Mas dentro desse universo, existem muitos gestores que revelam ter um bom nível de
compreensão, entendimento e interesse sobre os temas tratados, expresso em respostas
qualificadas, demonstrando, assim, que são gestores com melhor qualificação (nível
superior/incompleto). Esse grupo de respondentes revelou predisposição para compreender as
complexidades que envolvem o processo de gestão do PBF.
Os principais resultados apontam que os fatores limitadores estão relacionados a
aspectos desde o planejamento e execução do programa, recursos humanos, condições de
15
trabalho e infraestrutura, como integração e coordenação com outras áreas relacionadas à
política/programa.
Assim, os principais achados da pesquisa que permitem inferir que os fatores
limitadores e potencializadores da gestão de programas sociais no Brasil estão relacionados
aos seguintes aspectos: profissionalização da gestão; contingente de servidores nas funções
técnicas, especialmente para atender as demandas da gestão compartilhada entre estados e
municípios; baixo nível de comunicação intergovernamental; política continuada de
capacitação e formação da equipe de trabalho; experiência com a utilização de banco de dados
e análise de indicadores de gestão e avaliação; infraestrutura administrativa das secretarias
estaduais e municipais; número de servidores públicos; e articulação, integração e
coordenação entre as esferas de governo na gestão do programa.
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1983, p. 213-245.
i
Os autores agradecem o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro.
ii
Entende-se como Política Social um conjunto de programas e ações do Estado com o objetivo de atender às
necessidades e aos direitos sociais que afetam vários dos elementos componentes das condições básicas de vida
da população, até mesmo daqueles que dizem respeito à pobreza e à desigualdade (CASTRO et. al, 2008).
iii
O CRAS atua como a principal porta de entrada do Sistema Único de Assistência Social (Suas), dada sua
capilaridade nos territórios e é responsável pela organização e oferta de serviços da Proteção Social Básica nas
áreas de vulnerabilidade e risco social. Além de ofertar serviços e ações de proteção básica, o Cras possui a
função de gestão territorial da rede de assistência social básica, promovendo a organização e a articulação das
unidades a ele referenciadas e o gerenciamento dos processos nele envolvidos. O principal serviço ofertado pelo
CRAS é o Serviço de Proteção e atendimento Integral à Família (PAIF), cuja execução é obrigatória e exclusiva.
Este consiste em um trabalho de caráter continuado que visa fortalecer a função protetiva das famílias,
prevenindo a ruptura de vínculos, promovendo o acesso e usufruto de direitos e contribuindo para a melhoria da
qualidade de vida (MDS, 2014).
iv
O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) configura-se como uma unidade pública
e estatal, que oferta serviços especializados e continuados a famílias e indivíduos em situação de ameaça ou
violação de direitos (violência física, psicológica, sexual, tráfico de pessoas, cumprimento de medidas
socioeducativas em meio aberto, etc.).
17
Cooperação Federativa: possibilidades para a evolução da Gestão Pública e
promoção do Desenvolvimento Regional – o caso dos Consórcios Públicos
Baianos na perspectiva da Administração Política.
RESUMO
Este artigo tem como objetivo suscitar reflexões acerca dos problemas que atingem a gestão
pública e a importância da cooperação entre os entes federativos para a minimização desses
problemas, particularmente, através dos consórcios públicos, dando, assim, impulso ao
desenvolvimento regional. Os consórcios públicos são pessoas jurídicas de direito público ou
de direito privado que viabilizam a gestão associada de serviços públicos como também o
repasse em sua totalidade ou parcialidade com a finalidade de estabelecer relações de
cooperação federativa na realização de objetivos de interesse comum no exercício das
atividades governamentais. Considerando o conceito de Administração Política desenvolvido
por Santos e Ribeiro (1993), a qual é compreendida como a concepção e a organização do
“como fazer, do como conduzir, do como organizar as relações sociais de produção e
distribuição”, os consórcios públicos se inserem nessa perspectiva como um instrumento
relevante para viabilizar o objetivo de promover um determinado nível de bem-estar social. A
experiência do Estado da Bahia, na implementação de consórcios públicos incrementam a
experiência ora relatada.
1. Introdução
1
Mestre em Desenvolvimento e Gestão Social pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Gestora
Governamental da Secretaria de Administração do Estado da Bahia (SAEB).
2
Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL)
3
Mestre em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Gestora Governamental da Secretaria
de Administração do Estado da Bahia (SAEB).
econômico, cultural, entre outros. O marco desse processo encontra-se exatamente com a
promulgação da Carta Magna de 1988, que promoveu inovação quando trouxe em seu escopo
as ferramentas precípuas para a distribuição e consequente efetivação da descentralização
administrativa, visando o deslocamento das atribuições para as esferas subnacionais, de modo
a eximir a União de certas responsabilidades sobre a execução de serviços e demais demandas
concernentes a tais competências.
Esse artigo tem como objetivo suscitar a reflexão acerca dos problemas que atingem a gestão
pública e a importância da cooperaçao entre os entes federativos para a minimização desses
problemas, particularmente, através dos consórcios públicos, dando, assim, impulso ao
desenvolvimento regional.
De acordo com o Decreto nº 6.017, de 17 de janeiro de 2007, os consórcios públicos são
pessoas jurídicas de direito público ou de direito privado que viabilizam a gestão associada de
serviços públicos com a finalidade de estabelecer relações de cooperação federativa assim
como a realização de objetivos de interesse comum no exercício das atividades
governamentais.
O principal argumento desenvolvido neste trabalho é o de que, face aos limites do processo de
descentralização no cumprimento dos objetivos de promover o atendimento às demandas da
sociedade e conter as disparidades inter-regionais, emergiram outros arranjos interfederativos,
fortalecendo o federalismo cooperativo.
Primeiramente, o trabalho apresenta uma breve discussão sobre o processo de
descentralização associado aos conceitos de democracia e participação social, seguindo-se
com a ascensão do federalismo cooperativo, finalizando com a apresentação da experiência
baiana de consórcios públicos à luz da Administração Política.
Na tentativa de resposta às questões propostas recorremos ao arcabouço constitucional e a
legislação brasileira sobre consórcios públicos, além de consultas bibliográficas. Para a
análise da situação dos consórcios existentes atualmente na Bahia foram realizadas consultas
em fontes oficiais.
2
Estabeleceu-se a mobilização de diversos segmentos sociais organizados, buscando o
aperfeiçoamento de mecanismos legais e jurídicos necessários à obtenção de uma
administração descentralizada, promovendo a transferência da gestão de serviços sociais
como habitação, saúde, saneamento básico, educação fundamental, entre outros, do Governo
Federal para estados e municípios.
Esse novo marco de redirecionamento das políticas públicas confere autonomia político
administrativa aos municípios. Conforme Art.18, da Constituição, os Estados, Distrito Federal
e os Municípios recebem poderes administrativos, financeiros e políticos para exercerem
governo e administração autônoma, sendo essa autonomia uma prerrogativa concedida pela
supracitada Constituição e limitada pela mesma.
Esse marco - a Carta Magna - foi cenário de uma nova construção do modelo de atuação
efetiva da população, promovendo uma descentralização participativa. É o que se vê do Art.
204, II/CRFB 88, “literis”:
A participação da população por meio de organizações representativas, na
formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis
(BRASIL, 1988).
Como reflexo dessa iniciativa, nasce a interação do cidadão com o governo, convergindo na
formulação e implementação das políticas públicas que passam a ganhar espaço na medida em
que novos paradigmas vão sendo construidos, sustentados na gestão democrática, orientada
por colunas fundamentais, quais sejam: “ a maior responsabilidade dos governos em relação
às políticas sociais e às demandas dos seus cidadãos; o reconhecimento dos direitos sociais; e
a abertura de espaços publicos para a ampla participação cívica da sociedade” (SANTOS
JUNIOR, 2001, p.208).
De forma prática essa autonomia atribuída aos Municípios, somada a construção da
democracia participativa reflete positivamente à medida que constrói pontes de acesso para o
cidadão usuário de serviços públicos ao seu respectivo município através de ouvidorias,
consultas populares, orçamento participativo, mecanismos que precedem deliberação
legislativa com pauta de orçamento anual, conselhos gestores e de fiscalização de políticas,
etc.
Entretanto, em que pesem as virtudes associadas à descentralização, a simples distribuição de
poder político e financeiro para as esferas subnacionais não se revela suficiente para o
atendimento das demandas dos cidadãos. É preciso conceber que as heterogeneidades
regionais resultam em que a descentralização produz diferentes resultados, visto que há níveis
desiguais de capacidade financeira e administrativa entre os municípios das diferentes regiões,
conforme destaca Souza (2001)
3
No que tange ao poder estendido à sociedade, através da adoção de políticas participativas,
notadamente no âmbito local, a visão da participação assume contornos diferenciados, sendo
tema presente nos diversos discursos ideológicos. A previsão constitucional da existência de
conselhos, principalmente no âmbito das políticas sociais, quase sempre assume um caráter
consultivo, portanto conduz-se a participação de forma a não influir no processo decisório,
representando apenas uma formalidade, o que ressalta a importância do aspecto qualitativo do
processo. Outras experiências como o orçamento participativo tem apresentado,
pontualmente, com alguma margem de êxito, mas ainda longe de ser uma prática consolidada
na gestão pública brasileira.
(...) A obrigatoriedade de constituição desses conselhos pode significar, em
muitas localidades, a mera reprodução formal das regras dos programas,
ameaçando os fundamentos principais da participação, quais sejam,
credibilidade, confiança, transparência, accountability, etc (SOUZA, 2001,
p.439).
Apesar das mudanças geradas nos mecanismos de distribuição do poder e alguns ganhos
ocorridos com o processo de descentralização, há uma distanciamento entre os seus
pressupostos e os resultados, sendo apontado por Nogueira (2007) como decorrência de uma
combinação de uma conjunção de fatores relacionados às crises que se apresentaram no final
do século passado: do Estado, da administração, da federação e da representação política.
De acordo com Matos (2006), na Bahia, uma das primeiras iniciativas de consorciamento é a
do Consórcio Intermunicipal do Vale do Jiquiriçá, criado em 1993 por prefeitos dos
municípios da Bacia do Rio Jiquiriçá. Anterior à lei de Consórcios Públicos, trata-se de uma
associação civil, sem fins lucrativos, o qual, segundo a literatura, enquadrava-se como
consórcio administrativo.
De acordo com a Secretaria do Planejamento do Estado da Bahia (Seplan), a partir de 2007, já
sob a vigência da lei, iniciaram-se as discussões sobre consórcios no âmbito do governo
estadual, motivadas pelas demandas de soluções na área de saneamento e resíduos sólidos. À
medida que o debate evoluiu e inseriu novos atores e áreas, chegou-se ao entendimento de que
diversos serviços poderiam ser viabilizados de maneira mais eficiente por meio da gestão
associada, o que resultou na definição de um modelo de consórcio multifinalitário, ampliando
a sua atuação nas diversas áreas.
O governo do Estado passou a apoiar a formação de consórcios públicos multifinalitários, sob
a coordenação da Seplan, a partir de uma perspectiva de desenvolvimento regional. Nesse
sentido, busca-se promover a cooperação intermunicipal através das identidades regionais.
De acordo com informações da Seplan, divulgadas em 2015, por meio de sites oficiais, a
Bahia possui atualmente mais de 30 consórcios intermunicipais multifinalitários formalizados,
incorporando quase a totalidade do território baiano, predominando a configuração territorial
adotada no planejamento do estado, qual seja, os territórios de identidade. Esses consórcios
encontram-se em estágios de funcionamento variados, encontrando-se algumas dessas
entidades com um nível de atuação em diversos projetos, a exemplo do Consórcio de
Desenvolvimento Sustentável do Território do Sisal, que vem atuando, dentre outras, na área
de resíduos sólidos, na gestão ambiental, na construção de cisternas e outros equipamentos
voltados à solução de problemas hídricos, enquanto outros consórcios apenas atingiram o
estágio da formalização, com a inscrição no CNPJ.
9
Nesse sentido, nos aproximamos das questões epistemológicas colocadas pelos autores
Reginaldo Santos e Elizabeth Ribeiro pesquisadores da Universidade Federal da Bahia, que
em síntese, compreendem por Administração Política a concepção e estruturação do como
fazer, do como conduzir, do como organizar as relações sociais de produção e distribuição
para o alcance de um determinado padrão de bem-estar social (SANTOS; RIBEIRO, 1993),
cabendo ao consórcios públicos essa tarefa neste caso.
Ao sustentar que a Organização estaria muito mais vocacionada para assumir o papel de
objeto especial de estudo ou de pesquisa da administração e não como campo científico,
Santos e Ribeiro (2009) demonstram que a organização não se qualificava para objeto
científico pelo simples fato de que esta era considerada como campo de estudo para diversas
outras ciências, e a administração portanto, deveria identificar um objeto próprio que
garantisse uma ação autônoma de interpretação e ação sobre a realidade social (ainda que
compartilhado com diversos outros saberes, já que se trata de um campo interdisciplinar por
natureza), identificado, pois, como sendo a Gestão o objeto de estudo da Administração.
Isso implica afirmar que a Administração Política, para interpretar, ressignificar e transformar
a realidade, necessita assumir um papel político mais ativo, rompendo, assim, com uma
perspectiva meramente instrumental. Naturalmente a ciência administrativa, aqui denominada
de Administração Política, assume um relevante papel de ciência normativa e prescritiva,
tendo em vista ser responsável por definir modos de comportamento, formas de
relacionamento, padrões de gestão, modos de relações sociais de produção e de distribuição,
dentre outras modalidades de comportamento individual, organizacional e social que refletem,
pois, o como organizar-se, o como preservar interesses e também o como construir bases
para a transformação.
Nosso texto ressalta portanto, a existência de Consórcios públicos na Bahia numa perspectiva
da Administração Política, onde há uma participação direta e efetiva do Estado na formação
dos consórcios públicos intermunicipais, contribuindo com apoio técnico para a realização
dos procedimentos para a formalização, capacitação dos gestores envolvidos e
disponibilização de recursos financeiros, a exemplo de convênios firmados entre a Secretaria
do Meio Ambiente e os Consórcios para a implementação da Gestão Ambiental
Compartilhada. A Seplan, conjuntamente com a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do
Estado da Bahia (Sedur), instituiu um grupo de trabalho, através da Portaria Conjunta Seplan /
Sedur nº 003 de 13 de setembro de 2010, para, entre outras atribuições, “prestar assessoria
técnica aos municípios interessados em constituírem consórcios públicos.”
A União tem uma participação relevante no processo ao estabelecer nas suas Leis de
Diretrizes Orçamentárias - LDO tratamento privilegiado aos consórcios públicos, no caso das
transferências voluntárias, conforme art.39, da LDO de 2011:
10
percentuais do valor previsto no instrumento de transferência voluntária,
considerando-se a capacidade financeira da respectiva unidade beneficiada e
seu Índice de Desenvolvimento Humano, tendo como limite mínimo e
máximo:
I - no caso dos Municípios:
a) 2% (dois por cento) e 4% (quatro por cento) para Municípios com até
50.000 (cinquenta mil) habitantes;
b) 4% (quatro por cento) e 8% (oito por cento) para Municípios acima de
50.000 (cinquenta mil) habitantes localizados nas áreas prioritárias definidas
no âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR (...);
II - no caso dos Estados e do Distrito Federal:
a) 10% (dez por cento) e 20% (vinte por cento) se localizados nas áreas
prioritárias definidas no âmbito da Política Nacional de Desenvolvimento
Regional - PNDR, nas áreas da SUDENE, SUDAM e SUDECO; e (...)
III - no caso de consórcios públicos constituídos por Estados, Distrito
Federal e
Municípios: 2% (dois por cento) e 4% (quatro por cento) (BRASIL, LDO
2011).
Ademais, o governo federal vem definindo áreas prioritárias para implementação de diversas
políticas, executadas pelos consórcios públicos, por meio de editais e convênios, a exemplo de
resíduos sólidos, saneamento, etc. Conforme informações da Secretaria de Comunicação
Social do Governo do Estado da Bahia – SECOM (2015), os consórcios da Bahia lideram a
captação de recursos federais, por meio de convênios, atingindo quase 80% dos recursos
captados no Brasil em 2013 (R$115,9 milhões) e mais de 60% (R$88,7 milhões) em 2014.
Em relação ao envolvimento da sociedade civil, esta é representada pelos Colegiados
Territoriais (Codeter)iv, identificando-se a sua participação em diversas situações: na
mobilização dos gestores municipais para formação dos consórcios, em debates sobre o tema
e contribuições na indicação de projetos através dos Planos Territoriais de Desenvolvimento
Sustentável.
De acordo com informações de diversos atores - gestores municipais, representantes da
Seplan, entre outros - há algumas situações de divergências entre os Colegiados territoriais e
os Consórcios públicos, numa perspectiva de disputa de espaços de poder, prevalecendo a
visão de competição e não de complementaridade. Enquanto os colegiados territoriais são
instâncias de representação da sociedade civil nas discussões das políticas públicas, os
consórcios são instituições públicas, executoras de políticas públicas, mas a abrangência
territorial os tornam interventores do mesmo espaço.
Quanto à participação das associações municipais, em alguns casos, essas organizações
lideraram as discussões e condução do processo de formação do consórcio, inclusive dando
suporte material e de recursos humanos para as atividades iniciais até que a nova instituição se
estruture.
Percebeu-se, nos últimos três anos, um movimento crescente de adesão à cooperação, atribui-
se, dentre outros aspectos, ao esgotamento das soluções individuais para questões de interesse
comum, tais como os resíduos sólidos, gestão ambiental, estradas vicinais, entre outros,
reforçadas por pressões do Ministério Público, queda das receitas e exigências do governo
federal de soluções regionalizadas para repasse de recursos em determinadas áreas, dada a
importância da escala.
11
No que se refere ao aspecto político, considerando a diversidade dos partidos aos quais os
gestores estão associados, observa-se pouca influência na articulação para a constituição do
consórcio, encontrando-se maior dificuldade no processo legislativo, o que tem ocasionado,
em muitos casos, a formação inicial com uma adesão mínima, avançando com o passar do
tempo. Para que os consórcios usufruam dos benefícios previstos na lei, é necessário que o
arranjo cooperativo conte com, no mínimo, 03 municípios, conforme o artigo 17 da Lei
11.107, de 6 de abril de 2005.
Os resultados preliminares da implementação desse novo arranjo acenam para grandes
possibilidades de o consórcio se estabelecer como um instrumento de melhoria da gestão
municipal, traduzindo em melhor oferta dos serviços à população, qualitativa e
quantitativamente. Para tanto, faz-se necessária a conjugação de uma série de medidas, que
requer dos atores envolvidos nas mudanças que começam com a concepção de um modelo de
desenvolvimento que se pretende seguir.
Para Fonseca (2008), a Administração Política nos auxilia a compreender melhor as relações
produtivas que fundamentam o sistema e a sociedade capitalistas modernos e
contemporâneos, dando destaque para os modos como se estabeleceram os padrões de
acumulação e distribuição da riqueza, dando destaque para o papel do Estado nesse processo
ao assumir a liderança pela concepção e coordenação de um padrão de Administração Política
centrado em bases conservadoras de socialização.
5. Considerações finais
12
de coletividade, aliada a uma perspectiva de gestão mais eficiente, dadas as peculiaridades
desse instrumento.
Os consórcios públicos intermunicipais da Bahia se inserem na estratégia de desenvolvimento
territorial do Estado, contando para isso com o apoio do governo na sua formação,
estruturação e implementação de políticas públicas. Embora a implementação desse
instrumento seja recente no Estado, é possível verificar alguns resultados no tocante a
execução de ações de alcance regional, com a participação dos entes federados, exercitando
assim o federalismo cooperativo.
Entretanto, alguns entraves precisam ser superados para que esses arranjos não reproduzam os
vícios das respectivas administrações centrais, uma vez que, enquanto personalidade jurídica
de direito público compõe a administração indireta de todos os entes consorciados. A
utilização do consórcio como instrumento político de ampliação de poder dos dirigentes
poderá desvirtuar o seu propósito.
Outra questão a qual é determinante para a sustentabilidade do arranjo se refere ao
planejamento do consórcio. Enquanto órgão de natureza executora de políticas da
competência dos entes consorciados, requer que estes definam conjuntamente aquilo que será
transferido para a atuação do consórcio. Caso contrário, ficará este um órgão meramente
captador de recursos disponíveis sem uma correlação direta com as reais necessidades dos
municípios.
Nesse sentido, a Administração Política promove reflexões acerca do papel assumido pelos
consórcios públicos no desenvolvimento sócio econômico dos territórios baianos, afinal o
estudo da Administração Política não se limita apenas à esfera da gestão estatal, mas, também
inclui a gestão dos negócios privados e sociais; considera que existem correlações de forças
ideológicas, teóricas e de prática da gestão dentro do campo da administração; bem como
admite que existem outras formas de gestão das relações sociais de produção que requerem da
administração uma análise mais sistemática e aprofundada, não respondida pelos atuais
paradigmas.
6. Referências
BAHIA, Secretaria de Comunicação Social. Bahia lidera captação de recursos por meio de
convênios com consórcios públicos. Planejamento. Postado em: 03/02/2015 11:33, disponível
em http://www.secom.ba.gov.br /modules/noticias/ makepdf.php?storyid=123531
13
FONSECA, Francisco. A Administração Política: em busca de uma teoria crítica da
administração pública. Salvador: Revista Brasileira d Administração Política, v. 1, n. 1, p.
7-9, out., 2008.
SANTOS, Reginaldo Sousa; RIBEIRO, Elizabeth Matos et. al. Bases Teórico-Metodológicas
da Administração Política. Salvador: Revista Brasileira de Administração Política, v. 2, n
1, p. 19-43, abr./2009.
14
A Administração Política da Memória da
Ditadura Militar-empresarial brasileira
Resumo
Este trabalho pretende explorar o tema da memória e do esquecimento coletivo
enquanto objeto de pesquisa do campo das ciências da administração, em especial da
administração política. Para tanto, será realizada uma discussão teórica articulando as
possibilidades e limites de manipulação do arcabouço memorial, focando no papel de
gestor da memória coletiva nacional exercido pelo Estado. Serão estudadas políticas de
memória e de esquecimento enquanto instrumentos utilizados no desenvolvimento desse
processo de gestão da memória nacional oficial. No entanto, este debate não pretende se
realizar de maneira abstrata e geral, mas sim a partir do movimento concreto do
desenvolvimento histórico das políticas públicas de memória referentes à ditadura
militar-empresarial brasileira. Mais de meio século depois do golpe de 1964, as políticas
de memória aqui analisadas demonstram que a posição o Estado segue reforçando as
narrativas públicas dos vencedores. Através de estratégias que passam pelo
esquecimento-manipulação, pelo esquecimento-direcionamento e pelo esquecimento-
destruição, conforme definição de Johann Michel (2010), a administração política da
memória segue mantendo as memórias de resistência e de luta nos subterrâneos das
narrativas oficiais sobre a ditadura militar-empresarial.
Introdução
Desde a década de 1980 está em curso no Brasil um processo de disputas
em relação à memória política da ditadura militar-empresarial brasileirai, período que
foi de 1964 a 1985. Em um lado deste cenário estão as tentativas de construção de uma
memória nacional oficial, conforme definição de Michel Pollak (1989). Tais iniciativas
se desenvolvem a partir de ações promovidas pelo Estado e perpassam diferentes
governos desde o reestabelecimento da democracia.
Em contraponto à memória oficial estão as diversas iniciativas que mantém
vivas memórias relacionadas especialmente a grupos e classes sociais que sofreram com
o golpe de Estado e com o regime que o seguiu. Conforme define Joana D’Arc Ferraz
(2007), estas são as memórias de resistência e de luta. De forma geral, as ações desses
grupos visam uma melhor compreensão sobre os acontecimentos daquele período, o que
inclui a devida publicidade das atrocidades cometidas pelo Estado e pelos grupos que
apoiaram e se beneficiaram do regime. Nesse sentido, já foram lançados e ainda estão
por vir diversos trabalhos acadêmicos, filmes, peças de teatro e documentários, sem
contar as ações de movimentos populares que estão espalhados por todo o país.
A importância de se aprofundar as análises com relação a este tema tem a
ver, em primeiro lugar, com a relevância social da memória em si mesma. Para Myrian
Sepúlveda dos Santos (2012), a memória é de fato um objeto amplo e que afeta as mais
diversas partes da vida social e individual. Cada passo que damos, cada ideia e cada
ação realizada estão impregnados de memória. Para a autora, é ainda mais do que isso.
“Nós somos tudo aquilo que lembramos. A memória não é só pensamento, imaginação e
construção social; ela é também uma determinada experiência de vida capaz de
transformar outras experiências, a partir de resíduos deixados anteriormente”
(SANTOS, 2012, p. 30).
Além da importância imanente da memória, a memória política relativa à
ditadura militar-empresarial tem um aspecto ainda mais profundo. Trata-se de um tema
ainda muito caro para toda a sociedade brasileira, pois a forma como nos relacionamos
com este passado é um ponto de fundamental interferência no desenvolvimento social
do presente e do futuro. Conforme afirma Jeanne Marie Gagnebin (2010), os silêncios e
esquecimentos relacionados às conexões entre o passado ditatorial e o presente
democrático não apenas parecem tornar vivo o passado, como se demonstram
necessários para a manutenção da ordem social do presente.
Levando em consideração a importância de se estudar a memória, em
especial a memória da ditadura militar-empresarial brasileira, o presente trabalho
buscará trazer a temática da memória para as discussões no campo da administração. O
ponto aqui será a investigação sobre as possibilidades de manipulação e gestão das
memórias e dos esquecimentos coletivos, em especial do papel do Estado em tal
processo. Assim, a proposta do trabalho é explorar o que chamamos de administração
política da memória, enquanto uma das tarefas desempenhadas pelo Estado – criadas
por governos, materializada em políticas públicas e executadas por aparelhos estatais e
instrumentos da administração pública.
Para efeitos metodológicos, o trabalho iniciará com um debate teórico, para
somente no fim apresentar sua aplicação concreta no âmbito das políticas públicas de
memória relacionadas à ditadura militar-empresarial brasileira.
Inicialmente, serão revisadas partes das teorias clássicas e contemporâneas
sobre memória e o esquecimento. A segunda parte deste artigo analisará as bases
teóricas que compõem o campo da administração política. Pretende-se, dessa forma,
apresentar como as discussões sobre a memória coletiva se encaixam na administração
política. Mais especificamente, a partir das revisões realizadas sobre as referidas teorias,
almeja-se demonstrar que a memória é passível de ser politicamente administrada,
focando no papel do Estado. Na terceira parte, o artigo pretende apresentar os principais
instrumentos por meio dos quais o Estado operacionaliza este trabalho de administração
de memórias e esquecimentos coletivos. Serão discutidos os conceitos de política de
memória e política de esquecimento, apresentando suas especificidades, funções e
complementaridades. Na parte final do artigo, será construído um desenrolar histórico
sobre as políticas de memória e esquecimento que vêm sendo desenvolvidas pelo
Estado desde o fim da ditadura militar-empresarial. A intenção neste momento será
expor concretamente como funciona a gestão de memórias e esquecimentos públicos.
Além disso, pretende-se estudar como o Estado brasileiro vem administrando a
memória desse período, isto é, entender um pouco mais sobre quais narrativas vêm
sendo privilegiadas e quais esquecimento têm sido instituídos.
Considerando o exposto, o presente trabalho pretende revisitar a tradição
teórica relacionada à memória coletiva e demonstrar como tal temática se encaixa na
discussão da administração política e, portanto, nas discussões realizadas no âmbito das
ciências da administração como um todo. É nesse sentido que será analisado o campo de
disputas pela memória política referente ao período da ditadura militar-empresarial
brasileira, levantando principalmente o papel do Estado neste cenário. Almeja-se
demonstrar que esse papel se materializa em leis e políticas públicas que estabelecem
determinadas narrativas, podendo ser extraído daí as posições do Estado com relação ao
passado ditatorial brasileiro. Pode-se citar como exemplo a Lei de Anistia promulgada
pela ditadura em 1979 e que se mantém intocada até os dias de hoje, os arquivos
militares que permanecem fechados e as indenizações meramente financeiras que têm
sido apresentadas como reparações aos atingidos por aquele regime de terror.
Memória e Esquecimento
O objetivo aqui é revisitar parte da teoria da memória e do esquecimento,
ressaltando seus campos sociológicos, a fim de adentrar na dialética da memória e
explorar certas dimensões da memória e do esquecimento coletivo. Tendo em conta que
não se pretende esgotar o tema, serão debatidas teorias que apresentam possibilidades e
limites para a manipulação de memórias e esquecimentos. E é nesse sentido que serão
trazidas à tona algumas polêmicas históricas que perpassam este campo de estudo. Tais
polêmicas marcam discussões fundadas em certos tipos de pensamento binário que
colocam em confronto memória coletiva e memória individual, memória como coesão e
memória como conflito ou ainda memória contra esquecimento.
Nas primeiras décadas do século XX, o sociólogo Maurice Halbwachs foi
pioneiro no estudo da memória a partir de uma dimensão coletiva. Admirador e
discípulo de Émile Durkheim, Halbwachs (2004) foi o primeiro autor a entender a
memória como um objeto fundamentalmente social. Isso significa entender que a
memória está profundamente enraizada nas relações sociais, sendo construída
coletivamente.
Seguindo o legado teórico de seu mestre, Halbwachs (2004) desenvolveu
uma teoria que entende a memória a partir de determinações prévias do coletivo sobre o
individual. Fundamentalmente, parte da ideia de que as esferas da vida social devem ser
entendidas a partir de fatos sociais que se desenvolvem sobre vínculos construídos na
sociedade. A materialidade da memória está nos fatos sociais (Halbwachs, 2004).
É nesse sentido que o autor privilegiou as estruturas coletivas de lembrança,
marcando claramente a distinção entre indivíduo e sociedade. Halbwachs (2004) vai
além de demonstrar que a memória tem uma dimensão social. O autor não entende que
as recordações estejam materializadas no nível do consciente e do indivíduo, o que
demonstra a base de suas polêmicas com Freud e com Henri Bergson. Na verdade,
Halbwachs (2004) entende que a memória se constrói somente na sociedade. Portanto,
para o autor, toda memória é exclusivamente coletiva.
Para a memória coletiva, as lembranças de um indivíduo somente podem se
desenvolver e se revestir de sentido quando estão sustentadas de alguma maneira por
outros indivíduos. Em outras palavras, os indivíduos não recordam sozinhos, pois
necessitam que suas lembranças sejam confirmadas pelo grupo. Os sujeitos se
organizam em grupos sociais e recordam de acordo com as interações e convenções
estabelecidas coletivamente com vistas ao bem estar, à solidariedade e à coesão dos
grupos. Assim, Halbwachs (2004) destaca os aspectos positivos da memória e ressalta
sua função de produção e reprodução da coesão social, fundamentando e reforçando
sentimentos de pertencimento, assim como as fronteiras socioculturais.
Halbwachs (2004) buscou compreender ainda como se operacionaliza a
memória. A partir de observações das práticas sociais, o autor afirmou que a construção
da memória ocorre através de quadros sociais. Segundo ele, a memória se constitui
sobre estruturas sociais – quadros sociais – que antecedem os indivíduos. O indivíduo se
depara com distintos quadros ao longo de sua vida e a memória coletiva se assentará
sobre as combinações entre tais quadros, relativos à família, à escola e a todos os grupos
aos quais pertencemos.
Ainda sobre o funcionamento da memória, uma importante percepção de
Halbwachs (2004) é que as combinações entre os quadros sociais não são definitivas,
tampouco realizadas no passado. Na verdade, tais construções se dão no presente e estão
sempre sujeitas a novas combinações. Ou seja, o passado é constantemente
(re)construído no presente.
No entanto, tais processos de entrelaçamentos são profundamente
complexos. É por isso que Halbwachs (2004) vai argumentar que as combinações entre
os quadros sociais não dependem da vontade dos indivíduos. Para ele, a constante
reconstrução desses quadros não depende de intenções deliberadas e nem de uma
escolha individual. São construídas a partir das questões propostas pelo presente.
Resume Halbwachs (2004, p. 75-76):
Temos repetido: a lembrança é em larga medida uma reconstrução do
passado com a ajuda de dados emprestados do presente, e além disso,
preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de onde a
imagem de outrora manifestou-se já bem alterada. (…) Mas, mesmo se é
possível evocar de modo tão direto algumas lembranças, não o é em
distinguir os casos em que procedemos assim, e aqueles onde imaginamos o
que tenha acontecido. Podemos, então chamar de lembranças muitas
representações que repousam, pelo menos em parte, em depoimentos e
racionalização.
Halbwachs (2004, p. 89) argumenta que uma lembrança coletiva estará
sempre ali, enquanto estiver conservada em algum corpo social. “A memória de uma
sociedade estende-se até onde pode, quer dizer, até onde atinge a memória dos grupos
dos quais ela é composta”.
Em suma, para Halbwachs (2004), a memória deve ser entendida como o
resultado de representações coletivas construídas no presente para manter a sociedade
coerente e unida.
As ideias trazidas por Maurice Halbwachs revolucionaram a forma de se
pensar a memória e suas funções. O sociólogo contribuiu definitivamente para que a
memória passasse a ser entendida para além de uma dimensão individualizada e
independente das relações sociais. Pensando na perspectiva do tempo histórico, que para
o autor é um tempo social, Halbwachs (2004) argumenta que a lembrança de um
período não é o somatório de lembranças de dias, de reflexões pessoais, ou familiares,
mas em termos de lembranças de acontecimentos pensados em conjunto, reconstruídos
na sociedade. Lembranças ou acontecimentos individuais são amparados nas
lembranças dos outros, que antes poderiam até mesmo ter uma significação obscura, a
memória se enriquece de bens alheios, que desde que tenham enraizado e encontrado
seu lugar, não se distingue mais das outras lembranças.
Sua compreensão sobre a memória, apesar de reduzi-la apenas aos níveis do
coletivo e da coesão social, abriu passagem para uma gama de estudos que ampliaram
as discussões sobre o tema. Seu maior legado talvez tenha sido o de demonstrar que a
memória é também uma construção social.
Para Myrian Sepúlveda dos Santos (2012), as polêmicas históricas que
circundam este campo de estudo não devem ser reforçadas a ponto de funcionarem
como prisões teóricas. Ao contrário, dicotomias como indivíduo-sociedade, coesão-
conflito e memória-esquecimento devem ser utilizadas como ponto de partida para o
alargamento do pensamento científico. Em seu livro Memória Coletiva e Teoria Social
(2012), a autora propõe que o pesquisador que trabalhe com o tema da memória deve
ser capaz de enxergar para além dessas dicotomias. As distintas abordagens sociológicas
sobre a memória coletiva devem ser compreendidas como complementares e não como
antagônicas (Santos, 2012).
É nesse sentido que os trabalhos de Michael Pollak devem ser encarados,
como contribuições para a ampliação da teoria da memória coletiva. O autor parte de
Halbwachs para perceber que nem toda memória é necessariamente positiva em um
sentido de construção da coesão social. Pollak (1989) concorda com Halbwachs quanto
à possibilidade da memória coletiva manter, reforçar e construir bases referencias
capazes de contribuir para a coesão interna de um grupo social. Em outras palavras, ele
também entende que a memória coletiva pode se constituir como memória nacional, isto
é, contribuindo para a defesa das fronteiras daquilo que um grupo tem em comum,
definindo o lugar desse grupo, e deixando claro suas complementariedades e suas
oposições.
No entanto, diferente de Halbwachs, Pollak (1989) não considera que tal
processo de construção de uma memória coletiva nacional tenha um aspecto apenas
conciliatório e positivo. Ao considerar o processo de negociação inerente à memória
nacional, isto é, a determinação do que deverá ser lembrado e do que deverá ser
esquecido, percebe-se um processo que necessariamente hierarquiza histórias e
desvaloriza memórias de grupos dos vencidos, dos excluídos, das minorias, dentre
outros.
Pollak (1989) destaca, portanto, que a memória deve ser compreendida
enquanto um campo de disputas, onde determinadas memórias se sobrepõe a outras por
meio não apenas da conciliação, mas também do conflito. Qualquer construção de
memória é, em alguma medida, um processo de violência contra as memórias que não
foram eleitas para compor o arcabouço geral de preservação do passado. Tal aspecto de
violência está implícito em qualquer construção coletiva da memória. É levando este
processo de conflito em consideração que o autor cunha o conceito de memórias
subterrâneas.
As memórias subterrâneas são aquelas vinculadas às ideias e às histórias
marginalizadas dentro de um determinado contexto social. Tais memórias prosseguem
em um trabalho e fluxo de subversão contra os aspectos opressivos e uniformizadores
da memória coletiva nacional. Esse trabalho se mantém no nível do “não-dito” – nível
do silêncio –, de maneira quase imperceptível, despertando para a massa social
principalmente em momentos de crise, quase sempre de forma brusca e sobressaltada.
Em seu artigo Memória, Esquecimento e Silêncio (1989), Pollak apresenta
três exemplos que deixam claro o que pretende dizer com o conceito de memória
subterrânea. O primeiro exemplo se refere ao fenômeno de “destalinização”
desenvolvido na antiga União Soviética após a divulgação do relatório de Nikita
Kruchev, no XX Congresso do Partido Comunista Soviético (PCUS). Este processo,
levado a cabo pelo Estado, tinha como objetivo a destruição de signos e símbolos que
remetiam a Stalin. Era um processo político que visava desvincular a União Soviética
dos crimes citados no relatório Kruchev, como ficou conhecido. O segundo exemplo se
refere ao silêncio dos deportados após a Segunda Grande Guerra. Tais grupos, por
estarem fora de suas redes de sociabilidade, demonstraram dificuldades de integrar suas
lembranças na memória coletiva das nações que passaram a viver. Já o último exemplo
se refere à formulação da memória nacional francesa que, após a Segunda Guerra,
procurou eliminar o estigma da vergonha do chamado colaboracionismo com os
nazistas.
Pollak (1989) determina a partir destes exemplos concretos três aspectos
fundamentais das disputas no campo memorialístico: (a) os movimentos políticos de
transformações necessitam também de mudanças no campo da memória, ou seja, as
leituras e narrativas sobre passado afetam o cenário político do presente e do futuro; (b)
a memória oficial não é capaz de controlar plenamente as construções e mudanças no
campo da memória nacional, pois sempre haverá memórias subterrâneas, por mais que
estejam excluídas do espaço público; (c) as memórias subterrâneas, traumatizantes e
dissidentes da memória oficial, são capazes de sobreviver no nível do ”não-dito”
durante muito tempo, o que se trata de uma forma de resistência da sociedade a um
excesso de discursos oficiais.
Partindo das conclusões de Pollak, pode-se notar a dimensão política e de
seletividade da memória. Toda memória é seletiva e responde, pelo menos em parte, a
estímulos políticos do presente. Percebe-se ainda que o Estado pode assumir a tarefa de
seleção e manipulação da memória coletiva nacional.
Na medida em que busca a coesão social de determinados grupos de
indivíduos, em determinado território e sob determinada hegemonia política, econômica
e ideológica, o Estado assume também a tarefa de administrar a memória daquele todo
social. É o Estado administrando narrativas e lembranças do passado a partir de
condições, necessidades e interesses do presente. Em última análise, pode-se dizer que a
gestão do passado e das memórias está no rol de atribuições operacionalizadas pela
administração pública. Portanto, o Estado administra politicamente o que pode ser
chamado de memória ou discurso oficial.
Os debates realizados até o momento trataram, sobretudo, da dimensão
coletiva da memória e de sua dialética coesão-conflito. Além disso, trouxeram à tona as
possibilidades de manipulação da memória, sobretudo da tarefa de administração
política da memória nacional assumida pelo Estado. No entanto, falta ainda discutir algo
sobre a relação memória-esquecimento.
Andreas Huyssen (2014), após revisar obras clássicas do campo da memória
e do esquecimento, como as de Theodor Adorno e de Walter Benjamin, afirmou que a
exigência moral do ato de lembrar foi articulada em diversos contextos ao longo da
história – religiosos, culturais e políticos. O mesmo não se pode dizer do ato de
esquecer. O esquecimento, segundo Huyssen (2014), hora é visto como disfunção
(doença), hora é visto apenas como a oposição à memória.
Partindo do estudo de situações concretas onde o tema da memória estava
no centro de debates nacionais, como as memórias da ditadura argentina e dos
bombardeios na Segunda Guerra Mundial, o autor aprofundou os estudos sobre como se
dão os modos de esquecimento nas esferas pública e política. Huyssen (2014) percebeu
que, em alguns casos, “o esquecimento público revelou-se constitutivo de um discurso
politicamente desejável da memória” (HUYSSEN, 2014, p. 160). Em outras palavras, o
esquecimento foi mais do que a não-memória, foi parte integrante de construções
memorialísticas.
Huyssen (2014) parte da tentativa de Paul Ricoeur em estabelecer uma
fenomenologia do esquecimento para fazer uma defesa histórica do esquecimento
público e político. Para tanto, resgata algumas definições basilares sugeridas por
Ricouer para se categorizar distintas formas de esquecimento. A primeira forma trata o
esquecimento como memória impedida. Nesse caso, entende-se o ato de esquecer como
uma experiência humana natural, uma espécie de “patologia” fundamental à vida. A
segunda forma, denominada de memória manipulada, entende o esquecimento a partir
do conceito de instrumentalização da memória. Refere-se à produção de esquecimento
inerente ao processo de manipulação da memória coletiva, que ao mesmo tempo em que
privilegia determinadas lembranças, desfavorece outras. A última forma básica seria o
esquecimento comandado, isto é, uma espécie de esquecimento declarado publicamente
e estabelecido por vias institucionais. Um exemplo são as clássicas leis e imposições de
esquecimento coletivo, como podem ser enquadradas as leis de anistia referentes às
ditaduras do Cone Sul.
Santos (2012) lembra que o “homem pode ser feliz sem a lembrança, mas a
vida é absolutamente impossível sem o esquecimento” (SANTOS, 2012, p. 31). Ao
retornar ao pensamento de Nietzsche sobre o esquecimento, a autora percebe o
consentimento geral com o fato de que o homem esquece que esquece. “É importante
aqui prestarmos atenção não para a perda da memória, considerada irremediável, mas
para o argumento de que o esquecimento é essencial e sem ele a vida não é possível.
(SANTOS, 2012, p. 31).
O que se pretende destacar aqui é que o esquecimento não deve ser
entendido como mero recalcamento ou negação. Mais do que isso, o esquecimento não
é simplesmente o outro lado da memória. Esquecimento e memória fazem parte de uma
mesma totalidade e um não existe sem o outro, isto é, são membros que se constituem
entre si. Esquecimento e memória não se anulam, se complementam. A ação de
memória depende da capacidade de esquecer. O que ocorre é que ambos se manifestam
tanto de forma natural, como no caso da memória impedida, como de forma
administrada, como no caso da memória manipulada e do esquecimento comandado.
Assim, compreendendo tanto a dialética memória-esquecimento, quanto os
processos de coesão e conflito intrínsecos às relações entre memórias subterrâneas e
memória oficial administrada pelo Estado, percebe-se que a memória coletiva pode
assumir duas dimensões políticas distintas. Por um lado, a partir de suas possibilidades
de afirmação e resistência, a memória possuí um caráter libertário e de emancipação.
Por outro lado, a memória também pode ser uniformizadora e manipuladora,
assumindo, neste caso, seu viés de controle e coerção.
Conclusões
Este artigo tem como escopo contribuir para as reflexões concernentes às
novas perspectivas e às novas abordagens das bases epistemológicas do campo da
administração política, por meio da análise da teoria da memória e do seu contraponto, o
esquecimento-manipulação, esquecimento-direcionamento e esquecimento-destruição, a
partir dos enfoques dos autores clássicos e contemporâneos da teoria da memória.
Se, como definem Santos, Ribeiro e Santos (2009, p. 930), “cabe à
administração estruturar formas de gestão que viabilizem os objetivos da organização”,
sendo o Estado uma organização, a definição do que deve ou pode ser lembrado ou
esquecido, em termos de gestão política da memória nacional, também pode ser pensada
enquanto um campo específico do saber na área. Esta concepção contribui sobremaneira
para o conhecimento de aspectos relativos ao processo cultural e civilizatório da
sociedade, com vistas no pleno desenvolvimento da humanidade.
Partiu-se do pressuposto de que a memória é continuamente reconstruída
pelos grupos sociais e pelo Estado. No âmbito do Estado, foco central deste artigo,
verificou-se que, ao fazer a gestão das memórias, ou seja, ao evidenciar o que deve ser
lembrado, o Estado também deixa um rastro, uma zona cinzenta, composta de fatos e
acontecimentos que não são rememorados, que são esquecidos.
Desta forma, a condução política da memória da ditadura militar-
empresarial brasileira (1964-1985) pode ser pensada no campo da administração
política, na perspectiva da gestão da memória política do Estado e de suas
consequências para a sociedade, para o próprio Estado e para os grupos sociais
atingidos.
O estudo aplicado destas formas de esquecimento foi realizado por meio da
análise dos dados relativos à Lei de Anistia, à política de indenizações financeiras aos
atingidos pelo terror de Estado e à política de arquivamento dos arquivos da ditadura.
O contexto em que fora formulada e instituída a Lei de Anistia, no processo
de “redemocratização”, “transição” e “abertura”, demonstra que houve uma tentativa de
silenciamento por parte do Estado sobre todos os crimes cometidos pelo regime. A
manutenção desta lei tal como fora concebida em 1979, posição reforçada pela recente
decisão do STF de negar sua revisão, sustenta a interpretação de que os crimes
cometidos por agentes públicos durante o regime devem ser considerados como crimes
conexos às infrações políticas. Evidencia-se, dessa forma, o não interesse do Estado em
alterar sua posição com relação a este tema. Segue-se reforçando a narrativa do
consenso a partir da produção de certos esquecimentos. Sobressai neste caso a dimensão
do esquecimento-direcionamento.
A política de indenizações, por sua vez, pode ser relacionada, sobretudo, ao
esquecimento-manipulação. Uma política de indenizações deve se constituir como parte
de um processo maior de reparações, o que inclui diversas esferas para além da
financeira, como a jurídica, a moral e a psicológica. Além disso, este processo deve
estar imerso em uma intensa contextualização e investigação sobre o passado opressor.
É nesse sentido que uma pretensa reparação exclusivamente financeira tem a capacidade
de se tornar um “cala-boca”, isto é, mais um mecanismo de esquecimento. Ao invés de
trazer o passado dos atingidos à superfície do conjunto de narrativas nacionais, acaba
por não fazê-los protagonistas em uma nova construção memorial coletiva e por
minimizar suas reivindicações à esfera meramente econômica.
O mesmo se pode dizer sobre a política de arquivamento dos arquivos da
ditadura. Conforme foi demonstrado, a maior e principal parte arquivos relacionados à
ditadura militar-empresarial segue fechada para a sociedade (arquivos do Exército,
Marinha, Aeronáutica e Polícia Investigativa). Acrescente-se que o Decreto 4.553 de
2002 piorou as possibilidades de mudança de posição do Estado com relação a este
tema, visto que dificultaram ainda mais o acesso a tais arquivos. Impedir o acesso aos
arquivos significa omitir deliberadamente certo passado, o que pode ser relacionado
principalmente à estratégia de esquecimento-manipulação.
É preciso lembrar, contudo, que estas relações entre as políticas de memória
e a tipologia sugerida por Michel (2010) necessitam ser pensadas sob a ótica de tipos
ideias. Na realidade concreta estas estratégias não aparecem em seu formato puro.
Todas as políticas de memória e esquecimento aqui analisadas produzem um pouco de
cada uma das três formas de esquecimento deliberado – esquecimento-manipulação,
esquecimento-direcionamento e esquecimento-destruição.
O impacto dessas políticas de esquecimento é muito prejudicial não só para
os atingidos diretamente pelo terror de Estado, mas para toda a sociedade. O silêncio e o
esquecimento intensificam as parcialidades da história e das sequelas da ditadura
militar-empresarial. Ocorre que estes diferentes tipos de esquecimentos ultrapassam a
fronteira das análises meramente aplicadas da administração política, a partir do
pressuposto de que toda a sociedade é afetada, direta ou indiretamente, seja em relação à
ação direta dos seus efeitos sobre os atingidos, seja em relação aos efeitos nocivos
transgeracionais que determinados tipos de esquecimento são produzidos.
Pensar, portanto, no esquecimento enquanto produção de uma política
pública, inserido no campo da administração política e entendido enquanto uma ação
direcionada para um determinado fim, pode nos oferecer recursos para pensar não
somente na perspectiva da falta, mas da gestão da administração política da memória
nacional a partir das relações sociais, políticas e de produção.
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i
Este trabalho denominará a ditadura militar brasileira como ditadura militar-empresarial brasileira.
Trata-se de uma escolha política que tem como objetivo ressaltar a importância das ligações associativas
entre a classe burguesa, o golpe de 1964 e as ações do Estado ditatorial brasileiro. Ver mais em “1964 - A
Conquista do Estado: ação política, poder e golpe de classe”, de René Dreifuss (1987), ou em “A natureza
de classe do Estado brasileiro”, de João Quartim de Moraes (2014).
O Estado e os problemas contemporâneos: reflexos da gestão pública nos
índices de pobreza e desenvolvimento humano do município de Itabuna-BA
Resumo
O Estado tem procurado atender de forma eficaz aos amplos aspectos sociais. Na
contemporaneidade, diversos sãos os problemas que afligem o Brasil. Talvez o mais importante
deles seja a questão da pobreza, tema cujo entendimento é defendido de forma ampla por
Amartya Sem e pelo Banco Mundial. O Brasil, na condição de país periférico, deve ter sempre
como foco principal a redução da pobreza e das desigualdades sociais, associando-as aos demais
elementos da busca pelo desenvolvimento humano. São notórias as ações já implementadas. Há
acertos, há erros, e há a necessidade de continuidade das políticas sociais com esse foco.
Considerando o entendimento abrangente da pobreza, as políticas sociais são fundamentais para
combatê-la, em especial através de programas fortemente implantados em municípios da região
Nordeste. A cidade de Itabuna situa-se no interior da Bahia e apresenta uma atuação
representativa frente a essas políticas, por isso consiste no objeto de estudo. Na medida em que a
Administração Política abrange tanto a esfera pública quanto a privada e social, esse conceito
engloba perfeitamente as questões sociais aqui discutidas. Este trabalho visa evidenciar esses
problemas no âmbito nacional e municipal, demonstrando como as políticas públicas contribuem
para o desenvolvimento humano do município e, como conseqüência, do país.
Introdução
A gestão pública brasileira se caracteriza na atualidade pela busca por seus limites de atuação.
Diante do atual cenário o Estado precisa se renovar para atender de forma eficaz aos amplos
aspectos sociais. A discussão acerca dos tipos de proteção social que têm sido implementados
pelo Estado em diferentes contextos é atual e crescente.
O campo da Administração Política para o Desenvolvimento tem como um dos princípios
fundamentais a orientação para emancipação do homem na sociedade (SANTOS ET AL, 2014).
Tendo como uma das vertentes a contemplação das relações sociais, este campo serve de base
para as discussões acerca das relações e problemas sociais do país.
A pobreza é um dos principais problemas do Brasil, país onde há grande desigualdade social.
Entretanto desde a década de 1990, vários programas foram criados pelo governo na tentativa de
dirimir os problemas existentes nas áreas de saúde, educação, assistência social, redução da
pobreza, emprego e renda.
A região nordeste compreende aquela com os maiores índices de pobreza e miséria do país. Por
esse motivo, escolheu-se um município baiano para análise dos reflexos da gestão pública, por
meio da implantação dos programas de governo, em seus índices de pobreza e desenvolvimento
humano. O município de Itabuna – BA está situado no território litoral sul da Bahia e possui uma
população de 218.925 habitantes, sendo um dos maiores e mais representativos municípios desse
território.
O objetivo deste trabalho consiste em evidenciar os problemas contemporâneos do país no
âmbito social, analisando as ações da gestão pública municipal para mitigá-los. O objeto de
estudo trata-se de uma cidade de interior nordestina. A pesquisa realizada teve caráter
bibliográfico, descritivo e documental. Justifica-se a realização deste trabalho por demonstrar em
que grau as políticas sociais contribuem para o desenvolvimento humano municipal.
O presente trabalho apresenta os dados estatísticos acerca dos índices de pobreza e
desenvolvimento humano, além dos programas sociais implantados no território brasileiro e no
município escolhido. Ele está dividido da seguinte forma: estado e problemas contemporâneos,
onde se apresentam as atuais ações de governo voltadas para proteção social, destacando os
programas mais relevantes, assim como os principais problemas contemporâneos enfrentados
pelo Estado brasileiro na gestão pública; pobreza e desenvolvimento humano, com uma
discussão conceitual sobre a pobreza e sua relação com o desenvolvimento humano; índices da
gestão pública no município de Itabuna – BA, onde se analisa os dados do município através de
correlações; e conclusão.
Há críticas sobre as intervenções pontuais focadas nos pobres visando alívio imediato da pobreza
ao invés de implementar um sistema de defesa e garantia de direitos universais ou políticas que
convirjam em ações universais. É preciso considerar que determinadas estratégias políticas
necessitam de uma análise mais profunda sobre a adequação entre os tipos de intervenções e os
determinantes da pobreza.
Já o eixo Acesso à Serviços, tem a vertente assistência social relacionada com a rede do Sistema
Único de Assistência Social (SUAS). Em junho de 2014 Itabuna – BA tinha em seu território
dois Centros de Referência da Assistência Social (CRAS), um Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (CREAS), um Centro de Referência Especializado de
Assistência Social para População em Situação de Rua (Centro POP) e cem vagas em Serviços
de Acolhimento para População em Situação de Rua, todos cofinanciadas pelo MDS (MDS,
2014). Há previsão de ampliação de doze Unidades Básicas de Saúde no município. Na vertente
educação, em 2012 o município deixou de participar da Ação Brasil Carinhoso (vagas em
creches públicas para crianças de 0 a 48 meses beneficiárias do Bolsa Família) por falta de
registro de informações acerca do atendimento dessas crianças, mas no ano de 2013 voltou a ser
contemplado, mediante a identificação de 452 crianças em 12 creches. Também no ano de 2013
o município passou a fazer parte do Programa Mais Educação, ofertando educação em tempo
integral em 58 escolas de ensino fundamental, nas quais há mais de 50% de seus alunos no
Programa Bolsa Família.
Quanto ao eixo inclusão produtiva, a principal estratégia é o PRONATEC, que visa, através da
qualificação profissional, aumentar as possibilidades de inserção de pessoas de baixa renda nas
oportunidades de trabalho disponíveis (MDS, 2014, p.5): “De janeiro de 2012 a julho de 2014,
foram efetuadas 1.126 matrículas em cursos ofertados pelo Pronatec Brasil Sem Miséria no
município”. Já o Acessuas Trabalho repassou em 2013 R$98.400,00 ao município. Houve ainda
10 famílias beneficiárias do Bolsa Verde entre outubro de 2011 e julho de 2014, recebendo, cada
uma delas, R$300,00 por trimestre para conservar e fazer uso sustentável das áreas prioritárias
onde vivem.
Há outros aspectos interessantes quanto ao desenvolvimento humano desse município. O
primeiro é o próprio IDH, síntese da medida do progresso a longo prazo compreendido por três
dimensões (educação, saúde e renda) do desenvolvimento humano e que contempla
oportunidades e capacidades das pessoas (PNUD, 2014). Foi criado para oferecer um
contraponto ao indicador que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento, o
PIB per capta. O Índice de Desenvolvimento Humano Municipal – IDHM ajusta o IDH para a
realidade municipal, demonstrando as particularidades e desafios no alcance do desenvolvimento
humano no Brasil. A consulta ao IDHM pode ser feita através da plataforma Atlas de
Desenvolvimento Humano no Brasil, assim como de outros indicadores cujos dados são
extraídos dos Censos Demográficos (Atlas Brasil, 2014).
Na tabela acima, é possível verificar que o município de Itabuna - BA teve um salto entre 1991 e
2010, chegando próximo da média do IDHM do Brasil, classificado como alto na faixa do
IDHM. Entre 2000 e 2010, a taxa de crescimento do IDHM foi de 22,55%, reduzindo a distância
para o máximo do índice (1) em 68,74% nesse período. A Educação foi a dimensão com maior
crescimento (0,222), seguida por Longevidade e por Renda. Já entre 1991 e 2000, a taxa de
crescimento do IDHM foi de 28,26%, reduzindo a distância para o máximo do índice (1) em
76,60% nesse período. A Educação foi a dimensão que também cresceu mais (0,165), seguida
por Longevidade e por Renda. Por fim, entre 1991 e 2010 a taxa de crescimento do município foi
de 57,17% enquanto a da Unidade Federativa – UF foi de 47%, reduzindo a distância para o
máximo do índice (1) em 52,65% para o município e 53,85% para a UF. A educação foi o incide
que mais cresceu tanto no município quanto na UF. Essas dimensões do IDHM estão evidentes
na tabela abaixo.
DIMENSÕES DO IDHM DO MUNICÍPIO DE ITABUNA
1991 2000 2010
IDHM Educação 0,256 0,421 0,643
IDHM Longevidade 0,607 0,733 0,807
IDHM Renda 0,598 0,636 0,695
Fonte: ATLAS BRASIL, 2014.
Pode-se inferir por esses dados que o município de Itabuna - BA teve incremento dos percentuais
em todos os períodos apresentados. Considerando as proporcionalidades de aumento da taxa de
crescimento, no próximo período de análise o IDHM do município baiano continuará crescendo.
Quanto às três dimensões do IDHM desse município, cabem ainda as seguintes análises:
Demografia e saúde: O município baiano apresenta o crescimento de sua taxa de urbanização
no período de 1999 a 2000 de apenas 1,43%. É possível observar que o município baiano tem
controle do crescimento da população, onde a taxa média anual de crescimento da população é
de 0,66% em Itabuna – BA. Quanto a expectativa de vida ao nascer, é de 73,4 anos no município
baiano, embora o crescimento entre 2000 e 2010 no município baiano seja de 4,5 anos em
Itabuna – BA.
Educação: A estatística mais preocupante é a proporção de jovens de 18 a 20 anos com ensino
médio completo, sendo de 35,62% em Itabuna – BA no ano de 2010. A expectativa de anos de
estudo é baixa (9,36 anos em Itabuna - BA no ano de 2010), mas houve um aumento de 17,29%
entre 2000 e 2010.
Renda: O crescimento da renda per capta média é de 83,28% em Itabuna – BA nas últimas duas
décadas. A taxa anual de crescimento aumentou em Itabuna – BA de 27,06% para 44,24 %.
Importante ressaltar a redução na proporção de pessoas pobres no município, 17,09 % em
Itabuna – BA.
Outro aspecto interessante sobre o desenvolvimento humano do município são os dados
referentes ao Mercado de Trabalho, disponibilizados pelo Censo 2010 e a Dinâmica de
admissões em ocupações formais segundo CAGED. De acordo com o último Censo
Demográfico (IBGE, 2010), em agosto de 2010 Itabuna – BA possuía 98.549 pessoas
economicamente ativas, das quais 84.834 estavam ocupadas e 13.715 desocupadas. Em
percentuais, a taxa de participação é de 56,3% enquanto que a taxa de desocupação municipal é
de 13,9%. Apenas 47,1% das pessoas ocupadas tinham carteira assinada. Os demais se dividem
em trabalhadores sem carteira assinada (22,8%), trabalhadores por conta própria (22,8%),
empregadores (2,2%), servidores públicos (3%) e trabalhadores sem rendimentos e na produção
para o próprio consumo (2,1%). Dentre as pessoas ocupadas, 51,6% ganhavam até um salário
mínimo por mês. A diferença do rendimento entre homens e mulheres chega a 50,36% a mais
para os homens. A distribuição da ocupação por grupos e por seção de atividades mostrou que
quase 30% da população está ocupada na agricultura, pecuária, produção florestal, pesca e
aquicultura, comércio e a reparação de veículos automotores e motocicleta. De acordo com o
CAGED (MTE, 2014), entre janeiro e setembro de 2014, registrou-se 9.172 admissões no
mercado de trabalho formal, sendo a maior quantidade de admissões concentrada em Serviços,
Comercio em Lojas e Mercados.
A tabela abaixo demonstra da vulnerabilidade social no município, no âmbito trabalho e renda. É
possível verificar redução tanto nos índices de vulneráveis à pobreza quanto nos índices de
pessoas maiores de idade sem formação completa e em ocupação informal. Esses dados são
importantes quando se trata de inclusão social, acesso à renda e redução da pobreza.
Conclusão
Sendo a Administração Política um campo da Administração que aborda a gestão das relações
sociais, consiste em uma abordagem em envolve as discussões sobre os problemas sociais do
Estado. Sua abrangência quanto à gestão estatal e também social permite as discussões acerca do
problema aqui levantado.
A questão da pobreza tem sido amplamente debatida e considerada na formulação dos programas
sociais no Brasil. Verifica-se que as ações implementadas privilegiam a transferência e geração
de renda. Para De Azevedo e Burlandy (2010), essas intervenções fragmentadas não conseguem
operacionalizar uma concepção ampliada da pobreza. Por outro lado, observa-se “esforços no
sentido de equalizar os investimentos em ações no âmbito dos serviços básicos e universais, com
ênfase para a saúde e a educação” (De Azevedo e Burlandy, 2010, p.207). Ainda assim, fazem-se
necessários maiores investimentos em amplos aspectos dos serviços públicos de saúde e
educação, especialmente.
O Brasil é um país com considerável contingente populacional desprivilegiado e por esse motivo
tem implantado políticas e programas assistenciais direcionados aos pobres, buscando proteção
social e alívio de pobreza. Os programas têm apresentado resultados, como redução dos
extremamente pobres, crescimento do emprego e da renda, maior assiduidade escolar das
crianças, redução da repetência, carteira de vacinação em dia, redução da desnutrição, redução
do trabalho infantil, empoderamento das mulheres, maior frequência das mulheres ao pré-natal e
maior uso de contraceptivos. Todavia, há necessidade de ações de intervenção mais integradas e
articulações para que haja garantia de uma estratégia política de combate à miséria. Uma
possibilidade seria a ampliação da visão econômica do IDH para além da falta de renda,
englobando todas as necessidade e capacidades que os indivíduos sofrem privação.
Importante ressaltar como resultado positivo desses programas o município de Itabuna – BA,
estudado nesse trabalho. Sua participação no Plano Brasil Sem Miséria retirou da situação de
pobreza mais de 1.500 famílias, além outros resultados demonstrados na análise dos dados
levantados.
Considera-se de extrema relevância trazer a discussão da inclusão social, erradicação da pobreza
e acesso à educação, trabalho e renda para o campo da Administração Política, a qual trata dos
problemas sociais, especialmente da gestão destes. Essa relação com o Estado enquanto
garantidor dos direitos fundamentais de todas as classes fortalece a análise e busca de soluções
das questões sociais.
Ressalta-se também a importância de analisar se as ações implementadas até o momento para
fins de redução da pobreza são efetivamente as mais relevantes para cada localidade específica
ou se haveriam medidas diversificadas que trariam melhores resultados para determinado
contexto e que abrangeria os múltiplos determinantes da pobreza. Essa análise contribuiria para
formulação de uma política que contemplaria todos os aspectos da ampla concepção da pobreza
(baixos indicadores de renda, educação, nutrição, saúde, e demais áreas do desenvolvimento
humano).
Este trabalho buscou contribuir para uma reflexão sobre a relação dos aspectos
multidimensionais da pobreza, Estado e desenvolvimento humano, evidenciando dados nacionais
e municipais. Ademais se considera ainda importante que se faça no futuro uma avaliação mais
aprofundada da qualidade dos programas existentes no município estudado.
Referências bibliográficas: