Ciencia, Tecnologia e Inovação - Desafios para A Sociedade Brasileira PDF

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Ministério da Ciência e Tecnologia

Academia Brasileira de Ciências

Coordenadores
Cylon Gonçalves da Silva
Lúcia Carvalho Pinto de Melo

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO


Desafio para a sociedade brasileira
Livro Verde

Brasília, Julho 2001


2001 Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação - Projeto DECTI
Todos os direitos reservados pelo Ministério da Ciência e Tecnologia. Os textos contidos nesta publicação, desde que não usados para fins comerciais,
poderão ser reproduzidos, armazenados ou transmitidos. As imagens não podem ser reproduzidas, transmitidas ou utilizadas, sem expressa
autorização dos detentores dos respectivos direitos autorais.

Ministro de Estado da Ciência e Tecnologia


Embaixador Ronaldo Mota Sardenberg

Secretário Executivo
Carlos Américo Pacheco

Presidente da Academia Brasileira de Ciências


Eduardo Moacyr Krieger

Coordenação Geral do Projeto DECTI


Cylon Gonçalves da Silva
Lúcia Carvalho Pinto de Melo

Ciência, tecnologia e inovação: desafio para a sociedade brasileira


- livro verde / Coordenado por Cylon Gonçalves da Silva e Lúcia
Carvalho Pinto de Melo. – Brasília: Ministério da Ciência e Tecnologia /
Academia Brasileira de Ciências. 2001.
250p. : il ; 23 cm.

ISBN: 85-88063-03-4

1. Ciência – Tecnologia – Inovação. 2. Conhecimento.


3.Qualidade de Vida. 4. Desenvolvimento Econômico. 5. Desafios
Estratégicos. 6. Desafios Institucionais. I. Silva, Cylon Gonçalves da. II.
Melo, Lúcia Carvalho Pinto de. III. Brasil. Ministério da Ciência e Tecnologia.
IV. Academia Brasileira de Ciências.
CDU 301.15:004(81)

Ministério da Ciência e Tecnologia – MCT


Esplanada dos Ministérios, Bloco E
70067-900, Brasília – DF, Brasil 2001
http://www.mct.gov.br Impresso no Brasil

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Livro Verde Henrique Lins de Barros – MAST/MCT
Ione Egler – MCT
Coordenação Geral João Alziro Herz da Jornada – Inmetro
Cylon Gonçalves da Silva – LNLS/ABTLuS João Batista Dias de Paiva – UFSM
Lúcia Carvalho Pinto de Melo – MCT e FJN João Carlos Ferraz – UFRJ
Joel Weisz – Finep
Grupo de Concepção e Redação José Carlos Albano do Amarante – IME
Antonio José Junqueira Botelho – PUC-Rio José Galízia Tundisi – Instituto Internacional de Ecologia
Antônio Márcio Buainain – Unicamp, Coordenador José Maria da Silveira – Unicamp
Ruy Quadros de Carvalho – Unicamp Leopoldo de Meis – UFRJ
Sérgio Salles Filho – Unicamp e Finep Luiz Fernando Vieira – Embrapa
Luiz Gylvan Meira Filho – AEB/MCT
Colaboradores do Projeto DECTI Luiz Pinguelli Rosa – UFRJ
A equipe de redação do Livro Verde contou com especial apoio das Luiz Tomáz Carrilho T. Gomes – MCT
seguintes pessoas: Márcio de Miranda Santos – Embrapa e CGE/MCT
Maria Antonia Gazzeolli – Unicamp e Ministério da Educação
Alfredo H. Costa Filho – Unesco Mariza Barbosa – Embrapa
Carlos Henrique Cardim – CEE/MCT Maurício Antonio Lopes – Embrapa
Flávia Maia Jesini – UnB Maurício Compiani – Unicamp
Guilherme Euclides Brandão – MCT Maurício Otávio Mendonça Jorge – MCT
Henriqueta Borba – Unesco Michelangelo Trigueiro – UnB
Ione Egler – MCT Murilo Flores – Embrapa
Leonardo R. Genofre – UnB Nelson Brasil – Abifina
Reinaldo Ferraz – MCT Paulo Arruda – Unicamp
Roberto Medeiros – LNLS Paulo Roberto Tosta – Finep
Sandra Holanda – MCT Pedro Wongtschowski – Oxiteno
Simone H. Cossetin Scholze – MCT Regina Gusmão – Fapesp
Sinésio Pires Ferreira – MCT Reinaldo Dias Ferraz de Souza – MCT
Renato Janine Ribeiro – USP
Documentos Técnicos de Subsídio Rex Nazareth Alves– IME
O Livro Verde beneficiou-se de documentos, notas técnicas e Roberto Bernardes – Fundação Seade/SP
contribuições escritas preparadas, a pedido da coordenação geral, pelos Rogério Meneghini – LNLS
colaboradores a seguir relacionados: Rui de Araújo Caldas – MCT
Sandra Holanda – MCT
Abraão Benzaquem Sicsu – FJN Selma Leite – UFPA
Ademar Ribeiro Romeiro – Unicamp e Embrapa Sérgio L. A. de Queiróz – UFRJ
Adriano Dias – FJN Sérgio Neves Monteiro – UENF
Akira Homma – Fiocruz Sidney Mello – UFF
Alice Rangel de Paiva Abreu – CNPq Silvia Figueiroa – Unicamp
Ana Lúcia Delgado Assad – MCT Sílvio Zancheti – UFPe
André Furtado – Unicamp Simon Schwartzman – AIR
Ângelo Pavan – IBGE Simone H. Cossetin Scholze – MCT
Carlos Henrique de Brito Cruz – Fapesp Sinésio Pires Ferreira – MCT
Carlos Nassi – UFRJ Stefan Bodgan Salej – Fiemg
Carlos Nobre – CPTEC/Inpe Waldimir Pirró y Longo – Observatório Nacional/MCT e UFF
Carlos Vogt – Unicamp
Celso José Monteiro Filho – IBGE
Celso Pinto de Melo - UFPe e CNPq
Débora Mello – Unicamp
Eduardo Moacyr Krieger – Incor e Academia Brasileira de Ciências
Elísio Contini – Embrapa
Elizabete Rondelli – UFRJ
Elói de Souza Garcia – MCT
Eugênio Neiva, Consultor
Evando Mirra de Paula e Silva – CNPq
Fernando Galembeck – Unicamp
Francisco Ariosto Holanda – Secretário da Ciência e Tecnologia/Ceará
Francisco César de Sá Barreto – UFMG
Guilherme Euclides Brandão – MCT

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Contribuições

Ao longo de mais de 10 meses de trabalho para elaborar o Livro Verde, o Grupo de Concepção e Redação se beneficiou de comentários técnicos,
sugestões, críticas, entrevistas, apoio técnico-administrativo e, mesmo, de puro estímulo da parte de incontáveis pessoas no País e no exterior, em
reuniões formais e informais, inclusive via internet. Muitos participaram ativamente de um conjunto de reuniões de trabalho sobre os cinco temas
centrais que compõem a estrutura do Livro. Outros comentaram versões preliminares do documento, sugerindo modificações e também possibilitaram
obter imagens utilizadas no Livro.

Na tentativa de dar o merecido crédito e registrar os justos agradecimentos ao maior número possível de colaboradores, optou-se
por listar o nome de todos que contribuíram, sem distinção de papel ou posição, para o Livro Verde:

Abílio Afonso Baeta Neves – Presidente, Capes Celso Barbosa – Anpei


Adalberto Luiz Val – INPA Celso Cruz – Finep
Adalberto Vasquez – Capes Celso José Monteiro Filho – IBGE
Adão Vilaverde – SCT/RS Celso Pinto – Jornal O Valor
Afonso Carlos Correa Fleury – USP Charlote Stephanie – Finep
Alaíde Mammana – ITI/MCT Claudenicio Ferreira – Unicamp
Alberto Duque Portugal – Presidente, Embrapa Cláudia Diogo – CNPq
Alberto Pereira de Castro – Diretor-Presidente, IPT/SP Cláudia Penha – MAST/MCT
Alcir Monticelli – Unicamp Cláudia Regina de Almeida Souza – CNEN/MCT
Aleksandra Reis – Embraer Claudio Cavalcanti Ribeiro – Secretário de Ciência e Tecnologia/Pará
Alessandra Beatriz Rodrigues de Castro – MCT Cláudio de Almeida Loural – CPqD
Alexandre Camargo Coutinho – Embrapa Cláudio Soligo Camerini – Petrobras
Ana Curi – MCT Clovis Andrade Junior – MCT
Ana Francisca Fernandes Corrêa – MCT Cristiano de Lima Logrado – MCT/CGE/CTEnerg
Ana Lúcia Gazzola – UFMG Cristina Clark – Fiocruz/MS
Ana Maria Martins – IEA/CTA Cristina Tavares – Fiocruz/MS
Ana Maria Sampaio – IEL Dalci Maria dos Santos – MCT/CGE
Ana Paula Saint´Clair – CNEN/MCT Dominique Ribeiro – UFRJ
Anderson Lopes de Moraes – MCT/CGE Donald Sawyer – MCT
André Amaral Araújo – Diretor, Finep Durval Costa Reis – MAST/MCT
Andréa Koury Menescal – CNPq Edmundo Antonio Taveira Pereira – MCT
Andréa Lessa – INT/MCT Edson Vaz Musa – EVM Consultoria
Andres Trancoso Vilas – CGE/CTHidro Edvaldo Fonseca – IPEN
Ângela Maria Cohen Uller – UFRJ Elaine Rose Maia – CEE/MCT
Ângela Paulista – MCT Eliana de Souza Lima – Embrapa
Angelo Pavan – IBGE Eliane Oliveira – Unifesp
Antonio Afonso Lamounier – Trópico Telecomunicações Elisa Pereira Reis – UFRJ
Antonio Carlos de O. Barroso – Diretor, CNEN Elizabeth Babachevski – USP
Antonio Figueiredo – MEC Elizabeth Pinto Guedes – Finep
Antônio Gomes Cordeiro – CNEN/MCT Eric Jan Roorda – Procomp
Antonio Oliveira Érica Batista Vargas – MCT
Antonio Sérgio Pizzarro Fragomeni – MCT Esper Abrão Cavalheiro – MCT
Armando Dias Mendes – UFPA Eugenio Emílio Staub – Presidente, Gradiente
Armando Mariante de Carvalho – Inmetro Fábio Celso Macedo Soares – Finep
Armando Mendes – UFAM Fábio Erber – UFRJ
Carlos A. Dompieri – ex-Presidente, Finep Fábio Veras – Fiemg
Carlos Alberto Eiras Garcia – Reitor, FURG Fernando Cunha – Fapesp
Carlos Cruz – CNPq/MCT Fernando Luís de Castro Miquelino – CPqD
Carlos Eduardo Morelli Tucci – UFRGS e CGE/CTHidro Fernando Luz – MCT
Carlos Gastaldoni – BNDES Fernando Nery – Módulo Informática
Carlos Lombardi – MCT Fernando Varejão Freire – MCT
Carlos Oití Berbert – MCT Francisco Mauro Salzano – UFRGS
Carlos Roberto Colares Gonsalves – MCT Francisco Romeu Landi – Fapesp
Carlos Z. Ignácio Mammana – ITI/MCT François René – MCT
Célia Bona – CBPF/MCT Gabriela Campos Teixeira – MCT
Célia Poppe – Finep Geraldo Falcão – Petrobras
Célio Andrade – LNA-MCT Gerson E. Ferreira Filho – ex-Presidente, Finep

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Gilberto Câmara – INPE Ladislau Cid – Embraer
Gilberto M. Januzzi – MCT/CGE/CTEnerg Laila Dantas – Ibict/MCT
Glaci Terezinha Zacan – UFPr Lauro T. G. Fortes – AEB/MCT
Gláucia Maria Cleibe de Oliveira – MCT Leila Mendonça Raulino - Socinfo
Glaucius Oliva – USP Lélio Fellows – CNPq
Guilherme Emrich – Biobrás Leonor M. Câmara – MCT
Helenise Brant – MCT Leopoldo de Meis – UFRJ
Hélio Guedes de Campos Barros – MCT Lilian Bayma de Amorim – Museu Goeldi/MCT
Henrique Lins de Barros – MAST/MCT Lindaura Campos de Faria - Finep
Herman Wever – Presidente, Siemens Lívia Barbosa – UFF
Hernan Chaimovich G. – Pró-Reitor, USP Lívio Amaral – UFRGS
Hugo Fragnito – Unicamp Luis Carlos Mendonça de Barros – Presidente, MBG
Hulda Gesbrecht – Abipti Luís Valcovi Loureiro – Capes/MEC
Humberto S. Brandi – UFRJ Luiz Bevilacqua – LNCC/MCT
Irma Rosseto Passoni – ex-Deputada Federal Luiz Carlos Joels – MCT
Isa Helena O. G. de Almeida Pereira – MCT Luiz Carlos Scavarda do Carmo – PUC-Rio
Isabel Tavares – CNPq Luiz Cláudio Braz – CNEN/MCT
Isaias de Carvalho Macedo – Coopersucar Luiz Claudio Marigo – Mamirauá
Ivone P. Mascarenhas – USP São Carlos Luiz Hildebrando Pereira da Silva – Cepem
J. P. von der Weid – Pipeway Engenharia Ltda. Luiz Marques Couto – MCT
Jacob Palis Junior – Diretor, IMPA Luiz Roberto Liza Curi – MEC
Jacques Marcovitch – Reitor – USP Lynaldo Cavalcanti de Albuquerque – Abipti
Jeter Bertoletti – Museu de Ciência e Tecnologia/PUCRS M. Dalila T. Andrade – Embraer
João Batista Dias de Paiva – UFSM Manoel Abílio de Queiróz – Embrapa
João Carlos Brum Torres – UFRGS Manoel Barral Netto – UFBA e Fiocruz
João Evangelista Steiner – MCT Marcelo Coelho – Folha de S. Paulo
João F. Gomes de Oliveira – Diretor, NUMA e USP São Carlos Marcelo Juni Ferreira – LNLS
João Furtado – Unesp Márcia Maro da Silva – MCT
João Lucas Marques Barbosa Marco Antonio Raupp – Diretor – LNCC
João Metello de Mattos – MCT/CGE/CTHidro Marco Aurélio Garcia – Secretário Municipal da Cultura/SP
João Paulo dos Reis Veloso – Presidente, INAE Margarida Maria Pion da Rocha Paranhos – MCT
João Roberto Rodrigues Pinto – MCT/CGE/CTEnerg Maria da Graça Duarte Ramos – CNPq
Jorge Ávila – Diretor, Finep Maria das Graças Nunes – N.I. Lingüística Computacional
Jorge Pereira da Silva – INT/MCT Maria Isabel Fonseca – MCT
José Antônio Pimenta Bueno – PUC-Rio Maria Isabel Tavares – CNPq
José Augusto Coelho Fernandes – CNI Maria José Gazzi Salum – UFMG
José Augusto Pereira da Silva – Pipeway Engenharia Ltda. Maria Laura da Rocha – MCT
José Carlos Albano do Amarante – IME Maria Lúcia Horta – Finep
José Carlos Gomes Costa – MCT/CGE/CTEnerg Maria Luiza Braz Alves – MCT
José Claudio Castoldi – Replan/Petrobras Maria Sílvia Dipietro – USP
José D’Albuquerque e Castro – UFRJ Maria Sylvia Romero Derenusson – MCT
José Domingos Miguez – MCT Mariana Barnes Small – CEE/MCT
José Eduardo Cassiolato – UFRJ Marileusa D. Chiarello – MCT
José Elio Trovatti – CPqD Marilia Giovanetti de Albuquerque – MCT
José Ellis Ripper Filho – ASGA Mariluce Moura – Fapesp
José Gilberto Aucélio – MCT Mário Araújo – CCT/UFPB
José Graça Aranha – INPI Mário Dias Ripper – PUC-Rio
José Guilherme Ribas Sophia Franco – LNLS Marisa Barbar Cassim – MCT
José Márcio Correa Ayres – MCT Marta Kühl – Trópico Telecomunicações
José Maria Cardoso da Silva – UFPe Maura Pacheco – Finep
José Mauro dos Santos Esteves – Presidente, CNEN Maurício Nogueira Frota – PUC-Rio
José Murilo Costa Carvalho Júnior – MCT Mauro Marcondes – Finep
José Paulo Silveira – MPO/SPIE Mauro Miagute – Fiesp
Josemar Xavier de Medeiros – MCT/CGE/CTEnerg Moema Soares de Castro – CCT/UFPB
Jucilene Gomes Pereira – Ibict/MCT Moema Tavares da Costa – Socinfo
Júlio Cezar Rodrigues Martorano – CPqD Monica Berton – ITI/MCT
Jurandir Fernando Ribeiro Fernandes – Unicamp Monica da Silva Fernandes – INT/MCT
Kátia Godinho Gilaberte – MCT Múcio Roberto Dias – AEB/MCT
Katia Lanes – CNEN/MCT Nassim Gabriel Mehedff – MT
Kurt Politzer – Abiquim Nelson Simões – RNP

v
Nilton Marlúcio de Arruda – Cenpes/Petrobras
Onildo João Marini – MCT/CGE/CTHidro
Orestes Marracini Gonçalves – USP e ABNT
Oscar Cordeiro Neto – CGE/CTHidro
Oswaldo Biato – MRE
Oswaldo Cruz – CPqD
Paula Regina Kuser – CBME/LNLS
Paulo César Gonçalves Egler – ABC
Paulo Cesar Silva – LME/LNLS
Paulo de Goes – ABC
Paulo Escada – INPE/MCT
Paulo Estevão Cruvinel – Diretor, Embrapa
Paulo Haddad – Presidente, Phorum
Paulo Kliass – MCT
Paulo Sizuo Waki – MCT
Pedro Carajilescov – UENF e ANE
Pedro Wilson Leitão Filho – Funbio
Plínio Asmann – IPT/SP
Raimundo Aroldo Silva Queiróz – CEE/MCT
Raimundo Tadeu Corrêa – MCT
Ramiro Wahrhaftig – Secretário de C&T e Ensino Superior/Paraná
Regina Célia França – AEB/MCT
Reinaldo Fernandes Dana – MCT
Reinaldo Guimarães – UERJ
Renato Baumgratz Viotti – MCT
Roberto Freire – Senador
Roberto Pinto Martins – MCT
Roberto Sbragia – USP
Rogério Henrique de Araújo Júnior – Ibict
Rogério Mamão Gouvêa – CNEN/MCT
Rômulo Ângelo Zanco Filho – CPqD
Ronaldo Cardoso Lemos – ITI
Ronaldo Seroa Mota – IPEA
Rubens Amador – MCT
Rui Albuquerque – Unicamp
Ruy Coutinho do Nascimento – BNDES
Sandoval Carneiro – UFRJ
Sandra Fernandes – Petrobras
Sérgio Besserman Vianna – Diretor, IBGE
Sérgio Danilo J. Pena – UFMG
Sérgio F. G. Bath – MRE
Sérgio Haddad – Presidente – Abong
Sérgio Machado Rezende – UFPe
Sérgio Mascarenhas de Oliveira – Presidente, IEA
Sérgio R. R. Queiróz – Unicamp
Steferson Faria – Petrobras
Sueli Maffia – Ibict/MCT
Suely Martins da Silva – MCT
Tânia Mendes – CGE/MCT
Tatiana Pires – CEE/MCT
Tereza Simpson – Finep
Tomás Bruginski de Paulo – MCT
Vanda Regina T. Scartezini – MCT
Vania Gurgel – CNPq/MCT
Vera Marina da Cruz e Silva – Finep
Vera Pinheiro – MAST/MCT
Vilmar Faria – PR/GAP/AEPR
Vilson Nava – Fundação CPqD
Walter Bartels – AIEB
Wilson Suzigan – Unicamp

vi
APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO
APRESENTAÇÃO

O Livro Verde da Ciência, Tecnologia e Inovação, e curto, dada a magnitude da tarefa. A preparação do
que apresento, resulta de amplo debate, coordenado Livro beneficiou-se de um amplo processo – ainda
pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, acerca do em curso – de consultas, do qual vêm participando
papel do conhecimento e da inovação, na aceleração lideranças políticas, empresariais, acadêmicas e do
do desenvolvimento social e econômico do País. governo. Nesta primeira etapa, foram realizadas cin-
co reuniões de trabalho sobre os temas centrais deste
Ao resgatar a trajetória da Ciência e Tecnologia brasi- documento e entrevistadas mais de cinqüenta perso-
leira e estimular a reflexão sobre seu futuro, o Livro nalidades de destaque, em uma rica troca de idéias e
Verde traz à luz os sólidos alicerces em que se fun- no propósito comum de buscar consensos. No total,
dam seus avanços contemporâneos. Explicita, sobre- mais de uma centena de pessoas foram ouvidas, e seus
tudo, valiosos elementos da visão estratégica que comentários, sugestões e contribuições diretas para o
hoje orienta a sustentação e a ampliação do esforço Livro foram incorporadas a este debate.
nacional em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I),
como condição necessária de desenvolvimento, bem- O Livro Verde é também um instrumento de trabalho.
estar, justiça social e de exercício da soberania. Serve como uma das principais bases para os debates
da Conferência Nacional da Ciência, Tecnologia e Ino-
O presidente da República, professor Fernando Hen- vação, tendo em vista a elaboração de Diretrizes Es-
rique Cardoso, desde o primeiro momento, associou- tratégicas, com o horizonte temporal até 2010. Diretri-
se diretamente à dinâmica de transformação e atua- zes, neste sentido, constituem orientações de ordem
lização da C&T e, ao liderar esse movimento, orien- geral, formuladas dentro de princípios realistas, e com-
tou o governo como um todo para que apoiasse os prometidas com as necessidades nacionais; estratégicas
esforços que ora ingressam em nova etapa, para a são elas, por se pautarem pela capacidade de planeja-
qual o Livro Verde funciona com verdadeira porta mento, visão de futuro e de projeto nacional, com foco
de entrada. claro e voltado para resultados.

Mais do que veicular a opinião do Ministério da Ciên- Neste momento de transição para realizações ainda
cia e Tecnologia, este Livro reflete e sintetiza o diá- mais significativas por parte da ciência e tecnologia
logo aberto, de âmbito nacional, entre o Ministério e brasileiras e sua integração definitiva na agenda so-
a sociedade em suas diversas esferas interessadas no cial, política e econômica do País, a adoção de Dire-
futuro da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. trizes Estratégicas faz-se não apenas oportuna, mas
Mais de um ano transcorreu entre as primeiras dis- necessária.
cussões sobre a necessidade e viabilidade deste exer-
cício, a concepção, a preparação e a publicação des- O Livro Verde foi concebido para ser utilizado pe-
te Livro. Um prazo ao mesmo tempo longo e curto. los participantes da Conferência Nacional e por todos
Longo, dada a premência de discussão desses temas, os que se envolverem na discussão das Diretrizes

viii
Estratégicas. Não se trata de simples documento de ção das informações sobre o País existentes em cen-
referência, pois é substantivamente orientado e em- tros de pesquisa no exterior e dos novos limites e
bute avaliações do que poderá vir a ser a CT&I bra- oportunidades da cooperação internacional em
sileira. Supõe um percurso positivo e tem inegáveis CT&I.
intenções e conseqüências políticas.
O Livro Verde demonstra não a ruptura com o pas-
Tomado no conjunto, o Livro Verde divulga varia- sado, mas sua superação, em processo que está deci-
díssimos elementos de informação que, no essen- didamente em curso em nossos dias. Evidência disso
cial, substanciam a percepção de que a sustentação é o apoio prestado pelo Ministério da Ciência e Tec-
do esforço nacional de CT&I não só é imprescindí- nologia (MCT) a áreas de impacto social e econômico
vel, mas tem viabilidade na emergente ordem inter- – desde os programas de biotecnologia, tecnologias
nacional. O papel da CT&I, nessa ordem, diz res- da informação, nanotecnologias, materiais especiais,
peito à aceleração da produção do conhecimento e ciência e tecnologia do mar, pesquisa e aplicações
da inovação; mas também é sua vocação tornar-se o espaciais, até projetos inovadores recentes, como os
principal fator de agregação de valor a produtos, pro- de combate à violência e em prol da segurança pú-
cessos e serviços. A ordem internacional abriga a blica, de apoio da C&T à comunidade negra, além
tendência no sentido da concentração do saber, do da iniciativa de atração e fixação de pesquisadores
saber-fazer e da introdução de produtos sofisticados conduzida pelo Conselho Nacional de Desenvolvi-
e inovadores no mercado mundial. mento Científico e Tecnológico (CNPq).

As conquistas no avanço do conhecimento e das tec- Nesse quadro, é crescente a obsolescência da pro-
nologias indicam possibilidades objetivas de o País blemática tradicional da CT&I brasileira e a emer-
colocar-se, de forma satisfatória, no seio dessa or- gência de novas e desafiadoras questões. Sua agenda
dem, de modo a aproveitar as oportunidades inter- se renova a grande velocidade e a aceleração da pro-
nacionais existentes e evitar suas disfunções. Esse dução de artigos indexados e o rápido crescimento
papel da CT&I refere-se, portanto, à necessidade de nos números relativos à formação de doutores/ano
acompanhar e, na medida do possível, participar do indicam, de forma inequívoca, que estamos no ca-
que se passa nas fronteiras avançadas do conheci- minho certo e vamos alcançar nossas metas.
mento e das tecnologias de ponta; refere-se à busca
da excelência e da qualidade da pesquisa; ao cum- Em anos recentes, tornou-se muito mais nítida a per-
primento das vocações nacionais e regionais brasi- cepção da importância da ciência e tecnologia e da am-
leiras; ao atendimento dos reclamos da sociedade, pliação dos objetivos da respectiva política nacional.
no quadro da correção dos desequilíbrios e da obten- Os recursos disponíveis para a pesquisa e desenvolvi-
ção de melhor qualidade de vida para todos; às neces- mento (P&D) aumentaram significativamente. Cria-
sidades do setor produtivo, em termos de superação ram-se novos instrumentos de financiamento da pes-
do déficit tecnológico nacional, e dos novos modos quisa, organizou-se um novo e arrojado quadro jurídico
de organização, gestão e financiamento da CT&I no e institucional, e a inovação tecnológica aparece como
Brasil. Tampouco descuida da necessária internaliza- objetivo central dos esforços nacionais. Em paralelo

ix
ao estabelecimento de laços mais robustos com a co- No plano da legislação afeta à CT&I, alcançaram-se tam-
munidade científica – convidada, de forma sistemática, bém progressos consideráveis, com a aprovação no Con-
a integrar comitês científicos, comitês de seleção de gresso – com agilidade e apoio pluripartidário – das leis
projetos e comitês de busca, a participar na elaboração que estabeleceram os fundos setoriais. Outras iniciativas
de editais, bem como no exame de políticas públicas –, legislativas relevantes se referem às áreas de propriedade
objetivou-se também intensificar a participação do se- intelectual (patentes, novos cultivares, software e topo-
tor privado nos investimentos em P&D. grafia de circuitos integrados), às novas leis de Informá-
tica, de Acesso à Biodiversidade, de Biossegurança. As
A implantação de novos instrumentos financeiros, futuras Leis da Inovação e de recuperação dos incentivos
sobretudo os fundos setoriais, recebeu grande im- à P&D privada serão, em breve, levadas ao debate público.
pulso, tendo-se fixado objetivos mais amplos, mais
complexos e mais definidos, com ênfase no foco, na Com o intuito de acompanhar o ritmo de avanço da
busca de resultados, na gestão compartilhada e trans- CT&I mundial, o Brasil começa a instalar e ampliar a
parente. A perenização do Fundo Nacional de De- capacidade de buscar, ao mesmo tempo, variados macro-
senvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) objetivos. Deram-se os primeiros passos em direção à
permitirá estabilidade dos recursos, há muito reivin- uma política suficientemente flexível e a uma gestão sistê-
dicada pela comunidade científica. Outros avanços mica e abrangente, capazes de abrigar atividades até
recentes de grande importância – devidamente recentemente consideradas, em larga medida, antagô-
registrados no Livro Verde – dizem respeito à estrutu- nicas ou mutuamente excludentes, como a equivocada
ração de redes nacionais e regionais, ao apoio à incu- e ultrapassada antinomia entre ciência básica e tecno-
bação de empresas e ao capital de risco, à ênfase nos logia.
estudos prospectivos, acompanhamento e a avalia-
ção, ao fortalecimento dos sistemas locais de inova- A um só tempo, fortalece-se a pesquisa e recupera-
ção, com foco nas cadeias produtivas. se o déficit nacional de desenvolvimento tecnológi-
co; estimulam-se a indução e a espontaneidade na
Um campo que também merece atenção especial diz pesquisa básica; buscam-se excelência, qualidade e
respeito ao desenvolvimento institucional. Com a incor- relevância, mas também a desconcentração regional
poração da Comissão Nacional de Energia Nuclear da pesquisa e dos investimentos; promove-se a si-
(CNEN) e da Agência Espacial Brasileira ao MCT, o multânea expansão do sistema nacional de CT&I e
sistema torna-se mais complexo, mais eficiente e mais da ação regional conduzida ou apoiada pelo MCT.
integrado. Esse processo avança, nestes dias, com a Se, de um lado, com o Fundo de Infra-Estrutura ex-
criação do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, a pandem-se os projetos de pesquisa e revigora-se a
reforma dos institutos do MCT e a criação dos novos infra-estrutura de pesquisa, por outro, recebe reforço
Institutos do Milênio em áreas estratégicas para o esforço a execução de bolsas pelo CNPq, via fundos seto-
nacional de pesquisa. Nesse campo, a importância da riais. Com o Fundo Verde Amarelo, dispõe-se de um
atuação do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia vigoroso instrumento para que a aproximação univer-
(CCT) traduz-se, inter alia, na nova ênfase hoje conferida sidade-empresa abandone definitivamente o plano
às ações de prospecção. das intenções e ganhe concretude e eficácia.

x
O campo internacional é similarmente caracterizado dade de transmitir, com clareza, seus reais impactos
por uma nova visão: a política de fortalecimento do e os motivos do interesse do País em participar do
esforço nacional brasileiro vem acompanhada do duplo grupo de países que atuam na linha de frente dos
reconhecimento do caráter crescentemente global da avanços científicos e tecnológicos internacionais.
CT&I, como de que o panorama internacional nessa Compreender e difundir amplamente as razões pelas
área comporta muitas complexidades não é necessa- quais o Brasil participa e continuará a participar ati-
riamente “amigável”. Requerem-se, portanto, o apro- vamente dessas ações significa legitimá-las perante
fundamento conseqüente de nossas ações internas e a sociedade e permite angariar o apoio permanente
um tratamento sofisticado de nossa postura externa. desta ao imprescindível esforço nacional em CT&I.

Empreendem-se, neste último sentido, esforços ati- Ao levar em consideração todos esses elementos, a
nentes ao avanço no tratamento das questões globais importância do Livro Verde, reflete-se nas evidên-
e à consolidação da confiabilidade do Brasil como ator cias que emergem de suas páginas – às vezes como
importante no concerto das nações. São numerosos advertências, às vezes como expectativas – de que
os campos de trabalho: biodiversidade, camada de o diálogo democrático é o caminho privilegiado para
ozônio, proibição de armas químicas, regime de tec- definir os interesses gerais, superar condições de
nologias de uso duplo nos campos civil e militar, a atraso e fazer preponderar o ideal da contempora-
candente questão das mudanças climáticas, a supera- neidade. O Livro Verde busca mostrar, por fim, a
ção do hiato digital entre países desenvolvidos e em contribuição que podem a Ciência e Tecnologia pres-
desenvolvimento, a recuperação dos financiamentos tar para que o País alcance definitivamente seu lugar
do Banco Mundial e do Banco Interamericano de De- no cenário mundial.
senvolvimento para P&D, o início de uma política de
atração de investimentos de empresas de base tecno- Finalmente, desejaria agradecer vivamente a todos
lógica e de ações conjuntas com as mesmas. que, no Ministério da Ciência e Tecnologia e na co-
munidade científica, por sua dedicação profissional,
A reforma da política brasileira de cooperação interna- talento, competência e espírito público, contribuíram
cional, tanto com os países avançados, quanto com as para a idealização e elaboração deste Livro Verde,
nações em desenvolvimento, adquire ênfase revigorada, em especial o Dr. Carlos Américo Pacheco, Secretá-
quando o pesquisador brasileiro ganha novo alento e rio Executivo do MCT, o Dr. Cylon Gonçalves da
novos horizontes em termos programáticos e de finan- Silva, a Dra. Lúcia Melo e a equipe de redação lide-
ciamento de suas pesquisas, quando as necessidades rada pelo Prof. Antonio Márcio Buainain.
do desenvolvimento tecnológico e a inovação ascen-
dem ao primeiro plano de nossas considerações.

No entanto, despertar e mobilizar a sociedade para


o debate sobre a importância da CT&I e de sua in- Ronaldo Mota Sardenberg
serção definitiva na agenda da sociedade brasileira Ministro da Ciência e Tecnologia
depende ainda, em grande medida, de nossa capaci- Brasília, julho de 2001

xi
xii
PREFÁCIO
PREFÁCIO

A Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, um conjunto de diretrizes para a CT&I,


Inovação que será realizada em Setembro de 2001 uma visão estratégica com a respectiva alternativa
representa certamente um marco para o desenvolvi- para o desenvolvimento da CT& I, linhas de ação,
mento do setor no País. prioridades, instrumentos, arcabouço institucional
e fontes de financiamento. Por essa razão, é um do-
Será a grande oportunidade de mobilizar todos os cumento aberto para discussão, preparado para re-
principais atores que estão engajados em transformar ceber contribuições que virão dos mais diversos se-
a Ciência e Tecnologia em instrumentos efetivos de tores e regiões.
uma grande mudança econômica e social do Brasil,
enfrentando desafios, resolvendo problemas, aten- A Academia Brasileira de Ciências, ao aceitar a in-
dendo aos anseios da sociedade. Envolve não só o cumbência de organizar a Conferência em parceria
Governo e a comunidade científica e tecnológica, com o Ministério da Ciência e Tecnologia e suas
mas outros segmentos da sociedade que esperam que agências, assume de forma consciente a responsabi-
o País alcance, no mais curto espaço de tempo pos- lidade de garantir que esse empreendimento seja bem
sível, um padrão de desenvolvimento compatível sucedido. Aos que contribuíram para a elaboração
com suas potencialidades. deste documento, nossos agradecimentos pelo enor-
me esforço em agregar dados, informações e percep-
Trata-se, além disso, de um esforço que se faz num ções que muito nos ajudarão nas discussões da Con-
contexto em que Ciência, Tecnologia e Inovação são ferência e, finalmente, na produção do Livro Branco
encaradas segundo um novo paradigma, o da susten- que irá conter um elenco de compromissos realistas
tabilidade, ou seja, de utilizar o conhecimento pro- para o desenvolvimento de nossa Ciência, Tecnolo-
duzido de forma eticamente responsável, garantindo gia e Inovação nos próximos dez anos.
a preservação dos recursos disponíveis no planeta
para as futuras gerações.

Não é por acaso que o presente trabalho, o Livro


Verde de CT& I foi organizado de forma a cobrir
as seguintes questões Avanço do Conhecimento;
Qualidade de Vida; Desenvolvimento Econômi-
co; Desafios Estratégicos; Desafios Institucio-
nais, temas que se relacionam diretamente a esse
novo paradigma. Trata-se de um documento preli-
minar apresentando, para discussão com a sociedade
e apreciação durante o processo preparatório e na Eduardo Moacyr Krieger
Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia para Presidente da Academia Brasileira de Ciências

xiv
O LIVRO VERDE
xv
O LIVR
LIVROO VERDE

A elaboração deste Livro Verde não teria sido possí- cionalidades. O Brasil investiu, durante meio século,
vel sem o apoio decidido do Ministro Ronaldo Mota na construção de um sistema de pesquisa e, depois,
Sardenberg e do Secretário Executivo Carlos Amé- de pós-graduação que já alcançou, apesar de suas
rico Pacheco. Foi deles a idéia de que era necessário, limitações, dimensões respeitáveis. Mas este sistema
com urgência, iniciar uma discussão sobre o plane- se erigiu sobre um alicerce pouco sólido. Dois indi-
jamento da Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil. cadores demonstram isto.
Transformá-la em realidade é uma tarefa de todos
nós. Este Livro Verde, cuja concepção iniciou-se há Entre 1981 e 1999, a escolaridade média do brasileiro
mais de um ano e cuja redação ocupou boa parte de passou de cerca de quatro anos para cerca de seis
um semestre, é uma primeira tentativa de organizar, anos. Ou seja, em uma geração, a escolaridade média
ampliar e difundir o debate sobre essas questões cen- no Brasil cresceu apenas dois anos. Isto significa que,
trais para o futuro da sociedade brasileira. Uma ten- em que pesem os avanços no topo da pirâmide edu-
tativa, certamente, cheia de lacunas e imperfeições, cacional, a sociedade brasileira, como um todo, ainda
como cumpre a um Livro Verde. Agravadas, entre- está longe de ser uma sociedade do conhecimento.
tanto, pelo fato de ser a primeira vez que se tenta É preciso, pois, urgentemente, universalizar com
um exercício desta magnitude, com tal abrangência qualidade o ensino no Brasil, mobilizando ao máximo
de temas em um prazo tão curto. Aprender é aprender o que já se construiu no ensino superior e na pós-
fazendo, é errar e tirar ensinamentos desses erros. É graduação.
de se esperar que em um futuro não muito distante
renove-se este exercício. A equipe que assumir tal A transformação de conhecimento em riqueza se dá,
responsabilidade poderá aproveitar esta experiência preponderantemente, pela ação inovadora de empre-
e fazer melhor. sas. Entretanto, os investimentos do setor privado
em P&D são claramente insuficientes – o Estado
Tecnologia e Inovação foram trazidas no Livro Ver- ainda é responsável por cerca de dois terços desses
de, propositadamente, para a boca de cena. Isto não investimentos no País. Não se trata de fazer com
significa menosprezar a Ciência. A razão desta que o Estado diminua sua contribuição absoluta -
escolha prende-se à percepção de que o grande de- muito ao contrário, como o demonstra a criação dos
safio, hoje, reside mais na necessidade de incremen- fundos setoriais –, mas de fazer com que o setor
tar a capacidade de inovar e de transformar conhe- privado se torne, num prazo relativamente curto, o
cimento em riqueza para a sociedade brasileira co- participante maior no esforço de P&D no País, cujos
mo um todo, do que no potencial do sistema de C&T benefícios sejam apropriados, prioritariamente, pela
brasileiro de gerar novos conhecimentos. população brasileira. A experiência histórica dos
países que se desenvolveram mostra, também, o
O processo de desenvolvimento, por sua própria na- papel fundamental das empresas nacionais na
tureza, é uma sucessão de desequilíbrios e disfun- construção da riqueza desses países e na montagem

xvi
de um sistema de inovação forte. Aprender obser- generosamente seus conhecimentos, fornecendo in-
vando a trajetória de quem teve sucesso é uma formações, produzindo textos, criticando e melho-
melhor opção do que tentar seguir as prescrições rando este Livro Verde. Ele é, sobretudo, uma obra
contemporâneas dos bem sucedidos para aqueles que coletiva - muitos co-autores se reconhecerão no texto
buscam trilhar os mesmos caminhos. final, apesar de, na tentativa de produzir um docu-
mento mais coerente, suas contribuições terem sido
A baixa escolaridade do brasileiro e a reduzida propor- editadas. A opção por um Livro de aparência menos
ção de investimentos privados em P&D são fatos in- acadêmica e de leitura mais fácil (vã esperança!) fez
dependentes, mas não inteiramente dissociados. Não dispensar o aparato de notas e referências bibliográ-
faltam empreendedorismo e criatividade ao brasileiro: ficas, que seriam necessárias para fazer a devida jus-
faltam conhecimentos, providos por uma educação, em tiça a todos os colaboradores. Optou-se por listá-los
todos os níveis, universal, sólida e moderna, que capa- nas páginas iniciais. Além dos agradecimentos, cabe
citem a população a aproveitar Ciência, Tecnologia e aqui, portanto, também um pedido de desculpas.
Inovação na busca de uma vida melhor. Conhecimento
para todos é, acima de tudo, poder para construir um Pessoalmente, quero agradecer aos colegas da equipe
Brasil melhor – uma sociedade do conhecimento será de redação, responsável por grande parte do trabalho
uma sociedade mais justa e eqüitativa. de criação do Livro Verde: Tuca (Antonio Márcio),
Botelho, Ruy e Sérgio. Quero, também, agradecer à
Dar um papel mais relevante à Tecnologia e Inova- Lúcia, liderança inteligente, pertinaz e dedicada, que,
ção, neste momento, significa criar as condições para além de tudo, nos lembrou suave, mas firmemente,
obter um maior apoio futuro por parte da sociedade que o mundo não é só dos homens, nem o Brasil, só
brasileira à Ciência, à pesquisa fundamental e à o Sudeste... Finalmente, mas não menos importante,
fascinante e infinita exploração do Universo em que quero agradecer ao Ministro Sardenberg e ao Secre-
vivemos. Atenta a isto, em paralelo a este Livro Ver- tário Executivo Pacheco por terem me honrado com
de, a Academia Brasileira de Ciências está prepa- o convite para participar desta missão. Erros, lacunas
rando uma série de estudos sobre áreas de conheci- e deficiências que persistem, bem como cortes e
mento, sua situação atual no Brasil, os grandes avan- edições de textos, são de inteira responsabilidade do
ços que se desenham para os próximos anos, e os signatário.
desafios que terão de ser vencidos para permitir ao
Brasil contribuir para esses avanços. Outros estudos
realizados por sociedades profissionais, entidades de
classe e organizações preocupadas com Ciência,
Tecnologia e Inovação, enriquecerão o debate, com-
plementarão e corrigirão o Livro Verde, preenchendo
muitas das lacunas aqui deixadas.

Cabe, ainda renovar os agradecimentos a todos que Cylon Gonçalves da Silva


colaboraram com esta empreitada, compartilhando LNLS/ABTLuS

xvii
xviii
Desde a segunda metade do século XX, está em curso
uma revolução radical, certamente a mais profunda
de toda a história da espécie humana até o presente.
Impulsionada por dois grandes avanços do conheci-
mento - a ampliação da capacidade dos sistemas de
comunicação e processamento de informação, repre-
sentada pelo computador e sua integração com os
meios de comunicação e os progressos da biologia
molecular - ela deve nos preocupar, enquanto nação,
por suas profundas implicações políticas e econômicas.

Os países cujas populações não alcançarem o nível


educacional requerido para acompanhar e se adian-
tar a essa revolução estarão condenados a um atra-
so relativo crescente e a uma dependência política
daquelas nações que dominam o conhecimento, mais
opressora do que qualquer outra jamais vista na histó-
ria da humanidade. Não se trata de subjugação mili-
tar, visível nas forças de ocupação de uma potência
estrangeira, ou econômica, perceptível nas limitações
externas às opções de uma política nacional. Trata-
se de uma subjugação completa, invisível e inescapável.

A situação atual do Brasil não o condena a uma


perpetuidade de atraso. Bem ao contrário, o que
este Livro Verde mostra é o extraordinário caminho
¨
percorrido nos últimos cinquenta anos, as iniciativas
transformadoras atualmente em curso e as fantásti-
cas oportunidades para o futuro. Mostra, igualmente
que, para a próxima década, há uma consciência
clara das demandas mais prementes e das dificulda-
des a vencer. No curto prazo, muito do que precisa
ser feito já se encontra bem encaminhado e delineadas
as linhas mestras de atuação. A chave do caminho
do futuro encontra-se no exemplo da ação pertinaz
¨
e consequente, orientada por uma visão de longo
prazo da construção do País, que caracterizou o cres-
cimento da Ciência e Tecnologia no Brasil nas últimas
cinco décadas.
xx
SUMÁRIO

Coordenação geral, concepção e redação do Livro Verde iii


Colaboradores iii
Apresentação vii
Prefácio xiii
O Livro Verde xv
Índice de Gráficos, tabelas e quadros xxiii

Introdução 1
O debate necessário 2
Um projeto de longo prazo 5
Os grandes temas 7

Capítulo 1. Ciência, Tecnologia e Inovação: a dimensão do sistema no Brasil 11


As transformações do Brasil no último meio século 17
A dimensão do sistema de CT&I no Brasil 21
Desafios do Sistema Brasileiro de CT&I 35
O Plano Plurianual do MCT: 2000-2003 39
Tendências internacionais em políticas para CT&I 41

Capítulo 2. Ciência, Tecnologia e Inovação: o avanço do conhecimento 43


Educação para a Ciência, Tecnologia e Inovação 51
Formação de recursos humanos para CT&I 55
Profissionais e pesquisadores na construção do futuro 65
Avanço do conhecimento 71
Ciências Sociais para uma sociedade do conhecimento 77
Nanociências e Nanotecnologias 79

Capítulo 3. Ciência, Tecnologia e Inovação: qualidade de vida 83


Qualidade de vida no meio urbano 87
Qualidade de vida no meio rural 99
Alimentação e nutrição no Brasil 103
Saúde 105

Capítulo 4. Ciência, Tecnologia e Inovação: desenvolvimento econômico 113


C&T e Inovação tecnológica para o desenvolvimento 119
A necessidade de incrementar a inovação e o esforço tecnológico das empresas 123
Políticas de incentivo à P&D nas empresas 133
A baixa intensidade tecnológica do comércio exterior brasileiro 139
A necessidade de ampliar a participação dos setores de alta tecnologia na
estrutura produtiva: tecnologias da informação e comunicação 143
A necessidade de fortalecer a inovação e a difusão tecnológica
nas micro e pequenas empresas e a questão regional 149
Normas técnicas e metrologia para a competitividade 151
Agricultura 155

xxi
Plantas transgênicas 163
Capítulo 5. Ciência, Tecnologia e Inovação: desafios estratégicos 165
Parte 1: Conhecimento e gestão do patrimônio nacional 169
Levantamento geográfico e estatístico do território 169
Meteorologia e climatologia 170
Gestão do meio ambiente 173
Biodiversidade 175
Recursos do mar 178
Recursos hídricos 181
Recursos minerais 183
Parte 2: Grandes vulnerabilidades e oportunidades 185
Fármacos 185
Energia 188
Tecnologia da informação 191
Telecomunicações 199
Biotecnologia 203
Tecnologia espacial 207
Tecnologia aeronáutica 211
Tecnologia nuclear 211

Perspectivas da Cooperação Internacional em CT&I 215

Capítulo 6. Ciência, Tecnologia e Inovação: desafios institucionais 225


A organização para CT&I e o marco institucional 229
Políticas de CT&I: uma revisão de instrumentos 233
A competitividade institucional da pesquisa: a necessidade de um novo arranjo legal 245
As agências de fomento na organização dos sistemas de inovação 253

Travessia: Cooperação, diversidade e sustentabilidade 255

Anexo Metodológico 263

Siglas, Acrônimos e Similares 269

Legendas e créditos de fotos 273

xxii
ÍNDICE DE GRÁFICOS, TABELAS E QUADR
QUADR OS
ADROS

Gráficos
Capítulo 1
Gráfico 1 – Recursos do Governo Federal aplicados em Ciência e Tecnologia (C&T), segundo Ministérios 23
Gráfico 2 – Recursos aplicados em C&T pelo MCT 24
Gráfico 3 – Recursos dos Governos Estaduais aplicados em Ciência e Tecnologia 25
Gráfico 4 – Pedidos de patentes depositados no Instituto Nacional de Propriedade Industrial 33

Capítulo 2
Gráfico 1 – Brasil: média de anos de estudo da população em idade ativa (10 ou mais anos de idade) 63
Gráfico 2 – Ocupação de Profissionais de Nível Superior 67
Gráfico 3 – Índice do Número de Artigos publicados em periódicos científicos internacionais 72

Capítulo 4
Gráfico 1 – Evolução da Área e Produção de Grãos 116
Gráfico 2 – Taxa de Inovação da Indústria de Transformação em estados selecionados 126
Gráfico 3 – Balanço Tecnológico 129
Gráfico 4 – Valores Globais dos PDTI/PDTA ano a ano 134
Gráfico 5 – Importação e Exportação de Produtos Acabados de Informática 144
Gráfico 6 – Universidades e Instituições de Ensino e Pesquisa que receberam recursos da Lei de Informática 145
Gráfico 7 – Agentes Softex Centros Genesis 147

Capítulo 5
Gráfico 1 – Backbone da RNP 196
Gráfico 2 – Requisitos de Processamento de Alto Desempenho para Grandes Desafios em P&D 197

Cooperação Internacional
Iniciativas Recentes do Brasil em Cooperação Internacional em Ciência, Tecnologia e Inovação 224

Tabelas
Capítulo 1
Tabela 1 – Recursos do Governo Federal aplicados em Ciência e Tecnologia (C&T), por modalidade 23
Tabela 2 – Fundos Setoriais: previsão de recursos para 2001 25
Tabela 3 – Participação percentual dos Dispêndios em C&T em relação à Receita Total dos estados 27
Tabela 4 – Valor da renúncia fiscal pelo Governo Federal segundo as leis de incentivo à pesquisa,
desenvolvimento e capacitação tecnológica 28
Tabela 5 – Esforços em C&T e dispêndios em P&D financiados pelo Setor Público 29
Tabela 6 – Esforços em Ciência e Tecnologia (C&T) e dispêndios em Pesquisa e Desenvolvimento
(P&D) por setores de aplicação – Dados Preliminares 30
Tabela 7 – Dispêndio Nacional em P&D como percentagem do PIB 30
Tabela 8 – Indicadores selecionados da Pós-Graduação 31
Tabela 9 – Doutores titulados em área de Ciências e Engenharias 32
Tabela 10 – Número de artigos científicos e técnicos publicados 33
Tabela 11 – Patentes registradas no Escritório de patentes Norte-americano 34

xxiii
Capítulo 2
Tabela 1 – Matrículas por Dependência Administrativa. 56
Tabela 2 – Alunos matriculados em cursos de Pós-Graduação 60
Tabela 3 – Papel das Bolsas no Apoio à Pós-Graduação. Bolsas de Mestrado e Doutorado
concedidas no País, por agências federais 61
Tabela 4 – Número de Ocupados Formais: total e com Educação Superior em Ocupações Científicas, Técnicas e Artísticas 66
Tabela 5 – Brasil: Distribuição dos Grupos de Pesquisa segundo as Regiões Geográficas 68
Tabela 6 – Brasil: Distribuição dos Grupos de Pesquisa segundo a Grande Área de
Conhecimento predominante de suas atuações 69

Capítulo 3
Tabela 1 – Atividades Humanas e Qualidade das Águas 93

Capítulo 4
Tabela 1 – Porcentagem do Dispêndio Nacional em P&D financiado pelas Empresas. 121
Tabela 2 – Taxa de Inovação das Empresas Industriais, segundo tamanho da Empresa. 125
Tabela 3 – Gastos em P&D das Empresas em percentagem do PIB 127
Tabela 4 – Remessas e Receitas ao Exterior por Contratos de Transferência de Tecnologia 128
Tabela 5 – Estimativa das Despesas realizadas pelas Empresas do “Universo Anpei” em Atividades Inovativas 128
Tabela 6 – Gastos com P&D de Subsidiárias de Empresas Norte-americanas realizados fora dos EUA 130
Tabela 7 – Distribuição das Exportações segundo Intensidade Tecnológica 141
Tabela 8 – Exportações e Importações de Manufaturas segundo Intensidade Tecnológica 141
Tabela 9 – Participação de Cultivares da Embrapa 156
Tabela 10 – Brasil – Estab., Área, Valor Bruto da Produção (VBP) e Financiamento Total (FT) 158
Tabela 11 – Zoneamento Agroecológico 162

Capítulo 5
Tabela 1 – População e número de Hosts em Países Selecionados 192
Tabela 2 – Participação Econômica do Setor Aeroespacial 210

Quadros
Introdução
Marcos Importantes da Construção do Sistema Nacional de C&T 10

Capítulo 1
Quadro 1 – Conceitos e Definições 16
Quadro 2 – Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia – CCT 20
Quadro 3 – Bolsas IEL – Sebrae – CNPq para o Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico de Micro e Pequenas Empresas 37
Quadro 4 – Programa de Recursos Humanos para Atividades Estratégicas - RHAE 37
Quadro 5 – Programas do Plano Plurianual 2000-2003 40
Quadro 6 – Recomendações da OCDE com relação a Políticas para CT&I 42

Capítulo 2
Quadro 1 – Avanços na Área de Biotecnologia: o Projeto Genoma 47
Quadro 2 – Química 49
Quadro 3 – Uma conquista invisível na Agropecuária 50
Quadro 4 – Divulgação Científica 52
Quadro 5 – Matemática no Brasil: a premência de crescer 54
Quadro 6 – Ensino de Engenharia 58
Quadro 7 – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica – Pibic 62

xx
Quadro 8 – A Fábrica do Futuro 69
Quadro 9 – Genética moderna no Brasil 73
Quadro 10 – A Física brasileira: as duas últimas décadas e perspectivas 74
Quadro 11 – Programa Especial de Fixação de Doutores – Profix 75
Quadro 12 – Ciências Sociais para uma Sociedade do Conhecimento 78

Capítulo 3
Quadro 1 – Combate à Violência e Segurança Pública 89
Quadro 2 – Inovação no Sistema de Esgotamento Sanitário 94
Quadro 3 – Programa de Apoio às Tecnologias Apropriadas – PTA 101
Quadro 4 – O Semi-Árido nordestino e o Programa Xingó 102
Quadro 5 – Instituto do Coração (Incor): Centro de Assistência, Ensino e Pesquisa de Qualidade Mundial 107
Quadro 6 – Pesquisa em Medicina Clínica 110
Quadro 7 – Centro para Controle de Enfermidades (CDC) de Atlanta 111
Quadro 8 –Vacinas no Brasil 112

Capítulo 4
Quadro 1 – A Elaboração de Indicadores de Inovação no Brasil 125
Quadro 2 – Programas Tecnológicos Offshore da Petrobras 131
Quadro 3 – A Indústria Química Brasileira 132
Quadro 4 – Projeto Inovar 136
Quadro 5 – Proposta de Política de Desenvolvimento Tecnológico do IEDI 137
Quadro 6 – Progex 140
Quadro 7 – Comércio Exterior segundo Intensidade Tecnológica 141
Quadro 8 – Softex: A Sociedade para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro 147
Quadro 9 – A Atuação do CPqD 148
Quadro 10 – Sebrae 150
Quadro 11 – CNI/IEL/Senai 152
Quadro 12 – Capacitação Científica e Tecnológica em Metrologia 153
Quadro 13 – Tecnologia para os Agricultores Familiares 160
Quadro 14 – Plantio Direto 161
Quadro 15 – Zoneamento Agroecológico 162

Capítulo 5
Quadro 1 – Sistema Avançado de Informações para a Agricultura 170
Quadro 2 – El Niño/La Niña e o Clima no Brasil 171
Quadro 3 – O Valor dos Serviços Meteorológicos 172
Quadro 4 – Iniciativas brasileiras em Mapeamento e Gestão da Biodiversidade 177
Quadro 5 – Acesso a Biodiversidade 178
Quadro 6 – Ciência e Tecnologia para a Amazônia 179
Quadro 7 – A Questão das Patentes de Fármacos 187
Quadro 8 – Governo Eletrônico 193
Quadro 9 – O Desafio da Exclusão Digital 194
Quadro 10 – O Programa Sociedade da Informação 198
Quadro 11 – Comunicações Ópticas no Brasil 200
Quadro 12 – Novos Paradigmas em Telecomunicações – a Agenda de P&D do Centro de Pesquisa e
Desenvolvimento (CPqD), no início do século XXI 201
Quadro 13 – Cartão Telefônico Indutivo 202
Quadro 14 – Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio 205
Quadro 15 – Vitória da Biotecnologia 206
Quadro 16 – O Plano Nacional de Atividades Espaciais – PNAE e seus atores principais: AEB, INPE e Deped 208
Quadro 17 – Programa China-Brasil de Desenvolvimento de Satélites (CBERS) 209
Quadro 18 – Aplicações de larga escala de Técnicas Nucleares no Brasil 212

xxi
Capítulo 6
Quadro 1 – Pesquisa Inovadora em Pequenas Empresas – PIPE/Fapesp 235
Quadro 2 – Encomendas Tecnológicas pelo Setor Público 237
Quadro 3 – ProspeCTar 238
Quadro 4 – Acordos de Pesquisa e Desenvolvimento Cooperativos (Crada) 239
Quadro 5 – Centros de Pesquisa Cooperativa (CRC) 239
Quadro 6 – Plataforma Tecnológica 240
Quadro 7 – Rede ONSA 241
Quadro 8 – Programa Institutos do Milênio 242
Quadro 9 – Organizações Privadas de Pesquisa 247
Quadro 10 – Lei Francesa de Incentivo à Inovação 248
Quadro 11 – Projeto de Lei do Senado nº. 257 249
Quadro 12 – Lei da Inovação 250
INTRODUÇÃO
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

INTRODUÇÃO
O DEBATE NECESSÁRIO

Neste ano, comemora-se o cinqüen-


tenário de criação do Conselho Na-
cional de Desenvolvimento Cientí-
fico e Tecnológico (nascido Conse-
lho Nacional de Pesquisas, em 17
de abril de 1951). Em meio século,
longo caminho foi percorrido e a
Ciência e Tecnologia tornam-se
cada vez mais relevantes para a so-
ciedade brasileira. Em 1951, o Bra-
sil era um país predominantemente
rural, com população de pouco mais
de cinqüenta milhões de habitantes,
dos quais apenas trinta e seis por
cento habitavam em cidades. Quan-
do o CNPq foi criado, Ciência e Tec-
nologia tinham algum significado
apenas para pequena fração dos ha-
bitantes dos grandes centros brasi-
leiros. Hoje, a população do país
mais do que triplicou e a relação
população rural/população urbana
se inverteu; menos de um quarto da
população brasileira vive fora das ci-
dades. O mundo e a sociedade bra-
sileira sofreram transformações pro-
fundas.

2
Introdução

Ciência e Tecnologia, mais do que nunca, fazem parte Visão de futufuturro


do cotidiano das pessoas. DNA, genoma, telefone
Em 1951, é criado o Conselho
celular, internet são expressões que passaram a in-
tegrar o vocabulário popular. As telecomunicações Nacional de Pesquisas (CNPq).
permitem acesso local e global a um número de bra- Álvaro Alberto da Motta e
sileiros maior do que a população de muitos países Silva, almirante, empresário e
do mundo. O Brasil acabou de demonstrar sua com-
pesquisador, torna-se o
petência em seqüenciamento de genoma, com re-
percussão no cenário internacional e na sociedade
primeiro presidente da
brasileira. O País não apenas cresceu como se trans- Instituição.
formou estruturalmente nos últimos cinqüenta anos.
A explosão demográfica, a urbanização e a indus-
trialização, que em conjunto formaram o pano de
fundo da história brasileira na segunda metade do
século XX, estão presentes em quaisquer indicado-
res da evolução espantosa do País neste meio sécu-
lo. O ano de 1951, quando nasceu o CNPq, não está
apenas no século passado – está em um Brasil que
não mais existe.

Há dezesseis anos, era criado o Ministério da Ciência


e Tecnologia. Logo após, o Ministro Renato Archer
convocou uma conferência de Ciência e Tecnologia.
Esta Conferência, que se realizou em 1985, deu-se
em um momento especial da história recente do
Brasil e respondeu à necessidade de redemocratiza-
ção do País. Havia grande desejo da população em
geral e da comunidade científica, em especial, de
participar das decisões governamentais em todos os
níveis, depois de vinte anos de um regime autoritá-
rio. A conferência buscou construir novos caminhos
para essa participação. O passo foi dado, mas as tur-
bulências econômicas e políticas que se seguiram e
as freqüentes mudanças de comando no MCT, mes-
mo quanto à sua natureza jurídica, interromperam
por largo tempo o debate então iniciado. Nesse meio
tempo, mudou o mundo e mudou o Brasil. A acele-
rada disseminação das tecnologias modernas, espe-

3
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

cialmente as de base microeletrônica, encurtou cada prazo, outras para assegurar maior qualidade de vida
vez mais o ciclo de vida dos produtos. Nesse cenário, para as gerações futuras e que dependem, cada vez
a capacidade de gerar, introduzir e difundir inovações mais, de Ciência, Tecnologia e Inovação.
passou a ser determinante para a competitividade
das empresas e das nações em um mundo cada vez O crescimento dos recursos humanos qualificados,
mais globalizado. Torna-se, assim, necessário e ur- que pressiona uma infra-estrutura de pesquisa cres-
gente avaliar e discutir, com a sociedade, o papel e centemente desatualizada, gera a necessidade de ex-
os rumos da Ciência, Tecnologia e da Inovação no pansão planejada da base científica pública e privada.
contexto do novo século que se inicia. A abertura econômica do País impõe a necessidade
de formas mais criativas e de continuidade do pro-
No momento atual da Ciência e Tecnologia no Brasil, cesso de expansão do conhecimento e de inovação.
as necessidades são bastante distintas daquelas que E, mais especificamente, no âmbito do MCT, a cria-
presidiram as articulações de 1985. Muitas das defi- ção dos fundos setoriais conflui na mesma direção.
ciências ali apontadas ainda persistem, sobretudo as Tornou-se necessário repensar, com urgência, o mo-
de natureza social e econômica. Persistem, também, delo e a estratégia de desenvolvimento científico e
dificuldades de financiamento no setor, apesar dos tecnológico brasileiro para as próximas décadas. Os
progressos feitos tanto pelo setor público como pri- fundos setoriais são a grande novidade e, tanto em
vado. Mantêm-se, igualmente, muitos dos obstáculos termos de recursos adicionais, quanto de métodos
institucionais que no passado dificultaram o avanço atualizados de gestão, constituem grande oportuni-
da Ciência e Tecnologia, seja de natureza legal, fi- dade de um salto qualitativo e quantitativo para um
nanceira ou organizacional. Legislação, mecanismos sistema nacional de inovação. Mais do que qualquer
de gestão e fomento, estrutura de incentivos, fontes outro avanço recente, a criação dos fundos setoriais
de financiamento, entre outros temas, já estão na irá balizar a evolução do setor público de pesquisa e
agenda atual do MCT e deverão, sem dúvida, ser desenvolvimento e sua articulação com o setor pri-
objeto de reflexão da Conferência Nacional de Ciên- vado na próxima década. Impossível, portanto, que
cia, Tecnologia e Inovação, a ser realizada em setem- não figurem com proeminência neste debate.
bro de 2001. Outros desafios de grande porte vieram
somar-se aos antigos, tais como a disseminação dos
instrumentos modernos de comunicação e informa-
ção - basta lembrar que, em 1985, o computador pes-
soal estava em sua infância e a Internet era um sonho;
as mudanças nos modos de organização do trabalho
e o desemprego “tecnológico”; a exploração susten-
tável da biodiversidade; as mudanças climáticas glo-
bais; a poluição atmosférica e as contaminações in-
dustriais do solo urbano; novos organismos transgê-
nicos, entre tantos outros, para os quais a sociedade
brasileira precisa buscar soluções, algumas no curto

4
Introdução

UM PROJETO DE LONGO PRAZO

Ciência e Tecnologia não se tornarão relevantes para


a sociedade brasileira como conseqüência de um
evento, mas como conseqüência de um esforço con-
tinuado de qualificação de recursos humanos, em
todos os níveis; da existência de leis e normas ade-
quadas ao setor, que possibilitem mecanismos de ges-
tão modernos, agéis e eficazes, e estimulem a inova-
ção; do bom funcionamento de organizações públicas
de fomento, pesquisa e desenvolvimento articuladas
entre si e sensíveis às demandas da sociedade; de
um número crescente de empresas inovadoras e com-
petitivas, realizando um esforço consistente de pes-
quisa e desenvolvimento; da criação de mecanismos
permanentes de prospecção, acompanhamento e ava-
liação; enfim, da implantação efetiva daquilo que se
convencionou chamar de um Sistema Nacional de
Inovação moderno, dinâmico e compatível com as
prioridades e necessidades da sociedade brasileira
contemporânea. Fundamentalmente, o que se impõe
assegurar é a continuidade e o fortalecimento do es-
forço nacional no campo da Ciência e Tecnologia.

A riqueza e diversidade já atingidas pelo nosso sis-


tema nacional de inovação, a certeza de que há cria-
tividade e imaginação suficientes para que se bus-
quem soluções compatíveis com as necessidades lo-
cais e regionais, bem como com o interesse nacional,
para problemas diversos e situações complexas, im-
põem que se evitem propostas uniformes, isonômicas
e detalhistas. Deve-se reforçar a capacidade de fi-

5
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

nanciamento no setor, não apenas com recursos pú- completando-se posteriormente este ciclo com a
blicos, mas com um incremento significativo da con- edição de um Livro Branco com diretrizes para a
tribuição privada. Isto demandará a formulação de Ciência, Tecnologia e Inovação.
um conjunto de políticas nacionais compatíveis com
os objetivos desejados. É indispensável que essas A elaboração dessas Diretrizes Estratégicas é vista
políticas contemplem a flexibilização e descentrali- pelo MCT como um processo cuja continuidade é
zação capazes de reduzir custos administrativos e essencial para o fortalecimento do sistema nacional
burocráticos do sistema e permitam que todas ini- de inovação. Novos marcos institucionais – uma
ciativas meritórias e relevantes tenham apoio e ob- legislação moderna e propícia à inovação – e novos
tenham resultados. O Ministério da Ciência e Tec- mecanismos de fomento – fundos setoriais – somente
nologia espera que a realização da Conferência e a se viabilizarão e se sustentarão no longo prazo como
formulação subseqüente de Diretrizes Estratégicas frutos de uma mobilização mais ampla dos setores
para a Ciência, Tecnologia e Inovação consolidem o interessados e de uma participação política constante
reinício de um processo de prospecção, avaliação e e sustentada. Ambas exigem, em uma sociedade
definição dos rumos do setor no Brasil, compatível democrática, pelo alto grau de risco e de incertezas
com suas dimensões e sua dinâmica. que cercam todos processos de inovação, debate
permanente e conseqüente, mas, sobretudo, discus-
Não se trata de formular um plano exaustivo e abran- são bem informada sobre as vulnerabilidades da nos-
gente para o atingimento dos inumeráveis objetivos sa sociedade e as oportunidades que elas propiciam
de um sistema nacional de inovação; tampouco se para o exercício humano criativo na aplicação e ge-
deseja detalhar atividades e estabelecer seus investi- ração do conhecimento. Passado e presente definem
mentos e cronogramas específicos. Diretrizes Estra- a realidade dentro da qual se trabalha. Contudo, o
tégicas têm outra finalidade – definir rumos, indicar futuro não preexiste, mas é construído constante-
metodologias de trabalho, orientar no sentido de busca mente, a partir das visões individuais e coletivas de
de resultados concretos e relevantes, apontar as princi- uma sociedade. Há apenas meio século, a sociedade
pais vulnerabilidades do setor e as oportunidades que brasileira fomenta, de forma institucionalizada, pes-
delas decorrem para seu fortalecimento e expansão, quisa e desenvolvimento. Os percalços encontrados
focalizando em especial aquelas que por sua abran- nesse caminho não foram suficientes para desviá-la
gência e horizontalidade afetem a infra-estrutura do fundamentalmente daquela visão imaginada pelos
sistema como um todo ou que, por seu conteúdo, alte- pioneiros criadores do CNPq, almirante Álvaro Al-
rem de forma decisiva as perspectivas futuras da Ciên- berto à sua frente. Podemos apenas antever o quan-
cia e Tecnologia entre nós. Obviamente, no escopo to a sociedade brasileira acumulará ao longo dos pró-
deste documento não seria possível esgotar os temas ximos cinqüenta anos, em conseqüência da implan-
que merecem relevo. Apesar da abrangência das con- tação de um processo de elaboração, aplicação e revi-
sultas realizadas, a premência do tempo e as limitações são permanente de um conjunto de Diretrizes Es-
editoriais certamente criaram lacunas que serão pre- tratégicas para a Ciência, Tecnologia e Inovação bra-
enchidas pelas discussões que antecederão a Confe- sileiras.
rência Nacional e pelos debates que nela culminarão,

6
Introdução

OS GRANDES TEMAS

O presente documento está organizado em seis ca- O Avanço do Conhecimento


pítulos. O primeiro apresenta um panorama geral da
Qualidade de Vida
base científica e tecnológica brasileira: sua dimensão
e distribuição, seu processo de construção e evolu- Desenvolvimento Econômico
ção, assim como o padrão de gastos e investimentos Desafios Estratégicos
realizados na montagem do sistema. Os demais ca-
pítulos correspondem aos grandes temas seleciona- Desafios Institucionais
dos para melhor organizar a discussão ora proposta:
avanço do conhecimento, qualidade de vida, desen-
volvimento econômico, desafios estratégicos em
Ciência, Tecnologia e Inovação e, por último, desafios
institucionais.

7
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Avanço do Conhecimento a vida cotidiana no trabalho e no lazer, torna-se in-


separável de qualquer proposta para um sistema na-
O primeiro tema reconhece a importância central cional de inovação que possa contar com o apoio
de recursos humanos qualificados e, igualmente, do continuado da sociedade.
esforço do avanço do conhecimento para a sociedade
moderna. Nele, serão examinadas as questões da edu- Desenvolvimento Econômico
cação para a Ciência e Tecnologia, da continuada
relevância da pesquisa científica, No terceiro tema retoma-se, no
da resposta do País às demandas contexto brasileiro atual, a ques-
da sociedade do conhecimento, da tão do papel da Ciência e Tecno-
difusão do conhecimento, impe- logia no crescimento econômico
rativa para a competitividade sus- sustentado. A incorporação da pes-
tentada de uma cultura de inova- quisa e desenvolvimento na pro-
ção, e do papel renovado e expan- dução de bens e serviços inova-
dido das Ciências Sociais. dores é indiscutivelmente a fonte
do crescimento da produtividade
Qualidade de Vida do trabalho e da riqueza per capita
das sociedades avançadas de nosso
No segundo tema, a qualidade de vida refere-se não tempo. O Brasil, como país em desenvolvimento,
apenas a esta geração, mas às gerações futuras, como precisa realizar um esforço especial para vencer a
uma preocupação central e crescente da sociedade. distância que o separa dessas sociedades, ao mesmo
Com as desigualdades sociais e regionais do Brasil, tempo em que o faz vencendo suas profundas de-
a expressão “qualidade de vida” adquire, ademais, sigualdades regionais e sociais e definindo novos mo-
significado especial, distinto daquele dos países de- delos de desenvolvimento sustentável no longo pra-
senvolvidos. As questões da pobreza, urbana e rural, zo. O capítulo discute as principais condicionantes
da convivência em hábitats urbanos de baixo nível do processo de inovação na indústria e na agricul-
de sociabilidade e alto ní- tura brasileira e também indica fragilidades, poten-
vel de violência, entre mui- cialidades e instrumentos que estão sendo e/ou po-
tas outras, complementam dem ser utiliza-
as discussões contemporâ- dos para difundir
neas sobre qualidade de vi- a cultura da ino-
da nos países ricos. Desse vação em todo o
modo, a questão do impac- tecido produtivo
to do desenvolvimento do País.
científico e tecnológico so-
bre o cidadão brasileiro e
seu ambiente, sua saúde,
alimentação, mesmo sobre

8
Introdução

Desafios Estratégicos Finalmente, cabe lembrar o pano


de fundo dessa discussão: enquanto
O quarto tema será, sem dúvida, em outros países, sobretudo na Eu-
o mais controverso, na medida ropa e na América do Norte, as
em que serão identificados alguns questões da miséria, da desigual-
grandes desafios para o setor no dade social e da própria soberania
País, no horizonte de uma década. nacional parecem resolvidas, em
Assim como ainda restam no Bra- nosso País, além dos desafios no-
sil imensos espaços a conhecer e vos, característicos da virada de sé-
recensear em seus patrimônios naturais, como a culo, devemos enfrentar, no plano da persistência e
Amazônia, o mar, o semi-árido, há também espaços desenvolvimento de nosso esforço nacional em Ciên-
virtuais que precisam ser construídos e explorados, cia e Tecnologia, questões – como as mencionadas –
como os da Sociedade da Informação. Juntem-se a que naqueles países foram equacionadas desde o
isto as oportunidades de grandes setores emergentes século XIX ou na primeira parte do século XX. Daí
como a biotecnologia, ou já quase tradicionais, mas que haja um caráter a um tempo complexo e premente
ainda assim relevantes para a atualidade e para o das questões que se formulam para C&T em nosso
futuro, como a exploração do espaço, a utilização País: complexo, porque devem encaminhar mais pro-
pacífica da energia nuclear, a busca de fontes de blemas do que nos países desenvolvidos; premente,
energia renováveis e limpas, para se ter uma idéia porque, sem enfrentar esses desafios, teremos de lidar
preliminar da extensão desses desafios, para os quais com problemas econômicos e sociais agravados.
a Ciência e a Tecnologia certamente têm muito a
contribuir. Essas questões são importantes demais Ao longo dos próximos capítulos, esses temas são
para serem esquecidas e, ao mesmo tempo, para que examinados com maior ou menor profundidade, mas
se imagine que diretrizes para elas possam ser em qualquer caso, sem lhes fazer completa justiça.
formuladas à margem de uma discussão mais ampla Ficam aqui, contudo, o convite e até a provocação,
com a sociedade. para um debate que enrique-
ça a formulação das Diretri-
Desafios Institucionais zes Estratégicas para a Ciên-
cia, Tecnologia e Inovação na
Finalmente, no último grande tema, consideram-se próxima década. Este é o fo-
os desafios legais, institucionais e organizacionais a co que se pede ao leitor man-
serem superados para que grandes objetivos realistas ter ao longo da leitura deste
– porém ambiciosos, delineados nos temas anterio- documento e de suas contri-
res, de avanço do conhecimento, desenvolvimento buições para este esforço.
sustentável e crescimento econômico, alicerçados na
utilização crescente da Ciência e Tecnologia, pela
sociedade brasileira, para construção de seu bem-
estar social e econômico – tornem-se realidade.

9
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 1:
Marcos Importantes da Construção do Sistema Nacional de C&T

Século XIX nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, hoje Fun-


• Criação dos cursos de Direito em Olinda e São Paulo dação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Supe-
(1828) e da Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1874), primeira rior (Capes), com o propósito de apoiar a formação de recursos
instituição de ensino na área das engenharias. humanos em todas as áreas do conhecimento.
• O Observatório Nacional foi criado por D. Pedro I em 15 • Em 1956, foi fundado o Instituto de Pesquisas Energéticas
de outubro de 1827. Com a proclamação da república, em 1889, o e Nucleares (IPEN), com o objetivo de realizar pesquisas científi-
Imperial Observatório do Rio de Janeiro passou a se denominar cas e desenvolvimento tecnológico e formar especialistas na área
Observatório Nacional. nuclear.
• Criação da Escola Médico-Cirúrgica no Rio de Janeiro; • Em 1960, foi criada a Fundação de Amparo à Pesquisa do
criação do Jardim Botânico, com missão de coletar e pesquisar as estado de São Paulo (Fapesp), que começou a funcionar efetiva-
espécies vegetais nativas; criação do Museu Real, posteriormente mente em 1962.
transformado em Museu Nacional, com forte orientação para as • Em 1965, foi criado o Fundo de Financiamento de Estu-
ciências naturais. dos de Projetos e Programas, vinculado ao então Banco Nacional de
•Criação de centros de ciências naturais, saúde e higiene, Desenvolvimento Econômico (BNDE) e que daria origem, em 1967,
entre os quais o Museu Paraense Emílio Goeldi, em 1885, o Institu- à Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), responsável pelo
to Agronômico de Campinas, em 1887, o Museu Paulista em 1893, apoio a projetos de pesquisa e desenvolvimento realizados por
o Instituto Bacteriológico de São Paulo, 1893, e o Instituto Butantã, empresas e institutos de pesquisa.
em 1899. • Ao fim dos anos sessenta, estruturam-se projetos ambi-
• Instituto Soroterápico Municipal de Manguinhos, em 1900, ciosos de novas instituições de pesquisa no Brasil, como a Coppe,
transformado em Instituto Oswaldo Cruz em 1907. no Rio de Janeiro, e a Unicamp, em São Paulo.
• A reforma universitária de 1968 lança as bases do novo
Século XX regime de ensino superior no País, com êxitos efetivos na implan-
• Em 1916, foi fundada a Sociedade Brasileira de Sciencias tação da pós-graduação, através de ações do FNDCT (criado em
que, em 1921, passou a ser denominada Academia Brasileira de 1969), do CNPq e da Capes.
Ciências. • No dia 22 de abril de 1971, foi criado oficialmente o
• Em 1920, foi criada a primeira universidade a partir da Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), subordinado diretamente
fusão da Escola Politécnica, da Faculdade de Medicina e Faculdade ao CNPq.
de Direito na Universidade do Rio de Janeiro. • Em 1973, foi criada a Empresa Brasileira de Pesquisa
• Em 1930, foi criado o Ministério da Educação e da Saúde Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura e
e nas décadas seguintes cresceu o número de universidades fede- do Abastecimento, com a missão de viabilizar soluções para o de-
rais e escolas privadas. senvolvimento sustentável do agronegócio brasileiro por meio de
• Em 1934, foi criada a Universidade de São Paulo (USP), geração, adaptação e transferência de tecnologias.
hoje a maior universidade brasileira, já com objetivos de “promo- • Em 1985, foi criado o Ministério de Ciência e Tecnologia,
ver o progresso da ciência por meio da pesquisa”. com o mandato de coordenar as atividades de C&T no País.
• Após a II Guerra, foram criados o Centro Tecnológico da • A Constituição de 1988 faculta aos estados a vinculação de
Aeronáutica (CTA), o Instituto Militar de Engenharia (IME) e o Ins- receita para C&T. Diversas fundações estaduais de amparo à pes-
tituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), com o objetivo de formar quisa começam a ser criadas.
recursos humanos altamente qualificados e desenvolver tecnologia • Criada a Academia Nacional de Engenharia (ANE), em 1991.
de ponta na área militar. • Em fevereiro de 1993, o primeiro satélite artificial nacio-
• Em 1948, foi fundada a Sociedade Brasileira para o Pro- nal é colocado em órbita, através do foguete norte-americano
gresso da Ciência (SBPC). Pegasus, o Satélite de Coleta de Dados -1 (SCD-1).
• Em 1949, foi criado o Centro Brasileiro de Pesquisas • Criada, em 1994, a Agência Espacial Brasileira (AEB),
Físicas (CBPF), instituição privada que reuniria alguns dos mais autarquia federal de natureza civil, vinculada ao Ministério da Ciên-
conceituados físicos brasileiros. cia e Tecnologia, é responsável pela definição de ações destinadas a
• Em 1951, quase ao mesmo tempo em que se criaram concretizar os objetivos descritos na Política Nacional de Desen-
instituições similares em vários países desenvolvidos, foi criado o volvimento das Atividades Espaciais (PNDAE).
Conselho Nacional de Pesquisas (CNPq), talvez o marco mais rele- • Em 1996, é criado o Conselho Nacional de Ciência e
vante da institucionalização do apoio à pesquisa científica e tecnológica Tecnologia (CCT), órgão de assessoramento superior do Presiden-
no Brasil. te da República para a formulação e implementação da política
• Ainda em 1951, foi criada a Campanha Nacional de Aper- nacional de desenvolvimento científico e tecnológico.
feiçoamento do Ensino Superior, depois transformada na Coorde-

Fonte: Figueiredo (1999) e Schwartzman (2001)

10
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
A DIMENSÃO DO SISTEMA NO BRASIL
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO
A DIMENSÃO DO SISTEMA
NO BRASIL

Inicia-se um novo século. Este se-


rá, ainda mais do que o anterior, o
século da Ciência, da Tecnologia e
da Inovação. O Brasil precisa le-
var adiante a discussão sistemáti-
ca, ampla e participativa dos desa-
fios de construção de uma socie-
dade onde o conhecimento seja o
propulsor de conquistas culturais,
sociais e econômicas. Sem isto, es-
taria abrindo mão de instrumentos
essenciais para planejar o futuro,
determinar prioridades, avaliar e
corrigir o rumo do nosso desenvol-
vimento científico e tecnológico.

A questão fundamental a ser formu-


lada, e que orienta a construção des-
te Livro Verde, é a de como inserir
Ciência, Tecnologia e Inovação na
agenda política do País e, dessa for-
ma, transformá-las em verdadeira

12
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

alavanca da criação de uma sociedade rica e eqüitati- “Os projetos de êxito em C&T exigem
va. É preciso criar as condições para aproveitar o capacitação científica estruturalmente
imenso potencial de promoção social, econômica e sólida e massa crítica de
cultural que o desenvolvimento da Ciência e da Tec- pesquisadores qualificados. Um
nologia oferece, hoje e ainda mais no futuro. O de- esforço contínuo e cumulativo de
safio é construir, de forma coordenada e participati- educação com padrões elevados de
va, as bases efetivas de uma sociedade sintonizada excelência, durante décadas e
com a produção e o avanço do conhecimento. décadas. Ciência e Tecnologia são
sempre atividades sensíveis à
O esforço não é simples, nem se esgota nos diag-
acumulação de conhecimentos e à
nósticos, problemas e diretrizes discutidos neste li-
formação de grande quantidade de
vro, cujo objetivo é bem mais modesto: buscar ele-
pessoas capazes de gerar novos
mentos de convergência que possam orientar a cons-
conhecimentos.”
trução e operacionalização de uma nova agenda bra-
sileira para Ciência, Tecnologia e Inovação. Trata-
Carlos Henrique de Brito Cruz,
se, portanto, de lançar um amplo debate, o qual, em Fapesp
última instância, definirá os compromissos a serem
levados adiante.

Sociedade do conhecimento, sistemas de inovação,


função social do conhecimento, estes, entre outros
temas, são assuntos recorrentes neste Livro. Seja qual “A Universidade enfrentará melhor a
for o enfoque que se privilegie, há forte convergên- concorrência de outros sistemas de
cia em âmbito internacional sobre o papel-chave que transmissão do saber (como a própria
hoje cumprem Ciência, Tecnologia e Inovação na Internet) apenas se conseguir integrar
construção das sociedades modernas. Ensino e Pesquisa. O adequado
desenvolvimento da Pesquisa exige o
Os países desenvolvidos e um grupo cada vez maior atendimento articulado de múltiplos
de países em desenvolvimento têm colocado a pro- requisitos. Recursos amplos, crescentes
dução de conhecimento e a inovação tecnológica no
e assegurados em perspectivas de dez,
centro de sua política para o desenvolvimento. Fa-
quinze ou mais anos. Porém, tais
zem isto movidos pela visão de que o conhecimento
programas também envelhecem... e se
é o elemento central da nova estrutura econômica
impõe que, continuamente, recebam
que está surgindo e de que a inovação é o principal
novos pesquisadores, jovens e
veículo da transformação do conhecimento em valor.
talentosos.”
Os investimentos feitos em Ciência, Tecnologia e
Inovação trazem retorno na forma de uma população
Glaci Therezinha Zancan,
mais bem qualificada, de empregos mais bem remu- UFPR

13
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

nerados, de geração de divisas e de melhor qualidade adotadas. As conseqüências negativas desta postura
de vida. só serão sentidas no futuro.

A produção de conhecimento e sua incorporação em No Brasil, a sociedade e o Estado empreenderam


inovações tecnológicas são instrumentos cruciais para esforços consideráveis, nos últimos cinqüenta anos,
o desenvolvimento sustentável. Pelo lado do de- para a construção de um sistema de Ciência e
sempenho econômico, isto se deve ao fato de que as Tecnologia que se destaca entre os países em
inovações são o principal determinante do aumento desenvolvimento. Um robusto sistema universitário
da produtividade e da geração de novas oportunidades e de pós-graduação e um conjunto respeitável de
de investimento. E uma característica central da instituições de pesquisa, algumas de prestígio inter-
inovação tecnológica nas economias industrializadas nacional, constituem os elos fortes desse sistema.
é a crescente incorporação de conhecimento científico Muitos dos resultados positivos para a sociedade bra-
cada vez mais complexo. No Brasil, a presença de pro- sileira, decorrentes do esforço feito até aqui, são
dutos e processos incorporando conhecimento e tec- comentados ao longo deste trabalho. Graças aos
nologia avançada em praticamente todos os setores investimentos sistemáticos na pós-graduação e na
da economia, em geral, e na pauta de exportações, pesquisa, a produção científica brasileira ampliou sig-
em especial, ainda é restrita, o que aponta para a neces- nificativamente sua presença no cenário internacio-
sidade de que Ciência, Tecnologia e Inovação assu- nal. Em determinadas áreas da pesquisa tecnológica
mam papel central na formulação das políticas – como a agropecuária, a saúde e a exploração de
econômica e industrial. petróleo –, a acumulação de conhecimento tem tra-
zido expressivo retorno social e econômico.
Por outro lado, o avanço do conhecimento e a ino-
vação têm enorme potencial para ajudar a sociedade No entanto, o chamado sistema de Ciência e Tecno-
a forjar respostas à altura dos grandes desafios a serem logia brasileiro apresenta problemas e deficiências
enfrentados na busca da qualidade de vida para a que dificultam sua resposta aos novos desafios que
população. No caso brasileiro, a superação de doen- se colocam para o ingresso da sociedade brasileira
ças endêmicas, a universalização do ensino médio, a na sociedade do conhecimento e aos benefícios que
exploração sustentável do maior – e ainda pouco co- ela pode trazer para toda a população. Alguns desses
nhecido - patrimônio de biodiversidade do planeta e problemas, comentados ao longo deste volume, são
a exploração das fronteiras do espaço e do mar são a pequena participação do esforço privado, em es-
exemplos de desafios para os quais CT&I podem dar pecial das empresas, no investimento realizado em
contribuições imprescindíveis. CT&I, da qual resulta a inexpressiva posição brasileira
na atividade de patenteamento, a fragmentação e a
Entretanto, um problema comum a muitos países pouca coordenação das atividades relacionadas à
em desenvolvimento é que, se há preocupação cres- CT&I, dispersas em diferentes setores, e à (ainda)
cente com os temas de Ciência, Tecnologia e Inova- excessiva centralização das ações governamentais na
ção, esses ainda não são tratados como aspectos fun- esfera federal. O que aqui se busca apontar é a ne-
damentais das estratégias de desenvolvimento cessidade da transição de um sistema de C&T, con-

14
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

centrado nas ações do Governo Federal e de alguns


estados da Federação, e em suas instituições de en-
sino e pesquisa, para um sistema nacional de Ciência,
Tecnologia e Inovação, com ampla participação de
agentes públicos e privados, e presença forte em to-
dos os setores. Esta é uma tarefa de grande porte
que exige a participação das organizações públicas
de pesquisa, das universidades, do governo em suas
diversas esferas, mas também das empresas e da gran-
de variedade de instituições da sociedade civil atuan-
tes no Brasil.

Este capítulo apresenta as principais características


do sistema brasileiro de Ciência, Tecnologia e Ino-
vação, com o intuito de oferecer ao leitor um pano-
rama amplo de sua dimensão e alguns de seus prin-
cipais problemas. Na próxima seção, procura-se situar
a construção do sistema de C&T no contexto das
transformações econômicas e sociais do País, nos
últimos cinqüenta anos. A seção seguinte apresenta
indicadores comentados sobre os esforços públicos
e privados em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)
e Ciência e Tecnologia (C&T) no Brasil e sobre a
base e formação de recursos humanos qualificados
para a pesquisa, além de indicadores da produção
científica e da atividade de patenteamento. Na se-
qüência, os problemas e desafios mais importantes
do sistema de C&T são comentados: a concentração
regional das atividades de C&T; os laços entre a pes-
quisa e as empresas; a necessidade de coordenação
interinstitucional. As principais características do
Plano Plurianual do MCT para o período 2000-2003
são o tema da seção seguinte. Finalmente, a última
seção deste capítulo apresenta algumas das princi-
pais tendências recentes das políticas de CT&I nos
países mais industrializados, como quadro de refe-
rência para a discussão das questões brasileiras.

15
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 1
Conceitos e Definições
Ao longo desse livro, uma série de conceitos e expressões são utili- • Atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)
zadas, sobretudo nas seções que mencionam indicadores científicos Pesquisa e desenvolvimento experimental compreendem o traba-
e tecnológicos. Em sua maioria, tais conceitos são sistematizados por lho criativo, realizado em bases sistemáticas, com a finalidade de
organismos internacionais, com vistas à sua padronização para a cons- ampliar o estoque de conhecimento, inclusive o conhecimento do
trução de indicadores pelos diferentes países. No caso do Brasil, as homem, da cultura e da sociedade, assim como o uso desse estoque
estatísticas acompanham, de forma geral, as recomendações da OCDE, de conhecimento na busca de novas aplicações. Compreende três
em especial no que tange aos conceitos de P&D, inovação e atividades atividades: pesquisa básica – trabalho experimental ou teórico rea-
inovativas. lizado primordialmente para adquirir novos conhecimentos sobre
os fundamentos de fatos ou fenômenos observáveis, sem o propó-
Porém, tal como ocorre nos países em desenvolvimento, as ativida- sito de qualquer aplicação ou utilização; pesquisa aplicada – investi-
des de P&D não são suficientemente amplas para contemplar o con- gação original, realizada com a finalidade de obter novos conhecimen-
junto de atividades científicas e tecnológicas que são desenvolvidas no tos, mas dirigida, primordialmente, a um objetivo prático; desenvol-
País. Por esta razão, as estatísticas nacionais também consideram vimento experimental – trabalho sistemático, apoiado no conheci-
outras atividades científicas e técnicas correlatas, acompanhando, em mento existente, adquirido por pesquisas ou pela experiência prá-
parte, as recomendações da Unesco. Mais especificamente, são com- tica, dirigido para a produção de novos materiais, produtos ou equi-
putadas como atividades de C&T o que a Unesco denomina de "ser- pamentos, para a instalação de novos processos, sistemas ou ser-
viços científicos e tecnológicos", à exceção daqueles realizados em viços, ou para melhorar substancialmente aqueles já produzidos ou
bibliotecas, museus e serviços de editoração que não pertençam a instalados (OCDE, Manual Frascati, 1993, p.29).
instituições típicas de Ciência ou Tecnologia e coleta de dados sobre
fenômenos socioeconômicos. • Inovação
Inovação tecnológica de produto ou processo compreende a introdução
• Atividades Científicas e Tecnológicas (C&T) de produtos ou processos tecnologicamente novos e melhorias signifi-
Atividades científicas e tecnológicas correspondem ao esforço siste- cativas em produtos e processos existentes. Considera-se que uma
mático, diretamente relacionado com a geração, avanço, dissemina- inovação tecnológica de produto ou processo tenha sido implementada
ção e aplicação do conhecimento científico e técnico em todos os se tiver sido introduzida no mercado (inovação de produto) ou utilizada
campos da Ciência e da Tecnologia. Incluem as atividades de pesquisa no processo de produção (inovação de processo). As inovações
e desenvolvimento (P&D) (cuja definição se encontra adiante), o tecnológicas de produto ou processo envolvem uma série de atividades
treinamento e a educação técnica e científica, bem como os serviços científicas, tecnológicas, organizacionais, financeiras e comerciais. A
científicos e tecnológicos. Treinamento e educação técnica e científica firma inovadora é aquela que introduziu produtos ou processos
correspondem a todas as atividades relativas ao treinamento e ao tecnologicamente novos ou significativamente melhorados num perío-
ensino superior especializado não-universitário, ao ensino superior e do de referência (OCDE, Manual de Oslo, 1996, p.35).
ao treinamento para a graduação universitária, à pós-graduação e aos
treinamentos subseqüentes, além do treinamento continuado para • Atividades inovativas
cientistas e engenheiros. Os serviços científicos e tecnológicos com- Atividades inovativas compreendem todos os passos científicos,
preendem as atividades concernentes à pesquisa e ao desenvolvi- tecnológicos, organizacionais, financeiros e comerciais, inclusive o
mento experimental, assim como as que contribuam para a geração, investimento em novos conhecimentos, que, efetiva ou potencial-
disseminação e aplicação do conhecimento científico e tecnológico. mente, levem à introdução de produtos ou processos tecnologica-
mente novos ou substancialmente melhorados. As atividades inovati-
Podem ser agrupados em nove subclasses: vas mais destacadas: aquisição e geração de novos conhecimentos
- atividades de C&T em bibliotecas e assemelhados; relevantes para a firma; preparações para a produção; marketing dos
- atividades de C&T em museus e assemelhados; produtos novos ou melhorados (OCDE, Manual de Oslo, 1996, p.44).
- tradução e edição de literatura científica;
- pesquisa geológica, hidrológica e assemelhadas; • Sistema Nacional de Inovação
- prospecção; A origem do conceito remete aos trabalhos de Lundvall (1988),
- coleta de dados sobre fenômenos socioeconômicos; Freeman (1987) e Nelson (1992). Tomando como ponto de partida a
- testes, padronizações, controle de qualidade etc.; visão do processo de inovação como um fenômeno complexo e
- aconselhamento de clientes, inclusive serviços públicos de sistêmico, o Sistema Nacional de Inovação pode ser definido como o
consultoria agropecuária e industrial; conjunto de instituições e organizações responsáveis pela criação e
- atividades de patenteamento e licenciamento por instituições pú- adoção de inovações em um determinado país. Nessa abordagem, as
blicas (Unesco: Recommendation Concerning the International políticas nacionais passam a enfatizar as interações entre as institui-
Standardisation of Statistics on Science, 1978, citado em OCDE, ções que participam do amplo processo de criação do conhecimento
Manual Frascati, 1993. e da sua difusão e aplicação (OCDE, Manual de Oslo, 1996, p. 7).

16
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

AS TRANSFORMAÇÕES DO BRASIL NO
ÚLTIMO MEIO SÉCULO

As principais instituições de fomento do sistema


nacional de C&T comemoram cinqüenta anos. Nes-
sas cinco décadas, o Brasil passou por grandes trans-
formações. Dois grandes ciclos de crescimento mo-
vidos pela substituição das importações, um nos anos
cinqüenta e outro nos setenta, foram responsáveis
pela base de nossa industrialização. Períodos de
crescimento rápido foram entremeados por momen-
tos de estagnação e crise, em geral decorrentes da
debilidade da inserção internacional. Inflação estru-
turalmente alta ou fragilidade externa foram dilemas
recorrentes, mas, indiscutivelmente, o Brasil se trans-
formou em uma das principais economias do mun-
do e mudou a face de sua sociedade.

A partir da década de oitenta, em parte como decor-


rência das mudanças da economia global, esgota-se
o modelo de substituição de importações. Como eco-
nomia historicamente internacionalizada, mas pou-
co competitiva e pouco aberta para o exterior, o País
teve dificuldades em se situar nesse novo contexto.
Com a estabilização da moeda, um conjunto de refor-
mas estruturais é posto paulatinamente em curso,
buscando redefinir o papel do Estado, novos me-
canismos de regulação dos mercados e um novo re-
gime fiscal. A necessidade de maior inserção inter-
nacional, em um mundo de grande instabilidade e
em franca mudança, colocou em evidência uma nova
agenda.

17
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Entre as maiores transformações dos últimos vinte do século XIX, com o regime escravocrata, o com-
anos, está a consolidação da democracia. A supera- pleto descaso com a escolaridade básica, que só mui-
ção do autoritarismo se expressa com clareza na to recentemente recebeu a prioridade necessária, e a
Constituição de 1988 e no conjunto dos processos natureza incompleta de nosso Estado de bem-estar
eletivos que orientam a seleção dos dirigentes pú- social são os exemplos mais marcantes. Essas ques-
blicos nos seus mais diversos níveis. Com um regime tões, traduzidas nos termos dos desafios do novo sécu-
político que ainda carece de aperfeiçoamento, é ine- lo, acrescentam mais um problema à agenda da CT&I:
gável o avanço no terreno dos direitos humanos, na ser instrumento também da construção de uma socie-
liberdade de imprensa e no entendimento do papel dade mais igualitária e justa.
central da democracia. A realização de mudanças
importantes na natureza do Estado, no regime eco- A evolução do sistema nacional de C&T
nômico ou na ordem social, em um quadro de cres-
cente afirmação da institucionalidade democrática, Ciência e Tecnologia contribuíram para os progressos
revela a maturidade política do País. observados ao longo da última metade do século XX,
principalmente por meio da formação de recursos
A estrutura social brasileira mudou de forma drástica humanos qualificados e, em alguns setores já mencio-
nesses cinqüenta anos. O país rural transformou-se nados, pelo desenvolvimento e transferência de tec-
em uma sociedade industrial e urbana complexa e pro- nologia. No entanto, o novo contexto socioeconô-
fundamente heterogênea. Uma nova classe média mico e institucional vigente exige mais que compe-
surgiu e cresceu significativamente nos últimos trinta tência pontual e setorial em C&T. Hoje, a dinâmica
anos, impulsionada pelo papel do Estado e da grande econômica e social se baseia na aplicação ampla do
indústria e, depois, estimulada pelo crescimento de conhecimento, e o desafio é construir, a partir das
novos empreendimentos privados no comércio e nos bases atuais, uma sociedade com capacidade para
serviços. Em conjunto, esses segmentos criaram um inovar e enfrentar os problemas atuais e futuros. Não
mercado de consumo de proporções significativas, se trata, como será discutido ao longo de todo o Livro
mesmo em comparação com muitos países desenvol- Verde, de mera questão semântica – sociedade do
vidos. Trouxeram também novas demandas políticas, aprendizado, conhecimento ou informação. A ques-
expectativas econômicas e de participação social que, tão de fundo é capacitar o país a aprender de forma
além de serem componentes ativos da mudança na contínua e a transformar, cotidianamente, conheci-
política social, estruturaram uma nova agenda, com mento em inovação e inovação em desenvolvimento.
temas como a proteção do meio ambiente e a defesa
do consumidor. Ao longo dos últimos cinqüenta anos, o Brasil cons-
truiu um sistema nacional de Ciência e Tecnologia
A despeito de todas as mudanças drásticas ocorridas sofisticado, mas incompleto, o qual, como se verá
nesses cinqüenta anos, persistem desafios imensos. adiante, a despeito de todas as suas debilidades, não
O maior deles é, sem dúvida, o da desigualdade social. tem paralelo na América Latina.
A história brasileira guarda marcas muito fortes de
uma trajetória de iniqüidade: a convivência, até o fim As dificuldades experimentadas na década de oitenta,

18
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

associadas ao estancamento dos investimentos pú- tria (PACTI) e o Programa de Apoio ao Comércio
blicos no País, comprometeram muitas das conquis- Exterior (PACE). Mais do que prover recursos pú-
tas realizadas na década anterior. Ainda assim, a de- blicos, buscou-se favorecer a inovação e o investi-
mocratização do País teve impactos positivos para mento em capacitação tecnológica por parte das em-
o setor. De um lado, explicitou demandas e valorizou presas, mediante a criação de incentivos fiscais para
o papel da comunidade acadêmica no processo de a capacitação tecnológica.
construção da sociedade democrática; de outro, no
contexto das reformas institucionais, foi criado o Mi- No período recente, grande esforço está sendo feito
nistério da Ciência e Tecnologia, que passou por di- para alçar Ciência, Tecnologia e Inovação a um no-
versas reestruturações até atingir a sua configuração vo patamar, tanto em termos do porte e alcance das
atual. A Conferência Nacional de Ciência e Tecno- atividades de pesquisa e desenvolvimento, como da
logia, realizada em 1985, com o objetivo de promover sua contribuição para a agenda econômica e social
grande mobilização nacional em torno da área e iden- do País. Isso requer um novo padrão de financiamento
tificar os obstáculos e as oportunidades abertas ao e de gestão dos recursos destinados a CT&I, apto a
País pela revolução técnico-científica mundial, ex- responder aos crescentes desafios que a sociedade
pressava, naquele momento, as enormes expectati- brasileira deverá enfrentar na próxima década. Esse
vas em relação ao papel que C&T deveriam assumir é o sentido dos fundos setoriais recém-criados e das
na reconstrução democrática. reformas institucionais em curso no âmbito do Go-
verno Federal, temas que serão aprofundados nos
A partir de 1990, a política de abertura econômica e vários capítulos deste Livro Verde.
de maior inserção do País no mercado internacional
modificou as condições de funcionamento da eco-
nomia brasileira. A estratégia adotada propunha a
inserção competitiva da economia brasileira no mer-
cado internacional e visava diminuir a presença do
Estado na economia, dando início a um amplo pro-
jeto de privatização das empresas públicas. Outras
medidas associadas foram o fortalecimento das leis
de proteção ao consumidor, a revisão das leis de pro-
priedade intelectual e a extinção dos mecanismos
de controle de contratos de transferência de tecno-
logia, entre outras.

Nesse novo ambiente institucional, estruturaram-se


programas voltados para fortalecer a competitividade
do parque industrial do País, como o Programa Brasi-
leiro de Qualidade e Produtividade (PBQP), o Pro-
grama de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indús-

19
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 2
Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia - CCT
A experiência internacional de conselhos de Ciência e Tecnologia cional; do Planejamento, Orçamento e Gestão e das Relações Exte-
subordinados diretamente aos mais altos escalões do governo, cujo riores) e oito representantes da comunidade científica e do setor
paradigma de maior realce é o Japão, estimulou a idéia de se criar no empresarial com seus respectivos suplentes.
Brasil um novo Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), sob
a direção do presidente da República. Tal orientação fundamentou-se, O CCT desenvolve estudos que auxiliam o MCT na formulação da
sobretudo, na crescente importância da Ciência e Tecnologia para o Política Nacional de C&T, entre os quais:
desenvolvimento econômico, industrial e social dos países, incluindo a
influência que exerce nas relações entre diferentes setores que • Situação Atual da Ciência e Tecnologia no Brasil (1997) - orientado
compõem o governo e nas relações internacionais. O CCT tem, entre para conhecer o panorama atual da C&T no País e informar os
suas missões, propor planos, metas e prioridades de governo referentes conselheiros sobre o perfil da base científica e tecnológica, bem
à área, efetuar avaliações relativas à execução da política nacional do como seu potencial para promover "inovação".
setor, e opinar sobre propostas ou programas que possam causar • A Formação da Sociedade da Informação no Brasil (SocInfo), 1998,
impactos à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico, bem como projeto de amplitude nacional para articular e coordenar o
sobre instrumentos normativos para sua regulamentação. desenvolvimento e a utilização de serviços avançados de computação,
comunicação e informação e suas aplicações na sociedade, de forma
O presidente da República preside o Conselho e o ministro da a alavancar a pesquisa e a educação, bem como assegurar a inserção
Ciência e Tecnologia é o secretário. Dezesseis membros integram competitiva da economia brasileira no mercado mundial
o CCT: oito ministros de Estado (além do ministro da Ciência e • Atualmente, coordena estudo prospectivo, que objetiva elaborar
Tecnologia, os ministros da Defesa; do Desenvolvimento, Indústria subsídios para a formulação de políticas de C&T, o Programa Pros-
e Comércio Exterior; da Educação; da Fazenda; da Integração Na- peCTar.

20
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

A DIMENSÃO DO SISTEMA DE CT&I NO BRASIL

Para orientar as discussões em torno deste Livro Ver-


de, é importante ter uma visão abrangente das di-
mensões do sistema de CT&I brasileiro, sobretudo
através de um conjunto de estatísticas que permite
comparações internacionais. Tendo em vista os
principais critérios de mensuração adotados em ou-
tros países, essa seção apresenta indicadores refe-
rentes aos principais insumos empregados em C&T
e P&D, ou seja, o dispêndio nacional realizado nesses
setores, além do esforço de formação de pesquisa-
dores por meio da pós-graduação. Ademais, são co-
mentados os principais resultados do sistema de
CT&I, ou seja, indicadores da produção científica
brasileira e das atividades de patenteamento por ins-
tituições e pessoas.

Esforços em C&T e dispêndios em P&D no Brasil

A forma de dimensionar o sistema de C&T tradicio-


nalmente adotada baseia-se na proporção dos gas-
tos nessas atividades em relação ao PIB. Entretanto,
as estatísticas internacionais tratam de um universo
mais restrito, pois se limitam aos gastos com P&D,
segundo as recomendações da OCDE sobre o tema1 .
As estatísticas nacionais seguem as normas dessa
instituição, consubstanciadas no Manual Frascati,

1 As atividades de C&T incluem as de P&D e as Atividades Técnicas e Científicas Correlatas (ACTC). As primeiras correspondem a todo o
trabalho criativo efetuado sistematicamente para ampliar a base de conhecimentos científicos e tecnológicos. As ACTC são aquelas que apóiam
diretamente as atividades de P&D. Abarcam a coleta e a disseminação de informações científicas e tecnológicas, a transferência de resultados de
laboratório para a produção industrial, as ações para o controle de qualidade, a proteção da propriedade intelectual, a promoção industrial, o
licenciamento e absorção de tecnologia e outros serviços assemelhados.

21
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

assim como aquelas contidas no Manual Estatístico se em 1997 e 1998, mantendo-se praticamente esta-
da Unesco. Isso as torna comparáveis com as de bilizado em 1999, com previsão de recuperação em
outros países e, ao mesmo tempo, mais adequadas 2001. A entrada em vigor dos fundos setoriais per-
às peculiaridades nacionais, comuns aos países em mite projetar uma trajetória ascendente para os pró-
desenvolvimento, onde as atividades técnicas e ximos anos. Espera-se que, com essa nova fonte de
científicas correlatas assumem um peso significativo recursos, os gastos públicos federais em C&T atinjam
no esforço nacional em C&T. um novo patamar e deixem de apresentar a instabili-
dade que os caracterizou no passado (Tabela 1).
O Brasil vem contabilizando, há mais de duas déca-
das, apenas os gastos realizados pelo setor público. Um aspecto que merece ser lembrado é que, além
Isso se justifica pelo fato de que, historicamente, do MCT, vários outros ministérios desenvolvem ati-
grande parte do esforço nacional em C&T se con- vidades de C&T. Destacam-se o Ministério da Edu-
centrou nesse setor, com contribuição relativamente cação, o Ministério da Agricultura, sobretudo por
pequena das empresas privadas. Não por acaso, a meio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuá-
mensuração dos gastos do setor privado é ainda ho- ria (Embrapa), e o Ministério da Saúde. A longa lista
je limitada, tendo em vista a inexistência de uma de instituições e ações vinculadas a outros ministé-
pesquisa abrangente e regular sobre o tema. Ainda rios – como o do Meio Ambiente; do Desenvolvi-
assim, o presente documento apresenta uma versão mento, Indústria e Comércio Exterior, da Defesa,
preliminar desse indicador, elaborado com base nas com o Centro Tecnológico da Aeronáutica (CTA) e
melhores informações disponíveis.2 das Comunicações – reflete a horizontalidade das
atividades de CT&I na administração pública brasi-
Esforços do Setor Público em C&T e Recursos leira e põe em relevo a complexidade da coordenação
Aplicados em P&D3 das ações do sistema (Gráfico 1).

A trajetória dos gastos públicos com C&T no Brasil A posição central que o Ministério da Ciência e Tec-
tem sido marcada por forte instabilidade. A década nologia (MCT) ocupa nesse sistema implica que a
de noventa não foge a esse padrão, pois os gastos evolução de seus gastos é fundamental para se avaliar
com C&T4 não ficaram imunes às dificuldades finan- o comportamento passado e as perspectivas do con-
ceiras e fiscais enfrentadas pelo Estado brasileiro. junto do sistema. A análise dos recursos empregados
O montante de gastos em C&T do Governo Federal em C&T no período de 1991 a 2000 reafirma a gran-
também não se manteve estável nesse período. Após de flutuação dos dispêndios federais. No entanto,
ter-se elevado entre 1993 e 1996, voltou a reduzir- deve-se notar que partir de 1999 esses recursos

2 Foram utilizadas as informações produzidas pela Anpei, que possuem algumas limitações para este tipo de exercício. Diante disso, o MCT, com
a colaboração da própria Anpei, desenvolveu uma metodologia para adequar suas informações a esse propósito, cujos resultados foram utilizados
no presente documento. Em simultâneo, o MCT vem patrocinando um esforço maior, empreendido pelo IBGE, na montagem de uma pesquisa de
abrangência nacional sobre inovação tecnológica que deverá, a partir do próximo ano, prover o País de indicadores mais abrangentes sobre as
atividades de P&D e inovativas nas empresas.
3 Foram computados os recursos originários do Tesouro Federal e de outras fontes. Não estão incluídos os dispêndios com a pós-graduação, que
foram objeto de tratamento específico.
4 Descrição mais detalhada da metodologia adotada e de suas limitações pode ser encontrada no Anexo Metodológico.

22
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

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Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

mostram tendência de ampliação e que a previsão são suficientes para mostrar que, desde 1996, esses
para 2001 é de uma expansão de cerca de R$1 bilhão recursos têm-se mantido estabilizados em cerca de
em relação ao ano anterior (Gráfico 2). Boa parte R$1,1 bilhão. Notam-se, no entanto, substanciais di-
dessa expansão deve-se à inclusão, nessas estimati- ferenças entre os estados e fortes flutuações do nível
vas, dos recursos provenientes dos fundos setoriais, de gastos de cada um deles, em parte devido às
fato que já vem ocorrendo desde 1999, com o Fun- diferentes capacidades de gasto e em parte devido
do do Petróleo (CTPetro), ao qual serão adiciona- aos vários níveis de prioridade que atribuem a esse
dos, no ano em curso, os demais fundos aprovados tema em suas respectivas agendas.
em 2000 (Tabela 2).
Uma forma de se avaliar o esforço em C&T de cada
Gastos dos Governos Estaduais estado é relacionar os gastos realizados sob essa ru-
brica (recorde-se: apenas os recursos oriundos dos
Os governos estaduais têm desempenhado papel de tesouros estaduais, sem computar os gastos com pós-
crescente importância no campo da C&T. O Gráfi- graduação das universidades de cada estado) com o
co 3 mostra, com base nas informações disponíveis, total de suas receitas, embora haja limitações im-
a distribuição regional dos recursos dos tesouros esta- portantes nas informações ora disponíveis. Sob essa
duais destinados a C&T. Embora se deva reconhecer perspectiva, alguns movimentos chamam a atenção,
que em muitos casos a contabilidade estadual de gas- como a manutenção dessa relação em patamares
to em C&T ainda seja precária e que existem algu- relativamente elevados nos estados de Pernambuco,
mas lacunas importantes, as informações disponíveis São Paulo e Rio Grande do Sul, ao longo de todo o

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Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

25
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

período considerado. Mais recentemente, essa situa- computados como dispêndios com a pós-graduação,
ção também passou a ser observada nos estados da utilizou-se a proporção do número de professores
Paraíba, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Cata- da pós-graduação no total de professores e chegou-
rina e Goiás. O caso de Santa Catarina merece des- se ao resultado de R$ 1.087,7 milhão em 1999.
taque, pois foi capaz de manter cerca de 3% de suas
receitas totais aplicadas em C&T, durante três anos Renúncia Fiscal
consecutivos. Essas informações demonstram com
eloqüência o quanto C&T vêm ganhando espaço nas A renúncia fiscal é outro elemento para o cálculo
agendas governamentais de muitas unidades da dos recursos aplicados em C&T pelo setor público
Federação, nas diferentes regiões do País (Tabela 3). (Tabela 4). Em princípio, esses recursos não são efe-
tivamente gastos pelo Governo Federal, mas, sem
Gastos com a Pós-Graduação dúvida, são transferidos a outros agentes, de modo
geral do setor privado, que irão utilizá-los. A con-
Outro elemento importante para se mensurar os gas- cessão de incentivos fiscais, no âmbito federal, para
tos do setor público em C&T, não considerado até as atividades de pesquisa, desenvolvimento e capa-
agora, é a pós-graduação. Para essa estimativa, to- citação tecnológica assenta-se basicamente em cinco
mou-se o total dos gastos das universidades federais diplomas legais: as leis que concedem incentivos à
e estaduais, exceto os referentes à manutenção dos importação de equipamentos de pesquisa (8.010/
hospitais universitários e ao pagamento de pensões 90 e 8.032/90); a Lei de Informática (8.248/91, para
e aposentadorias. Com apoio na base de avaliação o conjunto do País, hoje reeditada como 10.176/01,
da pós-graduação da Capes, considerou-se que, no e a 8.387/91 para a Zona Franca de Manaus); a Lei
caso das universidades federais, 38% (a participação de Incentivos à P&D (8.661/93) (ver capítulo 5).
do montante dos vencimentos dos professores da
pós-graduação no total dos vencimentos dos pro- Esforços públicos em C&T e dispêndios públicos
fessores) seriam equivalentes aos gastos com a pós- destinados a P&D6
graduação. Em 1999, esse valor correspondia a
R$1.745,3 milhão. No caso das universidades esta- Considerando os três conjuntos mencionados acima
duais, só se obtiveram informações de algumas da- (gastos dos governos federal e estaduais, gastos com
quelas que oferecem cursos de pós-graduação5 , o que a pós-graduação e renúncia fiscal), foi possível esti-
implica uma certa subestimação nesse cálculo, ainda mar o montante de recursos oriundos do setor público
que as maiores universidades tenham sido contem- associados aos esforços em C&T e aos dispêndios em
pladas. Além disso, não se dispunha do valor refe- P&D (Tabela 5). Porém, diante das dificuldades em
rente ao total dos vencimentos dos professores, mas se obterem todas as informações necessárias para seu
apenas de seu número. Desse modo, para se estimar cálculo para um período mais extenso, este trabalho
a parcela dos recursos gastos por essas universidades, limita-se a publicar os resultados referentes a 1999.

5. Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp); Universidade Estadual Paulista (Unesp), Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), Universidade Estadual do Ceará, Universidade Estadual
de Londrina (UEL), Universidade Estadual de Maringá (UEM), e Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).

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Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

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Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Gastos das Empresas em C&T e P&D6 Esforços em C&T e dispêndio em P&D

Uma das limitações do sistema de C&T brasileiro é A Tabela 6 mostra o montante de recursos correspon-
a baixa contribuição do setor privado para o esforço dente aos esforços nacionais em C&T e os direcio-
de pesquisa e desenvolvimento no País, conseqüên- nados a P&D. Pode-se observar que, em 1999, o va-
cia do modelo de desenvolvimento industrial adotado lor estimado do esforço nacional em C&T correspon-
no passado e da reduzida cultura empreendedora que dia a 1,35% do PIB do País, que equivale a cerca de
caracteriza nossa economia. R$13 bilhões. Já a estimativa de gastos em P&D cor-
respondia a aproximadamente R$8,4 bilhões, ou
Estima-se que, em 1999, o montante de gastos 0,87% do PIB daquele ano.
empresariais em P&D tenha alcançado cerca de R$
3,0 bilhões. Mesmo considerando as despesas com O percentual de gastos em P&D em relação ao PIB
serviços técnicos e aquisição de tecnologia, que se (0,87%) coloca o Brasil em um patamar próximo de
aproximam de forma imprecisa ao conceito de C&T, países como Espanha (0,90%, em 1999), Portugal
o montante apurado é de R$ 4,6 bilhões, claramente (0,73%, em 1998) e Hungria (0,68%, em 1998), mas
insuficiente, seja do ponto de vista das necessidades ainda distante da Coréia do Sul (2,52%, em 1998)
do País, seja do peso e relevância do setor privado (OECD: Main Science and Technology Indicators, 2000).
na economia brasileira. Entre os países da América Latina, entretanto, o
Brasil possui o maior valor absoluto e a maior pro-
porção de gastos em P&D sobre o PIB (Tabela 7).

6. Ver Anexo Metodológico para os critérios de estimação desse indicador.

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Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

Em relação ao total dos gastos nacionais em P&D, Contribuição da Pós-Graduação


em 1999, a participação das empresas corresponde
a 35,7%. Não obstante esses números terem sido Em pouco mais de dez anos (Tabela 8), nota-se ex-
estimados com grande cuidado metodológico, note- pressiva elevação de todos os indicadores seleciona-
se o fato de que a informação primária hoje dispo- dos. Chama atenção o fato de o número de matrícu-
nível é limitada e não pode ser considerada repre- las no mestrado haver mais que duplicado e no dou-
sentativa do conjunto das empresas brasileiras. Em torado quase quadruplicado nesse período. Em 2000,
média, nos países da OCDE entre 1996 e 1998, a cerca de 19 mil pessoas obtiveram o título de mestre
indústria foi responsável pelo financiamento de cerca e mais de 5 mil o título de doutor. Dez anos antes, o
de 63,1% dos gastos em P&D; em 1998, para esses número de mestres e doutores graduados no País não
países, o conjunto do setor privado executou quase chegava a um terço do resultado de 1999. É igual-
70% do total de gastos em P&D. mente notável o fato de que mais de 120 mil mestres
e mais de 35 mil doutores tenham se formado nos
Recursos Humanos para a Pesquisa últimos quinze anos.

Nos últimos trinta anos, a sociedade brasileira reali- As informações do Diretório dos Grupos de Pes-
zou um grande e bem-sucedido esforço de formação quisa do CNPq – 2000, fortemente concentradas nas
de pessoal qualificado. Para tanto, construiu um sis- universidades e nos institutos públicos de pesquisa,
tema de pós-graduação, apoiado em uma firme polí- indicam que existem hoje quase 49 mil pesquisado-
tica de concessão de bolsas, que não tem paralelos res, dos quais 57% (27.662) são pós-graduados com
nos países em desenvolvimento. doutorado.

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Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

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Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

O Brasil ocupa uma posição respeitável no que diz Produção Científica


respeito ao número de doutores titulados nas áreas
de ciências e engenharias (Tabela 9). Sua posição, Apesar das insuficiências do Sistema Nacional de
pouco acima da Espanha, Coréia do Sul e Canadá, CT&I, mencionadas anteriormente, a produção cien-
mas ainda distante da China e da Índia, indica que tífica brasileira não apenas tem crescido como vem
houve um grande progresso, mas que há muito o que ganhando maior reconhecimento internacional. As
avançar. informações produzidas pelo Institute for Scientific
Information (ISI), reconhecida instituição no campo
Esses números revelam que o Brasil dispõe hoje de da bibliometria, coloca o Brasil em posição de des-
uma base de recursos humanos altamente qualifica- taque na produção de artigos nos periódicos indexa-
dos, que constitui um sólido ponto de partida para dos em sua base. Em 1991, o Brasil ocupava o 28º
lançar-se ao desafio de construir o futuro de desen- lugar na produção de artigos científicos e técnicos
volvimento sustentável. Porém, é preciso superar as publicados nesses periódicos, tendo passado para a
várias limitações que persistem, muitas das quais re- 17ª posição em 2000 (Tabela 10).
veladas por esses indicadores.

31
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

A média de artigos originários do Brasil publicados no o excelente desempenho do Brasil naquela base é
período 1988-92 (3.166 ou 0,6% da produção mun- apenas uma amostra do conjunto da produção
dial) praticamente quadruplicou quando se compara científica nacional.
com o período 1996-2000 (7.836 ou 1,12% da produção
mundial). Esses valores ainda são inferiores a países Patentes
como Espanha (18.082), China (17.792) e Índia
(14.879), mas se encontram muito próximos aos de O número de patentes é outra medida que auxilia a
Israel (8.554), Coréia do Sul (8.053) e Taiwan (7.892). avaliação da capacidade de inovação do País. Em
1999, foram depositados no Instituto Nacional de
Observe-se que a base ISI, por mais ampla que seja, Propriedade Industrial (INPI) 16.569 pedidos de
é incapaz de incluir a totalidade da produção cientí- patentes. Embora crescente nos últimos cinco anos
fica brasileira, seja pelo fato de se restringir a artigos, (foram contabilizados 11.711 pedidos em 1995), esse
enquanto a produção científica assume várias outras indicador ainda é muito reduzido e revela um dos
formas, seja por privilegiar periódicos de circulação maiores desafios a serem enfrentados pelo País: sua
internacional, enquanto, em especial para certas baixa capacidade de transformar os notáveis avanços
áreas do conhecimento, o principal veículo de sua científicos que vem conquistando em aplicações
produção são periódicos nacionais. Isso significa que comerciais ou inovações (Gráfico 4).

32
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

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Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Tal desafio pode ser mais bem avaliado ao se observar um confronto com a Coréia do Sul, por exemplo,
as informações sobre os registros de patentes originá- mostra grande diferença na trajetória de ambos os
rias do Brasil e de alguns países selecionados no Es- países. Em 1980, o Brasil registrou vinte e quatro
critório Norte-Americano de Patentes. Apesar do cres- patentes naquele organismo, e a Coréia do Sul apenas
cimento observado durante a década de noventa, em nove. Já em 2000, as 113 patentes brasileiras corres-
2000, apenas 113 patentes foram registradas pelo Bra- pondem a uma pequena fração das 3.472 registradas
sil. Se comparada aos casos da Argentina (63) ou do pela Coréia (Tabela 11).
México (100), a situação nacional é até favorável, mas

34
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

DESAFIOS DO SISTEMA BRASILEIRO DE CT&I

O aparato institucional estabelecido nos últimos


cinqüenta anos foi um fator determinante de impulsão
do progresso científico e tecnológico no Brasil e das
contribuições que a Ciência e a Tecnologia aportaram
ao desenvolvimento nacional. Apesar dos êxitos
alcançados, o sistema brasileiro de CT&I ainda apre-
senta insuficiências significativas, especialmente quan-
do se levam em conta as necessidades da população
brasileira e os desafios a serem enfrentados. O volume
e a sustentabilidade dos recursos que lhe são destina-
dos, a concentração regional, o grau de coordenação
interinstitucional e a modesta participação do setor
privado são problemas que devem ser superados para
que o País possa explorar, plenamente e de forma
sustentável, o seu potencial de desenvolvimento. Estas
são as questões discutidas nesta seção.

Concentração regional das atividades de C&T

A concentração regional das atividades de pesquisa


no Brasil é, fundamentalmente, uma outra faceta das
desigualdades regionais que caracterizam o País. É
verdade que, mesmo em países desenvolvidos e com
longa tradição de pesquisa, pode-se perceber a con-
centração da pesquisa científica, em especial no que
diz respeito a grupos de excelência. Porém, o que os
distingue do caso brasileiro é o fato de se ter consti-
tuído naqueles países uma ampla e diversificada base
de pesquisa capaz de desenvolver projetos relevan-
tes e de qualidade. A inclusão dessa questão no rol

35
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

das prioridades nacionais sobre o tema, imprimindo dos anos noventa, a atividade de apoio a C&T no
maior ênfase, por exemplo, às aplicações práticas do âmbito dos estados vem crescendo, e o surgimento des-
conhecimento científico acumulado, levará a uma ses atores representa um elemento importante para
desconcentração do setor, com o surgimento de no- reorientar tais atividades, colocando-as a serviço dos
vos centros no País. Ainda assim, deve-se destacar a interesses e necessidades das economias regionais.
presença, em todas as regiões, de grupos de pesqui-
sadores e instituições de alto nível, que sem dúvida Relações entre Instituições de Ensino Superior e
formam a base para uma vigorosa ação de fortaleci- Empresas
mento e ampliação horizontal da capacitação das re-
giões em CT&I. A universidade é um ator central em qualquer siste-
ma de inovação, sobretudo no Brasil, por abrigar os
A redução das desigualdades principais centros de pesquisa e formação de pessoal,
razão pela qual merece comentários específicos. Há
Uma das diretrizes estratégicas para a C&T deveria muitas questões relevantes a serem discutidas no que
ser elevar a participação dos estados com menor ní- diz respeito às instituições de ensino superior, como
vel de desenvolvimento nos investimentos em C&T. a necessidade de recuperar sua infra-estrutura de pes-
A alocação de uma parcela expressiva dos novos fun- quisa e de estender ainda mais a qualificação do cor-
dos setoriais para essas regiões tem como objetivo po docente, assim como de ampliar as oportunidades
reduzir as desigualdades regionais em matéria de exe- de acesso a esse grau de ensino à parcela mais ex-
cução e difusão de C&T no País, contribuindo desta pressiva da população brasileira (que serão objeto
forma para diminuir as diferenças socioeconômicas de tratamento específico no capítulo subseqüente
que ainda hoje caracterizam o Brasil. Portanto, esta desse Livro). Dentre essas questões, destaque-se a
alocação deve ser acompanhada pelo comprometi- premente necessidade de maior integração entre a
mento das comunidades locais e pela complementa- comunidade acadêmica e o mundo empresarial.
ção, ainda que parcial, dos fundos federais com re-
cursos locais. As experiências histórica e internacio- Uma série de iniciativas tem sido implementada para
nal demonstram claramente que o desenvolvimento incorporar as empresas como parceiras importantes
de qualquer região só se sustenta no longo prazo do sistema, em especial estreitando suas relações com
quando baseado em forças endógenas, capazes de as universidades e os institutos de pesquisa. A insti-
orientá-lo de acordo com as demandas e visões da tucionalização dos fundos setoriais, como se verá
comunidade diretamente interessada. adiante, é um mecanismo importante para dar conta
desse objetivo. Uma lei da inovação que permitisse
O desenvolvimento de núcleos regionais de pesquisa maior mobilidade dos pesquisadores entre universi-
passa pela ação complementar dos governos estaduais dades e empresas seria também um passo importante
e das Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) por nessa direção. Novos projetos cooperativos, redes
meio de uma forte articulação com as secretarias esta- temáticas e várias outras experiências já em curso
duais de C&T na definição de prioridades e estratégias podem contribuir para criar um ambiente muito mais
regionais. Como indicado anteriormente, desde o início favorável à inovação.

36
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

Os mecanismos de financiamento e incentivos ao Todavia, a maioria das indústrias instaladas no País


aperfeiçoamento e inovação tecnológica vêm-se ex- desconhece a existência do programa de incentivos
pandindo na última década. O Programa de Apoio para o desenvolvimento tecnológico, como demons-
Tecnológico às Micro e Pequenas Empresas (Patme), tra uma pesquisa da CNI. Dos empresários consul-
criado por meio de parceria entre o Sebrae e a Finep, tados, 80% disseram ignorar a possibilidade de obter
presta consultoria tecnológica para o aperfeiçoamen- reduções de impostos para investir em pesquisa de
to de produtos ou linhas de produção e/ou para novas tecnologias e produtos. Desde 1993, apenas
orientar as empresas no desenvolvimento de novas 105 empresas (mais da metade no estado de São
tecnologias. Paulo) beneficiaram-se dos incentivos ao setor in-
dustrial e agropecuário.
Quadro 3
Bolsas IEL - Sebrae - CNPq para o Apoio ao Não há informações precisas que permitam estimar
Desenvolvimento Tecnológico de Micro e o número total de doutores absorvido pelo setor
Pequenas Empresas privado no Brasil. Ainda assim, segundo avaliação
Instrumento que permite a estudantes de graduação orientados
da Anpei, baseada em um grupo limitado de empre-
por seus professores prestar serviços ao longo de seis meses, para sas, é possível afirmar que este número é reduzido,
micro e pequenas empresas, de forma a solucionar problemas
específicos de cunho tecnológico e contribuir para a melhoria da denotando a modesta realização de pesquisa tecno-
competitividade. Busca ampliar e aperfeiçoar o relacionamento entre lógica nas empresas. Do mesmo modo, sabe-se que
as instituições de ensino superior e o setor produtivo brasileiro,
por meio do engajamento de professores e pesquisadores nas de- uma percentagem pequena dos engenheiros e pes-
mandas dessas empresas. quisadores brasileiros trabalham em ambiente em-
presarial, enquanto nos países mais desenvolvidos
este percentual é sempre maior que 50% (EUA 79%,
Quadro 4 Canadá 52%, Coréia 55%, Inglaterra 64%). O res-
Programa de Recursos Humanos para tante atua nas universidades e centros de pesquisa.
Atividades Estratégicas - RHAE
As incubadoras de empresas de conteúdo tecnológi-
Como parte do conjunto de instrumentos do CNPq de promoção
da integração universidade-empresa, objetiva: co, no Brasil como em outros países, abrem uma pers-
• apoiar de forma institucional ou interinstitucional projetos para a
pectiva de efetiva transferência do conhecimento dos
capacitação de recursos humanos, quando vinculados:
- a linhas de pesquisa tecnológica, centros de pesquisa e ensino para a sociedade. Como
- ao desenvolvimento de processos produtivos e
- aos serviços tecnológicos e de gestão.
mecanismo adicional de incorporação de pessoal qua-
• enfatizar a colaboração entre empresas, universidades e institu- lificado ao mercado de trabalho e de geração de ino-
tos de pesquisas;
• possibilitar múltiplas estratégias de capacitação, incluindo estági- vações para o mercado, elas são importantes, mas,
os, cursos e outros eventos não enquadrados nas competências por si só, não resolvem os problemas de grave subin-
tradicionais da formação acadêmica;
• responsabilizar a instituição proponente pela administração da vestimento privado em P&D.
cota de bolsas aprovadas e pela avaliação do desempenho dos bol-
sistas;
• estabelecer a avaliação dos projetos, tomando como base os obje- O processo de privatização em curso propõe uma
tivos finais pretendidos, compreendendo a análise do impacto do
programa, nas instituições participantes, em cada área prioritária, e série de desafios que certamente marcarão o sistema
na composição e expansão da base técnico-científica brasileira. nacional de inovação nos próximos anos. No passado,

37
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

as grandes empresas estatais tiveram papel de des- entre ministérios e agências do Governo Federal, seja
taque nos investimentos em desenvolvimento tec- em nível vertical, entre o Governo Federal e as demais
nológico de interesse nacional. Apesar das salvaguar- instâncias. É fundamental, portanto, desenvolver me-
das inscritas nos contratos de privatização, é inegável canismos de coordenação das ações de CT&I, incor-
que os critérios para esses investimentos serão aos porando as agências de fomento federais e estaduais
poucos substituídos pela lógica orientada para o aten- e mais atores sociais ao processo (ver capítulo 6).
dimento das demandas de mercado. Os investimen-
tos para projetos de interesse público, de alto risco A articulação entre as ações do Governo Federal e
tecnológico ou de longo prazo, deverão dispor de dos estados constitui uma combinação poderosa para
outros mecanismos de financiamento, como nos paí- superar no médio prazo as desigualdades regionais.
ses desenvolvidos. Seus efeitos tendem a ser ainda mais significativos,
à medida que se sistematize um esforço concentrado
Essas mudanças tendem a reforçar e principalmente nessa direção. Os esforços em implementação pelo
a reestruturar as ações voltadas para a difusão MCT, em parceria com as Fundações de Amparo à
tecnológica. Um desafio atual é o de qualificar e capa- Pesquisa dos estados, para formar as redes regionais
citar as instituições de ensino e pesquisa para aten- de seqüenciamento do genoma, são um exemplo de
der às novas demandas do setor privado e disputar programas mobilizadores importantes.
os recursos por ele alocados para P&D e capacitação,
sem, contudo, abandonar suas missões específicas Por sua vez, a maior integração das atividades no
de longo prazo. âmbito do próprio Governo Federal é também rele-
vante. A introdução da planificação plurianual para
Integração Institucional as ações públicas, estabelecida pela Constituição de
1988 e concretizada no Plano Plurianual (PPA), so-
Como já se mencionou, o sistema nacional de C&T bretudo o concebido para o período 2000-2003, re-
é complexo, e é mais resultado de respostas a pro- presentou um progresso relevante na retomada do
blemas e desafios surgidos ao longo do tempo, do planejamento das ações do setor público, cujo pro-
que produto de ações claramente planejadas. Envolve cesso deve ser aperfeiçoado pela introdução de no-
um conjunto de instituições dos governos federal e vos instrumentos de definição de prioridades, coor-
estaduais, empresas públicas e privadas, atores di- denação institucional e avaliação de resultados.
versificados, como as universidades, institutos de
pesquisa e tecnologia, as quais operam segundo per-
sonalidades e estatutos jurídicos variados. As difi-
culdades de coordenação interna e de articulação des-
ses diversos componentes com os demais atores da
sociedade são notórias e estão presentes em qualquer
país do mundo. No Brasil, a situação é ainda agrava-
da pela reconhecida dificuldade de coordenação ins-
titucional do setor público, seja em nível horizontal,

38
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

O PLANO PLURIANUAL DO MCT: 2000-2003

O diagnóstico do PPA reconhece que o Brasil possui


uma organização institucional de CT&I diversificada
e conta com uma capacidade técnico-científica im-
portante, especialmente em termos de América La-
tina. Reconhece, também, que essa capacidade está
muito aquém daquela disponível nos países com
maior tradição no progresso científico e tecnológico
e que o sistema brasileiro de C&T é incompleto e
apresenta deficiências de coordenação. As principais
barreiras dizem respeito à ausência de mecanismos
de retroalimentação do sistema, inclusive no que diz
respeito à avaliação de desempenho das instituições,
à definição nem sempre precisa do papel das agências
de fomento, de modo a dar conta da complexidade
do processo de desenvolvimento científico e tecno-
lógico, e à administração não autônoma dos institu-
tos de pesquisa e universidades, que dificulta a mo-
dernização de suas atividades, a articulação com o
setor privado, e uma melhor gestão de seus recursos
humanos, materiais e financeiros, além dos bens
intangíveis.

As principais preocupações contidas no PPA 2000-


2003 (Quadro 5) referem-se a:

• ampliar e aprimorar a base técnico-científica na-


cional;
• ampliar o volume de recursos destinados a C&T e
assegurar sua sustentabilidade, por meio da criação
dos fundos setoriais;
• reduzir a concentração regional das atividades de
C&T;
• estimular o maior envolvimento do setor privado
nas atividades de C&T.

39
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

A criação dos fundos setoriais é um passo importante


Quadro 5 nessa direção, com a vantagem adicional de que a
Programas do Plano Plurianual 2000-2003 sua aplicação leva em conta, explicitamente, a ne-
Instrumentais cessidade de desconcentrar as atividades de C&T e
•Capacitação de Recursos Humanos para Pesquisa
•Expansão e Consolidação do Conhecimento Científico e Tecnológico de propiciar maior integração entre os atores ativos
•Inovação para Competitividade no sistema.
Horizontais
•Desenvolvimento de Serviços Tecnológicos Em 1999, entrou em operação o Fundo do Petróleo
•Sistemas Locais de Inovação
(CTPetro). Em 2001, começaram a ser regulamen-
Temáticos
•Aplicações Nucleares na Área Médica
tados e implantados em 2001: Energia Elétrica, Re-
•Desenvolvimento Tecnológico na Área Nuclear cursos Hídricos, Transportes Terrestres e Hidroviá-
•Produção de Componentes e Insumos para a Indústria Nuclear e
de Alta Tecnologia rios, Mineral, Espacial, Interação Universidade-Em-
•Segurança Nuclear presa (Fundo Verde-Amarelo) e Infra-estrutura, além
•Fomento à Pesquisa em Saúde
•Ciência e Tecnologia para o Agronegócio dos fundos dos setores de Telecomunicações
•Promoção do Desenvolvimento Tecnológico no Setor Petrolífero (Funttel) e Informática. Há propostas de novos fun-
•Ciência e Tecnologia para a Gestão de Ecossistemas
•Biotecnologia e Recursos Genéticos dos para as áreas de Agronegócio, Aeronáutica, Saúde
•Ciência e Tecnologia para o Setor Aeronáutico
•Climatologia, Meteorologia e Hidrologia
e Biotecnologia.
•Mudanças Climáticas
•Nacional de Atividades Espaciais
•Sociedade da Informação As receitas que alimentam os fundos têm diversas
•Produção de Equipamentos para a Indústria Pesada origens, tais como royalties, parcela da receita das
•Programa de Apoio Administrativo
empresas beneficiárias de incentivos fiscais, com-
pensação financeira, licenças e autorizações, doa-
Novas fontes de recursos ções, empréstimos e receitas diversas. Os recursos
serão administrados por comitês gestores integrados
É inegável que o País dispõe de uma estrutura de pelo MCT, ministérios relacionados à atividade,
apoio ao desenvolvimento científico e tecnológico agências reguladoras setoriais, iniciativa privada e
relativamente sólida. Apesar disto, como já se co- academia. A criação do Centro de Gestão e Estudos
mentou, o volume de recursos disponíveis para CT&I Estratégicos em Ciência, Tecnologia e Inovação de-
oscilou de ano para ano, comprometendo o funcio- verá orientar a formulação das políticas e prioridades
namento do sistema como um todo, já que as suas do setor, articulando-as ao funcionamento de cada
atividades requerem planejamento e execução de lon- um dos fundos setoriais7 . O conjunto dos fundos já
go prazo. É necessário, portanto, adotar padrões de aprovados deverá representar uma contribuição adi-
fomento e de financiamento que dêem maior estabi- cional de mais de R$1 bilhão ao ano.
lidade e continuidade à atividade de pesquisa, per-
mitindo o lançamento de novas estratégias de de-
senvolvimento de CT&I.

7 Ver discussão sobre o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos no Capítulo 6.

40
Capítulo 1 - A Dimensão do Sistema no Brasil

TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS EM POLÍTICAS PARA CT&I

Este capítulo se encerra com a apresentação das ten-


dências mais significativas das políticas de CT&I nos
países industrializados. Esses países e alguns em de-
senvolvimento, como a China e a Índia, têm amplia-
do o peso e a diversidade das suas políticas para
CT&I. Isto decorre da percepção de que C&T são
cruciais para a inovação, para a competitividade, para
o desenvolvimento de novas oportunidades de cres-
cimento e de emprego, bem como para viabilizar res-
postas aos problemas sociais e do meio ambiente.
Um recente estudo da OCDE, baseado em pesquisa
realizada junto aos países membros, estabelece re-
comendações a partir dos principais resultados en-
contrados (Quadro 6).
“Nos cinco países mais desenvolvidos, a
Além dessas linhas de convergência de políticas ado-
participação privada nos gastos com
tadas pelos países industrializados, sobretudo para
P&D é, em média, de 62%; no Brasil é
incrementar a inovação tecnológica, grande ênfase
muito mais baixa. Aqui o setor
tem sido dada à pesquisa científica e tecnológica.
privado pode ampliar sua parceria
A maior parte dos países da OCDE estão plenamen-
com o Estado para financiar a C&T.
te conscientes de que a Ciência e a Tecnologia são
fundamentais para o crescimento e para o alcance Porém, não há progresso tecnológico
de objetivos sociais. Neste sentido, as principais mu- divorciado da ciência básica e esta
danças e reformas adotadas por esses países seguem requer participação maior do Estado.
as seguintes linhas: A World Wide Web e a Internet
Web
foram projetos de êxito pela presença
- comprometimento renovado com o financiamento de cientistas pagos pelo Estado.”
público da pesquisa científica;
Stefan Bogdan Salej,
Federação das Indústrias do
- grandes esforços para reformar as universidades, Estado de Minas Gerais

41
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

visando à maior autonomia e maior ênfase no seu


Quadro 6
papel de comercializar a pesquisa realizada com fi- Recomendações da OCDE com relação a
nanciamento público; Políticas para CT&I

(i) Aperfeiçoar a gestão da base de pesquisa científica e tecnológica


- estabelecimento de centros de excelência, de pa- por meio da maior flexibilidade nas estruturas de pesquisa e do
drão mundial, freqüentemente baseados na coope- incremento da colaboração universidade-indústria.
ração estreita entre as instituições científicas e a co- (ii) Assegurar que o progresso tecnológico de longo prazo seja pre-
munidade empresarial; servado por meio do financiamento adequado da pesquisa pública e
incentivos para a colaboração entre empresas em pesquisa pré-
competitiva.
- maior atenção a novas áreas e setores de cresci-
(iii) Melhorar a eficiência do apoio financeiro público à P&D e elimi-
mento, como a biotecnologia e as tecnologias de in- nar os obstáculos ao desenvolvimento dos mecanismos de mercado
para o financiamento da inovação, por exemplo, através do capital
formação e comunicações, e a promoção de firmas de risco privado.
novas;
(iv) Fortalecer os mecanismos de difusão tecnológica, por meio da
promoção de maior competição nos mercados de produtos e por
- maior ênfase à colaboração e à formação de redes; meio do aperfeiçoamento dos programas de difusão tecnológica.

(v) Adotar medidas que contribuam para reduzir os desencontros


- medidas que aumentem a flexibilidade e a mobi- entre a demanda por qualificações e competências e a oferta das
mesmas, bem como melhorar as condições para que as empresas
lidade de pesquisadores e cientistas; adotem novas práticas organizacionais.

(vi) Facilitar a criação e o crescimento de empresas baseadas em


- maior ênfase e esforços na avaliação dos resultados novas tecnologias, por meio do desenvolvimento de maior capaci-
tação gerencial e inovativa, da redução de barreiras regulatórias,
e impactos das políticas; financeiras e de informação, além da promoção da capacidade para
novos empreendimentos.

- maior atenção a questões relacionadas com CT&I (vii) Promover novas áreas e oportunidades de crescimento, por
nos mais altos níveis decisórios do governo; meio de reforma legal e regulatória que estimule novos entrantes e
respostas tecnológicas flexíveis.

(viii) Aperfeiçoar técnicas e fortalecer os mecanismos institucionais


- envolvimento crescente da sociedade na formula- de avaliação.
ção e avaliação de políticas.
(ix) Introduzir novos mecanismos de apoio à inovação e à difusão
tecnológica, particularmente por meio da maior utilização de par-
cerias público/privado.

(x) Eliminar os obstáculos à cooperação tecnológica internacional,


por meio de maior transparência no acesso de empresas e institui-
ções estrangeiras aos programas nacionais e por meio da garantia
de um quadro confiável de direitos de propriedade intelectual.

(xi) Ampliar a capacidade de coordenação econômica, por meio de


reformas nos mercados financeiros, de produtos e de trabalho e
por meio de reformas na educação e na formação profissional.

(xii) Incrementar a abertura para os fluxos internacionais de produ-


tos, pessoas e idéias e aumentar a capacidade de absorção das eco-
nomias domésticas.

42
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
O AVANÇO DO CONHECIMENTO
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO
O AVANÇO DO
CONHECIMENTO

Os grandes ciclos de expansão de


economia moderna, iniciando-se
com a primeira revolução industrial,
tiveram como base novas fontes de
energia, como o carvão e o petróleo,
e motores, como a máquina a vapor
e o motor de combustão interna,
complementadas por novos proces-
sos industriais, como o tear mecâ-
nico, a siderurgia, a indústria quí-
mica e a produção em série de bens
de consumo. No século XIX, a ele-
tricidade e, no século XX, as ondas
eletromagnéticas foram empregadas
para gerar um dos maiores avanços
da humanidade: comunicações rá-
pidas sem transporte físico da men-
sagem. O telégrafo com fio, seguido
pelo sem fio, foram o sinal de partida
de uma profunda transformação nos
meios de comunicação, da qual o rá-
dio, a televisão e o telefone são, ho-
je, os instrumentos mais difundidos.

44
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

No entanto, desde a segunda metade do século XX, “O desenvolvimento contemporâneo


está em curso uma revolução ainda mais radical, implica simultaneidade de problemas
certamente a mais profunda de toda a história da no tempo e no espaço. Neste sistema
espécie humana até o presente. Esta revolução não complexo cabe identificar as
foi provocada pela descoberta de novas formas de "variáveis de controle". Educação,
explorar fontes de energia ou de controlá-las; pelo Ciência e Tecnologia passaram a ser
avanço de processos industriais; ou pela expansão
"variáveis de controle" para a
dos meios de transporte, como a ferrovia, os veículos
orientação estratégica da dinâmica
automotores ou os aviões. Ela está sendo impulsio-
social futura.”
nada por dois grandes avanços do conhecimento: de
um lado, pela ampliação da capacidade dos sistemas Sérgio Mascarenhas de Oliveira,
de comunicação e processamento de informação, Instituto de Estudos Avançados/São Carlos.

possibilitada pelos formidáveis avanços na micro-


eletrônica – transistor, circuito integrado, micropro-
cessador, representada pelo computador e sua inte-
gração com os meios de comunicação –; de outro
lado, pelos progressos da biologia molecular.

Não se trata mais de substituir a força humana por


instrumentos mecânicos, mas de substituir o cérebro
humano por sistemas eletrônicos. Não é o trabalho
braçal que se quer poupar ou amplificar, mas aquilo
que mais distingue a espécie: a capacidade de adqui-
rir, processar e transmitir informações, que vai sendo
paulatinamente transferida para máquinas. Um com-
putador já vence o maior enxadrista do mundo.
É irrelevante que sua estratégia de jogo seja a da
força bruta, da capacidade de analisar em segundos
centenas de milhões de seqüências de movimentos
das peças e de selecionar a mais promissora. Ele ain-
da sim supera a estratégia criativa do jogador huma-
no. E isto reflete apenas o estágio inicial dessa revo-
lução. Podemos apenas imaginar até onde chegarão
esses avanços nas próximas décadas e como eles
mudarão os relacionamentos sociais e dos homens
com as máquinas.

45
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Não se trata, tampouco, de aperfeiçoar processos pro-


dutivos milenares, como a metalurgia, mas de rede-
senhar a própria vida. Os cientistas aprendem a ma-
nipular os processos biológicos fundamentais. DNA,
genoma, clonagem, engenharia genética, biossegu-
rança são termos que se incorporam ao dia-a-dia em
velocidade alucinante.

Essa combinação – tecnologias da informação e co-


municação e biologia molecular –, aliada à crescente
capacidade de manipular a matéria nos seus consti-
tuentes atômicos, a nanotecnologia, irá redefinir os
conceitos de máquina e as idéias de fabricação.
A fábrica do futuro está começando a nascer, e tem
muito pouca semelhança com as herdadas dos sécu-
los XIX e XX. O panorama que se desenha desses
avanços pode nos encher de orgulho e esperança,
ou de horror e ansiedade. Não importa. O fato con-
creto é que o conhecimento é inesgotável. Confron-
tados com a inevitável marcha em busca do conhe-
cimento, nosso dever é transformá-la em instrumento
efetivo de desenvolvimento sustentável da comuni-
dade nacional e da humanidade como um todo. Es-
sa é a tarefa para o século que se inaugura.

A sobrevivência da humanidade está intrinsecamente


ligada ao avanço do conhecimento. Sem conheci-
mento e sem Ciência, Tecnologia e Inovação, não é
possível sustentar os bilhões de seres humanos que
consomem os limitados recursos do globo terrestre,
ou administrar e prover de serviços essenciais uma
sociedade urbana, na qual milhões de pessoas con-
vivem em espaços cada vez mais limitados. Sem a
CT&I, tampouco é possível preservar para as ge-
rações futuras a herança natural que recebemos de
nossos ancestrais, muito menos superar os graves
desequilíbrios e iniqüidade sociais que jogam bilhões
de seres humanos na mais humilhante fome e miséria.

46
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

Quadro 1
Avanços na Área de Biotecnologia: o Projeto Genoma

Na década de oitenta, foram descobertas duas formas distintas de tância econômica significava associar, desde o início, os resultados
seqüenciar DNA: uma, pelo grupo de Maxam e Gilbert, dos Estados de uma pesquisa básica às necessidades da sociedade, neste caso a
Unidos, e outra, pelo grupo de Sanger, na Inglaterra. Seqüenciar o descoberta de elementos para combater uma doença que põe em
DNA significou descobrir uma infinidade de novos genes, evidenci- risco uma produção de grande importância para a exportação – a
ar como o genoma se organiza e desvendar novas seqüências funcio- laranja. A bactéria escolhida foi a Xylella fastidiosa, responsável pela
nais que não codificavam diretamente para uma proteína, mas reve- doença do amarelinho, que vem dizimando os laranjais do estado de
lavam mecanismos de controle de transcrição. Ambos, Gilbert e São Paulo. O sucesso desse programa colocou o Brasil, dentre os
Sanger, receberam o prêmio Nobel por esta descoberta. O método países em desenvolvimento, como o único a fazer parte do clube
de Sanger acabou prevalecendo e, no final da década de oitenta, a que tem tecnologia avançada em genômica.
substituição de nucleotídeos radiativos por fluorescentes permitiu
sua automatização. A capacidade de seqüenciamento de DNA é hoje O MCT está liderando um esforço nacional de ampliação do progra-
fantástica. Somando a rapidez e precisão do processo de ma de seqüenciamento de genomas de organismos importantes
seqüenciamento a um trabalho organizado e colaborativo, em for- para problemas brasileiros. Por exemplo, programas dos genomas
ma de rede, tornou-se possível seqüenciar genomas inteiros, tais de protozoários (Trypanosoma cruzi e Schistosoma manzoni) estão
como o da levedura e o humano, em tempo relativamente curto, sendo estruturados e poderão trazer conhecimentos de grande
em relação ao que seria necessário há apenas dez anos. relevância para combater a doença de Chagas e a esquistossomose.
Redes estão se articulando e equipamentos estão sendo adquiridos.
Empresas, em busca de bons negócios, embarcaram em seqüencia- Mais uma vez, coordenações competentes e forte interação entre
mentos de genomas. A de maior sucesso foi a Celera, responsável os grupos da rede serão fundamentais para avanços em conheci-
pelo seqüenciamento do genoma da Drosophila, pelo seqüenciamento mentos e qualificação em uma área de importância inconteste da
do genoma humano (inicialmente independente e depois em cola- biotecnologia moderna.
boração com o empreendimento publico) e pelo seqüenciamento
do genoma do camundongo. O processo de utilização do acervo de conhecimentos e bancos de
dados gerados pelos programas de genoma estrutural, visando ao estu-
As perspectivas abertas pelo o seqüenciamento do genoma humano do de mecanismos biológicos e ao estabelecimento das relações entre
para uma biologia funcional mais aprofundada, para a descoberta da estrutura (genes) e função biológica (caracteres), dependerá da organi-
raiz genética de muitas doenças e para a descoberta de métodos de zação apropriada de bancos de dados e armazenagem dos recursos
diagnósticos e de medicamentos novos constituem algo que seria genéticos. Assim, a Embrapa está organizando, por meio do seu proje-
inimaginável há alguns anos. Uma nova fase, a do proteoma, está se to estratégico de Genética Genômica Funcional, parte do seu acervo de
desenvolvendo a partir do genoma, em que o estudo de proteínas, recursos genéticos segundo o conceito de Bancos de Caracteres. Na
as moléculas responsáveis pelos fenômenos químicos e físicos no primeira fase, esses Bancos de Caracteres serão desenvolvidos
organismo, passa a ser uma realidade palpável. prioritariamente com foco em caracteres expressos em raízes de
plantas tropicais (tolerância a alumínio, eficiência na absorção de nutri-
Até cinco ano atrás, o Brasil ocupava posição pouco privilegiada em entes, como fósforo, nitrogênio, micronutrientes etc.). Tais conjuntos
termos de competência na área de biologia molecular. Em 1997, de recursos genéticos serão insumos básicos para projetos de genoma
um grupo de pesquisadores do estado de São Paulo, articulados (funcional e proteoma) e prospecção gênica, devendo ter grande utili-
pela Fapesp, organizados em rede (Rede ONSA, ver capítulo Desa- dade para estudos de mecanismos biológicos, identificação e clonagem
fios Institucionais) iniciou um grande programa de seqüenciamento de genes e módulos regulatórios úteis para expressão de moléculas de
de genoma. Foi escolhido um fitopatógeno, que tem importância interesse da bioindústria, bem como desenvolvimento de plantas, ani-
em um segmento significativo da economia brasileira. Ter impor- mais e microorganismos com atributos superiores.

Costuma-se dizer que, antigamente, podia-se abrir essenciais do mundo em que vivemos, de trabalhar
um relógio e, com um pouco de esforço, entender com elas e de empregá-las produtivamente tornou-
seu funcionamento. Hoje em dia, não adianta des- se absolutamente dependente do domínio do conhe-
montar um relógio eletrônico – a contemplação de cimento nelas inserido. Isto se aplica não apenas a
suas peças nada nós dirá sobre seu modo de opera- computadores, relógios a quartzo ou automóveis mo-
ção. Ainda menos aprenderemos sobre um compu- dernos. Uma modesta semente de soja da Embrapa
tador, desmontando-o. Ou seja, a revolução em cur- traz tanto ou mais conhecimento embutido do que
so significa que a capacidade de entender as peças esses equipamentos.

47
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Mais do que nos impressionar por seus produtos e exemplo, para educar bem e para educar os educa-
“milagres”, ou nos assustar por suas conseqüências, dores, são necessários quadros qualificados. Esta
a revolução em curso deve nos preocupar, enquanto qualificação está indissociavelmente associada a
nação, por suas implicações políticas, econômicas e boas universidades e centros de pesquisa. Para haver
sociais. Os países cujas populações não alcançarem quadros qualificados receptivos à inovação, na quan-
o nível educacional requerido para acompanhar e se tidade requerida, é preciso que a educação seja es-
adiantar a essa revolução estarão condenados a um tendida ao maior número possível de brasileiros e
atraso relativo crescente e a uma dependência políti- que os talentos com a vocação para o trabalho inte-
ca daquelas nações que dominam o conhecimento lectual tenham a oportunidade de acesso à educação,
mais opressora do que qualquer outra que jamais se independentemente de sua origem social. Trata-se,
viu na história da humanidade. Não se trata de sub- portanto, de colocar em movimento e reforçar este
jugação militar, visível nas forças de ocupação de círculo virtuoso de avanço do conhecimento, que é
uma potência estrangeira, ou econômica, perceptí- a base da criação de uma sociedade do aprendizado
vel nas limitações externas às opções de uma políti- brasileira, nacional na sua cultura, universal no seu
ca nacional. Trata-se de uma subjugação completa, conhecimento.
invisível e inescapável.
Um dos elementos fundamentais do avanço do co-
Avanço do conhecimento implica capacitar a socie- nhecimento é a formação de uma comunidade ca-
dade para sobreviver e prosperar nessa nova era. É, pacitada a buscar, no imenso reservatório de conhe-
assim, um magno desafio a ser enfrentado pela so- cimento e talentos disponíveis, aquelas informações
ciedade brasileira. Avanço do conhecimento deve e pessoas detentoras de conhecimentos, com capa-
ser entendido em dois sentidos complementares. No cidade de fazer escolhas tecnológicas e selecionar in-
sentido da difusão horizontal, para toda a população, formações que permitam a rápida solução de proble-
do conhecimento necessário para a vida moderna, e mas de interesse nacional. Esses interlocutores são a
no sentido vertical, em profundidade, da capacidade chave para o posicionamento estratégico do Brasil no
de realizar pesquisa e desenvolvimento, e assim par- cenário competitivo internacional nos anos a vir, seja
ticipar de forma ativa nas redes universais que ope- de seu setor privado, seja de seu setor público. Assim,
ram na fronteira do conhecimento. Tanto no sentido o avanço do conhecimento no País não significa bus-
do crescimento do número de brasileiros escolariza- car uma posição autárquica e de auto-suficiência em
dos, quanto no sentido de que o País tenha a capaci- um mundo globalizado. Significa, ao contrário, a inser-
dade de gerar o conhecimento e as aplicações neces- ção do Brasil na comunidade mundial em condições
sárias para seu desenvolvimento social e econômico. de igualdade e de competitividade.
Apenas operando em conjunto, os dois movimentos
poderão assegurar a expansão da Ciência, Tecnologia As assim chamadas sociedades do aprendizado ou
e Inovação em ritmo e qualidade compatíveis com do conhecimento dos países avançados se destacam
as exigências e desafios a serem enfrentados nas pró- pelo papel central que nelas ocupa o avanço do co-
ximas décadas. Os dois processos são, portanto, nhecimento. O alto investimento na pesquisa, o cres-
complementares e se reforçam mutuamente. Por cimento do número de professores, engenheiros, téc-

48
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

Quadro 2
Química
Nos anos setenta, Giuseppe Cilento (USP e Unicamp) propôs a FIA é uma tecnologia muito adequada às necessidades da pesquisa
existência de uma “Fotoquímica e Fotobiologia sem Luz”, ou seja: agrícola e ambiental, ao diagnóstico clínico, ao controle industrial e
compostos metabolicamente importantes geram radicais livres, que a quaisquer situações em que seja necessário executar grandes
por sua vez produzem moléculas em estado excitado capazes de números de análises químicas, para gerar os dados primários ne-
produzir importantes fenômenos biológicos. Essa idéia muito origi- cessários à solução de algum problema científico ou tecnológico em
nal foi detalhadamente explorada pelo grupo de Cilento e, mais situações complexas. Esta tecnologia se ramificou em um grande
tarde, por numerosos pesquisadores na Europa e Estados Unidos. número de tecnologias específicas, com um impacto facilmente
Os seus conceitos básicos foram assimilados pela comunidade ci- verificado: o Web of Science registra hoje mais de 4300 referências
entífica mundial, gerando intensa atividade de pesquisa e dando a trabalhos sobre FIA.
nova compreensão sobre a toxidez do oxigênio e sobre a importân-
cia de dioxetanos e peróxidos. Essa atividade prosseguiu, depois da Um problema chave, hoje, é o da criação de nanoestruturas funcio-
morte de Cilento, conduzida por alguns dos seus discípulos, em nais, utilizando conceitos de supramoléculas, auto-ordenamento e
particular Etelvino Bechara e Ohara Augusto. O primeiro tratou compartimentalização. Este trabalho é a resposta ao desafio de se
com sucesso de problemas de bioluminescência e de mecanismos construirem estruturas de dimensões muito inferiores às da atual
de inflamação, fazendo também uma bem-sucedida incursão microeletrônica, para com elas construir dispositivos funcionais
tecnológica ao demonstrar mecanismos de dano biológico às tintas (optoeletrônicos, microeletrônicos, biomédicos) e materiais estru-
automobilísticas. A segunda tem desenvolvido e explorado as des- turais que explorem propriedades revolucionárias, como a super-
cobertas de Cilento no estudo de várias patogêneses. O grupo for- plasticidade de nanopartículas. O sucesso no domínio desta proprie-
mado por Henrique Bergamin, no Centro de Energia Nuclear na dade poderá gerar uma nova revolução tecnológica na fabricação de
Agricultura (Piracicaba) nos anos setenta, inventou e desenvolveu materiais estruturais e objetos de uso geral, tão grande quanto foi a
uma nova tecnologia analítica, a “flow-injection analysis” (FIA), que revolução causada pela introdução dos plásticos, no século XX.
hoje é adotada em laboratórios de muitos tipos, em todo o mundo.

nicos, cientistas e pesquisadores, inclusive com a in-


corporação de cientistas estrangeiros, a organização
de grandes programas científicos e tecnológicos mo-
bilizadores, a existência de numerosas e importantes
empresas de base tecnológica são aspectos que re-
fletem a busca seletiva dessas sociedades por lideran-
ça no progresso do conhecimento.

Mudanças no perfil ocupacional e educacional da


força de trabalho, crescimento e diversificação da
educação e ampliação do ensino em todos seus níveis,
valorização das profissões pedagógicas, técnicas e
científicas, definição de prioridades para o avanço
do conhecimento são alguns dos aspectos centrais
das sociedades do conhecimento que necessitam ser
incluídos, inadiavelmente, na agenda da sociedade
brasileira.

49
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 3
Uma conquista invisível na Agropecuária

O aumento da produtividade e qualidade sempre foi desafio para a A lagarta-da-soja pode ser controlada pelo uso do Baculovírus
pesquisa agropecuária brasileira. Mas não o único. Tecnologias des- Anticársia, um método totalmente natural desenvolvido pela Em-
tinadas à agricultura, à pecuária e ao setor florestal brasileiro que brapa e tão eficiente quanto os inseticidas químicos. O baculovírus
permitissem a exploração em bases sustentáveis, e não predatóri- é produzido de lagartas contaminadas por vírus que, após macera-
as, também exigiram a atenção dos pesquisadores da Embrapa e das, são diluídas em água e pulverizadas na lavoura. Desde o seu
dos seus parceiros. A qualidade ambiental garantida pela pesquisa lançamento, em 1983, o baculovírus já foi aplicado em mais de 10
na produção agropecuária e florestal ainda não pôde ser mensurada milhões de hectares, proporcionando uma economia superior a
de forma efetiva. No entanto, diversos exemplos indicam que o U$100 milhões em agrotóxicos, o equivalente a mais de 11 milhões
agronegócio saiu ganhando. de litros de produtos químicos que deixaram de ser jogados na
natureza.
Pesquisadores aderiram a uma idéia simples: o controle de uma
praga (doença, inseto ou planta daninha), usando seus próprios ini- A pesquisa da bióloga Johanna Döbereiner teve importância funda-
migos naturais. O uso do controle biológico, em vez de inseticidas mental para a descoberta da fixação biológica de nitrogênio, hoje
químicos. Opção importante em um país que despeja por ano mais empregada em culturas como o feijão, a ervilha e principalmente a
de 260 mil toneladas de agroquímicos nas lavouras e onde o consu- soja, com significativas vantagens econômicas e ambientais para a
mo de praguicidas cresceu 44% em dez anos. Tecnologias brasilei- agricultura brasileira. Por implicar menores custos de produção e
ras nessa área estão sendo adotadas no Brasil e em outros países. por estar associada ao melhoramento genético, a cultura da soja,
antes restrita ao clima temperado do Sul do País, estendeu-se para
É o caso do controle da mosca-da-carambola, capaz de dizimar poma- regiões tropicais, que hoje contribuem para a maior parte das 30
res inteiros. O controle biológico da praga, desenvolvido pela EMBRAPA, milhões de toneladas anuais que produzimos. A fixação biológica
está sendo adotado pela França. Pesquisadores da empresa já libera- promove a economia de fertilizantes nitrogenados em uma área de
ram aqui seis milhões de vespas Diachasmimorpha longicaudata para aproximadamente 12 milhões de hectares, o que reduz significati-
controle da mosca, que ataca mais de 30 tipos de frutas. Com apenas vamente a importação de adubos nitrogenados, altamente deman-
alguns milímetros de comprimento, a vespa é capaz de parasitar a dantes de insumos em seu processo de produção, como energia e
mosca, que no Brasil, caso chegasse à região Nordeste, por exemplo, petróleo. Estima-se que a economia com o uso dessa tecnologia,
seria capaz de comprometer a exportação de frutas e causar prejuí- somente na cultura da soja, seja de U$1,5 bilhões.
zos da ordem de centenas de milhões de reais.

50
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

EDUCAÇÃO PARA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO

A sociedade do conhecimento exige que se estabe-


leçam programas de estímulo individual ao aprendi-
zado contínuo e ao desenvolvimento de uma cultura
científica e tecnológica. Nesse sentido, a educação
para CT&I deve dirigir-se aos estudantes da educação
básica, nos níveis infantil, fundamental e médio, das
escolas técnicas, aos professores e aos administra-
dores escolares, bem como a todos os cidadãos que
necessitam de conhecimentos básicos e aplicados de
CT&I, de modo a assegurar sua prosperidade, segu-
rança, qualidade de vida e participação social.

O grande desafio está não apenas em tornar a edu-


cação relevante, mas em fazer atraente o processo
educacional para mestres e alunos. No caso dos pri-
meiros, a questão da formação profissional, ambiente
de trabalho, remuneração e perspectivas de carreira
são cruciais. Para os segundos, será preciso desen- “As novas tecnologias ocuparão,
volver métodos educacionais (textos, programas de certamente, um lugar central nos
computador, redes etc.) capazes de competir em atra- debates da próxima Conferência.
tividade, sem perder conteúdo, com os meios de co-
Será imprescindível discutir, também, a
municação de informação e entretenimento que fa-
atual formação universitária. Esta fica
zem parte do universo das crianças e adolescentes
comprometida, inclusive, pelo déficit
de hoje. Para os adultos, terão de ser desenvolvidas
de 600 mil docentes para os ensinos
metodologias apropriadas para sua realidade pessoal
primário e secundário, cuja solução
e disponibilidade profissional, tais como o ensino a
exige um esforço análogo ao de uma
distância, o treinamento no próprio local de trabalho
ou a qualificação profissional visando renda e em- economia de guerra.”
prego. Terá papel determinante no processo o esta-
Abílio Baeta Neves,
belecimento de atrativos e estímulos ao ingresso de Capes

51
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

jovens talentos no mercado de trabalho em CT&I, cação para a Ciência (SPEC), subprograma do Pro-
ou seja, a formação de pesquisadores tanto para as grama de Apoio ao Desenvolvimento Científico e
instituições públicas e privadas de pesquisa como Tecnológico (PADCT), e o Programa Pró-Ciências,
para as empresas. da Capes. O SPEC apoiou cerca de 300 projetos,
envolvendo mais de 45 mil professores de todos os
A educação para a CT&I deve propiciar condições níveis, em 55 cidades de 22 estados. Mesmo assim,
para o indivíduo conhecer o mundo físico, biológico, a qualidade do ensino em geral continua sendo um
humano e social, bem como desenvolver atitudes, grande desafio, particularmente no que diz respeito
hábitos e valores necessários para formar seres hu- à importância que deve ser dada pelos currículos de
manos solidários e criativos, capazes de pensar por ciências às relações entre Ciência, Tecnologia e socie-
si próprios e de interagir com o mundo físico e social dade, ao estímulo para a produção de pesquisa na
de maneira responsável. Isto significa compreender área de ciência e matemática e, também à articulação
a maneira científica de produzir conhecimento e as das secretarias estaduais e municipais de Educação.
principais atividades humanas que têm moldado o
meio ambiente e a vida humana, tais como agricul- No CNPq, encontra-se em estruturação um progra-
tura, manufatura, materiais, fontes e uso de energia, ma de educação para a Ciência e Tecnologia. Tal
comunicação, processamento da informação e tec- programa deverá dirigir-se à educação para a ciência
nologia da saúde etc., bem como a responsabilidade e tecnologia, entendida como o desenvolvimento de
ético-político-social dos que fazem Ciência, Tecno- conhecimentos, atitudes e habilidades mentais que
logia e Inovação. preparem o indivíduo para a carreira técnico-cientí-
fica e para a sua inserção crítica no mundo. Alguns
No Brasil, têm sido feitos esforços nesse sentido que, de seus objetivos: participar ativamente do proces-
no entanto, precisam ampliar sua magnitude e esco- so de alfabetização científica e tecnológica de toda
po. Cabe notar a experiência do Programa de Edu- população; fortalecer a alfabetização científica e tec-

Quadro 4
Divulgação Científica

A compreensão pública do que é ciência constitui elemento funda- nas atitudes positivas da comunidade de cientistas e de jornalistas.
mental na construção da cultura científica. Ela é complementar à Para consolidar essa atividade entre nós, algumas medidas são
educação para a ciência, na medida em que atua na informação ao sugeridas, de modo a se constituírem em marcos de procedimen-
público sobre os grandes temas da CT&I e suas implicações para a tos programáticos para o setor:
qualidade de vida.
- criar um programa nacional de divulgação da ciência e da tecnologia
Como os temas da divulgação científica e da educação para a ciência com o apoio das agências de fomento e dos fundos setoriais.
têm recebido atenção cada vez maior dos programas oficiais e das - incluir ao menos uma disciplina de jornalismo científico nas gradu-
políticas públicas de CT&I, em vários países desenvolvidos, a ten- ações de jornalismo.
dência é que se multipliquem as formas de seu tratamento. No - estimular a criação de cursos de pós-graduação em jornalismo
Brasil, embora a história da divulgação científica e do ensino para a científico, com caráter eminentemente multidisciplinar e multi-
ciência tenha começado mais tardiamente, já se pode reconhecer institucional, abertos a jornalistas e a cientistas.
uma institucionalização importante, em uma atividade cuja tendên- - estimular as experiências de publicações em jornalismo científi-
cia é organizar-se cada vez mais. Neste momento, a divulgação co, inclusive as eletrônicas.
científica vem encontrando apoio nas políticas públicas de CT&I e

52
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

nológica no sistema escolar, contribuindo assim pa-


ra a melhoria no sistema educacional brasileiro; ade-
quar e qualificar mão-de-obra e perfil dos profissio-
nais das carreiras técnico-científicas, com vistas a
elevar a produtividade interna; aprimorar formação
e a capacitação dos profissionais de educação; pro-
porcionar o avanço do conhecimento em educação.

Museus de Ciência

A educação científica e tecnológica deve ir além dos


bancos escolares. Centros e museus de ciência per-
mitem estender as oportunidades de educação, difu-
são e informação sobre Ciência e Tecnologia não
apenas à população em idade escolar, mas a toda a
população, como uma opção de lazer. O Brasil ainda
tem muito poucos museus de ciência. Alguns exem-
plos: em Belém do Pará, o centenário Museu Pa-
raense Emílio Goeldi e, no Rio de Janeiro, o Museu
de Astronomia e Ciências Afins, ambos do MCT;
em São Paulo, a Estação Ciência, criada pelo CNPq
e hoje sob a responsabilidade da Universidade de
São Paulo; em Porto Alegre, o Museu de Ciência e
da Tecnologia da Pontifícia Universidade Católica.
Como parte da estratégia de avanço do conhecimen-
to, é preciso, nos próximos anos, expandir substan-
cialmente a rede desses centros de divulgação cien-
tífica e integrá-la, de forma efetiva, ao processo de
aprendizagem e alfabetização tecnológica das crian-
ças e jovens brasileiros, e ao de educação tecnológica
dos adultos.

53
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 5
Matemática no Brasil: a premência de crescer
A matemática brasileira, sobretudo em suas linhas de pesquisa Por exemplo, um exame dos dados referentes à matemática no ano
fundamentais, experimentou grande avanço nas últimas três déca- de 1999 revela que foram formados apenas cerca de 200 mestres,
das, a partir do trabalho pioneiro de poucos, mas excelentes, cien- assim mesmo se considerarmos áreas do conhecimento agregadas a
tistas. Criaram-se ambientes de efervescência científica de padrão matemática. Como existem 369 cursos de graduação em matemáti-
crescentemente elevado, ao mesmo tempo em que crescia a parti- ca, isto significa que foram disponibilizados, naquele ano, cerca de 0,5
cipação de jovens e de matemáticos experientes. Ela hoje desfruta novos mestres por curso de graduação, o que é altamente insuficien-
uma nítida posição de destaque dentre os países em desenvolvi- te em face da demanda atual. Este número é ainda muito mais preo-
mento, passando o País a fazer parte do grupo III na classificação da cupante quando observamos que, no mesmo ano, existiam no País
União Internacional de Matemática ao lado da Australia, Bélgica, 2004 cursos de graduação que exigem formação matemática (1360
China, Hungria, Índia, Holanda, Polônia e Espanha. Isto é motivo de em áreas de ciências exatas e da terra e 644 em engenharia e
orgulho, mas sobretudo é estímulo para uma conquista ainda mais tecnologia).
ampla e complexa: promover um avanço de nossa matemática em
termos mais abrangentes, mas tão importantes quanto nossos A realidade revelada pelo Exame Nacional de Cursos (ENC-2000) e
anseios iniciais de desenvolver, aqui mesmo, pesquisas e formação pelo Sistema de Avaliação do Ensino Brasileiro – SAEB apresenta
de novos pesquisadores de primeira qualidade. uma situação extremamente preocupante no que concerne à forma-
ção matemática do cidadão brasileiro. No ENC-2000, realizado com
Os desafios que se apresentam são os da integração com outras graduandos de matemática, 88,2% dos participantes obtiveram, em
áreas da ciência, do estímulo às aplicações ao setor produtivo e da uma escala de 0 a 10, conceito menor do que 2,24. Além disso, as
questão fundamental da qualidade do ensino em todos os níveis. melhores médias institucionais não ultrapassaram 6,1 na mesma
A premência de crescer torna-se, assim, indiscutível e, até mesmo, escala. Isto é um indicador forte de que a formação oferecida nos 369
avassaladora. cursos de graduação em matemática está longe do ideal. Já os dados
resultantes dos exames realizados pelo SAEB, nos anos 85, 97 e 99,
A história do desenvolvimento da comunidade matemática no Brasil revelam que os alunos da terceira série da escola média obtiveram
é relativamente recente. Nas primeiras décadas do século XX, com notas na faixa 225 a 275 em uma escala de 0 a 500. Aqui o indicador
exceção de nomes isolados, a matemática brasileira estava inteira- fundamenta a hipótese de um ensino fundamental com grandes defi-
mente dissociada do panorama internacional. Algumas datas impor- ciências em matemática. Para mudar esse quadro, é necessária uma
tantes: a criação da Faculdade de Filosofia da USP em 1934, a do mobilização imediata da comunidade matemática na discussão de
CNPq em 1951 e a do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) diretrizes para o ensino da matemática e na implementação de novos
em 1952. Apenas em meados da década de 60, artigos de matemáti- programas de aperfeiçoamento dos atuais professores e ampliação
cos brasileiros começavam a aparecer com alguma freqüência em dos já existentes, tais como o Pró-Ciências. Se quisermos melhorar
boas revistas internacionais, embora grande parte dessas pesquisas o nível do ensino de matemática nos primeiro e segundo graus, deve-
fosse ainda realizada no exterior. O desafio fundamental de produzir remos agir sobre toda a cadeia, que inclui as licenciaturas e bachare-
novos resultados matemáticos no Brasil teve início com os primeiros lados, os mestrados e os doutorados.
programas de pós-graduação nos anos 60.
Por outro lado, a ampliação do número de profissionais de matemá-
Apesar desse inegável sucesso, a possibilidade de uma expansão pla- tica envolvidos com aplicações desta ciência ao setor produtivo e a
nejada da pós-graduação em matemática tem sido dificultada pela outras ciências demanda uma formação atualizada, diferenciada e
ausência de uma ampla compreensão de sua importância. Cresce mais abrangente, bem como o incentivo a parcerias multidisciplinares
também a preocupação com o ensino de matemática em todos os em pesquisa e na solução de problemas originados na realidade
níveis, reconhecendo-se o papel que ela tem na formação de recur- socioeconômica do País.
sos humanos qualificados em todos os segmentos da sociedade. É
preocupante a escassez de pessoal qualificado para atender não ape- A comunidade matemática brasileira analisou o quadro geral desta
nas à demanda do ensino tradicional, nos seus vários níveis, mas área no país e conscientizou-se da necessidade absoluta de um
também àquela gerada pela evolução científica e tecnológica do país. crescimento acelerado da mesma e dispõe-se a dar sua vigorosa
Constata-se, hoje, que o número de profissionais pós-graduados exis- contribuição para alcançar tal fim, aceitando a responsabilidade de
tente está longe de atender à demanda do ensino, da pesquisa, do propor soluções que possam ser a base para a definição de políticas
setor produtivo e do próprio governo. e estratégias para solucioná-la e, posteriormente, contribuir para a
implementação das mesmas.
A produção de mestres e doutores vem crescendo ao longo dos
últimos trinta anos. Passamos da situação em que os pós-graduados O objetivo final é uma ação coordenada da comunidade dos mate-
eram formados no exterior para a de hoje em que todos os mestres máticos e das agências de fomento, para obter-se um salto significa-
e a maioria dos doutores são formados no País. No entanto, este tivo da matemática no País, tanto do ponto de vista da competência
crescimento ainda é insuficiente e está em descompasso com o quanto do porte de sua comunidade e a conseqüente superação das
avanço das necessidades acadêmico-científicas e com a própria di- deficiências aqui apontadas.
nâmica educacional.

54
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

FORMAÇÃO DE RECURSOS HUMANOS PARA CT&I

A formação e capacitação de recursos humanos é


fator crítico para o desenvolvimento. As nações que
investiram de forma sistemática no fortalecimento
e ampliação de capital humano atingiram patamares
científicos e tecnológicos diferenciados que lhes per-
mitiram tanto ampliar a base econômica quanto apri-
morar indicadores de qualidade de vida.

Expansão do Ensino no Brasil

Os esforços brasileiros neste campo, nos últimos cin-


qüenta anos, têm sido notáveis. No período mais re-
cente, ao lado da expansão quantitativa e da amplia-
ção da cobertura geográfica, a política educacional
vem dando particular atenção para a superação de de-
ficiências estruturais do sistema que comprometem a
qualidade da educação. Temas como orientação aca-
dêmica e pedagógica do ensino, capacitação de novos
professores e atualização contínua do quadro funcio-
“O foco não pode ser nem a
nal, capacidade de atender à crescente demanda por
Tecnologia nem a Ciência. O foco
educação de qualidade em todos os níveis, avaliação
de resultados, gestão operacional e pedagógica já estão deve ser a educação, o cidadão, a
sendo enfrentados, mas, ainda assim, por quaisquer espécie humana, nos seus mais
critérios que se adotem, devem integrar a agenda para variados aspectos e vistos como
os próximos dez anos na área de educação. partes essenciais de um processo de
desenvolvimento mais amplo, do qual
Melhoria da Qualidade do Ensino a educação tecnológica é apenas uma
faceta.”
O aprimoramento e expansão quantitativa da rede
Francisco Cesar Sá Barreto,
de ensino fundamental no País já está ampliando UFMG

55
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

fortemente a demanda no ensino médio e até mesmo O fato é que, depois de quase uma década de estag-
no nível superior, que terá grandes desafios ao longo nação, o número de matrículas no ensino superior
da próxima década, como conseqüência da expansão voltou a crescer de forma acentuada no último quin-
dos demais níveis. De um lado, é necessário assegurar qüênio. Verifica-se que, em 1981, o total de matri-
a contínua melhoria do padrão qualitativo do ensino, culados em instituições públicas e privadas de ensino
que, apesar do evidente progresso observado nos últi- superior era de 1,4 milhão de estudantes. Em 1994,
mos anos, ainda está certamente aquém dos níveis este número era de 1,7 milhão (dos quais 41,6% em
desejados; de outro lado, é preciso capacitar o siste- instituições públicas), tendo saltado para 2,4 milhões
ma de ensino médio e superior para absorver o au- em 1999 (35% do total). Observa-se, portanto, um
mento da demanda e responder às exigências educa- crescimento vigoroso do sistema privado (58,1% en-
cionais da sociedade do conhecimento. tre 1994 e 1999), embora o sistema público também
tenha crescido 20,5% no mesmo período. Neste pe-
O Ensino Superior de Graduação ríodo, destacou-se a elevação da oferta de vagas pelo
ensino privado (70,3%), bem superior ao crescimento
Existe enorme demanda não atendida de ensino supe- da oferta nas universidades públicas (23,2%), o que
rior no Brasil. Durante quase quinze anos, o número levou a participação do primeiro a 75,6% do total
de inscritos no vestibular cresceu mais rapidamente que das vagas oferecidas em 1999 (Tabela 1).
o número de vagas, e apenas no último quinqüênio o
hiato entre o número de candidatos e matriculados foi Expansão do Ensino Privado
estabilizado. Em 1981, o número de candidatos ins-
critos para os vestibulares foi de cerca de 1,7 milhão, A expansão do sistema privado vem permitindo não
correspondendo a 125% do total de matriculados; em apenas a absorção de parte do crescimento da de-
1994, o número de candidatos foi de 2.2 milhões, 41% manda, mas também a maior capilaridade da rede
a mais do que o número de matriculados (1,7 milhão). de escolas superiores, alcançando inclusive cidades
Em 1999, o total de inscritos no vestibular alcançou de pequeno e médio porte do interior do País. Ao
3.3 milhões, e a relação número de candidatos/número mesmo tempo, impõe aos gestores do sistema o enor-
de matriculados não se alterou. me desafio de assegurar a prestação de serviços de

56
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

qualidade compatível com as exigências da sociedade junto que ainda precisa melhorar, de forma substan-
contemporânea e com a própria realidade econômica cial, para atingir os padrões de qualidade que o MEC
das famílias brasileiras. Impõe, ainda, o desafio de vem fixando como parte do esforço de melhoria ge-
integrar o sistema privado com as atividades de pes- neralizada do ensino no Brasil.
quisa e de formação de recursos humanos de alto
nível, para atender à crescente demanda do próprio Neste contexto, somente uma parcela dos cidadãos
mercado de trabalho por esse tipo de profissionais. tem acesso à educação sistemática e de qualidade.
A dificuldade com o modelo atual não está somente
Apesar desse aumento, o total de matrículas, quan- na existência de instituições de perfis diferenciados
do comparado à população brasileira na faixa etária para atender à enorme e diversificada demanda.
de 18 a 24 anos, ainda representava uma proporção Reflete ainda, tanto problemas estruturais, que vêm
baixa, no final da década passada (10% no ano de se acumulando há décadas, como impasses típicos
1998). dos períodos de transformação acelerada e ruptura
de paradigma, entre os quais a incerteza em relação
O estudo “Resultados e Tendências da Educação à estratégia a ser seguida, à redefinição de funções e
Superior no Brasil” (INEP, 2000) confirma a acele- prioridades, resistência às mudanças, multiplicidade
ração do ritmo de matrículas na graduação, tal como de interesses não necessariamente convergentes e
mencionado acima, a melhoria global dos indicadores assim por diante. Não se pode imaginar que os pro-
de eficiência e produtividade do sistema – eviden- blemas possam ser superados por reformas educa-
ciada pelo aumento do número de concluintes, me- cionais, nos moldes da implementada pelo governo
lhoria da relação entre o número de concluintes e o militar na década de 60. As instituições de ensino
número de ingressantes, aumento do número de alu- estão em processo de transformação, e o desafio da
nos por professor e de aluno por funcionário –, a próxima década consiste, por meio do contínuo diá-
melhoria da qualificação docente e a expansão e con- logo e debate envolvendo governo, instituições de
solidação dos programas de pós-graduação nas insti- ensino e sociedade em geral, levar adiante um amplo
tuições de ensino superior públicas. programa de ampliação quantitativa e qualitativa do
sistema de ensino superior. Para isto será necessário,
Avaliação do Ensino Superior entre outras ações, superar a carência de projetos
acadêmicos e pedagógicos para desenvolver meto-
Está sendo implantado no Brasil um sistema de ava- dologias e técnicas adequadas para resolver as gran-
liação geral das instituições de ensino superior, nos des questões relacionadas com o atendimento quan-
moldes da que já pratica a Capes há mais tempo para titativo da demanda e com a qualidade da educação.
os programas de pós-graduação. Os resultados ainda
não permitem o diagnóstico qualitativo completo de Plano Nacional de Educação
todos os cursos, mas são suficientes para sustentar a
visão de que o sistema ainda é desequilibrado e de O Plano Nacional de Educação representa um pas-
que, ao lado de instituições de nível acadêmico ele- so neste sentido. Considerando-se que a população
vado – principalmente as públicas –, convive um con- brasileira na faixa etária entre 18 e 24 anos é superior

57
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

a 20 milhões, o alcance da meta estabelecida no Plano Quadro 6


Nacional de Educação prover, até o final da década, Ensino de Engenharia
oferta de educação superior para, pelo menos, 30% da O período pós II Guerra Mundial pode ser considerado um marco
de pujança da engenharia e seu importante papel de transformar o
população na faixa etária de 18 a 24 anos demandará conhecimento em inovação. Essa “engenharia do conhecimento”,
um esforço gigantesco de expansão da educação ocorrida de forma tão acelerada no último século, trouxe profundas
modificações na visão do homem de si mesmo e na sua forma de
superior. Ou seja, estabelecer as condições para passar viver e, conseqüentemente, no modo de produção.
de 2 milhões de vagas para entre 4 e 6 milhões de va-
Os resultados brasileiros em termos de inovação ou invenção são
gas nos próximos cinco anos. extremamente preocupantes, quando comparados aos de países
desenvolvidos. Por exemplo, enquanto em todo o período de 1988
a 1996 houve a solicitação de 112.436 patentes no Brasil (a maior
Um aspecto que chama a atenção é o crescimento parte originária do Exterior), registraram-se 206.276 pedidos nos
Estados Unidos, apenas no ano de 1996.
acentuado da participação do segmento privado dos
estabelecimentos de ensino superior no Brasil e a Esse quadro mostra a necessidade de mudança na formação do
engenheiro. Hoje, a competitividade instalada na indústria e as exi-
expansão, neste segmento, dos estabelecimentos iso- gências com o comprometimento ambiental e social requerem um
perfil de engenheiro com capacidade para identificar as oportunida-
lados (escolas formadas muitas vezes por um ou dois
des para a inovação e que tenha, ainda, uma boa capacidade gerencial
cursos com única direção, sucedâneas de escolas se- e de inter-relação pessoal. Em resumo, requer-se hoje do enge-
nheiro uma formação mais abrangente e, ao mesmo tempo, de
cundárias). No total dos estabelecimentos de ensino maior conteúdo científico, condições que não têm sido contempla-
superior isolados, as faculdades privadas represen- das na maioria dos currículos brasileiros.

tavam 60%, em 1996. Neste quadro, uma exigência O Brasil forma cerca de 15 mil engenheiros por ano. Entretanto, a
crucial para o setor público é a definição de formas maior parte daqueles que permanecem na profissão têm geralmente
uma formação que pouco os estimula à busca da inovação. Comparado
de regulação que garantam à população uma pers- aos países desenvolvidos, o Brasil apresenta um número de 6 enge-
nheiros por mil trabalhadores da população economicamente ativa,
pectiva de melhora contínua e substancial da quali-
contra 15 por mil na França e 25 por mil no Japão e Estados Unidos.
dade da educação ofertada. Um passo inicial impor- Apenas 10% do alunado de graduação das universidades brasileiras
está matriculado em cursos de engenharia, contra mais de 25% nos
tante e inédito nessa direção foi dado com a institu- Estados Unidos. Esse quadro é um forte indicativo da desvalorização
cionalização da sistemática atual de avaliação do da profissão, conseqüência dos inadequados investimentos em pes-
quisa e desenvolvimento e em infra-estrutura no País.
MEC. Esta compreende os “Provões”, ou Exame
Nacional de Cursos (ENC), cujo objetivo é a avalia- Em 1994, o Ministério da Ciência e Tecnologia, por intermédio da
Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), criou o Programa de
ção do desempenho dos alunos e a avaliação das Desenvolvimento das Engenharias (Prodenge). O referido progra-
ma tinha como objetivo estruturar e modernizar o ensino e a pesquisa
condições de oferta de cursos de graduação. Esta em engenharia. O Prodenge atuou mediante dois subprogramas
ocorre mediante visitas de verificação realizadas por complementares: a Reengenharia do Ensino de Engenharia (Reenge),
e a criação de Redes Cooperativas de Pesquisa (Recope), envolven-
especialistas, que efetuam a avaliação dos cursos com do a interação entre universidades, institutos de pesquisa e empre-
respeito à qualificação do corpo docente, organização sas para a realização de atividades conjuntas de pesquisa, desenvol-
vimento experimental e engenharia. O saldo do Prodenge é muito
didático-pedagógica e instalações. A provisão de edu- positivo. O Recope, por exemplo, criou uma cultura de cooperação
cação privada de qualidade requer, necessariamente, entre as escolas de ensino de engenharia no País, lançou as bases de
importantes coalisões regionais dessas escolas e propiciou a cria-
aperfeiçoamento dos mecanismos de avaliação, a fim ção de uma Rede Brasileira de Engenharia, uma infra-estrutura de
telecomunicações que interliga as escolas de engenharia, facilitando
de romper com o círculo vicioso da mediocridade interações e a realização de cursos à distância.
que governa o funcionamento de muitas instituições
O Programa de Apoio ao Ensino e Pesquisa em Engenharia (Paepe)
de ensino superior: o estudante paga pelo diploma, do MCT e MEC virá substituir o Reenge e continuar o esforço de
e não pelo conhecimento e formação, e por isso reativação das engenharias no Brasil.

58
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

mesmo não exige a prestação de um serviço de boa


qualidade. Ao contrário, quanto menor a exigência,
melhor, pois mais fácil será a obtenção do título.

Com relação ao ensino superior público, o mesmo


Plano Nacional de Educação coloca um desafio: am-
pliar a oferta de ensino público e assegurar um nú-
mero de vagas nunca inferior a 40% do total. Isto
implica a necessidade de quase dobrar a oferta de
ensino superior por estabelecimentos públicos. Ainda
que parte desse crescimento possa vir a ser atendido
com a criação de novos estabelecimentos – inclusive
em parceria da União com os estados, como indicado
no Plano – , é inevitável que as universidades públi-
cas promovam ampliação substancial de suas vagas,
o que já está ocorrendo. O desafio, na universidade
pública, é o de expandir o ensino e ao mesmo tempo
melhorar sua qualidade sem comprometer o esforço,
a qualidade e os resultados da pesquisa, que também
devem ser potencializados.

A diversidade e a heterogeneidade de nosso com-


plexo de educação superior devem ser consideradas
como premissa fundamental quando se avança na
construção de políticas dirigidas ao setor.

A Pós-graduação

A pós-graduação no Brasil constitui o cerne da pes-


quisa científica. É também a base de formação de
pesquisadores para instituições de pesquisa e para
empresas. Neste sentido, tem função estratégica na
construção do futuro. Sob todos os aspectos – nú-
mero de cursos, alunos, bolsas, produção científica
–, o quadro da pós-graduação no Brasil, nos anos
90, foi de expansão. O número de estudantes matri-
culados na pós-graduação stricto sensu cresceu acima
de 80%, ao longo da última década (ver capítulo 1 e

59
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Tabela 2). O número de alunos de doutorado cres- de aproximadamente 8 mil em 1980, cresceu conti-
ceu ainda mais rapidamente do que o de mestrado. nuamente até 1994, quando atingiu seu ponto máxi-
Esta é uma das principais realizações da década de mo com quase 22 mil bolsas, e vem se reduzindo des-
noventa, com poucas paralelas no resto do mundo. de então, tendo atingido o patamar de 17 mil bolsas
em 2000. Já o número de bolsas de doutorado partiu
A pós-graduação brasileira vem apresentando um de cerca de 1.300, em 1980, elevou-se continuamente
nível de qualidade crescente e para isto contribuiu, durante todo o período, deu um salto expressivo em
de forma decisiva, o processo de avaliação instituído 1993, chegando a pouco mais de 8.500 bolsas, e man-
pela Capes, com a colaboração do CNPq e outras teve-se em uma trajetória de crescimento contínuo
agências de fomento, e a participação da comunidade até 2000, quando atingiu seu ponto de máximo com
científica. Este processo e a resultante elevação do 14 mil bolsas. Incluindo-se todas as agências estaduais,
patamar de qualidade do ensino de pós-graduação o número de bolsas de estudos de formação no país,
no Brasil é exemplar do que se pode alcançar de for- atualmente vigentes, aproxima-se de 60 mil, segundo
ma participativa com perseverança e visão de futuro. as informações do Prossiga captadas em maio de 2001.
A prioridade dada às bolsas de doutorado reflete uma
Bolsas de Formação decisão da política educacional, para atender à
demanda futura, com o objetivo de reforçar a oferta
Um dos instrumentos mais importantes para a ob- de recursos humanos de qualificação elevada, cuja
tenção desses resultados tem sido a concessão de formação requer anos.
bolsas de formação. O número total de bolsas de mes-
trado e doutorado no País (Tabela 3), concedidas pe- Como reflexo da opção de abreviar o tempo de
lo conjunto das agências federais (CNPq e Capes), formação dos pesquisadores, acompanhando assim a
passou de menos de 10 mil bolsas/ano, em 1980 para tendência internacional1 , acentuou-se o direcionamento
mais de 30 mil/ano em 2000. Tomando-se apenas as da concessão de bolsas ao doutorado, em especial pelo
bolsas de mestrado, vemos que, seu número, que era CNPq, que, em 2000, pela primeira vez em sua história,

60
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

concedeu um número de bolsas de doutorado (5.858) doutorado, distinguindo-se da prática adotada por
superior ao de bolsas de mestrado (5.572). outros países em desenvolvimento de utilizar-se
maciçamente do recurso de enviar seus estudantes
Foi também uma opção deliberada de País consti- para centros estrangeiros. Evidentemente, para áreas
tuir em suas universidades cursos de mestrado e do conhecimento consideradas prioritárias ou que
1 Um ponto essencial ao debate é a diferenciação dos sistemas de pós-graduação em sentido amplo e em sentido estrito. A tendência recente de
crescimento desproporcional do número de mestres formados nos EUA, Canadá e países da Europa está associada, basicamente, aos chamados
MBAs e similares. Referem-se muito mais a mecanismos de educação/formação continuada do que a instrumentos de consolidação da base da
estrutura universitária e de pesquisa. Poucos países exigem ou mesmo reconhecem a necessidade de titulação em nível de mestrado para que se
ingresse no programa de doutorado.

61
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

não sejam contempladas nos cursos de pós-graduação abra um debate no contexto das perspectivas da
no País, o envio de estudantes brasileiros para o crescente demanda por recursos humanos qualifica-
exterior é a solução mais adequada. De modo geral, dos por países avançados, definindo tanto políticas
a concessão de bolsas de estudo para doutorado-san- de fixação no País da mão-de-obra qualificada, como
duíche e pós-doutorado foi priorizada, sobretudo a a intensificação de intercâmbio com o exterior como
partir da primeira metade da década de noventa. mecanismo de prevenção da fuga de cérebros.
Além de manter os vínculos científicos das institui-
ções, pesquisadores e estudantes nacionais com o Finalmente, vale mencionar ressalvas que são feitas
exterior, essa opção tende a incentivar a disseminação quanto à queda da relação entre bolsas de mestrado e
da capacidade científica no País, na medida em que de doutorado, no Brasil. Esta filosofia contrasta com a
os bolsistas tendem a ser mais experientes e a possuir tendência de países desenvolvidos, como os EUA e o
vínculos institucionais mais estabelecidos. Além de Japão, onde a relação entre mestres e doutores formados
incentivar o desenvolvimento e a disseminação de é bem superior à do Brasil, mesmo tomando-se em con-
capacidade científica e de pesquisa no País, essa op- sideração apenas o MA e o MSc (ou seja, desconside-
ção, complementada com a busca de soluções mais rando-se o MBA). Leve-se em consideração também
adequadas para a inserção produtiva desses pesqui- que a situação nesses dois países é radicalmente distinta
sadores, contribui para evitar a perda de profissionais da existente no Brasil. O argumento considera que a
mais capacitados para o exterior. Tendo em vista a crescente sofisticação e complexidade da ciência mo-
rapidíssima evolução da CT&I nos países avançados, derna requer a formação de equipes organizadas em
não se deveria excluir, metodologicamente, a possi- estrutura piramidal, incluindo pessoal treinado em di-
bilidade de expandir o número de bolsas de estudo versos níveis, um ou dois líderes, poucos doutores e
no exterior em áreas selecionadas do conhecimento. diversos mestres e técnicos qualificados com nível equi-
Por outro lado, parece necessário que a sociedade valente ao secundário.

Quadro 7
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - Pibic

O Pibic nasceu em 1988, de uma iniciativa inovadora do CNPq, que como um incentivo à recomposição de atividades, capaz de conduzir
visava estabelecer um contato mais estreito entre as instituições a inovações no planejamento e na definição de linhas de pesquisa
de ensino e as de pesquisa. Serve de instrumento para a formação com vistas à identificação com o próprio perfil institucional.
para pesquisa de estudantes da graduação em todas as áreas do
conhecimento. Dirige-se o programa ao aprendizado concreto de Metas
teorias e metodologias de pesquisa sob a orientação de pesquisado- - de caráter substantivo (voltada para as expectativas relativas à iden-
res mais experientes, buscando: i) introduzir o aluno no mundo da tidade do programa). Nos próximos dez anos, o PIBIC deverá con-
pesquisa científica, ou seja, deve estimula-lo à continuidade dos tribuir para diminuir em pelo menos dez anos a idade média atual
estudos, garantindo frutos duradouros, introduzindo-o mais cedo de formação de mestres e doutores;
na pós-graduação com melhores e mais rápidos resultados; ii) esti-
mular o pesquisador-orientador a formar equipes para a atividade - de caráter de política científica (forma de intervenção estratégica no
científica. Este aspecto da iniciação científica permite desenvolver e planejamento do desenvolvimento regional equilibrado). O Pibic deve-
consolidar a investigação científica integrada à própria formação de rá contribuir para, na próxima década, diminuir as disparidades
colaboradores; iii) propiciar à instituição um instrumento de formula- regionais na distribuição da competência científica no território
ção de políticas de pesquisa. Isto é, a IC deve servir às instituições nacional.

62
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

A indústria segue a mesma estrutura piramidal, con- safios da sociedade do conhecimento. Igualmente,
tratando mais bacharéis, menos mestres e somente não há desafio mais urgente a ser enfrentado para o
alguns doutores para posições de liderança. Portanto, avanço do conhecimento, caso se queira fazer da
a redução da percentagem de estudantes de mestrado Ciência, Tecnologia e Inovação os motores do desen-
com bolsa poderia diminuir a capacidade da univer- volvimento do Brasil no século XXI. Será preciso
sidade de selecionar talentos e desfavorecer a for- que a sociedade e os poderes públicos dêem, à ques-
mação de recursos humanos qualificados para a in- tão educacional, atenção constante e prioritária a toda
dústria, que prefere contratar mais mestres do que uma geração. Só assim será possível acelerar o ritmo
doutores. de crescimento da escolaridade média do brasileiro
e começar a aproximá-la daquela dos países bem-
O nível de escolaridade da população brasileira com sucedidos, em seu esforço de desenvolvimento social
um mínimo de dez anos de idade registra um cresci- e econômico. Como já se indicou anteriormente, a
mento muito lento desde 1981 (Gráfico 1). Em de- escolaridade média da Coréia do Sul, por exemplo, é
zessete anos, a escolaridade média do brasileiro au- mais de duas vezes superior à brasileira. Cumpre
mentou menos de dois anos. Em 1999, ela era ainda ainda ressaltar que do indicador quantitativo não
inferior a seis anos. Não há testemunho mais elo- transparece a questão da qualidade dessa educa-
qüente e doloroso do despreparo do país para os de- ção, outro fator crucial do desafio brasileiro.

63
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

64
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

PROFISSIONAIS E PESQUISADORES
NA CONSTRUÇÃO DO FUTURO

A distribuição da educação no Brasil é tão desigual


quanto a distribuição de riqueza, produzindo um cír-
culo vicioso que alimenta a pobreza: o baixo nível
de educação implica baixa produtividade, baixo nível
de renda e exclusão social, que por sua vez limita o
acesso à educação de qualidade e as possibilidades
de ascenção social. Em 1999, no topo da pirâmide
educacional, cerca de três milhões de brasileiros (me-
nos de 2% da população) possuem emprego formal,
muitos desses em ocupações científicas, técnicas e
artísticas e de direção superior. As estatísticas mos-
tram não apenas que as taxas de desemprego para os
brasileiros com educação superior são bem inferiores
à média geral, mas também que, entre 1985 e 1999,
os ocupados em empregos formais, com educação
superior, passaram de cerca de 9% para mais de 12%
do total de empregados (Tabela 4).

Não obstante, a participação de cientistas e enge-


nheiros nesse total é bastante limitada: em 1999, o
número de cientistas e engenheiros (excluindo-se os
profissionais de informática) somava cerca de 126
mil pessoas, o que representa apenas 0,5% do em-
prego formal no Brasil (ou 0,7%, se forem incluídos
os profissionais de informática). Embora na primeira
metade da década de noventa tenha se reduzido o
número de cientistas e engenheiros, a partir de 1996
este número passou a apresentar tendência de cres-
cimento, superando, no caso dos cientistas, o patamar
observado em 1990. Ademais, merece destaque a

65
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

grande expansão do número de profissionais de indivíduos, em 1998, ou 15% do total de professores.


informática que, entre 1991 e 1999 variou quase
50%. Em comparação com indicadores equivalentes Se o significativo aumento no número e participa-
de países mais industrializados, no Brasil a ção dos professores é um fato animador, o agrava-
participação desses profissionais no emprego é mento do já precário quadro de utilização de enge-
exígua. Nos países mais industrializados da OCDE, nheiros e cientistas nas empresas merece atenção
em 1998, a participação de cientistas e engenheiros redobrada e a busca de instrumentos para superá-lo.
no emprego variava entre 5% e 12% do emprego A promoção do desenvolvimento de atividades tec-
total. nológicas nas empresas depende de um conjunto de
políticas diretas e indiretas de incentivos. Vale lem-
A distância entre o Brasil e os países mais industria- brar que a reformulação das políticas de apoio à P&D
lizados é determinada primordialmente pelo menor em vários países (como a França, a Holanda, a Bél-
número de empregos desses profissionais nas em- gica e a Austrália) tem incorporado mecanismos espe-
presas. A principal razão para isto é a relativamente cíficos de apoio à contratação de cientistas e enge-
reduzida atividade de P&D e engenharia realizada nheiros pelo setor privado.
nas empresas brasileiras.
No que concerne aos recursos humanos com alto
Os professores, os funcionários superiores da adminis- nível de qualificação, as informações produzidas pela
tração pública (incluindo pesquisadores), os profis- Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
sionais da saúde e os profissionais de informática cons- (PNAD)2 , do IBGE, mostram que o número de pes-
tituem as categorias que mais cresceram entre 1985 e soas com mestrado ou doutorado no Brasil passou
1997, entre os grupos que estão sendo aqui con- de 157 mil em 1992, para 258 mil em 1999, das quais
siderados (Gráfico 2). Os professores representam cerca 224 mil eram economicamente ativas. Por seu turno,
de 40% do total dos profissionais de nível superior em 221 mil estavam ocupadas em 1999. Logo, havia
ocupações científicas, técnicas e artísticas. Os profes- cerca de 3 mil pessoas com título de mestre ou doutor
sores do ensino superior somavam cerca de 135.000 em situação de desemprego naquele ano. Isso corres-

66
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

ponde a uma taxa específica de desemprego da motivado tanto pela criação de novas oportunidades
ordem de 1,3%, contra 4,2% entre as pessoas com de ocupação no setor privado como pela aposenta-
nível superior completo e 9,6% para o conjunto da doria e planos de demissão voluntária associados às
população. reformas institucionais implementadas no setor
público ao longo da década de noventa.
Esse mesmo levantamento permite outras verifica-
ções interessantes: em 1992, das pessoas ocupadas, Assim, o setor privado está se tornando o principal
51% que freqüentaram regularmente cursos de mes- empregador dos indivíduos de alta qualificação
trado ou doutorado, independentemente do fato de (segundo a PNAD, essa situação passou a se verificar
os terem ou não concluído, estavam empregadas no a partir de 1998). Note-se que a expansão das opor-
setor público. Destas, 55% estavam inseridas em ati- tunidades de emprego nesse setor não se explica ape-
vidades de ensino. Em 1999, observa-se que a pro- nas pelo crescimento das ocupações nos serviços de
porção daquelas empregadas no setor público havia educação, uma vez que a proporção das pessoas de
se reduzido para 45% e a parcela das que desenvol- elevada qualificação que atuam nesse segmento es-
viam atividades educacionais havia passado para pecífico manteve-se, em 1999, no mesmo patamar
53%. Deve-se considerar que este movimento foi observado em 1992 (23%).

2 Por ser uma pesquisa amostral, a PNAD se ressente de importantes limitações para realizar estimativas de eventos de baixa freqüência, como os
ora analisados. Portanto, as estimativas aqui apresentadas devem ser tomadas com reservas, especialmente aquelas em números absolutos. Porém,
a série temporal que se obteve apresenta um comportamento consistente, sugerindo que sua amostra não apresentou variações expressivas no
período no que tange a esse aspecto.

67
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Entre as informações coletadas estão as referentes sidades, escolas isoladas e institutos de pesquisa com
ao número de pessoas com nível superior que atuam atividade de pós-graduação detêm 89,6% do total dos
em atividades de P&D no interior das empresas. Seus grupos. Estes números refletem a consolidação da pós-
primeiros resultados indicam que há no País cerca graduação na institucionalização da pesquisa no Bra-
de 12.200 pessoas nessa situação, distribuídas em sil, fato que foi reforçado nas duas últimas décadas
1.800 empresas, das quais 65% estão localizadas no pela continuidade dos programas de bolsas de estudo,
estado de São Paulo. mesmo nas fases mais difíceis e de maiores cortes do
gasto público no setor. Também é muito concentrada
A Base de Pesquisadores Empregada no Brasil a atividade de pesquisa no Brasil do ponto de vista
institucional. Dezesseis instituições, que perfazem 7%
De acordo com o último levantamento do Diretório do total de instituições inventariadas, abrigam metade
dos Grupos de Pesquisa no Brasil (2000), do CNPq, dos grupos de pesquisa.
224 instituições forneceram informações sobre 11.760
grupos de pesquisa nos quais trabalham 48.781 Tomando-se as grandes áreas, a percentagem de dou-
pesquisadores, sendo 27.662 com título de doutor. tores varia de 68,4%, nas ciências exatas e da Terra,
a 45,8%, nas ciências humanas. Entre as áreas do
A distribuição geográfica dos 11.760 grupos de pes- conhecimento, há 11 com mais de 70% de pesquisa-
quisa é fortemente concentrada na região sudeste, dores doutores. Dessas, seis pertencem às ciências
conforme demonstra a Tabela 5. São 6.733 grupos biológicas (biofísica, bioquímica, fisiologia, farma-
localizados nesta região, seguindo-se a região Sul cologia, morfologia e imunologia), quatro às ciências
com 2.317 grupos, a Nordeste com 1.720, a Centro- exatas (astronomia, matemática, física e química) e
Oeste com 636 e a região Norte, com apenas 354. a restante cabe à engenharia civil. A astronomia e a
matemática lideram o ranking de titulação, respecti-
O estado de São Paulo abriga 3.645 grupos, seguido vamente com 85% e 83% de doutores. No que se
do estado do Rio de Janeiro, com 1.922. Essas duas refere às grandes áreas, a distribuição dos grupos é
unidades da Federação, mais o Rio Grande do Sul e mostrada na Tabela 6.
Minas Gerais, abrigam dois terços da atividade de pes-
quisa quando medida pelo número de grupos. Univer-

68
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

Quadro 8
A Fábrica do Futuro

As técnicas de fabricação de que dispomos são ainda muito primiti- As máquinas do futuro empregarão mais componentes miniaturiza-
vas, se comparadas àquelas da natureza. O fio de uma teia de ara- dos e materiais produzidos por técnicas que se aproximarão, pro-
nha, por exemplo, tem a resistência de um fio de aço do mesmo gressivamente, daquelas empregadas pela natureza, por exemplo,
diâmetro, mas é muito mais flexível. A produção do fio de aço exige na “produção” de uma formiga. A formiga é uma pequena “máqui-
uma seqüência complexa e custosa de fabricação. Da extração do na” que se autoconstrói, dotada de sensores químicos e eletromag-
minério de ferro até o produto final, o processo de fabricação é néticos poderosos, atuadores mecânicos potentes, capaz de se lo-
caro, demorado, consome uma quantidade enorme de energia e é comover e identificar onde precisa atuar para conseguir os resulta-
altamente poluente. Comparemos esta seqüência de etapas de fa- dos desejados. Mesmo nossas melhores máquinas são ainda primiti-
bricação com a simples produção do fio da teia de aranha: silencio- vas, se comparadas à sofisticação de uma formiga, e precisam ser
so, limpo e eficiente. Qual a diferença? A glândula da aranha que construídas com enorme paciência e alto custo. Como na produção
produz o fio manipula quase que diretamente os átomos que cons- da formiga, o objetivo da nanofábrica do futuro é produzir máquinas
tituem suas moléculas. Ela emprega uma técnica de fabricação ex- que se autoconstruam, que se montem e se reparem sozinhas.
tremamente sofisticada, manipulando a matéria de “baixo para cima”,
isto é, dos átomos e moléculas invisíveis para o produto final, visí- Para chegar lá, o nosso conhecimento da natureza ainda precisa
vel. Esta técnica é aquilo que os cientistas chamam de nanofabricação: avançar muito. Pesquisas multidisciplinares em física, química, bio-
a montagem de materiais e dispositivos átomo por átomo, molécu- logia, engenharia de materiais, computação, matemática serão ne-
la por molécula. Já nossas técnicas metalúrgicas, herdadas da anti- cessárias para que os processos de manufatura de artefatos huma-
güidade e aperfeiçoadas pela ciência mais recente, são extrema- nos se aproximem em eficiência ao uso de matérias-primas e ener-
mente cruas e manipulam a matéria, por assim dizer, de cima para gia, na preservação do meio ambiente e na engenhosidade daqueles
baixo, do visível (material) para o invisível (átomos). A ciência mo- empregados pela natureza na produção de seres vivos. As próximas
derna ambiciona, cada vez mais, imitar a aranha em lugar de imitar décadas prometem ser fascinantes na busca de soluções para esses
a forja de Plutão, o mítico deus da antigüidade que forjava metais problemas.
em meio ao barulho e calor de sua siderúrgica primitiva.

69
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

O segredo da asa da borboleta


De onde vem a cor azul da asa da
borboleta? Esta cor é produzida por uma
intricada grade de difração tridimensional
formada por estruturas muito pequenas
(inferiores a um milionésimo de milímetro),
que não se sabe reproduzir artificialmente.
A compreensão deste fenômeno envolve
biologia, engenharia de materiais, óptica e,
ao mesmo tempo em que satisfaz a
curiosidade sobre um belíssimo fenômeno
natural, dá indicações sobre como produzir
novos materiais artificiais com
propriedades ópticas inovadoras.

70
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

AVANÇO DO CONHECIMENTO

A pesquisa acadêmica tem a insubstituível função


de acompanhar e expandir a fronteira do conheci-
mento, além de treinar jovens para a atividade de
prospecção, absorção e difusão do conhecimento.

Em 2000, a produção científica brasileira, medida


pelo número de artigos científicos e técnicos publi-
cados e indexados no National Science Indicators,
chegou a 9.511. Enquanto na década de oitenta o
crescimento da produção científica foi da ordem de
88%, na década de noventa essa taxa subiu para cer-
ca 150% (Gráfico 3). Não apenas cresceu a partici-
pação da produção brasileira na produção mundial
de conhecimento, como vem crescendo mais rapi-
damente do que o conjunto da América Latina e do
mundo. Também a citações de artigos brasileiros
cresceram aceleradamente nas últimas duas décadas:
passaram de pouco mais de 14 mil entre 1981 e 1985,
para quase 85 mil entre 1996 e 2000.

O desempenho da produção científica brasileira sus-


cita uma reflexão sobre o papel da ciência básica no
processo de desenvolvimento da CT&I. Nos anos
recentes, tem crescido sobre o sistema de CT&I a
pressão por resultados, os quais tendem a ser con-
fundidos com aplicações práticas e rentáveis dos pro-
dutos das pesquisas. Argumenta-se com freqüência
que os países em desenvolvimento não têm condi-
ções de competir com os desenvolvidos na geração
de novos conhecimentos, já que estes consomem re-

71
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

cursos consideráveis, sem garantia de resultados con- sos importantes para o país, na prospecção científica
cretos e no curto prazo. e tecnológica, na negociação de tecnologias e na de-
fesa do interesse nacional nos foros internacionais.
Refletindo esta situação, os sistemas de financiamen-
to e apoio à CT&I tendem a priorizar as chamadas A formulação das Diretrizes Estratégicas para o
pesquisas de resultados, deixando de tratar a questão avanço do conhecimento, em especial a determina-
das relações e interseções cada vez mais crescentes ção de prioridades para a indução de pesquisas em
entre a geração e apropriação do conhecimento. áreas básicas, deverá ser objeto de discussões com
A questão que se coloca é como incentivar a pesquisa os vários segmentos da comunidade científica e ou-
em geral e ampliar e otimizar as oportunidades de tros agentes que detêm o conhecimento especializa-
geração de conhecimentos úteis à sociedade. Não do necessário para formulá-las. Iniciativas neste sen-
se pode esquecer, também, o papel estratégico re- tido já estão sendo tomadas pelo MCT e CNPq, por
servado a um corpo de engenheiros e pesquisadores exemplo, no campo da biotecnologia, da oceanogra-
brasileiros de classe mundial, capazes de realizar uma fia, da nanotecnologia, entre outros. Estudos pros-
interlocução de igual para igual com seus pares dos pectivos periódicos das áreas de pesquisa; avalia-
países avançados, no acompanhamento de progres- ções freqüentes pelos pares, inclusive pela comuni-

72
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

dade internacional, dos resultados obtidos em pro- Neste contexto, a demanda espontânea dos cientistas
gramas de indução; abertura para o surgimento de e pesquisadores não pode ser olvidada, como salva-
novos domínios do conhecimento, em particular, as guarda às limitações do planejamento, definição e
chamadas áreas “interdisciplinares”; todos esses são escolha de prioridades. O atendimento a essa de-
elementos bem conhecidos do processo de definição manda atinge dois objetivos: acolhimento de temas
de Diretrizes em países avançados cientificamente e oportunidades relevantes que não tenham sido
e que estão sendo crescentemente seguidos no Brasil. identificados no planejamento induzido; abertura de
A riqueza e complexidade do sistema de pesquisa espaço para o desenvolvimento de temas e problemas
básica no País não recomenda que tais prioridades tecno-científicos determinados pela lógica interna
sejam explicitadas no âmbito de um documento geral das disciplinas científicas, inclusive com vistas a via-
como este, o que não significa que a importância de bilizar o acompanhamento do progresso da ciência
sua discussão não seja reconhecida. e da tecnologia.

Quadro 9
Genética moderna no Brasil

A maneira como a natureza do processo da hereditariedade veio a Uma vertente adicional da genética brasileira iniciou-se com a vinda
ser desvendada nos últimos duzentos anos constitui uma história do pesquisador alemão F.G. Brieger para a Esalq, da USP, em
ex traordinária do progresso científico. Em uma sucessão empol- Piracicaba, em 1936. W. Kerr iniciou sua carreira influenciado pela
gante, os biólogos descobriram que as instruções da herança segui- escola de Brieger, assim como E. Paterniani e A. Blumenschein,
am regras específicas de transmissão, residiam nos cromossomos estes na área de melhoramento genético, tópico que introduziram
contidos no núcleo, eram guardadas na molécula de DNA, eram como tema de pesquisa na Embrapa. Alcides de Carvalho teve,
escritas em um preciso código genético e poderiam ser lidas na reconhecidamente, enorme impacto econômico trabalhando no Ins-
íntegra para especificar a forma e função de um organismo. tituto Agronômico de Campinas; sem o trabalho de Carvalho, a
ferrugem teria acabado com o café brasileiro.
A genética como ciência começou no Brasil por iniciativa de André
Dreyfus, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universida- Na verdade, a genética molecular moderna se desenvolvia com
de de São Paulo. Dreyfus conseguiu trazer para São Paulo, na déca- grande fulgor na década de cinqüenta, principalmente nos Estados
da de quarenta, um renomado geneticista, T. Dobzhansky, que havia Unidos e na França. Ela estava umbilicalmente ligada à genética de
trabalhado na equipe de Morgan, um dos fundadores da genética vírus e microrganismos, áreas até então pouco desenvolvidas no
moderna, no início do século passado. Dobzhansky estava interes- Brasil. É interessante que Brieger, percebendo esta defasagem,
sado em estudos de populações naturais de Drosophila das florestas trouxe na década de sessenta para o Brasil um pesquisador famoso
tropicais. Genética de população, usando o modelo Drosophila, era a desta área, Demerec. Este sugeriu que os esforços não fossem
área de interesse de Dobzhansky, e o material novo que lhe caia às dirigidos para bactérias e vírus, áreas muito competitivas, mas que
mãos permitia-lhe antever o alcance de um estágio competitivo, fosse feito um esforço no sentido de se desenvolver genética de
apesar de estar no Brasil. De fato, entre 1949 e 1955 muitos artigos fungos. Como conseqüência deste aconselhamento, João Lúcio de
foram publicados com repercussão significante. Vários pesquisado- Azevedo foi para o exterior se dedicar à genética de Aspergilus.
res brasileiros se beneficiaram da longa permanência (cerca de
dois anos) de Dobzhansky no País, entre eles, C. Pavan, A. Brito, A. A genética de microrganismo foi a mola propulsora da biologia
Cordeiro, E. Magalhães, F. Salzano e N. Freire- Maia. molecular moderna. Pode-se dizer que nós perdemos este bonde e
que estaríamos fadados a não desenvolver a biologia molecular no
Muitos continuaram a sua linha, mas outros procuraram novos ca- nosso País. Porém, ela deu grandes saltos e suas amarras à genética
minhos. Pavan, com M. Breuer, iniciou estudos em cromossomos de microrganismos se tornaram menos importantes do que a sua
politênicos de Rhynchosciara angelae. As propostas sobre “puffs” de ligação com a bioquímica, biofísica, imunologia e biologia celular.
DNA abriram caminho para o início da biologia molecular no Brasil O suporte para tudo isso passou a ser a tecnologia de DNA recom-
e tiveram na época grande repercussão internacional. N.Freire- binante. Foi assim possível para o Brasil ”queimar a etapa” da gené-
Maia e F. Salzano mantiveram-se na genética de população, mas tica de microrganismos. Com o envio de um grande número de
migraram para a área de genética humana. Pedro Henrique Saldanha jovens para bons laboratórios do exterior e com o advento de vigo-
foi outro nome que se destacou nesta área. rosos programas nas nossas agências de fomento, há sinais eviden-
tes de que a biologia molecular e a genética molecular modernas
estão se tornando áreas fortes de pesquisa no País.

73
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 10
A Física brasileira: as duas últimas décadas e perspectivas

A física brasileira, como de resto a ciência no Brasil, expandiu-se e odontologia até tratamento de tumores por fototerapia. Ao mesmo
consolidou-se ao longo das últimas décadas. Em particular, há duas tempo, os avanços em pesquisa básica, relacionados ao armazena-
áreas importantes para as tecnologias modernas de computação e mento de átomos frios e à compreensão mais profunda do fenôme-
comunicação, a física de semicondutores e a óptica quântica e não- no de descoerência, representam passos fundamentais desde o
linear, onde o País formou grupos de qualidade internacional e campo de computação quântica até possibilidades na prospecção de
contribuíu para o surgimento de novas empresas. petróleo.

A partir do trabalho de um pequeno grupo de pesquisadores, no Dentre as diversas atividades em curso que apresentam grande
final dos anos sessenta, a física de semicondutores teve um signifi- potencial, destacam-se aquelas em sistemas nanoestruturados, ba-
cativo desenvolvimento, fazendo com que o País se capacitasse no seados na fabricação de dispositivos com dimensões menores ou da
crescimento e caracterização de materiais de grande interesse ordem de 100 nanômetros (bilionésimos de metro) – algo como o
tecnológico. Isto se deu, especialmente, pela formação de recursos comprimento de uma cadeia de mil átomos. Mais do que a escala
humanos qualificados, tanto em teoria quanto na parte experimen- reduzida final, o aspecto verdadeiramente inovador esta na capaci-
tal, e pela implantação de equipamentos sofisticados, baseados em dade que o homem adquiriu de manipular átomos, quer seja atra-
técnicas, tais como epitaxia por feixe molecular (MBE) e deposição vés de processos de deposição, quer por síntese supramolecular,
química de vapor organo-metálico (MOCVD), que permitem fabri- permitindo assim que a estrutura e composição dos materiais pos-
car novos materiais a partir da manipulação de átomos. Com esta sam ser controladas em escala nanoscópica. À medida que novos
capacitação, o País tem condições para ingressar no campo da na- patamares de miniaturização são atingidos, torna-se também possí-
notecnologia, como também para explorar as fronteiras do conhe- vel desenvolver máquinas menores e mais eficientes, com grande
cimento em materiais, o chamado “limite quântico”, quando as impacto sobre a indústria de computadores e robótica em geral.
dimensões dos dispositivos se aproximam das dimensões dos pró-
prios átomos. Além dos aspectos práticos, os sistemas obtidos por meio da mani-
pulação de átomos abrem novas fronteiras do conhecimento em
Na óptica, houve grandes progressos na tecnologia de laser e fibras ciência básica. Com efeito, com a redução de uma (ou mais) das
ópticas – onde o País desenvolveu sua própria tecnologia –, com dimensões até a escala nanométrica, surgem manifestações de efei-
importante impacto na indústria de telecomunicações e de equipa- tos quânticos, muitas das quais eram totalmente desconhecidas até
mentos médicos e dentais. Quanto aos últimos, as realizações vão recentemente. A busca de explicações para esses fenômenos deu
desde o desenvolvimento de equipamentos ópticos para uso em origem, em vários casos, a novas idéias e conceitos em física.

Algumas das grandes conquistas da ciência e tecno- disciplinas científicas, mas também entre estas e
logia no País se deram sob a égide do avanço do co- áreas tecnológicas. Novas metas de caráter complexo
nhecimento. O sucesso de Oswaldo Cruz na erradi- e transdisciplinar, como nanotecnologia e biocom-
cação da febre amarela deve-se aos resultados dos plexidade, impõem-se como fomentadoras do avanço
avanços da pesquisa básica aliados a uma visão social do conhecimento para novos patamares.
clara e focada. Da mesma forma, o êxito da indústria
aeronáutica brasileira está intimamente ligado ao de- O avanço do conhecimento e o reforço da capacidade
senvolvimento de uma sólida base de conhecimento nacional para transformar conhecimento em inovação
de ponta aplicado ao desenvolvimento de novas tec- demandarão novo modo de relacionamento entre as
nologias, incorporados na formação e na pesquisa das ciências e as engenharias, bem como nova postura
instituições que alicerçaram seu desenvolvimento. das universidades e instituições públicas de pesquisa.
Constitui um desafio imediato organizar e estimular
A falsa dicotomia entre criatividade científica e uti- equipes adequadas a esse tipo de pesquisa, objetivos
lidade torna-se ainda mais vazia nos dias de hoje, e práticas. Para as universidades, o desafio residirá
em que se esvanecem as fronteiras não só entre as em mudar sem abandonar seus valores de base, mas

74
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

adotando, ao mesmo tempo, uma cultura cooperativa Institutos de Pesquisa e Laboratórios Nacionais – o
e empreendedora diferenciada. Já as instituições de último grande laboratório nacional, o Laboratório
pesquisa devem enfrentar, sem hesitação, o desafio Nacional de Luz Síncrotron, foi criado em 1985 –
de se abrirem tanto para outras instituições congê- não reflete, obviamente, a tremenda expansão da
neres e universidades, como e principalmente para a pesquisa científica no País e no mundo desde então.
sociedade. Este atraso terá de ser recuperado ao longo da próxi-
ma década, inclusive com as iniciativas em curso, e
Finalmente, é preciso reconhecer que a fronteira do explorando, entre outros, os mecanismos de finan-
conhecimento expande-se, freqüentemente, graças ciamento disponibilizados pelos fundos setoriais e
ao trabalho de jovens pesquisadores e às atividades as novas formas de organizações da pesquisa atuais
de inovação levadas a cabo pelas empresas. Uma e por desenvolver. Não é desprezível o potencial que
questão prioritária e urgente diz respeito à criação esta oportunidade representa, por exemplo, para o
de mecanismos de absorção de jovens pós-doutores equacionamento da questão do desequilíbrio regional
e de financiamento à sua pesquisa. O programa da base de pesquisa científica do País. Ao contrário,
Profix, do CNPq, é uma iniciativa importante neste é uma das mais interessantes opções ao alcance do
sentido, mas, a médio prazo, o problema não pode MCT e das regiões para começar a resolver, de forma
ser resolvido exclusivamente por meio de bolsas e permanente, este desafio e, ao mesmo tempo, im-
de auxílios a pesquisas para jovens doutores. Novas pulsionar decisivamente a pesquisa científica e tec-
instituições de pesquisa terão de ser criadas na pró- nológica no País. Esse tema é retomado, em maior
xima década, para explorar novas áreas do conheci- profundidade, no capítulo Desafios Institucionais,
mento e promover a absorção de recursos humanos inclusive à luz de iniciativas recentes como a do Ins-
altamente qualificados formados no País e exterior. tituto do Milênio e do Centro de Gestão e Estudos
O congelamento nas últimas décadas da criação de Estratégicos, ora em formação.

Quadro 11
Programa Especial de Fixação de Doutores - PROFIX

Com o duplo objetivo de contribuir para o combate à evasão de pacote de incentivos estará disponível para concessão aos candida-
pessoal qualificado e de facilitar o retorno ao País de profissionais tos selecionados. Ele inclui bolsas especiais PROFIX, de valor mais
em atividade no exterior, o CNPq criou recentemente o Programa alto que as de forma de apoio equivalentes e diferenciadas de acor-
Especial de Fixação de Doutores, PROFIX. Por meio desse progra- do com o nível de experiência do pesquisador, concessão de auxílio
ma, o CNPq estabelece mecanismos adicionais para incorporar à pesquisa e de auxílios-viagem e alocação de quotas de bolsas de
doutores de especial talento e competência no setor acadêmico e iniciação e de apoio técnico. Após a obtenção da vinculação perma-
em institutos públicos de pesquisa e busca estimular a progressiva nente em alguma instituição acadêmica nacional, estará ainda aber-
incorporação de recursos humanos altamente qualificados em ativi- ta aos bolsistas PROFIX a possibilidade de receber um novo pacote
dades de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico no de incentivos por dois anos adicionais como forma de viabilizar sua
setor privado nacional. inserção na nova instituição.

O PROFIX permite vinculação por até 4 anos em instituições de Lançado em fase experimental, como uma operação-piloto, o pro-
ensino e pesquisa, institutos de pesquisa científica e tecnológica grama PROFIX deverá ser aperfeiçoado durante os primeiros anos
federais e estaduais, empresas públicas de pesquisa e desenvolvi- de funcionamento, e poderá ser eventualmente expandido para
mento, empresas privadas em fase de incubação e microempresas alcançar um maior número de pesquisadores através da incorpora-
(de acordo com a Lei nº 9841/99), e centros de pesquisa e desenvol- ção de novas formas de financiamento como, por exemplo, o apoio
vimento de empresas privadas atuando em território nacional. Um dos Fundos Setoriais.

75
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

76
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

CIÊNCIAS SOCIAIS PARA UMA SOCIEDADE


DO CONHECIMENTO

As ciências sociais têm papel crucial no entendimen-


to das relações entre CT&I e a sociedade. A análise
da natureza, a evolução e impactos da ciência e tec-
nologia na sociedade contemporânea torna-se mais
crítica nesse século XXI, na medida em que as novas
tecnologias da informação e da biotecnologia passam
a moldar não somente as estruturas econômicas e
sociais vigentes, mas também a própria identidade
das pessoas.

A mais extensa e rápida difusão da tecnologia na


sociedade moderna gera maior número de contro-
vérsias científicas e tecnológicas, à medida que se
ampliam os grupos de atores e o conjunto de inte-
resses por trás de cada campo que se enfrenta. Igual-
mente, o maior e mais intenso contato da sociedade
com a ciência e a tecnologia aguça a percepção de
seus membros em relação a estas, aumentando suas
demandas por maior transparência na priorização no
investimento em CT&I.

Uma sociedade do conhecimento requer um público


aberto para a ciência e para a tecnologia de forma
positiva e dinâmica. Ora, as ciências sociais têm mui-
to a contribuir para o mapeamento da percepção da
sociedade brasileira sobre esses temas.

Ao mesmo tempo, estamos diante de mudanças tão


radicais nas ciências sociais, quanto as que estão
acontecendo nas engenharias e nas ciências exatas e

77
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

biológicas. Naquelas, vêm se processando a integra- empregos. Em segundo lugar, serão desafiadas a en-
ção de áreas antes especializadas e a incorporação frentar questões novas e prementes que estão sur-
de disciplinas instrumentais, como matemática, esta- gindo no contexto de grandes mudanças sociais e
tística e computação. As ciências humanas e sociais econômicas, crescente interdependência entre países
também enfrentam desafios em vários aspectos. Em e pressões cada vez maiores sobre indivíduos e fa-
primeiro lugar, deverão provar seu valor em meio a mílias. Finalmente, serão instigadas a utilizar inte-
uma onda de demanda por eficiência, lucratividade gralmente as novas tecnologias, que vêm permitindo
e resultados, em que o avanço tecnológico é a chave o desenvolvimento de novas ferramentas e infra-es-
para o aperfeiçoamento do mercado e a criação de truturas de pesquisa.

Quadro 12
Ciências Sociais para uma Sociedade do Conhecimento

Diretrizes estratégicas em CT&I para ciências humanas e sociais na res, visto que o treinamento intensivo em uma determinada disci-
próxima década incluem, necessariamente, dois conjuntos de ques- plina será sempre importante para o desenvolvimento de bons
tões. O primeiro está relacionado com o desenvolvimento das ciên- pesquisadores. Entretanto, a inovação ocorre, com freqüência, nas
cias humanas e sociais enquanto ciências, isto é, sua capacidade de fronteiras das disciplinas, além de que situações reais não se encai-
produzir conhecimento novo e de contribuir para o avanço do conhe- xam em subdivisões disciplinares rigorosas;
cimento científico em geral e na sua área específica. O segundo
conjunto de questões está ligado à “aplicação” desse conhecimento • Promover o envolvimento das disciplinas de humanidades em
e sua possível contribuição para a formulação, equacionamento, pesquisa e equipes interdisciplinares. O uso de metáforas nas quais
divulgação e avaliação de políticas públicas e sociais voltadas para a as humanidades sobressaem é uma maneira altamente eficiente de
solução dos grandes problemas da sociedade contemporânea, inclu- comunicar idéias ou relações complexas. Ademais, as humanidades
sive aqueles ligados à ciência e tecnologia. oferecem perspectivas essenciais para pesquisas orientadas para
soluções;
No sentido de fortalecer a capacidade das instituições e cientistas
brasileiros para compreender o conjuntos de questões que se colo- • Encorajar o desenvolvimento de novas parcerias de pesquisa e
cam hoje, e mais ainda no futuro, como desafios para as ciências modos de trabalho, o que significa unir os produtores e os usuários
sociais, as diretrizes devem apontar para: da pesquisa, fazendo com que tirem, todos, vantagem do conheci-
mento e da perícia mútuos e colaborem desde a definição das ne-
•caminhar em direção a um modo coletivo mais intenso de estruturar cessidades da pesquisa até à conclusão do projeto. Ademais, parcei-
o ambiente de pesquisa, juntamente com o desenvolvimento de ros não acadêmicos têm uma probabilidade muito maior de aplicar
ferramentas de pesquisa coletivas, com o apoio à construção siste- os resultados de projetos dos quais participaram, por considera-
mática de amplos conjuntos de dados e arquivos, proporcionando rem o conhecimento como um produto próprio;
ao pesquisador uma forte base de apoio;
• Fomentar a crescente inserção internacional das ciências huma-
• Encorajar a pesquisa multidisciplinar, reconhecendo, ao mesmo nas e sociais através da cooperação internacional e de pesquisas
tempo, a necessidade essencial de manter sólidas bases disciplina- comparativas.

78
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

NANOCIÊNCIAS E NANOTECNOLOGIAS

O estudo da Ciência e Tecnologia em escala nanomé-


trica compõe um campo transdisciplinar de ativida-
des na fronteira do conhecimento. As nanociências
e nanotecnologias dizem respeito ao estudo, carac-
terização e descrição de fenômenos que ocorrem na
nanoescala (um nanômetro equivale a um bilionésimo
do metro - 1nm = 0,000000001m = 10-9m) e ao
conseqüente desenvolvimento de aplicações tecno-
lógicas e de dispositivos que explorem as proprieda-
des da matéria nessas dimensões, comparáveis ao
tamanho de átomos e moléculas.

Ao operar com dispositivos nanométricos, novas


propriedades mecânicas, elétricas, magnéticas e óp-
ticas podem ser exploradas, além de se tornar pos-
sível em graus inusitados o controle e a manipulação
de propriedades fundamentais, como a reatividade
química e o arranjo espacial de átomos e moléculas.
Para se ter uma melhor idéia dessa escala, podemos
comparar os comprimentos de alguns objetos:
• diâmetro de um átomo: 1/4 de nanômetro
• menor dispositivo eletrônico experimental: cerca
de 10 nanômetros na sua menor dimensão
• proteínas: ~10 - 50 nanômetros
• menor dispositivo eletrônico disponível comercial-
mente: cerca de 200 nanômetros
• bactéria: cerca de 1.000 nanômetros
• diâmetro de um cabelo humano: 10.000 nanômetros

Ao longo dos últimos vinte anos foram aperfeiçoados

79
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

ou inventados vários instrumentos, tais como micros- Isto torna possível melhorar as propriedades dos ma-
cópios especiais (eletrônico de transmissão, de força teriais sem alterar sua composição química, ou seja,
atômica, de tunelamento, de varredura, de campo embora as mesmas moléculas (ou grupos de átomos)
próximo, etc), que permitem ver, manipular e contro- continuem presentes, seu arranjo ou disposição es-
lar objetos na nanoescala, o que possibilitou novos pacial pode ser diferente, do que resultam proprie-
horizontes de descobertas, invenções e aplicações. dades inovadoras.

Fenômenos que ocorrem em nanoescala são de há Finalmente, como a maioria dos fenômenos em
muito conhecidos. Por exemplo, os catalisadores são, biologia molecular ocorre na nanoescala, o uso das
em sua maioria, partículas nanométricas, e assim a técnicas de nanociências em biologia leva a um en-
catálise (tanto a inorgânica quanto a biológica, feita tendimento mais profundo de como a natureza fun-
por enzimas) se passa na nanoescala. De fato, a maio- ciona e sobre possíveis formas de controlar seu de-
ria dos fenômenos em biologia fundamental envolve sempenho. Assim, por exemplo, a auto-montagem
processos que se passam em dimensões moleculares, (ou seja, a organização espontânea de átomos, molé-
e portanto nanométricas. O que há de novo é o con- culas ou cadeias poliméricas em estruturas mais com-
trole e grau de precisão permitidos pelas técnicas plexas), enquanto sendo um fenômeno biológico de
mais recentes usadas em análises teóricas e na pre- natureza fundamental (sendo, por exemplo, respon-
paração e caracterização de materiais na escala nano- sável pela formação de membranas celulares), tem
métrica. sido recentemente usada para a construção de dis-
positivos eletrônicos.
A redução do tamanho no controle de processos e
dispositivos oferece uma enorme gama de possibili- As aplicações da nanotecnologia permeiam as áreas
dades. Toda a revolução em tecnologia da informa- de novos materiais e fabricação, transporte, nano-
ção, por exemplo, foi tornada possível pela sistemá- eletrônica e tecnologia de computadores, medicina
tica integração de um número cada vez maior de com- e saúde, aeronáutica e exploração espacial, energia
ponentes de tamanho progressivamente menores em e meio ambiente, biotecnologia e agricultura, segu-
um único "chip", o que aumentou enormemente a rança nacional e educação, e podem portanto ter im-
capacidade de processamento de cada unidade. Por portante impacto direto sobre a competitividade da
sua vez, a "nanomedicina" começa a produzir nano- indústria nacional em um futuro não muito remoto.
dispositivos para diagnóstico e tratamento; uma vez
diretamente posicionados nas regiões celulares pa- Alguns exemplos merecem destaque:
tologicamente afetadas, esses dispositivos podem tan-
to fornecer informações pontuais sobre o funciona- • Nanoeletrônica: A nanoeletrônica mudará profun-
mento e fisiologia dessas regiões quanto comandar damente o atual estado-da-arte no processamento
a liberação controlada de fármacos. de informações. Isto porque o limite fundamental
da presente tecnologia (baseada na escala micro, ou
Ao mesmo tempo, é importante ser capaz de con- seja, no milionésimo do metro) está próximo a ser
trolar e alterar a estrutura de materiais na nanoescala. atingido e um novo paradigma terá de surgir para a

80
Capítulo 2 - O Avanço do Conhecimento

área da eletrônica. O primeiro produto comercial em • Tecnologias relacionadas à energia: Novos tipos
nanoescala (uma cabeça de leitura magnética com de baterias, sistemas fotossintéticos artificiais e cé-
base no princípio de magneto resistência gigante) pro- lulas solares de maior rendimento quântico para ge-
mete revolucionar a indústria que trata de armaze- ração de energia limpa e novas maneiras de armaze-
namento de informações em computadores. Em to- namento seguro de hidrogênio para uso em células
do o mundo, a base de conhecimento tecnológico combustíveis são exemplos de aplicações da nano-
existente em microeletrônica está sendo expandida tecnologia aplicada à energia.
para uma grande variedade de aplicações não eletrô-
nicas, incluindo seqüenciamento genético e constru- • Meio ambiente: Membranas seletivas para a filtra-
ção de dispositivo micro e nano-mecânicos, de nano- gem de contaminantes e armadilhas nanoestrutura-
sensores ópticos, etc. Com a transição para a nano- das para remoção de poluentes de efluentes indus-
eletrônica, essas fronteiras entre as disciplinas de- triais são alguns exemplos de aplicações das nanotec-
verão se tornar cada vez mais tênues. nologias à conservação do meio ambiente. Atual-
mente, os dessalinizadores de maior eficiência já utili-
• Medicina e Saúde: O desenvolvimento de novos zam materiais nanoestruturados para a obtenção de
fármacos e de sistemas de entrega controlada de dro- água potável a partir de mananciais de água salobra,
gas está em fase de avanço acelerado. Sistemas hí- ou mesmo diretamente dos oceanos.
bridos combinando tecidos artificiais e naturais des-
tinados à substituição de órgãos no corpo humano e Mesmo nos países mais avançados, a nanociência e
para colocação direta no interior de células são uma a nanotecnologia são assuntos recentes. Em meados
outra área de pesquisa adiantada. da década de noventa, a Alemanha estabeleceu uma
rede de cinco Centros de Competência, cada um com
• Biotecnologia e Agricultura: Os pilares moleculares sua ênfase voltada para diferentes aspectos da área.
da vida - proteínas, ácidos nucléicos, lipídios, car- Nos Estados Unidos, a National Science Foundation
boidratos - são exemplos de materiais que possuem estabeleceu em 1998 uma comissão conjunta com
propriedades únicas determinadas pelo seu tamanho, outras agências governamentais para a elaboração
formas de dobramento ("folding") e formação de pa- de um plano nacional de ação especificamente vol-
drões em nanoescala. O desenvolvimento de siste- tado para o apoio a essas atividades, do que resultou
mas artificiais que imitem o funcionamento e ação o programa americano de nanociências e nanotec-
de sistemas biológicos forma uma área interdiscipli- nologias (National Nanotechnology Initiative).
nar de pesquisa muito ativa (por exemplo, a área de
química bio-mimética é baseada nesse tipo de ana- O MCT e o CNPq articularam em novembro de 2000
logias). Ao mesmo tempo, a nanofabricação de ar- uma primeira reunião nacional sobre o tema reunindo
ranjos de detetores permite a realização de milhares pesquisadores de diferentes instituições do País, da qual
de experimentos para caracterização e seleção simul- resultou um documento (disponível em www.cnpq.br)
tânea de genes usando pequenas quantidades de ma- propondo uma estratégia para articulação coordenada
terial. dos interessados pela nanociência e nanotecnologia no
País. No documento, um levantamento preliminar

81
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

mostra que há mais de 120 cientistas atuando em áreas


diretamente relacionadas a problemas de nanoescala,
seja em química, biologia, física, biotecnologia,
farmácia, eletrônica ou agricultura.

Por outro lado, sendo uma área nova, certamente a


formação atual dos estudantes em nível de graduação
e pós-graduação - ainda muito rigidamente confinada
aos domínios de áreas específicas do conhecimento
- deixa muito a desejar. Um esforço considerável pre-
cisa ser feito para introduzir em nível de graduação
disciplinas relacionadas a nanociências e nanotec-
nologias, incrementar o treinamento de técnicos e
engenheiros em técnicas avançadas de análise de no-
vos materiais, aumentar o estímulo a estudantes de
pós-graduação para que venham a atuar nessas áreas
(de natureza intrinsecamente inter e multidisciplinar),
o que, em casos especiais, necessita envolver a for-
mação especializada no exterior.

A partir das articulações coordenadas pelo MCT/


CNPq, foi recentemente lançada pelo CNPq uma
chamada de projetos com o objetivo de formar três
redes voltadas para temas específicos das nanociên-
cias e nanotecnologias. Sugestões de possíveis dire-
trizes para a ação governamental podem ser encon-
tradas no documento preliminar preparado pela co-
missão de articulação, já mencionado anteriormente.

82
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
QUALIDADE DE VIDA
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO
QUALIDADE DE VIDA

“Qualidade de vida” pode ser inter-


pretada de muitas maneiras. Cada
pessoa e sociedade tem uma lista
daquilo que considera prioritário
em termos de qualidade de vida e
esta varia com o tempo, influencia-
da por múltiplos fatores sociais, cul-

84
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

turais e econômicos. Saúde, alimentação sadia, “Reduzir a pobreza, assegurar


trabalho adequado, lazer agradável, acesso a bens alimentos, produzir energia sem
culturais, ar puro, água potável, vida social, degradação ambiental, propiciar
segurança, tranqüilidade em relação a seu futuro e saneamento básico e água de
ao de seus familiares, e assim por diante. À primeira qualidade e desenvolver ambientes
vista, Ciência, Tecnologia e Inovação parecem ter urbanos e rurais saudáveis são alguns
pouco a ver com qualidade de vida. Entretanto, em
dos principais desafios do
uma sociedade moderna, elas são indissociáveis. Para
desenvolvimento. Para enfrentá-los,
prover saúde, alimentação, trabalho, lazer, segurança
cabe ampliar a capacidade de
e um meio ambiente adequado, a sociedade precisa
trabalho interdisciplinar no Ensino
dispor de conhecimento e de saber aplicá-lo na
e na Pesquisa.”
solução de seus problemas. A dimensão e
complexidade dos desafios a serem enfrentados José Galizia Tundisi,
Instituto Internacional de Ecologia/São Carlos
requerem uma população cada vez com melhor
capacitação, um número cada vez maior de
profissionais qualificados e de instituições apropria-
das. No longo prazo, a sobrevivência da humanidade
depende da gestão adequada do meio ambiente
global e, para isto, é preciso poder prever as con-
seqüências das intervenções cada vez mais impor-
tantes dos seres humanos sobre o seu hábitat. Isto
significa, em última análise, um projeto sustentável
de geração de riqueza e de desenvolvimento econô-
“Uma questão essencial em matéria de
mico para o Brasil nesta e em décadas futuras.
qualidade de vida é a existência de
A formulação de diretrizes estratégicas para Ciência,
uma grande massa de trabalhadores
Tecnologia e Inovação para a qualidade de vida na
sem esperança de emprego por
próxima década deve ser, assim, uma prioridade para
carência de qualificação profissional.
a comunidade científica, para o sistema produtivo e
Urge fortalecer toda a cadeia do
para a sociedade brasileira.
conhecimento partindo da educação
O crescimento econômico e a elevação da capaci- de base, passando pelo ensino
dade de geração de riquezas constituem o fundamen- profissionalizante, depois pela
to de qualquer melhoria sustentável da qualidade de graduação e pós-graduação, até
vida; no entanto, crescimento econômico, por si só, prover uma oferta adequada de
é insuficiente para promover a correção das distor- extensão, assistência, difusão e
ções sociais históricas, bem como para distribuir os transferência de tecnologias.”
benefícios do desenvolvimento, seja entre regiões,
Francisco Ariosto Holanda,
seja entre os grupos sociais. Os padrões de cresci- Secretário de Ciência e Tecnologia, Ceará.

85
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

mento das sociedades contemporâneas – caracteriza- adequadas e de menor custo. Na primeira vertente,
dos pela concentração da população em grandes cen- relativa às políticas públicas, a contribuição das Ciên-
tros urbanos, padrão nutricional desequilibrado, uso cias Sociais envolve iniciativas que vão desde a aná-
intensivo de produtos químicos nos alimentos, forte lise de fenômenos e tendências, de maneira a corrigir
exclusão social, precariedade dos serviços públicos, distorções, antever impactos sociais, formular polí-
condições inadequadas de habitação, contaminação ticas e estratégias, dar suporte à formulação e ava-
do meio ambiente etc.– têm gerado um conjunto de liação de políticas e gestão, incluindo desenvolvi-
efeitos negativos sobre a qualidade de vida das po- mento local e regional integrado, com ênfase na ge-
pulações, mesmo nos países desenvolvidos. ração de emprego e renda. Na segunda frente, há de
se explorar as possibilidades de áreas como tecno-
Dentre as várias maneiras de organizar uma discussão logias para a solução dos problemas sociais existen-
sobre Ciência, Tecnologia e Inovação para qualidade tes, além de tecnologias capazes de facilitar o acesso
de vida, podemos começar por olhar onde moram as a bens e serviços básicos (habitação, saneamento,
pessoas. As estatísticas brasileiras indicam que cerca educação, saúde e transporte), novas tecnologias de
de 80% da população se concentram em cidades, sen- gestão dos serviços públicos e tecnologias que faci-
do que mais da metade em metrópoles com mais de 7 litem a criação local de novos empregos.
milhões de habitantes. Cidades que se construíram
em função de migrações rurais aceleradas, e se po-
voaram de forma caótica, sem planejamento, e sem
infra-estrutura adequada. A população rural brasilei-
ra, apesar de representar apenas cerca de 19% do to-
tal, soma mais de trinta milhões de pessoas, ocupan-
do espaços bastante diferenciados geograficamente,
dos pampas gaúchos à floresta amazônica. Qualida-
de de vida na cidade ou no campo coloca problemas
diversos para Ciência, Tecnologia e Inovação. Entre-
tanto, eles compartilham de um único fio condutor: a
necessidade urgente de novas maneiras de aplicar o
conhecimento e de gerar novos conhecimentos na
solução dos problemas encontrados.

Nesse sentido, é necessário não apenas avaliar o po-


tencial de contribuição das Ciências Sociais no con-
texto da reflexão sobre a qualidade de vida, mas é
também crucial aproximar Ciência, Tecnologia e Ino-
vação dos problemas do desenvolvimento social, de
modo a contribuir para o aperfeiçoamento das po-
líticas públicas e propiciar soluções tecnológicas mais

86
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

QUALIDADE DE VIDA NO MEIO URBANO

A cidade talvez seja o principal “artefato” construído


pelo homem, cujo funcionamento determina, em
grande medida, a qualidade de vida dos seus habi-
tantes. A ocupação da cidade, a distribuição da ha-
bitação, do emprego e dos serviços em geral, e a pro-
visão do transporte de pessoas e bens para viabilizar
a vida social e econômica das cidades, têm um im-
pacto direto sobre a qualidade de vida das pessoas.
A construção e características das cidades brasileiras
modernas são profundamente marcadas pelo elevado
ritmo do processo de urbanização no Brasil – fato
que tornou mais difícil a provisão de serviços públi-
cos necessários para a vida urbana – , pelas condi-
ções mais gerais do desenvolvimento brasileiro, assim
como por processos inerentes à vida em grandes ci-
dades. Entre as questões centrais deste tema, sobres-
saem: i) planejamento e gestão urbana; ii) sociabili-
dade urbana, pobreza e exclusão social, além de se-
gurança; iii) transportes, comunicação e acesso à
educação, à saúde, ao trabalho e ao lazer; iv) provisão
de água, saneamento básico e tratamento de resíduos
urbanos e industriais; v) toxicidade ambiental, seja
aquela produzida pela indústria, agricultura ou pelo
acúmulo de resíduos da vida urbana.

Dificilmente será possível melhorar a qualidade de


vida sem contribuições diretas e indiretas aportadas
pela Ciência, Tecnologia e Inovação. É necessário
buscar desenvolver, identificar, avaliar e disseminar
tecnologias que possam contribuir para a solução dos

87
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

problemas existentes. Deve-se, igualmente, estimular Desse modo, a agenda de pesquisa sobre gestão ur-
a análise dos fenômenos sociais no mundo contem- bana e o planejamento deveria contemplar as seguin-
porâneo e suas tendências, de forma a antever esses tes questões: i) quais são os novos atores da confor-
impactos e facilitar a formulação de estratégias e a mação da cidade e de sua inserção na globalização?
criação de instrumentos que permitam potencializar ii) quais são os mecanismos de sua participação e
seus aspectos positivos para a sociedade e superar representação no processo decisório urbano? iii) o
os efeitos adversos decorrentes. que são e como devem ser formados os fundos pú-
blicos? iv) até onde vai a responsabilidade pública
O Planejamento das Cidades pela construção do espaço urbano, isto é, como se
formam parcerias público/privado para o investi-
Para que a ocupação e uso do espaço urbano ocorram mento e a manutenção urbana? v) como prever e se
de forma planejada, é necessário desenvolver ins- organizar para a nova cidade em termos demográ-
trumentos de negociação entre sociedade e governo, ficos, culturais, econômicos e de informação? vi)
assim como de gestão compartilhada entre os órgãos como renovar a cidade existente e construir a nova,
que definem as diretrizes para o desenvolvimento sem recorrer à destruição dos tecidos urbanos an-
urbano, os executores dessas diretrizes e os usuários tigos? vii) como potencializar o uso do patrimônio
finais, nas suas distintas áreas: habitação, transporte, cultural e ambiental construído? viii) como repre-
saneamento, equilíbrio ambiental etc. sentar a qualidade de vida urbana e construir sistemas
de acompanhamento?
A qualidade de vida urbana é fruto direto do sistema
de gestão das cidades. Depende do sistema de oferta O sistema de CT&I do Brasil tem uma grande tarefa
e da distribuição de bens e serviços públicos e pri- para iniciar as suas ações nessa área, seja por meio
vados e da forma de apropriação e uso do excedente da formação de novos quadros, seja pela requalifi-
social e dos fundos públicos. Todo esse processo cação de recursos humanos, inclusive cientistas,
constitui a gestão e o planejamento das cidades. administradores e técnicos em gestão e planejamento
urbano, para enfrentar o desafio da quebra dos para-
A nova agenda da gestão e do planejamento passa digmas anteriores. De modo correlato, a promoção e
pela compreensão da cidade formada por novos pro- o apoio à pesquisa aplicada e de base nessa área é
cessos: crescimento demográfico; aumento de expec- bastante ampla e, seguramente, essa tarefa não po-
tativa de vida e envelhecimento da população; ex- derá ser realizada exclusivamente pelo sistema de
pansão urbana dentro das margens físicas da cidade pesquisa universitário.
(diminuição das periferias); alta migração interur-
bana; obsolescência acelerada de tecidos urbanos
mais antigos; especulação imobiliária e verticalização
das edificações; desindustrialização e formação de
uma economia urbana de serviços; formação de ci-
dades globais e cidades periféricas e da cidade da
informação digital, entre outros.

88
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

Sociabilidade Urbana, Pobreza e Exclusão A oferta restrita de oportunidades de ascensão social


Social, e Segurança (emprego, oportunidade de educação e treinamento,
serviços de saúde etc.) e de espaços e serviços pú-
A sociabilidade urbana é um tema crucial para a blicos de uso coletivo de baixa qualidade criaram o
qualidade de vida dos brasileiros: a violência urbana, caldeirão de fermentação e explosão da violência ur-
a organização comunitária e as novas formas de parti- bana. Está claro que a solução desse grande problema
cipação e representação de interesses de grupos na passa por enfrentar questões estruturais da sociedade
cidade dominam o debate sobre o tema. A urbaniza- e da economia brasileira e, principalmente, pela cons-
ção acelerada do Brasil não foi acompanhada por trução de uma nova forma de sociabilidade e de go-
uma nova forma de cultura urbana que reafirmasse verno das cidades.1
o sentido de comunidade e cooperação entre indiví-
duos e grupos sociais. A sociedade, caracterizada por O sistema de CT&I poderá contribuir para o aper-
forte desigualdade, propiciou a formação de uma cul- feiçoamento da sociabilidade urbana e, portanto, da
tura urbana que vem enfrentando os principais pro- melhoria da qualidade de vida. A agenda de pesquisa
blemas segundo uma ótica restritiva e privatista, que e estudos é ampla e inclui temas como a requalifica-
ganha sua máxima expressão nos shopping centers e ção dos espaços públicos; a reutilização de áreas ur-
nos condomínios residenciais de luxo com os siste- banas obsoletas ou degradadas para novos usos; os
mas fechados de infra-estrutura, sociabilidade, trans- equipamentos culturais como “motores” da econo-
porte e segurança. O resultado é um espaço público mia urbana de serviços; a alfabetização digital e o
desqualificado, desprovido de significados sociais acesso à vida cultural na cidade (a cidade digital);
profundos como os relacionados à memória e à iden- segurança pública e lazer; entre outros.
tidade coletiva.
A superação do quadro de pobreza e exclusão social
Quadro 1 requer ações em diversos campos. O Desenvolvi-
mento local integrado e sustentável constitui tema
Combate à Violência e
da agenda de agências internacionais e nacionais, go-
Segurança Pública
vernos e sociedade civil organizada. As formas de
O MCT estabeleceu protocolo de cooperação com o Gabinete de promoção do desenvolvimento local, como redes de
Segurança Institucional da Presidência da República, com o objetivo
de ampliar as possibilidades de utilização de resultados de pesqui-
produção, iniciativas de economia solidária, coope-
sas científicas e tecnológicas realizadas no País, e está mobilizando rativas e outras, definem-se pela formulação de pro-
grupos de pesquisas que trabalham em vários setores afetos ao
tema. Um conjunto de projetos sobre a questão da segurança de jetos estratégicos que articulem empreendedorismo
informação e chave pública, mapeamento e monitoração de armas e e projetos sociais.
explosivos, sistemas inteligentes de vigilância, entre outros, estão
em fase de finalização.
Percebe-se, por todo o País, a experimentação de
políticas públicas inovadoras e a ação de novos atores
sociais na condução dos processos de geração de em-

1 O conceito governo da cidade é utilizado aqui no mesmo sentido que o anglicismo ‘governança’ tem sido usado na
literatura política brasileira.

89
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

prego e de renda. Cabe à CT&I avaliar se essas ini-


ciativas podem ser tornadas mais perenes, sustentá-
veis e integradas de desenvolvimento socioeconô-
mico, bem como se é possível articular essas políticas,
ainda fragmentárias e experimentais, em torno de um
marco mais universal e consistente com a dimensão
dos problemas sociais a serem enfrentados.

Transportes

A questão dos transportes urbanos é uma das mais


importantes na determinação da qualidade de vida
do habitante das cidades brasileiras, onde o trans-
porte público - meio de acesso básico da população
à educação, ao trabalho, ao lazer e aos serviços so-
ciais - é, reconhecidamente, de má qualidade. A de-
gradação da qualidade de vida ocasionada pelas de-
ficiências do transporte urbano, público e privado, é
imensa. Como conseqüência da disputa pelo uso do
espaço urbano, entre o transporte motorizado e pe-
destres, os atropelamentos tomaram proporções de
calamidade social, com alto percentual de vítimas
fatais. De acordo com dados do Instituto de Pesqui-
sas Econômicas Aplicadas (IPEA), os congestiona-
mentos medidos em dez cidades brasileiras (de gran-
de e médio porte) ocasionavam em 1998 um desper-
dício de recursos da ordem de R$500 milhões.

Como todos os outros aspectos da qualidade de vida,


essa questão transcende os limites de atuação da
Ciência e Tecnologia, mas, simultaneamente, coloca
problemas que poderiam ser resolvidos mediante
grande esforço integrado das engenharias e das Ciên-
cias Sociais. Um programa mobilizador de pesquisa
e desenvolvimento em transportes urbanos compre-
enderia desde o desenvolvimento de motores em-
pregando combustíveis não poluentes (ou menos po-
luentes), planejamento e engenharia de tráfego, infor-

90
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

mática, até as Ciências Sociais (gestão e planejamen- dade de vida e ao desenvolvimento sustentável.
to urbano, gestão do sistema público e privado de O Brasil possui a maior bacia hidrográfica do mundo
transporte). A busca de solução deste imenso pro- e o segundo maior potencial para irrigação. Os rios
blema social poderia ser um estímulo importante pa- brasileiros contribuem com aproximadamente 12% do
ra o uso inovador da Ciência e Tecnologia no Brasil. total de água doce disponível no mundo, mas ainda
assim apenas 83% dos domicílios têm abastecimento
O Brasil desenvolveu competências na área de pla- público de água e só 8% dos municípios apresentam
nejamento urbano, tanto nas universidades como em unidades de tratamento. A seca do Nordeste é uma
algumas agências da administração pública federal, realidade persistente que flagela periodicamente
em particular na Empresa Brasileira de Transportes milhões de brasileiros. A competição pela água entre
Urbanos e no Geipot. Soluções tecnológicas e de a agricultura, indústria e cidades já é um problema
engenharia de transporte foram desenvolvidas nesse real em várias regiões do País, com efeitos negativos
complexo de instituições. Tecnologias nacionais mais significativos sobre a qualidade de vida e economia.
modernas, como os sistemas inteligentes na gestão
dos transportes e de informação para os usuários, A falta de integração na gestão dos problemas urba-
não se encontram desenvolvidas, em parte, pela nos, principalmente devido à setorização das ações
inexistência de demanda por parte dos estados e mu- públicas, tem sido uma das grandes causas do agrava-
nicípios aos grupos de pesquisa. Apesar da fragili- mento das condições hídricas nas cidades: (i) conta-
dade institucional associada a anos de crise do setor minação dos mananciais; (ii) falta de tratamento e de
público, existem ainda alguns núcleos nas universi- disposição adequada de esgoto sanitário, industrial e
dades e competências no aparelho de Estado e no de resíduos sólidos; (iii) aumento das inundações e
setor privado que poderiam ser mobilizadas para o da poluição devido à drenagem urbana; (iv) ocupação
desenvolvimento de projetos multidisciplinares vol- das áreas de risco de inundação, com graves conse-
tados tanto para o desenvolvimento de tecnologias qüências para a população.
de processo, quanto de produtos. A articulação entre
pesquisa, realizada principalmente nas universidades, O principal desafio para CT&I na área de gestão da
e o setor privado, responsável pela produção e pres- água para abastecimento urbano é contribuir para so-
tação dos serviços de transporte, é fundamental para luções integradas e economicamente sustentáveis, que
assegurar que os projetos convertam-se em inovações beneficiem também a população de baixa renda, que
e desta forma beneficiem a população como um todo. se encontra nas condições mais desfavoráveis. A redu-
ção da disponibilidade hídrica devido à degradação
Provisão de Água da qualidade da água dos rios, lagos e aqüíferos é um
problema que hoje afeta a qualidade de vida de um
A existência de vida depende da água, mas apenas número significativo de famílias e que tenderá a agra-
recentemente esta passou a integrar a agenda de preo- var-se caso não sejam revertidas as tendências atuais.
cupações e debates da sociedade, que começa a per- No entanto, todos esses desafios somente serão ven-
ceber que esse recurso não é inesgotável. O mau uso cidos com o desenvolvimento tecnológico que busque,
da água doce constitui-se em séria ameaça à quali- por exemplo, a racionalização do uso da água, com

91
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

programas de redução de consumo, e de perdas na ticamente não existe. Os desafios para CT&I são a
linha, reutilização da água, equipamentos de menor avaliação integrada dos processos meteorológicos,
consumo, entre outros. Sistemas eficientes de trata- hidrológicos e dos ecossistemas sujeitos à variabili-
mento de água, adequados à realidade local, bem como dade climática; desenvolvimento de modelagem des-
o desenvolvimento de sistemas de controle da polui- ses processos integrados e a avaliação dos cenários
ção que melhorem a qualidade da água, são também de desenvolvimento dos espaços brasileiros.
desafios a serem vencidos. As cidades brasileiras preci-
sarão melhorar seus sistemas de coleta e disposição fi- Saneamento Básico
nal de resíduos sólidos e de controle das cargas difusas
de poluição. As enchentes urbanas precisam de melho- O Estado brasileiro não foi capaz de implantar um
res formas de gestão técnica e institucional para que, sistema de saneamento básico em ritmo consistente
em um futuro próximo, perdas materiais e relativas à com as necessidades geradas pelo rápido processo
saúde humana sejam significativamente minimizadas. de urbanização nos últimos trinta anos. Mesmo assim,
entre 1960 e o final dos anos noventa, registrou-se
O aparecimento de bactérias patógenas resistentes uma notável ampliação da rede de equipamentos sa-
aos sistemas tradicionais de tratamento de água e a nitários e do percentual da população atendida. En-
inexistência de meios adequados de monitoração do quanto em 1960 apenas 41% da população urbana
fenômeno, por exemplo, representa um imenso risco tinham acesso à rede de água, em 1997 pouco mais
de saúde pública e requer pesquisas urgentes, usan- de 90% eram atendidos por esse serviço, 85% por
do as mais avançadas técnicas da biologia moderna. coleta pública de lixo e a drenagem atendia a um
Sistemas de monitoramento das redes de distribuição número estimado de 50%. Entretanto, quanto ao des-
poderão se beneficiar de microdispositivos e micro- tino final de resíduos sólidos e líquidos, a situação
sensores químicos e biológicos avançados, os quais, no País é séria. Estima-se que somente 10% do esgo-
fabricados em massa, são de baixo custo unitário e to coletado e 15% do lixo têm destino final adequado.
poderão fornecer informações em tempo real sobre O acesso à rede coletora de esgotos é substancial-
a qualidade da água e perdas na distribuição. Há, mente inferior (46% em 1997 e 26% em 1960), assim
portanto, escopo para Ciência, Tecnologia e Inova- como a disponibilidade de esgotos e fossas sépticas
ção de alto nível, mobilizadoras de pesquisa na fron- (25% em 1997). Talvez seja este o problema am-
teira, para aplicações de interesse público imediato biental brasileiro com maior impacto sobre a quali-
mesmo em um campo aparentemente tão tradicional dade de vida - particularmente a saúde - das popu-
quanto o do abastecimento de água (Tabela 1). lações urbanas no Brasil.

São significativos os efeitos da modificação do uso Problemas como água contaminada, falta de sanea-
do solo e da variabilidade climática de curto e médio mento, poluição do ar e exposição a organismos trans-
prazos sobre a bacia hidrográfica e sobre as atividades missores de enfermidades continuam sendo os prin-
humanas. O conhecimento desses impactos sobre cipais fatores ambientais responsáveis pela deterio-
os sistemas hídricos é, ainda, limitado. Da mesma ração da saúde de vastas camadas populacionais.
forma, o gerenciamento integrado dessa questão pra- Diarréia, cólera, leptospirose, dengue e outras enfer-

92
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

midades associadas às condições ambientais redu- venções nas áreas de saneamento básico e controle
zem de forma significativa o bem-estar das popula- das condições ambientais nos centros urbanos.
ções urbanas e rurais. Os custos para a saúde são
elevados e têm reflexos diretos na economia e no A análise das contribuições de CT&I para a melhoria
setor público. Desta maneira, é necessário combinar das condições de saneamento básico nas áreas urba-
ações no campo da medicina em geral com inter- nas envolve os serviços públicos de abastecimento

93
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

de água, esgotamento sanitário, resíduos sólidos, dre- por alguns critérios: (i) levando em conta que o prin-
nagem urbana e controle de vetores. Todos esses se- cipal obstáculo enfrentado diz respeito ao volume
tores apresentam importantes interfaces com a saú- de recursos necessários para expandir o sistema de
de pública, com o meio ambiente, desenvolvimento saneamento, superior à disponibilidade do setor tanto
urbano e com a habitação, sendo componentes fun- público quanto privado, seria conveniente concentrar
damentais na melhoria da qualidade de vida. O seu esforços em soluções que permitam reduzir os custos
valor social é inquestionável (Quadro 2). de implantação e manutenção dos sistemas de sa-
neamento; (ii) tecnologias de informação, monito-
A agenda está por ser definida, mas deveria guiar-se ramento em tempo real e gestão das condições am-

Quadro 2
Inovação no Sistema de Esgotamento Sanitário
O sistema de esgotamento sanitário convencional é composto de metro cúbico é bem inferior ao do tratamento aeróbico.
cinco tipos de componentes: redes individuais, rede pública de
coleta, estações elevatórias, estações de tratamento e emissários. A inovação do sistema condominial também é outro fator de redu-
ção notável nos custos. Trata-se de uma inovação tipo “ovo de
As redes individuais coletam os efluentes das unidades residenciais Colombo”, pela sua simplicidade, que reduz em mais de um terço,
e os entregam à rede pública de coleta por meio de ligação física. às vezes à metade, os custos de um sistema de esgotamento sanitá-
Essas são, em geral, de instalação compulsória nas áreas onde há rio. A lógica da inovação consiste em introduzir uma zona interme-
rede de coleta pública. diária, entre as redes individuais dos usuários e a rede pública de
coleta. As redes individuais passam a se ligar com uma rede inter-
A rede pública de coleta recolhe o efluente diretamente de cada mediária, a qual coleta os esgotos do quarteirão, havendo apenas
terreno e o transporta até uma estação de tratamento. É disposta uma ligação do quarteirão com a rede pública de coleta.
sob via pública, de acordo com padrões técnicos rígidos, determi-
nados em parte pela sua localização. A rede deve suportar, sem O primeiro fator de redução de custos é a substituição de parte da
sofrer danos, os efeitos do movimento de veículos sobre a via. Seu rede pública pela rede condominial. A rede substituidora apresenta
custo por metro linear é muitas vezes que o custo por metro linear os mesmos custos por metro linear das redes individuais. A rede
das redes individuais. Envolve obrigatoriamente todos os quartei- condominial pode correr sob a calçada, sob as áreas de recuo frontal
rões de uma cidade, coincidindo o seu traçado com o traçado das das edificações, ou, ainda, no fundo dos terrenos de uma quadra. Tal
vias públicas. qual as redes individuais, não corre sob a via pública, não tem que
resistir ao tráfego de veículos, não necessita de engenheiros para
A profundidade máxima da rede que flui por gravidade para a maio- seu projeto, nem para sua execução. A rede coletora pública passa
ria das redes públicas de coleta é de seis metros. Nesse ponto, se em um ponto do quarteirão para a ligação com a rede condominial,
instala uma estação para elevar o efluente à profundidade mínima. tendo sua extensão reduzida, grosso modo, à metade, pois em um
conjunto de vias correspondentes a quarteirões subseqüentes só
Para tratar esgoto sanitário, a maioria das estações modernas precisa passar sob uma via a cada duas. Outro fator de redução de
emprega atualmente processos aeróbicos – que requerem oxigê- custos está vinculado ao número de ligações com a rede pública de
nio -, complexos do ponto de vista da engenharia e que envolvem coleta. Sendo apenas uma por quarteirão, ela pode ser deixada
elevados investimentos, altos custos de manutenção e operação, preparada quando da instalação da rede pública de coleta, não ha-
resultando, conseqüentemente, em elevado custo de esgoto trata- vendo mais motivo para escavações na via pública para prover liga-
do por metro cúbico. ções com a rede pública de coleta. Assim, não apenas os custos das
escavações para estabelecer as ligações, estabelecimento das liga-
Nos últimos anos, houve acelerada evolução dos conhecimentos e ções e posteriores correções do capeamento da via pública, terre-
do emprego de reatores anaeróbicos – que não requerem oxigê- no por terreno são reduzidos, quando forem passando a abrigar
nio. Embora o tratamento de esgotos sanitários por esses proces- construções, mas também os custos da demora em corrigir o
sos necessite de um pós-tratamento para a redução da carga orgâ- recapeamento e os custos decorrentes dos erros de recapeamento,
nica exigida para o lançamento dos efluentes nos diferentes corpos de presença tão comum nas vias públicas dos subúrbios das cidades
receptores, está comprovado que o custo de esgoto tratado por brasileiras são contidos.

94
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

bientais que afetam a operação do sistema e a quali- A solução de longo prazo é reduzir a quantidade de
dade de vida e que permitam reduzir os custos de lixo produzido nas cidades, mas de imediato é neces-
manutenção, aumentar a eficiência dos serviços e sário desenvolver soluções técnicas para o tratamen-
melhorar a qualidade de vida e condições de saúde to e armazenamento de resíduos. Pesquisas nessa
da população; (iii) desenvolvimento, aperfeiçoamen- área deveriam levar em conta a redução de custos
to e difusão de tecnologias eficientes de baixo custo em relação aos métodos tradicionais, a possibilidade
de implantação, operação e manutenção destinadas de reciclagem e reutilização de materiais, o desen-
prioritariamente às populações mais carentes; (iv) volvimento de soluções alternativas e economica-
desenvolvimento de soluções que potencializem o mente viáveis para substituir produtos descartáveis
crescimento local, estimulem a criação de laços co- por apresentações mais duráveis, a criação de em-
munitários, fortaleçam as organizações sociais e prego e renda e os efeitos sobre o meio ambiente em
criem oportunidades de negócios e empregos diretos geral. O lodo gerado nas estações de tratamento de
para a população beneficiária. A experiência tem esgoto e de água também é um fator altamente po-
mostrado que esse tipo de desafio proporciona gran- luidor dos recursos hídricos, uma vez que, na maioria
des oportunidades para o desenvolvimento de rela- dos casos, é simplesmente lançado nos corpos d’á-
ções democráticas e participativas entre o setor pú- gua. Estudos sobre o reaproveitamento e alternati-
blico e a sociedade, contribuindo para a criação de vas de disposição final segura desse resíduo são fun-
um novo modelo de Estado; (v) ações que visem à damentais para garantir a qualidade das águas, prin-
transferência das tecnologias desenvolvidas, dentro cipalmente se levarmos em conta que, com a am-
dos padrões anteriormente explicitados, para as em- pliação do percentual de esgoto tratado, o volume
presas responsáveis por serviços de saneamento. de lodo gerado crescerá significativamente.

Tratamento de Resíduos Sólidos Poluição Urbana

Os resíduos sólidos orgânicos produzidos nas cida- A poluição atmosférica urbana é produzida principal-
des colocam uma série de ameaças ao meio ambien- mente pelas emissões industriais e de veículos auto-
te. A utilização de aterros sanitários é uma alternativa motores. A contaminação do solo, embora menos no-
cada vez menos recomendável para receber o volume tória, é um problema cuja gravidade não pode ser me-
de resíduos sólidos de cidades de médio e grande nosprezada. Produzida pela descarga de produtos
porte. Os impactos ambientais e sobre a qualidade químicos usados pela indústria urbana ou por despejos
de vida da população incluem desde a contaminação domésticos, ela é agravada pela deficiência dos orga-
de lençóis freáticos até problemas de saúde, espe- nismos de monitoração e controle e de saneamento.
cialmente para os moradores das áreas vizinhas aos
aterros sanitários. A queima tampouco é uma alter- A poluição nas cidades é também sonora e visual.
nativa aceitável, pois contribui para elevar a polui- Hoje nas grandes cidades brasileiras não se pode falar
ção atmosférica, inclusive com a emissão de gases de poluição sem incluir o ruído das ruas, dos veícu-
tóxicos produzidos pela queima de material com ele- los, além do som mecânico das lojas, das residências,
vado conteúdo de matérias-primas petroquímicas. dos bares, das aglomerações públicas, do comércio

95
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

e dos automóveis. A poluição visual está presente Um levantamento sistemático dessas técnicas deve
na descaracterização da paisagem urbana, na proli- ser desenvolvido por especialistas que possam avaliar
feração de painéis de publicidade nos espaços livres as experiências e recomendar formas de uso imedia-
públicos e privados, no recobrimento das fachadas tas, ampliando, por exemplo, o Centro Nacional de
das edificações com propaganda, na verticalização Referência em Habitação/Infohab.
em áreas urbanas de patrimônio histórico e artístico,
no tratamento uniforme de pavimentos de ruas e As iniciativas na área de habitação devem ser con-
calçadas e do mobiliário urbano. O sistema de CT&I sistentes com os princípios do desenvolvimento sus-
pode contribuir para uma melhor identificação do tentável, e as ações de CT&I para os próximos dez
que seja esse tipo de poluição e do modo como os anos deveriam incluir, necessariamente, as seguintes
padrões culturais de referência estão mudando, por prioridades:
meio do incentivo a pesquisas e propostas de controle
e gestão urbana das atividades causadoras. • urbanização/recuperação de áreas de habitações
“subnormais”. Essas ações devem considerar as con-
Habitação dições locais, as soluções geradas pela própria co-
munidade e as questões fundiárias envolvidas no uso
O déficit habitacional brasileiro é, sem dúvida, um do solo pretendido. Nesse sentido, CT&I devem con-
dos problemas sociais mais graves do País. Mas o tribuir para encontrar soluções que minimizem as
problema habitacional transcende a carência de ha- remoções de famílias dos seus locais de moradia e
bitações e diz respeito à ocupação desordenada do ao mesmo tempo viabilizem a incorporação desses
solo urbano, aos padrões técnicos e normas gerais aglomerados à cidade moderna, com provisão de ha-
que regulam a ocupação do solo e as construções bitação e serviços públicos básicos;
residenciais, ao elevado custo, baixa qualidade e • utilização de técnicas e de materiais de abundância
adaptabilidade das construções às condições ambien- regional, respeitados os requisitos de desempenho
tais e socioeconômicas da população. técnico, visando a o barateamento da habitação;
• utilização de recursos abundantes na comunidade,
O Brasil conta com inúmeras experiências na área em particular a mão-de-obra desempregada e com
de construção residencial, executadas tanto no âm- ocupações precárias;
bito de programas habitacionais quanto por iniciativa • estudos sobre as condições de vida e sociabilidade
de instituições de pesquisa e organizações comuni- das aglomerações e bairros com grande concentração
tárias. Um primeiro passo para a definição de dire- de habitações precárias, visando principalmente ar-
trizes de CT&I para habitação deveria ser, sem dúvi- ticular as soluções tecnológicas aos problemas so-
da, documentar e analisar essas experiências, permi- cioeconômicos das comunidades pobres, de tal for-
tindo dessa forma uma utilização mais abrangente e ma que as eventuais intervenções na área habitacio-
adaptação às condições e especificidades locais. Isto nal possam produzir efeitos colaterais positivos, tais
possibilitaria o uso imediato e disseminação, sem cus- como geração de emprego e renda na comunidade,
tos adicionais, de tecnologias e técnicas já desen- aprendizado profissional e fortalecimento das orga-
volvidas e testadas em programas de caráter social. nizações comunitárias.

96
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

A existência de um reduzido número de normas para da educação tecnológica. Nesse sentido, é impor-
os produtos da construção civil (cerca de 1.500, abran- tante reduzir o tempo de formação de trabalhadores
gendo produtos, ensaios, especificações etc.), assim especializados e desenvolver programas de capa-
como de poucas pesquisas no campo da raciona- citação e reciclagem utilizando as vantagens ofere-
lização dos componentes, restringe as possibilidades cidas pela sociedade de informação. Mais uma vez,
de elevar a eficiência da construção e reduzir o custo a articulação entre os setores públicos e privados
da habitação. Além disso, as normas técnicas exis- aparece como condição essencial para a superação
tentes são pouco disseminadas, e a maioria dos agentes de problemas, alguns simples, que afetam a qualidade
não se beneficia das vantagens potenciais da nor- de vida de milhões de pessoas.
malização, em particular no que se refere à qualidade,
aumento da produtividade e redução de custos. Ao É preciso avaliar a possibilidade de criação de um
lado de um esforço para ampliar o número de pro- programa setorial destinado a promover o desenvol-
dutos da construção civil cobertos pelas normas de vimento tecnológico e gerencial da construção civil,
qualidade e especificações necessárias para sua utili- juntando esforços das várias instituições tecnológicas
zação mais eficiente, é preciso estimular pesquisas especializadas e de excelência já existentes, estimu-
sobre a racionalização e uso sustentável de materiais lando o intercâmbio interdisciplinar e reforçando os
e componentes. Nessa mesma linha, deve-se incenti- laços entre a indústria e as instituições de pesquisa e
var pesquisas com novos materiais disponíveis nas ensino em todos os níveis. Nessa mesma linha, é ne-
várias regiões do País. Faz-se também necessário o cessário melhorar os laboratórios voltados para a qua-
estímulo à elaboração de códigos de práticas. lificação e certificação de materiais e de componen-
tes para a construção civil; desenvolver estudos e ações
Alguns estudos indicam que a simples redução do voltados para a melhoria das condições de trabalho
nível de desperdício na construção civil possibilitaria na construção civil, assim como de iniciativas que
um aumento da ordem de 25% na oferta de habitação ajudem a fixação da mão-de-obra; desenvolver estudos
sem a adição de novos recursos. Programas de gestão para a avaliação e o aperfeiçoamento de metodologia
da qualidade e da produtividade são fundamentais destinada à apropriação dos custos da construção da
para modificar as condições dessa indústria, deven- habitação popular, conforme propostas discutidas no
do-se, por exemplo, intensificar as ações implemen- Fórum de Competitividade da Indústria da Construção
tadas no âmbito do Programa Brasileiro de Qualidade e no já mencionado PBQP-H.
e Produtividade do Hábitat/PBQP-H.

Soluções tecnológicas mais avançadas somente serão


viáveis se acompanhadas de investimentos na for-
mação e reciclagem da mão-de-obra, em grande me-
dida a cargo das próprias empresas. O setor público
pode e deve facilitar a ação dos agentes privados,
sendo particularmente relevante o reforço do nível
geral de educação, da educação profissionalizante e

97
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

98
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

QUALIDADE DE VIDA NO MEIO RURAL

O Brasil já não é um país rural. Ainda assim, quase


32 milhões de pessoas, número superior à população
total de muitos países europeus e latino-americanos,
vivem no campo ou em pequenas cidades e vilas, e
dependendo diretamente das condições de vida e
trabalho vigente no mundo rural.

O meio rural brasileiro representa de forma para-


digmática as contradições estruturais básicas do País.
Rico em recursos naturais exploráveis, do meio rural
originam-se mais de 30% da riqueza produzida anual-
mente no País. No entanto, em um ambiente de ri-
queza e opulência, ainda vivem milhões de brasileiros
auferindo níveis de renda insuficientes para assegu-
rar a aquisição de uma cesta básica de alimentos.
São heranças históricas com as quais já não é possível
seguir convivendo, cuja superação é prioridade ime-
diata do governo e da sociedade. CT&I têm grande
responsabilidade nessa batalha e podem aportar con-
tribuições efetivamente válidas para melhorar a qua-
lidade de vida da população rural.

Estudo recente do Banco Interamericano de Desen-


volvimento (BID) estima que em 1997 pouco mais
da metade dos domicílios rurais, abrigando quase 66%
da população rural, eram pobres. Quase dois terços
dos pobres rurais estão concentrados na região Nor-
deste (incluindo o norte de Minas Gerais). Conside-
rando em conjunto os indicadores de renda e necessi-
dades básicas, o percentual de pobreza sobe para quase

99
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

80% da população rural. Qualquer programa visando qualidade e nível de remuneração de empregos no
melhorar a qualidade de vida das populações rurais meio rural. Dentre os atributos dos próprios
deve, portanto, levar em conta as características e con- indivíduos, deve-se destacar a saúde, o nível
dicionantes estruturais da pobreza rural no Brasil. educacional e a qualificação profissional como de-
terminantes diretos do nível de renda e da qualidade
CT&I já vem desempenhando um papel relevante de vida da população rural. Por último, é necessário
para as mudanças de qualidade de vida no meio ru- indicar que a provisão e acesso à infra-estrutura básica,
ral. A introdução e difusão do “radinho de pilhas”, especialmente transporte, energia e comunicações,
apenas para dar um exemplo, tiveram grande impac- também condicionam, direta e indiretamente, o nível
to, tendo sido por décadas o principal, senão o único, de renda e a qualidade de vida no meio rural.
meio de comunicação e acesso à informação da po-
pulação rural pobre. Ainda hoje o rádio é amplamente A superação desse quadro exige a coordenação de
usado para a transmissão de programas de interesse esforços de várias áreas, e CT&I, por si só, não podem
público, desde educação, extensão rural até mo- ser vistas como portadoras de soluções mágicas ou
bilização da população para campanhas de vacina- milagrosas. Dessa maneira, as indicações a seguir de-
ção e outras. De fato, é possível afirmar que o sim- vem estar inseridas em um contexto mais amplo de
ples aproveitamento do conhecimento, tecnologia e ação de vários setores dos governos e da sociedade
inovações já disponíveis poderiam produzir signi- em geral.
ficativos impactos positivos na qualidade de vida
da população rural. Além das atividades de pesquisa científica e tecnoló-
gica, é necessário reforçar as ações de extensão tec-
Uma agenda de CT&I para melhorar a qualidade de nológica, ampliando o acesso às informações e à ca-
vida da população rural deveria focar a capacitação pacitação técnico-profissional, seja dos produtores,
da população para elevar seu nível de renda e a pro- seja dos profissionais que trabalham nos serviços
visão e facilitação do acesso a alguns serviços pú- rurais.
blicos que tenham efeitos diretos sobre a qualidade
de vida e sobre a capacidade de geração de renda, A oferta e a qualidade da educação formal no meio
particularmente educação, saúde e capacitação pro- rural são inferiores às das cidades. Muitos daqueles
fissional. que têm acesso à escola concluem o nível médio sem
de fato absorver o conteúdo essencial previsto para
A renda da população rural é determinada por um esses anos de estudos. Tal deficiência reduz os efeitos
conjunto de fatores estruturais e conjunturais cuja aná- positivos da educação formal, em particular as pos-
lise transcende os limites deste documento. Os con- sibilidades de os indivíduos lograrem uma inserção
dicionantes de natureza estrutural mais relevantes são favorável na economia e melhorar de vida. A decisão
disponibilidade e qualidade dos recursos naturais para de mudar essa situação esbarrará na insuficiência de
exploração agropecuária, acesso aos demais meios de quadros humanos qualificados para levar a cabo a
produção, à informação e aos mercados de insumos, tarefa; no baixo nível de qualificação e habilidade
produtos e serviços, nível tecnológico e produtividade, profissionais dos professores, extensionistas, outros

100
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

técnicos e da mão-de-obra atualmente empregada. Quadro 3


É possível construir, improvisar salas de aulas e ad- Programa de Apoio às Tecnologias
quirir equipamentos. No entanto, é impossível formar Apropriadas - PTA
professores em curto prazo de tempo, e a alternativa
Este programa objetiva o desenvolvimento, a transferência, a trans-
de improvisá-los costuma produzir os efeitos duvi- formação e a apropriação de conhecimentos tecnológicos que pos-
dosos das vacinas vencidas. O desafio é utilizar a sam agregar valor à produção proveniente da pequena propriedade
rural e micro/pequenas empresas, observadas suas características
tecnologia da informação para qualificar e requalifi- econômicas, sociais, culturais e ambientais, com vistas a contribuir
car professores que trabalham no meio rural e nas para a melhoria da qualidade de vida das comunidades envolvidas.
O Programa concentra-se basicamente em três linhas de atuação,
pequenas cidades, preferencialmente residentes lo- que podem ser resumidas em produção, extensão e informação
tecnológicas.
cais. A mesma tecnologia deveria ser usada de forma
intensiva para educação à distância, assim como para Componentes:
• Centros Vocacionais Tecnológicos (CVTs) – O estado do Ceará
programas de capacitação e extensão profissional vem implantando uma rede de CVTs. São escolas de cunho essenci-
(Quadro 3). almente prático, voltadas para o ensino profissionalizante e para o
estudo de ciências. Equipados com laboratórios de física, química,
biologia, informática, eletromecânica, biblioteca multimídia, con-
Em sua maioria, os domicílios da zona rural, mesmo tando com um quadro docente qualificado, os CVTs estão sendo
implantados em quarenta municípios. O objetivo é proporcionar
os pobres, têm acesso à comunicação de massa. Cer- apoio aos professores e alunos do 2º grau em aulas práticas e ofere-
cer cursos técnicos profissionalizantes orientados de acordo com a
ca de 80% possuem rádio e 40% televisão. Por si só vocação natural da região e segundo a capacitação tecnológica da
esses números são encorajadores, pois permitem a população. Eles oferecem treinamento àquelas pessoas que não
têm mais tempo de receber ensino formal, mas que, por não terem
implementação de programas de educação rural, profissão definida, precisam adquirir novos conhecimentos para se
transferência tecnológica, capacitação profissional, manterem ou entrar no mercado de trabalho. Também é tarefa dos
CVTs a prestação de serviços de análise laboratorial e de assistência
educação sanitária etc., baseados na utilização, não técnica à comunidade.
apenas do rádio e da TV, mas também de novas tec-
• Centros Regionais de Ensino Tecnológico (Centecs). Os progra-
nologias de comunicação e informação. mas dos Centecs aliam o desenvolvimento de atitudes e habilidades
necessárias para produzir e trabalhar em um ambiente competiti-
vo, o treinamento técnico específico para a realização de tarefas
Um desafio do desenvolvimento científico e tecno- produtivas a uma educação sólida que crie no profissional um
autodidatismo e capacidade para aprimorar continuamente seus
lógico é contribuir para criar condições para a per- conhecimentos.
manência da população nas regiões rurais, em parti-
• Núcleos de Tecnologias Apropriadas (NTAs). Procuram avaliar e
cular naquelas mais distantes e que oferecem condi- melhorar a produção local, otimizando a organização das qualifica-
ções empregadas, com o intuito de instalar pequenas unidades de
ções de vida mais difíceis. Melhorar as oportunidades produção, além de promover a capacitação do homem para execu-
econômicas e as condições de saúde, habitação e tar trabalhos produtivos, mediante a realização de cursos.
educação, a partir de estudos sobre a realidade e po-
tencialidade local, melhor aproveitamento de recur-
sos escassos, identificação de uso econômico para
recursos abundantes, conservação e recuperação do
meio ambiente degradado, são algumas das áreas que
deveriam receber atenção ao longo da década.

As secas atingem direta e indiretamente a qualidade

101
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

de vida no meio rural, reduzindo a oferta de energia,


água potável e para usos produtivos. O País perde,
anualmente, somas altas, provavelmente superiores
a U$1 bilhão, em função das secas, principalmente
no Nordeste, onde elas são eventos freqüentes (Qua-
dro 4). É preciso ampliar a disponibilidade hídrica
utilizando técnicas inovadoras como novas formas
de exploração de água subterrânea no cristalino,
processos de dessalinização, processos integrados de
gestão da demanda e de racionalização do uso da
água, controle e melhoria da qualidade da água e
melhoria da previsão climatológica (ver Recursos
Hídricos no Capítulo 5 - Desafios Estratégicos em
CT&I).

Quadro 4
O Semi-Árido Nordestino e o Programa Xingó

O ambiente semi-árido do Nordeste brasileiro é diversificado, nos cisco. A estratégia do programa está calcada no entendimento de
seus recursos naturais, e complexo, na convivência do homem com que o desenvolvimento passa pela elevação do nível de educação da
o seu clima seco e quente. Se, por um lado, o regime hídrico população local e pelo maior conhecimento das potencialidades e
irregular se constitui em um sério fator limitante para a produção vocações da região, passos necessários para a exploração sustentá-
agropecuária, por outro existem áreas com boa disponibilidade de vel da caatinga e melhoria da qualidade de vida do sertanejo.
águas superficiais e subterrâneas, bem como recursos de solo apro-
priados para desenvolver agricultura irrigada, em condições com- O Programa Xingó tem como objetivos: (i) desenvolver Ciência e
petitivas com outros semi-áridos do mundo. Tecnologia para a melhoria da qualidade de vida das populações e a
sustentabilidade do semi-árido; (ii) atuar junto às comunidades de
O semi-árido, dominado pelo bioma Caatinga, é centro de origem sua área de abrangência, difundindo e incentivando o uso dos conhe-
de algumas espécies que exibem variabillidade genética, entre esssas cimentos científicos; (iii) priorizar as pesquisas divulgação dos co-
as plantas xerófilas, que têm múltipla utilização, seja como forra- nhecimentos em (a) gestão de recursos hídricos e (b) conhecimen-
gem, alimentação humana e usos medicinais, entre outros ainda to e uso da biodiversidade da Caatinga.
pouco explorados.
Nesta mesma direção, a Embrapa Semi-Árido vem trabalhando há
O Ministério da Ciência e Tecnologia, juntamente com outras ins- vários anos no sentido de conhecer, classificar e hierarquizar os
tituições como MEC, Sebrae, Embrapa e universidades, vêm de- fatores que limitam o desenvolvimento da agropecuária da região
senvolvendo programas e projetos visando, por meio de diversas semi-árida do Nordeste. Essa experiência aponta para um novo
inovações tecnológicas e qualificação de recursos humanos, melho- tipo de relacionamento entre a pesquisa e o desenvolvimento rural
rar as condições de exploração sustentável do semi-árido. e permite sintetizar os conhecimentos adquiridos em uma
metodologia capaz de diagnosticar, de modo rápido e seguro, os
O Programa Xingó é uma iniciativa de cunho multidisciplinar do recursos ambientais de solo, vegetação e água e os sistemas de
MCT/CNPq e da Chesf, em conjunto com universidades de Sergipe, produção.
Alagoas, Bahia e Pernambuco, com grupos de pesquisa divididos
em nove áreas. Assim, o Programa Xingó desenvolve ações em 29 É necessário indicar que o dinamismo dos pólos de irrigação pre-
municípios compreendidos nos estados de Alagoas, Bahia, Per- sentes em vários estados nordestinos está fortemente baseado em
nambuco e Sergipe, em uma área total de 40.293km, abrangendo investimentos em CT&I, cujos resultados viabilizaram a exploração
uma população de 584.883 habitantes, operando sempre no senti- comercial competitiva de cultivos até então não desenvolvidos na
do de desenvolver as potencialidades da região do Baixo São Fran- região.

102
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

ALIMENTAÇÃO E NUTRIÇÃO NO BRASIL

Quanto mais complexa a organização de uma socie-


dade, tanto mais dependente de sua segurança alimen-
tar ela se torna. Em uma era urbana, de supermer-
cados, alimentos congelados, produtos prontos para
consumir e cadeias de restaurantes de refeições rápidas,
é difícil às vezes dar-se conta de que a civilização hu-
mana sempre dependeu, para sua sobrevivência, da
disponibilidade de alimentos em abundância e qua-
lidade adequadas. É difícil, também, dar-se conta da
qualidade nutritiva dos alimentos ingeridos quo-
tidianamente ou das complexas cadeias produtivas que
os trazem da terra até nossa mesa. Tecnologia e
Inovação foram sempre fatores determinantes das con-
dições de nutrição humana. Antes mesmo do surgi-
mento da agricultura, a tecnologia estava presente na
pedra lascada e na lança que permitiam a caça de ani-
mais selvagens. No presente, com mais razão ainda,
Ciência, Tecnologia e Inovação estão na base da segu-
rança alimentar das nações: produção, processamento,
controle de qualidade, embalagem, conservação, distri-
buição, desenvolvimento de novas espécies comestí-
veis, pesquisa em nutrição, e assim por diante, têm
tudo a ver com o domínio e expansão do conheci-
mento. A química provê análise de solos, defensivos
agrícolas e métodos de conservação; a biologia e a
genética, novos cultivares, novas formas de defesa
contra pragas; satélites artificiais e a informática per-
mitem georeferenciar plantações e a agricultura de pre-
cisão. Ao mesmo tempo, as Ciências Sociais têm um
papel fundamental na avaliação dos impactos socio-

103
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

econômicos das transformações provocadas pela in- próximos dez anos. A agenda brasileira de CT&I para
trodução das tecnologias, em particular sobre a alimentação e nutrição deverá focar tanto a questão
pobreza e sobre o padrão nutricional das populações do abastecimento e acesso, como a questão da quali-
mais vulneráveis. dade dos alimentos.

No Brasil, como em muitos outros países, enquanto Os problemas de saúde relativos à má nutrição com-
alguns têm demais e gastam fortunas para perder pe- provam que a questão alimentar não se resume ao
so, outros têm de menos e vivem no limite da subnu- acesso, mas também à adequação da dieta e qualidade
trição. Segundo a FAO, a disponibilidade teórica de dos alimentos. As doenças nutricionais, a desnutrição
alimentos passou de 2408 calorias per capita/dia em por um lado e a obesidade por outro, além das de-
1970 para 2958 em 1998, superando o mínimo para correntes das carências específicas causadas pelas
assegurar as necessidades alimentares da população. inadequações de micronutrientes, impõem acompa-
As pesquisas de orçamento familiar feitas pelo IBGE nhamento e avaliação de políticas específicas que
indicam que a estabilidade monetária teve impactos pressupõem as ações conjuntas de abastecimento,
positivos significativos sobre a segurança alimentar das saúde, educação alimentar entre outras.
populações vulneráveis, mas, ainda assim, uma parcela
da população, não apenas nas cidades, mas também A preparação de uma Tabela Brasileira de Composi-
no campo, passa fome ou não tem um regime alimentar ção de Alimentos é uma prioridade e poderia vir a
minimamente adequado. Segundo dados do IPEA, constituir-se em programa nuclear e aglutinador das
uma em cada quatro crianças é pobre e vive sob o áreas de estudo associadas à questão alimentar.
risco da fome. Estima-se que aproximadamente 33
milhões de brasileiros não aufiram renda suficiente É necessário qualificar e capacitar laboratórios bra-
para adquirir a cesta mínima de alimentos, vivendo, sileiros para o controle científico da qualidade de
portanto, em condições de insegurança alimentar. Ao alimentos, formando redes interlaboratoriais, dotá-
mesmo tempo, a Secretaria de Agricultura do Estado los de equipamentos adequados e de recursos hu-
de São Paulo estima um desperdício de gêneros manos qualificados para atuar na área de análise e
alimentares associado a perdas pós-colheita da ordem certificação alimentar.
de R$10 bilhões, equivalente a quase 7 milhões de
cestas básicas por mês durante todo um ano. Programas sociais como a Merenda Escolar devem
pressupor uma atividade de capacitação em Ciência
A viabilidade de crescimento sustentável com distri- e Tecnologia visando à qualidade, voltada aos atores
buição de renda e redução significativa da pobreza envolvidos com os programas. A educação alimentar,
nos próximos dez anos – objetivos estratégicos da Na- tanto pela ótica da saúde/nutrição, quanto pela saú-
ção – pressupõe o crescimento da oferta de alimen- de/segurança do alimento, passa a ser pressuposto
tos em quantidade, qualidade e custo compatível com para o direcionamento das políticas sociais aliadas à
as necessidades nutricionais e nível de renda da po- Ciência e Tecnologia.
pulação brasileira. Trata-se, sem dúvida, de um dos
principais desafios que o País deverá enfrentar nos

104
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

SAÚDE

Saúde e qualidade de vida são praticamente sinôni-


mos sob muitos aspectos. Ciência, Tecnologia e Ino-
vação estão no centro da questão saúde. Seja na iden-
tificação de doenças e de suas potenciais curas, seja,
sobretudo, na prevenção das moléstias que nos afli-
gem. Sem o microscópio, por exemplo, jamais sabe-
ríamos que são organismos invisíveis ao olho nu que
causam um bom número de doenças. Sem a química,
não teríamos compreensão dos mecanismos de atua-
ção desses organismos. Sem a biologia, não sabería-
mos como entender o relacionamento entre os vários
organismos vivos, suas relações mutuamente bené-
ficas ou maléficas para o ser humano e seus animais
domesticados. O conhecimento assim adquirido
mune a espécie humana com armas de defesa con-
tra seus “predadores” visíveis e invisíveis e contra
desequílibrios bioquímicos que afetam o metabolis-
“Para melhorar a qualidade de vida
mo humano. Começa a indicar, também, caminhos
no País é fundamental que se
para “ligar” e “desligar” o sistema auto-imune, res-
disponha de uma sólida base científica
ponsável por alergias e rejeições a transplantes.
própria em matéria de saúde. O
A aspirina, um dos medicamentos modernos mais
simples e mais utilizados, tem pouco mais de um Brasil não deve permanecer, nesta
século de existência. Os antibióticos surgiram no área, como dependente passivo do
mercado após a II Guerra Mundial. As terapêuticas desenvolvimento tecnológico mundial.
antivirais ou a prevenção, diagnóstico e tratamento Em particular, cabe dar prioridade à
do câncer ainda engatinham. Os recentes progressos produção nacional de "princípios
na genômica (um termo que existe há bem pouco ativos", reduzindo sua subordinação
tempo) e na biotecnologia apontam para a possibili- atual às importações.”
dade de progressos espetaculares para a ciência mé-
Kurt Politzer,
dica no século XXI. Todas essas inovações são ab- Indústrias Químicas Taubaté

105
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

solutamente dependentes da Ciência e Tecnologia. riamente, tanto o quadro epidemiológico e sanitário,


como a política nacional de saúde do País.
A importância da saúde se reflete nos números da
economia: apenas os Estados Unidos, no seu setor Em que pesem as significativas melhorias dos indi-
público, investe dezenas de bilhões de dólares por cadores de saúde pública da população brasileira, o
ano em pesquisas da saúde; a indústria farmacêutica quadro epidemiológico do País caracteriza-se pela
movimenta, igualmente, dezenas, senão centenas de presença dos três diferentes padrões que representam
bilhões de dólares a cada ano. No Brasil, a depen- a transição epidemiológica:
dência de insumos importados para o atendimento
de necessidades básicas da saúde de sua população • doenças de natureza infecciosa e parasitária asso-
gera imensa vulnerabilidade estratégica do País, mas ciadas à carência ou à ausência de adequado sanea-
cria, também, oportunidade única para um esforço mento ambiental e ainda ao incipiente desenvolvi-
integrado de pesquisa, desenvolvimento e industria- mento socioeconômico, especialmente carências nu-
lização avançada. As questões de saúde se refletem tricionais;
nas políticas públicas – desde os orçamentos gover-
namentais para o setor público de saúde e na regula- • doenças crônicas, em especial as cardiovasculares
ção dos agentes privados, até as questões de patentes e neoplasias, relacionadas ao aumento da expectativa
e de propriedade industrial, debatidas em foros inter- de vida e ao envelhecimento populacional;
nacionais. A capacidade do setor público de prover
um atendimento médico de qualidade passa não ape- • doenças relacionadas à urbanização e industriali-
nas pelas questões de medicina social, mas, igual- zação, à contaminação ambiental, ao processo de tra-
mente, por questões logísticas de organização da in- balho e às pressões da vida “moderna”, inclusive as
formação, para as quais a informática pode disponi- provocadas pelas drogas e pela violência.
bilizar ferramentas essenciais.
Além de inegáveis progressos, como o controle da
Saúde é um exemplo marcante de como as mais diver- poliomielite, registra-se o recrudescimento da malá-
sas disciplinas de Ciência e Tecnologia – química, fí- ria, dengue e cólera, o crescimento de problemas as-
sica, matemática, biologia, genética, medicina, en- sociados às alterações socioambientais, ao envelhe-
genharia, informática, Ciências Sociais, entre outras – cimento da população e à mortalidade por causas
podem ser articuladas entre si e com atividades de ser- externas, o aparecimento da síndrome da imunode-
viço e industriais – medicina social, postos de saúde, ficiência adquirida (Aids) e de distúrbios relaciona-
centros hospitalares e hospitais-escola, indústrias quí- dos ao trabalho e vida urbana, desde as lesões por
mica, farmacêutica e de equipamentos médicos, in- esforço repetitivo até o stress e a depressão.
cubação de novas empresas, entre outras - em um gran-
de programa propulsor do desenvolvimento nacional. Esse panorama, que sobrepõe características epide-
miológicas de países atrasados e países industriali-
A definição de diretrizes para CT&I em Saúde para zados, compõe o cenário da saúde no Brasil nos pró-
os próximos dez anos deve levar em conta, necessa- ximos dez anos, a realidade a ser transformada e, ao

106
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

mesmo tempo, os desafios a serem enfrentados. tífico e tecnológico são realizadas notadamente por
instituições públicas. O Sistema inclui ainda um ex-
Ao contrário da maioria dos países em desenvolvi- tenso aparato regulatório, envolvendo normas de
mento, o Brasil possui um sistema de saúde (público biossegurança, propriedade intelectual, ética em pes-
e privado) e um conjunto de instituições de pesquisa quisa com animais e seres humanos, vigilância sani-
especializadas em saúde lato sensu, recursos huma- tária, saúde suplementar, regulação da concorrência,
nos, experiências, técnicos e empresas que em seu entre outras esferas.
conjunto caracterizam um sistema de CT&I em Saú-
de, distinto do Sistema Nacional de CT&I, e que A definição de prioridades, tendo em vista a veloci-
deve servir de base para ações futuras nessa área. dade dos avanços científicos e técnicos, exige ins-
trumentos dinâmicos, técnica e politicamente com-
Essa competência envolve instituições de ensino e petentes de monitoração dos conhecimentos sobre
pesquisa (universidades e institutos de pesquisa), in- o processo saúde–doença produzidos pelas ciências
dústria farmacêutica, indústria de insumos e equi- biológicas, pelas diversas especialidades médicas, pe-
pamentos médico-hospitalares, indústria de base bio- la epidemiologia, pelas Ciências Cociais; monitora-
tecnológica e instituições vinculadas ao sistema de ção dos conhecimentos multidisciplinares voltados
saúde pública. As atividades de maior conteúdo cien- ao aumento da eficiência e eficácia do planejamento,

Quadro 5
Instituto do Coração (Incor): centro de assistência, ensino e pesquisa de qualidade mundial

Ao completar 25 anos, o Incor é considerado um dos maiores e As áreas de pesquisa, que conjugam laboratórios com estrutura
melhores centros médicos do mundo. Contando com aproximada- para pesquisa básica e investigação clínica, compreendem pratica-
mente 450 leitos, nele se realizam, por dia, em média, 20 cirurgias, mente todos os campos da Cardiologia: hipertensão, miocardiopatias,
40 cateterismos e intervenções, 160 ecocardiogramas e 70 estudos aterosclerose, insuficiência coronária, insuficiência cardíaca, ar-
de radioisótopos. Laboratórios de diagnósticos sofisticados onde se ritmias, valvopatias, biologia molecular, biologia vascular, imunologia,
realizam as técnicas mais modernas de investigação e intervenções, epidemiologia, lípides, hemodinâmica e intervenções por catateres,
dão apoio logístico a essas operações. Métodos diagnósticos de emergências cardiovasculares, doenças congênitas, transplantes,
ultrassom, radioisótopos, tomografia computadorizada e ressonân- cirurgia cardíaca e outras. Estas atividades de pesquisa tem produ-
cia magnética, bem como técnicas bioquímicas modernas permi- zido inúmeras e constantes contribuições inovadoras, apresenta-
tem a execução de processos mais recentes. Sistemas de monitori- ções em congressos internacionais e publicações em revistas cien-
zação contínua e informática que ligam vários setores do hospital, tíficas de maior credibilidade.
permitem o acompanhamento permanente da evolução dos pacien-
tes. A recente inauguração do bloco 2 disponibilizou instalações Em busca do ideal de associar uma prática médica qualificada, associ-
sofisticadas que permitem a prática de uma medicina altamente ada à geração de novos conhecimentos, adotou-se uma filosofia base-
diferenciada, em situações agudas ou eletivas. Setenta e cinco por ada na busca constante de padrões de alta qualidade em todas as
cento de todos os atendimentos do Incor são para pacientes do atividades do Incor, médicas ou não. Para viabilizar tal empreendi-
SUS, sejam internados ou ambulatoriais. mento adotou-se o modelo de administração mixto cooperativo:
universidade, estado e iniciativa privada. A Fundação Zerbini e o es-
As atividades do Incor são harmonicamente distribuídas entre as- tado, atuando em conjunto com os médicos, têm sido os instrumen-
sistência, ensino e pesquisa. No ensino, tanto graduação como pós- tos práticos que viabilizam a instituição, oferecendo-lhe mecanismos
graduação são contempladas. Estudantes da USP, do terceiro ao administrativos e financeiros que permitem sua sobrevivência e
sexto ano, são treinados no Incor. A pós-graduação em Cardiologia competitividade no mercado de trabalho, dentro do espírito acadê-
strictu sensu compreende hoje mais de 200 alunos. Residentes e mico que norteia as instituições universitárias. Esta colaboração é o
estagiários – aproximadamente 200, dentre os quais muitos estran- que permite dedicação integral de um corpo de cientistas profissionais,
geiros – em Cardiologia Clínica, Cirurgia, Anestesia, Pneumologia, a atuação de profissionais médicos altamente qualificados, bem como
Fisiologia Aplicada, Hematologia e Radiologia completam sua forma- a renovação tecnológica e humana constante da instituição, sem a qual
ção na instituição. o futuro da instituição estaria comprometido.

107
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

gestão e qualidade dos serviços; combate à violência inclua, entre outras, dados atualizados sobre a si-
e segurança pública e articulação e organização dos tuação epidemiológica do País, efeitos sobre a saúde
interesses dos diversos atores envolvidos no setor; da população e sobre as atividades econômicas, cus-
conhecimentos orientados para a complexidade dos to da prevenção/combate e avanços científicos, faz-
desafios éticos dos avanços em CT&I; e avaliação se necessária com a efetiva articulação das diversas
dos riscos e benefícios da incorporação dos novos instâncias envolvidas. Tal sistema constitui o ins-
conhecimentos na atenção à saúde. trumento básico para a definição de prioridades e
para a monitorização permanente da consistência e
As agências vinculadas ao MCT ou aos ministérios validade das definições realizadas, bem como
da Saúde, Educação e Agricultura vêm apoiando, reavaliações e computação de resultados.
de forma decisiva, porém pouco articulada, as ativi-
dades de CT&I em Saúde. Quase 25% do orçamento Mesmo aceitando o cenário mais otimista para os
das agências federais de fomento a CT&I, incluindo próximos dez anos, seria temerário supor a disponi-
a Capes (MEC), estão sendo alocados na área de bilidade de recursos suficientes para atacar integral-
saúde. É possível a existência de duplicações de es- mente todos os problemas. É necessário eleger prio-
forços, perdas de recursos e subaproveitamento de ridades. Isto já vem sendo feito com êxito pela arti-
potencialidades, problemas comuns em operações culação entre governo e sociedade representada pelas
fragmentadas e sem mecanismos efetivos de coor- Conferências Nacionais de Saúde. A definição das
denação. A organização, eficiência e transparência prioridades científicas deve levar em conta as neces-
dos diversos mecanismos institucionais envolvidos sidades do País estabelecidas nesses complexos de-
são exigências para a superação dos entraves à oti- bates. Mais do que competir com outras nações, na
mização dos instrumentos em um contexto área da saúde é fundamental levar em conta as par-
estratégico buscando a integração das necessidades ticularidades epidemiológicas do Brasil, principal-
de pesquisa identificadas pelo Ministério da Saúde mente aquelas que não são objeto das preocupações
com as prioridades definidas pelo MCT e MEC. Ao e investimentos dos grandes laboratórios multina-
mesmo tempo, faz-se necessária a construção de cionais. Em muitos campos, sem um programa na-
mecanismos de absorção dos resultados pelo Sistema cional de CT&I, será impossível reduzir a vulnera-
Único de Saúde, orientando essa política de CT&I bilidade do País para superar o quadro atual e en-
para um claro compromisso ético e social de melhoria frentar eventuais emergências no futuro.
das condições de saúde da população e levando em
conta as diferenciações regionais na busca de O desenvolvimento de CT&I em Saúde para enfren-
eqüidade. tar problemas correntes só terá êxito, se fundado em
sólida capacidade científica, tecnológica e industrial
Refletindo a atual conformação institucional da área na área da saúde em geral, e também em um sistema
de CT&I em Saúde, as informações para essa são qualificado para acompanhar ativamente os progres-
dispersas e insuficientes para o planejamento e ges- sos nessas áreas e aplicar os avanços para a solução
tão das atividades de P&D nessa área. A organização dos problemas correntes.
de um sistema de informações estratégicas que

108
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

Além da pesquisa básica ou fundamental, qualquer entre as instituições acadêmicas e a indústria.


política de CT&I em Saúde deve indicar áreas priori-
tárias para investimentos em pesquisa. Como já se Ainda assim, a situação hoje existente está muito
mencionou, a definição dessas prioridades é tarefa aquém das necessidades e potencialidades do setor.
complexa, cuja natureza política não exclui a necessi- A restrição dos recursos do Fundo Nacional de De-
dade de levar em conta também critérios técnico-cien- senvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT),
tíficos. A discussão e definição das prioridades deve- na última década, impossibilitou o desenvolvimento
ria considerar os seguintes pontos: (i) a importância e pleno de vários projetos e também a efetiva capaci-
o risco das patologias para a saúde pública do País; tação de diversos grupos emergentes de grande po-
(ii) necessidade de geração e absorção de conheci- tencial. Desse modo, na estratégia dos fundos seto-
mentos estratégicos em saúde, em uma orientação de riais, agora adotada como fonte permanente de re-
busca de competitividade nacional a médio e longo cursos para setores específicos, a área de saúde, vista
prazos; (iii) patologias relevantes para o País que não como prioritária, terá de ser contemplada. A apro-
sejam prioritárias para os países desenvolvidos; (iv) vação de um fundo setorial de Saúde virá assegurar
competência basal nas áreas escolhidas e capacidade fonte permanente de recursos para viabilizar a im-
de irradiação de novos grupos de excelência; (v) apli- plementação de uma política nacional de CT&I em
cabilidade dos resultados das pesquisas aos problemas Saúde consistente com as necessidades e possibi-
prioritários da agenda da saúde pública. lidades do País. Ao mesmo tempo, esse fundo se
apresentará como instrumento adequado para o exer-
No horizonte de dez anos, torna-se necessário estar cício de uma efetiva coordenação, integração e arti-
atento para as novas tendências do conhecimento e culação das diversas instâncias envolvidas no desen-
da tecnologia em saúde, cujo impacto é de médio e volvimento de CT&I.
longo prazos, a exemplo da terapia genética, da nano-
tecnologia, das diversas oportunidades oferecidas pelas Além do aumento do aporte de recursos do setor
biotecnologias, química combinatória, entre outras. público para a área de CT&I em Saúde, é necessária
a mobilização de esforços para aumentar a partici-
Nas últimas duas décadas, os recursos para o desen- pação do setor privado. A indústria nacional de bens
volvimento científico e tecnológico na área de saúde de saúde ainda não alcançou padrões de preço e qua-
foram expressivos, especialmente levando-se em con- lidade compatíveis com os níveis internacionais, e o
ta o contexto geral do financiamento de CT&I. Tam- avanço desse setor tem sido dificultado pela ausência
bém deram bons resultados e produziram uma subs- de adequada articulação das políticas dirigidas para
tantiva capacitação institucional e tecnológica. os vários segmentos do complexo de insumos far-
A área de saúde é uma das mais dinâmicas do ponto macêuticos, química fina, biotecnologia, eletrônico,
de vista da geração de conhecimentos e da inovação, metal-mecânico e polímeros. A integração dessas po-
tendo participação marcante em todos os indicadores líticas é requisito essencial para dar sustentação ao
de C&T como dispêndio público e privado em P&D, salto qualitativo e para aumentar a competitividade
trabalhos publicados, patentes, novos produtos e pro- da indústria do setor saúde.
cessos lançados no mercado e intensidade da relação

109
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Na área de medicamentos, em que o Brasil ocupa a mercado doméstico relevante, com uma população
oitava posição no mercado mundial, com faturamento ainda jovem pressionando o mercado de trabalho, não
em torno de US$6 bilhões, trata-se de aumentar o con- pode renunciar ao objetivo de internalizar, de forma
teúdo tecnológico da oferta nacional, considerando competitiva, segmentos produtivos relevantes para
que as matérias-primas ativas são importadas em quase suprir pelo menos parte da demanda. Nesse contexto,
sua totalidade. Para tanto, torna-se necessário esta- ganha relevância apoiar o desenvolvimento e a
belecer uma política eficaz de articulação da indústria produção de medicamentos. Destacam-se três linhas
privada com as instituições nacionais de pesquisa e de ação: pesquisas focadas em algumas famílias de
desenvolvimento tecnológico, criando-se um padrão sais utilizados na fabricação de medicamentos de uso
de incentivos para a obtenção de competitividade com continuado e de grande consumo pela população
base na absorção e geração de inovações. (Ver o ca- brasileira; apoio à ampliação permanente da produção
pítulo Desafios Estratégicos/Fármacos). de medicamentos genéricos; pesquisas com vistas à
produção de fitoterápicos, tomando como base a
O Brasil continua contando com uma base industrial própria “medicina popular”, cuja experiência e
com capacidade para responder ao desafio de produ- importância continua fortemente subestimada no País.
zir medicamentos a custos acessíveis para a população
em geral e compatível, seja com a realidade or- A área de imunobiológicos (vacinas e kits para diag-
çamentária, seja com as restrições do quadro macro- nósticos), por sua vez, constitui o principal nicho
econômico. O crescimento sustentado esperado para para a entrada competitiva do País nas novas bio-
a próxima década ampliará a margem de manobra tecnologias em saúde. Existe uma base industrial con-
nesse campo, mas isso não modifica o fato de que os centrada em instituições de C&T (notadamente a
recursos orçamentários continuarão escassos para a Fundação Oswaldo Cruz e o Butantã), o sistema de
dimensão dos problemas, muito menos a decisão de vacinação em massa é dos mais avançados dos paí-
que um país quase continental como o Brasil, com ses em desenvolvimento, o mercado público é o maior

Quadro 6
Pesquisa em Medicina Clínica

Tanto o planejamento e execução de políticas de saúde como a pro- descoberta de métodos preventivos tem impacto positivo imediato.
moção da pesquisa em medicina devem levar em conta a grande
heterogeneidade do país, em termos regionais e sociais, que leva à A importância de algumas doenças infecciosas (como tuberculose,
existência simultânea de um perfil epidemiológico próprio de países infecções hospitalares e outras) continuarão a exigir atenção. Os
de baixa renda (predomínio das doenças transmissíveis e condições altos custos da pesquisa médica, a urgência de obter resultados
maternas e perinatais) e de um perfil próprio de países desenvolvi- práticos e a necessidade de testar grandes grupos de pacientes para
dos (predomínio de doenças não transmissíveis). As interações do obter respostas sólidas exige um novo paradigma de organização:
setor de saúde com o de bem-estar social não devem obscurecer a pesquisa colaborativa em rede ou multicêntrica. Neste sentido, é
análise de prioridade de pesquisa médica. Essa visão, ao mesmo necessário que o incentivo a esta atividade seja vinculado ao próprio
tempo que reforça a importância da pesquisa em sistemas de saúde, processo de geração de conhecimento básico e aplicado, e não ape-
evidencia a necessidade de promover o desenvolvimento de investi- nas utilizado como campo de teste de medicamentos e
gação clínica associada à pesquisa básica em câncer, doenças imunobiológicos concebidos no exterior. Outra mudança necessá-
cardiovasculares, gerontologia e geriatria, distúrbios psiquiátricos, e ria é a aproximação efetiva das áreas de saúde com a física, bioquí-
transplantes de órgãos e tecidos. Além de sua crescente importância mica e engenharia, para desenvolvimento de equipamentos de as-
epidemiológica, são áreas em que a transferência de tecnologias para sistência e de diagnóstico, reagentes, processos diagnósticos e
diagnóstico e terapêutica têm custos muito elevados, e nas quais a próteses, e a implantação de um parque biotecnológico próprio.

110
Capítulo 3 - Qualidade de Vida

Quadro 7
Centro para Controle de Enfermidades (CDC) de Atlanta

O Centro para Controle de Enfermidades dos Estados Unidos fun- órgãos, sendo estes centros, institutos e agências, empregando um
ciona como um órgão nacional que tem como meta desenvolver e total de 8.500 pessoas, distribuídas em 170 ocupações relacionadas
aplicar conhecimentos sobre prevenção e controle de doenças, da à saúde pública.
saúde ambiental, além de promover atividades educativas voltadas
para melhorar a saúde da população. O CDC reúne competência instalada (humana, base de dados e
equipamentos) para o diagnóstico, estudos epidemiológicos e con-
Dentre as principais atividades desenvolvidas podem-se destacar: trole das doenças transmissíveis. Em uma estrutura com tais facili-
(i) mapeamento das principais áreas de ação; (ii) coleta e difusão de dades, as disciplinas básicas desempenham papel fundamental.
informações atualizadas; (iii) articulação de diferentes organizações,
não necessariamente restritas à área de saúde; (iv) avanço na No Brasil inexiste um centro semelhante, colocando o País em
aplicabilidade dos conhecimentos de C&T em suas ações. Além situação de “insegurança sanitária” e extrema fragilidade para en-
disso, o CDC detecta e investiga problemas relacionados à saúde, frentar situações emergenciais como as epidemias de meningite,
conduz pesquisas a fim de intensificar os meios de prevenção, de- os surtos de cólera e dengue ocorridos recentemente. A implanta-
senvolve e intercede sobre políticas públicas, promove comporta- ção de um similar do CDC no Brasil daria uma contribuição decisiva
mentos e fomentar o cuidado à saúde ambiental, além de promover para a modernização de métodos utilizados em laboratórios clíni-
lideranças e treinamentos especializados. cos estatais ou privados em todo o País.

Atualmente, o CDC sustenta e desenvolve parcerias com entidades


e órgãos públicos e privados. O CDC distribui-se em doze sub-

da América Latina e mesmo um dos mais expressivos O desenvolvimento das ciências básicas tem desdo-
do mundo, e existe toda uma infra-estrutura de con- bramentos imprevisíveis para a área da saúde e apenas
trole de qualidade, essencial para o lançamento de a existência de um sólido corpo de pesquisadores
novos produtos (Quadro 8). básicos pode enfrentar situações novas, não previs-
tas, dentro da patologia humana. Portanto, é indis-
O que falta é a articulação destas partes do sistema pensável que, além do desenvolvimento específico
de acordo com uma política de competitividade que de temas programáticos, seja contemplada, em qual-
se baseie no poder de compra do Estado e na orien- quer política nacional de desenvolvimento científico
tação dos esforços de pesquisa e desenvolvimento e tecnológico em saúde, a sustentação continuada
em vacinas estratégicas, segundo as necessidades de da competência nas áreas básicas pertinentes. O
saúde da população. Estas iniciativas devem superar apoio aos grupos de excelência nacionais nessas
o forte hiato existente entre as atividades de pesquisa áreas, como instrumentos para a geração de novos
e a produção industrial. centros de competência distribuídos nas regiões do
País, é fundamental (Quadro 7).

111
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 8
Vacinas no Brasil

O desenvolvimento de vacinas e dos pro- os países mais desenvolvidos paguem


gramas de vacinação no Brasil tem espe- preços mais altos e os mais pobres re-
cial importância no campo da Saúde Pú- cebam as vacinas a um preço simbólico,
blica do País. As campanhas de imuniza- quando não doadas.
ção da varíola e da poliomielite são exem-
plos da importância desta área, conquis- O Brasil está colocado em uma posição
tando a erradicação destas doenças no intermediária, sendo definido como ca-
Brasil. Outras viroses, como o sarampo, paz de pagar pelas vacinas um preço de
hoje uma raridade, têm sua eliminação mercado, maior que os praticados pelo
nas Américas prevista nos próximos dois Unicef e o Fundo Rotatório da OPAS.
ou três anos.
Desenvolvimento tecnológico de vaci-
Dois programas são de fundamental apoio nas: o desenvolvimento de vacinas é um
à vacinação: (i) Programa Nacional de processo complexo, que envolve gru-
Imunização, considerado modelo pela pos de pesquisa multidisciplinares em
Organização Mundial de Saúde (OMS), um laboratório-piloto e estudos clíni-
consolidou-se no Brasil por meio de al- cos de campo, com longo período de
tas coberturas e por oferecer enorme maturação (dez anos em média), e alto
gama de vacinas gratuitamente à popula- investimento de risco. Estima-se que
ção, desde a BCG, hepatite B até vacinas seja investido anualmente cerca de US$1
para meningite meningocócica de soros bilhão por parte de governos e laborató-
grupos A e C e meningite meningocócica rios privados na pesquisa e desenvolvi-
soro-grupos B e C; (ii) Programa de mento de vacinas.
Auto-suficiência Nacional em Imunobio-
lógicos, com apoio aos laboratórios pro- No Brasil, os investimentos em P&D
dutores de vacinas, todos laboratórios na área de produção de vacinas são apoia-
públicos apoiados por vários programas dos por vários programas de fomento à
de CT&I. pesquisa, como o CNPq, PADCT, Finep,
Fapesp e outros. O programa de biotec-
Mercado mundial de vacinas: em nível internacional, a atividade de nologia do MCT permitiu a criação de vários grupos de pesquisado-
produção de vacinas tem se concentrado em poucos grandes labo- res envolvidos no desenvolvimento de vacinas contra importantes
ratórios multinacionais. Estes praticam um sistema de duplo pre- doenças, como a dengue e a leishmaniose, malária, esquistossomose,
ço, diferenciado para o mercado de seus países sede e os outros. lepra, diarréias bacterianas e virais. Entretanto, estas iniciativas
ainda não são integradas, fazendo-se assim necessárias a definição
Desta forma, conseguem oferecer as vacinas a um preço marginal de prioridades e a coordenação das diferentes atividades.
nas licitações. A OMS vem defendendo esta política, propondo que

112
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO


DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

113
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO
DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO

Muito mais do que no passado, co-


nhecimento e inovação têm, hoje,
papel estratégico e insubstituível
no processo de desenvolvimento
econômico. A conhecida tríade de
fatores de produção – capital, tra-
balho e recursos naturais – já não é
suficiente, por si só, para assegurar
o progresso das nações. A estes
fatores de produção deve-se agre-
gar o conhecimento – a capacidade
de utilizá-lo de forma criativa e pro-
dutiva –, sem o qual o capital en-
velhece, os recursos naturais não

114
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

podem ser explorados de forma sustentável e “Os países que lideram o


competitiva, e a produtividade do trabalho – em desenvolvimento mundial cresceram
constante evolução nos países de economias dinâ- com base em capitais nacionais. Uma
micas – cai em termos relativos. Mas não é suficien- estratégia para C&T, voltada para os
te acumular conhecimento. É necessário, além dis- dez próximos anos, deve ajudar a
so, dispor de capacidade para inovar, ou seja, para criar um ambiente que fortaleça a
aplicar o conhecimento na solução de problemas
iniciativa privada nacional. Isto
concretos enfrentados pela sociedade, para gerar no-
implica o desafio de adequada
vos produtos e processos; criar e aproveitar oportu-
articulação da política de C&T com as
nidades de ganhos privados e sociais; produzir e dis-
demais políticas macroeconômicas
tribuir riqueza; gerar bem-estar.
do País.”

Assim como o conhecimento vem assumindo o papel Paulo G. Cunha,


Grupo ULTRA
de fator de produção essencial para o progresso social
e econômico das sociedades contemporâneas, a ca-
pacidade para inovar é, sem dúvida, um dos fatores
mais relevantes na determinação da competitividade
das empresas e da economia em geral. Gerar conhe-
cimento e reforçar a capacidade de inovação da eco-
nomia brasileira constitui, sem dúvida, um requisito “Cresce a importância estratégica da
chave para transformar, de forma efetiva, o Brasil inovação; se esta se desacelera,
real, com todos os problemas conhecidos, no país haverá redução progressiva da
que todos almejam.
produtividade e do ritmo de
crescimento. No País há dois
A percepção de que o conhecimento é o elemento
obstáculos adicionais: o alto peso das
central de uma nova estrutura econômica que está
restrições externas e a
surgindo, de que a aprendizagem é seu mais impor-
desnacionalização de parte do
tante processo e de que a inovação é o principal veí-
patrimônio empresarial. São funções
culo de transformação do conhecimento em valor
permite que países desenvolvidos e um grupo de paí- prioritárias do Estado, portanto,
ses em desenvolvimento adotem iniciativas para co- "operar setorialmente",
locar Ciência, Tecnologia e Inovação no centro da complementando estímulos das
agenda política e econômica. políticas horizontais; e gerar incentivos
para pesquisas de interesse social, as
No Brasil, entretanto, a percepção de que CT&I têm quais o mercado dificilmente
valor econômico é ainda praticamente restrita às co- privilegiará.”
munidades acadêmica e tecnológica, aos órgãos go-
Celso Pinto,
vernamentais do setor e à pequena parte do empre- Jornal O Valor

115
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

sariado. As transformações e eventos verificados nos feitos nessa área trazem importante retorno, na for-
últimos anos diretamente relacionados à CT&I e, ma de empregos qualificados e mais bem remunera-
particularmente, a criação dos fundos setoriais, o êxi- dos, geração de divisas e melhoria da qualidade de
to do Projeto Genoma, o reconhecimento interna- vida. Não faltam exemplos, e não é demais repetir
cional da Embraer, entre outros, não apenas cha- alguns deles: a Embrapa, cujas pesquisas viabiliza-
mam a atenção do setor privado para a importância ram a ocupação econômica competitiva do cerrado,
dos investimentos em CT&I, mas também permitem transformando o Brasil em grande produtor de grãos
antever, pela primeira vez, que CT&I poderão ter e carnes (Gráfico 1); a Petrobras, que extrai petróleo
papel de relevo no conjunto das políticas públicas. do fundo do mar utilizando tecnologia gerada no
Apesar de sua recente intensificação, os esforços até País; a Fiocruz, cujas vacinas foram determinantes
agora realizados ainda não foram suficientes para que para a melhoria do quadro epidemiológico brasilei-
a geração do conhecimento e a inovação tecnológica ro; a cooperação Brasil-China, responsável pelo
entrassem em definitivo na agenda do País. lançamento e operação do satélite de monitoramento
dos recursos terrestres de ambos países. O desafio
É, todavia, inegável a ampliação da percepção de para os próximos anos reside em incorporar de modo
que CT&I têm valor econômico e facilitam o reco- significativo a contribuição da iniciativa privada ao
nhecimento, pela sociedade, de que os investimentos processo de inovação e ampliar os exemplos como
esses, de modo a transformar a inovação em dínamo

116
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

de toda a economia, e não apenas de alguns nichos


especiais.

A despeito da ênfase dada, na questão da inovação,


às novas tecnologias da informação e da comunica-
ção ou, em geral, ao chamado setor de alta tecnolo-
gia, a agricultura e os negócios dela derivados ainda
geram cerca de 25% do PIB brasileiro e estão na
base de um dos mais graves problemas do País: a
questão fundiária. Tratar, portanto, de Ciência, Tec-
nologia e Inovação para o desenvolvimento econô-
mico significa, obrigatoriamente, tratar da agricul-
tura brasileira. Tanto da grande agricultura, que re-
quer alta tecnologia e grandes investimentos de ca-
pital, quanto da pequena agricultura, que só sobre-
viverá economicamente se tiver expressiva adição
de conteúdo tecnológico. Este desafio, se correta-
mente enfrentado, representa oportunidade de ascen-
são educacional, econômica e social para milhões
de brasileiros. Assim sendo, este capítulo, após exa-
me centrado principalmente em questões industriais,
encerra-se com foco no debate sobre a inovação na
agricultura.

117
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

118
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

C&T E INOVAÇÃO TECNOLÓGICA PARA


O DESENVOLVIMENTO

Ciência, Tecnologia e Inovação podem contribuir


substancialmente para o desenvolvimento econômi-
co, entendida esta expressão como o crescimento
sustentável da renda per capita e do emprego, associa-
do à melhoria da distribuição da renda pessoal e regio-
nal e à conservação do meio ambiente.

Os problemas decorrentes do espaço geográfico, das


características da população e do perfil do parque
produtivo brasileiro, entre outros fatores, exigem res-
postas que só o esforço nacional pode dar, o que
indica a necessidade de que CT&I sejam o compo-
nente central de uma reformulação das políticas eco-
nômica e industrial. No médio e longo prazos, como
tem sido nossa experiência, iniciativas em CT&I são
cruciais para a criação de novas oportunidades de
desenvolvimento e para a superação de obstáculos
estruturais ao crescimento.

As inovações são o principal determinante do au-


mento da produtividade e da geração de oportuni-
dades de investimento. A inovação compreende a
introdução e a exploração de novos produtos, pro-
cessos, insumos, mercados e formas de organização.
Uma característica central da inovação tecnológica
nas economias industrializadas é a crescente incor-
poração do conhecimento científico, cada vez mais
complexo, aos processos mais simples de geração de
riqueza. Embora o foco de promoção da inovação
seja a inovação tecnológica (de produto e/ou pro-

119
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

cesso), não se deve subestimar a importância da A inovação resulta de processo de aprendizagem no


inovação organizacional para o aumento da produ- qual as empresas interagem com seus clientes, forne-
tividade e para a constituição de ambiente adequado cedores e organizações produtoras de conhecimento,
ao processo de inovação. como as universidades, institutos tecnológicos e sis-
temas de treinamento. Nos sistemas nacionais de ino-
Nos países industrializados, tem crescido a preocu- vação, a interação desses atores forma o contexto
pação com o papel da inovação tecnológica para o em que ocorre a produção de conhecimento e ino-
desempenho econômico dos serviços. No conjunto vação. As relações entre estes atores seguem padrões
dos países da Organização para Cooperação e Desen- setoriais, que, por sua vez, são condicionados pelo
volvimento Econômico (OCDE), os serviços são contexto institucional nacional e regional. Estes pa-
responsáveis por 70% do PIB (57% no Brasil). Por- drões são diferentes entre si e refletem a multiplici-
tanto, o crescimento e a inovação no setor de serviços dade de interações entre o mercado, a empresa e ins-
são progressivamente importantes para o desenvol- tituições externas de pesquisa (e também entre di-
vimento econômico. Em países de renda interme- versas funções internas da empresa).1
diária, como o Brasil, é maior a participação dos seg-
mentos menos inovadores dos serviços. São setores O foco na organização para a aprendizagem tem le-
que se caracterizam por baixa utilização de novas vado a mudanças substanciais na organização interna
tecnologias, emprego de força de trabalho pouco qua- e nas relações entre as empresas. Estruturas hierár-
lificada, com remuneração média inferior à da in- quicas muito verticalizadas e rigidamente departa-
dústria. Esta situação implica a existência de opor- mentalizadas tendem a dar lugar a arranjos organi-
tunidades de ganhos de produtividade substanciais zacionais que privilegiam a comunicação horizontal
por meio da difusão tecnológica. e a combinação multifuncional de competências.
Mesmo em nações com estruturas produtivas hetero-
Apenas para ilustrar as possibilidades nesse campo, gêneas, como o Brasil, é significativa a difusão de
bastaria mencionar que a indústria de maior cresci- práticas de trabalho em grupo. A necessidade de en-
mento relativo no mundo é a de entretenimento, lide- gajamento do conjunto das funções da empresa e da
rada pelo turismo. O turismo, associado à exploração sua força de trabalho no processo de inovação é um
racional de espaços ambientalmente sadios e ao con- dos fatores que conduzem à elevação dos requisitos
tato com a diversidade da vida animal e vegetal, está de escolaridade mínima para a contratação de tra-
crescendo, e o Brasil é um dos poucos países capazes balhadores, tanto nos países mais industrializados,
de fornecer um leque de opções. No entanto, ainda quanto nos países de renda intermediária. Neste con-
está incipiente entre nós essa tecnologia de serviços, texto, é relevante o papel da escola, dos sistemas de
potencialmente agregadora de valor e absorvedora formação profissional e das políticas educacionais.
de recursos humanos qualificados.

1. Este enfoque substituiu a visão linear do processo de inovação, segundo a qual os resultados científicos seriam sempre o primeiro passo no
processo de invenção tecnológica, à qual se seguiria a introdução de inovações no mercado.

120
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

A necessidade de aprendizagem permanente, no pla- cendo, no âmbito internacional, a participação de


no individual e das organizações, implica mudança redes de instituições e de empresas nas atividades
no conceito de educação e formação profissional, e de pesquisa e desenvolvimento, como revelam as in-
estas ganham contornos de atividade permanente formações patentárias.
(educação contínua). Nos países da OCDE, a soma
dos gastos públicos em educação, dos dispêndios em Apesar dessas facilidades, ainda não é automática a
P&D e do investimento em software tem crescido sig- efetiva constituição de relações de colaboração tec-
nificativamente. Mais da metade desses investimen- nológica entre empresas. Nos países em desenvolvi-
tos se destina à educação. A força de trabalho desses mento, a questão da coordenação das relações dos
países tem ampliado seu grau de escolaridade de fornecedores locais com clientes globais pode reque-
maneira significativa. No intervalo de uma geração, rer algum nível de intervenção e regulação, caso se
a parcela da população total da OCDE com nível deseje maximizar a transferência de tecnologia e a
de educação superior cresceu de 22% para 41%. aprendizagem nacional.

A natureza interativa da aprendizagem e as facilida- Um aspecto central do esforço dos países para am-
des de codificação e comunicação proporcionadas pliar sua capacidade de inovar consistiu no cresci-
pela difusão das Tecnologias da Informação (TI) tam- mento da parcela de dispêndios do setor privado, no
bém têm transformado as relações entre as empresas total do dispêndio nacional (Tabela 1) em pesquisa
e dessas com as instituições de pesquisa. Vem cres- e desenvolvimento. Sobressaem os casos do Japão,

121
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Coréia e Irlanda, em que os gastos privados são


responsáveis por 70% dos dispêndios nacionais em
P&D. No outro extremo, estão países como o México
e Portugal, em que o governo é responsável por 70%
desse dispêndio.

O progresso das nações da OCDE constitui um de-


safio para países em desenvolvimento, como o Bra-
sil. No terreno da competição baseada na capacida-
de de inovação tecnológica, a fronteira estabelecida
pelos líderes se move cada vez mais depressa. Para
o Brasil, não se trata apenas de ampliar seu esforço
em CT&I, ou de fazê-lo de forma a permitir que as
empresas ampliem substancialmente sua participação
nesse esforço. O desenvolvimento futuro vai depen-
der também da capacidade do País para reduzir o
fosso que o separa da fronteira tecnológica mundial.

122
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

A NECESSIDADE DE INCREMENTAR A INOVAÇÃO E


O ESFORÇO TECNOLÓGICO DAS EMPRESAS

A industrialização brasileira caracterizou-se pela “Como o Estado poderá ser eficiente e


substituição de importações, política cuja tônica re- eficaz, catalisando o desenvolvimento
caiu na importação de tecnologias embutidas nas da C&T no futuro? O País "não
plantas industriais, nos equipamentos e nos sistemas poderá ser bom em tudo" e ganha
de controle de produção. Ocorreu também a impor- relevância a tarefa de "focalizar"
tação de tecnologia não embutida, com procedimen-
aquelas cadeias tecnológicas nas quais
tos controlados pelo Instituto Nacional de Proprie-
possa se especializar. Consciente de
dade Industrial (INPI), por meio dos contratos de
que uma estratégia empresarial
transferência de tecnologia, que visavam disciplinar
decisiva, no mundo moderno, é um
o acesso a tecnologias, principalmente se havia algu-
conveniente "controle" da
ma possibilidade para o seu desenvolvimento no Bra-
sil. Esta estratégia era coerente com o modelo geral, incorporação e da difusão das

pois a utilização do poder de compra das empresas inovações. Nas relações externas, este
estatais de certa forma estimulou a geração de capa- controle deve estar finamente
cidade de oferta interna de tecnologia. associado ao comércio.”

Isaías de Carvalho Macedo,


Esse modelo prescindiu, em grande medida, da capa- Unicamp

cidade interna de geração do conhecimento. O pe-


queno esforço empreendido pelas empresas no sen-
tido de absorver, dominar e aperfeiçoar as tecnolo-
gias importadas refletiu-se no fato de que o setor
produtivo demandou pouco envolvimento das uni-
versidades e institutos de pesquisa na produção de
novas tecnologias. Esse distanciamento perdura até
hoje, embora progressivamente se acumulem casos
de êxito na relação universidade – centros de P&D –
empresas. Rompê-lo constitui, sem dúvida, um dos
grandes desafios da atualidade, especialmente se le-
varmos em conta que, ao mesmo tempo, é necessário
promover a consolidação da pesquisa básica. Trata-

123
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

se de tarefa complexa, que exige a reorientação das Cabe observar que, em áreas críticas para o desen-
próprias prioridades e estratégias historicamente ado- volvimento científico-tecnológico – como nos cam-
tadas pela política científica e tecnológica – voltada, pos da biologia, química fina, novos materiais, micro-
fundamentalmente, até muito pouco tempo, para o eletrônica, mecânica de precisão –, as tecnologias
meio acadêmico –, para incluir as empresas, públicas ainda não estão disponíveis para transferência, ha-
e/ou privadas, como agentes e beneficiários das vendo de se estimular a capacidade de desenvolvi-
ações do setor público na área de CT&I. Requer mento endógeno, mediante, inclusive, a estratégia
também a reorientação da política econômica, em de parcerias com centros de excelência no exterior,
particular o reforço das políticas setoriais – industrial, com o objetivo de alcançar o desenvolvimento con-
agropecuária, de comércio exterior e tecnológica – e junto de tecnologias selecionadas.
dos mecanismos de planejamento das ações do setor
público e de coordenação interinstitucional em todos Outro ponto a ressaltar é a importância ainda limitada
os níveis do governo e entre este e a sociedade. dada às atividades de P&D, como fator crítico para
a competitividade empresarial. Na maioria dos casos,
O modelo de substituição de importações já neces- as estratégias empresariais de ampliação da compe-
sitava de revisões em profundidade, em parte devido titividade se restringem às melhorias incrementais
a seu próprio êxito, em parte devido às transforma- do produto e do processo produtivo.
ções ocorridas na economia internacional, quando
se deu a abertura econômica do início da década de As empresas brasileiras apresentam elevado grau de
noventa. Ela marcou o fim da experiência de indus- heterogeneidade em relação ao seu desempenho ino-
trialização protegida, que, independentemente da vador, embora se registre avanço importante neste
avaliação que dela se faça, foi responsável pela trans- campo. Para o conjunto das empresas industriais pau-
formação rápida e exitosa – pelo menos do ponto de listas, a taxa de inovação2 de 25% – ou seja, a indi-
vista econômico – de um país rural e agrícola em cação de que um quarto de todas as empresas indus-
uma nação urbana e industrial. Desde então, a função triais paulistas introduziram alguma inovação de pro-
de P&D privada concentrou-se em um grupo seleto duto ou processo – não se distancia das taxas dos
de empresas de grande porte e de pequenas e médias países que apresentam estrutura produtiva com nível
empresas de base tecnológica, complementada por de desenvolvimento e complexidade tecnológica se-
dispêndios associados a programas governamentais. melhantes ao do estado de São Paulo, como Espa-
Os investimentos e programas que mantiveram sua nha (29,5%) e Austrália (26%). Entretanto, quando
continuidade na última década apresentaram resul- a referida taxa é confrontada com a de países de in-
tados importantes. Sobressaem as pesquisas agríco- dustrialização madura e mais avançada, como França
las, em especial a da soja, e conquistas na área da (41%) e Alemanha (53%), evidencia-se uma distân-
biologia, como vacinas, além das tecnologias de ma- cia substancial entre os níveis de desempenho ino-
teriais e prospecção do petróleo, entre outras. vador das empresas industriais (Tabela 2 e Quadro1).

2 A taxa de inovação mede a participação de empresas que realizam inovação no total das empresas.

124
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

As diferenças nas taxas de inovação refletem sobre- sileira como um todo. Pesquisas aplicadas em dife-
tudo a capacidade de absorção de novas tecnologias, rentes estados brasileiros revelam que, no período
uma vez que o conceito de inovação, tal como aqui de 1994 a 1999, a taxa média de inovação das
utilizado, refere-se à adoção (e não necessariamente empresas industriais brasileiras com 100 ou mais
à geração) de novas tecnologias de produto e/ou pro- empregados foi de 46%; revelam também pronun-
cesso. Neste sentido, pode-se dizer que houve con- ciada disparidade da taxa de inovação por estado
siderável taxa de adoção de inovações na economia (Gráfico 2). A situação encontrada na economia pau-
paulista. Mesmo não dispondo de informações tão lista, por exemplo, com taxa de inovação de cerca
precisas para outros estados, é razoável sustentar a de 56% para empresas de médio e grande porte, não
hipótese de que esse movimento, mesmo que com se reproduz nos demais estados brasileiros.
menor intensidade, foi mais amplo, em termos geo-
gráficos, especialmente em estados como Minas Ge-
rais, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, Quadro 1
cujas economias vêm registrando notável expansão A Elaboração de Indicadores de
das atividades industriais. Esta tendência é compa- Inovação no Brasil
tível com o período de crescimento e de retomada Um avanço importante na elaboração de indicadores de inovação e
de investimento que caracterizaram os primeiros da atividade tecnológica das empresas ocorreu na década de noven-
ta, com o desenvolvimento de metodologia para pesquisas de ino-
anos do Plano Real, fase em que a indústria assistiu vação (Manual de Oslo, OCDE, 1997). No Brasil, a experiência com
pesquisas de inovação se iniciou com a realização da PAEP/Seade
a intenso movimento de introdução de produtos e
(Pesquisa da Atividade Econômica Paulista). Trata-se de pesquisa
processos novos. O relativamente fraco desempenho aplicada na indústria de transformação paulista, com referência ao
período 1994/96, que cobriu cerca de 10.000 empresas com cinco e
inovador das pequenas empresas reflete, além das mais empregados. Apesar da variação das características estatísti-
dificuldades por elas encontradas no desenvolvimen- cas das pesquisas de inovação, elas permitem situar o desempenho
inovador das empresas de diferentes países.
to próprio de produtos, a baixa taxa de difusão de
novas tecnologias. O principal indicador de desempenho inovador das empresas é a
taxa de inovação, que indica a participação percentual das empresas
inovadoras, ou seja, das empresas que introduziram produtos e/ou
processos novos ou substancialmente modificados, num setor, numa
As taxas de inovação apresentam grande heteroge- região ou na economia.
neidade regional, quando considerada a indústria bra-

125
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

A despeito dessa heterogeneidade, o desempenho ino- cional em P&D). Como já se mencionou, a tarefa de
vador das empresas brasileiras na segunda metade dos superar esta debilidade é fundamental para a consoli-
anos noventa pode ser considerado razoável. No ca- dação de um sistema de CT&I capaz de responder às
so das grandes empresas industriais do Sul e do Su- exigências do desenvolvimento brasileiro. A política
deste, a maioria tem atualizado produtos e processos. de CT&I, em conjunto com outros instrumentos de
No entanto, deve-se esclarecer que a atualização de política pública, deve criar condições e incentivos para
produtos e processos não resultou primordialmente a geração de tecnologia no País.
de investimentos diretos em P&D e de processos de
aprendizagem e formação de competências internas. Evidência adicional desta situação está na forma co-
Na verdade, as empresas têm-se utilizado de forma mo as empresas procuram informações para subsidiar
intensa da transferência de tecnologia importada para seu processo inovativo. Na maior parte dos casos,
viabilizar com agilidade o processo de inovação. Esta as atividades de inovação são influenciadas primor-
estratégia poderia ser potencializada, caso fosse dialmente pelas suas ligações comerciais com clien-
acompanhada de esforço interno para completar o tes, fornecedores e competidores. A importância do
“ciclo de absorção da tecnologia importada”. esforço tecnológico interno (departamento de P&D)
vem em quarto lugar. Em geral, pode-se afirmar que
A debilidade do esforço de realização de P&D inter- as empresas brasileiras parecem ser mais reativas ao
no é confirmada pelas informações disponíveis mercado do que propensas a serem inovadoras ativas.
(Tabela 3), as quais indicam que as empresas apre- Também chama a atenção a baixa importância atri-
sentam investimentos relativamente baixos neste buída pelas empresas às universidades e institutos
campo, atingindo, em seu conjunto, o percentual de de pesquisa como fontes da informação.
0,3% do PIB (equivalente a 35,7% do dispêndio na-

126
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

Os indicadores de produção tecnológica refletem Em 1988, os montantes enviados alcançaram


com clareza essa estratégia de não privilegiar a reali- US$141 milhões, limite inferior histórico da série de
zação de P&D no País. Entre esses indicadores, vale remessas; os ingressos perfaziam apenas cerca de
realçar os que se referem à atividade de patentea- US$70 milhões. Em 1999, as remessas chegaram a
mento, a qual, embora apresente importantes dis- cerca de US$2,97 bilhões, ao passo que os ingressos,
crepâncias entre os países avançados, vem conquis- na mesma data, totalizaram US$1,25 bilhão. É inte-
tando crescente relevância econômica. ressante notar que o crescimento foi expressivo tanto
para as remessas, quanto para os ingressos.
A outra face deste processo refere-se às remessas e
ingressos relativos a serviços tecnológicos. As es- O resultado final consolidado foi o crescimento do
tratégias das empresas no País, marcadas por nível déficit nos fluxos referentes à transferência de tec-
considerável de aquisição externa de tecnologia, vêm nologia (Gráfico 3), de um patamar inexpressivo, até
elevando o total do fluxo de pagamentos brasileiros 1992, para US$1,7 bilhão aproximadamente, em
relacionados com contratos de tecnologia, embora, 1999, que continua onerando o balanço de pagamen-
ao mesmo tempo, também esteja crescendo a receita tos. Um elemento positivo novo (da década de no-
derivada de fornecimento de tecnologia (Tabela 4). venta), no entanto, que merece atenção tem sido o
crescimento do fluxo de ingressos, até então inex-
A partir de 1993, com a recuperação do crescimento pressivo.
da economia e as transformações legais realizadas
na ordem econômica nacional, os volumes de recur- Vale ressaltar que, apesar de revelarem volume ainda
sos remetidos ao exterior retomaram a tendência de relativamente limitado, os indicadores disponíveis
evolução ascendente, interrompida nos anos oitenta. sugerem a tendência de um maior esforço das em-

127
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

128
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

presas na área. A entrada em vigor dos instrumentos leira, a metodologia empregada para essa estimativa
legais de incentivos fiscais – Lei 8.661/93 (Incenti- representa aprimoramento importante em relação às
vo à P&D no Setor Industrial e na Agropecuária) e séries divulgadas anteriormente. Com exceção da
Lei 8.248/91 (Lei de Informática) – contribuiu de redução do dispêndio com engenharia não rotineira,
forma importante para esta ampliação, embora com todas as demais despesas se elevam em termos reais,
impactos circunscritos às grandes empresas e por tem- com destaque para P&D e para aquisição de tecno-
po muito limitado. logia, o que é coerente com as informações do balan-
ço tecnológico.
Dois indicadores revelam esse aumento do gasto pri-
vado: os números da pesquisa da Associação Na- As informações prestadas ao governo dos EUA pelas
cional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas empresas controladas por companhias norte-ameri-
Industriais (Anpei), tabela 5, que foram recentemen- canas também reforçam esse diagnóstico. Segundo
te atualizados e expandidos para um universo de as mesmas, os dispêndios com atividades de P&D
aproximadamente 1100 empresas (“Universo Anpei” no Brasil teriam alcançado a cifra de US$489 milhões
– ver nota 3 e Anexo Metodológico), e as informa- em 1996. Assim, a avaliação de um dispêndio global
ções do dispêndio em P&D das subsidiárias de em- de 0,3% do PIB, por parte das empresas3, é índice
presas norte-americanas. As informações da Anpei revelador tanto do aumento recente, quanto da
dão conta de significativo aumento dos gastos, ao necessidade de elevar o patamar de esforço do setor
longo da década de noventa. Ainda que esse resul- empresarial (Tabela 6).
tado não represente a totalidade da indústria brasi-
3 Esse valor foi alcançado mediante a expansão dos dados da Anpei para o chamado Universo Anpei, que é formado pelo conjunto das empresas
cadastradas na Anpei. Estas são as empresas que, sem dúvida, realizam grande parte do dispêndio nacional em P&D. Optou-se aqui, em função da
inexistência de parâmetros consistentes, por não estimar o gasto em P&D do restante da indústria, o que sem dúvida elevaria esse percentual.

129
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Os investimentos sistemáticos em pesquisa científi- Um exemplo expressivo é o da Petrobras e seu Pro-


ca e tecnológica também resultaram em acumulação grama de Capacitação Tecnológica para Exploração
de conhecimento e produziram resultados econômi- em Águas Profundas (Procap), por meio do qual a
cos expressivos. Esta é, por exemplo, a situação da empresa vem realizando importantes atividades de
Embrapa, que trouxe contribuição substancial para exploração e produção em águas profundas. As ini-
o desenvolvimento da agricultura brasileira, com im- ciativas efetuadas nas regiões marítimas tornaram-
plicações de monta para a competitividade externa se fundamentais para o aumento da produção de pe-
do agronegócio e para a desconcentração regional tróleo e gás natural, tendo em vista a política de bus-
do desenvolvimento (ver seção Agricultura). Deve- ca de autonomia em petróleo iniciada nos anos oi-
se destacar que o MCT, por meio do fomento direto tenta. Esses esforços foram inaugurados com a des-
à pesquisa e pela concessão de bolsas de estudo, vem coberta de Albacora (1985) e Marlim (1986), consi-
apoiando as iniciativas da Embrapa e de diversos derados os primeiros campos gigantes (com reser-
institutos vinculados a outros ministérios. vas superiores a 1 bilhão de barris) de petróleo até
então encontrados no Brasil (bacia de Campos, no
estado do Rio de Janeiro). O significado econômico

130
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

Quadro 2
Programas Tecnológicos Offshore da Petrobras

O Procap 1000 apresentou dois distintos esforços de pesquisa: o relacionadas com os conceitos submarinos de produção.
primeiro está relacionado com o aprofundamento do conhecimen-
to sobre os sistemas já utilizados pela Petrobras (Sistemas flutuan- Um estudo de avaliação do Procap 1000 permitiu identificar e quan-
tes de produção); no segundo, a empresa passa a fazer tificar os impactos econômicos decorrentes do Programa. Os resul-
monitoramento de inovações tecnológicas, muitas delas ainda em tados desse estudo indicam que para cada R$1 aplicado no Programa,
sua fase exploratória, ou seja, sistemas de produção que se encon- obteve-se impacto total de R$12,12 até 1997, período em que foi
travam na fase de desenvolvimento conceitual. realizado o estudo de avaliação, chegando-se a R$18,75 até 2005, de
acordo com as projeções realizadas. Uma proporção importante dos
A complexidade dos esforços demandados neste Programa tornou impactos oriundos do Programa (cerca de um terço) são indiretos,
fundamental o envolvimento de vários agentes de inovação nacionais ou seja, resultou do processo de aprendizagem realizado ao longo do
e internacionais, destacando-se as universidades, centros de P&D, Programa, capitalizados na forma de novas tecnologias, recursos hu-
empresas de engenharia e indústria. Trabalharam nesse Programa manos, competências relacionais e organizacionais.
mais de 400 funcionários da Petrobras e cerca de 1000 pesquisadores
e técnicos de instituições e empresas brasileiras e estrangeiras. As sucessivas descobertas de campos gigantes em águas cada vez
mais profundas (de 1000 até 3000 metros), associadas aos resulta-
Entre os resultados alavancados com o Procap 1000, pode-se mencio- dos do Procap 1000, estimularam a Petrobras a dar continuidade
nar o domínio da tecnologia de sistemas flutuantes de produção para aos esforços por intermédio do Procap 2000 (1993-1999) e Procap
águas profundas (até 1000 metros). Em decorrência do Programa, a 3000 (em vigor). Estes apresentam-se como agendas estratégicas e
Petrobras iniciou a produção no campo de Marlim, a partir de 1992. permanentes de desenvolvimento de tecnologias consideradas de
No mesmo ano, a Petrobras foi premiada pela OTC (Offshore Technology fronteira pela indústria petrolífera. Para tal, a empresa tem partici-
Conference) em Houston-Texas, pelos seus avanços tecnológicos nos pado de vários consórcios internacionais de pesquisa em regime
sistemas flutuantes de produção em águas profundas. Em junho de multicliente, bem como vem montando e sendo agente executor
1994, foi instalada a plataforma P-XVIII, a 910 metros de profundida- de consórcios de pesquisa, de que participam grandes empresas
de, com capacidade de produção de 100 mil barris por dia, que foi operadoras estrangeiras de petróleo, além de inúmeros projetos
durante dois anos recordista mundial. Durante esse programa, a cooperativos, envolvendo várias universidades brasileiras, agora fi-
empresa obteve o registro de vinte e duas patentes internacionais nanciados com recursos do CTPetro, o Fundo Setorial do Petróleo.

dessas jazidas de hidrocarbonetos estimulou a Pe- segmentos de serviços, como os de informática e ser-
trobras a conceber um programa de desenvolvimen- viço de engenharia, há também experiências bem- su-
to tecnológico voltado para exploração em grandes cedidas de empresas privadas, controladas por capi-
profundidades, culminando com a constituição do tal nacional, que em grande medida alavancaram seu
Procap 1000 (1986-1990), seguido pelo Procap 2000 crescimento através do investimento sistemático em
(1993-1999) (Quadro 2). Estes programas tinham P&D e na geração de novas tecnologias (Quadro 3).
como principal objetivo o domínio dos sistemas de
produção submarinos, permitindo a extração de As empresas estrangeiras, especialmente as que ope-
hidrocarbonetos em até 1000 e 2000 metros de lâ- ram em setores de média e alta tecnologia, ocupam
mina d´água, respectivamente. Vale ressaltar que os papel de relevo na economia brasileira. Suas estra-
sistemas de produção existentes na época do tégias de investimento em tecnologia constituem, por
lançamento do programa permitiam o aproveitamen- isso mesmo, elemento fundamental de risco e opor-
to de poços em até 400 metros de profundidade. tunidade. Na indústria de transformação do estado
de São Paulo, as empresas total ou parcialmente con-
Em setores como o siderúrgico, petroquímico, de troladas por capital externo eram responsáveis por
papel e celulose, de alimentação e agronegócio, de 37,3% do faturamento líquido total do setor, muito
equipamentos elétricos e mecânicos, além de alguns embora representassem apenas 2% do número de em-

131
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 3 para a capacitação e realização de P&D por parte de


A Indústria Química Brasileira seus pequenos e médios fornecedores domésticos.

A indústria química representa o segundo mais importante seg-


mento da indústria de transformação no Brasil, sendo suplantada Recente pesquisa da Sociedade Brasileira de Estudos
em tamanho apenas pela indústria de alimentos e bebidas. Suas de Empresas Transnacionais e da Globalização
vendas em 2000 foram de US$ 42,6 bilhões.
Econômica (Sobeet) permite compreender melhor
Ela é, em geral, moderna, com unidades industriais competitivas e
com tecnologia atualizada (em sua maior parte importada). Mas o
o comportamento tecnológico das empresas trans-
seu crescimento, nos últimos quinze anos, tem sido insuficiente, nacionais em operação no País e detalha as infor-
levando parcela crescente do mercado doméstico a ser atendida
por importações (US$10,6 bilhões em 2000); estas importações mações ainda bastante fragmentárias dos indicadores
representam oportunidades de crescimento para a indústria nacio- de intensidade de P&D no setor privado nacional.
nal. O setor químico é responsável pelo maior déficit comercial da
indústria de transformação brasileira (estimado em US$ 7,5 bi- As oitenta e cinco empresas pesquisadas respondiam
lhões em 2001). por 15% do PIB industrial, no ano de 1998. Essas
As razões do não-atendimento da demanda pela indústria domésti- empresas investiram naquele ano quase US$1 bilhão
ca são de duas naturezas. Para os produtos já fabricados (represen-
tando cerca de 60% das importações), as restrições são especial-
em atividades inovadoras, dos quais cerca de US$550
mente de natureza econômica. Para os produtos não fabricados milhões em atividades propriamente de P&D.
(representando cerca de 40% das importações), as restrições são
especialmente de natureza tecnológica.
Na média, o gasto total com P&D representava cerca
As restrições de natureza tecnológica afetam os produtos de maior
valor, intensivos em tecnologia de processo, produto e aplicação. de 2,3% do faturamento das empresas transnacionais
A remoção destas restrições requer investimentos em Pesquisa, pesquisadas, com percentuais bem mais elevados para
Desenvolvimento e Engenharia (PD&E), especialmente nas áreas
da química e da engenharia química e visam atender os segmentos empresas de maior porte, valores praticamente autofi-
de especialidades e de química fina. O aproveitamento de matéri-
as-primas de origem natural e os processos biotecnológicos apre-
nanciados pelas próprias empresas. Os segmentos
sentam expressivo potencial econômico, acessível apenas median- mais intensivos em P&D realizados no País por essas
te significativos dispêndios em pesquisa, desenvolvimento e enge-
nharia e maior integração entre a indústria e a área acadêmica. empresas são os de máquinas e equipamentos, eletro-
eletrônicos e automobilístico.
presas industriais. Em setores de uso intensivo de
tecnologia, como as indústrias farmacêutica, de com- Ampliação do mercado, redução de custos, melhoria
putadores e equipamentos para telecomunicações, a da qualidade e busca de novos mercados são as moti-
participação dessas empresas na receita é muito maior. vações mais relevantes para a inovação. Disponibilidade
As estratégias tecnológicas dessas empresas terão sem- e qualificação da mão-de-obra são elementos conside-
pre impacto significativo na constituição da capaci- rados críticos. As universidades e institutos tecnológicos
dade de inovar da economia brasileira. no Brasil, além de suas respectivas matrizes, consti-
tuem os principais parceiros dessas empresas em seus
A experiência de países com estruturas econômicas em projetos. Do total de inovações geradas, a maioria ab-
que as empresas estrangeiras são amplamente domi- soluta foi patenteada pelas transnacionais aqui instala-
nantes, como Malásia e Cingapura, reforça a importân- das. Dessas, 888 foram depositadas no exterior e 924
cia de se adotarem políticas não só de incentivo à no Brasil. No exterior, das depositadas, mais de 86%
realização de P&D em território nacional, mas tam- foram concedidas, enquanto no Brasil esta percentagem
bém de estímulo para que essas empresas contribuam foi de apenas 17%.

132
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

POLÍTICAS DE INCENTIVO À P&D NAS EMPRESAS

As atividades de P&D nas empresas se caracterizam


pelo custo elevado e retorno incerto. Por isso, as na-
ções industrializadas dispõem de um conjunto de po-
líticas e instrumentos de incentivo e fomento à P&D
empresarial. Com base na experiência das nações que
estão na liderança tecnológica, o financiamento pú-
blico à P&D privada e a outras atividades relaciona-
das com a inovação nas empresas pode ser distribuí-
do em dois conjuntos principais: o apoio direto, por
meio do uso do poder de compra do Estado ou do
aporte de recursos sem retorno, e o financiamento
indireto, com base na concessão de incentivos fiscais
(em geral, deduções do Imposto de Renda).

Os instrumentos de fomento direto têm crescido,


provavelmente, por serem mais adequados para a
intervenção seletiva, em contraste com a intervenção
promovida pelos incentivos fiscais, de modo a esti-
mular o desenvolvimento de tecnologias específicas,
mediante a capacitação de pequenas e médias em-
presas ou, ainda, a geração de parcerias entre insti-
tuições públicas de pesquisa e empresas.

No Brasil, a experiência recente de apoio à P&D


privada foi quase inteiramente baseada em incenti-
vos fiscais. No entanto, um conjunto de fatores leva
à percepção de que se faz necessário diversificar os
instrumentos de apoio à P&D privada, com maior
recurso a mecanismos de fomento direto. Em pri-
meiro lugar, os incentivos fiscais em geral somente

133
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

são adequados para alcançar as grandes empresas, em P&D;


uma vez que as pequenas e médias empresas não • amortização acelerada de dispêndios relativos à
têm Imposto de Renda a pagar. Em segundo lugar, aquisição de bens intangíveis vinculados a ativida-
os objetivos de promoção do desenvolvimento cien- des de P&D;
tífico e tecnológico estabelecidos com a criação dos • crédito de 50% do Imposto de Renda recolhido na
fundos setoriais exigem intervenções mais seletivas, fonte e redução de 50% do IOF sobre o pagamento
focalizadas em setores e na busca do desenvolvi- de royalties ou assistência técnica ao exterior, refe-
mento de conhecimento e tecnologias específicos. rentes a contratos de transferência de tecnologia.

A tendência internacional é focalizar os programas


de renúncia fiscal em atividades de P&D propria-
mente ditas, deixando de lado o incentivo a contratos
de aquisição de tecnologia ou a programas de trei-
namento. Nas recentes reformas dos regimes de in-
centivo fiscal à P&D na França, Bélgica, Holanda e
Espanha, parte dos incentivos fiscais passou a ser
oferecida apenas com base na dedução de despesas
relativas a salários e custos previdenciários de pes-
quisadores. No caso francês, despesas com a con-
tratação de jovens doutores podem ser deduzidas
integralmente. O estágio de desenvolvimento brasi-
leiro, contudo, provavelmente demandará instrumen- A resposta das empresas à divulgação da lei e de
tos mais diversificados e flexíveis do que os utiliza- seus benefícios foi positiva e imediata. A evolução
dos nos países da OCDE. da apresentação de programas foi crescente no perío-
do 1994-1997, diminuindo a partir de 1998, após a
No Brasil, a Lei 8.661/93 criou a possibilidade de redução dos incentivos fiscais (Gráfico 4). Até o ano
serem incentivados Programas de Desenvolvimento 2000, 149 empresas submeteram igual número de
Tecnológico Industrial (PDTI) e Agropecuário propostas de PDTI/PDTA, sendo que 104 foram
(PDTA), elaborados e submetidos pelas empresas. aprovadas. As empresas que efetivaram investimen-
Em sua forma original, a Lei 8.661/93 compreendia tos e receberam incentivos fiscais são, na maioria,
os seguintes incentivos: indústrias de grande porte; as empresas industriais
• dedução das despesas com atividades de pesquisa e médias beneficiadas em geral estiveram associadas
desenvolvimento tecnológico (próprias ou contratadas), a empresas maiores. Uma vez que esses programas
até o limite de 8% do Imposto de Renda a pagar; têm, em média, duração de quatro a cinco anos, e
• isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados que a maior parcela dos investimentos se concentra
(IPI) incidente sobre equipamentos e instrumentos na sua metade final, os investimentos aprovados atin-
destinados às atividades de P&D; giram seu patamar mais elevado, de cerca de R$700
• depreciação acelerada de equipamentos utilizados milhões a R$800 milhões, no período de 1997 a 1999.

134
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

Os números globais dos programas aprovados até Em linha com as tendências internacionais, esses in-
dezembro de 2000 mostram uma relação de 1 para centivos fiscais devem ser focados nas atividades
3,58 entre o valor da renúncia fiscal e a soma das de P&D. Nesse sentido, considerando-se que as em-
propostas de investimentos privados, significando que presas brasileiras realizam principalmente inovações
os R$1,17 bilhão em incentivos fiscais concedidos para incrementais, a definição adotada pela lei deveria
o período 1994-2004 poderia induzir investimentos considerar outras atividades correlatas, além de pes-
de até R$4,20 bilhões por parte das empresas. Isso quisa básica, aplicada e desenvolvimento experimen-
demonstra que, se mantido na sua plenitude e aperfei- tal. Finalmente, o programa deveria ser desenhado
çoado, o instrumento poderia, a médio prazo, provo- de forma a encorajar a atividade inovadora em re-
car melhor equilíbrio entre as participações dos se- giões menos desenvolvidas do País.
tores público e privado nos investimentos em pesqui-
sa e desenvolvimento. No entanto, os investimentos Algumas sugestões adicionais complementam os
efetivamente realizados pelas empresas, de 1994 a pontos acima colocados:
abril de 2000, atingiram apenas cerca de R$1,6 bi- • estabelecer incentivo adicional, ou escalonar os be-
lhão, ou 40% do total previsto, ao passo que a renún- nefícios existentes, para as empresas que realizam
cia fiscal efetiva alcançou aproximadamente R$155 investimentos anuais crescentes em P&D;
milhões, ou 13% dos benefícios aprovados. Assim, a • fortalecer a integração do programa de incentivos
relação investimentos/incentivos efetivos foi de fiscais com os programas de fomento existentes;
10,27, o que representa cerca de três vezes a relação • ampliar o escopo dos incentivos à P&D, de maneira
prevista nos programas aprovados. que a lei se aplique ao desenvolvimento de tecnolo-
gias para serviços;
Em 1997, a Lei 9.532 alterou a legislação tributária • priorizar projetos cooperativos, em especial aqueles
federal, reduzindo drasticamente os incentivos fiscais realizados por grandes empresas em cooperação com
da Lei 8.661/93. Essa alteração levou à queda drás- pequenas e médias empresas da mesma cadeia pro-
tica do número de propostas apresentadas pelas em- dutiva;
presas. Nos exercícios de 1999 e 2000, foram proto- • incentivar a absorção de mão-de-obra qualificada
colados apenas quatro e cinco propostas, respecti- (mestres e doutores) pelo setor privado.
vamente, contra quinze, em 1998, e trinta e um, em
1997. Os tímidos resultados obtidos com a aplicação Um aspecto merecedor de atenção é a possibilidade
da Lei 8.661/93, no ano 2000, evidenciam os efeitos do emprego de fundos públicos, sem retorno, para o
inibidores da alteração na legislação. custeio parcial de projetos de P&D que impliquem
a necessidade de desenvolver nova tecnologia, desde
Considerando-se a experiência da década de noven- sua fase exploratória até a aplicação em um produto
ta, parece claro que a principal prioridade de uma comercializável.
reforma da Lei de Incentivos Fiscais à P&D deve
ser a reavaliação das deduções e isenções fiscais nos Os exemplos internacionais de programas desse tipo
termos originalmente instituídos pela Lei 8.661/93. estão relacionados com o alcance de objetivos espe-
cíficos de desenvolvimento tecnológico: a promoção

135
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

de novas tecnologias de ponta desenvolvidas por pe- apresentação de projetos realizados pelo CTPetro,
quenas e médias empresas, o estímulo a parcerias que bem como dos programas de várias fundações de
envolvam governo, empresas e instituições públicas amparo à pesquisa estaduais. Esta experiência está
de pesquisa, ou mesmo a necessidade de acelerar o orientando a adoção de instrumentos semelhantes
desenvolvimento de um campo tecnológico prioritário na operação de outros fundos setoriais.
ou programas de pesquisa de interesse público.
É importante ressaltar o surgimento do projeto Ino-
No Brasil, o apoio direto à P&D nas empresas, com var da Finep (Quadro 4). Este projeto combina um
financiamento parcial a fundo perdido, tem se desen- elemento limitado de apoio direto, para a fase de
volvido por meio de programas que buscam promo- estudos de viabilidade, com a organização de inves-
ver parcerias entre empresas privadas e instituições timento de capital de risco em pequenas e médias
públicas de pesquisa (inclusive universidades). Este empresas de base tecnológica. O objetivo agora é
é o caso de iniciativa do PADCT, dos editais para expandir o Inovar, o que já se começou a fazer.

Quadro 4
Projeto Inovar

O Projeto Inovar, da Finep, é proposta de organização da estrutura associações de classe, coordenados pela Finep em parceria com o
institucional para a promoção de investimentos de capital de risco CNPq, o Sebrae Nacional, a Anprotec e a Sociedade Softex. Tem por
em pequenas e médias empresas de base tecnológica no Brasil. objetivo a realização de ações coordenadas para o desenvolvimento
do mercado de capital de risco, um esforço de prospecção ativa de
O Projeto Inovar tem como objetivo criar novas empresas de base projetos de pesquisa com potencial de mercado e regularização de
tecnológica e solucionar as dificuldades enfrentadas por essas em- aporte de recursos para conclusão dos projetos.
presas, como a falta de recursos em condições adequadas e a carên- • Incubadora de Fundos
cia de capacidade gerencial. Estrutura através da qual alguns parceiros institucionais buscam
desenvolver avaliação sistemática de gestores de fundos que confira
As atividades do Projeto são: segurança e transparência às decisões de investimento. Seus obje-
• Portal de Capital de Risco tivos: i) facilitar a entrada de novos investidores no mercado de
Foi criado o www.venturecapital.com.br, para disseminar notícias, empresas de tecnologia; ii) identificar deficiências no processo de
estatísticas, textos selecionados e publicações sobre capital de ris- gestão de fundos de investimentos e sugerir formas de superação;
co no Brasil e no mundo. Este site também tem por objetivo servir e iii) atrair novos gestores para o mercado e ampliar a oferta de
de ponto de encontro entre investidores e empresas que desejam recursos.
captar recursos de capital de risco (como no site americano
www.garage.com). Oferece também a oportunidade a empresas RESULTADOS
para se cadastrarem no site, a fim de se apresentarem em uma
vitrine virtual, na qual os investidores poderão pesquisar e selecio- Portal Capital de Risco no Brasil, colocado no ar em maio de 2000.
nar oportunidades para investir. Conta com 500 empresas cadastradas.
• Venture Forum Brasil
Estrutura de organização de rodadas de negócios entre investido- Em agosto de 2000, foi realizado o 1Encontro da Rede Inovar, com
res e empreendimentos de tecnologia. Tem por objetivo incrementar participação de 218 representantes de instituições parceiras que
o fluxo de oportunidades de investimento em tecnologia e promo- receberam noções sobre a indústria de capital de risco. Realização
ver o encontro dos investidores com a seleção das melhores opor- de três Ventures Foruns Brasil – o primeiro no Rio de Janeiro em
tunidades de investimento no País. outubro de 2000, o segundo em Porto Alegre, em dezembro de
• Rede Inovar de prospecção e desenvolvimento 2000, onde 26 empresas de tecnologia foram apresentadas a inves-
de negócios tidores, e o terceiro em São Paulo, em abril de 2001, com a seleção
Constitui articulação entre incubadoras de empresas, fundações de de 25 empresas. Um novo Venture Forum, voltado exclusivamente
apoio às universidades e centros de pesquisa, fundações estaduais de para projetos na área de biotecnologia, será realizado na cidade de
amparo à pesquisa, Rede Estadual Sebrae, institutos tecnológicos e Belo Horizonte. Outros mais irão ainda ocorrer.

136
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

Quadro 5
Proposta de Política de Desenvolvimento Tecnológico do IEDI

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI) – • Criar outros fundos setoriais específicos além dos já estabelecidos.
publicou recentemente uma agenda que dá grande ênfase à política
tecnológica como um dos elementos estratégicos da política indus- APOIO FINANCEIRO E INCENTIVOS
trial. O texto reafirma que “não se trata apenas de estimular as • Reformular e ampliar os incentivos fiscais para torná-los mais
empresas industriais a acompanhar o progresso técnico para me- atraentes para as empresas.
lhorar sua competitividade, mas sim identificar algumas janelas de • Estimular mecanismos de capital de risco.
oportunidade para o Brasil melhorar a eficiência econômica de seu • Atender a empresas em estágios iniciais e embrionários (seed
sistema produtivo, produzir e exportar mais produtos com maior money).
conteúdo tecnológico e, assim, contribuir para o aumento dos ní- • Estabelecer novas fontes para linhas de financiamento, integran-
veis de renda da economia.” do os fundos setoriais aos demais instrumentos de apoio ao desen-
volvimento tecnológico.
Além de recomendações específicas para o segmento de informática, • Focalizar a Finep no desenvolvimento tecnológico das empresas.
esse documento traz três conjuntos gerais de sugestões: • Reduzir o custo do crédito para o desenvolvimento tecnológico.

POLÍTICA TECNOLÓGICA SISTEMAS ESTADUAIS DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA


• Reformar o Programa de Apoio à Capitação Tecnológica da Indústria • Estabelecer critérios para definição das prioridades das
(PACTI), privilegiando a dimensão setorial das ações. políticas estaduais em função dos impactos previstos sobre as
• Centralizar as ações de financiamento ao desenvolvimento economias locais.
tecnológico na Finep, ampliando sua articulação com o meio empre- • Identificar e explorar “janelas de oportunidade” para a dinamização
sarial. das economias locais, a partir de visões de longo prazo para as
• Privilegiar a cooperação entre os elos das cadeias produtivas. políticas de C&T estaduais.
• Estimular a constituição de entidades tecnológicas setoriais ETS. • Montar arranjos produtivos e tecnológicos em escala local que
• Estruturar programas de difusão tecnológica setorial. favoreçam a realização efetiva do processo inovativo.
• Criar, em parceria com o setor privado, programas ou instituições • Maior rigor na alocação dos escassos recursos governamentais e
especializadas em prospecção tecnológica e identificação de janelas concentração dos esforços em um conjunto mais restrito de priori-
de oportunidade. dades.

137
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

138
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

A BAIXA INTENSIDADE TECNOLÓGICA DO COMÉRCIO


EXTERIOR BRASILEIRO

Um dos maiores obstáculos ao nosso crescimento


econômico tem sido a dificuldade estrutural da eco-
nomia em realizar superávits significativos na ba-
lança comercial e reduzir o déficit na balança de
serviços. Em grande medida, esses problemas estão
relacionados com o perfil da estrutura produtiva e
de comércio exterior e com o perfil das atividades
tecnológicas das empresas brasileiras. A política de
CT&I pode fazer bastante no sentido de modificar
estes perfis, atuando de forma complementar às po-
líticas industrial e de comércio exterior.

O problema mais aparente consiste na concentração


das exportações em produtos obtidos com uso in-
tensivo de energia/recursos naturais/trabalho e,
inversamente, o grande volume de importações de
produtos gerados graças à utilização intensiva de
tecnologia. A competitividade da economia brasi-
leira, no conjunto, concentra-se em produtos inter-
mediários com pouca diferenciação (baixa intensi-
dade tecnológica), como celulose, minério de ferro,
aços de menor valor e produtos do agronegócio, co-
mo soja, suco de laranja, açúcar e café, além de pro-
dutos de setores de uso intensivo de mão-de-obra
(o de calçados é o campeão, mas o de móveis já se
destaca).

Ao examinar exclusivamente o comércio de manu-


faturas, nota-se que, em contraste com o padrão
mundial, que apresentou lenta evolução nos anos
noventa, o Brasil foi um dos países que, ao longo
daquela década, mais aumentaram a participação

139
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

das exportações de produtos de maior tecnologia, “A baixa presença dos produtos com
como proporção das exportações de manufaturas, tecnologia intensiva na pauta das
tendo passado de 29% do total em 1991 para 42% exportações é outro desafio a
em 1998. Esse aumento foi determinado pela considerar (5% do total, enquanto a
evolução de apenas dois grupos de indústrias: a
média mundial é de 18%). Esta é
automobilística e a indústria de aeronaves. O índice
outra razão para que o País invista
referente a importações de alta e média-alta
fortemente em C&T e leve seus
intensidade tecnológica manteve-se praticamente no
resultados ao setor produtivo. Se
mesmo patamar de 60% durante toda a década.
ficar alheio a esta urgência de
inovação, parte essencial da economia
Quadro 6 nacional se inviabilizará e, na crise,
Progex uma vez mais as emergências da
economia pautarão as grandes
O Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT),
em convênio com o Sebrae, implantou há dois anos o Programa de decisões políticas.”
Apoio Tecnológico à Exportação (Progex), com ótimos resultados.
Esse fato motivou os Ministérios da Ciência e Tecnologia e do Pedro Wongtschowski,
Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e a Secretaria Oxiteno
Executiva da Câmara de Comércio Exterior (Camex) a instituir o
Programa Nacional de Apoio Tecnológico à Exportação, em parceria
com a Finep, o IPT, o Sebrae e demais instituições de pesquisas
tecnológicas credenciadas.

Seu objetivo é permitir às micro, pequenas e médias empresas


obter aporte tecnológico por meio de consultorias e serviços obje-
tivos e dirigidos, com vistas a alavancar as exportações. Essa con-
sultoria é prestada por um instituto tecnológico especialmente cre-
denciado.

O trabalho de adequação de produtos para a exportação é realizado


em duas fases:

Fase 1: elaboração de diagnóstico para identificar a problemática


tecnológica a ser solucionada e a elaboração de plano de trabalho,
enfocando questões como normas, certificação e patentes, disponi-
bilidade de laboratórios internos e externos, identificação de con-
sultores, avaliação da capacidade produtiva do cliente, trabalho de
design, eventuais alterações de processo (redução de custos, subs-
tituição de matérias-primas e/ou componentes, alterações de lay-
out, etc.).

Fase 2: consiste na implementação do plano de trabalho desenvolvido


na Fase 1, envolvendo ações tecnológicas como ensaios laboratoriais,
análises direcionadas à solução dos problemas detectados (qualidade
do produto, embalagem, processo produtivo, custos, design, atendi-
mento de normas e regulamentos e obtenção de marcações como
CE, UL e outras).

Além do IPT, cinco outras entidades tecnológicas (Cetec MG, Tecpar


PR, INT RJ, ITEP PE e Fucapi AM) devem estender essa rede de
consultores para várias regiões do País.

140
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

Quadro 7
Comércio Exterior segundo
Intensidade Tecnológica

O Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (IEDI)


realizou recentemente levantamento do comércio exterior brasi-
leiro, utilizando-se das metodologias da OCDE de agregação de
produtos segundo sua intensidade tecnológica. As exportações e
importações foram classificadas em setores de produtos de baixa,
média baixa, média alta e alta intensidade tecnológica. Os resultados
reafirmam a baixa intensidade tecnológica de nosso comércio
exterior:

• baixo peso das exportações de alta e média-alta intensidade


tecnológica (A/MA) como proporção das exportações totais (24%
em 1998), relativamente ao padrão médio mundial (43%);
• percentual de importações de produtos de alta e média alta
intensidade tecnológica (A/MA) como proporção das importações
totais (47% em 1998) superior ao padrão mundial (sendo, porém,
mais aproximada) (Tabelas 7 e 8).

141
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

142
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

A NECESSIDADE DE AMPLIAR A PARTICIPAÇÃO DOS


SETORES DE ALTA TECNOLOGIA NA ESTRUTURA PRODUTIVA:
TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Os setores produtores das Tecnologias da Informa-


ção (TI), dada sua presença em quase todos os seg-
mentos da economia moderna, são cruciais para as-
segurar condições de competitividade da economia
como um todo e para superar vários problemas es-
truturais do País, especialmente os de cunho social.
Nossa falta de competitividade nos principais seg-
mentos das TI decorre primordialmente da limitada
implantação desses segmentos no Brasil (corresponde
a apenas cerca de 7% do PIB industrial). A localiza-
ção global de investimentos produtivos das grandes
empresas desses setores não decorre apenas da exis-
tência de mercado interno atraente e mão-de-obra
industrial barata. Ao contrário, devido ao aumento
sistemático dos custos da realização da P&D nos
países mais industrializados, a capacitação local do
país hospedeiro em engenharia e P&D tem sido um
fator que cada vez mais influencia decisões sobre
localização de investimento, como demonstram
exemplos da Índia, China, Malásia e Cingapura.

A questão da política para o desenvolvimento das TI


(compreendida não apenas a indústria de bens e equi-
pamentos, mas também a de software e serviços espe-
cializados) tem grande inter-relação com a implanta-
ção dos fundos setoriais de fomento da P&D. Isto é
mais evidente no caso do Fundo para o Desenvolvi-
mento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel),
já que os serviços de telecomunicações se colocam
hoje entre os maiores importadores de bens e serviços

143
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

baseados nas TI. Portanto, a atuação do Funttel, em com ênfase em engenharia e desenvolvimento tec-
articulação com a política industrial, deveria compre- nológico nacionais. Vários instrumentos estão dispo-
ender ações que fomentem o desenvolvimento na- níveis, inclusive os da nova Lei de Informática e os
cional da pesquisa tecnológica e de produtos e serviços fundos setoriais, para que se estimule a alteração do
de base digital para telecomunicações (seja pelas gran- perfil das indústrias da tecnologia de informação,
des empresas internacionais produtoras de equipamen- visando ao melhor aproveitamento de nichos de
tos ou serviços, seja pelas empresas nacionais, de me- mercado e abrindo possibilidades reais de entrada
nor porte, que atuam na provisão de nichos de equi- no mercado internacional para empresas brasileiras
pamentos e serviços especializados). (Gráfico 5).

Este tipo de atuação é crucial para o desenvolvimen- A indústria de tecnologias da informação, em seus
to das pequenas e médias empresas nacionais de base vários segmentos, vem crescendo à taxa anual média
tecnológica (EBTs). A atuação dos fundos junto a de 13% de 1993 a 1999. A legislação de informática
universidades e instituições públicas deve privilegiar e o crescimento do mercado brasileiro, em conjunto
a pesquisa científica e tecnológica que esteja articulada com as políticas do BNDES, atraíram para o País
com a estratégia de desenvolvimento das TI. cerca de 100 novas empresas, em sua maioria grandes
nomes internacionais, mas há ainda relativamente
O processo de inserção competitiva da indústria bra- pouco esforço de engenharia e desenvolvimento
sileira de tecnologias de informação irá requerer nacional por parte dessas empresas. Muitos de seus
atenção especial dos poderes públicos na próxima produtos são apenas montados no Brasil.
década. A atuação não deverá limitar-se à montagem
de bens finais, cuja produção e exportações cresce- A indústria de telecomunicações contribuiu para o
ram sensivelmente no País, nos últimos anos. Mas PIB brasileiro, no ano 2000, com cerca de US$7 bi-
tal ação deve ampliar a agregação doméstica de valor, lhões, devendo atingir US$ 7,3 bilhões em 2001. As

144
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

indústrias do setor também aumentaram o forneci- Desse montante, cerca de R$2,0 bilhões foram alo-
mento de equipamentos, que atingiu o valor de R$ cados diretamente pelas empresas, R$1,0 bilhão foi
21,5 bilhões em 1999. O esforço de P&D realizado dispendido em convênios com instituições de ensi-
no País por essas empresas, entretanto, não é com- no e pesquisa (Gráfico 6) e R$128 milhões junto aos
patível com a dimensão econômica do setor. Esta é Programas Prioritários do MCT, tais como Softex,
uma questão fundamental para a discussão das dire- Rede Nacional de Pesquisa e Proten.
trizes estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inova-
ção na área de telecomunicações. Dada a estrutura do setor, verifica-se acentuado grau
de concentração dos incentivos em um número re-
Com a privatização do setor de telecomunicações, a duzido de empresas. Em 1999, trinta empresas foram
indústria de tecnologias da informação e comunica- responsáveis por 83% do volume de incentivos, e
ção ganhou nova dinâmica. Criou-se uma nova rea- apenas dez entre estas responderam por 61% do total
lidade no País, com a qual a área de Ciência, Tecno- de incentivos.
logia e Inovação ainda está aprendendo a lidar.
Esses incentivos, significativos por qualquer padrão,
Como resultado da legislação de informática, que indicam o montante de recursos que podem ser in-
exigia investimentos de 5% do faturamento das em- vestidos no desenvolvimento científico e tecnológico
presas em pesquisa e desenvolvimento, como con- do Brasil pelo setor privado. Vale lembrar que eles
trapartida a seus benefícios, estima-se que o mon- equivalem a cerca de 40% do orçamento do MCT
tante acumulado desses investimentos atingiu R$3,0 no mesmo período. Embora se estime que as empre-
bilhões, entre 1993 e 2000, proveniente das empresas sas incentivadas pela Lei investiram cerca de R$3
que operam nas mais diversas regiões brasileiras (com bilhões no período 1993–2000, não se pode identificar
exceção da Zona Franca de Manaus, que aplica dire- com precisão o percentual desses recursos efetivamente
tamente os recursos que gera). empregados em atividades de P&D propriamente ditas.

145
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

A nova Lei de Informática, estendendo esses incen- dernização da infra-estrutura e para o desenvolvimento
tivos até 2009, constitui assim instrumento funda- de produtos, em parceria com o setor privado.
mental para o aumento do gasto em P&D no País.
Os aprimoramentos trazidos pela nova lei devem Após crescimento médio anual de 19% na década
permitir melhorias na sistemática anterior, como o de noventa, o valor do mercado interno brasileiro
credenciamento das instituições habilitadas a realizar de software está estimado, para o ano de 2001, em
convênios, ou a melhor distribuição regional da con- US$3,4 bilhões. Se considerado em conjunto com
trapartida em P&D. Desta forma, espera-se atingir os serviços técnicos de informática, este mercado
melhor equilíbrio das aplicações incentivadas em do setor de tecnologias da informação atingirá a cifra
P&D em instituições de ensino ou pesquisa das vá- de US$7,7 bilhões.
rias regiões. É de se esperar, igualmente, que o con-
trole mais rigoroso da utilização dos recursos se tra- As características de emprego de recursos humanos
duza em aplicações crescentemente mais estratégicas. de alto nível, que a produção de software agrega, alia-
das ao pequeno volume exigido de investimentos ini-
O MCT vem desenvolvendo uma discussão para defi- ciais, permitem a distribuição da produção de forma
nir a nova política para o setor de TIC, que se desdobra razoavelmente homogênea em todo o País, o que
em focos distintos e interligados: o desenvolvimento constitui fator relevante para a distribuição de ri-
de bens finais (hardware), a política de desenvolvimento quezas de modo mais equilibrado e conseqüente for-
de software e a reestruturação e desenvolvimento do talecimento do mercado interno.
setor de microeletrônica (Quadro 8). Os três vértices
desta política visam criar condições de modificação do A legislação que reestruturou o setor de telecomuni-
cenário das tecnologias de informação, no seu conceito cações garantiu recursos para investimento na pro-
de produção, de modo a viabilizar a participação do moção do desenvolvimento tecnológico, por meio
setor no mercado internacional. do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das
Telecomunicações (Funttel), junto ao Ministério das
Esta política envolve forte capacitação de recursos Comunicações. A estratégia emergente de desenvol-
humanos e por isso depende principalmente de in- vimento tecnológico e inovação para o setor é com-
vestimentos nas universidades e centros de pesquisa plementada ainda pelos incentivos proporcionados
especializados, cujo montante inicial não é elevado. pela Lei de Informática, que buscam atrair atividades
Uma estratégia consistente de formação de recursos de P&D para o País e torna viáveis outras parcerias
humanos qualificados permite a disseminação do co- entre universidades e empresas. Nesse novo contexto,
nhecimento e o crescimento empresarial de forma algumas empresas transnacionais já estabeleceram
homogênea. centros de P&D – principalmente voltados para o
desenvolvimento de software de gerenciamento de re-
A política de desenvolvimento de bens finais (de des, software para terceira geração, wireless, protocolos
hardware), apoiada na nova Lei de Informática, priori- IP e backbones óticos – e estabeleceram projetos de
za a pesquisa e desenvolvimento, contribui para a des- pesquisa e cooperação com universidades. Ao mesmo
centralização regional do conhecimento, para a mo- tempo, persistem as atividades de desenvolvimento

146
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

Quadro 8
Softex: A Sociedade para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro

A Sociedade para a Promoção da Excelência do Software Brasileiro A política tem propiciado o crescimento dos investimentos em
(Softtex) tem o objetivo social de executar, promover, fomentar e pesquisa e desenvolvimento por parte da iniciativa privada, atraído
apoiar ações de inovação e desenvolvimento científico e tecnológico investimento de longo prazo das grandes empresas internacionais,
do software brasileiro e suas aplicações, através da gestão, transfe- e os produtos fabricados no País têm preços competitivos em rela-
rência de tecnologias e promoção do capital humano, visando ao ção aos seus similares importados.
desenvolvimento socioeconômico brasileiro.
Núcleos Regionais Softex: Unidades regionais (autônomas) de pro-
O programa tem duas vertentes principais: uma tecnológica, outra moção à exportação de software, os Núcleos Softex oferecem às
de mercado. Na vertente tecnológica, a estratégia adotada foi a de empresas acesso a produtos e serviços especializados da rede de
estabelecer núcleos de desenvolvimento de software para exporta- agentes Softex. Os núcleos instalam-se com forte apoio regional,
ção e centros Gêneses de suporte à geração de novas empresas em contando com a infra-estrutura e suporte de centros acadêmicos e
cidades brasileiras. Na vertente de mercado, o Programa montou parceiros institucionais. Estes núcleos oferecem, às empresas asso-
escritórios de representação no ex- ciadas, cursos, treinamentos, con-
terior, com espaço para “incubação sultoria, apoio e estrutura técnica
mercadológica”. Em julho de 1995, para reuniões e eventos, bibliote-
foi lançado o Softex Mall, que passou ca setorizada, clipping do setor e
a integrar a internet, fornecendo newsletter própria, entre outros
acesso generalizado ao portfólio das serviços. Os núcleos são respon-
empresas brasileiras exportadoras sáveis ainda por articular ações em
de software. nível nacional, como a publicação
de catálogos e organização de even-
O sistema Softex brasileiro, com as tos e seminários, com a promo-
37 unidades espalhadas pelo País (19 ção de empresas em nível inter-
núcleos e 18 centros de pesquisa), nacional.
conseguiu cumprir a meta de expor-
tação fixada em 1996 para o ano pas- Financiamento: com o objetivo de
sado. Uma avaliação preliminar indi- aumentar o quadro de financiamen-
ca que o País atingiu US$100 milhões tos no setor, a Sociedade Softex,
em vendas externas de programas em articulação com seus parcei-
de computador. ros, vem atuando na construção de
mecanismos de financiamento
Embora pretenda ampliar as vendas adequados às empresas brasilei-
internacionais de software, o Softex ras de software. O Programa de
passa a olhar mais para o mercado Apoio ao Setor de Software
interno. A mudança de foco pretende melhorar a captação de recur- (Prosoft) foi criado pelo BNDES e a Softex para estimular a compe-
sos para financiar empresas brasileiras de software e ampliar o titividade da indústria brasileira de software em nível internacional.
mercado brasileiro. Está em negociação acordo inédito com a Soci- O Programa oferece empréstimos de R$200 mil a R$3,5 milhões,
edade Operadora de Mercado Aberto (Soma), a bolsa eletrônica a critério, sem necessidade de apresentar garantias reais, para
brasileira, similar a Nasdaq dos Estados Unidos. Ele prevê a forma- empresas que faturem até R$35 milhões anuais. O crédito é feito
ção de um fundo com recursos de outros fundos de investimento com prazo total de seis anos (com dois de carência), com dívida
que bancariam vários projetos de software ao mesmo tempo. Duas corrigida pelo IGP-M. Desde que foi lançado, em 1997, o Prosoft já
vantagens: a atividade ganharia nova fonte de recursos, e o investi- beneficiou doze empresas, com a aprovação de R$24,5 milhões em
dor diluiria os riscos na aposta de várias idéias ao mesmo tempo. financiamentos. Atualmente, o Programa conta com R$25,5 mi-
lhões para comprometer até junho de 2001.

147
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

tecnológico do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento


Quadro 9
em Telecomunicações (CPqD), transformado em fun- A Atuação do CPqD
dação de direito privado (Quadro 9).
Ao longo de seus 25 anos de existência, o CPqD desenvolveu mais de
uma centena de produtos de hardware e software e prestou incontáveis
Paralelamente, iniciou-se uma ofensiva para melhor serviços tecnológicos com grande efeito multiplicador e elevada rela-
ção custo/benefício para seus clientes, parceiros e para a sociedade
estruturar o setor de microeletrônica, que hoje pres- brasileira. São noventa patentes concedidas no Brasil e mais cinqüen-
siona a balança comercial, em função da demanda ta e uma concedidas no exterior, além de 121 registros de software.

crescente de produtos importados, em sua maioria Para se ter a dimensão do impacto dos resultados alcançados pelo
CPqD, vale citar que a entrada efetiva das centrais Trópico RA no
circuitos integrados, e cujas importações até setem- mercado brasileiro, em junho de 1990, fez com que o preço do
bro do ano 2000 já haviam superado US$1,2 bilhão, terminal de comutação fosse reduzido de US$1mil para US$330.00
em um ano, atingindo posteriormente o patamar de US$200.00.
mas da qual também participam outros componentes Isto resultou em economia ao País de aproximadamente US$5
importantes, como fibras ópticas, lasers e similares. bilhões entre 1993 e 1998, o ano da privatização da Telebrás. Isto
sem contar o fator multiplicador da criação de indústrias e de em-
pregos diretos.
A política para o segmento de microeletrônica apóia-
Outro exemplo clássico é o desenvolvimento dos telefones públi-
se, também ela, em três focos que podem agir indepen- cos utilizando cartões indutivos, uma tecnologia barata e de fácil
assimilação pela população de baixa renda. Sua introdução na rede
dentemente e que, em conjunto, compõem a completa telefônica proporcionou a incorporação de significativos ganhos
inserção do País no cenário mundial de produtores de tecnológicos e econômicos, estimados em US$200 milhões anuais.

microeletrônica: política de desenvolvimento de projeto Na linha do desenvolvimento de softwares para gerência de redes, o
(design); produção de back end e atração de fundições. CPqD desenvolveu o Sistema Automatizado de Gerência de Rede
Externa (Sagre), que proporcionou economia estimada em US$1,2
bilhão na implantação de novo processo de cadastramento de ter-
minais, unicamente com a utilização de pares que estavam ociosos
nas redes das operadoras.

Em julho de 1998, o Centro foi transformado em fundação de direi-


to privado. Neste novo contexto, o CPqD tornou-se fonte de co-
nhecimentos tecnológicos sempre à disposição da Agência Nacional
de Telecomunicações (Anatel), das empresas operadoras de teleco-
municações, das indústrias de equipamentos e de softwares para
gerência de redes e de serviços, além de outros interessados.

Atuando dessa forma, o CPqD continua a contribuir para a socieda-


de brasileira por intermédio de suas duas funções: a estratégica e a
empresarial.

Na função estratégica, o seu objetivo é atuar nas tecnologias emer-


gentes e/ou pré-competitivas, bem como promover o conhecimen-
to e a difusão de sua capacitação tecnológica para a sociedade, atra-
vés do seu efeito multiplicador, contribuindo dessa forma para a
competitividade do País. Na função empresarial, o seu objetivo é
contribuir para a competitividade das empresas, com as estratégias
de foco e de agregação de valor aos clientes.

148
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

A NECESSIDADE DE FORTALECER A INOVAÇÃO E A


DIFUSÃO TECNOLÓGICA NAS MICRO E PEQUENAS EMPRESAS
E A QUESTÃO REGIONAL

O universo das micro, pequenas e médias empresas


(PME) é muito significativo no Brasil, sendo res-
ponsável pelo maior número de empregos gera-
dos (mais de 70% dos empregos e 21% do PIB). No
Japão, as PME constituem 98% do total de empresas.
Na Alemanha, as médias empresas são um dos mais
dinâmicos segmentos exportadores.

A existência de grande quantidade de microempresas


e empresas de pequeno porte leva à menor concen-
tração econômica e, nesse sentido, as mesmas cons-
tituem importante mecanismo de distribuição de ren-
da. O desafio para Ciência, Tecnologia e Inovação
na próxima década é contribuir para a expansão
quantitativa do setor e melhorar seu padrão de com-
petitividade, inclusive no setor de exportações.

O ambiente econômico atual a que estão expostas


as microempresas e empresas de pequeno porte é
severo. Pelo menos cinco barreiras são responsáveis
pelas dificuldades da manutenção ou crescimento
competitivo das micro e pequenas empresas. Elas
têm a ver com sua capacidade de:
• investimento: custo do capital e formas de fi-
nanciamento tradicionais;
• gerenciamento e de qualificação profissional da
mão-de-obra;
• barganha e negociação com fornecedores e canais
de distribuição;
• inovação do produto, tecnológica ou não (como,

149
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

por exemplo, design); senvolvimento. Um fator muito importante consiste


• melhoria de processo produtivo com forte enfoque na possibilidade de se incluir inovações advindas de
em qualidade. percepções locais ou mesmo de tecnologias desen-
volvidas localmente, muitas vezes garantindo dife-
Arranjos institucionais para promoção da inovação rencial único para o mercado. É necessário levar em
– como pólos, parques tecnológicos, distritos indus- consideração alguns fatores e linhas de ações, tais
triais, clusters ou aglomerados produtivos, incubadoras como:
de empresas, centros de inovação, entre outros – es- • especificidades locais, ou seja, a adoção de políti-
tão sendo estimulados desde a década de oitenta. cas diferenciadas de acordo com as necessidades ou
Cada qual com particularidades próprias, atendendo potencialidades locais;
a diferentes fases do processo de maturação das em- • contribuição da Ciência, Tecnologia e Inovação na
presas, têm sido utilizados no mundo inteiro para formação e consolidação de novos pólos de desen-
induzir o crescimento do setor. volvimento regional;
• formação, capacitação e fixação de mão-de-obra
A organização e promoção de sistemas locais de ino- especializada para dar suporte às ações de inovação;
vação, visando estimular sinergias entre os agentes • importância da ação do Estado no desenvolvimento
locais – para superar gargalos tecnológicos que tra- econômico e social, em especial nas regiões Norte,
vam o desenvolvimento de atividades produtivas Nordeste e Centro-Oeste;
com potencial relevante de geração de renda e em- • impactos ambientais ligados à atividade econômica
prego –, apresenta nova concepção de desenvolvi- nas novas regiões de desenvolvimento – o objetivo
mento regional e nova dimensão para a participação deve ser o desenvolvimento sustentável.
das micro e pequenas empresas no contexto de de-

Quadro 10
Sebrae

O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas é Sebrae e a Finep para permitir que pequenas e médias empresas
instituição técnica de apoio ao desenvolvimento da atividade em- acessem os conhecimentos existentes no País, por meio de
presarial de pequeno porte, voltada para o fomento e difusão de consultorias, visando à elevação do patamar tecnológico. A
programas e projetos que visam à promoção e ao fortalecimento consultoria para execução dos projetos é prestada por centros
das micro e pequenas empresas. tecnológicos, universidades, instituições de pesquisa, escolas técni-
cas e fundações voltadas às atividades de pesquisa e desenvolvimen-
O Sebrae foi criado em 1990 por lei de iniciativa do Poder Executi- to tecnológico.
vo, em parceria com as confederações representativas do setor
empresarial. O Sebrae é um serviço social autônomo – sociedade O Sebrae é também tradicional fonte de suporte ao
civil sem fins lucrativos que, embora operando em sintonia com o empreendedorismo e à incubação de empresas, bem como ao
setor público, não se vincula à estrutura pública federal. Softex, aos programas de design e tecnologias industriais básicas, ao
Progex e aos sistemas locais de inovação.
As inúmeras iniciativas conjuntas do Sebrae Nacional ou dos Sebraes
estaduais transformaram essa instituição em parceira estratégica A mais recente parceria do MCT com o Sebrae é o Projeto Inovar
das agências de fomento à C&T, especialmente do MCT. de capital de risco. O Sebrae participa, com a Petrus e o BID, do
Fundo dos Fundos de Capital de Risco, cujo objetivo é ampliar a ação
Entre esses projetos está o Programa de Apoio Tecnológico às Micro de suporte ao risco tecnológico das pequenas e médias empresas.
e Pequenas Empresas (Patme). Esse é um mecanismo criado pelo

150
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

NORMAS TÉCNICAS E METROLOGIA


PARA A COMPETITIVIDADE

Merece particular atenção o fato de que o comércio


internacional – além de estar, em escala crescente,
orientado pela capacidade das empresas de incorpo-
rar, de forma contínua e sistemática, inovações tec-
nológicas de produtos, processos e gerenciais – de-
fronta-se ainda com o crescimento das chamadas bar-
reiras técnicas ao comércio. Com efeito, desde a cria-
ção do Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas
(GATT), em 1947, a tarifa média aplicada a bens
era de 40% e vem decrescendo, de tal forma que,
em 1994, ao término da Rodada Uruguai, havia abai-
xado para 5%. Ao mesmo tempo, em sentido inverso,
multiplicam-se as barreiras técnicas ao comércio, re-
presentadas pelas crescentes exigências de certifica-
ção de produtos e serviços, segundo algum padrão
normativo internacionalmente aceito. Essas barreiras
são de tal ordem que, no âmbito da Organização
Mundial do Comércio, foi estabelecido o Acordo de
Barreiras Técnicas, com o objetivo de levar os países
membros a se absterem de criar obstáculos desne-
cessários ao comércio, exceto no que se refere ao
cumprimento dos chamados objetivos legítimos. Tais
objetivos se circunscrevem aos aspectos da saúde,
segurança, proteção da vida humana, animal e vege-
tal, defesa da concorrência, proteção ambiental e pro-
teção ao consumidor.

151
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

quisitos são compulsórios, abrigados sob o artigo II


Quadro 11
CNI/IEL/Senai do Acordo de Barreiras Técnicas da OMC) – depen-
de da existência de organismos de inspeção e de cer-
O Instituto Euvaldo Lodi (IEL) e o Serviço Nacional de Aprendiza- tificação acreditados segundo normas e guias inter-
gem Industrial (Senai) são entidades ligadas à Confederação Nacio-
nal da Indústria (CNI) e que atuam na área tecnológica, sendo parte nacionais. Estes, por sua vez, realizam ensaios em
fundamental do sistema nacional de inovação.
laboratórios credenciados segundo os mesmos parâ-
O IEL tem como missão promover a interação das empresas do metros, que, por sua vez, baseiam-se em normas téc-
setor industrial com as instituições de ensino, pesquisa e demais
organizações baseadas no conhecimento, visando à competitividade nicas e em regulamentos técnicos. Tudo isso tem co-
e ao desenvolvimento do setor produtivo brasileiro, através da re- mo base laboratórios metrológicos capazes de dis-
alização de estudos e projetos junto a instituições geradoras de
conhecimento e de novas tecnologias. seminar padrões nacionais de medida e efetuar cali-
brações que garantam a rastreabilidade das medições
Dentre seus projetos, destacam-se a parceria Bitec – “Bolsas IEL –
Sebrae – CNPq para apoio ao Desenvolvimento Tecnológico das em escala mundial.
Micro e Pequenas Empresas”, cuja 3ª edição 2000–2001 envolveu
27 estados da Federação, 396 estudantes de graduação e 384 pro-
fessores universitários de 95 universidades públicas e privadas, Esta base metrológica, por seu turno, deve estar as-
abrangendo mais de 20 áreas de conhecimento.
sentada sobre infra-estrutura metrológica nacional
Outra parceria do IEL/MCT é o projeto de “Pesquisa sobre Empre- altamente capacitada, operando em modelo de rede,
sas Graduadas por Incubadoras”, que consiste em pesquisa quanti-
tativa e qualitativa com o universo destas empresas em todas as em condições de disseminar nacionalmente as uni-
regiões, objetivando medir o seu impacto no processo de desenvol- dades das grandezas necessárias, em níveis de incer-
vimento econômico, social e tecnológico das localidades e regiões
onde atuam. teza cada vez menores, além de demonstrar a sua
O Senai tem por objetivo contribuir para o fortalecimento da indús-
competência internacionalmente. Isto exige que as
tria através da educação para o trabalho, assistência técnica e instituições da rede estejam operando na fronteira
tecnológica, produção e disseminação de informação, além da gera-
ção e difusão de tecnologia, atuando de forma efetiva através dos do conhecimento científico e tecnológico, o que re-
Senaitec’s – Centros Nacionais de Tecnologia –, sendo estes verda- quer sólido esforço em pesquisa básica e aplicada.
deiros pólos de geração, absorção, adequação e transferência de
tecnologia, que tornam disponível o conhecimento produzido pelos No panorama brasileiro, essa necessidade implica re-
setores industriais de ponta dos diversos estados.
vitalizar o Inmetro, como o núcleo da rede, para am-
O Senai é parceiro do MCT em projetos de tecnologia industrial pliar consideravelmente a capacidade nacional de
básica, normalização, gestão da qualidade e sistemas de rede de
informações tecnológicas. Há também grande interface de atuação
prestar serviços metrológicos, bem como as ativida-
nas áreas de transferência de tecnologia, empreendedorismo, de- des de pesquisa científica e tecnológica (Quadro 8).
senvolvimento regional, incubadoras e parques tecnológicos e capa-
citação empresarial.
Além do fato de que essa formidável infra-estrutura
Entretanto, a certificação de produtos, de sistemas exija investimento extremamente alto, os sistemas
(Gestão da Qualidade, Gestão Ambiental) e de ser- de metrologia, normalização e avaliação da confor-
viços é praticamente condição geral para o acesso a midade (inspeção, ensaios e certificação) devem ser
mercados. A certificação – ou qualquer outra forma reconhecidos internacionalmente, sem o que o preço
de demonstração da conformidade de produtos e ser- de um produto estará acrescido de tantas certifica-
viços com requisitos técnicos especificados em nor- ções quantos forem os mercados de destino desses
mas técnicas (quando esses requisitos são voluntá- bens e serviços.
rios) ou em regulamento técnico (quando esses re-

152
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

Outro ponto merece relevo: no passado, a norma Quadro 12


técnica nacional ou setorial era instrumento de de- Capacitação Científica e Tecnológica
fesa de mercados e, como tal, foi recurso tático usado em Metrologia
no processo de substituição de importações.
Os institutos metrológicos nacionais, em vários países desenvolvi-
dos, combinam pesquisa científica de alto nível com forte interação
Hoje, a competição internacional baseia-se nas nor- com as necessidades concretas de seus parques industriais e de
serviços.
mas técnicas internacionais. Assim, é vital que a em-
Dentro deste espírito, é oportuno para o Brasil contar com uma
presa participe do esforço de normalização nos foros organização na área de metrologia, onde pesquisa básica, pesquisa
internacionais e que tenha condições de defender seus aplicada, inovação tecnológica e serviços para a indústria se inte-
grem.
interesses no campo da tecnologia, nos momentos em
que a norma é discutida e aprovada. Caso contrário, a Seria, como no Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST), a
instituição metrológica nacional dos Estados Unidos, o locus onde
empresa será mera seguidora de padrões tecnológicos coexistem, natural e sinergicamente, pesquisa científica, pesquisa
determinados pela concorrência. tecnológica, transferência de tecnologia a empresas, inovação e ser-
viços de alto conteúdo tecnológico. Na situação brasileira de relati-
va escassez de recursos, esta organização teria de aproveitar ao
máximo a capacidade de pesquisa já instalada no País, para coorde-
Esse é um desafio particular no caso brasileiro, uma nar projetos nacionais integradores em metrologia científica.
vez que apenas 0,05% das empresas brasileiras par-
A infra-estrutura ora existente nos laboratórios do Inmetro em
ticipa da Associação Brasileira de Normas Técnicas Xerém-RJ é bastante boa no que tange a prédios e instalações, onde
(ABNT), foro nacional de normalização e, como tal, já se realizam trabalhos de alto valor científico e tecnológico, mas
ainda muito aquém do necessário. Isto sugere que o investimento
habilitado a representar o Brasil nos foros interna- em um grande projeto para desenvolver a metrologia científica e
cionais que tratam da matéria. industrial no Inmetro representaria a criação de um núcleo natural
para esta rede nacional, capaz de integrar Ciência, Tecnologia e
Inovação, com grande impacto na competitividade de nossas em-
presas.

153
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

154
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

AGRICULTURA

A agricultura, no Brasil e no mundo, vem passando


por notável transformação nos últimos vinte anos. Ao
contrário de previsões feitas no final da década de
setenta e início da de oitenta, a agricultura não cami-
nhou para a perda de sua importância econômica e
social. Tampouco se realizaram as previsões de que
os produtos agrícolas seriam substituídos por proces-
sos industriais baseados na química e na biotecnologia.
As transformações ocorridas nesses últimos vinte
anos prenunciam a constituição de um padrão produ-
tivo e tecnológico extremamente dinâmico para a
agricultura.

As funções sociais e econômicas da agricultura são


hoje muito mais complexas que aquelas que nortea-
ram as políticas desde a última metade do século pas-
sado. A agricultura se diversifica, passa a incorporar
cada vez mais inovações de produto e de processo,
integra-se com os demais setores da economia e é cen-
tro das atenções no comércio internacional, na for-
mulação de políticas ambientais e de sanidade animal
e vegetal. Ademais, ela é um dos focos do desenvol-
vimento das novas tecnologias de base biológica.

Falar hoje em agricultura é tratar de vasto conjunto


de atores, intra e intersetoriais. Talvez uma das suas
características mais evidentes e mais marcantes, sob
o ponto de vista científico e tecnológico, seja a forte
articulação com a indústria, com o comércio e, em
geral, com o que se convencionou chamar de negócio

155
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

agrícola, agronegócios ou agribusiness. Dados como As atribuições que tradicionalmente pesavam sobre
a queda da participação da agricultura na renda na- a agricultura – de produção barata de alimentos e
cional, tomados setorialmente, são pouco represen- matérias-primas, de reserva de mão-de-obra para a
tativos do papel que ela cumpre. No Brasil, o negócio indústria e de geradora de excedentes para a expor-
agrícola representa hoje cerca de 25% do PIB. As tação –, embora ainda existentes, são suplantadas
cadeias produtivas de citros, bovinocultura, avicul- por outras bem mais dinâmicas. Três verificações re-
tura e suinocultura, açúcar e álcool, o complexo da forçam esta perspectiva:
soja, entre outros, são exemplos de organizações pro-
dutivas dinâmicas, complexas e fortemente deman- • Mudanças nos padrões de consumo alimentar
dantes de conhecimento. Os mercados de produtos Seja pelo processo de urbanização e suas implicações
agrícolas e agroindustriais estão cada vez mais com- sobre os hábitos alimentares (alimentação fora de ca-
petitivos, e as novas tecnologias são elementos cen- sa, maior consumo de alimentos industrializados e/ou
trais na busca de competitividade. Não apenas as preparados, alimentação rápida etc.), seja pela va-
commodities, mas também mercados de produtos e in- lorização de aspectos qualitativos (como alimentos con-
sumos diferenciados têm demanda qualificada por siderados mais saudáveis, nutricêntricos, entre outros);
conhecimento de base científica e tecnológica.
• Integração às cadeias produtivas
Produzir mais, degradando menos e a custos com- Em parte como decorrência do ponto anterior, e tanto
petitivos, gerar capacidade de diferenciação de pro- no Brasil como no mundo em geral, impõe-se cada
dutos e de mercados, abrir oportunidades para pro- vez mais à agricultura a necessidade de integração
dutores marginalizados e dar condições de expan- às cadeias produtivas, quer com a agroindústria pro-
são àqueles já inseridos no agronegócio, mas sob ris- cessadora, quer com os grandes distribuidores, par-
co de exclusão, enfrentar os novos requisitos com- ticularmente com as megaempresas de distribuição
petitivos de mercados internos e externos, estar atua- no varejo de produtos e insumos;
lizado para fazer face aos novos padrões de consumo
são desafios que requerem necessariamente a imple- • Redução da degradação ambiental e
mentação de uma política tecnológica voltada para do uso de insumos
as atividades ligadas ao agronegócio. Aqui entram a agricultura de precisão, a redução da

156
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

quantidade e da toxicidade de pesticidas, o extrati- de produtos de base tradicionais (commodities).


vismo sustentável, a recuperação de áreas degrada-
das, a menor contaminação de lençóis freáticos; en- A heterogeneidade dos tipos de produtores também
fim, o uso sustentável de recursos naturais. é elemento que pesa nessa situação. A produção fa-
miliar no total da agricultura brasileira corresponde
Acrescente-se a verdadeira revolução que novas ba- a 85% dos estabelecimentos agrícolas, ocupando
ses de conhecimento no setor agro-silvo-pastoril es- área de cerca de 108 milhões de ha (equivalentes a
tão provocando na agricultura, tanto nos fundamen- 30% da área agrícola total) e respondendo por 38%
tos moleculares e celulares dos seres vivos, quanto do Valor Bruto da Produção (VBP). Já a produção
na organização, acesso e processamento de informa- comercial representa 11,4% dos estabelecimentos
ção. O resultado é a mudança radical da base técnica (equivalentes a 68% da área total e a 61% do VBP -
e produtiva da agropecuária, com enormes oportu- Tabela 10). As heterogeneidades que esses números
nidades de desenvolvimento. revelam serão ainda maiores, se esses produtores
forem divididos em diferentes estratos, segundo os
Se a busca de ganhos de produtividade na agricultura níveis de renda e de capitalização. Assim, encontram-
ainda é estímulo importante, o surgimento de novas se na agricultura brasileira grupos de agricultores
bases de conhecimento acentua o papel do desenvol- familiares com condições de inserção econômica
vimento científico e tecnológico para o futuro da pro- muito diferenciadas: enquanto os mais capitalizados
dução agropecuária e agroindustrial. Não há mais por obtêm, por ano, uma renda total média de
que restringir o melhoramento genético aos ganhos R$15.986,00, os menos capitalizados têm apenas
de produtividade física, nem por que persistir ofer- R$98,00.
tando pacotes tecnológicos homogêneos para con-
dições agroecológicas distintas, ou limitando o espa- Esta breve apreciação sobre a estrutura de produção
ço econômico da agricultura às commodities. Repensar agrícola no Brasil reforça a visão da complexidade
as diretrizes de formação de pessoal, inclusive a dos desafios com que se defrontam CT&I no que
revisão curricular e as oportunidades produtivas tor- diz respeito à agricultura brasileira. Aproveitar as
naram-se imperativos estratégicos. Tem-se pela frente oportunidades abertas pelo novo conhecimento, ser
formidável esforço de planejamento, de gestão e de mais competitivo, reduzir desigualdades entre pro-
reorganização da pesquisa e da inovação na agricultura dutores, entre níveis de produtividade e entre regiões,
e, por que não dizer, no negócio agrícola. reduzir o impacto ambiental é o que levará a solução
do mesmo problema.
Países como o Brasil, que apresentam agriculturas
com forte grau de heterogeneidade, onde convivem Os desafios estratégicos de CT&I apresentados pela
situações que vão da miséria até a completa integra- agricultura e pelo agronegócio podem ser tratados
ção aos mercados e ao uso sistemático de alta tec- sob a óptica dos seguintes temas:
nologia, oferecem duplo desafio: aproveitar as opor-
tunidades da nova base de conhecimento e ampliar • Biologia Molecular
a produtividade e as condições de competitividade Genes passaram a ter alto valor agregado e repre-

157
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

sentam o principal insumo da biotecnologia moderna. políticos e comerciais e as reformas nos aparatos le-
Cabe identificar os genes e suas funções para desen- gais e institucionais de C&T, é possível afirmar que
volver aplicações aos problemas de produção, sus- os países que não acompanharem a cadência dessa
tentabilidade e competitividade do agronegócio. mudança perderão mercados para seus produtos e ve-
rão reduzida a oferta de empregos para seus cidadãos.
Essa é uma ação necessariamente coletiva que en-
volve a criação de redes de atores públicos e priva- Progressos já foram feitos na área de insumos para a
dos e mobiliza recursos de universidades nacionais produção primária. São exemplos de êxito a utilização
e internacionais, institutos públicos e privados, ato- da fixação biológica de nitrogênio em substituição
res governamentais vinculados aos ministérios da A- ao uso de fertilizantes químicos nitrogenados e algu-
gricultura, da Ciência e Tecnologia, do Meio Am- mas tecnologias para controle integrado de pragas e
biente e de órgãos reguladores, financiadores e de doenças. Resta, porém, amplo espectro de áreas que
fomento. É preciso construir plataformas integradas estão demandando conhecimentos e tecnologias. Um
e transdisciplinares nas áreas de genoma funcional e desses exemplos está na qualidade dos solos tropicais
bioinformática, associadas a pesquisas em recursos e na produção de “produtos orgânicos”: como substi-
genéticos, em melhoramento por genética clássica, tuir eficientemente as atuais soluções técnicas para
biotecnologia, entre outras, que possam constituir corrigir as diferentes carências desses solos tropicais?
núcleos de aplicação dos conhecimentos e produtos
gerados, bem como gerar impactos sobre o desen- Os serviços e a indústria demandam soluções tec-
volvimento do agronegócio brasileiro. nológicas competitivas, de base biológica, para em-
balagens, como, por exemplo, a possibilidade do uso
• Tecnologias de Base Biológica de derivados da mandioca para substituição de iso-
O avanço que está ocorrendo nas ciências biológicas lantes térmicos atuais. Na mesma linha está a
tem permitido que tecnologias químicas sejam subs- utilização de biomassa em soluções eficientes para
tituídas por soluções que têm como base os conheci- a mudança da matriz energética brasileira. Em todos
mentos da biologia. Não é possível, ainda, dimensio- os casos que envolvem mudanças no processo in-
nar o escopo, a abrangência e a velocidade dessa mu- dustrial, o investimento em C&T pode ser extrema-
dança. Todavia, considerando os atuais acordos geo- mente alto para pequenas e médias empresas, razão

158
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

pela qual é necessária intensa troca de informações


entre pesquisadores do processo industrial e pesqui-
sadores da área biológica, o que indica que novos
arranjos institucionais em C&T precisam ser dese-
nhados e implementados.

• Sanidade Animal
A abertura dos mercados brasileiros à concorrência
externa, aliada à participação do Brasil no Mercosul,
está, há cerca de uma década, pressionando a cadeia
de carnes, especialmente a bovina, para que obtenha
ganhos em competitividade e mantenha sua parti-
cipação nos mercados interno e externo.

Mais recentemente, o surgimento na Europa da en-


cefalopatia espongiforme bovina (BSE) – doença da
vaca louca –, cuja origem está associada às práticas
de alimentação com proteína animal adotadas nos
seus sistemas de produção, aliado ao pânico provo-
cado junto aos consumidores europeus, abriu grandes
oportunidades para que a cadeia nacional de produ-
ção de carne bovina capitalize o grau de competiti-
vidade anteriormente obtido, avance nesse caminho
e consolide a posição do País como grande fornece-
dor do mercado externo. Os sistemas de produção
aqui utilizados, baseados na criação a pasto e no uso
relativamente pouco intensivo de agroquímicos, ins-
piram mais confiança nos consumidores. Um conjun-
to adequado de ações mercadológicas, gerenciais e
técnico-científicas, nos próximos anos, pode trans-
formar o Brasil em um dos maiores protagonistas no
mercado mundial de carnes bovinas.

• Agricultura, Saúde e Nutrição


A mudança ocorrida na pirâmide etária da população
e o aumento de doenças crônico-degenerativas e de
doenças relacionadas com os processos de urbani-
zação e industrialização estão demandando produtos

159
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

primários com condições mínimas de qualidade para no processo político e econômico. Assegurar que os
serem usados como ingredientes de dietas específi- residentes no meio rural tenham acesso à informação e
cas. Em muitos desses casos, o foco do comércio passa ao conhecimento é evitar que, como ocorreu no tempo
dos produtos para os seus componentes. Tem-se, como da escravidão, seja criada, no campo, nesta década, uma
exemplo, o setor de produtos lácteos, no qual a subclasse de brasileiros (Quadro 13).
tendência está no crescimento do comércio de com-
ponentes do leite, como a lactose e outros, em de- • Competitividade em Agricultura Tropical
trimento do comércio do produto leite. A importância As variáveis que estão moldando as sociedades, espe-
da qualidade final do produto é tão grande, que países cialmente os avanços da área científica, dos meios de
que não atentarem para essa exigência poderão chegar comunicação e de transporte, estão levando ao acir-
ao paradoxo de terem excesso de produção primária, ramento da concorrência entre países, não mais no
de qualidade inferior, e de serem grandes importadores volume da produção em si, mas no controle do co-
de componentes desses produtos primários. As atuais nhecimento e geração de tecnologias. Dadas as carac-
linhas de P&D precisam ser redirecionadas, incorpo- terísticas dos nossos ecossistemas e da nossa capacidade
rando novos indicadores de qualidade. técnica, o Brasil tem condições de ser líder em
tecnologia para agricultura tropical. Porém, há ne-
• Acesso à Informação cessidade de se definir com precisão qual é exatamente
O acesso à informação e ao conhecimento é a variável o nicho de conhecimentos e tecnologias que queremos
de maior poder de exclusão ou inclusão dos indivíduos dominar.

Quadro 13
Tecnologia para os Agricultores Familiares

O universo dos agricultores familiares é extremamente diversifi- Nem sempre, contudo, as tecnologias e inovações produzidas aten-
cado, seja em relação às condições socioeconômicas das famílias, dem às necessidades e interesses dos agricultores familiares.
seja entre as regiões do País. Ainda assim, a maioria desses produ-
tores enfrenta duas restrições básicas comuns que reduzem seu Daí deriva uma vasta linha de ação para CT&I, que envolve pesqui-
potencial de desenvolvimento: a disponibilidade de terra e capital, sas científicas que levem em conta as particularidades dos produto-
de um lado, e de mão-de-obra familiar, de outro. Tais restrições res familiares e que sejam orientadas para melhorar o rendimento
podem ser superadas por meio de arranjos tecnológicos e institu- dos principais sistemas produtivos utilizados por esses produtores.
cionais adequados. A experiência revela que esses produtores têm
elevada aversão ao risco, em geral alto na atividade agropecuária A pauta de pesquisas e estudos engloba um conjunto de temas, desde
devido às flutuações dos mercados e da natureza. Essa aversão, o aumento da eficiência econômica do uso dos fatores terra e traba-
junto com a restrição estrutural de terra e capital, leva-os a adotar lho em ambiente de agricultura familiar, redução de risco econômico
uma estratégia específica de produção econômica e reprodução e natural, elevação das sinergias entre os vários subsistemas utiliza-
social, a qual se manifesta em sistemas de produção diversificados dos, conservação e recuperação dos recursos naturais, técnicas de
e baseados na utilização mais intensiva de fatores e insumos dispo- pré-processamento rural e de conservação e assim por diante.
níveis na unidade de produção.
O desenvolvimento de tecnologias para produtores familiares tam-
A viabilidade dos produtores familiares, hoje e muito mais ainda no bém deveria ser incentivado. É certo que a maior restrição nesse
futuro, depende fundamentalmente da possibilidade de elevar a campo é de natureza econômica e institucional, e não de natureza
produtividade, de reduzir as restrições acima mencionadas e concre- tecnológica. Ainda assim, o desenvolvimento de equipamentos ade-
tizar as vantagens competitivas potenciais associadas à utilização da quados – em escala, funcionalidade e custos – às necessidades e
mão-de-obra familiar e à gestão integrada da unidade produtiva. especificidades dos produtores familiares, associado a ações para
viabilizar sua adoção, poderia ter significativo impacto sobre a pro-
dutividade e rendimento direto de milhões de produtores, benefi-
ciando toda a comunidade.

160
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

• Informação e Apoio à Decisão • Agricultura Orgânica


Tão importante quanto o processo produtivo em si O binômio saúde/alimentação, aliado à forte cons-
(como produzir), é a decisão do que produzir e para cientização pela sociedade da necessidade de se pre-
quem produzir. O conhecimento sobre as caracte- servar o ambiente, vem despertando o interesse do
rísticas dos mercados existentes, tais como prefe- consumidor por alimentos mais saudáveis, produzi-
rências e costumes dos consumidores, é de crucial dos por técnicas agronômicas de baixo impacto am-
importância para a competitividade do agronegócio. biental. Por responder a esses anseios, a agricultura
Todavia, os custos envolvidos no levantamento e orgânica apresenta-se em ampla expansão, oferecen-
na análise dessas informações são em geral incom- do condições de sustentabilidade, preservação dos
patíveis com o tamanho das empresas do agrone- recursos naturais e, em sistemas mais avançados, pro-
gócio nacional. Assim, arranjos institucionais preci- dução de alimentos com certificação de origem.
sam ser implementados para levantar, analisar e dis- O consumo de produtos orgânicos apresenta uma
ponibilizar essas informações. tendência de crescimento na atualidade e, nos países
industrializados, deve passar do atual patamar de 1%
• Mudanças Ambientais e o Agronegócio a 2% de participação no total de vendas de alimen-
A elucidação dos impactos das mudanças ambientais tos, para cerca de 10%, até o ano 2005. Em decor-
globais sobre o agronegócio brasileiro, o desenvol- rência da baixa dependência de insumos externos –
vimento de modelos tecnológicos para adaptação aos pelo aumento de valor agregado ao produto, com
fenômenos, bem como medidas de mitigação rela- conseqüente aumento de renda para o agricultor, e
cionados com as tecnologias de produção, consti- por propiciar a conservação dos recursos naturais –,
tuem metas imperativas para o futuro da agricultura a agricultura orgânica apresenta-se como mercado ino-
e do agronegócio. vador e atrativo. Cria oportunidades, principalmente,

Quadro 14
Plantio direto

Plantio Direto, técnica de manejo do solo desenvolvida pela 2000. Seus principais benefícios são:
Embrapa, consiste de um conjunto de técnicas de preparo do solo
cuja principal característica é evitar os impactos negativos das ope- • econômicos: redução em 60% no uso de combustíveis fósseis;
rações tradicionais de aração e gradação. Trata-se de, ao mesmo maior flexibilidade nas operações de manejo, sobretudo no plantio,
tempo, adaptar o preparo do solo às condições edafo-climáticas dos ampliando as possibilidades em relação às operações tradicionais e
trópicos quanto de aproveitar ao máximo a matéria orgânica resul- reduzindo o risco produtivo do agricultor.
tante do plantio do ciclo produtivo imediatamente anetrior. Para
isso, utiliza-se de herbicidas dissecantes, e de equipamentos de- • ambientais: redução das perdas de solo por erosão da ordem de
senvolvidos para, ao mesmo tempo, incorporar a matéria orgânica 90%, que representa mais de 100 milhões de toneladas de terra
seca e proceder a etapa de adubação de plantio e a semeadura (ou fértil preservadas por ano, evitando o assoreamento de cursos
do plantio de mudas). d´água, lagoas e barragens, melhorando a qualidade e a disponibili-
dade e reduzinho o nível de enchentes.
Os benefícios estão associados ao aumento de produtividade devi-
do aos impactos favoráveis sobre as características físicas e conser- • econômico e ambientais de longo prazo: absorção de 76 milhões
vação do solo em situações de cultivo intensivo. A técnica, introduzida de toneladas de carbono atmosférico por cada 1% de incremento
nos anos setenta pela Embrapa, difundiu-se rapidamente desde a no teor de matéria orgânica na camada superficial do solo. Conside-
década de oitenta. Estima-se que a área com plantio direto tenha rando-se os 10 milhões de hectares cultivados sob plantio direto
passado de 1 milhão de hectares em 1990 para 12 milhões em são 7,6 toneladas por hectare em termos de sequestro de carbono.

161
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

para pequenos e médios produtores, inclusive comu- litativos e quantitativos. A agricultura de precisão
nidades de agricultores familiares e vários outros seg- oferece novas e revolucionárias oportunidades de
mentos da cadeia produtiva, o que pode auxiliar o aplicação de inovações no campo da automação, ins-
desenvolvimento das áreas rurais próximas aos grandes trumentação, sensoriamento remoto e tecnologia da
centros urbanos e aos corredores de exportação. informação, para o aprimoramento dos sistemas de
produção agropecuária. O foco da nova revolução
Apesar desse grande potencial, a agricultura orgâni- em agricultura de precisão está na aplicação do con-
ca, em diversas partes do mundo, está sendo desen- ceito de “manejo sítio-específico”, cujo principal
volvida em bases ainda empíricas, não científicas, o objetivo é a identificação de variabilidade espacial e
que tem levado a uma série de problemas, inclusive, temporal em campos de produção e o desenvolvi-
em muitos casos, baixa credibilidade dos processos mento de práticas de manejo que permitam melhor
de produção e de certificação dos produtos. gerenciamento dos processos de produção à luz da
variabilidade detectada. Assim, os sistemas tradicio-
• Agricultura de Precisão nais podem ser substituídos por estratégias econô-
No Brasil, as técnicas de agricultura de precisão co- micas e ecologicamente mais saudáveis e eficientes.
meçam a se tornar importante ferramenta para o ge- A pesquisa, assistência técnica, agricultores, inicia-
renciamento de sistemas de produção, que buscam tiva privada, fabricantes de equipamentos, associa-
a redução de impactos nocivos de práticas agrícolas ções, cooperativas e governo têm papel fundamental
sobre o meio ambiente, enquanto melhoram produ- nesse processo.
tividade de sistemas de produção em aspectos qua-

Quadro 15
Zoneamento Agroecológico
O zoneamento agroecológico feito pela Embrapa cobre hoje 20 estados, mais de 3200 muni-
cípios e sete produtos (algodão, arroz, milho, soja, feijão, trigo e maçã). O zoneamento
identifica as aptidões agrícolas de cada região e recomenda um pacote tecnológico para
minimizar o risco para os agricultores, maximizar o rendimento dos cultivos e proteger o
meio ambiente. A adoção do zoneamento e das recomendações técnicas já teve impactos
econômicos consideráveis, tanto para os agricultores que pagam um prêmio mais baixo pelo
seguro agropecuário, como para o Programa, que passou de um déficit superior a US$150
milhões para um superávit (Tabela 11).

162
Capítulo 4 - Desenvolvimento Econômico

PLANTAS TRANSGÊNICAS

A tecnologia de organismos transgênicos, os chama-


dos organismos geneticamente modificados, é uma
decorrência do progresso científico das últimas dé-
cadas na compreensão do fenômeno da vida. Forte-
mente carregada por considerações éticas, morais e
religiosas, a discussão sobre organismos transgênicos
transcende os limites dos laboratórios, na medida
em que suas aplicações práticas, seja na produção
de alimentos, seja na produção de insumos para a
indústria farmacêutica, ou, no limite, na criação de
novas formas de vida, tornaram-se realidade pela pri-
meira vez na história do homem. O conhecimento,
na civilização ocidental até agora, tem-se mostrado
uma força irresistível. Alguém, em algum lugar do
mundo, conseguirá, mais cedo ou mais tarde, explorar
suas conseqüências para o bem ou para o mal. Não
há solução simplista para isto. O debate esclarecido
dessas questões cruciais para o futuro da humanida-
de, em uma sociedade democrática, requer uma po-
pulação cientificamente “alfabetizada”, que possa,
ao menos, acompanhar os argumentos, formar sua
própria opinião e decidir com maior conhecimento
de causa.

Plantas transgênicas com características importantes,


tais como a resistência contra pragas, são necessárias
onde falta resistência inerente nas espécies locais.
Há pesquisa avançada no desenvolvimento de re-
sistência contra doenças causadas por vírus, bactérias
e fungos; modificações na arquitetura da planta

163
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

(exemplo: altura) e desenvolvimento (por exemplo: novas sementes transgênicas que beneficiem peque-
florescimento rápido ou tardio, ou produção das se- nos produtores e consumidores. Um ponto a ser lem-
mentes); tolerância a pressões abióticas (por exemplo: brado é que a atuação das empresas estrangeiras
salinidade e seca); produção de bens químicos in- líderes do setor de sementes não se pauta necessa-
dustriais (recursos renováveis baseados em plantas); riamente pelo interesse social, mas é determinada
o uso de biomassa de plantas transgênicas para com- por suas estratégias de negócio.
bustível.
É necessário adotar medidas rigorosas para investi-
A manipulação genética de plantas e microorganis- gar os efeitos potenciais sobre o meio ambiente e
mos pode ser orientada para um conjunto de objeti- sobre a saúde humana – sejam estes positivos ou ne-
vos não excludentes, entre os quais a elevação da gativos – em aplicações específicas de tecnologias
produtividade agropecuária, a redução de custos de de manipulação genética. Tais esforços devem ser
produção e uso mais eficiente e sustentável dos re- avaliados tomando-se como referência os efeitos de
cursos naturais, a redução de carências nutricionais, tecnologias convencionais da agricultura, que estão
preservação da biodiversidade e recomposição de atualmente em uso – critério, aliás, empregado nas
ambientes degradados. Alimentos produzidos por avaliações e manejos de risco conduzidos pela Co-
meio de tecnologia de modificação genética podem missão Técnica Nacional de Biossegurança
ser mais nutritivos, estáveis quando armazenados e, (CTNBio), vinculada ao MCT.
em princípio, podem ser benéficos à saúde dos con-
sumidores, tanto em nações industrializadas, quanto Sistemas reguladores de saúde pública devem ser mo-
em nações em desenvolvimento. bilizados para identificar e monitorar quaisquer efei-
tos potencialmente adversos, que podem surgir do
No Brasil, uma experiência de inserção de gene da consumo de plantas transgênicas, assim como para
castanha em feijão para melhoria do teor de amino- quaisquer outras novas variedades.
ácidos essenciais foi iniciada ainda nos anos oitenta.
Hoje, multiplicam-se as iniciativas nesse sentido, uti- Empresas privadas e instituições de pesquisa devem
lizando plantas de cultivo globalizado, como o arroz, compartilhar a tecnologia de modificação genética,
e cultivos mais identificados com países e regiões, que atualmente está sujeita a acordos de licenças e
como o feijão. patentes muito restritivos. Adicionalmente, isenções
especiais deverão ser dadas aos agricultores de baixa
Esforços do setor público poderão ser necessários renda para protegê-los de restrições que prejudiquem
para estimular plantações de transgênicos que bene- o desenvolvimento das suas plantações.
ficiem agricultores pobres, reduzindo suas des-
vantagens de escala, potencializando suas vantagens
competitivas e melhorando tanto sua capacidade de
produção, como de gerar renda e adquirir alimentos
no mercado. Esforços de cooperação entre os setores
privado e público serão necessários para desenvolver

164
CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO
DESAFIOS ESTRATÉGICOS
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO
DESAFIOS ESTRATÉGICOS

O elenco de questões até aqui le-


vantadas em educação, avanço do
conhecimento, qualidade de vida e
desenvolvimento econômico já
permite definir, por si só, um con-
junto de desafios de importância
estratégica para o futuro do País.
Contudo, elas não esgotam a agen-
da de temas para os quais Ciência,
Tecnologia e Inovação têm a con-
tribuir. Neste capítulo, ao mesmo
tempo em que se estende e se com-
plementa a abrangência dos temas
tratados anteriormente, procura-se
também dar-lhes um enfoque mais
específico. A extensão das questões
a serem tratadas contém, como não
poderia deixar de ser, um elemento
de arbitrariedade na sua escolha.
Dentro da concepção original deste
projeto, de estimular um debate
amplo com a sociedade e a co-
munidade científica e tecnológica,
a escolha deve ser vista como con-

166
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

tribuição para definir prioridades, como uma agen- “Os grandes desafios estratégicos
da aberta, um convite ao debate e uma oportunidade para a C&T se ligam à centralidade
para análise mais aprofundada da necessidade de do conhecimento no progresso do
articulação entre instituições e agentes com res- mundo contemporâneo. Há desafios
ponsabilidades e atuação em diferentes setores. que decorrem de como se move a
fronteira deste conhecimento; há
Assim entendidos, parece conveniente organizar os
outros que se prendem às
desafios estratégicos aqui tratados em três linhas de
peculiaridades atuais da situação
ação:
econômica e social do País e há,
ainda, os que se ligam à aspiração
i) mapear e conhecer a realidade nacional, não apenas
nacional de uma presença soberana
em seus recursos naturais mas em seus recursos hu-
manos e patrimônio intangível, pois sem informações no cenário internacional futuro.”

amplas e confiáveis sobre as reais condições do País, Waldimir Pirró y Longo,


Observatório Nacional
que subsidiem a tomada de decisões por parte da socie-
dade, corre-se o risco de improvisações, tão nocivas
quanto os problemas que se pretendem resolver.
ii) identificar vulnerabilidades importantes da socie-
dade e da economia e entendê-las como oportuni-
dades de alavancar o desenvolvimento científico e
tecnológico, social e econômico – essas vulnerabili-
dades tanto podem ser desequilíbrios sociais quanto
gargalos importantes da economia. iii) Mapear inicia- “Há reais oportunidades para por em
tivas de amplo alcance, que elevem o patamar de marcha, no País, importantes projetos
capacitação em algumas áreas-chave para o desen- "mobilizadores", capazes de gerar
volvimento econômico sustentável. novos impulsos para a C&T. Isto
passa pela definição urgente de
Essas iniciativas, que irão surgir naturalmente da se- prioridades e de novos instrumentos
leção de prioridades para as diretrizes estratégicas de fomento; eliminou-se a reserva de
do setor, caracterizam-se por buscar um salto tec-
mercado sem que se criassem
nológico, por meio do qual o desenvolvimento de
incentivos compensatórios. Estes
bens ou de serviços se dará no marco de parâmetros
devem buscar produzir
de confiabilidade ou competitividade que
desenvolvimento científico e
ultrapassem o referencial de desempenho do
tecnológico melhor distribuído por
momento. Superado o desafio, e difundidos seus
todas as regiões do País.”
resultados, a sociedade terá evoluído na direção de
maior desenvolvimento, eqüidade e justiça; o setor
Sérgio Machado Rezende,
produtivo nacional terá galgado um novo patamar UFPe

167
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

de competitividade; as estruturas de geração de co- nefícios econômicos que obtêm no mercado bra-
nhecimento terão adquirido competências inteira- sileiro e que tenham um retorno real para o País;
mente novas; os produtos, bens e serviços, terão
maior confiabilidade. • instituições e ambiente institucional adequado e
favorável ao desenvolvimento da Ciência, Tecnolo-
Independentemente das escolhas específicas que se- gia e Inovação, que são fundamentais para vencer
jam feitas, seis ingredientes são básicos para enfren- com sucesso os desafios estratégicos do País.
tar esses desafios estratégicos:
Na primeira parte desse capítulo, serão consideradas
• recursos humanos adequadamente treinados, isto as questões referentes ao levantamento, gestão e de-
é, programas consistentes de formação de recursos senvolvimento sustentável de importantes recursos
humanos em áreas estratégicas e absorção de pessoal naturais do País: mapeamento do território; meteo-
em empregos qualificados; rologia e climatologia; gestão do meio ambiente; bio-
diversidade; recursos do mar; recursos hídricos; re-
• avanço do conhecimento, isto é, pesquisa própria e cursos minerais.
absorção de resultados produzidos em outros países,
com o domínio de um vasto campo de conhecimentos Na segunda parte, serão apresentadas algumas vul-
em múltiplas áreas e capacidade não apenas para ope- nerabilidades e oportunidades de desenvolvimento
rar tecnologias disponíveis, mas também – e princi- da sociedade brasileira. Serão abordados temas rela-
palmente – para inovar e acompanhar o progresso tec- cionados a iniciativas de grande envergadura social,
nológico em campos-chave, como saúde, engenha- científica e tecnológica, com potencial para envolver
rias, materiais, informação e biologia; várias áreas da Ciência e Tecnologia e para contribuir,
de forma direta, tanto para a solução de problemas
• capacidade para identificar oportunidades e fazer relevantes, como para a abertura de novas oportuni-
escolhas tecnológicas adequadas às necessidades dos dades de desenvolvimento. Os principais temas: fár-
vários programas considerados; macos, energia, biotecnologia e seu potencial para o
País; telecomunicações, informática, atividades es-
• integração de esforços de pesquisa, com programas paciais; tecnologia aeronáutica; tecnologia nuclear.
de natureza cooperativa entre agentes do setor pú-
blico, setor privado e terceiro setor, cujo escopo e
escala lhes garantam abrangência social ou impacto
econômico;

• forte participação do setor privado, com progra-


mas de incentivo e fomento à pesquisa, desenvolvi-
mento e inovação em empresas nacionais e condições
para que empresas estrangeiras realizem pesquisa e
desenvolvimento em escala compatível com os be-

168
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

PARTE 1: CONHECIMENTO E GESTÃO


DO PATRIMÔNIO NACIONAL

Levantamento Geográfico e Estatístico


do Território

Os mapas e as informações estatísticas são necessá-


rios para a formulação de políticas públicas, planeja-
mento de empresas e a gestão territorial. Essas ativi-
dades requerem freqüentemente informações básicas
atualizadas e sistematizadas em campos como geologia,
solos, vegetação, biodiversidade, geomorfologia, recur-
sos hídricos, recursos minerais, população, indústria,
serviços, lazer, clima, uso da terra, safras agrícolas, den-
tre outros. O Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-
tística e outras instituições integrantes do Sistema
Cartográfico Nacional elaboram cartas topográficas,
mapas e bancos de dados em diferentes níveis (nacional,
regional, estadual e municipal), com os resultados de
“A Amazônia representa perto da
levantamentos específicos.
metade do território brasileiro e é
hoje uma área submetida a vários
Conquanto os levantamentos estatísticos feitos no
riscos. Perduram as migrações intensas
Brasil deixem a desejar, a situação do mapeamento
topográfico é ainda mais insatisfatória diante da cres- do Nordeste e Centro-Oeste; há
cente e cada vez mais complexa demanda por dados pressões sobre o patrimônio mineral e,
cartográficos para o planejamento em geral, particu- em particular, problemas graves com a
larmente das ações orientadas para a exploração sus- preservação da biodiversidade.
tentável do meio ambiente. Esse contexto determina Necessita tecnologias específicas e
a necessidade de reavaliar o modelo de mapeamento estas não surgirão espontaneamente
topográfico e o preparo de material cartográfico. do mercado.”

Paralelamente, com o uso mais intenso da tecnologia Luiz Hildebrando Pereira da Silva,
Centro de Pesquisa em Medicina Tropical,
de Sistemas de Informações Geográficas (SIG), au- Roraima

169
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

mentou a demanda por cartas topográficas, inclusive se em informações muito mais confiáveis do que as
no formato digital. Identificar as características físi- atualmente disponíveis. Ganhar-se-ia, assim, em efi-
cas e a capacidade do ambiente de sustentar dife- ciência, eficácia e efetividade no emprego de recur-
rentes tipos de uso significa, antes de tudo, apontar sos escassos.
as possibilidades de crescimento sustentável de uma
região. Para tal, é necessário conceber, construir e Quadro 1
manter um Sistema Integrado de Informações, que Sistema Avançado de Informações
tenha por meta principal informar o sistema de pla- para a Agricultura
nejamento em seus diferentes níveis de atuação (na-
A avaliação e o acompanhamento dos impactos ambientais de proje-
cional, regional, estadual, municipal). tos no setor agropecuário estão sendo muito facilitados pelo uso de
tecnologias de geoinformação e modelos associados.

Um programa nacional integrando métodos tradicio- Os Sistemas de Geoinformação incluem tecnologias de bancos de
dados geográficos e sensoriamento remoto aliadas a modelos ma-
nais, sensoriamento remoto e aerogeofísica, aliado temáticos, estatísticos e de otimização. Ao realizar a integração em
ao desenvolvimento de aplicativos de SIG, teria con- um mesmo banco de dados de informações provenientes de dife-
rentes fontes, os sistemas de informação geográfica permitem a
dição de prover o Brasil de cartas e folhas topográ- representação computacional dos diferentes componentes do meio
ficas com a elevada precisão exigida pela economia agroambiental. Tais sistemas são ferramentas auxiliares importan-
tes para o planejamento agroambiental, monitoramento de safras,
moderna. Seus resultados serviriam de base sólida monitoramento e planejamento de projetos de agronegócios.
para todos os demais mapeamentos, fundamentais Para sua efetiva utilização, esta tecnologia requer a existência de
para o conhecimento e desenvolvimento do País. bancos de dados agropecuários com informações amostrais que
incluem, por exemplo, produtores, clima e situação dos mercados
Ademais, promoveria a formação de recursos hu- e sua integração com fontes periódicas de monitoramento de da-
manos, modernizaria equipamentos de ensino e pes- dos, como imagens de satélite.

quisa dos cursos universitários, estimularia o inter- A diversidade intrínseca dos problemas ambientais indica que o uso
mais apropriado desta tecnologia é feito de forma distribuída, para
câmbio científico e tecnológico, permitiria a atuali-
que as diversas instituições públicas e privadas venham a dispor de
zação freqüente de bancos de dados georeferenciados tecnologia de geoinformação e modelos associados e tenham amplo
acesso a bancos de dados sobre os diferentes componentes do
sobre recursos naturais e meio ambiente, alem de meio agroambiental.
estimular a criação de empresas de base tecnológica,
Neste sentido, é importante ressaltar que o Brasil já possui signifi-
tanto em equipamentos e serviços de mapeamento cativa experiência no desenvolvimento e uso de tecnologia de
e de gestão de bancos de dados primários, quanto geoinformação, merecendo destaque os resultados já obtidos por
instituições como o INPE e a Embrapa. Tais experiências, metodo-
no desenvolvimento de aplicações inovadoras. logias e produtos poderiam servir de base para um programa nacio-
nal de uso de geoinformação no setor de agronegócios.

A correlação da informação geográfica assim dispo-


nibilizada, com informações estatísticas de qualidade Meteorologia e Climatologia
sobre produção industrial, comércio, transações fi-
nanceiras, produção agrícola, produção mineral, po- A meteorologia vem ganhando relevo, principalmen-
pulação e suas características econômicas, sociais, te devido aos impactos da variabilidade climática.
educacionais etc., permitiria planejar políticas pú- E também pela percepção de que o homem está alte-
blicas, prover serviços essenciais, organizar progra- rando a composição da atmosfera, e as mudanças
mas estratégicos ou investimentos privados, com ba- climáticas globais resultantes destas alterações pode-

170
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

rão ter profundas conseqüências no clima. No hori- efetivada pela criação do Centro de Previsão de
zonte de décadas, se as emissões de gases do efeito Tempo e Estudos Climáticos – CPTEC/INPE; ii)
estufa não forem mitigadas, as mudanças climáticas um programa de incentivo ao uso da informação em
globais poderão trazer impactos adversos a toda a nível local e regional em todo o País, que adicional-
sociedade e às atividades econômicas. mente criasse as bases para a melhoria da capacida-
de observacional e de ciência e tecnologia em me-
Os efeitos da variabilidade natural do clima são no- teorologia.
táveis. Vários setores da economia nacional são di-
reta ou indiretamente afetados por ela, cujos efeitos Em que pese a expansão recente da rede observacio-
são potencializados pelas condições particulares de nal com plataformas de coleta de dados meteorológicos,
infra-estrutura básica e social do País; a qualidade hidrológicos e ambientais que utilizam modernos sis-
de vida cotidiana da população urbana e rural tam- temas de telecomunicações, baseados nos satélites bra-
bém está sendo conturbada por fenômenos associa- sileiros de coleta de dados, a densidade das informa-
dos ao clima, sejam enchentes nas regiões metropo- ções meteorológicas é insuficiente. Ademais, muitas
litanas, problemas de abastecimento de água potável destas informações não chegam aos usuários finais de
e geração de energia hidroelétrica, seja a seca no se- forma adequada e em tempo hábil para proporcionar
mi-árido nordestino e mesmo incêndios florestais. os resultados possíveis e desejáveis.

O progresso científico e tecnológico permitiu o de-


Quadro 2
senvolvimento de instrumentos e técnicas de previ- ~ ~ e o clima no Brasil
El Nino/La Nina
são meteorológica mais acuradas, aumentando a im-
O aquecimento anômalo das águas superficiais do Oceano Pacífico
portância estratégica da meteorologia e climatolo- Equatorial Oriental caracteriza o fenômeno El Niño, que é cíclico,
gia no Brasil. O País possui acentuada diversidade embora sem periodicidade definida, e dura de 12 a 18 meses. Quando
ocorre, inicia-se normalmente no começo do ano, atinge intensida-
de condições climáticas e conta com uma base de de máxima em dezembro e se enfraquece na metade do segundo
recursos naturais cuja exploração sustentável está ano. O aumento dos fluxos de calor e de vapor d'água do mar para a
atmosfera, sobre as águas quentes, provoca mudanças nas condi-
associada ao comportamento do clima e à disponi- ções meteorológicas e climáticas em várias partes do mundo. No
bilidade e capacidade para gerar e utilizar, de forma Brasil, a chuva aumenta no Sul e diminui no norte e leste da Ama-
zônia e no Norte do Nordeste. No Sudeste, as temperaturas ficam
eficaz, informações meteorológicas e climatológicas. mais altas, tornando o inverno mais ameno.
A aplicação dessas informações é também cada vez La Niña é o fenômeno oposto, de resfriamento anômalo das águas
mais essencial para a gestão dos grandes centros ur- superficiais no Oceano Pacífico Equatorial Central e Oriental. El
Niño e La Niña são variações normais do sistema climático da Terra.
banos. O conhecimento sobre as flutuações do tempo Os efeitos econômicos dessas variações são diversos: alguns benéfi-
e do clima e a capacidade de prevê-las são hoje con- cos, outros não. Em 1998, as altas temperaturas provocadas pelo El
Niño, aliadas a chuvas abundantes, favoreceram o desenvolvimento
siderados como parte da riqueza dos países. de lavouras e a produção de grãos em São Paulo. No outro extremo,
o Nordeste enfrentou uma das piores secas do século XX.

Na segunda metade da década de oitenta surgiram Fonte: http://www.cptec.inpe.br/

duas iniciativas que deram forma ao Sistema Nacio-


nal de Meteorologia: i) o planejamento de uma gran-
de modernização da capacidade técnico-científica,

171
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Aperfeiçoamentos no sistema de previsão meteoro- uma massa crítica de cientistas, muitos de áreas afins
lógica, climática e hidrológica poderão contribuir, e com experiência adquirida a partir de algumas ini-
ainda mais, para: i) diminuição dos riscos à vida e à ciativas de grande porte, como o CPTEC e o conjun-
propriedade; ii) redução de danos ao meio ambiente; to das atividades de monitoramento por satélite do
iii) aumento da produtividade e diminuição de per- Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).
das e riscos na produção agrícola, pecuária e indus-
trial, no comércio e no setor de serviços, com o con- A implantação de uma Agência Nacional de Meteo-
seqüente aumento da produtividade global da eco- rologia (Anamet), proposta resultante de discussões
nomia brasileira e da competitividade internacional envolvendo vários segmentos interessados no âmbito
dos setores indicados. governamental e acadêmico, estabelece um novo mo-
delo de organização institucional, descentralizado e
O País dispõe de base para lançar-se, com determi- participativo, para o Sistema Nacional de Meteoro-
nação, em programas objetivando melhor conhecer o logia. A efetivação do Fundo Setorial de Recursos
clima e suas variações e monitorar as condições at- Hídricos poderá viabilizar, a partir de 2001, a capa-
mosféricas, climáticas e ambientais do País. Conta com citação de recursos humanos para pesquisa de inte-

Quadro 3
O Valor dos Serviços Meteorológicos

Estima-se que o uso disseminado de confiáveis previsões e infor- Sul do país, fornecidas pelo CPTEC às empresas de geração e trans-
mações meteorológicas possa representar significativos ganhos eco- missão daquela região, fizeram com que aquelas empresas diminuís-
nômicos e sociais. Somente na agricultura, o uso de informações sem o uso de energia termelétrica, economizando milhões de re-
meteorológicas, climáticas e agrometeorológicas na redução de per- ais; informações fornecidas pelo Sistema de Meteorologia do Paraná
das e aumentos de produtividade tem o potencial de economizar à Companhia Paranaense de Energia representam economias po-
mais de R$3 bilhões anualmente neste setor para o País. Alguns tenciais superiores a R$20 milhões por ano com o uso adequado das
exemplos são: informações no planejamento do uso dos recursos hídricos na gera-
ção de energia elétrica e também na operação, manutenção e pro-
• Economia de Água na Irrigação: uma previsão correta de ocorrên- jeto de linhas de transmissão.
cia de chuvas para 24 e 48 horas, rotineiramente elaborada no País
com índices de acerto acima de 75%, permitiria desligar o sistema • Melhor Gerenciamento de Recursos Hídricos Escassos: a compa-
de irrigação em 15 mil hectares que utilizam o sistema de irrigação nhia de águas do Ceará utiliza rotineiramente previsões climáticas
constante, representando economia, somente no estado de São sazonais das chuvas na região semi-árida do Nordeste em suas
Paulo, de mais de 600 milhões de litros de água por dia. operações. Por exemplo, baseado na previsão de seca severa para a
estação chuvosa de 1998, disseminada pelo CPTEC em novembro
• Redução de Riscos Climáticos para a Agricultura: de 1991 a 1995, de 1997, um grande volume de água foi transferido do açude de
o valor médio de indenização de seguro agrícola pelo Proagro foi de Orós para reservatórios que abastecem Fortaleza, evitando o que
R$150 milhões por ano. A partir de 1996, com base no zoneamento seria uma situação crítica de abastecimento em função da severida-
agrícola, o Proagro somente financiou culturas selecionadas fora de da seca que assolou a região em 1998.
das áreas de risco climático, obtendo taxas de risco menores e
enorme redução das indenizações para cerca de R$500 mil anuais. • Mitigação dos Efeitos de Secas do Nordeste: a partir de 1999, a
atual Adene (ex-Sudene), a Defesa Civil, estados e municípios de
Também nos setores de energia e recursos hídricos, pode-se gerar todo o Nordeste têm utilizado as informações climáticas e estima-
economias e benefícios sociais de monta, como ilustrado nos exem- tivas de água armazenada no solo fornecidas pelo projeto Pró-Clima
plos a seguir: para fins de agricultura e identificação precoce de regiões com dé-
ficit hídrico com potencial de afetar a produção agrícola, permitindo
• Ganhos no Setor de Energia Elétrica: previsões da tendência racionalização das ações de mitigação dos efeitos das secas, com
climática sazonal de chuvas abundantes para a primavera de 1997 no benefícios econômicos e principalmente sociais.

172
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

resse do setor e ainda irá fomentar a pesquisa e o valor de uso, como por seu valor de existência, justi-
desenvolvimento da área. fica a necessidade de uma gestão que procure sua
sustentabilidade e que, portanto, seja realizada em
Uma diretriz para a área deve ser orientada para a bases científicas sólidas. Nesse sentido, conhecimen-
modernização dos meios, com o uso intensivo de to e tecnologia colocam-se como condições neces-
tecnologia atualizada e a descentralização dos ser- sárias, mas não suficientes, para mudar de forma sig-
viços, pelo apoio à implantação ou fortalecimento nificativa as relações homem–meio ambiente.
de centros estaduais de meteorologia e recursos hí-
dricos. As ações a serem empreendidas poderiam ser Sustentabilidade implica garantir às futuras gerações
organizadas em cinco direções: i) Implantação e mo- um estoque de capital econômico, humano e am-
dernização de sistemas de observação in situ e a par- biental pelo menos equivalente ao atual. Ao mesmo
tir de plataformas remotas; ii) implantação de sis- tempo, passa a ser reconhecido que a conservação
temas de assimilação das observações, de mode- dos recursos naturais é do interesse comum, inclusive
lagem geoambiental e de armazenamento e disse- da coletividade maior, a humanidade. Isto é refletido
minação de dados e informações; iii) modernização na implantação das convenções sobre diversidade
da infra-estrutura de pesquisa e de desenvolvimento biológica, desertificação e mudanças climáticas e da
tecnológico; iv) descentralização das Estruturas de Declaração de Dublin sobre recursos hídricos, das
atuação em monitoramento, modelagem geoambien- quais o Brasil é signatário. Este interesse comum tam-
tal e aplicações; v) capacitação de recursos huma- bém é reconhecido na Agenda 21 Mundial e na Agenda
nos, especialmente com a criação de especialização 21 Brasileira, esta ainda em formulação.
em Geoinformática.
As rápidas mudanças que se vêm registrando nas
Gestão do Meio Ambiente condições ambientais e, especialmente, no clima ter-
restre deverão absorver recursos crescentes da co-
A vida humana não pode ser entendida de modo dis- munidade científica pelo mundo afora. Cresce a preo-
sociado dos processos naturais. Mesmo tendo modi- cupação e a consciência de que a humanidade está
ficado radicalmente a superfície do planeta, a huma- transitando por uma rota insustentável e que os efei-
nidade preserva uma dependência ancestral em re- tos sobre as condições ambientais do desenvolvi-
lação aos ecossistemas que a rodeiam e continua a mento econômico (ou falta dele) já não podem ser
se valer de outros organismos e de recursos naturais negligenciados. Estudo recente do Programa de Meio
para sua alimentação, atividade econômica e sobre- Ambiente das Nações Unidas resume as principais
vivência em geral. O uso estratégico e sustentável tendências e preocupações da comunidade interna-
dos ecossistemas, seja dos produtos da biodiversi- cional: i) o uso atual de recursos naturais (terra, flo-
dade, seja dos serviços ambientais providos, apre- restas, água doce, zona costeira, zonas de pesca e ar
senta vantagens econômicas que podem proporcio- urbano) está além da capacidade natural de regene-
nar ganhos importantes à Nação, como um todo, e ração; ii) o efeito estufa ainda não foi estabilizado, e
às comunidades diretamente envolvidas, em parti- a emissão de gases continua superior aos níveis fixa-
cular. A importância dos ecossistemas, tanto por seu dos pela Convenção das Nações Unidas de Mudan-

173
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

ças Climáticas; iii) as áreas naturais depositárias da trativo, algumas áreas nas quais CT&I podem pres-
biodiversidade do planeta estão sendo progressiva- tar considerável contribuição: i) desenvolvimento de
mente reduzidas, tanto pela agricultura e suas práti- métodos e tecnologias adequadas para controlar os
cas, quanto pela expansão das cidades; iv) o uso cres- impactos ao meio ambiente, em particular a gestão
cente de substâncias químicas vem provocando da- do solo, ar, água e utilização dos recursos naturais
nos crescentes e, em alguns casos, de difícil reversi- em geral; ii) estudo das implicações regionais e lo-
bilidade, quer sobre o meio ambiente, quer sobre a cais das mudanças globais e dos impactos sobre os
saúde humana; v) o padrão energético atual é um sistemas econômicos existentes e sobre as potencia-
dos principais responsáveis pelo uso insustentável lidades de desenvolvimento das áreas afetadas; iii)
de recursos naturais, inclusive não renováveis, pela desenvolvimento de tecnologias para reduzir as emis-
contaminação atmosférica e o efeito estufa; vi) a ur- sões poluentes e seus efeitos nocivos sobre a quali-
banização propõe novos problemas para o meio am- dade do ar, água e solo; iv) impacto sobre a qualida-
biente, tais como a poluição do ar, o abastecimento de de vida da população em geral, em particular nos
de água potável de boa qualidade, a provisão de redes grandes centros urbanos e em regiões mais vulnerá-
de esgoto e o manejo dos resíduos sólidos, com efei- veis e mais afetadas pela variabilidade climática.
tos relevantes para a qualidade de vida, especialmen- O tratamento desse conjunto de temas requer o de-
te a saúde da população. Tudo isso vem alterando, senvolvimento de uma abordagem integradora que
de forma não suficientemente compreendida, as viabilize a gestão dos recursos naturais para uma ex-
complexas relações entre os ciclos biogeoquímicos ploração sustentável.
globais, com impactos sobre as condições climáticas,
mudanças nos ciclos hidrológicos, perda de biodi- Dentre os temas de pesquisa importantes para a ges-
versidade, biomassa e bioprodutividade. tão de ecossistemas, a biodiversidade ocupa no mo-
mento lugar de destaque, seja pela atenção da mídia
Esse conjunto de preocupações define uma agenda e da sociedade, seja pela esperança de que possa
de CT&I no que concerne à gestão sustentável do tornar-se uma fonte de progresso econômico e social.
meio ambiente como desafio nacional. Na verdade, Os avanços nos conhecimentos sobre os diferentes
a própria natureza e dimensão dos problemas já ex- ecossistemas nacionais, bem como o estímulo à ino-
plicitam que se trata de desafios globais que, na maio- vação tecnológica nos processos de exploração dos
ria dos casos, não podem ser enfrentados pelos países recursos naturais ou transformação e processamento,
de forma isolada. Nesse sentido, além dos esforços têm importância central para sua conservação e pre-
necessários para que o País cumpra os acordos in- servação, notadamente em ambientes tropicais.
ternacionais dos quais é signatário, é necessário de- É papel da ciência entender as influências do mundo
finir prioridades para canalizar recursos e as ações exterior sobre os ecossistemas e, o que é ainda mais
de CT&I segundo dois critérios básicos: o interesse desafiador, melhorar a concepção e desenho de po-
do País e as possibilidades e qualidade da contribui- líticas de gestão ambiental.
ção que o Brasil pode dar.
Há exemplos de tecnologias brasileiras já disponíveis
Em termos gerais, é possível apontar, a título ilus- com resultados positivos para a conservação de ecos-

174
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

sistemas, tais como tecnologias agrícolas de menor Freqüentemente os temas ambientais envolvem ris-
impacto negativo (por exemplo: controle biológico de cos e incertezas complexos e polêmicos, de difícil
pragas e doenças); tecnologias de manejo de florestas quantificação, não sendo raro que os especialistas
para produção de madeira e de produtos não-lenhosos; divirjam sobre a alternativa melhor ou mais adequada.
recuperação de áreas degradadas, matas ciliares e con- A participação da sociedade nas decisões reduz os
servação de bacias hidrográficas; despoluição de ma- riscos e eleva a eficiência das políticas e da gestão
nanciais hídricos; tratamento de efluentes; manejo de do meio ambiente, uma vez que os atores tendem a
resíduos urbanos e agrícolas (por exemplo: não-gera- assumir maior compromisso com políticas de cuja
ção, minimização ou reciclagem). formulação participaram.

Novos produtos oriundos da biodiversidade têm sido A produção de conhecimento para a gestão de ecos-
pesquisados. Para a região Amazônica, há importan- sistemas é realizada por um grande número de uni-
tes alternativas para a utilização econômica de recur- versidades, instituições de pesquisa, empresas pri-
sos naturais como frutos amidosos ou oleosos, frutos vadas e ONGs. Um levantamento feito no âmbito
suculentos, óleo-resinas e látex, óleos industriais, do Diretório dos Grupos de Pesquisa do Brasil mos-
óleos essenciais, materiais industriais e matérias des- tra que para os oito biomas mais representativos
tinadas a artesanato. (Embrapa, 1994) havia no Brasil, em 1997, cerca de
500 grupos de pesquisa atuando em mais de 400
Dadas as dinâmicas naturais e a taxa de resposta dos linhas de pesquisa.
ecossistemas às intervenções humanas, em ecologia
e gestão ambiental, o desenvolvimento científico só Biodiversidade
se realiza com a garantia de continuidade das ativi-
dades pelo intervalo de tempo necessário. Muitas O Brasil e mais outros dezesseis países reúnem em
pesquisas demandam um cronograma de observação seus territórios 70% das espécies animais e vegetais
de longo prazo, o que, evidentemente, necessita de do planeta, o que lhes confere o título de países me-
garantia de apoio ao longo de vários anos ou até mes- gadiversos. Entre esses, o Brasil é o de maior diversi-
mo décadas. dade biológica do planeta. Estima-se que possua en-
tre 15% e 20% de toda a biodiversidade mundial e o
Existe ainda a necessidade de aprofundar os métodos maior número de espécies endêmicas do globo. São
científicos capazes de compreender as complexida- 55 mil espécies vegetais ou 22% do total do planeta,
des e incertezas envolvidas na gestão ambiental. 524 mamíferos (dos quais 131 endêmicos), 517 anfí-
A pesquisa com ecossistemas é, na maioria das vezes, bios (294 endêmicos), 1.622 aves (191 endêmicas) e
de longo prazo e interdisciplinar, o que lhe permite 468 répteis (172 endêmicos), além de 3 mil espécies
enfocar a complexidade física, biológica e humana de peixes de água doce (ou três vezes mais que qual-
dos ecossistemas. Considerando-se que muitos dos quer outro país) e provavelmente entre 10 e 15 mi-
grandes ecossistemas brasileiros ultrapassam nossas lhões de insetos (muitos de famílias ainda não descri-
fronteiras, em regiões fisiográficas compartilhadas, tas). Somente a Amazônia responde por cerca de 26%
o intercâmbio internacional é uma necessidade. das florestas tropicais remanescentes no planeta.

175
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Mesmo assim, a produção agropecuária brasileira ba- porciona economia superior a US$100 milhões anuais
seia-se fundamentalmente no uso de espécies exóti- e a substituição de fertilizantes de nitrogênio por as-
cas. Mais de 40% das exportações brasileiras têm sociações simbióticas da planta com bactérias fixa-
como base espécies não nativas, entre as quais o café, doras de nitrogênio do gênero Rhizobium vem pro-
a laranja, a soja e a cana-de-açúcar. A silvicultura porcionando à agricultura brasileira poupança da or-
nacional depende do eucalipto da Austrália e de pi- dem de US$1,6 bilhão por ano.
nheiros da América Central. A pecuária depende de
forrageiras africanas. Em um país de megadiversidade como o Brasil, partir
do conhecimento tradicional sobre o uso da biodiver-
Enquanto somente vinte espécies de plantas respon- sidade representa uma economia incomensurável de
dem por 85% da alimentação utilizada em todo o tempo e dinheiro no desenvolvimento de novos
mundo, 1.300 espécies nativas são usadas na medi- produtos. No entanto, os impactos provocados pelo
cina tradicional apenas na Amazônia. O potencial desenvolvimento tecnológico, industrial, pela
econômico da biodiversidade brasileira é incalculá- expansão das fronteiras agrícolas e pela devastação
vel. O uso sustentável da biodiversidade requer a das florestas estão destruindo não apenas a bio-
convergência de esforços em muitos campos da diversidade, mas o conhecimento tradicional a ela
ciência e da produção, o desenvolvimento de técni- associado. Desaparecimento de grupos indígenas,
cas de manejo, melhoramento, biotecnologia e indus- aculturação, êxodo rural, práticas tradicionais des-
trialização de produtos derivados da biodiversidade locadas pela expansão das economias centrais são
do País. O incentivo à prospecção biológica com fenômenos comuns que implicam na perda de co-
vistas ao desenvolvimento de novos produtos e nhecimentos tradicionais sobre o uso da biodiversi-
processos biotecnológicos com potencial para a dade. Enquanto as autoridades competentes e a so-
exploração econômica sustentável dos componentes ciedade lutam pela reversão deste quadro de em-
da nossa diversidade biológica é uma das diretrizes pobrecimento da diversidade cultural, é fundamental
para as ações de CT&I. A apropriação da ampliar o conhecimento existente. Toda a informa-
biodiversidade permitirá ampliar a capacidade ção gerada deverá ser incluída em bancos de dados
produtiva da economia em geral, absorver mão-de- que assegurem a utilização das informações e ao mes-
obra especializada, oferecer diferentes oportunidades mo tempo preservem os eventuais direitos das comu-
de utilização nos campos da agricultura, saúde nidades tradicionais detentoras do conhecimento, em
humana e animal e do extrativismo. caso de exploração econômica no País e no exterior.

Estima-se que existam mais de 3 mil antibióticos O futuro do desenvolvimento da biodiversidade no


derivados de microorganismos, cuja exploração eco- Brasil depende da forma como serão administradas
nômica está apenas engatinhando. No Brasil, o con- suas potencialidades, conciliando equilíbrio ecoló-
trole biológico da lagarta da soja (Anticarsia gico, desenvolvimento sustentável, melhoria substan-
gemmatalis) por meio de Baculovirus anticasia gera eco- tiva da qualidade de vida de sua população, cresci-
nomias da ordem de US$200 milhões anuais. O con- mento econômico, modernização, avanço tecnoló-
trole biológico da cigarrinha da cana-de-açúcar pro- gico e a sua integração à economia nacional e mun-

176
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

dial. A integração de ações neste campo devem estar tentável e de punição à má utilização dos recursos.
coordenadas por programas inovativos que estejam
alinhados com os princípios da Convenção sobre O debate sobre um programa de CT&I orientado pa-
Diversidade Biológica, da qual o Brasil é signatário. ra o conhecimento, uso e desenvolvimento de pro-
dutos derivados da biodiversidade brasileira deveria
A Convenção sobre Diversidade Biológica e de ou- levar em conta alguns objetivos estratégicos: i) inven-
tros acordos internacionais recentes se pautam na bus- tariar e ampliar a base de conhecimento sobre a biodi-
ca do desenvolvimento sustentável cujo cumprimen- versidade brasileira; ii) promover o desenvolvimento
to vem ganhando importância nas relações interna- de redes de pesquisa e informação em biodiversi-
cionais. O paradigma do desenvolvimento sustentável dade; iii) identificar o uso desta biodiversidade pelos
que condiciona todas as diretrizes para ações de CT&I vários grupos sociais e étnicos, e avaliar seu potencial
no Brasil não opõe conservação à exploração da biotecnológico e industrial; iv) identificar áreas priori-
natureza; ao contrário, considera que uma das tárias para a conservação da biodiversidade e sistemas
maneiras de conservá-la é criar um marco institucio- de manejo sustentável; v) definir estratégias e ações
nal adequado para a sua exploração sustentável. Isso para repatriar informações sobre a biodiversidade e
pressupõe a definição de incentivos à conservação, seus usos tradicionais e comerciais; vi) estimular in-
de benefícios econômicos para a exploração sus- vestimentos em inovação tecnológica pelo setor em-

Quadro 4
Iniciativas brasileiras em mapeamento e gestão da biodiversidade

Há no Brasil diversas iniciativas destinadas a promover o avanço do Um dos produtos do projeto Biota-Fapesp é um banco de dados
conhecimento sobre a biodiversidade. Uma iniciativa recente é o relacional, que busca todas as informações referentes às coletas rea-
Centro de Referência em Informação Ambiental (CRIA). O CRIA tem lizadas, captando dados relevantes por meio de uma ficha de coleta
como missão promover e disseminar conhecimentos científicos e padrão. As informações são georreferenciadas, por meio da utilização
tecnológicos para a conservação e utilização sustentável dos recursos do GPS, para que os bancos de dados possam ser associados a outras
naturais do País. Seu público alvo é a comunidade científica, educado- bases de dados contendo informações geoespaciais sobre ecossis-
res, formuladores de políticas e tomadores de decisão. O CRIA está temas, ecologia, clima e seqüência genética, entre outros. Estes da-
ligado a outras iniciativas, tais como Rede Inter-americana de Infor- dos poderão ser plotados em um mapa-síntese para a realização de
mação em Biodiversidade (Iabin); Rede Brasileira de Informação em diagnósticos ambientais. Todas as informações passam a estar dispo-
Biodiversidade (BINbr); Programa Biota/Fapesp; Sistema de Infor- níveis via internet. Espera-se que o rápido acesso às informações
mação Ambiental SinBiota/Fapesp; Bioline Internacional. sobre a biodiversidade promova novas perspectivas na conservação
da diversidade biológica no estado de São Paulo.
Entre estas iniciativas, merece destaque o Projeto Biota/Instituto
Virtual da Biodiversidade, implantado com apoio da Fapesp. O obje- Outra iniciativa na área é a Rede Brasileira de Informação em Biodi-
tivo comum dos projetos vinculados ao Biota Fapesp é estudar a versidade (BIN-BR). A BIN-BR faz parte do programa Probio do
biodiversidade do estado de São Paulo, incluindo: i) compreender Ministério do Meio Ambiente, que tem por objetivo subsidiar o
os processos geradores e mantenedores da biodiversidade, inclusi- desenvolvimento do Pronabio (Programa Nacional de Biodiversida-
ve aqueles que possam resultar em sua redução deletéria; ii) siste- de), identificando ações prioritárias, estimulando projetos demons-
matizar a coleta de informações relevantes para a tomada de deci- trativos que promovam parcerias entre os setores públicos e priva-
sões sobre as prioridades de conservação e o uso sustentável da dos e divulgando informações sobre biodiversidade. Este projeto
biodiversidade; iii) divulgar toda a informação gerada de maneira contribuirá para o estabelecimento de uma rede eletrônica com
ampla, rápida e livre; iv) melhorar a qualidade do ensino, em todos informações sobre a diversidade biológica, atualmente dispersa por
os níveis e formas, sobre a natureza e os princípios fundamentais da grande número de instituições e pessoas, tornando-as disponíveis
conservação e do uso sustentável da diversidade biológica. para estudos científicos, tomada de decisões políticas e administra-
tivas e programas de educação. O BIN-BR interage com o Inter-
American Biodiversity Information Network.

177
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

presarial; vii) estabelecer um programa de transferência ciência e tecnologia nacional, contendo mecanismos
dos conhecimentos obtidos para a indústria e para os institucionais ágeis, descentralizados, flexíveis e des-
tomadores de decisão em políticas públicas; viii) burocratizados. É necessário, portanto, um esforço
desenvolver tecnologias capacitadoras (bioinformá- de: i) aprimoramento contínuo da legislação sobre
tica, tecnologia de informação e comunicação; ix) biossegurança, propriedade intelectual e acesso ao
proteger as informações de caráter mais sensível. patrimônio genético; ii) identificação de pontos con-
flitantes e avaliação da legislação associada aos se-
A informatização dos acervos é prioritária, sendo tores produtivos que afetam a diversidade biológica
necessário viabilizar a criação de um sistema de in- (por exemplo: agricultura, silvicultura, produção de
formação on line que integre as bases de dados sobre energia, pesca, mineração, turismo, entre outros); iii)
diversidade biológica. Essas deveriam ser alimenta- elaboração de sistemas inovadores e sui generis de pro-
das de forma descentralizada por instituições públi- teção de conhecimento tradicional associado aos re-
cas, grupos de pesquisa e empresas privadas cujo cursos genéticos; iv) difusão contínua da legislação
envolvimento nas atividades de mapeamento e ex- e de sua aplicabilidade nos diversos campos asso-
ploração da biodiversidade deve ser estimulado. ciados à biodiversidade.

No âmbito legal, é fundamental regulamentar a le- Recursos do Mar


gislação para agilizar e facilitar o acesso à biodiver-
sidade brasileira, particularmente à comunidade de A presença do mar na formação geográfica e histórica

Quadro 5
Acesso a Biodiversidade

A Convenção sobre Diversidade Biológica permite que os países Tendo em vista a importância do patrimônio genético para os avan-
detentores de megadiversidade, como o Brasil, possam auferir não ços nas pesquisas de genoma, área em que as pesquisas brasileiras
apenas compensações pelo seu uso no desenvolvimento de novos se sobressaem, o acesso a esse patrimônio deverá ter controle
produtos tecnológicos, mas principalmente acesso, transferência e mais claro. Por exemplo, uma instituição estrangeira só poderá ter
desenvolvimento conjunto das tecnologias correspondentes. O uso acesso a espécies nativas do Brasil sob a coordenação e responsabi-
sustentável e a conservação da diversidade biológica requerem subs- lidade de uma instituição nacional de pesquisa. A idéia é que os
tancial incremento dos investimentos em P&D, em especial em pesquisadores brasileiros e estrangeiros trabalhem em conjunto e,
áreas como fitofármacos, descoberta de novas moléculas com fins se possível, desenvolvam a pesquisa em território brasileiro. A
medicinais, e desenvolvimento de tecnologias limpas. No entanto, regra de acesso vale também para os bancos de genes da biodiver-
mesmo ratificada, a Convenção não é auto-aplicável e requer legis- sidade brasileira localizados no exterior. Os benefícios que advierem
lação nacional regulamentadora do acesso, seja aos recursos gené- da exploração econômica do patrimônio genético deverão ser repar-
ticos, seja às tecnologias deles derivadas. tidos por quem o estiver explorando, cabendo uma parcela à União,
que se obrigará a utilizar os recursos para financiar a conservação da
O Brasil definiu legislação inovadora que estabelece as regras para diversidade biológica, incluindo a criação de bancos depositários, o
o acesso ao Patrimônio Genético do País, à tecnologia e transferên- fomento à pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico e a
cia de tecnologia para a conservação e utilização da biodiversidade capacitação de recursos humanos. Esses benefícios podem resultar
brasileira. Essa legislação conceitua patrimônio genético como in- tanto da divisão de lucros e royalties, mediante o acesso e a transfe-
formação contida em espécimes vegetal, microbiano ou animal, em rência de tecnologia, ou ainda pelo licenciamento de produtos e
condições in situ ou ex situ; conceitua e regula a bioprospecção processos e pela capacitação de recursos humanos. A legislação
como atividade exploratória para identificar componente do pa- também protege os chamados conhecimentos tradicionais que fo-
trimônio genético e informação sobre conhecimento tradicional rem associados à biodiversidade, ou seja, conhecimentos como os
associado com potencial de uso comercial; trata das expedições de grupos indígenas e de habitantes da floresta.
científicas estrangeiras sem fins comerciais.

178
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

Quadro 6
Ciência e Tecnologia para a Amazônia

A Amazônia brasileira, a par de suas enormes potencialidades natu- No entanto, é claro que nenhum plano terá o impacto desejado sem
rais, é a região brasileira que teve o maior crescimento demográ- a devida capacitação do sistema universitário da região. A longo
fico relativo nas últimas décadas. Isto coloca uma grande pressão prazo este é o maior desafio.
sobre o ecossistema, mas também potencializa o seu aproveita-
mento racional. A C&T são instrumentos essenciais para o desen- Um projeto estratégico para a Amazônia deve contemplar e focali-
volvimento sustentável de um ecossistema tão diverso, complexo e zar as áreas em que a região apresenta seu maior potencial: i) a
rico. É fundamental e urgente que se elabore um plano estratégico biodiversidade amazônica é uma das mais ricas do mundo, sendo
e abrangente de C&T para esta região. assunto de grande interesse internacional. O conhecimento e uso
da biodiversidade deveria ser a linha mestra dos investimentos em
O maior desafio para um plano desta natureza está na falta de C&T na região; ii) a água é uma das maiores riquezas mundiais
recursos humanos qualificados. A região amazônica conta com cer- neste novo século. A bacia do Amazonas é a maior bacia de água
ca de 800 doutores, metade dos quais em funções administrativas. doce do mundo, representando, pois, um enorme potencial para a
Diante do fato de o Brasil estar titulando cerca de 5 mil doutores a região e o País. O investimento de C&T no uso e na qualidade da
cada ano, o número de doutores presentes na região mostra-se água, bem como na biodiversidade a ela associada, é da maior im-
irrisório e contrasta com os números do Sul e Sudeste. portância e deve ser tratada como tal; iii) outras áreas que devem
ser fortalecidas são os recursos florestais, o estudo dos subsistemas
Para agravar este quadro, existem apenas duas instituições que ecológicos, os efeitos climáticos, entre outros.
formaram doutores nesta região no ano de 1999: a UFPA, que for-
mou 17 doutores, e o INPA, que formou 14, somando um total de As unidades de pesquisa do MCT, em particular, o Instituto Nacional
31 doutores. É imprescindível que este quadro se reverta rapida- de Pesquisas da Amazônia e o Museu Paraense Emílio Goeldi, de-
mente. Para isto, é necessário lançar mão de todos os instrumen- vem ser instrumentos para a implantação de um plano abrangente
tos possíveis. O reforço às pós-graduações existentes é apenas um de C&T para a Amazônia. Especial ênfase deve ser dada à questão da
deles. Um plano ambicioso de cooperação científica entre as institui- transferência do conhecimento para o setor produtivo e a socieda-
ções da região com as do Sul - Sudeste também é recomendado. de em geral.

da sociedade brasileira é marcante. Apesar da inte- nhos tem sido largamente negligenciada ao longo das
riorização do desenvolvimento, o País continua vol- últimas décadas. Recursos estratégicos para a eco-
tado para o Atlântico, porta de entrada e saída para nomia pesqueira vêm sofrendo exploração excessiva
o resto do mundo. A Zona Econômica Exclusiva e apresentam rendimentos decrescentes. Ao mesmo
(ZEE) possui aproximadamente 3,5 milhões de km2, tempo, a demanda por produtos pesqueiros, no Brasil
representando 41% da área continental emersa e pos- e no mundo, encontra-se em expansão, abrindo novas
suindo 8.500 km de extensão de zona costeira, ocu- oportunidades para o crescimento do setor, geração
pada por 70% da população do País. de emprego, renda e divisas internacionais.

A ZEE representa uma complexa região do meio ma- Apesar do avanço tecnológico da oceanografia pes-
rinho de grande interesse científico e econômico. Es- queira nas últimas décadas, a produção marinha de
tende-se desde os ambientes costeiros, transicionais peixes, moluscos, crustáceos e algas ainda é muito
entre o continente e o oceano, como estuários, del- menor em relação à pesca e ao extrativismo dos ban-
tas, lagunas, ilhas barreiras, manguezais, planícies de cos naturais. A maricultura representa a melhor al-
maré, costões rochosos e praias, até a plataforma con- ternativa para atender à demanda comercial e à pre-
tinental com os recifes, o talude e o sopé continental. servação dos estoques naturais para as gerações fu-
turas, sendo um dos setores que mais cresce no ce-
A importância econômica dos recursos vivos mari- nário global de produção industrial de alimentos.

179
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

A precariedade do setor de tecnologia pesqueira no ponibilização das informações em tempo real possi-
Brasil representa uma ameaça à atividade econômica bilitam uma gestão mais racional dos estoques pes-
da pesca, não apenas devido ao caráter predatório, queiros, a melhoria dos modelos de previsão meteo-
como também à perda de competitividade para en- rológicas em geral e têm implicações diretas nas ati-
frentar as importações e incrementar as exportações. vidades econômicas, em áreas como agricultura, pro-
O desenvolvimento da tecnologia de pesca é um em- dução de energia hidroelétrica, transportes e defesa
preendimento interdisciplinar envolvendo qualifica- civil. O País já detém razoável capacitação técnica
ção de recursos humanos, pesquisas em economia na área de recepção e processamento de dados de
da pesca, identificação de áreas promissoras por meio satélites. O INPE, o Inmet e a Embrapa operam um
de imagens de satélite, tecnologia de pré-processa- conjunto de satélites ambientais, projetados e cons-
mento industrial do pescado e tecnologia e instru- truídos no País, que já estão sendo utilizados na re-
mentação da embarcação. cepção de dados oceânicos coletados por platafor-
mas derivantes e fixas.
A área da biotecnologia marinha vem se expandindo
rapidamente, com aplicações em um vasto campo, Ciência, Tecnologia e Inovação têm papel essencial
desde a medicina até a preservação do ambiente ma- na implementação das atividades científicas e tec-
rinho e costeiro, e com significativas implicações so- nológicas do mar definidas como de interesse para o
cioeconômicas. Apesar de restritas ao meio acadê- desenvolvimento socioeconômico sustentável do
mico, as pesquisas atuais sobre biotecnologia mari- país, identificando-se ainda com os programas esta-
nha no Brasil têm gerado evidências convincentes belecidos no âmbito do Plano Setorial para os Re-
de que as substâncias bioativas extraídas da biota cursos do Mar (PSRM), implementados sob a coor-
marinha são passíveis de exploração econômica, cuja denação da Comissão Interministerial para os Re-
viabilidade depende, em caráter preliminar, de ações cursos do Mar (CIRM).
no âmbito de CT&I.
A cooperação internacional é essencial para poten-
O desenvolvimento tecnológico nas áreas de moni- cializar os esforços de CT&I locais. Baseada nos prin-
toramento oceânico por satélites (com ou sem pla- cípios básicos de "benefício mútuo" e de "subsidia-
taformas in situ) vem ampliando as fronteiras das riedade", a cooperação internacional da área de
ciências marinhas e de suas aplicações. A coleta e CT&I do Mar inclui três vertentes: i) participação
análise matemática de informações em tempo real em fóruns internacionais que originam as direções
está permitindo o rápido desenvolvimento da ocea- políticas das ciências e tecnologias do mar; ii)
nografia operacional. Os dados operacionais coleta- participação em programas e planos de ação
dos pela rede de monitoramento terão duplo uso: internacionais em que o Brasil está comprometido
em primeiro lugar, continuarão a dar suporte às pes- em algum nível; iii) cooperação bilateral em CT&I.
quisas científicas e, em segundo, serão usados em
sistemas de previsão das condições oceânicas, de mo- Uma comissão de especialistas reunidos pelo MCT
do similar aos sistemas de previsão de tempo atuais. destacou dois temas como merecedores de ações in-
O monitoramento das condições oceânicas e a dis- duzidas: i) impacto do oceano Atlântico no clima

180
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

do Brasil e nas mudanças globais; ii) sustentabilidade logístico, é temática e geograficamente desigual. Nes-
dos sistemas marinhos costeiros brasileiros. se sentido, o grande desafio que se coloca para a
estrutura de apoio governamental à ciência e tecno-
O levantamento e monitoramento do oceano Atlân- logia marinha é a consolidação de uma competência
tico revestem-se de vital importância, especialmente endógena, conjuntamente com a viabilização de uma
devidos aos impactos socioeconômicos resultantes de infra-estrutura de pesquisa, sobretudo em termos de
fenômenos naturais originados em alto mar ou regiões laboratórios e de meios flutuantes, e que incluiria o
remotas e mesmo em regiões próximas à zona costeira, fomento a um programa de desenvolvimento de ins-
justificando a necessidade de estudos sobre as cor- trumentação oceanográfica e a instalação de tanques
rentes, formação e propagação de ondas, e ciclos migra- de prova de navios oceânicos, calibração e instru-
tórios de espécies economicamente relevantes. mentação oceanográfica. Adicionalmente, deve-se
fomentar pesquisas na área de construção, inspeção,
A biodiversidade marinha e costeira vêm sofrendo reparo e desativação de estruturas flutuantes e sub-
os efeitos de fenômenos naturais e de ações humanas, marinas, utilizadas na exploração e explotação de
tais como poluição originária de fontes terrestres, recursos do mar.
sobreexploração de recursos vivos e utilização de
técnicas destrutivas de extração de recursos mari- O reforço à formação de recursos humanos é uma
nhos. Devido ao papel que a biodiversidade marinha das prioridades na área de CT&I do Mar. Ao longo
e costeira representa para a manutenção dos ecos- dos próximos dez anos, seria necessário: i) ampliar o
sistemas naturais que produzem e mantêm os recur- apoio à formação de profissionais qualificados de
sos pesqueiros, a conservação desses recursos é ta- nível superior e pós-graduação, especialmente dou-
refa considerada como fundamental e inadiável. Um tores, em oceanografia no exterior; ii) induzir o inter-
amplo entendimento sobre sustentabilidade dos sis- câmbio de pesquisadores em âmbito nacional e inter-
temas marinhos e costeiros deve contribuir para a nacional; iii) estimular parcerias com o setor produ-
solução de questões como: i) aproveitamento e con- tivo para a implementação de programas de especia-
servação da biodiversidade da costa brasileira; ii) de- lização e aperfeiçoamento.
senvolvimento de tecnologia pesqueira eficiente; iii)
aprimoramento das atividades de maricultura; iv) Recursos Hídricos
otimização dos processos de aproveitamento dos re-
cursos minerais da zona costeira; v) minimização dos O uso da água é uma questão que tem suscitado
impactos naturais e de atividades humanas na zona grande preocupação no que diz respeito às bases de
costeira. sustentação da sociedade moderna. Levando em con-
ta a demanda corrente e projetada para a próxima
Para o desenvolvimento das atividades de pesquisa década, a avaliação da disponibilidade indica que,
e de geração de conhecimentos em ciência e tecno- em condições de normalidade climática, pode-se
logia marinha, o País conta, hoje, com cerca de trinta considerar que a maior parte do território brasileiro
instituições. Contudo, a capacidade instalada, em ter- conta com recursos hídricos que, bem utilizados, são
mos de infra-estrutura, recursos humanos e apoio suficientes. No entanto, observam-se condições crí-

181
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

ticas em algumas regiões onde o uso da água é intenso, das águas superficiais e subterrâneas; vii) desenvol-
como na vizinhança das cidades médias e principal- vimento de técnicas de previsão meteorológica, com
mente das regiões metropolitanas ou que atravessam o aperfeiçoamento das redes de observação.
longos períodos de estiagem, como no semi-árido nor-
destino, onde a falta de água compromete seriamente As regiões semi-áridas brasileiras requerem atenção
a economia e as condições de vida da população local. especial, por apresentar grave quadro de fragilidade
Ademais, as projeções de demanda de água para con- socioeconômica associado à disponibilidade e sus-
sumo humano, irrigação, geração de energia e fins tentabilidade dos recursos hídricos. As economias
industriais para os próximos dez anos revelam um qua- locais são afetadas pela ocorrência sistemática de
dro não menos preocupante, especialmente se não fo- secas e pela escassez de água, seja para abasteci-
rem revertidos o uso predatório e as atuais ineficiências mento humano, seja para uso econômico, resultando
na gestão dos recursos hídricos do País. em elevados níveis de pobreza e em movimentos
populacionais para outras regiões, em busca de me-
Em 1995, a Associação Brasileira de Recursos Hídri- lhores oportunidades. Essa fragilidade é agravada
cos (ABRH, Carta do Rio de Janeiro 1995) definiu pela sobreexploração da base de recursos naturais,
como maior prioridade nacional em recursos hídri- contribuindo para acelerar os processos de degra-
cos e saneamento ambiental a reversão urgente da dação e desertificação do solo.
dramática poluição dos corpos de água, em especial
nos grandes centros populacionais. Soluções para Embora o fenômeno das emigrações não possa ser
várias questões relacionadas à gestão sustentável dos atribuído apenas à escassez de água, não há dúvidas
recursos hídricos podem ser geradas a partir de uma de que a seca periódica é um fator de expulsão po-
base adequada de CT&I. pulacional. Assim, um desafio do desenvolvimento
científico e tecnológico em recursos hídricos é con-
Uma possível agenda para investimentos, pesquisas, tribuir para gerar condições de vida adequadas para
desenvolvimento de tecnologias e capacitação de a população das regiões semi-áridas. Para isso, é pre-
recursos humanos incluiria: i) monitoramento hidro- ciso aumentar a disponibilidade hídrica por meio de
lógico e ambiental acoplados a sistemas de informa- técnicas inovadoras como novas formas de explora-
ções avançados; ii) recuperação, melhoria e amplia- ção de água subterrânea no cristalino, processos de
ção da rede hidrometeorológica, contemplando-se dessalinização, processos integrados de gestão da de-
pequenas bacias hidrográficas; iii) desenvolvimento manda e de racionalização do uso da água, controle
de conhecimento e tecnologias para a exploração e e melhoria da qualidade da água e melhoria da pre-
despoluição das águas subterrâneas; iv) desenvolvi- visão climatológica.
mento de tecnologia para conter a erosão do solo e
o assoreamento dos corpos de água naturais e reser- No passado, o manejo dos recursos hídricos e do
vatórios; v) controle da salinização dos solos e das meio ambiente em geral tinha uma abrangência lo-
águas no semi-árido; vi) monitoramento, avaliação cal, tal como um trecho de rio ou um perímetro de
e controle dos impactos de mudanças no uso da terra irrigação. Atualmente, os problemas hídricos já são
e da urbanização na quantidade, qualidade ou regime vistos pelo menos em escala da bacia hidrográfica,

182
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

assim mesmo levando em conta que muitas vezes as A gestão apropriada de recursos hídricos nacionais
condições das bacias são profundamente afetadas requer ações visando: i) ampliar o corpo técnico qua-
por mudanças e ocorrências exógenas. A redução da lificado; ii) ampliar e modernizar o acervo de dados
disponibilidade dos recursos hídricos, a deterioração hidrológicos, sedimentológicos e de qualidade da
da qualidade da água e a intensificação da concor- água; iii) desenvolver e implantar sistemas de infor-
rência pelo seu uso exigem uma maior eficiência na mações para subsidiar a tomada de decisão; iv) cons-
gestão desses recursos. O planejamento da ocupação cientizar a população sobre o assunto.
da bacia hidrográfica é fundamental tanto para asse-
gurar a sustentabilidade dos recursos hídricos, como É inegável a falta de profissionais capacitados para
para garantir a provisão dos bens e serviços associa- atuar no setor de recursos hídricos hoje no País, par-
dos à sua exploração ticularmente com formação universitária e pós-gra-
duação. Tradicionalmente, o tema Recursos Hídricos
O Brasil carece de sistemas de planejamento de ba- é tratado de forma marginal nos cursos de engenharia
cias hidrográficas e de gestão integrada de recursos civil e de geografia. Em ambos, prevalece uma visão
hídricos. A recente criação da Agência Nacional de segmentada em várias disciplinas, tais como irrigação,
Águas e a aprovação de legislação relativa ao manejo energia e abastecimento doméstico. A recente criação
de bacias hidrográficas são alguns passos tomados do fundo setorial CTHidro (ver capítulo 6) repre-
no sentido de reverter o quadro herdado do passado senta uma mudança considerável em relação ao pas-
Entretanto, a capacitação do País nessas áreas passa sado e abre novas perspectivas para que CT&I pos-
necessariamente pelas ações de CT&I, desde o co- sam contribuir para a gestão e utilização sustentável
nhecimento do comportamento das bacias hidrográ- dos recursos hídricos.
ficas, formação de recursos humanos até o domínio
de tecnologias de monitoramento por satélite e sis- Recursos Minerais
temas de informação ambiental.
O setor de mineração tem uma importância estraté-
As ações de CT&I para gestão sustentável dos re- gica para a economia brasileira. No final dos anos
cursos hídricos devem levar em conta a necessidade noventa, a produção mineral era superior a US$15,5
de desenvolver tecnologias apropriadas às peculia- bilhões, dos quais US$7,5 bilhões correspondiam a
ridades das regiões brasileiras e capacitar e treinar petróleo e gás natural. Por seu turno, as importações
recursos humanos para aplicá-las, evitando a defa- de petróleo e gás atingiam cerca de US$5 bilhões,
sagem e dependência da cooperação de outros países. mas as exportações de outros bem minerais eram su-
Também deve levar em conta a necessidade de pro- periores a US$6 bilhões. Dada a inserção estratégica
gramas de comunicação e educação ambiental, vi- do setor mineral na economia doméstica e interna-
sando conscientizar a população, em especial as cional, sua perspectiva para os próximos dez anos é
crianças e jovens, sobre a importância da proteção e de crescimento a uma taxa superior à da economia
conservação dos corpos d'água, seus leitos, margens como um todo.
e várzeas.
Graças a importantes investimentos realizados nas

183
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

últimas décadas, principalmente pelo CNPq, Capes pessoal é ainda insuficiente. Na pós-graduação, é ne-
e Fapesp, o País conta hoje com um número razoá- cessário promover a convergência entre as compe-
vel de doutores e mestres especialistas nas diferen- tências da comunidade científica e as demandas do
tes subáreas do setor mineral. Não obstante essa ca- setor produtivo. Ademais, o País ainda carece de sis-
pacitação, inúmeros desafios e gargalos na área de temas de informação integrados e de desenvolvimen-
CT&I devem ser equacionados. Será necessário unir to científico e tecnológico na exploração e aprovei-
esforços do setor governamental, da iniciativa tamento dos recursos minerais brasileiros, especial-
privada e da comunidade técnico-científica brasileira mente em levantamentos aerogeofísicos e softwares
para superar alguns desafios: i) ampliação sig- de processamento e interpretação de seus produtos,
nificativa do conhecimento geológico das províncias e nas áreas de lavra subterrânea, beneficiamento, me-
minerais e dos seus recursos (em especial na Ama- talurgia extrativa, recuperação de áreas degradadas
zônia), condição sine qua non para atrair investi- e monitoramento ambiental de efluentes sólidos, lí-
mentos; ii) desenvolvimento tecnológico necessário quidos e gasosos. Finalmente, é preciso expandir a
ao aproveitamento dos depósitos minerais; iii) atua- relação entre as universidades, e entre estas e com-
lização da capacitação dos profissionais do setor; iv) panhias de pesquisa e órgão reguladores, como a
homogeneização da capacidade científica das regiões Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais
assim como do conhecimento sobre as várias regiões (CPRM) e o Departamento Nacional de Produção
do país; v) fortalecimento da competitividade da Mineral (DNPM), além de fomentar a criação de re-
indústria mineral nacional pela inovação tecnológica; des, centros ou grupos de pesquisa cooperativa mul-
vi) minimização dos efeitos ambientais na mineração tiinstitucional, envolvendo universidades, institutos,
e viabilização do desenvolvimento sustentável. centros de pesquisa, empresas e outras agências go-
vernamentais.
A região Amazônica representa cerca de 60% do ter-
ritório brasileiro, e, em que pesem as descobertas Devem ser desenvolvidas também ações para apoiar
das grandes províncias minerais de Tapajós, Rondô- a difusão de novas tecnologias e a realização de testes
nia e Carajás, permanece uma das menos conhecidas experimentais e demonstrativos de sua adaptação às
da terra sob o ponto de vista geológico e geofísico. condições brasileiras, e promovidos, com especial
O pequeno número de instituições científicas e tec- atenção, programas e projetos de inovação e apoio
nológicas locais e a grande dificuldade de fixação de tecnológico para as pequenas empresas. A criação
profissionais na região constituem em lacunas adi- dos fundos setoriais, particularmente o CTPetro e
cionais na capacidade de desenvolvimento de pes- CTMineral, abre novas perspectivas para que CT&I
quisas e tecnologias avançadas apropriadas à explo- possam contribuir para a utilização sustentável dos
ração mineral da região. recursos minerais da Nação.

É necessário reforçar as iniciativas de formação de


técnicos em mineração em todos os níveis. Na Ama-
zônia, a oferta de técnicos de nível médio, de cursos
de especialização e de capacitação continuada de

184
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

PARTE 2: GRANDES VULNERABILIDADES


E OPORTUNIDADES

Não há dúvidas de que a maior vulnerabilidade do


País é o déficit social acumulado ao longo da sua
história. Neste Livro, tem-se examinado, em linhas
gerais, as relações entre a CT&I e os problemas so-
ciais do País sob dois pontos de vista: de um lado,
como tais carências colocam-se como obstáculos ao
desenvolvimento, em geral, e da CT&I, em particular;
de outro lado, a contribuição que a CT&I podem
aportar para a superação destas macrovulnerabili-
dades. Aqui, a questão das vulnerabilidades é trata-
da por outro prisma, mais pontual, referindo-se a al-
gumas áreas do conhecimento e a setores da econo-
mia onde o País não pode correr riscos associados à
falta de domínio científico e tecnológico. Enfrentar
esses desafios significa abrir novas oportunidades,
“Os países de maior desenvolvimento
tanto para o progresso do conhecimento como para
tecnológico estão em condições de se
a geração de riqueza e a promoção do desenvolvi-
beneficiar mais de suas relações com
mento em geral.
os demais países. Conseguem captar
muitas dos novos saberes que aqui se
Fármacos
produzem. Este risco da

O setor de fármacos e outras especialidades da quí- internacionalização afeta o que


mica fina cobre uma ampla variedade de produtos, fazer em matéria de educação e
com elevado conteúdo tecnológico e alto valor agre- formação de recursos humanos. Estes
gado. Possui ainda importante aplicação nas áreas vínculos entre globalização e C&T
de saúde e alimentação e tem implicação estratégica ganham maior projeção em algumas
para o desenvolvimento econômico, devido à inter- das regiões do País, em particular na
relação com grande número de outros setores indus- Amazônia.”
triais. Com a acelerada ampliação dos conhecimentos
Luiz Bevilacqua,
na área das ciências da vida, abriu-se novo campo Laboratório Nacional de Computação Científica

185
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

de atuação industrial, a biotecnologia, atingindo es- economia globalizada, por serem competitivas no
pecialmente as áreas de produtos para a saúde e para mercado interno e apresentarem reais possibilidades
a produção de alimentos. De especial relevo para o de acesso ao mercado externo. A passagem do poten-
avanço da utilização científica e industrial da biotec- cial para o efetivo requer um ambiente econômico
nologia é o patrimônio genético natural, de que o favorável e capacitação tecnológica local, especial-
Brasil é particularmente rico. mente através de estímulos específicos, dentro das
regras praticadas internacionalmente.
Apenas cerca de 20% do faturamento total do setor é
gerado por empresas brasileiras, percentual que se • Configurando um "monopólio legal"
reduziu nos últimos anos. As importações totais do
setor (produtos finais ou intermediários de síntese) O uso do poder de compra do Estado, aplicado com
cresceram sensivelmente nos últimos dez anos, con- tanto sucesso nos Estados Unidos e demais países
tribuindo de forma significativa para o déficit da ba- desenvolvidos, teve uma incipiente e muito questio-
lança comercial brasileira. O aumento das importa- nável experiência no Brasil, representada pela Central
ções ocorrido ao longo desse período acarretou a dimi- de Medicamentos (CEME) do Ministério da Saúde.
nuição da produção realizadas por empresas brasileiras, Hoje, tem se revelado fundamental a ampliação re-
em que pese o extraordinário crescimento do mercado. cente da capacidade de produção de fármacos e vaci-
nas dos laboratórios oficiais, especialmente da Fio-
O perfil das indústrias atuantes no Brasil apresenta cruz, Tecpar e Butantã. Essa produção tornou-se pos-
uma dicotomia marcante. Um bloco de empresas de sível pela determinação do Ministério da Saúde de
grande porte, diversificadas, com produtos de alta tec- elevar o percentual de encomendas realizadas aos
nologia, normalmente subsidiárias de empresas inter- laboratórios públicos, bem como pela progressiva
nacionais é responsável por cerca de 80% da produção capacitação tecnológica dessas instituições. Esse fato,
total do setor; um segundo bloco de empresas de pe- ao lado da política de genéricos, viabiliza não apenas
queno ou médio porte, em sua maioria de origem local, redução de custos, como serve de indicação, para as
responde pelos outros 20% da produção interna. licitações públicas, de quais são os efetivos custos de
produção de uma série de medicamentos.
As empresas brasileiras têm uma fragilidade em
relação as demais, representado pela dificuldade de Um outro exemplo da interveniência do Estado nesta
acesso à tecnologia, quer via transferência, quer via área é a aprovação de legislações, em alguns países,
geração própria, ainda que, recentemente, existam que visam estimular o investimento em atividades de
excepcionais exemplos de desenvolvimento tecno- pesquisa e desenvolvimento tecnológico para a cura
lógico no âmbito dessas empresas, algumas com pa- de doenças raras. Um bom exemplo neste sentido é o
tentes internacionais. Orphan Drug Act, aprovado pelo congresso norte-
americano em 1992, o qual estabeleceu toda uma polí-
A despeito de tais dificuldades, existem áreas do setor tica industrial visando ao desenvolvimento tecnoló-
de fármacos e outras especialidades da química fina gico e a industrialização de novas drogas destinadas
que apresentam potenciais de crescimento em uma ao combate de doenças que afetam a menos de 200

186
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

Quadro 7
A questão de patentes de fármacos
Novas moléculas e medicamentos recebem proteção patentária tratamento da Aids e da Lei de Patentes demonstra o valor das
por certo período de tempo. Regulada pela Organização Mundial da negociações para solucionar conflitos neste campo. O País terá
Propriedade Intelectual (OMPI), a proteção das inovações constitui tanto mais êxito em eventuais negociações sobre direitos de pro-
um "monopólio legal" e é essencial para garantir os direitos dos priedade, caso tenha capacidade tecnológica para, sem romper com
inovadores e favorecer os investimentos, muitas vezes de risco os acordos internacionais dos quais é signatário e ao amparo da
elevado, em P&D. Em alguns mercados, contudo, a proteção per- legislação nacional, enfrentar situações adversas que poderiam re-
mite a prática de preços tão elevados que terminam gerando um sultar de uma indesejável falta de acordo em negociações sobre
conflito entre os interesses privados das empresas e os da socieda- casos específicos.
de em geral. Esse conflito é mais grave quando os produtos prote-
gidos não encontram qualquer substituto, têm grande utilidade so- Neste sentido e, em particular, na área crítica de medicamentos, é
cial e devem ser comprados pela população de países mais pobres necessário reforçar tanto a base de geração de conhecimento do
e de renda intermediária. Este é o caso de alguns medicamentos País neste campo, como a capacidade tecnológica e de inovação das
essenciais para o combate de moléstias de grande impacto epi- empresas de capital nacional, para produzir localmente sob licença
demiológico, que não contam com substitutos, mesmo de geração produtos patenteados. Em termos mais gerais, a conciliação dos
tecnológica anterior e menor eficácia terapêutica. O desafio nesta interesses dos inovadores com o dos consumidores, expresso em
área é compatibilizar a necessidade de preservar o incentivo à ino- preços de mercado não monopolistas, passa pela: i) capacidade para
vação e o interesse maior da sociedade como um todo. O recente fabricar no País o produto patenteado ou licenciado; ii) incentivos à
confronto entre o governo federal do Brasil, os grandes laboratóri- fabricação de produtos similares e genéricos; iii) facilitação dos
os de empresas multinacionais e o governo dos Estados Unidos da procedimentos visando ao uso de dados proprietários para o regis-
América em torno dos preços de medicamentos utilizados para o tro sanitário de produtos similares.

mil pessoas/ano. Empresas envolvidas em tais adquiridos pelo setor público, especialmente na área
programas recebem créditos fiscais referentes a de fármacos e produtos farmacêuticos, têm por objeti-
dispêndios em testes clínicos e doações para o vo alcançar menores preços. Esse aspecto é funda-
desenvolvimento das drogas, além da exclusividade mental, tanto pelo peso que os medicamentos tem na
de mercado por sete anos, após a droga ter sido cesta de consumo da população de menor renda, como
aprovada pela FDA. Outro exemplo vem do Japão, também em função da elevada margem de lucro prati-
onde as drogas órfãs são aquelas requeridas por menos cada no setor de fármacos. Ainda assim, seria interes-
de 50 mil pacientes/ano, e ao seu desenvolvimento sante cogitar mecanismos de incentivo ao desen-
estão direcionados os seguintes instrumentos de volvimento tecnológico, premiando a capacitação local
incentivo: financiamento, redução de impostos, que reduzisse a vulnerabilidade do sistema.
prioridade no exame pelo órgão de saúde e concessão
de exclusividade de mercado por dez anos. A situação particular do Brasil recomenda que sejam
feitos esforços visando à recuperação da infra-estru-
A Lei de Licitações vigente no País foi concebida com tura operacional ociosa ou desativada, através da alo-
o propósito de combater situações irregulares ante- cação orientada de investimentos pouco expressivos
riormente encontradas em grandes licitações para em volume, mas estratégicos para o desenvolvimen-
obras públicas de infra-estrutura e, naturalmente, nun- to do setor. Adicionalmente, é necessário prever a im-
ca teve pretensões de se tornar um agente motivador plantação de novas unidades produtivas na ampla área
para o investimento industrial no Brasil, especialmente que envolve os negócios agropecuários (defensivos
em segmentos de alta tecnologia. Como não poderia agrícolas ou produtos químicos derivados da agri-
deixar de ser, os processos de licitação de produtos cultura) e da saúde (medicamentos), que não necessi-

187
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

tam de longo período de maturação, além de consti- carburante gerado a partir de biomassa. A viabilidade
tuírem produtos com valor estratégico para o desen- da reconversão energética, particularmente a imple-
volvimento econômico, inclusive a balança comercial mentação do programa de geração de energia a partir
e o atendimento de necessidades sociais do País. da biomassa, contou com soluções tecnológicas de-
senvolvidas pela Ciência e Tecnologia nacionais.
No âmbito específico do MCT, são fundamentais a Apesar da escassez da energia, consolidou-se a per-
coordenação institucional e a implementação de me- cepção, associada possivelmente à disponibilidade
didas destinadas a compor uma bem articulada polí- de recursos hídricos, de que a energia era um produto
tica tecnológica para o complexo produtivo de fár- abundante, barato e praticamente inesgotável. Fa-
macos e outras especialidades da química fina brasi- mílias, empresas e governos deram, portanto, pouca
leira, como, por exemplo: i) apoiar e estimular a pes- ou nenhuma prioridade ao uso racional da energia.
quisa e o desenvolvimento de tecnologias, especial- A crise que afeta o País neste início de década, ao
mente em áreas como a biotecnologia e a engenha- mesmo tempo em que reflete a debilidade do planeja-
ria genética; ii) privilegiar mecanismos de financia- mento e a falta de investimentos no setor nos últimos
mento voltados para a inovação, relacionados com quinze anos, oferece uma oportunidade de mudança
o processo produtivo básico, produtos genéricos e de rumos, redefinição de estratégias, valorização de
drogas órfãs; iii) definir o uso de incentivos fiscais e fontes alternativas de energia e reavaliação de
não fiscais, principalmente o poder de compra do atitudes e costumes, da população em geral, das
Estado, para estimular o desenvolvimento local de empresas e do setor público. CT&I têm certamente
tecnologias e conseqüente processo de fabricação; grande contribuição a dar para reduzir a vulnerabi-
iv) criar mecanismos para apoiar a industrialização lidade energética do País.
pioneira.
O Brasil deverá conduzir, na próxima década, um
Energia ambicioso programa de expansão de capacidade
energética instalada. A previsão de crescimento do
No período recente, o Brasil viveu várias crises ener- consumo total de energia elétrica no período de
géticas. Em passado não muito remoto, a falta total 2000/2009 é de 4,7% ao ano. Paralelamente, prevê-
ou a irregularidade no fornecimento de energia elé- se que a oferta de energia elétrica deverá crescer de
trica era a regra em cidades do interior de pequeno 64.300 MW para 109.400 MW, incluindo as parcelas
e médio porte. Nos anos setenta, a crise do petróleo de energia importadas através de interligações com
evidenciou a fragilidade da matriz energética brasi- países vizinhos. Igualmente, imagina-se que a parti-
leira, dependente do binômio água abundante (con- cipação termelétrica passará de 9,2 % para 25,0%
dicionada ao regime de chuvas) e petróleo barato no período, reduzindo tanto a pressão sobre o sistema
(sujeito às flutuações do mercado internacional e à hidroelétrico como a vulnerabilidade daí decorrente.
disponibilidade de divisas para pagar importações).
Em resposta à crise do petróleo, o País promoveu O setor energético exige gestão planejada e de longo
uma radical mudança de sua matriz energética, subs- prazo, inclusive em relação ao suporte científico e
tituindo o petróleo por energia hidroelétrica e por tecnológico necessário para o seu desenvolvimento.

188
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

Nesse sentido, ressalte-se a recente elaboração do série de obstáculos econômicos e ambientais que re-
Programa Nacional de Ciência e Tecnologia para o comendam a busca de novas alternativas.
Setor de Energia (CTENERG). Um documento pre-
liminar para discussão e consulta pública aponta as Nesse novo ambiente, deve-se priorizar as seguintes
seguintes ações como prioritárias na década: i) pes- linhas de desenvolvimento tecnológico: novas téc-
quisas para desenvolver novas fontes de energia, des- nicas de projeto, construção e operação de usinas
de a concepção em laboratório até a operação em hidroelétricas; desenvolvimento e adequação de tec-
escala comercial; ii) estudos visando melhorar a efi- nologias para aumentar a competitividade de peque-
ciência energética e econômica das fontes atuais de nas e médias centrais de geração; desenvolvimento
energia, especialmente a elétrica; iii) desenvolvi- de tecnologias de geração limpa com emprego do
mento de tecnologias que permitam a utilização mais carvão mineral (gaseificação do carvão e sistemas
eficiente da energia disponível; iv) desenvolvimento de combustão de elevado desempenho); desenvol-
de modelos para avaliar e quantificar os impactos vimento de tecnologia e ferramentas para manuten-
socioeconômicos e ambientais decorrentes da ção e operação de usinas termelétricas.
implantação e operação de sistemas energéticos,
especialmente elétricos; vi) estudos e projetos de de- • Geração e Cogeração a partir da Biomassa
senvolvimento de novas tecnologias para transmis- A cogeração permite reduzir os custos, elevar a segu-
são e distribuição de energia; vii) promoção da ca- rança e confiabilidade da energia e reduzir os impac-
pacitação de recursos humanos na área energética. tos ambientais. Nesse sentido, propõe-se apoiar as se-
guintes áreas: desenvolvimento, em escalas de ban-
• Geração Hidroelétrica e Termoelétrica cada e protótipo, da gaseificação e purificação de re-
Estima-se que o crescimento da geração térmica no síduos pesados do refino de petróleo e de fontes re-
Brasil deverá estar baseado principalmente na utili- nováveis de energia (biomassa); desenvolvimento de
zação do gás natural, cujas limitações de suprimento tecnologia de microturbinas para aumento da eficiên-
e condições financeiras de uso ainda são objeto de cia energética e a possibilidade de utilizar resíduos de
intensos debates; do carvão e de biomassa, sob as vários tipos de combustíveis, inclusive o gás natural;
formas de madeira, bagaço de cana e resíduos in- realização de estudos setoriais e regionais sobre o
dustriais, agrícolas e urbanos para usinas de menor potencial técnico, econômico e de mercado da coge-
porte. Isto não implica abrir mão de explorar o ele- ração de energia; produção de óleos vegetais e con-
vado potencial hidráulico (93.000MW de potencial versão dos motores de combustão interna para uso
inventariado firme e competitivo economicamente). destes óleos in natura para geração em comunidades
isoladas; sistemas de gaseificação de biomassa (de
Como é sabido, no Brasil a geração de energia elé- pequeno porte para resíduos rurais e de maior porte
trica tem como principal fonte os recursos hídricos. para subprodutos da cana); limpeza dos gases, uso do
Embora abundantes, a exploração econômica desses gás em motores e microturbinas; processos de pirólise
recursos mediante novos empreendimentos, locali- e conversão dos motores para geração; otimização do
zados principalmente na região Norte, oferece uma emprego dos resíduos nas indústrias que têm a biomas-

189
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

sa como insumo básico (indústria de papel e celulose, • Equipamentos para transmissão e distribuição
agroindústrias e setor sucro-alcooleiro). A maior parte da rede básica de transmissão é com-
posta de linhas e equipamentos com vida média na
• Geração eólica e solar (fotovoltaica e faixa de vinte a trinta anos de serviço, o que acarreta
Heliotérmica) inevitável degradação da confiabilidade do sistema,
A utilização do sol e dos ventos como fonte primária agravada pela reconhecida sobrecarga do sistema
de energia tem mostrado um crescimento expressivo existente. Desta forma, aparece claramente a impor-
em vários países do mundo, principalmente a partir tância estratégica de investir no desenvolvimento de
da década de setenta, com a crise do petróleo e o tecnologias de transmissão que permitam aumentar
fortalecimento das políticas ambientalistas. a capacidade de transporte e a confiabilidade com
baixos custos de investimento e operação.
No Brasil, a energia eólica tem sido usada há muito
tempo, de forma isolada e em pequena escala. Os A nova institucionalidade do setor elétrico vem for-
avanços tecnológicos dos últimos anos possibilita- çando as empresas concessionárias de distribuição de
ram uma penetração ainda maior das turbinas eólicas energia elétrica a oferecer uma qualidade crescente
para a geração de energia elétrica no País. A tecno- dos serviços prestados aos seus clientes, bem como a
logia eólica de pequeno porte para geração elétrica buscar a redução dos seus custos com o objetivo de
doméstica ou mesmo para atendimento a comuni- aumentar a competitividade. Este cenário abre pers-
dades isoladas que ainda não são atendidas pela rede pectivas para o desenvolvimento de novas articulações
elétrica convencional deveria ser explorada. com empresas e instituições de C&T visando encontrar
soluções inovadoras em vários segmentos da ativi-
A energia solar, por sua vez, é usada como fonte de dade de transmissão e distribuição de energia elétrica.
calor (aquecimento de água, secagem) ou para pro-
duzir energia elétrica diretamente pelo emprego da • Conservação e uso final de energia
tecnologia fotovoltaica. Esta fonte de energia tem As atuais limitações de recursos financeiros associa-
sido empregada como alternativa de suprimento para da à crescente importância da preservação ambiental
o meio rural, caracterizado por pequenas demandas torna ainda maior o desafio de expansão do sistema,
dispersas (telecomunicações, necessidades residen- isto é, a colocação de novas usinas e grandes troncos
ciais básicas, aplicações de cunho social etc.). de transmissão para atendimento à demanda.

A aplicação em larga escala da tecnologia eólica e No que se refere ao uso final, a conservação de ener-
fotovoltaica, tanto para demandas dispersas e isoladas gia elétrica tem assumido um papel importante, como
quanto interligadas à rede elétrica, carece de soluções um dos instrumentos efetivos na diminuição do cres-
ou aperfeiçoamentos, criando amplas oportunidades cimento da demanda de energia elétrica. Além disso,
não apenas para a pesquisa, como também para o as mudanças em curso no setor elétrico exigem das
desenvolvimento de novos negócios e a geração de empresas uma postura de busca permanente da efi-
emprego. ciência e redução de perdas, tornando ainda maior a

190
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

importância da continuação dos programas de con- portanto, favorecido do ponto de vista do meio am-
servação de energia e gerenciamento da demanda. biente. O hidrogênio é, entretanto, um vetor energé-
tico de difícil armazenamento, cuja produção é não-
• Energia e meio ambiente trivial. Novos reformadores catalíticos poderiam per-
A crescente preocupação com o desenvolvimento mitir a sua geração a partir do etanol, uma inovação
sustentável traz um novo desafio para a expansão e que faria uso da tecnologia de produção do álcool,
operação do sistema elétrico brasileiro, traduzido pelo amplamente dominada pelo Brasil. O próprio etanol
reconhecimento de que a adoção de uma estratégia poderia, desenvolvidas as tecnologias apropriadas,
energética incorrerá também na escolha de uma estra- ser empregado como combustível em células. Um
tégia ambiental. programa de pesquisa na área deveria levar em conta:
i) a melhoria da eficiência das células mediante a
Além dos pontos mencionados anteriormente, a pesquisa em novos materiais; ii) sistemas catalíticos
agenda de CT&I para o setor de energia é muito am- inovadores para produção de hidrogênio (plasma, ele-
pla. Dois temas merecem apreciação adicional: a apli- trólise em células fotovoltaicas, reformadores cata-
cação de novos materiais e a célula combustível. líticos a partir de biomassa); iii) sistemas de armaze-
namento e distribuição de hidrogênio; iv) a realização
- Novos Materiais de estudos sobre aspectos ambientais e sociais, bem
Cada parte do sistema de geração de energia (geração, como análises de viabilidade econômica dessas novas
transmissão, distribuição e utilização final da energia) tecnologias, especialmente tendo em vista os resul-
faz uso de materiais específicos, de acordo com as tados internacionais e o potencial de desenvolvimen-
tecnologias utilizadas, que afetam diretamente a efi- to de tecnologias apropriadas para o Brasil.
ciência dos sistemas. Assim, projetos de P&D na área
de materiais devem considerar estas necessidades es- Tecnologia da Informação
pecíficas.
Já no século XXI, a revolução da informação e da
- Desenvolvimento de Células Combustíveis comunicação redesenha o mapa econômico do mun-
Células de combustível representam uma nova tec- do e traz mudanças profundas nas forma de produ-
nologia para produção direta de energia elétrica, a ção e nas relações sociais. Para todos os países um
partir da conversão de átomos ou moléculas neutras desafio que se apresenta é o de construir, no menor
em elétrons e íons positivos por meios eletroquími- espaço de tempo, as bases para uma adequada inser-
cos. Ainda em desenvolvimento, as células tem sido ção na nova sociedade da informação. Três fenôme-
objeto de esforços intensos de pesquisa no exterior, nos inter-relacionados estão na origem da transfor-
visando suas aplicações como fontes estacionárias, mação em curso. O primeiro, a convergência da base
em veículos automotores e em substituição às bate- de tecnologia, decorre do fato de se poder representar
rias convencionais de aparelhos eletrônicos portáteis. quase tudo de uma só forma, a digital. Com a digi-
Elas podem empregar uma variedade de combustí- talização, a computação (a informática e suas apli-
veis, um dos melhores sendo o hidrogênio, cuja cações), as comunicações (transmissão e recepção
“queima” produz apenas água como rejeito, sendo, de dados, voz, imagens etc.), e os conteúdos (livros,

191
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

filmes, música etc.) integram-se em um único meio. • A internet no Brasil


O segundo aspecto é a dinâmica da indústria e do A rápida evolução e disseminação da Internet no Bra-
comércio com uma queda contínua de preços dos sil em anos recentes coloca o País em posição de
equipamentos e serviços. Em grande parte como des taque no mundo em desenvolvimento, mantendo
decorrência dos dois primeiros, está o extraordiná- liderança absoluta na América Latina. Segundo in-
rio crescimento da Internet, ainda que reconhecida- formações da Fundação de Amparo à Pesquisa do
mente um serviço restrito a poucos. A disseminação estado de São Paulo (Fapesp), órgão responsável pelo
da Internet, em comparação com outros serviços, registro de domínios brasileiros, os domínios regis-
mostra o surgimento de um novo padrão de produção trados somavam, no início de março/2001, mais de
e de relações sociais e constitui um fenômeno singular 382 mil. Dentre estes domínios, destacam-se os co-
a ser considerado como estratégico para o desenvol- merciais (com.br) que representam mais de 92%; em
vimento das nações. seguida os domínios de entidades não governamen-
tais e sem fins lucrativos (org.br) com aproximada-
A inserção favorável no novo paradigma requer uma mente 2%.
base tecnológica e de infra-estrutura adequada, um
conjunto de condições de inovações na estrutura pro- O Brasil está hoje muito bem colocado no ranking
dutiva e organizacionais, no sistema educacional e mundial dos países em número de hosts e é o primeiro
de pesquisa, assim como nas instâncias reguladoras, na América Latina. Em 1999, o País ocupava o 12º
normativa e do governo em geral. lugar. Considerando o período de 1996 a outubro/
2000, o número de computadores conectados à rede
cresceu de 74.458 para 662.910 (790%).

1 Note-se que o número de pessoas conectadas à rede mundial é muito superior ao número de usuários cadastrados pelos provedores de acesso.
Universidades, com poucos registros como usuária, permitem a conexão de milhares de alunos e funcionários à rede.

192
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

Quadro 8
Governo eletrônico

Dentro de uma perspectiva de desenvolvimento social, o governo informatização de serviços públicos, e nos próximos dois anos serão
vem implantando aceleradamente o projeto do governo eletrônico, investidos $800 milhões por ano para atingir algumas das 45 metas do
e-Gov. O principal objetivo do e-Gov é garantir acesso de todo cida- Programa Nacional de Informatização relativas à Internet pública: de
dão à Internet e, por meio desta facilidade, disponibilizar os serviços que até 2002 todos os órgãos públicos federais ofereçam os seus
de governo. O princípio orientador é que o modelo de acesso à serviços pela rede de Internet, expansão e modernização da infra-
internet no País deve ser comunitário, a fim de evitar o apro- estrutura, sistema de compras on line, bem como implantação de
fundamento das desigualdades sociais. O projeto compreende um programas de universalização do acesso por meio de um computador
conjunto de medidas a serem tomadas e metas a serem alcançadas popular, desenvolvido com recursos do Fundo de Universalização das
nos próximos anos (algumas já atingidas no ano 2000) e busca usar as Telecomunicações (FUST) e com a produção financiada pelo BNDES.
tecnologias da informação para aumentar a transparência das ações
governamentais, bem como para aumentar a eficácia dos recursos O Brasil se tornou o sexto país que mais investiu em internet
tecnológicos existentes por meio da integração de redes e sistemas pública em todo o mundo. Os resultados estão disponibilizados no
usados pela administração pública federal, contribuindo desta forma portal www.redegoverno.gov.br que contém mais de 12 mil links,
para acelerar a redução do gap social existente no País. 800 serviços, e mais de 4.200 itens de informação. De setembro de
2000 a abril de 2001, o número de visitas ao portal triplicou, deven-
De 1995 até abril de 2001, foram investidos R$10 bilhões na do atingir a marca de 70 milhões até o final de 2001.

Entre os países da América Latina, o Brasil possui o 2000, foram lançadas políticas e instituições para
maior número de usuários conectados à Internet. Es- promover o comércio eletrônico. Foi criado o Comitê
tima-se entre 9,8 milhões e 14 milhões o número de Executivo de Comércio Eletrônico, de caráter inter-
brasileiros conectados à rede mundial1. Do total de ministerial, com atribuições relacionadas a seu de-
usuários da rede, 64% estão na Região Sudeste, se- senvolvimento e que começou a operar em março
guida pelo Sul (18%), Nordeste (9%), Centro Oeste de 2001. Os pontos-chave do desenvolvimento deste
(7%) e Norte (2%). novo tipo de comércio no País são a implantação de
estrutura de validação de assinaturas eletrônicas, ga-
• Comércio Eletrônico rantias na estrutura de segurança e maior acesso à
Com relação ao varejo on line, o Brasil continua sendo Internet pela população.
o mercado maior e mais maduro na América Latina.
O crescimento do comércio eletrônico no País tem • Exclusão digital
sido expressivo. A estimativa é que, em 1999, o consu- Embora excepcionais, os efeitos positivos relaciona-
midor virtual brasileiro tenha movimentado cifras em dos às tecnologias da informação e da comunicação
torno de US$90 milhões, segundo estimativas do IDC podem ser fortemente heterogêneos uma vez que a
e do Gartner Group. Segundo estas fontes, o comércio infra-estrutura requerida, incluindo a parte de tele-
eletrônico atingiria cifras de US$ 500 milhões até o comunicações e a de computadores, além do nível
final de 2000, a maior parte em comércio entre empre- médio de educação, já é distribuída de forma muito
sas (B2B). Esse crescimento deverá ser contínuo, atin- assimétrica entre as regiões do mundo. Como conse-
gindo em 2003, vendas no valor de US$1,9 bilhão em qüência já se observa, mesmo nos países em desen-
operações B2B e US$760 milhões em operações de volvidos, uma clara tendência à geração de espaços
vendas ao consumidor (B2C). e grupos sociais excluídos, (a chamada exclusão di-
gital), o que exigirá políticas adequadas voltadas para
No âmbito do comércio eletrônico, durante o ano a promoção do acesso universal a todos. Acesso uni-

193
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 9
O desafio da exclusão digital

O uso crescente das tecnologias da informação e comunicação apro- mente, capacitar diferentes substratos da população no uso e domí-
xima pessoas e instituições e contribui para uma maior sinergia dos nio da linguagem apropriada. Um grande desafio a ser enfrentado na
fluxos informacionais, em velocidades cada vez maiores. Ao mesmo criação de oportunidades de inclusão digital é a universalização dos
tempo, introduz o risco de um novo tipo de exclusão social que vem serviços. Para isto, é necessário criar competências e desenvolver
sendo chamada de "exclusão digital". Nos países em que o processo equipamentos de acesso baratos, promover a alfabetização digital
de penetração de tais tecnologias se expande em ritmo acelerado, em larga escala, capacitar pessoas em todo o ciclo de geração e
observa-se, como em nenhum outro momento da história, um cres- desenvolvimento de TIC, conteúdos adequados em língua portugue-
cimento econômico a taxas cada vez mais significativas. Todavia, o sa, além de desenvolver novos modelos de acesso à Internet. São
potencial de geração de riqueza associado a tal fenômeno não tem inúmeros os desafios e oportunidades de desenvolvimento científi-
se refletido, com a mesma intensidade e significado, em benefícios co e tecnológico que se apresentam na transição para uma socieda-
distributivos e relacionados à eqüidade. Ao contrário, observa-se de da informação a que estamos assistindo.
uma tendência de aumento da exclusão, com o surgimento de um
novo divisor entre os que têm e os que não têm acesso às tecnologias Conscientes da crescente importância das TIC, um grupo de vinte e
da informação. Uma clivagem potencial que, ao guardar uma relação oito países em desenvolvimento da África e Oriente Médio, Ásia e
direta com a renda e o nível educacional das pessoas ou dos grupos Oceania, América Latina e Caribe emitiu a Declaração do Rio de Janei-
sociais, quando agregada ou adicionada àquelas herdadas ou acumu- ro, denominada Tecnologias de Informação e Comunicação para o De-
ladas ao longo da história, proporcionará desequilíbrios sociais ain- senvolvimento. O documento explicita a necessidade de levar em con-
da mais intoleráveis e difíceis de combater. O maior desafio das ta o papel das TIC para o progresso dos países em desenvolvimento.
iniciativas voltadas para a difusão das tecnologias da informação e
comunicação, em suas diversas aplicações, é garantir eqüidade de Neste sentido, solicitam a criação pelo Grupo dos 8 (G-8) de fontes
participação no novo padrão de desenvolvimento. de financiamento e outros mecanismos de promoção de acesso e
difusão das TIC, tais como fundos regionais e outras iniciativas, para
A evolução das tecnologias digitais é mais veloz do que as transfor- auxiliar a formulação e implementação de estratégias nacionais de
mações de valores e atitudes da sociedade. Assim, para inserir TIC para o desenvolvimento, incluindo governança, desenvolvimento
minimamente, em termos competitivos as diferentes populações e de conteúdos, aperfeiçoamento de recursos humanos, infra-estrutu-
subespaços no processo de competição mundial, é fundamental ra, acesso universal, alfabetização digital, pesquisa científica e tecno-
garantir o acesso às redes de informação e comunicação e, simultanea- lógica, entre outros objetivos dos países em desenvolvimento.

versal significa garantir a todos os cidadãos acesso bilidade das informações na utilização dos serviços
amplo, irrestrito e de baixo custo à rede mundial de via Internet é um ponto relevante, não somente para
computadores. as transações de governo, mas principalmente para
o desenvolvimento do comércio eletrônico. Com este
As políticas de universalização de acesso, como o objetivo, foi criado o Comitê Gestor de Segurança
Fundo de Universalização dos Serviços de Teleco- da Informação (CGSI), que instituiu a Política de
municações (FUST), em conjunto com a estrutura pro- Segurança da Informação nos órgãos e entidades da
dutiva do setor, destinam-se a viabilizar o uso inten- administração pública federal. Trata-se de órgão de
sivo pela população das tecnologias da informação. assessoramento da Secretaria Executiva do Conse-
Por sua vez, a disponibilidade destes produtos e ser- lho de Defesa Nacional na avaliação e análise de
viços permitirá alavancar o desenvolvimento de outros assuntos relativos à segurança da informação nos
setores econômicos, propiciando maiores oportuni- Órgãos e Entidades da Administração Pública Fe-
dades para reduzir as diferenças sociais do País. deral. A principal prioridade do CGSI no ano 2000
foi a implantação da Infra-estrutura de Chaves Pú-
• Segurança eletrônica blicas do Governo Federal, elemento habilitador para
A preocupação com a questão da segurança e confia- a utilização da Criptografia de Chaves Públicas, para

194
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

a implantação de serviços sigilosos, de autenticação atividades de P&D nas empresas.


e gestão de documentos eletrônicos, para assegurar
a integridade das informações governamentais e a Segundo as informações da Relação Anual de Infor-
irretratabilidade dos atos praticados pelos agentes mações Sociais (Rais), o Brasil possuía, em 1999, cerca
públicos, que servirá de referência para o tratamen- de 215 mil profissionais empregados em ocupações
to da assinatura eletrônica no âmbito privado do co- típicas de informática (analistas de sistemas, pro-
mércio eletrônico. gramadores e operadores de informática) e cerca de
24 mil em empresas de desenvolvimento de software.
• Recursos humanos para P&D
A capacidade de P&D, em tecnologias da informa- O grande desafio é a inserção do Brasil na nova "eco-
ção, está localizada predominantemente em institui- nomia digital", área em que o setor de software des-
ções de pesquisa. Segundo o Diretório de Grupos ponta como agente crítico da participação brasileira
de Pesquisa-2000 (desenvolvido pelo CNPq), há 314 nesta economia globalizada e transnacional, em cená-
grupos de pesquisa em ciências da computação em rio altamente competitivo.
atividade, mobilizando cerca de 2.500 pesquisadores,
que desenvolvem mais de mil linhas de pesquisa. Adi- • Pesquisa e Desenvolvimento
cionando-se uma parcela de um terço dos grupos e A tremenda evolução e a ampliação da capacidade nos
pesquisadores classificados em engenharia elétrica que sistemas individuais de comunicação e processamento
desenvolvem atividades em áreas de TI e correlatas, da informação exigirá um contínuo acompanhamento
esses números crescem para cerca de 400 grupos e 3 de tendências e identificação de oportunidades de
mil pesquisadores. Não obstante, esse número deve tecnologias estratégicas para o desenvolvimento indus-
ser ainda maior, à medida que incorpora pesquisadores trial e econômico, junto a universidades e ao setor pro-
atuando em TI em áreas correlatas, como ciência dos dutivo. Países como a França e o Japão, entre outros,
materiais, fotônica, eletrônica, física, matemática, vêm aplicando metodologias de identificação das tec-
química e físico-química. Finalmente, deve-se men- nologias estratégicas ou tecnologias-chave para o setor
cionar também que a geração de conteúdo para TI e de tecnologias da informação que permitam aumentar
para Internet, em particular, emprega um número de a sua competitividade. A seleção de nichos de oportu-
pesquisadores que tende a crescer. nidades de desenvolvimento deverá ser objeto de defi-
nição a partir de discussões envolvendo o governo, a
O Brasil tem hoje 13 programas de doutorado e 28 comunidade acadêmica e a empresarial.
de mestrado em ciências da computação, localizados
principalmente na região Sudeste. No ano 2000, fo- • Infra-estrututura avançada para P&D
ram formados nesses programas em torno de 80 dou- Em 1989, o CNPq deu início a um esforço nacional
tores e 500 mestres. Para que o País tenha condições de redes acadêmicas que resultou no projeto Rede
de dominar o amplo leque de tecnologias de aquisi- Nacional de Pesquisa (RNP). A RNP, também como
ção, armazenamento, recuperação, acesso e distri- programa prioritário de informática do MCT, viabi-
buição de informação, será necessário ampliar con- lizou uma infra-estrutura de serviço Internet nacio-
sideravelmente o número de doutores e incentivar nal, interligou as instituições de ensino superior e

195
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

pesquisa do País, apoiou a consolidação de redes O crescimento acelerado do tráfego nas redes e a
estaduais, implantou serviços básicos, englobando tendência de utilização de informações multimídia
repositórios de software e acesso a bases de dados, demandam uma atualização permanente na infra-es-
assegurou a compatibilidade de aplicações e, em trutura de redes para pesquisa e serviços, de forma
1995, induziu e apoiou a difusão do uso de tecnolo- integrada a iniciativas internacionais semelhantes.
gia Internet pelo setor privado, principalmente por Uma infra-estrutura de alto desempenho implantada
pequenas e médias empresas do setor de serviços. em 2000, chamada RNP2, interliga-se às principais
iniciativas internacionais de redes avançadas Inter-
Hoje a RNP interliga 326 instituições acadêmicas net2 e, também, a quatorze Redes Metropolitanas
em todo o País e quinze redes acadêmicas estaduais, de Alta Velocidade (Remavs), formadas por consór-
sendo uma referência fundamental para a experimen- cios entre empresas e universidades do País. Este
tação e uso de tecnologia Internet. ambiente permite a colaboração técnico-científica

196
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

197
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

nacional e internacional no desenvolvimento e uso mento da comunidade de ensino superior e pesquisa,


de aplicações avançadas, como educação a distância, setor público e privado e a capacitação de novos recur-
vídeo interativo e bibliotecas digitais, entre outras. sos humanos em tecnologias-chave para o País.

O MCT e a RNP planeja o novo ciclo de redes avan- A evolução da pesquisa e desenvolvimento no Brasil
çadas que empregará tecnologia óptica e protocolos em áreas fortemente demandantes de processamento
IP em capacidade da ordem de Gigabits/segundo para de alto desempenho como genoma, modelagem de
atender a pesquisa e ao desenvolvimento de aplica- clima, dispersão de poluição, previsão meteorológica,
ções intensivas em processamento e manipulação de entre outras, está associada à capacidade de renova-
dados, como grades de processamento distribuído para ção da infra-estrutura de redes para P&D que per-
suporte a aplicações interativas. A experimentação de mita o acompanhamento dos ciclos tecnológicos as-
novos protocolos e serviços permitirá o desenvolvi- sociados à Internet.

Quadro 10
O Programa Sociedade da Informação

Instituído pelo de Decreto Presidencial 3.294 de 15 de dezembro uso de tais tecnologias em todos os níveis de educação formal;
de 1999, o Programa Sociedade da Informação tem por objetivo
integrar, coordenar e fomentar ações para a utilização de tecnologias • conteúdos e identidade cultural – promoção da geração de con-
de informação e comunicação, de forma a contribuir para a inclusão teúdos e aplicações que enfatizem a identidade cultural brasileira
social de todos os brasileiros na nova sociedade e, ao mesmo tem- em sua diversidade, a presença da língua portuguesa na internet e a
po, para que a economia do País tenha condições de competir no preservação artística, cultural e histórica através da digitalização de
mercado global. Considerado como Programa Estratégico do Go- acervos;
verno Federal, sua execução pressupõe o compartilhamento de
responsabilidades entre os segmentos de governo, iniciativa priva- • governo ao alcance de todos – promoção da informatização da
da e sociedade civil, inclusive no estabelecimento de diretrizes para administração pública e do uso de padrões em seus sistemas aplica-
esforços de desenvolvimento científico e tecnológico em tecnologias tivos, fomento a aplicações em serviços de governo voltados à disse-
da informação e comunicação. A proposta apresentada à sociedade minação ampla de informações de interesse do cidadão;
brasileira contempla o seguinte conjunto de linhas de ação:
• P&D, tecnologias-chave e aplicações – identificação de tecnologias
• mercado, trabalho e oportunidades – promoção da competitividade estratégicas para o desenvolvimento industrial e econômico e promo-
das empresas nacionais, inclusive das pequenas e médias empre- ção de projetos de pesquisa e desenvolvimento junto a empresas e
sas, apoio à implantação de comércio eletrônico e oferta de novas universidades, desenvolvimento de protótipos de aplicações estra-
formas de trabalho, por meio do uso intensivo das TICs; tégicas, formação maciça de profissionais, inclusive pesquisadores,
em todos os aspectos das tecnologias da informação e comunicação;
• universalização de serviços para a cidadania – promoção da univer-
salização do acesso à Internet, buscando soluções alternativas com • infra-estrutura avançada e novos serviços – implantação de infra-
base em novos dispositivos e meios de comunicação, modelos de estrutura básica nacional de informações, integrando as diversas es-
acesso compartilhado e projetos voltados à valorização da cidadania e truturas especializadas de redes – governo, setor privado e de pes-
à promoção da coesão social por meio da inclusão digital; quisa; fomento à implantação de redes de processamento de alto
desempenho e à experimentação de novos protocolos de serviços
• educação na sociedade da informação – apoio aos esquemas de apren- genéricos; transferência de tecnologias de redes do setor de pesqui-
dizado, de educação continuada e à distância, baseados na Internet e em sa para outras redes e fomento à integração operacional das mesmas;
redes; capacitação de professores, auto-aprendizado em tecnologia da adoção de políticas e mecanismos de segurança e privacidade.
informação e comunicação – inclusive revisão curricular –, visando ao

Fonte: Programa Sociedade da Informação no Brasil - Livro Verde, www.socinfo.org.br

198
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

• O Programa Sociedade da Informação


O Programa Sociedade da Informação cria as con-
dições básicas para impulsionar a pesquisa, bem co-
mo assegurar à economia brasileira condições de
competir no mercado global, tendo como foco a in-
clusão do cidadão e o engajamento da sociedade no
mercado das tecnologias da informação.

O Programa conta com recursos do Tesouro Nacio-


nal e, igualmente, com uma parte significativa de
recursos provenientes do setor privado por meio de
incentivos associados à Lei da Informática e ao Fun-
do Setorial de Informática.

O Livro Verde da Sociedade da Informação no Brasil,


lançado em setembro de 2000, constitui uma pro-
posta inicial de discussão sobre caminhos a serem
perseguidos pela sociedade brasileira e é objeto de
debate em consultas públicas em todo o País. O resul-
tado desse processo deverá definir um conjunto de
diretrizes estratégicas para a inserção do Brasil nesta
nova sociedade. Dentre as principais propostas, des-
tacam-se as seguintes: i) nova rede para P&D, com
a inclusão progressiva de serviços de internet de no-
va geração (ou Internet 2, como é mais conhecida);
ii) fomento ao comércio eletrônico em bancas de
jornal, casas lotéricas e outros pontos de fácil aces-
so ao cidadão; iii) interconexão à Internet de todas
as bibliotecas públicas do País; iv) geração de con-
teúdos de importância cultural para o País; v) con-
sórcios de P&D em tecnologias-chave; vi) fomento
à produção de hardware e software para acesso amplo
à Internet com o menor custo.

Telecomunicações

Na década de sessenta, as comunicações eram con-


sideradas estratégicas para o desenvolvimento e a

199
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 11
Comunicações Ópticas no Brasil

O aumento contínuo da velocidade dos sistemas de transmissão de de cientistas do CPqD (muitos vindos da Unicamp) e da Unicamp
informações e telecomunicações deve-se ao uso da luz em sistemas para a ABCXtal.
de comunicações. Só com o uso de comunicações ópticas (baseadas
em luz) é possível atingir hoje velocidades de transmissão de cente- A Xtal Fibras Ópticas, (comprada recentemente pela Fiber Core.
nas de gigabits por segundo. Isto se tornou possível a partir da EUA), agora denominada Xtal Fibercore Brasil, é hoje o maior fa-
descoberta de fibras ópticas com baixas perdas de luz, ocorrida nos bricante de fibras ópticas no Brasil, produzindo anualmente mais de
anos setenta. O Brasil entrou cedo nesta atividade, com a instalação 1,1 milhão de quilômetros de fibras ópticas – 35% das fibras co-
do Projeto de Pesquisa em Sistemas de Comunicação por Laser no mercializadas no País. O faturamento anual da empresa é superior a
Instituto de Física da Unicamp em 1973, financiado pela Telebrás. US$45 milhões, e 20% de sua produção são destinados à exportação.

Em 1977, foram fabricadas as primeiras fibras ópticas nos laborató- O programa de pesquisa e desenvolvimento de tecnologia para
rios do Instituto de Física Gleb Wataghin. Em 1978, a tecnologia fabricação de fibras ópticas do Instituto de Física da Unicamp, do
começou a ser transferida para o Centro de Pesquisa e Desenvolvi- CPqD e da Abc Xtal tem todos os elementos essenciais do desen-
mento da Telebrás, o CPqD, em Campinas. Este processo ilustra volvimento tecnológico: a universidade, gerando conhecimento fun-
uma característica fundamental da transferência de tecnologia en- damental competitivo internacionalmente e formando recursos hu-
tre organizações – o sucesso do projeto se deveu à transferência de manos; o centro de pesquisas ligado à empresa, desenvolvendo a
cientistas da Unicamp para o CPqD. tecnologia; a empresa prosseguindo continuamente no desenvolvi-
mento da tecnologia, empregando para isto os cientistas e engenhei-
Em 1983, a tecnologia foi transferida do CPqD para a empresa ABC ros formados na universidade. Trata-se, sem dúvida, de um exce-
Xtal, localizada também em Campinas (vizinha do CPqD). Nova- lente exemplo de programa de P&D bem sucedido no País.
mente a transferência de cérebros foi fundamental, com a migração

integração da Nação. Como conseqüência, as duas No contexto anterior à privatização, a formulação e


décadas seguintes assistiram à notável expansão dos execução da política tecnológica para o setor estava
serviços de telecomunicações, a par da qualidade alicerçada no poder de compra do Sistema Telebrás
crescente na instalação e operação dos mesmos. e na capacidade de geração de tecnologias do CPqD
A implantação de infra-estrutura física, em particular, em parceria com o setor privado nacional. As tecno-
mereceu atenção e cuidados que viriam a destacar a logias geradas pelo CPqD foram amplamente apro-
Telebrás dentre empresas similares em outros países priadas pela indústria local, nacional e estrangeira.
em desenvolvimento.
Em paralelo, houve o apoio por parte das agências
Na década de noventa, o Governo Federal propôs governamentais (Finep, CNPq, Capes e o próprio Mi-
nova diretriz, que seria sancionada pela Lei Geral nistério das Telecomunicações, por intermédio do
de Telecomunicações (LGT), de 1997, preconizan- CPqD) à formação de recursos humanos e de pes-
do a privatização do Sistema Telebrás, a concepção quisa na área, em uma dezena de centros de exce-
de um regime de duopólio para todos os serviços lência. Essa mão-de-obra altamente qualificada per-
durante um período de transição até 2002, e livre mitiu a rápida expansão do sistema e vem gerando
competição a partir de 2003. Para exercer a regula- empresas baseadas no conhecimento desenvolvido
mentação e fiscalização, bem como implementar polí- nesses centros que ocupam nichos de mercado em
ticas do setor, foi criada a Agência Nacional de Tele- redes, equipamentos e sistemas de gerência de redes
comunicações (Anatel). e serviços para telecomunicações. Com a abertura
do setor de telecomunicações, acompanhada por uma

200
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

Quadro 12 ou simplesmente desapareceram.


Novos paradigmas em telecomunicações - a
Agenda de P&D do Centro de Pesquisa e O setor de equipamentos de comunicação é o mais
Desenvolvimento (CPqD), no início do século XXI dinâmico do segmento de Tecnologias de Informação
Os programas de P&D que o CPqD propõe para os próximos anos
e Comunicação(TIC). Entre as aplicações de tele-
têm como contexto um cenário de emergência dos novos paradig- comunicações mais promissoras nessa área, estão
mas: amplo uso da tecnologia digital e surgimento de um ambiente
de competição no setor. A conseqüência deste cenário é que a tecnologias e aplicativos para telecomunicações sem
geração de tecnologia não é pautada apenas pela sua própria dinâmi- fio de terceira geração (3G), sistemas de comunica-
ca, isto é, pelo processo interno de pesquisa, desenvolvimento e
engenharia, mas deve atender também às necessidades distintas ção baseados em fibras ópticas de alta capacidade –
dos vários atores envolvidos: usuários, provedores de rede e de
tais como comunicação óptica que deverá ampliar a
serviços básicos, provedores de serviços de valor adicionado, pro-
vedores de conteúdo, fornecedores de equipamentos e de serviços capacidade atual de transmissão em 10 mil vezes –,
e o governo, que desempenha muitos papéis, como os de regulador
setorial, promotor de geração tecnológica e defensor dos interes-
sistemas geográficos de informação e navegação, que
ses maiores da sociedade. incluirão sistemas de apoio, localização, comunicação
A proposta do CPqD leva em conta também a própria história de e informação de veículos e pessoas.
suas áreas de competência, o seu porte institucional e a diversidade
de alternativas tecnológicas, característica do paradigma atual. Em
tais circunstâncias, os grandes temas condutores da proposta de A convergência da telefonia celular com o comércio
P&D são:
eletrônico, o chamado "comércio móvel", que deverá
• Convergência e Mobilidade – Este tema sintetiza as grandes mar- começar a se concretizar ao longo dessa década, é
cas do paradigma que têm origem no domínio clássico das telecomu-
nicações, principalmente as redes capazes de suportar serviços de uma das importantes áreas de oportunidade para o
meios ou conteúdos variados e as tecnologias sem fio que liberam o desenvolvimento de P&D em telecomunicações. Es-
usuário da necessidade de um terminal fixo. Incluem-se neste tema
projetos ligados às tecnologias de meios fixos, móveis e à área de tas incluem estudos das necessidades e preferências
serviços e aplicações, esta última tipicamente interdisciplinar. dos usuários, desenvolvimento de equipamentos que
• Interação Eletrônica – Este tema abrange as áreas de P&D origi- respondam a suas necessidades e gostos, além do
nadas da Informática ou TI e que hoje têm como maior desafio
tornar mais cômoda e segura a interação mediada eletronicamente,
desenvolvimento de soluções de conteúdo viáveis
entre pessoas, entre pessoas e sistemas ou entre sistemas. Com- para distribuição em sistemas móveis sem fio. Em
preende projetos envolvendo tanto as tecnologias de sistemas pro-
priamente ditas, como a questão da segurança das transações e suas 2005, o Brasil deverá contar com 27 milhões de usuá-
aplicações, outra área de natureza multidisciplinar. rios acessando serviços de internet móvel.

pulverização das compras de equipamento, sistemas • Uso da Tecnologia Digital em


e software para gerência de redes e serviços pelas di- Telecomunicações
versas operadoras, houve expressivo aumento nas O paradigma atual do setor de telecomunicações con-
importações e perda de competitividade das empre- sagra o uso amplo da tecnologia digital. Não se trata
sas de capital nacional, uma vez que várias opera- mais de introduzir uma nova base tecnológica, mas
doras passaram a comprar de seus fornecedores de de fazer melhor uso dela. O conceito de convergência
equipamentos e sistemas no país de origem. Por con- procura sintetizar este novo estágio em que as plata-
seguinte, várias empresas locais de capital nacional formas de rede podem suportar diferentes meios para
foram vendidas a empresas estrangeiras que entraram veicular a informação. Telecomunicações, tecnologia
no mercado, outras se transferiram para novas áreas da informação e também radiodifusão são todos seg-

201
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

mediadas por sistemas eletrônicos. A introdução de


Quadro 13
Cartão telefônico indutivo inovações no setor de telecomunicações continua
seguindo o seu curso, condicionada não apenas pelo
Para substituir a obsoleta planta de telefones públicos a ficha, o processo endógeno de P&D e de engenharia, mas
CPqD desenvolveu um sistema de telefonia pública utilizando tec-
nologia totalmente nacional e pioneira no mundo: a tecnologia de também por uma significativa transformação insti-
leitoras e cartões indutivos. O sistema foi lançado oficialmente em tucional, caracterizada pela quebra de monopólio e
1992 e atualmente a rede de telefones públicos com a tecnologia
indutiva continua em plena expansão pelo território nacional. Em pela introdução da competição e da progressiva
1999, após a privatização do Sistema Telebrás, a Anatel, agência ampliação dos serviços de telecomunicações.
reguladora dos serviços de telecomunicações no Brasil, considerou
o uso da tecnologia indutiva obrigatório em todos os telefones pú-
blicos brasileiros.
• A inovação em serviços
Devido à sua versatilidade e baixo custo, cartões e leitoras indutivas A questão da inovação em serviços, isto é, do uso
podem ser utilizados em diversas aplicações. Cada cartão pode
conter até 100 unidades de crédito, equivalentes a 100 ligações adequado da tecnologia, capaz de transformar recur-
locais de dois minutos de duração. As características básicas do sos técnicos de Telecomunicações e Tecnologia de
Cartão Indutivo desenvolvido pelo CPqD são:
Informação (T&TI) (hardware e software) em riqueza
· baixo custo de produção - viabilizando a produção de cartões com econômica e benefício social, deve ser estudada em
poucas unidades de crédito, essenciais para a população de baixa
renda; maior profundidade. Hoje, o entendimento no setor
· alta imunidade a fraudes - processo de fabricação complexo, viável
apenas em larga escala, dificultando fraudes domésticas. Cartões
é que o mero transporte de bits está se tornando uma
falsificados são reconhecidos pela leitora indutiva; commodity, exigindo dos atores na cadeia de valor da
· fino e flexível - apenas 0,4mm de espessura;
· imune a fatores externos - O cartão não é afetado pela presença de comunicação novos posicionamentos e composição
campos eletromagnéticos dispersos, poeira, umidade, calor, mare- de tecnologias já existentes e inovadoras para a agre-
sia, raios ultravioleta e raios-X;
· descartável - não pode ser regravado. O material é reciclável; gação de valor aos serviços.
· facilidade de uso - não exige posição específica para ser inserido na
leitora;
· simplicidade - não necessita de contato mecânico entre a Neste contexto, é importante ressaltar que, em uma
leitora e o cartão ou de movimentação interna para a operação
de leitura;
sociedade da informação, a importância econômica
· comodidade - estão disponíveis atualmente cartões com 90, 75, do conhecimento não se traduz apenas no desen-
50, 35 e 20 unidades de crédito.
volvimento de produtos ou de tecnologia per se, se-
jam eles de hardware ou de software. Um ponto fun-
mentos de atividade econômica que se valem dos mes- damental para alavancar o progresso na direção de
mos fundamentos tecnológicos. A internet serve como uma sociedade baseada em oportunidades equita-
símbolo deste ciclo. As transformações foram ainda tivas de acesso à informação e à construção de re-
mais longe e removeram não só as barreiras dos meios des de conhecimento reside na inovação em servi-
de expressão, mas também as restrições de posições ços. A despeito de sua nítida importância, esta área
fixas dos terminais. Como já mencionado, a telefonia costumava ser subestimada, e, mesmo hoje, a dinâ-
e a comunicação móvel de dados são exemplos do mica deste processo não é suficientemente compre-
uso amplo da digitalização. endida. O provimento de serviços baseados em
T&TI necessita de um tripé formado pela infra-es-
Neste novo paradigma, a tecnologia é posta conti- trutura de redes e plataformas, pelos procedimentos
nuamente a serviço de novas formas de interação, e rotinas característicos do serviço propriamente dito

202
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

e pela dimensão relacional intrínseca que existe entre reprodução de espécies vegetais e animais, no desen-
o usuário e o serviço. Percebida dessa forma, as ati- volvimento e melhoria de alimentos, na utilização
vidades de pesquisa e desenvolvimento deverão sustentável da biodiversidade, na recuperação e tra-
transcender as divisões tradicionais em especialida- tamento de resíduos, entre outras áreas com potencial
des acadêmicas, tornando-se, cada vez mais, inter- crescente de aplicação.
disciplinares e incorporando, desde o início, aborda-
gens sociotécnicas. O uso adequado da tecnologia Um grande número de nações considera que, no sé-
adequada talvez represente o maior desafio para que culo XXI, o domínio da biotecnologia terá papel re-
as políticas públicas em Ciência e Tecnologia pro- levante na determinação da competitividade, desen-
porcionem um benefício claro a todos os setores da volvimento econômico e qualidade de vida, levando-
sociedade. as a apoiar, com alta prioridade, investimentos estra-
tégicos nessa área. Exemplo mais marcante é o da
Biotecnologia rede americana de pesquisa biotecnológica, que vem
priorizando diversos ramos estratégicos da biologia
O termo biotecnologia refere-se a um conjunto am- avançada, como o conjunto de programas do Projeto
plo de tecnologias habilitadoras e potencializadoras, Genoma Humano – o mais extenso e o que recebe o
envolvendo a utilização, a alteração controlada e a maior volume de verbas públicas –, sendo fortemen-
otimização de organismos vivos ou suas partes, cé- te centrado no setor de pesquisas em ciências bio-
lulas e moléculas para a geração de produtos, pro- médicas. No grupo das pesquisas microbiológicas,
cessos e serviços. A biotecnologia e suas novas fer- há esforços para determinar as bases genéticas dos
ramentas de manipulação e transferência gênica efeitos patogênicos de microorganismos e as formas
abrem novas perspectivas de potencialização dos de interação ambiental destes seres. Outro grupo
métodos tradicionais de melhoramento genético e compõe as pesquisas na agricultura, que visam pro-
exploração da biodiversidade e variabilidade genética. duzir novos cultivares e raças de animais, entender
Isto permite o rápido e preciso desenvolvimento de e bloquear ações adversas originárias do ambiente
plantas e animais melhorados, de medicamentos e ou de parasitas sobre processos de produção agro-
outros aplicativos, com grande diversidade de atri- pecuária e florestal.
butos, com rapidez e escala nunca imaginadas. Os
resultados de seu desenvolvimento são utilizados por O Brasil está acompanhando esta evolução, com o
diversos setores, como saúde, agroindústria e meio seqüenciamento de genes aplicado à saúde e agri-
ambiente, e envolvem áreas do conhecimento como cultura, a exemplo do estudo da Xylella fastidiosa, co-
biologia molecular, genética, fisiologia, microbiolo- ordenado pela Fapesp; do projeto Genoma Brasi-
gia, química, engenharia de alimentos, entre outras. leiro, destinado a sequenciar a bactéria Chomobacterium
Considerando sua abrangência, a biotecnologia per- violaceum; e da implantação de redes regionais de pes-
meia inúmeros segmentos industriais, utilizando téc- quisa em genômica, com o apoio do MCT e das Fun-
nicas inovadoras e promovendo revoluções no tra- dações Estaduais de Amparo a Pesquisa. O Programa
tamento de doenças, no uso de novos medicamentos de Biotecnologia e Recursos Genéticos do MCT bus-
para aplicação humana e animal, na multiplicação e ca elevar o nível de competitividade científica e tec-

203
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

nológica do País a patamares equiparáveis aos de O documento do MCT sobre a definição de diretrizes
países desenvolvidos. Ele busca acelerar os meca- para biotecnologia e recursos genéticos, preparado
nismos de transferência ao setor produtor de bens e pela equipe do Ministério e discutido com diversos
serviços dos conhecimentos e tecnologias gerados especialistas, aponta sete ações estratégicas para o
com vistas à inovação e à melhoria de produtos, pro- País nos próximos dez anos. São elas:
cessos e serviços biotecnológicos de interesse social
e econômico. • Formação e capacitação de Recursos
Humanos para Biotecnologia
O cenário para a biotecnologia no Brasil é promissor, Há hoje no Brasil cerca de 1.700 grupos de pesquisa
e o progresso nesta área pode ser acelerado, se houver atuando nas diversas áreas do conhecimento relacio-
esforços conjugados entre o governo, a comunidade nadas à biotecnologia, localizados, principalmente,
científica e a empresarial no desenvolvimento de pro- nas universidades e instituições públicas (Diretório
jetos conjuntos, na formação de parcerias produtivas, de Grupos de Pesquisa IV – CNPq). Estes grupos
na criação de ambiente favorável a novos investi- integram mais de 6.700 pesquisadores, além de mais
mentos e no desenvolvimento ou adaptação de tec- de 16 mil estudantes e estagiários, distribuídos por
nologias com o objetivo de ampliar a competitividade cerca de 3.800 linhas de pesquisas e concentrados,
e dinamizar o mercado de produtos biotecnológicos. em sua maioria, na região Sudeste do País.

O mercado brasileiro de biotecnologia, abrangendo os Com relação às empresas de base biotecnológica, não
vários setores econômicos e todas as categorias de existem dados estatísticos exatos, mas sabe-se que é
produtos biotecnológicos, movimentou no ano de 2000 pequeno o número de pesquisadores e de técnicos es-
cifras da ordem de US$500 milhões, e conta com a pecializados, nelas exercendo atividades de P&D.
participação de cerca de 120 empresas de base biotec- Estima-se que cerca de 30% das empresas de base bio-
nológica, a maioria ligada às universidades. tecnológica existentes no País apresentem os requisitos
fundamentais para desenvolver atividades de P&D.
Diversos condicionantes podem limitar a aplicação
da biotecnologia nos países em desenvolvimento, es- Considerando o caráter multidisciplinar da biotecno-
pecialmente a escassez de recursos financeiros, a fal- logia, esta ação deverá estruturar-se para atender a
ta de informação, a infra-estrutura de pesquisa e de demandas diversificadas, induzindo a formação de re-
serviços tecnológicos deficientes, o acesso limitado cursos humanos em diversas áreas do conhecimento
à tecnologia, seus possíveis efeitos na biodiversidade nas diferentes modalidades, incluindo o apoio à pós-
e no meio ambiente, suas implicações na segurança graduação, os estágios de curta e média duração para
alimentar e em fatores socioeconômicos. No entan- o aprendizado de técnicas biotecnológicas e o in-
to, é em países em desenvolvimento que esta tecno- tercâmbio nacional e internacional de pesquisadores.
logia pode ter maior impacto, especialmente do ponto
de vista de segurança alimentar e nutricional e da • Expansão da base do conhecimento
qualidade ambiental. Na área de ciências da vida, que engloba a maioria
das subáreas do conhecimento relacionadas à biotec-

204
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

Quadro 14
Comissão Técnica Nacional de Biossegurança - CTNBio

A Lei de Biossegurança foi promulgada no ano de 1995 e estabele- do Ministério do Meio Ambiente a fiscalização e monitorização das
ceu as diretrizes para o controle das atividades e produtos origina- atividades com OGMs, no âmbito de suas competências, bem como
dos pela moderna biotecnologia, conhecida como tecnologia do DNA a emissão de registro de produtos contendo OGMs ou derivados, a
recombinante. A CTNBio, vinculada ao Ministério da Ciência e serem comercializados ou a serem liberados no meio ambiente.
Tecnologia, é composta por trinta e seis membros entre titulares e
suplentes: oito especialistas de notório saber científico e técnico, Desta forma, além do controle habitual que sofrem os produtos
em exercício no segmento de biotecnologia; um representante de produzidos por outras tecnologias, os produtos geneticamente
cada um dos seguintes ministérios – Ciência e Tecnologia, Saúde, modificados ("transgênicos") estarão sujeitos a um controle adicio-
Meio Ambiente, Educação, Relações Exteriores –, dois represen- nal feito pela CTNBio, sob o aspecto biossegurança. Esses procedi-
tantes do Ministério da Agricultura; um representante de órgão mentos garantirão que, ao serem colocados no mercado esses pro-
legalmente constituído da defesa do consumidor; um representan- dutos, tenham as mesmas características de segurança, inocuidade
te de associações legalmente constituídas, representativas do setor e eficácia exigidas também para os produtos convencionais.
empresarial de biotecnologia e um representante de órgão legal-
mente constituído de proteção à saúde do trabalhador. Atualmente o Brasil se destaca no cenário internacional pelo extre-
mo rigor com que tem conduzido as pesquisas neste setor. Entre as
Entre as competências da CTNBio está emitir parecer técnico so- linhas de pesquisa desenvolvidas no País estão o estudo experi-
bre qualquer liberação de Organismo Geneticamente Modificado mental de variedades de vegetais geneticamente modificadas, avalia-
(OGM) no meio ambiente e acompanhar o desenvolvimento e o ção de risco de organismos geneticamente modificados nos setores
progresso técnico e científico na biossegurança e áreas afins, ambiental e saúde humana, participando em diversos programas
objetivando a segurança dos consumidores e da população em geral, internacionais, relacionados à questão de biossegurança.
com permanente cuidado à proteção do meio ambiente. Desta for-
ma a CTNBio se pronuncia sobre qualquer atividade com OGMs no O Brasil estará propondo brevemente uma política nacional de
país, previamente a sua realização. biossegurança e o estabelecimento de um código de ética em mani-
pulações genéticas, o que envolverá ampla discussão com os diver-
A Lei de Biossegurança estabelece ainda que compete aos órgãos sos segmentos da sociedades interessados na matéria.
apropriados do Ministério da Saúde, do Ministério da Agricultura e

nologia, o volume de publicações brasileiras em re- ção da substância ativa em dose e tempo otimizados,
vistas indexadas, de 1981 a 1996, corresponde a mais aumentam a eficácia do medicamento e reduzem seus
de 41 mil artigos, sendo maior que o total das publi- efeitos colaterais.
cações feitas pelos demais países do continente sul-
americano no mesmo período. Entretanto, mesmo • Suporte ao desenvolvimento da biotecnologia
considerando este número expressivo, ainda é ne- Para assegurar o desenvolvimento do setor biotec-
cessário expandir a base do conhecimento da bio- nológico nacional, é imprescindível a implementação
tecnologia para responder às necessidades do País e de uma ação específica para dar o suporte funcional
melhorar o desempenho do segmento em questão. aos vários setores da biotecnologia de diferentes ní-
veis de complexidade e para disponibilizar os recur-
Outras áreas científicas têm contribuído para avan- sos primários e os instrumentos necessários ao de-
ços significativos na biotecnologia, entre eles novos senvolvimento da pesquisa e da indústria de base
métodos de estudo da nanociência e nanotecnologia, biotecnológica.
além da engenharia tecidual e biomimética. Na área
de terapêutica, por exemplo, são relevantes as tec- Neste sentido, deve-se fortalecer a infra-estrutura na-
nologias de microencapsulação de drogas para obter cional de pesquisas e serviços por meio da criação de
carreadores de fármacos, que, controlando a libera- centros de referência em bioinformática e de um la-

205
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

boratório nacional de biologia molecular, do forta- • Biotecnologia para o uso sustentável


lecimento e ampliação das coleções de cultura de mi- da biodiversidade
croorganismos e de células e tecidos humanos e animais, Os impactos provocados pelo desenvolvimento tec-
do apoio aos bancos de germoplasma e de todas as nológico e industrial e pela expansão das fronteiras
complexas atividades relacionadas a biossegurança. agrícolas, o uso irrestrito de pesticidas, a devastação
das florestas, o aumento do número das espécies em
O desenvolvimento de organismos modificados extinção, as denúncias de biopirataria e os riscos ine-
geneticamente está impondo à sociedade e às institui- rentes à transgênese, entre outros, passam a compor
ções que os desenvolvem a necessidade de contar os temas de debate entre países e organizações não-
com um processo de avaliação da segurança desses governamentais, influenciando o processo decisório
produtos. Em 1995, a Lei de Biossegurança esta- na busca de dispositivos e mecanismos para evitar o
beleceu diretrizes para o uso de técnicas de enge- desequilíbrio ecológico.
nharia genética e a liberação no meio ambiente de
Organismos Geneticamente Modificados (OGMs). Quadro 15
Foi criada também a Comissão Técnica Nacional de Vitória da biotecnologia
Biossegurança (CTNBio), vinculada à Secretaria Exe-
Vitória é o primeiro animal brasileiro resultante da tecnologia da
cutiva do MCT e responsável por estabelecer nor- transferência nuclear, ou clonagem. É uma bezerra da raça Simental
mas e regulamentos relativos aos projetos e atividades que nasceu no dia 17 de março de 2001, no campo experimental
Sucupira “Assis Roberto de Bem”, pertencente à Embrapa Recursos
que envolvam OGMs. Genéticos e Biotecnologia. Vitória é, literalmente, uma vitória das
pesquisas em reprodução animal do Brasil e da Embrapa, que tive-
ram início em 1984, com o objetivo de viabilizar o Banco Brasileiro de
É necessário continuar as pesquisas destinadas a fun- Germoplasma Animal. Foi utilizada a técnica de Transferência de
Embriões (TE), que permite a uma só doadora, geneticamente supe-
damentar os processos de avaliação de riscos e todos rior, gerar até doze bezerros por ano. Os benefícios econômicos do
os aspectos relativos a biossegurança, bem como de- domínio desta técnica são imensos, pois permitirão a aceleração do
processo de melhoria genética do rebanho bovino brasileiro.
senvolver capacitação técnica nacional para realizar
todos os testes que respondam às exigências de
segurança dos consumidores.

• Estímulo à formação de empresas de base


biotecnológica e à transferência de tecnologias
para empresas consolidadas
O objetivo primordial desta ação é acelerar a expan-
são da base biotecnológica do País por meio do for-
talecimento das pesquisas em tecnologias avançadas
e da criação de novas empresas de pequeno e médio
porte, propiciando-lhes apoio técnico-científico, re-
cursos e ambiente favorável às fases iniciais de orga-
nização, produção e habilitação para o mercado.

206
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

• Cooperação internacional regiões de floresta tropical e as grandes áreas de di-


Na área de biotecnologia, exemplos expressivos de fícil acesso e de baixa densidade populacional, além
cooperação podem ser citados, como o Centro Brasi- de vastos recursos naturais insuficientemente
leiro-Argentino de Biotecnologia, em funcionamento mapeados e monitorados.
há mais de treze anos, promovendo inúmeros cursos
de curta duração além de projetos conjuntos; a co- O Brasil possui extensa infra-estrutura espacial que,
operação com a Alemanha, por meio de programas além de centros de lançamento, inclui instalações de
específicos como o Gesellschaft für Biotechnologische integração e testes de foguetes e satélites, centros de
Forschung (GBF-biotecnologia); com a França, por meio missão e de controle de satélites, estações de solo, obser-
da cooperação como o Institut National de la Santé et vatórios e laboratórios de pesquisa. Essa infra-estrutura
de la Recherche Médicale (INSERM) e CYRAD; e ainda deverá ser mantida, modernizada e ampliada, para
o Labex/Embrapa que vem funcionando em estrei- atender às necessidades de um programa nacional.
ta cooperação com o ARS/USDA.
Os setores aeronáutico e espacial brasileiros são um
• Prospecção, monitoramento e estudos em dos melhores exemplos no País de uma política de
biotecnologia longo prazo: criação de uma escola (Instituto Tecno-
O avanço tecnológico e a dinâmica do processo de lógico de Aeronáutica – ITA) e logo de institutos de
globalização têm acarretado uma série de mudanças P&D dentro de um mesmo centro (Centro Tecnoló-
nas relações entre países, envolvendo novos interes- gico Aeronáutico, hoje Aeroespacial - CTA) ou na
ses comerciais e disputas por novas tecnologias. Diante mesma região (Instituto Nacional de Pesquisas Espa-
deste cenário, os estudos prospectivos constituem ciais - INPE), de laboratórios em seqüência ao desen-
mecanismos eficazes para a análise das tendências, volvimento de competências locais e, finalmente, a
permitindo indicar possíveis desenvolvimentos de no- criação de empresas, das quais a Embraer é a maior.
vas tecnologias de pesquisa e de produção, bem co-
mo de seus desdobramentos em termos de impactos O Programa Espacial Brasileiro, cujos primórdios
mercadológicos e dos riscos que lhes são inerentes. datam do início dos anos sessenta, depende quase
que exclusivamente de verbas do orçamento público
Tecnologia espacial federal, característica comum aos programas espa-
ciais em todo o mundo. Os recursos públicos fede-
As atividades espaciais no Brasil justificam-se por três rais sofreram reduções sucessivas a partir de mea-
razões: sua importância estratégica, seu elevado con- dos da década de oitenta, impondo ao Programa atra-
teúdo tecnológico e seu caráter multidisciplinar, envol- sos e alterações de rota.
vendo alguns dos segmentos mais avançados da enge-
nharia, assim como e pelo potencial das aplicações A criação em 1994 de uma agência federal de caráter
de tecnologias espaciais na solução de problemas asso- civil, a Agência Espacial Brasileira (AEB), a apro-
ciados às características geográficas e econômicas bra- vação no mesmo ano da Política Nacional de Desen-
sileiras. Estas incluem as dimensões continentais do volvimento das Atividades Espaciais (PNDAE) e a
País, suas extensas fronteiras e zona costeira, as amplas promulgação de um Plano Nacional de Atividades

207
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 16
O Plano Nacional de Atividades Espaciais - PNAE e seus atores principais: AEB, INPE E DEPED

PNAE E SEUS ATORES PRINCIPAIS: AEB, INPE E DEPED Sindae, dentre outras atribuições: i) coordenar a formulação de
O Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE), multissetorial propostas de revisão da PNDAE e de atualização do PNAE, bem
e de longo prazo, objetiva capacitar o País para desenvolver e utili- como executar e fazer executar as ações do programa; ii) promover
zar tecnologias espaciais na solução de problemas nacionais e em a cooperação internacional no âmbito das atividades espaciais, em
benefício da sociedade brasileira. articulação com o Ministério das Relações Exteriores e a estrutura
central do MCT; iii) promover a regulamentação do setor, estabele-
Em sua concepção atual, o PNAE é definido para um horizonte cendo normas, expedindo licenças e autorizações, bem como apli-
decenal em documento aprovado em 1996 e atualizado periodica- cando padrões de qualidade aos produtos espaciais.
mente pela Agência Espacial Brasileira (AEB). Contudo, muitas das
atividades centrais do Programa iniciaram-se efetivamente em 1980, A AEB inclui em sua estrutura um Conselho Superior, de caráter
com a Missão Espacial Completa Brasileira (MECB). Projeto desa- deliberativo, do qual participam representantes de ministérios
fiador e de longo prazo, a MECB, reconhecendo como necessário setoriais com interesses nas atividades espaciais, além dos minis-
dotar o Brasil de meios próprios de acesso ao espaço, fixou como térios da área econômica, bem como representantes da comunida-
objetivos desenvolver quatro pequenos satélites de aplicações, um de científica e do setor industrial, todos nomeados diretamente
veículo lançador de satélites e uma base de lançamentos, promo- pelo presidente da República
vendo, no processo, a capacitação da indústria brasileira no setor e
a qualificação de equipes técnicas especializadas. O INPE, órgão do MCT, é responsável por projetos de desenvolvi-
mento de satélites e tecnologias associadas, bem como por pesqui-
As ações do PNAE balizam-se por objetivos e diretrizes estabele- sa e desenvolvimento no campo das ciências e das aplicações espa-
cidas na Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espa- ciais - onde se destacam as áreas de observação da terra, coleta de
ciais (PNDAE), documento aprovado por decreto de 1994. Sua exe- dados ambientais e meteorologia por satélites.
cução dá-se no âmbito do Sistema Nacional de Desenvolvimento
das Atividades Espaciais (Sindae), no qual a AEB atua como elemen- O Deped, vinculado ao Comando de Aeronáutica do Ministério da
to de coordenação central e onde o Instituto Nacional de Pesquisas Defesa, incumbe-se do desenvolvimento de lançadores de satélites
Espaciais (INPE) e o Departamento de Pesquisa e Desenvolvimen- e de foguetes de sondagem, por meio do Instituto de Aeronáutica e
to (Deped) do Comando da Aeronáutica atuam como órgãos Espaço (IAE), órgão do Centro Técnico Aeroespacial (CTA).
setoriais. O Deped é também responsável pela implantação e operação do
Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) e pela operação do Cen-
Cabe à AEB, autarquia vinculada ao MCT, como órgão central do tro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI).

Espaciais (PNAE), de alcance decenal, geraram a tura, meio ambiente, recursos naturais e organiza-
expectativa de que as atividades do Programa reto- ção territorial), meteorologia, oceanografia, comu-
mariam níveis de execução adequados. O orçamento nicações, geodésia e navegação. A Amazônia tem
para o PNAE praticamente dobrou de 2000 para tido e continuará a merecer tratamento prioritário,
2001, e o Fundo Espacial, recentemente aprovado devendo-se destacar iniciativas visando estimar as
por iniciativa do Ministério, já consegue atrair os pri- taxas de desmatamento da região, detectar queimadas
meiros recursos adicionais, provenientes da privati- via satélite e contribuir para o projeto de Zonea-
zação de posições orbitais destinadas a satélites de mento Econômico Ecológico por meio de sensoria-
comunicações. mento remoto. O desenvolvimento de ferramentas
de processamento de imagens e de sistemas de in-
As aplicações espaciais priorizadas no PNAE estão formações geo-referenciadas constitui também im-
diretamente relacionadas à solução de problemas na- portante linha de atuação deste subprograma. Ou-
cionais nos campos de observação da terra (agricul- tro projeto interessante de aplicação espacial é a im-

2 O SSR é um satélite de sensoriamento remoto nacional de características inovadoras, concebido especialmente para o monitoramento de
florestas tropicais, e deverá operar em órbita equatorial.

208
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

plantação e operação da rede de plataformas de coleta cebido também para executar outras aplicações espe-
de dados ambientais, que já inclui cerca de 400 uni- cíficas de comunicações em órbita baixa. Em 1988, o
dades, distribuídas por todo o território nacional e Brasil e a China iniciaram o desenvolvimento con-
alguns países vizinhos, contribuindo diretamente para junto de dois satélites de sensoriamento remoto
a melhoria das operações do sistema hidrelétrico e (China-Brazil Earth Resources Satellite – CBERS).
dos sistemas de previsão do tempo e do clima.
Desde o início dos anos setenta, o Brasil vem realizan-
Os esforços nacionais de capacitação em projeto, de- do um esforço de longo prazo para capacitação em
senvolvimento e fabricação de satélites iniciaram-se veículos lançadores de satélites (VLS), tendo como
em 1980, tendo por resultado, dois pequenos saté- resultado o desenvolvimento de uma bem sucedida fa-
lites de coleta de dados, o SCD-1 e SCD-2, lançados mília de foguetes de sondagem, denominada Sonda.
com grande êxito em 1993 e 1998, respectivamente.
Ambos permanecem operacionais – um feito notável, A tecnologia desenvolvida para os foguetes de son-
considerando-se que o SCD-1 foi projetado para uma dagem serviu de base para o subprograma de lança-
vida útil de um ano. Em continuidade a esses projetos, dores de satélites. O VLS-1, primeiro veículo lança-
encontram-se em fase inicial de desenvolvimento um dor de satélites brasileiro, encontra-se em fase de
pequeno satélite de sensoriamento remoto, SSR2, e qualificação. Utilizando apenas combustível sólido,
um terceiro satélite de coleta de dados, SCD-3, con- destina-se à colocação de satélites de até 300kg em

Quadro 17
Programa China-Brasil de Desenvolvimento de Satélites (CBERS)

O CBERS (Chinese-Brazilian Earth Resources Satelite) é uma associa- ambiente e meteorologia, contribuindo para o gerenciamento e pre-
ção do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), pelo lado servação efetivos dos mesmo. Trata-se, assim, de um programa civil
brasileiro, com a CAST (Chinese Academy of Space Technology), pelo que visa dotar o Brasil de autonomia tecnológica para o gerenciamento
lado chinês, que objetiva o desenvolvimento de um sistema completo de seus recursos terrestres. Na consecução deste objetivo, o pro-
de sensoriamento remoto competitivo e compatível com os pa- grama fomentou a produção industrial nacional da área espacial e
drões mundiais. Incluem-se, em seus objetivos, a concepção, pro- capacitou o INPE para a concepção, montagem, lançamento e opera-
dução e operação de dois satélites de observação da Terra, seus ção de satélites de sensoriamento remoto de grande porte.
respectivos lançadores e uma estação de controle de solo em cada
país participante. O custo total da parte brasileira do programa é estimado em apro-
ximadamente US$ 100 milhões, distribuídos em 27% para despe-
O programa de cooperação teve início em 1988, com a assinatura sas no âmbito do Instituto, 39% para contratos com a indústria
de um acordo de cooperação tecnológica entre os dois países, e nacional, 1% para contratos de P&D com instituições de ensino e
deve concluir-se em 2002 com a colocação em órbita do segundo pesquisa nacionais e 33% em aquisições e contratos no exterior.
satélite a partir do lançador chinês "Longa Marcha". O primeiro O CBERS teve papel decisivo para capacitar tecnologicamente os
grande marco do programa foi alcançado com o lançamento do CBERS fornecedores nacionais. Participaram da parte brasileira do pro-
1 pelo foguete chinês Longa Marcha, em outubro de 1999. O saté- grama 24 fornecedores, dos quais 21nacionais.
lite funciona hoje em regime operacional. O segundo satélite,
CBERS-2, encontra-se em fase final de integração e testes no Labo- Em função do êxito obtido com a construção dos dois primeiros
ratório de Integração e Testes (LIT) do INPE. satélites, os governos da China e do Brasil decidiram dar continui-
dade ao programa de cooperação entre os dois países. Para a nova
Esses satélites têm como principais funções inventariar e monitorar fase, programa-se a construção de mais dois satélites, os CBERS 3
os recursos terrestres da China e do Brasil nas áreas de agricultura, e 4, estando previsto o aumento da participação brasileira para
cartografia, controle de desmatamento, geologia, hidrografia, meio 50% do custo do projeto.

209
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

órbita baixa. Testado em vôo em duas oportunida- ção dos laboratórios e parques tecnológicos. Isto acon-
des em que se verificaram falhas, tem mais dois lan- teceu em parte pelas condições de financiamento já
çamentos de qualificação programados até 2003, mencionadas. A reversão deste processo já foi inicia-
estando prevista a participação mais intensa da in- da pelas várias iniciativas aqui citadas, que deve-
dústria nacional nesta fase final do projeto. riam constituir-se em prioridades para o futuro pró-
ximo.
O desenvolvimento de lançadores terá continuidade
com o projeto de veículo capaz de colocar, em órbita • Ações em CT&I na área espacial
baixa, satélites com massa em torno de 600kg, ocu- É possível identificar um conjunto de ações em
pando nicho com reais possibilidades de mercado. CT&I para o fortalecer o desenvolvimento tecnoló-
Este veículo utilizará, provavelmente, um motor a gico e a capacidade de aprendizagem para inovação
combustível líquido, devendo ser objeto de coope- no setor aeroespacial: i) concentração dos esforços
ração internacional. governamentais em programas de longo prazo de de-
senvolvimento tecnológico nacional; ii) expansão,
O Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) está manutenção e adequação da infra-estrutura neces-
sendo implantado desde 1984 e encontra-se atualmen- sária para o setor; iii) apoio e fomento das atividades
te preparado para lançar foguetes de sondagem e veí- tecnológicas que privilegiem ou produzam condições
culos lançadores de satélites de pequeno porte. de isonomia competitiva às fornecedoras nacionais
A posição geográfica do CLA – localizado muito próxi- frente aos seus concorrentes estrangeiros, inclusive
mo à linha do equador, em uma península na costa do em programas de normalização e certificação; iv) in-
Maranhão – aumenta as condições de segurança e per- centivo à participação empresarial no financiamento
mite economia de combustível, tornado-o atraente de sistemas espaciais destinados à prestação de ser-
para o lançamento de satélites estrangeiros em bases viços em bases comerciais; v) utilização da política
comerciais, um mercado novo e bastante promissor. de compra governamental por meio de programas
cooperativos e transitórios, estimulando a formali-
Em que pesem os resultados positivos, deve-se notar zação das interações de aprendizado e eficiência co-
que na década de noventa o INPE e os programas de letiva entre os agentes; vi) promoção do adensamen-
veículos lançadores sofreram um processo de perda to da rede local através do fortalecimento das re-
de recursos humanos qualificados e de desatualiza- lações de cooperação tecnológica, extraindo vanta-

210
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

gens logísticas do efeito de aglomeração espacial; Este Pólo de Desenvolvimento de Pesquisa e Tecno-
vii) estímulo às atividades de pesquisa e desenvol- logia gerou resultados extremamente positivos. Em
vimento mediante a constituição de laboratórios em 1994, quando a Embraer foi privatizada, já havia
empresas que disponham de capacidade inovadora produzido mais de 2.500 aeronaves e faturado mais
bem como do incentivo à utilização compartilhada, de US$10 bilhões. Ela é hoje a quarta maior empresa
por tais empresas, das infra-estruturas laboratoriais do mundo no setor aeronáutico e o maior exportador
das instituições governamentais; viii) fomento de cen- individual do País.
tros, instituições e escolas técnicas de formação pro-
fissional, especialização técnica e de nível superior; Em 2000, o Setor Aeroespacial Brasileiro foi respon-
ix) promoção da modernização do arcabouço institu- sável pelo faturamento de US$3,2 bilhões, sendo 74%
cional e revitalização das instituições governamen- desse total gerados no mercado externo, e pelo emprego
tais do setor, particularmente o INPE, o CTA, o CLA de cerca de 20 mil trabalhadores, dos quais 14 mil em
e o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno – empregos diretos. Os gastos médios anuais em P&D
CLBI; x) promoção de projetos de cooperação no âm- do setor nos últimos cinco anos giram em torno de 8%
bito da ciência, das aplicações e da engenharia, bem do faturamento das empresas, bastante superior à média
como da tecnologia de sistemas espaciais, privilegian- nacional da indústria de transformação.
do parcerias com países em estágio de desenvolvi-
mento semelhante ao do Brasil, nas quais as relações Em 1999, foram investidos pela Embraer US$83
de troca possam ser equilibradas e mutuamente be- milhões em P&D. Neste mesmo período, cerca de
néficas; xi) promoção da constituição e consolidação 1.000 pessoas se dedicavam a atividades de P&D.
de núcleos universitários atuantes no desenvolvimento A empresa é o principal exemplo do potencial eco-
e na utilização da ciência e das tecnologias espaciais. nômico da tecnologia aeronáutica. As vendas de 480
unidades de cada tipo de aeronave ERJ-145 e ERJ-
Tecnologia aeronáutica 135 gerará um valor de aproximadamente US$13 bi-
lhões e milhares de postos de trabalho.
O desenvolvimento da indústria aeronáutica no Brasil,
de forma articulada, como já referido, começa na década A vinda de fornecedores da empresa para o Brasil, o
de quarenta, com a criação do Centro de Tecnologia aumento da produção nacional de componentes im-
Aeronáutica (1945) e do seu primeiro instituto, o Insti- portantes dos aviões produzidos pela empresa, inclusi-
tuto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), que contou ve no setor de aviônica, e a continuação do esforço
na sua origem com a cooperação de professores do de P&D em redes cooperativas com universidades e
Massachussets Institute of Technology (MIT - EUA). Em centros de pesquisa completam o quadro positivo da
1971, foi criado o INPE, e dois anos após deu-se a evolução da indústria aeronáutica brasileira.
fundação da Embraer. Talvez este seja um caso exem-
plar e pioneiro de política de desenvolvimento de um Tecnologia nuclear
Sistema Local de Inovação ou até mesmo de um "cluster
construído" por políticas públicas articuladas. A manutenção de uma capacidade científica e tecno-
lógica própria na área nuclear é crítica para o desen-

211
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

volvimento de competências na fronteira da utiliza- • Energia nuclear


ção da energia nuclear para geração de eletricidade, O desafio energético será responsável por mudanças
assim como para a identificação de novas oportuni- consideráveis no desenvolvimento global no futuro
dades tecnológicas e novas demandas de aplicação próximo e por novas fontes de energia ou pela utili-
nuclear na medicina, agricultura, recursos hídricos, zação otimizada, segura e ambientalmente aceitável
monitoração do meio ambiente, processos industriais das atuais, o que demandará esforços da Ciência e
e em novos materiais. Assim, diretrizes para os Tecnologia para satisfazer os requisitos da sociedade.
diferentes campos devem ser estabelecidas, incluin- Os combustíveis fósseis (óleo, carvão e gás) conti-
do aquelas referentes à formação, capacitação e aper- nuarão sendo utilizados de forma intensiva, e as ener-
feiçoamento dos recursos humanos necessários ao gias renováveis, tais como a hidroeletricidade e a
completo desenvolvimento do setor, o que obriga- biomassa, prevalecerão como fontes de energia elé-
toriamente inclui a segurança das atividades, a pro- trica não-fóssil. A energia nuclear, via fissão térmica,
teção da população, dos trabalhadores e do meio ocupa um espaço considerável na matriz energética
ambiente, e têm como premissas básicas a transpa- mundial (17%). Atualmente, existem 438 reatores
rência e garantia do uso pacífico da energia nuclear. nucleares em operação e 31 em construção. Em países
como a França, Bélgica, Ucrânia e Lituânia, a geração
núcleo elétrica é a predominante (acima de 70%), e
Quadro 18 países como o Japão, China, Coréia e Índia possuem
Aplicações de larga escala de técnicas
programas nucleares de grande porte para o curto,
nucleares no Brasil
médio e longo prazos. Os EUA, que possuem o maior
Dentre as aplicações de larga escala de técnicas nucleares no Brasil, parque nuclear mundial (104 reatores, 97.411 MWe),
a mais visível é a medicina nuclear para diagnóstico e terapia de
diversas doenças, cujo número de procedimentos médicos realiza-
onde não se instalavam novos reatores desde fins da
dos em 2.000 foi da ordem de 1,7 milhões e que cresce anualmente década de setenta, estão revertendo sua posição e
a uma taxa de 12 a 15%. No segmento industrial de irradiação, há
no País 6 irradiadores gama comerciais de grande porte e vários manifestaram internacionalmente a decisão da
outros de pequeno porte que são utilizados para a esterilização de retomada da construção de novas centrais nucleares,
produtos médico-cirúrgicos e tecidos humanos e também para a
melhoria de qualidade sanitária de produtos fitoterápicos, especia- bem como dos programas de P&D visando à geração
rias, frutas e alguns ingredientes alimentícios. Os aceleradores in-
futura de reatores nucleares (Nuclear Energy Research
dustriais de elétrons são usados, principalmente, para melhorar as
propriedades de materiais poliméricos particularmente os isolan- Initiative - NERI, Generation IV etc). A maior ou menor
tes de fios e cabos e componentes de pneus. Outra aplicação bas-
tante difundida é a gamagrafia, aplicada por mais de 20 empresas
participação de cada uma dessas fontes de energia
prestadoras de serviços utilizando-a nos ensaios não destrutivos, estará condicionada ao seu desempenho ambiental,
principalmente, na indústria petrolífera e química. No campo dos
recursos hídricos, estas técnicas avaliam o movimento das águas principalmente à emissão de gases causadores do efeito
subterrâneas e o potencial dos aquíferos para o abastecimento da estufa, notadamente CO2, à aceitação pública e à
população. Na produção do petróleo são empregadas para otimizar
a exploração dos campos petrolíferos. Os reatores nucleares de competitividade e aos riscos financeiros. Além da
pesquisa e aceleradores de partículas possibilitam a produção de
radioisótopos e a irradiação de amostras que viabilizam inúmeras
geração de eletricidade, a tecnologia nuclear apresenta
técnicas nucleares. A técnica de análise por ativação possui grande um diversificado e importante papel nas áreas da
seletividade, sensibilidade e exatidão, tornando-a muitas vezes úni-
ca em aplicações nas áreas da saúde, meio ambiente e estudos de saúde, indústria, engenharia e meio ambiente.
materiais.

212
Capítulo 5 - Desafios Estratégicos

O Brasil possui duas usinas nucleares em operação: ocorridos na área médica são baseados em aplicações
Angra I e Angra II, responsáveis pelo fornecimento de tecnologia e energia nuclear, ampliando o campo
de aproximadamente 1960MWe de eletricidade ao sis- e possibilidades de utilização.
tema interligado da região Sudeste. Estas usinas são
operadas pela Eletronuclear, que atualmente investe • Ciclo do combustível nuclear no Brasil
na melhoria do desempenho operacional de Angra I Graças, em grande parte, a um intenso esforço de
(626MWe) através de um programa de gestão de en- desenvolvimento tecnológico próprio, coordenado
velhecimento. Aguarda autorização a construção de pela Marinha do Brasil (Copesp – Coordenadoria de
uma terceira, Angra III, para a qual já foram adqui- Projetos Especiais), o País domina hoje etapas so-
ridos 70% dos equipamentos, realizado 95% do pro- fisticadas do ciclo de combustível nuclear, em parti-
jeto e também parte dos trabalhos de infra-estrutura. cular, o processo de enriquecimento isotópico de urâ-
A viabilização da construção de Angra III consolidará nio por ultracentrifugação. Isto torna o Brasil poten-
a implantação da indústria nuclear no Brasil. Para cialmente independente da tecnologia de outras na-
atender à demanda de combustível a longo prazo, o ções em todo o ciclo do combustível, sendo um
País já é detentor da sexta reserva mundial de urânio, exemplo notável da capacidade nacional de dominar
embora a maior parte de seu território não tenha sido tecnologias estratégicas para o futuro do País.
prospectada. Atualmente o País continua contratando,
no exterior, os serviços de conversão, por conveniên- As Indústrias Nucleares Brasileiras (INB) detêm a
cia econômica, e os de enriquecimento de urânio, até tecnologia e completaram as instalações para todas
que fiquem prontas as instalações industriais de ultra- as etapas industriais economicamente significativas
centrifugação, ora em construção em Resende. Em e necessárias para a produção do combustível para
um horizonte de médio e longo prazos, o Brasil tem as centrais nucleares, desde a reconversão do hexa-
especial interesse nos temas relacionados aos reatores fluoreto de urânio, a fabricação de pastilhas de com-
e ciclos de combustível de quarta geração, com instala- bustível, a fabricação dos componentes e a monta-
ções de concepção intrinsecamente segura, que mini- gem do elemento combustível. O enriquecimento
mizam a produção de rejeitos, aumentam a eficiência isotópico de urânio, empregando a tecnologia brasi-
do combustível e permitem a utilização do tório. leira de ultracentrifugação, teve implantação em es-
cala industrial iniciada em 2001, e seu primeiro mó-
Além de fonte de eletricidade, a energia nuclear tem dulo deverá começar a operar nos próximos anos.
diferentes aplicações na agricultura, medicina e in- Considerando-se o preço por tonelada de urânio con-
dústria. A exigência de esterilização de certos pro- tido, o valor comercial do combustível, na sua forma
dutos comercializados no mercado mundial tende a final, é cerca de trinta vezes maior que o do minério.
crescer e tornar-se obrigatória. Da mesma forma, a Hoje a maior parte desta agregação de valor é feita
aceitação de produtos de uso hospitalar esterilizados na INB, pois a parcela nacional responde por, apro-
por irradiação já é amplamente difundida e aceita ximadamente, 60% do valor final do produto. Com
pela sociedade, o que ainda não ocorre com a apli- a implantação da unidade industrial de enrique-
cação desta mesma metodologia de esterilização para cimento isotópico, cuja capacidade prevista alcança
produtos alimentícios. Novos desenvolvimentos 50% das necessidades atuais, a parcela nacional

213
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

passará a ser de 78% no combustível de Angra I e não são dominadas; iv) manter um processo contínuo
Angra II. Em termos de produção, as instalações de prospecção e contato com os centros mais avançados,
atuais têm capacidade para suprir o dobro das ne- visando identificar a direção de novos rumos das
cessidades requeridas pelas usinas atuais. pesquisas de maior potencial para aplicação no Brasil.

• Pesquisa em energia nuclear


A pesquisa e desenvolvimento da tecnologia e apli-
cações nucleares é realizada, principalmente, nos ins-
titutos da CNEN, que foram recentemente incorpo-
rados ao MCT, complementando assim a base de in-
fra-estrutura de pesquisa avançada e estratégica para
o País. Existem, ainda, alguns programas específicos
que são realizados no Centro Tecnológico da Marinha
em São Paulo (CTM-SP). Igualmente, o Centro de
Energia Nuclear na Agricultura (CENA), da USP,
localizado em Piracicaba, dedica-se à pesquisa de
aplicações nucleares na agricultura. Uma expansão
da competência nuclear no País, entretanto, exigirá
o maior envolvimento de universidades e centros de
pesquisa, nos programas de interesse estratégico que
venham a ser formulados.

Uma discussão das diretrizes estratégicas para o setor


deveria contemplar, entre outras questões, a geração
núcleo-elétrica; conservação e expansão do parque
gerador no País e disposição dos rejeitos radioativos;
a revisão da legislação referente aos minérios radioa-
tivos; domínio do Ciclo do Combustível, tendo como
prioridade de curto prazo a concretização da usina
de enriquecimento de urânio (Marinha – INB).

No campo das aplicações das técnicas nucleares, de-


ver-se-ia: i) assegurar a disseminação e ampliação do
uso de todas as técnicas já dominadas pelo País; ii)
manter o contínuo aperfeiçoamento dos segmentos em
que já se alcançou o patamar dos países mais avançados;
iii) acelerar o desenvolvimento daquelas aplicações já
identificadas como de alto valor agregado e que ainda

214
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO


DESAFIOS INSTITUCIONAIS

225
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

CIÊNCIA, TECNOLOGIA
E INOVAÇÃO
DESAFIOS
DESAFIOS INSTITUCIONAIS
INSTITUCIONAIS

Um dos maiores desafios para a


incorporação de Ciência, Tecnolo-
gia e Inovação à agenda da socie-
dade brasileira é de ordem institu-
cional. Modernamente, concei-
tuam-se instituições não apenas
como organizações formais, fir-
mas, órgãos governamentais e as-
sociações de fins diversos, mas
também regras, normas, rotinas e
procedimentos, formais ou não.
A rigor – e em um sentido mais
abrangente, mas nem por isso me-
nos preciso e relevante – até mesmo
atitudes, hábitos e elementos de
natureza cultural formam a con-
cepção mais ampla de instituições.

Diretrizes estratégicas para Ciência,


Tecnologia e Inovação terão de ser
forçosamente ousadas, em face da
magnitude do que está em jogo –
as opções do futuro da sociedade
brasileira. Mais ambiciosas e cria-
tivas ainda terão de ser as formas
de enfrentar os desafios institucio-

226
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

nais, se quisermos atingir boa parcela dos objetivos “A continuidade e efetividade das
a serem fixados para a próxima década. pesquisas em C&T exigem novo
arcabouço legal. Há que atualizá-lo,
Como assinalam os especialistas, a inércia é uma ca- inclusive porque a lógica do trabalho
racterística básica das instituições. E é exatamente em C&T tende sempre a se diferenciar
por isso que os anseios de mudança de uma sociedade da lógica com a qual opera a maioria
só se poderão realizar se forem engendradas trans-
da burocracia estatal. Em C&T há
formações institucionais. Neste sentido, os desafios
necessidade crescente de se trabalhar
institucionais são aqueles que remetem ao processo
de forma mais flexível. Há também
de transformação que se quer implementar, lidando
que aperfeiçoar a gestão: é necessário
assim com variáveis mais ou menos controláveis.
que em C&T se passe a operar mais

O Brasil passa por uma transição em seu marco ins- por resultados, com maior

titucional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Como transparência e seguindo de perto a


vimos no início deste Livro, essa transição requer a evolução das próprias prioridades.”
incorporação de novos atores e arranjos institucionais Alberto Duque Portugal,
que vêm juntar-se às estruturas típicas de Ciência e Embrapa

Tecnologia. Falar em construir sistemas de inovação


e em construir uma sociedade para o aprendizado é,
ao mesmo tempo, falar na necessidade de uma nova
institucionalidade no campo de CT&I.

Em linhas gerais, o País possui um aparato de institui-


ções de pesquisa científica e tecnológica complexo e
sedimentado sobre bases razoavelmente sólidas. Com-
“Há pouca probabilidade de se atrair
putadas as organizações públicas (federais e estaduais,
potencial externo de pesquisas; o
estatais e não estatais) e privadas (com e sem fins lu-
capital externo ingressa mais atraído
crativos) de pesquisa, desenvolvimento e serviços em
pelo mercado doméstico brasileiro.
ciência e tecnologia, registram-se mais de duas centenas
de instituições em plena atividade e produzindo co- Cabe gerar novos vínculos entre
nhecimento com extraordinário potencial de repercus- Universidades, Institutos de Pesquisa e
são no aparato produtivo e nas condições de vida da empresas nacionais para
população. E, embora com distribuição geográfica desi- desenvolverem trabalhos de fato em
gual, estão presentes em todas as regiões do País. conjunto (e não mais "em
sequência", como se pensava fazer no
Nenhuma outra nação do continente latino-ameri- passado).”
cano apresenta números próximos a estes, mesmo
Guilherme Emrich,
tendo-se em conta as diferenças de tamanho e po- Biobras

227
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

pulação. Mais do que isto, o Brasil caminha na di- longo prazo necessária para ultrapassar os patama-
reção de incrementar consideravelmente seu apara- res iniciais de êxito. Finalmente, somente para lem-
to de CT&I, por vários motivos, mas, principalmen- brar o papel das instituições de ensino e pesquisa na
te pela recente entrada em cena dos recursos para formação de recursos humanos altamente especia-
pesquisa provenientes dos fundos setoriais (ver dis- lizados, pode-se indicar que, sem o Instituto Tecno-
cussão sobre os fundos adiante). lógico da Aeronáutica e várias outras faculdades de
engenharia, a Embraer e a Petrobras não ocupariam,
A trajetória das instituições de CT&I, embora vir- hoje, posição de relevo na produção de aviões e na
tuosa para formação de quadros e para geração e exploração de petróleo.
adaptação de conhecimento, esteve pouco articulada
a duas funções vitais para integrar, efetivamente, a Não é correto, portanto, afirmar que inexiste articu-
Ciência e a Tecnologia no desenvolvimento social e lação entre ensino e pesquisa, de um lado, e inovação
econômico do País: a articulação com o setor pro- e empresas, de outro; tampouco se pode asseverar
dutivo e a participação, na medida necessária, na so- de forma tão categórica que sempre houve distan-
lução dos problemas sociais do País. ciamento das trajetórias do aparato de pesquisa em
relação às necessidades de desenvolvimento
Esta é uma apreciação geral, um tanto sumária, da socioeconômico da sociedade brasileira. Entretanto,
situação da Ciência e da Tecnologia no Brasil. É su- houve um distanciamento progressivo de muitas
mária porque separa elementos que estão de uma dessas organizações em relação ao papel que hoje
forma ou de outra associados. Por exemplo, as con- Ciência e Tecnologia devem cumprir.
tribuições feitas pelas organizações de pesquisas agrí-
cola no País (Instituto Agronômico de Campinas, Assim, no que concerne aos desafios institucionais, há
Embrapa, Instituto Agronômico do Paraná, Instituto quatro conjuntos de questões principais a enfrentar:
de Pesquisa Agropecuária de Pernambuco, entre ou- i) entendimento do que significa a construção de
tras), além de terem-se pautado por forte integração sistemas de inovação e seus diversos componentes
com a produção agropecuária nacional, serviram para – arranjos locais, regionais, setoriais, cadeias etc.;
legitimar, frente à sociedade, o papel de CT&I para ii) identificação do que vem a ser uma integração
o desenvolvimento da agricultura. Outro exemplo dos vários atores que compõem os sistemas de ino-
clássico está no setor saúde, no qual organizações vação, visando a sua articulação progressiva;
seculares de pesquisa, como o Instituto Butantã e a iii) revisão das funções públicas do Estado no que
Fiocruz, desenvolveram vacinas, soros e outros pro- diz respeito às ações e políticas voltadas a CT&I;
dutos absolutamente essenciais para o desenvolvi- iv) proposição do que vem a ser a nova agenda para
mento econômico e social. Vários outros setores, on- Ciência, Tecnologia e Inovação no Brasil na próxima
de houve esforço de desenvolvimento nacional pró- década. Esta última questão deverá ser o objeto dos
prio – telecomunicações, energia elétrica, ciclo do debates decorrentes do Projeto de Diretrizes Estra-
combustível nuclear, pequenos satélites – também tégicas ora em curso, no qual se insere, entre outras
foram bem sucedidos. Infelizmente, alguns desses etapas, a Conferência Nacional de Ciência, Tecno-
esforços não tiveram a continuidade institucional de logia e Inovação.

228
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

A ORGANIZAÇÃO PARA CT&I E


O MARCO INSTITUCIONAL

A questão fundamental é a de definir quais os apa-


ratos institucionais que devem ser desenvolvidos para
que Ciência e Tecnologia se integrem, de maneira
mais eficiente, eficaz e efetiva, nos sistemas produti-
vos e no cotidiano das sociedades de maneira geral.
Articulação e coordenação de atores, criação de ins-
trumentos de incentivos os mais variados, enqua-
dramento do aparato de pesquisa em uma perspectiva
e em um contexto mais amplos, entre outros ele-
mentos, são pontos a serem discutidos. A preocu-
pação central é a identificação de formas organiza-
cionais mais apropriadas para o surgimento e a difu-
são de novas tecnologias. O fosso tecnológico entre
países não se deve apenas à escala das atividades de
P&D, ao nível das atividades de invenção e inovação,
ou mesmo à presença eventual de clusters de inova-
ção1 ; são fundamentais as mudanças institucionais
no sistema de inovação, as novas formas de organi-
zação da produção, dos investimentos e do marketing,
assim como as novas combinações entre invenção e
empreendimento.

O que se percebe hoje é a possibilidade de uma nova


referência institucional, com maior integração dos in-
teresses políticos, acadêmicos e industriais na condu-
ção, gestão e regulação da pesquisa. A noção de sis-
temas de inovação – em seus variados arranjos – pro-

1 Clusters de inovação são aglomerados de empresas, em geral industriais, que interagem intensamente em parcerias, subcontratação e contratos de
co-desenvolvimento, gerando assim forte capacidade de inovação em produtos e processos.

229
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

cura justamente colocar em pauta essas dimensões, entre esses atores, assim como intracategorias. Uni-
mostrando a necessidade de articulação entre condições versidades, institutos de pesquisa, agentes econô-
institucionais direta e indiretamente ligadas à CT&I. micos, órgãos formuladores de políticas, agências de
fomento, agências reguladoras e seus membros são
Não são apenas novas tecnologias e disciplinas que instituições igualmente heterogêneas entre si.
revolucionam os conceitos tradicionais de conheci-
mento; de forma mais intensa, o que se vê são novas Coloca-se, assim, a necessidade de mecanismos par-
formas de produzir, aplicar e valorizar o conheci- ticipativos e de coordenação que não são triviais no
mento. Ciência e Tecnologia são crescentemente ava- sistema nacional de CT&I, que esteve até hoje muito
liadas desde as suas prioridades até suas conseqüên- centrado nas instituições de P&D e de ensino. Entre
cias sobre a economia e a sociedade em geral. os desafios institucionais está, portanto, a adequação
dos instrumentos de planejamento e gestão para con-
Ao mesmo tempo em que surge uma gama mais am- templar essa diversidade, desde a definição de priori-
pla de agentes que criam e se utilizam de conheci- dades, até os mecanismos de avaliação e legitimação
mento como sua atividade-fim (além dos tradicionais, das ações voltadas à organização de sistemas de Ciên-
como as universidades, institutos públicos e labora- cia, Tecnologia e Inovação e de seus componentes.
tórios industriais), são estabelecidas redes entre estes
agentes, que buscam a diferenciação simultânea, den- É crescente a preocupação com os impactos que os
tro dos campos e áreas de estudos, tornando-se cada avanços em Ciência e Tecnologia têm sobre a socie-
vez mais especializados em determinado tipo de saber. dade e sobre a economia, e isso é espelhado no au-
Assim, o novo padrão técnico-científico tem como mento do interesse público sobre o apoio aos pro-
marca a crescente manifestação da criatividade como gramas de pesquisa e das discussões quanto a seus
fenômeno coletivo, no qual as contribuições indivi- resultados. Agentes até agora não contemplados nos
duais são reunidas e submetidas como parte de um sistemas de Ciência e Tecnologia começam a influen-
processo comum de geração de conhecimento. No- ciar, de forma crescente, a definição dos problemas,
vos agentes de pesquisa são dotados de maior flexi- a priorização de atividades e os rumos da pesquisa
bilidade visando novos arranjos contratuais. científica e do desenvolvimento tecnológico.

Exatamente por se tratar de um fenômeno coletivo, Dada a amplitude do problema, não cabe – pelo me-
é importante atentar para um ponto fundamental: a nos para o caso brasileiro – querer desenhar todas as
diversidade institucional, de interesses e cultural dos características do aparato e instituições vinculadas
atores envolvidos. Falar em sistemas de inovação, a CT&I em um sistema nacional. Do ponto de vista
em redes ou mesmo em programas tecnológicos in- das políticas e do planejamento, um sistema nacional
tegrados, é lidar com atores os mais variados, desde ergue-se a partir da capacidade de criar e organizar
aqueles diretamente envolvidos com atividades de vários tipos de arranjos, considerando oferta, deman-
P&D até agentes econômicos produtivos, financeiros da e um quadro tendencial. Esta composição pode e
e comerciais, instituições de fomento, formuladores deve ser consubstanciada em um quadro normativo
de políticas etc. A diversidade aparece, portanto, e gerencial de longo prazo.

230
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

Por este motivo é que os desafios são tanto de natu- de-obra qualificada, aumento do capital social e re-
reza micro como macroinstitucional. No plano ma- cursos financeiros. Para tanto, as políticas públicas
croinstitucional, não se pode perder de vista o papel usam mecanismos diretos e indiretos, tais como pro-
do Estado e as funções públicas que suas instituições moção do capital de risco, juros baixos, redução de
e organizações devem exercer. impostos, além de investimentos públicos na forma-
ção de ativos intangíveis (qualificação e conhecimen-
Um Estado menos empreendedor (no sentido de pro- to). Outro elemento de política destacado é o apoio
duzir diretamente bens e serviços) e mais regulador é a setores econômicos específicos, por meio de polí-
a tônica da maioria das políticas. Todavia, a experiên- ticas direcionadas a pequenas e médias empresas e a
cia de países líderes em CT&I mostra que o Estado regiões ou setores, facilitando o acesso à informação,
regulador não é, na prática, um Estado que se retira tecnologia e crédito, marketing, canais de exportação
do financiamento de Ciência, Tecnologia e Inovação. e compras governamentais.
Muito menos, que abre mão de seu papel de planeja-
dor, indutor e coordenador de políticas de incentivo Todos esses elementos são, de forma mais ou menos
a CT&I e ao desenvolvimento econômico e social. enfática, complementados pelo estabelecimento de
novos arranjos jurídicos para as organizações públi-
A reforma institucional, com a privatização ou a aber- cas. Este talvez seja um dos pontos mais importantes
tura para exploração privada de determinados seto- para os desafios institucionais, precisamente porque
res e redefinição do papel do Estado, mudou o eixo traz para discussão a questão crítica da competitivi-
de sua atuação e está redefinindo seus espaços. Deve- dade das organizações públicas de pesquisa. Este
se entender que houve mudança na estrutura do tema voltará a ser tratado no item sobre competiti-
Estado e, mais ainda, na lógica e condicionantes do vidade institucional.
funcionamento dos mercados. Está completamente
superada a questão de o Estado dever ou não inter-
ferir no funcionamento da economia. Atualmente a
questão relevante diz respeito à forma e aos mecanis-
mos de intervenção e regulação, a como articular
esforços e produzir sinergias entre os setores público
e privado, orientando-os para os macroobjetivos do
desenvolvimento sustentável.

Documento recente da Organização para a Coope-


ração e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
aponta o papel central das políticas públicas em au-
mentar a quantidade, a qualidade e o acesso a ele-
mentos fundamentais para o desenvolvimento eco-
nômico e social sustentável, por meio de investi-
mentos em P&D, ampliação e qualificação de mão-

231
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

232
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

POLÍTICAS DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO:


UMA REVISÃO DE INSTRUMENTOS

As mudanças nas políticas de CT&I envolvem mo-


vimentos de múltiplas direções: universidades, ins-
titutos de pesquisa e agências atuando no espaço do
mercado de pesquisa; empresas articulando-se com
as organizações públicas; novos requisitos de ca-
pacitação e aprendizagem gerencial; criação de ins-
trumentos voltados à articulação de atores e ao
aprendizado coletivo (redes, arranjos produtivos,
consórcios, plataformas).

Alguns aspectos emergem com maior força neste no-


vo contexto e configuram um conjunto de temas e
áreas críticas para as políticas de CT&I, que podem “Se a Empresa é, por excelência,
ser resumidos em quatro dimensões: (i) diversificação agente introdutor de inovações, a
e ampliação de mecanismos de financiamento; (ii)
Universidade é a grande fonte
definição de prioridades e oportunidades; (iii) pro-
geradora de novos conhecimentos. O
moção da articulação entre diferentes atores, con-
Estado tem a responsabilidade de
substanciados arranjos institucionais coletivos; (iv)
melhorar o processo seletivo e o de
aprimoramento de serviços de apoio à inovação.
criar instituições facilitadoras da
geração e difusão de novas
Diversificação e Ampliação de Mecanismos
de Financiamento tecnologias. Hoje se transita a um
novo sistema produtivo e um grande
Os mecanismos institucionais de financiamento re- desafio para o Estado é prover
vestem-se de grande importância para a revisão e o mudanças institucionais acordes com
desenho de novos instrumentos de política de CT&I. esta transição e que, ao mesmo
Não se trata apenas do volume de recursos, aspecto tempo, atendam requisitos de toda a
em geral acentuado nos debates sobre a atuação do sociedade nacional.”
setor público, mas também da adequação dos
João Carlos Ferraz,
instrumentos às necessidades dos componentes dos UFRJ

233
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

sistemas de inovação. Em um contexto marcado pela PIPE


restrição de recursos e pela necessidade de responder
de forma eficaz às demandas da sociedade, a con- O PIPE da Fapesp traz duas contribuições impor-
cepção e operação dos instrumentos de financiamen- tantes em termos de soluções institucionais para o
to têm tanta importância quanto o volume de recur- cenário nacional. A primeira é o financiamento direto
sos disponível para atividades de CT&I. à empresa por intermédio do pesquisador ligado à
empresa. A segunda decorre da primeira, pois o pleito
Fortalecer o mercado de capitais, prover condições empresarial por recursos públicos dentro do programa
de estímulo ao capital de risco, incentivos fiscais, passa pela necessidade de a empresa ter em seus qua-
recursos públicos acessíveis ao setor privado (como dros pessoal qualificado para pesquisa, estimulando,
anunciados pelos fundos setoriais), além de outros desta forma, a formação de funcionários-pesqui-
mecanismos discutidos no capítulo de CT&I e De- sadores de alto nível (Quadro 1).
senvolvimento Econômico, constituem desafios ins-
titucionais em várias dimensões. Recursos competi- Fundos Setoriais
tivos, fundos casados, linhas de apoio a centros de
excelência, linhas de financiamento de redes e demais A criação dos fundos setoriais é uma iniciativa que
arranjos coletivos, financiamento de novas empresas, transforma de maneira substantiva o cenário do finan-
apoio a pequenas e médias empresas de base tecno- ciamento e da gestão da pesquisa. Trata-se de uma
lógica, apoio à transferência de tecnologia, financia- nova forma de gestão, da pesquisa, que está funda-
mento de infra-estrutura de pesquisa são instrumen- mentada na participação de diferentes atores sociais
tos que vêm tendo ênfase em todo o mundo. Articu- e no foco em resultados. O volume de recursos pre-
lar os recursos públicos para a promoção da P&D vistos para os próximos anos é significativo. O mais
empresarial e para a aproximação dos agentes en- importante porém, é que esses recursos representam,
volvidos na geração de conhecimento são diretrizes de um lado, a possibilidade ímpar de estabilidade
de curto prazo para induzir a organização dos com- para o financiamento de CT&I no País e, de outro, o
ponentes dos sistemas de inovação. A participação tratamento orgânico entre pesquisa e empresa, assim
do Estado continua a ser fundamental na construção como entre pesquisa e demandas da sociedade em
de sistemas de inovação, quer para o financiamento geral. A questão central neste momento é justamente
da Ciência e Tecnologia (que tem crescido nos últi- a de criar mecanismos institucionais que viabilizem
mos anos) e para a viabilização de empreendimen- seu uso para a criação de sistemas de inovação e de
tos de inovação em suas primeiras etapas, quer no seus diversos componentes.
fortalecimento de grandes empresas.
Os fundos setoriais constituem uma nova proposta
No caso brasileiro, há quatro iniciativas públicas que de financiamento sustentado por receitas fiscais adi-
merecem destaque: o Projeto Inovar da Finep (ver cionais ao orçamento fiscal, derivada da exploração
capítulo 4); o projeto Pesquisa Inovadora em Peque- ou concessão de um determinado setor de atividades.
nas Empresas (PIPE) da Fapesp; os fundos setoriais; Com exceção do Funttel (Fundo para o Desenvolvi-
o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos. mento Tecnológico das Telecomunicações), os

234
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

Quadro 1
Pesquisa Inovadora em Pequenas Empresas - PIPE/Fapesp
O programa foi criado em 1997 e apresenta os seguintes objetivos projeto aprovado.
centrais:
Fase II, com duração de vinte e quatro meses, caracteriza-se pelo
- oferecer incentivo e oportunidades para que pequenas empresas desenvolvimento da pesquisa. Nesta etapa, o valor máximo finan-
de base tecnológica desenvolvam pesquisa em ciências, engenharias, ciável corresponde a R$300 mil para cada projeto, sendo as conces-
ou em educação científica e tecnológica de impacto comercial ou sões feitas àqueles projetos de maior sucesso na Fase I. Para que os
social; projetos nesta fase sejam financiados, é necessário, além de terem
sido bem-sucedidos na fase anterior, que apresentem um “plano de
- possibilitar que pequenas empresas se associem a pesquisadores negócios” para a comercialização da inovação resultante, podendo
do ambiente acadêmico em projetos de inovação tecnológica; receber orientação do Sebrae-SP.

- estimular o desenvolvimento de inovações tecnológicas e ao mes- Fase III, realizada pela própria empresa, ou sob sua coordenação, e
mo tempo viabilizar uma maior aplicação prática de pesquisas rea- tem como objetivo desenvolver novos produtos comerciais basea-
lizadas com apoio da Fapesp; dos nos resultados obtidos nas duas fases anteriores. A Fapesp não
dá qualquer tipo de apoio financeiro às empresas nesta fase, mas
- contribuir para a criação de uma cultura que valorize as atividades pode colaborar na obtenção de apoio de outras fontes.
de pesquisas em ambientes empresariais, propiciando aumento no
espaço de atuação profissional para pesquisadores das diversas áre- O investimento acumulado na Fase I gira em torno de R$4,7 mi-
as do conhecimento. lhões. Desse total, 62,7% correspondem aos investimentos nas
engenharias, 13,5% correspondem aos investimentos nas ciências
Organiza-se em três fases: agrárias e 6,0% aos investimentos na física. Na segunda fase pode-
se constatar que as proporções se mantiveram as mesmas. De um
Fase I, com duração de seis meses, visa à realização de pesquisas total de R$7,2 milhões em investimentos, 72,4% foram destinados
sobre a viabilidade técnica das idéias propostas cujos resultados às engenharias, enquanto 7,6% foram destinados às ciências agrári-
serão o principal critério de qualificação para a fase seguinte (Fase as e 7,3% do total para a física.
II). O valor máximo financiável nesta fase é de R$ 75 mil para cada

recursos captados são alocados no Fundo Nacional regulamentação: Agronegócio, Saúde, Aeronáutico
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Biotecnologia. No total, o aporte dos fundos seto-
(FNDCT), que passou a operar recentemente com riais deverá representar receita adicional da ordem
mecanismos adequados ao cumprimento dessa de mais de R$1 bilhão ao ano.
finalidade. Antiga reivindicação da comunidade
científica foi atendida e, desde março de 2000, os Se é desejável que os recursos dos fundos setoriais
recursos do FNDCT não mais são recolhidos ao contribuam para a formação e consolidação de ar-
Tesouro Nacional ao final de cada exercício fiscal, ranjos institucionais para a inovação, então não se
mantendo seu saldo financeiro disponível para pode pensar em operá-los da mesma forma como
aplicação no próximo exercício. As receitas que estão sendo aplicados os recursos públicos para
alimentam os fundos setoriais têm diversas origens, CT&I. As restrições de ordem legal para que os órgãos
tais como royalties, parcela da receita das empresas públicos e seus pesquisadores participem da criação
beneficiárias de incentivos fiscais, compensação de empresas, de investimentos em tecnologias gené-
financeira, licenças e autorizações. ricas, ou mesmo de projetos integrados precisam ser
superadas por meio de legislação mais adequada à
Além dos fundos apresentados, a seguir, na Tabela ampliação da competitividade, do alcance e da flexi-
1, mais quatro estão em negociação e ou bilidade do sistema de CT&I.

235
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Ademais, os fundos setoriais colocam uma oportuni- Duas ações são particularmente importantes para
dade (ou mesmo uma necessidade) de se adotar uma que os fundos setoriais sejam um ponto de inflexão
perspectiva de políticas integradas de longo prazo. na política de CT&I do País: criar uma cultura de
Dada a natureza eminentemente setorial desses fun- definição articulada de prioridades de investimento
dos, é plausível que seu uso se dê em estreita ligação (multissetorial, multiinstitucional e multiatores), e
com as demandas setoriais das áreas de petróleo, ener- promover a revisão dos instrumentos tradicionais de
gia, recursos hídricos, telecomunicações, transportes contratação, com vistas à flexibilidade e agilidade
e mineração. Não obstante, a atual necessidade de desses instrumentos. São, portanto, diretrizes estra-
articulação intersetorial marca um quadro institucional tégicas da organização dos fundos setoriais a pro-
inédito, no qual se destacam grandes empresas moção de mecanismos sistemáticos de planejamento
nacionais privatizadas, empresas multinacionais, coletivo, a eleição de prioridades, a introdução de
agências reguladoras, centros de pesquisa privados, novos instrumentos de gestão dos gastos, além do
além de toda a cadeia de fornecedores e usuários. acompanhamento e avaliação dos resultados.

Juntem-se a este quadro os fundos de natureza não- Finalmente, cabe realçar a importância da capacita-
setorial, como o Verde-Amarelo e Infra-estrutura, e ção para lidar com uma nova realidade de financia-
se tem-se um panorama de diversidade institucional, mento. Em paralelo à criação de novas fontes, é pre-
ainda não totalmente definido, que representa um ciso promover o aprendizado dos diversos atores so-
desafio de articulação que exige uma estrutura e uma bre como usar essas fontes (Quadro 2).
cultura de gestão adequadas ao funcionamento de
um novo modelo de organização das ações de pla- Definição de Prioridades e Oportunidades
nejamento e fomento em CT&I.
As ações de prospecção e de planejamento vêm,
Centro de Gestão e Estudos Estratégicos crescentemente, retomando a prática da identificação
de prioridades e do acompanhamento e avaliação
A iniciativa do MCT de criar o Centro de Gestão e de resultados. Também tem havido o estabelecimen-
Estudos Estratégicos (CGEE) vem justamente nessa to de critérios condicionais para o financiamento,
direção. Encarregado da gestão dos fundos setoriais e privilegiando aqueles programas que tenham o po-
de programas do MCT no que diz respeito à prospec- tencial de atração de recursos privados e garantia de
ção e identificação de prioridades, à promoção da arti- avaliação ex post, como forma de assegurar os resul-
culação entre os atores e entre políticas, e ao acom- tados e justificar o investimento público.
panhamento e avaliação de políticos e programas, o
CGEE deverá operar de forma integrada com as Neste contexto ressurge, com vigor, a prática de le-
agências e secretarias do MCT e com os Comitês Ges- vantamento de prioridades e oportunidades de inves-
tores dos fundos, além de buscar articulações com timento como instrumento fundamental da gestão
órgãos estaduais e municipais, comunidade acadêmica, dos sistemas de inovação. Dentre os diversos mode-
empresas e demais atores públicos e privados rela- los implementados em vários países, destacam-se o
cionados a CT&I. enfoque metodológico das tecnologias-chave e a

236
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

Quadro 2
Encomendas Tecnológicas pelo Setor Público

As encomendas tecnológicas feitas pelo setor público são um me- de difusão dos resultados junto ao setor produtivo. Já na União
canismo largamente utilizado em vários países desenvolvidos. Tra- Européia (UE) os contratos foram principalmente dirigidos a gran-
ta-se de uma ação de política que induz o desenvolvimento de des empresas, e o esforço de difusão dos resultados teria sido
produtos ou processos que ainda não estão disponíveis e para os menos intenso que nos EUA.
quais há clara demanda (definida segundo diferentes perspectivas,
de maneira ampla). Não se trata de uma compra pública tradicio- Há quatro situações típicas de uso deste instrumento na UE: gover-
nal, mesmo porque há risco envolvido, requerendo, portanto, uma no e agências como usuários finais; governo e agências como agen-
decisão política e um arranjo legal específico (que varia entre os tes catalisadores; contratos orientados ao desenvolvimento de co-
países – e os governos de turno). nhecimento; contratos para adaptação de tecnologia. Estas formas
contratuais seguem sendo utilizadas, com maior ênfase na função
O exemplo mais comum é justamente o das encomendas militares catalisadora do Estado, seja para o desenvolvimento de conheci-
feitas pelos EUA durante o Pós-Segunda Guerra para firmas, uni- mento novo, seja para a adaptação de tecnologia. Trata-se de um
versidades e instituições de pesquisa. Dois elementos caracteriza- instrumento essencial não apenas para desenvolver produtos e pro-
ram este modelo: (i) contratos celebrados tanto com grandes fir- cessos, mas principalmente para alavancar o investimento privado
mas, quanto com pequenas e médias empresas; (ii) participação articulado com o setor público em áreas de maior densidade
ativa de agências e organizações públicas de pesquisa e um esforço tecnológica.

prospecção tecnológica (Technology Foresight). Ambos freqüentes os contratos temporários com cláusulas
constituem-se de princípios e métodos práticos de de risco, dependentes dos resultados de projetos, pro-
levantamento de prioridades que partem da concep- gramas ou mesmo de instituições. Ou seja, valoriza-
ção de organização de sistemas de inovação, e sua se mais o acompanhamento e avaliação dos resulta-
utilização vem se consolidando como instrumento dos alcançados que dos procedimentos de gasto. Os
de planejamento em vários países do mundo (como contratos de gestão – e outras formas similares –
Japão, Austrália, Inglaterra, França, Bélgica, Hungria, estabelecem um compromisso de desempenho que
Irlanda, México, Nova Zelândia e Suécia). se coaduna com a implementação de novas formas
de financiamento, justamente porque estimulam a
O projeto ProspeCTar, de iniciativa do MCT, repre- busca de maior efetividade e a profissionalização da
senta uma experiência singular nesta temática. gestão de projetos, programas e instituições.
O objetivo é fazer um amplo, mas dirigido, esforço
de identificação de prioridades (Quadro 3).

As questões cruciais da prospecção são as seguintes:


transformar as prioridades levantadas em ações efetivas
de CT&I; consolidar a prática da priorização como ele-
mento de planejamento, internalizando-a nas instituições
de planejamento, fomento e execução de CT&I; criar
uma competência no País para a melhoria contínua de
métodos de levantamento de prioridades e oportunidades.

Também no campo da avaliação são cada vez mais

237
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 3
ProspeCTar

O Programa ProspeCTar reúne ações do Ministério da Ciência nico e, mais importante, gerou ampla discussão nacional sobre a
e Tecnologia que apóiam atividades e projetos de estímulo ao de- prospecção tecnológica, em cima de uma experiência real.
senvolvimento da prospecção tecnológica no Brasil.
A decisão metodológica de ouvir o maior número possível de pes-
A principal ação do programa é o Estudo ProspeCTar. De abrangência soas nesta primeira rodada decorreu do fato de ser esta uma fase
nacional e baseado na metodologia Delphi, o Estudo visa à: (i) cons- experimental e justificou-se pela multidisciplinaridade de alguns
trução de uma lista básica de tópicos tecnológicos, sobre a qual tópicos, cuja avaliação exigia diferentes tipos de expertise, e pela
decisões e outros estudos nacionais e setoriais poderão ser funda- vontade de expor o projeto a sugestões e críticas, para que se
mentados; (ii) adaptação da metodologia para estudos nacionais de consolide como instrumento auxiliar de reflexão e formulação de
prospecção tecnológica, de maneira a que a primeira rodada de con- política de CT&I do Brasil.
sulta seja, ao mesmo tempo, conclusiva e a etapa inicial de um con-
junto de outras rodadas; (iii) identificação de uma base de dados para Na prática, a participação de 10.938 pessoas que responderam aos
atender às atividades brasileiras de prospecção tecnológica. questionários agregou uma contribuição crítica de grande valor, à
qual somam-se outras opiniões enviadas à coordenação do Estudo.
A primeira fase do Estudo iniciou a construção da lista de tópicos, Este material está sendo processado e estudado para compor a
testou a metodologia, o conteúdo e a eficiência do programa eletrô- base das rodadas adicionais.

Promoção da Articulação entre Diferentes de excelência. Alguns exemplos marcantes têm sido
Atores: Arranjos Institucionais Coletivos os Acordos de Pesquisa e Desenvolvimento Coope-
rativo (Crada) nos EUA e os Centros de Pesquisa
Os arranjos institucionais coletivos dizem respeito Cooperativa (CRC) na Austrália (Quadros 4 e 5).
às políticas que procuram estabelecer quadros favo-
ráveis aos investimentos privados em CT&I, às me- Cabe também estimular medidas de incentivo para
didas que estimulem a cooperação entre agentes, à a interação ciência e indústria envolvendo a conces-
facilitação do trânsito de conhecimentos e recursos são de subsídios em projetos de pesquisa feitos em
entre os agentes, à criação de empresas baseadas em conjunto entre universidades ou institutos públicos
recursos tecnológicos e à participação de agentes pri- e indústria, ou ainda para custos de contratação de
vados no estabelecimento de prioridades de inves- pesquisadores para unidades industriais, como no
timento. Inclui-se, ainda, a promoção de centros de Programa de Recursos Humanos em Áreas Estraté-
excelência, medida estimulada em vários países, e gicas (RHAE) do CNPq. Outras medidas importan-
que, no Brasil, consubstancia-se em algumas inicia- tes são aquelas destinadas à colocação de jovens pes-
tivas governamentais de âmbito estadual e federal quisadores em indústrias, como a criação de cursos
(como, por exemplo, os projetos temáticos da Fapesp, de pós-graduação vinculados às atividades indus-
o Pronex e os Institutos do Milênio do MCT). Um triais com participação e supervisão de universidades.
desafio ao Brasil é também constituir novos centros
de excelência que conjuguem recursos públicos e Outro arranjo coletivo de grande impacto é o de pla-
privados. taformas tecnológicas, que requerem o envolvimento
de vários agentes pertencentes a um dado segmento
Outras iniciativas são os centros cooperativos, cons- produtivo - por exemplo, uma cadeia produtiva. Esse
tituídos com perspectiva mais aplicada que os centros tipo de arranjo coletivo leva em conta uma complexa

238
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

Quadro 4
Acordos de Pesquisa e Desenvolvimento Cooperativos (Crada)

Crada é um acordo de cooperação para a pesquisa e desenvolvi- O Crada também provê incentivos que facilitam a comercialização
mento, seguindo os desdobramentos do Technology Transfer Act de de tecnologias desenvolvidas, sendo, assim, importante ferramenta
1986. Estes acordos são feitos entre empresas privadas e agências de transferência de tecnologia.
do governo para se trabalhar em projetos conjuntos. As partes
colaboradoras concordam em prover fundos, pessoal, serviços, infra- Objetivos: expandir as capacidades tecnológicas dos laboratórios
estrutura, equipamentos ou outros recursos necessários para a nacionais e assistir a indústria em aplicações comerciais de novas
condução de P&D. tecnologias criadas em laboratórios nacionais.

Quadro 5
Centros de Pesquisa Cooperativa (CRC)

Os Centros de Pesquisa Cooperativa têm por objetivo maximizar mentos focados na indústria e em outras áreas estratégicas.
os benefícios da pesquisa por meio do desenvolvimento da articula-
ção entre pesquisadores e usuários de pesquisa nos setores público Atualmente, existem sessenta e três projetos CRCs, com um aporte
e privado. O programa dá ênfase ao desenvolvimento de competiti- individual de cerca de 2,2 milhões de dólares australianos. Para
vidade internacional do setor industrial, bem como a saúde e bem- cada dólar aportado pelo programa, devem ser alocados no mínimo
estar da população. Estimula ainda a educação e o treinamento 25 cents por parte dos parceiros. Atualmente, a iniciativa privada
através do envolvimento de pessoas de fora do sistema universitá- contribui com mais de 1 bilhão de dólares australianos aos centros
rio com programas educativos bem como oferece cursos e treina- já existentes.

relação usuário-produtor, muitas vezes com diferen- Importante exemplo de rede é a Rede Nacional do
tes perspectivas setoriais (além das organizações de Projeto Genoma Brasileiro, que tem por objetivo am-
pesquisa, fornecedores de equipamentos e insumos, pliar a competência nacional nas atividades de pes-
produtores, importadores, exportadores etc.). Recen- quisa e manipulação de genoma, mediante apoio para
temente, o MCT e a Finep vêm desenvolvendo um infra-estrutura laboratorial, formação de recursos hu-
programa em associação com várias instituições para manos e trabalhos multiinstitucionais. A iniciativa
promover arranjos produtivos locais a partir da pro- anunciada pelo MCT em dezembro de 2000 já envol-
posição e implementação de plataformas tecnoló- veu investimentos diretos da ordem de R$ 8 milhões.
gicas de abrangência regional (Quadro 6). A rede é composta por vinte e cinco laboratórios
representativos de todas as regiões do País, que de-
Ainda na categoria dos arranjos coletivos, é impor- verão realizar, no período de até doze meses, o se-
tante assinalar a organização de redes. Há vários for- qüenciamento do conteúdo genômico da
matos possíveis de redes, desde aqueles dedicados Chromobacterium violaceum. Trata-se de uma bactéria
ao desenvolvimento de um conhecimento específico, encontrada, principalmente, no rio Negro, na região
até outros voltados à implantação de uma certa tec- Amazônica, que possui entre 2,8 e 3,2 milhões de
nologia – mais acadêmicos ou mais aplicados. Em pares de base em seu genoma, e que pode ser eficaz
qualquer caso, as redes permitem algo absolutamente no tratamento de algumas endemias, como a doença
central para o êxito das políticas de CT&I: estimulam de Chagas e a leishmaniose. Além disso, apresenta
fortemente o processo de aprendizado. potencial para produção de polímeros plásticos bio-

239
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 6 Serviços de Apoio à Inovação


Plataforma Tecnológica

“Plataforma Tecnológica” deve ser entendida mais como uma


A construção de sistemas de inovação completa-se pela
metodologia, um processo de comunicação e negociação entre to- implementação de um conjunto de serviços que dão a
dos os atores envolvidos no desenvolvimento tecnológico e no pro-
cesso de inovação, do que como um programa de governo. Trata-se necessária coesão às ações de inovação propriamente
de um instrumento útil para alcançar múltiplos objetivos, entre os ditas. Dentre esses serviços, destacam-se a informação
quais: (i) identificar problemas tecnológicos dos diversos setores
(definir pautas de CT&I); (ii) gerar demandas por projetos coopera- para CT&I e a capacitação no uso de propriedade inte-
tivos para resolver problemas identificados pelos atores que inte-
lectual, ambos dependentes da existência de infra-es-
gram uma cadeia ou cluster produtivo, para os quais a ação “espon-
tânea” do mercado é pouco eficaz e cuja solução exige coordenação trutura de comunicação e de clara política de acesso.
entre os agentes. Portanto, o processo de “plataforma” envolve,
pelo menos, os seguintes momentos:
(i) criação de contexto (problematização) ou construção de cenários Informação para CT&I
sobre o setor escolhido;
(ii) conhecimento e identificação de problemas tecnológicos espe-
cíficos; Abrange serviços, que compreendem desde a infor-
(iii) motivação (persuasão) dos atores para resolver problemas ou
aproveitar oportunidades identificadas; mação bibliográfica até a informação sobre patentes,
(iv) geração de demanda por projetos cooperativos;
(v) negociação entre todos os atores envolvidos para resolução dos
fontes de financiamento, entre outras. O Instituto Bra-
problemas identificados. sileiro de Informação Científica e Tecnológica (Ibict),
fundado na década de cinqüenta, com missão de cole-
degradáveis. O Centro de Bioinformática que centra- tar, produzir e disponibilizar informação, além de em-
lizará e processará as informações produzidas pela preender ações de pesquisa e ensino em ciência da
Rede será o Laboratório Nacional de Computação informação, é um dos principais marcos institucionais
Científica (LNCC). desta temática no País.

Outro exemplo recente de arranjo coletivo é a cons- Dois conjuntos complementares de informação de-
tituição da rede ONSA para seqüenciamento genô- vem ser mencionados no apoio às ações de inovação:
mico, cuja concepção inédita permitiu estabelecer o primeiro diz respeito ao empreendedorismo; o se-
um processo de aprendizado coletivo eficaz no Bra- gundo à formulação e implantação de políticas. Quan-
sil (Quadro 7). to ao primeiro, diversos países têm implementado ar-
ranjos institucionais voltados à preparação e disponi-
Os Institutos do Milênio, ora em implementação pelo bilização de informação para a inovação, incluindo
MCT, também caminham na direção da criação de elementos de inteligência competitiva, tais como
arranjos coletivos que organizam redes de pesquisa fontes de financiamento, identificação e localização
e inovação, abrangente e diversificada em termos dos de competências e oportunidades (elementos essen-
atores participntes (Quadro 8). ciais para a organização de redes e demais formas cole-
tivas de organização da inovação), localização e acesso
à informação sobre mercados, localização e assessora-
mento para proteção da propriedade intelectual,
transferência de tecnologia, banco de consultorias téc-
nicas, entre outros.

240
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

Esse conjunto de informações pode ser produzido e tucionais seja feita de forma coordenada, com vistas
divulgado por vários tipos de arranjos institucionais, à divisão de tarefas que contemple todos os assuntos
públicos ou privados. Pode-se propor tanto institui- e facilidades necessários.
ções especializadas (como é o caso do Ibict), como
arranjos complementares ligados a instituições de pes- O segundo conjunto de informações diz respeito à
quisa, agências governamentais, fundações, associa- formulação de políticas. Embora este também seja
ções de empresas e outras. Dada a diversidade de um tema amplo, vale concentrar esforços sobre o
temas e a especificidade que muitos deles apresen- levantamento de indicadores macro sobre CT&I.
tam, é preciso que a construção desses arranjos insti-

Quadro 7
Rede ONSA
ONSA: O consórcio que colocou o Brasil no cenário
internacional da genômica

No início de 1997, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de ção de todos os genes da Xyllela e em julho a publicação estava
São Paulo (Fapesp) deu início a um programa de pesquisa em genô- estampada na capa da revista Nature como primeiro microorganismo
mica, com o objetivo de impulsionar a biotecnologia no estado, fitopatogênico a ser seqüenciado. Em agosto de 1998, devido ao
sobretudo na área agrícola. bom caminhamento do projeto Xyllela, a rede ONSA lançou mais
três projetos: o genoma da cana-de-açúcar, o genoma humano do
Entre maio e agosto de 1997, após ouvir pesquisadores em biologia câncer, destinados a seqüenciar genes expressos (ESTs - expressed
molecular e bioinformática, e, ainda com base em programas em sequence tags), e o genoma da Xanthomonas citri - bactéria causado-
implementação no CNPq, a Fapesp estruturou a rede ONSA ra do cancro cítrico. Novos grupos foram integrados à rede ONSA e,
(Organization for Nucleotide Sequence and Analysis) com a missão de no caso do projeto genoma da cana, grupos de Pernambuco, Alagoas,
seqüenciar o genoma completo da bactéria fitopatogênica Xyllela Rio Grande do Norte, Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná
fastidiosa, agente causal da clorose variegada do citrus, que infecta foram incorporados para participar das análises dos genes
30% dos laranjais paulistas, causando danos estimados em US$ 50 seqüenciados.
milhões/ano. A rede ONSA iniciou com vinte e três laboratórios de
seqüenciamento localizados em três universidades estaduais A rede ONSA está conduzindo oito projetos de seqüenciamento e
paulistas (USP, Unicamp e Unesp), no Instituto Agronômico de Cam- análise funcional de genomas de plantas e microorganismos de inte-
pinas, no Instituto Biológico e em três universidades privadas: resse para a agricultura nacional. Um desses projetos foi contrata-
Univap, Unaerp e Universidade de Mogi das Cruzes. Um laborató- do pelo Departamento de Agricultura Americano (USDA) para se-
rio de bioinformática foi instalado na Unicamp. quenciar o genoma da Xyllela fastidiosa causadora da doença de
Pierce, que tem trazido enormes danos aos vinhedos da Califórnia.
Cerca de 180 pesquisadores, estudantes e técnicos participaram do Além disso, o USDA contratou a Rede ONSA no final de maio de
esforço de seqüenciamento da Xyllela. A rede ONSA passou a ser 2001 para fechar e anotar o genoma de outras duas Xyllelas parcial-
compreendida como um Instituto Virtual, cujos pesquisadores, es- mente seqüenciadas pelo Joint Genome Initiative do Departamento
palhados pelas diversas instituições do estado, participavam do pro- de Energia Americano e realizar um estudo comparativo dos genomas
jeto produzindo as seqüências e discutindo os resultados através da das Xyllelas. Esse projeto confirmou a liderança mundial da rede
internet. Uma estrutura robusta e inédita foi estabelecida pelo ONSA na genômica de patógenos vegetais.
laboratório de bioinformática, permitindo um ambiente de traba-
lho e aprendizado sem precedentes na história da ciência brasileira. Até o momento a Rede completou o seqüenciamento das bactérias
Xyllela fastidiosa, causadora da CVC; Xyllela fastidiosa, causadora da
Graças a uma logística estabelecida pela Fapesp para aquisição de doença de Pierce; Xanthomonas citri, causadora do cancro cítrico;
equipamentos e reagentes, em janeiro de 1998 os seqüenciadores Xanthomonas campestris, causadora de doenças em várias espécies
de DNA começaram a ser instalados e, em março do mesmo ano, de plantas; e Leifsonia xyli, causadora do raquitismo em cana-de-
as seqüências começaram a ser depositadas no banco de dados. Em açúcar.
novembro de 1999 o genoma da Xyllela já estava virtualmente fe-
chado e em fevereiro de 2000 a seqüência estava completa com o Atualmente a rede ONSA envolve cerca de quinhentos pesquisado-
mais alto grau de qualidade até então conseguido em um projeto res, estudantes e técnicos e firma a posição de um dos maiores
genoma. Em março de 2000 completava-se a identificação e anota- Institutos Virtuais na pesquisa genômica mundial.

241
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Quadro 8 ca, como aquelas referentes aos diversos custos en-


Programa Institutos do Milênio volvidos na atividade de inovação das empresas.
O Brasil ressente-se, há anos, da inexistência da ela-
O Programa Institutos do Milênio é um programa do MCT no boração sistemática, contínua e persistente de infor-
âmbito do PADCT III.
mações e indicadores de CT&I. Algumas iniciativas
Em sua formulação, os Institutos do Milênio devem representar recentes são exemplos importantes no sentido de co-
propostas que sejam inovadoras em uma multiplicidade de aspec-
tos: quer em sua abordagem temática, que se supõe seja o de brir esta lacuna, como o volume bienal de indicado-
caráter multi e interdisciplinar; quer em sua concepção organi-
zacional, que deve prever novos arranjos institucionais capazes de
res de CT&I no estado de São Paulo, elaborado pela
superar as tradicionais divisões acadêmicas entre disciplinas ou Fapesp, com sua segunda edição lançada este ano. No
áreas do conhecimento, de formar parcerias entre o setor público
e o privado, e de articular redes de competências de âmbito nacio- plano federal, o MCT deu início a uma ampla revisão
nal e internacional. A inovação deve ser a marca dos Institutos do na elaboração de indicadores, atividade que por sua
Milênio, seja no estabelecimento de novas técnicas nas atividades
de pesquisa básica, na previsão de efetivos mecanismos de transfe- importância estratégica para o planejamento e a ava-
rência para a sociedade do conhecimento adquirido, ou na incorpo- liação do setor de CT&I, deveria merecer atenção
ração de práticas de treinamento de recém-doutores.
especial na formulação de diretrizes para a próxima
Por meio deste programa deverão ser criados e fortalecidos dois
grandes grupos (redes) estratégicos para o País: Grupo I – aberto a
década.
todas as áreas da Ciência e Tecnologia, que contará com cerca de
dois terços dos recursos totais do Programa (aproximadamente R$
60 milhões) para o período de três anos. Prevê-se o apoio a vinte
projetos a serem implementados a partir de 2001. Grupo II – res- Propriedade Intelectual
trito a áreas da Ciência e Tecnologia consideradas estratégicas pelo
MCT, que contará com cerca de um terço dos recursos totais do
Programa (R$ 30 milhões) para o período de três anos. A questão da propriedade intelectual também é, por
Deverão ser apoiados três projetos em 2001 e dois projetos em várias razões, crítica para o novo marco institucional
2002. Os três primeiros projetos dos Institutos do Milênio no Gru-
po II estão previstos nos temas de Amazônia, Semi-Árido e Ocea-
da CT&I. Mecanismos de apropriabilidade legal são
nografia. parte constitutiva da formação de arranjos coletivos
para o aprendizado e inovação porque: i) regulam a
Indicadores de CT&I divisão dos direitos, contribuindo para a redução dos
riscos de oportunismo, da incerteza inerente ao pro-
Um dos principais gargalos em termos de informação cesso de inovação e, assim, dos custos de P&D e da
e que tem limitado seriamente o próprio planejamen- exploração comercial; ii) provêem estímulos para a
to de CT&I no País é o da produção de indicadores. atividade inventiva e mesmo inovativa, na medida
A produção sistemática de indicadores de CT&I é em que acenam com a possibilidade de ganhos para
elemento imprescindível para o planejamento, mo- os atores envolvidos, institucionais ou individuais;
nitoramento e avaliação de programas e projetos da iii) criam efeitos cumulativos e prospectivos, uma
área, sejam públicos ou privados. Além disso, é fun- vez que asseguram aos envolvidos a continuidade
damental para orientar a atuação dos diversos agentes no desenvolvimento futuro de uma inovação, melho-
do sistema de inovação. x 350rando-a e desdobrando-a em outrasx 16.000
inovações; iv)
finalmente, criam competências para elaborar con-
O conhecimento da realidade de CT&I exige a pro- tratos e negociar elementos cada vez mais impor-
dução primária de certo tipo de informação específi- tantes na promoção dos arranjos coletivos para ino-

242
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

vação e aprendizado. A questão central, do ponto tando alternativamente a importação – não exclusiva
de vista de diretrizes de longo prazo, é promover do titular. Essa condição, prevista no artigo 68, tem
estímulos ao uso dos mecanismos de propriedade o mérito de evitar a criação de reserva de mercado
intelectual, criando competências nessa área no País, ou monopólio de importação.
visto que o número de patentes concedidas ou de-
positadas é mais indicador de excelência das insti- O caráter estratégico do artigo 68 não tem passado
tuições que realizam pesquisas, bem como dos níveis sem contestação. Recentemente, sua manutenção
nacionais de inovação. No curto prazo, há outras tem sido questionada pelos EUA, especialmente após
questões práticas que devem ser enfrentadas. medidas do governo federal relativas ao licenciamen-
to compulsório para medicamentos em casos de
Embora a legislação brasileira tenha-se diversificado emergência nacional, especialmente os que com-
nos últimos anos (leis de propriedade industrial, põem o tratamento gratuito contra a Aids.
1996, de proteção de programas de computador,
1998, de direitos autorais, 1998, de proteção de cul- A manutenção desses instrumentos é fundamental
tivares, 1998, além de diversos decretos e atos nor- não apenas do ponto de vista socioeconômico, mas
mativos), há vários aspectos que precisam ser apri- também para o desenvolvimento científico e tecno-
morados, visando à maior agilidade e adequação à lógico, na medida em que força a produção local,
realidade local. Um deles reveste-se de especial im- abrindo a perspectiva de maior acesso à informação.
portância: o debate e a política de licenciamento Como se sabe, mesmo com a produção local, não há
compulsório e de fabricação local de produtos e garantias de que haja efetiva transferência de tecno-
processos objetos de patenteamento. logia. Entretanto, o licenciamento compulsório pode
levar à capacitação tecnológica de empresas e insti-
A possibilidade de que a Lei de Propriedade Industrial tuições locais (como é o caso dos esforços recentes
contribua efetivamente para a formulação e a exe- de Far-Manguinhos na produção de certos fárma-
cução de políticas e para indução de investimentos cos). Esta é uma decisão de natureza essencialmen-
e empregos diz respeito ao tratamento dispensado a te política, legítima do ponto de vista do desenvol-
três matérias: exploração local do objeto da patente vimento nacional e em acordo com as regras inter-
(fabricação local versus importação irrestrita); impor- nacionais de propriedade industrial.
tação paralela (importação direta pelo titular ou licen-
ciado versus importação por terceiros); licença com- Outro ponto que merece destaque refere-se ao uso
pulsória contra o titular da patente que não estiver de instrumentos de propriedade intelectual por parte
explorando seu objeto no território nacional. de universidades e organizações públicas de pesquisa.
Sua aplicação no Brasil é, entretanto, ainda pouco di-
No Brasil, a Lei de Propriedade Industrial associa fundida, sendo necessário criar uma cultura para tan-
de forma inédita, os três mecanismos – fabricação to. Segundo o Instituto Nacional de Propriedade In-
local, licença compulsória e importação paralela – dustrial (INPI), embora nos anos noventa tenha havido
com o fim de privilegiar, sempre que economicamen- um crescimento do número de pedidos de patentes
te viável, sua produção em território nacional, facul- ligados a universidades brasileiras, eles permanecem

243
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

em patamares muito aquém do potencial (foram cer- podendo conceder ao empregado, autor de invento
ca de quatrocentos pedidos na última década). ou aperfeiçoamento, participação nos ganhos econô-
micos resultantes da exploração da patente.
Em 1997, as universidades norte-americanas fizeram
mais de 2000 depósitos para patentes, foram obtidos
direitos em 2100 pedidos de patentes, 248 novas em-
presas surgiram de ações de invenção e patenteamen-
to e foram registradas cerca de 2700 licenças e opções.
Metade das patentes das universidades americanas
desenvolvidas com recursos federais são licenciadas,
provendo um aporte de recursos de mais de US$20
bilhões e gerando cerca de 180 mil empregos diretos
e indiretos. Obviamente, não é o instrumento em si
que possibilita números como esses, mas ele é vital
para o próprio crescimento do sistema de CT&I.

Hoje, o País dispõe de um quadro jurídico de prote-


ção da propriedade intelectual abrangente e atuali-
zado do ponto de vista do direito e do comércio inter-
nacional. O próximo passo é colocar em vigor meca-
nismos que promovam a interação entre as institui-
ções de pesquisa e o setor industrial, mais qualificado
para levar essas invenções ao mercado. É chegado o
momento de identificar os elementos adequados ao
aparelhamento de universidades e institutos de pes-
quisa, para fazer face à adequada regulação – legal e
administrativa – da inovação.

Embora a invenção decorrente de contrato de tra-


balho que tenha por objeto a pesquisa ou a atividade
inventiva pertença exclusivamente ao empregador, os
artigos 88 e 89 da Lei de Propriedade Industrial de-
terminam que poderá ser concedida ao empregado,
autor de invento ou aperfeiçoamento, participação nos
ganhos econômicos resultantes da exploração da
patente. Nos termos do artigo 93, tal possibilidade
estende-se também à administração pública direta,
indireta e fundacional, federal, estadual ou municipal,

244
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

A COMPETITIVIDADE INSTITUCIONAL DA PESQUISA: A


NECESSIDADE DE UM NOVO ARRANJO LEGAL

Nos últimos quinze anos, as organizações públicas


de pesquisa, tanto em nível nacional quanto inter-
nacional, vêm enfrentando diversos desafios: redu-
ção de recursos financeiros, surgimento de novos
campos do conhecimento, alterações nas políticas
que definem o papel do Estado, riscos e oportuni-
dades decorrentes de maior abertura para o ambiente
externo, entre outros.

A questão da competitividade institucional é crucial


para essas organizações, particularmente porque a
organização da pesquisa e da inovação requer atual-
mente capacidade de inserção em redes multiatores,
nas quais o ritmo das ações é normalmente empre-
endido pelo agente mais ágil. A dificuldade de uma
organização para responder ao ritmo de atuação da
rede pode fazer com que ela seja substituída por ou-
tra, mais ágil e flexível.

A maioria das organizações de CT&I no Brasil não


dispõe de mecanismos institucionais que permita sua
rápida adaptação às demandas a elas impostas. Falta-
lhes autonomia e flexibilidade para executar, com a
necessária agilidade, atividades tão básicas quanto
comprar e vender produtos e serviços, adequar o
quadro funcional, captar recursos no mercado, ela-
borar e implementar contratos, entre outras coisas.
Isto significa que essas organizações apresentam, de
partida, desvantagens competitivas em relação a
outras que gozam de maior autonomia e flexibilidade.

245
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Apesar desse quadro, há exemplos notáveis de busca interesse social e utilidade pública, podendo assim
de eficiência gerencial por parte de instituições de receber recursos públicos para cumprir atividades de
pesquisa. Se o setor de CT&I necessita de um arca- interesse do Estado. Elas têm ampla autonomia de
bouço legal que garanta agilidade e flexibilidade, ele gestão financeira, patrimonial e de recursos huma-
também tem a responsabilidade de buscar melhorar nos. Por outro lado, a dotação de recursos, que em
sua gestão interna, profissionalizando-a. tese depende do cumprimento de contratos de ges-
tão, é também dependente de exaustivas negocia-
Há um ponto central que, por mais bem equacionado ções, uma vez que os governos não são obrigados,
do ponto de vista interno de uma instituição, exige se assim o quiserem, a renovar os contratos. Em ou-
revisão. As organizações públicas são rigorosamente tras palavras, são formatos jurídicos relativamente
cobradas quanto aos procedimentos, mas não são ava- instáveis do ponto de vista político, sujeitos que es-
liadas em relação aos resultados alcançados. É im- tão às mudanças de orientação de governo para go-
portante que haja controle dos procedimentos, mas verno, o que pode comprometer a continuidade e
isto não pode preceder e dificultar a execução da sustentabilidade das atividades de pesquisa científica
função pública e social destas organizações. Garantir e tecnológica. Atualmente existem três entidades pú-
o bom uso dos recursos públicos é garantir que seus blicas de pesquisa que já adotaram o formato de Or-
resultados tenham retorno como bens públicos. ganizações Sociais (Laboratório Nacional de Luz Sín-
crotron, Instituto de Matemática Pura e Aplicada e
Novas bases contratuais devem regular as relações Instituto Mamirauá), assinando contratos de gestão
institucionais, particularmente no que diz respeito com o MCT, e outras estão em negociação.
aos seguintes aspectos: (i) avaliação dos resultados
mais que dos procedimentos; (ii) revisão da gestão A criação da figura jurídica “Instituto de Pesquisa”
de recursos orçamentários e financeiros; (iii) revisão é outra alternativa que mereceu atenção nos últimos
da gestão de recursos humanos. Nesse contexto, está anos. A essência da proposta é a alteração do artigo
em curso um processo de revisão do papel e da forma 16 do Código Civil (Lei no 3.071, de 1º de janeiro de
de organização das dezoito instituições ligadas ao 1916), para incluir os “Institutos de Pesquisa” entre
MCT. Foi criada uma comissão em 2000 que tem as pessoas jurídicas de direito privado.
por objetivo avaliar o papel desses institutos. Inicial-
mente, pretende-se que essas instituições sejam divi- Segundo o Projeto de Lei que propõe a criação da
didas em duas grandes categorias: laboratórios nacio- figura do “Instituto de Pesquisa”, “o Estado promo-
nais e institutos nacionais. verá, em qualquer área do conhecimento, o desen-
volvimento científico, a pesquisa, a capacitação tec-
O principal instrumento legal hoje existente que per- nológica, por intermédio do Instituto de Pesquisa,
mite minimizar substantivamente as limitações das pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos,
entidades de pesquisa é a figura das Organizações regida pelas normas de direito civil e pela presente
Sociais (OS), instituídas na Reforma do Estado pela Lei”, de acordo com uma das propostas em tramita-
Lei 9.637 de 15/05/98. As OS são entidades de di- ção no Congresso Nacional. Dois Projetos de Lei
reito privado, reconhecidas pelo Estado como de para criação da figura jurídica “Institutos de Pes-

246
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

quisa” (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia Exemplos para arroz, café e flores na Colômbia; ce-
e Embrapa) foram submetidos ao Congresso Nacio- vada e cerveja no Uruguai; cana-de-açúcar, soja, la-
nal em 1993 e 1997, respectivamente. ranja e suco de laranja no Brasil; frutas no Chile,
entre outros, mostram a importância da criação de
Outra iniciativa é a da criação de centros de pesquisa organizações de pesquisa diretamente ligadas a pro-
por associações de produtores. Na América Latina, blemas tecnológicos bem delimitados. (Quadro 9)
a área de pesquisa agropecuária fornece exemplos
dessa natureza, podendo-se encontrar centros pri- Por trabalharem com parcerias com centros públicos
vados de pesquisa em todos os países, voltados tan- de pesquisa, a própria efetividade dessas organiza-
to a produtos agropecuários específicos, como ao ções privadas acaba dependendo da capacidade das
desenvolvimento de cadeias produtivas integradas. organizações públicas em realizar contratos para

Quadro 9
Organizações Privadas de Pesquisa

A Fundação Mato Grosso é uma empresa privada, sem fins lucrati- dos em parceria com órgãos governamentais, universidades e insti-
vos, voltada ao desenvolvimento de atividades tecnológicas. Surgiu tuições privadas.
em 1993 devido à necessidade de combater doenças e pragas nas
culturas de soja e algodão. Hoje, conta com 100 funcionários, 105 A Cooperativa Central Agropecuária de Desenvolvimento
produtores de soja e de algodão instituidores, 40 empresas asso- Tecnológico e Econômico Ltda (Coodetec ) foi criada em 1995 a
ciadas de insumos agrícolas, 191 produtores associados, 11 prefei- partir de experiência do Departamento de Pesquisa da Organiza-
turas conveniadas e 25 instituições parceiras que formam o quadro ção das Cooperativas do Paraná (Ocepar). Congrega hoje 32 coope-
associativo da empresa. Utiliza-se de mais de setenta áreas de rativas associadas, sendo 28 do Paraná, uma de Santa Catarina, um
associados para a realização de pesquisas, junto com as parcerias de Goiás, um do Mato Grosso do Sul e um do Rio Grande do Sul.
de empresas públicas, privadas e multinacionais, somando o capital Apesar de ter sua base no estado do Paraná, recebe associados de
humano e tecnológico na realização de pesquisas que visem resol- qualquer estado da Federação. Além de uma estrutura própria, a
ver os problemas da agricultura do cerrado brasileiro. Coodetec conta com uma ampla rede de experimentação de campo
junto às suas associadas e parceiros. Desenvolve pesquisas na área
O Fundecitrus é uma instituição privada, sem fins lucrativos, mantida de melhoramento genético, visando à obtenção de novas cultivares
por produtores citrícolas e pelas indústrias de suco, estando volta- que atendam às demandas dos produtores. Até recentemente, a
do fundamentalmente para a defesa sanitária vegetal. Além de atuar Coodetec vinha aplicando métodos tradicionais de melhoramento,
no monitoramento dos pomares, realiza e principalmente financia mas, a partir do recebimento do Certificado de Qualidade em
pesquisas para a descoberta de formas de combate ou de convivên- Biossegurança (CQB), em agosto/97, passou a utilizar também os
cia com doenças e pragas que afetam essa lavoura. Produtores e recursos da biologia molecular no seu programa de pesquisa.
empresários investem em pesquisa e estabelecem relações de
parceria e cooperação com universidades e institutos públicos de Trabalha principalmente com desenvolvimento e indicação de varie-
pesquisa. Em 1994, foi criado o Departamento Científico, com a dades de trigo, soja e híbridos de milho, além de promover siste-
finalidade de realizar pesquisas de interesse da citricultura. O Centro mas de cultivo mínimo e tecnologia de controle biológico de pragas.
de Pesquisas Citrícolas, localizado em Araraquara (São Paulo), é
considerado um dos mais modernos laboratórios da América Lati- O Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins (CTCCA) foi
na, possuindo equipamentos de última geração para diagnóstico de criado há vinte e cinco anos para apoiar o desenvolvimento do setor
doenças. O orçamento do Fundo é da ordem de R$ 30 milhões/ano, calçadista nacional. Além do apoio técnico em áreas de controle de
sendo a maior parte dos recursos captados junto ao próprio setor, qualidade e em treinamento, o Centro desenvolve atividades nas
pelo recolhimento, em caráter não obrigatório, de R$ 0,08 por seguintes áreas: padronização de produtos/matérias-primas; pes-
caixa processada, sendo R$ 0,03 do produtor e R$ 0,05 da indústria quisa ambiental através da reutilização de resíduos; sistemas de
(esses valores podem mudar em função da oscilação dos preços do gestão; técnicas de produção; estabelecimento de convênios e par-
suco e da caixa de laranja). Para atividades especificamente de cerias com empresas e institutos; pesquisa em insumos e compo-
pesquisa, o Fundecitrus declara um investimento médio anual da nentes; projetos técnicos específicos para a necessidade de cada
ordem de R$ 3 milhões (cerca de 10% de seu orçamento), os quais empresa; serviços de consultoria.
são alocados em dezenas de projetos, tanto próprios como realiza-

247
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

participar de arranjos coletivos de pesquisa. promover incentivos a OPPs, universidades e em-


presas inovadoras.
Assim, a criação e fortalecimento de arranjos de pes-
quisa, desenvolvimento e inovação dependem de Registre-se, neste sentido, o Projeto de Lei no 257/
ajustes legais estabelecendo e regulando modelos jurí- 2000, de autoria do senador Roberto Freire, em tra-
dicos organizacionais que gozem de autonomia e mitação no Senado Federal, cujos principais pontos
flexibilidade e que sejam cobrados pelo cumprimen- foram explicitamente inspirados na lei francesa. O
to de objetivos e metas de interesse público. Tal Projeto de Lei no 257/2000 caminha na direção de
desafio encontra respaldo na própria Carta Magna, algo que já está sendo praticado em países desen-
que, em seu artigo 218, parágrafo 3°, explicita que volvidos como EUA, Alemanha, França e Inglaterra
“O Estado apoiará a formação de recursos huma- há algum tempo (Quadro 11).
nos nas áreas de ciência, pesquisa e tecnologia, e
concederá aos que delas se ocuparem meios e con- Flexibilidade, autonomia e busca de maior competi-
dições especiais de trabalho.” tividade de organizações públicas de pesquisa, in-
centivos à emergência de empresas de base tecnoló-
Experiência legislativa recente da França (Quadro gica, à constituição de redes de pesquisa; à imple-
10) aponta na direção da criação de condições de mentação de programas de demanda pública por tec-
maior competitividade para Organizações Públicas nologia, entre outros elementos, são questões que
de Pesquisa (OPPs) e universidades e maior articu-
lação entre essas e o setor produtivo. A lei francesa
apresenta quatro pontos principais todos voltados a

Quadro 10
Lei Francesa de Incentivo à Inovação
Objetivo maior: fomentar a participação de pessoal ligado à pesquisa pública na criação e desenvolvimento de empresas.

A Lei compreende quatro eixos:


(i) facilitar a mobilidade de pessoal de pesquisa para as empresas e comercialização de seus produtos e serviços;

(ii) facilitar a colaboração entre pesquisa pública e empresas;

(iii) oferecer um quadro fiscal adequado para empresas inovadoras;

(iv) modificar o quadro jurídico para as empresas inovadoras.


A Lei prevê ainda a criação de meios financeiros de suporte, tanto em nível nacional, como regional, com o objetivo de promover a:
• criação de empresas por pesquisadores e docentes-pesquisadores;
• autorização para participação temporária de pesquisadores para colaborar com empresas;
• participação de capital (até 15%) em firmas tipo start-up;
• ampliação da interlocução de pesquisadores com empresas e aceitação de complementação de remuneração;
• valorização do empreendendorismo dentro das organizações públicas de pesquisa e ensino;
• criação de incubadoras: financiamento e aporte de capital para organizações públicas de pesquisa e ensino que queiram constituir fundos
para a criação de empresas.

248
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

Quadro 11
Projeto de Lei do Senado No. 257

Autoria: senador Roberto Freire • a remuneração durante este período é decrescente do primeiro
ao último ano do afastamento;
Objetivos: • durante o período de afastamento, o servidor, empregado ou ma-
Dispõe sobre diretrizes gerais de incentivo à pesquisa e à inovação gistrado deverá abdicar de todas as atividades vinculadas ao cargo e
tecnológica. Seu objetivo é o de permitir que servidores ou empre- função exercidos anteriormente, com exceção dos magistrados que
gados da administração direta e indireta, de caráter científico ou exercerem docência no estrito âmbito de sua instituição pública de
tecnológico, bem como ocupante de cargo de magistério superior, origem.
possam participar de atividades ou projetos de pesquisa ligados com
área científica ou tecnológica nos seguintes termos: Orgãos e entidades
Os órgãos e entidades da administração pública direta ou indireta,
Servidores, empregados ou cargo de magistério de caráter científico ou tecnológico, especialmente as universidades
superior poderão: públicas, poderão celebrar convênios de prestação de serviços ou
• receber participação sobre ganhos econômicos resultantes da contratos de pesquisa, explorar patentes e licenças, bem como criar
exploração de resultado de criação intelectual ou produção técnico- serviços voltados para a industrialização ou comercialização de pro-
científica inovadora, para a qual tenha contribuído individualmente dutos e serviços diretamente decorrentes de atividades técnico-
ou enquanto membro de uma equipe de pesquisadores; científicas inovadoras por eles desenvolvidas.
• prestar colaboração, por prazo não superior a cinco anos, a em-
presa privada ou órgão ou entidade da administração pública direta Poderão também ser contratados, em caso de manifesta necessida-
ou indireta para o desenvolvimento de atividade ou projeto de pes- de, técnicos ou especialistas não integrantes do quadro efetivo de
quisa científica ou tecnológica de alta relevância para o interesse servidores, empregados ou pesquisadores daquelas instituições,
nacional, mediante autorização do presidente da República; mediante contratos de trabalho de duração determinada. Os órgãos
• licenciar-se, mediante autorização do Ministro de Estado ao qual e entidades da administração pública direta e indireta, de caráter
seu órgão de origem está lotado, com remuneração reduzida, por científico ou tecnológico, poderão ceder laboratórios, equipamen-
prazo certo, para desenvolver atividade empresarial relativa à pro- tos, instrumentos, materiais e demais instalações, por prazo limita-
dução de bens diretamente decorrentes de sua criação ou invenção. do e mediante remuneração adequada. Firmas que tenham por ob-
jetivo a pesquisa e a inovação tecnológica, com receita bruta anual de
Ressalvas: até cinco vezes a receita bruta anual estipulada para as micro e
• servidor ou empregado lotado em entidade de administração públi- pequenas empresas, gozarão de facilidades fiscais pelo prazo de
ca direta ou indireta só poderá desenvolver projetos de pesquisa ou cinco anos contados. Dispõe ainda sobre recursos para a atualização
atividades empresariais em áreas compatíveis ao seu cargo atual; e manutenção de bibliotecas.

podem ser consolidadas em uma base legal comum, A concepção de que a universidade teria a função
ou mesmo em medidas infralegais. de sanar deficiências tecnológicas da empresa e de
que a empresa viria a ser uma importante fonte de
Universidade e Empresa financiamento da universidade ainda está presente
em grande parte das análises sobre o tema. Essa for-
A discussão sobre as relações universidade-empresa mulação tem dificultado a elaboração de políticas
tem sido, há muitos anos, intensa no Brasil. É um mais efetivas, pois constitui uma visão equivocada
tema recorrente, que em geral gravita em torno de um do tema. Prova desse equívoco é a constatação que
mesmo ponto: a busca dos motivos que dificultam a dos U$21bilhões contratados para pesquisa em to-
interação entre as instituições públicas de ensino e das as universidades americanas em 1994, somente
pesquisa e as empresas. Sem desconsiderar os avan- U$1,4bilhão (ou seja, menos que 7%) foi proveniente
ços conquistados pela vasta produção técnico-cientí- de contratos com empresas. Mesmo considerando
fica nesta temática, é preciso requalificar alguns pon- as instituições de pesquisa com elevado número de
tos do debate, particularmente no que diz respeito à contratos com empresas, como é o caso do Mas-
forma de enfocar a questão. sachussets Institute of Technology (MIT), verifica-se que

249
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Mostra, apenas, qual a necessária ênfase que se deve


Quadro 12
Lei da Inovação dar às políticas de interação entre os dois tipos de
instituição.
No contexto do processo de fortalecimento da ciência e tecnologia
nacional, é urgente e necessário empreender uma iniciativa de ca-
ráter legal e institucional que ofereça, às universidades, centros de O papel fundamental da universidade de formação
pesquisas, empresas e governos, os instrumentos necessários ao
de pessoal qualificado deve, cada vez mais, ser de-
estímulo à inovação. Em especial, os projetos científicos e tecno-
lógicos decorrentes da associação das instituições públicas de P&D sempenhado no contexto dos sistemas de inovação.
com o setor produtivo apresentam novos desafios em diferentes
esferas, desde o regime trabalhista, até a proteção e a gestão da Este é o ponto fundamental das relações universi-
propriedade intelectual e da transferência de tecnologia. dade-empresa: a efetividade do processo de capaci-
Um dos instrumentos desse conjunto de medidas é a elaboração de
uma Lei da Inovação, como prevê a Agenda do Governo para o biênio tação requer que os diferentes papéis dos diferentes
2001-2002 , que deverá tratar de temas como: atores presentes nos sistemas de inovação estejam
• estímulos à mobilidade de pesquisadores do setor público para o em boa parte referidos uns aos outros.
privado e vice-versa;
• reexame do regime jurídico das instituições de pesquisa e das
empresas, permitindo maior autonomia administrativa e financei- A organização em redes da pesquisa para a inovação
ra, novas práticas de gestão e desburocratização;
• estímulo a parcerias público-privadas através de novos arranjos coloca essa questão em termos adequados. Redes se
institucionais e novas formas de contratação ou encomendas de estruturam a partir de problemas específicos, que
desenvolvimento tecnológico junto ao setor privado;
• estímulo à constituição de capital de risco e à mobilização da podem ou não ter aplicação no curto prazo. Do ponto
poupança para atividades intensivas em P&D; de vista da geração de conhecimento, a participação
• estímulo ao surgimento de empresas inovadoras;
• estímulo ao empreendedorismo por parte de pesquisadores das de instituições de ensino e pesquisa junto com em-
organizações públicas de pesquisa;
• proteção à propriedade intelectual e à transferência de tecnologia;
presas, organizações comunitárias, órgãos de gover-
• estímulo ao empreendedorismo e à proteção da propriedade no e outros atores relevantes abre caminho para a
intelectual por parte de pesquisadores de instituições públicas;
efetividade dos sistemas de inovação.
É fundamental, nesse contexto, que no âmbito da Conferência Na-
cional de C&T&I sejam discutidas essas questões, no sentido de
aprimorar o quadro legal, com vistas a desobstruir entraves à prá- Como vimos em capítulos precedentes, o sistema
tica de ações inovadoras. de ensino e pesquisa universitário no Brasil vem so-
frendo transformações substantivas nos últimos dez
este percentual não passa de 15% do orçamento de anos. De um sistema predominantemente público e
pesquisa. gratuito, passa-se a um sistema misto, no qual pre-
valece, em termos quantitativos, o ensino superior
A missão da empresa é produzir e gerar riqueza, ao privado. Além do crescimento do ensino privado, ob-
passo que cabe primordialmente à universidade for- serva-se que o ensino público está sendo progres-
mar pessoal qualificado, particularmente por meio sivamente questionado em suas funções e em sua
de uma intensa prática em atividades de pesquisa. inserção no sistema de CT&I.
Contudo, isto não quer dizer que se deva negligenciar
o potencial das instituições de pesquisa e ensino co- Não obstante, as universidades públicas brasileiras
mo fonte de conhecimento para a inovação tecnoló- ainda constituem o principal locus de produção e atua-
gica. Tampouco, que a empresa não deva exercer lização do conhecimento científico no Brasil. Como
qualquer papel no financiamento dessas instituições. explicitado no capítulo Avanço do Conhecimento, o

250
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

sistema de ensino superior expandiu-se significati- tário. Até o momento, o debate sobre o destino da
vamente na última década, atendendo parcialmente universidade tem se restringido às esferas acadêmicas
às necessidades crescentes de profissionais qualifi- e de governo, deixando a população em geral à mar-
cados. No entanto, esse sistema passa por um mo- gem de compreensão do papel estratégico das univer-
mento crítico que exige reflexão para orientar a defi- sidades como agente de produção de conhecimento
nição de estratégias para alcançar dois objetivos. De e de formação de recursos humanos, considerados
um lado, a ampliação da oferta de oportunidades de como insumos básicos para a geração de riqueza e
formação em sintonia com as exigências da socieda- promoção de desenvolvimento. É preciso, portanto,
de do conhecimento. Isto requer uma reposição do ampliar o diálogo para incorporar as prioridades de
quadro funcional e a recuperação da atratividade de CT&I na agenda destas instituições.
jovens talentos para as carreiras acadêmicas. Por
outro lado, dever-se-ia também considerar a neces- Construir um sistema de CT&I exige que o aparato
sidade de maior atenção às demandas sociais e aos universitário brasileiro passe por profunda revisão.
requisitos de inovação, cada vez mais relevantes para De um lado, as instituições públicas de ensino supe-
a competitividade das empresas. rior devem se preparar para contribuir na construção
desse sistema, definindo inclusive uma nova relação
A universidade pública padece, atualmente, de uma com o Estado. De outro, as instituições privadas não
certa ambigüidade: a ampliação da formação de qua- devem seguir se reproduzindo sem aquela mesma
dros profissionais para o mercado e a contínua produç- referência, ou seja, não devem ser um fim em si mes-
ão de pesquisa de qualidade. Na realidade, essas duas mas, mas buscar excelência na formação e, tanto
funções poderiam ser complementares, não fossem as quanto possível, ter participação no desenvolvimento
transformações institucionais das últimas duas décadas, científico e tecnológico e na geração de inovações.
a produzir dificuldades com relação ao corpo docente
universitário a manutenção do financiamento público Para que as universidades possam participar desse
em níveis que limitam o crescimento do ensino público tipo de organização, é fundamental contar com ele-
de qualidade e pressionam a formação universitária no mentos de autonomia e flexibilidade. A otimização
sentido do mercado. Essa disjuntiva acentua justamente das relações universidade-empresa passa pela capa-
a necessidade de revisão de papéis e constitui cidade das organizações públicas de ensino e pes-
importante objeto de debate no momento. quisa de responder com agilidade às necessidades
de estruturação em redes. O potencial da interação
A maioria das instituições públicas de ensino superior universidade-empresa só terá condição de ser mais
tem se preocupado em gerenciar o curto prazo, dei- bem explorado, se o arcabouço legal viabilizar condi-
xando de explorar sua própria inteligência em pro- ções de autonomia para a mobilidade dos recursos
veito desse reposicionamento. É sintomático que essenciais, particularmente recursos intangíveis,
questões vitais, como a busca de alternativas para a daquelas instituições.
recomposição de quadros e a profissionalização da
gestão da inovação, fiquem em segundo plano diante
das questões administrativas do cotidiano universi-

251
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

252
Capítulo 6 - Desafios Institucionais

AS AGÊNCIAS DE FOMENTO NA ORGANIZAÇÃO DOS


SISTEMAS DE INOVAÇÃO

O papel das agências e órgãos de governo voltados


ao planejamento e ao fomento de CT&I também tem
se alterado no panorama internacional. Da função
predominante de organização de sistemas de ciência,
as agências tendem a adotar uma política que integre
a promoção de projetos acadêmicos com o desen-
volvimento tecnológico e a inovação. Neste sentido,
ampliam-se e tornam-se mais complexas suas fun-
ções de planejamento e de promoção da inovação
por meio de novos instrumentos de fomento.

No Japão e Coréia, a organização dos sistemas de


inovação partiu de um concepção oposta a de países
como França e Brasil. Naqueles, o fomento esteve
primariamente voltado à criação de competência para
inovar e competir em mercados externos, deixando
em segundo plano o estímulo às instituições cien-
tíficas. Desde o final dos anos oitenta, o Japão e a
Coréia têm se preocupado em formar uma base cien-
tífica para completar e prover seus sistemas de ino-
vação com instituições dedicadas à geração de co-
nhecimento científico.

Enquanto os países desenvolvidos buscam a orga-


nização do planejamento e do fomento voltado a
programas de promoção da inovação e ao estímulo
à interação entre os diversos atores públicos e pri-
vados (ver Quadros 9 e 10, neste capítulo), nos paí-
ses menos desenvolvidos essas iniciativas são menos
sistemáticas e efetivas.

253
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

A implementação dos fundos setoriais é, neste sen- entre os diversos atores.


tido, um dos principais desafios para os órgãos de
planejamento e fomento do País. O uso dos recursos O Brasil conta com instituições consolidadas de pla-
dos fundos setoriais não pode seguir a mesma lógica nejamento e fomento de atividades de CT&I. CNPq
que orientou as experiências anteriores, tampouco e Capes, por exemplo, completam cinqüenta anos de
pode se basear na execução orçamentária burocrati- serviços prestados à formação de uma substantiva co-
zada que vem se cristalizando a mais de três décadas. munidade científica e de extenso conjunto de organi-
Há aí um risco institucional evidente: é preciso criar zações de pesquisa no País. A crescente complexida-
condições ágeis de implementação dos recursos que de do papel dessas agências aponta para a necessi-
atendam aos objetivos finalísticos. dade de enfocar as seguintes questões: delimitação
da finalidade e da abrangência de atuação; articulação
Isto se verifica em diversos planos: na forma de de- dos papéis e dos mecanismos de planejamento e fo-
finição de prioridades; na incorporação efetiva dos mento; capacitação do quadro técnico; avaliação sis-
diversos atores envolvidos (particularmente o meio temática; revisão dos procedimentos burocráticos.
acadêmico e o setor privado) na avaliação do mérito,
que deve ir além da excelência acadêmica e Vale ressaltar a questão da necessidade de ampliação
incorporar diversos “pares” e suas diferentes visões; e qualificação do quadro técnico dessas agências. Es-
na contratação e participação dos parceiros (rever te é, sem dúvida, um ponto crucial para a mudança
os mecanismos de propriedade intelectual, contornar cultural que se exige dessas agências, para que ve-
ou eliminar as dificuldades contratuais típicas das nham a cumprir um papel ativo na construção de
organizações públicas de pesquisa); na proposição sistemas de inovação.
de projetos, facilitando o encaminhamento de
propostas e sua avaliação de mérito e relevância; na É preciso atentar, ainda, para o papel das Fundações
implementação dos contratos, pela criação de meca- de Amparo à Pesquisa estaduais (FAPs), pois a cor-
nismos ágeis de contratação e de liberação e uso de reção dos desequilíbrios regionais e a criação de sis-
recursos, fortalecimento de sistemas de informação tema descentralizado de Ciência, Tecnologia e Ino-
acessíveis e amigáveis sobre processos em anda- vação passam, naturalmente, pela atuação mais vi-
mento; no acompanhamento e avaliação de resul- gorosa dos estados da Federação no fomento à
tados (por meio da valorização de mecanismos que pesquisa e ao desenvolvimento.
privilegiem resultados sobre os procedimentos e que
premiem e punam adequadamente). Finalmente, cabe assinalar o pequeno papel desem-
penhado pelo mecenato privado nacional no apoio
Todos esses requisitos demandam mudanças cultu- às instituições de ensino e pesquisa do País. Enquan-
rais nas instituições de pesquisa e particularmente to nos Estados Unidos detentores de grandes fortu-
nas de fomento. Nestas, é preciso iniciar uma nova nas, individuais e institucionais, notabilizam-se por
fase de configuração institucional, voltada para o pro- doações a universidades e centros de pesquisa, no
cesso de inovação, que por suas próprias caracterís- Brasil esses casos são praticamente desconhecidos.
ticas requer a aproximação de práticas gerenciais

254
TRAVESSIA: COOPERAÇÃO, DIVERSIDADE
E SUSTENTABILIDADE
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

TRAVESSIA:
COOPERAÇÃO,
DIVERSIDADE E
SUSTENTABILIDADE

“Existe é homem humano. Travessia.” O sistema de Ciência e Tecnologia


Essas são as duas últimas frases de brasileiro é jovem. O fomento re-
gular às atividades de pesquisa e de-
Grande Sertão: Veredas, de João
senvolvimento no Brasil iniciou-se
Guimarães Rosa, uma das maiores
há apenas cinqüenta anos. Neste
obras da literatura brasileira. prazo, curto na história de uma Na-
Relembra-se assim que não apenas ção, o País conheceu avanços im-
Ciência, Tecnologia e Inovação são portantes, alguns dos quais relata-
importantes no processo de dos neste documento. O sistema é
desenvolvimento, mas, sobretudo, jovem, também, em termos da ida-
reafirma-se a centralidade do ser de média de seus pesquisadores.
Esta juventude é uma das grandes
humano e de sua travessia, individual
forças do Brasil. Ciência, Tecnolo-
e coletiva, por este mundo. gia e Inovação se fazem com entu-
siasmo, curiosidade, ambição e a
coragem que nasce da vontade de
desafiar o sistema existente de cul-
tura e conhecimento recebidos.
“Eles fizeram, porque não sabiam
que era impossível” já foi dito mais
de uma vez de grandes progressos
em Ciência, Tecnologia e Inovação.
Só os jovens não sabem das coisas
que são impossíveis e, por isso mes-
mo, conseguem fazê-las.

256
Travessia: cooperação, diversidade, sustentabilidade

As tarefas imprescindíveis e de longo prazo que se


delineiam são a sustentação e o fortalecimento do
esforço nacional em CT&I, como condições de de-
senvolvimento, bem-estar e soberania. Elas deman-
dam conscientização e mobilização política, emba-
sadas em uma visão de futuro do País e de sua po-
sição no mundo, e pertinácia na execução de medi-
das transformadoras. O que se busca é construir a
capacitação em Ciência, Tecnologia e Inovação para
responder e se antecipar às necessidades do País.

Muitos dos pontos fortes do sistema de Ciência e


Tecnologia do País são indicados neste documento.
O mais importante deles pode ser resumido em uma
expressão: sua capacidade de dar respostas quando
desafiado. Respostas sob a forma de instituições que
se construíram ao longo do tempo, como o CNPq, o
principal órgão de fomento à pesquisa científica do
governo federal; a Finep, secretaria-executiva do Fun-
do Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-
nológico; a Capes, do Ministério da Educação e Cul-
tura, orientadora e fomentadora da pós-graduação
na universidade, essencialmente a universidade pú-
blica, que hoje forma mais de cinco mil doutores
por ano e possui avançado sistema de avaliação que
garante sua qualidade; a Fapesp, a agência pioneira
de fomento estadual; ou respostas sob a forma de
descobertas científicas e inventos que contribuíram
para o crescimento do País em áreas tão diversas
quanto agricultura e telecomunicações. Esse sistema,
construído com paciência, perseverança e enfren-
tando muitos obstáculos, já atingiu um patamar ele-
vado de competência e qualificação, deu e continua
dando contribuições relevantes para a sociedade bra-
sileira. Está, portanto, pronto para o próximo salto
de expansão e de qualificação, que resultará de sua
mobilização para aproveitar as oportunidades ofere-
cidas pelos desafios do processo de inclusão defini-

257
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

tiva da Ciência, Tecnologia e Inovação na agenda Inovação, bem como a criação das plataformas re-
nacional, objetivo maior do processo de elaboração gionais de inovação já apontam para o incremento
das Diretrizes Estratégicas para o setor. significativo da participação do setor privado na exe-
cução da pesquisa e desenvolvimento, segundo uma
Há ainda deficiências, algumas das quais decorrem trajetória que atende, em primeiro lugar, aos inte-
das desigualdades da sociedade brasileira. Uma po- resses da sociedade brasileira. Um dos desafios das
pulação de escolaridade média inferior a seis anos, novas iniciativas é o de alcançar escala e escopo co-
produto da exclusão social e de uma educação básica mensuráveis com as necessidades de nossa economia.
e de nível médio que precisa ser aprimorada e que já
começa a mudar de rumo de forma positiva. Fortes Da leitura deste documento, traços comuns emergem
desigualdades regionais, problema grave, que emerge para a formulação de programas para a Ciência, Tec-
em mais de uma das questões tocadas neste docu- nologia e Inovação. A idéia de projetos integradores
mento, oferecem uma oportunidade excepcional de e cooperativos é recorrente, qualquer que seja o tema
expansão para um sistema de CT&I que precisa cres- tratado. Na solução de problemas sociais urgentes
cer rapidamente. Além disso, infra-estruturas de en- ou na pesquisa fundamental – e, em muitos casos,
sino e pesquisa, ultrapassadas pela falta de investi- como o documento exemplifica, há coincidência en-
mentos, atrasam a solução de problemas para os quais tre essas duas atividades –, a necessidade da união
a universidade e centros de pesquisa têm contribui- de esforços, de especialistas das mais diversas disci-
ções a dar. A superação desse gargalo ganha, agora, plinas e da comunidade interessada, se repete em
novas perspectivas com a criação dos fundos setoriais todas as áreas.
e a nova institucionalidade que se desenha para
CT&I no Brasil. Portanto, há desafios do tamanho Projetos integradores têm a vantagem de explorar a
do País a enfrentar e que já estão sendo enfrentados unicidade fundamental do conhecimento para ace-
com êxito. lerar seu avanço, mediante mecanismos de reforço
mútuo de progressos em disciplinas vizinhas ou pela
A pequena participação do setor privado nas ativi- fertilização de idéias através das barreiras conven-
dades de pesquisa e desenvolvimento é uma questão cionais das disciplinas. Não há uma natureza física,
central da discussão das Diretrizes Estratégicas. outra química, outra biológica e, mais além, uma so-
O arcabouço institucional para uma sociedade do cial ou outra econômica que trafeguem em vias es-
conhecimento – não apenas aquele específico do tanques. A natureza é uma só, e tão mais rapida-
setor de Ciência e Tecnologia, mas também o que mente entrega seus segredos, quanto mais poderosa
trata das relações do Estado com o setor privado na for a combinação das interrogações que sobre ela se
área de pesquisa e desenvolvimento – precisa ser fazem. Tais projetos têm ainda a vantagem de agregar
revisto com urgência. Novos instrumentos legais em conhecimentos de diferentes especialidades na busca
análise estabelecerão canais de cooperação público/ de soluções para problemas de todo tipo, dos mais
privado e acelerarão a transferência de conhecimento simples aos mais complexos – da provisão de em-
dos centros geradores para a sociedade e para o prego e renda ou saneamento básico para uma po-
mercado. Os programas Inovar da Finep, a Lei de pulação carente, à cura de doenças, como a malária,

258
Travessia: cooperação, diversidade, sustentabilidade

que afetam milhões de pessoas. Mas, e isto não é Cooperação e diversidade resumem, assim, dois dos
desprezível, eles têm também o atrativo pragmático principais temas de fundo deste documento e, cer-
do ganho rápido, da junção de esforços na busca da tamente, merecem figurar com realce na discussão
inovação e da redução de tempo do ciclo de geração das Diretrizes Estratégicas.
de um novo produto que conquista mercados. Co-
operação, redes, comunicação e intercâmbio de in- Como assinalado, a telemática e a biotecnologia for-
formações, movidos pela curiosidade, pelo altruísmo mam a base da mais recente revolução mundial do
ou pela atração do ganho, são todos necessários para conhecimento e da produção. O que, além delas,
o rápido avanço do conhecimento. aguarda a humanidade no século que se inicia é im-
possível saber. Nanotecnologias, materiais especiais,
A preservação da diversidade, seja biológica, seja neurociências, novas técnicas de manufatura, a ex-
institucional, seja ainda de campos de pesquisa ou ploração de grandes fronteiras ainda em aberto, como
de atividades econômicas, é outro tema que trans- os oceanos e o espaço, reservam surpresas, se a his-
parece de quase todas as discussões deste documen- tória é um indicador. Contudo, nem os grandes avan-
to. A biodiversidade, mais do que uma riqueza natural ços científicos e tecnológicos do século XX, nem as
a ser preservada ou explorada sustentavelmente, é transformações sociais que deles decorreram ante-
uma forma de a Natureza garantir sua estabilidade viam-se no horizonte um século atrás. Só por ex-
de longo prazo. A vida é sujeita a toda espécie de traordinária ingenuidade se poderia supor que o co-
“choques” externos – mudanças lentas ou rápidas nhecimento disponível no alvorecer deste novo sé-
do meio ambiente, introdução de novas espécies, ca- culo será mais importante dentro de cinqüenta anos
tástrofes naturais de maior ou menor amplitude – e, do que tudo quanto ignoramos neste momento. Nes-
apesar disso, sob uma forma ou sob outra, ela sas circunstâncias, construir o futuro significa forta-
continua a existir, porque sua diversidade lhe garan- lecer e expandir um sistema de Ciência, Tecnologia
te, coletivamente, ainda que não individualmente, a e Inovação capaz de enfrentar, de forma sustentável,
necessária capacidade de adaptação e sobrevivência. os “choques de conhecimento” que estão por vir.
Do mesmo modo, a diversidade de um sistema de
Ciência, Tecnologia e Inovação é a garantia de sua A situação atual do Brasil não o condena a uma per-
estabilidade no longo prazo – ninguém pode prever petuidade de atraso. Bem ao contrário, o que este
com segurança de onde surgirá a próxima descoberta documento procurou mostrar foi o extraordinário ca-
que mudará o curso da economia mundial, como minho percorrido nos últimos cinqüenta anos, as ini-
ninguém sabe onde surgirá a próxima ameaça ciativas transformadoras atualmente em curso e as
devastadora à saúde pública ou ao meio ambiente. fantásticas oportunidades para o futuro. Procurou
A diversidade do sistema garante sua capacidade de mostrar, igualmente, que, para a próxima década, há
dar resposta a desafios e ao aproveitamento das uma consciência clara das demandas mais prementes
oportunidades que se sucedem, cada vez com maior e das dificuldades a vencer. No curto prazo, muito
rapidez. Isto impõe a necessidade de incrementarmos do que precisa ser feito já se encontra bem encami-
e qualificarmos o esforço nacional em CT&I. nhado e estão delineadas as linhas mestras de atua-
ção. A chave do caminho do futuro encontra-se no

259
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

exemplo da ação pertinaz e conseqüente, orientada nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação ganhar
por uma visão de longo prazo da construção do País, ainda mais em dimensão e em sustentabilidade, o
que caracterizou o crescimento da Ciência e que hoje são eventos excepcionais passarão a ser a
Tecnologia no Brasil nas últimas cinco décadas. regra, pois esta é a lógica do processo de desenvol-
vimento científico e tecnológico.
Dois fatos contribuem para a possibilidade do País
queimar ou abreviar etapas de seu desenvolvimento Novas organizações de pesquisa e desenvolvimento
científico e tecnológico e, em poucas gerações, si- serão necessárias para abarcar a crescente diversi-
tuar-se entre as nações líderes da humanidade. Em dade de áreas do conhecimento, mas serão, igual-
primeiro lugar, Ciência, Tecnologia e Inovação ten- mente, importantes para reduzir desigualdades regio-
dem a ser o produto do trabalho de jovens, uma “ma- nais. Novas modalidades de organização cooperativa
téria-prima” de que o País dispõe em abundância e da pesquisa e desenvolvimento, concomitantemente,
que não pode desperdiçar. Dadas condições institu- terão de ser exploradas, visando aproveitar as tec-
cionais adequadas, CT&I são bastante fáceis de nologias da comunicação e da informação na acele-
serem aprendidas e desenvolvidas pelos jovens, como ração do avanço do conhecimento e da superação
o demonstra a agilidade com que qualquer criança das barreiras da distância e do isolamento geográfico
manuseia as últimas novidades tecnológicas, enquan- e cultural de novos centros que venham a surgir.
to seus pais se atrapalham à vista de um simples con-
trole remoto. Daí a preocupação com a absorção de Novos organismos de gestão, como o Centro de Ges-
recém-doutores e sua fixação no mercado de trabalho. tão e Estudos Estratégicos, em implantação; novas
Essas condições institucionais incluem cooperação, fontes de recursos, como os fundos setoriais; novos
diversidade e sustentabilidade e vale, ainda, adicio- instrumentos de fomento que terão de ser definidos;
nar a essas a flexibilidade indispensável para fazer e a crescente participação do setor privado contri-
frente às constantes mudanças de um sistema extre- buirão para a manutenção e expansão do sistema.
mamente dinâmico. Em segundo lugar, precisamente
os “choques de conhecimento”, que alteram a con- A necessidade de inclusão definitiva do tema inova-
figuração das disciplinas, tornando algumas ultrapas- ção na agenda econômica brasileira é uma conclusão
sadas e criando novas, fazem com que recém-che- também marcante das discussões apresentadas nesse
gados não tenham uma desvantagem insuperável em Livro. Isto passa pela necessidade de internalizar
relação aos velhos sistemas estabelecidos. Onde, de mais conhecimento nas empresas e, em especial, di-
repente, tudo está por descobrir e por fazer, as posi- fundir tecnologia junto às pequenas e médias em-
ções do jogo voltam praticamente à estaca zero, as presas para torná-las competitivas e aptas a explorar
barreiras de entrada se reduzem e os jogadores se oportunidades de negócios em um mundo globali-
igualam. Foi isto que permitiu, por exemplo, que o zado. A nova economia, a economia da informação,
Brasil, em tão pouco tempo, se projetasse internacio- do aprendizado ou do conhecimento, como quer se
nalmente no cenário da genômica ou conquistasse defina essa nova dinâmica, será marcada pelo papel
uma posição única na exploração submarina de petró- estratégico da Ciência, da Tecnologia e da Inovação.
leo. Quando, dentro de alguns anos, o sistema Um ambiente favorável à inovação, que estimule das

260
Travessia: cooperação, diversidade, sustentabilidade

mais diversas maneiras o esforço privado em P&D, que precisa ter continuidade, que não se encerra com
é um requisito do futuro. É um requisito da geração a realização da Conferência Nacional de Ciência,
de mais e melhores empregos, da melhoria da Tecnologia e Inovação, ou com a posterior publica-
inserção internacional da economia brasileira. É, ção de um documento, o Livro Branco, que sinteti-
enfim, um requisito de qualquer trajetória de desen- zará as conclusões das etapas percorridas neste ano
volvimento para o País. e as opções do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Quaisquer que sejam essas opções, pela própria dinâ-
A articulação entre o MCT e outros órgãos do Go- mica do processo criativo da Ciência, Tecnologia e
verno Federal, com estados, municípios e com o se- Inovação, elas certamente serão revistas em menos
tor privado são apenas aspectos, desta feita de cará- de uma década. Dez anos é prazo longo demais para
ter institucional, do trinômio cooperação, diversida- imaginar que as diretrizes manterão, em sua totali-
de e sustentabilidade, já mencionado. A crescente dade, relevância e pertinência. O que mais importa
demanda pela ação regional e local em CT&I é um é perenizar o debate e, sobretudo, o enfoque estra-
fato muito positivo. Cabe ao MCT o papel de articu- tégico das políticas de CT&I. Uma das Diretrizes
lador das múltiplas oportunidades de interlocução e que já se desenha e que, justamente, espera-se seja
de parceria entre os mais variados agentes do siste- mantida é a que diz respeito à necessidade desse de-
ma, para alcançar os objetivos do esforço nacional bate permanente, que será estimulado pela criação
em CT&I. As dimensões do País e o tamanho de sua do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos e que
população dão, a qualquer problema de relevância poderá ensejar, no futuro, a convocação de novas
nacional, uma escala que poucas nações possuem. Conferências Nacionais. É inevitável, contudo, que
Nada no Brasil é pequeno – desafios ou soluções. o debate evolua na sua forma, nos seus mecanismos
Unir competências e respeitar a diversidade de de- e no seu conteúdo, à medida que o sistema de CT&I
mandas é o caminho da sustentabilidade do sistema. se expanda e incorpore novos agentes.

Inserir o Brasil nos novos padrões internacionais de O momento é mais do que oportuno para se impul-
CT&I significa aproveitar a experiência de outros sionar definitivamente este debate nacional. Bem
países e contribuir com sua própria experiência para aproveitá-lo é o desafio maior para a Ciência, Tecno-
o benefício de outros povos, mediante uma coope- logia e Inovação no Brasil hoje.
ração internacional pautada por uma agenda política
de interesse nacional. É preciso definir novos enfo-
ques, mais abrangentes, que espelhem a dinâmica
do setor no País e no exterior, possibilitem manter o
País em sintonia com o que se passa no mundo e na
região em CT&I.

O processo que ora se inicia de definição das Dire-


trizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Ino-
vação, na próxima década, deve ser visto como algo

261
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

262
PERSPECTIVAS DA COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL EM CT&I
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

PERSPECTIVAS
DA COOPERAÇÃO
INTERNACIONAL
EM CT&I

É direto e legítimo o interesse dos países em da comunidade acadêmica, a sociedade e os meios


desenvolvimento – cuja população corresponde a políticos trabalhem com vistas a dar viabilidade aos
mais de quatro quintos da humanidade – na defini- avanços científicos e tecnológicos, que são impres-
ção do novo paradigma de desenvolvimento global, cindíveis para garantir o futuro do País.
que se funda no conhecimento e na inovação; em
sua difusão e também no modo pelo qual deverá Nas últimas décadas, a cooperação pontual e indivi-
condicionar o futuro do planeta. Têm eles contra si dual ensejou marcante presença dos pesquisadores
próprios, no entanto, a desvantagem das tradicionais e cientistas brasileiros no cenário mundial. Propor-
assimetrias políticas, econômicas e tecnológicas, que cionou, aqui e ali, avanços no conhecimento, mas
qualificam sua posição no mundo e os diferenciam um progresso relativamente menor no desenvolvi-
dos principais centros do sistema internacional. mento tecnológico. Demonstrou mesmo as sérias li-
mitações do processo que se convenciona chamar
Parece existir hoje uma rara oportunidade para que de transferência de tecnologia e, por outro lado, evi-
se redefinam, de maneira mais favorável, a inserção denciou a necessidade de promover-se a internali-
e a eqüitativa integração desses países na ordem zação do conhecimento sobre o País, que se acumu-
mundial. Se esse processo avançar, as nações em de- lou em importantes centros de pesquisa no exterior,
senvolvimento passarão a ter melhor acesso ao co- em função de ações de cooperação internacional.
nhecimento, mais facilmente modernizarão seus
meios e procedimentos, desenvolverão ou adaptarão, É visível, na fase atual, a necessidade de mudança na
individual ou coletivamente, novas tecnologias. política de cooperação internacional em CT&I do País.
As transformações em curso no plano mundial e as
No Brasil, a política de CT&I se operacionaliza no carências nacionais em CT&I demandam iniciativas
contexto das realidades políticas. Ao governo, cabe transformadoras. Nesse panorama, estão defasadas as
criar um ambiente favorável – interno e externo –, premissas, práticas e metodologias de trabalho
um espaço de reflexão e de crítica, mas, acima de dominantes na cooperação internacional em CT&I
tudo um espaço, no qual, com a participação ativa com o Brasil, assim como tornaram-se antiquados os

216
Perspectivas da cooperação internacional em CT&I

objetivos que as vêm orientando há décadas. Além disso, é altamente provável que o ritmo da re-
volução científica e tecnológica mundial ainda se ace-
Novos enfoques fazem-se necessários. Na perspec- lere, de modo significativo, nesta década, tendo em
tiva desta década, a cooperação internacional em vista os previsíveis avanços, de caráter tanto sistê-
CT&I demanda atualização e ampliação de concei- mico – com a generalização da aplicação das tecno-
tos, reprogramação de atividades e criação de instru- logias da informação – quanto pontual. As pressões
mentos, assim como a adoção de aperfeiçoamentos geradas pela competição global e regional estimulam
institucionais. a clareza quanto às perspectivas da cooperação inter-
nacional e a concentrar a atenção no papel a ser de-
Nesta etapa, inexiste – por ineficaz e, mesmo, contra- sempenhado, no Brasil, pelo esforço nacional em
producente –, a opção da simples manutenção do status CT&I, na vigência de uma era marcada por desloca-
quo em cooperação internacional. Parece necessário, mentos sociais e pelo alargamento da marginalização
pelo contrário, identificar e realizar as potencialidades tecnológica em escala mundial.
existentes no sistema internacional, mobilizar recursos,
imprimir nova dinâmica e acrescentar novos É preocupante que se esteja instalando – no bojo da
conteúdos ao esforço de cooperação internacional. globalização – a tendência ao aprofundamento do
hiato científico e tecnológico, com severos impactos
Para além de ampliar a mobilidade, a atualização e a de toda ordem. As tecnologias da informação vêm
presença dos pesquisadores brasileiros junto aos prin- acompanhadas de perto pelo espectro da exclusão
cipais centros da ciência mundial, será preciso refor- digital, pelo estabelecimento de uma divisória sofis-
çar a prioridade conferida aos temas mais relevantes ticada a separar, ainda mais que no passado, os países
da agenda nacional do conhecimento e da inovação. desenvolvidos e os países em desenvolvimento, em
Do mesmo modo, não bastaria estimular e facilitar o termos de sua sobrevivência no competitivo con-
acesso individual ou coletivo ao conhecimento gera- texto do mercado internacional. O domínio da gama
do no exterior, mas seria igualmente fundamental crescente de altas tecnologias não se tem difundido
reforçar a capacidade de absorvê-lo e de gerar tec- no mundo em desenvolvimento na velocidade e am-
nologias por parte das próprias instituições brasileiras plitude desejáveis.
de pesquisa e desenvolvimento.
O grupo seleto dos países avançados vê melhorarem
O quadro externo não é inteiramente favorável ou suas perspectivas. Já os demais, aqueles que não inte-
“amigável”. Se, por um lado, comprova-se a acelera- gram tal grupo, mesmo os que mais condições reú-
ção do avanço científico e tecnológico mundial, por nem, encontrarão crescentes dificuldades para par-
outro, acentua-se, a despeito de toda a retórica da glo- ticipar do avanço científico e tecnológico mundial,
balização, o risco de concentração do conhecimento nas décadas vindouras. Estão, em conseqüência, des-
e inovação nas mãos de alguns poucos países desen- de já compelidos, individualmente ou em parceria, à
volvidos. O acesso internacional ao conhecimento é, realização de esforços de grande porte que sejam si-
na verdade, complexo e, em certos casos, inexistente. multaneamente adicionais, deliberados e de cunho
estratégico.

217
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

No mundo contemporâneo, é inescapável a dimensão e nas “hard sciences”. Com o crescimento da parti-
internacional da Ciência e da Tecnologia, tendo em cipação das empresas nos investimentos nacionais
vista as condições em que são conduzidas. Bom em P&D e com a adequada condução de nossas
exemplo desse fenômeno está nos padrões de recru- ações na área internacional, maior será a autonomia
tamento acelerado, em países em desenvolvimento, na geração de tecnologia, contrariamente ao que, com
de pessoal qualificado, por parte das principais na- as poucas exceções, tem acontecido ao longo do pro-
ções desenvolvidas, com o fim de suprir suas neces- cesso de industrialização no Brasil, marcado mais
sidades. Essa nova política, que altera o mercado pela aquisição de tecnologias ultrapassadas, que pela
mundial de trabalho especializado, exigirá que o Bra- autonomia tecnológica. Nestas condições, o proces-
sil e outros países se empenhem no sentido de se so integral de produção, operação e comercialização
situarem nesse mercado. Propõe-se que esse com- da tecnologia poderá efetivar-se de maneira mais ágil
plexo tema seja objeto de amplo debate, com a par- e plena, evitando-se a inserção subalterna do Brasil
ticipação interessada de círculos acadêmicos, em- no mercado internacional da inovação, de novos pro-
presariais e governamentais. dutos e serviços.

É evidente e necessária a relação entre modernização É nesse vasto contexto que o Brasil deve buscar a otimi-
do perfil da cooperação internacional e participação zação da cooperação internacional em CT&I, ajustan-
crescente do setor privado. A cooperação interna- do-a aos atuais desafios de nossa sociedade e economia.
cional em CT&I poderá facilitar o acesso do setor
empresarial brasileiro aos circuitos internacionais de Coloca-se, com clareza, a necessidade de resolver,
P&D, os quais, para a boa execução de suas ativida- em definitivo, nesta década, problemas tipicamente
des, fortalecerão sua demanda por recursos humanos brasileiros em matéria de CT&I. Muitos deles são
altamente qualificados e pela produção interna de “tradicionais”, como, por exemplo, carência e insta-
conhecimento. bilidade de recursos; desatualização da gestão; déficit
de desenvolvimento tecnológico, desatendimento de
Por outro lado, ainda no concernente ao âmbito inter- necessidades específicas de pesquisa com relação à
nacional, estão sendo estabelecidas condições que Amazônia e Semi-árido, levantamento da biota brasi-
levem as empresas a realizar ou incrementar investi- leira, ciências do mar etc. Uma das questões funda-
mentos em P&D no Brasil, de modo que se repro- mentais é, sem dúvida, a concentração excessiva do
duza no País a sinergia entre empresas, universida- esforço nacional de C&T nas regiões Sudeste e Sul e
des, centros de pesquisa e governo existente nos paí- a conseqüente necessidade de promover uma regio-
ses desenvolvidos. nalização maior dos esforços nacionais. Todos esses
problemas têm sido objeto de ativo tratamento, em
Na economia globalizada, parece afirmar-se o de- tempos recentes.
senvolvimento conjunto, compartilhado, de novas
tecnologias, como uma trajetória eficiente e prioritá- Em outro corte, é preciso enfrentar o chamado desa-
ria – a exemplo do que já ocorre tradicionalmente fio da relevância e deixar perfeitamente explícita a
nos projetos de cooperação em ciências fundamentais dedicação da CT&I à solução dos problemas sociais

218
Perspectivas da cooperação internacional em CT&I

e econômicos do País, quer dizer ao atendimento dores – sem dúvida este último é ferramenta útil,
dos reclamos da sociedade, por um lado, e das ne- mas de alcance limitado. Muitos dos instrumentos
cessidades do setor produtivo, por outro. Em termos firmados no plano internacional encontraram difi-
de geração de conhecimento e de inovação, tornou- culdades para sair do papel e serem executados.
se imprescindível, tanto manter a sintonia com o que
de mais avançado se está produzindo no mundo, de A experiência indica que são eficazes os projetos bem
modo a assegurar-se a competitividade internacional focalizados, ou seja, concebidos em torno de um
do País, quanto refinar a sensibilidade do sistema objetivo preciso. Por exemplo, a cooperação com a
nacional de CT&I para as grandes questões da rea- China na área espacial, para construção da série de
lidade nacional e internacional. satélites CBERS, tem proporcionado a execução de
interessantes projetos de pesquisa científica, o desen-
Em síntese, será necessário que esse sistema atue, a volvimento da tecnologia espacial e o envolvimento
um só tempo, nas fronteiras do conhecimento, na da indústria brasileira no desenvolvimento e forne-
promoção de pesquisas avançadas e na solução da cimento de componentes de satélites, além da pos-
questão tecnológica brasileira, assim como no plano sibilidade de acesso ao exclusivo mercado de pro-
da realização das vocações nacionais e regionais, em dutos e serviços espaciais - como fornecedor, e não
matéria de CT&I. Em todas essas áreas, a cooperação mais apenas como usuário.
internacional em CT&I tem papel relevante e estra-
tégico a desempenhar. Integram o atual arsenal de medidas inovadoras, inter alia,
a generalização das redes de pesquisa, a atualização da
A cooperação internacional está sendo reforçada no política de mobilidade de pesquisadores, a revisão da
âmbito do MCT, suas agências e institutos, com vis- política de bolsas no exterior e a criação de uma política
tas, sobretudo, ao melhor acesso ao conhecimento e específica de recrutamento e fixação de talentos, assim
à competitividade internacional. A cooperação com como o esforço de atração de investimentos no Brasil
os países desenvolvidos é certamente desejável e por parte de empresas de alta tecnologia.
mesmo imprescindível, na medida em que propor-
ciona acesso ao que de melhor se faz na ciência. Mas Com relação a todos esses aspectos, coloca-se a neces-
não deve ser uma rota exclusiva, nem deve obscure- sidade da mobilização da cooperação internacional em
cer as oportunidades de ação conjunta com países CT&I, um dos veículos de acesso ao conhecimento
em desenvolvimento, que muitas vezes enfrentam internacionalmente disponível e, ao mesmo tempo,
desafios semelhantes aos brasileiros, nem de qualquer fonte potencial de recursos para ações cooperativas de
forma fazer olvidar a necessidade de sustentar e am- interesse brasileiro. Essas ações devem estender-se
pliar o esforço nacional em CT&I. também aos níveis locais, aproveitando o espaço aberto
pelas ações do MCT com vista à desconcentração
No passado, de modo geral, os acordos de coopera- regional da pesquisa e da inovação brasileiras.
ção científica e tecnológica entre nações quase não
passavam de declaração de boas intenções, de coope- No quadro dos esforços de sintonia entre o que se
ração assistencialista e de intercâmbio de pesquisa- passa no exterior e de ampliação e intensificação de

219
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

atividades nacionais, caracterizaria-se a premência • percepção de que é necessário ao Brasil não só


da revisão completa da política de cooperação inter- receber cooperação internacional em CT&I, mas
nacional, de acordo com os seguintes parâmetros: também articular esforços de sua prestação a países
em patamares de C&T semelhantes ou inferiores aos
• expansão dos campos de atividade, com vistas a nossos, em especial em regiões com que mantenha-
dirigi-las para as áreas da fronteira do conhecimento mos vínculos imediatos. Exame da generalização de
e da inovação, bem como para a realização das voca- fundos brasileiros de cooperação internacional em
ções nacionais, regionais e estaduais, com a atuali- CT&I, a partir das experiências do Fundo Coreano e
zação dos presentes acordos e programas e a conclu- do Fundo Sul-Americano, de modo a prover condi-
são de novos instrumentos internacionais; ções de financiamento estável das atividades de co-
operação internacional;
• Intensificação da execução das atividades, mediante
a mobilização de novos instrumentos e recursos, com • tipificação dos programas e projetos de cooperação
apoio à academia e ao empresariado. Articulação e internacional em: (a) de interesse primordial brasi-
orientação deliberada dos esforços nacionais de coope- leiro e, portanto, prioritários e parte de nosso esforço
ração internacional em CT&I, preservado naturalmente nacional, que se conduzem com a cooperação estran-
o indispensável potencial de criatividade acadêmica; geira; ou (b) de interesse conjunto com outros países,
a receberem tratamento diferenciado, em seus esta-
• reconhecimento de que a pesquisa e o desenvolvi- tutos, objetivos, financiamento, gestão etc;
mento têm caráter internacional, mas que, ao mesmo
tempo e com intensidade crescente, impõe-se o avan- Tudo isso, tendo em vista os altos requisitos de
ço do esforço nacional de CT&I, como condição de desempenho que exigem as realidades mundiais e
desenvolvimento, bem-estar e soberania, na cons- brasileira, criação de mecanismos avançados de
trução do futuro do País; informação, prospecção, coordenação, acompanha-
mento e avaliação da cooperação internacional, no
• avaliação das perspectivas de transferência inter- âmbito do MCT, englobando suas agências e
nacional de tecnologia em termos de aquisição, licen- institutos.
ciamento e venda, em termos favorecidos ou não;
Além disso, mecanismos abrangentes de articulação
• desenho de um programa para promoção da inter- da cooperação internacional devem ser estabeleci-
nalização da massa de conhecimentos sobre o Brasil dos, sob liderança do MCT, com vistas à interação
existente em importantes centros de pesquisa no ex- moderna, ágil e cooperativa, entre distintos atores
terior; em CT&I: órgãos do Executivo, secretarias estaduais,
fundações de amparo, universidades, centros de pes-
• prioridade a pesquisas conjuntas ou coordenadas e quisa, sociedades científicas, grupos de pesquisa,
pesquisas e desenvolvimento tecnológico coopera- pesquisadores, empresários etc. Em particular, re-
tivo, no Brasil e no exterior, com o desenho de um comenda-se a melhor integração entre MCT e Minis-
programa nacional dirigido a tais atividades; tério das Relações Exteriores, o qual realiza uma va-

220
Perspectivas da cooperação internacional em CT&I

riedade de esforços de cooperação internacional. dernizar a cooperação e adaptá-la à nova fase da Ciên-
cia e Tecnologia no País e aos novos rumos da or-
Os programas, projetos e os mecanismos institucio- dem mundial. A agenda comum de CICT deve mu-
nais de CICT devem ser desenvolvidos de maneira dar para que possa melhor refletir as novas realidades.
diferenciada, tendo presentes os seguintes campos
de atividade: COOPERAÇÃO BILATERAL COM OUTROS PAÍSES AVANÇADOS,
que são nossos parceiros ocasionais e com os quais
Cooperação bilateral a cooperação não tem tido base e volume perma-
nentes. Estamos dando novos passos, no sentido de
Os princípios gerais desse campo de trabalho dizem incorporar parcerias não tradicionais, com países tan-
respeito às peculiaridades de cada país e às possibi- to desenvolvidos quanto em desenvolvimento, espe-
lidades objetivas de cooperação; o desenho de pro- cialmente os mais dinâmicos. No ambiente mundial,
gramas específicos; a criação de mecanismo institu- as formas tradicionais de cooperação tendem a ceder
cionais (fundos, comitês de gestão compartilhada, lugar ao desenvolvimento conjunto e compartilhado
grupos bilaterais, etc.), e a programação da utilização da pesquisa e da inovação, do qual é emblemático o
intensiva das Casas do Brasil e Centros de Estudos, exemplo da cooperação sino-brasileira.
em especial os apoiados pelo MCT.
COOPERAÇÃO BILATERAL COM PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO
Cada um dos instrumentos internacionais de CICT, DA ÁSIA, DA AMÉRICA LATINA (EM PARTICULAR A AMÉRICA

recentemente firmados ou em vias de conclusão com DO SUL) E COM PAÍSES AFRICANOS. A atitude brasileira

a Alemanha, Coréia, Índia, França, Austrália, China, em CICT deve ser medida por nossos interesses no
Espanha, Chile, incorpora elementos inovadores, campo do conhecimento e da tecnologia a longo pra-
substantivos ou de procedimento, que permitem a zo de cada Região, e pelos laços históricos, étnicos,
melhor coordenação de esforços, a expansão da co- culturais e econômicos que a elas nos ligam.
operação em novos e avançados campos, melhores
instrumentos, recursos adicionais e organização de Entre os países asiáticos, o caso da China é especial,
programas abrangentes. tendo em vista existir uma cooperação em andamen-
to do maior interesse, no desenvolvimento dos saté-
COOPERAÇÃO BILATERAL COM PAÍSES AVANÇADOS QUE SÃO lites sino-brasileiros CBERS e que agora está tornan-
TRADICIONAIS PARCEIROS DO BRASIL. É necessário dese- do possível expandir a cooperação bilateral para ou-
nhar programas diferenciados para cada um desses tros campos de vanguarda. A Coréia é outro parceiro
países, e muito especialmente com relação aos EUA, com o qual vêm-se desenvolvendo tratativas de es-
cujas metodologias de trabalho são muito diferentes pecial alcance no último ano, com a criação do Fundo
das dos demais, e cuja participação no avanço da Brasil-Coréia e com o desenho, que está em processo,
C&T mundiais é hoje preponderante. de um programa de cooperação. Com a Índia, a
cooperação está-se acelerando e revela um potencial
Já tem sido sinalizada pelo MCT aos principais par- de grande interesse.
ceiros desenvolvidos do Brasil a disposição de mo-

221
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Com as nações africanas, procura-se desenvolver a Negociação de Questões Globais


CTCI no contexto da CPLP, ou em outros contextos
bilaterais específicos. No caso de Moçambique, já Em temas como mudanças climáticas; exclusão digi-
estão abertas algumas possibilidades, que devem ser tal, ozônio, proibição de armas químicas, tecnologias
exploradas em curto prazo. de uso duplo, biodiversidade, biossegurança, proprie-
dade intelectual etc.
Serão também fortalecidas as possibilidades de co-
operação com países da América do Sul e da América Atração de investimentos (empresas)
Latina. O Brasil está consciente da necessidade de de alta tecnologia
apresentar um perfil de cooperação regional em C&T
compatível com suas dimensões econômicas, presen- Articulação entre políticas de atração de investimen-
ça política e necessidades ambientais. Nesse quadro, tos de alta tecnologia e políticas de desenvolvimento
tem relevo a iniciativa do Presidente Fernando Hen- científico e tecnológico para o Brasil.
rique Cardoso da realização, em agosto de 2000, em
Brasília, da Reunião de Cúpula Sul-Americana, na qual Captação de recursos
se começou a desenvolver novos instrumentos de
cooperação no campo da Ciência e Tecnologia, com Junto ao Banco Mundial, Banco Interamericano de
o anúncio do Fundo Sul-Americano. Dadas as pers- Desenvolvimento (BID), fontes bilaterais, International
pectivas então abertas, Peru, Equador, Paraguai, Chile Council of Scientific Unions (ICSU), e outras fontes.
e a própria Argentina já sinalizaram interesse em en-
cetar iniciativas conjuntas ao amparo do Fundo. Cooperação no plano da política científica
e internacional
Cooperação Multilateral
Com o apoio à presença brasileira nos principais fó-
Em especial com as Nações Unidas e sua família de runs científicos: ICSU, Painel Inter-Academias, inte-
Agências, Organismos e Programas; outras organi- ração da Academia Brasileira de Ciências com as de-
zações de âmbito mundial como a Organização Mun- mais academias nacionais e com a Academia de Ciên-
dial do Comércio (OMC) e a Organização Mundial cias do Terceiro Mundo, Conferências Mundiais de
da Propriedade Industrial (OMPI); a Organização Ciência e Tecnologia etc.
dos Estados Americanos (OEA); os órgãos de co-
operação ibero-americana; a Comunidade dos Paí- Possíveis Instituições ou Mecanismos
ses de Língua Portuguesa (CPLP); União Européia,
inclusive a Agência Espacial Européia (ESA) e a Com a criação de uma instância no MCT, que funcio-
Agência Européia de Energia Atômica (Euratom); naria como núcleo de inteligência, coordenação e
os órgãos de cooperação regional sul e latino-ameri- execução em CICT e teria tarefas do seguinte tipo:
cana, como o Mercosul.
• Prospecção das necessidades nacionais, regionais
e estaduais; prospecção setorial; das potencialidades

222
Perspectivas da cooperação internacional em CT&I

brasileiras para a prestação de CICT; das oportuni- nais, em conformidade com uma avaliação estraté-
dades de recebimento ou prestação de CICT. gica por parte do Brasil. A temática de interesse da
cooperação internacional amplia-se e atualiza-se con-
• Informação, acompanhamento e avaliação. sideravelmente, passando a requerer novo esforço
indutivo para que as distintas ações, conduzidas com
• Atração de talentos e política de formação de diferentes países, evitem lacunas, sejam complemen-
recursos humanos no exterior. tares e não impliquem duplicidade desnecessária de
esforços.
• Planejamento estratégico: caracterização dos di-
ferentes tipos de esforço em CICT, levantamento de
premissas, objetivos, metodologias etc.

Com a já mencionada evolução da ordem mundial e


as mudanças em curso no País – inclusive o estabe-
lecimento de novos patamares de financiamento da
pesquisa e da inovação – abre-se uma nova fase na
gestão da CICT. Seus principais elementos são a
intensificação da cooperação científica, a busca da
inovação tecnológica – essencial para a obtenção de
ganhos de produtividade –, o entendimento das novas
funções que o apoio externo pode desempenhar na
aceleração do nosso esforço nacional em C&T, e o
exercício de discernimento e critério não apenas com
relação às parcerias que desejamos estabelecer, mas
também relativamente às áreas-chave de cooperação
com cada parceiro.

O novo cenário permite, portanto, projetarmos


expectativas mais ambiciosas, na medida em que a
pesquisa brasileira ganha maior autonomia financeira
e pode exercer maior seletividade em seus temas de
interesse, tornando-se, por outro lado, parceira mais
atraente em termos de CICT. Está-se verificando,
por conseguinte, ampla renovação do interesse de
outros países em cooperar com o Brasil no campo
da CT&I. Cria-se ambiente propício não apenas para
o estabelecimento de novos programas cooperativos,
mas também de revigoramento de programas tradicio-

223
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

224
Siglas, Acrônimos e Similares

SIGLAS, ACRÔNIMOS E SIMILARES

Abipti Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica


ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas
ARS/USDA Centro de Pesquisa da USDA/ARS, Califórnia, EUA
ADCT II Ato das Disposições Constitucionais Transitórias II
AEB Agência Espacial Brasileira
Anamet Agência Nacional de Meteorologia
Anatel Agência Nacional de Telecomunicações
Aneel Agência Nacional de Energia Elétrica
ANP Agência Nacional do Petróleo
Anpei Associação Nacional de Empresas de Pesquisa Industrial
Anprotec Associação Nacional de Parque e Pólos Tecnológicos
Antac Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído
Avibrás Indústria Aeroespacial S.A
BASA Banco da Amazônia S.A
BID Banco Interamericano de Desenvolvimento
BIN-BR Rede Brasileira de Informação em Biodiversidade
Biota/Fapesp Programa de Biodiversidade/Fapesp
BNB Banco do Nordeste Brasileiro
BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
C&T Ciência e Tecnologia
Cirad Centro de Cooperação Internacional de Pesquisas Agronômicas para o Desenvolvimento
CADE Conselho Administrativo de Defesa Econômica
Caged Cadastro Geral de Empregados e Desempregados
CAIS Central de Atendimento a Incidentes de Segurança da RNP
CAST Chinese Academy of Space Technology
Capes Coordenação de Aperfeiçoamento do Ensino Superior
CBERS China-Brazil Earth Resources Satellite
CBIC Câmara Brasileira da Indústria da Construção
CBPF Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas
CCT Componente de Pesquisa em Ciência e Tecnologia
CDC Center for Disease Control
CDTN Centro de Desenvolvimento Tecnológico Nuclear
CEE Centro de Estudos Estratégicos
CEME Central de Medicamentos
Cepem Centro de Pesquisa de Medicina Tropical
CENA Centro de Energia Nuclear na Agricultura
Centec Centro de Ensino Tecnológico
Cepel Centro de Pesquisa de Energia Elétrica
Cepid Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão
Cetec Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais
Cetem Centro de Tecnologia Mineral/MCT
CGE Centro de Gestão Estratégica/MCT
CG-I.BR Comitê Gestor Internet Brasil
CGSI Comitê Gestor de Segurança da Informação
CHRC Comission on Health Research for Development
CIRM Conselho Interministerial de Recursos do Mar
CLA Centro de Lançamento de Alcântara
CLBI Centro de Lançamento Barreira do Inferno
CMA Comando Militar da Amazônia
CNEN Comissão Nacional de Energia Nuclear
CNI Confederação Nacional da Indústria
CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Colab Laboratório de Poços de Caldas
Coodetec Cooperativa Central Agropecuária de Desenvolvimento Tecnológico

269
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa


CPqD Fundação Centro de Pesquisas e Desenvolvimento
CPRM Companhia de Pesquisas em Recursos Minerais/MME
CPTEC/INPE Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos/INPE
Crada Cooperative Research Development Agreement - EUA
CRC Cooperative Research Center - AUS
CRIA Centro de Referência em Informação Ambiental
CRV Centro de Realidade Virtual
CT&I Ciência, Tecnologia e Inovação
CTA Centro Tecnológico da Aeronáutica
CTCCA Centro Tecnológico do Couro, Calçados e Afins
CTEnerg Plano Nacional de Ciência e Tecnologia para o Setor de Energia
CTHidro Fundo de Ciência e Tecnologia em Recursos Hídricos
CTM-SP Centro Tecnológico da Marinha em São Paulo
CVT Centros Vocacionais Tecnológicos
Deped Departamento de Pesquisas e Desenvolvimento
Diang Distrito de Angra dos Reis
Dieese Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
Difor Distrito de Fortaleza
DLIS Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável
EBTU Empresa Brasileira de Transporte Urbano
e-Gov Governo Eletrônico
Eletronuclear Eletrobrás Termonuclear S.A.
Embraer Empresa Brasileira de Aeronáutica S.A.
ENC Exame Nacional de Cursos
ENHR Essential National Health Research
EOS Programa da Nasa para melhor previsão de secas no Nordeste brasileiro
ETAs Estações de Tratamento de Água
ETEs Estações de Tratamento de Esgotos
Euratom Agência Européia de Energia Atômica
FAO Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação
FAP Fundação de Amparo a Pesquisa
Faperj Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro
Fapesp Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
FDA Food and Drug Administration (EUA)
Finep Financiadora de Estudos e Projetos
FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Fucapi Fundação do Centro de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica
Funttel Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações
FUST Fundo de Universalização de Telecomunicações
GBF Gesellschaft für Biotechnologische Forschung
Geipot Grupo de Estudos para a Integração da Política de Transportes
GM Geneticamente Modificados
GPS Geographic Positioning System
HSB Sensor de Umidade Atmosférica
Labin Rede Intra-Americana de Informação em Biodiversidade
IAC Instituto Agronômico de Campinas
IAE Instituto de Aeronáutica e Espaço
Iapar Instituto Agronômico do Paraná
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Ibict Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia
Icann The Internet Corporation for Assigned Names and Numbers
ICSU International Council of Scientific Unions
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IEN Instituto de Energia Nuclear
IFPRI International Food Policy Research Institute
IMPA Instituto de Matemática Pura e Aplicada
IMS Institute of Mathematical Statistics
INB Indústrias Nucleares do Brasil
Infohab Centro Nacional de Referência em Habitação

270
Siglas, Acrônimos e Similares

Inmetro Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial


Inmet Instituto Nacional de Meteorologia
INPA Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia
INPE Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
INPI Instituto Nacional de Propriedade Industrial
Inserm Institut National de la Santé et de la Recherche Médicale
INT Instituto Nacional de Tecnologia
IPA Empresa Pernambucana de Pesquisa Agropecuária
IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
IPEN Instituto de Pesquisa Energética e Nuclear
IRD Instituto de Radioproteção e Dosimetria
ISI Institute of Scientific Information
ITA Instituto Tecnológico de Aeronáutica
ITEP Instituto Tecnológico do Estado de Pernambuco
ITI Instituto Nacional de Tecnologia da Informação
ITU International Telecommunications Union
Labex/Embrapa Laboratório Virtual da Embrapa no Exterior
LIT Laboratório de Integração e Testes/INPE
LNA Laboratório Nacional de Astrofísica
LNCC Laboratório Nacional de Computação Científica
LNLS Laboratório Nacional de Luz Síncrotron
MAA Ministério da Agricultura e Abastecimento
MCT Ministério da Ciência e Tecnologia
MD Ministério da Defesa - Comandos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica
MDIC Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior
MEC Ministério da Educação
MECB Missão Espacial Completa Brasileira
Mercosul Mercado Comum do Sul
MMA Ministério do Meio Ambiente
MME Ministério das Minas e Energia
MS Ministério da Saúde
MTE Ministério do Trabalho e Emprego
MTCR Regime de Controle de Tecnologia de Mísseis
NASA National Aeronautics and Space Administration
NERI Nuclear Energy Research Initiative
NTA Núcleo de Tecnologia Aeronáutica
Nuclep Nuclebrás Equipamentos Pesados
OCDE Organisation de Coopération et Développement Economique
Ocepar Organização das Cooperativas do Paraná
OEA Organização dos Estados Americanos
OECD Organization for Economic Cooperation and Development
OGMs Organismos Geneticamente Modificados
OMC Organização Mundial do Comércio
OMM Organização de Meteorologia Marinha
OMPI Organização Mundial de Propriedade Intelectual
OMS Organização Mundial de Saúde
ON Observatório Nacional
ONSA Organization for Nucleotide Sequence and Analysis
OPAS Organização Panamericana de Saúde
PAA Programa de Aerogeofísica da Amazônia
PACE Programa de Apoio ao Comércio Exterior
Pacti Programa de Apoio à Capacitação Tecnológica da Indústria
Pacto/USP Programa de Administração em Ciência e Tecnologia - Fundação Instituto de Administração
PADCT Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
PAEP Pesquisa da Atividade Econômica Paulista
PAER Pesquisa da Atividade Econômica Regional
Pasni Programa de Auto-suficiência Nacional em Imunobiológicos
Patme Programa de Apoio Tecnológico às Micro e Pequenas Empresas
PBQP Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade
PBQP-H Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade do Hábitat

271
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

PCTGE Programa de Ciência e Tecnologia para a Gestão de Ecossistemas


PDTA Programa de Desenvolvimento Tecnológico Agrícola
PDTI Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial
PEA População Economicamente Ativa
PEC Padrão de Exatidão Geográfica
PIB Produto Interno Bruto
PIPE/Fapesp Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas/Fapesp
PITE/Fapesp Parceria para Inovação Tecnológica/Fapesp
PME Pequena e Média Empresa
PME/IBGE Pesquisa Mensal de Empregos/IBGE
PNAD/IBGE Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios /IBGE
PNAE Plano Nacional de Atividades Espaciais
PNDAE Política Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais
PPA/MCT Plano Plurianual do MCT
PPDSM Plano Plurianual para o Desenvolvimento do Setor Mineral
PPTA Programa Paraibano de Tecnologia Apropriada
Proagro Programa de Seguro à Agricultura
Probio Programa de Biodiversidade
Prodes Programa de Desflorestamento da Amazônia
Proditec Programa de Difusão Tecnológica
Pronabio Programa Nacional de Biodiversidade
Prosab Programa de Saneamento Brasileiro
Protem Programa de Tecnologia Mineral
ProTeM-CC Programa Temático Multiinstitucional em Ciência da Computação
PSRM Plano Setorial para Recursos do Mar
PTA Programa de Tecnologias Apropriadas
RAIS Relação Anual de Informações Sociais/MTE
Remav Rede Metropolitana de Alta Velocidade
Redetec Rede de Tecnologia do Rio de Janeiro
RHAE Recursos Humanos para Áreas Estratégicas
RHAE/DTI Recursos Humanos para Áreas Estratégicas/Desenvolvimento de Tecnologia Industrial
RNP Rede Nacional de Pesquisa
SCD Satélite de Coleta de Dados
SAPS Serviços de Alimentação Pública
SBIR Small Business Inovation Research
SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência
Seade Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
Sebrae Serviço de Apoio à Média e Pequena Empresa
Sebrae-SP Serviço de Apoio à Média e Pequena Empresa - São Paulo
SEDU-PR Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República
Sepin Secretaria de Políticas em Informática e Automação
SIG Sistemas de Informações Geográficas
Sinaer Sistema Nacional de Averiguação de Eventos Radiológicos
SinBiota Sistema de Informação Ambiental - Fapesp
Sindae Sistema Nacional de Desenvolvimento de Atividades Espaciais
SMM Serviços Municipais de Metrologia
SNCT&I Secretaria Nacional de Ciência, Tecnologia e Informação
SOFA/FAO State of Food and Agriculture/Food and Agricultural Organization
SPEC Subprograma do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico
Sprin Sistema de Processamento de Informações Georeferenciadas
SSR Satélite de Sensoriamento Remoto
TecPar Instituto de Tecnologia do Paraná
TF Technology Foresight
TIC Tecnologias de Informação e Comunicação
TRIPs Trade-Related Aspects of Intellectual Property
UNCSTD United Nations Conference on Science Technology and Development
VLS Veículo Lançador de Satélites
WFS World Food Summit
ZEE Zona Econômica Exclusiva
ZFM Zona Franca de Manaus

272
Legendas e créditos de fotos

LEGENDAS E CRÉDITOS DE FOTOS

Capa

Difração de proteína obtida com uso de raios-X produzido na fonte brasileira de luz síncrotron, LNLS/Igor Polikarpov.
Foto: Miguel Boyayan/Arquivo Fapesp

Mosaico de imagens obtidas por satélite mostra a região Amazônica.


Foto: Embrapa

Irrigação aumenta a produtividade no campo no Rio Grande do Norte.


Foto: Photo Agência/Eraldo Peres

Vacina contra o sarampo produzida na Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.
Foto: Peter Illicciev/CCS - Fiocruz

Veículo Lançador de Satélites (VLS-1 V02), em vôo realizado em 11 de dezembro de 1999.


Foto: Equipe Foto IAE.

Linha de montagem de aviões na Embraer.


Foto: Embraer

Efeito visual em experimento de imã supercondutor.


Foto: Finep

Introdução

Efeito visual em experimento de imã supercondutor.


Foto: Finep 02

Em 11 de abril de 1951, o Almirante Álvaro Alberto da Motta e Silva toma posse como primeiro presidente do CNPq.
Foto: Antônio Valle/Arquivo CNPq 03

Estudantes observam maquete no Centro de Visitantes do Instituto Nacional de


Pesquisas Espaciais, em atividade de divulgação científica.
Foto: INPE 05

Em 22 de agosto de 1997, o SCD-2A, satélite construído no Instituto Nacional de


Pesquisas Espaciais, é encapsulado em contêiner para transporte até o local de lançamento.
Foto: INPE 07

Crianças participam de atividade lúdica com fins educativos no Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS.
Foto: Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS 07

Técnica trabalha em laboratório da Divisão de Geologia e Engenharia do Centro de Pesquisas e


Desenvolvimento Leopoldo A. Miguez de Mello (Cenpes).
Foto: Petrobras/Eliana Fernandes 07

273
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Difração de proteína obtida com uso de raios-X produzido na fonte brasileira


de luz síncrotron, LNLS/Igor Polikarpov.
Foto: Miguel Boyayan/Arquivo Fapesp 08

Vacina contra o sarampo produzida na Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.
Foto: Peter Illicciev/CCS - Fiocruz 08

Linha de montagem de aviões na Embraer.


Foto: Embraer 08

Especialistas preparam o SCD-2 para testes ambientais na câmara termovácuo do


Laboratório de Integração e Testes do INPE.
Foto: INPE 09

Irrigação aumenta a produtividade no campo no Rio Grande do Norte.


Foto: Photo Agência/Eraldo Peres 09

Capítulo 1. Ciência, Tecnologia e Inovação: a dimensão do sistema no Brasil

Veículo Lançador de Satélites (VLS-1 V02), em vôo realizado em 11 de dezembro de 1999.


Foto: Equipe Foto IAE 12

Menina observa painel de exposição no Museu da Vida, Casa de Oswaldo Cruz.


Foto: Arquivo Casa de Oswaldo Cruz 15

Fotoexposição de microestruturas em linha-piloto de microfabricação do Instituto


Nacional de Tecnologia da Informação (ITI).
Foto: ITI/Mário Belloni 17

Atividade no Instituto de Tecnologia em Fármacos de Manguinhos (Far-Manguinhos/Fiocruz).


Foto: Peter Illicciev/CCS-Fiocruz 21

Tecnologista faz ensaio de corrosão e degradação de materiais, no Instituto Nacional de Tecnologia (INT).
Foto: Guilherme Lessa/INT 35

Operadores observam lançamento da Sala de Controle no Centro de Lançamento de Alcântara (CLA).


Foto: Arquivo CCS/AEB 39

Pesquisadora ajusta equipamento na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


Foto: Antoninho Marmo Perri/Unicamp 41

Capítulo 2. Ciência, Tecnologia e Inovação: o avanço do conhecimento

Difração de proteína obtida com uso de raios-X produzido na fonte brasileira de luz síncrotron, LNLS/Igor Polikarpov.
Foto: Miguel Boyayan/Arquivo Fapesp 44

Microengrenagens para uso em microdispositivos fabricadas no LNLS, com 21 dentes, 47 milímetros de


diâmetro e 13 milímetros de espessura, comparadas a uma formiga. Luís Otávio Ferreira.
Foto: Paulo César Silva, em microscópio eletrônico de varredura – LME/LNLS 46

274
Siglas, Acrônimos e Similares

Atividade de aprendizado no Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS.


Foto: Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS 51

Aspecto parcial da exposição do Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS.


Foto: Museu de Ciência e Tecnologia da PUCRS 53

Estudantes em aula no Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


Foto: Antoninho Marmo Perri/Unicamp 55

Alunos no campus da Universidade de Brasília (UnB).


Foto: Photo Agência/Carlos Moura 59

Visão panorâmica parcial da fonte brasileira de luz síncrotron, construída e operada pelo
Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS).
Foto: Mário Belloni 64

Técnico do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) trabalha na construção de câmara de


ultra-alto-vácuo, destinada a uso em experimentos científicos no Fermilab, EUA, realizados por
pesquisadores do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF).
Foto: Nelson Chinalia 65

Borboleta Azul – seda (Morpho Menelaus).


Foto: Museu Goeldi/Janduari Simões 70

Seqüência de quatro fotos obtidas em microscópio eletrônico de varredura, mostrando a complexa


estrutura da asa da Borboleta Azul.
Foto: Paulo César Silva, LME/LNLS 70

Estrutura tridimensional de proteína Hexoquinase de levedura resolvida com aplicação de


luz síncrotron, LNLS/Paula Kuser.
Imagem: Paula Kuser – CBME/LNLS 71

Especialista examina documentos iconográficos em processo de restauração no Centro de Memória


da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Foto: Antoninho Marmo Perri/Unicamp 76

Pesquisadores analisam imagem obtida por satélite na Embrapa Monitoramento por Satélite.
Foto: Embrapa 77

Nanofio de ouro no momento de ruptura, estudado com o uso de microscópio eletrônico de


transmissão de alta resolução, podendo-se observar os átomos individuais.
Imagem: Daniel Ugarte e Varlei Rodrigues – LME/LNLS 79

Capítulo 3. Ciência, Tecnologia e Inovação: qualidade de vida

Vacina contra o sarampo produzida na Fundação Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro.
Foto: Peter Illicciev/CCS – Fiocruz 84

Uma cena comum nas grandes cidades brasileiras: aglomerado humano.


Foto: Photo Agência/Dado Galdieri 87

275
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Ônibus para uso urbano, equipado com motor a álcool desenvolvido no Brasil,
em teste no Instituto de Aeronáutica e Espaço/CTA.
Foto: Arquivo IAE/CTA 90

Trabalhador rural se prepara para mais um dia de trabalho no campo.


Foto: Antoninho Marmo Perri/Unicamp 98

Monitoramento em plantação experimental.


Foto: Antoninho Marmo Perri/Unicamp 99

Pesquisador trabalha em Laboratório de Microbiologia da Embrapa Meio Ambiente.


Foto: Ademir Rodrigues 103

Técnica manipula material de testes em centrífuga na Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Foto: Peter Illicciev/CCS-Fiocruz 105

Atividade de produção de vacinas na Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz).


Foto: Peter Illicciev/CCS-Fiocruz 112

Capítulo 4. Ciência, Tecnologia e Inovação: desenvolvimento econômico

Linha de montagem de aviões na Embraer.


Foto: Embraer 114

Produção de hortifrutigranjeiros monitorada pela Embrapa Meio Ambiente.


Foto: Ernesto de Souza 117

Técnico trabalha na Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).


Foto: Antoninho Marmo Perri/Unicamp 118

Plantação experimental de mudas em estufa no Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargen).


Foto: Ademir Rodrigues 119

Corte de microestruturas e de lâminas em chips na linha-piloto de empacotamento eletrônico do


Instituto Nacional de Tecnologia da Informação (ITI).
Foto: ITI/Mário Belloni 122

Desenvolvimento de projeto de aeronave na Embraer.


Foto: Embraer 133

Carga em processo de embarque no Terminal de Cargas do Aeroporto Internacional de São Paulo.


Foto: Photo Agência/Gilberto Nunes 138

Navio atracado no Porto de Salvador, BA.


Foto: Photo Agência/José Carlos de Almeida 139

Braço passivo mecânico para acoplamento a robôs submarinos desenvolvido pelo Grupo de Simulação
e Controle em Automação e Robótica da Coppe/UFRJ.
Foto: Bira Soares/Divulgação Coppe/UFRJ 142

276
Siglas, Acrônimos e Similares

Unidade de desenvolvimento de softwares na Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD).


Foto: José Elio Trovati/CPqD 143

Atividade de orientação para novos empreendedores em unidade de atendimento do


Sebrae instalada na Junta Comercial de Brasília.
Foto: Photo Agência/Eugênio Novaes 149

Técnica faz avaliação de conformidade de produto em Laboratório de Corrosão e Proteção


do Instituto Nacional de Tecnologia (INT).
Foto: Guilherme Lessa 151

Plantação experimental no Centro Nacional de Recursos Genéticos (Cenargen).


Foto: Ademir Rodrigues 154

Trabalhadores rurais em atividade no Perímetro Irrigado Baixo-Açú, no Rio Grande do Norte.


Foto: Photo Agência/Eraldo Peres 155

Rebanho bovino.
Foto: Photo Agência/Eraldo Peres 159

Pesquisadora analisa cultivo de ácaros em Laboratório de Entomologia da Embrapa Meio Ambiente.


Foto: Eliana Lima 163

Capítulo 5. Ciência, Tecnologia e Inovação: desafios estratégicos

Especialistas preparam o SCD-2 para testes ambientais na câmara termovácuo do Laboratório de Integração e Testes do INPE.
Foto: INPE 166

Imagem obtida por satélite mostra a cidade de Porto Velho e o Rio Madeira.
Foto: INPE 169

Medicamento AZT, produzido a partir de 1992 por empresa implantada em incubadora na


Universidade Federal do Rio de Janeiro, com apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
Foto: Finep 185

Sítio de medidas e caracterização de antenas instalado na Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD).
Foto: José Elio Trovati/CPqD 199

Bezerra Vitória, primeiro animal brasileiro resultante da tecnologia de clonagem desenvolvida na


Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, nascida em 17 de março de 2001.
Foto: Cláudio Bezerra 206

Capítulo 6. Ciência, Tecnologia e Inovação: desafios institucionais

Irrigação aumenta a produtividade no campo no Rio Grande do Norte.


Foto: Photo Agência/Eraldo Peres 226

Projetistas da Embraer desenvolvem componentes com recursos avançados de computação.


Foto: Embraer 229

277
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

Pesquisador prepara instrumentação científica utilizada em experimentos com luz síncrotron no LNLS.
Foto: Nelson Chinalia 232

Técnica trabalha em tomógrafo no laboratório da Divisão de Geologia e Engenharia de Reservatório


do Centro de Pesquisas e Desenvolvimento Leopoldo A. Miguez de Mello (Cenpes).
Foto: Petrobras/Patrícia Neves 233

Atividade no Laboratório de Calibração Óptica instalado na Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD).
Foto: José Elio Trovati/CPqD 245

Veículo de sondagem VS-30 em plataforma de lançamento, com experimento científico a bordo.


Foto: Equipe Foto IAE 252

Técnicos trabalham na fábrica da Embraer.


Foto: Embraer 253

278
Siglas, Acrônimos e Similares

Produção:

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ANEXO METODOLÓGICO
Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

ANEXO METODOLÓGICO

Recursos Aplicados em Ciência e Tecnologia Comissão Interministerial para os Recursos do Mar


(C&T) pelo Governo Federal (Secirm). A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) reúne
todas estas características, mas, como incorre em
As referências básicas para o cálculo dos Recursos gastos muito elevados com a manutenção de seu
Aplicados em Ciência e Tecnologia são o Manual hospital, somente foram aqui incorporados os seus
Frascati da OCDE (Organização para a Cooperação gastos classificados no Universo de C&T. Ao longo
e o Desenvolvimento Econômico), para as atividades dos anos, algumas outras instituições foram consi-
de pesquisa e desenvolvimento (P&D), e o Manual deradas típicas.
Estatístico da Unesco (Organização das Nações Uni-
das para a Educação, Ciência e Cultura), para as ati- Além disso, para a delimitação daquele Universo,
vidades científicas e técnicas correlatas. A identifi- utiliza-se a Classificação Funcional-Programática,
cação dos itens de despesa incorporados a seu cálculo que reúne todas as ações de governo em funções,
é feita por meio dos Manuais Técnicos de Orçamento, da programas e subprogramas, com vistas à programa-
Secretaria de Orçamento Federal (SOF), cujos Ane- ção, elaboração, execução e controle orçamentário.
xos permitem que se delimite o chamado Universo Esta classificação possibilita a identificação do Pro-
de Ciência e Tecnologia. O critério básico para sua grama Ciência e Tecnologia, que possui código 10
delimitação é o da tipicidade, isto é, são incluídas naquela Classificação, e seus subprogramas que, des-
todas as unidades orçamentárias cuja atividade-fim de logo, também são componentes do Universo de
seja considerada típica de ciência e tecnologia. En- Ciência e Tecnologia, independentemente da unida-
quadram-se nesta categoria, além das unidades orça- de orçamentária que o tenha executado. Nesta situa-
mentárias do Ministério da Ciência e Tecnologia, as ção, incluem-se os seguintes subprogramas, com seus
seguintes instituições (em 1999): Empresa Brasileira respectivos códigos:
de Pesquisa Agropecuária (Embrapa); Fundação • Pesquisa Fundamental (54);
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de • Pesquisa Aplicada (55);
Nível Superior (Capes); Instituto Nacional de Estu- • Desenvolvimento Experimental (56);
dos e Pesquisas Educacionais (Inep); Secretaria da • Informação Científica e Tecnológica (57);

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Anexo metodológico

• Testes e Análises de Qualidade (58); uma extração especial do Sistema Integrado de Ad-
• Levantamento do Meio Ambiente (59). ministração Financeira do Governo Federal (SIAFI),
realizada pelo Serviço Federal de Processamento de
A Classificação Funcional-Programática permite Dados (Serpro). Nessa extração foram apurados os
ainda a identificação de outros subprogramas que, valores executados (empenhos liquidados) mensal-
mesmo não associados ao Programa Ciência e Tec- mente. Todos os valores monetários estão expressos
nologia, são considerados do Universo de C&T. Sob em preços médios de 1999, obtidos por meio do Ín-
esta perspectiva, são incluídos os seguintes subpro- dice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGP-
gramas e sua respectiva codificação: DI), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Para esta
• Ensino de Pós-Graduação (206); atualização monetária, a execução mensal foi atua-
• Levantamentos Geológicos (292); lizada pelo índice do mês correspondente em relação
• Estudos e Pesquisas Hidrológicos (296); ao índice médio de 1999.
• Marcas e Patentes (374);
• Metrologia (375). A partir de 2000, com a aprovação do Plano Pluri-
anual (PPA), a Classificação Funcional-Programática
Alguns outros projetos/atividades, mesmo não se foi completamente alterada. Para manter a compa-
enquadrando nesta classificação, foram incorporados rabilidade da série, foi feita uma tabela de referência
a esta apuração. Poucos projetos/atividades foram entre os projetos/atividades antes existentes para as
considerados nessa situação, como, por exemplo, o ações definidas no PPA, tentando-se apropriar na
“Desenvolvimento do AM-X”, pelo Ministério da nova classificação os gastos semelhantes.
Aeronáutica. Tais situações vêm-se reduzindo ao
longo dos anos, com a correta classificação destes Os valores de 2000, foram obtidos do Balanço Geral da
projetos/atividades no Universo de C&T. União de 2000 e os de 2001 foram obtidos da Lei Or-
çamentária Anual de 2001. Apenas os valores corres-
Ressalte-se que nas informações divulgadas foram pondentes a esses dois anos estão em preços correntes.
contabilizados os recursos provenientes do Tesouro,
assim como os de outras fontes, e foram desconside- As informações para 1999 e anos posteriores não são
rados os gastos relativos ao pagamento de juros e amor- estritamente comparáveis com as demais, tendo em
tizações das dívidas interna e externa (subprogramas vista que, a partir daquele ano, foram incorporadas
33 e 34), mantendo assim o mesmo procedimento ao Ministério da Ciência e Tecnologia as instituições,
anteriormente adotado. Porém, para maior aderência listadas abaixo, que anteriormente eram subordinadas
às recomendações internacionais, foram excluídas as ao Ministério Extraordinário de Programas Especiais:
despesas previdenciárias com inativos e pensionistas • Agência Espacial Brasileira (AEB);
(programa 82), que algumas das unidades • Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN);
orçamentárias contabilizam como gastos em C&T. • Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB);
• Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep)
Para a apuração dos recursos aplicados pelo governo
federal em C&T até 1999, inclusive, foi utilizada Embora parte expressiva de suas despesas já fossem

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Projeto Diretrizes Estratégicas para Ciência, Tecnologia e Inovação

classificadas no Universo de C&T, a partir daquele (CNPq), para as duas primeiras; Secretaria de Política
ano têm sido integralmente contabilizadas no âmbito de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia
do MCT e, portanto, passaram a ser consideradas (MCT) e Superintendência da Zona Franca de Manaus
típicas de C&T. Isto implicou a ampliação, a partir (Suframa) do Ministério de Desenvolvimento, Indústria
de 1999, dos recursos aplicados pelo governo fede- e Comércio, para a Lei de Informática; a Secretaria de
ral em C&T e, principalmente, dos executados pelo Política Tecnológica Empresarial, também do MCT, para
próprio MCT. a Lei de Incentivos à P&D.

Recursos Aplicados em Ciência e Tecnologia Seus valores monetários estão expressos em preços
(C&T) pelos Governos Estaduais de 1999 e foram atualizados pelas médias anuais do
Índice Geral de Preços (Disponibilidade Interna), da
De modo geral, procedimentos semelhantes aos Fundação Getúlio Vargas.
anteriormente descritos foram utilizados para se es-
timar o montante de recursos aplicados em C&T pe- Gastos com a Pós-graduação
los governos estaduais. As diferenças mais relevan-
tes, decorrentes da indisponibilidade de informações, Para a estimativa desses gastos, foram utilizados
são as seguintes: a) a fonte utilizada foram os res- critérios específicos para as instituições federais, esta-
pectivos Balanços Gerais dos Estados; b) foram com- duais e privadas, a depender das informações dispo-
putados apenas os recursos provenientes do Tesou- níveis. No caso das instituições federais, esses dis-
ro; c) a atualização monetária para preços de 1999 pêndios foram estimados a partir dos recursos orça-
não leva em conta os desembolsos mensais: os valo- mentários executados por essas instituições, excluí-
res do balanço foram atualizados diretamente pelas dos os gastos com aposentadorias e pensões e com a
médias anuais do Índice Geral de Preços (Disponi- manutenção dos hospitais. Desse montante, tomou-
bilidade Interna) da Fundação Getúlio Vargas. se a proporção correspondente à relação entre a mas-
sa anual de vencimentos dos professores da pós-gra-
Renúncia Fiscal duação e a massa anual dos vencimentos do conjunto
dos professores.
Os valores sobre a renúncia fiscal do governo federal
referem-se aos incentivos fiscais para o desenvolvimento No caso das instituições estaduais de ensino, utili-
de atividades de P&D dispostos nas leis que concedem zou-se procedimento semelhante, mas, devido à in-
incentivos à importação de equipamentos de pesquisa disponibilidade de informações sobre as massas de
(8.010/90 e 8.032/90) na Lei de Informática (8.248/ vencimentos, a proporção considerada foi a corres-
91, para o conjunto do País, hoje reeditada como pondente à relação entre o número de professores
10.176/01, e a 8.387/91, para a Zona Franca de Ma- da pós-graduação e o número total de professores.
naus); bem como na Lei de Incentivos à P&D (8.661/ Mesmo assim, só se obtiveram informações das se-
93). As informações foram obtidas nos órgãos guintes instituições: Universidade de São Paulo
governamentais responsáveis por sua gestão: Conselho (USP); Universidade Estadual de Campinas
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Unicamp); Universidade Estadual Paulista (Unesp);

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Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ); veis, foram expandidas para o “Universo Anpei”, isto
Universidade Estadual do Norte Fluminense é, o conjunto de empresas industriais que responde-
(UENF); Universidade Estadual do Ceará (Uence); ram ao inquérito da Anpei, ao menos uma vez, desde
Universidade Estadual de Londrina (UEL); Universi- seu início, em 1993.
dade Estadual de Maringá e Universidade Estadual
do Oeste do Paraná (Unioeste). Sinteticamente, os procedimentos utilizados para rea-
lizar essa expansão foram os seguintes: inicialmente,
Para as instiuições privadas, tomou-se apenas o mon- as empresas foram classificadas em doze domínios,
tante estimado da massa anual de vencimentos dos definidos pela combinação de três estratos de tamanho
professores da pós-graduação, adotando-se como pa- e quatro agrupamentos de setor de atividade. A seguir,
râmetro para esse cálculo o valor dos vencimentos foram construídas duas matrizes: uma com o conjunto
de um professor associado da PUC-RJ. do “Universo Anpei”; outra com as informações de
cada painel amostral. As colunas dessas matrizes
Dispêndios das Empresas em C&T e P&D correspondem aos anos do levantamento (1993-99),
e as linhas, a cada um desses domínios. Em cada
Para o cálculo dos gastos empresariais em P&D e casela dessas matrizes, encontra-se o número de
C&T, utilizaram-se duas fontes de informação: a base empresas classificada em um certo domínio em
de dados da Associação Nacional de Pesquisa e De- determinado ano, seja no “Universo Anpei”, seja no
senvolvimento das Empresas Industriais (Anpei) e painel amostral. A relação entre essas matrizes gera
as estimativas de gastos das empresas de informática, uma terceira matriz, composta do que se denominou
calculadas pela Secretaria de Política de Informática de “fatores de expansão”. O produto de cada variável
(Sepin) do Ministério da Ciência e Tecnologia. do questionário utilizado por esse fator corresponde
a seu valor expandido para o “Universo Anpei”.
Para tanto, estimaram-se os gastos das empresas em
P&D e C&T do chamado “Universo Anpei” (ver Naquele questionário, há informações sobre gastos
adiante), dos quais foi subtraído o montante corres- com P&D, serviços técnicos, aquisição de tecnologia
pondente aos dispêndios das empresas de informá- e engenharia não rotineira. Para o cálculo dos gastos
tica (no caso, das beneficiárias da Lei de Informática). empresariais em P&D, levou-se em conta apenas esse
A esse valor, adicionou-se a estimativa dos gastos item específico do questionário. Para os gastos em
em P&D das empresas do setor de informática, rea- C&T, foram adicionados os dispêndios com serviços
lizada pela Sepin, obtendo-se o dispêndio empresarial técnicos e aquisição de tecnologia.
em P&D. Para se obter a estimativa dos gastos
empresariais em C&T, adicionaram-se os gastos em Como essas informações são coletadas em dólares
P&D e treinamento, calculados pela Sepin, ao obtido correntes no momento do dispêndio, esses valores
pela expansão dos resultados da Anpei. foram transformados em reais e atualizados mone-
tariamente para preços de 1999, pelas médias anuais
As informações brutas da base de dados da Anpei, do Índice Geral de Preços (Disponibilidade Interna)
oriundas de painéis de informantes anualmente variá- da Fundação Getúlio Vargas.

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