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ISSN 1413-8557
ABRAPEE 3
Psicologia Escolar e Educacional
Volume 16, No. 1, 2012
Versão impressa ISSN 1413-8557
Versão eletrônica ISSN 2175-3539
EDITORA
Marilda Gonçalves Dias Facci Universidade Estadual de Maringá – PR
EDITORA ASSISTENTE
Marilene Proença Rebello de Souza Universidade de São Paulo – SP
COMISSÃO EDITORIAL
José Fernando Bitencourt Lomônaco Universidade de São Paulo, São Paulo – SP
Mitsuko Aparecida Makino Antunes Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo – SP
Silvia Maria Cintra da Silva Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia – MG
CONSELHO EDITORIAL
Albertina Mitjáns Martinez Universidade de Brasília – DF
Acácia Aparecida Angeli dos Santos Universidade São Francisco – SP
Alacir Villa Valles Cruces Universidade Santo André – SP
Alexandra Ayache Anache Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – MS
Anita Cristina Azevedo Resende Universidade Federal de Goiás – GO
Célia Vectore Universidade Federal de Uberlândia – MG
Cristina Maria Carvalho Delou Universidade Federal Fluminense – RJ
Elenita de Rício Tanamachi Universidade Estadual Paulista – SP
Elvira Aparecida Simões de Araújo Universidade de Taubaté – SP
Eulália Henriques Maimone Universidade de Uberaba – MG
Eunice M. L. Soriano de Alencar Universidade Católica de Brasília – DF
Fátima Regina Pires de Assis Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP
Geraldina Porto Witter Universidade Castelo Branco – SP
Guilhermo Arias Beaton Universidade de Havana – Cuba
Herculano Ricardo Campos Universidade Federal do Rio Grande do Norte – RN
Iolete Ribeiro da Silva Universidade Federal do Amazonas – AM
Iracema Neno Cecílio Tada Universidade Federal de Rondônia – RO
João Batista Martins Universidade Estadual de Londrina – PR
Jorge Castélla Sarriera Pontifícia Universidade Católica do RS – RS
Leandro Almeida Universidade do Minho – Portugal
Lino de Macedo Universidade de São Paulo – SP
Lygia de Sousa Viégas Universidade Social da Bahia – BA
Luciane Maria Schlindwein Universidade Federal de Santa Catarina – SC
Maria Cristina Azevedo Rodrigues Joly Universidade São Francisco – SP
Maria Regina Maluf Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – SP
Marilena Ristum Universidade Federal da Bahia – BA
Marisa Lopes da Rocha Universidade Estadual do Rio de Janeiro – RJ
Mercedes Villa Cupolillo Centro Universitário da Zona Oeste – RJ
Regina Lúcia Sucupira Pedroza Universidade de Brasília – DF
Rita Laura Avelino Cavalcante Universidade Federal de São João Del Rey – MG
Sônia Mari Shima Barroco Universidade Estadual de Maringá – PR
Tânia Suely Azevedo Brasileiro Universidade Federal de Rondônia – RO
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Psicologia Escolar e Educacional
Volume 16, No. 1, 2012
Versão impressa ISSN 1413-8557
Versão eletrônica ISSN 2175-3539
CONSULTORES Ad Hoc
Aliciene Fusca Machado Cordeiro Universidade da Região de Joinville, Joinville - SC
Anabela Almeida Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia - MG
Arlindo José de Souza Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia - MG
Beatriz Beluzzo Brando Cunha Universidade Estadual Paulista - Assis - SP
Carla Luciane Blum Vestena Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava - PR
Carmem Silvia Rotondano Taverna Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - SP
Deborah Rosária Universidade de Mogi das Cruzes, Mogi das Cruzes - SP
Elaine Teresinha Dal Mas Dias Universidade Nove de Julho, São Paulo
Eliane Rose Maio Universidade Estadual de Maringá, Maringá - PR
Elieuza Aparecida de Lima Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília - SP
Elsa Maria Mendes Pessoa Pullin Universidade Estadual de Londrina, Londrina - PR
Fabián Javier Marín Rueda Universidade São Francisco, Itatiba - SP
Flávia Cristina Silveira Lemos Universidade Federal do Pará, Belém - PR
Helena de Ornellas Sivieri Pereira Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba - MG
Jorge Artur Peçanha de Miranda Coelho Universidade Federal de Alagoas, Maceio - AL
José Aloyseo Bzuneck Universidade Estadual de Londrina, Londrina - PR
José Roberto Montes Heloani Universidade Estadual de Campinas, Campinas - SP
Katya Luciane de Oliveira Universidade Estadual de Londrina, Londrina - PR
Leila Maria Ferreira Salles Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Rio Claro - SP
Leon Crochik Universidade de São Paulo, São Paulo - SP
Lineu Nório Kohatsu Universidade de São Paulo, São Paulo - SP
Luis Carlos Avelino da Silva Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia - MG
Lygia de Souza Viégas Faculdade São Bento da Bahia, Salvador - BA
Marco Antonio Pereira Teixeira Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS
Maria Julia Lemes Ribeiro Universidade Estadual de Maringá, Maringá - PR
Maria Lucia Boarini Universidade Estadual de Maringá, Maringá - PR
Maria Suzana de Stefano Menin Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Presidente Prudente - SP
Marie Claire Sekkel Universidade de São Paulo, São Paulo - SP
Marilena Ristum Universidade Federal da Bahia, Salvador - BA
Neusa Lopes Bispo Diniz Prefeitura Municipal de Campinas, Campinas - SP
Nilma Renildes da Silva Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Bauru - SP
Odair Furtado Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo - SP
Paulo Rennes Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Araraquara - SP
Raul Aragão Martins Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, São José do Rio Preto - SP
Ricardo Wagner Machado da Silveira Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia - MG
Rita de Cássia Vieira Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte - MG
Rosane Gumiero Universidade Estadual de Maringá, Maringá - PR
Roseli Fernandes Lins Caldas Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo - SP
Sérgio Antonio da Silva Leite Universidade Estadual de Campinas, Campinas - SP
Sergio Vasconcelos de Luna Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo - SP
Sylvia da Silveira Nunes Universidade Federal de Itajubá, Itajubá - MG
Sueli Édi Rufini Universidade Estadual de Londrina, Londrina - PR
Taís Fim Alberti Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria - RS
Vera Socci Universidade de Mogi das Cruzes, Mogi das Cruzes - SP
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Psicologia Escolar e Educacional
Volume 16, No. 1, 2012
Versão impressa ISSN 1413-8557
Versão eletrônica ISSN 2175-3539
Quadrimestral: 1996-1999.
Semestral: 2000-
ISSN 1413-8557
Apoio:
Psicologia Escolar e Educacional is a journal, associated to the Brazilian Association of Educational and School
Psychology (Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional - ABRAPEE), for the communication and
debate of the scientific production in its area of specificity. Its objective is to provide a medium for the presentation
of the latest research in the field of Educational and School Psychology, for spreading knowledge, which is being
produced in the area, as well as updated information to psychologists and other professionals in correlated areas.
Original papers, which report studies related to Educational and School Psychology may be considered for publication,
including, among others: basic processes, experimental or applied, naturalistic, ethnographic, historic, theoretical
papers, analyses of policies, and systematic syntheses of research, and also critical reviews of books, diagnostic
instruments and software. As a means of establishing an interchange among peers, as well as people who are
interested in Educational and School Psychology, it employs a double blind review by peers and it is published
semiannually. Its contents do not, in any way, reflect the positions, opinions or philosophy of the Brazilian Association
of Educational and School Psychology. Copyrights on the publication of the Journal of Educational and School
Psychology are property of the Brazilian Association of Educational and School Psychology, and each author will only
be allowed to reproduce his or her own material, with prior permission from the Editorial Board. Texts in Portuguese,
Spanish, French, and English are published.
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8 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional (ABRAPEE) ● Volume 13, Número 1, Janeiro/Junho de 2009
Psicologia Escolar e Educacional
ISSN 1413-8557
Editorial
Artigos
Papers
Publicaciones
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61 Estímulo à criatividade por professores de matemática e motivação do aluno
Stimulating creativity of teachers of mathematics and student motivation
Estímulo a la creatividad por profesores de matemática y motivación del alumno
Alessandra Barbosa Nunes Otaviano
Eunice Maria Lima Soriano de Alencar
Cláudia Cristina Fukuda
71 Educadores e a morte
Educator in face of death
Educadores y la muerte
Maria Júlia Kovács
10
135 Para uma crítica da medicalização na educação
For a critique of medicalization in education
Para una crítica de la medicalización en la educación
Marisa Meira
Resenha
Review
Reseña
História
History
Historia
11
Informativo
Informative
12
Editorial
Este ano estamos comemorando 50 anos de regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil. Meio
século nos conduz a várias reflexões, frutos da maturidade. Tal como um bebê que vem ao mundo e precisa do apoio
da mãe ou de um adulto que o acolha e lhe mostre os primeiros caminhos, demos os primeiros passos, no âmbito
educacional, vinculados à medicina e à psicometria, assim como estivemos presente nas primeiras Escolas Normais.
Nossa função inicial foi classificar e selecionar alunos que não estavam aprendendo na escola e,
durante os nossos primeiros anos de infância, cumprimos muito bem tal tarefa, contribuindo, em muitas situações, para
a disseminação do preconceito em relação aos filhos das classes trabalhadoras. No entanto, as contradições presentes
na realidade nos levaram a questionar esse modelo de atendimento e então percebemos o quanto a instituição escolar
reproduz a ideologia dominante, podendo contribuir para a alienação e a perpetuação da divisão de classes. Konder
(1983) assinala que os homens adotam, em suas vidas, determinadas formas de representação da realidade e que, a
partir “dessas maneiras de avaliar as coisas, os seres humanos criam suas escalas de valores: convencem-se do que
devem esperar da vida, de como devem viver e de quais são os objetivos que devem perseguir com prioridade em suas
respectivas existências” (p. 68). A Psicologia estava bem intencionada, mas não se dava conta de que a ideologia estava
guiando sua forma de compreensão e intervenção na realidade.
Na transição da adolescência para a vida adulta, em uma sociedade brasileira que começou a deixar
de se calar depois da repressão sentida após a revolução de 1964, o trabalho de Maria Helena de Souza Patto (1987)
“Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar” trouxe elementos para que pudéssemos compreender
a escola e os problemas de escolarização a partir das condições histórico-sociais que os produzem. Na década de
1980-90, já mais experiente e com um número maior de pesquisas e consolidação de intervenções em uma perspectiva
crítica, a Psicologia nos brindou com a possibilidade de pensar-se como Ciência para além da vertente tradicional que
individualiza e patologiza problemas de ordem social. Chegamos, finalmente, à maturidade, cujas conquistas ainda
precisam ser melhor incorporadas, tanto pelos próprios profissionais como pela população em geral. Teimamos algumas
vezes em repetir práticas já questionadas – como, por exemplo, a medicalização de supostos distúrbios de aprendizagem,
o atendimento clínico na escola, a culpabilização da criança, família ou professor pelo fracasso escolar –, que atendem
aos ditames do capital e, como afirma Mészaros (2001/2006), reafirmam a ideologia das conquistas e responsabilidades
individuais pelo fracasso ou o êxito na escola. Mas, por outro lado, vislumbramos a possibilidade de desenvolver práticas
e produzir textos que caminham na contramão de tais posturas, buscando apoiar iniciativas e trabalhos na escola que
primam pela emancipação humana.
Nestes anos de maturidade, além das problemáticas já apresentadas, frutos de um modelo de gestão
toyotista, temos um novo embate na produção teórica: a contraposição ao produtivismo que está sendo constantemente
exposto quando se trata da publicação das pesquisas. A cobrança e ânsia de produzir cada vez mais, a rapidez exigida
em um modelo calcado pela flexibilização e o excesso de trabalho em contradição com o desemprego estão na agenda
da Psicologia para continuar a explicar o sofrimento e o processo de alienação que vêm acometendo o trabalhador desde
a divisão do trabalho. Sofrimento que circula entre os alunos que não aprendem e professores que não conseguem
ensinar. Dilemas antigos a serem enfrentados nos próximos anos.
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Peço desculpas aos leitores por fazer um editorial mais reflexivo, mas quando estamos fazendo 50 anos
(eu e a profissão), é impossível não pensar no passado e vislumbrar o futuro. O sentimento que tenho agora é de grandes
conquistas para a área e de uma avalanche de questionamentos que nossa ciência terá que responder, nesse processo
de transformação da realidade que os homens estão realizando por meio do trabalho. Convido, portanto, todos a refletir,
com os autores deste número da Revista, sobre o homem, em seu processo de sobrevivência e busca de uma sociedade
mais igualitária.
Boa leitura.
Referências
Konder, L. (1983). Marx: vida e obra. (6 ª ed.). São Paulo: Paz e Terra.
Mészáros, I. (2006). O Século XXI: socialismo ou barbárie? (P. C. Castanheira, Trad.) São Paulo: Boitempo. (Trabalho
original publicado em 2001)
Patto, M. H. S. (1987). Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar. São Paulo: T. A. Queiroz.
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A queixa escolar na perspectiva de educadores da
Educação Especial
Resumo
O presente estudo trata da queixa escolar no que se refere às concepções de educadores sobre as dificuldades de aprendizagem de alunos com
deficiência intelectual que frequentam escolas especiais (APAEs), com a finalidade de verificar se existe a queixa escolar nestas escolas, e caso
exista, que concepções a permeiam, quais as possíveis causas atribuídas a esse fato imbricadas no ensino de tais alunos. Foram entrevistados
21 educadores pertencentes a três escolas especiais localizadas no Estado do Paraná. Os resultados apontam um processo de naturalização
da queixa escolar, com a compreensão de que esses alunos têm deficiência e não dificuldades de aprendizagem enquanto incapacidade para
o aprendizado dos conhecimentos científicos, desconsiderando a inadequação das mediações, a má qualidade do ensino e a rede de relações
envolvida. Os educadores geralmente fundamentam suas visões em um paradigma biologicista, reduzindo o desenvolvimento a um processo
natural e inato.
Palavras-chave: Dificuldades escolares, psicologia histórico-cultural, educação especial.
In this study we examine school complaint from the perspective of Professional in Education when referring to the learning difficulties of students
with intellectual disabilities who attend special schools (APAEs). We propose to investigate whether there is school complaints in these schools,
and if so, what are the conceptions that permeate it, what are the causes attributed to this fact that intertwined in teaching such students. We
interviewed 21 teachers from three special schools in the State of Paraná. The results show a naturalization process of learning difficulties, with
the understanding that these students have disabilities and learning difficulties as inability to learn the scientific knowledge, disregarding the
inadequacy of mediations, the poor quality of teaching and the network of relationships involved . Educators often base their views on a biological
paradigm, reducing the development to a natural and innate process.
Keywords: Learning disabilities, historical-cultural psychology, special education.
El presente estudio trata de la queja escolar en lo que se refiere a las concepciones de educadores sobre dificultades de aprendizaje de
alumnos con deficiencia intelectual que frecuentan escuelas especiales (APAEs). La finalidad fue de verificar si existía queja escolar en estas
escuelas, y caso existiera, que concepciones la atraviesan, cuales las posibles causas atribuidas a este hecho entrelazadas en la enseñanza de
tales alumnos. Se entrevistaron 21 educadores pertenecientes a tres escuelas especiales localizadas en el Estado de Paraná. Los resultados
señalan un proceso de naturalización de la queja escolar, con el entendimiento de que los alumnos tienen discapacidades, y no dificultades de
aprendizaje, como incapacidad para aprender conocimientos científicos, desconsiderando la falta de adecuación de mediaciones, la mala calidad
de la enseñanza y la red de relaciones involucrada. Los educadores generalmente fundamentan sus visiones en un paradigma biologicista,
reduciendo el desarrollo a un proceso natural e innato.
Palabras Clave: Dificultades escolares, Psicología Histórico-Cultural, Educación Especial.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 15-23. 15
Introdução ser assimilados pelos indivíduos para a sua humanização,
e sobre as formas mais adequadas de se concretizar esse
As relações estabelecidas numa sociedade organiza- objetivo, pois é por meio de um ensino de qualidade que os
da no modo de produção capitalista e com sustentação nos alunos terão melhores condições de se apropriar da cultura
arcabouços teórico-filosóficos do neoliberalismo, que leva à historicamente construída.
veiculação de concepções pautadas no sucesso e fracasso Ao se considerar a educação escolar como funda-
por conta de atributos individuais, têm norteado as políticas mental para a apropriação da cultura produzida, cabe ques-
no âmbito da Educação Escolar (Patto, 1990). Nessa pers- tionar a educação e, dentro desta, a Educação Especial,
pectiva, nossa sociedade vem sendo marcada por relações discutindo-se as formas e condições de ensino oferecidas
de desigualdade de classes e de exclusão, na medida em às pessoas com deficiência e às que aprendem diferente-
que se privilegia uma minoria dominante em detrimento da mente, por nem sempre lhes possibilitarem o aprendizado
maioria, que é privada de condições de vida humana dig- escolar. Tais condições de ensino podem concentrar nessas
nas. Entre essas inapropriadas condições encontra-se uma pessoas o estigma de fracasso e incapacidade, de maneira
educação escolar historicamente marcada pelo fato de nem a não ser possível à escola cumprir sua função de socializa-
todos terem acesso a ela e por sua baixa qualidade. ção do conhecimento elaborado e sistematizado.
Produto disso é o crescente número de pessoas que Laplane (2006) discute que tais práticas vêm ao
compõem os chamados fracassos escolares, a que muitas encontro da organização de nossa sociedade, que respon-
vezes se agrega uma série de dificuldades e fracassos que sabiliza o indivíduo pelo seu sucesso ou eventual fracasso.
são construídos no bojo dessa sociedade, mas explicados A educação não foge a isso, já que está envolvida nesse
como individuais. Por isso, ante a problemática da queixa e processo de construção. Resta saber como ocorrem tais re-
do fracasso escolar, não raras vezes os estudos desconsi- lações no interior da Educação Especial, como o aluno que
deram as condições históricas, sociais, políticas e econômi- apresenta dificuldades vem sendo percebido e que concep-
cas envolvidas no processo de produção de tal problemática ções e explicações sobre a queixa escolar fundamentam o
(Laplane, 2006; Machado, 1997), interpretando o fenômeno trabalho dos educadores das escolas especiais.
a partir de uma ideia de anormalidade (de que falta algo ao L. S. Vigotski1 (1896-1934), teórico que escreveu em
aluno) que permite taxar os alunos de “fracassados”, sujeitos outra época e outra sociedade e liderou a Psicologia Histó-
“incapazes” ou portadores de problemas psiconeurológicos. rico-Cultural, questionou a percepção da deficiência como
Ao tratar do fracasso escolar, Patto (1990) faz um reduzida à limitação naturalizadamente quantitativa do seu
trabalho de análise crítica de teorias da década de 1980 con- desenvolvimento e defendeu como tese básica acerca da
sideradas ideologizantes. Seus estudos questionavam as deficiência (que denomina de defectologia) que uma criança
explicações de natureza psicologicista e biologicista que de- cujo desenvolvimento é dificultado pelo seu “defeito” não é
finiam o fracasso da escola (o não aprender dos alunos) por menos desenvolvida que as crianças ditas normais, mas,
meio de avaliações auxiliadas pelo uso extremo de padrões simplesmente, é desenvolvida de outro modo, ou seja, de
de medida, buscando substituí-las por teorias difundidas a um modo peculiar.
partir da década de 1960 que justificavam o fracasso escolar O autor aponta que não é especificamente a deficiên-
pela carência afetiva e cultural e colocavam a pobreza como cia em seu aspecto biológico, orgânico, que atua por si mes-
fator determinante. ma, e sim o conjunto de relações que o indivíduo estabelece
A autora considera o fracasso escolar uma produção com o outro e com a sociedade por conta de tal deficiência.
histórico-social da ação humana, resultante de uma socie- Assim, para Vygotski (1997), a participação e os papéis
dade que desvaloriza as condições econômicas e sociais sociais atribuídos às pessoas com deficiência são vincula-
dos alunos empobrecidos da escola pública e se caracteriza dos às percepções deterministas de seu desenvolvimento.
por desigualdades sociais e educacionais entre grupos e Com isso, as consequências sociais do defeito percebido é
classes decorrentes da inadequação da escola e de sua má que decidem o destino da pessoa com deficiência. O autor
qualidade. fundamenta-se na perspectiva de que a pessoa com defici-
Nesse processo de produção do fracasso escolar ência é também detentora de potencialidades e de que, se
solidificam-se naturalizações e vão se criando categorias e as devidas condições de aprendizagem (com os recursos
modalidades de ensino que preenchem as lacunas do insu- especiais) lhe forem oferecidas, se lhe oportunizarem ade-
cesso escolar. Assim, passa a ser aceitável e recomendável quadamente a apropriação da cultura histórica e socialmen-
que uma criança que não esteja indo bem na escola fre- te construída, ela terá movimentadas as suas possibilidades
quente uma classe ou escola especial, ou mesmo que passe de se desenvolver e realizar compensações do “defeito”.
a ser denominada de deficiente, hiperativa, disléxica etc. A Defende a perspectiva da pessoa com deficiência com uma
partir destas categorizações e segregações educativas, as visão para além de organicista, de fato materializada nas
expectativas de aprendizagem passam a ser muito peque- condições objetivas de vida.
nas, de tal modo que não aprender torna-se algo natural.
Por isso, na compreensão de Saviani (2005), é pre-
1 Nas leituras realizadas foi possível perceber que Vigotski é grafado
ciso que façamos uma leitura crítica sobre a educação, de de diferentes formas. Então adotaremos essa grafia, salvo em caso
modo a percebermos os elementos culturais que necessitam de referência e citação.
16 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 15-23.
Assim, pode-se concluir que o modo como a orga- ficientes intelectuais variava entre dois e quarenta anos (a
nização da Educação Especial e do ensino que esta em- maioria tinha entre cinco e quinze anos de trabalho nesta
preende foi sendo constituída ao longo da história ocorreu modalidade de ensino).
conforme se organizavam os fatores socioeconômicos
determinantes de cada época. Esses fatores delimitavam e Material
delimitam em cada momento o tipo de atendimento, os con-
ceitos e as relações estabelecidas com a deficiência. Deste Os materiais utilizados para a realização da pesqui-
modo, na queixa escolar, a deficiência precisa ser analisada sa foram os seguintes: documento de anuência da escola,
e compreendida no interior da sociedade que se desenvol- termo de consentimento livre e esclarecido, ficha de identifi-
ve, no desvelar das leis que a produzem e das contradições cação dos participantes, ficha de identificação da instituição,
ideológicas presentes. roteiro de entrevista e gravador.
Não obstante, embora vivamos sob a égide histórica
de um movimento de inclusão escolar, a escola especial ain- Procedimentos
da se constitui atualmente como o “lugar” da deficiência in-
telectual, o que nos leva a refletir sobre a educação especial Primeiramente procedemos às visitas às APAEs, a
oferecida a essas pessoas e buscar compreendê-la na pers- fim de pontuar os aspectos fundamentais, objetivos e pro-
pectiva da queixa escolar, ou seja, a partir das dificuldades cedimentos da pesquisa, bem como a importância da par-
identificadas pelos educadores no tocante ao rendimento ticipação da escola. Em seguida entregamos à direção o
escolar que interferem no processo ensino-aprendizagem. documento de anuência da escola, solicitando a autorização
Nesta tessitura, buscamos verificar se existe a produção da para a construção das informações da presente pesquisa e
queixa escolar na Educação Especial (APAEs – Associação explicitando que o documento assinado pela direção seria
de Pais e Amigos dos Excepcionais) e, caso exista, iden- apresentado ao Comitê Permanente de Ética em Pesquisa
tificar como os educadores das APAEs a concebem e as Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de
possíveis causas a ela atribuídas. Maringá.
Enfim, buscamos entender se os alunos que frequen- A partir do parecer favorável deste Comitê, realiza-
tam essa modalidade de ensino são vistos como pessoas mos o contato com as participantes da pesquisa na própria
com capacidade para aprender, desenvolver-se, humanizar- escola em que trabalham, a fim de explicar os objetivos e
-se, e se nas relações de ensino-aprendizagem são assim procedimentos a ela concernentes e apresentar o termo
considerados ou se suas dificuldades são tidas como di- de consentimento. Após a anuência das participantes, foi-
retamente relacionadas às suas “limitações/deficiências/ -lhes entregue a ficha de identificação com o intuito de obter
anormalidades/carências”, pois entendemos que essa é informações de ordem pessoal (idade, sexo, escolaridade,
uma condição necessária para haver investimento em sua formação) e profissional (experiência profissional, atuação
aprendizagem. atual), a qual foi por elas preenchida. Em seguida, foi re-
Considerando essas informações e discussões, este alizada com elas a entrevista, que se apoiou num roteiro,
texto se fundamenta na abordagem histórico-cultural, a qual, procurando abranger os objetivos inicialmente propostos
por sua vez, ampara-se nos fundamentos do Materialismo pela pesquisa.
Histórico-Dialético, que tem como base central a compre- Destacamos que para a organização das informa-
ensão do homem como um ser social, histórica, cultural e ções obtidas por meio das entrevistas foi utilizada a análise
economicamente constituído nas interações que estabelece de conteúdo. Segundo Rocha e Deusdará (2005), a análise
com a sua realidade social. de conteúdo consiste em captar uma mensagem que está
por trás da superfície textual, sendo utilizada para o trata-
mento de dados com vista a identificar o que está sendo
Método dito a respeito de determinado tema. Na análise de conteúdo
empregou-se, entre as técnicas possíveis, a análise catego-
rial para trabalhar com as informações das entrevistadas. No
Participantes presente caso, realizamos uma leitura minuciosa, buscando
evidenciar os elementos de destaque em cada item proposto
Participaram desta pesquisa vinte e uma educadoras no roteiro da entrevista para assim construir as categorias
(professoras e coordenadoras) de três escolas especiais – de análise.
APAEs localizadas no interior do Paraná (sete de cada esco- A fim de facilitar e possibilitar uma melhor visua-
la), formando os grupos G1, G2 e G3. As idades das partici- lização, as informações foram agrupadas em tabelas e,
pantes variavam entre 29 e 61 anos, sendo que a maioria se posteriormente, no intuito de compreendê-las e analisá-las
encontrava na faixa etária dos 32 aos 40 anos. Quanto ao dentro da realidade engendrada, no sentido de apreender as
grau de escolaridade, todas têm curso superior, dezessete determinações constitutivas das relações entre as partes e a
educadoras fizeram especialização em Educação Especial totalidade, apoiamo-nos também nos fundamentos teóricos
e quatro delas fizeram estudos adicionais em deficiência trazidos no referencial bibliográfico deste trabalho.
intelectual. Seu tempo de experiência na educação de de-
Queixa escolar e Educação Especial * Solange Pereira Marques Rossato & Nilza Sanches Tessaro Leonardo 17
Resultados e Discussões ticipantes sobre a queixa escolar referem-se às seguintes
categorias: Não respondeu à questão (33,3%); dificuldade
Para as discussões pretendidas neste texto, primeira- específica que o aluno tem (18,5%); O aluno que tem mais
mente nos apoiamos no item investigado junto às participan- dificuldade em assimilar, reter e/ou registrar os conhecimen-
tes “Compreensão acerca da queixa escolar”, a respeito do tos, e/ou em fazer elaborações mais complexas (14,9%).
qual foi solicitado que expusessem como entendem a queixa Além destas, outras categorias com um percentual menor
no seu cotidiano escolar. A partir daí foram construídas as de respostas compuseram a tabela.
categorias que se encontram na tabela 1. Em seguida nos Numa análise como um todo, é possível perceber que
ativemos a outro item “Possíveis causas da queixa escolar”, houve uma significativa variedade nas respostas das parti-
em que as participantes falam da origem das dificuldades cipantes - o que pode ser considerado como uma falta de
interferentes no processo de escolarização, o que culminou convergência de entendimentos quanto ao que lhes parece
nas categorias da tabela 2. representar a queixa escolar, ou ainda que essa expressão
não é corriqueiramente utilizada na práxis das instituições
em questão, mas sim nas escolas de ensino regular. Por
Compreensão dos participantes acerca da queixa outro lado, pode indicar ainda uma possível naturalização
escolar dos problemas evidenciados no seu cotidiano, vistos como
algo comum aos alunos atendidos nas suas escolas e não
As informações contidas na tabela 1 revelam que as como um fenômeno à parte, diferencial.
categorias prevalentes no tocante à compreensão das par-
Categorias G1 G2 G3 Total
F % F % F % F %
1 - Não respondeu à questão - - 4 44.4 5 62.5 9 33.3
Nota: As porcentagens foram calculadas a partir do total de respostas referentes às distintas categorias e não a partir
do número de participantes.
18 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 15-23.
Os apontamentos referidos nos levam a pensar, em estar comprometido seu processo de leitura e escrita, às
paralelo, na categoria “Não respondeu à questão” (33,3%). dificuldades generalizadas, acentuadas e ao mesmo tempo
Este “silenciar-se” diante da queixa pode indicar que as edu- específicas de cada aluno.
cadoras não têm as ferramentas para compreendê-la, ou Tais evidências estão expressas nas seguintes ca-
mesmo para identificá-la no cotidiano escolar. tegorias: Dificuldade específica que o aluno tem (18,5%);
Assim, nesta, as educadoras expressaram suas limi- Aluno que tem mais dificuldades em assimilar, reter e/ou
tações em referir o que entendiam sobre queixa escolar e registrar os conhecimentos e/ou em fazer elaborações mais
as dificuldades de aprendizagem. Com isso suas respostas complexas (14,9%); Quando se trabalha com os alunos e
ora vinham para justificar as dificuldades dos seus alunos, não se obtêm resultados (7,4%); Dificuldade de aprendiza-
ora para falar do lugar da queixa no ensino regular, ora para gem decorrente do comportamento inadequado da criança
explicitar sua presença no cotidiano escolar da Educação (7,4%).
Especial, mas não corporificada como tal. “[...] Eu acho que Sob esta lógica, centra-se no indivíduo toda a proble-
é um grupo de assuntos que os profissionais na área fazem mática escolar, como se fosse possível explicar os fracassos
comentários sobre isso, né? [...]” (P2/G2). A queixa aparece a partir das próprias características, desmembrando-se o
mais na perspectiva de um relato comum do cotidiano esco- individual do social. Desse modo, é consolidada a crença
lar, como algo mais natural e não com uma conotação pro- de que o sucesso ou o fracasso individual são consequên-
priamente de problema, ou de algo que se apresente para cia direta das diferenças individuais (Patto, 1990), as quais
além do esperado e surpreenda. São lamentos que ressoam afloram principalmente quando estamos diante do ensino de
em seu cotidiano, mas não se problematizam, por isso não conteúdos que não fazem sentido para o aluno, mas cuja
avançam. não aprendizagem é tomada como incapacidade deste para
Tais informações podem apontar para uma cristali- deles se apropriar.
zação e homogeneização do não aprender do aluno com Dentro dessa tendência a individualizar as relações
deficiência intelectual da Educação Especial, ou para a so- de ensino-aprendizagem, Padilha (1994) explica que a
lidificação do mito de que o aprender é próprio a um tipo de queixa escolar surge na medida em que as crianças não
aluno ideal, que – é claro!... – se encontra longe dos alunos correspondem às expectativas de aprendizagem da esco-
objeto desta pesquisa. Sobre isso, Patto (1990) nos traz que la, levando a várias possibilidades de explicação, embora
a escola ensina de acordo com modelos considerados ade- muitas vezes essas possibilidades se reduzam a teorias que
quados à aprendizagem de um aluno tido como intelectual cingem o processo escolar ao aluno que não está apren-
e biologicamente ideal, e aqueles que não correspondem dendo, deixando de considerar os fatores intraescolares e
a tais ideais mostram ter problemas de aprendizagem em o conjunto de relações que constituem o cotidiano escolar.
razão de suas disfunções psiconeurológicas. Uma análise Em sentido contrário a essas explicações centradas
nesse sentido exclui o complexo universo de questões ins- nas pessoas específicas, Vygotski (1997) considera que é
titucionais, políticas e individuais componentes do cotidiano nas relações sociais estabelecidas pelo indivíduo com o
escolar que levam ao seu fracasso. É preciso contextualizar mundo exterior que têm origem as formas superiores de
no âmbito de um processo maior a questão do desempenho comportamento, de modo que sua existência e desenvolvi-
escolar desses alunos, haja vista que é construída social- mento se concretizam nas relações sociais. Com isso, não
mente, e não apenas biologicamente. é possível as explicações das dificuldades de aprendizagem
Ao analisar tais questões, consideramos os ideais de uma criança “caberem” dentro dela mesma.
da sociedade, que classifica e valoriza alguém como bom Não se trata de negar a relação entre o fato de o
aluno pelas suas condições emergenciais de corresponder aluno vivenciar seus aspectos biológicos e as dificuldades
aos requisitos de desenvolvimento “adequado” num tempo e que ele encontra em acompanhar o aprendizado, mas sim
espaço determinados. de considerar que as relações escolares contribuem para
Assim, refletimos sobre a necessidade de romper modificar esses aspectos, recriando as possibilidades e li-
com preconceitos e estereótipos que contribuem para a mitações trazidas ou construídas nesse complexo processo
crença de que as pessoas com deficiência intelectual são da vida diária da escola (Proença, 2004); no entanto, como
incapazes, ou mesmo que contêm em si seu próprio ani- esclarece Saviani (2009, p. 227), “(...) é preciso levar em
quilamento. É preciso considerar e fazer movimentar as conta que só se transforma alguma coisa a partir das condi-
possibilidades de desenvolvimento das funções psíquicas ções existentes”.
superiores dessas pessoas. Por outro lado, na reflexão sobre as categorias, pude-
Em relação às informações categorizadas, identifica- mos encontrar nas escolas, reveladas nos questionamentos,
mos que a compreensão das participantes acerca da queixa preocupações das educadoras que ultrapassam a instância
escolar nas escolas especiais pesquisadas está geralmente de aluno-problema e avaliam os fatores intraescolares que
relacionada ao aluno, às dificuldades que este apresen- interferem na questão (11,1%). Assim, é importante também
ta quanto à sua aprendizagem, bem como às alterações considerar as categorias: Dificuldade de aprendizagem
de comportamento. Referem-se à falta de avanço desses associada à prática pedagógica (7,4%) e Dificuldade de
educandos em seu aprendizado, a estes não conseguirem aprendizagem em decorrência de uma falha no processo de
acompanhar, a não reterem e registrarem os conteúdos, a escolarização (3,7%). Desse modo, refletimos sobre o papel
Queixa escolar e Educação Especial * Solange Pereira Marques Rossato & Nilza Sanches Tessaro Leonardo 19
Tabela 2. Possíveis causas da queixa escolar.
Categorias G1 G2 G3 Total
F % F % F % F %
Nota: As porcentagens foram calculadas a partir do total de respostas referentes às distintas categorias e não a partir
do número de participantes.
do educador e sobre o trabalho por ele realizado, bem como Por fim, salientamos que a compreensão da quei-
sobre as relações estabelecidas dentro do âmbito escolar, xa escolar requisita a articulação das relações da história
elementos que representam a necessidade de apreensão de pessoal com a história escolar da criança, constituídas num
outras referências, além de incutirem no aluno as evidências contexto histórico-cultural e econômico-social.
de “sua” não aprendizagem.
Quanto à sua relevância, essas respostas vêm ao
encontro dos teóricos Vygotsky e Luria (1996), os quais en- Possíveis causas da queixa escolar
fatizam o papel do educador, que, ao agir como mediador,
atua na zona de desenvolvimento proximal, ou seja, ele par- Ao analisarmos a tabela 2, verificamos que as infor-
te do que a criança já conhece e oferece condições para que mações nela contidas apontam que a maioria das respostas
ela alcance um nível de desenvolvimento mais autônomo e se relaciona a aspectos individuais. Tais aspectos ora são
passe a desenvolver habilidades humanas específicas, as elencados na pessoa com deficiência (no seu orgânico, na
funções psicológicas superiores, já que a aprendizagem é má alimentação, na deficiência intelectual, na sua saúde, no
um aspecto necessário e universal do processo de desen- seu interesse, no seu comportamento, nas suas inúmeras
volvimento dessas funções. faltas e falhas), ora na família (por não estimular em casa
Nessa perspectiva, dada a importância do ensino para etc.), ora no professor (por não utilizar as metodologias
o desenvolvimento da pessoa com deficiência intelectual e adequadas). Essas informações (centradas no sujeito, em
para formação e desenvolvimento de suas potencialidades, suas características ou ações específicas) são condizentes
é mister considerarmos a qualidade das mediações no tra- com as das categorias da tabela 1, quando as participantes
balho com elas realizado, fazendo desse modo o transporte revelam a sua compreensão sobre a queixa escolar, descon-
do olhar da “deficiência do aluno” para a possibilidade de siderando a dimensão da totalidade e as relações existentes
“deficiência do ensino”. dentro e fora do contexto escolar. Essa culpabilização e
Por outro lado, quando as entrevistadas colocam generalização estão muito presentes em seus relatos, como
a questão da técnica de ensino do educador articulada às pode ser observada na seguinte fala: “[...] eu acho que é um
dificuldades de aprendizagem de seus alunos, elas já não problema deles mesmo, né, cognitivo, o grau de comprome-
situam o foco nos seus problemas individuais, mas estão timento, e o histórico familiar. É difícil, né, eles vêm tem dias
levando em conta a escola na produção da queixa escolar, para escola e não tão bem, estão com problemas em casa,
ainda que sob o risco de se limitar a uma escola abstrata, ou aí você vai tentar conversar [...]” (P6/G2).
seja, desvinculada da sociedade em que se insere. De acor- Neste momento consideramos importante retomar-
do com Angelucci, Kalmus, Paparelli e Patto (2004), desse mos as considerações de Patto (1997) sobre a produção
modo continuamos a compreender a queixa escolar como do fracasso escolar, ao expor que a partir de uma aborda-
resultado de variáveis individuais, mudando apenas o ator gem psicologista a explicação para este está vinculada às
social e mantendo o mesmo cenário. Então a questão deve diferenças e méritos individuais, à capacidade orgânica de
ser cuidadosamente avaliada, para não realizarmos apenas aprender dos alunos, a aspectos neurológicos, à deficiência
um deslocamento de culpabilizações. intelectual etc. Desse modo, produz-se uma depreciação da
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capacidade cognitiva, mascarando uma compreensão social cioeconômica, e ao mesmo tempo revelando as realidades
mais ampla do fracasso escolar. Não há a compreensão familiares contextualizadas numa sociedade de classes que
de que os problemas escolares estão intrinsecamente re- prima pelo mérito individual e impõe às famílias explicações
lacionados com a sociedade e de que é necessário rever que seriam históricas, culturais e econômicas.
a educação por esta promovida, a qual serve às ideologias Em referência à atribuição a causas individuais de
presentes em nossa sociedade de classes. Uma concepção problemas que envolvem uma complexa rede, podemos
diferenciada deveria fornecer uma visão não dicotômica do fazer alusão a Bray (2009), cujo estudo acerca das quei-
homem e da sociedade. xas escolares em escolas regulares públicas e privadas no
Foi possível encontrar nas respostas das participantes interior do Paraná verificou que cerca de 90% das respos-
agrupadas na categoria Aluno (36,1%), explicações causais tas dos educadores sobre as causas das dificuldades de
que fazem referência ao biológico, a problemas relacionados aprendizagem dos alunos diziam respeito a esse processo
com a saúde, com a alimentação. Nesse prisma, recorremos de culpabilização e explicação reduzidas ao indivíduo (ao
a Pessoti (1984), o qual, em seus estudos, verificou que o aluno e à sua família).
enfoque organicista esteve (neste caso podemos verificar Assim, nas duas realidades de ensino (especial e
que ainda está) fortemente presente na história da evolução regular) são ocultadas reflexões críticas referentes ao que
do conceito de deficiência intelectual, ocorrendo o que o au- ocorre nas relações produzidas no interior das escolas.
tor denomina de ditadura médica. É importante rompermos Evidencia-se ainda que tais instituições escolares, inseridas
com a postura organicista no que tange ao seu fatalismo. numa mesma sociedade, revelam gratuitamente sua comu-
Não concordamos em legitimar qualquer distúrbio no aluno nhão com os preceitos da ideologia neoliberal, requerendo
antes de verificar como está ocorrendo sua experiência es- a adequação do indivíduo à sociedade e às suas deman-
colar; e mesmo que sejam encontradas deficiências neste das, e a sua consequente culpabilização pelo insucesso ao
aluno, a totalidade da complexidade envolvida nas relações não consegui-lo “adequada e normalmente”. Meira (2003)
escolares de ensino-aprendizagem deve ser considerada e, acrescenta que isso reflete o processo de psicologização e
inversamente, não restrita a um inadequado biológico. patologização dos problemas educacionais.
Diante dos relatos das participantes percebemos uma Assim, essa tendência ideológica de tentar descon-
valorização do biológico em detrimento do social como prin- textualizar a dificuldade de aprendizagem da esfera escolar
cipal fator do desenvolvimento da pessoa com deficiência. e social vem ao encontro do que expressa um dos partici-
De fato, o biológico não deixa de ser importante neste caso pantes: “[...]Eu não vejo [...] que a maioria dos casos que
das pessoas com deficiência intelectual, pois, de acordo com eu tenho é por algum comprometimento, por uma questão
Vigotski (1996), no início da vida os fatores biológicos de- pedagógica, nem um caso que eu tenha, porque a gente
sempenham um papel mais marcante; no entanto, à medida sabe que dentro das escolas de ensino regular a gente tem
que a criança intensifica suas relações com o mundo, a cul- vários casos de problema de origem pedagógica. Aqui eu
tura passa a ser o elemento decisivo na definição dos rumos não classifico como isso” (P2/G2).
do desenvolvimento. Assim, a apropriação cultural torna-se Se o caso dos alunos das escolas especiais não tem
o principal mecanismo determinante do desenvolvimento do relação com o pedagógico, então por que eles frequentam
psiquismo humano, pois este se forma no decurso da vida. uma escola e por que nesta é preciso que trabalhem profes-
Merece destaque o fato de a categoria Família ter sores especializados? Estamos, então, diante de instituições
uma significativa representatividade (24,2%) na explicação cuidadoras, e não de instituições educadoras, por causa do
das queixas escolares. Assim, são mencionados pelas comprometimento biológico de seus alunos? Amaral (1998)
educadoras a falta de estimulação e de interesse, o não nos encaminha a considerar que estamos diante de uma
acompanhamento das tarefas escolares e as limitações e generalização indevida, em que os alunos com deficiência
dificuldades para fazê-lo, a não aceitação da deficiência e intelectual são reduzidos à sua condição de ineficiência.
a grande expectativa em relação ao aprendizado dos filhos. Compreendemos essa necessidade das educadoras
Elas referem, enfim, que essas questões familiares são ex- de tentar visualizar o aluno em sua totalidade, atualmente tão
plicativas e responsabilizáveis pela não aprendizagem dos difundida como importante, porém não podemos limitar-nos
seus alunos. Desse modo, visões simplistas, unilaterais e àquelas características encarceradas na sua pessoa, sem
até contraditórias são expressas, ou seja, os familiares são deixar de considerar os processos e as relações produzidas
culpados por terem expectativas positivas, por quererem ver com estas faltas e as possibilidades que estão além delas.
seu filho se desenvolver e, ao mesmo tempo, por não se Tais relações podem ter como palco uma sociedade ou uma
interessarem por seu desenvolvimento. É claro que não po- escola (nos seus diferentes componentes) que vivencia com
demos deixar de mencionar a importância de uma parceria seus integrantes ou alunos o entorno da passividade e em
com a família, no sentido de que esta possa compreender que o não aprendizado dos conteúdos científicos é muitas
os processos de aprendizagem escolar pelos quais estão vezes uma realidade com a qual ela se conforma.
passando seus filhos. Não podemos perder de vista que o sucesso escolar
Quando nos reportamos às famílias desses alunos, do aluno está relacionado a diversos fatores e que ele é pos-
estamos falando também de ideais de família no que tange sível na medida em que o consideremos para além de sua
a sua estrutura e organização e sua condição histórica e so- aparência e, mais do que isso, quando construímos ações
Queixa escolar e Educação Especial * Solange Pereira Marques Rossato & Nilza Sanches Tessaro Leonardo 21
coletivas na busca pela superação do descrédito da diferen- de desafios, de provocações ao desenvolvimento das fun-
ça, do processo de exclusão e das contradições a que estão ções psicológicas superiores, e não de simples adequação
submetidas estas pessoas. e conformismo com sua apresentação. Desse modo, diante
do desenvolvimento do aluno com deficiência, devemos
conduzi-lo, por objetivos e exigências sociais, para fora de
Considerações finais um mundo de segregação, de negação.
Para que o educador tenha condições de compreen-
Os resultados obtidos apontam que entre as educa- der e romper com a trama de ideais e de alienação a que
doras prevalece a concepção de queixa escolar que cen- estamos submetidos, deve ser-lhe oportunizado refletir so-
traliza no aluno toda a problemática vivenciada no contexto bre a conexão da sua subjetividade com a realidade social,
da escola, pelo “seu” não aprendizado acadêmico. Pudemos numa consideração às dimensões políticas e ideológicas do
evidenciar tais informações também no item referente às seu trabalho.
possíveis causas da queixa escolar, pois a maioria das res- Temos, assim, “pistas” para a questão elucidada
postas é atribuída ao indivíduo e diluída nas suas deficiên- neste artigo no que tange à possibilidade de existência do
cias, seja em relação ao seu cognitivo, à sua saúde ou ao fracasso escolar na Educação Especial. Neste caso, temos
seu interesse. No tocante ao educador, elas estão relaciona- revelada a sua “não existência”, ou seja, o que existe nestas
das às metodologias e à sua formação. As justificativas pelo instituições (de acordo com as concepções das educadoras)
não aprendizado escolar do aluno são também encontradas são alunos que não sofrem o fracasso escolar, na medida
na família, por sua falta de estimulação e interesse pela es- em que sofrem de uma deficiência que por si só os anula.
colarização do filho/aluno. As educadoras excluem-se das práticas e das relações que
Uma questão muito importante apontada nos resul- realizam com esses alunos e dessa maneira desvalorizam o
tados envolve o fato de as dificuldades vivenciadas pelos próprio trabalho que fazem com eles.
alunos no processo de aprendizagem não serem tidas Nesse aspecto a Psicologia Histórico-Cultural, fun-
como um problema diferenciado que possa se apresentar damentada e exercitada no Materialismo Histórico-Dialético,
num determinado momento, ou como uma queixa escolar, é essencial por permitir esse olhar multifacetado sobre as
mas como algo já naturalizado, comum no cotidiano escolar relações produzidas no tocante aos diversos fenômenos
da Educação Especial. Assim, a queixa não é vislumbrada humanos, por tornar possível olhar para o homem concreto,
como tal, mas como uma práxis da educação escolar com com deficiência ou não, considerando-o dentro das contra-
deficientes intelectuais, “um caminho sem volta”. dições que o recriam, dentro do sistema que salienta sua
A realidade encontrada nas explicações das educa- individualidade eficiente ou deficiente.
doras, restritas à limitação dos alunos e inteiramente devi- Defendemos que uma análise ampla do contexto
das à deficiência, desconsiderando-se na maioria das vezes escolar e das múltiplas determinações que acarretam a
a questão pedagógica, remete-nos a algumas dúvidas, entre queixa, tratadas na Educação Especial ou numa educação
elas a importância dada ao trabalho pelo próprio educador, que se pretenda inclusiva e valorize o sucesso escolar, deve
que muitas vezes se contradiz na ambiguidade educar x as- vislumbrar as possibilidades dos seus alunos, a fim de que
sistir, pois ao mesmo tempo em que busca a aprendizagem, suas intelectualidades saiam do plano da invisibilidade,
também a desconsidera, seja ao se referir à incapacidade de da negatividade, movimentando assim impossibilidades
seus alunos por conta do biológico, seja quando não leva em cristalizadas ao redor de naturalizações preconcebidas de
conta o importante processo de ensinar. Como bem expres- desenvolvimento humano. Nesse prisma faz-se importante
sou Vygotski (2000), o todo da criança é mais do que o sim- que outras pesquisas sejam desenvolvidas, que venham a
ples agrupamento de suas partes, de qualidades peculiares. colaborar para a superação das concepções biologizantes
Não podemos deixar de visualizar esse todo em movimento que ainda alicerçam o trabalho de muitos educadores na
e as possibilidades que vão sendo criadas à medida que Educação Especial.
esse aluno se relaciona com o outro.
Assim, salientamos que, se permanecermos acre-
ditando na impossibilidade de o aluno com deficiência in- Referências
telectual aprender por causa de suas peculiaridades, esse
aluno certamente continuará por muito tempo submetido à Amaral, L. A. (1998). Deficiência, questões conceituais e alguns
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à medida que nos guiamos unicamente pela incapacidade e
limitação dessas pessoas como fatores determinantes, ne- Angelucci, C. B., Kalmus, J., Paparelli, R., & Patto, M. H. S. (2004). O
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Paulo: T.A. Queiroz. Porto Alegre: Artes Médicas.
Sobre as autoras
Trabalho derivado de parte da dissertação de mestrado de Solange Pereira Marques Rossato, intitulada de Queixa escolar e Educação Especial:
intelectualidades invisíveis, defendida em 2010, sob orientação da professora doutora Nilza Sanches Tessaro Leonardo. Vale esclarecer que a
mestranda recebeu apoio financeiro pela Capes, e o projeto desta pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética envolvendo Seres Humanos, após
o consentimento dos diretores (e antes da realização das entrevistas). Deste modo, os dados foram trabalhados e analisados de forma a manter
o anonimato, o sigilo sobre a identidade das participantes, bem como do estabelecimento e da cidade em que a pesquisa foi realizada.
Queixa escolar e Educação Especial * Solange Pereira Marques Rossato & Nilza Sanches Tessaro Leonardo 23
Procedimentos de contagem de pontos em um jogo
com conteúdo matemático
Resumo
Os alunos apresentam grandes dificuldades na matemática, particularmente no conteúdo dos números inteiros. Diversos trabalhos demonstram
como jogos auxiliam na construção de conhecimentos. Assim, esta pesquisa verificou, por meio de um jogo com números inteiros, procedimentos
utilizados para realizar as operações de contagem de pontos. Participaram 34 alunos dos 7° e 9° anos do Ensino Fundamental, que jogaram duas
rodadas de três partidas contra oponentes de mesma série que a sua. Classificaram-se os dados em a) procedimentos de contagem de pontos e
b) contagem correta e incorreta. Os resultados mostraram associação entre os procedimentos mais simples e o 7° ano e os mais complexos com
o 9° ano. Entretanto, os participantes contaram incorretamente os pontos na maioria das partidas. Assim, apesar da associação entre maior nível
de escolarização e estratégias mais complexas, estas não determinaram a contagem correta no jogo, demonstrando dificuldade na realização e
na compreensão das operações avaliadas.
Palavras-chave: Jogos, ensino da matemática, ensino fundamental.
Students may have great difficulties in mathematics, particularly in the content of integers. Several studies demonstrate how games help in
building knowledge. In this work we explore procedures used to perform the operations of counting points in a game. 34 students from the 7th and
9th years of elementary school took part of the research. They played two rounds of three games against opponents from the same grade. The
data were classified into a) point-counting procedures and b) correct and incorrect counting. The results show an association between the simpler
procedures with the 7th year and more complex procedures with the 9th grade. However, participants told incorrectly points in most games. Thus,
despite the association between higher educational level and more complex strategies, they have not determined the correct count in the game.
This reveals the difficulty in performing and understanding of the operations evaluated.
Keywords: Games, mathematics education, elementary education.
Los alumnos presentan grandes dificultades en matemática, particularmente en el contenido de números enteros. Diversos trabajos demuestran
como juegos auxilian en la construcción de conocimientos. Así, esta investigación verificó, por medio de un juego con números enteros,
procedimientos utilizados para realizar las operaciones de conteo de puntos. Participaron 34 alumnos del 7° y 9° grados de Enseñanza Primaria,
que jugaron dos rondas de tres partidos contra oponentes del mismo grado que el suyo. Los datos se clasificaron en a) procedimientos de conteo
de puntos y b) conteo correcto e incorrecto. Los resultados mostraron asociación entre los procedimientos más simples y el 7° grado y los más
complejos con el 9° grado. No obstante, los participantes contaron incorrectamente los puntos en la mayoría de los partidos. Así, a pesar de la
asociación entre mayor nivel de escolarización y estrategias más complejas, estas no determinaron el conteo correcto en el juego, demostrando
dificultad en realizar y comprender las operaciones evaluadas.
Palabras Clave: Juegos, Enseñanza de las matemáticas, Enseñanza Primaria.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 25-33. 25
Introdução os sinais + e – para representar os números positivos e ne-
gativos, respectivamente.
A matemática é uma das disciplinas em que os alu- Em 1544, Michael Stifel, também alemão, publicou a
nos demonstram particular dificuldade na escola, como nos obra Arithmetica integra, na qual estudou os números nega-
mostra Klein (2006) ao interpretar resultados do Sistema tivos ao analisar as equações quadráticas. Porém ainda não
Nacional de Avaliação da Educação Básica brasileiro, no os aceitava como raízes de uma equação e os chamava de
ano de 2003, em relação a essa área do conhecimento. “numeri absurdi” (número absurdo).
Conforme classificação desse autor, no 4º ano do Ensino Na Idade Moderna, Albert Girard, em sua obra Inven-
Fundamental, 48,4% dos alunos encontravam-se distribuí- tion nouvelle en l’algèbre (Teorema fundamental da álgebra),
dos a partir do que considera o nível básico de saber nessa foi o primeiro a admitir raízes negativas como soluções pos-
disciplina e apenas 6,4% a partir do nível satisfatório; no 9º síveis de uma equação. Ele também antecipou a ideia da
ano, 26,3% a partir do básico e 3,3% do satisfatório; e no reta numérica, em que há uma oposição de sentido entre os
3° ano do Ensino Médio, 6,9% a partir do básico e 1,3% do números positivos e negativos.
satisfatório. Esses dados são realmente alarmantes para a Nieto (1994) afirma que apenas em 1867, com Her-
educação brasileira. mann Hankel, o conhecimento sobre números negativos
Nessa área acadêmica, a compreensão dos números atinge um patamar mais elaborado, pois esse autor con-
inteiros, conjunto que envolve os números naturais e inclui siderou os números negativos como números inventados,
os números negativos, que deveria estabelecer-se, satisfa- ampliando o conjunto dos números inteiros para abrigar
toriamente, nos alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, também os números negativos.
de acordo com Klein (2006), apresenta grande dificuldade Para auxiliar o professor em sala de aula com os
no contexto educacional brasileiro. números negativos, que historicamente se mostraram tão
Os números negativos geram muitos obstáculos à difíceis de ser compreendidos, alguns trabalhos (French,
compreensão dos alunos, como demonstraram algumas 2001; Puritz, 2004) apresentam dicas, fornecendo sentido
pesquisas (Nieto, 1994; Tancredi, 1989). Ao ensinar o con- a algumas regras que são, na maioria das vezes, ensinadas
teúdo sobre números naturais, os professores geralmente de forma abstrata aos alunos, como quando, ao lecionar so-
fazem referência a objetos que existem no mundo real, bre a multiplicação e divisão dos números negativos, alguns
tornando concreta para o aluno a abstração existente no mestres enunciam a lei “menos com menos dá mais” muitas
conceito de número. Entretanto, esse recurso não é utiliza- vezes sem contextualização e significação para o aluno. So-
do no ensino do número negativo, já que é impossível fazer bre isso, durante a coleta de dados do estudo-piloto dessa
referência à existência de quantidade de menos um objeto pesquisa, realizado em 2006 numa escola pública de ensino
qualquer no mundo real. fundamental de Vitória, duas alunas do 9º ano jogavam o
Historicamente, na matemática, a noção de número Mattix, quando, ao final do jogo, foram contar seus pontos.
negativo demorou vários anos para se consolidar. Tancredi Uma das alunas contou da seguinte forma: [(-5)+(-2)]= +7;
(1989) relata que os chineses já mencionavam os números afinal “Menos com menos dá mais”, como aprendera em
negativos em 200 a.C.; Boyer (2001) relata, sobre a evolu- sala de aula.
ção dos estudos sobre os números negativos, que no ano Mostrando que não é suficiente a transmissão dos
300 aproximadamente os chineses usavam barras de bam- conteúdos didáticos sobre os números inteiros para que
bu, marfim ou ferro colocadas sobre uma tábua de madeira os alunos construam conhecimento a esse respeito, Piaget
para efetuar cálculos e contagens. Para isso, eles possuíam (1948/2005) defendeu que, para compreensão da regra
duas coleções de barras de cores diferentes. Uma coleção matemática de operações com números inteiros, ensinada
era vermelha e representava números e coeficientes positi- atualmente nos 3° e 4° ciclos do Ensino Fundamental, é
vos, enquanto a outra era preta e representava os números necessário que o indivíduo a descubra bem antes em ação.
e coeficientes negativos. Apesar de já realizarem cálculos Piaget (1948/2005) apontou como essencial que o professor
envolvendo números negativos, os chineses não aceitavam recorra à atividade real e espontânea do aluno para que
a ideia de um desses números representar a solução de um realmente consiga levá-lo à construção dos conceitos esco-
problema. lares. Panizza (2006) também ressaltou a necessidade de
Entre os matemáticos hindus, Brahmagupta, por volta que o conhecimento escolar deve partir do que o aluno já
do ano 628, prestou grande contribuição à álgebra ao propor sabe, alertando que não é tarefa fácil identificar esse saber.
soluções de equações quadráticas, inclusive duas raízes, O conceito de “teorema em ato ou em ação” de Vergnaud é
mesmo quando uma delas fosse negativa. Boyer (2001) apresentado como essencial para compreensão desse sa-
afirma que é na obra de Brahmagupta que, pela primeira ber, pois o professor deve procurar perceber o que o aluno
vez, encontra-se sistematizada a aritmética dos números sabe em ato para, a partir disso, buscar a construção de
negativos e do zero. representações e procedimentos diferenciados na resolução
Em 1489, na Alemanha, Johann Widman publicou de um problema (Panizza, 2006).
uma obra de aritmética comercial, Rechnung auff allen Kau- Vergnaud (1990), no artigo sobre a Teoria dos Cam-
ffmanschaffen, que, de forma inédita, apresentou impressos pos Conceituais, abordou uma série de aspectos em rela-
ção ao conhecimento matemático. O autor defendeu que
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um conceito recebe sentido por meio das situações e dos forma de jogar por meio das estratégias mais eficazes, im-
problemas que se pretende resolver. Assim, para a didática pedindo assim que o indivíduo seja ativo na construção de
essa constatação é fundamental. seu conhecimento sobre um determinado jogo. Essa última,
Vergnaud (1990) utiliza como exemplo o algoritmo de a nosso ver, seria uma forma de emprego de jogos que não
resolução de adição com números inteiros. Os professores favoreceria o processo de construção de conhecimento, já
ensinam o alinhamento dos números a serem somados, o que elimina um de seus fatores necessários: o papel ativo
início pela coluna das unidades, a regra de, se soma tiver do sujeito. Portanto, não é qualquer utilização do jogo que o
como resultado número maior que 9, a unidade deve ser torna instrumento promotor do processo de conhecimento.
transcrita e a dezena adicionada à coluna seguinte. Entre- Ao dizermos sujeito ativo, é necessário resgatar o
tanto, quando essas regras não fazem sentido, não com- sentido de ação. De acordo com Piaget, ação não é sinôni-
parecem em ação, os alunos podem não ter o desempenho mo de atividade. Como ação, esse autor também compreen-
apropriado na resolução de problemas desse tipo. de processos de pensamento. Piaget (1967/1996) afirmou
O funcionamento cognitivo do sujeito fundamenta-se que todo conhecimento está relacionado a uma ação e que
em um repertório de esquemas disponíveis, já formados. conhecer supõe assimilação a esquemas de ação. Os es-
Durante a resolução de problemas, a pessoa reconhece no- quemas de ação são o que existe de comum nas diversas
vos aspectos e até mesmo constrói novos esquemas. aplicações de uma mesma ação. Dessa forma, em relação
Vergnaud (1990) defendeu que a operacionalidade ao conhecimento na área da matemática, a dedução dos
de um conceito deveria ser experimentada em situações fenômenos ocorreria por operações e transformações, “que
variadas. A Teoria dos Campos Conceituais desse autor são ainda ações, mas executadas mentalmente” (Piaget,
apóia-se sobre o fundamento de elaboração prática dos 1967/1996, p. 15). Assim, quando esse autor caracteri-
conceitos. za as formas típicas de conhecer o mundo nos diferentes
Assim, o jogo aparece como instrumento útil para in- momentos de desenvolvimento, afirma que inicialmente
tervenção no contexto escolar, ao permitir, sob a perspectiva essa forma é a ação, em seguida, a ação interiorizada (ou
do aluno, um ambiente mais livre em que seja possível a representação) e, por último, a composição de ações, sendo
emergência da atividade real e espontânea, ou do saber em essas possíveis de serem invertidas (ou operação) (Piaget,
ato. 1964/2004). Assim, ao dizermos que a utilização do jogo
Fisher (2003, 2004) propôs quatro jogos para ensino deve favorecer o papel ativo do sujeito, nossa discussão se
na escola de números negativos e suas operações: Trunca- situa nesse referencial sobre ação, considerando, portanto,
te, Race Track II, Negative Number Tennis e Boxes. O autor o jogo possibilidade de desenvolvimento.
assinala que os jogos são ferramentas capazes de auxiliar Buscando, portanto, compreender o papel de um
o ensino do conteúdo, mas não substituem a orientação do jogo matemático – o Mattix – como auxiliar na construção
professor. Para ele, a importância dos jogos reside no fato do conhecimento sobre realização de operações algébricas
de estes permitirem que o conteúdo seja transmitido de for- com números inteiros, a pesquisa relatada neste artigo teve
ma mais divertida e mais atrativa e, por isso, tornem-se úteis como objetivo avaliar e comparar os procedimentos utili-
na consolidação do conteúdo. zados por alunos de 7º e 9º anos do Ensino Fundamental
Fainguelernt e Gottlieb (2001) apresentaram sua para realizar operações aritméticas com números inteiros na
experiência na utilização de jogos como metodologia no contagem de pontos ao final do jogo.
ensino-aprendizagem de Matemática, fundamentada em
pesquisas realizadas no Laboratório de Currículos da Se-
cretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro, nas quais Aspectos Metodológicos
utilizaram jogos para introduzir o conteúdo de números intei-
ros a alunos de 6º ano. Em uma situação relatada no artigo,
os alunos deveriam fazer encenação sobre um problema Participantes
relacionado ao movimento de um estacionamento de carros.
Os alunos eram solicitados a registrar a entrada e saída de Participaram 34 alunos (18 meninos e 16 meninas)
carros e a diferença entre elas em intervalos de uma hora, dos 7º (16 alunos) e 9º (18 alunos) anos do Terceiro e Quarto
sendo que em alguns desses intervalos essa diferença era Ciclos do Ensino Fundamental, de uma escola pública da
negativa. No único resultado apresentado no artigo, o aluno, Grande Vitória-ES, dos turnos matutino e vespertino.
mesmo sendo do 6º ano, conseguiu fazer a notação de nú- Esses alunos se dispuseram voluntariamente a parti-
meros negativos (sinal de menos “-” antecedendo o número), cipar dos procedimentos da pesquisa, após apresentação da
mesmo sem ter tido esse conteúdo formalizado na escola. mesma em reunião de pais e alunos. Após o consentimento
Fainguelernt e Gottlieb (2001) alertam, porém, so- fornecido por seus responsáveis, iniciaram sua participação
bre o perigo de o professor treinar os alunos por meio de na pesquisa.
um jogo. Concordamos com essa ideia, pois consideramos As séries foram escolhidas tendo por base o texto dos
importante que o professor permita que o aluno jogue, cons- Parâmetros Curriculares Nacionais para Matemática (Minis-
trua estratégias, vivencie dificuldades, perca, ganhe, ao tério da Educação/ Secretaria de Educação Fundamental,
invés de, como muitos o fazem, ensinar o aluno a melhor 1998), segundo o qual o conteúdo de números negativos,
Contagem pontos jogo matemático * Cláudia Patrocinio Pedroza Canal & Sávio Silveira de Queiroz 27
presente no jogo Mattix, é introduzido na escola por volta do quando a peça curinga cair numa linha ou coluna sem peças
7° ano. Marangon (2004), ao escrever sobre possibilidades a serem retiradas pelo próximo jogador. O objetivo do jogo
de uso do jogo Mattix por professores como ferramenta de é totalizar o maior número de pontos ao final da partida, por
ensino, também indica que ele seja jogado com alunos de meio da soma algébrica das peças obtidas.
turmas de 7° ano. Assim, procuramos comparar o desem-
penho de alunos do 7° ano, que estavam aprendendo o
conteúdo “números negativos”, com alunos do 9° ano, que,
presumidamente, já realizavam operações mais complexas Local
com esse conteúdo.
Os dados foram coletados numa escola pública de
Instrumento ensino fundamental da Grande Vitória. Essa escola é con-
siderada uma das escolas-modelo da rede municipal e é
Jogo Mattix. De acordo com Dal Monte (2006), esse frequentada por pessoas de diferentes classes econômicas,
jogo foi editado na década de 1970 pela empresa alemã que buscam ali um ensino de qualidade. Nos resultados da
“Berliner Spiele”. avaliação 2007 da Prova Brasil (Instituto Nacional de Estu-
O Mattix é um jogo de tabuleiro jogado por duas pes- dos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2008), essa
soas, apresentado sob a forma de uma matriz quadrada, escola encontrou-se numa posição de destaque no grupo
composta por peças com números positivos e negativos e por das escolas da rede pública estadual e municipal brasileiras.
uma peça curinga, que pode se movimentar durante o jogo.
A versão utilizada na pesquisa aqui relatada, idêntica Procedimentos de pesquisa
à originalmente editada, é composta por um tabuleiro, dividi-
do em 8 linhas e 8 colunas, e por 64 peças assim distribuí- No primeiro dia, a pesquisadora apresentou o jogo
das: 30 peças de valor 0, 1, 2, 3, 4, 5, sendo cinco peças de aos participantes visando promover o reconhecimento do
cada um desses valores; seis peças de valor 6; nove peças tabuleiro, das regras e dos objetivos.
de valor 7, 8, 10, sendo três peças de cada valor; uma peça Não foi esclarecido aos participantes o significado
de valor 15; 15 peças de valor -1, -2, -3, -4, -5, sendo três das peças negativas, já que, na análise de dados, também
de cada valor; duas peças de valor -10 e uma peça curinga. foi avaliada a compreensão dos alunos sobre o que repre-
Segundo a determinação inicial, a primeira pessoa sentavam os números positivos e negativos.
joga no sentido horizontal e, a segunda, no vertical. Inicial- Ainda no primeiro dia os participantes jogaram três
mente, as peças são dispostas aleatoriamente no tabuleiro. partidas contra um adversário de mesma série e turma, fil-
Durante o jogo, o participante movimenta a peça curinga, no madas para posterior análise de desempenho. As duplas de
sentido em que pode jogar, até a casa que possui a peça cujo jogadores foram escolhidas por sorteio. No final da partida,
número ele deseja obter para si, e esta é retirada do jogo. O durante a contagem de pontos, só foram oferecidos lápis e
jogo termina quando não houver mais peças no tabuleiro, ou papel como recurso auxiliar quando solicitados pelos alunos.
Após o final dessa contagem, em cada partida, o resultado
que o jogador verbalizava ter obtido em pontos era anotado,
Figura 1. Foto da versão artesanal do jogo Mattix utilizada nessa assim como o seu procedimento de contagem.
pesquisa No segundo dia, os participantes jogaram mais três
partidas contra outro adversário de mesma série e turma. Os
procedimentos foram idênticos aos do primeiro dia.
Nível IA
1. Não conta seus pontos ao final da partida, dei-
xando que o adversário faça isso por ele ou inventando um
resultado.
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Nível IB sabendo qual será o resultado da soma de seus
1. Ao final da partida, soma todos os números como pontos e os do adversário.
se fossem positivos.
3. Percebe se o oponente ou se ele mesmo contou
Nível IIA incorretamente o número de pontos ao final da
1. Mesmo que não conte seus pontos durante a par- partida.
tida, consegue inferir sobre quem será o vencedor
com base nas peças de valores positivos altos ou 4. Na contagem de pontos ao término da partida,
de valores negativos que cada jogador obteve. elimina positivos e negativos de mesmo valor
(soma-zero) e faz operações somente com os
2. Ao final da partida, soma todas as peças de valor números restantes.
positivo. Posteriormente todas as de valor nega-
tivo; e, finalmente, diminui o valor de negativos 5. Soma separadamente os positivos e os negati-
do valor de positivos. Pode também somar todos vos, porém agrupa os números iguais em filas,
os positivos e ir diminuindo esse valor de cada fazendo operações parciais de multiplicação
peça negativa, uma a uma. para efetuar as somas finais. Uma variação des-
se procedimento é o agrupamento de números
3. No momento de contagem de pontos, efetua a em filas que somem 10 pontos. Depois, o partici-
operação com todas as peças juntas, conside- pante efetua a multiplicação do número de filas
rando os negativos enquanto tais. por 10 para saber quantos pontos fez.
Contagem pontos jogo matemático * Cláudia Patrocinio Pedroza Canal & Sávio Silveira de Queiroz 29
Figura 2. Proporção dos níveis de procedimento de contagem de pontos utilizados pelos participantes nas seis partidas
nos trapacearam relatando resultados incorretos com intuito porção de nível IIA nas duas últimas, demonstrando níveis
de vencer o adversário, nem mesmo informaram valores ao mais complexos das estratégias utilizadas pelos alunos
acaso, sem a devida contagem das peças. Assim, esses no decorrer da pesquisa. Entre os participantes, seis não
percentuais indicam que eles não realizaram corretamente apresentaram, em nenhuma das partidas, procedimentos de
as operações matemáticas com as peças que obtiveram ao contagem do nível III. Desses, apenas um era do 9° ano.
longo da partida. Para melhor caracterizar o desempenho da amostra,
Realizamos comparação entre as proporções de apresentamos a Tabela 1 com as frequências de todas as
acerto e erro da contagem de pontos ao final de cada partida características dos níveis de procedimento de contagem de
entre os sexos e entre as séries, por meio do Teste Bino- pontos utilizados pelos jogadores.
mial. Para essas comparações, não obtivemos diferenças A característica mais frequente foi a IIA.5, na qual os
estatisticamente significantes. Na comparação entre sexos, participantes contavam com os dedos, em voz alta ou mo-
obteve-se para contagem correta p valor=0,130 e, para in- vendo os lábios, ou seja, na qual recorriam a auxílios con-
correta, p valor=0,731. Comparando-se as séries, obtivemos cretos para realizar as operações, não realizando o cálculo
para contagem correta p valor=0,130 e, para incorreta, p mental. A solicitação de papel e lápis (IIA.6) e a utilização da
valor=0,863. calculadora do celular (IIA.8) aconteceram apenas uma vez.
Assim, os alunos contaram incorretamente na maioria Em 19 vezes os participantes solicitaram a ajuda do
das vezes, independente do sexo ou da série. Esse resultado oponente no momento de contagem (IIA.7), entretanto em
corrobora com os resultados do SAEB 2003 (Klein, 2006), os apenas duas vezes solicitaram que o outro contasse para
quais mostram que a maioria dos alunos brasileiros possuiu si (IA.1).
desempenho em matemática abaixo do satisfatório. Apesar Também em uma única vez, uma participante do 7°
de os alunos da escola pesquisada encontrarem-se em posi- ano contou todas as peças como se fossem positivas (IB.1).
ção privilegiada em comparação à população brasileira nos O intrigante é o aparecimento desse dado apenas na Partida
resultados dessa avaliação, tal vantagem não se mostrou 3. Portanto, não foi por desconhecimento que essa partici-
positiva provavelmente em decorrência do desempenho da pante contou dessa forma, já que não a utilizou nas demais.
população ser muito baixo. Além disso, ela perdeu a partida em questão.
A maioria dos participantes utilizou mais de um Contar os números negativos como se fossem positi-
procedimento, às vezes de complexidade diferente, para vos não pode ser tomado como explicação para na maioria
contagem dos pontos em cada partida. Esses procedimen- das vezes os participantes errarem a contagem dos pontos,
tos foram classificados em níveis, conforme apresentado pois esse procedimento só apareceu uma vez. Assim, não é
anteriormente. A Figura 2 com as proporções dos níveis de por ignorar a diferença entre números positivos e negativos
procedimento de contagem de pontos utilizados em cada que esses alunos não conseguem realizar as operações.
partida encontra-se a seguir. Em 18 vezes os alunos contaram os pontos durante
Os níveis IIA e III foram os mais utilizados pelos par- uma parte ou durante toda a partida (III.1), havendo uma das
ticipantes. Percebemos que a proporção de procedimentos participantes do 9° ano utilizado esse procedimento em to-
de nível III aumentou durante as partidas, superando a pro- das as partidas. Apesar de usar esse procedimento de nível
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Tabela 1. Frequência de características de cada nível de procedimento de contagem de pontos nas seis partidas.
mais avançado, essa aluna contou incorretamente os seus dos alunos, mostrando que existem saberes para além do
pontos em cinco partidas. ambiente e das normas escolares (Correa & Moura, 1997;
Contar os pontos durante a partida é útil porque pos- Correia & Meira, 1997; Panizza, 2006; Piaget, 1948/2005;
sibilita, a cada jogada, realizar planejamentos mais precisos Vergnaud 1990).
sobre o número de pontos necessário para ampliar a vanta- O procedimento de contagem de pontos nas partidas
gem ou reduzir a desvantagem em relação ao adversário. também foi analisado verificando associação com o sexo,
No momento da contagem, em 70 vezes, os parti- com a série e com a contagem correta ou incorreta dos
cipantes realizaram operações algébricas separadamente pontos ao final da partida. Quando um participante apre-
com os números positivos e negativos para depois, com os sentou, em uma mesma partida, procedimentos de níveis
resultados parciais, realizarem a operação que lhes daria o diferentes, utilizamos, para possibilitar a análise estatística,
seu total de pontos (IIA.2). Em 77 vezes, os participantes apenas o nível mais alto apresentado por ele. Ao classifi-
utilizaram o procedimento que denominamos soma-zero carmos, em cada partida, os procedimentos dessa forma,
(III.4) e, em 73 vezes, agruparam as peças iguais realizando a maioria distribuiu-se entre os níveis IIA e III, com apenas
multiplicações ou agruparam-nas de 10 em 10 pontos para um participante, em uma partida, no nível IA. Para permitir a
facilitar a contagem de pontos (III.5). análise estatística inferencial, eliminamos esse dado na aná-
É perceptível por meio desses procedimentos que os lise. Perdemos também outros seis dados por contratempos
alunos diferenciavam números positivos e negativos, apesar ocorridos durante as filmagens das partidas.
de isso não se traduzir em contagem correta. A associação com sexo e com série foi verificada por
Em resolução oral de problemas de adição e sub- meio do Teste Binomial. Com a variável sexo, não ocorreu
tração com números naturais de no máximo dois dígitos, associação estatística significativa nem para o nível IIA (p
Correa e Moura (1997) observaram dois procedimentos valor= 1) e nem para o nível III (p valor= 0,592).
similares aos encontrados nesta pesquisa: a contagem com Com a variável série, percebemos que, para os dois
os dedos e a variação de resultados que, em nosso caso, níveis de contagem de pontos analisados, temos associa-
apareceu quando os alunos realizaram agrupamentos de ções significativas com a série do participante. O nível IIA,
10 em 10 com os valores das peças ou quando realizaram geralmente representado pelas características recorrer a
agrupamentos com peças de mesmos valores. auxílios concretos (dedos, falar em voz alta, papel) para
Para essas autoras, o uso das estratégias que en- realização dos cálculos ou contar positivos e negativos se-
contraram em sua pesquisa evidenciaram o conceito de paradamente e depois realizar a operação algébrica com os
“teorema em ação” de Vergnaud. Os dados aqui apresenta- dois valores, esteve mais presente entre os alunos do 7º ano
dos permitem-nos chegar à conclusão similar, já que muitos (p valor=0,003). Enquanto o nível III, representado principal-
dos procedimentos adotados não faziam parte dos ensina- mente pelas características efetuar a contagem pelo proce-
mentos escolares, mas eram produções inventivas próprias dimento soma-zero ou realizar agrupamentos de números
Contagem pontos jogo matemático * Cláudia Patrocinio Pedroza Canal & Sávio Silveira de Queiroz 31
iguais e multiplicá-los ou agrupamentos de 10 em 10, teve tadas por eles mesmos para atender a resolução de uma
maior proporção para os alunos do 9º ano (p valor=0,002). situação nova que lhes era colocada pelo jogo, apesar de
Esses resultados de associação entre procedimen- a escola poder funcionar como ambiente favorecedor – por
tos de contagem de pontos e série parecem ser dependen- meio de desafios, de interações com outras pessoas – para
tes de períodos de desenvolvimento (Piaget, 1964/2004; essa invenção.
1970/2002). Se os alunos do 7° ano estão no período das Também buscando uma hipótese para esses resul-
operações concretas, como é plausível supor, é explicável tados finais incorretos na soma das partidas, apoiando-nos
o auxílio que buscam em procedimentos concretos (dedos, nos procedimentos de contagem de pontos, é possível cons-
voz alta, papel) para auxiliar as operações de contagem. tatar que não é a ausência de reconhecimento da diferença
Entretanto, os alunos do 9° ano, supostamente no início do entre números positivos e negativos que determina a con-
período das operações formais, conseguiram criar procedi- tagem incorreta, pois, em apenas uma vez, o procedimento
mentos mais elaborados envolvendo abstração para contar de contar todos os números como positivos foi apresentado.
seus pontos. Entretanto, de acordo com a afirmativa de Vergnaud (1990)
A associação entre o procedimento de contagem de de que um conceito possui sentido a partir de situações e
pontos e contar corretamente ou incorretamente os pontos problemas a serem resolvidos, devemos formular uma con-
foi verificada por meio do Teste Qui-quadrado. Os resultados sideração: muitas vezes, na escola, um conceito é formu-
mostraram que a associação foi estatisticamente significan- lado em termos linguísticos sem aplicação cotidiana pelos
te (p valor= 0,0007), porém fraca (V de Cramer= 0,24). Os alunos, ou seja, teorema sem ação. Assim também acontece
coeficientes do resíduo estandardizado indicaram associa- com os números inteiros, muitas vezes ensinados por pre-
ções entre a utilização de características IIA para contagem missas e regras. Entretanto, ao serem solicitados a concei-
de pontos e a contagem incorreta, e a utilização de carac- tuar, articulando esse conhecimento a uma aplicação a uma
terísticas III e a contagem correta. Logo, um procedimento situação-problema a ser jogada (jogo Mattix), os indivíduos
mais complexo de contagem de pontos (nível III) favoreceu permanecem no campo das formulações verbais e não nos
a contagem correta dos pontos. Parece-nos importante, por- “campos conceituais”. Logo, ao terem que operar com os nú-
tanto, que educadores e psicólogos trabalhem não somente meros inteiros, aparecem dificuldades provenientes dessa
com a dimensão de acerto em determinado problema, mas incompreensão em ação.
que favoreçam a construção pelos alunos de procedimentos Essa hipótese, investigada em futura pesquisa, pode-
mais organizados e reflexivos para alcançarem as soluções ria comprovar, ou lançar outras hipóteses sobre alguns dos
corretas desses problemas. Assim, também se ressalta resultados encontrados neste trabalho. No entanto, apesar
o papel ativo do sujeito, dando realmente condições para de não ser essa a nossa crença, os resultados também po-
desenvolvimento de conhecimentos (Piaget, 1967/1996; dem ser explicados por uma dificuldade global em contar,
Piaget & Gréco, 1959/ 1974). independente do conjunto números naturais ou números
Apesar da associação entre procedimento mais alto inteiros. Outra hipótese que mereceria investigação.
de contagem de pontos III com o 9° ano e com ter conta- A partir de todas nossas reflexões, consideramos
do corretamente os pontos, é necessário lembrar que não também que, caso profissionais da educação tenham opor-
ocorreram diferenças estatisticamente significativas para tunidade de acompanhar não somente os resultados finais
contagem correta e incorreta de pontos entre alunos do 7° e de seus alunos, mas todo o processo de elaboração de um
9° anos, conforme já apresentado. conhecimento, serão capazes de contribuir de forma mais
significativa para o processo de escolarização. E nessa
área os jogos se mostram excelentes instrumentos para in-
Conclusão tervenção, já que possibilitam de forma prazerosa e ativa a
construção do conhecimento pelo aluno e acompanhamento
A análise da contagem correta e incorreta dos pontos desse processo pelo professor.
nos permite reforçar a preocupação demonstrada pelos da-
dos alarmantes de Klein (2006) ao discutir a educação bra-
sileira, pois mostra que a maioria dos alunos participantes Referências
da pesquisa não obteve êxito na realização de operações
algébricas simples envolvendo números inteiros. Boyer, C. B. (2001). História da matemática (E. F. Gomide, trad.). São
Entretanto, se não considerarmos apenas o resultado Paulo: Edgard Blücher.
final, mas também o processo de alcance desse resultado,
ou seja, os procedimentos utilizados para realização da con- Correa, J., & Moura, M. L. S. de. (1997). A solução de problemas
tagem, é possível contribuir de forma mais significativa para de adição e subtração por cálculo mental. Psicologia: Reflexão e
a construção do conhecimento requisitado na operação com Crítica, 10(1), 71-86.
números inteiros. Pudemos constatar uma gama de procedi-
mentos diferentes, nos quais os alunos mostraram seu papel Correia, M., & Meira, L. (1997). A emergência de objetivos matemáticos
de sujeito ativo em sua elaboração, pois utilizavam algumas em um jogo de dominós. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 13(3),
estratégias que não são transmitidas na escola, mas inven- 279-2.
32 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 25-33.
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Sobre os autores
Artigo produto da tese de doutorado da primeira autora, sob orientação do segundo autor. A tese foi defendida em 2008 no Programa de Pós-
Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo. Agradecemos à instituição pública de Ensino Fundamental que permitiu a
coleta de dados e à CAPES pela concessão de bolsa de doutorado.
Contagem pontos jogo matemático * Cláudia Patrocinio Pedroza Canal & Sávio Silveira de Queiroz 33
Bullying: prevalência, implicações e diferenças
entre os gêneros
Resumo
O presente estudo teve por objetivo levantar a ocorrência de bullying em crianças e adolescentes escolares da cidade de Porto Alegre. Investigou
os tipos mais utilizados de bullying e a frequência com que ocorrem por sexo. Participaram 465 estudantes, sendo 52,7% do sexo masculino. O
instrumento utilizado foi um questionário sobre bullying. Os resultados apontaram para um número elevado de estudantes envolvidos em bullying,
bem como diferenças entre meninos e meninas quanto ao fenômeno. Concluiu-se que o bullying é um fenômeno de ocorrência muito comum no
cenário escolar, o que alerta para a gravidade de um fenômeno que apresenta tantos prejuízos aos envolvidos em diferentes escolas ao redor do
mundo. Novos estudos são sugeridos para esclarecer algumas das questões.
Palavras-chave: Bullying, gênero, crianças em idade escolar.
In this work we investigate the occurrence of bullying in school children and adolescents of Porto Alegre. We studied the most used types of
bullying and how often they occur in sex. 465 students participated, from them 52.7% were male. The instrument used was a questionnaire on
bullying. The results showed a high number of students involved in bullying, as well as differences between boys and girls involved We conclude
that bullying is a very frequent phenomenon in the school setting. This becomes a warning to the seriousness of a phenomenon that brings so
much harm to those involved in it, from different schools around the world. Further studies are suggested to clarify some issues.
Keywords: Bullying, gender, school age children.
El presente estudio tuvo por objetivo levantar la existencia de bullying entre niños y adolescentes escolares de la ciudad de Porto Alegre. Se
investigaron los tipos más utilizados de bullying y la frecuencia con que ocurren por sexo. Participaron 465 estudiantes, siendo 52,7% de sexo
masculino. El instrumento utilizado fue un cuestionario sobre bullying. Los resultados indicaron un número elevado de estudiantes involucrados
en bullying, así como diferencias entre niños y niñas en relación al fenómeno. Se concluye que el bullying es un fenómeno de incidencia muy
común en el escenario escolar, lo que alerta para la gravedad de un fenómeno que presenta tantos perjuicios a los involucrados en diferentes
escuelas alrededor del mundo. Nuevos estudios son sugeridos para esclarecer algunas de las cuestiones levantadas.
Palabras clave: Bullying; diferencias de género, niños em edad escolar.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 35-44. 35
Introdução de palavras que pudessem auxiliar as crianças a interpretar
bullying da mesma forma, independente do seu conheci-
mento linguístico. Após lerem o conceito, 50.000 estudantes
Bullying: conceito, classificação e frequência da Europa responderam a duas questões sobre bullying.
Este estudo apresentou alta prevalência e grande variação.
Bullying é uma subcategoria do comportamento Cerca de um terço de todas as crianças que participaram
agressivo que ocorre entre os pares (Olweus, 1993). Cons- deste estudo se identificaram como sendo agressores, víti-
titui-se num relacionamento interpessoal caracterizado por mas ou ambos. As mesmas questões foram realizadas nos
um desequilíbrio de forças, o que pode ocorrer de várias Estados Unidos, com um total de 30% dos estudantes de 13
maneiras: o alvo da agressão pode ser fisicamente mais anos que se identificaram como agressores ou vítimas, e no
fraco, ou pode perceber-se como sendo física ou mental- Canadá o número foi de 31%.
mente mais fraco que o perpetrador. Pode ainda existir uma No Brasil, a Associação Brasileira Multiprofissional
diferença numérica, em que vários estudantes agem contra de Proteção à Infância e Adolescência (ABRAPIA) realizou
uma única vítima (Olweus, 1993; Rigby, 1998). No bullying uma pesquisa no Rio de Janeiro, entre 2002 e 2003. Par-
existe a intenção de prejudicar, humilhar, e tal comporta- ticiparam 5428 crianças, com idade média de 13,47 anos,
mento persiste por certo tempo, sendo mantido pelo poder sendo 50,5% meninos e 49,5% meninas. Destes, 16,9%
exercido sobre a vítima, seja pela diferença de idade, força, identificaram-se como vítimas, 10,9% vítimas / agressores,
ou gênero (Olweus, 1993). Existem três elementos cruciais 12,7% agressores, e 57,5% testemunhas (Lopes, 2005).
que caracterizam o bullying, aceitos por cientistas ao redor Berger (2007) cita outros estudos de prevalência realizados
do mundo, que são a repetição, o prejuízo e a desigualdade por diversos autores em várias partes do mundo. Na No-
de poder (Berger, 2007). ruega foi encontrado um total de 12% de vítimas e 8% de
O bullying tem sido classificado em diferentes tipos agressores; em Portugal 20% de vítimas e 16% de agres-
que incluem o físico, verbal, relacional e eletrônico (Berger, sores; em Malta 32% de vítimas e 27% de agressores e em
2007). O tipo físico envolve socos, chutes, pontapés, empur- escolas rurais dos Estados Unidos foi encontrado um total
rões, bem como roubo de lanche ou material. A tendência é de 82% de vítimas.
que este tipo de ataque diminua com a idade. O tipo verbal
inclui práticas que consistem em insultar e atribuir apelidos
vergonhosos ou humilhantes (Berger, 2007; Rolim, 2008). Os diferentes papéis no cenário do bullying
Este tipo é mais comum do que o tipo físico, principalmente
com o avanço da idade. O tipo relacional é aquele que afeta No cenário do bullying os papéis se dividem, tradi-
o relacionamento social da vítima com seus colegas. Ocorre cionalmente, entre agressor, vítima, vítima/agressor e teste-
quando um adolescente ignora a tentativa de aproximação munhas. O agressor do bullying é aquela criança que agride
de um colega deliberadamente. Este tipo se torna mais pre- outra, supostamente mais fraca, com o objetivo de machu-
valente e prejudicial a partir da puberdade, uma vez que as car, prejudicar ou humilhar, sem ter havido provocação por
crianças aprimoram mais suas habilidades sociais e a apro- parte da vítima (Berger, 2007).
vação dos pares se torna essencial (Berger, 2007). O tipo A vítima de bullying é aquela criança que é constante-
eletrônico, ou cyberbullying, ocorre quando os ataques são mente agredida pelos colegas e, geralmente, não consegue
feitos por vias eletrônicas. Este tipo inclui bullying através de cessar ou reagir aos ataques (Lopes, 2005). Apresenta-se
e-mail, mensagens instantâneas, salas de bate-papo, web mais vulnerável à ação dos agressores por algumas carac-
site ou através de mensagens digitais ou imagens enviadas terísticas físicas, comportamentais ou emocionais. Podemos
pelo celular (Berger, 2007). citar, dentre elas, o fato de ter poucos amigos, ser passivo,
Em relação à frequência e tipos de bullying, Berger retraído e possuir baixa autoestima (Cantini, 2004). Vítima/
(2007) afirma que existem grandes variações entre as na- agressor é a denominação dada àquelas crianças que são
ções, entre as regiões de uma mesma nação e entre as tanto vítimas como agressores. Diferenciam-se dos agresso-
escolas de uma mesma região. Para esta autora, a cultura res e vítimas típicos por serem impopulares e pelo alto índice
pode ser um fator que sustenta tais variações. Outra possi- de rejeição entre seus colegas (Lopes, 2005). Segundo Lo-
bilidade é que as crianças se comportam similarmente ao pes (2005), estas crianças apresentam uma combinação de
redor do mundo, mas a linguagem encobre o que há de co- baixa autoestima, atitudes agressivas e provocativas e pro-
mum entre elas, uma vez que o significado e conotações da váveis alterações psicológicas, merecendo atenção especial.
palavra bullying varia amplamente através do mundo. Outra Podem ser depressivas, ansiosas, inseguras e inoportunas,
complicação é a falta de uma definição operacional comum procurando humilhar os colegas para encobrir suas limita-
dos três elementos que caracterizam o bullying, que são a ções. Apresentam dificuldades com o comportamento impul-
repetição, o prejuízo e a desigualdade de poder. A referida sivo, reatividade emocional e hiperatividade (Lopes, 2005).
autora aponta para um estudo realizado pela United Nation As testemunhas são aquelas crianças e adolescen-
(UN) no qual o termo bullying foi definido antes da aplicação tes que não se envolvem diretamente em bullying, mas par-
das questões do estudo. A definição foi cuidadosamente ticipam como espectadores. Grande parte das testemunhas
produzida e traduzida para a linguagem local, com a escolha sente simpatia pelas vítimas e se sente mal ou triste ao pre-
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senciar colegas sendo vitimizados (Bandeira, 2009; Berger, social. É nesse ambiente que as crianças e os adolescentes
2007). A maioria das testemunhas não consegue apoiar ou têm a oportunidade de expandir sua rede de interações e
auxiliar a vítima de bullying por não saber o que fazer, por relações para além da família, desenvolvendo autonomia,
ter medo de se tornar a próxima vítima ou por medo de fazer independência e aumentando sua percepção de pertencer
algo errado e causar ainda mais problemas (Berger, 2007). ao contexto social. As habilidades sociais, juntamente com
as características de personalidade, contribuem para deter-
minar a forma com que o indivíduo se relaciona com seus
Diferenças de gênero pares e tal aprendizagem serve como um treinamento para
o convívio em sociedade (Cantini, 2004).
Vários autores têm apontado diferenças entre me- O ambiente escolar serve como cenário de vários
ninas e meninos em relação ao bullying (Bandeira, 2009; processos e fenômenos grupais, dentre eles a violência
Boulton & Underwood, 1992; Gini & Pozzoli, 2006; Lisboa, escolar. O termo violência escolar se refere a todos os com-
2005; Sharp & Smith, 1991). Comumente os meninos agri- portamentos agressivos e antissociais, incluindo conflitos
dem tanto meninos quanto meninas, enquanto as meninas interpessoais, danos ao patrimônio e atos criminosos (Lopes,
são agredidas principalmente por outras meninas (Boulton 2005). O comportamento agressivo no contexto escolar não
& Underwood, 1992). A agressão física e a ameaça verbal é um problema recente, nem tão pouco um fenômeno novo.
são mais utilizadas pelos meninos, enquanto as meninas O comportamento agressivo surge na interação social e pode
utilizam formas mais indiretas do bullying, como o uso de ser definido como todo o comportamento que visa causar da-
apelidos, fofocas e exclusão do grupo social (Sharp & Smi- nos ou prejuízos em alguém (Lisboa, 2005). Conforme Lisboa
th, 1991). As meninas geralmente expressam atitudes mais (2005), o comportamento agressivo pode ser considerado
positivas em relação às vítimas, são mais empáticas e dão como um processo decorrente da interação que ocorre entre
mais suporte do que os meninos (Gini & Pozzoli, 2006). En- a pessoa e o seu ambiente físico, social e cultural através
tre os meninos é mais comum a ocorrência de agressividade do tempo, uma vez que emerge na interação social. Dessa
e vitimização (Liang, Flisher, & Lombard, 2007). Os próprios forma, a referida autora aponta que é possível afirmar que
meninos são classificados pelos seus colegas como agres- uma criança está agressiva e não que ela é agressiva.
sores e como vítimas/agressores com uma frequência maior Alguns comportamentos agressivos são esperados
do que as meninas (Lisboa, 2005). durante a adolescência e podem até mesmo ter benefícios
De acordo com Bandeira (2009), o bullying apresenta adaptativos (Hawley, 1999). Entretanto, a agressão entre os
diferentes implicações na autoestima de meninas e meninos pares não deve ser negligenciada ou tratada como parte do
envolvidos nos diferentes papéis e variações de autoestima desenvolvimento. O bullying é um problema sério e pode
nos diferentes papéis para o mesmo sexo. Meninas que são trazer consequências graves aos envolvidos. Pesquisas têm
vítimas/agressoras apresentam uma autoestima mais baixa associado a experiência de vitimização à baixa autoestima,
do que meninos que são vítimas/agressores. Entre as me- sintomas físicos e emocionais, ansiedade, medo, cefaleia,
ninas, baixos níveis de autoestima estão relacionados com enurese, evitação escolar, depressão, ideias suicidas e sui-
o papel de vítima/agressor, o que não ocorre entre os meni- cídio, entre outros (Bandeira, 2009; Berger, 2007; Cantini,
nos. O grupo de agressoras apresenta média mais alta de 2004; Lopes, 2005; Olweus, 1993). Os efeitos do envolvi-
autoestima que o grupo de vítimas/agressoras. Em relação mento em bullying podem persistir por toda a vida escolar e
aos meninos, baixos níveis de autoestima estão relaciona- durante a vida adulta (Rigby, 1998; Olweus, 1993). A adoles-
dos ao papel de vítima. O grupo de testemunhas apresenta cência é identificada na literatura como sendo o período de
maior média de autoestima que o grupo das vítimas. maior ocorrência de bullying (Kenny, Mceachern, & Aluede,
2005). Estudos apontam que o momento de maior incidência
dos episódios de bullying e violência escolar ocorre entre os
O ambiente escolar e o comportamento agressivo nove e os quinze anos de idade (Rolim, 2008).
Tabela 1. Frequência e percentual das categorias dos papéis de bullying por sexo.
Tabela 2. Frequência e percentual do tipo de bullying mais utilizado segundo as vítimas por sexo.
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trando que os meninos foram mais agredidos por meninos A Tabela 3 mostra os possíveis motivos que levam
e as meninas foram mais agredidas por meninas (χ²=47,2, alguns colegas a fazer bullying contra outros. A categoria “ou-
df=2, p<0,05). Em relação à quantidade de agressores, as tros motivos” incluiu preconceito, falta de respeito, inveja ou
vítimas relataram que em 67,7% dos casos os ataques fo- ciúmes dos agressores, porque os agressores são impunes
ram feitos por mais de dois colegas. ou porque eles “se acham”. Foram encontradas diferenças
Quanto ao sentimento gerado nas vítimas, 48,9% significativas entre os sexos mostrando que os meninos acre-
disseram ter ficado com raiva após os episódios de bullying ditam que um dos motivos para o bullying ocorrer é por brin-
e 31,8% disseram que a situação não incomodou. Já 21,2% cadeira (χ²=4,3, df=1, p<0,05) ou porque os agressores são
ficaram preocupados com os outros, 10,8% ficaram com mais fortes (χ²=5,4, df=1, p<0,05). As meninas acreditam que
medo e 9,4% não queriam mais ir à escola. Foram encontra- o bullying ocorre por outros motivos (χ²=17,9, df=1, p<0,05).
das diferenças significativas entre os sexos mostrando que Um total de 390 alunos (83,9%) disse ter sido teste-
os meninos referiram que o fato de ser vítima de bullying não munha de bullying. Desses, 37,8% não fizeram nada, 31,6%
incomodou (χ²=12,3, df=2, p<0,05) e as meninas referiram pediram para o agressor parar, 21,3% ajudaram a vítima e
que o fato de sofrer bullying fez com que elas não quisessem 15,7% pediram ajuda na escola. Foram encontradas dife-
mais ir à escola (χ²=4,9, df=1, p<0,05). renças significativas entre os sexos na opção “não fez nada”
A maioria das vítimas relatou que reagiu aos ataques mostrando que os meninos testemunhas reagiram menos do
se defendendo (47,5%) ou ignorando o fato (47,3%). Outros que as meninas (χ²=4,3, df=1, p<0.05).
pediram ajuda de adultos (13,3%), choraram (10,4%) ou fu- Quanto ao sentimento dos estudantes que foram
giram (2,9%). Foram encontradas diferenças significativas testemunhas, a maioria (78,6%) disse ter se sentido mal
entre os sexos mostrando que os meninos fugiram mais dos ou triste ao presenciar colegas sendo vitimizados, 20,7%
ataques (χ²=4,4, df=1, p<0,05). ignoraram e 5,9% ficaram com medo de acontecer o mesmo
Em relação à tentativa dos colegas em ajudar as víti- com ele. Foram encontradas diferenças significativas entre
mas durante os ataques, 33,8% tentaram ajudar e a situação os sexos mostrando que as meninas se sentiram pior do que
melhorou, 30,9% não tentaram nada, 26,4% tentaram ajudar os meninos (χ²=22,8, df=1, p<0,01) e os meninos ignoraram
e o bullying piorou e 9,7% não sabiam que os colegas esta- mais o fato do que as meninas (χ²=19,8, df=1, p<0,01). Não
vam sofrendo bullying. houve diferença significativa na categoria medo.
Tabela 3. Frequência e percentual dos possíveis motivos para a prática do bullying por sexo.
Da amostra estudada, 54,7% dos alunos se identi- bullying mais utilizado por eles foi o tipo verbal, com a utiliza-
ficaram com agressores. Destes, a maioria (40,8%) o fez ção de apelido, insulto ou deboche (70,7%), seguido do tipo
com um ou mais colegas. A Tabela 4 apresenta a quanti- físico com a utilização de empurrão, chute ou soco (15,4%),
dade de colegas que participaram dos ataques, segundo conforme mostra a Tabela 5. Foram encontradas diferen-
os agressores. Foram encontradas diferenças significativas ças marginalmente significativas entre os sexos mostrando
entre os sexos mostrando que os meninos se identificaram que os meninos utilizaram mais empurrões, chutes e socos
mais como agressores do que as meninas (χ²=15,4, df=4, (χ²=3,7, df=1, p<0,055), enquanto as meninas utilizaram
p<0,05). mais a mentira e a fofoca (χ²=3,6, df=1, p<0,06 ). O relato
Quando questionados sobre quantas vezes ajudaram dos agressores é confirmado pelas vítimas, o que pode ser
a fazer bullying contra outros colegas, 49,1% responderam verificado comparando as Tabelas 2 e 5.
afirmativamente à questão. Foram encontradas diferenças A Tabela 6 mostra os sentimentos dos agressores
significativas entre os sexos mostrando que os meninos em relação aos episódios de bullying. Foram encontradas
(55,2%) afirmaram que ajudaram colegas a fazer bullying diferenças significativas entre os sexos apenas na categoria
com mais frequência do que as meninas (42,4%) (χ²=10,6, “sentiu bem”, mostrando que os meninos se sentiram bem
df=4, p<0,05). Segundo relato dos agressores, o tipo de ao fazer bullying contra colegas (χ²=8,4, df=1, p<0,05).
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Discussão antes da aplicação do instrumento, no qual a pesquisadora
explicou aos alunos sobre o significado do termo bullying
Os achados deste estudo apontaram para um núme- e citou alguns exemplos, com a utilização de uma lingua-
ro alto de alunos que se identificaram como participantes de gem apropriada para a faixa etária dos participantes. Esse
bullying. Do total da amostra estudada, 67,5% afirmaram ter procedimento objetivou certificar que todos os participantes
sido vítima de bullying na escola. Os resultados mostraram tinham conhecimento do significado do termo bullying, por
que meninos e meninas experienciam níveis similares de se tratar de um termo estrangeiro que possui um sentido
vitimização. Esses dados contrariam os achados de Liang específico e rico em determinações.
e cols. (2007) que afirmam que a agressividade e a vitimi- Quanto às diferenças encontradas entre o presente
zação são de ocorrência mais comum entre os meninos. estudo e os achados da ABRAPIA, é possível que os cinco
Quanto aos alunos agressores, 54,7% dos participantes anos que distanciam estes dois estudos exerçam alguma
se identificaram como tal. Os meninos relataram que foram influência nos resultados obtidos. O termo bullying tornou-
mais agredidos por meninos e as meninas, mais agredidas -se mais conhecido no Brasil durante esse período. Entre
por meninas. Esses dados corroboram a literatura (Boulton os adolescentes, o surgimento do jogo eletrônico denomi-
& Underwood, 1992), que afirma que comumente os meni- nado Bully, em 2006, proporcionou um conhecimento maior
nos agridem tanto meninos quanto meninas, enquanto as do termo e de suas ações. Bully (Rockstar Games) é um
meninas são agredidas principalmente por outras meninas. jogo eletrônico que aborda a prática do bullying, tendo como
Em relação às testemunhas, 83,9% dos adolescentes tes- cenário uma escola fictícia onde os estudantes praticam ata-
temunharam colegas sendo vitimizados por outros colegas. ques a colegas e professores. Outro fator que possivelmente
Dentre os 465 participantes, apenas 43 (9,2%) referiram influenciou na diferença encontrada entre as duas pesquisas
não ter se envolvido em bullying de forma alguma. Esses foi a metodologia utilizada, uma vez que a ABRAPIA não re-
dados representam um número bem elevado de alunos que alizou rapport inicial, nem explicou aos alunos o significado
se identificaram como vítimas, agressores e testemunhas de do termo bullying antes da coleta dos dados.
bullying e diferem de dados encontrados em outros estudos. No que se refere ao tipo de bullying mais utilizado,
Estudos nacionais apontam para uma percentagem mais tanto as vítimas quanto os agressores afirmaram que foi o
baixa de alunos envolvidos em bullying, como é possível ve- tipo verbal. Esses dados corroboram a literatura (Berger,
rificar no estudo realizado pela ABRAPIA no Rio de Janeiro 2007), que aponta para o tipo verbal como sendo o tipo de
(Lopes, 2005), que identificou um total de 16,9% de vítimas, bullying mais utilizado durante a adolescência, tanto por
12,7% de agressores e 57,5% de testemunhas. Já os es- meninos quanto por meninas. Esse tipo de bullying pode
tudos estrangeiros divergem bastante em seus achados, passar, muitas vezes, despercebido pelos adultos que con-
com 12% de vítimas na Noruega, 20% de vítimas e 16% de vivem com as crianças e os adolescentes, tanto na escola
agressores em Portugal, 32% de vítimas e 27% agressores quanto na família. Pais e professores apresentam maior ten-
em Malta e 82% de alunos vitimizados em escolas rurais dos dência para cessar o bullying físico do que o bullying verbal.
Estados Unidos (Berger, 2007). Muitos adultos acreditam que a agressão verbal não é tão
O número alto de alunos que se identificou como prejudicial como os ataques físicos. Por não ser tão visível
sendo tanto agressor quanto vítima foi superior ao esperado como a agressão física, que pode deixar marcas evidentes,
inicialmente. Esses dados podem ser explicados pela lite- as marcas deixadas pelo bullying verbal são, de certa forma,
ratura (Berger, 2007), que aponta para grandes variações silenciosas, porém graves. Quanto às diferenças entre os
em frequência e tipo de bullying entre as nações, entre as sexos, os achados desta pesquisa indicaram que os meni-
regiões de uma mesma nação e entre as escolas de uma nos utilizaram mais empurrões, chutes e socos e as meninas
mesma região. Sendo o bullying um fenômeno multicausal, utilizaram mais mentiras e fofocas. Esses dados corroboram
são muitos os fatores envolvidos que podem contribuir para a literatura (Sharp & Smith, 1991), que aponta que os me-
essas diferenças. Podemos citar como exemplo a metodo- ninos tendem a utilizar a agressão física e a ameaça ver-
logia empregada na coleta de dados, as diferenças entre bal, enquanto as meninas utilizam formas mais indiretas de
as escolas estudadas, as diferenças que ocorrem entre as bullying, como agressão verbal, apelido, insulto e fofoca.
nações, a cultura de cada local, a classe social, a etnia, a A maioria das vítimas disse ter sido agredida por dois
idade e o sexo dos participantes (Berger, 2007). É possível ou três colegas. Quanto aos agressores, a maioria relatou ter
que o procedimento realizado no presente estudo tenha sido feito bullying juntamente com mais de um colega, ou mesmo
um fator de influência nas respostas dos participantes. Os ajudado alguns colegas a fazer bullying contra outros. Os
achados deste estudo corroboram os dados encontrados resultados deste estudo demonstraram que isso ocorre com
pela United Nation (U. N.) (Berger, 2007), que apresenta- maior frequência entre os meninos. Esses achados refor-
ram alta prevalência de alunos envolvidos em bullying. O çam a literatura (Berger, 2007; Cantini, 2004; Lopes, 2005;
procedimento realizado na presente pesquisa se asseme- Olweus, 1993; Rigby, 1998), que aponta para a assimetria
lhou ao realizado pela U.N., que definiu o termo bullying na de forças presente na dinâmica do bullying. Tal assimetria
linguagem local antes da aplicação das questões, permitin- pode ocorrer pela diferença numérica, em que vários estu-
do que todas as crianças pudessem interpretar bullying da dantes agem de forma agressiva contra uma única vítima,
mesma forma. No presente estudo foi realizado um rapport ou pela diferença de força ou poder que estão presentes
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escolas. Mesmo fazendo parte da vida escolar de crianças Gini, G., & Pozzoli, T. (2006). The role of masculinity in children’s
e adolescentes há muito tempo, os estudos relacionados ao bullying. Sex Roles, 54, 585-588.
tema têm apontado para a gravidade das consequências
entre os estudantes envolvidos. Os achados sugerem a Hawley, P. H. (1999). The ontogenesis of social dominance: A
necessidade de novas pesquisas que avaliem mais ampla- strategy-based evolutionary perspective. Developmental Review,
mente as diferenças de gênero envolvidas no bullying. Tal 19, 97-132.
avaliação irá permitir melhores intervenções para o fenôme-
no e uma melhor compreensão da complexa interação entre Kenny, M. C., Mceachern, A. G., & Aluede, O. (2005). Female bullying:
os diferentes fatores individuais e do contexto, presentes no Prevention and counseling interventions. Journal of Social
fenômeno do bullying. As estratégias antibullying exigem um Sciences, 8, 13-19.
comprometimento das escolas com o desenvolvimento de
trabalhos contínuos de prevenção, adotando condutas ade- Liang, H., Flisher, A. J., & Lombard, C. J. (2007). Bullying, violence
quadas que possam reduzir esse problema de forma eficaz. and risk behavior in South African school students. Child Abuse &
As ações de prevenção contra o bullying devem in- Neglect, 31, 161–171.
cluir em primeiro lugar o conhecimento, por parte de toda a
comunidade escolar, acerca do fenômeno. Devem ser institu- Lisboa, C. S. M. (2005). Comportamento agressivo, vitimização e
ídas políticas públicas que priorizem a redução e prevenção relações de amizade em crianças em idade escolar: fatores de
do bullying nas escolas de todo o país. É necessário inves- risco e proteção. Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação
timento e treinamento de profissionais da área da educação em Psicologia do Desenvolvimento, Instituto de Psicologia,
para elaboração e execução de programas de prevenção Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre..
ao bullying. Torna-se necessária a tomada de consciência
das graves consequências desse fenômeno que merece a Lisboa, C., & Koller, S. H. (2003). Interações na escola e processos
atenção de pesquisadores, professores e profissionais que de aprendizagem: fatores de risco e proteção. Em E. Boruchovitch
atuam nas escolas, pais e comunidade em geral. & J. A. Bzuneck (Eds.), Aprendizagem: processos psicológicos e
o contexto social na escola (pp. 201-224). Petrópolis, RJ: Vozes.
Bandeira, C. M. (2009). Bullying: autoestima e diferenças de gênero. Rigby, K. (1998). The relationship between reported health and
Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia, Universidade involvement in bully/victim problems among male and female
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. secondary school students. Journal of Health Psychology, 3(4),
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Berger, K. S. (2007). Update on bullying at school: Science forgoten?
Developmental Review, 27, 90-126. Rolim, M. (2008). Bullying: o pesadelo da escola, um estudo de caso
e notas sobre o que fazer. Dissertação de Mestrado, Programa
Boulton, M. J., & Underwood, K. (1992). Bully/victim problems among de Pós-Graduação em Sociologia, Instituto de Sociologia,
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62, 73-87.
Sharp, S., & Smith, P. K. (1991). Bullying in UK schools: The DES
Cantini, N. (2004). Problematizando o bullying para a realidade Sheffield Bullying Project. Early Childhood Development and Care,
brasileira. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação 77, 47-55.
em Psicologia do Centro de Ciências da Vida, Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, Campinas, São Paulo.
Trabalho derivado da dissertação de mestrado intitulada Bullying: autoestima e diferenças de gênero, da aluna Cláudia de Moraes Bandeira.
44 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 35-44.
Preconceitos na escola: sentidos e significados
atribuídos pelos adolescentes no ensino médio
Resumo
Este artigo discute de que forma o adolescente compreende e vivencia o preconceito na escola. O principal objetivo foi investigar os significados
e sentidos atribuídos às situações de preconceito por adolescentes. Para coleta de dados utilizou-se entrevista semidirigida com 12 estudantes
entre 14 e 17 anos de uma escola pública e uma privada de Joinville. Utilizaram-se para a fundamentação teórica os seguintes autores: Heller
(1989), Silva (2005), Ozella (2002) e Aguiar (2006). Por meio da análise dos relatos foram criados quatro núcleos de significação: a) preconceitos:
tipos e significados, b) manifestações de preconceito e sentimentos, c) movimentos de inclusão/exclusão na escola: a visão dos adolescentes
e d) preconceito: equívocos e silenciamentos nas discussões escolares. As discussões revelam ambiguidades e dificuldades para identificar e
discutir as situações de preconceito vivenciadas na escola. Tais resultados apontam para a necessidade de trabalhar a temática da diversidade
e do preconceito com mais frequência no espaço escolar.
Palavras-chave: Preconceito, adolescentes, inclusão escolar.
In this article we discuss how the adolescents understand and experience the School prejudice. The main objective is to investigate the significance
and meanings attributed to situations of prejudice among adolescents. For data collection we used semi-structured interviews with 12 students
between 14 and 17 years from a public school and a private in Joinville – Southern Brazil. Heller (1989), Silva (2005), Ozella (2002) and Aguiar
(2006) are our theoretical supports. Through the analysis of the reports we created four different meanings: a) prejudices: types and meanings,
b) manifestations of prejudice and feelings, c) movements of inclusion / exclusion from school: the perceptions of adolescents and d) Prejudice:
misconceptions and silences during school discussions. The discussions reveal ambiguities and difficulties to identify and address the situations
of prejudice experienced in school. These results point to the need to work the issue of diversity and prejudice more frequently at school.
Keywords: Prejudice, adolescents, school inclusion.
Este artículo discute de que forma el adolescente comprende y vive el prejuicio en la escuela. El principal objetivo fue investigar los significados
y sentidos atribuidos a las situaciones de prejuicio por adolescentes. Para la recopilación de datos se utilizó entrevista semidirigida con 12
estudiantes entre 14 y 17 años de una escuela pública y una privada de Joinville. Para la fundamentación teórica se utilizaron los siguientes
autores: Heller (1989), Silva (2005), Ozella (2002) y Aguiar (2006). Por medio del análisis de los relatos se crearon cuatro núcleos de significación:
a) prejuicios: tipos y significados, b) manifestaciones de prejuicio y sentimientos, c) movimientos de inclusión/exclusión en la escuela: la visión de
los adolescentes y d) prejuicio: equívocos y silenciamientos en las discusiones escolares. Las discusiones revelan ambigüedades y dificultades
para identificar y discutir las situaciones de prejuicio vividas en la escuela. Tales resultados señalan la necesidad de trabajar la temática de la
diversidad y del prejuicio con más frecuencia en el espacio escolar.
Palabras Clave: Prejuicio, adolescentes, inclusión.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 45-54. 45
Introdução Dessa forma, este estudo tem como objetivo inves-
tigar os significados e sentidos atribuídos às situações de
A palavra preconceito, tal como as palavras democra- preconceito pelos adolescentes, visando contribuir para a
cia, comunidade, diálogo, diversidade, inclusão e respeito, compreensão sobre como estes entendem e vivenciam o
dentre outras, nos remete a significados ambíguos, como preconceito no ambiente escolar, nesta sociedade moderna,
nos alertam Larrosa e Skliar (2001, p. 11): “cada uma delas ocidental, urbana e letrada, pois essas relações adquirem
com sua parte de verdade e sua parte de manipulação”. especial relevância, sendo constitutivas das identidades da-
Vygotsky faz uma diferenciação entre o sentido e o signi- queles que a vivenciam.
ficado da palavra, “o sentido de uma palavra é a soma de
todos os eventos psicológicos que a palavra desperta em
nossa consciência (...). O significado é apenas uma das Adolescências e preconceitos: pressupostos
zonas do sentido, a mais estável e precisa” (1993, p. 125). teóricos
Assim, entende-se que os significados das palavras com-
põem a consciência individual, mas são, ao mesmo tempo, A adolescência, de acordo com a abordagem sócio-
construídos no âmbito interindividual, têm um caráter social. -histórica de psicologia, é uma construção cultural. Segundo
Na escola esses termos (democracia, comunidade, diálogo, Ozella (2002, p. 21), ela “é um momento significado e inter-
diversidade, inclusão e respeito), a partir da década de 1990, pretado pelo homem. Há marcas que a sociedade destaca
com a eclosão dos ideais inclusivos, ganham cada vez mais e significa. Mudanças no corpo e desenvolvimento cognitivo
destaque, mesmo que seus sentidos e significados divirjam são marcas que a sociedade destacou”. Assim, pode-se afir-
dependendo daquele que os pronuncia e da forma como mar que a adolescência, mesmo em uma única sociedade,
são vivenciados. Tal como destaca Baptista (2009, p.7), no não ocorre da mesma forma nas diversas classes sociais.
último século, progressivamente, se amplia o universo dos Desse modo, entende-se que o jovem se constitui
“escolarizáveis”. De acordo com o autor: e é constituído por meio de múltiplas influências: a família,
a escola, os amigos, a mídia, entre outras, e é com base
Em nenhum momento histórico precedente essa ampliação nestas influências que sua identidade é forjada. No entan-
assumiu características tão amplas quanto aquelas to, a concepção vigente na psicologia sobre adolescência
que emergiram no final do século XX. Além da meta de está fortemente ligada a estereótipos e estigmas, desde
escolarização de classes populares, fenômeno típico desse que Stanley Hall a identificou como uma etapa marcada por
recente momento da história humana, passa a ser defendida tormentos e conturbações vinculadas à emergência da se-
a meta de que a escola deve atender a todas as crianças, xualidade (Ozella, 2002).
inclusive aquelas consideradas “diferentes”, em função de Pode-se afirmar então que a visão estereotipada que
deficiência ou desvantagens várias. se tem da adolescência cria formas identitárias que apri-
sionam o jovem, estabelecendo assim padrões atitudinais
Dessa forma, a tarefa (im)posta à escola de formar que colocam o adolescente em estereótipos tais como ser
“todos os sujeitos” traz para dentro de seus muros e para chamado de “aborrecente”. Entretanto, diferentes subje-
todos aqueles que ali convivem o desafio de lidar com a tividades são constituídas a partir do modelo posto social-
diversidade. Salles e Silva (2008, p. 150), ao discutirem as mente, nos diferentes espaços-tempos de convivência dos
relações entre diferenças, preconceitos e violência no âmbi- adolescentes. Nesse sentido, a escola tem se mostrado um
to escolar, pontuam que: dos espaços privilegiados para fomentar esta constituição,
já que ali estão colocadas várias problemáticas referentes
Nas escolas, os adolescentes e jovens interagem com outros, ao adolescer hoje, como a questão dos grupos, dos valores,
adolescentes e jovens, que são diferentes deles ou de seu da sexualidade, das regras e normas postas pela escola e
grupo de referência em função, entre outros aspectos, da que são muitas vezes contestados pelos adolescentes, en-
cor, da sexualidade, da nacionalidade, do corpo, da classe tre outros.
socioeconômica. No espaço escolar essa interação com o Uma das questões que emerge, na relação dialéti-
diferente, quando não é problematizada, se dá por meio de ca, desse convívio social dentro da escola diz respeito aos
relações interpessoais pautadas por conflitos, confrontos e movimentos de inclusão/exclusão que geram várias formas
violência. de preconceitos e violências nas relações interpessoais, os
quais, por sua vez, reforçam as exclusões e inclusões em
Ainda de acordo com as mesmas autoras, torna-se determinados grupos, espaços e situações. Portanto, há
fundamental para proposição de alternativas mais inclusivas que estar atento para as condições em que se encontram
e democráticas de convivência escolar “compreender e re- os jovens nas instituições escolares, pois, como apontam
fletir sobre as formas de construção das identidades, das Salles & Silva (2008, p. 155-156), muitas vezes, é ali que os
diferenças e preconceitos e como esses elementos estão adolescentes “são reduzidos a estereótipos que são cons-
presentes nas relações cotidianas na escola” (Salles & Silva, truídos em relação a ele e que podem promover conflitos
2008, p. 164). entre estes e o mundo adulto, no caso direção, professores
e funcionários da escola, bem como entre os próprios jo-
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vens”. Identificados com grupos marginais na escola e na como indivíduo”. Assim, torna-se fundamental compreender
sociedade, torna-se muito difícil romper com o preconceito os movimentos de construção simbólica da realidade, por
a qual se veem submetidos, o que dificulta que os jovens meio dos quais vai se configurando e confirmando aquilo
atribuam novos sentidos às suas relações e a si mesmos. que é socialmente considerado como estranho e anormal,
Para explicar como se engendra o preconceito em nossa imoral e patológico, entre outros critérios classificatórios da
sociedade utilizar-se-ão alguns conceitos de Agnes Heller. normalidade/anormalidade.
Segundo Heller (1989), o preconceito é categoria Na escola uma diferença estigmatizada pode pro-
do pensamento e do comportamento cotidiano. Contudo, a cessar uma “institucionalização invisível1”, aprisionando o
autora afirma que não é por fazer parte da vida cotidiana aluno no lugar daquele que não aprende, que é incapaz,
que os preconceitos devem ser naturalizados e aceitos. Em doente. São estigmas que se dão pela pertença social,
suas palavras, “quem não se liberta de seus preconceitos pela cor da pele, pela deficiência, pela impossibilidade do
artísticos, científicos e políticos acaba fracassando, inclusive enquadramento às normas que diferem da normatividade
pessoalmente” (Heller, 1989, p. 43). aprendida/vivida (Moysés, 2001). Os estigmas, construções
Entretanto, problematizar as situações que envolvem multideterminadas socialmente, são edificados ao longo do
preconceitos, desmistificar suas origens não é tarefa fácil, tempo e implacáveis com aqueles que não se enquadram
justamente porque as pessoas imersas na vida cotidiana nos padrões socialmente estabelecidos.
precisam de certa praticidade, de “pragmatismo” para que Charlot (2000), ao discutir a necessária relação entre
a vida flua. Para tanto, uma das características da vida aprender e tornar-se humano, afirma que, além da aquisição
cotidiana é a ultrageneralização. Segundo Heller (1989, p. de conteúdos intelectuais, é imprescindível que o sujeito do-
44), chegamos à ultrageneralização de nosso pensamen- mine algumas atividades e alguns dispositivos relacionais.
to e comportamento cotidiano de duas maneiras: “por um Dessa maneira, coloca em evidência que as formas de se
lado, assumimos estereótipos, analogias e esquemas já relacionar são aprendidas, ressaltando que essa aprendiza-
elaborados; por outro, eles nos são ‘impingidos’ pelo meio gem se dá nas situações de interação. Para o autor, estar
em que crescemos”. Devido a essas condições, muitas incluído em determinadas relações possibilita aprender:
pessoas demoram a adotar uma “atitude crítica” em relação
aos esquemas recebidos, e outras nunca chegam a fazê-lo. a ser solidário, desconfiado, responsável, paciente [...] em
Pode-se dizer, então, que as ultrageneralizações são “juízos suma, a ‘entender as pessoas’, ‘conhecer a vida’, saber
provisórios” ou “regra provisória de comportamento”, que quem se é. Significa, então, entrar em um dispositivo
nos permitem transitar pelas várias atividades que temos relacional, apropriar-se de uma forma intersubjetiva, garantir
que realizar, parafraseando Heller (1989, p. 44): “provisória um certo controle de seu desenvolvimento pessoal, construir
porque se antecipa à atividade possível e, nem sempre, mui- de maneira reflexiva uma imagem de si mesmo (Charlot,
to pelo contrário, encontra confirmação no infinito processo 2000, p.70).
da prática”. Mas, quando esses juízos provisórios são refu-
tados pela ciência e por uma experiência cuidadosamente Infere-se de tal colocação que estar excluído de
analisada e, mesmo assim, conservam-se inabalados contra determinadas relações também promove vivências que in-
todos os argumentos da razão, estamos diante de um pre- fluenciam na forma de se relacionar com o mundo, com o
conceito (Heller, 1989). Nas relações interpessoais essa ca- outro e consigo mesmo. Pois, como coloca Aquino (1998,
racterística da vida cotidiana pode levar a padrões rígidos de p. 138),
interação, como apontam Salles e Silva (2008, p. 155-156):
a escola é o lugar não só de acolhimento das diferenças
A sociedade categoriza pessoas em função, dentre humanas e sociais encarnadas na diversidade de sua
outros aspectos, do que considera comum e natural para clientela, mas fundamentalmente o lugar a partir do qual
um grupo social, uma faixa etária ou um status social. se engendram novas diferenças, se instauram novas
As preconcepções que construímos sobre um grupo de demandas, se criam novas apreensões acerca do mundo já
pessoas são transformadas em expectativas e normas de conhecido.
comportamento e esperamos que elas ajam de acordo com
elas. Desse modo, considera-se que estudos sobre pre-
conceitos com jovens do ensino médio são relevantes tendo
Nessa perspectiva, entende-se que a manifestação em vista compreender como as identidades são constituídas
do preconceito é individual, mas sua constituição se dá por nos espaços escolares, pois, como afirma Charlot (2000,
meio das relações que cada um estabelece, as quais são p.72), “em princípio, existem muitas maneiras de ‘tornar-se
permeadas por uma determinada história cultural e social. 1 Segundo Moysés (2001), a institucionalização invisível se dá
Eminente estudioso do tema no Brasil, Crochík quando crianças que inicialmente são normais são submetidas
(2006, p. 13) destaca que, embora o preconceito “seja um a olhares que só conseguem enxergar defeitos, carências e
doenças. Tais crianças são estigmatizadas, discriminadas,
fenômeno também psicológico, aquilo que leva um indivíduo
tornando-se incapazes e realmente doentes. Efetiva-se assim uma
a ser ou não ser preconceituoso pode ser encontrado no seu institucionalização invisível por meio da qual as crianças, mesmo a
processo de socialização, no qual se transforma e se forma céu aberto, são confinadas, disciplinadas e controladas.
Preconceitos na escola * Aliciene Fusca Machado Cordeiro & Jully Fortunato Buendgens 47
alguém’ [...], mas a sociedade moderna tende a impor a fi- compreender o significado do que foi dito, como esse sig-
gura do saber-objeto (do sucesso escolar) como sendo uma nificado foi construído e os sentimentos implicados nessa
passagem obrigatória, para se ter o direito de ser ‘alguém’”. significação. Na concepção de Aguiar (2006), os núcleos de
significação “têm como critério a articulação de conteúdos
semelhantes, complementares ou contraditórios, (...) devem
Método expressar pontos centrais e fundamentais que trazem im-
plicações para o sujeito que o envolvam emocionalmente”
Para coleta de dados foram entrevistados 12 estu- (p. 20).
dantes, divididos igualmente entre escola pública e escola Para iniciar a análise, como coloca a mesma autora, a
privada de uma cidade do sul do Brasil. Dos estudantes palavra com significado é a primeira unidade que se destaca
entrevistados: quatro estudantes cursavam o primeiro ano no momento ainda empírico da pesquisa. Assim, é preciso
do ensino médio, quatro, o segundo ano e quatro, o terceiro partir das palavras inseridas na conjuntura que lhes atribui
ano. A idade dos participantes variou entre 14 e 17 anos. A significado, considerando, assim, desde a narrativa do sujei-
escolha por sujeitos tanto da esfera pública como privada to até as condições histórico-sociais que o constituem. Dos
deve-se à intenção de identificar possíveis diferenças sobre indicadores obtidos nas primeiras análises foram criados
preconceito e suas vivências entre os dois grupos. núcleos de significação com o intuito de compreender como
O instrumento utilizado foi a entrevista semidirigida, são significadas e sentidas as situações de preconceito pe-
que foi gravada e transcrita para posterior análise descri- los diferentes sujeitos na escola.
tiva e qualitativa. Os questionamentos a respeito do tema
foram: 1) o que significa preconceito para você?; 2) você já
viu algum colega ser excluído na escola?; 3) o que você fez, Resultados e Discussão
sentiu ou pensou diante de uma situação de preconceito?;
4) você já foi tratado de forma diferente na escola?; 5) você A partir da análise dos relatos foram criados quatro
já teve preconceito por algum colega?; 6) você já participou núcleos de significação: a) preconceitos: tipos e significa-
de trabalhos em sala de aula a respeito de preconceitos ou dos, b) manifestações de preconceito e sentimentos, c)
sobre a diversidade humana?. movimentos de inclusão/exclusão na escola: a visão dos
Após contato com os responsáveis pelas instituições adolescentes e d) preconceito: equívocos e silenciamentos
de ensino e tendo aprovação para a realização da pesqui- nas discussões escolares.
sa, buscou-se em conjunto com estes a melhor forma de
apresentar a pesquisa aos alunos. Os coordenadores das
próprias escolas distribuíram uma “carta convite” a todos os a) Preconceito: tipos e significados
estudantes com explicações a respeito da investigação que
seria realizada. Foram citados diferentes tipos de preconceitos entre
A partir do interesse manifesto por 12 estudantes, os estudantes entrevistados, que serão destacados por or-
estes receberam duas cópias do Termo de Consentimento dem crescente em relação ao número de estudantes que
Livre e Esclarecido (TCLE), por meio do qual o responsável as citaram: características físicas (1), religião (1), maior ou
autorizou sua participação na pesquisa. Todos esses proce- menor desempenho na aprendizagem (3), comportamento
dimentos ocorreram conforme as normas do Comitê de Ética (3), deficiências (3), homossexualidade (4) e ainda a ques-
em Pesquisa com Seres Humanos – Res. 196/96. tão racial2 (5).
Após a transcrição das gravações, fez-se ampla Por intermédio da análise das falas dos entrevistados
leitura do material obtido, tendo como referencial teórico- foi possível perceber dois diferentes significados atribuídos
-metodológico a abordagem da psicologia sócio-histórica, às situações de preconceito: julgar e menosprezar. Sendo
que tem como base o materialismo histórico dialético. Nessa assim, nove estudantes descreveram o preconceito como
abordagem, entende-se que o preconceito tem suas raízes forma de julgar o outro, tal como apontam as seguintes
tanto na história de vida de cada um desses sujeitos, como falas: “As pessoas julgam as outras sem ter conhecimento
são marcadas pelo contexto cultural, social e histórico em delas”, “Tipo, a gente fala que uma pessoa é isso, mas não
que estão inseridos. tem certeza que ela é, você está julgando uma pessoa sem
Parafraseando Aguiar (2006, p. 11), “concordamos saber como ela é ou não (...) uma opinião pré-formada”, ou
com Vygotsky, quando afirma que não existe método alheio ainda: “Pra mim preconceito é uma pessoa tirar conclusão
a uma concepção de realidade, de relação homem-mundo.”
2 Tal como destaca Schucman (2010, p.44), considera-se racismo
Assim, referenda-se que a abordagem desta pesquisa é
“qualquer fenômeno que justifique as diferenças, preferências,
aquela que entende o homem como constituído socialmen- privilégios, dominação, hierarquias e desigualdades materiais e
te, por meio de suas relações sociais, que modifica o mun- simbólicas entre seres humanos, baseado na ideia de raça”. De
do ao mesmo tempo em que se modifica, portanto que se acordo com a mesma autora, no século XX estudiosos das ciências
biológicas e genéticas chegaram à conclusão de que raça como
transforma.
realidade biológica não existe. Contudo, no Brasil, pesquisas de
Na análise dos dados foram construídos núcleos de relações raciais mostram que cor e a ideia de raça estão atreladas
significação considerando as falas transcritas, buscando ao imaginário social brasileiro.
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precipitada, por outra pessoa; por exemplo, ela pode olhar do preconceito presente em nosso cotidiano é a atitude pa-
a pessoa, já rotular a pessoa, fazer críticas, ela não tem ternalista da caridade” (Itani, 1998, p.123). A fala a seguir,
conhecimento, experiência com essa pessoa para poder referente a um estudante com deficiência visual, demonstra
afirmar”. claramente o que a autora nos diz:
Três dos estudantes afirmaram que o preconceito é
uma forma de menosprezar o outro, como retrata a seguinte Na minha turma tem um estudante que é cego (...) ele
fala: “é algo que faz você rebaixar aquela outra pessoa”. tem uma dificuldade, daí a gente dita as coisas do quadro
Podemos dizer, a partir da análise dos dados, que há para ele e acaba atrapalhando a gente, atrapalhando entre
uma diferença significativa entre a primeira forma de compre- aspas, porque ele é um amigo, tem que ajudar, entendeu?
ender o preconceito e a segunda. Quando relacionado a um (...) porque ele não pode ir em todo lugar sozinho, lá em
julgamento prévio, o preconceito se qualifica muito mais como cima tem que levar pelo braço, daí incomoda.
um “juízo provisório”, que se caracteriza por sua possibilidade
de ser refutado no momento em que uma situação coloca à Percebe-se ainda a partir desta fala o preconceito
prova aquele pré-conceito. Já quando relacionado a uma ati- velado, sutil, pois o que se quer dizer quando uma pessoa
tude de menosprezar evidencia-se o enrijecimento das rela- está atrapalhando entre “aspas”? Segundo a fala de Crochik
ções, envolvendo inclusive uma valoração, colocando aquele (2005, p.43), “o preconceito em sua tendência recente é
que manifesta o preconceito em uma posição superior àquele distinto do desenvolvido em outros tempos, o anterior en-
que sofre o preconceito. Essa inflexibilidade nas relações é volvia diretamente a paixão; o atual; a frieza”. Talvez essas
que se torna preocupante quando pensamos na convivência “aspas” vieram substituir as ofensas ou ainda a violência.
com as diferenças dentro da escola, pois, como destaca Ar- Atualmente, alguns estudiosos falam em preconceito sutil,
changelo (2005, p. 118), “o preconceito é o conforto da razão, em contraste com o preconceito flagrante de outrora. A ex-
pois ela não enfrenta os conflitos, não é impulsionada a rever pressão do preconceito em alguns momentos não é mais
julgamentos e posturas já realizadas, não é, portanto, checa- tão evidente. Como em um jogo de esconde-esconde, o
da a partir das evidências da realidade”. preconceito se torna impalpável, pois se mascara na boa
É relevante ressaltar que dois entrevistados não vontade daqueles que são preconceituosos, escamoteia-se
conseguiram atribuir uma definição ao preconceito. Pode-se no uso das palavras corretas para referir-se às minorias, aos
perceber essa dificuldade pelas seguintes falas: “é como, excluídos.
tipo, ter preconceito com pessoas cadeirantes (...) eu sei o Os sentimentos identificados diante das manifesta-
que é, mas não consigo colocar em palavras” e ainda: “pre- ções de preconceito foram culpa, pena, nojo, impotência,
conceito é uma coisa ridícula, não sei outra palavra pra falar entretanto chama a atenção que quatro dos sujeitos não
que não seja ridícula! [...] Não saberia colocar em palavras”. conseguiram definir como se sentiam, tal como denota a fala
Heller (1989) justifica a dificuldade encontrada pelos a seguir: “me senti mal, me senti horrível”.
sujeitos em conceituar o preconceito, pois acredita que o As dificuldades aqui percebidas em nomear os senti-
meio no qual se cresce pode impor certos pensamentos e mentos podem ser explicadas se considerarmos que apren-
comportamentos cotidianos, muitas vezes difíceis de serem demos a significar as nossas vivências afetivas nas relações
percebidos, e por isso pode-se passar muito tempo até que com os outros. Assim, é com o outro (pais, irmãos, amigos,
os percebamos com atitude crítica. professores etc.) que desenvolvemos nosso aprendizado
afetivo, inserindo-nos na cultura e aprendendo a nomear
emoções e sentimentos, sendo guiados nas formas aceitá-
b) Manifestações de preconceito e sentimentos veis de expressá-los e de como devemos lidar com eles.
Segundo Oliveira e Rego (2003, p. 23):
As manifestações de preconceitos nem sempre são
explícitas, muitas vezes dentro da escola elas estão presen- a gênese da vida afetiva social é mediada pelos significados
tes de forma dissimulada. Assim, estas expressões podem construídos no contexto cultural em que o sujeito se insere.
acontecer em forma de gestos, risos ou sarcasmos (Itani, Tais postulados autorizam que se refutem quaisquer
1998). hipóteses que relacionem traços emocionais do sujeito
Tal como verificamos nas falas a seguir: “Não que eu a fatores inatos (...) já que eles estão em processo de
faça alguma coisa, não chego a excluir e nem tratar mal, permanente configuração mediados pelos significados e
mas eu fico com um pé atrás”; “Na sala sempre tem aquele situações sociais.
aluno que tem mais dificuldade de aprender, eu acho que
isso é bem constante na sala, alguns são isolados, outros Tendo em vista que formas relacionais, afetivas e
são motivo de chacota” e ainda: “Eu tenho um amigo que é cognitivas são aprendidas, podemos esperar que as dife-
emo, daí eu fico pegando no pé dele, mas é meu amigo, todo rentes instâncias educativas (escola, família etc.) fomentem
mundo entende, leva na brincadeira”. discussões e ações que permitam interações baseadas em
O preconceito pode também aparecer de forma mais valores menos excludentes.
cruel no cotidiano em sala de aula, “o preconceito revela-
-se em atitudes, por vezes de modo perverso. Uma prática
Preconceitos na escola * Aliciene Fusca Machado Cordeiro & Jully Fortunato Buendgens 49
c) Movimentos de inclusão/exclusão na escola: a -se que as sociedades estipulam os conjuntos de indivíduos
visão dos adolescentes que possuem atributos depreciativos ou aceitáveis. Esses
parâmetros são determinados pela conjuntura cultural e his-
A escola é pela sua constituição o lócus da diversi- tórica na qual aquela sociedade se desenvolveu, portanto
dade, por isso, ao mesmo tempo em que é uma das institui- esse padrão de “normalidade” pode variar e aqueles que
ções responsáveis pela socialização de valores pertinentes não correspondem a este parâmetro correm o risco de se-
ao reconhecimento e respeito às diferenças dentro de uma rem estigmatizados (Goffman, 1982).
sociedade, ela também reproduz juízos, crenças, estere- Ainda Gentili (2001), ao discutir os parâmetros sociais
ótipos e significados que estabelecem e refletem padrões de normalidade, aponta que, enquanto a “anormalidade” tor-
de normalidade e por conseguinte estabelece critérios de na os acontecimentos visíveis, a “normalidade” costuma ter
exclusão das relações sociais. Aquino (1998) afirma que a a faculdade de ocultá-los. Dessa maneira, pode-se afirmar
escola sempre foi considerada uma instituição de seleção e que o “normal” torna-se cotidiano. Um dos motivos mais
diferenciação social, sendo assim não se pode negar a se- citados pelos entrevistados para a exclusão de seus colegas
letividade que está presente na prática institucional escolar é a questão racial, tal como se evidencia no relato a seguir:
e, por vezes, de caráter elitista. A vivência do preconceito
pode ser notada pelos movimentos de exclusão, que são (...) tenho até vergonha de falar, mas é porque ele era negro,
muito presentes no cotidiano brasileiro. Assim, com relação daí estava fazendo trabalho com ele, estava até na 7ª série,
a presenciar situações de exclusão na escola, 11 do total de aí ele falou alguma coisa, daí eu falei: -‘Meu, cara, não faz
12 estudantes relatam já terem visto tais situações. Como trabalho de preto! Daí ele ficou me olhando, daí eu pedi
explicitam as falas: “Já, isso tem bastante, tem muito de desculpa. É meio que as pessoas falam sem pensar, não
classe inferior na escola, tem também de raça negra, tem tinha a intenção de ofender ele pelo fato dele ser negro, só
de alguém que tem alguma deficiência, de um aluno que queria falar que o trabalho não estava bem feito.
tem mais dificuldade em alguma coisa (...)”, “sim, (...) o povo
meio que olha assim pra gente, discrimina pela franja, calça Outro estudante comenta:
colada, tênis”.
Esses dados se diferenciam da pesquisa realizada (...) só de preconceito racial que me lembre. Assim, tipo,
por Maggie (2006) em 21 escolas do Rio de Janeiro com 391 tinha um menino na minha sala que ele era mais “escurinho”,
estudantes, a qual visava desvendar as percepções dos en- assim, aí ele não tinha com quem fazer trabalho, aí eu queria
trevistados sobre a escola, o Programa Sucesso Escolar e fazer trabalho com ele, porque não tinha ninguém para fazer,
outras iniciativas da Secretaria Estadual de Educação, a dis- aí minha amiga não queria porque ele era negro.
criminação e ainda sobre a política de reserva de vagas nas
universidades públicas. Essa pesquisa questionou estudan- Essas falas demonstram, além da exclusão pela cor
tes sobre o fato de terem visto alguém sofrer discriminação da pele, outras duas questões para discutir. A primeira é so-
e, a partir das respostas, verificou que, dos respondentes, bre as internalizações de conceitos sociais que adquirimos
60,7% disseram não ter visto ninguém sofrer discriminação, ao longo de nossa vida; e a segunda remete à primeira e
enquanto 39,3% responderam sim. A discrepância observa- diz respeito à influência de colegas nas posturas diante das
da entre a pesquisa citada e esta sugere maior atenção ao situações de preconceito.
entorno social, histórico e cultural quando se trata da temá- As raízes do preconceito desenvolvem-se a partir da
tica que envolve o preconceito, pois, como fica evidenciado, infância, assim a dificuldade em lidar ou identificar o pre-
tais aspectos influenciam nas percepções que se tem sobre conceito envolve nosso processo de formação desde muito
esse tema. cedo, pois fomos cegados pelas práticas sociais preconcei-
Na escola existem diferentes motivos para a exclu- tuosas, começando pelo convívio na família (Silva, 2005).
são de um estudante, os quais se manifestam de diferentes Frenette (2000, citado por Silva, 2005, p. 140), destaca, em
maneiras e situações. Entre esses motivos, segundo os en- relação ao preconceito racial, que é “na família e na escola
trevistados, encontram-se, por exemplo, os diferentes ritmos que fazemos nosso primeiro curso de racismo, pois desde
de aprendizagem, como no caso das pessoas que têm uma muito cedo aprendemos a nos identificar e a elogiar a bran-
aprendizagem que foge àquela estabelecida como normal. cura da pele e a associar à pele escura a ausência de digni-
As falas seguintes remetem à reflexão a respeito do dade”. Quando um estudante do ensino médio fala que “não
que seja “normalidade”: “Ano passado, uma menina entrou tinha a intenção de ofender ele pelo fato dele ser negro, só
na escola e ninguém gostava dela porque ela era bem CDF, queria falar que o trabalho não estava bem feito” mostra que
era mais na dela” e ainda: “Na sala sempre tem aquele aluno valores dos adultos aprisionam as crianças – que um dia se
que tem mais dificuldade de aprender [...] alguns são isola- tornarão adultas – no universo de preconceitos, ao mesmo
dos, outros são motivo de chacota”. Tal como explicitaram tempo em que submetem os estudantes negros a um mundo
essas falas, o que é considerado normal é algo construído de incompreensões.
em torno de padrões sociais e grupais, isto é, ser “inteligen- Outro aspecto, verificado nos relatos dos estudantes,
te” ou “menos inteligente” sempre depende de quais critérios que provoca manifestações de afastamento é referente à di-
estão sendo colocados como parâmetros. Assim, entende- ferença de classe social. Como nos diz um deles: “Teve um
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ano que eu estudava com um menino, que eu acho que ele esse ano o povo começou a saber mais de mim, não sei,
trabalhava como gari, porque ele vinha com aquela roupa tipo, ninguém se revoltou, mas muita gente deixou de falar
laranjada, daí sempre chamava a atenção... ele era diferente comigo, atitude de criança, de chegar e nem bom dia dar
dos outros, tinham preconceito”. para a pessoas.
Evidencia-se nessa fala o quanto as divisões sociais
podem ser naturalizadas em desigualdades postas como Trazer esse tema para discussão na escola é funda-
inferioridade natural. Silva (2005, p.128) continua esse pen- mental, pois, como afirma ainda Sabat, “é precisamente a
samento quando diz que “o preconceito é fruto dos proces- representação que nos permite relacionar a educação com
sos de socialização, dos conflitos entre interesses sociais a produção de identidades” (2004, p. 98). Tanto a escola
diversos articulados à estrutura psíquica dos indivíduos”. quanto a sociedade nos ensina modos específicos de femi-
A pessoa com deficiência também é alvo de preconceito e nilidade e de masculinidade, ensinam ainda que há formas
exclusão nas relações escolares: mais corretas e socialmente mais desejáveis de viver a se-
xualidade. As falas dos estudantes mostram dificuldades por
Na minha turma tem um estudante que é cego, inclusive, parte dos professores ao lidar com determinadas situações,
pelo fato dele ser cego ele acaba sendo muito excluído. sendo a homossexualidade uma delas:
Acredito que as pessoas veem isso, tem pena, mas tipo,
acham incômodo, acabam deixando ele de lado. Ele fica Eu acho que essas coisas deviam ser mais trabalhadas,
fazendo trabalho sozinho. A gente até tenta, não aquele porque quando acontece alguma coisa, que a gente sei lá,
empurra-empurra, mas a gente daí reveza, para não ficar bate de frente, os professores meio que abafam, não falam,
sempre com um só. não discutem, acho que os professores não vêm preparado,
eles vêm pra ensinar a gente o que eles aprenderam e
A fala acima denota o quanto os movimentos de pronto.
inclusão/exclusão escolar são na maioria das vezes con-
traditórios. Por meio das entrevistas percebe-se o quanto é Segundo Moreira (2005, p. 152), “para a maioria dos
recorrente que os adolescentes, diante das deficiências e profissionais da educação escolar, a homossexualidade é
das dificuldades que demandam, procuram agir com pos- vista como um grande problema”, pois, quando se trata de
turas social e legalmente instituídas. Tal como nos aponta um comportamento que é associado ao desvio da norma
Amaral (1998), as deficiências existem, não são socialmente socialmente aceita, nesse caso a heterossexual, os precon-
constituídas, no entanto, em relação a elas são construídos ceitos, a vigilância e a hostilidade atingem tanto os alunos
estigmas, preconceitos e estereótipos, os quais provocam como as alunas.
tais discrepâncias nas ações e sentimentos. Assim, o foco Os movimentos de exclusão/inclusão na escola re-
deixa de ser o que o estudante consegue e pode realizar, velam, tal como nos apontam as falas dos adolescentes en-
para dar ênfase naquilo que ele não pode fazer, o que pode trevistados, contradições, rigidez nos relacionamentos e nos
gerar um conflito no adolescente entre o que ele pode, quer conceitos, rotulações, sofrimento e silenciamentos. Escutar
ou deve fazer. Além da deficiência, a sexualidade, possível os relatos dos estudantes, analisá-los nos dá algumas pistas
de ser vivida e expressada de formas diversas, também pro- de como a escola tem, como parte de sua função social,
voca exclusão no ambiente escolar. um importante papel na desmistificação dos preconceitos.
A identidade sexual e de gênero é uma construção Mas será que a escola tem trabalhado com a temática do
mutável e volátil, sendo também considerada a partir da preconceito? Em quais espaços essas discussões transcor-
perspectiva histórica como uma relação social contraditória rem? Elas transversalizam as práticas pedagógicas ou se
e não finalizada. A sexualidade, quando compreendida como reduzem a momentos específicos? As entrevistas com os
um processo contínuo de construção e desconstrução, não adolescentes nos deram alguns subsídios para refletir sobre
reduz o discurso a uma normalização em que as figuras são como a temática do preconceito tem sido tratada no espaço
naturais e imutáveis. É a partir dessa perspectiva que discu- escolar.
tiremos as falas dos estudantes sobre a homossexualidade
e suas implicações nos movimentos de exclusão que viven-
ciam na escola. Segundo nos coloca Sabat (2004, p. 97), d) Preconceito: equívocos e silenciamentos nas
“a normalização de algumas identidades, como a identidade discussões escolares
heterossexual, tem como efeito a sua naturalização, jogando
para o campo das anormalidades outras identidades que se As entrevistas não tiveram como foco de investi-
constituem de formas diferentes das hegemônicas”. A fala gação o papel do professor nos movimentos de exclusão
a seguir exemplifica as consequências que essa normaliza- e preconceito, no entanto alguns estudantes, como é per-
ção das relações heterossexuais provoca no cotidiano dos cebido nas falas anteriores, se referiram às dificuldades
estudantes: que percebem no professor quando se encontra diante dos
padrões que fogem à normalidade. Moreira (2005) nos diz
Eu já sofri por preconceito. Tipo porque eu sou homossexual ainda que, geralmente, os professores não são preparados
(pausa), a maioria dos guris da minha sala não aceitam isso, para voltar-se criticamente para as suas próprias práticas e
Preconceitos na escola * Aliciene Fusca Machado Cordeiro & Jully Fortunato Buendgens 51
perceber o quanto os seus “simples” olhares, desaprovado- A forma como se aborda o tema do preconceito em
res ou aprovadores, são ações que também formam sujeitos sala de aula é fundamental quando se pensa em desmisti-
e ajudam a promover classificações sociais, legitimando e ficar estereótipos, propiciar compreensões sobre a constru-
reafirmando modos essencialistas de explicar as relações ção social do estigma e do preconceito, tal como nos diz um
entre as pessoas, de sorte que sejam negados, a uma parte dos estudantes:
delas, os seus direitos sociais e humanos. A fala a seguir
procura exemplificar a dificuldade do professor em relação No que a turma debate, esse a gente aprende, a gente
ao estudante considerado como hiperativo, segundo o olhar aprende o autoconhecimento, como a gente é mesmo, como
do entrevistado: “por nada implicam com ele, tipo por uma os outros são, que a gente tem que modificar, todas as
besteira, se fosse com outro aluno não dava nada, mas com pessoas, e com o professor falando a gente só grava coisas
ele o professor faz questão de parar a aula, soltar o giz, ah: pra prova e depois esquece.
-Arruma o pé”.
A pessoa com deficiência, como já discutido anterior-
mente, pode causar desconforto, afastamento, dependendo Considerações finais
de quem está se relacionando com ela e dos significados
que atribui à deficiência/diferença. No entanto, a postura do A ênfase dada às palavras inclusão/exclusão neste
professor diante dela reafirma as ambiguidades que verifi- momento histórico, ao mesmo tempo em que revela as tra-
camos nos movimentos que ocorrem na escola, sobre um mas do cotidiano em relação aos movimentos de inserção,
estudante cego: discriminação e integração, ocultam as raízes do precon-
ceito e as tramas nas quais ele é tecido. O objetivo central
Os professores têm uma certa dificuldade de explicar as deste trabalho foi compreender como os movimentos de in-
coisas pra ele, visualmente. Daí acabam deixando ele de clusão/exclusão social de adolescentes são significados, em
lado porque eles não têm o método de explicar alguma coisa especial no contexto escolar. Os dados provenientes deste
que tem que visualizar. Já aconteceu do professor falar: - estudo mostram que é mais difícil identificar os próprios sen-
Olha V., eu vou ter que preparar um material pra ti. Então timentos diante de situações de preconceito do que falar de
nessa aula eu dou a matéria pra turma e na próxima aula a forma geral sobre o tema, dar exemplos e conceituar. Isso
gente conversa. Às vezes acho que o professor fica até meio foi percebido quando a maioria dos adolescentes relatou se
incomodado com a presença do V. em sala de aula. “sentir mal”, não nomeando o sentimento. Entretanto, mes-
mo sem saber atribuir significado aos sentimentos, percebe-
Investigou-se também, a partir das recorrentes falas -se que vivenciar situações de preconceito, na maioria dos
dos estudantes, a respeito de como é tratado o tema pre- casos, mobiliza os estudantes a uma ação de afastamento
conceito na escola. A partir das falas dos 12 entrevistados ou aproximação.
constatou-se que quatro estudantes nunca participaram de Considerando que os preconceitos são construções
trabalhos com o tema preconceito e seis relataram terem sociais, isto é, carregam uma história, e são forjados tanto
realizado alguma apresentação a respeito de temas rela- de forma individual quanto coletiva no cotidiano, entende-se
cionados ao preconceito. Neste caso os trabalhos eram no como fundamental que a escola proporcione espaços que
formato de apresentações, nos quais o aluno falava sobre o ampliem a discussão sobre seus diferentes tipos, origens e
tema, no entanto não eram abertas discussões sobre o que consequências. Tendo em vista que as falas dos adolescen-
foi apresentado. Esses estudantes relataram que o principal, tes denotam que os preconceitos se expressam de diferen-
e muitas vezes único tema trabalhado a respeito do precon- tes formas e nas mais variadas situações, inclusive dentro
ceito era o racial: “eu fiz muito trabalho sobre preconceito, da sala de aula, revela-se o papel central do professor.
só que é puxado mais pro lado racial mesmo”. Apenas dois A sala de aula, segundo os entrevistados, ainda se
estudantes disseram ter participado de trabalhos sobre os constitui em um espaço reprodutor de estereótipos; nesse
diversos tipos de preconceito, sendo que a forma de traba- sentido, os trabalhos ainda ficam aquém do necessário
lhar adotada pelo professor foi discussão: quando a questão é propiciar reflexões sobre o preconceito.
Os professores em sua forma de agir acabam fazendo ao
Desde a terceira série até a oitava, sempre, e a cada dois contrário do que se espera, isto é, suas ações auxiliam na
três meses tinha debate sobre preconceito, o professor é o produção de estigmas em relação àqueles que desviam das
que menos falava, ele falava alguma coisa e meu, a galera normas socialmente construídas, reafirmando padrões de
discutia, era legal. No primeiro ano, a gente tinha aula de comportamentos referentes à sexualidade, moral, inteligên-
psicologia, foi comentado [o preconceito] (...). A professora cia, entre outros.
usou vários exemplos de preconceito, explicando porque As diferenças fazem parte da natureza humana, mas
uma pessoa teria preconceito por uma coisa que não é da a forma como lidamos com elas é socialmente construída.
sociedade, por exemplo, com quem tem cabelo comprido, Nesse sentido, cabe à escola, em sua função social de de-
não é muito normal, normal não, não é muito comum. Então mocratização do conhecimento acumulado historicamente,
ela falou sobre isso. que realize atividades com enfoque nas diferenças humanas,
nas quais se dê voz aos estudantes, pois falar da experiên-
52 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 45-54.
cia é a melhor forma de romper com ideias preconceituosas Itani, A. (1998). Vivendo o preconceito em sala de aula. Em J. G.
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Preconceitos na escola * Aliciene Fusca Machado Cordeiro & Jully Fortunato Buendgens 53
Sobre as autoras
54 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 45-54.
A contribuição da psicologia escolar na prevenção e
no enfrentamento do Bullying
Resumo
Forma de violência escolar que vem ganhando espaço nos noticiários e causando preocupações a pais, educadores e à sociedade como um
todo, o bullying é um fenômeno que ocorre de maneira repetitiva e por tempo prolongado, provocando graves danos ao psiquismo dos envolvidos.
Cabe à Psicologia Escolar intervir no enfrentamento e prevenção do bullying, adotando medidas específicas em cada realidade onde acontece e
tomando o fenômeno como algo que engloba os aspectos sociais, familiares, escolares e individuais. Para isso, é de fundamental importância a
presença do psicólogo escolar/educacional dentro da escola.
Palavras-chave: Violência, bullying, Psicologia Escolar.
Bullying is a way of school violence that has been gaining ground on the news and causing concern to parents, educators and society as
a whole. It is a phenomenon that has occurred repetitively for a long time, causing serious damage to the psyche of those involved. School
Psychology needs intervene in the fight and prevention against bullying. We need adopt specific measures in each situation where it happens and
take the phenomenon as something that encompasses the social, family, school and individual environment. Therefore, the presence of school
psychologist in schools is of fundamental importance.
Keywords: Violence, bullying, School Psychology.
Forma de violencia escolar que gana espacio en los noticieros y causa preocupaciones a padres, educadores y a la sociedad como un todo, el
bullying es un fenómeno que ocurre de manera repetitiva y por tiempo prolongado, provocando graves daños al psiquismo de los involucrados.
Cabe a la Psicología Escolar participar en la lucha y prevención contra el bullying adoptando medidas específicas en cada realidad donde
sucede y entendiendo el fenómeno como algo que engloba aspectos sociales, familiares, escolares e individuales. Para esto es de fundamental
importancia la presencia del psicólogo escolar/educacional dentro de la escuela.
Palabras clave: Violencia, bullying, Psicología escolar.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 55-60. 55
Introdução tradução para o português. Nesse livro, o autor apresenta o
problema, dá sugestões para identificação das vítimas e dos
Nos últimos tempos, uma nova forma de violência agressores e traça estratégias de prevenção (Chalita, 2007).
escolar vem ganhando espaço nos noticiários de jornais e O tema chegou ao Brasil no fim dos anos 90 e início
revistas e causando preocupações aos pais, educadores e a de 2000, e as pesquisas realizadas englobavam apenas
sociedade em geral. Esse tipo de violência, conhecido como a realidade dos locais onde eram realizadas. Mas, na dé-
fenômeno bullying, não é um acontecimento novo dentro das cada de 80, já se realizavam estudos sobre a depredação
escolas, ele apenas tomou forma e ganhou nome específico de prédios escolares e aos poucos os estudos atingiram as
a partir dos anos 80, quando o estudioso norueguês Olweus relações interpessoais agressivas (Antunes & Zuin, 2008).
(1993) definiu como bullying os atos agressivos, antissociais Entende-se por bullying um fenômeno que se refere a
e repetitivos que ocorrem entre estudantes no contexto es- ações agressivas e gratuitas contra uma mesma vítima, que
colar. ocorrem num período prolongado de tempo e são marcadas
Apesar de o bullying ocorrer no contexto das institui- pelo desequilíbrio de poder. Ele difere de outros tipos de
ções escolares, ele não é só um problema da escola, mas de agressões justamente pelo fato de ser um comportamento
toda sociedade, visto ser um fenômeno que gera problemas repetitivo, deliberado e intencional, não se referindo a di-
a longo prazo, causando graves danos ao psiquismo e inter- vergências de ponto de vista ou de ideias contrárias que
ferindo negativamente no desenvolvimento cognitivo, emo- provocam desentendimentos e brigas (Fante, 2005, 2008a).
cional e socioeducacional dos envolvidos (Fante, 2008a). Ressalta-se um ponto importante na caracterização
Desse modo, antes de fazer qualquer inferência so- desse fenômeno, a repetição. E acrescenta-se o fato de o
bre a sua origem, colocando a culpa no aluno, na escola, na mesmo ser de difícil identificação por acontecer longe de
família ou na sociedade, é necessário compreendê-lo como adultos e por não haver denúncias por parte das vítimas
resultante de problemas que estão inseridos em todos esses devido ao medo de retaliação. “A violência, tanto para quem
ambientes e nas relações que ocorrem entre eles, tendo, comete quanto para quem é submetida a ela, é, na maioria
portanto, uma visão ecológica do fenômeno. das vezes, uma questão de violência repetida, tênue e dificil-
Dessa forma, qualquer tipo de intervenção ao bullying mente perceptível” (Derbabieux, 2002, p. 29).
deve levar em consideração as dimensões sociais, educa- O que torna graves os atos de incivilidade, intimi-
cionais, familiares e individuais, partindo do pressuposto de dações, assédio ou qualquer outro termo que se queira
que elas vão se diferenciar dependendo do contexto em que relacionar ao bullying é exatamente a sua continuidade, que
estão inseridas. causa às vítimas sensações de abandono e insegurança e
A escola é um contexto que propicia desenvolvimento aos agressores o sentimento de impunidade e poder (Fante,
de habilidades, competências, formação e desenvolvimen- 2008a).
to de conceitos, saberes e opiniões, por isso tem o papel Esses atos repetitivos e prejudiciais podem ocorrer
fundamental de buscar alternativas para o enfrentamento de várias formas, por isso o bullying pode ser classificado
e prevenção do bullying. Nessa perspectiva, aponta-se a como: direto e indireto. Além disso, nos últimos anos, com o
importância da inserção do psicólogo escolar/educacional, avanço da tecnologia e da internet, outra modalidade come-
objetivando realizar um trabalho de prevenção e enfrenta- çou a surgir, o ciberbullying.
mento da violência no contexto em que ocorre. O bullying é classificado como direto quando as víti-
mas são atacadas diretamente. São considerados bullying
direto os apelidos, agressões físicas, ameaças, roubos,
Fenômeno bullying ofensas verbais ou expressões e gestos que geram mal
estar aos alvos. O bullying indireto são ações que levam ex-
Os estudos sobre bullying se iniciaram na década de clusivamente ao isolamento social. Este envolve atitudes de
70 na Suécia e na Dinamarca, no entanto esse fenômeno indiferença, isolamento, difamação, exclusão (Lopes Neto,
sempre existiu no ambiente escolar, mas não era caracte- 2005).
rizado como tal, por se acreditar que não se passava de O ciberbullying se caracteriza pelo uso de e-mails,
brincadeiras inofensivas e normais entre os estudantes. Foi mensagens de celulares, fotos digitais e sites pessoais difa-
na década de 80 que os estudos sobre o tema tomaram pro- matórios como recursos para a adoção de comportamentos
porções maiores devido aos estudos feitos na Noruega por repetidos e hostis, de um indivíduo ou grupo, que pretende
Dan Olweus (Chalita, 2007). causar danos a outros. Os agressores que utilizam o ciber-
Inicialmente não foi dada muita importância aos es- bullying se motivam pelo anonimato, pois utilizam apenas
tudos de Olweus, porém, em 1983, três meninos noruegue- apelidos ou se fazem passar por outras pessoas (Fante &
ses, na faixa etária entre 10 e 14 anos, cometeram suicídio Pedra, 2008).
e a provável causa foram os maus-tratos sofridos na escola. Outro fator que merece destaque nesse tipo de com-
A partir desse acontecimento, Olweus deu continuidade aos portamento é a forma rápida como o bullying se espalha,
seus estudos e organizou suas conclusões no livro Bullying extrapolando os muros da escola. A propagação das difa-
at school: what we know and what we can do (Bullying na mações é imediata e o efeito multiplicador do sofrimento das
escola: o que sabemos e o que podemos fazer), ainda sem vítimas é imensurável (Fante, 2008b).
56 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 55-60.
Os envolvidos tanto no cyberbullying como no devem estar em plena comunhão com o contexto onde ocor-
bullying direto ou indireto foram caracterizados pela Asso- re, envolvendo medidas psicopedagógicas e preventivas
ciação Brasileira de Proteção à Criança e ao Adolescente que levem em consideração aspectos sociais, psicológicos
(ABRAPIA) como autores, alvos, espectadores e alvos/auto- e econômicos muito mais do que medidas caracterizadas
res. Essa nova forma de classificação tem o cuidado de não por punições, ameaças e intimidações ou formas prontas de
rotular os estudantes, evitando que sejam estigmatizados enfrenatmento.
pela sociedade. Por esse motivo é que se pretende pensar o fenô-
Os autores de bullying são aqueles que praticam as meno da violência escolar, mais especificamente o bullying,
agressões contra os colegas, vitimizando os mais fracos e a partir de uma visão ecológica. Isso significa se opor às
usando a agressividade para se impor e liderar algum gru- abordagens mais individualistas que entendem esse proble-
po. Costumam humilhar os colegas para serem valorizados ma como derivado unicamente de problemas gerados den-
socialmente. São geralmente muito habilidosos ao usar esse tro da instituição, seja nas formas de gestão autocrática ou
poder com colegas mais vulneráveis e que não conseguem metodologias e avaliações excludentes, na precariedade do
fazer frente às agressões (Schäfer, 2005). ensino ou na falta de interação entre família e escola (Abra-
Consideram-se alvos os alunos que estão expostos moway e cols., 2003, 2005).
de forma repetida, e durante algum tempo, às ações negati- A ideia de meio ambiente numa visão ecológica não
vas praticadas por um ou mais alunos no ambiente escolar se limita a um ambiente único ou apenas ao contexto ime-
(Antunes & Zuin, 2008). Eles podem sofrer silenciosamente diato em que o indivíduo está inserido, mas inclui as inter-
as agressões, sendo os chamados alvos típicos ou podem conexões entre vários ambientes, bem como as influências
agir de maneira impulsiva, provocando ou agredindo outros que provêm de meios mais amplos. O indivíduo tem papel
colegas, esses são denominados alvos provocadores ou ativo e interativo nas mudanças que ocorrem no contexto
agressores. em que está inserido. A interação entre a pessoa e os am-
Os alvos/autores são aqueles alunos que, além de bientes é, então, bidirecional, ou seja, da mesma forma que
sofrerem agressões, também apresentam um comportamen- as estruturas ambientais influenciam no desenvolvimento e
to agressor e provocador. Os espectadores são aqueles que comportamento do indivíduo, este também pode provocar
não participam de forma direta das agressões, mas sofrem alterações no seu contexto (Bronfenbrenner, 1996).
as consequências das mesmas por presenciarem situações É necessário, então, analisar e compreender o ser
vividas por colegas na escola (Camargo, 2009). humano nos diferentes contextos em que ele está inserido,
Identificar e diferenciar os envolvidos no fenômeno inclusive suas características individuais. Da mesma forma,
bullying é uma tarefa difícil devido às peculiaridades que pode-se pensar no fenômeno bullying. Assim como as ca-
envolvem esse fenômeno. Dessa forma, é preciso estar racterísticas de personalidade e de temperamento, os con-
sempre atento a qualquer mudança no comportamento das textos sociais, familiares e escolares exercem influências
crianças e jovens, mesmo que pareça insignificante (Fante, no desenvolvimento de comportamentos agressivos entre
2005). crianças e jovens.
Para prevenir e enfrentar o bullying ou qualquer ou-
tro tipo de violência que ocorre no contexto escolar, não se
Percepções sobre as causas do bullying: uma deve partir de receitas prontas e fechadas, pois cada escola
visão ecológica do fenômeno possui uma realidade específica, onde são construídas rela-
ções diferenciadas entre os seus membros. Sendo assim, o
Ainda há muito que ser discutido e avaliado a res- bullying também irá se apresentar de formas diferentes em
peito das causas do fenômeno bullying e das medidas de cada contexto, não devendo, portanto, ser avaliado de modo
prevenção e enfrentamento. É comum citarem como causas descontextualizado.
características de um único ambiente ou dos próprios envol- Diante disso, a atuação do psicólogo escolar/educa-
vidos. Alguns estudiosos desse fenômeno chegam a afirmar cional no enfrentamento do bullying deve estar ancorada em
que o autor de bullying, por exemplo, manifesta esse tipo uma proposta de caráter preventivo que tenta compreender,
de comportamento por ser infeliz, ter baixa autoestima e se analisar e intervir na realidade escolar, considerando a es-
sentir desvinculado ou impotente em outras áreas da sua pecificidade de cada instituição (Marinho-Araujo & Almeida,
vida (Beaudoin, 2007). 2008).
Diante disso, formas prontas de enfrentamento do
bullying são criadas e levadas às escolas como se todos
os contextos onde esse fenômeno ocorre fossem iguais. A intervenção da Psicologia Escolar/Educacional
Muitas vezes essas medidas de enfrentamento colocam o
fenômeno como sendo de responsabilidade judicial. São Apesar de a atuação do psicólogo escolar/educacio-
criados projetos de leis, disque denúncias, e a polícia entra nal ter se iniciado com um cunho clínico, na identificação
na escola como uma forma de intimidação. de alunos com distúrbios de aprendizagem, problemas de
É preciso pensar o bullying escolar como um fenôme- conduta e de personalidade, atualmente a atuação desse
no social, portanto as formas de enfrentamento e prevenção profissional vem tomando novas direções e está cada vez
Psicologia Escolar e Bullying * Alane Novais Freire & Januária Silva Aires 57
mais comprometida com o aspecto social (Del Prette & Del des e competências de toda comunidade escolar, caracteri-
Prette, 1996). zando uma atuação preventiva e/ou interventiva (Marinho-
A atuação do psicólogo escolar/educacional exige a -Araujo & Almeida, 2008).
capacidade de analisar e apreender as múltiplas relações Na problemática em questão, uma atuação institucio-
que caracterizam a instituição escolar e os agentes nela nal preventiva deve estar ancorada na promoção de refle-
envolvidos, além de identificar as necessidades e possibili- xões, conscientizações de papéis e nas funções dos indiví-
dades de aperfeiçoamento dessas relações. Logo, o profis- duos, objetivando desenvolver competências e habilidades
sional de Psicologia deve enfrentar o desafio de tomar como para a superação de obstáculos e para o estabelecimento
alvo de sua atuação a complexidade dos processos interati- de relações sociais mais saudáveis (Marinho-Araujo & Al-
vos que ocorrem na escola (Del Prette & Del Prette, 1996). meida, 2008).
Por ser a escola uma instituição que reflete a or- Devem-se criar espaços de escuta psicológica, a fim
ganização social, é imprescindível que se considerem os de ressignificar as relações interpessoais na escola, cons-
indivíduos que dela participam a partir de sua inserção no cientizar e transformar práticas existentes que estejam impe-
contexto mais amplo da organização. Um trabalho eficiente dindo a consolidação de um ambiente saudável e propício ao
em Psicologia Escolar/Educacional deve partir da análise da aprendizado e ao desenvolvimento dessas relações. Asso-
instituição, levando em consideração o meio no qual se en- ciado a isso, o psicólogo escolar/educacional deve assesso-
contra, o tipo de demanda que atende e os diversos agentes rar o trabalho coletivo da escola, instrumentalizando a equipe
envolvidos (Andaló, 1984). através de estudos e capacitações, contribuindo na formação
O psicólogo é o profissional apto para realizar um dos professores e colocando-os também como coparticipan-
trabalho de prevenção e enfrentamento da violência escolar, tes nesse trabalho (Marinho-Araujo & Almeida, 2008).
ajudando a escola a construir espaços e relações mais sau- A atuação junto ao corpo docente e discente, à di-
dáveis. Mas, para isso, é de fundamental importância que reção e à equipe técnica contribuirá para que aprendam
ele esteja inserido no ambiente da escola, participando do a resolver seus próprios conflitos do cotidiano de maneira
seu cotidiano para que possa ter uma atuação específica e consciente, reflexiva e dialogada, conscientizando a todos
mais voltada à realidade. sobre a realidade vivida na escola e possibilitando uma
Será no campo das relações estabelecidas dentro melhoria no clima de convivência e no estabelecimento de
da instituição e desta com o ambiente no qual está inserida relações mais saudáveis (Ortega & Del Rey, 2002).
que o profissional de Psicologia terá condições de desen- O psicólogo pode, ainda, promover espaços de dis-
volver novas alternativas para o seu trabalho. O psicólogo cussões e reflexões que possam abordar temas como: uso
deve ocupar um lugar de escuta, possibilitando que se criem de estratégias para o desenvolvimento da comunicação,
espaços de discussões e construção de conhecimento de construção de um ambiente de confiança e respeito mútuo,
forma que os problemas sejam discutidos e a busca por so- verificação de ambiguidades e conflitos existentes nas rela-
luções seja compartilhada (Martins, 2003). ções (Marinho-Araujo & Almeida, 2008).
Estando o psicólogo ligado à instituição, ele tem a Outro tema que deve ser abordado nas escolas com
possibilidade de atuar como agente de mudanças, capaz a mediação do psicólogo é a construção de normas e re-
de promover reflexões a respeito do tema da violência, po- gras institucionais. Nessa perspectiva, o psicólogo irá atingir
dendo, assim, conscientizar os agentes institucionais sobre diretamente as questões relacionadas ao fortalecimento de
os seus papéis, garantindo a construção de relações mais vínculos nas relações interpessoais, propiciando um espaço
saudáveis e evitando o surgimento de qualquer forma de para a elaboração de normas e regras na escola.
violência nas escolas. O psicólogo pode colaborar e participar desse pro-
Nessa perspectiva, o profissional de Psicologia deve cesso de construção de regras no qual os alunos estão
começar seu trabalho mapeando a instituição, conhecendo incluídos, dando suporte aos professores e gestores e con-
como estão sendo estabelecidas as relações, os conflitos tribuindo na elaboração de regras que não estejam somen-
existentes e as contradições institucionais que podem pro- te relacionadas ao âmbito pedagógico, mas que estejam
piciar a problemática estudada (Marinho-Araujo & Almeida, também voltadas para a organização e fortalecimento das
2008). relações entre os alunos, entre os professores e os alunos e
A realização do mapeamento permite a esse profis- entre a escola e a família.
sional conhecer a realidade da escola, suas características Quando os alunos se tornam ativos nesse processo,
culturais, sociais e psicológicas, bem como as relações es- a tendência é que eles comecem a assumir essas regras
tabelecidas entre os membros da instituição e entre esta, as como suas e, consequentemente, passam a se esforçar para
famílias e a comunidade, possibilitando o conhecimento do cumpri-las (Ortega & Del Rey, 2002). Além disso, ao perce-
panorama geral das relações interpessoais que acontecem ber que os professores e os gestores estão valorizando suas
dentro e ao redor da instituição (Marinho-Araujo & Almeida, opiniões, os alunos começam a estabelecer uma relação de
2008; Ortega & Del Rey, 2002). respeito não só pelas regras, como também pelas pessoas
Conhecendo a realidade da instituição, o psicólogo que participaram desse processo de construção. O cumpri-
escolar pode atuar de modo intencional sobre os problemas mento dessas poderá evitar problemas de indisciplina, de
instalados, bem como sobre o desenvolvimento de habilida- conflitos e do enfraquecimento de vínculos interpessoais.
58 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 55-60.
Ante o exposto, percebe-se que, muito mais do que Referências
medidas prontas e fora da realidade escolar, o enfrentamen-
to e a prevenção do bullying passa por um trabalho inicial de Abramoway, M. e cols. (2003). Escolas inovadoras: experiências bem
investigação e posteriormente por uma atuação intencional sucedidas em escolas públicas. Brasília: UNESCO.
e comprometida com a realidade estudada, daí a importân-
cia do profissional de Psicologia nesse contexto. Abramoway, M. e cols. (2005). Cotidiano das escolas: entre
violências. Brasília: UNESCO. Observatório de violência nas
escolas. Ministério da Educação.
Considerações finais
Andaló, C. S. A. (1984). O papel do psicólogo escolar. Psicologia:
A violência como um fenômeno social, mutável e his- Ciência e profissão, 1, 43-47.
tórico (Abramoway e cols., 2005) pode ocorrer de diferentes
formas dependendo dos contextos social, cultural e econô- Antunes, D. C., & Zuin, A. A. S. (2008). Do bullying ao preconceito: os
mico, das características dos sujeitos que estão envolvidos desafios da barbárie à educação. Psicologia e Sociedade,20(1),
e das relações estabelecidas entre eles. Sendo assim, o 33-42. Recuperado: 19 jul. 2009.Disponível: http://www. scielo.
enfrentamento e a prevenção de qualquer tipo de violência com.br/scielo.php.
escolar devem partir de uma investigação in loco do fenôme-
no para que se possa intervir de acordo com cada realidade. Beaudoin, M. N. (2007). Qual a abordagem mais adequada para lidar
O bullying como um fenômeno social de grande re- com o bullying na escola? Revista Pátio.Ano XI, maio/julho.
levância, que possui características específicas, deve ser
analisado a partir das peculiaridades de cada contexto, Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano:
considerando a subjetividade dos envolvidos bem como experimentos naturais e planejados (M. A. V. Veronese, Trad.).
as características sociais, culturais e econômicas de cada Porto Alegre: Artes Médicas (Trabalho original publicado em 1979)
realidade.
Logo, é preciso investigar os fatores que estão levan- Camargo, C. G. (2009). “Brincadeiras” que fazem chorar: introdução
do os estudantes a agirem de forma agressiva, interpretando ao fenômeno bullying. São Paulo: All Print.
o fenômeno da violência escolar de modo a compreender os
problemas interpessoais e macrossociais, partindo da análi- Chalita, G. (2007). Pedagogia da amizade: bullying – o sofrimento
se das relações existentes entre os diversos ambientes nos das vítimas e dos agressores. São Paulo: Vozes.
quais os indivíduos estão inseridos (Chiorlin, 2007).
Para isso, é fundamental a presença do psicólogo es- Chiorlin, M. de O.(2007). A influência do bullying no processo de
colar/educacional na escola, pois ele irá contribuir para o re- ensino-aprendizagem. São Paulo: Ufscar. Recuperado: 16 set.
conhecimento de comportamentos e atitudes que dificultam 2009. Disponível: http://www.ufscar.br/~pedagogia/novo/files
as relações interpessoais, que geram conflitos e que podem
levar ao aparecimento de atos de violência e agressividade Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (1996). Habilidades envolvidas
entre os alunos. na atuação do Psicólogo Escolar/Educacional. Em S. M. Wechsler
A partir daí, esse profissional será capaz de avaliar, (Org.), Psicologia escolar: pesquisa, formação e prática (pp. 139-
analisar, refletir e provocar reflexões a respeito das intera- 156). Campinas, SP: Alínea.
ções sociais e dos conflitos existentes na dinâmica escolar.
Desse modo, desenvolverá estratégias próprias de interven- Derbabieux, E. (2002). Cientistas, políticos e violência: rumo a uma
ção e prevenção, contribuindo para o desenvolvimento de comunidade científica europeia para lidar com a violência nas
competências e habilidades de todos os agentes educacio- escolas? Em E. Debarbieux & C. Blaya (Orgs.), Violência nas
nais envolvidos no contexto escolar. escolas: dez abordagens europeias. Brasília: UNESCO.
Logo, a inserção do profissional de Psicologia no
ambiente escolar seria fundamental não só para trabalhar o Fante, C., & Pedra, J. A. (2008). Bullying escolar: perguntas e
desenvolvimento cognitivo, mas também o desenvolvimen- respostas. Porto Alegre: Artmed.
to emocional e pessoal dos estudantes e profissionais de
educação, trazendo trabalhos preventivos com ênfase na Fante, C. (2008a). Brincadeiras perversas. Viver Mente e Cérebro,
cidadania, incentivando a solidariedade, a generosidade, a ano XV, 181, 74-79.
paz, a tolerância e o respeito às diferenças.
Nessa perspectiva, o psicólogo atuaria na mediação Fante, C. (2008b). Os danos do ciberbullying. Revista Pátio. Ano XI,
de conhecimentos, valores, normas e atitudes positivas, au- nº44.
xiliando tanto os profissionais quanto os alunos a lidarem
com suas emoções, criando espaços para a expressão de Lopes Neto, A. A. N. (2005). Bullying – comportamento agressivo
afeto e contribuindo para a reflexão e melhoria das relações entre estudantes. Jornal de Pediatria, 81(5), 164 -176.
sociais na escola.
Psicologia Escolar e Bullying * Alane Novais Freire & Januária Silva Aires 59
Marinho-Araujo, C. M., & Almeida, S. F. C. de. (2008). Psicologia Ortega, R., & Del Rey, R. (2002). Estratégias educativas para a
Escolar: construção e consolidação da identidade profissional (2a prevenção da violência (J. Ozório, Trad.). Brasília: UNESCO, UCB.
ed.). Campinas, SP: Alínea.
Schäfer, M. (2005). Abaixo os valentões. Viver Mente e cérebro. Ano
Martins, J. B. (2003). A atuação do psicólogo escolar: XIII, 152, 78-83.
multirreferencialidade, implicação e escuta clínica. Psicologia em
estudo,8(2), 39-45.
Recebido em:03/03/2011
Reformulado em:13/09/2011
Aprovado em:19/12/2011
Sobre as autoras
60 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 55-60.
Estímulo à criatividade por professores de
Matemática e motivação do aluno
Resumo
O estudo investigou a percepção de alunos do Ensino Médio quanto à utilização, por seu professor de Matemática, de práticas docentes
favoráveis ao desenvolvimento da criatividade e motivação em Matemática. Participaram do estudo 396 alunos, os quais responderam ao
Inventário de Práticas Docentes para a Criatividade e à Escala de Motivação em Matemática. Diferenças significativas foram observadas entre
alunos de escola pública e particular na percepção das práticas docentes promotoras da criatividade, utilizadas por seu professor, e em motivação
em Matemática, a favor dos alunos da escola particular. Observou-se ainda relação significativa entre a percepção dos alunos quanto ao uso
de estratégias em sala de aula para desenvolver a criatividade por seu professor de Matemática e motivação do aluno em Matemática, entre
motivação em Matemática e rendimento acadêmico nessa disciplina e entre a percepção pelo aluno de práticas pedagógicas para a criatividade
e seu rendimento em Matemática.
Palavras-chave: Criatividade, motivação, matemática.
In this study we investigate the perception high school students have about the use of educational practices favorable to creativity and motivation
in mathematics by their teachers. Participants were 396 students who responded to the Inventory of Educational Practices for Creativity and
Motivation Scale in Mathematics. Significant differences were observed between students from public and from private schools in the perception of
teaching practices that promote creativity and motivation in mathematics. Private school children revealed a better perception of the teacher´s use
of these instruments. There was significant correlation between students’ perceptions regarding the use of strategies in the classroom to develop
creativity by his mathematics teacher and student motivation in mathematics. There is also a correlation between motivation and academic
performance in mathematics and between the students´ perception of teaching practices for creativity and their performance in mathematics.
Keywords: Creativity, motivation, Mathematics.
El estudio, realizado con alumnos de Enseñanza Secundaria, investigó la percepción de prácticas docentes favorables al desarrollo de la
creatividad y motivación en Matemática utilizadas por su profesor de Matemática. Participaron del estudio 396 alumnos, que respondieron al
Inventario de Prácticas Docentes para la Creatividad y a la Escala de Motivación en Matemática. Se observaron diferencias significativas entre
alumnos de escuela pública y particular en la percepción de las prácticas docentes promotoras de creatividad utilizadas por su profesor. En
motivación en Matemática las diferencias fueron a favor de los alumnos de la escuela particular. Además, se observó relación significativa entre
la percepción de los alumnos sobre el uso de estrategias en clase para desarrollar la creatividad por su profesor de Matemática y la motivación
del alumno en Matemática, entre motivación en Matemática y rendimiento académico en ese curso y entre la percepción por parte del alumno
de prácticas pedagógicas para la creatividad y su rendimiento en Matemática.
Palabras Clave: Creatividad, motivación, Matemática.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 61-69. 61
duzir a crítica, a curiosidade e a pesquisa, buscando formas
inovadoras de desenvolver a aula.
Introdução Nota-se que vários autores, como Alencar (2002,
2007; Alencar & Fleith, 2009), Fleith (2007), Lubart (2007),
Temida por muitos por ser uma disciplina usualmen- Martínez (2002, 2006) e Wechsler (1998), têm apontado
te definida como “difícil” e que mais “reprova”, o ensino da fatores que influenciam o desenvolvimento e expressão da
Matemática, em muitas escolas, vale-se da tríade “ler, es- criatividade no contexto educacional e propõem que, para
crever e contar” (Silveira, 2002). Porém, Zaslavsky (2009) se obter uma visão abrangente do desenvolvimento da
defende que “a Matemática é para todos”, ressaltando que, criatividade nesse contexto, é essencial considerar, entre
quando são propostas ao aluno atividades desafiadoras, outros aspectos, o clima em sala de aula, devendo ser o
a Matemática pode se tornar uma fonte de muita alegria professor receptivo a novas ideias. Nesse sentido, Alencar e
e satisfação. Para que o aluno se envolva com o saber, Fleith (2009) sugerem diversas estratégias que o professor
é necessário desenvolver estratégias que multipliquem as poderá utilizar para facilitar o desenvolvimento do potencial
articulações internas entre os diferentes temas da Matemá- criativo do aluno, como permitir ao aluno formular questões,
tica, as várias maneiras de representar o conhecimento e elaborar e testar hipóteses; dar tempo ao aluno para pensar
entre o saber escolar e os conhecimentos do cotidiano. A e desenvolver as suas ideias; propiciar ambiente de respeito
valorização de procedimentos de ensino mais significativos e estimular a habilidade discente de explorar consequências
requer a superação de práticas reprodutivas, substituindo- para acontecimentos imaginários.
-as por dinâmicas que ajudem o aluno a desenvolver sua Em Matemática, os professores devem buscar tópi-
criatividade (Pais, 2006). cos relacionados com as situações vivenciadas no dia a dia
Em sala de aula, os efeitos imediatos da motivação e incentivar os alunos a desenvolverem seus próprios mé-
do aluno consistem em se envolver ativamente nas tarefas todos de resolução de problemas. Sequera Guerra (2006)
relacionadas ao processo de aprendizagem, o que implica ressalta que, para fomentar a criatividade em Matemática, é
ter sido escolhido esse curso de ação entre outros pos- necessário que: a) o professor promova a motivação, curio-
síveis e ao seu alcance. Quando se pretende investir em sidade, autoconfiança, humor e flexibilidade discentes; b) fa-
uma aprendizagem eficaz, é fundamental levantar possíveis voreça o desenvolvimento de habilidades importantes, como
fatores que possam influenciar positivamente essa aprendi- aprender a visualizar um problema de distintos ângulos,
zagem, entre eles o interesse pelo conteúdo e a motivação inventar suas próprias técnicas de resolução de problemas,
do aluno (Bzuneck, 2004, 2010). Gontijo (2007), no que diz além de discutir e definir metas; c) os problemas propostos
respeito à Matemática, destaca que os educadores devem sejam instigantes e conectados com as experiências de vida
estar atentos às experiências que os alunos já vivenciaram, dos estudantes. Por outro lado, D’Ambrósio (1989) dá como
identificando fatores positivos ou negativos em relação a sugestões ao professor: instigar o aluno a construir concei-
essa disciplina. Deve-se fazer uma análise do currículo, a tos matemáticos por meio de situações que estimulem a sua
fim de verificar se este privilegia os processos criativos ou curiosidade; estimular o aluno com problemas de naturezas
apenas a memorização e, também, investir na formação dos diferentes; interpretar o fenômeno matemático e incentivar
professores para que possam desenvolver a sua criatividade o aluno a explicá-lo a partir de sua concepção da Matemá-
e estimular o desenvolvimento da criatividade discente. tica; envolver o aluno no “fazer” matemático, no sentido de
Percebe-se que, nos diferentes níveis de ensino, pro- criar hipóteses e investigá-las a partir da situação problema
fessores se queixam de alunos desmotivados (Tapia, 2003; proposta.
Tapia & Fita, 2006). A preocupação dos docentes no contex- Para Guimarães (2004), a determinação do aluno
to escolar, segundo Bzuneck (2004), pode ser traduzida nas para cumprir uma atividade escolar pode ocorrer quando: a)
seguintes questões: por que alguns alunos completam as percebe razões significativas para tal, ou seja, quando tem
atividades, apesar do enorme grau de dificuldade, enquanto a atenção voltada para a compreensão do conteúdo de uma
outros desistem no primeiro obstáculo? Será que a motiva- atividade que pode melhorar ou levá-lo a obter novos conhe-
ção é um dos elementos que influenciam o comportamento cimentos e habilidades; b) o significado daquele conteúdo
do aluno em sala de aula? O rendimento acadêmico tem está relacionado a interesses pessoais; e c) a proposta de
influência na motivação do aluno? atividade é definida em termos de metas específicas e de
Em muitas escolas, percebe-se que é atribuída ao curto prazo, favorecendo a percepção de que, com certo
professor a tarefa de mero transmissor de conhecimentos grau de esforço, sua conclusão é possível.
(Libâneo, 1994). Para Pais (2006), a valorização de estra- Mas, para mudar o conceito que o aluno faz quanto
tégias de ensino mais significativas requer a superação de à Matemática, muitas práticas pedagógicas utilizadas ainda
práticas reprodutivas por dinâmicas através das quais o alu- hoje devem ser revistas, como as aulas expositivas em que
no possa se expressar criativamente, pois é cada vez mais o professor passa para a lousa aquilo que ele julga importan-
necessário desenvolver a criatividade discente com vista a te, o aluno copia e, em seguida, faz exercícios de aplicação
preparar o aluno para enfrentar os desafios contemporâ- que, em geral, são repetições de um modelo apresentado
neos. Para Cunha (2006), os professores devem tornar as pelo professor. Assim, os alunos passam a acreditar que a
aulas mais atraentes, estimular a participação do aluno, in- aprendizagem em Matemática se dá por meio de um acúmu-
62 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 61-69.
lo de fórmulas e algoritmos, e que a Matemática é um corpo a serem respondidos em uma escala de cinco
de conceitos verdadeiros e estáticos, sobre os quais não se pontos, variando de discordo totalmente (1) a
pode duvidar ou questionar (D’Ambrósio, 1989). concordo totalmente (5). Avalia os fatores “In-
Distintos estudiosos, como Alencar e Fleith (2009), centivo a Novas Ideias”; “Clima para Expressão
Fleith e Alencar (2010), La Torre (2005), Lubart (2007), de Ideias”; “Avaliação e Metodologia de Ensino”;
Kauart e Muniz (2008) e Wechsler (1998), associam a cria- e “Interesse pela Aprendizagem do Aluno”. Uma
tividade à motivação, especialmente a de caráter intrínseco. análise dos itens deste instrumento indicou que
Ademais, sinalizam que práticas docentes promotoras da o mesmo seria também adequado para avaliar a
criatividade contribuem também para mobilizar o interesse e percepção do estudante do Ensino Médio quanto
motivação do aluno no contexto escolar. Entretanto, obser- às práticas docentes utilizadas por seu professor
va-se carência de estudos empíricos a respeito do impacto de Matemática.
de procedimentos pedagógicos facilitadores da criatividade
na motivação do aluno, em especial no que diz respeito a 2. Escala de Motivação em Matemática, construída
práticas docentes implementadas pelo professor de Mate- por Gontijo (2007), composta por 28 itens, que
mática e a motivação de seus alunos. Dada a relevância do são respondidos em uma escala de cinco pontos,
tema e com vistas a contribuir para a literatura sobre estra- variando de nunca (1) a sempre (5). Avalia os
tégias de ensino para o desenvolvimento da criatividade e seguintes fatores: “Satisfação em Matemática”;
motivação do aluno, desenvolveu-se o presente estudo. O “Jogos e Desafios”; “Resolução de Problemas”;
mesmo teve como objetivos investigar diferenças entre estu- “Aplicações no Cotidiano”; “Hábitos de Estudo”;
dantes de escola pública e particular e do gênero masculino e “Interações na Aula de Matemática”.
e feminino em sua percepção quanto a estratégias utilizadas
por seus professores de Matemática em sala de aula para 3. Diário de Classe das turmas pesquisadas, no
desenvolver a criatividade discente e em sua motivação em qual são registradas as notas alcançadas em
Matemática; bem como investigar a relação entre percep- cada bimestre em Matemática.
ção dos alunos quanto ao uso de práticas pedagógicas pelo
professor de Matemática para desenvolver a criatividade e Procedimentos
motivação em Matemática, entre motivação em Matemática
e rendimento acadêmico nesta disciplina e entre a percep- Inicialmente foi agendado um encontro com os co-
ção pelo aluno de práticas pedagógicas para a criatividade e ordenadores pedagógicos das duas instituições de ensino
seu rendimento em Matemática. para a apresentação dos objetivos da pesquisa e dos cui-
dados éticos que seriam tomados no decorrer da coleta
de dados, bem como para solicitar sua autorização para a
Método realização do estudo. Após a anuência dos coordenadores,
o professor de Matemática de cada instituição foi contatado,
informando-lhe sobre a pesquisa e identificando o horário
Participantes mais conveniente de se aplicar os instrumentos. Foi assegu-
rado o caráter confidencial dos dados e a não identificação
Participaram deste estudo 396 alunos da 2ª série do dos participantes. Os objetivos do estudo foram devida-
Ensino Médio de duas escolas (uma escola pública e uma mente explicados para os alunos, os quais também foram
particular) localizadas no Distrito Federal. Duzentos e vinte informados de que poderiam participar ou não da pesquisa.
e um (55,8%) respondentes eram do gênero feminino e 175 Antes de se iniciar a coleta de dados, todos os participan-
(44,2%), do gênero masculino. A média de idade dos parti- tes leram e assinaram o termo de “Consentimento Livre e
cipantes foi de 16,01, variando de 14 a 19 anos. Entre os Esclarecido”. Dez alunos da rede pública se recusaram a
participantes, 215 (54,3%) eram alunos da escola particular responder o questionário. Os instrumentos da pesquisa fo-
e 181 (45,7%) da escola pública. Não foi constatada nenhu- ram aplicados coletivamente em sala de aula, pela primeira
ma diferença significativa entre idade e gênero na amostra autora. Os participantes não expressaram dificuldades na
quando considerada separadamente por tipo de escola. compreensão dos itens do questionário.
Instrumentos
Resultados
Utilizou-se na coleta de dados os seguintes instru-
mentos:
Influência de gênero e tipo de escola nos fatores
1. Inventário de Práticas Docentes para a Criati- de criatividade e motivação em Matemática
vidade, construído por Alencar e Fleith (2004)
e validado em uma amostra de estudantes da Inicialmente, procedeu-se à análise exploratória dos
Educação Superior. É composto por 37 itens dados separadamente por gênero e tipo de escola para cada
Criatividade e Motivação em Matemática * Alessandra Barbosa Nunes Otaviano, Eunice Maria Lima Soriano de Alencar & Cláudia Cristina Fukuda 63
fator de criatividade e motivação. Verificou-se a existência fatores de criatividade e motivação e variáveis independen-
de outliers univariados pela análise do escore z, tendo sido tes gênero e tipo de escola, não demonstraram diferenças
encontrados três casos com escore z maior que 3,29 (Ta- significativas entre os fatores e gênero, mas demonstraram
bachnick & Fidel, 1996). A análise da distância de Mahala- a existência de diferenças significativas entre os fatores de
nobis demonstrou a inexistência de outliers multivariados. criatividade e tipo de escola e entre três fatores de motiva-
Dois dos outliers univariados ocorreram no fator 2 da escala ção e tipo de escola (Wilks Lambda = 0,61; p<0,001). Foram
de motivação e um no fator 4 do inventário de criatividade, encontrados ainda efeitos de interação de tipo de escola e
tendo sido tais casos excluídos das análises. Pela análise gênero (Wilks Lambda = 0,92; p<0,001) nos fatores Jogos e
da assimetria e curtose, pôde-se verificar que houve apenas Desafios e Resolução de Problemas da Escala de Motiva-
pequenos desvios da normalidade, sendo 0,85 o maior valor ção em Matemática.
de assimetria encontrado e 1,45 o maior valor de curtose. Assim, foram encontradas diferenças significativas
Considerando a possibilidade do aumento da probabilidade entre todos os fatores do Inventário de Práticas Docentes
de ocorrência do erro Tipo I, visto que a suposição de homo- para a Criatividade e tipo de escola e entre os fatores 1 (Sa-
geneidade das variâncias não pôde ser garantida para todas tisfação pela Matemática), 3 (Resolução de Problemas) e 6
as variáveis, decidiu-se utilizar alfa de 0,025 (Tabachnick & (Interações na Aula de Matemática) da Escala de Motivação
Fidel, 1996). em Matemática e tipo de escola (ver Tabela 1).
Os resultados obtidos através da Análise de Vari- Como pode ser observado nessa tabela, médias
ância Multivariada, tomando como variável dependente os significativamente superiores foram obtidas pelos alunos de
escola particular comparativamente aos de escola pública
nos seguintes fatores do Inventário de Práticas Docentes:
Tabela 1. Média, desvio padrão, valor F e p nos fatores do Inventário Incentivo a Novas Ideias (F[1, 393]=90,62; p=0,0001), Clima
de Práticas Docentes para a Criatividade e da Escala de Motivação para Expressão de Ideias (F[1, 393]=121,10; p=0,0001) e
em Matemática por tipo de escola.
Interesse pela Aprendizagem do Aluno (F[1, 393]=105,20;
p=0,0001). Dessa forma, pode-se afirmar que os alunos da
Variável Tipo de F (1,
Média (DP) p< escola particular avaliaram mais positivamente seus profes-
dependente escola 393) sores em relação a incentivar o desenvolvimento de novas
1 3,31 (0,68) ideias, propiciar clima em sala de aula para a expressão de
Fator 1c 90,62 0,001 ideias e mostrar interesse pela aprendizagem do aluno. Por
2 3,84 (0,460
outro lado, a média dos alunos de escola pública (M = 3,34)
1 3,19 (0,65) foi significativamente superior à dos alunos de escola parti-
Fator 2c 121,10 0,001 cular (M = 2,76) no fator Avaliação e Metodologia de Ensino
2 3,78 (0,39)
(F[1, 393]=94,28; p=0,0001), sinalizando que os alunos da
1 3,34 (0,56) escola pública percebiam seus professores mais orientados
Fator 3c 94,28 0,001
2 2,76 (0,60) para a avaliação e utilização de metodologias de ensino tra-
dicionais.
1 3,47 (0,65)
Fator 4c 105,20 0,001 Em relação aos fatores da Escala de Motivação
2 4,02 (0,42) em Matemática, foram obtidas médias significativamente
superiores pelos alunos de escolas particulares, compa-
1 2,86 (0,55)
Fator 1m 6,53 0,010 rativamente aos de escola pública, nos fatores Satisfação
2 2,98 (0,42) pela Matemática (F[1, 393]=6,53; p = 0,011), Resolução de
1 2,46 (0,67) Problemas (F[1, 393]=21,37; p=0,0001) e Interações na aula
Fator 2m 0,02 n.s. de Matemática (F[1, 393]=5,29; p=0,022). Desta análise
2 2,44 (0,80)
apreende-se que os alunos da escola particular expressa-
1 3,20 (0,86) ram gostar mais de Matemática, de resolver problemas de
Fator 3m 21,37 0,001 Matemática e tinham melhores interações com colegas e
2 3,53 (0,71)
professor na aula dessa disciplina que os alunos da escola
1 3,03 (0,69) pública.
Fator 4m 3,25 n.s.
2 3,13 (0,73) Além disso, os resultados obtidos revelaram haver
interação significativa entre gênero e tipo de escola em rela-
1 2,41 (0,82)
Fator 5m 1,27 n.s. ção ao fator 2 (Jogos e Desafios) (F[1, 393]=8,06; p=0,005)
2 2,48 (0,72) e 3 (Resolução de Problemas) (F[1, 393]=5,62; p=0,018) da
1 3,37 (1,00) Escala de Motivação em Matemática. Na escola particular,
Fator 6m 5,29 0,05 os alunos do gênero masculino avaliaram mais positivamen-
2 3,60 (0,85) te o fator Jogos e Desafios (M=2,60; DP=0,81) quando com-
parados às alunas do gênero feminino (M=2,31; DP=0,78),
Notas: Escola 1 – Pública; Escola 2 – Particular. demonstrando haver maior discrepância entre os gêneros
n.s. – não significativo. na escola particular em relação a Jogos e Desafios. Obser-
64 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 61-69.
vou-se ainda que as alunas do gênero feminino de escola Figura 2. Efeito de interação entre gênero e tipo de escola no fator
pública (M=2,51; DP=0,69) apresentaram avaliação mais Resolução de Problemas.
positiva em Jogos e Desafios em relação às suas colegas
do mesmo gênero de escolas particulares, e os alunos do
gênero masculino da escola particular apresentaram média
maior em relação aos da escola pública (M=2,39; DP=0,64)
(ver Figura 1).
MOTIVAÇÃO GERAL
FATORES r p
Incentivo a Novas Ideias 0,37 0,0001
Ademais, os alunos do gênero masculino de escola
Clima para Expressão de Ideias 0,26 0,0001
particular avaliaram mais positivamente o fator Resolução
de Problemas da Escala de Motivação (M=3,62; DP=0,68) Avaliação e Metodologia de Ensino -0,16 0,002
quando comparados aos do mesmo gênero de escola pú-
Interesse pela Aprendizagem do Aluno 0,36 0,0001
blica (M=3,10; DP=0,83). Mas essa relação não pode ser
observada entre as alunas do gênero feminino de escola
pública (M=3,28; DP=0,87) e de escola particular (M=3,46; e manutenção de clima positivo para expressão de ideias,
DP=0,73). Assim, os alunos do gênero masculino da escola maior é a sua motivação por Matemática.
particular informaram gostar mais de resolver problemas de Observou-se também uma correlação negativa, em-
Matemática que os alunos desse mesmo gênero da escola bora baixa, significativa (r = -0,16; p = 0,002) entre Motivação
pública (ver Figura 2). Geral e o fator Avaliação e Metodologia de Ensino. Isso de-
nota uma tendência a uma menor motivação em Matemática
por parte dos alunos que consideraram que o seu professor
Relações entre percepção de práticas docentes utiliza procedimentos docentes típicos do método tradicional
para a criatividade, motivação em Matemática e de ensino, como uso de formas de avaliação que exigem
desempenho acadêmico nessa disciplina do aluno apenas a reprodução de conteúdo, poucas opor-
tunidades de escolha com relação aos trabalhos a serem
Na Tabela 2, é apresentado o valor das correlações desenvolvidos e mesma metodologia de ensino utilizada em
entre os fatores do Inventário de Práticas Docentes para a todas as aulas.
Criatividade e Motivação Geral em Matemática. Os índices Os resultados também indicaram correlações positi-
apontaram correlações positivas entre Motivação Geral e vas significativas entre a nota em Matemática e os fatores
Incentivo a Novas Ideias (r = 0,37; p = 0,0001), Clima para de Motivação em Matemática. Observaram-se as seguintes
Expressão de Ideias (r = 0,26; p = 0,0001) e Interesse pela correlações entre nota e Matemática e: 1) Satisfação pela
Aprendizagem do Aluno (r = 0,36; p = 0,0001). Isso indica Matemática (r = 0,32; p = 0,0001); 2) Jogos e Desafios (r =
que, quanto mais positiva a percepção pelos alunos do uso 0,21; p = 0,0001); 3) Resolução de Problemas (r = 0,30; p
por seu professor de Matemática de práticas pedagógicas = 0,0001); 4) Aplicações no Cotidiano (r = 0,16; p = 0,002);
relativas a incentivo ao desenvolvimento de novas ideias 5) Interações na Aula de Matemática (r = 0,15; p = 0,002);
e 6) Motivação Geral (r = 0,31; p = 0,0001), denotando que,
Criatividade e Motivação em Matemática * Alessandra Barbosa Nunes Otaviano, Eunice Maria Lima Soriano de Alencar & Cláudia Cristina Fukuda 65
Tabela 3. Correlação entre Rendimento Acadêmico e Fatores da vidade por parte de seu professor de Matemática, compara-
Escala de Motivação em Matemática. tivamente aos estudantes de escola pública. Vários fatores
podem ser apontados para explicar tal resultado. Um deles
FATOR NOTA refere-se à diversidade de recursos para uso em sala de
aula, disponíveis ao docente da instituição particular onde
r p os dados foram coletados, tais como computadores e pro-
gramas educacionais. Ademais, a escola tem como um dos
Satisfação pela Matemática 0,32 0,0001
objetivos de sua proposta pedagógica o desenvolvimento da
Jogos e Desafios 0,21 0,0001 criatividade do aluno, conta com um coordenador de área
e ainda promove reuniões dos docentes para planejamento
Resolução de Problemas 0,30 0,0001 das atividades a serem desenvolvidas no decorrer do bi-
mestre. Possivelmente, tais condições contribuem para uma
Aplicações no Cotidiano 0,16 0,002
prática promotora da criatividade, o que foi percebido pelos
Hábitos de Estudo 0,08 n.s. participantes desta pesquisa, que estudaram em escola par-
ticular.
Interações na Aula de Matemática 0,15 0,002 Observou-se que, apenas no fator Avaliação e Me-
todologia de Ensino do Inventário de Práticas Docentes
Motivação Geral 0,31 0,0001 para a Criatividade, foram os alunos da escola pública os
que obtiveram média significativamente superior, quando
comparados aos estudantes da instituição particular. Dado
quanto maior a motivação em Matemática, melhor é o ren- o conteúdo dos itens contidos nesse fator, por exemplo, uso
dimento acadêmico do aluno nessa disciplina. Entretanto, de formas de avaliação que exigem apenas reprodução do
algumas das correlações significativas tiveram valor pouco conteúdo dado em classe ou contido nos livros-texto, pou-
expressivo e possivelmente mostraram-se significativas em cas opções de escolha com relação aos trabalhos a serem
função do tamanho da amostra. Isso ocorreu nos fatores desenvolvidos e metodologia de ensino que se repete em
Aplicações no Cotidiano e Interações na Aula de Matemática cada aula, pode-se inferir condições menos propícias ao
(ver Tabela 3). desenvolvimento e expressão da criatividade.
Da mesma forma, verificaram-se correlações positi- Os resultados também apontaram que, ao se com-
vas entre os fatores do Inventário de Práticas Docentes para parar estudantes de instituições pública e particular quanto
a Criatividade Incentivo a Novas Ideias, Clima para Expres- à motivação em Matemática, médias significativamente su-
são de Ideias e Interesse pela Aprendizagem do Aluno e a periores foram obtidas pelos alunos da escola particular nos
nota em Matemática. Por outro lado, encontrou-se correla- fatores Satisfação em Matemática, Resolução de Problemas
ção negativa entre Avaliação e Metodologia de Ensino e a e Interações na Aula de Matemática e Motivação Geral. Tais
nota nessa disciplina (ver Tabela 4). resultados estão em consonância com os de Marchiore e
Alencar (2009), que investigaram a percepção de estudan-
Tabela 4. Correlação entre Rendimento Acadêmico e Fatores do tes do Ensino Médio acerca de sua motivação para apren-
Inventário de Práticas Docentes para a Criatividade der, uma vez que também essas pesquisadoras constata-
ram diferenças significativas em favor dos alunos da escola
particular na motivação para aprender. Nota-se que alguns
RENDIMENTO ACADÊMICO
itens do fator Resolução de Problemas, como “tento resolver
FATORES r p um mesmo problema matemático de maneiras diferentes”,
“diante de um problema, sinto muita curiosidade em saber
Incentivo a Novas Ideias 0,22 0,001 sua resolução”, “quando minhas tentativas de resolver um
problema fracassam, tento de novo”, traduzem um maior
Clima para Expressão de Ideias 0,16 0,010 nível de motivação intrínseca. Esta tem sido apontada pela
literatura (Bzuneck, 2004, 2010; Boruchovitch, 2004; Guima-
Avaliação e Metodologia de Ensino -0,27 0,001 rães, 2004) como a que mais contribui para a aprendizagem
do aluno. Por outro lado, os itens do fator Interações na Aula
Interesse pela Aprendizagem do Aluno 0,25 0,001 de Matemática, como “faço perguntas nas aulas de Mate-
mática quando eu tenho dúvidas” e “me relaciono bem com
o meu professor de Matemática”, caracterizam também um
clima propício à expressão da criatividade, conforme sina-
Discussão lizado anteriormente por Alencar e Fleith (2009). Ademais,
Alencar (2000), em estudo sobre as características do pro-
Observou-se, na presente pesquisa, que os estudan- fessor facilitador e daquele que inibe a criatividade discente,
tes da instituição particular apresentaram uma percepção constatou o incentivo ao aluno para fazer perguntas sobre
mais positiva de práticas pedagógicas promotoras da criati- os tópicos abordados em aula e relacionamento amigável
66 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 61-69.
professor-aluno como atributos apontados no professor fa- alunos para a efetivação de um ensino de qualidade (Kauark
cilitador da criatividade. Pelos resultados obtidos, pode-se & Muniz, 2008).
supor que o professor da escola particular não apenas propi- Demo (1993) lembra que o professor deve ser capaz
ciava melhores condições ao desenvolvimento do potencial de desenvolver no estudante a capacidade de raciocínio, de
criador, mas era também mais motivado pela atividade de posicionamento, tornando-o desafiador, provocador e insti-
ensino do que o da escola pública. Em relação a esse as- gador. Mas, para tanto, é necessário que o docente aprenda
pecto, Tapia e Fita (2006) consideram que, se o professor a ler criticamente; obtenha redação própria e expresse-se
não estiver motivado, se não exercer de forma satisfatória a com desenvoltura; domine conhecimentos e informações
sua profissão, muito dificilmente será capaz de transmitir a estratégicas do processo de transformação da realidade
seus alunos entusiasmo e interesse pelas tarefas escolares. atual; pesquise, iniciando com pequenas investigações e,
Pode-se também levantar a hipótese de que os alu- posteriormente, passando para elaborações mais exigentes,
nos da escola particular sejam mais motivados intrinseca- que já expressem capacidade de síntese, de compreensão
mente. Esse tipo de motivação caracteriza indivíduos que se global, de posicionamento crítico e criativo; aprimore habili-
engajam em uma atividade por iniciativa própria, por achá-la dade metodológica para manejar e produzir conhecimento.
interessante ou prazerosa. Guimarães (2004) destaca que, Diante das frequentes dificuldades para aprender
quando o aluno apresenta predominância de motivação Matemática, o papel do professor é fundamental. Cabe a ele
intrínseca, mostra-se mais curioso, interessado, atento, con- não apenas auxiliar o aluno a dominar os conteúdos dessa
centrado e persistente no desempenho das mais variadas disciplina, como também motivá-los, levando-os a ter prazer
atividades. em estudar e aprender Matemática. Segundo D’Ambrósio
Não foram encontradas, no presente estudo, diferen- (2007), é importante que o professor de Matemática tenha
ças significativas entre gênero tanto nos fatores avaliados visão do que vem a ser a Matemática, do que constitui a
pelo Inventário de Práticas Docentes para a Criatividade atividade matemática e do que caracteriza um ambiente pro-
como na Escala de Motivação em Matemática. É notório que pício à aprendizagem da Matemática. Isso, paralelamente
há uma vasta literatura chamando a atenção para as diferen- ao uso de estratégias de ensino promotoras da criatividade,
ças de gênero, a favor do gênero masculino, em desempe- possivelmente contribuiria para assegurar níveis mais altos
nho em Matemática e motivação em relação a esta disciplina de motivação para aprender Matemática pelos alunos.
(Fox, Engle, & Paeck, 2001; Heller & Ziegler, 2010; Preckel, Embora o presente estudo tenha limitações, como,
Goetz, Pekrun, & Kleine, 2008). Ademais, no Brasil, Gon- por exemplo, dados coletados em alunos de uma única sé-
tijo e Fleith (2009) encontraram médias significativamente rie do Ensino Médio e de uma única escola pública e outra
superiores, por parte dos estudantes do gênero masculino, particular, os seus resultados podem ajudar pesquisadores e
nos fatores Jogos e Desafios e Resolução de Problemas da educadores a compreender melhor a relação entre práticas
Escala de Motivação em Matemática. pedagógicas utilizadas pelo professor e motivação do aluno
Os resultados apontaram relação positiva entre a e ainda a relação entre motivação do aluno e seu rendi-
percepção dos alunos quanto ao uso de estratégias em sala mento acadêmico em Matemática. Oferece ainda algumas
de aula para desenvolver a criatividade pelos professores e sugestões de como melhorar a educação matemática, o que
a motivação dos alunos em Matemática. Tal resultado vem é de extrema importância no país, dados os baixos índices
ao encontro do apontado por Fleith e Alencar (2010), em de proficiência nesta disciplina, expressos, por exemplo, em
texto a respeito das relações entre criatividade e motivação. testes oficiais, como o Sistema de Avaliação Básica – SAEB.
As autoras sinalizam que, entre os elementos do contexto
educacional que têm influência tanto na expressão da criati-
vidade como na motivação do aluno, estão os procedimen- Referências
tos dos docentes em sala de aula e que métodos de ensino
centrados no professor são fatores que contribuem para Alencar, E. M. L. S. (2000). O perfil do professor facilitador e do
reduzir a motivação do aluno para aprender e a expressão professor inibidor da criatividade segundo estudantes de pós-
do seu potencial para criar. graduação. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, 19, 84-
Em complemento, Bzuneck (2004, 2010) ressalta 94.
que o professor em classe deve prevenir a ocorrência de
condições negativas, como o tédio crônico, a apatia ou a alta Alencar, E. M. L. S. (2002). O estímulo à criatividade em programas
ansiedade e, mais do que tudo, deve desenvolver e manter de pós-graduação segundo seus estudantes. Psicologia: reflexão
a motivação positiva da classe como um todo, série após e crítica, 15, 63-70.
série, pois a motivação do aluno em sala de aula resulta
de um conjunto de medidas educacionais, que incluem cer- Alencar, E. M. L. S. (2007). O papel da escola na estimulação do
tas estratégias de ensino ou eventos, sobre os quais todo talento criativo. Em D. S. Fleith & E. M. L. S. Alencar (Orgs.),
professor tem amplo poder de decisão. Assim, o novo de- Desenvolvimento de talentos e altas habilidades: Orientação a
safio para os educadores é ser criativo na preparação e na pais e professores (pp. 151-162). Porto Alegre: ArtMed.
execução das aulas. Hoje, o professor deve ter a habilidade
de articular, liderar, convencer e desenvolver talentos nos Alencar, E. M. L. S., & Fleith, D. S. (2004). Inventário de Práticas
Criatividade e Motivação em Matemática * Alessandra Barbosa Nunes Otaviano, Eunice Maria Lima Soriano de Alencar & Cláudia Cristina Fukuda 67
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Paulo: Editora Psy.
Sobre a autora
Este trabalho é derivado da Dissertação de Mestrado defendida pela primeira autora, sob a orientação da segunda, no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade Católica de Brasília.
Criatividade e Motivação em Matemática * Alessandra Barbosa Nunes Otaviano, Eunice Maria Lima Soriano de Alencar & Cláudia Cristina Fukuda 69
Educadores e a morte
Resumo
A morte interdita e a escancarada convivem no século XXI. Crianças e jovens podem ter a morte no seu cotidiano, pela perda de pessoas
significativas, pela violência e pelos meios de comunicação. A morte invade também o contexto escolar, com crianças e jovens enlutados ou
mortes que ocorrem nas instituições de educação. O artigo discute como a instituição escolar e os educadores veem a morte e sua implicação
neste processo, suas necessidades e dificuldades. São apresentadas propostas para inclusão do tema da morte nas atividades pedagógicas
regulares ou em instituições especiais e na formação de educadores.
Palavras-chaves: Morte, crianças em idade escolar, educadores.
Death, both hidden and wide open, live together in the XXI century. Children and young people face death in their daily lives by seeing the loss
of significant relatives by living under violence and by viewing and hearing the media. Death also pervades the school environment with children
and young people bereaved or because of deaths that occur in educational institutions. In this article we discuss how the school and educators
see death. We study their involvement in this process, their needs and difficulties. We make proposal for inclusion of this theme the regular
educational activities or in special institutions and teacher education.
Keywords: Death and dying, school age children, educators.
Educadores y la muerte
Resumen
La muerte velada y la explícita conviven en el siglo XXI. Niños y jóvenes pueden tener la muerte en su cotidiano, por la pérdida de personas
significativas, por la violencia y por los medios de comunicación. La muerte invade también el contexto escolar, con niños y jóvenes de luto o
muertes que ocurren en las instituciones de educación. El artículo discute como la institución escolar y los educadores ven la muerte y su
implicación en este proceso, sus necesidades y dificultades. Se presentan propuestas para inclusión del tema de la muerte en las actividades
pedagógicas regulares o en instituciones especiales y en la formación de educadores.
Palabras Clave: Muerte, niños y adolescentes, educadores.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 71-81. 71
Introdução seus atributos principais: irreversibilidade, universalidade,
funcionalidade e causalidade. O período pré-operacional
Num mapeamento da literatura envolvendo o tema oferece as maiores preocupações, pois crianças nesta fase
da morte nas escolas, em livros, teses e artigos em perió- ainda não dominam os atributos acima referidos e, quando
dicos sobre a questão da morte, verificamos que há poucos ocorrem mortes, precisam ser informadas sobre a irrevers-
textos que a abordam em relação a educadores. Os poucos ibilidade e a universalidade. Questões complexas como
artigos que acessamos apontam para a falta de discussão pensamento mágico onipotente, culpa, egocentrismo, ani-
sobre a questão da morte na escola (Kovács, 2010). mismo, precisam ser abordadas (Kovács, 1992, 2003; Lima,
Schilling (2002), ao abordar a interdição do tema da 2007; Torres, 1999).
morte na sociedade, afirma que há poucos estudos sobre No período das operações concretas as crianças já
o tema porque é considerado assunto particular. Por outro distinguem seres animados e inanimados, embora ainda
lado, meios de comunicação expõem o tema maciçamente. apresentem dificuldades com abstrações e aspectos bio-
Endo (2005) aponta que há cada vez mais imagens de mor- lógicos essenciais. As experiências de morte vividas pela
te e violência, levando à banalização pela superexposição, criança podem acelerar o processo de compreensão de
perdendo-se o potencial de alarme ou impacto. Mecanismos seus principais atributos.
de defesa para lidar com sofrimento envolvem supressão, Segundo Schoen, Burrough e Schoen (2004), o luto
adiamento ou negação. Crianças e jovens podem ser espec- é período de crise para a criança que vive este processo
tadores involuntários de sofrimento e imagens de violência, observando adultos próximos. A expressão do luto terá ca-
consumindo imagens de morte no sofá. Cenas de sofrimento racterísticas e peculiaridades de acordo com ritos familiares
e de desgraça são repetidas à exaustão acompanhadas de e a cultura em que vive. Mazorra e Tinoco (2005) observam
texto superficial com rápida expressão emocional, sem refle- que crianças podem apresentar tristeza, perda de interesse,
xão ou elaboração, seguidas por amenidades ou propagan- culpa e problemas na escola, identificação com a pessoa
das. O risco desta superexposição de morte e violência pode morta, pânico, medo e culpa por se acharem responsáveis
levar, principalmente para jovens, à ideia de que a morte é pelo que ocorreu, manifestação do pensamento mágico oni-
evento banal, cotidiano, comum, impessoal, a não ser que en- potente. Raimbault (1979) afirma que o sentimento de culpa
tre as vítimas se encontre alguém conhecido (Kovács, 2003). pode ser mais forte quando ocorre morte de irmãos. A morte
Rodriguez (2010) aponta que é preciso refletir por de alguém próximo também pode trazer a possibilidade da
que há tantas mortes injustificadas de jovens, envolvendo sua própria. Como crianças ainda não se expressam bem
mortes escancaradas, que invadem a vida das pessoas com palavras, outros recursos são fundamentais, como
sem proteção ou antídotos provocando fortes sentimentos brinquedos ou desenhos. Buscam o adulto como apoio, que
de vulnerabilidade. Exemplos de morte escancarada são pode acolher e legitimar seus sentimentos, responder per-
situações de violência traumáticas, catástrofes, desastres, guntas, numa tentativa de ordenar o mundo abalado após
homicídio e suicídio. perdas significativas. O luto atinge o sistema familiar, tendo
É preciso considerar com cuidado o bullying como que se estabelecer novas organizações para lidar com esta
exemplo de morte simbólica para crianças e jovens na situação, como apontam Bromberg (1996, 1998), Walsh e
atualidade, envolvendo exclusão, isolamento, humilhação, Mc Goldrick (1998) e Worden e Silverman (1996).
relações desiguais, provocando medo, opressão, maus O aumento da violência nas metrópoles atinge tam-
tratos, angústia e sofrimento. Podem ocorrer brigas, agres- bém crianças. Lione (2005) aponta que, quando estas per-
sões físicas e, em casos extremos, até morte. Pode causar dem irmãos e amigos, pensam que esse fato pode ocorrer
depressão, baixa autoestima, receio de expressar emoções, com elas, aumentando sua sensação de vulnerabilidade. É
problemas de relacionamento interpessoal, uso excessivo fundamental esclarecer que o eventual desejo de destruição
de álcool e drogas, automutilação e, em casos mais graves, ou morte do irmão não foi o que causou sua morte.
tentativa de suicídio. Crochik (1995) aponta situações de Harris (1991) verificou que crianças, ao viverem
humilhação sofridas e perpetuadas e os preconceitos em perdas de pessoas próximas, manifestam sintomas físicos
relação à diferença. O local por excelência do bullying é a e psíquicos, problemas escolares, baixa autoestima, ansie-
escola. No cyberbullying que acontece na Internet são in- dade. Esclarecimentos precisam ser dados para ajudá-las
cluídas difamações em páginas de relacionamento. Nesta a lidar com a culpa, que pode dificultar o processo do luto.
via, garante-se anonimato e impunidade. Um dos problemas Em tempos de morte interdita tira-se a morte de cena
mais complicados a ser enfrentado é que vítimas de bullying das crianças para poupar o sofrimento argumentando-se
têm medo de denunciar e sofrer represálias, como aponta que não entendem o que está acontecendo. Falar com a
Rodriguez (2010). criança abertamente sobre o tema ajuda a enfrentar medos
que podem surgir pelo desconhecido.
Lima (2007) aponta dificuldades dos adultos para
As crianças e a morte se comunicar com crianças sobre a morte. Não responder
a perguntas ou silenciar com o intuito de protegê-las pode
Torres (1999) realizou vários estudos sobre o desen- ser uma forma de defesa quando não sabem o que fazer e a
volvimento do conceito de morte em crianças, considerando criança também se cala. Torres (1999) propõe que família ou
72 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 71-81.
adultos próximos sejam ouvintes compreensivos, observan- que fazer e não consideram esta como sua tarefa, principal-
do cuidadosamente a experiência da criança, considerando mente diante de uma agenda lotada.
seu estágio de desenvolvimento. Ser bom ouvinte represen- Silva e Valle (2008) sugerem a criação de atividades
ta estar disponível ao que a criança expressa, compartilhan- de capacitação para educadores incluindo informações
do sentimentos, lidando com a culpa, lembrando que não há sobre doenças, tratamentos e como lidar com crianças e
receitas ou formas padronizadas para se falar sobre a morte. jovens doentes. Esta proposta deveria ser estendida para os
Rituais ajudam a elaborar perdas de forma cons- colegas de sala, que convivem com o jovem no seu proces-
trutiva. Para Schachter (1991-1992) a criança é membro so de recuperação, respondendo às questões e possíveis
da família, por isso é importante que participe dos rituais processos de identificação. Crianças e jovens enfermos
propostos. O contexto social dos rituais ajuda na aquisição serão assim acolhidos em suas limitações, tendo suas po-
de significados, assim crianças têm oportunidade de se tencialidades valorizadas. A coordenação das escolas pre-
despedir do falecido, tendo seus sentimentos reconhecidos. cisa ter flexibilidade e consideração com faltas das crianças
Rituais oferecem conforto e suporte, respondendo assim à por causa dos sintomas da doença, efeitos colaterais dos
pergunta de familiares e professores sobre a participação tratamentos. Como exemplo de parceria entre instituições,
de crianças em velórios e enterros. Numa sociedade que os trabalhos escolares podem ser levados ao hospital, bus-
interdita a morte, há crença de que esses eventos poderiam cando-se criar melhores condições no leito, com adaptações
causar sofrimento à criança. Não é o que se observa, já que necessárias.
nessas cerimônias emoções podem ser expressas, acolhi-
das e compartilhadas e a criança se sente parte da família.
Gonçalves e Valle (1999) realizaram estudo com Adolescentes e a morte
11 crianças de 9 a 15 anos. Foram estudados: limitações
impostas pela doença e tratamentos; interferências destes Em consulta ao Núcleo de Estudos sobre a Violên-
no processo de escolarização da criança motivadas pelo cia da USP (www.nevusp.org.br), observamos dados que
seu afastamento; visão da escola; lembranças de situa- indicam a importância da abordagem do tema da morte
ções negativas vividas durante a hospitalização; reflexão na escola. O levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de
sobre desempenho escolar; esforço para continuidade das Geografia e Estatística em 2008 aponta o índice de mortes
atividades na escola. Os participantes sentiam vergonha de jovens de 15 a 24 anos por causas externas, chegando
pelas alterações físicas da doença, como perda de cabelo, a 68% nesta faixa etária. O Sudeste do país lidera estas
magreza, palidez, inchaço e uso de máscaras para evitar estatísticas, mostrando que 87% dos professores sofrem
contaminação. Tinham medo de serem esquecidos pelos violência na sala de aula, 70% têm conhecimento sobre uso
amigos. Percebiam suas dificuldades e ficavam desanima- e tráfico de drogas e 46% têm informação de que os alunos
dos vendo o avanço pedagógico de seus colegas. Segundo estão armados.
as autoras, algumas crianças amadurecem pela experiência Segundo esse mesmo grupo de pesquisa, há super-
da doença e tratamentos a que foram submetidas. Obser- posição de vários problemas para jovens na atualidade: de-
varam que seus professores não conhecem a doença e não sigualdade na educação e saúde, moradia, trabalho, baixa
sabem como lidar com a perspectiva da morte, mostrando renda e escolaridade. Houve aumento significativo de suicí-
dificuldades na sua reintegração. Crianças doentes querem dios na faixa de 15-24 anos, resultado de muitas pressões:
ser tratadas como sempre foram. inserção social, vestibular, emprego.
Silva e Valle (2008) apontam que não é só o prejuízo A morte não deveria estar presente no período da
acadêmico que precisa ser considerado e sim o isolamento, adolescência, já que jovens estão ativamente envolvidos na
abandono social, perda de contato com os colegas. Obser- construção de seu futuro, na consolidação da identidade e
vando-se estes problemas com os alunos doentes reintegra- na definição da profissão. Infelizmente não é o que mostram
dos na escola, cronogramas precisam ser flexibilizados, o as estatísticas atuais. A questão é como traçar a fronteira
que nem sempre acontece. entre experimentar potência e ousadia, desafiar limites, si-
Crianças e adolescentes com câncer podem apre- tuações tão comuns na adolescência e se expor a riscos
sentar efeitos tardios dos tratamentos, como apontam efetivos de vida, que precisam ser conscientizados.
Perina, Mastellaro e Nucci (2008). Quimioterapia e radio- Rodriguez e Kovács (2006) apontam que o cresci-
terapia podem levar à obesidade, emagrecimento, queda mento da mortalidade entre jovens pode estar relacionado
de cabelos, modificando a aparência e a imagem corporal, também com comportamentos autodestrutivos. Cotter
influenciando na autoestima de jovens, prejudicando seus (2003) questiona como mudar a perspectiva de jovens que
relacionamentos. Podem ocorrer déficits intelectuais, de me- acreditam que a morte não vai acontecer com eles, passan-
mória e de raciocínio, dificultando o desempenho escolar. O do da negação para conscientização.
conhecimento desses aspectos por pais e professores ajuda Em pesquisa1 sobre o tema da morte na adolescência
na reintegração destes jovens na sociedade. e sua inserção na escola, perguntamos a 25 alunos do curso
Muitas equipes de saúde não consideram como sua
1 Pesquisa: A questão da morte nas instituições de saúde e
a tarefa de orientar educadores para lidar com a criança educação. Do interdito à comunicação para profissionais de saúde
doente. Os educadores, por sua vez, também não sabem o e educação (2006-2009) – não publicada – CNPq.
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debater o tema na escola. Participaram desta pesquisa ado- espaço para lidar com o tema. Entretanto, não cabe a eles
lescentes do ensino médio de duas escolas da cidade de cuidar desse aspecto, a responsabilidade é de profissionais
São Paulo. Numa das escolas participaram 11 adolescentes especializados.
e em outra, 37 com idade média de 16 anos. McGovern & Barry (2000) realizaram estudo trans-
O filme mencionado inclui cenas de esportes radicais, versal sobre ensino e atitudes envolvendo pais e professo-
perda de amigos e irmãos, violência, amor, sexo, uso abu- res de crianças de 5 a 12 anos, com 119 pais e 142 profes-
sivo de drogas e álcool e suas consequências, transtornos sores na Irlanda. Observaram o desconforto dos adultos ao
alimentares, acidentes, tentativas de suicídio, entre outras. lidarem com o tema da morte com as crianças. Professores
As cenas buscam trazer visão realista da situação, focali- pensavam que esclarecer e acolher crianças que vivem si-
zando a possível vulnerabilidade e fragilidade a que os ado- tuações de perda e morte era problema dos pais e que, se
lescentes possam estar submetidos. O filme foi apresentado interferissem, poderiam provocar conflitos.
aos jovens e posteriormente se abriu o debate sobre temas Rodriguez (2010) realizou pesquisa sobre aborda-
ligados à morte. Investigou-se a repercussão do filme para gem do tema da morte no contexto escolar. Entrevistou sete
pensar questões como: uso de drogas, risco de acidentes, educadores de escola pública e privada. Os eixos temáticos
contaminação pelo vírus HIV, busca do corpo ideal, suicídio foram: formação e trajetória de profissionais de educação;
e exercício irresponsável da sexualidade. morte na sociedade atual: questões pessoais, dificuldades,
A autora observou que adolescentes esperavam ce- sentimentos; morte no contexto escolar; experiências vivi-
nas mais reais sobre a morte, maneiras de enfrentá-la e não das envolvendo morte; suporte e comunicação para abordar
como é provocada, pois esse fato já é conhecido, pela exibi- o tema da morte com adolescentes; opinião sobre a aborda-
ção cotidiana da violência pela TV. As cenas sobre suicídio gem do tema na escola; disponibilidade do educador para se
e drogas tão temidas pelos adultos foram aceitas de forma preparar; busca do educador mais sensível; preparação do
natural pelos jovens, que as consideram como fazendo parte educador; inserção do tema da morte em atividades pedagó-
do seu dia a dia. gicas ou especiais. As seguintes questões emergiram: por
Jovens podem ser auxiliados na elaboração do luto. que cursos de graduação e formação de educadores não
Nesta fase da vida, há desenvolvimento do pensamento for- incluem o tema da morte? Como a morte mobiliza educado-
mal com potencialidade para abstrações, por isso é impor- res? Como conciliar atividades pedagógicas regulares quan-
tante estimular o jovem a fazer escolhas e expressar seus do ocorrem mortes na escola? O educador considera impor-
argumentos Neste período, a ideia da morte se consolida, a tante a abordagem do tema da morte nas escolas? Como
discussão pode ser abrangente, permitindo reflexão. Jovens professores pensam se preparar para lidar com as mortes
podem discutir e colaborar para a elaboração de programas concreta, simbólica ou escancarada na escola? Quem fará
de acolhimento de alunos que vivem situação de perda. a preparação dos educadores? Como detectar lideranças?
Como desenvolver a empatia nos educadores? Como inserir
o tema da morte na escola como atividade didática, para
Educadores e a morte complementar e ampliar a formação de crianças e jovens?
Como escolher educadores que tenham mais sensibilidade
Educadores precisam entrar em contato com sua e disposição interna para acolher alunos que sofreram per-
visão de morte, seus processos de luto, já que exercem das e que possam conduzir atividades em que o tema da
influência significativa em seus alunos, atentos às suas pa- morte se faça presente?
lavras e ações. E importante haver espaço para emoções e Ainda não há respostas para essas questões, mas
sentimentos, favorecendo a comunicação. elas fundamentam a reflexão sobre a preparação de educa-
Sukiennik (2000) aponta que educadores podem per- dores para lidar com o tema da morte na escola. Sims (1991)
ceber sinais de luto complicado, ajudando no encaminha- aponta como qualidade principal para essa tarefa a empatia
mento de seus alunos. Mudanças de comportamento, faltas, em relação ao sofrimento dos alunos e oferecer acolhida. A
quedas de rendimento e comportamentos autodestrutivos proposta não é de psicoterapia, e sim cuidado, que educa-
são indícios importantes de problemas. Entre as dificuldades dores podem oferecer se houver disponibilidade psíquica.
apontadas para lidar com a morte, educadores referiram-se Rodriguez (2005) observou que educadores conside-
a: resistência, falta de preparo, necessidade de reforma ram a visão de morte no âmbito pessoal e profissional de
curricular para evitar sobrecarga de trabalho, estabelecer forma diferente. Não atribuem como sua tarefa o cuidado a
parcerias com o meio acadêmico e limites pessoais. crianças vivendo situações de morte e se referem a dificul-
Segundo Mahon, Goldberg e Washington (1999), dades de conjugar atividades pedagógicas e a questão da
professores se sentem desconfortáveis ou constrangidos morte. Domingos (2003) discute o impacto de professores
quando precisam abordar o tema com seus alunos. Afirmam que se veem obrigados a confrontar a experiência de morte
que o currículo já está montado e não há possibilidade de de seus alunos, afirmando não ter sido preparados para a
se abrir espaço para além do previsto. Esses autores verifi- tarefa. Afirmar que não houve preparo não encerra o pro-
caram que menos de um terço dos professores se sentem blema, já que o assunto é frequente no cotidiano escolar.
preparados para lidar com o tema da morte com seus alu- A questão é como oferecer subsídios aos educadores para
nos, a maioria acha que é importante que a criança tenha que possam abordar a questão na escola. Como cuidar de
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se refere à morte “ignorada” na sociedade, a ser debatida na sozinhos buscam leituras ou reflexão; sentem medo de per-
escola incluindo família e comunidade, com adolescentes e der alguém que amam; pensam sobre o que vai acontecer
educadores compartilhando ideias. Apoio e acolhimento aju- após a morte; quando familiares adoecem; a violência nas
dam a lidar com a morte concreta, simbólica e escancarada. ruas e vivência de situações de risco.
Não há evidências de que escolas realizem trabalhos A escola deveria abordar o tema da morte? 23 jovens
com alunos enlutados. Uma das possíveis explicações é que responderam que sim, propondo o seguinte: convidar psicó-
para educadores cabe à família desempenhar essa tarefa. logos e outros profissionais na discussão do tema; discutir
Jovens consideram como base de apoio principal os amigos, a vivência do luto em situações de perda; possibilidade de
como já referimos. alerta diante de comportamentos autodestrutivos; propor
Há muitas questões a pensar, ao ser confirmada a atividades descontraídas e educativas como forma de pre-
necessidade de incluir o tema da morte na escola: deverá venção; mostrar que há pessoas que se preocupam com
ser atividade pedagógica regular ou esporádica, específica eles. O tema da morte é importante, faz parte do cotidiano,
quando ocorrerem situações de perda e morte com alunos tem relação com outros assuntos, promove conhecimento,
e educadores no âmbito escolar? Quem assumirá a res- reflexão e conscientização. Sugeriram também debates e
ponsabilidade por essa tarefa: o orientador educacional, o palestras. Dez jovens afirmaram que a morte não é tema
coordenador pedagógico, o psicólogo, os professores de para ser abordado na escola. O motivo alegado foi que dis-
determinada disciplina ou a escola deveria contratar espe- cutir o tema da morte poderia abalar os alunos. Sete jovens
cialistas externos? Longe de haver consenso, essas ques- ficaram em dúvida e disseram que a morte é tema delicado
tões merecem reflexão. Foram mencionadas disciplinas que para ser discutido na escola.
podem abordar o tema da morte: biologia, ecologia, ciências Vemos, então, a necessidade de abordar o tema por
sociais, filosofia, literatura e história. Há recursos didáticos estar presente na vida dos jovens e para ajudar na elabora-
como filmes e livros que se tornam elementos facilitadores ção do luto. As negativas dos jovens envolviam o medo de
para abordagem do tema da morte, como, por exemplo, repercussão, de “contágio”. Rodriguez (2005) reforça a ideia
“Longas cartas a ninguém” sobre suicídio, escrito por Julio de que reflexão e compreensão podem ajudar a lidar com o
Emilio Braz (1998). que é inesperado na vida. No estudo citado, questionou a
Antes de não autorizar o trabalho sobre o tema da relação entre prazer e autodestruição, a falta de limites e a
morte na escola dever-se-ia, primeiramente, propiciar es- sensação de onipotência e invulnerabilidade; alguns jovens
paços para ouvir o que jovens têm a dizer sobre a ques- apontaram que para eles a vida não tem sentido, há tédio e
tão, como aponta Rodriguez (2005). A autora apresenta os vazio na alma. Os comportamentos de risco podem trazer
dados de uma escola pública da cidade de São Paulo cuja adrenalina, o sabor da vida.
coordenadora pedagógica demonstrou grande interesse Perguntamos a 26 alunos de Psicologia4 se achavam
pela facilitação da comunicação sobre o tema da morte na que a questão da morte deveria ser abordada nas escolas.
escola. Considerou que a exibição de um filme sobre morte 20 participantes (77%) disseram que sim, enfatizando os
e adolescentes, já citado, seria trabalho oportuno nesta es- seguintes pontos: com reflexão, cuidado, delicadeza, pro-
cola, pois a maioria dos alunos reside numa favela próxima. movendo debate, compartilhando experiências, levando ao
Destacou que as questões levantadas pelo filme fazem parte autoconhecimento. É preciso cuidar para não adotar tom
do cotidiano dos alunos, envolvendo drogas, comportamen- moralista para não intimidar os jovens. Tem caráter preventi-
tos autodestrutivos, violência e medo da morte. vo. Podem ser utilizadas matérias já existentes incluindo-se
Os adolescentes assistiram ao filme e conversaram o tema, utilizar palestras, filmes, oficinas, notícias de jornais.
sobre o tema da morte na sua vida. A maioria dos participan- Observa-se, nas falas dos autores e nas pesquisas
tes citou a morte de familiares, amigos, conhecidos e pes- citadas, que se propõe a inserção do tema da morte na es-
soas que cometeram suicídio como experiências pessoais. cola, enfatizando reflexão, debate e não de respostas pron-
Foram também relatados acidentes de carro, afogamentos, tas ou receitas. Apresentamos a seguir proposta de inserção
coma alcoólico e pessoas que morreram devido a compor- do tema da morte nas escolas.
tamentos autodestrutivos. A maioria dos participantes disse
que conversa com a família, filhos e amigos quando conhe-
cem algum colega que está apresentando comportamentos Propostas de inclusão do tema da morte em
autodestrutivos, uso de álcool, direção perigosa e/ou consu- instituições educacionais
mo de drogas em festas e shows. Conversam com amigos
sobre uso de drogas, conselhos que recebem dos pais e Glass (1990) vê a educação como aprendizagem
acontecimentos que aparecem na televisão. significativa para lidar com perdas e morte. Permite rever
Catorze adolescentes disseram que não precisam experiências, elaborar e construir significados, sensibiliza-
pensar na morte, pois o que mais querem no momento é ção e escuta de processos internos. É fundamental criar at-
viver, a morte só acontece com os mais velhos. Só pensam mosfera de confiança, sem julgamento, permitindo o contato
na morte quando assistem a filmes e quando conhecidos
4 Alunos que cursaram a disciplina Psicologia da Morte (Instituto
morrem. Um número maior de adolescentes (23) pensa com de Psicologia - USP) e responderam a questões sobre morte e
frequência na morte, por motivos diferentes: quando estão adolescência.
78 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 71-81.
O que fica mais claro é que alguns educadores não Corr, C. A. (1998/1999). Enhancing the concept of disenfranchised
se veem tendo a função de abordar o tema da morte, que, grief. Omega, Journal of Death and Dying, 38(1), 1-20.
em sua opinião, deveria ser tarefa dos pais. Há dificuldades
quando educadores têm crença religiosa diferente da famí- Cotter, R. P. (2003). High risk behaviors in adolescents and their
lia. Os que não consideram o trabalho com a morte como relationship to death anxiety and death personifications. Omega,
sua tarefa também não veem necessidade de se preparar. Journal of Death and Dying, 47(2), 119-137.
Um número significativo de educadores pensa que
o tema da morte deva ser abordado nas escolas, mas não Creenshaw, D. (1997). Bereavement counseling the grieving
se sentem preparados para esta função. Observa-se a ne- throughout the life cycle. New York: Crossroad.
cessidade de preparo em várias propostas e formatos enfo-
cando aspectos cognitivos: palestras, informações, esclare- Crochik, L. (1995). Preconceito, indivíduo e cultura. São Paulo: Robe.
cimentos, supervisão; e emocionais: sensibilização frente a
questões pessoais e cuidados psicológicos. Houve também Cullinan, A. L. (1990). Teacher’s death anxiety ability to cope with
pedidos de consultoria com profissionais especializados. death and perceived ability to aid bereaved students. Death
À semelhança de profissionais de saúde que têm a studies, 14, 147-160.
morte em seu cotidiano, o mesmo ocorre com educadores. A
diferença é que, no caso dos primeiros, esse fato é sabido e Cunningham, B., & Hare, J. (1989). Essential elements of a teacher
confirmado como parte de seu trabalho, enquanto que, para in a service program on child bereavement. Elementary School
educadores, estes dificilmente dirão que lidar com a morte Guidance and Counseling, (23), 175-182.
ou cuidar de alunos em processo de luto que estejam elabo-
rando suas perdas seja sua tarefa. Doka, K. (1989). Disenfranchised grief - recognizing hidden sorrow.
Finalizando este artigo, mas não a discussão, assim New York, Lexington Books.
como nas instituições de saúde, a questão da morte deverá
ser incluída na programação das escolas. Cuidado, reflexão Domingos, B. (2003). Experiências de perda e luto em escolares de
e competência são importantes para que não se crie uma 13 a 18 anos. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(3), 577-589.
barreira defensiva no trato do tema da morte, ainda uma
terra de ninguém no âmbito educacional. Não há receitas Endo, P.C. (2005). A violência no coração da cidade: um estudo
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Recebido em:17/03/2011
Reformulado em: 14/02/2012
Aprovado em: 24/02/2012
Sobre a autora
Resumo
Este estudo investiga a “violência entre pares” numa escola de Esteio/RS. Participaram 161 alunos, sendo 102 da sétima e 59 da oitava série,
67 meninas e 94 meninos, com idades entre 12 e 20 anos (M ± DP = 14,09 ± 1,19). Foi utilizado o questionário “Violência entre Pares”. Os
resultados mostram que 56,9% dos alunos foram vítimas, 82,0%, observadores e 38,5%, agressores. Apenas 8,7% foram agredidos mais de três
vezes. A agressão mais frequente foi a verbal (47,2%), seguida da física (21,1%) e de outras formas de agressão (13,7%). Discute-se o perfil
dos agressores, que são predominantemente também vítimas, e 70,3% destas têm irmãos mais velhos. Há queda dos índices de vitimização nos
meninos conforme aumenta a idade. A maioria dos alunos avaliou o ambiente escolar e a relação com os colegas como positiva, sem associação
entre vitimização e piora dessas avaliações. A presença do bullying não foi significativa.
Palavras-chave: Ensino público, violência, ensino fundamental.
In this study we investigate the “peer violence” in a school Esteio / RS. 161 students participated, being 102 seventh graders and 59 eighth
graders, 67 girls and 94 boys, aged between 12 and 20 years (M ± SD = 14.09 ± 1.19). We used the questionnaire “Peer Violence.” The results
show that 56.9% of the victims were students, 82.0%, observers, and 38.5%, offenders. Only 8.7% were assaulted more than three times. The
aggression was verbal, most of the times (47.2%), followed by physical abuse (21.1%) and other forms of aggression (13.7%). We discuss the
profile of the attackers, who are predominantly also victims. 70.3% of them have older siblings. There are drop rates of victimization in boys as
they grow older. Most students rated the school environment and relationships with colleagues as positive. There is no association between
victimization and worsening these evaluations. The presence of bullying was not significant.
Keywords: Public school education, violence, elementary education.
Este estudio investiga la “violencia entre pares” en una escuela de Esteio/RS. Participaron 161 alumnos, siendo 102 del séptimo y 59 del octavo
grado, 67 mujeres y 94 hombres, con edades entre 12 y 20 años (P ± DE = 14,09 ± 1,19). Se utilizó el cuestionario “Violencia entre Pares”.
Los resultados muestran que 56,9% de los alumnos fueron víctimas, 82,0%, observadores e 38,5%, agresores. Apenas 8,7% de los alumnos
fueron agredidos más de tres veces. La agresión más frecuente fue verbal (47,2%), seguida de la física (21,1%) y de otras formas de agresión
(13,7%). Se discute el perfil de los agresores que son, predominantemente, también víctimas, y 70,3% de estos tienen hermanos mayores. Hay
disminución de los índices de victimización en los niños conforme aumenta la edad. La mayoría de los alumnos evaluó el ambiente escolar y la
relación con los colegas como positiva, sin asociación entre victimización y empeoramiento de esas evaluaciones. La presencia de bullying no
fue significativa.
Palabras Clave: Escuela pública, violencia, enseñanza primaria.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 83-93. 83
Introdução de vista da prática educativa, e suas diferentes manifesta-
ções têm preocupado de forma especial pais e educadores.
Profissionais da educação, alunos e pais vêm se sur-
Definindo o conceito de violência preendendo com problemas de violência entre jovens alunos
de classe média. Apesar das preocupações generalizadas,
A violência não é um fenômeno recente e tem estado os olhares dos pesquisadores têm se voltado majoritaria-
presente em nosso dia a dia através da mídia, em conversas mente para as manifestações de violência entre jovens de
com amigos e constantemente nas escolas. A Organização classes populares (Sposito, 2001).
Mundial da Saúde [OMS] (2007) define violência como
“a imposição de um grau significativo de dor e sofrimento
evitáveis”. Todavia, a imposição de “uma dor e sofrimento A violência no contexto escolar
evitáveis” torna o conceito subjetivo.
Violência vem do latim violentia, que significa caráter O termo “violência escolar” diz respeito a todos os
violento ou bravio, força. O verbo violare significa tratar com comportamentos agressivos e antissociais, incluindo os con-
violência, profanar, transgredir. Segundo o Dicionário Aurélio flitos interpessoais, danos ao patrimônio e atos criminosos
da Língua Portuguesa, a violência refere-se ao ato violento ocorridos no ambiente escolar. Muitas dessas situações de-
ou ato de violentar (Ferreira, 2004). O Dicionário Houaiss pendem de fatores externos, cujas intervenções podem estar
define violência como a “ação ou efeito de violentar, de em- além da competência e capacidade das entidades de ensino
pregar força física (contra alguém ou algo) ou intimidação e de seus integrantes. A violência, tão presente no meio es-
moral contra (alguém)” (Houaiss, 2001). No aspecto jurídico, colar na atualidade, prejudica os vínculos existentes entre os
o mesmo dicionário define o termo como o “constrangimen- jovens, tornando-os indiferentes à existência dos próximos
to físico ou moral exercido sobre alguém, para obrigá-lo a e excluídos do meio em que vivem. A violência geralmente
submeter-se à vontade de outrem”. ocorre quando não existe espaço para a escuta ou a palavra
Ao analisar o fenômeno da violência, encontra-se ou quando não existem meios de canalizar a agressividade,
uma série de dificuldades, não apenas porque o fenômeno é resultando em conflito mal administrado (Lopes Neto, 2005;
complexo, mas, principalmente, porque evoca uma autorrefle- Sales, 2004). Sobre esse ponto, Guimarães (2004) refere:
xão pessoal sobre sentimentos e atitudes. De modo geral, a
violência se confunde, se interpenetra, se inter-relaciona com A violência, tanto na educação como no conjunto da
agressão e/ou com indisciplina (Nogueira & Araújo, 2003). sociedade, constitui-se como uma forma de expressão
dos que não têm acesso à palavra (...). Quando a palavra
não é possível, A violência se afirma e a condição humana
Contextualizando a violência é negada. Neste sentido, a reversão e a alternativa à
violência passam pelo resgate e devolução do direito à
As diferentes manifestações de violência vêm adqui- palavra, pela oportunidade de expressão das necessidades
rindo cada vez mais importância e dramaticidade na socie- e reivindicações dos sujeitos, pela criação de espaços
dade brasileira. Muitas são as suas expressões, os sujeitos coletivos de discussão, pela sadia busca do dissenso e da
envolvidos e as consequências. diferença, enfim, pela mudança das relações educacionais,
Segundo Michaud (1989), a violência ocorre quando ainda estruturadas no mandar e obedecer, para uma forma
não apenas há o desejo de destruição, mas quando causa mais democrática e dialógica (Guimarães, 2004, p. 3).
danos a uma ou várias pessoas em graus variáveis, seja
em sua integridade física, seja em sua integridade moral, Fante (2003, 2005) aponta que a violência escolar
em suas posses, ou em suas participações culturais. O nas últimas décadas adquiriu crescente dimensão em todas
que se evidencia é que não se pode separar as ações de as sociedades. O que a torna questão preocupante é a gran-
praticar-sofrer violência, porque em momento algum elas se de incidência de sua manifestação em todos os níveis de
mostram independentes; muito pelo contrário, uma nasce escolaridade. Nesse contexto, estudos e pesquisas (Abra-
da outra, uma faz parte da outra, de forma tão estrita que, movay, 2003; Debarbieux & Blaya, 2002; Ortega & Del Rey,
muitas vezes, torna-se impossível delimitá-las. Há uma difi- 2002) vêm sendo desenvolvidos com o intuito de contribuir
culdade em definirmos precisamente o termo violência pelo para que a violência seja extirpada ou minimizada não so-
fato de que, num sentido mais amplo, a violência pode exis- mente no ambiente escolar, mas em todas as esferas de
tir em todos os lugares onde houver transgressão, seja ela relacionamentos sociais.
brutal ou sutil. Dessa perspectiva, “pode haver quase tantas Carreira (2005), em sua dissertação de mestrado, sa-
formas de violência quantas forem as espécies de normas” lienta que a expressão da violência possui raízes profundas
(Michaud, 1989, p.08). que vão além das aparências e de tudo aquilo que é palpável
Como apontam Nogueira e Araújo (2005), o frequente e visível aos nossos olhos. “É preciso que gestores educacio-
envolvimento da população infantil e juvenil com a violência nais e profissionais da área educacional tomem consciência
ocupa, de maneira crescente, as páginas da imprensa falada da importância de se estudar o tema, suas implicações, carac-
e escrita. Tal problemática tem muitas implicações do ponto terísticas, conceitos e expressões, livres de preconceito, alar-
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mismos ou redundantes retóricas” (p. 16). A autora destaca, bullying; 10,9% foram alvos e, ao mesmo tempo, autores de
ainda, a importância do envolvimento da gestão na questão bullying; 12,7% caracterizaram-se como autores de bullying;
da violência, uma vez que suas ações alcançam diretamente 57,5% enquadraram-se como testemunhas de bullying (Lo-
o dinamismo do trabalho escolar bem como o seu direciona- pes Neto & Saavedra, 2003).
mento na comunidade escolar e na sociedade. Crianças que são vítimas e também agressoras (de-
nominadas vítima/agressor) são merecedoras de atenção
especial, por apresentarem alguma provável alteração psi-
Os tipos de manifestação da violência escolar cológica, tais como depressão e ansiedade (Shwartz, 2000),
além de insegurança ou alguma outra inadequação de
Os tipos mais comuns de violência praticada por comportamento, buscando humilhar seus colegas a fim de
jovens são: violência física, violência verbal, violência sim- esconder alguma limitação pessoal (Lopes Neto, 2005; Ro-
bólica e bullying. A violência física é caracterizada pelo uso land, 2002). As crianças vítimas/agressoras também apre-
da força ou atos físicos praticados entre membros da escola, sentam maior probabilidade de sérios problemas de compor-
incluindo os alunos. A violência verbal ocorre por meio de tamento e frequentemente são maltratados pelos colegas.
atos agressivos expostos visivelmente nas situações de Elas costumam ser impulsivas, emocionalmente reativas e
opressão, humilhação, xingamentos, palavras de baixo ca- hiperativas. Diferenciam-se dos alvos típicos por serem im-
lão, entre membros da escola, dentro e fora das escolas. A populares e rejeitadas no ambiente social escolar (Robin,
violência simbólica refere-se a atitudes praticadas por alunos Toblina, Schwartza, Gormanb, & Abou-ezzeddinea, 2005).
ou por membros da escola, na forma de conduta discrimina- Esse é o grupo que, normalmente, apresenta maior frequên-
tória do outro. O bullying caracteriza-se por atitudes agres- cia de problemas de conduta e escolares, problemas com os
sivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação pares, sintomas psicossomáticos e psicológicos, frequentes
evidente, executadas dentro de uma relação desigual de encaminhamentos aos serviços psiquiátricos, além de maior
poder, tornando possível a intimidação da vítima (Camacho, probabilidade de envolvimento em bullying. E, juntamente
2000; Charlot, 2002; Fante, 2005; Lopes Neto & Saavedra, com o grupo de agressores, são mais suscetíveis ao uso de
2003; Olweus, 1995). O bullying não é um simples comentá- drogas (como cigarros, álcool e outras substâncias), além de
rio ocasional, uma discórdia no ambiente de trabalho, brigas risco mais elevado de severas ideações suicidas e compor-
de crianças em meio a uma brincadeira, lições aprendidas tamento de risco, violento e antissocial, quando comparados
nas rivalidades entre irmãos ou a solução de conflitos com com crianças não envolvidas em bullying (Liang, Flisher, &
colegas. É uma crueldade sistemática, voltada a um alvo es- Lombard, 2007). Especula-se que esse padrão de compor-
pecífico, por parte de uma ou mais pessoas com a intenção tamento agressivo reflita uma inadequada modulação da
de obter poder sobre o outro ao infligir regularmente sofri- raiva, além de uma irritabilidade maior do que a capacidade
mento psicológico ou físico (Carvalhosa, Moleiro, & Sales, de elaboração de estratégias sociais mais adequadas aos
2009; Middelton-Moz & Zawadski, 2007). seus objetivos (Robin e cols., 2005).
A agressão entre os pares é muitas vezes consi- Em pesquisa apresentada por Abramovay e Rua
derada como parte do desenvolvimento, sendo, portanto, (2004) realizada em 14 capitais brasileiras sobre a violência
negligenciada. Atitudes agressivas na escola constituem-se nas escolas, confirmou-se dois tipos de violência escolar: a
como um problema de prevalência elevada, que comprome- interna e a externa. A interna, que é chamada pela pesqui-
te a aprendizagem e influencia o abandono escolar precoce, sadora de institucional, é aquela que ocorre cotidianamen-
perturba as relações interpessoais e o desenvolvimento so- te dentro das escolas (ameaças verbais, agressão física,
cioemocional das crianças e jovens e reduz o clima de segu- frustrações por falta de estrutura da escola) e a externa
rança e proteção sentido por todos nas escolas (Carvalhosa configura-se na violência em seus arredores (ex: tráfico de
e cols., 2009). Uma pesquisa realizada em Portugal mostrou drogas) que também prejudica muito a escola. Segundo as
que aproximadamente um em cada cinco alunos (22%) autoras, a violência externa estimula a inadaptação social,
entre seis e 16 anos já foi vítima de bullying na escola (Al- que é reflexo da educação indevida por parte da família ou
meida, 2003, citado por Nogueira & Araújo, 2005). Pesquisa pelo meio onde os jovens vivem (bairro violento, alcoolismo,
efetuada na Grã-Bretanha registra que 37% dos alunos do drogas, tráfico, violência doméstica, resolução de conflitos
ensino fundamental e 10% do ensino médio admitem sofrer com base na agressão verbal ou física), estimulando esses
bullying pelo menos uma vez por semana (Lopes Neto & jovens a agirem conforme o que vivenciam diariamente.
Saavedra, 2003). Já na Espanha, a incidência do bullying se Assim, entende-se que investigações sobre o tema
situa em torno de 15% a 20% dos sujeitos em idade escolar, da violência escolar são relevantes, entre outros fatores,
o que vem a confirmar os dados de estudos desenvolvidos porque o problema tem afetado a educação. O cotidiano
em outros países da União Europeia (Cerezo, 2001). escolar tem sido palco de manifestações agressivas, varian-
Um levantamento realizado pela Associação Brasilei- do desde depredações até agressões verbais e físicas. Os
ra Multiprofissional de Proteção à Infância e à Adolescência profissionais da educação e os alunos que estão expostos
[ABRAPIA] (2003) envolvendo 5.482 estudantes de 5ª a 8ª à violência nesse contexto precisam encontrar soluções que
séries de 10 escolas do Município do Rio de Janeiro reve- atenuem tal problemática. Segundo Carreira (2005), a vio-
lou os seguintes dados: 16,9% dos alunos foram alvos de lência escolar deve ser analisada e estudada na atualidade,
Violência entre pares * Carla Elizabeth da Silva, Ricardo Vigolo de Oliveira, Denise Ruschel Bandeira & Diogo Onofre de Souza 85
tendo em vista suas prováveis consequências. Quando se O questionário, contendo questões de múltipla
pensa em uma educação que priorize a qualidade e o bem escolha e questões abertas, apresenta-se agrupado em
estar do educando, que almeje inserir o jovem na sociedade blocos. O Bloco A contém questões sociodemográficas e
e no mercado de trabalho, não há como fugir do ideal de uma é constituído por 13 perguntas que permitem recolher um
convivência democrática e solidária no ambiente escolar. conjunto de informações sobre os alunos, tais como gênero,
O presente estudo teve por objetivo investigar a idade, nível socioeconômico e cultural da família, percurso
presença de violência entre estudantes de 7ª e 8ª séries escolar, estrutura familiar e outros, a ser cruzado com os
(entre pares) em uma escola pública municipal de ensino diversos outros blocos. O Bloco B, com duas perguntas, per-
fundamental na periferia da cidade de Esteio, Rio Grande do mite conhecer as percepções dos alunos sobre o ambiente
Sul. Visou ainda identificar estes processos interpessoais, a escolar. O Bloco C, com oito perguntas, permite identificar
relação existente entre os mesmos e refletir sobre seu papel as situações de vitimização, o tipo, local, frequência, as ati-
enquanto fator de risco ou proteção ao desenvolvimento tudes, as consequências. O Bloco D, com três perguntas,
saudável de adolescentes. permite identificar as situações de observação, o tipo, o local
e as atitudes. O Bloco E, com quatorze perguntas, permite
identificar as situações de agressão, o tipo, o local, a frequ-
Métodos ência, as atitudes, as consequências, a perspectiva de uns
em relação aos outros. Os Blocos F e G contêm cinco per-
guntas que permitem obter informação sobre sentimentos,
Participantes atribuições, estratégias de lidar com as situações e, ainda,
uma autoavaliação sobre o problema estudado (a avaliação
A amostra deste estudo foi constituída de 161 (cento destes blocos não consta deste artigo).
e sessenta e um) alunos, de ambos os sexos, entre 12-20
anos, que frequentavam as 7ª e 8ª séries do ensino funda-
mental de uma escola pública municipal de Esteio/RS. Procedimentos de coleta
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– SPSS® versão 16. Para análise de significância estatística Quanto à profissão dos pais/responsáveis masculi-
foram utilizados os testes Chi Quadrado de Person (χ2) para nos e femininos, não houve predomínio de nenhuma ativi-
associação entre variáveis ou o teste exato de Fisher, quando dade profissional.
necessário; o teste Q de Cochran para análise de variância; o O nível de escolaridade dos pais é apresentado na
teste de Monte Carlo para associação linear. Em todos esses Tabela 1.
casos, para significância, considerou-se p < 0,05. Em relação à estrutura familiar dos alunos, 75,8%
Para comparação entre os tipos de agressão, os mes- disseram ter pais/responsáveis que vivem na mesma casa.
mos foram agrupados em três categorias: agressão física, Quanto ao estado civil, 59,6% disseram ter pais/responsá-
verbal e outras formas de agressão. A agressão física inclui veis casados, 22,4%, separados e 17,4%, distribuídos entre
empurrar com violência, bater/surrar e apalpar alguma parte solteiros, viúvos e outros estados civis. Com relação ao
do corpo contra vontade. A agressão verbal inclui ameaçar, número de irmãos, 90,7% têm irmãos, sendo 47,8% de um
humilhar/gozar, chamar de nomes ofensivos, dizer calúnias a dois irmãos e 42,9% mais que três irmãos. Dos que tem
da pessoa e sua família, magoar de propósito e fazer intri- irmãos, 71,2% têm irmãos mais velhos e 65,1% têm irmãos
gas. Outras agressões incluem estragar ou pegar objetos, mais novos (porcentagem não cumulativa, visto que 55,8%
excluir da convivência, outras agressões e perseguições. têm mais velhos e mais novos).
Para fins desse estudo, considerou-se bullying como sendo A distribuição acerca de com quem moram é apre-
quaisquer tipos de agressão ocorrida por três vezes ou mais, sentada na Tabela 2.
no decorrer do ano letivo da pesquisa.
n % n %
Violência entre pares * Carla Elizabeth da Silva, Ricardo Vigolo de Oliveira, Denise Ruschel Bandeira & Diogo Onofre de Souza 87
Tabela 2. Frequência e percentual da estrutura familiar (com quem mora).
de agressão. 132 (82,0%) e 62 (38,5%) disseram ter ob- Em relação ao gênero, não houve significância es-
servado situações de agressão e atuado como agressores, tatística entre gênero e vítimas ou agressores, apenas em
respectivamente. Em relação à frequência dos episódios relação aos observadores, com predominância de 62,1%
de violência, apenas 14 alunos (8,7% do total da amostra) de um total de 132 observadores do gênero masculino (χ2 =
foram agredidos mais de 3 vezes no ano letivo em que foi 4,210; p = 0,040).
realizada a coleta de dados, ou seja, houve uma baixa inci- Identificaram-se como vítimas 91 estudantes. Destes,
dência de bulying. 54,9% foram também agressores, o que representa 31,3%
Em relação às vítimas, 76 (47,2%) relataram agres- da amostra total (160 estudantes).
são verbal, 34 (21,1%) relataram agressão física e 22 A Tabela 3 indica os resultados de vítimas e/ou agres-
(13,7%) relataram outras formas de agressão. O número de sores, tomando como 100% o total de 160 respostas válidas:
agressão verbal é significativamente maior do que as outras Em relação à estrutura familiar e vitimização ou
duas (Teste Q de Cochran = 67,94; p < 0,001). Não houve agressão, observou-se uma significância limítrofe (χ2 =
diferença significativa quanto às formas de agressão em 4,158; p = 0,053) associando, somente para o gênero femi-
relação ao gênero. nino, ter os pais morando na mesma casa com aumento no
As situações e/ou os locais da escola onde ocorreram número de vítimas. Significância limítrofe ainda mais fraca
as vitimizações relatadas, dos 91 relatos de vitimização, fo- (χ2 = 3,365; p = 0,086) foi encontrada também para o gênero
ram: recreio (34,1%), salas de aula (29,7%), saída ou entrada feminino agressor, mostrando uma tendência das meninas
da escola (25,3%), corredores e escadas (17,6%), espaços de serem mais agressivas quando moram com os responsáveis
educação física (12,1%), refeitório (2,2%) e banheiro (2,2%). do sexo masculino.
Vítima
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Tabela 4. Frequência e porcentagem de vítimas masculinas conforme idade.
Vítima
f 3 26 13 6 5 1 0 54
Sim
% 100,0 68,4 52,0 42,9 62,5 33,3 0 58,7
Total f 3 38 25 14 8 3 1 92
% 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Considerando ainda a estrutura familiar, ao cruzar- tar dos alunos da escola e com o baixo nível de tolerância na
mos os grupos de vítimas com a faixa etária dos irmãos, convivência escolar. Essa preocupação é decorrente de me-
houve uma significância limítrofe indicando que ter irmão didas públicas de profilaxia dos índices de violência devido à
mais velho – independentemente de ter ou não irmãos mais escola estar situada em área de risco (Instituto Brasileiro de
novos – aumenta a probabilidade de ser vítima: 70,3% das Geografia e Estatística [IBGE], 2000).
91 vítimas têm irmãos mais velhos (χ2 = 3,263; p = 0,071). Como observado na análise dos dados, os alunos
Quando essa avaliação foi feita por gênero, constatamos agressores também são, em sua maioria, vítimas de agres-
significância relacionada ao gênero feminino: 29 (78,3%) são. Entretanto, há uma parcela representativa de vítimas
das 37 vítimas do gênero feminino têm irmãos mais velhos que não se considera agressora. Isso abre discussões sobre
(χ2 = 4,712; p = 0,030). Por fim, ao cruzarmos agressores e o comportamento do grupo dos agressores, que parece não
irmãos, somente para o gênero feminino encontramos sig- estar direcionado somente àqueles que agridem. Conforme
nificância limítrofe para correlação com irmãos mais velhos Green, Forehand, Beck e Vosk (1980), crianças que não são
(χ2 = 3,189; p = 0,074). Nenhum dos outros cruzamentos aceitas pelos colegas expressam mais insatisfação. Essas
apresentou significância. informações em conjunto apontam para a possibilidade de
Foi avaliada a relação entre idade e relatos de vitimi- que uma parcela de agressores com dificuldade de relação
zação. Quando se avaliam ambos os gêneros, não existe ne- interpessoal possa estar expressando o sentimento de rejei-
nhuma associação. Quando se avalia por gênero, somente o ção através do comportamento agressivo direcionado aos
masculino apresentou alguma significância (Tabela 4): o índice colegas de forma indiferenciada.
de vitimização cai com o aumento da idade (Teste de Monte Todavia, conforme os resultados dessa pesquisa, a
Carlo para associação linear = 4,523; p = 0,038). A correlação frequência dos episódios de violência é, em geral, isolada, e
de idade com agressor não apresentou nenhuma significância. não repetitiva. Tendo em vista que bullying necessariamente
Após a avaliação das características da violência envolve um tipo de crueldade sistemática, repetitiva, direcio-
neste estudo, buscou-se compreender se existia alguma nada a um alvo específico, visando obter poder sobre o outro
correlação entre o que os alunos pensam sobre o ambiente ao infligir regularmente sofrimento psicológico ou físico (Mid-
escolar/relacionamento com colegas de turma e a violência delton-Moz & Zawadski, 2007), pode-se concluir que, neste
entre os estudantes da escola. Embora a porcentagem de ví- estudo, a violência apresentada na escola pouco se caracte-
timas tenha sido 56,9%, de agressores tenha sido 38,5% e de riza por bullying, dado que apenas 8,7% do total da amostra
observadores tenha sido 82,0%, a ampla maioria dos alunos sofreram algum tipo de violência mais que três vezes.
considerou positivo o ambiente escolar e o relacionamento Esses resultados estão de acordo com aqueles
com os colegas: 135 (83,9%) e 129 (80,1%), respectivamente. encontrados por Hunter, Boyle e Warden (2007), cujos epi-
sódios de violência são caracterizados por uma forma de
agressão interpessoal que pode ser considerada menos
Discussão severa, selecionando a agressão e a vitimização entre pares
sem incluir especialmente o fator da repetição ao longo do
O presente trabalho foi baseado no interesse de estu- tempo, sendo este o maior diferencial entre essas defini-
dar as “relações entre pares” no cotidiano escolar. Na escola ções. A incidência de bullying encontrada neste estudo foi
estudada, há uma preocupação crescente dos profissionais bem mais baixa do que aquela encontrada em pesquisas
da educação com as relações interpessoais, com o bem es- internacionais (Middelton-Moz & Zawadski, 2007), assim
Violência entre pares * Carla Elizabeth da Silva, Ricardo Vigolo de Oliveira, Denise Ruschel Bandeira & Diogo Onofre de Souza 89
como em pesquisas no Brasil conduzidas pela Plan Interna- situações, inclusive em situações com pares, fora do lar. Essa
tional (2010) e pela ABRAPIA (2003). Esse baixo índice de seria mais uma evidência de um repertório comportamental
bullying pode ser justificado pelas estratégias de coibição de aprendido no âmbito familiar que estaria sendo generaliza-
comportamentos agressivos entre os pares, utilizadas pela do para outras esferas, como a escolar. É possível que, na
gestão da escola, tais como recreios supervisionados, con- relação com irmãos mais velhos, elas se habituem a serem
trole na entrada e saída dos alunos pela equipe diretiva etc. vitimadas, e esse papel acabe sendo reproduzido na escola.
Ainda assim, existem manifestações de violência en- Segundo Ostrov, Crick e Stauffacher (2006), as interações
tre os pares, com um percentual do total da amostra de 56,% com irmãos estão frequentemente caracterizadas por altos
de vítimas, 82,0% de observadores e 38,5% de agressores, níveis da agressão durante a infância. Assim, as interações
sendo verbal a forma de agressão mais comum encontrada com os irmãos mais velhos podem oferecer à criança oportu-
no estudo (47,2%). Esse achado está em desacordo com o nidades frequentes de observar e aprender sobre a agressão.
da pesquisa realizada pela Organização das Nações Unidas Outro achado interessante relativo à diferenciação por
para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO] sobre gênero do padrão de vitimização é que, nos meninos, houve
“Violência nas Escolas” do Brasil, no qual a violência física uma queda significativa dos índices de vitimização conforme
apareceu em primeiro lugar e a verbal, em último (Abramo- aumenta a idade. Adicionalmente, o repertório de comporta-
vay & Rua, 2002). mento agressivo está sujeito a alterações durante o desen-
Outro achado deste estudo é que não houve nenhu- volvimento. Entre crianças mais novas, há um predomínio de
ma associação da forma verbal de agressão com gênero, agressão física. Com o amadurecimento psicológico e decor-
contrariamente aos achados de Lisboa (2001) numa pes- rente desenvolvimento de habilidades verbais, estas passam
quisa realizada em Porto Alegre, que associa as meninas à a ser utilizadas tanto para fins agressivos, como também para
agressão verbal e os meninos, à agressão física. Segundo a habilidades sociais (Björkqvist, Lagerspetz, & Kaukiainen,
literatura, as meninas tenderiam a ser mais sensíveis e, por 1992). E, segundo Smith, Madsen e Moody (1999), há autores
isso, se incomodariam mais do que os meninos com formas que justificam o decréscimo no número de vítimas conforme
verbais de agressão (Coie & Dodge, 1998). aumenta a escolaridade devido ao aumento da competência
Um achado que chamou a atenção e que está relacio- social dos alunos, juntamente com a diminuição da vulnera-
nado com diferenças em relação ao gênero é que os índices bilidade às situações de maus tratos. Conjuntamente, esses
de vitimização e agressão eram maiores em meninas que dados poderiam justificar essa queda nos índices de vitimiza-
moravam com os responsáveis do sexo masculino. Não foi ção encontrada nos participantes desse estudo.
encontrado algum estudo que pudesse explicar esse dado, Entretanto, resta o fato de que, apesar dos casos de
mas é possível que essas meninas aprendam um estilo de violência serem relativamente altos, talvez por serem episó-
resolução de conflito mais agressivo, caracterizadamente dios isolados e predominantemente verbais, e não físicos,
masculino. Com isso, reproduzem o mesmo com seus pa- eles não afetem a avaliação positiva que os alunos fazem
res, assim como aceitam mais a posição de vítimas. da escola e do relacionamento com seus colegas. A grande
Segundo Maldonado e Williams (2005), algumas di- maioria dos alunos gosta do relacionamento com os cole-
ferenças comportamentais apresentadas pelas crianças são gas e do ambiente escolar. Os dados obtidos neste estudo
consequências da violência doméstica. Os comportamentos não demonstraram nenhuma associação entre vitimização
agressivos podem ter origem nas práticas educativas pa- e avaliação negativa desses dois parâmetros. Todavia, os
rentais, bem como aspectos culturais e sociais (Alvarenga altos índices de avaliações positivas em conjunto com os
& Piccinini, 2007), especialmente nos casos de famílias índices de vitimização abrem perspectivas para que, quando
abusivas com práticas punitivas e autoritárias. Essa situação as crianças apresentam comportamento agressivo orientado
estimularia o comportamento agressivo dos alunos através para objetivos socialmente aceitos, conforme Sisto (2005),
de aprendizagem por observação, o que pode levá-los a não sejam percebidos negativamente. As crianças que são
manifestarem agressividade na relação com os pares (Howe aceitas pelos seus pares são mais propensas a gostarem da
& Parke, 2001; Howe, Tepper, & Parke, 1998). Adolescentes escola e de seus colegas de turma (Osterman, 2000). Em
agressivos na escola costumam ter vivido mais eventos de sendo a prática da violência resultado de uma aprendizagem
violência doméstica do que aqueles não agressivos, devido social dentro do ambiente familiar, já discutida anteriormente,
à punição física das crianças ser socialmente disseminada e onde o comportamento agressivo é aceito como estratégia
aceita como prática disciplinar (Meneghel, 1998). Conjunta- disciplinadora, isso se refletiria no ambiente escolar através
mente, esses dados poderiam abrir perspectivas para justi- do aceite de práticas violentas, não prejudicando a avaliação
ficar o maior envolvimento em situações de violência pelas positiva da escola e dos colegas.
meninas que moram com responsáveis masculinos em casa. De maneira geral, a presença de bullying foi conside-
Ainda em relação ao contexto familiar, os resultados rada baixa (8,7%), dado que os relatos de violência escolar
deste estudo mostram que 70,3% das 91 vítimas têm irmãos foram, em sua grande maioria, episódios isolados. Outros da-
mais velhos e que essa associação se torna significativa dos sobre violência foram mais associados a possíveis episó-
para as meninas. Graham-Bermann (1998) assinala que os dios de violência doméstica. Em conjunto, essas informações
modelos de comportamento aprendidos na infância, através podem colaborar para justificar a avaliação positiva que os
das interações com outras pessoas, são utilizados em novas alunos fazem da escola e do relacionamento com os colegas.
90 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 83-93.
Por fim, há de se considerar algumas limitações do Coie, J., & Dodge, K. (1998). Agression and antisocial behavior. Em
estudo. O instrumento, por ser bastante extenso, pode ter W. Damon & N. Eisenberg (Orgs.), Handbook of child psychology:
desmotivado alguns participantes a preenchê-lo de maneira social, emotional and personality development (Vol. 3, pp. 779-
clara, demandando assim grande atenção por parte dos au- 862). New York: John Wiley.
tores quando da análise dos dados, bem como critérios bem
definidos de agrupamento. Todavia, alguns parâmetros que Debarbieux, E., & Blaya, C. (2002). Violência nas escolas e políticas
o instrumento avalia não puderam ser considerados consis- públicas. Brasília: UNESCO.
tentes, sendo, então, desconsiderados. E, finalmente, devi-
do às particularidades da população estudada, os resultados Fante, C. A. Z. (2003). Fenômeno bullying: estratégias de intervenção
não devem ser generalizados a outras populações, mas sim e prevenção entre escolares (uma proposta de educar para a paz).
outros estudos devem ser feitos a fim de se compreender São José do Rio Preto, SP: Ativa.
melhor esse sério problema.
Fante, C. A. Z. (2005). Fenômeno bullying: como prevenir a violência
nas escolas e educar para a paz. Campinas, SP: Versus Editora.
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92 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 83-93.
Sobre os autores
Este trabalho é derivado da dissertação de mestrado de Carla E. da Silva, pelo PPG Educação em Ciências da UFRGS. Agradecimentos:
CAPES, CNPq/INCTEN, pelo apoio financeiro, e à escola onde foi realizado o estudo.
Violência entre pares * Carla Elizabeth da Silva, Ricardo Vigolo de Oliveira, Denise Ruschel Bandeira & Diogo Onofre de Souza 93
Diagnóstico da compreensão textual de alunos
de 4º e 5º anos do Ensino Fundamental
Resumo
O presente trabalho teve como objetivo avaliar o desempenho de alunos de 4º e 5º anos do Ensino Fundamental na tarefa de compreensão
textual. Participaram da pesquisa 126 alunos, de ambos os sexos, matriculados em uma escola pública do Rio de Janeiro. Para a realização da
pesquisa, foram utilizados dois instrumentos de compreensão de texto nos quais as crianças deveriam realizar a leitura do texto e em seguida
responder a questões a ele relacionadas. Observou-se que os alunos do 5º ano tiveram um desempenho melhor do que os alunos do 4° ano em
todos os níveis de compreensão de texto nos dois instrumentos. Diante dos resultados obtidos, pode-se dizer que os alunos do 5º ano do Ensino
Fundamental apresentam características de compreendedores de texto mais habilidosos que os alunos do 4º ano. Percebe-se a importância de
ser trabalhada a leitura de diversos tipos de texto, no âmbito escolar, desde a Educação Infantil e ressalta-se ainda a relevância do ensino de
estratégias necessárias para uma compreensão textual proficiente.
Palavras-chave: Compreensão da leitura, ensino fundamental, rendimento escolar.
Diagnosis of text comprehension: a study with students in 4th and 5th year
of elementary school
Abstract:
In this study we aim at evaluating the performance of students in 4th and 5th year of elementary school in the task of comprehension. The participants
were 126 students of both sexes enrolled in a public school in Rio de Janeiro. We used two instruments to evaluate text comprehension: children
should read the text and then answer questions related to it. It was observed that the students in 5th grade performed better than students in
years 4 ° at all levels of text comprehension in the two instruments. Based on these results, we can say that students in the 5th year of elementary
school reveal a better comprehension of texts than the students of 4th year. We perceive the importance of reading activities, in the school, since
kindergarten. Besides, it is important to note the importance of teaching strategies necessary for proficient reading comprehension.
Keywords: Reading comprehension, elementary education, academic achievement.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 95-103. 95
Introdução de textos, tendo em vista a necessidade de tornar a informa-
ção transmitida pelo autor coerente para o leitor.
Os indivíduos, desde seu nascimento, realizam a lei- Percebe-se, portanto, que a compreensão textual
tura do mundo externo através de suas experiências vividas. envolve diversos processos cognitivos que funcionam si-
Essa leitura que é realizada com base na experiência ocorre multaneamente e que se inter-relacionam. Os processos
para buscar a compreensão da situação, ou seja, a busca básicos de leitura, como, por exemplo, o reconhecimento
de um significado. Desta forma, desde o início de sua vida, das palavras e o acesso ao seu significado, apesar de re-
a criança vai aprendendo e desenvolvendo formas de se levantes, não são suficientes, é necessário o estabeleci-
comunicar com o ambiente social. mento de inferências, as habilidades linguísticas gerais, as
A leitura é um instrumento fundamental no processo habilidades de memória e o conhecimento de mundo. Esses
de aprendizagem da criança no seu meio social e cultural. processos cognitivos de alto nível em sintonia auxiliam na
Entretanto, a ação de ler e compreender não é tão simples, construção global do texto (Salles & Parente, 2002). É im-
ela vai muito além da decifração dos signos e da junção das portante ressaltar que, além dos processos anteriormente
palavras e frases, requerendo que o leitor compreenda o citados, a maturidade do leitor também é um fator envolvido
que foi lido, sendo capaz de atribuir um significado a sua lei- na compreensão textual (Flavel, Miller, & Miller, 1999; Cole
tura, contextualizando as informações do texto com as suas & Cole, 2003).
vivências (Oliveira & Santos, 2005). Quanto à maturidade do leitor, constata-se que, à
Ao ingressar na escola, a criança já traz consigo uma medida que a criança vai se desenvolvendo, ela vai amadu-
grande bagagem de experiências e conhecimentos sobre o recendo seu aparato biológico e conhecendo elementos do
mundo. Neste rol de conhecimentos traz também experiên- mundo. Nesse sentido, a criança precisa vivenciar situações
cias com a leitura e a escrita, pois, muitas vezes, foi opor- em que outros indivíduos estejam realizando a leitura para
tunizado a ela o convívio com práticas de letramento. Para servir-lhe de modelo. Ela também precisa experienciar as
Soares (2002, p. 72), o letramento situações de leitura e compreensão textual para desenvolver
e ampliar estas habilidades: aprender a decodificar, formular
É o conjunto de práticas sociais ligadas à leitura e à escrita hipóteses, inferir sobre o assunto, monitorar sua compreen-
em que os indivíduos se envolvem em seu contexto social. são – desenvolver estratégias para este monitoramento, en-
As práticas de letramento são modelos construídos para os fim características importantes para a formação de um leitor
usos culturais em que são produzidos significados na base autônomo (Solé, 1998).
da leitura e da escrita. Santa Clara, Ferro e Ferreira, (2004) e Lima (2007)
sustentam que o ato de ler é uma prática cultural e o seu
Assim, a possibilidade de vivenciar situações que aprendizado é um processo de apropriação social. Sendo
envolvam a leitura e a escrita de um texto, como, por exem- assim, a leitura, assim como a escrita, depende do ensino
plo, ouvir uma história e ver alguém lendo contribui para a e da sistematização de conhecimentos. A criança deve ser
aquisição da leitura e da escrita. Percebe-se, então, que o estimulada desde cedo a presenciar momentos de leitura
processo de aprendizagem da leitura e da escrita pode ser propiciados pelas práticas de letramento para adquirir com-
viabilizado quando a criança tem acesso a alguma prática portamentos necessários a esta prática. É na interação co-
cultural presente no cotidiano que valoriza essas habilidades municativa que os sentidos são descortinados e integrados
(Solé, 1998). Nessa perspectiva, estudar os processos de ao universo psíquico da criança.
leitura e compreensão de textos em crianças cursando o En- De acordo com Soares, Teixeira e Mota (2010), à
sino Fundamental torna-se crucial, já que é nessa etapa do medida que o indivíduo lê, atribuindo significado ao que é
desenvolvimento que a criança passa a ter um maior contato lido, conectando suas representações às informações que
com essas atividades e que o contexto social e escolar passa encontra no texto, tem a possibilidade de expandir o seu
a requerer a aquisição dessas habilidades (Dias, 2000; Mota, conhecimento. À medida que ocorre a integração entre o
Anibal, & Lima, 2008). conhecimento prévio do leitor e as informações obtidas no
texto, há a possibilidade de se refletir, de se posicionar de
forma crítica tanto diante de um texto como diante de outras
Referencial teórico situações de forma mais segura e com maiores possibilida-
des de argumentação.
Brandão e Spinillo (1998) e Spinillo e Mahon (2007) Gomes e Boruchovitch (2005) afirmam que a leitura
sustentam que o processo de compreensão textual envolve de um texto ou de uma dada situação vem sempre caracte-
uma ampla gama de aspectos desde a construção de signifi- rizada pela intenção de compreender os sentidos. Quando
cados até a integração entre o conhecimento prévio do leitor nos empenhamos numa situação que envolva a leitura,
e as informações dadas no texto. Ademais, uma compreen- nossa meta é entender o que o autor nos apresenta. Lima
são proficiente requer que o leitor seja capaz de estabelecer (2007) também sustenta que, quando não há compreensão
inferências e de reconhecer e selecionar as informações do significado do que está escrito, não existe possibilidade
importantes apresentadas no texto. Todos esses aspectos de apropriação do significado e, portanto, não há leitura.
consistem em habilidades gerais pertinentes à compreensão
96 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 95-103.
Segundo Miguel (2002), para haver compreensão na preensão do texto; e a “Inferência”, que se refere a conhe-
leitura, é necessário o estabelecimento de relações entre cimentos anteriores do sujeito que devem estar disponíveis
os significados para que aos poucos seja possível construir durante a leitura sendo necessários para que o leitor integre
ideias mais amplas e globais sobre o que foi lido. Na medida seus conhecimentos prévios às informações do texto.
em que lemos, os significados que nos são apresentados Alguns estudos (Brandão & Spinillo, 1998, 2001; Sal-
vão se relacionando e formam ideias. A partir das ideias for- les, 2001; Spinillo e Mahon, 2007; dentre outros) têm sido
madas, o encadeamento entre elas permite a formação da feitos com estudantes do Ensino Fundamental a fim de traçar
microestrutura. Quando estas microestruturas se integram, um diagnóstico acerca de sua compreensão textual. Brandão
tem-se a integração dos significados das partes do texto, de e Spinillo (1998), por exemplo, investigaram as habilidades
maneira que é possível extrair toda a ideia global do texto de compreensão de textos em crianças de 4 e 6 anos. Para a
(macroestrutura), isto é, o sentido da estrutura do texto. realização da pesquisa, foram utilizadas duas tarefas: repro-
Ainda segundo Miguel (2002), para que o significado dução de uma história ouvida e perguntas inferenciais sobre
global seja compreendido, os elementos do texto devem a mesma história. Com relação à tarefa de reprodução, as
estar dispostos de forma coesa e integrada. A compreensão autoras constataram que a qualidade das reproduções tex-
resulta então da interação entre o leitor e o texto, ou seja, do tuais se desenvolve com a idade. Na tarefa de resposta às
emparelhamento da representação do autor à representa- perguntas sobre o texto, verificaram que as crianças de 4
ção de significados que o leitor constrói. anos, assim como ocorreu na tarefa de reprodução, apresen-
Gradativamente vamos construindo níveis de repre- tam dificuldade de reproduzirem fielmente ao texto original.
sentação que cumprem diferentes funções na compreensão. Esses dados indicam que a idade surge como um fator sig-
De acordo com Kintsch (1998), existem três níveis de repre- nificativo no desempenho das duas tarefas de compreensão.
sentação do texto. O nível da representação da estrutura Brandão & Spinillo (2001), em outro estudo com
superficial consiste na identificação de palavras, do signifi- crianças de 4, 6 e 8 anos e com o objetivo de identificar
cado da palavra e da conexão entre elas, formando as mi- a existência de relação entre a produção e a compreensão
croproposições. O nível de base da representação do texto, de textos, pediram às crianças que criassem uma história a
de acordo com Miguel (2002), é o primeiro nível de compre- partir de um tema dado e solicitaram a recontagem de uma
ensão do texto, permitindo lembrar, sintetizar e responder história com o mesmo tema da atividade de produção. Não
questões referentes ao próprio texto. Nesta representação, foi encontrada relação entre as tarefas de produção e de
podemos encontrar a microestrutura, a macroestrutura e compreensão, embora ambas as atividades se desenvolvam
a superestrutura. O nível da representação do modelo da com a idade. Nesse estudo também constataram que as
situação diz respeito ao segundo nível de compreensão. É crianças de 4 anos realizam sua produção de forma mais
o momento em que ocorre a integração entre as informa- elaborada do que a atividade de compreensão e, ainda, que
ções contidas no texto e os conhecimentos e experiências as crianças entre 6 e 8 anos apresentaram mais elaboração
do sujeito. De acordo com Salles e Parente (2002), o que se na compreensão do que na produção.
representa é compreensão percebida do texto. Esse novo Salles e Parente (2004) analisaram a compreensão
conhecimento passa a fazer parte do acervo de conheci- da leitura textual de alunos de 2ª e 3ª séries. Cada criança,
mentos do indivíduo e permite que ele possa utilizá-lo em com a média de idade de 8 anos, foi solicitada a reproduzir
diferentes situações, inclusive inferindo e relacionando a a história lida e em seguida a responder perguntas relacio-
outras ideias e situações. nadas ao texto. Analisaram a produção do texto segundo
Os níveis de representação do texto cumprem dife- o modelo de Compreensão Textual de Van Dijk e Kintsch
rentes papéis no processo de compreensão e memorização (1978) e Kintsch (1998). Em média, foi identificada 21,07%
(Vilaseca, 1999). A representação superficial estaria rela- da estrutura proposicional da história, sendo as macropro-
cionada à decodificação/identificação/reconhecimento de posições as mais encontradas. Os alunos da terceira série
palavras. As paráfrases ou frases com o mesmo significado tiveram melhor desempenho em relação aos da segunda
encontrado no texto, mas colocadas de forma diferente, série no relato de microproposições e nas respostas a ques-
estariam relacionadas à base do texto. As inferências e as tões feitas. Foi encontrada uma relação entre a idade e a
orações novas são geradas no nível da representação do produção da macroestrutura e a memorização das ideias
modelo de situação (Kintsch, 1998). Esses níveis de repre- fundamentais que é determinada pelas variações de idade
sentação não são estanques; eles interagem durante o pro- das crianças.
cessamento do texto. De acordo com Kintsch (1998), a ideia Tendo em vista a complexidade do processo de com-
que é construída a cada nível de representação serve de preensão de textos, o presente trabalho objetivou comparar
entrada (input) para o próximo nível. Kintsch (1998) propõe a compreensão textual em alunos de 4º e 5º ano do Ensino
ainda três níveis de compreensão: a “Argumentação”, que Fundamental identificando possíveis problemas de enten-
diz respeito à justificativa do autor para o tema abordado; dimento nas diferentes estruturas do texto: Macroestrutura,
os “Detalhes”, que consistem em ideias adicionais que com- Argumentação, Inferência e Detalhes.
põem o texto, fornecendo informações irrelevantes à com-
Diagnóstico da compreensão textual * Patricia Maria C. S. Guimarães,Thamires de Abreu Emmerick, Aline Lacerda Vicente & Adriana Benevides Soares 97
Método O instrumento II é composto por um texto de 216 pa-
lavras e 3 parágrafos. Seu respectivo questionário apresen-
ta 14 questões de múltipla escolha, sendo quatro de Macro-
Participantes estrutura, três referentes à Argumentação, três de Detalhes
e quatro de Inferências. As perguntas foram dispostas no
Participaram 126 alunos, de ambos os sexos, matri- questionário da seguinte forma: perguntas 4, 6, 8 e 10 são
culados em turmas de 4º e 5º anos do Ensino Fundamental de Macroestrutura; 2, 5 e 12 referem-se à Argumentação;
de uma escola pública localizada no Rio de Janeiro, sen- 1, 3 e 14 são de Detalhes; 7, 9, 11 e 13 são de Inferências.
do 53 alunos do 4º ano (42,06%) e 73 alunos do 5º ano
(57,94%). Com relação ao gênero, 45,2% eram do sexo Procedimentos
feminino e 54,8%, do sexo masculino. A idade dos alunos
variava entre nove a dezesseis anos. Os alunos realizaram a atividade em sala de aula.
Foi-lhes dito que a atividade era individual. Eles deveriam ler
o texto e em seguida responder às respectivas perguntas.
Instrumentos Foram também informados de que o tempo era livre para a
execução da tarefa e que eles poderiam consultar o texto
Foram utilizados dois questionários de compreensão caso fosse necessário. Todos os cuidados éticos foram toma-
textual, o Instrumento I (Moura, 2006) e o Instrumento II dos. Os instrumentos I e II foram aplicados em dias diferentes,
(Salles & Parente, 2004, adaptado por Moura, 2006). Ambos nesta ordem: 1º dia – Instrumento I e 2º dia – Instrumento II.
os questionários são compostos por catorze questões envol-
vendo os níveis de compreensão: Macroestrutura, Argumen-
tação, Detalhe e Inferência. Apresentação dos resultados
O instrumento I é composto de um texto com 511
palavras e 11 parágrafos e um questionário de quatorze per- Os dados foram analisados utilizando SPSS versão
guntas abertas: quatro perguntas referentes à Macroestru- 16.0 e foram utilizados teste U de Mann-Whitney, o teste de
tura, quatro perguntas sobre Argumentação, três perguntas Análise de Variância de Friedman e teste de Wilcoxon.
acerca de Detalhes e três sobre Inferências. As perguntas As Tabelas 1 e 2 mostram que os alunos do 5º ano
encontravam-se no questionário da seguinte forma: pergun- tiveram um melhor desempenho do que os alunos do 4º ano
tas 2, 5, 7 e 11 referentes à Macroestrutura; 4, 6, 8 e 13 nos dois instrumentos aplicados.
referem-se à Argumentação; 1, 3 e 10 são de Detalhes; 9,12
e 14 referentes a Inferências.
4º ano 5º ano
Instrumento Média Desvio Média Desvio
Padrão Padrão
Instrumento I 9,65 2,51 10,97 1,52
Instrumento II 11,15 2,68 12,40 2,29
TOTAL 20,77 4,55 23,37 3,17
98 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 95-103.
Tabela 3. Média de acertos dos alunos do 4º e 5º ano em cada nível de compreensão.
4º ano 5º ano
Nível
Desvio Desvio
Média Média
Padrão Padrão
Inicialmente verificou-se a média de acertos em cada gumentação, Inferências, e Detalhes) dos alunos da 4º ano
instrumento e em seguida realizou-se o teste U de Mann- (Tabela 4).
-Whitney no intuito de comparar o desempenho dos alunos Os alunos do 4º ano obtiveram uma média de acertos
nos instrumentos I e II (Tabela 2). de 0,80 em perguntas de macroestrutura e média de 0,63
O desempenho dos alunos do 5º ano foi superior ao em perguntas referentes à argumentação. Já os alunos de
desempenho dos alunos do 4º em todos os casos (p= 0, 5º ano obtiveram médias de acertos 0,91 e 0,77 em pergun-
001) para ambos os instrumentos (p = 0, 000) indicando uma tas de macroestrutura e argumentação, respectivamente.
diferença significativa entre os dois grupos. A respeito da sequência de desempenho dos alu-
Com a finalidade de verificar se os alunos de ambas nos do 4º ano e do 5º ano: Macroestrutura > Detalhes >
as séries difeririam no desempenho das questões de Ma- Argumentação > Inferência, observa-se uma diferença em
croestrutura seguidas das perguntas de Inferências, Detalhe relação aos demais níveis em dois níveis de compreensão:
e Argumentação, a análise foi dividida em duas partes. Na Argumentação e Inferências nos alunos do 4º ano, de acor-
primeira foram avaliados os alunos do 4º ano e na segunda, do com as médias de acertos nas perguntas referentes a
os alunos do 5º ano. Inicialmente verificou-se a média de estes níveis, que foram 0,63 e 0,54, respectivamente; nos
acertos em cada nível (Tabela 3), em seguida realizou-se o alunos do 5º ano observa-se esta diferença no nível inferên-
teste de Análise de Variância de Friedman, também conhe- cia segundo a média de acerto nas perguntas referentes a
cida como Dupla Análise de Variância por Postos no intuito este nível, que foi de 0,64.
de comparar o desempenho nos níveis (Macroestrutura, Ar-
4° ano 5° ano
Diagnóstico da compreensão textual * Patricia Maria C. S. Guimarães,Thamires de Abreu Emmerick, Aline Lacerda Vicente & Adriana Benevides Soares 99
Tabela 5. Comparação do desempenho dos alunos do 5º ano nos Instrumentos I e II
4º ano 5º ano
Desvio Desvio
Instrumentos Média t p Média t p
Padrão Padrão
Para comparar o desempenho dos alunos do 5º ano forma crucial na compreensão do texto, pois não dificultam
nos dois instrumentos utilizou-se o teste de Wilcoxon, que o processamento de informações mais gerais do texto. No
é uma prova não paramétrica destinada a comparar dados entanto, no nível inferência observou-se que o desempenho
pareados de uma amostra obtidos em ocasiões distintas. dos alunos do 5º ano foi superior ao desempenho dos alu-
Equivale ao teste t de Student para dados relacionados, mas nos do 4º ano. Para realizar inferências, é necessário que os
aplicado a dados mensurados pelo menos a nível ordinal, alunos possuam conhecimentos sobre o mundo adquiridos
baseando-se no sentido e na magnitude das diferenças en- por meio de suas vivências, experiências, histórias ouvi-
tre os pares amostrais, conforme Tabela 5. das, trocas com o meio social, entre outras. Nesse caso,
Constatou-se que os alunos de ambos os anos seria natural que os alunos do 5º ano tenham uma maior
tiveram um melhor desempenho no instrumento II, que bagagem de conhecimentos e experiências, fato que corro-
apresentava perguntas de múltipla escolha, comparado ao borou para um melhor desempenho em relação aos alunos
desempenho no instrumento I, que era composto por per- do 4 º ano. Diante dos resultados obtidos, pode-se dizer
guntas abertas. que existe a possibilidade de os alunos de ambos os anos
terem ainda pouco conhecimento prévio para a compreen-
são das temáticas abordadas nos textos ou que talvez as
Discussão dos Resultados perguntas referentes ao nível de inferências não tenham, de
fato, sido compreendidas, devido à complexidade envolvida
A partir da análise estatística dos dados coletados, nesse processo. Cain e Oakhill (2004) sinalizam que o esta-
observou-se que o desempenho dos alunos do 5º ano foi su- belecimento de inferências requer que o leitor acesse seus
perior ao desempenho dos alunos do 4º em todos os casos conhecimentos prévios, suas memórias e experiências. O
(p= 0, 001), para ambos os instrumentos (p = 0, 000). Esse conhecimento prévio é, portanto, relevante tanto para a
resultado corrobora o resultado da pesquisa realizada por compreensão, quanto para a construção da memória episó-
Salles e Parente (2004), que verificou a compreensão de dica (relacionada aos eventos datados, de forma coletiva).
textos de alunos de 2ª e 3ª séries do ensino fundamental. Assim, a produção de inferências poderá levar o leitor a uma
Observa-se, assim como na pesquisa citada, que com a representação de texto mais articulada, integrada e coe-
diferença de um ano de escolaridade ocorre uma elevação rente. Desse modo, o texto pode ser lembrado facilmente,
do grau de desempenho nas atividades. Pode-se dizer que havendo uma inter-relação entre a produção de inferência
esse aspecto teria relação com a maturidade dos indivíduos e os conhecimentos prévios do leitor, fato que facilita uma
e com o aumento das exigências escolares de um ano para compreensão proficiente.
o outro, assim como também do incremento de práticas de No que diz respeito ao nível de argumentação, os
leitura com a sequência da escolaridade. alunos do 4º ano tiveram um desempenho inferior (0,63) aos
Nesse sentido, segundo Mota (2007), cabe ainda alunos do 5º ano (0,77). A argumentação é composta de ex-
ressaltar que o constante contato com a leitura auxilia na plicações, do raciocínio que o autor usa no decorrer do texto
organização e no desenvolvimento dos processos cogniti- para abordar o tema em questão, isto é, a maneira como as
vos necessários para a compreensão textual. Esse contato sequências dos fatos irão se suceder, bem como sua organi-
pode ser mediado pelas próprias práticas sociais da leitura zação e justificativa até chegar ao desfecho do texto. Nesse
e escrita. A contação de histórias, o manuseio de livros e de sentido, os alunos do 4 º ano têm dificuldades em perceber
revistas estimula ao aluno e pode corroborar para a forma- as justificativas e as explicações dadas na sucessão dos
ção de um leitor proficiente. fatos dos textos, devido a questões de maturação inerentes
Quanto ao desempenho dos alunos do 5º ano no ao indivíduo e também ao nível de escolaridade. De acordo
nível de compreensão de detalhes ter sido equivalente ao com Flavell e cols. (1999) e Cole e Cole (2003), a criança
desempenho dos alunos do 4º ano pode-se dizer que os tem um desenvolvimento gradual. Primeiramente ela forma
detalhes são componentes textuais que não interferem de suas representações a partir de uma ação física, em seguida
suas representações passam a um meio do simbólico para
100 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 95-103.
depois ser capaz de representar por intermédio de uma ação se desenvolve com seu aprendizado, processo esse que
mental. Assim, percebe-se que, ao longo de sua vida, o ser tem estreita relação com os conhecimentos prévios do leitor
humano interage com o ambiente de forma diferente, por es- sobre o tema do texto que irá ler. Os processos inferenciais,
tar em constante mudança em virtude de suas várias faixas segundo Vilaseca (1999), são imprescindíveis para a in-
etárias. Para esses autores, o aumento gradual da capaci- tegração adequada do texto e é através deles que ocorre
dade de processamento de informações é influenciado pela também a integração das informações obtidas no texto com
idade e pela escolarização. Assim, as crianças pequenas em o conhecimento prévio do leitor.
relação às crianças mais velhas possuem diferentes tendên-
cias evolutivas. Entretanto, essas distintas evoluções não
devem ser contempladas como negativas ou inferiores, mas Considerações finais
sim como “tendências aproximadas de cada idade, e não
como contrastes claros e precisos”, como afirmam Flavell e De acordo com os resultados obtidos neste estudo,
cols. (1999, p. 119). pode-se perceber que os alunos de ambas as turmas, de
Nessa mesma direção, Salles e Parente (2004) acre- um modo geral, são leitores de textos habilidosos, pois ob-
ditam que, de um ano para o outro, há um incremento das tiveram um percentual de acertos superior a 50% em todos
habilidades linguísticas ou metalinguísticas, do desempenho os níveis de compreensão. Foi possível notar que houve um
dos processos mnemônicos e atencionais e o desenvolvi- baixo desempenho nas questões referentes à inferência.
mento da escolaridade que, em decorrência, traz consigo o Acredita-se que esse baixo desempenho esteja ligado ao
aumento das demandas escolares: quantidade e dificuldade fato de esses alunos ainda estarem em processo de ma-
dos textos a serem interpretados pode também justificar o turação, e que o processo inferencial, por ser um processo
melhor desempenho das crianças mais velhas. complexo, requer que o leitor estabeleça conexões com as
Em relação ao desempenho global de ambas as ideias ou informações que se encontram implícitas no texto.
turmas nos dois instrumentos, é relevante salientar que a Os resultados apontam para a necessidade de de-
elaboração de uma resposta implica num movimento de senvolver estratégias de leitura e compreensão de texto
seleção da informação relevante do texto que atenda à para uma maior proficiência no que tange ao nível de infe-
determinada pergunta. Além disso, o aluno organiza essa rência. Entende-se que o processo inferencial tem estreita
informação segundo seu entendimento do texto para poder relação com os conhecimentos prévios do leitor sobre o
responder a uma questão. Selecionar uma resposta dentre tema do texto que irá ler e, para tanto, o incentivo a práticas
várias opções para responder a uma questão, conforme de letramento e atividades que estimulem o contato com a
afirmam Salles e Parente (2004), é uma situação pontual, leitura são fundamentais.
pois implica no reconhecimento da resposta certa sem que Vale ressaltar que os dados deste estudo permitem
haja necessariamente a ativação do processo que envolve a refletir acerca dos processos envolvidos na compreensão
escolha da informação relevante para responder à questão. textual e sobre a forma como ela é trabalhada. Para a re-
Para Brandão e Spinillo (1998), é a própria pergunta que se alização desta pesquisa, somente a variável escolaridade
encarrega da seleção de uma informação específica do tex- foi considerada. Seria interessante a realização de outros
to, na medida em que seu enunciado evoca as informações estudos com uma amostra mais ampla, com outras variáveis
do texto lidas anteriormente. (idade e sexo, por exemplo) e com um terceiro instrumento
Nos dois instrumentos, as perguntas se encarrega- para a verificação da compreensão textual.
ram de selecionar o que deveria ser respondido. Entretanto, A partir desta pesquisa, percebe-se que o educador
no questionário do instrumento I, as perguntas eram abertas, tem uma tarefa muito importante, que é promover práticas
isto é, os alunos deveriam produzir uma resposta, enquanto em sala de aula que forneçam elementos necessários para
que, no Instrumento II, eles deveriam selecionar a resposta que os alunos se tornem leitores autônomos, conscientes,
mais adequada. O processo de produzir uma resposta en- críticos e reflexivos frente ao material de leitura e frente às
volve, além da seleção do assunto, a organização e o re- situações que enfrentem em seu cotidiano.
gistro das palavras de forma coerente visando responder o
que foi perguntado. Apesar de os alunos, de ambos os anos,
terem apresentado melhor desempenho no instrumento II, Referências
os alunos do 5º ano obtiveram um melhor desempenho nos
dois instrumentos, o que sugere que estes alunos são leito- Brandão, A. C. P., & Spinillo, A. G. (1998). Aspectos gerais e
res mais habilidosos que os alunos do 4º ano. específicos na compreensão de textos. Psicologia: Reflexão e
De acordo com os resultados obtidos neste estudo, Crítica, 11(2), 253-272.
pode-se perceber que os alunos de ambas as turmas, de um
modo geral, são leitores de textos habilidosos, apesar de os Brandão, A. C. P., & Spinillo, A. G. (2001). Produção e compreensão
alunos de 5º ano terem apresentado melhor desempenho na de textos em uma perspectiva de desenvolvimento. Estudos de
tarefa. Foi possível notar que houve um baixo desempenho Psicologia, 6(1), 51-62.
nas questões referentes à inferência. O processo inferencial
Diagnóstico da compreensão textual * Patricia Maria C. S. Guimarães,Thamires de Abreu Emmerick, Aline Lacerda Vicente & Adriana Benevides Soares 101
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102 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 95-103.
Sobre as autoras
Origem do Trabalho: Este artigo derivou-se da Monografia de Patrícia Maria Costa Santos Guimarães, apresentada ao Curso de Especialização
de Psicopedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. O resumo do trabalho foi apresentado também no III Congresso Brasileiro:
Psicologia Ciência e Profissão, em 06 de Outubro de 2010.
Diagnóstico da compreensão textual * Patricia Maria C. S. Guimarães,Thamires de Abreu Emmerick, Aline Lacerda Vicente & Adriana Benevides Soares 103
Avaliação do perfil mediacional de uma professora
da educação infantil
Resumo
Esta pesquisa objetivou examinar o perfil mediacional de uma professora de Educação Infantil, baseando-se no enfoque da Psicologia Histórico-
Cultural, buscando ressaltar a importância da formação continuada de professores. Foram realizadas vídeogravações da interação da professora
com as crianças na faixa etária de 5/6 anos de uma instituição de Educação Infantil de Minas Gerais, Brasil. Estas vídeogravações foram
transcritas e validadas pela professora e, posteriormente, analisadas com base na Escala de Empenhamento do Adulto. Essa escala analisa
as características pessoais e profissionais que definem a capacidade de interação da educadora no processo de ensino e aprendizagem:
sensibilidade, autonomia e estimulação. A professora apresentou tais características, contudo, sensibilidade e autonomia aparecem em níveis
mais baixos, indicando que ela tem um perfil mais voltado para estimulação da aprendizagem. Esses dados oferecem base para intervenções
futuras em formação de professores da Educação Infantil.
Palavras-chave: Educação Infantil, mediação da aprendizagem, formação de professores.
In this study we examine the mediational profile of an early childhood teacher, based on the Historical-Cultural Psychology; We emphasize the
importance of continuous training of teachers. We produced Video recordings of the interaction of teacher with children aged 5/6 years of an
institution of Early Childhood Education of Minas Gerais, Brazil. These video recordings were transcribed and approved by the teacher and then
analyzed based on the Adult Engagement Scale. This scale examines the personal and professional characteristics that define the interaction
capacity of the educator in the teaching and learning:. The teacher showed these characteristics, however, sensitivity and autonomy appear at
lower levels, indicating that she has a profile more focused on stimulation of learning. These data provide a basis for future interventions in teacher
education from kindergarten.
Esta investigación tuvo el objetivo de examinar el perfil mediacional de una profesora de Educación Infantil, con base en el enfoque da Psicología
Histórico-Cultural, buscando resaltar la importancia de la formación continuada de profesores. Se realizaron grabaciones en video de la interacción
de la profesora con niños con edades entre 5/6 años de una institución de Educación Infantil de Minas Gerais, Brasil. Se transcribieron las
grabaciones, fueron validadas por la profesora y, posteriormente, se analizaron con base en la Escala de Empeño del Adulto. Esta escala analiza
las características personales y profesionales que definen la capacidad de interacción de la educadora en el proceso de enseñanza y aprendizaje:
sensibilidad, autonomía y estimulación. La profesora presentó tales características, sin embargo, sensibilidad y autonomía aparecen en niveles
más bajos, indicando que tiene un perfil más inclinado para estimulación del aprendizaje. Estos datos ofrecen base para intervenciones futuras
en formación de profesores de Educación Infantil.
Palabras clave: Educación Infantil, mediación del aprendizaje, formación de profesores.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 105-112. 105
Introdução Independentemente dos critérios escolhidos pelos
autores, vale ressaltar as suas contribuições científicas,
Muito se tem falado nos meios educacionais em uma vez que o trabalho de observação exige do pesquisa-
mediação e no papel mediador do professor, mas pouco se dor grande gasto de tempo, além de depender da adesão
revela acerca de como isso acontece na situação real de das instituições educacionais e dos professores participan-
sala de aula. tes. Estes nem sempre se sentem confortáveis ao serem
O propósito da presente pesquisa foi o de examinar o filmados em situação de sala de aula. A videografia é um
estilo mediacional de uma professora de Educação Infantil, recurso muito utilizado por pesquisadores em estudos dessa
no momento mesmo de sua atuação em aula, em uma creche natureza, que requerem auxiliares de pesquisa preparados
comunitária, que servisse de subsídio para o planejamento e e cuidadosos no trato com aqueles que se dispõem a passar
execução de um projeto de formação de professores. por essa situação. Assim, conforme considerações de Sa-
Para isso, fez-se uso de um instrumento de observa- dalla e Larocca (2004), no seu texto sobre autoscopia, deve
ção da professora em sala de aula que tem sido utilizado por ficar bem claro, para todos os participantes desse tipo de
pesquisadores nacionais e internacionais, conforme Mai- pesquisa, como serão utilizados os registros de observação,
mone e Tomás (2005). Foi desenvolvido por Bertram (1996, ressaltando seu potencial formativo, ao possibilitar ao pro-
conforme citado por Formosinho & Formosinho, 2001), que fessor observar-se atuando.
chegou a “três âmbitos de acção da educadora” que podem Tomar como ponto de partida a prática social escolar,
ser observados: registrada ou não em vídeo, tem sido também uma forma
que pesquisadores encontraram para chegar a uma pro-
1) sensibilidade do adulto para com a criança (aos seus posta de formação continuada de professores que pudesse
sentimentos de bem estar emocional e aos seus interesses corresponder às reais necessidades de formação docente
pessoais) [...], 2) grau de liberdade que o adulto oferece à (Gonçalves & Maimone, 2008).
criança, isto é, a autonomia que lhe confere [...] e 3) o grau Dermeval Saviani, importante pensador da Educação
de estimulação que o adulto oferece à criança. (p. 92). Brasileira, que formulou a teoria da Pedagogia Histórico-
-Crítica, ressalta, por meio de uma proposta de formação
A pesquisa de Maimone e Tomás (2005), utilizando continuada de professores, elaborada por sua equipe, dentro
tal instrumento em contexto brasileiro, mostrou que profes- de princípios do materialismo histórico e dialético, a necessi-
soras de creche pública tendiam a dar pouca autonomia à dade de não só iniciar pela prática social do professor, mas
criança mais jovem, talvez por considerá-la ainda incapaz de também voltar a essa prática já modificada pelo processo
realizar sozinha suas atividades escolares, como explicam catártico, como ponto de chegada na formação docente
as autoras, sugerindo que esse aspecto fosse enfatizado em (Mazzeu, 1998). Em vista disso, pode-se falar de uma apro-
oportunidades de formação continuada de professores da ximação entre as ideias desse pensador e as de Vigotski
Educação Infantil. (1987, 1988, 2003), autor que utilizou esses mesmos prin-
Estudos anteriores, como os de Pnina Klein (1996), cípios filosóficos na construção de uma psicologia marxista,
já haviam indicado a possibilidade de registros de interações nomeada por ele como Psicologia Histórico-Cultural. Essa
entre adultos e crianças pequenas fornecerem informações aproximação é mostrada em Gasparin (2005) e argumentada
importantes sobre o estilo mediacional de mães e cuidado- em Maimone e Gonçalves (2010). Em consequência da ado-
ras, com o objetivo de orientar um programa de formação ção desse modelo teórico, o principal conceito vigotskiano
para as mesmas. A autora considerou cinco critérios media- foi o de mediação, segundo o qual, de acordo com a filosofia
cionais: focalização, expansão, afetividade, regulação de marxista, o homem não se relaciona diretamente com o mun-
comportamento e sentimentos de competência. Esses mes- do. Na aprendizagem sobre as práticas da cultura, em que é
mos critérios serviram de base para uma pesquisa brasileira mergulhada logo ao nascer, a criança necessita da mediação
sobre a parceria entre família e escola (Maimoni & Bortone, de um membro dessa cultura, de início a mãe e familiares e,
2003), em um projeto para melhorar o desempenho de alu- mais tarde, já na escola, onde se dá a transmissão do conhe-
nos do início do Ensino Fundamental, em escola do interior cimento sistematizado, o professor e os colegas. Como cada
mineiro, em leitura, bem como indicando aos pais formas vez mais cedo a criança tem sido deixada aos cuidados de
concretas de colaboração com a escola. Por outro lado, instituições de Educação Infantil, o conhecimento de como
professoras tiveram a oportunidade de vivenciar uma expe- se dá o processo mediacional na interação da criança com
riência de como obter a participação dos pais no processo os adultos, fora da família, se faz bastante necessário. E
de aprendizagem da leitura dos filhos. Utilizando esses isso só é possível pela observação da prática do professor
mesmos critérios, Silva (2004) elaborou proposta de forma- de Educação Infantil no ambiente escolar.
ção de professores e Tomás (2010) observou mães sociais A Educação Infantil no Brasil passou por grandes
em abrigos, encontrando que o critério mais utilizado pelas transformações nas últimas três décadas, conforme mos-
mesmas foi o de regulação de comportamento, indicando, tram autores como Campos (1994), Kramer (1999, 2001),
segundo a autora, a necessidade de programa contínuo de Oliveira, Mello, Vitoria e Rossetti-Ferreira (1992) e Ramos
formação para essas pessoas. (2007), entre outros. Sem pretender fazer um retrospecto
histórico da criação e desenvolvimento das creches no país,
106 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 105-112.
é importante lembrar que, nas décadas dos anos 70 e 80, o Portanto, observar o estilo mediacional de professo-
atendimento a crianças de até seis anos nas chamadas pré- res tem sido uma metodologia utilizada por pesquisadores
-escolas ainda se pautava pelo modelo médico e maternal, da educação e áreas afins, mas ainda há muito o que fazer
ou seja, buscando que, na creche, a criança fosse atendida para que seja possível concluir sobre o estilo mediacional
em suas necessidades básicas de higiene, alimentação e docente, uma vez que, em diferentes contextos educacio-
brincadeiras. nais, estilos diversos podem se configurar.
Com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, pro- O presente estudo teve a preocupação de buscar um
mulgada em 1996, este quadro muda, ao incluir a Educação tipo de instituição que tem preenchido, bem ou mal, a ne-
Infantil como a primeira etapa da Educação Escolar Básica, cessidade da população por mais vagas para as crianças na
atendendo a criança até os seis anos de idade e tentando Educação Infantil, que é a creche comunitária, o que o difere
evitar a separação entre o trabalho assistencial à infância do trabalho brasileiro de Maimoni e Tomás (2005), referido
e o escolar fornecido à infância. Mesmo com essas dispo- anteriormente, que aconteceu em instituição municipal. Foi,
sições legais, até 2005, de acordo com Ramos (2007), pes- portanto, uma oportunidade de conhecer a atuação de uma
quisadores constatavam que mudanças importantes ainda professora em um ambiente que aparentava ser diferente
não haviam ocorrido e apontavam para a necessidade de daquele em que se dá a Educação Infantil pública.
formação do professor para atuar dentro de novos papéis,
com o devido “resguardo das especificidades da Educação
Infantil, reveladas no binômio cuidar-educar, que a difere do Objetivo
modelo escolar” (p. 88).
Percebe-se que, dentre outras, estas são algumas Conhecer o perfil mediacional de uma professora da
questões que poderão levar o professor de Educação Infantil Educação Infantil, com a utilização da Escala de Empenha-
a rever seu trabalho, a reelaborar metodologias e critérios de mento do Adulto, tal como descrita em Maimoni e Tomás
atuação, o que muitas vezes pode provocar no docente uma (2005).
grande insegurança, o que só mesmo um programa contí-
nuo de formação docente possibilitará reduzir, auxiliando-o
no seu novo cotidiano escolar. Por outro lado, são as dificul- Metodologia
dades encontradas pelo professor que parecem ativar a sua
zona de desenvolvimento proximal, tal como acontece com A metodologia foi qualitativa, chamada por Newman
a criança, nas suas dificuldades de aprendizagem. A propos- e Holzman (2002, p. 45), de metodologia instrumento-e-re-
ta vigotskiana sobre o desenvolvimento e a aprendizagem sultado, utilizando-se o modelo de avaliação em processo,
do homem coloca ênfase nesse momento proximal, em que em que os sujeitos que participam do estudo são avaliados
um aprendiz não consegue realizar uma tarefa do seu dia a durante o processo de desenvolvimento de uma atividade,
dia e necessita do auxílio de outra pessoa, a fim de alcançar neste caso, uma atividade realizada no ambiente escolar.
o próximo desenvolvimento, com essa nova aprendizagem. Atividade é aqui entendida tal como Newman e Holzman
Quanto ao professor, igualmente a presença de um (2002) a definem, com base em Vigotski, como “atividade
outro mais experiente, que o auxilie em suas dificuldades, humana (histórica) ordinária, cotidiana, de cada hora: é uma
pode contribuir para seu processo contínuo de formação. ação particular, a, mudando a totalidade das circunstâncias
Maimone, Oliveira, Vieira e De Pieri (2007) demonstra- (‘cenários’ históricos) da existência humana B, C, D... e
ram como isso pode se dar na formação de professores combinações de circunstâncias B, C e D etc.” (p. 60). A vide-
da Educação Infantil, em uma situação real de turmas de ografia foi a forma de registro dessa atividade da professora,
crianças de três, quatro e cinco anos, quando a necessidade para posterior análise de seu empenho.
da instituição era a de melhorar o relacionamento família- Bertram e Laevers (1996, citados por Maimone &
-escola e valorizar o brincar dentro da instituição. As autoras Tomás, 2005) definem empenho como a capacidade de o
relataram que, além do recurso à videogravação da prática professor ser sensível a momentos em que deve exercer a
da professora, que era assistida primeiro pela própria pro- mediação em situações de aprendizagem de seus educan-
fessora, para depois ser apreciada pelas colegas, no grupo dos, ser estimulador, ao propor experiências de aprendiza-
de formação, juntamente com as pesquisadoras, houve a gem e saber promover a autonomia da criança.
solicitação de que todos os presentes auxiliassem a colega
ou valorizassem seus estilos de mediação, que eram mos-
trados no vídeo. Na sessão seguinte, era a vez de outra pro- Sujeitos
fessora, até que todas as voluntárias na pesquisa pudessem
passar por essa experiência de aprendizagem, a partir de A pesquisa foi realizada em uma creche comunitária
sua própria prática. Também nos momentos de formação, de uma cidade do interior de Minas Gerais, a qual atende
os textos dos teóricos da Psicologia Histórico Cultural sobre crianças de três a seis anos. Na época da pesquisa, contava
mediação, zona de desenvolvimento proximal e a atividade com quatro professoras e sete funcionários para 46 ������crian-
principal da criança, que é o brincar, iam sendo apropriados ças. Tal instituição funciona em horário integral, de segunda
pelos participantes. a sexta-feira, e é mantida por uma associação espírita, con-
Perfil Mediacional de Professora * Helena de Ornellas Sivieri Pereira, Eulália Henriques Maimone & Aline Patrícia Oliveira 107
tando com o espaço de três salas de aulas, parquinho, sala Para se obter maior fidedignidade dos dados de ob-
para exames médicos, refeitório e sala de administração. servação, dois juízes independentes analisaram o material
Participaram das filmagens uma professora do perío- filmado para classificar o empenho da professora em rela-
do matutino e seus dezesseis alunos, que possuíam idades ção aos três âmbitos de ação ou critérios de avaliação: sen-
entre 05 e 06 anos, tendo esse registro ocorrido, portanto, sibilidade, estimulação e autonomia. Para essa avaliação,
pela manhã, após o horário do lanche. A professora é forma- os juízes assistiram antes a um vídeo, com situações de sala
da em Pedagogia e tem três anos de experiência profissio- de aula para serem ser classificadas, organizado por Pascal
nal nessa instituição. e Bertram (1996) para treino de avaliadores.
Após esse treino, cada um dos juízes atribuiu a cada
um dos três critérios uma pontuação de 1 a 5, sendo o nível
Procedimentos de coleta de dados 5 o mais alto índice a ser alcançado, conforme descrevem
Formosinho e Formosinho (2001):
Foram feitas quatro filmagens, sendo três em sala de Nível cinco: representa um estilo de empenho total.
aula e uma no parquinho da creche, cada uma com duração Nível quatro: representa um estilo predominante de
de aproximadamente uma hora. Todas as crianças presen- empenho, mas com algumas atitudes de falta de empenho.
tes nos dias marcados para observação e a professora eram Nível três: representa um estilo onde não predo-
filmadas em sua interação, não havendo nenhuma interfe- minam nem as atitudes de empenho, nem as de falta de
rência das pesquisadoras. empenho.
Nível dois: representa um estilo principalmente de fal-
ta de empenho, porém é possível observar algumas atitudes
Procedimentos de análise dos dados de empenho.
Nível um: representa um estilo de ausência total de
Transcritos os vídeos e validados pela professora, o empenho.
estilo mediacional foi analisado nas transcrições pela Escala
de Empenhamento do Adulto, em tradução feita em Portu-
gal para o título em inglês Adult Engagement Scale. Foi Resultados
desenvolvida por Bertram (1996, citado por Formosinho &
Formosinho, 2001, p. 92), que chegou a “três âmbitos de Os resultados estão apresentados na Tabela 1, que
acção da educadora”, que podem ser observados e classifi- mostra a frequência e a porcentagem de cada nível de em-
cados em cinco níveis: 1) sensibilidade do adulto para com penho da professora em relação aos três critérios de análise.
a criança, em relação aos seus sentimentos de bem estar
emocional e aos seus interesses pessoais; 2) grau de liber- Puderam ser observados, por meio das filmagens
dade que o adulto oferece à criança, isto é, a autonomia realizadas na creche, trinta momentos de empenho do
que lhe confere e 3) o grau de estimulação que o adulto adulto, sendo dezessete classificados dentro do critério
oferece à criança” (p. 92). estimulação, com maior frequência no nível 3. A segunda
É uma escala descritiva, para auxiliar na análise das ocorrência, em termos de frequência, foi sensibilidade, com
filmagens, e já foi utilizada no Brasil com o título de Escala 8 momentos, mas situados em maior frequência no nível 1,
de Empenho do Adulto, por Maimoni e Tomás (2005). com seis momentos. O nível 1 representa, segundo a escala
108 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 105-112.
utilizada, uma ausência total de empenho. Por fim, aparece terno, indicando sua dificuldade no desempenhar de suas
autonomia, com apenas 5 ocorrências, tendo a sua maior funções docentes, oscilando entre o cuidar e o educar. A
frequência no nível 3, relacionado ao não predomínio de falta de autonomia concedida à criança pode ser exemplifi-
empenho e nem à falta de empenho, mas aparecendo, em cada pela fala da professora quando propõe uma atividade
seguida, o nível 1 da escala, com quase metade do valor da de montagem de uma flor em EVA, na qual ela determina a
frequência total. maior parte das cores que os alunos terão que usar:
Esses resultados podem representar que, por se
tratar de um ambiente escolar, a professora procura intervir ... bom, o que vocês podem fazer: se colocarem o miolo de
no processo de aprendizagem das crianças, com um estilo amarelo, irão colocar todo miolo de amarelo.
mediacional voltado para a estimulação. Ressalta-se aqui
que a estimulação presente não se dá no sentido de ativar o Outro dado que pode ilustrar o estilo mediacional
imaginário infantil nas atividades da Educação Infantil, mas dessa professora presente na filmagem refere-se a um dia
sim na tentativa de promover as tarefas de preparação para em que a atividade programada para as crianças foi ver um
a leitura e escrita, priorizando o modelo escolar, que não filme. Em nenhum momento, a professora realizou alguma
atende à necessidade de brincar das crianças nessa faixa intervenção a partir deste filme no próprio dia em que foi as-
etária. Mas como a estimulação se deu mais no nível 3, que sistido, porque estava terminando os preparativos para o dia
se refere ao não predomínio nem do empenho e nem da das mães e criando murais para a escola. Pergunta-se: sua
falta de empenho, percebe-se que ainda existe uma neces- preocupação primeira naquele momento estava em fazer
sidade de maior empenho da professora, mesmo visando bem feitas as apresentações às mães e o mural, ou nas ne-
à preparação escolar para a alfabetização. De qualquer cessidades, curiosidades e questionamentos que poderiam
maneira, esse foi o índice em que se pode verificar a maior surgir nas crianças? Sua atenção estava toda voltada para a
porcentagem dos comportamentos de empenho da profes- sua atividade e não para a atividade das crianças, mostran-
sora, na sua interação com as crianças. do uma dicotomia na atividade de ensino, sem nenhuma in-
Os baixos resultados relacionados ao critério sensibi- teração com as crianças, ocupando-as com o filme para que
lidade podem ser interpretados como um estilo mediacional não atrapalhassem sua própria atividade, desvinculada da
pouco sensível às necessidades das crianças, dado esse atividade propiciada às crianças. Isso pode explicar porque,
que encontra apoio, por exemplo, na fala da professora, pre- no critério sensibilidade, a maior frequência tenha sido no
sente na filmagem, quando se aproxima de algumas crian- nível 1 e de autonomia no nível 3, parecendo não serem sua
ças, as quais não permitiu que brincassem e que deviam primeira preocupação essas questões. Seu estilo mediacio-
ficar olhando as outras crianças brincarem no parque, como nal, portanto, foi caracterizado pela estimulação da criança
punição: em situação de aprendizagem escolar e lúdica dirigidas. Ou
seja, não apareceram nas filmagens momentos de atividade
…não quero que cheguem perto uns dos outros. É ruim ficar livre, em que estivesse presente a brincadeira de faz de con-
olhando os coleguinhas brincarem, não é? ta, momento privilegiado de expressão do imaginário infantil,
como bem argumentam Vectore e Kishimoto (2001), por per-
Esse exemplo evidencia a forma como o parquinho mitir conhecer melhor essa atividade infantil. Para Leontiev
é utilizado por essa professora. As crianças mais ativas (1988, p. 64), “Os processos infantis da imaginação ativa,
do ponto de vista psicomotor são punidas pela privação por exemplo, são inicialmente moldados no brinquedo e os
da atividade lúdica. Esse recurso é utilizado para controle processos de pensamento abstrato, nos estudos”. Portanto,
do seu corpo, em lugar de ser um momento para que essa privar a criança de brincar e focalizar mais na aprendizagem
necessidade de atividade motora possa encontrar a satis- da leitura e escrita pode comprometer o seu desenvolvimen-
fação. Será que os resultados obtidos estão beneficiando to nessa faixa etária.
o desenvolvimento dessas crianças? Se o brincar é pouco
estimulado na instituição, fato observado nessa etapa da
pesquisa e na anterior, no período da manhã, privar as crian- Discussão
ças desse momento no parquinho é impedi-las de exercer
sua atividade principal nessa faixa etária (Leontiev, 1988).
Seria como privar o adulto de trabalhar. Reflexões como Com a implantação da escola de nove anos pelo go-
esta poderiam ser propiciadas em momentos de formação verno de Minas Gerais, a Educação Infantil perdeu um ano
continuada de professores na instituição, em que os vídeos de atividades lúdicas que atenderiam as necessidades da
dessas situações pudessem ser assistidos pelo pessoal da criança pequena de brincar, uma vez que, no seu último ano,
creche e serem discutidos por todos, a fim de encontrar no- caso desta pesquisa, já devem ser focalizadas atividades
vas medidas disciplinares que sejam eficazes e não limitem preparatórias à alfabetização. Isso pode explicar, em parte,
o desenvolvimento infantil. o estilo mediacional dessa professora, caracterizado pela
Por outro lado, os resultados apresentados por essa estimulação de tarefas escolares com o objetivo de uma
professora, relacionados ao critério autonomia, mostram um iniciação à leitura e escrita. Assim, pode-se observar que po-
estilo mediacional voltado para o modelo do cuidado ma- líticas públicas podem refletir-se no empenho da professora
Perfil Mediacional de Professora * Helena de Ornellas Sivieri Pereira, Eulália Henriques Maimone & Aline Patrícia Oliveira 109
em sala de aula, principalmente se compararmos os seus a crença de pais, percebida pelas professoras, de que ao
resultados com os da observação de professoras de Educa- brincar a criança não está aprendendo muitas vezes possa
ção Infantil registrados antes da implantação da escola de desestimular tal iniciativa (Scriptori, Maimoni, Guimarães,
nove anos na mesma cidade do interior de Minas Gerais. A Costa, & Dias, 2006). Outra possibilidade seria desenvolver
referida pesquisa mostrou que o estilo mediacional de seis a preparação de datas comemorativas em conjunto com
professoras de uma creche municipal caracterizou-se mais as crianças e pais, de forma coletiva (Maimone & Santos,
pela sensibilidade do adulto para com a criança pequena 2007). Seria uma oportunidade para demonstrar aos pais
em relação aos seus sentimentos de bem estar emocional que “a criança começa a aprender de brincadeira”, conforme
e aos seus interesses pessoais, do que pelos critérios de defende Leontiev (1988, p. 64).
estimulação e autonomia (Maimoni & Tomás, 2005). O mes- Uma vez feito o diagnóstico da prática, as vídeogra-
mo resultado havia sido observado por Formosinho e For- vações seriam um recurso pedagógico também nos momen-
mosinho (2001) com 102 professores da Educação Infantil tos de formação, quando a professora poder-se-ia observar
em Portugal com a utilização dessa escala de observação. em atuação e autorizar que colegas de trabalho pudessem
Um resultado baixo como o encontrado nesta pesquisa pode assistir também aos vídeos e auxiliá-la nas suas dificuldades
comprometer a qualidade do ensino ministrado para essa e/ou ressaltar boas situações de mediação, a exemplo do
turma de crianças, considerando que a professora deixa de que fizeram Maimone e cols. (2007).
ser sensível aos momentos em que a criança entra em uma Outro aspecto a ser considerado na formação de
zona de desenvolvimento proximal ao tentar realizar uma uma professora com esse estilo mediacional refere-se à
experiência de aprendizagem e, não o conseguindo, vai ne- necessidade de serem criadas estratégias que possam
cessitar do seu auxílio para aprender e passar ao próximo ser utilizadas com o objetivo de desenvolver a autonomia
desenvolvimento. de crianças dessa faixa etária e que vão logo ingressar no
De acordo com Rossetti-Ferreira, Mello, Vitoria, Go- Ensino Fundamental. Filmagens de atuação em sala de
suen e Chaguri (2001), o primeiro vínculo que se estabelece aula mostrando situações reais, em que professores dão
com uma criança é o emocional, e, no ambiente escolar da autonomia à criança pequena, podem ser de grande auxílio.
Educação Infantil, a relação afetiva é estabelecida principal- Seria uma forma de contribuir para que não houvesse uma
mente com a professora, que pode dar apoio à criança, o que ruptura entre as duas etapas da Educação Escolar Básica:
coloca ênfase na necessidade de a mesma desenvolver sua a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, tendo como
sensibilidade em relação às necessidades dessas crianças. consequência o desajustamento da criança na sua nova
Outra interpretação para os dados de observação etapa escolar em classe mais numerosa. Seria uma das
dessa professora é a de que também as políticas educacio- características da aprendizagem na transição de um modelo
nais internas à instituição, permitindo a ocorrência de certas dentro do binômio cuidar-educar da Educação Infantil para
práticas tradicionais, igualmente se refletem no empenho o modelo escolar.
da professora, como foi observado na situação filmada dos Os dados da presente pesquisa nos permitem sugerir
preparativos para a comemoração do “Dia das Mães”, rea- que estudos futuros sobre a atividade de ensino do profes-
lizados em horário destinado ao trabalho com as crianças, sor da Educação Infantil devam ser realizados a partir de
desviando todo o empenho da professora, mobilizada so- sua prática em sala de aula, de uma forma colaborativa, ou
mente para essa tarefa. seja, com a participação efetiva do docente, que não pode
Levantar questões sobre políticas educacionais ser tratado como um mero objeto de observação. Acredita-
como essas pode ser um aspecto importante para momen- mos que, assim, torna-se possível uma real mudança em
tos de formação contínua do professor, que nem sempre tem sua prática social escolar pela adesão feita à proposta de
consciência do quanto ele está sujeito a essas circunstân- formação. Além disso, fica evidente por esta pesquisa a
cias quando exerce a sua prática docente. Essa tomada de possibilidade de um diagnóstico dessa prática antecedendo
consciência seria um momento crucial de desenvolvimento qualquer programa de formação, cuja avaliação dos resulta-
humano, em que o professor poderia realmente decidir-se a dos se dá pelos indicadores de mudança da prática docente,
alterar a sua prática docente, conforme mostram Gonçalves que é o critério de verdade dentro da metodologia proposta.
e Maimone (2008), atendendo a um dos princípios da teoria
vigotskiana, emprestado das categorias da teoria materialis-
ta histórico e dialética. Referências
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Perfil Mediacional de Professora * Helena de Ornellas Sivieri Pereira, Eulália Henriques Maimone & Aline Patrícia Oliveira 111
Sobre as autoras
Este trabalho é oriundo de Programa de Iniciação Científica desenvolvido através do PIBIC/ UNIUBE, em 2008, com apoio financeiro do CNPq.
112 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 95-102.
TDAH – Investigação dos critérios para diagnóstico
do subtipo predominantemente desatento
Resumo
O objetivo desta pesquisa foi identificar, através da literatura científica e entrevistas realizadas com três neuropediatras, os procedimentos
médicos necessários para o diagnóstico seguro do TDAH – subtipo desatento e verificar se esses procedimentos foram aplicados ao diagnóstico
de uma amostra de 10 crianças, alunos de um colégio particular na cidade de São José de Rio Preto. Os procedimentos foram relatados em
entrevistas presenciais e questionários. A análise dos dados apontou para o amplo uso dos critérios do DSM-IV na maioria dos casos, porém o
encaminhamento para avaliações multiprofissionais depende dos critérios seguidos por cada médico e não segue uma diretriz. Os resultados
demonstraram que nenhum dos diagnósticos da amostra seguiu todos os procedimentos apontados, mostrando a necessidade de estabelecer
um protocolo amplo, que agregue a participação de outros profissionais (fonoaudiólogos, psicopedagogos, psicólogos etc.), que garanta a
precisão diagnóstica, descarte possibilidades e investigue fatores concorrentes para dificuldades apresentadas pela criança desatenta.
Palavras-chave: Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, diagnóstico, comorbidade.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 113-123. 113
Introdução & Gomes, 2010). O atual estudo parte do pressuposto da
existência real do TDAH, mas aborda a necessidade de um
O Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade procedimento diagnóstico criterioso.
(TDAH), caracterizado por desatenção, hiperatividade e im-
pulsividade, é uma desordem comportamental frequente na
infância (Richters e cols., 1995). Andrade e Scheuer (2004) Critérios diagnósticos
apontam-no como o motivo de 30% a 50% dos atendimentos
em saúde mental nos Estados Unidos. Em 2004, foi reco- O diagnóstico do TDAH é deteminado mediante a sa-
nhecido oficialmente como “um dos problemas mais graves tisfação dos critérios estabelecidos pelo DSM-IV, descritos
e importantes da saúde pública americana” (Caliman, 2008, no Quadro 1. Esses sintomas são observados considerando-
p. 560). -se a persistência de sua manifestação e sua severidade
Os sintomas permanecem na vida adulta em 67% em relação aos comportamentos tipicamente observados
dos casos (Lopes, Nascimento, & Bandeira, 2005) e trazem em indivíduos de nível equivalente de desenvolvimento.
implicações à rotina da criança e da família, consequências
ao sistema educacional e maior incidência de condutas de
risco na adolescência (Hernández, 2007). Frequentemente Determinação do subtipo
relaciona-se ao insucesso educacional, baixa performance
profissional, perda na renda familiar, impacto econômico e O subtipo é determinado pela quantidade de manifes-
social (Biederman, 2006; Rohde & Halpern, 2004). tações clínicas encontradas em cada modalidade. O subtipo
Apesar da relevância do transtorno, seu diagnóstico predominantemente hiperativo-impulsivo (18% dos casos)
é controverso devido, em grande parte, à variância nas ta- ocorre quando há seis ou mais sintomas de hiperatividade-
xas de prevalência encontradas. Estudos mostram índices -impulsividade, mas menos de seis sintomas de desatenção.
de 1 a 20% (Amaral & Guerreiro, 2001), 4 a 12% (Brown & O subtipo predominantemente desatento (27% dos casos)
cols., 2001), 3 a 10% (Hernández, 2007) e 3 a 26% (Graeff e é diagnosticado quando há seis ou mais sintomas de desa-
Vaz, 2008). A revisão realizada por Rohde e Halpern (2004) tenção, mas menos de seis sintomas de hiperatividade-im-
demonstrou que a tendência de prevalência nos estudos pulsividade. O subtipo combinado (55% dos casos) é usado
que utilizam os critérios plenos do DSM-IV é ao redor de 3% quando seis ou mais sintomas de desatenção e seis ou mais
a 6% da população. sintomas de hiperatividade-impulsividade são apontados
O caráter subjetivo dos critérios estabelecidos pelo (Andrade & Scheuer, 2004; APA, 1994; Ciasca, Capellini, To-
Manual de Diagnóstico e Estatística de Desordens Mentais ledo, Simão, & Ferreira, 2007;). São mais frequentes as pes-
– DSM IV (APA, 1994) e diferenças metodológicas - tipo de quisas sobre os subtipos hiperativo-impulsivo e combinado.
amostra, delineamento, fonte de informação, idade e crité- O subtipo desatento é mais comum em meninas (até
rios utilizados - são responsáveis pelas discrepâncias nas 57,9%), e um número maior de meninos é diagnosticado
taxas de prevalência observadas em diversas pesquisas com os subtipos desatento (28,6%) ou combinado (30,6%).
(Souza, Serra-Pinheiro, Fortes, & Pinna, 2007; Vasconcelos (Rhode & Halpern, 2004; Cardoso, Sabbag, & Beltrame,
e cols., 2003). 2007; Couto e cols., 2010).
As discrepâncias e suposta falta de critério científico A diferença de eficácia no tratamento com uso de
dos sintomas do transtorno alimentam o questionamento de metilfenidato entre os outros subtipos reforça a necessidade
uma corrente de pensamento que se opõe à sua existência. de aperfeiçoar os procedimentos diagnósticos. Carmo Filho
A patologia da atenção, segundo esses teóricos, é definida revela que, enquanto pacientes hiperativos obtêm índices de
não em termos qualitativos, mas temporais e de intensi- sucesso acentuados (81,08%) com uso de metilfenidato, o
dade – uma questão quantitativa. Aponta-se essa espécie índice para os desatentos foi de 64,86%, resultado idêntico
de diagnóstico como uma obscura tendência a distinguir o ao encontrado por Denney e Rapport (ambos citados por
normal e o anormal, sendo este último o indivíduo que difere Andrade & Scheuer, 2004). É necessário investigar se a
do “normal” apenas por estar um passo atrás no desenvolvi- diferença deve-se à eficácia do metilfenidato ou a um diag-
mento de suas capacidades. O diagnóstico do TDAH seria, nóstico equivocado.
portanto, não um fato médico e científico, mas um construto
baseado na mistura de expectativas pessoais, sociais, mo- Diagnóstico controverso
rais e econômicas (Caliman, 2008, 2009).
Embora a controvérsia sobre a existência do TDAH Mesmo considerando-se que o TDAH é um trans-
permaneça em debate, existem evidências de que se trata, torno multifatorial de base neurobiológica, a ausência de
de fato, de uma disfunção da neurotransmissão dopaminér- uma bateria fixa de testes para avaliação, mas um roteiro
gica na área frontal, regiões subcorticais e região límbica do DSM-IV que apresenta elementos basicamente compor-
cerebral, evidenciada através de estudos científicos, apoia- tamentais e passíveis de julgamento subjetivo (Amaral &
dos por evidências neurológicas e estudos genéticos. Per- Guerreiro, 2001; Ciasca e cols., 2007; Souza & Ingberman,
manece, no entanto, o debate a respeito da falta de critério 2000;), associado à inexistência de comprovação através da
científico objetivo para seu diagnóstico (Couto, Melo-Junior, realização de testes físicos, neurológicos ou psicológicos
114 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 113-123.
A.
Ou (1) ou (2)
(1) Desatenção: Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de desatenção persistiram por pelo me-
nos 6 meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento:
a. frequentemente deixa de prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido em
atividades escolares, de trabalho ou outras;
b. com frequência tem dificuldades para manter a atenção em tarefas ou atividades lúdicas;
c. com frequência parece não escutar quando lhe dirigem a palavra;
d. com frequência não segue instruções e não termina seus deveres escolares, tarefas
domésticas ou deveres profissionais (não devido a comportamento de oposição ou
incapacidade de compreender instruções);
e. com frequência tem dificuldade para organizar tarefas e atividades;
f. com frequência evita, antipatiza ou reluta a envolver-se em tarefas que exijam esforço mental
constante (como tarefas escolares e deveres de casa);
g. com frequência perde coisas necessárias para tarefas ou atividades (por ex. brinquedos,
tarefas escolares, lápis, livros ou outros materiais);
h. é facilmente distraído por estímulos alheios às tarefas;
i. com frequência apresenta esquecimento em atividades físicas.
2 Hiperatividade: Seis (ou mais) dos seguintes sintomas de hiperatividade persistiram por pelo
(1)
menos 6 meses, em grau mal-adaptativo e inconsistente com o nível de desenvolvimento:
a. frequentemente agita as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira;
b. frequentemente abandona sua cadeira em sala de aula ou outras situações nas quais se
espera que permaneça sentado;
c. frequentemente corre ou escala em demasia, em situações nas quais isto é inapropriado (em
adolescentes e adultos, pode estar limitado a sensações subjetivas de inquietação);
d. com frequência tem dificuldade para brincar ou se envolver silenciosamente em atividades
de lazer;
e. está frequentemente “a mil” ou muitas vezes age como se estivesse “a todo vapor”;
f. frequentemente fala em demasia;
g. frequentemente dá respostas precipitadas antes de as perguntas terem sido completadas;
h. com frequência tem dificuldade para aguardar sua vez;
i. frequentemente interrompe ou se mete em assuntos de outros (por exemplo, intromete-se em
conversas ou brincadeiras).
B.
Presença dos sintomas por alguns anos ou sintomas hiperativo-impulsivos que causam
prejuízo presentes antes dos 7 anos (aplicado apenas aos casos de TDAH tipo hiperativo/
impulsivo ou combinado);
C.
Algum prejuízo devido aos sintomas deve estar em pelo menos dois contextos;
D.
Deve haver claras evidências de interferência no funcionamento social, acadêmico ou
ocupacional apropriado em termos evolutivos;
E
Ocorrência da perturbação de forma não exclusiva durante o curso de um Transtorno
Invasivo do Desenvolvimento, Esquizofrenia ou outro Transtorno Psicótico e não é melhor
explicada por outro transtorno mental, como Transtorno do Humor, Transtorno de Ansiedade,
Transtorno Dissociativo ou Transtorno da Personalidade.
TDAH – Subtipo Predominantemente Desatento * Lilian Martins Larroca & Neide Micelli Domingos 115
(Graeff & Vaz, 2008), acirra a polêmica sobre o seu diag- escolar, alunos de um colégio particular na cidade de São
nóstico. Segundo Hernández (2007), “não existe nenhum José de Rio Preto, e observar se, na amostra pesquisada,
marcador biológico que permita efetuar com certeza o diag- os procedimentos restringiram-se ao exame clínico ou in-
nóstico de TDAH” (p. 127). O diagnóstico de TDAH torna-se cluíram exames complementares e participação de outros
um desafio – ou uma “armadilha” – com o risco de erros, fal- profissionais relacionados.
so positivo ou “overdiagnóstico” (Rohde, Miguel Filho, Bentti,
Gallois, & Kieling, 2004; Thapar & Thapar, 2003). Os critérios
do DSM-IV também não levam em consideração diferenças Metodologia
comportamentais normais da conduta infantil ou típicas de
gêneros diferentes.
Os sintomas que definem o transtorno (desatenção, Participantes
impulsividade e hiperatividade) não constituem uma descri-
ção médica clara e unificada, mas são traços comuns da Foram entrevistados três grupos de participantes: 1)
natureza humana, que se tornariam patológicos não devido Pais de dez crianças diagnosticadas como portadoras de
a uma mudança qualitativa, mas temporal e de intensidade, TDAH – subtipo desatento, que relataram os profissionais
julgamento esse que extrapolaria o campo científico para consultados para diagnóstico, os procedimentos realizados
inserir-se em questões sociais e morais (Caliman, 2008). e o motivo da investigação clínica; 2) Seis professores que
Segundo Hernández (2007) lecionavam a esses alunos na época do diagnóstico, para
verificar se preencheram, por solicitação médica, formulá-
São imprescindíveis a presença adicional de outros critérios, rios que contemplassem a satisfação dos critérios C e D
sem os quais não se pode diagnosticar uma criança com para o diagnóstico de TDAH; e 3) Três neuropediatras que
TDAH: impedimento funcional, presença dos sintomas informaram seus procedimentos diagnósticos.
em dois ou mais ambientes diferentes, conduta que afeta A seleção dos participantes deu-se por indicação
negativamente sua adaptação social, escola ou outros de orientadoras educacionais de um colégio particular da
ambientes (p. 128). cidade de São José do Rio Preto – SP, que atende alunos
da Educação Infantil ao Ensino Médio. Os participantes
deveriam atender aos seguintes critérios: 1) Comprova-
Dificuldades no diagnóstico do subtipo ção de diagnóstico através de laudo médico no prontuário
predominantemente desatento do aluno; 2) Alunos diagnosticados quando já estudavam
nesta escola, para viabilizar o contato com o professor que
O diagnóstico do subtipo desatento é ainda mais acompanhava a criança à época do diagnóstico. A escola foi
controverso, pois não há comportamentos evidentes, como escolhida devido à baixa rotatividade de professores, pois,
nos outros dois subtipos. As manifestações clínicas que devido às constantes remoções de professores do sistema
geralmente conduzem ao seu diagnóstico podem também público, seria inviável localizar os docentes que conviveram
ser causadas por outros fatores, como déficits sensoriais e com a criança diagnosticada em anos anteriores. A partir das
intelectuais (Couto e cols., 2010; Rohde & Halpern, 2004; indicações, os responsáveis foram contatados por telefone
Souza e cols. 2007), distúrbios no sistema reticular (Antu- na ordem fornecida pela escola, informados sobre os objeti-
nha, 2007, 2009), disfunções cerebrais frontais e límbicas vos e procedimentos da pesquisa e, mediante aceitação, in-
(Ciasca e cols., 2007), danos cerebrais perinatais no lobo cluídos no estudo. Foram excluídos os casos de transtornos
frontal (Rohde & Halpern, 2004), hábitos de sono, outras invasivos do desenvolvimento ou retardo mental já compro-
patologias (Caliman, 2008) e elementos externos, como vados e crianças cujo diagnóstico aponte para a ocorrência
fatores psicossociais, situação familiar caótica, sistema de do TDAH de outros subtipos. Os professores entrevistados
ensino inadequado etc. (Fonseca, 2008; Grau-Martinez & foram os seis docentes que acompanhavam as crianças à
Bascuñan, 2002; Hernández, 2007; Rohde e cols., 2004). época do diagnóstico. Devido ao fato de a amostra ser de
Torna-se importante, portanto, investigar e descartar primei- uma única escola, em alguns casos, um mesmo professor
ramente todas as outras possíveis causas de desatenção foi entrevistado a respeito de mais de um aluno. Os três
(Souza e cols., 2007). neuropediatras foram sorteados entre o quadro de médicos
dos principais convênios da cidade (HB Saúde, Ben Saúde,
Unimed e Austa Clínicas).
Objetivo do estudo
Procedimento de coleta de dados
O objetivo deste estudo foi identificar, através da
literatura científica e de entrevistas realizadas com três mé- Os instrumentos para a coleta de dados foram fichas
dicos, os procedimentos necessários ao diagnóstico seguro de identificação das crianças participantes e seus responsá-
do TDAH – subtipo desatento, verificar se foram aplicados veis, um questionário para os pais sobre o levantamento dos
ao diagnóstico de uma amostra de 10 crianças em idade procedimentos médicos durante o diagnóstico e intercor-
116 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 113-123.
rências no período pré-natal ou infância que pudessem de- cativo comprometimento funcional que revela a necessidade
sencadear outras linhas de investigação, ambos aplicados de aperfeiçoar os procedimentos diagnósticos (Souza e
e preenchidos pessoalmente pelo examinador. Os profes- cols., 2007).
sores preencheram, diante do examinador, um questionário Avaliação neurológica, psiquiátrica e neurop-
sobre a manifestação de sintomas de TDAH na criança e sicológica: A satisfação do critério E (descarte de outros
uma questão referente à solicitação de preenchimento de transtornos), demanda a realização de exames adicionais.
escala objetiva para avaliação da desatenção do aluno por Legnani e Almeida (2008, p. 7) apontam alguns caminhos
médicos. Os médicos preencheram um formulário em que para essa avaliação:
descreveram os procedimentos diagnósticos adotados atu-
almente. Todos os participantes assinaram termo de consen- faz-se necessário um diagnóstico diferencial, por meio do
timento livre e esclarecido, e a pesquisa foi aprovada pela qual se descartam outras patologias orgânicas ou problemas
Comissão de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina psicológicos causados por contextos socioambientais
de São José do Rio Preto (FAMERP). inadequados ao desenvolvimento da criança. A avaliação
neurológica tem a finalidade de excluir outras patologias
orgânicas, e os testes de inteligência são utilizados para
Alternativas para o diagnóstico excluir déficits de inteligência significativos.
Esta pesquisa procurou delinear, através das reco- Exames neuropsicológicos são importantes para ava-
mendações da literatura científica e entrevistas realizadas liar o funcionamento e a relação entre as funções corticais
com profissionais, o conjunto de procedimentos, exames e superiores – linguagem, atenção e memória – e a aprendi-
avaliações adicionais que permitem ao médico, antes da de- zagem simbólica, condição para o processamento normal
finição do diagnóstico, identificar as causas da desatenção da aprendizagem, cuja ausência caracteriza uma disfunção
e outros fatores que possam provocá-la, detectar patologias ou lesão cerebral (Costa, Azambuja, Portuguez, & Costa,
que interfiram na funcionalidade da criança e que possam, 2004). Considerando que, segundo o DSM-IV, o TDAH deve
de forma errônea, gerar um falso resultado positivo para o ser diagnosticado quando seus sintomas não são mais bem
transtorno e, através desse conjunto de procedimentos, evi- explicados por outros tipos de transtorno, a indicação do pro-
tar possíveis equívocos diagnósticos e detectar comorbida- cedimento por diversos autores (Amaral & Guerreiro, 2001;
des associadas. Os procedimentos encontrados na literatura Ciasca e cols., 2007, Coutinho, Mattos, Araújo, & Duschene,
são listados a seguir. 2007a; Couto e cols., 2010; Graeff & Vaz, 2008; Valente,
2003) tem o objetivo de identificar outras possíveis causas
para a desatenção, decorrentes de disfunções ou lesões es-
Procedimentos para diagnóstico apontados pela pecíficas. É importante também descartar o quadro de retar-
literatura científica do mental, o qual gera, isoladamente, problemas de atenção,
hiperatividade e impulsividade (Graeff & Vaz, 2008).
Exame clínico: Rhode & Halpern (2004) sugerem A bateria de testes neuropsicológicos utiliza-se tam-
que, devido ao acompanhamento longitudinal do paciente, bém de um instrumento significativo - o Teste de Atenção
o pediatra pode identificar precocemente sinais que possam Visual (TAVIS-III), que compreende três tarefas, sendo que
sugerir TDAH. Uma entrevista minuciosa, que investigue a a primeira mede a capacidade de exercer a seletividade, a
história clínica, perinatal e escolar, preocupações, queixas segunda mede a capacidade de alternância de conceitos e
principais e o desenvolvimento da criança, é decisiva para a terceira, a capacidade de sustentar a atenção consistente
a definição diagnóstica. Entretanto, há limitações no proce- durante uma atividade contínua (Coutinho e cols., 2007).
dimento, pois a observação médica ocorre no consultório e Investigação de comorbidades: Segundo Her-
durante a consulta, e os sintomas podem não se manifestar nández (2007), comorbidades que contribuem para o baixo
nesse momento (Rohde & Halpern, 2004). desempenho escolar ocorrem em aproximadamente metade
Entrevista e preenchimento de formulários: A satis- dos pacientes diagnosticados e devem ser investigadas.
fação dos critérios C (prejuízo em pelo menos dois contextos) Ciasca e cols. (2007), afirmam que o transtorno de leitura
e D (interferência no funcionamento social, acadêmico ou constitui comorbidade em 15 a 30%, mas esse índice aumen-
ocupacional) do DSM-IV exige entrevistas a pessoas envol- ta para 40 a 60% dos indivíduos que apresentaram atrasos
vidas com a criança em outros contextos. Há questionários no desenvolvimento da linguagem oral. O fato de a principal
sistematizados (escalas) que oferecem uma visão mais objeti- motivação para a busca do diagnóstico ser a dificuldade es-
va dos sintomas. As escalas mais utilizadas para professores colar (Araújo, 2002; Hernández, 2007) revela a necessidade
são a Child Behavior Checklist (CBCL), a Escala Conners, a de uma investigação detalhada das causas da dificuldade
SNAP-IV e a Escala de TDAH. Junto aos pais, são utilizadas escolar, incluindo a possibilidade de TDAH, sem deixar de
versões do CBCL e Conners (Graeff & Vaz, 2008). investigar outras possíveis comorbidades ou situações
Avaliação das funções sensoriais: Déficits senso- alheias à fisiologia do indivíduo para esse quadro, tais como
riais acarretam problemas atencionais e de aprendizagem falta de pré-requisitos para a aprendizagem de determinados
(Rohde & Halpern, 2004; Couto e cols., 2010) e um signifi- conteúdos, egressão de instituições educacionais de nível
TDAH – Subtipo Predominantemente Desatento * Lilian Martins Larroca & Neide Micelli Domingos 117
inferior, fatores ambientais e psicossociais, falta de orienta- Os dados obtidos denotam que os médicos compre-
ção e incentivo familiar, falta de hábito de leitura e estudo endem a necessidade de uma investigação criteriosa e por
e estimulação insuficiente/inadequada na primeira infância. isso solicitam exames complementares e a participação de
Essa avaliação requer a participação de diferentes profissio- outros profissionais para sua determinação. Apenas a avalia-
nais - médicos, psicólogos, psicopedagogos, fonoaudiólogos ção psiquiátrica não foi mencionada pelos participantes. Os
e neuropsicólogos. Ou seja, uma avaliação multidisciplinar médicos 1 e 2 não declararam encaminhar para avaliação
(Couto e cols., 2010; Souza & Ingberman, 2000). GO ORIGI- psicológica, psicopedagógica ou fonoaudiológica, porém
NALAvaliação psicológica: Problemas de ordem emocional declararam que consideram o diagnóstico multiprofissional
/ psicológica podem afetar a capacidade atentiva. Legnani e necessário. Os três médicos enviam o formulário padroniza-
Almeida (2008) e Souza e Ingberman (2000) alertam para o do SNAP para professores – um questionário simples, que
fato de que o diagnóstico da criança pode refletir um padrão apresenta uma lista de comportamentos a serem avaliados
disfuncional de relações familiares e que essas condições de acordo com a intensidade e frequência (nem um pouco,
devem ser analisadas, pois “podem estar envolvidas direta- pouco, bastante, demais).
mente com a criação e/ou com a manutenção do problema
sobre o qual se levanta a queixa” (p. 25).
Resultados
Procedimentos para o diagnóstico apontado por A amostra foi composta por seis crianças do sexo
médicos feminino e quatro do sexo masculino, todas diagnosticadas
durante o Ensino Fundamental. A idade média foi de 11 anos
Além dos procedimentos expostos na literatura, três e 2 meses, tendo a mais velha 15 anos e a mais nova 8
neuropediatras descreveram seus procedimentos adotados anos. A média de tempo de diagnóstico foi de 2 anos e 3
atualmente, conforme descrição no quadro 2: meses, sendo o diagnóstico mais antigo de 6 anos e o mais
recente de 40 dias. O quadro 3 descreve características das
crianças pesquisadas (idade, sexo, tempo de diagnóstico,
Identificação numérica do 1 2 3
escolaridade e ocupação dos pais) e as razões que levaram
neuropediatra
ao diagnóstico.
Tempo de atuação / 25 anos 35 anos -- Percebe-se que, na amostra, apenas a metade dos
experiência alunos diagnosticados foram encaminhados ao serviço mé-
Procedimentos adotados / solicitados: dico pela escola ou professores. A dificuldade escolar acen-
tuada foi a motivação em apenas um caso e, em 40% da
Exame clínico / anamnese X X X amostra, baseada em percepções pessoais, que podem ser
Entrevista com professores X X X variáveis, pois utilizam como padrão expectativas familiares
nem sempre compatíveis com a realidade ou com a diversi-
Questionário fornecido a SNAP SNAP *** dade natural do comportamento humano. Três crianças da
professores amostra (1, 3 e 8) não apresentavam, segundo os professo-
Exames complementares X X ** res entrevistados, sinais que apontassem para desatenção,
mas foram diagnosticadas, mesmo sem a satisfação dos
Avaliação sensorial X X ** critérios C e D do DSM-IV. Em dois desses casos, houve
Avaliação psiquiátrica - - - uso de metilfenidato, as queixas apresentadas pela família
não foram resolvidas e a utilização foi suspensa pelos pais,
Avaliação neuropsicológica X* X* - sem consulta ao médico.
Avaliação psicológica - - X Quanto aos alunos encaminhados ao serviço médico
pelos professores, as razões baseavam-se na preocupação
Avaliação psicopedagógica - - X com alguns comportamentos típicos de desatenção, descri-
Avaliação fonoaudiológica X tos no quadro 4.
Segundo a pesquisa, os professores encaminharam
* Especificou o TAVIS. os alunos aos profissionais de saúde pela observação de
** Afirmou encaminhar, mas não informou os exames, comportamentos que apontavam para a possibilidade de
pois considera a escolha dependente de comorbidades. desatenção provocada por TDAH. Não houve menção de
*** Não informou no formulário, porém anexou uma cópia razões puramente acadêmicas para o encaminhamento.
do SNAP. Sete dos diagnósticos foram feitos após consulta ao
-- Não informou. neurologista e os outros três diagnósticos foram feitos pelo
pediatra, neuropediatra e uma equipe multidisciplinar. O
Quadro 2. Exames e avaliações complementares solicitados quadro 5 mostra os procedimentos diagnósticos e encami-
por neuropediatras entrevistados para o diagnóstico de TDAH / nhamentos feitos pelos médicos.
desatento.
118 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 113-123.
Criança 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Idade 12 a 15 a 15 a 12a 9a 9a 9a 8a 12a 12a
Sexo F M F F M F F F M M
Tempo diagnóstico 6a 5a6m 4a6m 3a 3a 8m 8m 6m 4m 40d
Escolaridade dos pais S S S M M M M M M M
Motivo que levou ao D E I D E E E D E I
diagnóstico:
a = anos m = meses d = dias
S = Ensino Superior completo M = Ensino Médio completo
E = Solicitação de investigação pela escola
D = Dispersão percebida pela família
I = Insucesso escolar, segundo a família
Crianças pesquisadas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
TDAH – Subtipo Predominantemente Desatento * Lilian Martins Larroca & Neide Micelli Domingos 119
Quadro 5. Procedimentos diagnósticos e encaminhamentos
Crianças pesquisadas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Idade 12 15 15 12 9 9 9 8 12 12
Sexo F M F F M F F F M M
Tempo de diagnóstico 6a 5a 4a 3a 3a 8m 8m 6m 4m 40d
Diagnóstico na primeira consulta N S S N N N N N N N
Diagnóstico após exames S N N S S S S S S S
Exames / avaliações complementares solicitados:
Eletroencefalograma S N N S * N N N S S
Avaliação neuropsicológica N N N N * S S N S N
TAVIS N N N N * S S S N N
Professor recebeu questionário N N N S S S S N S S
Encaminhamentos efetuados pelo médico:
Psicólogo S N N N S S S S N S
Fonoaudiólogo N N N N S N N N S N
Psicopedagogo N N N N S N N N N N
Oftalmologista N N N N S N N N S N
Otorrinolaringologista N N N N N N N N N N
a = anos m = meses (*) Não soube especificar
Crianças pesquisadas 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10
Atraso no desenvolvimento da fala x
Hábitos de sono inadequados x x x x
Princípio de aborto espontâneo x x x
Prematuridade x x x x x x x
Baixo peso x x
Em apenas um dos casos a mãe relatou que a crian- do quadro de desatenção no ambiente escolar. Intercorrên-
ça apresentou atraso no desenvolvimento da fala (início cias pré-natais ou perinatais (princípio de aborto, baixo peso,
após os dois anos). Os outros entrevistados tiveram desen- prematuridade etc.), passíveis de investigações adicionais,
volvimento normal da linguagem, psicomotor e social. Uma foram observadas em 9 crianças. Nas gestações de três das
rotina de horário e hábitos de sono saudáveis é mantida por crianças da amostra, houve princípio de aborto espontâneo,
6 crianças, e as outras não possuem horário para dormir, e uma parcela considerável – sete entre dez crianças – nas-
fator que pode contribuir para o surgimento ou agravamento ceu prematura, conforme o Quadro 6.
120 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 113-123.
Discussão Conclusão
Os dados revelam que os procedimentos médicos O estudo indica que as diretrizes apontadas atual-
dos diagnósticos mais antigos restringiam-se ao exame clí- mente pela literatura científica e a prática atual dos profis-
nico e, no máximo, realização de eletroencefalograma, exa- sionais pesquisados avançaram quanto aos procedimentos
me atualmente não mencionado na literatura nem indicado diagnósticos do TDAH – subtipo desatento. Quanto aos pro-
pelos médicos entrevistados. Não houve encaminhamento a cedimentos adotados para o diagnóstico da amostra, houve
outros profissionais mencionados na literatura (tópicos ante- grande variação, principalmente quando consideradas as
riores) para investigação de outras causas para a desaten- diferenças entre os alunos diagnosticados recentemente e
ção ou a existência de comorbidades (Legnani & Almeida, aqueles cujo diagnóstico é mais antigo. Percebe-se, pela
2008; Graeff & Vaz, 2008; Rohde & Halpern, 2004; Souza & ampla variância, a necessidade de um protocolo oficial cri-
Ingberman, 2000). terioso e multiprofissional que evite equívocos diagnósticos,
Os procedimentos adotados atualmente pelos interprete sintomas que podem ser considerados variantes
neuropediatras entrevistados são semelhantes entre si e, da normalidade ou oriundos de outros transtornos que não
embora pautados pelos critérios do DSM-IV, expandem a o TDAH e investigue a ocorrência de outras comorbidades e
investigação e incluem fatores físicos, sensoriais, funcio- fatores de limitação funcional para norteamento dos procedi-
namento cognitivo, entre outros. A ocorrência dos sintomas mentos terapêuticos mais adequados ao indivíduo.
e a averiguação da existência de causas ambientais que
os provoquem são verificadas através de exame clínico e
anamnese detalhada, contendo informações referentes à Referências
saúde geral, gestação e concepção, ocorrências neonatais,
desenvolvimento, hábitos de sono e aspectos pedagógicos Amaral, A. H., & Guerreiro, M. M. (2001). Transtorno do déficit de
e escolares. Com a intenção de determinar se os sintomas atenção e hiperatividade – proposta de avaliação neuropsicológica
são apresentados em mais de um contexto (Critério C – para diagnóstico. Revista Arquivos de Neuropsiquiatria, 59(4),
DSM IV), são enviados formulários para preenchimento por 884-888.
pais / cuidadores e professores das crianças, prevalecendo
a utilização do SNAP. As maiores diferenças referem-se a American Psychiatric Association. (1994). Manual Diagnóstico e
exames complementares solicitados e encaminhamento a Estatístico de Transtornos Mentais (4a ed.). Washington, DC:
outros profissionais. Observa-se que, embora considerem Autor.
o diagnóstico multidisciplinar importante, apenas um dos
médicos mencionou, espontaneamente, o encaminhamento Andrade, E. R., & Scheuer, C. (2004). Análise da eficácia do
a psicopedagogos e fonoaudiólogos. Adquiriu importância a metilfenidato usando a versão abreviada do questionário de
realização do TAVIS – Teste de Atenção Visual, citado por Conners em Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade.
dois médicos. A avaliação neuropsicológica, citada por ape- Revista Arquivos de Neuropsiquiatria, 62(1), 81-85.
nas um médico, seria relevante ao o diagnóstico do subtipo
desatento, considerando-se que pesquisas “apontam que os Antunha, E. L. G. (2007). Avaliação neuropsicológica na criança
sintomas de desatenção estão intimamente relacionados a dos sete aos onze anos Em N. A. Bossa & V. B. Oliveira (Orgs.),
déficits neuropsicológicos” (Coutinho e cols., 2007b, p. 216). Avaliação psicopedagógica da criança de sete a onze anos (pp.
Os avanços no diagnóstico apontados na literatura 111-128). Petrópolis, Vozes.
científica e na prática dos médicos não constam, porém,
no DSM-IV, que não estabelece um protocolo mais preciso Antunha, E. L. G. (2009). Avaliação neuropsicológica na infância (zero
e, ao mesmo tempo, abrangente. Os próprios critérios são a seis anos) Em V. B. Oliveira & N. A. Bossa (Orgs.), Avaliação
passíveis de interpretações subjetivas, variáveis pessoal psicopedagógica da criança de zero a seis anos (pp. 87-122).
e culturalmente. Os encaminhamentos a outros exames e Petrópolis, Vozes.
profissionais ocorre devido à iniciativa dos médicos, e não à
existência de uma diretriz. Devido à quantidade de crianças Araújo, A. P. Q. C. (2002). Avaliação e manejo da criança com
pesquisadas, seria interessante realizar um estudo mais dificuldade escolar e distúrbio de atenção. Jornal de Pediatria, 78
extenso, realizado com uma amostra mais significativa para (Supl. 1), 104-110.
confirmação dos dados.
Considerando-se as características do subtipo de- Biederman, J., & Faraone, S. V. (2006). The effects of Attention-
satento, o diagnóstico das crianças da amostra não apre- Deficit/Hyperactivity Disorder on Employment and Household
sentou, em nenhuma das crianças, todos os procedimentos Income. Medscape General Medicine, 8(3), 12.
apontados como necessários. Percebe-se também que o
número de procedimentos realizados, bem como sua am- Brown, R. T., Freeman, W. S., Perrin, J. M., Stein, M. T., Amler, R. W.,
plitude, aumentou ao longo do tempo, o que revela uma Feldman, H.M., Pierce, K., & Wolraich, M. L. (2001). Prevalence
crescente conscientização a respeito de todos os aspectos and Assessment of Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder in
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122 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 113-123.
Sobre as autoras
TDAH – Subtipo Predominantemente Desatento * Lilian Martins Larroca & Neide Micelli Domingos 123
Burnout, apoyo social y satisfacción
laboral en docentes
Resumen
Se analiza la relación entre las variables Burnout, Apoyo Social y Satisfacción Laboral en una muestra de 89 docentes pertenecientes
a establecimientos educacionales municipalizados de la ciudad de Rengo, Chile. Se administraron las escalas de Burnout, Apoyo Social y
de Satisfacción Laboral correspondientes a las variables estudiadas. Se observa que los docentes se encontraban altamente afectados por
sintomatologías y presencia de Burnout. Sin embargo, presentaron altos niveles de Apoyo Social y Satisfacción Laboral, factores que amortiguarían
las consecuencias nocivas del Síndrome de quemarse por el trabajo. Además, se encontraron relaciones significativas entre estas variables,
demostrando que el Burnout se relaciona de forma inversa tanto con la variable Apoyo Social (r=-0,526; p<0,01) como con Satisfacción Laboral
(r=-0,477; p<0,01). Finalmente, se reporta que el Apoyo Social y la Satisfacción Laboral relacionan de manera directa (r=0,684; p<0,01).
Palabras claves: Estrés ocupacional, satisfacción en el trabajo, profesores.
In this work we analyze the relationship existing among the variables of burnout, social support and job satisfaction in a sample of 89 teachers
in municipal schools in Rengo city Chile. We administered Burnout scales, Social Support and Job Satisfaction corresponding to the studied
variables. We observed that teachers were significantly affected by symptoms and the presence of burnout. However, they also presented high
levels of social support and satisfaction at work, factors that decrease the harmful effects of burnout syndrome due to work. In addition, we found
significant relationships between these variables, demonstrating that Burnout is related inversely with both the with variable and social support (r
= - 0.526, p <0.01) as well as with work satisfaction (r = - 0.477, p <0, 01). Finally we conclude that social support and job satisfaction are directly
related (r = 0.684, p <0.01).
Keywords: Occupational stress, job satisfaction, teachers.
Foi analisada a relação entre as variáveis de Burnout, Apoio social e Satisfação no trabalho em uma amostra de 89 professores de estabelecimentos
municipais de ensino da cidade de Rengo, Chile. Foram administradas escalas de Burnout, Apoio Social e Satisfação no Trabalho correspondentes
às variáveis estudadas. Foi observado que os professores estavam afetados significativamente por sintomatologia e presença de Burnout. No
entanto, apresentaram altos níveis de Apoio social e Satisfação no trabalho, fatores que diminuiriam os efeitos nocivos da Síndrome Burnout
devido ao trabalho. Além disso, foram encontradas relações significativas entre essas variáveis, demonstrando que o Burnout relaciona-se de
forma inversa tanto com a variável Apoio social (r =- 0,526, p <0,01) quanto com Satisfação no trabalho (r =- 0,477, p <0 , 01). Finalmente, relata-
se que o Apoio social e a Satisfação no trabalho estão diretamente relacionados (r = 0,684, p <0,01).
Palavras-chave: Stress ocupacional, satisfação no trabalho, professores.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 125-134. 125
Introduccion organización en la cual estaban insertos laboralmente. Del
mismo modo, identificaron que este síndrome era un pro-
En la actualidad, las personas se han visto expuestas ceso de estrés crónico por contacto que se componía de
a diversas demandas laborales que implican nuevos retos tres grandes dimensiones: Agotamiento Emocional, el cual
para los profesionales que cada día ejercen su trabajo, de- se refiere a la pérdida de atractivo, tedio y agobio causado
biendo adaptarse a las condiciones y a las exigencias que por las funciones y el trabajo; disminución del interés y sa-
les depara su medio para lograr cumplir los objetivos y hacer tisfacción laboral, además de sentimientos de fracaso, irrita-
frente de forma apropiada a situaciones adversas que se bilidad, abatimiento y ansiedad por haber intentado cambiar
les puedan presentar. De lo contrario, los profesionales se la situación sin un resultado satisfactorio (Ortega & López,
verían sobrepasados por los requerimientos de su entorno 2004); Despersonalización, la cual se define como el desar-
y muchas veces no tendrían los recursos suficientes, provo- rollo de actitudes negativas y conductas caracterizadas por
cándoles consecuencias a nivel físico y psicológico producto falta de interés, pérdida de empatía e insensibilidad hacia
del estrés laboral. los receptores del servicio y compañeros de trabajo (Cordes
Dentro de las profesiones más afectadas por estrés & Dougherty, 1993; Ortega & López, 2004); y la dimensión
laboral o también conocido como Síndrome de Burnout, se Realización Personal o Logro, se refiere a sentimientos de
encuentran las que tienen directa relación con el servicio y competencia y éxito en el trabajo, que conlleva a una evalua-
prestación de ayuda, destacándose principalmente, la do- ción positiva por parte del sujeto al sentirse contento consigo
cencia (Buzzetti, 2005). El ejercicio de enseñar, se sitúa en mismo y satisfecho con sus resultados laborales (Vinaccia &
consecuencia, como una de las profesiones de alto riesgo, Alvaran, 2004). No obstante, la pérdida de esta dimensión,
ya que los profesores deben estar preparados para enfren- provoca una percepción de que las posibilidades de logro
tar la desmotivación del alumnado, la presión de padres y/o en el trabajo han disminuido considerablemente, junto con
apoderados o bien, lidiar con la falta de recursos para solu- la sensación de fracaso y baja autoestima e insatisfacción
cionar los problemas y conflictos de grupos (Silva, Quintana, con sus resultados profesionales (Ortega & López, 2004;
Jiménez, & Rivera, 2005). Además en esta profesión, exis- Salanova & Llorens, 2008).
ten determinantes fundamentales que causan el síndrome Dentro de los factores protectores que amortiguan
del Burnout, como por ejemplo, conflicto de roles, políticas los efectos del síndrome del Burnout, se encuentra el Apoyo
inconsistentes y confusas respecto de la conducta de los es- Social, el cual, se define según Hause (1981) como una tran-
tudiantes, la sobrecarga de trabajo, el clima de la clase, es- sacción real entre dos o más personas, en la que se da una
casa participación en la toma de decisiones y el apoyo social implicación emocional, una ayuda instrumental, información
recibido por parte de compañeros y supervisores (Buzzetti, o valoración (Durá & Garcés, 1991) o bien, como el inter-
2005). Asimismo, no todas las funciones de los profesores cambio entre a los menos dos individuos, con el objetivo,
se realizan en la institución y en el horario de clases, ya que percibido por el proveedor de incrementar el bienestar del
en muchas ocasiones, los docentes extienden en su hogar la receptor (Shumaker & Brownell, 1984). Además, Hobfoll y
jornada laboral, terminando o planificando actividades para Stokes (1988) ofrecen una interpretación amplia e integra-
sus estudiantes (Marrau, 2004). dora del concepto, definiéndolo como aquellas interacciones
Esta situación de riesgo, se evidencia en una inves- o relaciones sociales, que ofrecen a los individuos asistencia
tigación desarrollada por Casen (2000), en donde los profe- real o un sentimiento de conexión a una persona o grupo
sionales de la educación chilena percibieron en un 65.5% un que se percibe como querida o amada. Del mismo modo,
deterioro en su salud mental (INE, 2006). Además, Buzzetti Derenowski (1991), considera el Apoyo Social como el con-
(2005), halló que gran cantidad de profesores chilenos se junto de recursos materiales y emocionales que es provisto
encuentran afectados por el síndrome del Burnout, con una de forma espontánea por los individuos.
prevalencia entre un 20% y 60%. Del mismo modo un estu- Una visión actualizada del concepto es la propuesta
dio realizado a docentes de la ciudad de Chillán, arrojó que por Pérez y Martín (2004), quienes describen el término como
el 15.7% de éstos, presentó un nivel intermedio de Burnout una variable moduladora del estrés, entendiéndolo como la
y un 12.7% un alto nivel del mismo síndrome (Silva & cols., información que permite a las personas, creer que son esti-
2005). Otro estudio realizado en Limache indica la presencia madas y que existe preocupación y provisión de asistencia
de 24% de Burnout en el profesorado, un 56% proclive al hacia ellas, situación que contribuye a un mantenimiento de
Burnout y un 20% sano (Molina & Real, 1999). Del mismo la integridad tanto a nivel físico como a nivel psicológico.
modo Goulart y Novaes (2008) en un estudio realizado a 175 Esta variable, tal como se señaló anteriormente, actu-
profesores de escuelas públicas brasileñas reveló que el aría como un factor protector del Burnout, puesto que según
56,6% de éstos, presentaba sintomatología de desgaste fí- Pérez y Martín (2004) el Apoyo Social posee la capacidad
sico constante, cansancio excesivo e irritabilidad entre otros. de mitigar o amortiguar el impacto del estrés laboral sobre
A raíz de esta situación, y considerando la gravedad la salud, por tanto el Apoyo Social no tiene un efecto directo
de esta problemática, es que se ha decidido estudiar como ni sobre el estrés ni sobre la salud, sino que modifica, altera
variable principal. Maslach y Jackson (1986) revelaron que la relación entre ellos. En este sentido, el Apoyo Social se
el estrés asociado a este tipo de activación, podía tener con- manifiesta como un elemento fundamental para ayudar a las
secuencias dañinas y debilitantes para los individuos y la personas a sobrellevar situaciones estresantes y vivir de for-
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ma más saludable. Concordando con lo expuesto, Aranda, cias laborales de la persona, las que en el sector educativo,
Aldrete y Pando (2008) mencionan que el número de contac- puede entenderse como el resultado de diversos factores
tos que forman la red del sujeto influyen positivamente sobre que involucran la evaluación que el profesor hace de su am-
su salud, más aún si estos contactos ven y hablan con su biente laboral (Howard & Frink, 1996; Robbins, 2003). La
red acerca del bienestar de ésta, puesto que la calidad del Satisfacción Laboral incluye también la evaluación que una
apoyo y el grado de satisfacción percibida es lo que ayuda persona espera o desea obtener del trabajo en comparación
al individuo a disminuir o amortiguar los efectos del Burnout con lo que otros reciben y lo que él efectivamente recoge
en la salud. (Linares & Gutiérrez, 2010). Además se relaciona con el
Igualmente, Novella (2002) menciona que el mantener apoyo social, puesto que Howard y Frink (1996) señalan
un adecuado nivel de Apoyo Social tanto al interior del lugar que este constructo multifacético incluye los sentimientos
del trabajo como a nivel externo, prevendría la aparición del del empleado hacia aspectos de su trabajo, tales como las
Burnout, puesto que el desgaste que pueden experimentar relaciones con el jefe, la satisfacción con el trabajo mismo
muchos maestros, se debe más a los factores del contexto y las relaciones con los compañeros. De esta manera, el
social que a los del aula, por mucho que las condiciones Apoyo Social se convierte en un elemento fundamental en la
de ésta y del alumnado sean problemáticas. Lo anterior se Satisfacción Laboral que percibe el empleado en su puesto
constata en una intervención realizada para sobrellevar el de trabajo (Bradley & Cartwright, 2002).
burnout mediante la técnica de grupos operativos, donde la Lo anterior, se confirma a través de las diversas in-
importancia de la sensibilidad profesional de trabajo docente vestigaciones que se han efectuado, como la realizada por
así como el apoyo social eran las principales estrategias para Um y Harrison (1998), que demuestran que el Apoyo Social
prevenir y enfrentar este síndrome (Böck & Castella, 2006). posee un efecto significativo en la mejora de la Satisfacción
No obstante, la ausencia de esta variable, sería un Laboral. Del mismo modo, se encontró que las personas
desencadenante del síndrome del Burnout, puesto que se- que recibían elogios y comentarios positivos de sus más
gún Gil-Monte y Peiró (2009), la falta de apoyo por parte cercanos, percibían una mayor satisfacción en el trabajo
de los compañeros de trabajo y de los supervisores, de la (Gibbs, 2001). Finalmente, un estudio efectuado por Burke,
dirección o administración de la organización son caracte- Greenglass y Shwarzer (1996) en una muestra de maestros,
rísticas que pueden influir en los problemas internos entre da cuenta de una relación positiva entre Apoyo Social y Sa-
la institución y el individuo, la desorganización en el ámbito tisfacción Laboral, ya que los docentes que recibían apoyo
laboral, la competencia desmedida entre los compañeros de sus colegas y en especial de los directores del estableci-
y la insuficiencia de herramientas. Además, Atance (2002) miento educacional, se sentían mayormente satisfechos con
señala que las relaciones interpersonales negativas que se su trabajo (Skaalvik & Skaalvik, 2007).
establecen entre los compañeros del establecimiento educa- En consecuencia, este estudio, analiza la relación de
cional, se perfilan como un factor de riesgo en la manifesta- estas tres variables de manera bivariada en una muestra de
ción del síndrome de Burnout. profesores chilenos, las cuales, se han visto escasamente
Ahora bien, es importante plantearse si la actividad respaldadas en forma conjunta ya que sólo se han encon-
docente es fuente de satisfacción o de desgaste para el pro- trado hallazgos empíricos de forma separada, o estudios
fesor. Al respecto, Domich y Faivovich, (1994) señalan que los descriptivos-comparativos que únicamente se dedican a
problemas en el trabajo que afectarían el nivel de Satisfacción establecer la presencia de éstas.
Laboral y de modo consecuente, generarían malestar, agota- En cuanto a la relevancia social que posee este estu-
miento y Burnout en los docentes serían: el trabajo excesivo dio , se puede señalar la necesidad de plantear la toma de
y agobiador; dificultades administrativas que impiden realizar medidas efectivas que mejoren y faciliten la calidad de vida
proyectos; falta de reconocimiento de la autoridad al esfuerzo laboral de estos profesionales, dado que un manejo inadecu-
realizado; insatisfacción de pertenecer a la escuela; pocas ado que el docente ejerza sobre sus niveles de estrés laboral,
oportunidades de realizar actividades valiosas y el bajo suel- influirá en sus metodologías de enseñanza, lo que podría de-
do recibido. Lo anterior se respalda con un estudio realizado a rivar en dificultades en el aprendizaje en el escolar, que puede
689 profesores, de los cuales cerca del 40% presentaba es- explicarse porque el profesor es considerado un modelo al
trés profesional y Burnout, diversos problemas de salud física que siguen las nuevas generaciones, en su vinculación con
y cerca de un 20 % se encontraba altamente insatisfecho en la sociedad y la creación del futuro (Ramírez & Zurita, 2010).
su lugar de trabajo (Gomes, Montenegro, Baptista da Costa, &
Batista da Costa, 2010). Asimismo una investigación realiza-
da tanto en escuelas privadas y públicas acerca del Burnout, Metodo
arroja que más del 50% de los docentes de ésta última, res-
ponde que “a veces” siente satisfacción laboral y solo un 5%
“siempre” (Pereira & Silva, 2009). Muestra
De este modo, la Satisfacción Laboral (SL) es una de
las variables ampliamente estudiada en relación al Burnout, La muestra estuvo conformada por 89 docentes de
definiéndose como un estado emocional positivo o placen- 5 colegios municipalizados de la ciudad de Rengo, donde
tero resultante de la percepción subjetiva de las experien- un 76,14% corresponden a mujeres y 23,86% a hombres,
Burnout, apoyo social y satisfacción laboral en docentes * Andrés E. Jiménez Figueroa, María José Jara Gutiérrez & Elizabeth R. Miranda Celis 127
siendo 25,84% solteros, 51,69% separados, 3,37% viudos, las percepciones que los que responden tienen respecto a
6,74% divorciados y un 1,12% otro. Sus edades fluctuaban diferentes aspectos de su trabajo (Cornejo, Moyano, Aven-
entre los 22 y los 60 años, estando en directa relación con daño, Acevedo, & Jiménez, 2010).
los años de servicio dedicados a la profesión docente (ubi-
cándose en un rango que oscila entre 1 a 41 años) y al esta-
blecimiento educacional al cual pertenecen (1 a 36 años de Procedimiento
servicio). En cuanto a las horas de trabajo semanal, éstas se
distribuyen entre las 3 y las 55 horas. Se contactó a los diferentes directores de 5 colegios
municipalizados de la ciudad de Rengo, a quienes se les
invitó a participar del estudio, exponiendo los objetivos de
Instrumentos la investigación y la atingencia del fenómeno. La aplicación
se efectuó durante las dos semanas posteriores al primer
Son tres los instrumentos administrados durante el contacto. Durante la primera semana, se aplicó en dos co-
estudio: 1) Maslach Burnout Inventory (Maslach & Jackson, legios y durante la siguiente, se administraron los cuestio-
1986). Está compuesto por 22 ítems en forma de afirma- narios en los tres colegios restantes, junto a una carta de
ciones referidas a actitudes, emociones y sentimientos per- consentimiento informado que acreditaba la participación
sonales del profesional en su trabajo y hacia las personas libre y voluntaria en el estudio. Los datos recabados fueron
que tiene que atender, en un rango de respuesta tipo Likert analizados mediante el programa estadístico SPSS 15.0 en
de 7 alternativas (Guerrero, 2003). Se utilizó la adaptación su versión en español para Windows, de donde se extrajo
al español del cuestionario en su versión para docentes en primer lugar, una prueba de normalidad para verificar la
(MBI-ES) efectuada por Gil-Monte y Peiró (1997), quienes distribución de éstos con el estadístico Shapiro-Wilk para
obtuvieron un índice Alfa de 0.80 para Agotamiento Emo- muestras mayores a 50, resultando que los datos no se
cional, 0.57 para Despersonalización y 0.72 para Realiza- distribuyen normalmente (p<0.05). Posteriormente se reali-
ción personal (Alvarado, 2009). 2) Escala Multidimensional zaron correlaciones bivariadas entre las variables de interés
de Percepción de Apoyo Social (Zimet, Dahlem, Zimet, & mediante el coeficiente Rho de Spearman, junto una compa-
Farley, 1988). Este instrumento se compone de un total de ración de grupos a través de la prueba U de Mann-Whitney.
12 ítems, correspondientes a 3 escalas referentes al apoyo
percibido por parte de la familia, amigos y otras personas
significativas, donde el modo de respuesta es a través de Resultados
una escala tipo Likert de 7 puntos. Presenta una confia-
bilidad de 0,86 y fue validada en Chile en una muestra de Se sintetiza en primer lugar la descripción de los
adultos mayores chilenos (Arechabala & Miranda, 2002). 3) niveles de Burnout, Apoyo Social y Satisfacción Laboral
Cuestionario de Satisfacción Laboral S20-23 (Meliá & Peiró, presentes en la muestra, y las posibles relaciones entre las
1989). Está constituido por 23 ítems que considera, la infor- variables estudiadas a modo de responder a las hipótesis
mación objetiva del trabajo y aquellos elementos subjetivos de interés.
asociados a diferentes aspectos del trabajo, obteniéndose Respecto a los niveles de Burnout, se obtuvo que de
de esta forma, una medida global de satisfacción laboral. Su un total de 89 docentes, 15,63% no percibe Burnout, 43,82%
forma de respuesta es a través de una escala tipo Likert de presenta síntomas del síndrome y un 40,45% se encuentra
7 puntos. Posee una confiabilidad original de 0.92 y se com- afectado por Burnout. En cuanto a los niveles de Apoyo So-
pone de dos partes, la primera de ellas es de tipo descriptiva cial percibido, 1,12% de la muestra presenta bajo nivel de
y considera información objetiva del trabajo, mientras que la esta variable, 35,96% exhibe un nivel medio de Apoyo So-
segunda, evalúa aquellos elementos subjetivos asociados a cial, mientras que un 62,92% restante percibe altos niveles
128 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 125-134.
Tabla 2. Correlaciones bivariadas entre Burnout y Satisfacción Laboral.
Burnout Aemocional Desper. Rpersonal Slaboral Ssupervisión Sambiente Sprestaciones Sintrínseca Sparticipación
Burnout Rho de Spearman 1
Aemocional Rho de Spearman ,716** 1
Desper. Rho de Spearman ,809** ,668** 1
Rpersonal Rho de Spearman -,845** -0,585 -,671** 1
Slaboral Rho de Spearman -,477** -,341** -,463** ,465** 1
Ssupervisión Rho de Spearman -,424** -,319** -,455** ,406** ,860** 1
Sambiente Rho de Spearman -,354** -0,197 -,267* ,310** ,818** ,650** 1
Sprestaciones Rho de Spearman -,384** -,322** -,358** ,347** ,813** ,744** ,687** 1
Sintrínseca Rho de Spearman -,516** -,388** -,531** ,485** ,857** ,786** ,676** ,678** 1
Sparticipación Rho de Spearman -,542** -,431** -,424** ,497** ,888** ,799** ,697** ,750** ,806** 1
* Significativo (p≤0,05)
** Altamente significativo (p≤0,01)
de Apoyo. Finalmente, en relación a la variable Satisfacción tisfacción con la Supervisión (r=-0,319; p≤0,01); Satisfacción
Laboral, sus niveles se aprecian en la Figura 3, donde se con las Prestaciones (r=-0,322; p≤0,01); Satisfacción Intrín-
observa que del total de docentes participantes del estu- seca (r=-0,388; p≤0,01) y Satisfacción con la Participación
dio, un 3,37% presenta muy bajos niveles de Satisfacción, (r=-0,431; p≤0,01). Sólo la dimensión Satisfacción con el
32,58% presenta bajos niveles, 8,99% exhibe moderados Ambiente Físico no se relaciona de manera significativa con
niveles, 40,45% presenta altos niveles de Satisfacción La- Agotamiento Emocional (r=-0,197; p>0,05).
boral, mientras que un 14,16% restante manifiesta muy altos Con la segunda dimensión de Burnout (Despersona-
niveles de esta variable. lización) ocurre algo similar, dado que presenta una correla-
Para identificar la relación entre las variables estudia- ción altamente significativa e inversa tanto con Satisfacción
das se utilizó el estadístico Rho de Spearman tanto a nivel Laboral (r=-0,463; p≤0,01) como con 4 de sus 5 dimensiones:
de servicio endeel escala
establecimiento
generaly en la profesión.
como a nivel de dimensiones. La Tabla Tabla 2: Estado civil. con la Supervisión (r=-0,455; p≤0,01); Satisfac-
Satisfacción
N1 presenta
Mínimola relación
Máximoentre Burnout
Media yDesv. típ.
Apoyo Social, donde ción con las Frecuencia Porcentaje
Prestaciones (r=-0,358; p≤0,01); Satisfacción
85se encontró 22 una correlación
60 44,07 y altamente
inversa 11,65 significativa
Válidos Intrínseca
Soltero (r=-0,531; p≤0,01)
23 y25,84
Satisfacción con la Participa-
88entre estas3variables (r=-0,526;
55 36,59
p≤0,01). Es6,21
decir, a mayores Casado
ción (r=0,424; p≤0,01), 46 mientras
51,69
que con la dimensión Sa-
81niveles de Burnout
1 menores
36 niveles
9,32 de Apoyo
7,39 Social. tisfacción
Separado con el Ambiente
10 11,24presenta una correlación
Físico
87 En el
1 caso de
41 la primera
18,56 dimensión
12,16 de Burnout, significativa
Viudo e inversa (r=-0,267;
3 p≤0,05).
3,37
denominada Agotamiento Emocional, ésta correlaciona de Respecto a la tercera dimensión de Burnout (Re-
77 Divorciado 6 6,74
manera inversa y altamente significativa tanto con la variable alización Personal), ésta correlaciona de forma directa y
Apoyo Social (r=-0,337; p≤0,01) como con cada una de sus
Otro 1 1,12
altamente significativa tanto con la Satisfacción Laboral
dimensiones: Familia (r=-0,366; p≤0,01); Amigos (r=-0,299; Total 89
General (r=0,465; p≤0,01) como 100 con sus dimensiones:
p≤0,01) y Otros Significativos (r=-0,323; p≤0,01). Ocurriendo Satisfacción con la Supervisión (r=0,406; p≤0,01); Satisfac-
lo mismo, para la segunda dimensión de Burnout denomina- ción con las Prestaciones (r=0,347; p≤0,01); Satisfacción
da Despersonalización (r=-0,432; p≤0,01). Intrínseca (r=0,485; p≤0,01); Satisfacción con la Participa-
Sólo la tercera dimensión de Burnout llamada Reali- ción (r=0,497; p≤0,01) y Satisfacción con el Ambiente Físico
zación Personal, correlaciona de forma directa y altamente (r=0,310; p≤0,01).
significativa tanto con la Variable Apoyo Social (r=0,480; La Tabla 3 exhibe la relación entre Apoyo Social y
p≤0,01) como con cada una de sus dimensiones: Familia Satisfacción Laboral, donde se encontró una correlación di-
(r=0,537; p≤0,01) Amigos (r=0,457; p≤0,01) y Otros Signifi- recta y altamente significativa entre estas variables (r=0,684;
cativos (r=0,507; p≤0,01). p≤0,01), resultando que a mayores niveles de Apoyo Social
En la Tabla 2, se aprecia la relación entre Burnout mayores niveles de Satisfacción Laboral tanto a nivel de
y Satisfacción Laboral, donde se encontró una correlación escala como a nivel de dimensiones, dado que cada uno de
inversa y altamente significativa entre estas variables (r=- los factores que componen la variable Apoyo Social (Familia,
0,477; p≤0,01), obteniéndose que a mayores niveles de Amigos y Otros Significativos) se relacionan de forma directa
Burnout menores niveles de Satisfacción Laboral. y altamente significativa con cada una de las dimensiones
En cuanto a la primera dimensión de Burnout (Ago- de Satisfacción Laboral (Satisfacción con la Supervisión,
tamiento Emocional), ésta correlaciona de manera inversa Satisfacción con las Prestaciones, Satisfacción Intrínseca,
y altamente significativa tanto con la variable Satisfacción Satisfacción con la Participación y Satisfacción con el Am-
Laboral (r=-0,341; p≤0,01) como con sus dimensiones: Sa- biente Físico) (p≤0,01).
Burnout, apoyo social y satisfacción laboral en docentes * Andrés E. Jiménez Figueroa, María José Jara Gutiérrez & Elizabeth R. Miranda Celis 129
Tabla 3. Correlaciones bivariadas entre Apoyo Social y Satisfacción Laboral.
A modo de profundizar la relación entre las variables, (mediana=2,67) y sin Burnout (mediana=5,33). Sólo en la
se realizó un análisis del Apoyo Social percibido y de la Sa- dimensión Satisfacción con el Ambiente Físico no se encon-
tisfacción Laboral en función de las categorías extremas del traron diferencias significativas entre el grupo con Burnout y
síndrome de Burnout (presencia y ausencia), a fin de com- sin Burnout (p>0,05).
parar los grupos mediante la prueba U de Mann-Whitney .
A partir de los resultados arrojados por el programa
estadístico, se encontraron diferencias significativas en la Discusion y conclusiones
variable Apoyo Social (U=123; Z=-3,23; p<0,01) entre el
grupo con Burnout (mediana=33,00) y sin Burnout (media- En este estudio se buscó describir los niveles del
na=80,50), siendo menores los niveles de Apoyo Social en el Síndrome de Burnout, Apoyo Social y Satisfacción Laboral
grupo con Burnout, lo que apoya la hipótesis de que a mayo- y las posibles relaciones existentes entre estas variables.
res niveles de Burnout menores niveles de Apoyo Social. Se encontró una elevada incidencia de sintomatologías del
Respecto a las dimensiones de Apoyo Social, se Síndrome de Quemarse por el Trabajo (43,82%), junto a un
encontraron diferencias significativas en la variable Apoyo elevado porcentaje de docentes que actualmente ya se en-
Familia (U=106; Z=-3,67; p<0,01) entre el grupo con Bur- cuentran afectados por Burnout (40,45%). Esta situación era
nout (mediana=11,50) y sin Burnout (mediana=27,00). Lo esperable, dada las características de la profesión, puesto
mismo ocurre con la variable Apoyo Amigos (U=106; Z=- que el ejercicio docente se ve enfrentado a diversos factores
3,67; p<0,01) entre el grupo con Burnout (mediana=9,00) y amenazas que influyen de forma directa en el desempeño
y sin Burnout (mediana=27,00) y la variable Apoyo Otros y en la figura del educador (Silva & cols., 2005).
(U=117; Z=-3,44; p<0,01) entre el grupo con Burnout (me- Lo anterior, se ve respaldado teóricamente por las
diana=13,00) y sin Burnout (mediana=27,50). investigaciones desarrolladas en Chile por Buzzetti (2005)
En la variable Satisfacción Laboral, se encontraron quien señala que, existe una prevalencia de Burnout entre
diferencias significativas (U=127; Z=-2,98; p<0,01) entre el un 20% a un 60%. A su vez, un estudio desarrollado en la
grupo con Burnout (mediana=2,63) y sin Burnout (media- ciudad de Viña del Mar por De la Rosa, Ramírez, Salas y Se-
na=5,54), siendo menores los niveles de Satisfacción Labo- púlveda (1998) da cuenta que un 63% de los educadores se
ral en el grupo con Burnout, lo que corrobora la hipótesis encontraban afectados por sintomatología del Síndrome de
de que a mayores niveles de Burnout menores niveles de Quemarse por el Trabajo, mientras que un 11% padecía de
Satisfacción Laboral. Burnout. Tomando en cuenta, el alto porcentaje de personas
En cuanto a las dimensiones de Satisfacción Labo- en proceso de padecer de Burnout y quienes ya lo pade-
ral, se encontraron diferencias significativas en la variable cen, es fundamental señalar los efectos nocivos que posee
Satisfacción con la Supervisión (U=132; Z=-2,96; p<0,01) este síndrome en los profesores, dado que algunos autores
entre el grupo con Burnout (mediana=2,66) y sin Burnout mencionan la aparición de sintomatología psicológica como
(mediana=5,75). Asimismo ocurre con la dimensión Satisfac- ansiedad y depresión o problemas físicos como úlceras, ma-
ción con las Prestaciones (U=130; Z=-2,75; p<0,01) entre el lestares gástricos y dolores de cabeza (Guerra, 2004).
grupo con Burnout (mediana=2,40; mín=1,00; máx=5,80) y Respecto a los niveles de Apoyo Social, se observa
sin Burnout (mediana=5,10); Satisfacción Intrínseca (U=106; que los docentes exhiben altos niveles. Esta situación, se ve
Z=-3,30; p<0,01) entre el grupo con Burnout (mediana=2,75) respaldada por los estudios Cuenca, Fabara, Kohen, Parra,
y sin Burnout (mediana=5,63) y Satisfacción con la Partici- Rodríguez y Tomasina (2005) quienes reportan un 89,2%
pación (U=85; Z=-3,71; p<0,01) entre el grupo con Burnout percibe Apoyo Social desde el nivel superior, es decir, ac-
130 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 125-134.
cede sin dificultad a su director y superiores inmediatos. A Los resultados a nivel de escala, concuerdan con
su vez, el 89,9% presenta Apoyo Social en relación a cole- lo expresado por Castro y cols. (1997) quienes mencionan
gas, donde expresan tener amigos cercanos o personas de que a mayor Apoyo Social disminuye considerablemente la
confianza en su lugar de trabajo que les ayudan a sentirse probabilidad de padecer el Síndrome de Burnout. A su vez,
estimados y apreciados. A partir de lo anterior, se destaca Gil-Monte y Peiró (2009) expresan que la carencia de Apoyo
la importancia de una elevada percepción de Apoyo Social, Social puede influir en la aparición y en la prevalencia de
lo cual, genera efectos positivos al incrementar el bienes- estrés laboral. Además, se ha comprobado que el apoyo
tar físico y psicológico en las personas, o bien, disminuir la brindado por miembros del establecimiento educacional
probabilidad de consecuencias negativas en tales dominios como compañeros de trabajo, directores y supervisores, es
(Castro, Campero, & Hernández, 1997). A su vez, Pérez y un factor que disminuye el riesgo de padecer el Síndrome
Martín (2004) sostienen que el Apoyo Social puede influir de estar Quemado por el Trabajo. Asimismo, Durá y Garcés
positivamente y de forma directa sobre la salud ya que con- (1991) explican que el Apoyo Social reducirá los efectos ne-
tribuye a satisfacer sus necesidades como las de seguridad, gativos que tiene el Burnout sobre la salud y el bienestar de
pertenencia, afecto y estima. las personas.
En cuanto a los niveles de Satisfacción Laboral halla- Respecto a la relación de Burnout y Satisfacción
dos en la muestra, se aprecia que del total de docentes, al- Laboral, se observa que existe una relación inversa y alta-
rededor de un 55% de éstos, exhibe niveles de Satisfacción mente significativa entre estas variables, observándose que
Laboral que oscilan entre alto y muy alto. Dichos resultados, a mayores niveles de Burnout menores niveles de Satisfac-
no pueden ser contrastados con la teoría, dado que no se ción Laboral. Lo mismo ocurre con los factores que confor-
encontraron investigaciones en muestras de docentes chi- man las distintas variables. De esta forma, la primera dimen-
lenos que den cuenta de los niveles de esta variable. No sión de Burnout (Agotamiento Emocional) correlaciona de
obstante, se puede concluir a partir de lo obtenido, que manera inversa y altamente significativa con la mayoría de
existe una diversidad en los niveles de Satisfacción Laboral las escalas que componen la variable Satisfacción Laboral.
reportados por los educadores, concentrándose en altos y Sólo la dimensión Satisfacción con el Ambiente Físico se
bajos niveles (40.45% y 32,58% respectivamente). encontró que no existe una correlación significativa. Esto
Por otra parte, respecto a la relación entre Burnout y podría explicarse, al conocer el contexto físico en que los
Apoyo Social, se observa que existe una relación inversa y docentes desarrollan sus labores, dado que se observó que
altamente significativa entre estas variables, donde a mayo- los establecimientos educacionales poseían las condiciones
res niveles de Burnout menores niveles de Apoyo Social. A materiales necesarias y adecuadas para cumplir con su ejer-
su vez, dos de los factores que componen la variable Burnout cicio docente.
(Agotamiento Emocional y Despersonalización) correlacio- Respecto a la segunda dimensión de Burnout (Des-
nan de forma negativa y altamente significativa con las distin- personalización), ésta correlaciona de forma inversa y alta-
tas dimensiones de la variable Apoyo Social (Familia, Amigos mente significativa con cada una de las dimensiones de Sa-
y Otros Significativos). No obstante, en cuanto a la tercera tisfacción Laboral. Encontrándose a su vez, una correlación
dimensión de Burnout denominada Realización Personal, directa y altamente significativa entre la tercera dimensión
ésta correlaciona de forma directa y altamente significativa de Burnout (Realización Personal) con cada una de las es-
con los distintos factores de Apoyo Social, situación que no calas de Satisfacción Laboral. Lo anterior, se ve respaldado
es esperable según la literatura, dado que aun cuando Vinac- teóricamente por las aportaciones de Domich y Faivovich
cia y Alvarán (2004) consideran a ésta la dimensión positiva (1994), quienes revelan la existencia de una importante
del Burnout, debiese existir una correlación directa pero débil relación entre las condiciones del trabajo y el escaso nivel
con la variable Apoyo Social. Esta situación, indicaría que de Satisfacción Laboral que presentan profesores con sinto-
a pesar de que los docentes en su mayoría perciben altos matología y presencia del Síndrome de Burnout. Asimismo,
niveles de Agotamiento Emocional y Despersonalización, se una investigación realizada por FONIDE (2009) demuestra
sienten realizados en su labor como educador. la existencia de una relación inversa entre Satisfacción La-
La inconsistencia hallada en esta última dimensión, boral y Burnout manifestado en una muestra de docentes de
puede ser explicada a través de lo planteado por De las Cue- enseñanza media.
vas y González de Rivera (1992) quienes señalan que en Asimismo se observa una relación directa y altamen-
una aplicación de un cuestionario autoadministrado la perso- te significativa entre Apoyo Social con Satisfacción Laboral,
na que responde puede estar motivada a contestar o a elegir donde a mayores niveles de Apoyo Social mayores niveles
respuestas que creen una impresión favorable de él, debido de Satisfacción Laboral, tanto a nivel de escala general como
a una preservación del autoconcepto y a una necesidad a nivel de dimensiones, puesto que cada uno de los factores
de no transgredir su integridad personal. Contextualizando que componen la variable Apoyo Social se relacionan con
este hecho, a lo ocurrido con la muestra de docentes, es cada una de las escalas de Satisfacción Laboral. Lo anterior,
posible señalar, que ellos tenderán a realizar una evalua- se ve corroborado a través de diversas investigaciones como
ción favorable de su profesión, aun cuando perciban altos la realizada por Um y Harrison (1998) quienes plantean que
niveles de estrés que puedan afectar considerablemente su el Apoyo Social tiene un efecto significativo en la mejora
rendimiento. de la Satisfacción Laboral. Del mismo modo, Gibbs (2001)
Burnout, apoyo social y satisfacción laboral en docentes * Andrés E. Jiménez Figueroa, María José Jara Gutiérrez & Elizabeth R. Miranda Celis 131
señala que las personas que reciben comentarios positivos comparativos que den cuenta de la realidad de colegios
y elogios de sus más cercanos, perciben una mayor satis- municipalizados versus colegios subvencionados, subven-
facción durante su jornada laboral. Asimismo, Greenglass y cionados-particulares y particulares. Asimismo, se sugiere
Shwarzer (1996) señalan que en una muestra de profesores comparar la situación que viven otras regiones consideran-
existe una relación positiva entre Apoyo Social y Satisfacci- do aspectos sociodemográficos tales como la pertenencia
ón Laboral, puesto que los docentes que recibían apoyo de a sectores rurales o urbanos. Además, se hace necesario
sus colegas y supervisores del establecimiento educacional, incluir otras variables que se han visto muy vinculadas a las
se sentían mayormente satisfechos en su lugar de trabajo ya mencionadas, como son el clima laboral, el que actuaría
(Skaalvik & Skaalvik, 2007). como un antecedente del Síndrome de Quemarse por el Tra-
Tomando en consideración lo expuesto con anteriori- bajo (Ortega & López, 2004).
dad, se concluye la consistencia que tiene el relacionar las
variables Burnout, Apoyo Social y Satisfacción Laboral en
su conjunto en una muestra de docentes chilenos, donde la Referencias
incorporación de esta última variable otorga un valor teórico
fundamental, al ser escasamente estudiada en relación a las Alvarado, K. (2009). Validez factorial de Maslach Burnout Inventory
dos primeras. A partir de ello, se observa que la presencia (versión castellana) en educadores costarricenses. Actualidades
de la Satisfacción Laboral en conjunto con la variable Apoyo Investigativas en Educación, 9(1), 1-22.
Social, actuarían como factores protectores que mitigarían
los efectos nocivos generados por los niveles de Burnout. Aranda, C., Aldrete, M., & Pando, M. (2008). Las redes sociales
No obstante, la ausencia de estas variables, actuarían como de apoyo como factor protector a la salud frente al síndrome de
factores de riesgo en el desarrollo de estrés laboral en do- Burnout en agentes de vialidad. Factores psicosociales, Estrés y
centes. salud, 11(5), 19-26.
Recopilando los resultados aquí expuestos, se des-
prende la gravedad de la situación, dada la alta presencia Arechabala, M., & Miranda, C. (2002). Validación de una escala de
de Burnout en funcionarios docentes del servicio público apoyo social percibido en un grupo de adultos mayores adscritos a
chileno, que afectaría tanto a nivel individual, como a nivel un programa de Hipertensión de la Región Metropolitana. Revista
organizacional y social. A nivel individual, los profesores su- Actualizaciones en Enfermería, 16(2), 26-34.
fren un deterioro en su calidad de vida y en su salud mental
(Quiceño & Vinaccio, 2007). Si este desgaste no es tratado Atance, J. (2002). Aspectos epidemiológicos del síndrome de burnout
a tiempo, se va acrecentando con los años y en el ejerci- en docentes. Revista Española de Salud Pública, 91, 305-313.
cio docente, hasta el punto de que los profesionales de la
educación soliciten reiteradas licencias médicas producto Böck, V & Castellá, J. (2006). O grupo operative intervenido na
de enfermedades profesionales ocasionadas por su labor Sindrome de burnout. Psicol. Escolar Educacional, 10(1), 31-39.
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estrés repercuten negativamente en los resultados de los Bradley, J., & Cartwright, S. (2002). Social support, Job stress,
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aumento de conflictos entre compañeros de trabajo y con
supervisores, junto a otras variables (Ortega & López, 2004). Burke, R. J., Greenglass, E. R., & Schwarzer, R. (1996). Predicting
Por otra parte, a nivel social, los efectos del síndrome teacher burnout over time: Effects of work stress, social support,
en los profesores ocasionarían un deterioro en la calidad de and self-doubt on burnout and its consequences. Anxiety, Stress,
enseñanza, lo que disminuirá el nivel de conocimiento en and Coping. 9(3), 261-275.
sus estudiantes y con ello, las probabilidades de optar a una
mejor calidad de vida (Ramírez & Zurita, 2010). Por estas Buzzetti, M. (2005). Validación del Maslach Burnout Inventory (MBI),
razones, se hace necesario tomar medidas en términos de en dirigentes del Colegio de Profesores A.G. de Chile. Escuela de
políticas públicas que intervengan en estos tres niveles, a Psicología, Universidad de Chile.
través de estrategias que fomenten el autocuidado y los
factores protectores presentes en los docentes como son el Capilla, P. (2000). El síndrome de burnout o de desgaste profesional.
Apoyo Social y la Satisfacción Laboral, junto a una adecua- Revista Fundación, 58(7), 13-34.
da gestión de Recursos Humanos.
En cuanto a las limitaciones de la presente investi- Casen. (2000). Encuesta de Caracterización Socio demográfica.
gación, se puede mencionar que únicamente se consideró Ministerio de Planificación. Santiago, Chile
a colegios básicos municipalizados, por lo que los datos
sólo se hacen replicables en este contexto. A partir de esta Castro, R., Campero, L., & Hernández, B. (1997). La investigación
situación, se sugiere para futuras investigaciones tomar en sobre apoyo social en salud: situación actual y nuevos desafíos.
cuenta la realidad vivenciada por establecimientos educa- Revista de Salud Pública, 31(4), 425-435.
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Sobre os autores
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Facultad de Psicología, U. de Talca. Avda Lircay s/n.
134 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 125-134.
Para uma crítica da medicalização na educação
Resumo
Este artigo analisa criticamente o processo crescente de medicalização da vida cotidiana e suas expressões contemporâneas no campo da
educação escolar à luz dos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural, buscando desvelar o processo de produção dos fenômenos do não
aprender e não se comportar na escola, bem como os fatores que determinam sua identificação por profissionais da saúde e da educação como
sintomas de doenças e transtornos. Dentre as muitas disfunções comumente associadas ao desempenho escolar de crianças na atualidade, são
destacados e analisados o TDAH e o TOD. As análises desenvolvidas ao longo do texto indicam que a compreensão da medicalização como um
desdobramento inevitável do processo de patologização dos problemas educacionais exige um trabalho intelectual crítico e o desenvolvimento de
novos posicionamentos de psicólogos, educadores e profissionais da saúde em relação à sociedade, à educação e ao desenvolvimento humano.
Palavras-chave: Medicalização, problemas de aprendizagem, Psicologia Histórico-Cultural.
In this article we analyze the growing process of medicalization in everyday life and its contemporary expressions in the field of school education
under the light of the assumptions of Historical-Cultural Psychology. We aim at unveiling the production process of the phenomena of non
learning and misbehavior at school as well as the factors that determine their identification by health professionals and education as symptoms of
diseases and disorders. Among the many disorders commonly associated with school performance of children today, are highlighted and analyzed
ADHD and ODD. The analyzes carried out throughout the text indicate that the understanding of medicalization as an inevitable unfolding of the
pathological process of educational problems requires a critical intellectual work and the development of new opinions of psychologists, educators
and health professionals in relation to society, education and human development.
Keywords: Medicalization, learning disabilities, Historic-Cultural Psychology.
Este artículo analiza críticamente el proceso creciente de medicalización de la vida cotidiana y sus expresiones contemporáneas en el campo
de la educación escolar a la luz de los supuestos de la Psicología Histórico-Cultural. Busca desvelar el proceso de producción de los fenómenos
de no aprender y no comportarse bien en la escuela, así como los factores que determinan su identificación como síntomas de enfermedades
y trastornos por profesionales de salud y de educación. Entre muchas disfunciones comúnmente asociadas al rendimiento escolar de niños en
la actualidad son destacados y analizados el TDAH y el TOD. Los análisis desarrollados a lo largo del texto indican que la comprensión de la
medicalización como un despliegue inevitable del proceso de patologización de los problemas educacionales exige un trabajo intelectual crítico y
el desenvolvimiento de nuevos posicionamientos de psicólogos, educadores y profesionales de la salud en relación a la sociedad, a la educación
y al desarrollo humano.
Palabras Clave: Medicalización, problemas de aprendizaje, Psicología Histórico-Cultural.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 135-142. 135
Introdução que diminuam a “depressão” dos indivíduos; a genética pode
determinar qual a origem cromossômica de cada suspiro,
grito ou gemido que venhamos a dar, mas o que nenhuma das
Para uma crítica da medicalização na educação duas pode fazer é criar um sujeito moralmente responsável
pelo que faz, diz ou sofre, se insistir em desconhecer ou não
Este artigo analisa criticamente o processo crescen- discutir as razões de nossos feitos, discursos ou sofrimentos
te de medicalização da vida cotidiana e suas expressões (Costa, 1994, p.13)
contemporâneas no campo da educação escolar à luz dos
pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural. Em conso- Nessa mesma direção, Moysés (2001) defende a
nância com Moysés (2001), entendemos por medicalização necessidade de rompermos com a esfera estreita da pers-
o processo por meio do qual são deslocados para o campo pectiva individualizante que sustenta as visões biologizan-
médico problemas que fazem parte do cotidiano dos indiví- tes, como condição para entrarmos no campo da reflexão
duos. Desse modo, fenômenos de origem social e política crítica sobre valores, fundamental para a compreensão do
são convertidos em questões biológicas, próprias de cada próprio significado de saúde e doença em suas múltiplas
indivíduo. determinações.
Para Welch, Schwartz e Woloshin (2008), a medica- Tomando como fundamento os pressupostos da Psi-
lização da vida cotidiana, capaz de transformar sensações cologia Histórico-Cultural, compreendemos que a dimensão
físicas ou psicológicas normais (tais como insônia e tristeza) biológica é a primeira condição para que um indivíduo se
em sintomas de doenças (como distúrbios do sono e de- coloque como um “candidato” à humanidade. Entretanto, a
pressão), vem provocando uma verdadeira “epidemia” de humanização só pode se concretizar quando, em contato
diagnósticos. Os progressos tecnológicos, os quais permi- com o mundo objetivo e humanizado, transformado pela
tem a produção de equipamentos e testes capazes de fazer atividade real de outras gerações e por meio da relação com
diagnósticos de indivíduos que ainda não apresentam sinto- outros homens, o homem aprende a ser homem (Leontiev,
mas de doenças, aliados a alterações contínuas dos valores 1978a).
de referência utilizados para se diagnosticar doenças1, têm É o processo de apropriação da experiência acu-
como consequência principal a transformação de grandes mulada pelo gênero humano no decurso da história social,
contingentes de pessoas em pacientes potenciais. possível apenas na relação com outros homens, que per-
Os autores advertem ainda que essa “epidemia” mite a aquisição das qualidades, capacidades e caracte-
de diagnósticos produz na mesma escala uma “epidemia” rísticas humanas e a criação contínua de novas aptidões e
de tratamentos, muitos dos quais altamente prejudiciais à funções. De modo diferente dos animais, o homem garante
saúde, especialmente nos casos em que não seriam de suas aquisições, não se adaptando ao mundo dos objetos
fato necessários. Tal situação é altamente vantajosa para a humanos, mas sim se apropriando deles. A apropriação
indústria farmacêutica, que vem cada vez mais ocupando lu- é “um processo por meio do qual se produz na criança o
gar central na economia capitalista. Os grandes laboratórios que nos animais se consegue mediante a hereditariedade:
vêm mostrando grande capacidade e eficiência na utilização a transmissão para o indivíduo das conquistas da espécie”
de concepções equivocadas sobre doença e doença mental, (Leontiev, 1978a, p.105).
amplamente enraizadas no senso comum, o que lhes permi- O social não apenas “interage” com o biológico, ele
te alimentar continuamente o “sonho” de resolução de todos é capaz de criar novos sistemas funcionais que engendram
os problemas por meio do controle psicofarmacológico dos novas formas superiores de atividade consciente. Como
comportamentos humanos. indica Vigotski (1995), é preciso compreender o desenvolvi-
Não se trata obviamente de criticar a medicação de mento humano como um processo vivo, de permanente con-
doenças, nem de negar as bases biológicas do comporta- tradição entre o natural e o histórico, o orgânico e o social.
mento humano. O que se defende é uma firme contraposi- É a partir dessa perspectiva que vamos analisar as
ção em relação às tentativas de se transformar problemas expressões contemporâneas da medicalização no campo da
de viver em sintomas de doenças ou de se explicar a sub- educação.
jetividade humana pela via estrita dos aspectos orgânicos.
Concordamos com Costa (1994) no sentido de que
as descobertas científicas no campo da genética e da psico- A medicalização na educação
farmacologia precisam ser compreendidas em suas neces-
sárias articulações com o contexto histórico concreto. Nas O discurso da conexão entre problemas neurológicos
palavras do autor: e o não aprender ou não se comportar de forma considerada
adequada pela escola apresenta-se de forma cada vez mais
A psicofarmacologia pode muito bem descobrir as drogas frequente no cotidiano das escolas e dos serviços públicos
e particulares de saúde para os quais se encaminham gran-
1 Welch, Schartz e Woloshin citam como exemplo os casos do
des contingentes de alunos com queixas escolares. Nessa
diabetes, hipertensão e colesterol, cujos valores de referência
caíram tanto que atualmente mais da metade da população perspectiva se considera que crianças apresentam dificulda-
americana poderia ser considerada doente. des escolares por causa de disfunções ou transtornos neu-
136 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 135-142.
rológicos (congênitas ou provocadas por lesões ou agentes Vejamos a definição de TDAH e algumas conside-
químicos), as quais interferem em campos considerados rações gerais sobre sintomas, apresentadas no Manual de
pré-requisitos para a aprendizagem, tais como: percepção Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais – IV
e processamento de informações; utilização de estratégias Edição (DSM-IV) da Associação Americana de Psiquiatria4:
cognitivas; habilidade motora; atenção; linguagem; raciocí-
nio matemático; habilidades sociais etc. A característica essencial do TDAH é um padrão persistente
Cecília Azevedo Lima Collares e Maria Aparecida de desatenção e/ou hiperatividade, mais frequente e severo
Affonso Moysés vêm apontando em seus estudos várias do que aquele tipicamente observado em indivíduos em
expressões desse processo de biologização. Pesquisas nível equivalente de desenvolvimento. [...] Os indivíduos
realizadas pelas autoras (Collares & Moysés, 1994, 1996) com esse transtorno podem não prestar muita atenção
evidenciam que tanto profissionais da saúde quanto da edu- a detalhes ou podem cometer erros por falta de cuidados
cação referem-se de modo unânime a problemas biológicos nos trabalhos escolares ou outras tarefas. O trabalho
como causas determinantes do não aprender na escola. frequentemente é confuso e realizado sem meticulosidade
Tais “explicações”, repetidas à exaustão e frequentemente nem consideração adequada. Os indivíduos com frequência
evocadas como verdades científicas consagradas, colocam têm dificuldade para manter a atenção em tarefas ou
predominantemente o foco em dois grandes temas: a desnu- atividades lúdicas e consideram difícil persistir em tarefas
trição e as disfunções neurológicas. até seu término. Eles frequentemente dão a impressão de
No que tange ao primeiro tema, Collares e Moysés estarem com a mente em outro local, ou de não escutarem o
dedicaram-se, em várias obras2, ao desvelamento dos mitos que recém foi dito. [...] Esses indivíduos com frequência têm
que estabelecem relações causais entre a desnutrição e as dificuldades para organizar tarefas e atividades. As tarefas
dificuldades de escolarização. As autoras afirmam que crian- que exigem um esforço mental constante são vivenciadas
ças que frequentam a rede pública de ensino, comumente como desagradáveis e acentuadamente aversivas. [...] Os
rotuladas como desnutridas, são na verdade portadoras de indivíduos com este transtorno são facilmente distraídos por
desnutrição leve, de 1º grau,3 que não trazem nenhum tipo estímulos irrelevantes e habitualmente interrompem tarefas
de alteração para o sistema nervoso central. Além disso, as em andamento para dar atenção a ruídos ou eventos triviais.
funções neurológicas que poderiam ser afetadas pela des- [...] A hiperatividade pode manifestar-se por inquietação ou
nutrição nem sequer estariam presentes por volta de sete remexer-se na cadeira, por não permanecer sentado quando
anos, não podendo, portanto, serem admitidas como expli- deveria, por correr ou subir excessivamente em coisas
cações plausíveis para o não aprender. quando isto é inapropriado, por dificuldade em brincar ou ficar
Tratemos agora do tema das disfunções neurológi- em silêncio em atividade de lazer, por frequentemente estar
cas, muito mais nebuloso e complexo que o anterior. Dentre “a todo vapor” ou “cheio de gás” ou por falar em excesso.
as muitas disfunções comumente associadas ao desempe- [...] Os indivíduos com este transtorno tipicamente fazem
nho escolar de crianças, destacaremos os mais referidos por comentários inoportunos, interrompem demais os outros,
profissionais da saúde e educação na atualidade: Transtorno metem-se em assuntos alheios, agarram objetos de outros,
de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e o Transtor- pegam coisas que não deveriam tocar e fazem palhaçadas.
no de Oposição e Desafio (TOD). A impulsividade pode levar a acidentes e ao envolvimento
Iniciamos com a análise da definição, dos critérios em atividades potencialmente perigosas, sem consideração
diagnósticos e do tratamento indicado para o TDAH. quanto às possíveis consequências.
7 A bula pode ser consultada no site www.bulas.med.br. 8 Esses dados estão disponíveis no site www.idum.org.br.
138 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 135-142.
quais deveria assumir um papel diretivo e efetivo. A lógica crianças e adolescentes com diagnóstico de TDAH e daque-
biologizante tem levado pessoas a se perguntarem “o que a les considerados indisciplinados. Vejamos a listagem dos
criança tem que não consegue prestar atenção?”. É preciso comportamentos indisciplinados mais apontados pelos pro-
formular outro tipo de pergunta: o que na escola produz a fessores em relação a seus alunos: conversam muito, são
falta de atenção e concentração? Essa mesma problema- agitados, não ficam sentados, falam palavrões, são agres-
tização deve ser feita em relação à hiperatividade. sivos/violentos (brigam, ofendem ou agridem fisicamente
A primeira questão a ser esclarecida é que não é colegas, professores e funcionários), respondem afronto-
possível falar de fato em aprendizagem se não houver um samente ao professor, não se concentram nas atividades,
aluno que participe ativamente do processo educativo. O exibem roupas ou comportamentos considerados indecen-
pensamento educacional crítico já evidenciou, de modo su- tes, fumam ou usam álcool e drogas na escola e destroem
ficiente, a impossibilidade de simplesmente se “depositar” ou danificam materiais próprios e dos colegas ou, ainda, o
o saber na “cabeça” dos alunos nos moldes da “educação patrimônio da escola.
bancária”, denunciada por Paulo Freire. Entretanto, a con- Qual seria efetivamente a diferença entre esses com-
traposição à pedagogia tradicional aqui defendida nada tem portamentos e os sintomas de TDAH anteriormente descri-
a ver com as ideias escolanovistas, constitutivas do ideário tos? Em uma visão tradicional, o sentido da disciplina é o da
construtivista que, para superestimarem a participação dos obediência e, dependendo das escolas e dos professores, um
alunos, acabam por negar a importância da transmissão do mesmo comportamento pode ou não ser considerado indis-
conhecimento feita pelo professor, valorizando apenas as ciplinado. Ou, ainda, pode ser visto como sintoma de TDAH.
aprendizagens que aqueles fazem sozinhos, de acordo com Novamente nos deparamos, por um lado, com o tema
seus interesses imediatos9. da normatização das condutas e, por outro, com a mesma
À luz da Psicologia Histórico-Cultural, compreende- atitude passiva de professores que esperam que, ao entrar
mos que a atividade é uma categoria central, já que todo na escola, os alunos rompam de maneira imediata com as
o desenvolvimento psicológico do homem é estruturado a formas de comportamento cotidianas, adaptem-se de modo
partir da atividade humana. Em consonância com o marxis- completo às regras e normas institucionais e apresentem-se
mo, os homens se formam no processo de trabalho no qual “naturalmente” disciplinados e silenciados.
produzem os meios necessários para a satisfação de suas É evidente que não se pode realizar nenhum traba-
necessidades biológicas e também daquelas mais comple- lho pedagógico sem disciplina. Entretanto, ela é importante
xas, geradas nas relações sociais. Por meio do trabalho se apenas quando construída cotidianamente com a finalidade
objetivam nos produtos que constroem, transferindo para de se colocar a serviço da função social da escola: socializar
os objetos (materiais ou não) sua atividade física e mental. conhecimentos e desenvolver pensamento crítico.
Nesse processo de objetivação, os homens criam e transfor- E se pudéssemos romper com esse olhar que pa-
mam continuamente a cultura humana. tologiza o sujeito indisciplinado que se encontra na origem
O conceito de atividade tal como foi desenvolvido, dos diagnósticos de TDAH e mudássemos o foco, buscando
especialmente por Leontiev (1978a, 1978b), traz inúmeras compreender como diferentes contextos e práticas produ-
repercussões para a reflexão crítica sobre as práticas edu- zem a indisciplina? Talvez então fosse possível trazer para o
cativas. Por ora, vamos nos deter apenas em uma ques- centro desse debate situações de miséria social que produ-
tão que nos interessa mais diretamente nesse momento: o zem sentimentos de desesperança; a disseminação de mo-
aluno deve manter-se ativo no processo educativo funda- delos violentos e “hiperativos” em todos os espaços sociais;
mentalmente porque essa é uma condição indispensável à o desinteresse pelos problemas coletivos e a exacerbação
apropriação dos conteúdos escolares. Como destaca Mello do individualismo; a degradação das escolas públicas; a
(2003), cabe ao professor dirigir intencionalmente o proces- inadequação das propostas pedagógicas; a desvalorização
so educativo, mas este só terá sentido se as crianças pu- dos professores; os relacionamentos sociais opressivos e
derem participar dentro dos limites e possibilidades de sua desumanizadores ...
condição de alunos. Mas, infelizmente, estamos caminhando cada vez
Esclarecida a importância e o sentido da atividade mais em direção ao recrudescimento da patologização.
dos alunos para o desenvolvimento de propostas educacio-
nais qualitativamente superiores, cabe indagarmos o que
seria a hiperatividade. Qual seria o limite existente entre O Transtorno Desafiante de Oposição (TOD)
um aluno que participa ativamente e um aluno considerado
hiperativo? De quais fenômenos estamos tratando? Doen- Segundo Grevet e cols. (2007), perto de 70% dos
ças ou desvios da norma? Transtornos ou não adaptação à pacientes com TDAH apresentam maior prevalência de
ordem estabelecida? comorbidades do que pessoas sem o transtorno. Dentre os
Concordamos com Eidt (2004) no sentido de que há transtornos associados, destaca-se o transtorno desafiante
muitas semelhanças nas descrições comportamentais de de oposição (TOD), que, segundo os autores, pode ser diag-
9 Para aprofundar essa questão, indicamos a leitura da obra
“Aprender a aprender: crítica às apropriações neoliberais e pós-
modernas da teoria vigotskiana”, de Newton Duarte (2000).
140 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 135-142.
essa eliminação é adiada, já que se mantêm na escola os Collares, C. L., & Moysés, M. A. A. (1982). Desnutrição e fracasso
excluídos potenciais. escolar: uma relação tão simples? Revista da ANDE (5), 56-62.
Para esses “marginalizados por dentro”, a escola
permanece como uma espécie de “terra prometida” ou uma Collares, C. L., & Moysés, M. A. A. (1992). A história não contada dos
miragem que se mantém sempre presente no horizonte, distúrbios de aprendizagem. Caderno Cedes (28), 31-48.
mas que recua à medida que tentam se aproximar dela.
Como explicar essa situação absolutamente evidente Collares, C. L., & Moysés, M. A. A. (1994). A transformação do espaço
nas estatísticas educacionais? Qual seria a explicação para pedagógico em espaço clínico (A Patologização da Educação).
o fato de que os alunos permanecem na escola, mas não Série Ideias (23), São Paulo, FDE, 25-31.
aprendem? A resposta que vem sendo dada de diferentes
formas é clara: nem todas as crianças reuniriam as condi- Collares, C. L., & Moysés, M. A. A.(1996). Preconceitos no cotidiano
ções necessárias para aprender os conteúdos escolares. A escolar - ensino e medicalização. São Paulo: Cortez Editora.
escola é para todos, mas nem todos podem aproveitar essa
oportunidade em decorrência de problemas individuais. Costa, J. F (1994). A utilidade do corpo inocente. Jornal Folha de São
Essa é a essência da patologização e o ponto de partida Paulo, São Paulo, 13 mar. Caderno Mais., p.13.
para a consolidação do processo de medicalização.
Em síntese, a escola não cumpre sua função social Duarte, N. (2000). Aprender a aprender: crítica às apropriações
de socialização do saber e produz problemas que serão tra- neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. Campinas,
tados como demandas para a saúde em diferentes espaços SP:Autores Associados.
sociais (escolas, serviços públicos de saúde, saúde mental
e assistência social, consultórios etc.). Eidt, N. (2004). Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade:
A humanidade produziu inúmeras possibilidades de diagnóstico ou rotulação? Dissertação de Mestrado, Pontifícia
desenvolvimento, entretanto a grande maioria dos indivídu- Universidade Católica de Campinas, Campinas-SP.
os encontra-se submetida a processos de empobrecimento
material e espiritual. É nessa situação que se encontram as Eidt, N. M., & Tuleski, S. C. (2007a). Discutindo a medicalização
crianças e jovens cujas capacidades de desenvolvimento brutal em uma sociedade hiperativa. Em M. E. M. Meira & M. G.
são aprisionadas nas redes da patologização que se tecem D. Facci (Orgs.), Psicologia Histórico-Cultural. Contribuições para
a muitas mãos no interior das escolas. o encontro entre subjetividade e a educação (pp. 221-248). São
O impedimento de acesso das crianças pobres aos Paulo: Casa do Psicólogo.
bens culturais é parte de um processo de ocultação da pro-
dução e reprodução das desigualdades sociais e, por isso, Eidt, N. M., & Tuleski, S. C. (2007b). Repensando os distúrbios de
exige um trabalho intelectual crítico, capaz de realizar ruptu- aprendizagem a partir da psicologia histórico-cultural. Psicologia
ras epistemológicas e desenvolver novos posicionamentos em Estudo 12(3), 531-540.
em relação à sociedade e à educação.
A Psicologia tem que se comprometer de fato com Grevet, E. H., Salgado, C. A. I, Zeni, G., & Belmonte-de-Abreu,
o rompimento com a patologização, tomando como objeto P.(2007). Transtorno de oposição e desafio e transtorno de
de ação e reflexão o encontro entre os alunos e a educação conduta: os desfechos no TDAH em adultos. Jornal Brasileiro de
e contribuindo para que a escola cumpra seu papel social Psiquiatria, 56, supl 1, 34-38.
(Meira, 2003, 2007). Essa é uma tarefa que envolve uma
atitude de permanente avaliação crítica da realidade e a Leontiev, A.(1978a). O desenvolvimento do psiquismo (3a ed.).
articulação de elaborações teóricas que se constituam em Lisboa: Livros Horizonte.
indicativos para a organização consciente e deliberada de
ações com vistas à garantia de condições que permitam o Leontiev, A. (1978b). Actividad, conciencia y personalidad. Buenos
máximo desenvolvimento possível dos indivíduos. Aires: Ciencias del Hombre.
Sobre a autora
142 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 135-142.
Psicologia da Educação: uma disciplina em crise no
pós-construtivismo
Resumo
Este ensaio discute a existência de uma crise epistemológica recente na Psicologia da Educação, defendendo a ideia de que o descrédito
atual quanto ao paradigma construtivista-cognitivista, de inspiração piagetiana, provocou, no meio educacional, uma reação negativa às
contribuições da Psicologia da Educação para a práxis pedagógica e para a formação docente. Em contrapartida, sugere-se a busca por novos
fundamentos epistemológicos, que devolvam a esta disciplina seu status científico, de uma perspectiva crítica, reflexiva e emancipadora. Para
tanto, a abordagem da Psicologia Histórico-Cultural é apresentada como uma referência básica para se (re)pensar e ensinar, hoje, Psicologia
da Educação.
Palavras-chave: Psicologia educacional, construtivismo, ensino da psicologia.
In this study we discuss the existence of an epistemological crisis in recent Educational Psychology and argue that discredit the current paradigm
regarding the cognitive-constructivist, inspired by Piaget, provoked a negative reaction to the contributions of Educational Psychology for teaching
praxis and for the teacher education. However, it is suggested the search for new epistemological basis, that return to this subject its scientific
status from a critical and emancipatory perspective. We present Historical-Cultural Psychology approach as a basic reference for us to (re) think
and teach Educational Psychology nowadays.
Keywords: Educational Psychology, Constructivism, psychology education.
Este ensayo discute la existencia de una crisis epistemológica reciente en la Psicología de la Educación. Se defiende la idea de que el descrédito
actual sobre el paradigma constructivista-cognitivista, de inspiración piagetiana, provocó, en el medio educacional, una reacción negativa a las
contribuciones de la Psicología de la Educación para la práxis pedagógica y para la formación docente. En cambio, se sugiere la búsqueda por
nuevos fundamentos epistemológicos que devuelvan a esta disciplina su status científico, de una perspectiva crítica, reflexiva y emancipadora.
Para tal efecto se presenta el abordaje de la Psicología Histórico-Cultural como una referencia básica para (re)pensarse y enseñar Psicología
de la Educación hoy.
Palabras Clave: Psicología de la Educación, Constructivismo, enseñanza de Psicología.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 143-151. 143
Introdução ca para a ciência pedagógica, conquanto não se imagine que
uma possa ser reduzida à outra. Sendo educadores, e não
Atualmente, temos percebido a existência objetiva de psicólogos, apropriando-nos das palavras de Libâneo (1999,
uma crise epistemológica no que se refere à Psicologia da p. 83), é conveniente ressaltarmos que “As ideias expostas
Educação e à sua relação com a Pedagogia. Não é preciso aqui não formam um pensamento acabado, pelo contrário,
ir muito longe para se constatar que essa disciplina aplicada devem ser consideradas como uma tentativa muito provisó-
tem ficado à deriva, exercendo, muitas vezes, uma função ria de estabelecimento das relações entre a Pedagogia e a
decorativa nos cursos de formação de educadores, quando Psicologia educacional”.
poderia ser um de seus eixos centrais. Nesses termos, a
Psicologia da Educação acaba sendo reduzida a uma sim-
ples exposição linear de escolas e abordagens psicológicas, As raízes da crise
de forma a-histórica, descontextualizada e sem a devida
análise dos pressupostos filosóficos e sociológicos de cada Logo de início, lançamos ao leitor a seguinte pergun-
uma delas, como se valessem em si mesmas. A aplicação de ta: De onde vem esta crise recente, pós-anos 90, nos domí-
princípios psicológicos à Educação torna-se uma abstração, nios da Psicologia da Educação e por que ela se intensifica
algo que, no final das contas, pouco interessa ao educador, a cada dia, ao pôr em campos opostos psicólogos e peda-
como instância formativa. Este deve preocupar-se mais com gogos? Respondendo a essa interrogação, não nos parece
a Didática e com as diversas Metodologias, que “ensinam equivocado dizer que a origem dessa crise remonta, em
a dar aulas”, “têm utilidade” e revelam uma dimensão mais larga medida, ao movimento psicopedagógico denominado
pragmática do processo educacional. No limite, os estu- Construtivismo, bastante hegemônico, no cenário educacio-
dos em Psicologia seriam importantes na medida em que nal brasileiro, entre os anos 80 e começo dos anos 90. Esse
permitissem aos educadores a identificação de eventuais movimento sugeria que a solução dos problemas pedagógi-
distúrbios de aprendizagem e algumas receitas para seu cos estava na Psicologia, embasada, sobretudo, pelas for-
“tratamento” em sala de aula. mulações epistemológicas do biólogo e pesquisador suíço
Como reação contrária a este posicionamento sim- Jean Piaget. Naquele contexto, a escola foi transformada
plista, tem-se observado, entre alguns educadores e pe- em um verdadeiro laboratório experimental, e o trabalho do
dagogos, certa aversão àquela disciplina, frequentemente educador consistia em organizar as melhores condições no
acusada de corromper a Educação com modismos psicologi- ambiente escolar para que a criança construísse seu próprio
zantes. Essa atitude preconceituosa em relação à Psicologia conhecimento, de acordo com a maturação e o desenvolvi-
Educacional1 tem, entretanto, nos incomodado bastante na mento de seus esquemas mentais. A disseminação dessa
qualidade de pesquisadores de linha vigotskiana, comprome- abordagem, sem maiores ponderações, acabou se tornan-
tidos com o sucesso da práxis pedagógica e com a qualidade do um fetiche na Educação, colocando em segundo plano
da formação docente em todos os seus aspectos, inclusive questões políticas e sociais que persistiam, e ainda persis-
na dimensão psicológica deste processo. Resolvemos, pois, tem, na pauta educacional.
escrever este ensaio. O trabalho resulta de estudos biblio- A Psicologia, com ares de neutralidade científica,
gráficos, realizados nos domínios da Psicologia Histórico- passou a servir muito bem aos interesses da classe domi-
-Cultural, em suas interseções com a Pedagogia Histórico- nante, a burguesia capitalista neoliberal, transformando a
-Crítica, bem como de nossas experiências profissionais em objetividade dos problemas estruturais da Educação brasi-
escolas de educação básica e no contexto universitário. O leira em questões particulares e pontuais de distúrbios de
intuito é exteriorizar reflexões e inquietudes a respeito dessa aprendizagem dos alunos e inadequação dos conteúdos à
problemática, haja vista ser relevante, na atual conjuntura, sua faixa etária. Assim, ocultavam-se a contento as razões
promover estudos críticos, que busquem entender as raízes objetivas do fracasso escolar, enquanto ainda se passava a
da presente crise na Psicologia da Educação. impressão de incríveis avanços no diagnóstico psicopeda-
A confluência das várias pesquisas poderá apontar gógico e na metodologia de ensino, vista como progressista.
novos rumos a essa disciplina, porquanto não se trata de De fato, naquela época, a intromissão da Psicologia no co-
negá-la ou considerá-la anacrônica. Antes, é preciso com- tidiano das escolas era tamanha que nem sequer sobrava
preender seu verdadeiro papel nas circunstâncias concretas tempo para o professor efetivamente ensinar: cabia-lhe clas-
em que vivemos, devolvendo-lhe seu lugar de direito no in- sificar hipóteses de escrita dos alunos, identificar estágios
terior da própria Pedagogia. Com certeza, trata-se de uma do desenvolvimento infantil, realizar atividades de classifica-
tarefa difícil e complexa; mas necessária para repensarmos ção e seriação na sala de aula, aplicar “testes psicológicos”
a permanência de alguns preconceitos, ainda no século XXI, para descobrir o raciocínio espontâneo da criança, seu nível
quanto à legitimidade das contribuições da ciência psicológi- de abstração e assim por diante.
Na universidade, a situação não era muito diferente.
1 Neste ensaio, usaremos os termos Psicologia da Educação, Os acadêmicos dos cursos de Pedagogia precisavam saber
Psicologia Educacional e Psicologia Pedagógica como sinônimos,
todos os períodos “universais” da cognição humana, segun-
embora existam alguns teóricos que critiquem o uso de uma ou
outra nomenclatura ou ainda defendam outras expressões que do delimitados por Piaget, com suas respectivas característi-
melhor denominariam esse ramo da Psicologia. cas e intervalos de idade, sem se esquecer de citar palavras
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como assimilação, acomodação, equilibração e adaptação. 8) também indicam o constante poder de renovação e se-
O psicologismo realmente havia se tornado uma presença dução do ideário construtivista perante os educadores, de
constante na formação de educadores, ofuscando a pró- modo que “[...] qualquer aparente perda de prestígio para
pria Didática e as demais disciplinas de bases estritamente outras teorias seria apenas a expressão de um movimento
pedagógicas, que viveram, por seu turno, uma crise identi- mais amplo de reorganização e reestruturação teórica do
tária. Na prática, o resultado do modismo construtivista foi respectivo ideário [...]”. Não discordamos, todavia, de que o
a exacerbação do pragmatismo científico-psicológico. Em enfraquecimento daquelas tentativas de aplicação direta da
nome de ideais alienantes, como o aprender a aprender epistemologia piagetiana na práxis educacional tenha altera-
(Duarte, 2001), chegou-se ao esvaziamento curricular nas do, sobremaneira, o universo psicopedagógico.
escolas, impedindo-se, assim, a efetiva socialização e a O insucesso prático delas decorrente, refletido, so-
democratização do saber objetivo, historicamente produzido bretudo, na queda da qualidade do ensino e no flagrante
e acumulado (Libâneo, 1999; Saviani, 2003). A transmissão despreparo dos alunos, segundo cita Santana acima (2008),
legítima dos conteúdos ficou ofuscada. O foco não estava fez com que os pressupostos psicológicos do trabalho peda-
na apropriação dos conhecimentos propriamente dita, mas gógico fossem questionados quanto à sua pertinência. Nas
sim nos processos de sua “construção” individual, na “[...] escolas e no meio acadêmico, o discurso piagetiano, ou ex-
atividade construtiva dos alunos na realização das aprendi- plicitamente construtivista-cognitivista, tornou-se insuficien-
zagens escolares” (Coll, Palacios, & Marchesi, 1996, citado te para explicar as relações entre ensino e aprendizagem.
por Duarte, 2001, p. 61); ou, para usarmos aqui um típico Os novos ajustes do modismo vieram exigir, exatamente,
jargão construtivista, o principal era a ação do sujeito cog- que não se fosse partidário apenas de Piaget, pelo menos
noscente sobre o objeto a ser conhecido. em tese. No trabalho educativo, passou-se a considerar que
Desse modo, segundo Santana (2008, p. 170), “[...] o este teórico teria deixado de lado a importância das inte-
que se verificou no trabalho com as crianças foi uma meto- rações sociais e privilegiado abordagens “espontaneístas”
dologia do ‘espontaneísmo’, do ‘vamos esperar que a crian- com os alunos, além de apresentar uma explicação muito
ça compreenda a seu modo, construa seu conhecimento à biológica para a aprendizagem e o desenvolvimento huma-
sua maneira e o coloque em prática’”. Por consequência, nos. Devia-se, pois, admitir certa insuficiência do modelo
conforme denuncia com muita veracidade a autora já cita- piagetiano, enquanto buscavam-se outros e dilatados refe-
da, “[...] vimos a educação escolar vivenciar momentos de renciais para superar o quadro dramático do ensino. Rosa
declarada queda de qualidade e se perder em sua prática. (1994, citado por Duarte, 1996, p. 88) ilustra bem a situação
Ficou um misto de tradicional com algo vago, sem conteúdo a que se chegara, reconhecendo ser
e consistência”. Em parte, a explicação estaria no fato de se
extrair diretamente da Epistemologia Genética uma metodo- [...] preciso admitir uma dificuldade que decorre da própria
logia pedagógica, para aplicação imediata em sala de aula formulação teórica construtivista, especialmente da versão
(Santana, 2008). Na esteira dessas considerações, a autora piagetiana à qual se tem dado maior ênfase. Ao colocar
supracitada apresenta, em seguida, uma afirmação funda- o sujeito como centro e, principalmente, ao vincular a
mental para entendermos o desenrolar da presente crise em aprendizagem à maturação biopsicológica, Piaget autoriza
torno da Psicologia da Educação. Para ela, a inferência de que o processo de aprendizagem ocorre
espontaneamente, isto é, independente da ação ou da
Após várias releituras e a verificação cada vez mais latente ‘provocação’ de um outro sujeito. [...] A esse respeito a teoria
de que nossos alunos estão cada vez menos preparados, de Vygotsky, indubitavelmente, se faz mais clara, ao atribuir
tanto para a vida acadêmica quanto para o exercício da especial importância ao meio social, ao adulto educador no
cidadania e inserção no mercado de trabalho, tal concepção processo de aprendizagem.
[a construtivista, resultante, sobretudo, das tentativas de
se fazer da teoria piagetiana um método], parece ter sido Nesse contexto, emerge o pós-construtivismo ou
superada (Santana, 2008, p. 170, grifo nosso). construtivismo pós-piagetiano, como um esforço para preen-
cher as lacunas supostamente identificadas na abordagem
Conquanto a autora não seja categórica em seu epistemológica clássica. Saviani (2010, p. 423) dá-nos um
posicionamento, pensamos que essa concepção ainda não exemplo de como os próprios construtivistas se redefiniram.
esteja totalmente superada. Ao contrário, se considerar- O autor cita que, perante o avanço das reformas educativas
mos o posicionamento de Duarte (2001) sobre a questão, dos anos 90, “Esther Pillar Grossi [uma das principais divul-
o Construtivismo acabou ganhando novo fôlego com as gadoras do Construtivismo no Brasil] também busca situar-
apropriações pós-modernas e pós-estruturalistas do pensa- -se no novo contexto conciliando Piaget com Paulo Freire e
mento vigotskiano, sob a forma de socioconstrutivismo ou introduzindo elementos de Wallon e Vigotski numa proposta
sociointeracionismo. Em publicação mais recente, Duarte que denomina ‘pós-construtivismo’”. Em outra passagem,
(2010) volta a afirmar que, dentre as pedagogias hegemô- o autor ao realizar um balanço do período compreendido
nicas na atualidade, sintetizadas sob o lema do aprender entre 1991-2001, deixa perceber que, ao longo do decênio
a aprender, a proposta construtivista, com diversas ramifi- em tela, teria ocorrido uma metamorfose do Construtivismo,
cações, permanece atuante. Análises de Rossler (2000, p. com significativo distanciamento às formulações originais do
Psicologia Educacional: uma crise? * Giovani Ferreira Bezerra & Doracina Aparecida de Castro Araujo 145
epistemólogo suíço. Nas palavras de Saviani (2010, p. 436), Não podemos negar, entretanto, a ocorrência de
“Nesse discurso neoconstrutivista, tão disseminado nos algumas tentativas no sentido de dar novos rumos à Psi-
dias de hoje, são pouco frequentes as menções de estádios cologia Educacional, especialmente com a divulgação da
psicogenéticos (sensório-motor, pré-operatório, operatório- teoria vigotskiana em nosso país. Esta vem ganhando boa
-concreto, operatório-formal”. Essa reformulação ideológica expressividade nas escolas e universidades brasileiras, des-
provocou, entre professores da educação básica e até em de os anos 90, conforme se pôde depreender das próprias
autores construtivistas, salvo pesquisadores ortodoxos da citações reproduzidas anteriormente. Contraditoriamente,
Epistemologia Genética, certo mal-estar em recorrer, isola- porém, a divulgação da Psicologia Histórico-Cultural, que
damente, ao referencial piagetiano, que precisava ser com- tem em Vigotski2 um de seus principais expoentes, acabou
pletado com as “contribuições” de outros teóricos. por tornar a mencionada crise ainda mais aguda e persisten-
Mediante o exposto, observou-se o fenômeno da te. A recepção desse autor no meio educacional foi marcada
“socialização” do Construtivismo, que consistiu em acres- pela incompreensão de sua obra, lida de forma superficial e
centar a este ideário maior ênfase nas trocas sociais e nos descontextualizada; pela supressão dos princípios marxistas
processos intersubjetivos (Duarte, 1996). No senso comum que nortearam toda a sua produção científica e pelo ecletis-
pedagógico, imaginava-se, então, superar as “limitações” do mo na interpretação de seus pressupostos teóricos (Duarte,
modelo interacionista mais dogmático, fundamentado, prin- 2001; Tuleski, 2008). Em decorrência disso, Vigotski facil-
cipalmente, na determinação biológica do conhecimento. mente foi e é incorporado ao relativismo epistemológico dos
Vale ressaltar, entretanto, que a tese segundo a qual Piaget paradigmas da pós-modernidade (Duarte, 2001), inclusive à
desconsiderara as interações sociais revelou-se, por meio variante “pós-construtivista” do ideário construtivista.
de análise científica mais acurada, produto de um equívoco Tal fato tem dificultado contribuições mais significati-
na interpretação de seus postulados. Os pós-construtivistas, vas desse autor para nossas expectativas contemporâneas,
os quais muitas vezes se autodenominam vigotskianos, co- tanto no que se refere à articulação de novos referenciais
meçaram a enfatizar a ausência do social na obra piagetia- psicológicos para a formação de educadores nos cursos
na, com o fito de justificar suas posições ecléticas. Mas, para de licenciatura, quanto ao fazer pedagógico stricto sensu.
Duarte (1996, p. 257), esse procedimento seria desneces- Quando vistos pelo ângulo do discurso neoconstrutivista,
sário, porquanto “[...] o construtivismo piagetiano já contém desprovidos da historicidade em que foram propostos, tam-
um modelo do social e esse modelo se respalda no modelo bém os conceitos vigotskianos representam apenas mais
biológico entre organismo e meio ambiente”. Todavia, para do mesmo, pelo que acabam resultando estéreis, do ponto
contornar as críticas endereçadas ao cognitivismo “puro”, de vista revolucionário. Além do mais, não podem, em si
muitos estudiosos, aderindo ao reformismo construtivista, mesmos, solucionar os problemas educacionais herdados
vêm recorrendo às proposições vigotskianas. Aparentemen- dos anos anteriores. Na verdade, tais conceitos encerram
te críticos, um potencial reflexivo para pensarmos, coletivamente, a
transformação das circunstâncias educacionais hodiernas, o
Esses autores procuram em Vigotski algo que não pode ser que, à luz da teoria vigotskiana, é inseparável do combate à
encontrado no autor russo, mas que está em Piaget. Esses sociedade capitalista, em suas diversas formas de mutilação
autores são piagetianos sem o admitir e compartilham com psicológica, exploração econômica e reificação da consci-
o pensador suíço o modelo sociointeracionista ou, o que é ência. Como nem sempre essas ponderações e limites têm
equivalente, o modelo interacionista do social (Duarte, 2001, sido levados em conta, a Psicologia da Educação, quando
pp. 257-258). tenta renovar-se, por meio da concepção histórico-social do
psiquismo, continua sem uma saída consistente para reafir-
Tal situação, que esteve em voga com mais evidên- mar sua identidade, nos cursos de Pedagogia.
cia a partir de meados dos anos 90, projetando-se para a Mas, então, onde está a saída para tal crise? Onde
primeira década do século XXI, foi, a nosso ver, a principal procurá-la? Tratar-se-ia de retornar às concepções de Pia-
responsável pelo esvaziamento da disciplina Psicologia da get, visto que, nos anos 80 e início dos anos 90, ao menos se
Educação nos cursos de Pedagogia. Se não mais se devia tinha um referencial mais sólido e explícito para a condução
ensinar Piaget como principal referência do trabalho psico- da Psicologia Educacional e se estudava, em pormenores,
pedagógico, o que se ensinaria? Sem a segurança do antigo o desenvolvimento cognitivo da criança, tomado como a su-
paradigma cognitivista, as universidades ficaram perdidas; cessão progressiva de estágios psicológicos? Por certo que
deixaram-se levar pela nova onda reformista, ora tratando as não. Se concordássemos com semelhante argumentação,
questões psicológicas do processo educacional com certo estaríamos defendendo a volta ao psicologismo reducionista
desprezo, ceticismo e antipatia; ora defendendo abordagens que marcou aquelas décadas e desnorteou ainda mais nos-
tão ecléticas que predominava a superficialidade conceitual sas escolas, a ponto de acentuar o rebaixamento do nível
e metodológica. Nessa onda, encontramo-nos mergulhados de ensino nelas praticado, conforme já dito. Para superar o
ainda hoje, em maior ou menor escala, confusos com o “[...]
2 O nome desse autor aparece grafado de diversas maneiras.
misto de tradicional com algo vago, sem conteúdo e consis-
No corpo do texto e nas referências bibliográficas, manteremos a
tência” (Santana, 2008, p. 170). Diante das circunstâncias, o grafia original, conforme a fonte citada. Nos demais casos, usa-se
pragmatismo parece a alternativa mais recorrente. Vigotski.
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impasse, trata-se, inicialmente, de reconhecermos a heran- [...] renunciar à psicologia na hora de elaborar um sistema
ça negativa que o Construtivismo piagetiano, mal aplicado, educativo significaria renunciar a toda possibilidade de
legou à Psicologia da Educação, resgatando-se a importân- explicar e fundamentar cientificamente o próprio processo
cia desta para constituição da ciência pedagógica, sob um educativo, a própria prática do trabalho pedagógico. [...].
referencial desmistificado. Entendemos que, se o desejo é Significaria prescindir dos alicerces na hora de construir a
a formação plena do educador para o conhecimento de si e educação e prescindir de um elo de conexão entre as múltiplas
dos futuros alunos como seres sócio-históricos, “O problema e variadas disciplinas metodológicas e pedagógicas. Falando
não reside portanto em trazer o social para o construtivis- claramente, renunciar à psicologia significa renunciar à
mo, mas em buscar outro modelo epistemológico, diferente pedagogia científica (Vigotski, 1982/2003, p. 150).
do modelo biológico que está na base do interacionismo-
-construtivista” (Duarte, 1996, p. 89). Vigotski não poderia ser mais claro nessa citação!
Nesse aspecto, acreditamos que as formulações te- O autor mostra de forma eloquente que não podemos
óricas de Vigotski, quando não deturpadas e preservadas simplesmente ignorar ou rejeitar, em absoluto, as contribui-
em sua intencionalidade original, revelam-se bastante opor- ções da Psicologia na Educação. Sem esta, a Pedagogia
tunas, vislumbrando possibilidades transformadoras para se perderia, para o autor, a cientificidade e cairia no senso
pensar, hoje, os processos pedagógicos que levam à consti- comum, tornando-se, no máximo, uma arte aplicada, sem
tuição psicológica do homem, mesmo no interior de relações um planejamento consciente, rigoroso e intencional quanto
capitalistas de produção. Em sua tentativa de construir uma aos meios e fins a serem mobilizados na práxis educacional.
Psicologia marxista, capaz de responder aos anseios da so- Por outro lado, também precisaríamos da Psicologia como
ciedade socialista que começava a se constituir na da Rús- uma mediadora constante entre as várias disciplinas meto-
sia pós-revolucionária dos anos 20 e 30 do século XX, esse dológicas e pedagógicas, garantindo-se a unidade, e não a
psicólogo deparou-se também com um momento profunda- fragmentação do trabalho educativo. O posicionamento de
mente crítico na Psicologia de seu país3. Naquele momento, Vigotski, cabe ressaltar, nada tem a ver com o psicologismo
a intelectualidade russa, reproduzindo uma tendência mun- do modelo interacionista-construtivista. Muito pelo contrá-
dial, estava basicamente dividida entre defensores de teo- rio! Para explicar melhor esta afirmativa, reproduzimos um
rias idealistas e defensores de teorias materialistas (Tuleski, trecho relativamente longo, mas esclarecedor, no qual esse
2008; Vigotski, 1982/2004a), o que lançava muitas dúvidas psicólogo explicita, com precisão, a defesa que fazia, na
sobre a legitimidade das conclusões psicológicas obtidas Rússia soviética, sobre a devida “reestruturação das ideias
em semelhante conjuntura. Para Vigotski, entretanto, isso psicológicas” (Vigotski, 1982/2003, p. 150), tão necessária
não era motivo para desacreditar in totum a Psicologia como para ele. De acordo com o autor supracitado:
uma ciência objetivamente válida. Em suas palavras, “A cri-
se é destruidora, mas benéfica: nela se oculta o auge da [...] a nova psicologia é um fundamento para a educação em
ciência, seu enriquecimento, sua força, e não a impotência e uma medida muito maior do que o era a psicologia tradicional
a falência” (Vigotski, 1982/2004a, p. 324). [...]. O novo sistema não precisará se esforçar para extrair
Em meio àquele caos científico que se instaurara en- de suas leis as derivações pedagógicas nem adaptar suas
tre os pensadores e pesquisadores russos de seu tempo, o teses à aplicação prática na escola, porque a solução para
autor conseguia enxergar uma oportunidade para encontrar o problema pedagógico está contida em seu próprio núcleo
novos fundamentos teórico-metodológicos para reconstituir teórico, e a educação é a primeira palavra que menciona.
as bases conceituais da Psicologia, de uma perspectiva Por conseguinte, a própria relação entre psicologia e
não reducionista, qualitativamente superior. Naquelas con- pedagogia mudará de modo considerável, sobretudo porque
dições, uma das tarefas mais urgentes que se colocava aumentará a importância que cada uma tem para a outra e
para Vigotski era justamente uma revisão crítica dos con- desenvolver-se-ão, portanto, os laços e o apoio mútuo entre
ceitos da Psicologia Educacional, que ele preferia chamar as duas ciências (Vigotski, 1982/2003, p. 151, grifo nosso).
de Psicologia Pedagógica (Vigotski, 1982/2003). Para ele,
tal revisão não significava de modo algum depurar a Pe- A perspectiva vigotskiana, conforme o excerto, toma
dagogia de qualquer influência psicológica, mas sim tinha como pressuposto básico a reciprocidade no relacionamento
como principal objetivo restabelecer a necessária unidade entre Psicologia e Pedagogia, sem que uma anule ou negue
dialética entre a investigação psicológica e a prática peda- a outra. Esta é a tese que também defendemos, no momen-
gógica cientificamente fundamentada (Vigotski, 1982/2003). to atual, como proposta para se fortalecer a formação inicial
Na perspectiva vigotskiana, do pedagogo, chegando-se, assim, à definição positiva dos
papéis doravante assumidos pela Psicologia da Educação.
3 Em quase todos os seus textos, Vigotski deixa transparecer,
explícita ou implicitamente, a existência de uma grave crise na Dentre esses papéis, espera-se que ela possibilite ao futuro
ciência psicológica em princípios do século XX, que atingia com educador “[...] uma base para falar do significado exato da
especial intensidade a frágil Psicologia russa e soviética. No texto tarefa educativa e das leis científicas que a regem, em vez
O significado histórico da crise da Psicologia: uma investigação
de falar sobre conjeturas e metáforas” (Vigotski, 1982/2003,
metodológica, escrito em 1927, disposto na coletânea Teoria e
Método em Psicologia, o autor aborda diretamente essa questão, p. 150). Para tanto, acreditamos que não basta apenas re-
fornecendo-nos uma perspectiva para se pensar o nosso presente. conhecer a legitimidade do saber psicológico em relação ao
Psicologia Educacional: uma crise? * Giovani Ferreira Bezerra & Doracina Aparecida de Castro Araujo 147
saber pedagógico e vice-versa, usando-nos tão somente Em si mesma, porém, a competência técnica não
de belas “metáforas e conjeturas”, que rapidamente caem basta. Antes, pode até conduzir a equívocos lamentáveis,
no vazio. Como adverte Vigotski (1982/2004a, p. 324, grifo produzindo a figura decepcionante do “[...] idiota especializa-
nosso), “Não é possível realizar um trabalho psicológico sem do, competente formalmente, tapado politicamente” (Demo,
estabelecer os princípios fundamentais dessa ciência. Antes 2006, p. 36, grifo do autor). Afinal, para que serve estudar-
de iniciar a construção, é preciso colocar os alicerces”. mos a teoria de Piaget, de Vigotski ou de qualquer outro
Na busca por tais alicerces, parece-nos de extrema eminente psicólogo, se não conseguirmos fazer uma leitura
relevância que a Academia, assumindo incontinenti essa crítica e histórica de suas concepções, se não conseguirmos
tarefa, se coloque diante de um problema essencial, de viés vislumbrar a ideologia que cada um defende, direta ou indi-
crítico, sem o que não acreditamos ser possível avançar, retamente, para, e só então, tomarmos um partido pessoal?
de modo significativo, na resolução da supracitada crise: Para que acumularmos inúmeros conceitos e jargões psico-
o problema da competência técnica e do compromisso lógicos, se nem sequer nos dermos conta da concepção de
político (Saviani, 2003) no ensino contemporâneo de homem, criança e sociedade que cada um adota em seus
Psicologia Educacional nas universidades brasileiras. pressupostos filosóficos? Sem a mediação dessa leitura
Com a discussão realista dessa tese, torna-se viável pensar crítica e totalizante, corremos o risco de continuar legitiman-
outras possibilidades e sentidos para a referida disciplina do e adotando concepções que fazem da Psicologia uma
acadêmica; ao mesmo tempo, acredita-se ser possível a ferramenta de naturalização do indivíduo; este tomado como
explicitação dos novos desafios que ela deve assumir para um ente interativo abstrato, a-histórico, dotado de esquemas
recuperar seu status científico nos cursos de Pedagogia, cognitivos universais, que estão buscando constantemente
exercendo um papel mediador na formação crítica dos futu- adaptar-se a uma realidade transitória (Duarte, 2001).
ros educadores. Logo, cabe-nos explicar qual o significado Diante disso, vem à tona a questão do compromisso
atribuído, neste ensaio, aos termos competência técnica e político daquele que ensina a disciplina Psicologia da Educa-
compromisso político, quando vinculados à Psicologia da ção, seja ele um pedagogo ou um psicólogo, haja vista que,
Educação. A priori, deve-se ter em mente que não tratamos no entender de Pedro Demo (2006, p. 107), “O profissional
de aspectos dicotômicos, mas de dimensões inseparáveis competente se realiza em dois horizontes mais marcantes:
do mesmo compromisso. como capaz de operar a instrumentação científica em termos
de aplicação prática [o que, no nosso caso, significa o domí-
nio objetivo do saber psicopedagógico em sua vinculação
A competência técnica e o compromisso político concreta com as demandas do fazer pedagógico] e como
em Psicologia da Educação capaz de ser ator eficaz na realidade histórica”. Explicando
melhor, o profissional responsável pelo ensino de Psicolo-
Para que a Psicologia da Educação seja reabilitada gia da Educação, além de apresentar competentemente os
como uma disciplina basilar da licenciatura em Pedagogia, fundamentos psicológicos do trabalho pedagógico, deverá
convertendo-se no “[...] elo de conexão entre as múltiplas proporcionar, ao pedagogo em formação, condições bási-
e variadas disciplinas metodológicas e pedagógicas”, cas para a emergência de uma reflexão honesta. Reflexão
conforme expressão de Vigotski (1982/2003, p. 150), é para se pensar sobre os determinantes sócio-históricos e
imprescindível que ofereça, ao acadêmico, um conjunto políticos que marcaram, e continuam marcando, a consti-
de saberes teórico-práticos e metodológicos consistentes; tuição de todas as abordagens psicológicas; reflexão para
saberes capazes de orientar e subsidiar sua práxis peda- se evidenciar a proximidade destas com a alienação ou
gógica de maneira objetiva e não reducionista, sem que a com a emancipação do homem, com a reprodução da so-
especificidade dessa práxis seja diluída em tergiversações ciedade de classes ou com a sua negação revolucionária.
psicologizantes e fetichizadas. É, pois, nesse conjunto de Nessa direção, pensamos serem oportunas as contribuições
saberes que situamos a competência técnica no universo da da Psicologia Histórico-Cultural, representada por Vigotski,
Psicologia da Educação. Dito de outro modo, não podemos autor supracitado, além de outros psicólogos, como Luria e
negar a necessidade premente que tem o futuro educador Leontiev, talvez menos conhecidos no Brasil.
de conhecer sistematicamente o desenvolvimento infantil, A defesa explícita que fazemos de tal abordagem
em suas diversas características ontogenéticas e manifesta- tem uma justificativa. Tendo nascido do desejo concreto de
ções cognitivas, afetivas e psicossociais, além de possíveis homens concretos pela superação da sociedade burgue-
estratégias de intervenção nesse desenvolvimento, tal como sa, em todos os seus antagonismos sociais, econômicos
este é abordado em diversas escolas psicológicas. Ao co- e psicológicos, ela encerra grandes possibilidades para se
nhecê-las, os futuros professores terão melhores condições conhecer, de maneira dialética e historicizante, as contradi-
para planejar e avaliar o conteúdo a ser ministrado em suas ções da Psicologia e da consciência humana; especialmente
aulas, bem como para direcionar, com mais propriedade, o no interior de uma sociedade capitalista como a atual, que,
processo de ensino e aprendizagem dos alunos, rechaçando descaradamente, tem cultivado um tipo de indivíduo aliena-
posições ecléticas e reacionárias, favoráveis à manutenção do, egocêntrico e passivo, incluindo-se aí, quase sempre de
do status quo dominante. modo involuntário ou inconsciente, o educador, estranhado
de sua própria individualidade. Há uma afirmação de Luria
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que traduz, em plenitude, o significado emancipatório que a Esta é parte importante do caminho a ser trilhado,
concepção Histórico-Cultural atribui à consciência humana. hoje, para a superação da crise instaurada na Psicologia
Nos dizeres desse autor, da Educação, conquanto se tenha como objetivo a forma-
ção de um novo homem, reconhecido pela sua integridade
Alinhando-se com o pensamento de Marx e Lenin, a psíquica e capacidade de determinação social (Vygotski,
psicologia soviética [ou seja, Histórico-Cultural], sustenta 1930/2004b). Para tanto, competência técnica e compromis-
que a consciência é a forma mais elevada de reflexo da so político precisam figurar como instâncias de um mesmo
realidade: ela não é dada a priori, nem é imutável e passiva, processo, dialeticamente interligadas. O enfrentamento da
mas sim formada pela atividade e usada pelos homens situação ora descrita exige, pois, uma Psicologia Pedagógi-
para orientá-los no ambiente, não apenas adaptando-se a ca que vá além de descrições simplistas e corriqueiras sobre
certas condições, mas também reestruturando-se (Luria, o desenvolvimento infantil, evoluindo-se para uma crítica da
1974/2002, p. 23, grifo do autor). Psicologia e dos modelos psicológicos que tentam explicar
tal desenvolvimento. Essa crítica, entretanto, não se esgota
Dessa perspectiva, acreditamos que o conceito de em si mesma, mas tem o intuito declarado de fazer com que
consciência, sendo esta compreendida como formação o educador, formado e em formação, vá se apropriando da
sócio-histórica e ativa do psiquismo humano (Leontiev, verdade sobre si mesmo e sobre a sociedade como um todo.
1959/1978; Luria, 1974/2002), passe a ocupar um lugar O objetivo é propiciar aos docentes mediações teóricas para
de destaque nas aulas e discussões sobre a Psicologia da levá-lo à reapropriação de sua consciência, de sua condição
Educação. Entendemos que os acadêmicos precisam, como como ser social e histórico, bem como de suas potencialida-
um carecimento de primeira ordem, tomar conhecimento de des para a coordenação autônoma e reflexiva do fazer peda-
si mesmos, de sua personalidade, a fim de conquistarem gógico. Um fazer que, sendo práxis, aparece inseparável do
o domínio volitivo sobre seu comportamento, suas ações e saber psicológico, especialmente quando este é tomado não
suas funções psicológicas superiores, tipicamente humanas mais de uma perspectiva alienante, porém sob o ponto de
(Vigotski, 1978/2008). Assim, poderão ascender, paulatina- vista formativo, intencional e, portanto, conhecido em seus
mente, a uma relação consciente, minimamente alienada, limites e possibilidades.
com sua própria individualidade, tornando-a, tanto quanto Já finalizando este texto, gostaríamos de deixar
posível, uma individualidade para-si (Duarte, 1993), sob a registrada uma última citação de Vigotski. O trecho é rele-
qual será possível a formação do novo homem (Vigotski, vante, porquanto sintetiza claramente esses novos objetivos
1982/2004a; Vygotsky, 1930/2004b), do novo educador, “[...] e tarefas não só da ciência psicológica em toda a sua exten-
liberto até o desenvolvimento completo e harmonioso de to- são, como também, pari passu, da Psicologia da Educação,
das as suas aptidões e propriedades” (Leontiev, 1959/1978, na presente luta travada pela reafirmação de sua identidade
p. 142). A tomada de consciência, processo longo e dra- no interior da Pedagogia. Conforme o autor, “Ser[mos] do-
mático, a ser ao menos iniciado durante a graduação em nos da verdade sobre a pessoa e sobre a própria pessoa
Pedagogia, como exigência precípua para se concretizar aí é impossível enquanto a humanidade não for dona da ver-
o compromisso técnico-político da Psicologia Pedagógica, dade sobre a sociedade e da própria sociedade” (Vigotski,
é passo inicial para que os futuros pedagogos reconheçam 1982/2004a, 417). Sem dúvida, isso confere, também nos
sua condição histórica de sujeitos. nossos dias conturbados, uma dimensão emancipatória e
Sujeitos globalizados, imersos em um sistema eco- libertadora à Psicologia Educacional. Eis o grande desafio
nômico mundial, que, dia a dia, os expropria não apenas contemporâneo nesse campo de saberes, para cujo enfren-
materialmente, mas também intelectualmente, provocan- tamento deverão tender todos os nossos esforços, sejamos
do o fenômeno da consciência desintegrada (Leontiev, pedagogos ou psicólogos.
1959/1978). Uma consciência fragmentada, desarticulada
e alienada, perdida em meio às incertezas pós-modernas,
contra as quais os professores terão que duelar sem des- Considerações Finais
canso, para exercerem, plenamente, a autoria de sua práxis
(Santana, 2008), sem sucumbir ao jugo perverso do capi- Ao longo deste texto, polemizamos a respeito da
tal. Como lembra Vigotski, “Tomar consciência significa, existência de uma crise epistemológica recente, sofrida pela
em certa medida, dominar” (Vygotski, 1983/1997, p. 268, Psicologia da Educação, nas escolas e universidades brasi-
tradução nossa), mas não só o nosso ser individual. Antes, leiras. Isso não significa que outros momentos críticos não
trata-se de dominar a própria História da sociedade, o curso tenham existido, tampouco que este ensaio tenha a preten-
de suas transformações qualitativas rumo a uma existência são de esgotar o assunto. Apontamos como a causa básica
humana mais livre e universal, mediada pelo conhecimento dessa crise a atual falência, no meio educacional, do mo-
psicológico que se tem de homem e de criança enquanto delo construtivista-cognitivista, de inspiração marcadamente
seres dotados de historicidade e singularidade concretas; piagetiana, embora seja necessário empreender pesquisas
não como criaturas abstratas, condenadas a uma adaptação bibliográficas de maior abrangência para se apresentar um
conformista às circunstâncias de vida. panorama mais detalhado das flutuações sofridas, nas últi-
mas décadas, pela Psicologia Educacional. Muito em voga
Psicologia Educacional: uma crise? * Giovani Ferreira Bezerra & Doracina Aparecida de Castro Araujo 149
no Brasil durante os anos 80 e 90, agora, no século XXI, Com certeza, as reflexões ora apresentadas não
tal modelo tem repercutido de forma negativa junto à boa foram tão longe quanto gostaríamos e podem mesmo ser
parcela de professores e pesquisadores em educação, iden- consideradas introdutórias e singelas, dada a urgência
tificado como uma tendência psicologizante e não crítica. que sentíamos em abordar a problemática apontada neste
Em decorrência disso, aquela disciplina, em nossa análise, ensaio. As ideias expostas carecem, ainda, de serem com-
teria ficado bastante desacreditada. Por ter sido umas das plementadas e melhor sistematizadas em trabalhos futuros,
principais portas de entrada e divulgação do Construtivismo com estudos mais abrangentes, realizados por nós ou outros
no citado período, a Psicologia da Educação, com os impac- pesquisadores, interessados no assunto. Pensamos que, de
tos negativos legados por essa abordagem, vem perdendo algum modo, as reflexões de nossa autoria possam contri-
sua importância nos cursos de formação de educadores, ou buir, ao menos como ponto de partida, para o reconheci-
mesmo sendo duramente questionada. mento e superação da atual crise em torno da Psicologia da
Sem um novo referencial teórico para ocupar o lugar Educação; com a consequente busca pelo desenvolvimento
deixado pela queda da Epistemologia Genética, cogitamos a de novos fundamentos teórico-metodológicos em torno des-
hipótese de que a crise teria se agravado ainda mais, a des- sa disciplina e suas implicações para a práxis educacional.
peito de algumas tentativas, malsucedidas, de se recorrer à Esperamos, sobretudo, que ela não seja negligenciada pela
abordagem histórico-cultural para preencher o “vazio”. O fra- Pedagogia, mas aí reconquiste seu espaço na formação
casso dessas tentativas, conforme apontamos rapidamente, crítico-reflexiva do pedagogo, do novo homem, opondo-se
deu-se pelo fato notório de que as ideias vigotskianas foram às diversas formas de alienação social e psíquica presentes
– e ainda são – mal compreendidas, deslocadas de sua sig- na sociedade capitalista hegemônica.
nificação revolucionária contextual e, na maioria das vezes,
confusamente misturadas ao antigo paradigma, reajustado
como socioconstrutivismo. Apesar da fecundidade teórico- Referências
-metodológica existente na escola soviética, esta pouco tem
contribuído para afastar os preconceitos da Academia e das Demo, P. (2006). Pesquisa: princípio científico e educativo (12a ed.).
escolas em relação à validade das contribuições da Psico- São Paulo: Cortez.
logia Educacional à práxis pedagógica. A despeito do que
esperam muitos educadores, a concepção histórico-cultural Duarte, N. (1993). A individualidade para-si: contribuições a uma
também não pode dar respostas imediatas aos problemas teoria histórico-social da formação do indivíduo. Campinas, SP:
escolares, muito menos mantidas as relações sociais capi- Autores Associados.
talistas, contra as quais se opõe por princípio Sua principal
contribuição é mediar a luta pela transformação revolucio- Duarte, N. (1996). Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de
nária dessas relações. No âmbito do pós-construtivismo, Vigotski. Campinas, SP: Autores Associados.
como se tem denominado as tentativas ecléticas de conciliar
Piaget e Vigotski, entre si e com outras correntes psicológi- Duarte, N. (2001). Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às
cas, novas frustrações tendem a ocorrer, porque o problema apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana (2a
permanece latente na base. ed. ver. amp.). Campinas, SP: Autores Associados.
Diante do impasse descrito, tentamos, neste ensaio,
resgatar, ainda que de passagem, o significado original e Duarte, N. (2010). O debate contemporâneo das teorias pedagógicas.
crítico de algumas formulações de Vigotski, no sentido de Em L. M. Martins & N. Duarte (Orgs.), Formação de professores:
revelarmos a importância que esse autor atribuía explici- limites contemporâneos e alternativas necessárias (pp. 33-49).
tamente ao papel da Psicologia na Educação. Como uma São Paulo: Cultura Acadêmica.
possível saída dessa crise, apontamos a articulação de no-
vos referenciais para o ensino de Psicologia da Educação Leontiev, A. N. (1978). O desenvolvimento do psiquismo (M. D. Duarte,
nas universidades. Referenciais que, por sua vez, sejam ca- Trad.). Lisboa: Livros Horizonte. (Trabalho original publicado em
pazes de proporcionar aos futuros educadores uma relação 1959)
consciente consigo mesmos, com sua individualidade e com
as demandas de seu trabalho (psico)pedagógico. Defende- Libâneo, J. C. (1999). Democratização da escola pública: a pedagogia
mos a necessidade de se existir, no trabalho acadêmico com crítico-social dos conteúdos (16a ed.). São Paulo: Loyola,
essa disciplina, a imprescindível mediação da competência
técnica e do compromisso político. A fim de assegurar a Luria, A. R. (2002). Desenvolvimento cognitivo: seus fundamentos
efetividade da mediação anunciada, demos relevo especial culturais e sociais (L. M. Barreto, M. K. de Oliveira, M. M. M.
para as contribuições da Psicologia Histórico-Cultural. Esta de Andrade & R. H. Maciel, Trads.) (3a ed.). São Paulo: Ícone.
abordagem psicológica, longe de dar “fórmulas prontas”, (Trabalho original publicado em 1974)
suscita uma discussão ampla e objetiva acerca da consci-
ência humana e das perspectivas para sua emancipação, Rossler, J. H. (2000). Construtivismo e alienação: as origens do poder
partindo-se da crítica à organização social capitalista. de atração do ideário construtivista. Em N. Duarte (Org.), Sobre
o construtivismo: contribuições a uma análise crítica (pp. 3-22).
150 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 143-151.
Campinas, SP: Autores Associados. (C. Berliner, Trad.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original
publicado em 1982)
Santana, M. S. R. (2008). A prática pedagógica como autoria. Em D.
A. de C. Araujo (Org.), Pesquisa em Educação: inclusão, história e Vigotski, L. S. (2004a). Teoria e Método em Psicologia (C. Berliner,
política (pp. 169-180). Campo Grande: UCDB. Trad.) (3a ed.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original
publicado em 1982)
Saviani, D. (2003). Pedagogia Histórico-Crítica: primeiras
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Marxista (2a ed.). Maringá, PR: EDUEM. dos processos psicológicos superiores (J. Cipolla Neto, L. S. M.
Barreto & S. C. Afeche, Trads.) (7a ed.). São Paulo: Martins
Vygotski, L. S. (1997). Obras escogidas V: fundamentos de Fontes. (Trabalho original publicado em 1978)
defectología (J. G. Blank, Trad.). Madrid: Visor. (Trabalho original
publicado em 1983)
Sobre os autores
Psicologia Educacional: uma crise? * Giovani Ferreira Bezerra & Doracina Aparecida de Castro Araujo 151
Desencontros entre uma prática crítica em psicologia
e concepções tradicionais em educação
Resumo
Com a inserção do trabalho de Análise do Vocacional em um curso pré-vestibular comunitário no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, produziu-
se um desencontro entre essa proposta da psicologia e as práticas educativas prevalentes nessa instituição, o que colocamos em análise
neste artigo. Partindo do método cartográfico, método de pesquisa-intervenção, acompanhamos esses processos de desencontros a partir
da realização de três grupos de Análise do Vocacional e da habitação de espaços coletivos na instituição. Recorrendo a uma análise sócio-
histórica e política da constituição dos saberes da psicologia e da educação, percebemos que a Análise do Vocacional é uma prática crítica em
psicologia, enquanto as concepções educativas predominantes no curso pré-vestibular na Maré reproduzem modelos tradicionais em educação.
Esse desencontro, propomos, não diz respeito apenas a essa instituição, mas revela um modo de funcionamento presente em todo o sistema
educacional brasileiro, ao qual o processo seletivo do vestibular dá visibilidade.
Palavras-chave: Orientação vocacional, educação, curso pré-vestibular.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 153-160. 153
Introdução O vestibular e as concepções tradicionais em
educação
Esta pesquisa surge a partir da reflexão sobre a in-
serção, em 2010, do trabalho de Análise do Vocacional (AV) Para Foucault, entre uma época histórica e outra, há
em um curso pré-vestibular (CPV) comunitário localizado uma mudança nas regras de construção de saberes3, deline-
no complexo de favelas da Maré, no Rio de Janeiro. Foram ando os discursos de verdade sustentados em determinado
realizados três grupos nessa instituição ao longo do ano, momento. Tais configurações emergentes de saber-poder
constituídos de alunos do curso pré-vestibular e de duas produzem novas disciplinas, que formam novos domínios de
facilitadoras1, alunas de graduação integrantes do projeto de objeto. Para entender como se configuraram as concepções
pesquisa-intervenção intitulado “Construindo um processo tradicionais em educação e em psicologia, que sustentam
de escolhas mesmo quando ‘escolher’ não é um verbo dis- o sistema do vestibular, precisamos compreender como, ao
ponível”, inserido no Instituto de Psicologia da UFRJ desde longo dos séculos XIX e XX, foram engendrados esses sa-
2006 como projeto de extensão2. Em 2010, a proposta de beres e essas práticas.
Análise do Vocacional foi desenvolvida também em outro A época moderna se caracteriza pela difusão do
curso pré-vestibular comunitário e na Divisão de Psicologia diagrama disciplinar de poder, que, como aponta Foucault
Aplicada da UFRJ. (2008), comporta instrumentos, técnicas e procedimentos
Ao introduzirmos a proposta da AV no pré-vestibular que “permitem o controle minucioso das operações do cor-
comunitário da Maré, percebemos que se produziu um de- po, que realizam a sujeição constante de suas forças e lhes
sencontro entre, por um lado, as concepções educativas impõem uma relação de docilidade-utilidade” (p.118). Essa
predominantes no discurso de alunos e professores e nas configuração, na modernidade, demanda a criação de me-
práticas prevalentes nessa instituição e, por outro, o trabalho canismos científico-disciplinares que tomem o homem como
da psicologia trazido pela AV e a visão que ela lança às ques- objeto de saber e de poder, pautando-se na tecnologia do
tões educacionais. Essa observação nos suscitou muitas exame, que submete o indivíduo ao controle de um saber
perguntas: Por que a proposta da Análise do Vocacional não permanente que avalia seus traços singulares, sua evolu-
estava sendo compreendida pelos diversos atores do curso ção, suas aptidões, suas capacidades. É nesse contexto
pré-vestibular comunitário? Que referenciais em psicologia que surgem a “a psicologia, que estudará o funcionamento
fundamentam a AV e qual a configuração das concepções da mente de normais e anormais; a pedagogia, que estudará
educativas prevalentes no curso pré-vestibular comunitário? o comportamento das crianças e suas formas de aprender,
Como pensar o desencontro entre esses saberes e fazeres e outras disciplinas científicas inventadas como depósitos
em psicologia e em educação? de saber legítimo para o estudo da vida e dos indivíduos”
Empreendemos a pesquisa que fundamenta este (Bacca, Pey, & Sá, 2004, p. 33).
artigo na tentativa de responder a essas questões. É essen- Patto (1996) nos mostra a relevância que tiveram,
cial ressaltar que, nesse processo de investigação, estamos para a constituição das ciências humanas na modernidade,
norteados pelo referencial de que as ideias vigentes em um as ideias burguesas liberais, difundidas no século XIX, tendo
determinado momento são expressões das condições so- como marcos a Revolução Francesa e a Revolução Indus-
ciais, históricas e políticas daquele contexto específico, que trial Inglesa. Esses movimentos engendraram mudanças
forma certas visões de mundo. Assim, acreditamos que as políticas, sociais e econômicas profundas, com a consolida-
representações do mundo devem ser entendidas não como ção do modo de produção capitalista que, contrapondo-se à
algo cuja existência se sustenta em si, mas como um reflexo ordem feudal, estabelece a centralidade dos direitos de cada
da forma como os homens se relacionam para produzir e indivíduo e traz a crença na construção de uma sociedade
reproduzir a vida em um determinado momento, concepção igualitária (Bock, 1999). Na realidade, no entanto, tais ideais
corroborada pelos autores dos quais nos valemos nessa se confrontavam com uma disparidade social radical. Afirma
pesquisa. Patto (1996), nesse sentido: “Entre as pequenas conquistas
de uma minoria do operariado e a acumulação de riqueza da
alta burguesia, cavara-se um abismo que saltava aos olhos.
Justificá-lo será a tarefa das ciências humanas que nascem
e se oficializam neste período” (p.19).
1 Por falta de um termo que melhor descreva tal atuação,
permanecemos utilizando ‘facilitador’, mesmo não entendendo Desse modo, a fim de justificar as diferenças sociais
que o trabalho empreendido seja o de ‘facilitar’. Termos como sem ferir a ideologia liberal – fundada na existência de direi-
‘provocador’ ou ‘potencializador’ poderiam ser também utilizados, tos e oportunidades iguais para todos –, surgem as ciências
mas tememos pela incompreensão do leitor.
2 Recorrendo a Bicalho e Sousa (2010), entendemos os projetos 3 Os saberes, para Foucault, estão em um nível particular entre
de extensão universitária, além da sua compreensão tradicional a opinião e o conhecimento científico. O saber ganha forma não
de que a universidade deve disseminar conhecimentos e cultura apenas nas produções teóricas ou em instrumentos de experiência,
à população, bem como prestar serviços a ela. Sustentamos que mas em práticas e instituições. Comporta uma série de regras que
os projetos de extensão devem ter função política de intervir na caracterizam sua existência, sua história e seu funcionamento –
realidade concreta, voltando a universidade para as questões sociais algumas regras peculiares a certo campo, outras a vários e, ainda,
e produzindo um conhecimento a partir das trocas estabelecidas outras podem ser regras gerais para uma época (Bacca e cols.,
entre a academia e a comunidade. 2004).
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humanas. Fundados na noção de natureza humana, que guagem ligados às camadas mais ricas da sociedade, é um
determina que todos nascem com potencialidades que são sistema injusto e parcial, que privilegia aqueles cuja cons-
desenvolvidas ao longo da vida, esses saberes afirmam as tituição subjetiva foi atravessada pelos modos de vida das
desigualdades entre os indivíduos em nossa sociedade como elites socioeconômicas. Como os sucessos e os fracassos
resultantes de méritos e esforços pessoais, tendo um papel no vestibular, interpretados à luz da ideologia meritocrática,
ideológico4 de ocultar as determinações sócio-históricas e devem-se ao talento e/ou ao esforço pessoal, cada educando
políticas das disparidades sociais (Bock, 1999). Nos campos aceita como natural a sua situação particular, vangloriando-
da psicologia e da educação, tais ideias liberais alcançaram -se por seu sucesso ou se culpando por seu fracasso, sem
grande difusão no Brasil a partir dos anos 1920 e 1930, com compreender os múltiplos determinantes históricos, políticos
a consolidação do movimento da Escola Nova, que, inspi- e sociais envolvidos nesses processos.
rado por princípios democráticos, fortaleceu a ideia de que
os indivíduos têm potencialidades naturais, que deveriam ser
avaliadas pela psicologia a fim de se distribuir as oportunida- A Análise do Vocacional: uma prática crítica em
des de acordo com as aptidões de cada um (Antunes, 2005). psicologia
Esse pensamento de que o fracasso de uns e o su-
cesso de outros é resultado do potencial natural de cada um Já observamos, com o auxílio de Foucault, que as
e de que o esforço pessoal é o único critério legítimo de sele- mudanças nas configurações sócio-históricas e políticas nas
ção educacional e social se encontra até hoje profundamen- relações de saber-poder de uma época para a outra engen-
te enraizado nas concepções educacionais que vigoram em dram contextos que possibilitam a emergência de saberes
nosso país. A escolha do vestibular como sistema – aparen- com características afins. Assim é com a psicologia e com a
temente justo e imparcial – de acesso ao ensino superior, a educação, campos que estão historicamente imbricados. Se
partir da Reforma Universitária de 1968, está fundada nessa a modernidade constitui um campo de forças que leva à con-
ideologia, que esconde os critérios perversos de seletivida- figuração da psicologia e da educação como saberes cien-
de socioeconômica que estão por trás das seletas listas de tíficos disciplinares, fundando práticas e teorias tradicionais,
aprovados nas universidades, especialmente públicas, e de na década de 1980, com a abertura político-democrática do
formados no ensino superior. Brasil, é constituído um panorama sócio-histórico e político
O vestibular, assumindo a tarefa de adequar a oferta favorável ao crescimento do movimento crítico sustentado
de profissionais às necessidades do mercado de trabalho, por alguns psicólogos e educadores desde os anos 1960.
consolidou-se como meio de seleção para o ensino superior, Esses saberes e fazeres críticos se distanciam das tendên-
sofrendo pequenas alterações conjunturais desde então, cias individualizantes que prevaleciam até então na psicolo-
mas mantendo sua estrutura. Com a progressiva expansão gia e na educação, afirmando seus papéis políticos e seus
da educação superior no país desde os anos 1970 e o con- compromissos éticos e sociais, nos campos da profissão e
sequente aumento do número de vagas, difunde-se a ideia da produção científica.
de que o acesso à universidade se democratizou e se tornou A Análise do Vocacional (AV) se alinha a esse mo-
um meio de ascensão das classes pobres a estratos sociais vimento instituinte de abertura para novos possíveis em
mais ricos. Essa aparente democratização do ensino supe- educação e em psicologia. Inspirada nas práticas institu-
rior, no entanto, confronta-se com a realidade de que grande cionalistas, que têm como referencial a Análise Institucional
parcela de jovens das camadas pobres da sociedade con- Francesa, a AV se afirma como um modo diferente de se
tinua excluída das universidades públicas, sem conseguir pensar a escolha profissional, tomando-a como analisador6
aprovação no vestibular, e das privadas, por não conseguir a partir do qual se lança luz sobre os critérios que o sujeito
manter os elevados custos de mensalidades, situação que usa para escolher nos diferentes âmbitos da vida, em uma
levou à criação de políticas públicas, nos anos 2000, para aposta que pretende fortalecer a autonomia dos participan-
minorar essas disparidades no acesso à universidade5. tes (Frotté, 2001).
A noção de capital cultural de Bourdieu, que, como A proposta da Análise do Vocacional parte da com-
indica Swartz (1997), diz respeito a competências sociais e preensão de que a subjetividade é essencialmente fabricada
linguísticas socialmente herdadas, aponta para o fato de que e modelada no registro do social, como sustentam Guattari
o vestibular, ao exigir o domínio de conteúdos e de uma lin- e Rolnik (1996). Não é passível, assim, de totalização ou
centralização no indivíduo, mas de um entrecruzamento
4 A ideologia, para Bock (1999), é a forma ilusória pela qual se
representa o real, sendo um “instrumento que oculta as diferenças e de atravessamentos coletivos, não só sociais, mas tam-
desigualdades ao construir uma rede imaginária de ideias e valores bém econômicos, tecnológicos, midiáticos. O processo de
que possuem base real, mas construída de maneira invertida”, produção de escolhas, nesse sentido, nada mais é do que
tomando os resultados do processo como sua causa (p. 26).
5 Foram implementadas, em diversas universidades públicas, 6 Noção definida por Rodrigues e Souza (citado por Aguiar &
políticas afirmativas de cotas socioeconômicas, assim como Rocha, 2007) como “acontecimento, indivíduo, prática ou dispositivo
políticas de financiamento nas particulares, por meio do Programa que revela, em seu próprio funcionamento, o impensado de uma
Universidade para Todos (Prouni), que oferece bolsas integrais e estrutura social – tanto a não conformidade com o instituído como a
parciais aos alunos de acordo com critérios econômicos e sociais. natureza desse mesmo instituído” (p. 656).
Desencontros Psicologia e Educação * Ana Luísa de Marsillac Melsert & Pedro Paulo Gastalho de Bicalho 155
um processo de produção de subjetividade, um fenômeno vação e problematizar os lugares instituídos. Aposta, assim,
complexo, em que várias forças se entrecruzam. na produção de diferenças e atua no sentido de possibilitar
Partindo dessa concepção, a proposta de Análise do que o sujeito se interrogue sobre a sua forma de estar no
Vocacional sustenta que não temos uma essência a priori e mundo e, consequentemente, sobre a realidade em que
nem uma vocação natural que devem ser desveladas, e sim vive.
somos constituídos nos atravessamentos de múltiplas forças
ao longo da vida. Como mostram Bicalho, Bartalini e Sasso
(2010), a AV se distancia dos paradigmas estatístico e clínico Método
que norteiam as atuações tradicionais em orientação voca-
cional e buscam desvelar a essência do sujeito para adequá- Escolhemos, para sustentar o trabalho de Análise do
-la a uma vocação – entendida, nesses referenciais, como o Vocacional que realizamos no curso pré-vestibular na Maré,
lugar adequado para cada indivíduo ou, ainda, como dom, o método da cartografia, que, nas palavras de Barros e Kas-
talento, aptidão. Em sentido diverso, para a AV, a construção trup (2009), é um método de pesquisa-intervenção em que
do vínculo profissional é feita a partir de experimentações de se acompanham processos de produção de subjetividade
um campo de possibilidades durante toda a existência, em que estão em curso. O método cartográfico afirma que o co-
um processo contínuo e criativo de construção e de descons- nhecer e o fazer, o intervir e o pesquisar são indissociáveis e
trução subjetiva, como aponta Mansano (2003). que toda pesquisa é intervenção, uma vez que o percurso da
Para lançar luz a esses movimentos de construção de investigação produz efeitos sobre o objeto, sobre o pesqui-
mundos, o trabalho de AV se utiliza de dispositivos, que, se- sador e sobre a produção de conhecimento, que devem ser
gundo Deleuze (1996), fazendo uma leitura de Foucault, são acompanhados e colocados em análise. Desse modo, o ato
máquinas de fazer ver e de fazer falar, que dão visibilidade a de pesquisar não é orientado por metas ou saberes que se
modos naturalizados de existência e maneiras instituídas de estabelecem anteriormente sobre a realidade pesquisada,
ser, de pensar e de estar no mundo. Os dispositivos usados assim como não busca representar um objeto separado do
no trabalho de Análise do Vocacional são múltiplos – textos, sujeito que pesquisa.
músicas, jogos, por exemplo – e elaborados em um proces-
so sempre contínuo de criação de dinâmicas, elaboradas de Diferente do método da ciência moderna, a cartografia não
acordo com as demandas que surgem nos encontros prece- visa isolar o objeto de suas articulações históricas nem de
dentes, em um movimento sempre inventivo. suas conexões com o mundo. Ao contrário, o objetivo da
É importante mencionar que a Análise do Vocacional cartografia é justamente desenhar a rede de forças à qual
é uma proposta desenvolvida sempre em grupos, dispositivo o objeto ou fenômeno em questão se encontra conectado,
que, a partir do encontro de vários sujeitos, faz ver e faz dando conta de suas modulações e de seu movimento
falar múltiplas formas de ser, de pensar, de experimentar, permanente. (Barros & Kastrup, 2009, p. 57)
de sentir o mundo. Esse encontro com a diferença tem o
potencial de fazer emergir o estranhamento de referenciais Informados por esse referencial teórico-metodológico,
naturalizados, dando visibilidade ao que escapa dos pro- habitamos, durante o ano de 2010, o espaço do curso pré-
cessos de produção de subjetividade hegemônicos. Nesse -vestibular comunitário na Maré, do qual não participávamos,
ponto, destacamos que o trabalho com grupos é sempre o que abriu a possibilidade de fazer ver e conhecer um fun-
uma aposta: não sabemos de antemão que efeitos produzirá cionamento institucional que foi se produzindo ao longo de
(Barros, 2007). nossa permanência no CPV. Valendo-nos do método da car-
Ressaltamos, neste ponto, que, ao nos referirmos tografia, procuramos nos abrir aos encontros, sem procurar
aos grupos de Análise do Vocacional, não estamos falando algo que já havia na instituição antes de nos inserirmos nela.
apenas das pessoas que se inscrevem para realizar esse Ao longo dos nove meses que permanecemos no
trabalho, mas também dos então chamados facilitadores. curso pré-vestibular comunitário durante o ano de 2010,
Contrariando as relações de poder instauradas em práticas fomos sentindo o desencontro entre a psicologia proposta
tradicionais em psicologia e em educação, na AV os faci- pela Análise do Vocacional e as concepções educativas
litadores se reconhecem em sua não neutralidade, perce- predominantes no curso pré-vestibular comunitário a partir
bendo como afetam o grupo e como são afetados por ele. das trocas que realizamos com múltiplos sujeitos, em diver-
Colocando-se em uma relação horizontal com os demais sos espaços: nas reuniões com o corpo docente e a dire-
participantes do grupo, os facilitadores se propõem a fazer o ção do CPV, nos três grupos de AV que realizamos – e dos
sujeito se haver com seus processos de escolha, sem acei- quais participaram, até o final, 15 sujeitos –, nos espaços
tar o lugar de especialistas que têm conhecimento sobre o de interação social na instituição, na Assembleia de Alunos.
outro ou o poder de dizer algo sobre ele. Usamos como dados para esta pesquisa também os diários
A Análise do Vocacional, portanto, difere de propos- de campo produzidos durante a permanência na instituição,
tas tradicionais em psicologia e em educação ao se afirmar bem como os laudos psicológicos com caráter problemati-
como uma prática política, que, como propõe Maciel Junior zador que produzimos para cada participante ao final dos
(2005), é aquela que visa produzir novos modos de subjeti- grupos de AV.
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Resultados e Discussão távamos a psicologia com o trabalho de Análise do Vocacio-
nal, eram muitas vezes direcionados, pelos professores e
coordenadores, os estudantes que ocupavam os graus mais
O curso pré-vestibular comunitário na Maré e baixos na categorização instituída pela equipe do CPV, com
as concepções tradicionais, disciplinares em a demanda de ajustá-los, de direcioná-los – de, em resumo,
educação discipliná-los e normatizá-los, pedido que colocamos em
análise, mas não aceitamos.
No curso pré-vestibular comunitário na Maré em que Guattari e Rolnik (1996) nos ajudam a entender esse
inserimos a proposta de Análise do Vocacional percebe- processo de normatização dos sujeitos-alunos que observa-
mos, frequentemente, como a ideologia da ascensão pelo mos no CPV, ao trazerem a ideia de que há uma produção
esforço pessoal está presente nas representações sobre o de subjetividade serializada no contexto do Capitalismo
sistema educacional brasileiro. Embora haja na instituição a Mundial Integrado, em que a tendência é igualar tudo através
percepção da desigualdade social no acesso à universida- de grandes categorias unificadoras e redutoras, impedindo a
de, afirmada pela própria criação de cursos pré-vestibular emergência de processos de singularização8. Essa linha de
na comunidade, a disparidade socioeconômica no acesso montagem subjetiva é sustentada por funções como a culpa-
à universidade não é atribuída, na fala de muitos alunos bilização, exercida a partir da proposição de uma imagem de
e professores, ao sistema de seleção ou aos ideais que o referência diante da qual os sujeitos se sentem insuficientes,
sustentam, e sim justificada pela má qualidade das esco- e a infantilização, em que deixamos que outros pensem e
las públicas – que não ensinariam os conteúdos exigidos organizem por nós a produção e a vida social.
no vestibular – face às particulares. O sistema meritocrático No curso pré-vestibular do qual estamos tratando,
de seleção para as escassas vagas no ensino superior é, presenciamos um processo de culpabilização dos alunos
assim, naturalizado, encobrindo os processos de seletivida- por meio da difusão de um modelo de estudante exemplar:
de socioeconômica que estão por trás do afunilamento no aquele que não falta às aulas e que “valoriza a oportunida-
ingresso às universidades no Brasil7. de” que lhe é dada de ingressar em um curso pré-vestibular
Percebemos também que o curso pré-vestibular em na comunidade, representação que revela uma concep-
que trabalhamos reproduz a ideologia do mérito e do esfor- ção assistencialista da função da instituição – nos grupos
ço pessoal nas relações dentro da própria instituição, clas- de Análise do Vocacional, eram recorrentes discursos dos
sificando e hierarquizando os alunos de acordo com o seu estudantes se culpando por não estudar e não se dedicar
desempenho – escolar e comportamental. Foucault (2008) ao CPV tanto “quanto deveriam”. Assistimos a uma infan-
fala da disciplina exercida em instituições educacionais, que tilização dos estudantes revelada na demanda oferecida à
distribuem os corpos em séries, filas e classificações, provo- psicologia de ajudar os alunos “perdidos” a organizar seus
cando distanciamentos que separam os indivíduos e levam a projetos de vida. Observamos a imposição de normas de
uma hierarquização do saber e das capacidades, dos valores presença rígidas, com o estabelecimento da frequência nas
e dos méritos. Os comportamentos e desempenhos passam aulas como critério de modulação do comportamento dos
a ser classificados em polos positivos ou negativos, como, estudantes: as concorridas aulas-campo no Rio de Janeiro e
por exemplo, bom ou mau comportamento, boas ou más no- em viagens mais longas a outras cidades são recompensas
tas. Essa determinação de lugares para cada sujeito possibi- dadas àqueles alunos que comparecem mais às aulas.
lita o controle de cada um e o trabalho simultâneo de todos. Lembrando Foucault (2008), deparamo-nos, na
No curso pré-vestibular em que nos inserirmos, ob- instituição educacional, com um mecanismo disciplinar em
servamos, nessa direção, o enquadramento dos alunos em ação, atuando de modo a reduzir os desvios, em um sistema
uma série de categorizações quanto às suas notas e aos corretivo que sanciona os comportamentos indesejáveis e
seus comportamentos. A realização de simulados cujos gratifica os esperados – “boas” notas, a “boa” frequência,
resultados ficam expostos em um mural, em uma tabela or- “bom” comportamento. Desse modo, percebemos em que
ganizada por nomes, mas implicitamente hierarquizada por medida o curso pré-vestibular em que trabalhamos alinha-
notas, exemplifica isso. No mesmo sentido, observamos no -se à ideologia meritocrática que prevalece no sistema de
discurso dos professores nas reuniões da equipe do CPV educacional brasileiro, não só reproduzindo, como também
que eles construíam hierarquias entre as quatro turmas do reforçando a ideologia do esforço pessoal. Os mesmos pro-
curso, em que ocupavam os estratos mais altos as classes cessos podem ser observados nas demais instituições que
que eram “participativas” e “comportadas”, enquanto eram preparam para o vestibular, públicas e comunitárias, que,
consideradas as piores aquelas turmas em que os alunos apesar de não integrarem o sistema educacional formal bra-
conversavam, “não colaboravam”, “não queriam nada com a sileiro, revelam seu modo de funcionamento e as ideologias
vida”, faltavam a muitas aulas. A mesma classificação valia que o sustentam.
para os alunos, em um nível individual. A nós, que represen-
7 Bock (2010), em um estudo sobre orientação profissional para 8 Para Guattari e Rolnik (1996), trata-se dos movimentos de protesto
classes pobres, observou, em sentido convergente, a naturalização do inconsciente contra as formas de subjetivação serializadas
do vestibular como processo de seleção para a universidade no engendradas na sociedade capitalística, através da afirmação de
discurso dos jovens com que trabalhou. outras maneiras de ser e estar no mundo.
Desencontros Psicologia e Educação * Ana Luísa de Marsillac Melsert & Pedro Paulo Gastalho de Bicalho 157
A inserção da proposta da Análise do Vocacional política do CPV, essa proposta pareceu apenas uma ideia
no curso pré-vestibular na Maré: reflexões sobre vaga, solta no ar, adotada por alguns professores de forma
um desencontro individual, mas sem haver um movimento coletivo nessa di-
reção. Destacamos que, ao final do ano, percebemos uma
O afastamento da Análise do Vocacional em relação convergência entre nossas observações e a percepção da
aos paradigmas dominantes nos campos da educação e equipe diretiva do CPV, que propôs uma reformulação no
da psicologia ficou evidente em sua inserção no curso pré- funcionamento institucional para 2011, visando resgatar a
-vestibular comunitário na Maré. Sempre que explicávamos função política das práticas educativas realizadas no curso
a nossa proposta, percebíamos que ela não estava sendo pré-vestibular.
assimilada pela maioria dos professores e funcionários da No mesmo sentido, o trabalho de Análise do Voca-
instituição – é importante ressaltar que algumas pessoas da cional aposta na função política dos cursos pré-vestibular
equipe se identificaram com o nosso trabalho e acreditaram como lugares de produção – e não apenas reprodução – de
em sua potência. O mesmo ocorreu com os alunos, no início conhecimentos. Apostamos que o nosso trabalho alarga as
do trabalho; no entanto, ao passar pelo processo de AV nos possibilidades de se pensar e viver o momento do vestibular,
grupos, eles entenderam a proposta e a experimentaram para além da finalidade de aprovação, buscando disparar um
de forma intensa e afetiva, o que levou alguns participantes movimento de produção de novos possíveis não só na esco-
dos primeiros grupos que realizamos na instituição a querer lha da profissão, como também nos demais campos da vida
repetir a experiência no segundo semestre. dos sujeitos. Ao nos inserir em espaços educativos comu-
Uma interrogação interessante que nos acompanhou nitários, pretendemos disparar um processo de abertura de
em nossa permanência nessa instituição foi a tentativa de possibilidades de escolhas para uma população que tem as
entender o processo de evasão dos grupos de AV e as fre- escolhas limitadas para ela – como afirma o nome do projeto
quentes faltas de alguns integrantes aos encontros. Sem em que a AV se insere, “Construindo um processo de esco-
entrar na questão da evasão que ocorre em cursos pré-ves- lhas mesmo quando ‘escolher’ não é um verbo disponível”.
tibular comunitários – o que demandaria outro (complexo) Em convergência a essas apostas, observamos que
trabalho de pesquisa –, propomos que esse processo nos o trabalho de Análise do Vocacional que realizamos no CPV
grupos de Análise do Vocacional pode estar ligado à liberda- na Maré foi disparador de mudanças nos sujeitos que par-
de que caracteriza essa proposta, que não exige presença ticiparam do processo – tanto os alunos do curso quanto
dos participantes, embora trabalhe com a noção de respon- as facilitadoras. A partir da experiência nos grupos, em que
sabilidade na escolha de integrar o grupo. Por não reprodu- surgiram discussões não só sobre a escolha da profissão,
zir a lógica do curso pré-vestibular, em que a frequência é como também sobre o sistema educacional brasileiro e as
controlada em mecanismos de culpabilização e incentivada disparidades sociais, observamos que os participantes da
por meio de recompensas, a proposta de AV trabalha com a AV experimentamos – concordância proposital por silepse –
autonomia dos participantes, que, fora desse mecanismo de processos de mudança, colocando nossas visões de mundo
imposição de presença, podem escolher deixar de participar em análise a partir do encontro com as diferentes maneiras
do trabalho ou faltar. de perceber a vida. Destacamos, nesse ponto, a relevância
Desse modo, a Análise do Vocacional busca proble- que adquiriu, em um dos grupos, no qual as disparidades
matizar quem são esses sujeitos que escapam dos modos sociais surgiram como disparadores potentes, o fato de as
de subjetivação hegemônicos estabelecidos dentro da ins- facilitadoras não morarem na Maré, o que abriu espaço para
tituição e o que se faz com essas subjetividades que não o estranhamento de concepções naturalizadas sobre as
se adaptam aos padrões de “bons” alunos, de estudantes diferenças entre as classes que compõem a nossa hierar-
“normais” – é sempre interessante pensar na etimologia da quizada sociedade.
palavra “normal”, que vem de norma, regra, padrão, indican-
do a adequação a uma média. O que fazer com aqueles que
escapam às regras estabelecidas e cumpridas pela maioria? Considerações finais
É importante compreender que esses sujeitos que fogem às
formas de subjetivação instituídas podem estar expressan- Em uma proposta coerente com as concepções críti-
do, de sua forma, a resistência a esse processo de captura cas no campo da psicologia e da educação, apresentamos
de subjetividades, em uma busca pela autonomia, em uma considerações não definitivas acerca de nossa investigação
tentativa de criar as próprias regras, de procurar formas au- sobre o porquê do desencontro entre a proposta da Análise
tênticas de existir. do Vocacional e as concepções educativas presentes no
Neste ponto, faz-se relevante pensar sobre a função curso pré-vestibular comunitário em que inserirmos esse tra-
política das instituições educativas como promotoras de balho. Tal caráter provisório se deve ao fato de acreditarmos
mudanças e criadoras de possibilidades para a emergência que o que pensamos, sentimos, fazemos, escolhemos está
de modos de subjetivação singulares, inéditos. No curso sempre sendo atravessado por novas forças, que reconfigu-
pré-vestibular na Maré, observamos que, mesmo que em ram o estado anterior e nos impulsionam para o novo.
uma reunião de equipe seus coordenadores tenham ma- Norteados por esse referencial, propomos que tal
nifestado um desejo de resgatar a dimensão de formação desencontro que observamos se deve ao fato de que a Aná-
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lise do Vocacional se encontra em um registro de teorias- prevalecem modos hegemônicos de se educar e de se fazer
-práticas críticas, ao passo que o vestibular está fundado psicologia. É importante, nesse ponto, compreender que as
em concepções tradicionais, disciplinares e meritocráticas concepções críticas no campo da psicologia e da educação
em educação, reproduzidas pelos cursos preparatórios para não se sobrepuseram aos modelos tradicionais nessas
esses exames. Apesar de estarmos inseridos, com o tra- áreas. Embora elas tenham alcançado influência expressi-
balho de AV, em uma instituição comunitária, não sentimos va na mobilização de psicólogos e educadores a partir dos
diferenças significativas no seu modo de funcionamento em anos 1980, tais práticas não desarticularam os paradigmas
relação ao modelo de cursos pré-vestibulares particulares, tradicionais, prevalentes na época e presentes até hoje em
que classificam, segregam e hierarquizam alunos em nome nossas instituições educativas, seja na educação de base,
do objetivo final de aprovar o maior número possível de can- seja no ensino superior, estejam inseridas formalmente no
didatos para apresentar no mural, na internet, no jornal, no sistema educacional do país ou não, como é o caso dos
outdoor, provando o “sucesso” do curso pré-vestibular – e cursos pré-vestibular.
perguntamo-nos: sucesso pessoal dos alunos? Mérito da Embora as práticas críticas ganhem cada vez mais
instituição? Vitória de uma classe social? Prevalência de força, encontrando embasamento teórico em pensadores de
uma ideologia investida de poder político, econômico, so- múltiplas linhas no campo da psicologia e da educação e se
cial? Sem entender que as vitórias não são individuais, e sim materializando na iniciativa de psicólogos-educadores e de
coletivas, os jovens aprovados no vestibular reforçam a ideia educadores comprometidos com uma ação política, elas ain-
de que mereceram as suas vagas e as obtiveram somente da se embatem com as concepções tradicionais enraizadas
por esforço pessoal. no pensamento de múltiplos atores no campo educacional
Percebemos que, no curso pré-vestibular comuni- brasileiro. Como indica Antunes (2003), o movimento de
tário em que trabalhamos na Maré, como nos particulares, mudança nas teorias e práticas educativas e psicológicas
os professores ensinam – se as propostas de mudanças na é heterogêneo, havendo segmentos que tomam a dianteira
instituição se concretizarem, poderemos usar o verbo no do processo, outros que respondem tardiamente e, ainda,
passado – seus conteúdos de forma desconectada da vida, setores que resistem, como acontece em qualquer processo
depositando nos alunos um imenso arsenal de informações, histórico. Ainda assim, é inegável que o movimento crítico
que eles tentam memorizar em uma maratona frenética de ganha força na atualidade, buscando encontrar, nos inters-
estudos que, se não resulta em aprovação, leva os alunos tícios das relações de poder instituídas, um espaço para a
a se martirizarem pelo seu “fracasso” – e perguntamo-nos: afirmação de novos possíveis.
fracasso de quem? De um indivíduo? De um curso pré-ves- É essa a proposta da Análise do Vocacional. É essa
tibular? De uma classe social? De um sistema educacional? a luta de psicólogos e educadores brasileiros que compre-
Sem compreender que os fracassos não são individuais, e endem que, diante do cenário de disparidades sociais e
sim coletivos, os jovens que não têm seus nomes impres- econômicas produzidas historicamente no país, suas ações
sos nas restritas listas de aprovados seguem se culpando, profissionais necessitam incorporar uma dimensão política,
achando que não se dedicaram o suficiente, que não estu- que aposte em um movimento de mudança. Não se trata
daram como “deveriam”. de uma modificação repentina, em uma revolução radical,
Essas aproximações que pudemos traçar entre os e sim de um processo micropolítico, em que tais sujeitos se
funcionamentos do curso pré-vestibular comunitário em que utilizem do poder – que, lembrando Foucault, circula – que
trabalhamos e dos cursos particulares que conhecemos (e lhes é investido para promover pequenos movimentos de
nos quais muitos de nós estudamos) indicam que as práticas ruptura no que está instituído, cristalizado, abrindo possibili-
que observamos de ajustamento e tutela dos alunos, pau- dades de novas configurações no campo da psicologia e da
tadas em uma ideologia meritocrática, não dizem respeito educação, a partir da produção de escolhas que engendrem
apenas a uma instituição, e sim revelam um modo de funcio- modos inéditos, singulares, de existência.
namento presente ao longo de todo o sistema de educação
do Brasil, ao qual o vestibular e as instituições criadas em
torno dele dão visibilidade, pela importância política que Referências
adquirem nos processos de seleção para a universidade.
Sustentamos, nesse sentido, que o vestibular funciona como Aguiar, K. F., & Rocha, M. L. (2007). Micropolítica e o exercício da
analisador do sistema educacional brasileiro, evidenciando pesquisa-intervenção: referenciais e dispositivos em análise.
seu funcionamento e revelando os processos de seletivida- Psicologia: Ciência e Profissão, 27(4), 648-663.
de socioeconômica que estão escondidos sob a aparência
de pretensa imparcialidade e neutralidade da educação for- Antunes, M. A. M. (2003). Psicologia e Educação no Brasil: um olhar
mal oferecida por uma sociedade que garante direitos iguais histórico-crítico. Em M.A.M. Antunes & M.E.M. Meira (Orgs.),
para todos, mas apenas na letra da lei. Psicologia Escolar: teorias críticas (pp. 139-168). São Paulo: Casa
Acreditamos, então, que a dificuldade de compreen- do Psicólogo.
são da proposta da AV pela equipe do pré-vestibular como
um todo se deve ao choque, à ruptura trazida pelo novo Antunes, M. A. M. (2005). A Psicologia no Brasil (4a ed.). São Paulo:
quando se insere em uma estrutura cristalizada, em que Unimarco e Educ.
Desencontros Psicologia e Educação * Ana Luísa de Marsillac Melsert & Pedro Paulo Gastalho de Bicalho 159
Bacca, A. M., Pey, M. O., & Sá, R. S. (2004). Nas pegadas de Foucault, M. (2008). Vigiar e punir (35a ed.). Petrópolis: Vozes.
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Bock, S. D. (2010). Orientação profissional para as classes pobres. Psicólogo.
São Paulo: Cortez Editora.
Sobre os autores
Artigo derivado do Trabalho de Conclusão de Curso em Psicologia intitulado “O vestibular como ponto de (des)encontros entre práticas em
psicologia e em educação”, apresentado à Universidade Federal do Rio de Janeiro em Dezembro de 2010 como requisito parcial para colação
de grau de Formação em Psicólogo.
160 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 153-160.
Resenha
Mesmo que em língua hispânica, este livro de Gon- primórdios da Psicologia Soviética, antes mesmo da Re-
zález Rey é uma preciosidade para todos os interessados, volução de Outubro, do contexto do surgimento da teoria
uma vez que ele não trata somente das teorias de Lev S. de Vigotsky e do significado da primeira parte de sua obra.
Vigotsky, mas, de certa maneira, da história da Psicologia No segundo capítulo são tratados os dois outros momen-
Soviética. tos da obra Vigotsky, quando são tecidas também algumas
A importância dessa obra reside no fato da dificulda- reflexões a respeito de suas propostas metodológicas. No
de de o leitor não detectar, na primeira leitura, os diferentes terceiro, ainda é abordado o contexto da teoria de Vigotsky,
momentos nela registrados, tendo em vista a profundidade e apontados os seus principais contemporâneos, os quais
do pensamento vigotskyano, o pouco acesso aos textos também participaram do desenvolvimento da Psicologia So-
originais, a barreira do idioma e a fragmentação e deturpa- viética. São apresentadas as obras de S. L. Rubinstein, de
ção das obras de Vigotsky, em alguns aspectos. Há, ainda, B. G. Ananiev, de D. N. Uznadze, dentre outros, e tratadas
paradoxalmente, despreocupação em considerar os princí- as semelhanças e as diferenças das ideias desses autores
pios de seus diferentes momentos, ou a preocupação em com a teoria de Vigotsky.
enfatizar apenas um destes momentos. Este livro, apesar de O quarto capítulo versa acerca do desenvolvimento
denso e com muitas informações, é de fácil leitura para os e das contradições da obra de Vigotsky, e da crítica à teoria
profissionais da área. da atividade de A. N. Leontiev, esta última, inclusive, entre
Diferentemente dos livros que tratam da teoria de alguns seguidores de Leontiev. Por último, no quinto e mais
Vigotsky de forma única, harmoniosa e linear, Fernando longo dos capítulos, González Rey dá continuidade à crítica
González Rey apresenta nuances ao longo da história e à teoria da atividade e à obra de Vigotsky, apresentando os
seu caráter contraditório, vivo e em desenvolvimento. Ele novos desenvolvimentos a partir da teoria elaborada por ele
situa, sobretudo, os três momentos da obra vigotskyana, mesmo, fazendo isso sobretudo com a teoria da subjetivida-
ocorridos ora por interferência política do país, ora por inter- de que, conforme ele teoriza, é um dos desdobramentos e
ferência do próprio desenvolvimento da ciência psicológica, desenvolvimentos possíveis do legado deixado por Vygotsky
naquele momento, e ora de acordo com os diferentes pen- (o marco da nova Psicologia Histórico-Cultural). Neste capí-
samentos desenvolvidos por ele mesmo. tulo, dentre outros assuntos, são abordadas as críticas dos
Este livro de González Rey está dividido em cinco anos 70, do século XX, às teorias da atividade e à obra de
capítulos e mais o prefácio. O primeiro capítulo trata dos Vigotsky como um todo, e a introdução do tema da comuni-
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 161-162. 161
cação e suas consequências na Psicologia Soviética. Entre- ções, arte e fantasia, os quais foram associados às questões
tanto, os temas mais importantes deste capítulo referem-se de sentido e de vivência, desprendendo a linguagem e a
à questão da subjetividade na Psicologia Soviética – suas cognição do lugar central da Psicologia, o que deu lugar ao
bases, desenvolvimento e contradições – e ao desenvol- desenvolvimento futuro do tema subjetividade.
vimento atual do tema, propostos por González Rey, com À guisa de conclusão, ressalta-se que González
desafios e perspectivas, aspectos que serão abordados um Rey não somente estuda de forma primorosa os diferentes
pouco mais ao final desta resenha. momentos da obra de Vigotsky, mas também se propõe ao
Algumas das características da obra de Vigotsky são desenvolvimento posterior desta psicologia, como proposta
apresentadas por González Rey mostrando-a em seus três de continuidade ao legado de Vigotsky, com o estudo da
momentos. O primeiro momento, de 1915 a 1928, foi marca- teoria da subjetividade, na Psicologia Histórico-Cultural. Na
do, principalmente, pela publicação de seu livro Psicologia teoria de González Rey o humano se forma e se desenvolve
da arte, época em que Vigotsky estudou a relação entre nas histórias de sua vida e da sociedade em que vive. O
cognição e afeto, questões da fantasia e da imaginação, e o emocional nas funções psíquicas é outro aspecto importan-
caráter gerador das emoções humanas. O segundo momen- te na teoria da subjetividade. Nele, também, há os efeitos
to, de 1928 a 1931, foi um período mais distinto em face dos dos acontecimentos da vida e da subjetividade social, na
outros quando, de acordo com o autor, existiu a afirmação subjetividade individual, mas não de maneira imediata, mas
da teoria histórico-cultural sobre a psique. Neste período com independência relativa. Há a integração do social e do
Vigotsky estudou o desenvolvimento das funções psíquicas individual em um novo nível qualitativo e a pessoa passa a
superiores, trabalhando, então, os conceitos de signo, fer- ser um elemento ativo da organização social, rompendo a
ramenta, mediação e interiorização. Este período, conforme dicotomia entre o social e o individual.
González Rey, recebeu críticas em vista do estreito conceito Desta forma, somos brindados, com a leitura deste
do social e da cultura, por não considerar a comunicação em livro, não apenas com a história da Psicologia Soviética,
seus trabalhos e pelas consequências passivo-reprodutivis- com o aprofundamento da teoria de Vigotsky e dos três mo-
tas do ensino na União Soviética. Enfim, esta foi uma fase mentos de sua obra, mas também com a teoria de González
mais determinista, segundo o autor, quando foram desconsi- Rey, que pode ser considerada como uma continuação da
deradas as emoções nas funções psíquicas. teoria de Lev Vigotsky naquilo que muito interessa àqueles
No terceiro e último momento dessa obra, de 1928 que consideram o homem na sua individualidade e no social,
a 1934, houve, de acordo com González Rey, o retorno a qual seja, a teoria da subjetividade.
alguns aspectos de seu primeiro momento, tais como emo-
Sobre a autora
162 Resenha
História
Psicologia Educacional ou Escolar? Eis a questão
Resumo
Este artigo apresenta alguns dados oriundos da tese de doutorado sobre a história do campo de conhecimento e prática da Psicologia em sua
relação com a Educação no Brasil. Este estudo foi conduzido baseado no fundamento epistêmico-filosófico do materialismo histórico dialético e na
nova história, utilizando fontes bibliográficas históricas e cinco relatos orais de personagens da Psicologia Educacional e Escolar. Os depoimentos
e o material das fontes escritas constituíram o corpus documental cuja organização seguiu a metodologia da história oral e historiografia plural.
Foi realizada análise descritivo-analítica compreendida em duas etapas: a) análise documental (fontes não orais) e b) construção de indicadores
e núcleos de significação dos registros orais. A partir das análises, compôs-se uma periodização da história da Psicologia Educacional e
Escolar brasileira por meio de marcos históricos da área. No presente artigo destaca-se a discussão acerca da conceituação e terminologias
utilizadas pela Psicologia Educacional e Escolar ao longo do tempo e de como essas mudanças nas nomenclaturas da área refletem questões
epistemológicas, ideológicas e políticas.
Palavras-chave: Psicologia escolar, psicologia educacional, história da psicologia.
In this article we present some data from our doctoral thesis in which we investigate the history of the knowledge and practice of Educational
and School Psychology in Brazil. The study was carried out based on new history and philosophical-epistemological foundation of historical and
dialectical materialism. We used bibliographical references as well as historical and oral accounts of five living characters of Brazilian history of
Educational and School Psychology. The statements of historical sources and the material constituted a corpus of documents which followed the
methodology of oral history and pluralistic history. A descriptive analysis was performed in two steps: a) document analysis (non-oral sources)
and b) construction of a core of indicators from oral records. From the analysis, we built a timeline of the history of Educational Psychology and
Brazilian school through landmarks of the area. We explore here the concept and terms used for the identification of Educational Psychology
and School Psychology. We confer how these changes in the nomenclature of the area reflect epistemological, ideological and political choices.
Keywords: School psychology, educational psychology, history of psychology.
Este artículo contiene datos da tesis de doctorado de uno de los autores que investiga la historia y práctica de la Psicología y su relación con
la Educación en Brasil, basándose en la nueva historia y en el materialismo histórico dialéctico, tomando referencias bibliográficas y relatos
orales de cinco personajes de la Psicología Educacional y Escolar en Brasil. Los relatos y material de fuentes históricas constituyen el corpus
documental cuya organización utilizó la metodología de la historia oral e historia plural, realizando una interpretación descriptivo-analítica en dos
etapas: a) análisis de documentos (fuentes no orales) y b) construcción de indicadores y núcleos de significado de registros orales. A partir del
análisis se efectuó una cronología de la historia a través de puntos de referencia de la historia del área. En este trabajo se discute el concepto y
los diversos términos utilizados en la identificación de Psicología de la Educación y Psicología Escolar y cómo, a través del tiempo, estos cambios
en la nomenclatura de la Psicología en su relación con la Educación reflejan las opciones epistemológicas, ideológicas y políticas diferenciadas.
Palabras Clave: Psicología escolar, psicología educacional, historia de la psicología.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 163-173. 163
Introdução A partir do conjunto de elementos investigados cons-
truídos e de sua análise (descritivo-analítica), compôs-se um
William Shakespeare até hoje desperta paixões e panorama da história da Psicologia Educacional e Escolar
esse fato se deve, sobretudo, porque suas obras, mesmo brasileira e é então sugerida uma proposta de periodização
tendo uma linguagem característica do fim do século XVI e desse histórico, construída a partir de marcos escolhidos
início do XVII, tratam de temas atemporais e, especialmente, como significativos para esse campo de conhecimento. Es-
falam do humano. A tragédia de Hamlet, o príncipe da Dina- ses períodos correspondem às seguintes etapas: 1) Coloni-
marca (Shakespeare, 2002), e suas outras obras colocam zação, saberes psicológicos e Educação (1500-1906); 2) A
em cena aspectos internos das personagens e trouxeram Psicologia em outros campos de conhecimento (1906-1930);
para o teatro a necessidade da interpretação das angústias 3) Desenvolvimentismo – a Escola Nova e os psicologistas
e questionamentos quanto à existência humana e suas vi- na Educação (1930-1962); 4) A Psicologia Educacional e a
cissitudes. Psicologia “do” Escolar (1962-1981); 5) O período da crí-
Quando Hamlet se questiona sobre “ser ou não ser... tica (1981-1990); 6) A Psicologia Educacional e Escolar e
eis a questão” (Shakespeare, 2002, p. 56) e diz ainda que a reconstrução (1990-2000); 7) A virada do século: novos
a consciência nos faz a todos covardes, Shakespeare nos rumos? (2000- ).
brinda com mais uma de suas instigantes formas de nos São analisadas as características específicas de cada
fazer parar para pensar em nós mesmos, nossa existência um desses períodos, mesclando o que foi encontrado nas
e como a temos conduzido. Forma essa que não fecha fontes bibliográficas e orais, e construindo um percurso pelo
em si própria uma resposta definitiva e carrega todas as qual passou a chamada “Psicologia Educacional e Escolar”
possibilidades abertas e polissêmicas de forma dialética e no Brasil ao longo desses anos. Em termos gerais, pode-se
processual. Ou seja, as tragédias shakesperianas se eterni- dizer que, em vários momentos, a Psicologia em sua relação
zaram também por deixar ao leitor múltiplas possibilidades com a Educação passou por várias transformações, sendo
de escolha, sem cair no “isto ou aquilo”, conforme poema um conhecimento e uma prática que ora esteve a serviço de
de Cecília Meireles (1990), ensejando reflexões que tratam interesses conservadores e capitalistas, ora contribuiu para
da transformação constante e do movimento intrínseco de reflexões revolucionárias e emancipatórias.
produção de sentidos sobre o humano e a vida cotidiana. Um dos resultados interessantes que se pôde cons-
É com esse espírito de questionamento, de movi- truir a partir da tese foi a compreensão de que as diferentes
mento que gostaríamos que os futuros leitores recebessem formas de nomenclaturas que se referem à relação entre a
o presente texto1, resultado de uma tese que teve como Psicologia e Educação na verdade ensejam pressupostos
objetivo investigar a constituição e consolidação do campo teóricos, práticos, metodológicos e inclusive ideológicos que
de estudo e atuação em Psicologia Educacional e Escolar precisam ser compreendidos não apenas como meras dife-
no Brasil, por meio de depoimentos orais e de outras fon- renças de nomeação. Identificamos que cada um dos ter-
tes historiográficas. A investigação foi conduzida com base mos usados na identificação desse campo de conhecimento
nos pressupostos epistêmico-filosóficos da nova história e por nós intitulado “Psicologia Educacional e Escolar” tem um
do materialismo histórico e dialético. A pesquisa teve como percurso histórico que precisa ser conhecido pelos psicólo-
diferencial a utilização da história oral e historiografia plura- gos e profissionais que se interessam por esse campo. E é
lista como metodologias empregadas. Foi então construído sobre essa parte específica da tese que lançaremos nosso
um corpus documental composto por fontes historiográficas olhar neste artigo.
sobre o tema e depoimentos orais de cinco personalidades
que fizeram parte da construção da história da Psicologia
Educacional e Escolar no país. Psicologia educacional ou escolar: uma questão
Os depoentes foram escolhidos por terem sido pio- de nomenclatura?
neiros, ou os primeiros a contribuir para esse campo de
atuação, ou, mesmo não se tratando de pioneiros, prota- Quando se fala em Psicologia em sua relação com a
gonistas que colaboraram como personagens ativos num Educação geralmente se usam os termos “Educacional” ou
determinado momento histórico. O trabalho construiu e “Escolar”. Além dessas nomeações são comuns os termos:
organizou os depoimentos do Dr. Arrigo Leonardo Angelini, Psicologia na Educação, Psicologia da Educação, Psicolo-
da Dra. Geraldina Porto Witter, da Dra. Maria Helena Souza gia aplicada à Educação e Psicologia do Escolar. Entretanto,
Patto, da Dra. Raquel Souza Lobo Guzzo e do Dr. Samuel por meio da pesquisa histórica, foi possível encontrar ainda
Pfromm Netto. Os depoimentos estão na íntegra na tese2. as seguintes expressões: Psicologia Pedagógica, Pedago-
gia Terapêutica, Pedologia, Puericultura, Paidologia, Paido-
1 Este artigo é fruto de uma discussão realizada inicialmente na
tese de doutorado intitulada Estudos para uma história da Psicologia técnica, Higiene Escolar, Ortofrenia, Ortofrenopedia e Defec-
Educacional e Escolar no Brasil, de Barbosa (2011), orientada tologia. Também em obras diversas aparecem expressões
por Marilene Proença Rebello de Souza no Programa de Pós- relacionadas: Psicotécnica, Psicologia Aplicada às coisas
Graduação em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano
do Ensino, Psicologia para pais e professores, Psicologia
do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP).
2 A referida tese está disponível no portal de teses da USP e foi um da criança, Psicologia do aluno e da professora, Biotipologia
trabalho financiado com bolsa do CNPq. Educacional, Psicopedagogia, Psicologia Especial, Higiene
164 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 163-173.
Mental Escolar, Orientação Educacional e Orientação Pro- fundamenta sua atuação nos conhecimentos produzidos
fissional. Em alguns casos se refere à teoria e em outros se pela Psicologia da Educação, por outras sub-áreas da
designa o conjunto de práticas desenvolvidas nesse âmbito. psicologia e por outras áreas de conhecimento.
Com esse emaranhado de nomes pode-se pensar
que há inclusive uma indefinição identitária desse campo.
Se a resposta for sim, essa é uma discussão muito impor- Deve-se, pois, sublinhar que Psicologia Educacional e
tante para os profissionais que têm interesse nesse tema. Psicologia Escolar são intrinsecamente relacionadas, mas
Além disso, é necessário questionar, por exemplo, como não são idênticas, nem podem reduzir-se uma à outra,
geralmente se nomeiam os profissionais e os serviços desse guardando cada qual sua autonomia relativa. A primeira
setor? Será que existem diferenças quando se fala Escolar é uma área de conhecimento (ou sub-área) e tem por
e Educacional? Ou ainda Psicologia da Educação ou na finalidade produzir saberes sobre o fenômeno psicológico
Educação? no processo educativo. A outra constitui-se como campo
Na busca de responder a essas indagações que pen- de atuação profissional, realizando intervenções no espaço
samos em traçar um percurso histórico desse conjunto de escolar ou a ele relacionado, tendo como foco o fenômeno
nomenclaturas para compreender como, ao longo do tempo, psicológico, fundamentada em saberes produzidos, não só,
foram se constituindo essas nomeações e quais são suas mas principalmente, pela subárea da psicologia, a psicologia
finalidades e distinções. A partir da investigação constatou- da educação (p. 3-4).
-se que realmente é fato que a própria definição do que seja
ou não Psicologia Educacional e Escolar passou por várias A autora diz em nota de rodapé que “muitas expres-
transformações conceituais que refletiram em sua própria sões são utilizadas, dentre as quais: Psicologia Educacional,
designação. A análise histórica dessas configurações reve- Psicologia da Educação, Psicologia na Educação e outras.
lou que essas diversas terminologias não são meramente Há implicações teóricas que subjazem à opção por uma ou
uma questão de escolha de nomenclaturas que denominam outra denominação, mas que não serão aqui tratadas, dada
o mesmo fenômeno. delimitação do presente texto” (p. 3). Em termos gerais a
Identificamos que esses termos citados e suas dis- definição mostra Psicologia Educacional e da Educação
tinções têm todo um sentido histórico. Essas diferenciações como sinônimos e correspondem à teorização ou produção
estão relacionadas, sobretudo, à definição desse campo de saberes sobre o processo educativo e a Psicologia Esco-
em termos de (a) objetos de interesse, (b) finalidades e (c) lar como um campo de atuação ou prática do psicólogo em
métodos de investigação e/ou intervenção, que, por sua contextos educativos diversos. Antunes (2011) recentemen-
vez, estão relacionados à visão de homem, de mundo, de te voltou a tratar do tema dizendo que essas diferenciações
sociedade, de educação e de escola e também quanto ao devem ser observadas a partir do contexto histórico no qual
foco de olhar à interface Psicologia e Educação. E isso foi se estão inseridas e, portanto, é de suma importância trazer à
modificando ao longo do tempo, como discutiremos a seguir. luz como foram constituídas historicamente.
Inicialmente gostaríamos de trazer uma definição de Essa diferenciação e diríamos até cisão clássica
Antunes (2007): entre teoria e prática foi historicamente constituída na Psi-
cologia e também na Psicologia Educacional e Escolar,
A Psicologia Educacional pode ser considerada como uma especialmente pela influência estadunidense. Sabemos que
sub-área da psicologia, o que pressupõe esta última como foi nos Estados Unidos que apareceu pela primeira vez em
área de conhecimento. Entende-se área de conhecimento termos científicos o termo “Educational Psychology” em livro
como corpus sistemático e organizado de saberes homônimo de Thorndike de 1903 e, posteriormente, esse
produzidos de acordo com procedimentos definidos, mesmo autor colaborou para a criação da primeira revista
referentes a determinados fenômenos ou conjunto de dessa temática nos Estados Unidos, intitulada “Journal of
fenômenos constituintes da realidade, fundamentado em Educational Psychology”, em 1910. Posteriormente, inspira-
concepções ontológicas, epistemológicas, metodológicas e dos por esse primeiro, surgiram outros periódicos de igual
éticas determinadas. Faz-se necessário, porém, considerar a interesse, por exemplo: “School Psychology International”,
diversidade de concepções, abordagens e sistemas teóricos “Psychology in the Schools”, “School Psychology Review” e
que constituem as várias produções de conhecimento, “School Psychologist” (Pfromm Netto, 1996, p. 22).
particularmente no âmbito das ciências humanas, das quais A American Psychological Association (APA), uma
a psicologia faz parte. Assim, a Psicologia da Educação das maiores organizações científicas e profissionais que
pode ser entendida como sub-área de conhecimento, que congrega profissionais dos Estados Unidos e de outros pa-
tem como vocação a produção de saberes relativos ao íses associados, como é organizada em divisões, mantém
fenômeno psicológico constituinte do processo educativo. duas divisões para o tema da Psicologia em sua relação
com a Educação, como nos informam Angelini e Witter (Bar-
bosa, 2011):
A Psicologia Escolar, diferentemente, define-se pelo âmbito
profissional e refere-se a um campo de ação determinado, Na “American Psychological Association”, entidade
isto é, a escola e as relações que aí se estabelecem; estruturada em Divisões, existe a Divisão de número
Psicologia Educacional ou Escolar? * Deborah Rosária Barbosa & Marilene Proença Rebello de Souza 165
15 “Educational Psychology” e a de número 16, “School No Brasil, desde a chegada dos jesuítas e da instituição de
Psychology”. No meu entender, a Educacional abrange a um projeto de Educação no país, pode-se verificar o uso de
Escolar (Arrigo Angelini, 2009 – depoimento para Barbosa, conhecimentos, saberes ou ideias psicológicas em interação
2011, p. 595). com os processos educativos. Massimi (1984, 1990) relata
que encontrou em obras, cartas e documentos históricos
do período colonial referências a temas como família, de-
Porque a Psicologia Educacional, no exterior, em vários senvolvimento e aprendizagem infantis, e o papel dos jogos
países, ela aparece como associada. Elas são dois ramos. A na educação, entre outros assuntos que mais tarde seriam
Psicologia Escolar faz pesquisa, mas a pesquisa está ligada objeto da Psicologia em sua relação com a Educação.
ou é decorrência da Psicologia Educacional. Ou mesmo é Desse modo, muito antes da influência dos estudos
uma aplicação no âmbito estrito (Geraldina Porto Witter, norte-americanos aportarem no país, assim como os conhe-
2009 – depoimento para Barbosa, 2011, p. 295). cimentos psicológicos europeus e ingleses do século XX,
podemos encontrar referências como a de Juan Luís Vives
E, nesse sentido, no Brasil, devido à influência que (1492-1540), comentador de Aristóteles que, segundo Noe-
se teve dessas formulações estrangeiras, classicamente se my Silveira Rudolfer, em seu trabalho precursor no século
considerava que essa era a distinção primordial. A profes- XVI, na obra “De Anima et Vita” (de 1538), escreve sobre
sora Geraldina Witter ainda complementa dizendo que essa Psicologia e sua relação com o ensino. A autora afirma que:
diferenciação é inócua, pois, segundo ela, “é claro que uma
coisa não vive sem a outra, não é?” (depoimento para Bar- Êle3 não podia aplicar à educação princípios psicológicos
bosa, 2011, p. 555) inexistentes. Nem seria possível encontrá-los numa época
Mas, de um modo geral, essa divisão clássica e de transição da psicologia. Tratou de induzi-los com o alvo
hoje tradicional é muito disseminada por alguns teóricos e da aplicação em mira.
profissionais que mantêm a ideia de que a Psicologia Edu-
cacional fica a cargo de responder pela teorização e pelas
pesquisas, e a Psicologia Escolar, pela prática. Contudo, a [...] não se pode conhecer a natureza ou a origem da alma,
partir do olhar histórico, verifica-se que o termo “Psicologia mas apenas suas manifestações, diz êle [Vives]. É com
Educacional” durante muito tempo no Brasil reunia em si os razão, pois, que o consideram o iniciador da psicologia
dois aspectos – o teórico e o prático –, sendo que também empírica.
havia outras nomeações (antes citadas) que designavam
esse campo.
Uma peculiaridade da história da Psicologia no Bra- [...] é, por conseguinte, nos elementos da psicologia de
sil é que, diferentemente do que ocorreu em outros países Vives que vamos encontrar os primeiros traços da psicologia
nos quais o campo da Psicologia Educacional e Escolar se educacional, na sua exposição da variedade de manifestação
consolidou após a Psicologia propriamente dita, como uma da alma (Rudolfer, 1938/1965, p. 6-7).
derivação desta, pelo menos no que se refere à prática, aqui
ocorreu de forma diferente. Esse campo nasceu, desenvol- Para Cerqueira (2000), Vives foi um dos colaborado-
veu-se e se consolidou concomitantemente à Psicologia pro- res para a elaboração do “Ratio Studiorum”, que foi o plano
priamente dita. E especialmente ao que tange à aplicação geral de estudos organizado pela Ordem da Companhia de
prática dos conhecimentos psicológicos, o campo educativo Jesus para a aplicação em todos os colégios mantidos por
foi um dos primeiros. Isso é possível apreender por meio das esta. A educação jesuíta durou de 1549 a 1759 e tinha como
evidências encontradas em documentos escritos, nos de- propósito primordial o trabalho educativo visando à cate-
poimentos que podemos ter acesso de pioneiros e também quização e instrução na fé cristã. Em 1759, por meio das
na constituição dos primeiros serviços. Para Antunes, essa Reformas Pombalinas, ocorreu a expulsão da Companhia
ligação é tão intensa que: “[o] vínculo entre a Psicologia e de Jesus do Brasil. O Marquês de Pombal então instaura
Educação é um vínculo muito estreito, e eu diria até consti- uma série de mudanças no sistema educacional que tinham
tutivo” (Ciampa & Conselho Regional de Psicologia de São influência das ideias iluministas e defendiam o ensino laico.
Paulo, 2009). Essa mesma autora reitera que a Psicologia As reformas de Pombal incluíram mudanças nos “es-
Educacional e Escolar foi um dos principais pilares sob o tudos menores” (primeiras letras) e nos “estudos maiores”
qual a Psicologia se erigiu no seu processo de autonomiza- (ligados à Universidade de Coimbra). Foram contratados
ção e que muitas práticas iniciais da Psicologia principiaram professores régios, que recebiam da Coroa e, ao mesmo
por meio da sua relação com a Educação (Antunes, 2003, tempo, se submeteram a uma orientação pedagógica que
2007). incorporava os ideais iluministas. Nesse sentido, o ensino
Como temos conhecido através dos estudos de passa a ter como característica a educação por meio de
Massimi (1984, 1990) e Massimi e Guedes (2004), desde aulas régias (ou avulsas) tendo a figura do professor como
o período colonial, podemos encontrar indícios de conheci- central no processo (Saviani, 2008).
mentos psicológicos sendo aplicados em diferentes áreas 3 Optou-se por manter as grafias das palavras como apresentadas
e uma delas se destaca, o trabalho de educação jesuítica. nos textos originais consultados.
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Segundo Antunes (2003), no Período Colonial a ca- va a presença da chamada Pedagogia Terapêutica, Higiene
racterística principal era propiciar a educação dos indígenas Escolar ou Higiene Mental Escolar, quando se enfatizavam
e da população recém-chegada ao Brasil. Tinha-se como os métodos de intervenção médico-curativos e clínicos para
objetivo principal a educação de crianças de modo a “domá- resolver os chamados “problemas das crianças”.
-las”, “moldá-las” segundo os propósitos do adulto. A autora Essas referências iniciais da Psicologia Educacional
considera que se utilizava de castigos e prêmios como meio tinham relação com a crescente onda do movimento de Hi-
de controle do comportamento e que é comum encontrar giene Mental ou higienista que se tornou expressivo no país
referências do período que tratam do cuidado com a edu- no início e meados do século XX. Também foram influências
cação moral e física dos infantes. Ela informa que Manoel iniciais a expansão do movimento psicométrico, da Psica-
Andrade Figueiredo (1670-1735), que escreveu a primeira nálise e da Psicologia Infantil (Puericultura) ou Pedagogia
cartilha educativa de Portugal, denominada “A Nova Escola Terapêutica, como era chamada.
para aprender a ler, escrever e contar” (de 1722), descrevia A Psicologia Educacional no Brasil, em seus pri-
nesta a “educação de meninos rudes”. Estes não deveriam mórdios, abarcava teoria e prática e estava relacionada
ser tratados de forma punitiva, pois isso poderia afetar o de- sobretudo à disciplina “Psicologia Educacional” dos cursos
senvolvimento e a personalidade da criança. Normais, que utilizava trabalhos empíricos realizados em
Assim, explicações para o comportamento infantil Laboratórios de Psicologia, durante muito tempo relaciona-
tinham feições ambientalistas e empiristas, além da proposi- dos ao movimento psicométrico, higienista e influência da
ção de formas de prevenção de problemas de comportamen- Psicologia Infantil. Usavam-se como sinônimos de Psico-
to por meio de um sistema de monitoria e ensino. Inicia-se, logia Educacional, com essa configuração, os termos Psi-
assim, o uso de conhecimentos que posteriormente chama- cologia na Educação, Psicologia da Educação, Psicologia
ríamos de psicológicos com fins educativos, especialmente aplicada à Educação e Psicologia Experimental. Geralmente
de cunho punitivo, correcional ou adaptacionista. Os termos a expressão “Psicologia Educacional” era mais utilizada por
Pedologia, Puericultura, Paidologia, Paidotécnica (rela- ser a nomenclatura das disciplinas ministradas nos cursos
cionados à criança) e também Ortofrenia, Ortofrenopedia, Normais e esta abarcava as demais como conteúdos. Se-
Defectologia (relacionados à criança “defeituosa”, “deficien- gundo Mello (1975, p. 34): “Em 1931 uma disciplina psico-
te” ou “retardada”) têm origem nesse tipo de pensamento lógica é introduzida, pela primeira vez, no currículo de um
adaptacionista. curso universitário, o nome que recebe – Psicologia Aplicada
Mesmo com essa origem remota, só podemos fa- aos Problemas da Educação – dá indícios do caráter que se
lar em uma “área” propriamente dita chamada “Psicologia queria atribuir ao curso”.
Educacional” (nome inicialmente dado a esta) a partir da Essa disciplina era oferecida no curso de aperfeiço-
autonomização da Psicologia (em fins do século XIX e início amento pedagógico do Instituto Pedagógico de São Paulo
do século XX). No caso do Brasil, também se tem como mar- (curso para professores), e sabe-se que existiam disciplinas
co inicial a criação da profissão de psicólogos no país, em anteriores que tinham terminologias parecidas também em
1962. Esse campo teórico e prático tem ainda como origem outros estados. Outras nomenclaturas relacionadas eram
a criação de instituições e associações dedicadas a esse Psicologia Pedagógica, Pedagogia Científica, Psicologia
objeto de estudo e intervenção nos primeiros anos do século Experimental.
XX, especialmente nos anos 1930. Entretanto, aos poucos Em algumas obras dos anos de 1920 e 1930, que
é que foram sendo definidas as especificidades dessa que é analisamos na tese (Barbosa, 2011), encontra-se a nome-
considerada por uns uma “área”, por outros um “campo”, um ação Biologia Educacional e Biotipologia Educacional, que
“ramo” ou até uma “subdivisão” ou “subárea” da Psicologia4. traziam conhecimentos do campo biológico e também psi-
Nesses primórdios a Psicologia Educacional defi- cológico. Essas denominações nos informam o quanto a
ne melhor seu objeto de interesse, suas finalidades, seus relação entre Psicologia e Educação era constitutiva, tanto
métodos de investigação e conceitos primordiais. É nítida de um quanto de outro desses campos de conhecimento.
a expressão fundante da Puericultura, quando o foco de Também nos comunica sobre a relação inicial da Psicolo-
interesse era o conhecimento do desenvolvimento infantil, gia com a pesquisa empírica, fisiológica e biológica, a partir
e também da Ortofrenia, quando o objetivo era trabalhar as das expressões experimental, fisiológica e biológica. Aqui
questões das crianças ditas “anormais”. Também se obser- começa a se estabelecer outra grande influência além das
anteriormente citadas – o conhecimento biológico e fisiológi-
4 Muitos teóricos falam em área, campo, subárea, subcampo de co, do campo médico, que trouxe a “biologização” dos fenô-
conhecimento e outras formas de nomeação, como foi dito antes. menos escolares, algo largamente criticado nos dias atuais.
Acreditamos ser mais adequado o termo “campo de conhecimento”
Pode-se inferir que a escolha por Psicologia da Edu-
porque entendemos que a Psicologia Educacional e Escolar, mesmo
tendo se originado no interior da Psicologia, atualmente abarca cação ou na Educação, Psicologia Pedagógica, Biologia
conhecimentos desta e para “além” desta, a partir da sua relação Educacional ou Biotipologia Educacional denotam, por um
com outros saberes, inclusive a Educação, as Ciências Sociais e lado, que os conhecimentos psicológicos foram importantes
Humanas em geral. Por outro lado, o termo “área” tem uma tradição
para a constituição e consolidação desses outros campos de
que deve ser respeitada, desde que se compreenda esta não
apenas como prática separada da teoria (ou área de atuação), mas saberes, ao mesmo tempo em que mostram certa relação de
com facetas teórico-práticas numa perspectiva práxica e dialética. “subjugação” de um saber ao outro. No caso, nota-se que
Psicologia Educacional ou Escolar? * Deborah Rosária Barbosa & Marilene Proença Rebello de Souza 167
a Psicologia estaria relacionada aos campos educacional, passando naquele momento por muitas reformulações, a
pedagógico ou biológico, sendo quase que um “braço” des- Psicologia veio para contribuir com a organização destas,
tes. Em outros termos, principia uma influência funesta de de modo a cumprir com a finalidade “ajustatória”. Nesse
alicerçar a Psicologia em sua relação com a Educação à momento, a marca da Psicologia do “ajustamento” e clínico-
influência biologicista e também pedagógica nesses tempos -médica começava a se consolidar.
remotos. Especialmente nos anos 1930, a influência das pes-
É possível inferir que, pelo fato de ainda não termos, quisas produzidas na Europa e nos Estados Unidos cres-
naquela época, uma Psicologia como ciência e profissão, ceu no país, e o movimento da Escola Nova começou a ter
algo que foi se consolidar após a legislação que criou a pro- presença marcante. Sabe-se que, nesse período, historica-
fissão de psicólogos no país (em 1962), a Psicologia e tam- mente o país estava passando por mudanças sociopolíticas
bém a Psicologia Educacional ainda estavam se constituindo estruturais, deixando de ser essencialmente agrário e rural
de forma a “tomar de empréstimo” as produções que eram para se tornar um país agroexportador, industrializado e
realizadas em outros campos de saber (Educação, Biologia, urbano. Nesse sentido, com vistas a uma “renovação es-
Medicina etc.). Isso se observa inclusive nos termos usados colar”, crescia a ideia de uma nova “Educação” e também
até hoje quanto a procedimentos de intervenção como o uso cresceram em conjunto as teorias higienistas que buscavam
da palavra anamnese e diagnóstico (de origem do campo medidas de caráter profilático para o âmbito escolar (Antu-
médico). nes, 2003; Patto, 2008).
Pode-se dizer que o objeto de interesse inicial foi se Yazzle (1997) esclarece sobre o período que:
constituir em um campo de teoria e aplicação estritamente
ligado à docência nas Escolas Normais e cursos de forma- Conforme Penna (1985, p. 8), o pensamento psicológico
ção de professores. A Psicologia Educacional caracterizou- brasileiro em suas origens – assim como nossa cultura
-se, então, nesses primórdios, como ensino de Psicologia do século XIX – foi profundamente marcado pelas ideias
para futuros educadores, tendo a finalidade de formação e francesas embebidas pelo positivismo comteano.
utilização de investigação e produção de saberes oriundos
dos laboratórios, com vistas à compreensão dos proces-
sos educativos. Esses conhecimentos tiveram a influência, [...] os primeiros trabalhos da Psicologia no Brasil foram
sobretudo, do movimento psicométrico e de elementos de desenvolvidos por profissionais da medicina que, oriundos
Puericultura ou Psicologia da Criança, vindas da Europa, de uma elite econômica, puderam complementar sua
especialmente a partir dos estudos desenvolvidos no Insti- formação intelectual junto a centros de cultura europeus
tuto Jean-Jacques Rousseau (nos anos 1930). Também se (principalmente a França). Assim, a erudição burguesa,
destacam a forte presença da Psicanálise a partir dos anos humanista e academicista aí veiculada conduzia ao
1940 e também do pensamento biologicista medicalizante estudo dos fenômenos psicológicos sob a ótica positivista,
que se traduzia à época no movimento higienista. enfatizando a observação direta e a possibilidade de
Em resumo, a Psicologia Educacional teórica e práti- experimentação.
ca tinha como objetivo principal diagnosticar as crianças no
interior da escola quanto a sua “normalidade” ou “anormali-
dade” e, baseada nos experimentos e testagens, garantia-se [...] o modo liberal democrático de pensar a sociedade
a divisão em classes e/ou escolas especiais para atendi- compreendia que a educação dada pela escola, aberta a
mento de suas “necessidades especiais” se fosse o caso. todos os segmentos, oferecendo oportunidades iguais para
Entra em cena a ideia de normatização que se acresce à todos os indivíduos, no novo modelo econômico que aos
de adaptação e atendimento das “anormalidades” por meio poucos ia se implantando no Brasil, ampliando as diferenças
de trabalhos terapêuticos garantidos por meio da Higiene sociais, poderia minimizar os efeitos dos movimentos
Mental Escolar. populares [...] (p. 19).
Essa configuração fica evidente nos primeiros servi-
ços de atendimento psicológico do país que tiveram confi- Para essa mesma autora, o escolanovismo baseava-
guração “educacional”. Em 1938 são criados o Serviço de -se nessa ideia liberal de “mito da igualdade de oportunida-
Saúde Escolar, que teve o médico Durval Marcondes como des” que a escola pode oferecer, negando as diferenças de
coordenador em São Paulo, a Seção Técnica de Ortofrenia e classe dadas pela constituição sociopolítica do capitalismo.
Higiene Mental do Departamento de Educação e Cultura do O movimento de Escola Nova encontrou na Psicologia, atra-
Distrito Federal no Rio de Janeiro e a Clínica de Orientação vés dos testes psicológicos e conhecimento sobre inteligên-
Infantil no Rio de Janeiro. Esta última tinha o médico Arthur cia, maturidade e prontidão para aprendizagem, explicações
Ramos (1903-1949) como responsável. Tanto Durval Mar- para as diferenças individuais que culpabilizavam o sujeito
condes como Artur Ramos demonstraram ter forte ligação pela sua condição e ocultavam as desigualdades sociais
ao pensamento psicanalítico. (Yazzle, 1997).
Outros serviços semelhantes apareceram com igual Nesse contexto, a Psicologia tinha como foco anali-
finalidade em outros estados da Federação e pode-se afir- sar o processo de desenvolvimento infantil, o olhar para a
mar que, como a Educação e a escola brasileira estavam criança, e seu interesse era constituir-se como campo que
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aliaria esses conhecimentos no contexto educacional de para o indivíduo que apresenta algum tipo de “desvio” da-
forma adaptacionista, cuja identificação era a Pedologia, a queles considerados “normais”. No contexto educativo, era
Puericultura e até a Paidologia ou Paidotécnica (terminolo- chamado de “criança-problema”, “aluno problema”, “criança
gias que se referem ao estudo do desenvolvimento infantil). difícil”. A finalidade da Psicologia Educacional interessada
Assim, o objeto de interesse primordial passava a ser a nessa temática é então constituída com base na identifica-
criança no contexto educacional, e a finalidade, compreen- ção e discriminação desses “diferentes”, a partir dos instru-
der suas características, seu processo de desenvolvimento, mentais psicométricos e avaliativos em moda no período5.
utilizando para isso investigações agora não apenas psico- Ao contrário do que parece, o termo “Psicologia Es-
métricas, mas também com foco no estudo das influências pecial”, nessa época, não estava relacionado à área que
familiares e contextuais. tinha como foco os indivíduos “anormais” ou “especiais”; a
A influência da Psicanálise foi um exemplo da mu- Psicologia Especial da época dizia respeito à distinção da
dança de foco do pensamento biologicista e puramente Psicologia Geral, indicando o que atualmente designamos
clínico-médico para um olhar direcionado às configurações áreas específicas (no momento ditas “especiais” da Psicolo-
familiares e sua importância naquele contexto. Embora ain- gia). Assim, a Psicologia Educacional fazia parte da Psico-
da se possa identificar o olhar medicalizante e de ideolo- logia Especial, assim como a Psicologia Clínica, a Social ou
gia liberal e a influência do movimento de Higiene Mental, a do Trabalho (eram especialidades). Em outras palavras, o
pode-se dizer que o foco deixa um pouco de lado apenas o “especial” aqui se referia a um conteúdo “especial”, “especí-
“indivíduo” criança e passa a observar seu entorno, no caso fico” ou de “especialidade” no interior do grande campo da
a família. Psicologia chamado de Psicologia Geral6.
Esse tipo de pensamento também se inseriu no que Além disso, as nomeações Psicotécnica e Psicologia
depois passou a se designar “Psicologia do Escolar”, que re- Aplicada indicavam a ênfase no campo prático da Psicologia
presentava a ênfase no olhar para “o” escolar, ou o estudan- e, nesse sentido, se destacava a Psicologia Aplicada aos
te, ressaltando a análise individual dos fenômenos escolares âmbitos escolar, clínico, do trabalho, social etc. A Psicologia
e o olhar para a criança no contexto escolar. Nos anos 1960 Aplicada à Educação também tinha como símiles a Psico-
e 1970 do século XX, podemos dizer que essa “Psicologia logia para pais e professores, a Psicologia da criança, do
do Escolar” com foco na “criança-problema”, ou “criança aluno e da professora e a Psicopedagogia. Especialmente
que não aprende”, e nos “problemas de aprendizagem” foi a em textos das décadas de 20, 30, 40 e 50 do século XX é que
tônica do momento. A marca ainda clara do modelo clínico- aparecem tais denominações referindo-se especificamente à
-médico permanece e busca-se cada vez mais a investiga- atuação prática da Psicologia Educacional (Barbosa, 2011).
ção dos processos “anormais” ou “desviantes”, cuja base é Observou-se que, a partir da profissionalização, com
a Psicologia do “ajustamento”, da Psicologia Diferencial e da a aprovação de lei que regulamentou a profissão de psicólo-
Psicopatologia. gos no Brasil (Lei N. 4.119 de 27 de agosto de 1962), usam-
-se mais termos relacionados à Psicologia Aplicada, assim
É por aí que a história da presença da Psicologia na como se perpetuam as terminologias ligadas ao campo de
educação começa. Começa medindo aptidões tidas como tratamento dos “anormais” e inicia-se o uso da nomenclatura
naturais, e tentando fazer um encaixe perfeito entre as “Psicologia Escolar” nos anos 1970 e 1980. Em meados dos
capacidades medidas de Q.I., habilidades específicas etc. anos 1970 iniciam-se práticas de psicólogos em unidades
e o ensino. Era um raciocínio muito parecido com o da como prefeituras e centros de atendimento psicológico es-
taylorização do processo de produção industrial. Você tem a pecífico para atendimento escolar (Taverna, 2003). Também
máquina e a matéria-prima, por exemplo, uma máquina que à época é característica o crescimento da “Psicologia do
processa arame, você precisa de fios de arame no diâmetro Escolar”, que mostrava como objeto de interesse o aprendiz
exato para que aquela máquina possa processá-lo, e você e cuja principal finalidade era compreendê-lo para contribuir
separa os arames mais grossos ou mais finos. Houve um com seu processo educativo.
namoro sério da Escola Nova com o taylorismo, tanto lá fora Mantém-se ainda a primazia do interesse “na” crian-
como aqui no Brasil. E essa ideia de ajustamento, digamos ça que “não aprende” no contexto escolar e nos chamados
assim, entre o processo de ensino e as características do “anormais” e “crianças-problema”, embora as explicações
aprendiz. Esta é a concepção de ensino que está na base da sobre esse não aprender mudem de foco. Com finalidades
educação compensatória (Maria Helena Souza Patto, 2010 liberais e ajustatórias, a teoria da carência cultural, nascida
– depoimento para Barbosa, 2011, p. 644). 5 O trabalho de Cotrin (2010) trata da história da Psicologia
Educacional e Escolar na sua relação com a Educação Especial e é
Para o atendimento ou “tratamento” dos “anormais” uma referência importante para maiores detalhes sobre esse tema
surgem os serviços de Higiene Mental, Higiene Mental Esco- específico.
lar, Ortofrenia, Ortofrenopedia e Defectologia. Todas essas
nomeações tinham como objeto a investigação e tratamento 6 Essa questão é de suma importância para os pesquisadores em
história, a atenção ao significado dos termos em momentos históricos
dos denominados “anormais”, “retardatários”, “excepcio-
específicos, assim como o tema “Psicologia Especial”, temos o
nais”, “especiais”, campo que hoje denominamos Educação exemplo da palavra “experimental” ou “Psicologia Experimental”
Especial. Nesse contexto, o objeto de interesse se desloca que também mudou muito seu significado ao longo do tempo.
Psicologia Educacional ou Escolar? * Deborah Rosária Barbosa & Marilene Proença Rebello de Souza 169
nos Estados Unidos como forma de explicação das diferen- 1981 nota-se uma mudança provocada pela crítica da autora
ças individuais entre as minorias pobres, negras e latinas ao pensamento tradicional que até então era dominante no
no país, passa a ser amplamente divulgada em nosso país. âmbito da Psicologia Educacional e Escolar no país. Mui-
Segundo Patto: tos pesquisadores (Cruces, 2003; Meira & Antunes, 2003a,
2003b; Silva, 2002; Souza, 2008; Waeny & Azevedo, 2009;
A teoria da carência cultural foi a resposta que o Estado Yazlle, 1990, entre outros) acreditam que essa publicação foi
norte-americano deu aos movimentos das minorias raciais, um divisor de águas para a Psicologia Educacional e Escolar
às suas reivindicações de igualdade de liberdade, de no país, dada a sua crítica ter levado a pensar em outros
fraternidade, de direitos civis, sociais e políticos... rumos para a área.
A partir da crítica empreendida nessa obra e também
em outras posteriores, observa-se a mudança no que se
[...] A teoria da carência cultural é baseada nisto. [...] refere ao objeto de interesse, às proposições das finalida-
des e também aos métodos e técnicas de atuação nesse
contexto. Cresce a utilização da nomenclatura Psicologia
[...] Afirmava-se que as crianças negras não aprendiam, Escolar com vista a se diferenciar da Psicologia Educacional
não porque fossem geneticamente inferiores, porque depois agora entendida como tradicional e representante de todo
da Segunda Guerra Mundial e depois do nazi-fascismo o pensamento anterior de cunho ajustatório, adaptacionista,
ninguém tinha a coragem de afirmar isso explicitamente, discriminatório e que ora assumiu feições biologicistas, me-
mesmo que acreditasse... A teoria da carência cultural dicalizantes, ora defendeu teorias como aquelas oriundas do
parte do princípio de que a inteligência é algo que se pode pensamento higienista e da carência cultural.
aumentar pela estimulação ambiental. E os programas de A chamada Psicologia Escolar, atualmente denomi-
educação compensatória eram isto, era fazer com que nada por alguns autores como Psicologia Escolar Crítica
crianças supostamente menos capazes de aprender, porque (Meira, 2000; Meira & Antunes, 2003a, 2003b; Souza, 2010;
teriam um ambiente muito pobre de estimulação, pudessem Tanamachi, 2000; Tanamachi, Proença, & Rocha, 2000),
ser estimuladas através desses programas para poderem ir tem como prerrogativa outras bases de sustentação teórica
bem na escola. Acreditava-se que desta forma se poderia e metodológica e se caracteriza por propor um olhar para o
garantir na sociedade norte-americana a igualdade de processo de escolarização e para o contexto sócio-político-
oportunidades. -cultural em que estão inseridos os processos educativos.
Nessa visão, tem-se como objeto de interesse a investiga-
ção e intervenção nos contextos educacionais e processos
Mas, por mais que você queira, não é possível instaurar de escolarização. Compreende-se que o “não aprender”
igualdade de oportunidades numa sociedade desigual, não é? está relacionado a toda uma produção do fracasso escolar,
Mas as pessoas que trabalharam a teoria da carência cultural cujas origens se referem a uma multiplicidade de fatores
e planejaram os programas de educação compensatória intervenientes, incluindo as políticas públicas educacionais,
não eram mal intencionadas, elas acreditavam nisso. Mas a formação docente, o material didático, a organização
o caminho não é esse, não é por aí (Maria Helena Souza do espaço escolar, entre outros. Muitas vezes, esse “não
Patto, 2010 – depoimento para Barbosa, 2011, p. 644-645). aprender” é materializado/corporificado sob a forma de uma
queixa escolar sobre aquele indivíduo “que não aprende”.
Como diz Yazzle (1997), a Psicologia passa a mini- Essa queixa chega ao psicólogo que deve, a partir de então,
mizar os fatores biológicos como explicação dos comporta- atuar de forma diferente da anterior, que tinha na investiga-
mentos “do escolar” e inicia-se um discurso sobre os fatores ção psicométrica seu maior instrumental de trabalho. Nessa
ambientais e socioeconômicos como produtores de “déficits linha de pensamento, a função do psicólogo escolar é de
comportamentais”, para a autora: “caía-se, assim, no deter- modo crítico buscar ir às origens e raízes do processo de es-
minismo sociológico” (p. 33). E foi apenas a partir da crítica colarização, compreender suas diferentes facetas, incluir em
a esse tipo de pensamento que foi possível construir outro seu trabalho uma atuação junto ao aprendiz, aos docentes,
conhecimento e prática que pudesse tirar o foco da “criança- à família, à escola, à Educação como um todo e à sociedade
-problema”, que “não aprende”, e das finalidades de trabalho em que está inserida.
junto aos “problemas de aprendizagem” com objetivos ajus- Essa ideia de “crítica” é endossada por outros pesqui-
tatórios ou discriminatórios, para finalmente se pensar nos sadores e profissionais da Psicologia Educacional e Escolar
processos educacionais de um modo mais amplo. Essa crí- e fortemente divulgada nos anos 1980, 1990 e 2000. Khouri,
tica principia em meados e final da década 70 do século XX. por exemplo, na obra “Psicologia Escolar” (1984), descreve
Nos anos 1980, muitos teóricos passam a criticar o novo papel do psicólogo nesse campo de atuação:
o foco na criança, no educando, no olhar que enfatizava o
desenvolvimento individual e a utilização de instrumental [...] “o psicólogo escolar atua, em primeiro lugar, de acordo
psicométrico, psicanalítico ou a teoria da carência cultural. com um papel de educador” afirma Reger, que acrescenta:
A partir da tese de Maria Helena Souza Patto intitulada “Psi- seu objetivo básico é ajudar a aumentar a qualidade e a
cologia e Ideologia, reflexões sobre a Psicologia Escolar” de eficácia do processo educacional através dos conhecimentos
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psicológicos. Ele está na escola para ajudar a planejar Em conclusão, é possível afirmar que, ao longo do
programas educacionais [...] (Khouri, 1984, p. 1, grifos do tempo, foram muitos os objetos de estudo, finalidades, mé-
original). todos e técnicas de investigação e intervenção no campo de
conhecimento da Psicologia Educacional e Escolar. Essas
Tanamachi e Meira afirmam que esse campo é uma modificações ocorreram também devido à mudança acerca
“[...] área de estudo da Psicologia e de atuação/formação da visão de homem, de mundo, de educação, escola e so-
profissional do psicólogo, que tem no contexto educacional – ciedade. Essas distinções estão relacionadas a concepções
escolar ou extra-escolar, mas a ele relacionado –, o foco de ideológicas que perpassaram cada momento histórico e, nos
sua atenção” (Tanamachi & Meira, 2003, p. 11). As autoras dizeres de Yazzle (1997), encontramos:
reiteram que o profissional da área, mesmo não atuando di-
retamente no contexto escolar, tem um compromisso teórico [...] práticas individualistas e ajustatórias, com ênfase nos
e prático com as questões da escola e da Educação. Ao pro- processos de aprendizagem e procedimentos remediativos
duzir referências (ciência) ou atuar (profissão) nesse âmbito, – modelo médico – como solução dos chamados problemas
o profissional não deve se limitar aos conhecimentos nem escolares.
da Psicologia, nem da Educação, mas utilizar como base as
produções inúmeras e fecundas de outras áreas de conheci-
mento como a Filosofia, Sociologia, Antropologia etc. De um Contudo, na década de 1980 já se verificam algumas
modo geral, busca-se, a partir dessa nova orientação, novas práticas de psicólogos escolares voltados para a superação
formas de pesquisa, produção de conhecimentos e atuação do psicologismo, contemplando os determinantes concretos,
que tenham imbricadas as dimensões teóricas e práticas e, sociais e históricos das necessidades e dificuldades que
sobretudo, práxicas de compromisso ético-político com as envolvem as instituições educacionais (p. 35).
questões educacionais, escolares e sua melhoria.
As publicações analisadas, relacionadas à perspec- Ampliou-se o modo de olhar e atualmente não ape-
tiva crítica, revelam que o objeto de estudo e a forma de nas se consideram as “dificuldades de aprendizagem do
trabalho se ampliou muito desde aquela atuação inicial nos aluno”, pensa-se contemporaneamente no fenômeno do
“problemas de aprendizagem” das chamadas “crianças- “fracasso escolar”, das “queixas escolares”, dos “problemas
-problema”. Para os autores contemporâneos, o trabalho do de escolarização”, objetos de estudo e intervenção mais
psicólogo nesse campo é ter como principal tarefa buscar abrangentes e não individualizantes da questão. As inter-
otimizar situações que envolvam os processos de escolari- venções/ações do psicólogo escolar também passaram a
zação a partir de uma prática com o coletivo e o individual envolver “orientação profissional”, “orientação educacional”,
concomitantemente. Como métodos e técnicas, utilizam-se “orientação a queixas escolares” e “formação docente”, ou
diferentes estratégicas que atendam às necessidades das seja, um trabalho que envolve todos os atores do contexto
instituições escolares, dos educadores, dos educandos e educativo (alunos, educadores, pais e a comunidade escolar
da comunidade escolar como um todo. O profissional pode em geral). Embora essas novas proposições não sejam unâ-
atuar como profissional dentro da escola ou nos moldes de nimes, elas têm crescido cada vez mais.
trabalho externo (consultoria externa).
Por outro lado, mesmo que haja uma identificação
com esse novo pensamento, ainda encontram-se trabalhos Considerações finais
de Psicologia Educacional e Escolar que expressam a influ-
ência do modelo clínico de atendimento, cujo foco ainda é Pode se dizer que a crise “identitária” da Psicologia
individualizante, sobre a “criança que não aprende”. Apesar Educacional e Escolar persiste, mas tem tido nova configu-
de encontrarmos muitos relatos teóricos e práticos de cunho ração, pois está cada vez mais claro que a denominação,
crítico, por outro lado, ainda se faz presente o pensamento assim como as definições do modo de construção do conhe-
tradicional. Um exemplo é o crescimento da chamada Psico- cimento (teoria) e intervenção (prática), seguirá os pressu-
pedagogia que, em termos gerais, revive o movimento psi- postos subjacentes à escolha de cada profissional no que se
canalítico e clínico-médico de atenção à criança no contexto refere às suas bases de pensamento críticas ou tradicionais.
educacional e sua família. Também a onda medicalizante Contudo, em nossa compreensão, é preciso se tomar cuida-
tem possibilitado a entrada de diagnósticos médicos para do com essa polarização pura e simples já que, a nosso ver,
explicações de fenômenos no campo educacional (Collares é importante que possamos não esquecer a contribuição
& Moysés, 1994), retomando a visão biologicista. histórica de certas teorias e práticas que deram sustentação
A partir dos anos 2000, cresceram vertiginosamente inicial e contribuíram para erigir esse campo de conheci-
trabalhos de atendimento clínico a crianças, assim como o mento. Em outras palavras, exige-se um “dialetizar” dessas
encaminhamento para diagnosticá-las e medicá-las a partir dicotomizações de modo a melhor compreendê-las. É por
de “supostos” transtornos neurológicos (Conselho Regional isso que adotamos a terminologia Psicologia Educacional e
de Psicologia de São Paulo & Grupo Interinstitucional “Quei- Escolar, para manter nossa consideração à história desse
xa Escolar”, 2010). A medicalização e patologização tem campo de conhecimento, que no nosso entendimento é am-
sido cada vez mais frequente no discurso educacional. plo, multifacetado, e que tanto deu contribuições relevantes
Psicologia Educacional ou Escolar? * Deborah Rosária Barbosa & Marilene Proença Rebello de Souza 171
para o campo educacional, como favoreceu a discriminação Ciampa, F., & Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
e o preconceito. (2009). A psicologia educacional e escolar em São Paulo. Direção:
Consideramos que é essencial que possamos, a Fernão Ciampa. Produção: Conselho Regional de Psicologia
partir do conhecimento da história, compreendermos nossas de São Paulo. Roteiro: João Abdalla. São Paulo: CRP-SP.
escolhas no presente de modo a construir um novo futuro. Videodocumentário.
E essa construção é a cada dia, a cada passo, como afir-
ma Guzzo (2001): “Trazendo as palavras de Fagan (1996), Collares, C. A. L., & Moysés, M. A. A. (1994). A transformação do
tornar-se psicólogo escolar é nunca chegar a ser psicólogo espaço pedagógico em espaço clínico (A patologização da
escolar, pois para responder às mudanças sociais no con- Educação). Publicação Série Ideias, 23(25-31). São Paulo: FDE.
texto educacional, nunca se está pronto... é preciso que se
construa a cada dia”. Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, & Grupo
Talvez devamos pensar que esse é um caminho Interinstitucional Queixa Escolar. (2010). Medicalização de
interessante, o do movimento, o de sempre se reinventar, crianças e adolescentes: conflitos silenciados pela redução de
pois, a cada passo da estrada, novos horizontes são avis- questões sociais a doenças de indivíduos. São Paulo: Casa do
tados, o que exige outras formas de caminhar e seguir. E Psicólogo.
devemos, ao invés de procurar uma definição, nomeação
ou denominação definitiva, estarmos abertos às múltiplas Cotrin, J. T. D. (2010). Itinerários da psicologia na educação especial:
possibilidades que ainda não construímos. Não tenhamos uma leitura histórico-crítica em psicologia escolar. Tese de
a pretensão de que fique pronta nossa “edição convincente” Doutorado, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo,
para não estarmos fechados às mudanças e transformações São Paulo.
necessárias, e assim sigamos:
Cruces, A. V. V. (2003). Psicologia e Educação: nossa história e nossa
realidade. Em S. F. C. Almeida (Org.), Psicologia Escolar – Ética
O problema não é inventar. e competências na formação e atuação profissional (pp. 17-35).
É ser inventado hora após hora Campinas, SP: Alínea.
e nunca ficar pronta
nossa edição convincente. Guzzo, R. S. L. (2001). Formando psicólogos escolares no Brasil,
(Carlos Drummond de Andrade, 2002) dificuldades e perspectivas. Em S. M. Wescheler (Org.), Psicologia
escolar: pesquisa, formação e prática. (pp. 61-71). Campinas, SP:
Alínea.
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histórico-crítico. Em M. E. M. Meira & M. A. M. Antunes (Orgs.),
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br/scielo.php?pid=S1413-85572008000200020&script=sci_arttext Meira, M. E. M. (2000). Psicologia Escolar: pensamento crítico e
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em tempos de neoliberalismo. Anais da 31ª. Reunião Anual da M. Souza. Psicologia na escola: um pouco de história e algumas
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Sobre as autoras
Este trabalho é fruto da tese de doutorado de Deborah Rosária Barbosa, orientado pela profa. Marilene Proença, cujo título é “Estudos para
uma história da Psicologia Educacional e Escolar no Brasil”, defendida em 2011 no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e
do Desenvolvimento Humano do Instituto de Psicologia da USP, e foi financiado com bolsa de doutorado do CNPq.
Psicologia Educacional ou Escolar? * Deborah Rosária Barbosa & Marilene Proença Rebello de Souza 173
Relato de Prática Profissional
Apresentaremos uma atividade de estágio, referente era a de atuar na zona de desenvolvimento imediato (Vi-
ao quinto ano de Psicologia da Universidade Estadual de gotski, 1993) dos alunos, transmitindo-lhes novos conteúdos
Maringá, o qual constitui um Projeto Institucional de Psicolo- relativos ao mundo do trabalho que “arrastassem2” o desen-
gia Escolar realizado em uma Instituição de Ensino Público volvimento dos mesmos. Este trabalho foi desenvolvido com
de Maringá1 desde 2008. A intervenção, realizada com alu- os alunos do Ensino Médio porque, em nossa sociedade, o
nos do Ensino Médio no ano de 2011, na área de Orientação estudo e a preparação para o mundo do trabalho são ativida-
Profissional, foi subsidiada pelo referencial teórico da Psico- des dominantes do período de transição entre a adolescên-
logia Histórico-Cultural. cia e início da idade adulta (Facci, 2004).
O eixo temático do referido projeto, sobre Orientação Diante das contradições da sociedade capitalista, que
Profissional, visava discutir o mundo do trabalho e a escolha afastam o significado e sentido do trabalho para o trabalha-
profissional com os alunos do Ensino Médio, articulando tais dor nas diversas esferas de produção (Leontiev, 1978/1983),
atividades com ações junto à equipe pedagógica e profes- gerando processos de alienação, buscamos desenvolver os
sores. O trabalho se realizou com seis turmas do primeiro conceitos científicos a respeito do que é trabalho, resgatando
ano, sete turmas de segundo ano e cinco turmas do terceiro seu significado coletivo/social e sentido/pessoal. Isso objeti-
ano do Ensino Médio, cada turma com número médio de vou promover o conhecimento sobre qual o significado que a
25 alunos. Objetivamos proporcionar informações sistema- profissão escolhida assume no presente contexto e como o
tizadas sobre as áreas do conhecimento e profissões, a fim trabalho pode contribuir para o desenvolvimento: próprio e da
de promover o desenvolvimento da consciência, por meio sociedade. Procuramos problematizar a escolha profissional
da apropriação de conhecimentos teóricos e consequente pautada apenas no retorno financeiro e no entendimento de
desenvolvimento dos conceitos científicos relacionados à que cada um já nasce com um dom, com uma capacidade
temática (Vigotski, 1934/2009). Entendemos que a apren- inata para desenvolver determinado ofício. Pelo entendi-
dizagem promove desenvolvimento (Vigotski, 1934/2009, mento da Psicologia Histórico-Cultural (Leontiev, 1978/1983,
1933/1988), sendo que nossa função, como mediadores, 1978/2004; Vigotski, 1930/2004), consideramos que o inte-
resse/motivação para o trabalho é desenvolvido socialmente.
1 Esta instituição atendeu a 2559 alunos no ano de 2011,
distribuídos em três períodos: matutino, diurno e noturno e abrange: 2 E
sse termo refere-se ao entendimento da Psicologia Histórico-
Ensino Fundamental, Médio, Formação de docentes (Integrado), Cultural de que o ensino deve ir além das capacidades que
Formação de docentes (Subsequente), Técnico em Administração o educando já realiza. Ou seja, o ensino deve atuar na zona de
(Integrado), Técnico em Administração (Subsequente), Técnico em desenvolvimento imediato, de modo a provocar, ou seja, “arrastar” o
Logística e Técnico em Secretariado. desenvolvimento (Bezerra, 2009).
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 175-177. 175
Desse modo, o trabalho é considerado como uma atividade mesmo tem na atualidade, podendo gerar humanização ou
intencionalmente planejada, que possui caráter histórico, alienação. No 3º encontro, discutimos sobre o mercado de
sendo que seu motivo, aquilo que estimula e orienta a ativi- trabalho em nível nacional a partir da série de reportagens
dade humana, advém da relação entre significado e sentido. “Emprego”, elaboradas pelo Jornal da Globo3. No 4º encon-
Por entendermos que o motivo para o trabalho de- tro, refletimos sobre o mercado de trabalho no Paraná e em
corre de uma necessidade objetiva (Leontiev, 1978/1983, Maringá. No 5º encontro, foram trabalhadas as diferenças
1978/2004), procuramos desenvolver nos alunos a reflexão de modalidades de curso, formas de ingresso na universida-
sobre o tema, desenvolvendo a capacidade de planejamen- de, financiamento e oferta de bolsas estudantis. Finalmente,
to para o futuro, de modo a estabelecerem para si objetivos no 6º encontro, discutimos informações sobre entrevista
de médio e longo prazo, e sistematização de planos para de emprego e forma de ingresso no mercado de trabalho.
atingir tais objetivos. Além disso, foi realizada uma avaliação do projeto, buscan-
do compreender o desenvolvimento alcançado e sugestões
Procedimentos metodológicos realizados para aprimorá-lo.
176 Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012: 175-177.
liação da disciplina. O sucesso em todas estas atividades Bock, S. D. (2006). Orientação profissional: a abordagem sócio-
somente foi possível por meio de um planejamento coletivo histórica. São Paulo: Cortez.
com a direção e coordenação da escola.
Um desafio encontrado foi o de dar encaminhamen- Facci, M. G. D. (2004). A periodização do desenvolvimento psicológico
tos distintos às turmas, tendo em vista as diferenças de individual na perspectiva de Leontiev, Elkonin e Vygotsky. Cad.
apropriação do conhecimento, elemento este que é impor- CEDES, 24(62). Recuperado: 17 de out. 2011. Disponível:
tante de ser levado em consideração para os trabalhos futu- http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
ros. Outro desafio encontrado foi o de traçar relações entre 32622004000100005&lng=pt&nrm=isso.
o trabalho realizado e o conteúdo das diferentes disciplinas.
Consideramos que seria interessante que as atividades fos- Ferretti, C. J. (1988). Uma nova proposta de orientação profissional.
sem planejadas em conjunto com os professores das disci- São Paulo: Cortez: Autores Associados.
plinas afins, como português, geografia, história, sociologia
e filosofia, e coordenação pedagógica. Leontiev, A. N. (1983). Actividade, conciencia e personalidad. Habana:
Consideramos que alçamos um avanço com relação Pueblo e educación. (Trabalho original publicado em 1978)
ao trabalho realizado em anos anteriores pelo alcance do
objetivo de problematização do mundo do trabalho e desen- Leontiev, A. N. (2004). A. O desenvolvimento do psiquismo. São
volvimento da consciência. A partir das atividades realizadas Paulo: Centauro (Trabalho original publicado em 1978)
consideramos que este trabalho seja uma ação possível em
Psicologia Escolar, coerente com o fundamento teórico pro- Vigotski, L. S. (1988). Aprendizagem e desenvolvimento intelectual
posto. Alguns limites foram percebidos, porém apontamos na idade escolar. Em A. N. Leontiev, A. R. Luria & L. S. Vigotski,
que os mesmos podem ser superados pelo planejamento Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem (pp. 103-117). São
coletivo entre os profissionais envolvidos com a educação: Paulo: Ícone: Editora da USP. (Trabalho original publicado em 1933)
alunos, psicólogos, pedagogos, professores e direção.
Vigotski, L. S. (2009). A construção do pensamento e da linguagem.
São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1934)
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Vigotski, L. S. (1993). Obras escogidas (Vol. 2). Madrid: Visor.
Bezerra, P. (2009). Prólogo do tradutor. Em L. S. Vigotski, A construção
do pensamento e da linguagem. São Paulo: Martins Fontes.
Sobre os autores
A orientação profissional na perspectiva da psicologia histórico-cultural * Elis Bertozzi Aita, Paulo Sérgio Pereira Ricci & Silvana Calvo Tuleski 177
Notícias Bibliográficas
Bibliographic notes
Noticias bibliográficas
Martínez, A. & Tacca, M. C. V. R. (Orgs.). (2011). Possibilidades Lombardi, J. C. (2011). Educação e ensino na obra de Marx e Engels.
de aprendizagem - Ações pedagógicas para alunos com São Paulo: Editora Átomo e Alínea. 272 p.
dificuldade e deficiência. Campinas: Alínea. 271 p. Esta nos parece uma leitura indispensável para os educadores
Uma população escolar que se constitui em constante desafio que buscam ressignificar suas pesquisas e sua prática pelo
para os educadores: os alunos que apresentam dificuldades prisma do materialismo histórico-dialético. Tendo clareza de que
para aprender e os alunos com deficiências. Enfrentar essa Marx e Engels não analisaram especificamente a educação e o
problemática é o propósito deste livro, organizado com o ensino, mas considerando que tais temas encontram-se esparsos
objetivo de trazer contribuições para a reflexão dos contextos no conjunto de suas obras, mesclando-se às críticas das
inclusivos, das práticas sociais e das concepções que estão teorizações e práticas burguesas, Lombardi debruça-se sobre os
em suas bases, assim como, especificamente, trazer uma escritos de Marx e Engels, buscando esquadrinhar a análise ali
compreensão dos processos de aprendizagem desses alunos contida a esse respeito. A educação e o ensino são determinados,
e estimular novas práticas pedagógicas. As autoras colocam no marxismo, em última instância, pelo modo de produção da
em relevância a aprendizagem escolar, em análises reflexivas e vida material. Para o marxismo, entende o autor, não faz sentido
propositivas, enfatizando as condições e oportunidades que, na analisar abstratamente a educação. Trata-se de uma dimensão
escola, oportunizam aos sujeitos superarem obstáculos externos da vida dos homens que, como qualquer outra, transforma-se
e condições subjetivas, fortalecendo suas possibilidades no historicamente, acompanhando e articulando-se às contraditórias
processo de aprender. transformações do modo como os homens produzem sua
existência. O livro apresenta uma dupla recomendação aos
Going, L. C., & Bomtempo, E. (2012). Felizes e brincalhões - educadores: empreender uma crítica à educação burguesa,
uma reflexão sobre o lúdico na educação. Rio de Janeiro: mostrando seus mecanismos classistas de funcionamento,
Editora Wak. 228p. desmistificando e desnaturalizando a inculcação ideológica
O livro traz uma coletânea de assuntos que se propõem a uma realizada na escola; e a necessidade de que os educadores
ampla reflexão sobre a vivência de crianças e adultos nos mais organizem uma prática educativa que possibilite a todos o acesso
diversos ambientes: escolas, brinquedotecas, colônia de férias, ao saber historicamente produzido pela humanidade.
espaços de brincadeira e instituições de apoio a várias faixas
etárias. Trata-se de uma obra que visa alcançar e contagiar pais, Paiva, I. L., & Yamamoto, O. H. (2011). Os novos
professores e demais interessados pelo lúdico para que o brincar quixotes da psicologia e a prática social no âmbito
tenha o seu lugar de direito no cenário educacional. do terceiro setor. Natal: EDUFRN. 154 p.
Convocado ao compromisso social, o psicólogo também
Bottos, J. (2011). A influência da mídia na desvalorização do professor começa a trabalhar na fronteira da exclusão, sem questionar
da escola pública brasileira. Maringá: Eduem. 183 p. a funcionalidade e as implicações políticas do novo cenário.
A autora analisa o processo histórico de desvalorização social Segundo os autores, o que interessa neste livro é discutir que
do professor da Educação Básica. O estigma da incompetência contribuição tem a dar a Psicologia ao enfrentamento da pobreza,
do professor da escola pública brasileira está cotidianamente tendo em vista que essa é uma das profissões incluídas no campo
publicado nos meios de comunicação social, conforme demonstra do bem-estar e inseridas nesse novo cenário político. É preciso,
Bottos ao fazer uma revisão de textos da mídia impressa, então, mostrar outra disponibilidade, reinventar nosso lugar de
especialmente Revista Veja e Jornal Folha de São Paulo online. saber e fazer Psicologia.
Segundo a autora, o conteúdo dos textos apresentados revelou
a necessidade de uma cuidadosa análise histórica, temática Rodrigues,A. J. (Org.). (2012). Avaliação Escolar: estratégias e debates.
e interpretativa, por toda sociedade, afirmando que esse São Paulo: Factash Editora & Hagrao Edições. 194p.
entendimento é essencial como instrumento de luta para os Contando com vários autores, questões essenciais da avaliação
professores e para a escola pública brasileira ressignificar seu escolar são objeto da atenção ao longo dos 12 capítulos do
espaço social. livro que começa com o Prefácio assinado por Bassini e com a
Apresentação de Bassit. São objeto de estudo a relevância da
avaliação, sua aplicação institucional com foco na realidade
nacional, com destaque para o ensino superior, a avaliação do
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012. 179
conhecimento e o poder do professor, os problemas da avaliação cursos de Educação, Administração Escolar e Psicologia Escolar,
do aluno e do professor, da equipe técnica e dos aspectos sendo leitura útil a todo profissional que trabalhe com educação.
técnicos constitucionais acerca do livro. Trata-se de obra útil em
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012. 181
A apresentação dos trabalhos deve seguir os seguintes 4. Folha contendo Abstract, em inglês, compatível com o
passos: texto do resumo:
O Abstract deve obedecer às mesmas especificações para a
1. Folha de rosto sem identificação do nome do autor versão em português, seguido de três keywords, compatíveis
(ou autores) contendo apenas: com as palavras-chave e com o Thesaurus da APA.
1.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12
palavras. 5. Texto propriamente dito:
1.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não Em todas as categorias do original, o texto deve ter
devendo exceder quatro palavras. uma organização de reconhecimento fácil, sinalizada
1.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em por um sistema de títulos e subtítulos que reflitam esta
português. organização. No caso de relatos de pesquisa o texto deverá,
obrigatoriamente, apresentar: introdução, método, resultados
2. Folha de rosto com identificação do nome do autor e discussão e referências. As notas não bibliográficas
(ou autores) contendo: deverão ser reduzidas a um mínimo e dispostas ao pé das
2.1. Título pleno em português, não devendo exceder 12 páginas, ordenadas por algarismos arábicos que deverão
palavras. aparecer imediatamente após o segmento de texto ao qual
2.2. Sugestão de título abreviado para cabeçalho, não se refere a nota. Os locais sugeridos para inserção de figuras
devendo exceder quatro palavras. e tabelas deverão ser indicados no texto. As citações de
2.3. Título pleno em inglês, compatível com o título em autores deverão ser feitas de acordo com as normas da APA,
português. exemplificadas ao final deste texto. No caso de transcrição
2.4. Nome de cada autor, seguido por afiliação institucional e na íntegra de um texto, a transcrição deve ser delimitada
titulação por ocasião da submissão do trabalho. por aspas ou pela citação em itálico não acompanhada de
2.5. Indicação do endereço para correspondência postal aspas. As citações deverão sempre ser seguidas do número
e eletrônica, seguido do endereço completo de todos os da página do original consultado. Uma citação literal com 40
autores, de acordo com as normas dos Correios. ou mais palavras deve ser apresentada em bloco próprio,
2.6. Indicação do endereço para correspondência com o começando em nova linha, com recuo de cinco espaços
editor referente à tramitação do manuscrito, incluindo fax, da margem, na mesma posição de um novo parágrafo. O
telefone e endereço eletrônico. tamanho da fonte deve ser 12, como no restante do texto.
2.7. Se apropriado, parágrafo reconhecendo apoio financeiro,
colaboração de colegas e técnicos, origem do trabalho (por 6. Referências, ordenadas de acordo com as regras gerais
exemplo, anteriormente apresentado em evento, derivado de que se seguem. Trabalhos de autoria única e do mesmo
tese ou dissertação, coleta de dados efetuada em instituição autor são ordenadas por ano de publicação, a mais antiga
distinta daquela informada no item 2.4) e outros fatos de primeiro. Trabalhos de autoria única precedem trabalhos de
divulgação eticamente necessária. autoria múltipla, quando o sobrenome é o mesmo. Trabalhos
2.8 Endereço postal completo e endereço eletrônico de em que o primeiro autor é o mesmo, mas co-autores diferem,
todos os autores. são ordenados por sobrenome dos co-autores. Trabalhos
com a mesma autoria múltipla são ordenados por data, o
3. Folha contendo Resumo, em português: mais antigo primeiro. Trabalhos com a mesma autoria e
O resumo deve ter o máximo de 150 palavras. Ao resumo a mesma data são ordenados alfabeticamente pelo título,
devem seguir-se três palavras-chave para fins de indexação desconsiderando a primeira palavra se for artigo ou pronome,
do trabalho. As palavras deverão possibilitar a classificação exceto quando o próprio título contiver indicação de ordem;
do trabalho com adequada precisão, permitir que ele seja o ano é imediatamente seguido de letras minúsculas.
recuperado conjuntamente com trabalhos semelhantes e Quando repetido, o nome do autor não deve ser substituído
evocar termos que, possivelmente, seriam considerados por por travessão ou outros sinais. A formatação da lista de
um pesquisador ao efetuar um levantamento bibliográfico. referências deve ser apropriada à tarefa de revisão e de
No caso de relato de pesquisa, o resumo deve incluir: editoração - além de espaço duplo e tamanho de fonte 12,
descrição do problema investigado, características parágrafo normal com recuo apenas na primeira linha, sem
pertinentes da amostra, método utilizado para a coleta deslocamento das margens; os grifos devem ser indicados
de dados, apresentação dos resultados e discussão dos por um traço sob a palavra (p. ex., sublinha). A formatação
mesmos. dos parágrafos com recuo e dos grifos em itálico é reservada
O resumo de um estudo teórico/ensaio deve incluir: tópico para a fase final de editoração do artigo.
tratado (em uma frase), objetivo, tese ou construto sob análise
ou organizador do estudo, fontes usadas (p. ex. observação 7. Anexos: apenas quando contiverem informação
feita pelo autor, literatura publicada) e conclusões. original importante, ou destacamento indispensável para a
compreensão de alguma seção do trabalho. Recomenda-se
evitar anexos.
Revista Semestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP. Volume 16, Número 1, Janeiro/Junho de 2012. 183
5. Livros PROCEDIMENTOS DE SUBMISSÃO E AVALIAÇÃO DOS
Solé, I. (1998). Estratégias de leitura. Porto Alegre: Artes MANUSCRITOS
Mdicas. Os manuscritos que se enquadrarem nas modalidades de
trabalho especificadas acima, passarão pelas seguintes
6. Capítulo de livro. etapas de avaliação:
Anderson, R.C. & Pearson, P.D. (1984). A schema-theoretic
1. Encaminhamento para emissão de parecer a dois
view of basic processes in reading comprehension. Em
membros do Conselho Editorial da revista e/ou consultores
P.D. Pearson, R. Barr, M.L. Kamil & P. Mosenthal (Orgs.)
ad hoc.
Handbook of reading research (Vol. 1, pp 251-291). New
York: Longman. 2. Recepção dos pareceres, com recomendação para
aceitação (com ou sem modificações) ou rejeição. No caso
Pasquali, L. (1996). Teoria da resposta ao item - IRT: uma
de aceitação com modificações, os autores serão informados
introdução Em L. Pasquali (Org.), Teoria e métodos de
das sugestões (cópias dos pareceres serão enviados aos
medida em ciências do comportamento (pp. 173-195).
autores)
Brasília, INEP.
3. No caso de aceitação para publicação, a Comissão
7. Livro traduzido, em língua portuguesa Editorial reserva-se o direito de introduzir pequenas
alterações para efeito de padronização, conforme os
Salvador, C.C. (1994). Aprendizagem escolar e construção
parâmetros editoriais da Revista.
de conhecimento. (E.O. Dihel, Trad.) Porto Alegre: Artes
Médicas. (Trabalho original publicado em 1990) 4. O processo de avaliação utiliza o sistema de revisão
cega por pares, preservando a identidade dos autores e
Se a tradução em língua portuguesa de um trabalho em outra
consultores.
língua é usada como fonte, citar a tradução em português e
indicar ano de publicação do trabalho original. 5. A decisão final acerca da publicação ou não do manuscrito
No texto, citar o ano da publicação original e o ano da é sempre da Comissão Editorial.
tradução: (Salvador, 1990/1994).