Cartas para Varsóvia: Escritas de Crianças No Entreguerras
Cartas para Varsóvia: Escritas de Crianças No Entreguerras
Cartas para Varsóvia: Escritas de Crianças No Entreguerras
N329c
Nawroski, Alcione -
Cartas para Varsóvia: Escritas de Crianças no
entreguerras / Alcione Nawroski. – São Paulo: Pimenta
Cultural, 2024.
Livro em PDF
ISBN 978-65-5939-977-2
DOI 10.31560/pimentacultural/2024.99772
CDD: 370.323
PIMENTA CULTURAL
São Paulo • SP
+55 (11) 96766 2200
[email protected]
www.pimentacultural.com 2 0 2 4
CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO
Doutores e Doutoras
Apresentação.............................................................................................13
Prefácio....................................................................................................... 16
CAPÍTULO 1
Janusz Korczak entre as mulheres......................................................23
CAPÍTULO 2
A escrita dos diários................................................................................29
CAPÍTULO 3
Mały Przegląd............................................................................................46
CAPÍTULO 4
A amizade................................................................................................... 57
CAPÍTULO 5
Dom Sierot.................................................................................................. 61
CAPÍTULO 6
A casa da Rosinha.................................................................................... 73
CAPÍTULO 7
Nasz Dom....................................................................................................86
CAPÍTULO 8
Órfãos – filhos da guerra........................................................................94
CAPÍTULO 9
Os Adultos..................................................................................................111
CAPÍTULO 10
A neve.........................................................................................................121
CAPÍTULO 11
A escola..................................................................................................... 125
CAPÍTULO 12
Os professores........................................................................................ 134
CAPÍTULO 13
A Emigração..............................................................................................141
CAPÍTULO 14
As Forças Armadas................................................................................ 172
CAPÍTULO 15
Fábulas, Imaginação e Fantasia........................................................ 178
CAPÍTULO 16
Os animais................................................................................................ 188
CAPÍTULO 17
Rei Mateuzinho I..................................................................................... 197
CAPÍTULO 18
A infância de Henryk Goldszmit........................................................ 201
Referências............................................................................................. 208
Filme................................................................................................................... 209
Jornais ............................................................................................................... 210
11
AGRADECIMENTO
A concretização deste livro foi possível graças as muitas e
muitas mãos que colaboraram nesse trabalho, ora de forma quase
espontânea, ora sob a pressão dos prazos, uma vez que também
fez parte das atividades desenvolvidas com os estudantes do curso
de filologia de língua portuguesa da Universidade de Varsóvia, entre
os anos de 2020 e 2022. Dessarte, evoco um especial agradeci-
mento aos estudantes Aleksandra Węglarz, Aneta Tylek, Dominika
Niestrata, Helena Dobak, Julia Bućko, Julia Tylman, Karol Zbrzeźniak,
Karolina Kłobukowska, Katarzyna Lis, Klaudia Chrzan, Magdalena
Witkowska, Marlena Ruszkowska, Marta Litwinowicz, Mikołaj Pilecki,
Sandra Spurek, Weronika Owczarek e Zuzanna Janiszewska que,
sob minha coordenação, empenharam-se em passear e desvendar
a língua portuguesa do Brasil ao praticarem a tradução da língua de
partida (polonês), falada e escrita por crianças e adolescentes da
década de 1920/1940, para a língua de chegada (português), falada
e escrita pelos brasileiros nos dias de hoje, sobretudo, esforçando-se
para manter a ternura dos escritos das crianças e adolescentes do
período entreguerras.
A autora
SUMÁRIO
12
APRESENTAÇÃO
O livro revela uma série de cartas escritas por crianças e ado-
lescente ao jornal Mały przegląd (Pequeno Jornal) sediado em Varsóvia,
no período entreguerras (1926-1939), organizado e dirigido inicialmente
por Janusz Korczak e posteriormente pelo seu primeiro-secretário
Igor Newerly. Dentre as várias ações pedagógicas coordenadas por
Korczak, pretendemos dar especial atenção ao jornal Mały Przegląd,
situado entre os anos 1926-1939, na rua Nowolipki n.º 7, em Varsóvia.
Idealizado por Janusz Korczak, durante 13 anos, o jornal deu voz as
crianças, inicialmente de Varsóvia, depois de toda a Polônia e mais
tarde de vários outros países. Foram aproximadamente 50.000 car-
tas escritas autenticamente por crianças órfãs, filhos de trabalhadores,
mercadores, industriais, intelectuais, judeus polonizados e ortodoxos.
13
pedagógica da primeira metade do século XX, quando a imprensa
escrita, assim como os programas de rádio, era fortemente propagada.
Ao se tratar do jornal Mały przegląd, também encontramos uma espé-
cie de conteúdos de cunho pedagógico, sobretudo nas fábulas assi-
nadas com pseudônimos, nas críticas encaminhadas pelos leitores e
na troca de informações entre os leitores infanto-juvenis que cada vez
mais encontravam-se sob as ameaças antissemitas.
14
barcos e pedalinhos. No inverno, também haveria uma pista de gelo
para patinação. Supostamente, nos arredores do prédio, haveria bici-
cletas, carros e aviões que entregariam as cartas vindas do mundo
todo. A sede do jornal contava com 12 aparelhos telefônicos, para os
quais as crianças poderiam telefonar para fazer perguntas e registrar
reclamações. A partir deste primeiro convite à escrita, cada vez mais
crianças foram sentindo-se impulsionadas a enviarem suas cartas
e assim Mały przegląd conquistou leitores e escritores incialmente
de Varsóvia, depois de toda a Polônia e mais tarde de todos aqueles
países que foram abrigo, principalmente para a diáspora judaica.
Alcione Nawroski
SUMÁRIO Cumprimentos
JANUSZ KORCZAK
15
PREFÁCIO
Como bisneta da Senhora Zofia Sychołda, uma das pupi-
las de Janusz Korczak, que por muitos anos viveu no orfanato Nasz
Dom (Nosso Lar), apresento com grande entusiasmo este notável
livro de Alcione Nawroski, “Cartas para Varsóvia escritas de crianças
no entreguerras”, aos leitores brasileiros. O livro vai muito além de
simplesmente celebrar os feitios pedagógicos de Janusz Korczak; é
um poderoso tributo à essência duradoura e à permanência do seu
espírito naqueles dedicados à nobre causa da educação e ao cui-
dado dos mais pequenos. Que as memórias e o legado de Janusz
Korczak não se apaguem, mas que suas marcas permaneçam inde-
léveis assim como marcam a história de minha família.
16
Em 1915, os poloneses e outros grupos étnicos dessa região
foram deportados para o interior da Rússia. A jovem Zosia e sua mãe
Karolina, se uniram a mais de 200 mil refugiados do béženstvo - uma
evacuação em massa ocorrida durante a Primeira Guerra Mundial.1
Em meio ao caos, deixaram para trás o Reino da Polônia, cientes de
que jamais retornariam. - Por que estavam fugindo? - Foi por coer-
ção ou escolha voluntária? São questões que permanecem como
enigma. Talvez Karolina, ao ter que criar seus filhos sozinha, tivesse
ouvido rumores difundidos pela máquina da propaganda czarista,
narrativas sobre alemães hostis que incendiavam vilarejos inteiros e
dizimavam mulheres e crianças. Esses sussurros poderiam ter che-
gado até ela, através de camponeses ou de padres ortodoxos. Outra
possibilidade seria que Karolina, trabalhava em uma das fábricas
cujos donos ordenavam a fuga imediata para a Rússia. Rumavam
para o leste não apenas trabalhadores, mas também funcionários
públicos, banqueiros e acadêmicos. A fuga ocorria de várias manei-
ras - a pé, de carruagem, de trem e até por navio ou a cavalo. A
escassez de alimentos era uma realidade constante. Doenças como
sarampo, tifo e cólera se alastravam rapidamente.
SUMÁRIO
1 A história de Zofia Sychołda está baseada em seu deslocamento forçado para a Rússia, sua es-
tadia lá e seu retorno à Polônia, que foi reconstruída com base nas informações sobre os deslo-
camentos contidas no livro de Aneta Prymaka-Oniszk, „Bieżeństwo, 1915. Zapomniani uchodźcy”,
Wydawnictwo: Czarne 2022.
17
Urais. Lá, assim como outros refugiados, encontraram abrigos em
escolas, mosteiros e sinagogas. Zosia, desde jovem, tornou-se uma
pequena refugiada, carregando consigo a memória angustiante da
fuga. Inicialmente, receberam ajuda dos russos. Entretanto, a par-
tir de 1916, a situação começou a mudar gradualmente; os habitan-
tes locais se tornavam cada vez mais desconfiados e a hostilidade
aos refugiados tornou-se constante com o desencadeamento da
Revolução Bolchevique.
18
Varsóvia, inaugurada em 15 de novembro de 1919, pelo Departamento
de Assistência à Criança Operária. Mas, por que Karolina decidiu
enviar sua filha adolescente para uma instituição de crianças órfãs?
Não sabemos ao certo, mas naquela altura, sua mãe devia estar com
56 anos, a cidade estava em ruínas e faltavam estruturas básicas de
educação, saúde e moradia. Contudo, o “Nosso Lar” prometia, nas
palavras de Korczak, “uma sociedade infantil fundamentada em prin-
cípios de justiça, fraternidade, direitos e deveres”.2
2 Maryna Falska, „Zakład wychowawczy Nasz Dom, Książnica Pruszkowska, 2014, p. 180.
19
alunos avaliavam os novatos, recém-chegados. Zofia participou de
um desses plebiscitos sobre o indisciplinado Leonardo, onde corajo-
samente criticou o garoto por suas ofensas maliciosas e comporta-
mentos inadequados na casa.3
20
Como Janusz Korczak influenciou Zofia? Ela adentrou a vida
adulta como uma mulher consciente, responsável e justa. Sua deci-
são de seguir os passos do seu mestre demonstrou a força e a con-
vicção que ela absorveu da sabedoria dele. No período pós-guerra
na Polônia, optou por dedicar-se ao ensino de matemática e história.
Trabalhou na Escola Primária Pública n. 1, em Skierniewice. Durante
seus 84 anos de vida, ela atravessou momentos desafiadores, sobre-
vivendo as duas Guerras, à tragédia da morte de Janusz Korczak e
Maryna Falska, à Guerra Fria, à República Popular da Polônia, à lei
marcial e às complexas negociações da Mesa Redonda em 1990.
Zofia faleceu tranquilamente enquanto dormia em sua casa, no ano de
1991, pouco após a Polônia conquistar sua independência definitiva.
Agata Błoch
SUMÁRIO
21
Figura 1 – Cartão postal recebido de Janusz Korczak por ter
se levantado cedo durante 91 dias consecutivos.
SUMÁRIO
22
1
JANUSZ KORCZAK
ENTRE AS MULHERES
Em 5 agosto de 19424, enquanto as crianças tomavam o café,
o refeitório de Dom Sierot (Lar do Órfão) foi invadido aos gritos por
um soldado alemão. Janusz Korczak, que estava na companhia das
crianças, levantou-se e dirigiu-se até o soldado para pedir que se
retirasse do recinto e conversassem lá fora. O diálogo ocorreu em
alemão, para as crianças não entenderem do que se tratava. Minutos
depois, Korczak adentrou o refeitório, dirigiu-se à senhora Stefania e
em tom de sobreaviso, advertiu: - 15 minutos. A sra. Stefa (como era
comumente chamada), dirigiu-se às crianças e avisou que vão fazer
um passeio e por isso precisam vestir suas melhores roupas, pegar
seus objetos pessoais e colocarem em suas mochilas: - temos pouco
tempo, então precisamos ser rápidos, advertiu Pani Stefa. Não há um
dado preciso, mas estima se que nesse momento, Korczak e Stefa
tutelavam cerca de 200 a 300 crianças judias, em sua maioria órfãs.
4 Não se sabe a data ao certo, pois várias fontes preferem tratar das duas datas.
SUMÁRIO 5 O filme foi indicado para concorrer ao melhor filme estrangeiro, mas não foi aceito, portanto, foi
exibido fora da competição do Festival de Cannes. Um ano depois, em 1991, foi laureado com o prê-
mio alemão de melhor fotografia. Para alguns estudiosos como a historiadora de cinema Annette
Insdorf, o longa está no mesmo patamar de “Cinzas e Diamantes” lançado pelo mesmo diretor em
1958 e tem como cenário o ano de 1945, período Pós-Segunda Guerra.
24
cantigas e acreditando que vão fazer um passeio de trem. Entretanto,
críticos do filme de Andrzej Wajda, como o cineasta francês Claude
Lanzmann descrevem a cena real como mais dura e cruel, apon-
tando para uma realidade de marasmo, tristeza, fome e devassidão;
quando naquele momento, as crianças de mais idade já haviam com-
preendido que aquela era a última viagem de trem.
25
A senhorita Stefa nunca se casou, mas ao invés de senho-
rita com o passar dos anos, preferiu ser chamada de senhora, justifi-
cando que no período entreguerras era muito difícil para uma mulher
solteira ter um “lugar de respeito” na sociedade varsoviense. Assim,
ao invés de Panna (senhorita), a escritora Magdalena Kicińska titu-
lou seu livro de Pani (senhora) Stefa, onde tenta revelar a partici-
pação da senhora Stefania desde a ideação até os últimos anos de
vida atuando junto com Janusz Korczak no orfanato Dom Sierot, no
atendimento a centenas de crianças judias-polonesas órfãs. Assim,
enunciamos que ao lado de Janusz Korczak, havia um trabalho pri-
moroso na educação e desenvolvimento das crianças realizado pela
pedagoga Stefania Wilczyńska, a qual embarcou junto com Korczak
e as crianças para o campo de extermínio em Treblinka.
26
Friedrich Fröbel. Em 1909, retornou à Varsóvia, onde solicitou um
estágio no lar de crianças judias, lugar em que conheceu o médico
Henryk Goldschmidt. Na época, ele trabalhava como pediatra no
Hospital Infantil Bersohn e Bauman e começava a se interessar mais
pelos métodos pedagógicos, além de intensificar os escritos sob o
pseudônimo de Janusz Korczak.
SUMÁRIO 6 Após o aniquilamento de praticamente 80% da cidade de Varsóvia durante a II Guerra, com ex-
ceção da principal área comercial, conhecida hoje como Cidade Velha (Stare miasto), que após a
Guerra foi reconstruída respeitando sua originalidade, as demais partes da cidade não mantiveram
seus traços, linhas, ruas e arquiteturas originais, portanto, o nome da rua em que está situado o
orfanato Dom Sierot foi alterado.
27
Figura 2 - Janusz Korczak e Stefania Wilczyńska em Gocławk.
28
2
A ESCRITA
DOS DIÁRIOS
Desde jovem, por volta dos 19 ou 20 anos, Henryk Goldszmit
começou a participar de concursos literários, o que o motivou a
fazer uso de um pseudônimo. Ao escrever sua primeira peça tea-
tral, aproveitou a obra “A história do belo ferreiro Janasz Korczak”
(tradução literal) retirada do livro de Józef Kraszewski para assinar
sua primeira participação literária sob o pseudônimo de Janasz
Korczak. Curiosamente, quando o tipografo copiou os nomes dos
ganhadores do concurso, trocou uma vogal do nome Janasz e assim
surgiu Janusz Korczak. Janusz é o diminutivo de Jan (João), o qual em
português, podemos traduzir facilmente por Joãozinho.
SUMÁRIO
30
Janusz escrevia sempre, quase todos os dias. Destes escritos,
publicados postumamente, os quais foram traduzidos no Brasil por
“Diário do Gueto”, encontramos:
31
a viver sua independência, uma vez que por mais de um século esteve
à mercê do Czarismo Russo, e por isso não desfrutava dos prestígios de
uma capital. Se a II Guerra, além de aniquilar muito mais vidas humanas
e destruir aproximadamente 80 porcento da capital polonesa, a I Guerra
alavancou a fome, a miséria, o desemprego e as doenças epidemiológi-
cas, além da morte. Importante ressaltar que ambas as Guerras tiveram
a cidade de Varsóvia como epicentro do holocausto.
32
Figura 3 - Janusz Korczak com as crianças numa apresentação de teatro.
33
Entre as últimas anotações nos diários, destacamos com frequ-
ência a palavra “morte” – pois, em sua volta, tudo morria. Mesmo assim
o educador não deixava de almejar a vida, acreditava que a morte era
superada pela vida e assim continuava a fazer planos para depois da
Guerra. Janusz, assim como muitos ativistas da sua geração, partici-
param ativamente dos históricos conflitos militares, como a Guerra
Russo-Japonesa; a Grande Guerra; a Guerra Polonesa-Soviética e a II
Guerra Mundial. A incerteza política era certa, do resto, Korczak e seus
interlocutores buscavam apostar na formação humana por meio de
uma educação progressista - de amor e afeto - para com as crianças e
adolescentes, as vítimas mais desassistidas das catástrofes humanas.
34
Vejo uma fileira de crianças para quem estamos costu-
rando as roupas: grandes e pequenas que reluzem a luz
do sol, vestidos curtos e brilhantes, uma fileira de cabeças
menores e maiores, crianças pobres e ricas, tristes e felizes.
– Quem é Hitler?
35
de costurar se perdia no tecido azul. Aos poucos fui
parando, até me acalmar.
– Vida, vida.
36
pensando, mas eu fui honesta e continuei a trabalhar,
mesmo que hoje já não estou mais aguentando isso. Por
que será que eu penso assim? Será que preciso “amar”
o trabalho já que não tem escola para mim. Será que só
posso consertar roupas?
37
desta cidade, onde há campos de florestas e pássaros.
Ou enquanto caminho na noite e ouço meus passos
fazendo barulho pelos becos, atravessando os obstácu-
los e espinhos das ruas e dou de cara com o rosto de uma
senhora, posso até ver seu pescoço e suas mãos. Quando
me dei conta estava no portão em frente ao prédio onde
moro, dei risada de mim mesma, pois lembrei que pre-
ciso subir até o quarto andar.
ESTER
38
Meu Deus! Para que tanta especulação. - Eu nunca
penso em dinheiro. Pelo menos até que alguém me per-
gunte, se é bom ser um milionário. Eu respondo dizendo
que um cachorro bonito custa muito caro. Mas, falando
entre nós, todos os cachorros que eu tive não custaram
nenhum centavo. Acho que eram vira-latas, mas eram
cachorrinhos agradáveis visto que o valor do cachorro
consiste na afeição com o seu dono e não pelo quanto se
paga por ele. Se o cachorro gosta de você e respeita suas
ordens; se ele é esperto e consegue se comunicar com
você, então é um cachorro amável. Por isso, não presto
atenção na raça.
39
Cinco anos atrás (em 1922, quando tinha 8 anos e meio)
preparamos a peça chamada Zmartwienie (Preocupação).
Provavelmente, é minha peça preferida porque tem mui-
tas cenas cômicas e outras tristes, ou melhor dizendo,
tocantes. Sim, essa é a melhor palavra. Nessa peça há
uma cena em que um velho se aproxima. Eu visto nesta
cena os piores trapos. Tento muito preencher essa cena
com tristezas e alegrias. Estou certo de que as pessoas não
sabem – se riem ou choram, então fazem as duas coisas.
40
Senhor Arthur era um grande gentleman e estava feliz
porque vestia roupas bonitas. Eu precisava falar para
minimamente chegar a sua altura, visto que pega-
ria muito mal - um menino que veste trapos e não
entende nada de nada.
41
Mamãe não era muito melhor. O que significava que
eu não tinha permissão de gritar e correr até ela,
queixar-se, fazer manhas. Impossível. Minha mãe era
boa, mas sempre categórica, como se escreve nos livros.
Cheia de graça, mas categórica. Sou feliz que fui tão obe-
diente na minha estúpida cabeça e atendi as recomen-
dações deles, do contrário poderia se tornar um fede-
lho terrível e estou C-E-R-T-O que não sou um desses.
***
Páginas de um diário
42
Eu me levanto, pego o violino e vou para a casa da minha
professora de música. Ela mora perto do colégio e é muito
longe. Muito frio. A aula terminou e eu volto para casa. O
almoço. Eu estou comendo silenciosamente. O rádio que
meu pai comprou ontem tocou. Até 3 de janeiro são dias
de folga, então eu não tenho que ir à escola.
43
Há alguns meninos bons. Eu não faço amizades com
qualquer um. Quando eu voltava para casa, chovia.
Degelo. As temperaturas continuam abaixo de zero.
44
Depois eu fui para a cama. Acordei durante a noite.
Escuro. O casaco se transformará em uma vaca, o armá-
rio - num dragão. A toalha está pendendo como uma
cobra. Estou encharcado de suor. Os meus pensamentos
se reviram.
SUMÁRIO
45
3
MAŁY PRZEGLĄD
A década de 1920 foi peculiar para a restauração do país,
com a Independência, a República da Polônia volta a se configu-
rar como Estado e assim escolas, universidades, hospitais, parques,
orfanatos e demais instituições governamentais voltam a funcionar
na língua que o povo fez questão de deixar viva. Muitas placas de
ruas, escolas e demais escritórios oficiais do governo substituem o
russo e/ou alemão por placas polonesas. A escrita era um elemento
importante nesse período. O médico Korczak dizia que não gostava
da língua russa porque foi forçado a estudar na escola e por conse-
guinte, a escola era forçada a ensinar russo, tampouco fazia questão
de falar alemão, preferia o polonês.
SUMÁRIO
47
Em 3 de outubro de 1926, Korczak publicou uma primeira
chamada para as crianças e adolescentes, leitores e escritores da lín-
gua polonesa. Como forma de mobilizar, Korczak, o doutor careca de
óculos, escreveu sobre suas experiências pessoais na primeira edi-
ção do diário como forma de angariar curiosos escritores em forma-
ção. Assim, aproveitara a primeira edição para apresentar a proposta
do jornal e levantar alguns pontos que considerava ser relevantes
para a fomentação de um jornal que se chamaria “pequeno jornal”:
- 1) O que você gosta de fazer? - 2) Como você passa seu tempo
livre? - 3) Quais são seus jogos favoritos? - 4) Você está enfrentando
algum problema? - 5) Você é uma pessoa calma? - 6) Você vai bem
na escola? - 7) Alguém te chama de preguiçoso? - 8) Quais aulas
você frequenta na escola? - 9) Onde e com quem você reparte a car-
teira escolar? - 10) Você tem bons professores? - 11) Seus pais gritam
com você? - 12) Quem são as pessoas da sua família? - 13) Você tem
irmãos? - 14) Quem é a pessoa mais velha da sua família?
Primeiras Correspondências
48
com pseudônimo. – Recebi 27 cartas em envelopes, 9
em cartões postais e 11 em folhas de caderno escolar.
Duas cartas foram ditadas por crianças que ainda não
sabem escrever.
49
Mozes escreve pouco:
S. Najdorf escreve:
50
Não demorou muito para o jornal dimensionar sua popula-
ridade entre a diáspora judaica e assim, cartas de lugares mais dis-
tantes passaram a ser enviadas para Varsóvia. Um ano depois da
abertura do Jornal, encontramos notícias do Brasil, como segue:
***
As crianças famosas
51
- é uma criatura tão agradável, sempre rindo, não faz
mal a ninguém. Gosta de se apresentar no palco e tocar
piano. Seu pai ama muito a sua única filha.
***
As botas do condutor
52
eu pudesse perceber, ele parou do meu lado. Levantou
sua perna que calçava botas pesadas de cano longo e
chutou-me. Eu caí direto na calçada tão violentamente
que meu dente bateu no chão e quebrou.
Cwi Nechusztan.
SUMÁRIO
Com o passar dos anos, ao fazer as leituras, observamos que
nas primeiras edições havia poesias, fragmentos de contos de fadas,
magia e fantasia. Era uma forma de provocar a imaginação e o encanto
53
das crianças, que começavam a ser substituídos por artigos mais lon-
gos e mais reflexivos a partir de meados da década de 1930, quando
as perseguições aos judeus se intensificavam. Os próprios escritores
assíduos, com o passar dos anos enviavam textos mais bem elabora-
das, como resultados reflexivos sobre suas vidas, expondo os encan-
tos e desencantos com os quais tinham que lidar diariamente.
54
Zygmund escreve uma crítica ao artigo escrito por Dyci, o
qual na sua percepção, o autor se posicionou muito pouco, mas ras-
gou seda ao editor do jornal Janusz Korczak. Por fim, acenou que não
se deve “puxar saco” ou bajular o organizador de um concurso lite-
rário, principalmente quando se quer apresentar uma ideia original.
55
Mas eu (e acho que todo leitor que pensa de forma obje-
tiva vai concordar comigo), sou da opinião que o traba-
lho do Wat é muito melhor, mesmo que a redação não
estivesse interessada nesse tema. Acho que você está
indo pelo caminho errado. Vejo que para você, Janusz
Korczak é um homem genial e eu não vou desmerecer
o seu herói. Mas o seu próprio bom senso deveria lhe
avisar que não é bom mandar um trabalho para um con-
curso elogiando o fundador e redator do jornal que está
promovendo o concurso. Não é sobre a redação dos seus
escritos, mas como isso aparente aos olhos dos leitores.
3 de fevereiro de 1939.
SUMÁRIO
56
4
A AMIZADE
O tema da amizade era recorrente nos escritos desde os primei-
ros números do jornal. Portanto, merece um capítulo para ser melhor deta-
lhado sob diferentes perspectivas como as críticas aos amigos escritores,
a exemplo de Zygmund Bauman, de cartas curtas a amigos nominados
ou simplesmente a exaltações dos melhores amigos da escola, do orfa-
nato, do local de trabalho e também das ruas, como podemos ver a seguir.
***
O melhor amigo
58
Quando vou na casa dele, ele me mostra seus livros e
cadernos. Com frequência, falamos sobre matérias esco-
lares e religião. Ele me conta lindas histórias da religião
que eu ainda não conheço.
Às vezes, seus amigos vêm também e então brincamos
de esconde-esconde juntos ou de polícia e ladrão. Nós só
paramos de brincar quando tenho que ir para casa.
***
Confiável Mina
59
Lusia foi a primeira:
– Olha, olha, como ela é depravada!
E Niusia acrescentou:
-Sádica!
E eu fiquei ao lado delas e escutei toda a conversa. Final-
mente, pararam de conversar. Eu rapidamente sai do
vestiário e chamei Mina. Contei o que as meninas da
escola estavam falando sobre ela. Ela manteve sua pala-
vra e não contou a ninguém o que eu disse. De repente, o
sinal tocou e voltamos para a sala de aula.
SUMÁRIO
60
5
DOM SIEROT
Figura 5 - Dom Sierot
62
Dom Sierot funcionou neste espaço até o outono de 1940, quando
após sucessivos ataques nazistas, as crianças foram transferidas para
a região central da cidade, área delimitada para o Gueto de Varsóvia.
7 Segundo Dąbrowska (2012), havia dois grandes salões onde, de um lado, dormiam os meninos e
SUMÁRIO de outro lado, as meninas, cada qual com banheiro e no centro um quarto para o educador de
plantão. No térreo, havia uma cozinha, um depósito para mantimentos, lavanderia e uma caldeira.
No salão maior do prédio funcionava o refeitório e no sótão ficava o quarto de Janusz Korczak, local
em que o educador escreveu boa parte das suas publicações, especialmente a noite, quando as
crianças se recolhiam. Durante a II Guerra, parte do sótão foi destruída e não foi mais reconstruída.
63
De acordo com Dąbrowska (2012), as refeições no orfanato
eram modestas, mas nutritivas. Korczak tinha como hábito medir e
pesar as crianças e isso virou um hábito metrificado em gráficos,
os quais serviam de parâmetro para o desenvolvimento físico das
crianças. Do ponto de vista cognitivo emocional, o educador bus-
cava amparo em Jean Jacques Rousseau, o qual era avivado por
Johann Pestalozzi, que pode ser mais bem detalhada no livro “Como
amar uma criança8”.
8 Livro traduzido pela primeira vez no Brasil, em 1983, pela editora Paz e Terra.
64
familiares, quando possuíam algum. Também não era permitido
mexer na gaveta dos colegas, se isso viesse a ocorrer, o parlamento
da justiça era convocado e as próprias crianças precisava decidir
sobre a punição que deveriam dar a quem desrespeitou as regras.
Trabalho noturno
65
inspeto a sala. Nunca havia tanta gente. Todas as camas
estão ocupadas. O Wacek de quatorze anos observa-me
com seus olhos perdidos e inconscientes. Tem pus atrás
da orelha, ainda não pode ser operado; o termômetro
mostra 40 graus de febre. Levanto a cabeça dele, der-
ramo com dificuldades um pouco de suco de laranja na
sua boca. Está ardendo, por um momento segura a minha
mão e sinto o pulso batendo nos seus dedos.
66
filho único do seus pais. Saí do quarto, vou ter que vol-
tar daqui há alguns minutinhos. Desço e dou uma inje-
ção numa menina com meningite. Atrás da janela está
um breu e a noite é impenetrável. Barulho de buzina.
Uma ambulância apareceu no portão. Observo para
onde está se dirigindo e peço a Deus que não vá para o
nosso departamento. Mas passou por nós e seguiu para
o departamento geral. O tempo corre. Sinto-me, como lá
na sala 7, em cima da cabeça do menino, inclinado para
a morte. Contudo, não para uma morte horrível como
imaginamos, mas suave e tranquila, a mais gentil para
aqueles desesperadamente doentes.
Mirjam.
67
tinha um avô de origem judaica. Assim, com o início da II Guerra,
judeus até a terceira geração, eram marcadas com uma braçadeira
estampada com a estrela de Davi, o que os condenava a discrimina-
ção, perseguição e extermínio.
68
lembranças de um tempo que marcou a história do mundo. Hoje,
encontramos neste prédio um arquivo pedagógico, do qual foi possí-
vel coletar fontes para este livro. Um espaço para a reflexão de edu-
cadores e um laboratório sobre os feitios pedagógicos de Korczak,
portanto, um espaço vivo da pedagogia. Entretanto, diferente do
orfanato Nasz Dom (Nosso Lar), o orfanato Dom Sierot (Lar do Órfão)
encontrava-se na mira das perseguições nazistas, por conta do aten-
dimento, desde a sua origem, às crianças judias.
69
Só um, Jankiel não estava com pressa. Porque – hones-
tamente – não tinha para quê. Ele já sabia, que não ia
ganhar duas złotówkas – no máximo uma. E por aquela
złotówka precisava chorar muito. Bem... a casa é pobre,
apesar dos pais trabalharem muito duro. Talvez, peça
a segunda złotówka à irmã Dwojra? Ah, mesmo assim,
essas duas złotówkas que ela traz cada dia pra casa, são
tomadas pelos pais. Fazer o quê, então? Caem em vão as
tentativas de uma criança dar algum jeito. De repente,
Jankiel parou, veio à cabeça uma nova ideia: vender o seu
chumasz5. Mas no mesmo instante, uma mágoa abraçou
seu coração. Vender seu belo chumasz, impresso com
letras douradas, do qual todos os amigos tinham inveja?
Com um sorriso nos lábios, recorda Jankiel, como foi
bonito o dia que que segurou esse livro tão belo. Com-
prou-o com o dinheiro de Chanucá (festa antes do Natal)
– com duas złotówkas! Depois de amanhã, todos os
garotos do cheder saberão, que o chumasz do Jankiel é o
mais belo, e tudo mundo vai tentar sentar-se lado dele –
“e este livro que devo vender?” – pensou o menino - “não
farei isto por nada deste mundo!”. De repente, a mão de
alguém tocou no ombro dele. Jankiel se assustou e olhou
para trás: era um amigo dele - o Motel. Feliz, pois final-
mente tinha a quem pedir um conselho, contou rapida-
mente sobre seu problema.
70
– Mas Motel – interrompeu com pavor Jankiel – isso
caracterizaria um roubo!
71
– Será que alguém achou alguma carteira? – pergun-
tou em voz baixa interrompida por soluços – devo ter
perdido por aqui...
Glossário
72
6
A CASA DA ROSINHA
Em 1921, Korczak recebeu a doação de um sítio de 5,6 hecta-
res de terra na aldeia de Czaplowizna, atual bairro de Wawer, doado
por Maksymilian Cohen e sua esposa, os quais queriam homenagear
a filha Róża (Rosa), que falecera prematuramente e por isso, o lugar
ficou conhecido por Różyczka, ou “Rosinha”, em homenagem à filha
do casal. A Casa da Rosinha era perfeita para as crianças estarem
em contato com a terra, principalmente no cultivo das hortaliças e na
colheita das frutas, que ocorria a cada ano, sendo registrada a última
visita das crianças de Dom Sierot, em 1940.
Primavera
74
Nachman não escreve sobre as cotovias, porque não
consegue ver nem ouvir, não escreve sobre os campos
e as florestas que estão muito longe. Ele encontrou em
pequeno fragmento da primavera na Rua Ceglana e o
resto floresceu em seu coração.
A primavera na cidade
75
claro e azul. O mundo é o mesmo, o sol é o mesmo, mas
está mais perto, aqui, ao meu lado - dentro de mim.
76
A minha amiga veio me ver, segurando um ramalhete
de flores. Ela diz que a professora disse para escre-
ver a cada dois dias o que acontece com os brotos dos
ramos das flores.
Miriam.
A primavera na escola
Jakób
***
77
adorável. Eu pensei comigo, esta rua da esperança e no
fim dela está a porta do paraíso. Vim para a escola. As
aulas dentro das quatro paredes fechadas. O sol chegou
à sala de aula de repente, não esqueceu de nós - apa-
receu a esperança.
Pola de Tomaszów
***
Hania de Zamość
78
***
Despedida
79
e do outro lado duas quadras de areia e uma mata. A
mata é bonita. Mas para chegar ao rio é preciso andar
50 minutos de trem. É melhor ir no verão que o rio está
mais baixo. Não há grandes obstáculos.
80
As vezes saía uma edição não muito interessante, escrito
sob sonolência. Mesmo assim, peço para não fica-
rem preocupados.
81
quartos para os monitores que, em sua maioria, eram ex-pupilos de
Dom Sierot. Mais adiante também havia uma casa onde morava o
caseiro Sr. Koszur, o qual era o responsável pela manutenção do
espaço durante o ano todo.
***
Os Jasmins
– O quê?
11 Fotografia feita por Benedykt Rotenberg, ainda no início da sua carreira. Durante a Guerra, Ro-
tenberg permaneceu preso no Gueto de Varsóvia onde manteve um estúdio fotográfico entre os
anos 1940-1942. Ao fugir do Gueto mudou seu nome para Benedykt Jerzy Dorys.
82
– Está surpreendido, Querido leitor?
83
“A harpa ficou em silêncio.
Com a fragrância da corriola.
Vai perfumar – às cordas barulhentas.”
Eu quero terminar. São rimas ineficientes. – Não consigo!
Os Jasmins.
– Oh Jasmins!!!!!?
Vão perfumar?
Entre as pessoas?
84
Em setembro de 1939, toda a região de Wawer foi ocupada
pelos nazistas, sob a tutela de Adolf Hitler e Heinrich Himmler
que assistiam desde a torre da Igreja de Nossa Senhora da Coroa
Polônesa (Matki Boskiej Królowej Korony Polskiej), um dos pontos
mais altos da cidade. Apesar do bairro ser devastado, o prédio da
Casa da Rosinha suportou a Guerra e permaneceu como espaço de
cultura até o final da década de 1960, quando o prédio foi demolido.
Atualmente encontramos no local, o centro poliesportivo “Syrenka”
no bairro de Wawer, em Varsóvia.
SUMÁRIO
85
7
NASZ DOM
Durante a I Guerra Mundial, Janusz Korczak prestou assistên-
cia médica às crianças, vítimas da guerra no exército do Czar em Kiev,
onde conheceu a pedagoga e ativista polonesa Maryna Rogowska-
Falska. A pedagoga que, após a perda do marido e da filha de dois
anos, vinha dedicando-se ao ativismo das crianças polonesas, os
então chamados filhos da Guerra, na capital Ucraniana, encontrou na
parceria com Korczak a continuidade do seu trabalho em Varsóvia.
SUMÁRIO
87
Semelhante a afinidade pedagógica com a Senhora Stefania
Wilczyńska, Korczak impulsionou a criação de um segundo educan-
dário com as mesmas intenções de Rousseau, Pestalozzi, Froebel e
Montessori. A relevância da pedagoga Maryna Falska na organiza-
ção de Nasz Dom tende a ser semelhante à da Sra. Stefa em Dom
Sierot. De acordo com as inspirações pedagógicas, identificadas por
uma pedagogia progressista, não queriam fundar um orfanato, mas
uma casa que fosse uma espécie de centro de educação e acolhi-
mento a quem precisasse de um lar.
88
Vendedores de rua
Torradaaa...
Comprem batatinhas.
SUMÁRIO
Porém, a maior parte do tempo ele permanece triste.
89
Há o Tuberculoso. Na porta há um velho, magrelo judeu
enrolado em uma capa. Ele veste meias em suas mãos,
não grita, não elogia seus produtos. O mundo é tão
triste e apático … O velho judeu é um ser indiferente ao
mundo. Por vezes os pulmões adoentados, sufocam a
seca e grave tosse. O judeu cospe sangue. O Tuberculose.
Sim, é uma vida de animal, a vida nesta porta ou prova-
velmente no porão desta porta, não deve ser saudável,
especialmente para uma pessoa velha.
Inacreditável!
90
O aparelho nas costas, a tábua debaixo do braço, começa
a fugir para o outro lado da rua. Os curiosos supervisores
já partiram. Em poucos minutos, pode ser ouvido nova-
mente na esquina:
Somente da bancarrota!
91
A balança - Esta máquina declina atualmente. No inverno,
no outono e no início da primavera, quando as
pessoas vestem casacos, ninguém quer se pesar.
Talvez alguma criança vá se pesar com botas enchar-
cadas de chuva e ficará feliz porque engordou. Além
disso, a pesagem tem outros inconvenientes. Primei-
ramente, a balança é muito cara, nem todos os nego-
ciantes podem comprar; segundo, é muito pesada, não
é possível fugir com isso nem esconder da polícia. Você
tem que ficar com ela para que todos possam vê-la. No
inverno, deve constantemente mudar o lugar em que ela
fica, no outono fica molhada e no verão o sol a aquece.
Muito ruim. Não é um bom negócio.
92
Este som não combinava com ela, mas não sei exata-
mente porquê. Então, o comércio de bagels permanece
nas mãos de judeus. O bagelante pode ser encontrado
em todas as ruas, porque cada pessoa gosta dos quenti-
nhos e frescos para a noite.
Delicatessen quentes!
SUMÁRIO
93
8
ÓRFÃOS – FILHOS
DA GUERRA
Janusz não gostava da palavra órfãos, argumentava que sabia
muito bem o que significava ser órfão. Ele mesmo, em suas reflexões,
se colocava no lugar de um órfão quando criança, mesmo com seus
pais vivos. O menino Henryk Goldszmit não teve uma relação de pro-
ximidade com o pai em vida e por isso sentia se órfão dos carinhos e
afetos paternais. Ele sabia o que significava ser uma criança, a quem
os beijos e abraços do pai eram negados e por isso, nunca tentou
faltar com o carinho de pai para aqueles que já não os tinham.
95
Em seguida, ao voltar pro quarto, parei em frente a porta
do quarto dos meus pais. Na minha frente estava a cama,
onde meu pai estava deitado. Só lembro da barba preta
e o peito descoberto, empastado com alguma pomada.
Anos mais tarde, quando contei essa cena para meu
irmão, ele me falou que de fato, esse era meu pai. E agora
fico imaginando que neste dia eu vi meu pai pela pri-
meira e última vez.
96
e quando eu tinha 5 ou 6 anos, fiquei sabendo pelas crian-
ças do pátio que há uma escola pública e eu precisava
estudar. Imediatamente corri com uma menina para
essa escola. O professor era um jovem rapaz, provavel-
mente do quarto ano. Ele me aceitou e disse para voltar
no dia seguinte. Voltei aliviada para casa.
No dia seguinte fui para a escola. Não falei nada pra nin-
guém porque eu estava orgulhosa de que eu encontrei
uma escola sozinha. Queria fazer uma surpresa para a
minha tia, mostrar que eu sabia ler e escrever.
97
Diário de uma órfã. (continuação)
98
Um dia antes de viajar, fui encontrar com a irmã que
também foi mandada embora de Lublin e agora estava
na casa do tio. Nos despedimos e nos separamos sem
nenhuma de nos chorar. E por que iríamos chorar? Por-
que nem eu nem ela, lembrávamos quando foi a última
vez que ficamos sob o mesmo teto. Ah! Eu aguardava
ansiosa por esse momento de poder sair. Eu estava
inquieta porque parece que minhas tristezas iriam aca-
bar. Porque vai começar uma nova vida, vou poder estu-
dar numa escola de verdade.
99
Por fim, fui chamada para o internato. Meu irmão deve-
ria pagar pela escola, mas estava dando um jeito para
ser de graça. Ele ganhava pouco e mal dava para pagar
as contas dele.
100
me chamou para uma sala onde eu deveria trabalhar e
para minha surpresa não havia ninguém ali.
101
No quarto, moravam duas, agora três moças. Éramos
uma família.
102
Uma senhora mais velha, ficava sentada no centro, e cui-
dava do trabalho de todas nós, para que fossemos ágeis.
E quem não era, ela perguntava:
103
andar há tristeza. E provavelmente vai se envergo-
nhar de chegar lá.
104
Fui para Otwock. Oh, mas como estava sendo difícil sair
daqui por todo o cansaço que eu estava sentindo. Apesar
de estar feliz por ter um novo emprego.
105
Por um acaso, alguém deixou 50 rublos para mim e
então eu pude ficar mais um mês.
106
III
SUMÁRIO O diário de uma órfã não foi assinado. Mas sua história revela
a vida de uma adolescente de 14 anos que conta sobre os percalços
vividos no período pós-guerra. A perda dos pais precocemente, a
107
passagem pela casa de vários familiares, a vontade de estudar, a vida
nos internatos e a dureza de trabalhar desde muito cedo revelam a
vida de muitas crianças órfãs do período entreguerras.
Mês do órfão
A ajuda da América
108
As crianças infelizes
Os órfãos
109
Entre os órfãos estão alguns que fazem manhas para
obter algo, mas há também muitos que são orgulho-
sos, outros envergonhados. Eles pensam que é errado
cuidar deles. Há crianças também, que não gostam
de receber dinheiro dos seus pais, mas outras nem se
preocupam com isso.
Um favor?
SUMÁRIO
110
9
OS ADULTOS
Em Mały Przegląd, os adultos eram os outros, aqueles que
tinham pouco contato com o jornal, mesmo assim o jornal também
tratava das pessoas adultas. O editor mor do jornal inclusive pre-
meditava que Mały Przegląd para os adultos não passava de uma
passagem de bobagens escritas pelas crianças.
Os pais e nós
112
Na porta, sentou-se uma mulher toda preocupada,
malvestida. Ao lado dela, uma outra senhora rica com
um casaco de pele.
— A pobre responde.
113
Um pouco mais adiante, falava-se de esporte. Os
pais eram a favor de que a educação da juventude
fosse endurecida.
114
— Como eu gostaria que meu filho aprendesse bem.
Mas, ele só está recebendo notas vermelhas.
— Não. Preguiçoso.
(menciona o nome).
— Ouvi dizer que ela não é boa... Mas, talvez eles estivessem
falando de outra.
— Eu não sei.
— Ele é um médico.
Ou:
— Goldberg.
SUMÁRIO
— O pai dela é um comerciante?
115
— Humm... Eu acho que ela é uma dos Goldbergs.
— Da Rua Dzika.
116
Não é verdade que antigamente era melhor
117
Antigamente, as crianças que tinham 10 anos iam para o
trabalho. Entenda, que aos 10 anos, elas deixavam de ser
crianças. Não é verdade que a juventude do meu tempo
era mais séria, não, parece que são assim porque eles
foram ridicularizados através de disciplina severa.
118
quero te-dizer que não concordo com as pessoas que ten-
tam convencer outras falando que os velhos tempos eram
melhores em todos os sentidos. Se os tempos tivessem
sido melhores, se as pessoas tivessem um bom coração
– Será que estendiam seus braços avarentos por alguns
rublos de uma pobrezinha estudante?
***
Precisamos trabalhar
119
Mas, no bosque não queríamos brincar mais. Sérios e
silenciosos, sentamo-nos numa tora.
120
10
A NEVE
A espera pela neve e a sua chegada, presente no primeiro
semestre escolar, o semestre de inverno, sinaliza como será o ano
escolar, seja de espera, seja de magia como uma coberta de penas
que acabou de estourar ou de lama e morte de um velho senhor de
três meses de idade, chamado outono.
A primeira neve
A lama
***
Tímido
122
***
Rostos sorridentes
***
123
— Irenka, venha depressa.
Eu corri.
— Veja.
***
Atenção! Não deixe que ele nos apanhe... Ele está apenas
espalhando a lama de neve. É seu último golpe de morte,
ele ataca a harpa estilhaçada nos corações umas cem vezes
e algemado pelos grilhões da impotência, está se arras-
tando de quatro, deixando para trás um manto de gelo.
SUMÁRIO Ele se agachou no chão nu e treme sob a explosão gelada
trazida pelo opressor de prata, o inverno, que está acele-
rado em seu corcel Ford.
124
11
A ESCOLA
Aos oito anos, Henryk Goldszmit começou a estudar na
escola primária Augustyn Szmurła, na Rua Freta, em Varsóvia. Sobre
está experiência, mais tarde ele escreve, “esmagaram um aluno lá”,
referindo-se à humilhação que viu quando um colega de sala foi
achincalhado pelos professores. Ao experienciar algumas situações
de castigos corporais nas escolas, fez da escola a sua adversária.
Mais tarde, entre os anos de 1886-1897, Henryk se mudou para o
colégio masculino, no bairro de Praga, em Varsóvia.
126
Contudo, à medida que a escola era tema de artigos, novos críticos
leitores foram surgindo no decorrer dos anos, como podemos ver na
carta publicada em 2 de fevereiro de 1934, assinada por Henryk.
O direito à educação
127
E, compreensivelmente, toda a natureza da escola está
voltada para a educação obrigatória para uns e a ina-
cessibilidade para outros. É compreensível que os estu-
dantes passam cola uns ao outros nos exames, que há
trapaça nos testes, que a ciência não se baseia no racio-
cínio, mas na memorização sem sentido.
128
Será que aqueles que querem aprender poderiam ter o
direito de aprender?
Segundo ano
129
Hoje fiquei triste na minha antiga sala de aula. Chega-
ram novas meninas e meninos. Uma começou a chorar,
porque não queria estudar junto com os meninos.
Sem sapatos.
Auto-organização
130
Depois, chegou o professor de religião da primeira
classe. Ele disse: - a senhora foi gentil... Nossa professora
saiu. Ele teve a primeira aula conosco. Estava explicando
como Moisés cruzou o Rio Jordão. Em seguida, tocou o
sinal. A professora chegou e pediu para guardarmos os
chinelos, canetas e a borracha.
Bagunça
131
Vou devolver a maçaneta - pensei. Se eles são tão espertos,
deixe-os consertar. Porque eles vão quebrá-la e eu serei o
responsável por isso.
***
Brasil
Um bom país
132
fazem uma apresentação de teatro. Na escola também
tem um grande parque, onde brincamos.
SUMÁRIO
133
12
OS PROFESSORES
Janusz não era propriamente um amigo dos professores, nem
escrevia muitos textos para exaltar os méritos deles. Mas, estava
interessado no que as crianças pensavam a respeito dos seus pro-
fessores. Dessarte, desde os primeiros números do jornal, instigava
as crianças a escreverem sobre as escolas e sobre seus professores.
Em 1929, o jornal Mały Przegląd, publicou uma série de artigos sob o
título prima aprilis que tratou das brincadeiras na escola por ocasião
da data de primeiro de abril – Dia da Mentira.
Dia da Mentira
III
135
Na terceira aula de geografia, viramos a mesa de cabeça para
baixo, nos pés da mesa colocamos toalha da mesa de plás-
tico, uma menina ficou de baixo da toalha de mesa de plás-
tico. A professora, surpresa que a mesa parecia diferente,
mexeu na toalha da mesa e em seguida nossa amiga saltou.
A princípio, a professora se assustou depois riu também.
III
136
Anos mais tarde, a editora do Jornal, Naomi, após ler
algumas cartas, resolveu emitir sua opinião a respeito
do que pensava sobre os professores e assim escreveu.
Professores
137
Eles precisam resistir aos ataques dos pais e até da
sociedade como um todo. Todo mundo quer se meter
na educação e dar suas opiniões. Enfim, eles precisam
atender a tudo isso.
Os frutos
138
ele se virou para nós, pediu que fechássemos os livros
e começou a perguntar a todos, o que iríamos fazer
depois da formatura.
139
O nosso professor nos desejou boas férias e foi embora.
O bate-papo começou.
SUMÁRIO
140
13
A EMIGRAÇÃO
Ao escrever um livro, cujo título trata das cartas enviadas
para Varsóvia, escritas na língua polonesa, consequentemente algu-
mas delas vão tratar dos processos de emigração, uma vez que car-
tas de outros países somavam-se a cada ano, dada a intensifica-
ção do antissemitismo que repercutia na acentuada necessidade de
deixar o país. Assim, escolhemos algumas cartas encaminhadas de
diferentes países por crianças que mesmo distantes, continuavam
colaborando com seus escritos, como foi o caso de Rosa e Lonia,
que escreveram contando como foi sua viagem ao Brasil, o estabele-
cimento e a escola em Porto Alegre.
Querida Cesia!
142
culpa tão grande porque não consegui me despedir de
todos os meus amigos. Nossa escola está localizada em
uma única sala. Há muitas crianças. As aulas começam
às 9 horas e terminam às 12 horas. Mas durante todo
esse tempo não há nenhuma pausa. Estamos na escola
como se estivéssemos em uma prisão. Daí você já pode
imaginar que escola é, você pode vir a hora que quiser.
Nós estamos no 3º ano. Não ganhamos nenhuma lição
para fazer em casa, isso nada nos agrada. No começo,
não sentimos tanta falta, mas agora sentimos saudades
da escola e dos amigos.
143
As cartas do Brasil foram encaminhadas nominalmente para
umas das editoras do jornal, à monitora Cesia e uma delas foi publi-
cada no jornal na primeira sexta-feira de dezembro de 1928.
Minhas lembranças
(...)
144
Aproveitamos também para ir até a Torre de Londres
onde ficam guardadas as jóias da Coroa Britânica e na
porta os vigias estavam vestidos como se fossem a uma
festa à fantasia.
145
A pessoas em Paris nem de perto são tão corteses como
os londrinos, dão risadas dos guardas que usam barba
e uniformes azuis-marinhos. Naturalmente, nem todos
têm barbas, porém nunca vi um sem bigode. Em geral,
são gentis, mas, a multidão de pessoas amassou o carro
em que estávamos para deslocar-se até o hotel e quebra-
ram os para-brisas. Papai enfureceu-se e quando che-
gamos no Hotel Crillon, me carregou nos ombros para
atravessar a multidão, dois agentes da guarda impedi-
ram as pessoas para deixarem mamãe passar.
146
Ai, que tempos gostosos! Ganhamos muitos presentes.
Enviamos à casa 6 (Dom Sierot) vários pacotes de pre-
sentes, recebidos de várias pessoas dos vários lugares.
Navegamos para a América em 11 de novembro – fica-
mos no bom e velho Los Angeles. Somente agora passa-
das cinco ou seis semanas, me dei conta de quanta coisa
maravilhosa aconteceu.
***
Tel-Aviv
***
12 de novembro
147
Despedimo-nos cordialmente de todos. Recebemos um
monte de presentes para a nossa viagem, chocolates, dois
enormes buquês de flores e uns livros. Estou sentado no
vagão da segunda classe do expresso internacional Mos-
cou-Varsóvia-Berlim-Paris. Temos que abrir os bombons,
porque a alfândega vai tomar de nós na fronteira.
SUMÁRIO As pessoas são feias e seus pés são enormes. Por exem-
plo: em uma loja vi uma mulher experimentando sapa-
tos do tamanho 43 e ainda não serviam.
148
Andei de metrô – trem subterrâneo. Entrámos pela rua
abaixo em um andar subterrâneo. Comprámos bilhe-
tes lá. O trem andava por um túnel estreito. Fomos até
o Karstadt. É um enorme armazém comercial. Possui
doze andares para cima e três para baixo. No térreo,
localiza-se a estação de metrô...
Berlim
149
Hambúrgo
150
Cangurus cinzas pulam de forma engraçada. Andar não
podem, porque suas pernas da frente são mais curtas
do que as de trás. Vi girafas com pescoços mega com-
pridos. Quando querem pegar algo do chão, precisam
baixar a cabeça e estender as pernas para os lados.
Grandes elefantes cinzas têm trombas longas e presas
brancas brilhantes.
Adeus Europa
151
O mar
152
6 de dezembro – Hoje, para o café da manhã, serviram
laranjas verdes, as quais come-se somente por causa
do suco. É preciso colocar açúcar, apertar com uma
colher e tomar o suco. Elas são muito grandes, poderia
espremê-la num copo inteiro ou mais. Passou do nosso
lado um navio comercial. Vimos baleias. São enormes
e sopram água até um metro de altura. Novamente,
foram organizados dois bailes. O último na ocasião de
chegada à América.
Havana
153
Havana é menor do que Varsóvia, mas têm carros lin-
dos que nunca tinha visto em Varsóvia. Os cubanos e as
cubanas são pretos. Muito lindo é o parlamento. Exis-
tem muitas manufaturas de charutos. A riqueza é devida
aos charutos e a riqueza devido a sua beleza.
Para o México
154
Vera Cruz é um porto muito grande, mas a cidade é suja e feia.
Calor, então tudo é construído para que o ar possa circular.
Os mexicanos são muito gentis. No nosso hotel, toda a
parede é virada para a rua, aberta: os bondes também
têm os lados abertos.
***
Cartas da Palestina
I.
SUMÁRIO
Meus queridos!
155
Saí de Varsóvia na segunda-feira, - estava viajando toda
a semana. Vocês almoçaram 7 vezes e jantaram 7 vezes e
eu ainda estava indo e indo.
156
Ańdzia e Josek podem ficar com ciúmes, porque aqui
ninguém manda lavar os pés. Camelos com expressões
estúpidos trabalham com seriedade e dignidade. Mas os
burros pequenos são os mais numerosos - eles carregam
pessoas, sacos, cestos pesados e caixas. Lamento muito
não poder enviar laranjas para vocês. Depois da última
tempestade, ficaram mais baratas e hoje se pode com-
prar por um centavo. Pensa só: com um pão de Varsóvia,
se pode obter 10 laranjas aqui. E a halva aqui custa três
vezes menos do que em Varsóvia, então os trabalhado-
res a comem com pão. Só custa muito tempo para essas
laranjas e tangerinas crescerem. É preciso esperar seis
anos antes que a árvore plantada dê frutos para comer.
Frydman, que antigamente quando criança morava em
Varsóvia, agora um jardineiro alto, me mostrou quanto
trabalho é preciso para uma arvorezinha crescer bem.
Ainda lá, onde ele trabalha é bom, porque tem água. Eles
precisaram cavar 60 metros para debaixo da terra e per-
furar, antes que a água saísse. Mas nos lugres onde não
tem água, a compram e carregam devagarinho, como
um tesouro para não derramar, como o vinho mais caro.
No entanto, após 6 anos, quando a arvorezinha está coberta
de frutas, ela fica dourada de laranjas. Uma pequena
árvore tem mais laranjas do que a maior macieira na Polô-
nia. Estou saudando todos e quem quiser, me escreva.
II.
157
cestos de laranjas e halva. Mais tarde em coro, num único
som, todos cantam não em voz alta. Pequenos e grandes,
meninas e meninos. O professor conta um conto de fadas
sobre um menino que procurava luz. Conta lindamente,
como se não falasse sozinho, mas como se três pessoas
apresentassem a estória. Depois, música e canto de novo.
Está completamente escuro agora. O sábado já passou,
mas a noite ainda é livre, então, se acendem todas as luzes
e se pode dançar um pouco mais até o jantar - a polca
palestina, e naturalmente “hore”. Mas é apertado dançar
numa sala pequena, então, em vez de um grande círculo,
eles dançam separadamente entre 2 ou 3 pares. Mas pra
que uma grande sala de dança, quando se precisa dela
só para os 2 meses de chuva e pelos 10 próximos meses
se pode dançar lá fora, no campo, na rua à beira-mar. E
agora estão se banhando no mar - calor - na praia durante
o dia é muito quente, mas à noite faz frio e por isso é cha-
mado aqui de inverno. E depois do sábado, eles vão para
a escola com boa vontade. É difícil ser preguiçoso aqui -
todo mundo trabalha. E as crianças veem como os adul-
tos trabalham duro. Eu vou nas aulas da I e II classe, por-
que é mais fácil para mim entender o que eles dizem em
hebraico. Na primeira classe, o mais velho tem 6 anos e
meio. Agora estamos confeccionando nas aulas chapéus
e máscaras para a festa de Purim. Você pode não querer
fazer, mas não pode ser preguiçoso. Há xadrez e damas na
prateleira. Quem acabou o trabalho, joga xadrez. Este é o
jogo favorito deles. Gostei muito dos seus trabalhos: dese-
nhos recortados, vitrais e calendários. Enquanto a profes-
sora explica na primeira classe o que significava a neve na
foto de Binem Heller, um menino de 7 anos gritou:
SUMÁRIO
– Que bom que não temos essa neve! O que seriam das
amendoeiras? Não teríamos amêndoas.
158
As crianças do jardim de infância ganharam uma boneca.
Elas ficaram muito felizes. Chamaram a boneca de Sara.
Tive que contar a eles sobre vocês: em que casa vocês
moram e quais brinquedos vocês têm. Uma menina de
quatro anos desenhou esta boneca e eu estou mandando
o desenho para vocês. Estou morando em Ein-Harod, há
uma semana em uma casinha, é uma casa de madeira
sem piso. Pássaros e insetos entram voando através dos
buracos na parede e corajosamente governam nosso
quarto com toda ousadia. As portas nas casas de aldeia
não têm fechaduras, nada nunca se fecha e nunca nada
se perde. Pela janela se pode ver o céu, assim, com que
você sonhou, Pinkus - diferente de todo mundo. Um azul
profundo durante o dia e cheio de estrelas à noite. Às
vezes, antes de adormecer, se pode ouvir os gritos dos
chacais. Choram como crianças pequenas, ou os guizos
dos camelos voltando às aldeias árabes. Quando vem
uma caravana (uma longa fila de camelos), um burrinho
anda sempre na frente e conduz todos. É por isso que se
diz:- Burro na frente.
III.
159
verão. Os cactos, que vocês têm em vasos, são altos aqui,
como um humano adulto. Os árabes fazem uma cerca
espinhenta com eles - o maior ladino não se atreveria
passar por ela. Mas quando o vento está soprando, ele
espalha os espinhos afiados do cacto e frequentemente
machuca os olhos dos árabes. E também por isso que
eles são grandes porcalhões. Há muitos árabes cegos.
160
IV.
161
dos animais. Então os cavalos trabalham melhor, as
vacas produzem mais leite, as galinhas põem mais ovos.
Por isso fazem janelas nas colmeias também para que
as abelhas tenham o sol a que estão habituadas na sua
terra natal. E as abelhas são mais saudáveis, fortes, tra-
balham melhor e não ficam tão irritadas quando moram
em colmeias claras.
***
O Navio
162
E então, (apareceu o cachorro do síndico), imaginamos
que ele era o cachorro do tripulante e matou a baleia.
Depois, nos deparamos com uma rocha e o navio nau-
fragou. Chegou um bote para nós salvar, sentamos e fica-
mos circulando até um navio chegar para nós levar daqui.
Finalmente, o navio chegou. (Josek puxou a segunda car-
roça) e finalmente embarcamos no outro navio.
***
Lido
163
passagem me dá o direito de invadir o quartel-gene-
ral dos milionários. Lá vamos nós... O Vaporetto não é
muito espaçoso, tem um convés inferior e outro supe-
rior, mas a multidão é enorme. Sol e água... é magné-
tico, que atrai a sociedade internacional. As conversas,
como em toda Veneza, ocorrem em todas as línguas
possíveis. A cada momento, gargalhadas irrompem,
a jovem fraternidade se regozijando em suas vidas.
A estrada passa pelo Canale Grande. Devido ao baixo
nível da água, o Vaporetto dirige pelo ziguezague mais
amplo ao longo de duas fileiras de corrimão que apon-
tam para lugares mais profundos. Passamos por palá-
cios ainda magníficos, erguendo-se dos dois lados do
canal. Eles apresentam uma visão um pouco engra-
çada. Isso parece como que um elegante cavalheiro de
smoking entrou em uma tigela de água. Vocês imagi-
nam um palácio alto imerso na água. Não só isso: exis-
tem trilhos das portas luxuosas que conduzem direta-
mente para a entrada do canal.
– Saia...
164
Há um bonde no Lido, mas prefiro ser um vagabundo a
pé. Então, estou caminhando ao lado de um beco largo,
ricamente florido. Existem praias à esquerda e hotéis
à direita. São os belos palácios que são as verdadeiras
maravilhas da arquitetura. Seria bom conhecer ainda
mais Lido, porém, a medida que o meio-dia se aproxima,
torna se mais e mais calor. Vou para a praia então. Aqui,
no entanto, surge uma dificuldade de natureza finan-
ceira. Há muitas praias e os preços também são muito
altos. Depois de uma longa busca, finalmente encontro
uma pequena praia, onde posso relaxar a um preço aces-
sível por três liras a hora. Bem, o que posso fazer?
165
Por ora o Lido está quieto e calmo. Vamos adiante: cada
cabana é uma nova família como diz um velho provér-
bio. É preciso agora ter muito cuidado para não pisar
em nenhum ser humano deitado na areia olhando devo-
tamente para o sol. Está ficando cada vez mais quente.
Valeria a pena um banho. Ah, certo, existe um mar...
Então vamos dar uma olhada nele também. Que decep-
ção. Acontece que é simplesmente água que sobe e desce
(aqui deveria haver uma descrição maravilhosa de como
o sol brinca alegremente com as ondas, mas desejo pou-
par aos leitores tormentos desnecessários. Entro o píer,
isto e, uma ponte de concreto, ao longo de 50 m, que leva
ao mar. Um momento de hesitação, então salto na água.
Nessa ocasião, meu corpo tomou contato com o mar
pela primeira vez.
166
Também havia os milionários. Então eu vi com os meus
próprios olhos, Randolphe Hearst, a quem pertence a
maior parte da imprensa americana. Ele ocupava um
apartamento de seis cômodos, pagava trezentas liras por
dia (150 zlotys) e, além dos seus próprios criados, tinha à
disposição dois copeiros, duas empregadas e duas cozi-
nheiras. O Creso Segundo, o rei americano do óleo, Bloch,
mantinha contato telefônico constante com a América.
***
167
rodeada por montanhas (Andy - Cordillera) com um tom
de rosa. Uma dessas montanhas é chamada de Illimani
e tem um topo nevado. Quando o sol está se pondo, você
pode ver seu topo prateado com um brilho vermelho e
amarelo. Branco e índio vivem na Bolívia. As mulheres
indígenas se vestem de uma forma extraordinariamente
colorida: vestem vários lenços com fundo plissado, um
sobre o outro e cada um de uma cor diferente, vermelho,
verde, centaurea, amarelo, laranja, etc. As blusas têm
cores diferentes. No verso, lenços coloridos. A mora-
dora de La Paz quando tem um filho pequeno, coloca-o
nas costas em um saco colorido. Eles também carregam
itens para vender nessas bolsas. Eles têm tranças lon-
gas, pretas e lisas e na cabeça usam bolas altas. Vou para
a escola. Eu fui para o meu quarto ano. Agora há férias
e verão aqui. No meu grupo, há meninas de oito a dez
anos e meio. Estou apenas no meio porque tenho 9 anos.
Estou aprendendo espanhol e inglês. Sim, a Bolívia é um
país muito interessante e exótico! -
***
Domingo em Paris
168
ouviu nada. Portanto, murmurei não muito alto e num
tom não muito encorajador: -Entre! A porta se abriu e
Kai ficou na entrada. O Kai é pequeno em altura e tem
os olhos enviesados. Ele é chinês e um dos rapazes mais
simpáticos que eu conheço. Realmente gosto muito
dele. Mas desta vez eu não tive o menor desejo de vê-lo.
Deixe-me em paz - rosnei antes que ele pudesse abrir a
boca. - Quero dormir e pronto.
169
proposta da Kai. Mas mais por decência do que por con-
vicção - disse: Está bem... Mas, porém, temos que estu-
dar....Kai olhou para mim com pena, depois se dirigiu
novamente para a porta.
170
localizado no Bairro Latino e estudamos frequente-
mente pelos seus becos. Mas Ilonka insistiu e tivemos
que dar lugar a ela, como única menina do grupo. Pas-
seamos por vielas inundadas pelo sol de junho, vimos
crianças lançando pequenos veleiros na lagoa, e com a
permissão silenciosa de Ilonka, saímos novamente para
a rua. Não muito longe do jardim há o café mais popu-
lar do Quartier Latin, que todo parisiense conhece, nem
que seja por sinais de propaganda: Chez Dupont tout est
bon (no Dupont - este é o nome do proprietário do lugar
– aqui tudo está bom). Ao ver o olhar ansioso lançado por
Atylla no agora café, eu disse apressadamente: Proponho
agora pegar o metrô e ir para o Louvre.
SUMÁRIO
171
14
AS FORÇAS
ARMADAS
A ascensão do nacionalismo após a I Guerra Mundial aumen-
tou o desejo pela expansão dos governos e territórios e da defesa dos
mesmos, fazendo com que cada vez mais cidadãos civis tivessem
interesse pelo alistamento na carreira militar para a defesa da nação
e da pátria. Destarte, a atuação das forças armadas não ficou de fora
do jornal Mały Przegląd, como a demonstração das forças aéreas em
Varsóvia no distrito de Pole Mokotowski e a marcha do exército em
frente ao Grande Teatro. Ademais, encontramos um artigo do corres-
pondente da Escócia, Teodor Lewitte que escreveu sobre a celebra-
ção pela paz, ocorrida em 11 de novembro de 1937, realizada por 4 mil
estudantes na Universidade de Edimburgo.
A semana de L.O.P.P.*
173
na grama verde, depois as suas asas sobiam em direção
ao céu, se ouvia o ronco do motor e o avião decolava da
terra. Começava a dançar no ar, desenhando círculos e
fazendo o contorno do oito, caia como uma folha levada
pelo vento e em seguida voltava a subir.
***
O retorno do exército
174
Às 12:30, o prefeito da cidade Stefan Starzyński saudou
as tropas. Depois de posicionarem as armas, os militares
foram presenteados com as flores, cestas decorativas e
um quadro que retrata a entrega do bastão para o Mare-
chal Śmigły-Rydz.
***
11 de novembro em Edimburgo
(Correspondência da Escócia)
175
O reitor da universidade em sua roupa solene e todos os
professores usando togas e barretes ficaram em pé na
frente do magnifico prédio em silêncio. Finalmente, res-
soou o tiro de um canhão, saindo do castelo antigo dos
Reis da Escócia e com este sinal levantamos as cabeças
e durante três minutos ficamos braço a braço em com-
pleto silêncio. Novamente, ressoou o tiro de canhão e no
palco apareceu o reitor da universidade, e ao lado dele
um alto padre escocês que fez uma saudação para nós.
Uma vez mais as paredes antigas da universidade escu-
taram as palavras fortes, mas simples que manifestaram
o sentido de amor fraternal nos corações dos ouvintes.
176
E um pouco assim, com um pouco de medo de que novos
perigos interrompesse a homenagem de paz.
SUMÁRIO
177
15
FÁBULAS,
IMAGINAÇÃO
E FANTASIA
Adepto da escrita, literatura e teatro, Janusz Korczak também
buscou na fábula, na imaginação e na fantasia uma forma das crian-
ças e adolescentes não deixarem de sonhar por um mundo melhor
do que aquele que elas já conheciam, ou como verbalizamos em
algum momento, uma forma das crianças e adolescentes “esperan-
çarem” suas vidas. Nos artigos publicados pelo jornal, especialmente
aqueles publicados por pseudônimos, como o da “caixa mágica”
escrito sob o pseudônimo de Paul Roger consta que eram fábulas
escritas pelos próprios editores do jornal, que visavam sobretudo,
passar diferentes conhecimentos de uma forma cativante aos seus
leitores, os quais reverberassem nas emoções possibilitando que
sonhassem, mas que também trouxessem sabedorias às suas vidas.
Passeio noturno
179
tiramos os casacos e fechamos os olhos. As árvores
ainda deliravam na minha cabeça. Eu não me arrependo
nenhum um pouco porque fiz uma viagem noturna,
embora estive com medo.
***
Salmon
a captura de Belzebu
E os velhos disseram:
180
Então o rei dirigiu-se aos demônios:
181
Não bebeu. Sentou-se em uma pedra, zangado, con-
torcendo-se. Mas, finalmente, ele foi dominado pela
sede e empanturrou-se de vinho, ficou bêbado e ador-
meceu. A montanha estava tremendo – tão alto era o
ronco de Belzebu.
***
Caixa mágica
182
– Diga-me menino, quais são seus três maiores desejos.
Prometo-te que todos eles serão realizados.
183
diante de mim havia um gnomo, o mais real e o mais
autêntico do mundo! Vestindo roupas pobres, com a
barba por fazer e sujo, não muito mais alto do que eu.
Numa das mãos segurava um pequeno pacote e com a
outra, quando me viu, fez algum tipo de movimento
como se fosse me saudar ou esconder seu rosto do sol.
Eu fiquei tão comovido que não consegui pronunciar
uma palavra. Assim, por alguns minutos estivemos
frente a frente – eu e o gnomo – se olhando bem de perto.
Enfim, perguntei com uma voz trêmula:
184
– E agora – acabou Roland, endireitou orgulhosamente
seu pequeno semblante – o propósito da minha vida é
voltar para Rosika e recuperar o meu antigo poder.
185
– Aproxime-se – disse suavemente. – Veja, eu lhe dou a
caixa encantada. Qualquer coisa que você desejar, basta
inclinar-se sobre ela e sussurrar o seu desejo e ele se rea-
lizará imediatamente. Agora devo ir — acrescentou ele,
levando o pacote já amarrado sob o seu braço.
186
Ela me encheu de perguntas e é claro, não conseguiu
nenhuma resposta de mim. Foi naquele dia que eu dei-
xei de acreditar em gnomos.
SUMÁRIO
187
16
OS ANIMAIS
Sob o olhar das crianças, a vida dos animais estava cons-
tantemente referenciada nos escritos de Mały Przegląd, especial-
mente quando se encontravam muito próximos dos seus interlocu-
tores, a quem muitas vezes eram estendidos os seus laços de ami-
zade. como podemos ver nos artigos abaixo. Entre as cartas, consta
a crueldade para com os animais, como essa que ocorreu com a
cachorra Sonia, mãe de Dziakuś, morta pelo seu próprio dono, sob a
custódia de seus amigos.
189
Seu nome é Dziakuś. Ele tem apenas dois meses e meio
de vida. Dziakuś cavou um buraco e quando o perseguem,
ele escapa para dentro da sua cova. O quarto é Amik, uma
mistura de cães e lobos. Ele é de cor caramelo. Ele tem face
e pernas gordas. Todos estes cachorros gostam muito uns
dos outros. Kruk passa o dia todo preso em uma corrente;
enquanto Sonia, Amik e Dziakuś ficam soltos.
190
Esta manhã, Sonia estava deitada debaixo de uma árvore,
eu comecei a acariciá-la. De repente, Amik veio cor-
rendo, então para evitar ciúmes, comecei a acariciá-lo
também. A ciumenta Sonia começou a rosnar, por isso
eu voltei a acariciei e ela se deitou de barriga para cima.
191
tinha matado Sonia e vi Sonia deitada amarrada a uma
árvore. A cabeça dela estava esmagada e o sangue estava
jorrando de seu focinho. Ela ainda abanava seu rabo. O
zelador levantou a cabeça dela, depois foi para um ter-
reno baldio ao lado e cavou um buraco debaixo de um
pé de ameixa. Ele voltou aonde havia matado Sonia,
pegou-a pela perna traseira e caminhou em direção ao
buraco. O zelador a jogou na cova e a enterrou. Todos
fomos embora. O Kruk estava forçando a corrente e se
soltasse ele morderia todos. Estava com sangue nos
olhos. Até eu tinha medo de me aproximar dele. No fim
do dia, Kruk correu com o nariz pressionado sobre o
chão porque queria encontrar o túmulo de Sonia. Dois
cachorros vieram correndo em direção ao nosso condo-
mínio - Brytan e Lord, e eles morderam Kruk. O Kruk
ficou irritado, pois suas feridas eram muito dolorosas.
Dziakuś não se importava nada com sua mãe. O Kruk,
após três horas de busca, encontrou o túmulo de Sonia,
até mesmo começou a desenterrá-lo, mas foi expulso
dali. Uma vez andando pelo condomínio, vi a zeladora
sentada em um tronco e as meninas estavam de pé ao
seu lado. Eu perguntei: Por que o zelador matou Sonia?
e ela respondeu: “Eu não podia alimentá-la, afinal, tenho
que alimentar o Kruk, o Amik e o Dziakuś de qualquer
maneira”. A seus pés estava Amik. Eu comecei a acarici-
á-lo e ele tentou agarrar minha mão.
***
192
à cerca, levantou-se e com suas enormes patas alcançou
a cerca. Os três cachorros, Brytan e Lord de um lado e
Kruk do outro começaram a latir uns para os outros.
O Dziakuś começou a latir também, de vez em quando
pulando em cima de mim, depois pulando em cima de
mim e ladrando para Brytan e Lord. Eu estava dizendo ao
Dziakuś: “Dziakuś, leve-o daqui!” e ao Kruk: “Kruk, não se
mexa! Pare de se mexer!”. Eu joguei uma pedra pela cerca,
para que Brytan ou Lord se afastassem. Eu poderia atin-
gi-los com ela. Os cachorros mantiveram uma distância
decente. Eu coloquei um cipó na cerca para que quando
Brytan se aproximasse, eu o atingisse, mas Brytan se
aproximou e pegou meu cipó. Eu o manipulei e aproveitei
para pegar uma mão de areia e jogar nos olhos de Brytan,
ele fugiu e começou a latir pro Kruk. Me chamaram para
o café da manhã. Enquanto caminhava em direção à
varanda, vi Brytan indo embora. Eu senti medo porque
o Brytan morde. Mas quando passou o susto, bati com o
pé no chão e Brytan fugiu. Entrei pela varanda. Atrás de
mim, o Dziakuś, de vez em quando, olhava e ladrava em
direção ao Brytan e Lord. Sentei me na varanda, Dziakuś
correu atrás de mim. Comecei a comer. O Dziakuś estava
me observando. Joguei-lhe um pedaço de pão, ele comeu
e lambeu-o. Joguei um pouco de suco de cereja no chão.
Tomei meu café da manhã e saí com Dziakuś. O Kruk não
ladrava mais em direção a Brytan e Lord.
***
193
Eu vi Amik acorrentado e uivando. Comecei a acariciá-lo
e fazer cócegas. Em seguida, me afastei em direção à
nossa varanda. Junto à varanda estava o Dziakuś. Após
o almoço, saímos para passear.
***
Peixe voador
194
e se alargaram até atingir o comprimento do seu corpo.
Contente, alargou suas novas nadadeiras - asas, e para
sua alegria indescritível - ascendeu no ar. Ah, que prazer
finalmente escapar da água terrível! O peixinho olhava
com orgulho para os pássaros que cruzavam seu cami-
nho. Não precisa mais invejá-los, porque agora posso
voar no ar tanto quanto eles!
195
– Senhor todo poderoso Júpiter - tire minhas asas,
para eu não ficar atentado a flutuar no ar. Não me deixe
ser diferente de todos os meus irmãos. Desfaça o seu
presente, Senhor!
SUMÁRIO
196
17
REI MATEUZINHO I
Na fábula Król Maciuś Pierwsyz (Rei Mateuzinho I), Korczak
tratou do parlamento infantil quando as crianças protagonizaram o
exercício da gestão democrática por meio da participação em assem-
bleias, brigadas e conselhos. Após a morte dos pais, Mateuzinho
se viu obrigado a governar um país com apenas 10 anos de idade.
Inicialmente sentiu-se acuado pelos parlamentares adultos, mas
mesmo criança, precisava enfrentá-los. Com ideias ousadas, enfren-
tara vários dilemas especialmente com o mundo adulto. O livro, tam-
bém conhecido como uma espécie de Peter Pan polonês destina-se
a um público de diferentes idades.
198
Maciuś sentado no trono, sentindo frio até os dentes, via
os ministros se perguntarem: O que está acontecendo
com nosso país? Esse momento não era nada agradável
porque todas as notícias eram ruins.
199
O educador se aproveitou da literatura para dar às crianças oportuni-
dades de sonharem, mas também de refletir sobre as condições huma-
nas, ilustradas em alguma medida nas publicações de Mały Przegląd.
SUMÁRIO 12 Declaração de Genebra (1924); Declaração dos Direitos da Criança (1959); Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança (1989). No Brasil, temos a Constituição Federal Brasileira (1988); o
Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) e a Lei 11.525 (2007).
200
18
A INFÂNCIA
DE HENRYK GOLDSZMIT
O pai, nascido em Lublin, na região leste e a mãe em Kalisz,
do outro lado da capital; ambos quando jovens, foram morar em
Varsóvia para estudar e tentar uma carreira profissional. Os pais de
Janusz se conheceram em Varsóvia, onde seus filhos nasceram e
viveram em um prédio que não existe mais na rua Bielańska, perto
da rua Długa. Janusz Korczak ou Henryk Goldszmit conforme consta
em sua certidão de nascimento, sempre usou duas datas para com-
provar sua idade porque como já mencionamos nem seu pai tinha
certeza se ele havia nascido em 22 de julho de 1878 ou 1879.
202
Em 1896, após a morte do pai, consequentemente perdeu o
conforto material da casa em que vivia. Korczak junto com sua mãe e
irmã precisaram se mudar para uma casa mais simples. O jovem que
gostava de literatura desde cedo, começou a trabalhar como profes-
sor, dando aulas de reforço para as crianças que precisavam. Aos 20
anos, ingressou na escola de medicina da Universidade de Varsóvia.
Korczak frequentou a escola polonesa, num período em que a cidade
de Varsóvia se encontrava sob o domínio da Monarquia Russa. A
língua russa era forçosamente ensinada nas escolas públicas, era
também a língua das repartições públicas, dos escritórios, da polícia
e do exército. Em 1901, resultante do seu olhar sensível para com as
crianças de rua, Korczak publicou seu livro de estreia “As crianças de
rua” (tradução nossa).
203
Figura 10 - Hospital Infantil Bersohn e Bauman.
Escarlatina
204
Não queremos discutir nos primeiros números com os
jornais para adultos, só vamos fazer algumas referên-
cias sobre o que eles publicam. Sim, as vacinas são muito
importantes, também é importante manter as mãos lim-
pas, lavar as mãos ao sair da escola ou ao voltar da rua ou
do passeio; é importante enxaguar a boca e escovar os
dentes; é importante limpar cuidadosamente o nariz. É
importante não pegar nada do chão, na rua ou no jardim
- e não pôr as coisas desnecessárias na boca. Os estudio-
sos provaram que um homem com fome fica infectado e
doente mais facilmente, e nas escolas há muitas crianças
com fome. Ninguém se preocupa com a alimentação das
crianças que têm fome. Estudiosos provaram também
que o homem necessita de ar fresco e em muitas escolas é
muito apertado, poucas janelas e mesmo no intervalo não
há lugar para brincarem. - E mesmo se o dia for muito
bonito não se vê excursões e passeios. - Ninguém diz para
fazer mais passeios e menos trabalhos durante a epide-
mia. O homem feliz e contente está mais imune à peste,
mas quem só se aborrece, pode ficar doente mais cedo.
Então deve haver mais entretenimento e lazer agora. Por-
que as crianças sempre devem estar alegres e ainda mais
quando há epidemia. - Sobre isso, os jornais para adultos
esquecem de escrever, então, o nosso dever é lembrá-los.
205
amenizar a ausência do pai), leu Fausto de Goethe, Victor Hugo,
Henryk Sienkiewicz e Karol Marx – de quem tomou a categoria
proletários para nomear seus pupilos de pequenos proletários de
Varsóvia (NAWROSKI, 2019).
206
arredores de Varsóvia, com o passar do tempo, os rementes se tor-
navam mais distantes, com cartas da Australia, México, Brasil, China,
Uruguai, Bolívia, Palestina, além de outros países da Europa, o que
também demonstra uma grande onda de emigração. A paz em tem-
pos de guerras era almejada, e assim a cada novo número do jornal
Mały Przegląd, mais leitores e cartas eram acumuladas, recheadas
de alegrias, tristezas, angústias, sonhos e medos, mas que, ao serem
publicadas, regozijavam seus autores.
SUMÁRIO
207
REFERÊNCIAS
DĄBROWSKA, Izabela Edyta. Uczelnia Jańskiego w Łomży. Idea społeczeństwa
dziecięcego w ujęciu Janusza Korczaka (na przykładzie systemu wychowawczego Domu
Sierot). 2012.
KORCZAK, Janusz; Król Maciuś Pierwszy. Wydawnictwo Wilga. Seria z Niezapominajką, 2017.
KORCZAK, Janusz. Como amar uma criança. Prefácio de Bruno Bettelheim. São Paulo,
Paz e Terra, 1986.
KORCZAK, Janusz. Quando eu voltar a ser criança. São Paulo, Summus, 1981.
208
NAWROSKI, Alcione. Little proletarians in Warsaw: from practices of Janusz Korczak to
theories of Paulo Freire. Revista Brasileira Estudos Pedagógicos. Brasília, v. 100,
n. 256, p. 543-557, set./dez. 2019. Disponível em: https://doi.org/10.24109/2176-6681.
rbep.100i256.4482. Acessado em 23 de junho de 2023.
PESTALOZZI, Johann Heintich. How Gertrude Teaches her Children. London: Ebenezer
Cooke. 1894.
ROUSSEAU, Jean. Jacques; Emilio ou Da educação. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 1995.
FILME
KORCZAK, Direção: Andrzej Wajda: Prod. Janusz Morgenstern, Regina Ziegler, Daniel
Toscan du Plantier, Willi Segler: IMDb. Varsóvia, 1990 (113 min.).
SUMÁRIO
209
JORNAIS
Pamietnik sieroty. Nr. 277. 9.X.1926
210
Salmon. Pojmanie Belzebura. Nr. 188. 8.VII. 1932
211
ÍNDICE REMISSIVO
A experiências 31, 48
amizade 57, 58, 88, 119, 189 F
antissemitismo 65, 142 fábulas 14, 38, 109, 179, 199
arte 64 Falska 19, 20, 21, 25, 87, 88, 206
C família 16, 20, 26, 48, 102, 106, 165, 166, 171, 196, 202
cartas 13, 14, 15, 38, 48, 49, 51, 54, 58, 79, 80, 103, 137, 142, 143, felicidade 42, 45, 79, 83, 184
144, 151, 189, 206, 207
G
comportamento 97
guerra 18, 21, 50, 87, 94, 107, 108, 176, 199
conflitos 34
Gueto de Varsóvia 24, 63, 82
crianças 12, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 30, 31, 32, 33,
34, 35, 47, 48, 49, 51, 54, 58, 63, 64, 65, 66, 68, 69, H
74, 75, 79, 80, 85, 87, 88, 95, 96, 97, 99, 100, 102, histórias 19, 27, 59
104, 106, 108, 109, 110, 112, 114, 116, 117, 118, 122, 126, honra 67, 72
132, 135, 142, 143, 145, 158, 159, 160, 171, 179, 189,
198, 199, 200, 202, 203, 204, 205, 206, 207 humanidade 84
Czar 18, 87 I
D independência 19, 21, 32
diários 29, 30, 31, 34, 38, 44, 64 infância 16, 117, 159, 201, 202, 203, 205
direitos 19, 68, 117, 200, 205 inocência 16
intelectuais 13
E
educação 13, 16, 19, 20, 21, 25, 26, 34, 62, 63, 87, 88, 114, 127, 128, J
137, 138, 202, 205, 209 judeus 13, 30, 48, 54, 65, 67, 68, 74, 93, 133, 147, 156, 166
emigração 141 justiça 19, 64, 65
ensino 133, 209 L
entreguerras 12, 13, 14, 16, 26, 108, 206 liberdade 25, 34, 119, 150, 175, 176, 183
esperança 37, 38, 78, 79, 205 literatura 26, 31, 32, 179, 200, 203, 205
Estrela de Davi 24, 88 M
estudantes 12, 13, 43, 59, 77, 128, 132, 137, 140, 173, 175, 203 mulher 21, 26, 27, 113, 148
SUMÁRIO
212
O revolução 18
orfanato 16, 24, 25, 26, 27, 33, 58, 63, 64, 68, 69, 74, 88, S
100, 101, 102, 104
Segunda Guerra Mundial 173
órfãos 94
silêncio 83, 84, 120, 167, 168, 175, 176, 182, 196
P soldados 24, 176, 177, 199
paz 120, 169, 173, 175, 176, 177, 191, 207 solidariedade 68
pedagogia 208 sonhos 14, 128, 182, 183, 186, 199, 205, 207
pedagógica 13, 14, 25, 32, 88, 209
V
pobreza 104
Varsóvia 12, 13, 15, 16, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27, 31, 32, 42, 48,
Polônia 13, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 26, 47, 68, 72, 108, 130, 132, 133, 50, 51, 52, 53, 54, 60, 62, 63, 67, 72, 74, 79, 82, 85,
156, 157, 163, 173 87, 88, 96, 98, 99, 100, 126, 133, 139, 142, 143, 147,
professores 20, 48, 63, 126, 131, 134, 135, 137, 138, 143, 176, 206 148, 154, 156, 157, 173, 202, 203, 204, 206, 207, 209
progresso 114 vida 14, 18, 20, 21, 26, 30, 31, 32, 34, 36, 38, 42, 54, 68, 87, 90, 95,
psicologia 116 99, 102, 107, 108, 116, 117, 120, 138, 146, 165, 167, 169,
185, 189, 190, 194
R
violência 18
refugiados 17, 18
república 21, 47
SUMÁRIO
213