Povos Do Mar Herança Sociocultural e Perspectivas No Brasil

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Povos do mar: herança Baseada na análise de Caio Prado Júnior sobre a Formação do Brasil
sociocultural e Contemporâneo (1945), Mussoline nos informa que, em razão do cará‑
ter agrícola da colonização, sobretudo voltado para produtos de valor
perspectivas no Brasil comercial no exterior, a nossa costa se caracterizou, e ainda se carac‑
teriza, por um tipo de ocupação com trechos de denso povoamento,
Angelo Brás Fernandes Callou ao lado de outros apenas escassamente ou nunca povoados (5). Nesse

C
processo de ocupação das áreas economicamente mais promissoras,
segundo ainda Caio Prado, citado por Mussoline, criariam‑se pequenas
omunidades pesqueiras, cultura marítima, co‑ zonas populacionais “de vida mais ou menos vegetativa” (6).
munidades humanas marítimas, gentes do mar, Desse processo de colonização se configuraria um “tipo de vida fe‑
comunidades tradicionais de pesca, comunidades chada” na costa brasileira, que resultaria num “aproveitamento in‑
costeiras ou, simplesmente, povos do mar, repre‑ tensivo, quase exclusivo (...) dos recursos do meio, criando‑se, por
sentam, no Brasil, um contingente populacional assim dizer, uma intimidade muito pronunciada entre o homem e
de aproximadamente 800 mil pescadores e pescadoras, envolven‑ seu habitat” (7). A citação de Mussoline a seguir nos dá uma ideia
do 2 milhões de pessoas que produzem cerca de 55% da produção dessa configuração sociocultural:
pesqueira nacional. Habitantes tradicionais das áreas costeiras, os “Conhece o homem muito bem as propriedades das plantas ao seu
pescadores artesanais – também chamados de praieiros, jangadei‑ redor – para remédios, para construções, para canoas, para janga‑
ros, caiçaras e açorianos, a depender da região onde habitam e das – bem como os fenômenos naturais presos à terra e ao mar e
de seus artefatos socioculturais e técnicos – (1), são reconhecidos que os norteiam no sistema de vida anfíbia que leva, dividindo suas
como “trabalhadores que se dedicam à captura de pescado e que atividades entre a pesca e agricultura de pequeno vulto, com poucos
exercem as funções de membros de tripulações excedentes para troca ou para venda: os ventos, os
dos barcos pesqueiros, executando diversas tare‑ ‘movimentos’ das águas, os hábitos dos peixes, seu
fas de pesca de altura – no caso dos pescadores a nossa costa se periodismo, a época e a lua adequadas para pôr
marítimos – ou tarefas específicas da pesca de caracterizou abaixo uma árvore ou lançar à terra uma semente,
água doce e águas costeiras” (2). por um tipo de ou uma muda, ou colher o que plantou.” (8).
Abordar os aspectos socioculturais dos povos do Vê‑se, de antemão, que toda uma cultura desen‑
mar, como aqui pretendemos, não é tarefa fácil, ocupação com volvida na costa brasileira manteria muito dos seus
tendo em vista a reduzida produção acadêmi‑ trechos de vínculos mais autênticos da colonização, da influ‑
ca brasileira no âmbito das culturas populares denso ência indígena e africana, do que sofreria os pro‑
da pesca. Só a partir dos anos 1960/70 é que povoamento cessos de “invasão cultural”, como se referiu Paulo
essa produção começou efetivamente a tomar Freire (9), dos vetores mais dinâmicos da coloni‑
fôlego (3). Mas não se tem, ainda hoje, estudos zação no trato das culturas de exportação. Aspecto
monográficos substanciais que possibilitem contar, a partir de mais nítido, sobretudo, no tocante à atividade pesqueira. Mais nítido
itinerários diversificados, a história cultural da pesca no país. Há, porque as atividades de pesca, por não adquirirem significação histó‑
porém, contribuições vindas das décadas de 1940/50, e mesmo rica na economia brasileira, permaneceriam praticamente inalteradas
de períodos anteriores que, somadas à produção contemporânea, em seus aspectos social, cultural e tecnológico, particularmente até
nos auxiliam a pensar os povos do mar como culturas importantes o surgimento de intervenções públicas para o desenvolvimento do
para enfrentar os problemas de ordem ambiental e sociocultural setor pesqueiro, como veremos adiante.
da pesca artesanal no Brasil. No que diz respeito à influência indígena nas atividades de pesca,
Entretanto, os trabalhos encontrados ao se dedicarem a peculiari‑ Mussoline registra particularmente o uso do timbó (ervas que pro‑
dades culturais e sociais das comunidades pesqueiras da costa na‑ vocam efeitos entorpecentes nos peixes, quando jogadas fragmen‑
cional, tais como aspectos geográficos, climáticos, ou relacionados tadas na água, podendo‑se, assim, apanhá‑los com a mão), de uso
aos processos de colonização, poderiam sugerir certa dificuldade à hoje proibido; das tapagens (barreiras de varas montadas nos rios
caracterização geral pretendida, não fosse a observação de Gioconda e estuários para capturar o peixe); e dos currais‑de‑peixe (espécies
Mussoline em Aspectos da cultura e da vida social no litoral brasileiro de cercados construídos junto às praias), ainda bastante usados no
(1972) (4). A autora, embora reconheça no litoral distinções na vida litoral brasileiro (10). A conservação do pescado através do moquém
das populações humanas, verifica “que existem elementos culturais (espécie de grelha onde o peixe é colocado para assar) é um outro as‑
e sociais comuns a todo ele”, explicados, sobretudo, “pelas mesmas pecto, apontado por Mussoline, da cultura indígena que permanece
influências que contribuíram para sedimentar as primitivas bases na atualidade, especialmente na Amazônia (11).
culturais da vida litorânea (...)”. Ou seja, a portuguesa, a indígena, a Quanto às embarcações, a autora registra a canoa feita de um único
africana e suas combinações. Nesse sentido, embora não se esqueça tronco escavado como uma herança indígena ainda encontrada pra‑
aqui e acolá de tais distinções, considerou‑se sua abordagem mais ticamente em toda a costa brasileira. A jangada, embora mais restrita
adequada para o objetivo deste trabalho. ao Nordeste, é um outro exemplo (12).

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Da influência portuguesa na pesca tem‑se a incorporação, dentre Entretanto, seus divertimentos são ricos em vivacidade: “O jangadei‑
outros apetrechos, do anzol de ferro, incorporado pelos índios, em ro ama o violão e a sanfona”, escreve Câmara Cascudo (21). Por outro
substituição ao espinho torto, abordado por Luiz Geraldo Silva (13); lado, não é afeito a compor cantigas (21), diferenciando‑se, portanto,
do espinhel, usado desde o Amazonas até o Rio Grande do Sul; e das do caiçara paulista, como veremos a seguir. As canções típicas de
redes de emalhar ou tresmalho, bastante utilizadas na pesca da tai‑ beira de praia são compostas por gente da cidade (21). “Canções
nha, atividade ainda comum no litoral brasileiro (14). A preparação praieiras que nunca viram o mar”, afirma Câmara Cascudo. O coco
do pescado salgado e seco é outra influência da colonização de uso de roda é a brincadeira mais comum de praia. Nos casamentos e bailes
corrente na nossa costa (15). dança‑se frevo, marcha e samba, acompanhado da sanfona, às vezes
Mas não é apenas nos aspectos técnicos da pesca que se encontraria o do violão (21). A ciranda também é uma dança muito comum nas
relevo da herança indígena e portuguesa nas comunidades do nosso comunidades pesqueiras do Nordeste.
litoral. A atividade pesqueira, como bem salienta Mussoline, “trans‑ As festas religiosas são encontradas praticamente em todas as comu‑
cende os limites meramente familiares para se converter em atividade nidades pesqueiras do litoral brasileiro e, muitas vezes, se misturam
comunitária”. É “(...) ao redor da rede, que se estabelece toda uma com as festas profanas. Além das festas específicas do santo padroeiro
série de interações entre moradores de um bairro, unindo‑os em de cada região, em geral são comuns em todas elas a de São João, a
co­operação, e fazendo com que constituam, realmente, um grupo de Santo Antônio, a dos Navegantes, a de São Pedro, a do Espírito
local” (16).  Dentro desse contexto social adquirem realce também Santo, entre outras (22).
outros aspectos da cultura, nas tradições orais e folclóricas, sobretudo As festas, as danças e os cantos também estão presentes na realidade do
portuguesa. Escreve Mussoline: caiçara paulista. Entretanto, diferencia‑se do jangadeiro nordestino,
“É um folclore cheio de ‘almas penadas’ dos pescadores que perderam sobretudo porque, neste caso, pode‑se falar de uma produção musical
a vida no mar e voltam a aborrecer os vivos e para cujo exorcismo caiçara. Kilza Setti afirma que 75% dos músicos entrevistados em
existem os ensalmos e os ‘benzentinos’ de defesa; seu estudo “Ubatuba nos cantos das praias” são
são as lendas de tesouros que ficaram enterrados da As festas pescadores (23).
época da pirataria em nossa costa; são as crenças nas De influência basicamente portuguesa, seja nos ele‑
‘mães d’água’ ou ‘mães de ouro’, cuja presença religiosas são mentos vocais e coreográficos, seja nos elementos
indica a existência de ouro na região, aparecendo encontradas instrumentais, essa produção musical manteve‑se
repentinamente a pentear‑se nos rios litorâneos com praticamente sem grandes modificações até a década de 1950,
pentes de ouro, mas desaparecendo logo em seguida; em todas as mas ainda hoje é predominante o repertório caiçara
são benzimentos para os mais variados fins, princi‑ na região estudada por Setti (24).
comunidades
palmente para a cura das moléstias, os quais, se bem Os encontros musicais entre os caiçaras são acom‑
que estropiados, ainda permitem captar fielmente pesqueiras panhados ou não de danças, e “constituem‑se em
o antigo modelo português.” (17) brasileiras um dos elementos de ligação de sociabilidade e de
Embora Mussoline não aprofunde detalhes dessas solidariedade na vida das comunidades (...)” (25).
tradições folclóricas do litoral brasileiro, outros autores trazem algu‑ Entre os instrumentos mais utilizados nos encontros musicais estão
mas contribuições nesse sentido, que ajudam a caracterizar melhor a viola, o pandeiro, a caixa e o acordeão. E dentre as formas musicais
os povos do mar no Brasil. Luís da Câmara Cascudo, ao estudar a mais praticadas hoje estão a canoa, a ciranda, a cana‑verde e a xiba.
jangada nordestina, traz aspectos interessantes sobre o assunto. Todas, categorias do fandango (26). Algumas delas também podem
As superstições dos pescadores, olhadas de maneira enviesada pelos ser encontradas no litoral do Paraná e Rio Grande do Sul (27).
projetos públicos de desenvolvimento do setor pesqueiro, são abor‑ É importante observar no estudo de Setti, que a manutenção e difu‑
dadas por Câmara Cascudo em várias passagens do seu livro Jangada, são dessa cultura popular se realiza oralmente, observando‑se nesse
uma pesquisa etnográfica (1964). Ele afirma que os pescadores são processo, segundo ela, poucas modificações na produção musical.
supersticiosos “tanto quanto as demais criaturas do mundo. Nem E, quando isso acontece, se limitam, segundo a autora, ao âmbito
mais nem menos. E a superstição nada tem com o nível de uma ci‑ dos textos (28).
vilização” (18). Diz ainda que, em suas pesquisas, pouco encontrou As habitações dos pescadores da costa têm sido, em geral, ao longo do
acerca de superstições “que igualasse ao habitante das cidades, do Rio tempo, os casebres de taipa ou de folha de coqueiro, as construções
de Janeiro ou de São Paulo” (18). com tábuas de madeira superpostas, cobertas de palha, as palafitas, do
A atividade do pescador no mar é carente de conversas e cantigas, Nordeste e da Amazônia, e, com exceção, as casas de tijolos com telha
pois afugenta os peixes, dizem os pescadores (19). Talvez, por isso, vã ou mesmo de palha (29). Diversos problemas de saúde das comu‑
o pescador seja “lacônico, reservado, bisonho, pondo lentamente as nidades pesqueiras então relacionados às condições sanitárias e de ha‑
palavras, em raro impressiona no vagar remorado do seu desenho bitação, agravados pela alimentação deficiente e pelo pouco hábito de
verbal” (19). Observa ainda Cascudo que o pescador “dá somente higiene. Sem falar das doenças relativas à própria atividade profissional
os elementos, expressivos e ricos, mas sem calor, sem intenção como‑ do pescador e da pescadora, como a cegueira e os problemas de pele,
vedora, sem comunicabilidade. Cabe ao ouvinte a química pessoal devido à constante exposição ao sol durante a atividade. A falta de uma
determinante da emoção” (20). educação básica nas comunidades de pesca, no passado e no presente, a

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despeito dos problemas daí decorrentes, reforça a ideia de uma cultura Com a criação da Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca da Presi‑
oral fortemente desenvolvida entre os pescadores brasileiros. dência da República (Seap/PR), em 2003, hoje Ministério da Pesca e
É nesse cadinho de experiências culturais portuguesas, indígenas e, de Aquicultura (MPA), o governo reconhece a dívida social do país com
maneira controversa, africanas (30), que se construíram os modos de a pesca artesanal e elabora um plano estratégico de desenvolvimento
vida dos povos do mar no Brasil. Ricos em elementos da cultura folk, sustentável (37). Se fizermos as contas da dívida social dos governos
nem por isso parados no tempo – pois se hibridizam no contato com anteriores para com os povos do mar, podemos dizer que elas estão
outras culturas contemporâneas –, esses povos desenvolveram formas relacionadas a direitos sociais, ambientais, econômicos, territoriais,
particulares de conhecimento e de organização social para utilização políticos e culturais.
dos recursos naturais e conservação dos ecossistemas marinhos (31). No intuito de discutir a situação socioambiental e econômica da
pesca e da aquicultura no Brasil e suas possibilidades de desenvol‑
Políticas voltadas para populações pesqueiras Mas foi de vimento, a Seap/PR promove diversas conferências estaduais e três
costas para essas culturas tradicionais que as políticas públicas foram nacionais, entre 2003 e 2009. Aspecto inovador em termos de im‑
elaboradas, historicamente, para desenvolver o setor pesqueiro brasi‑ plantação de políticas públicas, pois dessas conferências participa‑
leiro. A base de sustentação dessas políticas é a exploração econômica ram representantes de pescadores e pescadoras, além de delegados
dos recursos naturais, a partir da modernização das atividades da dos setores públicos e privados e organizações não governamentais,
pesca. Entre as intervenções realizadas, duas merecem destaque: a ligados às atividades de pesca no país.
Missão do Cruzador José Bonifácio (1919‑1924) e a Superintendên‑ Passados seis anos da criação da Seap/PR, os povos do mar, desconten‑
cia do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe) (1962‑1989). tes com os resultados dessas políticas públicas, constroem, de maneira
A primeira diz respeito às intervenções da Marinha de Guerra nas autônoma, a I Conferência Nacional da Pesca Artesanal. Centenas
comunidades pesqueiras do litoral, com interesses explicitamente de pescadores de vários estados brasileiros, acampados no estádio
militares, permeados de aspectos sociais e econômicos. O objetivo Mané Garrincha, em Brasília, discutiram, de 28 a 30 de setembro
principal dessa intervenção foi a criação das colônias de pesca, às quais de 2009, os rumos das políticas para pesca e aquicultura, sob o lema
os pescadores foram obrigados a se associar. Eram considerados, a “Pescadores e pescadoras na luta por território, afirmando políticas
partir daí, reservas da Marinha de Guerra (32). de direito para a pesca artesanal”.
Os resultados dessa missão são conhecidos. Se, de um lado, as comu‑ O documento produzido pela I Conferência afirma que a Seap/MPA
nidades pesqueiras desfrutaram de benefícios sociais, até então nunca está privilegiando os interesses da aquicultura empresarial e da pesca
vistos na história da pesca brasileira, como escolas primárias, escolas de industrial, em detrimento da pesca artesanal. Afirma, ainda, que suas
pesca, atendimento médico, melhoramento da infraestrutura de apoio políticas estão voltadas para uma “lógica de concentração de capi‑
às atividades de pesca etc, de outro lado, o controle social da Marinha tal, emprego de tecnologias agressivas ao meio ambiente, desprezo e
sobre as comunidades se estabelecia. As colônias foram dirigidas por substituição da cultura tradicional (...)” (38). As 142 reivindicações
pessoas alheias à categoria dos pescadores durante décadas, aspecto que apresentadas no documento nos revelam, de um lado, a compreen‑
repercutiu, negativamente, na configuração sociopolítica dos pescadores são nítida que os povos do mar têm de sua situação socioambiental,
brasileiros (33). Nesse processo de intervenção para o desenvolvimento cultural e política na atualidade, e, de outro, nos informam o quanto
da pesca e dos pescadores, toda uma cultura tradicional dos povos do negamos e o quanto ainda estamos distantes de reconhecer as culturas
mar, menos mutilada à época, foi eclipsada pelos interesses militares. tradicionais pesqueiras como fonte de aprendizagem.
No tocante à Sudepe, é conveniente observar que a visão orienta‑ A impressão que fica, ao refazermos o caminho histórico dos povos do
dora das suas políticas parte da perspectiva de que a pesca brasileira mar no Brasil, é de que as políticas públicas, passadas e contemporâ‑
é “primitiva e miserável” (34). Nesse sentido, os investimentos da neas, são indiferentes às reivindicações dos pescadores, bem como não
Sudepe vão se dar, majoritariamente, no setor industrial da pesca, incorporam a produção científica das universidades sobre as culturas
principalmente a partir de 1967, por meio de incentivos fiscais, e tradicionais da pesca. Aos governos parece interessar apenas o conhe‑
na política do Plano de Assistência à Pesca Artesanal (Pescart), de cimento produzido no campo das tecnologias. Diga‑se de passagem,
1973. Os resultados dessas políticas não geraram o desenvolvimento daquelas tecnologias que podem promover a modernização e o desen‑
pretendido nem da pesca industrial, nem da pesca artesanal (35). volvimento do setor pesqueiro e aquícola do empresariado nacional.
Ao contrário, a modernização e os incentivos à industrialização da Nesse sentido, um esforço para superar a invisibilidade das culturas tra‑
pesca provocaram a depredação de várias espécies de peixes e crustá‑ dicionais da pesca brasileira passa, a nosso ver, pelas esferas política e aca‑
ceos, comprometendo a vida das comunidades litorâneas. Ao lado dêmica. Política, no sentido de que os movimentos sociais de pescadores
disso, os pescadores e pescadoras apontavam problemas graves de‑ precisam ser apoiados pela sociedade, pois, em última instância, os pesca‑
correntes do sobre‑esforço de pesca, da especulação imobiliária nas dores e pescadoras artesanais fornecem índices consideráveis de pescado
praias e do turismo, que expulsou, e expulsa, sistematicamente, as para a alimentação no país, ao mesmo tempo em que preservam o meio
comunidades pesqueiras dos seus territórios tradicionais. Soma‑se a ambiente, dadas as características do seu modo de vida. Acadêmica, na
isso, a poluição química que, desde 1965, vem sendo denunciada pe‑ medida em que as universidades e centros pesquisa podem produzir mais
los pescadores, cujo momento mais grave foi o despejo, em 1983, de 3 conhecimento e tecnologias comprometidos com o desenvolvimento
milhões de litros de vinhoto, no rio Pirapama, em Pernambuco (36). sustentável. Da pesca. Da aquicultura. Dos povos do mar no Brasil.

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Angelo Brás Fernandes Callou é engenheiro de pesca, professor titular da Universidade Federal História da civilização brasileira. São Paulo, 1955. pp.15‑71: O mono-
Rural de Pernambuco e vice‑coordenador do Programa de Pós‑Graduação em Extensão Rural e pólio do sal no Estado do Brasil (1631‑1801) (Boletim, 197); e Silva, L. G.
Desenvolvimento Local (Posmex/UFRPE) Os pescadores na história do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1988, p.61; 63.
16. Mussoline, op. cit. pp.313‑314.
17. Ibidem, p.314.
Notas e referências bibliográficas
18. Cascudo, L. da C. Jangada, uma pesquisa etnográfica. 2.ed. Rio de
1. Diegues Apud Linsker, R.; Tassara, H. O mar é uma outra terra. São Janeiro: Ed.Letras e Artes, 1964. p.16.
Paulo: Terra Virgem, 2005. p.29. 19. Ibidem, p.19.
2. OIT Apud Maldonado, S. C. Pescadores do mar. São Paulo: Ática, 20. Idem. Sobre esse assunto vide ainda Carvalho, M. C. V. de. “O pescador
p.11.1986. do litoral leste do estado de São Paulo”. Revista do Arquivo Municipal,
3. Diegues, A. C. S. A produção das ciências sociais no estudo da pesca e dos no.10, p.41, ago./set. 1943.
pescadores no Brasil – um sumário. São Paulo, s.d., 9p. Mimeografado; 21. Ibidem, p.50.
Sobre isto vide também: Furtado, L. G. “A atuação das ciências sociais 22. Sobre os aspectos religiosos das comunidades pesqueiras veja‑se:
no mar e nas águas interiores na Amazônia”. Brasília, 1986. 17 p. Tra- Marques, L. A. B. O pescador artesanal do sul. Rio de Janeiro: Instituto
balho apresentado no seminário As Ciências Sociais e o Mar Brasileiro, Nacional do Folclore, 1980. p.65; pp.69‑70; e Setti, K.. Ubatuda nos
Brasília, 11‑14 de agosto de 1986; e Bovy, L. O pescador do litoral: um cantos das praias. São Paulo: Ática, pp.243‑261.1985.
desconhecido? São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, pp.13‑18. 1971. 23. Ibidem, p.283.
4. Mussoline, Gioconda. “Aspectos da cultura e da vida social no litoral 24. Ibidem, pp.89‑92.
brasileiro”. In: Schaden, Egon. Homem, cultura e sociedade no Brasil. 25. Ibidem, pp.115‑116.
Petrópolis: Vozes, p.293. 1972. 26. Ibidem, p.108.
5. Ibid., p. 294. Vide também Mourão, F. A. “Os pescadores do litoral sul do 27. Sobre isto vide Marques, op. cit. p. 71.
estado de São Paulo”, São Paulo, 1971. Tese de doutoramento. Univer- 28. Ibidem, p.115‑169.
sidade de São Paulo, 1971. Sobre a decadência do litoral paulista vide 29. São vários os textos que abordam as habitações dos pescadores
especialmente: Almeida, A. P. de. “A decadência do litoral paulista”. em diversos pontos da costa brasileira, veja‑se: Carvalho, op. cit.
Revista do Arquivo Municipal, São Paulo, a.12, Vol.157, pp. 37‑57, mar./ p.39; Araújo, op. cit. pp.108‑112; Bernardes e Bernardes, op. cit. p. 33;
abr. 1946; e uma visão geral do litoral paulista pode ser encontrada em Sette, H.. Aspectos da atividade pesqueira em Pernambuco. Sepa-
Sodré, N. W. “O litoral paulista”. O Observador Econômico e Financeiro, rata dos Anais da Associação dos Geógrafos Brasileiros, São Paulo,
Rio de Janeiro, Vol.16, no.18, pp. 37‑47, 1951. Vol.11, t.1, pp.235‑255. 1959; Cascudo, op. cit. p.46; Aguiar, S. Mudan‑
6. Prado Júnior Apud Mussoline, op. cit. p. 295‑296. ças em um grupo de jangadeiros de Pernambuco. Recife: Imprensa
7. Ibidem, p. 300‑301. Universitária, 1965. pp.81‑82; Paiva, M. P., Paiva, M. A. P. Situação
8. Ibidem, p. 301. econômica‑social dos pescadores artesanais do Ceará. Boletim da
9. Freire, P. Extensão ou comunicação? 4.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, Sociedade Cearense de Agronomia, Fortaleza, Vol.8, pp.85‑96, jun.
1979. 1967. Bovy, op. cit. pp.39‑40; pp.67‑70; e Marques, op. cit. pp.16‑17.
10. Ibidem, pp.301‑302. Aspectos da influência indígena na pesca podem ser 30. Silva, L. G. op. cit.
também encontrados em: Lopes, R. “Pesquisa etnológica sobre a pesca 31. Diegues, A. C. S. “Povos e mares: uma retrospectiva de socioantropo-
brasileira no Maranhão”. Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e logia marítima”. São Paulo: Nupaub, Série Documentos e Relatório
Artístico  Nacional, Rio de Janeiro, n.2, pp.151‑186. 1938; Schmidt, C. B. de Pesquisa, no.9, p.18. 1993. Vide, ainda, Ramalho, C. W. N. Ah, esse
Alguns aspectos da pesca no litoral paulista. São Paulo: Diretoria de povo do mar: um estudo sobre o trabalho e pertencimento na pesca
Publicidade Agrícola, Secretaria de Agricultura, 1948. 43p.; e Bernardes, artesanal pernambucana. São Paulo: Polis. 2006.
L. M. C.; Bernardes, N. “A pesca no litoral do Rio de Janeiro”. Revista 32. Callou, A. B. F. “Movimentos sociais de pescadores em Pernambu-
Brasileira de Geografia, a.2, n.1, pp.17‑53, jan./mar. 1950. co,1920‑1983”. Dissertação de mestrado, UFSM, Centro de Ciências
11. Mussoline, op. cit. p. 302. Rurais. Santa Maria, 1986.
12. Ibidem, p.303. 33. Callou, A. B. F. “A voz do mar: construção simbólica da realidade dos
13. Silva, L.G. A faina, a festa e o rito: uma etnografia histórica sobre as pescadores brasileiros pela missão do cruzador ‘José Bonifácio’
gentes do mar (sécs. XVII ao XIX). Campinas: Papirus, 2001. (1919‑1924)”. Tese de doutorado. USP, Escola de Comunicações e Ar-
14. Ibidem, pp.306‑309. Sobre a pesca da tainha e seus aspectos tradicio- tes, 1994.
nais vide especialmente Mussoline, Gioconda. “O cerco da tainha na 34. Sudepe. I Plano nacional da pesca. Sudepe: Brasília. 1963. p.11.
ilha de São Sebastião”. Sociologia, Revista Didática Científica, Vol.3, 35. Diegues, A. C. S. Pescadores, camponeses e trabalhadores do mar. São
no.3, pp.135‑147. 1945; Acerca das redes de pesca de origem portugue- Paulo: Ática, 1983.
sa vide: Schmidt, op. cit. 36. Callou, op. cit, 1986.
15. Aspectos históricos sobre a salga do peixe veja‑se: Lopes, op. cit. 37. SEAP/PR. Projeto político‑estrutural. Brasília, 2003.
pp.162‑164; Bernardes e Bernardes, op. cit. p.38. Abordando especifi- 38. I Conferência da Pesca Artesanal no Brasil. Brasília, Texto base. p.3.
camente o monopólio do sal e sua repercussão na pesca vide: Ellis, M. 2009.

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