Exegese Bíblica
Exegese Bíblica
Exegese Bíblica
Introdução
Podemos extrair diversas conclusões gerais dum exame do uso que Jesus faz do
Antigo Testamento. Primeiro, ele foi uniforme no tratar as narrativas históricas
como registros fiéis do fato. As alusões a Abel, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, e Davi,
por exemplo, parecem todas intencionais e foram entendidas como referências a
pessoas de carne e osso e a eventos históricos.
Segundo, quando Jesus fazia aplicação do registro histórico, ele o extraía do
significado normal do texto, contrário ao sentido alegórico.
Terceiro Jesus denunciou o modo como os dirigentes religiosos haviam
desenvolvido métodos casuísticos que punham à parte a própria Palavra de Deus
que eles alegavam estar interpretando, e no lugar dela colocavam suas próprias
tradições (Mc 7.6-13; Mt 15.1-9).
Quarto, os escribas e fariseus, por mais que quisessem acusar a Cristo de erro,
nunca o acusaram de usar qualquer Escritura de modo antinatural ou ilegítimo.
Mesmo quando Jesus repudiava diretamente os acréscimos e as interpretações
errôneas dos fariseus com relação ao Antigo Testamento (Mt 5.21-48), o registro
bíblico diz-nos que “estavam as multidões maravilhadas da sua doutrina; porque
ele as ensinava como quem tem autoridade, e não como os escribas” (Mt 7.28-29).
Quinto, quando Jesus, vez por outra, usou um texto de um modo que nos parece
antinatural, geralmente se tratava de legítima expressão idiomática hebraica ou
aramaica, ou padrão de pensamento que não se traduz diretamente para nossa
cultura e nosso tempo. Em Mt 27.9-10 encontramos um exemplo disto. Conquanto
a passagem não seja citação direta de Jesus, ela esclarece que aquilo que seria
considerado inexato por nosso conjunto de normas culturais era praxe
hermenêutica legítima e aceita naquele tempo. Diz o texto: “Então se cumpriu o
que foi dito por intermédio do profeta Jeremias: Tomaram astrinta moedas de
prata, preço em que foi estimado aquele a quem alguns dos filhos de Israel
avaliaram; e as deram pelo campo do oleiro, assim como me ordenou o Senhor.” A
citação é, em realidade, uma compilação de Jeremias 32.6-9 e Zacarias 11.12-13.
Para a nossa maneira de pensar, combinar citações de dois homens diferentes
com referência somente a um é erro de referência. Contudo, na cultura judaica da
época de Jesus esta era uma praxe hermenêutica aceita, entendida pelo autor e
igualmente pela audiência. Procedimento comum era grupar duas ou mais
profecias e atribuídas ao mais preeminente profeta do grupo (neste caso,
Jeremias). Portanto, o que parece erro interpretativo na realidade é aplicação
hermenêutica legítima quando considerada dentro do devido contexto.
8 - 2 - ESCOLAS EXEGÉTICAS
Foi, por consenso, o maior exegeta da Reforma. Suas exposições cobrem quase
todos os livros da Bíblia, e seu valor ainda é reconhecido. Os princípios
fundamentais de Lutero e Melanchthon também foram os seus, e ele os superou
ao ajustar sua prática com sua teoria. Viu, no método alegórico, um artifício de
Satanás para obscurecer o sentido da Escritura.
Acreditava firmemente no significado simbólico de muito do que se encontra no
Antigo Testamento, mas não compartilhava da mesma opinião de Lutero de que
Cristo deveria ser encontrado em toda parte da Escritura. Além disso, reduziu o
número de Salmos que poderiam ser reconhecidos como messiânicos. Insistiu no
fato de que os profetas deveriam ser interpretados à luz das circunstâncias
históricas. Como ele via, a excelência primeira de um expositor consistia de uma
brevidade lúcida. Além disso, considerava que “a primeira função de um intérprete
é deixar o autor dizer o que ele diz, ao invés de atribuir a ele o que pensamos que
ele deveria dizer”.
16 - 2.8. Melanchthon
Foi a mão direita de Lutero e seu superior em ciência. Seu grande talento e
conhecimento extensivo, também de grego e hebraico, foram bem adaptados para
transformá-lo em um intérprete admirável. Em sua obra exegética, avançou os
princípios sadios de que (a) as Escrituras devem ser entendidas gramaticalmente
antes de serem entendidas teologicamente; e (b) as Escrituras têm apenas um
sentido claro e simples.
Foi, por consenso, o maior exegeta da Reforma. Suas exposições cobrem quase
todos os livros da Bíblia, e seu valor ainda é reconhecido. Os princípios
fundamentais de Lutero e Melanchthon também foram os seus, e ele os superou
ao ajustar sua prática com sua teoria. Viu, no método alegórico, um artifício de
Satanás para obscurecer o sentido da Escritura.
Acreditava firmemente no significado simbólico de muito do que se encontra no
Antigo Testamento, mas não compartilhava da mesma opinião de Lutero de que
Cristo deveria ser encontrado em toda parte da Escritura. Além disso, reduziu o
número de Salmos que poderiam ser reconhecidos como messiânicos. Insistiu no
fato de que os profetas deveriam ser interpretados à luz das circunstâncias
históricas. Como ele via, a excelência primeira de um expositor consistia de uma
brevidade lúcida. Além disso, considerava que “a primeira função de um intérprete
é deixar o autor dizer o que ele diz, ao invés de atribuir a ele o que pensamos que
ele deveria dizer”.
2.14.1. Liberalismo
O racionalismo filosófico lançou a base do liberalismo teológico. Ao passo que nos
séculos anteriores a revelação havia determinado o que a razão devia pensar no
final do século XIX a razão determinava que partes da revelação (se houvesse
alguma) deviam ser aceitas como verdadeiras. Onde nos séculos anteriores a
autoria divina da Escritura fora acentuada, agora o foco era sua autoria humana.
Alguns autores diziam que várias partes da Escritura possuíam diversos graus de
inspiração, e podia ser que os graus inferiores (como detalhes históricos)
contivessem erros. Outros escritores, como Schleirmacher, foram além, negando
totalmente o caráter sobrenatural da inspiração. Muitos já não mencionavam a
inspiração como o processo pelo qual Deus guiou os autores humanos a um
produto escriturístico que fosse a sua verdade. Pelo contrário, a inspiração referia-
se à capacidade da Bíblia (produzida humanamente) de inspirar experiência
religiosa.
Também aplicou-se à Bíblia um naturalismo consumado. Os racionalistas
alegavam que tudo o que não estivesse conforme à “mentalidade instruí da” devia
ser rejeitado. Isto incluía doutrinas como a depravação humana, o inferno, o
nascimento virginal, e, com freqüência, até a expiação vicária de Cristo. Os
milagres e outros exemplos de intervenção divina eram regularmente explicados
de forma satisfatória como exemplos de pensamento pré-crítico. Sofrendo a
influência do pensamento de Darwin e de Hegel, a Bíblia chegou a ser vista como
um registro do desenvolvimento evolucionista da consciência religiosa de Israel (e
mais tarde da igreja), e não como uma revelação do próprio Deus ao homem.
Cada um desses pressupostos influenciou profundamente a credibilidade que os
intérpretes davam ao texto bíblico, e, desse modo, teve importantes implicações
para os métodos interpretativos. Era freqüente a mudança do próprio foco
interpretativo: A pergunta dos eruditos já não era “Que é que Deus diz no texto?”,
e, sim “Que é que o texto me diz a respeito do desenvolvimento da consciência
religiosa deste primitivo culto hebraico?”
21 - 2.15. Neo-Ortodoxia
22 - 3 - EXEGESE GRAMATICAL
29 - 4 - INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA
30 - 4.1.Circunstâncias Geográficas
A condição política de um povo também deixa uma profunda impressão sobre sua
literatura nacional. A Bíblia contém ampla evidência disso também e, por essa
razão, é absolutamente necessário que o expositor se informe a respeito da
organização política das nações que tiveram grande importância no cenário
bíblico. Sua história nacional, relacionamentos com outras nações e instituições
políticas devem se tornar objeto de um estudo cuidadoso. As mudanças políticas
na vida nacional de Israel merecem uma atenção particular.
Somente a História lança uma luz sobre a questão da razão pela qual não se
permitiu que Israel perseguisse os moabitas e os filhos de Amom (cf. Dt 2.9, 19). A
posição de dependência de Edom nos dias de Salomão e Josafá explica como
esses reis puderam construir uma frota de navios em Eziom-Geber, na terra de
Edom (1Rs 9.26; 22.47, 48; 1Cr 18.13; 2Cr 8.17, 18). Passagens como 2Rs 15.19;
16.7 e Is 20.1 são explicadas pelo poder ascendente dos assírios e da extensão
gradual de se u império, como foi revelado especialmente pelos registros de seus
reis. As palavras de Rabsaqué em 2Rs 18.19 e Is 36.4 se tornam luminosas em
vista do fato de que houve um partido egípcio influente em Judá durante o reinado
de Ezequias (Is 30.1-7). A mudança radica l na constituição e posição política de
Israel deve ser lembrada na interpretação dos escri tos pós-exílicos. Passagens
como Ed 4.4-6ss; Ne 5.14, 15; Zc 7.3-5; 8.19; Ml 1.8, só podem ser explicadas à
luz da história contemporânea. Ao mover-se do Antigo Testamento par a o Novo, o
intérprete irá encontrar uma situação para a qual estará totalmente despreparado,
a não ser que tenha estudado o período inter-bíblico. Os romanos eram o poder
dominante e os idumeus governavam sobre a herança de Jacó. Partidos nunca
citados no Antigo Testamento ocupavam, então, o centro do palco. Havia um
Sinédrio judaico que decidia os assuntos de maior importância e uma classe de
escribas que havia, praticamente, suplantado os sacerdotes como mestres do
povo. Consequentemente, todos os tipos de questões são levantadas. Como o
estado judeu era constituído? Por qual ironia da história os idumeus se tornaram
os governadores reconhecidos do povo judeu? Quais as limitações que a
supremacia romana impunha ao governo judeu? Os partidos existentes tinham
significado político? Se sim, o que almejavam? Um estudo sobre o passado de
Israel dará resposta a essas questões. Passagens como Mt 2.22, 23; 17.24-27;
22.16-21; 27.2; Jo 4.9 só podem ser explicadas à luz da história.
A vida religiosa de Israel não se deslocou sempre sobre o mesmo plano, não foi
sempre caracterizada pela verdadeira espiritualidade. Houve épocas de elevação
espiritual logo seguidas por períodos de degradação religiosa e moral. As
gerações que serviram a Deus com um espírito humilde e reverente foram
repetidamente sucedidas por adoradores de ídolos ou por aqueles que buscavam
satisfação no culto hipócrita, da boca para fora. A história da religião de Israel,
quando vista como um todo, revela deterioração ao invés de progresso,
degeneração ao invés de evolução.
O período dos juízes foi uma época de sincretismo religioso resultante da fusão
entre o culto a Jeová e a adoração do baalismo cananeu. Nos dias de Samuel, a
ordem profética começou a se afirmar e a exercer uma influência benéfica sobre
vida espiritual da nação. O período dos reis em Judá foi caracterizado pelos
repetidos declínios e restaurações. A adoração nos altos e, às vezes, idolatria
flagrante foi o pecado insistente do povo. Durante o mesmo período, o pecado
típico do reino do norte era a sua adoração ao bezerro, aumentada nos dias de
Acabe pela adoração a Melcarte, o Baal fenício. Depois do exílio, a idolatria era
rara em Israel, mas sua religião se degenerou para um formalismo frio e uma
ortodoxia morta.
Essas coisas devem ser levadas em consideração na interpretação das passagens
que se referem à vida religiosa do povo. Além disso, o intérprete deve estar
familiarizado com as práticas e instituições religiosas de Israel, como foram
regulamentadas pela lei Mosaica. Passagens como Jz 8.28, 33; 10.6; 17.6 só
podem ser explicadas à luz da história contemporânea. Em 1Sm 2.13-17, o próprio
escritor oferece uma explicação histórica da maneira pela qual os filhos de Eli
desconsideraram a lei. O motivo por que Jeroboão levantou bezerros em Dã e
Betel só pode ser respondido historicamente. A História dá respostas a questões
como por que os reis piedosos e profetas de Judá combatiam constantemente a
adoração nos altos, enquanto os profetas de Efraim raramente condenavam essa
prática. Sem o conhecimento histórico necessário, o expositor achará impossível
entender a palavra do anjo a Manoá, “porque o menino será nazireu, consagrado a
Deus” (Jz 13.7); a referência de Jeremias ao vale de Hinom como “vale da
matança” (J r 19.6; comp. 7.31 33); a menção de Miquéias aos “estatutos de Onri”
(Mq 6.16); a ordem de Jesus ao leproso de ir e mostrar-se ao sacerdote (Mt 8.4); e
sua referência aos “tocadores de flauta, e o povo em alvoroço” (Mt 9.23); e aos
que “vendiam bois, ovelhas e pombas, e também os cambistas assentados” (Jo
2.14). É a história que o capacitará a explicar expressões como “sepultados com
ele na morte pelo batismo” (Rm 6.4); e, “Pois também Cristo, nosso Cordeiro
pascal, foi imolado” (1Co 5.7). O grande significado do conhecimento histórico é
percebido quando o intérprete depara com uma passagem como 1Co 15.29, que
se refere a um costume do qual não temos conhecimento certo.
33 - 5 - EXEGESE TEOLÓGICA
O estudo do sentido místico da Escritura nem sempre tem sido caracterizado pela
precaução necessária. Alguns expositores defendem a posição insustentável de
que cada parte da Bíblia tem, além do seu sentido literal, também um sentido
místico. Outros rechaçaram essa posição injustificada e foram para o extremo de
negar completamente a existência de qualquer sentido místico. Estudiosos mais
cuidadosos, no entanto, preferiram adotar uma posição intermediária de que certas
partes da Escritura têm um sentido místico que, nesse caso, não constitui um
segundo sentido, mas o sentido real da Palavra de Deus. A necessidade de se
reconhecer o sentido místico é completamente evidente a partir do modo como o
Novo Testamento freqüentemente interpreta o Antigo.
5.3.1. Elementos Para Se Descobrir O Sentido Místico
O Dr. Kuyper diz que o intérprete, na sua tentativa de descobrir o sentido místico,
deve ter em mente que:
a) A própria Escritura contém indicações do sentido místico. Por exemplo, é sabido
que o Novo Testamento interpreta messianicamente várias passagens do Antigo
Testamento e que, ao fazer isso, não somente aponta para a presença do sentido
místico nessas passagens particulares, mas também sugere que as passagens
dessa categoria devam ser interpretadas de maneira similar;
b) Existe uma relação simbólica entre as diferentes esferas da vida em virtude do
fato de que roda a vida se relaciona organicamente. O mundo natural é
simbolicamente relacionado ao espiritual: a vida atual, com as glórias veladas da
vida vindoura. Assim, Paulo em Efésios 5 mostra o casamento como um mistério
indicativo da relação entre Cristo e a Igreja.
c) Uma relação íntima entre a vida individual e comum claramente se revela na
poesia lírica. Nos salmos líricos, os poetas sacros não cantam como indivíduos
separados, mas como membros da comunidade. Eles compartilham das alegrias e
tristezas do povo de Deus que são, em última análise, as alegrias e tristezas
daquele em quem a Igreja encontra seu laço de união.
5.3.2.Extensão Do Sentido Místico
O sentido místico da Bíblia não é limitado a qualquer livro da Bíblia nem a qualquer
uma das formas fundamentais de revelação de Deus como, por exemplo, profecia.
Ele é encontrado em vários escritos bíblicos, nos livros históricos, poéticos e
também nos proféticos.
38 - 6 - PRATICANDO EXEGESE
No estudo dos Evangelhos, a exegese se torna mais difícil que nas epístolas, pela
simples razão de que a maior parte de sua substância antecipa a Cruz e a
ressurreição de Cristo, sem que este glorioso ato chave seja ainda manifesto. Em
nossa exegese temos de evitar um dispensacionalismo com demasiada rigidez,
que ignore a unidade da revelação divina, e ao mesmo tempo compreender que,
de fato, Deus opera por “tempos e estações”, e que os Evangelhos indicam a
importantíssima transição do regime preparatório à idade do cumprimento em
Cristo, o Prometido. A Cruz se erige na consumação dos séculos (Hb 9.26); para
ela todos os tempos anteriores apontavam e dela todos os posteriores dependem.
Portanto a história da Cruz é o centro de toda a revelação.
6.2.1. Conteúdo
O primeiro evangelho do Novo Testamento foi o que mais influenciou a história da
igreja cristã. No século II ele já era conhecido em todo o cristianismo. Formava a
base para a instrução sobre as palavras e a vida de Jesus Cristo. Por essa razão,
era lido nos cultos e servia de orientação no preparo dos candidatos ao batismo.
Mesmo que ao longo da história da igreja os outros evangelhos tenham crescido
em influência, o evangelho de Mateus continuou com a preeminência. Afirmações
sobre a pregação de Jesus se orientam ainda hoje primeiramente por Mateus, pois
contém o Sermão do Monte, as parábolas sobre o Reino de Deus, as orientações
de Jesus para a sua igreja e o discurso sobre o juízo final.
Sendo assim, o evangelho é caracterizado pelas grandes sequências de discursos,
que definem também a estrutura do evangelho.
6.2.2. Gênero Literário
A comparação com o evangelho de Marcos faz aparecer de forma especial as
características de Mateus:
Em vários lugares Mateus registra as perícopes de forma mais abreviada do que
Marcos. Isso é evidente, por exemplo, no relato sobre a morte de João Batista (Mt
17.14-21 / Mc 9.14-29). A questão é se isso é o resultado de uma revisão do
evangelho de Marcos, ou se Marcos detalhou o relato mais resumido de Mateus.
Ou será que os dois relatos foram escritos sem dependência um do outro mas a
partir de uma outra base comum? A situação atual das pesquisas não permite uma
conclusão segura.
A característica mais importante do evangelho de Mateus é a seqüência de
discursos, que terminam sempre com palavras semelhantes no seu conteúdo:
“Quando Jesus acabou de proferir estas palavras,...” (7.28; 11.1; 13.53; 19 .1;
26.1). Isso dá a impressão de que o autor reuniu os discursos de Jesus em
sequências temáticas. Essa impressão é reforçada pelo fato de que Lucas
reproduz esses mesmos discursos de Jesus, só que em outros contextos. Para
Mateus esses discursos de Jesus eram tão importantes, que ele atribuiu peso
especial a eles ao relatar sermões interligados entre si por um tema comum.
A estrutura deste evangelho demonstra que Mateus deu valor superior ao ensino
de Jesus do que Marcos. No entanto, ele não ignora os diálogos de Jesus com os
seus conterrâneos, os judeus, nem os milagres de Jesus. Assim como Marcos, ele
também os registra. Mas a marca especial de Mateus é o ensino de Jesus.
Salta aos olhos que Mateus pressupõe entre os seus leitores um certo
conhecimento da situação em que se passam os eventos do seu evangelho. Ele
não explica costumes, tradições e expressões idiomáticas dos judeus, como por
exemplo, o costume de lavar as mãos (Mt 15.2 1 Mc 7.2s), os filactórios que eram
usados no braço ( Mt 23.5), as franjas nos cantos das vestes (fios e cordões em
azul e branco que deviam lembrá-los dos mandamentos da lei: Mt 23.5). Ele
registra expressões tão vívidas de Jesus como “coais o mosquito e engolis o
camelo” (Mt 23,24) e “túmulos caiados” (Mt 23.27). As vezes ele até usa
expressões aramaicas transliteradas para o grego, como por exemplo, raka, que
significa tolo, idiota (Mt 5.22) ou korbanan, que é tesouro do templo (Mt 27.6).
A questão do divórcio é formulada como os rabinos da época costumavam
formulá-la: “Élícito ao marido repudiar a sua mulher por qualquer motivo?” (Mt
19.3). A resposta de Jesus é dada de forma semelhante: “Quem repudiar sua
mulher, não sendo por causa de relações sexuais ilícitas, e casar com outra,
comete adultério” (Mt 19.9).
Nessa dependência tão forte da religiosidade judaica, constatamos que a validade
da lei não foi interrompida (Mt 5.19; 23.3). Até a forma de expressão é definida por
essa dependência. Em vez de falar do reino de Deus (como Marcos e Lucas)
Mateus fala do reino dos céus (veja as parábolas sobre o reino dos céus). Marcos
só cita o “pai que está nos céus” uma vez, enquanto Mateus fala dele 15 vezes (Mt
6.9; 7.11; 10.32s e outros).
O que mais chama a atenção neste primeiro evangelho, além das seqüências de
discursos de Jesus, são as assim chamadas citações reflexivas. Nelas são
mencionados acontecimentos da vida de Jesus na sua relação com o Antigo
Testament o e as suas promessas (Mt 1.22s / Is 7.14; Mt 2.6s / Mq 5.1,3; Mt 2.15 /
Os 11.1; Mt 2.17s / Jr 31.15; Mt 3.3 Is 40.3; Mt 4.14-16 / Is 8.23-9.1; Mt 8.17 / Is
53.4; Mt 12.17-21 /Is 42.1-4,9; Mt 13.35 / Sl 78.2; Mt 21.4 / Is 62.11; Zc 9.9; Mt
27.9s / Zc 11.13; Jr 18.2s).É evidente que Mateus quer demonstrar nessas
citações que em Jesus se cumpriram as promessas messiânicas do Antigo
Testamento: ele é o Messias de Israel.
Em que formas de vida da igreja primitiva este evangelho foi concebido? Em que
situações foi usado e depois transmitido a nós? Em que contexto este evangelho
surgiu? Três possíveis respostas serão citadas e comentadas:
Na sua essência, o evangelho é um lecionário. Assim denominamos os livros que
registravam a vida e o ministério de Jesus para serem lidos nos cultos da igreja
primitiva. G. D. Kilpatrick, que defende essa tese, supõe que uma parte da igreja
primitiva tenha lido nos seus cultos textos de Marcos e da fonte de logia (dos
discursos). Posteriormente teriam sido feitos acréscimos. Tudo isso teria resultado
no evangelho de Mateus, que se transformou então em um lecionário, destinado
às leituras públicas nos cultos.
Como base para essa suposição, ele dá alguns argumentos: melhor estilo oral se
comparado com Marcos, formulação mais resumida e mais exata, a repetição de
fórmulas e as frases completas nelas contidas. Estas são, de fato, características
do evangelho de Mateus. Mas não são por si só, suficientes para provarem o seu
uso litúrgico.
K. Stendahl supõe que há uma escola teológica por trás deste evangelho. Dessa
forma teriam sido instruídos mestres e líderes das igrejas no cristianismo primitivo.
O que lhes era ensinado teria resultado no evangelho de Mateus. Como um dos
argumentos principais ele cita o capítulo 18. Segundo Stendahl, esse não foi um
ensino específico para a igreja como um todo, mas muito mais um conjunto de
orientações para a liderança da igreja.
Argumento a favor dessa ideia seria também o conhecimento e a interpretação do
Antigo Testamento, que pressupõe o trabalho de estudo da Palavra com iniciados.
Possivelmente, tratava-se então de uma “escola de Mateus”.
Quem considera essa posição muito limitada, possivelmente concorde com D.
Guthrie, que considera o evangelho de Mateus o guia de catequese na instrução
do cristianismo primitivo. Recém-convertidos a Jesus Cristo precisavam desse tipo
de instrução. O evangelho de Mateus é muito apropriado para isso, pois nele são
tratados os principais temas da fé cristã. A maior ênfase dele está no ensino de
Jesus, e, portanto, ideal é para passar esse ensino adiante. Por ter sido usado
dessa forma, tornou-se uma grande influência não somente sobre a liderança, mas
também sobre toda a igreja cristã primitiva.
43 - 6.5. Unidade
44 - 6.6. Autor
O evangelho não faz menção alguma do seu autor. O nome de Mateus é citado no
título do evangelho, que surgiu no século II e a partir de lá foi incorporado à
tradição. A atribuição desse evangelho a Mateus remonta, portanto, à tradição da
igreja antiga. Ela se baseia nos seguintes argumentos:
Eusébio relata na sua História Eclesiástica: “Mateus fez uma coletânea dos
discursos de Jesus em hebraico; cada um, no entanto, os traduziu o melhor que
pode”.
De Irineu lemos: “Mateus também publicou um evangelho entre os hebreus na sua
língua, enquanto Pedro e Paulo pregavam em Roma e lá fundaram a igreja”.
No quinto livro da História Eclesiástica de Eusébiolemos o relato de Pantaenus
sobre o evangelho de Mateus. Pantaenus foi um teólogo muito hábil de Alexandria.
Ele entendeu que a sua tarefa era a evangelização dos povos do oriente e viajou
para a índia. Quando chegou à índia teria encontrado cristãos que já conheciam o
evangelho de Mateus. Deles ouviu que o Apóstolo Bartolomeu lhes pregara a boa
notícia e lhes deixara o evangelho segundo Mateus em hebraico.
E por último, Eusébio cita Orígenes no sexto livro da sua História Eclesiástica, que
teria dito no primeiro livro do seu comentário sobre Mateus:
Com base na tradição tenho descoberto a respeito do s quatro evangelhos, que
foram aceitos sem restrições na igreja de Deus por onde ela tem se espalhado
debaixo do céu, que primeiro foi escrito o evangelho por Mateus, o que havia sido
cobrador de impostos e depois foi discípulo de Jesus Cristo. Foi escrito na língua
hebraica para os que creram entre os judeus...
A tradição da igreja antiga confirma dois fatos sob re o primeiro evangelho: o
apóstolo Mateus é o seu autor e ele escreveu o seu evangelho na língua hebraica.
46 - 6.8. Destinatários
47 - 7 - EXERCÍCIO NÚMERO UM
Nossa tradução: ...Ele (Jesus) vos batizará (os arrependidos) com o Espírito Santo
e (aos incrédulos) com banho de fogo (Mt 3.11b).
7.3.5.Conclusão
Não obstante, todos os pontos enumerados acima, com exceção do último,
tenham uma muito de verdade, entretanto, ficam devendo nalguma coisa. Quando
levados a interpretação do ponto de vista da luz do texto, se tornam mais
vulneráveis ainda. Por exemplo, como entender a mudança de sentido no versículo
11, send o que no 12 o sentido é o mesmo do 10? Não seria mais lógico admitir
que os três fazem parte de um mesmo parecer? Parece preferível admitir que o
fogo não muda de sentido d o v. 11 para o v. 12, onde se trata realmente de um
castigo; o fogo representa, pois, de preferência, a cólera (cf. 3,7), correlativo
necessário (cf. Rm 1.16-18) da participação na santidade de Deus (a conjunção E
acrescentaria então um matiz especial).
Em Mt 3.7 João chama os fariseus e saduceus de “ninhada de serpentes”,
“semente de cobra”, “antro de víboras”. – “Semente de víboras é o que s ão
vocês”, diz ele, “e não o que presumem semente de Abraão”!
Desta forma tão rústica, João traça o perfil daqueles que seriam imergidos no
batismo da ira divina, o fogo eterno, caso não se arrependessem, embora, os tais
presumissem ser filhos de Abraão e por conseguinte, à vida eterna estar-lhes
assegurada!
Para cada israelita essa expressão é, mais uma vez, uma palavra arrasadora. Pois
“velha serpente” significa: “pai da mentira”, e a semente da velha serpente é, de
acordo com a antiquíssima palavra de Deus, o poder inimigo das profundezas,
contra o qual a espécie humana tem de lutar, por questão de vida ou morte. “Esse
veneno de serpente assassina tomou-se agora pessoal”, diz João, “e esse veneno
d e víboras em pessoa são vocês fariseus e saduceus, aos quais estou falando. O
que vocês possuem da semente de Abraão foi transformado no seu contrário, por
isso vocês não têm nenhuma participação na semente de Abraão, porém a mais
antiga maldição de Deus paira também sobre as cabeças de vocês!” Portanto,
caríssimos escribas e fariseus, sereis queimados com o vosso veneno no fogo do
inferno. Deus preparou uma boa fornalha de fogo ardente para queimar todo o
veneno hodierno de farisaísmo, travestido de cristianismo.
Depois da palavra sobre os “filhos de Abraão”, João traz o discurso sobre a “árvore
que não traz bons frutos”. Os ouvintes do Batista sabem que essa metáfora da
árvore foi tirada do Sl 1. Os fariseus têm a firme convicção de que se assemelham
à árvore plantada junto à corrente de águas, que, no devido tempo, dá o seu fruto.
Por sois pensam que tudo o que fazem é correto. O Batista lhes afirma exatamente
o contrário, ou seja, que eles se assemelham à árvore infrutífera, que é cortada e
lançada ao fogo. Quantas árvores que Deus não plantou, estão no meio dos
cristãos, cheio de folhas, mas sem nenhum fruto? Quanto mais folhas essas
árvores possuírem, maior será o fogaréu que produzirão, ante o fogo do inferno!
Deus está com o machado afiadíssimo nas suas mãos e fará uso, acreditem!
“A sua pá, ele a tem na mão e limpará completamente a sua eira; recolherá o seu
trigo no celeiro, mas queimará a palha em fogo inextinguível” (ARA). Novamente
João emprega a palavra fogo, agora pela terceira vez (v. 10,11,12, sempre no
final). Os fariseus acreditavam que eles faziam parte do trigo que seria recolhido
ao depósito. Mais uma vez precisam ouvir justamente o contrário, que por serem
palha serão queimados com fogo inextinguível. No que João estaria pensando?
Com certeza o zelo de Deus o consumia. Levantes Jesus, homens cheios do zelo
pela tua causa para pregarem à semelhança do Batista!
Ainda ecoam as palavras de João: “Raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da
ira futura?” Podemos perfeitamente entender que neste anúncio do julgamento que
se aproxima, a cólera designa a reação do Deus santo diante do pecado (cf . Is
30.27-33). João, portanto, anuncia a efusão do Espírito sem todavia deixar de
anunciar a chegada iminente do juiz escatológico. E, para escapar desta grandiosa
ira, João exorta que produzam “fruto de arrependimento” Lit. um fruto “digno” da
vossa conversão: o mesmo adjetivo em Mt 10.10,11,13,37,38: 22.8. A palavra
fruto, no singular, designa aqui todo o comportamento do homem, não uma
particular manifestação de piedade, ou de moral.
Outrossim, quando verificamos os manuscritos descobertos entre os Papiros do
Mar Morto vimos que os mesmos ilustram fartamente que os essênios (com quem
João evidentemente se associou) eram uma seita que praticava o batismo,
requerendo batismo de arrependimento para os convertidos, além de praticarem
outras abluções entre eles. Os hinos de Qumran falam de batismo de fogo, tais
como um rio em chamas que engolfaria os “lança dos fora”; e alguns bons
intérpretes reputam esse batismo de fogo como algo que se refere ao juízo.
Finalmente, no Antigo Testamento e no Novo Testamento, a messe é a imagem do
juízo final, da consumação dos tempos, por ser a ocasião em que o bom grão (ou
a parte sadia do trigo) é separado do ruim (Jl 4.12-13; Is 27.12-13; Ap 14.14-16; cf.
Mt 13.30). Daí ser possível que no juízo final haverá o grande batismo de fogo, a
grande queima!