Naturismo Como Ele e Praticado Na Colina Do Sol

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Rev. eletrônica Mestr. Educ. Ambient. ISSN 1517-1256, v. 23, julho a dezembro de 2009.

Universidade Federal do Rio Grande - FURG

Revista Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental

Revista do PPGEA/FURG-RS ISSN 1517-1256

Programa de Pós-Graduação em Educação Ambiental

O NATURISMO TAL COMO ELE É PRATICADO NA COLINA DO SOL –


TAQUARA/RS

Luciana R. Arrial1

RESUMO
O presente artigo versa sobre como é praticado o naturismo na Comunidade Naturista Colina do Sol, localizada
no município de Taquara/RS, partindo do Estudo de Caso, com seis entrevistados a partir de entrevistas semi-
estruturadas e observações participantes junto aos sujeitos colineiros domiciliados, no qual a apreciação de dados
ocorreu por meio de análise qualitativa textual, traduzindo as possibilidades pelas quais essa prática de nudez
coletiva se constitui em Educação Ambiental à luz da teoria da Complexidade, proposta pelo filósofo francês
Edgar Morin. O objetivo desta reflexão é demonstrar como se manifesta o conhecimento, a linguagem, a
compreensão, através da convivência prosaica e poética que definem as relações de educabilidade ambiental. A
educação ambiental é compreendida neste artigo como educação participatica e reflexiva, inserida no projeto de
edificação de um outro mundo possível.
Palavras-Chave: Naturismo; educação ambiental; complexidade.

ABSTRACT
This paper reports a case study which describes how Naturism is practiced in Colina do Sol, a community
located in Taquara, RS, Brazil. I used semi-structured interviews and participant observation with six subjects
who live in the community and qualitative textual analysis to work on the data. It shows how this collective
practice constitutes itself as Environmental Education in the light of the Theory of Complexity, developed by
Edgar Morin, a French philosopher. This reflection aims at demonstrating how knowledge, language, and
comprehension show themselves through prosaic and poetic life, which defines the relations regarding
environmental educability. In this paper, Environmental Education is perceived as participant and reflexive
education, part of the construction project of a better world.
Key words: Naturism; Environmental Education; Complexity.

À guisa da introdução
Construí este artigo com a esperança de romper tabus, inclusive os meus, tendo a
possibilidade de superação, através da educação ambiental, em uma comunidade naturista,

1
Mestre em Educação Ambiental – PPGEA/FURG, Especialista em Gráfica Digital - UFPel, Arquiteta e Urbanista - UFPel.
Endereço eletrônico: [email protected]

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não como receita de bolo, com respostas prontas e/ou soluções para os problemas ambientais,
mas como uma contribuição por um mundo possível, solidário e justo.
Meu olhar de pesquisadora iniciou-se a partir da combinação da minha própria
experiência de observadora participante; do envolvimento no campo da pesquisa aliada a uma
abordagem teórica sobre a estética e a ética, mediante o desenvolvimento da dissertação de
Mestrado em Educação Ambiental intitulada “A ética e a estética dos corpos nus: um estudo
de caso do naturismo como proposta de Educação Ambiental”. Então, desse momento em
diante, pude vivenciar a vida naturista, com todos os pudores e toda ansiedade inerente a este
estudo.
O filósofo Edgar Morin, autor da Teoria da Complexidade, entende o ser humano
como um ser complexo, capaz de se auto-organizar e de estabelecer relações com o outro, e
é nessa relação de alteridade que o sujeito encontra a autotranscendência, superando-se,
interferindo e modificando o seu meio num processo de auto-eco-organização a partir de
sua dimensão ética que reflete seus valores, escolhas e percepções do mundo.
Este artigo foi edificado através das entrevistas semi-estruturadas, ocorridas no mês
de setembro de 2008, com seis colineiros residentes e domiciliados no Centro Naturista
Colina do Sol, escolhidos pelas histórias de vida.
A primeira entrevistada, “Candinat”, tem 54 anos de idade, é bioquímica aposentada.
Sua primeira experiência naturista foi na Praia do Pinho no ano de 1994, por apenas seis horas
de convívio. Candinat é sorridente e possui uma empatia singular com todas as pessoas. Em
setembro de 1995, conheceu a Colina do Sol e, no ano de 1996, já havia adquirido uma
cabana, onde reside atualmente.
O entrevistado “Col”, como será denominado nesta pesquisa, é extremamente
reservado como ser humano, mas disposto a contar suas descobertas desde a infância, na
Inglaterra, onde lembra de ir a um bosque próximo a sua residência, com aproximadamente 8
ou 10 anos e onde tirava a roupa simplesmente pelo prazer de ficar nu ao sol.
O entrevistado Col, com 72 anos de idade, é engenheiro de telecomunicações, inglês,
aposentado, que reside no Brasil desde 1973, casado com a também entrevistada “Mar” que
possui 45 anos. Mar é uma pessoa discreta, chegando, por vezes a ser tímida.
A entrevistada Mar não era naturista antes de conhecer Col. É natural de Fortaleza –
Ceará e trabalhava em eventos sociais na produção de fotografias e filmes. Iniciou a prática
do naturismo há 25 anos atrás quando foram pela primeira vez até a praia de Tambaba no
Estado da Paraíba.

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O entrevistado Jô, com 64 anos de idade, administrador aposentado, casado com Ast
de 52 anos, ex-empresária. Ele tornou-se naturista há cinco anos (data da entrevista:
21/09/2008), ela é naturista desde a Praia do Pinho, há quatorze anos. Jô aderiu ao naturismo
em função da história de amor com Ast, “sem pré-julgamentos, sem obstáculos, sem pré-
conceitos”, segundo suas próprias palavras.
“Tuca” reside na Colina do Sol desde a sua fundação, tendo saído apenas por 15 dias,
ao longo desses anos da Colina. Tuca tem 60 anos de idade e pratica o naturismo desde os 22
anos, iniciando em Ibiza – Espanha. Tuca é o seu pseudonome na Colina do Sol, e assim
preferiu que ficasse figurado neste trabalho. Tuca tem sua sobrevivência devido à concessão
da área do camping. Viajou pelo mundo, mas escolheu a vila naturista para fixar residência
definitiva.

O conhecimento, a linguagem e a compreensão: instâncias da cidadania


Somos frutos do ambiente no qual estamos inseridos, das pessoas com quem
compartilhamos nossas aventuras e desventuras, nossas histórias de vida, nossas escolhas
pessoais e profissionais. Sabe-se que os valores expressam-se por meio de linguagens; logo, a
educação ambiental é aquisição de conhecimentos e valores que contribuem para a formação
dos indivíduos e de suas relações com o outro e com a Terra no qual estamos inseridos e
estabelecem-se, assim, através de diferentes linguagens.
A linguagem aspira à aproximação dos indivíduos e explana acontecimentos
particulares e coletivos, que dão origem a um novo procedimento, a um modo que empreende
trocas com outras linguagens emprestando as expressões que lhes forem convenientes.
A linguagem depende das interações entre indivíduos, as quais dependem da
linguagem. Esta depende dos espíritos humanos, os quais dependem dela para
emergir enquanto espíritos, é, logo, necessário, que a linguagem seja concebida ao
mesmo tempo como autônoma e dependente ( MORIN, 2005c, p.199).

A linguagem é parte constitutiva da cultura, que comporta uma dimensão cognitiva,


cuja práxis é cognitiva. Os indivíduos colineiros produzem cultura, que por sua vez produz
um modo de conhecimento. Significa dizer que o conhecimento não comporta apenas
elementos biológicos, cerebrais, culturais, sociais, históricos, mas sim, necessita de uma
complexidade sociocultural. Relacionam-se de forma complementar, antagônica e
concorrente, ou seja, a dialógica; recursiva e hologramática entre as instâncias co-geradoras
de conhecimentos.
A recursividade para Morin postula a não-linearidade da relação causa-efeito, mas sim,
o constante fluxo e refluxo, onde causas e efeitos se alternam como origens e consequências
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dos fenômenos, gerando uma complexa sinergia. O princípio hologramático diz respeito à
imbricada relação entre a parte e o todo, onde o todo é maior que a soma das partes, sendo que
o todo contém a parte e nela está contido.
A cultura que caracteriza as sociedades humanas é organizada/organizadora via
veículo cognitivo da linguagem, a partir do capital cognitivo coletivo dos
conhecimentos adquiridos, das competências aprendidas, das experiências vividas,
da memória histórica, das crenças míticas de uma sociedade. Assim se manifestam
as representações coletivas, consciência coletiva,imaginário coletivo. (...) Cultura e
sociedade estão em relação geradora mútua; nessa relação, não podemos esquecer
as interações dos indivíduos, eles próprios portadores/transmissores de cultura, que
regeneram a sociedade, a qual regenera a cultura (MORIN, 2005c, p.19).

A cultura fornece aos indivíduos o seu saber acumulado, os seus paradigmas, a sua
lógica, os seus mecanismos de aprendizagem retroagindo com suas normas, regras, posturas,
proibições, que organizam as sociedades e governam os comportamentos individuais. Tudo
isso sugere a existência de um “tronco comum indistinto entre conhecimento, cultura e
sociedade” (Ibidem, p.21).
O conhecimento do naturismo, tal como ele é praticado na Colina do Sol, portanto, é
produto/produtor da realidade colineira que comporta intrinsecamente uma dimensão
cognitiva.
Ignorar que a cultura colineira está vitalmente receptiva ao mundo exterior, de onde
tira conhecimentos objetivos e que conhecimentos e ideias migram entre culturas, seria
ignorar a aquisição de informações, de descobertas, que podem modificar a cultura,
transformarem uma sociedade ou mesmo, mudar o rumo da história. Como exemplo, tem-se o
uso de internet banda larga, a fim de facilitar a comunicação dos sujeitos colineiros com as
mais diversas culturas.
Dessa forma, o conhecimento está ligado à estrutura da cultura, à organização social, à
práxis. É determinado, condicionado, produzido, mas também determinante, condicionante e
produtor. O conhecimento transita pelos espíritos individuais, que dispõem de autonomia
potencial, a qual pode tornar-se um pensamento pessoal (Ibidem: 27).
Mantendo o mesmo vocabulário, a linguagem comporta a possibilidade de exprimir os
dois estados da existência humana, o prosaico e o poético (MORIN, 2005d, p.135).
Na linguagem poética, as palavras conotam mais do que denotam, evocam,
transformam-se em metáforas, impregnam-se de uma nova natureza evocativa,
inovadora, encantatória. A prosa denota, precisa, define. Está ligada à nossa
atividade racional – lógica – técnica (Ibidem, p.136).

A essa compreensão da diversidade de linguagens e de apropriação dessas linguagens


e seu reconhecimento é desenvolvida pelo avanço do conhecimento humano, é um exercício –

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poíesis e, é possibilidade – téchne. É a ação do saber que dirige o fazer. Então, compreender-
se as relações, definindo através da téchne, a concepção desses atos, dessas conexões, faz
parte de empatia e identificação.
O que faz com que se compreenda alguém que sorri, não é analisar o tempo do sorriso
ou a intensidade, mas saber o significado do sorriso e da emoção. Por isso faz-se necessário
compreender a paixão, e é isso que permite a verdadeira comunicação humana.
A Colina do Sol possibilita uma realidade sensível aos órgãos sensoriais e ao
condicionamento de significação, que é acessada e captada pelos nossos sentidos. Uma vida
de prosa e poesia. Afinal, como fala o entrevistado Jô: “Somos seres complexos, não amebas!
Somos o sopro da vida, prosa e verso.”

A Colina do Sol prosaica e poética


A vivência estética é percebida como o modo de ser da existência humana, o olhar
para si mesmo como parte de um habitat finito, o constituir-se em um conceito revelador.
Desta forma, a experiência estética torna-se presente no interior de toda vivência, numa
compreensão cotidiana demonstrada bem nessa percepção visual, no reconhecimento das
diversas situações e dos objetos a nossa volta. Em certas situações sentimos a compaixão, em
outras o horror e outras, ainda, temos a sublimação. Alguns objetos, por exemplo, traduzem
uma infinidade de sentimentos, como é o caso dos porta-retratos, em que guardamos nossas
melhores recordações.
A Colina do Sol possui uma imagem visual estética, como resultado de um fazer
humano, que prima pela emergência das suas qualidades como comunidade dialógica, em que
seu bem-estar depende da coragem humana, da imaginação para quebrar rotinas e tentar
caminhos não experimentados. Depende, segundo Bauman (2004, p.94) “da capacidade
humana de viver com riscos e de aceitar a responsabilidade pelas consequências”. Cuidado e
auxílio mútuos, viver para os outros, manter os vínculos inter-humanos, compartilhar com e
pelo bem-estar de todos.
“O homem habita poética e prosaicamente a terra” (Morin, 2005d, p.137). Portanto,
coexistimos no estado prosaico e no poético. Estados complementares e antagônicos que
podem conter-se um no outro. Afinal, ora domina a prosa nos instantes poéticos, por outras
vezes a poética contém instantes prosaicos.
No estado prosaico podemos definir como sendo o desempenho do nosso lado racional
de agir, de fazer, a técnica em si. A prosa na Colina do Sol é a ética, que permeia a conduta
dos colineiros habitantes ou visitantes, uma postura guiada pelas normas que regem a vida na

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Colina do Sol, sem as quais, acredita-se, o espaço seria desorganizado por indivíduos guiados
pela má fé.
Existe a ética em todas as comunidades, das mais primitivas às mais evoluídas, para a
coexistência humana, dependendo da cultura e da educação. Lembra-nos que rir, chorar,
sorrir, não são atos aprendidos ao longo da educação, são inatos, embora moldados de acordo
com a educação.
Na poética temos o amor e o estado de felicidade. Na Colina do Sol, o estado
dominante é o poético, é o da afetividade e do respeito mútuo, porque como diz o entrevistado
Col: “é difícil ter animosidade com alguém, sem roupas!”
Isso não significa dizer que os colineiros vivem em total e plena concordância dos atos
individuais de cada sujeito somente porque estão desnudos. De forma alguma. O que se
constata é um respeito entre os cidadãos, primado pela auto-aceitação.
Percebe-se que, como são poucas as famílias residentes, eles protegem-se, aproximam-
se e resguardam-se. Conhecem profundamente os hábitos e maneiras de ser de cada um,
identificando quando os atos individuais podem ser desaprovados em virtude do seu bem-
estar sensibilizado.
A súbita abundância e a evidente disponibilidade de querer viver em bem-estar
cotidianamente pode-se alimentar a convicção de que viver na Colina do Sol é uma
possibilidade de dialógica da razão-paixão e que pode ser adquirida a partir do exercício dessa
possibilidade aumentada com a prática do amor e da solidariedade. Essa é, contudo, uma
verdade assim como uma utopia, pois a possibilidade de viver na Colina do Sol depende
primeiramente do grau de aceitação do naturismo e das regras impostas; posteriormente, de
estar consciente de seus atos e responsabilidades.
A síntese reveladora é o desnudar-se de si mesmo para si mesmo, pelo puro prazer de
estar vivo, independente da imagem refletida no espelho e, por fim, para com os outros. Ou
seja, aceitar que há seres diferentes na estrutura da composição de sua imagem perante o
outro, que há pensamento diferente do outro, que há ação diferentemente do outro. Ou, como
fala a entrevistada Candinat:

Aqui, tu vai te relacionar com a pessoa a partir do que acontece no transcorrer dos
diálogos. Na empatia. Se a pessoa for especial, se tem afinidade, pode iniciar um
relacionamento, uma amizade, totalmente alheia ao cargo, a dinheiro, à cultura. Aos
poucos as pessoas vão se descobrindo. Isso é impossível estando vestido. Quando
sai daqui, criamos uma imagem artificial, às vezes não. Mas o certo é que sempre
criamos uma imagem, um rótulo. Quando tu está no meio de um bando de pelados,
tu não vai fazer uma avaliação antes sobre a pessoa, somente no que esta pessoa
está te dizendo.

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A ideia é contextualizada, também, através da fala do entrevistado Col, na qual: “a


pessoa fica exposta do jeito que está, barrigudo ou seios caindo. A roupa é uma camuflagem.
Aqui, você é o que é! E não o que os outros gostariam que você fosse, ou gostariam de ver.”
Outro ponto é: “Não ligar para o que os outros dizem. É o seu veículo de estar
presente. Você tem que se aceitar.” (entrevistada Mar)
Assim, quando olhamos a Colina do Sol devemos pensar em sua constituição como
um todo e em partes; partes com suas peculiaridades e características que pouco se mostram
quando observamos o conjunto. Partes que, analisadas individualmente, transcendem ao
conjunto. Pode-se identificar com parte: o meio ambiente em seus múltiplos recantos com
seus variados ecossistemas, os sujeitos colineiros, a comunidade colineira, as relações sociais
e culturais que se estabelecem, a ética, entre outros, que por fim constituem as partes do
conjunto Colina do Sol. Há uma complexidade na teia das relações que se estabelecem entre
os indivíduos naturistas, o ambiente em que estão inseridos e a comum-união pelo sonho de
vida saudável e a aceitação por cada parte.
Aproxima-se da fala de Morin almejando-se um olhar menos redutor, reconhecendo a
beleza desses colineiros, a caminhada pela aceitação da filosofia de vida, o cuidado com o
ambiente natural, acreditando ser esta a sua principal habitação e em função dos preceitos de
amor ao próximo.
O todo é muito mais do que forma global. (...) O todo retroage enquanto todo
(totalidade organizadora) sobre as partes. (...) O todo sozinho não passa de um
buraco. O todo só funciona enquanto todo quando as partes funcionam enquanto
partes, o todo deve ser relacionado à organização. O todo, enfim e sobretudo, traz
em si conflitos, sombras e cisões (MORIN, 2005b, p.159-160).

Aceitar o preceito do amor ao próximo é o ato de origem da humanidade. Todas as


outras rotinas de coabitação humana, assim como suas ordens pré-estabelecidas ou
retrospectivamente descobertas, são apenas uma lista (sempre incompleta) de notas
de rodapé a esse preceito. Se ele fosse ignorado ou abandonado, não haveria
ninguém para fazer essa lista ou refletir sobre sua incompletude. (...) O preceito do
amor ao próximo desafia e interpela os instintos estabelecidos pela natureza, mas
também o significado da sobrevivência por ela instituído, assim como o do amor-
próximo que o protege (BAUMAN, 2004, p. 98 -99).

O amor-próprio e o amor ao próximo estimulam o ser humano a viver e a enfrentar as


nuances que perpassam a nossa vida de modo prematuro ou abrupto, melhorando nossa
aptidão afetiva, e é esse amor-próprio ou autoaceitação de si mesmo que nos leva a rejeitar
uma vida que não se ajusta a nossos padrões e não vale ser vivida. Em suma: para amar ao
próximo como a nós mesmos significa respeitar a singularidade e individualidade de cada um,
administrando nossas diferenças, as quais enriquecem o nosso mundo, tornando-o fascinante e

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agradável, com significado particular para cada um, onde o amor é a vontade de cuidar e de
preservar. Um impulso de expandir-se, ir além, alcançar o que “está lá fora” (Ibidem, 2004,
p.24).
Amar é contribuir para o mundo, cada contribuição sendo o traço vivo do eu que
ama. (...) Amar diz respeito à auto-sobrevivência através da alteridade. E assim o
amor significa um estímulo a proteger, alimentar, abrigar; e também à carícia, ao
afago e ao mimo(...) Amar significa estar a serviço, colocar-se à disposição,
aguardar a ordem. Mas também pode significar expropriar e assumir a
responsabilidade (Ibidem: 24).

A poética transborda nas temporadas de verão ou de calor, pelos sorrisos evidentes de


todos que podem ficar nus. Há poética também no intenso frio, quando as lareiras das cabanas
aquecem os ambientes e favorecem os encontros familiares e primam pelo aconchego nesta
estação do ano.
A afetividade de uma comunidade minimiza as aflições individuais, porque as mesmas
renascem sem parar sob múltiplas formas. É o renascer das verdades em que os colineiros
creem, como sendo duradouras, das relações através do desnudar-se para o outro, como quem
mostra suas armas para abdicar de uma guerra. Estabelecem compromissos de união e
cumplicidade, de proteção e de amor e de superação de si mesmo, aflorando as
potencialidades criadoras do sapiens-demens, que projeta utopias, cria mundos e culturas e
que sonha acordado.

A opção pela vida na Colina do Sol


A vida pessoal, normalmente, é ocupada e permeada pela vida profissional que invade
ou ocupa quase todas as horas do dia, na busca pela satisfação na aquisição de bens materiais,
e na corrida profissional e no bem estar pessoal.
Na Colina do Sol, observa-se um planejamento de ações para domiciliar naquele local.
Planejamento que ocorre normalmente após os anos duradouros da vida profissional, quando
no ápice dessa trajetória, com a estabilidade atingida, optam, então, por cuidar, manter, o
corpo e a alma em sintonia.
A Colina do Sol traduz-se em inovação, através da redução de gastos por meio de
hábitos simples e corriqueiros. Com tópicos relevantes numa comunidade que usa o corpo nu
como frente à negação do consumismo exacerbado, contrapondo a cultura do tudo
descartável, revela-se a oportunidade do corpo nu como fonte de vida, como um veículo de
passagem terrestre. “Dizer não ao consumismo já é uma vitória!” (entrevistada Candinat)

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Neste ponto destaca-se também a capacidade de se adaptar às mudanças, que hoje


ocorrem em velocidades cada vez mais surpreendentes, as quais trazem crescimento e
aprendizado caminhando para a evolução, mas, também, como mudança da aparência física,
através dos anos de vivência, trazendo as rugas, as dificuldades de locomoção, os cabelos
brancos; não esquecendo da mudança pela vida saudável, em hábitos alimentares, do cuidado
com o corpo para torná-lo sadio. Há a manutenção do comportamento, das atitudes consigo
mesmo e com o próximo, o respeito com o habitat maior, a casa de todos, o meio ambiente,
integrando-se a sabedoria na visão da arquitetura da paisagem, que nos envolve na sua ordem
organizada pela desordem, tal qual em uma floresta.

Eles não usam relógio!


A vida é considerada como um romance que se apresenta como um sujeito
alinhavando objetivos com os outros indivíduos, cada sujeito como protagonista que
interpreta as mais diversas formas do seu viver, de maneira simples.
E, estando na Colina do Sol, a primeira observação se faz por conta do relógio. O
relógio como marcador temporal, eles não o usam. O tempo na Colina do Sol tem sintonia
diferente dos demais locais, procuram observar as suas necessidades do organismo para
conduzirem seus dias, conforme o hábito de cada um.
A entrevistada Ast enfatiza: “reaprendemos a nos organizar no tempo, sem marcadores
de tempo. Porque nos propusemos a não ter mais essa relação de necessidade. É uma opção de
não funcionar conforme trabalha o mundo”.
Alega-se que o tempo cronológico representa um mundo perdulário que se move,
considerando uma cadeia mundial, que está arraigado ao nosso comportamento
contemporâneo, no qual discorremos o tempo como escasso, exigindo cada vez uma maior
dedicação para o outro e não para si, na corrida contra o relógio, no qual o entrevista do Jô
afirma: “tem um tempo diferente na Colina do Sol. Valores exógenos, condicionados pelos
outros. Na maioria, não é escolha tua, são os outros que escolhem por ti. Uma corrida contra o
relógio.”
É preciso assinalar que:
Na história da nossa espécie, a origem da ideia de tempo está ligada à percepção da
mudança das estações, à alternância entre claro e escuro determinada pelo
movimento da terra em torno de si e do sol, à percepção da mutação e
degenerescência do ecossistema que nos abriga, à constatação do envelhecimento e
da morte de indivíduos e espécies, e, enfim, à consciência da transitoriedade da vida
humana (ALMEIDA, 2003, p. 285).

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“Tudo é tão real para nós que acreditamos que o ano, o século e o milênio começam
naquele dia e naquela hora, que nem nos damos conta dos tempos diferentemente marcados e
ritualizados por grupos culturais que se reconhecem a partir de origens diversas” (Ibidem:
286).
A entrevistada Candinat lança uma abordagem interessante sobre a questão do tempo
cronológico e o nosso tempo de vida, pois, segundo ela, damos maior importância a dedicar-
se para o outro e para a aquisição de bens materiais, pagando com uma moeda escassa e rara,
a moeda vida.
Se eu estou consciente e ainda favorecida pela possibilidade de viver em um lugar
como esse, eu tenho mais tempo e a possibilidade de ter um olhar mais próximo
para a natureza e para dedicar um tempo maior para mim e para os outros. Esse
dedicar um tempo para as coisas que a gente sente que acha importante é o que faz
a grande diferença, pois no estilo de vida atual não dedicamos tempo a nada. O
tempo já é uma moeda inexistente!

É necessário refletir: o que é a vida? O que devemos fazer?


E uma das muitas respostas poderá ser: “Férias o ano todo em toda minha vida.”
(entrevistado Tuca).
Entretanto, vale lembrar que para ter tal comportamento, faz-se necessário existir uma
renda que permita a subsistência do sujeito. Assim, continua-se com a reflexão anterior.
Vê-se a vida como um tecido mesclado ou alternativo de prosa e verso. Um misto de
irracionalizável e racionalidade (Morin, 2005a: 57). A atitude de racionalização consistiria em
dizer que para não ser infeliz, não amaria mais ninguém e, desse modo, não passaria mais
desgostos.
Contudo, a entrevistada Candinat diz que: “desfrutar é um verbo provocador! Pequenas tolices
são fundamentais na vida. Quando dá aquele surto de amor, que delícia! Tem que expressar.”
Respalda-se esta fala através das palavras de Morin (2005a: 60) nas quais “é
necessário aceitar a consumação, a poesia, o desperdício, uma parte de loucura na
vida...Talvez seja isso que constitui a sabedoria”. A sabedoria encontra-se na vontade de
assumir as dialógicas humanas, o que existe é a ideia de que não podemos prescindir da
dialógica sempre em movimento entre nossa polaridade de demens e sapiens, na dialógica
prosa-poesia. Nas palavras novamente da entrevistada Candinat: “estar atento àquilo que
estamos vivendo. Dar-se um tempo para estar consciente, que inclui não só o que pensamos,
mas principalmente o que sentimos.”
Acredita-se que é tempo de refletir sobre os (des)caminhos do pensamento e das ações,
de fazer acontecer um mundo melhor para os que se fazem presentes agora ou ao menos para

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as futuras gerações. É tempo de uma reforma do pensamento (Morin), pois desconsideramos


nosso tempo de vida na terra, nossa transitoriedade e a continuidade de um planeta saudável,
para a passagem de indivíduos que ainda se farão presentes.

O oásis
O sentimento de pertencimento à Colina do Sol descortina a experiência estética,
trazendo através da expressão da fala, do olhar e da entonação da voz, o amor e o apego às
ideias e ao lugar.

Um ambiente diferente e possível, ou seja, seria possível tu desenvolver outras


formas de vivenciar, entre as quais a própria nudez. O que me favoreceu muito foi
essa naturalidade, até porque as cabanas são muito próximas, e os vizinhos também.
É lógico que isso deu uma certa segurança para eu também ficar ‘naturalmente’ nu,
pois eu só tinha um hábito que era o de dormir nu, fora disso nenhum contato me
aproximava do naturismo...
Brincávamos... vamos para Passárgada, um lugar possível! Percebi a possibilidade
de conviver de outra forma, que era possível viver em outro tipo de sociedade com
valores diferentes aos que nós tínhamos. Contato com a natureza e a ligação com os
elementos básicos: ar, água, terra e fogo.
Veja: a terra, estamos no Morro da Pedra – nome da localidade; o fogo – pode ser
representado pelo sol; o ar temos em abundância e sem poluição e; a água – nosso
lago, piscina, a água que bebemos que não pagamos, pois vem de poço artesiano.
Aqui é Passárgada! ( entrevistado Jô)

É importante destacar que o oásis mencionado, Colina do Sol, é como ter uma visão
romântica do lugar. Verdade, contudo, é preciso lembrar que só desfrutam desse oásis aqueles
que possuem estabilidade econômica, no caso de aposentados, ou quem têm uma renda fixa
ou, ainda, no caso daqueles sujeitos que têm a concessão para executar determinadas
atividades profissionais nos limites geográficos da Colina do Sol. Pode-se citar: os
proprietários do mercado, os da loja de souvenir, os construtores, os do restaurante.
Desfrutam desse oásis, também, aqueles que visitam a Colina do Sol, que alugam ou
que possuem cabanas ou mesmo barracas no camping, que colaboram, de certa forma, para
uma maior vivência social, mesmo que na sazonalidade anual, circulando a renda dos
moradores colineiros.
É imprescindível dizer que o abastecimento alimentar das famílias moradoras provém
das compras do mercado ou necessariamente precisam deslocar-se até a zona urbana do
município de Taquara, pois a Colina do Sol é como uma pequenina vila, em grandes períodos
do ano, outono e inverno, permanecem somente os que lá residem.
O Centro Naturista Colina do Sol não possui posto médico para atender a casos de
emergência e urgência, entretanto, mesmo estando isolados e em meio a uma quase mata

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fechada, não se recordam de acidentes com animais silvestres. Como num ecossistema
equilibrado, há predadores das cobras, como os lagartos, por isso que um grupo defende a
ideia em favor da zona restrita a animais domésticos, pois, segundo estes, os animais
domésticos afugentam os lagartos que por conseqüência permitiriam que cobras aparecessem
no local. Contudo, no caso de acidente por picada de cobra o único lugar habilitado para
aplicar o soro é um posto de saúde na cidade de Taquara, isto é, a 12 km. Segundo o
entrevistado Col, ele “prefere andar pelas trilhas e ruas e não entre as cabanas, pois as folhas
se acumulam e escondem o perigo...”
Percebe-se como um lugar possível de se viver em consonância com o ambiente
natural, nesse aspecto é um oásis. Um oásis que os colineiros vislumbram manter, sem a
transformação rápida do lugar, com consciência dos atos, sem asfalto, com poucas cabanas,
com a preservação da flora e fauna, pois conforme o entrevistado Jô: “A visão arquitetônica
da paisagem da Colina do Sol através de um processo natural cria uma biodiversidade tão
grande que forma um ecossistema. A simetria é uma invenção do processo matemático de
redução. Fortalecemos a intocabilidade, a beleza do descobrimento da assimetria.”
Um oásis em que se pode privilegiar um banheiro térreo no qual a parede externa de
fechamento e vedação do compartimento destinado ao box do chuveiro tem um grande painel
de vidro fixo, visualizando a paisagem que se configura pelo mato, e Candinat ressalta que
“isso só pode ter no box de um banheiro de uma naturista!”

Painel de vidro fixo instalado no box do banheiro, substituindo a parede de vedação externa.
Fonte: acervo do entrevistado Col

Faz-se necessário indicar uma relação instaurada entre esse “santuário” colineiro com
o meio ambiente, pois parece que esses sujeitos preocupam-se individualmente com sua
alimentação natural. Não se quer dizer com isso que a Colina do Sol deve adotar princípios

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ecomunitaristas se esses não fazem parte do contingente proposto pelos moradores.


Entretanto, reforço a ideia de oásis como meio ambiente possível de ser construído, tirando da
própria terra grande parte dos alimentos. Espaço para tais atividades, a Colina do Sol tem e
muito em seus 45 hectares.
Percebe-se isso através do abandono do pomar ou o pouco cuidado com o mesmo e de
uma horta em que, em minha primeira experiência, pude adquirir verduras, mas que até o
momento das entrevistas, haviam desaparecido. Vejo que nesse ponto os colineiros deverão
reaprender a cuidar para, então, poder privilegiar o que nas cidades não se tem devido ao
escasso espaço ou tempo para a total dedicação, retirando da própria terra, alimentos
saudáveis.

Das áreas de nu total


As áreas onde a nudez total é uma exigência do código ético são estas, como citadas
no terceiro capítulo, as áreas de confraternização como: o lago, a praia, a piscina de pedras, o
restaurante, as quadras de vôlei e futebol, o centro de relax, a sauna e a piscina térmica.
Espaços onde os habitantes e/ou frequentadores utilizam como função de integração, reflexão,
meditação, lazer.
Nesse sentido, as festas, os almoços e os jantares, que ocorrem normalmente no
restaurante, reúnem os adeptos dessa filosofia, enraizando as relações sociais. Quando
dançam juntos, os naturistas o fazem protegidos por uma canga. Isso para alguns é paradoxal
ao comportamento naturista, que enfatiza o estar nu sempre; contudo, outros advertem que as
relações de proximidade podem constranger algumas pessoas. Dessa forma, a canga
protegeria certos dissabores ou constrangimentos.
Ao primeiro olhar, esses espaços, circundados por verde, impressionam os visitantes,
imaginando que os moradores estejam sempre por lá. Nas entrevistas ou mesmo nos diálogos
com os colineiros, fica evidente que os espaços são tão simples e corriqueiros, que se torna
comum a abundância contagiante do meio ambiente natural. Aqui, quando retrato meio
ambiente natural, dá-se significação para as árvores, os bichos, a terra, a água e o ar, enfim, o
ecossistema que gerou aqueles recantos. Reconhece-se que alguns desses ambientes foram
concebidos pelo homem, pois, anteriormente, era uma fazenda, deixando-se tufos de
preservação, que aos poucos estão se regenerando no ambiente. Esses mesmos tufos, que a
nova administração, diz ser contra, conforme o entrevistado Jô: “não adiantaria deixar tufos
de preservação permanente, temos que ter fluidez continuada, analisar as áreas de preservação

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de tal forma que dê fluidez para a cadeia que, inclusive, extrapola as áreas da Colina. Não
estamos isolados nessa configuração.”
É dessa fluidez continuada do meio ambiente, que a natureza inspira, sendo um
potente meio para desenvolver o sentimento de amor, exaltando a beleza nas pequenas e mais
discreta formas de arbustos, árvores, pássaros ou flores, entre outros. Nessa fluidez da
natureza, principalmente as crianças devem acostumar-se a sentir o belo, deslumbrando-se
com os elementos da natureza que levaram anos para atingir essa forma e que eles devem
ajudar a conservá-la para si e para as próximas gerações.
Sendo o ser humano um ser social, o verdadeiro sentido existencial revela-se,
unicamente, quando os interesses e ideais coincidem com a comunidade ou sociedade onde
estão inseridos. A formação dessa unidade permite ao ser humano entender e sentir o meio
ambiente como condição para sua própria existência e das futuras gerações.
Para tanto, a interpretação ambiental dos colineiros se faz presente através da Agenda
21, lançada por meio da nova administração. O entrevistado Jô diz que o guarda- chuva da
Colina do Sol “é” a Agenda 21. A partir desta, temos quatro sub-programas. Um deles é a
compostagem, naturalmente incentivada, pode ser individual, pode ser por zonas ou pode ser
pela Colina do Sol como conjunto. Esta iniciativa faz-se de modo muito lento, pois nas três
visitas à Colina do Sol, duas para o reconhecimento e a terceira para as entrevistas, observou-
se apenas atos isolados por parte de alguns moradores.
Outro item é a coleta seletiva de resíduos sólidos, que é um estágio conscientizador
para a nossa característica perdulária. Da redução de resíduos sólidos, parte-se, então, para a
não geração desses resíduos. Por fim, a preservação dos recursos hídricos, vitais para o
desenvolvimento humano.
É como imaginar com as ações descritas, um guarda-chuva virado, onde ao invés de
repelir a água, acolhe-se esta, gerando um processo de autoconhecimento, de saber, um
processo contínuo de aprendizagem de conscientização de nossas ações cotidianas. Afinal, os
seres humanos precisam se conscientizar, sendo algo que toque os seus corações.
Os agentes de mudança estão no mesmo nível dos poetas, dos educadores, dos
revolucionários. Essas pessoas são fundadores de mundo. Para nós seria mais fácil
implantar diretamente o programa da Agenda 21 e os subprogramas, mas de nada
adiantaria. Precisamos e necessitamos de conscientização. A nossa grande maioria
tem formação universitária, mas temos que agir conjuntamente, nada imposto de
cima para baixo pelo conselho. (entrevistado Jô)

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O belo da vivência naturista


“Desnudar-se da aparência do ter, que você também tem defeitos, mas nem por isso
você deixa de ser humano, com sentimentos, emoções, alegrias.” (entrevistada Ast)
O belo do naturismo é a consciência dos atos que esses naturistas possuem para com o
habitat como um todo, e as implicações que as inter-relações humanas delineiam. A
entrevistada Ast é enfática ao dizer:
Aqui o espaço agrega as mais diferentes manifestações, concepções da vida. Abriga
pessoas diferentes, devido a coesão do grupo. Na verdade temos dificuldades, aqui,
de aceitar pessoas que queiram transformar nosso santuário em concreto. Concreto
no sentido de pesado, tijolos, construção mesmo. Ou no sentido de não aceitarem a
diversidade e queiram o enquadramento de todos. Não estamos olhando o credo de
cada um ou a opção sexual dela. O que não aceitamos é que as pessoas não aceitem
a diversidade de ideais, pensamentos, da nossa relação com o ambiente.

Vale lembrar, também, o discurso da entrevistada Candinat, que fala sobre a


consciência, o tempo do ser humano na terra, a moeda vida, o dedicar-se e o indivíduo como o
outro. Mas, como viver a vida? O que faz a diferença?
Não importa onde estejamos e nem como nós estejamos. O que faz a diferença é
estarmos ou não conscientes, atentos à vida, a tudo o que estamos vivendo.
Dedicar-se um tempo!
Quem é esse outro para quem eu atribuo tanto valor? Alguém com tanta influência
sobre minha vida? Deixamos de viver quando pagamos tributos aos outros, a moeda
é a vida.
Quanto mais pudermos olhar o mundo através de esse dar-se um tempo para olhar a
si mesmo, ao outro e ao mundo é que a gente percebe que há maneiras de viver de
outra forma, mesmo estando na cidade.
Então, devemos repensar a questão tempo. Nos deixamos levar por um monte de
coisas que não são importantes e damos a elas o tempo que elas não merecem e
deixamos de dar a outras pessoas e a outras coisas o tempo que deveríamos dar.
Ele está feliz? Está saudável? Dorme bem? Essa pessoa está bem? Agora o outro
tem que tomar remédio para dormir, ele tem insônia, depressão e a gente olha e... é
uma pessoa de sucesso.
Então, estar consciente dar-se um tempo para analisar. Quando isso ocorre, você
começa a repensar valores.
Será que realmente é tão importante ter? Consigo isso ou aquilo através de qual
moeda? Conquistar? Ser reconhecido por alguém ou pelos outros? Importantes para
quem?
De repente percebe que gastou metade de sua vida ou mais, alimentando a imagem
para os outros. (entrevistada Candinat)

Conforme Morin (2005e, p.137) “a dialógica da arte da vida deve ser para vigiar a
razão para impedir que mergulhe na cegueira e na fúria das paixões ou se perca em jogos e no
irrisório”.
De repente tu começas a ter um alívio, a perceber que tu está ótimo, então, porque
eu preciso de tudo aquilo que eu tenho lá na minha outra vida.
A metade ou mais das coisas que temos, nós precisamos para os outros. O que os
outros vão dizer ou pensar de mim? Mas quem é esse outro que é tão importante a
quem eu atribuo um valor tão grande. Não é nada! Nada! Nada!
Quem é esse outro que me olha tanto?

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Quando a gente corta esse outro da vida, o outro como alguém de influência, de
julgamento sobre a minha vida! Esse outro a quem eu devo apresentar uma imagem
idealizada. Às vezes é pior: o outro é a nossa imagem refletida no espelho, mas em
algum momento percebemos isso.” (entrevistada Candinat)

Finalmente, é preciso refletir o papel do naturista colineiro para a consolidação da vida


naturista fora daquele âmbito, que está além das normas vigentes ou da estética do olhar, que
muda de pessoa para pessoa conforme a sua integração, que atue na conscientização de
homens e mulheres de forma prática e concreta, aliando a ação e a reflexão. Não obstante,
reconhecendo os limites e as potencialidades dessa filosofia de vida, tendo a consciência de
que, conforme Candinat, o naturismo é para poucas pessoas, pois é imprescindível redobrar a
atenção quanto aos nossos sentidos, à nossa consciência, mas principalmente aos nossos
sentimentos.
Nessa medida, a educação ambiental, enquanto ato político, voltado à transformação
social, como processo permanente de aprendizagem, de construção de cidadania e
conscientização, tem que envolver todas as pessoas. E, nesse envolvimento, a educação
ambiental, ao realizar o seu objetivo, também é realizada enquanto projetos pessoais e
coletivos na mira de uma melhor qualidade de vida.
Nesse cotidiano requer-se assumir com consciência, ousadia, prudência e
desprendimento, o diálogo entre o lado sapiens e o lado demens almejando a solidariedade
como decisão racional guiada pela magia da emoção. Esta é a magia que faz os colineiros
pertencerem a uma comunidade e que modifica as atitudes transformadoras pelo e para o meio
que os cerca.

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Maria da Conceição. In: CARVALHO, Edgar de Assis e MENDONÇA,
Terezinha (org.). Ensaios de Complexidade 2. Porto Alegre: Sulina, 2003, p. 284-311.

BAUMAN, Zygmunt. Amor líquido: sobre a fragilidade das relações humanas. Trad.
Carlos Alberto Medeiros. Rio de janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004.

MORIN, Edgar. Amor, poesia, sabedoria. 7. ed. Tradução de Edgar de Assis Carvalho. Rio
de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005a

_____________. O Método 1: a natureza da natureza. 2. ed. Tradução de Ilana Heineberg


Carvalho. Porto Alegre: Sulina, 2005b

_____________. O Método 4: as ideias: habitat, vida, costumes, organização. 4. ed.


Tradução de Juremir Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2005c.

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_____________. O Método 5: a humanidade da humanidade. 3. ed. Tradução de Juremir


Machado da Silva. Porto Alegre: Sulina, 2005d.

_____________. O Método 6: ética. 2. ed. Tradução de Juremir Machado da Silva. Porto


Alegre: Sulina, 2005e.

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