Psicoterapia Breve
Psicoterapia Breve
Psicoterapia Breve
Theodor S. Lowenkron
Introdução
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* *
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1. Considera-se situação de crise quando existe uma das seguintes condições con-
comitante ao transtorno mental: risco de vida ou danos físicos; risco de danos
morais importantes; risco de incapacitação, por exemplo perda do trabalho, da
carreira escolar/acadêmica ou de função social relevante.
2. Recomenda-se que os atendimentos de emergência psiquiátrica devido ao alcoo-
lismo ou outras dependências químicas sejam cobertos após seis meses de
contrato.
3. Respectivamente, transtornos mentais orgânicos, esquizofrenias e transtornos de-
lirantes, retardo mental e transtornos do comportamento e emocionais que surgem
na infância ou adolescência.
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cializado ou em uni- codificados pela ou franquia. Tempo
dade psiquiátrica de CID-10 + situação de adicional recomenda-
hospital geral. crise. se co-participação ou
Obrigatório franquia.
Definições
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O termo psicoterapia é apresentado na literatura psicológica e psicanalítica
em três sentidos. No sentido amplo, “psicoterapia” se refere a qualquer método de
tratamento que utilize meios psicológicos, mais precisamente, a relação entre o te-
rapeuta e o doente, desde a sugestão até a psicanálise. Num sentido mais restrito,
“psicoterapia” é entendida apenas como técnica sugestiva e é contraposta à psica-
nálise, que se caracteriza em função da interpretação do conflito inconsciente e,
mais particularmente, da análise da transferência, ou seja, a psicanálise se diferen-
ciando qualitativamente das psicoterapias. E, numa terceira acepção, pode-se
entender uma forma de psicoterapia que se baseia nos princípios teóricos e técni-
cos da psicanálise, sem, todavia, realizar as condições de um tratamento psicanalítico
standard. Considerada neste último sentido, a psicoterapia se diferencia da psica-
nálise quantitativamente, deslocando-se numa linha contínua.
O fio condutor desta comunicação inclina-se na direção desta última acepção
de sentido para a psicoterapia em sua relação com a psicanálise. A psicoterapia ba-
seada no corpo teórico da psicanálise é designada na literatura especializada por
meio de diversos nomes, a saber, psicoterapia dinâmica, de insight, de orientação
psicanalítica, expressiva, intensiva e exploratória.
No que concerne às psicoterapias psicanalíticas que têm um tempo de dura-
ção definido, hoje, a expressão “tempo delimitado” me parece mais adequada que o
adjetivo breve, uma vez que remete à noção de tempo suficiente e pressupõe estar
consoante com o que vier a ser acordado entre terapeuta e paciente, para a realiza-
ção da tarefa terapêutica, daí a designação de psicoterapia psicanalítica de tempo
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tre paciente e terapeuta em torno da compreensão da possível origem inconsciente
do problema que dá suporte à decisão de empreender a investigação pelo método
psicanalítico, investigação na qual o paciente deve estar engajado como sujeito. A
teoria psicanalítica fornece os modelos gerais que fundamentam o processo, e a
cura se dá mediante a perlaboração1 dos conflitos inconscientes, com possíveis re-
percussões sobre o sujeito como um todo.
É importante destacar que a psicoterapia de tempo delimitado tem como prin-
cipais pioneiros, além do próprio fundador da psicanálise, Freud, autores como
Ferenczi, Rank e Alexander. Entre os contemporâneos destacam-se Balint e Malan
(Clínica Tavistock, Londres), Sifneos (Universidade Harvard) e Davanloo (Univer-
sidade McGill). Sem deixar de reconhecer o valor científico das contribuições desses
autores no campo em estudo, mas marcando minha aproximação com as concep-
ções de Freud, Ferenczi e com as pesquisas realizadas na Clínica Tavistock,
principalmente, por meio do experimento de Balint, optei por me concentrar nestes
1. Perlaboração é o nome dado ao trabalho psíquico realizado pelo paciente que consiste em
assimilar interpretações, processo mediante o qual é possível conseguir a superação de resis-
tências e a liberação dos efeitos da atuação de mecanismos repetitivos, decorrente da força de
atração exercida pelo inconsciente. O objetivo desse trabalho é o de favorecer a recomposição
dos elementos vivenciais em novos arranjos de sentido e o encontro de novas alternativas de
satisfação
ARTIGOS
últimos para apresentar o percurso histórico e o referencial teórico sobre essa abor-
dagem terapêutica.
Sigmund Freud
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Outro relato importante de um processo terapêutico de duração relativamente
breve realizado por Freud é apresentado em “Notas sobre um caso de neurose ob-
sessiva” (1909). O paciente,3 também conhecido como “Homem dos ratos”, foi
tratado durante cerca de um ano.
Ernest Jones (1953 [trad. 1989], v.2), comentando essa análise, diz: “O re-
sultado foi brilhante e a partir de então o paciente foi muito bem sucedido na vida
e no trabalho” (p. 267).
Diferentemente dos textos anteriores, um tratamento de duração mais extensa
é relatado em “História de uma neurose infantil” (1918), caso de um jovem russo,
conhecido como “Homem dos lobos”, em que Freud descreve uma neurose grave.
O aspecto de maior significado desse caso clínico para a psicoterapia de tem-
po delimitado foi o estabelecimento de um limite para o término da análise; um artifício
de que Freud lança mão para tentar obter a superação de resistências por parte do
paciente, que parecia acomodado no estado de melhora parcial em que se encon-
2. Katharina era uma jovem de cerca de 18 anos, que se queixava de crise de angústia acompa-
nhada de sensação de falta de ar e de uma constrição no peito que aparecera pela primeira vez
dois anos antes.
3. Um advogado de trinta anos de idade, que sofria de obsessões desde a infância, que tinham se
tornado mais intensas nos últimos quatro anos. A principal preocupação do paciente era um
temor, que não conseguia dominar, de que algo pudesse acontecer a duas pessoas: seu pai e a
moça que ele admirava.
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cura no processo de tempo delimitado.
Em “Linhas de progresso na terapia psicanalítica” (1919), comunicação apre-
sentada ao Quinto Congresso Internacional de Psicanálise, em 1918, à época do
término da Primeira Guerra Mundial, em Budapeste, Freud, sob a influência das
idéias de Ferenczi a respeito do uso da técnica ativa em psicanálise, aponta novas
e possíveis direções na terapia psicanalítica. A noção de técnica ativa é importante
para o desenvolvimento da abordagem da psicoterapia psicanalítica de tempo deli-
mitado, pois busca vencer as resistências mais acirradas e desse modo acelerar o
processo terapêutico. Freud apresenta dois exemplos nos quais o novo tipo de ati-
vidade é indicada. As fobias já requerem algo mais do que se desenvolveu no
tratamento da histeria. Referindo-se à agorafobia grave, afirma que só se obtém
êxito quando se induz, por influência da análise, os pacientes a irem para a rua e
enfrentarem a ansiedade. Apenas quando isso é alcançado por exigência do médico
é que afloram à mente do paciente as associações e lembranças que permitem re-
solver a fobia. Nos casos de manifestações obsessivas, ainda com mais ênfase,
ressalta a técnica ativa. O procedimento correto sugerido é esperar até que o trata-
mento em si se torne uma compulsão, e então, com uma contracompulsão, suprimir
a compulsão da doença. Freud, nessa oportunidade, tinha em mente o procedimen-
to de marcação de limite de tempo para o término da análise, adotado com “O homem
dos lobos”, que funcionou como pressão para vencer a resistência do paciente e
sua fixação na doença, produzindo o material que tornou possível esclarecer as ini-
bições e eliminar os sintomas obsessivos.
ARTIGOS
Concluindo, Freud aponta para um futuro que poderia mesmo parecer fantás-
tico. Pondera que os psicanalistas são poucos e, mesmo trabalhando muito, atendem
a um pequeno número de pacientes considerando-se a quantidade de pacientes neu-
róticos existentes. Reconhece que as necessidades de sobrevivência dos psicanalistas
levaram a que o trabalho analítico se limitasse às classes abastadas, o que não pro-
piciou que as camadas sociais menos favorecidas se beneficiassem da terapêutica
psicanalítica. Prenuncia que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade
despertará e admitirá que as camadas mais pobres também têm direito a uma as-
sistência psicanalítica. Quando isto vier a acontecer, criar-se-ão serviços gratuitos
de prestação de atendimento a pacientes externos, contando com profissionais ana-
liticamente preparados.
Freud (1937), em “Análise terminável e interminável”, um dos últimos e mais
importantes trabalhos, apesar de admitir que fosse desejável abreviar a duração do
tratamento analítico, argumenta que tais experimentos são inviáveis. Os argumen-
tos apresentados por Freud contra a possibilidade de reduzir a duração do tratamento
analítico são de duas ordens: a convicção de que o grau de complexidade da vida
psíquica era bem maior do que supusera anteriormente e a introdução progressiva
de importantes reformulações no corpo teórico da psicanálise. Freud insiste bas-
67
tante sobre essa complexidade e sobre os poderosos obstáculos que opõem
resistência à realização satisfatória da meta terapêutica. Em decorrência disso, a
análise tende a se tornar mais e mais prolongada e mesmo a ser concebida como
interminável. Como um todo, o trabalho dá a impressão de pessimismo com rela-
ção à eficácia terapêutica da psicanálise standard, mas o mais importante, a meu
ver, é o reconhecimento e a preocupação de Freud com os limites terapêuticos da
psicanálise.
Enfim, Freud foi pioneiro e questionador da psicoterapia psicanalítica de tem-
po delimitado, pois louvava as tentativas de Ferenczi no sentido de encurtar a duração
das análises, mas argumentou nesse último texto citado que tais experimentos eram
inviáveis. Devemos lembrar, no entanto, que Freud realizou esse tipo de experiên-
cia de tempo delimitado com figuras notáveis de sua época, como Gustav Mahler,
Bruno Walter e, inclusive, com o próprio Ferenczi, que foi analisado por Freud em
1914 e depois em 1916, em períodos de três semanas.
Sándor Ferenczi
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da motivação do paciente logo na primeira entrevista, para decidir quanto à modali-
dade terapêutica a ser adotada e considera que a data do término deve ser marcada
com antecipação.
Entre os autores que no Brasil dedicam-se ao tema, com livro publicado, evi-
denciam-se Knobel (1986), Lemgruber (1989), Azevedo (1988), Yoshida (1990),
Caracushansky (1990) e Lowenkron (1993).
Experiência Clínica
Uma experiência clínica significativa nesse campo foi a que realizei com a pa-
ciente nomeada Dulce4 durante o ensino da disciplina de Psiquiatria de Saúde Mental
para os alunos da Faculdade de Medicina da U.F.R.J. A paciente foi atendida sema-
nalmente por mim, na condição de professor da disciplina, em consultório com
espelho unidirecional, o que permitia também a realização da atividade prática de
ensino. Em sala ao lado, os alunos assistiam ao tratamento, por meio do referido
dispositivo. A paciente não só tinha pleno conhecimento da situação, como havia
dado consentimento por escrito para que assim se procedesse o tratamento.
Cada entrevista era seguida de uma discussão com o grupo que assistia ao
atendimento. Durante a discussão, eram esclarecidos os procedimentos técnicos
70
a fez se afastar um pouco dos acontecimentos que envolveram a morte do irmão.
Entretanto, a sensação de angústia mantinha-se acrescida de sentimento de ciúmes
do relacionamento do parceiro com a mãe deste. Tivera antes, por dez anos, um
companheiro de sua mesma faixa etária num relacionamento que evoluiu desfavo-
ravelmente com história de alcoolismo e de relações extraconjugais por parte do
companheiro, suscitando reação de ciúmes intensa por parte da paciente, culmi-
nando com o rompimento. Receava que o atual relacionamento tivesse o mesmo
desfecho, apesar de considerar a personalidade de seu companheiro bastante dis-
tinta da do anterior.
Dulce ressalta os laços positivos com os pais; são 11 filhos, ela é a quarta.
Os irmãos mais velhos se casaram, e ela passou a ter a função de cuidar dos me-
nores.
Considerei que a paciente preenchia critérios de indicação para terapia de tempo
delimitado. As duas questões identificadas como foco para o atendimento eram o
luto patológico pela perda do irmão e o ciúme no relacionamento amoroso que con-
tribuía para a presença real ou fantasiosa de uma terceira pessoa interferindo na
vida conjugal.
Logo no início do processo psicoterapêutico, formulamos a hipótese de que a
acusação intensa ao motorista que atropelou o irmão ocultava, em parte, a condi-
ção de intoxicação alcoólica em que este se encontrava no momento do acidente.
A própria paciente omitiu também, a princípio, a sua história de uso regular de be-
bida alcoólica, interrompida logo após o trágico acidente, época em que se aproximou
ARTIGOS
71
de saúde mental oferecido foi correlacionada com o componente masoquista de
sua personalidade, que tinha favorecido os maus tratos sofridos no relacionamento
amoroso anterior. A paciente, que desempenhara a função de substituta materna
para os irmãos mais novos, parecia estar rivalizando com a futura sogra na disputa
por aquele lugar na relação com o seu companheiro. Os insights alcançados favo-
receram o abrandamento dos desentendimentos com a futura sogra e a iniciativa
de busca de moradia independente para o casal.
Quando do término da psicoterapia, na quinta entrevista, a paciente não mais
apresentava os sintomas iniciais, quais sejam, angústia com sensação de aperto to-
rácico, cefaléia e redução significativa da irritabilidade com controle da impulsividade.
Já estava morando com o seu companheiro em local distante da sogra e relativa-
mente próximo do local de trabalho do casal, o que proporcionava ainda o conforto
de deslocamento mais fácil. Mantinha-se afastada do uso de bebida alcoólica, mes-
mo sem uma freqüência muito assídua à igreja. Apesar do resultado do processo
psicoterapêutico se mostrar bastante positivo, o fenômeno da resistência da pa-
ciente impediu um maior aprofundamento na investigação da neurose infantil: Dulce
continuava a sustentar uma relação idealizada com os pais que eram representados
de modo exclusivamente positivo.
Os follow-ups foram realizados a cerca de seis e 12 meses após o término do
tratamento. No primeiro evidenciava-se a manutenção dos resultados obtidos; além
da resolução da sintomatologia também se evidenciava a superação das dificulda-
des no relacionamento conjugal. No período entre o término do tratamento e a
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o fazer psicanalítico, até agora têm sido abordadas como psicoterápicas. Uma re-
lação inter-humana em que a palavra circula entre dois lugares assimétricos, sem
que o psicanalista tenha de responder à demanda do outro, o que se instaura, se
trabalha e elabora não é outra coisa que a transferência. Assim, é preciso superar
dois obstáculos epistemológicos na concepção do que seja o espaço psicanalítico:
1) a imposição metodológica de não identificar o espaço analítico com seu forma-
lismo, que o delimita por sua exterioridade, mais do que pela dimensão básica do
processo psicanalítico; e, 2) o correlato disso é não identificar o ato psicanalítico
ao exercício virtuoso de uma técnica, transformando a suposta experiência analíti-
ca num ritual obsessivo.
Já em “A direção da pesquisa psicanalítica” (1994: 13-27), continuando suas
indagações, questiona tanto a possibilidade da existência de pesquisa psicanalítica,
sem que se considerem as exigências fundamentais da experiência psicanalítica, quan-
to a de uma psicanálise dita “pura”, a que se contraporia uma modalidade “aplicada”
de psicanálise.
Esses questionamentos nos permitem chegar a algumas conclusões sobre a
direção da pesquisa em psicanálise: 1) a experiência psicanalítica é o que define a
direção da pesquisa freudiana em psicanálise; 2) a experiência psicanalítica admite
diversas possibilidades de clínica, isto é, uma experiência centrada na fala, na es-
cuta e regulada pelo impacto da transferência, uma vez que, por um lado, lida com
diferentes formas de funcionamento psíquico, e, por outro lado, é uma experiência
que pode se realizar em diferentes espaços. A psicanálise não se identifica com o
ARTIGOS
Considerações finais
73
mais severos opositores dessas tentativas. Embora tenha ressaltado o efeito favo-
rável da limitação do tempo estabelecido por Freud para término da terapia do
“Homem dos lobos”, faz críticas ferrenhas à técnica ativa de Ferenczi e depois
também aos trabalhos de Alexander e Balint.
3) Apesar de não serem raras as tentativas de antagonizar psicanálise e psico-
terapia psicanalítica de tempo delimitado, não existe contradição entre elas. A
psicoterapia psicanalítica de tempo delimitado, que se origina da psicanálise, é, tam-
bém, como já vimos, um modo de dar acesso a uma faixa mais ampla de população
às possibilidades terapêuticas oriundas das descobertas freudianas. Alicerçada nos
conceitos fundamentais da psicanálise, essa prática opera principalmente em torno
dos conceitos de inconsciente, de defesa e de transferência. Freud (1914) legitima
essa posição na sua famosa afirmativa sobre o que pode ser verdadeiramente de-
nominado psicanalítico: “Qualquer linha de investigação que reconheça a transferência
e a resistência e os tome como ponto de partida de seu trabalho tem o direito
de chamar-se psicanálise, mesmo que chegue a resultados diferentes dos meus”
(p. 26).
4) O tratamento da paciente Dulce é parte de uma pesquisa em que se tem
em vista a aplicação da psicanálise para atender à demanda da população. Freud,
em “Linhas de progresso na terapia psicanalítica” (1919), já havia destacado o pro-
blema do pequeno número de psicanalistas – comparado à relativamente grande quan-
tidade de pacientes com transtorno neurótico – que direcionam o trabalho analítico
para classes mais abastadas. Considerando que as neuroses ameaçam a saúde pú-
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tica analítica consagrada como tal, sem possibilidade de abertura para pesquisa de
alternativas assistenciais mais amplas, alicerçadas na psicanálise, adequadas às ca-
racterísticas da população mais pobre e das instituições públicas que a assistem.
Eles não se deram conta de que Freud, logo em seguida, vai frisar que a essência
de qualquer tratamento que se queira psicanalítico está nos ingredientes mais efeti-
vos e mais importantes tomados à psicanálise estrita e não tendenciosa.
Ao afirmar a eficácia de uma psicoterapia em instituições públicas, Freud se
sustenta nos elementos da psicanálise, conferindo legitimidade a essa prática. As-
sim, o trabalho experimental realizado com a paciente Dulce, como parte do programa
de pesquisa no Instituto de Psiquiatria da U.F.R.J., pautou-se no princípio da não-
tendenciosidade. Em outras palavras, retomando a metáfora freudiana, não lançamos
mão do cobre – da sugestão direta para o tratamento da paciente.
5) A psicoterapia psicanalítica de tempo delimitado desenvolvida por Balint,
Malan, Sifneos e Davanloo apresenta algumas características em comum, das quais
as seguintes merecem destaque: aliança terapêutica; a interpretação ativa de um foco
terapêutico ou questão central; o manejo precoce da transferência; as interpreta-
ções dos vínculos com os pais e da transferência com o terapeuta; e um término
da terapia previamente acordado. Acrescento, ainda, as contribuições de Gilliéron,
que, ao recomendar uma abordagem terapêutica menos ativa, prestigiando a livre
associação do paciente na terapia e adotando atitude que permite ao paciente de-
senvolver o foco do processo terapêutico, sustenta os alicerces dessa abordagem
de modo mais rigoroso nos fundamentos freudianos.
ARTIGOS
6) No que diz respeito à polêmica com Rank (1924), que defende a redução
do tempo de tratamento, Freud (1937) reconhece que o autor foi audaz e engenho-
so em suas concepções, mas, a seu ver, a proposta terapêutica que delas nasceu
não passava de um produto do tempo em que foi concebida:
... sob a tensão do contraste entre a miséria do pós-guerra na Europa e a “prosperity”
dos Estados Unidos, e projetado para adaptar o ritmo da terapia analítica à pressa da
vida americana. [...] A teoria e a prática do experimento de Rank são hoje coisas do
passado – não menos do que a própria “prosperidade” americana (p. 247-248).
Se para Freud pareciam efêmeras tanto a prosperity norte-americana quanto
as mudanças introduzidas sob a influência de valores novos e estrangeiros, verifi-
camos hoje, passados mais de sessenta anos dessa apreciação, que a pressa e a
indisponibilidade para o engajamento subjetivo em empreendimentos de longa dura-
ção e de freqüência muito intensiva parecem ter se firmado como uma característica
dos novos tempos, característica que se expande para além dos limites circunstan-
ciais e territoriais pensados por Freud. Com efeito, é da França da década de 1990,
não dos Estados Unidos da década de 1930, que fala Roudinesco.
7) Ao final do prazo estabelecido para a terapia, é indispensável proceder a
75
uma avaliação dos resultados obtidos. Se estes forem considerados satisfatórios, o
objetivo de um tratamento de tempo delimitado terá sido atingido e, assim, os en-
contros entre terapeuta e paciente são encerrados. Em outras palavras, o fim dessa
experiência de tratamento psicanalítico pode ser definido em termos práticos. Ao
contrário, se a avaliação do processo indicar que o trabalho realizado não foi sufi-
ciente para o domínio das tensões conflitivas que deram origem às manifestações
clínicas do paciente, a decisão de encerrar o tratamento pode ser revista. Nesse
caso, cabe reformular a indicação inicial para atendimento de tempo delimitado e
considerar as possibilidades de um atendimento psicanalítico sem tempo de dura-
ção preestabelecido. Ainda assim, observamos que, muitas vezes, a abordagem inicial
na psicoterapia de tempo delimitado revelou-se um precioso instrumento de prepa-
ração do paciente para a etapa consecutiva, por favorecer a formulação de
interrogações a partir do sofrimento vivenciado, abrindo-o para a possibilidade de
ressignificação.
8) Considerando-se as questões críticas teóricas e práticas sobre o que pode
ser denominado espaço psicanalítico, segundo Birman, e pretendendo suscitar o de-
bate sobre o tema, que será, inclusive, objeto de pesquisa futura, não deveríamos
pensar em nomear a psicoterapia psicanalítica breve ou de tempo delimitado como
psicanálise breve?
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Referências Bibliográficas
76
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quisa e prática médica. Trad. de L. Knijnik, S.S. Schestasky. Porto Alegre:
Artes Médicas, 1981. 360 p.
ARTIGOS
Resumos
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thérapeutique se fonde dans les conceptions de Freud, Ferenczi et de l’enquêtes
realizées dans la Clinique Tavistock, surtout, par l’experiment de Balint. Cette
communication a ete stimulée non seulemment pour les résultats d’enquêtes dévellopées
pour l’auteur dans le champ de la psychotherapie psychanalitique du temps delimitée,
mais aussi pour l’agrément, par Resolution du Ministère de la Santé, de la couverture
obligatoire pour les plans et sécurités de santé par la psychothépie bref de crise avec
durée de jusque douze sessions. Ce travail a l’objetif de promouvoir le debat dans notre
moyen sur le valeur de l’abord psychanalitique bref. Pour tant, delá de l’présentation
d’une expérience clinique realizée avec une patient pendant cinc entrevues
psychotherapiques et plus deux entrevues de follow-up, environ six et douze mois aprés
le fin du traitement, se discute les fondements d’elargissement d’espace psychoanalitique
prenant en consideration le position de Freud et las critiques théoriques et pratiques,
exposées par Birman, sur ce qui peut etre nommée espace psychanalitique. Dans ce
travail se detache encore l’importance de que, au final de la therapie, se doit faire une
évaluation des résultats obtenues et, si le travail realizée n’est pas considerée sufisante
pour l’élaboration des tensions qui a donné l’origine aux manifestations cliniques, la
décision de finisser le traitement peut etre revue, hypotèse que n’invalide pas l’abord
inicial dans la psychothérapie de temps delimité comme un précieux outil de preparation
du patient pour l’étape consécutif. La question qui a orienté cet parcours demeure:
C’est possible nommer la psychotherapie psychanalitique bref ou de temps delimitée
comme psychanalyse bref?
Mots clés: Psychanalyse, espace psychanalytique, psychanalyse bref, cas clinic
ARTIGOS
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consideration Freud’s position and the theoretical and practical critics, exposed by
Birman, about what can be denominated psychoanalytical space. In this work, the
importance that at the end of the therapy, an evaluation of the results reached must be
done is also pointed out, and, if the work done is not considered sufficient for the
elaboration of the conflictive tensions which initiated the clinical manifestations, the
decision to end the treatment can be reviewed, and in case it’s confirmed, it does not
invalidate the initial approach in the psychotherapy of delimited time as a precious
tool to prepare the patient for the consecutive stage. The question that orientated this
course remains: Is it possible to name the Brief Psychoanalytical Psychotherapy or of
delimited time as Brief Psychoanalysis?
Key words: Psychoanalysis, psychoanalytical space, brief psychoanalytical
psychotherapy, clinic case