COHEN Renato Work in Progress Na Cena Contemporanea PDF
COHEN Renato Work in Progress Na Cena Contemporanea PDF
COHEN Renato Work in Progress Na Cena Contemporanea PDF
WORK lN PROGRESS
NA CENA CONTEMPORÂNEA
CRIAÇÃO, ENCENAÇÃO E RECEPÇÃO
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~ ~ EDITORA PERSPECTIVA
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Equipe de realização - Revisão de original: Miriam Palma; Revisão de provas: Ingrid
Basilio; Sobrecapa: Adriana Garcia; Produção: Ricardo W. Neves e Adriana Garcia.
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À memória de Marcos Cohen
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Direitos reservados à
EDITORA PERSPECTIVA S.A.
Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 3025
01401-000 - São Paulo - SP - Brasil
Tel: (OU) 885-8388
Telefax: (011) 885-6878
1997
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00JI;ú!inié:aç:go,e.Alrt"ês:dà::':rJ~;e1~;
'posteriOres .contrlbuíções resultante do traba-
lho lle.PrograxI\a, de GOD;:lúJ:)icaçãó e 'Semt6ti:cadá PUC de São Paulo.
Para essa realização foi írnpresoiridível o suporte de bolsa do C.N.P.q.
o puro e leve ascende e se torna o Céu
O inquieto e pesado desce e se torna a Terra.
.... .......-.. _.~._ _ _ _.__ -: _..__ _ _ ~ . Os sopros intermediários, ao se misturarem
harmoniosamente, produziriam o homem.
Assim, Céu e Terra contêm os germes,
os dez mil seres nascidos através de mutações.
LAO-Tzu
Sumário
INTRODUÇÃO XXIII
DO PERCURSO xxxm
1. A Cena Contemporânea e o Work in Process 1
3.5.3.O Sturm und Drang: Universo da Pesquisa 34 Espetáculos I Peças / Performances . 133
3.5.4.
Processos / Transições 35 Fontes Multimídicas: . 134
3.5.5.Sturm. und Drang: Organização dos Leitmotive .. 40 Videografia . 134
3.5.6.Textualização / Transições / Construção de Story- Hipertexto / Arte Telemática . 134
board 40
3.6. Work in Progress como Linguagem . . ~ . . . . . . . . . . . . .. 45
Anexos 47
1. Gerative 49
2. Processos / Sincronicidade (Sturm und Drang) 50
3. Storyb oard - Sturm und Drang 51
4.
eficaz dos encadeamentos mentais da consciência contemporânea, que habituais, visando à ampliação da consciência do criador e. do especta-
o teatro de Beckettjá apontava nos anos 50 e que o de Cohen reatualiza.. dor, a supermaríonete de Craig tornada como referência para o ator
o reconhecimento da indeterminação das narrativas superpostas e que compõe p ersorias em lugar de personagens, a biomecânica de
sem significado fechado, a eleição do corso-ricorso joyceano como Meyerhold usada COmo suporte de f'is.icafiz.ação da cena, a espaciali-
movimento gerador de obras progressivas, a operação com o maior zação de Appia eleita corno rnetade criação para o encenador/autor..o
número possível de variáveis abertas, que parte de um fluxo livre de duplo artaudiano empregado como avesso do familiar e a Gesamtkuns-
associações em lugar de apoiar-se em sistemas fechados (corno é o twerk wagneriana recuperada a partir dos recursos da p erform.ance e
caso do texto dramático), o neologismo visual das palavras-imagem e das instalações são meios de que o autor lança mão para mostrar de
o encadeamento dos Leitmotive condutores são procedimentos que que forma o teatro de hoje relê seu passado, para melhor adequá-lo aos
Cohen consegue discernir com agudez nas construções polissêmícas tempos que corrern.
de artistas que tiveram a coragem de enveredar pelo território do irra- Sem esquecer o passado, Renato Cohen consegue rnontar peças
cional, abrindo trilhas poéticas no campo exaurido da percepção con- capitais do quebra-cabeça em que se transformou a cena contemporâ-
temporânea. nea, dotando o leitor de potentes operadores de leitura.
Nesse sentido, é admirável a coerência do artista na .eleição de
Sílvia Fernandes
suas afinidades. Ele sabe qual é sua arte e com quem ela se aparenta.
É urna surpresa e um prazer para o leitor acorrrpanhá-Io na tessítura
das semelhanças entre obras supostamente tão distantes quanto as de
Joseph Beuys e do Wooster Group, ou de Vito Accon~i e Wirn Wenders.
Dessemelhantes quer por área de atuação, quer por definição estética,
os artistas se aproximam pela pertinência ao rnosrno paradigma de
criação.
Outra riqueza do trabalho do autor é o apoio nos teóricos mais
importantes do que se convencionou chamar de movimento pós-mo-
derno na cultura e no teatro. Tanto a escola francesa pós-estruturalista
de Lyotard, Derrida , Baudrillard, Deleuze e Guattari quanto o já clás-
sico pensador de linha marxista Fredric J ameson são convocados para
subsidiar e contextualizar as manifestações da arte em progresso. No
que diz respeito ao teatro de forma específica, é importante mencionar
. a apresentação ao leitor brasileiro de dois ensaístas da maior importân-
cia para a compreensão da cena conternporânea. Sem dúvida é Renato
Cohen o primeiro a utilizar de forrna sistemática Perforrning drama/
dramatizing p erfo rrna.rtce , o irnportante estudo de Michel Vanden
Heuvel sobre as relações produtivas eritrc a encenação contemporânea
e a drarn.aturgia "pós-dramática". É também através deste livro que o
interessado em teatro pode conhecer Johannes Birringer, autor de vi-
gorosos ensaios sobre Heiner MüIler, Bob Wilson, Pina Bausch e Karen
Finley.
Corno se vê, o trabalho de Cohen, na dupla via do sensível e do
intelectual, é imprescindível a todos aqueles que se interessam pela
cena contemporânea. Mas não apenas isso. É também uma resposta
aos que criticam as pesquisas teatrais mais radicais, condenando-as
por inventarem o novo sem darem conta da história. Este livro mostra
que ip.venção e tradição. não são incompatíveis. O estranhamento
brechtiano empregado como recurso de ruptura das representações
[...] o conceito de escultura pode ser estendido aos materiais
invistveis usados por todos:
Formas pensantes - como moldamos nossos pensamentos ou
Formasfalantes - como lapidamos nossos pensamentos em pa-
lavras ou
Escultura social - como moldantos e esculpimos o mundo em
que vivemos..
JOSEPH BEUYS 1
No Brasil, tal cena desdobra-se na experiência dos concretistas - imagens ampliadas), a eletronificação da voz autoral e a criação de
nas poéticas verbícovísuais!", no teatro palimpsesto de Gerald Thomas, polifonias, de para e supra-sentidos.
'nas espacializações de Bia Lessa, Enrique Diaz, nas mitologias de Nessas passagens contemporâneas, a atuação transita da interpre-
Antonio Araújo, no butô de Maura B aíocchí, na cena de Tunga, Arnaldo tação (naturalismo) àpeiformance: no Brasil, Beth Coelho é o emble-
Antunes, Livio Tragtenberg , naperformance de Beth Coelho, nas ima- ma desse processo em sua presença expressionlstaí.formalista, em seu
gens de Walter Silveira, Lucila Meirelles, Artur Omar, entre inúmeros histrionismo lúgubre. Na cena, a forma antecede o sentido~organiza-
exemplos. ção narrativa ancora-se na-:..s.i~_I!:i~_-a geografia cênica -'- em detri-
Nascendo no Contexto do pós-estruturalrsmo!" sob a égide da mento do constructo histórico-temporal, de natureza diacrônica: Robert
deaconstrução'é, essa cena assinala a contemplação do múltiplo, da Wilson, em sua poética cêníca, opera um tempo bergsoniano, da dura-
pluralidade em contraparte ao Iogisrno linear aristotélico-cartesiano, a ção, do cronas alongado, perpretando janêlâs:'moidiiias~'que corpori-
redução da solução psicológica. Incorpora-se o enlevo, a multiarte, as ficam espaci.alizaçõesm6rfico-psíquicas. _..:. \.~~ J ~ "'"
soluções da 'collage, o texto hierogrâmico de Antonin Artaud em bus- A nova-cena está ancorada em alternâncias de fluxos sêmicos e de
ca do teatro vivoX$ão referenciais nessa "babel" cognitiva a palavra' suportes, instalando o hipersigno teatral, da mutação, da desterritorialí-
fônica dos futuristas, a busca da arte pura - no eclipse de Malévitch, zação, da pulsação do híbrido: o teatro de Richard Foreman suporta-se
no castelo conceituaI de Marcel Duchamp, no projeto escultórico, tex- . no signo iridicial, das alusões, do rastro, das alternâncias corpo, voz,
tual de Joseph Beuys, na anti-Gesamtkunstwerk de Robert Wilson. sentido, imagem. ~ '\ ..
Cena que estabelece morph.os ao Zeitgeist contemporâneo , r - O contemporâneo contempla o múltiplo, a: fusão, a diluição ~!-:i~'
pareando-se às revoluções da ciência e da. linguagem: relativística, te-
oria do caos, fractalidade, quântica, criam novos log:is~os que Incor-
( gêneros: trágico, lírico, épico.'..dr.'iIl1átko? epifania,crue~daçl~~.par~· "tu "
'·~·diaconvivem na mesma c~J:l.li'. Bob Wilson, Thomas, Ennque Diaz ali- . ' - _~
......................poram.o .acaso, a descontinuidade, a assimetria, a complexidade, fe-o nham, sem medo, os diversos procedimentos cênico-narrativos. Em _.. -~
riôrneno em toda sua escala mediando o sujeito expressante no bojo da When We Deac: Awaken, Robert Wilson c~ns~ói um ato.em lin~ua-";j
cena. É o momento conjuntivo de Deleuze - do isso e aquilo, da cons- gern, bunraku,japonesa, passando em seguida a cena das Instalações, ~
trução rizomãtica 16 - , da visão cúbica, simultaneísta, da criação de ou- ao trágíco, ao suspense, ao lírico. _j
tro estatuto do real. Quanto ao contexto intrínseco, a operação teatral/parateatral ._ I
Nessa ordem, o contemporâneo - sob a aura da modernidade- no contemporâneo, alteram-se as relações clássicas de vozes e texto$,~j
~
marca as grandes passagens da cena, nas quais o texto alça-se à matrrciadores do espetáculo: axiomaticamente estão emjogo três vo- ."
hipertexto - matriz de enunciados, citações, tessituras do grande zes que agenciam texto, lugar e presença - a voz / texto autoral', apríó- J . I #••
palimpsesto memorial, Contempla-se, no hipertexto, a polifonia das rística, a v'oz do performer/exot: e a voz do encenador, organizador da '
vozes, autoral, das alteridades, do encenador, do p erforrner: Robert rnis e-eri-scên.e expressiva. No contemporâneo, a voz do erioenador,"
Wilson, Kantor, Thomas, Elisabeth LeCompte estabelecem construtos que geralmente é o criador, acumulando autoria - caso de Robert Wil-
contínuos e interferências dinâmicas na obna êm gestação/presentação. son, Tadeusz Kantor, Lee Breuer, entre tantos outros -, ganha pre-
O hipertexto, mediatizado e prismado p'or tecnologia (o vocoder, ponderância, priorizando-se o work in progress criativo, na incor-
as vozes of.{, as vídeo-instalações de Wilson e Wooster Group), ampli- poração de intensidades, polifonias, na hibridização dos textos da
fica e opacifica a recepção possibilitando as extensões corporais (por cultura. .
Insemina-se, de outro lado, uma quarta voz expressante- a voz do
13. Termo cunhado pelo grupo concretista Noigrandes (Augusto de Campos, receptor-autor - por vias da ínteratividade'", em que essa participação
Haroldo de Campos, Décio Pignatari),
14. Na linha de autores como Derrida, Deleuze, Guattarí, Virilío, da escola pós- cresce, interferindo, mediando e criando texto numa série de manifes-
estruturalista francesa. . tações. Essa entrada do receptor já era operada em inúmeras cenas da
15. Desconstrução enquanto veiculação dos "modelos de diferença", na dicotomia este-performance - Jonas Mekas'" realizavapeiformances em seu apar-
diferença e repetição, articulada pela escola pós-estruturalista francesa. Esses modelos tamento em que o público, convidado pelo Village Voice, tornava-se,
- derivados, particulares, relativistas - apontam leituras à complexidade contemporâ-
nea e estabelecem contraparte ao cânone estruturalista.
16. Rizoma: conceito axiomático da organização deleuziana em que proliferações 17.' As novas tecnologias com recursos como Web-Art e CD-Rom amplificam
pulsionais se inseminam, possibilitando Iinkagens entre pontos distintos e diversos, sem essas mediações.
organização hierárquica (ver Deleuze, Mil Platôs, São Paulo, Ed, 34, 1995, vol, 1-4.). 18. Citado em American Alternative Theater.
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t1" ,lO'
desavisadamente, protagonista do happening, à medida que saía do metteur-en-scene: 'São estruturadas as etapas da cena, a genex criativa,
elevador. com permeação de todos processos derivativos, permeativos.
Ao encenador-orquestrador da polifonia cênica, na operação dos Nessa pesquisa, atentamos para os procedimentos criativos da cena
f'luxos rntersemiõticos, de partituras de texto, imagem, corporeidades processual- que incluem a deriva, o irracionalismo, o displ.ay, a carto-
e suportes - e não ao dramaturgo --:, cabe a guia da cenacontemporâ- grafia, ajustaposição. Em grandes mediações do consciente e incons-
nea.. Encarna, nesse sentido, a função do "hornem total do teatro" pre- ciente, são recuperados experimentos paradigrnáticos das vanguardas
conizada pelo teatralista Edward Gordon Craíg!", e da arte-peiformance: a Merz-bau de Kurt Switters, as aliterações
Privilegia-se, na nova cena, o criador - em presença -, sua voz dadá, o conceitualismo, o corpo instalado, a alteração de contextos.
autoral, em que se acumulam as funções de direção, criação da textua- No estudo da têssítura espetacularsão focados os diversos proce-
lização de processo e Unkage da mise-en-scêne. Desloca-se na verda- dimentos que mediam a fusão de enunciantes na composição do texto
de, os prooedírneritos da performance, emque o crtador-atuante cênico: processos de sintaxe, montagem, mitologização, hibrídização,
partituriza seu corpo, sua emoção, subjetividade, suas relações com a semantização de conteúdos inseminando historicidade, alusão, paisa-
escala fenomenal, com o espaço, tempo, materiais, para a extensão gens mentais, narratividade.
grupal, a operação cênico-teatral. Certamente, no contemporâneo, essas operações criativas vazam
O embate, a operação e a perplexidade com essa cena das muta- e são atravessadas por outras linguagens exógenas à cena teatral. Vive-
ções - exercidos nas minhas montagens de O Espelho Vivo e Tempes- mos o momento do espalhamento da teatralidade e da atitude perfor-
tade e Ímpeto, além das performances e workshaps transitórios - bem mática,estendidos ã moda, à mídia, ao cotidiano, em permeação cons-
como ocontato com as operações de gênese criativa, direção, orienta- tante com um mundo espetacularízado-", desfronteirizado. "Q artista
ção de p erforrners me levaram a articular o trabalho a partir de dois contemporâneo imbui-se da missão de criar contexto e não·füã:i"s·rextõ;·············_··············
vetores pulsantes: primeiro, a nomeação de um operador, o work in obra"23.
prog ress'"; que define um campo expressivo, no qual se inclui o risco, Essas passagens consubstanciam, como foco temático, o segundo
a processualidade, a encampação da complexidade. vetor da pesquisa, qual seja, nortear o campo conjuntivo da cena con-
Organiza, também, as diversas operações cêriicas, processuais, que temporânea em suas modalidades, expressões e operações. Retorna-
incluem a recepção fenomenal, a gênese criativa, a direção dos mos, nessa ordem, discussões acerca do pós-moderno no teatro e seus
peiformers, a formatação do texto espetacular, a presentação e a poé- desdobramentos nos anos 90.
tica da recepção. Essas fases estão emanadas de mediação, significa- Na construção do topos cêrrico contemporâneo, estabelecemos a
ção, semantização. ---------.--.. linhagem e o diálogo direto com as produções das vanguardas, cuja
Particularmente, acrescento um outro operador - a operação do transmissão realiza-se com maestria na obra de contemporâneos corno
mythos - que vai dar corporeidade, mítificação.e enlevo à criação es- Pina Bausch, Robert Wilson, Tadeusz Kantor. Retornam-se procedi-
petacular. Estabelecendo arquês de contorno, mitologias pessoais ao mentos e estratégias do formalismo, do fonismo de Klhébnikov, da
p erforrner; o contato com o grande texto da cultura, inseminando me- arquiteturacoriceitual de Marcel Duchamp, do concretismo, da linha
mória e mito, a operação mitologizadora organiza o topos psíquico, irracionalista - o fator Chéval''", Artaud, a imanência de Grotowski.
sensório e paracognitivo do espetáculo, criando planos de imanência. Consubstancia-se, nesse contorno, urna escolha pelo terna da epifania,
E"ssa mitologização / ritualização é usual em uma série de expres- pela reavivação do tema do sublime, romântico, moderno.
sões contemporâneas, que vão da cena butô " ao parateatro de O período de observação e recolhimento de material de pesquisa
Grotowski, da cena antropológica de Barba e Peter Brook às incursões--:::- organizado num primeiro momento resultou em tese de doutoramento
pelo teatro das fontes, de cerimônias, intercultural. --- (ECAfUSP, 1994), nos anos de 1990-1994, quando se consolida a che-
O trabalho busca estabelecer, dessa forma, uma cartografia da gada de Gerald Thomas ao Brasil- marcando um apogeu da encena-
encenação e das gêneses criativas a partir do ponto de vista do criador-
22. Guy Débord (A Sociedade do Espetáculo), nos anos 60, anuncia um capita-
19. Em Da Arte ao Teatro; Lisboa, Arcádia, 1911. lismo totalitário que se publicita pela espetacularízação.
20. O termo corrente usado na literatura é work: in progress (trabalho em pro- 23. Roy Ascott, criador e pesquisador, coordenador do Centro de Arte e Tecnologia
gresso). Utilizamos, nesse livro, também a terminologia work inprocess incorporando (Caiia).
as noções de progresso temporal e processualidade. 24. Chéval, artista "bruto", constrói um castelo irregular ao longo de toda sua
21. Dança das trevas e das intensidades, idealizada pelo precursor Hishikata. vida (em Thévoz, L'Art brut, Genêve, Skíra, 1980).
h-
WORK IN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA INTRODUÇÃO XXXI
ção, do olhar estrangeiro - e, com produções do Sesc e Secretaria Es- J'erus a Pires Ferreira, Sílvia Fernandes, Arnaldo de Mello e Peter Pál
tadual de Cultura (SP), toma-se constante, entre nós, a presença -de Pelbart, para citar alguns. Ao suporte de Lúcia Santaella. De Gita
criadores e grupos como Pina Bausch, Fura deIs B aus, Robert Wilson, Guinsburg. As colaborações de Artur Matuck, Nando Ramos, Silvana
Sankai .Juku, entre inúmeros outros, culminando com a volta de Garcia, Lali Krotozinski, Sérgio Penna, Renata Puliti e Lúcio Agra. À
Grotowski ao Brasil. Miriam Palma, pela revisão atenciosa.
Consolidava-se, também, à formação de um teatro autoral, de E, intensamente, aos p erforrners, navegadores, companheiros de
encenadores-criadores, aglutinando p erformers e artistas de diversas jornadas, Sérgio Farias, Lali Krotozinski, Carlos Martins, Meire Nestor,
mfdías, que, corn o suporte e guia do produtor Yacov Sarkovas, foram Fernando Lee, Maurício Ferrazza, João Andreazzt, J'utilde Medeiros,
agrupados em eventos que resultaram nas primeiras edições do Festi- Soraia Sabino, Mariela Nobel, Eric Novinski, Lorena Nobel, Andrea
val de Teatro de Curitíba, Apresentaram-se nas primeiras edições gru- Araújo, Cacá Diniz, entre inúmeros outros aqui não citados. Aos ami-
pos como o XPTO, trabalhos de Bia Lessa, Gerald Thomas, Enrique gos Eliane Marx, Gil Pínguermann, Albert, Ludmilla, Edilene, Cami,
Diaz, Antonio Araújo, Beth Lopes, além da reafirmação do poderoso Rosane, Paula, Consuelo, Vera, Beth, Isa K., Sandra, Mara. Aos Cohen.
José Celso Martinez Correa. Participei como encenador da segunda
e;dição do Festival com o espetáculo Sturm undDrang (Tempestade e
Impeto), work inprogress sobre temas românticos e búdicos.
Como produção subseqüente realizei o espetáculo multimídia Vi-
tória sobre o Sol (1996) - prêmio Estímulo da Secretaria Estadual de
Cultura -, evento que foi apresentado posteriormente no Encontro In- .
ternacional de Arte e Tecnologia, promovido pelo Instituto Cultural
Itaú em 1997, com o nome de Máquina Futurista. Esta fase operativa
coincide com meu contato com o Programa de Semiótica da PUC-SP,
voltado para a investigação de novos processos cognitivos e o estudo
da complexidade na linguagem e na comunicação. Os novos mídia e
suportes tecnológicos apontam intersecções com a arte-peiformance,
viabilizando e amplificando a escritura do hipertexto e a realização de
trabalhos in progresso
Numa outra frente, em parceria com o diretor Sérgio Penna e o
músico Wilson Sukorski, realizei trabalho com pacientes do Hospital-
dia A Casa'", encenando, em 1997, a peça-happening U einzz - Viagem
à Babel. Curiosamente, essas frentes reúnem como projeto a mediação
com os dois grandes pólos contemporâneos: o ritual - desde a exten-
são da loucura - e a tecnologia.
Esse trabalho se tornou possível como suporte contínuo do CNPq.
Também tive o apoio institucional e afetivo dos colegas da Escola de
Comunicaçõe e Artes da USP' e do Programa de Comunicação e
Semiótica da PUC-SP.
Lembro, nesse momento, como homenagem, o nome de artistas
radicais, que inscreveram sua legenda, mortos no período da pesquisa:
Abbie Hoffrnan, Joseph Beuys, Kurt Cobain - in. a nirvanic dream - e
Tadeusz Kantor. Também o amigo e produtor Robison Ribeiros.
Agradeço a Jacó Guinsburg, orquestrador e orientador da pesqui-
sa, às inspirações de Miriam Schnaiderman, Reni Chaves Cardoso,
25. Sob a coordenação de Peter Pál Pelbart, Renata Puliti e Paula Fntncisquetti.
Now is the time to get away
1 and2
1 and2
TU be with you in just a minute
TU be with you in just a minute
T'Li be with you in just a minute
Oh helio that's just the call I was waiting for
(Oh helio thai's just the call I was waiting for)
CHRISTOPHER KNOWLES 1
Essa operação da prãxis" tem se configurado, no meu percurso de Esse trabalho foi acolhido com extrema surpresal" no cenário bra-
encenador, através de trabalhos mais formalizados, dos quais as mon- sileiro, tendo recebido o Prêmio Revelação do Ano (Inacen) e convites
tagens de Magritte - O Espelho Vivo (1986-1988), Sturm und Drang para participação em festivais no exterior.
(Tempestade e Ímpeto) (1990-1993) e Vitória Sobre o Sol (1996) são O maqutnismocíos p erformers'", o uso ao paroxismo do silent-
os mais significativos; de performances; happenings e vídeo-Instala- th.eatre, o trabalho pr'ooeasu al"? e, principalmente a narrativa não-
'ções --:-manifestações parateatrais? - realizadas, principalmente, no aristotélica suportada pelos climas de intensidade abstrata e fortemen-
âmbito de mostras, workshops, oficírias" e de observações, devaneios te arquetípicos, próprios do surrealismo (e exacerbados em Magritte,
(no sentido de Bachelard), impulsos, objetivações no entremeio entre Dali e De Chirico) provocaram intensa comoção da pfatéia'".
os contextos arte/vida". Parte do material dessa pesquisa - os contornos entre o teatro e a
Essa incisão em "realidades" concretas (preparação de espetáculos, p erforrnarice ; estudo da Gesamtkunstwerk (obra de arte total) - esta-
workshops, discursos) entremeia operações mais fechadas (cenas no con- beleceu escopo para o trabalho da dissertação de mestrado, que foi,
texto teatral), narrativas e rnanifestações com maior grau de liberdade e
-----·-..·..·..·esp·õntanei"crãde···(lnfiux:õs.TíblclIiiãis. ~ · · Gesta lts do instante, leitmotive 12. Nesse momento, recebendo influências da trajetória de Bob Wilson e seu
inconclusos) casos das performances, workshops - e, finalrnente, frag- trabalho com consciências limites (autistas, esquizofrênicos, surdos-rnudosj.i na Byrd
mentos, recortes, insights, observações sem finalidade ordenadora que Hoffman Foundation (ver Luis Roberto Galizia, op. cit.),
vão dar toda a tessitura e nutrimento do work iri process'", 13. Buscando urna cena que escapa ao formato do Teatro, umleitmotiv que acom-
panha todo meu percurso e que delineia o universo de contorno dessa pesquisa, trans-
Nessa trajetória, trava-se o "embate" da operação da prãxis, que
verso ao teatral instituído (caminhos da avant-garde; happenings, ritualizações, cena
busca respostas às questões intrínsecas à operação artística (teatral, rnultimfdia).
parateatral): questões de linguagem - problemas de representação/trans- 14. Também um work in. process (na época não havia essa clareza de linguagem)
posição, território, recepção; processos criativos, dados de repertório, formalizado, ap6s inúmeros percursos, escolhas, abandonos (rituais punks, surrealismo)
que desaguaram no repertório de Magritte.
questões de direção, contato comperformers e devires, manifestações
15. "O Espelho Vivo, urna colagem audaciosa sem precedentes no Brasil"
ainda sem corpo/contorno de configuração", (Vivien Lando, O Estado de S. Paulo, Caderno 2). "Para aqueles preocupados com os
desdobramentos da vanguarda, O Espelho Vivo, imperdível" (Edélcio Mostaço, Fo-
4. Olhar enquanto pulsação, cognição, sentimento, modelo, consciência. lha de S. Paulo, Ilustrada). "O Espelho Vivo foi a proposta mais arrojada do festival
5. Um logos não-cartesiano, gestáltico, ambivalente. [Festival Internacional do Porto)" (M. Espírito Santo, O Primeiro de Janeiro, Portu-
6. Essas operações são intercaladas: a justaposição e composição de cenas de- gal).
manda, no final, urna logicidade apolíuea, e certos influxos da escritura/teorização são 16. Trabalho em quarta parede: "solicita dos intérpretes urna pulsação específi-
comandados por inspirações, fluxos alógicos, emoções· gerativas. ca, gestos lentos, olhares abstraídos... evidencia seu mergulho no universo abissal"
7. Parateatral enquanto campo de manifestações pareadas, mas ideológica ou (Sebastião Millaré, Revista Artes). Ana Maria Amaral classifica, num extremo, essa
formalmente dissonantes com o topos teatral. atuação humana como teatro de bonecos (evocando as "sur-marionetes" de Gordon
8. Realizei um conjunto de oficinas nomeadas Aktion, seguindo os conceitos de Craig).
performance, processo e transmutação propostos por Joseph Beuys (Oficinas Três Rios, 17. Processual enquanto uso de espaço, enviromneru, A cena se desenvolve em
1990-1994). vários espaços (concretos e imaginários) com a platéia acompanhando os performers
9. Alguns trabalhos norteados por demandas externas (trabalho gurdjeffiano, ao longo de todo o Museu.
grupos de estudo), outros por pura subjetividade. 18. Público cativo, pessoas voltando todos os dias - fotografando, filmando, ten-
10. Alavancando os diversos leitmotive de vida e do trabalho criativo. Essa ope- tando "levar" algo da imaterialidade mágica do espetáculo. Nessa época Gerald Thomas
ração é gestada, em grande parte, em nível inconsciente, subliminar, daí a dimensão encenava Eletra com Creta, também uma narrativa derivativa com recepção intrigada
dessas ocorrências não-objetivas no trabalho do work in progresso da platéia. Trabalhos nessa mesma linha como os de Bob Wilson (The Life and Times of
11. Trabalho pr6prio da operação artística e, particularmente, da avant-garde Joseph Stalin, 1973), ou Victor Garcia (O Balcão), foram yistos urna década antes em
que busca forma e trânsito para conteúdos inconclusos. âmbito limitado dos festivais.
DO PERCURSO XXXVII
19. A Editora Perspectiva, sob a pauta de Jacó Guinsburg, tem ocupado lugar
primordial na publicação de trabalhos de linguagem e investigação cênica, trazendo a
público textos e ensaística raros sobre avant-garde, performarice e seus desdobramen-
tos contemporâneos.
20. Espetáculos Iirnites e, -ao mesmo tempo, transitórios: risco, radicalidade de
gesto, independência de público e crítica são componentes dessa manifestação que
teve seu apogeu na contracultura e permanece enquanto utopia de norteamento e de
difícil reprodução.L>
21. Impedimentos, viagens, passagens de nascimento e morte de familiares e
outros acontecimentos do curso humano. Hillman (Psicologia Arquettpica, 1988) co-
1
: loca a metáfora da alma corno guia nos Leitmotive; da vida {num percurso, propositada-
mente, cerceado por repetições e vicissitudes).
Magritte. o Espelho Vivo. Direção Renato Cohen; Performer: Meire Nestor, MAC/
i 22. Trabalhos de atenção de Gurdjieff, contato com taofsmo e budismo tibetano,
SP, 1987. Foto: VIDa Essinger,
I práticas marciais.
I·
23. Ver desenvolvimento no cap. 5 .
.1
WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA
24. Uma ingênua pauta da Folha de S. Paulo (Ilustrada, mai. 1991) aponta a
finitude da drarnaturgia, como causa da crise e supremacia do "teatro de imagem".
Dramaturgos respondem contra diretores: Eduardo Du6 ("Golpe dos Diretores Termina
com Volta aos Clãssícos"): "Há uma debandada sintomática e oportuna [ ] agora se
desfazem dos festejados textos fragmentados e da aventura pós-moderna [ ] s6 ficou
faltando uma mea culpa de alguns diretores-autores... " O que se assiste, como conse-
qüência dessa polêrnica, é uma seqüência de editais voltados à produção dramatúrgica
e urna massiva reencenação de Shakespeare e Nelson Rodrigues, com precária contri-
buição ao phatos contemporâneo.
25. Numa trajet6ria de volta às fontes. Ver desenvolvimento no cap. 3.
26. Como desdobramento, procuro urna sistematização do trabalho de atuação, cria-
ção, recepção - dentro desse universo operativo -formulado através das oficinas Aktion.
27. Adoto essa terminologia oriunda da ciência e, nas artes, utilizada prioritaria-
mente na literatura e nas artes plásticas. Autores como Heuvel (Perforrning Drama/
Dramatizing Performartce ; Michigan, The University ofMichigan Press, 1991), abor-
dando a cena contemporânea, fazem um recorte enquanto "teatro da Avant-Garde -
anos 80/90" ou "cena pós-moderna", Optei por enfatizar a genealogia dessas criações
apoiadas no processo, na permeação, no risco, no devir.
28. Recepção enquanto captação de fenômenos primeiros (emissões da vida, emis-
sões culturais, artifícios). Essaabordagem é fenomenol6gica e interessa-nos o processo
pelo qual a recepção/captação - pelo viés artístico, transverso - traduz-se em obra (ver
desenvolvimento no cap. 2).
XL WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA DO PERCURSO XLI
De outro, nessa pesquisa, percorremos o leitmotiv do estranhamento encenações do teatro antropológico (A Conferência dos Pássaros, di-
partindo de um simples Urnh.eimlichi" em O Espelho Vivo - Projeto rigido por Jean Pierre Kaletrianos em 1992)36 e realizações de Gro-
Magritte para, agora, confluir em significações mais profundas, na busca towski,em contrapartida a afasta de obras muito mais próximas da
de sentidos ocultos, de desdobramentos, na incursão ao território do linguagem operativa e da formulação.contemporâneas 37 •
numinoso, das epífarriasê'', Essas polaridades de Iinguagem/sentído'" apontam para a busca
Configura-se, assim, uma segunda vertente do trabalho que, de de ambivalência, de urna cena contemporânea ao Zeitgeíst da
certa forma, busca sentido, ínteríorídade'" nas linguagens consteladas. modernidade.
O estudo tematiza a questão do "irracionalismo", operado através A cena que resulta desse dialogismo é propositadarnente
de processos subliminares de captação e formalização que constroem assimétrica, esquerdaê", estranha: a atuação rnaquínica (O Espelho Vivo,
urna "oena de destocamento'Pê-cc.. trabalhos de Richard Forernan), o texto autista (colaboração de
Estabelece-se, dessa forma, urna dialétíca que, de um lado, apro- Christopher Knowles a Bob Wilson), a drarnaturgia apoiada no ar-
xima o recorte de objetose- pela linguagem, pelo aspecto formal - a caísrno, cujo sentido é dado pelo sonorismo (grego e latim em Serban),
trabalhos de encenadores contemporâneos como Robert Wilson, as Interpretações bizarras e próximas ao grotesco (cenas butô, mastur-
Richard Foreman, o Wooster Group, Mabou Mtnes'". bações abstratas em The Crash and Flash Days) e inúmeros outros
Numa outra via, do sentido do opusê", agrupam-se uma série de exemplos..
trabalhos e manifestações tão diversas corno o teatro antropológico de Assimetrisrnoque percorre, pela exarcerbação, a busca de um
Grotowski, Barba e Peter Brook'", cenas expressionistas (a dança reequilíbrio, o resgate de urna ambivalência razão/desrazão, legitimando
extãtíca de Dalcroze e Mary Wigman), rituais étnicos, concretizações o campo da pulsionalidade, das irrupções do inconsciente (nas falas
............... ·d;;··b~tô,entre inúmeros exemplos. disformes, nos gestos avessos mas veristas), do território obscuro cla············_·_·_······
Essa "dí alética" - entre forma/linguagem e conteúdo - cria alguns. subjetividade'",
paradoxos porque, na medida em que aproxima a pertinência da obser-
vação de trabalhos como O Mahabharata, de Peter Brook, de certas
•
We were really getting the message of the media that
society may be nothing but a scenery after all with total
theatre at the living end [ ••.)
'" • • . . • . • . . . . . • _ _ . _• . . _ • • . . . . • • • • • •u ..••_ __ •••••.•••••••... _ _ .
HERBERT IlLAU 1
~
1 ' ngU agem .
" uso de linhas de força (leitmotive criativos, narrativas) de "irra-
c ona; idade'P, a Incorporação do acaso/sincronicidade, são operações
i
I
1
4' WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA
boratõríos, situações cotidianas), contextos ulteriores ao contexto ar- que se tece é a do textoespetacular, matriz de sonoridades, paisagens
tístico ("cena da vida", "cena da mídia"), até expressões híbridas, fron- visuais, passagens e intensidades performatizadas.
teiras (p erforrnances, manifestos, intervenções) e, finalm.ente, a cena Por üttimo, interessa-nos examinar certas questões intrínsecas ao
teatral contemporânea. fazer artístico contemporâneo a partir de nossas duas frentes operativas
Nesse quadro, interessa enquanto objeto a observação de opera- - o work in process enquanto linguagem. e o mythos enquanto preen-
ções cênicas consonantes com um. Zeitgeist contemporâneoê" e com. clrirnerito de significação.
paradigmas emergentes (teoria do caos, fractais, relativfstíca, neuro- Otávio Frias Filho, em; seu artigo "Thomas Encontra a Esfinge da
linguística, Gestalt, transpessoal) da ciência e das áreas de linguagem. Narratíva'v", 'coloca, a partir da recepção de Unglauber, da trilogia
Urna cena cuja característica é o não-uso de dramaturgia, a incor- B.E.S. T.A. de Gerald Thomas (o mais emblemãtíco encenador brasilei-
poração de ocorrências, o uso de narrativas disjuntivas, a ambigüidade ro em. termos de materialização, em obra, desta trajetória), a questão
do espaço/tempo da representação, a apropriação do paradoxismo e de do sentido ausente, como modus operandi dessa construção: "Um dos
outras relações com. a recepção. fundamentos da arte moderna é desmanchar o paralelismo entre senti-
O "teatro de imagens" de Bob Wilson, a construção rnirrírnal de do e representação".
Samuel Beckett, as narrativas simultâneas do teatro de Gerald Thomas ~ cena do Zeitgeist contem.porâneo quer, antes de um. rnero "des-
e Richard Foreman, as p erforrnances gerativas de Joseph Beuys e todo m~he" dadaísta, a busca de parassentidos, de paralogismos, cum-
um universo do qual podem ser mencionados Pina Bausch, Robert prindo o enunciado surrealista de supra-realidades, procurando senti-
Lepage, no Brasil certos trabalhos de Bía Lessa, rnontagens emergentes dos e significações que extrapolem a verossimilhança conhecida.
corno A Bau a Qu, de Enrique Diaz, Viagem ao Centro da Terra (O Tú- O silêncio, os ruídos e as varreduras do acontecim.ento presentes
- ---- n~i)·~··de·Ric·ãrdõ·"Kãi.õiãü·e·Ô·táviõ"bonasci, O Livro dos Mortos de Alice, nas óperas de John Cage não são partituras nonsense, e sim. focos no
de Maura B aiocchí, são alguns dos inúmeros exemplos dessa construção'", instante-presente e legitimação do "espaço de.vida" ·enquanto objeto
No recorte de objetos estamos considerando enquanto cena con- artístico.
temporãnea'" expressões dos anos 80 e 90 e certas encenações,perfor- Inúmeros outros exemplos e, particularmente, as textualízações-
mances e expressões anteriores, ressonantes com. essa construção. storyboards do work in. process apontam para novas sintaxes cênicas
Pelos exemplos citados, fica claro que o foco de interesse está em. que, antes de obliterar o sentídoê'', buscam. alcançar novas semânticas.
montagens em.anadas a partir de um criador-encenador - Bob Wilson,
Richard Foreman, Pina B ausch, Elizabeth L~ Compte (Wooster Group),
entre outros - ou de criadores-peiformers - Vito Acconci, Joseph Beuys,
Laurie Anderson,
As operações do work in progress não estão centradas em drama-
turgia e a inserção de texto, quando se dá, ocorre através da presença
de um Dramaturg - redator, escritor do processo'". A grande escritura
24. Uma das teses dessa pesquisa é que a "cena do work ln progress" configura
o Zeltgelst contemporâneo (ver cap. 5).
25. Encenações que têm em comum, além da forma contemporânea de
formalização, o uso do work in process enquanto operação criativa.
26. Trabalhos de scholars americanos como os de Birringer (Theater, Theory,
Post-Modernism, Btoomlrigton, Indiana University Press, 1991) e Heuve1 (Performing
Drama, Dramating Perfo rmaru:e, Michigan, The University ofMichigan Press, 1991)
têm também associado o termo teatro contemporâneo a um recorte semelhante ao meu
e que inclui encenações de linguagem, artes de fronteira e artisticidade em outras mídias.
Essa classificação estabelece uma distinção com as operações cênicas modernas, oriundas 1989, que descreve a inter-relação do dramaturg no trabalho de Pina Bausch). Samuel
de drarnaturgia - Brecht, Pirandello, Garcia Lorca, entre outros - geralmente agrupa- Beckett e, contemporaneamente, Helrier Müller são duas exceções a essa regra, em que
dos sob o termo "teatro moderno". a textualidade desponta como força-motriz da criação-encenação.
27. O D'ramaturg, um dramaturgo de processo, de incisões, muitas vezes tem 28. Folha de S. Paulo, Caderno Mais!, 27.fev.1994.
função acessória ao encenador; não ocupando a centralidade do dramaturgo, ver Raimund 29. Símbolo, função ãtírna da significação, é etimologicamente nomeado em ale-
Hoghe, Bandonéon - Em que o Tango Pode Ser Bom para Tudo?, São Paulo, Attar, mão como a união do sentido (Sinn) com a imagem, representação (Bild) (ver cap. 4).
Quando, em 1913, em minha tentativa desesperada
de livrar a arte do peso inútil do objeto, busquei refúgio
naforma do quadrado e expus um quadro que não re- '.
Z~~~~iª;.;;;~:·t.~q·~;;~:;/~~:;i;;;;;~~ª;;;~··~f:r.:-:~:ft= '=
co: estamos num deserto, diante de nós há um quadrado "J
preto de fundo branco •.. o quadrado que eu expus não d
era um quadrado vazio, mas a sensibilidade da ausên- '1
cia de objeto [...J Por suprematismo entendo a supre- j
macia da pura sensibilidade na arte! ~
KASIMIR MALÉVITCHl"~
violadora da gramática e do léxico, visionária, de outras relações com própria. Krutchônikh e Khlébnikov, buscando a sonoridade, a aliteração
o fenômeno. do significante, a comunicação dírera" apresentam o novo caminho
Movimento este que resgata a arte pu'lsativa'', o comportamento poético, do léxico moderno.
desregrado dos românticos e a total equiparação entre os estatutos da O fragmento poético lnmortalidade (Bezsmiertie), de Alexei
vida e da arte (levados às ultimas conseqüências por Vladimir Kr-utchôrrikh", dá uma dimensão dessa criação:
Maiakóvski).
A poética transgressiva de Khlébnikov - talvez um dos precurso- BEZSMIERTIE INMORTALIDADE
res do concretismo -, as aliterações e sonoridades buscadas por MTZEKH
Krutchônikh, a música atonal de Matyuchin, a cenografia não-rnimética KHITZI
de Malévitch e, posteriormente, Popova, Rodshenko e, principalmen- MUKH
te, as concretizações cênicas de Maiakóvski e de Vieto ry Over the Sun/ TZL
Vitória Sopre o Sol,<;le Krutchôníkh-Malévitch", indicam o novo cami- LAM
MA
nho da cena dapoiesis. TZKE
Esse universo da poética gerativa - próprio da cena contemporâ-
nea do work: in proeess - tem outras formalizações importantes na cena 1917
KRUTCHÓNIKH (Trad. Augusto de Campos)
dadá, nas deformações expressionistas (principalmente com Kokoshka)
e no seu ponto culminante, o surrealismo", O trecho que segue é o prólogo, criado por Khlébnikov, de Vietory
Esse percurso se completa - no âmbito da contracultura - com as Over the SUn - Vitória sobre o Sol:
manifestações contemporâneas do happening e da performance; em •••••• - •••••••• _ . _ . _ . - _ _ o ••••••••••••••
que trabalhos como os de Allan Kaprow, Joseph Beuys, Chris Burden, Victory Over the Sun (Prõlogojê?
entre outros, inseminam uma nova concretização cêníca", ... People! Those who are bom but have not yet died.
O transporte não-mimético na cena .da poiesis é obtido por três Hurry up into contemplation (rn.) or contemplation (f.)
vias: na cena da abstração'' - dimensionada de forma visionária no FUTURELANDMAN:
movimento suprematista; por via da deformação -, transporte distorcido Contemplation (f.) wi11lead you
Contemplationness (m.) is strongleader,
da cena primeira? e pela via da recriação e instauração de uma poética
2. Uma criação sem intermediação preponderante do logos, idéia esta que vai 8. ·Krutchônikh propõe um teatro transmental (o teatro Zaum).
inspirar, posteriormente, o "fluxo automático" dos surrealistas. Reni Chaves Cardoso 9. Transcrevemos as observações do tradutor Augusto de Campos: "No origi-
(em conversação) enfatiza a oralidade da cultura russa e a tardia codificação lingüística nal, Krutchônikh grafa idiossincraticamente a palavra BESMIÉRTIE (imortalidade)
enquanto campo de gestação dessa poética transversa à gramática. como BEZSMIÉRTIE, evidenciando nela a preposição BEZ (sem). Daí a grafia peculi-
3. Vit6ria Sobre o Sol é o libreto que lança o movimento cubo-futurista russo. ar do título em português: lN + MORTALIDADE. A primeira linha do poema, de som
Participam dessa construção os poetas zaumnic, Khlébnikov e Krutchônikh, o músico estranho em russo, lembra certos nomes georgianos, como Mtzíri (asceta, ermitão, ou
Matiuchin e o multiartista Kasimir Malévitch. noviço), que é o título de um poema famoso de M. I. Lérmontov; tzekh significa ofici-
4. Nossa abordagem - da criação pelo work in process - não tem carãter diacrônico, na. Na terceira linha, MUKH é o genitivo plural de MUKHA{mosca). Na quinta, LAM,
historicista. A aproximação é basicamente sincrônica e destacamos um recorte de aconte- agregada à silaba seguinte, MA, pode lembrar as palavras LAMPA (lâmpada) ou LAMA
cimentos substanciais. Dessa forma, é também extremamente relevante - ao work in (lama, no sentido de sacerdote budista). (Em Poesia Russa Contemporânea.)
process - a produção artística oriental, apoiada no caligrama e no encontro de antinomias 10. Traduções, do russo, de Ewa Bartos e Victoria Kirby. A marcação (m.-f.)
(ver Haroldo de Campos, Ideograma - Lâgica, Poesia, Linguagem, São Paulo, Cultrixl refere-se ao desdobramento, na língua russa, aproveitados por Khlébnikov das formas
Edusp, 1977). A produção surrealista tem destaque nesse recorte pelo seu aspecto utopista, de gênero masculino, feminino e neutro. Tradução livre (texto apresentado na monta-
transcendente (com aspiração à epifania), ao contrário da paródia daelá. gem Vit6ria Sobre o Sol. Direção de Renato Cohen, Grupo Orlando Furioso, 1996, Cen-
5. Uma cena primeira, plena de risco, imprevisibilidade, "desarrlarrada" dos axio- tro Cultural São Paulo): "Para aqueles que estão vivos e ainda não morreram / Alegrai-
mas teatrais da representação/convenção (ver Renato Cohen, Performance como Lin- vos em contemplação / A contemplação vai levá-lo / Contemplação é uma forte guia /
guagem, EdusplPerspectiva, 1989). Can-tores, passan-tes, fala-dores / Uma fala irá chamá-los, passo celestial de algum
6. Buscando a pura sensibilidade, com influências (segundo Reni Cardoso) da lugarlugar. // Tempos passados te dirão quem você foi no passado / viven-tes que você
filosofia esotérica de Blavatsky (teosofia) e Ouspenski, então à procura da quarta di- é, seres que / poderia ter sido. Pouco-os amanhã e amanhã - vão te dizer o que você virá
mensão e da comunicação telepática. a ser / Nunca vai passar como um sonho tranquilo, os imaginadores vão te dizer com
7. Os personagens em Vladimir Maiakõvsky --' Uma Tragédia são "homem sem seu sno / zno: Contemplação é a língua, seja um ouvidor, grande contemplador e olhe
uma perna", "mulher gtgantesca", "mulher com uma Iãgríma".. em volta!"
12' VVORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA
Past-tirners wiU teU you who you sometimes were in the past
Líve-ers who you are, be-ers who you would have been.
Little-ers tomorrow (rn.) - tomorrow (f.) will lead you who you are goíng to be,
Never will pass by like a quiet dream.
There wiU be sometirners and imaginators with them sno and zno
contemplation is stongleader
11. Tradução livre: "Existir é estar existindo / Uma configuração flutuante, uma
primeira vista, um horizonte, uma linha de fuga / para usar a terminologia gestalt /
Vendo sem olhar / Não saber é o pré-requisito para se conhecer / de outra forma / Antes
de ser consumido / o ouro deve ser purificadoZ e 'fortalecido' pelo mercúrio".
12. O termo "parateatral" é utilizado, preliminarmente, por Grotowski (ver Richard
Mennen, "Grotowski's Paratheatrical Projects", The Drama. Review 19(4), 1975).
13. Como universo parateatral classificamos manifestações que preenchem os
axiomas teatrais (acontecimento, ao vivo, para público) e que não alcançam (campo Mary Wigrnan, Kreis-Dreieck-Chaos (Círculo-Triângulo-Caos), Dresden,
para) todos os corolários da representação/convenção. Alemanha, 1920-1929.
"...
14 WORK lN PROGRESSNA CENA CONTEMPORÂNEA PARATEATRALIDADE I SINCRONIAS I A VIA DA AVANT-GARDE.•• 15
Grotowski, na sua fase mais recente':', propõe a eliminação da atua- o percurso de Grotowski, a exemplo de Pe.ter Brook (teatro
ção cênica e, conseqüentemente, da presença do público: intercultural), de Eugenio Barba, de certas concretizações na arte-
performance - as criações/mutações de Joseph Beuys de inspiração
We noted that when we eliminate certain blocks and obstacles what remains is antroposófica - e de experiências limites do happening - em contexto
what is roost elementary and roost simple - what exists between human beings when
próprio, distinto do teatral instituído -, reitera o percurso ontológico
they have a certain confidence between each otiier and when they 100k for the
understanding that goes beyond the understanding of words . do rito cêníco!? na aproximação e representação da fenomenologia e
Precisely as that point one does not perform anymore . do encantamento imanente, muitas vezes perdido e banalizado na cena
[...] one day we found it necessary to elirninate lhe notion of theatre (an actor in cotidiana.
front of a spectator) and what remained was a notion of meeting - not a daily roeeting
and not a roeeting that took place by chance ... This kind of meeting cannot be realized
in one evening...
To re-evoke a very ancient form of art where ritual and artistic creation.were
searnless.
Where poetry was song, song was Incarrtation., movement was.dance..Pre-.
differentiation Art, if you will, which was extremely powerful in lhe Impact,
By touching that, wilhout concem for its philosofical or theological rnotivatíon,
each ofus could find his connection16 •
14. Ver Zbigniew Osinski, "Grotowski Blazes the Trails"": From Objective Drama
to Ritual Arts", The Drama Review, 35(1), 1991.
Tradução Livre: "Notamos que quando nós elirninamos certas estruturas e obstá-
culos o que permanece é aquilo que é mais elementar e simples - aquilo que existe
entre os seres humanos quando eles têm uma atitude confiante entre si e quando procu-
ram compreender o que está por trás do entendimento das palavras...Precisamente,
nesse ponto, não se deve continuar atuando... Um dia nós achamos necessário eliminar
a noção de teatro (um atol' em frente ao espectador) e o que permaneceu foi uma noção
de encontro - não o encontro cotidiano nem o encontro que se dá por acaso... Um
encontro desse tipo não pode ter sua amplitude percebida numa noite..."
15. Legenda clássica da alquirnía e cânone da Arte Antiga.
16. Em "Grotowski Blazes lhe Trails", op. cito Tradução livre: "Re-evocar uma
forma ancestral de arte, na qual a criação artística e o ritual tinham o mesmo sentidoJ'
Em que a poesia era canto, o canto era encantamento, o movimento era dança. Uma
arte pré-diferenciada, se você desejar, que era extremamente poderosa no seu impactoJ
No tocante a isto, sem entrar no' conceito de suas motivações filosóficas ou teológicas, 17. Paradoxalmente, por aspectos estruturais, a maior parte dessa concretização
cada um de nós pode descobrir sua conexão". cênica, a exemplo de Grotowski, encontra-se no âmbito da parateatralidade.
tr
riverrun, past Eve artd Adam s,
from swerve of shore to bend
of bay, bring us by a .•..
commodius vicus of recirculation -,-'t:~
back to Howth Castle and Environs..• 1
JAMES JOYCE, Finnegaris W a k e . . ,
o produto, na via do work in process, é Inteirarriente dependente fluem existência/obra, ocorrência que se externa plenamente, enquan-
do processo, sendo permeado pelo risco", pelas alternâncias dos cria- to linguagem, nas suas obras-monumento Ulisses e Fin.negans Wake.
dores e atuantes e, sobretudo, pelas vicissitudes do percurso", J O uso de narrativas superpostas, a exacerbação da jabberwocky
O conceito do work in. process tem sido aplicado na ciência (em (jagu adarte) de Carrol {palavras-imagens, palavras-valise, neologis-
experimentos retro-afimentantes), em procedimentos de linguagem e mos visuais), seus Leitm.otive anagramáticos estabelecem novo léxico
comunicação, em projeção de devires filosóficos e psicológicos e em do texto/imagem (storyboard) contemporâneo",
outras disciplinas que incorporam em seus modelos a temporalidade e Principalmente ao sobrepor arqueologias míticas, genealógicas,
as ocorrências do processo. com inserções de realidade, interregnos existenciais do cotidiano ba-
No universo artístico o termo é originário das artes plásticas, em nal, Joyce captura o élan-vital com mágicas transposições das mani-
que práticas como a instantaneidade da action. painting, as constru- festações epifâutcas". Sua tessitura encadeia-se no plano dos palimpses-
ções transitórias das assemblages, colZages e environments de certos tos, nos múltiplos níveis de narrativa.
artistas, as experiências conceituais-limites deperformers como Joseph No campo da cena, o procedimento work in process aparece, pre-
Beuys, Vito Acconci e Gina Pane, que exacerbam o cambiamento de liminarmente, em manifestaçÕeS.parateatrais, n,?ê... hqppeninge, nas
materiais e suportes - a alternância de contexto e de formas - e, sobre- p erforrnan.ces; nos rituais e acontecimentos.
tudo, o conceito de obra não acabada são paradigmáticas para a noção A característica transversa 10, underground, desse universo,
do work in.process, desvinculado, num primeiro momento, dos compromissos de recepção
Joseph Beuys, com seus conceitos de "escultura viva" e "obra em e dos valores da rnídia e, ao mesmo tempo, a ocorrência de urna incli-
criação/mutação", talvez tenha o percurso mais emblemático dentro
·····_-_·-··-cfes·sã···trãJet"ÓrTã···de··crla21.ores~··F·âJando
observa:
'sobre a noção de substância, r
.,
nação para a experimentação e as derivações de linguagem fizeram
deste campo o topos genealógico para a criação em work iri processo
Trabalhos. como os do p erformer ítalo-amerícano Vito Acconci,
que fez experiências de interação de campo, permeação de identidade
an object from the outer world, a solid material thing invested with energy ofa spiôtual
nature. You could call this substance, and it is the transformation of substance that is e alteração de consctêncla 11; United States I-IV de Laurie Anderson,
my concem in' art, rather than the traditional aesthetic understanding of beautiful cena multimídia sobre o cenário mental americano; e esculturas/pro-
appearances",
.>
•
WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA WORK lN PROCESS COMO LINGUAGEM... 21
e o Mabou Mines, de Nova York, criadores de linguagens de trânsito • Como processo'" implica iteratividade, penneação; risco, este
como Yvonne Rainier, Pina Bausch e Meredith Monk, utilizam-se, cada último próprio de o processo não se fechar enquanto produto final 17 •
qual a seu modo, desse procedimento. Estabelece-se, portanto, uma linguagem que se concretiza enquanto
No Brasil, o trabalho de Gerald Thomas!" é a demonstração rnais percurso/processo e; enquanto produto, obra gestada nesta trajetória.
clara de um work iri process em operação, seqüenciando-se através de Se, por um lado, o termo work in. process é associado a uma noção
seus vários espetãculos. Esse dispositivo gerador também é operado de obra inacabada'", aberta, por outro, estabelece, em relação ao con-
por B ia Lessa, Enrique Diaz, Livio Tragtemberg, Maura B aiocchi, en- ceito de obra aberta (Umberto Eco), corrente até os anos 70, uma clara
tre inúmeros criadores. ampliação de horizonte, investindo-se principalmente na idéia de
dinamicidade de aistema'".
O ~ênno work in progress tem aparecido com freqüência na fala
3.2. 1v:(UDANÇA DE PARADIGMAS: WORK lN PROCESS E A de artistas, e também na literatura, muitas vezes como sinônirno de
CENA CONTEMPORÂNEA processo Dentro desse conceito também está embutida a noção de obra
em feitura, de risco, de projeção ao longo do tempo/espaço'".
our feeling for beauty is inspired
Corno estamos enfatizando a noção de processo, com todas as
by the harmonious arrangement of
order and disorder as it occurs in implicações dessa terminologia, optamos por utilizar essa nomencla-
natural objects - in clouds, trees, tura acrescendo, em alguns momentos, as conotações positivas do ter-
mountain ranges, or snow crysta1s. mo progresso
The shape of all these are Em relação à cena processual, os novos paradigmas científicos pro-
dynarnica1 processes jelled into
põem outro olhar nas relações entre objeto e representação, redirnensio- '-o
transpessoal até às recentes organizações neurolingüísticas, aponta no- desse trânsito fremente de vetores pulsionais, desse topos "pluralétíco'>"
vos olhares para a captação do fenômeno e apreensão da realidade. e das "i.rrupçães chocantes da realidade'P", Contempla-se o múltiplo,
No universo artístico, a revolução daavant-garde caminha pareada a rede, o ponto de vista cubista em detrimento da linearidade.
com as novas descobertas, o fluxo automático dos surrealistas, o noveau- Nesse universo, caracterizado por narrativas simultâneas, pela in-
rornari com o discurso sombreado, interdito, permeado por fluxos de serção do elemento caos, da relativística e uso de recorrências, torna-
consciência e afloramentos do inconsciente22, a ocurrence art, incor- se referência primordial, além dos citados paradigmas científicos, a
porando acaso e indeterminação, sendo exemplos dessa reverberação. obra em colaboração de Deleuze e Guattari'", que em sua "esquizoanáli-
Na cena contemporânea, os procedimentos que operam com o uso da se" estabelecem linguagem de norteamento dentro dessa reterritoriliza-
ção de conceitos, narrativas e devires.
relativística, de narrativas superpostas e simultâneas, a incorporação
de texto/imagens e signagem subliminar, a possibilidade de legibilidade Conceitos corno os de "território", "agenciamento", «devir", «sin-
do fragrnentoê'' estão consonantes com os encadeamentos mentais de gularidade", "máquina", «fluxos", «rizoma" - todos eles dentro da gra-
nossa época e com aquilo que Beckett nomeia corno urna nova consciên- mática deleuzo-guattariana e que têm em comum a noção de dinâmica,
cia contemporãnea'". Estamos diante de urna nova epistemia, em que processo, reocupação de espaço físico, imaginário, mental- dão con-
tingência e abrangência teórica aos novos modelos e, particularmente,
«harmonia, balanço e proporção dão lugar a desarmonia e narrativas
ao modo de operar do work in. processo Explicitam, também, outros
sem significado fechado"25
Esse salto, que rompe paradigmas que remontam a Platão e modos narrativos que operam redes, fluxos pulsionais e seqüências
não-causais.
Aristóteles, estabelece urna segunda revolução na modernidade ou, se-
26 Nessa revolução imperativa da Iinguagerrr", buscam-se narrativas
gundo alguns autores, a passagem do moderno para o pós_modern0 •
Gadamer fala em "modelos fracos", localizados, com resolução que dêem conta deste'::Zeitgeist;"permeando'novas"ieituras"do'fenâme,-
no e sobretudo outra postura de criadores, atuantes e receptores.
para fenômenos particularizados (tanto sociais, quanto físicos), apori-
Trabalhos que vão desde a escritura disjuntiva de Samuel Beckett
tando o fim de construções unicistas (estruturalismo, marxismo, física
até as poéticas minimais subliminares de Robert Wilson; construções
gravitacional e quântica).
Baudrillard (Simulacres et Sim.ulatiori), Maffesoli, Derrida e ou- polissêmicas corno as do Wooster Group e do encenador Richard
tros filósofos da escola francesa põ s-estrutural'istaf", na égide.da "Di- Foreman são exemplos dessa aplicação.
A inserção do elemento caos na cena contemporânea elege o campo
ferença e Repetição", falam, cada um em sua disciplina, dessa «queda"
"irracionalista" corno campo de tráfego desses procedimentos que ope-
dos modelos generalizantes e das novas soluções operativas a partir
ram narrativas subliminares e outros níveis de captação da realidade.
22. Freud (A Interpretação dos Sonhos em Obras Completas, Rio de Janeiro,
O território "irracionalista", normalmente associado a esquerdas,
Imago, 1976), com sua descrição de procedimentos do inconsciente - Verdichtung assimetrias, loucura, estabelece um campo antípoda ao topos logocên-
(condensação), Verschiebung (desÍocamento), entre outros - continua sendo referência trico 32.
recorrente às revoluções da linguagem. Utilizo essa terminologia para estabelecer urna distinção de pro-
23. "Fragments have a special value today, because ali the coherent stories we used cessos racionalistas de concepção que operam numa logicidade
to tell ourselves to rnake sense of life have collapsed" (Reiner Müller, em Heuvel, op.
carteslana/mecanícistaê". Corno campo «irracionalista" estamos incluin-
cit.). Tradução livre: "Fragmentos hoje tem um valor especial, porque todas as histórias
coerentes que costumávamos· contar para dar sentido à vida entraram em colapso".
24. Contemporary conscfousness. Beckett coloca também a seguinte meta em 28. Os novos paradigmas, com a conseqüente revolução de linguagem, estabele-
sua obra: "recognition ofthe disorderliness, indeterminacy and processual nature ofthe cem um caminho de sup<?:ação à dialética hegeliana. Não dá para pensar em apenas
universe" em Performing Drama. Tradução livre: "reconhecimento da desordem, dois vetores, opostos, e sim numa multiplicidade de fatores contigenciais.
indeterminação e natureza processual do universo". Heuvcl (op. cit.), em sua brilhante 29. Michel Maffesoli (A Conquista do Presente, Rio de Janeiro, Graal, 1985)
fala que a realidade é a mais flagrante di lapidadora de modelos superados.
análise, fala de umafractal culture,
25. Tradução livre a partir de Heuvel, op. cito
30. Capitalisme et Schizophrénie: L'cuüi-oedipe,
26. Autores como Maffesoli, Suzi Gablik e a escola francesa apontam essa rup- 31. Marshall Berman (Tudo que é Sâlido Desmancha no Ar, São Paulo, Cia. das
tura em relação a axiomas modernistas. Rabermas ("Modernidade versus Pós- Letras, 1987) fala do caráter avassalador e implacável das revoluções da modernidade.
Modernidade", Arte em Revista, n , 7, 1983) e Jameson ("Postmodernism and 32. Gillo Dorfles, em Elogio da Desarmonia (Lisboa, Edições 70, 1986), fala em
espaços assimétricos que privilegiam o myth.os; território das potências imaginárias.
r Consumer Society", The Arui-Aesthetic, Washington, Bay Press, 1982), de linha mar-
33. Esse outro processo no campo cênico ocorre em todos os trabalhos que par-
xista, são céticos com essa passagem.
j
27. Win Mertens (American Minimal Music, London, Kahn Averill, 1983) fala tem de uma escolha apriorística de dramaturgia; posterior "trabalho de mesa" de des-
dobramento e compreensão do texto e construção dospersonagens,
·numa "filosofia libidinal".
bz
.. p
WORK lN PROGRESSNA CENA CONTEMPORÂNEA WORK lN PR O CESS COMO LINGUAGEM... 25
24
do tanto fluxos e processos primários (no sentido freudiano e também A figura do Shiva dançante, divindade da criação e da destruição,
na linguagem peírceana) de sensações, pulsões, extravasamentos quanto é emblemática do estado caótico e transitório das partículas'",
um espaço-tempo de pensar/sentir intuitivo, não-lógico, mas ao rnes-
mo tempo sincrônico com o universo, numa qualidade que as tradições
designam como acima do rnental ordinário (na tradição do budismo 3.3. PROCEDIMENTOS lVORK lN PROCESS: LElTMOTlV E
tibetano, estado que se traduz como Shuriiata; da mente desperta). CONSTRUÇÃO PELO ENVlRONMENT
Nesse' território "irracionalista", que possibilita outro nível de
IUergulho no universo anímico e olhares renovados da realidade, é fre- O trabalho do work: in p,rocess implica, em relação a outros proce-
qüente a recorrência a guias e a "transmutadores" de linguagem: dimentos, um aumento de graus de liberdade e incremento do nível de
• Bob Wilson penetra em mundos de cognições alteradas, traba- entropia.
lhando em colaboração com o autista Christopher Knowles e COIUsur- É próprio dos rnodelos, caóticos a observação de dois momentos:
um; primeiro, entrópico, e, um segundo, tendendo à organização ou,
dos-mudos em Deafinan Glance (1971).
• Robert Longo (artista plástico e p erformer) utiliza-se de sua pelos menos, à compreensão do rnodo de entropia.
A teoria do caos, apesar' do termo ser associado a situações
dislexia para perpetrar outras representações.
, • Joseph B euys, charnado de xamã das artes, volta de sua viagem derrisórias, irreversíveis, é, ao contrário, uma procura de ordem - na
transitória pelo espaço da morte3,4 com outro nível de consciência. busca através de modelos heurísticos, probabilísticos, da predição,
• O uso de hipnose em filmes de Werner Herz.og, as experiências inferição de fenômenos não-repetitivos, imprevisfveisê".
lisérgicas do Living Theatre e do Oficina, as experiências parateatrais Na cena, essa metáfora do caos está relacionada a rnodelos dinâ-
de Grotowski, incluindo guias haitianos de vodu, são outros exemplos micos de criação/textualrzação'", que implicam mutações /transições e
dessa participação35 .. . _ _.- _ _ - _ _- _.._ _ : .. pareamento de uma diversidade de variáveis (autoria, laboratórios,
Nesse abandono tardio do cartesianismo, o Ocidente tem uma VIa hibridização de fontes, recepção, recorrências).
'\i de nutrimento nas práticas do Oriente, que, por tradição, lidam com a A operação work in process, em sistemas entrópicos, está norteada
I
I
-:
noção de paradoxos e operam um pensar/devir sincrônico, muito mais
apropriitdo às novas realidades - da simultaneidade e multiplicidade
de eventos - do que o olhar diacrônico ocidentaL
é*6
por algumas âncoras: uma das primeiras referências no procedimento
da organização por leitmotiv, '
Y,.1>O termo leitmotiv é originário da música e literatura: uma primei-
Os koans nonsense zen-budista (nem todo paradoxo é para ser ra tradução possível seria vetor, dando conta dos diversos impulsos e
\\ 36 tracejamentos que compõem a narrativa'",
resolvido), o conceito hínduísta/budista demaya/lilla , a noção de tran-
II sitoriedade, impermanência, a escritura ideogramática (concentrada, Adotaremos a tradução "linha de força,,42, que acrescenta à idéia
iiti
ícônica, sintética) são exemplos de ferramentas ancestrais do Leste, vetorial um sentido de fisicalidade, próprio da teatralidade, em que a
r. que agora permeiam os novos modelos contemporâneos •
37 ação dos p erforrners em laboratórios/cenas interfere na construção do
,
~
storyboard.
A utilização de Leitrnativ; como estruturação, permite operar com
34. Beuys, enquanto piloto do exército nazista, teve seu avião abatido na Rússia redes, simultaneidades e o puzzle em que está se tecendo o roteiro/
oriental, estando entre a vida e a morte por vários dias, sendo salvo pelos tártaros (des-
storyboard: os leitmotive encadeiam confluências de significados, tanto
crito em Caroline Tisdal1, Joseph Beuys; op. cit.).
, 35. No cap. 4, aprofundamos a questão e debatemos os conceitos e possibili- manifestas quanto subliminares, compondo, através de seu desenho, a
dades da arte bruta (Thévoz) e arte do inconsciente (Nise da Silveira). No meu trabalho
prático tenho contado com a colaboração da artista sensitiva e visionária Cecília Flosi,
tradutora de estados singulares de consciência. 38. Fritjof Capra (Sabedoria lncomum) compara a metáfora sblvaísta de morte e
36. As manifestações fenomenais são encobertas pela cortina de maya, que dá. vida ao decaimento das partículas atôrnicas.
um caráter de irrealidade, de ilusão. Lilla se reporta ao jogo da vida, troca de máscaras, 39. James Gleick, em Chaos: Making a New Science (New York, Penguin Books,
1988) fala dos padrões desse novo modelo e seus campos de aplicação.
papéis, situações ("teatro da vida"). .
37. Desde a colaboração de John Cage com Suzuki (introdutor do zen na Améri- 40. Em terminologia nietzschiana, poder-se-ia falar num primeiro instante
ca), nos anos 40, introduzindo a arte paradoxal, gerativa (ocurrence art), passando dionisíaco, convergindo para o apolíneo (em termos da criação, não da atuação).
pelas action-painting de Pollock, influenciadaS pelo caligrama id~ogr:unático,~té mon- 41. Ternas recorrentes, que percorrem toda a narrativa.
tagens contemporâneas com incorporações do sufismo, do descquilfbrio da prática guer- 42. Todo o trabalho inicial do performer Vito Acconci baseia-se na teoria de
reira dos shaktria, das transitoriedades taoístas e inúmeros outros exemplos. campo de força de GoffmanJLewin.
b
26 WORK lN PROGRES,S NA CENA CONTEMPORÂNEA WORK lN PROCESS COMO LINGUAGEM... 27
partitura do espetáculo'", Muitas vezes, na recepção, os leitmotive ope- No processo criativo, a organização pelo environment consiste na
ram tensões conflitantes que criam'uma dialética dos sentidos. espacialização de conceitos, leitmotive e cenas: como se pode obser-
A rede de leitmotive é dinâmica e muitas vezes não totalmente var nostoryboard de Tempestade e Ímpeto (anexo 3), nomeamos espa-
consciente para o criador/guia/operador: o sistema lida com transições, ços imaginários (Human Consciousness, Encantata, Utopia) que
mutações e índices de passagem". aglutinam cenas/idéias que se desenrolam em espaços físicos distintos
Joyce, em Ulisses, apresenta guia para abertura de sua mandala (no Parque Modernista: caminho Pátio-Galpão, Bosque, Piscina).
criativa, para a recepção e, provavelmente, sua própria construçã~: O uso de signagem como referênciaIdiscurso damise-en-scene) é
Parte
outra característica do procedimento work in progresso
Episódio Cena Hora Arte Símbolo Técnica
Recorrendo a uma signagem que tem dimensão literal, simbólica
I. Telemaquia 1. Telêmaco A torre 8 Teologia Herdeiro Narrativa
e mitológica, a-cena persegue uma imagem/texto sintética, emocional,
3. Proteu A praia 11 Filologia Maré Monólogo
II. Odísséia 5. Lotófagos O banho
conotativa, próxima do conceito de gestus brechtiniano ou do signo/
10 Botânica Eucaristia Narcisismo
6. Hades O cemitério 11 Religião Zelador Incubismo
dança, mãe do teatro, imaginado por Artaud.
III. Nostos 18. Penélope Acama 2 Terra Monólogo . Privilegia-se a encenação - o texto cênico - em detrimento da
dramaturgia, com o texto literário passando a ocupar hierarquia
A imagem da mandala, labiríntica, infestada de significações não subliminar.
desveladas, é própria para a visualização da rede de leitmotive. Esse apoiona signagem", sintética, transitória - formalizado com
Uma segunda âncora para o procedimento work in process é a maestria por Robert Wilson, Gerald Thomas e outros criadores -, é
organização pelo environment /espacialização: a organização espacial consonante com o procedimento work in process dinâmico, caótico e
por territórios literais e imaginários substitui a organização tradicional antagônico às transposições dramaturgialcena, sistematizadas e exa-
- de narrativas temporais e causalidades. Opera-se, dessa forma, o cerbadas no naturalismo.
paradigma contemporâneo de substituir o tempo pelo espaço como
dimensão encadeadora.
Com privilégio da sincronia, em detrimento da tradição diacrônica, 3.4. CONSTRUÇÃO DE STORYBOARD: TEXTUALIZAÇÃO /
há d' deslocamento da organização logotemporal para a construção PROCESSOS / SIGNAGEM
mitológica, espacial",
Nessa cena processual", minimalista, são utilizados processos No procedimento work in' process o texto/imagem (storyboará)
gestálticos (fechamento pela imagem, superposição de cenas/efeitos, fi- vai ser composto a partir de emissões de vida, primeiridades, laborató-
gura-fundo e figura-frente) com introdução de cognições subliminares". rios, adaptação de textos, sinais e outras emissões que vão formar uma
43. Alguns leitmotive de condução em Tempestade e Ímpeto foram: o ânima fe- textualização viva",
minino (alma mate r), as transmutações homem/matéria/espírito, a hybris telúrica. Essa tessitura desenrola-se ao longo da criação e da encenação
44. "O processo criativo no work in process é angustiante, principalmente para a com sucessivas mutações: é próprio do modelo work in process,.de
equipe de performers que acompanha o diretor/criador, comparando-se o processo à natureza gerativa, evitar"a cristalização'".
travessia de um túnel: 'há ~nos vejo indo para o hotel de cara amarrotada de ansieda-
de ... - me ajuda a achar [..:] algum [...] fio condutor - [...] não é Deus que vai ajudar.
São eles mesmos. Mas só quando houver uma espécie de reprocessamento de dados na 48. Signo complexo imbuído de primeiridade (indiciaI), de iconicidade (cênica)
arte de ser ator: quando matarem a representação e adotarem a interpretação...' " (Gerald e de interpretantes (terceiridade peirceana). Signagem com referência significante e
Thomas, programa de O Império das Meias Verdades). sensitiva com o fenômeno (modelo da lingüística e estruturalismo).
45. Um espaço-tempo bergsoniano do instante não-acumulativo. Mitológico, por- 49. Esta é uma .questão central do happeninglperformance, que cria, enquanto
que se estabelecem constelações de significações sincrônicas. linguagem, uma série de situações - de risco, repetição, estranhamento, para subverter
46. A montagem de Tempestade e Ímpeto, a exemplo de Magritte - O Espelho o congelamento e a 'r epresentação.
Vivo (1987), de minha direção, desenrola-se ao longo de vários espaços, com o público 50. É importante destacar que o citado processo é muito distinto da "colagem",
seguindo a cena. Como encenação, essas montagens, no Brasil, foram pioneiras na que é uma construção de menor potência. Se na colagem teatral agrupam-se cenas
utilização dessa condução, retomando experiências realizadas nos anos 60 e 70 como por associação temática, imagética e até por número de personagens, na hibridização
O Balcão, de Victor Garcia (Festival Ruth Escobar). Utilizo o termo processual em busca-se o unívoco nas diferenças, cadeias de significações de um mesmo enunciado
relação ao avanço no espaço físico e de significações. ou digladiações de opostos pertinentes (por exemplo, em Sturm und Drang, aproxi-
47. Processos semelhantes são usados .~as práticas meditativas (mantras e técni- mações entre o espírito tempestuoso romântico e práticas shivaístas e o ritual kapálica
cas de atenção). - budista).
"lt. II
Como referência a-essa construção, o trabalho de Joyce, na litera- Trabalhando-se gestaltes superpostas, fechamento pela imagem,
tura, orquestrado de uma nova textualidade com hierarquias sobrepos- superposição de cenas-efeito, figura-fundo e figura-frente, com intro-
tas de narrativas (mítica, cotidiana, episódica), é paradigmático. dução de cognições subliminares, a montagem minimalista cria urna
Experiências da sound-poetry, a partitura-texto repleta de vacui- cena plural, e também "esquizóide", que aproxima-se daquilo que se
dades e ruídos de John Cage, as manifestações plástico-fônicas da nomeou "contemporary consciousness",
performance (cacofonias de Meredith Monk, não-texto de Allan Samuel Beckett, criador primeiro do texto-cena minimal, proces-
Kaprow) são também referências dessa textualização. Alguns procedi- sual e, ao mesmo tempo, fragmentado, disjuntivo, fala dessa nova cons-
ciência e de sua meta:
mentos são característicos do texto em processo:
~ibridização/inseminação/desconstrução - Procedimento que
rejecting entirely bourgeois theater with its cartesian psychological frames and quantified
indica a reconstrução de textos, citações, fragmentos, narrativas, esta- sense of time, space and perspective as well as its dependence on causality...55
belecendo hierarquias, redes de significações com vários planos de
leitura (literal, mítica, simbólica). Nessa cena, que busca, desesperadamente transcendência e sig-
No processo de hibridização/ressignificação, trabalha-se altera- nificações inomeáveis, Beckett aponta sua intenção: "displacing and
ção, deslocamento, fusão de textualidades5 1 , numa operação que en- deconstructing the drarnatic text and for positing the'f1'oW 'ofurrehained
volve dois momentos: um dionisíaco, de fluxo, corrente, caminho do signifiers as the primary power of theater"?",
inconsciente; e outro, apolfneo, criterioso, artesiano, de lapidação, es- Trecho da peça minimalista Not I, de Samuel Beckett:
colha52 •
Nessa "hibridizaç.ão_.cê.ni.Qi.l,~~
...P'.Y.~Ç.ª::.~§. ...ººD.!.~~.!ºf.§.~.gg!gg.~g~~.A<?s NOTl
universos cruzados: em Sturm. und Drang fizemos fusões entre a TINYlLlTTLE TRING
persona/personagem "Baal" (Brecht) e a figura mítica do deus-entida- OUT BElFORE ITS TIME
de Shiva5 3 • GOD FORi SAKEN HOLE
O trabalho de construção do texto processual (da linguagem work SPEECHLESS/ALL HER DAYS
in p-rocess) opera dentro de matrizes que visam a pluralidade, EVENITO HERSELF
ONCE ONI TWICE A YEAR
instantaneidade, sincronia. SUDDENIURGE TO TELL
A substituição da narrativa clássica - causal, díacrôníca - desloca
HALFTRElVOWELSWRONG
a organização temporal para urna organização espacial. A sincronia NOTRING/BUT THE LARKS 5 7
cria um sentido de atemporalidade que remete a todos os tempos, obra
aberta, urrivers al''". Buscando uma nova hermenêutica, o work iri process beckettiano
Na utilização de sincronias, narrativas superpostas, hierarquizadas, cria linguagem dramática e gera outros formatos de mise-eri-scên.e'",
repetitivas, a linguagem work iri p rocess tem no minimalismo urna ex- O texto-imagem resultante, típico do processo de híbrtdização'",
pressão consonante de suporte. cria um constructo minimal de dramas sintéticos que dão a dimensão
A técnica minimalista (repetitiva, serialista) originária do Oriente (lin- do universo beckettiano.
j guagem ideograrnática, sintética), tendo sido difundida através da música
(La Monte Young, Steve Reich, Philip Glass, entre outros), alcançou 55. Tradução livre: "rejeitar inteiramente o teatro burguês com suas molduras
psicológico-cartesianas e quantificado senso de tempo, espaço e perspectiva, bem como
posteriormente as artes plásticas (obra conccitual, metonírnica) e, a se-
.1 de uma dependência da causalidade".
guir, o universo cênico (composições 'de Bob Wilson, texto de Beckett). 56. Tradução livre: "deslocar e desconstruir o texto dramático para colocar o
fluxo de significadores libertos como o poder primário do teatro" (Heuvel, op. cit.).
57. Tradução livre (em colaboração com Edith Epstein): "Pequenina I coisinha I
51. Cada metáfora em Joyce é esculpida, retrabalhada, visando a sonoridade e o
là frente I de seu tempo II Intervalo I esquecido por Deus II Sempre em silêncio I todos
estranhamento necessários. os dias II Mesmo I para si própria II Uma ou duas vezes I ao ano II A urgência I de falar
52. Na scção 3.5.6 apresentamos, em detalhe, a utilização desses procedimentos
II Metade das I vogais errôneas II Somente I pândega".
em Stunn urid Drang. 58. Na montagem de Katastrophé (díreção de Rubens Rusche), marcante no ano
53. Beckett, em suas montagens, utiliza-se de cenários não-referenciais e uma
de 1990, Maria Alice Vergueiro, resumida numa imensa boca, Iluminada, vocifera flu-
organização espacial querernete a esse rnomentum, presente alongado, eternizado (ci-
xos de consciência, falas, impulsões, lamentos.
tado em Heuvel, Perfortnin.g Drama, op. cit.). . 59. Seguindo a estrutura do ideograma, em que dois contrários, criam um tercei-
54. Beckett fala de uma consciência esquizóide, autista (em Heuvel, op. cit.).
j b
II
30 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA WORK lN PROCESS COMO LINGUAGEM... 31
A cena híbrida, apoiada nessa signagem de superposições, resulta Inter-escrítura (co-criação, O texto mediado por tecnologia-
em construções complexas com várias hierarquias, abrindo múltiplos
níveis de Ieitura'", I gestam-se autorias simultâneas).
• Texto-ideograma (o texto palimpsesto, fusão de antinomias e
O texto-signo resultante, escultura lapidada de recortes precisa- I
I
camadas textuais).
mente escolhidos, vai dar indicação para construção do storyboard e,
• Texto-partitura/texto storyboard - inscrição do textoespetacu-
num momento posterior, vai se superpor à construção das biomecânicas
lar codificando deslocamentos, sonoridades, imagens, intensidades e
dos performers, às indicações do environrnent e outros elementos
estruturados da mise-en-scene (ver cap. 5). .
I sincronias. r
Na construção do storyboard algumas características do work in. • Escritura em processo: procedimento narrativo com autoria
process, enquanto procedimento criativo, são axiomáticas: difusa que incorpora acaso, deriva e sincronicidade.
• O work irt process implica a presença do encenador/autor/
roteirista - em geral a mesma pessoa - em todas as etapas da criação/
encenação. Essa participação se efetiva na condução de laboratórios, 3.5. UM MODELO DE WORK lN PROCESS: CRIAÇÃO E
na tecedura do storyboard' (texto/imagem/sentido) e na ampliação 'da ENC;ENAÇÃO DO ESPETÁCULO STURM UND DRANG
rede d~ -pe~quisas6!. (TEMPESTADE E iMPETO)
• O trabalho em processo não acontece somente no espaço-tem-
po anterior à apresentação, mas durante todo o curso do espetáculo e 3.5.1. Do Percurso
suas sucessivas apresentações, sendo conceítual, à semelhança de pro-
No período de 1990 a 1993 foi criado e encenado o espetáculo
cessos vitais, essa constante mutação. Isto não implica que o espetácu-
Sturm und Drang, experimentação cênica, que constituiu proposta de ,
lo, gestado em work in. process; seja um happening com improvisa-
aplicação prática da linguagem work inprocess, tema central--da·pes=.·--················J
ções a cada noite.
quisa. .1
• A cena work in progress é gestada pelo grupo de criação e pe-
los atores-peiformers a partir de impulsos da dire.ção, num processo O projeto de encenação, do qual participei como criador, díretor e
distinto da "criação coletiva", e experienciado em laboratório. encenador, contando também com a contribuição dos p erform.ers e
• O trabalho de atuação é conduzido em duas vias: uma sensí- outros colaboradores na parte técnica e conceitual, passou por inúme-
vel, intuitiva, vivencial - própria do campo artístico -, criação esta ras metamorfoses - próprio da linguagem work in. processo Foi apre-
que se dá por insights, gestos, imagens, frases, aforismos, estados de sentado publicamente, em forma embrionária, sob o título de Ekstasis,
vivência mítica, fluxos de consciência; e, uma segunda via, intelec- em forma finalizada, de dezembro ajulho de 1992, como Sturm und
tual, racional, relacional, que dá campo de referências/rede de associ- Drang, na Casa Modernista de São Paulo, e em março de 1993 no II
ações. Este processo é muitas vezes penoso, apresentando dificulda- Festival de Teatro Contemporâneo de Curitiba (ver matéria crítica e
des de visualização do todo, de fechamento das gestaltes, mas próprio documental em apêndice).
de situações vivas. O trabalhou compreendeu processos de criação, com a conceitua-
São portanto possíveis de enumerar os seguintes procedimentos ção e experimentação do work in. process e estudo de linguagens de
de escritura, sintaxe e narratividade na criação contemporânea: encenação. Empreendeu-se a composição do texto / sto ryb aard COIn
• Hipertexto e intertexto (fusão de enunciantes e códigos de lin- todas as transições do processo: trabalho de Dramaturg, envolvendo
guagem). adaptação, contextualização e transcriação de textos, poéticas e frag-
mentos .
.ro, ou estabelecem um diálogo entre si (ver Haroldo de Campos, Ideograma - Lógica, A criação/encenação compreendeu também a preparação dos
Poesia, Linguagem, São Paulo, CultrixlEdusp, 1977).
60. Signagem tfpica na cena de Gerald Thomas ou de Richard Foreman em que p erforrners, a pesquisa de linguagens de transposição (trabalho de jus-
seus "personagens-personas" evocam galerias de figuras e situações: "Harnlet"/"Édipo", taposição de rrifdi as, uso de estranhamento cênico, adaptação de
"Carmen"f"Eletra" e outros exemplos. Em Sturm und Drang a signagem masculina, rnitologemas, determinação de environmeni próprio) e análise da re-
por exemplo, é fusão de divindades (Baal, Shiva, homem búdico) e personagens cotidi-
anos ("Everyman", Lenhador, Bêbados).
61. No item 3.5. - a seguir - apresentamos um exemplo da construção de um
I cepção.
A pesquisa desdobrou-se, além dos experimentos de linguagem,
storyboard (processo criativo, transições, operação do work in process). As questões no estudo dos temas e práticas específicos de montagem (o Sturm. und
da atuação e da animação dessa linguagem são desenvolvidas no cap. 4. I Drang romântico, aspectos da filosofia búdica, danças extãtícas),
I
L
WORK lN PROCESS COMO LINGUAGEM... 33
3.5.2. Da Linguagem
I
sensória, mobilizada, e não apenas passiva.
I
original de cada cultura, utilizando alemão, inglês, sânscrito e símbolos mântricos.
63. Já realizado, parcialmente, na montagem anterior, O Espelho Vlvo - Projeto
Magritte (1986-1988). Ver documentação anexa.
64. Operamos um espaço/tempo polimorfo alterando a relação clássica palco-
platéia. A montagem foi encenada no Parque Modernista (São Paulo), utilizando o
bosque e a piscina como espaço da encenação.
65. Seguimos o conceito artaudiano de cena (no que tange às hierarquias e possi-
Tempestade e Impeto. Perfarrners: Henrique Stroeter e Mariela Nobel, Parque bilidades da cena), bem como referências de Gordon Craig (sur-marionetes), Appia
Modernista, São Paulo, 1991-1992. (espacialização) e Richard Wagner (obra de arte total).
WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA WORK lN PROCESS COMO LINGUAGEM... 35
Desenvolvem-se técnicas de atuação, encenação e recepção que, Bebendo fogo, vestindo-se de água, empunhando a clava do vento, respirando
através de recursos de estranhamento, possibilitem ampliação de cons- terra, sou o senhor dos três mundos'i'',
ciência dos atuantes e receptores do processo, incorporando práticas e
linguagens orientais (kempô, zen, Baratha. Natyan, Odissi) e recursos Resultando numa cena multirnídia, apoiou-se, dessa forma, numa
tríade:
de teatro ocidental (laboratórios, técnicas psicofísicas, câmera lenta,
trabalhos de pantomima, guignol). 1. o ideário romântico'", precursor da modernidade;
2. um campo de referências da cosmogonia budista e taoísta, que se
reportam a fontes ancestrais de conhecimento; e
3.5.3. O Sturm und Drang: Universo da Pesquisa 3. uma encenação/montagem minimalista, apoiada no work in. progress
com vistas a uma polifonia cênica incorporando recursos da
teatralidade, da dança expressiva, arte ritual, pantomima e uso de
o projeto Sturm un.d. Drang procurou resgatar alguns ideários aparatos tecnológicos.
que animaram o espírito romântico, entre eles a emergência das
potências irracionais e imaginárias, a busca do encantamento imanente,
o resgate do mundo natural e as digladiações caos/ordem, noite/ 3.5.4. Processos / Transições
dia, morte/vida, idéias e sentimentos, estes tão bem espelhados na Apresentamos, a seguir, a operação do work in. p rocess com um
própria nomeação nascente do movimento: Sturm und DranglTem- delineamento de fluxos, sincronicidades, laboratórios, transições, ali-
pestade e Ímpeto, que aglutina na Alemanha a primeira vertente do nhados em movimento coercitivo por multipllcidades áe leitmotive que
romantismo. . convergem, num momento seguinte, para a composição do storyboard-
Recompondo a trajetória de homens como Lenz, Buchner ~.~~!~~._.__ __ _ro.teir.o _ __ .
. e sua reverberação contemporânea em artistas como a dançarina Mary Uma sequência típica do work in process passa por impulsos, irna-
Wigman e o multiartista Joseph Beuys, o trabalho procura recuperar a gens referenciais, seguida de primeiros laboratórios com p erforrners;
problemática da Weltschmerz (dor do mundo) e a revolta romântica criadores. A partir desse ponto abrem-se novas referências, pesquisa,
contra o racionalismo e o "iluminismo" emergente, contra os nutrimento (textos, material temático, estudo de técnicas) e outra se-
inescrupulosos sistemas sociais em implantação e contra a própria arte, qüência de ensaios, operando sincronicidades e novas descobertas.
presa a rígidos padrões clássicos, apontando para uma vivência radical Finalmente, prossegue a exploração de alguns leitrnotive e posterior
que celebra um homem natural, ser emocional, cerebral e também ani- eliminação de outros.
mal, um homem, nas palavras de Nietszche, que se situa "acima do Um exemplo da seqUência de um único leitmoriv em Sturm und
bem e do mal". Drang foi: estudo de situações simbólicas de morte e renascimento,
O trabalho foi, antes de tudo, tendo como referência românticos laboratório livre com os p erform.ers que remeteu à busca de referên-
como Novalis, N erval e o pintor Friedrich, um internamento no territó- cias da cosmogonia búdica. Daí para frente, pesquisa da expressão
rio anímico, da ultra-sensibilidade, do eterno feminino, e uma visita a dramática (danças indianas Baratha Natyan e Odissi) e, finalmente,
estados de espírito e de consciência que os lampejos e o mergulho textualização-dramaturgia através de aforismos do Tao Te King e poe-
romântico apontaram e deixaram como legado. mas shivaístas'",
Numa outra vertente, que pretendeu delinear os contornos dos pro-
cessos de consciência, a pesquisa incorporou aspectos da filosofia 66. Chõgyam Trungpa, o Mito da Liberdade e o Caminho da Meditação, São
búdica trabalhando os conceitos deDharma (verdade) Maya/Lilla (ilu- Paulo, Cultrix, 1976.
são/jogo) e de mandala (configuração), resgatando práticas e referên- 67. A menção ao movimento romântico e a fontes budistas foi inspiratória,
referencial, sem preocupação historicista, documental. A montagem pretendeu ser
cias de fontes primordiais. atemporal e utilizou elementos do Baal de Bertolt Brecht, textos e referências do Tao Te
Retomando questões centrais do budismo, como aspectos da King, mudras budistas (tibetanos) e poemas shivaístas (mitologia hinduísta). Ver
temporalidade/transitoriedade, conformações corpo/alma, e atuando storyboard.
pela via shivaísta da destruição da ignorância, foram introduzidos ri- 68. Descrito a partir de minha experiência prática corno roteirista, diretor e
encenador. Trabalhos como os de Gerald Thomas ou Richard Foreman, identificados
tuais de encantamento e transmutação, tão bem traduzidos no aforisma
de fora e através de declarações como tipicamente work in process, seguem provavel-
do mestre tibetano Trungpa: mente outro percurso.
I.
WORK lN PROCESS COMO LINGUAGEM... 37
69. Estou usando o .conceíto budista de mente que inclui neste campo a mente/
emoção ocidental (ratio + psique).
70. Partimos das definições freudianas de inconsciente, observando a ressalva
laca:niana de que possivelmente esse movimento fantasmático/especular esteja na esfe-
ra do pré..consciente e não do recalque. Por último, consideramos a noção de Guattari,
de inconsciente enquanto processo, feitura, agenciamento e não depositário de material
psíquico, e o conceito junguiano de inconsciente enquanto porta, campo de
sincronicidades.
71. Essa operação é feita pelo criador/roteirista, que está, nesse processo, em
ligação "Irracioualv/intultiva com os perforrners e o grupo de criação que participam,
dessa forma, indiretamente da criação.
72. A minha organização como criador é especializada, imagética, iconográfica,
Mandala, campo de confi gurução, Fonte: Budismo tibetano.
compondo um pré..processo do storyboard (texto de imagens).
1\
"
38 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA
73. Normalmente, nas montagens, não trabalho este nível de decodificação, ape-
nas apresentando storyboards transitórios aos performers como visualização dos espa-
ços, perspectivas, intenção e caminho pulsante da cena.
74. Esse é o aspecto fundamental da linguagem work in process em relação a
outros processos: a possibilidade de alteração, eliminação, passagem de criações.
75. SeqUência apresentada de forma minimal e caótica segundo as ocorrências Work in Process: Signagem do Processo (Modus operandi dos fluxos).
do processo. Estão misturadas idéias, leitmotive, referências e transições.
'.
40 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA
Transiçao / Processo
Texto Nô
(Zeami)
A primavera se vai,
O vento passa comovendo
76. Em geral associo um leitmotiv a uma idéia. É nesse desenho que fica caracte-
rizada a operação do work in process, através do fluxo de leitmotive.
77. O texto nô assim como a utilização de recursos do teatro japonês foi posteri-
ormente abandonado. Os textos definitivos são apresentados no anexo 4. É importante Fluxo do leitmotiv (Sturm und. D'ran.g'):
ressaltar que essa transição foi fundamental para chegar-se ao resultado final.
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~ C/) tl -B .g [...]
E'-< .,;
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Oh lord of the meeting rivers.
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g Esses textos e alusões dão dimensão do trabalho do work in. process
em que o resultado advém de inúmeras transições e elirninações?".
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Z r Ressignificação
11
ÇQ
Baal
Quando do seio materno veio Shiva
O céujá era grande e pálido e calmo,
Jovem, belo, nu; um monstro-estranho céu, 3.6. WORK lN PROGRESS COMO LINGUAGEM
Como Shiva o amou quando nasceu.
E o céu em gozo e dor permanecia
Se partires um dia ao Guararavacã do Guaícuí, faz votos de que
Mas dormia Shiva beato, não o via
o caminho seja longo, repleto de aventuraS, repleto de saber.
Violeta noite, Shiva de porre, bêbado,
Nem Minotauros nem Medusas
de manhã, Shiva sóbrio, o céu, pêssego.
nem a escuridão te intimidem;...
Pelos bares, hospitais e catedrais,
Trota indiferente às coisas sociais.
Tem todo o tempo Guararavacã do Guaicuí82 na mente.
Vejam s6: mesmo cansado andando ao léu,
Faz votos que o Caminho seja longe
Shiva recolhe-se e, com ele, o céu. Estás predestinado a ali chegar
E em meio ao turbilhão dos pecadores Mas não apresses a viagem nunca...
Deitava e rolava Shiva tranqUilo e nu
E o céu, somente o céu, com suas cores,
Poderoso. a lhe cobrir o cu. Instaurando outras aproximações com a recepção do fenômeno e
com os processos de criação e representação, o procedimento work in
Nessa "ressignificação" operavam-se duas fusões: a construção process alcança a característica de linguagem, determinando uma rela-
de urna persona com traços humanos e divinos - já operada por Brecht, ção única de processo/produto.
com seu "dionísio..:trovador" - e a fusão das cosmogonias romântica e Caracterizando uma linguagem de risco, marcada pela vulnerabili-
búdica (Shiva - Baal). dade8 3 e também pelo mergulho e descoberta de novas significações'",
Em nível de laboratórios essa "ressignificação" resultou na incor- o work in process, enquanto produto criativo, estabelece através de
..._ _.poraçãe···da···densid-ade,·emanada do texto de Brecht (planta-baixa do seus anaforismas, da criação de novas sintaxes cênicas, uma nova
espetáculo), no uso de environment próprio (bosque, ver cap. 5) e na epistemée consonante com os paradigmas contemporâneos.
tradução do arquétipo do Deus-Shiva.
Hibridização
80. O resultado dessa operação não é visível para o espectador; a maior parte
dos encenadores (Geralcí Thomas, Richard Foreman, Elizabeth LaCompte, entre ou-
tros) procuram não deixar rastros dessa estrutura. Ao mesmo tempo, a cena emergen-
te tem signagem complexa com vários níveis de significação e possibilidades de re- 82. O "Guararavacã do Guaicuí"; hibridismo entre O bpginalftaca de Konstantinos
cepção. Kavafis e a obra de Guimarães Rosa. Texto-Guia da montagem work in process Viagem
81. Em Sturm und Drang; esse processo, de difícil descrição, consistiu najusta- ao Centro da Terra (Karman, Donasci),
posição dos conteúdos românticos - apresentados em texto por poemas de Novalis - 83. Gerald Thomas fala dessa condição em seu processo. O risco do work in
com temas e idéias do budismolhinduísmo (poemas shivaístas). Os performers foram process é também o de permanecer à margem dos mecanismos da rnídia.e do mercado
caracterizados e usaram uma expressão que se reportava, externamente, ao século XVIII de produção.
europeu. As figuras hinduístas foram apresentadas em aparições míticas, e' o tema bu- 84. "Flow producing aporias of infinishable forros". Em Heuvel, Performing
dista, de forma subliminar, em o.ff. Drama / Dramatizing Perforrnance, op. cit.•
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ANEXO 1
GERATIVE
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ANEXO 2 ANEXO 3
PROCESSOS/SINCRONICIDADE
STORYBOARD - STURM UND DRANG
(STURM UND DRANG)
+
PARTE I
STORYBOARDIROTEIRO HUMANCONSCIOUSNESS
PARTE I
PARTE II
PARTE III
marcação processual
iluminação (de cima) -
UTOPIA com colortran e finpares
,-, T ~
:~v,~ o,'
PAR'IEll Texto 1
ENCANTATA
Te-Mahamudra Upatesha
Olha para a natureza do mundo
Impermanente como uma miragem ou sonho
Nem mesmo a miragem ou sonho existem
Portanto, desenvolve a renúncia e abandona as atividades mundanas.
Renuncia aos servos e a família, medita isolado na floresta, em refúgios, em
lugares solitários
As coisas que criamos não têm essência, por isso, busca a essência do definitivo
Um facho dispersar a escuridão acumulada em milhares de kalpas,
Igualmente, a vivência de um instante de mente luminosa
Dissolver o véu das impurezas kármicas
Tenda (pano vermelho)
Iluminação interior - vermelha
(com spots)
,
i
I:
Texto 2
-r:ao Te King
li:
i Por natureza, a grande virtude
I
i Segue o caminho... e nada Além do caminho
(
Qual é o caminho do mundo das coisas?
!:p Uma ilusão evanescente
li
I'
Uma ilusão evanescente
Mas na qual se encontram coisas
iI Urna miragem crepuscular
Mas habitada por essências
Sim, por essências reais
E por s6lidas promessas
·····~
······················7················ ....··..
arquibancadas Estrelas claras seremos.
Original:
Hinüber WalLieh, undjede pein wird eirist in
Stachel.
Der wollust seyn.
Noch wening zeiten,
So bin icli los,
Und liege trunken
Der Iieb ' in schoob.
Unendliehes leben
Wogt mchtig in mir
[eh sehaue von oben
cúpula Em Hymnert an Die Nacht (A Esfinge Editorial)
de plástico Tradução Nilton Okamoto e Paulo Allegrine
Texto 4
Poemas shivatstas
A terra é seu presente,
A semente rasante seu presente
O vento cortante seu presente
Como devo chamar esses seres desprezíveis
Que comem fora de sua mão
E louvam outros quaisquer
Meu corpo é sujo
Meu espírito é espaço
Como devo lhe capturar, meu lorde?
Como e o que, devo pensar de ti?
Corte fora,
Minha ilusão,
Lorde branco como jasmim
~' ..'
Strietly speaking, an epiphany eannot be a beginning
since it reveals and unveils, what, by definitlon, eould
never eeased to be there, Rather; it is the rediseovery of
a p ermarient presenee which. has closen to hide itself
from us [ .•. )
PAUL DE MAN 1
* Foto: Portal; passagem de Osíris (papiro de Ani, 19' Dinastia, 1250 a.C.).
1. Tradução livre: "Rigorosamente falando, uma epifania não pode ser um prin-
cípio porque ela revela e desvela aquilo que, por definição, nunca deixou de estar ali.
Melhor, é a redescoberta de uma permanente presença parcialmente escondida de nós
[...]" (em Matthew Maguire, "The Site ofLanguage", The Drama Review, 27(4),1983).
2. Na medida em que instaura uma outra realidade, virtualizada, submetida à
uma mecanicidade do humano. Artaud, em seu enunciado visionário, inverte essa rela-
ção de duplos (em O Teatro e seu Duplo, Lisboa, Minotauro, s/d).
3. Gilbert Durand, da escola de Bachelard, aponta, de forma brilhante, o cami-
nho de fenomenologias instauradoras que sustentam as vias do imaginário com suas
declinações tortuosas, ambíguas -loeus da epifania, travestida de representações cifra-
II
60 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA DO ESTRANHO AO NUMINOSO... 61
a organização logocêntrica e, também, a captação subliminar, latente, Nessa via, sem transposições miméticas da realidade - pelo me-
rnírica". nos como utopia, e da qual são exemplos também o teatro construtivista
Essa apreensão se faz com duas especificidades: primeiro, opera- de Meyerhold, Popova e, posteriormente, Schlemmer; a idéia do teatro
mos num campo de fronteira", campo "para", topos de manifestações e da crueldade de Artaud 12 e, numa escala mais ampla, o abstracionis-
experimentos Iimites, híbridos - p erforrnan.cesê, happ eninge; rituais mo de Malévitch, Kandinsky e Mondrian -, vão se demandar signagens
étnicos, teatro d~ font~s, teatro de imagens -, linguagens estas que mais complexas", abertas a cifra, a uma pletora de significações e a
trafegam por particularidades temáticas, de representação e apresenta- leituras menos Iínearízantes.
ção (temas autobiográficos, ambigUidade entre o espaço real e o A noção de campo "para't'" implica deslocamento, paralelismo, e
ficcional, narrativas disjuntivas, uso do work in. process como tessitura). os operadores dessa gramática são figuras de linguagem embutidas
Exemplos desse imbricamento entre campo ficcional e "r-eal?", nessa dimensionalidade: metáforas (transliteração de significações),
trespassando a fronteira arte/vida, são inúmeros nos caminhos daavant- alegorias (alles-outro), "pará-bolas" (narrativa circular, que extrapola
garde e contracultura (ponto focal dos happenings/peiformances): da o explicitado) e mitos (significações ulteriores ao ernrnciacloj",
·prõposição surrealista de abolição do re.al" aos "personagens" vivos Deslocamento, no percurso ordinário, habitual, para a amplifica-
de Andy Warhol 9 , passando pelos gestos limites de Gina Pane e Cris ção da consciência, recepção dos fenômenos e vivência de experiên-
Burderr'? e, como momento axiomático, a trajetória singularde Joseph cias de maior substancialidade-",
A segunda especificidade em nossa aproximação, também um
Beuys'", rnitificadora, transfigurante em obra de sua própria existência.
deslocamento de campo, é que procuramos operar no trabalho prático
das - e seu contraponto reducíonísta, de signagens objetivantes, com traduções lineares - oficinas, encenação, laboratórios, vivências - um universo nomeado
de realidade, exacerbadas, a seu ver, pelas escolas neocartesianas e pelas representa- como "esquerdov", "irracional", do "mythos", que aparentemente se "
ções sernioticistas (em A Imaginação Sirnbâlica, São Paulo, Cultrlx/Bdusp, 1988). contrapõe ao território do "Iogos"?", . .-.._ _ ,.;;.'t;
i~
4. Captação sensível, não-lógica, subjetiva, da esfera do inconsciente. Para Preud!", ess~ "esquerda" é o território do inconsciente, cuja "w
5. A principal fronteira é a dos contextos arte/vida. Ao contrário do teatral ins-
operação se realiza através das interdições da realidade, por mecanis- ,,#
tituído e dos paradoxos da transposição naturalista (verossimilhança, uso de conven-
ção, representação), percorre-se, nesse campo, territórios interpenetráveis, auto-refe- mos de deslocamento (Verchiebung), condensação (Verdichtung) e ,~~,
rentes, com limites cambiantes.
6. Ver Renato Cohen, Performance como Linguagem, São Paulo, Edusp/Pers- 12. Também como superação, exasperação, revelação. Falando do teatro de Bali,
pectiva, 1989. que cria uma "vertigem de atemporalidade", Artaud aponta esses estados de
7. Na cosmogonia budista, o que entendemos por "real" já é o espaço de ficção "incandescência", de frêrnito, da "metafísica em ação", Também presentes no Zohar e
em que enredados no "véu demayd', tecemos nossa trama de vicissitudes como personas na escatologia cabalista, metáforas sobrenaturais e metafísicas de teatralidade artaudíana
/ personagens movidos por ações, escutas e autonomias de vaga rememoração. Todo o (Antonin Artaud, O Teatro e seu Duplo, op. cit.y.
trabalho da "sanga" remete-se ao encontro de uma realidade não-virtual, verdadeira 13. Aqui não no sentido de obra aberta, como derivação de leitura, mas como
(Chagdud Tulku, Gates to Buddhlst Practice, Junctíon City, Padma, 1993). tradução mais completa do fenômeno. Gilbert Durand, (op. cit.), fala de dimensões
8. Superação da realidade ordinária e criação de um sobrenatural, supernaturalls- literal (física), alegórica (simbólica) e cósmica (epifânica): "O símbolo cujo significante
mo, super-realismo, surrealismo (como noção de superação), através da "transfigura- possui apenas a diafaneídade do signo se atenua, pouco a pouco, na pura semiologia,
ção da percepção" (Breton, Manifestos do Surrealismo, São Paulo, Brasiliense, 1985). evapora-se, por assim dizer, nas transposições".
Realidade esta que equipare o onirismo, o maravilharnento, a superstição, o delírio _ 14. Carregamos, inicialmente, o conceito de "para" em relação ao teatro institu-
potências do imaginário, recôndito do espírito - ao ordinário cotidiano: "Le tableau indo um campo "parateatral" com especificidades de processo e de resultado.
(imaginaire) est une objectivation de ce qui est imaginé par l'artiste il nést pas une 15. Roland Barthes, Mitologias, Rio de Janeiro, Difel, 1975.
imitation d'objets existants dans ce qu'Il est convenu d'appeler le réel" (André Masson, 16. O caminho gurdjeffiano trabalha a metáfora do despertar, de estados latentes
Le Rebelle du Surréalisme, Paris, Écrits, 1976, p. 19). de consciência, perpassando experiências de ampliação da atenção e substancialização
9. Underground warholiano, de personagens como "Viva", Eddie Stigwíck, ar- da recepção.
tistas bas-fond, travestis,junkies, apresentado em filmes como Trash, Flesh, Blow-Job 17. Gillo Dorfles, Elogio da Desarmonia, Lisboa, Edições 70, 1986.
e outros como explicitação sexual, psíquica e física dos protagonistas. 18. Uma das buscas epistemológicas e artísticas é a de aproximação desses "opos-
10. Perforrners dos anos 60, que fazem do risco, da mutilação, da não-representa- tos", superando interdições ontológicas (proibições do olhar pretérito: mito órfico -
ção o seu moto-criador: Burden recebe descargas de voltagem tus perforrnance 11 0-220V. perda de Eurfdice; Lot e a mulher de sal, anátemas de proximidade: Eros e Psíquê,
11. Chamado de xarnã das artes, Joseph Beuys retrabalhou com materiais e Zênite e Nadir). Essa separação é acadêmica, o trabalho da psicanálise, por exemplo,
p erformances a partir de experiências de seu acidente (como piloto da aviação nazista) visa estabelecer um logos de áreas irracionais.
e estado de pré-morte. Passa a usar constantemente banha e feltro em seus trabalhos, 19. Formulando conceitos a partir de material psíquico (A Interpretação dos
referência ao material usado em sua cura pelos tártaros (Caroline Tisdall, Joseph Beuys, Sonhos, Obras Completas, Rio de Janeiro, Imago, 1976) e ficcional (O Estranho, idem)
New York, The Solomon Guggenheim Museum, s/d). . a partir dos contos de E. T. Hoffman, entre outros. A questão do deslocamento, no ato
62 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA DO ESTRANHO AO NUMINOSO... 63
outros, através de construções metonfrnícas, metafóricas e brzarras?", Copélia temas românticos do maquinismo, dos seres autôrnatos, gro-
reconstituindo, dessa forma, um discurso parcial, seja para dar vazão a tescos (Frankenstein, Golem, Drãcula)?".
fluxos de primeiridade, seja para instauraressencialjdades (na formu- Instaura, em verdade, na sua ruptura com representações habitu-
lação j urrgulariaj'", ais, uma ampliação de territorialidades, tanto ímagétícas quanto psí-
Essa função de mediação de opostos, encadeamento de contrá- quicas, pela exteriorização e representação de imagens internas (cami-
rios, é ontológica do símbolo'". Etimologicamente, sirnbol.on; Sinnbild nho do expressionismo e, contemporaneamente, do butô):",
em alemão unindo Sinn = o sentido "que capta e recorta os objetos" e A cena do numinoso remete à busca da epifania, da cifra, do mis-
Bild = a imagem "que emana do fundo do inconsciente'v", tério.
Aqui, a alusão é a uma imagem interna e a um sentido enquanto O próprio conceito de epifania (em grego, epifanéia = aparição,
consciência que se forma (modelo neokantiano), mas podemos pensar, Gilbert Durand) carrega o paradoxal; remete ao desvelamento daquilo
conternporaneamente, em imagem-exterior (da cena, da mídia, do co- que não pode ser contemplado'". .. _
cidíanoj'<s a-buscái.de-si'gníficação'". Conceituando a epifania comofiguràçãó oitava superior ao sím-
A partir dessas duas especificidades de aproximação (campo bolo e ao mito, Durand, citando Corbiri (estudioso do Alcorão), utiliza
"para", mythos), iremos trabalhar um operador - o estranhamentov' c-
a metáfora angélica como representação do símbolo: "anjos são sím-
como chave de tráfego entre esses universos (mythos/logos, conscien- bolos da própria função simbólica que é mediadora entre a transcen-
te/inconsciente) e uma busca: a do campo numinoso (numens = do dência do significado e o mundo manifesto dos signos concretos, en-
poder de Deus), dos eprfenôrnenosê", enquanto representação. carnados, que através dela se tomam símbolos".
Essa delineação define procedimentos, laboratórios, contato com A noção de epifania
••••.....•....••._ . _ •.•_•...•.••.••_._•••.•.•. _.•.•••.••__
normalmente é associada a metáforas
_.•••.••••_•••••.••.•_•.•.•;; ..•••••.•.•• "30"VT"
fenômenos que relatamos em item seguinte. ascencíonais, com modelos transcendentais . Hfllrnan, em contrapartida,
A cena do estranhamento remete ao avesso, ao transverso, ao fala num locus descendente, espaço dos recônditos da ânima'",
inusual. E. T. Hoffman, epíteto dessas construções, reproduz com sua Operaremos com esses dois movimentos, pensando a epífarria en-
quanto manifestação de essencialidade, luminescência, "alma das coi-
falho, por exemplo, novamente aponta a versão de verdade, pela via transversa, pelo sas", incorporando desde as alusões platônicas clássicas quanto a
que é "aparentemente falso", sem valor. imanência romântica, a Weltanschauung nietzscbíanaê", o "belo-hor-
20. Um bizarro à luz de uma cognição habitual, mas que, dentro de uma tessitura
"irracional", também apresenta um logos. Tbévoz (L'Art Brut, Genêve, SIdra, 1980) rendo" de Lautreámont, representações grotescas de Bosch, as
apresenta importantes configurações, do prisma de um olhar não-culturalista, de artis- fisícalízações do butô.
tas brutistas cujo percurso e obra se inserem nessa fronteira razão-desrazão, ilumina- Apesar da enunciação do tema da epifania ter um viés platôníco,
ção-caos. essa questão é essencialmente moderna: desde o romantismo, com a
21. Percurso, através da vivência de situações arquetípicas (ãnírna, sombra, du-
plo), de constituição do self.
22. Na nomenclatura filosófica, a noção de símbolo aparece como contraponto a 27. Retomados, à exaustão, na contemporaneidade em trash movies e figurações
signo, sendo este representação de relações simples, diretas, e O símbolo, mais comple- de maior alcance (Blade Runner; Edward Mãos de Tesoura).
xo, imbuído de significações e derivações conotativas. Não vale aqui, portanto, o con- 28. A imagem expressa o logos da alma (James Hillman, Psicologia Arquetfpica,
ceito serniótico de símbolo enquanto signagern de terceiridade, arbitrária. São Paulo, Cultrix, 1988).
23. Ideação de consciente como recorte de profundidades sem significação for- 29. Remetendo a interdições metafísicas (no judaísmo, por exemplo, pela proibi-
malizada (conforme Gilbert Durand, A Imaginação Simbólica, op. cit.). Aparece, nes- ção da representação do divino). Matthew Maguire, em The Slte ofLanguage (op. cit.),
sa figuração, a noção da connunctio, alquímica, metáfora física de processos da psique coloca a epifania enquanto linguagem, como um loeus de dissonância: "epyphany as a
(ver Edward Edinger, Anatomia da Psique - O Simbolismo Alquimico da Psicoterapia, locus of the díssonances created by conflicting structures: the fusionlfission of ectasíes
São Paulo, Cultrix, 1990). created by the co-existence of oppositlon",
24. O puzzle de imagens da rnídia; as imagens geradas em profusão por artistas 30. Modelos neoplatônicos com os conceitos de duplicação, anamnese (conheci-
que, deliberadamente, fogem à associação significante imediata e opacificarn o sentido mento como recuperação, memória), decaimento. Mircea Eliade (Tratado de História
(cena dadá; certos happ enings. dos anos 60 que Susan Sontag nomeou como "estética de Religiões, Lisboa, Cosmos, 1977) aponta, por um viés antropológico, a interpenetração
do silêncio"). na cultura entre o sagrado e o profano, operando por vezes escatologias bizarras no
25. Em alemão Unh eimlich, algo como unhomely, não-familiar. Em italiano, si- imbricamento de epifanias celestes e hierofanias ctônicas.
nistra (= esquerdo), estabelecendo diversidade com a habilidade destra, habitual. Freud 31. A experiência da vida é o "cultivo da alma", trabalho pela repetição, de profun-
desenvolve teorias de repressão libidinal em seu texto O Estranho (op. cit.), a partir da didade, de dcstiteralização da experiência, de recepção não-iugênua dos acontecimentos.
análise da obra do romântico E. T. Hoffman. 32. "Intuitivismo", consciência do belo (manifestação do epifânico) enquanto
26. Fenômenos de epifania (ver Mircea Eliade). verdade, significação, materialização, e não apenas harmonia, forma, equilíbrio.
64 WORK lN PROGR ESS NA CENA CONTE MPORÂ NEA DO ESTRA NHO AO NUMIN OSO... 65
busca do encant ament o e do sagrad o írnanen teê", mais 4.1. TRAB ALHO S EM CAMP O MíTIC O: A CENA DO
remota mente , MISTÉ RIO
no barroc o, com a multif acetaç ão e o gongo rismo teísta'"
, até as van-
guarda s hist6ri cas (expre ssionis mo, cubism o, dadá, surrea Os anjos que rodeiam o trono do alto chamam -se
lismo) que
reitera m essa busca. dias e os que rodeiam o trono de baixo chamam -se noite
As questõ es do sagrad o são retoma das na avarit- garde
seja por Zohar4o
via parõdi ca, pela rituali zação, por mímes e ou pelas utopia
s surrea lis- A partir da definiç ão do territó rio do myth.o s como campo
tas 35 • de atua-
ção, passar emos a essa questã o enqua nto narrati va, função
Ao tratarm os de temas do myth.o s; do estranh o, do numin suport e, e
oso - como deriva ção, nomea ndo a cena mítica e a instaur ação
estado s exacer bados de presen ça, topos do ins6lit o, do de um "cam-
singula r, do po mítico " de operaç ão.
novo, do perfeit o, do rnonstr uosoê" - distint os do ordiná
rio cotidia no, Mito como narrati va, mito como remem oração , mito
fica clara a pertinê ncia da teatral Ídade enquan to expres como alu-
são dessas ma- são, mito como celebr ação, mito como loeus da híerofa
nífesta ções'". nia, mito como
pré-lo gos, mito como, deriva ção - parábo la, metáfo
Teatra lidade enqua nto espaço do trágico , metáf ora ra - mito como
da vida impos tura; ontologic~rri6nfé'o topos do mythos é o da
(Theat rum-M undi): a noção do Trauer spiel barroc o'" (Traue remem oração ,
r= triste- da repetiç ão, da reinsta uração do tempo rrtual'" , da
za, luto, Sp iel = espetá culo) é emble mática desse estado recupe ração de
. Repro duz-se aconte cimen tos reais ou imagin ários.
aqui a questã o da fugaci dade, da transit orieda de da vida,
o trágico se Com uma direçã o pretéri ta e, essenc ialmen te, recupe
insere enquan to percep ção dessa realida de última '". rando uma
geneal ogia, o mito re-apre senta, por rituali zação (atravé
s de índice s do
aconte cimen to primor dial), por narrati va, geralm ente oral
(ficand o no
territõ río da alusão ), por represe ntação. "(pict6r .ica".lc 'ônic.a,
,,po.é.ti ca),,,a,. ,,.., ,.,.,..:.
experi ência origin al 4 2 •
33. O pietismo de Shchlei nunache n é mote dos românti Enqua nto narrati va, a fala do mito, verbal izada, ou na via
cos que se antepõe m ao da escri-
cogito cartesia no. A superaç ão pela via do percepto , a prepond tura, implic a signag ens deriva tivas. Barthe s'P entend
erância do sentime nto, e o mito como
da intuição ante o cogito são guias da experiên cia exacerb ada dos românti cos. "Senti- "modo de signifi cação" , movim ento de consci ência a partir
de arbitra ri-
mento e emoção são a quintess ência da alma e qualque r zação da experi ência.
tentativ a de fragmen tar o ser
humano em intelectu al e emocion al restring e a unidade e a
totalida de da pessoa" (Anatol Nesse caso, alude às funçõe s conota tivas da recepç ão
Rosenfe ld, em Autores Pré-Rom ânticos Alemãe s). Jacó
Guinsbu rg aponta a dimensã o (enqua nto
de busca de totalida de, inteirez a (Ganzhe it) a partir desse relato) do mito e à sua caracte rística simbió tíca de lingua
mergulh o singular (em "Ro- gem - extrap ola
mantism o e Classici smo", em colabora ção com Anatol
Rosenfe ld, em Romant ismo,
o sentid o literal; empre sta o corpo de um enunci ado primei
ro para evo-
São Paulo, Perspec tiva, 1978). car, por signifi cação, outras leitura s (funçã o metaf6 rica).
34. Ver Walter Benjam in, Origens do Drama Barroco Decor re des-
Alemão , São Paulo, ses mecan ismos sua crítica à função mítica enquan to campo
Brasilie nse, 1984. propíc io a
35. Christop her Innes (Holy Theatre; Cambrid ge; Cambri
manip ulaçõe s'".
dge Univers ity Press,
1981) mostra corno os trabalho s de Kokosh ka, Mary Cassir er aponta precis ament e a constr ução metafó rica
Wigman , Laban, no teatro como elo
Strindbe rg, Artaud e, contemp oraneam ente, Grotow ski
e Peter Brook estão apoiado s de vincul ação entre lingua gem e mito. Reiter ando o concei
em buscas antropo lógicas, recupera ção do primitiv ismo,
to kantia no
estudos de rituais e celebra- de real "enqu anto conteú do de percep ção empíri ca ordena
ções intercul turais, irracion alismo (xamani smo, onirism o, do no con-
estados alterado s de consci-
ência), numa trajetóri a que visa resgatar por vias transver
sas, vias negativa s, questõe s
do sobrena tural, do sagrado . 40. Citado em Gilbert Durand, A Imagina ção Simbóli ca,
36. "Espaço de ruptura do nível ontológ ico", em Mircea p. 76.
Eliade. 41. Mircea Eliade, Tratado de História das Religiõe s, op.
37. O teatro da crueldad e de Artaud, realizad o parcialm ente cito
pelo LivingT heatre, 42. Pensand o-se o mito de um ponto de vista antropo
por Grotow ski e em algumas cenas-ri tuais isoladas é concebi lógico. Eliade ressalta a
do dentro desse limiar. Na questão tempora l, na qual, pela repetiçã o, se reinstau ra
classific ação genérica de Anatol Rosenfe ld (O Teatro Épico, - abre-se passage m - a cena
São Paulo, Perspec tiva, original , o "estado mítico", contemp orauciza ndo-se a ocorrên
1965) seria o espaço épico, epopéic o como superaç ão do dramáti cia primeva manifes tada
co, e com inserçõe s de in. illo tempore (Hierofa nias do Eterno Retorno ).
lirismo. 43. Mitolog ias, op. cito
38. Walter Benjam im, op. cito (Rouane t, em preâmbu lo, traduz 44. O mito é veículo de instaura ção e manuten ção de ordens.
Trauers piel como Ocupa tanto o espa-
"luto da existênc ia", "trágico da vida"). ço de manifes tação da epifanla , desse tantrism o com escalas
superior es, quanto o de
39. Conceit o análogo ao Maya-L illa budista. LUla espaço linguag em de veiculaç ão dos poderes que transitam . Decorre
de jogo, brincade ira, daí, também , a noção de
drama da vida. Maya, receptác ulo, tecedura , véu de vicissitu tabu enquant o limite de transgre ssão.
des. .
66 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA DO ESTRANHO AO NUMINOSO... 67
texto da experiência", o mito transita no território da Anschauung (ín- Formulado a partir da empíría {laboratórios, vivências, workshops,
tuíção, percepção, visão), veículo de captação do "protofenôrneno'v". montagens de peças - ver anexo) e de cruzamento de conceitos drver-
Na mesma linha, considera que a linguagem sofre do "estigma da sos (sistema gurdjeffiano, modelos budistas, Gestalt), essa coriceituação
mediação", com seu aparato denotativo, não indo além da alusão ao advém de percepção, sensação e ideação.
fenômeno. O mito, enquanto experiência não traduzida, ao contrário, . O campo mítico é um "entre-parentêses", um tempo-espaço que
equipara-se à via da experiência direta. se insere no tempo do cotidiano {experiência do ordinário, das rela-
A cena mítica, momento de permeação ou de re-apresentaçã04 6 do ções objetivas).
fenômeno primeiro, investe-se pelo seu caráter direto com a experiên- Manifestado, em raríssimas oportunidades - segundo relatos -pela
cia, plena de visibilidade e sensação, de urna potência superior às nar- via da irrupção (possessão), é alcançado, ou sintonizado, por via medi-
rativas e relatos?". tativa pela instauração de campo sutil ou numa outra vibração, extre-
A presença, a permeação, a iniciação, a narrativa imagética ma, por estados alterados de consciência, via drogas,hiperventilação
potencializam o rrto.enquanto.espaço de manifestação do mítico: per- ou estados emocionais intensos'", próximos'dapsié8se~"
curso paralelo ao da cena teatral, oriunda de práticas dionisíacas e ri- A penetração no campo mítico'", que exige prática, estado de coris-
tuais dos mistérios de Elêusis. ciência e atenção, é pouco vivenciada pela maior parte das pessoas,
O teatro da crueldade de Artaud, a dança-metafísica do Balé de que têm noção precária deste estado'F de espírito. Mesmo situações
Java, os movimentos expressionistas de Mary Wigman, Laban e limites como as passagens de rnorte'P ou nascimento (de filhos) -si-
Dalcroze, cenas que evocam potências além do ordinário e transpor- tuações do nível mítico -, teoricamente da esfera do fenômeno amplí-
tam máscaras "dos deuses" são incursões nesse território. ficado, são, muitas vezes, experienciados numa escala limitada.
A questão da visibilidade do mito, enquanto maIÍltesfãç'a'õ···côn:..:····················· :·:·······························X·liãrtlr·de·lãboratórios com atorese, também, acompanhamento
temporânea aos. participantes, traz à discussão o potencial da imagem da edição do vídeo de Tempestade e Ímpeto (que envolveu percepção,
enquanto conduto da experiência. Imperativa (Barthes), corpo de ma- sensação) é possível apontar alguns dados para instauração do campo
nifestação de simulacros e derivações, a imagem condensa narrativas e mítico: inteireza, adensamento, exacerbação, ampliação da presença-
eleva o fenômeno a urna representação-significação direta'", colocação do potencial psicofísico inteiramente alinhado com o traba-
Com base nessas considerações gerais sobre o mito enquanto Iin- lho presente. (Essa é a busca dos trabalhos de atenção de Gurdjieff e,
gu agern, e na configuração de uma "cena mítica", acrescendo o em essência, o próprio conceito de meditação.)
contraponto que Cassirer estabelece entre presença estética e presença Através do aumento de presença diminuem as demandas
mftica?", pretendemos conceituar a noção de campo mítico. energéticas para atender as vicissitudes do cotidiano e o participante
passa a operar mais pleno, tendo acesso, principalmente, à sua mente
45. Ernst Cassirer, Linguagem e Mito, São Paulo, Perspectiva, 1972. Herder, filó- subliminar, não-objetíva'",
sofo romântico, 'inverte a relação chamando a linguagem de "mitologia empalidecida",
"que conserva, em distinções abstratas e formais, o que a mitologia apreende corno codificadores da mente). Edinger (Anatomia da Psique, op. cit.) fala num estado de
diferenciações vivas e concretas". (Para os racionalistas, ao inverso, o mito é muitas "participation mystique" entre sujeito e objeto mediado pelas operações alquímicas de
vezes equiparado a construções imprecisas, sistemas pré-lógicos, captação fabulosa ou separatlo e connunctio,
imaginativa de realidade; Max MUller em Cassirer, op. cit.: "mito: a obscura sombra 50. Descritos na literatura em inúmeros relatos críveis: as experiências de cons-
que a linguagem projeta sobre o pensamento".) ciência de Castafieda, os trabalhos de atenção de Gurdjieff, o sistema transpessoal de
46. Pensando-se o mito, ou o estado mítico enquanto "nível de ruptura ontológica", Grof, práticas iogues e tântricas para citar alguns exemplos.
espaço de manifestação da epifania (estado que os místicos chamam de transe ou êxta- 51. Adotamos essa terminologia por operarmos no campo parateatral, artístico.
se), tempo de permeação. Pela abordagem antropológica (Eliade, Levi-Strauss), tempo i- Em outras disciplinas este trabalho é também chamado de trabalho de atenção, traba-
de reiteração de imagens pretéritas.
47. Mircea Eliade aponta corno, pela via dos rituais primitivos, se reinstaura "o
I! lho de mente desperta (shuniata) e outras nomeações.
52. Mesmo iniciados do campo artístico, como críticos, ficam incomodados com
tempo" da experiência sagrada. • esta percepção.
48. Para Hillman (Psicologia Arquettpica, op. cit.y, a imagem interna ou externa 53. Experiência observada, pessoalmente, no caso de doenças terminais (câncer,
é o Log os da alma. AIDS) de amigos e pessoas próximas.
49. Ernst Cassirer, Filosofia das Formas Simbólicas, ·A presença estética ou o 54. Mente "irracional", subjetiva, possivelmente comandada pelo hemisfério di-
olhar estético, mais habitual, estabelece um distanciamento, urna diferenciação entre reito do cérebro. Em termos de vídeo, percebemos que essa possibilidade aumenta com
observador e objeto. No olhar mítico, a relação entre sujeito e objeto é contínua, haven- uma cena contínua, sem cortes (que demandam a mente explicativa), geralmente anco-
do um contato direto com o fenômeno (com uma atenuação dos mecanismos rada em suporte musical ou imagético.
L tr
DO ESTRANHO AO NUMINOSO... 69
I /
71
"
DO ESTRA l':'HO AO NUMIN OSO...
70 WORK lN PROGR ESS NA CENA CONTE MPORÂ NEA
albiom ecânic a
da decor- lhos de cârrrer a lenta, desequ ilíbrio , trabalh o de person
Aprese ntamo s agora, sob a 6tica do trabalh o prático e (ver descri ção a seguir ).
ação empíri ca os proced imento s pelos quais operam os e
observ a partir de
rente
o mítico ". A outra verten te é desenv olvida no work in proces s
transit amos no espaço que estamo s denom inando "camp tos surgid os na
de um conjun to de trabalh os prático s deman das especí ficas da monta gem e de desdob ramen
Tal observ ação se dá a partir pesquí sa/".
o da oficina Aktion e de peças, p erform ances;
agrupa dos sob o format longo do
emerg entes foram as peças O Espelh o Essas dimen sões de trabalh o, justap ostas, adensa das ao
encena ções, cujos resulta dos za/íme rsão'" possib ilitam o desenc a-
Ímpeto (1990- proces so, num percur so de inteire
Vivo - Projet o Magri tte (1986- 1988) e Tempe stade e o mítico "
deame nto de um outro olbar e a instau ração' de um "camp
1993). enqua nto sensaç ão.
culos, or-
Essa media ção foi operac ionada na condu ção de espetá
.ops; evento s, curado rias nas quais estava invest i-
ganiza ção de worksh
sor/ oMitic o
do das funçõe s de criado r/rotei rista, díretor , encena dor
e profes 4.2.1. P,:oce ssosde Estran hamen to: Criaçã o de Camp
_
condu tor.(no caso de oficina sj'".
lação Yes, y o uí re changin g, sonhus band, an.d y ou re
Algun s aspec tos funda menta is da recepç ão e formu
í
riço arte/vi da, operam -se em situa- turning, I can feel you, for a daughte rwife from the hills
coricei tual, nesse trabalh o frontei
sões cêníca s'", again. lmlamay a. And she is corning, Swimmi ng in my
oportu nidade s divers as das expres
ções cotidia nas, em hindmo ist Diveltak in.g on me tail, [ ... } Saltarel la come
proces s criativ o
A instaur ação do "camp o mítico " e do work in to her own"
res, partici pantes do pro-
junto ao grupo de trabalh o (perfor mers, criado
4
JAMES Joycé , Finnega ns Wake.
DO ESTRANHO AO NUMINOSO... 73
ti'
· ~
DO ESTRANHO AO NUMINOSO... 75
olhar em quarta parede, distante, quase ausente, sem cantata focal com
a platéia (ver foto p. 74)68.
Essa passagem dos p erforrners causou intensa comoção nos es-
pectadores. Materializando o duplo?", o rnaqufnico, a sombra, o tema
do andróide (anomia), presença fria, na cena quente do espetáculo, a
cena magnetiza a estranheza no receptor que vivifica um entremeio de
presença/vacuidade, fugacidade/eternidade no exíguo momento da
passagem7 0 . ' .
Dia: 14.3.1991
Cidade: São Paulo
Pessoa: X
Mapa de configtcração
73. Trabalhos veiculados numa linhagem autoral, que na performance eram de..
nominados selfas context (ver Renato Cohen, Performance como Linguagem, op. cit.).
74. Repertório de minha criação, desenvolvido no contexto das oficinas Aktion,
consistindo na representação e posterior conscientização - em papel, material escultórico
- de fluxos, devires, pulsões a que o operador está submetido.
75. Roteiro a partir das técnicas de Stanley Kripnner, James Hillman e do traba..
lho de figuras do inconsciente de Jung.
'i
Mito Pessoal
76. Derivações desse trabalho são o desenho de campo de forças a partir dessa
inserção no cotidiano, representações icônícas, desenho de trajetórias, estados emocio-
nais etc.
77. A grande trajetória épica mítica, do herói joyceano, é construída a partir do
percurso banal, cotidiano, dos acontecimentos.
78. O trabalho de leitura foi desenvolvido com Sandra Tayar (psicologia profun-
da).
79. Stanley Krippner, em Mitologia Pessoal, demonstra que vemos sinais geral-
mente distantes dos mitos pessoais. O mito encobre-se, oculta-se, desloca-se com me-
canismos similares aos descritos por Freud na análise do inconsciente. O passo seguin-
te, nesse procedimento, é a busca de algum grande mito - uníversats- evocado ou que Figura: Imagem interna.
referencie o enunciado.
i
•
#.J H
DO ESTRANHO AO NUMINOSO... 81
*
84 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA DO ESTRANHO AO NUMINOSO... 85
abrangente das figuras referenciais, fazem com que, o trabalho da atua- Trabalhos de Dança Ritual/Campo Sutil
ção seja antes uma operação com personas do que com personagens'", Trabalhos que visam, pela repetição, exaustão ou vibração colo-
Como persona entendemos encadeamentos, corporificação de se- car o praticante num limiar mais sutil (menor intensidade de pensa-
res mitológicos, estados de passagem e figurações não-realistas. mentos, corpo-emoção apaziguados sem oscilações de euforia e de-
Este trabalho está apoiado em elaborações construtivistas, no con- pressão).
ceito da biomecânica de Meyerhold, nas composições expressionistas Nesse grupo incluem-se trabalhos de bioenergética (exaustão),
(exógenas, não psicológicas, a partir da forma, figura, gestus, emana- dinâmicas da tradição oriental (vibração da Kundalini, meditação ati-
ção), na dança gestual de Dalcroze, Mary Wigman e Merce Cunnin- va, ioga) e repertórios da exce-p erformance (trabalhos de body arr, body
gham, entre outros referenciais. as context).
A seguir, 'relação de personas acumuladas pelos performers em
Trabalhos de Risco / Limites
Tempestade e Ímpeto (ver itens 3.5). Cadapeiformer carrega dois rií-
veis de significação, um nível humano e um nível mitológico. Trabalhos do repertório da p erforrnance que envolvem situações
limites, tanto em nível físico quanto psíquico, experiências de frontei-
ra (ritos de passagem) e operações fora do contexto da representação.
Campo de Personas
Trabalhos de Eros
Perforrner 1 (Jutilde Medeiros): KalilDurga/Fata ' Morgana!anjo/beggar 4 Trabalhos de mobilização, sensitividade que resultam em amplia-
Performer 2 (João Andreazzi): ShivaIBaaVScaregrowibeggar 3 ção do campo energético e idiossincrãtíco'".
Perforrner S (Mariela Nobel): Entidade da FlorestalEterno Feminino!Anima/Condutora/ A vibração da Kundalini, as danças extáticas, os trabalhos da bio-
Anjo/Baal (Sophie) energética são algürnãs"'fm"rnãs'Tl.e··c6m~Xãtn::"dm·-6s"s·e··estll:dlJ:····· . .:.t
Perforrner 4 (Fernando Lee): Shiva (duplo)! Baal (duplo) /Condutor/Animus!Beggar 2
O trabalho de eros-rnediador, eros-colador, é fundamental na ope-
ração dos opostos. É a função emotiva, afetiva, que organiza sintaxe
Perforrner 5 (Lati Krotozinski): Entidade da FlorestalAnima!AnjolParvati/Beggar 1.
por vias da conectividade (refere-se à função conativa de Roman
Jakobson).
89. Como observa Jacó Guinsburg, a persona também é a cristalização de algu- 91. Híllman (Psicologia Arquettplca; op, cit.) mostra, retomando os mitos, que
ma marca no plano representacional de estados imaginários ou formalizados. Carrega, os caminhos da Psiquê (dinâmica da alma, do se/J) são inseminados por Eros.
em relação ao conceito de personagem (referencial, textual), um maior grau de 92. A questão do invisfvel (Merleau-Ponty), dos índices, rastros de passagem, é
fugacidade, transitoriedade. A persona investe-se também como suporte de galeria de destacada neste trabalho em que inserções epifânicas ou, de forma mais simples, certos
figuras, de composições não-rniméticas, de estados cambiantes (conceito j unguiano). climas instaurados na cena, às vezes subliminares, são sentidos, captados pela mente
90. Em André Helbo (org.), "Antropologycal Approach", Approaching Theatre. subjetiva, e não visfveis na representação formalizada.
í
í1i
86 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA.
Anexos
'" • • • . . • . _ _ . _ _ . _ . . •_ •••••. _ •• . • • . ~ ••. _ . • • . . • . . • • • • • • • •_ . . . • . • •••• _ .••.••...•• ~ . . . . _ . . . . ._ . . . . . . • •••.•••.•••••. u ••••••
93. Parte dessa tentativa, além do exposto, foi materializada numa transposição
mais direta (cênica) nos espetãculos O Espelho Vivo e Tempestade e Ímpeto.
íNDICES DE PASSAGEM / MATERIAL MITOLÓGICO
(CAPTURE)
Figura 1.-
IrnagernInterna (MaridaladeProteçí'(:o) - Produçí'(:Q: Renato Cohen
Figura 3.-
Caligrama - Glint of a Sword - Kenko (Shinzan, 1982)
.~ _..-.. __._ -~ ..-._
........• __
~ ~ -
~ ..
_._.~ ~~. ~~ ~~~_ ~
.'."
Figura 4.-
Zenga (ZeuPainting},--Ikkiu:-- Belf Toweral Twillight--Ilusttà-
ção e San(CaTigtamadameditação)-:CM:ongesdoTemplo dei Daitcku-
ji-Antigo)
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I
II
I
II
I
As Aktions de Joseph Beuys e grupo Fluxus, as interferências ur- rus sa!? à tentativa exacerbada de eliminação do objeto (strprernatisrno,
banas do Squat Theatre e do perfo rmer Vito Acconci, as performances abstracionismo), do pastiche dadá ao supernaturalismo surrealista, en-
de Gina Pane, Bruce Nauman e Cris Burden, as peças de encenadores tre outras tentativas de superação da representação e a elevação da
contemporâneos como Foreman, Kantor ou Thomas - trabalhos estes, experiência original.
entre inúmeros outros exemplos, que têm em comum a criação pela via A inserção do «erro"u, do elemento de risco, do fugidio - no mo-
do work in. process - enfatizam, enquanto obras abertas, as questões da mento da apresentação'? é premissa da cena do. work in. process imbuí-
3
transição processo/produt0 • ' da do espfrito das vanguardas e das expressões da p erforrnarice: a
No work in. progress a obra vem sendo gestada ao longo de todo ocurrence art de John Cage - escolhendo partituras ao acaso no mo-
percurso - criação e formalização/encenação estão imbricadas - como mento da apresentação, as teorias da deriva situaciorrista'ê - com íme-
fotogramas de transição". diato desdobramento artístico, as p erforrnances cênicas de Spalding
Omomentoprincipalquemarcaapassagem-criação-formalização, Gray do Wooster GrOUp 14 são exemplos da apropriação do erro, do
processo-produto - é o da apresentação para público, exógeno ao acaso revelador/desvelador, inspirados, mais remotamente, nas apro-
environrnent criativo, instante de alteração do contexto de significações", ximações transversas do zen-budisrno.
O movimento da encenação/formalização perpassa inevitavelmente No contexto das encenações contemporâneas - extremamente for-
pelas questões da representação, convenção", malizadas com "amarrações/marcações" fortes da direção/encenação
Tentativas de subversão dessa ordem, criando ambigüidades entre - a inserção do impreciso, do' momento do «erro" acontece de forma
os contextos ficcional/de vida, exacerbando situações paradoxais que tênue com algumas variáveis abertas. Em M. O.R. T.E. (Gerald Thomas,
busquem a aproximação com a ordem fenomenal e a superação da 1991), a encenação comporta cinco minutos diários de imobilidade,
vivência ordinária, são premissas ontológicas das expressões daavant- oorifronto mudo entre atuantes e platéia'", Em Tempestade e impeto a
gardee do movimento da live art': dos h.appenings sem púbãico..de-"..- _.." _"."" --{;)onduçãe"de-.espetáculo, ancorada subliminarmente em trilha sonora,
Allan Kaprow" às inúmeras ações/performances - incisões artísti-' está apoiada numa partitura fônica aberta'",
cas no contexto dav ida", da concepção do agit-prop da vanguarda
+-
WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA TEATRO DO ENVIRONMENT... 99
98
22
transgressão é a principal característica da obra de Arte e, a partir daí sua invenção - se instaura uma signagem complexa , arbitrária, imbuída das
23
contra o real. O teatro traz na essência a modificação dos atos perceptivos do receptor. especificidades e ambigüidades da linguagem teatral •
O jogo teatral traz, inelutavelmente, a situação artificial. O transportesígnico (enquanto representação) remonta às opera-
É essa característica que torna a "leitúra" pelo espectador, imprescindível 17 • ções de Sausurre-num eixo dual: significante-significado (forma-sen-
tid02 4 ) - e às formulações poírccanas, operações triádicas que enfatizam
a relação com o objeto (signo - objeto - interpretante [código]) e o
S.L SIGNAGENS, GESTUS, AÇÕES: O DISCURSO DA nível dessa representação (ícone - índice - sfrnbolo?").
MISE-EN-SCENE Pavis destaca o fluxo, a dinâmica e a mutabilidade das significa-
ções na operação cênica, a partir de operações de condensação (metá-
O topos da encenação é o da justaposição e espacialização (mise fora) e deslocamento (metonímia) de signos, introduzindo o receptor
en place) de todos os elementos da operação cênica'": atuantes, cenã- numa cognição ambivalente que extrapola o nível do discurso verbal
rios (environment), textos (tramasdeleitmotiv), imagens, ruídos, par- ou da Gestalt das imagens aparentes'",
tituras, são estruturados '" e passam a vivificar uma retórica de signagens Essa cognição ulterior é premissa dosespetáculos minimalistas de
e significações: o discurso da rnise-erc-s cên e'"; Bob Wilson, pontuados por movimentos dísléxicos, falas abruptas, iri-
Essa retórica segue, basicamente, três discursos superpostos: o tercaladas, e uma partitura subliminar que estabelece um discurso emo-
ritmo lingüístico, a ação física e o fluxo de imagens e signagens (Ico- cional, ao fundo .
. nes2 1 ) . . Os trabalhos do Wooster Group e do Mabou Mines são constituí-
Nesse topos polissêmico (falas, índices,..clímase.nnanças.ínvísf- _ _ _._ _.._ _ ~?~..~.<;: .~ignagens mutantes, pela resaignificação'",
veis -mas alcançadas pelos sentidos -silêncios) _, espaço dasemiosis A característica dos trabalhos work in process - apoiados em
storyboard, processo, trama de leitmotive - em contraposição com a
tempo alterando-se a cada noite conforme o instante, a recepção, a inspiração de algum 22. Jacó Guinsburg e Teixeira Coelho Netto ("A Significação no Teatro",
p erforrner ou vicissitudes do momento como a presença da chuva, impedindo, dessa Semiologia do Teatro, São Paulo, Perspectiva, 1988) falam em hipersigno, o hlpersigno
forma, o congelamento do espetáculo e a coreografízação dos movimentos. O díretor teatral, signagem ampliada a partir de superposições de Gestalt: classificação construída
intervém, na cena viva, junto com O operador da mesa, intercalando e escolhendo os a partir de analogia com geometrias que extrapolam a ordem euclidiana. A signagem
tempos das várias fitas, participando, dessa forma, do ritmo sensível e sensório do cênica é mutante, hfbrída (várias funções sobrepostas) - construto de superposições e
espetáculo. simultaneidades -, distinta da signagem ordinária do contexto cotidiano (apesar do
17. Richard Dernarcy, "A Leitura Transversal", Semiologia do Teatro, Perspecti- ilusionismo causado pela cena naturalista). Richard Shechner ("Postmodern
va, 1988. Performance: Two Views" ) fala num multiplex -code, enquanto recepção, complexida-
18. Inoluímos nesse recorte operações teatrais (peças contemporâneas) e de amplificada pela interrnídia e uso de tecnologia na cena contemporânea.
parateatrais (peifonnances, Aktions, intervenções), a partir de contexto de representa- 23. Espaço de presença (atuação ao vivo, fisicalidade, materialidade dos obje-
ção/presentação. tos, cenários) e de ausência (fábula, ficção, outro tempo). Do real time x tempo da
19. A natureza multimidiática das encenações contemporâneas (intedinguagym) ficção. AmbigUidade (Magrirte, Ceci ri' est pas une pipe) que é exacerbada na cena
aproxima a busca dos ideais da Gesamtkunstwerk. Essa estruturação, na cena contem- contemporânea.
porânea, geralmente é paratáxica, com muitas operações simultâneas - desvinculando- 24. A dialética fonnalsentido é objeto de experimentação ao longo da modernidade:
s'e da organização sintagmática do teatro clássico (texto e ação dramática do ator en- da elevação do valor do significante (poesia concreta) à eliminação das relações de
quanto preponderância). sentido (dadá), e à busca de novos logismos, aliterações de sentido (surrealismo).
20. Segundo nomeação de Patrice Pavis, "Perfonnance- Notes Toward a Semiotic 25. Os trabalhos dos suprernatistas visando a eliminação do objeto e operações
Analysis", The Drama Review 84, s/d, pp. 93-104). não rnirnéticas de representação visam subverter essas relações com o real.
21. Elaborado a partir de criação de Patrice Pavis (op. cit.y. Contemporanea- 26. "The very variable rhythmical style, while the precision of its associational
mente, enquanto ritmo lingUístico como preponderância, apresentam-se espetáculos codes, including the Leit Motif, functions as a sort of automatic pilot for the spectator
com superposição de falas, fragmentos, discursos cerebrais (tipicamente a cena de and brings about a perceptíon of the performance at a nonverbal, subconscious level"
Richard Foreman). O teatro da ação física é hoje, basicamente, o teatro com eminên- (em ~<Notes Toward a Semiotic Analysis", op. cit., p. 103). Tradução livre: "O mais
cia do ator - enquanto corpo, presença. Essa linha de atuação é hoje denominada variável estilo rítmico, enquanto precisão de seu código associativo, incluindo o Leitmotiv,
teatro físico (magnificamente representado por Steven Berkoff - One Mari - no Fes- funciona como um tipo de piloto automático para o espectador e traz a percepção da
tival Internacional de Teatro, São Paulo, 1994). A cena da imagem caminhou para performance pelo não-verbal ao nível subconsciente".
aquilo qtre Bonnie Marranca (The Theatre of Irnag es, New York, Drama Book 27. Em Shaggy Dog Anlrnatiori (Mabou Mines, 1978), Rose é um cachorro, que
Specialists, 1977) deuorniuou "teatro de imagens", expressão que tem em Bob Wil- é representado por uma boneca, por uma voz, por urna imagem (ver "Trans Semiotic
son sua realização paradigmática. Analysis: Shaggy Codes", The Drama Review 22, 1978, p. 3).
i
I
•
l TEATRO DO ENVIRONMENT... 101
100 WORK lN PROGRESSNA CENA CONTEMPORÂNEA
\
cena teatral apoiada em dramaturgia - faz com que essa linguagem
ocupe o topos paroxfstico da encenação.
Essa cena aproxima-se, dessa forma, das proposições dos teatra-
I
j
Em relação à localização, fisicalização do espaço-tempo da ence-
nação, podemos nomear uma cena do deslocamento - o "teatro do
environmeru'íêê - apropriação do espaço urbano, dos contextos cotidia-
listas - Gordon Craig, Appia, Meyerhold, entre outros, do teatro limite nos, a partir do efeito da espetacularidade do rnundo'" e do espalhamento
de Antonin Artaud -, como privilégio das totalizações cênicas ante o da artisticidade enquanto olhar estetizanre'".
discurso de palavras ou o "teatro pobre" dos atores'". Esse deslocamento para espaços incomuns à objetivação artística
O aspecto ontológico da cena teatral - a presença, o confronto tem origem nas experimentações das artes plásticas - instalações,
vivo - é colocado de forma ambígua na cena contemporânea através environments, land arf6 - e nos conceit~s da arquítetura modema
de operações de mediaçã0 29 , simulação e edição. (Bauhaus, Frank Loyd Wright, Le Corbusier) de apropriação do espa-
O vocoder de Laurie Anderson (voz ao vivo e amplificação, alte- ço público enquanto topos da artistícídadeê".
ração, simulando anterioridade, pré-gravação), as vozes microfonadas A montagem histórica de Robert Wilson (Ka Mountairi Guardenia
e o filó, em espetáculos de Richard Poremarr'? e Gerald Thomas, com Terrace), no Festival do Irã 'em 19723 8 - experiência de espaço-tempo,
a função primeira de mediar palco e platéia, os performers com gestua- com duração de sete semanas, happening-performance (prioritaria-
lidade maquínica e olhar em quarta parede de Magritte (O Espelho Vivo) mente realizados fora dos museus e espaços da "arte-arte") -, o teatro
são exemplificações paradigmáticas dessa presença mediada. de espaços invadidos do Squat Theatre e, contemporaneamente, os even-
Seguindo o paradigma de Derrida "absence of presence" e os me- tos que têm a cidade como objeto" são derivações a partir do conceito
canismos de simulação/simulacro denunciados por Baudri.llard'", com de environment como contexto.
réplicas / replicantes, duplos que se metamorfoseiam e superam seus Na cena contemporânea, espetáculos limites como Viagem ao
originais, numa recuperação de figurações românticas (o andróide) e Centro da Terra (Karrnan, Donasci, 1992) - cena multimídia no túnel
.............................das.idéia.4e.K;lcist.e.Gordon Craig (teatro das sur-marionettesy, a cena em construção sob o Rio Pinheiros -, Tempestade e Ímp eto (encenado
contemporânea exacerba o Verfremdun-gseffekt, o estranhamento cê- em bosques, florestas) e as experiências do La Fura Dels Baus e de
nico, num movimento que, em vez de eliminar o teatro, o eleva aos Andrei Serban (Trilogia Antiga) em espaços poligonais buscam, nessa
domínios do Zeitgeist contemporâneo, pleno de vozes mediatizadas, fuga do edifício-teatro, instaurar outras verossimilhanças no transpor-
amplificadas (a voz da mídia) e dos paradoxismos de virtualidade e te sígnico, criando ambigüidades nas relações clássicas da representa-
realidade, figurações concretas e imaginárias.
ção livre: "Nós já vivemos sem a alucinação estética da realidade. Hoje, o real e o
imaginário são confundidos na mesma totalidade operacional, na caixa de códigos.
Certamente isso deve significar o fim do teatro de representação - o espaço dos signos,
5.2. TEATRO DO ENVIRONMENT: CONSTRUÇÕES NO seus conflitos e seu silêncio".
ESPAÇO / TEMPO . 33. "Teatro ambiental". Termo cunhado por Richard Shechner e Theodore Shank,
nos anos 60, a partir da emergência do conceito de environment (Buckrninster Fuller) e
we already tive out the aesthetic hallucination of reality. da observação dos espetáculos do Bread & Puppet Co., do Environmental Theatre e da
Today, the real and the imaginary are confounded in the Fiji Company, entre outros (ver Theodore Shank, American Alternative Theatre, New
same operational totality, in the black box of the code. York, Grove, 1982).
Surely th.is must mean the end of the theatre of 34. "O Grande Teatro do Mundo", "o real enquanto obra de arte" (ver Eduardo
representation - the space of slgns, their conflict, and Subirats, A Cultura como Espetáculo, São Paulo, Nobel, 1989).
their silence. 35. O "olhar viajante", o olhar significante (ver Sérgio Cardoso, "O Olhar Viajan-
JEAN BAUDRILLARD32 te (do Etnólogo)", O Olhar, São Paulo, Cia. das Letras, 1988).
36. Walter de Maria, num dos trabalhos mais emblemáticos e referenciais da
28. Corno o work in process de Foreman, Kantor, Pina Bausch, todos encenadores, environment art, instala, no Novo México, seu Lighting Field (1971-1977), corpo de
com exceção de Beckett, dramaturgo / encenador. pára-raios que cria, artificialíza, um embate com a natureza (descrito em Marco do
29. Ver Roger Copeland, "The Presence of Mediation", The Drama Review 34, Valle, "A Condição do Deserto", Õculum, 1993). .
1990, p. 4). 37. Espaço de deriva, elevação, lazer.
30. Copeland (op. cit.) compara Paradise Now (1968), do Living Theatre, espetá- 38. Descrito em Robert Steams, Robert Wilson - From. a Theater of lmages,
culo da presença, do corpo, da interferência - emblemático dos anos 60 - com lVhat Cincinnati, The Contemporary Arts Center, 1980.
did He See (1988), de Richard Foreman, cena referencial dos anos 80. 39. Allione & Garosi, "T'he Medium we considerer is the city of Turín", s/d,
31. Jacques Derrida, "The Theatre of Cruelty and the Closure ofRepresentation", Brissac Peixoto cria o evento Arte-Cidade: "a situação não é de uma localização, mas
slr/d. Jean Baudrillard, Simulacres et Slmulations, Paris, Galillée, 1981. um deslocamento. Tudo que ternos é um não-lugar, urna nebulosa [...] onde se pode
32. Na Sombra das Maiorias Silenciosas, São Paulo, Brasiliense, 1985. Tradu- fincar pontos de referência" (ver Material Fonte).
.ft... "
•
TEATRO DO ENVIRONMENT... 105
rt
106 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA
John Cage (emSilence) propõe outra relação de sentido: "Is that it:
can turn its own tables and see meaninglessness as ultimate means,,52.
A partir da revolução de consciência e de elaboração da realidade
provocada pela emergência da relativística, da incerteza de Heisenberg
_ gerando trabalhos que incorporam aleatoriedade, acaso, indetermina-
ção - e das recentes formulações da teoria do caos'P e dos tractaísé", a
cena contemporânea estabelece uma formalização consonante com esses
novos paradigmas: a narrativa fragrneritada'", a dissonância, o infor-
me, não pertencentes à ordem euclidiana, ganham legibilidade enquanto
"realidade". Essa incorporação, na cena contemporânea, acentua, além
do efeito disruptor das v arrgtrardasr'", a busca de outros logismos, ou-
tras aproximações do fenômeno.
50. As operações cênicas de Foreman, Kantor, Thomas, Lepage, entre outros, são
rnarcadamente exógenas ao mainstream, que agrupa manifestações com o maior grau
de redundância e decodificação mais imediata. Habermas (op. cit.) aponta, precisa-
mente, a cifra e a distância entre o discurso de ponta e o mainstream como urna das
causas do "fracasso" do projeto das vanguardas.
51. Tradução livre: "Parece-nos que habitamos um mundo de processos e estrutu-
ras dinâmicas. Conseqüentemente, necessitamos de um cálculo de potencialidades ao
invés de um de probabilidades, numa dialética de polaridades, em que a unidade e a
diversidade são redefinidas corno pólos simultâneos e necessários da mesma essência".
(apud Ihab Hassan, lnnovation/Renovation: New Perspective on the Hurnanities; op.
cit., p. 38). Herbert Blau ("The Remission of Play", lnnovation/Renovation: New
Perspective on the Hurnanities, op, cit.) nomeia um Zeitgeist of Undeterminacy, que
marca a cena contemporânea, a partir do uso excessivo e má leitura de Heisenberg
(Universo enquanto caos, ausência de qualquer princípio ordenador).
52. Tradução livre: "Assim é possível 'virar o feitiço contra o feiticeiro' e ver o
sem sentido como o significado definitivo".
53. Visão sistêmica apoiada numa fundamentação antideterminista, segundo a
qual os fenômenos não se repetem e não há um todo organizado (ver James Gleick,
Chaos-Making a New Science, New York, Penguin, 1988).
54. Equacionamento heurístico e probabilístico que permite, através da inferição
e uso de tecnologia, rnapear superfícies irregulares, fragmentárias. O fractal pode ser
pensado enquanto metáfora de singularidade, consciência mônada.
55. Lyotard ("Answering the Question, What is Post-Modernismo", op. cit.) aponta
a incisão do fragmento enquanto marca da transição moderno/pós-moderno. Essa pas-
sa.gern se dá por UIll "enfraquecimento" (quebra da visão modernista: funcional, Richard Forernan, cena de My Head was a Sledgehammer (Minha cabeça era
totalizante). uma Marreta). Ontologycal-Hysteric Theater, Nova Iorque.
56. Trabalhos dadaístas e surrealistas pour épateur les bourgois e quebra dos
dr
k'
Artistas como Foreman 0:eeram o fragmento enquanto discurso, o ponto de vista relativístico ~ do criador e, enquanto captação,
obuscando uma linguagem queestruture a polifonia cênica: do receptor - estabelece uma disjunção espacial ("teatro do
environment"; evasão do edifício-teatro), temãtica'P e cronológica (tem-
I move toward creating a totally polyphonic theater in which alI elements work to
fragrnent each other so that the spectatoris relatively free from empathy and identification
and instead may savor the fuU playfulness of theatrical elements.
[...] My goal has always been to transcend very painful material with the dance of
rnaniac theatricalityê",
I
1
I
po disjunto, ficcional, contraparte do tempo sincrônico, da presença).
A cena desloca-se do palco (ponto focal de uma única se.qüência,
uma única narrativa) e ocupa espaços poligonais, transitórios, das ações
simultâneas (La Fura DeIs Baus, 1789 de Ariane Mnouchkine, cena
dapeiformanee), provocando recepções múltiplas, com recortes par-
A cena de Richard Foreman é emblemática da narrativa caótica,
ticulares.
fragmentária, suportada numa textualidade minimal - e plena de mar-
A narrativa - típica do teatro de Thomas e Foreman - sobrepõe,
cações, a exemplo de Beckett -, em estruturas invisíveis, constitutivas
qual colagem cubista, várias versões simultâneas: a de cadaperstano/
da linguagem, que estabelecem tensões dialéticas entre a encenação e
personagem, fabu'lantes, à procura de seus leitmotive, a do autor, des
omovimento dos p erforrners:
r~-"< 00000 Cestruturador) - em incisões freqüentes e irânicas em off-, a do recep-
__
once somebody brought Foucault to see one of my plays and said, you know, I'm very tor-"colador" tecendo, à oluz de seu repertório paradigmático, um
interested in this because I see that there is a very rigorous system at work but I can't construto possfvel'".
figure out what it is (laughs)... o A disjunção, e posterior montagem, que estabelece o descontínuo
[...] there seems to be ~;ension between the text with its structures and the presence of l na continuidade cronológica e episódica da cena64 reitera as operações
performers themselves . 1! do I .
o inconsciente verseh'te b ung ) d e o bl'rteração,
(TT - em alguns casos, da
Sobre a recepção, Foreman coloca: "the audience needs to learn 1 verdad~ - dolo~osa ao ego e revelação em outros momentos, a partir
to see small because to do means to engage the quantum leveI of reality' ······__··_·_.~-_ -de..preciosas..a FtIculaçõeso.de.condensação.
where contradictionare anchored'v", j A operação da montagem-colagem, propulsora de uma série de
A operação de disjunção''? e o deslocamento - polares do Z e i t g e i s t j construções da vanguarda - a brieollage, os objets trouv ês recompos-
contemporâneo - inscrevem-se na cena espetacular a partir da visão I tos ao acaso - e que apontava, na nascente, para uma quebra da ordem
relativístíca, sirnultanefsta'", sistematizadora, habitual, incide numa perigosa quebra do "orgânico"65,
segmentação esta que conflui, no contemporâneo, para perigosas ma-
cânones da arte clássica. Operações da contracultura (ler listas telefônicas em público) nipulações do sistema e seu tentáculo comunicante, a mídia'",
que a partir de um certo momento passam a configurar o que Susan Sontag (Styles of
Radical Will, New York, Delta Boole, 19(6) cunhou como "estética do silêncio" (e do ruído). ção do fenômeno, dos paradoxos da símulraneídade e da recente filosofia relativística
57. Apud Heuvel, Perforrning Drama/Dramatizing Perforrnance; Michigan, The (ver Bento Prado Jr., "O Relativismo como Contraponto", Folha de S. Paulo, Mais!, 26
University of Michigan Press, 1991. Tradução livre: "Eu me direciono para a criação jun. 1994).
de um teatro polifônico total, na qual todos os elementos trabalhem para fragmenta- 62. Cabeças arrancadas (cena de Thomas), manequins sem vozes e a filmografia
rem-se uns aos outros de forma que o espectador fique relativamente livre da empatia e trash do desmembramento e esfacelação - temas contemporâneos recorrentes, como o
identificação e, ao contrário, possa saborear o inteiro jogo dos elementos teatrais. [...] do serial killer.
Minha meta tem sido sempre a de transcender a 'dolorosa' materialidade com a dança 63. Que culmina com a irônica expulsão de "Você" (representado por Beth Coe-
de uma teatralidade rnanfaca", lho) do palco para a platéia, em M.O.R.T.E. de Gerald Thomas (ver Flora Sussekind,
58. Tradução livre: "Uma vez alguém trouxe Foucault para ver uma de minhas "A Imaginação Monológica", Revista USP,juL 1992).
peças e ele disse, imagine, estou muito interessado nisso porque eu vejo que existe um . 64. Partindo-se da irigênua crença da platéia de que a construção, arbitrária, do
sistema muito rigoroso operando, mas eu não consigo calcular o que seja (risos) ... encenador ou do narrador, é contínua, verossímiL Subirats (A Cultura como Esp etâcu-
Parece °haver uma tensão entre o texto com suas estruturas e a presença, em si, dos lo, op, cit.), descrevendo os mecanismos da midia, de construção e edição de realidade,
performers" (Bouncing Back the Impulse). coloca: "a realidade - se chamarmos por esse nome a sucessão de imagens e informa-
59. Tradução livre: "O público precisa aprender a ver pequeno, nas entrelinhas, ções que se sucedem indefinidamente no interior da tela - aparece, ao mesmo tempo,
porque fazer isto significa engajar-se no nível quântico da realidade em que as contra- na experiência subjetiva midialmente programada como a irrealidade de um sonho,
dições estão ancoradas". como a ficção do mundo convertido em espetãculo",
60. Não-junto, não-simultâneo, desencontrado: Derrida, em entrevista a Betty 65. Peter Bürger (Teoria de la Vanguarda, Barcelona, Península, 1987) aponta:
Milan ("Derrida Caça os Fantasmas de Marx", Folha de S. Paulo, Mais!, 26jun. 1994), "A obra de arte orgânica está construída sobre um modelo estrutural sintagmático _ a
citando Hanuet - "the time is out of joint" - apresenta a disjunção enquanto estado de parte e o todo formam um modelo estrutural dialético [...] há uma harmonia entre o
desconexão, "do não contemporâneo a si mesmo". sentido do todo e das partes, organizando a recepção".
61. Conceituação que parte da construção einsteniana, da relatividade da recep- 66. O teatro da midia: .Jerry Mander ("The Case ofthe Elimination ofTelevision",
rt-·
110 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA TEATRO DO ENVIRONMENT.•. 111
A operação da montagem e das "realidades construídas", o encenador contemporâneo depara-se com o dialogtsmo entre a
mediatizadas, instaura os dialogismos real/virtual, sublime/paródico, repetição72, reiteração, evocação de presença - premissas do teatro - e
emblemáticos da passagem modernidade/pós-modernidade e caracte- a edição-ficção-figuração, premissas de Iínguagem?".
rísticos do Zeitgeist contemporâneo: Derrida, retomando a cenaartaudiana, enquanto apologia, reitera
• a busca da realidade, enquanto superação - espaço de forma- o paradoxo da repetição, espaço da mortificação:
ção/configuração - é premissa da modernidade, a partir da formulação
it is a conception projected outside of history, [.•.] the theater exists only in a perpetua
de exotopias estruturadoras (psicanálise; marxismo, estruturalismo); presente: ln that scene what appears to be repetition is not, and that's what we want
• a busca da simulação, construção derivativa, da ordem da có- destroyed. For the enemy is repetition, the life denying force of a cadaverous return,
pia, da reprodução, é própria da pós-modernidade (contemporâneo), where the present holds on for dear life, coming into Being, the Enemy of the libidinal
realizada através de procedimentos de releitura e transportes, de me- body, negativity incarnate, ungeuerous, since it refuses the present to death, wanting to
preserve its i.llusion/",
nor potência6 7, da ordem fenomenal.
Para Lyotard a reiteração nostálgica do sublíme'", esgar da epifania, Na "cena da vida", o receptor contemporâneo, submetido ao con-
é premissa da construção modernista: esta presença se dá tanto nas for- tínuo / descontínuo irrealista, das emissões da mfdia, coloca-se num
mulações utopistas-o imaginário surrealista-quanto nas concretizações fio da navalha, no qual, silente, é imerso nas bizarras combinações do
mais abruptas e racionais - o sublime enquanto funcionalidade e sistema.
corporificação escultórica, na obra de Le Corbusier e seus seguidores. i Como evasã07 5 a essa ordem - das "realidades da Mídia", do esta-
Na objetivação pós-modernista o modelo de transposição é o li do de coisas contemporâneo (aparência enquanto superação, cultura
paródíco'" - recuperação distorcida e minimizada do referente pr.imei~-.- ·······················do·:fake,·ruptura··com -as-fontes?", consciência fragmentária, excessivo
ro - operação esta imbuída de cinismo e nfílisrno?", numa aproximação \ uso do relativismo) - e introduzindo um movimento díalético, num
distinta do espírito e motivações dadaístas. percurso enantiornorfo?", algumas alternativas se apresentam:
A questão do contínuo/descontínuo, presente nas edições de tem- Grotowskí, após capitanear as investigações da avant-garde cênica,
po-espaço cênicas e no "teatro da mídia", introduz a problemática da diz situar-se, hoje, no espaço da "rear-guard" recuperando sistemas e
representação-repetição, inerente ao fazer cêníco", tradições obliteradas pelo tempo (Kathakali, gestos primordiais?").
j
(do eterno presente) mais afeito às mídias efêmeras, descartáveis (televisão, publicida- Mo dernity, op, cit.).
de) sem a cumplicidade da audiência (convivialidade, testemunho). 78. Em Ron Grimes, "The Theater of Sources", The Drama Review, 25 (3), 1981.
rt
s-
r
TEATRO DO ENVIRONMENT.•. 113
de
I
, -
A característica dessa produção - independência da recepção e da Na cena teatral contemporânea essa possibilidade de captação do
rnídia, liberdade criativa, transgressão - estabelece um topos diver- transitório, do p un.ctumr, da manifestação efêmera da epifania, é
-I
gente e, ao mesmo tempo, pareado (avant-garde, campo "para"), a amplificada na operação do work in process, linguagem que incorpora-
cena do mainstream. - afeita a obras de maior redundância e a outros a
enquanto procedimento criativo - mutação; o acaso e o acontecimento.
tempos criativos - funcionando, dialeticamente, corno foco de antago- Por último, enquanto projeto utopista, a cena teatral contemporâ-
nismo e nutrimento na criação do establishment: nea exacerba a potencialidade da linguagem (ficção/ausência e, ao
O telas utopista busca, desesperadamente, estabelecer o elo, o mesmo tempo, presença, ao vivo, confronto espectador/atuante), ampli-
encontro entre o informe (unbildlichen), o não-revelado, o imaterial, a ficada pela tecnologia, levando às últimas conseqüências o visionarismo
aparição efêrnera da epifania e a sua materialização, transposição en- das vanguardas.
quanto obra (Bildnery: Louis Aragon (em carta aberta a André Breton), ao observar
Essa ambívalência - encontro de linguagem- corpo e presença do Deafman Glance, de Robert Wilson, coloca com deslumbramento:
espírito-animação - é premissa norteadora da criação de vanguarda:
I have never seen anything so beautiful in all tbe world
da utopia suprernarista (geometrismo enquanto forma e abstração en-
There are those who speak of tbis great Game
quanto idéia-animação) ao projeto surrealista (encontro de antinomias, of Silence, of this rniracle of men and not
realidade transcendente). of gods; this is shoddy surreafism, showcase
Na cena contemporânea esse encontro se corporifica pela forma surrealism if I never saw itF
assimétrica, distorcida, deslocada, e seu sentido' dcrtvado''.
O environrnertt de Joseph Beuys -Lightning with Stag in its Glare
_ work iri process gestado em 27 anos que inaugura a exposição 6.1. DA EXPERIÊNCIA BRASILEIRA: LIMITES
'" _ _._.:-- _ _n __.._ 0 .
d
WORK UN PROCESS E EPIFANIAS... 119
118 WORK lN PROGRESS NA CENA CONTEMPORÂNEA
Por outro lado, assistimos a uma extrema segmentação, limitante No material textual a seguir, apresento uma relação de espetácu-
ao formato teatral" - tanto em termos de mídia quanto de editais - los e acontecimentos que operam as linguagens contemporâneas e que
impedindo a emergência de espetáculos-fronteira e a experimentação foram matriciadores da pesquisa.
underground coberta anteriormente, em termos de repercussão de mídia
e produção, pela expressão daperforrnance.
A extrema .concentração da produção e do interesse crítico
deslegitima essa produção que é fulcro da intervenção mais radical -
produção essa que tem exteriorizado, geralmente em espaços avessos
ao espaço teatral. .
Como impedimento, também, à ousadia cênica assistimos a uma
precariedade de recepção crítica desses espetáculos transversos,
assimétricos, que são objetos de uma decodificação empobrecedora,
bastante aquém da radicalidade da criação, geralmente sendo classifi-
cados de abstratos a oníricos, à exceção de Gerald Thomas, que, por
sua repercussão internacional, tem recebido leitura a partir de Haroldo
de Campos, Flora Sussekind, Sílvia Fernandes, Jacó Guinsburg e
Otávio Frias Filho, conhecedores desse universo.
No campo da cena mítica, a repercussão, entre nós, de o
Mahabharata de Peter Brook (vídeo), bem oomo a aparição de espetá-
culos como O Paraíso Perdido (numa catedral) e O Livro de Já (Antô-
nio Araújo), de Kelbilin o Cão da Divindade (Luís Otávio Burnier),
Santa Teresa d'Avila, e do próprio Sturm urid Drang, todos em âmbito
restrito, apontam para uma nova vertente cênica e para uma recepção e
classificação além da de esoterismo (Paraíso Perdido e Sturm und
Drang, principalmente pelo uso de espaços não-convencionais e pelo
carãter mítico da recepção, foram os espetáculos que despertaram maior
atenção no II Festival de Teatro de Curitiba, 1993).
Numa outra dimensão, talvez a de maior alcance especulativo, tra-
balhos muItimídia como o evento Arte Cidade (Bríssac Peixoto, inspi-
rado em Lyotard e Baudrillard) e Arte Tecnologia (Instituto Cultural
Itaú, 1997) redimensionam o quadro da intervenção cênica- criando o
novo "teatro da environmeru"; teatro das tecnologias - e modo da atua-,
ção, possibilitando, através da intervenção de multilinguagem,
conceituaI, resgatar o espírito da experimentação utopista da van-
guarda.
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exaustiva e cobre principalmente os eventos de São Paulo.
ti
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