Anais Terceiro Colóquio Internacional FITA
Anais Terceiro Colóquio Internacional FITA
Anais Terceiro Colóquio Internacional FITA
FITA
ANAIS
11 a 14 de agosto de 2018
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Cultura e Eventos
Florianópolis/SC
ISSN: 2359-5469
TÍTULO
3º Colóquio Internacional FITA - Anais
ORGANIZAÇÃO
Profa. Dra. Maria de Fátima de Souza Moretti
COMISSÃO CIENTÍFICA
Profa. Dra. Maria de Fátima de Souza Moretti (UFSC)
Profa. Dra. Elisana de Carli (UFSC)
Prof. Dr. Rafael Luiz Marques Ary (UFSC)
Porf. Me. Luiz Gustavo Bieberbach Engroff (UNESC)
Me. José Ricardo Goulart (UDESC)
REVISÃO
Lucas de Lima
Disponível em:
http://coloquiofita2018.blogspot.com/p/anais.html
ISSN: 2359-5469
CDU: 792
Comissão Organizadora
Profa. Dra. Maria de Fátima de Souza Moretti
Esp. Zélia Regina Sabino
Prof. Me. Luiz Gustavo Bieberbach Engroff
Me. José Ricardo Goulart
Comissão Científica
Profa. Dra. Maria de Fátima de Souza Moretti (UFSC)
Profa. Dra. Elisana de Carli (UFSC)
Prof. Dr. Rafael Luiz Marques Ary (UFSC)
Porf. Me. Luiz Gustavo Bieberbach Engroff (UNESC)
Me. José Ricardo Goulart (UDESC)
Equipe de Produção
Blenda Emanuelle da Trindade
Fabrícia Elisa Souza
Igor Gomes Farias
Laura Wilbert Gedoz
Monitoria
João Carlos Quinalha Silva
Larissa Siedschlag
Luiz Felipe de Melo Braga
Márcia Cavalheiro
Mariana da Silva Longen
Mariana Paladino
Núcleo Técnico
Ivo Godois
Dayane Ros
Priscila Costa
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
Comissão Científica do Colóquio Internacional FITA.......................................................................................... 6
Boa leitura!
Abstract
The present paper portrays the path traveled by a piece of wood as a natural and lifeless
organic object/material, found and collected on the banks of the River Negro, in Manaus
city, Amazonas State, which is later transformed and given form at the Mamulengos
Puppet Theater, in Canoas city, Rio Grande do Sul State, and the resignification of that
inanimate object into an animated one, from the Amazon rivers currents to the stage of a
puppet theatre in the south of Brazil. Parts of the writing in this paper were done from the
point of view of a first-person narrator, the piece of wood itself that narrates its crossing
from its natural environment to another habitat, where it is transformed by a puppet
maker into an animated object: a character of the spectacle As Gineteadas do Valente
Toninho Corre Mundo na Estância de Cidão Dornelles.
Keywords: Puppet Theater. Mamulengo. Dramaturgy. Creating Processes. Grupo TIA-
Teatro Ideia e Ação.
Introdução
O presente texto é parte integrante do que venho desenvolvendo na pesquisa de
meu doutoramento em teatro na Universidade do Estado de Santa Catarina, objetivando
contextualizar, descrever e analisar os procedimentos de criação de dramaturgias para o
teatro de rua, tendo como recorte quatro textos que escrevi para diferentes grupos de
teatro de rua. A saber: O Dilema do Paciente, encenado pelo Grupo Manjericão (RS), As
Gineteadas do Valente Toninho Corre Mundo na Estância de Cidão Dornelles, encenado pelo
1
Márcio Silveira dos Santos é dramaturgo, ator, diretor, professor, pesquisador teatral. Integrante do Grupo
Manjericão, de Porto Alegre – RS. Possui Licenciatura e Mestrado em artes cênicas pela UFRGS. Doutorando em
Teatro pelo Programa de Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina.
2
Disponível em: < http://www.pucrs.br/humanidades/programa-de-pos-graduacao-em-letras/>.
3
A modalidade de Escrita Criativa, presente nos cursos de Letras de muitas universidades do país, investiga desde
a forma interdisciplinar a gênese de textos literários e não literários, sua relação com outras linguagens, até a
inclusão do escritor no sistema literário, apoiada em teorias críticas da literatura e em documentos de escritores
sobre seus processos de criação. Seu foco volta-se à criação literária e seus fundamentos estéticos, à crítica
genética, às relações entre literaturas e outras mídias, produção de roteiros teatrais e fílmicos e criação de textos
não literários.
4
Walter Benjamin. Baudelaire e a Modernidade, 2015.
Figura 01: Três momentos do mesmo habitat no Rio Negro, Manaus (AM)
Um pedaço de madeira: - No início era tudo calmo no balançar das folhas e galhos ao
vento quente. A floresta seguia o curso de sua história, as árvores num contínuo de sua
existência: germinar, crescer, frutificar e seguir o novo ciclo. Assim se mantém até os dias
de hoje, a não ser que ocorra algum imprevisto que possa interromper esse fluxo da
natureza. Interrupções que geralmente acontecem através de derrubada das árvores, que
pode ser por ação de ser humano através das queimadas, como também derrubadas para
plantio de pasto e alimentos. Outra forma pode ser algum desvio no caminhar da natureza
ao redor, como por exemplo: desmoronamento de barrancos, enchentes avassaladoras,
ventos tempestuosos que com sua força arrancam florestas inteiras do solo arenoso típico
da região amazônica, deixando rastros em quilômetros de destruição. Em situações assim,
muitas árvores morrem e poucas sobrevivem na persistência de brotar novamente.
Algumas árvores derrubadas são reutilizadas ou destruídas pelo ser humano. Mas a vida
é feita de surpresas e no meu caso, um simples pedaço de madeira, tive uma segunda
chance, ou talvez possa dizer que sigo revivendo, renascendo toda vez que o mestre
Posso ter sido um pedaço de uma canoa, de uma casa flutuante, de um trapiche, ou
posso ter caído nas águas do Rio Negro e ficado a ver navios por muito tempo. Depois, só
me recordo do dia ensolarado em que cheguei perto da areia quentinha de Manaus e o
Márcio me resgatou. Foi bem assim como estou te dizendo, quando eu olhei pra ele tive a
impressão de que ele já estava me olhando fazia tempo, só esperando que eu chegasse
mais perto e me esticasse na água até a mão dele, que me pegou com carinho e atenção.
Falou comigo e disse que a gente ia viajar, ou melhor, que a minha vida seria de muitas
viagens a partir daquele dia. Ah! Aviso você que está lendo esse texto que eu vou e volto,
tá? De vez em quando eu chego aqui pra contar um pouco de como me senti nesta
aventura. Inté.
Trabalhei por meses no texto, a partir das poucas dramaturgias para mamulengo
publicadas, e compreendi melhor a estrutura que tem por base a palavra. Tanto nas obras
teóricas de Hermilo Borba Filho como nas de Fernando Augusto, os textos teatrais eram
transcritos propositalmente como haviam sido gravados na época: ao vivo, em fitas
cassetes. Ou seja, há ali os erros de português, concordâncias, acentuações, etc, que
transformam a dramaturgia em um verdadeiro tesouro de pesquisa linguística. Mantendo
o texto como dito na fala coloquial-original, os pesquisadores permitiram que tivéssemos,
nos dias de hoje, uma noção muito próxima de como eram as apresentações, as
dramaturgias, as fontes, as características de cada mamulengueiro e seu universo
peculiar.
É possível perceber que nas manifestações mais tradicionais do teatro de bonecos,
como o Mamulengo, a dramaturgia desse tipo de teatro se baseia na palavra. Pode-se
Nas referências dos animais, ressaltei a Cobra M’boitatá, uma das mais conhecidas
lendas do sul. Ainda das lendas, utilizei a lenda do Mbororé, sobre o espírito de um índio
velho missioneiro que amaldiçoado guarda um tesouro jesuíta dentro de uma casa sem
portas e janelas, criando assim uma atmosfera de desafio à coragem dos pretendentes à
mão da filha do estancieiro Cidão Dornelles, um típico dono de fazenda. Há o personagem
titulo da obra, um esperto-malandro-arlequinesco como o “Ginete” Toninho Corre mundo,
um domador de cavalo, peão de estância, teatino dos campos e cidades, de estrutura
semelhante ao Benedito ou Bastião e a tantos outros no mamulengo. Enfim, foi possível
A transfiguração
O universo do mamulengo é pura transfiguração. Convida o espectador para entrar
nesse universo imaginário, onde tudo é apenas sugerido. Os bonecos possuem, na
verdade, metade do corpo que, na extensão da mão do bonequeiro, é animado. Na grande
maioria das vezes, em suas características faciais, eles não possuem abertura de boca, e
suas falas são entrecortadas, sumárias. Aliás, na peça As Gineteadas do Valente Toninho
Corre Mundo na Estância de Cidão Dornelles, a equipe liderada por Renan Leandro
conseguiu um ótimo efeito nos traços esculpidos na madeira.
O público entra na brincadeira para poder acompanhar o que se lhe apresenta. Os
animais têm papeis fundamentais no mamulengo. A cobra, por exemplo, é a primeira que
representa o espirito do mal, engolindo os personagens e tudo mais com sua bocarra.
Como no caso da Cobra M’boitatá, parte da lenda gaúcha, que engole todos os demais
personagens da peça e outros objetos que não estavam no contexto, mas que fazem
Vertentes históricas
Há muitas versões para o surgimento do mamulengo e de onde vem esta
denominação. Alguns historiadores traçam linhas do tempo desde a vinda dos imigrantes
europeus, pois os bonecos estavam em alta na Europa no período das grandes navegações.
Outros remetem a “animação” dos bonecos do presépio do nascimento de Cristo, e a
utilização deste recurso pela Igreja para doutrinar fieis através da representação de autos
litúrgicos. Um dos grandes, senão o maior pesquisador desse assunto, o pernambucano
Hermilo Borba Filho, traçou algumas hipóteses durante suas pesquisas em meados do
século XX. O pesquisador foi direto na fonte, ainda estavam vivos muitos dos grandes
mestres mamulengueiros, que hoje são referências históricas na constituição do universo
dos mamulengos. Praticamente os criadores, ou aperfeiçoadores, da brincadeira de “bota
boneco”.
Uma das hipóteses parte do personagem Mané Gostoso, um boneco desengonçado
que exibe “movimentos nas pernas e braços, que se agitam por meio de cordões”. É um
personagem do Bumba-meu-boi que, por haver inter-relação com os divertimentos
populares, tornou-se personagem do teatro de bonecos e por isso ainda hoje, em algumas
regiões do Brasil, a brincadeira de mamulengo é chamada de Mané Gostoso.
É possível que a palavra mamulengo tenha vindo do nome de Mané Gostoso: Mamu,
diminutivo de Manuel, com a substituição do n pelo m para torna-lo mais brando, mais
ao jeito da própria figura, juntando-se ao sufixo lengo, de lengo-lengo, corruptela de
lenga-lenga, expressão onomatopaica do barulho monótono que faz o boneco ao ser
movido por um movimento da mão, dando cambalhotas, ficando de cabeça pra baixo,
com uma perna atrás da orelha, etc. (FILHO, 1987, p.69).
O Mamulengo não era o divertimento, mas sim o nome do boneco, que por extensão
deu o nome ao jogo, a brincadeira de Mamulengos. Outra hipótese levantada por Hermilo
Borba Filho:
Ator-animador-manipulador
Marcelo Militão, ator-palhaço e bonequeiro, encarou o desafio de manipular uma
dezena de bonecos na peça, tarefa árdua tanto na questão do ritmo como também no
trabalho físico, pois demanda preparação ou estar com a estrutura corporal em dia para
tal trabalho. É impressionante a exigência física do teatro de bonecos para com o ator-
manipulador. Vejamos a parte principal, a mão:
É comum ouvir de atores-animadores que “o boneco olha com a cabeça e não apenas
com o olho”. O olhar adquire importância fundamental quando o boneco, antes do início
de determinadas ações, olha para o ponto exato de deslocamento. A precisão do seu
olhar indica ao espectador o que deve ser observado. Isso exige um amplo e definido
movimento de cabeça, para dar a clara sensação de que o boneco olha. (BELTRAME,
2008, p. 29).
Flor do Mamulengo
(Luís Fidélis-Juazeiro do Norte-CE)
REFERÊNCIAS
AMARAL, Ana Maria. Teatro de Animação. Ateliê Editorial: SP, 1997.
___________. A Dramaturgia do teatro de bonecos para crianças. (in) Continente Sul Sur, Nº 5 –
Revista do Instituto Estadual do Livro. Porto Alegre: 1997.
ESCUDEIRO, Ângela Maria. Cassimiro Coco de Cada Dia – Botando Boneco no Ceará.
Fortaleza: IMEPH, 2007.
Abstract
This paper explores the possible reasons why Chikamatsu Monzaemon (1653-1725), an
illustrious Japanese playwright who wrote for both the puppet theater (Bunraku) and the
actor’s theatre (Kabuki), has varied his dedication to these two genres along his literary-
theatrical trajectory, from considerations about the art of acting by H. von Kleist, M.
Maeterlinck and G. Craig.
1
Professor PhD Adjunto IV da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), P.R.Berton é dramaturgo, diretor
de teatro e professor. Possui graduação em direção teatral/UFRGS (1999) e mestrado em teoria literária/PUCRS
(2007). De 2007 a 2010, viveu nos EUA, onde recebeu o diploma de PhD em teatro pela University of Colorado
at Boulder - bolsista de doutorado integral pela CAPES/Fulbright. Coordena o NEEDRAM – Núcleo de Estudos
em Encenação e Escrita Dramática, que organiza o SBEDR (Seminário Brasileiro de Escrita Dramática) e a
companhia teatral Miletrê. Atualmente leciona teoria teatral, encenação teatral e escrita dramática no curso de
Artes Cênicas da UFSC, e é docente do curso de pós-graduação em Literatura (PPGLit) da UFSC.
2
The crucial event in the life of a chief character (the shite, or Doer, role), often the grieving spirit of a dead
person, was remembered and re-enacted in a kuse-mai scene.
Este intercâmbio estético que se dava entre os dois gêneros vai acabar se refletindo
na própria escrita dramática de Monzaemon. No entanto, antes de tratarmos da obra deste
dramaturgo, vamos nos deter nas formas teatrais Kabuki e Bunraku, a fim de verificar as
semelhanças e especificidades mencionadas por Brandon na citação acima.
A origem do Kabuki está na apresentação de formas seculares de danças religiosas
(ennen) e folclóricas (odori) por parte de trupes itinerantes de atores. Quando a dançarina
Okumi resolve estabelecer um palco fixo no santuário de Kitano, e mais tarde no leito seco
do rio Kami, nos quais ela apresentava esquetes sobre a vida contemporânea à frente de
telas pintadas, o gênero se afirma como um entretenimento de caráter popular. A
princípio interpretada por prostitutas e depois por prostitutos, a sanção Tokugawa para
a prática de duas profissões, deu lugar a grupos profissionais de atores homens mais
velhos, o que contribuiu de forma decisiva para o sucesso do Kabuki.
3
Professional, commercial Kabuki and Bunraku are products of a restless, assertive, mercantile Society that
flourished in the great cities of Kyoto, Osaka and Edo (Tokyo) under the xenophobic rule of successive Tokugawa
Shoguns (1603-1868). Troupes of the two genres competed for the same audiences. They performed in theatres
side by side and over the decades they borrowed each others’ successful plays. Alike in certain ways, nonetheless
they evolved out of different antecedents and they attempt mutually distinct artistic aims.
4
Termo ligado a Takemoto Gidayu, tayu que estabeleceu a música-padrão do Bunraku que se mantém até hoje.
5
Puppet movement techniques, gidayu music and third-person narrations.
6
Outra denominação do período Edo ou Tokugawa.
7
I choose Chikamatsu because he is the greatest dramatist of this Tokugawa Period, probably of Japanese
literature--and that's where the literary action is in this period. Chikamatsu is even sometimes called the “Japanese
Shakespeare” [...] and, as Shakespeare is the quintessential Elizabethan, Chikamatsu may be seen as the
quintessential representative of the Genroku period (1688-1703).
8
Chikamatsu’s narrative passages contain sections of great verbal beauty, especially lovers’ travel scenes
(michiyuki). He used verbal techniques of alliteration (kakekotoba, ‘pivot words’) – in which a word contributes
one meaning to the phrase preceding and a different meaning to the frase following – and related words (engo),
as, for example, mist, rain, dew and wetness convey related images of eroticism.
O que precisa ser contextualizado aqui é que o Kabuki era visto pelos japoneses
como uma arte extremamente realista, e isto incomodava Chikamatsu, que entendia que
a arte deveria estar num território intermediário entre o real e o ilusório. A menção à
barba comprida e à cabeça raspada é uma crítica a este gosto pelo realismo, mostrando
que, quando no palco, a realidade pura só afasta o espectador. E este vai ser um princípio
básico do Bunraku: o distanciamento do real. Para Chikamatsu: “a representação de uma
motivação interna, ao invés da cópia fiel de uma ação externa, é o que dá vida ao drama
assim como à história” (UEDA, 1960, p.109, tradução nossa).10 Ao mesmo tempo,
Chikamatsu entendia que a arte deveria ser uma imitação da vida e não uma simbolização
da mesma, razão pela qual ele nunca se interessou pelo teatro Noh. Por se situar num pólo
intermediário entre o realismo do Kabuki e o simbolismo extremado do Noh, que o autor
dramático japonês passou a se dedicar exclusivamente ao Bunraku. Na defesa do patético,
Monzaemon acreditava que ele deveria estar na própria ação dramática, construída no
9
Art exists in the thin margin between reality and illusion. Indeed, as the people nowadays favor realism, the
retainer on the stage tends to copy the gestures and the speeches of a real retainer; but, does a real retainer ever
puts rouge or powder on his face as an actor does? Or, would it prove entertaining if an actor, holding that a real
retainer wears no make-up, should appear on the stage with his beard growing wild and his head shaven? This is
what I mean by the thin margin between reality and illusion. It is illusion, and yet it is not illusion; it is reality, and
yet it is not reality. Entertainment lies between the two.
10
The representation of an internal motive, rather than the faithful copy of an external action, is what gives life to
drama as well as to a story.
Joruri11 se diferencia de outras formas de ficção uma vez que, por ser
primariamente ligado a bonecos, as palavras deveriam todas serem coisas vivas
nas quais a ação é o elemento mais importante. Já que o Joruri é representado em
teatros que trabalham numa competição acirrada com o Kabuki, que é a arte dos
atores vivos, o autor dramático precisa transmitir para os bonecos de madeira
animados uma variedade de emoções e conseguir, desta forma, atrair a atenção
e interesse do público. (GERSTLE, 2001, p.25, tradução nossa).12
Eu disse para ele que eu tinha ficado surpreso de tê-lo encontrado por mais de
uma vez assistindo ao teatro de marionetes, que acontecia na praça do mercado,
o qual alegrava o povo através de pequenas peças burlescas com canto e dança.
11
Outra denominação do Bunraku.
12
Joruri12 differs from other forms of fiction in that, since it is primarily concerned with puppets, the words should
all be living things in which action is the most important feature. Because joruri is performed in theatres that
operate in close competition with those of kabuki, which is the art of living actors, the author must impart to lifeless
wooden puppets a variety of emotions and attempt in this way to capture the interest of the audience.
O título desta obra é Sobre o Teatro de Marionetes. Kleist argumenta que: “uma
marionete pode dançar com uma graça impossível ao ser humano porque carece de
autoconsciência e não consegue, como um ator humano, falsificar a dança “concentrando
a alma (vis motrix) em nenhum outro ponto que não o do centro de gravidade do
movimento” (CARLSON, 1995, p.182). Kleist retoma a oposição entre atores vivos e atores
animados que caracterizou o teatro de Chikamatsu Monzaemon quando se pergunta: “E a
vantagem, que esse boneco teria sobre dançarinos vivos?” (KLEIST, 1810, p.1, tradução
nossa)14. Para Kleist: “a graciosidade dos títeres e animais decorre da sua inocência não
conspurcada pela intervenção da consciência; bem ao contrário de Schiller, que julgava
consistir a graça, em última análise, na harmonia entre natureza e espírito” (ROSENFELD,
2008, p.43). Como um bom romântico, Kleist acreditava nos extremos e desdenhava a
harmonia entre natureza e espírito, entre realidade e ideia. Assim ele defendia que:
13
Ich sagte ihm, dass ich erstaunt gewesen wäre, ihn schon mehrere Mal in einem Marionettentheater zu finden,
das auf dem Markte zusammengezimmert worden war, und den Pöbel, durch kleine dramatische Burlesken, mit
Gesang und Tanz durchwebt, belustigte. Er versicherte mir, dass ihm die Pantomimik dieser Puppen viel
Vergnügen machte, und ließ nicht undeutlich merken, dass ein Tänzer, der sich ausbilden wolle, mancherlei von
ihnen lernen könne
14
Und der Vorteil, den diese Puppe vor lebendigen Tänzern voraus haben würde?
Kleist faz uso de gestuais e movimentos dos seres animados, que não possuem
consciência da sua própria existência, para combater o sonho clássico de Schiller e Goethe
na coexistência dos princípios da natureza e do espírito e adotar uma postura radical e
extremada: ou o espírito se transforma totalmente em natureza ou a natureza se
transforma totalmente em espírito. Um sonho utópico para combater a descrença na
ordem universal. Pois ao final de Prinz Friedrich von Homburg: “vence o sonho sobre a
morte” (ROSENFELD, 2008, p.49).
No início do século XX, vamos nos deparar com outro artista teatral cuja teoria será
de enorme influência para a quebra de vários paradigmas e que irá, na mesma linha de
Monzaemon e Kleist, defender os seres animados na cena.
Sua reputação hoje em dia é muito bizarra. Todos aqueles com o mínimo de
interesse pelo teatro do passado e do presente conhecem o seu nome mas a
maioria deles pelas razões equivocadas. “Ele não foi aquele cujo cenário era lindo
no papel mas assim que ele foi erguido ele desabou?” “Ele não queria se livrar do
ator em prol do boneco?” “É certo que ele foi um dos teóricos da virada do século
que escreveu muito mas nunca realizou nada. Ele ainda estava vivo em 1966?”
(WALTON, 1983, p.1-2, tradução nossa)16
15
To the pupils in my dramatic college I put the following question yesterday: ‘Do you consider the marionette
natural?’ ‘No.’ They answered with one voice. ‘What!’ I replied indignantly. ‘Not natural? All its movements
speak with the perfect voice of its nature. If a machine should try to move in imitation of human beings, that would
be unnatural. Now follow me: the marionette is more than natural; it has style – that is to say, unity of expression.;
therefore the marionette theater is the true theatre.’
16
His reputation today is an odd one. All those with even a passing interest in the theatre past and present know
his name but most of them for wrong reasons. ‘Wasn’t he the man whose scenery looked fine on paper but fell
down as soon as it was put up?’ ‘Didn´t he want to do away with the actor in favour of the puppet?’ ‘Surely he
Craig condena a arte de interpretar, afirmando que ela não pode em absoluto ser
chamada de uma arte, já que o ator, sendo de carne e osso, é sempre presa de
emoção, e a emoção introduz o acidental, que é inimigo da arte (CARLSON, 1995,
p.297).
Estas ideias aparecem no artigo de 1908 intitulado The Actor and the
ÜberMarionette. Nele, Craig se apoia no teatro de animação para propor um tipo de ator
que não sucumba mais às suas emoções ordinárias, o que caracterizava o estilo de atuação
realista utilizado pelo seu padrasto, Henry Irving, e pela sua mãe, Ellen Terry. Esta reação,
que Freud taxaria de edípica, encontra sustentação teórica nos princípios simbolistas, que
rejeitam a imitação do real como princípio estético fundamental. Para Craig: “O ator, tal
como o conhecemos, ligado à natureza, deve desaparecer; em seu lugar deve vir a ‘figura
inanimada – o ÜberMarionette’, figura da visão simbolista que ‘não competirá com a vida’,
mas ‘irá além dela’, ao transe e à visão” (CARLSON, 1995, p.297). Os termos que Craig usa
enveredam pelo aspecto espiritual da arte, mas podemos afirmar que tanto ele quanto
Monzaemon, privilegiam o caráter artificial do teatro, uma arte que mesmo fazendo
sempre referência às questões do humano, não deve procurar uma mimese absoluta, mas
fugir da ilusão de realidade. O artista britânico conclui:
A gente não deveria olhar pra frente com esperança aguardando o dia que nos
trará de volta a figura, ou a criatura simbólica, feita também pela destreza do
artista, para que a gente possa novamente ganhar a ‘nobre artificialidade’ da qual
fala o velho escritor?” (CRAIG, 1983, p.86, tradução nossa).17
Por fim, corroborando a predileção dos artistas teatrais pelos atores não-vivos
apresentados até aqui neste artigo, iremos trazer para a discussão o escritor dramático
belga Maurice Maeterlinck (1862-1949). Segundo Carlson: “Como Appia e os simbolistas
em geral, ele via o interesse anterior pelo teatro pelo acidental e pelo realista como uma
barreira à expressão mais profunda” (CARLSON, 1995, p.287). Seu famoso artigo O
Trágico na Vida Cotidiana (1896), busca solucionar esta repulsa pela ilusão de realidade
na cena através do que ele conceitua como ‘teatro estático’. O ator praticamente imóvel,
was one of those theorists from the turn of the century who wrote a lot but never did anything. Was he really still
alive in 1966?
17
May we not look forward with hope to that day which shall bring back to us once more the figure, or symbolic
creature, made also by the cunning of the artist, so that we can gain once more ‘the noble artificiality’ which the
older writer speaks of?
Eu passei a acreditar que ele, imóvel como ele está, no fundo vive numa realidade
mais profunda, mais humana e numa vida mais universal do que um amante que
estrangula a sua parceira, o capitão que vence uma batalha ou “o marido que se
vinga em nome de sua honra” (MAETERLINCK, 2000, p.385, tradução nossa). 18
O próprio Maeterlinck disse que queria escrever uma peça ‘no estilo de
Shakespeare para um teatro de marionetes’. As personagens não apenas devem
ser feitas por marionetes (teria sido dito que ‘estes fragmentos psicológicos não
aguentariam o peso de um ator’, apesar de eles terem sido representados em
cena na verdade por atores humanos) mas são bonecos nas mãos do destino; eles
não têm o poder de mudar as suas circunstâncias (BOOTH, 2011, p.5, tradução
nossa).
Mais uma vez será o teatro de animação que irá solucionar os problemas estéticos
destes pensadores teatrais. Tão determinista quanto o estilo realista, ao qual Maeterlinck
se opõe, o simbolismo busca um ator que não seja o ‘pesado’ e material ator do realismo.
As marionetes conseguem realizar o teatro estático e imóvel sem falhas e ao mesmo
tempo, quando manipuladas, sugerem que suas vidas estão sendo dirigidas por uma
entidade superior.
Voltamos então, depois de ilustrarmos o uso do teatro de animação como uma
solução estética para as ideias de Kleist, Craig e Maeterlinck, para nosso ponto de partida,
o dramaturgo japonês Chikamatsu Monzaemon. Percebe-se que o apreço pelo teatro de
animação, para cada um destes artistas, se justifica antes de tudo por questões ideológicas
e não estéticas. Os quatro artistas de uma certa forma enxergam a arte do teatro como
algo artificial que, mesmo referenciando o real, não busca a sua imitação direta.
18
I have grown to believe that he, motionless as he is, does yet live in reality a deeper, more human and more
universal life than the lover who strangles his mistress, the captain who conquers in battle, or “the husband who
avenges in his honor”.
REFERÊNCIAS
BRANDON, J. Asian Theatre. Cambridge: Cambridge UP, 1993.
CARLSON, M. Teorias do Teatro: Estudo Histórico dos Gregos à Atualidade. São Paulo:
UNESP, 1995.
GERSTLE, C.A. Chikamatsu: Five Late Plays. New York: Columbia UP, 2001.
KEENE, D. Four Major Plays of Chikamatsu. New York: Columbia UP, 1961. Disponível
em: <http://www.washburn.edu/reference/bridge24/Chickamatsu.html>. Acesso em:
09 jun. 2018.
KLEIST, H. von. Über das Marionettentheater. Hp Joachim Schmid, Zürich, jun 2018.
Disponível em: <http://www.joachimschmid.ch/docs/DTxKleisHeiMario.pdf>. Acesso
em: 10 jun. 2018.
MAETERLINCK, M. The Tragic in Daily Life. In: GEROULD, D. (Ed.) Theatre, Theory,
Theatre. New York: Applause, 2000.
Gilson Motta1
Resumo
O presente artigo foi desenvolvido a partir das experiências vivenciadas no III Colóquio
Internacional FITA – Festival Internacional de Teatro de Animação: O teatro de sombras e
o teatro de objetos. Considerando o recorte temático do Colóquio, o artigo relembra temas,
discussões e alguns espetáculos apresentados, além de traçar uma reflexão sobre as
experiências cênicas desenvolvidas no Laboratório Objetos Performáticos de Teatro de
Animação, laboratório que coordeno desde 2012, na Escola de Belas Artes (EBA) da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. A referência a estas experiências se dá na
medida em que elas convergem com as discussões efetuadas no Colóquio, envolvendo
temas de relevância para o pensamento artístico contemporâneo, como teatralidade e
performatividade.
Palavras-chave: Teatro de Objetos. Teatro de Sombras. Performance.
Abstract
This article has been drawn from the experiences I had at the III International Colloquium
FITA - International Festival of Puppet Theater that discussed shadow puppetry and
theater of objects. Considering the theme of the Colloquium, this article recalls themes,
discussions and some shows presented, and reflects on the scenic experiences that have
been made at the Laboratory of Performing Objects for Puppet Theater, which I have been
coordinating since 2012 at the School of Fine Arts in the Federal University of Rio de
Janeiro - UFRJ. The reference to those experiences occurs due to their convergence with
the discussions carried out at the Colloquium, involving topics of relevance to
contemporary artistic thought, such as theatricality and performativity.
Keywords: Theater of Objects. Shadow Puppetry. Performance.
Os objetos e a teatralidade
No III Colóquio Internacional FITA, o tema do objeto foi introduzido pela atriz e
diretora Sandra Vargas, do Grupo Sobrevento de Teatro de Animação. Numa estimulante
fala que estabeleceu a distinção entre teatro de formas animadas e teatro de objetos, ela
descreveu o modo como o objeto é utilizado – forma, função, movimento, carga simbólica
–, discutiu as formas de jogo do ator-performer no teatro de objetos, além de mencionar
vários artistas e textos sobre o tema2. Sandra Vargas apontou para um aspecto que me
1
Gilson Motta é artista e pesquisador de artes cênicas, professor de Estética Teatral e de Teatro de Formas no
Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena (PPGAC), da Escola de Comunicação da UFRJ.
2
Uma das referências interessantes fornecidas pela atriz foi o trabalho de Shaday Larios. Disponível em:
<http://www.titeresante.es/author/shadaylarios/>. Para as questões que desenvolverei na primeira parte deste
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despertou a atenção mais profundamente. A atriz mencionou uma experiência
desenvolvida no Espaço Sobrevento, onde a história do objeto foi o ponto de partida para
se descobrir a história do espaço e, evidentemente, das pessoas que habitam naquele
espaço. Tratava-se assim de se ver, por intermédio dos objetos, a história que estava
escondida atrás deles e, assim, se chegar a história das pessoas e do espaço.
A perspectiva lançada por Sandra Vargas propiciou a conexão com várias
discussões e conceitos de arte contemporânea, especificamente sobre o objeto na arte,
mas também me trouxe à mente a memória de uma performance que eu havia realizado
com os alunos dos cursos de Artes Cênicas. Em 2016, ofereci um curso cujo tema era o
caminhar como prática estética. Em linhas gerais, o caminhar como prática estética é uma
tendência da arte moderna que começa a se desenvolver a partir dos dadaístas e
surrealistas, ganhando um aporte teórico e conceitual mais sólido com o movimento
situacionista, passando pela land art até chegar às diversas práticas contemporâneas.
Evidentemente, o curso envolvia as ações de caminhar e a criação de performances e
intervenções com base em caminhadas. Realizamos caminhadas numa das praias que
banha a ilha do Fundão3. A proposta de se caminhar pela ilha se mostrava, inicialmente,
como forma de exploração cartográfica e de exercício do método psicogeográfico
proposto pelos Situacionistas. Sabendo de antemão que a referida praia era imprópria
para o banho, devido à intensa poluição da baía de Guanabara, o que nos interessava era
pensar o efeito dessa experiência sobre a sensibilidade e os afetos e, além disso, o que esta
experiência poderia gerar como produção artística. A primeira visita à praia causou-nos
uma forte impressão, pois não tínhamos a dimensão da enorme quantidade de resíduos
sólidos que chegavam até a ilha: brinquedos, vestimentas, acessórios, utensílios,
mobiliário, aparelhos eletrodomésticos, objetos decorativos, etc. A lembrança dessas
artigo, indico o texto: Teatro de objetos documental, onde a autora faz menção aos objetos marcados por
acontecimentos catastróficos. Disponível em: <http://www.titeresante.es/2016/08/teatro-de-objetos-documental-
derivaciones-del-teatro-de-objetos-hacia-lo-documental-por-shaday-larios/>.
3
A ilha do Fundão é, na verdade, uma ilha artificial, resultado de um projeto de aterramento que agregou oito
ilhas: a ilha do Fundão, a ilha do Pindaí do Ferreira, Pindaí do França, Bom Jesus, Sapucaia, Baiacú, Cabras e
Catalão. Esse aterramento se deu entre os anos de 1949e 1952. Há vários textos e imagens disponíveis na internet
que tratam da história desta ilha. Indicarei aqui alguns deles, disponíveis em:
<http://www.rioquepassou.com.br/2007/05/18/aerea-fundao-final-dos-anos-50/>;
<http://www.gfdesign.com.br/canaldofundao/1945-1992.php>;
<https://medium.com/@mo.re.no/como-a-ufrj-foi-parar-na-ilha-do-fund%C3%A3o-1f9985e92685>;
<http://rioonwatch.org.br/?p=23997>.
A pergunta que Sandra Vargas dizia fazer aos objetos – “como transformar isso
em teatro?” – é, em si, um modo de olhar instaurador da teatralidade. Junto ao grupo de
alunos que frequentava o curso nos perguntávamos o que fazer, pois não tínhamos a
certeza sobre a linguagem artística que seria utilizada. Sabíamos apenas que o elemento
4
É neste sentido que o conceito de “objetos marcados por acontecimentos catastróficos”, de Shaday Larios dialoga
diretamente com este tipo de objeto encontrado na praia da ilha do Fundão. Segundo a autora, estes objetos teriam
um potencial poético, um valor documental, uma história e uma carga dramática, na medida em que seriam ”seres
sobreviventes”, que trariam em si um outro tipo de vitalidade.
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itinerante deveria fazer parte da proposta artística. O processo de discussão gerou três
projetos de performance: quatro instalações e duas performances itinerantes, uma
chamada de Divagação do amanhã5, outra chamada Iemanjá não mora mais no mar6.
Juntos, estes projetos artísticos formariam o que chamamos de “Cortejo praiano”7, a saber,
uma caminhada com o público/participante pela praia e pela região e entorno. Durante
este trajeto, o público veria as instalações e acompanharia as duas performances
itinerantes.
No que se refere às instalações, cada uma explorava um aspecto temático e um
tipo de objeto. Uma consistia numa composição com garrafas plásticas e copos que eram
colocados numa árvore. Duas buscavam reconstruir aposentos de uma moradia: um
quarto de criança, devido à grande quantidade de brinquedos encontrados; outra
reconstituía uma espécie de cozinha; uma outra instalação lidava com a acumulação de
sapatos. Assim como ocorria com muitos dos objetos encontrados, muitos tênis e sapatos
considerados de grandes marcas, encontravam-se agora reduzidos à condição de lixo, de
produto destituído de qualquer valor. Essas instalações lidavam com a problematização
acerca da relatividade do valor dos produtos comercializados numa sociedade
excessivamente consumista. Os objetos evocavam uma presença: a memória, a infância,
os bens de consumo das pessoas de baixa renda (visto que boa parte dos resíduos se
origina de regiões onde há carência de saneamento básico), entre outras.
A performance Divagação do amanhã dialogava com duas questões: a
comemoração dos 200 anos da Escola de Belas Artes, da UFRJ e a poluição das águas da
baía de Guanabara. Na ação, dois performers caminhavam pelo Campus com trajes feitos
com resíduos sólidos, mas cujas linhas lembravam, ao mesmo tempo, o estilo da
vestimenta usada por volta de 1816, na ocasião em que a Escola de Belas Artes foi
fundada, e um traje futurista. Deste modo, a performance trazia a seguinte reflexão: com
a acelerada degradação e poluição das águas, o que irá ocorrer com a baía de Guanabara
no futuro? Já a performance Iemanjá não mora mais no mar trazia uma discussão sobre a
perda do espaço da praia e do mar, como lugares de culto e ritual religioso. Na
5
Esta performance foi criada pelos estudantes Anna Limazzi e por Filipe Santos e contou com a colaboração de
outros estudantes que contribuíram para a criação dos trajes.
6
Esta performance foi criada pela atriz Flávia Coelho e contou com a colaboração de outros estudantes que
contribuíram para a criação do traje e do suporte com rodas.
7
Para maiores informações sobre essa e outras performances realizadas pelo Laboratório Objetos Performáticos
de Teatro de Animação, acessar: <www.objetosperformaticos.com.br>.
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performance, Flávia Coelho, vestida como Iemanjá, se deslocava simbolicamente das
águas para a terra. A poluição desqualifica a água como elemento de purificação, de
limpeza, mas também desqualifica a praia como lugar de oferendas. Desta forma, em todas
as obras, a discussão ecológica dialogava com elementos de ordem social e política. Ora,
de modo geral, a relação entre a arte e o lixo abre espaço para a discussão de vários temas
que transcendem o campo estético e penetram em territórios de cunho social e político,
como o consumo, os produtos descartáveis, a reciclagem, a sustentabilidade, o meio
ambiente, entre outros. Isto porque a análise do lixo permite vislumbrar todo um sistema
econômico, comercial, social e político. Em outras palavras, a vida cotidiana se mostra
indiretamente por intermédio do lixo, como se o lixo fosse um espelho da civilização de
consumo. Em When trash becomes Art, Lea Virgine, cita o livro do economista Guido Viale,
Un mondo usa e getta, que se utiliza desta imagem do espelho para se referir ao lixo,
trançando a crítica do consumismo:
8
Sobre esses temas, ver: FERNANDES, Silvia. Teatralidades contemporâneas, In Teatralidades contemporâneas,
São Paulo: Perspectiva, 2010.
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obsolescência do objeto, é um modo de subverter a lógica do consumo da sociedade
capitalista, recusando o desperdício.
O que se nota é que o teatro de objetos – tal como apresentado pela Trip Teatro
de Animação – dialoga de modo estimulante com aquela linguagem que negligencia o
teatro, isto é, a performance, e, ao mesmo tempo, evidencia a teatralidade, por fazer com
que o objeto, em sua crueza, abra as portas do imaginário e do poético, fazendo a
passagem do aqui para um outro lugar.
9
Em 2015, foi formada a plataforma Performers Sem Fronteiras (PsF), que reúne performers de diversas
nacionalidades que realizam projetos artísticos, culturais e terapêuticos com e para vítimas de traumas de choque
(conflitos armados, migrações, guerras, catástrofes naturais) ou traumas de desenvolvimento (pessoas idosas,
pessoas adoentadas, internadas em hospitais psiquiátricos, órfãos, entre outras situações). Essa plataforma está
vinculada a um projeto de pesquisa coordenado pela artista e pesquisadora Tania Alice, na Universidade Federal
do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), e possui a forma legal de uma Associação Artística ("Lei de 1901") em
atividade, fundada na França. A plataforma conta com um núcleo de artistas e pesquisadores, como Diego Baffi,
Diogo Resende, Fernanda Paixão, Gilson Motta, Marcelo Asth e Tania Alice. Para mais detalhes acessar:
<www.performerssemfronteiras.com>.
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conter um forte poder simbólico religioso: o dia da morte de Cristo, que precede a
ressureição.
Esta primeira intervenção foi bastante experimental, seja pelo fato de haver a
dependência de se encontrar um lugar adequado para a projeção (buscávamos um
suporte para a projeção – uma fachada de um prédio, uma parede – que estivesse
relativamente escuro, mas que, ao mesmo tempo, se encontrasse numa região
relativamente movimentada, para que os transeuntes pudesse ver a imagem), seja pelo
fato de não sabermos como manipular a silhueta: alguns achavam que ela deveria ficar
estática, outros, como eu, acreditava que a silhueta devia mover-se, isto é, deveria ser
animada pelo performer. Nesta primeira tentativa, obtivemos um bom resultado nos
Arcos da Lapa. Este lugar era interessante, não somente por ter sido o último lugar em
que Marielle Franco compareceu para uma reunião política, como também por agregar
um grande número de pessoas. Na projeção feita nos Arcos algumas pessoas se
aproximaram de nós e se emocionaram com a imagem, de tal forma que, a projeção foi o
ponto de partida para um contato com as pessoas, mantendo a proposta de uma
performance de caráter relacional.
Cerca de duas semanas depois, houve o evento “Amanhecer Marielle”. Nele, na
parte da noite, haveria uma grande marcha que partiria dos Arcos da Lapa em direção ao
bairro do Estácio, local onde a vereadora foi assassinada. Essa caminhada agregava
diversos valores: era uma caminhada política, era uma peregrinação, era uma caminhada
espiritual. Atentos a este deslocamento, eu e Tania Alice optamos por não acompanhar a
caminhada desde o início, mas sim por encontrar o grupo durante o percurso. No
momento em que a passeata chegava ao Estácio, local onde há um casario antigo e onde
as ruas carecem de uma forte iluminação, nós fizemos a projeção no casario, a cerca de
100 metros diante do grupo que vinha à frente na passeata. O resultado foi muito
impactante para todos os participantes, na medida em que parecia a todos que a sombra
de Marielle Franco convocava-os para seguir em frente. Tal como ocorre em muitos textos
do teatro ocidental, a figura de um morto parecia retornar para pedir justiça10.
A partir dali, fomos caminhando sempre à frente da passeata, buscando lugares
que pudessem favorecer a projeção. Desta forma, o projeto de se fazer uma intervenção
10
Sobre este tema indico o interessante livro organizado por François Lecerce, Dramaturgies de l’ ombres. O livro
reúne vários artigos abordando esta temática no decorrer da história do teatro ocidental.
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itinerante com sombras mostrava ser possível. Encontramos duas superfícies bastante
apropriadas e, numa delas, ocorreu que, no momento da projeção, um grupo presente na
passeata tocava tambores. Consegui manipular a silhueta de modo a seguir algumas
batidas dos tambores, ou seja, a silhueta ganhava movimento, ganhava vida: a morta
clamava por justiça, convocando os passantes. Estes aplaudiam comovidos como se
expurgassem a tragédia, curando-se de um mal, livrando-se de um trauma, reacendendo
a esperança. A vida transbordava da morte. A sombra era luz. A luz era sombra.
Conclusão
As análises precedentes, baseadas em alguns espetáculos e em discussões
presenciadas no III COLÓQUIO INTERNACIONAL FITA, giraram em torno dos conceitos de
teatralidade e de performatividade, tal como desenvolvidos por autores como Josette
Féral, Silvia Fernandes e Renato Cohen. Busquei aqui estabelecer ligações entre esses
conceitos, o teatro de objetos e o teatro de sombras. Para tanto, além de tecer comentários
sobre os espetáculos vistos no Colóquio, busquei também aproximar a minha experiência
no mesmo com a minha atividade como artista e pesquisador das artes cênicas. A prática
e a teoria são interdependentes, uma estimula a outra, uma redireciona a outra, num
processo de constante renovação. Desse modo, ouvir alguns colegas que participaram do
Colóquio, como Sandra Vargas, Felisberto Sabino, Fabiana Lazzari, Walmor Nini Beltrame,
entre outros, e assistir os espetáculos, mostra-se como uma experiência de grande valor,
por nos apontar novas perspectivas conceituais, autores que até então desconhecíamos,
técnicas teatrais e problemas estéticos, entre outros. Em suma, a participação em
Colóquios apresenta-se sempre como uma ocasião oportuna para a construção e a
desconstrução de modos de ver, sentir, pensar e fazer.
FÉRAL, Josette. Além dos limites. Teoria e prática do teatro. São Paulo: Perspectiva,
2015.
LARIOS, Shaday. Teatro de objetos documental. Derivaciones del teatro de objetos hacia lo
documental. Disponível em: <http://www.titeresante.es/2016/08/teatro-de-objetos-
documental-derivaciones-del-teatro-de-objetos-hacia-lo-documental-por-shaday-
larios/>. Acesso em: 28 jul. 2018.
VERGINE, Lea. When Trash Becomes Art. Milano: Skira Editore S.p.A, Palazzo Casati
Stampa, 2007.
Resumén
El artículo relata algunas experiencias del desenvolvimiento del teatro de sombras
cubano en la segunda década del siglo XXI, por medio del relato de la producción de
espectáculos que determinaron la poética del grupo El Arca. Son analizados aspectos
relativos a la utilización de objetos, como portadores de memorias, que constituirán las
metáforas germinativas, para una teatralidad del juego de las evocaciones más allá de las
representación. Se traza un paralelo entre el modo como el Barroco fue siendo apropiado
y aplicado en La Habana, guardando características locales, y los recursos con los que el
arte del teatro de sombras fue siendo asimilado en la producción del grupo.
Palabras claves: Teatro de Sombras. Objetos proyectados. El Arca. Cuba. Barroco.
“Mas chega-se a se perguntar, hoje, se não se oculta uma grande sabedoria nesse
‘mal traçado’, que ainda parece ditado pela necessidade primordial-tropical-de
brincar de esconde-esconde com o sol, burlando-lhe superfícies, arrancando-lhe
sombras, fugindo de seus tórridos anúncios de crepúsculo” (CARPENTIER,
online)2.
1
Diretora teatral, atriz titereteira, licenciada em Teatro pelo Instituto Superior de Arte (2000) de Havana, Cuba.
Integrou o elenco do Teatro Nacional de Guiñol durante nove anos. Trabalhou como atriz no cinema, rádio e
televisão em Cuba. Fundou El Arca – Teatro Museu de Títeres, em Havana. Tem estudado, pesquisado e feito
residências artísticas na Argentina, Bélgica, Espanha, Uruguai e no Institut International de la Marionnette, em
Charleville-Mézières, França. Em 2017, ingressou no Programa de Pós-graduação da Universidade do Estado de
Santa Catarina – UDESC. Desde 2018, participa do trabalho editorial da revista Móin-Móin.
2
“Pero llega uno a preguntarse, hoy, sino se ocultaba una gran sabiduría en ese "mal trazado" que aún parece
dictado por la necesidad primordial –trópica– de jugar al escondite con el sol, burlándole superficies, arrancándole
sombras, huyendo de sus tórridos anuncios de crepúsculos” (CARPENTIER, Disponível em:
<http://www.iaph.es/revistaph/index.php/revistaph/article/view/301/301#.W4NRBuhKjIU>. Acesso em: abr.
2018). Tradução nossa.
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Em Havana, Cuba, eu nunca iria falar em público do nosso próprio trabalho
realizado no El Arca - Teatro Museo de Títeres3. Digo "nosso" porque sempre fomos uma
equipe. Aqui, no abraço dos bonequeiros catarinenses, talvez por conta da saudade, eu
senti de repente o impulso humilde de compartilhar nossa história recente. Apenas para
contar como foi o início da linguagem da luz naquela outra ilha, e como, no nosso caso,
essa luz tem sido atravessada pelos nossos objetos. É nessa encruzilhada, entre o objeto e
a luz, provavelmente também por saudade, que falarei do "meu Barroco Habanero". Rogo
então, que me acompanhem nesta curta viagem até minha Havana.
O Barroco nas fachadas de Havana acontece com o auxílio da luz. Não são grandes
os ornamentos, mas o sol esculpe a pedra, e das sombras sai uma beleza em ondas que se
derramam sobre a cidade nas horas em que mais esquenta o sol até o fim da tarde. É
preciso apenas um feixe de ondas, uma pequena insinuação na pedra para que a luz faça
o resto, um vai e vem sem a violência exuberante de colunas que ascendem retorcidas,
apenas uma fachada que se frisa, como o mar no terral. Na cidade das colunas4, os
transeuntes procuram alívio embaixo das sacadas, nos portais infinitos que percorrem as
grandes avenidas. Neste caso, como barroquismo cubano, entendemos não aquele
barroco que demarca uma época e um espírito, mas o entendemos à maneira de Alejo
Carpentier5:
Mas Cuba, por sorte, foi mestiça, como o México e o Peru. E como toda
mestiçagem, por processo de simbiose, de adição, de mescla, engendra um
barroquismo. O barroquismo cubano consistiu em acumular, colecionar,
multiplicar colunas e colunatas em tal excesso de dóricos e coríntios, de jônicos
e compostos, que terminou o transeunte por esquecer que vivia entre colunas,
que era acompanhado por colunas, que era vigiado por colunas que lhe mediam
o peito e o protegiam do sol e da chuva e até era cuidado pelas colunas nas noites
de seus sonhos (CARPENTIER, online) 6.
3
Fundada em 2010, a Instituição foi constituída a partir do grupo de teatro focado na pesquisa da linguagem de
animação, a organização da coleção do museu e a articulação da programação estável da sala de teatro dedicada,
consequentemente, ao teatro de animação.
4
Segundo a batizara Alejo Carpentier, no artigo aqui citado de título homônimo.
5
Alejo Carpentier nasceu em Havana, em 26 de dezembro de 1904. Foi membro fundador do chamado "Grupo de
Minorista". A partir de 1924, ele organizou vários Concertos de Nova Música. Em 1928 foi preso por motivos
políticos. Pouco depois, foi para Paris onde dirigiu a revista IMAN. Em 1937 ele participou do Congresso dos
Escritores, realizado em Madrid e Valência. Retornando a Cuba em 1939, trabalhou em rádio e fez várias
investigações musicais. Em 1945, mudou-se para Caracas, onde permaneceu até 1959, ano em que retornou ao seu
país. Mais tarde ele viveu em Paris, onde fazia parte da representação diplomática de Cuba, até sua morte em abril
de 1980.
6
“Pero Cuba, por suerte, fue mestiza, como México o el Alto Perú. Y como todo mestizaje, por proceso de
simbiosis, de adición, de mezcla, engendra un barroquismo, el barroquismo cubano consistió en acumular,
coleccionar, multiplicar, columnas y columnatas en tal demasía de dóricos y corintios, de jónicos y compuestos,
que acabó el transeúnte por olvidar que vivía entre columnas, que era acompañado por columnas, que era vigilado
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Sob o amparo desses pátios coloniais7, coloridos pelas claraboias em vitrais,
nascem nossos experimentos “sombristas”. Sem linhas diretas de transmissão, nem
tradição, o Teatro de Sombras cubano do século XXI, vai florescer a partir de 2008. Porém,
existem antecedentes de cenas (de sombras) dentro de peças8, experimentos com
projeções, até se perder nas origens do cinema e dos espetáculos com vidros pintados em
lanternas mágicas.
Na aurora do século XXI, eu tive como primeira referência, ao vivo, um espetáculo
do México que passou por Cuba. Desde então, comecei a sonhar em fazer Teatro de
Sombras e meu primeiro desejo foi trabalhar com retroprojetores, junto com a linguagem
visual da gravura. Naqueles anos não consegui nem os retroprojetores, nem um artista da
gravura para empreender o projeto comigo. Mas, foi precisamente em 2008, após ter o
privilégio de receber e trabalhar, por duas semanas, nas oficinas ministradas por
Frabrizio Montecchi, junto com outros artistas da companhia Teatro Gioco Vita, que se
abriu um novo e frutífero caminho para a história do Teatro de Sombras em Cuba. A
primeira montagem que resultou da oficina recebida no Taller Internacional de Títeres de
Matanzas (TITIM)9, foi Como de la noche al día , do grupo teatral La marea. Era uma
narração de histórias, com música ao vivo e uma grande tela para sombras. Paralelamente,
Ricardo Cobo, na cidade de Santi Spiritus, começava suas pesquisas para El Lucero del
Alba, estreado em 2010, com o grupo Baúl mágico e La Comarca. Na cidade de Camagüey,
debutou com seu primeiro trabalho de sombras com a peça Andando por la sombrita e
organizou em 2011, o primeiro encontro de teatro de sombras, chamado de Asombrarte10.
Lembro-me como Fabrizio Montecchi foi cuidadosamente nos conduzindo às
profundezas oníricas das sombras. Generoso, compartilhou conosco todas suas pesquisas,
esclarecendo que, em um curso, o que vemos são os princípios do trabalho dos outros,
por columnas que le medían el tronco y lo protegían del sol y de la lluvia, y hasta que era velado por columnas en
las noches de sus sueños” (CARPENTIER, Disponível em:
<http://www.iaph.es/revistaph/index.php/revistaph/article/view/301/301#.W4NRBuhKjIU>. Acesso em: abr.
2018). Tradução nossa.
7
Pátio central rodeado de galerias suportadas por colunas.
8
Tenho apenas algumas notícias de uma peça intitulada La batalla de los Yacarés, estrelada por Alberto Palmero,
do Teatro de Sombras de La Habana, no Teatro Nacional em 1990. Pude ver algumas das silhuetas que restaram
dessa peça no estúdio de Nilza Reyos. Além disso, ele participou do programa Sombras chinesas, primeiro
programa na televisão nacional cubana, a utilizar esta técnica. Ver em DIÉGUEZ, 2012, pág. 79.
9
Desde 1994, quando foi fundado por René Fernández, o Teatro Papalote, espaço de intercâmbio e formação para
os bonequeiros cubanos, vem trazendo grandes mestres do teatro mundial, o que veio a compensar a falta de um
curso de formação em teatro de títeres no país.
10
Ver VALIÑO, Omar. Mosaico Titiritero. La Habana: Tablas, 2012.
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princípios que só farão sentido, e vão nos levar para frente, depois de muitas horas de
pesquisa própria, fechados no escuro com uma fonte de luz para investigar. Finalmente,
nos últimos dias ele falou de técnicas, de lâmpadas e materiais: policarbonato, tintas para
vitral, lâmpadas General Electric11; e eu, naquele momento pensava na generosidade do
Gioco Vita, que trouxera todos aqueles materiais para nos ensinar, para termos a
oportunidade de experimentá-los. Cuba é um país embargado que sofre um bloqueio
comercial e financeiro pelos Estados Unidos há quase 60 anos. Assim que, de tudo aquilo,
o que não era muito caro para nossos experimentos, era simplesmente inalcançável. É,
talvez, dessas carências que nasce para meu trabalho a compreensão do bloqueio como
princípio para o teatro de sombras. Deixar passar ou não deixar passar a luz. Do bloqueio
da luz e das comportas que a deixam passar, no objeto, é que extraímos a informação
necessária para a leitura da imagem na cena.
Depois da oficina em Matanzas12, eu estava determinada a trabalhar com as
sombras. Nas viagens às montanhas de Holguín13, em 2008, tive a chance de brincar com
crianças de comunidades de difícil acesso, usando silhuetas de papelão, velas e lanternas.
Na sequência, Manneken-Pis14, resultou da oficina de teatro de sombra com crianças
ministrada por mim na Vitrina de Valônia (2008)15. O trabalho brincou com a possível
origem do mito do Manneken Pis, ícone da cidade de Bruxelas. Na espera de parcerias com
artistas visuais, na carência de recursos para construir, desenvolvi minha pesquisa em
conjunto com as crianças da turma.
Nessas condições fiz a escolha de trabalhar com brinquedos. Há anos, Enrique
Lanz16, também no TITIM, nos advertiu que deveríamos trabalhar com "o que tivéssemos",
no lugar de ficarmos parados pelo "o que não temos". Desse modo, decidimos trabalhar
11
A General Electric é um conglomerado americano fundado em 1892 pela fusão de parte da Thomson-Houston
Electric Company e da Edison General Electric Company. O bloqueio comercial dos Estados Unidos a Cuba
proíbe a compra de produtos norte-americanos.
12
Província ocidental ao leste da capital habanera onde tem lugar o Taller Internacional de Títeres de Matanzas,
TITIM.
13
Província localizada ao norte oriental da ilha de Cuba.
14
O atual Manneken Pis é originário de 1619, quando as autoridades de Bruxelas pediram ao escultor Jerome
Duquesnoy para fazer uma estátua de um menino que, segundo uma das muitas lendas, teria evitado um terrível
incêndio na cidade urinando em uma chama.
15
Instituição fomentada por Wallonie Bruxelle International em parceria com a Oficina del Historiador de la
Ciudad de La Habana, a promoção da cultura Belga.
16
Mestre em Arte Educação, Professor do Seminário de Dramaturgia da Facultad de Arte Teatral da Universidad
de las Artes, Cuba. Dramaturgo, poeta, fundador de El Arca, Teatro Museo de Títeres. Tem publicado em várias
línguas textos dramáticos e teóricos, tanto para crianças, quanto para adultos.
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com o conflito do obstáculo, desenvolver aquilo que nasceria a partir da carência e que
acabaria nos proporcionando um grande achado. Finalmente, após alguns anos, aquele
desejado parceiro para a gravura chegou, e os retroprojetores também. Chegaram depois
de muito trabalho em solidão, e depois de muita persistência, sem deixar-nos vencer por
aquilo que "não tínhamos”.
Ao falar sobre essa carência, sobre o que não tínhamos, retorno à ideia de falar
sobre um barroco cubano, se é que poderíamos falar de um barroquismo cubano que
transcende épocas e estilos. Seguramente, é sobre isto que o arquiteto Taboada discursa:
17
Além das sugestões de construção recebida na oficina com Giocco Vita, o trabalho de artistas como
Lotte Reiniger (1899 –1981) e Jiří Trnka (1912-1969), foram importantes referências.
18
Arnold Hauser explicou a categorização de Wölfflin dizendo que a busca de um efeito não-linear, essencialmente
pictórico e não gráfico, procurava criar uma impressão de ilimitado, imensurável, infinito, dinâmico, subjetivo e
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mediante o qual, perceber os mecanismos com os quais esse barroquismo tem marcado a
produção teatral da companhia El Arca e de que modos se expressa. Por exemplo, nas
argumentações para o artigo Del barroco colonial cubano, Taboada fala dos muros dos
prédios: "O uso de alvenaria tradicional e o de uma pedra extraída da plataforma insular
predomina. Portanto, temos material de origem marinha, verdadeiro recife, cheio de
fósseis e cavidades que impossibilitam o tamanho em escala reduzida"(TABOADA, 2001,
pág.899). Tais muros, largos e pesados, que exibem nos cortes das pedras caracóis
fossilizados e corais aderidos, proporcionaram-nos a frescura e proteção necessárias para
as longas horas de pesquisa na sombra. Se cumpre na sala do Teatro El Arca, na casa
Pedroso, a tipologia que descreve Taboada: "o mezanino surge da divisão do piso principal
do térreo, que é mantido pela porta, pelo corredor e pelas galerias do pátio, criando assim
um interessante conjunto de escalas pequenas e monumentais." (TABOADA, 2001, pág.
899). Sendo que tais contrastes de escala formarão parte do repertório expressivo de
nosso teatro no escuro; além de determinar o formato do trabalho, tendo uma tela
retangular - sendo a boca do palco muito baixa por causa do teto que é também chão do
mezanino - o que enfatiza para o público a expectativa sobre uma qualidade ligada ao
cinema.
Para falar do trabalho da visualidade com Maikel Rodríguez de la Cruz, gostaria de
trazer mais uma reflexão do arquiteto: "a personalidade do barroco colonial cubano é
caracterizada pela simplicidade da volumetria arquitetônica, a clareza de leitura de seus
desenhos e o charme do traçado de seus moldes e acabamentos."(TABOADA, 2001, pág.
900). Estas características são identificáveis no trabalho dos cenários do espetáculo El
gato de Lilo, feitos em papel recortado e inspirados na linguagem da gravura, para conter
as personagens no plano das silhuetas projetadas. Este mesmo princípio das gravuras
também foi utilizado nas montagens das cenas com atores na hora de entender a dinâmica
da atuação na sombra. Não estava Rodríguez de la Cruz ciente destas coincidências, não
entrou nas suas pesquisas o Barroco como motivo. Apesar disso, é possível perceber,
semelhante aos paradigmas estilísticos do barroco que alberga na relação com a luz
diversos tipos de claraboias, vigias, ojo de buey, a profusão de acessos aos planos de ação
inapreensível; o objeto se tornava um devir, um processo, e não uma afirmação final. A preferência pela
espacialidade profunda sobre a rasa, acompanhava o mesmo gosto por estruturas dinâmicas, a mesma oposição a
tudo o que parecia por demais estável, a todas as fronteiras rígidas, refletindo uma visão de mundo em perpétuo
movimento e mudança.
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do espetáculo que, por meio das fontes da luz, o texto dá ao espectador. Percebe-se
também que a subordinação da composição à um eixo central de simetria e a enfermiça
procura da profundidade se manifestam por causa da necessidade de gerar espaços onde
os personagens projetados pudessem agir dentro dos cenários que Maikel designou.
O que estamos chamando de "barroquismo", como abundancia de elementos
diversos, que em seu conjunto geram uma composição mais que eclética, regida pelas
forças dos trópicos, a natureza insular, as marcas pós-coloniais e as exigências adaptativas
à escassez permanente, junto com a promiscuidade e a miscigenação, naquele ambiente,
se manifestou na abundância, diversidade e funções dos objetos que povoam a cena. Do
objeto em projeção desdobram-se várias funções dramatúrgicas: função transicional,
como interface emocional, como veículo da memória, pelo qual público e personagens
pulam de uma dimensão ou plano dramático para outro e transitam por entre elipses de
tempo. A função metafórica está contida na mutabilidade do objeto em projeção, pelas
atribuições, interpretações que o público lhes confere. Em El gato de Lilo, o objeto é sujeito
de transição dramática visto através da sua, junto a sua morfologia projetável (quanto às
zonas de bloqueio, opacidades e comportas) ao prover, não simplesmente as conexões
históricas entre os diversos universos ficcionais do texto, mas as próprias visualidades em
que cada um deles se define a partir, por exemplo, da fonte de luz selecionada. Podemos
identificar alguns dos papéis exercidos pelos objetos sugeridos pelo texto ou trazidos na
encenação tais como:
19
Oficina ministrada como parte do Programa da UNICEF no Centro Histórico da cidade.
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pelas crianças e digitalizados; o que lhes dava a chance de trabalhar, para além da
animação, se expressando também na concepção do espaço de representação. Este
trabalho dos cenários desenhados pelas crianças que participaram da oficina confere
autenticidade à peça, permitindo novamente a projeção de uma visualidade proveniente
das crianças como protagonistas do processo criativo delas.
Para Bastian e Bastiana o la verdadera historia de como papá y mamá se hicieron
novios (2015)20, a dimensão do desafio nos fez retornar à sombra e à projeção de objetos,
desta vez mais conscientes do foco da pesquisa. Na casa dos Escravos, na casa Pedroso,
uma das últimas sobreviventes das casas senhoriais do século XVII habanero, com seus
arcos, seus ângulos jamais retos, seus recolhimentos e sua vastidão, Mozart não teve como
ser clássico. Recebemos a encomenda do Lyceum Mozartiano. Bastian y Bastiana é ópera
prima de um Mozart adolescentes e o pedido de Ulises Hernández21 era um espetáculo
para criança, no marco do segundo Festival Mozart en La Habana.
Eu acabava de receber como donativo para a companhia o retroprojetor do
professor Tito Loréfice22. Como vemos, os sonhos, se não os abandonamos, se realizam.
Depois de 5 anos, novos atores habitavam El Arca. A escolha pela sombra não significou
um caminho seguro ou confortável, significou, ao contráro, uma nova escuridão, uma nova
exploração na qual eu ia conduzindo meus jovens colegas de olhos ainda vendados. A
incursão foi muito rica. Da pesquisa com materiais e objetos no retroprojetor nasceu uma
dramaturgia visual, uma parábola habanera do amor dos adolescentes mozartianos. Seres
híbridos, sugeridos, reconstituídos emergiram da máquina de costurar transformada por
nós em quimérico objeto, com um retroprojetor dentro dela fazendo as funções de
lâmpada para mesa de cabeceira no quarto das crianças. Angélica tem pesadelos, chama
os pais, pede para a sua mamãe lhe contar uma história de ninar. A mãe diz impaciente
20
Versão por Maikel Rodríguez de la Cruz como dramaturgo a partir da ópera Bastian e Bastianne de W. Amadeo
Mozart (1768), com uma visualidade proposta por Laura Liz Gil, Rigel Gonzáles y Lázaro Emilio Hernández, sob
a minha direção.
21
Pianista e compositor cubano. Destaca-se como instrumentista e pedagogo. Fundou El Lyceum Mozartiano de
La Habana, em 2009, patrocinada pela Oficina del Historiador de la Ciudad de La Habana, a Fundación
Mozarteum de Salzburgo (Austria) e o Instituto Superior de Arte.
22
Tito Lorefice (1957), é um marionetista, ator, diretor teatral e professor. Dirige o departamento de teatro de
fantoches e objetos no Instituto de Arte Mauricio Kagel, da Universidade Nacional de San Martín. Ele também
dirige a companhia de teatro de bonecos. Por 24 anos, ele faz parte do Grupo de Marionetes do Teatro San Martín,
em Buenos Aires. Ele é, desde 2012, membro do Comitê Executivo da UNIMA internacional e Presidente da
Comissão de Formação Profissional. Colaborou com a antiga Comissão para a América Latina. Ele é o Secretário
Geral da UNIMA Argentina.
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que não sabe contar histórias, que o que ela sabe é costurar. Angélica reclama que o pai
sempre o faz, pergunta se o pai está trabalhando, se demora para voltar. A mãe encontra
uma solução entre os vinis de um velho toca-discos: há histórias cantadas. Angélica ainda
pede a história de como papai e mamãe se tornaram namorados. A mãe tenta negociar
pondo no toca-discos a história cantada. Angélica pede para a mãe ficar no quarto e ainda
não apagar a luz. Com os primeiros acordes a mãe vai trabalhar na máquina de costura. O
público assiste, na tela que faz as paredes do quarto, à narração da mãe por meio de suas
costuras que viram os sonhos de Angélica. Numa segunda etapa de trabalho, com dois
retroprojetores simultâneos, a pesquisa se radicalizou no universo das costureiras. Não
se visava utilizar silhuetas desenhadas. Foram construídos personagens com objetos
encaixados visivelmente e técnicas daquele universo referencial. Na pequeníssima
superfície do retroprojetor como palco, os atores foram desafiados a animar com agulhas
de crochê, botões, tesouras, bastidores para bordado, alfinetes que tinham a chance de
sugerir um universo visual para além de suas materialidades. A escolha dos objetos se
centrou nas suas naturezas projetáveis e na capacidade evocativa, metafórica das
sombras que deles se obtinham. Foram meses de pesquisas organizadas em duas etapas,
tendo como resultado uma primeira mostra de “trabalho em processo”, em 2015 e a
estreia, em 2016. Lembro que durante o segundo Festival Mozart en La Habana, um dos
representantes da Fundação Mozarteum de Salzburgo, expressou-se com admiração pelo
poder cativante daquele universo nascido da poética do cotidiano, do diminuto. Na
Havana do século XXI, por meio de nossa proposição pela simplicidade, a atenção de
jovens armados com telefones celulares foi captada. Conseguimos dialogar com eles sobre
amor, ativando artefatos arcaicos, apelando pela afetividade dos objetos na nossa
memória; o que talvez para a modernidade líquida, seja barroquista demais!
Até a chamada desse colóquio, eu não tinha racionalizado a constância deste
cruzamento em que objetos são projetados para nossas animações sombristas; o que ao
cabo de dez anos quiméricos, só consigo compreender em sua hibridez, como esse
barroquismo que acontece além de nossa consciência, e onde hoje venho a me reconhecer
tendo vocês como testemunhas. Talvez seja ali, na hedônica, agônica fricção dos
cruzamentos onde a animação aconteceu. E já que andei todo este tempo me
acompanhando de Alejo Carpentier, gostaria de parafraseá-lo com a epígrafe do seu
REFERÊNCIAS
CARPENTIER, Alejo. La ciudad de las columnas. España: Revista PH, número 14, 1996.
Disponível em:
http://www.iaph.es/revistaph/index.php/revistaph/issue/view/14/showToc#.W4NKyOhKjIU.
Acesso em: 10 de abr 2018.
APÊNDICE
23
CARPENTIER, Alejo. El arpa y la sombra. Madrid: Ed. Siglo XXI, 4ª ed. 1979.
Resumo
Este artigo procura discutir sobre o fluente diálogo entre a obra do encenador Tadeusz
Kantor e o universo do Teatro de Animação. Procuramos estreitar aqui a linha tênue
perceptível entre trabalhos aparentemente tão distintos, mas que se cruzam e contribuem
de forma mútua em diversos aspectos. Partindo das originais utilizações do objeto, bem
como do histórico flerte de Kantor com as formas animadas, expandimos nosso olhar em
torno do uso dos manequins de cera e dos temas ligados à vida e à morte no teatro
kantoriano. Assim, procuramos refletir sobre como estas expressões artísticas podem
estar estreitamente ligadas em muitos aspectos e como contribuem para um teatro cada
vez mais híbrido.
Palavras-chave: Tadeusz Kantor. Teatro de Animação. Objeto.
Abstract
This article brings to discussion the fluent dialogue between the work of the director
Tadeusz Kantor and the universe of Puppet Theater. We try here to narrow the tenuous
line between works that are apparently so diverse, but that also cross and contribute to
each other in different ways. Starting from Kantor’s original uses of the object, as well as
his historical flirtation with the animated forms, we expanded our gaze on the use of wax
manikins and themes related to life and death in the Kantorian theater. Thus we try to
reflect on how those artistic expressions can be closely linked in many ways and
contribute to an increasingly hybrid theater.
Introdução
Tadeusz Kantor, (1915-1990), destaca-se como um dos grandes nomes do teatro
no século XX. Este polonês era artista plástico, cenógrafo, professor, encenador, ator e
happener. A infinidade de substantivos que o define talvez explique um pouco o seu teatro
marcado pela forte alquimia de elementos que, em cena, eram apresentados sem
hierarquia diante do público (CINTRA, 2012). “O teatro, para Kantor, é o conjunto de texto,
ator, objeto e espectador, e todos igualmente importantes” (AMARAL, 1991, p. 201). Estas
1 Ator e pesquisador. Graduado em Artes Cênicas pela UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina. Integra
o Grupo Teatral Abaporu e o projeto de pesquisa “A Máscara e o Ator: experimentando métodos”, coordenado
pela Profª Maria de Fátima de Souza Moretti, na UFSC.
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características também fazem o teatro kantoriano ser até hoje inspiração para distintas
produções cênicas, tais como o Teatro de Animação – em especial o Teatro de Objetos.
Enquanto estudava na Escola de Belas Artes de Cracóvia, (1934-1939), Kantor teve
contato com o teatro de bonecos através do seu professor Karol Frycz, discípulo de
Edward Gordon Craig (AMARAL,1991). A partir de então, ele flerta com esta técnica,
posteriormente melhor desenvolvida por ele através de seus manequins de cera no seu
espetáculo Cricot2. Estes são apenas alguns apontamentos que começam a desenhar uma
linha tênue entre o trabalho do artista e o teatro de animação.
Desde o início de seu trabalho como encenador, Kantor passa a trazer para a cena
objetos destinados ao lixo, ressignificando-os à sua maneira, junto dos demais
componentes do seu teatro, de modo que diante do público tudo se revelasse de uma
maneira inovadora (CINTRA, 2012). Nos espetáculos de Kantor o objeto não surge mais
somente como um simples instrumento para utilidades comuns em cena. "Em seu teatro,
o objeto é valorizado no sentido de criar a tensão. Tensão que está presente entre os
diversos elementos da cena" (CINTRA, 2012, p. 12). Aqui, portanto, já identificamos uma
utilização fundamental que nos abre caminhos para pensar a obra kantoriana sob a ótica
que propomos neste artigo.
Madeira, ferro, pano, livros, roupas e objetos inusitados ganham uma notável
qualidade tátil e uma intensidade cuja procedência não é fácil de explicar. Um
fator essencial aqui é a sensibilidade do artista Kantor para aquilo que designou
como "objeto miserável" ou "a realidade de mais baixo nível". As cadeiras são
gastas, as paredes têm buracos, as mesas são cobertas de poeira ou cal, os velhos
utensílios se encontram enferrujados, embaçados, gastos, marcados e
manchados. Nesse estado eles manifestam sua vulnerabilidade e com isso sua
"vida" em uma nova intensidade (LEHMANN, 2007, p. 120).
O uso do objeto em cena é um grande elo entre a obra de Tadeusz Kantor e o Teatro
de Animação. Nas encenações kantorianas a cena era recorrentemente invadida por este
elemento, bem como por bonecos de cera que conferiam uma particularidade especial ao
trabalho do polonês durante a segunda metade do século XX (MORETTI, 2003).
Também encontramos esta forte ligação, entre assuntos aparentemente tão
díspares, nas temáticas que estão implícitas nos dois casos: a vida e a morte. Tanto Kantor,
quanto o Teatro de Animação, tratam e perseguem fortemente estes temas. O primeiro
vale-se de sua própria vida para executar um trabalho no qual a morte torna-se uma fonte
inesgotável de inspiração; o segundo tem seu alicerce justamente no contraste
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permanente entre estes temas e tem poder de explicitar a vida em sua ausência, ou seja,
na própria morte.
Tadeusz Kantor modela o que se solidificou na vida comum e transforma isto em
matéria eficaz, num local onde o vazio é potência artística e criadora, buscando espelhar
diante do espectador as dualidades que nos definem enquanto seres humanos. “Toda a
obra de Kantor é bem um diálogo com a realidade, mas, através da realidade degradada,
já é uma aproximação da morte” (BABLET apud KANTOR, 2008, p. 43).
Antes de prosseguir este estudo, no entanto, é necessário ressaltar o fato de que
Kantor nunca se enquadrou completamente dentro do Teatro de Animação. Mesmo tendo
desenvolvido durante sua vida um forte flerte com os recursos dessa modalidade de
teatro, ele desenvolve seu trabalho num campo onde as técnicas animadas não eram os
instrumentos principais. O objeto, segundo alguns críticos da obra kantoriana, surge em
Kantor apenas como mais um dos tantos fatores articulados dentro de um teatro
totalmente completo e amplo (CINTRA, 2012). Entretanto, é possível observar que o
encenador traz em seus trabalhos inúmeras características que o aproximam destas
técnicas e que também passam a servir de modelos a serem seguidos e repensados dentro
deste teatro. Essa, portanto, é a maior importância desta aproximação que propomos.
Kantor procurava sempre utilizar objetos que pertenciam ao dia a dia, que faziam
parte da rotina de vida, e que estavam naturalmente envoltos de uma história e de
inúmeros significados. O encenador falava da ideia de uma realidade de classe mais baixa,
ou seja, de objetos destinados ao lixo. Ele recorria frequentemente às lixeiras e a depósitos
e buscava aqueles objetos que depois de muito uso, já sem muita utilidade nas tarefas
cotidianas, haviam sido descartados por seus donos (CINTRA, 2012, p. 30). O artista os
leva para a cena e transforma-os radicalmente diante dos olhos confidentes do público.
Um dos grandes exemplos de tal utilização são os bancos escolares do seu mais notório
espetáculo: A Classe Morta. Sendo emprestados da vida cotidiana, onde eram
naturalmente destinados ao ensino e relacionados fortemente com a infância, eles se
tornam instrumentos artísticos para provocar a lembrança da morte, remetendo a
túmulos e prisões para as personagens de aparência envelhecida: "por serem
extraordinariamente reais e concretos, os bancos impõem imediatamente a sua presença,
ocupam o espaço de maneira massiva e estável" (KANTOR apud CINTRA, 2012, p. 82).
Todo o trabalho de Tadeusz Kantor foi sempre uma reflexão cruzada entre a arte
e a realidade que se fundamenta, desde o início, no desejo de destruir e
reconstruir a forma a partir da matéria bruta, liberar o objeto de sua função
prática e fazer obra de arte com os dejetos da realidade, com a realidade
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abandonada e esquecida nas lixeiras. Sua arte se situa, então, entre a eternidade
e as latas de lixo, no sentido de a arte tender à eternidade - e somente a arte pode
ser eterna - e através dela o ser humano realiza o desejo de eternidade (CINTRA,
2012, p. 18).
Kantor traz objetos abandonados e já sem uso prático para seus espetáculos. Neles,
o objeto assume uma carga artística, deixa de ser algo esquecido, abandonado por alguém,
e ganha uma importância ímpar na cena. Eles não têm mais o seu brilho original, não são
peças saídas diretamente das prateleiras das lojas. O encenador idealiza objetos que
representam verdadeiros dejetos da vida, que estejam gastos e marcados pela ação do
tempo (CINTRA, 2012, p. 19), e que, mesmo assim, possam ganhar uma nova realidade
nos palcos. Neste ponto podemos fazer uma aproximação com o teatro de animação.
Assim como este teatro tem a capacidade de imprimir vida a algo inerte, conferindo ao
boneco, ao objeto, uma “nova forma de vida”, o objeto kantoriano também trilha um
caminho semelhante.
“Tudo aquilo que está materialmente presente na cena, mesmo que colocado ao
acaso, torna-se significante somente por sua presença no universo cênico e,
consequentemente, possibilita a leitura de algum significado” […] (CINTRA, 2012, p. 12).
Kantor, através de um objeto já gasto e destinado ao descarte, evidencia a arte ali
escondida, uma arte que só se manifesta graças a uma interferência do próprio artista,
que o coloca em uma perspectiva totalmente nova diante do público.
O teatro de formas animadas trabalha muito com o objeto, seja ele o do cotidiano
ou aquele confeccionado especialmente para determinados espetáculos. [...] A
primeira imagem do objeto em cena nos remete sempre ao que ele é no cotidiano,
contudo, à medida que vai recebendo movimentos e sendo mais bem observado,
começa a se modificar. Muitas vezes, o objeto animado serve apenas como
adereço, existindo a tentação de transformá-lo em um simples instrumento de
expressão plástica. Poucas vezes, ele é um personagem completo, mesmo porque
para que ele seja um personagem completo deve ser destituído de sua função
habitual (MORETTI, 2003, p. 38).
Kantor exigia que o ator tivesse com o objeto um contato real e não mecânico.
[...] Quando repetidos, os movimentos ocorrem em um outro sentido, eles deixam
a realidade da vida e passam para a realidade da arte, pois são privados da
prática da vida: Kantor era excepcional em seu culto do objeto. Ele conseguia
provocar situações que levavam o ator a se estender verdadeiramente através
dele, e que articulados no jogo cênico, constituíam-se nos elementos
fundamentais da construção do espetáculo (CINTRA, 2012, p. 15).
O uso do objeto era também uma forma legítima de Kantor mostrar a seu ator o
que almejava ver em cena. Na maioria das vezes o objeto servia de espelho para este. O
encenador fazia um paralelo entre a figura dos dois e chamava a atenção de seu ator para
o objeto como sendo seu parceiro de cena: o objeto é o que ele é na sua realidade e no
palco, não precisa e nem pode fingir ser outra coisa como o ser humano. Além disso, havia
também a busca por atores ready-men, sem precisar representar algo que não sua própria
natureza (CINTRA, 2012, p. 16).
Kantor por diversas vezes contava com atores sem longa experiência profissional,
como no espetáculo O Casamento (1986), no qual trabalhou com inúmeros atores
iniciantes e até não-atores. Esta relação com o objeto, portanto, contribuía ainda mais
para a “preparação” destes, bem como para um resultado mais satisfatório nos palcos. "O
ator deveria incessantemente adaptar o seu jogo à forma do objeto. [...] O ator deveria se
empenhar para dar, de qualquer maneira, vida a essa construção" (CINTRA, 2012, p. 42).
Os próprios objetos que integravam o cenário do espetáculo interferiam efetivamente na
atuação dos atores.
Além dos cenários repletos de objetos retirados do lixo e dos próprios depósitos
dos teatros, Kantor também era mestre em alterá-los radicalmente e construir
interessantíssimas maquinarias para seus espetáculos. Falamos de objetos híbridos, que
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eram resultados de misturas muito curiosas (CINTRA, 2012, p. 94). O encenador utilizava-
se destas para criar uma atmosfera singular na cena e até oferecia inúmeras
possibilidades na sua manipulação. Em diversos casos, por exemplo, o objeto que
acompanha o ator durante a cena pode transformar-se numa outra coisa.
Um dos exemplos mais conhecidos das maquinarias kantorianas é uma criação
presente no espetáculo Wielopole Wielopole, a chamada máquina fotográfica de Kantor.
Este objeto, já carregando o significado de eternizar um momento por meio de uma foto
(paralisando a realidade momentânea ao disparo de um flash), torna-se na sequência uma
metralhadora que extermina as personagens presentes em cena – que são soldados indo
para a guerra. “A metamorfose é evidente, um inofensivo aparelho de uso cotidiano revela
o seu lado mais vil enquanto objeto: um instrumento da morte. Nesse contexto, a
personagem, a profissional da imagem, também revela sua hibridez” (CINTRA, 2012, p.
125). O encenador se vale das simbologias próximas aos dois e de certa maneira funde
ambos num mesmo objeto, que se transforma nos palcos. Em outro caso, no espetáculo
Não Voltarei Jamais, temos também a uma fusão entre um arco de flecha e uma
metralhadora similar.
Toda esta pesquisa em torno dos objetos híbridos de Kantor, ampliada com esta
colocação de Cintra, contribuiu sobremaneira para o desenvolvimento deste trabalho e
desta linha tênue encontrada entre a obra kantoriana e o teatro de animação. Assim como
acontece com a máquina fotográfica-metralhadora, também identificamos aqui uma forte
relação entre os temas desta pesquisa, bem como uma aproximação grande entre seus
significados e elementos. Torna-se difícil em certo momento denominar onde inicia e
onde termina este cruzamento de trabalhos. Precisamos ressaltar aqui a forte qualidade
híbrida de todo o legado de Kantor. Seu trabalho era resultado de uma grande mistura,
que claramente incluía o teatro de animação. Isto fica evidente tanto pelo seu histórico
flerte com as técnicas deste gênero teatral, quanto pela análise de suas produções.
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Embora reconheçamos pontos díspares entre o teatro kantoriano e o de animação,
é cada vez mais perceptível esta proximidade existente entre ambos. Ampliando nossas
discussões abordaremos o que é visivelmente a utilização que mais fortemente aproxima
os assuntos aqui tratados: os bonecos de cera de Kantor.
São célebres os bonecos quase em tamanho real que os atores carregam. Para
Kantor, os bonecos são algo como a essência primordial e esquecida do ser
humano, seu Eu-lembrança que ele continua a levar consigo. No entanto, a
significação deles vai mais longe. Em uma espécie de troca com os corpos vivos
e em conexão com os objetos de cena, eles transformam o palco em uma
paisagem de morte em que a transição das pessoas (com frequência agindo a
maneira dos bonecos) para os bonecos (como que animados por crianças) se
torna imperceptível (LEHMANN, 2007, p. 121).
[…] o teatro é uma atividade que se situa nas fronteiras da vida, no lugar onde os
conceitos da vida perdem razão e significação, em que a loucura, febre, histeria,
delírio, alucinação são as últimas trincheiras da vida frente ao surgimento da
"trupe da morte", seu Grande teatro (KANTOR apud CINTRA, 2012, p. 87).
Mesmo a morte sendo recorrente em toda a sua obra, Tadeusz Kantor nunca
esteve interessado em explicá-la como fenômeno. Por se perceber finito
mediante a consciência da própria morte, a arte de Kantor se mostra como
sublimação da vida à espera do inevitável e é através da arte que ele realiza sua
crença na imortalidade da vida depois da morte, e de certa maneira a notória
recusa da própria destruição e o anseio pela eternidade (CINTRA, 2012, p. 209).
O tema da morte integra as produções de Kantor muito antes de sua fase final. Esta
temática sempre atraiu o polonês e permeou toda sua obra e vida. Ele atentava não
somente a uma morte como fim, mas uma morte permanente do ser e de nossa sociedade.
A morte, acima de tudo, representa o começo de algo. Além disso, interessava também a
Kantor lidar com a morte na camada da espera – naquele instante onde viver torna-se
REFERÊNCIAS
AMARAL, Ana Maria. O Ator e seus Duplos. São Paulo: Senac/Edusp, 2002.
_________. Teatro de Formas Animadas. São Paulo: Edusp, 1991.
________. A marionete no espírito das vanguardas históricas – uma desculpa para falar de
Tadeusz Kantor. In: Móin-Móin: Revista de estudos sobre Teatro de Formas Animadas.
Jaraguá do Sul: SCAR/UDESC, ano 2, v. 2, p. 201-216, 2006.
ISSN 2359-5469 Novembro/2018 79
ETIENNE, Alain. Trois cahiers pour Kantor. Théâtre Public 166-167. Paris:
Gennevilliers, 2003.
_________. O ator no teatro de Tadeusz Kantor. In: Móin-Móin: Revista de estudos sobre
Teatro de Formas Animadas. Jaraguá do Sul: SCAR/UDESC, ano 1, v. 1, p. 147-166, 2005.
Resumo
Pretendo expor neste artigo possibilidades de criação em um processo de teatro de
animação. Considerarei objetos e metáforas que a escritora brasileira Cassandra Rios traz
no livro Eu Sou uma Lésbica (1983). Para respaldar essa análise, trarei registros e
apontamentos de pesquisadoras como Sandra Vargas e Felisberto Sabino da Costa. Este
artigo também faz parte do registro de minha participação em palestras e comunicações
no III Colóquio Internacional FITA – Festival Internacional de Teatro de Animação, que
aconteceu em junho de 2018 na cidade de Florianópolis/SC.
Abstract
I intend to show in this article the creating possibilities in a process within Puppet
Theater. Objects and metaphors that the brazilian writer Cassandra Rios brings in her
book Eu Sou uma Lésbica - I am a lesbian (1983), will be considered. To support this
analysis, I will bring records and notes from researchers Sandra Vargas and Felisberto
Sabino da Costa. This article is also part of the material I presented in lectures and
communications in the III International Colloquium FITA – International Festival of
Puppet Theater, which happened in June 2018 in Florianópolis city, Santa Catarina State,
Brazil.
Enquanto me tiver
Que eu seja a última e a primeira
E quando eu te encontrar
Meu grande amor, me reconheça
1
Mestranda em Artes Cênicas na Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Minas Gerais. Orientada por Maria
do Socorro Calixto Marques. Graduada em Licenciatura e Bacharelado em Teatro pela Universidade do Estado de
Santa Catarina (UDESC) e integrante e co-fundadora da entreAberta Cia Teatral, em Florianópolis/SC.
2
A Revista Status foi a primeira revista masculina do país, famosa por capas e ensaios de artistas seminuas,
publicada pela Editora Três. Ao que consta “Status nasceu como uma publicação sofisticada, para um público de
formação universitária, de classes média e alta, que apreciavam literatura, gostavam de saber de temas atuais de
cultura e política e ler longas entrevistas.” Disponível em:
<https://istoe.com.br/134439_AS+HEROINAS+DA+RESISTENCIA/?pathImagens=&path=&actualArea=inter
nalPage>. Acesso em: 24 jun. 2018.
3
Importante pontuar que ao falar de lésbicas não viso abarcar a grande gama de milhares de mulheres, lésbicas ou
não. Como a fonte de estudo e criação de minha dissertação é um livro sobre uma protagonista lésbica cisgênera,
branca, classe média – assim como sua autora e esta autora também o são – proponho um recorte de análise. A
discussão é sobre mulheres cisgêneras, negras e brancas, de diferentes classes sociais, que se relacionam sexual e
amorosamente com outras mulheres. Aponto esses limites como necessários para o aprofundamento de
determinadas questões que acredito serem pertinentes, ainda que não abordem todas as diferentes existências de
mulheres. Viso também respeitar determinados assuntos que ainda não tenho conhecimento suficiente e tampouco
vivências necessárias para que sejam discutidos por mim no curto período disponível para a elaboração de minha
dissertação.
4
Disponível em: <https://www.labrys.net.br/labrys6/lesb/bau.htm>. Acesso em: 24 jun. 2018.
Para quem a conhece e para quem nunca ouviu falar, eis uma brevíssima biografia
de uma escritora polêmica, popular e fortemente perseguida no cenário nacional. A
paulistana Odete Rios, seu nome de batismo, nasceu em 1932. Já em 1948, aos 16 anos,
Cassandra Rios dá as caras pela primeira vez em A Volúpia do Pecado. Assim como a jovem
autora, as protagonistas desse livro são adolescentes. Duas amigas que se apaixonam,
vivem seu amor, se relacionam sexualmente e têm final trágico com a descoberta do
romance por suas mães.
Em 1970 ouve-se os primeiros gritos da censura oficial da ditadura militar (1964-
1985) às produções literárias e artísticas feitas no Brasil. A bela, porém, nada recatada e
muito menos do lar, Cassandra Rios, teve mais de 30 livros censurados6 ao longo desse
período. Ela foi a autora mais vendida na década de 1980, sendo a primeira mulher a
vender um milhão de exemplares no país. Assim, o slogan dado pela Editora Record, A
autora mais proibida do Brasil, não foi à toa7 (PASSATUTO, online, grifo nosso).
No artigo de Facco e Castro Lima, elas apontam perspectivas acerca de duas
personagens lésbicas criadas por Cassandra: Débora, da obra Tessa, A Gata e Flávia, de Eu
Sou uma Lésbica – minha fonte de pesquisa.
Indivíduos pertencentes à sociedade dos anos 60 e 70, estas protagonistas de
Cassandra demonstram o fardo das limitações e proibições que carregam.
Débora, por exemplo, tem a consciência de que sua aparência difere das outras
mulheres e teme ser considerada anormal (RIOS, 1968, p.27).
Quanto a Flávia, diz que sentia que não podia demonstrar suas emoções e
preferia passar despercebida para não se tornar alvo de chacotas (RIOS, 1981, p.
12-13).
Eu sabia bem o que pensavam e falavam de gente como eu” (RIOS, 1981, p.51).
Flávia e Débora são personagens de seu tempo, com seus questionamentos, seus
medos e preconceitos internalizados, com as limitações impostas a seu gênero.
Personagens urbanas, inseridas no contexto urbano, são mulheres que pensam
em sua condição lésbica. E, ao mesmo tempo em que encerra estas reservas em
Débora e Flávia, Cassandra as desenha felizes e íntegras em sua sexualidade
(FACCO e CASTRO LIMA, 2004, online. Grifo nosso).
5
Disponível em: < https://www.labrys.net.br/labrys6/lesb/bau.htm>. Acesso em: 24 jun. 2018.
6
Nas referências que busquei esse número varia, mas o que prevalece é a estimativa que aponto acima.
7
Para quem se interessar, sugiro um excelente documentário sobre a vida de Cassandra Rios: Cassandra Rios – A
Safo de Perdizes, dirigido por Hanna Korich (2013), 62 min. Disponível para venda ao preço de R$5,00 em:
<https://editoramalagueta.com.br/video-sobre-cassandra-rios/>.
8
Sugiro maior aprofundamento sobre sua obra escrita, principalmente os conceitos que citarei adiante e que
acredito relacionarem-se com o que defendo como pesquisa. Neste breve relato que faço aqui, infelizmente não
cabe um maior desenvolvimento teórico, ainda que pretenda realizá-lo em minha dissertação.
9
Essa afirmação será desenvolvida em minha dissertação prevista para ser defendida em 2019.
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Os excertos foram copiados virtualmente do arquivo PDF do livro Eu Sou Uma Lésbica (1983), escrito por
Cassandra Rios, disponível gratuitamente online. Foi o único exemplar que tive acesso dessa edição, feita pela
Editora Record. Não estão em ordem cronológica da história narrada pela protagonista e as anotações abaixo e ao
lado dos parágrafos foram feitas por mim para melhor organização de meus estudos sobre a obra.
11
Pesquisa em Artes Cênicas é uma disciplina ministrada pelo Profº Dr. Jarbas Siqueira, ofertada pelo Programa
de Pós Graduação em Artes Cênicas (PPGAC), na Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
12
Que aconteceu em Florianópolis/SC, de 11 a 14 de junho de 2018 nas dependências do Centro de Eventos da
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
13
Ainda que escrito em 2010 e, segundo a própria autora, desatualizado em alguns pontos, sugiro a leitura do
artigo O Teatro de Objetos: história, idéias e reflexões, que Sandra Vargas escreveu para a Móin Móin – Revista
de Estudos de Formas Animadas.
No excerto acima, Felisberto Costa aborda um ponto que acredito ser crucial em
construções dramatúrgicas no teatro de formas animadas: o espaço dramatúrgico que
existe entre ator, objeto e espectador. Meu primeiro contato com esse espaço enquanto
indagação criativa e proposta a ser desenvolvida em ensaios práticos, foi na obra
14
Müllermaterial foi uma leitura dramática dirigida por Stephan Baumgartel e teve como elenco: Alyssa Tessari,
Leonardo Brandão, Tuany Fagundes, Andrei Rosa e Marco Antonio de Oliveira. Nos ensaios e nas apresentações,
trabalhamos com os seguintes textos de Heiner Müller: Peça Coração, Medeamaterial e o poema Imagens.
Até breve!
REFERÊNCIAS
COSTA, Felisberto Sabino da. Sobre relógios e nuvens: mestiçagem, hibridação e
dramaturgias no teatro de animação in Móin Móin: Revista de Estudos de Formas
Animadas: Dramaturgias no Teatro de Formas Animadas. Ano 7 – Número 8 – 2011.
FACCO, Lucia e CASTRO LIMA, Maria Isabel de. Protagonistas lésbicas: a escrita de
Cassandra Rios sob a censura dos anos de chumbo, in Labrys, estudos feministas,
études féministes - agosto/ dezembro 2004- août / décembre 2004 - número 6.
Disponível em: <https://www.labrys.net.br/labrys6/lesb/bau.htm>. Acesso em: 20 mai
2018.
RIOS, Cassandra. Eu Sou Uma Lésbica. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1983.
VARGAS, Sandra. O Teatro de Objetos: história, idéias e reflexões in Móin Móin: Revista
de Estudos de Formas Animadas: Cenários da Criação no Teatro de Formas Animadas.
Ano 6 – Número 7 – 2010.
Resumo
O presente relato dedica-se a compartilhar a vivência da Cia. Théâtre d’images com o
espetáculo E.N.T.R.E. que integrou a programação do III Colóquio Internacional FITA,
abordando aspectos como tradução, adaptação aos espaços e reações do público. Muitos
são os desafios que envolvem a produção de um espetáculo. Este artigo conta com a
descrição de parte deste processo, desde a chegada dos franceses, até o público se
maravilhar com as imagens propostas.
Résumé
Ce reportage a pour objectif de partager l'expérience du Théâtre d'images avec le
spectacle E.N.T.R.E., qui a intégré la programmation du IIIe Colloque international FITA,
abordant des aspects tels que la traduction, l'adaptation aux espaces et les réactions du
public. Les défis liés à la production d'un spectacle sont nombreux. Cet article décrit la
description de ce processus depuis l’arrivée des Français jusqu’à ce que le public
s’émerveille des images proposées.
1
Profa. Dra. Curso de Teatro, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Diretora e marionetista.
2
Graduanda de Artes Cênicas na Universidade Federal de Santa Catarina e bolsista do CNPq através do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC).
No relato do grupo na mesa de conversas do último dia do evento, Gaelle falou algo
que fez muito sentido. Ela comparou E.N.T.R.E. com a obra "O Pequeno Príncipe", de Saint-
Exupéry, exemplificando como é possível ocorrer camadas distintas de percepção deste
espetáculo. Sinto exatamente isto quando comparo as três apresentações assistidas, bem
como ouço a forma como cada pessoa diferentemente foi tocada pela obra. Todo o
trabalho com as imagens em cena possuí uma dose alta de poesia, que nos abre a inúmeras
interpretações destas próprias imagens em contraste com o texto e as ações do ator. A
última apresentação a meu ver foi a mais bela, e acredito que o fato de ter acontecido em
um espaço aberto foi determinante. E.N.T.R.E. emociona e nos inspira enquanto humanos,
como seres tocados pela beleza estética e pela delicadeza de cada artista responsável por
este espetáculo. Foi lindo observar a grande sintonia entre os membros da companhia,
bem como ter a oportunidade de entrar em contato com um espetáculo tão tocante nesta
terceira edição do Colóquio Internacional FITA”.
No caminho de comentários sobre a obra buscamos alguém que trabalhou dentro
do espetáculo, o ator brasileiro que auxiliou o grupo na leitura do poema em português,
Antonio Cesar Maggioni, ele então nos conta sobre sua vivência com a companhia durante
os ensaios e as apresentações do espetáculo.